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Estabelecer o ano em que o enredo da sua história acontece é um desses pequenos detalhes que podem fazer grande diferença na hora do planejamento; quando falamos de uma história de época, é que se torna mais importante ainda ter um período e ano estabelecido. Dos diversos fatores que regem uma história ambientada na época passada, a linguagem do narrador e dos diálogos são importantes para passar a vibe certa do período retratado.
Então, como fazer isso?
- Pesquise quem eram as pessoas da época;
Durante suas pesquisas, tente focar em o que era ser um indivíduo naquela época. Quais as profissões mais populares? Quem tinha acesso a educação formal? Quais eram os escritores mais conhecidos e que as pessoas citavam? Como a dinâmica familiar funcionava? Há diferença no tratamento entre jovens e velhos? Em que estágio a língua (portuguesa, inglesa, etc) estava em sua evolução (aqui no sentido de mudança, não de pior para melhor)?
Faça perguntas chaves que dizem respeito a linguagem. De modo geral, a língua carrega a cultura e os pensamentos difundidos por uma sociedade. Quais eram as expressões populares mais conhecidas?
- Leia textos escritos nessa época;
É um exercício gigante, mas para conhecer a linguagem de uma época, é imprescindível que você tenha contato com a escrita e formas de comunicação que eram usadas durante esse período. Se for uma do século XX, por exemplo, você pode encontrar alguns vídeos e entrevistas de famosos que podem te auxiliar. Já nos séculos anteriores você pode encontrar cartas entre autores famosos, notícias, críticas e etc. Também há diversos textos em domínio público que são uma mão na roda em momentos como esse.
Recomendo não buscar textos contemporâneos que retratam a época. Mesmo que os autores tenham um cuidado especial com a pesquisa, há reflexos da nossa linguagem atual que são impossíveis de disfarçar. Tente ir atrás da fonte.
- Equilíbrio;
É a hora de escrever e você se sente meio confuso. Escrevo como se estivesse nos anos 20? Uso vários se’s, me’s e ti’s? Que tal usar um vosmecê?
Aqui você deve manter um jogo de cintura. Usar a linguagem antiga sem adaptação nenhuma pode deixar o leitor cansado e pode acabar por desistir da história. Tente ‘polir’ a linguagem o máximo para que se torne simples, mas não tenha marcas explícitas da atualidade.
Quer um exemplo? Em O Morro dos Ventos Uivantes da Emily Brontë (1850), a tradução de Ana Maria Chaves, o primeiro diálogo do capítulo 1 tem a seguinte construção:
“一 Estou a falar com Mr. Heathcliff? 一 perguntei. Aquiesceu com a cabeça.
一 Sou Mr. Lockwood, o seu novo inquilino. Quis ter a honra de vir visitá-lo logo após a minha chegada, para lhe apresentar as minhas desculpas e lhe dizer que espero não o ter importunado demais com a minha insistência em alugar a Granja dos Tordos: constou-me ontem que o senhor tinha dito que…”A formação das frases são típicas da época. “Estou a falar”, “lhe apresentar”, “constou-me ontem” e entre outros datam o tempo em que ele foi escrito. Então, o que fazer para que essa linguagem fique mais confortável?
A tradução de João Sette Câmara teve um cuidado maior em transformar a linguagem em algo mais atual, menos difícil de digerir.
“一 Senhor Heathcliff 一 falei. Um aceno com a cabeça foi a resposta.
一 Senhor Lockwood, seu novo inquilino, senhor. Tenho a honra de vir falar com o senhor o mais cedo possível após minha chegada, para expressar a esperança de que eu não tenha lhe importunado com a minha insistência em solicitar o aluguel da Granja de Thrushcross: ontem ouvi dizer que o senhor tinha pensado que…”Perceba que, embora o principal sentido do texto continuou o mesmo, a escolha por palavras mais comuns o transformou em algo mais fácil de ser lido e não tirou a característica da época. Ele reduziu os pronomes oblíquos e substituiu palavras menos correntes como “constou-me” para mais conhecidas como “ouvi dizer”.
Esse é o tipo de equilíbrio entre a linguagem antiga e atual que devemos buscar ao escrever uma história de época.
É isso. Até mais!
Coluna por Maraíza Santos