Toda a Fortuna do Mundo
Escrita por Gaby Pingituro | Revisada por Songfics
voltou sorrateiramente para debaixo dos lençóis com o coração transbordando enquanto , enrolada sob um dos tecidos, debruçava-se sobre o colchão. Esticando os braços e com o celular em suas mãos, ela tirava uma fotografia do luar, a ampla janela da suíte de emoldurando a extensa área do quintal, a noite clara e estrelada acima do gramado, a Superlua prata como um verdadeiro farol na escuridão.
— Vou postar essa foto nos stories – ela disse, mal olhando o resultado enquanto digitava –, duvido que todos tenham uma vista tão linda como essa. Terão inveja de nós.
— Podemos ir lá para fora se quiser – ele murmurou e sorriu enquanto observava a tela do aparelho iluminar o rosto de . – Olhar a lua mais de perto, ver as estrelas.
— Não seja bobo, estamos no meio da madrugada, deve estar congelando do lado de fora! Além do mais, não quero encontrar nenhum inseto no jardim. Me dão nojo.
— Depois eu que sou bobo – retrucou, revirando os olhos divertido para a expressão desgostosa de e a puxou pela cintura, depositando um beijo na curva do pescoço dela e sentiu sua pele arrepiar. – Sabe que eu protegeria você.
— Até se aparecesse uma mariposa?
— Essa é uma exceção.
— Melhor ficarmos aqui dentro então. – Ele riu, de verdade, e ela se esforçou para desviar a atenção do celular que pipocava notificações para observar o rosto dele sobre seu ombro.
— Você está me olhando de um jeito diferente, . Tem alguma coisa de errada comigo? Tem alguma falha nos meus cílios?
— Seus cílios estão perfeitos – ele interrompeu, a admirando quase como se pudesse venerá-la –, e não há nada de errado com você, . Só estou um pouco nervoso.
observou o semblante no rosto de seu namorado e finalmente se desvencilhou do abraço dele, virando na cama de modo que ficasse de frente para ele, o corpo apoiado sobre seu braço, o celular temporariamente esquecido entre os dois.
— Não entendo por que está esquisito – ela disse –, já fizemos isso um milhão de vezes antes.
— E você se arrepende? – falou de repente. – Se arrepende de alguma dessas um milhão de vezes antes em que estivemos juntos?
balançou a cabeça para os lados, seu cabelo caindo sobre seus ombros com o movimento e o menor dos sorrisos se formou em seu rosto. só conseguia pensar em como ela era tão linda.
— Não, . Não me arrependo. – Um peso invisível pareceu deixar os ombros dele. – Não existe motivo para o contrário.
— É bom ouvir isso, .
— Por que está perguntando algo assim?
— Porque estive pensando em um assunto – murmurou – e sei que para algumas pessoas dois anos pode parecer pouquíssimo tempo, ainda mais para gente como nós que viajamos tanto, com uma rotina tão cheia, mas eu sinto isso no meu coração e...
Ele se interrompeu no meio da frase, baixando os olhos que até então estavam presos nos de .
— Você parece ainda mais nervoso.
— Eu sinto que posso parar de respirar a qualquer momento.
— Então vá direto ao ponto, .
respirou fundo, contando mentalmente até três e então puxou a caixinha de veludo vermelho que apertava entre os dedos da mão esquerda para cima e sentiu , sem palavras, sentar-se de uma vez na cama.
— ...
Ele empurrou a tampa para cima e finalmente voltou a olhar para a mulher diante de si.
— Case-se comigo, – ele disse de uma vez. – Se nada dessas coisas que eu penso for loucura, então se case comigo.
não levantou os olhos do anel de diamante que estava delicadamente alojado entre a almofada da caixinha. Por um momento que pareceu longo demais, foi incapaz de dizer uma palavra que fosse. Então, finalmente, seus lábios se abriram em um sorriso imenso.
— Sim – a mulher respondeu com um suspiro, esticando a mão esquerda imediatamente. – Sim, eu aceito, !
Como se o mundo tivesse parado de girar, retirou o anel da pequena caixa em sua mão, e muito gentilmente, o deslizou pelo dedo anelar de , a joia servindo perfeitamente tanto em tamanho quanto em aparência. A pedra era grande e angular, solitária, refletindo até mesmo a pouca luz do ambiente em que estavam, mas o glamour que poderia faltar ali, era compensado por todas as pequenas pedras incrustradas na circunferência do anel. parecia completamente embasbacada o admirando agora em seu dedo.
— Meu Deus, . – Ela rapidamente se virou para ele, segurando em seu rosto e o beijando com toda a emoção que conseguiu reunir. – Eu preciso compartilhar isso.
fez menção de puxar o celular que parecia esquecido entre os corpos de ambos, mas se sentou e o puxou rapidamente para longe, rindo de felicidade, brincando com sua futura esposa.
— Você pode fazer isso depois.
— Me devolva o celular! – A mulher esticou impulsivamente o braço para pegar o aparelho. – , não tem graça!
— Não acabei com você ainda, me dê um pouco de exclusividade! – Ele sorriu para ela, passando o celular de uma mão para a outra, se divertindo, enquanto tentava agarrar o objeto. – Eu vou pegar champanhe na adega para comemorarmos, .
— Tempo suficiente para eu postar uma foto do anel!
— ...
— Eu vou estar aqui quando você voltar, . – Ela anuviou a expressão no rosto, sentando-se sobre os calcanhares e o encarando com as pupilas dilatadas, os lábios quase formando um bico. Então sorriu para ele e se inclinou para a frente, segurando o rosto de entre suas mãos, o beijando do modo que ele vinha esperando desde o momento em que fizera a pergunta que mudou o rumo da sua vida inteira. – Eu prometo.
Ele se deixou levar, como sempre fazia quando se tratava de , e fez o que ela pediu. Estava feliz demais para contrariá-la além de brincadeiras. Sentia seu coração bater tão forte dentro do peito que por um momento achou que o mesmo pudesse explodir enquanto sentia a boca dela na sua, suas mãos sobre seu corpo e as respirações de ambos se perdendo.
Por fim devolveu o celular para ela e desceu em busca do champanhe. Ele queria muito comemorar aquele momento. Queria comemorar aquela escolha pelo resto da vida de ambos, porque seria ele e ela para sempre. Teria para sempre em sua vida.
Sabia que seu coração já não lhe pertencia mais.
xxx
O dia havia sido extremamente cansativo para . Ele havia tido mais reuniões do que poderia contar e agora tinha uma lista tão grande de problemas para resolver na empresa que sentia o prenúncio da dor de cabeça que o acompanharia pelo resto da semana. Mas quando chegou em casa e encontrou o esperando com a mesa de jantar arrumada como se estivessem participando de um evento, primeiro estranhou, e em seguida deixou a estranheza ser substituída por gratidão e se permitiu ficar boquiaberto ao admirar a mulher diante de si, arrumada dos pés a cabeça como se fosse a anfitriã do evento propriamente dito.
— Uau, – ele conseguiu pronunciar enfim. – Você está divina.
— Gostou mesmo? – sorriu de orelha a orelha. – Acha que coloquei muito glitter na minha maquiagem? E a decoração da mesa está muito dourada? Eu queria que lembrasse ouro, mas talvez eu tenha exagerado. Preciso falar com o pessoal da organização, pode ser que eles tenham alguma decoração mais luxuosa que combine com o tema e...
— , eu juro que tudo está lindo. Você está incrível! – se adiantou. – Mas não consigo entender para que é tudo isso. Pretende dar alguma festa aqui de novo?
A expressão brilhante no rosto de murchou um tanto.
— Estou planejando nossa festa de noivado, . Comentei com você ontem. – Foi a vez de mudar o semblante do rosto para algo bem perto de confusão, e isso fez se questionar também. – Ou será que postei no Twitter? Estou confundindo?
— Acho que sim.
— Desculpe – ela pediu, revirando os olhos e observando as unhas.
— Não tem que pedir desculpas por nada. – Ele se aproximou dela, a abraçando e observando tudo que havia organizado. Talvez um pouco exagerado para o estilo dele, mas gostava de vê-la feliz e animada, pois a expressão de felicidade no rosto de sua noiva era sempre melhor que qualquer outra coisa, ainda que às vezes, o deixasse um pouco sem rumo. – Talvez você tenha mesmo comentado e eu tenha esquecido. Por que não falamos disso agora? Meu dia foi uma correria, mas quero ajudar você. Afinal, é nossa festa, não é?
A expressão de pareceu estranha para ele.
— Já está tudo praticamente pronto – ela disse. – Esse é meu teste de maquiagem, definição de estilo da festa e até a escolha do menu oficial. – A mulher indicou a mesa cheia de diferentes pratos ao lado deles, bem no meio da ampla sala de jantar que parecia ter sido beijada pelo Rei Midas de tão dourada que se encontrava no momento.
– Oh – soltou sem se conter, e respirou fundo. – Bem, parece que você tem tudo sob controle, não é?
— Claro que sim. – voltou a sorrir ao olhá-lo, ou não percebendo o súbito desânimo na voz dele, ou ignorando o detalhe por completo. – Assim que você der o aval, posso fechar contrato com o buffet e com a empresa de decoração. Falei com a gráfica dos convites também e tenho certeza que vai gostar do design. É a minha cara!
assentiu, percebendo a pontada de chateação querendo encobrir toda a animação que inicialmente havia sentido.
— A lista de convidados já está certa também?
— Está quase.
— Mas eu nem disse a você quem eu gostaria de convidar.
O tom de beirou a brincadeira, mas não foi assim que o entendeu quando revirou os olhos e praticamente bufou diante dele.
— Não importa, eu sei quem da sua família e amigos viria – ela falou, de repente na defensiva. – Defini um máximo de cinquenta pessoas. Mais que isso vai parecer a festa de casamento em si e menos vai parecer que fizemos a de noivado por obrigação. Dez pessoas são do seu lado, quinze estourando. Tenho certeza que seus pais não pegarão um avião por causa de um jantar como esse, e sua irmã mais velha vai dar a primeira desculpa que aparecer e recusar de pronto, como sempre. Então, basicamente, não tem que se preocupar.
— Ainda assim, quero convidá-los. – piscou rapidamente, tentando não se ofender com a forma dura que falava. – São minha família, não vou excluí-los antes mesmo de tentar.
— Que seja, vai ser só mais trabalho fazer isso. Eles não virão.
respirou fundo, apertando a têmpora com as pontas dos dedos.
— As outras quarenta pessoas fazem parte da sua lista então? – Tentou não soar irônico. Mas com a volta do assunto para os interesses de , a mulher mal pareceu notar o tom diferente. Ela nunca notava.
— Preciso escolher muito bem a quem enviar os convites, essa parte é a mais chata, porque se eu for convidar muitos criadores de conteúdo, vai dar confusão, e se convidar de menos, vai parecer desleixo. – Falou de uma vez. – Mari é muito próxima de mim, e sei que se convidá-la, terei de convidar Gabriel também. Acontece que se eu chamar Gabriel, vai ficar feio não enviar um convite para Leo, o que automaticamente me faria ter que convidar Vanessa também. Mas Vanessa e Mari mal se olham e isso deixaria o clima péssimo entre os outros!
apertou os lábios um contra o outro.
— Precisa mesmo chamar todos eles?
— Claro que sim.
— Mas precisa porque são seus amigos de verdade ou porque são influencers e parceiros do seu trabalho?
Houve apenas um segundo de silêncio entre a pergunta dele e o olhar estreito que veio dela.
— Preciso convidar todos se quiser concretizar essa festa como um sucesso – respondeu impertinente. – Meu trabalho é criar conteúdo. Se eu fizer isso sem ter contatos, estarei fazendo as coisas pelo meio. – Ela fez uma pausa para observar as mensagens que chegavam na tela do celular sobre a mesa. – Aliás, vou contratar uma equipe de fotografia e filmagem para o dia.
Aquilo não melhorou em nada o humor de .
— , de verdade, não precisamos mesmo de tudo...
— Você realmente não se importa com nada disso, não é?
— É claro que me importo!
— Então, sim, ! Se quisermos que as coisas saiam realmente boas e que tenhamos resultados profissionais para guardar de recordação sem arrependimentos, a resposta é sim. Precisamos de todas essas coisas, exatamente do jeito que estou fazendo.
Por um momento não soube bem o que dizer a ela. Ficou tonto com a quantidade de informações que despejou sobre ele, tão certa de tudo e nem um pouco aberta a opiniões dele, que ele quase se sentiu um intruso ali.
Era coisa demais para um jantar, que, na cabeça de , deveria ser simples e íntimo, apenas para aqueles mais próximos dele e de , daqueles que fizeram parte da história dos dois, que ambos gostariam de levar dali adiante.
Mas coisas simples e íntimas não combinavam com . Como criadora de conteúdo on-line já há anos, ela tendia a transformar todo acontecimento em um evento. No evento. Ele não podia culpá-la por isso, sabia como a carreira de influenciadora era importante para , ainda mais no salto de novos seguidores que ela teve nos últimos meses. queria acreditar que ela não fazia por mal quando tentava controlar cada mísera vírgula de tudo o que faziam, às vezes, sem sequer perguntar o que ele mesmo queria no dado momento. Era o jeito que ela havia encontrado de manter o controle e continuar com seu perfil bem avaliado, como tendência atual, conquistando novas pessoas e mantendo aquelas que já a conheciam.
respirou fundo e colocou as mãos no bolso da calça, tirando lá de dentro sua carteira e estendendo o cartão de crédito para . O aval que ela queria da parte dele.
— Vamos fazer do seu jeito então – falou e sorriu abertamente, beijando a bochecha dele em seguida.
— Tudo vai ficar lindo, ! – Ela comemorou sacudindo o retângulo em suas mãos, a chave para todos os seus desejos, esquecendo a pseudodiscussão em questão de instantes. – Já até pensei na lembrança que vamos dar após o jantar para quem vier! Lembra-se das vinhas que visitamos quando fomos a Champagne na França, e degustamos a edição especial de 2013? Eu liguei para os proprietários hoje de tarde e disseram que ainda têm garrafas suficientes para nosso jantar, e se pagarmos um valor a mais, eles ainda podem adicionar nossos nomes na edição, como uma assinatura especial para nosso noivado!
abriu e fechou a boca.
— , isso parece demais, como...
— Vamos, ! – Ela esticou uma mão e tocou o rosto dele, os olhos grandes e brilhantes como o diamante que cintilava em seu dedo. – Se eu der uma resposta até amanhã eles garantiram que todos os champanhes estarão aqui no dia da festa! Sem atrasos! Prometo que vai dar tudo certo!
Ela balançou o cartão e abriu ainda mais seu sorriso em empolgação, as pupilas dilatadas com a possibilidade, e, sem querer estragar todo o ânimo dela, assentiu devagar, tão levemente que só percebeu ter efetuado a atitude quando estralou outro beijo em sua bochecha.
— Eu sabia que você concordaria! – Ela comemorou e então alisou a camisa sobre o tórax de com a mão livre. – Vá tomar banho para podermos comer e definir o menu da festa. Você está cheirando suor.
sorriu para ela, desconcertado, quase retrucando e dizendo que se demorasse mais toda a comida esfriaria, visto o tanto que já haviam conversado desde a hora que chegara em casa. Mas o celular de tocou bem no momento, e mais rápido do que ele pôde se dar conta, ela se afastava dele, levando o aparelho de encontro a seu ouvido.
— Eu vou estar esperando por você aqui! – Sua noiva disse, como sempre fazia. Então decidiu se afastar, seguir para o banho dos justos que ele sabia que merecia e apagar os pensamentos de autossabotagem que começavam a espreitar em sua cabeça.
xxx
Três dias antes da festa de noivado, com tudo pronto para o grande dia, estava confortavelmente deitada sobre o grande sofá da sala de televisão, descansando enquanto admirava os enfeites da prateleira na parede lateral do cômodo. Eram lembranças de todas as viagens que ela e haviam feito desde que começaram a namorar. Ela amava cada um daqueles objetos como se fizessem parte de si mesma, e mal podia esperar para acumular novos itens, para ter mais o que colecionar naquela estante. Começou a pensar se, compartilhar aquilo com seus seguidores, chamaria a atenção ou deixaria alguém curioso para saber mais. Valeria a pena tentar? Talvez compartilhar algumas das aventuras que viveu?
O celular vibrou sobre sua perna no mesmo instante, e ao ver o nome na tela o rosto de se iluminou praticamente esquecendo o pensamento anterior. Ela não tardou em atender. Quase nunca deixava alguma notificação simplesmente passar despercebida, e muito menos ignorava as ligações que recebia, ainda mais quando se tratava de amigos e colegas de trabalho que a ajudavam a ser quem ela era e quem estava se tornando nas mídias sociais.
Simples assim, ter contatos era a base de tudo.
— Karen! – Ela exclamou, realmente animada. – Estava me perguntando quando você me ligaria.
— Talvez quando você decidisse me contar que estava noiva?
— Sem drama, amiga. Todo mundo sabe! – respondeu. – Eu postei no Instagram e no Twitter na mesma hora em que aconteceu, sei que você viu, respondi seu comentário na foto!
A outra soltou reclamações do outro lado da linha.
— Eu esperava um pouco mais de intimidade comigo. – Karen continuou. – Você é realmente péssima, .
— Não, eu sou maravilhosa! – disse sem pestanejar, abrindo um sorriso ainda maior em seu rosto. – Não percebeu as milhares de curtidas na postagem do anel de noivado? Eu estou bombando!
As duas riram alto e continuaram a desenvolver a conversa, Karen pedindo para que sua amiga tecesse o acontecimento nos mais mínimos detalhes e feliz em contar cada mísero segundo do momento fatídico. Estavam tão imersas em suas próprias vozes que se perderam uma na outra. não ouviu quando o carro foi estacionado na garagem, nem quando abriu a porta, chegando mais cedo em casa naquela noite do que de costume.
Mas ao contrário dela, ele percebeu a conversa animada e a forma como sua noiva gesticulava alegre no sofá, e fez de tudo para manter o silêncio e não chamar a atenção para si, sem querer interromper o momento de e suas amigas, ou fosse lá com quem ela estivesse a falar ali sem pausa. Queria respeitar o espaço dela.
— Eu sei, eu sei! – exclamava. – Mas foi fofo, Karen.
sorriu enquanto desfazia o nó da gravata e tirava os sapatos ainda perto da porta, ouvindo as palavras deixarem a boca de sua noiva de modo completamente natural.
— Claro que sim! Eu disse a você que esperava mais! – Ela soltou de repente, e o sorriso que facilmente havia crescido nos lábios de começou a se desfazer conforme ele sentia a mudança no tom de , suas frases diretas e sem freios. – É, Karen, eu já tinha visto a caixinha guardada na gaveta de meias dele, como falei a você, e estava esperando que pedisse minha mão na viagem que faremos para as Maldivas na próxima semana. Teria sido perfeito! Imagine as fotos que tiraríamos no pôr-do-sol, naquela água cristalina, pós pedido? Ou no hotel luxuoso com quartos submersos que reservamos?
Por um instante que pareceu interminável, permaneceu parado no mesmo lugar, preso entre a vontade de continuar ali, entendendo o que realmente estava escutando vir de , e a pressa que tinha de deixar o cômodo e parar de prestar atenção em uma conversa que sequer deveria fazer parte.
Ele nem deveria estar ali, não é? Era uma conversa privada entre e Karen.
Mas ainda assim, ele permaneceu onde estava.
— Não, está tudo bem. – continuou, gesticulando como se realmente fossem detalhes, talvez até empecilhos. – Ainda vou criar conteúdos muito bons sobre a viagem, e meu anel vai brilhar no cenário tanto quanto se fosse o momento do próprio pedido que eu esperava.
Ela riu, a amiga a acompanhou pelo telefone, mas mal conseguiu esboçar algo enquanto assistia a cena, porque um aperto subia por seu peito e a mágoa fechava sua garganta.
— Já pensou se tivesse sido um anel de edição exclusiva como o que Henri deu para Bia no ano passado? Desenhado só para ela, com nenhum outro igual no mundo? Eu estaria nas nuvens agora, Karen! Ninguém ia conseguir me segurar com um presente assim! Imagina as publicidades que eu poderia conseguir?
Mais uma vez gargalhou, e então jogou a cabeça para trás. Foi um movimento rápido, irrefreável e inconsciente, mas suficiente para que ela notasse a presença de atrás de si e parasse mortificada imediatamente.
Ele desviou a vista dela de imediato, como se quisesse disfarçar as coisas que estavam escritas em seus olhos, e derrubou um dos sapatos que segurava direto no chão, sem se conter, porque de algum modo tolo, sentia como se ele fosse o errado em estar ali.
Seu coração perdeu uma batida. Ele gostaria de conseguir descrever as coisas que sentia. Decepção? Tristeza? Dor.
— Karen, eu ligo para você depois, ok? – imediatamente se colocou de pé, provavelmente interrompendo a amiga no meio de uma frase, apertando o aparelho entre seus dedos enquanto caminhava até , a desconfiança brilhando em seu semblante. – , eu não vi você chegar! Há quanto tempo está aí?
Ele quis dizer, explicar que havia ouvido mais do que talvez devesse, que sentia coisas ruins demais naquele momento por conta do que ela havia falado, mas não conseguiu. As palavras ficaram presas em sua garganta. De repente ele se sentia perdido. O que significava aquilo, afinal?
— Eu estava só tirando os sapatos – foi o que respondeu. – Vou subir para tomar banho.
Ela o observou por alguns segundos, um tempo que pareceu se arrastar entre os dois.
— Ouviu alguma coisa do que eu disse no telefone?
Mas a resposta que ele deu foi diferente da que pensou:
— Disse algo que eu deveria saber, ?
A mulher o estudou, então engoliu em seco, e por fim revirou os olhos, cruzando os braços na altura dos seios, como se tudo o que havia dito não tivesse sido nada de mais, que não tivessem o poder de ferir alguém.
— Ah, ! Não fique chateado, ok? Algumas coisas falei só da boca pra fora. – Ela tentou desconversar. – Karen teria me chamado de brega se eu não tivesse dito o que disse, você a conhece.
balançou a cabeça para os lados, negando desacreditado, porque conhecia também. A conhecia, e ainda assim naquele momento ela lhe pareceu uma estranha. E esse pensamento pesou sobre ele.
— Você menosprezou nosso momento, . Desfez das coisas que fiz para você, do que eu disse e...
— Está distorcendo tudo o que eu falei! – o interrompeu rapidamente, ríspida. – Está colocando palavras na minha boca, . Como sempre! Acabei de me explicar para você.
— Eu ouvi todas as coisas que você disse, . E não acho que elas precisassem de explicação alguma. Foram autossuficientes.
A mulher mordeu o lábio, usando o tempo para pensar.
— Escuta, eu falei sério sobre a viagem, ok? Realmente achei que você fosse me pedir em casamento lá, porque outro dia quando eu estava com frio fui pegar uma de suas meias longas e achei a caixinha no meio delas. – Tentou, do modo que podia, explicar. – Não foi intencional, mas estava lá e minha curiosidade falou mais alto. Você tinha acabado de me falar da viagem para as Maldivas e fez sentido na minha cabeça, acabei criando expectativas sobre, mas foi só isso, ! O que eu podia fazer então além de esperar? Contar a você que eu tinha achado o presente e que tinha criado todo um cenário perfeito na minha cabeça? Você fez o que fez naquela noite no quarto porque achou que fosse o momento certo, e eu entendo isso! Não negaria o sim a você. Então não tem que levar o que eu disse para Karen a sério. Foram só palavras.
Só palavras.
estudou o rosto de com muito cuidado. Ele via sinceridade, verdade ali. Em tudo. Mas não amenizava as coisas que ele estava sentindo por conta do que ela havia dito de modo tão cru ao telefone, por suas costas, insatisfeita, como se ele jamais precisasse saber daquilo e do que ela pensava e falava para os outros sobre ele.
— E além do mais – ela continuou, como se ainda não tivesse dito o suficiente –, o anel não foi uma edição única e especial, mas eu o amei. Combina perfeitamente com o par de brincos e com o pingente que você me deu no nosso aniversário de um ano juntos. Foi planejado, não foi? Você sempre pensa nessas coisas. Pensei em usar tudo como um conjunto no sábado à noite! Tenho certeza que todos vão apreciar seu bom gosto, como sempre.
buscou a mão de com a sua, aquela que agora desfilava no dedo anelar o anel de noivado, a grande pedra solitária de diamante brilhando ali, e observou a joia envolvendo a pele de sua noiva, apertou os dedos dela contra os seus.
Naquele momento, ele se sentia vazio, e ainda assim, elevou a mão dela até sua boca, depositando ali o mais terno dos beijos. Talvez ele estivesse cansado demais para entender e por isso sentisse coisas que não sabia sequer explicar. Talvez realmente tivesse entendido errado o sentido das palavras e do tom da voz de , e talvez ela realmente tivesse dito coisas da boca para fora simplesmente por dizer, porque... Existia um bom motivo para dizer aquelas coisas sem mais nem menos? Mesmo que só para agradar os ouvidos de uma pessoa, teoricamente, importante?
Se não fosse o caso... respirou fundo.
— Por favor, , se você não estiver feliz...
— Não seja tolo, ! É claro que estou feliz!
— Eu já vi você feliz, .
Um tremor passou pelo rosto dela, e deu um passo para ficar mais perto de , segurando firmemente em sua nuca, como se o toque pudesse fazê-lo mudar o rumo de seus pensamentos.
— Eu juro, . Não estaria aqui se você não me fizesse feliz ou me trouxesse felicidade! A festa de noivado se aproxima cada vez mais e mal posso me conter aqui sabendo que a viagem para as Maldivas já é em menos de dez dias! Por favor, não estrague tudo pensando demais. Você sempre faz isso e não há motivo agora para essas coisas! Estou fazendo meu melhor para conseguir fazer tudo isso por nós, e prometo a você que não poderia estar mais animada com tudo o que está acontecendo, com todas essas coisas maravilhosas a nossa volta. Eu juro, !
Sem tirar seus olhos do dele, ela quebrou qualquer espaço entre ambos e o beijou. O convencendo, o distraindo. Enquanto a segurava entre seus braços e sentia sua boca contra a dele, realmente se perguntou se por acaso estaria estragando tudo com pensamentos pesados, deixando de ver o esforço que ela estava colocando em toda a preparação do evento, esquecendo que, em relacionamentos, as pessoas não tinham que concordar com tudo ou desejar tudo igual e do mesmo modo.
— Eu estou feliz agora, . – disse quando finalmente se separaram. – Deixe de bobagem e vamos seguir em frente. Tem muito o que acontecer ainda, e não quero que pensem que estamos tendo uma crise ou qualquer coisa do gênero. Não vale a pena.
assentiu, preso pelos olhos dela.
— Eu amo você, .
— Eu sei, – ela murmurou, seus lábios úmidos ainda roçando nos dele –, eu sei. Sinto o mesmo por você.
E ele a beijou de novo, procurando a verdade que ela assumia em suas palavras, presentes também em seus gestos. E não soube dizer se encontrou o que procurava ali.
xxx
— Ah, vocês vieram! – saltou do lado de para receber as amigas na porta, Karen e Mari, como se realmente estivesse surpresa ao vê-las ali, ainda que as duas tivessem confirmado presença dias antes para o jantar.
Todas as três soltaram gritinhos de empolgação e se abraçaram como se não se vissem há meses, tomando cuidado para não derrubarem os celulares em mãos que já estavam filmando a festa como se fossem os próprios olhos das mulheres.
sorriu, achou até engraçado, mas um exagero, e por isso não conseguiu esconder muito bem o desconforto com a cena, ainda mais quando a mesma parecia se repetir sem parar como um verdadeiro looping, mudando apenas os convidados que participavam dela. Já não estava parecendo tão divertido. olhava ao redor e via mais gente do que achava necessário, pessoas mais interessadas em avaliar a comida, a decoração e até as vestimentas alheias do que de fato fazer companhia umas às outras, conversar e se divertir, se conhecer, ou, o que ele achava o principal: prestigiar aquele momento que deveria ser dele e de .
Mas sua noiva estava tão feliz desfilando pelos cômodos com seu vestido novo, as joias pendendo e brilhando em contraste com sua pele, o segurando pelo braço enquanto fazia questão de mostrar seu anel para todos os convidados, que pensou que talvez estivesse exagerando em seus pensamentos, que talvez estivesse cansado da semana longa. Que talvez estivesse certa e ele simplesmente não entendesse o significado maior que aquilo tudo tinha.
— Tudo está tão lindo, ! – Karen dançou seu olhar de para , deslumbrada. – Vocês dois sempre conseguem nos tirar o fôlego nessa casa. Devem ter gastado uma fortuna com todas essas coisas!
ainda não havia olhado a fatura do cartão, mas pelo sorriso gigante que abria, ele sabia que a palavra fortuna chegava bem perto da resposta certa.
— é sempre muito atencioso com meus desejos.
— Eu sei e quase sinto dó de por isso. – Mari, a outra amiga, rapidamente tratou de se colocar na conversa, os olhos enormes cheios de malícia. – Precisa ter cuidado com essa garota, viu? Ela é insaciável!
— Acho que meu noivo sabe onde está se metendo. – apertou levemente o braço de com a brincadeira, e quando o olhou de canto, piscou um dos olhos como se trocassem uma piada interna.
Ele sorriu em resposta para ela, mas não sentiu o gesto chegar até seus olhos. Se notou, preferiu não dizer nada, e como se aquela fosse a deixa perfeita, voltou sua atenção para as amigas quase que imediatamente.
— Eu acabei esquecendo de contar para vocês antes o presente que ganhei! Gabriel prometeu fazer filmagens o tempo todo da festa como se estivesse cobrindo um evento de verdade de um dos famosos com que ele trabalha, acreditam? Precisam se lembrar de manter a pose. Nunca se sabe quando serão filmadas ou quem estará assistindo!
As mulheres riram em uníssono, soltando diversas exclamações ansiosas com a novidade e sentiu como se fosse um intruso na conversa delas, porque a verdade era que ele pouco se importava se uma ou um milhão de pessoas os estariam assistindo on-line. Seu desejo, honestamente, era muito mais simples que isso. Então quando o olhou nos olhos e pediu para que fosse buscar mais champanhe para ela e para as amigas, como se não houvesse garçons suficientes fazendo exatamente isso a cada metro quadrado, não se sentiu surpreso. entendeu a deixa, e com um sorriso mínimo, deixou as três continuarem o diálogo, na verdade, quase se sentindo agradecido, achando que estava tentando fazer um favor a ele ao lhe dar mais espaço.
Mas ainda que ele tentasse parecer animado com isso, percebeu, de súbito, que realmente gostaria de encontrar um motivo que o fizesse se desligar daquele lugar por um momento que fosse, e não apenas uma desculpa. Olhava ao redor e se sentia claustrofóbico. Muita gente. Muita coisa. Já estava cansado de se perguntar, mas precisava mesmo de tudo isso? De todos os vasos, flores, balões, e velas pelo salão? Do quarteto de cordas, dos canapés, da mesa principal e do bar ao fundo?
Alguns convidados passaram por ele lhe dando congratulações, ora verbais e ora por meio de batidinhas em suas costas. Elogiavam a festa e a comida mais do que a escolha que ele e haviam feito para suas vidas. Pareciam admirar mais a decoração do que o amor que ele e compartilhavam. sequer sabia o nome de todos aqueles que passavam por ele e esboçavam sorrisos conforme elevavam suas taças cheias de champanhe. Deveria ser assim?
Ele queria que ao menos seus pais estivessem ali para lhe dar apoio, palavras de incentivo que soassem sinceras. Até sua irmã, que sempre gostava tanto de desdenhar das coisas dele, seria uma presença familiar e calmante naquele momento.
afrouxou um pouco o nó da gravata e pegou uma taça de champanhe de um garçom que passava por ele naquele instante, virando todo o conteúdo de uma vez, como se o espumante pudesse fazê-lo se sentir melhor. Não foi o que aconteceu, então continuou andando até achar um local mais vazio, onde pudesse respirar e clarear a mente, onde pudesse pensar e perceber que, apesar de tudo aquilo ser demais para ele, ainda era exatamente o que gostava. E por isso devia valer a pena. Por ela.
conseguiu encher os pulmões de ar e então soltar muito vagarosamente. O nome de o despertou do estupor que parecia querer tomá-lo e então ele se encontrou escorado contra a parede da sala de estar, próximo a estante abarrotada de itens que sua noiva e ele vinham colecionando com o passar dos anos. Mal se dando conta de como havia ido parar até ali, os encarou com nostalgia.
Cada objeto contava algo diferente. Formavam parte da história de e , das coisas que viveram até ali. Eram a parte que os outros viam e que geralmente admiravam, como fotos de viagens e passeios ou souvenirs e peças decorativas, pedaços de lugares que visitaram um dia, aquilo que ficava à vista de todos.
Mas as coisas que estavam ali não eram tudo, apenas pedaços do todo. Pelo menos para , era isso que eram. Por mais importantes que talvez fossem aqueles objetos, ainda havia muito mais que permanecia invisível aos olhos daqueles ao redor deles. As palavras trocadas e os momentos de fato vividos, aquilo que permanecia apenas dele e de , com só os dois como testemunhas, eram as coisas que, para , valiam mais que toda a fortuna do mundo.
— É uma bela coleção. – Uma voz ao seu lado interrompeu seus pensamentos, e, sobressaltado, virou-se em direção a ela.
Vanessa, outra amiga de , alguém dessa vez com quem ele tinha certa amizade pelo menos, estava parada ao lado de , a taça de champanhe descansando entre seus dedos como se ela a equilibrasse ali, tentando parecer tão alheia ao entorno de onde estava como ele mesmo fingia.
— Muito obrigado – respondeu no automático.
— Aposto que é a parte favorita da casa para .
— Talvez depois do closet. – brincou e a mulher riu simplesmente.
— É, sempre foi uma garota material. – Vanessa respondeu, e então pareceu finalmente olhá-lo com atenção, as sobrancelhas meio juntas. — Onde ela está, aliás? Em alguma comoção com a turma do Instagram?
— Se olhar para trás, vai encontrá-la rapidinho.
Vanessa fez o que ele disse, e como era de se esperar, sua visão foi preenchida por de imediato, com um semicírculo de pessoas ao seu redor enquanto a bajulavam, a mulher aos risos, resplandecente em seu vestido branco de lantejoulas.
sabia como sua noiva adorava ser o centro das atenções. Aquilo não era novidade nenhuma para ele, era um fato. Mas então por que observar a cena parecia machucá-lo? Por que de repente não parecia... certo? Algo na mudança de sua própria postura fez retesar. Percebeu que Vanessa desfazia o ar de leveza que carregava e o olhava com uma incógnita no rosto, empertigada enquanto a assistia com mais atenção.
— Há algo errado? – Ele a ouviu perguntar, incerta, mas tudo o que ele conseguiu fazer foi permanecer como uma estátua no mesmo lugar. – Eu disse algo que não devia?
balançou a cabeça para os lados, desmanchando a expressão que carregava.
— Não, Vanessa. Minha cabeça estava no mundo da lua. – Disse, se obrigando a agir de outro modo. – Quer que eu te leve até para que possam conversar?
Ele esperou, mas a amiga de sua noiva não fez nada além de estudá-lo com muito cuidado. Então negou com a cabeça, abriu um sorriso e inclinou levemente o rosto para o lado.
— Eu posso fazer isso depois, quando a atenção dela estiver menos disputada. – Falou simplesmente. – E, inclusive, acho que você quer ficar aqui mais um pouco.
— Só estou reorganizando meus pensamentos. – A mulher assentiu, como se entendesse mais do que ele dissesse em voz alta.
— Espero que vocês dois sejam felizes, .
agradeceu com um sorriso. Mas quando se virou de volta para a grande prateleira diante de si, de repente ansiava por algo que ele sequer sabia o que era, mas que não estava ali.
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permaneceu no mesmo lugar por minutos. Quase ninguém o interrompeu ali de novo, além do garçom que lhe estendeu uma nova taça com mais bebida, que, dessa vez, ele fez questão de fazer durar. Então ouviu a risada de se aproximando antes de sequer vê-la de fato, mas não fez qualquer movimento para adiantar uma aproximação entre eles, porque sabia, como sempre, que ela estava acompanhada, e ele não era exatamente sua prioridade.
— Você é muito esnobe, ! – Leo, outro amigo de a escoltava pelo caminho. Não parecia se dar conta do quão alto falava e os olhares que atraia. – Olhe para isso tudo, jamais vou te convidar para minha casa de novo, me dá até vergonha!
— Você sabe que vai convidar sim, não seja medíocre. – Ambos riram e trocaram algumas outras palavras mais baixas dessa vez, se aproximando cada vez mais de onde estava, até que os três formassem uma rodinha e fizesse parte da conversa, ainda que não tivesse certeza se queria isso naquele momento.
— , te procurei por todo canto! – disse finalmente o olhando. – Por que não voltou para a entrada?
— Você parecia entretida com suas amigas, não quis atrapalhar.
— Não comece com isso de novo – ela debochou. – Vamos nos aprontar. O jantar logo vai ser servido, está quase na hora dos nossos discursos! Está com eles aí? O meu e o seu?
assentiu e apalpou os bolsos da calça, puxando dali um envelope fechado que mais cedo havia pedido que ele carregasse, e então o estendeu para ela. A mulher o segurou com delicadeza e permaneceu o observando, esperando que ele repetisse o movimento.
— E o seu envelope, ? Não vai pegar?
— Eu não escrevi nada, . – Ele respondeu simplesmente, um sorriso terno nos lábios.
— – ela o corrigiu de pronto. – Eu escrevi o discurso para você, . Te entreguei hoje de manhã. – sorriu nervosamente. – Está com você, não está?
— Sim, está aqui, mas pensei que talvez... – fez uma pausa com um suspiro. – Eu gostaria de falar as coisas que estão no meu coração.
— O que há de errado com o que eu escrevi para você falar?
— Não há nada de errado, é só que...
— Então você não precisa ficar improvisando suas falas! – Ela o interrompeu. – É só ler o que está no papel. Não estrague tudo agora.
Leo, que assistia a cena como quem acompanha um jogo de tênis, fingiu não perceber a tensão que emanava de com o que o noivo dela pretendia, ou a mágoa que se formou no rosto de conforme a mulher ditava as regras, e soltou um suspiro emocionado, perpassando os olhos entre o casal de noivos, pousando sua mão livre sobre o antebraço de e por fim encarando com malícia.
— Ele só está tentando ser romântico, . Dê uma trégua para .
— Eu sei. – Ela se virou para o amigo com os olhos mais arregalados, e então os suavizou quando os pousou sobre . – Eu sei, não é isso. , é que as falas estão programadas conforme a música do quarteto de cordas, mudar as coisas agora vai bagunçar tudo o que planejei, vai atrasar o jantar, vai...
— Entendi. – se apressou e forçou um sorriso, colocando sua mão livre sobre o ombro de que começava a respirar rápido demais. – Eu entendi, esqueça o que eu disse. Eu vou ler o que você escreveu. Vou fazer isso, ok?
— Tudo bem. Ótimo!
A mulher começou a acalmar sua respiração, bebericando o champanhe que restava em sua taça, e o amigo ao seu lado a abraçou levemente.
— É, amiga, não é que você conseguiu? – Leo disse de uma vez. — Um homem rico só seu, que faz tudo do jeito que você quer.
— E em pensar que eu teria me contentado com um sugar daddy!
Ela respondeu com um sorriso nervoso, abanando o rosto com a ponta dos dedos e forçou a risada enquanto viu Leo jogar a cabeça para trás e erguer a mão diante de sua boca, se fazendo de inocente, como se tivesse dito demais.
Aquilo deixou ainda mais infeliz.
— Conseguiu algo muito melhor, amiga. Isso é notável. – Leo piscou um dos olhos para ela, sem esperar que dissesse qualquer coisa que fosse para se defender ou em qualquer outro sentido, e se retirou no instante seguinte, no mesmo momento em que o sorriso que estampava em sua boca se desmanchou até desaparecer por completo.
Pela primeira vez em toda a noite, não havia outras pessoas ao redor deles dois. Era de se esperar que fosse um momento de pausa para ambos, naquele canto só deles, como uma bolha os isolando do resto. Mas o semblante de não mostrava isso. Não mostrava nada.
— Isso não foi legal, – ele conseguiu dizer, estudando o rosto dela, querendo que ela erguesse os olhos de encontro aos seus e percebesse o incômodo pelo modo como ela falara sobre ele e com ele, mas tudo o que fez foi desdenhar com uma das mãos, agora mais calma, olhando ao redor enquanto observava seus convidados, a hora no relógio de pulso.
— Foi apenas uma brincadeira, ! Tem que aprender a levar as coisas na esportiva ou vai se tornar um velho ranzinza.
— , não se trata apenas...
— Vamos esquecer o que aconteceu. Já disse, temos mais o que fazer!
Ele balançou a cabeça para os lados.
— Não é só isso, você...
— Não é hora de outra discussão – ela o interrompeu novamente, sem sequer dar a chance de ele terminar de formular sua frase. – Você já quase me fez surtar com sua ideia maluca de falar o que viesse à cabeça daqui a pouco no nosso discurso e agora está tentando brigar comigo. Tem gente demais aqui, não é essa a imagem que temos que passar para eles, ainda mais hoje!
— É exatamente esse o ponto, , nós...
— Shh! Pare de falar! – A mulher deu um passo a frente, espalmando as mãos sobre o tórax de , sorrindo abertamente para ele em uma pose montada. – O fotógrafo está vindo para cá agora mesmo. Sorria para mim!
engoliu a vontade de virar as costas e sair andando.
— , chega. Eu não estou me sentindo confortável aqui. Assim.
O flash brilhou contra eles no mesmo instante como um verdadeiro holofote. Só quando a câmera finalmente se distanciou de ambos de novo que se atreveu a mostrar apenas um arranhão de preocupação em sua face perfeita.
— Como não? Está brincando comigo? Olhe a quantidade de pessoas que vieram, como a decoração ficou linda e a comida está ótima!
— É esse o ponto, ! – quase explodiu, sua voz perto da exasperação. – Essas pessoas estão aqui por nós ou por causa do que você planejou?
— Que grande bobagem, . É tudo a mesma coisa!
— Não. Você sabe que não é! – Ele continuou. – Existe uma diferença entre carinho e interesse, e eu tenho certeza absoluta que a grande maioria das pessoas que estão aqui hoje estão pela segunda opção e não pela primeira.
apertou seus lábios fortemente um contra o outro.
— Não pode falar assim dos meus amigos! Você sequer os conhece!
— Exatamente, ! Eu não os conheço, e nem você! Não de verdade! Parece que está mais interessada em mostrar todas as coisas que você fez, contratou e planejou para essa gente que sequer liga de verdade para você ou eu que viver esse momento comigo!
— Mas nós estamos vivendo isso juntos!
— É mesmo? – A voz dele fraquejou. – Quando, ? Conforme você fala com seus amigos, desdenhando de mim e fazendo piadas às minhas custas enquanto eu fico aqui, esperando pela chance de ficar ao seu lado quando você quiser isso ou achar conveniente? Devia ser nossa noite, e tudo o que você quer fazer é desfilar esses diamantes como se fosse um prêmio.
— Porque talvez isso seja importante para mim, !
— Mais importante que nosso relacionamento?
O espaço de cinco segundos se estendeu entre eles como um infinito.
— Você está exagerando, sabe disso.
— Estou? – Ele sentiu seu coração pesar dentro do peito. – Se tivéssemos feito um jantar pequeno, apenas para nossos familiares, sem câmeras filmando cada segundo da noite ou com pessoas comentando sobre o vaso de cristal e a toalha de mesa bordada, ainda assim seria um momento importante pra você como seria para mim? Se estivéssemos celebrando nosso futuro sem a presença de pessoas que mal parecem se interessar por nós de verdade?
— Essas pessoas são minhas amigas. – Ela repetiu, e balançou a cabeça para os lados no mais sutil dos gestos.
— Isso não responde o que perguntei, .
Diante dele, sua noiva começou a ficar vermelha, os nós dos dedos brancos contra a taça que ainda segurava em sua mão.
— Não, não responde, porque foram perguntas ridículas! – Ela disse. – Sabe como falariam mal de mim se eu não fizesse as coisas como fiz? Você não entende! Não se importa!
— E as coisas que são importantes para mim, ? – Ele devolveu. – Elas significam algo para você?
Mesmo com os burburinhos de fundo das conversas dos convidados, os passos apressados dos garçons pelo salão e o melodioso som do quarteto de cordas no ambiente, o silêncio perpetuou entre os dois como algo palpável, e ninguém presente naquele lugar inteiro sequer notou a mudança entre aqueles que deviam ser o foco da noite.
empertigou a postura ao passo em que encurvou os ombros, a decepção pontuada em toda sua face.
— Já disse que não é hora para isso, . Depois de todo o dinheiro que nós investimos aqui...
— Nós?
nem ao menos piscou.
— O que é seu é meu, não é? E vice-versa?
não soube o que dizer, como reagir. Ficou apenas em silêncio por segundos que em sua cabeça pareceram horas enquanto estudava o rosto perpétuo e limpo de sua noiva, da mulher que de repente parecia uma estátua diante de si, pétrea, um mármore inabalável, como tantos dos objetos depositados naquela estante ao lado deles, que contava sua história, quem eles eram.
E ele percebeu, enfim, que era isso o que ele era para ela também. Apenas mais um item.
— Chega, . Chega.
— Chega o quê? De falar e criar confusões à toa logo agora?
A negação de veio como um gesto firme.
— Você não se importa – a frase pulou para fora da boca de como um murmúrio sôfrego, de repente. A verdade pegajosa e amarga em sua língua. – Não se importa, realmente não se importa com nada além disso, com o que os outros pensam.
— Se eu não me importasse, não estaria aqui, não é?
— Mas está aqui pelos outros. Não por mim. Ou por nós. – Ele deu um passo para trás. – Isso é...
Ele sequer conseguiu terminar a frase.
— É tudo é culpa sua. – Ela soltou com aflição.
— Minha?
— Foi você que me pediu em casamento, . Não o contrário.
Como um soco na boca do estômago, aquelas palavras foram o suficiente para arrancar o ar dos pulmões de .
— Você é cruel, . – Ele disse, pela primeira vez desde que se lembrava, sem pensar antes, sem calcular se estava ou não sendo injusto com ela. E como um passe de mágica, a postura impetuosa da mulher perante ele se desfez com o comentário, se transformou da água para o vinho em algo diferente, querendo consertar aquilo que talvez não tivesse solução alguma.
— , não. Deixa pra lá! – Ela quebrou a distância que colocavam entre os dois. – É só o cansaço, estamos sobrecarregados, certo? Me desculpe ser dura com você. Sei que não quis dizer as coisas que disse também. É muita coisa acontecendo!
Mas quando ela tentou segurar seu rosto com a mão esquerda, a mesma que desfilava aquele belo anel de diamante, se esquivou lentamente e sustentou seu olhar machucado com o dela, que trazia traços de medo, desespero, mas nem um pingo de arrependimento.
Ele a observou como se fosse a primeira vez.
Lembrou-se como desde que a conhecera achou que jamais poderia respirar bem de novo se não a tivesse ao seu lado. Lembrou-se de como pensou que tê-la vivendo a vida ao seu lado, com ele, o faria mais feliz, completo. Que o faria ser o homem que desejava e então a ajudaria também a se tornar a pessoa que ela mais gostaria de ser. E lembrou-se de tudo que veio depois. Das prioridades dela, das coisas que ela queria e de tudo o que pedia para ele. De como sempre esteve lá para tornar cada desejo, cada sonho, em realidade, enquanto ela fazia da própria felicidade uma recompensa para ele, pelas coisas que ele fez e fazia. Como se aquilo fosse reciprocidade. Como se ele pudesse sempre só dar e ela só receber.
Para , era ele sempre quem pagava o preço mais caro, o mais dolorido. Ele podia dar tudo, ela podia ter qualquer coisa, e ainda assim, nunca era o suficiente.
segurou a mão dela com a dele, observou a joia depositada ali. O significado que aquela aliança deveria trazer era muito diferente do sentido claro que atribuía a ela. sabia o quanto queria que fosse diferente. Mas no fundo, era como se o tempo todo ele soubesse a verdade. E agora ele entendia o porquê ela o havia amado. Pelo quê.
Se é que, algum dia, chegou a tanto.
E então ele a observou como se fosse a última vez.
— Essas coisas... – Ele conseguiu dizer, a voz rouca, o gesto amplo indicando os itens que possuíam. – Tudo isso é seu.
— ...? – engoliu em seco. – Não estou entendendo, o que...
— O diamante fica com você – ele continuou. – Cada objeto nessa casa que você queira, todo dinheiro meu que você quiser pegar, é seu. Não significa mais nada pra mim.
A respiração dela se acelerou, seu rosto lindo se contorceu em uma careta.
— Pare com isso! O que pensa que está dizendo? – Ele afastou sua mão da dela, deu um passo para trás.
— O que eu devia ter feito já há muito tempo.
cambaleou.
— Retire o que disse! – Ela implorou com um arquejo. – , retire o que disse e não seja idiota! Não pode me deixar aqui assim! O que você...
— Espero que você se torne a pessoa que almeja ser, . E que seja feliz.
Mortificada, a mulher ficou sem reação, completamente perplexa no mesmo local o assistindo virar as costas para ela e seguir em direção à porta. Ela o chamou mais duas vezes, entredentes e com olhos marejados, incapaz de se mover, porque tremia, e achava que poderia tropeçar nos próprios pés se tentasse andar e alcançá-lo. Seu coração palpitava no peito, o medo da reação dos outros perante aquilo, o que diriam todos quando finalmente a notassem ali, sozinha, numa festa de noivado sem seu noivo. Como aquilo repercutiria depois.
Mas para sua sorte ou azar, ninguém na festa perceberia a ausência dele até ser tarde demais. E ela daria um jeito. Pela reputação e imagem que tinha para todas as milhares de pessoas que a admiravam de alguma forma, daria um jeito. voltaria para ela, era o que sempre fazia.
Entretanto, o que não sabia, é que a decisão dele dessa vez não se transformaria de acordo com os desejos dela. Pela primeira vez, ele estava se colocando em primeiro lugar.
E ainda que se sentisse perdido, o peito vazio, completamente oco por dentro, persistiu cada passo com a cabeça erguida. Sua respiração ardia, a garganta se fechava com cada movimento involuntário. Sentia peso sobre suas costas como se pedras o sufocassem, e, no entanto, não baixou os olhos quando passou pela porta da frente, não fraquejou em sua decisão cada vez que cruzou com alguma pessoa pelo salão.
Quando entrou em seu carro e começou a dirigir sem rumo, ele ignorou o medo que o ameaçava, que queria consumi-lo. Toda a fortuna do mundo não valia aquilo.
E ele acharia um modo de respirar bem novamente.
Nota: Muito obrigada a todos vocês, leitores, que chegaram até aqui! É sempre uma alegria finalizar um novo conto, ainda mais um desafio songfic aqui do EC, que é minha casa como pseudo-escritora.
Essa short foi inspirada na música Diamonds do Sam Smith. Não sei quem a inscreveu nessa temporada, mas agradeço muito por isso, pois depois de tanto tempo sem escrever nada, poder trabalhar esse desenvolvimento, minha criatividade e também minha escrita, foi extremamente importante para mim. Escrever a história desses personagens foi muito importante para mim.
Agradeço também, como sempre, a Belle Castro (escritora daqui do site) por ser minha leitora beta e a Maria Eduarda Batista (escritora do site também!) por me incentivar durante todo o processo. O apoio de vocês é sempre essencial!
E a você, que leu e gostou, fica aqui a lista de outras histórias minhas:
A Vida Volta a Seguir Seu Rumo (outros/finalizada) – Oneshot
Dear Diary (One Direction/finalizada) – Longfic
Don’t Go (outros/finalizada) – Oneshot Desafio Songfic 3ª temporada
I Want You In Every Single Way (outros/finalizada) – Oneshot
Me Ame ou Me Deixe (outros/finalizada) – Oneshot
My Best Crush Friend (outros/finalizada) – Oneshot
Oops, Baby, I Love You (outros/finalizada) – Oneshot Especial de Fim de Ano
O Que (Não) Me Resta (outros/finalizada) – Oneshot Desafio Songfic 9ª Temporada
Reza a Lenda (outros/finalizada) – Longfic
Shameless (original/finalizada) – Oneshot Desafio Songfic 17ª Temporada
That’s Enough (outros/finalizada) – Oneshot
Uptown Girl (outros/finalizada) – Shortfic Desafio Songfic 1ª temporada
What a Wonderful Confusion (outros/finalizada) – Shortfic
Beijos e até a próxima :)