Dear Diary
Escrito por Gaby Pingituro | Editado por Isabelle Castro e Luba
Prólogo
Quando a luz atingiu minha visão, seguida por um grande impacto, minha consciência se apagou tão rápido quanto o grito que eu dei.
Como cheguei a ficar deitada naquela superfície áspera, foi uma coisa que não consegui entender, apenas sentir. Meu corpo todo latejava, e eu não me via capaz de fazer nada. Estava completamente confusa, sem lembranças ou fragmentos. Com a visão turva, não podia ver nada muito claro além da noite brilhante sobre mim, totalmente rara na Inglaterra.
Eu queria falar, chamar por minha mãe, gritar por alguém, qualquer pessoa! Mas minha garganta estava fechada e a voz não saía.
Borrões constantes começaram a passar por cima de mim, e eu fazia de tudo para chamar a atenção de quem quer que fossem, porém nem ao menos meu dedo indicador obedecia meus comandos. Eu senti o pânico tomando conta do que restava da parte do meu cérebro que ainda parecia estar funcionando, mas eu não conseguia reagir a absolutamente nada.
Apenas escutava. Esse parecia ser um dos únicos sentidos quais eu ainda não havia dado pane, e mesmo assim não era o suficiente, não quando o som das sirenes me deixou alerta e o cheiro metálico forte de sangue invadiu meu sistema respiratório.
Pela primeira vez desde que abrira os olhos naquela noite, com a visão totalmente fora de foco, me lembrei, e desejei desesperadamente poder estar dormindo, desmaiada, sem qualquer noção das coisas ao meu redor. Mas eu sabia, e havia percebido exatamente o que estava acontecendo.
Foi como se eu soubesse desde que olhei o céu estrelado pela primeira vez, que faltava brilho naquilo tudo.
Flashbacks invadiram minha mente como num estralar de dedos, e a angústia me tomou dos pés a cabeça. Nada poderia ser pior que aquilo.
E no momento que o choro veio, compulsivo e sem controle, mas da mesma forma quieto e silencioso, pareceram, finalmente, notar minha presença ali caída no frio. Mas não importava mais. Eu já estava quebrada de todas as formas possíveis:
- Tudo bem, . Vamos te ajudar. - A voz falou calma e firme. - Tudo vai ficar bem... Só aguente firme!
Só que eu sabia do mais fundo da minha alma, que “ficar bem” seria a última coisa a acontecer.
Capítulo 1 - “I can see that we're not happy here, So why would we keep pretending when there's nothing there? [...] Let’s start over”
Querido Diário...
Hoje se completa um ano desde que ela se foi. E mais um dia que eu disse com um sorriso no rosto que tudo estava bem, quando na verdade minha vontade era simplesmente de gritar e chorar. Mas com o tempo, a mentira se torna quase uma verdade. Os outros parecem acreditar no que digo, no fim, é isso o que importa.
Sinto falta dela... Mais do que um dia imaginei que sentiria.
A situação aqui em casa não está em seu melhor momento, papai além de estressado com tantas coisas para cuidar, está prestes a perder o emprego. Ele não diz, mas eu percebo. Estou ajudando do jeito que posso, mas é algo complicado quando se tem duas crianças em casa. Laura e Leonard, ao contrário de mim, demonstram o que sentem, e não estão nada bem. A situação complica ainda mais quando tenho de “substituir” da maneira que posso o papel de mãe.
Mas eu tenho esperanças de que tudo mude, quem sabe amanhã, quando for para o estúdio gravar a nova propaganda das maquiagens beuty dream? Dizem que coisas boas acontecem quando você está no fundo do poço, do jeito que estou agora.
O que me resta é pensar positivo. Algo difícil, mas não impossível. Essa vai ser apenas mais uma tentativa que vou fazer e esperar para que tudo dê certo.
E eu espero mesmo que dê.
Com amor,
’s POV
Eu havia acabado de gravar o comercial, estava guardando meus pertences em minha bolsa quando um rapaz se dirigiu ao quadro de recados, logo com a mesma pressa que chegou ali, deixou o papel e se retirou. Quase que imediatamente um grupo de pessoas já se reunia ao redor do quadro lendo-o animadamente. Não vou negar que me senti curiosa.
Enrolei o tempo que pude mexendo no celular, conversando com conhecidos e esperei até que poucos continuassem parados ali.
Talvez uma das únicas vantagens em ser uma garota baixa, é que você consegue passar por qualquer lugar. Dessa vez não foi diferente. Abri passagem entre as pessoas que sobravam quando vi o anúncio grampeado no quadro. Li rapidamente o papel e como todas as outras garotas que estavam na sala, também me senti empolgada.
Uma das séries mais assistidas do momento havia aberto inscrições para o papel de co-protagonista, onde a garota atuaria ao lado de um dos atores mais requisitados do último ano. Grande fama e grande salário era uma promessa feita nas entrelinhas para quem conseguisse o papel.
Ouvi-me suspirar quando atrás de mim alguém falou:
- , não me diga que ficou interessada? – Uma das assistentes do estúdio, e minha melhor amiga, , resolveu fazer como o habitual e me dar um susto.
- Nem que tivesse tentaria. – Dei de ombros enquanto ela me olhava atentamente, dando em seguida passos largos para ler o comunicado que a pouco todos estavam observando.
- Ah, me poupe, ! Sem drama agora, por favor e muito obrigada. Você sabe que deveria. – Seus olhos âmbares, intimidadores e persuasivos, quase me fizeram mudar de ideia. Quem conseguisse dizer não para aquela garota, deveria receber um Oscar. – Você está dentro da idade e dos padrões exigidos.
- Não estou de drama e você sabe. Não teria tempo nem se conseguisse. – Insisti para ela.
- Já ouviu a frase “pra tudo na vida se tem um jeito”? Pois é, ela é verdadeira. - Seu sorriso debochado me faria rir se fosse em outro momento. – De verdade, , conselho de amiga: se você quer, então faça. Você tem tanta chance quanto qualquer outra garota que tentar o papel, e com certeza serão muitas. Pode ser a oportunidade da sua vida...
Ponderei as palavras dela por um momento breve. Ah se tudo fosse tão simples, pensei. Ela sabia do meu passado e sabia do meu presente. Sei que tudo o que ela queria era ajudar, mas mesmo assim era difícil pensar sobre. Meu único motivo de trabalhar como atriz/modelo em propagandas era para conseguir um pouco de dinheiro para ajudar na situação financeira em que minha família estava. E se eu conseguisse participar como co-protagonista, obviamente seria mais que perfeito.
Por um momento vi o quão bom aquilo podia soar. O quão bom poderia ser.
Olhei para o papel de inscrição ao lado, cheios de nomes e peguei minha caneta. Talvez eu enviasse meu currículo, que não era grande, mas que serviria como base. Talvez eu tentasse o papel. Talvez eu seguisse o conselho de .
Assinei meu nome fechando os olhos em seguida. A garota ao meu deu pulos de felicidade, como se apenas rabiscar algo ali já fosse motivo de festa. Ela me abraçou lateralmente e passou o braço pelo meu, assim me arrastando para fora do estúdio.
Não sobrara quase nenhum ser vivo ali, o que significava que eu já deveria estar em casa há algum tempo. Amaldiçoe-me por isso:
- Você sabe a oportunidade que tem nas mãos? Precisa organizar seu currículo e trazê-lo o mais rápido possível! – Ela despejava as palavras enquanto andávamos pela tarde cinzenta de Brighton. – Eu mesma faço questão de enviar seu currículo ao diretor da série, . Não me importaria nem um pouco. Ah, e precisamos de uma foto sua, a foto mais divástica que você tiver, isso é importante. – acrescentou a sua lista mental quase tropeçando em um cachorrinho no meio da calçada.
- Acho que você deveria parar de falar e respirar. – Me dirigi a ela assim que pararmos em frente à faixa de pedestres.
- Quer estragar com minha felicidade? – Arqueou uma sobrancelha.
- Não, mas não precisa agir assim, quer dizer, eu só coloquei meu nome em um papel, não significa nada.
Ela pareceu se ofender com o que eu disse, despejando argumentos que eu nem sabia existir na cabeça dela. A partir daí, começamos a discutir sobre os prós e contras de se ter o nome naquela inscrição. Eu não via nada demais, enquanto ela já me imaginava viajando ao redor do mundo, andando em tapetes vermelhos e ganhando prêmios por melhor atuação.
Sorri por ela estar animada por mim.
Essa era uma das características que eu mais amava em : seu positivismo. Ela sempre, não importava em quê, falaria coisas boas, veria o lado bom, te daria conselhos e te faria rir por coisas bobas. Ela estava sempre vendo o lado bom da vida.
E mesmo eu estando ali, sendo uma chata e contrariando tudo o que ela falava, eu ficava feliz por ser com ela. Nunca pensei ser tão grata por uma amizade como sou por essa:
- Você fala que ninguém vai gostar de você, mas isso é impossível, , todos têm uma queda por mulheres ruivas. – Ela disse após vários minutos de tentativas falhas, tentando me convencer de que tinha alguma chance realmente. Estávamos paradas em frente a uma Starbucks, lugar onde não podia viver longe por sequer um só dia.
- Eu já disse e vou repetir: eu não sou ruiva! Isso é castanho, ok? – Se tinha algo que eu não gostava era que me chamassem de ruiva sem que eu fosse. Meu cabelo era castanho, ponto final.
- Ha-hã, e eu sou loira. – Ela me olhou com deboche e eu ri.
- Mas você é loira, . – Ela ficou muda por um instante batendo o pé impaciente no chão.
- Isso não vem ao caso agora. Estamos falando de você e seu preconceito sobre seu cabelo. – Me olhou de cima até baixo e revirou os olhos.
- Quer saber? Esquece... Preciso ir pra casa, Laura e Leonard devem estar sozinhos. – Olhei o horário pelo meu celular e não falou nada, apenas afirmou com a cabeça e deu-me um beijo estralado na bochecha.
- Mais tarde continuamos essa nossa conversinha, não se esqueça!
Sorri para ela enquanto voltava a caminhar. Meu trabalho aquele dia ainda não tinha acabado.
Abri a porta dando de cara com duas crianças correndo pela casa:
- ! – Laura agarrou minha cintura, porém Leonard estava mais ocupado brincando com seus super-heróis. Não me impressionei com sua atitude.
- Olá, irmãozinhos, como foi o dia? – Perguntei, afinando a voz de propósito, enquanto adentrava o local.
Eles começaram então a contar cada detalhe do dia que tiveram, despejaram todos os tipos de informações que um garoto e uma garota de dez anos podem dar. Eu sorria e fazia algumas perguntas para eles de tempos em tempos conforme saia e entrava em outro cômodo.
Laura e Leonard são gêmeos. Cabelos lisos e pretos, olhos num azul profundo que lembrava o céu num dia ensolarado. Os mesmos azuis que eram os olhos de nossa mamãe. Eles eram quase que uma lembrança viva dela.
Já eu, nada tinha de parecido com ela.
Meus cabelos são levemente ondulados da cor castanho acaju. Não considero isso ruivo, mas todos dizem o contrário, coisa que não me agrada muito. Meus olhos são iguais aos do meu pai, azuis levemente esverdeados. Tão indefinidos quanto à cor do meu cabelo. Isso me deixava tão confusa que me fazia querer ter cabelos definitivamente castanhos e olhos da mesma cor, assim eu não perderia meu tempo tentando descobrir o mesmo de cada um. Seria visível o suficiente.
Tive que dar uma pausa sobre meu dilema entre cores assim que meu pai passou pela porta da casa onde morávamos.
Ele tinha a mesma cara de cansaço de todos os dias, como se estivesse esgotado da vida que levava. Não discutiria por isso:
- Olá, . – Ele se inclinou e beijou minha testa. Gesto não muito comum de sua parte.
- Oi, pai, mais um dia ruim? – Perguntei segurando a vassoura em uma das mãos para começar a limpeza do dia.
- O de sempre. – Respondeu ele em um murmúrio. Suspirei derrotada. Ele não me daria nenhum detalhe mesmo se insistisse.
- Sabe que pode conversar comigo se quiser, não sabe? Estamos todos no mesmo barco... – Me senti como se fosse quem tivesse falado. Dei um sorriso torto que ele ignorou.
- Já começou a fazer a janta?
Meu pai me olhou por cima do ombro enquanto entrava em seu quarto para se trocar. Neguei com um movimento da cabeça, que ele não pareceu notar:
- Eu ia limpar o chão primeiro. – Falei no mesmo instante em que soltou o ar pesadamente. Sem dizer nada fui para a cozinha cozinhar algo básico o suficiente para comermos. Sei que se fosse fazer qualquer coisa antes, levaria algum tipo de bronca.
Não tinha escolha.
Na falta de criatividade, macarrão com um molho bem preparado e algum tipo de salada é sempre uma boa saída. Preparei o mais rápido que pude, mas meus pensamentos não estavam concentrados no que iríamos ou não jantar, e sim em como falar sobre o teste.
Isso poderia ser uma tarefa complicada se levar em conta o humor variável que meu pai possui. Mesmo eu sendo maior de idade, tendo dezenove anos, não seria algo fácil convencê-lo, provavelmente ele descartaria a ideia de primeira. Se bem que ele poderia me incentivar a participar e enviar os documentos, caso a ideia de ganhar dinheiro o agradasse.
Respirei fundo. Não poderia ser tão complicado, poderia?
Eu sentia que a cada dia que se passava, eu me afastava ainda mais de meu pai. Eu queria recuperar o que tínhamos antes, ele não se esforçava pra isso, deixava as coisas como estavam, sem mexer um músculo para mudar o rumo delas.
Os minutos passaram, estava tudo pronto.
Jantávamos em silêncio, cada um em seu lugar determinado, ninguém fazia questão de puxar algum tipo de assunto. O silêncio era quase obrigatório, se não fosse pelo barulho dos talheres em contato com os pratos.
Pigarreei, decidida a falar, chamando a atenção de papai, que me olhou de soslaio. Definitivamente esse seria o máximo de atenção que eu receberia, então tratei de começar a falar antes que perdesse a coragem:
- Pai, preciso conversar com você sobre algo... – Minha voz saiu incrivelmente baixa para a minha surpresa.
- Então fale.
- Bom... Hoje, no trabalho, abriram uma ótima vaga para uma série de TV que está ficando realmente conhecida nos últimos meses...
Meus irmãos começaram a brigar sobre qualquer coisa insignificante, fazendo-me interromper a frase no meio. Meu pai os ignorou e voltou o olhar para mim:
- Aonde quer chegar com isso? – Perguntou com voz ríspida e me vi na obrigação de continuar.
- Queria a sua permissão para tentar o papel. Seria uma ótima oportunidade, sabe? As possibilidades de eu conseguir são pequenas, mas o que custa tentar? me apoiou, disse que seria realmente bom, além de ser um grande salário que nos ajudaria muito caso eu conseguisse. – Disse de uma vez sem olhá-lo. Fixei meus olhar na comida que eu tinha no prato e esperei que ele respondesse, ou pelo menos bufasse, num gesto claro de desgosto.
Entretanto ele não fez nada disso. Apenas parou de comer e afastou os talheres do prato. Senti que ele me observava atentamente, como se me estudasse.
Fechei os olhos e suspirei imaginando várias respostas que se resumiriam a um não:
- E qual seria o objetivo disso?
Não precisei pensar para responder:
- Ajudar aqui em casa. No que fosse preciso. – Ele assentiu fracamente e permaneceu mais um tempo em silêncio.
Eu sabia que a palavra dinheiro para ele estava sendo uma de suas preferidas ultimamente. Era como mágica; você a dizia e então conseguia a sua atenção.
Olhei para e ele, dessa vez nos olhos, que me analisava minuciosamente, querendo detectar alguma mentira ou omissão para acabar logo com aquilo:
- Se quiser, tente, mas não me venha de cara emburrada se não conseguir esse tal papel. Não tenho tempo para mais reclamações além das minhas. – Seu tom além de ríspido foi frio, como se só quisesse encerrar aquela conversa de uma vez.
Senti que na verdade ele não se importava com o que isso faria na minha carreira profissional se eu conseguisse, ele não se importava com nada além do dinheiro.
Saiu da mesa e foi direto para o quarto, se fechando lá, como se a pequena troca de palavras de segundos atrás que tivemos tivesse sido demais para ele.
Meus irmãos, alheios a todo o resto, nem perceberam o clima ruim.
Suspirei e me retirei da mesa com o prato vazio, deixe-o na pia e fui tomar um banho. Relaxar: era esse meu objetivo.
Pensei em e no que ela diria se tivesse presenciado esse momento de pai e filha. Provavelmente teria dito que mesmo com toda a frieza e indiferença, mesmo que não tivesse sido uma reposta inteiramente positiva, não estava me impedindo de tentar. Então era isso que eu faria. Eu tentaria.
Porque não adiantaria ficar assim, deixando a tristeza me consumir como ela já vinha fazendo há tanto tempo. Eu precisava me incentivar a superar tudo aquilo, esse ciclo é algo cansativo. Já estava na hora de seguir em frente. Por mais dolorosa que a vida estivesse sendo, o mundo não pararia por nossa causa, nem pela causa de ninguém. Tínhamos de ser fortes e seguir. Seria isso que ela faria, o que mamãe desejaria para nós.
Estava na hora de criar novas esperanças, novos sonhos. Recomeçar.
Vários dias depois...
Querido Diário...
Estou nervosa como nunca estive na vida, minhas mãos estão tremendo tanto que até pareço ter mal de Parkinson. Por quê? Porque hoje é o teste. Hoje é o dia.
Meu estômago está definitivamente e totalmente embrulhado, gira tanto que até parece ter vida própria. Meu coração bate descompassado, fora do ritmo e eu não duvidaria se esquecesse de respirar de vez em quando.
Eu tentei escolher uma roupa boa, tentei arrumar meu cabelo e até mesmo passar algum tipo de maquiagem, apesar de que não consegui fazer nada mais que um rímel básico, delineador e batom. Eu queria estar apresentável para os diretores... Ou diretor, ou quem quer que vá me receber hoje.
Passei o texto um milhão de vezes seguidas na frente do espelho nos últimos dias, esperando ser convincente, como se aquilo fosse real. Era assim que tinha que ser, certo?
Eu não tenho tempo a perder, preciso tomar coragem e fazer o que for preciso. Agora é o momento. Não vou colocar tudo a perder, não posso! E antes que essa onda de determinação me abandone e eu me esconda ou resolva desistir, é melhor eu ir agora.
Com amor,
’s POV
Estávamos eu e numa sala grande, que antes estivera abarrotada de gente, em um estúdio próximo ao que eu costumava fazer meus trabalhos. Porém, como era de se esperar, esse lugar era bem maior e muito mais bem cuidado em comparação ao que eu frequentava. As pessoas passavam com nariz empinado sem ao menos olhar em seu rosto. Não vou generalizar, mas a maioria delas eram metidas. E isso não estava colaborando com o eu nervosismo:
- , tem certeza que enviou todos os papéis que te dei? – Perguntei enquanto passava minhas mãos suadas pela barra de minha saia. Ela revirou os olhos.
Eu tinha passado na primeira seleção, que não era nada mais que uma análise básica da ficha que tive que preencher alguns vários dias antes. Aparentemente eles gostaram do meu currículo com algumas várias propagandas e algumas poucas sessões de fotos, sinceramente aquilo não era nada além do básico.
justificou dizendo que eu tinha talento. Claro, pensei, precisa de muito talento pra decorar duas frases, repeti-las e sorrir no final. Resolvi não discutir com o que minha amiga falava, tinha outras coisas mais importantes no momento para me preocupar, como não esquecer o roteiro que eu tinha decorado havia dias:
- , se você me perguntar isso mais uma vez, eu juro que fecho sua boca com fita adesiva. – Ela fez pose de superior enquanto me olhava e soltei um riso nervoso em reposta. Era uma mistura de alívio e alegria por ela estar me apoiando, fora as outras sensações que eu não conseguia descrever.
Não se passou nem mais um minuto quando uma garota alta, magra e linda, que eu julgava ser modelo, abriu a porta do auditório com um sorriso convencido nos lábios no mesmo momento em que uma voz grossa disse lá de dentro:
- . – Engoli em seco e virei apressada para , com os olhos arregalados. Ela me lançou aquele olhar de não surte e, incapaz de fazer outra coisa, a eu obedeci.
Senti minhas pernas vacilarem e minha pele ficar pálida. Mais do que já era:
- Olha aqui, não entre em pane! – Ela agarrou meus braços. – Faça rápido: respire, inspire, respire, inspire. Agora vai lá, garota! Me deixe orgulhosa! Todos amam as ruivas, não se esqueça! – Antes mesmo da minha resposta, ela me empurrou para dentro da sala. E eu juro que nunca me senti tão apreensiva como agora.
- Olá, querida. – Disse um homem aparentemente simpático, me estudando minuciosamente com o olhar atento de profissional. – Eu me chamo Gregory Colleman.
- Olá. – Foi a frase brilhante que eu consegui formular enquanto meu coração parecia soar mais alto que o som da minha voz.
Sem mais delongas, ele disse com um sorriso que emanava desafio:
- Faça o que veio fazer.
Ele queria que eu o convencesse e foi o que eu fiz.
Fiz o melhor que poderia ter feito, senti cada palavra na alma e levei a sério o sentimento da personagem. Por um instante, me perguntei se eu estava realmente falando um texto decorado, porque durante um breve momento, eu não estava atuando, estava sendo. Falei o texto com uma paixão que era desconhecida para mim até aquele dia.
Minha professora de teatro teria ficado orgulhosa.
A interpretação se estendeu por longos minutos que passavam parecendo horas. A intimidação que o Sr. Colleman transmitia era grande. Não só dele, mas de todos os outros ocupantes daquela sala.
Algumas dessas pessoas seguravam cadernetas e faziam anotações. Para quê, eu não faço ideia, mas a pressão que eles tentavam fazer não impediu que eu terminasse aquilo que me propuseram.
No final de tudo, o diretor ainda estava lá com o mesmo olhar de antes com as mãos entrelaçadas de baixo do queixo, porém seu rosto não tinha mais o sorriso desafiador, e sim um sorriso diferente. Hora parecia pensativo e hora presunçoso. Difícil de explicar:
- Não imaginava que uma coisa tão pequena como você fosse se sair assim. – Arqueei uma sobrancelha. Não foi legal da parte dele pensar isso. – Você foi bem, senhorita . Para alguém que não faz nada além de propagandas, foi até surpreendente.
Alguns riram, não sei se por ironia ou deboche, talvez fossem os dois:
- De qualquer forma, querida, preciso parabenizá-la. – Os cantos da minha boca se ergueram num sorriso tímido. - Vejo você na terceira fase. – Ele disse por fim sinalizando com a mão para que eu me retirasse.
Fiquei parada o encarando sem entender, e comecei a piscar diversas vezes seguidas, assimilando as palavras:
- Terceira fase? – Movi os lábios levemente, mas mesmo com o som quase inaudível com que as palavras saíram, a sala explodiu em gargalhadas.
- Ora, senhorita, achou mesmo que a escolha seria assim, com uma vara de condão? Já sabemos que você atua, que sabe trabalhar, que é fotogênica e tem um currículo agradável, além de ser bonita, mas falta a parte da química. – O diretor apoiou o calcanhar em seu joelho e entrelaçou os dedos das mãos em seu colo, ficando com a aparência de um professor da pré-escola. Realmente a sensação era de eu ser uma criança de seis anos.
- Química? – Permaneci estática ainda me sentindo uma boba confusa.
- Claro! Você acha que vamos pegar qualquer uma para aparecer na TV? Queremos ver se o casal combina! Não é tão simples assim. – Ele gesticulou e depois revirou os olhos.
Gregory suspirou e virou para o lado, puxando algo de dentro de uma pasta:
- Tome. – Jogou para mim alguns papeis. - Decore isso para próxima semana. Esteja aqui no mesmo horário. – Assenti enquanto dava uma lida rápida. – Agora saia, você está me dando tédio.
Franzi a testa olhando para ele. Quem ele acha que é?
Deixei meus pensamentos fluírem por um instante, então virei as costas e sai de cabeça baixa. Cara arrogante, pensei comigo novamente enquanto abria a porta e aquela mesma voz gritava o nome da próxima garota. Então eu ainda tinha de me preparar para mais uma fase, como se o estresse de hoje já não tivesse sido suficiente. Ótimo.
me esperava com uma cara apreensiva, de dedos cruzados mordendo o lábio inferior. Assim que me viu, levantou tão rápido que quase derrubou outra concorrente:
- E aí? Como foi? Me fala agora!
- Eu passei para a terceira fase. – Disse ainda pensando no que ele dissera: “Agora saia, está me dando tédio”. Poxa, sou tão chata assim? Realmente estava certa. Provavelmente ele não é daltônico percebeu que meus cabelos são castanhos, por isso ele não gosta da minha pessoa. Se eu fosse ruiva de verdade ele teria gostado de mim de primeira.
me abraçou e começou a dar mais pulinhos a minha volta. Novamente, ela já me imaginava em programas de entrevistas, falando sobre a série e fazendo agradecimentos a todos pelo meu sucesso. Só que isso não passava de sua imaginação:
- Você tem que ser a escolhida! – Ela falou de olhos arregalados segurando meus ombros. – Nem que eu precise pagar propina!
- Não seja desesperada, criatura. Se tiver que ser, será. – Dei de ombro enquanto segui pelo corredor até a saída.
- Ah não! Não em venha com essa história de destino, . Você vai sim passar nessa porcaria de série nem que seja a última coisa que eu faça viva ou morta. – Se fosse alguém que não a conhecesse, teria ficado com medo do tom de suas palavras.
- Boa sorte, então.
Nesse milésimo de segundo que eu virei a cabeça para respondê-la, senti algo forte bater contra meu ombro e braço. A princípio pensei que tivesse alguma pilastra, ou mesmo uma parede que eu não tivesse enxergado, mas assim que um líquido morno atingiu meu rosto, cabelo, pescoço e camiseta, eu sabia que tinha sido pior. Muito pior:
- Olha por onde anda, gnoma de jardim. – Uma voz grossa e aparentemente brava disse, seguindo com várias palavras que não vale a pena repetir.
Eu não tinha visto o rosto de quem era, ainda estava de boca aberta e olhos fechado enquanto esperava o susto passar:
- Hey, não fale assim com ela! Não é porque você é a droga de um famoso que tem esse direito. – Ouvi falar ao meu lado, me defendendo.
- E você é o quê? Segurança dela, por acaso? Cuida da sua vida, garota estúpida. – Abri meus olhos e vi minha amiga apertando os punhos e rangendo os dentes.
Eu precisava evitar que minha amiga o atacasse, mesmo que cara merecesse por sua falta de educação. Segurei o antebraço dela e passei a mão no rosto antes de olhar para ele e disse contra a vontade:
- Desculpe, não vai acontecer de novo. – Minha voz saiu surpreendentemente calma em comparação a de .
Sem estresse, disse mentalmente e repeti essa mesma frase várias vezes. Eu tinha passado para a terceira fase, isso era uma notícia boa, não ia pensar em coisas ruins agora. Muito menos ficar escutando coisas ruins.
O rapaz que estava de jaqueta preta, camiseta branca, calças apertadas e coturnos pretos, me olhou de cima a baixo e riu sarcasticamente:
- Mas é claro que não vai. Vê se tenta ser menos desastrada. – E com o deboche saltando por cada palavra, virou as costas gritando para a primeira garota que visse “hey, você! Me traga outro café! Agora!”, enquanto seguia com toda sua arrogância sabe-se lá para onde.
- , vamos sair daqui antes que eu pule em cima desse idiota. – Ela me puxou pelo resto do corredor, mas meus pensamentos não saíram dele.
OK, agora fica difícil de gostar da noticia boa.
De um jeito nada bom, eu acabara de conhecer . Ninguém mais ninguém menos do que o ator com quem eu teria de fazer o próximo teste semana que vem. E garanto que infelizmente, a primeira impressão não foi nem de longe uma das melhores.
Capítulo 02 - “Show me How big your brave is [...]Honestly I want to see you be brave”
’s POV
- Quer me repetir mais uma vez por que Maya Santiago deixou de trabalhar na série? – Perguntei de novo para .
Era domingo e estávamos na casa dela jogando conversa fora, fofocando, falando de mil besteiras diferentes, deixando o tempo passar. Eu estava sentada na poltrona enquanto ela estava deitada em sua cama lendo uma revista qualquer, quando tomou ar para falar:
- , querida. – Começou pausadamente. - Já li duas vezes, então como uma garota que fez a primeira série, leia você mesma! – Se não fosse pelo meu bom reflexo, teria levado uma revista na cara.
A matéria era um tanto quanto antiga, mas eu não fazia ideia de sua existência até o dia de hoje, já que não me considero alguém dentro do mundo das celebridades. Porém isso era algo que realmente tinha me chamado a atenção. Comecei a ler:
“Uma de nossas atrizes preferidas do último ano, Maya Santiago, a mexicana que conquistou nossos corações confirmou a (pior) notícia!
A gata vai deixar o elenco de uma das séries mais assistidas do momento, a empolgante The Black Side. A atriz afirma que não era algo planejado, mas que não vai deixar as telinhas tão cedo. Nesse mesmo ano pretende fazer a participação em um filme como protagonista! Isso mesmo galerinha, ela ainda vai caminhar muito sobre red carpets.
Os produtores da série e o próprio diretor, nosso querido Gregory Colleman, disse que a procura da nova celeb está a todo vapor. Segundo nossa fonte, nada de atrizes famosas! Querem uma iniciante talentosa para ocupar as telinhas ao lado do nosso querido cantor/ator/compositor . Será que a new girl vai nos conquistar? Clima de mistério no ar!
E aí, como está a torcida dos fãs?”
Ok, sendo sincera, nunca fui a fã número um da série The Black Side, mas não vou mentir que o suspense que ela passa é contagiante. Como se fosse algum tipo de doença que se espalha em dias. É um caso para se pensar, não é nada saudável.
Imagino a emoção de trabalhar como espião/espiã na televisão. Com certeza, bom demais para ser verdade, a ficção virando realidade. Meu foco se esvaiu e meus pensamentos voaram longe:
- Terra chamando ! – estralava os dedos da mão na frente do meu rosto. Pisquei vezes seguidas até me centrar novamente.
- Oi? – Foi minha resposta inteligente.
- Leu a reportagem? Ta aí parada com cara de morte há uns dez minutos... – Minha amiga ligou o iPod deixando um rock alternativo tomar conta do lugar.
Ignorei seu ultimo comentário, e perguntei:
- Você acha que é verdade? – Passei da poltrona para a cama.
- O quê? – Depois eu que não estava no planeta Terra... Era o sujo falando do mal lavado, mas já havia me acostumado, depois de tantos anos, desse “liga e desliga” de minha amiga.
- Sobre a saída dela. – Disse torcendo os lábios em uma careta.
- Há alguns dias eu diria que poderia ser verdade. Talvez a proposta do filme fosse melhor que o contrato da série, que, aliás, estava no fim, já que estão prestes a começar a terceira temporada, mas... – Ela puxou as letras e deixou o som se prolongar no ar. – Depois da semana passada, diria que ela não suportou a presença de certo rapaz... Talvez ela tivesse chegado ao seu limite, explodido e desistiu.
Ponderei suas palavras. Eu não duvidava de nada. Depois de toda a educação e delicadeza com a qual me tratou, imaginei o quão difícil deveria ser trabalhar e conviver com um homem daquele. Deus cuide dos amigos e da família de quando ele estiver por perto. Não deve ser simples ou fácil:
- Ou ele estivesse apenas em um dia ruim. – Ouvi minha voz sem ao menos estar preparada para isso.
gargalhou alto, porém eu não a acompanhei, o que fez com que ela pausasse a música, sentasse e me encarasse perplexa:
- Tá brincando, né?
- Por que estaria? – Dei de ombros brincando com os pingentes de minha pulseira. Tivera sido minha mãe quem me dera ela, desde sua morte, não a tirei do pulso por um só momento. Guardava aquilo como mais uma lembrança além daquelas que ficavam penduradas na mesma.
- Qual é, ! Há um segundo você concordava comigo mentalmente e agora fala isso? Vai dizer que é fã daquele babaca? – Minha amiga estava séria e com um olhar feroz que me intimidou momentaneamente.
- Eu não disse isso! Só levantei uma hipótese. – Me defendi suspirando. – As pessoas têm dias ruins, talvez aquele tivesse sido péssimo para ele. Não o conheço, e por mais que pense mil e uma coisas diferentes, seria ridículo falar sobre coisas que não sei.
Ela pareceu ponderar o que eu falava:
- Você sempre tenta ver o melhor das pessoas, mesmo quando o pior está escrito no rosto delas. – Os olhos de me vasculharam procurando algum tipo de reação, que aliás, não deixei transparecer.
A verdade é que eu não sabia como responder. Não era a primeira vez que ela me falava isso, mas eu tinha um conceito sobre como olhar a vida, principalmente depois dos acontecimentos mais recentes.
Se olharmos só para o lado negativo, a felicidade não vem, o sorriso não aparece. A vontade de viver é levada pelo vento. As coisas pequenas trazem a felicidade, os pequenos detalhes. Ninguém vai estar cem por cento bem, por isso tirar conclusões precipitadas, em minha opinião, não é melhor forma de encarar as coisas.
Sorri para ela:
- Procurar o lado ruim das coisas é deprimente. Ninguém vive só de defeitos. – revirou os olhos e voltou a ligar seu iPod. Ignorei-a e voltei a ler qualquer outro texto na revista. A última coisa que eu queria naquele momento era pensar no próximo teste. Eu já estava enlouquecendo.
Querido Diário...
Quem dera alguém tivesse me desejado boa sorte. Mas não. Ninguém! Estou por conta própria hoje.
Minhas mãos tremem e minha respiração falha. Eu não faço ideia do que escrever aqui, mas sinto grande necessidade nisso. É estranho, eu sei, mas não posso evitar.
Vou respirar fundo e encarar seja lá o que esteja me esperando lá daqui a um tempo. Me sinto corajosa, estou de queixo erguido e nariz empinado. Eu consigo, eu vou conseguir.
Eu sei que vou.
Com amor,
Algumas horas depois…
’s POV
Cheguei no estúdio da mesma forma que saí de casa. Com medo. E ao olhar ao redor não melhorou em absolutamente nada. Tinham cerca de doze garotas, uma mais linda que a outra, capaz de deixar uma legião de adolescentes com inveja. Me senti deslocada. Mesmo de salto quinze centímetros eu conseguia ser a mais baixa dentre todas. Respirei fundo, empinei o nariz mais uma vez e entrei.
Recebi olhares tortos de todos os cantos. Uma garota me olhou de cima até baixo e estralou a língua. Certo, ela não gostou de mim.
Me sentei na última cadeira disponível, não antes de arrumar o vestido que usava e deixar com que meu cabelo solto caísse sobre meu rosto. Eu estava fingindo ser confiante.
Peguei o script de dentro da bolsa e repassei as falas mais uma vez mentalmente enquanto esperávamos o diretor entrar, o que demorou cerca de vinte minutos. Certamente, ele não deixou de ser o centro das atenções quando empurrou as duas portas, causando um som alto, e entrando a passos largos indo em direção a sua cadeira:
- Boa tarde, gracinhas! Espero que não tenham nenhuma crise aqui no meio. – Gregory deu o sorriso mais falso que eu pude presenciar e revirou os olhos em seguida. Nem ele próprio acreditou. - Bom, de qualquer forma espero de verdade que atuem melhor que na semana passada, só aquilo não será o suficiente por hoje.
Terminando com essa frase tão estimulante, o senhor Colleman se sentou, cruzou as pernas e não disse mais nada até que da mesma forma que ele, alguém entrou sendo nada discreto.
Algumas garotas soltaram suspiros, outros sorriram e o resto gritou. Aparentemente apenas eu o olhei séria sem deixar nada transparecer. Nesse caso, não era admiração ou algo assim, eu sentia desconforto. não havia sido nada gentil comigo:
- E então, qual dessas gatas vai ser minha próxima vítima? – arrumou sua jaqueta preta e passou a língua sobre os lábios.
Uma garota loira de cabelos lisos com um decote até o joelho, que estava ao meu lado, se arrumou na cadeira o olhando fixamente.
Ele passou o olhar por cada garota sorrindo maldosamente, mas sua expressão se tornou séria assim que seus olhos âmbares cravaram em mim. Revirei meus olhos:
- Ah, não...
Gregory franziu o cenho intercalando os olhares entre e a fileira de garotas que eu estava inclusa:
- O que foi? Não me diga que conhece alguma delas, ! Não me diga que já dormiu com alguma dessas garotas?! – O diretor elevou o tom de voz gradualmente enquanto o encarava.
- Não. – O moreno negou imediatamente. - Ainda... – Continuou ele dando um sorriso nada discreto sobre seus pensamentos assim que encarou uma garota morena.
Juntei as sobrancelhas. Onde é que eu vim me meter?
- Ok, chega de palhaçada. Vamos começar logo com isso. Melanie Stevens. Você primeiro.
A garota loira ao meu lado se levantou dando início a longa jornada de espera. Aparentemente estava escrito em algum lugar, que eu não sabia onde, que eu seria a última a interpretar a personagem da série: Kate.
Uma por uma as meninas foram e fizeram o que deviam. Minha perna direita estava dormente, a outra eu não conseguia parar de balançar, minha mente então não conseguia se concentrar em algo concreto sem ser no texto que eu teria de falar. Eu estava totalmente absorta:
- , sua vez. – Em um pulo eu já estava de pé andando apressadamente, tentando evitar o eco dos meus saltos batendo contra o piso, até o lado de e esperei o comando.
- Olha, com esse salto do tamanho do Empire State Building é difícil lembrar que você tem a altura de um gnomo. – O ouvi dizer me olhando de cima até baixo.
Eu podia olhá-lo nos olhos, já que nossa diferença de altura devia ser de aproximadamente sete centímetros. Infelizmente ele continuava maior. Suspirei pesadamente e vi um sorriso sarcástico surgir em seu rosto:
- Qual é ruivinha, o gato comeu sua língua? - Perguntou ele sinicamente e depois continuou. - Espera, eu ainda nem te beijei!
Pisquei. Pensei por um segundo e olhei para cima. De verdade, isso era pra soar bem? Foi uma das piores coisas que já ouvi na minha vida:
- Eu não sou ruiva. – Foi a melhor frase que consegui formular além de alguns xingamentos e coisas do tipo. arqueou a sobrancelha esquerda, mas antes de dizer, muito provavelmente mais algum insulto, foi interrompido.
- Em suas posições, por favor! – Alguém gritou e eu quase exclamei um amém.
- Ah, e dessa vez tente não derrubar líquidos em mim. – Recebi esse recado seguido de uma piscadela. – E não pense que vou deixar as coisas mais simples para você. - Estreitei os olhos em sua direção. só podia querer infernizar minha vida.
Respirei fundo e esperei que permitissem, então começamos a atuação.
Foi rápido, mas intenso. Incrível como uma pessoa pode fingir tão bem quanto ele estava fazendo naquele momento. Era estranho “ter” uma conversa sem frases de duplo sentido, piadinhas sem graça ou cantadas de mau gosto.
atuava extremamente bem, prendia todos os olhares do estúdio em si mesmo, era impossível alguém não prestar atenção em tanto talento. Tinha que admitir que isso era algo que ele tinha, na verdade, algo que chegava a me deixar impressionada.
Enquanto adquiria a personalidade de Kate, notei que tudo parecia estar de ponta cabeça. A garota quem eu interpretava era do jeito que havia agido comigo. Atrevida e maliciosa, quase divertida. Já ele era sério, observador, quase calculista, mas muito misterioso.
Eu interpretava uma pessoa que nunca seria de verdade na vida real.
As falas se encerraram no mesmo momento em que nossos olhares se desviaram para se prenderem no diretor e em seus assistentes que nos encaram fixamente sem piscar.
As outras garotas que já tinham feito a mesma cena agora estavam sentadas lixando a unha, trocando mensagens de texto, observando qualquer ponto distante da sala ou então me encarando com desdém:
- Ótimo, sente-se, senhorita . – Disse Gregory abanando a mão. Não demorei a obedecer.
Disseram para nos retirarmos da sala e que esperássemos do lado de fora. Eu já sabia o que era. Hora da eliminatória.
Recolhi minha bolsa, script e me dirigi até a saída junto com as outras garotas. Em todos os vinte e cinco passos que eu dei da cadeira até a porta, senti seu olhar semicerrado sobre minhas costas. Eu não sei o que o ator tem contra mim, mas isso está me deixando desconfortável e intrigada, além de muito curiosa. Virei para encará-lo arqueando uma sobrancelha questionando mentalmente seu comportamento e ele soltou uma risada nasalada, virou as costas no momento em que deixei a sala.
Se passou uma hora e meia desde que saímos lá de dentro. Consegui, talvez por um milagre, conversar com duas garotas que me trataram bem em comparação a algumas outras.
Meredith e Lucy eram uns amores de pessoas. Simpáticas, delicadas e fofas.
Descobri mais delas do que talvez devesse, já que muito provavelmente não nos veríamos nunca mais depois do dia de hoje. A conversa fluía como se já nos conhecêssemos há meses.
Fomos interrompidas subitamente quando uma mulher alta de rabo de cavalo louro apareceu com uma lista na mão.
Ela não esperou que o silêncio viesse, começou a falar no mesmo instante em que cravou os pés juntos no chão:
- Os nomes que eu falar, por favor, sigam-me para dento da sala. As restantes, obrigada por terem vindo e participado, mas vocês não estão entre as finalistas.
Houve um murmurinho de pessoas falando e comentando juntas. Me remexi tensa no sofá onde estava. As demais só ficaram quietas quando a voz da mulher se fez mais alta:
- Melanie Stevens... – A garota que havia feita o primeiro teste levantou aos pulos, igual a uma criança no dia de Natal. - Sophia Albuquerque... – A outra de cabelos cacheados levantou com um sorriso convencido e seguiu com seu nariz arrebitado para dento da sala mais uma vez. – .
Arregalei os olhos e senti meu coração acelerar. Lucy e Meredit me parabenizaram, mas pude ver que estavam arrasadas. As demais garotas que não foram chamadas demonstravam diversas emoções. Algumas choravam, outras tinham olhares indignados, poucas agiram normalmente.
Segui de pernas bambas até a linha que as outras duas meninas formavam de frente para todas aquelas pessoas. Fixei-me ao lado direito delas mexendo distraidamente na minha pulseira de pingentes. O senhor Colleman deu a primeira palavra:
- Então, queridas. Queremos dizer que ficamos muito impressionados com a atuação de vocês, mas infelizmente não podemos ter três protagonistas. Teremos de tirar duas de vocês, só que não hoje.
Franzi o cenho confusa enquanto Gregory nos olhava com um sorriso. Percebi que não era a única que não estava entendendo:
- Daremos a resposta ainda durante essa semana, aguardem nosso telefonema, sendo ele de boas ou más notícias. – Olhei para meus pés. – E não se preocupe, para quem não passar, novas oportunidades virão.
Elas, assim como eu, estavam prontas para virar as cotas e ir embora quando alguém pigarreou chamando nossa atenção novamente:
- Só para deixar claro. – A voz de ecoou pelo lugar. – Espero que nos encontremos outras vezes. Então, se quiserem, podem anotar o telefone de vocês nesse papel, aí podemos marcar reuniões particulares ou...
- Nada disso! – Interrompeu o diretor. – Nada de criar casos com essas garotas, .
- Qual é, só pedi o telefone delas! - Sr. Colleman tinha um olhar de tédio, como se visse a mesma cena todo dia.
- Ah, é? E o que você ia fazer depois que tivesse o telefone dessas meninas?
- Provavelmente teria uma noite bem divertida com algumas delas. – respondeu dando de ombros. Juntei as sobrancelhas e retorci minha boca em uma careta.
- Ok, chega de besteira, . Podem ir embora, vocês três.
Nada precisou ser dito depois, eu apenas virei as costas e saí andando enquanto as duas outras garotas ficavam para trás dando risinhos cheios de segundas intenções para .
Resolvi que seria melhor se eu aproveitasse a situação e fosse logo pra casa, deitar na minha cama, colocar fones de ouvido e quem sabe escrever no meu diário, ou talvez só dormir.
Quando eu estava na metade do caminho que eu deduzia ser o da saída, ouvi as vozes enjoadas e finas demais daquelas outras duas garotas discutindo.
Apressei o passo e elas fizeram o mesmo:
- E você também, sei lá o quê! – Começou a Melanie. – Não pense que vai conseguir isso assim do nada. Essa vaga é minha, espero que saiba.
Parei e fiquei encarando-a:
- Não fale as coisas assim, coisinha. Você viu como ele olhou pra mim. Você não tem chance! – Revidou Sophia.
Aproveitei esse milésimo de segundo enquanto a atenção não estava sobre mim e terminei de andar naquele mesmo corredor onde semana passada eu havia levado um banho de café.
Passei pela porta olhando para os lados procurando algum sinal de um táxi para me levar para casa. As duas estavam logo atrás de mim quando estendi o braço e o carro parou.
Enquanto abria a porta e entrava no banco traseiro, imaginei que no meu lugar, daria um breve “tchau” para aquelas duas garotas que me olhavam com certo ódio.
Disse ao motorista o endereço de minha casa e logo ele já pisava no acelerador deixando aquele lugar para trás.
Encostei a cabeça no banco enquanto olhava o céu nublado no decorrer dos próximos minutos. Meu celular vibrou dentro da bolsa, sinal de que tinha alguém me ligando. Era :
- Alô?
- Gostei da roupa, ! – Sua voz animada me deixou confusa. Como ela sabia a roupa que eu estava usando? Enquanto o silêncio se prolongava eu olhava para os lados, como se ela estivesse por perto me observando.
- Quê?
- É isso mesmo! Mas ao invés desse sapato, teria colocado aquela bota cano baixo. Combina mais com a jaqueta.
Arregalei os olhos:
- Está me espionando? – Minha voz saiu uma oitava acima do que eu desejava. O motorista grisalho me olhou pelo retrovisor.
- Não preciso. – Minha amiga respondeu. – Você está na internet.
- Como assim? – Meu cérebro estava demorando a processar a informação.
- É isso mesmo, acéfala! Tem uma revista de fofocas com uma foto sua, e acredite, tem muitos comentários…
- Leia! – Eu praticamente gritei para .
- Ok. Tá escrito assim: “IMPORTANTE! Meninas de todo o país! – Afinou a voz em um tom agudo irritante. - Fontes acabaram de nos mandar uma foto de três possíveis garotas que vão fazer o papel da nova estrela da TV! De acordo com as informações que temos, elas estavam deixando o estúdio onde o diretor e produtor de The Black Side está com seus assessores, produtores e coprodutores da série, junto com o protagonista . Tudo indica que essas gatas são as três finalistas. Nada melhor do que uma loira, outra morena e pra completar, uma ruiva! Só falta saber qual delas é a sua preferida. Dedos cruzados para que a escolha seja feita logo!” Fim. – A voz de voltou ao normal assim que terminou de ler. Fiquei segurado o celular no ouvido sem nada muito interessante de se dizer. Minha amiga não me apressou.
Quando o taxi parou de frente a minha casa, entreguei o dinheiro ao motorista e somente quando estava na minha porta, voltei a falar:
- Eu não sou ruiva!
- Ah, me poupe, ! Você está na internet, com vários comentários bons e ruins sobre você, e a única coisa que você tem a dizer é que não é ruiva? Você é doente por acaso?
- Não fique com raiva de mim! Só não sei o que dizer sobre isso. – Falei virando a chave e abrindo a porta, sendo recebida por várias falas de Leonard e Laura, que na verdade, não estava prestando muita atenção.
- Talvez algo como “Puxa! E o que estão falando sobre mim?” seria algo normal de se escutar. E se você está tão incomodada assim de terem dito que você é ruiva, o que é verdade, ligue pra eles e faça uma reclamação.
- Vou desligar na sua cara. – Falei.
- Faça isso, chego à sua casa em dez minutos. Quero detalhes sobre hoje.
Revirei os olhos e bufei. Eu realmente tinha muito que conversar com a minha amiga hoje.
Querido diário...
Já faz cinco dias que a minha foto está circulando na internet e zero dia que me deram algum telefonema do estúdio. me disse que não é tão difícil assim decidir entre duas garotas com cara de vadias, vulgo meretrizes, e eu, com cara de um ser humano normal, porém sexy.
Essas foram palavras dela, não minhas. Eu não concordava com ela nisso, já que eu havia visto as duas atuando e elas eram muito boas.
Laura parece empolgada com a ideia de que talvez eu apareça na televisão. Ela fica criando possibilidades de aparecer também. Pensei sobre o assunto e estou avaliando minha ideia de leva-la até a agência onde eu comecei com as propagandas. Talvez meu pai concorde, ou muito provavelmente não. Mas não custa perguntar.
Andei lendo na internet algumas coisas que deixaram minha autoestima maior. E outras que apertava span logo em seguida, já que eu não tinha dado permissão para ela falar mal de quem havia feito comentários ruins.
Eu estou escrevendo enquanto espero para vir fazer minhas unhas e assistirmos um filme qualquer. Esse fim de semana era a vez de usarmos o meu quarto. Melhor eu ir e fazer a pipoca antes que ela chegue e me dê alguns tapas.
Com amor,
Atendi a porta na segunda vez que a campainha tocava:
- Pensei que não viesse mais. – Falei dando espaço para minha amiga passar.
- Puxa, não me atrasei nem quinze minutos. – revirou os olhos enquanto entrava e cumprimentava meus irmãos, logo em seguida meu pai.
Fomos direto para o quarto onde dois baldes de pipoca, uma fileira de esmaltes, e duas latinhas de Coca Cola nos esperava. Ela se jogou de barriga pra cima na minha cama:
- Claro, fique a vontade. – Murmurei, ela riu.
- O que vamos ver hoje?
- Hum, não sei. Pode escolher, se quiser. – Falei pegando meu notebook e colocando em um site de filmes on-line para escolher.
- Que tal “Casa comigo?”? – me olhou com um sorriso de orelha a orelha e os olhos brilhando.
- Ah, não. De jeito nenhum vou ver esse filme de novo!
- Mas é meu filme favorito! Ele aflora meu lago meigo e romântico.
- Nem começa! Escolhe outro, por misericórdia!
Então começamos uma discussão sobre os prós e contras de assistir esse filme outra vez. Já foram tantas que perdi a conta, mas decorei várias falas. Era um filme lindo e tal, mas eu não aguentava mais! E eu tinha quase certeza que ela ainda ia me fazer assistir esse filme mais uma vez só para me provocar e não perder o hábito.
Meu irmão bateu na porta e entrou com o telefone sem fio, fazendo nós calarmos a boca por um instante bem curto enquanto ele falava:
- , falaram que era pra você. – Peguei o aparelho e vi me olhar confusa.
- Falaram de onde era? – Perguntei.
- Acho que é alguém que conhece o Gregalgumacoisa.
Aquilo já foi o suficiente para levar o telefone até meu ouvido e murmurar um “alô” trêmulo. Não sabia que estava nervosa até atender:
- Olá, aqui é a assistente de Gregory Colleman, produtor e diretor da série The Black Side, quem está falando é ?
- Sim, é ela mesma! – grudava a cabeça do outro lado do telefone tentando escutar algo.
- Pois então temos o prazer de te comunicar que você foi escolhida como a nova protagonista da série. – Prendi o grito quando a mulher terminou de falar. – Queremos que venha até o mesmo estúdio das últimas duas vezes para que possa assinar o contrato e fazer o acordo sobre seu salário.
- No dia que você quiser. – Foi o que consegui responder.
- Amanha às duas da tarde. Não se atrase, por favor. Sala sete, traga seus documentos. Boa tarde, senhorita .
O telefone foi posto no gancho no instante em que eu e minha amiga colocamos uma música qualquer e começamos a gritar, pular e dançar juntas como duas loucas e idiotas. Ah, o mundo que se ferre! Eu consegui!
- VOCÊ CONSEGUIU! VOCÊ VAI VIRAR UMA ESTRELA DA TELEVISÃO! VAI SER A MAIS NOVA DIVA NA VIDA DESSAS PESSOAS QUE ESTÃO ESPALHADAS PELO MUNDO, VOCÊ É DEMAIS, !
Comecei a gritar por cima de suas palavras, falando que ela sempre seria minha melhor amiga e seria também minha agente, que viajaríamos juntas para seja lá onde decidissem que eu fosse, mas estragando completamente minha imaginação fértil, meu pai abriu a porta e paramos estáticas com respirações descompassadas:
- Isso aqui é pra você. – Ele esticou o braço e me deu um buquê de flores. Igual a , franzi a testa.
- Quem deixou? – Perguntei enquanto pegava de sua mão estendida.
- O entregador, quem mais seria? – Seu sarcasmo fez rir. Ele revirou os olhos e fechou a porta atrás de si, nos deixando sozinhas de novo.
- Olha, tem um bilhete, leia! – Minha amiga o puxou e me entregou com excitação visível nos olhos.
Demorei alguns segundos para decidir o que fazer. Por alguma razão, eu estava com um friozinho na barriga, curiosa para saber de quem era, mas apreensiva ao mesmo tempo. Alguma coisa me dizia que essa surpresa não era assim tão boa quanto eu esperava e queria que fosse:
- Certo... – Desdobrei o pequeno papel e comecei a ler em voz alta. – “Meus parabéns pela conquista! Mas acredite, como eu já disse uma vez, não vou tornar as coisas fáceis para você. Ass.: Seu futuro colega de trabalho, ”.
Capítulo 03 - “If I’m a bad person, You don’t like me, I guess I’ll make my own way”
’s POV
Ok, isso tudo deve ser algum tipo de piada, e atrás de mim deve ter uma câmera fazendo com que nesse momento todos rissem da minha pessoa, mesmo que de engraçado, aquele bilhete não tivesse nada.
- Hm, ? – franziu o cenho olhando para mim com uma incógnita óbvia no rosto.
- Sim? - Respondi sem tirar o rosto intrigado daquele buquê. Meu cérebro ainda não tinha absorvido metade das informações recebidas naquele curto espaço de tempo.
- O que ele quis dizer com isso?
- Bom, não parece óbvio? Ele não gosta nem um pouco de mim. Muito menos da ideia de que vai ter que trabalhar comigo pela próxima temporada da série.
- Quanto tempo seria isso? Seis meses? – Ela inquiriu. – Você vai mesmo trabalhar na TV nos próximos meses! Isso é um máximo! – Por um segundo eu esqueci a infelicidade que proporcionou com seu presente, e comecei a dar pulos de alegria junto de . De novo. Eu estava em êxtase com esse papel. Estava em êxtase com a minha conquista.
- Eu vou ser atriz de verdade! – Quase berrei em seu ouvido.
- Você vai aparecer em premiações! Tem noção de quão legal isso soa? – balançava meus ombros.
- SIM! EU TENHO! – Arfei de olhos arregalados. - Eu mal posso esperar para ir amanhã assinar os papéis e pegar o roteiro! Se eu pudesse eu ia hoje! Agora!
- Eu disse pra você que todos amam as ruivas!
Pelos próximos minutos, lê-se horas, demos mais uns pulos, rimos de coisas desconexas e sem sentido enquanto fazíamos danças estranhas até cansarmos. Assim o dia se prolongou. pintou minhas unhas, assistimos alguns filmes, lemos nossos horóscopos, rimos de vídeos on-line, e quando não fazíamos isso comemorávamos mais uma vez, o que resultou no meu quarto totalmente bagunçado e de pernas para o ar. Às vezes eu me pegava olhando para as flores encima da minha cômoda e percebia como aquilo me incomodava, e então eu jogava meus pensamentos relacionados a isso janela afora e voltava minha atenção para minha amiga. Mas então o tédio tomou conta de nós duas.
Já era noite quando meu pai bateu na porta.
Eu estava deitada na cama com os pés na parede e os cabelos caindo em cascata no chão. estava de pernas cruzadas no tapete mexendo no meu notebook comentando a vida de alguma cantora famosa qualquer que ela era fã e eu não recordava o nome. Levantamos o olhar ao mesmo tempo quando ele se pôs a falar:
- Será que agora uma de vocês poderia me explicar o que está acontecendo? Escutei gritos e barulhos estranhos a tarde toda. Uma hora não tem mais como ignorar.
- Ah... Sobre isso. – Pigarreei. – Lembra que eu tinha falado com você sobre um teste para uma série? – Meu pai assentiu. – Pois então... EU CONESEGUI O PAPEL!
Eu rolei na cama me levantando e fez o mesmo. Ele continuou lá, parado me encarando. Esperei que ele viesse até mim e me abrasasse, dissesse parabéns, abrisse um sorriso, qualquer coisa, mas ele não veio.
Fiquei na expectativa durante pelo que pareceu uma eternidade até ele abrir um sorriso de longe, que não achei que fosse assim tão sincero, e dirigisse a palavra a mim:
- Isso é sério, então? Vai trabalhar de verdade na TV? – Afirmei com a cabeça. Só então ele deu alguns passos até onde eu estava e passou os braços envolta do meu corpo. – Que bom, ! Agora vamos ficar todos bem, hein?
Assenti e deixei que ele me olhasse, desse outro sorriso e fosse embora. Me perguntei mentalmente se ele tinha sentido alguma pontada de orgulho sobre o que havia escutado.
olhou para mim e arqueou uma sobrancelha. Balancei a cabeça em negação e voltei para minha cama. Não importava.
Desde que minha mãe morrera, ele não havia sido mais o mesmo. Mas ninguém era. Todos mudamos de diferentes formas que nem mesmo eu sei explicar porquê e como. Só aconteceu e tivemos que aceitar essas mudanças. Talvez eu tenha aceito de uma forma melhor que ele. Ou eu apenas soube lidar com tudo enquanto ele ainda procurava o melhor jeito de se adaptar.
Olhei para meu pulso, para minha pulseira. O que minha mãe diria depois do telefonema de hoje? Talvez tivesse ficado feliz. Ela quem havia me introduzido ao teatro. Ela quem havia incentivado os books que eu fiz. Ela me apresentou para esse hobbie que agora virou uma profissão.
No meio de todos aqueles pingentes, achei a estrela. Talvez fosse o que tivesse maior significado entra tantos outros. Mamãe me chamava assim. Dizia que eu era uma. Que eu tinha brilho próprio e cativava quem estava ao meu redor. Se tudo isso era real, eu não sei. Nunca coloquei atenção e preferia não me prender a esses elogios por mais importantes que fossem, porque eu nunca teria uma confirmação se o que ela disse um dia teria sido verdade. Mas agora, depois desse curto espaço de tempo de felicidade pura, pensei nela e no que ela diria. Talvez finalmente ela ficasse feliz com minhas escolhas. Talvez finalmente ela se orgulhasse de mim.
Querido diário...
Eu passei a madrugada em claro com se remexendo ao meu lado enquanto eu pensava em como parecer profissional o suficiente quando fosse assinar aquele mundo de papéis hoje de tarde.
Fiz com que ela dormisse na minha casa, assim teria algum tipo de apoio moral quando levantasse. Negativo. Ela dorme igual a uma pedra, e nem quando eu a empurrei da minha cama ela se levantou. Murmurou qualquer coisa e se aconchegou no meu tapete. O que pareceu bizarro para mim ela nem ao menos abrir os olhos. Mas quem sou eu para pensar que ela é a estranha de nós duas? Fiquei com dó e coloquei uma almofada e um cobertor ali. Foi uma das situações mais estranhas que já vi.
São pouco mais de oito horas e eu já fiz o café da manhã e estou tentando decidir entre usar calça ou saia. Quando perguntei ao meu pai, ele murmurou algo parecido com “se vira” e saiu, levando meus dois irmãos para a escola. Desde então estou aqui, parada na frente do closet esperando que minhas roupas criem vida e me ajudem.
Agora sério, eu preciso ir e tentar de verdade me arrumar, porque tenho certeza que nada por aqui vai funcionar à base da osmose. Acho que minha amiga está acordando. E acho também que estou ferrada.
Com amor,
.
- ? – Era com sua voz grogue atravessando meu quarto com uma blusa que cabiam duas de nós e uma bermuda menor que as líderes de torcida usam.
- Pensei que tivesse entrado em coma. – Falei colocando meu diário de lado enquanto me levantava e arrumava a calça de agasalho que eu usava.
- Deve ter sido o comprimido que eu tomei. Ele faz com que eu durma mais do que deveria. – Ela puxou o cabelo o amarrando em um coque mal feito. – Que horas são?
- Hm... – Olhei meu relógio de cabeceira. – Quase oito e quarenta.
- Ah, vou voltar pra cama então... – Ela se virou, mas peguei em seu pulso antes.
- Não, não! Você vai me ajudar! – se virou como se estivesse fazendo um grande esforço para falar comigo. Ou manter-se em pé. Talvez os dois.
- , você só tem que estar lá às duas horas, ok? – Ela me olhava como se eu fosse uma criança. – Você pode dormir por mais três horas, comer em vinte minutos, tomar banho em trinta e se arrumar com mais trinta minutos, depois com o resto você chega lá. Viu? Tudo programado. Agora me explica porque eu acordei no chão?
- Eu empurrei você. – Falei simplesmente. – Agora sério, como não parecer uma adolescente? – Arregalei os olhos e gesticulei com as mãos. - Eu não sei o que usar! E eu estou com fome. Fiz o café. Será que agora podemos comer?
- Não, nós agora vamos dormir, entendeu? – se jogou de volta na cama e se cobriu até a cabeça.
- Você é uma péssima amiga. – Falei indo em direção à porta.
- Disponha! – gritou e eu a ignorei.
As horas seguintes passaram numa lentidão tão grande que achei aquilo um tanto anormal. Mas era tanto tédio que senti disposição em arrumar algumas coisas na casa e depois comi, tomei banho, dei um jeito nos meus cabelos (tarefa bem complicada), fiz três maquiagens diferentes com tutoriais da internet até escolher qual tinha ficado melhor, e ainda não era nem meio dia.
Me joguei no sofá da sala e comecei a cantarolar uma música qualquer, esperando que as horas passassem um pouco mais depressa até que eu pudesse finalmente me arrumar.
Entretanto, assim do nada, vi uma cena de The Walking Dead. Um zumbi apareceu no meu corredor e vinha em direção à sala, onde eu estava, contrariando minha noção do que era verdade e do que era ficção.
Em meio a risadas, perguntei:
- Um caminhão passou por cima de você ou o quê?
- Escutei você cantar. – Ela respondeu, e eu fechei a cara. – Brincadeira, sua boba.
Ignorei enquanto ela passava por mim e revirei os olhos.
- Já dormiu o suficiente para me ajudar agora? – Foi a vez dela de fazer uma reclamação silenciosa.
- Em que você precisa da minha ajuda exatamente? – se jogou ao meu lado e bocejou em seguida.
- No que eu vou vestir, por exemplo. – Ela pareceu dar de ombros, então foi direto para o meu quarto sem nem ao menos me esperar.
Escutei o barulho de cabides sendo retirados e de sapatos sendo arremessados para fora. Arregalei os olhos e corri até lá antes que não sobrasse nada no lugar.
- Certo. Você tem que parecer séria, mas jovial. Por favor, nada de usar terninhos. Espero que você nem tenha cogitado essa ideia, pelo amor de Deus! - Não se preocupe com isso. Não está nos meus planos. Nunca. Foi meu pensamento em relação ao que ela disse. Não pretendo usar coisas do tipo assim tão cedo. Não antes dos meus quarenta e poucos anos.
- Por que não veste essa calça preta, essa regata azul e um blazer floral por cima? Não precisa ser manga cumprida. Ah, e usa esse salto aqui! E essa bolça, e não esquece os anéis...
Enquanto ela ia listando tudo o que eu “precisava”, aproveitei para me sentar, deixando que ficasse com todo o trabalho de escolher as peças com sua empolgação mais que necessária.
Nós arrumamos meu quarto em tempo recorde, sendo que não parou de falar sobre as possíveis roupas que eu deveria usar. Na verdade, não calou a boca por um segundo sequer. Ela falava tanto que eu já estava concordando com tudo o que ela dizia esperando que ela adotasse o silêncio. Ela até mesmo me convenceu a colocar o buquê de flores em um vaso com água, pois, segundo ela “seria um grande desperdício jogar tão belas flores no lixo”. Tive que concordar que eram realmente bonitas, então o fiz. Depois de roupas e mais roupas jogadas em cima da minha cama, decidi optar por uma calça cintura alta e uma camisa estampada com mangas no cotovelo nem um pouco social, o que me deixava feliz, já que eu não ia com a cara das roupas muito sociais.
Fiz a maquiagem novamente, dessa vez ficou ainda melhor com a ajuda de minha amiga. Desfiz os bobs do meu cabelo que o deixaram mais cheio e com leves cachos nas pontas, e finalmente quando eram uma e cinco eu estava pronta com me analisando por completo na porta da minha casa.
- Você está linda! Não se esquece de me ligar depois e me contar como foi tudo. – Sorri para ela.
- Não vou esquecer.
- Agora vai. Está na sua hora, garota! – Com um abraço nós nos despedimos, e eu segui para o que seria a realização do meu sonho.
Depois de andar de taxi, correr de um cachorro e quase ser atropelada por uma bicicleta, consegui finalmente chegar até o estúdios sem muitos danos físicos, talvez só um pouco psicológicos.
Meu pé doía e eu sabia que era por causa da corrida de quase dois quarteirões que tive que fazer por causa do cachorro. É uma pena minha casa ser em uma rua residencial. É preciso andar um pouco (ou correr) até chegar à sociedade.
Passei no banheiro antes de seguir até onde deveria, e para minha felicidade, nada estava tão ruim quanto o pesadelo que se passava pela minha mente. Fiquei grata por isso. Mais grata ainda quando não fiquei tanto tempo esperando na sala de espera tão grande e vazia.
No momento em que me chamaram para entrar, senti-me nervosa. Não que eu já não estivesse, mas fez com que meu estômago revirasse algumas outras vezes além das voltas que já vinha dando. Lá estava o produtor, uma mulher que nunca vi na vida, mas que pela postura que tinha, parecia ser alguém importante, e mais algumas outras pessoas. Era uma sala de reuniões de tamanho médio, com decoração em branco e preto e design bem moderno. Alguns detalhes em vermelho vivo, mas nada muito chamativo. Tinha várias e várias cadeiras estofadas de preto com braços inox ao redor da mesa de vidro retangular que se estendia pelo ambiente. Eu era a única em pé.
- Senhorita ! – Gregory veio me abraçar, como se minha presença fosse querida. O que eu duvidava. Provavelmente ele só estava sendo educado.
- Boa tarde. – Sorri para todos ali e sentei na cadeira que o diretor me indicava. Sim, muito confortável. A aparência não enganou no teste.
Enquanto relaxava no acento extremamente macio, observei as pessoas presentes, então percebi que os roteiristas da série também estavam ali. De repente comecei a me preocupar com a forma que eu agia na frente de toda aquela gente.
Antes do que realmente gostaria, começamos uma longa conversa sobre o trabalho que eu faria, sobre a disponibilização que eu deveria ter com as gravações de agora em diante, acrescentando mais um monte de baboseiras que eu não preciso comentar. Me entregaram o contrato e meus olhos leram o conteúdo de várias e várias páginas detalhadamente.
Eu teria uma figurinista, maquiadora e um cabelereiro. Achei essa parte um máximo, até porque não ter preocupação em se arrumar sozinha sempre seria algo bom.
Eu teria de fazer aulas de luta e de tiro ao alvo com armas para as cenas de ação. Foi uma escolha minha para que não precisassem usar um dublê. Sim, daria mais trabalho, mas com certeza valeria a pena. Ah, e eu teria de entrar para a academia. Não gostei dessa parte, mas não mencionei isso em voz alta.
A partir de agora eu teria um novo agente que cuidaria da minha vida profissional, organizando meus horários e minhas atividades. Estava louca para pedir que fosse contratada para isso. Tinha certeza de que ela se esforçaria ao máximo para se dar bem com esse trabalho se tivesse a oportunidade. Era a única coisa que eu realmente queria acrescentar no meio de tantos parágrafos. Só precisava de uma brecha para poder falar, mas as pessoas pareciam tão empolgadas que não conseguiam parar de jogar novas informações em cima de mim. Eu já estava ficando tonta com tantas vozes diferentes soando em meus ouvidos.
- ... Temos grandes planos para você, . – A primeira roteirista falava com um sorriso singelo nos lábios. - As gravações vão começar já daqui a uma quinzena, alguns dias depois de você se estabelecer em Londres e fizer o... – Meu cérebro parou de associar o que ela dizia assim que a palavra “Londres” foi mencionada.
- Me mudar para Londres? – Pisquei enquanto deixava o choque tomar conta do meu rosto.
- Sim, querida. Londres. Onde acha que faríamos as gravações? Nesse estúdio sem recursos? – Ela riu com sarcasmo, sendo acompanhada por todos os outros ali. – Por favor, espero que você esteja brincando.
- Não! Meu pai nunca vai deixar que eu me mude! – Arregalei os olhos sentindo o nervosismo tomar conta e minha pulsação aumentar exageradamente.
A mulher que até agora eu não sabia quem era, arqueou uma sobrancelha enquanto me avaliava, depois deixou que um dos cantos de seus lábios se erguesse.
- Mas você é maior de idade, não é? Já tem o direito de ir e vir. Livre arbítrio, senhorita . Quem decide as coisas por você de agora em diante é você mesma. Sair ou não de Brighton é uma escolha sua, não dele.
Não falei nada, apenas a encarei. Sua petulância fez com que eu semicerrasse meus olhos. Então era assim que funcionava pra ela e pra qualquer um aqui dentro.
Eu precisava de ajuda. Precisava agora. Não conseguiria de forma alguma tomar uma decisão tão grande como essa assim em três meros segundos, dando a impressão de ser tão fácil como respirar.
Talvez minha expressão apavorada fosse tão grande que o olhar de pena do diretor me atingiu com um suspirar. Sentir pena, como ele estava fazendo agora, não fez com que minhas preocupações desaparecessem.
- Escute, . – Gregrory começou. – Nós gostamos do seu trabalho, da sua atuação. E ficaríamos realmente felizes se você desse certo nessa série. Já tivemos uma grande perda com Maya, por isso, se não vai poder fazer esse trabalho, fale antes que seja anunciado a todos que você foi escolhida.
Estudei completamente seu rosto. Intercalei olhares entre algumas pessoas e o contrato que estava na minha frente com uma caneta logo ao lado. Pensei nas consequências e comecei a respirar fundo cinco, seis vezes seguidas. Fechei os olhos com força. Eu precisava agir normalmente, se não iam achar que eu era uma criança. Não podia ser tão complicado, certo? Só precisava formular uma resposta curta e simples. Era fácil. Tomei o ar para falar:
- Eu...
- Espere, ainda não acabei. – Fechei a boca. – Leve o contrato, analise-o em casa, leia-o com cuidado e converse com quem for necessário. Te daremos dois dias, então você nos dará a resposta.
- Mas, senhor Colleman, nós não temos tempo para... – Aquela mesma mulher petulante começou a falar. Por alguma razão comecei a odiar o som da voz dela.
- Quieta. – Ralhou para ela depois voltando para mim. – Tudo isso se trata do seu futuro, senhorita . Uma grande decisão, por isso escolha com inteligência.
Recostei na cadeira pensando em onde tudo aquilo iria me levar. Certo. Eu tinha 48 horas pra fazer, quem sabe, a maior decisão da minha vida. Socorro!
- Reunião encerrada. – Ele disse. Imediatamente todos se levantaram e se dirigiram a saída, como se fosse algum tipo de pecado permanecer naquela sala. Não me importei com toda a correria. Fui à última a me retirar.
E como se o destino estivesse me pregando uma peça, outra vez quase dei um encontrão com um garoto, mas ao contrário dos novos xingamentos que eu esperava vindo do mega ator , acabei me deparando com outro astro, porém mil vezes mais educado do que o que eu achei que fosse. Me segurou pelos ombros quando percebeu que provavelmente íamos dar de cara um no outro. E graças a Deus dessa vez não tinha nenhuma bebida em suas mãos.
- Opa! Quase que abraçamos o chão agora. - Ele sorriu para mim e por um milésimo de segundo esqueci minha confusão mental sobre os acordos do trabalho e me perdi em seu sorriso perfeito.
- Não, tudo bem! Acabei me distraindo... - Falei assim que percebi que ainda estava parada com a boca entreaberta igual a uma idiota.
- Ah, tudo bem, às vezes acabamos pensando demais. - Deu de ombros quando se afastou repentinamente. E foi nesse instante que percebi nossa grande proximidade.
- Mas obrigada de qualquer forma por ter evitado hematomas no meu rosto, . - Agradeci a ele, totalmente envergonhada e sem graça pela situação.
- Sabe meu nome? - Ele arqueou uma sobrancelha com um sorriso divertido no rosto.
- Sim, você aparece em todas as revistas, fica meio difícil não lembrar. - Senti minhas bochechas corarem e olhei para os meus sapatos. O que eu estava fazendo ali mesmo?
- Ah, claro. Pra ser sincero, eu meio que me esqueço disso às vezes. - virou o rosto para trás, percebendo alguém chamar por ele. - Eu sei que você sabe meu nome, então acho justo eu saber o seu.
- . - Respondi sem pestanejar. - .
Mais uma vez ele olhou para trás e começou a se movimentar.
- Escuta, eu preciso mesmo ir, mas a gente se vê por aí, certo, ?
- Talvez. - Foi a resposta que eu dei a ele, que olhou para mim uma outra vez e sorriu enquanto se afastava.
Eu estava sorrindo, ainda sem mostrar os dentes, mas eu estava sorrindo para ele! Um garoto famoso, que talvez por convivência com certas pessoas, seja tão arrogante quanto o "ator do momento". Qual é? Aquela reunião tinha afetado meu cérebro.
Pela primeira vez que saí daquela sala, voltei a pensar no contrato e percebi que eu estava perdendo tempo em estar parada ali, conversando com um estranho não tão estranho.
E então, ainda me olhando, ele entrou em alguma outra sala qualquer e eu pude finalmente clarear meus pensamentos.
A passos lentos, arrastando os pés, me dirigi a saída. Não me importei em pegar taxi. Resolvi andar uns vários quarteirões a pé, assim teria mais tempo para pensar.
Rezei silenciosamente para que dessa vez não tivesse nenhum cachorro querendo correr atrás de mim. Eu não estava com o psicológico bom para correr mais dois quarteirões em um dia só. Muito exercício para pouco tempo.
Estava tão distraída no caminho de volta que acabei esbarrando em duas pessoas, que, aliás, me xingaram muito pra um segundo e alguns milésimos. Resolvi que não daria muito certo continuar a andar se minha cabeça não estava conectada aqui na terra. Pra melhorar um pouco mais a minha situação do dia, que já não estava nada boa, uma leve garoa começou. A princípio tentei ignorá-la, mas os pingos foram engrossando e eu não tive outra escolha a não ser esperar ela amenizar.
Felizmente, havia uma Starbucks perto de onde eu estava. Um café realmente iria bem agora.
Pulando poças, desviando de buracos e cobrindo a cabeça com a bolsa, entrei na cafeteria. Pedi meu Frappuccino de morango com creme e me sentei numa mesa. Encarei o celular por um minuto decidindo o que fazer. Ligaria para .
- O que era assim tão importante? – Minha amiga se sentou ao meu lado com um café expresso e muffin de blueberry.
- Seu irmão é advogado, – Comecei a falar pegando o contrato na minha bolsa. - Então você deve saber alguma coisa sobre brechas no meio disso tudo. – Entreguei a o monte de papéis e me recostei na cadeira.
- Ainda não assinou? – Me olhou com certa indignação. Apenas dei de ombros.
Sem enrolar muito, indiquei a ela a página onde falava sobre a minha provável mudança e esperei que ela iluminasse meu caminho. O que não aconteceu.
Me ignorando completamente, pegou o celular e começou a fotografar cada página do contrato me deixando ali, parada com cara de paisagem estando só um pouco mais confusa que o normal, ainda sem entender o que ela pretendia fazer.
- O que você tá fazendo? – Perguntei a ela.
- Tirando fotos, . O que achou que fosse? – Revirou os olhos sem me encarar.
- Disso eu sei! Quero saber pra quê.
- Simples. Como você mesma disse, meu irmão é advogado, então vou mandar para ele analisar e ver o que você pode fazer. Eu não posso te ajudar em nada, pelo menos não nisso aqui. Sendo que essa é uma ótima desculpa para vocês dois se encontrarem, já que Luke diz que você não fala mais com ele. – Falou sem fazer uma mínima pausa.
- Fala sério, seu irmão é muito dramático. Ele estava tão ocupado quanto eu. Talvez até mais! Duvido que Luke tivesse tempo até para comer. – Me justifiquei tomando vários goles da minha bebida em seguida. Minha amiga gargalhou.
- Ficar sem comer é papel seu que é modelo. O trabalho dele é ficar com dor de cabeça constante! – Sem se importar com os outros ao redor, continuou a gargalhar alto, me deixando um pouco tímida e envergonhada pelos olhares reprovadores das pessoas dentro da cafeteria.
- Acho que você está errada. Nunca fiquei sem comer pra fazer meu trabalho. E eu sou modelo de fotos, não de passarela. Desenvolver anorexia não está nos meus planos, .
- Talvez você não, , mas muitas garotas com certeza fazem isso e ficam anoréxicas por causa disso. – Eu sabia que era verdade, mas não contestei. Resolvi voltar ao assunto principal que era mais importante agora do que “comer ou não comer, eis a questão”.
- Espero que Luke dê um jeito nisso pra mim. Ele tem menos de dois dias. – Falei com certo desespero na voz. Eu não podia aceitar tudo dentro desse contrato, podia? Não parecia certo.
- Não sei pra que tanto chilique, amiga. – me olhava como se eu fosse um E.T. cabeçudo, de pele verde e duas anteninhas no alto da testa. – É Londres!
- Exatamente, Londres! – Dei mais ênfase na palavra, esperando que ela entendesse. – Eu teria que sair daqui, deixar tudo e todos, inclusive você! Não me parece certo. Eu não deveria nem ao menos me sentir animada com essa oportunidade. Se fosse aqui, em Brighton, seria diferente! Juro que teria assinado no mesmo instante, mas é a quilômetros de distância, num lugar onde eu não conheço nada, com pessoas que eu nem nunca vi! Como eu ia me virar numa situação dessas? Trancada numa casa com cinco gatos, dois cachorros e um aquário, com uma geladeira cheia de sorvete e chocolate, tentando fazer com que o tempo passasse mais rápido e eu me esquecesse da vida que eu levo aqui?
Ela apenas me analisava atentamente. Me estudava com os olhos da mesma forma que um psicólogo faria. Me senti intimidada, ainda mais com os olhares que o casal na mesa de trás nos lançava.
- , tudo bem que você fez teatro, é atriz e etc., mas não seja tão dramática! Metade do que você disse foi invenção da sua cabeça. Você nunca gostou realmente da vida que leva, sempre querendo mudar um detalhe, acrescentar ou tirar algo, então quando tem a oportunidade de começar tudo do zero, você cria desculpas porque tem medo de decepcionar os outros, mas quer saber? Fazendo isso só vai estar decepcionando a si mesma e nada além disso. - Seu olhar era duro da mesma forma que a sua voz. Podia imaginar falando tudo, qualquer coisa, mas isso foi uma grande surpresa. - Se me lembro bem, há alguns anos esse era exatamente o tipo de coisa que você faria, era o seu sonho. Mas aí tudo mudou e você resolveu que só faria isso pra ajudar seu pai. Mas não é esse o real motivo, é? Você sentia falta do teatro que sua mãe te levava e das peças que fazia. E a que eu conheço não deixaria de fazer o que gosta por causa dos outros.
Indignada, tentei interrompê-la:
- Mas...
- Eu ainda não acabei! – Interrompe-me. - Você não faz isso simplesmente por que gosta. Faz isso porque lembra sua mãe, . Foi a parte em que ela mais esteve presente na sua vida e você quer mantê-la por perto para não perdê-la. - Dessa vez foi como se realmente ela quisesse atingir meu ponto fraco. Eu estava pasma e sem qualquer palavra pra ser dita, por que talvez, no fundo eu soubesse que tudo aquilo era verdade. - Você tem que parar de pensar tanto nos outros e olhar mais pra quem você é e o que quer da vida. São seus sonhos que estão em jogo aqui, . - apontou para a cópia do contrato sobre a mesa sem desviar seus olhos do meu. - Não são as coisas que eu quero que você tem que por na balança, nem a dos seus irmãos, muito menos a do seu pai. Mas apenas a sua. Não importa pra quantas pessoas você faça a mesma pergunta "o que eu devo fazer?", porque as respostas que te darão não deveriam influenciar em nada na sua decisão.
Fez uma pausa dramática substituindo a seriedade por uma expressão serena, suspirando fundo em seguida.
Se antes eu já me sentia desconfortável, agora eu adoraria poder ficar invisível para todos que me olhavam. Mesmo que ela não estivesse fazendo por mal, já tinha sido mais que o suficiente.
- , desculpa, mas é que tudo isso é... Maluco! - Recostei as costas no encosto da cadeira, cobrindo o rosto com as minhas mãos assumindo a expressão angustiada.
- Não vou dizer que entendo tudo isso, por que seria uma total mentira, mas eu sei como isso deve ser confuso. Então quero que entenda que eu não posso simplesmente te dizer o que fazer, por que minha opinião não é a sua, por mais óbvio e patético que isso seja. A decisão é inteiramente e totalmente sua. Eu não posso ter nada haver com isso. Por maior que seja ela, você é quem tem que escolher seu caminho .
Querido Diário...
Ontem, quando cheguei em casa, decidi que me enfiaria dentro do meu quarto e só sairia de lá quando eu tivesse certeza do que queria. E isso funcionou por mais ou menos vinte e sete horas e alguns minutos, mas infelizmente meu plano foi por água abaixo assim que meu pai deu seu primeiro grito nervoso quando entrou em casa hoje ao entardecer. Foi a mesma coisa de duas semanas atrás. Deu um jeito de descontar sua raiva nos outros para tentar esconder a angústia e a tristeza que estava sentindo.
Quando ele finalmente parou, pude respirar fundo e abrir espaço para que a calmaria me atingisse e de vez me permitisse voltar para o meu quarto relaxar a mente. Mas mesmo sozinha no silêncio da noite, meu pensamento giram entorno da palavra "Londres".
Era exatamente tudo o que eu queria vindo no pior momento possível.
Eu não faço ideia do que fazer, mas espero encontrar a resposta nas menores coisas. Eu preciso encontrar o caminho certo.
E é com esse pensamento que eu deixo o sono finalmente me atingir, esperando que ele me traga uma noite sem sonhos para não me perturbar ainda mais.
Com amor,
.
- ? Eu não tenho o dia todo! - Parecia que alguém havia decidido espancar a minha porta até que abrisse um buraco na mesma, pois os barulhos me fizeram acordar em sobressalto.
Olhei ao redor, atordoada, percebendo que eu nem ao menos tinha me coberto para dormir na noite anterior. O diário estava sobre meu peito e a caneta jogada ao lado do meu travesseiro. Mas meu cérebro definitivamente não estava presente.
- Vamos, ! Você não pode passar o dia todo trancada aí! - Mais batidas fortes que ecoaram na minha cabeça, causando-me uma careta de desconforto. - Luke já está te esperando há quarenta minutos! Abre logo essa porta!
A palavra "Luke" despertou a parte do meu cérebro que até o momento estava desaparecida, fazendo-me pular da cama direto para a porta, escancarando-a no momento em que meu pai provavelmente a derrubaria.
Seu rosto vermelho mostrava que sua paciência já tinha chegado ao fim, e que provavelmente ele já estava bastante atrasado.
- Desculpa, eu...
- Dane-se qual seja a desculpa dessa vez, tenho que ir trabalhar.
Contei até dez mentalmente, esperando que eu pudesse manter a boca fechada e não falar qualquer besteira. Eu só tinha dormido demais, apenas isso. E eu sabia que dizer isso a ele me renderia mais alguns tipos de bronca que fariam minha cabeça explodir. Por isso apenas deixei que ele virasse as costas e me deixasse ali parada com o cansaço matinal me atingido como uma tempestade.
- E aí, baixinha? - Abri os olhos ainda aturdidos, me deparando com o irmão de vestido com uma camisa azul que definitivamente realçava muito a cor dos seus olhos, deixando-o ainda mais incrível.
Eu provavelmente nunca vou superar esse precipício que eu tenho por ele.
- Oi, Luke. Saudades de você, garoto! - Joguei meus braços sobre seus ombros, escondendo meu rosto na curva do seu pescoço, enquanto ele passava seus braços pela minha cintura, levantando-me poucos centímetros do chão.
Nos afastamos com um sorriso no rosto, o mesmo sorriso que eu estava acostumada a olhar todos os dias de minha infância, até que finalmente ele resolveu tomar rumo na vida. E aí está ele hoje, estudando direito.
- Cadê a loira aguada da sua irmã? - Perguntei a ele assim que começamos a andar até sala de estar.
- Se ela te escuta falar isso, vai começar a te chamar de vermelho de farmácia, pode ter certeza disso. – Avisou-me ele com um tom brincalhão na voz, se sentando no sofá e apoiando o tornozelo direito no joelho esquerdo.
- provavelmente tem sérios problemas de visão e audição também. Já cansei de dizer que não sou ruiva! - Contestei sua última frase, revirando os olhos.
- Essas suas sardas não enganam ninguém, .
Ele era um caso perdido assim como a irmã. E esse assunto de cabelo não é algo que eu realmente goste de conversar.
- Espero que tenha recebido as imagens que te mandou anteontem. - Deixei-o na sala enquanto pegava uma caneca com café quente na cozinha para eu tomar, oferecendo a ele também, que apenas recusou com um aceno.
- Na verdade é exatamente pra isso que eu vim aqui. - Sua voz soou mais alta para que eu o escutasse mesmo que um pouco longe.
- Claro, por que visitar os amigos é algo que não está nos seus planos dos últimos meses. - Impliquei com um sorriso travesso sobre os lábios.
- Sem essa agora, baixinha! - Levantou as mãos na altura dos ombros, em sinal de rendição. - Vamos falar sobre seu supercontrato com Gregory Colleman.
Não tão animada quanto eu deveria estar, me sentei ao seu lado com as pernas cruzadas, ainda com a xícara de café em uma de minhas mãos.
- Quando você vai assina-lo? - Sorriu para mim, com empolgação evidente no seu sorriso radiante que mostrava todos os dentes brancos e alinhados.
Não me perdendo tanto tempo no sorriso maravilhoso que Luke possuía, passei a mão no meu cabelo tentando amenizar a grande confusão que ele estava, pensando de forma frustrada que eu tinha praticamente menos de vinte e quatro horas para assinar um rabisco que provavelmente mudaria toda a minha vida.
- Essa é a questão, não sei se vou assinar.
Seu sorriso se desmanchou, como se sentisse tristeza pela minha escolha.
- Como não, ? Por acaso está bebendo alguma coisa alcoólica ou alucinógena nessa caneca aí? - Estreitei os olhos tentando absorver suas últimas palavras.
- Pra que todo esse exagero? Pensei que por ser um estudante de direito, devia aprender a se controlar mais, não? - Tentei soar como se sua reação não tivesse me pegado de surpresa, o que era mentira.
- Se eu me lembro bem, , há um ano atrás você estaria arrumando as malas nesse instante. - Luke soou tão sarcástico que me fez ficar momentaneamente indignada com sua forma de falar.
- Talvez muita coisa tenha mudado desde o ano passado. - Despejei as palavras que estavam presas na minha garganta desde que havia falado comigo há quase dois dias.
E talvez fosse esse o real motivo para eu estar tão indecisa. Há um ano minha mãe estaria ao meu lado empacotando a bagagem. Agora não me resta nada além da foto dela no criado mudo, por que foi a única forma que restou de tê-la ao meu lado.
Enquanto meus olhos permaneciam fixos no piso da sala, ainda tentando assimilar por que motivo realmente eu havia dito tal coisa, a voz do meu amigo invadiu meu sistema auditivo, sem me trazer totalmente para a realidade, mas fazendo minha atenção voltar parcialmente para ele:
- Olha, , vou ser sincero com você, e espero que pense nas minhas palavras. - levante o olhar para poder ao menos entender o que ele dizia. - Sobre a parte de se mudar daqui para Londres, no contrato, não posso fazer nada. É umas das condições para que seu trabalho aconteça. E lendo tudo aquilo como eu li, digo que é um grande emprego, . Uma oportunidade igual a essa talvez nem volte a aparecer. Como talvez minha irmã diga: é agora ou nunca. Você tem uma grande oportunidade em mãos e não pode negá-la assim. Mas, em todo caso, sua vida, sua escolha. - Olhou para o relógio, percebendo que provavelmente precisava ir. - Sei que não tivemos muito tempo, e que o que eu te disse talvez não seja do seu real interesse, mas pelo menos leve em conta uma coisa: o que a sua mãe diria em um momento desses. Qual conselho ela te daria.
Senti como se esse estivesse sendo o maior período de tempo que vim pensando em minha mãe desde que ela morrera. Mas pensava nela agora, e não nas lembranças que tivemos antes dela morrer. Era como se eu imaginasse ela num presente que nunca existiu, e num futuro que não passa da minha imaginação.
Mas não mudava o fato de que agora além de nervosa eu estava nostálgica com tudo isso.
Luke se levantou, deu-me um abraço rápido e saiu da minha casa, se preparando para mais um longo dia de estudos e trabalho, enquanto eu permaneci ali, pesando as palavras que eu teria de dizer horas depois.
A noite caiu enquanto eu o esperava sentada na cadeira da mesa de jantar, mexendo os dedos nervosamente, sentindo uma sensação horrível no meu estômago, sem conseguir respirar exatamente de uma forma normal. Além de arrepios constantes que subiam pelos meus braços enquanto eu tentava me convencer de que aquilo não seria nada mais que uma conversa comum entre pai e filha.
Ah, reclamou minha consciência, quem você está tentando enganar? Você mesma? Acredite, não está funcionando.
Legal, eu estou tendo uma guerra interior.
E no instante em que eu estava prestes a desistir de seja lá o que fosse que eu planejava dizer, a porta se abriu e meu pai passou por ela sem nem ao menos me notar ali, a poucos metros dele.
Pigarreei alto, antes de perder a coragem que me invadiu.
- Pai, será que podemos conversar? - Ele suspirou, descontente, provavelmente pensando que aquilo seria um desperdício do seu "precioso" tempo.
- Certo, o que você quer?
Empurrei o contrato assinado em sua direção, esperando que ele entendesse isso como um pedido para que lesse.
Nos primeiros dois minutos ele teve um sorriso no rosto olhando para a minha assinatura e para a do Sr. Colleman lado a lado.
- Mas isso aqui é ótimo, ! - Seus olhos brilhavam, talvez mais animado do que eu, mas mesmo vendo-o assim, não consegui sorrir em resposta. - Quando você começa a trabalhar?
- Daqui mais ou menos duas semanas... - Comecei a dizer em voz baixa. - Assim que eu me mudar para Londres.
Seu sorriso murchou no exato momento em que as palavras deixaram minha boca.
- Quando você decidiu isso? - Se sentou na cadeira ao meu lado, aturdido demais para começar com suas brigas. Pelo menos agora.
- Tive dois dias pra pensar o suficiente nisso.
- Você teve dois dias pra assinar essa porcaria, e resolveu se mudar por vontade própria sem me consultar? - Trincou a mandíbula enquanto falava.
Apertei os olhos quando os fechei, talvez esperando que eu estivesse tendo algum tipo de alucinação, mas quando voltei a abri-los, só encontrei a carranca de raiva que meu pai possuía no seu rosto.
- Escuta, pai...
- NÃO, NÃO ME VENHA COM HISTÓRIAS AGORA! EU SABIA QUE ESSA COISA DE ATRIZ IA DAR MERDA ASSIM QUE SUA MÃE TE COLOCOU NAQUELA PORCARIA DE TEATRO! - Se levantou da cadeira aos berros, talvez esperando que toda a vizinhança o escutasse.
- Você não achou isso uma má ideia cada vez que meu pagamento chegava. - Me arrependi do que falei assim que fechei a boca. Definitivamente minha língua era muito grande.
- EU NÃO ACREDITO NO QUE VOCÊ ESTÁ FALANDO! UMA GAROTA MIMADA, É ISSO QUE VOCÊ É! DEU UM JEITO DE TIRAR SUA MÃE DE MIM E AGORA QUER ME DEIXAR COMPLETAMENTE SOZINHO, QUEM VOCÊ PENSA QUE É?
Suas palavras me atingiram como facadas, e ele sabia muito bem daquilo, por que aquela era uma cicatriz que não havia se fechado completamente, e mesmo depois de todos esses meses, a culpa pairava sobre mim de uma forma inacreditável, e agora tudo voltou num piscar de olhos. Por palavras estúpidas vindas da boca do homem que deveria me proteger e não julgar.
- Minha intenção nunca foi essa e você sabe disso, eu...
- ESTÁ REPETINDO O MESMO DISCURSO DE QUANDO SUA MÃE MORREU! COMO VOCÊ CONSEGUE SER TÃO HIPÓCRITA, ? VOCÊ QUEM A MATOU E AGORA RESOLVE IR EMBORA ASSIM DO NADA? - Eu já começava a sentir a ardência nos olhos e a visão embaçada. Eu não ia chorar. Não agora ou na frente dele.
- Será que dá pra você para e me escutar? - Falei mais alto finalmente conseguindo sua atenção. - Eu nunca escolhi isso pra nossa vida aqui, e você sabe disso! Eu sei o quanto dói e machuca, mas não fui eu quem passou toda bendita noite me acabando em bebidas como você faz logo depois do acidente, e muito menos me afastei das únicas pessoas que eu sabia que podiam estar sentindo a mesma coisa que eu! Eu só quero ajudar, droga! Por que você não consegue ver isso em tudo que eu faço? - A minha voz não saiu controlada o suficiente, tremendo em vários momentos, deixando evidente que ele estava me atingindo como nunca antes.
- PORQUE VOCÊ NÃO FAZ ISSO POR VONTADE PRÓPRIA, FAZ ISSO POR CULPA! - Levei as mãos até a cabeça, respirando fundo engolindo o soluço que teimava em escapar do fundo da minha garganta. Eu não conseguiria mais escutar nada sobre isso.
- Quando eu falei sobre o trabalho, disse que a minha intenção seria unicamente ajudar aqui em casa, e é o que eu vou fazer. Vou mandar um quarto do meu salário para você, mesmo que fique aí falando todas essas coisas, por que pelo menos eu vou ajudar meus irmãos. Foi isso o que eu sempre fiz. - Me levante com a cabeça baixa sem a intenção de olhar em sua direção.
- VOCÊ NÃO FAZ NADA ALÉM DO QUE É A SUA OBRIGAÇÃO! FICA AÍ SE FAZENDO DE VÍTIMA PRA CIMA DE MIM! - Bateu sua mão na mesa, fazendo-me estremecer de medo. - VOCÊ NÃO TEM NEM AO MENOS UM MOTIVO DECENTE PRA ESTAR FAZENDO ISSO!
E foi quando o sangue subiu a cabeça e eu perdi o controle.
- Eu não tenho motivos? Você não me conhece mais! Eu passei o ultimo ano cuidando de Leonard e Laura, tentando fazer com que as coisas voltassem a ser como eram antes, mas você ajudou? NÃO! Ao contrário, nos fez afundar ainda mais! Você não é o único infeliz por aqui, e é exatamente por isso que eu estou indo embora, seguindo em frente. Algo que você não conseguiu fazer até hoje. - Seu olhar duro não pareceu amolecer com as minhas palavras, mas o leve brilho de surpresa presente nele foi o suficiente para eu saber que a escolha já estava feita.
- Quando você sair por aquela porta, , saiba que não terá volta. - Trincou o maxilar, sibilando para mim.
Apenas assenti virando as costas e indo em direção ao quarto.
- Sei disso perfeitamente. - Meu murmúrio talvez não tenha sido escutado, mas foi com essa frase que eu cai na real.
E finalmente sozinha, comecei a chorar, deixando meus soluços ecoarem pelo quarto vazio, e a as lágrimas escorrerem por meu rosto. Chorar por saber que talvez a culpa tenha sido totalmente minha por ela ter morrido. E eu devia isso a ela. Não era só meu sonho, era nosso. E eu iria realizá-lo por nós duas.
Mas não iria deixar que o que acabara de acontecer tirasse minha felicidade. Eu ia começar tudo de novo. Totalmente do zero.
Finalmente construir minha vida, longe daquilo tudo que me impedia. Por que era isso que ela gostaria que eu fizesse.
Finalmente eu estava fazendo meu próprio caminho.
Capítulo 04 - “So now What's your excuse? What do we have to lose?”
's POV
Na manhã seguinte quando acordei, não tive pressa para sair do quarto enquanto ainda tivesse alguém dentro da casa. Eu não tinha planos de ver nenhum deles por enquanto.
Quando devia ser quase meio dia, com muito esforço sai de debaixo das cobertas, vestindo a primeira roupa decente pela frente, me enfiando no banheiro em seguida o mais rápido que pude.
Assim que encarei o espelho, me deparei com provavelmente a pior aparência que eu consegui arrumar em seis meses.
Suspirei derrotada. Não tinha muito que eu pudesse fazer.
Prendi o cabelo com um rabo de cavalo alto, e deixei alguns fios caírem. Peguei os óculos de sol para esconder o inchaço dos meus olhos que conseguiram de alguma forma ficar pior do que meu cabelo espavorido.
Traços da briga da noite passada ainda ficavam rondando a minha mente, e mesmo lutando contra isso, me sentia culpada. Mas de qualquer forma, era como se eu soubesse que mais cedo ou mais tarde coisa do gênero fosse acontecer entre eu e meu pai.
E esse dia tinha sido noite passada. E como eu já suspeitava finalmente nossos laços tinham sido cortados. Não digo que seja para sempre, porque o para sempre é um termo muito forte para um tempo que talvez nem exista, mas isso pode durar meses, tenho certeza.
Fechei os olhos com força e segurei a ponta da pia até as pontas dos meus dedos ficarem brancas. Então respirei fundo e tentei relaxar.
Sem ligar para mais absolutamente nada, sai de casa a passos largos, pegando o primeiro taxi que vi depois de vários minutos e segui direto para o estúdio, onde Gregory Colleman estaria trabalhando.
Assim que cheguei, a secretária cuja eu não lembrava o nome, disse que o Sr. Colleman estava na segunda sala à direita e que estava desocupado no momento, ou seja, que ele poderia me receber.
Dei um sorriso de agradecimento a ela que mal pareceu notar enquanto atendia os telefonemas e parei em frente à porta, batendo três vezes até escutar a autorização para entrar.
- Minha futura grande atriz! - Abriu um sorriso radiante assim que minha cabeça passou pelo vão da porta. - Para que posso lhe ser útil, Srta. ?
Sentei-me na cadeira de frente para a sua mesa, ainda mantendo um sorriso por pura educação da minha parte, sem tirar os óculos escuros até ficar completamente acomodada.
- Eu quero antecipar minha ida para Londres. - Fui direta, recebendo um olhar de surpresa por ele.
- Algum motivo em particular para isso? - Arqueou uma sobrancelha, obviamente confuso.
- Só estou ansiosa. - Achei melhor guardar os meus problemas só para mim, e para fazê-lo acreditar, abri um sorriso que seria totalmente entendido como uma expressão de pura animação, mesmo sendo esse ato totalmente falso.
Ok, se eu fosse ser atriz, era melhor que eu conseguisse atuar mesmo fora das telas.
- Bom, se você insiste, podemos anteceder sua ida para depois de amanhã, tudo certo para você? - Gregory pareceu anotar e depois folhear um grande livro a esquerda de sua mesa, sem olhar para mim.
- Hã-hã. Tudo certo. - Me remexi na cadeira por incerteza da próxima pergunta que eu precisava fazer. - Er... Sr. Colleman?
Ele me olhou e assentiu.
- Algum problema Srta. ?
- Na verdade sim, tenho mais uma pergunta... - Retorci minha boca em uma careta desgostosa. Será que ele não ia achar isso um abuso da minha parte? Bom, eu acharia! Odeio pedir coisas aos outros...
- Pois então pergunte.
- Eu só queria saber onde eu vou ficar. - Comecei dizendo. - Eu nunca fui para Londres e não conheço absolutamente nada lá, então eu estou com esse pequeno problema martelando na minha cabeça.
Ele ponderou minhas palavras, parecendo não muito feliz com esse meu pequeno detalhe.
- Ainda não providenciou nenhuma moradia por lá? - Neguei imediatamente me sentindo um pouco envergonhada. Eu não tinha dinheiro pra comprar uma casa em Londres assim de uma hora para a outra. - Nenhum parente que possa ficar com você até que resolva essa questão?
- Sobre isso, não. Eu não tenho parentes fora de Brighton e nem dinheiro suficiente para comprar um apartamento. - Tentei justificar. - E mesmo eu trabalhando há algum tempo como modelo fotográfica, meu salário nunca foi suficiente para isso. Na verdade, eu ainda moro com meu pai.
Um pouco, talvez muito pensativo, o diretor apenas assentiu, mas sem confirmar exatamente alguma coisa, parecia apenas ter prestado atenção no que eu falava e agora tentava resolver essa questão no seu cérebro.
Ajeitei os óculos no rosto e suspirei mexendo no anel do meu dedo indicador.
- Então faremos assim: sua empresária irá providenciar um apartamento próximo ao seu emprego com um aluguel razoável qual nós iremos arcar até que você possa cumprir com essa responsabilidade. - Aliviada, balancei minha cabeça afirmativamente, abrindo um sorriso sem mostrar os dentes.
- Muito obrigada, senhor Colleman. - Já me preparava para deixar a sala, quando ele pediu para que eu aguardasse mais um momento, enquanto atendia ao telefone. Logo Gregory tratou de apertar um botão, fazendo a voz da secretaria que havia me atendido, aquela que eu ainda não lembrava o nome, invadisse a sala transmitindo receio pela forma que seu patrão provavelmente iria reagir:
- Senhor Colleman, me desculpe, juro que tentei fazê-lo esperar, mas o garoto é teimoso, está indo para aí.
- Obrigado por ao menos tentar, Tiffany. - Gregory passou as mãos pela cabeça e a abaixou em seguida.
Olhei para o semblante franzido do meu chefe e tentei pensar no que poderia fazê-lo parecer tão cansado em dois segundos. Foi aí que a porta se abriu com nenhum pingo de delicadeza, fazendo-me levantar o olhar e exclamar um Ah em minha mente. Agora tudo fazia sentido.
- O que faz aqui, ? - Assumiu o tom profissional a sua voz.
Era só o que me faltava...
- Olha só o que temos aqui... - me olhou cruzando os braços. - Então agora é oficial, não? Fiquei sabendo que logo, logo vamos ter que nos ver todo dia. - Estreitei meu olhar, mesmo que ele não pudesse ver, então me virei para Gregory, pronta para deixar aquela sala.
- Certo, obrigada pela ajuda, Sr. Colleman, mas agora vou deixar vocês, er... Resolverem seja lá o que for... - Sorri mais uma vez contra a minha vontade, passando o mais longe possível do garoto com os braços tatuados.
- Mas já está de saída, ruivinha? Nem tivemos tempo de conversar! - Sua atuação era comovente, pena que a ultima coisa que eu precisava hoje era a falsidade de pessoas assim.
- Tenham um ótimo dia... - Abaixei a cabeça e passei pela porta, apressada.
Pensei ter conseguido pelo menos uma coisa boa naquele dia, me distanciar de , mas aparentemente essa não era proeza que eu tinha. Descobri isso assim que não ouvi a porta bater atrás de mim e sentir a mão dele agarrar meu braço, fazendo-me virar bruscamente logo em seguida.
- Precisa mesmo disso? - Bufei sem total vontade de ouvir o que ele tinha a dizer.
- Só quero fazer uma pergunta. Prometo que vou embora logo depois. - Levantou as mãos na altura dos ombros, indicando sinal de rendição, mostrando seu sorriso malicioso que já deveria ser hábito seu.
Me vi dando um suspiro. Deixei a boca em linha reta, demonstrando toda a minha falta de interesse.
- Fala. - Me limitei a uma única palavra.
- Gostou das flores que te mandei? - Mordeu lábio inferior, mostrando uma expressão de puro escárnio.
Sem dar uma sequer satisfação a ele, andei direto para a saída indo o mais rápido que eu conseguia.
Não fui muito longe, antes que sua mão me impedisse de continuar mais uma vez.
- Não vai nem agradecer, ruivinha? Gastei uma grana nelas. - Seu riso de divertimento me tirou do sério. Hoje não era um bom dia para escutar seu sarcasmo.
Virei-me de frente para ele, apertando os punhos contra a lateral do meu corpo.
- Ora, o problema é seu de quanto gastou ou deixou de gastar. Aliás, não pedi nada a você, foi escolha sua enviar o tal buquê. - Despejei as palavras de uma vez. - E com que raios conseguiu o meu endereço? - Perguntei com uma grande mistura de cansaço, raiva e tédio no tom de minha voz.
- Tenho meus contatos. - Virou-se para sua direita, sorrindo e piscando com um dos olhos para a secretaria, que até então eu não havia notado a presença, que sorriu envergonhada com as bochechas coradas.
Ah, claro. Consigo imaginar perfeitamente como ele tinha conseguido esse detalhe.
- Quer saber? Que se dane seus meios de conseguir seja lá o que for. E tem outra coisa! Você já fez a pergunta que queria, eu já a respondi, então agora se me dá licença, eu preciso ir embora. - Virei as costas para , que não passava de mais uma coisa pra piorar meu dia que já estava definitivamente um desastre.
Eu só precisava ficar em um lugar tranquilo por um par de minutos que eu me acalmaria.
Baixei a cabeça reclamando baixinho enquanto andava.
Vi então um par de pés parados um pouco a frente, impedindo que eu continuasse meu caminho. Pensei que talvez eu pudesse pedir ajuda a para me livrar de um idiota arrogante, mas não foi ele quem eu encontrei parado ali, me encarando com um sorriso presunçoso.
- Você realmente gosta de esbarrar nas pessoas assim, ou sua principal característica é ser distraída? - Se não fosse quem fosse, eu teria achado sua pergunta cínica e de mau gosto, mas eu sabia que vindo dele não passava de uma brincadeira.
- Olá, . Tudo bem? - Forcei os cantos do meu lábio para cima, formando um sorriso educado.
Uma risada nos interrompeu.
- Acredite, ela faz isso por divertimento. Aliás, ela ainda não derrubou nenhum tipo de bebida em você? - Eu podia sentir o cinismo e sarcasmo de esvair por cada poro de seu corpo. negou um tanto confuso, o que fez com que o outro continuasse. – Então, cuidado, cara. Esse pode ser o próximo passo dela.
Certo, que se dane meu autocontrole.
- Vocês já se conhecem? - A voz de cortou meus pensamentos violentos. Vi seu olhar passear entre eu e o outro garoto, respectivamente.
- Ah, não foi por vontade própria, acredite. - O desdém em sua voz estava se tornando cada vez menos suportável da minha parte. Quer dizer, será que ele não poderia ser educado? - Vamos ter que trabalhar juntos de agora em diante.
- Então, é a garota que você tem reclamado? - o olhou como se aquilo fosse um absurdo, e eu me senti agradecida por isso. Pelo menos ele não implicava comigo.
- , não julgue a cara de anjo que ela tem assim tão fácil. - iniciou seu discurso de defesa. - Não vai ser você que vai ter que aguentar esse desastre ambulante daqui a uns dias.
- Fala isso como se fosse um sacrifício. - Murmurei mais para mim mesma do que para eles.
- Não vai ser se conseguirem manter água, café e outras bebidas longe de você. - Arqueou uma sobrancelha, me encarando.
- Sério, qual o seu problema comigo? - Arquejei impaciente, cruzando os braços.
- Nenhum desde que você não derrube nada em mim.
Grunhi de raiva, virando as costas e deixando os dois onde estavam.
Se ele queria me tirar à paciência, tinha conseguido exatamente isso com muita prosperidade.
Mandei uma mensagem às pressas para , dizendo que a encontraria em minha casa. Eu tinha muito que contar.
Passei pelos corredores restantes igual a um flash até chegar à calçada da rua. Eu precisava falar urgentemente com alguém em que eu confiasse.
E eu estava a caminho disso quando escutei chamarem meu nome. Virei para trás, vendo andar apressadamente em minha direção. O olhei confusa, claramente tentando entender a situação, já que de comum ela não tinha nada.
- Que foi?
- Não liga muito para o que ele fala. - Começou dizendo até parar ao meu lado. - às vezes é um idiota.
Concordei mentalmente com o que ele dizia. Tínhamos pelo menos essa opinião em comum.
Trocamos algumas palavras. Me limitei a dizer pouco, fazendo o assunto morrer segundos depois.
Apesar de minha primeira impressão do garoto metido ter sido bem ruim, eu ainda não tinha o direito de sair xingando-o até a quinta geração para o seu suposto melhor amigo.
- Vou deixar você ir embora. Parece estar com pressa. - Ele disse e eu assenti mais uma vez, fazendo com que pensasse que eu era uma bela de uma mal educada. - Só não leve nada muito a sério. - Voltou a falar.
- Claro - Disse em um suspiro cansado. -, ele só me pegou num dia ruim. Geralmente sou mais paciente. - Ri um tanto sem graça.
- Você tem cara mesmo de quem não explode com facilidade. - Ri mais uma vez com seu comentário.
- Obrigada, acho... - Falei a ele, dando dois passos para trás, insinuando minha ida.
- Parece que vamos nos ver de novo, então? Se você vai mesmo trabalhar na série...
- Depende, se você fizer bastante questão de visitar seu amigo, vamos nos ver sim. - Dei de ombros como já estava fazendo desde o começo.
- Principalmente com a minha participação em alguns episódios. - falou com um grande sorriso, e eu inclinei a cabeça para a direita, quase confusa, mas associando tudo aquilo bem rápido.
- Sério? Em quais episódios? - Agora minha surpresa já tinha se transformado em curiosidade. parecia ser um cara legal.
- Vai ficar sabendo isso depois, não vou te contar. - Me lançou um sorriso divertido e eu me permiti rir baixinho disso.
- Então vai ser surpresa. - Concordei com ele, ainda sorrindo.
Virei às costas para continuar meu caminho, mesmo que repentinamente eu não quisesse mais aquilo.
- ? - O ouvi chamar e virei meus calcanhares. - Será que você pode me passar seu número? Sabe, pra gente não perder o hábito de se esbarrar... - pareceu sem graça, olhando para tudo, menos para mim.
Sorri em resposta. Ele ficava muito fofo tímido. E era isso que o tornava diferente de . E eu preferiria mil vezes ser amiga de caras como ele, do que daqueles que não sabiam ter um pingo de educação.
- Claro que sim, por que não? - Trocamos nossos números, logo dando espaço para o silêncio tomar conta.
Comecei a me distanciar, dessa vez decidida a ir embora, para então ver o que as próximas horas me aguardavam. Na verdade, eu precisava a todo custo me encontrar com . Tínhamos muitas coisas pra conversar e pouco tempo para tudo isso.
- Hey! - Foi quando a visão da figura de correndo finalmente teve foco. Revirei os olhos ainda cobertos pelo óculos de sol.
Como não se pronunciou, achei que eu devesse o fazer:
- Será que falar com o Sr. Colleman não era mais importante do que ficar me perseguindo? - Cruzei os braços procurando alguma vontade de ficar ali o encarando. Coisa que não existia, aliás.
Me olhou surpreso, franzindo a testa, soltando um riso nasalado em desdém.
- Ô, subcelebridade, segunda opção, eu vim aqui atrás do meu amigo. - Foi a resposta que recebi dele. Senti minhas bochechas corarem de raiva. - E na verdade, você está certa. Falar com o Gregory é realmente mais interessante do que ficar aqui te encarando. De qualquer forma, preciso de para isso.
Eu tinha a opção de responder com palavras não muito próprias, mas mordi a língua e contei até dez. Virei os calcanhares dando um ultimo olhar a , que permanecia sério me encarando, com os lábios em linha reta e mãos atrás do corpo.
Me mostrou seu celular discretamente e eu entendi que ele não falaria nada em voz alta.
Sai a passos largos, arrumando os óculos no meu nariz.
No próximo instante eu já estava mandando outra mensagem para .
- Será que eu tenho que lembrar você que eu ainda trabalho? - Ao contrário do que pessoas normais diriam quando recebem visitas em suas devidas casas, foi assim que abriu a porta da dela.
Percebendo que eu não estava exatamente bem para rir de suas brincadeiras, desmanchou a sombra do sorriso formado em seus lábios e passou as pressas por mim até conseguir me segurar pelos ombros, arrancando de uma vez o acessório que impedia os outros de verem a forma horrível em que eu me encontrava.
- Mas que diabos aconteceu com seus olhos? O que aconteceu com você, ? – Corrigiu sua pergunta.
Sua preocupação evidente não me pegou de surpresa, mas me fez suspirar em um sinal de cansaço.
- Longa história. Será que podemos, por favor, nos sentar?
Ela concordou, receosa, mas concordou, se sentando ao meu lado no segundo seguinte, prestando o máximo de atenção que podia.
Então contei a ela tudo.
Contei desde a conversa que tive com Luke, até as implicâncias que tive com minutos antes.
Não deixei de fora as partes que incluíam . Achei importante ressaltar que pelo menos alguém além dela e seu irmão, parecia não me odiar.
Detalhei a discussão que tive com meu pai. Deixei que algumas lágrimas rolassem por meus olhos em certas partes. Sabia que seria a ultima pessoa a me repreender por tal ato. Ela só faria isso se fosse realmente necessário fazer.
Havia sido assim quando interveio em minha crise de fim de relacionamento com meu primeiro namorado, com meu chilique por notas no ultimo ano, com a minha quase depressão tempos depois da morte da minha mãe. E seria assim sempre que necessário.
Ela me escutou sem dizer nada, questionar ou interromper. Apenas fez o possível para absorver cada informação que eu lhe falava.
Por fim, de súbito, lembrei-me de falar sobre a data de minha partida. Qual nos rendeu uma longa conversa sobre despedidas. Detalhe qual eu não gostaria de detalhar.
- Você não pode simplesmente "ir". - Fez aspas com os dedos, me encarando um tanto incrédula. - Isso não combina com a que eu conheço.
- Como se eu tivesse muitas pessoas de quem me despedir. - Respondi com ar de desanimo.
- Não tem que ser alguma despedida, literalmente. - Deu de ombros. - Só alguma coisa divertida que você goste e curta bastante. E não faça drama, . Não temos tempo pra isso. - Balançou as mãos como se não ligasse. - E você tem a mim, e Luke. Não é tão solitária quanto pensa.
- Por que eu chamaria ? Para de insinuar isso, . - Joguei minha cabeça para trás.
- Por que não? Você disse que ele era legal. - Fez sua melhor cara de inocente, que depois de anos tentando, eu aprendi a ignorar muito bem.
- Mas não vejo motivos para convida-lo. - Tentei tirar essa ideia da cabeça de minha amiga, mas com aquele sorriso que ela deu de pura e total determinação, percebi que não adiantaria mais nenhum argumento.
- , você pode estar ignorando uma grande amizade pelo simples fato de ser uma chata e cabeça dura! - usou seu melhor tom de bronca. - Se você não mandar uma mensagem pra ele, eu mesma farei isso.
- Tá falando sério? - Tentei acreditar que tudo aquilo não passava de uma brincadeira dela.
- Você tem cinco minutos. O que vai querer?
A olhei sem piscar, tentando entender seu olhar de desafio que emanava dúvida, como se minha decisão fosse a tomar de surpresa.
Olhei o celular impaciente. imitava o som de um relógio enquanto eu decidia. Sim, ela era infantil em alguns momentos.
Quase todos, pra ser mais exata.
Desbloqueei o aparelho e digitei rapidamente para dois contatos da minha agenda.
Querido, Diário...
Minhas últimas horas aqui têm passado muito rápido.
Evitei o contato com meu pai, e ele também não correu atrás de mim, o que significava que ainda está com raiva.
ontem me ajudou a arrumar as malas. Várias, aliás. Eu levaria quase todas as minhas roupas e sapatos, maquiagem e bijuterias. Levaria também meus objetos pessoais de valor, como fotos, livros e outras coisas de decoração.
Contei a notícia para Laura e Leonard, o que me deixou deprimida, já que a primeira pergunta de Laura havia sido se eu iria embora igual mamãe tinha ido.
Garanti aos dois que os visitaria sempre que possível e que também os levaria para minha nova casa na primeira oportunidade que eu tivesse. Concordaram felizes da vida, principalmente quando descobriram que eu iria para Londres.
Daqui a pouco eu irei ao píer com , Luke e no parque de diversões. Lá é um lugar de boas lembranças para mim, e eu o escolhi justamente por isso.
Na verdade está pronta aqui do meu lado me olhando com cara de pressa, prestes a tomar a caneta da minha mão.
Tenho poucas horas para permanecer aqui, então vou aproveita-las enquanto posso.
Com amor,
- Luke já está nos esperando no carro. - Foi o que falou quando passou direto por mim em direção à porta.
- Quem diria que um futuro advogado igual a ele estaria indo a um parque de diversões com duas garotas. - Comentei calçando meus tênis, a acompanhando.
- Ele não liga, contanto que ninguém saiba. - Ela deu de ombros, fechando a porta atrás de si.
- Porque com certeza nós o fazemos passar vergonha. - Minha ironia veio à tona.
- Você não esquece mesmo certas coisas, não? - abriu um sorriso debochado cheio de dentes enquanto seguíamos para o carro.
- Não quando isso envolve coisas cômicas.
Rimos juntas, tendo provavelmente as mesmas lembranças que eu. Aquelas de quando estávamos na infância ou no início da adolescência. Quando fazíamos palhaçadas de propósito, ou por acidente mesmo.
- Finalmente, achei que tivessem se perdido no caminho. - Luke falou, dando a partida no carro.
- Culpa da que não se contentou em experimentar só dois conjuntos de roupa. - A provoquei com a minha melhor tentativa de seriedade.
- Minha nada! A gente só se atrasou graças a sua tentativa de rebocar essa sua cara que não tem conserto.
Juntei as sobrancelhas enquanto os irmãos riam, fazendo um hi-5 em seguida.
- Qual é?! Você mesma diz que todos amam as ruivas! - Respondi quase ofendida.
- Então quer dizer que você finalmente assumiu seus cabelos vermelhos? - Minha amiga indagou.
- Não disse isso! - Justifiquei.
- Mas foi o que deu pra entender.
Cruzei os braços e fechei a boca, permanecendo assim pelos próximos longos minutos que se estenderam até chegarmos lá.
nos encontrou na entrada do parque, tímido, olhando para todos os lados. Estranhei sua reação inicial, mas não fiz perguntas sobre isso.
- Oi, . - O cumprimentei com um abraço. - Obrigada por ter vindo!
- Como você mesma disse, é bom comemorarmos certas fases da vida. - sorriu e deu de ombros, olhando para e Luke que permaneceram ao meu me encalço.
- Gostei do garoto! - Minha amiga quase gritou de alegria pelo que ele disse.
- , essa é .
- A melhor amiga. – Ela respondeu e ele esticou a mão, cumprimentando-a.
- E esse é Luke.
- Irmão da melhor amiga. - Respondeu de imediato, mantendo o rosto sério.
Me virei de frente para os outros dois e me desembestei a falar:
- Queridos amigos, esse é , vou trabalhar com ele em algum momento da série que eu ainda não sei qual é, porque esse garoto aqui fica fazendo mistério.
- Sério? O que ele vai ser? - se entusiasmou, intercalando olhares entre eu e o garoto.
- Eu disse a ela que só contaria na véspera. - Sorriu tímido sem olhar para apenas um de nós.
Concordei balançando a cabeça, recebendo uma face de confusão da garota, que transmitia um olhar quase que desesperado por informações. E também tinha Luke, que riu sem graça da situação.
Como ninguém ali parecia confortável o suficiente, por motivos nada concretos, decidi arrasta-los para todos os brinquedos que fossem possíveis, tentando quebrar o clima esquisito entre nós.
Funcionou minutos depois. Logo estávamos todos rindo como velhos amigos, daqueles que se conheciam desde crianças, porque esse era o espírito que aquele lugar nos transmitia. Leveza, diversão e felicidade.
As horas passavam, mas permanecíamos elétricos como se não se tivessem completado mais do que poucos minutos ali.
Tirei o máximo de fotos que pude, recordando todos os momentos, fazendo de tudo para não esquecer as boas coisas que me faziam gostar tanto de Brighton, da minha cidade, que apesar de tudo, foi e sempre vai ser a minha casa, o lugar onde cresci, mentalmente e fisicamente. Onde eu construí cada detalhe de quem eu era, do meu caráter. E doía demais olhar ao redor e lembrar que essa seria minha ultima noite aqui.
Suspirei olhando as luzes que davam o ar infantil e divertido ao píer, sorrindo em seguida vendo meus amigos de infância e meu pseudo novo amigo se divertindo com eles. Talvez esse não fosse o fim. Talvez fosse a introdução de um novo grande começo.
- Por que não vamos tentar a sorte no tiro ao alvo? - Se pronunciou com os olhos brilhando de entusiasmo.
- Claro! Eu vou com você. - a seguiu para uma das barracas coloridas, um pouco longe dali.
Luke permaneceu ao meu lado, sem fazer menção a seguir os dois.
- Vai ficar aqui? - Me perguntou quase descrente.
- Sabe que tiro ao alvo definitivamente não é algo que eu faça de forma decente. - O relembrei desse detalhe, que fazia nos lembrar de episódios nossos de infância nada normais. Como a vez em que a rolha da arma que usei, ao invés de derrubar um dos prêmios, acertou um dos homens que trabalhavam na barraca.
Definitivamente eu era um desastre.
- Mas segundo seu contrato, você vai ter que virar o oposto. - Comentou Luke, inocentemente.
- Eu sei que você está louco para me zoar. - Estreitei meus olhos em sua direção.
- Não esperava que eu fosse mentir e dizer que você vai ser ótima, né? - Riu de forma nasalada, e por total revolta eu lhe dei alguns tapas no braço.
- Obrigada pela parte que me toca.
- Disponha. Amigos servem pra essas coisas. - Deu de ombros, iniciando uma caminhada sem rumo definido, comigo o acompanhado.
- Como está sua cabeça? - Luke me perguntou, recebendo meu olhar confuso em resposta.
- Ainda grudada ao meu pescoço, se é o que você quer saber. - Ele riu e me olhou incrédulo, provavelmente pensando em quão burra eu era.
- Quero saber no que você está pensando... - Corrigiu a própria pergunta.
Tornei minha expressão séria, procurando as melhores palavras para descrever tudo aquilo.
- Parece uma cama de gato de tão bagunçada. - Olhei para o chão antes de encara-lo por um momento. - Alguns momentos penso que abandonar tudo isso é a mesma coisa que eu me tornar alguém totalmente diferente, sabe? Por que não vou levar a mesma vida, e isso é um fato. E eu não tenho como saber o quanto tudo isso vai me fazer mudar, se para coisas boas ou ruins. Eu não tenho apoio de todos que eu queria, mas ainda sim tenho daqueles que são mais importantes para mim, e esse é o meu consolo.
Luke se manteve quieto me olhando, esperando que eu continuasse a dizer mais alguma coisa sem sentido que se passasse pelo meu cérebro, mas a verdade é que colocar o que eu estava sentindo em palavras, parecia ser o desafio da minha vida, pois era impossível descrever qualquer coisa que em questão, eu poderia pensar por horas seguidas, mas eu nunca conseguiria organizar meus pensamentos.
Nunca fui o tipo de garota que se abria como uma caixa de música e deixava que minhas palavras se derramassem como uma melodia clássica qualquer. Na maior parte do tempo eu pensava em simplesmente aguentar meu próprio fardo. E isso não significava que eu estava sendo arrogante ou egoísta, nem que eu estava recusando ajuda de ninguém, pois na verdade estava aceitando todas que me oferecessem, mas ainda assim era como se tudo o que eu pensasse ficassem preso em um cofre, trancado por cadeados, enterrado a sete palmos do chão, e mesmo que começassem a escavar, nunca iriam achar a chave para abrir.
Eu não era impenetrável, mas sentia como se uma redoma se formasse ao meu redor.
Quem convivia comigo sabia disso, e por esse motivo, tinham achado outras formas de me desvendar, porque sabiam que se dependesse de mim, tudo estaria sempre uma maravilha. Na teoria, claro, porque tudo seria da boca pra fora.
E eu não queria perder essas pessoas. Queria as perto de mim para me ajudar, mesmo que eu não pedisse ajuda.
- Não fique achando que eu vou te deixar em paz assim que você for embora. - Luke me surpreendeu, como se lesse meus pensamentos e sorriu lateralmente, colocando as mãos no bolso do agasalho.
- Claro, não me deixou nem quando foi pra faculdade. Alguns quilômetros a mais, outros a menos não vai fazer diferença pra você. - Ironizei.
- Você é uma chata! - Ele riu me abraçando lateralmente.
- Isso é amor de irmão, seu idiota! - Passei meu braço por sua cintura, o abraçando da mesma forma que ele fazia.
- Então somos muito hipócritas, porque irmãos não se beijam. - E lá vamos nós com esse assunto de novo.
- Vou dizer mais uma vez. - Pausei ainda sem olhá-lo. - Você é um idiota, Luke!
- Ah, não, ! - O loiro parou de andar, me segurando pelos ombros. - Você sempre foge do assunto!
- Porque se passaram anos desde que isso aconteceu, e você sempre resolve conversar sobre esse acontecimento nas horas mais importunas! - Me justifiquei de imediato, colocando as mãos na cintura.
- Não acho que seja importuno! Foi aqui e tudo mais! - Olhou ao redor, dando mais ênfase a sua frase.
E então eu quis me esconder, já que estava óbvio demais que ele havia me deixado desconsertada e totalmente vermelha. Tinha total certeza disso por causa do calor que eu sentia em minhas bochechas.
- Ótimo, então fale sobre isso com o ursinho de pelúcia que eu ganhei, toma! - Lhe entreguei o brinquedo com o melhor sorriso que pude, virando as costas, andando a passos largos para longe dele.
Eu tento evitar momentos constrangedores como esses, mas parece que na minha vida, esses são os tipos de coisas que tem de acontecer frequentemente. Pelo menos é o que parece.
- ! Por que você tem tanta vergonha de mim? - Luke me alcançou poucos passos depois.
- Você sabe muito bem o porquê. - Fiz um bico gigante com meus lábios.
Ele soltou uma longa gargalhada, e eu fiquei sem acreditar no que ele fazia.
- Sei sim. - Concordou. - Sei também como era a noite aqui cinco anos atrás, quando você me disse que nunca tinha beijado ninguém. - Fez uma pausa enquanto eu prendia a respiração. - E lembro da parte que eu fiquei indignado, porque convenhamos, você sempre foi muito bonita, e eu disse isso pra você, o que consequentemente fez você dizer que gostava de mim.
- E aí, a idiota aqui... - Apontei para mim mesma. - Beijou você.
Ele sorriu, como se finalmente eu estivesse chegando exatamente onde ele queria. Bufei um tanto indignada.
- É, mas logo em seguida eu te beijei de volta. - Acrescentou.
- E minha mãe viu, o que me resultou em horas de interrogatório sobre as "intenções" para aquilo. - Cruzei os braços rindo da lembrança daquele dia. - Foi quase tão ruim quanto a conversa "de onde vem os bebês" que ela teve comigo aos onze anos.
Gargalhamos juntos pelos próximos segundos.
- Você é a pessoa mais exagerada que eu conheço!
- Faz parte do pacote de ser atriz, acredite!
Demos mais alguns passos, dessa vez procurando algum sinal de e .
- E o que mais está incluso no pacote? - O ouvi perguntar.
- Praticamente tudo que faz ser quem eu sou. Claro, tirando a parte de ser convencida, mesquinha e se achar o máximo. - Dei de ombros, abraçando meu ursinho de pelúcia. Eu precisava arranjar um nome para ele...
- Então eu gosto desse pacote. - Luke olhou esperando que eu desse alguma resposta, mas me limitei a balançar a cabeça de forma negativa.
- O que deu em você hoje, criatura do Senhor? - Perguntei estranhando seu modo de agir, e me xingando por ter subido minha voz alguns décimos.
- Absolutamente nada, só estou lembrando você das coisas que já fizemos. - Outra vez me abraçou lateralmente, pendendo seu peso sobre mim, o que nos fez cambalear por alguns metros.
- E por que cargas d'água resolveu me lembrar justo de um dos dias mais embaraçosos da minha vida? - Falei irritada, gesticulando mais do que de costume.
- Por que aquele dia é a minha garantia de que você não vai me esquecer. - Juntei os pés, o olhando surpresa, mas tentando não esboçar isso.
- Do que você tá falando?
- Estou garantindo que mesmo que você não volte nunca mais, ainda assim vai se lembrar de mim, porque afinal, eu fui seu primeiro beijo.
Demorei um pouco pra conseguir assimilar tudo o que ele tinha dito. Pensei em começar a responder alguma coisa, qualquer coisa que tivesse nexo, mas para ser bem sincera, era como se meu cérebro tivesse dado pane. Que tipo de coisa era aquela que ele estava dizendo?
- E o que te faz pensar que eu vou te esquecer? Ou esquecer qualquer coisa que aconteceu aqui? - Questionei procurando algum tipo de esclarecimento.
- Tudo! Você vai entrar em um mundo novo, conhecer pessoas novas. Talvez você fique tão envolvida com tudo aquilo, que nem vai se lembrar do que fez no dia anterior. - A preocupação dele era simplesmente tão patética, que eu senti vontade de rir.
Mas me colocando no lugar dele, talvez eu acabasse sentindo o mesmo que ele. Insegurança.
- Luke, isso só confirma como você é bobo. - Sorri sem mostrar os dentes. - Eu não vou esquecer você! E sabe por quê? Porque não se esquece do melhor amigo. É simplesmente impossível.
O loiro apenas me olhou, pensando em como continuar a conversa, já que eu havia tirado sua ideia maluca da cabeça com a minha pergunta retórica. Pelo menos eu achava que tinha acabado com essas discussão, afinal, nenhuma palavra saiu da sua boca desde que eu fechei a minha.
E então ele me abraçou.
Um abraço apertado, que acabou por espremer meu novo ursinho de pelúcia entre nós dois, mas eu não ligava pra isso, desde que aquele contato durasse por um pouco mais de tempo.
- Vou sentir sua falta, baixinha. - Luke murmurou com a voz abafada pelo meu cabelo em seu rosto.
- Idem. - Respondi em um murmúrio. - Prometo falar com você sempre que possível. - Minha risada soou triste, da forma que eu estava naquele momento. - Digo o mesmo sobre . Ela não vai escapar de mim assim tão rápido.
Ele riu mesmo que parecesse sem vontade de o fazer. Se afastou de mim, mantendo o contato visual.
- Tenho muitos motivos pra lembrar de vocês. Juntos ou separados.- Sorri mais abertamente, vendo-o concordar com a cabeça.
- Eu sei que vai, e vou te dar mais um motivo pra isso.
Franzi o semblante, confusa o suficiente para não entender o significado daquela frase.
Pensando bem, ser confusa parecia ter se tornado meu estado de espírito e vivência desde que fiz o teste para The Black Side. Sinceramente eu precisava entender melhor os momentos parecidos com esse, onde as pessoas falavam coisas, que na minha cabeça, não tinha o menor nexo.
E como se já não bastasse a loucura que meus neurônios estavam, Luke colou nossos lábios em um beijo, o que praticamente fez com que tudo se explodisse.
Totalmente surpresa, não consegui me afastar, travei todos os músculos do corpo, em choque, tentando assimilar as partes que perdi.
O toque não se aprofundou e nem pareceu se prolongar mais que alguns segundos, porque era exatamente isso. Só um toque. Nada mais íntimo, como troca de DNA ou coisas do gênero, para não dizer outras coisas. Foi apenas um gesto carinhoso, um selo de nossa amizade.
E ainda com os músculos rígidos, sem nem ao menos ter soltado a respiração, vi ele se afastar, procurando algum traço no meu rosto contrariado por sua atitude.
Sei que meu amigo pensava em me encontrar brava, ou quem sabe me mordendo para xinga-lo, mas a atitude que ele teve era a única alternativa que não cumpria a lei da ação e reação. Eu simplesmente fiquei parada o encarando, como uma estátua viva estaria fazendo, porque eu não estava sendo capaz nem de piscar incrédula.
Me safando talvez de uma das conversas mais constrangedoras da minha vida, uma provavelmente que ficaria no top 5, e entraram em meu campo de visão. Um suspiro de alívio deixou meus lábios, que ainda entreabertos, tentavam acreditar no que há pouco acontecera.
- A gente tava procurando vocês já fazia um tempo. - Minha amiga se prontificou a falar, dando um passo a frente em minha direção.
- Onde é que vocês tinham se metido? - Completou .
Enquanto aqueles três pares de olhos me encaravam, dois obviamente curiosos e o outro sem mostrar qualquer ato que lhe entregasse, eu tentava pensar em uma boa desculpa.
Pigarreei um tanto alto, torcendo para que minhas bochechas não estivessem vermelhas vivas, porque já bastava a vergonha daquilo na minha cabeça, não precisava mais duas pessoas dizendo qualquer sacanagem que fosse.
- Estávamos esperando por vocês, só que estavam demorando tanto que resolvemos ir a alguma barraquinha. - Soltei a mentira, rezando silenciosamente para que soasse verdadeira o suficiente para convencê-los.
- E foram em alguma? - retrucou com sua expressão impassível.
- Na verdade não.
Engoli em seco, fingindo arrumar o cabelo, que teimava em cair na frente do rosto por causa do vento fraco que passava pelo píer.
Minha amiga mantinha seu olhar convencido pra cima de mim, de quem sabia mais do que devia.
Desconfortável, procurei olhar para qualquer coisa mais interessante que aquelas três pessoas paradas.
- O que acham de pegarmos um algodão doce? - Luke opinou, tentando soar tranquilo e normal, mas conhecendo-o como o conheço, sabia que ele estava inquieto e nervoso.
- Pensei que nunca fosse perguntar! - respondeu como que dissesse "finalmente!", e me agarrou pelo pulso enquanto os dois garotos seguiam na frente conversando sobre qualquer coisa.
Percebi que minha amiga diminuía a velocidade dos passos, esperando que a distância entre nós duas e os outros ficasse maior para finalmente se virar de frente a mim.
- Você me deve uma bela explicação pelo que eu vi, . Não pense que não vou cobrar. - Quando piscou um dos olhos e seguiu para a fila do algodão doce, eu fiquei sem saber se ria ou se chorava.
Alguns segundos depois de pensar no que fazer, decidi que ia ignorar toda essa minha vontade de me esconder e aproveitar o tempo que tinha com meus amigos.
Comemos o tal do algodão doce, fomos no carrinho de bate-bate, deixando algumas crianças totalmente bravas por isso, mas sem motivo aparente.
Gastamos uma hora fazendo uma porção de coisas divertidas, mas também idiotas, até que paramos na fila da roda gigante.
- Sério que vocês querem ir nesse troço? - Luke franziu a testa e retorceu a boca em uma careta, olhando pra cima.
- Eu quero ir, poxa. - Reclamei cruzando os braços na altura da minha cintura.
- Pra falar a verdade eu também não tô muito a fim não... - concordou com o irmão, me deixando chateada com a falta consideração deles comigo.
Certo, exagero meu, mas eu estava chateada.
- Eu vou com você, , não precisa ficar brava. - se prontificou ao meu lado com um sorriso sem mostrar os dentes.
- Obrigada, ! Você, ao contrário de certas pessoas, é gente boa. - Me pus a falar mais alto, tentando irritar aqueles que me abandonaram na fila.
Fingindo que eu não falava com ela, arrastou Luke para comprarem, provavelmente, mais batatas. Eu ainda não tinha descoberto pra onde ia tanta comida, porque eles simplesmente não paravam de comer! Eu nem ao menos tinha terminado meu algodão doce e eles já pensavam em qual seria a próxima "degustação" que fariam das comidas do parque.
- Hey, , é a nossa vez. - me puxou pelo antebraço, tirando-me dos meus devaneios.
Subimos no banco, sentando-nos lado a lado, descendo a trava de segurança logo em seguida.
Ao contrário do que são algumas rodas gigantes, essa não era aquela no estilo filmes de Hollywood, que giravam devagar para os passageiros admirarem a paisagem etc. e tal. Ela na verdade era até que bem rapidinha para as minhas expectativas do brinquedo.
- Obrigada por ter vindo hoje, . - Desviei meus olhos do mar para poder olhá-lo. - Achei que você fosse recusar.
- Por que eu recusaria? - Arqueou uma sobrancelha. - Gosto de ter um dia atoa como hoje.
- Ah, sei lá. - Dei de ombros sorrindo de forma tímida. - Como nós nos conhecemos a tipo, cinco dias? Achei que você diria não.
- Achou errado, então. - Deu de ombros. - Sei que você não faz o tipo de garota louca que vai tentar me sequestrar daqui a pouco só porque eu sou , o cantor da One Direction. Sei que me convidou aqui por eu ser apenas , o cara normal que gosta de fazer coisas normais.
- Que bom que você pensa assim. - Ri enquanto a imagem de uma pessoa criando possibilidades de realmente fazer aquele absurdo relacionado a sequestros invadia minha mente.
- Bom, de qualquer forma eu estou me divertindo com você e seus amigos. - Afirmou ele olhando para o resto do píer.
- Se você diz, então eu acredito que esteja gostando. - Respondi. - Não é sempre que você vem a um parque de diversões em um píer, tenho certeza.
- Na verdade sair de casa já é uma novidade, então isso é uma noite atípica pra mim. - Falou na maior normalidade possível, fazendo-me olhá-lo de uma forma estranha. Eu procurava entender o significado de suas palavras, por que admito que pra alguém como ele que viaja o tempo todo, esse devia ser um dia comum e sem graça.
- Não sei se entendi o que você quis dizer. - Coloquei mais uma parte do algodão doce cor de rosa na minha boca.
suspirou pesadamente e depois se virou para mim, tomando fôlego para falar:
- Isso é diferente da realidade que eu vivo, entende? Tipo uma fuga ocasional. - Assenti, o incentivando a continuar, mesmo que na verdade eu não estivesse entendendo muitas coisas. - É um tanto complicado sair na rua sem ser seguido por paparazzi, ou encontrar fãs por todos os lugares. - Fez uma careta, se policiando logo em seguida. - Não estou reclamando, não é isso! - Se apressou em dizer. - Eu gosto muito da vida que tenho, mas os exageros dela às vezes me incomodam. Como eu não poder sair com alguns amigos de forma despercebida sem que criem algum rumor absurdo sobre isso.
- Essa é a segunda face da moeda. - Bati os calcanhares no apoio do banco, soltando um riso nasalado.
- Quase isso. - Assentiu roubando parte do meu doce. - Mas isso tudo veio incluso quando eu decidi o que queria da vida, e ainda assim, não consigo me imaginar sem essa parte. É bom e ruim ao mesmo tempo, difícil no começo, mas depois se torna uma rotina. A sua rotina.
Uma volta completa se seguiu em silêncio. Me perguntei se aquele brinquedo não pararia nunca, pois já faziam alguns minutos que estávamos ali.
- Você sabe que vai ser assim com você, não sabe? - O garoto ao meu lado se virou quase que completamente para poder me olhar melhor. - Essa parte da fama e etc.
Balancei a cabeça confirmando suas indagações.
Eu havia pensado nisso. Pouco, admito, mas eu tinha um formigamento na barriga, um nervosismo, medo de qual realmente poderia ser minha imagem para todas essas pessoas que eu nem ao menos conhecia.
Já havia repetido quase que centenas de vezes para eu mesma que as coisas não iam simplesmente explodir e todos saberiam quem eu era.
Tudo ia acontecer no seu próprio tempo, por mais clichê e idiota que isso soasse, era nisso que eu acreditava.
- Não sei se estou preparada para isso. - Subitamente me senti interessada em brincar com meus próprios dedos das mãos.
Olhei pelo canto dos olhos para , sem a real intenção de continuar com meu foco nele.
- Ninguém nunca está. - Senti seu riso sem verdadeiro divertimento escapar como um sopro.
Logo então veio a sensação que de alguma forma eu estava muito ferrada. Mas se para tudo que se fizesse fosse ter algum tipo de consequência, pelo menos eu estava ciente dessa, mesmo que ainda não tenha realmente acontecido.
O celular no meu bolso vibrou, fazendo um barulho irritantemente alto, chamando a atenção de também. Tratei de pega-lo imediatamente, vendo o nome de Luke na tela bloqueada e sua mensagem.
Logo seguida de outra e mais uma.
Suspirei e revirei os olhos antes de lê-las sem nem um pingo de calma.
- Luke disse que ele e já saíram do parque. - Comecei a falar. - Parece que já está tarde e algumas coisas começaram a fechar.
assentiu sem realmente me olhar.
- Você tem alguma coisa com Luke? - Juntei as sobrancelhas o olhando de relance. - É que vocês parecem ser bem próximos.
- Na verdade nem nos falamos muito. - Expliquei. - Ele tem estudado muito ultimamente, então nosso único meio de comunicação acaba sendo , que tem sido como um elo de nossa amizade.
- Ah... - não pareceu convencido. - É que você sabe... e eu vimos vocês se beijando...
E o rubor subiu por minhas bochechas e eu tranquei a respiração.
Não sei o porquê, mas eu senti a repentina vontade de explicar para que aquilo tudo havia sido tão estranho para mim quanto para ele.
Contei com poucas palavras minha constrangedora história do primeiro beijo, e contei também do pequeno drama que eu estava vivendo com uma mudança como essa, e que aparentemente, Luke se sentia tão embaraçado como eu, e sem mais nem menos, ele achou que me beijar seria uma boa lembrança nossa para o futuro.
Guardei para mim mesma o detalhe que eu tinha gostado daquilo. Bastante.
Terminei a história em meio a risos, sendo acompanhada por ele também, que pediu mais detalhes sobre a parte do chilique que minha mãe havia dado quando viu a filha dela, no início da adolescência, aos beijos com o suposto melhor amigo desde a infância.
- Ela começou a perguntar se eu tinha outras intenções além de beija-lo, e por que eu tinha decidido fazer aquilo no carrinho de bate-bate, se era pra mostrar pra alguém ou qualquer coisa do gênero, e eu admito, foi horrível! - Levei as mãos para o alto em meio a risadas. - Não tinha uma estabilidade! As pessoas faziam questão de bater principalmente na gente.
- , você sabe que é exatamente pra isso que serve aquele brinquedo, não sabe? - me olhou sem cessar sua risada divertida. - Você vai lá pra bater nos outros, não pra beijar!
Sua indignação me fez levar uma das mãos aos olhos, cobrindo-os de vergonha.
- Eu sei! Mas eu tinha catorze anos, me dá um desconto, poxa!
- Desculpa, mas não dá! Isso foi totalmente ridículo.
Nossas risadas se prolongaram por mais alguns segundos, e a toda gigante, não tão gigante assim, não fazia a mínima menção de parar.
- Ela ainda implica com você por isso? - O sorriso largo de ocupava a maior parte do seu rosto, ou pelo menos era o que mais me chamava atenção.
Ainda pouco recuperada das risadas que estávamos dando, acabei por não entender muito bem sua pergunta, o que me fez juntar as sobrancelhas, sem tirar o sorriso de minha face e perguntar:
- Ela quem?
- Sua mãe! Ela ainda lembra disso? - Senti a proporção do meu sorriso diminuir até ficar sem forma.
, quem ainda sorria, pareceu perceber meu desconforto, tornando sua expressão séria enquanto um arrepio subia pelo meu braço.
- Minha... - Senti minha voz embargar e pigarreei para que voltasse ao normal. - Minha mãe morreu faz um ano...
Adquiri um sorriso triste, tentando tirar aquele desconforto que se espalhou ao nosso redor.
Talvez atônito, senti que ele não sabia exatamente o que dizer ou como reagir. Eu sabia bem como era essa reação, tinha se tornado comum desde o ano passado.
- Me desculpe, . Eu não sabia... - Apressou-se em dizer, de olhos arregalados e confusão evidente, provavelmente sentindo uma espécie de culpa por ter tocado no assunto.
- Tá tudo bem! - Resolvi dizer antes que ele pensasse que eu me sentia irritada, ofendida ou qualquer coisa do tipo. - Não tinha como você adivinhar.
Olhei em seus olhos enquanto falava, apenas para ter certeza que ele entendesse que estava tudo Ok. Fazendo o possível para que o clima entre nós dois não ficasse estranho. não pareceu contrariado em manter seu olhar no meu por longos segundos.
- Seus olhos... - Interrompeu sua própria frase.
- O que têm eles?
- Eu pensei que fossem verdes... - Senti uma repentina vontade de sorrir e resolvi não reprimi-la. - Mas agora estão azuis.
- Eles podem ser os dois... Depende da iluminação, não sei... - Dei de ombros ainda o olhando.
- Gostei muito deles. - Mais uma vez naquela noite senti o calor subir ao meu rosto.
Pisquei vezes seguidas, sem saber exatamente o que falar.
Salva, finalmente, pelo fim do nosso passeio no brinquedo, descemos em silêncio e fomos assim até a saída do píer.
Realmente a maior parte das barracas havia fechado e apenas as luzes permaneciam acesas.
Como durante todo o passeio, andava com a cabeça baixa, porém atento a todos os lados, procurando não encontrar alguém que o reconhecesse, provavelmente.
Todo esse trabalho, infelizmente foi em vão. A poucos metros do estacionamento três garotas o pararam e pediram autógrafos e fotos.
Preferi ficar afastada em um canto apenas esperando pelo garoto, já que o primeiro olhar que recebi das meninas, me fez ficar receosa de qualquer aproximação. Eu ainda queria estar viva no dia seguinte, então fiquei onde estava.
A passos largos, ele seguiu em minha direção mais uma vez com um sorriso sem graça nos lábios, pedindo desculpas sem realmente dizê-las.
Por mais que insistisse em me dar carona, tive que recusar todas elas, sendo acompanhada por uma que repetia todas as minhas frases para que eu simplesmente tivesse oportunidade de contar o que de fato teria acontecido entre eu e Luke.
Eu poderia ter resumido isso em apenas uma palavra. E ela seria "nada".
Me despedi de por ultimo, com um abraço apertado. Nunca imaginei que pudesse ganhar um amigo assim, de uma forma tão rápida.
Me sentia um pouco menos perdida e preocupada sabendo que ele havia se oferecido para me mostrar algumas partes de Londres. Mas por noção de abuso, não faria dele meu guia turístico.
Minha amiga pareceu realmente desapontada em ver que não conseguiria arrancar nada de mim dentro daquele carro. Senti-me orgulhosa de mim mesma por ter conseguido ficar quieta. Geralmente ela era uma pessoa tão persuasiva, que dava vontade de socar a cara dela. Claro, só quando ela começava a ser irritante, o que se resumia em quase todos os momentos...
A situação pareceu pior ainda quando Luke parou o carro na porta de minha casa. bufou indignada e quase se recusou a se despedir de mim, mas vendo sua infantilidade, resolveu mudar sua estratégia, e não quis me deixar ir, prendendo-me no banco de trás por vários minutos.
Eu não duvidava que conseguisse me manter ali por toda a noite. Sabia disso porque eu também não queria sair de perto da minha amiga. Porém o dia seguinte seria no mínimo tenso, já que eu deixaria a cidade com todas as minhas malas, sem a intenção de voltar por um grande intervalo de tempo. Então, a minha única escolha era pedir que me encontrassem amanhã na estação de trem.
Deixei o carro e não olhei parar trás. Segui em frente até a porta da minha casa, onde me atirei para dentro no mesmo segundo.
Pronta para me jogar na cama e desmaiar até o dia seguinte, me deparei com a imagem de meu pai sentado na cadeira da mesa de jantar, batendo um envelope contra o vidro da mesma.
- Antes tarde do que nunca, não? - Apontou para o celular que marcava pouco mais que meia noite. - Não achei que fosse voltar aos velhos hábitos assim tão rápido...
Suspirei em desgosto.
- Desculpe pai, já estou indo pra cama, não precisa gastar mais do seu tempo. - Fiz menção de continuar meu caminho, quando ele pigarreou, fazendo-me mesmo sem vontade, interromper meu andar e o olhar.
- Não tem nada pra me contar? - Arqueou uma sobrancelha quando dei de ombros. - Algo sobre isso, por exemplo?
Enquanto eu estranhava e não entendia nem um terço da situação, ele me entregou o tal envelope, qual eu não demorei um minuto para abrir.
Lá estava ela. Minha passagem de trem para Londres. Uma passagem apenas de ida.
- Quando pensou que ia me contar? - Levantou a voz sem mexer um músculo sequer.
- Não achei que você se importasse realmente. - Guardei a passagem de novo no envelope.
- E qual a parte de eu chegar em casa amanhã e não te encontrar aqui você acha normal? E seus irmãos? Acha que eles não iam nem ao menos notar? – Usou o sarcasmo como forma de me intimidar. - Eu achei que você fosse mais inteligente, .
- Se você quer mesmo saber, pai, - Procurei soar o mais calma possível, mesmo que eu soubesse que a raiva escapava por entre minhas palavras. - Laura e Leonard sabem. Fiz questão de contar e conversar com eles. E se você acha legal saber, eles adoraram a ideia de me visitar em Londres! Eles têm dez anos e compreendem a situação melhor que você! E, aliás, desde quando você realmente se importa? Disse que se eu passasse por aquela porta, não haveria volta. É o que eu vou fazer. Quando eu sair amanhã, não vou voltar mais. Acredito que nem vai se importar, já que é isso que tem feito minha vida inteira. Só piorou desde o ano passado. Será que eu estou errada? Não. Tenho certeza que não.
Mais rápido do que eu pude raciocinar, lá estava ele, com os pés plantados no chão em minha frente, acertando sua mão na minha bochecha esquerda.
- OLHA COMO FALA COMIGO, ! SOU SEU PAI, NÃO SEU IRMÃO! Em que diabos você acha que está transformando a minha vida?
A ardência era forte, meus olhos lacrimejaram, meu rosto se virou totalmente para lado direito, não permitindo que eu o olhasse, mas eu não precisava vê-lo para saber sua expressão.
E mesmo se quisesse, não conseguiria.
Instintivamente dei dois passos para trás, cobrindo o lado esquerdo do meu rosto com minha mão. Até respirar com calma e pausadamente parecia um desafio naquele momento.
Seus olhos brilhavam de ódio, e eu percebia sua frieza por todas as partes. Eu sabia que naquele momento ele me queria bem longe.
- O que você fez com aquela garotinha, hein? Aquela que eu ajudei a criar anos atrás?
- Ela se perdeu no caminho da perfeição que você impôs a ela.
Virei às costas rumo às últimas horas que eu passaria no meu quarto, deixando o homem que eu chamava de “pai” parado de frente ao corredor, pensando, talvez, no que eu havia dito, ou então planejando os próximos meses que viveria longe de mim.
Pra ser sincera, eu não ligava mais.
Quando fechei a porta atrás de mim, juntei as malas espalhadas pelo cômodo, que apesar de não conterem todas as minhas coisas, tinham as essenciais. Depois de um momento parada, sem foco em pensamento nenhum, me deitei uma última vez na minha cama, abraçada ao meu mais novo ursinho de pelúcia, que ficaria sendo uma das ultimas lembranças tidas nessa cidade.
Decorei cada detalhe daquele lugar. Desde o reflexo que a luz da rua fazia na janela, causando sombras no teto, até os diferentes tons que o tapete felpudo tinha conforme a direção dos pelos era alterada.
E encarando o envelope sobre a mesa de cabeceira, peguei no sono sem pestanejar.
Se eu sonhei, não tenho certeza, mas a visão de uma partida definitiva não me abandonou por sequer um segundo pelas horas seguintes.
Mas eu havia me convencido que de agora em diante, minha vida seria Londres.
Capítulo 05 - “And the world's gonna know your name
And you'll be on the walls of the hall of fame”
Querido Diário...
Acredito que o conceito de "aluguel razoável" que Gregory Colleman tenha, seja totalmente diferente daquele que eu tenho. Provavelmente bem maior do que eu cheguei a cogitar em algum momento. O lugar onde eu pisava agora deveria ser uma nota ($$$).
Cheguei a Londres por volta das três horas da tarde, não tão empolgada quanto realmente eu deveria, mas minimamente animada para me jogar na cama e dormir o resto do dia.
Na estação do trem, algum tempo antes, tive uma despedida de verdade com e Luke. Não foi nada muito emotivo, até porque ela havia prometido passar um fim de semana comigo para conhecer minha nova casa, e Luke prometeu me ligar para conversar algumas vezes sempre que possível.
Havia falado uma última vez com meus irmãos, numa conversa onde resolvemos usar o Skype uma vez por semana para mantermos as novidades em dia e etc. Eles não estavam tristes com a minha mudança, agiam totalmente contrário a isso.
Definitivamente aquilo não era um “adeus”.
Minha empresária, uma mulher que descobri ter vinte e dois anos, se chamava Rachel e parecia ser muito simpática, educada e divertida. A encontrei vestida com uma roupa esporte fino, parada na estação de Londres, segurando uma placa com meu nome completo, fazendo me sentir como se estivesse em um filme.
Ela me ajudou com todas as minhas duas malas grandes, as caixas cheias de suvenires e bugigangas, e até mesmo a minha bolsa, que estourava de tão cheia que estava. Sozinha eu nunca teria conseguido carregar nem metade daquelas coisas. Mas graças a Rachel, essa atividade tinha se tornado mais fácil.
Além de toda essa gentileza, Rocky ou Ray, como insistiu em ser chamada, me manteve ocupada em todos os momentos que esteve comigo para que eu não me sentisse perdida e, ou deslocada. Mas assim que ela saiu do (meu) apartamento, logo depois de deixar todo o meu itinerário e telefones para contato, senti a monotonia ocupar cada canto da minha nova moradia.
E o resto do dia se estendeu em arrumar o que eu havia trazido e olhar pela janela, esperando que a noite caísse logo e eu pudesse finalmente dormir.
E isso demorou muito.
Agora são cerca de dez da noite e eu não tenho absolutamente nada pra fazer.
Claro que sair do apartamento é uma opção, mas com minha cabeça no mundo da lua, as possibilidades de eu me perder são grandes, e eu não quero isso.
Amanhã vou às compras com o resto do dinheiro que tenho no meu cartão de crédito para arrumar algumas coisas que ainda faltam no apartamento. Apesar de estar completo e todo mobiliado, tenho que deixar minha casa com cara de minha.
Logo meus dias vão estar lotados, por isso espero que eu esqueça essa sensação ruim que estou sentindo neste exato momento, e faça algo útil da minha vida a partir de agora. Que valha a pena eu estar onde estou.
Com amor,
's POV
Já fazia quatro dias que eu estava em Londres. Quatro dias que eu estava mofando sozinha no meu mais novo apartamento.
E só faltava uma semana para eu descobrir como seria minha mais nova rotina. Sete dias para conhecer muitas pessoas e tentar decorar o nome de todas elas. Cento e sessenta e oito horas para descobrir se realmente valeu a pena vir para Londres.
Eu não consigo deixar de ser dramática.
Rachel trouxe-me o script do primeiro capítulo ontem de manhã, o que me tirou do tédio por algum tempo. Depois de uma leitura rápida, desempacotei duas caixas consideravelmente grandes, quais haviam chegado pelo correio dois dias depois da minha vinda, graças a .
Fora isso, eu apenas lia, escutava música e assistia TV. Com exceção do dia de hoje. Agora eu estava parada na portaria do prédio onde eu moro, esperando o tal taxi aparecer e me levar para o estúdio.
Hoje, como Rocky já tinha escrito em meu itinerário, eu teria uma sessão de fotos oficial com o pessoal da série para a apresentação do elenco da terceira temporada para os fãs.
Assim que entrei no taxi e passei o endereço para o senhor despreocupado no banco da frente, que me recebeu com seu olhar de dúvida, fazendo-me abrir um sorriso sem graça. O senhor grisalho parecia realmente curioso em saber o que uma Zé-ninguém estava indo fazer num lugar aonde só famosos e pessoas com carreiras respeitáveis iam.
E eu podia apostar que ele estava se mordendo pra perguntar. Mas ele não abriu a boca, contendo-se em observa-me pelo espelho retrovisor.
Virei o rosto para o vidro, reparando na arquitetura local, esperando que o homem levasse-me até onde deveria.
Londres realmente era uma cidade muito, muito movimentada. Mesmo que talvez eu me arrependesse de estar pensando isso, caso fosse pra New York um dia. Quer dizer, se eu saísse da Europa. Porque venhamos e convenhamos: eu não tinha sequer dinheiro para sair de Brighton, quem dirá viajar para o outro lado do mundo? Pior. Eu viajar sozinha para o outro lado do mundo? Nem pensar! Nunca me perdoaria em deixar aqui.
Já estava atordoada o suficiente à uma hora e mais alguns minutos de distância da loira, um oceano nos separando seria quase um caso de suicídio!
Certo, exageros a parte.
E por falar na criatura... Era a foto dela que aparecia no visor do meu celular.
- Alô? - Levei o aparelho até o ouvido, já me sentindo mais feliz, e me ajeitei no acento do veículo, enquanto apreciava a paisagem urbana passar pelo vidro.
- Cachorra! Quando deixou de usar o celular? - Sua voz saiu tão estridente que tive de afastar meu telefone da minha orelha.
- Obrigada por ser educada, .
- Disponha, amiga.
Cinco segundos de silêncio foi o suficiente para que ela começasse a tagarelar de uma vez:
- Antes de qualquer coisa quero dizer que vou te visitar daqui a uns vinte dias, ok? Se eu pudesse ia antes, mas eu ainda tenho um trabalho e não posso começar a faltar sem motivos. Aliás, quando você começa mesmo? Quero saber qual é a sensação. Não vai esquecer de me contar, né? Por que se precisar você sabe que eu posso muito bem colocar uma escuta em você! Aí vou querer ver com qual jeito você vai arrumar de me ignorar e...
- , eu já entendi! - A interrompi de modo exasperado, levando a mão livre até a cabeça, como se ela pudesse me ver naquele instante. - Pode respirar, ok? Não vou desligar na sua cara, preciso passar o tempo enquanto vou para o estúdio.
- Eu não imaginava que você fosse fazer isso, de qualquer forma... - Bufei e revirei os olhos, agradecendo mentalmente por ela não estar perto para ver e me dar algum tipo de bronca como sempre fazia. - Conte-me como é Londres!
Pensei em dar uma desculpa sobre falta de tempo ou qualquer coisa parecida, já que a única coisa que eu fiz ao sair daqui foi ir ao mercado e a uma loja de utensílios domésticos no fim do quarteirão.
- Sobre isso... - Pigarreei tentando achar palavras.
- Ah, não! Nananinanão! Vai me dizer que não fez nada ainda? Qual é, ! Em quatro dias eu já teria conhecido um terço de toda a capital da Inglaterra!
Isso não seria difícil, pensei. Londres é uma das menores capitais do mundo. Provavelmente do jeito louco que é, já teria realmente conhecido mais lugares que as próprias pessoas que moravam ali.
- Olha, não é como se eu não tenha respirado ar puro. Saí duas vezes, mas nada de pontos turísticos. - Me justifica percebendo o olhar de canto de olho que o motorista fazia. - Porém... E eu vou repetir mais uma vez com bastante ênfase pra você: Nesse exato instante eu estou indo para o estúdio! Lembra? Te falei isso a menos de cinco minutos... Hoje vou fazer um Photoshoot com o resto do elenco.
- FINALMENTE! - Afastei mais uma vez o celular do meu rosto, arregalando os olhos de susto. - Agora tenho certeza que todos vão entender o que disse no Twitter.
Pausa dramática.
- , que parte desses quatros dias eu perdi que fizeram falar de mim? - Lá vamos nós de novo com meu estado de confusão mental...
- Então você não viu as fotos? - Silêncio da minha parte. Sério mesmo? - , você não pode simplesmente parar de mexer no celular e não usar a querida internet, ok?! É importante saber o que está acontecendo fora da sua casa! Apartamento, quero dizer. - Ela própria se corrigiu, coisa que eu ignorei por completo.
- Como assim tem fotos minhas na internet? De novo? - Eu estava tão surpresa com esse detalhe que mal havia notado minha voz uma oitava acima e os olhos arregalados do homem.
De uma forma engraçada, era como se o grisalho estivesse participando da minha conversa apenas com olhares. E sem total entendimento, devo acrescentar.
- Não sei se você sabe, amiga... - Ironia transbordava da parte dela. - Mas isso é comum para pessoas famosas.
- Não sei se você sabe, amiga... - Repeti e imitei sua própria fala. - Mas eu ainda não sou famosa.
- Bom, pelo que você disse não é como se fosse demorar muito. Aposto que depois de amanhã as fotos promocionais estarão em todos os lugares e você será perseguida por todos os lados. Aí sim vai ficar envelhecendo naquele seu apartamento chique.
Respirei fundo, sentando sobre minha perna.
- Será que você pode me dizer logo de uma vez como era a foto e o que o falou?
- Nossa! - Franzi as sobrancelhas e esperei que prosseguisse. - Já tá assim, é? Nem gravou a primeira entrevista ainda, flor. Calm down com essas suas exigências, porque eu não vou ler nada pra você, não. Não seja mandona.
- Mas, , da ultima vez você fez questão de ler e...
- Mando o link por mensagem. Vê se você se cuida. Ah, e não deixe a fama subir a cabeça. Tá muito mimada para o meu gosto.
- !
Tu tu tu tu tu...
Silêncio mortal.
Minha amiga desligou na minha cara. Que ótimo!
Encarei o telefone por vários segundos tentando assimilar o que ela exatamente havia feito. Caramba! Alerta de TPM.
- Senhorita? - Desfiz minha cara de raiva e olhei o motorista, o incentivando a prosseguir. - Já chegamos.
Olhei ao redor, percebendo três segundos depois que o carro estava parado diante de uma portaria enorme com insulfilme preto, não dando o mínimo de visibilidade para dentro daquilo.
Desprendi o cinto num súbito ânimo que me tomou com aquela visão magnifica do estúdio.
Quase não percebi o celular vibrando no meu bolso ou o sorriso radiante que meus lábios formaram.
- Senhorita? - Inquiriu o grisalho me olhando com sobrancelhas juntas.
Balancei a cabeça para os lados, murmurando qualquer coisa enquanto caia na real e o pagava.
Assim que a porta bateu, o carro já não estava mais lá. Fiquei olhando ao redor esperando que uma alma viva aparecesse no meio daquele lugar deserto. Mas que se dane, eu queria ver o paraíso de perto!
's POV
Quando eu acordei naquela manhã, mais cedo do que eu desejava, jogado no sofá em uma posição muito estranha que fazia todos os meus músculos doerem e gritarem, percebi que provavelmente eu estava atrasado.
Não fazia muita diferença. Ao contrário da maioria das pessoas que trabalhavam naquele seriado, eu não precisava de muito pra ficar bonito.
De qualquer maneira, a única coisa que eu precisava era dar um jeito de me livrar de toda essa bagunça na minha sala.
Até parece que fizeram um arrastão aqui.
- E aí, dude? - Minha cabeça, que ainda doía demais, não deixava meu raciocínio rápido o suficiente, então eu ainda não sabia o que fazia só de calça indo em direção a minha cozinha.
- Que porra é essa? - Adquiri meu tom irritado.
- Bela festa a que deu ontem à noite. - Me respondeu sem dar real atenção.
Procurei um esforço que achei que não existisse e levantei-me sem a menor vontade de o fazer, indo atrás do meu suposto amigo que não falava nada com nada.
Festa? E eu não me lembro? Impossível!
Não soava nada bem dizerem que eu fiz uma festa, confraternização, reuniãozinha íntima, ou seja lá qual desgraça fosse, se eu não poderia confirmar suas afirmações e me gabar caso tivesse sido algo muito, muito bom.
Mas com certeza eu era o único desenformado em quilômetros, porque teve alguma coisa ontem na minha cobertura. Mesmo que eu não lembrasse, estava óbvio.
Não teriam tantos copos com bebidas estranhas espalhados pelo chão ou peças íntimas que eu tinha certeza não serem minhas, já que eu não usava sutiã, pendurados em cadeiras e na televisão (oi?), se tivesse sido apenas uma noite normal, com os amigos e algumas latas de cerveja.
- , eu falei com você, cacete. - Cocei a nuca e fiz uma careta, esperando que sua boa vontade me ajudasse a lembrar de algo.
Tudo, se fosse possível.
- Ah, garanhão. - Começou com um sorriso malicioso. - Achei que fossem chamar a polícia lá pelas quatro da manhã. Nunca vi tanta gente num lugar como esse.
Ótimo, eu havia feito bem mais que um simples encontro. Tinha dado algum tipo de festa épica e não conseguia recordar de merda nenhuma.
- Pode me falar as coisas com mais detalhes ou isso é difícil demais pra você?
- Nossa, a mocinha acordou de mau humor. - Se virou para mim com uma xícara na mão. - Quer um chazinho pra aliviar o estresse?
- Cala a boca.
- Certo, estou só tirando uma com a sua cara. - Estendeu uma caneca, dessa vez cheia até a boca com café puro. - Não teve nada de tão horrível assim.
Sua tranquilidade me deixou perplexo.
- Ah, não? Então me explica o sutiã no puxador da geladeira? - Apontei para a peça rosa rendada enfeitando o ambiente.
- Calma aê, dude. Vamos por partes! - Levantou as mãos na altura dos ombros. - E vamos começar pelas fáceis.
Tomei meia caneca de café puro de uma vez, fazendo caretas em seguida, esperando que entendesse o silêncio como um incentivo para continuar com a tal história da noite passada. Eu era todo ouvidos.
- Primeiro eram dez pessoas. - Falou e eu concordei, porque até aí meu cérebro ainda estava conectado na terra e eu me lembrava dos baralhos e da televisão da sala ligada enquanto conversávamos. - Só que algum desses aí, não conseguiu ficar de bico fechado, e logo a casa estava um caos total, com gente saindo pelo ladrão.
Continuei a encara-lo.
- E em que parte disso tudo esse sutiã veio parar aqui?
- Na parte em que começou o strip poker, provavelmente. - Virou as costas voltando para a sala de estar, que estava com a aparência de um lixão.
- Porra! Vai dizer que eu perdi toda a diversão? - Exclamei.
- A ideia de jogar "eu nunca" foi toda e exclusivamente sua. - Retrucou grosseiramente. - E se te faz sentir melhor, e eu expulsamos os intrusos antes que resolvessem usar a piscina.
Suspirei aliviado pela primeira vez naquela manhã/tarde.
Minha piscina intacta. Isso era realmente uma boa notícia, eu quase conseguia ignorar o fato de que eu havia desmaiado no meu próprio sofá sem nem ao menos me lembrar como.
- Bom, agora que eu já fiz um segundo favor a você em menos de doze horas, vou me arrancar daqui antes que você me arrume um terceiro.
Meu amigo bateu nas minhas costas, ignorando o fato de que eu estava tão desequilibrado a ponto de quase cair. Virou nos calcanhares colocando a camiseta que antes estava no seu ombro e foi em direção à porta.
- Vê se não cai bêbado por aí. - Avisou em tom de brincadeira.
- Tem mais alguém por aqui? - Perguntei vendo-o deixar a minha cobertura.
- Tenho cara de detetive? Descubra por si mesmo, seu preguiçoso.
Revirei os olhos quando a porta se fechou.
Aproveitei o momento em silêncio para respirar fundo e tentar colocar algumas ideias e coisas no lugar.
Começando por tirar aquela peça intima dali. Aquela visão realmente não me agradava em nada.
Depois de pelo que pareceu uma eternidade, virei o resto do café garganta abaixo, esperando que logo a furadeira imaginaria que funcionava na minha cabeça parasse.
Certo, eu precisaria tomar um longo banho gelado e algum comprimido para aguentar essa ressaca pelas próximas horas.
Comecei a remexer nos utensílios espalhados por ali, enquanto procurava a tal da aspirina. Fazer isso era uma caça ao tesouro.
Por que diabos a frigideira estava fora do armário? Ah, que se dane.
Eu estava com pressa de ir para o estúdio e precisava fazer isso rápido, o que me fez ter a brilhante ideia de correr pelo meu apartamento. Só que isso deu totalmente errada quando aquilo virou uma corrida de obstáculos, o que não me fez passar da porta por dois motivos: eu tropecei em alguma coisa e me agarrei no batente, então bati as costas na parede quando a figura de um ser humano entrou no meu campo de visão.
- Puta que pariu, quando você entrou aqui?
- Ontem você abriu a porta e eu entrei. Quando achou que tivesse sido? – respondeu com os olhos semiabertos sem me olhar por inteiro, levando uma das mãos a cabeça e bocejando em seguida.
- Você é mais silencioso que um assassino. – Disse sem realmente responder sua pergunta.
Dando de ombros se virou e olhou a bagunça no cômodo.
- Se não der um jeito nisso logo, uma família de ratos vai se instalar debaixo do sofá.
Bufei cansado. O encarei sem real interesse em olhar para sua cabeleira tingida e descabelada. Passei por e segui até o raque onde a televisão ficava, tirei o telefone sem fio do gancho e o lancei em sua direção.
- Liga pra emprese de limpeza doméstica e peça pra mandarem alguém aqui ainda hoje. Preciso estar no estúdio daqui a vinte minutos.
- E desde quando eu sirvo a você, ó Vossa Majestade. – Arqueou a sobrancelha, mantendo o bom humor.
- Não serve, mas é meu amigo. Fazemos esse tipo de coisa pra demonstrar nossa amizade. – Lhe disse com ar de inocente. me olhou com tédio explicito, como se dissesse “não caio nessa, babaca”. – Qual é, sempre fiz favores a você. Ou preciso te lembrar de todas as vezes que ficou bêbado e fui eu quem te ajudei? Sua vez de retribuir.
Ele concordou relutante, vendo que, de verdade, não era nem um terço a se pagar depois de todas as madrugadas em claro que eu passei o carregando pra lá e pra cá (estou sendo exagerado, admito, só estava dando ênfase ao momento).
Dirigi a ele um sorriso presunçoso uma última vez enquanto o assistia revirar os olhos e procurar o número da empresa na agenda do telefone e me enfiei no banheiro pelos próximos dez minutos.
Foi o banho mais rápido da minha vida.
Ainda com os cabelos molhados e a barba por fazer, não chamei o elevador, consciente de que seria muito mais rápido correr até o térreo e desci as escadas num raio, pulando de três em três os degraus, tendo que ignorar a falta de ar que sentia até parar ao lado da minha Harley, decidindo que a moto seria uma boa opção para o meu atraso.
Eu tinha cinco minutos para chegar ao estúdio.
Decididamente carro não era uma opção.
Acelerei mais rápido do que uma pessoa normal faria em qualquer dia de sua vida.
Vinte e três minutos depois, cravados no relógio, eu estacionava minha moto ao lado da entrada principal do meu trabalho. Joguei as chaves para o manobrista e comecei a me preparar psicologicamente para a bronca que Gregory me daria. E ela seria grande. Muito, muito grande.
E pensando no Diabo...
- ! ONDÉ É QUE VOCÊ SE METEU? – Respirei fundo vendo que a desculpa esfarrapada não me livraria dessa, fazendo me usar uma postura séria, decidido a usar a estratégia de “já estou aqui, é isso que importa” e fazer logo aquilo que devia se feito e levar a sério o resto do cronograma para que meu pequeno atraso fosse perdoado e eu não perdesse mais pontos com o diretor.
Mas, indo totalmente contra ao fluxo que eu estava preparado a enfrentar, o Sr. Colleman me arrastou pelo braço até o outro lado do corredor, junto de Victoria, que parecia entediada lixando as suas grandes unhas e se pôs a falar sem intervalos:
- deve estar em alguma parte do salão de entrada. Preciso que você, , ajude-a a encontrar a sala de figurino e maquiagem. E você Victoria, vá atrás de Philip e avise-o que todos estão aqui e que ele pode começar seu trabalho. – Quando apenas assentimos, sem sairmos do lugar exatamente, ele arregalou os olhos e começou a bater palma, em sinal de impaciência. – Vamos, Vamos! Não temos todas as horas do mundo!
Eu normalmente ignoraria seu pedido, mas eu também tinha que ganhar alguns pontos de volta com ele. E por mais que eu não suportasse aquela garota, prometi a mim mesmo que dessa vez, só dessa vez eu tentaria ser legal com ela. Quer dizer, eu ia falar o que ela precisava saber, e depois cada um por si.
E a cabeleira ruiva de entrou no meu campo de visão no mesmo instante. Inferno, como ela podia não se dizer ruiva? Aquilo não era castanho nem aqui e nem na China! Ela só pode ser louca. Louca e daltônica.
Segui caminhando em sua direção, jogando esses pensamentos para debaixo do tapete de entrada.
Eu ia ser legal com ela. Repeti mentalmente, tentando me convencer a fazer aquilo. Eu ia ser legal. Mesmo que a vontade de irritá-la e provoca-la fossem maiores que muitas coisas, simplesmente por que a cara de brava dela era hilária.
Então reformulei minha promessa. Eu seria legal do jeito que eu julgo ser legal. Em outras palavras, eu tentaria ter uma conversa com ela. Mas meu sarcasmo e ironia ainda estariam presentes.
’s POV
Não tive dificuldade de passar pela portaria. Meu nome estava na lista, confirmando que agora eu trabalhava ali, sendo acompanhado de mais muitas coisas variadas que aprovavam a minha entrada naquele mundo paralelo. Até me deram um crachá!Não foi nem um pouco difícil achar o estúdio de The Black Side. Não quando um banner do elenco ocupava a parede de seis metros de altura.
Abri a tal mensagem de e cliquei no link enquanto esperava que alguém aparecesse e me ajudasse, já que era essa a promessa feita pelo recado que deixaram com o porteiro que eu havia visto minutos atrás.
O site se prontificou mostrando a matéria de uma revista. Respirei fundo me preparando mentalmente e comecei a ler a reportagem de quatro dias atrás.
Mas quem será a sortuda que foi ao Parque de Diversões com nosso gato?
Claro que sempre temos fontes confiáveis que nós ajudam com problemas de identidade como esse. E claro que nesse caso não foi diferente. A Garota Mistério na verdade se chama , de 19 anos. Até a achamos no Twitter! O que nos fez perceber logo de cara que ela A-M-A o nosso querido e maravilhoso (gostoso também) Iam Somerhalder. (Sigam a gatinha, pessoal: @MrsSomerhalder). Fala sério, depois dessa ela merece seguidores!
E parece que o cantor da nossa banda fa-vo-ri-ta foi bem discreto durante todo o passeio que tiveram, afinal, eles chegaram lá sem serem reconhecidos, e aparentemente também saíram dessa forma. O que nos faz perguntar se os dois voltaram juntos pra casa, ou se estavam em carros separados. Qual o palpite de vocês?
E todos esses detalhes (e mais alguns outros), deixou a famosa pergunta no ar pairando sobre todas as fãs (e garotas da redação). Será que os dois tem algum tipo de rolo, vulgo relacionamento?
E foi então que hoje, há pouco tempo, nossa questão foi respondida. se pronunciou no seu Twitter (@Real_Liam_Payne) depois de muito alvoroço dizendo que: ' e eu somos apenas bons amigos, podem acreditar. Mas garanto que em breve vocês a conhecerão Xx'.
E aí, directioners e outras apreciadoras de Maravilhoso ? O que acham que o divo quis dizer sobre isso?
Esperamos que logo, logo possamos descobrir.
Fiquem por dentro das notícias!"
Permaneci atônita mais tempo do que eu realmente deveria. E depois da cara de susto, ainda fiquei incrédula pelos próximos dois minutos enquanto via meu Twitter. De repente eu estava com muitos seguidores, muitos de verdade. Arranjar quarenta mil seguidores não é tarefa fácil, não! Foi impossível não deixar meus olhos se arregalarem e o queixo cair.
Qual é? Tem que ser alguém muito stalker pra achar meu Twitter que nem ao menos tem meu nome. Eu nem uso aquele troço!
- Eles já descobriram seu Twitter? - Virei para trás mantendo a expressão de susto.
- Mas que desgraça! Tá tentando me matar, ? - Quase berrei com a mão no coração, quando uma voz já não tão desconhecida assim, apareceu do nada atrás da minha pessoa que ainda estava à espera da tal ajuda, em pé no meio do estúdio movimentado.
- Ah, me desculpe, ruivinha. - Levou uma de suas batatas chips que só agora eu havia notado, até a boca. - Essa realmente não era a minha intenção.
Bufei tentando ignorar o barulho que o pacote das batatas fazia, me irritando tanto quanto a pessoa que o estavam comendo.
Resolvi me concentrar e montar uma lista de prós e contras em ter um Twitter comunitário (deveria chama-lo assim?).
A notícia boa é que algumas das pessoas que me seguiam mandaram mensagens legais. Já outras... Educação não estava no topo da lista dessas, o que resultou numa careta bem desgostosa da minha parte.
Outra coisa ruim: agora todos veriam minhas mensagens ridículas para os famosos que eu mais admirava. Isso inclui até aquelas que escrevi sem vergonha na cara.
- É bem chato como eles conseguem ser rápidos às vezes. - permanecia observando meu celular por cima do meu ombro. - Mas você se acostuma.
Depois de estranhar e tentar entender porque ele ainda não havia falado nada idiota, me virei de frente para .
- Certo. Você não me ofendeu e nem tentou fazer com que eu saísse de perto de você. – O analisei. - O que quer?
- Será que eu não posso simplesmente querer fazer companhia para a minha mais nova colega de trabalho?
Juntei as sobrancelhas e entreabri os lábios.
- Sinceramente, pela meia dúzia de conversa que tivemos, eu sei que você não faria isso se não te obrigassem ou te pagassem. - Respondi cruzando os braços.
retorceu a boca e depois concordou com a cabeça, mais uma vez comendo as batatas.
- É você tem razão. Não tô aqui pra isso. Ficar te encarando não é o ponto alto do meu dia.
Não respondendo minha pergunta e voltando com aquela sua principal característica de arrogância, deixou meu raciocínio pela metade.
- Então tá aqui por quê? - Revirei os olhos, impaciente. Eu só queria começar meu trabalho.
- Liga os pontos, ruivinha. O que você tá fazendo parada aqui no meio igual a uma estátua de cera?
Pisquei quatro vezes até fechar os olhos com força e contar até dez mentalmente.
- Com tantas pessoas num lugar exageradamente enorme como esse, eles me mandam justo você como ajuda? - Bati as mãos na lateral do meu corpo. - Isso só pode ser piada.
- Bom, eles mandam e eu obedeço. - O olhei com desdém. - Mas você tem duas pernas, acho que pode se virar sozinha, né?
Pronta para grunhir e virar as costas, uma garota sorridente se aproximou de nós dois com muito entusiasmo. Daquele entusiasmo que me fazia perguntar como ela conseguia estar daquele jeito perto de um cara como .
- Vamos, . Pare de atazanar a vida de , isso só vai nos atrasar ainda mais.
- Não liga pra isso, gata. Ela gosta.
Enquanto o moreno comia suas batatas e pouco se lixava para o resto do mundo, a garota me puxou pelo pulso sem me dar tempo para formular a frase "quem é você?" ou perguntar para onde estávamos indo.
Seus cabelos castanhos escuros e com luzes mais claras, cobrindo apenas o pescoço, balançavam de um lado para o outro na mesma rapidez pela qual passávamos por diferentes corredores emaranhados de pessoas.
- Desculpe ter que te tirar de lá daquele jeito, . Mas hoje está sendo um dia bem corrido para todos nós. - Me olhou por cima dos ombros quando entramos para uma sala repleta de araras e cabides.
- Não, tá tudo bem... – Tentei parecer desinteressada em sua pressa. - Hm, qual o seu nome mesmo?
- Ah, desculpe. Victoria. Mas me chame de Vic, ok? Não gosto de formalidades. - Abanou as mãos, abrindo um grande sorriso para mim.
Foi isso que me fez ter certeza de que eu conhecia essa garota.
- Também não faço questão, até porque sou péssima nisso. - Concordei sorrindo abertamente, como ela.
- Sendo assim, vou aceitar isso como um convite para te chamar de .
- Como quiser. - Procurei me sentar antes de ficar tonta com a quantidade de roupas ao meu redor.
Vic parecia não se importar. Logo já tinha vários cabides nas mãos, e os estendia em sua frente, um por vez.
- É bom começarmos a criar algum tipo de contato desde agora para você não se estranhar no começo das filmagens. - Enquanto ela puxava algum tipo de assunto bizarro, eu me sentia perturbada e com uma sensação de familiaridade em algo que definitivamente eu não conseguia lembrar. - As pessoas acham que o é capaz de fazer os novos se sentirem em casa, mas eu ainda não sei se o pessoal daqui se finge de burro ou são de verdade. Por isso me autodesignei para esse papel.
- Ele não é a simpatia em pessoa. - Concordei, me encaixando dentro do assunto.
- Pois é. No início da série ele era muito dedicado, sempre pronto pra fazer tudo o que pedissem e mandassem. Era até muito divertido, mas depois de um tempo virou esse traste que você já conhece. - Victoria fez uma pausa, me olhando com um meio sorriso. - Mas ele ainda tem seus momentos. Pode não ser o queridinho daqui, mas sabe os limites que tem.
Eu prestei atenção no que ela falou, juro que sim! Mas assim que notei que ela era a atriz que interpretava Cecília na série, eu meio que apaguei todo o resto. Como eu era burra!
Resolvi não comentar minha falta de atenção. Até porque logo um homem com uma postura pouco masculina entrou acompanhado de duas outras garotas.
- Ai, amor! Finalmente você chegou. - Levantei-me assim que notei que o homem falava comigo, enquanto despachava Vic com um aceno de mão rápido. - Já estava envelhecendo com toda sua demora.
Ri tentando ser educada e parecer bem humorada, mas sua careta me fez voltar à expressão séria.
Recebi um olhar encorajador de Victoria antes que ela me deixasse sozinha com aquele homem e duas clones.
- Vamos logo com isso antes que mais rugas apareçam envolta dos meus olhos. - Às pressas, seguiu até uma grande penteadeira, se posicionando ao lado da cadeira, onde virou seu olhar pra mim e permaneceu desta maneira.
Ah, ele era o meu Hair Stylist e esperava que eu fosse até ele. Hm, certo. Parecia ser uma coisa boa.
Sentei na cadeira de frente ao grande espelho, encarando meu reflexo e enxergando a figura dele atrás de mim, que mexia nos meus cabelos e os analisava com ar profissional.
- Então, ! Minha sweet heart, eu sou Philip. Cuido dessa sua juba avermelhada de agora em diante. - Agi como se fosse começar a dizer qualquer coisa, como protestar e dizer que aquilo era castanho, mas Philip colocou sua mão na frente da minha boca e se apressou em ignorar o que eu queria falar. - Guarde suas palavras pra você, fofa. Estamos sem tempo pra isso.
E quase que em um passe de mágica eu não estava mais olhando meu reflexo. Uma das garotas lavou meu cabelo e o hidratou ao mesmo tempo em que a outra fazia minhas unhas da mão.
Certamente era muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas eu não ia reclamar disso. Essas mordomias são a melhor parte! Nunca em um milhão de anos ia querer parar com esse processo.
Logo eu estava de volta à penteadeira, com os cabelos enrolados numa toalha e duas garotas estendendo cabides em minha frente. Eram as duas clones de Philip, aquelas que entraram com ele. Não abriram a boca desde que pisaram ali.
Já ele, estava outra vez parado atrás de mim, retirando a toalha e encarando meu cabelo.
Eu não queria saber o que passava por sua cabeça.
- Esse seu cabelo vai ser como a sua marca. Tem que ser divo! - Exclamou com entusiasmo e eu arregalei os olhos.
- Er... Obrigada?
- Sabe, querida, estou pensando em fazer algo diferente desse seu corte feio e sem graça. - Mesmo ofendida, permaneci quieta. - Talvez franja fique bom, certo?
Arregalei os olhos em desespero.
- Olha Philip, eu realmente acho que não seja uma boa ideia e...
- Shiu, coisinha! Não falei com você. - Colocou a mão nos meus olhos, e eu não pude deixar de abaixa-las com indignação.
- Mas o cabelo é meu! - Puxei os fios molhados sobre o ombro em um gesto infantil, assistindo seu reflexo tomar expressão brincalhona, arrancando gargalhadas das garotas mudas e sem voz.
- Não, fofa! - Negou balançando a cabeça. - Você entendeu errado. Seu cabelo pertence a mim desde que assinou o contrato. Agora você é só o rostinho bonito que vai desfilar ele.
E ainda vendo Philip apenas pelo reflexo que o espelho me proporcionava, vi-me de voz inativa e sem qualquer autoridade para com eles. O que em outras palavras, só me restava orar e esperar do fundo da alma que meu cabelo ficasse no mínimo “olhável”, e que o especialista em cabelos fizesse jus a sua profissão e nome dentro desse ramo.
E se caso tudo desse errado, que a maquiagem e o vestuário disfarçassem o estrago.
Pra se bem sincera, eu já não sabia há quanto tempo estava sendo movida de um lado para o outro como uma boneca. Meu cabelo estava pronto. Admito que ficou melhor do que eu esperava que ficasse, porque no fim das contas eu não estava de franjinha. Estava com uma franja que descia até o meu queixo, emoldurando meu rosto, e eu tinha até gostado da mudança.
O comprimento do cabelo também estava aceitável. Ficava batendo a mais ou menos dois dedos bem gordos da minha cintura. Com certeza melhor do que estava antes.
A maquiagem, lógico, melhor do que qualquer uma que eu já tinha feito durante toda a minha vida, e a roupa... Bom, a roupa foi o que mais demorou. Experimentei calças, vestidos e bermudas, mas só quando eu coloquei uma saia rodada de couro sintético no meio da coxa, um cropped sem mangas, mas de estampa floral com detalhes em azul e vermelho, e um Lita Shoes igualmente preto, com meias que vinham até um pouco acima do meu joelho, que gostei do que vi no espelho.
- Ai, querida! Sabia que eu ia transformar você em uma mini diva! – Philip disse parado atrás de mim com um sorriso ao estilo do gato de Alice no País das Maravilhas. – Adorei! Vocês não?
As suas assistentes sorriram da mesma forma, e eu me senti satisfeita por estarem falando aquilo, mesmo que soasse ensaiado e um pouco exagerado demais.
- Olha! Não é que você conseguiu ficar um máximo assim? – Vic, com as mãos na cintura, falou da porta do quarto onde estávamos.
- Obrigada, mas você quem está arrasando. – Sorri para ela com sinceridade.
Seu cabelo curto estava bagunçado e divertido com as pontas azuis recém feitas, combinando com a roupa no estilo rocker que lhe caía muito bem.
- Vamos pular essa parte de bajulação, garota. Agora é hora do show. – Philip nos expulsou, literalmente, para fora, fechando a porta na nossa cara no exato momento em que nossos pés se fixaram no chão.
- Apressado e impaciente como sempre. – Victória murmurou, agarrando meu pulso e me guiando pelos corredores.
- E agora nós vamos para...? – Perguntei enquanto seguíamos pelo estúdio.
- Agora é a parte em que tiramos as fotos de divulgação da série. – Respondeu me lançando um sorriso por cima dos ombros.
- Ah, isso eu sei fazer. – Sorri me sentindo mais aliviada.
- Que bom, porque é isso que vamos fazer pelo resto do dia. – E sua boca se fechou quando entramos no salão onde o estúdio já estava montado.
O painel infinito branco cobria a parede e se estendia pelo chão. Havia câmeras para todos os lados e o fotógrafo parecia fazer os últimos ajustes em uma delas, enquanto as outras pessoas corriam de um lado para o outro. Provavelmente eram os assistentes que cuidariam da iluminação e de outras coisas que eu já estava até cansada de ver com o passar dos anos, mas que no fundo, não me incomodava nada.
Quando dei o primeiro passo, adentrando no estúdio, todos os olhos se direcionaram para mim, e, como vinha acontecendo com muita frequência, o rubor subiu por minhas bochechas e eu as senti ficarem coradas.
- , como você está linda! – Falou Gregory vindo em minha direção.
Sorri para ele, sem me mover, pois ainda tentava não ser o centro das atenções, como parecia ser o caso.
- Obrigada.
- Essas fotos vão ficar ótimas! Os fãs vão adorar. – Continuou ele. – Quero as fotos de sozinha primeiro para a apresentação da personagem. As fotos precisam estar selecionadas e editadas em três dias. – Falou diretamente para o fotógrafo que me media por inteira.
- Certo, chefe. Mas eu estava pensando em antes... – O tal fotógrafo puxou o senhor Colleman para o lado oposto de onde estávamos. Então fiquei ali esperando a próxima ordem.
Olhei ao redor procurando algum conhecido quando vi . Ele sorriu e começou a andar em minha direção.
- ! Você está incrível. – Falou parando em minha frente.
- Obrigada, . Você também está muito bem. – Respondi olhando-o por inteiro dessa vez.
- Blá, blá, blá. – De novo aquela voz. – Vocês não podiam ser menos óbvios flertando um com o outro. – falou revirando os olhos enquanto arrumava sua jaqueta.
- Vai encher o saco de outro, . – exclamou claramente irritado com o amigo.
- Oi pra você também, dude. Ah, eu estou muito bem, obrigado por perguntar. Com certeza é muito legal conversar com você. – Como sempre, deixou seu sarcasmo e ironia tomarem conta de sua fala. – Gostei do novo corte de cabelo, ruivinha. – Virou sua atenção para mim.
- Valeu. – Dei um meio sorriso, não sendo a exata ação que eu gostaria de ter.
Fiquei intercalando olhares entre e , esperando pra ver no que aquilo ia dar, porque confortável a situação não estava.
- Vai mesmo ficar aí parado? – perguntou.
- Aham. Vou ficar aqui junto com o meu brother. – bateu sua mão nas costas de com um sorriso completamente falso.
Eu não sabia que droga estava acontecendo entre eles e com certeza não ia querer me meter no meio do que quer que fosse, então deixei que os dois ficassem nessa troca de olhares assassinos até que o diretor voltasse a me chamar. Agora finalmente eu ia começar o meu trabalho.
- Vamos fazer uma pausa e depois vamos fazer as fotos dos casais. – Falou Gregory olhando as fotografias tiradas no monitor.
As fotos individuais de todos já tinham sido tiradas, e a em grupo também. Só faltava aquela típica foto dos personagens principais para divulgarem pelos sites e revistas, e depois aparentemente estaríamos liberados.
Eu estava sentada em uma das cadeiras com uma garrafa d’água em minhas mãos, olhando os outros trabalharem, consertando minha maquiagem pela terceira vez enquanto uma das garotas que cuidava do meu figurino apreciava a terceira escolha de roupa que eu usava naquela tarde.
Dessa vez eu também usava um salto milagroso, e meus pés estavam calçados mais uma vez por um par de Lita Shoes, o que me fazia pensar que a estilista desse lugar amava esse modelo de sapato, ou me achava uma verdadeira anã de jardim. A roupa se completava com o look rocker de bermuda de couro, camisa despojada e uma regata soltinha, cinza escuro por baixo. Eu havia gostado bastante do conjunto. E apesar da minha maquiagem estar mais marcada nos olhos, seguida de um batom mais escuro contornando minha boca, gostei do estilo. Era diferente do que eu costumava usar, e eu realmente achei divertida a experiência.
E apesar de ter ficado sozinha alguns minutos, Victória e faziam questão de vir conversar comigo de tempos em tempos para falar sobre qualquer coisa, ou me apresentar para alguma pessoa que faria parte do meu novo dia a dia.
Mas quando nenhum dos dois fazia isso, as pessoas vinham por livre e espontânea vontade falar comigo, me parabenizando por ter entrado na série, dizendo que seria um prazer trabalhar comigo pelos próximos meses. Eu realmente rezava para que fosse.
- e , vocês dois agora! No centro, por favor. – Gritou o fotógrafo que eu descobri se chamar Joe.
Segui suas instruções. Tudo o que ele falava, mesmo que me incomodasse, eu estava lá, fazendo. Mas considerando que ele fazia com que minha proximidade com se tornasse cada vez menor, comecei a ficar com raiva do sujeito. Se passaram, pelo que pareceu, uns trinta minutos e o homem não parava de passar diferentes mandamentos. Tudo bem que eu já havia ficado muito mais tempo trabalhando para algumas propagandas, mas poxa, já deveriam ter umas trezentas e cinquenta fotos no mínimo. Será que não era o suficiente? Mas infelizmente não facilitava nada o trabalho do cara. Parecia feliz em poder me provocar seguidas vezes em um mesmo minuto. Queria ver se ele ficaria feliz assim que meu joelho acertasse suas joias.
- , passe seu braço por cima do ombro de e sorria como se estivesse se divertindo muito. – Respirei fundo e o fiz. – Agora passe seu braço pela cintura dela, . Vire seu rosto na direção do dela e finja estar fazendo-a se divertir muito. Quero fotos espontâneas, pessoal! Se esforcem pra isso. – Gritou o fotógrafo assim que nos arrumamos na tal posição.
Eu poderia ser espontânea. Bastava me deixar a alguns passos desse garoto irritante chamado e eu estaria sorrindo de verdade.
Incomodada com a forma que estávamos, respirei fundo, guardando todos os pensamentos mal educados que eu tinha, para eu mesma.
percebeu isso, e resolveu se aproveitar.
- Não precisa se preocupar comigo te abraçando, ruivinha. – Disse do modo mais irritante possível. – Não é como se eu quisesse fazer isso de verdade. Puro profissionalismo.
Respirei fundo. Eu também podia ser profissional. Uma profissional calada.
- Vamos garotos, mexam-se! – O camarada com a câmera estava me tirando a paciência. Eu não sabia mais o que fazer. – Precisamos ser rápidos, não temos o dia todo! – E foi quando eu cansei.
- Você quer fotos espontâneas? Ótimo, eu vou te dar fotos espontâneas! – Estreitei meus olhos para aquele fotógrafo irritante e empurrei para longe de mim.
- Ei! O que eu fiz? – Indagou confuso me olhando por míseros segundos, pois logo em seguida ele me cutucou de forma irritante e eu voltei a empurrá-lo.
- Será que você não consegue parar de ser chato? – Questionei enquanto as pessoas do estúdio começavam a por atenção em nós dois.
- Depende, você vai parar de ficar fazendo cara de enterro cada vez que me olhar? – Ergueu uma sobrancelha, em desafio.
- Desculpe se não caio de amores por você. – Respondi seca.
- Antipática.
- Grosseiro.
- Desastrada.
- Convencido.
- Sua dissimulada.
- Você é um idiota, imbecil! Vai ver se eu tô na esquina! – Falei o empurrando mais uma vez até que ele cambaleasse alguns passos para trás, então me virei para o fotógrafo que, acompanhado de todos os outros ocupantes do lugar, me encaravam com uma incógnita na face.
Menos Victória. Ela parecia não estar surpresa e ria por causa disso. E tinha também , que estava com uma das mãos na cabeça, mas parecia se divertir totalmente com a situação.
- Foi você quem pediu! – A voz rouca de me atingiu, e de um segundo para o outro eu estava de ponta cabeça.
- Me coloca no chão! – Falei totalmente atônita.
- Peça desculpas e talvez eu não te derrube. – Falou ainda mantendo o tom raivoso.
- Me coloca no chão agora, ! Isso não tem a menor graça! – Bati as mãos em suas costas, e ele as ignorou totalmente.
Flashs começaram novamente, e eu só podia imaginar que aquele bobão irritante do fotógrafo estava se aproveitando da minha situação enquanto ele me segurava igual a um saco de batatas por cima do seu ombro.
Comecei e espernear igual a uma criança de cinco anos, tentando acertar a cabeça dele com meus sapatos, acreditando que com o tamanho daquele salto, ele sofresse um traumatismo craniano, ou alguma perca de memória que fizesse ele agir como gente.
- Não adianta ficar se balançando. – Retrucou. Eu sabia que ele estava revirando os olhos.
Larguei meus braços e minhas pernas e comecei a choramingar. Por que era tão difícil?
- Será que dá pra alguém me ajudar, droga? – Permaneci ali igual a uma boneca de pano. Vendo apenas os pés de alguém se aproximar.
- Certo, . – Percebi ser . – Já deu seu showzinho, agora será que dá pra levar isso a sério?
- Ela só faltou me bater e você quer que eu deixe isso passar? – Se defendeu. E pelo silêncio emitido por , sabia que não concordava com ele. – Pode esquecer, cara. Dessa vez eu não fiz nada! Mereço um pedido de desculpas.
E então eles começaram e discutir, enquanto eu permanecia jogada sobre o seus ombros, sem que ele ao menos reclamasse do meu peso, como se fosse algo insignificante. O sangue descia todo para a minha cabeça, e eu sabia que em coisa boa aquilo não ia terminar.
- Victoria? – Chamei pela garota parada a minha frente. – Uma ajudinha aqui ia bem!
E foi aí que tudo desandou de vez.
Vic puxava meus braços numa tentativa desastrosa de me colocar no chão, enquanto apertava mais firme seus braços por trás dos meus joelhos, me puxando para o lado oposto de dela, e , que não parava de argumentar por um só momento, surgiu com a brilhante ideia de tentar afrouxar os braços do garoto da minha perna.
Eu sentia que fosse ser partida, literalmente, a qualquer minuto.
Mas antes que isso se concretizasse, todos caíram no chão.
Doeu. Doeu bastante.
Eu tinha uma das pernas sobre uma superfície macia, que eu apostava ser a barriga de , enquanto a outra estava sendo esmagada, também por . havia amortecido a minha queda e diminuído a intensidade do tombo de Victoria, que ainda tinhas suas mãos agarradas as minhas, mas estava toda contorcida pelo chão.
Gememos em conjunto, ainda sentindo a claridade dos flashes sobre nós.
- Jesus Maria José! Tá todo mundo bem? – Exclamou uma das pessoas que eu não recordava o nome. Estávamos encrencados. Eu estava encrencada.
Abaixei a cabeça, sobre o peito de , com a vergonha me tomando por inteiro. Eu provavelmente seria demitida. Eu já havia conseguido derrubar todos os meus colegas de trabalho e não queria que Gregory fosse o próximo!
Eu já me preparava para as broncas e xingamentos, quando o riso de Victoria se fez alto. Levantamos os três a cabeça para a direção da garota, que gargalhava escandalosamente, sem se levantar do chão.
Nos entreolhamos algumas vezes, a encarando com perplexidade. Mas eu logo fui contagiada por sua risada, e então estávamos todos rindo histericamente no chão do estúdio, ainda sendo fotografados. Só que dessa fez eu não ligava. Na verdade, eu começara a achar tudo aquilo muito divertido.
Não tinha motivo plausível ou no mínimo descente, mas estávamos ali, rindo feito idiotas.
- Isso foi demais! – Gritou o fotógrafo, Joe. – Se vocês tivesse feito isso o tempo todo, já teríamos terminado tudo há muito tempo!
se ergueu, permitindo que eu fizesse o mesmo.
Estendi o braço para , que ainda rindo, aceitou de bom grado. Vic também já estava de pé ao nosso lado com o braço sobre a barriga, demonstrando o músculo dolorido de tanto rir.
- Essa foi a coisa mais ridícula que já aconteceu comigo. – Ela falou com a voz rouca e lágrimas escorrendo pelos olhos.
- Então comece a se acostumar, porque ficar perto dessa garota, é cair na certa. – respondeu, ainda gargalhando. Eu não pude evitar em fazer o mesmo. Infelizmente ele falava a verdade.
- Vou adorar me divertir desse jeito! – Continuou Vic, sem se importar se o que ele falara era bom ou ruim.
- Essas fotos com certeza ficaram vergonhosas. – comentou parando ao meu lado.
- Contanto que eu não perca meu emprego, pode ter foto minha careca que eu não ligo. – Falei mordendo o lábio inferior e inclinando a cabeça para a direita.
- Não se preocupa com isso. Você só tem que ligar mesmo com o que os fãs vão achar de você. – comentou. – Você vai perceber que é isso que realmente importa.
- Mesmo que algumas pessoas me odeiem? – Perguntei me referindo a .
- Você acreditaria se eu dissesse que ele só tá assim porque ainda não se acostumou nem com a saída de Maya e nem com sua contratação aqui? – Dei de ombros, porque na verdade não acreditava naquilo de verdade.
- Pode ser... – Me contentei em responder apenas isso e suspirei já sem nada para falar.
- Todos liberados! – Gritou Gregory ignorando a situação por completo. Ele agiu como se fosse extremamente profissional cair no meio de uma sessão de fotos para o marketing de uma série.
sorriu e se afastou de mim. Num gesto que deixava claro que ele sabia sobre minha confusão mental, mas não me ajudaria. Deixaria que eu me achasse naquele meio e me acostumasse com a nova rotina.
O diretor já havia se retirado para levar uma conversa extremamente animada com os produtores e com o fotógrafo, que agora se reuniam em alguns bancos enquanto tomavam xícaras grandes de café.
Decidi ignorar sua normalidade e comecei a andar por entre as pessoas, recolhendo meus pertences que estavam jogados em um sofá num canto do grande estúdio, entre aquela estrutura complexa que mais parecia um labirinto. Virei em direção à saída, ainda com a roupa das fotos. Elas eram minhas agora, algumas pelo menos (presente do estúdio).
- Hey, ! Espera um pouco. – Virei a cabeça sobre o ombro até encontrar vindo em minha direção.
- Ah, não! Sai pra lá! – Estiquei meu braço não deixando que ele se aproximasse mais. – Sua cota de me encher o saco já acabou por hoje. Fica na sua e eu também fico na minha.
- Calminha aí, estressada! – Juntou as sobrancelhas ignorando minhas ações. – Nem sabe o que eu vou falar.
- Não, mas posso imaginar que não seja amigável.
Ele bufou e revirou os olhos.
- Só vim aqui avisar que eu, daqui pra frente, vou ser tipo a sua babá. Ordens de Gregory. – retorci meus lábios em uma careta. – Não, eu também não estou feliz com isso.
- Vá direto ao ponto, .
- Esse é meu número de telefone. – Me entregou um papel pequeno todo dobrado. – Qualquer dúvida que você tiver, é só perguntar.
Assenti o analisando. Procurando algum sinal de boa vontade naquilo. Mas não soube dizer se tinha achado algo ou não.
- Acho que obrigada. – Falei.
- Tá, tanto faz. Preciso ir agora. – Ele falou se apressando em sair.
- Não acha que preciso dar meu telefone pra você também? – Perguntei o que me parecia ser óbvio.
- Eu já tenho. – Respondeu breve. Franzi o cenho.
- Mas eu nunca te disse qual era!
Ele abriu um sorriso malicioso e presunçoso para mim.
- Eu consegui seu endereço em Brighton sem sua ajuda. O que te faz pensar que não consigo ter seu telefone?
E virou as costas, seguindo a passos largos para o fim do corredor, onde desapareceu segundos depois.
Capítulo 06 - “No you don't know what it's like
Welcome to my life”
's POV
Eu caminhava pelas ruas de Londres, sob o céu cinzento de nuvens extensas e espessas, grudando os braços contra o meu corpo, tentando evitar o vento gélido que soprava, enquanto ia para meu trabalho.
Eu podia morar naquela cidade não por muito tempo, mas já havia reparado no grande fluxo de pessoas que frequentavam as ruas. Turistas e moradores costumavam se misturar pelas calçadas, cobrindo-as por horas e mais horas, mesmo depois que o sol se pusesse.
Mas hoje eu poderia dizer que tudo estava estranho demais, quieto demais. Aquilo não combinava com Londres.
Não com a Londres que eu conhecia e que estava aprendendo a gostar.
Uma garoa fina ameaçava cair a qualquer momento, sem sinal de que fosse acabar tão logo, mas apenas isso não era motivo para esvaziar o ambiente, não era motivo para que eu não avistasse nenhuma alma viva andando, se expondo ao clima ameno.
O único som que eu ouvia era o que meus sapatos faziam quando encontravam a calçada. Ou então o dos carros que de vez em quando passavam ao meu lado, desaparecendo logo em seguida.
Poderia ter contado nos dedos o número exato de pessoas que passaram por mim durante todo o percurso. Por isso era tão estranho que de repente me sentisse observada.
Girei sobre os calcanhares, olhando ao redor e encontrando apenas as portas e janelas das casas fechadas. Não havia ninguém ali.
Mas o som de um ruído qualquer veio à tona, e eu senti meu coração se acelerar, da mesma forma que fez minha respiração. Logo eu já estava andando apressadamente, sem olhar para os lados. Apenas em frente, esperando que eu estivesse cansada, estressada e imaginando coisas que não existiam.
Porém, contrariando tudo o que eu me forçava a acreditar, escutei outro barulho. Dessa vez não eram só os meus passos que ecoavam pela rua. Eram dois pares de pés batendo contra o chão e uma silhueta preta ao meu encalço. E eu não gostaria de ver quem era o dono desses outros pés e das roupas escuras.
Continuei a correr até que já tivesse em um lugar que eu julgasse seguro, cansada o suficiente para parar e observar ao redor e ter certeza de que não havia mais nem a sombra do sujeito por perto.
Encostei-me ao muro atrás de mim e olhei para todos os lados, duas, três vezes, conferindo. Respirei fundo, deixando meus batimentos cardíacos se acalmarem enquanto minha respiração voltava ao normal e meu nervosismo se esvaia.
Suspirei em alívio.
Mas isso foi antes de uma mão coberta por algum tipo de tecido tapar minha boca e me obrigar a inspirar um odor que queimava até minha garganta. Logo minha visão estava embaçada, e eu perdia todos os meus sentidos...
- CORTA! – Gregory gritou e instantaneamente as câmeras do estúdio se desligaram.
me soltou e se afastou alguns passos, enquanto a maquiadora e suas assistentes vinha em nossa direção retocar a maquiagem.
Aparentemente, de todas as três tomadas, essa de agora havia ficado boa o suficiente.
- Essa cena foi bastante boa. – Continuou o diretor, nos olhando. – Pausa de dez minutos. Vamos mudar o cenário. Hora de gravar a cena do interrogatório.
Vi alguns funcionários moverem algumas estruturas e encaixarem outras para a montagem da sala onde gravaríamos no próximo momento. Aproveitei enquanto estavam todos ocupados e saí para longe dali.
Puxei o roteiro da cima da cadeira e comecei a repassar as falas mentalmente. Hoje estava sendo o primeiro dia de gravações e eu com certeza estava amando aquilo! Bom, pelo menos até o momento estava tudo tranquilo, dentro do cronograma e sem imprevistos.
- Hey, ! – Chamei o garoto que tomava café numa parte mais afastada das outras pessoas, que agora estavam todas concentradas em seguir para a parte coberta do estúdio e arrumar o espaço que ainda não estava pronto. – Você também entra na próxima cena?
- No fim dela. – Respondeu se aproximando. Conferi no roteiro e assenti algumas vezes. – Está nervosa?
- Talvez. – Dei de ombros.
- Você não tá com cara de quem está confiante. – Rebateu com um sorriso.
- É, eu tô mesmo nervosa. – Admiti revirando os olhos.
- Veja pelo lado bom. – Começou ele. – Você vai ter a oportunidade de bater no .
- É, se eu conseguir não cair no meio da gravação vai ser muito bom.
- Qual é, . – Foi a vez dele revirar os olhos. – Nas aulas de defesa pessoal você se saiu bem. Então vai conseguir seguir o script direitinho. Tenho certeza.
Olhei para ele com a testa franzida. colocava muita fé em um poço de incertezas.
Durante os oito dias que se passaram desde a sessão de fotos, eu tive três aulas de defesa pessoal. Mas realmente, aquilo não era pra mim! Eu havia sido horrível na primeira, um pouco menos péssima na segunda e na terceira eu já conseguia desviar de um ou outro golpe com muita dificuldade. Em outras palavras, eu era a pior aluna daquela aula.
E na de tiro ao alvo não foi diferente. Aquela coisa pesava mais do que aparentava, e por menor que fosse a arma, ainda assim tinha um coice desgraçado. Apenas para aprender a destrava-la havia levado mais tempo que o normal, portanto tentar acertar o alvo havia sido tão ruim quanto. Quase pior que treinar na academia. Eu começava a questionar minhas próprias habilidades.
- , tem certeza de que viu ela nas aulas? – apareceu ao nosso lado, segurando uma garrafa d’água, com aquele seu típico sorriso sarcástico que eu já estava começando a me acostumar.
Revirei os olhos sem comentar nada.
- Não vai se defender? – perguntou, passando olhares de para mim.
- Pra quê? Ele tá certo. – sorriu.
- Viu? Até mesmo ela concorda. O caso é sério, dude!
- Cala a boca, . – Estreitei os olhos em sua direção.
- Qual é, Ruivinha? Você estava concordando comigo há dois segundos. – Fingiu reclamar ofendido, dando outro gole na garrafa de água.
- Só que a grande diferença é que eu posso falar mal de mim mesma. – Levantei as sobrancelhas o olhando. – Você não pode.
- Sabe que dizer isso não vai mudar o fato de que eu vou continuar falando o que penso, né? – Arqueou uma sobrancelha, da forma mais previsível possível.
- Sonhar não custa nada, certo? – Dei de ombro.
riu ao meu lado no mesmo instante em que eu fiz uma careta. Percebi dar um mínimo sorriso, mas aquilo poderia ter sido algo da minha cabeça, então voltei meus olhos para o script.
- VAMOS ARRUMAR A CENA! – O grito do diretor calou todas as pessoas e as fez correr como loucas.
Inclusive nós três, que seguimos apressados pelo curto corredor, talvez um dos menores dali, que daria na nossa próxima filmagem. O cenário estava pronto.
E mais uma vez as maquiadoras apareceram. Mas agora o trabalho deles não era me deixar bonitinha para as telas. Me descabelaram, borraram minha maquiagem, amassaram minha roupa, e por fim, uns ajudantes do estúdio me amarraram na cadeira colocada no centro da sala.
Sim, eu estava presa, e aquilo era muito legal!
- Luz... – Falou Gregory e algumas lâmpadas se acenderam, outras se apagaram. Algumas mudaram de posição. – Câmeras prontas! – O silêncio total se prontificou e o assistente se colocou de frente para a câmera com a claquete aberta, assim como já tinha o visto fazer várias vezes.
- Cena 7, plano 3, tomada 1. – Ele bateu a claquete e o ruído ecoou pelo estúdio.
- AÇÃO! – bastou essa única palavra vinda do diretor para que enfim começássemos a gravação.
Falas iam, outras vinham. Os minutos passaram e eu, apesar de ter gostado daquilo no início, já começava a me irritar por ter que ficar sempre sentada com as mãos presas. O que me deixava não muito confortável, é que eu não podia trocar a minha posição, mesmo quando era preciso fazer alguma interrupção e retomar a tomada. No entanto, não precisamos parar mais que umas quatro vezes para rever alguma fala ou detalhe dentro do script, ou mesmo para sermos corrigidos em curtos intervalos, mas finalmente chegou a parte que, em minha não tão humilde opinião, podia ser deixada de fora. Eu queria mesmo bater naquele garoto, mas não queria que isso fosse gravado.
- Não seja tão hipócrita, Kate. Sabe que isso não passa de uma formalidade.
Com um sorriso se formando no canto dos meus lábios, joguei a cabeça para a lateral.
- Hm, e você quer que eu acredite que sequestrar a sua nova parceira de trabalho e prendê-la sem ordens superiores, por simplesmente achar que ela é uma traidora, vai me fazer ficar mais aliviada? – Questionei.
- Por que não? Hoje em dia quase tudo é possível mesmo.
- Sabe, Ian, achei que já tivéssemos passado por essa fase há alguns anos. - Debochei assistindo seu rosto ficar sério. – Você não mudou nada.
- Diga por si mesma, Deville. – Respondeu se aproximando, aproveitando o fato de eu estar presa, amarrada naquela cadeira. – Você passou tempo demais na França, não conhece mais nada do que deixou pra trás.
- Ah, por favor, Stark! Não acredito que ainda guarda rancor daquilo...
- Você fugiu! – Me acusou com os olhos brilhando com ódio assim que seu punho fechado acertou a parede.
- Eu fiz o que era certo. – Acomodei-me melhor na cadeira. - Teria sido muito pior se eu tivesse permanecido onde você queria que eu ficasse.
- Ah, então é essa a versão da história que você conta aos outros?
- Pra ser sincera, é isso mesmo que eu falo. – Dei de ombros enquanto via seu ódio crescer.
- Sua desgraçada, filha da mãe! – E assim que Ian estava próximo o suficiente, puxei meu joelho para cima, o acertando no ponto fraco de qualquer homem, seguido de um chute em seu queixo e depois, numa última tentativa de ganhar espaço, manda-lo para longe enquanto apoiava meus dois pés em seu peito e empurrava.
Talvez isso só tivesse dado certo porque Ian não estava preparado para essa atitude, mas não ia questionar minha sorte, ia me aproveitar dela enquanto ainda existia.
Puxei os pulsos com força e afrouxei as cordas, soltando meus pulsos e levantando-me da cadeira quando a afastei com um dos meus pés, finalmente estando livre. Não de forma literal, porque a porta devia estar trancada, mas pelo menos dessa vez eu não ia dar a impressão de um animal indefeso.
- Como você... – Confuso e atordoado, olhava-me de cima a baixo.
- Você me prendeu, Stark, não me imobilizou. Tente aprender a diferença, e quem sabe um dia quando estivermos em lados opostos você não consiga fazer bem feito.
- Mas você... Você não conseguia se livrar de amarras! Nunca conseguiu se soltar de qualquer coisa! – Falava com os olhos atônitos de surpresa.
- Talvez eu tenha passado tempo demais na França, que tal?
Sua aproximação sem hesitação me fez ficar alerta pelos próximos segundos, incapaz de saber qual seria sua próxima atitude. Graças aos céus não tive tempo de descobrir.
A porta abriu repentinamente, revelando talvez um dos amigos de Stark, cujo eu ainda não conhecia. Em dois passos largos se colocou entre eu e ele.
- Acabou seu tempo com ela, Ian. Temos coisas mais importantes pra fazer agora.
- Sai daqui, Dave. Está atrapalhando nossa conversa.
- Seu maxilar está trincado, seus olhos semiabertos e seus punhos estão cerrados. Não vou deixar vocês sozinhos nessa sala.
- Você só pode estar de brincadeira... – Soltou um riso nervoso, sem desviar os olhos do meu.
- Escute seu amigo, Stark. – Uma garota que eu conhecia já de muito tempo, Cecília, entrou na sala parecendo desfilar com seus cabelos curtos e roupas pretas. - Podem conversar depois. Claro, se aceitarem ficar em salas separadas para evitar uma briga desnecessária.
- É muito bom ver como de repente todos resolveram ficar contra mim. – Sorriu com desdém.
- Às vezes é bom ter apoio de algumas pessoas. – Sorri de forma irônica. - É bom ver você, Fiore.
- Bom ver você também, Deville. – Cecília sorriu para mim sem mostrar os dentes. – Mas sabe que prefiro ser chamada de Cece.
- Claro que sim. Como nos velhos tempos. – Levantei um dos cantos da boca em resposta.
- Se agora acabamos com essa história de Flashback, seria muito bom seguirmos para a sede falar com o chefe. Aposto que ele não vai gostar do atraso. – Disse o homem parado ao lado de Ian.
- Pelo menos vamos ter alguém para culpar, não? – Pisquei cínica.
- Não teste minha paciência, Katherine.
- Não se preocupe, Ian. – Respondi com inocência. – Conheço seus limites melhor que ninguém.
- Que tal ficarmos todos em silêncio e apenas entrarmos na porcaria do carro? – Perguntou Cecília. – Eu apoio essa ideia!
- Estou com você, Cece. Sei que Ian também está. Podemos ir? – Dave olhou para mim como se eu fosse aquilo que os tivesse impedindo.
- Você na frente, dude. – Falei naturalmente, esperando que seguissem para fora daquele cubículo de uma vez.
’s POV
- CORTA! – O diretor gritou. Não seguiu com comentários o que me fez pensar que outra cena já estava pronta. Isso era bom.
– Já passa do meio da tarde, quem quiser comer alguma coisa, pode comer. Só vamos voltar a gravar daqui à uma hora e meia. – Uma roteirista que estava ajudando nas gravações do dia, falou de forma breve, logo seguindo de volta para uma conversa com Gregory.
Cada pessoa se dirigiu para um lado diferente, seguindo em direções opostas, ao contrário de mim, que continuei parado no mesmo lugar por mais um tempo.
Ela era melhor atriz do que eu julgava ser. Mas eu não admitiria isso em voz alta.
tinha se saído muito bem para o primeiro dia de trabalho, e vinha impressionando não só aos outros atores, mas ao resto das pessoas que ali trabalhavam também. E de novo, sem querer admitir, eu era uma dessas pessoas.
A garota, mesmo tendo me arrancado várias gargalhadas e sido terrivelmente péssima todas as vezes que tentaram ensinar a ela o que fazer naquela parte da filmagem, hoje ela tinha feito as coisas mais certas do que qualquer um esperava.
Digo isso porque eu ainda estava dolorido.
Claro, ela não chutou pra valer no meu colega ou na minha cara, pois existiam técnicas para esse tipo de ação, mas ainda assim, não dá pra evitar tudo. E eu ainda sinto uma dor chatinha na minha caixa torácica por causa daquele empurrão. Definitivamente eu não esperava aquilo.
Finalmente agora era o intervalo do almoço e eu podia dar um tempo daquilo tudo. Levantei as mãos aos céus em sinal de agradecimento, deixando o set de filmagem.
Vi e conversando com Victoria, indo provavelmente para alguma lanchonete ou restaurante e eu aproveitei para apressar o passo e me juntar a eles.
- Espero que não tenham esquecido de me convidar para essa pequena confraternização. – ironize e passei um braço por cima dos ombros de .
- Pra sua infelicidade, não há nenhuma confraternização. Senta e chora, Bad Boy. – Disse Victoria com uma piscada.
- Nossa, que garota mais grossa! – Respondi entrando na sua brincadeira.
- Eu? Grossa? Magina! – Ela disse com um canto da boca levantado. e pareciam não entender o que acontecia.
- Essa irritação toda é fome? – Arqueei a sobrancelha me fazendo e curioso.
- Não. É a sua presença aqui que me deixa assim. – Ouvi risos ao meu lado que preferi ignorar.
- Como você é engraçada, Vic. Estou morrendo de rir.
- Seu bom humor é contagiante, .
- É porque você foi uma ótima professora.
Ela me empurrou com as pontas dos dedos, em um puro gesto de brincadeira, rindo. Eu a acompanhei, puxando a depois para um abraço meio de mau jeito. Essa garota encrenqueira era com certeza a pessoa mais próxima que eu tinha dentro das gravações. Mas desde que agora fazia parte do elenco, eu me sentia melhor. Um pouco mais centrado na minha zona de conforto.
- Esse momento de vocês... Já deu, né? – Disse .
- Certo, certo. Culpa minha! - Levantei as mãos. - Estavam falando sobre o quê?
- Nada importante. – A Ruivinha se dirigiu para mim pela primeira vez desde que eu chegara.
- Na verdade estávamos perguntando a o que ela estava achando das filmagens. - falou olhando para , como se esperasse a resposta dela.
- Eu estou gostando. Bastante. - A mesma respondeu com um sorriso que eu julguei ser sincero. – Eu achei que fosse ser um belo desastre, mas até agora não posso reclamar de nada nem ninguém.
- Imagino que tenha gostado principalmente da parte dos chutes. - Arqueei as duas sobrancelhas para ela.
- Nossa! Não é que você acertou? - Levou a mão até a boca fingindo estar surpresa.
Os outros dois, supostos amigos meus, deram risada e eu me limitei a apenas encara-la.
- Eu disse que você se sairia bem. - deu um sorrisinho cúmplice para ela que correspondeu.
- Ótimo, porque eu achei que fosse ter que repetir aquela cena no mínimo umas cinco vezes.
- Então que bom que não precisou repetir nada, . - Falou Vic. - Assim fomos liberados mais cedo.
Eu que o diga, pensei. Não queria que ela ficasse me dando chutes vezes seguidas. Não que eu faça o tipo de fracote que tem medo de uma surra, mas experimenta levar chutes várias vezes seguidas no saco. Uma só já havia sido suficiente.
- E agora vamos fazer o quê? - Ala perguntou mexendo impacientemente em sua pulseira de pingentes. Todas as vezes que eu me encontrava com ela, sempre usava aquela mesma pulseira. Comecei a me perguntar se aquela coisa tinha algum tipo de significado ou ela só gostava de usa-la.
- Tecnicamente esse é o horário de almoço. Então vamos almoçar. – respondeu mostrando o horário na tela de seu celular.
- Mas são mais de três horas da tarde! - Ela arregalou os olhos.
- Por isso eu disse tecnicamente...
Vic suspirou antes de falar:
- Bom, hoje eu não tô pra comida, então acho que vejo vocês mais tarde. - Victoria mandou um beijo no ar para todos e saiu andando de volta para o set de gravações, onde provavelmente iria dormir em algum canto até que Gregory fosse acorda-la.
- Então sobramos nós três... - falou olhando para a garota que se distanciava cada vez mais.
- Por que não vamos comer alguma coisa naquele Costa aqui próximo? Aí você conta mais sobre o que tá achando de Londres, . - falou praticamente ignorando minha presença ali.
Antes que a Ruivinha respondesse, tratei de me enfiar entre os dois e passar um braço sobre o ombro de cada um.
fechou a cara no mesmo instante.
- Ótima ideia, cara! As bebidas de lá são tão boas quanto às do Starbucks.
Meu amigo me observou por um segundo e eu sorri pra ele sem mostrar os dentes.
- Nunca fui em um Costa. gosta tanto de Starbucks, que simplesmente não nos dava a opção de escolher. - falou para , me fazendo sentir como se eu fosse um intruso total.
- É de se imaginar que ela não conseguisse viver sem café, porque definitivamente era isso que aparentava. – comentou rindo. – Ela é toda elétrica e animada, parece uma fórmula pura de energético.
- Que bom que finalmente alguém concorda comigo! – Ela responde rindo.
- Quem é essa? - Perguntei por curiosidade, tentando me colocar na conversa de alguma forma.
- Uma amiga minha. – respondeu. – Aquela que estava comigo no dia em que nos conhecemos, sabe? Aquele dia que voou café pra todo lado. – Ela estava apelando para a ironia. Eu me lembrava muito bem daquele dia. Da amiga dela também.
- A sua segurança de meio período?
- Ela te odeia. – disse e riu ao meu lado.
- Ela só trocou uma frase comigo! Deve estar exagerando.
- Não importa, ela te acha tão chato quanto anúncio do Youtube.
gargalhou alto e ela o acompanhou com uma risada baixa. Deixei minha boca em uma linha reta e o semblante sério. Estavam tirando uma com a minha cara e eu não tinha nem como contrariar.
- Vocês dois estão cheios das mancadas hoje, hein?
- Ninguém falou que a verdade não doía. - A Ruivinha deu de ombros sem me olhar.
- Se essa é uma tentativa sua de me fazer ficar aqui no estúdio, pode esquecer. - Comecei a negar com a cabeça enquanto ela revirava os olhos. - Eu também tenho fome, se você quer saber.
- Não vou conseguir me livrar de você, vou?
- Não.
- Ótimo, então vamos comer. - Seu tom de derrota me fez abrir um sorriso. ao meu lado bufou e passou para o lado oposto.
- Eu dirijo...
E então seguimos até o carro prata com insulfilme forte nos vidros. Fui no banco de trás, deixando no volante e se acomodar no banco do passageiro.
Eu quase podia dizer que estava mais irritado que ela por eu estar os acompanhando. Quase. A única coisa da qual eu tinha certeza era que eu não era exatamente bem-vindo ali. Mas sabia que eles eram educados demais para admitir isso e me expulsar dali.
Chegamos ao Costa sem chamar a atenção, e fiquei grato por isso. A última coisa que eu queria nesse dia eram perguntas idiotas no meu ouvido e flashs irritantes nos meus olhos. Nem tudo na fama era legal e, ou divertido.
Pegamos uma mesa no canto, como eu já estava acostumado fazia um tempo, e fizemos nossos pedidos, sempre de olho no relógio e nas janelas do estabelecimento. Não podíamos nós atrasar, seja lá qual fosse o motivo. Até porque Gregory podia parecer o cara mais bondoso do mundo, mas quando ele queria ser um pé no saco, conseguia muito bem ser.
- As pessoas daqui costumam encarar os clientes assim mesmo, ou tem alguma coisa grudada no meu cabelo? – passou as mãos pela cabeça, confusa. Gargalhei de sua atitude.
- Eu frequento muito aqui com os garotos. Os funcionários daqui já conhecem e eu, mas você? Eles ainda não fazem ideia de quem você seja. – Expliquei.
- Ainda... – deu ênfase.
- É. Quero dizer, só um pouco assediada no Twitter e em algumas outras redes sociais, mas vai demorar um pouco até que comecem a seguir você de verdade. – Completei.
- Demorou pra acontecer isso com vocês? – Esse era o tipo de pergunta que podia ser deixada de fora de um diálogo descontraído.
- Não exatamente... – Meu amigo deu de ombros enquanto mexia no celular.
- Nós mergulhamos de cabeça nessa coisa de fama. E assim que caímos fomos puxados ainda mais para o fundo. – Passei a mão pelo cabelo. – Entrar para o The X Factor foi como entrar embaixo de uma cachoeira. A pressão era horrível, mas ao mesmo tempo era uma sensação boa. Num dia você era um desconhecido total, e no outro, de repente, as pessoas te conheciam, sabia seu nome e chamavam por ele... Foi uma loucura total.
- Ainda é. – Completou sorrindo.
Os olhos dela se perderam nas paredes do fundo da lanchonete. começou a mexer nos dedos sem parar, e eu me limitei suspirar, tentando tirar aquela sensação de nostalgia da cabeça.
- Já quiseram desistir? – direcionou seu olhar ao meu.
Meu amigo negou, mas eu respondi o contrário:
- Já.
- Mas você ainda está aqui... – ponderou.
- Estou, porque há muito tempo, eu decidi que não queria ter uma vida sem sentido, não queria passar despercebido. – Respondi a ela sem piscar ou desviar o olhar.
- Fazer a diferença. – falou distraidamente. Concordei com um aceno.
- Ser lembrado pelo que fiz.
- Você quer ser eternizado. – Concluiu. – Isso soa um pouco egoísta, sabe?
Ri sem humor ainda a encarando.
- Quero ser eternizado pelas coisas boas que eu conquistar aos longos dos anos. Os erros podem ir pro inferno, mas foram com eles também que eu cheguei aqui. Foram eles que me mostraram os caminhos mais certos, Ruivinha. – Expliquei. – Mas se quer saber, isso não é mais do que a interpretação de cada um.
me analisou atentamente. Eu quase podia ver seu cérebro trabalhando em um novo pensamento, mas ela não dava indícios de que iria compartilhar isso com alguém que não fosse ela mesma.
- Quem diria que estaria fazendo com que eu realmente pensasse em algo que ele dissera... – Ironizou, talvez tentando mudar o rumo do assunto.
- Não me subestime. – Sorri sem mostrar os dentes. - Eu sou muito mais do que aquilo que você lê em revistas, Ruivinha...
’s POV
Era tudo um tanto confuso.As fotos tinham sido divulgadas a pouco mais de quarenta e oito horas e eu já era conhecida por pelo menos toda a Inglaterra. Ok, quase toda. E mais uma parte de continente Americano.
A repercussão do meu papel só não tinha sido tão grande como a de , que já havia passado em todos os canais da televisão e estações de rádios por todo o país e o resto do mundo.
Meu Twitter nunca esteve tão movimentado e agora minhas fotos estavam em mais sites do que eu realmente achava que fosse possível.
A parte boa é que as fotos estavam menos piores do que eu achei que tivessem ficado. Eu e o resto do elenco podíamos estar jogados no chão, ou podia estar me carregando, mas por incrível que pareça, tudo indicava que estávamos nos divertindo.
É. A tal espontaneidade que o fotógrafo tanto quis, funcionou. Ele devia estar feliz agora.
Rachel estava na minha casa já fazia algum tempo, mas teimosa do jeito que se mostrava ser, contar o que estava fazendo ali seria talvez a ultima coisa que faria no dia.
- Vamos, Rachel. Pelo menos me leve pra fazer alguma coisa ao invés de ficarmos trancadas aqui o dia todo! - Falei a ela que estava mais interessada no celular do que em mim, sentada ali do seu lado.
- Certo, . - Ela bufou um pouco impaciente. - O que sugere?
- Eu preciso conhecer alguma coisa por aqui. - Comecei a falar. - Por que não me leva para a Oxford Street talvez? Ou qualquer outro lugar! Só não quero mais depender do taxi até pra ir ao mercado.
- Então, em outras palavras, você não conhece nada? - Ela parecia estar um pouco surpresa.
- Conheço a minha casa e o caminho dela para o estúdio. - Respondi dando de ombros.
- Ok, levanta essa bunda daí. - Rachel se colocou em pé, de súbito, agarrando meu pulso, e me fazendo imitar seu gesto. - Vou te levar pra conhecer sua nova cidade. Não dá pra você viver aqui e não conhecer seu próprio quarteirão.
Bem, nisso eu concordava com ela.
Aquela rua era simplesmente imensa! Nem se eu tivesse a tarde toda conseguiria conhecer o lugar inteiro. Era como um shopping a céu aberto, com coisas para todos os gostos.
Nossa primeira parada tinha sido a Primark, qual eu tenho que dizer: lugar bom, bonito e barato.
Tinha literalmente um pouco de tudo naqueles imensos quatro andares, e eu estava perdida segurando tantas coisas.
- Esse lugar é o paraíso! - Falei passando por uma área quase somente de calças jeans.
- Você não viu nada. - Comentou Rachel. - Porque essa é a coleção de outono/inverno. A de primavera/verão é simplesmente perfeita.
- Eu realmente espero que você não se importe em me trazer aqui mais vezes. – Falei me divertindo com o olhar alegre que ela tinha. - Quem diria que com vinte libras eu poderia comprar uma calça e duas blusas? - Ela riu do exagero em minhas palavras.
- Pois é! Fala se essa não é a melhor loja que você já foi?
Eu responderia a pergunta dela, se não tivéssemos nos assustado com algum tipo de grito histérico meio controlado que duas garotas deram atrás de nós.
- AI, MEU DEUS! - Falou a primeira garota loira dos olhos azuis. - Você é a nova atriz de The Black Side! !!!
Por mais que aquilo tivesse soado como uma pergunta, eu soube que era uma afirmação. Tentei sorrir para as garotas, mas eu ainda estava assustada com a forma que fui abordada.
- Será que a gente pode tirar uma foto com você? - A outra menina de cabelos pretos veio para o meu lado já com o celular em mãos.
- Claro que sim! - Dessa vez consegui ser mais animada com o pedido dela. - Rachel, será que você pode tirar a foto pra mim e para... Er...
- Jenny e Abby. - Se apresentaram de forma meio desajeitada.
- Isso, pra Jenny e Abby? - Me coloquei no meio das duas enquanto e Rachel bateu as fotos.
- Prontinho, garotas! - Respondeu já devolvendo os aparelhos.
- Espera, Ray! - Tirei meu telefone do bolso, enquanto as duas garotas me olharam sem entender. - Bate uma foto com o meu também.
- Sério? - Abby (ou talvez fosse a Jenny?), perguntou com olhos brilhantes.
- Claro, por que não? - Sorri e posei para a última foto.
- Ah, você é um amor! - A loira exclamou, passando o braço pela minha cintura.
- Só estou curtindo o momento. - Respondi. - Vocês são as primeiras garotas a pedirem uma foto comigo.
- Tá brincando?! - Ela pareceu não acreditar. - Estou me sentindo especial agora!
- Sério, não estou mentindo. - Falei rindo, sendo acompanhada por Ray.
- Será que então podemos abusar um pouquinho e pedir um autografo? - A menina dos cabelos escuros me entregou uma caneta e eu fiz o que ela pediu. Foi tão emocionante assinar aquela folha.
- , nós temos que ir. - Rachel indicou o caixa com a cabeça, me apressando.
- Er, claro! Só mais dois minutos. - Pedi que esperasse, e ela fez, mesmo que contra sua própria vontade. - Qual o Twitter de vocês?
- Vai seguir a gente? - Jenny (eu tinha quase certeza que era ela) perguntou um tanto surpresa.
- Sim! Finalmente eu achei uma utilidade para meu Twitter, vou aproveitar enquanto posso.
Passaram menos que dois minutos e as garotas já haviam ido embora com um grande sorriso no rosto, papéis assinados e fotos no telefone. E agora eu pegava a foto tirada pelo meu celular e preparava para publicar no Twitter.
- ? - Rachel chamou atrás de mim.
- Só um segundo... - Pedi a ela, sem prestar atenção.
- Eu não acho que seja uma boa ideia você...
- Aham... - Concordei sem exatamente saber o que ela falava. - Só estou adicionando uma legenda...
- , é melhor você não...
- Pronto! Acabei de postar. O que acha? - Mostrei a ela a foto minha e das garotas com a legenda: @Abby_crazy4PLL e @Jen_prettyangel me acharam aqui na Primark. Amei conhecer essas lindas! Xx
- Acho que você devia ter me escutado e não ter postado nada. - Ray me olhou de forma reprovadora.
- E por quê?
- Só te relembrando que, tecnicamente, você já é famosa por suas fotos simplesmente estarem circulando pela internet. – Seus olhos nem ao menos piscavam enquanto ela falava.
- Ahn... Não sei se estou entendendo aonde você quer chegar...
- ! Se descobrirem em qual loja você está, isso daqui vai virar uma muvuca!
- Está exagerando, Ray. - Respondi com os lábios retorcidos em uma careta ao mesmo tempo em que ela se preparava para me dar outra bronca.
- Mas, ...
- Nada disso vai acontecer. Okay? – Tentei tranquiliza-la, mas ela me respondeu com uma cara zangada. Revirei os olhos. - Agora qual vai ser nossa parada? Victoria Secrets ou Forever 21?
Eu havia falado cedo demais.
Nós havíamos descido toda a Oxford Street e agora saíamos da Forever 21, quando, outra vez, fomos abordados por um grupo de garotas.
Cada vez que dávamos mais cinco passos, eu escutava meu nome ser chamado/gritado por um grupo de adolescentes. Logo eu estava assinando papéis e tirando fotos por alguns minutos.
Por isso, com algum esforço de nós duas, conseguimos finalmente entrar na Victoria Secrets.
- Eu tentei te falar que postar aquela foto ia causar fuzuê. - Rachel se mostrava um tanto desanimada por toda a atenção que estavam dando. Estávamos perdendo tempo com tantas paradas e ela não parecia satisfeita com isso.
- Essa vai ser a ultima loja, prometo! - Cruzei os dedos em sinal de promessa.
- Vinte minutos, ! - Ela virou as costas e seguiu para uma parte contrária de onde eu estava, então me concentrei em olhar os pijamas e achar algo que me agradasse.
Não foi uma tarefa difícil, até porque tudo naquela loja era lindo e parecia chamar meu nome.
Escolhi um Baby Doll xadrez e um pijama de calça estampada e blusa cinza de mangas compridas e um ombro caído. Foi muito difícil escolher só dois, mas eu não podia gastar todo meu pagamento naquela loja.
Como já haviam se passado trinta minutos, achei que Rachel também tivesse se empolgado, sendo que não havia me procurado desde que tivera entrado na seção de cremes e outros cosméticos.
Segui vendo as diferentes lingeries até achar um sutiã preto que me agradasse.
Por mais estranho que parecesse, aquele era o sutiã mais bonito que eu já havia visto. Ele e o sutiã rosa nude ao lado. Mas qual dos dois rendados escolher? Eu nunca consigo escolher só uma peça...
Eu não notei por quanto tempo fiquei os olhando, mas só voltei a mim quando o celular no meu bolso vibrou. O peguei de forma apressada, imaginando que fosse Rachel pedindo que a encontrasse, por isso me surpreendi com o número de piscando na tela.
Abri a mensagem, crente que ele havia errado o destinário.
Arregalei os olhos ainda encarando o telefone e franzi o cenho. Oi?
Tentei me fazer de desentendida. Sua resposta veio logo em seguida:
Perguntei esperando do fundo da minha alma que a resposta fosse não.
Virei o rosto para o vidro e me deparei com vários sujeitos segurando câmeras nas mãos, me fotografando descaradamente.
Tinham algumas pessoas normais também, curiosos e, ou fãs da série que deviam estar postando vídeos e fotos pelas redes sociais de mim na loja. Eles bem que podiam ter me achado quando eu estava escolhendo cremes, ou sei lá. Agora todos sabem o tipo de sutiã que eu compro. Isso é vergonhoso.
- Mas o quê...? - Não falei por falta de palavras, pois eu estava totalmente paralisada.
Outra vez o celular vidrou na minha mão.
Encarei a tela do aparelho por alguns segundos enquanto raciocinava.
Acrescentou em mais uma mensagem.
Por um segundo, realmente pensei se estaria só enchendo meu saco, ou se estaria falando a verdade. Mas quando olhei novamente para o lado de fora da porta, e vi todos aqueles caras fotografando cada movimento meu, decidi que era melhor sair enquanto havia tempo.
Pensei em ligar para Rachel e dizer que era sinal vermelho e que tínhamos de voltar pra casa, mas se eu fizesse isso, talvez um daqueles muitos paparazzis notasse e, não sei, fizesse confusão sobre isso.
Será que um deles faria isso mesmo, ou eu estava criando uma tempestade num copo d'água?
Ah, eu não iria ficar pra descobrir. Pelo menos não hoje.
Enquanto eu andava desembestada pelos manequins e prateleiras de roupas, consegui finalmente encontrar Ray, já na fila do caixa, onde pude me juntar a ela e contar que tínhamos que dar no pé.
- Eu tentei te avisar que seria uma má ideia mostrar ao mundo onde você estava. - Falou já sem interesse, mas com muito cinismo em sua voz, agindo como se esse fosse o castigo a se pagar.
- Tá bom, será que agora podemos pagar isso logo e ir embora? - Perguntei impaciente com as peças de roupa na não.
- E agora você acha que ficar de cara feia vai resolver?
- Mas eu não fiz nada! - Retruquei.
- Tanto faz. Temos coisas mais importantes pra fazer, tipo, sair daqui o mais rápido possível.
Depois que pagamos, seguimos pelas portas dos fundos com a ajuda de um funcionário prestativo que concordou em nos ajudar se eu tirasse uma foto com ele. Claro que ele não ia deixar a oportunidade, né? Depois disso fizemos o caminho inverso até chegarmos ao carro de Rocky. Por fim, sãs e salvas seguimos pra casa.
Querido Diário...
Rachel não desceu na minha casa depois que voltamos do nosso passeio. Na verdade, só me ajudou a pegar as trinta e sete sacolas (exagero meu) e logo em seguida seguiu pra sua casa, assim não teria mais nenhum atraso nas coisas relacionadas ao seu trabalho.
O que havia acontecido hoje na Oxford Street havia sido... Totalmente, quase desnecessário, segundo ela.
Mas caramba... O QUE FOI AQUILO?!
E apesar de ter escutado Ray falar por minutos seguidos sem nenhuma pausa para respirar no caminho inteiro de lá até aqui, eu quase não tinha prestado atenção em nada, o que provavelmente me daria um peso na consciência agora antes de dormir.
Mas o fato é que eu havia adorado a abordagem das pessoas.
Elas nem sequer tinham assistido alguma filmagem minha, ou qualquer coisa relacionada ao meu trabalho que não fosse aquele Photoshoot desastroso, talvez nem tão desastroso assim, e agiam como se me amassem.
Eu sabia que aquilo não era a coisa mais agradável do mundo, mas até o momento, eu podia conviver com coisas do tipo. Eu não me importaria se tivesse que passar por aquilo todos os dias!
Bom, eu era o sinônimo de felicidade até o momento em que Rachel mandou uma mensagem com o meu cronograma para a semana... Tipo, uns dez minutos atrás.
Foi aí que as coisas mudaram um pouquinho, e sirenes imaginárias começaram a piscar no alto da minha cabeça em sinal de alerta.
Shit! Eu vou gravar uma entrevista!
E agora eu só consigo pensar no quão ferrada eu vou estar...
Com amor (não muito),
- E você tá reclamando disso por quê? Para de fazer doce, ! - falou tom de bronca do outro lado da linha na manhã do dia seguinte.
- Eu... Eu não sei como agir na frente das pessoas! - Minha voz soou aflita.
- , não seja hipócrita!
- Eu vou gaguejar, não vou falar nada com nada! Vão achar que eu sou uma doida! Não, Pior! Vão achar que eu tenho problemas de comunicação e vão querer me mandar para um médico de gente doida...
- Você tá começando a me encher o saco...
- A repórter vai rir de mim e no dia seguinte vai espalhar por toda a internet que eu pareço um gato assustado! Eu vou ser zoada por um continente inteiro!
- Chega , Já deu! - Ela praticamente gritou do outro lado da linha, me fazendo afastar o telefone da orelha, confusa e de olhos arregalados. - Você já falou baboseiras demais pra cinco minutos de conversa.
- Mas...
- Mas nada! Ou então vou cancelar minha viagem pra Londres esse fim de semana! - Sua voz soou alguns tons acima, porém um tanto mais controlada que segundos atrás.
- Não, ! Sem essa agora, por favor. Preciso de você... - Ela gargalhou.
- Volte ao normal, pare de falar merda e eu não cancelo minha passagem no trem da sexta-feira às vinte horas. - Ameaçou, me fazendo ficar em dúvida e ela estava blefando ou não, pois com o passar dos anos eu aprendi a não duvidar de . Ela poderia fazer qualquer coisa.
- Se você fizer isso, vou te jogar na frente de um ônibus vermelho de dois andares, e acredite, eu não estou mentindo! Comprei um monte de besteiras pra gente se entupir no sábado e domingo e eu não vou jogar toda aquela pilha de doce fora.
Silêncio na linha.
- Você comprou twix? – Ela parecia uma criança falando.
- Comprei.
- Comprou Pepsi? Nutella?
- Comprei.
- Isso é mesmo tentador. - Murmurou no telefone. - Bom... Sendo assim acho que não tenho como cancelar.
- Te ganhar sempre foi muito fácil, é só colocar comida no meio e tá tudo certo. - Resmunguei.
- Quem tá perto acha que eu sou uma gorda obesa com crise de sedentarismo e fobia à academia. - Ri divertida de seu comentário.
- Engraçado que sou eu a dramática de nós duas.
- Vá se ferrar, !
- Te vejo sexta a noite. - Comecei a despedida.
- Até lá, minha atriz preferida.
Pelo menos eu me sentia mais calma agora. sempre tivera me ajudado mesmo com coisas pequenas, como essa. Mas ela nunca me decepcionou. Eu era grata a ela por isso.
Depois da ligação um tanto maluca que fiz a minha amiga, achei que teria o resto do dia de folga e poderia, não sei... Talvez entrar em coma até o dia seguinte ou algo parecido. Mas claro que eu estava errada. Meu celular apitou mostrando o resto do meu itinerário para o dia. Eu não estaria livre tão cedo assim.
Piscando na tela do meu aparelho estava: Gravação no TS.
Sem encolha e um pouco animada, confesso, chamei um taxi e esperei alguns minutos até que ele aparecesse.
Esse negócio de pegar táxi para todos os lados estava ficando preocupante. Eu devia procurar outro meio de transporte ou iam achar que eu havia virado algum tipo de banco particular deles. Eu poderia falir apenas com a conta de táxi.
Me encontrei com o elenco na Trafalgar Square, percebendo o cenário arrumado e uma parte da praça pública reservada para a filmagem, que eu imaginava ter que ser muito rápida graças a quantidade enorme de turistas ali. Sem contar nos fãs que estavam atrás das faixas, cheios de câmeras nas mãos.
Era minha primeira cena ao ar livre, e tudo o que conseguia pensar era em como lidar com aquilo. Eu estava mais perdida que cego no meio de um tiroteio. Não sabia para onde ir e com quem me encontrar. Só sabia que estava no lugar certo porque era meio difícil não ver os trailers com os vestuários e maquiagem, a iluminação sendo montada e as câmeras espalhadas em determinados cantos do perímetro. E claro, tinham os fãs também.
Eu ainda não tinha me acostumado com aquilo. Quero dizer, depois da experiência de ontem principalmente, não sei muito bem o que fazer. Ou como agir.
poderia não ter seu próprio fandom, mas eu tinha notado alguns fãs com fotos minhas nas mãos. O que me deixava com um sorriso bem grande e bobo no rosto.
Percebi estar em um dilema: Falar com eles ou apenas acenar e seguir. Lógico que eu faria de tudo para agrada-los, mas existiam alguns limites que eu tinha que respeitar não só para mim como para o resto das pessoas com as quais eu havia começado a trabalhar. E eu podia apostar que pela grande movimentação da equipe ali, eu levaria uma bela bronca se eu não seguisse algumas ordens Eu via isso sempre que alguém passava por mim com os olhos arregalados, gesticulando sem parar, como se dissesse “Empacou porque, sua mula? Seu pé não tá colado no chão. Trate de fazer seu trabalho!”.
Precisava achar onde estava Philip e suas assistentes imediatamente. Por isso me coloquei a observar o local mais atentamente.
A primeira coisa que eu reparei não foram os quatro monumentos dos leões ou Galeria Nacional que eu pretendia visitar depois. Muito menos a imensa fonte com agua cristalina cheia de estátuas.
Foi a galinha no pedestal.
Uma galinha grande e azul.
Os gritos das fãs pareceram aumentar repentinamente por algum motivo, mas sabendo que nada tinha a ver comigo, ignorei os barulhos, pois ainda estava tentando entender o que aquela ave estava fazendo ali. Qual era o objetivo daquela... daquela coisa azul gigantesca, vulgo maravilhosa arte moderna que destoava completamente do modelo neoclássico da construção do Museu de arte logo atrás?
- Aquilo é... diferente. - Pensei em voz alta.
- Nem um pouco discreta. – Me virei imediatamente para a esquerda, procurando quem havia dito aquilo.
- Credo, você até parece assombração! - Falei para o garoto ao meu lado.
- Já me chamaram de coisas piores. - deu de ombros, e eu não retruquei, sendo que eu já não olhava mais para ele, olhava de novo para aquela estátua.
Por isso as garotas estavam gritando. Elas estavam se esgoelando para chamar a atenção de . Agora tudo fazia sentido.
Eu já nem me lembrava mais o que eu tinha que fazer. Estava tão atônita olhando aquele troço, que as coisas ao redor pararam de me interessar.
- Eu não consigo parar de olhar... É muito grande!
- E azul... - Completou também com os olhos fixos na galinha. Quero dizer, olhando melhor agora, parecia ser um galo. Ah, que se dane o sexo do animal.
- Parece hipnotizar.
- Mas o cara que fez isso deve estar rico.
- Mais famoso que o homenageado líder da Marinha Inglesa.
- Provavelmente atrai mais turista que a própria praça. Isso é normal? – Perguntou.
- Me diz você, sou nova na cidade.
Então nos encaramos e começamos a rir, sem motivo algum para isso.
Eu mesma fiquei impressionada, porque esse havia sido o primeiro momento onde estávamos agindo como pessoas normais, além do fato de eu não me lembrava de ter visto rindo de verdade até aquele dia. Fiquei mais surpresa ainda em notar que o sorriso espontâneo dele era ainda mais lindo do que aqueles que minha irmã tinha colado nas paredes.
- A conversa de vocês parece coisa de doido. - apareceu ao nosso lado já com o figurino e maquiagem feita.
- Ser normal não tem graça. - Sorri para ele.
- Deveria me sentir ofendido? - Perguntou de sobrancelhas juntas.
- Depende do seu ponto de vista. - Foi a vez de dizer, e dar de ombros.
- Porque estamos conversando sobre isso? – Me vi perguntando com os lábios em uma linha reta, procurando o significado de nossa troca de pensamentos esquisitos.
- Só Deus sabe... – Foi a conclusão de .
- Então vamos mudar de assunto porque já estou confusa o suficiente.
- Se está confusa agora, imagina em uma entrevista. – pareceu ponderar seu próprio pensamento e eu fiz uma grande careta.
- Ai droga, será que dá pra não falar disso? – Pedi.
- A qual é, nem é tão ruim assim. – deu de ombros.
- Claro que não, . Você fica quieto a maior parte das entrevistas. – retrucou cruzando os braços.
- O que posso dizer? Não sou de falar muito. – Respondeu.
- Sério isso? – Virei de frente para ele com olhos arregalados. – Você não é de falar muito? Caramba! Imagina se fosse então.
revirou os olhos enquanto ria.
- Ele fala. Fala muito, mas não em frente às câmeras. – falou entre risos. – Eu e os garotos ainda estamos tentando descobrir por quê.
- Me mantenha informada, pois nada disso está fazendo sentindo pra mim.
- É só uma questão e tempo e aí todos vão saber.
- Será que dá pra vocês pararem de falar de mim como se eu não estivesse aqui? – cruzou os braços.
- Certo. Que tal falarmos de outra coisa? – Sugeri.
- Que tal você ir logo para a maquiagem, querida? - Philip apareceu de braços cruzados a minha direita, com uma expressão impaciente e impassível. - A câmera tem uma resolução muito boa, então infelizmente a maquiagem continua sendo necessária.
- Essa foi cruel até pra ele. - A voz de soou baixa ao meu lado. riu.
- Vamos logo, ! Perdeu os movimentos das pernas por acaso? O tempo está passando. – Meu cabelereiro falou um pouco exaltado.
- Er... - Franzi o cenho e dei um passo a frente. - Tudo bem.
- Ruivinha, aquilo não foi um elogio. - balançou a cabeça.
- Eu sei... – Admiti. – Mas sou eu que estou atrasando todo mundo. Volto em uns minutos.
Virei às costas e deixei os dois garotos parados ali, conversando. Philip não olhou outra vez para mim, então conclui que ele estava realmente bravo. Eu, porém, não estava preparada para vê-lo bravo. Nós nos conhecíamos há praticamente quinze dias? Menos? Não queria que o cara que trabalharia comigo até o fim das gravações, em quase todos os dias dos próximos meses, me odiasse e me achasse uma antiprofissional da vida.
Continuei caminhando de cabeça baixa, até Vic puxar meu braço.
- Te desejo toda a sorte do mundo. – Foram suas palavras antes de continuar andando até os fãs.
Eu devia estar muito, muito ferrada.
Dei mais alguns passos só pensando por quanto tempo Philip agiria daquele jeito.
Meu celular vibrou em seguida com uma mensagem de .
Capítulo 07 - “No one ever lied straight to your face
And no one ever stabbed you in back”
Querido Diário...
chega a Londres hoje à noite (agora é possível entender o porquê de tantos corações e carinhas felizes ao redor)!
Estou extremamente ansiosa para que o dia termine de uma vez e eu possa finalmente encontrar minha amiga depois de tanto tempo! Estou louca de saudades dela. Provavelmente a conta do meu celular prova isso com orgulho! Nunca fiz tantas ligações a ela na minha vida... Seja por facetime ou ligações normais, ela é a primeira da lista.
Porém as coisas boas vão demorar a acontecer. Minha sexta feira (hoje) está simplesmente abarrotada de coisas para fazer! A lista é bem grande, tive até que montar uma agenda para conseguir me programar melhor:
- 09h00min - Academia.
- 12h00min - Almoço com Rachel para discussão do cronograma da próxima semana e dicas sobre a entrevista de hoje. Pegar o roteiro do próximo episódio também.
- 13h30min - Aula de tiro ao alvo.
- 14h30min - Voltar para casa e falar com Laura e Leonard como o combinado.
- 16h15min - Entrevista para a Seventeen Magazine.
- 21h20min - Desembarque de na estação de Londres.
Depois de listar organizadamente todos os meus afazeres, só tive certeza de duas coisas: 1ª Eu vou estar quebrada mais tarde. 2ª Eu precisarei de muito café. Começando desde já.
A única coisa que me incomoda verdadeiramente é essa tal da entrevista, que eu venho pedindo todas as noites para que eu não mostre meu lado desastrado de ser. Ah, e tem também Philip, que ainda deve estar me xingando até a quinta geração.
Desde a gravação na Trafalgar Square ele tem me olhado torto, calculado cada movimento meu, evitando que eu saísse da programação por sequer dois segundos, como se fosse meu segurança. Não esquecendo também que meu Hairstylist resolveu me apelidar de jegue, referindo-se ao fato de eu “empacar” sempre para conversar. Acho que ele mudou totalmente a visão que tinha de mim.
Mas eu vou aprender a lidar com isso...
Agora preciso terminar de me arrumar antes que eu me atrase para o inferno da a academia.
Com amor,
- Pode tirar essa sua cara de bunda. – Foi a primeira coisa que Rachel disse quando se sentou na cadeira de frente para a minha no restaurante relativamente cheio.
- Não dá, eu nasci com ela, e ainda não tenho grana para fazer plástica. – Respondi sem tirar os olhos do cardápio.
- Haha. Como você é engraçada, ! Já te falaram isso antes? – Neguei ainda sem encará-la. – Que bom, porque seria mentira.
- Por que não vamos logo para o que interessa? – A apressei.
- Eu sei que você não gosta nem um pouco da academia, mas não jogue esse ódio para cima de mim.
Suspirei derrotada e fechei o menu, colocando-o sobre a mesa e a olhando.
- Certo, desculpa.
- Tudo bem, mas sorria mais, . Faz bem pra alma. – Ela fuçou sua bolsa e tirou de lá o script. – Primeira parte feita. Agora vamos conversar sobre a semana que vem, okay? Então depois você vai seguir para o estúdio que está sendo preparado para a Seventeen Magazine, cujo endereço está no seu celular. Você vai preparar cabelo, maquiagem e figurino lá. Vão fazer um ensaio de fotos para a edição da revista, e depois vão finalmente fazer a entrevista.
- Certo. – Assenti várias vezes seguidas. – Minhas mãos já estão suando.
- Olha, não tem com o que se preocupar. Vão ter quatro pessoas ali, se não souber alguma resposta, passe. Vai dar tudo certo, você vai ver. – Sorriu e se recostou na cadeira.
- Como que funcionam essas entrevistas? – Perguntei.
- Não sei bem. – Ray passou as mãos nos cabelos e os jogou sobre os ombros antes de responder. – Provavelmente vão perguntar o que vocês estão achando das gravações da terceira temporada. Vão tentar descobrir algum spoiler, e acho que é isso aí. Vai ser fácil.
Claro que ela pensa assim, pensei. Não é ela que esta sob pressão.
Deixei que Rachel continuasse a falar, enquanto esperávamos nossos pedidos chegarem e eu trocava mensagens com . Ela parecia estar tão animada quanto eu e não via a hora de terminar o turno do trabalho para que pudesse pegar as malas e vir pra cá. Tentei convencê-la a arrastar Luke para Londres também, mas imaginei que aquilo não se concretizaria. Por algum motivo ele realmente gostava de estudar. Que tipo de doença ele tinha? Não sei.
- Sabe o dia da Oxford Street? – Rachel perguntou com os olhos fixos no celular.
- Como esquecer... – Comentei, rindo fraco.
- Quem te segue no Twitter adorou o que você fez. Até alguns sites falaram sobre isso. Quer ver os comentários? – Balancei a cabeça e peguei seu telefone.
Eu não entrava no Twitter desde o dia que havia publicado a foto, simplesmente porque eu não era muito simpatizante de redes sociais, então provavelmente ele seria esquecido a maior parte do tempo.
Mas quando comecei a ler os comentários, percebi um sorriso crescendo no meu rosto a cada mensagem lida. As pessoas estavam falando coisas boas, como se realmente gostassem de mim. Era gratificante saber isso. Eu definitivamente estava me sentindo melhor agora.
- Eles estão sendo legais, não estão? – Ray sorria enquanto me olhava.
- Sim! Eu estou tentando associar isso direito... – Continuei lendo os comentários.
- As coisas não são tão ruins assim, . Claro que vão ter momentos que você vai ter vontade de desaparecer, mas aproveita o começo enquanto tudo está lindo e maravilhoso.
Concordei ainda com os olhos presos na tela. Essa era a reação das pessoas vendo apenas algumas fotos, imagine então quando o programa fosse ao ar? De repente eu tinha esquecido todo o nervosismo da entrevista, logo substituído por uma ansiedade sem limites para a transmissão da série. Aquilo estava sendo sem dúvida melhor do que eu imaginava.
Só esperava não estar pensando isso cedo demais...
Eu tentava entender de onde aqueles seres humanos tiravam tanta energia.
Tinham tantas pessoas andando de um lado para o outro, que ficava difícil se locomover e descobrir para onde seguir. Graças aos deuses que a parte mais complicada já tinha passado, e agora eu apenas observava a movimentação.
Sei que talvez eu já devesse estar acostumada a tudo aquilo, mesmo porque ainda em Brighton era algo do dia a dia observar a preparação para um Photoshoot, só que nada nunca tinha atingido algo naquela proporção. Pois a partir do momento em que dois quintos do One Direction estão prestes a entrar no local, o número de pessoas parece ser multiplicado, logo podendo comparar todo o set a um formigueiro humano.
Era certo que eles procuravam alcançar a perfeição, mas era certo também que tudo aquilo estava extrapolando para o exagero. Eu duvidava de verdade que aqueles dois fossem reparar em metade das coisas que aquele bando de gente estava providenciando.
Provavelmente nem a pessoa mais detalhista do mundo repararia.
Até o momento eu esperava, já de frente para a penteadeira, o resto do elenco da série aparecer para podermos, finalmente, tirar as fotos e fazer a entrevista.
Eu estava nervosa. Estava sentindo os dedos das mãos suarem e o coração palpitar forte. Tinha medo de dizer algo errado e envergonhar meus colegas de trabalho. Quando chegasse a hora H, eu iria literalmente chutar a resposta e esperar de dedos cruzados que fosse a certa. Se eu pudesse fazer isso, claro.
Victoria irrompeu o ambiente a passos largos, passando apressadamente pelas prateleiras e araras de roupas, logo ocupando a cadeira ao meu lado com as bochechas coradas e respiração forte.
Ela sim parecia com um dos empregados daquele lugar.
- Amore! Desculpe o atraso. – Falou ofegante, enquanto passava as mãos no cabelo.
- Tudo bem, Vic. Não estou aqui há tanto tempo assim. - Dei de ombros. - Os garotos ainda nem chegaram. Não vamos poder fazer nada até eles aparecerem.
- Mas são duas bonecas mesmo... - Ela falou irônica. - Ainda bem que não estamos na première de The Black Side. Gregory estaria louco com o atraso deles! Subindo pelas paredes, provavelmente.
- Gregory? Louco? - Franzi o cenho. - Não parece o tipo de palavras que combinem na mesma frase.
- , você não tem noção do que está dizendo! - Arregalou os olhos, divertida. - Aquele homem pode passar de "melhor diretor do mundo" para "seu pior pesadelo" em cinco minutos.
- Como Gregory é bravo? - Perguntei curiosa. - Digo, Sr. Colleman parece ser um sinônimo da paciência.
Vic riu alto.
- Só parece mesmo.
- Como assim?
- Gregory nervoso, irritado, contrariado, é o mesmo que sarcasmo puro combinado com paciência zero. - Falou ela. - É algo tão profundo que chega a ser insuportável! Ridículo, escroto... Um novo nível de chatice extrema.
- Pior que Philip na preparação da filmagem dessa semana? - Arqueei a sobrancelha esperando uma resposta negativa.
- Pior? - Victoria estralou a língua no céu da boca. - O que você viu essa semana não foi nada. Philip só está estressado porque agora tem trabalho dobrado com você.
- Comigo? - Ela revirou os olhos.
- Ele está tentando lidar em ter que trabalhar agora com duas pessoas. E irritado por você ainda não ter entrado no ritmo das gravações. - Victoria justificou. - Mas o senhor Colleman nervoso é uma coisa que você pode conviver sem... Pelo menos é isso que eu recomendo, caso você não queira levar bronca e ouvir seus gritos enfurecidos.
Fiz uma nota mental de sempre fazer o que o chefe mandava.
- Então nada de irritar o diretor?
- Nunca em um milhão de anos. - ocupou a cadeira do lado de Vic.
Nós duas viramos os olhos em sua direção, um tanto surpresas. Não esperávamos que ele aparecesse assim tão de repente.
- Será que é difícil avisar quando está chegando? - Perguntei revirando os olhos com a intrusão do garoto.
- Desculpem minha falta de atenção - Ironizou o moreno. -, achei que já tivessem notado meu brilho.
- É incrível como esse seu ego gigante não conseguiu te sufocar. - Falei voltando meu olhar para meu próprio reflexo no espelho.
- Ah não... Por favor, fiquem quietos por alguns minutos! Preciso de um pouco de paz. - se sentou ao lado do amigo. Assim ocupando a ultima cadeira vaga.
- O que você tem, dude? - Minha colega de trabalho perguntou.
Ele soltou um suspiro cansado e abaixou a cabeça sobre seus braços.
- Passamos o dia e tarde na gravadora. - começou a explicar. - Criando letras, escolhendo melodias, gravando músicas... Temos um prazo para entregar o próximo álbum, mas ainda faltam vários detalhes. Minha cabeça está explodindo.
Não havia entendido muito bem o que ele quis dizer com isso, mas assenti em sua direção no mesmo momento em que continuou de onde o amigo tinha parado:
- Temos algumas semanas para entregar o que falta. Não acho que vá ser difícil, até porque muitas das musicas nós compusemos e gravamos durante a última turnê, mas a pressão dos últimos dias tem sido grande, cara. - Completou com os olhos vidrados no celular.
- Estão correndo contra o tempo... - Victoria deixou os lábios numa linha fina. - Boa sorte, garotos. Repassem o recado para os outros três também.
Eles assentiram, mesmo que distraídos.
- Quantas músicas faltam? - Perguntei.
- Três completas e o complemento de duas. Sem falar nos ajustes. – A voz de soou abafada. - Mas parece que são dez.
- Vocês são bons. Tenho certeza que vão conseguir terminar isso até mesmo antes do prazo. - Incentivei.
- Obrigado pelo apoio. - levou a mão ao coração. - Estou emocionado com sua fé em nós. Comovido também.
- Ridículo... - Murmurei mais para eu mesma.
- Que seja isso mesmo. Preciso de uns dias de descanso. - Reclamou , ainda com a cabeça sobre a penteadeira. - Na verdade só umas horas de sossego já estão de bom tamanho.
Eu teria dito para ele aproveitar esse tempo que estávamos tendo agora para tirar um cochilo, mas da mesma forma que havia feito , o reflexo do meu cabeleireiro surgiu no espelho a minha frente.
- Nada de descanso pra vocês agora! - Philip disse, fazendo com que todos nós notássemos sua presença, vindo acompanhando também de uma mulher loira, alta e magra e das suas já conhecidas assistentes. - O trabalho de vocês ainda não acabou por hoje, agora parem de mimimi.
- Sim, senhor. - Vic respondeu de imediato, se colocando ereta na cadeira.
- Você também, palidez sobrenatural. - Ele se referia a mim? - Temos uma hora pra deixar a aparência de vocês magnifica, agradeceríamos se tornassem esse trabalho um pouco menos difícil.
Deixei que ele dissesse o que quisesse. Contanto que as próximas horas se passassem logo e tudo ocorresse bem, eu não me importava.
Fui tratada igual a uma boneca.
Saias rodadas, rendas, saltos, babados, tons bem claros. Foi esse o estilo estipulado para mim no photoshoot.
Eu igual a uma patricinha. Será que eu parecia com uma?
, como sempre, vestia suas típicas jaquetas estilosas que traziam aquela imagem de bad boy, exalando ainda mais aquele ar convencido que só ele tem.
e Victoria estavam igualmente bem vestidos e arrumados.
E foi logo depois disso que começamos a trabalhar de verdade. Hora das fotos.
Ouvir música e se soltar enquanto tem uma câmera na sua frente é uma coisa que eu gosto de verdade. Fiquei ainda mais feliz por nenhum de nós termos caído no chão ou coisa parecida dessa vez. Nós nos focamos em fazer piadas sem graça e agirmos da forma mais natural possível para não ter que apelar igual da última vez. Por isso essa foi a parte fácil.
Difícil mesmo foi sentar no sofá junto com os outros depois que as fotos acabaram e esperar pela repórter como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo.
Quando eu vi uma mulher alta, morena, bem vestida com um gravador na mão e um sorriso no rosto, eu soube que o pesadelo começaria aqui e agora.
- Olá, chuchus. - Todos nós nos levantamos para cumprimenta-la. - Eu me chamo Ivy, e quero dizer que é uma honra estar aqui com os protagonistas e novos integrantes da série The Black Side. Já posso dizer que sou fã de vocês?
- Ah, que amor. - Vic sorriu docemente para a mulher, que assim que cruzou as pernas, se preparou para pular a parte que não lhe interessava e partir para a ação.
Ela ligou o gravador, nos olhou com um sorriso enorme e tomou ar:
- Quero saber antes de tudo: estão animados com a terceira temporada? - Foi sua primeira pergunta.
- Sim, até porque tivemos muitas mudanças desde os últimos meses, então consequentemente várias adaptações. - Vic gesticulava enquanto falava. - Mas as coisas estão indo bem. Tudo encaminhado para ótimos episódios, vocês vão ver.
Sorria e acene, era o que minha consciência falava.
- Eu sei que as fãs do One Direction estão ainda mais animadas com a participação do . Como está sendo essa experiência para você? - A morena se virou parcialmente para o garoto que sorria entusiasmado.
- Tudo tem sido muito divertido, principalmente por meus colegas aqui serem todos muito bacanas. Só é uma pena minha participação ser curta. Três episódios apenas. - sorriu de lado.
- Então quer dizer que você é temporário? Até eu estou chateada agora! - Ivy colocou as mãos na cintura, como se estivesse realmente brava com aquilo.
- Mais ou menos isso, sabe? Nós vamos lançar um novo CD em breve, estão nosso tempo anda bastante apertado. - tentava explicar. - É difícil organizar tantas coisas num espaço tão pequeno.
- Estamos sempre ocupados. - começou a falar. - Algumas coisas nós fazemos porque gostamos, e não porque temos tempo. Soa estranho, mas funcionam geralmente assim.
- Isso tudo por experiência própria? - A repórter estendeu a pergunta para .
- Sim. Comecei a trabalhar na série como uma experiência de trabalho. Saber como era e etecetera e tal. No fim a série fez tanto sucesso, e eu me diverti tanto trabalhando, que não pude escolher entre cantar e atuar. Acho que não vai ser diferente com .
- Garotos mil e uma utilidades, então? – Ivy perguntou sorrindo sugestiva e esticou as pernas, recostando no sofá.
- Acho que não... – Ele pareceu não ligar de verdade.
- Algumas pessoas estudam e fazem faculdade. Outras nascem com talento e se transformam em integrantes do One Direction. - Eu não pude evitar de rir.
Os dois garotos ficaram sem graça, com sorrisos tímidos no rosto.
- E fala sério, mesmo com tanto talento nenhum de vocês está namorando? – Percebi que ela se referia a todos.
Nós nos entreolhamos rapidamente.
- É, todos solteiros aqui. – Vic respondeu por nós.
- Credo gente! Quanto desperdício. – Ela fez uma careta.
- Acho que obrigada. – Disse rindo fraco.
- Mas e você, ? - ela se virou para minha direção. - Como foi saber que você trabalharia ao lago de grandes celebridades como esses três?
Pensei que teria sido melhor ter continuado em silêncio, mas então ergueu um dos cantos da boca com sarcasmos e levantou as sobrancelhas sugestivamente em desafio. Isso me irritou, mas não deixei transparecer.
- Eu fiquei extremamente feliz com essa oportunidade de trabalho. Digo, sou a novata aqui, e até o momento eles só tem me ajudado, sabe? Não poderia ter pedido uma experiência melhor do que essa que eu estou vivendo. Está mudando minha vida completamente. - E coloque mudanças nisso, completei mentalmente.
- Você mudaria alguma coisa? - Ivy pareceu curiosa para saber, e eu nem um pouco empolgada para responder.
- Não, eu não mudaria nada. - Abri meu melhor sorriso, mostrando todos os dentes, esperando ter soado convincente.
Todos ali pareceram acreditar, e, sendo essa a intenção, fiquei mais aliviada.
Claro que eu mudaria algumas partes. Colocando como tópicos principais aquelas em que a presença do me tirou do sério, e a que minha vinda pra cá havia sido meio impulsiva por conta de problemas familiares.
Mas quem precisa saber disso? Detalhes a parte.
- Eu vi as primeiras fotos de vocês para a promoção da terceira temporada, achei elas super diferentes! Vocês parecem se divertir muito juntos. - Isso porque ela não vê as filmagens.
- Sim, nós temos criado uma conexão bastante divertida entre nós. - respondeu.
- Com certeza os últimos dias têm sido bastante engraçados. - Victoria completou.
Novamente apenas sorri e concordei.
- E vocês tem algum spoiler para contar? , como vai ser seu personagem?
- Ah... Ele vai ser um nerd de primeira. – Riu. – Um velho amigo do Ian, mas vai acabar causando alguns problemas...
- Que tipo de problemas? – Os olhos de Ivy brilhavam.
- Só assistindo pra ver. – Eu ri, porque a morena fechou um pouco o sorriso, nada satisfeita com a resposta.
- Fale sobre como vai ser Ian nessa temporada . - A repórter pediu, e ele apoiou os cotovelos no joelho.
- Ian vai estar um pouco confuso com a volta de uma pessoa... meio indesejada. – Ele me olhou com o canto dos olhos. - Por isso os fãs podem esperar bastante briga pela frente.
Ela voltou a abrir um imenso sorriso e se virou para minha amiga.
- Victoria... vai nos revelar algo?
- Olha... Só vou concordar com e dizer que vai ter muita briga pela frente, porque eu tenho passado muitos dias na academia e fazendo algumas aulas extras de luta. Pode acreditar que tem gente que vai apanhar muito nessa série. – A mulher pareceu surpresa com a resposta de Vic e riu em seguida.
- Tudo culpa da pessoa indesejada... – completou com um meio sorriso.
- Eu já saquei que essa pessoa é a personagem da , mas a pergunta que não quer calar é: vai ter algum romance entre o seu personagem e o dela? - Assumiu a pose curiosa.
e Victoria riram. Ela escondeu o rosto entre as mãos. negou, claramente divertido.
- A gente se odeia. - Respondi rápido.
- Sem chance. A Kate é um porre. - Ele contribuiu.
- Ai gente, assim vocês acabam com as minhas esperanças! - Ri do exagero dela. - Vocês estão falando sério?
- Eles estão em uma linha tênue. - Victoria disse sorrindo.
- Mas, como já foi dito antes: só assistindo pra descobrir. - Continuou .
- E o que mais eu e o pessoal de casa podemos descobrir assistindo a série?
- Bom... Os personagens vão viver momentos intensos. - Vic deu um meio sorriso. - Mas os detalhes cada um vai ter que descobrir por si.
- Então é isso, gente. Vocês atiçaram ainda mais minha curiosidade. - Ela levantou as mãos enquanto falava. - Aguardaremos ansiosamente pelo primeiro episódio.
Ela desligou o gravador, e eu soltei um suspiro de alívio. Havia sido suportável. Olhei para Vic, que sorriu e arqueou as sobrancelhas, empurrando meu ombro em seguida. Ela bem que tinha dito que não ia ter nada demais.
- Ai, chuchus! Vocês não imaginam o quão curiosos estamos todos nós para essa série! - Ivy bateu palmas e sorriu. - Já tem data para o primeiro episódio ser lançado?
Nós nos entreolhamos. Já tínhamos a data sim, mas Gregory havia deixado bem claro que ela só seria dita no dia da coletiva de imprensa que, graças a Deus, ainda não tinha sido marcada.
- Ainda não. - Começou Victoria. - Mas quando a Première acontecer pode ter certeza de que logo vai começar.
- E a Première tem data por acaso? - A morena insistiu e arrancou risadas de nós quatro.
- A gente te avisa, não se preocupa. - riu e começou a se levantar. Aparentemente a entrevista havia chegado ao fim, e eu sorria cada vez mais por causa disso.
- Chuchus, muito obrigada pelo tempo de vocês, a revista agradece a disponibilização de todos por virem aqui hoje. Não imaginam minha felicidade de estar falando com vocês. - Sorri e me perguntei se ela, só por curiosidade, costumava chamar todos seus conhecidos de legumes como estava fazendo com a gente.
- Ah, obrigado. O apoio que nós estamos recebendo tem sido incrível. - A voz de soou baixa e rouca, acompanhada por um meio sorriso.
- Eu não diria o contrário! Se vocês vissem a loucura de fãs que temos do lado de fora, ficariam de boca aberta. – Ivy comentou com os olhos pregados em e .
Eles tinham esse efeito sobre as mulheres.
- Têm fãs nossas aqui? – Eu já estava sorrindo antes mesmo da reposta.
- Sim, minha chuchu. É só olhar pela janela e vai ver uma pequena multidão e pessoas.
- Vem, . Vamos dar um tchauzinho pra esse povo. – Vic me puxou pelo pulso, levando-me de encontro à janela no mesmo instante em que e se levantaram para também nos acompanhar até lá.
Realmente a visão que tive me surpreendeu. Tinha um tipo de corredor que separava as pessoas da entrada do lugar. Uma grade, talvez, eu nãos saberia dizer daqui de cima. Mas a parte que mais me chamou a atenção foram as várias pessoas, muitas mesmo, que estava logo ali, gritando, sorrindo, segurando cartazes e canetas, esperando que fossemos falar com elas.
- Olha que legal o cartaz daquela ali. – apontou.
- Não cara, se liga só naquela garota ali no canto. – Os dois riram.
Ficamos observando os fãs por mais alguns minutos, nos divertindo com a criatividade sem limites que eles tinham.
- Acho que poderíamos descer e dar alguns autógrafos, o que acham? – Perguntei entusiasmada.
Vic deu de ombros, mas não me olhou quando respondeu:
- Acho que sim. Mas é melhor pegarmos algum guarda chuvas. Parece que vai chover um pouquinho. – Ela apontou para o céu encoberto de nuvens cúmulos nimbos, que até então, nenhum de nós tinha notado.
- Com pouquinho você quer dizer um dilúvio? - falou divertido, mordendo o lábio inferior.
Um relâmpago brilhou e o som estrondoso do trovão ecoou por Londres.
Recuei um passo das janelas.
- Parece que vai ser uma bela tempestade. - Concordei com , acenando com a cabeça.
- Nossa, olha a cor desse céu! – Resmungou .
- Que cor é essa? Parece preto, mas não é. – Vic pareceu contraditória.
- Pode ser cinquenta tons de cinza.
Todos nos viramos para , que escondia um riso e dava de ombros para o que ele próprio havia dito.
- Nossa que piada ruim, cara! – Exclamou , e eu tive que concordar.
- Essa foi ruim demais até pra você, . – Victoria completou.
Outro trovão nos pegou de surpresa e eu encarei a janela, alarmada.
- Er... É melhor eu ir para casa. - Dei mais um passo para trás. - Tá ficando meio tarde e eu ainda tenho que chamar o táxi... Melhor eu me apressar.
- Ah que bobagem, . - Vic me repreendeu, também me impedindo de sair.
- Juro que não é, Vic. É que eu deixei as janelas abertas e não quero que todos os cômodos fiquem molhados por causa da chuva forte. - Usei a melhor desculpa que eu pude inventar em cinco segundos. Entretanto ela soou horrível até mesmo para os meus ouvidos. - Vai estragar meu apartamento novo, poxa.
- Que perca lastimável seria. – Ignorei a ironia de , mantendo minha atenção nos outros dois.
- Qualquer coisa é só passar um pano e tá tudo certo. – deu de ombros.
- Ótima solução. – Revirei os olhos, rindo. – Mas eu preciso mesmo ir.
- Falando em apartamento novo, não vai nem me convidar pra conhecer o lugar? – A garota ao meu lado se interessou em mudar o rumo da conversa.
- Você até parece ofendida desse jeito, Victoria. - respondi.
- Não é isso... É só que você nunca falou nada sobre, sabe? – Ela tentou se explicar, fazendo uma careta engraçada.
Eu já estava começando a achar tudo aquilo bem divertido.
- Ah, uma coisa que você pode não ter percebido ainda é que ela é meio entrona. - falou sobre Vic, deixando-a ainda mais sem graça do que já estava.
- Compre cadeados e coloque na casa inteira.
- Cala a boca, ! - Ela ralhou, jogando sua garrafa de água vazia em , que a pegou antes mesmo de ser atingido pelo plástico. Vic revirou os olhos mais uma vez, mal humorada.
- Se quiser ir para a minha casa, pode ir... - Fui interrompida por relâmpagos iluminando o céu enquanto o atravessava e outro trovão anunciando a tempestade. - Mas temos que ir logo!
- Eu aceito o convite. – A garota sorriu vitoriosa. - Vou pedir para meu motorista nos deixar em seu flat.
- Estaremos logo atrás de vocês. - colocou a jaqueta, a mesma da sessão de fotos, que estava no encosto de uma cadeira e se posicionou ao lado de que parecia distraído digitando no celular.
- Mas eu não convidei você.
- Ah, fala sério, Ruivinha. Eu não preciso de convite.
Eu o fitei da mesma forma que qualquer pessoa faz quando alguém mete o nariz onde não foi chamado. Com indignação.
- Precisa sim. - Respondi de prontidão, cruzando os braços na altura do peito.
Aparentemente eu não soei nada intimidadora, pois ele gargalhou. revirou os olhos e falou:
- Vou tomar conta dele para não estrapolar, . – Colocou a mão no meu ombro, se divertindo com a situação. - Pode confiar.
- Eu confio em você - Respondi sincera. - Não confio nele. - Apontei para .
O moreno se virou para mim e riu com sarcasmo.
- Temos algo em comum, então. - Comentou.
- Que bom.
- Ah, vamos lá, Ruivinha. - Falou com ceticismo. - Não faço o tipo ladrão, sequestrador e nem estuprador. Pode acreditar. Posso até te dar minha fixa criminal, se quiser. Não vai ter nada nela.
Pensei por um minuto e logo me dei por vencida.
- Por que insiste tanto em ir?
- Porque eu não tenho mais nada pra fazer.
- Nossa, . Obrigada, devo me sentir lisonjeada por isso?
Victoria apareceu, ainda sorrindo, no momento seguinte, tirando as chances do moreno de retrucar qualquer coisa mal educada. Fiquei satisfeita com isso.
- Tudo pronto. Ele está nos esperando na entrada principal.
- Mas a entrada principal não é onde estão os fãs? - arqueou uma sobrancelha.
- Essa mesma! – Concordou ela, animada.
- Então é melhor irmos logo. - esfregou as mãos. - Temos que falar com uma legião de pessoas antes de ir pra casa.
- Minha casa. – O corrigi.
Mas ele não ligou. Logo já estávamos deixando aquele lugar e rumando para meu apartamento e para longe daquela tempestade que logo começaria.
A primeira coisa que eu fiz quando cheguei ao meu apartamento foi fechar a janelas. Não era uma total mentira.
Estava indo tudo bem. Desde que deixamos o local da entrevista, falamos com os fãs e viemos para minha casa. A chuva ainda só ameaçava com seus barulhos fortes e a falta de luminosidade. Até então nada tão ruim.
Vic, como já tinha avisado , tinha fuçado até meu closet. E eu nem tinha chegado a dizer que tinha um. Pelo menos ela havia elogiado minhas roupas, por isso a perdoei por não saber se controlar.
Os assuntos quais conversávamos eram no mínimo esquisitos. Não podia esperar menos que isso reunindo pessoas como nós. A televisão tinha sido ligada em algum momento, por alguém que eu não sabia quem, mas ela estava sendo totalmente ignorada por nós quatro, que agora estávamos falando sobre nossos anos escolares. Até nos interromper:
- Quer que a gente morra de fome? - olhei para com cenho franzido. - De sede também?
- Do que você tá falando? - procurei entender onde ele queria chegar.
- Faz quarenta minutos que nós chegamos e você não ofereceu nem uma bolacha de água e sal.
Revirei os olhos.
- Ah, fala sério.
- Tô falando! Que péssima anfitriã você é.
Me virei para .
- Você está com fome? – ele negou e deu de ombros. – Victoria, você tá com fome? – gritei.
- NÃO! – respondeu de dentro do meu closet.
Me virei de novo para com um sorriso presunçoso.
- Viu? Ninguém tá com fome.
Então Vic reapareceu no corredor usando um dos meus óculos escuros.
- Mas eu tô com sede.
e gargalharam, enquanto eu tentei manter a expressão séria e evitar que minhas bochechas corassem. Poxa, eu estava me sentindo bem em poder dizer algo em que estivesse errado, mas a colaboração dos outros é mínima.
Levantei-me ainda contrariada e fui até a cozinha. Depois de pegar qualquer coisa para oferecer a aqueles três, além de uma jarra com limonada, retornei a sala e coloquei tudo na mesa de centro.
- Me desculpem pela falta de educação. – revirei os olhos, não gostando de ter que pedir desculpas por um motivo tão besta como aquele.
- Sem problemas, amore. – Victoria sorriu e pegou o copo com a bebida. – Sabe que a gente ama te zoar, né?
Dei de ombros com um lado da boca levantado em um meio sorriso.
- Tenho percebido isso.
- Imagine eu que tenho que aturar esse dois juntos há mais tempo que você. – comentou .
Os três começaram a rir e eu os acompanhei, iniciando uma suposta discussão séria sobre o papel de um amigo. Mas não chegou a durar muito, pois logo os três se colocaram de pé, Vic ainda com meus óculos, e começaram a se despedir.
Já eram oito horas da noite, mas com a escuridão proporcionada pelas nuvens extensas, parecia ser bem mais tarde.
- Obrigada por ter deixado a gente te atormentar. – disse Victoria recolhendo sua bolsa.
- Tudo bem, vocês foram companhias divertidas. Voltem quando quiser. – falei sorrindo, então olhei para . – Menos você.
- Tudo bem, a gente deixa ele no carro da próxima vez. – a frase de me fez sorrir, sendo acompanhada pela garota também.
- Tchau, . – despediu-se Vic. – Até mais.
Eu estava com as palavras na ponta da língua, pronta para dizer “tchau” quando escutamos outro trovão ridiculamente forte. Todos paramos por um momento, estáticos. O barulho de chuva forte veio em seguida.
Voltamos os quatro para a sala e vimos, pela enorme janela, a tempestade caindo. De queixo caído, os outros tinham o olhar fixo nas pedras de gelo que despencavam junto com a água. Eu não conseguia enxergar nada além das gostas grosas e do granizo.
- Blow me!1 - disse de olhos arregalados.
- Calma gente, sem pânico. – falou . – Aposto que daqui a uns dez minutos já vai ter passado.
Logo em seguida nossa atenção se virou para a televisão, que anunciava no jornal:
- Infelizmente comunicamos que a tempestade que está caindo em Londres e em algumas cidades vizinhas, está sem previsão para terminar. Os meteorologistas de plantão afirmam que a chuva e os fortes ventos não vão amenizar, a tendência é piorar nas próximas horas. Aconselhamos a todos que permaneçam em casa e abrigados até o próximo comunicado...
Todos adquiriram uma expressão e incredulidade. Eu suspirei, me dando por vencida.
- Querem dormir aqui hoje?
Definitivamente eu odiava chuva! E odiava muito.
Os três teriam de passar a noite no meu apartamento. A menos que quisessem esperar até meados das duas ou três da madrugada para conseguirem sair daqui, porque a tempestade lá fora parecia não querer dar trégua. Até parece que abriram a torneira no céu, e, acidentalmente esqueceram-se de fechá-la.
Graças a ela também, a viagem de , e todas as outras programadas para hoje, tinham sido adiada para amanhã de manhã, já que não teria como os trens andassem nas ferrovias, e impossível para passageiros que chegassem andar na rua daquela forma.
Alguns outros comunicados no jornal tentavam prevenir que acidentes de grande porte acontecessem. Fomos avisados também que seria possível a falta de energia elétrica em vários pontos da cidade, então meus amigos e eu já havíamos nos precavido e buscado duas lanternas e algumas velas para a iluminação quando isso acontecesse.
Até o momento a luz estava em meia fase. Faltava pouco para que ela acabasse de vez.
- Antes que eu me esqueça – comecei a dizer, atraindo a atenção e todos. –, além do meu quarto, ainda tem outros dois. Um desses é suíte, o outro não.
- Eu fico com a suíte! - Vic lançou seus dois braços para o alto e nós a encaramos de olhos arregalados.
- Calma, menina. – disse sem mudar a expressão facial.
- Só garantindo minha noite de sono. – ela deu de ombros.
- Er... Ok – concordei, então virando para os garotos. – Vocês ficam com o quarto sem banheiro. Tem duas camas de solteiro nele. Certinho pra vocês dois. – falei. – A menos que vocês queiram dormir juntos, aí é só juntar as duas. Eu não me incomodo.
Comecei a rir sozinha sendo acompanhada por Victoria quando uma almofada atingiu minha cabeça.
- Hey! – disse indignada já imaginando quem tinha sido.
- Sem palhaçada. - falou .
- Sabe brincar não? – eu estava chateada, e isso era perceptível na minha voz.
- Sei, mas eu queria jogar essa almofada em você já fazia um tempinho.
Não começamos a discutir como de costume, pois a luz se foi de vez e nos interrompeu. Agora não sobrara nem sequer um terço da maldita energia para iluminar o ambiente. Recorremos então às lanternas e as colocamos na mesa de centro, onde podia iluminar boa parte de nós e da sala de estar.
Tentamos iniciar alguma conversa com a esperança de passar o tempo mais rápido, já que nenhum mostrava sinal de cansaço agora (mas pela cara de todos mais cedo, eu apostava o contrário), e provavelmente ninguém estava interessado em apenas escutar os trovões tão agradáveis proporcionados lá fora.
Quando finalmente achamos um assunto em que todos pareceram interessados em comentar alguma coisa, as opiniões divergentes começaram a deixar alguns de nós um tanto quanto irritados. Talvez por não concordar cem por cento com a ideia de outro, mas sendo sincera eu me sentia tão confusa quanto qualquer um naquele momento.
- Ah qual é?! – eu não conseguia acreditar no que eu ouvia.
- Sério, eu não minto. Não do jeito convencional. – respondeu e aproveitei para soltar uma risada nasalada.
- Então você acabou de mentir. – afirmei divertida. Ele pareceu revirar os olhos, mas era difícil dizer com apenas a iluminação das lanternas.
- A concepção de mentira de é um pouco diferente da de pessoas normais... – falou .
- Como assim, isso existe? Mentira é mentira em qualquer lugar. – respondi sentando sobre minhas pernas, me acomodando melhor no sofá.
- Não, Ruivinha. – ele também pareceu se ajeitar do outro lado oposto da sala. – Eu divido a mentira em duas categorias.
- E quais seriam elas? – perguntei curiosa e descrente.
- Lá vamos nós de novo... – Victoria jogou a cabeça para trás e a cobriu com um dos braços.
- A categoria um: onde se omitem fatos. A categoria dois: onde ela pode ser relacionada a traição. – respondeu como se já tivesse dito aquilo milhares de vezes.
- E onde entra a mentira universal, a invenção de histórias? Pra mim esse é o resumo perfeito para o significado dessa palavra.
Ele riu debochado.
- A ação de trair não deixa de inventar coisas que não aconteceram. Se você mente inventando alguma coisa para um amigo ou pra alguém que você ama, está traindo a confiança dele ou dela. – eu estava confusa.
- E como a omissão de algo pode também não ser um tipo de traição? – perguntei petulante. – Acho que você tem que rever alguns dos seus conceitos.
- Mas eu não disse que deixava de ser uma traição. – se defendeu. – Só é um pouco mais leve que a invenção de algo que não aconteceu.
- Mas a probabilidade de se descobrir uma omissão é bem maior do que a invenção de qualquer coisa.
- Talvez, mas eu preferiria saber que alguém deixou de me contar alguma coisa para tentar me proteger, por achar irrelevante, ou simplesmente evitar alguma reação minha, do que inventar algo absurdo e tentar me fazer acreditar que aquilo era verdade. – rebateu sem pausa. – Isso em minha opinião, não passa de traição.
- Mas dessa forma, então todo tipo de mentira é uma traição. – pelo menos era assim que eu estava ligando os pontos.
- Praticamente isso. – assentiu, como se tivéssemos chegado a algum lugar. bufou ao meu lado, como se previsse que aquela conversa estava longe de chegar ao fim.
- Pensando dessa forma, então todos nós já fomos traídos. – conclui.
- Sim, traição de primeiro grau.
- Vai me dizer que dividiu em categorias isso também? – falei já um pouco irritada.
- divide tudo em categorias... – murmurou. o ignorou e continuou:
- Traição de primeiro grau: quando a pessoa omite algo. – enumerou com os dedos. – Traição de segundo grau: quando a pessoa usa a mentira para te ferir. Traição de terceiro grau: quando a pessoa usa a omissão e a mentira juntas, com mais alguns outros atos para, em poucas palavras, destruir todos os sentimentos que você tem por ela. Há quem diga que essa última não seja proposital, mas nós aqui sabemos que quem trai, trai consciente.
Parei por um momento, boquiaberta. A forma como ele falou, mesmo com a voz controlada, mostrava claramente que aquilo já havia acontecido com ele e isso o frustrava. Perdi as palavras por alguns segundos. Pensei que talvez eu estivesse me precipitando com meus pensamentos, mas uma pessoa só agiria da forma que ele age se fosse extremamente prevenida ou se já tivesse passado por situações daquele tipo.
Eu acreditava na segunda opção, mas ainda assim senti necessidade de confirmá-la. Então perguntei:
- Como chegou a essa conclusão, ?
- Alguns conceitos seus mudam depois que você vive algumas situações. Por isso é tão difícil confiar nas pessoas.
Silêncio.
- Talvez a confiança seja sinônima de fragilidade... – supus.
- A confiança é extremamente frágil. Como se fosse feita de cristal, porcelana, algo assim. Qualquer toque pode quebra-la e às vezes destruí-la. – sua voz rouca se tornava quase inaudível a cada palavra que ele dizia. - E mesmo se tentar consertar, nunca mais será a mesma. Então talvez seja isso mesmo. Talvez a confiança seja algo importante demais para dá-la a quem não merece. Seria mais fácil se todos soubessem disso antes de cometerem os mesmos erros.
's POV
A luz ainda não tinha voltado, mas todos na casa já dormiam. Eu não esperaria coisa diferente, já que se passavam das três da madrugada.
A tempestade havia acabado, mas uma garoa fina ainda caia, e assim como já era de se esperar, não daria trégua tão cedo. Ainda tinham raios e trovões, e graças a eles, e a várias outras razões, eu não conseguia pegar no sono por mais que dez minutos. Por isso estava na cozinha com um copo de água na mão, pensando.
Aquela conversa toda sobre mentiras, traições e confiança, me traziam lembranças. E eu não queria lembrar.
Odiava o fato de manter meus pensamentos em coisas que já aconteceram. Lembranças que não passam de tempo perdido. Em coisas que eu não poderia mais me prender.
Queria poder assumir que eu tinha superado, mas a verdade era que eu ainda pensava nela e nas experiências que tivemos juntos. Isso para mim significava fraqueza.
Dizem que uma pessoa pode acabar com você de mil formas diferentes, mas você ainda se lembrará dela a partir das coisas boas que a mesma te fez.
Eu sentia falta daquilo. E isso era o que mais machucava.
Já fazia meses e eu ainda não tinha conseguido seguir em frente da maneira certa.
Não, eu não choraria. Nem ao menos sentia vontade de gastar minhas lágrimas por alguém que me traiu, quebrou minha confiança e levou boa parte dos melhores dias da minha vida para o quinto dos infernos.
E infelizmente, pensando desse jeito eu até pareço uma garota.
Eu não gostava de assumir, mas tinha rancor daquilo. Queria poder entender como ela se sentiu no direito de poder fazer aquilo comigo.
- Ai, meu Deus, ! - levei as mãos ao rosto quando a luz atingiu meus olhos em cheio. - Eu me lembro de ter dito para você ficar a vontade, mas nem tanto!
A voz de estava num sussurro alto, meio indignado.
- Tira esse troço da minha cara - ralhei irritado. -, e não aja como se eu estivesse pelado, até parece que nunca viu um homem de cueca nessa vida.
Eu não podia ver, mas podia jurar que ela havia revirado os olhos e ruborizado.
abaixou a lanterna e minha vista pode se adaptar a luz do ambiente. Pisquei algumas vezes até conseguir fazer minha visão se focar nela.
- O que faz ainda acordado? - perguntou curiosa, adentrando a cozinha e se sentando na bancada.
- Vim beber um copo d'água. Estava sem sono. - dei de ombros. - E você?
- Idem. - ela suspirou. - Problemas para dormir, então vim beber água também. Será que você pode me dar um copo?
Assenti e fiz o que pediu, entregando a ela logo depois.
- Deve ter sido difícil. - levantei meus olhos até seu rosto. - Passar pelo que você passou...
- E foi. - concordei.
Alguns segundos se passaram, o suficiente para que a fizesse falar mais:
- Fiquei pensando naquela frase que você disse por muito tempo. - comentou baixo.
- Não concorda com ela? - questionei, enchendo meu copo com mais água.
- Pelo contrário. Isso só me fez pensar em mais coisas.
- Que tipo de coisas? - perguntei com a curiosidade mais clara que a luz da lanterna.
- Do tipo que, a confiança é realmente tão frágil, que você não pode dá-la a alguém sem entregar uma parte de você mesmo junto. - me mantive em silêncio, esperando que isso servisse de incentivo para fazê-la continuar. Eu a fitava sem piscar. - Por isso as pessoas mudam. Roubam partes delas frequentemente, e se sentem com necessidade de preencher esses vazios para não parecerem assim tão vulneráveis. Ninguém gosta de ser visto aos pedaços, com aparência quebrada. Essa forma é a mais fácil de se manterem intactas. E além disso, talvez essa seja uma das coisas que o passado pode nos ensinar, sabe? Porque ele machuca, e machuca muito. Mas ou você foge dele, ou aprende com ele.
bebeu sua água, mas não largou o copo. Percebi que ela me olhava e esperava minha resposta, ou no mínimo, uma avaliação de sua frase.
- Talvez você esteja certa.
- Estou? - seu tom incrédulo quase me fez rir.
- Sim, acho que está.
Não dissemos mais nada. Terminei de beber minha água em silêncio, até que por fim escutei o barulho dos dois copos baterem no fundo da pia.
Eu nunca tinha pensado daquela forma, e agora que ela tinha dito tudo em voz alta, imaginei que fosse escutar aquilo ecoando na minha cabeça por mais vezes do que eu realmente gostaria.
Percebi que começara a sair da cozinha, levando a luz junto com ela, mas mantive meu olhar congelado nos azulejos brancos da bancada.
- ? - virei meu rosto em sua direção. - Sinto muito por você... De verdade.
Assenti uma vez e voltei meu olhar para a parede.
Agora ela era outra na lista bem curta de pessoas que também sabia. Sabia que o , em algum momento havia levado um belo par de chifres, daqueles bem grandes, parecidos com os de alces. Mas ao contrário do que eu esperei que ela fizesse, não estava tirando sarro.
Jurava de pés juntos que ela teria dito algo parecido com "Você? Tá brincando! Meu Deus, isso quer dizer que ela te usou direitinho, hein? Nem ela te aguentou.", ou ao menos risse na minha cara e guardasse seus pensamentos para si mesma, mas parece que eu a julguei mal em certa parte.
Me perguntei se por acaso não teria falado demais naquela noite. Lembro que Victoria e se mantiveram em silêncio enquanto eu discursava sem me calar. Eles só faziam isso quando sabiam que eu estava nervoso ou irritado.
Me perguntei também se, por acaso, meu desanimo e suposta irritação quanto a isso era assim tão óbvio. Eu sempre fui cuidadoso o suficiente para não falar demais e dar meias conclusões a quem escutava. Mas independente disso, havia sido a primeira a notar sem que eu dissesse com palavras concretas.
E por último, me perguntei se aquele assunto teria realmente acabado naquela madrugada, ali na cozinha. Mas eu sabia, de um jeito esquisito, que a resposta da última pergunta eu tinha. E ela era não.
1 Blow me: Expressão do inglês britânico usada para momentos de total surpresa, que tem um amplo significado, variando de expressões como “minha nossa” até “cacete”. Já no inglês americano ela tende a ser mais rude...
Capítulo 8 - “Let's make the most of the night
Like we're gonna die Young”
's POV
Quando eu acordei de manhã, com grandes olheiras debaixo dos olhos graças à noite mal dormida, não só por causa dos raios e trovões, que sempre me atormentaram desde que eu me entendia por gente, mas também por causa de toda aquela conversa "profunda", me deparei com um dia de sol.
Aquilo fez minhas sobrancelhas se juntarem. Não bastava meus pensamentos já estarem um caos, agora o clima também daria um de doido completo?
Eu podia escutar a movimentação na casa, indicando que era hora de me levantar, quando de súbito também me lembrei que o número de pessoas dentro do apartamento aumentaria ainda mais. estava vindo.
Pulei para fora da cama, e ainda de pijamas, sai do quarto indo direto para a sala de estar, me deparando com três pessoas me encarando com olhares engraçados.
- Belas ovelhas... - apontou para a camiseta que eu usava. Senti o rubor subir por minhas bochechas.
- Tem esse pijama há quanto tempo? - Brincou . - Desde os oito anos?
Eles riram claramente divertidos. Não respondi, me limitei a dar de ombros. Eu gostava bastante desse baby doll, e não seria por isso que eu iria mudar de ideia.
Ignorei e fui logo para o assunto que me interessava.
- Alguém ligou? - Todos negaram. - Ótimo, então eu ainda tenho um tempo.
Eles pareceram não entender.
- Pra onde vai? - Perguntou Victoria. - Quero dizer, pra onde nós vamos?
Franzi o cenho.
- Eu preciso ir até a estação buscar minha amiga . Não precisam ir se não quiserem. - Disse voltando depressa para o corredor. - Aliás, achei que nem fossem mais estar aqui quando eu levantasse.
- está vindo? - Ouvi a voz de .
- Está! - Gritei já de dentro do banheiro. - Era para ela ter chegado ontem, mas não foi possível por causa da tempestade. Ouvi o garoto concordar, mas uma voz sobressaiu sobre a dele:
- Nós vamos com você. - Era Vic quem falava agora.
- Nós vamos? - perguntou meio contrariado, eu tinha certeza.
- Claro que vamos!
Ele deve ter revirado os olhos.
Ri sozinha e entrei no box sem perder mais tempo.
Depois de alguns minutos, achei que minha aparência já tinha melhorado minimamente e resolvi que isso bastava para ir até a estação de trem.
Ainda era cedo, não passava das nove da manhã, e nós quatro já estávamos bem acordados rumo ao tumultuado de pessoas que Londres proporcionava. Provavelmente não estava no meu top 10 de coisas mais legais para se fazer de manhã, mas se tinha no meio, se tornava algo muito importante para mim. E imediato também.
Quando havíamos acabado de estacionar o carro, meu telefone apitou, avisando que uma nova mensagem havia sido recebida.
Só para garantir que não era nenhum texto da operadora, oferecendo novos serviços "maravilhosos", eu a li. E logo em seguida fui às pressas para saguão de desembarque, logo de cara a procura de uma garota loira, alta e magra que a poucos a alguns metros de distância.
- ! - Ela segurava o telefone próximo ao ouvido, mas assim que me viu, o colocou no bolso e veio em minha direção.
- ! - Fui me espremendo entre as pessoas a passos apressados até que eu e ela estávamos nos abraçando.
Nós falávamos muitas coisas ao mesmo tempo. As palavras pareciam meio desconexas ao meu ouvido e ao dela também, muito provavelmente. Eu sabia que mais tarde teríamos que repetir tudo o que falamos aqui uma para a outra. Mas agora eu não estava ligando para isso.
- Gente, tá todo mundo olhando pra vocês duas. - A voz de Victoria soou perto, em algum lugar a minha direita.
- Ah, me desculpem - Separei-me de minha amiga, ainda sorrindo. - Gente, essa aqui é minha melhor amiga, .
a cumprimentou com um abraço e apenas acenou com a cabeça. Já era de se imaginar que os dois não se receberiam com sorrisos e abraços. Motivos? Acho que nenhum dos dois esqueceu o dia do banho de café. Eu acreditava que seria meio difícil esquecer...
Vic permaneceu no canto, esperando ser apresentada, mas acompanhava a cena toda sorrindo.
- , essa aqui é Victoria O'Brian, mas você já a conhece do seriado. – Falei por fim.
- Er... Oi! – A voz da loira saiu um pouco diferente de seu normal. Eu imaginava bem o porquê.
estava estática, tinha os olhos brilhando em animação e eu não pude evitar rir de seu momento fã. Ela estava completamente embaraçada e sem saber o que fazer ou dizer.
- Pode me chamar de Vic se quiser. - Victoria a abraçou. - fala bastante de você.
Isso foi o suficiente para que a loira praticamente pulasse de alegria e me abraçasse mais uma vez para depois colocar seu lado de fã quase histérica para fora:
- Caramba! Eu adoro você! - começou a falar. - É uma das atrizes que eu mais admiro, principalmente por não usar nenhum duble, acho que isso só mostra o quão profissional você é! E seu estilo? Meu Deus! Eu adoro me inspirar nas suas roupas, você é tipo um ícone de moda pra mim e...
- Chega, . - Falei séria ao seu lado.
- Desculpa, me empolguei um pouquinho. – gesticulou exageradamente e riu nervosa. Vic a acompanhou. - Poxa, é Victoria O'Brian na minha frente, me á um desconto, né.
Soltei um riso baixo incrédula com o que ela estava falando.
- Já falei, amore - Victoria deu de ombros. -, me chame de Vic. Odeio formalidades.
- Não... Vic é muito comum, aposto que todos te chamam assim... – Olhei para minha melhor amiga com uma expressão confusa. Do que ele estava falando? - Que tal Vicka? Posso te chamar assim?
Victoria riu antes de responder. Pareceu feliz com o que ouvia.
- Claro que pode! Gostei... Ninguém nunca me chamou assim antes.
- Ai, amiga, você escutou? - Ela se virou de frente para mim. - Victoria O'Brian gostou do apelido que eu dei pra ela!
Eu tentei de verdade segurar minha gargalhada, mas não deu. Tentativa falha. estava agindo descaradamente igual a uma doida, e, aparentemente, não dava a mínima para isso.
- Certo, vamos pra casa antes que eu tenha uma síncope induzida pelo riso aqui mesmo. - continuei rindo e segurando no braço das duas garotas para não perder o equilíbrio. - , você pode arrastar a mala da ?
- Claro, . - Respondeu imediatamente.
- Não precisa fazer isso . - se justificou, parecendo um pouco mais pé no chão agora, além de constrangida. - Tenho uma mão livre. Sei que posso fazer isso, nem está pesada a bagagem.
- Para de se preocupar. - Deu de ombros e segurou a mala. - Tô tentando ser cavalheiro aqui.
- Tudo bem - levanta as mãos na altura dos ombros, desistindo. - Pode ser cavalheiro pelo tempo que quiser.
Reviro os olhos e sorri, me preparando para fazer um comentário, porem fui interrompida:
- Que tal irmos a uma Starbucks? - Todos dirigimos o olhar para que agora usava um óculos escuro.
- Olha só! - sorriu, se fazendo de impressionada. - Não é que o Bad Boy aqui fala a minha língua?
me olhou confuso, como se ela fosse algum tipo de ET, e eu lhe devesse uma explicação do porquê ela existir. Será que ele acreditaria se eu dissesse que também não sabia?
Resolvi não responder. Me lembrava de ter dito uma vez para ele que era viciada nessa cafeteira, e por isso a simples menção do nome já a fazia ficar animada.
- Eu gosto de Starbucks. – Vic, ou melhor, Vicka falou.
- Somos duas. – eu disse.
- Será que já podemos ir? - perguntou, repentinamente motivada a sair dali.
- Starbucks é sempre uma boa ideia. - jogou a cabeça para o lado e deu um sorrisinho.
- Já gostei de você mais um pouco, . – A loira riu outra vez. Soltei um suspiro enquanto seguimos até o carro dos garotos. Meu estômago aprovava um bom muffin agora.
Esperávamos sair com facilidade da estação, mas acabamos perdendo algum tempo falando com fãs que nos pararam enquanto estávamos ainda na plataforma ou nos corredores que direcionavam para a saída.
Quando chegamos, finalmente, na Starbucks, os garotos fizeram questão de pagar nossos pedidos como forma de agradecimento por eu não tê-los expulsado a vassouradas do meu apartamento no meio da tempestade. Fiquei surpresa por ter sido o primeiro a oferecer pagar nossa parte. Ele estava agindo como gente, e isso era novidade pra mim.
Não recusei o presente.
também não, e ainda deu um jeito de se entupir com bastante cappuccino e algumas outras coisas, e olha que ela me garantiu ter tomado café da manhã durante a viagem na companhia de uma velhinha muito simpática.
Enfim quando estávamos a ponto de sair, outras garotas apareceram pedindo fotos e autógrafos. Outra vez não recusamos.
- Nunca em toda minha vida imaginei encontrar o elenco da minha série favorita na esquina da minha casa. - A garota sorriu sinceramente. - Isso é loucura!
- Caracas! Eu necessito tirar uma foto com todos vocês. - A outra menina disse, já com o celular em mãos.
- Você quem manda. - puxou meu braço gentilmente para que ficássemos lado a lado.
- Eu tiro a foto para vocês. - ofereceu, dando de ombros, se divertindo com aquilo.
Nos juntamos e fizemos pose junto com as duas garotas que nos abraçavam lateralmente. fez careta.
- Essa foto está muito sem graça. Por que vocês não tiram uma fazendo alguma coisa diferente? - Ela propõe. - Ia ser mais divertido.
Eu pensei em dizer que ela estava sendo muito intrometida numa coisa que não tinha nada a ver com ela, mas as fãs pareceram gostar.
Uma delas, a que estava entre e eu, na cara de pau, pulou nas costas dele que também não pareceu se importar. Seria isso normal para ele? Ah, deixa quieto. Não sei se quero saber.
Pensei comigo que eu nunca faria isso se conhecesse o Ian Somerhalder. A última coisa que eu ia querer era o meu crush pensando que eu era uma louca fanática.
De qualquer forma, a outra garota pareceu feliz o suficiente em apenas passar os braços por cima do pescoço de Vicka e .
Eu sobrei. Definitivamente.
Mas decidi que não iria dar uma de antipática emburrada por causa disso e resolvi fazer paz e amor com os dedos nas duas mãos e mostrar língua igual a uma boba feliz.
- Todos prontos? - perguntou e começou a fazer contagem regressiva. Sem esperar por isso, passou seu braço por minha cintura e me puxou para perto dele.
Não tive tempo de protestar, a foto já havia sido batida.
- Ah, essa sim ficou legal! - sorriu com o resultado. - Se forem postar alguma, postem essa, eu deixo!
- Muito obrigada, vocês são incríveis! - A garota que estava nas costas de pegou o celular.
- Imagina. - Sorri sem mostrar os dentes já perto da minha amiga.
- Mas só postem essa foto depois que sairmos daqui, ok? - Perguntou Vicka se colocando ao nosso lado.
Elas assentiram.
- Não queremos chamar a atenção, só isso. - Completou e as garotas não o contrariaram.
Mas a paz durou pouco. Uns três caras com câmeras enormes apareceram e começaram a tirar diversas fotos sem se importarem com o flash ou as pessoas ao redor. Chegamos a conclusão que, como eram poucos, eles não iriam nos seguir e ficar de plantão na calçada do meu condomínio. Então ainda era seguro seguirmos para lá. Foi o que fizemos. Chegamos bem mais rápido do que o esperado.
A minha sala tinha se tornado um lugar movimentado nas últimas horas.
Por um lado eu gostava daquilo, já por outro, eu desejava que cada um fosse para sua devida casa e deixasse-me sozinha com a minha amiga. Nós ficamos muito tempo longe uma da outra e eu admito que tenho ciúmes dela, e por isso quero poder falar com ela por horas seguidas sem ter outras pessoas por perto para ter que dividir toda a atenção.
Infelizmente conclui que não seria tão fácil isso acontecer. Eu era educada demais para expulsar todos eles da minha casa.
- Você não parece se importar com visitas. - se virou para mim, deixando o celular de lado por um tempo.
Ele também não parecia interessado no assunto da conversa dos outros três.
- Não me importo... - Na verdade eu me importava sim.
- Bom saber. - Ele sorriu sem mostrar os dentes e voltou a mexer no celular.
- Por que a pergunta? Não está pensando em voltar aqui, né? - Juntei as sobrancelhas já ficando preocupada com a hipótese.
- Eu não. - Revirou os olhos para o próprio celular.
Ufa, pensei comigo por um instante.
Levantei do sofá e me sentei no braço da poltrona ao lado de . Ela acabou me puxando pela cintura e eu cai em seu colo.
- Você tem que me explicar umas coisas depois. - Ela sussurrou sorrindo e eu assenti imaginando que ela quisesse colocar as conversas em dia.
A campainha tocou logo em seguida.
- Alguém pediu pizza e não avisou? - Victoria olhou ao redor e eu franzi o cenho.
- Existe alguma pizzaria aberta na hora do almoço? – Perguntei com sarcasmo.
- Na Itália, com certeza. - disse um tanto pensativo.
- Claro que sim, mas não estamos na Itália, amigo, estamos na Inglaterra. – nem se preocupou em responder .
- Se alguém pediu pizza, esse alguém vai virar meu melhor amigo. - lançou os braços para cima e eu a olhei fazendo careta. Poço sem fundo.
Ninguém se pronunciou e a companhia tocou outra vez. Me levantei contrariada, enquanto os outros continuaram com seus assuntos inacabados e interrompidos. Exceto , o único desinteressado que ainda mexia no telefone. Na verdade ele sempre parecia assim, despreocupado com a vida.
Fui então até a porta.
Quando a abri me deparei com três garotos sorridentes.
- Olá, ! - Falou o primeiro com um sorriso contagiante. - fala bastante de você.
- É, geralmente ele reclama, mas a gente sabe que ele é exagerado. - O de cabelos lisos se encostou no batente da porta.
- Enfim, prazer em te conhecer e tal, mas estou faminto! Tem comida aí? - Perguntou o último olhando para dentro do meu apartamento.
Demorei um pouco para raciocinar que , e estavam batendo em minha porta, mas assim que meu cérebro saiu do modo espera, dei passagem para que eles entrassem. Apesar de ainda não estar recuperada 100% da surpresa.
- O pessoal tá na sala... - Avisei atordoada, piscando várias vezes.
- Obrigado. - Falou . - E obrigado pelo convite também.
- Ahn... Claro! - Sorria e concorde, era o que minha consciência falava mais uma vez. Ela dizia muito isso, aliás.
- É, não vamos demorar. – acrescentou despreocupado.
Eu dei de ombros. Aliás, o que poderia dizer? "Não chamei nenhum de vocês aqui, então podem chispar e procurar o que fazer." Não, muito rude. Não combinava com a minha personalidade. Seria mais provável eu perguntar se eles tinham compromisso a tarde do que expulsa-los na cara de pau.
Dois segundos depois eles já estavam longe da porta, e eu, preparava meu sorriso ensaiado para o momento seguinte.
parecia surpreso em vê-los, como se não os esperasse ali. Não foi ele, conclui.
Vicka os cumprimentava como se não os visse há muito tempo, mas também parecia surpresa. nem sequer tinha entrado na lista de suspeitos, então só podia ter sido uma pessoa...
- , posso falar com você rapidinho? - Mantive o sorriso no rosto.
- Pode falar - Respondeu sem nem ao menos me olhar.
- Na cozinha. - Disse quando todos já estavam nós encarando. - Preciso da sua ajuda para alcançar algumas coisas.
- Pede para o , ele é mais alto... - já estava vindo em minha direção quando eu o parei.
- Não, . - Eu disse firme e arregalando os olhos em sua direção. - Você disse que ia me ajudar, já esqueceu? E nem faz tanto tempo assim. - Me viro para . - Obrigada.
pareceu, finalmente, perceber que eu estava irritada com alguma coisa, e se levantou de contragosto, caminhando a passos lentos até a cozinha.
- Fala aí, Ruivinha. – Começou quando já estávamos longe das outras pessoas. - Sei que não quer minha ajuda coisa nenhuma.
- Não mesmo! Quero saber quem permitiu que você os convidasse. - Falei num sussurro, prevenindo que ninguém além de nós dois escutasse.
- Você. - Respondeu desinteressado.
- Como é?
- Isso que você escutou.
- Mas eu não disse nada! Tá ficando maluco, por acaso? - Ele suspirou e segurou nos meus ombros.
- Olha, se eu me lembro bem, eu comentei "você não parece se importar com visitas" não passou cinco segundos e você concordou "não me importo". – Afinou a voz como a de uma garota na ultima frase. - Então eu trouxe visitas.
- Você distorceu minhas palavras!
- Claro que não.
- Claro que sim! Você trouxe pessoas que eu nem conheço pra dentro da minha casa! – Que liberdade era essa que ele estava tomando? - Eu não sei nem como conseguiram passar pela portaria!
- Eu deixei.
- Você o quê? - Perguntei desacreditada.
- Ligue para a portaria num desses seus momentos fora do planeta Terra e disse que eles poderiam subir. - Ele parecia tão “não estou nem aí”, que até pegou um pacote de cookies dentro do armário e começou a comer.
- Meu Deus!
- Não seja dramática. - Revirou os olhos.
- Não ser dramática? - Aumentei o tom de voz gradualmente. - Você tem noção do que você fez?
- Ah, nem é pra tanto, Ruivinha. Eles não vão fazer nada de errado. - Deu de ombros mais uma vez. - Posso me responsabilizar por eles se quiser.
- Por que você não me avisou que eles vinham?
- Achei insignificante.
E a minha paciência, puff, desapareceu.
Eu já não sabia nem que argumentos usar, e minhas pernas decidiram por elas mesmas se locomoverem de um lado para o outro. Isso era totalmente frustrante!
E quando eu achei que ele fosse virar as costas e sair, encostou-se no bancada e provocou:
- Seu rosto tá um pouco vermelho... - Constatou. - Não quer beber um pouco de água?
- Você é a pessoa mais chata que eu conheço! - começou a rir. - Seu... Seu... Seu ridículo!
- Quer um conselho? Não xingue as pessoas. Você não é boa nisso.
Grunhi de raiva no mesmo instante que o garoto loiro apareceu na cozinha.
- Hey ! - Sorriu sem perceber a raiva no ar. - Não precisa fazer nada, não. Aliás, vamos embora em alguns minutos.
- Mas já tão cedo? - A pergunta irônica de não pareceu ser percebida por .
- Temos que resolver algumas coisas do CD, cara.
- Ah, que pena - suspirou, fingindo tristeza.
- Pois é. – Concordou o outro. - Ih, olha lá, cookies!
E sem dizer mais nada, deixou a cozinha tão rápido quanto veio, mas levou o saco de cookies com ele.
- Viu só? Já pode fazer a contagem regressiva. – Ironizou.
- Cala a boca.
Ele riu e virou as costas, provavelmente indo encontrar seus amigos. Porém, aténs que realmente fizesse isso, voltou seu olhar para mim com um sorriso arrogante no rosto e balançou a cabeça para os lados.
- Tira essa cara de bunda, Ruivinha. Ela não combina nem um pouco com você.
Querido Diário...
Eu odeio, ODEIO, O-D-E-I-O !
Esse... Esse... Energúmeno não consegue perceber os limites!
Não entendo como um cara tão chato como ele pode ter amigos tão legais. Agora eu acredito em tudo que minha irmã, Laura, falava sobre eles naqueles surtos de fã dedicada enquanto lia ou assistia a alguma entrevista.
é um amor de pessoa. consegue fazer piada sobre qualquer coisa. estava sempre sorrindo (e comendo meus cookies). Consegui conversar muito bem com eles e por isso pude me distrair do mala sem alça que era . Corrigindo: que o é.
E foi assim até o meio da tarde, quando os garotos chegaram a um acordo que deviam ir embora para o estúdio e resolver alguma coisa relacionada ao novo álbum.
Já era tempo! A frase ao lado está presa na minha garganta. Por isso senti necessidade de escrevê-la.
Eu poderia detalhar melhor meu humor nesse exato instante, mas está quase, literalmente, me arrastando para fora do meu quarto. E eu tenho certeza que minha letra provavelmente vai ficar uma $@&%# se eu não largar a caneta agora. Com certeza terei outras coisas ruins, ou talvez piores, para descrever aqui sobre o . Por isso, até outra hora.
Com amor,
Eu tentei ser evasiva. Usei tudo que estava ao meu alcance para driblar o convite dos garotos, mas fui vencida pela insistência de .
- Ah ! - Insistiu ela mais uma vez. - Sabe há quanto tempo não vamos a uma festa?
- Mas eu achei que você quisesse ficar em casa e conversar como fazíamos nos velhos tempos. - Minha amiga revirou os olhos, ignorando minha fala por completo.
- E nós vamos! – Ela concordou. - Depois que voltarmos da festa.
Outra vez eu iria protestar, arrumar desculpas, dizer qualquer coisa que a fizesse acreditar que ia ser desperdício de tempo, já que apenas dizer que eu não queria ir não estava adiantando, porém ela foi mais rápida e me cortou.
- Por favor ! Deixa esses seus pensamentos de lado e vamos curtir um pouco. Tá na hora de dar uma relaxada.
Se eu negasse outra vez, ela iria sem mim. E não estava nos meus planos passar o sábado a noite sozinha e trancada na minha casa, quando minha melhor amiga estava na cidade se divertindo com outras pessoas e não comigo. Dessa vez, infelizmente, deixei meu lado ciumento falar mais alto.
Doeu ter que responder:
- Tudo bem, mas só por...
- Aaaah! Muito obrigadaaaaaa - me puxou para um abraço apertado e desajeitado antes que eu concluísse minhas palavras. - Sabia que você mudaria de ideia!
- Mas nós não vamos ficar muito. - Disse com a voz abafada, enquanto a afastava.
- Não vamos? - Ela me olhou confusa e um tanto desolada.
- Não. E também não vamos tomar nem um pingo de álcool!
- E por que não? - Ela choramingou, irritada com minhas instruções. estava prestes a fazer birra, legítima de uma criança de cinco anos.
- Por que não, ué.
- Vai me proibir de paquerar os caras gatos também? - Arqueou a sobrancelha, como se me desafiasse. Eu assumi uma expressão incrédula.
- Não, tá brincando? Claro que não!
- Nem se for seu amigo? – A pergunta dela fez minha mente dar um “click”. Logo a fixa começou a cair.
- Por quê? Em quem você está de olho? - Sorri com malícia.
- Responda minha pergunta e eu respondo a sua. - Se apressou em dizer.
- Não, não proíbo. - Juntei as sobrancelhas, com a curiosidade transparecendo por todos os meus movimentos. - Agora fala logo!
Ela revirou os olhos e suspirou.
- Aquele ... Não tem uma bunda de se jogar fora. – Arregalei os olhos e não consegui conter a gargalhada alta.
- Não acredito que você ficou olhando na cara dura! - Fiquei tão surpresa que minha boca formou um verdadeiro círculo.
- Os olhos são feitos para isso. Ninguém deve me recriminar por usar um dos dons que Deus me deu.
- Você é a pessoa menos discreta que eu conheço. – Conclui, ainda atônita com sua confissão.
- Fui super discreta, pode parar! - Se fingiu de ofendida enquanto ria comigo. – Ele não percebeu nenhuma das vezes que eu o observei.
- ... – Coloquei minha mão em seu ombro. - Você é uma tarada de primeira.
- Cala a boca... – ela respondeu brincalhona.
Me levantei e comecei a caminhar apressada para o meu quarto, pronta para começar o ritual de preparação para a festa. Não é só porque eu não queria ir que iria me vestir de forma desleixada. Me sentir bonita ainda era prioridade.
- Vou me vestir... – A avisei do corredor. – Qualquer coisa é melhor que isso.
- Ah, não. Pode voltar!
- Que foi? Ficou olhando para a bunda de mais alguém e esqueceu de me contar? - Perguntei com sarcasmo.
- Não, a dos outros não valia a pena. - Comecei a rir outra vez.
- Então o que foi? - Tentei não parecer impaciente.
- Suas fotos com . - Minha amiga me olhou como se eu precisasse dizer muitas coisas, quando eu ainda a encarava, confusa, sem entender nada.
- O que têm elas?
Ela me olhou cínica.
- Começando pela revista: ele te pegou no colo, você caiu encima dele, você diz que se odeiam, mas os dois estavam rindo de verdade. – Ela colocou ênfase na palavra. Minha testa se franziu automaticamente.
- Amiga, pra você ter noção, aquilo começou a partir de uma discussão. Ele me chamou de dissimulada.
- Mas e hoje? Na Starbucks? - Neguei com a cabeça. Aquela garota estava pensando em absurdos. - Ele te puxou com tanta firmeza que por dois segundos quis estar no seu lugar só pra saber se ele tinha pegada.
- ! - A repreendi.
- Que foi? Tô falando sério!
- Não, você está imaginando coisas! e eu não chegamos a ter nem cinco conversas sem que um começasse a ofender o outro. – Me defendi, enquanto tentava fazer com que ela parasse de viajar na maionese. - Pare de insinuar coisas.
- Não estou insinuando nada... – Dei de ombros e revire os olhos, desistindo de ter uma conversa com ela. Virei as costas indo para o quarto. - Muito menos dos olhares de em cima de você.
- Oi? – Meus pés pararam de se mover. A olhei por cima do ombro para vê-la melhor.
- Isso mesmo que você escutou. - Outro sorriso malicioso.
- Você usa muito seus olhos. - Comecei. - Usa tanto que vê até o que não existe.
- Descobriremos isso daqui umas semanas... Quem sabe você não se surpreende?
- Aham, descobriremos sim. - Concordei para que ela ficasse quieta e me enfiei no banheiro. Sua risada continuou audível da mesma forma. – Descobriremos o quão maluca você é, só se for.
Foi então que decidi. Eu compraria um colírio para essa garota na primeira oportunidade que tivesse.
- Todos os caras da festa vão babar por você. - sorriu para mim já dentro de um taxi a caminho da tal balada.
Sim, balada. Descobri que era uma depois que mandou uma mensagem com o endereço. Não foi uma surpresa tão agradável assim.
- Para com isso . A loira sexy é você. - Sorri para ela.
- E você é a ruiva do sonho de consumo de qualquer um. – Ela piscou um dos olhos. Eu revirei os meus.
- Eu não sou ruiva.
- Ainda com essa história? - Se virou surpresa.
- Claro que sim! - Respondi um pouco indignada. - Você que não coloca isso na sua cabeça.
- Eu e o resto do mundo? - Perguntou divertida.
- Tipo isso. - Dei de ombros e o assunto se encerrou, provavelmente por ambas estarmos cansadas de discutir sobre esse assunto.
Não demorou a que chegássemos até a boate, o tempo passou rápido desde que entramos no carro.
Uma grande fila estava formada na entrada por um amontoado de pessoas bem vestidas e animadas, que já pareciam, apesar do horário, um pouco altas por causa da bebida. Não todas, mas algumas. Assim que descemos do taxi e passamos direto por toda aquela gente, indo direto para os seguranças na porta, os outros começaram a praguejar baixo.
- Vocês duas, onde pensam que vão? Identidade! - O cara vestindo paletó preto de aparentemente dois metros de altura se colocou em nossa frente.
Olhei para e ela para mim.
Isso não era bom... Duas garotas menores de vinte e um anos nunca entrariam numa boa. Além do detalhe das entradas que ele pediria logo em seguida. E nós não tínhamos nenhuma.
O que diríamos agora? "Somos VIP cara, agora sai da minha frente que estamos perdendo tempo aqui." com cara de arrogantes superiores, ou "Estamos na lista, moço. Pode conferir." fazendo cara de anjos e sorrir docemente enquanto piscávamos vezes seguidas? Eu tinha perdido a prática disso.
- Elas estão com a gente. - apareceu ao nosso lado. Soltei um suspiro de alívio.
O segurança não questionou quando viu ele e os outros garotos ao nosso encalço. No segundo seguinte já estávamos todos na área espaçosa e confortável somente para pessoas VIP's.
- Obrigada, . - se pronunciou primeiro.
- Já estávamos pensando em que desculpa dar ao segurança para que ele nos deixasse entrar. - Completei.
Ele riu um pouco.
- Tudo bem, eu ia ligar para , mas então vi vocês duas e nem precisei. - Falou sorrindo tímido.
- Acho que todos perceberam vocês, na verdade. - falou. - Estão muito bonitas.
Eu sorri, mais pelo fato de tentar se decidir entre fazer uma cara sedutora ou sorrir abobadamente em resposta, do que em agradecimento ao elogio dele.
- Pode passar as cinquenta libras, . - olhou divertido para o moreno que estava vestido com sua típica jaqueta de couro.
Eu os olhei, intrigada, quando , contra vontade, tirou uma nota de cinquenta libras do bolso e deu para o garoto loiro, que abriu um sorriso ainda maior do que aquele que já tinha.
- Apostaram o quê? - Minha amiga perguntou curiosa.
- disse que não viria para a festa. Eu disse o contrário e apostamos. - riu dando de ombros. - E eu ganhei.
revirou os olhos e depois me olhou de cima a baixo.
- Admito que dessa vez você me deixou surpreso. - Ele falou.
- Surpreso com o quê? - se colocou na conversa outra vez. - Achou que é uma careta de primeira, não achou?
Ele assentiu.
- Assim você me ofende! - Me fiz de ressentida para a garota loira ao meu lado. - Mas eu realmente estava planejando ficar em casa. Só que essa aí me arrastou pra cá.
- Muito obrigado, , por ter arrastado pra cá. - sorriu para ela, brincalhão.
- Eu que agradeço! - levantou a carteira com um sorriso divertido.
- Sabe como é, tenho que despertar o lado festeiro da minha amiga de vez em quando pra ela poder voltar a viver um pouco. - Ela me olhou por cima dos ombros e piscou um dos olhos.
- Parece então que arrumou os professores certos. - puxou a jaqueta e adquiriu aquele sorriso malicioso. Eu arqueei uma sobrancelha para ele enquanto erguia um dos cantos da minha boca.
- Acredite quando eu digo que me divertir é algo que já sei fazer a muito tempo, .
Os garotos fizeram um coro de "uuhhh" como provocação, e eu não fiz nada além de rir claramente divertida com a atitude deles.
- Parece que eu tenho te subestimado. - respondeu ainda me encarando.
- É, acho que sim.
Segundos de silêncio se estenderam enquanto nós dois nos encarávamos.
- Mas então, gente - Victoria apareceu atrás de nosso grupo, me fazendo perguntar a quanto tempo ela estava lá. Eu nem ao menos me lembrava que ela ia. - Espero que saibam que a festa é pra lá, e não aqui.
- Bem, então vamos festejar! - jogou os braços para cima e abriu passagem entre nós indo até Vic, a acompanhando até o bar de bebidas em uma das extremidades do grande salão.
- Vamos nos divertir como se o amanhã não existisse, gente bonita! A noite é uma criança. – puxou minha mão, e eu soube que não tinha mais volta. Essa seria uma noite interessante.
's POV
Aquela estava sendo uma noite interessante.
Depois de pegarmos algumas bebidas no bar, e por fim nos dividirmos pela boate, insistiu em ficar na mesa com a desculpa de cuidar do nosso lugar. E não importava quantas vezes a chamássemos para um drink, ela nunca aceitava. Nem mesmo , a tal salvadora da pátria, tinha conseguido.
Não seria possível que ela fosse assim tão santa. Tão certinha. Aquilo chegava a dar agonia! Ninguém agia assim de verdade. tinha dito que eu a subestimei, mas até agora não sei bem o que pensar dela, porque enquanto ela dizia uma coisa, suas atitudes mostravam outras.
E eu estava a fim de colocar tudo a prova.
Eu tinha prometido para mim mesmo que não beberia tanto hoje a ponto de não me lembrar de nada amanhã, eu preferia ficar sóbrio por pelo menos essa noite. Ia ser engraçado manter os acontecimentos de hoje na memória.
E eu ia me empenhar para descobrir que tipo de garota a Ruivinha era, afinal.
Mas não ia deixar de curtir minha noite por causa disso. Portanto depois de dar uns amassos com uma garota de olhos puxados que parecia estar dando até para a rainha, voltei para a mesa e me coloquei entre e que conversavam animadamente. Ficaram sérios assim que me sentei adequadamente.
- Eu estava me pergunto se vocês pretendem ficar aqui a noite toda. - Falei tomando o último gole da minha bebida.
- E eu também estava me perguntando por mais quanto tempo você ia ficar engolindo a japa do outro lado da pista, mas parece que ela já foi descartada. - Ela arqueou a sobrancelha e eu ri seco.
- Quer dizer que estava me olhando? - Levantei um dos cantos da boca.
- Quero dizer que todos estavam olhando para o seu showzinho, . - riu ao meu lado e bebeu um pouco mais de sua cerveja, para, provavelmente, disfarçar seu divertimento.
Não retruquei o que ela havia dito.
- Você faz do tipo que gosta de chamar a atenção. - Percebi que a garota ainda me fitava, como se tentasse me decifrar apenas com um olhar.
- Não, eu faço do tipo que vive o momento.
Ela não pareceu concordar, mas se manteve quieta com seu suco de frutas.
Suco de frutas numa balada? Isso não entrava na minha cabeça. Que tipo de pessoa fazia aquilo?
Victoria apareceu por entre as pessoas com um cara ao seu encalço, interrompendo meus pensamentos e vindo em nossa direção.
- Não acredito que vocês vão passar a noite toda sentados aí! - Ela nos olhou incrédula.
- Não seja exagerada... - pareceu não ligar.
- Vocês não estão aproveitando nada! - Eu ri de forma nasalada. Nisso Victoria tinha razão.
- Eu estou aproveitando. – Falei sem interesse.
- Com certeza está. - Murmurou .
Vic pareceu não escutar, o que era bom, já que falar sobre aquilo de novo começaria a se tornar cansativo demais. Fiquei grato pela garota dos cabelos curtos estar aparentemente ocupada dividindo a atenção entre nós e seu acompanhante desconhecido.
- Levantem essas bundas daí! - Ela se aproximou para pegar em meu pulso. - Comigo aqui vocês não vão ficar sentados.
- É vocês dois. - Aproveitei para insistir um pouco mais, já de pé. - Vamos dançar!
- Podem ir lá, gente. - sorriu. - Estou confortável onde estou.
- Não, você vem junto! - Victoria, com expressão impassível, se aproximou tirando o copo das mãos da garota. - Se continuar negando eu te arrasto pelos cabelos. Não duvide de mim.
- Vicka, é sério! - Ela fez uma careta de desgosto. - Eu não danço.
Todos pareceram bufar no mesmo instante, confirmando que não só eu, mas que os outros também estavam cansados daquele doce todo, porque venhamos e convenhamos, já tinha enchido o saco.
- Vamos lá, Ruivinha - Parei em sua frente. - Vem dançar.
- Já disse que não, . - Revirei os olhos enquanto ela esbravejava.
- Uma música e não falamos mais nisso. - propôs, e finalmente ela pareceu considerar a ideia.
Eu acho que me senti um pouco ofendido por ela aceitar a dança com ele logo no primeiro convite que ele havia feito, enquanto Vic e eu tivemos que insistir por no mínimo duas vezes cada um para que ela ainda descartasse nossas ofertas logo de cara.
Ele se colocou de pé ao meu lado e estendeu a mão para ela, arqueando uma sobrancelha e sorriu em sua direção.
se levantou, e, um pouco menos contrariada, seguiu para a pista de dança com ele.
Continuei parado no mesmo lugar apenas os observando, curioso.
Quando uma nova música começou e preencheu o lugar, conduzindo as pessoas para novos movimentos, vi desatar a dançar como se aquilo fosse a coisa mais natural do mundo para ela. Como se ela estivesse acostumada a fazer aquilo.
Eu ainda não sabia o que havia me deixado mais impressionado. Se fora a forma que ela dançava e se mexia de acordo com o ritmo da música, ou se fora apenas o modo que ela estava agindo com tudo. Parecia que existia um lado oculto de , que ela se recusava a mostrar no dia a dia. Mas agora, sem sinal de aviso, meu olhar fixou-se nela, totalmente vidrados e sem previsão para desvio. Essa era uma da qual eu nunca cogitara a existência.
Como era possível alguém fazer o que ela estava fazendo e dizer que “não dançava"? Essa era outra coisa que meus neurônios não conseguiam assimilar.
Talvez eu começasse a acreditar, bem pouco, que eu a havia subestimado realmente.
- E parece que a velha está de volta. - Notei a presença da amiga/segurança da Ruivinha ao meu lado, com um meio sorriso nos lábios enquanto observava na pista de dança com .
Juntei as sobrancelhas sem entendimento completo.
- Velha ?
- É, ... - riu com desdém. - Tem coisas que nem ela mesma gosta de admitir.
Eu me virei pronto para cobri-la com perguntas sobre o que aquilo significava, pois nesse instante minha curiosidade falava mais alto, mas a garota já não estava mais lá, assim como Vic e o cara que a acompanhava. Todos haviam se distanciado para sabe-se lá onde.
Balancei a cabeça para os lados. Talvez as aparências realmente enganassem.
Andei pela pista, me esquivando por entre as pessoas, até estar perto o suficiente da garota para poder me aproximar o suficiente e lhe dizer:
- Isso é novidade, Ruivinha. Nem parece a mesma pessoa. - Falei próximo a sua orelha, chamando sua atenção e assim tornando minha voz audível no meio de toda aquela poluição auditiva causada pela música e pelas conversas.
- Devo aceitar isso como um elogio, ou me sentir ofendida com a observação? - Sua voz saiu alta, quase gritada quando a garota se virou para mim.
Não lhe respondi e ela não insistiu numa resposta, continuou dançando ao ritmo da música, próxima de , que meio envergonhado em alguns momentos, colocava as mãos na cintura dela a conduzindo para mais perto.
Ela ignorava minha presença, e por isso, resolvi fazer o mesmo.
Fitei os dois por um ultimo momento. Nenhum esboçava uma expressão concreta que me permitissem entender o que se passava na cabeça de cada um, por isso não permaneci ali. Se eles podiam aproveitar a noite, definitivamente eu também podia.
Movi minhas pernas para outra parte do grande salão logo me deparando com minha próxima vítima. A garota com o vestido vermelho decotado e apertado me olhava com interesse explícito. Decidi que não perderia essa oportunidade.
- Você me parece familiar... – A morena disse, passando a língua pelo lábio inferior pintado da mesma cor do vestido. – Te conheço, por acaso?
- Se ainda não conhece, pode conhecer agora. – respondi mordendo meu próprio lábio, já imaginando onde aquilo iria dar.
Quando ela sorriu mostrando todos os dentes, soube que ela já estava no papo.
's POV
O ambiente e tudo que o formava, a batida das músicas, a movimentação de cada um, as risadas e as respirações que se misturavam simultaneamente, eu podia praticamente sentir a pulsação das pessoas ao meu redor. Aquilo quase chegava a me dar tontura.
Mas não de uma forma ruim como eu estive pensando durante a noite toda. Na verdade eu me sentia, de forma resumida, estranhamente bem. Fazia meses que eu não me divertia dessa forma. E por mais que eu não quisesse admitir em voz alta, eu estava adorando cada segundo.
Parecia errado ao meu ponto de vista quebrar uma promessa que há muito tempo eu tinha proposto para mim mesma, mas enquanto eu não passasse dos meus próprios limites eu estaria bem.
Portanto, eu estava medindo as consequências.
, por várias vezes tentou enlaçar minha cintura com seus braços, para uma aproximação maior entre nós. Em todas elas eu tive de me afastar.
Apesar de sentir meu coração acelerar sempre que ele me tocava, ao mesmo tempo, cada passo que ele dava em minha direção, eu recuava dois. Eu mesma não estava entendendo minha forma de agir, ou até mesmo pensar.
Expirei meu ar em um gesto cansado depois de respirar fundo.
Precisava sair um pouco dali.
- Eu vou pegar outro suco para mim, ok? - O avisei.
suspirou também. Tentei entender os motivos lendo sua expressão facial, mas ela estava limpa sem sequer um sinal que possibilitasse meu entendimento. Dei de ombros e sem mais demora virei para ir ao bar, a poucos metros de distância de mim.
Me sentei no banco assim que o barman virou as costas depois de entregar meu suco.
- Eu quero uma mistura de energético, morango e vodka, por favor. - se sentou ao meu lado.
- Está quebrando nosso combinado. - Anunciei sem olhá-la. - Lembra? Nada de álcool.
- Uma misturinha de nada não vai me deixar bêbada. - Podia apostar que ela havia revirado os olhos. - Você também devia tomar. - Opinou sugestivamente. - Sabe, pra se soltar um pouco e ver se joga essa sua seriedade e preocupação para o quinto dos infernos, como fazia antigamente.
- Eu e meu suco de frutas agradecemos sua preocupação - Ergui o copo como se fizesse um brinde em sua direção. -, mas não, obrigada.
Ela me olhou como se já tivesse perdido a paciência.
- , você não pode ter medo de viver sua vida! - Seus olhos quase arregalados me fizeram perceber que ela falava sério.
- Mas eu não tenho medo de viver. - Retruquei com o semblante torcido.
- Ah, não? - Riu sem humor. - Pois bem. Então já posso pedir um askov para nós duas? Já posso pedir para o DJ colocar nossa música preferida e irmos as duas para a pista de dança e ficar por lá até que nossas pernas não aguentem mais? Já posso dizer que vamos ter uma noite divertida como não temos há meses? Posso acreditar que você não está se moldando a imagem de uma nova pessoa? Posso acreditar que você vai ser apenas você? Posso, ?
Cada palavra que ela despejava eu percebia um novo tipo de magoa. Por várias vezes me fez acreditar que o passado ficava no passado, enterrado e esquecido. Mas agora, com seus olhos faiscando de ansiedade enquanto ela esperava minha resposta, eu já não sabia mais qual deveria ser a resposta certa. Se haveria uma resposta certa.
Se tinha algo que eu esperava ser esquecido, eram alguns capítulos da minha vida. E concretizar aquilo estava sendo mais difícil do que eu poderia imaginar. Percebi que não dependia só de mim, mas de muitas outras pessoas também. E eu não conseguia entender porque insistia tanto em não me deixar seguir em frente.
- Desculpa, . - Seus ombros relaxaram num sinal de que ela não teria mais argumentos dali para frente. - Eu não posso. Sinto muito por não ser uma companhia adequada para você.
Seus olhos entristeceram e ela suspirou derrotada.
- Eu só queria que você recuperasse um pouquinho daquele brilho nos olhos, . Um pouquinho daquele ar divertido. Por que você faz com que isso se torne tão difícil de conseguir?
Balancei a cabeça e fiz com que meus olhos se ficassem no meu copo de suco.
- Não dá... Eu não posso... – Minha boca se abriu novamente, mas não foi dela que o som saiu.
- Está tentando convencer a senhorita reservada a fazer o que dessa vez? - eu realmente podia ficar sem escutar aquela voz pelo resto da noite.
Me perguntei mentalmente há quanto tempo ele não estaria ali escutando nossa conversa.
- Você não tem coisas mais importantes para fazer, como, sei lá, se agarrar com uma peituda qualquer por aí? - Me virei, um tanto injuriada, para .
soltou uma risadinha baixa atrás de mim.
- Na verdade isso era o que eu estava fazendo a três minutos atrás, mas, sabe como é, antes que a empolgação atinja um nível maior, eu as descarto. - Retorci meus lábios em uma careta. - Ainda está cedo para ir pra casa.
- Você é nojento.
- Impressão sua. - Retrucou. - Como já disse, só estava vivendo o momento.
- E pegar uma DST faz parte dessa sua filosofia de vida? - Perguntei já a ponto da irritação.
- Eu não sei se você conhece - Lá estava ele e todo o seu sarcasmo. -, mas existe uma coisa chamada pre-ser-va-ti-vo muito útil para evitar es...
- Calem a boca vocês dois! - ralhou. - Poupe meus ouvidos dos detalhes da sua vida sexual antes que você comece a se aprofundar nesse assunto, . E você, pare de implicar com o que ele faz ou deixa de fazer, sabe que ele adora te encher o saco! Não tente evitar o que sabe que é inevitável.
Paramos os dois e a encaramos um pouco perplexos.
Enquanto minha amiga tinha os olhos semicerrados em nossa direção e sua cara de brava deixava sem palavras, um feito muito grande, devo acrescentar, eu tinha os lábios entreabertos e piscava bem sutilmente, ainda assimilando o que acabara de escutar.
- Hora ruim para interromper? - , que eu não via desde que entramos no local, apareceu, um tanto receoso, a nossas costas.
Seu olhar dançava de mim, para , e então para minha amiga, logo depois repetindo o gesto mais uma vez.
- Não. - foi mais rápida na resposta.
- Certeza?
- Absoluta.
- Tudo bem, só perguntei porque consigo sentir o campo de tensão elétrica pairando por aqui - Ele gesticulou referindo-se a nós três. -, e queria ter certeza que não levaria choque se chegasse perto.
- Claro que não - Forcei um sorriso. -, só estávamos conversando sobre opiniões divergentes.
Vi que imitava meu gesto, sorrindo para o amigo, sem mostrar os dentes, e claramente contrariado.
o olhava atentamente e estudava cada movimento que esboçava.
- Ah, claro... - Ele soltou um riso fraco. - é um cabeça dura de primeira.
- Diz isso porque só trocou meia dúzia de palavras com a sabidinha aí. - O mala ao meu lado, vulgo , falou se referindo a mim.
- E por acaso chegamos a conversar decentemente alguma vez que não fosse por obrigação? - Indaguei irritada.
- Vocês estão começando a me deixar com enxaqueca. - disse com os dedos pressionados nas têmporas. - E sabe o que mais? Eu nunca tive enxaqueca!
- Deve ser esse negócio doido que você está bebendo. - Retruquei revirando os olhos.
O olhar que ela me deu dizia claramente que eu estava a ponto de ser degolada.
- Er... Será que eu posso te roubar por uns minutos? - Ofereceu a minha amiga. Não sei se por realmente estar interessado em tirá-la dali ou por estar com dó da garota por ela ter que escutar uma discussão da qual não tinha nada a ver.
Mas não importava. se levantou abruptamente logo em seguida, com a bela mistura de vodka e energético na mão, que eu tinha quase certeza de que não lhe cairia bem mais tarde, e apressou-se em concordar com .
- Pode me roubar até por horas que eu não ligo. – Logo depois de uma gargalhada de , os dois desapareceram no meio da boate.
Resolvi também tomar o mesmo rumo e voltar para onde estava.
A mão de agarrou meu pulso e impediu meu trajeto.
Por dois segundos a ideia de jogar meu suco na cabeça dele pareceu algo bem agradável.
- Você e sua amiga me deixam confuso. - Começou a me estudar com o olhar. - Ela age como se você tivesse se transformado em uma "pessoa melhor", e eu definitivamente não entendo nada sobre o que estão falando! Só fico me perguntando quão diferente você já foi. Me pergunto se vale a pena descobrir. O que aconteceu com você, Ruivinha?
- Não é da sua conta. - Respondi imediatamente enquanto brincava com o canudo da minha bebida. Segurei a respiração e mordi o lábio para me manter em silêncio.
Me arrependi do que disse no instante seguinte.
Ele arqueou as sobrancelhas, provavelmente surpreso com a minha aspereza.
- Er... Hmm, tudo bem. - Voltou seu corpo de frente para o balcão, ainda espantado comigo. - Não vou tocar no assunto de novo.
Assenti sem saber o que responder em seguida. Mas me esforcei para poder dizer falar mais:
- É só que... - Ponderei minhas palavras. - São coisas que é melhor não comentar.
- Tudo bem, eu entendi. - disse frio. - Não tem que se explicar, não me deve nenhuma satisfação. Agora volte com sua dança. deve estar cansado de esperar.
Eu pisquei uma vez e respirei fundo:
- É, você tem razão. Eu realmente não te devo satisfação nenhuma.
E a partir do momento que sua mão se desprendeu do meu pulso, deixei-o como estava e voltei para o meio da multidão, nem um pouco feliz com a forma que ele falara comigo.
Não era uma conversa adequada para um lugar como esse. Não era conveniente. Se ele queria ficar com raiva, ótimo. Que ficasse ali sentado com cara de otário. Eu não queria nem saber. Não preciso de mais pessoas opinando na minha vida. As que tenho já são suficientes. Entretanto, apesar de manter isso em mente, por alguma razão eu me senti mal por tê-lo deixado irritado.
Fiquei me perguntando se ele não faria a mesma coisa se estivesse no meu lugar. Toda essa confusão me fazia questionar o porquê de toda sua curiosidade. Ele não precisava saber de nada além do necessário. Afinal, nós não nos suportávamos.
Capítulo 9 - “Is this more than you bargained for yet?
Oh, don't mind me”
Querido Diário...
É incrível como em uma noite pode passar de muito boa à desastrosa em pouquíssimas horas.
Poxa, eu realmente estava esperando de dedos cruzados que essa noite fosse divertida. Imagino que devo ter pedido demais...
Eu me lembro de ter voltado para pista de dança reverberando os saltos no chão ao ritmo da música e então encontrar . Mas depois tudo parece um grande borrão.
Não, eu não bebi. Mantive-me sóbria durante todo o tempo, caso contrário não estaria aqui escrevendo em plena madrugada ao lado da minha amiga grogue. Apenas digo que foi um borrão porque muita coisa aconteceu em pouco tempo.
queria se aproximar. E eu também queria. Só não estava conseguindo raciocinar bem o suficiente para saber se aquilo era certo ou errado. Porém, a cada vez que parecia que íamos sair do "vai não vai", e eu levantava meu olhar para um lugar que não fosse o garoto lindo a minha frente (me refiro a , claro), lá estava com uma sobrancelha arqueada e seu sorriso malicioso no rosto. E quando não era ela, era quem me encarava sem expressão definida.
Incrível a capacidade deles de surgirem exatamente no meu campo de visão...
Tudo isso só me fazia pensar que esses dois estavam ali para me atazanar, já que segundos depois de eu colocá-los em foco, voltava para seu copo de bebida, ou para sua conversa animada com , o que viesse primeiro. E voltava sua atenção para a garota oferecida a seu encalço. Segundos depois estavam se agarrando descaradamente.
Eu preferia assim.
Mas claro, que percebeu meu desconforto e deve ter concluído que era algo relacionado a ele.
O que foi uma droga.
Acabou que apenas dançamos juntos.
E lá pelo meio da madrugada, não conseguimos mais achar Vic, que na verdade eu só havia visto no começo da noite, assim como . E perdemos também . Não queria nem criar possibilidades de onde isso estaria. De certo ele já deveria estar em casa... Um a menos para se preocupar.
E foi aí que tudo desandou.
Sair pela porta da frente pareceu uma boa ideia. E seria mesmo se não tivessem tantas câmeras nos esperando (Tipo, saindo pelo ladrão!).
Acabei me assustando com os flashs repentinos e dei alguns passos para trás, só sendo parada quando minhas costas bateram no tórax de . O mesmo me segurou pelos ombros e disse para não dar atenção as perguntas feitas pelas pessoas, logo segurando em meu pulso e guiando-me para o estacionamento.
Eu achei que estaríamos seguros indo naquela direção. Mas descobri uns três segundos depois que eu estava enganada. Os caras e as câmeras continuaram nos seguindo e insistindo em mais perguntas. Perguntas nada necessárias do tipo: ", você e estão juntos?" "Quem é a garota com ?" " está bêbado?" "Onde e estão?" "Estão saindo juntos por marketing?".
Nunca fiquei tão feliz em me fechar dentro de um carro como noite passada (horas atrás na verdade). Principalmente por eu ter voltado no banco do passageiro, e não com os bagunceiros de plantão no banco de trás.
E o veículo estava cheio. Dois sóbrios, um bêbado e dois levemente alterados. Eram esses: , eu, , e , respectivamente.
e não estavam colaborando. Acho que tinha a ver com a bebida, pois os comentários desnecessários sobre as perguntas feitas a e eu eram tantos, que provavelmente nós dois não conseguiríamos mais nos encarar sem ficarmos com vergonha um do outro.
Mas fico grata por estar bêbado o suficiente para não se lembrar de nada. Pelo menos assim eu espero.
Pudera eu não me lembrar dessas coisas!
Eu escreveria muito mais aqui, mas minha mão está começando a doer. Talvez por que eu já tenha escrito umas três folhas inteiras, mas dane-se isso. Vou tentar dormir logo depois de dar um jeito em .
Seria muita falsidade colocar agora "com amor". Por isso vou terminar com apenas,
.
's POV
- Ai, minha cabeça dói. - reclamou pelo que parecia ser a vigésima sétima vez seguida.
- Quer mais café? - Tentei não rir da aparência desleixada de minha amiga.
Seus cabelos, antes todos ajeitados e perfeitamente bem penteados, agora estavam quase parecendo um ninho de pássaro. Além das roupas amassadas e seu corpo jogado no meu sofá em perfeito estado de inércia absoluta.
- Não... - Sua voz estava um tanto arrastada por causa da ressaca. - Quero que o tiroteio dentro da minha cabeça pare.
- Meio difícil depois de todas aquelas suas misturinhas que você tomou ontem. - Disse sarcástica.
- Vai em frente. Pode falar. - Ela murmurou com o rosto ainda na almofada.
- Falar o quê?
- A tão previsível frase "eu avisei". - Gargalhei alto.
- ... - Ela levantou a cabeça e prendeu seus olhos em mim. - Eu avisei.
Não entendi qual foi a lógica disso tudo, pois no segundo seguinte uma almofada batia na minha cara, e eu soltava um grito esganiçado pelo susto.
- Você não presta! – Afirmei um tanto transtornada. Ela então fez algo muito maturo como mostrar a língua.
Me limitei a rir.
Era domingo de tarde e eu pretendia aproveitar o dia passeando por lugares que eu ainda não havia visitado. Mesmo que eu precisasse arrastar de pijamas pelas calçadas da cidade. Eu não estava ligando de verdade pra isso. Confiava na frase "os fins justificam os meios".
Depois de muito insistir e encher o saco, cerca de quase uma hora depois, a loira e eu já não estávamos mais em casa e isso me deixava feliz. Provava que eu podia ser um tanto persuasiva.
Já estava mais do que na hora de conhecer um pouco de Londres. Pelo menos nisso concordava comigo.
's POV
Fui acordado por batidas insistentes na minha porta, acompanhadas do som repetitivo e irritante da minha campainha.
A princípio eu tentei ignorar, pois estava muito cansado da noite passado para me preocupar com supostas visitas. Precisava de um pouco mais de repouso.
Foi então que senti minha cama remexer e percebi que tinha algo errado.
Abri os olhos, um pouco confuso e me deparei com uma garota, de cabelos castanhos escuros com pontas azuis, enroscada nos meus lençóis. Certo, eu não sabia o que ela ainda estava fazendo aqui, sendo que já devíamos estar no meio da tarde, mas pelo menos eu sabia o que ela havia vindo fazer ontem de madrugada.
Esforcei-me para me lembrar de algo relacionado a ela, mas meu raciocínio lento não colaborava nem em cinco por cento. Qual era o nome dela mesmo? Carol? Cassie? Candance! É, era esse mesmo.
Levantei-me, cambaleando um pouco por ter me movido rápido demais, e segui para a entrada da minha casa, deixando a garota no quarto e não me importando de estar apenas de cueca boxer.
Parei de frente a porta e então a abri.
- Eu estava a ponto de desistir. - riu brincalhão e eu cocei meus olhos. - Que cara é essa?
- Cara de ressaca. - Respondi me espreguiçando.
- Não conseguiria imaginar coisa diferente. - Só então fui notar a presença da amiga de , , logo atrás de , ao lado da garota baixinha. - Aliás, cueca legal.
Bufei irritado no mesmo momento que cutucou a amiga com o cotovelo.
- O que estão fazendo aqui? - Perguntei seco e ríspido. Eu estava com dor de cabeça, estômago embrulhado e ainda tinha que me livrar da garota na minha cama.
Eles tinham que ter um bom motivo para estarem ali.
- Estamos procurando você, ué. - A loira disse como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
- Tá, mas o que vocês querem, porra? - Questionei quando escorei no batente da porta, os apressando para uma resposta direta.
- Nossa, educação faz bem pra alma, viu? - Caramba, que gente mais chata.
- Qual é, Ruivinha. Será que dá pra vocês pararem de fazer mistério, por favor? Eu tô quase batendo essa porta na cara de vocês.
- Se arruma aí, dude. - Falou . - Vamos andar um pouco por Londres.
Retorci minha boca numa careta.
- Não acredito que me acordaram pra isso... - Retruquei irritado.
- Por quê? Estava ocupado por acaso? - A pergunta de foi respondida quando Candance, a garota das pontas dos cabelos azuis que estava na minha cama há poucos minutos, irrompeu no corredor com um sorriso sem graça, já vestida e com seus pertences, pedindo licença de forma desajeitada enquanto carregava os sapatos na mão e saía, finalmente, da minha cobertura.
Bom, pelo menos ela sabia que era sem compromisso...
Já meus amigos não pareceram felizes com isso. E provavelmente nem um pouco interessados em saber no que eu pensava. Na verdade, as garotas estavam com alguma coisa entre surpresas e chocadas. parecia apenas incomodado, como se não soubesse o que falar.
Já eu, por algum motivo novo, fiquei inquieto e um tanto envergonhado. Essa última sensação eu não sabia explicar, mas com certeza me deixou confuso comigo mesmo. Devia ser algo relacionado a ressaca.
- Ela, Er... Hm, tipo, dormiu aqui? - A voz incrédula de me fez voltar a atenção para ela.
- Claro, por que acha que não voltei com vocês da balada? - Eu sorri malicioso.
Sua expressão me fez franzir o cenho. Que outro tipo de explicação ela esperava receber?
- Fala sério, isso é patético! - cruzou os braços e me lançou um olhar raivoso.
- Candance não achou nada patético quando eu estava em cima dela... - Sorri sem mostrar os dentes, talvez com uma expressão um pouco arrogante e sarcástica, eu não sabia especificar qual das duas.
murmurou alguma coisa e respirou fundo, procurando paciência.
- Quem é Candance?
- A garota que acabou de sair. Quem mais seria?
- Meu Deus, você não tem um pingo de respeito, né? - Minha resposta veio como um riso nasalado.
Mas onde aquela garota queria chegar, afinal? O que ela tinha a ver com as coisas que eu faço ou deixo de fazer? Desde quando ela achava que podia opinar em algo que eu fazia? Eu transava com quem eu quisesse, ela não tinha porque ficar questionando minhas escolhas.
- Eu não sei como você chegou a conclusão que poderia julgar meus atos, Ruivinha. Mas não acha que está se intrometendo demais em assuntos que não lhe convém?
- Você acabou de passar uma noite com uma mulher que nem conhecia! Você a usou como um objeto. - Estreitei meus olhos, ainda fixos em sua figura de semblante franzido.
- Quem te garante que eu não a conhecia? - Percebi minha voz alguns decibéis acima.
- Você ao menos sabe o sobrenome dela? Quantos anos ela tem?
De um jeito incrédulo, passei as mãos pelo meu cabelo.
- Isso não vem ao caso, . Desde quando se acha no direito de dizer esse tipo de coisa pra mim? Você não tem essa liberdade! - Eu quase podia ver faíscas nós seus olhos, como se estivesse escolhendo o melhor jeito de me fazer sofrer. Se eu pudesse adivinhar, diria que era algo relacionado a diferentes tipos de tortura.
Seus punhos cerrados junto ao seu quadril poderiam atingir meu rosto a qualquer minuto. Eu não duvidaria. Mas para minha surpresa, e talvez gratidão também, suas feições se amenizaram, ela respirou fundo e pareceu voltar a razão.
- Você está certo, . - A voz de era controlada e incrivelmente suave. Parecia medir cada palavra que estava prestes a dizer. - Eu não tenho essa liberdade. Não sou nada sua para contestar suas decisões. Apenas colega de trabalho. E ainda assim, já é muito. Mas quer saber? É o que dizem: sua vida, seus problemas. E aliás, da forma que está agindo agora, tenho certeza que isso não passa de rotina pra você. Por que então eu deveria me intrometer para opinar ou questionar? Você deve saber o que está fazendo. E pode ficar tranquilo, não pretendo mais ficar aqui gastando meu tempo, muito menos o seu.
Eu a assisti virar sobre os calcanhares e voltar para o elevador, deixando nós três de bocas abertas e queixos caídos, parados ainda em modo espera sem mexer sequer um músculo, como se estivéssemos brincando de estátua.
Talvez estivéssemos assim... tão atônitos, por se tratar de algo que acabara de dizer. Eu e em particular estávamos mais que surpresos. Já ... Bem, talvez ela já tivesse visto algo parecido, pois parecia menos impressionada depois de alguns segundos.
Mas acontece que ninguém esperava escutar a "insegura, tímida e ingênua" agir com tanta confiança e dureza como ela tinha feito.
Outra vez, aquela garota havia me surpreendido. Eu só não havia decidido ainda se isso era algo bom ou ruim. Mas não estava medindo esforços para descobrir.
- Er... Acho melhor irmos então. - coçou a nuca, talvez meio perdido no que devia ou não fazer. - Até mais .
Ele virou as costas e assim fez . Eu os lancei um sorriso incrédulo. "Até mais" é o cacete!
- Ah não, nem pensar que vocês vão embora sem mim. - Ambos me olharam sem entender nada. - Vocês me acordaram e agora vão ter que aguentar minha companhia pelo resto do dia.
- Mas a , ela... - Tentou interromper .
- Dane-se a Ruivinha. - Eu estava pouco me lascando para o que ela ia pensar. - Ela vai superar. Agora se decidam entre ficarem parados na minha porta ou entrarem. Preciso me vestir.
Vinte minutos.
Foi o tempo que demorei para tomar banho e me arrumar. Claro que eu ainda não havia comido nada. Acreditava ainda não ser seguro colocar comida no estômago que provavelmente colocaria tudo para fora na primeira oportunidade.
Quando chegamos ao estacionamento, o carro de estava em uma vaga próxima. Não foi difícil também notar a figura ranzinza no banco do passageiro, de braços cruzados e olhar fixo em sei lá o quê.
Sorri comigo mesmo. Ela estava engraçada com essa expressão.
Parei na lateral do veículo e abri a porta, me jogando para dentro do mesmo no momento seguinte. me olhou pelo espelho e semicerrou os olhos, como se aquilo fosse uma ameaça silenciosa para "passe dos limites, ou eu posso te ensinar a voar".
Isso só me fez abrir o sorriso ainda mais.
- E então, Ruivinha - Perguntei enquanto todos se ajeitavam no banco -, sentiu minha falta?
- Mas não é possível... - Murmurou provavelmente para si mesma. - Será que eu atirei pedra na cruz?
- Não seja tão chata. - Disse eu. - Se eu fosse assim tão idiota, vocês não teriam me convidado para vir junto.
- Não foi ideia minha. - Justificou. - Sério. Acredite.
- Mas você estava na minha porta hoje mais cedo.
- Eu também estava na porta do hoje mais cedo, e nem por isso estava animada com isso. - Franzi o cenho.
- Você o quê? - Uma cabeleira loira entrou e sentou ao meu lado logo em seguida. Não, não era a amiga de . Era uma cabeleira loira tingida. Era , realmente.
- Eu escutei você, criatura pequena! Não pense que vou esquecer. - Nialler apontou o indicador para ela com um sorriso travesso. gargalhou alto e fez um gesto de "tanto faz" para o garoto logo depois de mostrar a língua em um gesto infantil.
- Hey, hey, hey! - o cumprimentou. apenas acenou com a cabeça.
- E aí todo mundo! De boas? - estava com um sorriso de orelha a orelha. Me perguntei como ele conseguia estar assim, tão feliz, mesmo tendo acordado de ressaca. Isso parecia não se encaixar. - Desculpa a demora. Estava comendo.
- Oi . Que bom que você tá bem! - Falou . Eu só observava a cena. - Achei que você fosse querer ficar descansando hoje.
- Ah, nem pensar! - Nialler riu. - Eu agora tô bem. Era só tomar um comprimido.
Ele deu de ombros e os dois continuaram conversando. Fizeram isso como se eu ou os outros não estivéssemos ali. Talvez esperassem que participássemos por livre e espontânea vontade, não sei. Acontece que eu não tinha nada de interessante para dizer. Mas não precisei me preocupar com isso. Logo já estava dando a partida no carro.
- Todos prontos para passear no Tâmisa? - A amiga de perguntou empolgada. - É melhor dizerem que sim, porque a escolha do passeio foi minha!
- Agora você ficou toda animada, né? - a interrompeu. - Devia me agradecer. Se não fosse por mim, você ainda estaria jogada no sofá da sala com uma almofada na cabeça reclamando de dor.
- Poxa amiga - usou sarcasmo. - Obrigada por mostrar o quão importante você é na minha vida.
gargalhou ao meu lado e soltou um riso fraco.
- É sempre bom relembrar, não é?
- Ah, cala a boca - Sua voz não saiu firme, o que denunciava seu riso.
Não demorou para chegarmos até o centro. Assim como não demorou para que comprássemos os tickets e pegássemos a fila que levaria ao barco em dez minutos.
Eu procurava, com o canto dos olhos, alguém que tivesse nos reconhecido, mas até o momento, nada de câmeras. O ambiente estava calmo e nós muito bem discretos e sutis. O que era bom. Chamar a atenção provavelmente não daria nada certo nesse momento.
Quando o barco atracou no píer, e o amontoado de pessoas começou a diminuir, nós cinco nos dirigimos para o segundo andar, onde não havia cobertura e poderíamos observar a cidade, não de forma super confortável como no piso inferior cheio de sofás e poltronas, mas ainda assim com a vista muito melhor.
- Wow, cabe gente pra caramba aqui. - Disse olhando ao redor.
- Nunca andei num desses. - Falei sincero me referindo ao veículo.
- Ué, mas vocês não fizeram aquele clipe onde andavam por aqui a noite? Algo assim, não me lembro. - pareceu pensativa por um momento.
gargalhou.
- No clipe Midnight Memories, você quer dizer. - Ela deu de ombros, não ligando, apenas se mantendo em silêncio para que Nialler continuasse. - Mas nós não usamos um barco de excursões como esse. Era uma lancha.
- Claro, claro. Esqueci que estou andando no meio de pessoas famosas e ricas que podem alugar qualquer meio de transporte. - Ela jogou o cabelo sobre os ombros. - Erro meu, desculpem o descuido.
falou um pouco alto. e eu abaixamos a cabeça quase que ao mesmo tempo. arregalou os olhos sutilmente e olhou sobre os ombros. A Ruivinha também pareceu alarmada, mas nada perto do desespero.
- Para com isso, sua sem graça! - Ela estapeou o braço da amiga. - Pode chamar a atenção de alguém.
A loira entortou a boca em uma careta.
- Desculpa.
suspirou e disse mais suavemente, vendo que a amiga parecia ter ficado envergonhada e constrangida:
- Só não faça isso de novo, ok?
concordou.
Depois desse momento tão discreto, nós permanecemos em silêncio, esperando que todas aquelas pessoas se acomodassem em um dos dois andares, para que finalmente nós pudéssemos começar o passeio pelo rio mais famoso do Reino Unido.
Eu não estava assim tão empolgado para isso. De qualquer forma, a animação de compensava.
Assim que já estava com a embarcação cheia, o guia turístico, barra capitão, começou a explicar por onde passávamos e porque passávamos por ali.
Pra quem não gosta de história esse passeio seria o cúmulo do absurdo, tenho certeza. Mas é suportável.
Não lembro muito bem quanto tempo passou, mas sei que as garotas pareceram empolgadas com a vista, a arquitetura, a London Bridge, a London Eye e claro, a Tower Bridge, mais popularmente conhecida por ser um dos castelos da rainha que fica na margem norte do Tâmisa. O grupo de turistas gringos atrás de nós também parecia estar adorando. Falavam numa língua engraçada que eu provavelmente demoraria muito tempo para aprender. Aquilo era espanhol? Não sei...
também pareceu interessado em saber sobre eles, e acabou puxando assunto com um deles que tinha um inglês aceitável e entendível. Descobrimos que eles eram brasileiros.
Isso bastou para que começasse um diálogo.
teve que se esforçar para falar mais devagar, sendo que a cara de paisagem que ele recebia como resposta, era bastante engraçada durante todas as vezes. Entretanto os outros pareceram se acostumar com isso depois de dez minutos.
, e não participaram tanto assim da conversa. Os três estavam mais interessados em tirar fotos e dizer coisas idiotas. mais que elas, claro.
Já no fim do passeio, depois de muitos coros de ah, oh e wow, o tal passeio emocionante de barco pelo Tâmisa terminou. Foi até legal. Principalmente a parte em que as duas garotas deram alguns foras no grupo de brasileiros que estavam conversando comigo e com . Eu teria gargalhado caso não soubesse como seria dez vezes mais constrangedor para eles. Fiquei na minha, evitando rir, apenas observando. Como Nialler tentou fazer, mas não conseguiu ser assim tão discreto e eficiente.
Quando a maior parte das pessoas já havia saído, voltamos a ter uma interação normal, rindo de coisas aleatórias.
- Sabe quem o garoto de camiseta azul me fez lembrar? - conversava com como se estivessem de volta a vida antiga das duas. Pelo menos era o que eu achava.
- Não sei... Estou com medo de perguntar.
- Ah, qual é!? - fez uma careta exagerada.
- Sério, consegue se lembrar de coisas muito desnecessárias as vezes. - Se justificou e a amiga sorriu com ironia.
- Isso só deixa as coisas mais divertidas, sua chata.
- Acho justo nos falar o que estava pensando. - Opinou , e eu, curioso como sempre fui, concordei.
- Aquele cara me fez lembrar um dos modelos que trabalhou com .
Eu juntei as sobrancelhas. Aquilo não fazia sentido. O garoto nem era bonito.
- Como assim? - Perguntei.
- É que teve uma vez que um garoto foi contratado para fazer um comercial com . - A garota se interrompeu e riu. - Ele usava o mesmo estilo de cantadas baratas como "nossa, seu pai era ladrão? Porque você roubou meu coração".
Um coro de risos foi feito por nosso grupo.
- Mas nem quando eu tinha doze anos usava uma cantada dessa! - gargalhou.
- Pelo menos o cara tentou, gente. - deu de ombros soltando um riso fraco.
As bochechas de estavam coradas com toda a atenção, e por mais que ela tentasse, não conseguia disfarçar isso.
- Não era nada disso - Ela tentou argumentar.
- Claro que era! - Interrompeu . - O garoto era um chato de primeira. Insuportável, essa era a palavra certa. A única coisa que salvava era o pouco de beleza que ele tinha. Bem, bem pouca.
- Para de exagerar. - fez uma careta e revirou os olhos. - Ele foi super gentil e simpático.
- Mas ele foi pago para fazer isso. - Todos se viraram para mim e pararam de andar. - Que foi?
- Nossa, . Essa foi cruel até pra você. - balançou a cabeça e percebi seu olhar sério.
- Desnecessário. - Afirmou .
- Mas não é verdade...? - Juntei as sobrancelhas, atônito. Eu tinha dito algo errado, por acaso?
- Tá dizendo que para as pessoas serem legais comigo elas precisam ser pagas pra isso? - A voz de soou baixa, como se estivesse se forçando a acreditar no que eu havia dito.
As pessoas continuaram a passar por mim e pelos outros, com as expressões um pouco fechadas por estarmos empacando o desembarque do grande número de passageiros, de forma que a saída havia se transformado em uma fila indiana.
- Você está distorcendo o que eu disse. - Levantei as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência.
- Acho que não... - A garota loira comentou e virou sua atenção para as próprias unhas.
Legal! Estavam todos contra eu.
- Não sejam hipócritas! - Revirei os olhos. - O cara só receberia o cachê dele se fizesse um bom trabalho. Nada melhor que tratar todos bem e mostrar serviço para futuros contratos. Dar encima da Ruivinha foi um bônus.
- E ele repetiu... - riu incrédula. semicerrou os olhos e me encarou.
As mesmas faíscas de hoje mais cedo voltaram para seus olhos. Por um momento fiquei com medo dela perder a paciência e me atirar na água do rio, mas a garota era uma pessoa muito controlada para fazer isso.
- Retire o que disse! - Sua voz soou firme.
- Qual é, não precisa de tudo isso...
- Você acabou de me ofender! - Seus olhos se arregalaram e ela andou em minha direção. A essa altura poucas pessoas sobravam no barco de turismo. - Quero que retire o que disse!
Ih... Tem alguém de TPM.
Andei em sua direção com aquela pose que diz "olha, vamos esquecer tudo isso", mas assim que a distância de um passo nos separava, percebi que ou ela me empurraria, ou gritaria comigo.
Aparentemente minha persuasão não estava funcionando bem hoje.
Por isso, quando ela se preparou para fazer os dois, olhei rapidamente por cima de seu ombro. Não mais que por meio segundo, mas o suficiente para perceber que eu não podia deixar que criássemos um conflito. No instante seguinte eu estava passando meus braços ao redor dela e sorrindo igual a um retardado enquanto a abraçava.
Estava tudo muito normal para ser verdade, e eu devia ter desconfiado disso antes.
- O que você pensa que está fazendo, ? - Ela tentou nos separar, porém eu a impedi.
- Te abraçado. Vai dizer que não percebeu? - Eu podia notar o ar confuso de , mas os olhares compreensivos de e ao meu encalço também. Pelo menos eles não eram desligados e desatentos.
- Eu não quero abraçar você. Eu quero bater em você! - realmente estava tentando se afastar. - Agora me larga para que eu possa fazer isso.
- Oferta tentadora, Ruivinha. Mas não dá. - Seus músculos tencionaram mostrando claramente seu desconforto. - A não ser que você queira seu nome na manchete da próxima revista. Algo como: foi vista agredindo após passeio turístico com amigos.
- Do que você está falando? - Seu tom de voz abaixou alguns decibéis.
- Do fotógrafo com a câmera atrás da amurada, logo depois da fila dos novos passageiros.
O cérebro dela devia ter começado a trabalhar na possibilidade, pois rapidamente ela já não se mexia, e exibia, mesmo sem vontade, uma pose compreensiva para o momento. Na verdade, ela estava passando os braços por cima dos meus ombros enquanto se esforçava para soltar um riso convincente.
Ela deve ter feito algum sinal que convencesse os outros a fazerem o mesmo, pois a risada deles acompanharam a dela logo em seguida.
- É bom que seja verdade, . - Ela ameaçou. E pela forma que sua voz saiu, eu tinha certeza que ela fingia sorrir. - Se isso for só uma brincadeira sua para me atazanar, eu juro por tudo que é mais sagrado que vou assumir a personalidade de uma doida e vou te encher o saco pelo resto da vida.
- Não vou apostar contra você.
Mantive meu sorriso ensaiado no rosto esperando que o intrometido do paparazzi estivesse mesmo fazendo seu trabalho. Eu ficaria muito puto se as fotos de agora não fossem parar na internet. Ficaria mais puto ainda se descobrisse que estava fazendo isso a toa.
- Sério, Ruivinha. - Falei ainda sem nos separarmos. - Isso não estava na minha lista de "coisas para fazer hoje", mas uma coisa que eu aprendi na vida foi: se é pra fazer, faça direito. Então se é pra fingir, vamos fingir direito.
Nos distanciamos sorrindo falsamente um para o outro e suspiramos, os dois derrotados e sem escolha, como se de repente, tivéssemos entendido o pensamento um do outro para continuar a encenação.
Fizemos então algo mais idiota ainda. Formamos uma roda e nos abraçamos em grupo.
Depois que ninguém mais poderia contestar nossa amizade “inspiradora”, saímos finalmente de onde estávamos parados pelo que parecia ser muito tempo, e voltamos para a calçada que acompanhava o percurso do rio.
Mas era óbvio que nada se tornaria mais fácil. Era óbvio que outros paparazzis apareceriam para tirar proveito da situação.
Eu olhei para . Ela olhou para mim. Nós já sabíamos como agir.
- Eu ainda quero muito te bater.
- Mas você não pode. - Sorri vitorioso.
- Espere só quando não tiver nenhuma câmera por perto. - O sorriso dela parecia até macabro quando combinado com a frase.
- Mas enquanto isso não acontece - Passei um braço sobre seu ombro. -, vamos dar uma volta por Londres, amiga querida. Temos que mostrar quão próximo nos cinco somos.
- Então vamos lá, Best Friends. Vamos estampar as páginas das revistas.
E foi com essa frase estimulante de que continuamos com nosso horário extra de atuação em pleno fim de semana.
's POV
Hoje o dia tinha rendido.
E, mais que isso, tinha acontecido de uma forma totalmente contrária aos meus planos.
Pelo menos parecia ter se divertido, e no fim, era isso que importava.
Depois da pequena cena sem aviso de , tivemos que agir mais daquela forma o mais naturalmente possível. O que foi realmente horrível. Precisei controlar o que fazer e o que dizer várias vezes. Principalmente quando estava ao meu lado com piadinhas irritantes e comentários desnecessários.
Já bastava para dizer coisas constrangedoras, agora ele também havia aderido a ideia de me deixar sem graça.
Infelizmente os dois tinham grande êxito nessa atividade.
Graças a Deus, e conseguiam me entreter e me fazer não prestar tanta atenção na zoação que os outros dois diziam.
Então apesar de não ter conseguido dar uns tapas em , eu havia me divertido na companhia dos outros. Já não estava mais irritada. Na verdade eu estava bastante feliz, mesmo que agora estivéssemos voltando pra casa, bastante acabados pelo fato de termos caminhado durante muito tempo num turismo meio improvisado pela cidade.
No carro, só estavam , eu e , que havia insistido para nós levar de volta, assim como fez com os garotos alguns minutos antes.
- Sério, . - Falei com o cotovelo apoiado no vidro do lado do passageiro. - Não tinha necessidade nos trazer. Eu podia ter pagado um táxi.
- Eu sei que não tinha necessidade. - Ele sorriu. - Mas eu quis. E aliás, acho que não se sentiria confortável em dormir no banco do táxi.
Olhei para minha amiga no banco de trás, que estava toda encolhida, dormindo no canto.
- É... Mas talvez nem ligasse também. - Dei de ombros. - Ela deve estar mesmo cansada. Geralmente ela não dorme fora de horário.
- Fora de horário? - Ele riu um pouco e eu o imitei.
- Sim, igual criança. Tipo, em situações como essa, ela tomaria o dobro de café que toma normalmente para se manter acordada e elétrica. Mas acho que ela esqueceu. - Fiz uma careta e as risadas de aumentaram.
- Provavelmente ela gastou toda energia na noite passada. - Concordei com um aceno. - dançou pra caramba.
- Nossa, ela não perde a oportunidade de uma festa! - Falei sorrindo. - Se você tivesse noção do que fazíamos quando éramos mais novas... - Me detive no meio da frase e deixei que meu sorriso diminuísse até desaparecer. pareceu notar e me observou brevemente enquanto esperava o farol abrir.
Ele seguiu com o carro, e perguntou sem me olhar:
- Você não gosta de falar do seu passado, não é?
Comecei a brincar com os pingentes de minha pulseira, nervosamente. Ele havia percebido meu desconforto, mas ainda assim, eu lhe daria pelo menos uma resposta vaga.
- Eu só acho que o passado deve ficar onde está, entende? - Ele assentiu sem esboçar reação.
- Todos passam por situações difíceis. – Limitei-me a ouvi-lo, e mantive meu olhar em algum ponto na cidade em minha frente. - E todos fazem coisas erradas também. Você não tem que enterrar tudo que aconteceu por alguns detalhes não muito bons. Você não seria um ser humano se não errasse de vez em quando. - Ele suspirou. - O que eu estou tentando dizer é que a vida não é feita só de acertos. Você não deveria apagar tudo que aconteceu com você. As coisas boas merecem ficar.
Olhei para ele com o canto dos olhos. Não era assim tão fácil...
- É como um emaranhado de fios, . - O carro estava em silêncio. - Você quer puxar apenas uma ponta, mas acaba trazendo com ela mais um milhão de nós impossíveis de separar.
Outro semáforo e seus olhos me avaliaram. Passaram do meu rosto até meu pulso e observaram a pulseira. Se ele entendeu o significado dela, não falou nada. Preferiu manter o silêncio por mais alguns minutos.
Talvez não tivesse o que acrescentar. Talvez ele tivesse percebido o clima ruim que aquele assunto havia criado. Eu esperava que tivessem sido essas as razões que o fizera mudar o rumo da conversa. Pelo menos assim eu poderia falar sem medo.
- Eu queria te pedir desculpa por ontem à noite.
Franzi o cenho.
- Por quê?
- Pelo que aconteceu na saída... - parecia um tanto envergonhado, mas eu não sabia dizer se era ou não o que eu pensava ser. - Eu devia ter imaginado que aquilo ia acontecer...
- A culpa não foi sua, . - Dei de ombros.
- Mas se tivéssemos saído pelos fundos, como , e Victoria fizeram, teríamos evitado toda aquela confusão, além de ter evitado aquelas perguntas desagradáveis e as fotos na internet...
- , para de se preocupar, ok? - Me ajeitei no banco de uma forma que eu pudesse encara-lo. - Faço parte desse mundo agora. Tenho que aprender a lidar como situações como essa. Não dá pra fugir.
- É só que...
- Tá tudo bem. - Insisti. - Sério, pode acreditar! Com certeza não foi agradável, mas faz parte, não é mesmo?
- Mais ou menos isso. - Concordou. - Espero que não estejam falando tão mal de todos nós.
- Aposto que não. - Ri. - Que tipo de pessoa nos repreenderia por querermos nos divertir?
- Você não sabe do que a mídia é capaz... - Seu riso nasalado, um pouco sarcástico me fez repensar o que eu havia dito.
Eu não sabia muito como aquele negócio de fama funcionava, mas será possível que as pessoas criariam falsos boatos apenas para criar um escarcéu? Talvez fosse melhor eu não descobrir isso tão cedo.
Pouco depois chegou ao meu apartamento.
- Obrigada mais uma vez pela carona. - Sorri para ele.
- Sempre que precisar, . - Ele piscou o olho esquerdo e eu senti minhas bochechas corarem.
Desci do carro e fechei a porta, me dirigindo para a traseira, pronta para acordar minha amiga que só dava sinais de vida graças aos seus longos e profundos suspiros.
A voz de me chamando interrompeu-me antes mesmo do primeiro passo. Abaixei-me de forma que o vidro do carro fizesse uma espécie de moldura em volta do meus rosto, e atentei-me ao que ele tinha a dizer.
- Eu estava pensando... - Coçou a nuca, aparentemente receoso. - Todas as vezes que saímos nunca conseguimos conversar muito.
- Sim? - Esperei que entendesse isso como um incentivo para continuar.
- E eu queria saber se talvez você quisesse sair comigo um dia desses pra mudar um pouco essa rotina. - Eu abri um sorriso tímido. - O que acha?
- Eu adoraria.
Ficamos nos encarando por alguns segundos.
Os olhos dele estavam com as pupilas dilatadas com um contorno bem pequeno da cor castanha ao redor das bolinhas pretas. Nesse momento, eu não imaginei que ele conseguisse ficar ainda mais fofo.
Esse momento só foi quebrado quando começou a se remexer e reclamar do cinto de segurança ao redor de sua cintura. Ela dorme e ainda reclama por tentarmos preservar a vida dela. Com certeza faz todo o sentido do mundo.
- Já chegamos?
- Acabamos de parar o carro. - Desviei meus olhos de para minha amiga. Mas ao contrário do planejado, não consegui desfazer o sorriso.
- Hm... Tá bom. - se soltou e desceu do carro, meio mole por estar ainda sonolenta. - Obrigada por nos trazer de volta. Te devo uma, dude.
- Vou cobrar de você, ! - Ele riu e ligou o carro novamente. - Tchau garotas. A gente se vê.
- Tchau, . - Acenei.
Seu sorriso foi a ultima coisa que eu vi antes dele subir o vidro e desaparecer na rua.
cruzou os braços, ainda parada ao meu lado e levantou um dos cantos da boca com malícia.
- Hoje foi um dia interessante. - Concordei balançando a cabeça e observando a calmaria da rua.
- Foi... Divertido. - Acrescentei.
- É, com certeza foi. - O sorriso não havia abandonado seu rosto. Comecei a questionar para mim mesma o que aquilo significava.
- Por que você está com essa cara de presunçosa, como se soubesse mais do que devia? - Arqueei uma sobrancelha.
- Porque, minha cara amiga, eu sei de muita coisa. - Seu ombro bateu no meu e ela me lançou um olhar sugestivo.
- Eu não tô entendendo aonde você quer chegar. - Eu até entendia, mas preferia me fazer de desentendida a ter que ficar escutando suas suposições malucas.
- Ah, é? - Ela abriu o sorriso ainda mais. - Vamos ver por mais quanto tempo você vai ficar se fazendo de boba.
- Você é estranha, . - Passamos pela portaria em direção ao elevador. Ela estava ao meu encalço. - Fico me perguntando como eu fui ser sua amiga.
A gargalhada dela tomou o ambiente do elevador.
- Quem sabe eu não te respondo essa pergunta depois de uma maratona de filmes e muito chocolate?
Realmente nisso ela estava certa. Nós precisamos de muitas besteiras para comer e de algumas horas sozinhas sem nenhum garoto por perto para podermos manter as informações em dia.
Eu precisava desse tempo com a minha melhor amiga.
Querido Diário...
Seria possível uma pessoa ter overdose de açúcar?
Se a resposta for sim, então eu estou tendo uma.
Caramba, eu comi chocolate até ter a sensação de que iria explodir. E eu não duvidaria que isso pudesse acontecer a qualquer momento. Sério, tá difícil até pra respirar.
já voltou para Brighton faz algumas horas, me deixando com esse mal estar horrível sozinha aqui na minha casa. Tipo, eu posso ter uma síncope induzida por doce em excesso, mas ela não.
Muito injusto da parte dela...
Nossa, minha letra está um garrancho tão grande agora que eu duvido muito que no futuro eu vá entender o que escrevi aqui... Quem sabe com muito esforço, talvez.
A questão é que eu preciso estar no estúdio daqui à uma hora e eu não consigo mexer sequer os dedos do pé.
Sabe, eu acho que devia deixar registrado aqui também que estou começando a não gostar da presença dos papparazzi na minha vida. Graças a eles eu tive que ficar fingindo suportar . Não foi tão fácil quanto parecia. Principalmente depois de descobrir que ele fazia parte daquele grupo de homens que saia para arrumar uma mulher com quem passar apenas a noite e depois descarta-la (Sim, eu estou com raiva!).
Isso é tão... Tão machista! Argh! Não conseguiria ficar perto dele se não fossem os outros. Será que ele não percebia o quão rude aquilo era?
Felizmente eu já estou mais “zen” em relação a esse assunto. Isso porque todos fizeram questão de esquecer esse ocorrido, e então resolvi fazer o mesmo. sempre tentando manter uma conversa, me enchendo saco e conseguia deixar o clima mais leve com suas piadas e senso de humor. Fala sério, esse garoto é um príncipe! Ele me lembrava um pouco Luke em alguns aspectos.
Saudades dele...
Mas sem mais enrolação... Meu dever me chama!
Só precisava dar uma descansada para relatar os últimos acontecimentos da minha vida aqui. Achei importante no começo. Agora, pensando melhor, nem era tanto assim.
Com amor,
.
’s POV
Em tempo record consegui ficar pronta. Pensei que o açúcar me faria ficar lenta igual a uma mula, mas de repente eu estava tão animada como uma criança no dia de seu aniversário.
Eu estava pronta para entrar no táxi, quando o celular vibrou em minha mão, e eu me apressei em abrir a mensagem.
Foi impossível não esconder o sorriso que vinha crescendo ao decorrer da leitura:
“Bom dia, ! O que acha de marcarmos aquele nosso encontro? Xx”
Capítulo 10 - "If you want me to
The sky is everywhere, so meet me under there"
's POV
Hoje estava um dia mais frio do que eu esperava. Principalmente se levasse em conta que poucos dias antes eu estava passeando tranquilamente pelas ruas da cidade, aproveitando o bom tempo. Mas Londres estava nublada e aderia ao seu tom cinzento e nostálgico tão costumeiro. Infelizmente eu não gostava daquele clima tanto quanto eu deveria.
Por isso me apressei o máximo que pude para chegar o quanto antes possível no estúdio.
Teríamos um longo dia de filmagens hoje, e eu estava superanimada. Tinha passado os dias anteriores ensaiando as falas em casa igual a uma doida, além de ter ido treinar várias vezes na academia. Eu já não estava reclamando tanto quanto antes sobre isso.
Parei em frente à porta de entrada, respirei fundo e então adentrei o grande salão, já sendo logo abordada por uma das assistentes de cabelo e maquiagem, para então ser levada até o camarim.
- Querida! Chegou no horário exato. - Philip me alcançou e cumprimentou-me com um beijo em cada bochecha. - Vai economizar meu tempo, isso é ótimo.
- Bom dia! - Sorri animada para ele, logo me sentando na penteadeira. - Prometo que hoje não vou ser uma pedra no sapato para você.
- Que bom, porque não temos tempo a perder com coisas bobas! - Ele levantou as duas mãos, animado. Tinha alguém de bom humor hoje, graças a Deus.
- Certo, então mãos à obra! - Não precisei dizer mais nada como incentivo.
Philip e suas assistentes logo trataram de lavar meu cabelo e o secar, para depois começarem a modelar os fios e então iniciar a maquiagem.
Era algo de ficar de queixo caído quando você reparava na prática e rapidez que eles tinham para fazer qualquer coisa. Eu tinha muita inveja daquilo, pois a única coisa que eu sabia fazer no cabelo era uma trança para assim deixa-lo um tanto ondulado depois.
Já na parte de roupas, não demorava mais que dez minutos. Era muito fácil escolher as peças para minha personagem, já que Kate usava sempre preto. Um tanto monótono, mas prático.
Quase uma hora e meia depois eu já estava pronta, esperando que o cenário terminasse de ser montado e meus colegas dessem o ar da graça e aparecessem logo. Infelizmente não viria para as filmagens de hoje, o que me faria bastante falta, levando em consideração que ele costumava me fazer companhia enquanto não começavam as gravações.
Então mesmo contra minha vontade, eu teria de me acostumar com dias assim. Era fato que não participaria durante toda a temporada, portanto eu deveria arrumar o que fazer além de lamentar sua não ida ao estúdio.
Me sentei na cadeira marcada com meu nome e voltei a reler o script. De verdade, eu gostava muito da minha personagem na série The Black Side. Ela era tão atrevida, tão diferente de mim na vida real, que eu ficava feliz por interpretar outra personalidade e sair da minha mesmice. Em certos momentos eu até mesmo chegava a sentir uma pontada de inveja de Katherine.
No entanto, voltando para a vida real, Gregory tirou minha concentração da leitura quando entrou no ambiente e atravessou o salão com a cara fechada. Murmurei um bom dia em sua direção e ele se limitou a sorrir, sem mostrar os dentes, em resposta. Não sei se estava preparada para presencia-lo de mau humor, mas não era como se eu tivesse escolha.
Victoria apareceu logo em seguida, também devidamente vestida e maquiada.
- Olá, fofa! - Ela me abraçou. - Como tem andando?
- Com as pernas. - Comecei a rir da minha associação idiota, mas seu olhar de "sério mesmo?" me fez voltar ao normal. - Tô bem, e você?
- Estou bem. Incomodada com Gregory por ele estar carrancudo, mas bem. - Ela deu de ombros e puxou o script da minha mão. - Espero que ele não implique com a gente.
Olhei de rabo de olho para ele e depois voltei minha atenção para Vicka.
- Você acha que ele faria isso? – Eu queria acreditar que não.
- Ah, sem dúvida nenhuma! - Vic continuou a folhear as páginas. - Capaz de baixar o perfeccionista nele e a gente só sair daqui depois da meia noite.
- Nossa, não é toa que você é atriz. - Murmurei. - Com todo esse drama exagerado é difícil imaginar você fazendo outra coisa não sendo atuar.
- Não muda de assunto, . - Ela emburrou e eu ri.
- A questão é que eu espero que você esteja errada. - Intercalei olhares entre nós e o diretor. - Não consigo trabalhar sob pressão.
Não deu dois segundos que eu disse isso e o Sr Colleman começou a gritar com alguns assistentes "incompetentes" da produção. Encolhi os ombros e fiz uma careta.
- Acho melhor você dar um jeito nesse seu problema então. - Victoria estralou a língua no céu da boca. - Hoje o dia vai ser meio estressante...
- ONDE ESTÁ AQUELE GAROTO?! - A voz estridente do diretor soou no estúdio e todos pareceram arregalar os olhos no mesmo instante, procurando um lugar onde não pudessem ser atingidos por sua fúria. - ELE ESTÁ QUARENTA E TRÊS MINUTOS ATRASADO! - O relógio mudou o ponteiro. - QUARENTA E QUATRO!
Continuei a bater meus pés no chão, impaciente e nervosa. Ninguém se atrevia a olhar nos olhos de Gregory e ele fazia questão de olhar no de todo mundo. Ele estava tão furioso que ninguém estava duvidando dos atos que ele poderia cometer se fizessem uma pergunta errada ou falassem algo que fosse necessário.
Dessa maneira, as respostas se resumiam em coisas como "Sim, Senhor!", "É pra já!", "Tudo o que você quiser!". Essas eram as mais frequentes e promissoras. Até eu já tinha usado uma delas.
Acontece que eu preferia o diretor de hoje mais cedo. Aquele que não estava se comunicando com ninguém. Aquele que apesar de irritado, não mostrava tendências assassinas, como o de agora, que poderia abater quem quer que contrariasse sua palavra.
E por quê? Porque o querido e maravilhoso , havia tomado chá de sumiço.
Aquele garoto pedia pra ser odiado!
E foi só falar na praga, que ela resolveu dar as caras. Devo dizer que todos pareceram soltar o ar dos pulmões, aliviados com achegada dele.
passou pelas portas a passos largos e apressados. Sua expressão séria dizia que ele estava mais que ciente que tinha passado do horário estipulado.
Sr. Colleman o viu e cruzou os braços. Lançando um olhar ameaçador em sua direção.
Eu pensei que começaria a ver cadeiras voarem, pessoas a correr de um lado para o outro tentando se esconder dos destroços, mas se apressou para ficar de frente com o diretor e eu não vi nada do que imaginei. Os dois começaram a conversar. Pelo menos eu achava que era essa a tentativa de , pois o Sr. Colleman não queria exatamente trocar palavras. Estava mais para trocar socos. Mas não é que o moreno pareceu o convencer com alguma história?
Bufei um tanto contrariada. Caramba, aquele garoto devia ter soado muito convincente ou persuasivo.
No instante seguinte já se juntava a Vic e eu, com aquele sorriso arrogante nos lábios.
- Desculpem fazer vocês esperarem, garotas. - Ele disse com ironia.
- Por que você demorou tanto, ? - Me atrevi a questionar. - Estávamos quase sendo degoladas por sua causa.
O garoto nos olhou de cima até baixo.
- Não vejo nada de errado com vocês. - Analisou. - Então não vejo motivos para tanto ódio com a minha pessoa.
- Nossa, mas você é expert em ser idiota, não? - Aquele cinismo todo me irritava.
- O quê? Você que está sendo exagerada. - Tentou se defender e eu grunhi irritada.
- Exagerada? Na boa, eu nunca imaginei Gregory tão explosivo! - Tentei argumentar, mas a única resposta que eu tive de , foi um riso nasalado. Meu Deus, ele não conseguia levar nada a sério?
- Tome isso como uma nova experiência de vida. - Revirei os olhos.
- Gregory vai infernizar nosso trabalho hoje. - Falei emburrada. - Graças ao seu atraso.
- Eu tive uns problemas com a gravação do CD há pouco tempo. - Explicou enquanto uma das maquiadoras passava pó compacto em seu rosto. - Tive que resolvê-los primeiro para depois vir pra cá.
- Realmente, - Começou Vic. -, você tem bons motivos e tal, mas sabe como o Sr. Colleman é. Por mais que ele não tenha te agredido nem nada do tipo, não espere cortesia da parte dele hoje. Espero que todos tenham comprimidos para dor de cabeça.
- O que vocês estão fazendo aí parados? - Adivinha só quem falava irritado? - Não é hora pra fofoca! Quero cada um em seu devido lugar AGORA! Chega de embromar, suas tartarugas paralíticas!
Eu sei que o diretor estava falando sério, mas tive vontade de rir. E eu teria feito isso se Victoria não tivesse me puxado para o centro do cenário com uma mão cobrindo minha boca enquanto a outra se prendia em meu braço.
- Cala a boca se você quer ficar viva até o fim do dia. - Ela cochichou e eu assenti.
- POR QUE VOCÊS AINDA ESTÃO CONVERSANDO?! - Encolhi os ombros. Victoria Jogou o script para longe.
- Seguinte - se colocou ao nosso lado. -, trabalhamos ou escutamos gritos. O que vai ser?
- SERÁ QUE EU TÔ FALANDO MANDARIM? - Retorci minha boca em uma careta. Vicka disparou para o outro lado do cenário, onde devia ficar.
- Primeira opção, por favor. - Murmurei antes de imitar o gesto dela para que iniciássemos o dia de trabalho daquela quarta-feira.
- Pelo que eu me lembre, contratei vocês por achar que eram bons o suficiente. - Gregory chiou, interrompendo-nos de novo pela que parecia ser a nona vez que tentávamos gravar aquela cena. - ENTÃO POR QUE VOCÊS NÃO CONSEGUEM FAZER ISSO DIREITO?
Relaxei meus músculos em um sinal de desistência. Carambola, isso era de deixar qualquer um louco.
- Esse mau humor todo aí é falta de sexo. - Falou Geoff, um dos atores que participava dessa cena comigo e , provocando alguns risos descontraídos de todos ao seu redor, inclusive eu.
Acabei rindo um pouco alto demais de suas palavras, desconcentrando-me totalmente. Na hora me arrependi.
- O que é tão engraçado, senhorita ? – Recebi os olhares homicidas de Gregory. - Gostaria de compartilhar? Aposto que todos estão curiosos para saber o motivo para um sorriso tão grande como o seu agora. - Engoli em seco e pigarreei.
- Desculpe... - Respondi e ele revirou os olhos em resposta.
- TUDO DO COMEÇO! - O diretor gritou e os roteiristas se acomodaram novamente e suas cadeiras. Elas já não pareciam ser assim tão confortáveis quanto horas antes.
Um coro de vaias e reclamações foi feito. Sr. Colleman não se mostrou afetado por isso.
- Quanto mais reclamarem, mais tempo vai levar! - Bufei irritada. Poxa, nos já estávamos quase no fim da tarde. Eu estava cansada. Todos nós estávamos.
- Vamos fazer isso direito dessa vez, Ruivinha. - falou se posicionando atrás de mim.
- Eu estou tentando! - Afirmei. - Vim fazendo exatamente isso das outras nove vezes, pode acreditar.
- É uma cena de luta, você só tem que se soltar e fazer com eles o que faz com seu instrutor. - deu a dica, e eu tentei fazer uso da mesma quando a gravação começou.
Pela décima vez.
Infelizmente foi outra tentativa falha. Eu não havia obtido grande sucesso dessa vez, assim como nas outras. Entretanto a culpa não pairava em mim totalmente como Gregory fazia parecer. Eu tinha total conhecimento do que eu deveria e de como deveria fazer. Mas eu já tinha dito antes em alto e bom som que não conseguia fazer nada sob pressão. Meu corpo travava, simplesmente. Ou então meu cérebro começava a passar informações invertidas, como confundir esquerda com direita, lascando tudo de uma vez.
Me joguei, literalmente, frustrada no chão. Fechei os olhos com força e contei até dez mentalmente. Eu tinha que conseguir fazer isso. Não poderia ser assim tão ruim em fingir bater nas pessoas. Eu já tinha feito isso antes, desgraça!
- Gregory, vamos fazer uma pausa de alguns minutos? - A voz de soava distante.
- E vocês acham que do jeito que estão, vão conseguir compensar esse tempo depois? - Argumentou irritado. Não me atrevi a sair da posição que estava. - Sinto muito , mas se vocês não estão colaborando comigo, então não vou colaborar com vocês.
- Olha, Sr Colleman, alguns minutos de pausa vai ser bom até para você. - Insistiu . - Olhe ao redor. Ninguém está aguentando mais! até se jogou no chão. A garota parece que vai ter um troço a qualquer instante, olha só como ela está pálida.
Tirei as mãos do rosto e fiz uma careta. Nossa, será que eu aparentava estar tão mal assim? Caramba! Eu realmente esperava que a resposta fosse não. Deus me livre ser gravada parecendo um espantalho anêmico.
- Tudo bem. - O diretor concordou, claramente contrariado. Ele fazia isso como se fosse um grande favor. - VOCÊS VÃO TER MEIA HORA DE DESCANSO! QUANDO VOLTARMOS, QUERO DEDICAÇÃO E EMPENHO! NÃO ME DECEPCIONEM!
- Deus ouviu minhas preces! – Victoria falou e imaginei que a uma altura dessas, ela já não estaria mais por perto.
As pessoas suspiraram aliviadas e até mesmo um pouco animadas com a notícia. Mesmo eu, acabada e desnorteada com a vida, sorri ali onde estava. Cobri meus olhos com as mãos de novo e deixei a paz me atingir.
Pena que ela não durou tanto assim.
- Acho que você me deve um “obrigado”. - Tirei o braço que até então cobria meu rosto, e encarei , que se sentava ao meu lado, de forma despreocupada.
- E por quê...? - Arqueei uma sobrancelha. Minha voz saiu de forma arrastada.
- Se não fosse por mim, a única coisa que você estaria fazendo agora, seria desmaiando, ou então dando um chilique. Estar deitada no chão não entra na lista.
Ele estava certo, mas eu não admitiria isso.
- Então você me fez um favor? - Ri nasaladamente. - Sei que usou minha aparência doentia como desculpa.
Ele riu divertido sem aquela sua expressão de deboche tão usual, e mudou de assunto:
- Você está de verdade com dificuldades, não é? - Eu olhei para o moreno sentado ao meu lado, e imitei sua forma de sentar, só para então despejar o que se passava na minha cabeça no instante seguinte:
- É só que Gregory está colocando defeito em tudo! “Fulano entrou pelo lado erra”, “Cicrano abriu a boca antes da hora”, “Você fez uma careta que não era pra fazer”! Arg, isso tá acabando comigo... - Grunhi e me deitei no chão de novo. – Poxa, as coisas estavam indo bem... Até ele começar a implicar.
- E deixe-me adivinhar... - Ele arqueou as sobrancelhas. - Isso afeta na sua atuação.
- Na mosca.
pareceu pensar em algo durante os poucos segundos que permanecemos em silêncio, e então se levantou e esticou a mão em minha direção. O olhei, momentaneamente, confusa.
- Levanta, Ruivinha.
- Pra quê? - Perguntei, tentando entender o que ele planejava.
- Vamos resolver o seu problema. - Segurei em sua mão e fiquei de pé contra a vontade.
- Eu não estou com nenhum problema. - Retruquei e ele sorriu.
- Aham, vou fingir que acredito. - olhou ao redor e depois se colocou a alguns passos de distância de mim. - Vamos ensaiar, o que acha?
- Os outros atores não estão aqui.
- Mas eu estou. - Respondeu rápido. - Se contente comigo, Ruivinha.
- Mas como você quer ensaiar isso então? É uma cena de luta, ! - Tentei esclarecer e dizer que aquilo não ia funcionar muito bem, mas eu já deveria ter imaginado que ele abriria aquele sorriso sarcástico, como fazia naquele exato momento.
- Então lute comigo. - Falou simplesmente. O olhei descrente.
- Sem chance.
- Está com medo de me bater? - Seu sorriso se alargou mais ainda. Por algum motivo aquilo me irritou.
- Claro que não!.
- Então vamos lá! - Ele levantou os punhos na altura do maxilar. - Você sabe o que fazer.
- , para de besteira!
- Você não vai ter outra oportunidade como essa, acredite! - Juntei as sobrancelhas.
Ok. Se ele queria assim, ótimo! Respirei fundo e me coloquei na mesma posição que ele.
- Por que está fazendo isso? - Dei o primeiro chute na lateral do seu tronco, partindo para o ataque. Quando eu insinuei dar outro golpe ele desviou.
- Por que eu não estou a fim de gravar a mesma cena mais dez vezes! - Tentou me golpear, e eu me abaixei.
- E por isso está deixando eu te bater? - Seu antebraço bloqueou um de meus socos.
- Como se esse não fosse um dos seus sonhos. - Grunhiu antes de tentar prender meus pulsos distantes do seu rosto.
- Você está certo. - Girei meu corpo para o lado antes que ele me alcançasse de novo, e mais rápido do que consegui raciocinar, abaixei e lhe dei uma rasteira.
caiu e gemeu com a pancada no chão. Eu sorri vitoriosa e surpresa comigo mesmo. As aulas estavam servindo para alguma coisa! Por que eu não conseguia fazer isso quando devia e precisava?
- Bom trabalho. - Sua voz estava meio lenta e esquisita. - Mas saiba que eu deixei você fazer isso.
- Deixe de ser orgulhoso e aceite a perda. - Estendi o braço para que ele se levantasse.
aceitou sem relutância e me deu sua mão. Fui ingênua ao achar que tudo ficaria nessa de "beleza, aceito numa boa", pois meu corpo foi puxado com força para baixo.
Soltei um gritinho agudo de surpresa e logo eu encontrava o chão ao seu lado.
Demorei um pouco para dizer qualquer coisa que não fossem palavras incoerentes. Fiquei grata ao perceber que as poucas pessoas que permaneceram por ali, não estavam prestando a mínima atenção em nós dois.
- Idiota! - Murmurei enquanto levava minha mão até minhas costelas que doíam por causa do impacto.
- Só estava revidando. - Bufei irritada. - Agora estamos empatados no zero a zero de novo.
- Eu devia ter imaginado que era bom demais pra ser verdade. - Me sentei e abracei meus joelhos, cansada.
- Se você acha... - murmurou. Eu me limitei a revirar os olhos.
- Preciso de água.
- E eu de um cigarro.
Fiz uma careta e me levantei. Percebi tarde demais que ele me encarava curioso.
- Que foi? - Ele franziu as sobrancelhas.
- É que... - Balancei a cabeça para os lados. - Nada. Esquece.
- Tem certeza que não quer falar? – insistiu.
- Tenho sim. São comentários insignificantes. - Mordi meu lábio inferior. - Vai fumar o tal do seu cigarro. A gente se vê quando o intervalo acabar.
Não esperei por sua resposta quando virei as costas e sai andando diretamente para o meu camarim. O que tinha acabado de acontecer?
Um momento singular de quase paz entre eu e o mala do ? Tudo bem que a gente estava "se batendo", mas não era exatamente proposital. Em outro momento eu conseguiria quase rir pensando nisso tudo. Agora, porém, eu juntava as sobrancelhas e pensava o quão estranho aquilo havia sido.
Acho que nunca abri um sorriso tão grande em ouvir que eu estava liberada para voltar para casa. Fiquei tão feliz em ouvir essa frase meio insignificante que até mesmo abracei a pessoa generosa que a havia dito tal coisa.
Já se passavam das nove horas da noite quando eu finalmente pude me trocar e sentar confortavelmente na cadeira do camarim, respirando fundo. Victoria parecia tão aliviada quanto eu. Ela estava jogada no sofá no canto da sala, balançando os pés para fora do estofado. Parecia desligada do mundo, viajando por uma dimensão alternativa enquanto observava o teto.
- Vicka? – Eu a chamei e atrai seu olhar.
- O que foi, amore? – Dei de ombros.
- Aconteceu alguma coisa? – Ela fez uma careta, como se não quisesse que eu perguntasse sobre isso.
- Nada que já não seja novidade. – Vic estralou a língua no céu da boca e fez um grande bico com os lábios.
- Quer compartilhar? – Andei até seu lado e me sentei no chão de pernas cruzadas. – Tenho alguns minutos até virem me buscar.
Victoria pareceu contrariada a primeiro momento. Entretanto, logo ela já estava sentada da mesma forma que eu ao meu lado, no chão. Quem precisa de sofá quando se tem um tapete macio e gostoso?
- É que eu acho que eu tô gostando de um cara. – Eu sorri maliciosa. – Mas tipo, gostando dele pra valer.
- E o que tem de errado nisso? – Deduzi que meu sorriso de orelha a orelha mostrava minha animação com a novidade.
- Eu não sei se ele gosta de mim do mesmo jeito... – Seu suspiro desanimado levou toda minha animação para o quinto dos infernos. Fiquei triste por ela. – É confuso. Nós agimos como se fossemos melhores amigos, mas nos beijamos quando temos oportunidade. Só que a gente sempre fez isso como quem faz para “curtir o momento”, sabe? Nunca foi nada sério. E agora toda aquela babaquice clichê que acontece nos filmes e livros está acontecendo comigo. Chega a soar ridículo quando eu digo que sinto meu coração acelerar assim que o vejo.
Eu voltei a sorrir igual a uma boba.
- Você tá apaixonada? – Perguntei com a voz fina, como a de uma criança.
- Não! – Ela se apressou em dizer, com os olhos levemente arregalados. – Apaixonada não... Espero não estar tão ferrada assim. Mas eu gosto dele, entende?
- Sim, acho que sim. – Concordei. – Já pensou em perguntar para ele?
Sua gargalhada ecoou pela sala, fazendo meu sorriso desaparecer e eu assumi uma expressão séria enquanto a encarava.
- E dizer o quê? “Ah, antes que eu esqueça, tô gostando de você mais do que como amigo, viu? Agora tchau. A gente se vê!”. Não, . Sem essa. – Victoria revirou os olhos e abaixou sua cabeça. Seus ombros vieram para frente quase que involuntariamente. – Se eu disser algo assim e ele não sentir o mesmo, o cara vai sair correndo! Melhor ficar com o que temos.
- Ah, não! Pode parar com isso. – Balancei a cabeça para os lados de forma exagerada.
- E qual sua ideia brilhante? – Ela ironizou.
- Presta atenção na forma que ele te trata. – Dei de ombros. – Se ele se importa realmente com você... Não sei muito bem como ajudar, nunca fui boa com essas coisas de relacionamento.
- Acho que eu preciso de uma opinião masculina... – Ela grunhiu e jogou a cabeça para trás, antes de começar a murmurar. – Ou me entupir de chocolate. O que vier primeiro. Pensando bem... chocolate é melhor mesmo.
- É isso! – Me levantei de repente, atraindo seu olhar confuso e assustado. – Você está certa, Vicka.
- Então eu devo me entupir de chocolate? – A garota juntou as sobrancelhas.
- Não, você precisa de uma opinião masculina. – Foi minha vez de revirar os olhos. – Eu já volto. – Sai do camarim e comecei a me esgueirar pelo corredor até chegar à sala onde estaria a pessoa que eu procurava.
Comecei a bater insistentemente na porta, de tal forma que as pessoas que passavam, começavam a me encarar de forma estranha, provavelmente achando que eu estava louca.
Quando o barulho da tranca sendo aberta foi feito, eu me afastei. Assim que vi a figura morena na minha frente, não pensei duas vezes antes de pegar em seu pulso e arrasta-lo até onde Victoria estava.
- O que você tá fazendo, sua maluca? – Ele perguntou com testa franzida, correndo ao meu encalço.
- Ajudando uma amiga.
- E eu com isso?
- Só cala a boca e vem! – Continuei o puxando com ainda mais convicção.
Ele murmurou algo que eu não consegui distinguir muito bem, mas aquilo pouco importava realmente. Eu queria mesmo ajudar Victoria, por isso faria tudo que estivesse ao meu alcance para resolver essa tal história. Inclusive apelar para a conselhos de . Se é que ele poderia ajudar nesse tipo de coisa...Tentei me convencer de que aquela não seria uma ideia assim tão ruim enquanto caminhávamos até onde a garota estava.
Abri a porta e empurrei para dentro, fechando-a atrás de mim em seguida, com pressa.
As duas mulheres que viram, nos olharam com desentendimento e surpresa. Infelizmente eu não tinha tempo e nem pique para explicar o que estava acontecendo.
- Agora que me sequestrou, será que dá pra me explicar o que diabos está acontecendo? – Revirei os olhos com o exagero de .
- Então essa é a sua solução para o meu problema? – Vicka me olhou enquanto apontava com desdém para , usando o dedo indicador. – Tem certeza do que está fazendo?
- Credo, como vocês são chatos. – Exclamei sem expressão definida. Olhei para e respirei fundo. – Vic está com problemas com um cara e precisa de uma opinião vinda de um ponto de vista do sexo oposto. E mesmo você não sendo minha primeira escolha, é a personalidade masculina mais próxima. Pensei que você poderia ajuda-la.
Ele me analisou por um momento e depois trocou o peso do corpo de pé.
- Fico honrado em saber que você reconhece minha masculinidade. – Revirei os olhos com a ironia de suas palavras. Apesar de que eu já estava me habituando a elas.
- De qualquer forma, Victoria vai te contar tudo agora. – Comecei a andar até o biombo no fundo do camarim. – Preciso me arrumar. Não saiam daí!
Eu virei as costas e dei dois passos antes de voltar minha atenção para eles de novo.
- Será que Philip vai se importar se eu pegar um vestido daqui emprestado?
- Com certeza. – disse convicto. Vic ao seu lado deu de ombros.
- Não se ele não perceber. – Entortei minha boca numa careta, repensando minha ideia. – Já fiz isso algumas vezes, . Só seja cuidadosa e estará tudo certo.
Assenti e peguei o vestido e o sapato que me interessava, seguindo para o biombo, onde me troquei enquanto a garota recontava tudo que já havia dito para mim, dessa vez para . Descobri que ele era um bom ouvinte, pois em nenhum momento interrompeu-a. Agora eu já estava um pouco mais convencida de que trazê-lo para cá não tinha sido uma ideia assim tão horrível.
Quando terminei de me vestir e me sentei na cadeira de frente para o espelho da penteadeira, pronta para passar um batom e desembaraçar meus cabelos, as duas figuras no sofá da sala fixaram seus olhos em mim, parando a conversa que estavam tendo para me observar. Interrompi meus movimentos, enquanto revezava olhares entre os dois através do espelho.
- Que foi gente? Tá muito feio? – Olhei para minha roupa, conferindo se não estava amassada, desajeitada ou então do avesso antes de olha-los outra vez.
- Não, é que... – Vicka pareceu se interromper. – Você tá muito arrumada só pra voltar pra casa.
Eu sorri sem saber bem o que responder.
- Não vou pra casa, Vic.
- Não? – Ela arqueou a sobrancelha esquerda.
- Não. – disse simplesmente. – Tenho um encontro hoje.
- Encontro? – Foi a vez de me olhar desconfiado.
- Sim, um encontro. – Senti minhas bochechas corarem. Ambos continuavam a me fitar de forma estranha. – Por que parecem tão surpresos?
- Nada. – Ela apressou-se em dizer. – Mas só por curiosidade, com quem vai ser o encontro?
Por alguma razão eu não disse o nome imediatamente. Respirei fundo duas vezes e desviei minha atenção de volta para o batom em minha mão.
- .
- ? ?
- Por que parece tão indignado, ? – Franzi meu cenho, voltando meu olhar para ele enquanto me penteava. – Sim, .
- Você vai sair com um dos meus melhores amigos? – Eu o olhei momentaneamente confusa feat. incomodada com sua reação.
- Até onde eu saiba, sim. Vou. – arqueou as duas sobrancelhas, como se a ideia ainda estivesse sendo absorvida em sua mente.
- Que ótimo amore! – Vicka se mostrava interessada, animada e feliz. – E o que vocês vão fazer?
- Vamos jantar. Não vai ser nada de mais. – Dei de ombros. E não seria mesmo. Ele era meu amigo, e eu pretendia que, a primeiro momento, ele continuasse sendo apenas meu amigo. – Não é como se fossemos um casal.
Um segundo depois de finalizar a frase, me perguntei por que exatamente eu havia dito aquilo.
- Então talvez eu deva desejar um bom encontro a vocês. – falou, porém era perceptível que não era isso realmente que ele queria dizer. Dei de ombros como que não quer nada.
- Bem, obrigada. – Olhei para meu celular. – E agora eu preciso ir, ele já está me esperando. E , espero que ajude Vic. E Vic, só ouça se ele disser algo que realmente preste. Boa noite!
me lançou um último olhar observador e então voltou a encarar Vicka.
- Juízo, garota! – Gritou ela no momento em que pisei para fora da sala.
Eu tinha um encontro, e não podia me atrasar.
A ida até o restaurante havia sido bem rápida. Impossível que acontecesse o contrário quando se está dentro de uma Mercedes. Eu tinha que admitir que o carro de era muito, muito lindo.
A fachada do restaurante era sofisticada e requintada. Fiquei feliz por estar vestida de forma adequada, assim poderia evitar constrangimento tanto para mim quanto para , que, aliás, estava realmente bem vestido e muito bonito também.
Ele me ajudou a descer do carro antes de entregar a chave do mesmo para o manobrista. Seguimos então para a mesa de dois lugares, reservada em seu sobrenome, em um canto distante do restaurante. Presumi que ele tinha pensado em manter a privacidade de nós dois, nos colocando longe de janelas e da porta de entrada.
A iluminação fraca e amena do restaurante francês, com as paredes de cor creme e as cadeiras e mesas em cobre, deixava o ambiente mais aconchegante. A música clássica que tocava de fundo ajudava para que as pessoas que chegassem ali se sentissem espontaneamente relaxadas e leves.
Pouco depois que nos sentamos, um garçom veio nos entregar o cardápio, trazendo consigo uma garrafa de vinho, que preencheu nossas taças no momento seguinte.
- Fique a vontade para pedir o que quiser, . – Ele sorriu e eu assenti. Mas na verdade não estava segura para isso. Eu não conhecia a culinária francesa. Nada além de croissant, Petit gateou, omeletes e baguetes.
- Por que você não pede para mim o mesmo que for pedir pra você? – Sugeri esperando que ele concordasse.
- Todo bem. – Ele riu um pouco e voltou seus olhos para o cardápio.
Beberiquei o vinho enquanto ele escolhia, até que ergueu sua visão em minha direção.
– O que acha de Ostras Mornae?
- Er, melhor não. – Balancei a cabeça para os lados. – A não ser que você queira me ver parecendo um Baiacu.
Apesar de ter rido, não pareceu entender o que eu queria dizer. Na verdade eu acho que ninguém entenderia.
- Tem preconceito contra ostras? – Indagou brincalhão.
- Na verdade eu sou alérgica. – Expliquei. – Alérgica a todos os frutos do mar. Com exceção de alguns peixes. Exceção de quase todos, na verdade.
- Ah, sim. Então vamos esquecer as ostras. – Foi minha vez de rir fraco. – Que tal então Coq au Vin?
Levantei meu cardápio para ler e conferir se eu não correria risco nenhum ingerindo esse prato e descobrir do que exatamente era feito. Coq Au Vin era, na verdade, galo refogado no vinho tinto, servido com legumes, molho, batatas e cogumelos. Achei seguro, portanto concordei com .
Ele levantou o braço, num gesto que fizesse o garçom vir até onde estávamos já com a caderneta em mãos.
- Bonjour Mademoiselle – Se virou para mim, cumprimentando-me. Logo se virou para . –, Monsieur. Já estão prrontos parra pedirr? – Seu sotaque forte e carregado me fez pensar que talvez ele fosse realmente francês. Ou então gostasse muito do emprego que tinha.
- Sim, por favor. – O homem olhou para com atenção. – De entrada vamos querer duas Salade normande. Depois dois Coq au vin como prato principal, e para a sobremesa dois Mille Feuilles.
- Como quiserr, monsieur. – O homem se curvou brevemente e saiu em direção à cozinha.
- Como foram as filmagens hoje? – perguntou numa tentativa de puxar assunto.
- Ah, foram bem demoradas. – Dei de ombros. – Às vezes irritantes. Tivemos que gravar algumas cenas várias vezes.
- Por que tudo isso? – Pela cara que fez, acreditei que ele não havia presenciado um ataque de fúria de Gregory ainda.
Então eu expliquei a ele desde o atraso de , até o cansaço gigantesco que caiu sobre o estúdio completamente depois das oito e trinta da noite. Ele ria, óbvio. Não tinha vivido tudo aquilo, então se divertia com a desgraça alheia. Eu não o culpava por isso. Imaginei que no futuro eu estaria fazendo a mesma coisa.
- Você teve sorte por não ter ido hoje, . – Completei pegando em minha taça.
- Pois é! Consegui perder você batendo em de novo. – Ele fingiu estar realmente chateado. – Nunca vou me perdoar por isso.
- Não estou falando disso! – Ri.
- Mas eu estou, ué. Foi a parte mais interessantes da conversa toda.
Fiquei sem graça e sem ter realmente o que dizer sobre isso, por isso fiquei agradecida guando o garçom de sotaque francês voltou trazendo nossa entrada, que como já dizia o nome, era feita com maças. Diferente, mas muito boa mesmo.
Eu odiava comer com outras pessoas. Meu cuidado para não fazer nada estranho na mesa, de repente dobrava. E era aí que morava o perigo. Não sei bem como acontecia, mas parecia que a comida se recusasse a ficar no prato, e assim, voasse para minha roupa ou então para o chão. E essas não eram os piores possíveis acontecimentos. Então eu rezava e pedia internamente para que nada constrangedor acontecesse essa noite. Pelo menos nessa noite.
- E como vai o novo álbum? – Levantei os olhos para . – Acabei me esquecendo de perguntar.
- Vai bem. – Ele pausou a fala para comer o que estava em seu garfo. – Ed está nos ajudando. Ele é um dos caras mais criativos e talentosos que eu conheço, então tenho esperanças que logo, logo possamos terminar pelo menos de compor as músicas que faltam.
Pausa dramática.
- Ed? Ed Sheeran? – Minha cara de surpresa deve ter sido bem divertida, pois estava segurando o riso. Ele assentiu. – Tá brincando?! Ele é simplesmente incrível!
- Então você é uma fã não assumida do ruivo? – Perguntou.
- Eu não digo que sou fã, mas com certeza admiro o trabalho dele. – Dei de ombros. – Fico impressionada com a forma que ele consegue deixar a música tão sentimental. Não é aquela coisa repetitiva, sabe? Que usa os mesmos aspectos comuns de composições de alguns cantores por aí. É uma história diferente para cada música. E ele tem o dom de me deixar toda melancólica por causa disso.
- É acho que mudei de ideia. – Ele disse e eu franzi o cenho.
- Como assim?
- Você não é uma fã não assumida dele. – Ele pausou, me olhando. – Você é uma fã reprimida.
- Não sou! – Protestei rindo. – Sou fã de poucas pessoas. E tenho até minha banda preferida.
- Qual? – Vi seus olhos iluminarem e um sorriso abrindo em seu rosto.
Coitado. Ele estava se iludindo achando que era a banda dele...
- Fall Out Boy. – O sorriso dele diminuiu. - E eu gosto bastante de Paramore também.
- Ah, sim... – Concordou. – Eu já escutei algumas músicas.
- Sim, eles são muito bons! – Assenti. – Gosto de Olly Murs, aliás. Ah, e eu pago pau para Maroon Five. Adan Levine é o cara, pena que já é casado... – Murmurei essa ultima parte para mim mesma. Não era necessário que ele escutasse e soubesse desse pequeno detalhe.
- Certo, já sei o tipo de música que você gosta. – Ele sorriu e me fitou atentamente. – O que mais posso saber?
- Pode saber tudo o que quiser. – Dei de ombros, envergonhada por algum motivo desconhecido.
- O que você costuma fazer quando está com tédio? – Questionou. Achei uma pergunta bastante boba, mas não disse isso a ele.
- Eu costumo ler muito. – Disse. – Sempre tive muita influência de leitura em casa, portanto tenho uma grande prateleira de livros no meu quarto. Poderia dizer que é a minha parte preferida do ambiente todo.
- Que tipo de livros?
- Todos os tipos. – Respondi rapidamente. – Não tenho o mínimo preconceito com gêneros. Leio de tudo e mais um pouco.
O prato principal chegou no momento seguinte, interrompendo nossa conversa por alguns segundos. contou que gostava de fazer exercícios físicos. Geralmente era isso que ele fazia nos momentos livres que tinha.
Contou-me também como era sua vida antes da fama. De como ele vivia em Liverpool com seus pais e suas irmãs, de um jeito simples, nunca imaginando que fosse ter tudo o que tinha hoje, nem que sequer fosse ter metade das oportunidades que lhe foram oferecidas até então. Além disso, falou como nunca teve dúvidas do que queria ser. Do apoio que recebeu da família quando descobriram isso, e de como se empenhou e persistiu para que finalmente chegasse onde queria.
Nós nos prendemos tanto na conversa que mal percebemos que já estávamos comendo a sobremesa, que devo acrescentar, estava simplesmente deliciosa. O tempo estava passando rápido demais, o que era uma pena. O jantar estava excelente.
- Você não cansa de viajar? – Perguntei curiosa, já que agora falávamos sobre nosso dia a dia, e o dele, com certeza mais interessante que o meu, era repleto de idas e vindas para diferentes continentes. – A cada três dias ter que entrar de novo no avião e se preparar para outro lugar totalmente entranho?
- Acho que não. – Ele riu e fez uma careta, como se repensasse a resposta. – Ok, talvez um pouco. Mas eu gosto. Tem sempre algo de bom para fazer em cada lugar que visitamos.
- Viajar ao redor do mundo. – Falei. – Sonho de muitos, realização de poucos.
- Acho que eu tenho um pouco de sorte. – Riu e eu o acompanhei.
- Muita sorte, com certeza. – O corrigi e ele revirou os olhos.
Acabamos a sobremesa e imediatamente vieram recolher nossos pratos.
Ainda ficamos conversando e rindo durante mais um tempo, enrolando para ir embora. Mas isso também não demorou a acontecer. Levantamo-nos e foi pagar a conta. O garçom que havia nos recebido, agora voltava com um sorriso singelo no rosto, e se posicionava em minha frente:
- Esperro que o jantarr tenha sido de seu agrrado, Mademoiselle.
- Oui, le dîner était parfait.¹ – Usei meu melhor francês para respondê-lo.
- Vous parlez français, Mademoiselle? – Ele parecia um tanto surpreso e por isso senti minhas bochechas ficarem vermelhas.
- Un peu, Monsieur. – Respondi esperando que a conversa se encerrasse ali. Eu não conseguiria lembrar de muitas outras frases em francês e provavelmente não conseguiria as entender também.
O garçom sorriu educadamente, mas pareceu desapontado.
se juntou a nós, e vinha me olhando de um jeito engraçado. Eu apostava que ele tinha ouvido minha conversa com o garçom.
- Vamos, ? – Estendeu o braço, para que eu pudesse passar minha mão pela parte interna de seu cotovelo.
- Claro.
- Nós ficamos muito grratos porr terrem escolhido nosso restaurrante. – O garçom se inclinou. – Voltem semprre.
Enquanto dirigíamos de volta para casa, era a música que preenchia o ambiente.
a cantarolava baixinho, e eu tinha que admitir que escuta-lo cantar pessoalmente, era quase uma honra. Sua voz era tão melodiosa que poderia trazer paz para o lugar imediatamente.
- Desde quando você fala francês? - Ele perguntou, tirando-me de meus próprios devaneios, sem tirar os olhos da rua, mas com um sorriso brincando em seus lábios.
Percebi que eu o fitava descaradamente. Decidi então que ela não precisava ver minha expressão constrangida, e me virei para frente no banco.
- Tive algumas aulas quando era mais nova, por causa de uma peça da escola. - Dei de ombros.
- Por um instante achei que fosse fluente. - Comentou.
- Não! - Me interrompi com um sorriso. - Quem me dera fosse. Não sei muita coisa, só o básico do básico.
- Já é muita coisa, acredite. - Ele riu, e sua risada me contagiou a fazer o mesmo.
Mais alguns minutos em silêncio e parava na porta do prédio onde eu agora vivia. Ele apagou os faróis e desligou o carro, virando seu rosto em minha direção, esperando pela despedida.
- Obrigada pelo jantar, . - Agradeci com um sorriso sem mostrar os dentes.
- Não tem que agradecer, . - Deu de ombros imitando o mesmo sorriso que eu.
- Claro que tem! - O contrariei, juntando as sobrancelhas levemente. - Era um restaurante caro, não precisava daquilo. Eu teria ficado feliz se tivéssemos ido à padaria.
Ele gargalhou.
- Claro que precisava! - Seu sorriso se alargou um pouco mais. - E você está fazendo desfeita.
- Nada disso. - Neguei, procurando um melhor jeito de me explicar sem dar entendimentos errados. - Só estou dizendo que você está se importando demais.
- Mas não tem como eu não me importar com você, . - Senti minhas bochechas corarem e agradeci mentalmente pela única iluminação ser a dos postes da rua, assim ele não presenciaria meu rosto vermelho.
Eu não sabia responder àquele tipo de frase. Simplesmente senti minha boca secar gradualmente até estar totalmente drenada. Definitivamente eu não estava devidamente preparada para escutar algo do gênero.
Por isso, em um gesto quase automático, me inclinei para frente e beijei seu rosto, voltando, logo em seguida, para a minha antiga posição.
- Obrigada de novo. - Sorri mais uma vez antes de abrir a porta e descer do veículo. - Boa noite, .
Eu não consegui ficar lá parada esperando sua próxima fala substituir sua expressão de surpresa, por isso fui direto para o portão da portaria, com um sorriso largo em minha face, que eu acreditava poder ser visto mesmo assim de costas.
Ouvi a porta do carro bater e parei repentinamente quando o escutei me chamar:
- Hey, , espera! – Me virei de costas para o portão e o assisti vir em minha direção.
Juntei as sobrancelhas e me perguntei se eu havia esquecido alguma coisa no carro.
- O que aconteceu? – Questionei subitamente enquanto o encarava. – Esqueci alguma coisa? – Olhei para suas mãos, mas nada encontrei nelas.
- Você não, mas eu sim. – me respondeu, com a respiração um tanto acelerada.
- Como assim? – Foi pergunta brilhante que eu o fiz ainda sem entender o rumo daquela conversa. Porém, quando ele se moveu mais um passo e parou a poucos centímetros de mim, encaixei cada peça daquele quebra cabeça.
Sua boca se encostou à minha com um simples e suave tocar de lábios. Sua mão se prendeu na minha nuca, e quando ele afastou seu rosto do meu, não deixou que eu me distanciasse. Observou cada detalhe da minha face, provavelmente procurando alguma coisa que o impedisse de fazer aquilo. Pensei que, na cabeça dele, eu provavelmente sairia correndo no instante seguinte. Por isso, decidi que eu deveria mostrar que isso não aconteceria, e então repeti seu gesto e o beijei logo depois.
Seu outro braço passou ao redor da minha cintura, colando nossos corpos e acabando com o espaço entre eles, assim que sua língua tocou meu lábio inferior. Nossas bocas se moviam em um ritmo constante e calmo. Minha mão tocou seu rosto sem quebrar o contato, enquanto a outra segurava firme no blazer que ele vestia.
Senti minhas pernas bambas, e fiquei com medo se, caso ele decidisse me soltar, eu cair no chão igual uma boba. Felizmente, quando nos separamos, isso não aconteceu. Ele sorriu para mim, e eu soltei um suspiro antes de sorrir para ele em resposta. Eu não sabia o que dizer, esperava que minha simples reação já fosse o suficiente.
Ele abaixou os olhos para os pés, e deu um passo para trás.
- Acho... Acho que agora sim posso dizer boa noite. – Ele dirigiu mais um de seus sorrisos brilhantes para mim, e eu, totalmente derretida, não consegui fazer nada que não fosse sorrir e concordar, tendo certeza de estar toda corada.
Murmurei um “boa noite” bem baixinho e passei pela portaria, vendo ele seguir de volta para o carro e ir embora um tempo depois.
Segui para meu apartamento sentindo-me leve como uma pena. Um sentimento que há muito eu não lembrava como era.
No dia seguinte, antes mesmo das gravações começarem, Vic já havia me arrastado para um canto onde eu poderia lhe contar todos os detalhes da noite passada.
Porém, antes de qualquer coisa a fiz me dizer qual conselho esplendido havia dado a ela. Foi quando Vicka me contou que ele apenas dissera que os caras podiam ser tão confusos quanto as garotas, por isso, dar indiretas não adiantaria. Dar dicas sutis também não adiantaria. Por fim, ela havia entendido que teria de ser direta e conversar sobre o que estava sentindo.
Ela não parecia feliz com isso, mas tivera aceitado a ideia.
E sem que nós sequer percebêssemos, estava atrás de nós duas escutando a conversa, alegando ter ouvido seu nome e ter ficado curioso em relação a isso. Dei de ombros. A presença dele ali não faria com que parássemos de conversar.
Em seguida comecei a falar como tinha sido meu jantar com . Contei tudo por cima, sem detalhar e dizer mais que o necessário, recebendo reações divergentes das duas pessoas que participavam da conversa.
Enquanto Victoria se interessava completamente, revirava os olhos e parecia um tanto alheio a maior parte do que dizíamos.
Deixei de fora da história o beijo. Pensei que seria melhor guardar aquilo para eu mesma. Não teria sentido dizer para eles. Pelo menos não agora.
Quando o diretor apareceu, de bom humor (graças a Deus), fomos direto para em frente às câmeras começar o trabalho.
Mas quando não era um, era o outro.
Por algum motivo, estava mal humorado e não falava nada mais que monossílabos para quem se dirigia a ele. E, para completar, seu sarcasmo havia duplicado.
Vic e eu decidimos que era melhor não mexer com ele. Estávamos em um dia de completo "paz e amor". Brigas não faziam parte do roteiro de hoje.
De qualquer forma, quando as filmagens acabaram horas mais tarde, depois de muito empenho e trabalho duro, fomos dispensados para casa.
Mais gravações apenas na semana seguinte. Amém.
parecia mais relaxado depois do término do trabalho. A notícia devia ter lhe feito bem, tanto que agora conversava animadamente com Vicka sobre algo que definitivamente não me interessava.
Peguei minha garrafa de água, já quase no fim, e terminei de bebê-la.
Busquei então meus pertences e me preparei para seguir até o camarim.
- Preciso falar com vocês antes de irem embora! – Sr. Colleman correu para próximo de nós, então eu me juntei a Vic e .
- Estamos ouvindo. – Disse Victoria, e nós prendemos a atenção nele.
- Bom, meus atores favoritos - Gregory distribuiu os roteiros com o script na rodinha onde estávamos. -, espero que leiam com atenção e já comecem a criar a cena na cabecinha desligada de vocês, certo? Entreguem para também, por favor.
Eu estendi a mão quando ele deu o agrupo de papéis. Começando a folheá-lo, já arregalei um pouco os olhos com apenas a leitura do título. Ah, não...
- Quero deixar registrado que após esse episódio, todos podem começar a se preparar para a grande coletiva de imprensa sobre a première, certo? Vamos promover o lançamento da nova temporada assim que a gravação do próximo capítulo estiver pronta. - Senti minha garganta secar. - E quero acrescentar que os trailers de lançamento, em partes, já estão prontos. Quando estiverem na première, eles já terão sido apresentados para o público. Acho que deram um bom resultado até agora. Vamos descobrir em breve o que as pessoas acham.
- Hm, senhor Colleman, eu queria perguntar...
- É sobre o roteiro?
- Sim.
- Senhorita , qualquer observação sobre o capítulo deve ser feita depois de amanhã na leitura interpretativa com todo o elenco.
- Tudo bem, mas...
- Nada de "mas”, . - Interrompeu o diretor, já colocando ênfase nas palavras. - Qualquer objeção deve ser dita apenas depois de amanhã no Table Read². Você, assim como todos os outros, sabem como isso funciona.
- Mas eu não posso simplesmente agarrar o ! - Todos os olhares se viraram para mim. - Quer dizer, o Ian! Ah tanto faz, vocês entenderam. Mas a questão é que eu não vou conseguir fazer isso! - Minha voz subiu algumas oitavas.
Victoria explodiu em uma gargalhada e coçou a nuca, desconfortável.
- Eu não usaria bem essas palavras... - Gregory olhou contrariado. - Mas vamos resolver isso depois de amanhã, sim? Essa deve ser a terceira vez que eu repito isso. - Ele balançou a cabeça algumas vezes. - De qualquer forma, vou deixar vocês conversarem. Tenho algumas outras coisas para resolver aqui. Até mais, jovens.
Sr. Colleman nos deixou rapidamente, cantarolando alguma música de forma desafinada, mas pouco se importando com isso.
Permaneci parada no mesmo lugar, terminando de folhear as páginas, tendo esperança de que as coisas fossem melhorar. Mas claro que a Lei de Murphy é real, e a tendência era acontecer o contrário.
Victoria pareceu notar a perplexidade em meu rosto, por isso enquanto intercalava olhares entre meu desentendimento e a confusão de , abriu um sorrisinho presunçoso para nós dois.
- Acho melhor deixar vocês aqui. - Ela soltou um riso fraco. - Aposto que precisam conversar sobre as páginas dez, onze, doze...
- Treze. - Murmurou .
- Isso, esqueci de uma. - Levantei os olhos apenas o suficiente para passar a mensagem de "cale a boca". - Vejo vocês por aí! Só tentem não se matar, é o que eu digo.
A garota de cabelos curtos saiu mais rápido do que eu pude perceber e impedir.
- Victoria! - Eu exclamei, mas ela já estava longe.
Me virei para com uma irritação visível. Esperava vê-lo com alguma expressão próxima a minha, mas tudo que tomava seu rosto era um sorriso sarcástico e um riso seco e baixo soando fraco.
- Sério que você não vai dizer nada, ? Vai deixar com que eu pareça a garota insatisfeita que vai ficar arrumando problema a cada parágrafo dessa droga de script?! - Ralhei ao seu lado, gesticulando com os papéis em minha mão esquerda. - Pare de ficar me olhando estranho! Sei que você está tão desconfortável com isso quanto eu! Então por favor, diga que no read trough² você vai me ajudar a mudar isso!
- Somos todos profissionais aqui. - Falou após passar a mão por seus cabelos, transmitindo uma calma estressante. Como se aquilo não fosse nada de mais. - Tenho certeza que vamos dar um jeito.
- Dar um jeito? Isso é tudo que você tem a dizer? - Eu poderia rasgar aqueles papéis em sua cabeça. - Por que você tem que sempre agir assim para me provocar? Por que não pode por uma só vez me dizer algo no mínimo tranquilizante? Eu não sei como fazer isso!
Cinco segundo se passaram. Seu sorriso se alargou em malícia assim que deu dois passos em minha direção com um olhar penetrante e observador.
- Não se preocupe, Ruivinha. - Deu de ombros, com a voz rouca e baixa para apenas eu escutar. - Vou fazer isso ser bom para você.
Eu queria não ter ficado afetada por aquela frase do jeito que fiquei. Mas de novo, deu um jeito de me deixar sem palavras de uma forma nada boa enquanto seguia com seu sorriso arrogante para longe de mim.
¹ Tradução do diálogo: “- O jantar estava perfeito.
- Você fala francês, senhorita?
- Um pouco, senhor.”
² Table Read/ Read trough: São nomes dados para o dia de Leitura Interpretativa do roteiro, feitas algum tempo antes das gravações. Esse dia serve para que os roteiristas e diretores deem assistência e dicas para como querem que os atores façam nas filmagens. Sempre trabalhando em conjunto tentando chegar a um acordo mútuo.
Capítulo 11 - “If you don’t swin, you drawn
But don’t move, honey”
's POV
Sentar ao redor daquela mesa estava me deixando mais nervosa que minha audição para conseguir o papel de Kate, várias semanas antes em Brighton.
O que era bem esquisito, logo que sempre que tínhamos a leitura interpretativa, dávamos um jeito de brincar com tudo, fazer piadas e rir por qualquer motivo, mesmo que fosse pelo mais sem graça existente.
Dessa vez, porém, a sala parecia carregada de um ar tencionado. Faíscas rondavam cada canto do ambiente, dando a impressão de que uma corrente elétrica estava se acumulando ao nosso redor, e a qualquer momento, alguém poderia levar um choque caso fizesse algo errado.
A única coisa na qual eu conseguia pensar era que isso não daria em boa coisa.
Victoria estava sentada ao meu lado e batia ritmicamente e impaciente a ponta das unhas vermelhas sobre o roteiro posto em sua frente. Ela passeava os olhares entre , e eu, sem se importar se aquilo estava óbvio ou não.
Os garotos estavam sentados a nossa frente. Ambos com a expressão indefinida, como se estivessem com a cabeça no mundo da lua, ou pensando na morte da bezerra. Batiam a caneta de forma despreocupada em cima da mesa, totalmente alheios às conversas dos outros presentes. Em outras palavras, eles não pareciam muito felizes em estar ali.
Os roteiristas e o diretor dialogavam sem dar pausa. Pareciam empolgados, e junto com alguns outros produtores, criavam cada parte do episódio com detalhes minuciosos, já provavelmente organizando cada segundo das gravações em suas próprias mentes.
Quando se dirigiam a mim, eu apenas concordava com acenos de cabeça e fazia uma anotação qualquer sobre o plano em meu script. Uma missão bastante difícil, se levar em conta que eu não conseguia me concentrar na leitura do texto. Eu acabava me perdendo entre um parágrafo e outro, voltando a pensar na única parte que realmente me importava. A única que me preocupava. A única que eu gostaria de conversar sobre.
- Que tal falarmos sobre o flashback então? Temos que tomar algumas decisões sobre isso, certo? - A roteirista, qual eu não lembrava o nome, perguntou com animação forçada, percebendo o não interesse dos atores no que era discutido ali.
Aquela frase foi o suficiente para despertar minha atenção. Larguei a caneta que eu segurava e me ajeita na cadeira com olhar atento a ela. Percebi que meu movimento impaciente no acento chamou muito a atenção, consequentemente atraindo todos os olhares para cima da mim. Decidi que era melhor eu falar alguma coisa antes de qualquer outra pessoa:
- Eu achei essa parte meio sem graça. Podíamos tirá-la e substitui-la por algo mais interessante. - Opinei com uma expressão neutra, torcendo para que acreditassem no meu desinteresse ensaiado.
- Pelo contrário, senhorita ! - Senti que a roteirista, a mesma que já havia se pronunciado antes, parecia ofendida. - Tenho certeza que todos que assistem a série vão adorar!
Mas é claro que vão, pensei ironicamente. Eu jogaria verde e diria que a mulher só dizia isso porque havia sido ela quem escrevera as últimas partes do script. Com certeza ela faria de tudo para que o final não fosse alterado. E eu, ao contrário dela, faria de tudo para que ele fosse totalmente reescrito.
Notei que ela me lançava um olhar meio intimidador, como se quisesse que eu mudasse de ideia.
Isso definitivamente não era legal.
- Eu concordo com Abby. - Gregory levantou a mão, indicando a mulher. Então era esse o nome dela, conclui. - Vai ser uma cena interessante de gravar e dirigir. Aposto que os telespectadores vão adorar um pouco de romance. Vai sair da mesmice de sempre dos personagens, fora que vai deixar os fãs ainda mais interessados em assistir a série.
- Ok, pode ser, mas não precisa de tudo isso. - Me referi, gesticulando, outra vez para o roteiro. Uma amenizada na escrita pra mim já bastava.
Percebi que manter a pose despreocupada não estava funcionando nem um pouco, uma vez que algumas pessoas na mesa soltavam risos fracos e controlados. Revirei os olhos e soltei o ar pesadamente pelo nariz. Dane-se.
- É só uma interpretação, quanto mimimi. – Alguém reclamou do outro lado da mesa.
- Não me sinto confortável. – Respondi.
- Não gosta da ideia de arrancar as roupas do ? – Victoria riu, se divertindo com minha vergonha. Me encolhi na cadeira.
- O quê? Isso não está escrito aqui! - Disse apontando para os papéis, se pronunciando pela primeira vez desde que começamos o trabalho.
- Não fique tão surpreso, é só ler nas entrelinhas. - A minha amiga retrucou como se aquilo fosse a coisa mais normal do mundo, e eu a olhei incrédula simultaneamente quando arregalou os olhos.
- Que mentira! – Protestei.
- Ah, vocês vão se agarrar, eu sei, mas fica mais emocionante pensar desse jeito. – Ela reclamou. – Bem mais legal e divertido do que dar só uns beijinhos.
- Mas ninguém perguntou se eu queria beijar ele. - Disse e cruzei os braços na altura do peito.
- Viu? Ela não vai beijar ninguém não! - Retrucou .
- E por acaso você é dono da boca dela? - Rebateu Vicka.
Eu queria desaparecer. Arregalei os olhos em descrença e levei minha mão direita até minha cabeça.
Ela não disse isso. Tentei convencer a mim mesma, repetindo a mesma frase vezes seguidas, de que aquilo não se passava da minha imaginação fértil. Eu estava enganada, claro que estava.
Todos viraram o olhar surpreso para ela, e eu senti vergonha (mais do que antes) do que estava acontecendo, totalmente constrangida. Ela estava provocando! Havia feito isso de propósito porque sabia do meu encontro com alguns dias antes. Ela queria ver como tudo aquilo ia desenrolar.
Pena que era só ela que queria isso!
- Você não está ajudando! - Grunhi apoiando os cotovelos sobre a mesa e segurando minha cabeça. Liam olhava sério e concentrado para os seus papéis.
- Talvez pudéssemos fazer algumas mudanças.
Olhei para , agradecida. Primeira vez na vida que eu me sentia assim por algo que ele havia dito. Comecei a acreditar que as coisas iam dar certo de agora em diante.
- Ótima sugestão! - Disse a tal Abby.
Quase soltei um suspiro de alívio, imaginando que tivessem decidido ouvir minha opinião e modificar algumas coisa, como por exemplo, tudo. Ou só a parte em que tirávamos as camisetas um do outro. Por isso, olhei atenta para o homem que falava:
- Na verdade eu estava pensando em um pouco mais de ação! Por que ela não rasga a camisa dele? Seria mais impressionante. - Disse o roteirista número dois que eu não fazia questão de saber o nome. Não depois disso. - Talvez possamos falar com os figurinistas para eles deixarem as costuras mais frágeis nas roupas do para tornar isso mais fácil.
Ah, não... Nem pensar!
Não, no, not, niet, never, nunca, nem ferrando!
- Não mesmo! - Me ouvi dizendo mais alto e agudo do que eu planejava.
Victoria gargalhou.
- Não eram essas as mudanças que eu pretendia propor. - murmurou e mudou sua posição na cadeira.
Um burburinho de conversas paralelas surgiu e eu fechei os olhos com força, contando mentalmente até dez.
- Por que os personagens não podem simplesmente se beijar? - Sugeri com uma expressão sofrida. Eu não queria fazer aquilo! Por que as pessoas fingiam não perceber tal coisa?
Todos me olharam sérios e depois começaram a rir, como se aquilo tivesse sido uma piada, uma piada bastante engraçada, por sinal. Abaixei a cabeça sobre meus braços na mesa e choraminguei quando voltaram a suas devidas conversas.
Meu estômago até mesmo revirava em saber que caso não dessem ouvidos as minhas palavras, eu teria que, infelizmente, arrancar as roupas de , e além disso, fingir que era algo bom e excitante. Ah, qual é? Por que raios quiseram escrever isso aqui? Desgraça!
E como se não fosse o suficiente eu teria que aparecer de sutiã por alguns segundos (eu esperava que fossem só segundos). Fiz uma grande careta quando minha consciência repassou cada parágrafo do texto, formando a cena em minha cabeça. Eu não estava feliz com aquilo.
- Não tem que se sentir insegura com essa gravação, querida. - A mulher ao lado de Abby disse.
- Isso mesmo! - Aprovou Gregory. - Vocês vão poder ensaiar até se sentirem confortáveis.
Ah, vai se lascar! Eu nunca me sentiria confortável insinuando uma cena de "quase sexo" com o cara que não conseguia trocar meia dúzia de palavras sem me insultar. Corrigindo, eu não me sentiria confortável insinuando uma cena dessa com ninguém!
- E como vocês sugerem que eu faça isso? Por acaso existe esse tipo de ensaio? - Bati com o roteiro na mesa, a ponto de perder a paciência.
Cometi o erro de virar o rosto para Vicka, que me dirigiu um sorriso bastante malicioso, respondendo minha pergunta retórica. Eu queria que ela participasse menos daquela conversa, porque ultimamente, tudo que ela falava ou fazia, além de não ajudar em absolutamente nada e me constranger, também não prestava.
- Vocês podiam fazer isso juntos. - Estreitei meus olhos em sua direção. - Sabe, tentarem uma aproximação maior, essas coisas. Só pra não se estranharem tanto.
gargalhou, como se aquilo o divertisse. Pisquei relutante. Eu ouvi o que acabei de ouvir?
- Tá de brincadeira?! - Praticamente gritei, porém poucos colocaram atenção nisso. – Você está delirando, Victoria!
Ela me ignorou totalmente e deu de ombros.
- Pode ser uma boa ideia.
- Uma boa ideia?! Ficou maluca?
- Calma, , foi só uma hipótese!
- O quê? - Meus olhos de arregalaram na direção de Gregory, a procura de ajuda ou qualquer intervenção. - Isso esta fora de cogitação.
- Só estamos procurando uma solução para seu problema, senhorita . - O diretor retrucou e eu não pude conter o olhar de indignação que se formou em minha face.
- Meu problema? - Tive certeza que minha voz saiu como um choramingo reprimido.
Ele tinha um semblante controlado, mas parecia ter uma pontada de decepção, como se não esperasse essa reação minha com algo relacionado ao meu trabalho.
- É o que parece. Cada solução dada ou comentário feito para tentar ajudar, só piora sua expressão ou o modo como age. - Explicou com a voz dura e eu encolhi os ombros. Será que eu estava fazendo uma tempestade num copo d'água? - Fico me perguntando se vamos ou não conseguir chegar a um acordo, ou se você vai continuar recusando quaisquer propostas feitas. Porque não podemos sair daqui com um impasse.
Franzi o cenho, logo formando uma expressão contorcida, me encolhendo na cadeira, mais uma vez, enquanto os olhares de todas as pessoas se fixavam em mim de novo, em expectativa. Parecia meio irônico, mas eu não gostava de toda a atenção daquela sala concentrada em mim.
Soltei um suspiro de derrota. Eu não acharia qualquer desculpa convincente o suficiente que os fizesse mudar de ideia. Dessa vez, me vi numa rua sem saída. Eu não teria escolha.
- Tudo bem. - Murmurei.
- Tudo bem? - Eu jurava ver Vic quase tão incrédula quanto .
- É. Vou tentar fazer a cena. - Dei de ombros. – Não tenho um leque grande de opções.
Do que adiantaria eu continuar negando, se eles continuariam a insistir?
Impasse não era uma opção, Gregory havia deixado isso bem claro há alguns instantes. Parecia mais fácil aceitar de uma vez e me preparar psicologicamente para o que fosse acontecer dentro dos próximos dias a agir feito uma chata mimada que quer tudo do jeito dela.
E era essa a minha decisão. Eu tentaria.
Por alguma razão desconhecida para mim, todos pareceram perplexos, principalmente . Ao invés de estar rindo, como eu previa, ele me encarava sério com um sorriso de escárnio.
Respirei fundo e decidi que olhar para ele não era a melhor opção agora.
Todos me fitavam com expressões descrentes e eu via a dúvida de forma evidente no olhar de cada um. Evitei olhar para quem eu não conhecia, mas ainda assim era mais reconfortante do que por minha atenção em Vic, ou .
Eu não entendia aquelas pessoas. Tentam quase praticamente me obrigar a algo, e quando eu decido que é melhor mesmo eu fazer aquilo, elas me olham como se eu fosse um E.T. e tivessem acabado de fazer a maior descoberta do século.
Finalmente, quando perceberam meu desconforto, pelo que pareceu ser uma década depois, o diretor e os roteiristas voltaram a seu diálogo inicial, ignorando a tensão formada nos minutos anteriores, e agindo como se tudo tivesse voltado ao normal e agora pudessem seguir com o trabalho deles, já que o problema havia sido solucionado.
Quando a reunião acabou, decidi que já tinha anotações suficientes para estudar até a gravação, além de ter que me esforçar para colocar a vergonha e timidez de lado, e aturar várias pessoas na minha cabeça me falando o que fazer. Eu não tinha nenhum motivo que me fizesse querer ficar ali por sequer mais um minuto. Me levantei com pressa e olhei para aqueles que ainda permaneciam na sala, me estudando com o olhar de forma minuciosa.
Foi aí que tive certeza que essa discussão não teria acabado por aqui.
- Oi? Você vai gravar uma cena agarrando o e não ia me contar? - disse com a voz alterada. - Que tipo de amiga você é?
- O tipo de amiga que está praticamente enlouquecendo com essa história! - Aumentei o tom de voz tomando cuidado para não gritar. Eu ainda estava no estúdio, recolhendo minhas coisas. A leitura interpretativa havia acabado já há alguns minutos, e não consegui esperar até chegar em casa para falar com minha melhor amiga – , você sabe que isso vai ser constrangedor!
Eu estava no meu limite. Já bastava o fato de ter escutado Vicka me encher a paciência até eu entrar e fechar a porta do camarim em sua cara, e ainda ter conversado com , que, por incrível que pareça, conseguiu me deixar totalmente desconfortável com o mínimo de palavras possíveis, agora tinha que suportar a quase histeria da minha amiga que nem sequer estava na mesma cidade que eu.
Ótimo! Obrigada mais uma vez, Lei de Murphy, por mostrar o quão ferrada uma pessoa pode ficar em menos de vinte e quatro horas.
- Ah, por favor, ! - Ela devia estar tomando cuidado com as palavras, porque a uma altura dessas, ela já teria me apelidado de vários nomes feios e dito isso em alto e bom som. - Vai dizer que não sabe fazer isso?
Choraminguei do outro lado da linha.
- Não é tão simples assim...
- Claro que é! Vocês nem ao menos vão se beijar de língua! - Ralhou me interrompendo. - Quantas vezes você não me falou sobre a existência do beijo técnico? Olha, eu consigo até mesmo ouvir você me falando isso de novo agora!
- Aquilo foi na peça do último ano do colégio!
- E daí? Você beijou o cara do mesmo jeito, e, cá entre nós, parecia bastante verdadeiro!
- ! - Disse eu constrangida.
- Que foi? Queria que eu dissesse que tinha sido muito mal feito? - Indagou com ironia. - Desculpa, mas seria mentira. E quer saber mais? Aposto que você vai conseguir se superar ainda mais nessa palhaçada toda.
- Hein?
- Tô dizendo que você é boa no que faz, . – Ouvi o seu suspiro, e imaginei que ela estava prestes a fazer um discurso. - Não vão ser essas inseguranças bobas que não vão permitir que você atue. Caramba, eu te conheço melhor que muita gente! Sei que seu perfeccionismo vai superar esse seu medo de fazer as coisas erradas, e vai impressionar até a si mesma! Quem disse que você tinha que começar esse trabalho já sabendo tudo? Pronta para encarar qualquer coisa? Já estava mais do que na hora de começar os desafios, mesmo que seja com coisas simples, como essa da qual você tanto reclama. Esse tipo de roteiro é o tipo de inovação que você precisava. Sério, se você já sabe usar uma arma e ainda por cima lutar, isso aí não vai ser nada. – Ela fez uma pausa e me advertiu. - Só não vá ficar muito envergonhada quando ele tirar sua blusa, senão é obvio que terá que regravar outras vezes tudo de novo até tirar a expressão de “gato assustado” da sua cara, e sei que não é isso que você quer. Mas poxa, já parou pra pensar em quantos atores e atrizes já tiveram que fazer coisas piores que essa? Você tá no lucro, baby. E olha pelo lado bom, pelo menos o é um cara bonito. Pode não ser lá muito simpático, mas é bonito! Se ele fosse um cara esquisito, cheio de acne no rosto, com o cabelo oleoso, eu até entenderia seus motivos, mas como esse não é o caso e as circunstancias são diferentes, acho que você não tem outra opção a não ser dar uma chance a você mesma e fazer.
Alguém bateu na porta nesse exato momento e eu gritei algo parecido com "estou ocupada", esperando que quem quer que fosse me deixassem em paz naquele instante.
Eu estava tão aérea que nem parei para pensar que eu estava sendo rude com a pessoa.
- , eu só não sei... É difícil de explicar. Você sabe que eu sempre tive vergonha de beijar meus namorados até mesmo na sua frente. Agora imagina eu dando um beijo muito quente no cara que eu apenas suporto por motivos de trabalho, e ainda ter que gravar isso para mostrar para quem quiser ver!? É praticamente ridículo! - Minha voz soava quase desesperada.
Desesperada pelo entendimento de alguém. Entretanto, a capacidade que possuía de gargalhar até nós momentos mais importunos era impressionante.
- Sua frescurenta! Que coisa mais sem sentido, . É só um beijo técnico, com algumas coisinhas a mais. Não é como se vocês estivessem fazendo outras coisas de verdade. - Muito reconfortante, só que não. - Vai me dizer que você achava que nunca na sua carreira fosse fazer uma cena mais adulta? Para de besteira e aceite os fatos, menina. Você vai conseguir, garanto que vai.
- Seria mais fácil se você estivesse aqui... - Murmurei para o telefone, torcendo para que ela entendesse a indireta direta e que a resposta dela fosse positiva.
- , como pode dizer algo assim? - Eu a ouvi suspirar. - Nunca precisou de mim antes para conseguir fazer algo, e não importa a distância, vou estar te apoiando, acredite.
Foi a minha vez de suspirar.
- Por favor, ! Só por um dia... - Geralmente fazer birra, ou insistir, funcionava com a minha amiga. Mas por alguma razão eu pensei que dessa vez não fosse funcionar da forma que eu queria.
- ...
- Eu preciso de você, !
- Olha, amiga... Eu sei que sua adaptação com essa nova vida não deve estar sendo fácil, mas você precisa aprender a lidar com a pressão. E eu sei que você consegue! Não tem porquê ter medo, ok? Você sabe lidar com suas emoções melhor que ninguém. E você sabe também que eu vou fazer o possível para estar ao seu lado em todos os momentos, como foi desde que nós nos entendemos por gente, da mesma maneira que você vem fazendo por mim desde sempre. E eu repito: Estarei ao seu lado sempre. Talvez mais vezes no sentido figurativo do que no real, mas por mais que eu queria, não posso simplesmente largar tudo aqui e ir para Londres a qualquer momento, entende? E comigo aí ou aqui, sei que você vai fazer melhor que a encomenda. - Ela soltou um riso fraco. - E dai se você tiver que gravar a cena mais de uma vez? Nem tudo sai bom logo de cara, e é melhor que dessa vez fique extraordinário! Imagine a cara de todos, com o queixo caído, vendo você atuar?! Gregory vai ficar orgulhoso por ter te contratado como atriz. E se isso não acontecesse agora, aconteceria depois. Você sabe disse, não sabe? Sabe que uma hora ou outra teria que fazer isso, certo? A principal intenção para te contratarem era ter um par para o personagem do , . Foi óbvio desde o começo que vocês iriam se beijar, e agora chegou a hora.
Não respondi de imediato. Na verdade segurei meu lábio inferior entre os dentes para garantir não dizer nenhum absurdo enquanto escolhia as palavras com atenção. Soltei o ar, nem um pouco feliz. Eu sabia tudo aquilo. Sobre a minha situação e a de , eu só esperava que aquilo tudo fosse um pouco mais adiado. E sobre eu e , eu só queria que ela pudesse estar mais vezes aqui comigo. Ela era a voz da razão que eu precisava ouvir todos os dias para ter certeza de que não estava enlouquecendo, ou então fazendo coisas erradas!
Apesar de não ter contado a ela até hoje sobre o meu beijo com , nós não tínhamos segredos. Ela era uma das pessoas mais importantes na minha vida, e abrir mão da sua presença e companhia, estava sendo muito difícil.
Ouvi outras batidas na porta e revirei os olhos. Decidi ignora-las, me concentrando em formular alguma resposta convincente sobre meu ponto de vista para minha amiga.
Ela me interrompeu antes que eu pudesse abrir a boca.
- Ah, espera um pouco! - A voz dela atingiu um novo nível de animação. Parecia ter descoberto uma nova peça de um quebra cabeça. - Acho que entendi.
- Entendeu o quê? - Minha voz já não tinha emoção. Na verdade eu poderia desligar a chamada agora que não me importaria de verdade. Já tinha falado o suficiente sobre tudo. Mas mesmo assim a escutei dizer:
- Se fosse com o , você estaria fazendo essa novela mexicana toda por causa de uma cena? - Juntei as sobrancelhas, estranhando sua pergunta. Como o assunto mudou de alhos para bugalhos assim tão de repente?
- Como assim?
- Só responde, por favor. - Pediu, e eu hesitei por um segundo.
- Provavelmente, mas o que isso tem a ver? – Eu sabia que não a tinha convencido. Eu não tinha convencido nem a mim mesma, imagine a ela.
- Provavelmente? - Eu podia jurar que pela forma que falou, ela estaria dando um sorriso presunçoso.
- Não sei, ! Por que fica fazendo esse tipo de pergunta?
- Porque eu tenho quase certeza que se não fosse com você não estaria fazendo esse drama gigantesco. Você se importa! - Quando bateram na porta outra vez, nem me dei ao trabalho de responder. Estava perplexa demais com o que havia acabado de dizer.
- Está insinuando alguma coisa? - Minha voz afinou de uma forma irritante.
Grunhi com mais batidas insistentes no meu camarim.
- Não sei, . Estou? - Ela provoca e eu cruzei os braços, fazendo um bico, mesmo sabendo que ela não poderia ver.
- Sério, que bicho te mordeu hoje? Primeiro dá uma de amiga compreensiva, e agora fica dizendo coisas sem sentido? Cadê a lógica nessa conversa? - Me ignorando completamente ela continuou:
- Ah, mas não adianta se fazer de desentendida! Eu consigo perceber muita coisa, e se fazer de boba ingênua não vai adiantar nada. Então pode ir parando com essa palhaçada que...
Nesse momento notei que a maçaneta da porta girava e a mesma se abria. A figura de invadiu o ambiente e de forma perplexa eu o encarei, ainda segurando o telefone contra minha orelha. De repente eu não assimilava mais as palavras de do outro lado da linha.
- Precisamos conversar. - Ele disse firme e eu balancei a cabeça para os lados. Mas que diabos ele queria?
- ... Porque você não pode simplesmente... - Ela se interrompeu. - Calma aí, Tem alguém aí? Quem é? É um cara? Você está trocando sua amiga por um cara? , não me ignora!
cruzou os braços na minha frente, ainda com um olhar impassível que parecia dizer que não sairia tão cedo do meu camarim e encarou o telefone, como se o objeto o aborrecesse. Bufei irritada.
- Amiga, falo com você depois, ok? Preciso resolver um problema...
- Nem pensar! Você não vai deixar de falar comigo e desligar no meio de uma conversa séria como essa, você...
- Beijos, ...
- !
A chamada foi encerrada e eu me dirigi até a mesa, onde coloquei o celular ao lado da minha bolsa. Respirei fundo antes de virar de frente para , sem um pingo de paciência e apoiar meu quadril no moveu atrás de mim.
Só para ressaltar, eu não estava feliz com a presença dele ali.
- O que você quer? - Perguntei direta.
- Conversar? - Revirou os olhos. Ele mudou a posição dos pés.
- Ah, claro. - Concordei. - Com "conversar" você quer dizer "discutir", certo?
- Por que você tem que ser tão difícil? - Eu percebi um certo desprezo em sua voz.
- Difícil? Ah, vai catar coquinho! Não estou sendo "difícil", só não concordo com nada daquilo, e não vou sair por aí fingindo o contrário como você. - Me senti petulante e desafiadora quando terminei se falar. Mas o som de sua gargalhada me tomou desprevenida e eu assumi uma expressão raivosa. Hoje estava difícil de encontrar a paz de espírito nesse lugar.
- Você às vezes é engraçada, Ruivinha. - O olhei com o cenho franzido.
- Hein?
- O que te faz pensar que eu gosto dessa situação? Até onde eu saiba, não mostrei indício algum que deixasse alguém pensar que eu estava satisfeito! - Ele deu um passo em minha direção.
- Ah, é? - Me atrevi a dar um passo na direção dele também. - E aquele seu sorriso sarcástico no final deixou todos imaginando o quão chateado estava, não é mesmo?
Ele grunhiu e bateu os braços do lado de seu tronco.
- Mas é impossível ter um diálogo com você! Eu nem vim aqui falar sobre isso exatamente! - Passou as mãos pelo seu topete que estava perfeitamente arrumado.
- Falar sobre o que então? Tenho certeza que veio aqui apenas para zoar a “pobrezinha da atriz despreparada e ingênua que não consegue fazer nada direito”. - Falei dessa vez com minha própria ironia.
Por algum motivo eu já não suportava a ideia de ter que aguentar se sentindo superior. Ele não era melhor que ninguém.
- Eu nem nunca disse isso. - Se defendeu com a voz alterada e o semblante torcido.
- Mas com certeza pensou.
- Olha, a culpa não é minha se ninguém quis ouvir você hoje. E se não percebeu, eu tentei fazê-los mudar algo naquele script, até a maldita da vírgula, mas não funcionou. Então você podia parar com toda essa raivinha e encarar seu trabalho! Se ainda não se tocou, essa é a única coisa que eles esperam de você. - Abri a boca, indignada, e andei em sua direção até estar próxima o suficiente para olhá-lo nos olhos.
- Eu estou encarando meu trabalho. E eu vou gravar aquela cena idiota, nem que eu tenha que repeti-la quinze vezes ou repeti-la durante horas! Não importa como, com ensaio ou sem ensaio, seja lá como isso funcionar, eu vou atuar exatamente da forma que querem, pra poder esfregar na cara de vocês que eu consigo sim fazer qualquer coisa, e que ninguém tem que encarar minha inexperiência como um problema. Eu posso ser tão boa quanto qualquer um, não subestime minhas habilidades, . - Terminei a frase sentindo meu rosto queimar e meus pulmões buscarem por ar imediatamente.
O olhar de desdém-barra-indignação do moreno em minha frente me atingiu no segundo seguinte.
- Você está distorcendo tudo! Eu não te subestimo, Ruivinha. Muito pelo contrário. Mas se foi a essa conclusão que você chegou, ótimo! - Fez uma pausa e deu um último passo, ficando cara a cara comigo. Eu teria recuado, mas decididamente isso o faria pensar que suas palavras estavam me afetando, e não queria mais que ele se vangloriasse as minhas custas. Chega de mostrar fraquezas. - Mas se você quer mesmo praticar ou fazer qualquer coisa do gênero que seja parecido com o que diz o script, só te aviso desde agora que mesmo se você passar o rodo em uma balada inteira, nunca vai estar preparada para fazer isso em frente as câmeras.
- Como pode ter tanta certeza? - Questionei com os olhos semicerrados.
- Por que nunca vai ser a mesma coisa. - Respondeu imediatamente. - Não vai ser comigo.
Adquiri uma expressão confusa e soltei um riso forçado. Meu cérebro estava trabalhando a um milhão por hora.
- Você não é melhor que ninguém, . Tira seu cavalinho da chuva.
- E depois sou eu que subestimo alguém? Você está fazendo exatamente a mesma coisa, não sabe o que te aguarda!
- Será possível que está tentando me intimidar? Se for isso, esquece. Não está funcionando. Não vou dar ouvidos ao que você diz.
- Se não se importasse, não estaria parada aí me escutando. - Fechei minhas mãos em punhos e contei mentalmente até dez. - Quero dizer que nada que você fizer lá fora, vai te preparar para o que vai acontecer aqui dentro. Isso aqui é sério. Espero que se lembre disso a partir de agora, e não se esqueça quando chegar a hora.
Firmamos nosso olhar um no outro por vários segundos. Percebi que não conseguiria formular uma resposta coerente para aquele tipo de frase, portanto decidi que era hora de sair para bem longe dali.
Recuei três passos largos ainda sem mudar o rumo do meu olhar, então pegando meu celular, puxando minha bolsa de cima da penteadeira e esbarrando propositalmente meu ombro no seu braço, para por fim deixar a sala batendo a porta com força.
Ignorando completamente qualquer pessoa que passasse por mim, segui para saída pronta para ir pra casa e fazer o impossível para pensar em outra coisa que não fossem as próximas gravações.
me parou no caminho e ofereceu carona. Aceitei na hora sem pestanejar. Precisava mesmo ficar um tempo com alguém legal. Nós não conversávamos descentemente desde o nosso encontro.
Cruzamos com uma ultima vez no caminho antes de entrar no carro. Ele nos observava atentamente, mas eu não pude distinguir qual era sua expressão. Na verdade, a única coisa que eu conseguia distinguir era a raiva que eu sentia dele. Entretanto isso pouco importava. Meu celular vibrou anunciando uma mensagem de e isso fez meus pensamentos mudarem de rumo instantaneamente. Abri um sorriso em meio à leitura. Algo que conseguiu mudar provisoriamente tudo o que eu estava sentindo, para algo melhor.
Capítulo 12 - “c’mon c’mon
Show me what you all about”
's POV
Já era quase meia noite quando eu ainda zapeava pelos canais da televisão procurando qualquer coisa que me tirasse do tédio. Eu não entendia como depois de um dia cheio de trabalho não conseguia sentir sono e nem um pouco de cansaço, era a coisa mais sem sentido do mundo. Além de péssimo pra caralho, porque sinceramente eu estava muito a fim de dormir.
Ouvi um zumbido esquisito vindo da minha direita no momento em que escolhi colocar no canal de esportes, pronto para assistir uma luta de UFC. Estreitei meus olhos e virei o rosto, percebendo então que o barulho esquisito na verdade era o do meu celular tocando e vibrando no sofá de couro. Bufei e revirei os olhos enquanto puxava o aparelho e deslizava o polegar no botão verde.
- Fala, veado. – Pús a ligação no viva voz e coloquei o iPhone ao meu lado como estava antes.
- É bom falar com você também, cara. – O sarcasmo foi acompanhado pela risada de em seguida. - E aí, como vão as coisas?
- Pode pular essa parte e falar o que quer. – Objetei, ignorando sua pergunta.
- O que te faz pensar que eu quero alguma coisa? - Perguntou aparentemente ofendido. - Não posso ligar para um amigo?
- Poder até pode, mas o que me faz pensar que você está prestes a pedir algo são duas coisas... - Pigarreei. - Primeira: agora são onze horas e quarenta e oito minutos. Você não me ligaria nesse horário se não tivesse acontecido algo muito importante ou não estivesse me convidando para alguma festa. E julgar pela sua voz despreocupada, não acredito que seja nenhuma dessas opções. Segunda razão: ligar "só para conversar" é o que as garotas fazem. Então a não ser que você queira me confessar algo, espero que me conte logo o que quer.
- Vai se foder, ! – Soltei uma gargalhada quando joguei minha cabeça para trás, divertido.
- E então, ? O que vai ser? - O provoquei.
- Porra, você às vezes é irritante. - Há quem diga que não é só às vezes, completei mentalmente. - Vai trabalhar amanhã, não vai?
- Vou. Por que quer saber? - Bocejei e passei as mãos no cabelo. Esse tédio estava me matando. E eu imaginava minha morte mais divertida que isso.
- Beleza, vou com você amanhã. - Juntei as sobrancelhas e encarei o telefone com o semblante confuso, grato por não conseguir me ver realmente. Ele parecia bastante certo do que estava dizendo, mas por alguma razão eu não.
- Como assim? Pra quê? Por quê? – Frisei a última parte, esperando uma explicação.
- Pra te fazer companhia.
Quatro segundos depois eu explodi em uma gargalhada alta.
- Olha, – Comecei tentando controlar a falta de ar e me fazer ficar sério. -, se tem alguma coisa para me contar, é melhor que seja agora. Prometo que vou ser compreensivo e todas essas coisas que...
- Tá achando que eu sou gay? Porra , eu não gosto de pau! – Os músculos do meu abdômen começaram a queimar, mas eu não parava de rir, e sua irritação só colaborava ainda mais para isso. – Sabe que eu gosto de mulher, cacete.
- Ok, ok. Eu acredito em você, cara. - Fiz uma pausa e respirei fundo. - Não precisa ficar estressado.
- Foda-se. - Podia apostar que ele estava revirando os olhos.
- Mas então, vai dizer por que quer ir? - O incentivei a falar.
- Você disse que estava ansioso para a gravação, e mais sei lá o quê, acho que era algo a ver com uma filmagem da pegação entre você e a . E se eu lembro bem, você disse que ela tava quase explodindo de raiva por isso. – Uma risada baixa acompanhou suas palavras e eu concordei com um aceno, mesmo sabendo que ele não poderia ver. Esbocei um meio sorriso enquanto me lembrava do quase desespero de para mudar o script e convencer os roteiristas a esquecerem essa atuação. - Fiquei curioso com essas paradas e por isso quero ver no que vai dar.
Certo, aquilo soava estranho.
- Tem certeza que é por isso mesmo? - Questionei com uma sobrancelha arqueada, nem um pouco convencido. Esse discurso todo estava parecendo história pra boi dormir.
- Tenho - Ele insistiu. Eu não acreditei.
- Se quer ir, tudo bem. - Disse por fim. - Tenho que estar lá às dez horas em ponto. Por isso, chegue aqui por volta desse horário.
- Mas você vai chegar atrasado. – Observou.
- Eles vão superar. - Dei de ombros, nem um pouco preocupado com isso.
- Vai levar uma bronca.
- Posso lidar com isso. - Acrescentei com desinteresse.
- vai querer te assassinar. - Gargalhei outra vez. - Vai deixá-la ainda mais nervosa.
- Essa é a graça, lad. - soltou um riso fraco, parecendo desacreditado.
- Você deve ter tesão por irritar essa garota. – Ri baixo, concordando com ele.
- É, realmente eu me divirto muito com a irritação dela, Lou. Eu ganho meu dia quando faço isso. – O cara se manteve em silêncio, e por alguma razão achei que devesse acrescentar mais alguma coisa ao que tinha dito. - Mas ela não pode reclamar. Aquela garota também consegue me irritar como ninguém.
- Hm. Se você diz... - Sua voz soou avaliadora, mas Lou não mostrou interesse, na verdade ele até parecia bastante entediado (ou desconfiado) com o assunto, e como eu não tinha nada melhor pra conversar resolvi que era hora de desligar.
- De qualquer forma, você sabe onde está a chave reserva daqui, certo? Para caso eu não atenda a campainha.
- Sei sim, cara. Tranquilo.
- Falou então, dude. Vejo você amanhã.
- Até. - Desliguei o telefone e logo em seguida a TV também. Havia perdido o interesse em assistir a luta no fim das contas.
Quando me levantei para seguir até meu quarto, não consegui evitar escrever uma mensagem para apenas por diversão. Ela ficaria louca comigo. Mas eu adorava vê-la louca. E antes que pudesse repensar, mandei:
Querido Diário...
Já posso enlouquecer, ou por acaso esse momento é inconveniente para fazer essa pergunta?
Estou na estação de trem de Londres sentada ao lado de uma senhora de cabelos grisalhos que está me encarando fixamente como uma alucinada maluca desde o momento em que tirei você (o diário) de dentro da minha bolsa e comecei a escrever. Estou me perguntando se escrever em um diário é assim algo tão absurdo. O olhar esquisito dela faz isso parecer de outro mundo. Ou, penando melhor, ela que não seja desse planeta...
De qualquer maneira, não estou aqui para ficar sendo observada por pessoas estranhas que não sabem disfarçar suas ações, mas sim para esperar .
Porém, ficar sem nada para fazer está me enlouquecendo! Minhas mãos não param de suar, e do jeito que eu estou balançando meus pés, pode-se até desconfiar que eu tenha mal de Parkinson (eu sei, pareço uma louca).
E aí você me pergunta: “Mas por que todo esse drama, ?” E a minha resposta vem bastante direta: “Porque é um cretino! E eu o O-D-E-I-O com todas as forças que o universo me oferece!”. Fim. Essa é a história.
Eu não faço ideia de quem ele pensa que é, ou de quem ele pensa que os outros são, mas já está mais do que na hora de alguém mostrar que ele não a ultima bolacha (ou biscoito?) do pacote. Ele não é tuuuuudo isso que pensa, não!
Só que mesmo eu querendo muito ser a pessoa que vai esfregar na cara dele que ninguém pode se fazer melhor que os outros, e finalmente o colocar no seu devido lugar, me sinto receosa. E se acharem que sou tão convencida quanto ele?
Dane-se!
Decididamente não vou me deixar ser humilhada por ele.
Bom, pelo menos foi isso que ficou repetindo no telefonema de ontem à noite, me encorajando. Espero que aquela loira esteja certa, afinal, porque eu concordei que não deixaria ficar se achando as minhas custas e prometi que daria um jeito de acabar com essa palhaçada toda.
E que se ferre o bom senso. Minha amiga foi clara quando disse que às vezes não devemos ser assim tão racionais. Por isso, uma vez na vida, vou agir de acordo com a primeira coisa que vier na minha cabeça.
Só não faço ideia se essa atitude vai ser boa ou ruim.
Terei que descobrir em algumas horas.
Com amor (e muito nervosismo),
's POV
- Não acredito que você ainda escreve nesse diário. - Foi a primeira coisa que disse quando me encontrou na estação.
- Eu nunca deixei de escrever. - Respondi com a testa franzida. - Pensei que se lembrasse.
- E eu me lembro. Só achei que tivesse perdido o hábito, tipo, se esquecido desse caderninho. - Pisquei duas vezes. Caderninho?
- Não é só um “caderninho”. – Disse com ênfase. - E você sabe que isso fazia parte da terapia que eu frequentava. Acabei gostando de escrever aqui.
Minha voz diminuiu o volume conforme foi terminando a frase. assentiu, percebendo que falar sobre aquilo não seria a ideia mais brilhante do dia.
- E então, vamos direto para o estúdio? - Mudou de assunto e colocou um sorriso no rosto. Não consegui não sorrir com ela.
- Se quiser... - Dei de ombros. - Já tomou café da manhã? Ainda temos tempo para isso se você quiser.
- Não se preocupa, já comi no trem.
- Certo, então vou chamar um taxi para nós levar até o estúdio de gravação. - Respondi já tirando o aparelho celular do meu bolso, que provavelmente já estava esgotado de ligar para táxis todos os dias (ou a maioria deles, pelo menos).
- Quando você pretende comprar um carro? Melhor, quando você vai criar coragem de tirar a carta? Se eu andasse de táxi tanto quanto você, já estaria vendendo meu corpo por algumas moedas. – Soltei uma gargalhada alta, sem poder me conter.
- Cala a boca.
- É serio! Eu estaria numa pobreza profunda. – Ignorando sua ultima observação, liderei o caminho para fora do lugar.
- Mas eu não sou assim tão dependente do táxi. - Respondi. - A academia fica super perto da minha casa, então posso ir andando. Se eu pegar o ônibus vou sair em frente ao lugar onde faço os treinos de tiro ao alvo e as aulas de luta. O taxi só é necessário para ir ao estúdio. E geralmente eu não tenho precisado voltar neles sempre também. tem oferecido carona.
Me arrependi imediatamente depois que conclui a frase.
adquiriu um sorriso malicioso enquanto me encarava com um brilho diferente nos olhos.
- Quer dizer então que você tem andado com o , hein? – Sua voz estava cheia de segundas intenções. - Quando ia me contar sobre isso?
Se eu dissesse que na verdade não tinha intenções em contar, provavelmente teria me atirado na linha do trem um segundo antes dele passar por cima de mim. Por isso, resolvi omitir alguns casos.
- Mas não é nada importante. - Defendi-me e revirei os olhos. - Ele me deu algumas caronas e só isso.
- Ele beijou você? – Arqueou uma das sobrancelhas.
- Não! – Respondi indignada, corando.
Ela revirou os olhos e colocou a mão no quadril.
- Ele te beijou, né? – Insistiu.
- Claro que não! - Minha fiz afinou de repente e eu pigarreei. - Claro que ele não me beijou. Por que ele faria isso? Não temos nada além de amizade. Pensei que você soubesse isso.
Ela gargalhou e enganchou seu braço no meu enquanto andávamos juntas para a saída.
- Boa tentativa, amiga, mas você não me enrola. – sorriu satisfeita, continuou. – Sei de mais coisas do que você pode imaginar.
Eu a olhei com indignação, recebendo uma risada como resposta. Ainda tentei argumentar, mas minha amiga parecia ter resposta para tudo, se tornando cada vez mais irritante, portanto decidi me focar em seguir até o estúdio. Certamente ela nem se lembraria do nome dela quando chegasse lá.
- MEU DEUS, OLHA O TAMANHO DESSE LUGAR! – se esgoelou e conseguiu fazer com que todos notassem sua presença. Sutileza nunca foi seu forte.
- Oi. - Cumprimentei algumas pessoas que passaram por nós com um aceno de mão envergonhado e um sorriso ensaiado.
- CARAMBA, OLHA ESSE EQUIPAMENTO! - Berrou em meu ouvido, acabando com a audição que me restava.
Fiz um movimento para a lateral, segurando a cabeça, ainda atordoada com seu timbre de voz.
- É - Concordei incapaz de dizer o contrário. - Tinha certeza que você ia gostar. Mas o que você vai amar mesmo é o camarim. – Completei certa.
- E POR QUE VOCÊ AINDA NÃO ME LEVOU LÁ? - Dei dois passos para trás me recuperando de seus gritos.
- Primeiro: não vamos nos exaltar. Consigo te escutar perfeitamente bem daqui sem que você grite. – Falei pausadamente, buscando sua compreensão com um olhar cauteloso. Ela sorriu envergonhada, e baixou os olhos para seus sapatos, num interesse súbito. – Segundo: eu pretendia te apresentar a algumas pessoas antes.
- PESSO... – Pigarreou. - Que pessoas? - questionou depois de controlar o volume de sua voz.
Antes mesmo de buscar ar para continuar, nossa conversa foi interrompida:
- Senhorita ! - Me virei para ver Gregory vindo em minha direção com os braços abertos e um sorriso no rosto. - Chegou mais cedo, acordou animada?
- Sim, animada com uma certa visita em especial. – Indiquei minha amiga com os polegares, enquanto trocava meu foco entre o diretor e ela.
Seus olhos vagaram até minha amiga e ele a olhou de cima até baixo. abriu um sorriso mostrando todos os dentes e estendeu a mão. Ele a apertou com um sorriso singelo, esperando para que uma de nós abrisse a boca para uma apresentação formal.
se apressou sem ser ela mesma a fazer isso:
- Olá! Eu sou , a melhor amiga de . - Pela forma como ela tomou ar em seguida, soube que ela falaria sem parar até que desmaiasse por falta de oxigênio. Eu já estava preocupada antes, agora então eu só queria tirar ela logo dali antes que falasse o que não devia. O histórico dela em conversas com pessoas parcialmente conhecidas não era lá essas coisas. - Você deve ser o diretor Colleman, certo? É um imenso prazer conhecer você! Já vi suas fotos na internet e várias reportagens em algumas revistas. Você tem muito talento, e provavelmente muita paciência para conseguir comandar isso tudo. Eu não conseguiria fazer nada disso, geralmente sou muito destrambelhada, sabe? Além de totalmente distraída, às vezes até parece que eu vivo em outra dimensão, acredita?! Mas eu superaria esses defeitos meus só pra fazer isso pelo resto da vida. Você deve ter se esforçado demais para conseguir estar onde está agora. E ainda deve se descabelar pra conseguir manter tudo em ordem, aposto! Mas você não deve se arrepender de nada, certo? Deve ter valido a pena. Sei que sim. E sabe o que mais valeu a pena? Contratar essa garota para trabalhar com vocês! Ah, , não me olhe com essa cara. Sabe, senhor, ela pode parecer um pouco sonsa de vez em quando, mas acredite que quando ela fica determinada, é de dar orgulho! É, pode rir, mas é verdade. Conheço ela quase que por toda a minha vida e sei que ela fica fazendo muito cu doce, mas uma hora vocês vão conseguir dobrar ela para fazer qualquer coisa. Igual a um origami. É verdade, não precisa me olhar com essa cara de surpresa. Só precisa de jeitinho para persuadi-la. Se precisar de ajuda eu posso... Hey, calma lá!
Eu quis que um buraco aparecesse no chão e me engolisse. Eu a empurrei, sem muita delicadeza, para qualquer lugar que colocasse uma distância considerável entre ela e Gregory Colleman, que aliás, gargalhava visivelmente divertido com tudo que minha amiga, ou suposta amiga (depois de toda aquela faladeira eu não sabia mais), havia dito. Parecia que todo o meu sangue estava se concentrando nas minhas bochechas, e não era preciso de um espelho para olhá-las e saber que estavam da cor de um tomate por pura vergonha.
- Me desculpe por isso, quando ela se empolga começa a discursar um testemunho de Jeová pra cada um – Sorri sem graça, desejando ter super poderes e ficar invisível e desaparecer. -, mas vou segura-la para que isso não aconteça, ok?
- Não se desculpe, . – Ele ainda gargalhava. Aquele safado mal humorado estava se divertindo as minhas custas! - Sua amiga é engraçada. E eu acredito no que ela tenha dito.
- Em qual parte? – Questionei com ironia. – Na que ela diz que é destrambelhada? Por que se for, é verdade mesmo. – A lancei um olhar semicerrado. nem se deu ao trabalho de me olhar.
- Obrigada pela parte que me toca. – Disse ela.
- Não precisa agradecer, foi você mesma quem disse isso, me poupou o trabalho de pensar. – Me virei para ela com um sorriso cínico no rosto sem mostrar os dentes.
Por alguma razão Gregory ainda permanecia ali rindo.
- Não estava me referindo a isso, senhorita . – Sr. Colleman pareceu se acalmar, finalmente.
- No que então? – Minha voz saiu baixa e rouca, denunciando minha apreensão. Mas então ele sorriu de forma paternal e me olhou nos olhos.
- Na parte em que fizemos uma boa escolha em contratar você. - Gregory piscou um dos olhos quando sorriu e se afastou. Eu ainda fiquei parada mais alguns instantes, atônita, absorvendo o que ele havia acabado de dizer, com minha amiga sorrindo presunçosa ao meu encalço.
E eu tinha razão em uma coisa, afinal. Minha amiga tinha gostado do camarim da mesma forma que gosta de Starbucks. Ou seja, muito. Muito em proporções gigantescas.
pulava em excitação mexendo em todas as minhas roupas organizadas em araras e nas maquiagens guardadas nas prateleiras, fora os sapatos enfileirados no chão. Ela estava fascinada! Tão feliz quanto uma criança ficaria no meio de uma piscina de bolinhas coloridas. Eu percebia sua empolgação pelo simples expressão que carregava na face.
Minha amiga estava feliz por estar aqui. E eu por tê-la aqui.
- Você pode levar tudo isso para casa? - Perguntou apontando para a arara de vestidos e colocando um dos cabides em sua frente.
Philip soltou um riso nasalado enquanto manuseava meu cabelo de um lado para o outro com uma mão, e esquentava meus miolos com o secador na outra.
- Ela não pode usar o que temos aqui em outro lugar senão nas gravações, gracinha. - Respondeu Philip soltando um dos bobs do meu cabelo. Estava ficando tão, mas tão volumoso, que eu começava a me assustar com o que via pelo reflexo.
- Sério? – perguntou com ar desanimado, olhando desolada para o vestido através do espelho e depois para mim. Infelizmente ela não pareceu notar meu olhar de desespero por causa do cabelo.
- Seríssimo – Philip não dando atenção a ela. Muito menos a mim.
A verdade é que eu levava sim algumas roupas pra casa. Fiz isso pela primeira vez no meu encontro com e depois passei a repetir algumas vezes. Eu as usava e depois as devolvia sem que ninguém soubesse. Ok, talvez Victoria soubesse e fizesse o mesmo. Mas se eu assumisse isso na frente do meu Hair Stylist, provavelmente teríamos um pequeno atraso com as gravações hoje. E um problema absurdo de brinde para resolver simultaneamente.
- Ah... – Seus olhos baixaram para os próprios pés. - Nem se pedir com jeitinho?
era inacreditável! Criando toda essa conversa esquisita só porque ela queria pedir as roupas daqui emprestadas quando lhe conviesse.
- Nem se ela vender um rim no mercado negro. – Indignou-se Philip.
Abafei uma risada com a palma da mão. As assistentes do homem que cuidava da minha aparência, me repreenderam.
- Ai, quanta burocracia. – Minha amiga murmurou uma reclamação e voltou vasculhar meus pertences. Ela não deixava passar absolutamente nada.
Pouco depois de mexer um pouco mais aqui e um pouco mais lá, olhou para mim com o semblante franzido:
- Ué, esse aqui não foi o par de sapatos que você usou na primeira sessão de fotos de publicidade da série? - Ela os pegou com uma mão e apontou para a arara com a outra. - E essa aqui não foi a saia?
Fiz sinal de positivo com os polegares, incapaz de dizer uma palavra enquanto coloriam meus lábios com um pincel que a qualquer instante podia parar no fundo da minha goela.
Eu não estava com vontade de comer batom, obrigada.
Os olhos dela brilharam e voltaram a apreciar a tal roupa tão “especial”.
Mais alguns minutos de perguntas da parte de , e de respostas desinteressadas da parte de Philip, Vicka finalmente apareceu na porta da sala com um sorriso de orelha a orelha. Nem parecia que estava prestes a começar a trabalhar.
- Loira! - Disse Vic para , animada. - Por que não disse que vinha?
- Decisão de ultima hora. - Olhou de relance para mim e piscou um dos olhos. - Vou voltar para casa ainda hoje.
Victoria trocou olhares entre nós duas, e por fim se pronunciou:
- Se te expulsaram de casa, não se aflija. Tenho algumas camas vazias na minha sobrando. - Gargalhei logo em seguida acompanhada de .
- Pode deixar que já vou te colocar na lista de "lugares para ficar" em caso de emergência.
- Que bom! Eu ficaria ofendida se você não fizesse. - Victoria brincou apontando o dedo para ela. - Agora sério. O que veio fazer aqui no meio da semana?
Mandei um olhar significativo para , com os olhos quase pulando para fora da minha cara. Ela não podia dizer a verdade, porque eu sabia que se ela fizesse isso, Vicka ia acabar com minha paciência e saúde mental. E eu faria qualquer coisa para evitar isso.
- Dia de folga. Nada pra fazer. Vim visitar minha amiga. - Ela deu de ombros e sorriu. Aquele tipo de sorriso ensaiado que a gente dá quando precisa se livrar de alguma coisa ou alguém.
A agradei com um suspiro longo de alívio.
Eu adorava o fato de nós duas podermos nos comunicar sem palavras, apenas com pequenos gestos. Anos de amizade muito bem trabalhados.
- Ah, que coisa fofa! - Vic apertou as bochechas dela, fazendo voz de criança e riu com a expressão de "o que você pensa estar fazendo?" que fez.
- Infelizmente ela vai ter que ir embora de noite. - Falei em tom desanimado.
- Então teremos que aproveitar as horas que temos. - A garota sorriu maliciosa e minha melhor amiga riu divertida. - Alias, vamos começar com as fofocas do momento.
- Quê? - a fitou sem entender.
Victoria levantou um dos cantos da boca, sorrindo presunçosa.
- vai ter que beijar o .
- Não brinca?! - fingiu surpresa. Revirei os olhos.
- Sério! - A empolgação da Victoria era tanta que até parecia doença contagiosa. Se espalhava pra todo canto. - Ele vai jogar ela contra a parede e ela vai, literalmente, rasgar a camiseta dele. Eles vão se pegar muuuuito. Você vai ver!
Sempre fui a favor das pessoas ocultarem alguns detalhes das conversas. Aparentemente Vic não concordava.
- Não!
- Sim!
- Não consigo acreditar!
- Pois acredite! Vai ser a cena mais quente da temporada.
E lá vamos nós com as bochechas vermelhas de novo.
- Ih, ela tá toda envergonhada, olha só! - Apontou Vicka. – Toda desconcertada com a gente falando aqui. Desse jeito fica difícil não te zoar, .
- Zoar sempre foi uma das minhas atividades favoritas durante toda a minha vida. – animou-se. – Meu dinheiro foi muito bem gasto na viagem de hoje.
Espetacular, minhas amigas realmente gostam de mim, pensei.
Duas batidas fortes na porta impediram a conversa das duas de seguir adiante.
- O set está pronto para as filmagens. - Um dos assistentes de produção gritou do outro lado. – Estão todos aguardando.
- Eles vão ter que esperar! - Philip resmungou ainda escovando meu cabelo. - Não posso deixar você sair daqui assim. Nem ao menos está vestida!
Abaixei meus olhos até o roupão longo, felpudo e branco que eu usava. Suspirei. Atrasada, que maravilha!
- Faz assim, eu vou indo para lá e enrolo eles por uns minutos.
- Você faria isso? – Perguntei receosa para Vitoria.
- Garota, eu faço qualquer coisa para não ver Gregory com olhar de assassino. Posso até fingir um ataque epilético, se for preciso.
- Muito obrigada, Vicka!
- Não me agradeça, você tem cinco minutos! – Ela me cortou abrindo a porta. Assenti mesmo sabendo que ela não prestava mais atenção.
- Eu ajudo você a se vestir. - Se pronunciou . - Mas agora vamos logo antes que mais alguém venha chamar você.
Apenas concordei com tudo, apesar de não querer sair de dentro daquela sala. Quanto mais tempo demorasse para as gravações de hoje começassem, melhor seria para mim.
- Não esqueçam que amanhã gravaremos as cenas fora do estúdio. - Gritou Gregory, repetindo mais uma vez a frase que havia dito durante o dia inteiro, com intuito de reforçar nossos compromissos.
A cada intervalo da gravação ele falava em particular com os atores e dizia sempre a mesma coisa. Agora, provavelmente cansado de andar de um lado para o outro, decidiu fazer as coisas do jeito mais fácil e saiu pelo estúdio se esgoelando igual um louco.
Como se já não soubéssemos disso. Não que ele fosse louco, me refiro a gravação fora do estúdio. Rachel, minha empresária, sempre fazia questão de grifar compromissos assim com canetas neon e deixar anotado em vários outros lugares para não me deixar com dúvida da importância da situação.
- Ele está fazendo isso porque está nervoso. - respondeu como se lesse meus pensamentos. Eu mal havia notado sua presença ali.
- Nervoso com o quê? – Quem está nervosa aqui sou eu, quis completar indignada quase roendo as unhas. O meu pesadelo se tornaria realidade em alguns minutos. Eu estava quase endoidando.
- Oras, ele está assim porque não faz a mínima ideia se a próxima gravação vai dar certo. – Disse simplesmente soltando um riso seco.
Ótimo, mais pressão!
- As pessoas daqui estão começando se mostrar bem pessimista. - Observei com ironia e uma pontada de irritação.
- Você não tem nem ideia... - Foi o que ele respondeu, com a voz rouca e fria, antes de se distanciar para falar com um dos câmeras.
- Cinco minutos! – Alguém gritou em aviso e a correria se estendeu para todos os cantos mais uma vez.
Certo, respira fundo. Agora é só repetir isso mais um milhão de vezes, beber água e vai ser moleza, tentou minha consciência. Mas eu já imaginava que nem se eu tomasse um litro de chá de camomila conseguiria me acalmar.
Procurei com os olhos, sentindo meu coração palpitar mais forte com a proximidade do desafio. Quando finalmente a encontrei, coloquei as mãos no quadril e a encarei como se tivesse lazers no lugar de olhos. Para a garota que havia ido me visitar justamente para me dar apoio, ela não estava cumprindo essa missão com muito êxito.
Desde que eu havia saído do camarim, e ela encontrado (que só pra ressaltar, eu não fazia ideia do que estava fazendo ali), a minha querida e tão estimada melhor amiga havia passando todas as horas disponíveis apenas com ele e não comigo. INJUSTIÇA!
E para se defender, ela ainda ousou usar desculpas! Justificou que eu tinha Victoria e para minha companhia, e que eles entendiam melhor que ela como me ajudar num momento desse. Além de acrescentar que preferia ver tudo dos bastidores sem atrapalhar nada.
Por algum motivo isso tudo parecia uma desculpa premeditada.
Eu só não mostrei o quão chateada estava, porque tinha certeza que tinha algo rolando entre os dois. E a ultima coisa que eu gostaria de fazer era estragar a paquera da minha amiga, isso não seria justo com ela.
Mas amenizei meu olhar quase mortal assim que a vi vir em minha direção. Com só alguns passos atrás dela, claro.
- Então agora vai ser a prova dos nove, huh? - Ela abriu seu tão típico e irritante sorriso malicioso.
- Não seja chata. - A adverti.
- Ah, qual é? - Ignorou meu xingamento. - Nós duas sabemos o quão engraçado isso vai ser.
riu enquanto eu emburrei.
- Obrigada pelo apoio. Levantou minha autoestima dez vezes! - Impressionante como de repente comecei a gostar de usar o sarcasmo e a ironia. Inferno! Eu tinha que parar com isso.
- Acho que você tem passado muito do seu tempo com o . - Ela revirou os olhos. - Do jeito que fala, até parece ele.
- Na verdade ele consegue ser ainda pior que isso. - comentou com o dedo indicado para cima e os lábios comprimidos numa linha reta. – Anos de prática, sabe como é.
Revirei os olhos.
- Tá, tanto faz. - encerrou o assunto. - Viemos aqui desejar boa sorte.
- Obrigada. - Nós trocamos um abraço rápido.
- Vai dar tudo certo, você vai ver. - Ela olhou em meus olhos e sorriu. Me senti confiante por um pequeno momento.
repetiu o gesto logo em seguida, num abraço meio desajeitado, mas com poucas palavras que me fizeram rir nervosamente. Ele se afastou logo em seguida. permaneceu me encarando, me estudando com o olhar e um sorrisinho contido nos lábios.
- Aproveita.
- Quê? – Perguntei franzindo a testa, sem entender.
- Qual é , não precisa se fazer de boba. – Ela riu baixo. – Tô falando pra você aproveitar a situação. Ele pode ser um porre, mas é bonito e gostoso, deve ter uma boa pegada.
- ! – Abri minha boca em indignação, mas não consegui dizer mais nada além do seu nome.
- Não me olhe assim como se eu não pertencesse a esse planeta. Nós duas sabemos que o que eu disse é verdade. Então ao invés de ficar com essa cara de quem comeu e não gostou, pelo menos curte um pouquinho o que vai acontecer. – Se eu arregalasse mais meus olhos, eles sairiam do meu rosto. – Aposto que vai ser bom. E se não for eu juro que te pago um sorvete.
- Um sorvete nada, quero uma loja inteira! – Objetei sem mudar minha expressão.
- Não importa, sei que vai gostar, pode pedir o que quiser que não vai receber. – Revirou os olhos convencida.
- Como você pode dizer uma coisa dessas? – A repreendi. – Isso tudo não tem cabimento. Tem noção do q...
- ! Aí está você. – se colocou ao nosso lado segurando uma garrafa de água pela metade, acabando completamente com a bronca que eu planejava dar a minha amiga. - Estava te procurando.
“Até mais” mexeu a boca antes de se afastar, presunçosa, até o encontro de . Derrotada, me virei para . Eu não o via desde a cena que gravamos juntos, e isso fazia algumas horas. Fiquei feliz por vê-lo novamente.
- Oi! – Sorri e tentei parecer tranquila, mas certeza de que não estava funcionando. - O que foi?
- Já falei com , agora só falta você. – Falou sorridente antes de me puxar para um abraço. - Boa sorte. Sei que não está feliz com isso, mas vai dar tudo certo. Pode acreditar.
Assenti com um sorriso sem mostrar os dentes.
- Então já falou com o ? – Depois que as palavras saíram, pensei que talvez fosse melhor não tê-las dito, mas eu queria muito saber o que ele teria dito ao "Sr. sou melhor que você".
- Ah... Tipo - Ele pigarreou. -, eu desejei sorte e tal... E ele respondeu que não precisava disso. – sorriu para descontrair.
Ah, babaca. Nunca fui a favor da violência, mas consegui me imagina batendo naquele otário com umas doze formas diferentes de golpes em 0,3 segundo. Por que eu ainda fui perguntar? Óbvio que a resposta dele soaria tão idiota quanto ele.
- Claro que ele disse. - Tentei rir para não mostrar minha irritação. Dessa vez pareceu funcionar.
- TODOS PARA O CENÁRIO! - Um assistente de Gregory gritou no alto falante.
A raiva evaporou e o nervosismo voltou com tudo. Minhas mãos começaram a suar, minha respiração se tornou curta e meu coração descompassado.
Pisquei algumas vezes tentando voltar ao normal. Meu estômago embrulhou e agradeci por já fazer muito tempo que eu havia comido alguma coisa. Fora isso, eu também sentia a adrenalina. Conhecia bem aquela sensação.
- Que cara de gato assustado é essa? - Victoria fez o favor de apressar minha ida até o cenário do set. - Você vai arrasar.
- É fácil falar. - Resmunguei enquanto uma das ajudantes de Philip bagunçava meu cabelo ainda mais. As coisas aqui tem que ser realistas. Inclusive a juba no lugar do meu cabelo.
- Vai logo e para de reclamar, quanta besteira. - E assim fui praticamente atirada para ficar de frente para as câmeras.
Ótimo.
estava parado ao meu lado tendo os últimos retoques da maquiagem sendo feitos. Ao contrário de mim, ele parecia totalmente tranquilo.
Assim como eu, também estava com a roupa suja, encardida, com alguns rasgos e cabelos totalmente bagunçados.
Felizmente era exatamente essa a intenção que tinham: não nos deixar no nosso melhore estado.
- EM SEUS LUGARES! – Sr. Colleman gritou e todos o obedeceram imediatamente.
Respirei fundo uma última vez e olhei para . Percebi que ele também tinha os olhos fixos na minha pessoa, provavelmente imaginando o quão desastroso seria aquilo.
Estava tão alheia e concentrada no que eu tinha que fazer dali a alguns segundos, que mal escutei os comandos do diretor ou os do rapaz da claquete que se dirigiu a nós dois.
- Preparada? – Perguntou sem mudar a expressão impassível do rosto.
- Não. - Respondi sincera e com a voz neutra, sem mostrar qualquer tipo de preocupação. - Mas para tudo existe uma primeira vez na vida.
- É. Claro. - Concordou. - Só não esqueça de rasgar minha camiseta. Sei que vai gostar. – Sorriu sacana e eu o empurrei para trás.
- Idiota.
- Realista. – Corrigiu e eu não tive tempo de dizer mais nada.
Quando "ação" foi dito (digo, esgoelado), e todo o estúdio se fez em silêncio, pudemos enfim dar início a cena.
Abrimos a porta do cenário e a batemos com força, com objetivo de causar barulho. Fingimos estar com a respiração acelerada, cansados por mil motivos diferentes, e com expressões cheias de significados, como mandava o roteiro. Nossos olhares se encontraram simultaneamente, num ato ensaiado, e nos encaramos por alguns segundos, estudando um ao outro.
- Você está bem? - Perguntou ele com ar exausto, voz rouca e quase arrastada.
Assenti apenas uma vez, devagar, sem quebrar o contato visual.
E foi com essa breve e firme troca de olhares que começamos a nos atracar loucamente e desesperadamente.
Eu o puxei pela nuca, embrenhando meus dedos finos em seu cabelo, quando seus braços passaram ao redor da minha cintura e me apertaram com força. Nossos corpos se chocaram e então seus lábios encontraram os meus, numa carícia firme, iniciando um beijo quase bruto e desesperado.
Não sei bem como, mas a porcaria do beijo técnico não aconteceu, e quando percebi, sua língua quente já estava brigando com a minha, se arrastando por cada pedacinho da minha boca, num beijo lascivo, quase febril, cada vez mais rápido e profundo.
Nós agíamos como se precisássemos um do outro desesperadamente, assim como pedia o script.
Quando o ar se fez necessário pouco depois, ele mordeu meu lábio inferior, o prendendo entre seus dentes com um pouco de força para finalizar o beijo. Suas mãos deixaram minha cintura rápido demais e nos afastou. Nesse pequeno intervalo de tempo em que nos distanciamos num breve segundo para recuperar o ar, empurrou meus ombros para trás e minhas costas bateram na parede com força, causando um baque surdo em resposta a sua atitude.
Ian (ou , tanto faz) olhou-me dos pés a cabeça antes de seu corpo se colar ao meu mais uma vez. Suas mãos correram pela lateral do meu corpo com bastante interesse e curiosidade até chegarem a minha nuca, aproximando meu rosto do seu de uma forma voraz, juntando os lábios numa urgência ainda maior e mais intensa que o anterior.
Deixei que ele me beijasse assim por mais um tempo enquanto procurava meu bom senso perdido em algum lugar da minha cabeça.
Lembrei vagamente do que tinha me dito antes, e decidi que ela estava certa. Eu era um ser humano, não ia morrer por aproveitar só um pouquinho, certo? Fazia parte do meu trabalho interpretar aquilo, certo? Certo.
Minhas mãos, até então tímidas, que se encontravam atrás do seu pescoço, desceram por seus ombros e braços tatuados e inquietos, num caminho lento até os cotovelos, sentindo cada músculo definido, seguindo por seu tronco, para por fim subir vagarosamente com elas espalmadas até seu tórax.
E então apertei o tecido entre meus dedos e rasguei sua camisa.
O pior dessa situação constrangedora foi que eu realmente tive que fazer força para que o tecido rasgasse, que resultou numa reclamação baixa vinda do fundo da minha garganta, podendo muito bem ser comparada com um gemido rouco e cheio de expectativa, se levasse em conta o que estávamos tentando interpretar.
No segundo seguinte, depois de tirar o que lhe restava daquilo que um dia foi sua camisa, e eu apreciar descaradamente, não só com os olhos, mas com os dedos também, seu abdômen definido e suas muitas tatuagens desconhecidas para mim até então, ele fixou os olhos no meu, com lábios entreabertos e pupilas dilatadas. E elas transbordavam em surpresa.
Só não tive tempo de descobrir se aquele era Ian, o personagem sendo incorporado no momento, ou , o cara que me torrava a paciência todos os dias.
Sua boca avançou em meu pescoço, com beijos languidos e molhados que deixavam uma trilha de saliva até minha clavícula, onde sugou a pele com destreza e ferocidade. Fechei os olhos, incapaz de mantê-los abertos e joguei a cabeça para trás, apoiando-a na parede fria, fazendo isso parte da atuação ou não, meu cérebro havia simplesmente virado gelatina.
Ambas as minhas mãos fizeram caminho por suas costas, a arranhando levemente com as pontas das unhas e sentindo cada centímetro dos seus músculos rígidos até chegar ao cós de seu jeans. Suas carícias terminaram abruptamente e reclamei baixinho, nada feliz. Seus dedos ágeis continuavam a explorar minhas costas por debaixo da camiseta, apertando minha cintura com vontade. A uma altura dessas eu já não sabia mais o que estava fazendo.
Antes que sua boca capturasse a minha de novo, arrastei meus lábios pela linha do seu maxilar, seguindo para o pescoço e com planos de continuar descendo até suas tatuagens, que prendiam minha atenção, porém antes que o caminho se prolongasse, agarrou minha cintura com firmeza e sem aviso prévio impulsionou meu corpo para cima. Segurei em seus ombros e enlacei minhas pernas em sua cintura estreita, enquanto ele pressionava seu quadril contra o meu e segurava minhas duas pernas na altura das coxas, então procurando minha boca com a sua para mais um beijo cheio de desejo fingido.
O cenário imitava um apartamento. Eu sabia que se andássemos em linha reta chegaríamos ao quarto com a porta aberta em pouquíssimos passos.
E foi o que aconteceu.
Com uma facilidade impressionante, me carregou de olhos fechado e mãos firmes como se eu não pesasse dez quilos até que chegássemos à cama. Literalmente jogada ali, ele alcançou a barra de minha camiseta e a tirou, apressadamente, quase desesperado. Seus olhos passaram por meus seios cobertos apenas pelo sutiã e seguiram até minha barriga por um segundo que mais pareceu uma eternidade. Suas mãos logo não perderam tempo de explorar com a mesma intensidade que seus olhos cada pedacinho da minha pele exposta, assim como eu havia feito momentos antes.
Subitamente, me dei conta que estava só de sutiã e calça na frente de dezenas de pessoas, sendo gravada para mais tarde reproduzir tudo isso na TV e internet, mas de alguma forma não me permiti ficar vermelha, ainda que no fundo eu me sentisse constrangida com tudo aquilo, por um milagre, consegui agir com uma naturalidade quase real.
Quando seu corpo se encaixou entre minhas pernas ainda cobertas, e se deitou sobre o meu, seus beijos começaram a descer pelo meu pescoço, lentos e bastante habilidosos, até chegarem aos ombros, colo até descer pela minha barriga, quase chegando ao cós da calça, onde, por fim, Gregory encerrou a cena.
Suas mãos soltaram-se do meu quadril e as minhas deixaram sua nuca imediatamente.
Evitamos olhar nos olhos um do outro. Na verdade, evitamos nos olhar em qualquer lugar.
Eu me sentei na cama, e assim como ele, virei meu olhar em direção às pessoas que assistiam a cena e respirei com calma, esperando meus batimentos cardíacos diminuírem, me repreendendo eternamente por tê-los deixado se acelerarem dessa forma.
Com minha visão periférica vi cruzar os braços e esperar pelas próximas instruções (se é que haveria alguma).
Eu os fitava com expectativa. O que será que teriam achado?
foi a primeira pessoa que eu procurei. Seus olhos admirados e o sorriso aberto em seu rosto quase me convenceram que eu havia feito tudo muito bem. Infelizmente a expressão de não parecia assim tão satisfeita, parecia desgostoso e quase desapontado. Procurei um meio termo entre e para tentar compreender, entretanto foi o semblante de Gregory que me chamou a atenção.
O brilho no seu olhar transbordava orgulho. Seria isto então? O meio sorriso que ele tinha significava que eu havia o impressionado?
Se foi, ele não disse. A única voz escutada por mim e por todos os outros, foi a da roteirista que acompanhava a produção do capítulo, quem disse que aquela parte estava encerrada e me dispensou das filmagens, e então sem me distrair, segui a passos largos para meu camarim. Por algum motivo eu não conseguiria falar com ninguém agora.
Eu sentia os olhares em cima de mim, mas fingi não notar. Aproveitei a deixa e sai dali o mais rápido que pude.
E eu não olhei para trás em nenhum segundo.
Capítulo 13 - “If you hear my voice come pick me up
Are you out there?”
’s POV
- Se você continuar andando de um lado para o outro assim, vai acabar abrindo um buraco no chão que vai dar na Austrália. - lixava as unhas e ocupava todo o sofá do meu camarim enquanto estava deitada ali espaçosamente aproveitando o conforto do mesmo.
- Pare de falar bobagens. - Reclamei enquanto revirava os olhos.
- Então pare de agir igual uma doida. - Retrucou em seguida.
- Desculpa, só estou nervosa.
- Com...? - Ela me incentivou a falar, mas na verdade apenas a ignorei.
- Várias coisas. - Desconversei.
- Seja específica, por favor. Ainda não aprendi a ler a mente das pessoas. - Ela me importunou com seu sarcasmo.
Infelizmente ela vinha fazendo isso desde que eu havia deixado o estúdio de gravação logo após a filmagem minha e do .
Sinceramente? Eu estava constrangida.
- Eu só quero ir pra casa, tomar um banho quente e dormir muito.
- Devia se sentar um pouco. - Me ignorou. - Sua cara tá péssima e você nem se trocou quando te dispensaram, muito menos se preocupou em arrumar seu cabelo, e olha que ele está um caos.
- , você bem que podia ser mais sutil. Não tá vendo que estou estressada e quase pulando em cima de você?!
- Tudo isso por causa da cena? - Eu sentia o tom de indignação em sua voz.
- Quê? Não! Claro que não...
- Por que está na defensiva? - Inquiriu mais uma vez.
- Não estou na defensiva. Só não quero mais ficar aqui. Podíamos estar nos divertindo juntas, sabia? - Indaguei revirando os olhos.
- Falou a menina que há pouco ameaçava me degolar.
- Cala a boca!
- Não tente mudar de assunto, .
- Mas eu não estou tent... - Por um instante bem curto fiquei feliz por Vicka ter interrompido minha frase no meio quando entrou pelo camarim sem nem ao menos bater.
Ela me olhou por inteiro e deu de ombros em seguida.
- E então, o que eu perdi?
- Nada. - Respondi rápido.
- Não me convenceu.
- E eu lá quero convencer alguém? - Perguntei com as mãos na cintura.
Pela expressão que ela fez, não ficou muito feliz com minha atitude.
- Certo, querida. Venha aqui, vamos conversar. - Ela abriu os braços de forma dramática e me chamou para que ficasse ao seu lado. - Cadê o carinho, a paz no coração?
Enquanto ria, eu me limitava a revirar os olhos e tentar não sorrir, porque apesar de eu estar brava com tudo aquilo, não conseguia evitar me divertir com essas duas.
- Devo ter esquecido em casa. Qualquer lugar bem longe daqui.
- Arg, hoje está impossível brincar com você. Sério. - Reclamou no mesmo instante quando revirou os olhos.
- Eu só quero ir para casa e dormir por umas doze horas e fingir que não preciso levantar.
- Nossa, mas será possível que o te deixou tão sem energia assim?
Eu não esperei o próximo segundo para atirar a escova de cabelo que estava na penteadeira em direção à garota loira que eu chamo de amiga.
Seu grito curto e fino, seguido do barulho de algo caindo no chão.
- Que é isso! Ficou doida? - Arregalou os olhos, me olhando sem se mexer do chão. - Desde quando ficou tão agressiva?
- Não estou agressiva! Só queria fazer você parar de falar.
- E atirar objetos nas pessoas é uma boa forma de fazer isso? - Objetou Vicka com as sobrancelhas juntas e a boca torcida em uma careta.
Dei de ombros e não respondi. Por que não pulávamos a parte em que discutíamos e não íamos logo para o fim dessa enrolação toda? Nunca gostei de ficar revivendo a mesma coisa durante tanto tempo.
Provavelmente ambas se cansaram, e resolveram calar a boca de uma vez. Eu murmurava um “amém”, muito agradecida.
- Sabe o que eu acho? - Perguntou Vicka. Neguei confusa. - Que você está toda revoltadinha assim porque gostou.
Soltei uma gargalhada quase histérica. Alguém bateu na porta e eu a abri enquanto respondia:
- Ah, mas você só pode estar de brincadeira...
- Quem está de brincadeira? - Todas movemos as cabeças no mesmo instante para nos depararmos com , e parados a nossa porta. - E você costuma abrir a porta assim sempre ou é porque somos especiais?
Primeiro eu juntei as sobrancelhas e o encarei com o semblante franzido. Então percebi que os garotos pareciam sem graça, e olhavam para todos os lugares, menos para mim.
Menos . Ele me olhava com bastante interesse. Por isso segui seu olhar e foi quando...
- MAS QUE MERDA! - Eu bati a porta na cara deles que se fechou com um estrondo e me virei para as garotas. - POR QUE VOCES NÃO ME AVISARAM QUE EU ESTOU SEM BLUSA?
- Amiga, eu já te vi com menos que isso - Justificou estática no mesmo lugar. -, não precisa de escândalo. Pensei que estava assim porque queria.
Soltei um riso sem humor e impregnado de vergonha. Corri para trás do biombo e coloquei a primeira coisa que vi.
Por que mesmo eu não me joguei da ponte hoje de manhã?
- Em minha defesa, eu não disse nada porque minha tia passou minha infância e adolescência andando em casa de calcinhas e sutiã. - Ouvi Vicka. - Depois disso eu aprendi a não questionar a mania dos outros.
Eu não costumo falar muitos palavrões, nem pensar em muitos xingamentos, mas naquele momento a única coisa que eu queria era dizer um bom e sonoro "Puta merda".
- Vocês duas ainda me pagam! Vou raspar a cabeça de vocês quando estiverem dormindo, duvidam? Vocês nunca mais vão me deixar passar por uma situação dessas.
Eu ouvia risos do outro lado da porta conforme eu me aproximava mais dela. Não olhei para nenhum deles quando abri a mesma e dei passagem para que entrassem.
De repente eu achava meus sapatos muito mais interessantes que qualquer outra coisa no quarto.
- Agora as senhoritas vão dizer o que estavam discutindo tão animadas? - Aquele trouxa não sabia a hora de calar a boca, não?
Como eu não abri a boca, as minhas duas (ex) amigas trocaram breves olhares, buscando o que fazer.
Revirei os olhos.
- Por que tanto interesse no que eu e as meninas conversamos, ?
- Sou um homem curioso, Ruivinha. - Deu de ombros erguendo um canto dos lábios em deboche.
- Intrometido, você quis dizer. - Objetei semicerrando os olhos.
- Quanto mau humor. - Reclamou.
- Sua presença me deixa assim. - Revidei com desinteresse.
- Hm, você parecia estar brava antes de eu chegar aqui, na verdade. - Por que raios ele tinha que ser tão... Tão boboca?
- Impressão sua, . - Me levantei e fui para o canto mais distante da sala. Qualquer coisa pra ficar longe dele.
Vicka colou ao meu lado e enroscou seu braço no meu.
- A conversa tá ótima e tudo mais, mas temos compromisso. - Ela olhou para e eu.
Ah, ela ia me livrar da encrenca! Agora sim um vestígio de felicidade me encontrou.
- Temos? - fez uma careta de desentendimento. Eu a repreendi com os olhos. - É, temos! - Se levantou imediatamente.
- Nós vamos com vocês. - deu de ombros como se resolvesse os problemas assim.
- Não! - A voz de soou estridente e bastante desesperada. - Não dá pra vocês irem.
- E por que não? - As sobrancelhas de se juntaram.
Eles iam ser muito tapados se acreditassem na gente, mas não sei expressar o quanto que eu quero que eles fossem tapados.
- Porque vamos comprar coisas femininas. - Expliquei adquirindo a pose mais convincente que eu pudesse fazer. - E vocês vão ficar entediados, a gente marca pra irmos todos juntos uma outra hora.
- Se for pra comprar calcinha e sutiã eu faço questão de ajudar.
- Se manca, .
Os três garotos nos estudaram por um instante. Acho que tinha funcionado.
- Er... - olhou ao redor e suspirou. - Até mais! - Balançou as mais e foi a primeira a sair do camarim.
Olhei para Vicka e juntas fomos para a porta.
- Não esqueçam de trancar quando saírem! - Avisei séria. - Tchauzinho, garotos.
arqueou uma sobrancelha, nada convencido.
É talvez eu não tivesse enganado todos, mas não importa. Sem deixar isso na cara, abri o sorriso mais cínico que eu tinha guardado, e sai da sala de nariz empinado, para longe daquela criatura.
Querido Diário...
Se vergonha matasse, todos estariam no meu enterro agora.
Não querendo ser dramática, nem nada, mas quase todo mundo que estava lá na hora da gravação do agarra-agarra, veio me parabenizar no dia seguinte.
Apesar de dizerem que eu tinha talento para a “coisa” e que estava no rumo certo na minha vida, por alguma razão desconhecida eu deduzia que na verdade eles quisessem dizer algo como "Tá perdendo a vergonha na cara, hein?! É assim que se faz!", e então sorrir, dar uns tampinhas desajeitados nas minhas costas e sair andando por aí.
É, pois é.
Pelo que parece, a sorte não estava sorrindo para mim. Dois dias depois daquela gravação, quando eu pensei que estava livre de todo aquele bafafá de “nossa, você viu a hora que ele pegou ela de jeito?” ou “também teve aquela parte onde ela beijou o pescoço dele e ele se arrepiou todo!” e mais um monte de blá blá blá sem sentido, bateram na minha porta e eu fui toda inocente ver quem era, esperando de dedos cruzados ser alguém oferecendo carona.
Mas adivinha só? Me arrependi de girar a maçaneta no instante seguinte que me deparei com escorado no batente da porta com uma expressão de quem não quer nada com a vida.
Olha, decididamente eu não fui alguém muito legal na outra vida, porque quanto mais eu ignorava, mais ele me perturbava! Desgraça.
A questão é que então tivemos um pequeno diálogo, que além de inútil, me fez ficar bastante irritada com sua presença.
Ele estava definitivamente interessado em me encher a paciência, pois desde a vez em que acidentalmente abri a porta sem a camiseta depois daquela maldita gravação, aquele filho de uma kenga (ok, a mãe dele não era uma kenga) fazia questão de fazer comentários desnecessários. Mesmo quando eu estava completamente vestida.
Eu estava de roupão. R-O-U-P-Ã-O. Qual o problema dele perceber a diferença?
Lembro então de ter dito algo como “Desembucha logo o que você quer, não quero ficar aqui olhando pra tua cara.” E ele estendeu uma blusa na mão com um sorrisinho provocativo nos lábios. Sim, era a camiseta que usei na gravação que eu nem lembrava mais da existência. Eu não queria aquela coisa.
Claro que eu o xinguei, etecetera e tal, mas não resolveu muita coisa.
Ele ainda teve a audácia de se aproximar e dizer bem baixo só para eu escutar “Não tive tempo de dizer antes, mas... Belo trabalho ontem, Ruivinha.”, e me olhou de cima a baixo e deu um meio sorriso.
E aí eu bati a porta na cara dele.
Não que tenha resolvido alguma coisa, porque eu tive que vê-lo hoje, e vou ter que vê-lo amanhã, e provavelmente depois de amanhã, até que um raio caia na cabeça dele e o parta em dois.
Mas não tem problema, enquanto isso não acontece eu ocupo meu tempo fazendo coisas mais interessantes, como dormir. Então... Boa noite!
Com amor,
.
's POV
Dispenso todo o estresse matinal. Sempre desprezei e achei muito ridículo aquelas pessoas que olhavam o relógio e se espantavam por ver que estavam míseros três minutos atrasadas, e faziam o possível e o impossível para recuperar o tempo perdido.
Infelizmente agora eu as entendia perfeitamente e começava a me achar tão maluca quanto elas.
E lembrando o fato de que a sorte não estava sendo uma boa amiga ultimamente, aqui estou eu, com um copo de café na mão, a bolça na outra, correndo e tropeçando nos meus próprios pés em direção ao estúdio torcendo não chegar atrasada. De novo.
Os últimos dias tem sido um conjunto de desastres iminentes. Quando eu pensava que não dava pra piorar, a lei de Murphy se mostrava sempre competente demais. Desde que voltara para Brighton, as coisas começaram a ficar esquisitas. Talvez tenha sido tudo que aconteceu aqui, e ainda o que ela havia me contado sobre lá, ou o que eu entendi nas entrelinhas, não sei direito o quê, mas algumas coisas estavam diferentes, e não era um diferente bom do tipo que nos faz ficar animados, era um diferente do tipo que faz você ficar frustrado por não poder entender do que se trata.
E por isso tenho ficado tão distraída com absolutamente tudo, que minha concentração tem se perdido até mesmo dentro de casa quando eu colocava água em um copo e ela transbordava sem eu ao menos perceber.
Tá, eu estava assimilando essas coisas a estresse, pois era a explicação mais plausível que eu pude encontrar para meus momentos de alienação.
Ou então fosse tudo em resultado dos pesadelos que eu andava tendo de novo... Noite passada por exemplo.
Não sei bem como aconteceu, fazia meses que não sonhava com coisas ruins, entretanto tive um pesadelo esquisito onde eu acordava sozinha numa ilha, e, aos poucos, todas as pessoas que eu amo ou já amei iam aparecendo. Mas ao invés de felicidade, eu sentia falta de ar, uma espécie de sufocamento repentino causado pela presença delas. Eu queria correr para longe, o mais rápido que minhas pernas trêmulas permitissem, mas algo não permitia que eu me afastasse delas. Primeiro parecia que eu estava lidando com uma força invisível, depois aos poucos se transformando em algo gélido preso aos meus membros, e logo eu visualizava meus pulsos e calcanhares rodeados por correntes, me prendendo ali. E mesmo acorrentada, com medo de toda aquela gente com olhares assassinos, por alguma razão maluca eu não queria que nenhuma delas me deixasse sozinha.
Era como se eu odiasse a ideia, mas aceitasse ser prisioneira deles.
Lembro que de repente, mesmo com a imagem não muito nítida e a visão embaçada, meu pai, meus irmãos, , Luke, minha mãe e outras pessoas mais formavam um círculo a minha volta, todos de pé me observando com serenidade, substituindo o olhar gélido que antes me lançavam. E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, eles desapareciam. Eram puxados pela água ou sugados pela terra, me deixando aos prantos em desespero absoluto, sem poder fazer absolutamente nada por estar toda enroscada naquelas malditas correntes.
Naquela noite acordei suada e com o coração acelerado, respiração errática, como se o sonho não tivesse sido sonho, além da sensação horrível de aperto no coração, que posso dizer quase ter me causado pânico. Tive medo de verdade como há muito eu não lembrava ter.
Com pressa, sem pensar no que estava fazendo, levantei trôpega a procura do celular e liguei imediatamente para meu pai, sem me importar com o horário.
Mais tarde eu lembraria que essa teria sido a primeira vez a falar com ele desde minha mudança.
O que aconteceu depois só fez com que eu me sentisse ainda pior. Amaldiçoei-me naquele mesmo segundo por ser tão inconsequente.
“Como pode ser tão fingida e me ligar à uma hora dessas querendo saber sobre nosso bem estar?” perguntara ele exasperado, tomando ar para prosseguir “Como você consegue se olhar no espelho todos os dias sabendo que foi você quem matou sua mãe? Como consegue dormir todos os dias sabendo que poderia ter evitado toda aquela desgraça? Não me procure mais com suas desculpas de ‘preocupação’. Não me interesso por nenhuma delas. Não depois que você nos abandonou por puro egoísmo. Não me ligue mais, ! Eu não quero escutar sua voz.”.
A ligação havia sido breve, histérica, rancorosa. Tão ruim quanto aquele pesadelo ridículo. Porém agora eu já entendia que ele não queria mais contato comigo, que ele não queria mais ter notícias minhas, que a única coisa que ele provavelmente queria era que eu permanecesse distante.
Ah, mas o dinheiro sim, esse ele queria muito, fazia questão de continuar recebendo todo mês na sua conta bancária.
Por alguma razão, não fiquei surpresa.
Passei as próximas horas em claro, mas não me permiti chorar. Preferia ficar com os olhos inchados por falta de sono a ficar com eles inchados por causa de lágrimas ridículas.
Pensei em tudo e em nada ao mesmo tempo. Enquanto o que ele falou ecoava por minha cabeça, decidi que eu tinha que fazer aquilo que me fazia feliz, e apenas isso. Poderia parecer egoísta sim, mas a tentativa dele de me deixar com remorso e peso na consciência não haviam funcionado. Minha mãe sempre dissera que antes de você amar alguém, deveria amar a si mesmo.
Eu confiava no que ela tinha dito.
Balancei a cabeça algumas vezes e mandei esses pensamentos para longe quando passei pela entrada do estúdio de forma tão apressada e desnorteada que mal notei a presença das outras pessoas. Na verdade, só quando cheguei ao local de gravações que percebi que o único motivo pelo qual eu não ter notado ninguém, era porque não havia ninguém ali.
Olhei para o relógio na esperança de que eu estivesse adiantada, só que não.
Tinha algo muito errado nisso tudo, mas certeza que o horário não era.
- Cadê todo mundo? - Deixei a alça da bolsa escorregar por meu ombro e atingir o chão enquanto minha voz ecoava pelo lugar vazio e escuro.
Um homem de barba branca e macacão azul apareceu e eu deduzi que ele fosse algum sujeito da manutenção. Assim que me viu, franziu a testa e transformou seu rosto numa careta.
- Quem é você? - Seu sotaque carregado escocês um tanto enrolado denunciava que além de não ser nativo daqui, tinha bebido um pouco antes do seu turno.
- Eu trabalho aqui. Sou uma das atrizes de uma das séries que gravam nesse estúdios. The Black Side.
O homem passou os dedos em sua barba comprida demais e coçou a nuca, como se estivesse fazendo esforço para se lembrar de alguma coisa.
- Hoje as gravações são externas. - Falou por fim, depois de vários segundos em silêncio. - Ninguém te avisou?
Minha primeira reação foi fechar os olhos, respirar fundo e pensar em todos os palavrões existentes no vocabulário de um ser humano. Depois peguei a agenda do meu celular só para ter certeza do quão burra eu era e recolhi minha bolsa do chão.
Se eu não fosse parecer uma louca histérica, teria gritado de frustração. Mas como não era esse o caso, choraminguei e olhei para o homem que continuava a me encarar com uma expressão que passava de confusa para perplexa, terminando com uma cara digna de bocó.
Falei qualquer coisa que soasse como um pedido de desculpas, e sai correndo para o ponto de táxi mais próximo.
Eu tinha que ligar para alguém e avisar que eu chegaria atrasada, sabia que todos iriam me xingar até a alma se eu fizesse isso, mas era necessário.
Então para quem eu ligaria...?
Fiz uma lista mental e fui analisando-a minuciosamente.
Gregory? Não, ele está fora de cogitação.
Assim que atendesse ele discursaria pelo telefone desempenhando seu papel de chefe babaca típico de quando estava com o humor péssimo e provavelmente me faria ficar chateada durante todo o dia com coisas que eu poderia ter evitado ouvir se tivesse prestado mais atenção a minha agenda.
Philip, talvez? Hm, definitivamente não.
Ele diria que as coisas não acontecem do meu jeito e que levar tudo na moleza não "rola", porque agora eu tenho coisas mais importantes a fazer do que dormir o dia inteiro. E isso seria só o começo de uma longa bronca.
?
não iria para as gravações de hoje, estaria fora de cogitação.
Victória não seria uma má escolha... seria?
Talvez até fosse se eu já não estivesse devendo um milhão de favores a ela. Vic, do jeito que era, riria na minha cara e provavelmente não ajudaria muita coisa.
E então sobrava... Merda!
.
Ele, que dentre todas as opções, seria a pior, parecia a mais plausível.
Talvez, se eu pedisse com jeitinho, ou se um grande milagre acontecesse, ele seria o ideal para me ajudar agora. E claro, tinham as chances dele desligar o telefone na minha cara, mas mesmo assim procurei seu contato e liguei. Ele sim era expert em atrasar as gravações. Para ele isso seria moleza.
Ele atendeu ao telefone três toques depois.
- ? – Minha voz estava carregada de expectativa e desespero.
- Não, a rainha.
- Deixa de ser idiota. - Retruquei depois de revirar os olhos, com pressa.
- Não revire os olhos, Ruivinha. - Falou ele e minha expressão mudou de impaciente para surpresa. - E não fique surpresa. Consigo imaginar você perfeitamente agora.
Pisquei e me recusei a pensar sobre isso, balançando a cabeça para os lados.
- Será que dá pra parar de adivinhar como eu estou ou deixo de estar e me ouvir por um minuto? - Pedi enquanto passava o endereço certo para o motorista do táxi e pedia para ele se apressar.
- Um minuto? Hm, não sei se vai rolar. Sabe como é, tenho que começar a gravar agora... - Ele estralou a língua no céu da boca. Bufei sem paciência.
- , para de ser sarcástico! Eu estou presa no trânsito.
- Que desculpinha besta! Nós estamos praticamente do lado do seu apartamento. Você tem duas pernas, dá pra vir andando.
- Sua informação não mudou nada na minha vida. Eu continuo presa no trânsito! - Levantei a voz numa tentativa de fazer com que ele entendesse.
O motorista começou a me olhar feio pelo retrovisor.
- E o que você espera que eu faça? - Grunhi de raiva.
- Enrole eles o máximo que der.
- Not.
- , por favor! Eu nunca te pedi nada. - Me sentia tão desesperada que só não implorava porque ainda tinha meu orgulho próprio.
- Exatamente! Aí você vai ficar me devendo um favor. Quem garante que você vai cumprir depois? - O tom de dúvida na sua voz era óbvio. Mordi meu lábio inferior e fechei os olhos com força.
- Eu juro que você pode me cobrar depois! E prometo também que não vou reclamar do que você quiser que eu faça, contanto que não tenha baixaria ou envolva atividades que me façam agir como uma meretriz...
Silêncio do outro lado da linha.
- ?! - Eu o chamei impaciente.
- Tô pensando, porra! - Reclamou rude.
- Pensando no quê? Eu já disse que te pago um favor de volta, só tenta embromar por alguns minutos e...
- Não é nisso que eu tô pensando, cacete.
- No que então, santa educação? - Esbravejei. Por um segundo eu desejei que ele não tivesse tanto desinteresse assim em tudo.
- Estou pensando na desculpa que vou usar.
Meu cérebro levou alguns segundos para assimilar o que ele disse, mas quando o fez, não pude evitar um sorriso.
- Tá brincando?! - Uma repentina animação me atingiu, mas não completamente. Era impossível não ter uma pontada de dúvida quando se tratava de .
- Bem que eu gostaria de estar brincando...
Gargalhei feliz no telefone. O motorista me olhou estranho mais uma vez enquanto tentava se concentrar no caminho que deveria seguir.
- Se você não fosse um ser humano tão desagradável eu poderia te abraçar! - Deixei escapar com um sorriso no rosto.
- Dispenso contatos físicos, muito obrigado. - Seu tom de desprezo me fez rir uma ultima vez.
- Dane-se isso. Até mais, . E obrigada!
Ele ia falar alguma coisa, porém desliguei o telefone antes que isso acontecesse, o cortando instantaneamente. Se fosse importante, ele diria depois.
Antes de descer do taxi, depois do que pareceu ser uma eternidade, o homem olhou para mim uma última vez, juntou as sobrancelhas e perguntou com uma pontada de dúvida:
- Você não é aquela garota nova do seriado de suspense? Como é o nome mesmo? The Black Life? - Não consegui evitar o sorriso.
- The Black Side, na verdade... E você está certo, sou eu. Meu nome é . – Abri o sorriso e entreguei o dinheiro que lhe devia. - Pode ficar com o troco. Até qualquer hora!
Bati a porta e não esperei resposta dele.
Mesmo com certa distância eu já conseguia ver a área reservada para as filmagens e toda a movimentação apressada que denunciava o preparo para longas horas de gravação.
Corri o mais rápido que pude usando minhas sandálias de salto e passei pelas faixas de isolamento.
Foram tantos olhares irritados, bravos, raivosos e assassinos pra cima de mim, que eu quase desejei dar meia volta e entrar naquele táxi de novo.
Philip foi o primeiro a me achar, e sem dizer uma palavra, me puxou pelo braço com ar exasperado e me guiou até a primeira cadeira vaga em seu caminho, me sentando ali o mais rápido que pode para logo começar a mágica de me deixar apresentável.
E ele não perdia tempo.
- Jesus Cristo, menina! O que aconteceu com você? Suas olheiras estão tão grandes que até parece que levou uma surra. - Poxa, ele era sempre tão delicado com as palavras.
Preferi não responder e gastar meu tempo relendo o script. Infelizmente não consegui realizar essa atividade com muito êxito.
- ! – Antes de vê-la realmente, vi seu reflexo através do espelho de maquiagem. Hm, Vicka não estava feliz comigo... – Onde você tinha se metido, coisinha?!
Eu abri minha boca para responder e recebi um puxão de cabelo em resposta.
- Nada de conversas agora! – A voz de Philip saiu estrangulada. - Não tá vendo que tenho que transformar isso em um ser humano normal em dez míseros minutos? Entende como isso é difícil? - Protestou Philip, segurando a escova de cabelo com força, deixando os nós de seus dedos brancos. – Hey, você aí! Para de ficar coçando a bunda e venha me ajudar imediatamente!
- Quem se importa com maquiagem? – Protestou Vic. – Eu estava enlouquecendo atrás dessa garota, meus cabelos ficaram até brancos de estresse! - Exigiu Vicka com os olhos semicerrados e sobrancelhas quase juntas, e então se virou para mim. – Por que não atendeu minhas ligações?
- Eu disse: nada. de. conversa.
- E eu disse: quem. se. importa.
Meu cabeleireiro a olhou tão fixamente que vi chamas em seu olhar e decididamente, se eu fosse ela, teria corrido para as montanhas.
Passei os próximos minutos com essas duas pessoas falando no meu ouvido sem parar, discutindo como se o mundo fosse acabar a qualquer momento, quando quem sofria as consequências era o meu couro cabeludo com todos os puxões que recebia.
Só agradeço pela garota da maquiagem ter sido tão paciente. Imaginei que eu estaria sem meus olhos antes da hora do almoço.
Depois de me trocar como se minha vida dependesse disso e sair correndo do trailer, deparei-me com me esperando impaciente e nem um pouco bem humorado do lado de fora.
Seu olhar que parecia estar fazendo picadinho de denunciava sua não alegria muito facilmente.
- Você me deve um favor muito grande. - Disse baixo, num tom de rouco de raiva controlada que me causou arrepios. - Mas muito, muito grande mesmo. - Deu ênfase a palavra. O olhei com o semblante torcido.
- Por quê? Que desculpa usou? - Deixei a curiosidade falar mais alto.
Um segundo depois desejei ser muda.
Seus olhos faiscaram e ele me deu as costas enquanto caminhou rumo ao meio das câmeras. Mas como eu já estava ferrada mesmo, não vi problema em me ferrar mais um pouco, então segurei o seu braço, insistindo numa resposta.
- Não te interessa, porra! - Reclamou grosseiramente, e não consegui deixar de me sentir ofendida.
Parei de andar por um segundo antes de segui-lo ainda mais rápido do que antes.
- Hey, não fala assim comigo, seu grosso!
- Grosso igual o meu p...
- Não ouse terminar essa frase! - O interrompi a tempo de ouvir baixarias.
- Não deixa de ser verdade, de qualquer jeito.
- Eu não quero saber! - Torci meus lábios em uma careta. - Você está agindo de uma forma ridícula.
- Ah, sério? - Sorriu debochado. Respirei fundo e fechei os punhos. - Eu não ligo, Ruivinha.
Me controlei para não parecer uma garota mimada e insatisfeita, pois minha vontade era dizer muitas verdades sobre o seu comportamento exagerado para esse projeto de homem.
Antes que eu fizesse isso, uma das ajudantes de figurino parou ao seu lado com expressão solidária.
- Se sente melhor, ?
bufou impaciente.
- Sim, obrigado. - Respondeu seco. Franzi o cenho os observando com atenção.
- Você tem que tomar cuidado com o que come na rua... Alguns lugares não são de tudo confiáveis. - Afirmou ela, e eu, que começava a entender tudo aquilo, tentava controlar o riso.
- É, eu sei. - concordou desinteressado, provavelmente tentando fazer o assunto morrer. Mas pela forma que ela o olhou, não ia fechar a boca tão cedo.
- Nós ficamos preocupados com tempo que você passou no banheiro. – Coloquei a mão na frente da minha boca, evitando rir. - Depois, se você quiser, posso falar com meu irmão para ele te passar algum remédio, sabe? Ele é médico e tudo mais... Pode te ajudar.
assentiu, contrariado, e ela sorriu uma última vez antes de sair andando e me dar espaço, para finalmente, poder gargalhar alto e na cara dele.
- Você não fez isso! - Falei incrédula e muito, muito realizada.
- Sem comentários.
- Você fingiu que estava com dor de barriga?! - Soltei outra gargalhada, sentindo meus olhos lacrimejarem e os músculos da barriga doer.
- Não me orgulho disso e agora cala a boca. – Sem graça, ele respondia com poucas palavras, e eu só ria ainda mais.
- Parabéns, . - Respirei fundo e me concentrei. - Me surpreendeu.
Ele se virou e me encarou por dois segundos. Tentei me manter séria, fazendo jus a minha profissão, mas infelizmente foi uma tentativa falha da minha parte.
- Você ainda me paga. - Tentou soar ameaçador. Continuei rindo.
Por alguma razão tudo aquilo parecia muito hilário aos meus olhos.
- Ahã. Espera sentado. - O provoquei.
- Se você não cumprir o que disse...
Eu o interrompi antes que terminasse a fala:
- Não se preocupe, . Tudo que eu prometo, eu cumpro. - Dei um passo em sua direção, ficando cara a cara com ele e cruzei os braços. – Duvida de mim?
No primeiro instante ele fez menção de contrariar, dizer bobagem, qualquer coisa do tipo, mas ponderou o que eu disse em seguida, me estudando por um segundo para por fim fixar seus olhos no meu.
Esperei que ele dissesse alguma coisa, qualquer que fosse, pois aquela aproximação começava a se tornar incômoda demais, mas não recebi resposta. Ele virou as costas e saiu andando.
Fomos chamados para a gravação em seguida. E ninguém tocou mais no assunto.
Sempre, sem exceção, quando havia uma pausa na gravação, eu dava um jeito de ingerir cafeína, ou algumas gramas de chocolate só para me deixar mais esperta para as horas seguintes. Hoje, que eu já não estava fixa no planeta Terra, café e chocolate eram iguais a necessidade extrema.
Eu estava sentada sozinha numa parte mais vazia do lugar reservado bebericando uma grande xícara de café bem quente, tentando me manter aquecida naquele vento gélido, escutando ao longe a movimentação dos paparazzi e dos fãs, quando por alguma razão, até então desconhecida por mim, duas mulheres prenderam minha atenção.
Estavam as duas tão alheias e concentradas em seus próprios problemas, que mal notaram passar ao lado de uma área repleta de câmeras e pessoas trabalhando para gravar uma série de TV. Ambas falavam bastante alto, e não consegui evitar não escutá-las.
Mãe e filha discutiam da mesma forma como eu lembrava fazer com a minha mãe quase dois anos atrás.
- Você não pode me tratar como se eu ainda fosse uma criança! - A garota falou com a voz esganiçada, olhar raivoso e totalmente convicta do que dizia. - Eu tenho dezesseis anos, quando é que você vai perceber que não preciso mais da sua ajuda pra escolher o que eu quero? Posso cuidar de mim sozinha.
A mãe lançou um olhar duro, severo para a menina. Mas a expressão dela assim durou poucos míseros segundos, logo se suavizando, olhando em seguida para a filha com carinho.
- Você ainda não entende, mas não é dona do seu próprio umbigo, querida. - Eu imaginei que a garota a interromperia, falaria mais um milhão de bobagens, e tentaria convencer a mãe a se dobrar segundo seus conceitos. No entanto, a mãe continuou antes que isso acontecesse. - Aprenda que toda escolha tem uma consequência. Tudo que você disser pode, e será usado contra você. E quando isso acontecer, você não vai poder fugir. E eu estou aqui com intuito de te ajudar. Só confie em mim, querida.
- Você não me entende, nunca me ouve! - A garota gritou, argumentando fortemente.
- Talvez daqui uns anos você entenda o que eu quero dizer, filha... - O sorriso triste da mãe deixava claro que não adiantava o quanto repetisse, a menina não concordaria.
Num grunhido de frustração a garota andou a passos largos na frente da mãe, que a seguiu para fora do meu campo de vista e audição.
Uma vez, pelo que parecia ser éons atrás, eu tivera uma discussão parecida com a minha mãe... E foi pra lá que minhas memórias me levaram enquanto o vento londrino bagunçava meu cabelo e esfriava meu café.
- Você não vai e ponto final, . Não insista mais, a decisão já foi feita. - Ela disse descendo as escadas ao meu encalço.
Apesar de segurar firme no corrimão, tropecei nos meus saltos e quase cai.
- Quem disse? Você não pode me impedir de sair por aquela porta. - Afirmei com a voz firme e rígida. Eu iria com ou sem a permissão dela.
- Olha como fala comigo! Sou sua mãe, me respeite! - Sua mão segurou em meu braço e eu virei bruscamente, ficando face a face com ela.
- Quer dizer que eu devo te respeitar, mas você nem ao menos escuta o que tenho a dizer? - Soltei uma risada incrédula. - Muita hipocrisia da sua parte, não?
Os olhos dela faiscaram. Por reflexo puxei o meu braço e dei um passo para trás.
- Você é inconsequente, . - Seus olhos passaram por cada centímetro do meu rosto - Quando vai perceber que suas decisões não afetam apenas a você mesma? Você não é dona do seu próprio mundo! Não pode sair por aí fazendo o que quiser, porque um dia vai acabar se arrependendo! Devia confiar primeiramente em mim que sou sua mãe a ouvir aquele seu namoradinho que te faz pensar que já é grande o suficiente para agir por si só.
A adrenalina corria por minhas veias, acelerando meu coração e deixando minha respiração errática.
- Não fale assim dele! E eu não me arrependo de nada. Nunca me arrependi e nem nunca vou me arrepender. Enquanto aqui dentro me acusam por não ser a filha dos sonhos, lá fora tem um mundo me esperando com coisas incríveis! E eu não vou ficar aqui, desperdiçando meu tempo enquanto eu poderia estar vivendo.
Virei as costas e andei até a porta. Com os saltos ecoando no chão e bolsa batendo contra minha perna, segurei a maçaneta. Antes que eu saísse de uma vez, minha mãe chamou minha atenção, quase suplicando minha atenção:
- Você não vai fazer isso, ! Eu te proíbo.
E foi então que eu disse a coisa mais idiota da minha vida:
- Tarde demais, eu já estou fazendo.
- ? - meu nome ecoou nos meus pensamentos. Procurei me concentrar naquele som e me trazer de volta ao presente, mas o processo para que isso acontecesse estava bastante lento. - Planeta Terra chamando ! - Victoria estralou seus dedos na frente dos meus olhos, e foquei minha visão nela após algumas rápidas piscadelas. - Baby, o que aconteceu com você? Ficou fora do ar por uns cinco minutos.
Eu a encarei confusa.
- Verdade, até parecia que você tinha tido um blackout... - , que até então eu não havia notado a presença, falou ao lado dela. - Ficou aí toda estranha olhando para além do horizonte com uma cara de gato assustado...
- Fiquei? - Perguntei descrente, mas não precisei de outra confirmação além dos olhares estranhos que me lançaram.
- Você tá legal? - Vicka franziu o cenho e me fitou.
Assenti ainda incerta do que realmente havia acabado de acontecer... Eu devia ter ficado muito tempo submersa em pensamentos sombrios que mal havia notado a presença deles ali, na minha frente, chamando por mim.
Respirei fundo e tentei parecer subitamente despreocupada com o assunto.
- Já devemos voltar ao set? - questionei arriscando um sorriso amarelo.
- Não... É horário de almoço, na verdade. - Ela respondeu. - Você quer vir com a gente? Íamos comprar peixe frito e batata frita com bastante molho para entupir nossas artérias com toda essa gordura.
Ri baixo e concordei primeiro com um aceno, para depois me lembrar de responder:
- Ah, sim... Claro! Podemos ir. - Me levantei rapidamente, arrumando minha roupa e meu cabelo. Aproveitei também para jogar fora o copo onde antes tinha café, e parei ao lado dos dois em seguida.
- Tudo bem, eu vou avisar o Gregory que vamos sair todos juntos por aqui onde não tem nenhuma alma viva passando. Vou pegar umas toucas e talvez alguns cachecóis para nos escondermos também. - Vic sorriu animada e virou as costas, indo direto para onde o Sr. Colleman provavelmente estaria.
Senti o olhar de sobre minha pessoa, e me virei para ele, ligeiramente incomodada com toda sua observação.
- Por que está me olhando como se quisesse descobrir cada segredo obscuro da minha alma? - Questionei com uma pitada de humor que, se foi entendida por , não demonstrou.
- Suas palavras, não minhas. - Revirei os olhos. Ele não tinha senso de humor.
- Para de me encarar. - Pedi já sem saber muito como agir, mas bastante sem graça.
me fitava com uma expressão difícil de descrever. Passava um ar misterioso pelos seus olhos quase semicerrados e os lábios comprimidos em linha reta, acompanhado pelas sobrancelhas que começavam a se juntar conforme ele franzia a testa. Os braços cruzados na altura do seu tórax, e as pernas firmes no chão faziam sua pose se tornar intimidadora.
Eu começava a me sentir desconfortável com toda aquela observação.
Anda, Vic, cadê você?, me perguntei o olhando pelo canto dos olhos.
Ele mudou o peso do corpo de pé e por fim perguntou com a voz rouca, baixa demais para que outra pessoa além de mim escutasse:
- O que aconteceu com você, ?
- Nada... - Soltei uma risada nasalada. - Já disse isso, esqueceu?
- Acho que você não entendeu a pergunta. - Continuou com olhar fixo no meu, de uma forma tão intensa quem impedia que eu os desviasse. - Talvez você pense que ninguém note, mas eu sei que algo aconteceu com você. Não hoje, nem ontem, mas há algum tempo, e isso reflete em quem você é agora. E sinceramente, estou disposto a descobrir.
Meus lábios se entreabriram em surpresa, soltando um suspiro de incerteza. Pensei em dizer alguma coisa, qualquer coisa, mas as palavras não saiam. Isso estava soando bizarro!
Ele esperava em silêncio, mas não por uma resposta, ele esperava por uma descoberta. Algo que, se dependesse de mim, ele não teria.
- Já falei com Gregory. - Ambos nos viramos para encontrar Vicka com um sorriso no rosto e sua bolsa pendurada no ombro. - Ele liberou nossa saída. Ah, e também falou para evitarmos confusões e voltarmos vivos para cá. Vamos então? Tá aqui a touca de vocês. Façam bom uso delas!
Permaneci mais alguns segundos estática, ainda sentindo o olhar de sobre minhas costas.
Me coloquei ao lado dela e assenti, pegando a touca e a vestindo. Decidi que falar agora talvez não fosse a melhor ideia. Eu correria grandes riscos de gaguejar e parecer uma idiota, por ter sido pega claramente de surpresa pela observação (em minha opinião, desnecessária) de . E não daria esse gostinho a , mostrando que tudo aquilo havia me afetado. Portanto, seguimos em silêncio, deixando o assunto desaparecer de uma vez.
Mais tarde naquele mesmo dia, depois de tantos momentos embaraçosos, pensei que precisava de algum tempo sozinha para pensar, e, graças ao que dissera antes das gravações sobre a distância da minha casa até o set, e tive então a brilhante ideia de voltar a pé para o meu apartamento, o que devia ter passado pela minha cabeça logo de cara que seria uma péssima ideia.
Infelizmente só percebi o tamanho da minha burrice quando comecei a caminhada e os fotógrafos decidiram me acompanhar amigavelmente (sentiu o sarcasmo?) no meu caminho de volta enquanto registravam cada vez que eu respirava, piscava e clamava por misericórdia, como se fosse a coisa importante para a vida deles.
Ah qual, é?
- Hey, , como tem sido as filmagens?
- Sorria para a câmera!
- Já deixou a fama subir à cabeça?
- Por que está tão pálida?
- Vamos lá, nos conte sobre as gravações!
Eles faziam tantas perguntas que eu me sentia zonza. Não abri a boca em momento algum e me limitar a dar alguns pequenos sorrisos, torcendo para que se cansassem e então me deixassem continuar a volta para casa tranquilamente. Mas isso não aconteceria. Os paparazzis estavam dispostos a seguir cada passo meu pelo resto do dia.
Maravilha!
Abaixei a cabeça, apressei o passo e continuei meu caminho, cobrindo o rosto com a mão quando os flashes pareceram ser insuportáveis.
Nesse momento de desespero decidi que eu tiraria minha carteira de motorista o quanto antes possível. Não dava pra ficar assim pra sempre, e pegar táxis já estava se tornando enjoativo, não podia depender deles para tudo também.
Mais alguns passos e aquela caminhada começou a se tornar impossível.
A ideia de tirar os saltos e sair correndo passou pela minha cabeça, assim como a outra de mandas todos eles para um lugar nada bonito, mas ambos os pensamentos foram interrompidos tão rápido quanto a moto que parou no meio fio ao meu lado.
Inferno! Era tudo o que me faltava, pensei. Em decorrência do susto, meu coração gelou, e logo pensei que aquilo fosse algum tipo de assalto e já estava quase jogando minha carteira na fuça do infeliz quando o cara tirou o capacete e meu olhar de medo foi substituído por descrença.
- ?
- E aí, Ruivinha. - Os flashs aumentaram parcialmente.
- O que você tá fazendo aqui?
- Te oferecendo uma carona. - Ele esticou o capacete que usava em minha direção. - Quer?
Eu teria dito não por duas razões. Primeira: eu tinha pavor de motos.
Segunda: a combinação de moto + não parecia nada segura.
Mas ponderei tudo por um instante e cheguei a conclusão de que se eu recusasse, ele me deixaria ali junto com aquele infinito de luzes brancas e "bem" seria a última palavra que poderia definir meus estado físico e mental. Desesperada seria a primeira delas.
Relutei por um segundo, e então peguei o capacete de sua mão. Ele ergueu um dos cantos da boca em um sorriso convencido. Mantive meus lábios em uma linha reta e coloquei a proteção na minha cabeça. O perfume dele havia impregnado cada centímetro daquele acessório, mas não achei ruim.
Olhei para a moto mais uma vez. Tinha certeza que me arrependeria disso depois.
- Não temos o dia todo... - Me apressou apontando para o relógio em seu pulso, debochado. Abaixei a viseira do capacete e então subi na garupa.
Segurei no tecido das costas da sua jaqueta com uma mão e esperei que ele desse a partida.
olhou-me por cima dos ombros.
- Tem certeza que está segurando firme? - Levantou as sobrancelhas de forma sugestiva.
- Tenho, tenho sim. - Não, na verdade eu não tinha.
- Você que sabe. - Se virou para frente, e aquela coisa começou a se mover.
Levei um susto com a aceleração e instintivamente passei meus braços por sua cintura, numa tentativa de me manter firme e ainda em cima daquela coisa.
Ele riu, se divertindo com a minha desgraça.
E para meu desespero, continuou acelerando quando se deparou com a rua livre de carros e com faróis a seu favor. Eu fechei os olhos, e esquecendo meu orgulho, o apertei ainda mais forte numa espécie de abraço de urso por trás. E como se não fosse o suficiente, ele começou a passar por entre os carros e fazer curvas como se fosse um alucinado, e eu, mera passageira, numa tentativa, talvez não muito inteligente de não entrar em pânico e me sentir segura, apertei minhas cochas contra seu quadril.
Eu esperava ser a única a perceber isso.
Permanecemos em silêncio durante os próximos minutos, e a certa altura, eu já começava a me acostumar com a sensação de andar naquilo. Era boa, eu estava curtindo, e por isso me atrevi a abrir os olhos. O caminho passou de familiar para desconhecido de uma hora para a outra.
Observei ao redor procurando um ponto de referência qualquer. Quando não achei nenhum, falei o mais claramente que pude através de todo o acolchoado do capacete:
- Meu apartamento ficava a duas quadras atrás.
Ele sorriu por cima do ombro. Um sorriso malicioso que passou para a sua voz quando me respondeu:
- Sei disso. Não é para lá que estamos indo.
- Para onde então?
- Para o meu apartamento.
Minha expressão assumiu um misto de surpresa e confusão, meu corpo todo ficou tenso. Um pensamento louco passou pela minha cabeça e me perguntei se estaria me sequestrando. Ri dessa maluquice logo depois. Que coisa ridícula, o cara não faria isso nem se fosse pago, imagine se fosse por vontade própria.
- E por quê?
- Porque, Ruivinha - Ele soltou um riso nasalado e inclinou a cabeça para o lado. - Se você quer sobreviver nesse mundo, saiba que o primeiro passo para isso é despistar um paparazzi.
Ele acelerou a moto em seguida, e não consegui evitar um ruído de animação quando a injeção de adrenalina me atingiu, e dessa vez, eu não estava com medo de senti-la.
's POV
Eu podia apostar que estava com as pernas bambas quando desceu da garupa. A respiração dela era rápida e curta, e eu podia notar que tentava fazer com que seus batimentos cardíacos voltassem ao normal sem dar muitos indícios disso.
Mas ela tinha gostado, estava óbvio pela maneira admirada que olhou para a máquina depois que desceu dela.
Entregou o capacete para mim sem me olhar nos olhos, com vergonha.
Soltei um riso baixo, mas nada disse.
Subimos até minha cobertura em total silêncio, o mesmo só sendo interrompido pelas conversas alheias dos outros moradores que nos fizeram companhia no elevador.
Destranquei a porta e a abri totalmente.
- Fique a vontade. - Falei.
Ela primeiro observou a entrada com atenção, para depois se virar em minha direção e dizer:
- Tem certeza que não tem nenhuma garota escondida pelos cômodos? Digo, no seu quarto? - Indagou com uma pitada de provocação.
Revirei os olhos e ri sarcasticamente, fingindo me divertir com a observação dela.
- Se quiser conferir, vá em frente - Dei de ombros. -, mas tenho certeza que hoje somos os únicos aqui.
Ela arqueou as sobrancelhas, e percebi, depois de um tempo, que minha ultima fala havia tido um sentido ambíguo. Bom, não havia sido essa a minha intenção, mas se eu a tinha provocado, então estava valendo.
- Okay. - Foi o que ela respondeu.
Andou até o sofá, onde se sentou e cruzou a perna. Sentei-me de frente para ela e ficamos dessa forma por algum tempo.
Tentei imaginar no que ela estaria pensando e por que estava assim tão quieta. Talvez tivesse sido o ataque dos fotógrafos, ou o passeio comigo na moto, mas então lembrei-me de hoje mais cedo e de seus devaneios. Isso com certeza fazia mais sentido.
- Está me olhando daquele jeito estranho de novo.
Sorri presunçoso e apoiei os meus antebraços nos meu joelhos.
- É que eu estou tentando te intimidar. - Respondi. - Talvez assim você me fale.
- Falar o quê?
- O que aconteceu. Não é óbvio?
Ela praticamente juntou os cílios quando colocou os olhos em mim numa observação silenciosa. havia percebido aonde eu queria chegar e o que eu queria saber, tinha passado um vislumbre de entendimento nos olhos dela.
Mas apesar disso, eu sabia que o assunto não viria fácil. Os músculos dela tencionaram numa demonstração de desconforto.
- Não sei do que você está falando.
- Ah, tenho certeza que você sabe. - Rebati pronto para despejar argumentos. - Não leve a mal, mas você não é santa. Você parece inocente, parece mesmo, mas não é. Está meio na cara que você esconde alguma coisa e não quer que ninguém desconfie. Mas relaxa, entendo bem desse negócio de querer esconder, fingir que não aconteceu. Todos tem um passado e infelizmente não se pode fugir dele para sempre. Você pode ter feito coisas erradas antes, mas agora pode fazer as certas, é só questão de escolha, sabe? Usar o que aconteceu para crescer, ou deixar que aquilo te diminua.
Seus olhos deixaram os meus. Ela se recostou no sofá, pensativa. Uma mão mexendo nervosamente na pulseira de pingentes e o olhar vidrado em cada um dos diferentes símbolos ali colocados.
Deduzi que aquilo teria algo relacionado com o que eu queria saber. Os únicos momentos que eu a vira tirar aquele acessório havia sido quando estávamos prestes a gravar. Nas demais ocasiões, o bracelete estava sempre lá, escorregando por seu pulso despreocupadamente.
- Não é tão fácil assim, . - A voz dela saiu num murmúrio desgostoso. - E nem bom de ouvir.
Avaliei sua postura, sua expressão, os movimentos dos dedos ao redor dos pingentes, a respiração curta e profunda. Ela estava prestes a mergulhar no seu passado e eu pronto para escutar uma boa história.
- Deixe que eu mesmo julgue isso, Ruivinha.
Capítulo 14 - “I’m confident
But I still have my moments,
Well baby, that’s just me”
's POV
permaneceu imóvel, me olhando fundo nos olhos, me analisando e esperando talvez pelo momento em que eu diria qualquer besteira e a faria cair na real e pensar antes da próxima vez que ela sequer cogitasse em abrir a boca sobre alguma coisa para mim.
Mas após uma análise firme, convencida de que eu não ia fazer nenhuma burrada naquele momento, ela suspirou. Um suspiro que ia além do cansaço. E então pareceu tomar coragem, umedeceu os lábios com a língua e tomou fôlego para falar:
- E-eu não... Eu não sei por onde começar, por isso vou direto ao ponto. Quando eu... - A campainha tocou a interrompendo bruscamente.
Ela virou o rosto em direção à porta e eu troquei olhares entre as duas por incansáveis segundos.
Merda.
Se eu fosse atender a porta, seria provável que não voltasse a falar, até porque não ia querer uma plateia para escutar sua história de vida. Se eu ficasse ali para escuta-la e ignorasse a campainha, quem quer que fosse que estivesse do lado de fora insistiria até que eu fosse o atender, porque o porteiro devia ter informado que eu estava aqui e não fazia sentido eu não atender. E pior que isso, devia ser alguém íntimo, caso contrário a portaria não teria liberado a entrada sem interfonar.
Eu estava sem muitas opções no momento.
O som irritante preencheu a sala mais uma vez.
- Não vai atender? - apontou com o polegar para a porta, mordendo o lábio inferior, incomodada.
Frustrado, levantei e girei a maçaneta, torcendo para que fosse só um vizinho chato pedindo uma xícara de açúcar ou qualquer coisa do gênero, para que eu pudesse expulsa-lo rapidinho.
Infelizmente quem eu vi ali era a última pessoa que eu esperava ver no momento. E eu tinha muitas opções na lista, acredite.
- ?
Não consegui esconder a surpresa.
- Dude! Espero não estar atrapalhando. - Passou pela porta com um sorriso enorme no rosto e nem percebeu quando fiz menção de interrompe-lo e dizer que na verdade estava atrapalhando sim. – Você não tem noção... Tô pra te contar uma coisa já tem dias!
- Sério? - Adquiri uma falsa animação no tom da minha voz. Porém minha curiosidade era verdadeira.
Ele continuou a afundar cada vez mais na minha cobertura. Decididamente aquilo era um sinal de que ele não ia embora tão cedo.
- Sim, cara! É uma coisa entre eu e a... - Ele parou repentinamente quando se deparou com a garota sentada no meu sofá. - ?
- Oi, . - Cheguei a tempo de ver seu aceno tímido acompanhado de um sorriso educado.
trocou olhares entre eu e ela, claramente confuso e com total desentendimento, sabendo que tinha perdido algum capítulo de toda a história. Mas ele se recompôs rápido. Substituiu o semblante torcido por um sorriso e se dirigiu completamente para ela:
- O que você tá fazendo aqui? – Ele pareceu incomodado com a escolha de palavras e acrescentou sorrindo. – Digo, nunca pensei que fosse te encontrar na casa do .
- Pois é. – Ela pareceu sem graça. – Na verdade eu nem sabia que vinha até poucos minutos. - Sorriu também.
- Sério? Então o que aconteceu?
- Paparazzis. - Respondi direto e simples enquanto segui até o sofá. Me sentei confortável e espaçosamente ali mesmo.
- acabou me... Ajudando. - disse não tão convicta assim de suas próprias palavras, mas aceitava, ainda um tanto incerta, o tal acontecimento.
A expressão de se misturou em uma série de sentimentos que eu fui incapaz de adivinhar naquele momento. O vi ficar subitamente distante a nossa conversa, mas de novo, se recuperou rápido enquanto colocava um sorriso simples em seu rosto.
- Acontece de vez em quando, tenho certeza de que poderia ter sido bem pior. - Respondeu convencido daquilo. - Teve sorte, .
- É... - Ela concordou com a voz baixa. - Devo ter tido sim.
Ficamos em um silêncio um tanto quanto incomodo pelos próximos minutos. Nós procurávamos algo que pudesse preencher o ambiente, mas aparentemente, sem um bom motivo, ou talvez incentivo, nada parecia o suficiente para começar uma conversa maior que um monólogo. Bom os motivos pareciam óbvios, na verdade. A atmosfera ali não era uma das melhores, era bastante desconfortável.
Eu estava bravo, e tentava não demostrar isso. Queria ter tido uns minutos a mais a sós com ela, mas como o universo estava fazendo algum tipo de complô contra minha pessoa, as respostas que eu queria não viriam hoje.
claramente tinha algo a contar sobre ele e mais alguém. Infelizmente assim que viu a Ruivinha, e acabou com nossa conversa quase reveladora, ficou surpreso e resolveu fechar a boca sobre o tal assunto.
E ela, como nos últimos dias, permanecia quieta e pensativa, mexendo distraidamente na porção de pingentes em sua pulseira.
tinha mania de mexer em sua pulseira de pingentes quando ficava nervosa. Eu havia percebido isso já fazia um tempo, porque sempre antes de uma gravação enquanto arrumavam seu figurino e/ou retocavam sua maquiagem, ela inspirava e expirava fundo vezes seguidas para controlar os batimentos cardíacos e também mantinha os dedos da mão direita trabalharem no acessório em seu pulso esquerdo, segurando-o firme pelo máximo de tempo que podia antes de tira-lo para gravar. Ela fazia isso tão distraidamente que nem parecia perceber o quão frequente aquilo era.
Meu telefone tocou nesse mesmo instante, chamando a atenção de todos ali e me tirando a concentração dos pensamentos que rodeavam-me. Bufei discretamente e tirei o aparelho do bolso. Mas que saco!
- Eu vou atender isso aqui e já volto. – Anunciei e não esperei a resposta, já levantando e indo direto para o corredor com o aparelho grudado na minha orelha.
Assim que eu pisei fora da sala os dois começaram a procurar algo para os entreter.
Foram poucos minutos respondendo o telefonema, mas o suficiente que para os dois se colocassem em uma conversa aleatória.
Eles conversavam em voz baixa e atiçavam ainda mais minha curiosidade. Foi impossível não tentar descobrir sobre o que conversavam, o que por fim fez com que eu enrolasse um tempo a mais no corredor apenas escutando suas trocas de palavras. A voz de ambos transbordava em seriedade.
Me concentrei por um instante para os escutar.
- ... e eu não sei muito bem porquê. Eu gosto de estar aqui, e ainda assim, queria estar lá. - soava frágil.
- Sente falta da rotina?
- Não... Sinto falta das pessoas.
- Dela também? - pareceu ter cuidado com as palavras que escolhia.
- Principalmente dela. – Escutei rir baixo e um suspirar em seguida. - Mas ela está comigo, entende? Sempre vai estar.
Sem conseguir mais aguentar, silenciosamente me esgueirei pelo corredor até estar rente ao batente, começando a observar os dois. Eles mal notaram minha presença.
- Por isso a bússola? - ergueu um dos pingentes com o dedo. assentiu e sorriu de leve.
- A bússola sempre vai indicar um ponto: o norte, aquilo que você ama. E por mais longe que você esteja, ela sempre vai apontar para o mesmo lugar. O meu norte não é a minha casa, é o meu coração. E ela está lá. Sempre vai estar.
Um momento de silêncio e percebi que o ar tinha ficado tenso outra vez. Ambos encarando o chão sem saber o que falar, porque talvez não tivesse nada a se acrescentar. Pelo menos não sobre aquilo, seja lá qual fosse o assunto anterior.
Pensei que aquele seria o melhor momento para reaparecer e assim fiz. Devolvi o telefone no bolso e entrei na sala com um sorriso no rosto. Os dois me olharam instantaneamente.
- Alguém quer pizza? – Não esperei a resposta e já busquei meu telefone outra vez. - Vou pedir uma pizza para nós.
Não sei direito o que aconteceu depois, mas a conversa fluiu normalmente como se nada tivesse acontecido.
De certa forma eu preferia assim.
's POV
- ! - Disseram meus irmãos em uníssono através da imagem ruim e embaçada do Skype.
- E aí, pequenos, como estão? - Sorri para a tela esperando que eles pudessem me ver com clareza.
- Estamos bravos com você! - Reclamou Leonard que cruzou os braços e torceu a boca.
- É... Você tinha prometido que ligaria antes. - Laura o apoiou.
Sorri triste, assentindo em concordância. Eles estavam certos, afinal.
- Me desculpem, ok? Estive bastante ocupada nas últimas semanas... - Falei com voz macia e observei a expressão de ambos amenizar. - Mas não vou deixar isso se repetir!
- Verdade? - Inquiriu minha irmã com uma sobrancelha arqueada.
- Claro que sim, princesa! Vou encher muito o saco de vocês dois. Até cansarem de mim!
Eles riram, aquela risada sem força que contagia o riso das outras pessoas também, num tipo de bem estar instantâneo. E foi só aí que me dei conta de quanta saudade eu sentia dos dois.
- Quando você vai vir nos ver? - Leonard pulou em animação.
Tentei camuflar minha tristeza com um sorriso que se abria largamente em meu rosto.
- Em breve. - Respondi.
- Esse em breve vai demorar muito?
- Não sei, princesa...
- Queremos te ver! - Reclamou meu irmão e sorri divertida.
- Vocês estão me vendo agora, seus birrentos.
- Mas queremos ver pessoalmente.
Outro aperto em meu coração. Respirei fundo e lhes dei outro sorriso, dessa vez um pequeno e sem mostrar os dentes.
- Promete que vira em nosso aniversário? - Pediu Laura, com seus grandes olhos azuis. Aqueles mesmos olhos que sempre conseguiram tudo o que queriam.
- Sim, por favor! - Leonard insistiu.
- Leonard? Laura? Venham comer! - Meu coração que antes se apertava de saudade, agora saltava num misto surpresa e ansiedade.
Olhei para o relógio apenas para ter certeza de que não estava ficando louca, e com o cenho franzido voltei o olhar para o Skype.
- Desde quando papai chega mais cedo do serviço? - Perguntei a eles.
- Ele tem passado mais tempo com a gente, tem até ido as minhas aulas de karatê. - Meu irmão sorriu orgulhoso e não pude evitar fazer o mesmo.
- Sim, é verdade! Ele tem ido me ver tocar violino também várias vezes.
- Isso é ótimo, pequenos. - Lhes disse verdadeiramente. Na verdade, era muito melhor do que eu tinha pensado que seria. Pena que não poderia acrescentar isso à conversa.
Só esperava que eles percebessem quão sincero era o meu sorriso naquele momento.
- Então nada mais de noites cheias de trabalho para ele, só tempo para se divertirem juntos?
- É, ele tem trabalhado menos por causa disso. - Laura continuou a explicação. - Quando perguntei o porquê, ele respondeu que era para aproveitar o tempo antes que mais um de nós dois fosse embora.
Minha alegria se transformou aos poucos num vazio que eu sabia que não poderia ser preenchido por nada.
Apesar de "embora" ser uma palavra muito forte, eu não poderia dizer que ele estava errado.
- Laura e Leonard, por que estão demorando tanto? - Ele os chamou de novo.
- Já vamos, papai!
- Vocês deveriam ir e não deixá-lo esperar mais. - Disse em um tom sem emoção, automático. Estava perplexa demais até mesmo para demonstrar isso aos meus irmãos.
- Só mais cinco minutos, ! Por favor!
- Queremos conversar com você!
- Eu sei, pequenos, e vocês vão falar comigo, só que não agora... - Tentei de novo aquele tom de voz macio, torcendo para que os fizessem me escutar, da mesma forma que mamãe fazia ao que parecia ser tanto tempo.
- Então prometa que não vai se esquecer!
- Sim, por favor! Prometa que virá no nosso aniversário também!
- Mas...
- Crianças, por que estão demorando tanto?! - A voz dele soou mais perto e mais firme.
Olhei apreensiva para a porta ao fundo dos meus irmãos. Se eu o conhecia bem, sabia que nada haviam falado ao nosso pai sobre minha ligação para eles, e apesar da proximidade e nova relação que esses dois vinham criando com ele, era difícil adivinhar qual seria sua atitude ao vê-los falando comigo.
- ! - Laura e Leonard exclamaram juntos, me forçando a uma resposta.
- Tudo bem, tudo bem, eu prometo, ok? Satisfeitos? - Respondi me dando por vencida.
- Agora sim! Tchau, . - Eles sorriram abertamente. Era tudo o que queriam ouvir.
- Espertinhos...
- Vamos esperar você ligar!
- Vou ligar pra vocês.
- Te amamos!
- Eu amo vocês também, pequenos.
- Crian... - A chamada foi encerrada antes que eu soubesse o final daquela sentença.
E mesmo com a felicidade que eu estava sentindo por finalmente me comunicar com eles, ainda tinha uma pontada traidora de tristeza e dúvida.
Eu havia partido e deixado minha família de uma hora para outra. Em questão de dias eu havia me mudado para uma cidade onde eu não conhecia absolutamente nada, e tudo por causa de um sonho, que era considerado idiota por muitos, mas de total importância para mim.
Eu, pela primeira vez em muito tempo, coloquei meus desejos em primeiro lugar na minha lista de objetivos, e deixei a vontade dos outros como realizações secundárias sem muita importância, tudo porque eu havia decidido que minha felicidade era primordial na minha vida.
Infelizmente, agora, depois de tantas semanas que eu fui me dar conta do quão egoísta eu estava sendo desde então.
Os dias passaram depressa, tudo estava uma loucura, e mesmo nos meus momentos de descanso, não conseguia encontrar paz. Os sonhos não me deixavam. Cada noite que eu pregava os olhos, era um novo pesadelo que vinha para me atormentar.
Só podia ser coisa do estresse.
As gravações estavam cada vez mais puxadas com a proximidade da première que Gregory teimava em já marcar a todo custo mesmo que ainda levasse meses. Filmávamos o dia todo para cumprir os prazos, e eu praticamente não tinha tempo para mais nada, e quando tinha, infelizmente, essas confusões tomavam conta da minha mente.
Uma coisa diferente vinha atrás da outra e minha agenda ficava cada vez mais cheia. Eu não tinha quase tempo nem para escrever em meu diário (isso pra mim é um cúmulo do absurdo).
O aniversário dos meus irmãos estava chegando também. Eu estava tentando me programar para visita-los, mas as chances eram mínimas. Cogitar a ideia de faltar aos ensaios, aos Table Read, ou às filmagens já me causava dor de cabeça o suficiente para uma vida. E essa decisão me deixava bastante mal.
Outra coisa que estava acabando comigo era o fato de eu não conseguir arrumar tempo para conversar com .
Mas ao contrário de mim, todos pareciam estar aproveitando bem a vida.
principalmente, aliás.
Ela parecia estar bastante ocupada com sua nova amiga. Elas tiravam fotos juntas quase todos os dias e pareciam se divertir como nunca com as banalidades que postavam ou então com as mil e uma piadas internas que tinham. Estavam tão felizes juntas que ela não tinha tempo para outras coisas.
Eu me sentia só.
Nem mesmo Vicka, que antes era tão frequente no meu dia a dia aqui, parecia estar presente.
Cheguei à conclusão que talvez eu devesse seguir um pouco sozinha. De certa forma nenhuma dessas pessoas me acompanhariam para sempre... Certo?
Terminei de tomar o café assim que desci do taxi.
Corri para o estúdio já seguindo direto para o camarim. Philip estava a minha espera e já partiu para o seu trabalho.
- Sabe, baby, às vezes eu acho que você não explora muito esse seu lado sexy que o cabelo ruivo te proporciona... - Ele disse em certo momento, arrancando alguns risos meus. Já havia desistido de dizer que meu cabelo na verdade não era vermelho. - Mas essa sua jogada de anjo talvez esteja funcionando bem. Todos adoram você.
Aquilo tomou conta dos meus pensamentos por alguns momentos. Será que era verdade? Porque eu não me sentia nem um pouco adorada.
Venci o orgulho que me dominava e ligue para em um dos momentos de preparação para a filmagem.
Ela atendeu no terceiro toque:
- , minha diva! - Ela tinha uma animação exagerada na voz.
- Oi, .
- E então, conte-me o que aconteceu. - Pediu com malícia e eu juntei as sobrancelhas.
- Na verdade não aconteceu nada. - Respondi. - Só estou ligando para saber como você está.
Pelo silêncio que veio em seguida, imaginei que tinha ficado surpresa.
- Ah... Eu estou bem. Trabalhando e você? - Incentivou que eu continuasse o diálogo.
- Idem. Estou no estúdio. Vou gravar em alguns momentos, só falta... - Parei de falar abruptamente quando escutei a voz de outra garota se juntar a dela. - ?
- Ah, oi! - Ela respondeu em meio a risos. - Desculpa, , é que esse não é um dos melhores momentos.
Suspirei derrotada.
- Tudo bem... Posso perguntar por quê?
- Ah, é que eu estou com a Helena. - Instantaneamente minha mente me repreendeu por ter ligado para ela. É claro que as duas estariam juntas. As amigas inseparáveis. Que dúvida eu tinha?
- Ah, sim... Eu não queria atrapalhar. - Tentei esconder a irritação, mesmo achando que foi totalmente inútil.
- Não está atrapalhando. Só estávamos curtindo. Você sabe que eu sou muito feliz. - Sua risada foi acompanhada pela a da tal amiga.
Meu estômago embrulhou.
- É, claro que sei. - Respondi seca. Lembro-me de quando éramos felizes juntas também, acrescentei mentalmente. - Vou deixar vocês duas agora. Até mais, .
- Mande notícias logo, ok? Beijos! - Encerrei a chamada no instante seguinte.
Procurei um canto vazio qualquer e me sentei ali, com as costas encostadas na parede.
Eu queria chorar. Mas derramar lágrimas não adiantaria.
Eu achei que ficaríamos unidas mesmo em circunstâncias como está, mas agora eu chegava a uma conclusão diferente.
Não que ela não pudesse ter outras amigas, mas era como se ela tivesse se esquecido de mim... Ela estaria lá para mim sempre que eu precisasse, ou foram só palavras bobas? Será que ela ao menos percebia que estava se afastando de mim?
O engraçado era que, a partir do momento em que eu dissesse isso em voz alta, me sentiria uma garota melodramática. E eu me recusava a fazer isso.
- ? - Abri os olhos e me deparei com Vic me encarando. - O que você está fazendo aí?
Trabalhei rápido em uma desculpa, já que a ideia de dizer "me sinto substituída pela nova amiga da minha melhor amiga" não parecia soar bem.
- Estou cansada. - Respondi por fim e forcei um sorriso.
- E por que não sentou no sofá? - Ela própria deu de ombros. - Ah, não importa. Gregory está nos chamando. Quer fazer um ensaio rápido com o script antes de gravarmos.
Assenti e me levantei.
- Todos já chegaram? - Vic concordou e começou a tagarelar sobre qualquer coisa sem importância até chegarmos o local estipulado.
Poderia soar insensível da minha parte, mas eu não estava a fim de conversas hoje. Na verdade, ficaria contente se pudesse ficar vinte e quatro horas reclusa em meu apartamento.
Infelizmente...
- Suas molezas! Acelerem o passo, estão parecendo tartarugas paralíticas. - Mostrei um pequeno sorriso. Gregory era péssimo com xingamentos.
Encarei meus pés pelos próximos minutos, segurando o script na mão direita, esperando pelas novas instruções.
- Que cara é essa, Ruivinha? - A voz de ecoou ao redor e levantei o olhar em sua direção. - Parece que está num estágio avançado de transição de ser humano para zumbi.
- Sempre muito delicado. - Murmurei.
- Só quero saber o que aconteceu, .
Avaliei seu olhar e tentei entender sua curiosidade. Porque era só isso que percebia-se ali: curiosidade. Não havia importância, apenas aquele desejo secreto de entender meu comportamento.
Salva pela boa vontade do diretor, não pude lhe dirigir mais que um dar de ombros.
As próximas horas passaram devagar até demais, tivemos que estender o horário de trabalho por causa de alguns imprevistos, que foram aos poucos, acabando com nossa boa vontade e paciência. Eu, por outro lado, só me sentia ainda mais desgastada, com vontade evaporar e sumir.
Estava tentando outra vez me concentrar e fazer meu trabalho, mas no momento em que eu tirava os olhos do script, era como se todo o meu foco fosse lançado para o espaço e o pesadelo que vinha me perseguindo na ultima semana voltava à tona.
Fechei os olhos com força numa tentativa de fazer as imagens indesejáveis deixarem meus pensamentos. Eu não precisava disso agora.
- , sua vez... - Uma voz que mais pareceu sussurrar, invadiu meu sistema auditivo, mas eu a ignorei como estava fazendo com as demais. Já não conseguia fazer a separação do que soava dentro da minha cabeça e do que vinha de fora.
- Srta. ! - Um chamado forte me fez despertar e abrir os olhos alarmada, me deparando com Sr. Colleman. - Algum problema com você?
Demorei alguns segundos para finalmente responder:
- Não, só acabei me distraindo. Está tudo bem.
olhou pra mim com a testa franzida e, por incrível que pareça, surpreenda-se se quiser, com um olhar que parecia ser de preocupação. Depois de me analisar por rápidos dois segundos, perguntou:
- Você está pálida, quer um pouco de água?
- Não, já disse que estou bem.
Ele deu de ombros, parecendo contrariado, mas não tocou mais no assunto.
Porém seu olhar observador não pareceu me deixar mais depois disso.
Tentamos mais uma vez. Cada um em sua posição, ao meu lado interpretando Ian, como se fosse um expert em qualquer assunto relacionado a eletrônicos.
Eu, leiga da forma que sempre fui, tinha que fingir entender do assunto para o bem de Kate, quando na verdade, não tive dificuldade em perder a linha de raciocínio e acabar com a cena mais uma vez.
Eu não estava bem, mas tinha que parecer estar. E eu estava me esforçando muito para isso, me focar no trabalho e deixar meus problemas pessoais de lado. Contudo, sempre que chegava minha vez de atuar, eu travava como nunca.
- Desculpa, só preciso de mais cinco minutos! - Falei passando as mãos pelos cabelos, irritada comigo mesmo e com minha incapacidade de cumprir meu trabalho.
Eu via todos suspirando nervosos e derrotados. Cansados de ter que gravar aquela cena pela décima quinta vez, se eu não estivesse enganada. Eu já não prestava mais atenção na claquete, nem em quantas vezes ela era batida.
- , essa cena é simples! Por que toda essa dificuldade? - Reclamou Gregory com tédio bastante explícito.
- Eu preciso de um tempo. - Pedi recebendo um olhar não muito feliz dele em resposta.
- Mais tempo, Ruivinha? Pensei que os quarenta e cinco minutos anteriores já tivessem sido suficientes. - Rebateu com sua usual arrogância.
- Cala a boca, , eu não dirigi palavras à você. - Respondi sem paciência e todos ao redor me olharam desacreditados.
Fui até a cadeira atrás da fileira de câmeras e puxei minha bolça, peguei o celular e comecei a digitar o número que eu precisava falar o quanto antes, com os dedos levemente trêmulos, deixando eu mesma surpresa por aquela atitude.
- Nossa, tem alguém bastante nervosinha! Acho melhor tomar uma água com açúcar para acalmar os nervos.
Não precisava me virar para saber que era quem falava.
- Me deixa em paz, caramba! - Me afastei alguns passos, tentando conseguir privacidade.
Tarefa muito difícil quando toda a produção do estúdio adota a missão de te encarar com frustração e ódio por não conseguir dizer duas simples frases.
Eu estava tão irritada quanto todos eles, mas a diferença é que eu tinha que escutar todas as reclamações das pessoas ali dentro e fingir que não estava prestando atenção no mínimo ruído. Eu era culpada, de qualquer forma, e eu sabia daquilo.
- Ah qual é? Não aguenta uma brincadeira? Pensei que a TPM já tivesse passado... - Continuou me provocando.
- Ah, não! Sem briga vocês dois. - Senhor Colleman tentou intervir.
- Eu disse: cala. A. Boca. . - Levei o telefone ao ouvido, virando as costas para .
- Será que não pode conversar civilizadamente?
- Será que não percebe que estou tentando fazer uma ligação?
- Não consegue nem escutar umas reclamações que já vai pedir ajuda? Vai ligar pra mamãe, ?
E eu só não joguei o celular na cara dele porque tive noção do certo e errado. Todo meu autocontrole agora tinha sido quebrado e a minha bomba interior havia explodido.
- Não, seu idiota! Eu não vou ligar pra minha mãe porque ela está morta! - O silêncio se estendeu no estúdio e olhos arregalados de todos os lados me encaravam.
Mas o que mais me impressionou, além da minha própria voz estridente, meu coração acelerado e minha respiração entre cortada, havia sido o olhar surpreso de que se desfazia aos poucos e adquiria outra expressão. Ele estava com pena. Eu odiava quando as pessoas sentiam pena.
- Será que agora você pode me deixar em paz? - Virei as costas com um entulho de diferentes emoções tomando conta de mim.
Deixei o estúdio sem medir as consequências que aquilo poderia me render e segui pelo corredor até meu camarim. Foi só quando bati a porta que percebi meu rosto molhado e as lágrimas escorrendo.
Eu estava pouco me lixando para o fato de eu estar chorando, queria mais que tudo se lascasse.
Sentei-me de frente para a penteadeira e me debrucei ali.
Queria, precisava de um tempo sozinha.
's POV
Eu nunca fui bom em agir com mulheres nervosas, com raiva, tristes, a ponto de socar, a ponto de matar, a ponto de explodir. E ver ali, simplesmente fazendo tudo aquilo se juntar, quase me fez entrar em pânico.
Assim que ela deixou a parte de gravação do estúdio e seguiu para sabe se lá onde, os olhares antes vidrados nela, agora estavam centrados em mim. Aparentemente eu era o babaca da história por ter ferido os sentimentos da minha colega de trabalho e agora eu teria de lidar com isso da pior forma possível: pedindo desculpas.
- Não dá pra trabalhar assim... - Algumas pessoas murmuravam.
- Desse jeito vamos atrasar nos prazos! - Outro falava.
- Os dois não se aturam e isso acaba afetando todos nós! Que tortura! - Uma voz se sobressaiu e eu apertei meus punhos na lateral do meu corpo, respirando fundo.
- Vai ficar aí parado com cara de quem viu a morte ou vai falar com ela? - Gregory disse a mim sem se levantar da cadeira. - não vai voltar pra cá por osmose, . É melhor se apressar.
Inclinei a cabeça para a lateral e fiz a maior careta que me era permitida.
É o que dizem: tá no inferno, então abraça o capeta.
Andei até a porta do seu camarim, esperando que ela estivesse lá, como havia dito uma assistente de figurino no corredor.
Fiquei num dilema de "bater ou não bater" pelos próximos cinco minutos, porque no instante em que eu levantei a mão para abrir a porta, escutei o choro de abafado do outro lado.
Porra, eu não sabia como lidar com aquilo.
Olhei pra cima e juntei as sobrancelhas.
- Deus, me ajuda nesse momento, por que sozinho eu não consigo.
Esperei que sua benção me atingisse, mas não sabia ao certo se tinha recebido a tal dádiva ou não, então só respirei fundo e girei a maçaneta.
- Sai daqui! - Uma almofada quase atingiu a minha cabeça.
Fora uma recepção muito calorosa.
- , eu...
- Vai embora! Chega de brincadeira por hoje, . Já foi o suficiente.
A voz chorosa dela e seu rosto vermelho e inchado começaram a me deixar nervoso. Caramba, que situação péssima!
- Vim aqui me desculpar, ... - Ela fungou e bagunçou mais um pouco o cabelo. Percebi que tinha que continuar a falar, senão eu não conseguiria resolver porcaria de situação nenhuma. - Eu não sabia sobre... Sobre a sua mãe. Sinto muito.
Ela tinha um olhar rancoroso, mas se ainda estava com raiva de mim, não disse nada. Se debruçou sobre seus braços outra vez e pôs-se a chorar como se eu não estivesse ali.
- Er... Ahn... - Comecei a fazer sons estranhos na esperança de alguma coisa útil sair da minha boca.
Não foi isso que aconteceu. Decidi então que eu não havia sido abençoado.
- Será que você pode sair? - Perguntou grossa sem levantar a cabeça.
- É que eu...
- Você nada! - Me interrompeu de súbito. - Já veio aqui, pediu a porcaria das desculpas e eu aceitei. Agora sai!
Eu podia não conhecer aquela garota por muito tempo, mas ela estava me irritando de uma forma totalmente ridícula!
- Não vou sair daqui. - Balancei a cabeça em negação, adquirindo um olhar sério para ela.
- Como é? - Sua voz saiu uma oitava acima, com o total intuito de me fazer repensar se eu realmente continuaria ali. - Será que ninguém consegue me dar cinco minutos para eu me deprimir nessa porcaria de lugar?
- Olha, pode ficar aí reclamando o quanto quiser, mas eu não vou sair daqui.
- Ah, não? Então talvez eu deva começar a prestar atenção nas suas ironias ou no seu sarcasmo idiota e fingir me divertir com ambos. - Grunhiu.
- Olha, Ruivinha, eu sei que eu posso não ter sido um cara muito agradável...
- Nada agradável. - Corrigiu-me com os olhos avermelhados refletidos pelo espelho.
- Isso. Nem um pouco agradável, mas por mais... Esquisito que isso possa soar, quero te ajudar. Eu só queria poder entender um pouquinho da pessoa que você é para poder fazer isso.
A princípio ela me encarou, e eu pensei que estivéssemos chegando a algum lugar, mas então sua risada estridente tomou o quarto e eu fechei a cara, irritado com sua atitude.
- Ótima piada a sua, . Já pensou em fazer um show de stand up? Talvez fizesse sucesso.
Bufei, passando as mãos pelo meu topete perfeitamente arrumado e o transformei num ninho.
- Será que você pode ficar quieta e escutar, por sei lá, três minutos? - Aceitei sua boca fechada como um "sim" e continuei. - Eu não sei como agir em momentos como esse, então pelo menos respeite meu esforço de agora. Não tá sendo fácil, principalmente porque eu não faço ideia se quando eu acabar de falar com você, vou receber um abraço ou um soco.
- Seja direto, babaca. - Bufei.
- Até quando eu tento ser legal as pessoas me xingam. Que inferno! - Ralhei, gesticulando.
- Seu tempo tá acabando. - falou sem emoção.
Revirei os olhos.
- A questão é que eu vim aqui dizer que vou tentar ser mais amigável.
Pausa dramática.
- Estou decidindo se rio de você, ou se pergunto que porcaria de bebida você estava tomando.
Qual é? Eu não devia ser tão chato, devia? Era normal às vezes eu acordar não muito bem humorado e acabar sendo irritante com todo mundo. Há quem diga que eu não sou irritante só por causa disso... Mas Porra, eu estava tentando ser legal aqui!
- Se alguém perguntar, só diga que eu tentei. - Virei as costas pronto para deixar o quarto,
- Espera, ... - Olhei sobre o ombro. - Tá falando sério?
Apenas assenti, esperando que ela continuasse a falar.
- Tem certeza que você tá sóbrio?
Que garota chata!
- Posso te garantir que você não vai querer me ver bêbado.
O ar pareceu pesar ao nosso redor, e ela já não chorava mais. Nem ria ou tinha alguma expressão estranha no rosto como aquela que ela costumava assumir cada vez que ficava prestes a dar um peti.
- Está sugerindo uma trégua?
- Estava antes de você perguntar se eu estava bêbado. - A corrigi.
- Então quer dizer que voltamos à estaca zero? Vai continuar a ser insuportável comigo? - Sua testa se franziu, formando um "v" perfeito entre as sobrancelhas.
- Não sei. Me diga você, Ruivinha: o que vai querer?
Eu quase podia ver o "loading" na sua testa enquanto seus olhos me estudavam. Cruzou os braços e expirou forte.
- Tudo bem.
- Tudo bem? - Franzi a testa.
- Tudo bem. Vamos tentar do seu jeito. - Arqueei a sobrancelha, com um pouco de dúvida. - Sou .
Ela estendeu a mão e eu a observei.
- . - A cumprimentei, apertando sua palma em seguida.
- Isso é o início de uma amizade? - parecia propor um desafio com a expressão facial que estava.
- Se você quer chamar assim. - Dei de ombros. - Só não se empolgue muito. Prometi ser mais amigável, e não ser seu melhor amigo.
- Isso é o de menos, mas se quer fazer dessa sua frase de efeito, fique a vontade. - Ri nasaladamente. – Vamos ver quanto tempo isso vai durar.
Por um instante eu não tinha o que responder, estava apenas atônito e surpreso demais com suas palavras para formular alguma frase, podia soar idiota mesmo, mas eu não sabia o que dizer para ela.
se aproveitou do momento e bateu seu ombro no meu, mostrando um dos lados da boca erguidos em um sorriso de provocação.
Eu não sabia dizer se o que ela havia dito fora apenas brincadeira, mas naquele momento eu tinha descoberto que , assim como eu, também tinha seus momentos.
Capítulo 15 - “Ready or not
Here I come”
Querido Diário...
É estranho ser amiga de . Às vezes ele até parece um rascunho de gente, acredita? Mas aí, quando você menos espera, ele volta para aquele comportamento repleto de ironia e sarcasmo que todos já estão tão acostumados. Pois é, tudo que é bom, dura pouco. A vida é assim.
O estranho é que ele tem sido educado comigo quase todo o tempo (e preste atenção, eu disse quase, não inteiro). Aquela peste ainda consegue ser bastante irritante. Me parece um caso sério de bipolaridade.
Em compensação (ou não) há uns dias nós começamos a ter conversas descentes, sem xingamentos sérios ou ameaças de morte. Sim, ele conseguia ser civilizado quando queria. E foi num desses diálogos inusitados que descobri que pode ser um bom ouvinte, e nada mal criado de vez em quando.
Ele inclusive se ofereceu em me trazer de volta pra casa depois das gravações. Tive que recusar a oferta tentadora de não pegar táxis. Meio que eu já havia começado a ter minhas primeiras aulas de direção, e estava começando a querer me virar sozinha.
E não, eu não havia contado a ninguém para apenas evitar as brincadeiras de mau gosto que eu tinha certeza que iriam fazer. Quero dizer, Vicka sabia parcialmente do assunto. Sabia das aulas, e só disso, pois tinha certeza que se eu contasse, e seriam os primeiros a torcer para meu carro morrer numa subida. Eles ririam da minha desgraça, com toda certeza.
Por isso mantinha esse detalhe em segredo entre e eu e meu professor.
Pelo menos era isso que tentava ser duas vezes por semana quando ia me ver. Era engraçado, na verdade. era paciente e calmo, e fazia de tudo para que as coisas dessem certo, não que esteja funcionando. Na verdade ambos concordamos que sou um desastre no volante.
Felizmente Vicka está sempre lá para levantar minha moral e dizer que sou demais, mesmo não sabendo de metade das coisas. Não sei, não... Às vezes eu acho que ela mente na cara dura só para levantar minha autoestima e não me fazer desistir. Por outro lado, melhor assim, faço a mesma coisa com ela.
O lado ruim disso tudo, infelizmente, é que meu mau humor não me deixou nesses últimos dias, me perseguindo mais até que minha própria sombra.
Eu tenho praticamente implorado a Gregory por uns dias de folga para ir até Brighton, mas as respostas negativas já são repetitivas demais, pior que CD riscado. Hoje, por exemplo, estou ensaiando mais um discurso mais ou menos para tentar essa viagem, e apesar disso, já consigo ouvir e vê-lo dizendo mais um não bem grande e gordo para mim.
Mas, perguntar continua sendo de graça, então aqui vou eu com minha cara de pau e um sorriso no rosto repetir a mesma frase pela quinquagésima vez na semana.
Com amor (e sorte),
.
's POV
Eu já tinha planejado tudo. Iria chegar em Gregory como quem não quer nada e fazer uma dramática chantagem emocional com a melhor atuação da minha vida e pedir cinco dias longe de Londres. Ele ficaria compadecido e cederia no mesmo instante, sendo vencido por todo o meu charme irresistível. Eu manteria a pose de "saudades indescritíveis e insuportáveis da família" até sair do seu campo de visão, e por fim, realizada, comemoraria quando chegasse ao meu camarim com a melhor dança que uma leiga no assunto poderia criar/fazer.
Tudo soava... Interessante.
Quando pensei no plano hoje mais cedo, estava convicta de que daria certo. Agora, porém, já não era isso que eu sentia em relação a essa doidera toda.
Sr. Colleman é uma pessoa muito inteligente e observadora para cair numa "farsa" tão fraca como essa. Aliás, onde eu estava com a cabeça quando criei toda essa história maluca? No planeta Terra é que não era. Mas, na falta de ideias melhores, vou recorrer a isso mesmo. Não poderia me dar tão mal assim, certo?
Ah, dane-se essa bobagem.
Tentei manter a conversa entre eu e Vicka animada, divertida e descontraída por mais algum tempo enquanto observava ao redor com perspicácia, procurando não despertar a atenção de ninguém e muito menos a curiosidade alheia, entretanto assim que vi a figura de Gregory se sentar na cadeira e começar uma discussão qualquer com um dos seus assistentes, bruscamente e imediatamente me dirigi para ele.
A princípio Victoria me olhou como se eu não pertencesse a esse mundo, mas assim que pedi apoio moral para minha amiga, ela de cara não recusou. Mesmo não tendo a mínima ideia do que eu ia fazer.
apareceu ao nosso lado logo em seguida com o semblante torcido e uma incógnita invisível girando no topo da sua cabeça, porém não tentou nos parar para saber do que se tratava nossa caminhada firme, ao contrário, começou a questionar no meio do caminho, nos acompanhando:
- Onde estamos indo? - Perguntou com os lábios numa linha reta. Ninguém lhe dirigiu resposta, mas isso não o impediu de continuar. - Está indo falar com sr. Colleman? - O olhei e assenti várias vezes, em resultado do nervosismo.
Vic, que parecia bastante alheia a tudo, confirmou essa questão quando nem se preocupou em querer saber sobre o que ia conversar com o diretor. Na verdade, eu já a conhecia bem o suficiente para saber que ela não recusava absolutamente nada. Isso fazia parte do lema de vida dela, algo parecido com "não desperdiçar os momentos oferecidos pela vida". Eu ficava com pena da grande probabilidade desses momentos extras acabarem num mico inesquecível de tão ruim.
Mas ela não se importava, então eu me aproveitaria disso.
Ai, isso soava tão mal...
Eu me lembro de ter conversado com ela sobre querer fazer uma visita a Brighton, uma ou duas vezes nos últimos dias. e estavam conosco, e todos disseram entender meu ponto, pois nenhum deles era exatamente da cidade de Londres, e sabiam que essa adaptação longe de casa podia ser bem difícil.
De qualquer forma, ao decorrer da caminhada que dávamos até o diretor, cada passo que eu dava minha coragem diminuía uns 5%. Aliás, gora ela já deveria estar em -35%.
Parei ao lado do diretor e repensei no meu plano uma ultima vez. Infelizmente quando eu abri a boca, nada do que eu havia planejado saiu por ela.
Sempre fui monga pra esse tipo de coisa, por isso não foi difícil começar a me enrolar toda:
- Sr. Colleman... Preciso falar muito sério com o senhor e...
- Ah, srta. ! Eu estava mesmo querendo falar com você. - Franzi o cenho em confusão quando o homem interrompeu-me. - Na verdade com todos vocês e com o também, mas acho que podem repassar o recado pra ele depois. Mas voltando a notícia, é algo importante.
Lá se ia toda a coragem reunida durante a noite anterior sendo substituída pela perplexidade do momento.
- Sério? Quão importante essa notícia pode ser? - As palavras deixaram minha boca num tom de dúvida. Percebi que não ser a única a estar nesse estado.
- Muito importante. - abriu a boca para questionar, mas recebeu um cutucão de Vicka nas suas costelas para ficar quieto. - Conversei com alguns produtores e roteiristas que tem nos ajudado nessas últimas gravações, e conseguimos chegar a um acordo onde faríamos uma coisa nova e a felicidade poderia ser mútua.
Felicidade mútua? Er, hm... Quê? Do que diaxo ele está falando?, pensei enquanto tentava ligar os pontos e o homem tomava ar para continuar:
- Por isso, nas próximas semanas, os últimos episódios vão sair um pouco da mesmice e da zona de conforto de vocês. Serão todos diferentes! Escritos diferentes, gravados diferentes, produzidos diferentes, e por isso, vamos sair um pouco de Londres. Espero que não tenham nada contra viagens.
Muito lentamente meu cérebro raciocinava a mensagem.
- Como assim? - Vicka perguntou, já com uma expressão conclusiva formada, mas igual a todos nós, só estava buscando uma confirmação para que pudesse comemorar.
- Nós vamos fazer um pequeno tour por algumas cidades da Inglaterra, com todas as despesas inclusas. Além de conhecer fãs e fazer sessões de autógrafos, vamos filmar em algumas locações e fazer anúncios especiais para os teles espectadores. – Tentei conter a sombra de um sorriso quando finalmente caiu a fixa do que ele estava falando. – Uma semana em cada lugar será o suficiente para fazer tudo. Vai ser apertado e bastante corrido, mas sei que são capazes, escolhi vocês por algum motivo, então arrumem as malas, pois em poucos dias nós partimos! – Ele sorriu e abriu os braços, gesticulando. – As cidades inclusas são: Liverpool, Bradford, Manchester e Brighton. Não necessariamente nessa ordem, mas essa parte não importa. – Ele bateu palmas animadamente e cheio de entusiasmo ao mesmo tempo em que abriu um sorriso demasiadamente grande, nos fazendo ser capazes de contar todos os dentes de sua boca se quiséssemos.
- Só quatro cidades? Mas por quê? – Perguntou Vicka.
- São apenas quatro, porque as gravações estão no fim e não pretendemos gravar a season finale em uma delas, precisamos grava-la aqui, assim como a maioria dos outros episódios. Mas escolhemos esses lugares a dedo, tendo certeza de que vocês gostariam. – Gregory tornou a olhar para mim propositalmente, sabendo que me pegaria quase saltando de alegria, sorrindo igual a uma boboca, completamente sem palavras. – De qualquer maneira – Emendou ele. –, vou entregar um comunicado a todos os atores participantes com todos os detalhes, esclarecendo tudo da melhor forma possível, mas até lá, vocês são os únicos a saber. Espero que estejam felizes com a notícia. Viajamos em alguns dias.
O diretor sorriu de novo, dessa vez de uma maneira mais contida, menos exagerada, e nos deixou ali, de queixos caídos, quando seguiu para conversar com outras pessoas assuntos que não eram de nosso interesse.
Permaneci atônita o olhando se distanciar aos poucos.
- Isso foi... Inesperável. – Concluí ainda sorrindo embasbacada no mesmo lugar de antes.
- Realmente. – Observou Vicka, de braços cruzados e um brilho diferente nos olhos. Excitação.
- É... – A voz dele soou baixa, quase imperceptível, provavelmente numa tentativa falha de ser escutada só por ele. Virei minha atenção para , curiosa, para apenas deparar-me com uma expressão nada animada, feliz ou empolgada vinda de sua parte.
Estreitei os olhos e o estudei com perspicácia.
tinha uma postura ereta, maxilar travado e olhos fixos em um ponto distante. Parecia ter se fechado repentinamente, desaparecido com o bom humor que nos recebera hoje mais cedo e ignorado o fato te todos estarem exatamente o seu oposto. Agia como se algo não tivesse lhe agradado. Entretanto teve cuidado o suficiente para não demonstrar o que teria lhe deixado assim, e disfarçou o suficiente para que não percebêssemos isso, assim, não haveriam perguntas inconvenientes caso tivéssemos a curiosidade de saber.
Ele conseguira driblar todos. Todos, menos eu.
Chegando à conclusão de que ficar o encarando com um olhar dedutivo não fosse cair bem aos olhos dos outros, disfarcei a comecei a tagarelar com Vic sobre meus planos para a viagem, enquanto ela se divertia criando hipóteses das calamidades que podiam vir a ter.
Era ótimo estar animada com algo diferente, fora da rotina, que me fazia praticamente transbordar de felicidade. Era um tempo muito curto que tiraria meu foco das coisas ruins que vinham acontecendo nos últimos dias, e momentaneamente, me trariam uma grande dose de esquecimento, onde eu podia finalmente me sentir leve em relação a tudo.
- Hey, hey hey! Adivinha quem está cumprindo a promessa? - Minha voz saiu naturalmente animada para a câmera, que dessa vez transmitia uma imagem um pouco melhor que a da última vez. Talvez um pouco chuviscada, e em certas horas embaçada, mas ainda assim funcionava, e era isso que importava.
- Você está bonita, . - Laura olhou para mim com um sorriso que alcançava seus olhos. - Seu colar é legal!
- Obrigada, baixinha. - Lhe disse com uma surpresa espontânea na voz enquanto segurei automaticamente o cordão ao redor do meu pescoço.
- Eu achei esquisito. - Contradisse Leonard com uma careta e braços cruzados. Segurei um riso fraco que se forçava a sair.
- Quem tem que gostar é ela, não você. - Minha irmã retrucou.
- Ah, não enche. - Meu irmão revidou e não pude deixar de imaginar uma pequena discussão se formar.
E não deu outra, no momento em que juntei minhas sobrancelhas, claramente confusa, ambos tomaram fôlego para a falação.
- Quietos os dois! - Exclamei na hora certa e suas expressões se atenuaram, contra a vontade deles, fixando os olhares em mim mais uma vez. Quando a calma pairou, voltei a sorrir. - Agora contem-me as novidades e deixem pra brigar depois, tenho poucos minutos com vocês e sou bastante egoísta quanto a isso.
As crianças riram, mais calmas, e a conversa fluiu animada e interessante, como deveria ser.
Eu estava tão feliz com os últimos acontecimentos, tão alegre por estar conversando com minha família, tão cheia de histórias e novidades para contar, que os minutos passaram e as horas voaram enquanto eu estava no skype. Fiquei tão centrada em ouvi-los e tão entretida com todas as coisas novas que eles também tinham a me dizer, que quase, quase, esqueci de avisar a melhor parte, só me lembrando dela no último instante.
- Vou afinar meu violino agora. - Avisou Laura olhando as horas.
- Tenho que me trocar para a aula também, senão vou me atrasar. - Continuou Leonard, e eu me apressei.
- Ainda não! Podem esperar aí, tenho uma notícia para vocês dois. - Anunciei, tropeçando nas minhas próprias palavras.
- Sério?
- Que tipo de notícia?
- Boa ou ruim?
- Nós vamos gostar?
- Posso falar, ou vocês vão ficar tentando adivinhar? - Os interrompi, sorrindo divertida, ansiosa em contar-lhes a novidade. - Sério! É uma notícia legal, boa e acho que vocês vão gostar sim, respondendo as suas perguntas.
- E o que é então? - Perguntaram em uníssono, com as pupilas dilatas em curiosidade, e olhos vidrados na câmera.
Meu sorriso se alargou gradativamente enquanto os observava, sentindo uma saudade sem tamanho crescer ainda mais quando as palavras saltaram para fora da minha boca:
- Estou indo para Brighton.
Querido Diário...
Eu me sinto tão animada com tudo o que está acontecendo!
Mas não é só isso, essa animação crescente no meu peito acompanhada da ansiedade sem tamanho. É um conjunto de emoções que eu nem ao menos sei nomear, se acumulando em cada canto do meu corpo, prestes a explodir igual fogos de artificio, cientes dos acontecimentos iminentes que me esperam nos próximos dias, fazendo-me sentir um entusiasmo novo que eu não sou capaz de explicar.
Talvez fosse o fato de gravar fora de Londres, ou da oportunidade de ter contato com os fãs antes mesmo do lançamento da série, e ainda a diversão de conhecer lugares novos e maravilhosos, mas o que eu apostava ser o fator principal, era poder voltar para onde tudo começou.
Sinto meu coração até palpitar somente com o pensamento de visitar todos os lugares que eu mais amo na minha cidade.
Nesse momento eu só quero que os dias passem logo para que eu possa finalmente ir pra casa.
Com amor,
.
's POV
Faltavam dois dias para a viagem e eu não podia me sentir melhor.
Eu estava plena e feliz, sentada na ponta da cama com um monte de roupas ao meu redor e a mala no chão, em minha frente, a TV ligada em um jornal qualquer expulsando o silêncio do ambiente e o notebook aberto na página do Twitter, onde eu lia com um sorriso no rosto tudo o que os fãs enviavam. Era até engraçado ler as mentions e principalmente ver fotos atuais de paparazzis, ou até mesmo as fotos antigas tiradas daquele passeio de barco onde eu, o elenco, e a nos encontrávamos agindo feito crianças, apenas para manter as aparências em frente as câmeras.
Senti uma pitada de diversão por perceber que não demoraria mais tanto tempo para que pudéssemos repetir a dose. Claro que dessa vez eu preferiria que fosse uma coisa mais espontânea, menos fingida, como naquele dia.
E claro, que estivesse sem aquela nova amiga dela, a tal de Helena...
Mas sinceramente eu estava pouco ligando para esse detalhe, aposto que tudo seria maravilhoso quando a viagem começasse.
Balancei minha cabeça acabando com meus devaneios, voltando para o presente. Voltei a olhar para todas aquelas imagens e sorri. Estavam muito divertidas, só perdiam para as frases que as acompanhavam. Essas me arrancavam gargalhadas.
Era fora do comum ver até onde a imaginação dos fãs ia, porque além das tirinhas engraçadas e das montagens criativas, tinha também uma hashtag um tanto inusitada, que me fazia rir despreocupadamente: #katian. Junção dos nomes dos personagens Kate e Ian, numa aprovação do público para o casal que nem havia se formado na série ainda.
Uma chama de alívio brotou em mim. Já estavam shipando os personagens da série sem a gravação nem ter terminado. Isso era incrivelmente maravilhoso.
A parte esquisita em toda essa história era que também estavam shipando eu e ele fora das telinhas. E nisso eu teria que contrariar a vontade dos fãs, porque & nunca iria acontecer.
Mas ignorando essa última parte, tirei uma foto das imagens com meu celular e enviei-as para com a seguinte legenda:
Com isso feito, continuei vendo outras mais, salvando algumas, retweetando outras, até receber a resposta de :
Sempre soube que humildade não era o forte dele. Respondi logo em seguida, me divertindo com a conversa:
Larguei o celular e me virei para colocar algumas outras roupas na mala, mas não tive tempo suficiente de fazer isso, o aparelho apitou um segundo depois:
Ri e me apressei em responder:
Esperei que ele entendesse o cinismo no contexto da minha frase, apesar de eu achar que ele estava explícito o suficiente, e fizesse um daqueles seus comentários irônicos já tão comuns. Entretanto não foi isso que fez:
"Sua curiosidade surge assim, simplesmente do nada?"
"Claro. Você quem tocou no assunto, só quero uma resposta. E aí encerramos ele. Juro de dedinhos!"
Escreveu como uma criança de sete anos, incorporando seu usual sarcasmo. Algo que não me surpreendeu, na verdade.
sempre foi alguém curioso, eu sabia disso, entretanto pensei que depois do episódio em que fomos interrompidos por na sua casa, ele desistiria de toda essa insistência chata, ou pelo menos daria um tempo nesse papo de "descobrir mais sobre eu e meu passado obscuro".
Eu estava enganada, aparentemente.
Mas eu também tinha minhas curiosidades, e as usaria como moeda de troca.
E se não funcionasse com isso, apelaria para a chantagem emocional com a nossa suposta amizade e a falta de confiança um no outro.
Eu sei que meus planos são péssimos, mas não é como se eu tivesse imaginação para melhora-los, então uma das duas opções teria que servir.
Minha proposta parecia bastante justa.
Ri comigo mesma, e cruzei as pernas em cima da cama. Ele conseguia usar o cérebro de vez em quando, pensei. Entretanto minha resposta foi diferente da primeira que veio a minha mente, e enviei:
A nova mensagem não demorou a chegar:
"Você faz uma pergunta sobre mim e eu faço uma sobre você. E então respondemos.
Ps: perguntas compostas não são aceitas. "
Alguns minutos se passaram até que sua resposta chegasse direta e simples:
Esperei que ele fosse o primeiro a perguntar, e a espera não foi maior que alguns segundos:
Não havia sido uma pergunta exatamente, mas eu entendi o que ele queria saber, e já imaginava que esse seria o assunto escolhido por ele. Sabia disso porque eu começara a conhecer sua curiosidade, e me divertir com a mesma, pois o fato de saber que se interessava por algumas coisas além de si próprio, mesmo que pequenas e talvez insignificantes, me fazia crer que ele não era de tudo idiota. Só quase completamente.
Infelizmente minha resposta não seria tão interessante quanto ele provavelmente achava que era, e esse seu interesse momentâneo em algo que não fosse seu cabelo bem arrumado, desapareceria na próxima vez que piscasse os olhos, decepcionado.
"História completa ou resumida?", perguntei apenas para não parecer importuna quando escrevesse para ele.
Descrever os fatos diretamente seria muito mais fácil de acabar com isso, conclui. Devia logo ter escrito só o necessário e fim de história. Infelizmente meu raciocínio parecia meio abalado sem motivo algum, e só fui pensar nisso já tarde demais, porque ele já havia decidido:
Comecei então a escolher as palavras.
Ela tinha que me fazer enxergar as coisas além de um momento isolado, para que eu pudesse ver um futuro no presente onde vivia. Uma distração que me fizesse seguir em frente, pode-se dizer. Bom, pode parecer meio ridículo, mas essa lista é a coisa que me mantém focada, e se resume em apenas uma coisa: orgulhar minha família da pessoa que me tornei e/ou vou me tornar."
Reli e reli aqueles dois parágrafos várias vezes. Por fim suspirei quando apertei o botão de enviar. Era estranho falar sobre algo tão pessoal como isso.
Esse é o tipo de coisa que eu não diria mesmo para , minha melhor amiga que me conhece melhor do que eu mesma.
Encarei meu celular, momentaneamente apreensiva.
zombaria de mim na primeira oportunidade. Era isso que ele fazia quando tinha a chance.
Pensei em digitar logo minha mensagem numa tentativa de não permitir a tempo suficiente para escrever alguma coisa, torcendo para que ele não fizesse nenhum comentário desnecessário sobre o que eu havia apenas acabado de escrever, já que uma parte de mim sabia o quão infantil tudo aquilo era. Uma espécie de lista de desejos, só que diferente, mais real, mais significativo, mais possível que quando comparado aos pedidos que fazemos quando criança. Surpreendentemente não precisei me preocupar com isso. Era como se ele já soubesse/previsse meu desconforto através daquele aparelho sem eu ao menos precisar dizer. Como se tivesse sido possível ler minhas emoções através das palavras.
"Sua vez." Foi o que enviou-me um tempo depois.
O sentimento de alívio veio logo em seguida, e soltei um suspiro longo, menos preocupada.
Eu já tinha minha pergunta há muito tempo formada, e apesar de ser uma coisa totalmente fora de contexto, minha curiosidade não deixava mudá-la. Não agora.
A princípio eu pensei que sua resposta fosse vir tão rápida quanto as outras, mas então os minutos passaram demoradamente, numa lerdeza digna de um bicho preguiça, e ao contrário do que antes eu achava a mensagem veio curta demais e direta demais para o tempo que supostamente teria sido escrita.
Certo, se o objetivo dele era me fazer não entender bulhufas com essas míseras sete palavras, e me deixar aqui criando histórias em cima dessa frase direta e nem um pouco clara o suficiente, então tinha funcionado.
Eu estava fazendo exatamente isso.
Que tipo de drama ele se referia afinal?
"Só isso?", questionei insatisfeita e quase indignada com sua maneira evasiva.
Dessa vez ele pareceu bem ligeiro para se livrar de mim. Nem se deu ao trabalho de criar uma desculpa convincente, ou no mínimo se despedir direito.
Idiota.
O fato é que aquela mixaria toda com a qual ele havia me enrolado não foi o suficiente, eu queria saber mais. E teimosa como sempre fui, ia arrumar um jeito de saber o que hoje não foi permitido.
Tentei ocupar meu tempo colocando algumas outras mudas de roupa na mala, numa tentativa de manter meu interesse repentino afastado, e foi só quando reparei nas horas que decidi dar um tempo em tudo aquilo.
Estava tarde, amanhã seria um dia cheio e mesmo que eu não estivesse com um pingo de sono, era preciso que eu me forçasse a descansar, nem que ficasse ao menos deitada encarando o teto como se aquilo fosse a coisa mais interessante do mundo e correr o risco de aparecer amanhã como se eu tivesse levado um soco no rosto, ou usado algumas drogas...
É definitivamente eu não estava a fim disso.
Felizmente a inconsciência me atingiu assim que fechei os olhos.
's POV
Viajar de ônibus era simplesmente um inferno. E não adianta tentar me convencer do contrário, eu já tive experiências suficientes em um para ter certeza do que eu estava falando.
Pode acreditar.
E pior do que ficar horas num ônibus, todo bagunçado e entupido de coisas, é ter que ficar horas num ônibus todo bagunçado, entupido de coisas com garotas.
Quando eu vi Victoria e chegando com pelo que parecia ser dez malas, quase tive uma síncope.
- Mas que palhaçada toda é essa? - Perguntei perplexo com os braços estendidos ao meu lado.
Victoria me olhou e riu, como se eu fosse um idiota.
- São malas, baby. - Segurou meu rosto com suas mãos e me olhou como uma pessoa olha para uma criança quando precisa explicar algo bastante complicado. - Sabe? Uma bolsa grande que pode colocar todo tipo de tralha dentro. Mas tenho certeza que você sabe disso. - Dois tapinhas de leve na minha bochecha e se afastou de mim sorrindo.
Revirei os olhos e bufei.
- Vicka – Fôlego. -, me ajuda aqui – Fôlego. -, por favor?
Me virei para ver arrastando suas malas com muito esforço. As bochechas coradas quase a deixou tão vermelha quanto o cabelo.
Victoria a olhou com pena. Ou algo perto disso.
- Amore, estou ocupada demais carregando minha própria cruz - O que não era bem verdade, porque quem estava fazendo o trabalho escravo era o , ela só estava observando. - Pede ajuda para o .
me lançou um olhar entediado, e continuou a carregar sozinha sua bagagem.
Bufei achando aquela situação toda muito ridícula, e fui, mesmo contrariado, ajudar a garota com todo aquele exagero de malas, porque analisando bem a cara dela, era como se ela fosse desmaiar de exaustão a qualquer momento.
O que poderia ser hilário, senão preocupante.
Dei os três passos necessários para chegar até ela, que estava de costas para mim, e segurei a mala pela alça lateral levantando-a um pouco.
, que segurava pela alça de cima da mala, intercalou olhares entre eu e minha mão.
- Pode soltar. - Assegurei a ela e puxei a alça num incentivo.
- Não, obrigada.
Ela puxou de volta e semicerrou os olhos.
- Dá logo esse negócio aqui.
- Já disse que não!
- Porra, eu tô tentando te ajudar. - Retruquei irritado.
Contra a vontade ela inspirou com força e soltou a mala.
- Eita caralho, o que você tá carregando nessa bolsa? - Tive que segurar o objeto com ambas as mãos para não deixar cair.
- Você queria a mala. Então fique com a mala. - E cruzou os braços.
- É. Eu queria te ajudar, e não ficar com problema de coluna. - Reclamei pegando a mala e a colocando no porta malas do ônibus. - O que tem aqui? Pedras?
- Não, sapatos. Qual é, não me olhe assim.
- Não é isso, é só que... Não acha que é coisa demais? - Porque tipo, era muita coisa mesmo.
- Não. Roupa é sempre importante. Ou prefere que eu ande pelada? - Bom, já que ela estava perguntando...
- Na verdade...
- Não responda! - Balançou a cabeça para os lados. - Foi uma pergunta retórica.
Olhei para ela com os lábios numa linha fina e arqueei uma sobrancelha.
- Ah, esquece que eu disse isso. - Deu de ombros e eu acabei murmurando um "já esqueci" que nem foi ouvido.
As demais malas estavam relativamente mais leves, então deduzi que aquela mala assassina era a única com sapatos, as outras estavam abarrotadas de roupas.
Tinha uma quantidade consideravelmente grande de veículos no estacionamento do estúdio. Gregory conversava com todos os motoristas, reunidos em um canto afastado, enquanto pessoas demais corriam de um lado para o outro com coisas demais.
A única coisa aparentemente boa nessa história, era que o nosso ônibus era o que iria com menos gente. Só , eu, Victoria e . Isso aconteceu por algo relacionado ao nosso “conforto e preparação para os dias bastante cansativos que estavam por vir". Então quem era eu para discutir com essa decisão?
estava prestes a entrar no ônibus, e eu logo atrás dela, quando uma mulher começou a correr em nossa direção gritando o nome dela e abanando uns papéis em sua mão.
- ! – Fôlego. -, espera aí! – Fôlego. - Preciso – Fôlego. - falar – Fôlego. - com você.
A Ruivinha uniu as sobrancelhas enquanto olhava para a tal mulher que parecia prestes a colocar os pulmões para fora.
- Claro, Rachel, o que foi? - A tal da Rachel fez um sinal para que ela esperasse um segundo e depois esticou a mão com os papéis.
- Seu itinerário. - Falou a mulher. - Esqueci de te entregar, desculpa, foi muita burrice minha.
riu divertida, e seu mau humor de momentos antes evaporou.
- Não precisa se preocupar, Ray. Obrigada! - Abriu ainda mais o sorriso quando pegou os papéis. - Você vai vir também certo?
- Com certeza! O que seria de você sem mim para cuidar dos seus horários? - Eu acabei rindo. - Viu, ele concorda comigo.
- Claro que concorda - revirou os olhos. - Vocês dois são excepcionalmente convencidos.
- Como é? - A olhei incrédulo.
- Não se faça de bobo, . - Cruzou os braços e me ignorou.
Mas que diabos essa garota tinha hoje?
- Enfim, como eu ia dizendo - Continuou a tal da Rachel, que eu começava a reparar, era até gostosa. -, vou estar em um outro ônibus com um pessoal da organização geral e sei lá mais quem. Sei que vou te encontrar no hotel quando chegarmos e aí conversamos, pode ser?
- Claro, depois a gente conversa então. Qualquer coisa é só ligar, Ray.
Continuei quieto apenas observando a empresária de se despedir e continuar a correria de antes, indo para longe.
- Podia ter ao menos disfarçado, até eu fiquei constrangida por ela. - mordeu o lábio inferior quando, confuso, me virei para ela.
- Quê? - Juntei as sobrancelhas.
- Você estava secando os peitos da Rachel na cara dura. - Explicou cuspindo as palavras.
- Sou homem, não dá pra evitar.
Soltou um riso nasalado, como se minha justificativa fosse muito podre. E talvez fosse mesmo, mas era verdade.
- Não importa, você devia aprender a ser discreto de vez em quando. - Ela abaixou os óculos de sol e pegou o celular, como se estivesse interessada em algo no aparelho.
- Aonde quer chegar com isso? - Aquilo já estava me dando nos nervos.
- Que isso é desconfortável, e que sutileza não é seu forte.
Ela sorriu sem mostrar os dentes, virou as costas e subiu no ônibus como se nada tivesse acontecido, seguindo com aquela sua pose de patricinha que estava começando a me tirar do sério. Nem parecia ela falando aquilo daquele jeito! Tava mais para uma das atuações do dia a dia.
- Vai ficar aí parado observando a pintura do meu veículo ou vai entrar logo de uma vez, rapaz? - Perguntou o motorista antipático com uma barriga desproporcional para o seu tamanho. - Não tenho o dia todo.
Soltei o ar com força e peguei minha mochila, subindo naquela desgraça sem respondê-lo.
Eu já sabia desde o princípio, essa viagem seria sensacional.
Capítulo 16 - “I thought that I could always count on you
[…]
But I was stupid”
's POV
Eu podia ter mais de vinte anos, mas estava me sentindo como uma criança de dez enquanto o Sr. Colleman falava um milhão de recomendações diferentes sem parar igual aquelas instruções feitas quando entramos num avião para que ninguém, sei lá, morresse.
Só que não estávamos em um avião, estávamos em um ônibus. E como eu tinha certeza absoluta de que todos ficariam vivos, não precisava de tudo isso, era perca de tempo.
De qualquer forma, não prestei atenção em nada do que ele falou, estava mais entretido vendo o que tinha para fazer dentro desse troço que chamam de meio de transporte a ouvir Gregory cansar nossos ouvidos.
Ignorando sua voz que pouco a pouco foi se tornando apenas um ruído de fundo, tive que admitir que para uma viagem de poucas horas, isso onde estávamos era até que bem grande.
Tinha um sofá de tamanho médio encostado lá ao fundo e janelas em cima do mesmo nos dando uma visão de onde tínhamos acabado de passar. No lado oposto uma TV LCD 32 polegadas ocupava o espaço, seguindo por camas (daquelas minúsculas com cortinas para privacidade), um banheiro que eu esperava não conhecer tão cedo, o que um dia teve a intenção de ser uma cozinha e duas mesas quadradas de canto com janelas um pouco acima delas logo antes dos bancos com cinto e da cabine do motorista. O piso todo era de um carpete vinho aparentemente áspero.
Aquele ônibus estava mais para trailer do que qualquer outra coisa.
Bom, apesar das recomendações de ficarmos parados e de preferência nos bancos onde tinham sinto de segurança, o que aconteceu foi totalmente o contrário. Não importava se a viagem tinha duas ou dez horas, cada um queria ficar no seu canto, de bico fechado e foda-se o resto.
No caso de Victoria, por exemplo, que se enfiou em uma das camas e pediu para que apenas a acordássemos se fosse caso de vida ou morte, tipo, se a comida estivesse próxima do fim.
De repente foi fácil entender porque ela e se davam tão bem.
pegou o violão, espalhou umas partituras na mesa, colocou os fones de ouvido e viajou para Nárnia quase que instantaneamente enquanto batucava o lápis no ritmo da música e encarava as notas escritas, provavelmente se concentrando em criar alguma coisa mais para elas.
simplesmente pegou algo parecido com um livro, caderno, ou sei lá eu o quê, e foi para o estofado bem lá no fundo, o mais distante que conseguiu ficar de todos os seres viventes existentes ali.
Bem, quem sou eu para falar alguma coisa?
Hoje a comunicação estava difícil.
Avaliei minhas opções para procurar um lugar no qual me ajeitar também e não ficar em pé parado feito uma porta e olhei ao redor.
Camas? Não, estava sem sono e nada a fim de ficar espremido ali.
Mesas/cozinha? parecia bastante entretido, não queria tirar sua concentração.
Banheiro? Não, eu estava bem, obrigado. Podia ficar sem conhecê-lo.
Sofá e TV? TV, não. Mas sofá...? ... Hm... É, pode ser. Eu não ia ser mordido por chegar muito perto, né? Digo, tem espaço suficiente para umas cinco pessoas ali, não ia me bater por ficar a dois metros dela... Eu acho.
Ah, foda-se.
Peguei meu caderno de desenho, minhas lapiseiras, borrachas, canetinhas e fui até o fim do ônibus. Me sentei do lado oposto ao qual ela estava, sempre tomando cuidado e mantendo distância. Vai que ela me ataca ou algo do tipo.
me encarou com as sobrancelhas juntas quando viu que eu realmente estava sentando ali, e interrompeu o caminho do cookie até a sua boca para poder entender aquilo melhor. Arqueou uma sobrancelha e apontou com o indicador para onde eu estava sentado com a maior cara de desdém que eu achei possível ela fazer:
- Vai sentar aí?
- Vou. Por quê? - Comecei a organizar meu espaço para desenhar.
- Nada. - Me olhou de cima a baixo. - Mas por que aqui?
- É proibido por acaso? - Depois eu quem tinha que ser sutil? Caralho, a hipocrisia tava reinando hoje.
- Não. - Ela finalmente comeu o cookie. - Só achei estranho você vir para cá quando tem tantos outros lugares para ficar. - Deu de ombros, como se aquele fosse um comentário insignificante, voltando a ler.
- Hm, do jeito que você fala até parece que tem seu nome escrito no estofado. - Estreitei meus olhos em sua direção.
- Quanta besteira. - Outro cookie fez caminho até sua boca. - Isso não tem nada a ver.
- Então vou ficar aqui.
- Então fique.
- Tá.
- Okay.
Silêncio.
Bufei irritado e peguei minhas lapiseiras dentro do estojo. Passei os próximos minutos desenhando e fazendo rabiscos aleatórios em papéis em branco. Isso me mantinha distraído do balanço chato do ônibus.
De vez em quando eu escutava barulho de páginas sendo folheadas e deduzi que ainda estava lendo.
As coisas permaneceram dessa forma por um tempo, mas de repente o barulho parou e eu me senti observado. Levantei meus olhos apenas o suficiente para encontrar com um olhar curioso fixo em mim.
- Tá desenhando?
Não, estou fazendo carinho no papel com minha borracha.
- Sim.
- Então você desenha? - Por um momento ela pareceu curiosa e interessada.
- Eu tento. - Fui sincero. Não era como se eu soubesse o que estava fazendo, era só um passatempo bobo qual eu desenhava o que bem entendesse, onde às vezes resultava numa coisa maneira.
- Posso ver? - Assenti duas vezes e logo ela deixava seu livro de lado para sentar-se ao meu.
Engraçado que poucos minutos atrás ela queria distância.
Entreguei a ela o caderno de desenho e segureis os materiais na mão para depois guarda-los no estojo.
Eu não curtia muito as pessoas observando meus desenhos, parecia que estavam invadindo minha privacidade. Era como se a qualquer momento elas fossem criticar, falar mal ou qualquer coisa do tipo, e eu não fazia aquilo para ganhara elogios, fazia aquilo apenas para me sentir bem.
- Suas caricaturas são muito legais. - disse enquanto folheava e observava os desenhos com um sorriso divertido. - Esse aqui é o ?
- É. Era pra ser. - Sorri de lado e ela gargalhou.
- Você tem talento - Murmurou baixo demais, sem desviar os olhos do papel.
- Valeu. Eu gosto de fazer essas coisas pra desestressar de vez em quando. - Dei de ombros.
- Todos têm seus hábitos para diminuir o estresse. - Abriu um outro sorriso em concordância e continuou a ver as imagens.
Em certo momento suas sobrancelhas se juntaram, e ela abraçou as pernas próximas ao tórax e apoiou o caderno em cima do joelho quando apontou para um lugar específico de uma página qualquer:
- Gostei desse. - Sorri involuntariamente. - Pode parecer bobo, mas sempre gostei de ancoras.
- Isso porque talvez você tenha sempre morado na praia. - Deduzi com um certo sarcasmo. Nada sério, apenas brincando. Ela riu.
- Que pensamento mais inteligente da sua parte. - Sua ironia me fez sorrir, ela havia entrado na brincadeira.
- Sou um poço de inteligência, Ruivinha. - Me gabei. - Você só não sabe disso ainda.
soltou um riso baixo.
- Convencido.
- Realista.
Continuamos a folhear outras páginas surpreendentemente agindo como pessoas normais, as olhando juntos. colocou o saco de cookies no meio de nós dois e vez ou outra pegávamos um para comer, até ela parar e apontar para um amontoado de rabiscos.
- Hey, essas parecem esboços de tatuagens. - Outro cookie se fora.
- E são. - Concordei animado. - A maioria, pelo menos.
- São incríveis.
- Dão para o gasto. - Disse.
- Esse aqui até parece a tatuagem do seu braço. - Percebeu depois de analisar bastante.
- Parece, não. Essa é a minha tatuagem. - Sorri orgulhoso.
- Tá brincando? - Riu. - Você tipo, faz suas próprias tatuagens?
- Eu sei que sou demais, pode falar.
- Não vou fazer comentários sobre isso. - Segurei o riso. - Mas me atrevo a dizer que se eu procurar, vou achar outras tatuagens suas por aqui.
Ri e neguei com a cabeça. De certa forma até que era verdade. Eu adorava minhas tatuagens, e adorava ainda mais o crédito de ter feito elas.
- Está certa, é só olhar com um pouquinho mais de atenção e vai ver. - Incentivei-a.
- Com certeza acharei várias, seu corpo é coberto delas.
Eu a olhei surpreso pelo comentário, desviando a atenção do caderno para seu rosto. Repentinamente a diversão em sua expressão desapareceu, como se tivesse se dado conta do que tinha falado. Um segundo depois, porém, já se entretia de novo com o caderno. Encheu a boca de cookies, talvez tentando disfarçar o que dissera? Não sei.
- Zap! - Falou de boca cheia com a voz engraçada. - Fica mais bonito aqui do que em você.
Soltei uma risada baixa.
- Uma das minhas preferidas. - Comentei.
- Ah, e essa outra aqui, das asas e do coração! - Disse apontando e me olhando em seguida. - Fica um pouco abaixo da sua clavícula, né? Eu me lembro delas, daquele dia na gravação quando eu tive que... - De novo parou de falar bruscamente. - Er... Fazer o negócio da camisa lá e tal...
- É, sei do que você tá falando. - Concordei e ela assentiu, corada? Abriu a boca para falar, mas nenhum som saiu dela.
Um vislumbre daquela cena passou pela minha cabeça tão rápido quanto ela desviou os olhos de mim em seguida, procurando outro cookie e percebendo que não tinha mais nenhum.
Silêncio.
O clima tinha ficado estranho e os cookies haviam acabado, não sabíamos muito bem o que fazer.
Mais depressa do que pude perceber, ela já estava de pé, segurando seu livro numa mão e o saco vazio na outra, largando o caderno no lugar onde antes estava sentada.
- Quer saber? Vou ficar um pouco na cozinha, deixar você desenhar em paz.
- Não, tudo bem. Pode ficar aqui se quiser. Vou tentar dormir um pouco por ali. - Indiquei as camas meio sem jeito, sem saber o porquê disso. Eu nem ao menos estava com sono!
- Aham, mas vou aproveitar pra pegar outro saquinho desse. - Sorriu sem graça, olhando para todos os lugares, menos para mim.
- Ok.
- É, então...Tchau, ! - Me obriguei a fazer um aceno qualquer com a mão, enquanto apertava os lábios numa linha fina.
Tinha eu feito alguma coisa errada e não percebi? Porque eu estava tentando ser amigável com ela, mas sempre que chegava perto disso acontecer, alguma coisa esquisita acontecia. Tipo agora.
Quando soube que ela já estava longe, e eu não corria risco de esbarrar com ela e sofrer mais um momento embaraçoso de novo, juntei minhas coisas e levantei, ainda pensando nos minutos anteriores.
Arrastei uma das cortinas das camas para o lado, e me enfiei ali, sem um motivo aparente, mas bastante certo disso.
Durante os próximos minutos deitado ali, terminei por descobrir que aquele cubículo na verdade podia ser bastante confortável, e acabei dormindo pelo resto da viagem, pensando numa sensação esquisita que parecia me perseguir e que eu não sabia explicar.
's POV
Eu sou uma pessoa muito, muito patética.
Não consigo nem pensar antes de falar. As palavras simplesmente pulam para fora da minha boca sem razões aparentes me colocando em situações bastante desnecessárias. Isso é ridículo. É como se minha língua estivesse tramando contra minha pessoa e criando vida própria para falar o que achasse melhor.
De novo, isso é patético. Eu sou patética.
Mas além de patética, estou me tornando uma pessoa praticamente hiperativa.
E só pra ressaltar, essa não parece ser uma boa combinação, mas como tínhamos acabado de estacionar e eu já previa a confusão e correria dos próximos minutos, eu teria que dar um jeito de controlar tudo isso e não ter um chilique qualquer por ser meio impulsiva às vezes.
Estávamos em Brighton já fazia alguns minutos. Eu me sentia totalmente familiarizada com o que via através das janelas escuras; aquele alívio de saber que estava em um lugar que realmente conhecia, que passara a vida ali assistindo as coisas acontecerem. Mas arriscava dizer que a sensação de conforto havia sido passageira, curta, rápida demais para algo que eu ansiava há tanto tempo, logo sendo substituída por ondas de incerteza, que eu, sinceramente, não estava preparada para sentir.
Uma grande sensação contraditória, um paradoxo que quase chegava a me assustar, dizendo-me não pertencer mais àquele lugar. E a cada vez que eu olhava ao redor, minha respiração falhava com a probabilidade disso ser verdade.
Adquirindo aquela implacável aparência de calma e tranquilidade, ignorei os giros do meu estômago e as batidas descompassadas do meu coração, e sorri para as outras três pessoas sentadas próximas a mim. Todos tão quietos que nem pareciam estar ali de verdade.
À medida que o silêncio crescia, meu nervosismo fazia o mesmo, e dessa forma minhas tentativas de parecer bem, quase desapareciam por completo.
Soltei o ar sutilmente, sem chamar a atenção quando olhei as horas.
Não tinha avisado a ninguém além dos meus irmãos que viria. Mas eu havia tentado, claro que havia! Estava louca por finalmente colocar os pés aqui de novo, não perderia fazer o contrário. Entretanto, as coisas não funcionaram da forma que eu esperava... Eu tinha tentado ligar, mandar mensagens, correios de voz, até sinal de fumaça! Mas tudo que eu havia recebido como resposta fora o silêncio, as desculpas repetitivas dadas pela falta de tempo, essas coisas clichês que acabaram por me frustrar de tal forma que não insisti. Cansada de correr atrás e não chegar a canto nenhum, decidi que da minha boca ninguém saberia de nada.
Sim, eu estava me referindo a . Estava tão triste, tão chateada, tão... irritada pela forma que ela andava quase me evitando, que de repente eu não queria continuar com aquilo. Era sempre eu quem ligava para ela, como se só eu sentisse falta da minha melhor amiga. Eu queria que ela sentisse falta de mim também.
E como forma de tentar não me estressar, eu havia optado por ficar quieta, e consequentemente não dizer nada a Luke, ou mesmo ao meu pai.
Não estava convencida de que aquilo, de não os informar, resultaria em algo bom, e por isso não me sentia bem e muito menos me orgulhava da escolha feita. De qualquer forma, já tinha me decidido.
Parados a algumas quadras do hotel, nos deram a instrução de descer do ônibus e ir diretamente para um dos carros que nos aguardavam estacionados um pouco a frente no meio fio. Pelo que parecia, uma quantidade um pouco grande de pessoas estava parada na calçada do hotel, atravancando a entrada direta de pedestres, e, como os ônibus eram grandes demais para o estacionamento subterrâneo, fomos designados para outros veículos que pudessem manter nossa "segurança".
Sinceramente eu me sentia segura onde estava, tudo isso parecia exagerado, mas não iria contrariar tais ordens.
Minutos mais tarde já estávamos sendo cegados pelos flashes através dos vidros do carro e ensurdecidos pela gritaria das pessoas ali paradas, contidas pelos seguranças do lugar cujo tentavam manter a ordem.
Eu estava filmando tudo pelo meu celular, sorrindo como uma verdadeira boba. Sim, eu estava adorando esse alvoroço.
A repercussão da nossa ida tinha sido incrivelmente rápida. Duas semanas antes da viagem nós havíamos tirado fotos para a divulgação. Com muito trabalho e empenho do pessoal da edição as fotos estavam prontas no dia seguinte e logo foram postadas na internet e anunciadas em diversas outras mídias com as datas e horários das tardes de autógrafos e M&G gratuitos limitados para cada cidade escolhida para a pré-turnê de The Black Side. E agora, como uma resposta bastante receptiva, muitas pessoas estavam ali nos assistindo chegar com grandes sorrisos no rosto.
A intenção de promover a série em nossas cidades natais parecia estar funcionando bem a primeiro momento.
Já dentro do saguão do hotel eu parecia ser a única animada ali. Todos sérios e concentrados, preocupados em fazer o Check in e levar tudo para os quartos, nem ligavam para o que acontecia ao redor. Eu, ao contrário de todos, estava praticamente fugindo para o lado de fora. Nunca tinha tido uma experiência como essa, fora os encontros surpresas com os paparazzis ou os esbarrões com fãs das séries pela rua, porque a atenção estava sempre centrada, na maioria das vezes, nos outros. Eu era a novata ali e não eram todos que davam bola, pois ainda não conheciam meu trabalho. Mas dessa vez estava sendo diferente das demais anteriores, eu escutava as pessoas chamarem por mim querendo me conhecer, e por mais louco que fosse, eu também queria conhecê-las. Estava praticamente implorando para me deixarem ir ver e falar com aquela gente lá fora.
Infelizmente, como já era de se esperar, não funcionou e minha saída não foi permitida nem pela segurança do hotel, e nem pela segurança trazida por nós.
Segui contrariada para minha suíte e muito chateada por não poder fazer nada.
Victoria disse que existiriam outras oportunidades de curtir aquilo, e preferi acreditar que era verdade ao invés de ficar com a cara fechada já antes de cansarmos a trabalhar realmente.
- Vocês têm duas horas para se encontrarem na sala de reunião no segundo andar. - Disse Gregory quando as portas do elevador se abriram. - E não se preocupem, vai ser impossível não achar a sala, tem uma placa bem na frente da porta bastante nítida para qualquer pessoa ver. Independente do grau que você tem na vista, sem desculpas dessa vez. - Fez uma pausa após olhar casa um de nós com atenção. - Não se atrasem, precisamos conversar sobre como será essa semana, ela está apertada. Os itinerários já estão com vocês, os scripts também, só precisamos acertar alguns detalhes.
Concordamos rapidamente enquanto os cartões dos quartos eram distribuídos.
- Aproveitem para descansar, mais tarde levaremos vocês para conhecerem o lugar de gravação, como de costume para uma pré-leitura e interpretação.
Assentimos outra vez, calados, e depois de mais algumas frases soltas fomos cada um para seu determinado canto, acompanhados por um entregador de bagagens com aqueles carrinhos esquisitos e enormes lotado de malas.
Assim que abri a porta do meu quarto, a felicidade voltou.
- Caracas, que lugar imenso. - Murmurei para eu mesma. O homem que nos ajudava com as bagagens soltou um riso baixo quando vou minha reação.
Para um quarto de hotel, isso aqui quase parecia um kitnet, só que sem a cozinha. Haviam dito na recepção que comidas e bebidas deveriam ser pedidas ao serviço de quarto pelo telefone instalado ao lado da cama. Eu veria o aparelho e o cardápio mais tarde.
Passei pelo que deveria ser o hall de entrada da suíte e assim que o funcionário do hotel saiu e fechou a porta, me joguei na cama de barriga para cima como qualquer pessoa normal faria se estivesse no meu lugar. Céus, que colchão maravilhoso, eu sentia como se estivesse deitada em uma nuvem.
Convencida a gastar minhas próximas horas jogada ali como se o mundo fosse acabar a qualquer momento, quase não percebi o tempo passar e muito menos meu celular tocar a alguns centímetros de mim em cima da colcha.
Tateei os dedos pela superfície macia e aconchegante até encontrar o aparelho a uma distância consideravelmente curta de onde eu estava, e sem nem ao menos me dar ao trabalho de abrir os olhos e identificar o nome na tela do visor, aceitei a chamada, o colocando próximo ao meu ouvido e atendendo com a voz arrastada:
- Alô?
- Você está em Brighton. - Aquilo não soava como uma pergunta.
Droga.
- Oi, . Tudo bem?
- Você está mesmo aqui. - Definitivamente ela não estava perguntando. Estava confirmando, afirmando, concluindo. - Quando ia me avisar?
Sua voz suave, com aquela maciez controlada inconfundível e mais alguns segundos de silêncio foram suficientes para me dar a certeza de que minha ideia de não contar nada nunca teria funcionado de verdade.
Realmente eu sou muito patética.
- Vai me deixar falando aqui sozinha ou vai dizer alguma coisa? - Inquiriu ofendida.
- Sim, eu estou na cidade, cheguei há pouco tempo. - Respondi soando indiferente, apertando meus dedos contra minha têmpora, já vendo o desenrolar daquela conversa. Me daria dor de cabeça.
- E quando pensou em me contar? - Percebi um resquício de falso humor em seu timbre.
- ... - Pressionei meus lábios um contra o outro.
- Você não ia falar nada, né? - Soltei um suspiro e ela um riso nasalado. - Por que não ia me falar? Tem noção de como estou brava com você por ver mil fotos suas dentro de um hotel a uns dez minutos de onde eu estou sem saber de absolutamente nada?
- Não era minha intenção te deixar assim - Tentei justificar, mas logo fui interrompida.
- Tem certeza? Porque eu estava louca esperando o dia em que você fosse chegar e dizer "Amiga, prepara as coisas que eu tô indo pra casa!", só para ter a pequena surpresa de saber que você já está em casa. - Frisou a frase. - E nem se deu ao trabalho de me mandar um recado avisando!
- Pra que eu faria isso? - A cortei, irritada com sua hipocrisia. - Você tem estado tão diferente comigo desde a última vez que nos vimos, que não sei como agir!
- Diferente, porcaria nenhuma! Eu não mudei nada. - Sua voz soou mais alta e eu me senti perplexa com o que escutava.
- Como não? Se eu não te mando mensagem, você também não mexe um músculo para saber se eu estou bem ou deixo de estar. - Fechei os olhos com força e desejei não estar tendo aquela conversa.
- Tá brincando comigo? - parecia furiosa, se sentindo dona da razão. - Todas as vezes que você precisou de mim eu estava lá para te ajudar, e agora vem com essa historinha escrota dizendo que eu não me importo com você? Sério mesmo, ?
- Se você se importasse mesmo teria conversado comigo todas as vezes que te liguei ao invés de dar desculpas repetidas para desligar e se livrar de mim.
- Misericórdia, você está se escutando? - Murmurou numa tentativa frustrada de me interromper.
Fingi não tê-la escutado e tomei fôlego para continuar:
- Eu precisava conversar com alguém, só queria ter dez minutos de um diálogo besta com a minha melhor amiga para parar de me sentir sozinha, dar umas poucas risadas, e você em todas as vezes deu um jeito de me afastar.
- Eu nunca fiz isso com você.
- Nunca... - Falei sarcástica. - Só várias vezes dentro dessas últimas semanas. Nem parece que somos amigas.
Ela gargalhou indignada do outro lado da linha.
- Como pode dizer uma coisa tão sem escrúpulo como essa? Percebe como está soando ridícula?! Dizer que eu não te dou atenção e blá blá blá, parece até uma criança de cinco anos. Eu não estava te afastando, minha intenção nunca foi essa. - Ela fez uma pausa, como se tentasse escolher as palavras. - Estava tentando lidar com a minha vida, meus problemas. As coisas aqui estão uma loucura, eu estava ocupada, entupida de coisas para fazer!
- E agora eu que te pergunto: por que não me disse nada?
Ela puxou o ar, contrariada.
- Mas não estava óbvio o suficiente? Você sempre foi compreensiva, achei que tivesse sacado.
Estreitei os olhos e puxei os fios descabelo do meu couro cabeludo. Não me restava sequer um pingo de paciência para fingir indiferença e manter a educação.
- Claro que saquei, não sou tão burra quanto você acha que eu seja. - Resmunguei atropelando minhas próprias palavras. - Mas fica tranquila, . Não vou mais atrapalhar você, seja no seu trabalho ou com suas novas amigas. Eu também tenho andado bastante ocupada, se você quer saber. Estressada com a minha vida e comigo mesma, precisando de ajuda, mas está tudo ótimo! Aliás, obrigada por perguntar.
Eu a ouvi soltar o ar com força e fazer uma rápida pausa.
- Mas do que diabos você está falando, ? - Perguntou baixo, como se não soubesse que palavras usar a seguir. - Eu sei que você sempre foi a dramática de nós duas, mas já não sei aonde quer chegar.
Grunhi ao telefone, não querendo mais argumentar ou tentar entender, simplesmente desisti de continuar com aquilo, e soltei sem pensar:
- Claro que não sabe! Aposto que deve estar muito ocupada, como das outras vezes, e não pôde escutar a meia dúzia de frases que falei, não é? Dessa vez é o quê? O trabalho ou aquela tal de Helena que te impedem de falar comigo?
- Chega, isso tudo é infantilidade sua! - Berrou de uma vez.
- Com certeza você acha isso, não é você quem está sendo trocada. - Sentei na cama, frustrada com a ligação.
- Para com isso! Você está fazendo uma tempestade num copo d'água. - Sua exclamação foi o que faltava para me fazer chegar ao ponto final.
- Ótimo, então não tem mais porque falar comigo, desligue o telefone. Nós duas sabemos que isso tudo não está servindo de nada! Já sei que você não tem todo o tempo do mundo.
Mordi a língua segurando as palavras, me forçando a parecer indiferente. Aquela troca de farpas já tinha perdido o objetivo, não nos levaria a lugar algum.
Talvez em choque, ou então pensando no que faria a seguir, ela ficou em silêncio. Só percebi que estava prendendo a respiração segundos mais tarde quando o telefone ficou mudo.
Me senti sufocada. Puxei o travesseiro que estava um pouco acima da minha cabeça e enterrei meu rosto ali, soltando um grito contra o mesmo, num som abafado.
Eu tinha acabado de brigar com minha melhor amiga e ferrar muito com o começo da viagem.
's POV
Terceiro dia em Brighton e tudo que nós tínhamos feito até agora foi trabalhar.
Não que eu esperasse algo muito diferente, mas eu tinha imaginado um suave dia de folga pra curtir, ir a um pub, ficar de bobeira no quarto, ou fazer o que bem entendesse da vida, entretanto até agora tudo que fizemos foi decorar falas durante horas, discutir sobre o roteiro durante horas e ficar loucos e estressados durante horas. A única coisa diferente que estávamos fazendo nesse exato momento, era entrar num carro que nos levaria até a sessão de autógrafos onde ficaríamos sentados e assinando coisas durante horas.
Com certeza algo bastante interessante. Não, sério, estou dizendo isso sem ironia, pode acreditar. Eu adorava essa parte.
Nunca fui bom em descrever sensações, mas o que acontecia ali era o seguinte: ver aquelas pessoas felizes, te deixava feliz. Simples assim.
Você podia estar passando pelo pior momento da sua vida, com um mau humor desgraçado ou aquela raiva inconsequente do capeta, mas no momento em que se deparasse com aquela gente sorrindo por e para você, alegres pelo simples fato de você estar ali, você ficava totalmente desarmado.
E eu estava vendo isso acontecer mais uma vez, observando sorrir de verdade pela primeira vez desde o dia em que chegamos. Não sabia o que havia de errado, mas era óbvio que existia um problemas, e apesar dela ainda parecer distante, com os pensamentos longe demais, nesse momento ela parecia mais leve.
- Uma libra por seus pensamentos. - Seu olhar se virou confuso para o meu e soltou um riso sem graça.
- Que frase mais clichê, . - Revirou os olhos e preferiu não dizer nada, voltando o mesmo para a janela.
- Parece pensativa. - Comentei, incentivando-a a falar alguma coisa sobre toda aquela distração e cara de paisagem.
- Nada demais. - A voz dela soou abafada pela proximidade com o vidro, e o mesmo se embaçou, mostrando que sua respiração tinha batido pesada contra o material.
Não insisti, sabia a hora certa para parar e não invadir o espaço dos outros. Se ela quisesse falar, ela falaria, senão, eu não me importaria com o silêncio também. Mesmo eu estando louco de curiosidade...
Os outros minutos pareceram passar depressa demais quando os gritos começaram a se tornar audíveis e pareceu se animar subitamente.
- Incrível, não é? - Murmurei para ela enquanto seus olhos brilhavam ao olhar a multidão do lado de fora do local.
assentiu sorrindo, mexendo distraidamente nos pingentes da sua pulseira. Aquela que com certeza tinha uma história, mas eu ainda não tive a chance de descobrir.
- É assim sempre? - Perguntou num fio de voz, distraída.
- Na maior parte das vezes. - Dei de ombros. Tirando os momentos em que você se sente sufocado, é sempre assim, sim, quis completar, mas tive receio de acabar com sua suposta felicidade repentina, e deixá-la com seu típico olhar perdido.
Ela parecia encantada com o que via. Passava os olhos por tudo, gravando cada detalhe. Eu podia ver em seus olhos, que mesmo sem começar, ela já não podia esperar pela próxima vez.
Quando, mais tarde, adentramos o local onde seria a sessão de autógrafos, rapidamente os seguranças nos escoltaram. O local abarrotado de gente estava impressionante.
foi o primeiro a falar, ele sempre tivera se dado melhor com o público. Assim que nos sentamos (, Victoria, e eu respectivamente), a Ruivinha se inclinou discretamente para o meu lado e sussurrou tão baixo que se eu não tivesse me concentrado, não teria entendido nada.
- Você já brigou com alguém muito importante pra você? - Juntei as sobrancelhas e a encarei. Que tipo de pergunta era aquela?
- Claro que sim. - Respondi de imediato. - É por isso que está tão quieta? Brigou com alguém?
Ela baixou os olhos e mordeu o lábio inferior. Não precisava dizer que sim para eu saber a resposta.
- Foi muito sério? - Mudei a pergunta.
- Não sei dizer. - Respondeu num sussurro desanimado. - Tenho medo que tenha sido...
Ela não me olhou, mas eu a fitei pelo tempo que pude. Não foi muito, infelizmente. Pelo que pareceu estavam abrindo oficialmente a sessão de autógrafos.
se prontificou em sorrir, mostrando que agora não era mais momento para falar. Teríamos que adiar a conversa por um tempo.
Enquanto a primeira pessoa passava diante da mesa e a recebia como se tudo estivesse a mil maravilhas, eu só conseguia pensar em mais quanto tempo ela se faria de forte até para si mesma.
's POV
"Meu Deus! Você é ainda mais linda pessoalmente!", "Quero poder ver você atuando logo, !", "É sério que seu cabelo não é tingido?", "Não acredito que estou tirando uma foto com !". Essas foram as frases que mais ouvi em menos de três horas. Melhoraram meu humor superficialmente e me tiraram do cruel dilema em que eu estava vivendo, perdida no que fazer ou não fazer.
Essa tinha sido a parte boa.
Todo o resto se transformara na parte ruim.
Cheguei ao hotel muito mais tarde do que realmente havíamos planejado, graças a diversos imprevistos ao decorrer do dia que quase deixaram metade da produção maluca.
A única coisa que havia dado certo fora a sessão de autógrafos. Nem mesmo o Table Read tinha saído como o planejado.
A gente estava pra lá de ferrado. Mas por milagre de Jesus, ganhamos folga no dia seguinte, e todo o itinerário tão bem planejado foi alterado em segundos. "Folga", na verdade, tinha uma definição interessante aos olhos de Gregory e de toda sua equipe, pois ao contrário do desejado por nós, meros trabalhadores, o que ele realmente queria dizer com esse termo tão adorado, era que usássemos as horas livres para trabalhar mais ainda.
Por alguma razão ele estava procurando nosso desempenho máximo, quase excessivo, ao decorrer dos últimos dias. Por um lado isso sempre fora bastante previsível. Por outro eu só queria ficar jogada na minha cama por algumas várias horas seguidas pensando na morte da bezerra.
Tudo bem, talvez não exatamente na morte da bezerra, mas sim na briga ridícula que tive há uns dias com minha amiga. Me sentia pessimamente mal por conta do ocorrido. Mas eu estaria sendo ridícula se mantivesse meu foco apenas nessa parte da viagem.
Felizmente, eu acho, tais pensamentos foram para longe enquanto eu tomava um banho quente e relaxava. Voaram livres, me deixando numa nostalgia chata que provavelmente não faria bem para o pouco de felicidade que eu estava guardando.
Em meio a vários devaneios, já deitada na cama pronta para supostamente dormir, me vi concentrada nos meus irmãos, e decorrente a isso, tomei uma decisão. Bom, eu havia feito uma promessa a eles e devia cumpri-la, mesmo que para isso eu tivesse que mexer uns pauzinhos e me arriscar um pouquinho por aí. Mas eu não precisaria fazer isso sozinha... seria minha primeira opção, mas pelas circunstâncias em que nos encontrávamos, tive que recorrer a outra pessoa que eu sabia que não diria não.
Respirei fundo por várias vezes. Pensei e repensei no que eu de fato faria, e por volta da meia noite, me levantei da cama decidida, já sabendo que não voltaria atrás.
A passos largos, saí do meu quarto, hesitei por milésimos de segundos, mas bati na porta, prendendo a respiração.
abriu a mesma com a testa franzida em desentendimento com calças de pijama e sem camisa quando me encarou por um segundo inteiro antes de perguntar:
- O que raios você está fazendo aqui em plena meia noite? - Sua voz saiu numa rouquidão baixa, mas bastante indignada.
Mordi o lábio inferior, e disse de uma vez prestes a desistir:
- Está a fim de fazer uma loucura?
Capítulo 17 - “Spaces between us
Keep getting deeper”
's POV
Eu nunca achei que fosse lá uma pessoa muito normal, e mesmo tendo mudado um pouco minha opinião sobre ela desde que a conhecera, ainda assim ficava difícil levá-la a sério de vez em quando.
Parada ao meu lado ao pé da escada do hotel, a Ruivinha se atentava a tudo como se estivesse conspirando contra a máfia italiana enquanto colocava o seu plano maluco, ou o que ela achava ser maluco, em ação.
Mesmo assim, tentei puxar assunto:
- Então... Quer dizer que você tem dois irmãos?
- Sim, gêmeos. Laura e Leonard. - Me respondeu sem tirar os olhos do vidro.
Hm... Quer dizer que a baixinha aqui tem uma irmã? Essa era nova pra mim.
- Laura, você disse? - assentiu. - Como ela é?
- Ah, nem vem, . - Falou dura e contorceu o rosto numa careta.
- Foi uma pergunta inocente!
- Olha minha cara de quem acredita. - Debochou.
- Só quero saber se ela parece com você, ué. - Me defendi. E daí se eu queria saber se ela era gata? Não podia mais ter uma noção de com quem eu estava lidando?
- Pra quê?
- Por curiosidade. - Dei de ombros.
- Então para a sua curiosidade, ela tem onze anos. - Falou firme e pausadamente.
- Ah, quer saber? Deixa pra lá.
Devo ter feito cara de poucos amigos e mal percebi, pois em seguida já estava revirando os olhos, como se não fosse obrigada a escutar esse tipo de coisa.
Não tenho nada declarar.
O silêncio que veio a seguir durou alguns minutos. A garota nem deve ter percebido o tempo voar, já que passou todos os sei lá quantos segundos com a atenção voltada para o celular e só voltou a olhar para mim quando precisou anunciar:
- Ele já está chegando.
Concordei com um aceno de cabeça no mesmo momento em que ela estendeu para mim um óculos de sol.
- Sério mesmo? - Questionei contra a vontade.
- Você quem disse que era necessário manter a discrição. - Argumentou.
- É, manter a discrição, e não nos vestir como se fossemos assaltar um banco.
revirou os olhos, mas manteve o braço esticado, num incentivo claro de me fazer pegar o óculos escuro. Contrariado, aceitei.
Em seguida coloquei a touca do blusão por cima do boné e por ultimo o tal do acessório qual tinha me oferecido.
fez o mesmo.
- Prenda o cabelo. - Mandei.
- Por quê?
Bufei. Será que já não era óbvio?
- Porque, infelizmente, seu cabelo ruivo não é discreto.
- Eu não sou ruiva, . - Reclamou.
- Claro que não, eu que sou daltônico.
- E sarcástico também, acrescente isso a sua lista.
A encarei com falso interesse. Sério isso? Até quando ela ia continuar com essa história errada de que não é ruiva e os outros que não enxergam? Ela estava precisando mesmo tomar um chá de realidade.
- Só prende o cabelo, . - Entre um grunhido e uma reclamação ela prendeu os fios e os cobriu com a touca folgada e escura.
- Feliz agora, querido?
- Muito.
- Ótimo. - Disse sem emoção. - Agora anda logo, o carro dele está depois da esquina.
Assenti mudo e sério. Da forma mais despercebida possível saímos do hotel e caminhamos até o Range Rover preto muito maneiro. saltou para o banco do passageiro na primeira oportunidade na maior naturalidade possível. Sem muita opção de escolha, abri a porta do banco de trás e entrei.
Tirei a touca e o óculos assim que estava seguro dentro do veículo.
- Quem vê, pensa que estou sendo sequestrado. - O motorista olhava sorrindo para . A garota soltou um riso divertido, inclinando o corpo para frente e passando os braços pelos ombros do cara.
- Que saudades de você, Luke!
- Senti sua falta também, baixinha. - O tal Luke murmurou antes de encerrar o abraço.
Houve um pequeno espaço de tempo em que todos ficaram em silêncio, e então ele pareceu finalmente perceber que existia alguém além de no carro quando dirigiu os olhos para mim, me avaliando de cima até abaixo, como se quisesse me intimidar.
- Luke, esse é ; meu colega de trabalho... e amigo. - As palavras soaram novas para ela. - , esse é Luke; irmão de e meu melhor amigo.
- E aí. - Cumprimentei.
- me falou de você. - Foi o que ele respondeu.
- Ah é? - Fiquei surpreso, mas não deixei transparecer.
- Sim, mas não foram coisas muito boas, se quer saber. - Completou.
- Não, na verdade não quero. - Respondi.
A verdade é que eu não me importava. Fale bem ou fale mal, mas fale de mim. Era isso que eu pensava.
Seu olhar, que antes já estava sério, pareceu se tornar ainda mais frio. , que havia introduzido a conversa, agora não parecia muito feliz com o rumo que a mesma estava tomando.
- Er, Luke, será que pudemos ir? Você sabe... Antes que alguém desconfie.
- Sim, claro. - Concordou rapidamente.
No instante seguinte o carro estava em movimento nos levando para longe do hotel.
O caminho ia sendo feito em silêncio. Pelo menos por mim. se manteve numa conversa descontraída com Luke durante os próximos longos minutos que se estenderam pelo caminho, que, até então, estava tranquilo.
Nada de paparazzis.
Eu poderia ficar surpreso e começar a recitar para ambas as pessoas que estavam no carro comigo o quanto aquilo estava sendo maravilhoso, mas preferi guardar tais detalhes para mim mesmo enquanto aproveitava a situação, não perdendo a chance de escutar a conversa dos dois, é claro.
- Alguém sabe dessa história? - Perguntou Luke.
- Não. - A ouvi responder de forma natural. - E pretendemos não deixar ninguém descobrir também.
- Como quiser, senhorita. - Ela ganhou uma piscadela como resposta e sorriu comedida em seguida.
Por alguma razão eu imaginava que a ligação que os dois tinham ia além da amizade.
Conforme os minutos iam passando, mais aéreo eu ia ficando. Não queria me intrometer na conversa e fazer com que eles se sentissem na obrigação de conversar comigo, por isso me distraí com a paisagem nova de Brighton que passava ao decorrer do caminho.
Com meus pensamentos longe, levei um susto ao sentir o meu celular vibrando em meu bolso. Não fui o único a ficar surpreso. Com a expectativa de fazer o toque cessar depressa, não perdi tempo olhando o visor, apenas recusei a tal ligação e logo desliguei o aparelho para que isso não voltasse a acontecer.
- Quem era? - Me perguntou com as sobrancelhas juntas. Pela sua preocupação quase evidente, imaginei que estivesse assim por imaginar que tivessem percebido nossa pequena saída.
- Não devia ser importante. - Respondi em seguida.
Ela não parecia convencida, mas aceitou mesmo assim.
Quem quer que tivesse me ligado poderia esperar. Não ia ser eu a estragar esse dia.
- Deixe eu ver se entendi direito. - Luke abanou as mãos entre nós. - É para eu dar uma volta no quarteirão enquanto você pega seus irmãos no meio da aula sem a permissão do seu pai? - O cara parecia descrente.
- Sim. - mordeu o lábio inferior, incerta.
Os dois conversaram silenciosamente pelos olhos num drama bastante exagerado para aquilo.
- Na moral, não é nada assim tão sério. - Intervi dando de ombros. Os olhares que recebi em resposta não pareciam concordar.
- Não é tão sério? - A voz de saiu algumas oitavas acima do seu tom normal. - Qual parte da história do "meu pai não fala mais comigo e não me quer por perto" que você não entendeu, ?
Revirei os olhos. Como explicar aquilo sem parecer grosso?
- Só não é tão sério quanto você pensa. - Frisei bastante a palavra enquanto a garota procurava uma explicação.
- Ah, não? - Questionou desacreditada.
- Claro que não. Você já é maior de idade, tecnicamente falando é responsável por seus irmãos tanto quanto seu pai.
- Na verdade... - Luke me interrompeu franzindo a testa e eu lhe lancei um olhar duro.
Se ele ficasse contestando, nunca levaria isso adiante e ficaria se remoendo eternamente por não ver seus irmãos no dia do aniversário deles como tinha prometido. E só eu sei como isso se tornaria cansativo de aturar... Ah, além do fato que teríamos saído do hotel para nada, mas vamos continuar apenas com a primeira consequência.
- Na verdade... Na verdade ele está certo. - O loiro concordou contra a vontade.
É óbvio que o que eu estava falando só estava parcialmente correto e que tudo só estava sendo analisado de forma hipotética, mas quem se importa, né?
trocou olhares com Luke e depois fez o mesmo comigo, que dei de ombros, deixando a entender que ela quem escolheria o que fazer. Mas, pela lufada de ar que ela soltou em seguida, deixou claro que para ela a decisão já tinha sido tomada.
- Me esperem no carro. - Ela abriu a porta decidida. - Volto em cinco minutos.
's POV
Era tão bom finalmente vê-los! Sei que não fazia tanto tempo assim, e que eu podia soar um tanto exagerada, mas eu sentia como se fossem anos.
Ambos estavam maiores, haviam crescido um tanto considerável, mas o rosto e as expressões não, essas continuavam as mesmas.
- ! - Gritou Laura com empolgação, correndo ao meu encontro, enquanto descia as escadas de três em três degraus.
- Você veio mesmo! - Leonard abriu um sorriso de orelha a orelha impossível de não retribuir.
- Eu prometi que viria, não prometi?
O diretor da escola dos meus irmãos me olhava desconfiado do portão da mesma. Não pareceu cair tão bem nas minhas desculpas esfarrapadas para tirar os dois dali, mas também não contestou em deixar as duas crianças saírem sob meus cuidados, afinal, eu era a irmã delas. Talvez deserdada pelo pai, mas ainda sim irmã.
- Eu não te conheço de algum lugar? - Ele estreitou os olhos em minha direção, numa avaliação cuidadosa quando eu já estava pronta para dar no pé daquele lugar.
Engoli em seco quando meu estômago gelou. Torci para que minha voz não tremesse quando eu respondesse:
- Acho que não.
- Tem certeza? Você me parece familiar...
- Deve ter me visto vindo buscá-los alguma outra vez. - Soltei um riso baixo e sem graça, esperando mudar o rumo da conversa ou encerra-la de uma vez.
- Quem é você mesmo?
- Ela é nossa irmã! – Laura respondeu de imediato para o homem.
- Hm, certo. – Ele assentiu. – Disse que veio busca-los porque teve uma emergência?
- Sim, uma emergência familiar. – Repeti sem entrar em detalhes. Aquilo não era uma total mentira.
Como ele nada respondeu, deduzi que devia estar convencido, ou muito desconfiado, mas independente de qual das duas fosse, essa seria a deixa perfeita para sair dali com os dois.
Sem nenhum tipo de despedida virei sobre os calcanhares e desatei a andar segurando nas mãos dos meus irmãos e indo de encontro ao carro, em silêncio. Apenas depois de entrarmos no veículo, dessa vez no banco de trás ( estava sentado no banco do passageiro), que finalmente pude dar um grande e demorado abraço nas duas crianças.
- Achei que fosse nos enrolar por mais semanas!
- Quanta fé em mim, Laura. - Ri a apertando contra mim, não ficando ofendida de verdade.
- Você sempre disse que sinceridade é importante.
- Não use minhas palavras contra mim, Leo.
- Ah, deixa de ser chata! - Leonard respondeu com um sorriso e os garotos sentados a nossa frente riram.
- Isso é jeito de falar com a irmã de vocês? - Disse séria em tom de brincadeira. - Só te desculpo porque hoje é seu aniversario. Vem aqui, pirralho.
Meu irmão se aconchegou no meu abraço e Laura aproveitou para fazer o mesmo. Eu me sentia plenamente feliz com eles, mesmo que não fizesse nem sete minutos que estávamos nos revendo, pra mim já era o suficiente.
- Estávamos com saudade.
- Eu também estava, Laurinha.
- Obrigado por ter vindo, .
- Eu amo muito vocês.
As vozes saiam abafadas umas contra as outras.
- Nós também te amamos. - Contou Laura.
- Com certeza! - Concordou Leonard. Sorri, discreta.
- Feliz aniversário, baixinhos não mais tão baixinhos.
Ambos riram e se separaram de mim. Finalmente pareceram notar as outras pessoas no carro.
Foi então que minha irmã perdeu o ar.
- Qual a próxima parada, Ruivinha? - perguntou por cima do ombro, não querendo nos interromper.
Leonard foi o próximo a ficar sem palavras.
- ?! - Minha irmã deixou o queixo cair formando um "O" perfeito. - Você é mesmo o ?!
Eu não sabia dizer se aquilo era uma pergunta ou uma afirmação, mas de súbito eu lembrei de um detalhe bastante importante... Laura era louca por . Na minha cabeça essa fase de Laura já tinha terminado. Me senti uma grande idiota por ter esquecido totalmente da paixão platônica pré adolescente que minha irmã tem pelo One Direction. Aliás, eu já até tinha esquecido que o cara com quem eu trabalho faz parte dessa banda... Pra mim ele era só uma pessoa, um amigo, um cara com quem eu dividia um roteiro no trabalho. Nada mais extraordinário que isso. Fama não parecia não existir ali.
Mas lá estava minha irmã, com os olhos quase pulando para fora do rosto, radiante de felicidade, me mostrando que a realidade dela era diferente da minha e que para ela ele era um tipo de ídolo ou sei lá o quê.
arregalou os olhos, surpreso, e virou o corpo parcialmente para trás. Quando ele abriu um sorriso, minha irmã quase desmaiou de felicidade.
- Er... E aí, Laura? - Ela o olhou fascinada e nada disse. Limpou a garganta uma vez e continuou: - Meus parabéns, gatinha!
E então ela gritou.
- , EU NÃO ACREDITO QUE VOCÊ TROUXE O PARA O MEU ANIVERSÁRIO, VOCÊ É A MELHOR IRMÃ DE TODAS! - Mas o quê? Aí não, isso não está certo...
Enquanto Laura surtava com seu suposto presente, Leonard se controlava para não fazer o mesmo. Por alguma razão o garoto, que até onde eu me lembrava tinha o sonho de se tornar lutador profissional de alguma modalidade que ainda não tinha decidido, pois gostava de todas, admirava e todo seu talento para “luta”. Coitado. Mal sabia Leonard que parte desse “talento” era na verdade edição...
- , você é incrível! - Meu irmão me abraçou de lado enquanto Laura ainda estava ocupada absorvendo a informação.
olhou para mim quase assustado. E eu não fiz nada além de rir sem graça. Fiz uma nota mental de me desculpar pelo ocorrido mais tarde e dizer que não tinha sido de propósito. Fazer isso agora não adiantaria de nada.
Eu só esperava que ele gostasse de crianças, caso contrário, esse seria um longo dia para ele.
Maldito.
Não acredito que meus irmãos estavam trocando minha companhia pela do . Era só o que me faltava!
isso, aquilo, mas nunca . Poxa vida, será que eles o achavam mais interessante que eu? Aparentemente de acordo com as últimas horas, era isso mesmo. Só me deram atenção quando fomos comer os cupcakes de aniversário porque eu tinha dado os mesmos para eles com velinhas e tudo.
Luke ria do meu drama, fazendo piadas do quão exagerada eu estava sendo e blá blá blá, mas nem pensava em me ajudar a reverter a situação. Revirei os olhos e bufei várias vezes por isso.
- Para de fazer bico! - Me disse mais uma vez.
- Não, droga. - Resmunguei. - Eles estão me deixando de lado!
Luke riu.
- Veja pelo lado bom, baixinha. Seus irmãos estão se divertindo e não está sendo um idiota. - Deus de ombros. - Aliás, estou até surpreso com isso.
- Pois é, consegue ser uma caixinha de surpresas... - Murmurei e Luke riu balançando a cabeça para depois começar a me fitar. Automaticamente já comecei a me sentir desconcertada com seu olhar sobre mim.
- Pare de me encarar. - Disse sentindo minhas bochechas começando a esquentar.
- Desculpa - Pediu olhando para baixo com um sorriso torto. - É só que... Eu estava com saudades de você, baixinha.
- E eu de você, mané. - O olhei sorrindo e Luke me abraçou de lado. - Queria que todos vocês estivessem em Londres comigo, lá fica meio solitário de vez em quando. Aliás, você sabe que pode me visitar quando quiser, né? Tem bastante espaço no meu apartamento.
- Claro que sei. - Afirmou. - Quando você menos esperar eu vou te visitar.
Observei brincando com meus irmãos pela praia que hoje particularmente estava vazia. O clima não estava colaborando nem um pouco, mas esse detalhe não parecia preocupar nenhum dos três que corriam de um lado para o outro. Apesar de me sentir um tanto excluída, sorria assistindo a cena.
- Posso fazer uma pergunta? - Luke me olhou de canto.
- Sabe que pode. Todas que quiser. - Sorri para ele.
- Por que não convidou ? - Subitamente me senti triste. Demorei um pouco para dizer, as palavras saíram um tanto amargas:
- Nós brigamos.
- E por quê?
Porque eu sou uma idiota dramática que foi infantil, uma parte da minha consciência quis gritar.
- Porque nós nos desentendemos, só isso. - Tentei dar o assunto por encerrado.
- Ela parecia triste.
- Falou com ela? - Perguntei curiosa.
- Eu a vi hoje mais cedo. - Deu de ombros e parou de falar.
O assunto morreu segundos depois.
A informação fez com que eu me sentisse um pouco mais chateada do que já estava. Mas decidi que lidaria com esse problema um pouco mais tarde. Por enquanto eu tinha outra coisa para realizar, se possível. Me virei para Luke e perguntei:
- Posso te pedir mais uma coisa?
- Com certeza, baixinha. - Riu me abraçando de lado outra vez.
- Me leva pra casa antes de deixá-los na aula da tarde?
Luke se afastou e me estudou com o olhar.
- Sabe que essa não é uma boa ideia, certo? - Certíssimo.
- São só alguns minutos, nada vai acontecer. - Tentei me convencer disso.
- , isso pode dar muito errado.
- Eu sei, Luke. Mas eu quero, preciso passar lá.
Meu amigo me segurou pelos ombros e soltou um suspiro derrotado.
- Vou com você então.
- Não! - Me apressei em dizer. - Preciso que você distraia Laura e Leonard os levando para a aula enquanto pego algumas coisas em casa. vai estar comigo, não vou estar sozinha, ok? - Ele não queria deixar, mas assentiu sem escolha. Sabia que eu não mudaria de ideia, precisava entrar lá uma ultima vez. Sentia falta do lugar que um dia chamei de meu.
- Ok. – Foi o que disse por fim.
O silêncio parcial veio em seguida concretizando o fim da conversa.
Eu começava mais uma vez a me perder em pensamentos diversos quando ouvi:
- , ! - Mal havia percebido que Laura corria em minha direção, segurando a arminha de água qual estava brincando segundos antes. - Vem brincar com a gente, vai!
Luke me olhou e sorriu, indo ao lado de Laura, me incentivando a segui-lo.
Nem perdi meu tempo respondendo, logo eu já estava correndo feito uma boba de um lado para o outro junto com meus irmãos e meus amigos como há muito tempo eu não fazia. Era como voltar a ter sete anos de novo. Estar em casa, com pessoas que eu apreciava a companhia, fazendo algo que me divertia... Eu sentia falta de me sentir bem assim. E eu aproveitaria meu tempo com eles, porque de uma forma estranha eu sabia que momentos assim de agora diante seriam mais raros do que eu sequer podia imaginar.
's POV
Ela prendeu a respiração ao passar pela porta, segurou o ar como se seus próximos passos dependessem disso. E o soltou com uma calma surpreendente, contrariando o que parecia sentir antes, porém visivelmente afetada pelo ambiente em que adentrava.
Olhou para os lados reconhecendo cada centímetro quadrado, passando a ponta dos dedos pelas paredes sobre a tintura esverdeada clara. Mordeu o lábio inferior e seu olhar se perdeu aos poucos, como se algo a impedisse de manter o foco, e então voltou-se para mim, subitamente tensa, apressada, como se um lapso de realidade tivesse a atingido.
- Temos que ser rápidos... - Seus olhos arregalaram-se parcialmente e no segundo seguinte, sem sequer me dar uma chance de responder, correu pelos cômodos e afundou na casa. - Ele logo estará aqui.
Com passos pequenos e comedidos cheguei à sala. O cômodo de tamanho médio tinha uma elegância moderada, mobília simples, nada exagerado, mas decididamente bonito. Não era nem de longe parecido com o luxo do apartamento que ela agora morava.
Por um momento me perguntei se ela sentia falta desse lugar. Me perguntei se a reação que teve ao entrar aqui significava saudade. Seria algo bom ou ruim? Mas então ela chamou por mim e balancei a cabeça espantando quaisquer pensamentos.
Caminhei lentamente, seguindo o som de sua voz, até chegar no que eu deduzia ser seu antigo quarto.
- ? - Passei os olhos pelo cômodo e sua voz respondeu de dentro do closet:
- Preciso pegar algumas coisas. - Disse. - Não vou demorar.
Assenti mesmo sabendo que ela não veria, mas não falei nenhuma palavra. Deixei que o silêncio falasse por mim. Minha atenção naquele momento estava voltada para outro lugar.
estava ocupada demais para prestar atenção no que eu estava fazendo, além de que eu tinha certeza que ela não se importaria se eu desse apenas uma olhada naquele mural.
Andei vagarosamente até o que me deixara curioso.
Em uma das paredes do quarto, tinha um quadro enorme sobre uma escrivaninha agora vazia. Fotos diversas estavam espalhadas por toda a área do retângulo se misturando entre anotações e trechos de músicas. sorria na maioria delas e estava sempre acompanhada de mais alguém. Pude identificar em algumas várias, Luke em outras, mas o número de desconhecidos era grande. Pelo que parecia, a Ruivinha já tinha sido popular nessa vida.
Na parede do lado tinha uma estante enorme repleta de livros que eu nem nunca ouvi falar. Uma parte em especial me chamou a atenção, de livros que na verdade eram cadernos manuscritos multicoloridos que ocupavam uma divisória completa da estante.
Peguei um deles aleatoriamente e comecei a folhear silenciosamente, só então percebendo o quão pessoal aquilo era. Um diário antigo cheio de desenhos e rabiscos com pensamentos espalhados pelos cantos das páginas. Fiquei surpreso com o que li ali.
- O que está fazendo? - A voz de me pegou de surpresa. Em dois passos ela já estava ao meu lado. - Está mexendo nas minhas coisas?!
Não soube identificar se aquilo fora uma pergunta ou uma afirmação, por isso acabei me atrapalhando nas palavras.
- Eu não estava...
- Leu alguma coisa? - Perguntou puxando o tal diário da minha mão. Eu estava tão perplexo que não consegui falar. - , eu te fiz uma pergunta!
- Não, eu não li nada, caramba! - Mas era mentira. Eu havia sim lido, por cima, não entendendo particularmente nada, mas havia lido e ficado um tanto confuso, e ainda mais curioso.
- Não toque nessa prateleira. – Sua voz saiu pausada numa ordem bastante clara. Concordei discretamente sem mudar minha expressão.
A garota me avaliou por alguns segundos e então devolveu o objeto no seu lugar exato na prateleira, ainda com as sobrancelhas unidas e olhar incrédulo.
Aquele silêncio constrangedor se fez entre nós pelos próximos minutos. Me afastei da prateleira e voltei a observar suas mil e uma fotos no mural que anteriormente eu estava olhando.
percebeu meu interesse e se aproximou:
- O que está vendo?
- Suas fotos. - Respondi o óbvio. - São legais.
- É - Concordou ainda incomodada. - São sim bem legais.
- Quem são essas pessoas? - Apontei para uma sequência de fotos onde havia um amontoado de gente.
- São... Eram meus amigos. - Ela se corrige.
Um pouco mais abaixo ela aparecia sorrindo junto a um cara. Ambos pareciam felizes, e notei que o mesmo aparecia em diversas outras fotos. Quando percebi já estava perguntando quem ele era.
- Foi meu namorado. - Murmurou desconfortável.
- Por que não é mais? Digo, você disse que eram seus amigos, que ele era seu namorado... O que aconteceu?
não olhou para mim. Encarou as fotos por alguns longos segundos e soltou um suspiro pesado por fim.
- Porque eu fui enganada, feita de trouxa. E quando eu mais precisei dessas pessoas, nenhuma delas se fez presente, apenas . - A voz dela soou tão cheia de dor que quase me senti culpado por ter perguntado.
- Eu... - Senti a necessidade de dizer algo, mas as palavras não se formavam na minha boca. percebeu isso e soltou um suspiro longo.
- Não precisa sentir pena. - Ela se virou para mim inexpressiva. - Essa é só uma daquelas histórias clichês que todos estão cansados de ouvir.
- Eu não.
- Quê? - A garota juntou as sobrancelhas e só então percebi que minha frase não tinha o menor sentido.
- Digo, eu não me importo de ouvir sua história. - Expliquei. - E aliás, minha mãe sempre disse que não sou todo mundo.
Levantei um dos cantos da boca numa tentativa falha de deixar o clima mais leve, mas me olhava quase que desacreditada. Ela me observou por inteiro antes de tomar fôlego para dizer alguma coisa. E quando finalmente pareceu que ia dizer algo, foi interrompida pela barulho de chaves vindo da porta da frente.
passou de incrédula para estática completamente assustada em uma fração de segundos.
- Puta que pariu, fodeu.
Eu a olhei, surpreso. Se fosse em outro momento talvez eu estivesse rindo, pois na verdade nunca imaginei essas palavras saindo da boca dela, entretanto, pela sua postura amedrontada, esse não deveria ser o momento ideal para tal.
- O que foi? Quem chegou?
- , precisamos sair daqui agora! - A Ruivinha me atirou uma bolsa cheia e as pressas arrancou algumas fotos do mural, jogando-as na mochila que estava com ela.
foi direto para a porta, olhando pelo corredor a procura de algo, e quando não achou nada me puxou pelo ante braço rumo aos fundos da casa.
- O que está acontecendo, caralho? - Resmunguei num sussurro irritado.
- Só cala a boca e eu juro que assim que sairmos daqui eu te explico. - nem ao menos olhou na minha cara. Que merda toda era essa?
A garota se esgueirou pelo corredor da maneira mais silenciosa que conseguiu enquanto eu me esforcei para copia-la. Alguns passos adiante ela se virou para mim e começou a fazer sinais. Não, eu não sabia que porra aquilo tudo significava, mas ela continuava fazendo, convencida de que eu estava entendendo.
"Que merda...?" Perguntei movendo os lábios, porém sem dizer as palavras em voz alta.
Ela parou e me encarou furiosa. Começou a fazer caretas e gesticular freneticamente, só que na boa, aquilo não estava fazendo sentido para mim, eu não conseguia entender onde ela queria chegar. Quer dizer, se ela queria mesmo chegar a algum lugar...
- Será que dá pra falar minha língua, por favor? - Sussurrei irritado e ela bufou.
- Vai se ferrar, !
Eu? Me ferrar? Ah, que porra! Agora quem ficou irritado fui eu, que aliás não tenho a mínima obrigação de ficar aqui decifrando códigos enquanto eu podia estar por aí em qualquer outro lugar com qualquer outra pessoa.
- Mano, eu não sou interprete não! Como quer que eu entenda alguma merda dessas que você está fazendo? - estreitou os olhos e eu quase me vi apanhando ali.
- Porta dos fundos, ! Caramba, garoto, não conseguiu entender isso?
Quase ri ironicamente.
- Sério mesmo?
- Shh! - Ela literalmente tapou minha boca com sua mão. - Fica quieto e para de revirar os olhos. Que saco, será que não dá pra fazer isso por cinco minutos?
Não respondi a pergunta, primeiro porque achei que era uma questão retórica e segundo porque ela continuou com a mão na minha boca pelos próximos segundos me impedindo de expor minha opinião sobre qualquer coisa.
Ah, dane-se. Não vou retrucar.
Percebendo isso, a Ruivinha se distanciou de mim e passou a observar seu redor novamente. Quando pareceu convencida de que não tinha nada errado, fixou seus olhos em mim, quando voltou a sussurrar:
- Só me segue, ok? Acho que ele já foi, mas ainda assim é melh...
- ? - Ambos olhamos para trás ao mesmo tempo. Por um segundo vi a garota ficar mais pálida do que já era, branca igual papel. Achei que ela fosse desmaiar a qualquer segundo e já me preparava para segura-la antes de cair, porém esse pensamento se esvaiu assim que sua expressão de medo se tornou neutra.
Ela se levantou vagarosamente, como se qualquer movimento errado fosse acabar com sua vida, e eu fiz o mesmo, imitando seus gestos logo em seguida.
- O que está fazendo aqui? - O senhor perguntou, suas palavras ditas com descrença, sua face mostrava o mesmo. Era como se ele sentisse nojo da pessoa a sua frente.
não respondeu, parecia impossibilitada de tal atitude, totalmente contrária a linguagem corporal que parecia mostrar.
- Eu lhe fiz uma pergunta, garota! Por que não me responde?! - Sua voz dura quase a fez tremer. O homem estava prestes a perder a paciência, apertava seus punhos tão fortemente contra seu tronco que os nós de seus dedos já estavam brancos pela força.
- Eu já estou de saída. - Foi tudo que a Ruivinha falou, controlando a respiração.
O homem riu irônico.
- Ah, mas isso está com certeza. Pensei que tivesse sido bem claro da ultima vez.
engoliu em seco. Eu via aquele clima ficando cada vez mais tenso, e me preparava para o pior a qualquer momento.
- E o senhor foi. - Ela afirmou, talvez incapaz de dizer o contrário.
- Então gostaria de me explicar o que está fazendo na minha casa? - Questionou elevando seu tom de voz. O homem estava furioso. - Ou melhor: por que não me explica como teve a audácia de vir para cá e ainda por cima vir atrás dos meus filhos sem a minha permissão?
- Eles são meus irmãos, eu tenho todo o direito de vê-los. - se atreveu em dizer e eu finalmente soube quem esse homem era.
- Não tem mais desde que deixou essa casa. - O pai dela respondeu duro.
Eu não sabia muito bem o porquê de tudo, mas havia começado a ficar com raiva do desenrolar da conversa.
- Eu não...
- EU DISSE PARA VOCÊ NUNCA MAIS VOLTAR, ! - O cara gritou bem na cara dela. - SERÁ QUE NÃO FUI CLARO O SUFICIENTE?
- Mas eles são minha família. - Ela falou com a voz tremendo.
Vamos lá , você é uma atriz, pensei comigo, não deixe-o ver o quanto está te afetando.
- NÃO, ELES ERAM A SUA FAMÍLIA. - Ela deu um passo para trás, quase tropeçando. - DEIXARAM DE SER ASSIM QUE VOCÊ PASSOU POR AQUELA PORTA COM AQUELA DROGA DE CONTRATO!
- Você sabe que tudo o que fiz foi para ajudar vocês, esse é o meu sonho!
- NÃO ME VENHA COM DESCULPAS E JUSTIFICATIVAS! SABE QUE EU NÃO CAIO NESSE SEU JOGUINHO DE MENTIRAS. - O pai dela começou a caminhar vagarosamente até onde estávamos. - SONHO? QUE TIPO DE SONHO É ESSE QUE TEM O OBJETIVO DE DESTRUIR UMA FAMÍLIA, ?!
- EU NÃO DESTRUÍ NADA! - Ela gritou de volta. - Se teve alguém que destruiu alguma coisa, esse alguém foi você!
Mais rápido do que eu pude imaginar, ele acabou com a distância entre os dois levantou sua mão. Quando percebi sua intenção, me coloquei em sua frente e segurei seu braço que se preparava para atingir o rosto de . Ela atrás de mim soltou um suspiro chocado, e seu pai em minha frente pareceu finalmente notar minha presença.
- Não toque nela. - Intervi falando com dureza pausadamente. Pelo modo que o pai dela me olhou, imaginei que eu apanharia a seguir.
- E quem é você para me dizer o que eu posso ou não fazer? - Perguntou entredentes quando puxou seu braço me fazendo soltá-lo.
- Não interessa quem sou. - Respondo de prontidão. - O que interessa aqui é que você não vai encostar um dedo nela.
Dei um passo para frente ficando cara a cara com o homem. atrás de mim puxou meu braço com delicadeza e chamou por mim para que eu me distanciasse dele.
Sei pai rio sarcástico.
- Como se não bastasse só você ainda resolveu trazer seu novo namoradinho?
- Não sou namorado dela. - Argumentei e ele me olhou com ironia.
- Não me interessa se são namorados ou se só fazem sexo ocasionalmente. Quero você fora da minha casa agora. - Frisou a palavra e semicerrou os olhos. Sei que estava tentando me por medo, mas ele não me assustava.
- , vai lá para fora que eu já te encontro. - me assegurou segurando no meu braço. Seu pai deu um meio sorriso perturbador e imediatamente me decidi de que só sairia dali com comigo.
O pai dela havia tentado lhe acertar um tapa uma vez comigo ali. Pela sua expressão facial eu não duvidaria que ele tentasse aquilo de novo ou algo diferente caso eu não estivesse mais presente.
- Eu saio quando ela sair. - Afirmei decidido.
A gargalhada que ele soltou foi bastante irritante e de certa forma me deixou até arrepiado. me puxou alguns passos para trás e passou para minha frente imediatamente. Ele arqueou uma sobrancelha como se a desafiasse para alguma coisa. Ela mordeu o lábio inferior e fechou os olhos com força antes de olhá-lo atentamente e dizer:
- Eu garanto que isso não voltará a acontecer. - Disse convicta. - Não precisa se preocupar com aparições minhas, essa foi a ultima vez.
Ele a estudou com os olhos repletos de ódio e quase soltou um grunhido quando se aproximou dela. Prendeu seus dedos firmemente ao redor do seu braço fino e a puxou com força. Dei um passo a frente pronto para soltá-la dele, mas estendeu o braço para que eu não me aproximasse. Tinha os olhos arregalados de susto causado pelo ato e mostrava também um pequeno traço de medo, como se temesse o que estava por vir. Tentou se soltar do aperto em seu braço, porém o que ele fez foi aperta-lo ainda mais, garantindo que ela não moveria meio centímetro. não reclamou de dor, mas deixou os lábios comprimidos em uma linha fina, reprimindo o que aquilo estava lhe causando.
- Solta ela. - Falei com um tom de ameaça implícita.
Tentei mais uma vez intervir dando um passo firme em direção ao homem, mas ela não permitiu:
- , não. - Declarou autoritária. - Para.
Ele intercalou olhares entre ela e eu antes de puxa-la para mais longe de mim. Dois passos para trás ainda segurando-a firmemente foi o suficiente para que começasse a despejar palavras para cima dela:
- Nunca mais fale com Leonard e Laura, nunca mais dirija palavras a mim, nunca mais ouse por um pé dentro dessa casa! Eu te proíbo de manter contato com pessoas que você abandonou. - Declarou a olhando fundo nos olhos. – E não ache que eu esteja blefando. Se isso voltar a acontecer a primeira coisa que farei será colocar a polícia no meio. Invasão a domicílio? Com certeza será algo bastante triste para você: a nova queridinha de Londres sendo presa ou tendo que pagar fiança, imagino que dê uma boa notícia, não acha? Como será que sua agente lidaria com tal acontecimento? Nada bom para sua imagem de famosa ridícula. E acredite, não é porque uma vez morou sob meu teto que vou ter pena de acabar com você, . Não pouparei esforços para você pagar por cada coisa ruim que fez na minha vida. Levou sua mãe de mim, mas não vai conseguir me destruir também. Eu me arrependo do dia em que você nasceu.
Quando ele a soltou, acabou cambaleando um pouco para trás, assustada e atormentada com as apalavras que ainda deviam reverberar em sua cabeça. Eu mesmo estava me sentia afetado com tudo o que o homem havia dito. Prontamente segurei em sua cintura colocando-a ao meu lado, num gesto quase protetor. Ela estava se segurando para não desmoronar ali na frente dele, e eu torcendo para que ela conseguisse aguentar mais alguns minutos.
- Vamos embora, . - Pronunciou com a voz trêmula. Eu a olhei incerto passando os olhos dela para ele.
- Faça o que ela diz. - Seu pai se dirigiu a mim. - Leve essa mentirosa hipócrita daqui.
Eu a puxei gentilmente para trás, em direção a porta, tentando entender o porquê da crueldade do homem que deveria ama-la incondicionalmente.
Surpreendentemente num gesto calmo ela se abaixou e pegou a bolsa e a mochila que há pouco havia enchido. Fez uma pausa nos passos que havia começado a dar e olhou com esperança para o homem.
- Pai, eu...
- FORA DAQUI!
O corpo dela tremeu e isso foi o que bastou para que eu a tirasse dali no segundo seguinte.
A porta da frente foi batida com tanta força que os batentes tremeram ao contato violento. Como se esse gesto tivesse sido demais, todas as defesas de se desfizeram naquele momento. Ela passou os braços sobre meus ombros e encostou a cabeça no meu tórax quando soltou um soluço dolorido que já estava segurando há tempos. A bolsa antes no seu ombro agora se encontrava caída no chão ao seus pés. Suas lágrimas molhavam o tecido de minha camiseta e eu, naquele momento, me sentia impotente, não sabia como ajudá-la exatamente. O que era suposto que eu fizesse? Eu não tinha ideia. Apenas a apertei forte contra mim e afaguei seus cabelos com uma mão enquanto a outra espalmava suas costas. Apoiei meu queixo no topo de sua cabeça e esperei que ela chorasse tudo o que estava segurando até que se sentisse calma ou mais aliviada.
Algo parecido a isso só aconteceu minutos mais tarde quando notou o carro de Luke se aproximando vagarosamente pela rua.
Ela olhou para mim fungando e secando as lágrimas com as costas das mãos quando disse:
- Sei que te devo uma explicação. - Eu balancei a cabeça em negação imediatamente.
- Não precisa...
- Mas eu quero! - Se apressou em dizer. - Você me defendeu, ficou ao meu lado o tempo todo e ainda de brinde teve que ficar escutando aquela palhaçada. Quero te explicar tudo. Hoje.
Não tive tempo de dizer o contrário, o carro do Luke encostou-se ao meio fio e ela entrou no banco de trás sem dizer uma palavra.
Ele a observou, viu que tinha algo errado, que algo tinha acontecido, mas permaneceu quieto quando notou que eu carregava uma expressão cautelosa. Eu balancei a cabeça para os lados lentamente tentando fazer com que ele entendesse sem palavras que não era uma boa hora. Ele compreendeu sem esforço.
O caminho de volta para o hotel foi silencioso, e apesar da curiosidade e preocupação que ele sentia, não perguntou nada a amiga. também não fez questão de abrir a boca.
Quando paramos próximo ao hotel, ela o abraçou apertado e murmurou algo em seu ouvido que não pude ouvir. Ambos sorriram e se afastaram lentamente. Ela mandou um ultimo olhar significativo para ele e colocou a touca preta descendo e se distanciando do carro em seguida a passos bem largos e apressados.
Eu e Luke ficamos de frente um para o outro por um instante. Eu não sabia bem o que dizer.
- Cuida dela, cara. - Ele me falou com o tom de preocupação bastante explícito e eu afirmei com a cabeça.
- Vai voltar para vê-la?
- Vou tentar. - Eu acenei mais uma vez e me despedi do cara com um aperto de mão antes do mesmo entrar no carro novamente.
Pouco depois Luke já não estava mais ali, e eu entrava o mais discretamente possível no hotel, dessa vez sem o óculos escuro, mas ainda vestindo o boné e a touca, chamando o mínimo de atenção possível.
Quando subi para os quartos, torcendo para não encontrar nenhum assessor, produtor, escritor ou qualquer pessoa relacionada a série, ainda consegui dar de cara com uma alguém que eu não sonhava em hipótese alguma de estar ali. Automaticamente congelei e esperei que aquilo não passasse de algum tipo de alucinação.
- ?
- ? – Devolvi a pergunta. – Que desgraça veio fazer aqui?
- Também é bom te ver, dude. – Revirei os olhos e tirei a touca rapidamente.
- Nem começa. – Pedi um tanto irritado.
- Nem começa você, . – Respondeu. – Onde esteve o dia todo?
- Por aí. – Falei evasivamente.
- Sério, agora não é hora pra brincadeira. – Disse numa seriedade fora do seu costume. – Tivemos um problema numa das músicas do álbum e viemos pra cá.
- Sem avisar? – Ah, mas era só o que me faltava, além de lidar com a gravação da série também vou ter que dar um jeito de resolver os problemas do CD.
- Sem avisar? Cara, nós passamos o dia te ligando e te procurando! Você quem não atendeu. Até a Victoria entrou na dança quando percebeu que você tinha evaporado e a também.
Imediatamente assumi uma postura defensiva. Haviam percebido então?
- Alguém mais sabe disso? Que nós não estávamos no hotel? – Atropelei as palavras perguntando rápido já me sentindo cada vez pior com toda a confusão que nosso sumiço deve ter causado nesse fim de mundo de lugar. Eu estava preocupado com o que poderia acontecer se alguém tivesse descoberto algo.
- Não, relaxa. – Soltei o ar com força, aliviado. – inventou alguma desculpa sobre seu sumiço e Victoria fez algo parecido com . Gregory não sabe, ninguém sabe.
- Vocês são incríveis. – Disse rindo nervoso, me recuperando do susto.
- É, é, você nos deve uma, sabemos disso e vamos cobrar. – Sorriu de lado.
- Claro que vão. – Revirei os olhos sorrindo também. – Escuta, eu preciso resolver uma coisa, mais tarde procuro você e aqueles outros idiotas pra conversarmos sobre esse tal problema, beleza?
- Sem pressa, teremos a viagem toda pra isso. – Eu o olhei confuso.
- Como assim?
- Parece que agora vocês terão companhia na viagem. – Bateu uma mão em meu ombro antes de me deixar ali assimilando tudo ainda.
Muita coisa acontecendo em muito pouco tempo, meu cérebro podia entrar em pane a qualquer instante.
Balancei a cabeça e deixei esse assunto para depois, agora eu tinha que falar com . Eu sinceramente precisava entender a história de uma vez.
Não foi necessário bater mais que duas vezes para que a porta se abrisse e ela me recebesse. Com a ponta do nariz vermelha, sua postura num misto de cansaço e nervosismo, a voz baixa e levemente rouca, não me olhava no rosto, parecia incerta de o fazer. Tinha a atenção distraidamente presa na sua tão amada pulseira de pingentes. Seu olhar perdido denunciava sua incerteza, e o suspiro que soltou quando me olhou nos olhos depois de tempo demais, confirmou que havia por fim tomado uma decisão:
- Acho que preciso te contar uma história.
Já dentro do quarto, fechei a porta e me sentei na cama.
- Sou todo ouvidos, Ruivinha.
Capítulo 18 - “When the walls come crashing down
I hope you're standing right in front of me
When my past and lies all around”
’s POV
- Sou todo ouvidos, Ruivinha. - Prendi a respiração por dez segundos para não chorar feito uma criança. Já havia feito isso antes e não queria repetir. me chamaria de chorona pelo resto da minha vida.
Por onde começar?, me perguntei internamente. Eram tantas coisas que eu mal sabia o que deveria ou não dizer a ele. Mas pareceu bastante específico quando apoiou os cotovelos sobre suas coxas e me perguntou cauteloso:
- O que seu pai quis dizer com "levou sua mãe de mim, mas não vai conseguir me destruir também"? Por que ele ficou repetindo que você tinha os abandonado? Por que ir escondida ver seus irmãos? Por que precisou fazer tudo isso da forma que fez hoje? O que aconteceu com você, Ruivinha? O quê? - despejou as perguntas sobre mim, estava perdido em algum ponto no meio de toda a confusão, e eu, em algum lugar do meu passado. O ar me faltou momentaneamente e a cena do dia em que ela morreu formou-se na minha mente como um flashback ao mesmo tempo em que meus olhos marejavam e meu olhar se perdia no nada.
Saí da casa a passos apressados com a visão um tanto turva. Não sabia dizer se era por causa da bebida, pela maldita da droga ou pelas lágrimas que teimavam em continuar caindo sem parar por meu rosto.
Um garoto esbarrou em mim e eu perdi o equilíbrio quase indo parar no chão. Não esperei por suas desculpas e nem lhe dei as minhas, apenas procurei continuar andando rápido, sem rumo, me distanciando ainda mais daquelas pessoas que um dia confiei.
Olhei para o céu, para a noite acima de mim e não vi nada além de estrelas. Aquilo era incomum, mas por alguma razão o brilho delas não parecia bonito. Imediatamente um calafrio subiu por minha coluna. Uma má sensação. Quase ri em deboche enquanto caminhava, eu estava cheia delas. Tudo que podia dar errado já tinha acontecido.
Não queria admitir, mas precisava de ajuda, precisava voltar pra casa. Não para a de ou a de qualquer outra pessoa, mas para a minha. Engoli o orgulho de uma vez por todas quando puxei o celular para fora da bolsa e liguei o mais rápido que pude para a minha mãe.
Um alívio indescritível me tomou quando o celular foi atendido no segundo toque:
- Vai querer discutir por telefone agora? - Sua voz cansada me fazia imaginar que ela provavelmente ainda estava acordada, talvez com uma xícara de chá quente, me esperando voltar do lugar para o qual eu nunca deveria ter ido.
- Mãe? - Um soluço escapou dos meus lábios logo em seguida. Eu queria ter permanecido firme, mas no momento eu estava desarmada, não tinha mais controle sobre minhas emoções. Falhava debilmente nesta habilidade.
- , está chorando? - Subitamente ela pareceu alarmada.
- Mãe, vem me buscar! - Me abracei numa tentativa inválida de me manter aquecida. Eu estava tremendo, talvez de frio ou talvez de medo, eu não tinha mais certeza, só queria deixar aquele lugar e aquelas pessoas de uma vez.
- Filha, me fala o que aconteceu. – Pediu aparentemente calma, mas eu podia perceber sua respiração acelerada e o barulho de chaves ao fundo. Ela estava vindo.
- Eu... Eu não... - Outro soluço. - Só vem me buscar, por favor!
- Eu estou indo, não saia daí e não desligue o celular, minha estrela. Já estou chegando!
O endereço foi lembrado facilmente por mim quando disse a ela onde estava antes da chamada ser encerrada. Tudo que eu mais desejava agora era sair daqui o quanto antes. Eu estava com vergonha de mim mesma, lutando para não agir como uma garotinha, entretanto o controle estava longe de ser minha prioridade agora.
O vento pareceu aumentar e eu apertei mais os braços contra meu corpo. O medo se instalou em mim mais uma vez, os acontecimentos anteriores rondando minha cabeça ao passo em que um arrepio subia por minha espinha. Eu não sabia o que fazer. Tinha sido humilhada.
Meu estômago estava embrulhado e eu sentia que podia vomitar a qualquer instante, lutava para que isso não acontecesse agora. Precisava ficar o mais firme que conseguisse, pelo menos por mais um pouco de tempo, só mais um pouco... Eu devia ter escutado quando tive a chance.
A música eletrônica alta vinda da festa tirava o que restava da minha paz e de alguma forma conseguia me atormentar ainda mais, ecoava em meus ouvidos incansavelmente. Em outro momento ela estaria entorpecendo meus sentidos, e eu estaria grata a ela. Mas esse não era o caso. Só rezava para esse barulho todo de alguma maneira fizesse com que aquelas pessoas nunca mais sequer lembrassem o meu nome. Eu queria poder esquecê-los completamente depois de hoje.
Uma eternidade pareceu ter passado, mas não foram mais do que alguns minutos quando um automóvel parou ao meio fio e a porta do passageiro se abriu. Eu não precisava de confirmações para saber quem era. Nunca entrei tão rápido num carro como hoje.
Não vi ninguém conhecido quando demos a meia volta rumo a minha casa. A última coisa que eu desejava era ver a cara daqueles idiotas outra vez. Para o inferno todos eles e as lembranças que um dia tivemos.
As ruas desertas e silenciosas, iluminadas apenas pela suave luz de alguns postes, deixava o clima ainda mais carregado e sombrio do que já estava. Tratei de limpar o rosto com o torço da mão e prendi a respiração, forçando o meu corpo a não sucumbir à vontade louca de chorar. Por algum tempo pareceu funcionar.
Mais a frente, alguns minutos depois minha mãe me olhou pelo canto do olho e suspirou:
- Querida, o que houve? Por que está toda suja e molhada?
- Não interessa. - Mais rápido do que pude raciocinar as palavras deixaram minha boca. Me arrependi delas imediatamente.
- Então é assim que agradece sua mãe por sair de casa no meio da madrugada para te buscar numa festa ridícula como aquela?
Passei a mão pelo cabelo sentindo-os grudados e embaraçados contra meu couro cabeludo, mas mesmo assim os puxei assim que fechei os olhos com força.
- Eu não quero falar sobre isso.
- Não quer falar? , o que tem de errado com você? - Eu reconhecia aquilo em sua voz. Ela estava magoada, decepcionada, até. - Você me desobedece, briga comigo para depois me ligar chorando às três horas da manhã pedindo minha ajuda, e quando eu quero entender o porquê, tudo que você faz é dizer que "não interessa"?
Seus olhos deixaram a estrada por dois segundos e me encararam firmemente.
- Olha só mãe, você estava certa, ok? - Respirei fundo uma vez, a voz começando a falhar sem controle. - Estava certa sobre tudo.
- Como assim?
- Uma idiota completa, é isso que eu sou... - Com as mãos sobre o rosto minha voz saiu abafada e quase inaudível.
- Você não é idiota, !
- Sou sim! - Fui traída e usada como um brinquedo!, quis completar. - Eu fechei meus olhos para tantas coisas que perdi o senso do que era certo e errado. Eles se aproveitaram de mim de tantas formas... Como você consegue olhar pra mim sabendo o tamanho dos meus erros? Eu não mereço nada disso, desse carinho, dessa pena.
- ...
- Eu devia estar morta! – Gritei a assustando momentaneamente. – Devia... devia ter continuado embaixo d’água, ter bebido mais ou ter usado mais drogas.
- ...
- Eu não mereço tudo o que você faz por mim, o ar que respiro, as roupas que visto. Não mereço o trabalho que tenho nem nada do que faço, eu não mereço nada!
- ! – Ela gritou e chamou minha atenção, calando-me de uma vez. Fiquei quieta a olhando com os olhos arregalados. – Cale a boca e nunca mais repita uma coisa dessas! Não importa o que tenha acontecido, o quão ruim tenha sido. Você merece estar viva, merece todas as coisas boas do mundo! Devia acreditar em mim. Sou sua mãe, nunca mentiria pra você. Por que duvida? A vida não é um mar de rosas, filha. Você pode evitar o pior, mas precisa viver o ruim para saber se defender no mundo.
- Mãe...
- Você me machuca falando essas coisas, me machuca mais ouvi-la falando essas coisas que vê-la me desobedecendo todos os dias para ficar com aquele garoto ridículo e os amigos dele.
Os soluços saiam já por vontade própria assim como as lágrimas que escorriam lavando meu rosto e levanto consigo o que restava da minha maquiagem borrada misturada com toda a vergonha, angústia e frustração que carregava.
- Então o que eu estou fazendo aqui ainda se não consegui acertar nada em dezoito anos de existência? – Minha voz podia estar rouca, falha, mas ainda era alta, próxima ao tom de gritos. Doía falar e doía mais ainda sentir o que vinha junto. Nunca havia sido tão sincera. - Eu tenho algum objetivo nesse mundo? Se eu tivesse já deveria saber. Eu não aguento mais nada disso! Só quero saber o que fazer...
- Você tem sonhos, ! Esses são seus objetivos. – Minha mãe disse alto, a voz carregada de um súbito desespero, como se temesse por mim e pelo que eu pudesse fazer. Me encarou por um instante enquanto eu a olhava de volta, sem tirara as mãos do volante. – É por isso que você está aguentando, é por isso que está viva! Porque tem sonhos. Porque tem gente que te ama e te apoia. Porque me tem ao seu lado pra sempre, não importa o que você faça ou aconteça. Eu te amo independente dos seus erros e acertos! Não importa o que tenha acontecido essa madrugada, não importa o quão mal você esteja se sentindo. Você, minha filha, vai levantar a cabeça e continuar, porque tem sonhos. Precisa correr atrás deles e realiza-los, senão a vida perde o sentido, fica vazia. E você não pode deixar que isso aconteça, querida. Se não quer continuar por si mesma, então continue por mim. Eu faço qualquer coisa por você, para não desistir, . Seus sonhos são meus sonhos. Seu futuro também é meu futuro. Você é tudo pra mim, não queira desistir tão fácil! Eu amo você, minha estrela.
As lágrimas ainda escorriam por meu rosto quando eu olhei fundo nos seus olhos marejados e a vi sorrir para mim docemente ao mesmo tempo em que senti a dor que eu a estava causando. Mas não foi só isso. Senti pela forma que me olhava a mágoa pelo que eu antes havia dito, a raiva por saber que eu estava machucada e tinha sido ferida, o carinho impregnado em sua voz, o abalo por me ver devastada, a bondade em querer me fazer enxergar o que ela também enxergava para mim, a compaixão, o consolo, a sensibilidade e até a culpa. Mas mais que isso eu senti seu amor por mim impregnado em cada pedacinho da sua existência.
Eu queria abraça-la como nunca, retribuir seu amor de todas as formas que eu conseguisse e pudesse. Dizer que eu também faria qualquer coisa por ela, não importa o que fosse. Que eu moveria o céu, iria até o inferno se precisasse para vê-la feliz e orgulhosa, porque a amava e não desistiria de nada por ela. Queria dizer bem alto afirmando que eu era uma boba pelo que disse e que aguentaria firme porque sabia que ela me ajudaria a cada passo. Mas eu não tive a chance. Contrariando o que eu mais desejava, me mostrando que a dor que eu sentia até o momento não era nada, tudo aconteceu rápido demais. Seu sorriso foi a última coisa que vi.
Quando a luz atingiu minha visão, seguida por um grande impacto, minha consciência se apagou tão rápido quanto o grito que eu dei.
Como cheguei a ficar deitada naquela superfície áspera, foi uma coisa que não consegui entender, apenas sentir. Meu corpo todo latejava, e eu não me via capaz de fazer nada. Estava completamente confusa, sem lembranças ou fragmentos. Com a visão turva, não podia ver nada muito claro além da noite brilhante sobre mim, totalmente rara na Inglaterra.
Eu queria falar, chamar por minha mãe, gritar por alguém, qualquer pessoa! Mas minha garganta estava fechada e a voz não saía.
Borrões constantes começaram a passar por cima de mim, e eu fazia de tudo para chamar a atenção de quem quer que fossem, porém nem ao menos meu dedo indicador obedecia meus comandos. Eu senti o pânico tomando conta do que restava da parte do meu cérebro que ainda parecia estar funcionando, mas eu não conseguia reagir a absolutamente nada.
Apenas escutava. Esse parecia ser um dos únicos sentidos quais eu ainda não havia dado pane, e mesmo assim não era o suficiente, não quando o som das sirenes me deixou alerta e o cheiro metálico forte de sangue invadiu meu sistema respiratório.
Pela primeira vez desde que abrira os olhos naquela noite, com a visão totalmente fora de foco, me lembrei, e desejei desesperadamente poder estar dormindo, desmaiada, sem qualquer noção das coisas ao meu redor. Mas eu sabia, e havia percebido exatamente o que estava acontecendo.
Foi como se eu soubesse desde que olhei o céu estrelado pela primeira vez, que faltava brilho naquilo tudo.
Flashbacks invadiram minha mente como num estralar de dedos, e a angústia me tomou dos pés a cabeça. Nada poderia ser pior que aquilo.
E no momento que o choro veio, compulsivo e sem controle, mas da mesma forma quieto e silencioso, pareceram, finalmente, notar minha presença ali caída no frio. Mas não importava mais. Eu já estava quebrada de todas as formas possíveis.
- Tudo bem, . Vamos te ajudar. - A voz falou calma e firme. - Tudo vai ficar bem... Só aguente firme!
Só que eu sabia do mais fundo da minha alma, que “ficar bem” seria a ultima coisa a acontecer.
Pisquei vezes seguidas tentando me livrar das lágrimas quentes que embaçavam minha visão. Meu lábio inferior tremia levemente em decorrer do meu nervosismo depois de descrever tudo nos mínimos detalhes. Não a história toda, mas a parte que mais me machucava. Eu não conseguia tirar a cena da cabeça.
Eu mantinha os olhos fixos em qualquer lugar do carpete em que pisava. Não tinha um pingo de coragem em mim para olhar o garoto sentado a alguns passos de distância. Eu não queria ser julgada por mais uma pessoa, pois já sabia o que deveria passar por sua cabeça. Era o mesmo que por muitas vezes passou pela minha. Eu só tinha medo de admitir para mim mesma tudo o que pensava.
- Eu sinto m...
- Eu não disse que a amava uma última vez. – Minha voz tremeu quando o interrompi.
- , ela sabia disso... – Eu balancei a cabeça para os lados levemente.
- A culpa é minha. - Declarei por fim com a garganta seca de tanto falar.
- Quê? - Ele pareceu perplexo.
- A culpa é minha! - Minha voz tremeu com o soluço que soltei. - Eu fiz tudo errado, podia ter evitado o que aconteceu. Eu senti isso e ignorei completamente. Meu pai não me odiaria, minha mãe podia estar aqui! Eu causei o acidente, eu...
- Não, de jeito nenhum! Tá doida?! - Ele se levantou e sentou-se ao meu lado mais rápido do que pude perceber, tentando chamar minha atenção.
- É a verdade, meu pai está certo. - passou seus braços ao meu redor e me abraçou delicadamente de uma forma meio desajeitada. - Ela morreu por minha causa.
- Não, . - Disse com tanta firmeza que eu quase acreditei. - O que aconteceu com ela foi uma fatalidade, podia ter acontecido com qualquer pessoa.
- Mas se eu não tivesse ligado para ela...
- Ela teria ido te buscar do mesmo jeito. a avisaria de qualquer forma. - Ele me interrompeu sem se importar com o que eu tinha a dizer. Mas uma simples interrupção não me impediria de falar, ainda mais no estado em que eu estava.
Levantei-me nervosa, quase angustiada, me distanciei do seu abraço reconfortante. Por que de repente eu pensava de uma maneira que jamais tinha pensado antes? Eu me sentia tão culpada! Me sentia tão tola! Eu queria gritar e acabar de uma vez com toda a dor que eu sentia, mas não tinha coragem. O que os outros diriam sobre minha reação? Que eu estava maluca, provavelmente. Mas não importava se isso aconteceria ou não. Eu não acreditava que nada me afetaria. Não depois de tudo que ouvi sair da boca do meu pai.
Eu só queria ter dito que a amava em alto e bom som mais uma vez, só queria ter pedido desculpas por tudo de ruim que lhe causei. Eu perdi minha chance e nunca mais a teria de novo. Tudo por causa de uma ligação, por causa de uma saída no meio da madrugada. Tudo porque eu saí para a droga de uma festa.
Quando percebi, andava de um lado para o outro, gesticulando para o nada, falando alto sem necessidade. Eu não sabia mais o que estava fazendo.
- Mas se eu não tivesse sido inconsequente, se eu não tivesse ido para aquela festa, se eu tivesse obedecido minha mãe, ela ainda estaria aqui... - A frase se prolongou em minha mente, mas não consegui expressar em palavras. Eu não pude evitar, era como se eu estivesse de volta àquele momento, sentindo tudo outra vez. Me sentia horrível! - Ela estaria aqui... - Repeti de novo de forma mais fraca.
- Mas você não estaria aqui. - falou alto parando em minha frente e segurou meu rosto entre suas mãos. Surpresa, parei de me movimentar. - Percebe isso? Você não estaria em Londres realizando seu sonho. Estaria em casa, provavelmente agindo da mesma forma que antes. - Eu neguei mesmo sabendo que era verdade. Ele estava certo e eu não queria admitir. Mordi o lábio com força me repreendendo por continuar chorando e segurei firme em seus pulsos, querendo distanciar suas mãos de mim, em vão, pois ele não o fez. Eu me sentia suja e temia que o desgosto que eu sentia por mim passasse para ele de alguma forma absurda.
- Mas ...
- Não tem "mas", !
- Claro que tem! - Minha voz ficou repentinamente mais alta. Ele podia até me manter parada, mas não podia me impedir de dizer tudo o que eu pensava. De novo minha voz saiu mais alta do que eu esperava. - Se eu tivesse sido um pouco mais inteligente teria percebido que ela estava certa desde o início! Não teria feito tantas coisas erradas, não teria a tratado mal!
- Para com isso... - Ele apertou os lábios um contra o outro numa linha fina e negou sutilmente, mas sua tentativa de me interromper não funcionou, simplesmente continuei despejando as palavras:
- A culpa é minha sim! Porque se eu tivesse obedecido ela antes, minha mãe estaria viva, ela não teria ido da forma que foi e nunca teria ido pensando que eu era um caso perdido! A droga de uma filha problema, que bebia e usava drogas, que só se metia em confusão.
- Para com isso, ...
- Tudo que aconteceu, aconteceu porque eu fui idiota! Porque não soube lidar com meus problemas e agi igual uma criança, uma imbecil ridícula desgraçada que...
Minha mente que antes estava tão cheia e devastada tentando organizar meus pensamentos em algo concreto, de repente se fez vazia assim como meus pulmões quando os lábios de se chocaram contra os meus, me calando de uma vez. Sem reação, não consegui afasta-lo. Não pude fazer isso. Permaneci inerte ainda entendendo o que estava acontecendo enquanto sentindo a maciez de sua boca na minha pelos próximos segundos.
Foi diferente da vez em que contracenamos no set de filmagens. Não teve língua, muito menos algum tipo de técnica a ser seguida. Eram apenas duas bocas juntas, lábios encaixados, um verdadeiro toque. Esse, que de tão espontâneo, fez todas as confusões se esvaírem sem que eu me desse conta. Se existia um motivo para tal ato, então eu não queria saber qual era. Não agora pelo menos. Não quando toda a angústia e o desespero de antes haviam sumido.
Tão abrupto quanto se iniciou, o beijo também terminou. Não ousei abrir os olhos de imediato. Acreditava que eu provavelmente não estava com uma cara muito boa, talvez até patética, ainda em estado de confusão mental, perante a ação inesperada de .
Abri os olhos, espantada e o vi se distanciar de mim, não muito, apenas o suficiente para poder observar meu rosto ainda entre suas mãos. Só então percebi que ainda prendia a respiração. A soltei vagarosamente, esperando que ele não percebesse esse detalhe, e que, além disso, também não notasse que com tantos lugares para olhar, meus olhos ainda teimavam em fixar-se em seus lábios.
Eu precisava dizer algo, sentia necessidade disso mesmo sem saber que palavras formar.
- , olha pra mim. Olha pra mim! - Pediu depressa e mesmo relutante eu fiz. O olhei nos olhos, e por um momento eu fiquei perplexa com tenuidade que transmitia. - Nunca mais se culpe por algo que você não pôde controlar! Coisas ruins precisam acontecer para que boas possam vir, para que você possa crescer e se tornar melhor, entende? Não se culpe pelo que aconteceu, você não pode fazer isso, Ruivinha.
- ...
- Não, nem pense em me interromper! Você fica dizendo que se tivesse feito algo diferente ela estaria viva, mas a realidade não se trata de "e se" e "talvez", mas sim de feitos concretos. O que aconteceu ficou pra trás, e lamentar não vai trazê-la de volta, . É preciso continuar e superar cada coisa ruim que já passou e viver o presente. Ele tem um motivo para se chamar assim, porque ele realmente é um presente, é uma dádiva! E você não pode desperdiça-lo assim. Ninguém nunca disse que seria fácil, porque não é. Mas aí está a graça da vida: ela só existe para aqueles que se atrevem a viver, que encaram os desafios, para aqueles que sabem lidar com as consequências de suas escolhas e erguer a cabeça quando muitas tentam derruba-los. - Tomou um instante para pegar fôlego e amaciar seu tom de voz antes de continuar: - Pessoas se vão o tempo todo de tantas maneiras que eu mal poderia listar, mas apesar de não estarem aqui, não significa que não estão realmente. Ela te acompanha a cada passo, no seu coração. Não duvide disso. Eu posso não saber nada da sua família, mas tenho certeza que sua mãe estaria feliz com suas conquistas, e por isso você deveria se focar nessas coisas boas, nos seus sonhos. Se você não fizer isso, nunca vai seguir em frente. Acredite em mim quando digo: nada disso é culpa sua. Não é culpa de ninguém. Você não pode se machucar assim, não pode se destruir! Eu não quero que você se destrua!
Não sabia dizer se fora por causa do conselho brilhante e filosófico que eu havia acabado de receber, ou se havia sido o beijo sem aviso que há pouco ele tinha me dado, mas de duas, uma. Eu não sabia o que dizer, muito menos como agir.
Permaneci da forma que estava, ainda o olhando nos olhos, com suas mãos ao redor do meu rosto, surpresa pela sinceridade que sentia e encontrava ali. Mas não era só isso, tinha algo mais. Algo que eu não tive tempo de interpretar e que rondaria minha mente dali em diante mesmo sem eu saber. Algumas batidas fortes na porta fizeram com que eu me desvencilhasse de de uma maneira nada sutil.
Essas batidas continuaram mais frequentes e ainda mais fortes com os segundos que se passaram lentamente enquanto eu esperava que a clareza voltasse a mim. Quem era? Eu não sabia. Meu olhar dizia tudo e o havia entendido imediatamente. Eu não estava esperando ninguém, não fazia ideia de quem estava em minha porta agora e sinceramente preferiria que esse alguém fosse embora até que meus pensamentos estivessem no lugar, até que eu entendesse 1% daquela bagunça.
Mas supondo que tenham escutado algum dos gritos que eu dei, não poderia de forma alguma fingir que o quarto estava vazio.
Ele passou por mim tão confuso quanto eu no momento em que foi em direção a porta. Eu observei quando a destrancou e vagarosamente a abriu. E então também a observei quando a mesma foi empurrada com força e uma cabeleira loira passou apressada por ela, desequilibrando o garoto pegando-o desprevenido.
Em qualquer outro momento eu teria rido e com certeza feito algum tipo de piada sobre isso, mas não agora, não quando eu via a pessoa parada em minha frente.
Primeiro ela me olhou com expectativa, e depois, percebendo que eu não falaria absolutamente nada, deu mais um passo em minha direção estudando minha aparência péssima de quem tinha chorado há pouco, e por fim correu ao meu encontro, me abraçando. Eu retribui o gesto com a mesma intensidade.
- , me desculpa! - sussurrou contra meu cabelo.
Meu coração batia forte, eu estava aliviada em vê-la depois de tudo. Achava que tinha ferrado de vez com uma das pessoas que eu mais considero na vida.
- Me desculpa também. - Pedi com a voz embargada mais uma vez. - Eu só...
- Não vamos falar sobre isso, okay? - Eu concordei com a cabeça me distanciando um pouco para olhá-la melhor.
- Mas se não é pra conversar sobre isso, então por que veio? - Não falei com intuito de ser grossa, na verdade perguntei com a voz mais macia que tinha, procurando achar uma explicação para ela estar aqui mesmo depois daquela conversa tão idiota que tivemos alguns dias atrás.
- Não parece óbvio? - Riu um pouco sem graça, com a voz ainda mais doce que o costume. - Luke me contou que esteve em sua casa hoje, disse que quando foi te buscar estava com o rosto vermelho e parecia abalada. Não foi preciso pensar muito para juntar os pontos. Vim ficar com você. - Seu sorriso de canto me fez abrir um sorriso completo. - Apesar de saber que já tinha companhia. - Se referiu a um pouco contrariada. - Cá entre nós, essa criatura conseguiu ajudar em alguma coisa?
Não consegui segurar uma gargalhada quando vi a expressão inconformada que formava no rosto.
- Claro, continuem falando de mim como se eu não estivesse aqui. - Resmungou mal humorado me fazendo rir ainda mais. Nem acreditava que estava conseguindo fazer isso depois dos devidos acontecimentos.
Luke apareceu na porta um pouco depois, com as mãos no bolso e um ar meio constrangido e foi logo puxado para dentro pela irmã. que ficou se fazendo de ranzinza por um tempo, se deu por vencido e sorriu quando olhou para mim. Um sorriso contido, meio sem graça, mas ainda sim um sorriso de verdade, surpreendentemente sem sinal de sarcasmo ou ironia.
- Como subiram até aqui sem me interfonarem? - Desviei o olhar dele para meus amigos.
- Vicka me liberou depois que eu arrumei um barraco na recepção dizendo que te conhecia. A mulher lá ficou brava, disse que se eu te conhecia, tinha que entrar na fila junto com os outros fãs, porque ela não caia nessa desculpinha. Fiquei emputecida! Quase voei no cabelo de progressiva daquela lá, mas aí a Victoria me viu, me abraçou e deixou a recepcionista sem palavras quando disse que eu tinha que subir. - Droga! Como eu queria ter presenciado isso! Ri verdadeiramente divertida só por imaginar a cena, fungando e limpando meus olhos com os dedos. Como eu senti falta dessa doida.
- Você não presta nem um pouco, !
- Você sabe que isso é completamente verdade. - Nós duas rimos juntas, com sorrisos cúmplices cheios de lembranças acumuladas por anos de companhia.
Nesse momento eu tive certeza que estava tudo bem entre nós, e que eu também ficaria bem. Não faltaria gente para que concretizasse isso.
- É aqui que está rolando a festa? - Victoria literalmente apareceu de sabe-se lá onde, carregando algumas garrafas de bebidas com ao seu encalço trazendo um violão preso em suas costas. E para minha surpresa, vinha logo atrás, seguido por e carregando várias pizzas. Não sei bem como toda essa gente resolveu se reunir, mas acabei gostando da ideia.
- Acho que a noite acabou de ficar mais interessante. - olhou para Vic que concordou prontamente. Os caras se entreolharam divertidos e olhou para mim ainda carregando aquele mesmo sorriso.
É, eu também achava isso.
's POV
No começo eu tive esperanças de que aquilo não sairia do controle, afinal, todos pareciam felizes com suas garrafas de heineken enquanto cantavam ao som acústico do violão, buscando uma distração para todo aquele ar carregado que encontraram quando chegaram aqui e, graças a Deus, não insistiram em saber o motivo. Mesmo , que antes estava tão fora de si, agora parecia mais calma e até feliz na companhia de todas aquelas pessoas, principalmente de sua melhor amiga que mexia no cabelo dela numa forma silenciosa de consolo. Infelizmente eu soube que aquilo não daria certo assim que começou a analisar quais outras bebidas estavam a nossa disposição. Victoria tinha vindo bem equipada para cá.
era a única que não bebia cerveja com os outros. Estava se concentrando em cantar despreocupadamente e conversar com e Victoria vez ou outra, tentando sorrir quantas vezes fosse possível. Entretanto eu imaginei que aquela tranquilidade duraria pouco. Tive certeza assim que pegou a garrafa de Tequila, os limões cortados, uns saquinhos de sal e pediu para que abríssemos uma roda.
- O que acham de fazermos um jogo? - Arqueou uma sobrancelha sugestivamente.
- Que tipo de jogo? - Victoria se apressou em perguntar.
- Do tipo que envolve bebida.
- Tô dentro. - esfregou as mãos e fez a maior cara de malícia que já presenciei na vida.
- Eu topo também. - deu uma ultima mordida no pedaço de pizza e se sentou direito.
Victoria foi a próxima a ficar animada e observar o resto com expectativa.
colocou o violão de lado no mesmo momento em que deu de ombros. Ashton parecia não fazer muita questão, mas disse que participaria mesmo assim.
E então sobrou e .
- Vou participar. - A loira disse por fim e todos se voltaram então para a única pessoa que ainda não tinha se pronunciado.
- Eu não acho melhor nã...
- Ela vai. - a cortou de repente.
- Não vou não!
- Vai sim! Não é como se você fosse cair bêbada depois.
- Isso aí. - concordou. - Ninguém aqui vai entrar em coma alcoólico.
- Pelo menos esse não é o plano... - torceu a boca sugestivamente e arrancou risos de alguns de nós. por outro lado não tinha visto a menor graça. Eu imaginava bem o porquê, levando em conta tudo o que eu havia ouvido daquela noite.
- Qual é, eu não bebo.
- Bebe sim.
- Será que você não consegue ficar quieta, ? – A amiga lhe lançou um olhar cheio de significado que fez amolecer um pouco.
- Só hoje, só umas doses, vai! Eu juro que ninguém aqui vai deixar algo acontecer com você. - a encarou nos olhos, fazendo uma promessa silenciosa e então olhou para nós nos incentivando a concordar. - Não é, gente?!
Todos concordaram aleatoriamente.
- Vamos lá, Ruivinha. - Insisti. - Só algumas rodadas. Quando não quiser mais é só parar.
Não sei bem, acho que ela se sentiu um pouco pressionada e acabou cedendo no fim das contas, pois terminou por assentir fracamente e arrancando reações diversificadas de surpresa vindo de toda a roda. Talvez tenha sido impressão minha, mas pensei tê-la visto engolir em seco..
- Por essa eu não esperava. - murmurou e levou um cutucão de como resposta.
- Cala a boca antes que ela mude de ideia.
- Seguinte! - chamou a atenção de todos abrindo a garrafa. - O jogo vai ser "Eu nunca". Um clássico pra começar a noite.
- Começar? - Alguma das garotas resmungou. Meu amigo ignorou por completo e continuou:
- Então vamos fazer sem ordem. Tenho certeza que todos sabem como funciona, então peguem seus copos e vamos começar.
Míseros minutos depois todos já tinham a primeira dose de tequila colocada em sua frente e um gomo de limão ao lado com um pouco de sal também.
- Quem quer fazer as honras? - Perguntei querendo que alguém começasse logo as perguntas.
- Eu nunca... - olhou ao redor e sorriu presunçosa. - Eu nunca atuei em minha vida. - Ela olhou sorrindo para que virou a primeira dose contrariada, chupando o limão em seguida, sendo acompanhada por mim, pelos caras e por Victoria.
Ashton olhou sorrindo para a irmã.
- Começamos bem!
- Você é muito chata, . - tossiu duas vezes. - Perguntas assim não tem graça.
- Ah qual é?! - A loira reclamou. - Só fala isso porque teve que beber.
- Tanto faz! Eu disse que não queria beber.
- Enfim! - Ashton as interrompeu. - Eu nunca me arrependi de ter feito uma tatuagem. - , , , eu e Victoria viramos a dose.
- Você tem uma tatuagem? - a olhou surpresa quase juntando as duas sobrancelhas.
- É, tenho. - Fez careta.
- Onde? - Minha vez de perguntar. Como eu nunca vi? A garota é minha amiga há no mínimo três anos, eu devia ter reparado em algo assim.
- Esse é o motivo pelo qual me arrependo dela, caro amigo.
Alguns de nós rimos e eu não consegui fazer nada mais do que a olhar perplexo.
- Tá certo, agora parem de rir da minha desgraça! - Ralhou fingindo mal humor. - Pelo menos eu nunca trai um companheiro meu.
Para minha surpresa o único a tomar a dose foi , que só notou isso quando percebeu todos os olhares sobre ele.
- Eu estava bêbado. Muito bêbado. - Disse como se aquilo explicasse tudo, mas como todos continuaram o fitando, não era de duvidar que ele fosse ficar irritado com isso. - Ah, de repente todo mundo me julga pelo olhar, né? - Barraqueiro como sempre foi, começou a querer discutir. - Porque ninguém aqui nunca traiu! Todos "diferentões", "fiéis com F maiúsculo". “Virgens Maria”! "Casalzinho do Nicholas Sparks", "até que a morte os separe". "Amor verdadeiro"! Mas que palhaçada... Pode beber também, ! Te conheço. – A acusação que ele fez doeu em mim como um soco. Não havia sido a primeira vez que alguém fazia isso.
- Tá doido, cara?
- Existem fotos em revistas que provam que estou certo. Muitos e muitos boatos por aí também afirmam.
- Não é só porque alguém vai lá e tira uma foto minha com alguém do sexo oposto enquanto eu tenho namorada que isso é traição.
- Isso vai da interpretação de cada um, e a minha é essa. Pode beber também. - Devo ressaltar que só virei a dose de tequila porque queria fazer ele calar a boca pra continuarmos o jogo. Não traí nenhuma das garotas com quem tive um relacionamento. Mesmo que talvez alguma delas não acreditasse em minhas palavras.
- Vai , sua vez. - Disse sério querendo ir logo para a próxima rodada, tentando não pensar demais no assunto anterior.
- Por que eu?
- Porque você ainda não foi.
- Mas tem um mon...
- Só faz a droga da afirmação! - Pedi apressado e ganhei como resposta um revirar de olhos.
- Tá, er... - Pensou por um segundo e sorriu animada depois de olhar para todos nós. - Eu nunca fui num clube de stripper.
Todos os homens da sala beberam, e a Victoria nos acompanhou, depois de murmurar algo baixinho e fazer uma grande careta enquanto engolia a tequila.
- Caramba, eu já esperei mais de vocês, gente. - comentou rindo.
- De repente a outra se acha a santa, né? - Ashton debochou da irmã. - Quero ver não virar com essa: eu nunca fiz sexo. - Ele próprio bebeu a dose, e pela primeira vez todos imitaram seu gesto. Até que lançava um olhar mortal para o irmão bebeu a tequila.
- Irmão idiota...
- Minha vez - se pronunciou. - Eu nunca beijei alguém do mesmo sexo que eu.
Eu já estava dando graças a Deus por todos parecerem sérios, mas então...
- Me empresta um limão seu? - se virou para que o olhou perplexo.
- Você só pode estar brincando!
- Não, cara. - Respondeu sério. - Me empresta o limão.
Victoria riu um pouco ao lado.
- Pelo menos não vou ser a única a beber. - E então virou a dose de uma vez.
- Será que dá pra vocês explicarem isso direito? - pediu por todos nós, meros telespectadores que tentávamos assimilar tais revelações.
- Não tenho muito o que justificar. - Vic começou, já não parecia lá muito sóbria. - Sou atriz, preciso ser versátil de vez em quando. Mas fiquem tranquilos, eu gosto de pênis, não de vaginas. Apesar de ter uma...
O que um pouco de álcool não faz? Realmente ela já não estava sóbria.
Viramos para que fazia uma careta um tanto contida por acabar de beber sua tequila.
- Olha, eu achei que vocês já soubessem dessa história. - Coçou a garganta.
- Definitivamente não... - Murmurei.
- Foi no programa Late Late show, com o James, lembram? Naquela câmera do beijo. - Continuou me ignorado por completo.
ao seu lado soltou uma gargalhada alta.
- Aquilo foi épico!
- Tanto faz o que aquilo foi.
- Não precisa ficar bravinho. - debochou. - Não duvidamos da sua sexualidade, .
Ele fez careta, irritado, e por isso, resolvi tirar a atenção do meu amigo antes que ele ficasse muito constrangido.
- Olha só. - Falei. - Eu nunca dei beijo grego.
Eu mesmo acabei virando uma depois da afirmação, mas foi engraçado todo mundo repetindo também. Menos . Ela ficou parada com uma incógnita evidente no rosto quando se virou para .
- O que é beijo grego? - Perguntou arrancando risos de todos.
- Sexo oral. - A loira respondeu revirando os olhos.
- Ah, droga. - Resmungou contrariada e bebeu a tequila.
Por alguma razão essa informação parecia não funcionar pra mim, eu olhava para ela e não conseguia colocar “Juliet” e “beijo grego” juntos na mesma frase. Ela carregava um ar de menina santinha que me fazia duvidar de muita coisa qual ela diz ter feito. Isso inclui a afirmação anterior. Não que eu não achasse algo interessante ou coisa do tipo, sou homem, é claro que acho uma ideia excelente, só era difícil aceitar. Mesmo algumas informações que ela me dera hoje mais cedo eu ainda não havia absorvido por completo. Entretanto o jogo continuou.
- Eu nunca transei com um desconhecido. - declarou ao meu lado.
Às vezes ela parecia querer fazer de propósito que eu e os caras bebêssemos. Porque era isso que acontecia na maioria das vezes. Ela e a amiga dela ficavam observando enquanto a gente ficava virando álcool no organismo. Parecia até coisa planejada.
- Olha o complô contra os homens da sala, . Pensa que a gente não percebe? - acabou dizendo exatamente o que eu estava pensando.
- Eu tô vendo uns pontinhos brilhantes... - Victoria que havia acabado de tomar sua sexta dose começava a mostrar sinais de que já estava na hora de parar. - Acho que estou emitindo luz própria. Sou uma estrela cadente!
- Acho que já deu pra você, Vic. - soltou um suspiro.
- Que nada! - Ela riu sem motivo. - Eu tô é ó-ti-ma! - Pois é, eu não concordava com ela.
Mas continuamos assim mesmo.
- Eu nunca... - olhou presunçoso para mim. - Eu nunca fiz um ménage.
Soltei um suspiro.
Chega um momento da vida em que você decide que contar tudo para os seus amigos já não é mais uma ideia muito sábia, porque vão chegar horas como essa onde eles vão, por algum motivo, achar que talvez seja legal espalhar um detalhe "qualquer" da sua vida para um monte de gente só pra ganhar (talvez) a porcaria de um jogo idiota.
O que me consolava, era o fato de virar a dose comigo e Victoria (outra vez) nos acompanhar.
- Puta que pariu, essa garota já fez de tudo! - Ashton falou quase indignado. Demorei um pouco para entender do que ele estava falando, uma vez que o nível de álcool no meu sangue continuava a crescer.
- Isso se chama V-I-V-E-R! - Vic o respondeu tentando soletrar a última palavra. Tenho certeza que ela não quis demorar tanto quanto aconteceu.
Ambos entraram numa pequena discussão qual não consegui prestar atenção.
Era impressão minha ou tava todo mundo meio esquisito, com olhar perdido e rindo igual retardado?
- Eu nunca fumei maconha! - praticamente gritou e jogou os braços para o alto antes de virar mais uma dose. Caramba, eu tinha mesmo que beber essa também? Merda.
Todos fizeram contrariados o ato de virar a dose, com exceção de duas pessoas: Victoria e .
- Isso aí, boçais. Pasmem! Eu nunca fumei maconha. - Vic riu olhando para cada um de nós. - Vocês bebem e eu não, vocês bebem e eu não! - Cantarolou animada demais.
Ignorando completamente sua cantoria enrolada e a dança desengonçada, a loira se virou para a Ruivinha:
- Vai, , tá esperando o quê? - empurrou o ombro da amiga, começando a mostrar que já estava ficando alta.
- O quê? Eu não fumei maconha. - Se defendeu. Sua voz parecia um pouco arrastada. Não restava um sóbrio nesse jogo.
- Mas comeu!
- Essa pra mim é novidade... - Na verdade não sei quem disse isso.
- Como se come maconha? - questionou com o olhar meio perdido. A pergunta tinha soado mais para ele mesmo do que para o resto de nós.
- Olha, depende...
- Isso é plágio! Já vi fazerem isso em algum filme. - Constatou que acabava de chupar seu limão. - Deviam te processar por isso.
- Comer brownies não é plágio coisa nenhuma! - Ela reclamou gesticulando arduamente.
- E fica gostoso? - arqueou uma a sobrancelha realmente interessado.
- Ah, tipo...
- Bebe logo esse troço, ! - Ash pediu impaciente já esfregando os olhos.
A garota primeiro soltou um grunhido e depois tomou a tequila. Essa devia ser o quê? A quarta dose dela? era realmente fraca para bebidas.
- Eu nunca beijei ninguém presente nessa sala! - disse convicto e por um momento eu me assustei quando vi todos pegando suas doses e virando o líquido garganta a baixo de uma vez. Menos o , ele parecia estar preso entre algo perto de surpresa, perplexidade e ânimo.
- Puta merda, joguei branco e me dei bem! - Comemorou.
- Como assim? - se virou para as garotas com o cenho franzido. Comecei a fazer as contas...
- Como assim o quê? Não tem nada a me dizer? - Contrapôs a loira.
- É, colega! Não tem nada pra dizer? - Vic entrou na onda se atrapalhando toda ao falar.
- Tem algo errado. - Objetei quando conclui.
- Não tente desviar do assunto! - Elas continuaram a discussão.
- Não, escuta só! - Insisti. - Cinco dos seis garotos aqui beberam. Mas só têm três garotas, que também beberam, então...
- Então acho que eu e as duas bonitas precisamos ter um PC. - Victoria sorriu feliz com sua suposta solução para o problema.
- Que raios é isso? - perguntou confuso.
- Papo calcinha. - esclareceu revirando os olhos.
- Maldição... - resmungou.
- Vocês ficam aí se beijando em segredo e é isso que acontece depois! - Victoria riu e jogou o corpo pra traz, acabando deitada no carpete. - Aí minha cabeça.
- Agora é oficial, chega de bebida. - se levantou não antes da mostrar certa dificuldade.
Não sei bem o que aconteceu em seguida, fiquei tão concentrado em tentar entender a ultima rodada que mal percebi quando terminei de beber o que restava daquela minha antiga cerveja para depois começar a ver tudo meio embaçado, em câmera lenta.
Só voltei à minha consciência no dia seguinte quando um dos assessores abriu a porta do quarto com um Gregory enfurecido atrás de si se deparando com aquela bagunça de comidas, corpos e bebidas espalhados pelo cômodo.
Vou te contar que a combinação daquela dor de cabeça infernal de ressaca com a bronca exagerada de Colleman não é algo que algum ser humano deseja, mas sinceramente, apesar das surpresas, eu não teria feito nada diferente na noite anterior.
Capítulo 19 - “I really want to know
What do you mean?”
's POV
Duas semanas haviam se passado desde que deixamos minha cidade natal para trás e seguimos com nosso cronograma mais apertado do que nunca rumo a última cidade da suposto tour: Bradford.
De repete o ônibus que antes parecia tão grande e confortável, começava a mostrar um espaço duvidoso para o número de pessoas que se acumulavam nele desde a chegada dos outros meninos. Pelo menos o ar parecia muito mais alegre e divertido agora. Era fácil rir com eles por perto que faziam piada de tudo. Não existia um único momento onde todos ficassem sérios, fosse na hora de comer, na hora de dormir ou mesmo na hora de compor e na hora de gravar. Não tinha momento ruim para zoar. E isso, de uma forma boa, conseguia me distrair dos pensamentos nada bons que ainda vez ou outra vinham me atormentar.
Só que por outro lado, a diversão dos outros não conseguia mascarar a tensão de . Eu o via ficando cada vez mais estressado com o passar dos dias. Entretanto, eu não conseguia saber o que estava rolando de errado.
Desde a noite que fizemos aquela "festa", como denominou Gregory, não tivemos mais nenhuma conversa, apenas aquelas trocas de cumprimentos bem básicas para quaisquer ser humano e às vezes alguns comentários feitos quando estávamos trabalhando juntos.
Por mais que parecesse, não era como se estivéssemos nos evitando. Simplesmente não tínhamos tempo para trocar mais que meia dúzia de palavras. O projeto de bad boy estava sempre ocupado. Eu nem tanto, mas chegava bem perto.
Os amigos dele perceberam que estava se sobrecarregando e por isso estavam sempre tentando deixar o clima leve ao redor dele, brincando e conversando o tempo todo. Infelizmente não era difícil perceber que esses esforços na maioria das vezes foram em vão.
Eu já o havia procurado nos últimos dias, mas não estava dando. Só nos víamos quando tínhamos que gravar, fazer ensaio ou ir a alguma seção de autógrafos. Nem mesmo nos horários de almoço nós nos esbarrávamos. Chegava a ser um tanto frustrante o fato de nossos horários serem tão diferentes quando o nosso trabalho era o mesmo.
Eu precisava mesmo conversar com ele, não só porque é meu amigo e eu estava começando a ficar preocupada com sua exclusão, mas porque além disso, tinham algumas coisas que precisavam ser esclarecidas.
Por que me defendeu do meu pai? Por que me consolou e se mostrou tão compreensivo? Por que me ouviu tão atentamente e ainda tentou ajudar? Por que me beijou?
Eu não conseguia entender nenhuma dessas questões, e por mais que tentasse mantê-las longe dos meus pensamentos, elas voltavam sempre, por vezes me dando até dor de cabeça. Suas atitudes não faziam sentido nenhum. E minha insistência em tentar desvenda-las também não. Mas eu tinha motivos para isso.
Há poucas semanas eu tinha tido um encontro maravilhoso com , e tenho certeza que só não nos encontramos mais por causa de nossas agendas apertadas. Mas aí agora decide me beijar, só pra variar um pouco essa nossa relação instável do que deveria ser uma amizade. Sinceramente algo totalmente desnecessário! Pra quê? E, droga, seria uma grande mentira se dissesse que não apreciei o beijo.
Me sentia como uma vadia.
Ainda mais depois daquele jogo idiota com aquela pergunta idiota vinda do . Ah, e ainda tinha Ash... Mas tudo bem, ele foi uma coisa de anos atrás (tirando o detalhe dele ter me beijado antes de me mudar para Londres, claro), agora os outros... Bom, eu estaria sendo uma vadia burra se deixasse de ressaltar que ambos eram melhores amigos e eu havia beijado os dois. Quero dizer, na verdade eles que me beijaram. Só que isso não vinha ao caso agora, o fato era que isso tudo estava errado!
- Não concorda, ?
- Quê? - Me virei para que me olhava divertido percebendo minha distração. Os outros riram despreocupados.
- Estávamos falando de sair na nossa folga, dar uma volta pela cidade.
- Ah, acho uma boa. - Concordei sorrindo logo voltando para minha bolha e deixando a conversa divertida entre eles.
A questão é que tinha muito o que eu queria saber, mas será que eu teria coragem para perguntar? Provável que não. Apostava que gaguejaria feito uma boba e no final mudaria de assunto. Uma parte de mim, a racional, mandava que eu esquecesse essa história. Havia sido só um beijo, não tinha tido nada de especial naquilo. E eu estava realmente tentando escutar essa parte.
Quando o ônibus parou, horas depois, foi o primeiro a descer, apressado e alheio a tudo e a todos, mal parou na recepção do hotel para pegar a chave do quarto e foi direto para o mesmo.
Soltei um suspiro. Tinha algo errado, eu podia sentir. Ficava difícil de enxergar isso, ainda mais vindo de um ator como ele, mas eu percebia até na forma em que ele agia, só não soube captar ainda o que era realmente que estava o deixando assim.
Mas pretendia descobrir em breve. Isso eu tinha certeza.
Querido diário...
Engana-se a pessoa que acha que vida de atriz é fácil. Nunca estive tão cansada em toda minha vida como nesses últimos dias! Fotos, ensaios, filmagens, treinos, tardes de autógrafos, noites em claro, amigos estranhos que estão oito ou oitenta sem motivo aparente e levando minha sanidade embora por causa dessa esquisitice (indiretas a parte para o ), muitas horas sem comer e muita, muita pressão.
O estado está tão crítico que não tenho precisado de mais do que dois segundos para deitar e praticamente entrar em coma todas as noites. Eu tô com muito sono!
Eu realmente estou mais morta do que viva. Não, não estou nada orgulhosa de mim nesse momento.
E para minha alegria (ou não) Rachel havia me procurado um tempinho atrás dizendo que eu teria algo novo a fazer. Seja lá o que for, despertou a curiosidade em minha pessoa, e sem poder negar, não consigo parar de contar os minutos para que ela me procure logo e diga o que seria essa coisa nova.
Mas sinceramente, eu só peço para que envolva comida, pois nesse segundo eu estou rezando para que um hambúrguer bem grande e cheio de queijo apareça nesse instante na minha frente!
Com amor (sono e fome, muita fome),
.
- Querida! Depois dessa eu vou ser a melhor empresária de todas! - Bateu palmas de animação quando estendeu um contrato em minha direção.
Rachel parecia mesmo feliz com esses papéis, tão animada que não pude conter a ansiedade de saber se ficaria assim tão feliz quanto ela.
Fiquei meio pesarosa por ter que parar de comer minhas batatas para lê-lo, já que eu estava vorada de fome e essa era minha primeira refeição desde as seis da manhã, sendo que agora se aproximava das sete da noite. Mas quando se tem um milk Shake de morango parado em sua frente chamando seu nome incessantemente, isso não é problema.
Enquanto bebia aquela maravilha, passava os olhos pelo tal contrato já abrindo um sorriso quase extasiado por apenas perceber do que se tratava.
- Pandora? - Arqueei sugestivamente uma sobrancelha me contendo para não gritar feito uma louca de tão animada.
- Sim! - Rachel respondeu com o mesmo entusiasmo. - Foi uma coisa meio de ultima hora, mas acredita se quiser, foram eles quem me procuraram.
- Tá brincando? - Não consegui impedir meu sorriso de se alargar ainda mais.
- Não, garota! - Rachel parecia divertida com minha reação. - Eles querem que você seja o rosto destaque dessa campanha de joias e acessórios. A ideia de você ser uma estrela em ascensão os agrada muito!
- Como assim?
- Veja só - Arrumou sua postura. -, seu rosto estará estampado em outdoors, lojas e propagandas por causa das fotos promocionais da campanha, mas além disso estará estampada em revistas e passando incansavelmente nas telinhas da TV e da internet. É questão de ajuda mútua. - Sorriu quando eu começava a entender. - Quem vê a série vai te reconhecer nas propagandas da Pandora, e quem te conhecer pela campanha vai querer saber onde e em quê aquela garota trabalha. Só vai contribuir para aumentar sua fama.
Ah, eu mal podia acreditar que estavam mesmo me chamando para ser modelo da Pandora! Uma marca de verdade, uma propaganda grande de verdade!
- Eu aceito! Aceito agora, assino agora mesmo! - Se fosse possível eu diria que meu sorriso estava maior que meu rosto e meus olhos quase saltando para fora das órbitas de tão arregalados.
- Calma lá, ô senhorita topa tudo. - Falou em tom de brincadeira. - Existe um porém.
Como assim um porém?
- Tá brincando? - Minha voz saiu em tom de indignação arrancando uma risada de Rachel.
- É que as fotos precisar ser feitas aqui em Bradford.
- Tá brincando! - Gemi em frustração. - Eu tô sem tempo até pra comer e ir ao banheiro, imagina só me preparar para uns seção de fotos?
- Olha, eu sei que você está entupida de coisas pra fazer, eu mesma ajudei a montar todo seu itinerário. - Torci minha boca numa careta. - Mas pensa como não seria ótimo para sua carreira.
Rachel me lançou um olhar sugestivo carregado de expectativa.
Não seria por causa desse trabalho que eu não sobreviveria, portanto...
- Rachel?
- Sim?
- Me empresta a caneta e me passe os detalhes.
A decisão estava tomada.
- Adivinha só quem vai ser o rosto da nova campanha da Pandora? - Não esperei que dissesse algo.
Houve um momento de silêncio vindo do outro lado da linha. Julian, um dos assistentes de produção me olhava com uma carranca esperando impacientemente para que eu desligasse o telefone. Não demoraria muito para que ele mesmo fizesse isso.
- Você tá falando sério? - Minha amiga questionou tão calmamente que nem parecia ela.
- Seríssimo! - Respondi com tanta empolgação, que bastou meio segundo para que começasse a comemorar comigo mais essa conquista.
- MINHA AMIGA, VOCÊ É INCRÍVEL! AGORA ME CONTA COMO ISSO ACONTECEU? - Ela gritou evidentemente entusiasmada. E em meio a caras feias vindas de Julian e gritos histéricos vindos da minha amiga, eu passei a repetir toda a história pelos próximos minutos.
Não tão mais tarde eu estava pronta e calma para o último ensaio antes da gravação.
Por incrível que pareça, eu passava cada minuto livre ensaiando minhas falas incansavelmente. Tudo tinha que ser perfeito, não tínhamos tempo para erros. Ou então, passaríamos gravando durante outra madrugada, e ninguém queria isso.
Era reta final, era fácil perceber, bastava olhar a correria de todos. Logo, senão já, os últimos capítulos estariam sendo gravados ou ao menos escritos. Não ficaria surpresa se em algumas semanas já tivesse uma data para a première. E eu estava ansiosa para isso, ansiosa para concluir meu primeiro trabalho como atriz.
Entretanto, agora, segurando o roteiro, eu começava a sentir toda a pressão caindo sobre meus ombros mais uma vez.
apareceu focado em seu próprio script, segurando uma garrafa d'água enquanto murmurava baixo suas prováveis falas. Parecia tão concentrado que nem se deu ao trabalho de cumprimentar alguém.
- Certo. - A voz de Gregory se fez mais alta e todos viramos atentos. - Façam como se estivessem gravando, ok? Enquanto isso estaremos vendo os melhores ângulos, a melhor luz, e vocês sabem, estarei interrompendo se não estiver satisfeito. - Revirei os olhos e me coloquei na posição certa.
Claro que interromperia , pensei, não seria Gregory se não fizesse isso.
Um minuto mais tarde e o set já estava em silêncio.
- Comecem no diálogo da terceira folha!
Folheei os papéis uma última vez antes de deixá-los de lado e ver caminhando agressivamente até onde eu estava.
- Você é a pessoa mais egoísta que já conheci! Como consegue ser tão duas caras, Katherine?
Desconcertada dei um passo para trás. Demorei um pouco para perceber que ele já estava interpretando Ian.
- Como você pode dizer isso? - Logo eu já havia recuperado a postura, não parecendo tão afetada, mas ainda assim, minha voz denunciava que ele havia me atingido.
- caminhe em direção a como se quisesse a encurralar. - Disse Gregory. - Façam isso até bater com as costas na parede.
Mais clichê que isso impossível , pensei. Eu teria bufado se pudesse, mas isso me renderia uma bronca e por isso achei melhor apenas continuar no papel.
voltou a se concentrar e assim eu também fiz.
- Você é uma inescrupulosa! - Berrou cara a cara comigo, fazendo-me caminhar para trás, trôpega. - Me abandonou sem uma mísera explicação, desapareceu de um dia para o outro sem dar à mínima!
Bati com as costas na parede e suas mãos se colocaram lado a lado em meu rosto, nossos narizes quase se encostando.
- O empurre para trás, . Lembre-se do que conversamos no table read, você tem que parecer estar beirando as lágrimas de magoa e ao mesmo tempo quase surtando de ódio.
Então fiz o que Gregory pediu. E apesar de ser só um treino do que seria gravado talvez no dia seguinte, preciso ser sincera e dizer que na verdade o empurrão que dei em foi tão verdadeiro, livre de fingimento, talvez até mais forte que o necessário, que descarreguei ali toda a frustração que eu estava sentindo por causa dele nós últimos dias.
- Você é um idiota! - Essa parte não foi completamente mentira. - Eu fiz aquilo por você, Ian!
Seus olhos me analisaram completamente descrentes.
- Você é louca. - Declarou por fim, analisando-me criteriosamente, duvidando debilmente do que havia ouvido. - Louca e hipócrita! Como pode dizer isso depois de ter acabado comigo de dentro pra fora?
- Você não entende! - O tom de minha voz aumentou se súbito. - Eu saí do país para te proteger, te manter vivo! Acha que eu fiz o que fiz por livre e espontânea vontade? Que eu não senti nada desaparecendo e deixando tudo o que tinha pra trás? Por que você se acha tão melhor que eu para me achar tão fria e calculista a ponto de não satisfeita em arruinar com a minha vida arruinaria a dos outros também?
Um segundo de silêncio se prolongou. Ele juntos as sobrancelhas, franziu sua testa claramente confuso, sem palavras.
- Você não faz ideia do que eu passei e do que tive que fazer para te manter segurança! – Continuei.
- Mais perto, .
Dei um passo à frente.
- Então não vire as costas para mim, Ian, sem antes saber o porquê de cada atitude. - Apontei um dedo para ele. - Eu corri perigo, quase morri várias vezes e pra quê? Para chegar aqui e você me sequestrar e fazer um interrogatório ridículo na primeira oportunidade que teve. Como você pode ser tão burro! - A essa altura apontar o dedo já era pouco, e, como era de se esperar da minha personagem, eu socava seu tórax possessa de raiva. - Eu não sou a egoísta da história, e sim você! Se abrisse os olhos e parede de olhar somente para si mesmo perceberia tudo, seu idiota!
- Cale a boca, fique quieta! - Ian, ou melhor, gritou e segurou meus pulsos com força. Fiquei momentaneamente chocada pela forma bruta com a qual ele falou e parei de falar.
De novo estávamos mais perto do que eu acharia seguro. Olhos nos olhos, narizes quase se tocando outra vez, sua respiração acelerada batendo contra o meu rosto.
Eu não sei por que, mas algo me dizia que tinha alguém zoando com a minha cara agora mesmo e estar fazendo tudo isso propositalmente. O roteiro, a interpretação... Com certeza era sacanagem.
- Só cale a boca, Kate! - Sussurrou contra mim e por um momento eu esqueci o que tinha que fazer em seguida. Tinha sido desta mesma forma, droga!
- Não, nem comece! - Soltei meus pulsos que se prendiam em suas mãos. - Você é muito cabeça dura para entender alguma coisa!
- Durante todo esse tempo... - Sua voz agora mais suave, nem parecia a mesma pessoa de segundos atrás. - Nem uma ligação!
- Eu não podia, Ian! Não podia colocar tudo a perder.
- E o que está fazendo aqui agora? Me assombrando? Brincando comigo?
- Não, babaca. - Minha voz soou firme como devia ser e um segundo de silêncio se fez. - Estou aqui para ajudar, concertar meus erros.
Seu olhar me estudou como se não acreditasse em nada do que saia de minha boca.
- E acha que dizer isso pra mim vai mudar alguma coisa?
- Você não acredita no que falo. - Deduzi por fim. - Não importa pra você.
- Palavras, Katherine, sempre serão apenas palavras até que as torne realidade.
- Seja mais firme ao falar, ! - O garoto em minha frente soltou um suspiro forte.
- Palavras, Katherine - O nome soou com tanto desgosto que quase me senti mal por isso. -, sempre serão apenas palavras até que as torne realidade.
- Quer mesmo transformar isso num jogo, Ian?
- Não. - Negou, seus olhos cravados nos meus. - Só não quero cair nas suas armadilhas de novo.
- Se afaste dele, !
Dei dois passos para trás como Gregory pediu.
- Vamos ver até quando vai pensar assim, Ian.
- Tá, parem por aí! - O diretor pediu e eu o olhei sem entender muito bem. - , você precisa passar mais emoção! Está muito distraído, você está bem?
Por um segundo, enquanto muitos olhares fitavam , quase pude dizer que ele ficou desconfortável com toda a súbita atenção, mas então ele soltou um riso nasalado, dando de ombros.
- Estou bem sim.
- Então acho que você precisa estudar o roteiro um pouco mais. - Gregory o advertiu. - Não temos muito tempo para as gravações então não vou poder ficar parando o tempo todo que algo ser errado. Tem que ser perfeito de primeira.
E, ao contrário do que todos esperávamos, não foi sarcástico ou arrogante como era seu costume. Na verdade, ele mal olhou para o Sr. Colleman quando respondeu:
- Claro, sim senhor. Farei isso. - estava inexpressivo.
- Ótimo, então agora vamos ensaiar a sua cena com a Victoria, .
- Opa, já estou aqui! - A morena veio correndo ao nosso alcance ao mesmo tempo em que Gregory olhava sobre o ombro.
- Você está liberado, .
O garoto assentiu e imediatamente tratou de marchar para longe. Eu ainda tentei chamá-lo, mas Sr. Colleman me repreendeu por isso e me fez ficar no estúdio, onde eu deveria ficar e me concentrar no trabalho.
Eu teria que achar alguma outra forma de conversar com mais tarde. Agora mais do que nunca para saber o que estava o deixando tão distante de tudo.
Já era o quinto dia em Bradford e eu estava esgotada.
O ruim de gravar cenas públicas é que na maioria das vezes elas tinham que ser gravadas de madrugada, quase que secretamente, tudo para evitar aglomerados de pessoas e até muvucas muitas vezes causadas pelos fãs ou mesmo por turistas curiosos que ficavam aos arredores observando, tirando fotos, conversando alto e atrapalhando as filmagens. Por isso, no meio da noite, enquanto todos dormiam, era o momento perfeito para trabalharmos sem interrupções.
Casos como os da gravação na Trafalgar Square só aconteciam quando não tínhamos opções de mudança no roteiro. Cenas diurnas eram geralmente gravadas em um dos cenários do estúdio, mas como estávamos a umas várias horas de distância do nosso estúdio de Londres, as opções eram poucas, e aqui estava eu: quatro e meia da manhã, tirando a roupa da gravação que tínhamos acabado de fazer, já sofrendo por antecedência sobre a seção de fotos que teríamos que fazer às 10h da manhã desse mesmo dia.
Se eu não estivesse ficando louca, tinha em média umas três horas de sono até voltar ao trabalho mais uma vez e gastar mais ou menos o mesmo tanto de tempo tirando fotos e trocando de roupas para quem sabe, finalmente, poder voltar àquela cama maravilhosa do hotel e dormir a tarde inteira que milagrosamente não teríamos nada. Os garotos que me perdoassem, mas eu iria furar com o boliche que eles estavam planejando. E então depois de dormir até o início da noite, eu comeria alguma coisa antes de ir para a seção de fotos da Pandora que provavelmente terminaria de madrugada.
E agora, terminando de planejar meu dia mentalmente, colocaria as coisas em prática. Pelo menos foi o que eu pensei antes de Philip me chamar (emputecido, devo ressaltar) de volta para a maquiagem e cabelo. Porque tudo o que eu precisava agora era de um imprevisto, porque obviamente tudo o que eu precisava agora era ter que gravar mais ainda .
Por fim, não tive minhas tão sonhadas três horas de sono. Quando as filmagens acabaram um pouco depois das cinco da manhã, constatei que se eu dormisse, não acordaria a tempo do trabalho e seria linchada pela produção caso me atrasasse. Então optei por tomar um café puro extra grande do restaurante do hotel e ficar conversando com Victoria, o que preciso dizer não ter sido a conversa mais normal que tive, já que estávamos ambas grogues, caindo de sono, até termos que ir ao Grosvenor Cassino.
Claro que eu poderia ter ido conversar com de uma vez, mas, como tinha acontecido nos últimos dias, ele estava desenvolvendo muito bem seu talento tão singular de desaparecer da face da Terra quando bem entendesse para voltar só quando era estritamente essencial. Como agora no tal lugar das fotos.
Eu particularmente nunca tinha entrado em um cassino antes, então preciso admitir que estar ali estava sendo tudo de bom. Vazio, graças ao horário em que o visitávamos, fiquei surpresa pela escolha de um lugar tão diferente dos produtores para fazerem as fotos promocionais da série.
Sei que levaria algumas semanas, até mesmo meses, mas era empolgante demais saber que cada sua que trabalhávamos era um dia mais próximo da première. Eu queria demais que esse dia chegasse de uma vez!
Balancei a cabeça e resolvi manter meus pensamentos em ordem e minha mente no presente para não acabar imaginando coisa demais e dar de cara com alguma parede ou coisa assim. Infelizmente, Philip, que já era estressado por natureza, parecia ter atingido o nível hardcore de irritação quando me viu andando, vulgo, praticamente me arrastando até ele, e só faltou me arrastar pelos cabelos para apressar o meu passo.
- Olha só, projeto de gente - Falou me sentando na cadeira de maquiagem. - Eu estou tão cansado quanto você, então, por gentileza, colabore com o meu trabalho e tente não vir pra cá parecendo uma morta viva!
- Poxa, isso foi muito carinhoso da sua parte. - Retruquei não realmente chateada, mas talvez um pouco sentida. Eu estava sem dormir há umas 20h pelo menos, o que ele esperava?
- Não, não, fofa - Revirou os olhos já puxando meu cabelo de um lado para o outro. - Não faça eu me sentir culpado pelo que disse! Isso não vai funcionar.
- Como quiser... - Murmurei rindo baixinho enquanto tirava uma foto do momento, aproveitando sua distração, e publicava no instagram, que me persuadiram a criar alguns dias atrás, aproveitando para postar também no Twitter, que aliás, não tinha mais o user name de @MrsSomerhalder, pois tive que troca-lo para @JulieHolloway_official. É, foi triste me desfazer do crush, mas era por uma boa causa.
A legenda tinha sido algo muito bobo do tipo "Cabelo e maquiagem com o The Best para as fotos oficiais de The Black Side, aguardem!", mas ainda sim eu estava até satisfeita com isso.
- Você está tirando fotos e postando elas? - Ouvi a voz indignada de Philip atrás de mim e arregalei os olhos pelo susto.
- Er, eu... - Me atrapalhei com as palavras.
- Fofa, é bom que você tenha pegado meu melhor ângulo! Senão teremos problemas. - E então soltei uma gargalhada.
Philip podia ser um poço de irritação de vez em quando, mas ainda assim era uma ótima pessoa. Eu não podia pedir um Hairstylist melhor.
Pouco tempo depois com os cabelos presos e lindos, a maquiagem forte, preta, esfumada, mais o batom vinho já estavam prontos.
Sério, eu me sentia incrível. Era um milagre de Jesus! E Philip estava tão feliz quanto eu pelo resultado do cabelo e maquiagem.
A roupa era um detalhe a parte que me deixou de queixo caído ainda no cabide.
A história da temporada se tratava em si de capturar um homem muito rico, viciado em jogos de azar, responsável por Katherine ter deixado a Inglaterra, envolvido com lavagem de dinheiro e tráfico de mulheres, além de ter participado diretamente de diversos assassinatos. Então a ideia de fazer as fotos em um cassino parecia genial!
E se eu havia entendido certo, teríamos a gravação de uma cena importante em um lugar muito parecido com esse em Londres, usando exatamente essas mesmas roupas.
O que eu não questionaria mesmo. Nada melhor do que tirar fotos num belo vestido longo preto que deixava os ombros expostos e mangas longas que começavam na altura do decote quase coração, cujo desenhava perfeitamente os seios, que graças as barbatanas que seguiam até a cintura, onde a saia começava, os empurravam para cima fazendo parecer que eu tinha peitos grandes, pois aquele vestido acentuava perfeitamente meu busto e minha cintura fina.
A saia era leve, descia solta desde a cintura até os meus pés, e ainda contava com duas belas aberturas na frente para expor as pernas conforme andava, ou melhor, desfilava. Esse vestido era lindo de mais para ser apenas "usado", tinha que ser "desfilado" e mostrado para o mundo todo.
Nem sabia quem o tinha feito, mas já era sua fã. Eu pegaria esse vestido para mim com toda a certeza.
Uma bainha de perna seria colocado em minha coxa, obviamente, qual seria acobertada pela saia do vestido, mas que eu subiria para que ficasse exposta durante as fotos, e mostrasse que supostamente eu teria uma faca ali, enquanto em uma das mãos eu seguraria uma arma de brinquedo bastante fiel a uma verdadeira.
E as joias, nossa elas eram incríveis. Discretas, mas fascinantes! E o sapato... Esse salto era maravilhoso, eu ficava alta de verdade usando eles.
Sai de uma das salas que estávamos usando como camarins, com um sorriso tão grande que quase podia sentir minhas bochechas formigarem de felicidade, e comecei a me dirigir para o local onde seriam feitas as fotos quando dei de cara com o , o que me fez parar abruptamente, todo arrumado com um paletó incrível, camisa, gravata lisa, calça social e um mocassim bem na minha frente.
- ... - Ele me olhou de cima a baixo. - Você está linda.
Senti o rubor nas bochechas.
- Obrigada, . Você também está ótimo. - Sorri para ele em agradecimento enquanto ficamos nos olhando por um tempo.
- Sabe, eu atava pensando... - Ele deu um passo em minha direção. - Hoje a noite não vamos ter nada relacionado a trabalho, talvez você quisesse jantar comigo.
Primeiro eu sorri, feliz pelo convite, mas então lembrei da seção de fotos da Pandora que seria hoje de noite e meu sorriso sumiu.
- Eu não posso, desculpa, . - Pedi sincera. - Tenho uma propaganda para gravar hoje.
- Ah, tá... - Ele sorriu um tanto sem graça. - Deixamos para outro dia?
- Claro, com certeza! - Me apressei em dizer. Mas na verdade não sabia se isso seria possível. Só queria ver como íamos marcar de nos ver com nossas agendas lotadas.
Ficamos em silêncio, como se estivéssemos esperando que um de nós começasse um diálogo, porém tal coisa não chegou a acontecer, parecia que nenhum de nós sabia exatamente o que falar, e também, logo o fotógrafo responsável pelo trabalho de hoje chamou o nome de para a foto individual e tivemos que nos despedir.
Quando virou as costas para ir embora e eu voltei a andar, dei de cara com voltando das suas próprias fotos individuais, e, de súbito parei estática e perdi o fôlego por um instante. Meu Deus , ele estava lindo... Incrivelmente lindo!
Quem diria que um smoking podia fazer tanto por uma pessoa?
Percebi pouco depois que meu queixo devia estar no chão de tão escancarado que provavelmente estava, então tratei rapidamente de camuflar minha surpresa.
Porém, depois que me recuperei desse pequeno momento de surpresa, notei que me olhava da mesma forma que eu o olhava três segundos atrás. Seus olhos primeiro analisaram minha perna exposta pela abertura do vestido e então subiram, gradativamente, até chegar em meus seios.
Me senti ficar vermelha como um tomate.
Ok, eu até poderia reclamar, mas vamos todos ser honestos aqui, esse vestido tinha quase que um outdoor com uma seta bem grande com luzes piscando e dizendo "hey, você! Olhe para os peitos dela", por isso não podia dizer muita coisa.
- Olha só, acho que prefiro mil vezes esse decote àquele sutiã preto que te disse pra comprar naquela vez dos paparazzi na Victoria Secrets, Ruivinha.
Eu o encarei incrédula e pisque umas duas vezes, ainda entendendo suas palavras. Que comentário desnecessário! Eu nem ao menos me lembrava mais da vez da Oxford Street, e agora graças a ele eu sentia que estava corada dos pés a cabeça.
- Mas o que diabos...
- ?! - Victoria surgiu ao meu lado, linda, sedutora e extremamente sexy, com vestido vinho mangas longas, justo com um grande decote nas costas e uma maquiagem exuberante de morrer, ou melhor, de matar. - O que fizeram com você?
- Er... Me arrumaram? - Eu não sabia se ficava ofendida ou agradecida.
- Menina, que peitos são esses? - Ela exclamou, ignorando completamente meu comentário.
- Foi exatamente o que eu pensei. - Não prestei atenção em .
- Tá um pouco exagerado, eu sei, mas...
- Você está incrível! - Vicka abriu um sorriso maior que o rosto. - Esta sexy demais. Se eu não fosse hétero te pegaria.
- Obrigada. - Sorri para ela, sem saber exatamente o que dizer e onde enfiar minha cara.
- Eu não teria dúvidas disso - Outra vez eu ignorei e seus comentários por completo. -, e nem de longe seria única...
E então Vicka pareceu perceber alguma coisa, e nada discretamente começou a trocar olhares entre e eu.
- Parece que alguém concorda comigo. - Um sorriso malicioso cresceu em seu rosto ao passo que ela passava por mim e me deixava sozinha no corredor com , esse que ainda tinhas os olhos cravados em mim como se esperasse que eu dissesse alguma coisa, quando na verdade eu só queria sair correndo.
Ótimo, o que eu devia dizer agora? "Obrigada por elogiar meus peitos, você também está lindão! Ah, e aliás, vá se danar!" ? Ah, cara, vai catar avião na curva, por favor, né. Não mereço um negócio desse.
Pigarreei numa tentativa de fazê-lo parar de me encarar porque eu não sabia nem onde colocar as mãos mais, mas ao contrário, ele me olhou por inteiro novamente, parando os olhos de novo no meu colo. Bufei de raiva w coloquei a mão espalmada pela minha pele exposta, desconcertada e envergonhada.
- Desculpa, mas será que dá pra parar de olhar assim para o meu decote? - Ele soltou uma risada sarcástica.
- Não precisa ficar brava, Ruivinha. - Ele deu um passo à frente. - Coisas bonitas foram feitas para serem admiradas. Não pode me condenar por fazer exatamente isso.
Eu não acreditei no que estava ouvindo. Minhas sobrancelhas se arquearam e eu não consegui fazer nada mais do que o olhar incrédula. E como eu não tinha uma resposta boa o bastante para dar a ele, levantei a saia do vestido apenas o suficiente para que eu não pisasse na mesma e caísse rolando no meio do caminho, e segui para o lugar onde as fotos estavam sendo tiradas, o deixando no mesmo lugar incapaz de desfazer aquela expressão maliciosa triunfante que eu tanto odiava e há muito não via. Eu não o via agir desta forma desde as primeiras vezes que o vi.
O que tinha de errado com ?
Eu não sei que diacho estava acontecendo hoje, mas eu tinha uma explicação lógica para isso: a academia estava dando resultado.
Depois das fotos individuais de e Victoria, foi minha vez de posar em frente à câmera. Ironicamente, o fotógrafo estava bastante disposto a focar as fotos em meus... Como ele disse mesmo? Ah, sim, atributos. Logo, como já era por se esperar da parte de minha personagem Kate, eu estava tendo que mostrar, mesmo que um tanto travada e com muita vergonha, minha sensualidade.
Okay, eu podia lidar com isso. Era só fingir que ninguém estava me assistindo como , e Victoria faziam, e além do mais eu não precisava fazer muito, o vestido já fazia praticamente o trabalho todo. Era só estender uma perna para fora da abertura, que mostrava o coldre da faca, colocar a outra flexionada em cima de uma cadeira enquanto segurava a tal arma de brinquedo fazendo caras e bocas. Simples.
No começo, preciso admitir, foi um pouco constrangedor. Fiz o que podia para ignorar os olhares fixos e meio embasbacados sobre mim, mas depois de uns minutos a situação foi se tornando um pouco mais fácil e eu já não me sentia tão boba quanto antes.
E devo tudo isso ao fotógrafo, claro. Ele e aquela câmera maravilhosa realizadora de milagres.
Depois de muito tempo, as fotos, inclusive as em grupo, foram todas tiradas e essa etapa, por nossa parte estava finalizada. Mas felizmente eu podia dizer que o resultado inicial tinha sido bastante bom. E preciso acrescentar que mostrar meu lado sexy foi bastante divertido. Era engraçado explorar essa parte, mais engraçado ainda foi perder a vergonha aos poucos e me soltar logo depois.
Victoria gargalhava abertamente quando eu mostrava as pernas pelo recorte no vestido ou quando inclinava o corpo levemente para frente dando ênfase ao decote.
A melhor parte, e também a pior delas, entretanto, foi quando em uma dessas vezes precisei posar junto de . Ele não conseguia se concentrar perfeitamente em sua postura, e era ótimo, e também estranho e um pouco incômodo, saber que você estava linda a ponto das pessoas não quererem tirar os olhos de você.
Eu me sentia confiante. E julgue-me quem quiser, mas o que há de errado nisso?
Eu só não entendia por que as pessoas que eu via e trabalhava praticamente todos os dias da semana pareciam tão surpresas com isso. Me elogiar: Ok, repetir isso mais umas várias vezes: tá bom. Agora me encararem como se eu fosse outra pessoa e não eu mesma chegava a ser um tanto frustrante.
Já no hotel eu me despedia do vestido maravilhoso que usara e o deixava com Philip até a próxima gravação, tirando a maquiagem debaixo do chuveiro mesmo, com preguiça de pegar o demaquilante.
Por fim, quase no meio da tarde, me deitei na cama com os cabelos molhados mesmo e fechei os olhos sem precisar me dar ao trabalho de esvaziar a mente. Dormi instantaneamente.
Acordei por volta das nove da noite, assustada imaginando que havia perdido a hora para fazer alguma coisa que eu nem sabia o que era. Eu estava tão cansada que nem tinha percebido cair no sono, e isso explicava minha falta de entendimento. Só dormi e de repente acordei, perdida e sem saber de nada. Felizmente estava tudo certo e eu não tinha porque enlouquecer (ainda).
Fiquei enrolando na cama por um tempo, com uma preguiça fora do normal, até decidir que a fome estava se tornando meio insuportável e impossível de ignorar.
Pensei em chamar algum dos meninos ou Victoria para jantar comigo, mas subitamente me lembrei que todos estavam jogando boliche por aí e eu tinha sobrado, morta, jogada, naquele hotel. Certo, eu faria isso sozinha então.
Depois de me trocar e colocar algo que não parecesse com um pijama para descer até o restaurante, prendi meu cabelo de um jeito bem desleixado e saí do quarto já sonhando com comida. Qualquer uma. Quanto mais gordurosa melhor.
No corredor, enquanto eu caminhava rumo ao elevador, ouvi um violão tocando. Seria normal se eu não soubesse que todos estavam fora aproveitando a folga e que não deveria haver som nos quartos próximos ao meu.
E bem, minha curiosidade natural não me permitia ficar sem saber quem era ou o que estava fazendo ali.
Talvez eu tivesse sim uma companhia para o jantar.
Bati na porta desajeitadamente com o cotovelo, tomando cuidado com as garrafas de refrigerante que eu segurava em uma das mãos e com a pizza que eu equilibrava na outra.
Logo a música (a mesma de antes) que vinha do violão parou, sendo substituída por passos pesados que se silenciaram assim que a porta foi aberta, revelando um carrancudo e com o cabelo até bastante bagunçado, o que era novidade para mim.
Sorri prontamente mostrando todos os dentes, sabendo que mentalmente ele deveria estar me xingando até a décima terceira geração, já que me olhava claramente nem um pouco feliz.
- ?
- Hey, tudo bem? - Passei por ele sem nem pedir permissão aproveitando seu momento de incredulidade.
Seu olhar me seguiu até quando eu coloquei a caixa de pizza em cima da cama e me sentei logo depois de pernas cruzadas sobre a mesma. Abri a caixa, peguei um dos guardanapos presos no topo dela e puxei um pedaço com bastante queijo. Meu estômago roncou em aprovação.
- O que está fazendo?
- Comendo. - Respondi o óbvio. - Não quer?
Ele se sentou, depois de demorados segundos, ainda com as sobrancelhas juntas. Percebi que ele não diria nada até que eu explicasse o que exatamente estava fazendo ali, por isso revirei os olhos antes de dizer:
- Eu não queria jantar sozinha. - Dei de ombros. - Aliás, trouxe pizza de muçarela, não sabia qual sabor você gostava então pedi o básico.
- Achei que estivesse com os outros. - Foi o que ele disse depois de trocar olhares entre a comida e eu. Ele devia ter feito isso porque provavelmente eu encarava a pizza como se ela fosse o amor da minha vida. Balancei a cabeça enquanto abria uma das garrafas de Coca Cola.
- Não, eu capotei depois que chegamos das fotos. Estava morta de sono. - Dei um gole no refrigerante.
- Ah. - Foi o que ele respondeu e ficou em silêncio por um tempo.
Muito legal essa conversa que estávamos tendo. Só que não.
Estendi a outra garrafa para ele num incentivo claro para ele pega-la de uma vez.
- Valeu. - Concordei enquanto mordi a pizza e aquele cheiro magnífico preenchia o meu sistema respiratório.
- E você? – Mordi de novo um daqueles pedaços suculentos e me deparei com seu olhar confuso, como se não tivesse entendido minha pergunta, por isso resolvi completar. - Por que não foi ao boliche?
Ele olhou ao redor e apontou para o violão que antes tocava e para algumas partituras amassadas espalhadas pelo quarto.
- Estava compondo.
- Sério? - Arqueei uma sobrancelha, interessada.
- Sim, passei a tarde tentando compor algo que prestasse. - Ao passo em que ele dava de ombros, eu tentava ler o que estava escrito nos papéis espalhados por pura curiosidade. Infelizmente eu não conseguia enxergar nada do que estava em nenhuma das folhas.
- E conseguiu?
- É, acho que sim. - fez uma pausa para dar um gole no refrigerante.
- Vai me mostrar depois?
- Talvez. - Eu ri, dando outra mordida naquela maravilha. Nem sabia que estava com tanta fome até o momento! Fazia cinco minutos que eu pegara aquele pedaço e já estava quase acabando com ele.
- Você quem sabe... Vai comer não? - Questionei já absorta do assunto, concentrada apenas na comida.
Percebi que começou a comer, não tão interessado quanto eu, mas não prestei atenção nele. Permaneci em silêncio, finalmente aproveitando a comida depois de tanto tempo em jejum. Caracas eu poderia comer tudo isso sozinha e nem me sentiria culpada por isso. Talvez meu personanal trainer sentisse, mas eu não. Definitivamente não.
Não notei como nem quando, mas em algum momento enquanto eu comia feliz e realizada, pegou o violão que há pouco estava encostado sobre a cama e voltou a tocar a melodia que antes eu havia ouvido duas vezes e agora acrescentava uma parte nova e diferente, tão legal que me fez encara-lo por um segundo.
- Muito boa. - Falei admirada.
franziu a testa e eu quase pude ver uma "loading" em cima de sua cabeça, quando percebi o que estava errado.
- A sua música, não a pizza.
- A pizza não? - Um dos cantos de seus lábios se ergueu em brincadeira. Revirei os olhos.
- A pizza também, mas agora eu estava falando da sua música.
sorriu agradecido e aproveitou para anotar no papel.
- Já tem letra? - Tentei bisbilhotar na cara dura e foi a vez dele de revirar os olhos.
- Não, Ruivinha. - Deu um gole em sua coca. - Por que tão curiosa?
Dei de ombros enquanto brincava com o último pedaço de pizza.
- Faz parte da minha natureza. - O garoto riu parecendo bastante divertido. - Mas se precisar de ajuda, estarei aqui.
- Você? Me ajudando a compor? Até parece. - Seu desdém ensaiado quase me fez ficar ofendida.
- Ué. - Dei de ombros como se fosse superior. - Talvez eu seja sua musa inspiradora e você nem sabe.
Um meio sorriso surgiu em meu rosto e ele imitou meu gesto segundos antes de se voltar mais uma vez para o instrumento.
Tomei mais um gole do meu refrigerante e finalmente consegui chegar aonde tanto queria:
- Foi por isso que se afastou? - Ele levantou os olhos para mim momentaneamente. – Digo, para compor em paz?
- O que quer dizer?
- Vamos lá, . É fácil diferencias quando você está agindo normalmente ou tentando dar evasivas. - Disse por fim. - Sei que não sou a única com uma história para contar.
Ele soltou um suspiro como se se desse por vencido e eu imaginei que finalmente fosse entender algo, por menor que fosse, sobre seu distanciamento.
Capítulo 20 - “I don’t care
And it feels so fucking good to say”
's POV
Obviamente eu estava redondamente enganada.
Quando abriu a boca e pareceu que ia dizer algo relevante sobre sua vida, ele riu. Não, na verdade ele gargalhou bem na minha cara e voltou a ignorar minha presença no instante seguinte, voltando sua atenção para seu tão precioso violão.
- Não se faça de idiota! - Falei irritada.
- Não estou.
- Então não me faça de idiota. - Rebati numa reclamação indignada quando se defendeu.
- Olha só, Ruivinha, eu só não sei de onde tirou essa ideia maluca.
- Como pode dizer isso, seu sem noção? - Ele juntou as sobrancelhas e fez uma careta desgostosa.
- Sem noção?
- Olha só, o pessoal está preocupado com você.
- E por quê? Não estou usando crack para estarem preocupados comigo. - Revirei os olhos e ignorei sua infantilidade.
- Você está se afastando.
- Não estou não.
- Claro que está!
- Tá doida? Desde quando isso? - Desde a noite em que me beijou, quis responder.
- Desde que os caras chegaram e se juntaram a nós. - Falei por fim. - Mas se afastou ainda mais desde que chegamos aqui em Bradford. Nem se atreveu a sair do hotel. Me pergunto se o lugar tem algo a ver para você estar agindo assim.
Conforme fui falando, foi adquirindo uma postura mais ereta, cuidadosa, e logo percebi que havia um motivo relacionado ao lugar sim mesmo que ele fingisse o contrário.
- É complicado. - Ele falou de forma evasiva e eu o olhei com compreensão.
- Eu nunca disse que não era.
soltou o ar com força sem tirar os olhos de mim.
- Você não entenderia, Ruivinha.
- Quer apostar? - Senti um meio sorriso crescer em meu rosto e por um segundo quase estranhei minha insistência. Quando eu tinha começado a agir dessa forma?
Bom, não importava. Eu estava pronta para insistir uma última vez ou então desistir de tentar entender um pouco sobre a história de .
- Olha só, uma vez tínhamos chegado a um acordo: você perguntava algo e eu fazia o mesmo em seguida. - Ele assentiu fracamente. - Alguns dias atrás eu mostrei a você o que causa meus piores pesadelos, o que me destrói um pouco todos os dias, e... - Fiz uma pausa procurando a melhor forma de prosseguir. - E acho justo você fazer o mesmo.
Depois de dez segundos em silêncio e não fazer nada além de continuar apenas me encarando sem demonstrar qualquer coisa, entendi que eu tinha ido lá à toa, pois não conseguiria respostas para minhas perguntas. Ele não diria nada, afinal.
Me levantei a contragosto, peguei a caixa de pizza, agora vazia, e a joguei no lixo. Se ele não diria nada, então eu não tinha motivos para continuar ali apreciando o silêncio.
Segui em direção a porta soltando um suspiro frustrado por ainda sentir seu olhar sobre mim sem nenhuma palavra acompanhada, e por isso me virei para ele uma última vez:
- Sabe, , se afastar das coisas que te fazem mal ou usar máscaras para não mostrar o que está sentindo de verdade não vai mudar nada. - Seu olhar continuou fixo na minha pessoa, com a diferença talvez que dessa vez adquirisse um pouco de curiosidade. - Só quero que saiba que eu sou sua amiga, e quando quiser contar, eu vou escutar tudo e tentar te ajudar da melhor maneira que eu puder, como você mesmo uma vez tentou fazer comigo.
Por um segundo eu pensei ter visto uma mudança em sua postura, pensei ter conseguido fazer com que ele confiasse em mim nem que bem pouco, mas tudo o que ele fez foi deixar que eu continuasse ali parada esperando por algo que não teria.
Mais uma vez, vendo que eu não teria nada mais que o silêncio, me virei pronta para sair.
- , espera. - Juntei as sobrancelhas e interrompi minha mão que ia de encontro a maçaneta. - Minha intenção não é essa.
- Como assim? - O olhei sobre o ombro.
- Me afastar. Eu não quero isso. - colocou o violão sobre a cama e se levantou. - Só que todos temos segredos, Ruivinha.
- Sei disso.
- Então sabe também como é difícil. - Concordei com um aceno e ele soltou o ar pelo nariz com um pouco mais de força talvez do que planejava. Passou a mão pela nuca e andou até onde eu estava ao passo em que eu me virava de frente para ele. - Vir pra cá me deixa assim.
- Para Bradford? - balançou a cabeça de forma afirmativa. - Por quê?
Alguns instantes se seguiram sem uma resposta. deu um passo a frente e fechou os olhos com força.
- Já fez algo do qual se arrependeu?
- Você sabe que sim.
- Pois então. - Disse enquanto me analisava. - Eu não sou mais a mesma pessoa de antes, e voltar aqui faz muito mais do que apenas me relembrar das minhas atitudes passadas.
- E por que, ? - Eu queria entender alguma coisa, mas quando mais ele falava, menos eu compreendia.
- Porque tenho assuntos inacabados aqui, Ruivinha.
- Assuntos que...
- Que não quero e nem posso falar pra você ainda.
Pisquei absorbendo suas palavras. Tinha soado rude, sim. Mas eu sabia que vindo dele falar aquilo não estava sendo fácil, por isso era preciso relevar.
comprimiu os lábios em uma linha fina quando olhou para seus próprios pés, como se esperasse por algo vindo de mim.
- Ok. – Falei.
Ele me olhou com certa dúvida.
- , olha...
- Não precisa explicar nada. - O interrompi. - Quando achar que deve me explicar alguma coisa então você vai fazê-lo.
- Por que está sendo tão compreensível?
- Por que esperava que eu não fosse? - Por um segundo ele ficou sem palavras. - Isso vem embutido no pacote da amizade, .
Ele abaixou o olhar até o chão mais uma vez e senti que esse era o fim definitivo dessa nossa conversa.
Tentei lhe mostrar um sorriso simples, sem mostrar os dentes, mas que ainda mostrasse que eu não estava irritada ou chateada com ele por não ter escutado o que achei que escutaria. Infelizmente meu gesto não serviu de nada, ele continuou com a cabeça baixa.
Olhei para o meu relógio e conferi as horas. Precisava ir.
Aproveitando o silêncio virei pronta para deixar o quarto.
- Aonde vai? - Questionou de súbito.
- Embora. - Respondi estranhamente confusa. - Me arrumar.
- Vai encontrar os outros?
- Hm, não. - Neguei virando a maçaneta. - Tenho uma sessão de fotos com a Pandora daqui a um tempo. Eles quiseram me contratar, assinei o contrato outro dia para fazer parte da nova coleção.
- Sério? - Ele arregalou os olhos levemente e sorriu, o que era bom. - Isso é ótimo, , parabéns!
- Obrigada. - Sorri de forma espontânea. - Vai continuar aqui?
olhou para o violão sobre sua cama e as partituras espalhadas antes de suspirar e bagunçar um pouco mais seu cabelo.
- É, acho que sim.
- Por que não vai encontrar os meninos e a Vicka?
- Acho melhor não. - Coçou a nuca distraidamente se escorando no batente da porta. - Vou atrapalhar a diversão deles ou sei lá.
Pensei por um segundo.
- Quer ir comigo então? - A não ser que queira ficar sozinho, acrescentei em pensamento.
- Será que não vou atrapalhar?
Dei uma risada fraca.
- Por favor, né, . - Coloquei a mão na cintura e troquei o peso do corpo de pé. - Você não é tão irresistível assim.
- Me acha irresistível, Ruivinha? – Ele rebateu tão rápido que quase engasguei.
Estreitei os olhos em sua direção enquanto via um sorriso presunçoso crescer em seu rosto.
- Não foi isso o que eu disse.
- Mas foi o que você pensou.
O observei por um instante.
- Sabe, eu preferia o de minutos atrás. - Constatei por fim.
- Aposto que não. - Bufei já sem argumentos.
- Vai comigo ou não vai, senhor convencido?
- Vou sim. - Disse rindo na minha cara. - Só vou trocar a camiseta.
E então o mané se virou rumo a sua mala toda bagunçada já puxando a camiseta que usava para longe do seu corpo, como se eu nem estivesse ali parada na porta o encarando se despir, revelando suas muitas tatuagens espelhadas por seu tronco e também seus músculos bem definidos que eu definitivamente não deveria ter reparado.
Definitivamente eu preferia o de antes, calado e totalmente quieto como uma estátua (e totalmente vestido também).
's POV
Uma hora. tinha levado uma hora para se arrumar.
Sessenta minutos gastos a toa experimentando roupas aleatórias como saias de mil cores diferentes, vestidos com centenas de estampas, para no fim acabar optando por uma calça jeans rasgada qualquer, uma sandália de salto alto demais e uma regata simples com um negócio jogado por seus ombros que ela chamava de kimono, mas que para mim não passava de um tipo diferente de casaco ou sei lá o quê.
E o pior foi que eu ainda tive que dar opinião em tudo!
Puta merda, mulher pra se arrumar é um caso perdido. Deviam fazer como eu e ter várias jaquetas diferentes, assim se tivessem dúvida no que vestir bastava pegar uma e colocar por cima da blusa que estivesse usando e pronto. Sucesso! Se soubessem como é fácil, nunca mais se atrasariam para nada e ainda poupariam os ouvidos dos pobres homens que nem nada tem a ver com essa palhaçada.
- Precisa se arrumar tanto assim? - Perguntei já não muito paciente deitado em sua cama com os antebraços sobre minha cabeça enquanto a esperava passar seu rímel.
- Sim, , precisa. Você sabe disso. - Afirmou do banheiro.
- Mas do que adianta você se arrumar tanto se quando chegar lá eles vão colocar outras roupas e fazer outra maquiagem?
- Pelo mesmo motivo pelo qual você se arruma todo para fazer um show sabendo que vai sair de lá pingando suor. - Ok, podia fazer um pouco de sentido. - A primeira impressão que você passa precisa ser boa.
- Se os caras querem te contratar para ser a capa da campanha deles significa que sua primeira impressão já foi boa, Ruivinha. – Eu tinha certeza que ela estava revirando os olhos.
- Será que você pode parar de implicar? - A vi aparecer ao meu lado de braços cruzados. Parecia pronta.
- Claro que posso, . - Coloquei um pouco de sarcasmo na voz. - A senhorita já está pronta?
- Sim. - Me levantei de imediato. - Só preciso ligar para o taxi. - Franzi o cenho.
- Que mané taxi, . - Ela me olhou como se eu estivesse falando asneira. - Eu dirijo.
- Quê? - Seu tom era de indignação. - Tá achando mesmo que vou andar de moto com você antes de uma sessão de foto? - Eu não via problema nisso, só pra constar. - Pode parar.
- Vamos de carro então. - Decido já de frente para a porta, esperando que ela saísse de uma vez. - Pegamos um na loja de aluguel 24h a uma quadra daqui.
- Tá doido?
- Pare de me olhar como se eu fosse um psicopata. - Ela inclinou o rosto para o lado com cara de poucos amigos. - É a minha cidade, conheço cada canto daqui, e além disso dirijo desde os quinze anos, sei como a mágica funciona.
Ela ficou me encarando por vários segundos como se estivesse me lançando algum tipo de maldição, presa na questão e "ir ou não ir com ao volante", mas por fim soltou os ombros e disse simplesmente:
- Tá.
- Ótimo. - Sorri provocante. - Agora vamos, juro que vamos chegar lá inteiros. Palavra de escoteiro.
Ela deu um passo a frente e cruzou os braços.
- Você ao menos já foi escoteiro?
- E precisa ser um pra dizer isso? - Novamente ela me encarou com algo bem próximo da raiva.
- ?
- Sim?
- Vai se ferrar. - E com essas palavras tão bonitas seguidas de risos baixos e contidos por mim, fechei a porta e a tranquei com o cartão.
Só veríamos o hotel de novo horas mais tarde.
- Por que você não usa carro sempre? - perguntou depois de estacionarmos no local. - Você dirige isso aqui mil vezes melhor que aquela coisa.
- Aquela coisa se chama moto. - Impliquei. - E eu acho que dirijo os dois suficientemente bem, você que estava morrendo de medo e se agarrou a mim como se sua vida dependesse disso.
- Mas é claro! Não tinha sinto de segurança. - Devolveu como se tivesse toda a razão do mundo e eu desci do carro rindo.
- Você devia apreciar mais a adrenalina. - Falei indo rumo a entrado do lugar onde seriam suas fotos. Era um edifício bastante bonito até. Tinha uma fachada bem organizada e ao seu modo simples, conseguia chamar a atenção necessária para o local.
- Na verdade eu dispenso. – Ela respondeu e eu revirei os olhos ainda sorrindo.
- Se você diz, vou fingir que acredito. - A careta que ela fez só fez com que eu risse ainda mais. - Todos gostam de uma boa dose de adrenalina.
Ela não negou, e como quem cala consente, resolvi guardar bem esse momento, tinha certeza que algum dia ainda usaria tal frase contra ela.
Já dentro do prédio, uma mulher bastante séria que eu não sabia se tinha ou não o dom de sorrir, nos guiou pelos andares e vários corredores até acharmos a sala preparada para as fotos. O lugar estava cheio com os objetos usados em sessões como esta, que eu particularmente não sei o nome, como refletores de luz, o fundo branco, a câmera com o tripé posicionada e o computador que mostravam as fotos instantaneamente ao lado, além de vários acessórios espalhados em uma mesa mais ao fundo, perto de uma porta, fora desse espaço todo iluminado, onde eu imaginava ser o canto onde se arrumaria, ou no caso, onde arrumariam ela com todas aquelas coisas.
- Você deve ser ! - Uma mulher com o cabelo perfeitamente cortado na altura do queixo abriu um sorriso que quase ofuscou nossa visão com seus dentes perfeitamente brancos e brilhantes.
- Eu mesma. - sorriu de volta para ela e a mulher a puxou para dar um beijo em cada bochecha. - Desculpe o atraso, hoje foi um dia corrido.
- Ah, imagina! - A mulher levou sua mão até a cintura e eu senti certa ironia em sua voz. - O que são quinze minutinhos, certo? O importante é que você chegou.
sorriu sem graça e eu pigarreei ao seu lado, chamando a atenção da mulher minimamente.
- É um prazer estar aqui hoje, de verdade. - A Ruivinha falou numa tentativa de continuar o diálogo.
- Ah, querida, o prazer é nosso! - A mulher se virou para mim, como se não quisesse mais papo furado. - Trouxe uma companhia?
- Ah, sim! Espero que não seja um problema.
- Claro que não, surpresas são sempre bem vindas. - Então ela me olhou de cima a baixo. - E você é...? Segurança dela?
mordeu o lábio segurando um sorriso que teimava em crescer no seu rosto.
Eu lá tenho cara de segurança, por acaso?
- Hm, não... - Forcei um riso baixo. - Na verdade sou amigo dela.
- Ah, claro. É que você me parece familiar. - Depois de dois segundos analisando meu rosto ela pareceu notar quem eu era de verdade. - , certo?
- Olá, como vai? - Tentei soar educado, mas minha frase saiu pingando sarcasmo.
- Perdoe-me por não te reconhecer logo de cara! É o cansaço, sempre me faz dizer idiotices. - Se justificou rapidamente. - Sabe como é, já está tarde.
Por alguma razão achei que ela tinha dito a última parte como provocação pelo nosso súbito atraso, e sinceramente eu não tinha achado isso nem um pouco legal.
- Pois é, está mesmo. - Concordei. - Por isso acho até bom começarmos logo e pararmos um pouco com a conversa. Quanto antes começarmos, mais rápido terminamos, certo?
- Você tem toda razão, querido. - Respondeu entre os dentes com o tal sorriso ainda preso ali, mas com os olhos semicerrados em minha direção. Eu a encarei estranhamente e decidi que não gostava dela nem um pouco.
trocou olhares sem entendimento entre eu e ela, provavelmente desacreditada na troca de provocações que estávamos tendo.
A mulher chata então logo tratou de continuar com sua simpatia treinada:
- Meu nome é Olga Flatcher, sou a representante da Pandora que vai acompanhar as fotos de hoje, já que os outros não puderam comparecer. - Outro sorriso mostrando todos os dentes. Tal gesto já estava começando a me dar medo, uma vez que o mesmo não chegava até os olhos de forma alguma. - Querida, você já pode entrar naquela sala, sim? As garotas da maquiagem, figurino e cabelo já te esperam lá e não temos tempo a perder!
- Claro, sem problema! - sorriu em resposta e me lançou um ultimo olhar antes de seguir até onde a tal Olga tinha lhe indicado.
Enquanto ela ia embora a tal mulher ficou lá parada me encarando, como se um movimento errado pudesse destruir todo o seu trabalho.
- Senhor , gostaria de pedir para que o senhor permanecesse atrás das câmeras, tudo bem? Para evitar distrações. - Eu não sei que tipo de palhaçada ela pensava que eu fosse fazer, mas concordei com um aceno.
Um último sorriso e ela finalmente se afastou para conversar com alguns dos seus assistentes.
Fiquei a olhando com cara de poucos amigos por um tempo. Não gostei dessa tal Olga nem um pouco, podia sentir sua mesquinhez em tudo, desde o tom de voz irritante até o sorriso assustador que teimava em repetir a cada cinco segundos.
Mas ainda assim permaneci ao fundo da sala como ela mesma havia pedido, sem atrapalhar, observando as pessoas e o que elas faziam até voltar daquela sala, o que demorou um pouco a acontecer.
Nesse meio tempo perdi a conta de quantos olhares tortos, curiosos e acusadores recebi por estar ali parado sem fazer nada, apenas mexendo no celular.
Quando voltou a aparecer, já estava completamente diferente da forma como havia chegado. Maquiagem bem marcada, unhas feitas, cabelos extremamente brilhantes e roupa relativamente simples, já que o foco deveriam ser os acessórios da marca.
Ela rapidamente varreu o lugar com os olhos e fez seu caminho até mim mais depressa do que pude perceber.
- Pode guardar com você, por favor? - Ela esticou a mão que segurava sua pulseira de pingentes. Opa, ela estava mesmo me entregando aquilo? Essa era nova pra mim. - É que eu não conheço ninguém aqui e...
- Tudo bem. – Respondi rápido e peguei o objeto, o segurando entre os dedos.
pareceu surpresa por me ver aceitar algo assim tão facilmente sem que ela precisasse insistir um pouco ou que eu a enchesse de perguntas, mas não questionou minha suposta falta de interesse.
Achei engraçada sua reação e acabei sorrindo enquanto ela me olhava intrigada e depois virava as costas para pegar e colocar os primeiros acessórios com a ajuda de algumas garotas, já voltando a me ignorar por completo segundos depois.
Aproveitei que ela estava distante, e, finalmente, resolvi matar a curiosidade que há tanto tempo eu carregava por aquele objeto prata diversificado por muitas cores e formas que estava em minhas mãos agora.
Observei um por um daqueles pingentes todos intercalados com separadores, ali distribuídos numa ordem secreta, tentando entender a história de cada um deles.
O mais fácil de decifrar foi o escrito Family, seguido por um separador e outro pingente escrito love. Em seguida tinha uma câmera, cujo eu imaginava significar seu trabalho e também as máscaras de teatro grego que deviam estar relacionadas a isso. Então vinha um trevo de quatro folhas, bem fácil de entender que significava sorte, logo antes de um livro, uma nota musical... E então decifrar o papel dos pingentes começou a ficar difícil. Pareciam coisas meio aleatórias que eu não entendia muito bem o que faziam ali.
Um cavalo marinho, uma estrela trabalhada com várias pedras brilhantes, um pingente escrito pax, o queriam dizer? E então por ultimo tinha a bússola.
Imediatamente minha mente me levou de volta para o dia em que apareceu em minha casa e interrompeu a conversa que eu estava tendo com , só para em seguida começarem a conversar despreocupadamente, aproveitando minha ausência. Eu me lembro de tê-la escutado falar sobre esse pingente em particular, de como lembrava sua mãe. E me lembro também de como na hora aquilo poderia não fazer sentido para mim, mas de como as coisas passaram a se encaixar depois de vários acontecimentos.
Levantei os olhos da pulseira até a dona que já posava em frente as câmeras, rindo, se divertindo enquanto fazia caras e bocas ao som da música com um grande ventilador na altura do seu rosto esvoaçando seu cabelo em certos momentos, para apenas dar um toque, um efeito a mais naquilo tudo.
O fotógrafo nem ao menos estava tendo trabalho em tirar as fotos. Eu via pelo monitor que todas estavam incríveis e ele nem tinha que se esforçar para que isso acontecesse. tinha um talento natural para aquilo. E eu a tinha julgado mal desde o começo.
Achava que ela era só uma garota mimada atrás de fama, dinheiro e reconhecimento, mas eu estava enganado no fim das contas. Tudo se tratava de foco, esforço e vontade de alcançar algo por ela e por mais alguém. tinha muito mais história para contar do que eu sequer poderia pensar. E ela tentava esconder isso por trás de suas barreiras, pensando que ninguém jamais perceberia, mas olhe só aonde viemos parar.
Ela tinha deixado que eu descobrisse suas fraquezas e esperava que em algum momento eu fizesse o mesmo. E talvez eu devesse fazer isso... Só talvez.
- Coloque um pulso na altura da testa virado para frente e outro um pouco acima do nariz, quero emoldurar seu olhar. - O fotógrafo pediu. - E por favor, coloque o cabelo para frente, a cor dele e dos seus olhos vão contrastar com o prata das pulseiras e o pálido da sua pele, vai ficar incrível.
Dei alguns passos para trás e continuei a observar o trabalho pelo monitor pelos próximos minutos, deixando que minhas suposições e pensamentos de antes se diluíssem aos poucos e fossem esquecidos por hora.
A música que tocava ao fundo me distraía ao passo em que trocava as pulseiras, relógios, anéis, colares e brincos para tirar outras mil fotos pelo que parecia ser apenas um minuto.
Olga, a mulher que há pouco tinha nos recebido, também assistia tudo mais afastada dos demais, ao lado de uma garota toda de preto que pela forma e postura que estava, eu apostava ser uma assistente do estúdio. Ambas olhavam para o trabalho sendo feito de forma analítica e comentavam distraidamente sobre. E eu, sem muita coisa pra fazer ali, obviamente comecei escutar a conversa:
- ... vai acabar por volta da uma da manhã, talvez depois, não sei bem. - A assistente deu de ombros.
- Ok. Não acho que vamos ter imprevistos, o garoto está lá ao fundo com toda calma e paciência, não vai nos dar problemas. - Eu juro que queria entender o que esse projeto de ser humano tinha contra mim. - E ela também está bastante ocupada para se distrair com qualquer coisa.
Do nada a garota de preto resolveu me encarar. Fingi que não estava notando seus olhos sobre mim e pareci estar atento a qualquer outra coisa. Como o lustre do teto.
- O que ele faz aqui mesmo?
- Uma coisa que eu gostaria de saber. - Retrucou Olga mal humorada. - Só mais um intrometido para termos que tomar conta.
Eu quase a encarei indignado.
- Pois é, ele parece que vai tirar um baseado do bolso a qualquer instante.
Que cobra desgraçada! Quisesse falar mal de mim falasse na minha cara.
Olga inclinou a cabeça um pouco para o lado e, pasmem, retorceu os lábios numa careta, não sorrindo pela primeira vez desde que pisei ali.
- Alias, o que acha da garota?
- ? - Olga assentiu e me aproximei sorrateiramente para escutar melhor. - Bonita, mas não é tudo isso. Ainda preferiria que Cara Delavingne estivesse aqui. - A tal da assistente disse desinteressada. – Essa aí é o quê?
- Atriz e modelo. - Olga respondeu.
- Modelo? - A outra riu. - Mas ela não tem altura e nem porte. Desde quando esses deixaram de ser requisitos obrigatórios?
- Pois então. - Olga concordou. - Pelo que sei ela é modelo fotográfica, trabalhava em pequenas propagandas até ter sido contratada para o cast de The Black Side, mas ainda não consigo entender como conseguia trabalhar antes disso. - A assistente sorriu com desdém para ela. - Ela não tem altura nenhuma, está bem longe disso, mas se ainda fosse uns quilos mais magra talvez eu até entendesse, só que bem... Olhe bem para ela, é fácil ver o que está errado. Talvez ela devesse procurar alguns médicos cirurgiões para cuidar disso.
As duas riram, divertidas e eu me senti ficar cada vez mais irritado pelo que via e ouvia.
Não acreditei no que estava escutando. Elas realmente estavam falando que não servia para aquilo?
- É, mas ela tem o rosto bonito, sorriso bem desenhado, olhos expressivos, cabelo diferente... - A assistente listou a observando por uns segundos. - Pelo menos isso, né? Temos sorte das fotos não serem de corpo inteiro. Já pensou se as pernas gordas dela aparecem? Se bem que não dá pra ignorar o nariz, esse vai aparecer de qualquer jeito.
- Não precisamos nos preocupar com detalhes. - Olga sorriu. - Afinal, temos excelentes editores de fotos caso essas não fiquem lá essas coisas.
Ambas soltaram um riso.
- Quem sabe da próxima vez você não tenta convencer os outros representantes de contratarem alguma modelo de verdade? Já passou o tempo das amadoras.
- Acredite, eu tentei. Mas ninguém quis ouvir. Agora, bem, vão ter que lidar com isso aí só porque está numa séria famosa.
Não fiquei ali esperando ouvir o resto. Escutar o riso daquelas duas estava sendo enojante. Que mulheres filhas da puta! Baixas demais, se achando melhores que qualquer um! Capazes de julgar sem nem conhecerem a pessoa que estava na frente delas.
Andei em direção a mesa de joias, a passos largos, onde trocava mais uma vez os acessórios para outra remessa de fotos. Eu tentava não parecer um desesperado, ainda que tivesse certeza de que estava falhando em tal tentativa.
Quando já estava próximo o suficiente, segurei em seu braço e murmurei só para que ela ouvisse:
- Vamos embora.
- Quê? Tá maluco? - Ela juntou as sobrancelhas, me encarando, ao passo em que uma garota passava mais fixador em seu cabelo.
- Esse lugar e essas pessoas... - Percebi que a tal Olga me lançava um olhar assassino do outro lado do ambiente. Foda-se ela. - Vamos embora.
- Não estou te entendendo, .
- É só que... - As palavras simplesmente me faltaram. O que e diria? Ah, nada demais. Só queria dizer que a amável Olga é uma filha da puta de uma invejosa reprimida que está te criticando com a ajuda da filha da puta nº 2, vulgo, a idiota da assistente sem opinião própria, que está praticamente na sua frente, falando como se você não fosse ninguém.
me estudou por um momento e eu quase pude dizer que a sombra de um entendimento tinha passado por sua face, mas então a chamaram para que continuasse com o trabalho e ela me olhou com uma serenidade que não se encaixava ali, e então suspirou.
- Depois nós conversamos, ok? - Seu tom de voz era suave. - Pode esperar no carro se quiser, não falta muito para acabar aqui.
Eu ia contestar, talvez até deixar alguns xingamentos rudes escaparem, mas então Olga e seu sorriso mais falso que nota de três libras apareceu ao nosso lado.
- Algum problema aqui? - Com certeza, você é primeiro problema da lista. Sua assistente ridícula é o segundo, respondi mentalmente.
- Não, nenhum. - tratou de falar e trocou olhares entre eu e a mulher. - só estava dizendo que ia esperar lá fora.
- Ah, certo. - A mulher não pareceu muito convencida. - Bom, acho melhor você voltar às fotos, querida.
- Sim, pode deixar. - sorriu para ela e me dirigiu um ultimo olhar significativo antes de voltar para onde o fotógrafo a aguardava.
Decididamente eu não conseguiria ficar olhando para ninguém ali sem querer mandar todo mundo tomar no cu. Por isso apenas virei as costas e sai do estúdio a passos largos para esperar do lado de fora, como mesma tinha sugerido, mas não sem antes sorrir cinicamente para a Olga e deixar escapar de uma forma indireta que talvez só ela entendesse:
- Foi um prazer conhecê-la, Olga. - Ela abriu aquela expressão ensaiada que já estava revirando meu estômago. - Ver seu sorriso contagiante foi o ponto alto dessa noite! Mas se quer uma dica, talvez devesse esperar até não ter ninguém por perto para dizer o que realmente pensa. Ou melhor, pode procurar a pessoa e dizer pessoalmente a ela! Falar pelas costas não é muito bom. - Sua expressão foi se desmanchando numa careta. - Você sabe, isso não é nem um pouco profissional. - Eu a olhei de cima baixo com desdém, da mesma forma que ela fizera com . - Bem, acho que nos dois sabemos do que estou falando. Agora se me da licença... talvez eu devesse fumar um baseado, o que acha? Tenha uma boa noite, senhora Flatcher. Espero que estejamos entendidos.
Tentei parecer desinteressado e calmo enquanto deixava o estúdio, mas eu quase podia dizer que estava batendo tão forte o pé contra o chão que o barulho estava alto o suficiente para reverberar pelo ambiente e chamar a atenção de todos por um instante. De qualquer forma não liguei para isso.
Sentir a brisa gélida contra o meu rosto e saber que estava longe daquela gente me deu um alívio profundo, como se antes eu estivesse sendo sufocado e agora estivesse livre.
Procurei o maço de cigarros em meu bolso e tratei logo de acender um, tragando-o em seguida sabendo que a nicotina me traria a paz momentânea que eu precisava, enquanto esperava escorado em meu carro por muitos longos minutos que se arrastariam como uma tartaruga até que aparecesse finalmente.
Mas pelo menos agora minha mente estava vazia.
's POV
Assim que saí porta afora o vento frio me atingiu e logo tratei de apertar meus braços contra o corpo numa tentativa de aumentar ou ao menos manter minha temperatura.
Avistei um pouco a frente, escorado em nosso carro alugado com um cigarro na boca e as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta, me encarando fixamente. Soltei um suspiro e caminhei em sua direção.
Eu meio que sabia porque ele estava todo irritado vários minutos antes lá no estúdio. Era um tanto óbvio. Eu percebi que Olga não tinha ficado nem um pouquinho animada com a presença dele ali, e percebi também que ela não estava sabendo disfarçar isso nem um pouco durante o tempo em que havia ficado por lá.
Resultado: tínhamos um , que de idiota não tinha nada, irritado por claramente saber que não era lá muito bem-vindo; mais uma Olga que não era nem de longe a definição de gentileza, fingindo ser (muito mal) um amor de pessoa que me deixava até com estômago embrulhado.
- Hey. - Disse assim que já estava perto o suficiente para que ele me ouvisse.
soltou a fumaça do cigarro sem tirar os olhos de mim e depois pisou no que sobrava do mesmo, o apagando.
- Como foi? - Perguntou não realmente interessado, mas talvez por educação.
- Bem. - Dei de ombros. - O clima não foi um dos melhores depois que você deixou a Olga com cara de taxo no meio de todo mundo, mas as fotos ficaram boas.
soltou um riso seco antes de se desencostar do carro.
- Essa mulher é uma hipócrita.
- O que você disse para ela? - Quis saber numa súbita vontade de entender realmente o que eu perdi.
- Que se ela quisesse ser profissional de verdade devia tomar cuidado com o que fala.
Dei um sorriso de canto.
- Ela ficou desconsertada depois que você saiu. - Falei. - Acho que não esperava isso vindo de você.
nada disse quando me observou por mais um tempo. Deu a volta no carro e entrou no mesmo o ligando logo em seguida. Ok, o humor dele não era um dos melhores, eu sabia disso. Sem muita escolha fiz o mesmo, permanecendo calada, tentando decidir o que fazer em seguida.
Acontece que silêncio nunca foi algo que me agradou, principalmente quando havia algo errado e eu sabia que a situação podia ser revertida de alguma forma.
- Escuta, . - Mordi o lábio inferior enquanto escolhia as palavras. - Sei que você deve estar chateado pelo que escutou elas falando de você, mas...
- Acha mesmo que estou irritado pelo que falaram de mim? - Ele me interrompeu de súbito.
- E não está?
soltou um riso seco e manteve os olhos na estrada ainda sorrindo sarcástico, quando disse me surpreendendo:
- Estou irritado pelo que disseram sobre você, Ruivinha. - Se fosse possível, eu diria que meu queixo teria encontrado o chão.
- Do que exatamente você está falando?
- , eu estou pouco me fodendo para o que as pessoas pensam de mim. - Sua rispidez exagerada me fez juntar as sobrancelhas. - Mas o que elas falaram de você... Elas nem te conhecem! Pareciam estar avaliando um objeto e não uma pessoa.
Enquanto eu absorvia as palavras, acabei formando um pequeno sorriso em minha boca. me olhou pelo cantos dos olhos e pareceu intrigado com isso.
- Por que este sorrindo? – Perguntou, seu tom de voz já não tão mais ríspido.
- Nada. – Respondi. Ele se importa comigo, uma vozinha disse em minha cabeça, mas logo a afastei. - , eu estou acostumada com isso. - Seus olhos se desviaram rapidamente da rua para mim. - Acha que são só elogios nas agências? Sempre tem alguém para dizer que poderia ser diferente, "melhor". - Usei os dedos para fazer aspas. - E é por isso que usam o Photoshop. Lá eles conseguem fazer você ser tudo o que não é.
- , aquela Olga, ela...
- Disse que eu era baixinha demais? Que deveria ser mais magra? Que não tinha experiência? Talvez que devesse fazer alguma plástica? - Dessa vez ele não me olhou. - Eu sei, ela deixou isso implícito enquanto conversava comigo naquela sala onde me arrumaram. Mas eu me fiz de burra, como ela mesma esperava, sabe por quê? Porque eu convivo com pessoas assim a minha vida toda. E você também.
soltou um suspiro longo.
- Não gosto de gente como essa que...
- Julga sem mais nem menos? Bem vindo à sociedade do século XXI, onde a perfeição é o mais importante para a mídia, e não que você é de verdade.
- Eu sei, . - Ele disse por fim. - Eu sei.
O resto do caminho foi preenchido pela música qualquer que tocava na rádio.
Eu havia ficado surpresa sim por sua atitude inesperada de se preocupar pelo que os outros estavam falando de mim pelas costas, ainda tentava entender porque ele havia agido de tal forma, e por mais chateada que eu estivesse com a situação, não podia deixar que isso tomasse conta dos meus pensamentos.
Eu lidava com críticas negativas desde que tinha feito meu primeiro trabalho. Lembro-me de ter tirado as medidas e logo em seguida ter recebido olhares tortos do homem da agência. "Você precisa perder 3 cm de cintura. 64 cm é muito!", ele disse. Perdi a conta de quantos trabalhos perdi por ser baixa demais ou estar fora das medidas sugeridas. Mas eu aprendi a lidar com todos os inconvenientes.
Com o tempo passei a usar meus diferenciais a meu favor ao invés de tentar mudá-los apenas para me encaixar nos padrões e conceitos pré exigidos por muitos. Para ser modelo não era preciso passar o dia a base de água, comendo um pedacinho insignificante de queijo apenas quando sentisse que estava a ponto de desmaiar só para manter o peso "ideal". Desenvolver qualquer doença como anorexia e bulimia estava totalmente fora de cogitação. Bastava manter uma dieta balanceada junto a uma rotina de exercícios físicos regulares. Mesmo não sendo modelo de passarela, era necessário.
Eu sabia disso porque vivia isso, e sentia nojo do que a indústria fazia as garotas e garotos passarem apenas para entrarem no que eles definiam ser o padrão da beleza. Mas eu não ligava. Se eu tinha uma essência própria, algo que fosse só e absolutamente meu, não deixaria que pessoas como essas me fizessem mudar por simplesmente entrar numa espécie de padronização. Ter um diferencial é tudo. Para eles talvez não, mas para mim é.
Depois de deixarmos o carro previamente alugado no lugar onde havia sugerido horas antes, seguimos os dois quarteirões até o hotel andando pelas já vazias ruas de Bradford, iluminadas apenas pelos postes e pela lua que se escondiam atrás de algumas nuvens um tanto espessas.
Havíamos visto um paparazzi um pouco atrás de nós, mas não mostramos real interesse pelo cara. Não faríamos alvoroço por causa disso. Pelo menos não estávamos sozinhos na rua.
- Gostou das fotos apesar de tudo? - perguntou numa tentativa de puxar assunto.
- Gostei sim. - Sorri um pouco. - O fotógrafo era ótimo, me senti bem confortável com ele.
- Isso é bom.
- É sim. - Concordei apertando o tecido do kimono contra meu corpo. A noite parecia estar cada vez mais fria. - Ele ainda deixou que eu visse o resultado e gostei da pré seleção que fizeram.
- Eu vi as primeiras fotos que tirou, estavam ótimas. - Eu sorri um pouco envergonhada.
- Obrigada.
Ele sorriu de canto sem me olhar.
Continuamos a caminhada, nossos passos ecoando pela rua deserta, o vento gélido de antes pareceu ficar ainda mais frio. Caramba, a temperatura estava caindo drasticamente e o hotel parecia não chegar nunca!
- Está com frio? - me observou enquanto eu passava as mãos sem parar por meus braços numa tentativa frustrada de me manter quente.
- Nada insuportável. - Dei de ombros tentando me convencer disso. Frio é algo totalmente (ou não) psicológico.
Imediatamente tirou a jaqueta que usava e a estendeu para mim.
- Veste.
- Não precisa, eu tô bem...
- Sua boca está ficando roxa. - Ele observou sério sem diminuir o passo de nossa caminhada. - Veste a jaqueta.
- Mas você vai ficar sem e...
- Só veste, .
Um pouco contrariada vesti assim mesmo, sentindo-me aquecida quase que instantaneamente. não pareceu se importar com frio, na verdade parecia até bem confortável assim.
Não muito depois já entravamos no hotel e seguíamos até o andar dos nossos quartos.
Ainda no elevador se virou para mim depois de procurar algo em seu bolso e me estendeu com a mão fechada. Juntei as sobrancelhas, confusa, e então ela virou a palma para cima e mostrou que segurava entre os dedos a minha pulseira. Não se passaram dois segundos para que eu a recolhesse.
- Obrigada! - Observei o objeto por um instante. - Eu achei que já tivesse pegado ela.
- Gostei dos pingentes. - Ele me disse sorrindo e eu deixei os meus olhos caírem sobre o acessório em minha mão. Tinha tanta história ali.
- Conseguiu entender eles? - Brinquei.
- Não todos. – Admitiu me olhando. - Acho que você teria que me contar algumas coisas para que eu pudesse entender de fato.
- Quem sabe eu faça isso depois que você me contar sua história?
Houve uma rápida troca de olhares e então a porta do elevador se abriu, salvando de me dar alguma resposta. Ele não faria isso hoje, já estava óbvio o suficiente.
Ambos saímos para o corredor e eu tratei logo de colocar a pulseira no meu pulso antes que perdesse algum pingente por aí. Acontece que atrapalhada do jeito que sempre fui, me embolei toda com o fecho, arrancando alguns risos de ao meu lado.
- Deixa que eu coloco. - Ele falou entre um riso e outro me fazendo soltar algumas risadas envergonhadas por isso.
Ele precisou das duas mãos para conseguir fechar a pulseira e um pouco de paciência, mas finalmente conseguiu deixá-la certinha em meu pulso. Por fim segurou em meu ante braço e o levantou na altura dos meus olhos, mostrando o que havia feito.
- Pronto, Ruivinha. Não foi tão difícil, foi?
- Aí estão vocês! - e eu viramos a cabeça em direção a voz, intrigados, e acabamos por nós deparar com cinco pessoas nos observando. - Estávamos batendo na porta dos quartos e ninguém atendia!
- Oi, Vic.
a cumprimentou, mas meus olhos estavam presos em outra figura, não nela.
estava ao lado de Vivka, uns passos atrás, me encarando fixamente, não parecia exatamente feliz, na verdade estava bem sério. Percebi, tarde demais, que talvez existisse motivo para sua inexpressividade. Quando me viu chegar, e eu tenho quase certeza que viu, eu estava aos risos com , ele prendendo minha pulseira em meu pulso, mas que de longe parecia segurar minha mão. Eu usando sua jaqueta e ambos chegando juntos ao hotel depois da meia noite. O que ele pensaria? Coisa boa não seria.
- Chegaram faz tempo? - Puxei gentilmente meu antebraço do aperto leve da mão de sem chamar a atenção.
- Não muito. - respondeu animado, sorrindo abertamente. - Fechamos o lugar!
- Parece ter sido divertido. - Sorri de volta para ele.
- E foi. - disse. - Viemos contar as palhaçadas pra vocês achando que estavam mofando no quarto ainda, mas acho que nós enganamos... - Deixou a frase no ar e seu olhar passou entre eu e de forma sugestiva.
- Eu tinha uma sessão de fotos com a Pandora. - Comecei a explicar. - Resolvi chamar antes que ele queimasse todos os neurônios do cérebro sozinho no quarto.
pelo menos riu da minha piada ruim.
- Sério? E como foram as fotos? - perguntou parecendo um pouco interessado.
- Foram divertidas. - Sorri, mas não recebi o mesmo gesto de volta.
- Ah, amiga! - Victoria caminhou até mim. - Eu quero saber tudinho!
Essa pareceu ser a deixa para os garotos se retirarem.
Enquanto Victoria me puxava para seu quarto, um a um eles foram se despedindo e entrando em seus devidos quartos. nos lançou um ultimo olhar enquanto deixava o corredor, e eu mais que rápido tirei sua jaqueta e estiquei o braço a devolvendo, sentindo imediatamente seu perfume que agora além e estar em sua jaqueta, estava em mim também. Murmurei um agradecimento bem baixinho. Ele sorriu e eu devolvi o sorriso.
não pareceu exatamente feliz, mas poxa, o cara tinha me salvado se uma quase hipotermia!
Victoria ainda falava sem parar quando murmurou algo meio incompreensível que eu entendi ser um boa noite e fechou a porta do seu quarto.
Nós duas então deixamos o corredor em seguida, conversando e rindo feito idiotas até cedo do dia. Mas por algum motivo eu não me sentia exatamente bem. Acho que me sentia incomodada pela forma que me olhara. Mas ainda assim, o que eu poderia fazer? Não tinha feito nada de errado.
Nos dias que seguiram ele também não pareceu muito contente, sempre que me via, parecia ficar repentinamente inexpressivo. E como já era de se esperar, eu não tive coragem de perguntar nada sobre isso.
Por que agir assim?
A pergunta sobre isso rondou minha mente até o dia de volta para Londres não muito depois do ocorrido. No ônibus estava um clima meio esquisito, camuflado por piadas e brincadeiras.
Já no meu apartamento, me sentei no sofá e tentei relaxar, esquecer tudo por um instante, mesmo sabendo que não poderia ficar ali por muito tempo, eu ainda tinha muito o que fazer. Mas indo totalmente contra meus planejamentos a campainha tocou. Seria normal se eu estivesse esperando alguém, mas não estava.
Imaginando que fosse algum vizinho querendo um pouco de farinha ou açúcar, não olhei pelo olho mágico, e isso fez com que eu tivesse a maior e melhor surpresa que eu sequer podia esperar.
A garota loira e alta sorriu para mim abertamente, com os olhos castanhos brilhando ainda mais que o normal.
- ? - Um sorriso crescia em meu rosto e meu coração começou a palpitar mais rápido.
- Será que tem espaço aqui nesse apartamento para uma velha amiga ficar permanentemente?
Capítulo 21 - “Say something
I’m giving upon you”
’s POV
's POV
Eu pisquei três vezes, desacreditada, antes de dizer qualquer coisa. Achava que o cansaço era tão grande que estava começando a ouvir e ver coisas que na verdade não se passavam da minha imaginação fértil.
Entretanto, indo contra ao que eu estava quase certa ser, começou a me cutucar numa clara espera impaciente de resposta.
- Tá brincando? - Minha voz saiu quase como um grasnado.
- Eu pareço estar brincando? - Minha amiga segurou a mala pela alça a levantando apenas o suficiente para dar ênfase ao que havia dito.
Sem mais explicações, simplesmente começamos rir descontroladamente a fazer um tipo de dança desengonçada como era hábito nos velhos tempos. Eu a puxei para dentro de casa sorrindo tanto que minhas bochechas até doíam. Mas isso de fato não importava, de repente eu me sentia tão elétrica e energética, como se estivesse ligada nos 220 volts.
- Você está aqui! Está aqui mesmo!
- É, estou!
- Ai meu Deus! – Eu disse com minha voz uma oitava acima que o normal. - Como assim? Me explica isso, sua louca!
- Eu trabalho em Londres agora. – respondeu ainda sorrindo. - Preciso de um lugar pra ficar e imaginei que minha melhor amiga não fosse me recusar uma cama, mas se esse for o caso não tem problema, posso ver outro lugar ou...
- Ah, cala a boca! - Eu a interrompi. - Acha mesmo que vou te expulsar daqui? Nem ferrando! Jamais.
gargalhou e de imediato me abraçou forte. Eu retribui o gesto na mesma intensidade, ainda assimilando o que estava acontecendo. Ela me agradecia baixinho, mas não precisava nem de longe dizer alguma coisa. Sei que ela faria o mesmo por mim em qualquer circunstância.
- Quero saber de tudo! - Falei quando alcançamos o sofá com uma súbita felicidade que crescia mais e mais em meu peito. - Como? Por quê? Anda, quero detalhes!
Ela riu abraçando as pernas para perto do corpo.
- É, acho que essa história vai te esclarecer muita coisa. – Ela fez uma pausa e seu sorriso desapareceu de súbito. - Lembra quando há um tempo eu disse a você que as coisas estavam um tanto complicadas lá na agência? Esse complicado era porque eles estavam demitindo algumas pessoas para cortar gastos e contratando novos para diminuírem o salário relativamente.
- Você foi demitida? - Arregalei os olhos em descrença. é uma das pessoas mais esforçadas que eu conheço, faz da frase "se é pra fazer, então faça direito" como lema da sua vida. Isso não estava certo, definitivamente.
- Espera eu terminar! - Ela balançou as mãos no ar, come se me mandasse calar a boca. - Então Helena apareceu. E não me venha fazer cara feia! Eu comecei a treiná-la para o mesmo cargo que eu, e como não sou burra nem nada, imaginei que seria a próxima a sair de lá. Esperei que isso acontecesse para conseguir os benefícios, claro. E naturalmente eu não estaria aqui se não fosse isso.
- Então Helena não era sua amiga? - Juntei as sobrancelhas.
- Ela é minha amiga, . - Revirou os olhos claramente incomodada e eu me segurei para não fazer o mesmo. – Não acredito que de tudo o que eu disse isso foi o que te interessou.
- Ué.
Ela bufou, mas resolveu deixar isso de lado e continuar:
- Depois que fui despedida comecei a distribuir meu currículo para outras agências dentro e fora de Brighton. Foi quando me mandaram duas respostas daqui, de Londres, dizendo que eu estava sendo chamada para a entrevista, pois além daquilo que eu os havia enviado, eles haviam recebido ótimas recomendações minhas também. E bom, agora o resto você já sabe: aqui estou.
- Recomendações? - Inclinei levemente a cabeça para o lado. - Acha que o chefe fez isso?
- Bem provável. - Ela confirmou. - Ele havia conversado comigo antes da minha saída. Eles estão fazendo troca geral de funcionários porque a agência foi comprada por uma empresa de publicidade e propaganda, algo assim. De certa forma, faz sentido para mim.
Eu concordei de leve, na verdade ainda encaixando alguns pontos na minha cabeça.
- Tá, mas e quando serão essas tais entrevistas? - Minha amiga puxou o celular de dentro do bolso de sua calça e retorceu os lábios em uma careta divertida.
- Olha só, eu tenho duas horas para ficar incrivelmente apresentável e profissional.
Eu a encarei com o mais próximo de descrença que consegui. Por que ela ainda estava parada lá?!
- Então é melhor você levantar essa sua bundona do sofá e correr para o banheiro! - Ela soltou uma risada . – Se vai ficar mesmo na minha casa, então precisa ter uma ocupação! Ou acha que vou ficar tomando conta de você o tempo todo? Palhaça. Levanta daí que vou tratar de chamar um taxi pra você.
- Você precisa urgentemente aprender a dirigir. – reclamou enquanto levantava. - Aposto que já deve ter o número de todos os taxistas salvos no seu celular.
Revirei os olhos.
- Pois saiba que estou cuidando disso. - Ela me olhou com desdém. - É verdade! Logo vou estar dirigindo.
- Com carteira de motorista?
- Não força, querida.
- Foi o que pensei.
- Só vai se arrumar! - Gesticulei as mãos num gesto de pouco caso, sabendo o quanto ela se irritava com isso.
Me olhando feio com a cara fechada, fingindo estar realmente irritada, ela saiu da sala rumo ao banheiro me deixando ali, tão feliz que eu era incapaz de tirar o sorriso do rosto enquanto ainda absorvia a ideia de que agora ela estaria comigo sempre, no sentido literal da palavra.
E eu não podia me sentir melhor do que agora.
Bom, se era assim então era melhor eu colocar ela por dentro do que aconteceu nos últimos dias.
Querido diário...
Só pra registrar bem registrado: mora comigo de hoje em diante até só Deus sabe quando e eu estou surtando no melhor sentido da palavra! Quem poderia dizer que isso um dia aconteceria? Pois é, nem mesmo meu cérebro maluco.
Eu simplesmente estou vivendo o sonho de qualquer garota adolescente dividindo o apartamento com minha melhor amiga, morando numa cidade incrível, enquanto realizo meu sonho cada dia um pouco mais! Sem dúvida isso é mais do que eu poderia sequer pedir.
Simplesmente a ficha ainda não caiu. Estou perplexa escrevendo nessa folha coisas que talvez nem façam assim muito sentido, só que não estou conseguindo evitar toda a mistura maluca de sensações que recebi com essa surpresa.
Sinto que isso merece algum tipo de comemoração. Do tipo adolescente, algo que envolva muito açúcar! Ah, como eu amo açúcar...
É, parece que tenho muito que fazer e preparar (tipo ir ao mercado comprar vários chocolates de doces finni) para hoje! E mesmo que antes eu tivesse uma lista de atividades, acho que deixar o trabalho e a academia de lado por um dia não vai fazer mal a ninguém, certo?
Ah, dane-se. Não quero nem saber! Minha melhor amiga está me esperando.
Com amor,
- !
gritou do banheiro e o diário e a caneta que estavam em minha mão dançaram em meu braço por uns segundos, quase caindo no chão, por causa do susto. Corri para o banheiro o mais rápido que pude e abri a porta apenas o suficiente para que pudesse enfiar minha cabeça por aquele vão.
- O que aconteceu? - Um milhão de possibilidades começaram a passar por minha cabeça. Ela podia ter caído, escorregado, se cortado com a gilete, afundado o pé no ralo, ter xampu nos olhos ou sabe-se lá o que mais! Mas então ela abriu uma parte do boxe e seu rosto apareceu ali, com um sorriso mostrando todos os dentes, mas que não chegava aos olhos. Em outras palavras, ela queria alguma coisa.
- Eu esqueci minha toalha, pode pegar ela pra mim? - Reprimi um xingamento enquanto a fuzilava com os olhos.
- Eu pensei que você tivesse se machucado! - Minha voz saiu mais aguda do que eu estava planejando, mas acabei não ligando. - Achei que era caso de vida ou morte!
- Mas é um caso de vida ou morte. – Ela respondeu. - Ou você prefere que eu ande pelada por aí?
Eu lhe lancei um olhar de desdém. Pelo amor de Deus!
- Não que eu já não tenha visto o que tem aí, mas prefiro ficar sem nudes seu. - Resmunguei. - Vou pegar a toalha pra você.
- Ah, muito obrigada, sua linda! - Ela fechou o boxe, passando a ignorar minha presença enquanto voltava a sua cantoria desafinada e eu não reprimi a vontade de revirar os olhos uma última vez.
Voltei ao quarto e peguei uma toalha limpa dentro do armário que agora seria dela e quando fazia o caminho de volta até o banheiro, interrompi minha caminhada para ir até meu celular que tocava alto e estridente. Peguei o aparelho e arqueei uma sobrancelha enquanto deixava um dos cantos dos meus lábios subir num quase sorriso. Logo eu já atendia a ligação:
- Isso não é normal seu. – Afirmei assim que deslizei o dedo sobre a tela.
- Muito engraçada, Ruivinha. – resmungou. – Está ocupada?
Seu tom estava anormalmente sério. Parecia mal humorado (o que de certa forma não era novidade. Ele era mal humorado em 99,99% do tempo). Entretanto, por alguma razão aquele detalhe me incomodou.
- Hm, não exatamente. – Espiei a porta do banheiro e parecia bastante ocupada cantando, então realmente achei que não tivesse problema continuar a conversa, despreocupada. – Em que posso lhe ser útil?
Eu esperei que ele me dissesse algo, mas tudo que recebi em resposta foi o silêncio. andava muito silencioso ultimamente. E isso definitivamente não parecia boa coisa.
- , aconteceu alguma coisa? – Perguntei com cautela. A última coisa que eu queria era ser xingada por minha insistência.
- Está em casa?
- Sim.
- Passo aí em meia hora. – E desligou o telefone, me deixando com cara de paisagem plantada no meio do meu quarto sem entender nada em absoluto.
Ele viria aqui? Pra quê? Por quê?
Devo ter ficado ali parada por mais tempo do que devia totalmente absorta, pois a voz de minha amiga me tirou do transe repentino:
- , EU VOU COMEÇAR A DESFILAR MEU CORPO SEXY E NU POR SEU APÊ!
Como a última coisa que eu precisava era alguém andando do jeito que veio ao mundo pela minha casa, voltei a realidade e corri de volta ao lugar onde devia ter ido já fazia um tempo.
Bati duas vezes na porta antes de entrar no banheiro e jogar a toalha por cima do boxe até minha amiga pega-la.
- Nossa, que demora toda foi essa? – Reclamou desligando o chuveiro. – Já estava achando que você queria me ver sem roupa.
Eu fiz cara de nojo misturada com uma pontada de indignação.
- Ah, tenha dó, sua esquisita! – Disse a ela. – Para a sua informação, eu estava no telefone. Garanto que te ver pelada não está nos meus planos.
Ela abriu o boxe, já enrolada numa toalha e com outra ao redor de seu cabelo no topo da cabeça. Me olhava como se dissesse "deixa de ser boba!" e então passou por mim em direção ao seu mais novo quarto.
- Tudo o que você tem, eu também tenho. – Ela indicava o corpo com a mão. – Não tem porque esse drama todo.
Soltei o ar pela boca.
- Será que podemos mudar de assunto?
- Mas é claro! – Suspirei aliviada. – Com quem falava?
- Será que podemos mudar de assunto mais uma vez?
- Ah, qual é!? Para de frescura!
fez aquela expressão de birra, incorporando sua criança interior só para me encher a paciência.
- Tá bem, tá bem. – Revirei os olhos. – Com .
Ela sorriu cheia de malícia.
Engraçado como ela podia mudar rápido o comportamento.
- Ah, é? – Ela falou e eu senti minhas bochechas corarem. Isso acontecia todas as vezes que ela me olhava toda sugestiva e cheia de conclusões próprias. – Conte-me mais sobre isso.
- Bem que eu queria, mas sei tanto quanto você. – Falei dando de ombros.
- Mas eu não sei de nada.
- É isso aí.
- Como assim, ?
- Sei lá, ele estava todo estranho e quieto no celular, aí...
- Você quer dizer mais estranho que o normal ou normalmente estranho? – Ela inclinou a cabeça para o lado, como se não tivesse entendido bem.
- Será que pode me deixar falar?
- Como você é chata! – Reclamou falsamente. – Continua.
- Como eu ia dizendo, ele estava estranho. Só perguntou se eu estava ocupada ou fora de casa e falou que estaria aqui em maia hora. Não sei o motivo.
me encarou por uns segundos e então voltou-se para sua atividade anterior: se vestir.
Fiquei por um tempo esperando que ela desse seu veredito.
- Hm... – Minha amiga tirou alguma roupa de dentro da mala, aquela que provavelmente colocaria para a tal entrevista. – E você vai fazer o quê?
- E eu vou lá saber? – Respondi. – Conversar, eu acho. Não sei o que aconteceu.
- Mas se quer conversar, porque não fez isso pelo telefone? – Era uma boa pergunta e a resposta dela também era fácil: eu não sabia.
- Sei lá. – Disse tentando parecer desinteressada. – Talvez seja algo importante.
deu um riso forçado como se eu estivesse dizendo alguma asneira.
- As palavras “Zayn Malik” e “algo importante” soam estranhas juntas. – Ela começou a se vestir. – De qualquer forma, por que você?
- O que quer dizer?
- Ele tem amigos, não tem? – Ela explicou melhor. – Se é algo realmente importante, por que falar com você e não com um amigo dele?
Eu a encarei por um momento, esperando que ela soltasse uma risada por notar minha seriedade, onde diria em seguida que era uma brincadeira para me provocar. Infelizmente tudo o que ela fez foi espalhar sua roupa pela cama e me olhar com expectativa em busca de uma resposta, mantendo completamente sua postura anterior.
- Nossa, muito obrigada. – Respondi não muito feliz.
- O que foi? – Ela juntou as sobrancelhas.
- Esquece. – Falei me virando para a porta. – Só termina de se arrumar.
Saí dali sem esperar por alguma palavra. O fato dela insinuar, mesmo que de forma talvez não proposital, que eu não era amiga de para ele vir conversar comigo enquanto tinha um monte de outras pessoas ao lado dele, me deixava chateada. Eu só não entendia muito bem porque talvez pensasse dessa forma.
Saber que ele estava vindo aqui, quem sabe até para pedir ajuda em alguma coisa, tinha me deixado animada. Eu queria muito que ele confiasse em mim, porque assim eu saberia que não tinha feito errado em confiar nele.
Me dirigi até a sala onde me sentei no sofá da forma mais confortável que consegui pelos próximos vários minutos enquanto esperei se arrumar ou aparecer. Basicamente, eu estava esperando pelo que viesse primeiro.
Não muito depois minha amiga apareceu vestida com um salto e um belo vestido sem mangas, estampado com cores sóbrias, não muito acima dos joelhos. Sua maquiagem era simples, sem chamar a atenção. Apenas uma bela base na pele, rímel e um batom nude, provavelmente não querendo parecer artificial. Seu cabelo, como sempre, estava impecavelmente penteado e brilhante solto e caindo por suas costas. Ela carregava um casaco junto da bolsa. Estava realmente bonita.
- Está bom assim? – Ela perguntou com um sorriso de canto.
Eu concordei balançando a cabeça, sorrindo.
- Mais que bom. Você está linda!
- Que bom que acha isso! – Ela abriu o sorriso. – Obrigada.
- Que nada, vou chamar o taxi pra você agora. Não pode se atrasar! – Fui logo dizendo já ficando de pé e indo buscar o celular. – Ah, e já vou avisando que precisamos sair para comemorar! Nós morando juntas agora, é o início de altas histórias e precisamos começar com estilo.
- Ah, , não precisa... - Ela gargalhou concordando, mesmo que tivesse dito o contrário. Se ela não fosse quem eu sei que é, até teria estranhado suas bochechas vermelhas.
- Desde quando você recusa uma saída com as amigas? – Questionei apenas para irrita-la. – Vou ligar para Vicka e dizer as novidades! Algum lugar que queira visitar primeiro?
- Bem, na verdade... – A campainha tocou nos interrompendo de súbito.
Imaginei logo que fosse algum vizinho querendo uma xícara de açúcar ou farinha, vai saber. Isso porque as pessoas que eu havia liberado a entrada na portaria não viriam sem antes avisar, eu tinha certeza. Além do fato de todos estarem ocupados demais para simplesmente aparecerem em minha porta.
Exceto . Ela gostava de uma entrada dramática.
- Não saia daí. - Tentei soar séria, mas acabei sorrindo. - Como se você fosse a algum lugar com suas próprias pernas sem nem conhecer nada.
Mas não acompanhou meu riso. Ela me olhou e balançou a cabeça para os lados, negando como se dissesse "desculpa" e eu não entendi porque, então abri a porta, e aí que a incógnita ocupou minha mente.
- ?
- E aí, ? - Ele sorriu para mim e escorou no batente da porta. - Tudo bem?
vestia uma camiseta branca com mangas longas vermelhas, calças jeans preta e tênis vans. Nada de especial, mas por alguma razão, essa simplicidade realçava sua beleza. Estava com a barba por fazer e algumas mechas do seu cabelo caiam sobre seus olhos, essas que ele logo tratou de colocar para o lado.
Eu o encarei perplexa. Quase respondi qualquer coisa que não concordasse com sua pergunta anterior. Entretanto eu não queria ser rude e falar algo que soasse errado, mas sinceramente, o que ele estava fazendo aqui?
Pigarreei torcendo para não estar fazendo nenhuma careta.
- Como você está? - Forcei meu desentendimento a ficar de lado e sorri.
- Eu tô bem, valeu. – Ele sorriu também. – A já está pronta?
De repente fiquei sem o que dizer. Uma avalanche de perguntas recaiu sobre mim. Como ele sabia que ela estava aqui? Por que veio atrás dela? Por que ela está atrás de mim sorrindo meio abobada? O que eu perdi por aqui, meu Deus? O quê?
- Hã, sim. - Ri sem graça e dei um passo para o lado, fazendo com que minha amiga se tornasse visível. - . Er... - Apontei dele para ela e dela para ele.
- Oi, . - Ela abriu um sorriso brilhante que mostrava todos os dentes.
- Pronta? - Ele se endireitou, ainda sorrindo, olhando diretamente para ela.
- Claro! – Minha amiga deu um passo a frente, mas eu a segurei delicadamente?
- Pronta pra quê?
- Ele vai me levar até o local da entrevista. – Ela me disse. – E depois vamos sair.
- Ah. Sair.
Foi tudo que consegui dizer, nada mais conseguiria sair da minha boca. Sério, isso não é nem um pouco justo! Onde eu estava quando tudo isso começou a acontecer?
me encarava nos olhos, percebendo minha chateação com toda aquela situação, e tentava transmitir aquele olhar de quem diz "te explico tudo depois". Eu não pude fazer nada senão concordar. Eu até podia estar brava, mas não ia empatar o encontro dela. Mas com certeza me explicaria absolutamente tudo quando nos víssemos de novo. Ah, se ia.
- Eu te ligo mais tarde. – me abraçou rapidamente, numa despedida, e saiu sem demora com ao seu encalço, que me deu um tchau bastante discreto, antes de fechar a porta do meu apartamento.
Voltei para o sofá e me sentei nele, ainda desacreditada, buscando alguma informação perdida ou algum detalhe que deixei escapar. De um segundo para o outro, muita coisa começou a ficar mais clara na minha cabeça.
Imediatamente me lembrei de quando fomos àquela balada junto aos garotos do One Direction e ficou de conversa com o . A mesma coisa aconteceu quando ela veio assistir a gravação daquela maldita cena de The Black Side. Misteriosamente estava lá e os dois ficaram de papo mais uma vez. Coincidência? Tentando me lembrar daquele dia, quando os vi juntos, sinceramente parecia algo bastante inocente. Mas só uma toupeira de carteirinha como eu não teria notado antes toda a proximidade. Agora só faltava ligar os pontos. Os sinais estavam lá o tempo todo.
Naquele jogo inútil "eu nunca" (que eu odiava com todas as forças) de poucas semanas atrás, eu me lembro de em uma rodada (não sei qual) onde quase todos beberam porque haviam beijado alguém daquela sala. Lembro também que todos ficaram momentaneamente atônitos pela revelação e que algumas coisas não fizeram sentido na hora, porém como estavam todos meio altos nem paramos para insistir no assunto. Agora, entretanto, sim, fazia total sentido para mim.
Se todos menos tinham beijado alguém dali, só poderia ter beijado um dos outros quatro garotos, já que seu irmão estava fora de cogitação. Mas era fácil saber que ela nunca ficaria com sabendo que eu e ele estávamos saindo. Nem com , já que dizia o odiar profundamente. Então sobrava e .
Mas depois do que acabei de presenciar e de todos os fatos recapitulados anteriormente, eu apostava todas as minhas fichas em .
O que por um lado podia ser esclarecedor, também podia estar quase tirando parte da minha sanidade, pois mesmo depois de tal descoberta, ainda sobrava Victoria. Admito que tenho minhas suspeitas, mas sinceramente, tudo isso só me fazia chegar a um ponto: eu realmente precisa ter um papo calcinha urgente com minhas amigas.
Olhei para o relógio mais uma vez e tamborilei os dedos da minha mão contra minha perna, impaciente.
Há cerca de 20 minutos havia mandado uma mensagem dizendo que estava chegando, não muito depois de ter deixado o apartamento. Mas quando perguntei onde estava de fato, ele foi tão vago que me deixou inquieta. Parecia até que não tinha certeza para onde estava indo enquanto olhava as placas ou o GPS.
De qualquer forma, eu confiava mais no senso dele de geografia do que no meu. Essa definitivamente não era minha melhor matéria no colégio.
Dessa vez, com o intuito de evitar surpresas e pessoas inesperadas aparecendo na minha casa (eu já tinha tido o suficiente para um dia), liguei para a portaria e pedi que, por favor, ao menos interfonassem avisando quando alguém estivesse subindo. Infelizmente o porteiro não pareceu recordar muito bem do que eu disse, pois a campainha tocou de repente, e eu, distraída como sempre, quase morri de susto.
Assim que abri a porta, preencheu meu campo de visão, e, logo de cara, percebi que ele não estava lá muito bem.
Vê-lo descabelado não parecia certo. era sempre muito vaidoso. Se eu o visse andando na rua do jeito que estava hoje, apostaria que estava de ressaca. Uma ressaca bem forte.
- Então, hm... Você está bem?
Ele não pediu licença e nem respondeu minha pergunta, mas entrou mesmo assim. Não fiquei irritada, porém me incomodei com a forma qual ele começou a me olhar.
- Por que está vestida assim? – perguntou.
Baixei o olhar para minhas roupas e franzi a boca. Eu não via nada de errado em usar um agasalho velho se eu estava em casa fazendo vários nadas, só não parecia ser bem isso que achava.
- Ué, eu estou em casa. – Respondi o óbvio.
- Certo, mas você não vai sair assim, vai?
- Sair? – Pela postura que ele assumiu, foi fácil perceber que isso não era o que ele esperava ouvir.
- Qual é, ! Se eu quisesse ficar em casa tinha ficado na minha.
Bufei e me segurei para não dizer qualquer coisa malcriada. Lembrei a mim mesma que ele devia estar com algum problema e provavelmente seu humor não devia estar um dos melhores (como sempre).
- O que aconteceu, ?
Ele me encarou por um segundo e piscou rapidamente como se afastasse algum pensamento ruim. Sinceramente ele não parecia ele de verdade. Estava um pouco abatido, desanimado, e apesar e tentar não deixar transparecer, não estava tendo muito sucesso em fingir.
- Vamos sair. – disse. – Quero te levar a um lugar.
- Por que você nã...
- Não é nada demais! Só preciso de um tempo. – Ele afirmou enquanto me olhava. – Será que agora você pode se trocar para a gente sair logo daqui?
Soltei o ar com mais força que o planejado.
- Ok. – Confirmei um tanto irritada. – Só espere um pouco aí.
- Não vou a lugar algum, Ruivinha.
Então mesmo contrariada, segui para o meu quarto, decidida a colocar outra roupa e me arrumar o mais breve possível para ir com seja lá para onde quer que ele fosse.
- Para onde estamos indo? – Perguntei não conseguindo mais conter a curiosidade.
Eu não tinha certeza se ele tinha me ouvido através do capacete, mas fiquei atenta mesmo assim.
- Para um dos meus lugares favoritos. - respondeu com a voz abafada em desviar a atenção da rua. Ele dirigia a motocicleta com muita confiança.
Notei que dessa vez, ao contrário da anterior, ele não passava por entre os carros feito um alucinado fugindo dos paparazzi. Na verdade ele estava pilotando bem até demais aquele troço. E apesar de ainda não me sentir confortável naquele negócio, vulgo meio de transporte, esse passeio com toda certeza foi bem menos apavorante que o outro.
Comecei a prestar atenção ao redor procurando me entreter com a paisagem, já que manter um diálogo não parecia uma opção. Conforme seguia com o caminho, eu começava a perceber que nos aproximávamos cada vez mais do centro de Londres. As silhuetas de alguns edifícios iam aparecendo e outras construções iam tomando forma até que por fim estávamos ao lado do rio Tâmisa.
A London Eye se mostrava linda no dia nublado. Sua palidez combinando com o clima encoberto de nuvens cinzas claras. O majestoso parlamento e o Big Ben completavam a vista com toda sua arte, arquitetura e explosão de detalhes. Um toque de dourado aos tons monocromáticos que compunham a paisagem, logo já ficando para trás conforme seguíamos nosso caminho.
Soltei um suspiro longo. Há um tempo talvez eu tivesse hesitado em afirmar, agora, porém, eu sabia bem claramente o quanto eu amava essa ruas e tudo que nelas existia, mesmo que por pouco tempo aqui ou sem nem mesmo ter me dedicado muito a elas. Eu amava esses espaços por completo sem nem conhecê-los direito.
Não muito depois a moto começou a perder velocidade, fazendo uma curva e seguindo alguns metros até estacioná-la em uma das ruas paralelas a que vínhamos. Olhei ao redor e não vi nada muito extraordinário. Antes que eu pudesse chegar a uma conclusão sobre onde estávamos, se adiantou:
- Daqui nós vamos andando. – Ele anunciou um pouco antes de descer, se apressando para me ajudar a fazer o mesmo.
Voltamos até a rua em que antes estávamos e a atravessamos por entre os carros até estar novamente com o Tâmisa ao nosso lado.
Com o tanto de gente ali, turistas andando pela calçada tirando fotos e o tráfego constante de carros e ônibus, eu achei que seria facilmente reconhecido e imediatamente o condenei mentalmente por não estar com anda mais que um boné qualquer na cabeça. Mas para minha surpresa, nada desandou. As pessoas pareciam distraídas o suficiente para não notar nada senão os pontos turísticos ao redor delas. Por isso seguimos em frente, sem perder a cautela, até chegarmos à London Bridge.
Não sabia muito bem porque estávamos ali. Íamos tirar fotos como quaisquer outros gringos? Passear a pé pela capital, andando por entre suas ruas movimentadas até verem que era ? Podiam ser opções, mas gostava de fazer o inesperado às vezes. Como agora.
Enquanto muitos dos tais estrangeiros andavam de um lado para o outro com câmeras nas mãos, fazendo poses e tirando fotografias, resolveu seguir adiante e entrar na ponte. E quando digo entrar na ponte, estou querendo usar o sentido literal da frase: dentro das estruturas.
Tudo bem, pode parecer esquisito, mas essa parte não era estranha de fato. Muita gente costuma ir até lá para visitar a Tower Bridge Experience e passar pela imensa passarela de vidro enquanto viam a história do lugar e ainda apreciavam a vista incrível que o lugar proporcionava.
Estranho mesmo era ele trocar o conforto de casa por toda a grande movimentação de turistas nesse lugar que chegava bem próximo de ser um museu. Desde quando gostava de história? Essa era nova.
Sinceramente não fazia o menor sentido para mim, mas pela forma que estava agindo, não parecia ser tão incomum para ele.
Depois de caminhar um pouco por ali, eu já tinha praticamente concluído que esse era nosso passeio: conhecer a história da construção daquela ponte símbolo, quando de repente começou a ir em direção a uma porta onde se lia claramente em letras garrafais vermelhas "entrada restrita".
- Hã... ? – Eu o chamei quando comecei a duvidar do andamento daquele passeio.
- Fique quieta e aja naturalmente.
- !
Se ele me escutou, fingiu o contrário.
Eu poderia facilmente ter virado as costas e seguido para o lado oposto, mas uma pequena parte de mim, a curiosa, queria muito saber para onde aquilo nos levaria. Claro, tinha um pedacinho querendo usar a razão, ser sensata, coisa e tal, mas uma outra parte, aquela que não gostava de deixar os amigos na mão, decidiu que eu precisava acompanhar o doido do para onde quer que ele estivesse indo. Obviamente eu não lutei contra a vontade e fomos juntos então até a passagem.
Não tinha ninguém guardando aquela entrada, porém o garoto ao meu lado pareceu achar aquilo bastante comum quando a abriu em seguida sem nem precisar de uma chava para destranca-la. Não sei se devia ter me sentido agradecida ou desconfiada. Entretanto, aquilo não importou muito mais depois.
A nossa frente só havia ar e a brisa gélida comuns nas tardes londrinas. Abaixo, uma queda de cerca de 40 metros até o Tâmisa, e acima, o céu de nuvens cinzas, dispersas, deslizando pelo azul escondido e pálido atrás de si.
- Uau. – Foi a única palavra que escapou dos meus lábios. A vista da cidade de Londres se estendendo a nossa frente era de tirar o fôlego.
- Lindo, não é?
Assenti com a cabeça, completamente estática.
deu um sorriso mínimo, sentindo o vento contra seu rosto. Segurou firme em uma das treliças e foi até a beirada daquela plataforma (que devo ressaltar, não era grande coisa).
- Hm, - O tremor em minha voz foi meio impossível de controlar. -, você não está pensando em...
- Pular?
- É.
Ele pareceu ofendido.
- Olha, eu posso ser idiota às vezes, mas também não é pra tanto. – Então ele se sentou, as pernas balançando no vazio. Eu podia não estar confortável (ou batendo bem da cabeça), mas fiz o mesmo.
- É só que... – Dei de ombros, meio atrapalhada. – Bem, eu achei que você tivesse medo de altura.
- E tenho. – Ele pareceu entender meu silêncio como um motivo para continuar falando. - Mas desde que vim aqui filmar o vídeo de Midnight Memories, não sei, a altura aqui não importa, é diferente, é como... – Ele fez uma pequena pausa. – É o lugar onde consigo me sentir mais leve. O que tem embaixo ou deixa de ter não importa.
Por um segundo muito longo eu fiquei o encarando. Sua expressão estava serena, parecia calmo, contudo não indiferente. Eu entendia mais ou menos do que ele estava falando, e achei que exatamente por isso, devia também dizer alguma coisa parecida.
- Eu gosto da praia.
- Quê? - me olhou de relance, não compreendendo.
- Quando preciso pensar ou ficar só, eu gosto de ir a praia. – Expliquei a ele, que esboçou um sorriso não para mim, mas para a paisagem. – O cheiro da água salgada e o barulho das ondas se quebrando próxima aos meus pés me acalmam. Meus problemas parecem menores lá.
continuou olhando o sol ir de encontro ao rio.
- É isso, não é? – Arrisquei. – Está com problemas.
Por mais que não tenha sido uma pergunta de fato, balançou a cabeça em confirmação.
- Eu não sei mais o que fazer, . – Ele subitamente se virou para mim e me olhou fundo nos olhos. Senti que apesar das poucas palavras que ele proferiu, essas na verdade tinham um peso enorme para ele.
Eu nunca fui muito boa em aconselhar ninguém, geralmente esse era o trabalho da . Ela sempre achava as palavras certas. Eu geralmente oferecia meu ombro e deixava que quem quer que fosse falasse até que as palavras se esgotassem. Só que não estava aqui agora, e só ficar quieta escutando não ajudaria em muita coisa. Mas eu precisava fazer algo útil além de olha-lo e por fim de alguma forma, o ajudar. Então talvez eu pelo menos podia começar assim.
- Pode me contar se quiser. – Falei da forma mais suave que consegui. – Independente do que for, a gente pode dar um jeito.
Ele ficou em silêncio.
Abracei minhas pernas junto ao meu corpo e esperei que ele se decidisse afinal em falar alguma coisa. A brisa parecia ficar mais fria, o sol ia descendo no céu, a movimentação diminuindo relativamente nas ruas abaixo de nós e por fim comecei a perguntar se alguém não ia reparar nas duas pessoas, possivelmente suicidas, no alto daquela ponte, mas não pareceu perceber nada disso.
- ... – Ele começou a falar e imediatamente me voltei para ele esperando a bomba. – No dia... No dia do acidente, você disse que estava se sentindo perdida. O que aconteceu antes daquilo?
Eu fiquei decepcionada e ao mesmo tempo muito nervosa e irritada. Com vontade de me levantar, ir embora e deixa-lo ali sozinho. Não sei quando o foco da conversa passou de ser para eu, e admito que fiquei bastante inclinada a dizer coisas como "Não mude de assunto, você quem me chamou aqui!", mas acabei me contendo e soltando um suspiro quase imperceptível antes de dizer:
- Meu ciclo de amigos daquela época não eram as melhores pessoas. Acho que aquele jogo bobo do eu nunca mostrou isso para você e todos os outros.
- Como assim?
- Bem... Eu não queria ser a diferentona, sabe? Minha adolescência, ou pelo menos parte dela, foi um reflexo do que eles achavam legal fazer. Pode parecer clichê, mas o único lugar onde eu podia ser eu mesma era ironicamente no teatro onde eu deveria fingir ser outra pessoa. – Dessa vez, talvez por ser ele em questão que precisava de consolo (e para quê, ainda era um mistério), eu não dei uma de chorona coitadinha. Na verdade a única coisa próxima a emoção que demonstrei foi o timbre um pouco baixo e rouco e também o riso seco que soltei. – As coisas foram assim por muito tempo. Eu já era amiga de , ela fazia parte do grupo, e Ashton também, mas acontece que os dois pareceram perceber que tudo aquilo que fazíamos era o mesmo que cavar a própria cova bem antes de mim.
- Isso não soa bem.
- Não mesmo.
- Quer dizer então que o lance da maconha, da bebida...
- Está tudo interligado. – Confirmei. – Foram coisas idiotas que fiz porque queria fazer parte de um grupo de gente que não tinha nada a ver comigo.
- E por quê?
Dei de ombros por um momento, na verdade pensando numa reposta para aquilo.
- Acho que na minha cabeça, para ser atriz e modelo, para entrar nesse mundo, eu precisava ser popular e descolada. Fazer de tudo e não ter “frescura”, entende? Mas de certa forma era um pensamento errado.
- Então...
Respirei fundo e tentei controlar o turbilhão de sensações que começaram a se formar na minha garganta.
- Na noite do acidente, aconteceu aquele 1% que faltava para tudo transbordar e dar errado.
olhou para o céu acima de si, como se quisesse se concentrar no movimento lento das nuvens enquanto ouvia minha história mais uma vez. Decidi virar minha atenção para o horizonte e continuei:
- Eu havia bebido bastante naquela noite, mais até do que deveria, mas me sentia leve. Não queria parar. me avisou que eu devia ir embora, que ela mesma estava de saída, pois aquele ambiente estava a deixando completamente mal, só que eu não queria deixar a festa sem nem ter me divertido. Então eu a deixei lá e fui encontrar pessoas que não quisessem barrar meus feitos. Entre uma música e outra eu acabei me perdendo do meu namorado.
- Deixe-me adivinhar – me interrompeu. – Ele estava com outra.
Acabei rindo por sua dedução.
- Não foi bem isso, não.
- Essa é nova. Geralmente a coisa é meio óbvia. – Ele comentou e eu balancei levemente a cabeça em negação. – Continue.
- Uma amiga me levou até a piscina, onde ele estava reunido com uma galera. Estavam todos ao redor de uma mesa, não tinha muita gente ali, mas pareciam bem a vontade para fazer ou falar o que bem entendessem. – Precisei parar um pouco e tomar fôlego enquanto as imagens daquela noite se refaziam em minha mente. – Eu me coloquei ao lado do meu namorado e tomei um gole do que ele estava bebendo, tão forte que me deixou subitamente tonta. Ele me puxou pela cintura e me fez sentar em seu colo. Os amigos dele e alguns meus então começaram a oferecer coisas que eu não queria provar. Eu podia estar bêbada, fazer muita coisa que eles faziam também, porém o tanto de drogas espalhadas naquela mesa tinha revirado meu estômago assim que coloquei meus olhos nelas. Era o meu limite.
Eu senti um arrepio subir por minha espinha graças às lembranças. Eu odiava tanto aquela maldita festa, aquela maldita noite. Se eu pudesse escolher e esquecer aquelas 24h eu esqueceria. Faria qualquer coisa para aquilo.
Mas eu sabia que era preciso conviver com a dor. O que foi feito, já estava há muito terminado e nada que eu fizesse agora mudaria alguma coisa referente a aquilo. Pelo menos não mais.
Percebi que me observava atentamente. Eu, por um momento, tinha me distraído tanto que nem havia notado seus olhos sobre mim.
Passei a mão pelas pontas do meu cabelo as enrolando levemente e tentei disfarçar o desconforto que eu apostava estar estampado no meu rosto.
- Quais drogas eram? – Ele perguntou.
- Cocaína, heroína, maconha, muitos cigarros, narguilés. Coisas assim. – Voltei a me concentrar. – Quando recusei e resisti, meu namorado tentou me persuadir. Mas a maneira que ele o fez... – Balancei a cabeça para os lados e fechei os olhos. – Estávamos no meio de tanta gente e ele começou a me tratar como se pudesse fazer qualquer coisa comigo ali, passando a mão pelo meu corpo, beijando meu pescoço e...
A história começava a ficar difícil. O nó na garganta já desfeito começava a dar as caras de novo. Mas eu não choraria. Não por essas pessoas e por tudo aquilo de novo.
- Eu comecei a recobrar o juízo nessa hora, entre um beijo e outro que eu não queria receber. Uma suposta amiga disse que era exatamente para isso que eu precisava daquelas coisas. Para me soltar. Então ela usou uma das drogas colocadas na mesa, não me lembro qual, não sei nem bem a diferença entre elas, então se inclinou e beijou meu namorado. Na minha frente. A trinta centímetros de mim. E ele retribuiu, como se fosse normal. Como se já tivesse feito aquilo. Como se não tivesse nada de errado em repetir o gesto na minha frente, comigo em seu colo. – Mordi o lábio inferior me contendo. – Aquilo foi o basta para mim. Quase surtei quando me levantei para sair dali. E óbvio que eles não gostaram da minha atitude, disseram que eu era “careta” demais. Eu disse o que pensava realmente sobre aquilo tudo e então começaram a me humilhar como eu nunca imaginei. Estavam todos alterados por muita química no organismo, e sinceramente não consigo imaginar uma atitude diferente vindo deles naquele momento. Mas a algazarra que aquela gente fez foi tão grande que todos na festa pararam para ver o que estava acontecendo. Foi quando tudo desandou pra valer.
Eu fiquei tentada a enterrar o rosto entre meus joelhos e terminar a história ali mesmo para que concluísse o fim trágico por si só, mas respirei fundo e esperei alguns segundos, me acalmando, até que conseguisse falar de novo.
- Qual é o nome do babaca? – perguntou e eu soltei um riso fraco. Realmente o cara era um babaca.
- Bradley é o nome dele. – Falei fazendo uma careta. – E Lola era o nome da traíra.
Foi a vez de rir um pouco ao meu lado, mas seu sorriso foi breve e logo desapareceu, sendo substituído novamente por sua inexpressividade.
- O que aconteceu depois?
- Bradley disse que eu não passava de mais uma trouxa atrás de status. Mais uma na interminável lista de garotas que jamais fariam sucesso na mídia. Disse que eu nunca seria nada. – Minha voz começou a tremer. – Em nenhum sentido. Nem para ele. Ainda assumiu que só estava comigo porque achava que eu poderia colocá-lo dentro da indústria. E realmente, eu estava tentando fazer isso mesmo, arrumar uma sessão de fotos para ele. E quando eu conseguisse fazer o que ele queria, então Bradley não teria mais nada comigo.
Precisei fazer uma pequena pausa para respirar fundo.
- Eu... Eu não me segurei quando o ouvi confessar tudo aquilo, dei um tapa em seu rosto. Tão forte que meus dedos ficaram marcados em sua bochecha. E para se vingar ele me empurrou na piscina.
apertou os lábios numa linha fina, como se quisesse falar alguma coisa e não soubesse como dizer. Entretanto ele pareceu em dúvida e por fim decidiu apenas partilhar do silêncio comigo.
Olhe para o Tâmisa, tentando inutilmente ignorar todas as lembranças que teimavam em aparecer nitidamente em meus pensamentos, mas a água que se movimentava 40 metros abaixo de nós não ajudou em nada, porque imediatamente foi como se um filme começasse a passar em minha cabeça exatamente sobre a cena que anteriormente eu tinha contado.
Eu sabia nadar sim, mas estava bêbada, então esse detalhe naquele momento não fazia a menor diferença. Quando cai na água, foi como se minha mente se esvaziasse completamente. A única coisa que eu tinha certeza era do gelo que eu sentia contra a minha pele, mas não consegui identificar o que era de imediato. Demorei a recobrar os sentidos. Só quando tentei respirar e acabei engolindo um monte de líquido que algo voltou a fazer sentido. Por um momento achei que fosse me afogar iminentemente.
Se não fosse um dos garotos que observava a cena, acho que não teria saído daquela piscina respirando.
Algumas pessoas ficaram chocadas quando aquele garoto me tirou da água, quando comecei a tossir compulsivamente até que a sensação do ar entrando nos meus pulmões se assimilasse novamente. Mas não eles, não aqueles que um dia chamei de amigos. Esses disseram abertamente que aquilo tudo não se passava de mais um drama péssimo da minha parte e continuaram rindo e assistindo ao meu desespero.
Eu fui feita em pedaços ali.
Depois do incidente na água, não tive outra reação senão sair da casa correndo aos prantos e ligar para a minha mãe. Se eu soubesse o que aconteceria depois, talvez tivesse ficado debaixo d’água naquela piscina.
Só eu sei como isso me assombra até hoje, e como provavelmente me assombraria pelo resto da vida.
- Ele estava errado, . – interrompeu meus pensamentos.
- Quê?
- Esse filho da puta do Bradley. – Ele explicou, procurando meus olhos com os seus, o que por um momento, me deixou desconcertada. Não era algo de seu costume. – Todos ainda vão ouvir falar de você. Seu nome vai ser uma lenda no hall da fama.
- Não seja besta. – Esbocei um sorriso para ele e desviei o olhar para o por do sol.
- Mas é verdade. – Ele insistiu. – Você é uma das pessoas mais talentosas que conheço, e acredite em mim quando digo, conheço muita gente. Você vai provar para esse idiota que vai ser muito mais do que um dia ele sequer chegou a cogitar. Imagino até que ele já esteja percebendo isso, porque afinal, só de você estar aqui, já prova o quão errado Bradley estava ao seu respeito.
Eu voltei a olha-lo imediatamente, surpresa por ser quem me consolava agora. Não estávamos aqui para fazer justamente o contrário? Ouvi-lo dizer tais coisas fez meu peito se aquecer e os pensamentos ruins que antes me rondavam, começarem a dissipar. Não pude evitar de inclinar-me e abraçá-lo ali mesmo.
- Obrigada por tudo o que disse. – Falei sem saber ao certo como agradecer, e dessa vez, foi ele quem pareceu não esperar por aquilo.
não disse nada, mas retribuiu o abraço da mesma forma e ficamos assim por algum tempo. Era uma sensação boa, reconfortante. Admito que se pudesse, eu provavelmente teria feito o momento durar mais, mas não foi o que de fato aconteceu. Ele se afastou e olhou diretamente para frente, ou melhor, para o nada. Segui seu olhar e vi o sol desaparecendo no horizonte quando ele:
- É melhor irmos agora.
Eu demorei um pouco para realmente concordar com ele e me levantar dali.
Sair foi mais difícil do que entrar. Comecei a ficar com medo do meu tênis escorregar pela borda e eu acabar esborrachada vários metros abaixo e me agarrei as treliças como se minha vida dependesse disso. Só quando já tínhamos passado pela porta e essa já estava devidamente fechada, foi que eu consegui respirar normalmente outra vez.
Ao contrário de mim, parecia estar bastante bem e nem um pouco afetado por isso.
E em pensar que quem tem medo de altura é o , não eu.
Seguimos de volta até onde a moto dele estava estacionada sem que, novamente, ninguém prestasse atenção e nos dois, e só assim que já estávamos ambos prontos e sentados naquele... veículo, voltou a falar comigo, novamente com aquele tom distante e estranho que havia usado hoje mais cedo:
- Está com fome? Podemos parar em algum lugar para comer alguma coisa.
Eu dei de ombros enquanto colocava o capacete.
A verdade era que depois de praticamente reviver aqueles acontecimentos horríveis, qualquer vontade que eu tinha, fosse de comer ou beber qualquer coisa, tinham desaparecido.
- Se você quiser, podemos ir. – Falei para ele. – Não estou assim com muito apetite.
- Sério? – Ele me olhou por cima do ombro, talvez percebendo meu desconforto e franziu o cenho. – Almoçou bem, por acaso?
- Na verdade eu não almocei hoje.
E então abaixei a viseira do meu capacete. Não é como se aquela refeição estivesse fazendo muita falta no meu organismo, mas o olhar acusatório que me dirigiu fez com que eu quase repensasse isso.
- Então vamos comer agora antes que você desmaie por aí. – Ele me falou então dando a partida na motocicleta.
Pouco depois já estávamos novamente ziguezagueando pelas ruas de Londres.
- Aqui. – estendeu a bandeja para mim. – Fish and chips.
O prato era grande o bastante para nós dois. Tinha tanta batata frita e peixe empanado ali que comecei a duvidar da ideia de conseguiríamos acabar com tudo aquilo.
se sentou de frente para mim e quase que imediatamente já começou a comer. Fiz o mesmo logo em seguida. Depois da primeira mordida foi quase impossível conseguir parar. Talvez fosse a fome reprimida ou então aquilo só estivesse mesmo muito bom.
Estávamos em um Pub completamente vazio. No lugar só encontrávamos o provável dono, um homem de meia idade com a cara fechada atrás do balcão, e uma atendente totalmente entediada mexendo no celular. Mas a comida era boa e o lugar limpo. E também nenhum dos dois pareceu ligar muito para eu e sentados ali no canto.
Depois que começamos a comer de verdade, as coisas pareceram começar a melhorar minimamente, pois acabávamos rindo por coisas tão aleatórias que se parássemos para pensar direito sobre o que estávamos achando graça, perceberíamos que nada daquilo fazia o menor sentido.
Só que foi assim, entre uma gargalhada e outra, que o celular dele tocou, e toda a expressão sombria que achei que já tivesse se esvaído por completo, voltou ainda mais intensa.
- O que foi? – Acabei perguntando, me sentindo tensa por ele e sua completa mudança de humor.
- Nada. – me respondeu sem qualquer emoção. – Preciso atender.
Sem mais explicações, ele seguiu para o mais distante que podia, até o banheiro no fundo do estabelecimento e não voltou por incontáveis minutos.
Imediatamente eu soube que era algo sério e nada bom. Talvez até péssimo. Mas o quê?
Tentei distrair minha cabeça comendo e bebendo mais alguma coisa, porém a comida já não parecia assim tão gostosa quanto antes.
Quando voltou, pisando duro, apertando os punhos contra a lateral do corpo e se sentou novamente a minha frente, nem se deu ao trabalho de me dar alguma explicação ou simplesmente me olhar no rosto.
Tentei conversar e desfazer aquele clima horrivelmente pesado que pairava sobre nós, mas minhas tentativas pareciam estar sendo totalmente falhas. Qualquer assunto mais pessoal que eu desse um jeito de tocar, rapidamente achava alguma forma evasiva de me responder ou então sequer me dirigia palavras, só o silêncio.
E talvez tenha sido toda sua repentina ignorância e completa falta de educação comigo que tenha me feito dizer:
- Por que você não fala logo o que está acontecendo e para de agir como um idiota?
- O quê? – pareceu momentaneamente sem reação.
- Essa sua grosseria! Por que não diz de uma vez o que está te deixando assim?
- Por que talvez não te interesse. – Ele me respondeu sem qualquer enrolação.
Fechei os olhos com força por dois segundos e tentei não ficar brava com sua resposta, mesmo sabendo que ele estava sendo totalmente injusta comigo.
- Não desconte em mim toda sua frustração! – Falei da forma mais controlada que consegui. –Eu me abri com você, te falei tudo o que mais me assombra, as piores coisas que já vivi, mas tudo o que você faz cada vez que eu tento saber o mesmo sobre você é mudar de assunto e fingir que nada disso importa.
Ele apenas continuou me encarando, talvez com um ar de surpresa, e arqueou uma sobrancelha quando indagou:
- E eu devia me sentir mal por isso?
Estreitei os olhos em sua direção.
- Essa sua imagem de desinteresse é completamente irritante!
- E por que está tão incomodada com isso, caralho? – Seu tom de voz subiu alguns decibéis e então minha paciência, que já estava no seu próprio limite, simplesmente sumiu.
- Eu quero te ajudar! – Praticamente gritei para ele, batendo minhas mãos na mesa.
- Me ajudar? – Por um segundo ele pareceu não acreditar. – Que história maluca é essa, !
A confusão estampada em seu rosto, os olhar duro, fez com que eu me sentisse ainda mais nervosa do que antes. Eu podia ouvir meu coração reverberar através do meu ouvido.
- Mas é claro, ! Eu só quero retribuir o que você mesmo fez. Vo-você sabe, você... – Eu comecei a gaguejar, subitamente incerta se devia ou não dizer todos os motivos. – Que droga, você me ajudou quando precisei! Todas as vezes. Me ouviu, me consolou. Você...
- Eu o quê?
- Você me beijou!
E assim que as palavras saltaram para fora da minha boca, eu me arrependi de imediato por tê-las dito.
Muito provavelmente meu rosto ficou completamente vermelho, mas sinceramente, não sei o que foi pior: a vergonha que eu estava sentindo ou o riso seco e nasalado que soltou ainda me encarando.
- Ah, então é isso.
- Isso o quê?
- Você pensa que eu sinto alguma coisa por você.
A vermelhidão no meu rosto se tornou mais intensa, e eu não precisava de um espelho para comprovar isso. Eu sentia minhas bochechas arderem tanto que provavelmente todo o meu sangue estava concentrado naquela área.
- Eu nunca disse isso! – Tentei argumentar, mas minha voz, além de falha, saiu também fina demais.
- Não disse, mas com certeza pensou. – Ele respondeu tão frio quanto gelo. – Foi a droga de um beijo, ! Não ache que por causa daquilo eu esteja apaixonado por você.
A aspereza com que aquela simples frase foi dita, me fez retesar por completo.
- Se não significou nada então por que fez?
- Porque eu queria te fazer calar a boca e prestar atenção. Simples assim.
Inconsequentemente eu bati as costas na cadeira totalmente perplexa. E com raiva. Mais com raiva do que com perplexidade.
- Você é ridículo! – Sibilei para ele.
- Não, . – Ele negou ainda mais irritado que minutos antes e falando ainda mais alto. – Você que deveria parar de romantizar tudo, porra!
E ouvir aquilo, foi o que bastava para eu não pensar mais no que dizer.
- Sua inconstância é uma merda!
- Oh, desculpe se isso te desaponta. – Ele respondeu irônico. – Essa nunca foi minha intenção.
- Cale a sua boca! Já não disse tudo qu...
- Bravinha com a verdade? – Ele me interrompeu com deboche pingando em cada palavra. – Para de querer achar uma justificativa para tudo, . Eu já disse e repito pra você: não teve significado nenhum. Eu não preciso e nem quero a sua ajuda. Para nada.
Segurei o ar por uns segundos até que meus batimentos cardíacos se acalmassem minimamente. Soltei o ar da maneira mais controlada que consegui, não mudei a expressão séria em meu rosto e nem sequer desviei meu olhar do seu. Ele queria me atingir com suas palavras. E independente delas serem verdadeiras ou não, definitivamente eu não mostraria a ele o quanto elas me magoaram de fato.
Eu jamais beijei um garoto sem motivo. Fosse da maneira que fosse, sempre havia algum tipo de sentimento. Mas essa era apenas a minha maneira de ser. não agia da mesma forma que eu porque simplesmente não éramos em nada parecidos.
Seus olhos, ainda fixos em mim, começaram a suavizar levemente, como se estivesse se dando conta do quão babaca estava sendo. Mas agora não adiantava mais. Mesmo que tentasse consertar, não ia mudar nada. Ele já tinha dito coisas suficientes para uma noite só.
- Ótimo. – Me levantei rapidamente depois de um grande período de silêncio. – Já entendi tudo. Não se dê ao trabalho de repetir mais uma vez.
- ...
- Não, ! – Eu o interrompi. Dizer que eu estava só irritada, com certeza seria insuficiente para descrever como eu estava me sentindo. – Não me venha com desculpas depois de ter sido tão rude e grosseiro comigo. Tudo o que eu queria era um pouco de sinceridade, não pedi nada impossível. Mas você já falou tudo o que queria, não foi? Já não deixou bem claro tudo o que pensa? Então agora vá simplesmente se ferrar! Cansei de ser legal com você, . Cansei de tentar ser sua amiga! Procure outra pessoa que te aguente, porque pra mim já deu.
Não tive tempo de registrar sua reação depois disso. Quando dei por mim, já estava entrando em um táxi bem longe daquele Pub, e, melhor ainda, bem longe de .
Capítulo 22 - “You never know what you want
And you never know what you mean”
Eu estava sentada no sofá da sala, tentando acalmar meus pensamentos, quando a campainha tocou me tomando de surpresa. Depois que me levantei para atender, passou pela porta, sem sequer olhar direito para mim, com um sorriso tão imenso atravessando seu rosto que deixava minhas bochechas dormentes só de vê-la daquela forma.
- Precisamos arrumar uma cópia da chave para você. – Comentei escondendo meu mau humor por trás da minha expressão de indiferença.
- É, precisamos. – Minha amiga me respondeu ainda sorrindo e totalmente absorta.
Quem a olhasse, talvez só achasse que ela estivesse distraída por qualquer motivo aleatório, mas felizmente eu não precisava perguntar o porquê, pois sabia, desde horas antes, que essa felicidade toda tinha nome e sobrenome: .
largou a bolsa em cima da mesa e se sentou ao meu lado no sofá, pegando o controle remoto que estava largado entre as almofadas e tentou agir normalmente. Ah, ela tinha que me contar muita, muita coisa.
- Como foi seu dia? – Questionei fingindo desinteresse.
- Bem.
Arqueei uma sobrancelha a encarando sugestivamente.
- Só isso? – Perguntei quase indignada. – Não tem nada que queira me contar?!
O rosto dela começou a adquirir um tom próximo ao escarlate e eu sorri presunçosa, sabendo que ela não poderia negar uma explicação agora.
Ela soltou um suspiro.
- Se eu contar, você para de me encarar como uma psicopata?
Por um segundo, admito, fiquei brava e lhe dirigi uma careta. Mas logo a desfiz e a substitui por um sorrisinho num incentivo claro de que devia me contar tudo.
- Eu e estamos saindo. – disse.
- E...? – Esperei que mais alguma coisa saísse da sua boca, porém ela permaneceu quieta, piscando.
- Como assim "e"? – Perguntou.
- Ué, que vocês estão saindo eu já sei, quero saber dos detalhes! – A olhei como se fosse óbvio. – Você estava escondendo de mim seu pseudo-peguete e quer que eu fique satisfeita apenas com essa frase descabida de cinco míseras palavras?
Minha amiga de repente parecia quase ofendida, mas ainda sorria para mim como se eu fosse uma boba.
- Querida, eu achei que você já soubesse disso há tempos!
- Como assim? – Retiro o que eu disse. Quem estava quase ofendida era eu, não ela. – Eu só tive certeza de alguma coisa hoje quando ele apareceu aqui te procurando. Antes disso eu nem ia imaginar! Como exatamente achou que eu sabia de algo?
Me arrependi de ter perguntado no segundo seguinte quando fez aquela cara de quem sabia mais do que devia.
- Simples, : da mesma forma que eu soube que tinha te beijado depois daquele encontro sem você ter me dito de fato. Sou uma boa observadora.
Soltei um suspiro pesado.
- É, mas eu não sou boa em observar. Sou lerda e distraída, você sabe! – Ela riu da minha careta.
- Aí já não é problema meu.
- !
- Tá bom! Desculpa, vou contar. – Ela revirou os olhos rindo um pouco. – Eu comecei a me aproximar e a investir nele depois daquela balada em que fomos. Ele conversou comigo algumas vezes e deu em cima de mim também. Obviamente eu não iria desperdiçar um partido daquele!
Precisei de um segundo para entender as entrelinhas.
- Desde aquela época vocês já estão ficando? – Eu sei que minha voz saiu um pouco mais aguda do que o planejado, mas não parecia incomodada com isso de verdade.
- Sim, nós estamos ficando. Mas não tenho certeza se é algo sério.
- E por que não? – Franzi minha testa, sem entender. – Não gosta dele?
- É claro que eu gosto! Não gastaria minhas horas com ele se não gostasse. – Ela riu, mas eu percebi um sutil nervosismo em sua voz.
- Então por quê?
Seu olhar caiu sobre as almofadas e quase se perdeu por um instante. Poucas foram as vezes na minha vida que vi vulnerável ou exposta, fosse do jeito que fosse. Entretanto, agora, esse momento, eu a via exatamente assim.
- É o que ele sente por mim que me deixa insegura. Quer dizer, se ele sente alguma coisa, na verdade. – Ela explicou. – faz tudo e é tudo! Cantor, compositor, já foi ator, jogador de futebol de vez em quando... Ele pode ter qualquer coisa que quiser na hora que quiser. O que garante que ele quer ter alguma coisa comigo? Posso não passar de um passa tempo enquanto ele não arruma alguma coisa melhor e dentro dos padrões de hoje em dia.
- E você acredita nisso? – Eu não conseguia esconder a incredulidade por ouvir aquilo.
- Por que não acreditaria? – Rebateu. – Esse é um mundo traiçoeiro demais, . O que nesse instante pode parecer concreto, daqui a um minuto pode ser destruído.
Foi impossível evitar o silêncio em que ficamos depois, o desconforto palpável que começou a se formar ao nosso redor. Mas eu podia entender sua insegurança. Criar expectativas sempre é uma droga, e viver uma mágoa ou decepção não é algo que esteja nos planos diários de alguém, porém não é como se pudéssemos evitar, muito menos prever esse tipo de coisa. E eu sabia por experiência própria como era ter o coração partido e a confiança quebrada.
- E o que vai fazer? – Perguntei já sem quase animação alguma.
- Por enquanto? Nada. – Minha amiga abriu um sorriso. – Eu gosto dele, e apesar de ter um pé atrás com isso tudo, estou feliz. Enquanto as coisas continuarem assim então eu também continuo.
Por um instante apenas concordei enquanto pensava.
- Sabe, tem meu voto de confiança. – Falei em seguida. – Não acho que ele faça o tipo de cara que ilude o coração de garotas sem se importar.
Ela mordeu o lábio como se contivesse algum comentário e por fim disse bem baixinho:
- É, eu espero que não.
E eu também, pensei comigo.
Por um momento nós duas ficamos sem dizer nada, completamente caladas. Pela expressão cabisbaixa que agora tinha, pensei que talvez fosse melhor mudar o rumo da nossa conversa de uma vez e arrumar algo que ao menos pudesse distraí-la. E se possível, me distrair também de tudo por um momento.
- O que acha de um filme? – Questionei a ela assumindo um sorriso sem mostrar os dentes.
- Ah, eu topo.
- Ótimo, vou alugar algum online! – Puxei o controle para já ver as opções disponíveis bem no momento em que a campainha tocou.
Minha amiga me encarou, uma incógnita completamente visível em seu rosto me perguntava se eu estava esperando alguém. Mas não, eu não estava. Só de pensar que alguém que eu não quisesse ver poderia estar do lado de fora do meu apartamento...
- Já volto. – Falei para ela. – Vai escolhendo alguma coisa aí.
Confusa, e até um pouco apreensiva, fui até a entrada. Eu realmente precisava falar com a portaria e pedir para que eles ligassem antes de deixarem alguém subir, mesmo que esse alguém fosse meu amigo. Afinal, nunca se sabe o que uma garota pode estar fazendo em casa sozinha, certo?
Destranquei a porta e a abri logo em seguida, me deparando talvez com uma das únicas pessoas que não cogitei estar ali.
- Victoria? – Ela me encarava com uma expressão perto da indignação.
- Sério, até quando vou ter que descobrir as festas sozinha? – Ela entrou sem nem esperar que eu a convidasse. – Isso não é nem um pouco legal, viu? Prefiro saber das coisas com antecedência para poder me programar!
- Mas o quê...
- Vicka! – passou por mim pronta para abraça-la. – O que veio fazer aqui? Que saudade!
- Um passarinho me contou que você estava na cidade. – Vic respondeu com um sorriso. – E parece que agora vai ficar por muito tempo. Com certeza isso merece uma comemoração!
Ela levantou uma sacola cheia de besteiras e arrancou alguns risos de , mas eu não resisti de perguntar:
- Esse tal passarinho, por acaso, seria o ? – Imediatamente ela me encarou.
- Quê? Não sei do que você está falando. – Ela assumiu um ar de desentendida enquanto me olhava.
- Ah, tá bom. – Falei completamente sem paciência. – Senta logo aí, você e estão cheias dos segredinhos! Vai dizer que não é pelo que você está toda apaixonadinha?
- Acho que você está exagerando. – Victória me ignorou e começou a tirar alguns chocolates de dentro da sacola. – Vamos comer uns doces aqui e aí...
- Primeiro conversamos, depois comemos. – A interrompi. – Não gosto de não saber das coisas. Desembuchem!
Minhas amigas riram, e apesar de parecerem um pouco relutantes de início, eu não precisava de palavras para saber que elas concordavam com aquilo.
- Então vamos logo, já sei que a conversa vai ser longa!
- Mas calma aí, . – Victoria me encarou rapidamente e tirou uma pasta da bolsa. – Antes podíamos falar sobre um certo script que eu acabei de pegar sobre a próxima gravação!
Eu juntei as sobrancelhas rapidamente e troquei um olhar com .
- Onde pegou? – Arranquei os papéis de sua mão sem muita delicadeza, ansiosa para a leitura deles. Não esperava esses papéis pelo menos até o início da próxima semana. se fixou ao meu lado enquanto passava os olhos pelos vários parágrafos, me acompanhando na leitura.
- Digamos que eu esbarrei com uma Rachel toda atrapalhada antes de vir para cá e tomei a liberdade de dar uma olhada nessas páginas antes de te entregar. – Ela respondeu, um sorriso de canto crescendo pouco a pouco. – Tenho certeza que vai amar o que vai ter que fazer.
E instantaneamente eu soube que odiaria.
A vida deve ter um senso de humor negro. Isso, ou alguém estava sabendo mais da minha vida pessoal do que de fato devia. Claro, existia também a opção sobrenatural de alguém conseguir realmente ver através de uma bola de cristal ou ter visões malucas sobre tudo o que vinha acontecendo e queria ber o circo pegar fogo (ou nesse caso o set de filmagem), porque seria a primeira vez em quinze dias que eu e nos falaríamos de novo (obrigatoriamente) e logo de cara em nosso primeiro contato já teríamos que lidar com uma cena de beijo.
Mas o que me incomoda realmente não é o roteiro me obrigar a fazer algo que eu não estou nada a fim, e sim aquele projeto de ser humano ter faltado (devo ressaltar que propositalmente) tanto ao table read quanto ao ensaio no cenário todas as vezes, como se quisesse me ignorar o máximo que conseguia.
Será que ele conseguia ser ainda mais infantil que isso? Melhor não subestimá-lo. Ninguém sabe o dia de amanhã.
- Você não parecesse tão nervosa. – Observou que fazia o favor de me acompanhar em uma das últimas filmagens da série.
- Não estou. – Falei parecendo segura disso enquanto repassava as falas uma última vez em minha cabeça.
Mas não era totalmente verdade. Eu estava sim nervosa, sempre me sentia assim quando precisava ter proximidade demais com certas pessoas. Principalmente quando essas certas pessoas conseguem acabar com a minha paciência tão fácil.
Mas tudo bem. Esse é meu trabalho, posso lidar com isso. Mais ou menos.
- Você está pronta, fofa! – Declarou Philip enquanto admirava seu trabalho final pelo espelho.
Soltei um suspiro e sorri, feliz com o resultado que eu via refletido.
Aquele vestido preto e decotado maravilhoso que usei naquelas fotos em Bradford estava novamente sendo usando, e dessa vez para as filmagens. Não consegui resistir ao impulso de admirar o que via. Como eu amava aquela roupa! Me sentia como uma famosa de verdade. Glamorosa e sexy como uma atriz de Hollywood.
Era até mais do que eu podia lidar.
Ainda observando o trabalho incrível de Philip, percebi que me olhava com um sorriso cheio de malícia. E infelizmente eu sabia bem o porquê.
- Tem certeza que não está nervosa? – Ela insistiu mais uma vez.
- Esta duvidando de mim?
- Na verdade, estou sim.
Soltei um suspiro longo.
- Não estou nervosa, ok? Só continuo achando um grande e completo idiota. – Falei, mas minha amiga não pareceu convencida. – Que foi?
- Ainda não acredito.
- Não é justo ter que beijar alguém que nem sequer fala comigo. Cadê a lógica?
Ela riu, como se o comentário a divertisse.
- Já passamos por isso antes. – Ela me lembrou. – Naquela época vocês não se suportavam, e mesmo assim vocês tiraram a roupa um do outro na frente de um set inteiro de filmagem.
Philip, que ainda estava no camarim, soltou uma gargalhada estridente.
- Eu adoro essa garota! – Ele disse para mim enquanto apontava para com um sorriso tão imenso que atravessava seu rosto.
- O que eu estou querendo dizer é que você vai superar isso. – Ela continuou, ignorando quase completamente meu hair stylist. – Já fez uma vez, pode fazer de novo.
Me contive em apenas revira os olhos. não entenderia mesmo que eu explicasse, pois provavelmente nunca havia gostado de . Eu por outro lado não podia dizer o mesmo. Achava que, de um tempo para cá, as coisas haviam começado a mudar de alguma forma.
Pra variar, eu estava enganada.
- Já está pronta? É hora de filmar! – Uma das assistentes de Gregory enfiou a cabeça para dentro do quarto sem sequer bater na porta.
Me levantei com cuidado, tentado não fazer nada desastroso como de costume e me equilibrei em cima dos saltos antes de seguir para o salão do cassino onde aconteceriam as filmagens.
Eu tinha trabalho a fazer.
O clima na área do cassino reservado para a gravação não estava sendo um dos melhores, definitivamente.
Gregory estava tentando manter sua raiva sob controle, porém era completamente visível que ele estava falhando debilmente em suas tentativas de não gritar com qualquer um que, nas palavras dele, fazia alguma pergunta “idiota” e sem completo sentido.
Não era como se já estivéssemos um tanto acostumados com suas grandes mudanças de humor, entretanto sabíamos, a maioria de nós pelos menos, que seu jeito de agora tinha influência direta sobre uma tal reunião que mais cedo tivera com .
Esse, aliás, estava perigosamente calmo e inexpressivo. Todos estavam tão cautelosos com ele, que até parecia que era uma bomba prestes a explodir, e que qualquer frase mal dita poderia acionar a contagem regressiva para mandar tudo pelos ares.
Sinceramente eu estava achando tudo isso uma grande de uma palhaçada.
Por algumas vezes eu o vi me olhando, não sei se por causa do vestido que eu estava usando ou então porque talvez estivesse pensando naquela maldita discussão de dias atrás, e admito que fiquei tentada a ir falar com ele.
Felizmente meu bom senso não permitiu que eu fizesse isso. Tenho certeza que a conversa terminaria inevitavelmente de uma forma ruim assim que trocássemos meia dúzia de palavras.
- Vamos lá, pessoal! – Gregory finalmente voltou a sua cadeira de diretor atrás das câmeras. – Vamos terminar isso de uma vez.
Pouco depois eu já estava parada bem ao lado da entrada do cassino enquanto esperava que todos os outros atores e figurantes tomassem seus respectivos lugares dentro do mesmo.
Essa cena começava dentro de um carro, comigo e com , e só depois que nos dirigíamos para dentro daquele ambiente. E a partir dali as coisas ficariam bem mais delicadas.
logo apareceu à minha direita, e, sem dizer uma palavra ou sem sequer me dirigir um olhar, adentrou o carro e sentou no banco traseiro. Soltei um suspiro meio frustrado e um pouco sem graça, já tendo em mente como aquilo seria constrangedor, mas não permiti que minhas bochechas corassem. Pelo menos não com ele bem ali.
Enquanto os câmeras-man faziam os últimos ajustes em seus devidos aparelhos e em suas posições junto com pessoal de luz e som, Gregory apareceu e imediatamente mandou que eu entrasse juntamente a dentro do veículo.
Olhei para e pigarreei levemente.
- Será que eu... er... – Apontei para as pernas dele, gesticulando rapidamente e esperando que entendesse. – Posso?
- Claro. – Ele me olhou de relance, sua voz foi tão seca quanto o deserto. Ele se sentou de forma mais ereta que conseguiu e juntou um pouco mais as pernas para que eu pudesse me sentar em seu colo sem que caísse.
Sim, eu teria que sentar no colo dele. E não, me sentar no estofado ou até mesmo no chão não era uma opção.
Sentei em suas pernas e ele passou um de seus braços passou por minha cintura, mas mesmo com a proximidade, nenhum de nós dois ousou se olhar naquele momento.
- Como estão aí? – Uma assistente do diretor apareceu bem na hora para conferir se estávamos devidamente posicionados, mas sem sequer dar tempo para que respondêssemos, logo já emendou: – Certo, vamos arrumar vocês. , será que você consegue colocar suas pernas para fora do recorte da saia e deixa-las expostas? E consegue cruza-las também se possível?
Assenti um tanto desgostosa, mas ainda assim fiz o que ela pediu. A saia do vestido, que agora já não me cobria mais, caia livremente, se estendendo por entre as pernas de como um perfeito véu.
– Ótimo, muito bom! – Ela exclamou, intercalando olhares entre a tela que reproduzia nossa imagem e nós dois de fato. – Agora, , coloque a outra mão que não está na cintura dela espalmada na parte exposta da coxa de , por favor.
seguiu as instruções e em seguida seus dedos quentes estavam sobre a minha pele nua. Juro que não era a intensão, mas meus pelos eriçaram com seu toque.
- Perfeito! – A garota disse por fim, sorrindo. – , só passe seu braço pelos ombros de e deixe sua mão espalmada sobre peito dele e então já podemos começar! Não se esqueçam de olharem um nos olhos do outro o tempo todo quando começarmos a gravar!
Virei meu rosto em direção ao dele, sem alternativa, e nossos olhares enfim se encontraram como se não fizessem isso há um milhão de anos. Podíamos não ter trocado palavras devidamente, mas eu via através dos seus olhos que havia muito a ser dito. Palavras essas que talvez não devessem ser trazidas a vida.
O que ele queria de mim, afinal?, acabei me perguntando. Às vezes achava que a maior satisfação dele era conseguir me fazer de gato e rato.
Fez primeiro com que eu o odiasse, para depois atura-lo como colega de trabalho apenas para em seguida decidir que queria ser meu amigo. Então fez com que eu confiasse nele, fez com que gostasse dele. Mas enfim, quando lhe pareceu conveniente, decidiu que era o suficiente, e cá estávamos nós, nem nos falando mais.
- Por que está me encarando assim? – Ele acabou perguntando, interrompendo abruptamente meus pensamentos.
Eu permaneci um instante em silêncio, assimilando exatamente o que ele havia dito, apenas para lhe devolver outra pergunta:
- Assim como?
- Como se eu tivesse a decepcionado. – Ele falou firme, a voz levemente rouca.
Com um curto suspiro, não hesitei em responder:
- Porque talvez tenha sido exatamente isso que você fez.
E pela primeira vez em muito tempo vi o vislumbre de algo diferente passar por seu olhar. Algo longe do seu sarcasmo, ironia ou deboche. Longe da indiferença usual adquirida por ele. Mas era algo que eu não conhecia, muito distante do que eu de fato estava acostumada, e por isso não soube identificar. Entretanto, esse detalhe tão pequeno, algo que até poderia ser considerado insignificante, não deixou meus pensamentos por um segundo sequer.
- Prontos? Já vamos começar! – A assistente nos avisou quando as câmeras se colocaram definitivamente em posição.
- Câmeras! – Gritou o diretor e o silêncio absoluto se formou. – Gravando.
A cena se iniciava com o carro luxuoso estacionando em frente ao cassino momentos antes de tudo ser decidido, de todo o perigo que Kate e Ian vinham correndo por toda a temporada assumisse seu pior caráter. E era também o momento que a ficha de ambos caía, onde por fim percebiam que esse talvez não fosse o fim apenas para toda a investigação, mas possivelmente para um dos dois também.
E por isso estavam ali, Kate no colo de Ian, ambos se olhando e guardando na memória detalhes que talvez nunca mais tivessem a oportunidade de observar de novo. E mesmo que o futuro deles fosse incerto, não sentiam medo, apenas uma sensação plena de estarem juntos ali, combinada com uma pitada de arrependimento por não terem aproveitado melhor o tempo que tiveram.
Olhei para da maneira mais terna que consegui e acariciei seu rosto com minha mão.
- Como se sente? – Sussurrei para ele, sem tirar meus olhos dos seus.
Sua mão subiu por minha perna exposta, acariciando minha pele enquanto se demorava a responder.
- Bem. – Falou por fim. – De uma forma ou de outra tudo acaba hoje, certo?
- Certo. – Concordei tentando parecer confiante, mas deixei que minha mão caísse por seus ombros e seu tórax, em um sinal claro de hesitação.
- O que foi, Kate?
- Queria ter tido mais tempo. – Confessei. – Para concertar as coisas. Mas talvez agora seja tarde demais para isso. Quem sabe o que vai acontecer lá dentro, não é?
Suas mãos foram de encontro a minha cintura, apertando-a levemente sobre o tecido do vestido.
- Não vai acontecer nada. – Ele falou em seguida, sem me dar tempo de protestar. – Pelo menos não com a gente, e nem com Dave e nem com Cece. Temos nossas armas e confio nas habilidades que temos. Vai sair como o planejado: rápido e eficiente.
- Mas e se...
- Não vai ter “e se”. – Ele me interrompeu abruptamente, tão convicto disso quanto sabia que o sol nascia a leste e se punha a oeste.
- Você não pode ter certeza do futuro, Ian!
- Estamos juntos nisso tudo, Kate. – Sua voz soou levemente exasperada, como se quisesse me convencer de algo já dito mais até que uma vez. – Passado, presente ou futuro, não importa, estamos juntos e continuaremos juntos.
Era engraçado pensar que, se isso fosse verdade, as palavras teriam me faltado exatamente como estavam faltando para a personagem. Tudo ao meu redor estava borrado e o que eu via era apenas ele em minha frente. Vulnerável como há muito não era.
- Também gostaria de ter tido mais tempo, Kate, acredite. – Ele continuou, uma de suas mãos deixando minha cintura para envolver meu rosto. – Mas agora não é hora de termos essa conversa, ok? Mais tarde...
- Podemos não ter o mais tarde. - O interrompi de súbito.
E bastou apenas um segundo para que ele me olhasse e então se inclinasse para frente e preenchesse o espaço que havia entre nós dois, encostando seus lábios no meu num beijo lento, quente, que fez com que eu derretesse em seus braços. Por um momento meus pensamentos ficaram turvos, me deixei levar pelo momento e fiquei com dificuldade em separar a realidade da nossa ficção. Parecia existir uma saudade ali, algo que ia muito além de uma simples atuação, que assim como o vislumbre que há pouco eu tinha tido sobre a forma que me olhava, também parecia completamente fora do contexto. Mas isso não fazia o menor sentido. Depois de tudo, imaginar que existiam outras intenções, seria algo impossível.
Pouco depois seu rosto se afastou do meu e inconsequentemente soltei um suspiro facilmente entendido como uma reclamação pela parada brusca. Eu estava sem ar e verdadeiramente extasiada. Meus olhos se abriram apenas para me deparar com suas pupilas dilatadas me encarando numa intensidade fora do normal.
- Fique focada. – Ele falou com as mãos ainda segurando minha face, acariciando minhas bochechas e descendo até meu queixo. - Terminaremos essa conversa depois. É uma promessa.
- Não sabe se vai conseguir cumpri-la. – De alguma forma as frases decoradas apareceram diretamente em minha mente no momento certo.
- Mas eu vou, Katherine. Confie em mim. – E dessa vez fui eu quem selei nossas bocas.
Um gesto rápido seguido de um abraço ainda mais veloz, para depois apenas me desvencilhar dos seus braços e sair pela porta do carro, terminando, enfim a cena quando a porta do veículo se fechou.
- Corta! – Gritou Gregory, sorrindo da sua cadeira, ainda olhando os monitores. Pelo sorriso em seu rosto, parecia estar satisfeito, e de uma forma esquisita, fiquei grata em saber que não teria que gravar tudo aquilo outra vez.
desceu do carro em seguida, os lábios formando uma linha fina. Então ele me olhou. Bem nos olhos como antes da filmagem começar havia feito. De repente ele era tudo no que eu me focava.
– Muito bom, pessoal! – Gregory falou, mas não olhei para ele. – Essa foi de primeira, agora podemos gravar as cenas lá dentro.
O diretor e seus assistentes foram os primeiros a se dirigirem para o interior. Mas e eu continuamos ali, presos por uma força invisível e ligados pelos olhos, até que eu, por alguma razão, virei as costas e sai andando, exatamente da maneira que tinha feito quando sai daquele Pub.
Mas dessa vez, entretanto, hesitei quando ele chamou meu nome.
Eu estava sentada em minha cadeira, aquelas típicas de atores hollywoodianos que contem o meu próprio nome escrito atrás dela, numa parte afastada das mesas do cassino enquanto retocavam rapidamente minha maquiagem entre uma tomada e outra, me permitindo uma pausa para respirar e beber água. Foi quando Vicka brotou ao meu lado, em pé, com expressão completamente avaliadora.
- Menina – Ela disse. –, que cara de cu é essa?
- Quanta sutileza, Vic.
- Sutileza é meu nome do meio, amore. – Respondeu em seguida.
Revirei os olhos e suspirei sem sequer me preocupar se ela veria ou não meu gesto. Esperava que ao menos ela entendesse meu silêncio como um “não perturbe”.
Entretanto ela fez exatamente o contrário.
- Vai me contar o que está rolando ou não? – Arqueou uma sobrancelha e cruzou os braços na altura do tórax.
Sei que ela provavelmente só estava querendo ajudar, mas não tinha porque contar a ela algo que na verdade nem estava “rolando”. Eu estaria criando simplesmente uma tempestade num copo d’água, pois na verdade devia estar agindo com a maior naturalidade que fosse possível. Tudo o que eu menos precisava nesse momento era criar outra linha de discussão além daquela que já existia em minha mente.
- Não é nada, só não tenho dormido muito bem. – Falei para ela, o que de certa forma não deixava de ser verdade. – E já deu para perceber que hoje o trabalho vai ser bem, bem longo.
- Sério? – Ela me olhou como se não acreditasse. – Então isso não tem nada a ver com o fato de você e mal estarem trocando meia dúzia de palavras?
Tentei dar de ombros como se aquilo não tivesse sequer passado por minha cabeça.
- Não sei do que você está falando.
- Aham. – Ela concordou sarcasticamente. – Até quando acha que vai seguir com isso?
- Até quando todo mundo acreditar? – Perguntei sugestivamente, logo após soltar um suspiro longo, percebendo que não teria outra saída se não enrola-la.
- Ainda bem que minha mãe sempre disse que eu não sou todo mundo. – Ela falou, sentando-se ao meu lado sorrindo minimamente. – Vamos lá, sei que você prefere desabafar com a dona , mas como ela está no telefone com o crush dela neste instante, vai ter que se contentar comigo para dar conselhos. E você sabe, não é justo eu ter te falado sobre e nossos encontros às escondidas nos lugares mais bizarros da face da terra, e você não me contar nem 3% do que acontece na sua vida amorosa.
- Só que isso não é vida amorosa, Vicka.
- Pelo amor de Jesus Cristo, . Não tente fingir isso!
E mesmo estando contrariada até meu último fio de cabelo, decidi que talvez eu devesse contar a ela. Nem que fosse o mínimo do mínimo, ou algo que até ela já soubesse, não sei. Apenas o suficiente para ela entender que não era má vontade minha ou qualquer coisa do gênero.
Eu estava pronta para começar dizendo que não aguentava mais o “bota casaco/tira casaco” que ficava fazendo, quando fui interrompida pelo garoto da claquete que apareceu ao nosso lado com pressa evidente em cada traço do seu rosto.
- Com licença, a senhorita precisa ir para a área preparada para a filmagem agora.
Soltei o ar, aliviada pela aparição do garoto e um tanto incomodada por deixar minha amiga sem uma explicação.
- Qual cena?
- Cena 27 do episódio 20. – Respondeu-me ele e me levantei logo em seguida, murmurando um rápido “ok” para que ele soubesse que eu já estava a caminho.
Imediatamente o garoto saiu correndo para outra direção completamente oposta ao mesmo tempo em que os olhos de Victoria se tornavam tempestuosos enquanto observavam meus movimentos de saída.
- Como assim “ok”? – Ela se colocou no meu caminho, sua voz um pouco mais aguda que o normal. – E a nossa conversa?
- Vicka, acho que isso pode esperar, certo?
- Claro que não.
- Claro que sim! – Falei. – Querida, eu posso te responder tudo o que você quiser, mas não nesse momento. Tenho que trabalhar, oras.
- E vai me deixar aqui, sozinha e esperando sem fazer nada?
- Até depois, amiga. – E com isso lhe dirigi um último sorriso em forma de desculpas, indo em direção às câmeras e a área de gravação antes que ela me segurasse e impedisse que eu continuasse a caminhada.
Talvez, de certa forma, fosse melhor eu não dizer nada. Se eu tivesse que conversar com alguém sobre o que estava acontecendo, que fosse então com , aquele ser humano completamente maluco que conseguia virar outra pessoa num intervalo recorde de 10 segundos apenas. Vicka até poderia ajudar, mas não resolveria o problema.
Então que nós dois nos resolvêssemos e fim. Seja quando for.
Segui até minha marca, onde o garoto da claquete indicava e parei ali, observando enquanto as pessoas passavam pelo local a passos ininterruptos e apressados. Eu me cansava ainda mais só de vê-los.
Sei que há pouco eu estava sentada, esperando como se tudo fosse fácil demais, mas apenas alguns minutos antes eu havia gravado uma cena de luta, cansativa, ainda mais com aquele vestido. Porém, modéstia a parte, consegui fazê-la sem erros de uma vez, e ainda assim meus músculos reclamavam por completo e a falta de ar demorava a me abandonar. E eu tinha certeza que não era por falta de treino, sem dúvida, eu os fazia quase diariamente.
Soltei um suspiro longo e fechei os olhos por um segundo, tentado esvaziar minha mente e me concentrar no que devia fazer em seguida. Precisava de um momento de paz.
- Você não parece bem. – Olhei para o lado imediatamente em decorrência do susto que levei.
não olhava para mim, mas estava parado ao meu lado, sem o terno do smoking e com as mangas da camisa arregaçadas até os cotovelos com sua maior pose de quem não quer nada e a expressão plena, os lábios rentes um ao outro numa linha fina.
Eu o analisei por um instante, o olhando dos pés a cabeça.
- Como se você se importasse. – Retruquei, voltando meus olhos para frente em seguida.
- Qual é, .
- Não me venha com “qual é”, . É muita hipocrisia sua. – Murmurei para ele, o timbre baixo e controlado, sem querer chamar atenção de todos que passavam ao nosso redor.
- Quero falar com você, Ruivinha. Temos que conversar.– Ele me respondeu dando de ombros, virando finalmente seus olhos para me encarar. – Vamos lá, cinco minutos e mais nada.
- Agora quer fazer isso? – Perguntei entredentes, incrédula e irritada. – Você tem me evitado nos últimos dias como se eu fosse uma louca histérica!
- Não seja dramática.
- E devo ser racional então? – Devolvi sentindo meu sangue esquentar cada segundo um pouco mais enquanto falava com ele.
Uma assistente do estúdio passou por nós nos encarando sem um pingo de vergonha, testa franzida e sobrancelhas juntas, não parecia entender o que estava acontecendo. Mas pela expressão parecia sim completamente interessada em saber.
Respirei fundo enquanto via soltar o ar teatralmente ao meu lado, cruzando seus braços logo em seguida, ainda com os olhos em mim, como se esperasse pela minha próxima ação. Obriguei-me a pensar de maneira clara, não podia deixar que ele acabasse com minha paciência ali, no meio de toda nossa equipe de trabalho, prestes a entrar em uma das cenas mais extensas e provavelmente cansativas que gravaríamos. Eu não podia me concentrar nessa briga.
- Não é hora e nem lugar para falarmos sobre isso. – Falei a ele de maneira pausada e controlada.
me mediu com os olhos e arqueou uma de suas sobrancelhas ao mesmo tempo em que ria secamente.
- Estou vendo que resolveu ser racional. – Disse para mim, seu sarcasmo transbordando por cada sílaba. – Você não existe, .
- Eu não existo? – Virei de frente para ele bruscamente, as mãos fechadas em punho ao lado do meu quadril, sem sequer um resquício de vontade de ficar calada como uma pessoa educada faria. – Você que não devia pertencer a nossa sociedade como um ser humano comum! É um perfeito idiota. Falei para você procurar outro a quem incomodar. Eu não quero mais saber! Mas pelo menos tenha a decência de me tratar com educação.
- Ah, agora eu devo ser educado com você porque está brava comigo?
- Não, você deve ser educado comigo porque eu sempre fui educada com você, ! – Seus olhos castanhos se encheram de faíscas, mas não ousaram se desviar dos meus por um segundo sequer e nem tiveram o poder de fazer eu me calar. – Mesmo com seu temperamento inconstante eu jamais faltei com respeito. Quando vai parar de brincar comigo desse jeito?!
Houve um pequeno instante de silencio entre nós dois quando arrumava sua postura e ficava completamente ereto, como se minhas palavras tivessem o atingido de alguma forma.
- Eu nunca brinquei com você, . – Ele me disse por fim.
- Não mesmo? – Não por vontade própria, minha voz falhou. – Enquanto eu procurei você para estar ao meu lado tantas vezes, em tantas situações, tudo o que você fez quando baixou sua guarda foi criar barreiras que impedissem qualquer aproximação. Me repelia quando percebia que elas estavam prestes a ruir. Me magoou e nem sequer se importou com isso.
- Mas eu me importo! – Ele abaixou a cabeça e diminuiu o tom de sua voz, aproximando seu rosto do meu. – Eu me importo com você, . Puta merda, claro que sim! Só que existem coisas que eu preciso fazer sozinho! Você não teria como ajudar em absoluto.
- Como pode ter tanta certeza? Me coloque a prova, .
Outra vez ele se empertigou e se distanciou de mim.
- Você não faz ideia de onde quer se meter. – falou, como quem se arrepende de alguma coisa.
- Então me conte! – Falei imediatamente. – E aí direi se quero ou não me envolver seja com o que for. Acha que eu tenho medo?
- Não posso te meter nisso. – Ele me respondeu de maneira convicta e severa. – Pare de insistir, Ruivinha. Pelo amor de Deus!
Foi minha vez de dar um passo para trás enquanto arrumava minha postura e lhe observava por inteiro, uma concussão se formando em minha cabeça.
- Você não tem coragem. – Disse a ele, recebendo em troca um olhar incrédulo. – É isso, não é? Não tem coragem de resolver as coisas sozinho, então fica fugindo. E mesmo tendo consciência disso se recusa a pedir ajuda. Quer fingir ser o fodão, mas precisa entender que não pode ficar fazendo assim para sempre! Precisa tomar uma decisão, seu garoto estúpido.
E mesmo já tendo terminado de falar, ele continuou me encarando em silêncio, como se absorvesse minhas palavras e tentasse dar sentido as todas elas. Mas não importava afinal qual efeito elas haviam tido na cabeça dele. Gregory já passava por nós dois nos mandando entrar em cena, as gravações prestes a se iniciarem mais uma vez, faltava apenas a última checada de luz, som e ambiente.
suavizou sua expressão, levantou um dos cantos da boca num pequeno sorriso.
- Olha só, que timing perfeito. – Me falou, a ironia presente mais uma vez.
- Não tente mudar de assunto, !
- Tente mudar de assunto, ! – Ele retrucou em seguida. – Como vai atuar com toda essa sua raiva reprimida por mim? Precisa deixar isso pra lá! Ou prefere gravar com essa carranca no rosto enquanto me beija? Tenha foco!
E então, enquanto eu permanecia imóvel e sem palavras, aquele garoto irritante virou as costas e saiu andando para longe de mim. Mas, mesmo sabendo que devia sim ter foco no que viria a seguir e deixar para resolver toda essa palhaçada depois, por impulso não consegui que as coisas simplesmente entrassem em pausa, não queria que ele simplesmente virasse e saísse com a última palavra.
Por isso antes que eu sequer pensasse nelas, as palavras já deixavam minha boca:
- Eu duvido de você, ! – Disse alto, sem me importar com os olhares que recebi em completo questionamento daqueles que estavam próximos a nós. – Tudo o que você sabe é fugir. Duvido que seja capaz de qualquer coisa.
Imediatamente ele interrompeu seus passos, respirou fundo e virou-se para mim. Em dois passos ele estava de volta, de frente para mim, o olhar sério como eu nunca havia visto antes, quase me fazendo prender a respiração e quase me arrepender pelo que tinha dito.
- Juro pra você, . – disse baixo e pausadamente. – Você nunca mais vai repetir isso.
Capítulo 23 - “The blood in my veins
Is made up of mistakes”
's POV
Morar com às vezes parecia mais como se eu estivesse vivendo com o fantasma. Minha amiga falava comigo diariamente, mandava mensagens quase o tempo todo, todas as coisas dela estavam lá no meu apartamento, mas ela não.
Para quem havia dito que tinha um pé atrás em seu pseudo-relacionamento, estava bastante feliz em passar cada segundo livre com , pois nos últimos dias, em todos eles, ela tinha chegado em casa depois da meia noite, algumas vezes parecendo mais alta até que jato particular. Mas quem era eu para falar alguma coisa? E no fim das contas, sempre que a ouvia falar sobre seus passeios com , percebia que ela ficava cada vez mais e mais apaixonada por ele. E como qualquer melhor amiga, eu não podia estar mais feliz por ela.
Em compensação, porém, eu passava mais uma noite no meu apartamento assistindo um filme de baixa categoria qualquer e comendo um pouco de sorvete, desfrutando da minha solidão.
Ok, talvez eu estivesse exagerando. Conversar via SMS com as pessoas não era exatamente estar sozinho, certo? Porque era o que eu estava fazendo naquele momento com .
“Dá pra entender esse filme? Como é possível que um diretor grave essa cena péssima e ainda diga ‘Tá ótimo pessoal, por hoje é só. Agora vamos comer uma pizza.’ Isso não é compreensível!”, enviei para , tentando achar uma razão para continuar a assistir aquele filme péssimo.
“Certa vez um sábio disse: tudo é compreensível se tiver pizza no meio.”, ele me respondeu quase imediatamente. Não pude evitar uma gargalhada.
“E por acaso esse ‘sábio’ seria você, ?”, devolvi numa brincadeira.
“Mas é claro! Acha que eu falaria bobagem? Querida, se tem pizza então é sucesso!”
“Me lembre de no seu aniversário te levar a uma pizzaria rodízio.”, escrevi poucos segundo depois, soando sarcástica, mas já tendo certeza que ele não veria isso de maneira séria.
“Eu serie o cara mais feliz de todo o Reino Unido. Não pense que vou esquecer!”
E com sua última frase, ainda aos risos me levantei do sofá para levar o pote de sorvete, agora vazio, de volta para a cozinha. Foi quando meu celular anunciou outra nova mensagem, e eu, achando que se trataria de meu amigo , abri imediatamente.
Entretanto, quando vi com mais atenção, acabei surpreendida pelo número de seguido pela seguinte frase: "Disse que duvidava de mim? Esteja pronta as onze em ponto. Eu te fiz um favor, e essa é sua oportunidade de retribuir."
Foi quando minha noite foi de razoável para ruim num intervalo de trinta segundos.
estava cobrando o favor que eu devia a ele, e, de uma maneira um tanto surpreendente, ainda querendo mostrar que eu estava errada sobre ele.
Eu não sabia se me sentia curiosa, ansiosa ou apreensiva com o rumo da coisa. Talvez eu afirmasse que estivesse sentindo uma mistura de todas as três sensações revirando em meu estômago.
Em busca de informações adicionais, perguntei então o que eu deveria vestir, e além de uma breve irritação, fui tomada também por desconforto e constrangimento.
"Algo curto.", ele escreveu brevemente, como se não quisesse perder seu tempo prolongando o assunto. Porém mesmo notando seu humor péssimo, desatei a lhe questionar, procurando qualquer resposta que me trouxesse ao menos uma breve luz do que seria.
"Pra quê, ?"
"Você vai descobrir. Só faça o que eu digo e vista algo curto, que mostre bastante pele.", por um momento encarei a tela do celular com o maxilar querendo desprender-se do meu crânio.
"Não! De jeito nenhum vou me vestir igual a uma... a uma vadia. Você só pode estar louco."
E por um segundo achei mesmo que ele tinha desistido. A imobilidade vinda do celular pelos próximos minutos foi quase reconfortante. Isso, até ele vibrar novamente em minhas mãos, anunciando uma nova mensagem que mais parecia um testemunho de Jeová de tão grande:
"Você me acusa de fugir dos meus problemas, diz que duvida de mim, e o louco sou eu? Você me pediu para te botar a prova, e é isso que estou fazendo. Mas se por acaso achar que vai se livrar de mim assim tão fácil esquece! Se me lembro bem, te salvei de um bando de paparazzis loucos e repórteres desesperado por qualquer vinte libras a mais. Até mesmo te ajudei a ir atrás da sua família quando você claramente sabia que ia se encrencar. Então por favor, ao menos pelos favores que me deve, venha e use algo curto."
Fechei os olhos com força enquanto contava mentalmente até dez, segurando a súbita vontade de jogar o aparelho contra a parede, o que de qualquer forma, não resolveria nada, porque depois que ele desmontasse por completo, eu só conseguiria ficar ainda mais frustrada.
O celular vibrou novamente.
"E antes que você continue com sua teimosia, qualquer coisa acima do joelho já é curto. E se você continuar com essa história pra tentar dar um migué em mim, não se surpreenda se eu aparecer com um vestido novo para você. E garanto que você não vai gostar."
"Pode ao menos me dizer para onde vamos!", mandei em seguida, tentando me acostumar coma ideia de realmente sair com ele para sabe-se lá onde fazer sabe-se o quê.
"Não."
"Então não irei.”
"Não vou te sequestrar, se é isso que você está pensando, Ruivinha."
"Nossa. Isso nunca passou pela minha cabeça!"
"Onze horas."
"Pode esquecer."
"Não se atrase."
"Eu te odeio!"
"Até depois."
E foi aí que eu descobri que eu não tinha a opção de escolha.
Ele viria aqui com ou sem a minha permissão, pois adorava ser desagradável comigo. Mas se de fato ele finalmente me contaria alguma coisa qual valesse a pena escutar e que enfim levasse a algum lugar, então talvez eu não devesse reclamar.
Por isso lá estava eu. Me olhando de frente ao espelho do meu closet, não aceitando o fato que daqui a poucos minutos eu teria de andar na frente de outras pessoas vestida daquela forma.
Torci a boca em desaprovação. Não, eu não estava usando uma roupa no estilo de uma das garotas da vida que provavelmente estavam pelas esquinas da cidade rodando bolsinha a uma hora dessas. Mas também não estava vestida de forma respeitável para aquele horário e principalmente clima, admito.
Com um suspiro, encarei o celular esperando por mais um SMS.
Infelizmente já não era mais que me enviava mensagens. Ele, ao contrário de mim, tinha um vasto conhecimento das festas acontecendo pela cidade de Londres. E, apesar do convite dele, precisei recusar a saída, pois além de não gostar muito de festas, já tinha um lugar desconhecido qual ir.
Cinco minutos para as onze e decidi que seria melhor ficar já na portaria.
Pouco depois, esperando o elevador, as portas do mesmo se abriram, um casal de idosos se encontrava dentro dele. Sorri de forma simpática enquanto entreva naquele cubículo e disse um "boa noite" sussurrado.
Eles primeiro sorriram em resposta e depois foram abaixando o olhar para minhas roupas, transformando suas expressões educadas em algo perto do desgosto. Fecharam a cara se se entreolharam com desapontamento, provavelmente pensando que o mundo estava perdido e que a juventude de hoje já não era conservadora como no tempo deles. Deduzi isso quando o senhor balançou a cabeça, os lábios numa linha fina, em sinal de negação.
As portas se abriram logo após o sinal sonoro. Fui rapidamente para os portões da portaria, o barulho dos meus passos reverberando pelo chão enquanto eu lançando um olhar agradecido ao porteiro que, apesar de me esperar com a porta aberta, me olhava dos pés a cabeça completamente desentendido. Parei na calçada da frente, abraçando meu corpo contra o vento gélido e ignorando o olhar das pessoas que chegavam ali no condomínio.
Eu ia matar .
Podia até estar um tanto abafado naquela noite, mas o vento com certeza não deixava que qualquer um percebesse ou sentisse isso. Todos os pelos do meu corpo se eriçarem a cada brisa que me atingia. Se eu estivesse usando roupas adequadas obviamente isso não seria um problema. Mas claro que com a droga do short cintura alta preto e com o cropped estampado de alcinha que eu estava vestindo, conforto não era bem a palavra certa para descrever minha situação. Ah, não me esquecendo do salto gigantesco nos meus pés. Lita Shoes, para ser mais exata, daqueles que até quem está na esquina consegue perceber. O kimono sobre o cropped era meu único consolo.
Não é como se eu não gostasse da combinação final daquele conjunto, ou nunca fosse vestir isso na rua mesmo. Meu problema, para ser mais exata, era usar uma roupa de praia para sair a noite sem saber para onde.
Ah, mas eu não tiraria meu kimono. Nem ferrando, nem se ele quisesse me pagar para isso.
Logo depois de concretizar esse pensamento, um belo Audi V8 preto parou ao meu lado e eu recuei dois passos, pronta para correr de volta para meu apartamento e mandar para o inferno de onde ele veio, quando o sujeito abaixou o vidro e falou diretamente comigo:
- Eu realmente pensei que fosse ter que te carregar até aqui como um saco de batatas. – Disse com o braço para fora da janela direita. – Não sabe como fico grato pela gentileza.
Olhando para cima em questionamento sobre minha vida, passei pela frente do carro e me joguei no banco do passageiro, mantendo a cara fechada na melhor expressão emburrada que eu pude adotar.
- Toma. – Ele falou, jogando uma sacola em minhas pernas. – Isso aqui era pra você vestir. Por precaução.
Tirei o selo da sacola e me deparei com o menor, e quando digo isso não estou sendo exagerada, mas realmente verdadeira com o que meus olhos estavam observando: o menor vestido preto que já vi na vida.
Era um estilo tubinho tomara que caia que muito provavelmente não cobriria nem metade da minha bunda.
- Pode esquecer. Porcos vão voar antes de eu usar aquele trapo. – Joguei o pedaço de pano de volta para o banco de trás, e soltou uma gargalhada.
- Fique tranquila, não vou te fazer usar aquilo.
- Mas você ia. – Contradisse cruzando os braços e mantendo o olhar fixo no vidro dianteiro.
- É, eu ia. – Ele admitiu lançando um sorriso malicioso. – Mas aparentemente você seguiu minhas instruções, e cá estamos nós.
O encarei com tédio. Franzi o cenho e revirei os olhos, ignorando o fato de que ele ainda me média de cima abaixo sem ser no mínimo discreto.
- Pois é, pareceu que eu receberia algumas respostas. Será que podemos sair logo daqui? – Inquiri.
Ele assentiu ao mesmo tempo em que me examinava de cima a baixo.
- Belas pernas, Ruivinha. – Senti o rubor subir até minhas bochechas.
- Vai logo, droga!
E sem outro comentário desnecessário, ele arrancou com o carro e seguiu adiante, estranhamente respeitando todos os sinais de trânsito e todas as placas de velocidade.
Não reclamando do seu súbito respeito pelas leis, mas as ruas estavam totalmente vazias, exceto pelas pessoas que pretendiam gastar as últimas horas da sexta-feira a noite em um Pub ou uma balada qualquer, bebendo até cair na sarjeta ou ficando bêbado pelos cantos. Nada que fizesse meu estilo, de qualquer forma. Porém, então por que, agora que ele podia, não ficava a pelo menos 50 km/h?
O carro seguiu assim, da forma mais silenciosa possível pelos próximos trinta minutos.
- Não vai mesmo me dizer para onde estamos indo, vai? – Perguntei a ele, puxando os lados do meu kimono, tentando me esquentar, em vão.
Ele continuou dirigindo, os olhos fixos na rua e a boca completamente fechada.
Bufei, irritada, sentando encima de uma das minhas pernas.
- Qual é, ? Não vou pular do carro em movimento. Vou com você pra seja lá onde, só fala o nome do lugar.
- Sei disso, é só que ainda estou absorvendo a ideia disso tudo acontecendo. – Ele me falou, nada a vontade com a conversa.
Resolvi não insistir por enquanto e apreciar as casas e prédios por qual passávamos, vendo a arquitetura inglesa, o uso dos tijolinhos a vista, o estilo próprio contrastando com as fachadas de vidro dos grandes edifícios novos e modernos que cresciam pela cidade, quando a voz dele chamou minha atenção mais uma vez:
- Espero que goste de adrenalina, Ruivinha.
E foi vendo seu sorriso malicioso que soube de uma vez por todas que o que quer que fosse acontecer, não ia ter volta.
música parecia vir de todos os lados num som alto ensurdecedor reverberando por cada canto de toda aquela área. Bem que eu poderia estar com meus fones de ouvido agora para tentar amenizar essa barulheira toda, ou mesmo que não fosse bonito, com meus protetores de orelha.
estacionou o carro num lugar totalmente lotado. Um tipo de parking improvisado. E devo acrescentar, não eram encontrados quaisquer carros ali. Marcas caras, os mais potentes do mercado. Todos ali naquele meio, o que para mim era algo incrível, já que cresci com meu pai e a fascinação dele por veículos exatamente como esses.
O motor foi desligado e logo me dei conta de que devia descer do Audi e apreciar o rap que era escutado. Porém foi mais rápido, e antes que eu sequer colocasse um pé para fora, ele já se inclinava sobre mim e fechava a porta de volta.
- Que foi? – Me virei para ele, absolutamente sem reação.
- Antes de qualquer coisa – Falou. –, preciso saber se você consegue atuar sem um script.
- Do que você está falando? – Perguntei sem sequer um pingo de compreensão.
Ele ignorou meu questionamento, e logo sua mão estava no porta luvas, tirando de lá uma arma. Uma arma de verdade daquelas que a gente usava nas aulas de tiro que tínhamos para a série. Meus olhos se arregalaram conforme ele conferia se a mesma estava carregada e a punha no cós de sua calça.
- , o que está acontecendo? P-por que você precisa dessa arma, p-por que...
- Por favor – Ele me encarou completamente sério, seus olhos procurando os meus quase suplicantes. –, preciso que você aja como se tudo aqui fosse completamente normal para você.
- Mas o que voc...
- Você queria saber sobre minha vida, não queria? Então chegou a hora. – Ele respirou fundo, hesitando. – Antes da fama, antes de me inscrever no The X-Factor, minha vida em Bradford era isso. Corridas, drogas, mulheres. Então veio o One Diretion, e comecei a traficar em Londres.
- Você o quê? – Praticamente gritei com tamanha a surpresa. – , se isso é algum tipo de brincadeira, eu juro por...
- Mas não é brincadeira! – Ele me interrompeu, segurando meus ombros com firmeza. – , era exatamente por isso que eu não queria te contar nada. Olha só sua reação! Te trazer aqui foi uma péssima ideia.
Respirei fundo e obriguei a me acalmar. Por mais que suas palavras ficassem em ecos em minha cabeça, eu não podia me dar o direito de surtar, não aqui e nem agora. Se insisti o bastante para fazer com que ele me trouxesse aqui, devia ser capaz de ouvir o que ele tinha a dizer e ainda ser capaz de ir com isso até o fim. Fosse como fosse. Mostrar que eu não estava com medo.
- Não foi. – Falei após um momento. – Eu... Só continue o que estava dizendo, . Não vou te deixar aqui.
Foi a vez ele de me olhar com espanto. Talvez minha aceitação rápida o tenha confundido, talvez ele não esperasse que fosse ser assim tão fácil. Ele fechou os olhos e abaixou a cabeça, as mãos dele soltando meus ombros e caindo sobre suas pernas.
- Não faço mais isso.
- Isso o quê? – As drogas, as mulheres ou as corridas?, quis completar, mas me contive imediatamente.
- Nada disso. – Respondeu. – Eu parei faz uns meses. Quando comecei a trabalhar na série, saí disso.
- Então por que me trouxe aqui? Para apreciar as corridas enquanto respiro a fumaça dos baseados? – A frase soou mais rude do que eu tinha planejado, mas não tinha motivos para me arrepender de tê-la dito.
- Te trouxe aqui porque você estava certa. – Ele levantou seu rosto novamente e imediatamente seus olhos buscaram os meus. A voz parecia cansada, num ritmo lento como quem acaba de admitir um arrependimento. – Não conseguiria fazer isso sozinho. E por mais que eu pudesse ter escolhido um milhão de pessoas para trazer comigo, por alguma razão escolhi trazer você, mesmo tendo plena consciência de que possa me arrepender completamente disso mais tarde.
Por um segundo eu fiquei apenas o analisando. Seus olhos um pouco arregalados, sua respiração mais forte, como se estivesse nervoso e seus lábios se apertando, um contra o outro em apreensão.
- Me trouxe aqui por causa das coisas que te disse outro dia. – Falei dedutivamente. Primeiro ele hesitou, como se tivesse mais o que dizer, mas por fim balançou a cabeça em uma fraca afirmação. – Tudo bem, eu estou dentro.
- É sério? – Ele soou como se não acreditasse nas palavras que eu dizia.
- Me diga o que devo fazer antes que eu saia correndo desse carro direto para o primeiro ponto de ônibus que eu encontrar, .
Ainda o observando, achei ter visto a sombra de um sorriso se erguer no canto de sua boca, porém logo em seguida percebi talvez ter me enganado, sua expressão estava séria da mesma maneira que esteve desde que chegamos ali.
- Não saia do meu lado, haja o que houver. – Começou a falar. – E haja normalmente, como eu tinha dito antes.
- Ok. – Concordei de imediato, meus batimentos cardíacos aumentando, o nervosismo começando a se mostrar presente. – Mas me diga o porquê de tudo isso.
- Porque – Ele respirou fundo. –, eu tinha feito um trato com os caras que “trabalham” aqui. Paguei eles para tirarem meu nome do tráfico. Mas apesar do acordo, meu nome ainda está no meio, como se eu fosse um fantasma. Vim aqui mudar isso.
- E acha que vai dar certo? – Perguntei.
Ele se afastou de mim e abriu a porta do carro.
- Tomara que sim.
Caminhei ao lado de durante um tempo, mas não deixei de olhar ao meu redor procurando uma roupa que cobrisse as pernas e não mostrasse a calcinha ou não tivesse um decote até o umbigo qual todas as garotas pareciam usar com gosto e vontade, ou então algum dos caras que não estivesse com os braços expostos cobertos de tatuagens, correntes de ouro e relógios caros como acessórios, fora os cigarros pendendo em suas bocas.
me guiou com uma mão espalmada no fim das minhas costas até um grupo de homens a alguns metros de distância de nós. Eles fumavam e bebiam. Todos riam deliberadamente e por causa disso não foi difícil perceber que eles estavam um tanto fora de si.
- Shepard. – Disse com um sorriso no canto dos lábios.
- . – Respondeu o homem, levantando o copo com bebida em nossa direção, arqueando a sobrancelha como se fosse uma surpresa vê-lo por ali. – Achei que nunca mais fosse vê-lo.
Ele era moreno, estatura média. Não parecia estar 100% na terra, sendo que seus olhos estavam um pouco dispersos e fora de foco, provavelmente pelo álcool e a nicotina (ou talvez maconha) que estava fumando.
- Sabe que não faço mais parte disso. – disse para Shepard.
- É, foi o que me falaram. – O mesmo respondeu, transferindo o olhar dele para mim, passando a língua pelo lábio inferior com um sorriso de lado que embrulhou meu estômago, avaliando me da cabeça aos pés. – Trouxe companhia, ?
Por um instante muito breve olhou para mim, o olhar especulativo, como se decidisse algo em sua mente.
- É sim, essa é a minha garota, Thomas.
Me virei então para Thomas Shepard, e lembrando do que havia me dito apenas alguns minutos antes, assumi meu papel do momento e sorri para o homem. Um sorriso avaliativo que não chegava aos olhos, quase dizendo que eu era boa demais para ele.
- Oi, gracinha. – Ele disse para mim, entretanto, não obteve resposta. Voltou-se para em seguida. – Vai participar hoje?
- Como está o circuito? – puxou um cigarro dos bolsos da calça e o acendeu em seguida.
- Como você ainda se lembra. – O outro respondeu. – Você sabe, curvas fechadas, obstáculos pelo caminho, risco da polícia flagrar e vários caras se achando os fodões.
- Entendo. – soltou a fumaça para o lado oposto de onde eu estava e depois passou a mão pela barba do seu queixo. – Quando Beckett vai correr?
- Não sei, cara. – Respondeu Thomas, tomando um gole da bebida. – Estava perto da largada, assistindo, como de costume.
apenas assentiu e mordeu o lábio. Parecia pensar em algo, e eu sinceramente não queria saber no quê. A única coisa que eu pensava era em como aquilo tudo acabaria.
- A gente se vê. – começou a me puxar delicadamente, nos afastando do grupo quando a voz grave de Shepard nos interrompeu:
- Vai deixar a garota aqui? Ou pretende fazê-la participar?
Virei com os olhos para . Ele abriu um sorriso torto e dirigiu um olhar cheio de malícia para Shepard.
- Acredite se quiser, mas ela gosta de uma boa aventura. – Respondeu sem tirar a mão da base da minha coluna, dando outra tragada no cigarro.
tinha um brilho estranho nos olhos e num instante de devaneio me perguntei se aquele era realmente o tipo de passeio que propunha ou fazia com seus amigos nos fins de semana antes de tudo mudar para ele.
- Uma garota cheia de surpresas. Você não perde uma, hein? – Disse Shepard, seu tom repleto de segundas e terceira intenções. – Sabe o caminho, . Boa sorte na corrida.
virou as costas, lhe dirigindo um último sorriso sem mostrar os dentes e começou a me conduzir de volta para o carro. Percebi sua tensão quando olhei para sua postura subitamente ereta depois de jogar o que restava do cigarro fora. Ele expirou o ar com força assim que adentramos o veículo e deu marcha ré no carro.
- ? – Eu o chamei, uma indagação na minha voz clara de como ele estava se sentindo. Ele nada me respondeu. – , me...
- Eu estou bem. – Me cortou.
- Conheço você. – Falei em seguida. – Então não minta pra mim, pode ser? Eu agradeceria por isso.
- Já está ficando irritada assim comigo? – Seu tom era de brincadeira, mas o humor não chegava ao seu olhar. – Qual é, Ruivinha, nem nos divertimos ainda.
Talvez tenha sido o peso do meu olhar sobre si ou então apenas sua consciência percebendo que não era o momento certo para uma brincadeira.
- O que você quer que eu diga? – Virou-se para mim rapidamente. – Eu estou nervoso, sim. Não e fácil de lidar com isso.
- Mas eu nunca achei que fosse.
Ele parou o carro e o desligou. Olhou para mim e depois voltou seu olhar para frente, como se pensasse em algo. martelou os dedos no volante e só depois de vários segundos voltou a olhar para mim.
- Você está com medo. – Era mais uma afirmação que uma pergunta de fato.
Meu coração estava disparado, eu sentia o sangue correr quente em minhas veias como há muito não fazia. Era precisava controlar para que minha voz não saísse falha. Provavelmente se eu levantasse minha mão, seria capaz de vê-la tremer levemente. Mas medo? Não, não era isso. Eu chutaria que a sensação era mais uma grande ansiedade.
Quando não respondi, ele buscou minhas mãos com as suas, apertando as levemente.
- ... – Ele soou frágil, de uma maneira que nunca tive a oportunidade de presenciar. – Eu podia escolher qualquer pessoa pra vir aqui hoje, mas escolhi você porque eu confio em você.
Ele foi tão sério, tão convicto no que dizia, que me fez pensar de verdade que ele precisava da minha ajuda. E mesmo ele sendo um ator, não parecia estar blefando. Era sincero e qualquer poderia perceber isso.
- Vai ser perigoso, não vai?
- Pode ser que sim e pode ser que não. – Me respondeu. – Eu não tenho como te garantir isso, mas eu prometo, eu juro que não vou deixar nada acontecer com você, só não desista agora, Ruivinha, por favor! Já fiz isso um milhão de vezes antes e ainda estou aqui. Não vai ser hoje, só porque você está aqui, que isso vai mudar.
Respirei profundamente e segurei o ar por alguns segundos antes de expeli-lo. Fechei os olhos enquanto o fazia, e quando os abri novamente, as íris castanhas dele estavam buscando pelos minhas. Estavam levemente dilatadas, num apelo silencioso. Me esforcei para tentar convencer a mim mesma que tudo terminaria bem no final, independente do que viesse a acontecer. tentava me passar tranquilidade, confiança e segurança. Uma promessa de que realmente ia cuidar de mim.
- Confie em mim. – Ele pediu uma última vez. E eu confiei.
O som da música havia se elevado ainda mais, tão alta que a escutava ecoar em minha cabeça e reverberar no chão sob meus sapatos de salto, num tremor rítmico sem fim.
Mulheres desfilavam e rebolavam como se aquele fosse o objetivo de vida delas. Algumas ficavam coladas a homens que não faziam nada mais que lhes lançar um olhar de luxuria e desejo completo, passando a mão sobre elas como se fossem objetos de uso próprio para necessidades particulares.
Tentei não expressar meu desconforto com tudo aquilo, principalmente para todos os olhares que eu recebia, em sua maioria vindos do sexo feminino, nem um pouco carinhosos. Não sabia se tudo aquilo era inveja por eu estar acompanhada de ou apenas curiosidade para descobrir quem eu era.
- Posso adivinhar que pela quantidade de olhares que estamos recebendo, você é tão famoso por aqui quanto é nas telinhas. – Disse enquanto observava ao meu redor.
- Isso e também estão secando você.
- Me secando? Fala sério, você já viu o corpo dessas garotas?
- E você por acaso já viu o seu? – Respondeu, inclinando a cabeça para próximo do meu ouvido sabendo que apenas eu o escutaria.
O rubor subiu de imediato até minhas bochechas, minha boca ficou seca. Não tinha coragem de olhar para ele agora. E graças aos céus eu não tive que dizer nada, pois no segundo seguinte, um homem irrompeu em nosso caminho. Braços cruzados e olhar impetuoso, nos analisando dos pés a cabeça.
Ele era alto, encorpado. Usava uma camiseta regata preta, em contraste com sua pele clara e pálida, bem larga e cavada nas laterais, como se quisesse propositalmente chamar a atenção para seus braços grandes. Parecia aquele tipo de homem que passa metade do dia na academia treinando e a outra metade do mesmo num estúdio de tatuagens procurando algum lugar vago para preencher com qualquer figura aleatória. Era intimidante de um jeito que fazia o estômago revirar e evitar olha-lo nos olhos.
- Ora, ora... Vejam só quem veio fazer uma visita. – O homem ironizou, passando a mão por seus cabelos loiros que caiam sobre seus olhos verdes. – , quanto tempo! E ainda trouxe uma amiga?
se empertigou ao meu lado e passou seu braço por minhas costas, me deixando mais próxima de si.
- Como vai, Beckett? Essa amiga, na verdade é minha garota. – Assim como , sorri sem mostrar os dentes.
- Bom saber... – Ele sorriu, trocando o peso do corpo de pé. Existia uma malicia por trás da sua voz, algo certamente ruim. – E qual é o nome da belezinha, mesmo? , não é?
Involuntariamente arqueei uma sobrancelha e o observei, surpresa por sua afirmação inesperada. Vi ao meu lado formar um meio sorriso, e então passou sua mão por minha cintura.
- Então você a conhece? – questionou de maneira casual, porém não parecia particularmente feliz.
- É. Bem difícil não conhecer, muito menos de esquecer, aliás. – Os olhos do loiro percorreram cada centímetro do meu corpo sem se preocupar minimamente em ser discreto. Por fim soltou uma risada rouca e passou os dedos pelo maxilar.
Um arrepio subiu por minha espinha, me contive para não dar um passo para trás em desconforto. Não é como se eu nunca tivesse recebido uma cantada na vida, acontece que a maneira gélida com a qual ele me olhava, não me deixava só sem graça, como com receito também.
pigarreou alto ao meu lado e eu suspirei um tanto aliviada quando os olhos daquele estranho me deixaram indo imediatamente para o moreno ao meu lado.
- Ela vai correr comigo. – Afirmou, levantando o queixo e eu abri um sorriso para ele como se apoiasse a ideia completamente.
- Essa é nova pra mim, . – Disse o homem, inclinando a cabeça para o lado com ar superior, parecia um tanto cético. – Achei que corresse sozinho.
- Enjoei de mesmice, Beckett. É muito chato. – A sombra de um sorriso passou pelo rosto de , porém tinha sido uma atitude muito breve, logo em seguida ele já estava sério novamente.
- Bom, parece que me enganei sobre você, certo? – Ridicularizou Beckett. – Não só pela corrida. Eu podia jurar que você não fazia o tipo de se compromissar.
- Pois é, parece que você se deixou enganar. – O tom de era baixo e controlado, sua face completamente inexpressiva. Beckett, por outro lado, não se preocupou em deixar que um sorriso perverso crescesse em seus lábios.
- Muito bem. – Disse após um singelo momento de silêncio, cruzando os braços. – Vai correr hoje, então?
Algumas pessoas que já estavam de olho em nossa conversa antes, se aproximaram de nós, formando um semicírculo ao redor de nós três, com interesse explícito em tudo o que viria a seguir.
- Vamos fazer como nos velhos tempos. – respondeu com firmeza, olhando para mim de relance e recebendo um sorriso de pura animação como resposta.
Beckett trocou um rápido olhar entre eu e o moreno, e então abriu os braços indicando a rua marcada com uma linha improvisada.
- É só entrar no carro, .
Eu me sentei ao lado de , no banco do passageiro, segurando firme nas laterais do meu assento como se minha vida dependesse disso. Dentro do carro, com todos os vidros escuros, eu não tinha mais porque fingir que estava tudo bem, lindo e maravilhoso.
- Até que velocidade isso alcança? – Perguntei respirando fundo, sem lhe dar a chance de falar alguma coisa antes de mim.
Ele inclinou a cabeça levemente para o lado e deu de ombros.
- É melhor deixar esse detalhe de lado. – Falou para mim, passando as palmas das mãos apressadamente pelo jeans de sua calça. – Vai que você tem algum ataque e pula do carro em movimento? Não quero ser acusado da morte de ninguém.
- Nossa, como você é doce, . Estou comovida com você e sua delicadeza. – Respondi, tentando soar indiferente, mas falhando terrivelmente.
- Bem, coloque o cinto de segurança. E me desculpe por isso. – Disse olhando-me de relance e ligando o veículo em seguida.
Os dois carros se posicionaram na linha de largada. Primeiro o do e logo em seguida o do Beckett. Os gritos das pessoas se intensificaram. Eu podia ver, não nitidamente, todos apostando um com os outros, qual seria o carro vencedor. Compartilhavam bebidas e cigarros, provavelmente drogas também. As coisas que essa gente usava eram daquelas que a polícia não gostava nem um pouco e fazia questão de proibir à venda para quaisquer pessoas. Simples assim.
Aquele lugar não era pra mim.
Fechei os olhos mais uma vez e a imagem do acidente há um ano veio a minha memória. Foi um péssimo momento para tal recordação vir à tona, entretanto foi inevitável. Respirei fundo, tentando acalmar tanto meu coração que pulsava desordenado, quanto minha mente traíra. Tentei convencer a mim mesma que nada daquilo aconteceria novamente.
Nem sequer havia começado a contagem regressiva e eu já sentia a adrenalina correr em minhas veias, meu calor interno se intensificando.
pareceu perceber meu nervosismo e virou os olhos para mim, estudando-me por um momento. Não sei como, mas um lapso de entendimento passou por seus olhos e sua expressão, até então completamente imutável de frieza e seriedade, se atenuou claramente.
- Não se preocupe, . Não sou um motorista tão ruim. – Tentou mostrar um sorriso confiante. – Vai sair daqui sem sequer um arranhão. Prometi isso a você, por favor, não se esqueça.
Balancei a cabeça, confirmando. Tentei pensar naquilo como um brinquedo de parque de diversões. Um carrinho de montanha russa com circuito planejado pelos trilhos, alta velocidade, curvas inesperadas. Mesmo sabendo que não era completamente seguro e que a qualquer momento algo podia dar errado.
Prendi o cinto de segurança assim que fez o mesmo, concentrando-se completamente na rua em sua frente.
Uma garota pegou a bandeira (um pedaço de pano vermelho vibrante) e se colocou no meio dos carros. Estava chegando o momento da partida.
Eu achei que as coisas não pudessem piorar, então ela começou a rebolar sensualmente ao som da música aleatória que preenchia o ar de toda aquela região, e, de alguma forma que eu não queria nem entender, ela tirou a calcinha, abaixando-a até que a peça de roupa atingiu o chão entre seus sapatos de salto agulha.
Meu queixo quase se desprendeu do meu crânio no mesmo momento em que a plateia gritou em delírio. Ela riu adorando ser o centro das atenções, pegou a peça e atirou para um grupo de pessoas próximo a pista. Eu estava completamente constrangida pela atitude dela, querendo poder me enfiar debaixo dos bancos e ficar lá até que tudo acabasse.
, ao contrário de mim, gargalhou ao meu lado, jogando a cabeça para trás por um segundo. Talvez pela atitude da garota ou então pela minha reação, não tive coragem de perguntar.
Os motores começaram a roncar. apertava o volante entre seus dedos e soltava o ar com força, trocando a seriedade por um meio sorriso durante todo o tempo. Trocou olhares desafiadores com Beckett, que ria e gargalhava em completo êxtase junto da garota seminua sentada ao seu lado.
O motor do Audi V8 ecoou pelo lugar tão alto quanto a música.
- Vamos nos divertir um pouco. – disse, assim que a bandeira baixou.
Ele pisou fundo no acelerador, Beckett ao seu lado agindo exatamente da mesma forma no mesmo segundo. Os pneus cantaram, um som conjunto seguido do cheiro forte de borracha queimada e a paisagem ao redor virou um simples borrão em questão de meros segundos.
Minha mente estava um turbilhão. Eu olhava para e o via preso a uma concentração fora de qualquer padrão, olhos tão fixos que ele sequer piscava.
E então veio a primeira curva.
Meu ombro bateu na lateral da porta, o cinto imediatamente travou com a virada brusca e em seguida foi feita a mesma coisa para o lado oposto. O barulho dos pneus contra o asfalto e os motores cada vez mais forte, eram as únicas coisas que eu ouvia, além dos meus próprios batimentos cardíacos ecoando em meus ouvidos. Precisei esticar as mãos e apoiá-las no porta luva a minha frente em busca de estabilidade.
Quando o carro voltou a uma nova reta, acelerando deliberadamente numa potência incogitada por mim enquanto assumia a frente, deixando Beckett para trás com toda sua arrogância, consegui virar o rosto para o lado e ver um sorriso de puro êxtase nos lábios de . Eu poderia ponderar a ideia dele ser louco por gostar desse tipo de coisa, por sentir prazer em algo inconsequente, mas meu pensamento foi interrompido por uma pancada vinda da parte de trás do veículo que impulsionou nossos corpos para frente em surpresa.
Queria perguntar para se essa palhaçada toda estava valendo, se existia alguma regra para tudo isso, mas não consegui pronunciar as palavras.
xingou e pisou no freio em seguida propositalmente, fazendo com que Beckett à nossa cola jogasse o carro para o lado evitando uma batida mais forte. Ele definitivamente não pareceu feliz. Soube disso no momento em que comecei a escutar seus elogios tão educados a nós dois. Ele conseguia ter a voz bastante estridente e parecia um louco ao gritá-las com um sorriso na cara.
Uma curva bastante fechada quase permitiu que ele nos ultrapassasse e também nos tirasse da pista. Ele estava praticamente jogando seu carro em cima do nosso sem se importar com o que aconteceria ou não. Algumas coisas jogadas pela pista, pedaços de coisas que não consegui identificar, conseguiu atrasa-lo mais que a gente.
Quando a reta veio, o carro demorou a se estabilizar, mas o zigue-zague que fez durante uns segundos nos manteve na liderança por mais tempo, poucos segundos antes de, novamente, Beckett colar em nossa traseira.
O próximo movimento de teria sido o mais burro até aquele instante. Acelerou o carro ainda mais, e como toda ação causa uma reação, Beckett insistiu em fazer o mesmo, mas não teve oportunidade de alcançar sua velocidade máxima como fazia nosso carro. freou, bruscamente. Porém ao contrário da vez anterior, ambos estavam muito próximos um do outro. O susto para Beckett foi tão grande, que pelo espelho pude vê-lo virar totalmente o volante para a esquerda, e tive a impressão de vê-lo girar na pista como se perdesse o controle da direção. Virei o rosto para ver e acabei ainda mais assustada.
O garoto ao meu lado sorria. Arregalei meus olhos achando aquilo uma loucura completa, estando completamente sem ar nos pulmões, o coração batendo tão forte que parecia prestes a explodir. De relance olhei para trás e vi Beckett vindo. Ainda que estivesse bem atrás, seguia bem como se nada tivesse acontecido, mas ainda estava bem atrás. , que quase havia provocado um acidente estava gargalhando, divertido com a situação.
Eu podia apostar qualquer coisa que Beckett com certeza absoluta não esqueceria nada disso. Tive certeza quando por descuido, ou talvez de propósito, diminuiu a velocidade e o carro de pintura néon reapareceu ao nosso lado.
Como ele tinha nos alcançado, eu não fazia ideia. trincou o maxilar, mas ele não olhava para o outro motorista. Era como se sua preocupação não fosse com a possível dianteira que Beckett pegaria se ele não voltasse a acelerar, e sim por algo que vira a seguir.
Comecei a perceber que mesmo ainda em alta velocidade, ele só havia diminuído o suficiente para que Beckett nos passasse. Ele queria exatamente isso.
E antes que eu pudesse perguntar ou dizer algo sobre minha percepção, passamos por uma linha desenhada no chão, a mesma qual havíamos começado. Me dei conta logo em seguida, surpresa, que tínhamos praticamente andado em círculos e que por pouco nós não havíamos ganhado também.
Os gritos vieram de todas as partes. As pessoas pulavam e comemoravam como se de fato aquilo fosse um torneio.
Quando finalmente o carro parou e respirei fundo, achando que podia perguntar ou ao menos dizer alguma coisa, se virou para mim com o dedo indicador dobre seus lábios.
- Não fale nada. – Ele me advertiu rapidamente, entredentes. – Deixei que ele ganhasse porque preciso pedir uma revanche, preciso desafia-lo. É o único jeito de fazer com que ele considere parar com os boatos, ok? Confie em mim.
Tardiamente assenti em concordância, ele já estava fora do carro me esperando. Imediatamente fui a seu encontro, me colocando ao seu lado. Ainda que estivesse com as pernas bambas e a respiração errática, me esforcei para exibir um sorriso convincente, tão alegre e animado quanto o de uma criança em véspera de Natal. Precisava fazer com que ninguém notasse o quão desconsertada eu estava com tudo aquilo.
olhou para mim por cima do ombro, de cima abaixo, e passou sua mão por minha cintura, claramente percebendo que eu precisava de algum apoio e o oferecendo para mim. Não fui capaz de negar tal ato e passei meu próprio braço por suas costas.
- Foi por pouco, . – Beckett agarrou o quadril de uma loira (a mesma que havia corrido com ele) e a puxou para perto. Ele fingia claramente estar impressionado. – Quase achei que você fosse me vencer quando me fez rodopiar daquele jeito.
- Sabe que eu achei a mesma coisa? – o provocou, sorrindo abertamente.
- Mas algumas coisas são difíceis de mudar, certo? – Os dedos em minha cintura se estreitaram, e tive certeza que ele já não queria mais saber de indiretas.
Algumas pessoas se aproximaram. Riam e trocavam olhares entre Beckett e , sussurravam sem sequer se importarem se fossem ou não as escutar.
- Que tal uma revanche? – sugeriu, dando um passo a frente e me arrastando junto.
As conversas se intensificaram, a atenção sobre ambos começou a crescer ainda mais a cada segundo que se passava.
- Quer perder de novo? – Beckett arqueou uma sobrancelha em divertimento. Parecia convencido de que aquilo não se passava de uma brincadeira vinda de .
- Na verdade quero fazer uma aposta.
As pessoas soltaram um "uhhh" em uníssono, apoiando completamente fosse lá o que estivesse para acontecer. A atenção se voltou então para o sorriso desafiador de e a minha aparente tranquilidade, quebrada apenas por meu olhar carregado de segundas intenções.
- Que tipo de aposta, ? – Inquiriu Beckett sem seu olhar de arrogância, adquirindo uma expressão séria que, por hora, parecia nos estudar, procurando descobrir o que havia por trás das palavras de .
- Do tipo que, se eu ganhar, você para com os boatos das vendas de drogas no meu nome. Não faço mais parte disso.
Não consegui evitar olhar com o canto dos olhos para quando ele fechou a boca. Carregava uma frieza em si, tentando não deixar transparecer o que estava sentindo. Mas eu, que estava próxima a ele e que o conhecia, sabia e sentia seu nervosismo e incerteza como ninguém ali. Uma apreensão acumulada enrijecia cada um dos seus músculos.
- Como você disse, – Beckett estralou a língua no céu da boca. –, são apenas boatos. Não tem que se preocupar com isso.
- É aí que você se engana. Tenho que me preocupar sim quando o assunto deixa esses galpões e passa para o meu ambiente de trabalho. Eu não vendo drogas. Não faço mais parte de nada disso aqui, já cansei de repetir. É uma completa mentira. – Me remexi desconfortável. Ele parecia bastante atordoado. – Você sabe que está colocando em risco tudo isso quando não põe fim às fofocas, Beckett. Pois se a polícia começar a ficar em cima de mim por algum motivo, isso não vai ser bom para ninguém. Você deve imaginar que é difícil se manter longe das autoridades quando aparece na televisão toda semana e tem seus passos rastreados pelas revistas do mundo. Eles chegariam até você em dois segundos.
Houve uma pequena pausa entre o diálogo dos dois. O ar começou a ficar carregado ao nosso redor, como se todos tivessem parado de respirar por um segundo. A risada de Beckett foi a única coisa que quebrou o silêncio.
- Não sabia que você era tão dramático, . Achei que fizesse isso só na TV e naquela sua bandinha. – exalou o ar com força, mas não esboçou nenhum tipo de reação. Permaneceu imóvel ao meu lado. – Isso foi algum tipo de ameaça?
Alguns homens nos encararam em desafio, levantando a barra de suas camisetas minimamente para mostrar as armas presas no cós de suas calças.
Puxei a parte de trás da jaqueta de com força, querendo que ele reparasse nas mesmas coisas que eu estava reparando. Respirei fundo e me controlei para não deixa o terror transparecer por meu rosto até então indiferente. Não é como se eu não soubesse que aquilo podia desandar. também tinha uma arma consigo, mas e aí? Dezenas deles contra dois de nós não parecia uma matemática razoável. devolveu o toque em minha cintura, em um carinho quase reconfortante como se dissesse para eu ficar tranquila.
- De forma alguma. – Respondeu. – Só quero evitar qualquer mal a vocês.
Beckett nos observou, como se quisesse encontrar qualquer alteração até mesmo em nossa respiração, buscando um sinal de mentira.
Me apertei mais contra temendo por mil possibilidades e então o homem afastou a loira de si, vindo até nós.
- Muito bem. – Disse. – Se me ganhar na corrida, eu paro os boatos e você não tem que se preocupar mais com todo esse drama. – Levantou as mãos em sinal de inocência e quase consegui fechar os olhos em alívio.
- Então temos um acordo? – O garoto ao meu lado questionou. Parecia imperceptivelmente mais leve.
- Quase. – franziu o cenho e eu, em estado de confusão, devo ter feito a mesma coisa. – Se eu ganhar, também quero algo.
tirou uma chave do bolço da calça skini preta e estendeu para ele logo em seguida.
- Meu jaguar preto, zero quilômetros rodados. Se ganhar, mando entregar na sua casa. – Ergueu o chaveiro e o balançou no ar em frente ao loiro.
- Ótima oferta, mas já tenho muitos carros em minha coleção. – Ele trocou o peso do corpo de pé, não contendo um sorriso repleto de malícia. – Eu estava pensando em algo mais interessante.
- E o que seria? – arqueou uma sobrancelha.
Ele parecia sereno, um bom ouvinte como se estivesse interessado. Mas eu não estava gostando do rumo da conversa, mesmo sabendo que precisava entrar no jogo ainda que não me sentisse nem um pouco a vontade.
Beckett gargalhou e colocou um cigarro que havia acabado de acender na boca, dando uma longa tragada. Seu olhar que antes vagava pela multidão, por fim se focou em mim. Por trás da fumaça que soltava, distingui sua expressão e não fui capaz de conter a onda de medo.
- Eu quero a garota.
Capítulo 24 - “I’m going home with who I came with
And who I came is not you”
’s POV
Prendi a respiração involuntariamente e senti a mão de se apertar ainda mais por minha cintura. Eu estava completamente sem reação, perplexa. Por um instante tudo ao meu redor ficou desfocado. Nem mesmo as vozes das pessoas, altas e cheias de expectativas, conseguiam tirar-me do meu devaneio. Era como se eu estivesse embaixo d’água, mergulhando cada vez mais fundo, ouvia meus próprios batimentos cardíacos como ecos em meus ouvidos, e minha visão turva enxergava apenas vislumbres em câmera lenta do que realmente estava acontecendo.
Então deu um passo a frente e eu soltei o ar, sentindo-me momentaneamente tonta e desamparada sem seu corpo ao meu lado.
- Não. – Ele respondeu. Vi seu maxilar rígido e os olhos tentando controlar sua raiva. Os punhos estavam cerrados ao lado do seu tronco, as juntas dos dedos tão brancas quanto giz. – Escolha qualquer outra coisa, Beckett, e será sua. Mas não.
- E por que não? – O homem loiro o encarou com ar de inocência. – Ela parece estar se divertindo.
- Tá maluco? – Inquiriu . Estava prestes a perder a cabeça e parecia realmente estar se controlando muito para não o fazer. – Deixe-a fora disso. Ela não faz parte da aposta.
- Qual é, . Não é como se ela fosse ser minha propriedade. Digo que a quero, mas por uma noite apenas.
Beckett deixou a ultima palavra se prolongar no espaço entre nós, carregada de promessas que me reviravam o estômago sem um pingo de esforço sequer. Engoli em seco.
- Não. – repetiu, a voz firme e convicta.
- Bom, então parece que não temos nenhum acordo.
Beckett virou as costas, fingia desânimo por trás de um sorriso crescente que dizia claramente que se não fossem nos termos dele, nada funcionaria. Era um jogo, e ele queria ver até onde era capaz de ir para deixar seu nome fora das bocas fofoqueiras, se estava disposto a arriscar mesmo pessoas próximas dele para tentar conseguir o que queria.
Olhei para , os olhos vítreos e o os dentes trincados, todos os músculos tensos. Quase podia ver seu cérebro buscando outro caminho, em vão. Ele estava sem saída, era pegar ou largar. Respirei fundo esperando as palavras de confirmação. Mas percebi, quando ele me olhou sobre o ombro, que estava desistindo, que não iria me arriscar.
Contudo, eu não permitiria esse fim.
Foi quando eu dei um passo a frente, entorpecida por meus próprios pensamentos desordenados, e pronunciei:
- Feito.
Beckett arqueou uma sobrancelha, completamente surpreso, assim como todos ao redor que pareceram impressionados. O único que não demonstrava satisfação era , que virou-se para mim, o rosto pálido, desacreditado.
- , o que...
- Se ganhar os boatos terminam. – Falei alto para que todos me ouvissem. – Se ele perder, então eu passo a noite com você, Beckett.
Houve um momento de silêncio pleno, quando aparentemente todos ao redor nos encararam sem reação, trocando olhares entre , eu e Beckett. Era claro o suficiente que nós três estávamos sendo o centro das atenções e o divertimento daquela gente.
O homem loiro cruzou os braços e mordeu o lábio enquanto ainda dançava seus olhos sobre nós. Curioso, aguardava que dissesse algo mais. Entretanto, estava ocupado demais me fulminando para dizer uma palavra que fosse naquele momento. Finalmente, depois de Beckett se dar conta disso e de soltar um riso fraco e inaudível, falou:
- Garota corajosa. – Se dirigiu para mim. – Não está com medo?
- Medo? – Devolvi abruptamente, despejando as palavras sem sequer me preocupar. – Lido com gente gananciosa, que pensa ser o centro do mundo todos os dias. Por que espera que eu saia correndo de você sabendo que não passa de alguém como elas?
O homem me olhou fascinado. Obviamente não havia gostado do que tinha acabado de ouvir, mas ainda assim estava completamente surpreso com minhas palavras, como se jamais esperasse escuta-las vindas de alguém como eu. Porém mais rápido do que pude notar, sua face mudou. E algo na sua nova expressão, fria e calculada, fez com que eu vacilasse em minha firmeza.
Ele caminhou até mim lentamente. Não ousei mexer um músculo, nem sequer respirar enquanto isso. , que estava parado a uma pequena distância de onde eu estava, observava com atenção enquanto Beckett fazia um círculo ao meu redor, passando as costas da mão em meu rosto e puxando uma mexa do meu cabelo, enrolando-a entre seus próprios dedos.
- Muito bonito o seu cabelo. – Disse como quem não quer nada. Eu olhava fixamente para frente e mantinha minha postura ereta todo o tempo, mesmo quando ele aproximou sua boca do meu ouvido e sussurrou lenta e ameaçadoramente, apenas para eu escutar: – Vou adorar puxá-lo mais tarde enquanto você geme.
Senti meu estômago se revirar, a bile subindo por meu esôfago enquanto ele se afastava calmamente sorrindo. Parecia convicto de que já havia ganhado o racha. Seu olhar superior ao passar por mais do que provava isso.
- Cinco minutos para começarmos sua revanche, . – O loiro disse e se retirou, puxando uma garrafa de cerveja da mão de um dos homens ao seu encalço para virar o conteúdo da mesma pela garganta no segundo seguinte.
As pessoas que estavam a nossa volta demoraram a se dispersar. Estavam entretidas demais com nós três para fazer qualquer outra coisa. Só quando finalmente começaram espalhar-se que eu pude voltar a respirar novamente. E foi nesse momento também que segurou firme em meu braço e me levou para um local afastado, sem muitos olhos fixos em nós dois.
- Você perdeu a cabeça? – Ele perguntou sem um pingo de delicadeza. – Tem noção do que você acabou de fazer, ?
- Só estava tentando ajudar! – Reclamei puxando meu braço para fora do seu aperto.
- Ajudar? Puta que pariu! – passou as mãos pelo cabelo o bagunçando completamente. Parecia prestes a explodir de raiva, as veias do seu pescoço pulsavam nitidamente contra sua pele. – Caralho, eu pensava que você fosse mais inteligente. Devia ter ficado quieta e não ter saído do meu lado, era tudo o que precisava fazer!
- E o que isso ia mudar? – Devolvi com a voz estridente. – Você teria recusado, ele ia pensar que você é fraco e jamais te daria outra chance de limpar seu nome. Acha que eu não sei o que aconteceria? Ao menos agora você tem a chance de conseguir o que quer e quem sabe depois deixar de ser um pé no saco.
Ele me encarou, olhos arregalados, semblante torcido e a boca entreaberta. Não é como se eu não soubesse que tinha acabado de me lascar, mas sinceramente eu não precisava ouvir comprovações dele.
- Você por acaso está se escutando? Raciocinou alguma coisa do que disse até aqui, porra? – Inquiriu completamente indignado.
- Eu sei que foi estúpido!
- Não, , isso não foi estúpido! Foi longe ser estúpido, porque está fora da escala de estupidez!
deu um passo para trás e desviou sua atenção de mim, virando as costas repentinamente. Eu não o culpava por isso, afinal eu havia sido inconsequente e agido por impulso. Sabia que ele estava certo de tudo o que havia dito até então, porém, assim como ele, eu também tinha motivos pelos quais agir de tal forma.
Ele expirou o ar com força e puxou do bolso um maço de cigarros. Mais rápido do que pude perceber ele já havia acendido um e puxava o fumo de maneira apressada depois de acendê-lo, antes de soltar a fumaça branca demoradamente, fechando os olhos e esperando a calma sorrateira o tomar.
Repetiu o gesto algumas vezes antes de caminhar de volta para onde eu estava e parar logo a minha frente, ainda sem me olhar.
- Você não foi sensata. – Ele afirmou com a voz rouca.
- Não. – Admiti. – Mas te dei a chance que precisava.
Ele abriu os olhos, cravando-os em mim e de maneira inexpressiva, analisou meu rosto com cuidado.
- Talvez. – Falou. – Porque agora ou eu consigo o que quero, ou então perco tudo o que me importa.
Engoli em seco pelo que pareceu a centésima vez naquela noite. Eu olhava para e tentava parecer bem, até mesmo indiferente, quando na verdade eu me controlava para não sentar no chão, abraçar minhas pernas e começar a chorar ali mesmo. E agora, vendo-o com tanta amargura, sentindo-o com tanto arrependimento por estar ali comigo, fazia com que eu me sentisse ainda pior.
- Eu devia ter vindo sozinho. – Ele disse depois de dar outra tragada no cigarro antes de descartá-lo. Meu peito se apertou ainda mais.
- Não, não devia. – Falei para ele e dei um passo em sua direção. – Você pode até achar que sou burra, ingênua, ou seja o que for, mas acontece que eu não teria dito ou aceitado nada daquilo se não confiasse em você.
- Agora sua desculpa é essa? – Questionou impaciente. – Faz a merda toda e me fala isso?
Apertei os punhos contra meu corpo e senti os olhos arderem. Ouvi-lo falar aquilo daquele jeito tão ríspido era horrível.
Ele balançou a cabeça para os lados e se preparou para pegar outro cigarro, mas antes que ele fizesse isso, eu já havia tirado o maço da sua mão e o jogado direto no chão.
- , você vai prestar atenção em mim! – Falei abruptamente recebendo seu olhar perplexo. – Quando chegamos aqui você prometeu e jurou que nada aconteceria comigo, pediu e implorou para que eu não desistisse e ficasse. Eu sabia dos riscos! E topei correr todos eles por você. Acha que eu teria concordado com Beckett apenas da boca pra fora? Pelo amor de Deus, eu sei que você consegue ganhar dele. Teria feito isso da primeira vez, sabe disso!
- E quem garante que vou conseguir o mesmo feito, ? – Ele me interrompeu. Havia um tom implícito em sua voz, como se me desafiasse a dizer algo que eu nunca poderia ter 100% de certeza.
Por um instante muito breve eu hesitei. Eu podia não ter certeza, mas tinha fé e acima disso, tinha esperança em . Isso bastava, era o suficiente.
Dei um passo em sua direção parando a poucos centímetros de si, tomando fôlego para dizer:
- Estou tendo fé. É tudo exatamente o que estou fazendo! – Seus olhos estudavam meu rosto com atenção, absorvendo as palavras da maneira que eu desejava. Com surpresa e um leve ceticismo. Eu não podia vacilar agora. – Desde que pisei aqui estou lhe confiando minha vida. Minha dignidade, meu amor próprio, até mesmo minha sanidade mental, pois é bem possível que eu volte louca para casa, e eu sei que vou voltar pra casa! E agora estou confiando a você a direção que os próximos acontecimentos podem tomar, . Isso não é pouca coisa, e ainda assim estou aqui, parada a sua frente, não estou? Então não me decepcione. Nem sequer pense nisso!
Ele, que ainda me assistia com cautela, deixou que seu rosto relaxasse e um sorriso começasse a crescer gradativamente.
- Não te decepcionar? Tá brincando? – Ele olhou para cima e riu como se eu estivesse delirando em minhas próprias palavras. – , se você em algum momento sequer deixou que uma pontada de dúvida sobre mim passasse em sua cabeça, você é louca, completamente maluca! Não interessa como essa próxima corrida vai terminar, não vou deixar aquele babaca filha da puta encostar um dedo em você. Eu o explodo junto com aquele carro antes que isso aconteça! Não se trata mais de mim. Não é mais questão de limpar meu nome, de revanche ou escolha, eu vou ganhar você. Custe o que custar.
E, ainda que eu estivesse atônita e boquiaberta por sua reação inesperada, antes que ele se afastasse novamente de mim e fosse para longe, eu passei meus braços sobre seus ombros e o abracei forte. Senti seus músculos rígidos contra meu aperto, que ainda relutante, pouco a pouco foram relaxando, já não mais em sobressalto pelo gesto súbito. Seus braços que pendiam na lateral do seu corpo passaram por trás das minhas costas e me apertaram contra seu tronco, retribuindo com veemência.
Deixei que ficássemos daquela maneira por um momento. Seu rosto se abaixou e sua testa encostou na curva do meu pescoço. O cheiro do seu perfume e do cigarro se misturaram em minha respiração. O senti inspirar profundamente, e o ar que expirou bateu com força contra minha pele, arrepiando-a já sensível pelo ar frio. Meu coração batia forte e irrequieto contra meu peito, minha barriga formigava.
Talvez fosse o estresse, a loucura ou os imprevistos da noite (quem sabe até todos eles juntos), mas eu sabia que nós dois precisávamos daquele contato. Algo simplório, porém que nos mostrasse que estávamos ali um para o outro, que tudo se resolveria.
Abri os olhos e sobre o ombro de imediatamente soube que, por enquanto, nosso tempo tinha chegado ao fim. Beckett andava em nossa direção confiante e com deboche explícito por cada centímetro do seu corpo.
Afaste-me de , que por um instante pareceu confuso, e desfiz qualquer expressão presente em minha face. O encarei com apatia e indiferença, mesmo quando o homem loiro parou ao meu lado, uma mão esfregando a outra enquanto me encarava dos pés a cabeça.
- Vejo que já se despediram. – Ele falou, e depois, analisando minha inexpressividade, fingiu compreensão. – Ah, não se preocupe, vai ser divertido, . Tão divertido que aposto que você vai pedir por mais. Prometo não te desapontar.
o encarou, completamente enrijecido. O duplo sentido era óbvio, completamente perceptível, e era esse o ponto. Beckett o queria provocar, ver até onde seu auto controle ia e eu imaginava que seu objetivo era simplesmente fazer com que perdesse o foco de uma vez.
Percebendo isso, comecei a caminhar para longe deles antes mesmo que tomassem a frente, e voltei direto para onde o racha havia começado, onde ambos os carros já estavam, prontos para apenas serem pilotados.
Virei-me com a intenção de chamar por e entrar logo naquele carro junto dele, quando Beckett se pronunciou primeiro, como se previsse minha intenção:
- Por que você não fica aqui, , e espera para ver quem vai levá-la para casa hoje?
Apesar de ser uma pergunta, seu tom deixava claro que não haveria opções de escolha ou uma abertura sequer para discussão. Eu deveria ficar ali, sozinha, esperando.
Olhei de relance para e imediatamente seus olhos encontraram os meus. Ele balançou a cabeça para os lados da maneira mais discreta que conseguiu e eu acabei apertando meus lábios numa linha fina. Não queria ficar sozinha, muito menos deixa-lo sozinho. Pensei em protestar, mas facilmente descartei a ideia. Eu não conseguiria nada além de atrasar os dois homens de entrar naqueles veículos.
Respirei fundo, sem saída.
notou quando me dei por vencida e imediatamente começou a caminhar, passando reto por mim e seguindo até seu carro. Virou-se para o homem loiro antes de adentrar o veículo.
- Vamos lá, Beckett, achei que estivesse mais ansioso. – falou, repentinamente irônico, entrando no jogo do loiro.
O outro riu, jogando a cabeça para trás e trocando rápidas olhadas entre eu e meu amigo. Enfim se colocou a andar para seu respectivo carro também, mas não antes de ter a última palavra:
- Ah, . – Falou, como se mil coisas passassem por sua cabeça. Me encarou por um rápido segundo, mordendo o lábio inferior em malícia. – Você nem pode imaginar o quanto.
E assim, ambos entraram e bateram as portas.
Dois homens altos, morenos e cheios de tatuagens se colocaram ao meu lado. Uma mensagem clara de que eu não sairia dali.
Os dois carros foram ligados, os motores roncando alto irromperam pela noite. Todas as pessoas ali pararam o que quer que estivessem fazendo e voltaram sua atenção para onde uma garota morena, não a mesma que eu me lembrava, se colocava entre os dois veículos e rebolava com empenho, passando a mão por todo o seu corpo ao som da música que reverberava. Ela tinha muito amor próprio, isso eu posso dizer.
Essa não seguiu os mesmos passos que sua amiga, aquela que tirou a calcinha, portanto permaneceu com todas as peças de roupa (se é que aquilo poderia mesmo ser chamado de roupa). E antes que eu me desse conta, ela baixou a bandeira e os carros dispararam. Num segundo estavam lá e no outro haviam desaparecido, deixando apenas o som e o cheiro dos pneus contra o asfalto.
As pessoas gritaram em êxtase, ergueram seus copos e garrafas de bebida para cima num brinde em uníssono. Estavam alegres, loucos. E eu só conseguia rezar baixinho para que ficasse bem. Queria sair logo daquele lugar. Queria que nunca mais precisasse voltar ali. Nada naquele lugar parecia certo.
Passei as mãos pelo cabelo e tentei controlar minha respiração errática. Estar ali, parada e impotente enquanto aguardava pelo fim da corrida era mil vezes pior que participar do racha ficando dentro do carro vivendo a experiência de fato. A adrenalina que corria por minhas veias vinha misturada com agonia e desespero. Aquela junção de sentimentos estava quase me fazendo perder o controle e chorar de pura apreensão.
Os dois homens que estavam ao meu lado me olharam pelo canto do olho, como se quisessem conferir se eu ainda permanecia ali ou se já tinha tentado fugir para sabe-se lá onde. Eu não me atreveria a isso com aqueles dois armários me escoltando, muito menos seria capaz de deixar .
A música tomava conta do ambiente, porém, se você se concentrasse um pouco mais, conseguia ouvir o som de pneus cantando, o barulho de carros freando e as roncadas dos motores em aceleração. Esperei pelo som de dois carros colidindo fortemente, de vidro se quebrando e metais se raspando, mas nenhum desses veio. Fechei os olhos com força, querendo sentir alívio. Contudo, ao contrário, me senti subitamente tonta e ainda mais nervosa, vendo tudo ao meu redor subitamente girar.
Engoli em seco e abracei meu próprio corpo. Fiquei firme, um pé batendo levemente no chão em expectativa. Era uma tortura ficar ali.
O barulho dos carros começava a ficar mais alto e potente, reverberava com mais intensidade. As pessoas que por um instante pareciam desinteressadas, voltaram a se amontoar perto da marcação no asfalto que indicava a linha de chegada, em total expectativa.
Prendi a respiração e esperei.
O primeiro carro que cruzou a indicação no chão passou como um vulto negro por todos ali, em alta velocidade. Senti meu estômago dar cambalhotas, meus olhos ardiam e eu sentia que lágrimas estavam prestes a cair. Não precisei de muito para saber que quem ganhara havia sido .
Meu corpo relaxou assim que soltei o ar até então contido, deixando que meu alívio se misturasse aos gritos eufóricos das pessoas. Minhas pernas imediatamente começaram a se movimentar, correndo, rumo ao Audi que já reduzia a velocidade a metros de distância de onde eu estava. Os dois homens que estavam tomando conta de mim, nem tiveram tempo de impedir que eu me mexesse. Tudo o que eu queria era ir até .
Foi nesse momento, enquanto eu corria por entre as pessoas, que o carro de Beckett passou a toda velocidade e bateu na traseira do veículo de . O impacto forte empurrou o outro carro para frente, o fazendo girar consideravelmente na pista até por fim atingir o estado de inércia.
Cravei os pés no chão, pasma, o ar saindo dos meus pulmões como se eu tivesse levado um soco no estômago. Levei as mãos ao rosto completamente em choque, vendo tudo como se estivesse se movimentando em câmera a lenta. Meu sangue gelou e entrei em desespero.
Saí em disparada, o mais rápido que conseguia me movimentar com aqueles saltos. Eu ouvia algumas coisas, mas não conseguia distingui-las. Algumas pessoas corriam ao meu lado, mas eu não prestava atenção nelas.
Vi pedaços das lanternas espalhadas pelo chão, a frente do carro de Beckett com o capô enrugado, os airbags disparados, o para-choque pendendo no chão. Mas o homem estava bem, nem sequer parecia atordoado. Saía do carro com uma expressão perigosa, quase com um sorriso crescendo em seus lábios. Não parecia nem de longe um pouco preocupado.
O acidente tinha sido proposital.
Parei ao lado do Audi de , olhando para Beckett como alguém olha para um assassino. O veículo estava com a lataria amaçada, o porta malas contorcido para dentro como se quisesse encontrar os bancos traseiros. Não existia mais para-choque. E por mais que eu quisesse, não conseguia encontrar uma palavra que descrevesse sua nova forma, estava destruído.
A porta do motorista abriu abruptamente. pulou para fora, cambaleando levemente para o lado e se segurando firme na porta que estava servindo como apoio. Seu airbag não havia sido acionado, mas parecia superficialmente bem, apenas uma pequena vermelhidão na testa que mais tarde viraria um galo. Não tive tempo para sentir calma quando o vi praticamente ileso, ele passou por mim furioso e seguiu diretamente para o causador do acidente.
- Tá maluco, porra? – Ele gritou, fora de si.
Beckett riu na cara dele, como se estivesse satisfeito com o acontecimento.
- Oops, acho que meu freio falhou. – Ele disse, fingindo solidariedade e preocupação. – Desculpa aí.
deu um passo a frente, o punho fechado se erguendo. Eu podia nunca tê-lo visto numa briga, mas seu olhar, sua linguagem corporal, absolutamente tudo mostrava que ele estava pronto para dar um soco no meio da cara de Beckett, esse, que ficou parado com o queixo empinado, esperando pelo próximo passo.
Imediatamente me coloquei na frente de .
- , não! Para e me escuta! – Eu fale segurando seu rosto entre minhas mãos, tentando mudar seu foco e fazê-lo esfriar a cabeça. – Você ganhou a corrida, conseguiu o que queria! Venceu a aposta, você conseguiu, entendeu? Conseguiu! Não deixe que ele mude isso, você já ganhou!
Finalmente os olhos de encontraram os meus. Entreabertos brilhavam, transbordavam com ódio, ira e desprezo. Continuei repetindo aquelas frases por vezes e mais vezes seguidas até que ele as absorvesse.
Demorou alguns segundos, mas as centelhas de raiva começaram a amenizar, quase como se finalmente estivesse deixando que a parte racional do seu cérebro comandasse seus atos. Pouco depois recuou um passo e expirou o ar com força.
Suspirei rapidamente, tentando me acalmar, mas logo me dei conta que todos nos olhavam atentamente, que já não havia mais música tocando. O único som era o de passos se aproximando, ecoando pelo silêncio, pois ninguém ousava dizer uma palavra sequer. Engoli em seco. Não precisava me virar para saber que haviam homens próximos a Beckett com as mãos prestes a puxar uma arma da cintura para protege-lo se necessário. Eu já tinha visto antes como eles se comportavam em momentos que pareciam haver ameaças iminentes. Percebi estar certa disso quando os olhos de começaram a passear rapidamente por trás de onde eu estava.
Ele retesou e enrijeceu-se. Rapidamente puxou meu braço e arrastou-me para trás de si, como se me protegesse.
- Acabou, Beckett. – Ele disse seriamente. Seu peito subindo e descendo completamente acelerado. – Eu ganhei de maneira justa. Trato é trato, você me deve isso.
O homem, parado a alguns passos de nós, riu exageradamente, jogando a cabeça para trás e deixando seus ombros tremerem. Fez um gesto que mandava seus amigos “relaxarem”, ou então o mais próximo disso. Ainda assim eles permaneceram atentos a qualquer gesto nosso e a qualquer comando de Beckett.
- Acha que esse é o fim, ? É tão ingênuo a ponto disso? – Institivamente eu apertei a mão de , com medo. Definitivamente medo.
- Foi uma aposta simples. – falou, esperando que aquilo fosse algum tipo de argumento.
- Eu sei, eu sei, dei minha palavra. Vou cumpri-la, não tenha dúvida disso. – Beckett deu alguns passos para frente, vindo em nossa direção e tive que fazer força para não me afastar. – Pode ir se quiser, ninguém vai te impedir.
Olhei ao redor imediatamente, querendo confirmar suas próprias palavras que, apesar de deverem nos trazer segurança, só fizeram com que meu temor crescesse mais.
- Apesar de que eu provavelmente vou me arrepender disso mais tarde. Uma pena. – O homem continuou, de maneira provocativa. – Eu tinha muitas coisas em mente para eu e você, . Se algum dia cansar desse aí, bem, sabe onde me encontrar.
- Vá para o inferno. – Sibilei para ele, esperando que ele sentisse o nojo em cada sílaba das minhas palavras. Entretanto, tudo o que o homem fez foi sorrir para mim, completamente perverso.
- Se eu fosse você tomaria cuidado com o que fala. – Me respondeu. – O inferno pode ser bem mais perto do que você imagina.
Um tremor subiu pela minha espinha. Eu pedia internamente para darmos o fora dali o mais rápido possível, não conseguia mais olhar para a cara daquele sujeito sem sentir ânsia de vômito.
- Mas voltando ao que dizia. – Beckett olhou para . – Sinta-se a vontade para ir.
Houve um momento preenchido por silêncio absoluto. A dúvida pairava sobre nós. Apertei a mão de e a puxei levemente. Era nossa deixa, nossa melhor oportunidade.
- Vai para o carro. – Ele falou, mas não olhou para mim quando disse.
Olhei de relance para o veículo e juntei as sobrancelhas.
- , o carro está dest...
- Só entra no carro, . – Seu tom era determinante, não permitia que eu o contrariasse.
Por isso, ainda que eu hesitasse, dei dois passos para trás. Ninguém me impediu, então virei as costas e fui até o carro todo amassado não muito distante, entrando no lado do passageiro e sentando no banco. O vi me olhar por cima do ombro rapidamente, como se quisesse ter certeza de que eu o estava obedecendo, e logo em seguida já voltava sua atenção para Backett.
- Não me procure mais. – Disse friamente. – Essa foi a última vez que me viu. A partir daqui, qualquer coisa que você disser será usada contra você. Basta dizer meu nome, Beckett, e tudo vai mudar.
E com o silêncio que veio em seguida, foi a vez de sair dali, virando-se e rapidamente andando até o carro. Mas foi no meio do caminho quando ouviu a voz de Beckett o chamar novamente:
- Só lembre-se do que vou dizer, amigo. Uma vez nesse mundo, pra sempre nele. Nada nunca vai mudar esse fato. – Houve uma pausa no mesmo instante em que interrompeu seu movimento. – Mas continue tentando, , e então veremos onde isso vai dar.
Todos o encaravam sem piscar. Beckett sorria desafiador e torcia para o pior. E por fim olhou para o homem loiro seriamente, como se ponderasse suas palavras, porém balançou a cabeça em seguida e sorriu em deboche para ele enquanto abria a porta do veículo. Então, ainda em silêncio, entrou e a fechou segundos depois.
Virou-se para mim, soltando um longo suspiro.
- Vamos pra casa. – Disse afinal antes de ligar o carro e acelerar por entre as pessoas para longe daquele lugar.
Foi como se o peso do mundo tivesse saído de minhas costas. Encostei a cabeça no estofado macio assim que viramos a primeira esquina, e, finalmente, tive a sensação de que conseguiria respirar normalmente naquela noite.
Eu me sentia grata por todas as ruas da cidade estarem praticamente desertas naquele horário. Se meia dúzia de motoristas já nos encararam perplexos por verem um carro naquele estado, fico me perguntando como as pessoas não reagiriam se nos vissem dirigindo o veículo em plena luz do dia em horário de pico.
Olhei para pelo que parecia ser a quinquagésima sétima vez desde que deixamos o lugar da corrida, mas se ele percebeu alguma coisa, assim como das outras vezes, não disse nada. O trajeto inteiro estava sendo feito em silêncio absoluto. Eu remexia minhas mãos sobre meu colo. Me sentia nervosa e impaciente, queria conversar, mas sinceramente não sabia o que dizer nem ao menos por onde começar.
Olhei pela janela, para cima, observando as luzes dos postes passarem rapidamente. Não era uma noite estrelada, a única iluminação de fato vinha das lâmpadas mesmo. Nuvens espessas e escuras cobriam todo o céu, se arrastavam sob ele vagarosamente. A qualquer minuto começaria a chover, era fácil perceber. E contanto que não fosse uma tempestade, estava tudo bem.
- Acho que te devo um pedido de desculpas. – A voz de saiu rouca e séria, tirando-me do meu devaneio.
Virei-me para ele, sem esconder a surpresa. Estava imaginando que a única palavra que ele pronunciaria seria “tchau” quando chegássemos a minha casa.
- Não tem que pedir desculpas. – Falei. – Já conversamos sobre isso.
- É só que...
Ele se interrompeu subitamente, e eu não o obriguei a continuar. Bastava observá-lo com mais atenção que se percebia o quão exausto ele estava. Eu me sentia mal por vê-lo daquela maneira.
- Você se machucou? – Perguntei após um tempo. – Digo, além do galo na sua testa.
Instintivamente ele passou a mão sobre a mesma. Não estava assim tão ruim, apenas vermelha, com uma leve protuberância.
- Não. – Respondeu, os lábios se juntando numa linha fina. – Acho que dei sorte, só saí com essa beleza e mais alguns arranhões. Podia ter sido pior. Eu podia estar como a traseira do meu Audi.
Eu assenti em concordância quase sorrindo, e olhei pelo espelho por um breve momento, vendo o reflexo da lataria acabada.
- E o que você vai fazer com o carro?
olhou para mim rapidamente, levantando um dos cantos do lábio quase formando um sorriso. O gesto, mesmo que mínimo, fez com que eu sentisse um leve alívio correr por meu interior.
- Vou deixar com um amigo. – Falou. – Ele vai dar um jeito nesse Audi aqui. Não acho que poderei usá-lo assim em algum outro lugar, de qualquer forma.
- Com toda certeza. – Concordei. – Você seria a capa de todas as revistas adolescentes ao redor do mundo. Ia chover gente na porta do seu apartamento, câmeras e repórteres para todo o lado. Imagina só que coisa mais cotidiana: “ chega a sua casa com o carro em pedaços no meio da madrugada”.
Pela primeira vez na noite, pareceu rir verdadeiramente, de deixar seus ombros tremerem e o sorriso chegar aos seus olhos.
- Eu daria um jeito de despistar os paparazzis.
- Nisso eu sei que você já tem prática. – Falei e ele me olhou de canto de olho, recordando, assim como eu, a vez em que ele me salvou com sua moto dos fotógrafos insistentes logo após um longo dia de gravações.
Lembro-me de ter odiado aquilo imediatamente. No entanto, agora recordava o acontecimento com uma pontada de satisfação. Percebi que esse era mais ou menos o que sentia também.
Mais alguns quilômetros em silêncio e por fim o carro estacionou logo em frente ao meu edifício. olhou para mim e depois para a porta, e achei que ele estava tentando dizer que eu saísse logo dali e o deixasse ir de uma vez. Contudo, assim que insinuei abrir a mesma, ele segurou meu antebraço, impedindo-me.
Eu o olhei em dúvida, sem entender, e o observei enquanto abria e fechava a boca várias vezes, sem emitir nenhum som. Soltei um longo suspiro e apertei meus lábios numa linha fina antes de baixar meus olhos e perguntar o que vinha pairando sobre minha cabeça desde que deixamos aquele lugar:
- Não foi o fim de verdade, foi?
balançou a cabeça lentamente para os lados.
- Não sei, . Queria... – Ele soltou meu braço rapidamente, percebendo que ainda o segurava. – Queria dizer que sim, foi, mas tenho um pressentimento sobre tudo isso, que ainda vou me encontrar com Beckett de novo.
Baixei a cabeça e respirei fundo, repetindo o gesto algumas vezes, tentando me livrar do mal-estar repentino. Eu também sentia isso, que nada estava terminado, só não queria admitir para mim mesma.
Ainda encarando minhas próprias mãos, tomei fôlego para dizer:
- Me prometa uma coisa? – Tentei soar firme, porém vacilei nas primeiras palavras. Entretanto, ainda assim olhou para mim imediatamente. – Me prometa que se você estiver certo sobre isso, quando chegar a hora de enfrentar tudo de novo, você não vai hesitar em me chamar. Quero estar presente, . Quero estar com você. De um jeito ou de outro, faço parte disso agora, entendeu?
Ele soltou um riso seco.
- Ruivinha, não é simples assim.
- Eu nunca disse o contrário, mas não vou deixar você sozinho nessa.
Ele virou-se para frente e segurou o volante com força, deixando os nós dos seus dedos brancos, enrijecendo todos os músculos do seu braço, para depois expirar o ar com força como se o estivesse prendendo há muito tempo.
Decidi, vendo sua irritação voltar, que provavelmente seria melhor eu ficar quieta por um instante.
- , eu te agradeço por tudo o que fez hoje, mas isso não pode se repetir!
- , não fale isso.
No momento em que ele se virou para mim, segurei firme suas mãos com as minhas, negando. Mas ele ignorou tais gestos e continuou falando atordoado:
- Não paro de pensar no que teria acontecido se eu tivesse perdido. Aquele filho da puta do Beckett teria te pegado.
- Para com isso…
- Como eu posso sequer imaginar em deixar que você viva isso de novo? Acha que eu sou maluco? – Disse exasperado. – Você não tem noção de como eu me senti ao ficar lá enquanto observava Beckett te tocar no rosto, te olhar como se analisasse uma vadia qualquer que ele... que ele foderia durante a noite toda! Como acha que eu me senti em ficar lá assistindo tudo isso? E como acha que me senti quando você tomou a frente e disse o que disse praticamente dando a ele tudo o que queria?
Meu estômago deu uma cambalhota com as lembranças ainda frescas demais em minha memória. Baixei a cabeça e olhei para nossas mãos juntas, depois ergui o olhar de novo para os olhos castanhos que me estudavam incansavelmente. Meu coração acelerou só de pensar nos acontecimentos das horas anteriores, mas bateu com ainda mais força ao olhar e não conseguir encontrar as palavras certas para dizer a ele, de fazê-lo ver que não tinha mais importância o que poderia ou não ter acontecido, pois já não estávamos mais naquela encruzilhada.
A única coisa que importava naquele momento era que nós dois estávamos bem.
- ... – Pronunciei, mas ele imediatamente me interrompeu, como se o que eu quisesse dizer fosse muito previsível:
- Eu sei, , eu sei que você queria ajudar. Já falamos sobre isso, eu sei! – Despejou de uma vez. – Mas você querer colocar isso na minha cabeça, como se justificasse todo o resto, não muda o fato de eu ter sido um completo inútil, um completo babaca por não ter feito nada.
- Isso não é verdade, não é…
- É verdade sim, porra! Acha que eu não sei? Eu queria... puta merda, eu queria ter enchido Beckett de porrada até ele desmaiar só por ter insinuado alguma coisa contigo, mas não podia, não podia porque se eu encostasse um dedo naquele sujeito, , nós dois estaríamos muito fodidos. Então pelo amor de Deus, , não me peça para te prometer isso. Não posso, não posso! Se algo tivesse te acontecido hoje... Eu jamais me perdoaria. Não vou arriscar sua segurança uma segunda vez, não depois de hoje. Entende isso? Eu nunca…
E ele continuou falando, repetindo o que já havia dito uma, duas, três vezes! Mas eu não o ouvia mais, de repente as palavras tinham perdido o sentido para mim conforme eram ditas. Eu apenas o olhava com atenção, era tudo o que eu conseguia fazer. Via sua boca se movimentar, suas mãos apertarem as minhas, seu semblante se torcer e seus olhos procurarem os meus como se implorassem por compreensão.
Ele não percebia que nada do que ele dissesse mudaria minha decisão. Não importava o quanto ele implorasse, eu não o deixaria só. Por isso o que fiz em seguida foi completamente impulsivo da minha parte, sabendo que nada mais naquele momento funcionaria para fazê-lo ficar quieto.
Soltei meu cinto de segurança abruptamente, me inclinei sobre ele, e, assim como ele havia feito naquela noite no hotel em Brighton, eu o calei com um beijo.
Se eu soubesse que teria sido assim tão eficaz, talvez tivesse feito antes, pois não houve uma palavra sequer depois daquilo, nenhum protesto vindo dele.
Suas mãos se soltaram das minhas assim que ele se deu conta de que minha boca estava sobre a dele, mas não se distanciou de mim sequer um centímetro. Ficou parado, no mesmo lugar de antes, devido à surpresa. A única diferença nele era que não parecia mais tão tenso quanto antes, nem tão aturdido. E, ainda que o lado racional do meu cérebro estivesse ativo, dizendo que já era o suficiente, que eu devia me afastar de uma vez, o ignorei completamente.
Segurei seu rosto com minhas mãos, minha boca pressionada na dele, lembrando-me da primeira vez em que nos beijamos, do beijo no meio do set de gravação que de técnico não teve nada, da sensação do toque e da vontade de não querer parar. Então entreabri meus lábios, desejando exatamente as mesmas sensações daquele dia, dessa vez, porém, sem ter alguém nos observando ou alguma câmera nos gravando.
Era como se ele estivesse esperando por isso, pelo meu sinal, pois no segundo seguinte entreabriu seus lábios e aprofundou nosso beijo, deixando sua língua ir de encontro a minha numa dança sem música, numa harmonia perfeita.
Por um segundo perdi a capacidade de pensar. Só conseguia sentir sua respiração acelerada contra meu rosto, suas mãos em minha cintura, segurando-a com firmeza, sua boca se movimentando contra a minha com ternura e calma, como se não tivesse pressa para encerrar o toque.
Mas ao contrário de tal pensamento, ele se afastou de repente, de maneira quase brusca. Como se algo o impedisse de continuar. Procurei seus olhos com os meus, sem entender o que estava acontecendo, porém encontrei suas pálpebras fechadas com força, o semblante torcido.
Sua voz saiu carregada de incerteza:
- Por que fez isso?
Porque eu quis, quase respondi. Mas então o entendimento veio, e perplexa, me distanciei um pouco mais dele, sentando-me no banco do passageiro da maneira que devia ter sempre ficado: imóvel.
Lembrei-me da frase que não há muito tempo ele me falara e senti meu rosto corar. Você devia parar de romantizar tudo, havia dito. Mas foi exatamente isso que eu fiz durante a noite toda, desde o momento em que entrei naquele carro e ele pediu que eu confiasse nele, por mais absurdo que soasse. Deixei-me levar em algum momento daquilo tudo, encontrando significados em olhares feitos e entrelinhas de palavras ditas que não passavam de conclusões e certezas precipitadas.
Eu não podia ter estado mais enganada.
Ele abriu seus olhos, cravando-os em minha de uma maneira tão intensa que não fui capaz de desviar. Era como se ele me olhasse e visse dentro da minha alma.
- Por que fez isso, ? – Ele perguntou mais uma vez, firme e incisivo.
Engoli em seco com o coração acelerado, me sentindo uma completa idiota.
- Porque eu queria calar a sua boca. – Respondi em seguida e o tomei em completa surpresa.
Não sei quando decidi usar exatamente a mesma frase que ele havia usado comigo para justificar alguma coisa, só sei que as palavras saltaram para fora da minha boca antes que eu percebesse.
me fitou com amargura, mortificado. Aquela não era a reação que eu esperava. Mas ainda que eu não soubesse o que de fato ele queria ter ouvido de mim, não fiquei ali por mais muito tempo para descobrir. Já estava magoada o suficiente.
Com ele ainda me olhando, abri a porta do carro e saí, indo de volta para o meu apartamento, lugar aquele que eu nem sequer devia ter cogitado deixar naquela noite.
Capítulo 25 - “I’m not really known for ever being speechless
But now, but now somehow
My words roll off my tongue right onto your lips”
’s POV
Assim que tranquei a porta de casa, soltei o ar pesadamente e deixei que meus ombros se curvassem para frente. Passava das quatro da manhã e eu estava completamente exausto, com uma dor de cabeça infernal que latejava ininterruptamente. Porém, ainda que me sentisse péssimo, não queria dormir e nem acreditava que conseguiria fazer isso. Minha mente trabalhava a mil por hora, trazendo imagens e conversas à tona que, mesmo tentando, não me deixavam em paz.
Adentrei pelo corredor a passos lentos e arrastados, mas quase chegando à sala, retesei. O brilho da televisão iluminava o ambiente em tons azuis e às vezes amarelos tênues. Me perguntei como não vi aquilo antes, e logo em seguida me perguntei quem seria o santo ser humano a estar ali, na minha casa sem me avisar, assistindo TV no meio da madrugada.
Como a lista de opções para pessoas-com-a-chave-do-meu-apartamento eram escassas, não precisei pensar muito para descobrir quem era. Bastou olhar para a mesa com embalagens abertas de batatas e algumas latas de refrigerantes vazias que deduzi rapidamente de quem se tratava.
- , o quê, em nome de Deus, você está fazendo na minha casa às quatro da manhã? – O garoto loiro me olhou com olhos arregalados de susto, interrompendo o caminho que um óreo fazia até sua boca.
- Er, bem... – Ele enfiou a bolacha na boca e a mastigou tão rápido que achei que ele a tivesse engolido inteira. – Eu toquei a campainha, mas você não atendeu e nem respondeu as mensagens que enviei, então lembrei que tinha uma chave reserva e entrei.
Eu arqueei uma sobrancelha para ele. pareceu entender aquilo como um incentivo e explicou melhor:
- Eu estava numa festa, só que ela ficou chata depois das primeiras três horas, e como seu apartamento era o mais próximo, vim pra cá, – falou dando de ombros. – Eu até dei um cochilo, mas fiquei com fome e aqui estou. Aliás, suas batatas acabaram.
- É? – Encostei-me na parede com desânimo. – Tudo bem, fica a vontade.
Ele parou de comer e começou a me olhar com atenção.
- O que aconteceu com sua testa? – Inconscientemente levei a mão até o local dolorido onde um galo levantava.
- Eu... caí, – falei depois de hesitar por um segundo. Vi pelo modo como ele torceu a boca que não acreditava em mim.
Eu deveria me sentir mal com a forma qual ele me encarou, mas o que mais eu poderia dizer a ? A verdade? De jeito nenhum. Já bastava no meio daquela confusão absurda se fazendo de corajosa para me ajudar, não seria justo envolver quaisquer outras pessoas importantes para mim. Eu me recusava a deixar que isso acontecesse, principalmente depois do fim que essa noite teve para mim e para ela.
Revirei os olhos e voltei para a cozinha, o deixando sozinho por um instante. Peguei alguns cubos gelo no congelador e os ajuntei em um saco de plástico, colocando-o em minha testa logo em seguida, aliviando o desconforto quase que imediatamente. Queria pensar em como eu esconderia aquela protuberância de todas as pessoas pelos próximos dias, mas isso só fez a dor de cabeça se intensificar. Meu cabelo para frente teria que ser o suficiente para disfarçar o machucado.
Voltei para a sala com meu analgésico improvisado. Coloquei os pés sobre a mesinha de centro e me sentei praticamente com as costas ao lado do , puxando com a mão livre um óreo para eu mesmo comer enquanto tentava identificar o programa aleatório que passava na televisão. Sentia meu amigo me encarar enquanto mastigava, mas sinceramente eu não queria conversar.
- Você parece péssimo, – ele falou após comer outra bolacha.
Soltei um longo suspiro e ajeitei o saco de gelo na minha testa.
- Como eu disse, caí e bati a testa. Não estou exatamente feliz com isso.
, que já me encarava com firmeza, transformou sua expressão em puro desdém e revirou os olhos como se o que eu falasse fosse patético. Na verdade, devia ser mesmo.
- Tem certeza que seu humor tem a ver só com o tal tombo ou tem algo mais nessa história?
Eu o olhei pelo canto do olho, desconfiado.
- O que está insinuando?
Então virou-se para mim, sentando sobre suas pernas, completamente interessado, mas não largando as bolachas de jeito algum.
- Problemas com alguma garota?
- Qual é, não tenho mais quatorze anos, ! – Esperei que isso o fizesse mudar de ideia em relação a tentar tirar algo de mim, entretanto aconteceu o contrário, ele arqueou uma sobrancelha de forma sugestiva, exatamente como eu havia feito com ele pouco antes. Fechei os olhos por um momento.
- Ok, – disse após a pausa silenciosa. – Talvez tenha alguma coisa a ver com uma garota, sim.
- Há! – Ele quase enfiou o biscoito que segurava no meio da minha cara enquanto gritava. – Eu sabia! Meus sentidos irlandeses nunca falham!
- Cara, menos, – pedi o olhando em completo desentendimento. – Por favor, minha cabeça tá explodindo.
Ele pigarreou, comeu a bolacha e então amassou a embalagem vazia. Ajeitou-se melhor no estofado e pareceu se acalmar.
- Tudo bem, desculpa. – Eu assenti rapidamente e voltei o olhar para a televisão, pensando que a conversa tinha se encerrado e por fim eu poderia mergulhar nos meus próprios pensamentos. Obviamente eu estava enganado, pois continuou: – Não quero encher o saco e nem nada, mas quer me contar o que aconteceu? Talvez eu consiga te ajudar.
Querer mesmo eu não queria. Porém eu não tinha outra saída se não dizer algo a ele. ficaria ressentido se eu ignorasse sua oferta e se sentiria pior ainda se achasse que eu não confiava nele o suficiente para não dizer nada. E como eu já me sentia meio que no fundo do poço mesmo, falar uma coisa ou outra não faria diferença, eu mesmo não sabia o que fazer.
- Certo, tudo bem. – Cedi. – É que tem uma garota…
- Quer me falar o nome dela?
- Não.
- Ok, então continue.
- E ela me deixa maluca! – Acabei soando quase exasperado enquanto revirava meus olhos e bufava. – E não é pouca coisa, . Meus neurônios entram em pane quando ela está perto, como se luzes amarelas piscassem em alerta de perigo, simplesmente porque já esperam uma situação fora do comum ou ao menos algo com o qual eu não saiba lidar. Juro por tudo que é mais sagrado que eu tento ficar longe da garota, mas por um infinito de motivos não dá. Estou ficando louco com ela!
- E por ela? – Ele completou com um dos cantos da boca erguidos, e num instante de surpresa não consegui rebater. – Cara, garotas tem esse poder mesmo. Não precisa entrar em pânico.
Tirei a bolsa de gelo que agora começava a se tornar incômoda e joguei a cabeça para trás, num gesto explícito de cansaço, ainda que soubesse que meu amigo só estivesse tentando dizer algo que me ajudasse.
- Eu sei, – respondi logo em seguida. – O que eu não sei mesmo é o que está acontecendo entre nós dois. Se é que de fato existe um nós. – Soltei um riso seco e forçado.
O silêncio se fez entre nós por um longo momento. Dizer aquelas palavras deixaram um gosto amargo em minha boca, soando para mim quase como uma ideia desenfreada que deixei escapar sem antes refletir.
Minha cabeça doía como se meus pensamentos fossem pesados demais para ela, como se já tivessem sido acumulados por muito tempo e agora não houvesse mais espaço para armazenar tantas possibilidades, tantos “e se”.
Eu precisava compreender o que estava acontecendo. E precisava começar agora.
me observou de tal forma que parecia conseguir ler na minha expressão. Tudo, exatamente o que eu estava pensando e talvez até o que eu não estava. O que soava absurdo, pois nem eu mesmo sabia explicar o que estava se passando por minha mente, eu não entendia. Então quando achei que fosse começar a dizer alguma coisa, ele se levantou com uma careta esquisita e saiu da sala, me deixando sozinho.
Antes que eu pudesse achar que ele também não tinha ideia de como me ajudar naquela situação, voltou a se sentar ao meu lado, dessa vez segurando meu violão ainda dentro de sua respectiva capa, alguns lápis e várias partituras e folhas em branco. Arqueei uma sobrancelha de modo inquisitivo, e isso fez o galo doer um pouco mais.
- Pra que isso tudo? – perguntei.
- Talvez você não consiga se expressar muito bem falando, tentando achar as palavras certas, – falou, tirando o violão da capa e colocando o em seu colo. – Mas já tentou colocar a bagunça dos seus pensamentos em uma música? Às vezes usar a confusão para compor é o jeito mais fácil de traduzir e compreender o que ainda não está claro o suficiente.
A ideia de pegar algo que eu mesmo não conseguia identificar o significado parecia impossível e me fez hesitar.
Olhei para todos aqueles papéis espalhados entre nós e peguei um lápis, o rodando entre meus dedos por alguns segundos. Então respirei fundo, ignorei o mal estar que sentia e deixei que, com a ajuda de ao violão, aquilo em minha cabeça fluísse fosse para onde fosse.
’s POV
Querido Diário…
São quase seis horas da manhã agora, passei toda a madrugada em claro. chegou já faz um tempo e parte de mim quis ir até ela desabafar coisas que estavam presas em minha garganta, mas não tive coragem. Continuei deitada em minha cama em completo estado de inércia, como se eu jamais tivesse saído daqui.
Eu não podia acabar com a (provável) noite perfeita dela com simplesmente despejando meus problemas e inseguranças sobre minha amiga. Quer dizer, problemas e inseguranças minhas e de .
Cada vez que eu fecho os olhos a primeira imagem que eu vejo é a dele me encarando. Seus olhos nos meus e todas as suas frases reverberando por minha cabeça. Vejo sua expressão após eu o ter beijado. Então em seguida é Beckett quem aparece e imediatamente abro os olhos e volto a encarar o teto do meu quarto.
São tantas sensações que não sou capaz de colocá-las aqui no papel. Mal consigo defini-las em minha mente. Eu não sei o que está acontecendo!
Estou apavorada com muita coisa, e ao mesmo tempo, de alguma forma, ainda me sinto calma e até plena, quase como se estivesse presa entre esses dois opostos, esperando por seja-lá-o-que acontecer em seguida. Minha pele ainda formiga e se arrepia.
Também não sei o que fazer.
Maldito garoto que ocupa minha cabeça e rouba minhas horas de sono.
Quero simplesmente apagar aqui e agora. Se continuar debatendo comigo mesma por mais um minuto sequer, vou sentir meu cérebro entrar em combustão espontânea. E isso não está nos meus planos.
Mas fica aqui esse desabafo. Só espero logo ficar com os pensamentos tão claros quanto cristal. Não sei quanto tempo mais consigo lidar com isso tudo sem pirar por completo.
Com amor,
- Você vai ficar bem sozinha? – questionou.
Tive vontade de revirar os olhos, mas consegui me conter.
Desde a noite em que eu saíra com para participar de um trecho do que teria feito parte do seu suposto passado maluco, minha amiga me perguntava essa mesma coisa toda manhã antes de sair de casa. O que era esquisito, porque eu não havia contado nada para ela, e, ainda que me olhasse no espelho todos os dias, não via nenhuma diferença visível que me fizesse parecer diferente e a fizesse se preocupar de alguma maneira.
- Sim, querida, – respondi soando um pouco irônica. – Não sei por que tem estado tão paranoica.
colocou a mão na cintura e me olhou de cima a baixo.
- Paranoica? Eu? – Ela riu com sarcasmo. – Você que tem andado por aí como se alguém te perseguisse.
- Claro que não.
- Não perca seu tempo tentando me enganar. – Ela rebateu impaciente. – Eu sei que algo aconteceu, algo que você não quer contar.
Manter a expressão inalterada foi um pouco mais difícil do que achei que fosse ser. Acabou que torci os lábios numa careta, e depois disso, não dava para negar muita coisa.
- Tudo bem, não vou te forçar a dizer o que não quer compartilhar. – Ela levantou as mãos em sinal de inocência. – Mas estou aqui para quando precisar, você sabe.
Ela me observou por um momento, talvez esperançosa que eu deixasse escapar alguma informação, mas tudo o que fiz foi assentir e fingir estar muito concentrada em meu celular para dar alguma satisfação a ela.
Sei que era um tanto rude da minha parte agir assim com minha melhor amiga, porém não devia saber nada, pelo menos não sobre aquilo tudo. Tinha sido falha minha me deixar exposta o suficiente para que minha amiga percebesse alguma coisa supostamente diferente e que estivesse me atormentando. Sei também que a chateava saber que eu escondia algo dela, mas simplesmente não podia contar. Agora eu entendia os motivos de . Era problema dele, e assim, só ele podia compartilhar ou esconder aquilo. Com isso, pelo menos, eu concordava com ele.
É, eu sei. Estranho juntar as palavras “concordar”, “com” e “” todas na mesma frase. Ainda não havia me acostumado direito.
De qualquer forma, se afastou e foi em direção à porta, ainda contrariada comigo. Deixando-me perdida em meu próprio devaneio, ela saiu para mais um dia de trabalho.
Pelas próximas horas permaneci jogada no sofá decorando mais um script, o ultimo script. Era a única coisa qual eu conseguia me focar verdadeiramente. Nisso e nos treinos que e tinha de tiro, luta e a academia cruel (ok, talvez nem me concentrasse tanto assim na academia).
Mas era tão emocionante saber que logo toda a série estaria finalizada! Eu sentia meu estômago formigar em ansiedade só de imaginar como seria a Première, o momento que eu mais esperava, e todas as demais divulgações que faríamos. Ainda era tudo muito irreal na minha cabeça.
Foi assim, perdida em pensamentos e possibilidades, quase terminando de ensaiar todas as falas outra vez que meu telefone tocou de súbito. Olhei para o visor e arqueei a sobrancelha antes de atendê-lo:
- Alô?
- ! Tudo bem?
Alguns segundos se passaram até eu finalmente responder:
- ! Tudo certo, – falei sem conseguir esconder a surpresa, sentindo-me subitamente animada. Há quanto tempo nós não nos falávamos? Só sabia que de fato era muito. Nem mesmo continuávamos com as aulas de direção que mais pareciam algum tipo de stand up. – E como as coisas estão para você?
As últimas semanas foram tão corridas, os últimos dias tão malucos, tão cheios de desencontros, que ele me telefonando parecia um pouco fora de contexto. Eu não esperava por isso. Não esperava por uma ligação de .
Na verdade, no fundo eu esperava a ligação de outro alguém. Alguém que eu mesma não tinha coragem de ligar.
- Ah, estão ótimas! – ele respondeu em seguida. – Queria saber, está fazendo algo importante?
Balancei a cabeça para os lados, clareando minha mente. Coloquei os papeis de lado e me sentei sobre as pernas, subitamente interessada.
- Não, por quê? – perguntei. – Precisa de alguma coisa?
- Na verdade preciso sim, preciso de uma companhia, – ele falou logo em seguida, arrancando de mim um sorriso que, apesar de não poder vê-lo, talvez pudesse senti-lo.
- Não diga, sr. ? – provoquei numa leve brincadeira. – Por que precisa de mim?
- Ah, nada demais. – respondeu como se desse de ombros e sem de fato responder o que perguntei. – O que acha de eu passar aí para te buscar, digamos, em meia hora?
Eu olhei para o ambiente ao meu redor, e soltei um suspiro. Bem, uma saidinha não faria mal a ninguém.
Quando desci para o térreo, quase exatos trinta minutos depois, já me esperava do lado de fora do portão, escorado em seu carro com as mãos nos bolsos, completamente informal vestindo uma camiseta simples, calça jeans, boné e tênis, me seguindo com o olhar enquanto eu andava até ele. Acabei sorrindo por vê-lo ali, tão pontual.
Quando percebi, já apressava o passo até seu encontro.
- Olá! – exclamei o cumprimentando com um rápido abraço. Ele imediatamente retribuiu o gesto e me olhou de cima a baixo.
- , bonita como sempre, – o garoto falou e eu não consegui conter o riso, e menos ainda a vermelhidão que se espalhou por minhas bochechas.
- Não seja clichê, ! – Fingi reclamar, tentando esconder minha vergonha, mas tudo o que ele fez foi dar de ombros.
- Mas eu sou um cara clichê.
E para completar sua frase, ele abriu a porta do carro e indicou para que eu entrasse logo depois de tirar seu boné e dizer um rápido “senhorita”. Ele sorriu de maneira sugestiva e arqueou uma sobrancelha. Gargalhei sem esconder a diversão.
Enquanto eu entrava em seu carro, só consegui pensar em como um momento como aquele, com essa leveza que me trazia a partir de coisas tão simples, vinha me fazendo tanta falta nos últimos tempos.
Sentei no banco do passageiro e passei a mão pela saia cintura alta caramelo de camurça e botões que eu usava. Arrumei meu cabelo solto e mexi rapidamente pelos pingentes da minha pulseira, respirando fundo e absorvendo o cheiro de pinheiro que se espalhava pelo veículo. Até então eu não tinha pensado em como estava nervosa com nosso suposto encontro. Quer dizer, isso podia ser chamado de encontro? É, acho que sim. Porém, por alguma razão não era esse o nome que eu queria dar a aquilo. Não que amigos não tenham encontros, mas... Era complicado. Ao menos se eu soubesse de fato o que queria…
Meu súbito pensamento foi interrompido quando no segundo seguinte se sentou ao meu lado, batendo a porta do motorista.
- E aí? – ele perguntou quebrando o silêncio e me dirigindo um rápido olhar. – Vai querer dirigir ou hoje eu vou ser o motorista?
Então eu simplesmente comecei a gargalhar.
Não, não tinha motivo para isso, mas não aguentei ao impulso de rir. Eu passava tanto mico quando resolvia ficar atrás do volante, que sinceramente não valia a pena.
- Por acaso você esqueceu o quanto fomos xingados no trânsito da última vez em que fiquei na direção de um automóvel?
Ele retorceu a boca por um instante.
- Ah, não foi tão ruim assim.
- , eu quase bati o seu carro.
Ele segurou firme no volante e me encarou por um segundo, avaliando a afirmação. Por fim soltou um suspiro.
- Ok, eu fico como motorista hoje.
- Ótima escolha.
E mesmo que eu estivesse achando a situação toda muito engraçada e divertida, não consegui manter a expressão iluminada e o sorriso no rosto por muito mais tempo.
Eu sentia certa inquietação por estar ali com ele. Gostava disso, dessa sensação que se espalhava pelo meu corpo, essa sensação que eu já havia experimentado algumas vezes antes, mas sabia que tinha algo de diferente ali também. Não era mais a mesma coisa. Era como se algo nesse intervalo de tempo em que paramos de nos ver tivesse mudado. E só de pensar nisso, sentia meus pelos se arrepiarem, pois os motivos que se formavam em minha cabeça para explicar tais mudanças, não me deixavam assim muito confortável.
Quando o carro finalmente começou se locomover, forcei-me a apagar qualquer pensamento que me levasse para longe dali e me virei para :
- Para onde vamos?
Ele me olhou com o canto dos olhos, como se não tivesse certeza se devia ou não dizer alguma coisa.
- Bom, é um lugar diferente, – Respondeu. E, surpreendendo a mim mesma, acabei engolindo em seco. Provavelmente não pareci animada com a afirmação dele, mas tive sorte da concentração de estar toda voltada para a rua a sua frente, assim o garoto não perderia tempo tentando arrancar coisas de mim que não estava disposta a dizer. Já bastava e toda a insistência dela. também, não.
Juntei as sobrancelhas, mexendo nos pingentes da minha pulseira pela segunda vez em menos de cinco minutos e perguntei:
- E que lugar seria esse?
Tentei soar com naturalidade, mas sinceramente, da última vez em que saí sem saber para onde de fato estava indo, a surpresa final resultou quase num desastre completo para mim.
- Logo você vai saber. – Ele sorriu e acabei por simplesmente respirar fundo e tentar deixar minhas paranoias de lado.
Apesar dos últimos acontecimentos, tentei me tranquilizar, pois a parte racional do meu cérebro tinha certeza que não era o tipo de cara que levaria uma garota para um racha no meio da cidade de Londres, cheio de manos e traficantes por cada meio metro quadrado, mesmo que ela pedisse e basicamente implorasse por isso, ainda que não soubesse (o que na real, foi mais ou menos o que fiz). Provavelmente, e até onde eu sabia, fazia mais o tipo de cara que levaria uma garota para jantar fora (como o encontro no restaurante francês que tivemos) ou então que a levaria ao shopping ou ao parque simplesmente para dar uma volta e tomar um sorvete.
Nada de passado obscuro, passeios de motos loucos por Londres ou horas a fio sentados na London Bridge enquanto os pés balançavam em direção ao rio Tâmisa.
Certamente bem mais normal e tranquilizante.
ligou o rádio em seguida, como se quisesse preencher o silêncio com alguma coisa, mas não soubesse sobre o que conversar. E isso se estendeu por diversos minutos. Era engraçado, pois ele conseguia saber a letra de todas as músicas que tocavam e nem ligava de cantar baixinho perto de mim.
Sei que talvez não tivesse nada a ver, pois ele é um cantor internacionalmente conhecido e que canta ao redor do mundo todo na frente de plateias com cinquenta mil pessoas e com mais um milhão de telespectadores assistindo virtualmente, mas de um jeito bem próprio, eu conseguia me sentir especial por ouvi-lo assim, tão naturalmente. Sentia-me lisonjeada por assistir cantarolar ao som do rádio enquanto dirigia seu próprio carro.
Não que ele fosse alguém diferente do que os jornais e revistas contavam, contudo, de algum jeito, ele conseguia ser ainda melhor.
- Que foi? – Subitamente ele se virou para mim e perguntou.
Quase engasguei com minha própria saliva. Estava tão concentrada o vendo e ouvindo que só então percebi o quão fixo meu olhar devia estar sobre ele já há sabe-se lá quanto tempo. Ele devia estar sem graça com aquela situação. Só, talvez, não tanto quanto eu.
- Qual o nome dessa música? – Acabei questionando após um tempo.
Ele permaneceu me encarando firmemente por mais uns cinco segundos até piscar os olhos e voltar sua atenção para o trânsito londrino de todos os dias. Eu não soube constatar muito bem, mas acho que ele esperava receber uma pergunta em troca da outra.
- ... I sing it loud and clear, I’ll always be waiting for you… ¹ – ele seguiu cantando, me olhando nos olhos, por mais um instante antes de atravessar um cruzamento e me responder: – Shiver, do Coldplay. Já a ouviu alguma vez?
- Não. Gosto do Coldplay, mas não conhecia essa música. Tem uma letra muito bonita, – disse, mais por apenas dizer e me livrar do embaraço, mas também não menti. De fato era uma música muito bonita.
E de repente, quando me virei para ele de novo, não parecia mais tão animado.
- É, a letra é muito bonita mesmo, – foi o que me disse deixando que as notas musicais preenchessem o espaço entre nós.
Tentei captar algo que denunciasse sua rápida mudança de humor, mas não consegui. Fiz alguma coisa errada?, me questionei por um instante.
A melodia suave continuou a tocar e, dessa vez, enquanto cantava num murmúrio quase inaudível, verdadeiramente prestei atenção na letra. E talvez, só talvez, percebi que podia existir um significado por trás da mesma que gostaria que eu entendesse. Algo sobre ele olhar diretamente para mim e eu não prestar atenção. Sobre ele querer que eu percebesse algo que não consigo enxergar.
Mas seria isso mesmo?
Por mais lindo que fosse, eu esperava que não. Por um milhão de motivos diferentes, eu esperava que não.
Quando o carro entrou num estacionamento subterrâneo de um edifício moderno todo cheio de vidro cobrindo suas laterais, voltou a parecer animado pela primeira vez em minutos, me olhando de rabo de olho com um sorrisinho crescente em seus lábios.
- É agora que você me conta onde estamos? – Indaguei arqueando uma sobrancelha.
- Mais ou menos, – ele respondeu. – Só espero que nunca tenha visitado uma gravadora antes.
Imediatamente, eu olhei para ele sem acreditar. Completamente pasma, sorrindo como uma criança quando vê seu bolo de aniversário. Ele gargalhou da minha expressão enquanto se preparava para estacionar o veículo.
- Vou entender isso como um não.
E ele estava certo. Eu nunca tinha estado em uma gravadora antes, mas já não via a hora de conhecer cada cantinho daquela onde eu estava.
Quando descemos do carro e seguimos para o elevador, ele insistiu em segurar minha mão. Não impedi que ele fizesse isso. Da maneira distraída em que me encontrava, seria muito capaz que eu me perdesse em qualquer corredor por pura falta de atenção.
A recepção com pé direito duplo foi o suficiente para me fazer perder o fôlego. ria das minhas caras e bocas, mas mal sabia ele como tudo aquilo estava sendo incrível para mim. O design minimalista, a claridade trazida pelos vidros e os tons monocromáticos de branco, cinza e prata só faziam com que tudo parecesse ainda mais chique, e de certa forma, inalcançável.
- Olá, senhor . – Uma das recepcionistas, impecavelmente maquiada e arrumada, o cumprimentou com um sorriso. devolveu o gesto logo em seguida, mas percebi que sua atenção ainda estava presa em cada movimento meu.
- Posso fazer uma pergunta?
- Outra além dessa? – Ele tirou sarro, mas sem esperar por minha resposta. – Todas as perguntas que quiser, .
Deixei que um segundo de silêncio se prolongasse entre nós, e então, voltando meus olhos para ele, sem desmanchar o sorriso que carregava, perguntei:
- Como sabia que eu gostaria de vir aqui?
parou de andar e consequentemente fez com que eu fizesse o mesmo. Ele balançou a cabeça algumas vezes como se não tivesse uma resposta boa o bastante para meu questionamento, porém, ainda assim, falou para mim:
- Só achei que você fosse gostar. Acertei?
- Completamente, .
Ele me observou por um momento, ainda segurando minha mão e com seus olhos procurou os meus. Eu continuava sorrindo quando suas íris castanhas encontraram as minhas. Elas brilhavam de um jeito como eu nunca tinha visto, tão diferente das outras vezes, de uma maneira que os olhos de... E com um choque, me dei conta de que enquanto eu olhava nos olhos de , eram os olhos de outro que me vinham à mente. Olhos âmbares, tão mais intrigantes e intensos que eu não via a hora de desvendar.
Meu coração deu um salto dolorido e prendi o fôlego no mesmo instante em que vi suas pupilas dilatarem e sua visão baixar até minha boca. Eu sabia o que viria a seguir. Tive certeza quando lentamente ele começou a vir em minha direção.
Eu não podia enganá-lo, não quando já se tornava impossível enganar a mim mesma.
Subitamente eu virei as costas para ele, e, sem soltar sua mão, comecei a andar pelo corredor. Forcei um sorriso sobre meu ombro quando virei o rosto para vê-lo me seguir completamente confuso.
- Vamos, ! – eu disse tentando soar animada. – Eu não quero perder nada.
Ainda que ele parecesse querer resistir, que parecesse embasbacado a ponto de querer questionar por que eu não o havia beijado, por que eu estava fugindo dele, não perguntou. Deixou que o acontecimento passasse em branco enquanto tomava a dianteira e seguia nos liderar pelo caminho.
Soltei um suspiro, aliviada em constatar isso. Porque, ainda que não quisesse admitir, percebi que, se tivesse acontecido o contrário, se ele tivesse inquirido qualquer questão que fosse sobre o ocorrido, eu não saberia justificar sem magoa-lo.
- E aqui é onde toda a mágica acontece! – abriu a porta, indicou o espaço interior exatamente como um guia turístico faria em algum museu, e só então deu passagem para que eu entrasse.
Mas assim que entrei na sala de gravação, congelei no meio do caminho.
Achei que eu e ele estaríamos sozinhos como aconteceu durante quase todo o passeio pelo prédio, mas havia a presença de outro alguém ali. Um garoto sentado na cadeira, entretido no painel de controle a sua frente.
Prendi a respiração, esperando que ele não tivesse notado minha presença e que eu não tivesse o atrapalhado em nada, mas já era tarde demais. Quando ele levantou sua cabeleira loira e fixou seus olhos azuis em mim e em , imediatamente fez uma careta em desaprovação.
- Será possível que ninguém mais sabe bater?
parou ao meu lado, tão estático quanto eu, mas parecendo ainda mais confuso.
- ? – ele indagou com a voz mais aguda que o normal. – O que faz aqui?
Então o garoto fez uma expressão cínica para seu amigo, e no fim acabou rindo.
- Oras, o que eu venho fazer num estúdio de gravação? Gravar, ué!
piscou para ele, parecendo absorver a ideia e a situação em que se encontrava. Então me olhou por completo e abriu um sorriso que ia de orelha a orelha.
- Veja só se não é a garota que me deve uma festa!
trocou um rápido olhar com o amigo.
- Festa?
Sei que deveria explicar, mas isso não vinha ao caso agora. Olhei para meu amigo e abri um sorriso sincero.
- Como vai, Irish boy? – Ele piscou um olho para mim, numa retribuição do cumprimento, mas não se prendeu muito na conversa. Queria voltar sua atenção para o painel a sua frente.
Foi quando trocou o peso do corpo de pé, quase como se a compreensão tivesse o atingido em cheio.
- Hey, espera aí! – Ele balançou as mãos, gesticulando enfaticamente. – Se você está aqui no painel de controle e disse que está gravando alguma coisa, então quem está…
- Do outro lado atrás do microfone? – arqueou uma sobrancelha. – O cabelo preto não denunciou? Óbvio que é .
E imediatamente eu olhei através daquele vidro, virando a cabeça tão rápido que meus olhos perderam o foco por um instante. Logo visualizei o garoto que não saía da minha cabeça há uma semana completamente parado, de olhos fechados e de frente para o microfone, fones de ouvido ao redor do seu pescoço. Tão calmo que parecia meditar. Tão quieto que parecia em transe.
Imaginei que eu devesse estar assim também, igual a ele, porque não era capaz de mexer um músculo sequer do corpo.
- ? – perguntou, quase desacreditado. Fiquei grata por ele não perceber o caos que se passava em minha cabeça e a confusão completa que eu devia aparentar. – Mas as gravações do álbum acabaram e…
- Não é do nosso álbum. – o interrompeu. – É composição dele. Veio trabalhando nisso a semana inteira. Eu estive ajudando ele nos últimos dias, mas na verdade o crédito é todo dele. A música está ficando realmente boa.
Com a boca seca, finalmente me dei conta de que a uma altura dessas já devia saber que não era mais só e ele naquele pequeno estúdio. Por um segundo desejei estar invisível, pois por mais estranha que eu me sentisse perto dele de novo, não queria deixar aquele lugar, não queria que nos mandasse embora.
Entretanto, ele parecia tão sereno que ficava difícil acreditar que ele faria a opção anterior.
- Ele pode nos ouvir? – Acabei deixando escapar.
- Não, – disse e soltei um suspiro imperceptível. – Só se eu apertar esse botão. Então ele a ouve todos nós, porque meu microfone vai estar ligado aqui.
- O vidro é a prova de som. – completou. – Serve para isolar os ruídos vindos de fora, assim não atrapalha as gravações das vozes ou instrumentos. E, além disso, ele tem o fone de ouvido, está vendo? Aquilo serve para ele ouvir o instrumental e cantar se baseando nele ou então batidas que compõe o ritmo da música.
assentiu sorrindo um pouco e trocou um rápido olhar entre eu e , com curiosidade. Percebi que até o momento ele não tinha feito comentário algum. Devia estar criando hipóteses em sua cabeça para entender nosso aparecimento ali sem mais nem menos, mas foi educado o suficiente para guardar as perguntas para si mesmo, deixando o questionamento passar.
Por fim ele se recompôs. Olhou rapidamente para , ainda em estado de inércia do outro lado, e voltou-se para nós novamente.
- Ele está se concentrando, esqueceu a letra da música nas vezes anteriores, – explicou.
- E por que ele simplesmente não lê o papel? – Vi-me perguntando.
e riram um pouco, como se já soubessem e compartilhassem daquela resposta, o que fez com que eu me sentisse um pouco sem graça. A pergunta pareceu ter sido idiota, ainda que eu não compreendesse por que.
- acha que cantar lendo a letra tira a sinceridade da música e todo o sentido dela, – respondeu, se afastando um passo para encostar suas costas na parede ao fundo da sala. – Então ele prefere decorar cada verso mesmo antes de gravar, e, para tornar verdadeiro, despejar o que sente junto, independente do que for.
E pisquei duas vezes seguidas sem saber ao certo o que dizer depois. Por alguma razão, descobrir isso me deixou surpresa.
balançou a cabeça em concordância rapidamente e se voltou para mim.
- Mas vamos deixar o conceito do de lado, porque aposto que você nunca viu alguém gravando uma música de verdade. – Ele arriscou. – Estou certo, ?
Eu sorri tanto para ele quanto para , deixando meus próprios pensamentos de lado para me concentrar neles ali.
- Está certíssimo.
- Quer descobrir como é então?
E sem sequer pensar no assunto, já respondi que sim. Em partes porque queria muito ver os bastidores daquilo, mas em partes também porque minha curiosidade em relação a era grande demais para conter.
Desde a viagem a Brighton, desde que vi seu caderno de desenho, suas partituras espalhadas pelo quarto de hotel, o violão recém tocado, desde que comentara comigo que vinha compondo cada vez mais e mais para o álbum deles, eu simplesmente precisava ver a arte sendo feita com meus próprios olhos.
se virou para o painel e pediu silêncio. Apertou o botão do microfone e falou para que recolocasse os fones e recomeçasse. O outro, do outro lado do vidro, não abriu os olhos, mas concordou com a cabeça, recolocou o acessório sobre suas orelhas e respirou fundo, soltando um longo suspiro.
Imaginei que ouviria apenas a voz de ecoar pela sala, mas aparentemente ele havia trabalhado no arranjo dos instrumentos durante os últimos dias. E pela cara que fazia, e pelos gestos que pareciam tocar um instrumento inexistente, achei que esse era o ponto onde sua ajuda havia entrado. Ele parecia tão animado mexendo em vários botões simultaneamente, mas quando a voz de preencheu o ambiente, dali em diante, era tudo no que eu prestava atenção.
(o seu coração pode estar a procura do meu?)
Cause I have no time to help you find
(porque eu não tenho tempo para te ajudar a encontrar)
All the words
(todas as palavras)
Melodies and memories,
(melodias e memórias,)
Stories that sound absurd
(histórias que soam absurdas) I will tell no lies
(eu não contarei mentiras)
As long as you look me in the eyes
(contanto que você me olhe nos olhos)
I'll go wherever you are , I'll follow behind
(eu vou onde quer que você esteja, vou te seguir)
Heard about all the things you've done
(Fiquei sabendo de todas as coisas que você fez)
and all wars that you’ve been in
(e todas as guerras que já esteve)
Heard about all the love you lost
(fiquei sabendo de todo o amor que você perdeu)
It was over before it began
(acabou antes mesmo de começar)
Heard about all the miles you’ve gone
(Fiquei sabendo sobre todas as milhas que percorreu)
Just to start again
(apenas para recomeçar)
Heard about all that you’ve been through
(Fiquei sabendo sobre tudo pelo que você passou)
and it sounds like you need a friend , a friend
(e parece que você precisa de um amigo, um amigo)
[…]
As long as you look me in the eyes
(contanto que você me olhe nos olhos)
I'll go wherever you are , I'll follow behind
(eu vou onde quer que você esteja, vou te seguir)
[…]
I never doubted myself
(eu nunca duvidei de mim mesmo)
But I doubted you
(mas eu duvidei de você)
I’m tired of looking at myself
(estou cansado de olhar para mim mesmo)
In my rear view
(através do meu retrovisor)
[...]
Subitamente todos os acordes cessaram, e com o fim deles, a voz de também silenciou ao mesmo tempo em que seus olhos se abriram e imediatamente encontraram os meus.
Parecia surreal, mas as únicas coisas das quais eu tinha certeza naquele momento era do meu coração perdendo uma batida e da minha respiração teimando em se descompassar.
Cada palavra daquela música me atingiu, de maneira que eu tinha medo sequer de me dar ao luxo de pensar que elas poderiam ter algum significado para mim. Que podiam ser para mim.
e não pareceram notar isso em minha expressão. Graças a Deus eu não precisaria agir como boba na frente deles. Mas infelizmente havia percebido. Era como se ele soubesse exatamente o que eu estava pensando. Já fazia um tempo desde que eu percebera não ser boa em esconder dele o que eu sentia.
Só que, vendo-o atrás daquele microfone, eu podia ver que não fora a única a ser pega de surpresa ali. E isso, pelo menos, já era alguma coisa. Significava que teríamos um conversa.
¹ Tradução do trecho da música Shiver, do Coldplay: Eu canto alto e claro, eu estarei sempre esperando por você.
OBS: A parte que murmurou da música e narrou, segue aqui:
So I look in your direction
(então eu olho em sua direção)
But you pay me no attention
(mas você não presta atenção em mim)
And you know how much I need you
(e você sabe quanto eu preciso de você)
But you never even see me
(mas você nem nunca me vê)
Capítulo 26
So close
Yet so far”
’s POV
Ele tirou os fones de ouvido, desacreditado. Abriu a porta da sala onde até então estava, após um interminável momento de silêncio, e seguiu até mim, ainda com os olhos fixos, sem dar um pingo de atenção a qualquer outro dos seus amigos ali presentes. Parou a uma distância segura de três passos e continuou me encarando de uma maneira inquisitiva, nem um pouco feliz com a minha presença. Engoli em seco, porque apesar de tudo, aquela não era a reação que eu esperava.
- ?
- Oi. – Foi tudo o que consegui responder, completamente imóvel no mesmo lugar desde quando adentrei o estúdio.
- O que faz aqui? – Sua voz soou áspera e quase rude.
Eu pisquei algumas vezes, perplexa e sem saber o que dizer, quando outra voz respondeu por mim:
- Eu a trouxe aqui, – disse seguindo até onde eu estava e parando ao meu lado. Se percebeu o clima pesado entre eu e seu amigo, preferiu não comentar. – E aí, ? Ótima música. Projeto de quem?
- E aí. – Devolveu o garoto a minha frente, mas nem sequer olhou para o amigo quando disse, – projeto particular meu.
- Tá muito bom. Diferente, bem R&B, – continuou numa tentativa falha de manter o diálogo. – Se precisar de uma ajuda, é só chamar.
- Claro, – foi o que respondeu, e , que até então só observava e trocava olhares entre nós três, por fim pareceu entender alguma coisa e intervir:
- , esqueci de te mostrar como ficou a finalização daquela nossa música.
- Que música? – se virou para ele, confuso.
- A nova do álbum que eu estava mexendo.
Eu troquei olhares entre os dois e de relance vi olhar para mim e sorrir disfarçadamente. Do que ele sabia, afinal?
- Ah, claro. – concordou. – Where do broken hearts go.
- Sim. A única coisa é que o arquivo não está aqui. Vamos lá dar uma olhada? Cinco minutos.
O loiro se colocou em pé de forma energética. juntou as sobrancelhas, e olhou em dúvida para mim, como se não estivesse a fim de ver qualquer coisa relacionada ao trabalho quando na verdade deveria estar me levando a um passeio descontraído. Acabei abrindo um sorriso para ele.
- Pode ir, . Não tem problema, – assegurei me virando para ele e dando de ombros, disfarçando a maneira tensa que me encontrava.
- Tem certeza? – Ele parecia realmente contrariado em me deixar ali sozinha com . Era óbvio que, apesar de conseguir disfarçar muito bem, ele sabia que tinha algo acontecendo. – Posso ver isso outra hora se você se importar…
- Não! – respondi o cortando. – Sério, pode ir. Vou ficar aqui, prometo.
Ele assentiu uma vez antes de dizer:
- Só não vá fugir de mim! – Seu tom era de brincadeira, combinava com o sorriso no rosto, mas eu sabia que era um pedido sério para eu não repetir o que fiz no corredor não muito tempo atrás.
Concordei com um riso sem graça e assisti aos dois amigos cruzarem a porta e me deixarem ali naquele lugar desconhecido com num péssimo humor como minha companhia. Comecei a repensar se ficar a sós com ele era uma boa ideia e se ter uma conversa com ele nesse momento renderia alguma coisa no fim das contas.
Eu teria que tentar.
Respirei fundo enquanto sentia minhas mãos suarem e meu coração acelerar com o nervosismo, mas antes mesmo que eu me virasse novamente e começasse as perguntas, me surpreendeu iniciando o questionário:
- Está saindo com de novo?
Eu o olhei por um breve segundo, momentaneamente cética, enquanto decidia se acreditava na sua voz desinteressada ou nos olhos semicerrados em minha direção. O que significava aquilo? Raiva? Ciúme? Quem sabe um pouco dos dois?
- Está ou não está? – ele inquiriu novamente.
- Estou, – respondi ao mesmo tempo em que vi sua expressão murchar e seus ombros se curvarem levemente. – Mas não com as intenções que você está pensando.
E imediatamente me arrependi por ter justificado algo sem necessidade.
- Pensando? – Ele juntou as sobrancelhas e realinhou sua postura, me encarando com desdém. – Engano seu, , porque não estou pensando em nada. Pouco me importo com sua vida pessoal e amorosa.
- Não é o que sua expressão corporal diz, – soltei em seguida, sem pensar antes de soltar as palavras.
Ele me lançou um olhar intrigado e deu alguns passos para o lado, se afastando um pouco mais de mim, como se não acreditasse no que eu dizia. Não posso negar que deixa-lo sem reação por um segundo não me causou certo prazer, mas aquilo era a abertura que ele precisava para iniciar uma discussão.
- Então acha que consegue me ler, me analisar?
Soltei um suspiro longo e cansado. Ele começaria com suas evasivas agora e só Deus sabe quando ele se daria por vencido para desistir delas. Eu não podia entrar no jogo dele dessa vez se quisesse algum tipo de compreensão quando saísse daqui hoje.
- Para com isso, – pedi quase num sussurro e seus olhos alcançaram o chão contra vontade. – O que está acontecendo, ?
Ele arqueou uma sobrancelha, se fazendo de desentendido.
- Será que pode ser mais clara? – disse enfaticamente. – Ao contrário de você, não consigo ler a mente das outras pessoas ou simplesmente entendê-las espontaneamente quan...
- Entre nós, seu pateta! – Eu dei um passo na direção dele o interrompendo de repente. – O que está acontecendo entre nós? É isso que eu quero saber!
Desconsertado com minha insistência, piscou os olhos rapidamente e por um instante perdeu a pose de quem não quer nada para um segundo depois recompô-la novamente.
- Não sei aonde você quer chegar com isso, . Não tem nada acontecendo entre nós, simplesmente porque não existe um nós.
Eu balancei a cabeça para os lados, negativamente. Suas tentativas de me machucar, de me fazer perder o foco e desistir de falar com ele estavam quase surtindo efeito, mas eu conhecia essa história, já tinha passado por ela antes.
- Está sendo grosso de propósito, – soltei. – Quer que eu desista de falar com você e esqueça o assunto, é assim que você faz. Tenta me atingir com palavras para me tirar do sério.
- Sua teimosia não tem limite?
- Desista, dessa vez não vai funcionar! – Eu o garanti decididamente. – Por que não me ligou?
- Eu teria algum motivo para te ligar?
- Não se faça de sonso, !
- Talvez seja você que esteja delirando.
Apertei os punhos contra meus quadris.
- Eu preciso entender o que está acontecendo! – Minha voz saiu mais alto do que de fato deveria. – E não minta pra mim dizendo que é coisa da minha cabeça, que eu estou romantizando qualquer coisa, porque não estou, eu só não sou cega! Não quero mais ficar nesse ciclo vicioso onde você diz se importar, faz com que eu me aproxime de você e então depois se afasta sem mais nem menos. Seja sincero comigo pelo menos uma vez na vida, porque já não sei mais o que esperar de você, .
Por alguns segundos o silêncio tomou espaço. Eu respirava de forma descompassada e sem ritmo enquanto ele me encarava mortificado. Não tinha certeza se as palavras tinham surtido algum efeito, mas ao menos sua expressão indiferente já não existia mais.
- E o que quer que eu diga a você, ?
- Quero que diga como se sente!
Ele hesitou por um momento, abrindo e fechando a boca várias vezes sem conseguir pronunciar nada.
- Isso não será possível.
- Pare de brincar comigo de uma vez!
- Mas eu não sei te responder isso, cacete! – ele gritou passando as mãos pelo cabelo. – Eu não sei, , eu não sei como me sinto!
me olhou aparentemente derrotado, como se lhe faltassem palavras para fosse o que fosse que se passasse em sua mente naquele instante. Ao menos era o que parecia. E ainda assim eu não acreditava.
- Espera que eu me sinta satisfeita com isso? – Ele pareceu surpreso com minha afronta, pois recuou um passo de onde estava. – Que aceite que você está confuso e então deixe tudo por isso mesmo enquanto eu me perco num mar de acontecimentos, palavras, sentimentos e possíveis delírios? Quer que eu simplesmente diga “ah, ok” e siga adiante como se nada jamais tivesse acontecido? Para de brincar comigo!
Seu maxilar tencionou-se com firmeza e as mãos fecharam-se com força, tornando as articulações brancas como gesso. Mas ele ainda me encarava disposto a se manter calado.
- Essa música que você cantou – Tentei mudar a estratégia. –, o que ela significa?
Ele piscou em seguida e soltou um riso seco.
- ... – Eu balancei a cabeça para os lados ao mesmo tempo em que fechei os olhos e comecei recitar os versos que me lembrava:
- "Fiquei sabendo sobre todas as coisas que fez/ sei das guerras que esteve/ ouvi sobre todo o amor que você perdeu/ estava terminado antes mesmo de começar/ fiquei sabendo sobre todas as milhas que percorreu apenas pra começar de novo". – Eu o olhei novamente e ele prendia a respiração enquanto escutava. – Me diga, ! O que significa? Porque parece tão familiar, o contexto cai como uma luva, não? Que grande coincidência!
Mas não houve resposta. Ele continuou me encarando, os olhos tão fixos em mim que pareciam completamente fora de foco, perdidos em algo muito mais distante que seus próprios pensamentos. O silêncio que ele usava só me frustrava mais e mais, não era suficiente, não naquele momento. Eu me sentia agoniada por ter apenas hipóteses, queria e precisava de algo concreto.
- !
- O quer que eu te diga, porra? – Ele explodiu de novo, dessa vez fora de si. A veia em seu pescoço proeminente e outra em sua testa, bem próxima de onde o que restava do galo ainda se mostrava visível mesmo que por baixo dos seus cabelos negros, pulsava continuamente. – O que quer que eu te fale para me deixar em paz, ?!
- Quero que me diga como se sente! – Num ímpeto de não ficar calada, as palavras pularam para fora da minha boca. – Quero que me diga se sou eu que não saio da sua cabeça um minuto sequer, se sou eu a primeira imagem que você vê quando fecha os olhos! – Ele deu um passo para trás tomado pelo susto enquanto me ouvia, e ainda assim não consegui interromper minha frase. – Se você sorri quando lembra-se de mim e se só consegue respirar direito quando me afasto, mesmo sentindo que a distância vai te sufocar. Quero que me diga se sou pra você um enigma sem resposta, que você passa horas e horas tentando desvendar, e que quanto mais me aproxima, mais difícil fica e ainda assim não quer desistir. É isso que eu quero saber, ! Pelo amor de Deus, me dê alguma resposta! Se isso tudo é ilusão da minha cabeça ou uma mera visão da realidade.
Imediatamente pressionei meus lábios, um contra o outro, me arrependendo das palavras que pronunciei. Por um longo instante ninguém disse nada e eu só conseguia sentir minha pulsação acelerar enquanto pensava o quão burra eu tinha acabado de ser. Idiota, completamente estúpida. Inconsequente.
me olhou tão atônito que quase esqueci de respirar. Engoli em seco, esperando, e então constatei a postura dele relaxar de súbito, quase como se um novo tipo de entendimento surgisse em si, algo estranho demais para ele conseguir absorver.
- É assim que se sente? – perguntou.
A expressão do seu rosto, sua voz suavizada, sua súbita calma e surpresa,
quase fez minhas muralhas desmoronarem.
- E que diferença faz – Eu ouvi-me murmurar. –, se você sequer sabe o que está acontecendo?
Outra vez seus olhos encontraram os meus. A distância rapidamente se encurtou e logo ele estava parado em minha frente. Vi-me presa a vontade de me aproximar ainda mais e beija-lo. Uma surpresa tão grande para mim mesma que instintivamente fez com que eu desse um passo para trás.
Suas mãos se levantaram e fizeram menção de tocar meu rosto, mas com um longo suspiro, ele as abaixou novamente, se contendo.
- Não posso fazer isso com você, – ele disse seriamente. Pisquei uma vez, atônita.
- Fazer o quê?
- Eu sou um poço de problemas, ! – ele berrou como se aquilo justificasse alguma coisa. – Vai querer me dizer que não percebeu isso? Você não devia nem sequer ficar perto de mim.
- Está inventando desculpas?
- Você não me conhece.
- Conheço sim. É claro que conheço! – reclamei de imediato como uma criança não querendo ser contrariada, sentindo minha voz falhar a cada nova sílaba enquanto ele balançava levemente a cabeça para os lados, numa negação contida.
- Talvez não o suficiente, . – Devolveu convictamente. – Eu não sou o cara certo para você! Não consegue ver isso, ainda mais depois daquela noite?
Por um instante eu fiquei muito indignada para fazer algo que não fosse encara-lo com lábios entreabertos e a face expirando descrença.
Eu enxergava sim. Mais até do que ele estava disposto a me mostrar. Eu não estaria aqui, ouvindo tantas bobagens deixarem sua boca se não visse, eu não estaria aqui agora depois daquela noite maldita se não soubesse exatamente onde eu estaria me metendo. E mesmo assim eu estava, porque ao contrário do que ele tentava impor, essa era minha escolha. E por isso minha resposta foi tão diferente daquela que havia se passado por minha mente:
- Você está se escutando? Acha que pode influenciar minhas decisões e dizer o que é certo ou não pra mim? Quem é certo pra mim?
Outra vez os músculos de sua face ficaram rígidos ao passo em que seu maxilar tencionava-se e passou a mão pelo cabelo.
- É melhor você voltar para o .
Eu recuei um passo, sentindo o ar deixar meus pulmões de uma única vez.
- Está dizendo que eu devo ficar com ele, é isso? – Seus olhos se fecharam com pesar. Aquilo bastou para que eu entendesse o recado. – Acha que ele é melhor que você? Que escolhendo ficar com ele vai me poupar de alguma coisa?
Você é burro, por acaso?, completei em meus pensamentos.
Embora eu estivesse com raiva, também sentia a mágoa tomando suas proporções. O arrependimento querendo consumir meus pensamentos, desmanchando o pouco que restava do meu orgulho.
voltou a abrir o olhos, e calmamente, andou com a cabeça erguida até a porta, onde ele parou e gesticulou para a mesma.
- Ele está te esperando. Vá atrás dele.
Em um segundo, toda a pose que eu estava esforçando em manter praticamente se desfez. Um bolo se formou em minha garganta, meu nariz começou a arder. Como fui ingênua achando que por alguma razão hoje as coisas seriam diferentes.
Abaixei minha cabeça, e, completamente inexpressiva, segui em direção ao mesmo lugar onde ele se encontrava. Era provável que a qualquer instante as lágrimas começassem a cair, e eu não queria dar esse gostinho a ele. Eu já havia me exposto demais.
Porém antes de alcançar a maçaneta, por alguma razão eu parei. Não esperava que ele me impedisse, voltasse atrás ou fizesse qualquer coisa, mas uma forte intuição me dizia que eu deveria colocar as cartas na mesa de uma vez.
- Você foi traído, não foi?
Eu não olhava para ele quando perguntei, mas sabia que havia pegado de surpresa.
- O que disse?
- Você foi traído, – eu repeti, dessa vez em completa afirmação.
- Eu não sei do q…
- Não tem que negar. – Onterrompi. – Eu sei que é verdade. Eu vejo isso escrito em você.
Vire-me para trás apenas para olha-lo, mortificado.
- Acha que é assim tão bom em esconder as coisas, ? Pensa que eu não percebo que sua ignorância, sua postura superior, seu ar arrogante não passam de atitudes calculadas para se manter afastado das pessoas, sua defesa particular cuidadosamente formada pelo medo de se expor, pela insegurança que existe em você e parece te consumir? Isso tudo te dá garantia de que não será ferido no fim, ainda que você machuque outras pessoas agora.
- , eu não sei o que você pensa estar dizendo, mas…
- Você perguntou se eu conseguia ler você assim tão bem, – eu o interrompi. – E essa é minha resposta. Você hoje é exatamente o reflexo do que um dia aconteceu com você. E tem medo de admitir. Tem medo de parecer covarde, dramático, assustado quando sente que tudo está indo de mal a pior, caindo aos pedaços. E acha que afastando os outros, ocultando seus problemas deles, vai parecer mais forte e decidido, quando na verdade só fere a confiança de cada um. Esconder a parte ruim da sua vida não te torna mais digno de nada. Pode ser seu fardo, mas você não precisa carregá-lo sozinho. E sabe por que, ? Porque todos temos problemas, um milhão deles! É impossível fingir que eles simplesmente não existem. Fazer isso vai te tornar uma pessoa amarga e insensível.
- Cale a boca. – Ele me encarou com fúria brilhando em seus olhos. – Cale a boca de uma vez!
- Não, ! – Eu finalmente gritei para ele, tão alto e forte que minha garganta ardeu em reclamação. – Você precisa ouvir cada palavra, abrir os olhos e parar de negar para si mesmo de uma vez! Porque senão tudo e todos vão se afastar de você por causa dessa capa ridícula de ocultação que você resolveu vestir sobre si mesmo. E se isso acontecer, quando acontecer, você vai estar sozinho, assistindo a felicidade dos outros com o interior completamente vazio enquanto a vida simplesmente passa a sua volta. É isso que você quer?
E eu esperei, realmente fiquei ali, parada, quieta por vários segundos com a expectativa de que me desse alguma resposta, porém nada saiu de sua boca além do ar enquanto tentava debilmente normalizar sua respiração. Ele engoliu em seco e apertou seus lábios com força um contra o outro. Como quem cala consente, eu entendi seu silêncio como a afirmação que eu esperava para a minha pergunta.
- Foi o que pensei, – disse após respirar fundo. – Ainda acha que não te conheço?
Eu segurei com força a maçaneta da porta a minhas costas enquanto o vi me olhar em completa indecisão. Com os olhos ardendo e o coração batendo forte em meu peito, virei as costas numa tentativa de esconder a mágoa, mas sabia que isso não faria diferença.
Com rapidez eu puxei a porta querendo deixar aquele lugar imediatamente, e praticamente dei de cara com quatro pessoas do lado de fora da sala, paradas estrategicamente de frente para ela, a poucos centímetros de mim, com olhares arregalados e expressões desconfortáveis, como se tivessem escutado algo que não deveriam.
me encarava completamente sem graça como se não imaginasse aquele fim para a situação, enquanto e , agora presentes também, pareciam não saber onde enfiar a cabeça. Mas o pior olhar de todos vinha de , que parecia ter palavras entaladas em sua garganta, os olhos carregados de pesar e ressentimento.
Eu não sabia o quanto ele havia ouvido e há quanto tempo estava ali com seus amigos, mas vê-lo daquela maneira foi o suficiente para eu não conseguir mais reprimir a vontade de chorar. Eu tinha vergonha de mim mesma por fazê-lo se sentir mal. , de todas as pessoas no mundo, não merecia isso que eu estava fazendo com ele. Eu não merecia sua bondade.
Baixei os olhos para o chão e saí correndo pelos corredores da gravadora, torcendo para me lembrar do caminho até a saída mesmo com a visão embaçada.
Ao longe eu ainda pude ouvir alguém chamando meu nome, em seguida o som de algo se quebrando. Não olhei para trás. Não fazia diferença.
’s POV
- O que aconteceu? – questionou adentrando a sala enquanto gritava pelo nome de e a seguia com pressa após longos segundos paralisado.
Eu mexia minha mão calmamente sentindo a ardência subir pelo meu braço após socar o vidro do quadro pendurado na parede. Haviam alguns cortes que escorriam sangue, mas nenhum pedaço do vidro estava preso em minha pele. Ainda que parecesse estranho, a sensação da dor era bem vinda.
- Cara – começou , inexpressivo –, precisava mesmo disso? Agora além de ter feito merda, de brinde vai ganhar sete anos de azar.
- Não seja idiota – o repreendeu. – Ele quebrou um vidro, não um espelho!
- Você está bem? – enfim se pronunciou, ignorando a brincadeira dos outros dois enquanto parava ao meu lado.
- Deixem pra lá, – respondi me afastando dos cacos de vidro e dos meus amigos, massageando minha têmpora com a mão não machucada.
Se eu pudesse, não falaria com nenhum deles. Naquele momento queria ficar sozinho com meus próprios pensamentos, mas não esperava que eles compreendessem qualquer coisa que fosse. Por isso tentei focar na dor que eu sentia como um meio de distração enquanto eles permanecessem ali.
Os três se entreolharam, nem um pouco convencidos ou animados, mas certamente curiosos.
- Devia limpar isso antes que infeccione, – Continuou apontando para minha mão. – Está bem feio.
- Tanto faz, – respondi impacientemente, chutando os cacos espalhados pelo chão e encarando o próprio quadro na parede. – Vou buscar algo pra limpar essa bagunça.
Com aquela desculpa, virei as costas para ele e os outros dois, com intuito de pegar as poucas coisas que eu havia trazido comigo e dar o fora dali. Ironicamente foi quando adentrou a sala de repente, vindo direto em minha direção com os olhos brilhando de raiva e o rosto pigmentado de vermelho.
- O que você fez com ela? – ele gritou para mim entredentes. – O que disse para ela ir embora chorando?
Todos se afastaram como se a visão de enfurecido fosse inédita ou no mínimo muito rara. Perguntei-me o quanto eles escutaram da minha conversa com por de trás da porta. Com uma reação dessa, eu podia deduzir sozinho.
Eu virei de frente para ele e imediatamente me empurrou. Pego de surpresa, cambaleei dois passos para trás.
- Me responda, !
- Eu? Devia perguntar isso a ela. Certamente as palavras dela surtiram muito mais efeito que as minhas, – falei quando ele me empurrou novamente, dessa vez fazendo minhas costas bateram na parede com um eco surdo e bastante dolorido. O barulho do quadro caindo e do resto do vidro estilhaçando pareceu tirar todos do torpor momentâneo de surpresa.
Em um segundo eu já fazia menção de me aproximar dele, entretanto prontamente se colocou entre eu e , estendendo os braços para nos distanciar o máximo possível. foi até , colocando a mão sobre seu peito enquanto observava a cena completamente estagnado.
- Cama aí, cara. O que pensa que está fazendo? – Sua voz soou tão calma que até a expressão de suavizou.
- Parecem duas crianças! – respondeu trocando olhares entre nós dois em completa indignação.
- Criança? – afastou a mão de sem um pingo de delicadeza. – Eu o deixo sozinho com por cinco minutos e quando volto a encontro chorando enquanto ele dá um soco no vidro. Vocês só podem estar brincando comigo, o que aconteceu, ? O que fez com ela?
- Por que eu tenho que ter feito alguma coisa? – Devolvi com a voz se alterando gradativamente. – Por que presume que eu sou o culpado de alguma coisa e não ela, ? É mais fácil culpar a mim que acreditar que sua paixãozinha fez algo errado?
fez menção de avançar e voltou a afastá-lo.
- Cale a boca, seu idiota! – Murmurou para mim, os olhos estreitos e as sobrancelhas juntas. – Quer que ele te bata, é isso?
- Não importa o que ele faça! – disse eu a . – Acha que ele tem razão em ficar puto desse jeito? Se ela quisesse que você soubesse de alguma coisa, , ela mesma teria contado e não simplesmente saído correndo de você. Ela não te deve satisfações. E muito menos eu.
Um segundo depois a confusão já estava formada mais uma vez. , que até então estava com a atenção focada em mim, virou-se para acalmar que parecia prestes a pular em cima de mim. finalmente pareceu sair de seu estupor.
- Sai daqui, , – foi quem disse sem sequer me olhar devidamente. – Ficar aqui não vai ajudar em nada enquanto ele não baixar a bola e esfriar a cabeça. Você a mesma coisa.
Eu concordei levemente com a cabeça, baixando os olhos para os cortes que ardiam e então levantando-os novamente para olhar . Ele me olhava com tanto desprezo que parecia de longe o cara que eu chamava de amigo já há tantos anos. E isso doía quase tanto quanto meus machucados físicos.
Dei um passo para frente no exato instante em que ele chamou por meu nome, concentrado e inexpressivo:
- .
Eu virei-me para ele, a contragosto. Os outros três nos observando com atenção e receio.
- O que foi?
- Você gosta dela?
Todos na sala adquiriram a mesma expressão de desentendimento enquanto juntavam as sobrancelhas.
- Estou perguntando se você gosta de , – ele repetiu fechando os olhos com força e trincando os dentes para mim. – Porque eu gosto dela, . Muito mais do que você pensa. E a felicidade dela é importante para mim.
Eu o encarei piscando rapidamente, esperando a compreensão me atingir de onde ele queria chegar.
- O que voc…
- Eu te conheço há anos, , te considero minha família. – Continuou. – Mas você precisa saber que se magoa-la, se machuca-la de verdade, não sei se serei capaz de te perdoar. Porque infelizmente já não consigo mais saber se toda essa confusão que você faz é sem intenção ou é apenas um jeito cruel de se divertir a custa dos outros, – ele me disse, sua voz carregada de infelicidade, me atingindo tão firmemente como as próprias palavras de poucos momentos antes.
Nós nos encaramos por um rápido instante firmemente, mas ninguém se atreveu a dizer uma única palavra. Então era isso. Apertei meus lábios um contra o outro e soltei um suspiro baixo.
fez menção de vir até mim, porém antes que ele o fizesse, me distanciei rapidamente. Era hora de ir.
Passei pela porta sabendo que mais tarde me arrependeria de ter agido como um completo babaca, como sempre acontecia. Mas estava certa, era mais fácil agir como um estúpido sem escrúpulos a mostrar minhas fraquezas e ser franco. Mesmo desconfiando que isso poderia ter custado parte da minha amizade com . E tudo o que um dia cheguei a ter com .
’s POV
- , você está aí? – As batidas na porta soaram novamente insistentes, e apesar do meu silêncio, aquilo não foi o suficiente para enganar . – ?
- O quê? – eu murmurei com desânimo. Percebi tarde demais que devia ter continuado calada se queria ter ficado sozinha um pouco mais, pois não demorou um segundo para minha amiga abrir a porta e caminhar até mim.
Como eu estava deitada na cama encarando o teto, os cabelos loiros dela entraram em meu campo de visão antes que seu próprio rosto.
- Você está bem? – ela perguntou com cautela, como se entrasse em um terreno perigoso.
- Estou ótima.
Mas aquelas duas palavras não foram suficientes para enganá-la, uma vez que me observava com atenção em busca de detalhes que não pareciam certos.
- Seus olhos estão vermelhos. – Ela constatou enquanto sentava-se na cama ao meu lado. – Isso significa que ou você estava fumando ou chorando. Qual das duas opções?
- Nenhuma. Foi um cisco que caiu no meu olho.
- Nos dois olhos? – arqueou uma sobrancelha.
- Então é conjuntivite.
- …
Soltei o ar com força numa lufada.
- Eu tô legal, juro. – Mas nada do que eu disse pareceu convencê-la. Minha amiga suspirou e buscou seu celular no bolso da calça ao mesmo tempo em que meu próprio celular vibrava incansavelmente em meu criado mudo.
- Quem está te ligando? – ela perguntou.
- Não importa, –respondi enquanto ela esticava os olhos para a tela. Não vi motivo para impedi-la. Uma hora ou outra eu teria que contar a .
- Não vai atender ?
- Não.
- Por quê? – Eu fechei os olhos e cobri meu rosto com meu braço. Não sabia se fiz isso para tomar coragem ou evitar o assunto, mas fosse qual fosse minha ideia, não impediu minha amiga de continuar falando, porém me surpreendendo com um assunto aparentemente completamente fora do contexto: – Hoje saiu uma matéria sobre você na internet, sabia?
Eu a olhei curiosa.
- Como assim?
- Vou ler pra você, – ela respondeu e desbloqueou o celular em sua mão antes mesmo que eu negasse alguma coisa. – Aqui diz: “Parece que mesmo com a agenda apertada de compromissos, nossas queridas estrelas britânicas e Payne ainda conseguem encontrar tempo para saírem juntinhos, nem que seja para um acompanhar o outro no trabalho. Seria nosso sonho ver esse casal se assumir de verdade? Infelizmente foi vista deixar o estúdio Syco hoje sozinha e não foi dessa vez que conseguimos fotos que comprovassem nossas teorias. Mas nossa torcida continua! Quem sabe daqui uns dias não vem a confirmação tão desejada?”. E então seguem diversas fotos suas com ele e depois sem ele, com uma cara bem próxima a essa que você está me olhando agora.
Revirei os olhos e peguei o celular de sua mão para ver as fotos que tinham tirado. Aparentemente, as coisas estavam conseguindo ficar pior que a encomenda.
- Tem alguma coisa relacionada a o fato de você estar assim?
Eu balancei a cabeça para os lados. provavelmente seria a última pessoa no mundo que me faria chorar.
- Não, –respondi e devolvi meu celular a ela. – Ele não tem nada a ver com isso.
- Então quem tem?
Eu franzi minha testa para .
- Como sabe que tem a ver com alguém e não com algo?
- Ué, eu te conheço, – a loira respondeu. – E também porque tenho provas suficientes para achar que alguém te fez chorar, e não uma bobeira qualquer.
Meu celular começou a vibrar mais uma vez e fui obrigada a colocá-lo no modo avião para não me incomodar mais.
- Por que está ignorando as ligações dele se ele não tem nada a ver com seu... – Ela fez uma pausa gesticulando para mim. – estado emocional?
- Porque apesar dele não ter nada a ver com isso, ele está ligado a isso em partes.
piscou os olhos, desentendida.
- Traduza pra mim, . Não entendi nada.
- Eu me sinto culpada em falar com ele.
- Como assim?
- Eu sei que ele gosta de mim, – confessei num sussurro. olhou para mim com um sorriso crescente nos lábios, carregados de malícia. – Mas eu não gosto dele da mesma maneira. E não quero magoá-lo, ele não merece isso.
Minha amiga me encarou por um instante.
- Espera aí, está deixando na friendzone?
- É, – respondi após ponderar aquilo por um longo instante. – É isso mesmo que estou fazendo.
- Mas... – Ela pareceu atordoada. – Por quê?
Mil respostas diferentes passaram por minha cabeça enquanto o par de olhos âmbares de minha amiga me encaravam brilhantes e cheios de dúvidas. Eu podia mentir, ocultar, fugir do assunto até deixa-la cansada e seguir guardando meus sentimentos para mim mesma por mais meses e meses a frente, mas olhando para , minha amiga, a pessoa que esteve comigo nos meus piores e melhores momentos, sabia que não podia dar a ela menos que a verdade. Seria injusto com ela, com a irmã que escolhi ter do meu lado.
Respirando fundo e procurando a coragem que me restava depois de tudo o que disse naquela tarde, acabei soltando a frase, tão baixa quanto um sussurro:
- Porque eu gosto de outro, . É por isso.
Capítulo 27
Two steps far from you
And everybody wants you"
Querido Diário…
Aqui vai, provavelmente, uma das confissões mais melancólicas, sinceras e difíceis deste livro. Um dia (acho que amanhã mesmo) eu imagino que terei me arrependido disso tudo, mas agora tenho essa necessidade de escrever e não consigo ignorá-la. Porque são coisas que não posso dizer em voz alta. Então...
Durante essa noite eu trilhei caminhos há muito esquecidos.
, ainda que tentasse esconder seu choque com as revelações, não conseguiu deixar de lado sua curiosidade. Quando me perguntou “como isso tudo aconteceu?” com seus olhos âmbares brilhando para mim, soltei um riso sem humor. Nem eu mesma sabia quando, onde, muito menos o porquê. Tudo o que eu sabia, tudo o que sei, é que aconteceu.
Contei a ela apenas o suficiente, o que eu tinha coragem de dizer sem me sentir ainda pior.
Disse a ela que vi algo em que a maioria não parece notar, que vi nele mais do que o show bis mostra, e que me deixei levar por conta disso. Contei que por mais que eu tentasse (e eu havia tentado muito) não consegui sentir por algo recíproco ao que ele sente por mim, porque não foi a gentileza dele que me conquistou, mas o mistério por trás de que fez isso. E que desde então eu vivo nesse paradoxo. Vivo esses altos e baixos de superlativos dia após dia, porque ou tudo está ótimo, ou está definitivamente péssimo. Não existe um meio termo, ou se existe, nunca o encontrei.
Ainda que tenha percebido a falta de peças no quebra cabeça, não impôs que eu as revelasse. Mas de fato a parte mais difícil de tudo não foi admitir para ela que eu gostava de . Foi admitir isso para mim mesma.
Por quanto tempo reprimi esse sentimento? Por que eu o reprimi?
E a resposta está visivelmente clara. Porque eu tenho medo de ser rejeitada, exatamente como aconteceu tanto tempo antes. Eu não queria admitir para mim mesma que gosto dele porque inconscientemente eu estava tentando me proteger. Mas aparentemente é tarde demais para isso. Eu já me expus o suficiente para ele. Hoje principalmente.
E de que serviu isso? Nada. Nem ele próprio sabe o que sente, porque está se afogando em sensações que o inebriam de qualquer outra coisa.
Entretanto, mesmo com a mágoa que sinto agora, eu ainda acredito que não é isso que ele mostra ser. Só está preso a algo que o impede de ser quem realmente é. E eu queria, eu quero poder ser a pessoa que vai mostrar isso a ele.
Mas como fazer isso se a cada vez que me aproximo, ele me afasta ainda mais?
Começo a me dar conta que talvez esteja na hora de desistir. Que é hora de parar de me desgastar tanto por alguém que não sabe o que quer.
É difícil admitir isso também. Mas necessário. Sempre foi algo previsível, acho. Que chegaria esse momento de decisão. Só era outra questão que eu evitei até hoje, outra vez, não querendo me machucar.
Com amor,
’s POV
- Aqui. – estendeu a garrafa de cerveja para mim. – Acho que isso vai ajudar.
Eu dei de ombros, evitando falar. Álcool não era a solução, eu sabia, mas ao menos por um tempo eu conseguiria tirar aquela garota da minha cabeça e esquecer por um momento todas as palavras que ela dirigiu a mim.
Virei a garrafa sentindo o líquido gelado descer por toda a extensão até meu estômago. Infelizmente eu sabia que se quisesse me embebedar, teria que recorrer a algo bem mais forte do que uma simples cerveja.
- Acha que falou sério? – Ouvi-me perguntar a depois de demorados minutos em silêncio.
Meu amigo girou a garrafa em suas próprias mãos por um momento muito longo.
- Ele parecia sério. – Foi o que me respondeu.
- É – Concordei a contragosto, num murmúrio desolado. –, parecia sim.
E juntos terminamos a primeira garrafa. Eu já estava a caminho da segunda quando interrompi o movimento no meio do caminho e encarei o curativo em minha mão, a gaze que a enrolava os dedos como uma luva, um tanto quanto manchada pelo remédio e pelo sangue.
Percebi de relance que também olhava para o mesmo local que eu. Quando notou que eu o encarava, desviou sua atenção para a bebida e tomou um gole da mesma logo após soltar um longo suspiro.
Eu admirava o fato dele não fazer perguntas e não querer me pressionar a dizer mais do que eu estava disposto, mas via que meu silêncio o incomodava. só não sabia que mais do que incomodava a ele, incomodava a mim. Eu não queria falar, mas sentia necessidade de dizer alguma coisa, pois sentia que a qualquer instante eu podia sufocar.
- Quanto vocês ouviram da conversa? – Acabei soltando de repente para a surpresa dele próprio.
- Não muito. – Ele titubeou os dedos na garrafa. – Mas o suficiente.
Deixei minha cabeça cair no encosto do sofá num gesto cansado. De certa forma, eu já esperava por isso.
- Sei que talvez eu devesse me manter imparcial nessa conversa – voltou a dizer, procurando minha atenção. –, mas talvez ela esteja certa, cara.
Com um pouco mais de força que o necessário, eu bati com a garrafa no vidro da mesa de centro, num estalo alto e estridente, enquanto soltava um riso completamente sem humor.
- E como pretende me convencer disso?
- E eu ainda preciso te convencer de alguma coisa? – Ele se virou para mim com as sobrancelhas juntas em indignação. – Porra, , pare de agir como um filho da puta pelo menos dessa vez! O que você ganha com essas suas atitudes?
Ainda que eu soubesse que era uma pergunta retórica, tomei ar com menção de responder, mas imediatamente fui interrompido:
- Fique quieto e escute, pelo amor de Deus! – Eu fechei a boca enquanto o via revirar os olhos para mim. – Eu falei com agora a pouco e está péssima. Você só está a afastando cada vez mais, . Vai chegar uma hora que não vai adiantar mais correr atrás dela e então tudo o que ela te disse hoje vai acontecer de verdade. E eu não vou ficar te consolando, vou dizer que te avisei só pra depois encher a cara com você, tá entendendo? Não é justo o que está fazendo com ela. Nem com você mesmo!
Eu passei as mãos pela minha cabeça com vontade de arrancar todos os cabelos dela. Eu devia estar enlouquecendo.
- E o que espera que eu faça, caralho?
- Pare de agir feito um idiota e peça desculpas, – disse imediatamente como se já tivesse a resposta preparada. – Ou melhor, mude! Deixe de lado essas suas babaquices e vá atrás dela, .
Eu demorei um pouco para processar tudo o que ele estava dizendo, mas quando o fiz, uma barreira pareceu surgir bem diante de mim.
- Mas... e ?
também colocou sua garrafa sobre a mesa e pensou por um instante.
- Eu não vou escolher um lado, cara. Não vou dizer quem deve ficar com quem, vocês que se resolvam! – falou, levantando as mãos na altura dos ombros e balançando a cabeça para os lados enquanto me encarava. – Mas se você gosta dela, se realmente gosta dela e acha que consegue fazer diferente dessa vez, então não devia estar aí com essa sua bunda murcha esparramada no sofá.
Ignorei seu insulto, mais interessado em resolver outras questões que ainda martelavam meu cérebro com muita persistência.
- Você ainda não entendeu, . Eu não sei o que sinto por ela.
riu minimamente, como se estivesse vendo algo que só ele era capaz.
- Tem certeza? Porque mais parece que está num estado de negação. Deixa eu facilitar as coisas para você, ok?
Eu assenti minimamente, subitamente tenso e nervoso.
- Me responda essa única pergunta: você consegue ver seus dias sem ela?
Eu não disse nada, mas o sorriso dele se alargou ao ver minha expressão. Tive a impressão de que finalmente teve a resposta que desejava.
’s POV
- Você devia vir! – insisti novamente a enquanto eu terminava de passar batom. – Seria incrível se você viesse.
Mas ela balançou a cabeça, negando pelo que parecia ser a vigésima sétima vez.
- É a festa de final de temporada da sua série – ela respondeu. –, não quero ir de penetra.
Revirei os olhos com impaciência, sabendo que não era bem assim.
- Isso é desculpa sua porque não vai estar lá.
Minha amiga me olhou da porta com as pálpebras quase completamente abaixadas.
- É, você tem razão. – Ela concordou depois de trinta segundos me observando completamente impassível. – E você só quer que eu te acompanhe para evitar e por mais sabe-se lá quanto tempo.
Acabei soltando um grunhido irritado depois de largar o batom na penteadeira sem um pingo de delicadeza. Era verdade, por mais que eu continuasse negando de pés juntos que era tudo história da cabeça dela. Eu realmente estava evitando e . O primeiro porque estava cansada de me desgastar. Se fosse para conversar, ele que tomasse alguma iniciativa que valesse meu tempo. E sobre ... bem, eu não conseguia olhá-lo nos olhos sem me sentir uma completa enganadora.
Por fim, soltei um suspiro exasperado.
Pelo espelho vi jogar a cabeça para trás e caminhar até meu lado, se encostando ali, na beirada da penteadeira.
- Já fazem quase três semanas, . Devia parar de fugir deles!
- Mas eu não estou fugindo de ninguém, – objetei imediatamente.
- Ah, é mesmo?
- É mesmo sim!
Mas na verdade não era.
Essas quase três semanas tinham sido uma tortura e, sinceramente, eu não sei como consegui essa proeza de manter distância. Imagino que tenha sido meu subconsciente, algo relacionado a uma coisa que me dissera não muito tempo atrás em meio a uma discussão: agir como uma profissional.
Acabei levando suas palavras ao pé da letra. Eu não queria dar o braço a torcer, queria persistir até o fim.
Por dias eu não fiz nada mais que minha obrigação, mantendo meus pés no chão ainda que minha cabeça estivesse nas nuvens. Nas leituras dos scripts, nos últimos ensaios em cena e mesmo durante as últimas gravações, eu nunca fui tão séria e focada, principalmente com . O que foi uma bela conquista, admito, levando em conta que tive que beijá-lo e me agarrar a ele como se minha vida dependesse daquilo por umas duas ou três vezes.
Foram momentos um tanto quanto complicados, uma vez que consequentemente com minhas novas atitudes eu modificasse ligeiramente o clima no set de gravação, tornando-o mais pesado e sem tanto humor.
Mas eu não voltaria atrás. Decidi, depois de muito pensar e conversar com , que não adiantaria de nada eu voltar a agir normalmente com , só estaria dando espaço para que me machucasse novamente. De longe era isso o que eu queria. E embora o formigamento em meu estômago fosse incômodo e meu nervosismo aumentasse cada vez que ele se aproximava com os olhos brilhando em expectativa, me mantive forte e determinada a não abaixar a guarda. No fim, nada pagou o olhar com o qual me olhou após o fim das filmagens. Intensamente profundo e questionador, como se percebesse que algo em mim houvesse mudado, mas não percebesse exatamente onde. Nem o quê. Entretanto, ao passo em que ele me encarava com curiosidade, me devolvia um olhar carregado de arrependimento e de palavras não ditas, como se tivesse muito que falar e não soubesse por onde começar.
Parecia que algo nele havia mudado também.
Eu não sabia como ou por quê. Muito menos se era real.
Um par de dedos estralou na frente dos meus olhos e tirou-me de meu devaneio.
- Você ouviu uma palavra do que eu disse?
- Não, – respondi com sinceridade para minha amiga. Ela não pareceu feliz.
- Eu disse que você devia falar com !
Por um instante quase engasguei com minha própria saliva.
- E por que eu deveria? – respondi quase rispidamente. O que era novidade, porque eu geralmente não era grossa com as pessoas, muito menos com minha melhor amiga. – Como, ? Eu não consigo olhar para sem me sentir suja sabendo que o cara tinha algum sentimento por mim que eu não pude retribuir, enquanto ocasionalmente eu beijava sem nem sequer entender os porquês.
- Não precisa ser exagerada…
- Exagerada? – Eu soltei um riso nasalado. – Você não viu a expressão com a qual ele me olhou naquele dia, . Seu olhar acabou comigo de dentro para fora. Eu o magoei de verdade.
Por um instante ela pareceu compadecida com minha desolação.
- Mas você nunca teve essa intenção, teve? – Eu balancei a cabeça para os lados. – Então ele vai entender, . Ele tem que entender. Não dá para escolher que sentimentos sentir. Muito menos por quem você vai senti-los. É impossível!
pegou meus cabelos e carinhosamente começou a trança-los.
- Eu sei que você está triste, mas não devia deixar as coisas por isso mesmo. – Ela murmurou enquanto seus dedos trabalhavam rapidamente. – Aposto que ele está doido para conversar contigo, só não sabe como começar a conversa. Acho que é hora de você ser sincera com ele. A pior coisa que você pode fazer é deixar esse véu de ilusão entre vocês dois, ainda que ele esteja começando a desaparecer.
Baixei os olhos para minhas unhas recém-pintadas e as bati contra a superfície da penteadeira.
- E se ele não reagir bem?
A loira soltou um longo suspiro, como se compartilhasse de minha apreensão, mas só parou e levantou os olhos para mim depois de acabar o penteado em meu cabelo.
- É um direito dele, não é? – ela disse suavemente. – Ninguém poderá culpá-lo caso não seja a pessoa mais compreensível do mundo depois que vocês dois conversarem. Vai depender de muita coisa. Principalmente do que está acontecendo dentro dele.
Mordi o lábio inferior com força e apertei minhas pálpebras uma contra a outra. A mínima vontade que eu ainda tinha de querer ir para a festa começava a desaparecer drasticamente. Talvez eu devesse passar a noite no conforto da minha cama de uma vez.
- Mas você não tem que pensar nisso agora. Vai acabar se atrasando. – se endireitou, distanciando-se de mim com rapidez, percebendo que aquele assunto não veio em boa hora. – Aliás, talvez eu tenha esquecido de mencionar, mas seu carro já está lá embaixo te esperando.
- O quê? – Eu imediatamente me coloquei de pé, com pontos brancos dançando em minha visão. – Como assim? Quando isso aconteceu?
- Faz uns vinte minutos, talvez mais? – encolheu os ombros estendendo o cabide com o vestido em minha direção. – Você estava saindo do banho, não queria te apressar, mas acho que agora informação é válida.
- Claro que é, assim não tenho opção senão ir!
- Exatamente! – Ela concordou com um sorriso aberto mostrando todos os dentes enquanto eu apanhava o objeto de sua mão. – Vai dar tudo certo, você vai ver. É a pessoa mais sensata que conheço.
- Isso era para me tranquilizar?
- Sim. – Ela concordou. – Funcionou?
- Não exatamente.
- Tudo bem, o que vale é a intenção. Agora coloque logo o vestido e o sapato antes que interfonem de novo, também preciso me arrumar.
Com as sobrancelhas juntas, me desfazendo do roupão que vestia, a encarei sem entender.
- Ué, mas achei que fosse ficar em casa hoje.
- E vou – ela disse de imediato –, só não sozinha, pelo menos.
A ficha demorou um pouco para cair e foi impossível conter a malícia presente em meus pensamentos, mas entendi tudo antes que ela pudesse verbalizar exatamente.
- Ok, já estou de saída. – Sorri para ela esquecendo meus problemas por um instante para compartilhar a felicidade de minha amiga. – Só me ajude a subir o zíper, ok? Prometo demorar o quanto for possível para não atrapalhar você e .
- ! – ela gritou, o rosto se tornando vermelho como morangos maduros.
- O quê? Aposto que não estou exagerando. Agora pare de me olhar tão espantada e me ajude a decidir. Preto ou dourado?
E ainda que eu me esforçasse muito, não consegui me desfazer da angústia que queimava em meu peito. Era uma sensação crescente de que algo naquela noite daria muito errado. Mas olhando para e toda sua animação, me obriguei a esquecer isso. Eu precisava agir de outra maneira.
Sair do carro e caminhar até a porta foi uma tarefa complicada. Se não fossem os seguranças de plantão, eu provavelmente teria ficado presa no meio do caminho completamente paralisada pelas pessoas que brotaram na minha frente. Eu não sabia que a imprensa estaria presente no evento da série, uma vez que ele deveria ser privado e um segredo para praticamente todo mundo, mas de alguma maneira a informação vazou e agora não importava mais nenhuma das duas características anteriores.
Convidados ou não, tinham muitas pessoas ali. E eu tinha certeza absoluta que nada os faria ir embora enquanto não tivessem algo significativamente útil para preencher os tabloides na manhã seguinte.
- Ah, finalmente! – Victoria me prendeu em um abraço apertado assim que saí da frente das câmeras e dos flashes que preenchiam todo o caminho até a entrada do salão. – Já estava a ponto de pegar meu carro e ir te buscar. Por que demorou tanto? Você está incrível!
Afastando-me um pouco dela para recuperar o ar do abraço apertado, pude olhá-la com mais atenção. Vicka havia me elogiado, mas era ela quem merecia todos os elogios.
- Não seja boba, você está sensacional! – Eu sorri para ela. – Queria eu estar como você.
A garota revirou os olhos numa clara brincadeira e me arrastou para dentro de onde a verdadeira bagunça estava, com o espaço abarrotado de gente e a música alta se espalhando pelo ambiente.
- Nós estávamos só esperando você chegar, – ela me disse por cima do som. – Logo Gregory vai nos chamar e anunciar de uma vez por todas a data de lançamento.
- Mas já? – Eu quase tropecei nos meus próprios saltos.
- Sim. Você se lembra de tudo, certo? Nós vamos anunciar em vídeos ao vivo nas redes sociais e logo em seguida soltar o primeiro teaser online, como o combinado. Vai ser demais, mal posso esperar! – Ela deu pulinhos de alegria e continuou me arrastando em frente.
A festa não era bem um evento chique, era só uma comemoração do fim das filmagens, pós-produção e preparação para o lançamento da nova temporada meses adiante. Mas admito que pela quantidade de pessoas presentes, fiquei surpresa. Eu sabia que só estavam ali quem trabalhava diretamente com a série The Black Side, porém, em meio a caminhada que fazíamos, com cumprimentos e conversas variados entre diversas pessoas, comecei a me dar conta da proporção que aquilo tudo realmente tomava.
Meu coração acelerou e por um instante perdi o foco de tudo ao meu redor. Foi como no dia que recebi a confirmação do papel como Kate, só que mil vezes mais intenso. Eu fazia parte disso, desse grupo, desse trabalho. E era alguém no meio daquilo, alguém importante. Não era uma ilusão. Estava se tornando real, cada vez mais palpável.
Eu mal conseguia processar. Separar na minha cabeça o que era sonho e o que era realidade. Parecia que finalmente as duas coisas começavam a caminhar juntas.
Como se percebesse meu entusiasmo, Victória passou seu braço por meus ombros e me abraçou lateralmente. Em mais alguns passos, de alguma maneira, chegamos até o palco montado com o logo da série logo acima, ocupando uma parede de cinco metros de comprimento e quatro de altura, com luzes piscando em perfeita harmonia com a música.
Eu perdi o fôlego com a visão e sorri bobamente, tendo meu devaneio interrompido logo em seguida por uma voz alta bem próxima do meu ouvido:
- Já não era sem tempo! Eu estava começando a ficar impaciente, – Sr. Colleman disse assim que seus olhos se puseram em mim. E infelizmente, não foi somente o diretor que notou minha presença. Outros dois, esses que eu tanto ignorei e (ok, admito) fugi durante os últimos dias, estavam ali, não mais que a dois metros de distância de mim, tão perplexos quanto eu.
Não era como se não soubéssemos que nos veríamos de novo, mas aparentemente ainda era algo complicado para se lidar tão facilmente.
, com a jaqueta preta sobre os ombros, cobrindo a camisa da mesma cor e o cabelo penteado para cima despontado para todas as direções possíveis, me encarou de cima a baixo com lábios entreabertos e olhos intimidantemente intensos.
Desconsertada, mudei a posição dos pés e baixei os olhos para o chão enquanto engolia em seco, sentindo o rubor subir por minhas bochechas. Era completamente irrelevante, mas eu estava lembrando justamente da franqueza de nossa última conversa e seguindo então para o último contato qual tivemos, nosso beijo no set de filmagem.
Por um instante tudo voltou para minha mente como uma avalanche que fui obrigada a conter de maneira fria e inexpressiva.
Eu estava sendo ridícula.
se colocou de pé quando me viu. Com muito esforço me desprendi das memórias que me invadiam, inclusive do olhar decepcionado que ele mesmo me dirigiu naquele fatídico dia, e o encarei com expressão vazia. Ele ajeitou a camisa branca que vestia, alisando-a como se houvesse algo errado com ela, olhando-me por completo, mas com um pouco mais de sutileza do que seu amigo anteriormente havia feito.
Se alguém notou o clima leve se esvair, não disse nada. Havia entre nós uma hesitação palpável, de mil palavras pairando sobre nossas cabeças, mas nenhuma coragem a qual se agarrar para dizê-las.
Tentei dirigir um sorriso para Gregory, uma tarefa mais complicada que o normal, e esperei que ele não entendesse minha expressão como uma dor de barriga e me oferecesse um remédio para congestão, já que provavelmente, era isso mesmo que parecia.
- Desculpe o atraso, não queria causar problemas, – falei, o que era totalmente verdade. – Tive alguns imprevistos de última hora.
Vulgo, crises existenciais muito severas, completei mentalmente e esperei que isso bastasse para convencê-lo.
- Tanto faz, – ele me respondeu com um gesto fluido das mãos. – Vamos aprontar as coisas para fazer o que viemos fazer. Só não saiam daqui, vocês quatro. Chegou a hora do anúncio, e eu não vou postergar isso nem um minuto mais.
Graças a tudo que é sagrado, não ficamos sozinhos quando ele nos deixou, o que, felizmente, não nos deu tempo de conversar, somente trocar uma ou duas palavras. Ao menos foi o que fiz. Não conversei e nem me mostrei disposta a fazer isso, ainda que Vicka estivesse tentando muito envolver todos nós em um assunto só.
Eu não estava preparada para quebrar a hesitação existente entre eu e os dois garotos. Queria poder dizer isso a ela, mas sabia que só causaria mais problemas se contasse algo a Vicka.
Em seguida, quando o sr. Colleman voltou até nós, poucos minutos depois, seguido de várias pessoas, nos convidando a subir ao palco, as coisas começaram a acontecer rápido demais.
Eu absorvia tudo no automático, conforme meu cérebro se dava conta dos acontecimentos: de Gregory discursando sobre o trabalho duro e agradecendo a nós, seu elenco; das pessoas comemorando os feitos até aqui; das câmeras filmando e do telão transmitindo simultaneamente o que acontecia ali, naquele pequeno palco, para as redes sociais da série, enquanto mostrava as diversas reações do público online.
Eu estava consciente da presença dos meus colegas atores logo ao meu lado; da diversão e entusiasmo que todos compartilhavam; das falas que proferimos como personagens oficiais da série e da explosão de palmas que seguiram a oficialização de todo o trabalho duro que tivemos nos últimos meses enquanto o teaser oficial era visto por todos nós pela primeira vez.
Mas eu também estava ciente de estar justamente entre as pessoas que eu menos queria estar; da mão de no alto das minhas costas e da mão de na altura da minha cintura enquanto posavamos para fotos que nunca pareciam acabar. Eu estava ciente do olhar de ambos me avaliando, esperando que eu dirigisse alguma palavra para eles. O pior de tudo é que eu também estava ciente de que aquilo não poderia durar para sempre.
Eu me sentia tão nervosa por tantas coisas diferentes que minhas mãos tremiam. Eu ficava agradecida por elas estarem escondidas, cada uma, esquerda e direita, atrás de e respectivamente, mas torcia para que nenhum deles percebesse isso, ou achariam que eu estava ficando maluca e tendo alguma espécie de crise.
Não muito depois, tudo já tinha acabado com uma salva de palmas forte e animada. Fomos convidados a descer do palco e prendi a respiração enquanto e se distanciavam de mim com movimentos lentos.
Olhando-os se afastar de mim, tive certeza que não poderia continuar com o silêncio por muito mais tempo ou isso iria me consumir. Ao menos não merecia que eu agisse assim com ele. Acho que é hora de você ser sincera com ele, havia dito. A pior coisa que você pode fazer é deixar esse véu de ilusão entre vocês dois, ainda que ele esteja começando a desaparecer.
Tomei um instante sozinha para respirar fundo e acalmar meus batimentos cardíacos.
A festa ao redor, após o tão esperado anúncio, continuava com ainda mais força. O telão conectado as redes sociais pipocava com milhares de notificações que brindavam a todos uma dose ainda maior de êxtase e felicidade. Gregory sorria tanto que pensei que seu maxilar fosse se desprender de seu rosto a qualquer momento, eu nunca o tinha visto tão satisfeito assim. Ao menos ele parecia estar realmente se divertindo.
Soltando um longo suspiro, comecei a observar o salão, tentando me distrair dos pensamentos que tanto queriam tomar espaço em minha cabeça. Foi em um desses momentos de olhares sem rumo que pude avistar , rodeado de pessoas, segurando seu copo de bebida, os olhos perdidos pelo salão como se procurasse algo sem saber exatamente o que era. Ele parecia não prestar atenção em nada do que diziam ao seu redor.
Engoli em seco. Eu sabia que provavelmente não conseguiria fazer isso em outro momento, todas as células do meu corpo gritavam em confirmação de que era agora ou nunca.
Antes que minha coragem se dissolvesse, segui a passos largos e decididos até onde ele estava, passando com dificuldade por entre as pessoas que me paravam a cada dois segundos para me congratular.
Em algum momento da caminhada, me senti tentada a desistir e dar meia volta, entretanto já tinha me enxergado, e observava minha aproximação com perplexidade, como se duvidasse que eu realmente seguia direto para ele.
- ? – ele disse fracamente, ainda desacreditado.
As pessoas que faziam parte da rodinha de conversa dele me olharam sem entender.
Eu não sabia bem como deveria começar aquele diálogo, parecia que um bolo áspero estava entalado bem no meio da minha garganta. Na dúvida, fui direto ao ponto:
- , eu preciso falar com você. É importante.
Alguns longos segundos se passaram até que ele pediu licença para o pessoal e se aproximou de mim com cautela e um quê de nervosismo. A um metro de distância, com ele me olhando atentamente sem falar um a sequer, entendi aquilo como uma espécie de incentivo para continuar e tomei fôlego:
- Eu devia ter te procurado antes, sei disso, mas não consegui. Fui covarde e sinto muito por isso.
- Do que você está falando? – Ele se aproximou mais, a testa franzida e as sobrancelhas quase juntas.
- De tudo! – As palavras vinham incoerentes para minha mente. – Mas principalmente daquela tarde, daquele dia no estúdio. Eu devia ter sido sincera com você há muito tempo, agora você deve achar que eu sou uma completa idiota.
- Você? Idiota? – Ela deu mais um passo em minha direção. – Está brincando comigo? Eu nunca pensaria isso de você.
Eu balancei a cabeça para os lados.
- Não fale assim, não agora, como se visse somente minhas qualidades e não os meus defeitos. Você é uma pessoa boa demais! Sempre esteve ao meu lado, desde o começo me ajudando a lidar com tudo isso. Mas não mereço que você seja assim comigo o tempo todo.
Seus olhos percorreram meu rosto com avidez enquanto eu falava, mas ele não parecia absorver as informações que eu despejava sem sequer pensar direito.
- Você está pálida, . Não quer se sentar? Sair do meio de toda essa gente?
- Não, não quero. Preciso esclarecer as coisas com você antes que…
- Esclarecer? – ele me interrompeu. Percebi que ele se esforçava para manter a voz calma. – Não entendo realmente onde você queira chegar de fato e não acho que aqui seja o local adequado, você claramente não está bem também.
- Eu insisto! – Segurei seu braço, esperando que o gesto fosse suficiente para convencê-lo de me dar atenção, e o olhei nos fundo dos olhos, ainda que minhas frases parecessem desconexas e sem sentido. – Há dias isso vem me incomodando, . Eu preciso falar com você de uma vez. Sei que te machuca eu estar agindo de maneira tão ridícula já por tanto tempo, e eu gosto demais de você para continuar com isso.
Assim que fechei a boca, percebi a burrada que tinha feito com minhas escolhas de palavras precipitadas.
O sorriso cresceu lentamente nos lábios de enquanto eu ficava cada segundo mais tentada em sair correndo dali. Eu gosto demais de você. A frase reverberou em minha cabeça tantas vezes que comecei a ficar tonta. Eu realmente era uma idiota, mal conseguia formular uma sentença clara para expressar minha confusão.
- , me desculpe. – Passei a mão por meu rosto e fecheis os olhos com força. – Eu estou trocando as palavras, não estou conseguindo me expressar direito, mas a questão é que…
Um burburinho de pessoas me interrompeu de súbito e engoli em seco.
- ! – A voz de um dos homens se sobressaiu animada logo após me lançarem um cumprimento rápido com a cabeça. – Será que você pode nos dar um minutinho do seu tempo?
Eu fiquei com vontade de mandá-lo ir embora e procurar outra coisa para fazer, dizer que estava ocupado demais para falar com ele e que voltasse mais tarde, porém tive que morder a língua e respirar fundo.
ainda me olhava sorrindo com os olhos brilhando. Merda.
- Claro, Joffrey, – ele respondeu sem tirar os olhos de mim e tive vontade de gritar. – Me dê um segundo para me despedir de .
O grupo se afastou apenas o suficiente para que encerrasse a conversa comigo. Aquele simples gesto quase me fez surtar.
- , por favor, não vá agora, deixe-me terminar de falar! – comecei a implorar. – Tenho muito mais o que dizer e ainda não cheguei ao ponto principal. Estou me embolando toda, é completamente embaraçoso, mas isso está acabando comigo, você precisa me ouvir!
- E eu vou! – Ele garantiu, rapidamente segurando meus ombros. – Não tenha dúvida disso, vou ouvir cada palavra que você tiver a me dizer. Mas teremos tempo para isso depois, ok? E aí acharemos um local para continuar essa conversa a sós.
- Não, . É sério, é muito importante, é…
- Fique tranquila, ! Eu não vou longe, – garantiu. – Me de cinco minutos para falar com Joffrey e aí terminamos o que começamos aqui.
- Mas…
- Cinco minutos, – repetiu. – Eu volto logo.
E ele se afastou, me deixando ali, no meio do salão completamente frustrada e ainda mais nervosa por ter dito algo que não devia soar da maneira como aparentemente soou para ele.
Muito bem, !, minha consciência me repreendeu. Você vem até aqui dizer para que o está colocando na friendzone, mas o deixa ir embora cheio de esperanças, achando que você realmente gosta dele porque não sabe escolher um punhado de palavras. Parabéns!
Eu me surpreendia mais comigo mesma a cada dia.
- Porcaria! – eu xinguei alto, recebendo alguns olhares atravessados que ignorei rapidamente.
Sem ter muito o que fazer ali parada (ou no mínimo ter paciência para isso), segui para as laterais do salão, procurando um canto meio vazio onde eu pudesse espairecer e organizar meus pensamentos adequadamente, para que mais tarde, quando me procurasse de novo, eu não fosse um fiasco tão grande como agora ao tentar esclarecer meus sentimentos por ele, ou a falta deles.
Ah, meu Deus. Isso está cada vez mais difícil e complicado.
’s POV
devia estar no segundo ou terceiro copo de água quando me aproximei dela, analisando-a. Ela não havia notado minha ilustre presença até o momento, ou talvez eu só estivesse muito silencioso e quieto para ser notado com antecedência. Fosse esse o motivo, eu não poderia culpá-la. parecia distraída.
Era como se ela tentasse se acalmar ou se concentrar em alguma coisa muito importante. Se encolhia no canto como se quisesse evitar a todo custo qualquer contato com outras pessoas. Um pouco confusa olhou para o celular em suas mãos que tocava e o analisou, a testa franzida. Não mostrava interesse por isso, mas parecia curiosa. Percebi de súbito que se eu deixasse que ela atendesse, provavelmente perderia a oportunidade de ir até ela e conversar.
Passei a mão por meu rosto e respirei fundo, sentindo meu coração acelerar da mesma maneira que acontecia sempre que eu estava prestes a subir em um palco e fazer um show. Antes que ela pudesse se decidir entre atender ou não, eu já estava falando:
- Eu estava te procurando, – falei indo calmamente até ela, me desvencilhando das sombras que de certa maneira pareciam camuflar minha presença.
pareceu se assustar e deu um passo para o lado, sobressaltada, afastando os olhos do aparelho que parou de tocar sozinho segundos depois.
Era estranho tentar conversar com ela, admito. Meu estômago revirou em protesto e ansiedade. Não era como se não tivéssemos nos encontrado antes, mas a forma como as coisas aconteceram nessas ocasiões, com frieza e indiferença, fizeram com que a aproximação se tornasse mais difícil. Por dias eu vim hesitando com medo de piorar ainda mais o que já estava bem, bem ruim.
E estar perto dela agora, prestes a dizer tanta coisa, depois de tudo o que aconteceu, era como andar vendado num campo minado. Sinceramente eu não sabia o que esperar.
Seus olhos dançaram do topo da minha cabeça até o chão onde eu pisava, claramente com sentimentos conflitantes querendo se colocar um acima do outro, e por um instante ela pareceu não saber o que fazer com minha chegada ali, quase como se quisesse virar as costas e sair andando.
- ?
Pela maneira como ela soltou meu nome, percebi que minha presença talvez fosse a última coisa qual ela tinha desejado. Pigarreei tentando afastar tal pensamento da cabeça. Se deixasse que outras coisas ocupassem minha mente, não seria capaz de dizer tudo o que vim dizer, e era algo que eu precisava fazer. Se não fizesse hoje, não sei se conseguiria em outro momento. Agora que as filmagens haviam terminado, os encontros do elenco se tornariam cada vez mais esporádicos e duvidava que ela fosse querer me ver por livre e espontânea vontade. Como eu poderia saber se teria outra oportunidade como essa? Precisava ser hoje.
- Parece surpresa em me ver, Ruivinha, – disse e recebi em troca um revirar de olhos pouco interessado. Soltei um suspiro, tentando de novo: – Posso falar com você?
Cinco segundos se passaram em completo silêncio até tomar ar e responder:
- Se veio dizer alguma grosseria, não perca seu tempo e não me faça perder o meu. Prefiro que me deixe em paz a dizer qualquer coisa.
Meus lábios se transformaram em uma linha fina enquanto absorvia tudo lentamente e dava mais um passo em sua direção.
- Na verdade... Na verdade eu vim aqui me desculpar.
Ela piscou algumas vezes, me encarando. A informação não pareceu coerente para e acabei me divertindo com isso, quase sorrindo minimamente. Ela não estava me levando a sério e eu teria que me esforçar muito para ela acreditar em mim.
- Como assim se desculpar?
Eu abri a boca e a fechei em seguida.
De repente, olhar para ela, diretamente em seus olhos, pareceu muito difícil. Baixei a cabeça e fechei os olhos, os apertando por um momento antes de voltar a abri-los com a cabeça erguida, encarando diretamente o azul esverdeado das íris de .
Apesar das pupilas dilatadas pela iluminação escurecida, eu ainda conseguia ver o azul brilhante sobressaindo o arco verde claro ao redor dos grandes círculos pretos. Era engraçado, na verdade fascinante, como eles pareciam estar sempre mudando. Sempre se moldando de acordo com o momento. Agora estavam muito semelhantes com o alto mar em fúria, momentos antes da tempestade finalmente cair.
- Não é brincadeira, é sério. – Logo adiantei. – Eu vim agindo como um babaca por muito tempo, – disse por fim. – E o que aconteceu aquele dia... Eu pensei muito sobre o que você disse, e sim, você estava certa. Sobre praticamente tudo.
Ela recuou um passo, sua irritação vacilando por um segundo.
- E por que isso agora?
- Porque eu... – Minha boca ficou seca. Porque sinto sua falta, quis completar, mas as palavras se perderam em minha garganta. – Eu…
- Você o que, ? – Ela soltou um longo suspiro. – Se veio aqui me dizer alguma coisa, então diga alguma coisa!
- Porque – me ouvi dizer, minha voz soando subitamente aflita –, no começo achei que estivesse com raiva de você por tudo o que tinha dito, mas percebi que não era isso. O tempo todo eu estava com raiva de mim mesmo por saber que você estava certa. Eu passei anos, , anos construindo barreiras para me proteger, me isolar. Cada situação desagradável eu de alguma maneira me tornava mais impermeável a tudo. Mais forte. Inalcançável. Mas então você apareceu, e não sei bem como, conseguiu enxergar mesmo através de cada obstáculo tudo o que vim tentando esconder. E isso que você faz me enlouquece, me tira do sério!
Ela balançou a cabeça para os lados, os olhos começando a vagar para longe de mim.
- , eu não entendo, não sei…
- Por favor, olhe pra mim, me deixe terminar! – Aproximei-me um pouco mais dela, parando a poucos 30 cm de seu rosto, tentado a segurá-lo entre minhas mãos e fazê-la prestar atenção em meu rosto e em minhas palavras. – Você faz com que eu pareça vulnerável, . Faz com que eu me sinta vulnerável. Passei a maior parte da minha vida tentando não ser exatamente isso, tentando esconder meus medos, minhas mágoas e tudo mais o que faz com que eu seja fraco. E é por isso que eu me afasto, porque tenho medo da sensação que isso me causa, que você me causa. De ser exposto, de ser descoberto. Então arrumo novos empecilhos pensando que vai ser suficiente para impedir qualquer outra tentativa sua. Mas ainda assim é como se você penetrasse cada parede que ergo do meu isolamento. É frustrante, ! Você não tem ideia do quanto. É como perder uma proteção cada dia um pouco mais.
Ela franziu o cenho e me analisou por um momento. Percebi, um pouco tarde, que minhas palavras a afetaram de um jeito errado, pois engoliu em seco e desmanchou a expressão irritadiça para substitui-la por algo entre o desânimo e a mágoa.
- E não sabia, – falou fracamente. – Não fazia ideia de que era assim que você se sentia. Sinto muito por... te enlouquecer, frustrar e sei lá mais o quê. Não vai acontecer de novo. Nunca mais. Só teria sido melhor saber tudo isso antes, assim eu não teria perdido tanto tempo com você.
Eu a encarei, completamente paralisado e momentaneamente sem palavras, e a assisti passar por mim, numa pretensão de ir embora, com passos firmes e decididos.
Desliguei-me repentinamente do estupor e a segui aos tropeços.
- Não, não! – Eu segurei em seu braço e a fiz virar de frente para mim novamente, completamente inexpressiva. O celular com a tela acesa, um número piscando enquanto ele tocava. Ela estava tentada a atender e eu não podia deixar que ela fizesse isso e fosse embora. – Você não entendeu, . Não tem que sentir muito, não tem! Ouça, ok?
- Me deixe, !
- Me tirar do sério, me enlouquecer... – Continuei. – É essa a questão, . Eu gosto disso. Gosto do fato de você fazer tudo isso comigo. De conseguir ver aquilo que está escondido por debaixo da minha pele. E mesmo que eu sinta pedaços de mim desmoronarem cada vez que isso acontece, você ainda consegue me manter de pé porque sei que aquilo que você expõe, aquilo que você vê é quem eu realmente sou!
Novamente ela se afastou. E percebi que dessa vez estava começando a seguir na direção certa. Seus olhos, além de chocados e perplexos, brilharam em surpresa enquanto ela me encarava e estudava meu rosto atentamente, estudava cada palavra que eu havia dito. Isso me deu esperança.
- ... – Sua voz soou suave e falha. – Isso não parece sério, não parece com algo que você diria, – respondeu.
Minha respiração vacilou.
- Como... O que quer dizer com isso?
- Eu é que pergunto, – disse com os olhos semicerrados para mim, seu celular subitamente voltando a tocar em suas mãos, mas dessa vez ela não dava a mínima. – O que você quer dizer com tudo isso? Como quer que eu reaja? O que quer que eu faça? Acha que simplesmente dizer tudo isso vai mudar alguma coisa? Acha que vai ser suficiente?
E foi então que as coisas pareceram virar de ponta cabeça.
- M-mas... Q-que... – Comecei a gaguejar como um completo idiota. Balancei a cabeça sentindo minha calma se esvair. – Isso só pode ser brincadeira, tem noção de como foi difícil dizer tudo isso pra você? De admitir tudo isso para mim mesmo e depois escutar isso saindo da sua boca?
- Tenho sim, . – soltou um riso seco sem humor. – Meu Deus, é claro que tenho! Não me entenda mal, mas é exatamente por isso que é tão difícil de acreditar. Você não pode esperar que isso resolva tudo, como num passe de mágicas. Não é assim que funciona!
Sem aviso, comecei a gargalhar sem um pingo de humor, mas cheio de indignação. Eu devia ter cara de palhaço.
- Claro que não, afinal, não sou eu que dito as regras, sou? Porque provavelmente nada que eu diga um dia será suficiente pra você, não é?
- Palavras, , só são suficientes quando acompanhadas de atitudes!
- E eu vir aqui, até você, e falar todas essas coisas que eu jamais disse a outra pessoa foi o quê?
Ela piscou rápido, vezes seguidas.
- Um feito diferente não anula todos os outros.
- Mas eu precisava começar por algum lugar, ! – Se ela escutou o que eu disse, não demonstrou. Olhou para o celular esquecido em suas mãos, a luz da tela piscando com um número desconhecido. Ele tocava novamente.
- Não devíamos ter começado essa conversa. – deu um passo, se afastando.
- Realmente. – Concordei friamente. – Talvez eu devesse ter mantido a boca fechada, mantido distância.
Ela, de costas, me olhou sobre os ombros, a expressão suavizando gradativamente.
- , eu não…
- Atenda logo a droga do telefone! – Gesticulei de uma vez. – Vou embora. Sequer devia ter vindo falar com você.
Novamente ela fez menção de responder, mas não o fez. Assim, movido pela raiva, virei as costas e andei para longe. não se importaria, estava claro. Porém, não cheguei a dar três passos para longe dela. Interrompi minha caminhada sentindo um peso invisível sobre minhas costas, um mal estar tomando meu corpo.
Eu não devia me afastar simplesmente, devia convencê-la de alguma maneira. provavelmente me diria para fazer isso. Eu precisava engolir meu orgulho de uma vez ou nada nunca mudaria e ficaríamos nesse ciclo infinito com apenas um fim autodestrutivo e deprimente a vista.
Em um instante eu já estava de volta, de frente para ela prestes a pedir desculpas de novo. Não havia se passado sequer um minuto, mas ela parecia completamente diferente.
Pálida e com os olhos arregalados, perdidos e sem luz, parecia aterrorizada. Segurava o telefone com tanta força que os nós dos seus dedos estavam brancos. Então ela se apoiou na parede atrás de si, e, não fosse por isso, teria caído junto com o celular.
- ! – Eu consegui ampará-la minimamente, passando meus braços por sua cintura. – O que foi? O que aconteceu?
- Brighton... E-eu preciso ir para Brighton... Meus irmãos…
Ela gaguejava e tremia dos pés a cabeça. Percebi de relance que seu celular, largado no chão, ainda tinha a chamada em andamento. Eu o peguei rapidamente e o levei a lateral do meu rosto, ainda com um braço ao redor de e meus olhos fixos nela.
- Senhorita ? Ainda está na linha? Senhorita ? – Uma voz ecoava do outro lado.
- Quem é? – Apressei-me em perguntar. – De onde falam?
Alguns segundos em silêncio e apreensão se estenderam até finalmente responderem:
- Sou Alicia Wayfair, do Hospital Regional de Brighton. – Eu prendi minha respiração pela seriedade da voz que a desconhecida tinha. – , ela…
- Não pode falar num momento, – respondi automaticamente, observando com os olhos marejados tentar controlar a respiração descompassada. – Sobre o que se trata a ligação, o que aconteceu, o que…
- É sobre o senhor , – a mulher respondeu. – Estamos ligando aos seus familiares para informar que durante a noite de hoje ele sofreu um infarto. Foi trazido ao hospital ainda consciente, porém sofreu uma parada cardíaca pouco depois. Neste momento está na mesa de cirurgia e…
A mulher continuou a falar com detalhes, mas não fui capaz de assimilar tudo, só tinha uma coisa em mente: precisava tirar dali.
- Nós estamos a caminho, – respondi imediatamente e desliguei sem esperar alguma resposta.
Guardei o celular de em um de meus bolsos. Ela ainda parecia olhar para lugar nenhum enquanto procurava pelo nada. Estava completamente sem foco, e o simples fato de vê-la assim me fez quase perder o chão.
Eu a segurei pelos ombros. Precisava manter a calma por nós dois, estava completamente chocada.
- Vou te levar daqui, – falei a puxando o mais delicadamente que consegui. – Vou te levar para Brighton.
Capítulo 28
Please, father
Put the bottle down for the love of a daughter”
’s POV
Por minutos, tudo aconteceu de maneira embaralhada, como um borrão na frente dos meus olhos. Eu tremia tanto que mal conseguia caminhar. O medo começava a se tornar palpável e ampliava meus sentidos de tal forma que tudo parecia dez vezes mais intenso do que de fato era.
A dor se manifestava de dentro para fora.
A ida até o carro de era um blackout completo. Achava que ele dizia coisas para mim, frases de encorajamento, mas eu não tinha certeza, não conseguia absorver nem uma palavra, aqueles ruídos que se passavam no interior de minha cabeça bloqueavam todos os outros.
Como saímos da festa, como ele conseguiu me levar até ali e me colocar dentro do veículo, se alguém tinha ou não percebido alguma coisa sobre nosso estado, sobre nossa saída, eu não sabia e não me lembrava de nada em absoluto.
E não fazia diferença.
Eu tentava me manter focada e atenta aos detalhes agora que estávamos no carro para poder me lembrar depois, mas sequer conseguia parar a tremedeira e os calafrios que tomavam meu corpo.
Meu auto controle começava a desvanecer por completo.
Minha mente trazia lembranças que eu desejava ter esquecido. Era quase um dejavu de uma dimensão alternativa. Uma espécie de remake intenso com tantas possibilidades de fins trágicos que parecia irreal demais para acontecer.
Rezava para que fosse só imaginação minha.
A alta velocidade do carro não contribuía para me provar o contrário, nem me fazia pensar com mais clareza, a adrenalina acelerava meu coração, descompassava minha respiração.
Eu não podia deixar tudo me consumir, mas era exatamente o que estava acontecendo segundo a segundo.
- Meus irmãos, – comecei a murmurar, para minha própria surpresa. – Preciso falar com Laura e Leonard, preciso…
- Eu sei – A voz de se sobressaiu firmemente aos meus sussurros. –, você vai falar com eles, vai vê-los também. Vai ficar tudo bem.
Virei-me para ele em seguida, e pela primeira vez depois de nossa conversa, eu olhei para ele e de fato o enxerguei. Os olhos atentos na pista a sua frente, as pupilas tão dilatadas e escuras quanto o breu da noite que se fechava ao nosso redor e engolia a estrada que seguíamos quase deserta.
- Você ouviu? – Ele chamou mais alto. – Vai ficar tudo bem. Tudo vai dar certo.
Nossos olhares se cruzaram por um breve instante. Ele parecia tão convicto que quase me deixei acreditar em suas palavras. Mas pela maneira que ele segurava o volante, os nós dos dedos brancos pela força, achava que ele dizia aquilo mais para convencer a ele próprio do que a mim. Estava tão assustado quanto eu.
Tentei respirar fundo.
Involuntariamente minha mão alcançou o outro pulso e começou a brincar com minha pulseira. O pingente Family brilhava entre a ponta dos meus dedos em meio a pouca luz.
Minha mãe havia partido. E agora meu pai…
Não completei a linha de raciocínio. Tirei os sapatos de salto e coloquei meus pés sobre o banco, abraçando minhas pernas, talvez numa tentativa de consolar a mim mesma. percebeu meus movimentos e seus lábios se transformaram numa linha fina. Ele esticou sua mão em minha direção.
Demorei apenas um instante para perceber o que ele queria e não hesitei em esticar minha mão de encontro a sua. Nossos dedos se entrelaçaram.
- Vou ficar com você, , – ele me disse. – Não vou te deixar.
Eu apertei sua mão e desejei poder não poder solta-la.
Pelos próximos intermináveis minutos, confiei em suas palavras.
É engraçado como a percepção do tempo muda de acordo com a situação pela qual passamos. Algumas vezes várias horas passam tão rápido que parecem minutos, enquanto em outras ocasiões cada minuto parece uma hora interminável.
Era mais ou menos isso que eu estava sentindo.
Não tínhamos levado sequer duas horas para chegar a Brighton, mas pareciam ter se passado mais de cinco. Cada segundo era como uma eternidade, e a espera tornava tudo cada vez pior, principalmente depois de adentrarmos o hospital. O ambiente, frio por natureza, parecia ainda mais congelante, como se o ar condicionado estivesse 10° C mais baixo que o normal, sem contar o cheiro de medicamento pairando enjoativamente em cada centímetro, impregnado em cada superfície de todo o espaço.
Chegava a parecer irreal.
Apesar de ter parado de chorar havia já alguns minutos, o nervosismo não havia me deixado. Eu estava tão assustada que precisou falar por mim quando chegamos a recepção.
Ele me encarava de segundo em segundo como se quisesse ter certeza de que eu não havia corrido ou desaparecido para algum lugar fora do seu alcance. Se colocava ao meu lado a cada passo, agora numa calma perturbadora.
Mais tarde eu entenderia que na verdade tudo não se passava de uma grande fachada. Ele estava apenas tentando se manter forte por mim. Ao contrário, também teria entrado em pânico.
Em algum momento, a conversa entre e a recepcionista se finalizou e ele começou a me guiar pelos corredores. Por um segundo me perguntei se ele já havia estado ali antes, porém logo percebi que ele se guiava por placas indicativas penduradas no teto. Eu estava tão distraída que teria esbarrado com cada pessoa no corredor. Era como se eu não conseguisse mais enxergar com clareza e discernir o que estava parado e o que estava em movimento.
Por fim chegamos a uma sala de espera e eu sabia que não iríamos além dali.
Meu pai estava em alguma sala a poucos metros de nós, era toda a informação que tinham para nos passar. Não receberíamos mais nada até que o próprio doutor viesse passar atualizações. Era assim que funcionava.
Eu me sentei em uma das poltronas ao lado de , apenas para logo em seguida me levantar e começar a caminhar de um lado para o outro. Sentia-me inquieta e completamente inútil por estar ali sem fazer absolutamente nada.
Eu queria poder entender tudo o que estava acontecendo, saber o que podia fazer para ajudar, no que quer que fosse. Mas esse era apenas um dos problemas. Quando meu pai acordasse, se meu pai acordasse, como reagiria ao saber que eu estava ali para vê-lo? Que tinha vindo direto de Londres sem pensar duas vezes? Isso me preocupava cada segundo mais. De alguma maneira, minha inconsequência mais ajuda ou atrapalha? Para ele, seria certo eu estar aqui agora? Ou ele desprezaria minha presença, me machucaria com palavras de novo e mais uma vez até eu desmoronar em sua frente?
“Eu disse para você nunca mais voltar, ”, meu pai havia dito em nosso último encontro não planejado. “Será que não fui claro o suficiente?”. Sua voz ecoava em minha mente, repetindo e repetindo como um disco de vinil riscado. Minha cabeça começava a latejar. O que eu estou fazendo aqui?, me perguntei de repente, levando meus dedos até minha têmpora.
- Você devia se sentar, – falou após algum tempo, me tirando de meu devaneio. Eu estranhei seu tom de voz e por isso o encarei imediatamente, e de relance me deparei com meu reflexo através de uma superfície de vidro opaca que dividia um ambiente do outro.
Entendi porque ele parecia quase apreensivo e carregava um tom perto do reprovador. Eu estava péssima.
Rosto vermelho, a maquiagem escorrida, lábios pálidos já sem batom e completamente rachados. Eu parecia ainda mais pálida que o normal, com o cabelo desgrenhado e as mãos ainda tremendo.
A imagem refletida me fez lembrar de outra muito parecida que eu presenciara há quase dois anos. Novamente a lembrança daquele dia invadiu minha mente e me deixei cair sobre a poltrona, sem forças para lutar contra ela.
Num instante eu já chorava novamente e sem sequer perceber, se colocava ao meu lado e passava os braços sobre meu ombro num abraço reconfortante, sem pronunciar sequer uma palavra.
- Eu estou com medo, – admiti entre um soluço e outro. Sem perceber eu segurava firmemente sua camisa, como se isso pudesse impedi-lo de se afastar. – Se ele morrer, , se ele se for…
- Se ele se for – Ele me interrompeu delicadamente. -, é porque chegou a hora dele, . Vai ser doloroso e não terá nada que você possa fazer sobre isso, mas eu estarei aqui do seu lado e não irei embora.
Mordi meu lábio inferior e o segurei com ainda mais força, fechando meus olhos, não aceitando a ideia.
- Porém – Ele acrescentou rapidamente ao perceber meus gestos. –, eu tentaria pensar por outro lado. Os médicos farão todo o possível para salvá-lo, você sabe. Devia confiar neles nesse momento. Pensamentos positivos tem mais força do que você pode acreditar.
Com muita dificuldade eu tentei respirar fundo. afagou meu cabelo e surpreendentemente beijou o topo da minha cabeça. Ficamos abraçados por mais algum tempo até que eu me afastei e, um pouco envergonhada, passei as costas das mãos por meu rosto, deixando-as manchadas com uma mistura de rímel, delineador, base e lápis.
me encarou com atenção e por fim se colocou de pé.
- Eu vou buscar água para você e alguns lenços para limpar seu rosto. – Eu não olhei para ele, mas funguei e assenti fracamente. – Volto em um minuto.
Pouco a pouco ouvi seus passos ficando cada vez mais distantes. Tive vontade de pedir que ele não fosse, pois eu não queria ficar sozinha, mas me mantive calada.
Assim que ele já estava fora de alcance, busquei meu celular, perdido no fundo da minha bolsa, com várias chamadas não atendidas que não perdi tempo olhando uma a uma e chamei um número antigo e já decorado. Sabia que devia ter feito isso já a algum tempo, contudo, não podia permitir que minha coragem vacilasse. E agora eu já não podia mais adiar.
Três toques depois, não foi Laura nem Leonard quem atendeu o telefone, mas nossa vizinha, Senhora Wills, que o fez. A sombra de uma tranquilidade quis me tomar quando soube que ela estava cuidando de meus irmãos, que havia sido ela a chamar a ambulância, mas foi tão breve que em um micro instante ela já havia desaparecido.
Enquanto a mulher me narrava os fatos, meu coração ficava cada vez mais pesado. Eu sabia que meu pai havia aumentado a quantidade de álcool desde a morte de minha mãe, mas se o que a sra. Wills me dizia era verdade, ele agora era um alcoólatra de verdade, sem tirar nem por. Meu coração voltou a acelerar com a nova súbita onda de nervosismo.
Tentei tranquilizar a mim mesma pensando que ao menos Laura e Leonard estavam bem e eu os veria em poucas horas, porém foi apenas uma tentativa falha de consolo.
Não muito depois do fim da ligação, retornou com um pacote de lenços, duas garrafas de água, biscoitos e um copo com chá tão quente que tornava quase impossível segurá-lo.
- Eu pensei que talvez uma bebida quente fosse fazer bem. – Ele justificou apontando para o chá. – Se não quiser, tudo bem.
- Obrigada, – eu disse após ele me entregar os itens e voltar a se sentar ao meu lado. – Chá está ótimo.
Ele assentiu e me observou tomar os primeiros goles. O sabor era inconfundível. Segurei o copo com as duas mãos permitindo que o calor da bebida aquecesse meus dedos assim como me aquecia por dentro.
- Camomila, – murmurei quase com satisfação.
- Não gosta? – franziu as sobrancelhas.
- É o meu favorito, – respondi enquanto observava a fumaça subir sinuosamente apenas para se desfazer em seguida. Tive a impressão de ver um esboço de sorriso passar pelo rosto de , mas não tive a oportunidade de ter certeza.
- Quem era ao telefone?
- Minha vizinha. Foi ela quem chamou o socorro, – contei, ainda assimilando tudo o que ela havia me falado. Como não disse nada, entendi seu silêncio como um incentivo para lhe dizer o que ele ainda não sabia. – Ela, a senhora Wills, estava deixando meus irmãos em casa, tinha levado eles e o filho dela para passar um tempo no píer. Quando chegaram e tocaram a campainha, ninguém atendeu. Ela estranhou um pouco, as luzes estavam todas acesas e a televisão ligada. Enfim, Laura e Leonard abriram com a chave deles mesmos e encontraram meu pai na sala, deitado no sofá. Estava com a mão no peito e parecia suar frio. Senhora Wills disse que ele estava bêbado, sabia que estava passando mal, mas não conseguia explicar o que estava sentindo, sequer conseguia proferir as palavras direito. Então ela ligou pedindo uma ambulância e o trouxeram direto para cá. Ele teve um infarto pouco depois de dar entrada na emergência. É tudo o que ela sabe. Tudo indica que ele esteja em cirurgia agora.
pareceu pensar por um instante e eu tomei um pouco mais do chá.
- Você tem ideia do que causou o infarto?
Eu abri a boca para falar e por fim dei de ombros.
- Tanta coisa, – falei, começando a listar: – Sedentarismo? Ele não fazia nada além do trabalho dele. Vivia estressado, não deve ter mudado muito, quem sabe até piorado. Sempre teve o colesterol alto, hipertensão, não cuidava muito de si mesmo, do que devia ou não comer, o que devia ou não deixar de fazer. Em geral, não ligava para a saúde. E então agora o álcool, que aumenta a pressão arterial. De certa forma, era só questão de tempo.
O olhar de ainda se dirigia a mim, mas parecia estar um pouco fora de foco.
Eu encarei o copo em minhas mãos e o depositei na mesa de centro.
- E seus irmãos?
- Estão em casa. A senhora Wills está cuidando deles, disse que amanhã os traria aqui para me ver, mas achou melhor os deixar distante disso... tudo. – Gesticulei amplamente, indicando o hospital. – Eles presenciaram toda a cena. Ao menos por um tempo, a presença deles aqui pode ser evitada.
ficou em silêncio, dessa vez olhando para meu rosto, como se o estudasse. Com cuidado, retirou um lenço da embalagem e esticou o braço. Demorei apenas um instante para entender sua intenção. Sem graça, peguei o lenço de sua mão, interrompendo seu percurso, e comecei a limpar meu rosto lentamente e de maneira metódica. Seus olhos acompanhavam todos os meus movimentos.
Sem motivo aparente, acabei soltando um riso nasalado, largando meus braços sobre meu colo não mais que alguns segundos depois. Eu me virei para ele, olhando-o na face.
- Você deve pensar que sou uma idiota por vir correndo atrás da pessoa que disse que se arrependia do dia em que nasci. – Soltei de repente e me fitou surpreso.
Ele se deteve por um segundo e não disse nada. Então respirou fundo antes de dizer:
- Não, idiota não. – Ele retirou outro lenço da embalagem e dessa vez eu não o interrompi. Ainda que eu não me sentisse confortável, com delicadeza ele continuou o trabalho que eu havia interrompido. – Talvez eu não concorde, mas compreendo um pouco, – disse em seguida. – Ele é sua família, seu sangue. É seu pai. Vocês tiveram um passado juntos, ele esteve lá desde que você se entende por gente. Isso torna tudo um pouco mais complicado. Não sei se estou sendo claro, mas alguns laços são mais difíceis de serem desfeitos que outros. Mesmo com palavras duras e atitudes impensadas.
Seus olhos encontraram os meus, sua mão deixou meu rosto e por alguns segundos ficamos apenas nos encarando.
Parecia fora de questão, completamente inadequado para o momento, mas suas palavras me atingiram com uma compreensão muito maior. Por um breve instante, me perdi em seu olhar, sem palavras, até que ele próprio quebrasse o contato.
Ele pigarreou e um pouco sem jeito comeu um dos cookies esquecidos na mesa em frente a nós.
- Eu liguei para Rachel enquanto estava comprando essas coisas. – mudou de assunto de repente enquanto eu terminava de tirar toda a maquiagem do rosto. – Pedi que ela explicasse o ocorrido para Gregory. Ela contou que já tinha tentado te ligar algumas vezes, falou que algumas pessoas notaram sua ausência repentina na festa. E quando digo pessoas, quero dizer, na maioria, a imprensa. Pedi que ela inventasse uma história qualquer que não invadisse muito sua privacidade.
- Obrigada.
Ele deu de ombros.
- Só ela sabe, por enquanto – continuou –, mas estava pensando que talvez fosse uma boa ideia você contar pelo menos para o que aconteceu. Ela vai estranhar você não ter voltado para casa.
- Eu sei. – Admiti com um suspiro. – Mas não quero incomodá-la. Pelo menos não hoje. ia passar a noite lá em casa. Não quero... você sabe…
- Ser empata foda?
- Atrapalhar o clima com uma notícia dessas.
e eu sorrimos cúmplices, ainda que eu estivesse revirando os olhos para o que ele havia falado.
- Tudo bem, mas ainda assim acho que você devia ligar para ela.
- Eu sei, – concordei. – E vou. Logo. Mas não agora.
Encostei mais na cadeira, tentando ficar mais confortável, e peguei o copo de chá novamente. Já não estava tão quente e assim ficava mais fácil tomá-lo de uma vez.
- Se sente mais calma? – me perguntou ao notar o copo vazio. Eu assenti levemente. – Acho que acertei na escolha, então.
- Isso – concordei outra vez –, e a companhia com certeza ajudou.
me olhou com o canto dos olhos e abriu um sorriso mínimo. Esticou seu braço, passando-o sobre meus ombros e me puxou para perto. Eu deixei que ele me abraçasse. Era exatamente o que eu queria.
Sentados, observando as pessoas passarem por nós, eu já não tinha noção de que horas eram. Eu sentia meus olhos pesados e o cansaço dominando meu corpo já fazia um tempo, mas me esforçava ao máximo para me manter acordada. Cada médico ou enfermeiro que passava por nós eu já olhava em expectativa, pensando que talvez pudesse ser alguma notícia sobre meu pai. Mas a ansiedade apenas crescia e notícia nenhuma chegava.
Eu apertei a jaqueta de contra meu corpo numa tentativa de me aquecer. Ele a havia me emprestado horas antes. Com o ar condicionado ainda forte e meu vestido de festa fino, não demorei a aceitar a oferta generosa dele.
permanecia ao meu lado fielmente, mas começava a mostrar inquietação, mexendo no telefone e olhando ao redor como se procurasse algo sem ao certo saber exatamente o quê. Ofereci um pouco da minha água a ele e a aceitou em seguida. Sorriu para mim em forma de agradecimento e logo a devolveu.
- Por que não dorme um pouco? – ele sugeriu após espiar novamente o telefone em suas mãos. – Já é manhã. Passamos quase toda a madrugada aqui e aposto que permaneceremos por ainda mais tempo.
Eu balancei a cabeça.
- Pode dormir se quiser, mas eu não. Quero estar acordada quando vierem atualizar qualquer coisa.
- Eu acordo você se isso acontecer. – insistiu, mas novamente eu recusei.
- Preciso ficar alerta, – respondi automaticamente.
Tudo parecia um pouco fora de órbita desde que saímos de Londres. As informações que haviam nos dado não pareciam se encaixar nas circunstâncias atuais. Por que essa demora toda? Que cirurgia era essa e por que nenhum médico ou enfermeiro veio nos informar de nada tantas horas depois de nós dois darmos entrada no hospital?
Abruptamente eu me levantei, passando as mãos pelo cabelo e o prendendo desajeitadamente num nó solto todo embaraçado e descabelado.
- Acho que vou comprar um café, – falei, sem realmente me sentir à vontade em sair dali. – Quer algo também?
Imediatamente fez a mesma coisa, parando ao meu lado e balançando a cabeça em negação.
- Fique aí, Ruivinha, – ele disse e gentilmente me fez sentar novamente. – Eu vou lá e volto em um minuto.
Assenti rapidamente, grata por ele ter se oferecido em ir em meu lugar, e voltei a me ajeitar na poltrona percebendo que logo ele já não estava mais ali.
Respirei fundo, remexendo rapidamente em minha bolsa enquanto buscava meu telefone. Eu estava evitando mexer no celular durante as últimas horas para poupar bateria, porém se ficasse muito tempo sem me distrair, certamente o cansaço me venceria ou minha mente entraria em combustão espontânea. O que viesse primeiro. A questão era que apenas pensar e imaginar não estavam ajudando em absolutamente nada. Eu precisava fazer algo, por mais inútil que fosse.
Desbloqueei o aparelho um segundo depois. Sete horas e alguns vários minutos da manhã, conferi o horário. Quem manda mensagem a essa hora?, me perguntei num instante. Bom, não qualquer pessoa, mas eu mandaria. Já havia enrolado o bastante e precisava falar com de uma vez. E depois que falasse com ela, falaria com meus irmãos. Só esperava que ela estivesse acordada para me responder logo.
“, está aí?”, digitei para ela.
Eu mal tinha bloqueado o celular quando a resposta veio acompanhada de várias outras mensagens:
“20 min para as 8h da manhã e você não está aqui. Devo me preocupar com isso?”. Eu quase podia ver seu sorriso sugestivo. “Parece que ontem você se deu bem, já que seu nome está em todo lugar... Mas tem outra coisa, como assim ‘você foi embora mais cedo da festa por não estar se sentindo bem’? E por que não veio para casa se não estava ‘ok’?”. fez uma pequena pausa que não passou de poucos segundos. “Hmm...”, continuou ela. “Parece que o teoricamente te levou para ‘casa’, não é mesmo?”. Eu abri um pequeno sorriso percebendo toda a malícia de minha amiga.
“Safada! Me diga, onde é que passaram a noite?”, ela finalizou.
Infelizmente meu sorriso não permaneceu muito tempo em meu rosto. Ele foi se desmanchando conforme eu digitava a mensagem e explicava o ocorrido para . Dessa vez ela já não parecia tão leve e divertida enquanto me escrevia:
“Eu estou a caminho, me avise assim que tiver qualquer atualização!”.
“Tudo bem, venha com cuidado.”, enviei para ela e nossa conversa se encerrou momentaneamente.
Estava tão absorta naquele momento que quase não notei a aproximação de outra pessoa, um homem de branco parando a pouco mais de um metro de onde eu estava. Várias pessoas na sala de espera levantaram o olhar em expectativa para o médico, que rapidamente chamou:
- Algum familiar de Edmund ?
Imediatamente me coloquei de pé com um pulo. Por um instante me atrapalhei com os saltos e quase caí sentada de volta na cadeira, mas logo me equilibrei, dando dois passos em direção ao homem. Ele esperou que eu me aproximasse e só então dobrou um monte de papéis suas mãos, direcionando sua atenção para mim:
- Você é parente do sr. ?
- Sou filha dele, .
O médico assentiu no mesmo instante em que atravessou a sala em passos largos e chegou até nós com o olhar preocupado, trazendo nas mãos uma pequena sacola de papel e duas bebidas quentes. O homem se virou para ele, as sobrancelhas levemente unidas:
- Você também é parente do paciente ou…
- Ele está me acompanhando, – respondi com rapidez, querendo logo chegar ao ponto principal.
O médico percebeu a pressa implícita e não demorou a falar:
- Bom, eu sou o doutor Robert Blake, não estive aqui quando seu pai deu entrada na emergência, mas serei responsável pela cirurgia dele que acontecerá ainda hoje.
Precisei de alguns segundos para assimilar a informação enquanto meu coração acelerava um pouco mais.
- Mas ele já não estava em cirurgia? – perguntei completamente perplexa e fui acompanhada pela mesma expressão tanto de quanto do doutor em questão.
- Não, senhorita, a cirurgia dele está marcada para o período da manhã de hoje. Nenhuma outra foi realizada durante a madrugada.
Eu abri a boca para responder, mas nenhuma palavra saiu.
- Mas a informação que recebemos quando nos telefonaram por volta da meia noite, uma da manhã, é que o sr. já estava em cirurgia, – respondeu logo em seguida. – Que havia tido um infarto em casa, uma parada cardíaca na ambulância e que precisou fazer uma cirurgia ao chegar aqui.
- Não – o doutor se apressou em dizer, mas ainda mantendo sua postura em uma calma impenetrável, já longe da rápida confusão anterior. –, temo que essa informação tenha sido passada de maneira equivocada para vocês e peço desculpas por isso. Edmund teve um infarto acompanhado de uma parada cardíaca não muito depois de chegar ao hospital. Ele esteve sob nossos cuidados desde então. Fizemos alguns exames, mas não pudermos dar os medicamentos indicados para o tratamento imediato de infarto pois o teor de álcool ainda era muito alto no sangue do paciente. Sendo assim, optamos por desobstruir a artéria por via de um cateterismo, que terá efeito mais imediato que qualquer outra medicação. É um procedimento rápido, uma pequena cirurgia que demora em média menos de uma hora, dependendo da pessoa.
- Mas como meu pai está?
- Ele está em observação – repetiu o doutor –, passou por alguns exames durante as últimas horas, e nossos cuidados estão sendo para prevenir outro infarto. Como ele já está em um jejum maior que de quatro horas, só precisamos ter os últimos resultados dos exames de sangue para ter certeza que não há mais álcool no organismo, e assim realizaremos a cirurgia.
Assenti sem saber exatamente o que dizer em resposta. O médico trocou mais algumas palavras com , essas quais eu não consegui absorver por completo.
Eu voltei a me sentar, sentindo-me mais tensa do que antes. O médico já havia desaparecido, provavelmente se retirando para ver outro paciente ou então se preparar para a cirurgia que aconteceria em menos de duas horas. Sinceramente eu não sabia. Só queria que tudo aquilo acabasse logo.
- Seu café. – esticou o braço gentilmente, parado logo ao meu lado. – E trouxe um sanduíche de queijo também. Tomar café de estômago vazio não é uma ideia muito boa.
Eu sorri em resposta e peguei o copo com uma mão e o sanduíche com a outra. Sei que a intenção era boa, mas eu não sentia nem um pingo de fome. Eu estava brava e irritada com as informações erradas que tínhamos recebido do hospital tanto pelo telefone quanto pessoalmente, mas sentia um receio muito maior por saber que a cirurgia ainda ia acontecer, quando nós esperávamos que ela já tivesse até mesmo sido finalizada.
Respirei fundo e acabei soltando um longo suspiro.
- Escuta, eu sei que isso é frustrante – disse , que me observava em completo silêncio. -, mas não há nada que nós possamos fazer.
- Eu sei, – respondi secamente.
Alguns segundos em silêncio se passaram, mas continuou a me olhar.
- Não desanime. – Ele disse por fim. – Ouviu o que o doutor Blake disse, é um procedimento simples. Vai ficar tudo bem.
Eu assenti rapidamente, concordando e finalizando a conversa.
A uma altura dessas, eu só queria que tudo acabasse.
’s POV
Eu tinha acabado de tomar meu segundo copo de café quando entreguei meu celular a e me levantei, dando mais privacidade a ela enquanto falava ao telefone, conversando com seus irmãos.
A verdade era que eu já não conseguia mais ficar ali sentado. Já passavam das 9h. O doutor Blake há pouco havia vindo a nosso encontro avisando que a cirurgia começaria em poucos minutos. Foi ao mesmo tempo um alívio e uma preocupação tanto para mim quanto para . Quando perguntei, pouco antes, se ela queria um pouco de ar fresco, tudo o que ela me respondeu foi que preferia ficar ali, esperando alguma outra notícia. Concordei mais por impulso. Desde que chegamos, em nenhum momento tinha deixado aquela área sequer para ir ao banheiro. Eu me sentia preocupado por ela, mas já não sabia mais como ajudar.
Enquanto tomávamos nosso café da manhã improvisado, eu tinha certeza que ela só estava comendo para simplesmente não fazer desfeita, apesar de saber que ela não se manteria lúcida muito mais tempo somente a base de líquidos. Eu sentia a tensão de como uma aura quase palpável ao seu redor, e apesar de tentar absorvê-la para não deixar isso satura-la por completo, percebia que chegava a um ponto que logo não adiantaria mais. Eu já não sabia mais qual era meu papel na história do momento.
Era quase como se, gradualmente, ela tivesse se isolado em uma cápsula.
Então, quando ela disse que ligaria para os irmãos, imediatamente incentivei e dei a ela um pouco de espaço para uma conversa mais pessoal. Não queria também que ela se sentisse sufocada com minha presença.
Aproveitando a deixa, saí do hospital parando na entrada principal, respirando fundo. O espaço era um átrio que mais parecia uma praça seca, com alguns bancos e vários espelhos d’água nas laterais. Ainda andando, peguei o maço de cigarros em um dos bolsos da minha calça e não tardei a acender um. Era um pouco irônico eu estar fumando na frente do hospital, eu sei. As pessoas, principalmente os profissionais que chegavam para o trabalho, passavam por mim me direcionando um olhar reprovador, contudo, sinceramente eu não ligava. Sabia das consequências de tudo aquilo, não precisava que outras pessoas lembrassem delas para mim.
Eu só precisava de alguns segundos para assimilar de verdade as últimas doze horas.
Eu já me sentia melhor antes mesmo de soltar a fumaça da primeira tragada. O clima estava fresco e, apesar das nuvens cobrindo o céu, a claridade era grande. Até parecia que o sol daria o ar da graça em algumas poucas horas.
Automaticamente soltei um suspiro e tentei colocar as mãos no bolso da jaqueta, apenas para me dar conta segundos depois que eu não a usava mais, a peça de roupa estava com já fazia algumas horas.
Involuntariamente soltei um sorriso. A jaqueta ficava tão grande nela que mais parecia algo entre um sobretudo e um agasalho dois tamanhos maior que o dela.
Sem pressa, dei a última tragada e adentrei novamente o hospital, passando pelo labirinto de corredores de volta a sala de espera onde antes estávamos. Não fossem as placas indicativas, era fácil se perder ali dentro.
estava exatamente da mesma maneira que eu a havia deixado, com diferença que o celular estava desligado e ela parecia ainda mais exausta.
- Tudo bem com seus irmãos? – perguntei assim que me sentei ao seu lado.
- Sim, – ela disse baixo. – Parece que eles virão aqui depois. Eu preferiria que eles ficassem em casa, mas nenhum deles quis me ouvir. Você estava fumando, não estava?
A pergunta abrupta fez com que eu encostasse desajeitadamente na cadeira. Era uma observação talvez óbvia, mas algo no tom de me incomodou.
- Sim, eu estava.
- O cheiro de nicotina denunciou você, – ela respondeu com um meio sorriso que não possuía um pingo de humor.
Eu abri a boca para dizer algo, mas me calei no meio do caminho. Não começaria uma discussão agora sobre meus hábitos. Aqui não era um local para isso e eu também não queria discutir com ela.
Como um timing perfeito para que o silêncio não se sobressaísse, passos apressados reverberaram na sala. Quando levantei a cabeça por pura curiosidade, avistei uma figura familiar vindo justamente em nossa direção.
A figura alta, loira e esguia de entrou no meu campo de visão logo seguida de um apressado em seu encalço. Eu esbocei um sorriso cansado para eles, que não foi respondido. só demorou um ou dois segundo a mais que eu para perceber a presença deles ali e mais do que rápido se colocou de pé, tomando ar para dizer algo que sequer teve tempo de ser formulado, pois sua amiga já estava falando:
- Sua tchonga! – Ela disse numa espécie de ofensa que me deixou confuso, mas arrancou um sorriso de enquanto as duas se abraçavam. – Por que não me ligou antes? Quase me mata de susto com aquela mensagem! Seus irmãos estão onde? Estão bem?
- Eu só não queria que você tivesse essa reação, – ela justificou, a voz abafada pelo contato das duas. – Laura e Leonard logo virão para cá. E meu pai está passando por um cateterismo agora mesmo.
Enquanto atualizava a amiga das últimas notícias passadas pelo médico, veio até meu lado e nos cumprimentamos rapidamente. Assim como eu, ele parecia também muito cansado, mas algo me dizia que os motivos eram completamente diferentes que os meus. Eu sorri para ele.
- Parece que teve uma noite produtiva, hein? – Eu o provoquei e recebi uma cotovelada em troca.
segurou o riso e me censurou.
- Aqui não, cara. – Mas sua expressão já dizia tudo.
Começamos a conversar sobre outras coisas enquanto as duas garotas partilhavam aquilo que não foi dito por telefone. Foi entre uma frase e outra que a voz de de sobressaiu um pouco mais forte e logo chamou nossa atenção:
- Vamos, ! – Ela dizia para a amiga. – Aposto que você está plantada nesta cadeira desde que chegou aqui.
- Não estou!
- Está sim, – eu rapidamente me intrometi e acabei com a birra dela fora de hora, recebendo um olhar torto vindo da mesma, mas que de ameaçador não tinha nada. – Por favor – Eu pedi a , usando-a como meu último recurso. -, sequer foi ao banheiro desde que chegamos.
A garota a olhou severamente.
- Você pretende deixar sua bexiga explodir, é isso mesmo? Eu não sou obrigada a presenciar isso.
- ! – a censurou.
- Não, não me venha com essa. – A outra logo a cortou. – Agora pelo amor de Deus vá trocar de roupa. Eu ainda tive o trabalho de escolher algo para você vestir, então faça o favor de ir até o banheiro e fazer isso.
Houve um instante de puro silêncio enquanto as duas se encaravam.
- Não se preocupe – Fui eu quem a interrompi subitamente. –, se acontecer alguma coisa, chamamos você imediatamente.
Contrariada, ainda demorou alguns segundos para resolver alguma coisa, mas por fim foi até o sanitário no fim do corredor, carregando uma bolsa qual eu deduzi que havia colocado roupas limpas e provavelmente mais confortáveis.
- Sinto muito, cara. – aproveitou a deixa. – Eu teria pegado algo meu para você usar, mas não estava em casa.
Eu sorri para ele, cúmplice e bati em suas costas. Parecia brincadeira fora de hora, mas sei que só estava tentando deixar o clima um pouco mais leve. ao nosso lado fingiu que não havia escutado a insinuação, mas ficou corada imediatamente.
- – Ela o chamou numa tentativa de disfarçar. –, será que pode buscar algo para eu beber?
Eles tiveram algum tipo de conversa silenciosa enquanto se olhavam, mas por fim pareceu ceder.
- Volto num instante, – ele respondeu e virou as costas rapidamente, nos deixando ali.
Eu me sentei de volta na cadeira, deixando que minha cabeça tombasse para trás e aproveitei cinco segundos para fechar os olhos. Era a primeira vez que eu fazia isso em quase 24h, mas não me deixaria cair no sono.
Um segundo depois alguém se sentou ao meu lado, porém eu não precisava olhar para saber que era ali.
Deixei que o silêncio ao nosso redor crescesse. Não era como se ela e eu tivéssemos muitos assuntos em comum para bater papo. Contudo, contrariando minha lógica, a voz dela soou alta e clara ao meu lado:
- Obrigada.
Me pegando de surpresa, eu olhei ao redor imaginando que já estava de volta, mas continuávamos ali só eu e ela. Arrumei-me na cadeira e a olhei em confusão, deduzindo que era comigo que ela falava.
- Pelo quê?
- Por trazer até aqui, por ter ficado ao lado dela... – Ela fez uma pausa. – Por ter cuidado dela.
- Não tem que agradecer por isso, – falei imediatamente. – Não fiz nada por obrigação. Fiz porque eu quis.
- Eu sei, é só que... – Ela soltou um suspiro. – Deixa pra lá, é complicado.
Meus lábios se tornaram uma linha fina. e eu nunca de fato nos demos muito bem. Era como se nós dois fôssemos pólvora. Bastava uma centelha de fogo para nós dois explodirmos.
Eu entendi onde ela queria chegar antes mesmo de ela formular o raciocínio, e, apesar de saber que devia permanecer calado, não consegui conter as palavras.
- Você não me vê como o tipo de homem que ajuda os outros espontaneamente, não é? – perguntei retoricamente, já sabendo a resposta. – Acha que só faço algo quando possuo um interesse por trás, um favor para pedir em troca em um momento oportuno. Mas não é assim. Você não me conhece. Eu não conseguiria deixar sozinha numa situação como essa. Ela é... – Especial, eu quis dizer. – Minha amiga. – Foi o que eu falei.
me encarou numa análise profunda, os olhos levemente semicerrados me encarando sem protocolos.
- Amiga. – Ela deixou a palavra se dissolver no ar. – Sério, ?
- O que quer dizer?
- Que isso não parece verdade.
- Como não? Acima de tudo é minha amiga. Eu gosto dela e…
- Gosta mesmo? – Ela me interrompeu avidamente. – Ou só acha que gosta porque sabe que ela sente algo por você?
Por um instante suas palavras me calaram.
Eu mal havia absorvido o que havia me dito, entretanto eu sentia necessidade de lhe dar alguma resposta. Foi quando voltou, de calças jeans, tênis e um agasalho largo, segurando minha jaqueta entre os braços como um travesseiro, vindo direto em nossa direção e extinguindo qualquer pensamento que eu sequer estivesse formando.
- Pronto – Ela se dirigiu a que ainda me encarava seriamente. – Satisfeita agora?
Em nenhum segundo eu desviei o olhar. Deixei que ela segurasse o quanto achasse necessário.
- É, – a loura respondeu finalmente e se virou para . – Não exatamente, mas estamos a caminho disso.
franziu o cenho passando os olhos entre eu e sua amiga, como se sentisse que algo estava acontecendo, porém antes de perguntar qualquer coisa, reapareceu com algumas garrafas de água, também estranhando o clima formado no momento.
Eu não sei se para bem ou para mal, mas um segundo depois o doutor Blake surgiu logo em nossa frente, sereno como antes, mas com a expressão cansada de quem acabara de carregar o peso do mundo nos ombros.
Isso bastou para que o momento anterior fosse esquecido e todos os olhares se dirigissem para ele.
- Senhorita ? – ele a chamou e todos nós nos colocamos de pé. – A cirurgia acabou.
Capítulo 29
How could you push me out of your world?
[…]
I'd love to leave you alone but I can't let you go”
’s POV
- Senhorita ? – disse o doutor Blake, a voz tensa e grave se espalhando pelo ambiente. – A cirurgia acabou.
Instantaneamente eu prendi a respiração enquanto segurava a jaqueta de como um travesseiro, apertando-a tanto contra mim que meus dedos contra o tecido ficaram brancos. Eu podia sentir as batidas do meu coração firmemente, aceleradas e fortes reverberando através dos meus ossos.
- Tudo ocorreu bem e logo Edmund poderá receber visitas de seus familiares, – o doutor continuou, subitamente mais leve. – Assim que ele se recuperar da anestesia, procuraremos a senhorita novamente.
Foi como se um peso invisível tivesse desaparecido das minhas costas. Atrás de mim pareceu existir um coro de alívio. Eu, porém, fiquei paralisada no mesmo local, talvez apenas com a expressão um pouco mais suavizada que momentos antes.
Parte de mim se sentia completamente aliviada. Mas a outra parte que não se focava na boa notícia, estava presa em pensamentos mais obscuros. O que ele dirá quando me vir entrar pela porta do seu quarto?
Mordi meu lábio e fechei os olhos com força.
havia dito algo que me dera um pouco de esperança: “alguns laços são mais difíceis de serem desfeitos que outros”. Mas e se meu pai não pensasse assim? Aliás, depois de tudo que ele tinha me dito até agora, sequer achar que ele pensa dessa maneira seria... impactante. Mesmo debilitado do jeito que está, eu não conseguia acreditar que ele reagiria bem a minha presença ali, ainda que fosse pensando no próprio bem dele e no que restava da nossa família.
- ?
O som do meu nome sendo chamado ecoou em minha cabeça, como um chamado distante. Pisquei algumas vezes seguidas, meus pensamentos clarearam por um momento e encontrei me encarando. Parecia preocupada.
- O que foi?
- Você está bem? – Ela se aproximou um passo. – Você pareceu sair de órbita por um instante. No que estava pensando?
- É complicado, – eu respondi por impulso e balancei a cabeça em seguida. Na verdade, complicado era uma palavra pequena demais para descrever tudo o que estava se passando em minha cabeça.
Mas apesar da minha resposta, continuou me estudando. Esconder algo dela não era opção. Ela tentaria entender o que estava acontecendo até que suas opções estivessem esgotadas, e dessa vez, acertou de primeira.
- Se você está pensando sobre o que seu pai fal…
- Não interessa. – Eu a cortei de uma vez, mais abruptamente do que de fato deveria ser. Minha amiga se afastou cheia de surpresa e e me encararam da mesma forma, ainda que não tivessem dito nada. Soltei um suspiro arrependido, não acreditando em minha própria reação. – Desculpa. Eu... Só esquece isso, tá?
assentiu, mas manteve a mesma expressão no rosto.
- Talvez fosse melhor você se sentar ou…
- Não. – Eu levantei uma mão na altura do rosto e o gesto bastou para ela não terminar a frase. – Vou tomar um pouco de ar. Vocês estão certos, eu não posso ficar plantada aqui para sempre, talvez eu precise ficar sozinha por um tempo.
E sem esperar por sequer outra palavra como resposta deles, comecei a perambular pelos corredores.
Sabia que eu não tinha o mínimo de razão em agir desta forma ou tratá-los com palavras e atitudes grosseiras, principalmente depois de tudo que eles fizeram por mim. Contudo, minha mente já não conseguia assimilar as coisas de maneira ordenada. Tudo vinha embaralhado, com peças soltas que obrigatoriamente não se encaixavam, quando na verdade deveriam.
A possibilidade de ver meu pai desperto começava a me assustar mais do que vê-lo inconsciente. Eu não queria que ele desprezasse minha presença de novo. Mas de alguma forma vê-lo me machucar ainda era melhor do que vê-lo machucado.
Andando de um lado para o outro, sem rumo, acabei não chegando a lugar nenhum. A sala parecia exatamente igual a que eu havia passado toda a madrugada, a diferença era que essa estava cheia de crianças. De alguma maneira eu havia conseguido parar na ala infantil do hospital. O que imediatamente me fez lembrar de Laura e Leonard, que logo deveriam estar chegando e eu simplesmente não poderia agir desta maneira na frente deles. Eles precisavam de alguém em quem se apoiar nesse momento, e eu tinha que ser essa pessoa. Independente do que acontecesse. Ou o que eu estivesse sentindo.
Fraquejar não era uma opção.
Fiz o caminho inverso. Ou ao menos tentei fazê-lo.
Alguns minutos depois me dei conta de que não havia prestado atenção em nenhum passo que eu estava dando por pura idiotice, então tentar voltar para o local de onde eu tinha saído tornou-se algo ainda mais difícil que simplesmente encontrar a saída do hospital.
Por fim tive que pedir ajuda para uma das enfermeiras que passava. Primeiro ela pensou que eu fosse alguma menor de idade fugindo de alguma consulta ou exame e não acreditou muito quando neguei e falei que na verdade eu tinha quase vinte anos e estava ali para visitar um paciente. Mas como ela já devia estar ocupada com outras coisas, desistiu e me mostrou o caminho certo a seguir.
Em poucos instantes eu pude encontrar a entrada do hospital, a área aberta que conectava a calçada até a edificação. Um tanto aliviada, me dirigi a ela e sentei-me em um dos bancos ali dispostos, subitamente grata pela brisa fria e os raios de sol que tentavam tomar espaço por entre as nuvens.
Rapidamente eu me acalmei. Pude respirar fundo e sentir meu coração voltar a bater em seu ritmo normal. Talvez fosse o ar, as ruas familiares ao meu redor, ou simplesmente o fato de estar em casa, mas fosse qual fosse o motivo, o nervosismo anterior começou a se dissipar gradualmente.
Não surte, eu repetia para mim mesma. Vai dar tudo certo.
E talvez desse, ou talvez não. Mas o pior já tinha passado. Eu poderia lidar com o que viesse em seguida. Pelos meus irmãos, eu faria isso.
Cruzei as pernas sobre o banco e observei a rua com calma e indiferença. De súbito percebi que ainda me agarrava a jaqueta de como se ela fosse minha.
. O nome fez meu estômago se agitar e meu coração perder uma batida. Será que dessa vez as coisas seriam diferentes? Eu não sabia dizer, mas algo bem lá no fundo respondia que eu só saberia se tentasse. Mas... será que eu quero tentar? Eu o assisti desajeitadamente cruzar a barreira do seu orgulho noite passada. Aos tropeços o assisti dizer frases confusas que depois construíram confissões. E ainda assim eu sentia uma pontada de dúvida. De fato, eu só conseguiria acreditar se, de alguma forma, ele trouxesse vida a todas aquelas palavras.
Minha cabeça pendeu para trás e me segurei para não soltar um grunhido. Não é hora de pensar nisso, me repreendi. Terei tempo para isso depois. E então conversaremos, eu e ele. Dessa vez sem interrupções.
E por pensar em interrupções, ainda havia . Outra pessoa com quem eu precisava urgentemente conversar e esclarecer muitas coisas. Mas de novo, esse não era o momento. Outro dia, outra hora.
Por mais algum tempo eu permaneci ali, deixando que o tempo corresse sem pressa. Eu estava apreciando meus momentos sozinha. Infelizmente, esses não duraram muito. Mas não fiquei triste quando percebi a chegada daqueles dois. Eles fizeram com que eu abrisse o primeiro sorriso sincero em horas. A felicidade em vê-los era genuína.
- ! – Laura gritou e correu até mim. Leonard foi um pouco mais contido, mas não demorou a se juntar a nós duas.
O impacto dos abraços fortes quase fez com que eu caísse do banco, mas consegui me equilibrar bem e prolongar um pouco mais o aconchego e conforto da minha família.
- Como vocês dois estão? – Minha voz saiu mais como um sussurro aos ouvidos deles.
- Sentimos sua falta! – disseram. – Papai não deixava a gente falar com você. Mas como ele está agora? Ele vai ficar bem?
Meu coração parecia diminuir cada vez mais dentro do peito.
- Ele vai ficar bem sim, – eu respondi, segurando para não deixar minha voz embargar. – Vocês o verão logo, tudo bem?
E então os abracei de novo. E apesar de ter sido uma pergunta retórica a que fiz, quem acabou por responder foi outra pessoa:
- Só eles ganham abraço?
Surpresa, eu levantei o rosto e me distanciei dos gêmeos apenas o suficiente para me deparar com outro rosto familiar e querido. Ainda perplexa, eu me levantei e fui de encontro a ele.
- Luke! – Eu o abracei. – O que faz aqui? Como soube?
Com um meio sorriso que não chegou aos olhos, ele deu de ombros.
- me contou – falou. –, então passei na sua casa e encontrei a senhora Wills. Nós conversamos um pouco e me ofereci para trazer os dois para cá, então ela poderia descansar um pouco. Achei que você não fosse se importar se eu fizesse isso.
Eu o abracei de novo, por puro impulso.
- Obrigada.
- Não tem que agradecer, – ele disse, sem graça. – Eu não deixaria de vir.
Por um instante, a paz pareceu se sobressair e eu me senti leve. Quase como se flutuasse. A nostalgia se espalhando como um lembrete doce de que nem tudo antes era branco e preto. Haviam outras nuances de cor também.
Contudo, a sensação não durou assim tanto tempo. Logo ela já estava distante, desvanecendo.
- Vem – eu disse para Luke. –, vamos entrar e encontrar o pessoal.
- Você trouxe o de novo! – Minha irmã saiu correndo assim que o viu do final do corredor. Eu não sabia onde enfiar minha cabeça, sabendo que o rubor subia por minhas bochechas sem qualquer permissão.
Felizmente pareceu não notar, recebeu minha irmã com um abraço apertado e fez o mesmo com Leonard, que veio logo atrás.
me encarou com uma incógnita explicita no rosto e apenas pude pedir para que ela deixasse para lá. Ela pareceu entender, mas não escondeu o sorrisinho sugestivo de lado. Ela abraçou Luke por um longo momento e depois se juntou a eles.
Aproveitei a deixa para me afastar deles e fui até . Meus irmãos já não estavam mais ao lado dele, correram em direção a para tentar arrancar um pouco de atenção dela também, o que me permitiu um instante a sós ao lado dele.
- Obrigada por isso. – Eu estendi sua jaqueta de volta. – E desculpe não ter devolvido antes.
- Tudo bem, – ele respondeu sorrindo brevemente. – Se precisar é só pedir.
Eu assenti rapidamente e abri a boca para dizer alguma coisa. Palavras que na verdade eu ainda não havia pensado. Era apenas a necessidade de continuar a conversa. Porém não consegui pronunciar nada.
Se ele percebeu alguma coisa, não disse. Ficou trocando olhares entre eu e os demais na sala.
- Você parece melhor, – ele comentou após um instante.
- É, bem, acho que clareei um pouco minhas ideias, – falei. – Me lembrar do que você disse ontem ajudou.
- Não sei, eu aposto que o ar puro surtiu mais efeito.
- Talvez.
me dirigiu um sorriso contido e eu o retribuí. Por um instante nós ficamos nos olhando, olhos nos olhos, como se só nós dois estivéssemos ali, sem nada acontecendo ao nosso redor.
A visão dele desceu até meus lábios. Por instinto eu virei meu rosto, quebrando o contato gerado. Eu fechei os olhos e inspirei profundamente.
Ele já olhava para os próprios pés, como se tivesse cruzado uma linha invisível e se arrependesse. Eu não queria que ele se sentisse assim.
- ?
- Sim?
Outra vez nossos olhares se encontraram. Eu engoli em seco, meu estômago dando voltas.
- Depois, quando sairmos daqui…
- O quê?
- Talvez devêssemos…
- Senhorita ?
Meus lábios se tornam uma linha fina na medida em que me virei, assim como os demais, para encarar o doutor.
- Seu pai acordou – disse o doutor Blake. –. você pode vê-lo agora se quiser.
Ele não esperou para ver se eu iria segui-lo até o quarto. Por isso, ainda que me sentisse subitamente zonza, levantei. Uma mão se prendeu em meu pulso, impedindo que eu seguisse meu caminho.
- Você não precisa ir sozinha, – disse , baixo, porém claro.
Ele estava se oferecendo para ir comigo, era óbvio. Mas ao contrário do que ele pensava, não era verdade, eu precisava sim ir sozinha. Ainda que eu me sentisse apavorada com a ideia de ficar sozinha na mesma sala que meu pai, eu também sentia que precisava resolver tudo. Ou ao menos tentar.
Sem dizer nada, apenas me soltei do seu aperto delicadamente. Chamei meus irmãos de lado e pedi para esperarem alguns minutos, pois logo eu voltaria para buscá-los. A reação foi melhor do que eu esperava.
Então segui, com a garganta seca, o caminho que o médico tinha feito. Alguns passos depois, encontrei a porta aberta. Alguma enfermeira e o doutor Blake conversavam com meu pai, a voz dele soava fraca e cansada. Respirei fundo e adentrei o ambiente.
A primeiro momento ele não percebeu minha presença e isso quase fez com que eu virasse as costas e saísse, aproveitando a deixa. Mas então o doutor anunciou que eu estava ali e a cabeça do meu pai se virou em minha direção imediatamente. O eletrocardiograma mostrava seu coração acelerar, assim como o meu, que parecia prestes a explodir. Engoli em seco enquanto o via me encarar, perplexo.
A súbita percepção me atingiu com um nervosismo que revirou meu estômago. Não sabia mais se conseguiria fazer aquilo sozinha. Quis pedir que ou o doutor ou a enfermeira permanecesse no quarto, com uma desculpa qualquer para monitorar meu pai ou algo assim, mas quando pisquei a segunda vez eles já não estavam mais lá, dando-nos privacidade.
Dei um passo vacilante em direção a cama, meus dedos remexendo nervosamente nos berloques da pulseira, o pingente Family brilhando na ponta dos meus dedos.
- Então era verdade. – Ele foi o primeiro a quebrar o silêncio. Eu franzi o cenho, confusa. – Me disseram que tinham ligado para você e avisado sobre o que aconteceu, mas não achei que fosse vir.
Eu balancei a cabeça para os lados.
- Se fosse o contrário, você não iria até mim? – Ele me olhou, mas não respondeu.
Meu coração afundou um pouco no peito. Ao menos não estávamos trocando farpas. Era como se estivéssemos em território neutro, formando uma leve trégua.
Vendo-o ali deitado, não pude não reparar em como os cabelos dele estavam mais grisalhos, com rugas mais profundas, olhos cansados, a barba por fazer. Parecia ter envelhecido ainda mais nos meses que haviam se passado desde a última vez que eu o vira. A percepção disso me machucou, porém não tanto quanto me assustou.
Pigarreei, aceitando seu silêncio como uma resposta e olhei para os meus pés.
- Como está se sentindo? – Ele fez uma careta.
- Já estive melhor, – respondeu. – Os médicos disseram que em pouco tempo vou me recuperar.
Eu assenti, o escutando com atenção, mas mordi o lábio inferior, sabendo que precisava dizer algo que ele não ia gostar nem um pouco, com grandes chances de acabar com o clima calmo que mantínhamos.
- Você precisa parar com isso, pai.
Houve alguns intermináveis segundos em silêncio enquanto ele me encarava de cima a baixo, analisando-me.
- O que você quer dizer? – Eu sentia o desprezo dele na voz, mas ao mesmo tempo uma certa fragilidade que parecia não combinar com sua expressão.
- A bebida. Sua saúde, – falei após um longo suspiro. – Você não pode continuar fazendo assim, senão, essa vai ser só sua primeira vez de muitas aqui no hospital. Sabe disso.
Ele soltou um riso azedo cheio de desdém.
- Está falando isso como se se importasse comigo.
- E eu me importo – apressei em dizer. –, assim como Laura e Leonard.
Ele me encarou sobressaltado, piscando rápido demais, como se processasse minhas palavras.
- Eles são só crianças, – continuei. – Que exemplo pensa estar passando para eles se não cuida de si mesmo e só bebe? Eles te viram, pai, antes do senhor vir parar aqui. Eles te encontraram primeiro. Talvez você não se lembre, mas eles sim. Como acha que eles vão lidar com isso tudo, se virar rotina?
- E quem você pensa que é para achar que pode me dar alguma bronca?
- Eu sou sua filha, sua família, pai! – Minha voz subiu uma oitava, suplicante, as palavras saindo rápido demais. – Sou parte dela, você goste ou não. E eu quero o bem de vocês. Todos vocês.
- É mentira, – ele falou conclusivo, a raiva se assentando em seus olhos. – Se você se importasse de verdade, jamais teria tirado sua mãe da gente.
Meus olhos arderam e minha garganta pareceu se fechar. Eu não vou chorar.
- Você não pode viver para sempre de luto. – Eu me forcei a dizer, com a voz embargada. – Afogar suas mágoas na bebida não vai ajudar em nada.
- Essa é a minha maneira de lidar com tudo, – respondeu cortante. – Você foi embora de casa e começou uma nova vida, não foi? Pois eu encontrei o álcool como meu amigo.
- Grande amigo esse que vai te levar direto para o caixão. – Eu perdi a paciência. – Esse é o pensamento de um dependente! Não percebe que precisa de ajuda?
- Eu não preciso de nada!
- Mas Laura e Leonard precisam! – Por um instante ele pareceu cair em si. – Eles precisam de você.
Porém ao mesmo tempo em que eu achava ver seus pensamentos clarearem, seus olhos pareceram obscurecer sob uma sombra, perdendo o foco e enfurecendo-se segundo a segundo.
- E precisavam da sua mãe também.
Um arrepio subiu por minha espinha. Tentei engolir, mas não consegui. Minha visão se embaçou, eu ainda o olhando, segurando minhas lágrimas, cada vez mais incerta se conseguiria manter o controle.
- Não pode me culpar para sempre. – Minha voz não saiu mais alta que um sussurro. – Seu ódio e sua raiva não vão fazer nada além de te destruir.
- Acha que ligo para isso? – Surpreendentemente eu vi os olhos dele se inundarem em lágrimas que não se derramaram.
Eu respirei fundo, esperando que o oxigênio pudesse me ajudar a agir. Apesar da mágoa que partia meu coração, eu tentava achar uma maneira, uma brecha que pudesse fazê-lo enxergar que a dor não estava presente somente nele, e que isso o quebraria um pouco mais a cada dia enquanto ele vivesse e não lutasse.
- Pai – eu dei um passo resoluto em sua direção. Seus olhos permaneciam em mim, fixos e arregalados. –, sei que não acredita em mim quando digo que me importo. Sei também que nunca mais conseguiu olhar para mim da mesma maneira depois do... acidente. Sei que sente repulsa. Que me associa a morte dela todas as vezes que me vê porque acredita que se eu não tivesse feito aquela ligação, se eu não tivesse ligado para ela naquela madrugada, talvez ela ainda estivesse viva, aqui, ao nosso lado.
Algumas lágrimas escorreram pelo rosto dele, grossas, imparáveis. Percebi que o mesmo acontecia comigo. A água salgando minha boca enquanto eu despejava as palavras mais sinceras que vinham direto do meu coração.
- Eu admito, pai, que por meses eu carreguei esse fardo, – continuei. – Acreditei que a culpa era minha, que eu a tinha matado por causa daquele telefonema estúpido, porque estava com medo e precisava dela comigo, porque não fui capaz de lidar com minha própria vida sozinha. Mas não é verdade, ainda que hoje uma parte dos meus pensamentos tentem me convencer do contrário, não foi culpa minha, nem dela por ter aceitado meu chamado e ido atrás de mim. Tampouco do caminhão que nos acertou.
- É culpa de quem, então? – A voz dele soou grave e rouca. Quase fraca demais para se tornar audível.
- De ninguém, – respondi, enfim, meus lábios tremendo enquanto eu tentava manter as palavras firmes. – Não existe um culpado, nunca existiu. Era a hora dela de ir, pai. Eu finalmente aceitei isso e acho que o senhor devia tentar fazer o mesmo.
- Você não pode estar falando sério…
- Foram um conjunto de escolhas que fizeram aquele momento. – Eu o interrompi, fechando os olhos com força, me lembrando de uma conversa, uma confissão não muito tempo antes entre e eu que tomou um rumo tão parecido com esse. Eu voltei a olhá-lo com ainda mais intensidade. – E sim, talvez as coisas tivessem sido diferentes se eu, ela ou o motorista do caminhão tivéssemos feito algo diferente naquela noite. Mas quem sabe o que poderia ter acontecido? Uma vez um amigo me disse que a realidade não se trata de “e se” e “talvez”, mas sim de fatos. Lamentar não vai trazê-la de volta, nem se afundar nesse abismo em que você está agora.
A boca dele se transformou numa linha fina, os dedos fechados sobre o lençol fino que o cobria, as juntas tão brancas que pareciam giz.
- Por favor, pai. – Eu coloquei minha mão sobre a dele. Fria, tremendo levemente. – Acha que ela estaria feliz em vê-lo assim? Em vê-lo aqui?
Ele não afastou meu toque, nem abriu a boca com a intenção de interromper. Apenas permaneceu me olhando. Recebi seu silêncio como um incentivo a dar minha última cartada, a tentar meu último recurso para tirá-lo dessa depreciação contra si próprio.
- Sei que minhas palavras podem não valer muito para o senhor, e por isso não vou pedir que faça isso por mim, , mas por você próprio. Pelos seus dois outros filhos que estão agora mesmo esperando para te ver, preocupados, no final daquele corredor. Faça pela mamãe, que jamais desejaria te ver chegar a esse ponto, independente do que acontecesse a ela, ou qualquer outra pessoa. Faça isso pelo amor que os outros tem por você.
A respiração dele acelerou, seguindo o mesmo ritmo descompassado do seu coração.
- Você não entende, , como é estar onde eu estou, sentir essa angústia toda e não saber o que fazer! Você não sabe de nada, não sabe do que está falando, – ele vociferou para mim. Tremia tanto que eu tive que apertar suas mãos com mais força para mantê-las no lugar.
- Cada dia é uma nova chance, – eu respondi para ele, numa tentativa de acalmá-lo. – De mudar, recomeçar, viver. Eu entendo como é se sentir assim, de verdade, eu sei. E viver no passado não ajuda em absolutamente nada. É hora de seguir em frente, pai. Pelo amor de Deus, você precisa fazer isso!
Por vários segundos o único barulho dentro do quarto eram aqueles produzidos pelas máquinas que monitoravam meu pai. Nós dois ficamos nos encarando, olhos vidrados sem sequer piscar, até que ele afastou sua mão da minha. Foi um movimento quase imperceptível, mas em um instante o aperto se desfez e minha mão estava sobre o lençol frio, afastada da dele, por poucos centímetros que fossem.
Ele virou seu rosto para a frente, não parecia olhar para nada em específico, contudo não parecia disposto a dizer uma palavra que fosse.
Afastei-me, recuando em direção a porta, sem nunca tirar os olhos dele, esperando que se dirigisse para mim em algum momento, mas eu cheguei ao batente, e ele permaneceu imóvel. Eu sentia como se tivesse perdido outra batalha, como sempre acontecia quando eu tentava conversar com ele.
Quando Leonard e Laura foram para o quarto comigo, o clima, anteriormente pesado, ia aos poucos se diluindo. Meu pai sorria verdadeiramente para eles, numa felicidade genuína, acentuando as rugas ao redor dos seus olhos, conversando com uma ternura que há muito eu não via, carinho que eu não recebia já há muito tempo por parte dele.
Apesar de me sentir feliz em ver a cena, foi impossível não sentir uma pontada de ciúmes. O desejo de que ele me perdoasse de uma vez por algo que eu não podia consertar, por algo que de fato não era minha culpa. Porque eu o perdoava. Pela ausência, pelo ressentimento, pela maneira que tantas vezes me olhou, pelas palavras duras que me disse, por todas as vezes que agiu sem pensar ou descontou sua raiva em mim.
Respirei fundo. Era um desejo vazio. Talvez até egoísta da minha parte.
Quando o horário de visitas acabou e Laura e Leonard se despediram dele com um abraço apertado, eu deixei que eles saíssem primeiro. Estavam agitados demais para esperarem por mim. Mas eu os segui mesmo assim, a passos lentos, carregados pelo peso dos meus pensamentos.
- Obrigado, – meu pai falou antes que eu saísse. Eu olhei para ele, sem disfarçar a surpresa. – Por trazê-los aqui. E por vir também. – Acrescentou rapidamente.
Eu assenti uma vez, sem saber muito bem o que dizer. Ele percebeu isso e logo seu olhar se perdeu em um ponto além de mim.
As vozes dos meus irmãos alcançaram meus ouvidos um instante depois, me chamando para eu me juntar a eles. Antes que eu pudesse respondê-los, virei para meu pai, mexendo nervosamente na ponta dos meus cabelos e então de novo em minha pulseira.
- Posso te pedir uma coisa? – As palavras pularam para fora da minha boca antes mesmo de pensar em como eu as diria. Vi sua cabeça anuir e seus olhos se prenderem nos meus. – Não me afaste de Leonard e Laura de novo. Eu... entendo que você não queira me ver, que não me queira por perto, e por isso prometo nunca mais incomodá-lo, nunca mais dizer nada além do necessário a você se for isso que desejar, mas, por favor, não me afaste deles. Não me afaste dos meus irmãos.
Por um momento interminável, ele não fez nada, apenas me estudou, com olhos atentos e cansados. Eu podia ver a dor que ele remoía muito perto da superfície agora, das íris azuis esverdeadas iguais as minhas.
Sua expressão pouco a pouco se abrandou.
- Sabe, . – Sua voz soou melodiosa, quase como se me contasse um segredo. – Você pode não se parecer fisicamente com sua mãe, mas é exatamente igual a ela. Suas características, expressões, seu olhar... é inconfundível. Tem muito mais dela em você do que talvez imagine. Queria que soubesse disso. E que vou procurar ajuda para os meus problemas. Farei isso pelos seus irmãos, como ela gostaria que fosse.
Eu pisquei algumas vezes antes de fechar os olhos com força. Tinha vontade de me encolher no chão e chorar. Não sei se pela comparação desprevenida entre eu e minha mãe, algo que ele nunca tinha feito e que agora parecia abrir uma ferida que ainda tentava se curar, ou então pela decisão que tinha enfim tomado, de dar um passo que poderia mudar tudo na vida dele, ou ainda pela falta de resposta concreta para a minha pergunta.
A questão é que eu não sabia como agir.
Eu o olhei de volta e segurei seu olhar, firme, quase como se eu esperasse alguma bomba explodir em seguida. Não foi o que aconteceu.
Sorri para ele, um sorriso murcho que não chegava aos olhos e não separava os lábios. Ele não retribuiu o gesto, apenas olhou para as próprias mãos e esperou que eu fosse embora.
Já na porta, quase do lado de fora do quarto, eu não olhava mais para ele quando disse sobre o ombro:
- Eu perdoo você, pai. – Minha soava falha. Quem sabe, até incoerente. Não sabia exatamente porque dizia isso, parecia uma necessidade da minha alma enquanto sentia como se um peso invisível deixasse meu corpo. – Mesmo que você não consiga fazer o mesmo comigo. Espero que um dia você me perdoe também.
Em dois passos eu já estava no corredor, uma mão sobre a barriga que se revirava pelo nervosismo. Um alívio se misturando a agonia, cada uma em sua proporção, me tomando por completo enquanto eu me dirigia a sala de espera com a vista embaçada e a respiração entrecortada. Eu não sabia dizer qual tinha sido a reação dele para com a minha sinceridade. Se sentia vergonha pela maneira que agira tantas e tantas vezes, ou se era com descrença e desprezo que me olhara ao deixar o local. Talvez fosse melhor eu não saber. Eu preferia assim.
- Tem certeza que está tudo bem? – apertou um pouco mais sua mão ao redor do meu braço. – Parece pálida demais. Talvez devesse comer alguma coisa.
Apenas a menção da comida fez meu estômago dar voltas de desgosto.
- Eu estou bem, – repeti outra vez, tentando convencer não só a ela, mas a mim mesma. – Acho que preciso apenas de alguns minutos para processar tudo.
Meu pai ficaria em observação durante essa noite, e então, amanhã pela manhã, já seria liberado para voltar para casa, e, aos poucos, para sua rotina. Isso significava que eu teria algumas horas para passar com meus irmãos antes de outra despedida iminente. Pouco tempo até que a distância se colocasse entre nós além de alguns outros pequenos empecilhos.
Quando saímos do hospital, fomos direto para a casa de Luke, antiga casa de , aceitando a oferta de passar a noite lá, junto de e . Era quase como uma festa do pijama, tirando, entretanto, exatamente a parte da festa.
, que havia passado a noite em claro ao meu lado, foi o primeiro a pegar no sono, sentado em uma poltrona da sala, mal acomodado, mas educado demais para reclamar (o que foi surpreendente para quase todos nós, com exceção, talvez, de ). e o namorado também não tardaram a se retirar, ainda que ela não quisesse me deixar sozinha. Luke também foi embora, tinha meio dia de trabalho pela frente, não podia se dar o luxo de perdê-lo. Então sobramos eu e meus irmãos.
Eu podia não ter pregado os olhos durante a madrugada inteira e estar desperta há mais de 24h, mas não sentia cansaço, só preocupação. Laura e Leonard, apesar de abatidos, estavam animados com as boas notícias e também não queriam saber de descansar. Por isso, discretamente eu peguei a mão deles e saí pela porta.
Andar por Brighton depois de tanto tempo longe era como beber um copo cheio de melancolia. Eu sentia saudades imensas daquelas ruas, conhecia tão bem a cidade como minha própria pele. Mas ao mesmo tempo era estranho. Era como voltar para sua casa de infância e encontrá-la completamente reformada. Como se aquele lugar, apesar de ter feito parte da minha vida, já não era parte de quem eu era.
- O que vai acontecer agora? – Laura me perguntou no caminho para a orla. Seus cabelos pretos brilhavam a luz do sol, intensos e profundos como petróleo. Leonard me encarou em expectativa. Eles eram novos demais, mas não eram bobos. Sabiam que muita coisa estava errada.
- As coisas vão voltar a ser como antes, – respondi pouco antes de chegarmos a praia. O mar estava agitado, mas ainda parecia tão reconfortante quanto eu me lembrava. Nenhum de nós se incomodou com isso. As águas pareciam refletir nosso interior.
- Com “antes” você quer dizer que papai vai voltar para casa, ou que você vai voltar para gente? – Eu olhei para Leonard, surpresa, e não demorei a perceber que minha irmã carregava a mesma pergunta nos olhos, apenas não pronunciada.
Eu já tinha chorado muito para um dia, mas não pude deixar de sentir um aperto no peito. Eu sentia tanta falta deles que chegava a doer.
- Eu quero dizer que papai vai ficar bem – respondi por fim. –, que ele vai voltar para casa amanhã, que ele vai tentar... mudar algumas coisas, e vai precisar muito da ajuda de vocês. Entendem isso?
Eu olhei nos olhos de Leonard e então alternei para os de Laura.
- Então... você não vai voltar?
Eu engoli em seco.
- Não posso, – admiti em um sussurro.
- Por que agora tem uma nova casa? – Laura pareceu soar acusadora.
Nós demos mais alguns passos e então nos sentamos, abraçando nossas pernas, sobre as pedras que recebiam as ondas do mar.
- Minha casa – eu comecei, medindo as palavras –, sempre será onde meu coração está.
Os dois ficaram momentaneamente quietos, então Leonard se virou, sendo o primeiro a declarar:
- Mas essa não é a frase de um filme?
- Não – disse Laura. –, na verdade é o nome de uma música do McFly.
- Mas eu tenho certeza que já a ouvi em um filme!
- A questão não é essa. – Eu os interrompi, ansiosa para deixar a origem da frase de lado. – E sim, o que eu disse é verdadeiro. Estar com vocês é estar em casa, independente de onde qualquer um de nós esteja, porque eu amo vocês dois mais do que podem imaginar, e isso nunca vai mudar.
Leonard pegou uma das pedras e a atirou na água.
- Então você vai embora, – ele disse.
- Sim, eu vou.
- E quanto tempo vai demorar para voltar? – foi Laura quem perguntou, olhando a espuma se desfazer quase aos nossos pés.
- Não sei – admiti, e uma aura de tristeza se formou entre nós. –, mas isso não significa que eu não vá voltar, certo?
- Mas quanto tempo vai demorar?
- E papai vai deixar você ver a gente?
Eu me calei em meio às perguntas, meus lábios se transformando numa linha fina conforme eu abaixava minha cabeça e olhava para meus pés descalços, abraçando mais forte minhas pernas contra meu tronco. Era difícil eu encontrar respostas naquele momento, não podia mentir para eles e criar expectativas.
- A gente vai dar um jeito, – respondi por fim, forçando um sorriso simples e infelizmente nem um pouco convincente. – Sempre demos.
- Mesmo se o papai proibir? – questionou Laura.
- Mesmo se tudo estiver dando errado? – Acrescentou Leonard.
Dessa vez meu sorriso foi verdadeiro.
- Mesmo se o mundo estiver acabando, eu não vou deixar vocês.
Os dois me abraçaram prontamente, ao mesmo tempo. Tão forte e apertado que fiquei momentaneamente sem fôlego, contudo fui incapaz de não admirar o gesto e retribuir com a mesma intensidade.
- Nós amamos você, – disseram, com a voz abafada contra meus ombros.
- E eu amo vocês dois.
O sol já começava a se pôr no horizonte, mas meus irmãos continuavam a correr pela praia de um lado para o outro. Hora ou outra arriscavam a entrar um pouco na água, mas pela careta que faziam em seguida eu logo imaginava que ela devia estar ainda mais fria que nas horas anteriores, quando fizeram exatamente a mesma coisa e quase me arrastaram junto.
Olha-los se divertir me fazia sorrir, aquecia meu peito e me trazia tranquilidade, de um jeito que eu quase podia me dar ao luxo de esquecer os momentos anteriores que acabavam com a minha paz.
O céu começava a se transformar em azul escuro, adquirindo tons arroxeados e laranjas, que iam se diluindo e se transformando até começarem a ficar salpicados de estrelas brilhantes e prateadas. Eu gostava do céu assim, limpo, sem nuvens, apesar de vê-las constantemente. Na praia, essa visão era ainda mais bonita.
Impulsionei meu corpo para trás, apoiando-me sobre os cotovelos. Chegava um momento em que meus olhos já não conseguiam distinguir onde começava o céu e terminava o mar. Eu adorava isso, e sentia muita falta.
Estava tão perdida em meu devaneio que quase não ouvi o barulho das pedras se movendo, de passos se aproximando. Eu olhei sobre meu ombro, um tanto sobressaltada, mas logo relaxei de novo.
- Como sabia que eu estava aqui? – perguntei assim que se sentou ao meu lado, os cotovelos sobre seus joelhos. Estava com as mesmas roupas de ontem a noite, o que o deixava com a aparência de alguém que ia para uma festa dentro de poucas horas.
Ele me olhou rapidamente e depois acompanhou a correria dos meus irmãos com o olhar, se prendendo neles.
- Você me contou.
- Não contei, não. – Franzi o cenho para ele.
- Contou sim. – Ele me dirigiu um sorriso. – Há um tempo você tinha me dito que gostava de vir a praia quando precisava pensar. Quando não te achei na casa de , a primeira coisa que pensei foi que você estaria aqui.
Eu retribuí o sorriso, um pouco constrangida. O fato dele se lembrar de algo tão simples me encheu de uma sensação agradável de bem-estar que não pude reprimir. Voltei a me sentar, abraçada as minhas pernas, olhando-o de soslaio.
- Por que veio até aqui?
Ele deu de ombros.
- Para te dar o prazer da minha companhia. – Virou-se para mim, com um meio sorriso nos lábios. – E porque queria saber como você estava.
- Acho que essa é a pergunta que mais me fizeram desde ontem a noite. – Soltei um riso nasalado, numa tentativa de encerrar o assunto, mas como permaneceu sustentando o olhar, não vi outra alternativa senão soltar um suspiro longo e lhe contar a verdade. – Estou bem, acho. Eu e meu pai conversamos. Não sei como me sinto sobre isso, foi um pouco diferente do que eu achava, na verdade.
- Como foi a conversa? – Dessa vez seus olhos estavam presos nas ondas se quebrando.
Então eu contei a ele, relatando quase que palavra por palavra de todo o diálogo que eu e meu pai tínhamos desenvolvido. Não foi difícil falar. A tranquilidade de no momento ajudava as palavras a saírem com mais facilidade. Mesmo que eu sentisse incerteza em dizê-las.
- Pelo menos ele não surtou, – ele disse por fim quando terminei e eu inclinei minha cabeça sobre meu ombro.
- É. Foi melhor do que poderia ter imaginado, – admiti de uma vez, lembrando-me novamente do que ele havia me dito durante a madrugada. “Alguns laços são mais difíceis de serem desfeitos que outros”. – Acho que, no fim, você estava certo.
Ele então me encarou, com uma seriedade impressionante.
- Eu sempre estou certo, Ruivinha.
- Ah, qual é, !
Por um instante nós dois apenas rimos e nos olhamos, até que os sorrisos murcharam e o barulho do mar preencheu nosso silêncio.
Em outra ocasião talvez eu tivesse me sentido sem graça e deixado de olhá-lo, desviando minha atenção para outro ponto, quebrando o contato. Mas por alguma razão, agora eu não conseguia tirar os olhos dele, o estudando cuidadosamente, da mesma maneira que ele fazia comigo naquele instante.
As pupilas dele estavam dilatadas, as íris as contornando como aros de pedras âmbares, provavelmente pela pouca luz na praia. Algumas mechas úmidas caiam sobre a vista dele, mas não pareciam incomodá-lo. Ele devia ter tomado banho antes de sair. Seus cabelos molhados pareciam ainda mais escuros do que de fato eram, combinando perfeitamente com o tom da sua pele acobreada, suas tatuagens (quase todas cobertas pelas roupas) e sua inseparável jaqueta. Detalhes tão pequenos que o deixavam ainda mais bonito. Meu coração pareceu perder uma batida.
De súbito percebi seus lábios entreabertos, seu pomo de Adão subindo e descendo como se estivesse prestes a dizer alguma coisa. Me vi presa a expectativa de ouvi-lo, a curiosidade de saber no que ele estava pensando. Mas então sua boca se fechou e seus olhos se afastaram dos meus.
Apesar da nossa proximidade, algo pareceu interferir, formando um obstáculo que subitamente pareceu nos afastar.
Nervosamente meus dedos alcançaram o pulso da outra mão.
- , sobre ontem a noite…
- Não diga nada. – Ele me interrompeu imediatamente e precisei morder o lábio para conseguir ficar calada. – Podemos deixar isso para depois.
- Eu só queria dizer que…
- , não. – Ele voltou a me olhar. – Nós dois estamos cansados. Discutir agora não vai ser bom para nenhum de nós. E, além disso, acho que fui um tanto impulsivo ontem. Te devo desculpas por isso.
Eu o avaliei por apenas alguns instantes, mas não fui capaz de proferir qualquer palavra em resposta, apesar de vários pensamentos se formarem como uma avalanche em minha cabeça.
O pedido de desculpas havia me pegado de surpresa, e por isso me vi questionando o que isso significaria de fato. Soava quase como se ele procurasse uma justificativa qualquer para retirar o que havia dito na noite anterior. Eu não sabia. Não conseguia entender.
Ele havia dito que eu conseguia ver o que ele tentava esconder, através de todas as barreiras que ele construía. Perguntei-me se era mesmo verdade. Porque eu realmente estava tentando, mas não conseguia enxergar nada além do seu rosto inexpressivo. Nada. Nem sequer uma brecha.
Frustrada, encarei meus irmãos. Se eles perceberam a presença de , não se incomodaram com isso. Pareciam ocupados demais pulando as ondas que se quebravam aos seus pés.
- Tem mais uma coisa – voltou a falar. –, para eu ter vindo até aqui.
- E o que foi? – A pontada de curiosidade falando mais alto que minha frustração.
Ele colocou uma das mãos em um dos bolsos da jaqueta. De lá ele tirou meu celular e o entregou para mim. Surpresa, eu o peguei.
- Eu não me lembrava que tinha ficado aí.
- Não tem problema. – O sorriso dele não chegou aos olhos. Quase parecia que que ele estava chateado com alguma coisa. – Achei que devia entregá-lo. Ele estava vibrando sem parar. Você está recebendo muitas mensagens.
- Achei que tivesse acabado a bateria, – falei o desbloqueando.
- Parece que não. – E então ele se levantou, ajeitando a roupa e passando a mão pelo cabelo. Por um instante achei que ele estivesse sendo sarcástico com a resposta, mas não tive tempo de questionar. – Eu já vou indo. Você tem bastante coisa para ver aí.
- Mas…
- Você vai ficar bem aqui? – Nós nos olhamos novamente e eu tive a certeza de que alguma coisa não estava certa. Quis pedir para que ele ficasse, porque não, eu não ia ficar bem se ele fosse embora, mas as palavras se perderam em minha boca.
- Vou, – eu respondi por fim.
Vendo-o assentir fracamente, saiu, andando a passos largos até deixar a praia e se transformar apenas numa silhueta que desapareceu conforme se distanciava. Ele não olhou para trás nenhuma vez.
Ainda presa na confusão recém formada, eu voltei meus olhos para o celular, a luz da tela acesa com dezenas de notificações. E ainda que minha mente estivesse embaçada, surpreendentemente a compreensão veio como um flash assim que li uma única mensagem em meio a tantas outras:
“Hey, ! Eu fiquei sabendo sobre o seu pai. Rachel me contou porque não pude deixar de insistir, fiquei preocupado com sua saída repentina. Não fique brava com ela, a culpa é minha. Espero que tudo esteja bem. Saiba que pode me ligar a qualquer hora, se quiser, eu adoro ouvir sua voz, e ficaria feliz em ajudar.
Aliás, não consigo parar de pensar no que você queria me dizer ontem e até me sentir culpado por não estar contigo quando recebeu a ligação. A sensação de que podia ajudar, mas não estava presente. Me desculpe.
Enfim, eu espero você me ligar. Vamos marcar de nos ver, ok? Saudade de você.
– ”
Por um instante eu prendi a respiração, com uma vontade imensa de gritar, mas apenas deitei as costas nas pedras, o braço sobre meu rosto. A bagunça aumentava a cada segundo que se passava, e eu ainda não fazia ideia de como arrumá-la.
Capítulo 30
Sayin' "let's just be friends",
Can't believe the words came out of your mouth”
’s POV
Querido diário…
Não faz nem cinco dias que eu voltei de Brighton, mas já sinto uma falta imensa dos meus irmãos. O pouco tempo que eu passei na companhia deles já tinha me habituado de novo aos seus sorrisos abertos, ao som das suas risadas, da correria dos dois de um lado para o outro. Eu sinto falta mesmo do falatório interminável, das brigas, birras e das discussões aleatórias entre os dois.
É a pré-adolescência dando seus primeiros sinais. Eu ria e eles achavam que era implicância minha. Mal sabem eles a chatice que vão ser nessa fase…
Queria que minha mãe pudesse estar presente nesse momento para ver toda essa bagunça. Eu mesmo queria estar mais presente na vida deles do que estive nos últimos vários meses, do que estou agora. De verdade, deixá-los é como deixar uma parte muito grande de quem eu sou.
Eu parei de escrever e fechei o diário com a caneta marcando a página. Pensar em minha mãe agora não doía tanto. Isso porque falar sobre Laura e Leonard me deixava tanto feliz quanto nostálgica. Leve, até. Eu já tinha conversado com eles duas vezes desde que chegara de volta a Londres e em nenhuma das ocasiões meu pai pareceu reclamar sobre isso.
Eu me sentia aliviada, ainda que estranhasse um pouco sua nova atitude. Era algo... novo demais para eu absorver de uma vez.
Ele também parecia melhor, pelas notícias que meus irmãos me passavam. Eu ficava grata pela ajuda que ele estava recebendo, e (incrivelmente) ele parecia grato pelo que eu fazia por ele da mesma maneira. Eu esperava que as coisas realmente pudessem tomar um novo rumo de agora em diante.
Mas não era bem isso que me incomodava de fato.
Fazia dias que eu não falava com e nem o via. Sabia que isso tinha tudo a ver com a mensagem que tinha mandado aquela tarde na praia. a leu antes de entregar meu celular. Não por ser enxerido, eu acreditava. Talvez só estivesse sonolento quando pegou o aparelho que vibrava em seu bolso, achando que era o dele. Só deve ter se dado conta depois de ver o que estava escrito.
Suas conclusões não devem ter sido as melhores depois de lê-la. E, apesar de ter dito tantas coisas importantes naquela noite em que fomos para Brighton, o fato de ver que ainda conversava comigo, ver que o outro se importava, deve ter atingido algum ponto sensível em si que o fez recuar. Afinal, certa vez ele já havia insinuado que eu deveria ficar com e esquecê-lo.
Era um completo absurdo.
Eu me sentia ainda mais magoada por saber disso, que ele estava se afastando de propósito.
Levantei da cama e voltei a guardar o diário na estante cheia de livros. Eu voltaria a escrever mais tarde. Não estava com vontade de gastar folhas reclamando mais uma vez sobre .
- Você está com aquela cara de novo, – falou, apesar de não me olhar.
- Que cara?
- Aquela que você faz quando não sabe o que fazer.
Eu fiz uma careta e me joguei ao seu lado, na minha cama.
- Bem, é mais ou menos isso.
Nós estávamos no meu quarto, assistindo um filme X que nem eu e nem ela sabíamos muito bem do que falava, mas ainda assim fingíamos que estávamos prestando atenção só para não ficar sem nada para fazer.
Ela comia Fini de maçã verde, mas não parecia nem um pouco entretida, assim como eu.
- O que aconteceu agora? – ela perguntou, dessa vez se virando de lado para poder me ver. – Ultimamente sua vida tem estado bem mais interessante que qualquer filme por aí.
Eu dei uma risada.
- Não seja boba.
- Desembucha logo.
Soltei um suspiro.
- Eu preciso tomar uma iniciativa, – admiti pela primeira vez em voz alta.
- Que vida difícil a sua, – ela comentou entre uma mordida e outra que dava na bala de gelatina. – Com dois caras gatos atrás de você.
Não pude deixar de revirar os olhos.
- Não deboche. Eu realmente estou me sentindo bastante mal com tudo isso, – falei. – Eu me sinto muito confusa.
Por um instante ficamos em silêncio. Eu sabia que ela estava me observando, ainda que eu encarasse o teto sem muito interesse envolvido.
Foi a vez dela de bufar, colocar o restante das suas Finis de lado e se sentar sobre as pernas, me encarando com seriedade.
- Olha, eu sei que sua tentativa de conversar com foi um fiasco e acabou deixando o homem ainda mais iludido do que já estava, cheio de expectativa, provavelmente pensando que você ia declarar seu amor eterno por ele e etc., mas você não pode deixar tudo por isso mesmo. – Ela realmente estava sendo sincera, e até parecia irritada. Achei melhor me sentar para poder prestar melhor atenção nela. – Deixar ele desistir de você na base da canseira é ridículo. Até porque gosta de você e não vai deixá-la escapar por entre os dedos, a não ser que você diga que não é recíproco.
Fiquei com vontade de grunhir.
- , eu sei disso tudo, acha que sou tonta? A questão é que…
- Que você gosta do , – ela completou, mesmo não sendo esse o fim da frase que eu tinha planejado. Minhas bochechas coraram. – Eu sei. Nós sabemos. Acho que isso já é bem óbvio para nós duas. E para mais algumas pessoas também, mas o fato é que você não quer magoar . E dizer para ele que você está trocando-o por um dos seus melhores amigos não é o jeito ideal de não magoar alguém, porém é o que temos para hoje. Você não pode mentir para ele. Não é certo. Ele sempre foi verdadeiro contigo.
Acabei me jogando contra os travesseiros da cama, tapando o rosto com as duas mãos espalmadas.
- E isso torna as coisas ainda mais difíceis. – Minha voz saiu abafada pelas mãos na frente da boca. – Só que isso não é tudo, ainda tem…
- . – Mais uma vez me interrompeu e completou o que eu tinha a dizer. Eu podia sentir uma pontada de desgosto na voz dela. – É, eu também sei disso.
Houve um momento onde o único som entre nós duas era o barulho da TV. Ela pegou o controle e a desligou, sabendo que a atenção já não estava voltada para o aparelho. Então ela voltou a me encarar. Os braços cruzados na altura do peito, me estudando minuciosamente.
- Vai atrás dele?
- Eu não sei, – falei sincera e verdadeiramente. – Não sei se vale a pena.
- Você não quer se desgastar. – Ela deduziu.
- Você sabe que não. – Minha voz saiu tão baixa que eu mesma quase não pude ouvi-la.
vinha sendo um grande assunto na minha vida. Uma história cheia de contradições.
Nós podíamos trocar provocações o dia inteiro, com frases cheias de sarcasmo e terminar quase todas as conversas com discussões, contudo, eu não conseguia não gostar da companhia de . Sabia que existia sinceridade nisso. Tinha certeza.
Quase sempre acabávamos na presença um do outro por vontade própria. E eu adorava isso tanto quanto eu também odiava.
Mas meu receio não se encontrava nessa questão do agora. E sim no que aconteceria depois.
Infelizmente, o clichê era verdadeiro e me perseguia por mais tempo do que eu talvez eu estivesse disposta. Lidar com experiências anteriores era difícil, não importa quanto tempo se passasse, sempre existiria um medo oculto da história se repetir. E apesar do próprio uma vez ter me dito que não devíamos viver no passado, que isso não adiantaria de nada na nossa vida, eu não conseguia. E, a julgar pelo que eu conhecia dele, ele também não.
Nós dois sentíamos dificuldade em realmente esquecer o que um dia aconteceu.
Eu enxergava isso em quase todas as atitudes que ele tomava. E infelizmente via isso nas minhas também.
Esse era o meu grande impasse.
- Acho que você deveria, – falou e eu a encarei com as sobrancelhas quase se unindo, desprendendo-me do meu devaneio.
- Deveria o quê?
- Ir atrás dele. – Eu devia estar com uma expressão muito perplexa, pois ela revirou os olhos para mim. – Eu sei, não acredito que estou dizendo isso para você. Mas é verdade. Posso não morrer de amores por aquele troglodita, mas eu vejo como você fica quando está com ele. Talvez no fim eu esteja enganada e ele te faça bem.
- E se ele não fizer? – Devolvi para ela. deu de ombros.
- Pode ser que não faça. – Minha amiga respondeu. – É uma via de mão dupla. Você está sujeita as duas coisas.
- E acha que isso é o suficiente para eu tentar alguma coisa?
- Bom, você que tem que saber – ela me respondeu –, não posso tomar essa decisão por você.
Eu encarava meus tênis brancos tentando disfarçar meu nervosismo. O porteiro vez ou outra me olhava, o cenho franzido, provavelmente tentando entender o que eu fazia parada ali já a tanto tempo (na verdade faziam só dez minutos, mas enfim, não vinha o caso). Na maioria das vezes eu consegui ignorar sua curiosidade, mexendo no celular, tentando me distrair. Porém agora eu já começava a me incomodar, provavelmente porque minha paciência estava indo para o brejo.
Estava esperando bem na portaria do edifício onde eu morava. Ele não estava atrasado, na verdade eu estava adiantada. Ansiosa demais pelo desenrolar daquela tarde, querendo esclarecer tudo de uma vez. Tinha ensaiado minhas palavras umas cinquenta vezes na frente do espelho antes de finalmente responder sua mensagem e fazer o convite para nos encontrarmos. Estava torcendo do fundo do meu coração que ele entendesse meu lado e não ficasse com raiva de mim. Que não me afastasse do seu círculo de amizade. Porém, se acontecesse o contrário, sinceramente eu não o julgaria.
Um Mercedes parou ao meio fio e meus pensamentos desapareceram quase que instantaneamente. Não precisei olhar duas vezes para saber que se tratava do carro de .
Passei a mão pela saia do meu vestido ajeitando um amassado inexistente, subindo a mão para as mangas da blusa branca que estava por baixo do mesmo, fingindo arrumar alguma coisa apenas para parecer ocupada, jogando então o cabelo solto sobre os ombros e seguindo para a porta do passageiro.
- Você está parecendo uma boneca vestida assim. – sorriu ao me ver ao mesmo tempo em que eu sentia o rubor subir por minhas bochechas. Eu odiava o fato de ficar vermelha por quase tudo. Era frustrante.
- Obrigada, – respondi, sem graça, e ele se debruçou sobre o banco para me dar um beijo na bochecha. Retribui o gesto, um tanto sem jeito e logo o carro começou a se movimentar pelas ruas.
Não sabia bem como começar um diálogo, por mim eu iria direto ao ponto, porém sabia que seria melhor esperar até chegarmos na cafeteria, onde a atenção dele estaria voltada completamente para mim e não teria trânsito nenhum para interromper o assunto. Por isso achei que devia começar com o básico:
- Como você está?
Ele sorriu sem tirar os olhos da rua a sua frente.
- Estou bem – respondeu. –, mas na verdade quero saber como você está.
Precisei de alguns segundos para pensar, tentada a ser evasiva e seguir outra direção de conversa. Mas se eu seria sincera com ele hoje, era melhor ser do começo ao fim, sem esconder ou omitir.
- Estou indo, – falei após soltar um suspiro. – Acho que a pior parte já passou, meu pai está bem. Mas ainda assim passo a maior parte do dia preocupada. Estar longe não ajuda muito.
Mas estar perto também não é uma boa solução, quis acrescentar. Porém não tornaria isso um desabafo da minha vida.
me olhou de soslaio. Aparentemente minha expressão pareceu revelar mais do que eu queria.
- Se quiser conversar, pode falar comigo.
- Eu sei, – apressei-me em dizer. – E obrigada por isso, mas está tudo bem. De verdade.
Ele pareceu um pouco relutante, mas assentiu. Decidi que era melhor seguir outro rumo.
- E como está o novo álbum? – Ele sorriu e pareceu realmente feliz com a pergunta.
Pelos próximos minutos até chegarmos a cafeteria ele falou quase que detalhe por detalhe de como andavam as finalizações, os arranjos, as músicas favoritas dele. Apesar de não olhar muito para mim por estar concentrado dirigindo, dava para perceber que seus olhos brilhavam. Ele realmente amava o que fazia e se sentia realizado. E esse era um dos motivos por eu adorar ouvi-lo falar sobre o trabalho dele.
Enfim, pelo que pareceu rápido demais, nós chegamos a cafeteria.
Prontamente após estacionar o carro, correu para me ajudar a descer do mesmo. Sempre um perfeito cavalheiro.
Ele escolheu uma mesa na janela e sentou-se a minha frente. Coloquei as mãos sobre a mesa o observando pegar o cardápio e escolher o que pediria, mas logo desisti de mantê-las ali e as coloquei sobre meu colo, percebendo as palmas suarem pelo nervosismo. Eram 17h, e, apesar da tradição britânica do “chá das cinco”, eu olhava ao redor e encontrava poucas pessoas no ambiente. Três senhoras estavam em uma mesa próxima e conversavam fervorosamente. Na outra ponta do estabelecimento um casal com uma criança pequena parecia aproveitar a companhia uns dos outros. E fora eles, só havíamos eu e e os próprios funcionários.
Respirei fundo e surpreendentemente percebi que respirar começava a se tornar cada vez mais difícil.
- Você prefere chá, café ou chocolate quente?
Eu voltei minha atenção para e pisquei algumas vezes, rápido demais.
- Chá, se você não se importar.
- De forma alguma, eu também prefiro. – Ele abriu um sorriso que mostrava todos os dentes. Tentei retribuir, mas não pareceu funcionar muito bem.
- Algum sabor em especial?
- Não – respondi, dando de ombros –, pode escolher o que preferir.
Ele acabou optando pelo tradicional chá preto com leite e limão à gosto, acompanhado de torradas com geleias variadas e vários biscoitos petit four. Bom, ao menos eu podia me distrair com a comida.
E foi o que eu tentei fazer, apesar de não ter conseguido por muito tempo.
Eu já estava na metade da xícara de chá com leite quando respirei fundo e o chamei:
- , eu... – Minha voz falhou e eu precisei pigarrear para torná-la firme. – Eu queria conversar com você sobre algo. Na verdade, já faz um tempo que venho tentando fazer isso.
Seus olhos procuraram os meus. Decidida a sustentar o olhar, não ousei sequer piscar. Eu precisava levar isso adiante, sem fraquejar.
- Tem a ver com o que começamos a conversar na Première ou…
- É exatamente sobre isso.
Outro sorriso se formou em seu rosto, tão aberto que chegava aos olhos, os transformando em fendas que pareciam duas meia luas.
Infelizmente eu começava a achar que aquele sorriso não se manteria lá por muito mais tempo.
- Estou ansioso para ouvir.
Eu não, tive vontade de dizer, mas meus lábios pressionaram-se um contra o outro numa linha fina. Tomei fôlego.
- Eu preciso ser sincera com você, sobre como me sinto. – Seus olhos adquiriram um brilho novo que me deixou inquieta na cadeira. Eu comecei a me sentir realmente mal. – Não acho que posso levar isso adiante.
- O que quer dizer?
Eu tentei engolir, mas minha garganta estava seca.
- Isso tem a ver com ?
A pergunta me pegou completamente desprevenida e não pude deixar de olhá-lo completamente atônita.
- Não precisa me olhar assim, – ele disse em seguida, porém nem sua voz e nem sua expressão denunciava exatamente como ele estava se sentindo. – Eu sei que tem algo rolando entre vocês dois. – Eu fiz menção de falar, qualquer coisa, entretanto ele rapidamente continuou: – Mas sei também que tem algo acontecendo entre eu e você.
- É sobre isso que quero falar, – respondi convicta, com os olhos fixos no dele. – Sobre isso que existe entre... eu e você.
Pude jurar que vi uma espécie de alívio passar por sua expressão, a esperança crescendo a cada segundo.
- Pode ser que talvez eu tenha... dado uma impressão errada a você.
Ele piscou, como se não compreendesse minhas palavras.
- Desculpe, eu... – balançou a cabeça para os lados e largou as mãos sobre a mesa, as palmas viradas para baixo contra a madeira. – Como assim “impressão errada”?
Minha boca abriu e fechou algumas vezes, com frases completas em minha mente, mas nenhuma coragem de pronunciá-las.
Por impulso eu tirei minhas mãos do colo e coloquei sobre as dele, as apertando com força.
- – eu comecei a dizer. –, desde o dia em que nos conhecemos, da primeira vez que conversamos, você sempre parecia saber exatamente o que dizer para arrancar um sorriso de mim. Sempre esteve lá, me ajudando, conversando comigo, fazendo eu me sentir querida em um ambiente completamente novo que quase me apavorava. E eu não vou mentir para você, aquilo me conquistou. Cada atitude sua.
Seus lábios começaram a se curvar num sorriso, suas mãos viraram as palmas para cima e retribuíram o aperto nas minhas, contudo não pude devolver sua expressão. E isso pareceu revelar para ele que ainda havia muito mais o que ser dito.
- Mas... – Ele soltou um riso seco, sua face vacilando. – Sempre tem um “mas”, não é?
Eu mordi meu lábio inferior.
- Eu tentei. – Confessei para ele e não pude impedir minha própria voz de falhar. – Continuei saindo com você porque gostava da sua companhia, . Ainda gosto. E muito, você precisa saber disso. Só que, eu não sei bem quando ou como, as coisas mudaram. E eu não posso mais continuar com isso, pois eu sei que estou passando uma imagem para você que não é cem por cento verdadeira. Que estou, de certa forma, mentindo.
- Isso porque... não é recíproco, – ele disse, uma afirmação que soava como uma pergunta em sua voz.
- Em algum momento do começo até aqui, acho que confundimos nossa amizade com algo mais. – Precisei umedecer meus lábios. – Confundimos com um outro tipo de sentimento que não existe entre nós de fato.
Ele afastou as suas mãos da minha, as recolhendo para perto do seu corpo, se recostando na cadeira. Contudo, seus olhos ainda permaneciam bem abertos, me olhando com atenção, ainda que as pupilas dilatadas parecessem tristes e o brilho existente anteriormente já não estar mais lá. Seu silêncio me desconsertou, mas não pude me dar mais do que apenas alguns segundos para me recompor.
- Eu sinto muito, – consegui dizer, enfim. – Por não ter conseguido contar antes. Eu só... não sabia mais o que era ou não verdade.
De repente, eu olhava para e enxergava a mesma expressão que ele me dirigiu no dia em que presenciou minha discussão com . Uma sombra repousando sobre seus olhos, os escurecendo cada segundo mais e mais, cheios de pesar, decepção.
Ressentimento.
Foi minha vez de recostar na cadeira, com vontade de correr para o banheiro e gritar de raiva. Eu sabia que o tinha machucado. E odiava isso com todas as minhas forças.
- A verdade. – Ele soltou um sorriso seco e quase sarcástico. – Você falou sobre o que sente, sobre o que acha. A sua verdade. Mas será que não quer saber a minha?
Eu engoli em seco.
- Por favor.
- Eu gosto de você, . – Em um segundo ele já estava de pé, abandonando sua expressão de mágoa e desapontamento, substituindo-a por algo próximo do desespero. Seus olhos completamente suplicantes. Ele se sentou ao meu lado e suas mãos novamente buscaram as minhas, envolvendo-as num aperto quente e firme. Eu fui incapaz de afastá-lo. – Realmente gosto de você, e não como um amigo qualquer. Estou apaixonado por você. Entende a diferença disso?
O que está acontecendo?, eu quis gritar.
- Você diz que talvez tenhamos confundido nossos sentimentos, mas eu não confundi. – Ele continuou, exasperado e convicto do que falava. Eu podia ver isso no fundo dos seus olhos. – Tenho certeza do que sinto já faz muito tempo. E pode parecer idiota, talvez precipitado ou mesmo clichê. Mas eu estou sendo sincero. Eu não tiro você da minha cabeça desde a primeira vez que te vi. Desde a primeira vez que te olhei, de verdade, no fundo dos olhos, naquele parque em Brighton. Por isso sei que estou apaixonado. Por isso não me vejo com outra pessoa senão você, . Essa é a minha verdade. E eu precisava que você soubesse.
Eu não conseguia mexer um músculo do corpo, sequer piscar.
Por quê?, a pergunta reverberava em minha cabeça. Por que as coisas não podiam ser simples pelo menos uma única vez?
Meu cérebro trabalhava numa rapidez impressionante tentando formular alguma frase coerente, porque se tinha uma coisa que eu precisava fazer, era dizer alguma coisa. E logo! Mas eu não conseguia provocar nenhum tipo de som, nem mesmo monossílabas desconexas.
Eu contorcia os dedos um contra o outro, ainda entre as mãos de , completamente inquietos. Eu estava inquieta! Nervosa, surpresa, quase apavorada por ouvir aquilo.
Ele estava apaixonado por mim.
Eu não sabia o que fazer, o que dizer, como agir. havia me desarmado por completo. De tudo o que eu sentia, a frustração era maior, por saber que nada havia saído como planejado.
E quando é que saíram?, meu cérebro pareceu me lembrar. Mas aquilo não serviu como consolo.
percebeu isso em meus olhos de alguma maneira que eu não entendi. Eu costumava ser boa em camuflar minhas emoções. Dessa vez, pelo menos, não foi assim.
- Desculpa, eu não queria te assustar…
- Eu não estou assustada! – Mas ele sabia que era mentira.
Suas mãos soltaram as minhas, relutantes, e ficamos apenas nos olhando, sentados um do lado do outro, porém com os corpos virados de frente.
- Mas parece que está. – Devolveu rindo, mas seu riso não chegava até os olhos.
- Não! – Eu me apressei em dizer, aos tropeços. – É só que…
- Você não precisa falar nada, . – Interrompeu. – Eu não medi as palavras e te peguei de surpresa. Assim como você fez comigo. – Eu curvei um pouco os ombros. – E, sinceramente, eu não espero uma resposta sua quanto a isso. Sei que você está passando por muita coisa agora, por causa da sua família e tudo mais, é fácil ver como você está sobrecarregada. Não quero te dar mais coisas com o que pensar, mas ainda assim…
- Tudo bem, . – O interrompi de súbito percebendo o quão embaraçoso aquilo estava ficando. – Eu entendi.
Mas não era realmente verdade. Tinha muita coisa que eu ainda não tinha entendido.
assentiu fracamente, ainda me olhando, mas eu achava que esse gesto não passava de uma concordância involuntária. E então, mais rápido do que pude sequer perceber, ele se inclinou, segurando minha nuca, e me beijou com pressa, numa rigidez firme quase grosseira, como se estivesse com medo que eu o afastasse rápido demais. Entretanto ele mesmo fez isso segundos depois.
Eu, atônita, não fiz nada além de encará-lo com uma incógnita explícita que parecia aumentar a cada instante que procedia o gesto dele. passou seus olhos por meu rosto, por minhas bochechas vermelhas, por meus lábios entreabertos até chegar em meu olhar repleto de confusão.
- Desculpe, eu não devia ter feito isso. – Arrastou sua mão para longe de minha nuca, não antes de mexer subitamente nos fios do meu cabelo que caiam sobre meu ombro. – Mas não podia deixar você ir sem mais nem menos. Eu gostaria que você reconsiderasse tudo o que me disse. Que pensasse em tudo o que eu falei para você. Eu posso te dar o tempo. O quanto precisar.
Foi minha vez de estudá-lo. Os cabelos curtos na lateral do rosto, o topete sobre sua cabeça. A testa franzida, sua respiração entrecortada, rápida demais. Os lábios firmemente juntos, um contra o outro, como se estivesse aguardando alguma coisa vinda de mim. Uma resposta, um movimento. Seus olhos não se desgrudavam dos meus. Suplicavam em silêncio para que eu concordasse.
Mas eu não podia.
Se ao menos meu coração tivesse acelerado ao vê-lo, se as borboletas em meu estômago tivessem se manifestado. Porém nada disso aconteceu. O desejo que eu tinha, não se manifestava por ele.
- Não, , não preciso de tempo. – Eu acabei sussurrando para ele, vendo todas suas esperanças se esvaírem, substituídas por puro descontentamento. – E eu não posso fazer isso. Só pioraria tudo.
Ele não disse nada. Apenas abaixou os olhos, se levantou, e voltou para o local onde estava anteriormente: do outro lado da mesa.
O clima completamente estranho, por assim dizer, pareceu somente piorar. Eu não esperaria algo diferente, sendo bem sincera. Não existia nada além do nosso silêncio. Eu queria me levantar e ir embora, mas ao mesmo tempo não queria deixá-lo ali. Queria que ele entendesse que apesar de não ser recíproco, eu ainda queria ser amiga dele. Porém, ele saber que estava na friendzone não melhoraria nada naquele instante. Por isso preferi ficar quieta. Imaginei que já devia ter dito o suficiente.
Não sei quanto tempo mais ficamos ali. O chá esfriou, a comida permaneceu intocada e nós dois não trocamos nenhuma outra palavra depois do ocorrido. Nem mesmo outro olhar.
Subitamente meu celular vibrou em minha bolsa, anunciando uma mensagem. Grata pela distração, não perdi tempo em ver o que era, ansiosa por fazer alguma coisa, qualquer coisa, além de simplesmente ficar imóvel e sem pronunciar uma palavra, respeitando o espaço que impunha entre nós. Contudo, conforme eu analisava o conteúdo, minhas sobrancelhas iam se juntando. Por que estaria me enviando tantas fotos justo agora, se ela mesma havia dito que não me atrapalharia enquanto estivesse com , sabendo o tanto de coisas que tínhamos para discutir?
Aquilo não estava certo, definitivamente.
Desbloqueei a tela.
Fiquei com medos dos meus olhos saltarem das órbitas, porque era mais ou menos isso que eu sentia no momento quando vi as imagens pipocando no meu aparelho. Se eu não estivesse sentada, provavelmente teria caído.
“, eu não sei o que aconteceu entre vocês, mas saiam daí AGORA!”, dizia a mensagem de .
Eu olhei para , completamente assustada, para então perceber que ele também estava com o celular nas mãos, me olhando da mesma forma, talvez apenas com um pouco de arrependimento. Eu não precisava perguntar, sabia que ele estava vendo a mesma coisa que eu.
Eram fotos minha e de , tiradas bem no momento em que ele me beijara. Algumas eram de nós dois de mãos dadas sobre a mesa, o que apesar de melhor, não deixava de criar uma bagunça. Eu não perdi tempo olhando as legendas, imaginava bem o que elas diziam.
- Droga! – exclamei mais alto do que planejava, mas não pareceu notar. Tinha um olhar atordoado preso no celular da mesma forma que eu imaginava estar.
- , eu... – Ele levantou os olhos para mim, balançando a cabeça para os lados.
Olhei pela janela de vidro que ficava bem ao lado de onde estávamos sentados. Se tivéssemos escolhido um local mais discreto, essa última parte poderia ter sido evitada.
Comecei a observar a rua, os prédios, as janelas. Havia fotógrafos ali ainda, escondidos talvez atrás de carros, ou dentro de algum apartamento. Eu não sabia onde, mas sabia que estavam lá.
Eu e precisávamos sair o mais rápido possível ou tudo pioraria ainda mais.
- Vamos embora. – Levantei da forma mais discreta que pude. Se aquela foto estava na rede, não demoraria para os fãs chegarem e aquilo ali virar uma verdadeira muvuca. me acompanhou de imediato. Trocamos apenas um olhar para saber que pensávamos a mesma coisa.
Depois que a conta estava devidamente paga, deixamos o estabelecimento, meu estômago embrulhado revirava em nervosismo. Outra vez não pude deter meu olhar e vasculhar aquela rua pouco movimentada. Ao longe, algumas garotas vinham, com celulares nas mãos em nossa direção. Eu abaixei minha cabeça, meus lábios comprimidos numa linha fina.
conseguia agir melhor que eu, como se já tivesse passado por aquilo um milhão de vezes antes. Ele abriu a porta do carro para eu entrar. Imediatamente dentro do veículo, passei as mãos sobre meu rosto.
Cada vez que eu tentava arrumar alguma coisa, outra parecia sair dos eixos. Eu decididamente não estava sendo bem-sucedida nisso.
Infelizmente, parecia tão perdido quanto eu.
- , você está me deixando tonta de tanto que anda de um lado para o outro! – , que há pouco tinha me encontrado em casa, me encarava do sofá, ainda com a roupa que usara no trabalho. Apesar de estar sentada e tentar parecer tranquila, sua postura ereta mostrava o inverso.
Já faziam alguns dias que as fotos haviam sido tiradas. Eu tinha esperança que elas se perdessem em meio a outras notícias, entretanto parece que, mais uma vez, eu tinha me enganado. Estava tudo um rebuliço.
- Eu não sei o que fazer! – As imagens já estavam soltas pela internet com tantas suposições que eu não poderia sequer contar nos dedos. Tinha medo de abrir o celular, ligar o computador ou trocar o canal da TV e me deparar com mais xingamentos de pessoas que eu nem conhecia.
- Você conversou com o sobre a repercussão disso tudo?
- Claro que conversei! – Sentei-me na poltrona de frente para o sofá e segurei a cabeça entre minhas mãos. – Quer dizer, mais ou menos.
- E não decidiram nada? – Seu tom beirava a indignação.
- Tínhamos decidido não tocar no assunto, deixar de lado! – exclamei passando a mão por meus cabelos. Imaginava que ele devia estar uma bagunça só, igual minha vida. – Mas isso foi antes de todas aquelas reportagens começarem a aparecer pelas mídias! Pensamos que as pessoas fossem esquecer cinco minutos depois.
- , calma…
- Não me peça calma quando estão me chamando de chupa fama! – A cortei gritando, me arrependendo da atitude logo em seguida.
- E você por acaso é uma chupa fama? – perguntava em deboche, eu percebia isso. Mas ainda assim respondi ofendida:
- Claro que não! Você me conhece melhor que ninguém, sabe disso.
- Então não pode deixar que essas suposições idiotas te enlouqueçam! – disse por fim. – Além do mais, estão te chamando de coisas piores, você sabe.
Eu a encarei e deixei meus ombros caírem pesadamente assim como o suspiro que eu soltei.
- Por favor, não me lembre disso, – eu pedi para ela num sussurro quase inaudível.
- Ao contrário – Ela desconectou o celular do carregador e pigarreou. –, eu faço questão de ler isso aqui para você.
Eu grunhi, puxando uma das almofadas e a abraçando como se pudesse me transformar em parte dela e parar de existir por pelo menos cinco minutos. não pareceu se dar conta disso e começou a ler:
- “BABADO FORTE! – Ela mudou a entonação da sua voz para algo muito enjoativo que dava vontade de ir embora e deixá-la falando sozinha. – O gato , integrante do One Direction, foi visto aos beijos há três dias com a mais nova queridinha da TV, , numa cafeteria afastada do centro de Londres. Dá pra acreditar nisso, gente? Parece que o amor estava solto no set de filmagem!
“Desde que ambos foram apresentados como colegas de trabalho na série The Blackside, nossa fonte garante que a atração dos dois britânicos foi instantânea.
“Eles já foram vistos juntos diversas vezes antes, às vezes acompanhados, às vezes não, mas essa foi a primeira vez que eles demonstraram maior intimidade. Tudo indica que agora as coisas vão mudar de patamar (já era hora, não?)! Tomara que esse amor dure e seja repleto de momentos ternurinha como os das fotos!
“Quem mais está feliz com a notícia levanta a mão!"
me encarou, tentando esconder um sorriso a todo custo. Eu me levantei, fui até seu lado, sempre mantendo o rosto inexpressivo, e peguei seu celular sem aviso, jogando-o sobre a mesa de centro, fazendo mais barulho do que eu realmente tinha planejado.
Para o inferno com essa reportagem!
- Hey! – Ela reclamou completamente indignada. – Isso não é justo!
- Não é justo eu ter que ficar ouvindo essas bobagens.
- Ah, . Admita! – jogou a cabeça para trás, revirando os olhos. – É um pouco engraçado.
- Engraçado? – Ela deu de ombros, me olhando. – Essas revistas idiotas ficam inventando coisas cabulosas. Essa aqui até de “fonte secreta” veio escrever! Uma outra que eu li estava faltando marcar a data do meu casamento. – Soltei o ar em frustração. – , isso só piora as coisas. Eu não queria isso.
Virei para pegar o celular dela, arrependida por tê-lo jogado sem necessidade. De relance dei uma rápida lida nos comentários, como se eu já não estivesse chateada o suficiente com tudo.
"@mecomeJB Aff, sempre soube que essa aí só estava atrás de uma rôla.
@lovecondas Certeza que é só fachada.
@_sou_fan_de_tudo PUTA CHUPA FAMA
@ChãoMendes_Club Não vai durar nem uma semana!
@estilosdohazza Sem graça que só, vai ficar se achando por ter pegado o . Piriguete!"
Eu bloqueei o aparelho e o entreguei para minha amiga.
- Tem uma porção de gente me odiando, – falei, me sentando ao lado dela. – Sou chupa fama, puta, sem graça e piriguete, – falei enumerando nos dedos. e eu esboçamos um sorriso. – Devo ser mais algumas coisas desagradáveis, mas deixa pra lá. Não estou a fim de aumentar a lista.
- Não é só desse jeito, . – Ela voltou a desbloquear o celular. – Tem gente falando bem de você também.
- Será?
- Claro que sim. – Ela teimou. – Presta atenção, eu vou ler alguns para você: “@4gayse1bi Ah, eles são tão lindos juntos, eu tava torcendo tanto pra isso acontecer!” – De novo a voz dela mudou de entonação, quase arrancando risos meu. – “@onetwothree Por que tanta confusão a troco de nada? Ninguém mais pode nem se beijar que as menininhas de 13 anos já vem fazer escândalo. TEM QUE SE PEGAR MESMO”.
- É sério isso?
- Espera! Eu ainda não acabei. – me cortou. – Ouve esse: “@paynimim Dois gostosos! Meu sonho se realizando esses dois juntos. Quem quiser ler minha fic sobre eles, o link tá na descrição!”
- Tem fanfic sobre a gente? – Eu me vi indignada tentando olhar a tela.
- Querida, tu tem até fandom!
- Jura? – Eu arregalei os olhos. – E qual o nome?
- @Comeu.a..
- Isso é muita perversão! – gargalhou da minha reação. – Você está inventando isso.
- Eu não estou. Juro por tudo que é mais sagrado! – Ela mostrou para mim, o user selecionado e seu comentário na tela. Minhas bochechas começaram a pegar fogo – Mas espera, tem outro mais normal. @mafia.
- E o que diz esse?
- Ele responde um comentário do @tommonocu.
Nós explodimos em gargalhada.
- Vocês têm até uma Hashtag! – me falou entre risos. – #&. Estão nos trends do momento.
Eu deitei minha cabeça sobre o ombro de minha amiga.
- Tudo bem, talvez seja um pouco engraçado.
- É claro que é. – Ela me abraçou de lado. – Não precisa levar tudo ao pé da letra, ok? É melhor se levarmos as coisas pelo lado da brincadeira.
Eu soltei um suspiro um pouco mais leve. Minha tensão havia começado a se dissolver junto com o clima anteriormente pesado.
- Tudo bem, você está certa – confessei. –, acho que me sinto melhor.
O nosso interfone tocou e de prontidão se colocou de pé, me empurrando levemente com seu corpo.
- Você precisava rir. – Ela chamou minha atenção enquanto deixava a sala. – Está levando tudo muito a sério.
Eu bufei exageradamente e soltei mais algumas risadas enquanto a ouvia falar com a portaria. Não demorou mais que alguns segundos para ela me chamar:
- ?
- O que foi?
- Rachel está aí embaixo. – Ela anunciou. – Tinha marcado algo com ela?
Confusa, eu me coloquei de pé e fui até a cozinha procurar minha amiga, que parecia não entender nada, a julgar sua testa franzida.
Eu balancei a cabeça para os lados.
- Não, – admiti. – Mas peça para ela subir. Ela não viria se não fosse importante.
concordou e liberou a entrada da garota, cruzando os braços e parando contra o batente da porta.
- Será que aconteceu alguma coisa? – Eu dei de ombros olhando para ela e fui até meu quarto pegar meu celular.
Geralmente minha empresária avisava quando precisava resolver alguma coisa comigo. Ligava anunciando que marcaria reuniões sobre assuntos X, ou mandava e-mails sobre mudanças no meu itinerário. Sempre entrava em contato comigo antes de me encontrar, porque sabia que dispúnhamos de pouco tempo. E o fato dela simplesmente aparecer a minha porta não se encaixava.
- Nenhuma mensagem, nenhum e-mail, nenhuma ligação, – eu disse assim que voltei a encontrar parada da mesma maneira que antes na cozinha.
- Vai ver ela esqueceu. – Minha amiga supôs.
- Pode ser. – Mas eu não acreditava nisso.
A campainha tocou em seguida, e eu abri para que Rachel entrasse. Ela me cumprimentou com um abraço rápido e um beijo estralado na bochecha. Ela parecia feliz e animada. Eu relaxei um pouco ao perceber isso. Se a notícia fosse ruim, certamente ela não estaria contente em passá-la para mim.
- Desculpe vir sem avisar. – Ela adiantou-se. – Mas eu achei que fosse melhor falar sobre isso pessoalmente.
- Isso o quê? – Surpreendentemente, quem perguntou foi .
Rachel trocou olhares entre eu e minha amiga. Seus olhos brilhavam carregando um entusiasmo real, que de alguma maneira, não conseguia me contagiar. Ao contrário, parecia me deixar cada vez mais tensa.
- – ela começou a falar e me chamou para sentar ao seu lado, em uma das cadeiras da sala de jantar ao redor da mesa. Ali, ela colocou uma pasta com várias folhas dentro, grampeadas. – Hoje mais cedo eu tive um encontro com Gregory Colleman e alguns outros produtores da série The BlackSide, mais precisamente o pessoal responsável pela gestão da mesma.
- Certo. – Eu percebi que começava a pisar em um solo perigoso.
- Eles há pouco haviam conversado com a própria Modest Management, a empresa por trás do Marketing e administração do One Direction, eu imagino que você conheça. – Ela continuou e tomou o lugar ao meu lado, suas sobrancelhas tão franzidas que quase se juntavam em uma única. – Enfim, o ponto onde quero chegar é que eles tiveram uma breve reunião. E o assunto de pauta foi o seguinte: não é segredo para nenhum de nós que você e já vinham saindo fazia um tempo.
Eu engoli em seco, sentindo meu ritmo cardíaco começar a aumentar a cada segundo em que a inquietação crescia.
- E o que isso tem a ver com a reunião de vocês? – perguntei, desejando que a conversa pudesse tomar outro rumo. Que as ideias que eu vinha formulando em minha cabeça não passassem de hipóteses vazias.
- Absolutamente tudo! Porque só agora descobrimos o quão vantajoso isso pode ser para todos nós, – Rachel completou e abriu um sorriso.
Minha respiração se tornou errática.
- O que quer dizer com isso?
- Quero dizer, que graças as últimas fotos tiradas de vocês dois, uma oportunidade de ouro foi dada em nossas mãos. – E então ela me estendeu os papéis. – Isso aqui é apenas uma pequena concepção do que está sendo formulado agora mesmo.
Com as mãos tremendo, eu comecei a leitura das folhas. Não precisei de mais que algumas linhas para ter vontade de queimar tudo aquilo, ou no mínimo, sair correndo dali.
Um contrato. A porcaria do esboço de um contrato de relacionamento público para fins de publicidade e propaganda. As pessoas em questão envolvidas? Eu e .
Capítulo 31
I tell myself I’m done with wicked games
[…]
But baby here we go again”
’s POV
- Como assim não adiantou de nada? – Minha voz transpirava indignação.
Eu pude sentir a enxaqueca ameaçar a voltar a qualquer instante. Era provavelmente a terceira vez no dia que eu falava com Rachel pelo telefone.
apenas me olhava, de longe, se divertindo com minha frustração enquanto ouvia a conversa se desenrolar pelo viva voz do celular.
- Foi como eu te expliquei – Rachel respondeu, claramente cansada de bater sempre na mesma tecla. – Eles disseram que isso complica um pouco as coisas, mas não torna nada impossível.
Me sentei no sofá da sala e joguei minha cabeça para trás. Era frustrante perceber que as pessoas não aceitavam não como resposta.
Dois dias antes, quando minha empresária aparecera em minha casa com aquele contrato de relacionamento em mãos, toda cheia de alegria e animação, demorou apenas um pouco para compreender que só ela estava daquele jeito. E bastaram então apenas algumas poucas palavras para ela entender meus motivos.
Desde então ela vinha sendo minha porta voz para a Modest e os produtores da série. Eu recusara a proposta de primeira. Entretanto, eles vinham fazendo contato incansavelmente mesmo eu tendo negado o acordo, insatisfeitos com minha decisão precoce.
- e eu não estamos juntos, Rachel.
- Por isso complicado – ela replicou. –, mas não impossível.
Eu precisava de outra aspirina. Duvidava que fosse sobreviver até o fim do dia sem alguma ajuda para manter a sanidade.
- Olha, eles querem marcar uma reunião – Rachel continuou e a única coisa que eu quis fazer foi jogar o celular para longe. – Querem que você ouça a proposta completa antes de tomar uma decisão convicta. E aí, se mesmo depois disso você continuar recusando, eles não vão insistir mais.
Eu comecei a dar risada, porém não havia humor nela.
- Qual a chance disso acontecer de verdade?
- Eu não sei – ela admitiu. –, mas parece a melhor alternativa até o momento.
Era ridículo concordar, mas eles estavam quase me fazendo ceder. Entre ficar recebendo ligações infindáveis, comparecer a uma reunião, escutar o que tiverem a dizer, e depois negar tudo, ainda era melhor do que esperar ganhá-los pelo cansaço de receber um não após o outro.
Eu poderia fazer isso. Sentar em uma cadeira enquanto ouvia um monte gente falar e depois simplesmente recusar de novo. Não podia ser assim tão complicado. Levantei uma sobrancelha para , uma expressão sugestiva em meu rosto. Ela devolveu com um dar de ombros. Eu podia não ter dito em voz alta meus pensamentos, mas tinha certeza que ela sabia quais eram e que concordava com eles.
Revirei os olhos.
- Tudo bem – respondi para Rachel. – Diga a eles que eu concordo com a tal reunião.
Rachel pareceu soltar um suspiro aliviado do outro lado.
- Vou repassar isso – disse em seguida. – Assim que possível te retorno com a data.
Nós duas desligamos o telefone em seguida e eu fui me juntar a minha amiga, apesar de ela parecer mais entretida com a caneca de café em suas mãos.
- Quer um pouco? – ela ofereceu. – Posso fazer, se você quiser.
- Não – eu recusei fazendo uma careta que na verdade não tinha nada a ver com a bebida. – Acho que eu preciso me deitar, só isso.
Ela assentiu de leve, mas continuou me observando minuciosamente.
- Sabe – ela começou a falar, mas se interrompeu para tomar mais um gole do café. –, eu andei pensando um pouco.
- Sobre?
- Sobre essa proposta – respondeu. – Sobre o contrato.
Eu franzi um pouco o cenho, não sabendo muito bem o que ela queria dizer. Me virei um pouco para ela, curiosa demais para deixar essa passar, apesar do cansaço que eu sentia.
- Como assim?
- Eu realmente acho que você devia prestar atenção na reunião, ouvir o que eles têm a oferecer, como vai funcionar, o que aquilo envolve, enfim – ela se interrompeu, balançando a cabeça para os lados rapidamente. –, acho que você deve se fazer presente lá. E não só comparecer com o pensamento de “acabar logo com isso”.
Eu pisquei algumas vezes, sem tirar os olhos da minha amiga.
- Mas , por que eu faria isso? Eu não…
- Você sequer cogitou a possibilidade – ela me interrompeu. – E talvez, só talvez, você devesse fazer isso.
Eu fiquei momentaneamente tão perplexa que sequer pude dizer algo em resposta. Por fim colocou sua caneca na mesa de centro, quase aflita para poder me fazer entender algo que realmente não fazia sentido para mim.
- Já parou para pensar que talvez a ideia não seja tão ruim quanto parece?
- Você tá doida, ?
- , isso não é um bicho de sete cabeças – ela argumentou. – Com certeza muitos famosos devem fazer isso. Eu não tenho dúvida.
- Mas só porque tem gente que faz eu não preciso fazer também – devolvi parecendo uma criança de oito anos fazendo birra. Ou uma mãe brigando com uma criança de oito anos que faz birra. Tanto faz, eu só queria encerrar o assunto.
- Tá, mas você pelo menos parou para pensar nos benefícios que isso te traria?
Eu balancei a cabeça para os lados em negação.
- Você está tão focada em desmentir essa história com o que nem parou para pensar em mais nada – disse em afirmação.
- E o que há para se pensar?
- Na sua carreira – falou. –, e no financeiro.
- Mas eu não…
- Sabe que isso pode ser bom para vocês dois. Você e . – Mais uma vez ela não deixou que eu falasse. – Devia dar uma chance. Pense na sua família também. Pode até parecer bobagem, mas você poderia ajudá-los ainda mais. Contratar alguém para ficar em casa com seus irmãos enquanto seu pai procura os tratamentos que ele precisa para... melhorar a saúde.
Ela teve cuidado ao formular sua frase, eu sabia disso.
Comecei a considerar suas palavras. E acredito que minha expressão tenha me denunciado.
- Não quero que pense que estou te pressionando. – se adiantou. – Ou que pense que quero que você faça algo que não se sinta confortável.
- Então o quê? – Eu me virei para ela. – O que quer que eu faça? Porque eu sequer cogitei a ideia de pensar sobre pensar no assunto.
esboçou um sorriso.
- Só não quero que você descarte tudo assim sem mais nem menos – disse por fim. – Quando estiver lá, tenha a mente aberta.
Eu encostei minha cabeça no sofá, encarando teto branco da sala de estar. Ainda se eu pudesse ter uma segunda opinião... Uma pena que a única pessoa que eu cogitava pedir ajuda não parecia disponível no momento. Como não esteve nos últimos dias.
Realmente uma pena.
- Você só precisa ouvir o que eles têm a dizer. – Rachel me aconselhou assim que descemos do carro. – Não precisa dar a eles uma resposta logo em seguida.
- Tudo bem, eu entendi – afirmei mais uma vez.
De frente para o grande edifício de vidros espelhados, eu me perguntava se as coisas se desenrolariam da maneira simples como eu desejava. Soltei um longo suspiro, já imaginando uma resposta negativa para a questão. Isso nunca acontecia, eu estava simplesmente me iludindo ainda enquanto podia.
Rachel olhou para mim e me dirigiu um sorriso. Então adentramos o prédio.
Durante todo o caminho minha empresária veio falando sobre como a reunião seria, os pontos que iriam ser abordados e o que eu devia esperar da parte deles, além de claro, muita insistência. Mas em nenhum momento ela disse sua opinião sobre o assunto. E, sinceramente, eu precisava saber o que ela pensava.
- O que acha sobre tudo isso? – Ela pareceu subitamente surpresa por ouvir-me perguntar. – O que acha que eu devo fazer?
- Eu... – Ela hesitou por um instante. – Eu sei que você não quer isso, .
- Sim, mas estou pedindo sua opinião. – Insisti mais uma vez. – Profissionalmente, que escolha acha que devo tomar?
- Por que está me perguntando isso justo agora? – Ela não parecia confortável com o que eu questionava.
Dei de ombros minimamente.
- disse que eu devia levar em consideração os pontos positivos da proposta – falei. – E eu queria uma segunda opinião. Sinceramente, Rachel, o que acha disso?
Ela pareceu pensar por alguns segundos, em silêncio, e então voltou-se para mim.
- Acho que seria bom para sua carreira – falou enfim. – Para uma iniciante como você, , jovem, com apenas 19 anos, chamar a atenção é um bom caminho. Fazer as pessoas gostarem de você é essencial. Infelizmente, nem tudo se faz apenas com talento, às vezes é preciso um pouco mais para ter boas oportunidades nesse ramo. O mundo da fama é instável, precisa-se sempre estar em meio aos holofotes. Entende isso?
Eu entendia sim, mas não respondi isso a ela. Fechei os olhos e abaixei minha cabeça. Respirei fundo e soltei o ar vagarosamente, assimilando cada uma de suas palavras, repetindo-as em minha mente.
Ela percebeu meu desânimo e tocou meu ombro num gesto reconfortante.
- Fique calma, tudo bem? – Tentou, inutilmente, me acalmar. – Vai dar tudo certo.
E eu realmente esperava que sim.
Saindo do elevador que nos levou até o andar onde seria nossa reunião, foi o primeiro rosto familiar que vi. Por um breve instante nós dois nos olhamos a distância. Rostos sérios e quase inexpressivos. Eu queria poder agir de maneira diferente.
Em que bagunça tínhamos nos metido, parecíamos perguntar um ao outro.
Tentei sorrir para ele, algo que pudesse parecer um consolo. Porém não funcionou muito bem, apesar de ele retribuir o gesto um pouco sem jeito.
Nós havíamos conversado nos últimos dias, bem pouco, tentando decidir o que faríamos relacionado a isso, chegar a um acordo. Por fim ele disse que a decisão seria minha. E ele seguiria qualquer que fosse minha escolha. Isso me dera uma espécie de alívio, porque na minha cabeça, não existia chance de eu concordar com tudo aquilo, ainda que tivesse tentado me mostrar um outro lado daquela ideia maluca.
Eu havia prometido para minha amiga que tentaria ao menos ouvir toda a proposta, os benefícios que aquilo me traria, como ela mesma tinha sugerido. Foi uma promessa. Então eu faria isso.
Apertei um pouco mais o casaco contra meu corpo e segui Rachel por mais alguns passos, os saltos dela ecoando pelo corredor vazio. Entretanto precisei interromper meus movimentos de súbito, quase escorregando pelo piso liso.
Perplexa, eu encarei a silhueta familiar encostada contra o vidro.
Minha empresária não pareceu perceber meu desconforto e continuou em frente. Eu não a segui, deixei que fosse. Tomei outro rumo, passos lentos e cautelosos, até parar ao lado de , que não havia percebido minha presença ainda.
Havia tanta coisa que eu queria dizer para ele, mas não conseguia organizar meus pensamentos enquanto eu o olhava.
Eu não via ou falava com desde o dia em que voltamos de Brighton, depois dele me deixar em casa, dizendo que tinha algumas coisas as quais precisava resolver. Apesar de ter tentado falar com ele algumas vezes depois disso, sempre que eu ligava, não era atendida. Isso quando o telefone ao menos fazia a chamada.
se virou para mim, não mostrando surpresa nenhuma em me ver ali, como se já soubesse que minha presença era inevitável.
Distante e frio, ele não esboçou nenhuma reação ao me olhar. Um arrepio subiu por minha espinha, e não foi uma sensação boa. Engoli em seco.
- Oi. – Eu tentei, bobamente, iniciar um diálogo. Ele apenas virou sua atenção de novo para as janelas, os vidros que iam do chão ao teto numa visão panorâmica linda que em outro momento teria me deslumbrado. – Eu te liguei algumas vezes.
- Eu sei.
Esperei que ele continuasse, que me desse alguma justificativa, porém não existiu nada além do silêncio.
Eu senti como se estivesse regredindo tudo o que tínhamos avançado. Um passo para frente, dois para trás.
- E por que não atendeu?
Ele apenas virou o rosto de encontro ao meu, seus os olhos fixos em minhas pupilas, como tantas outras vezes antes, mas não eram nem de longe calorosos, e sim o contrário disso. Pareciam ausentes.
- Não havia motivo para isso.
Eu recuei um passo, me afastando dele. De um jeito íntimo, as palavras dele me machucaram mais do que eu gostaria de deixar transparecer. Depois de tudo o que tinha me dito, das promessas que tinha feito, como podia falar isso? Mas eu sabia o porquê. Sabia que também tinha o machucado, ainda que eu não quisesse isso. Ainda que não tivesse sido proposital.
Essa sempre foi a maneira dele de agir, eu não devia estar surpresa.
Mas estava magoada.
- Eu precisava falar com você. – Insisti. – Ainda preciso.
- Não há motivo para isso – ele repetiu quase as mesmas palavras, como se quisesse me atingir ainda mais. – Tenho certeza que o que quer que tenha a dizer, pode falar com . Aposto que ele é a pessoa certa para isso.
Eu olhei de relance para , não muito distante de nós, imaginando se havia ouvido seu nome, mas ele não prestava atenção em nossa conversa. Ao menos não parecia fazer isso tão descaradamente.
Revirei os olhos enquanto mordia o lábio.
- Pare com esse ciúme ridículo – falei em seguida, subitamente irritada com sua atitude. – Está sendo infantil.
Ele me arqueou uma sobrancelha em resposta, contudo parecia mais divertido com minha atitude do que de fato incomodado com ela.
- Sinceramente eu não estou a fim de conversar, . Quem sabe depois?
fez menção de se distanciar e eu fechei os olhos com força, esticando meu braço para frente deixando que minha mão se fechasse em seu pulso, o impedindo de ir.
- Não está sendo justo comigo – falei num sussurro quase inaudível. Eu duvidava que ele tivesse escutado, contudo a frase pareceu pegá-lo de surpresa, pois manteve sua atenção em mim, parecendo não compreender o sentido geral das minhas palavras, como se elas não tivessem nexo algum.
- Tem certeza que sou eu que não estou sendo justo?
- Eu sei que você viu as fotos. – Esclareci.
- Seria mais fácil perguntar quem não as viu, não é? – Ele afastou minha mão do seu pulso. – Assim como todas aquelas reportagens infindáveis que parecem estar em todos os lugares.
Eu precisei me segurar para não soltar um grunhido.
- Não era para ser assim, – comecei a tentar explicar. – Está tudo acontecendo às avessas.
- Bom, a culpa não é minha.
- E você acha que é minha? – inquiri um pouco mais alto. Controlando minha respiração para que ela não saísse do controle. – , o que aconteceu entre e eu…
- Eu já sei o bastante. – Interrompeu. – Não quero detalhes, . E também não quero discutir.
- Se ao menos você me deixar falar…
- Falar o quê? – Ele abriu os braços e soltou um riso seco. Uma fagulha de humor negro perpassando por sua expressão. Eu não gostava de vê-lo assim. – Que sente muito? Que não queria que as coisas terminassem assim? Não preciso ouvir nada disso.
- Deixe de ser orgulhoso e dramático. – Consegui tomar ar para dizer. – Você está simplesmente deduzindo fatos, mas não sabe de nada! Eu morri de te ligar e sequer uma mensagem como resposta você me enviou porque provavelmente estava muito ocupado criando paranoias em sua cabeça ao invés de simplesmente me ouvir por alguns minutos.
- E do que adiantaria eu falar com você? – Ele deu um passo em minha direção, sua voz baixa como um sussurro, mas eu podia ver a veia em seu pescoço saltar, a única coisa que mostrava o quão irritado e nervoso ele estava. – Do que adiantaria eu fazer isso, ? Eu já sabia que isso ia acontecer, era apenas questão de tempo. Você ia cair em si e correria para ele, exatamente como eu imaginei. Só gostaria de não precisar participar dessa maquinação toda em que estão querendo me envolver.
- Pelo amor de Deus, mas não é possível! Você realmente está cego! – Eu estava frustrada por ouvi-lo dizer tudo aquilo. Ele não enxergava o que estava na frente dos seus olhos. – , e eu, nós não…
Eu me interrompi de súbito, me dando conta de algo que ele dissera apenas alguns segundos antes. Meu cérebro começou a trabalhar tão rápido que fiquei, por um momento, paralisada.
- O gato comeu a língua? – ele perguntou, me provocando. Para quem não queria discutir, ele não estava se saindo muito bem.
Eu passei minha mão sobre meu rosto, como se afastasse algo que me incomodava, não dando atenção para sua última pergunta.
- O que você quis dizer com “maquinação”? – eu perguntei para ele, me atrapalhando um pouco com as palavras, começando a juntar algumas peças que eu ainda não tinha encaixado. – O que você está fazendo aqui?
Ele me observou por um instante, com cuidado para não prender seus olhos nos meus por mais que apenas uma piscada.
- Não parece óbvio? – ele me disse. – Eu vim para a reunião do contrato entre você e .
- Você o quê?
Meus olhos se arregalaram tanto que fiquei com medo deles saltarem para fora das órbitas e rolarem sem rumo pelo chão do edifício.
Pela primeira vez desde o momento em que nos encontramos, deixou sua guarda abaixar minimamente, me encarando sem compreensão alguma, confuso com minha reação.
- Fui convocado a participar tanto como membro do One Direction, como membro do Cast de The Blackside, assim como os outros.
- Outros? – Eu pisquei algumas vezes. – Mas... Isso não... – Eu comecei a balançar a cabeça para os lados, tentando não deixar que as frases desconexas deixassem minha boca. Aquilo só podia ser brincadeira. Tudo começou a fazer sentido em minha cabeça.
Mais gente seria envolvida naquela história.
- . – Eu o encarei firmemente, esperando que ele, pelo menos por um instante, de fato prestasse atenção em mim. – Eu sei que você está irritado, se fosse eu no seu lugar, também estaria. Mas eu não pedi para você estar aqui, nem qualquer outra pessoa. Sequer eu queria estar aqui. Nada disso foi ideia minha! Você precisa saber, precisa entender que e eu…
- ! – Rachel apareceu ao meu lado, imediatamente segurando em meu braço. Eu não havia notado sua presença nem escutado sua aproximação. – Precisamos ir, a reunião vai começar e todos já estão na sala. Só faltam você dois.
Eu a olhei desejando que seu timing não fosse tão ruim, percebendo de súbito, em um movimento nada discreto olhando ao redor, que, de fato, só estávamos nós três ali.
- Um minuto – eu pedi a ela. Precisava explicar aquilo de uma vez para ou tudo pioraria ainda mais. – Só mais um minuto!
- …
- Não se preocupe com isso. – Surpresa eu me virei para trás, ouvindo falar, interrompendo Rachel sem hesitar. – Não queremos atrasar ninguém, não é? Vamos acabar logo com isso.
Rachel e ele trocaram um sorriso cordial, ensaiado, enquanto o mesmo passava por mim sem sequer me olhar, indo apressado até a sala poucos passos a frente de nós, me deixando boquiaberta e completamente estática naquele corredor ao lado da minha empresária.
Ele nem ao menos dera atenção as minhas palavras, me dei conta.
Os motivos podiam ser diferentes, mas a irritação entre eu e ele começava a se tornar mútua. Velhos hábitos, eu suspeitava, que jamais se perderiam.
Contei mentalmente até dez e respirei fundo. É, vamos acabar logo com isso.
Fui a última a entrar na sala.
Sentar naquela mesa, rodeada por tantas pessoas, quase me lembrava o dia em que fui receber e assinar meu contrato para participar da série The Blackside, em Brighton, tantos meses antes. A grande diferença é que naquele dia a sala estava cheia de desconhecidos e eu estava completamente entusiasmada. Hoje eu sentia o contrário. Isso porque era infinitamente mais fácil suportar olhares de quem você sequer sabia o nome a ter que encarar os olhos de pessoas que você conhece e sabe perfeitamente o que estão pensando.
Soltei um suspiro, desejando poder mexer no celular e me distrair. Quem diria que um dia eu preferiria ler o que os Haters postavam no Twitter a ter que participar de uma reunião como essa? Bom, certamente o que o @tommonocu postava era mil vezes mais divertido que isso.
Passei meus olhos pelo amplo espaço que a mesa e as cadeiras ocupavam. Eu apostava minha mão que o clima na sala estava ainda mais tenso que o dia em que fizemos o Table read sobre o episódio em que Kate e Ian saíam desembestadamente arrancando as roupas um do outro pelo set de filmagens.
Eu começava a ver aquilo como bons tempos.
De maneira resumida, o ambiente se dividia entre as pessoas importantes que eu não sabia quem eram, e as pessoas importantes que eu conhecia.
Estavam presentes gestores da série que gravávamos, gestores do One Direction, e, no caso, a minha gestora, Rachel, além das pessoas envolvidas diretamente pelo contrato, vulgo eu e , mais aqueles envolvidos de forma secundária: Victoria, , , e .
Seria mil vezes mais fácil levar aquilo adiante se estivéssemos somente , eu e mais um punhado de pessoas essenciais. A presença dos meus amigos ali me desconsertava, porque eles estavam desconsertados.
Victoria estava sentada com um tédio monstruoso pairando sobre si, deixando claro que não entendia sua presença ali. , e pareciam compartilhar de um sentimento parecido com o dela, apesar de terem o cuidado de se manterem inexpressivos e atentos. , apesar da postura séria, não estava nem um pouco feliz. E , bem... mal conseguia olhar para alguém. A mágoa dele era tão palpável quanto sua irritação, apesar dele pensar que não mostrava nada além de uma indiferença calculada.
Eu sinceramente não sabia o que pensar, só conseguia sentir a frustração crescer cada vez mais. Mas eu sabia que parte da culpa por estarmos ali era minha. Não dava para mudar isso.
Enquanto meus pensamentos vagavam para longe, em sua própria realidade alternativa, justamente naquele instante uma das mulheres representante da Modest Management falava, se atentando a olhar em especial para eu e , com informações as quais ela achava importante compartilhar conosco.
Pisquei algumas vezes seguidas e me esforcei para manter o foco.
- ... não sei se você entende o que seu estou dizendo – ela continuou e me obriguei a ouvi-la para no mínimo saber o que responder em seguida. –, mas antes de você começar a ser vista com algum dos integrantes do One Direction, as pesquisas sobre o seu nome na internet eram relativamente baixas. Não me entenda mal! Mas apenas os interessados na série The Blackside ficavam curiosos em saber algo sobre você.
- Continue – eu pedi com um suspiro contido.
- Porém a partir do momento em que todos vocês começaram a ser vistos juntos, as coisas começaram a melhorar não só para o seu lado, como para o nosso também. – A mulher prosseguiu, mostrando-me um sorriso que eu apostava ser cheio de segundas intenções. – Antes, se procuravam o seu nome no Google, logo te associavam a série. Só. Porém, seu relacionamento com o nos dá a oportunidade de crescer esses números.
Um homem estendeu para nós alguns papéis com gráficos de linha atuais e gráficos de linhas baseados em estudos referentes a ideia deles de tornar minha vida amorosa um contrato.
- Isso é o que acontece agora – a homem engravatado nos explicou. Eu não lembrava mais o nome de ninguém ali um segundo depois deles se apresentarem. – Isso representa a pesquisa mensal do nome de vocês por toda a internet. Agora essa aqui... essa é uma estimativa do que vai acontecer se vocês concordarem com todas as cláusulas. Os números vão, no mínimo, dobrar.
- Isso vai acontecer porque assim que alguém pesquisar o nome de um de vocês dois, vai automaticamente ver pesquisas e resultados vinculados ao relacionamento de vocês, e da mesma forma direcionará para a série que vocês fazem juntos e para a banda One Direction. Como um efeito dominó. Aumenta a audiência do programa, e os fãs de todos vocês, além de crescer a venda dos produtos relacionados ao One Direction e a série televisiva The Blackside.
Em outras palavras, quis acrescentar em voz alta, todos ganharíamos mais dinheiro. Principalmente vocês.
Eu passei uma mão sobre meu rosto. Não era um gesto indicado para o momento, eu devia me manter inexpressiva, contudo não pude evitar.
levantou a mão, como se pedisse permissão para falar, mas não esperou que ninguém desse a deixa para isso e seguiu adiante:
- Desculpem, mas estou confuso. – Ele fez um gesto amplo que abrangia , , Victória e . – O que exatamente nós estamos fazendo aqui, se isso tudo é sobre eles? – E então apontou para mim e para .
Bingo, !, pensei comigo mesma. Está aí uma resposta que não vai agradar a ninguém. Isso se o que eu estiver pensando for realmente verdade…
A sala se manteve em silêncio por apenas alguns segundos, mas que pareceram intermináveis horas. Algumas pessoas o olhavam, porém, dessa vez foi Gregory quem falou, encarando como se não compreendesse onde ele queria chegar.
- Você entende que isso seria vantajoso para todas as partes, não é? – E então ele olhou para os demais que partilhavam da mesma questão. – Para todos vocês.
- Sim. – Foi a voz de que soou para todos. – Mas ainda assim, não faz muito sentido.
- Se fosse em outro caso vocês simplesmente nos avisariam depois – continuou.
- Algo como “Parabéns pelo show hoje, pessoal! Foi incrível. Por falar nisso, sabem o que mais foi incrível? assinou um contrato que vai fazer todo mundo ganhar mais dinheiro. Obrigado, ! Você é demais” e a conversa se encerraria por aí.
Todos os olhos presentes na sala se viraram para , numa mescla de espanto, desconforto e até ceticismo. Claramente ele não ligava nem um pouco para isso e muito menos para seu deboche.
Victoria soltou um assobio baixo.
- Realmente – ela disse, cruzando suas pernas e colocando o cabelo atrás das orelhas. –, eu concordo com . Não usando as mesmas palavras dele, claro, mas com certeza nós não somos necessários aqui.
Eu mordi meu lábio inferior, percebendo me olhar de soslaio. Retribuí o olhar, imaginando que ele entendia o que eu pensava e talvez até compartilhasse da ideia.
O que mais poderia ser? Era tão óbvia a presença de todos juntos naquela sala.
Aquilo não se devia simplesmente ao fato do benefício mútuo que geraria ao nosso grupo. Mas ninguém além de e eu conseguia enxergar isso. E nós não podíamos exigir o contrário de ninguém, afinal, os outros não sabiam da história completa, somente aquilo que viram por algum canal de notícia ou alguma mídia qualquer. Eles não entendiam que estavam sendo tão usados quanto eu e .
- A situação é um pouco mais delicada que isso – ema outra produtora da série disse, com falsa gentileza. – E por isso vamos precisar de todos vocês tão envolvidos quanto o nosso casal aqui.
estreitou os olhos para ela.
- Será que pode ser mais clara? – ele perguntou com sarcasmo. – Quem sabe ir direto ao ponto?
- O ponto – eu me surpreendi ao ouvir minha própria voz, alta e clara para todos escutarem. –, é que eu e não estamos juntos de verdade.
Dessa vez eram em mim que todos os olhos da sala se cravaram, e admito que precisei me esforçar para me manter firme. Em um instante eu perpassei minha visão por cada pessoa, vendo sua reação às minhas palavras, porém não pude evitar, e me prendi um pouco mais em alguém em especial.
me encarava completamente embasbacado, finalmente deixando sua fachada de desinteresse se desmanchar segundo a segundo.
- Aquilo tudo foi um mal entendido. – continuou por mim. – No fim, a história acabou tomando rumo próprio e virou uma bola de neve. Mas, literalmente, não é o que parece.
Eu percebi olhar de relance para , como se quisesse conferir sua reação, e então se voltou para mim, parecendo um pouco desconfortável e talvez nada satisfeito.
Mais um tempo se estendeu sem que ninguém dissesse nada, até Victoria dar de ombros e se pronunciar:
- Certo, mas isso ainda não explica nossa presença aqui.
- Na verdade, explica sim – eu disse, minha voz perdendo a intensidade. Do outro lado da mesa, pude ver assentir vagarosamente.
- Se eles não estão juntos como todos pensam que estão, significa que o contrato tem o propósito de manter uma fachada que todos pensam ser real – ele falou, explicando o que os outros ainda não conseguiam entender. – Nós somos os famosos mais próximos dos dois. Alguns pela série, por parte da , e outros pela banda, por parte do . De uma forma indireta, também fazemos parte da farsa – ele concluiu.
- Teríamos que ser cúmplices. – escolheu as palavras exatas e a compreensão finalmente caiu sobre todos.
- Não seria algo complicado para vocês. – Gregory tomou a palavra. – Só teriam que ajudar a manter a história dos dois. Às vezes acontece do assunto surgir em algum lugar, em alguma entrevista. Vocês só precisariam dizer uma ou duas coisas para ajudar, entendem?
- E por quanto tempo teríamos que fazer isso? – voltou a se pronunciar.
- Não muito. – Foi a primeira vez que Rachel falou desde que entramos na sala. Ao menos a primeira vez que eu tenha notado. – O suficiente para aumentar o interesse sobre vocês e o trabalho que fazem.
Essa parte era nova para mim.
- E nós? – perguntou, sem se direcionar a ninguém em especial. – Quanto tempo duraria isso para e eu?
- Alguns meses – a outra produtora ao lado de Gregory respondeu. – Até a estreia da série, mais ou menos, o lançamento de alguns episódios. Até podermos saber que a audiência foi boa o bastante para fecharmos uma nova temporada.
Um silêncio abrupto se estendeu por vários segundos.
- Isso poderia ser negociado – o homem engravatado acrescentou rapidamente.
Eu olhei para Rachel, que assentiu em minha direção, como se confirmasse o que o homem dizia.
- E o que precisaria ser feito? – me ouvi perguntar, ainda que tivesse simplesmente questionado isso mentalmente, sem a menção de dizer em voz alta. Saiu antes que eu pudesse me dar conta.
- Bem, o necessário para ser convincente aos olhos de todos, principalmente para os fãs. – A mesma mulher do começa voltou a falar.
- Vocês sabem, demonstração de afeto público. – A outra mulher, a que estava ao lado do Gregory, voltou a falar. – Fazer alguns passeios a sós, andar de mãos dadas, trocar alguns beijos. O que pessoas normais fariam se estivessem namorando.
- Não existe segredo. – Um outro homem que até então permanecia calado, pareceu querer por fim ao assunto. – Vocês são atores, bons atores. Saberão como agir e convencer. Essa parte é o de menos para ambos.
- Mas precisarão ser cuidadosos – Gregory tomou a fala. – Se quiserem sair com outras pessoas, terão que ser discretos, apesar de não ser algo recomendado para ambos. Qualquer quebra do contrato gerará uma multa para vocês. Se quiserem fazer isso, precisarão levar até o fim. Entendem isso?
Todos nós assentimos em silêncio. Rachel virou-se e olhou diretamente para mim. Uma de suas sobrancelhas estava arqueada. Aquela era a deixa. O momento perfeito para eu agradecer, recusar e ir embora. Mas por que eu não conseguia dizer nada?
- Eu gosto da ideia – Victoria foi a primeira a se pronunciar e eu não pude conter a surpresa a ouvi-la dizer aquilo. – Acho que realmente pode funcionar. Sei que minha opinião não vai valer de muito, mas eu aceito.
- Bom, eu também não acho de tudo ruim. – Foi a vez de dizer, dando de ombros. – Eu topo se eles toparem.
- Tudo bem por mim também. – prosseguiu e cruzou os braços sobre o tronco.
Eu senti meus batimentos cardíacos dobrarem a velocidade. Não estava preparada para isso. Rachel tinha dito que eu não precisava dar a resposta logo em seguida, então por que todos estavam fazendo justamente o contrário?
Minha mão se fechou sobre meu próprio pulso com força, como se o gélido do metal pudesse de alguma forma me acalmar.
Vi encarar e depois encarar , conversando com eles em silêncio, de uma forma que só gente que se conhece há muito tempo consegue fazer. Todos esperavam que mais um deles se pronunciasse.
não esboçou qualquer emoção, apenas olhou para aqueles que aguardavam e disse tranquilamente:
- A escolha é deles.
E então os olhos se viraram para . Eu mesma o olhava transbordando expectativa, esperando que ele se virasse para mim, que me dirigisse o mais insignificante dos olhares, porém ele não fez nada. Sequer disse uma palavra. Hesitante, deu de ombros e gesticulou em direção a mim e , como se não se importasse.
Não é assunto meu, ele tentava dizer. Eu fechei meus olhos com força.
Percebi que segurava minha respiração, subitamente fora de ritmo, e, portanto, me obriguei a soltar o ar num longo suspiro, o mais discretamente que consegui.
Todos se viraram para e eu, ansiosos por uma resposta, aguardando com brilhos nos olhos, inquietos em suas próprias cadeiras.
perdeu um instante para me olhar, ciente de que todos podiam ver nossas ações, por mínimas que fossem. Eu esperava encontrar alguma espécie de conforto em seu olhar. Algo que pudesse me fazer sentir mais calma, afinal, a resposta final estaria em minhas mãos.
A decisão será sua, ele havia afirmado para mim. Mas eu olhava em seus olhos agora, e não via essas palavras. A única coisa que enxergava, que de fato conseguia entender era uma súplica tão clara quanto água: Por favor, me desculpe, ele parecia dizer. Sinto muito.
Eu não sabia o que aquilo significava. Não fazia sentido. Mas então ele tirou sua atenção de mim e então abriu sua boca:
- Eu aceito a proposta.
Tudo pareceu perder o rumo. Meu cérebro queria entrar em curto-circuito, as juntas dos meus dedos ficaram brancas agarrando o assento da cadeira. Meus ouvidos zuniam e minha boca ficou seca. E agora?, eu me perguntava. O que eu faço?
Olhei para Rachel, sentada à minha frente, aguardando em expectativa, junto de tantas outras pessoas.
- Não precisa dizer nada agora – ela me disse, tranquilamente, disfarçando o que realmente desejava dizer. – Pode pensar a respeito, se quiser.
Assenti minimamente, mas sabia que não dava para ser assim.
Eu engoli em seco e me lembrei do que havia me dito. Do que Rachel havia falado antes de entrarmos naquela sala.
De como tinha falado comigo apenas alguns minutos antes. Como ele havia me olhado.
De todas as pessoas presentes, foi para Gregory que olhei. Ele já me observava, quase como se soubesse que eu me dirigiria a ele. Um sorriso de canto se formou em seus lábios.
- E o que me diz, senhorita ?
Respirei fundo, meu coração quase explodindo no peito.
- Eu…
Capítulo 32
I'm giving all I can
But all you ever do is mess it up
Yeah, I'm right here
I'm trying to make it clear
That getting half of you just ain't enough”
’s POV
“Os últimos serão os primeiros”, minha mãe costumava dizer. Entretanto, eu tinha certeza absoluta que a frase não se aplicava ao que estava acontecendo comigo agora. Fui a última a entrar naquela sala, assustada demais para admitir isso em voz alta, e a primeira a sair, completamente atordoada, muito concentrada para não tropeçar nos meus próprios pés, mas de certa maneira, achando o fim daquilo já muito previsível. Me dei conta de que, no fundo, eu já imaginava aquele resultado como algo até mesmo pré-estabelecido, como aqueles filmes hollywoodianos que assistimos e já sabemos o desfecho antes mesmo de chegar a metade do longa. Eu simplesmente não tive coragem de levar em consideração e ignorei o óbvio.
Bem, eu estava completamente ferrada.
Segurando a maçaneta com força, vendo os nós dos meus dedos brancos como giz, foi o click da lingueta se encaixando na fechadura do batente que fez eu me despertar do estupor em que estava. Quando senti a superfície completa da porta às minhas costas, perdi apenas um instante para respirar fundo e enfim sair andando, sem rumo, mas com pressa.
Estava feito. e eu agora estávamos presos um ao outro por um contrato. Mas não importava o que eu sentia por ele ou deixava de sentir, para todas as pessoas, exceto nós mesmos e mais um pequeno punhado de gente, estávamos juntos. E independente do rumo que aquilo tomasse, precisava dar certo.
Continuei caminhando, enxergando o elevador a apenas alguns metros de mim.
- . – Eu olhei sobre o meu ombro e resisti à vontade de apertar o passo. Era justamente meu mais novo namorado que me chamava. Por motivos de controle emocional, ou a falta dele, decidi ignorá-lo. – , por favor, pare!
Infelizmente ele não parecia ligar para o que eu queria ou não, no fim das contas. Isso incluía tanto os últimos acontecimentos dentro daquela sala quanto minha vontade de ficar a sós agora, que ele preferia fingir não compreender.
Eu estava com raiva dele. Surpresa de uma maneira muito ruim, sentindo-me completamente enganada.
Ele havia mentido. Havia feito eu acreditar que ele se importava com minhas escolhas e que estava disposto a levá-las em consideração, como se fossem dele de fato. Mas não foi o que aconteceu.
Será que em algum momento ele ao menos cogitou fazer o que tinha me dito que faria?
- , por favor. – Sua mão alcançou meu pulso e eu me virei bruscamente de frente para ele.
A cena parecia não se encaixar. De todas as pessoas que eu conhecia, provavelmente era uma das únicas que eu nunca me imaginara discutindo. Principalmente por um motivo tão absurdo quanto esse.
- O que foi? – Fiquei grata por minha voz não ter tremido, pois eu inteira fazia exatamente isso. – Por que fez aquilo?
Seus lábios se comprimiram numa linha fina. Ele seria burro demais se perguntasse ao que eu estava me referindo.
- Era a decisão certa.
Eu puxei minha mão para longe da sua num gesto completamente inesperado e ríspido. Ele arregalou os olhos em surpresa, me encarando um tanto boquiaberto, apesar de parecer ter algo para me dizer e não saber bem por onde começar. Mas eu sabia bem o que falar.
- Você tinha prometido! – eu disse a ele, me contendo para não deixar minha voz se alterar, pois na verdade, minha vontade era gritar em completa frustração. – Disse que a escolha seria minha, ! Como aquela pode ter sido a escolha certa se você sequer me deu a chance de pensar nela?
- , você não entende.
- Se você explicasse alguma coisa, talvez eu entendesse!
Rapidamente sua expressão se alterou.
Ele sorriu, cheio de sarcasmo. Um sorriso que eu nunca tinha presenciado. E então soltou um riso fraco, nasalado e sem humor algum que fez um arrepio subir por minha pele.
- Dois motivos, – começou a dizer, rangendo os dentes em exasperação. – Eu posso te dar dois motivos! Primeiro, você é nova demais nisso tudo. Não entende do que essas pessoas são capazes simplesmente para nos dobrarem ao que elas querem. Acha que se você tivesse recusada, tudo ficaria como está? Morreria o assunto e tudo certo? Não é assim que funciona. Eles continuariam a insistir, jogando com as armas que eles têm! E acredite quando eu digo, essas pessoas conseguem ser bem persuasivas, tanto que em algum momento nos deixariam sem saída. – Ele fez uma pausa enquanto analisava meu rosto, lentamente. – Talvez isso seja muito vago para você ainda, mas infelizmente nada disso é um mar de rosas.
Segurei-me para não engolir em seco, ainda absorvendo suas palavras. Eu nunca havia visto agir assim, com frieza, seriedade, longe da sua leveza constante e dos seus sorrisos fáceis. Parecia alguém quase completamente diferente da pessoa com a qual eu estava acostumada. Aquilo me incomodou.
- E o segundo motivo? – inquiri, decidida a não deixar vê-lo como sua maneira de agir havia me afetado. – Qual é o segundo motivo, ?
Suas narinas inflaram conforme ele respirava.
- Eu poderia tentar de novo.
- Tentar o quê? – Eu estreitei meus olhos em sua direção.
- Tentar te fazer enxergar que eu sou a pessoa certa para você.
Precisei dar um passo para trás, completamente desacreditada com o que saía de sua boca. Contudo, não fui capaz de desviar meus olhos dos dele, procurando, por menor que fosse, o resquício de alguma brincadeira.
Apesar de aflito por dizer o que dizia e não parecer orgulhoso das palavras que deixaram seus lábios, permaneceu firme no lugar que estava, apenas me observando fixamente, suas mãos juntas ao quadril enquanto as palmas apertavam seus dedos com força.
- Você só pode estar brincando – eu murmurei para ele com a voz rouca e baixa. – Isso só pode ser brincadeira!
- Mas não é, . Escute…
Eu me afastei mais dois passos. Indignada, só fui capaz de rir. Uma risada oca muito perto do desespero.
- Isso foi uma das coisas mais egoístas que alguém já me disse – falei para ele. – E por quê? Por qual motivo, ?
Ele não respondeu. Não precisava, eu já sabia a resposta.
Continuou com os olhos colados em mim enquanto eu tentava entender como ele podia chegar a tal ponto simplesmente porque não aceitava a ideia de eu não gostar dele. Não aceitava a ideia de eu gostar de outro alguém. Era um misto de inveja, ciúme, negação e desespero.
Eu, por outro lado, não conseguia encontrar outra sensação em mim além da perplexidade.
- De todas as pessoas, – eu me ouvi murmurar para ele. –, de todas elas, você talvez fosse a última qual eu esperaria algo do gênero.
- …
- Acha que me prendendo a você por um papel, vai conseguir me conquistar? – Ele tentou se aproximar de novo e eu continuei a me afastar dele. – Eu não quero ser conquistada, ! Não assim. Não por você. – Fiz uma pausa conforme deixava minhas palavras se assentarem e eu via uma centelha de dor em sua face. – Não quero que você sequer tente.
- Você nem ao menos me deu uma chance. – Tentou me dizer. – Não deixou eu mostrar tudo o que posso fazer para…
- Não! – Eu o interrompi, levantando as mãos na altura dos meus ombros. – Não quero que diga mais nada, . Não tente me fazer mudar de ideia quanto a isso. – Eu gesticulei entre ele eu. – Eu já fiz minha escolha e você sabe! Pensei que quando eu tivesse dito que o seu sentimento por mim não era recíproco, você tivesse realmente entendido. Achei que tivesse aceitado, compreendido. Mas então você fez isso!
- Minha decisão não se baseou somente nisso, ! Lembra-se? Não pode resumir tudo a um fato.
- Como se eu já não soubesse que eles continuariam a persistir nessa história mesmo se recusássemos hoje, amanhã e todos os dias que viessem em seguida. Mas podíamos ter dado um jeito nisso juntos. Podíamos até ter achado outra solução!
levantou a mão até a altura do rosto e respirou fundo algumas vezes seguidas, como se tentasse acalmar seus pensamentos, sua fala e quem sabe, até suas próprias ações.
- Se não está satisfeita – ele levantou os olhos até que esses encontrassem os meus. –, então recuse. Ainda dá tempo de voltar atrás.
Eu pisquei em sobressalto.
De um jeito inesperado, suas palavras me atingiram como uma provocação, quase como se ele dissesse “se não acredita no que digo, se acha que não vai conseguir levar isso até o fim, então pague pra ver”.
A simples insinuação de tal coisa fez com que a raiva e irritação que eu já sentia inflassem ainda mais em meu peito. Eu percebia a sensação das minhas bochechas esquentarem, arderem, tinha certeza que meu rosto todo estava completamente vermelho.
- Não, – eu disse a ele, a minha voz tremendo, meus punhos fechados ao lado do meu quadril. – Eu não vou voltar atrás, não vou fugir dessa responsabilidade. Já tomei minha decisão. E farei o que tiver de ser feito, pode apostar que vou.
Eu sustentei seu olhar até que ele mesmo o desviasse.
Nunca em um milhão de anos eu pensei que discutiria assim com . Ele era o príncipe encantado da minha história e certamente essa atitude não combina com o personagem, não se encaixava no papel dele. Porém, depois dos últimos minutos, parecia acontecer uma inversão em toda aquela história, uma reviravolta no roteiro. Ele parecia um novo alguém que eu ainda não conhecia. Podia ainda ser um príncipe, não sei bem, mas parecia perder completamente todo o encanto.
Eu sabia naquele momento que eu perdia um amigo.
Seus olhos foram de encontro ao chão e ele soltou um suspiro longo, quando voltou a levantá-los, estavam em mim outra vez.
- Eu sinto muito, . De verdade. – Seu olhar adquiriu uma nova intensidade de castanho, tornando-se mais próximo dos olhos que eu já conhecia e um dia acreditei. – Eu posso ter sim pensado só no que eu queria, em partes, mas não completamente. As coisas podiam ter sido piores se tivéssemos recusado. Devia acreditar em mim quanto a isso.
Por um longo instante o silêncio recaiu sobre nós como nuvens carregadas prestes a causar uma tempestade. Ao menos, era o que eu sentia, o ar denso e carregado de eletricidade.
Será?, eu queria perguntar. Será que teria sido mesmo pior?
Eu não tinha como responder à pergunta, mas desejava que pudesse fazê-la. Na verdade, eu desejava poder voltar para o dia em que ele havia roubado aquele beijo de mim. Várias coisas teriam sido diferentes se aquilo não tivesse acontecido.
O que eu teria feito se as coisas tivessem sido diferentes?
As imagens que passavam em minha mente subitamente pareceram cair na realidade. Enquanto me observava, esperando que eu lhe dissesse mais alguma coisa, outra figura passou ao nosso lado, em movimentos lânguidos e calculados, silenciosos, mas o suficiente para se fazer notar.
Os olhos dele perpassaram entre mim e o homem a minha frente. Não consegui decifrar o que se passava em sua cabeça. Só conseguia me perguntar se , por acaso, não sentia algo parecido com o que eu sentia naquele instante enquanto me olhava.
Como se algo murchasse dentro da gente.
- Então você realmente aceitou? – me perguntou após um instante em silêncio.
Era noite, ainda do mesmo dia fatídico daquela reunião horrível. As horas estavam passando incrivelmente devagar desde que eu havia chegado no apartamento. Minha amiga, entretanto, havia chegado em casa não muito tempo antes, e apesar de eu pensar que me sentiria melhor com ela ali como companhia, por saber que finalmente não ficaria sozinha com meus pensamentos, comecei, subitamente, a ponderar sobre isso, uma vez que sempre que ela abria a boca, parecia retomar do mesmo ponto constantemente, como se andássemos em círculos muito, muito longos.
- Não oficialmente – falei desanimada. – Ainda não assinamos o contrato. Mas sim, concordamos com isso.
Nós remexemos o hashi em nosso yakisoba, perdendo mais tempo espalhando a comida do que de fato comendo-a. Eu não sentia fome.
- E quando vocês vão assinar os papéis então?
- Não sei. – Dei de ombros. – Eles ainda estão arrumando alguns detalhes. Mas não deve demorar.
assentiu e comeu um pouco do macarrão.
- E ?
- Eu não quero falar com ele. – Fiz uma careta.
Minha amiga levantou os olhos até mim, uma sobrancelha arqueada.
- E ?
- Ele não quer falar comigo. – Soltei um suspiro e larguei os palitinhos dentro da embalagem de papel.
Ela me fazia tantas perguntas que eu começava a me sentir zonza. agia como se não soubesse o que tinha acontecido hoje mais cedo, mas eu tinha certeza que já havia narrado os fatos para ela, ou quando ela tivesse chegado em casa não estaria tão cautelosa quanto ao que falava para mim, provavelmente tomando cuidado para não deixar escapar algo que já sabia.
- , pare de fazer cara feia.
Eu revirei os olhos para ela.
- Não acho que seja um bom momento para chamar minha atenção – eu reclamei. – Você sabe disso.
- E ficar sem comer, torcendo o nariz e me respondendo mal vai ajudar em quê na sua vida?
Eu afastei a comida com um gesto e me levantei da mesa, irritada demais para continuar com aquele diálogo que parecia nunca chegar ao fim.
- , eu sei que você quer que eu converse com você, sei que espera que eu despeje tudo o que eu estou sentindo para me aliviar um pouco, mas a verdade é que eu não consigo, ok? Não agora. Não hoje. Quanto mais eu tento resolver os problemas que me aparecem, mais complicados eles parecem ficar. E então eu penso “calma, não é possível que fique pior que isso”, aí a porcaria da lei de Murphy vem e ri na minha cara dizendo que não, eu estou enganada, e tudo pode sim ficar pior.
Minha amiga continuou me encarando com a mesma face inexpressiva de antes, quase como se esperasse que eu fosse dar um piti a qualquer momento.
- Acabou com seu momento de auto piedade ou pretende sentir um pouco mais de dó de si mesma? – Eu a encarei boquiaberta, completamente perplexa. – Qual é, sinta-se a vontade para continuar. Não quer falar comigo, então não fale. Reclame da sua vida para Deus e o mundo! Experimente para ver se isso resolve alguma coisa. Eu não ligo. Vá em frente! Só espero que saiba que isso não vai te levar a lugar nenhum.
Precisei de um instante para acalmar minha respiração.
Eu queria ter uma boa resposta para ofendê-la de volta, mas nunca fui boa nisso, nunca fui boa em discutir. Então minha boca ficou abrindo e fechando por vezes seguidas enquanto meu cérebro tentava formular algo bom o suficiente para dizer. Porém, isso não aconteceu. Se eu tivesse algo na ponta da língua para devolver a ela, teria feito. Mas na verdade eu suspeitava que bem lá no fundo eu soubesse que devia permanecer calada, porque ela estava certa e eu não. E foi isso que instintivamente acabei fazendo, ainda que desejasse o contrário.
Contudo, mesmo eu sabendo que naquele momento precisava de uma bronca ainda mais do que precisava de um abraço como consolo, meu orgulho não permitiria que eu dissesse isso em voz alta e nem deixaria minha expressão transparecer.
Por isso, enquanto via se levantar, deixando seu yakisoba pela metade na embalagem, tomei a iniciativa e virei as costas, deixando-a onde ela estava e indo para o meu quarto.
Se ela tinha a intenção de fazer ou dizer mais alguma coisa para mim, não dei a chance. Eu realmente preferia ficar sozinha.
Geralmente escrever no diário ajudava a passar o tempo, extravasar, ou mesmo tentar esclarecer algo que mesmo para mim parecia embaralhado demais para compreender. Mas quando comecei a escorregar a caneta, dando início ao primeiro parágrafo, logo percebi que aquilo não daria certo e interrompi a escrita.
De dez palavras que eu escrevi naquela folha, onze eram reclamações ou xingamentos dirigidos principalmente a mim mesma. Um tanto surpresa, percebi que se eu tivesse pensado assim enquanto minha amiga jogava algumas verdades na minha cara, com certeza nossa briga teria durado um pouco mais que apenas duas falas.
Eu estava muito criativa agora quanto a isso. Mesmo sabendo que ela continuava certa.
Tentei ouvir algumas músicas e passar os minutos mais depressa, mas nem as melodias mais agitadas conseguiram me tirar do planeta Terra por mais que apenas alguns segundos. Talvez fosse a playlist que não se encaixasse no momento, porém a verdade é que eu insistia em remoer o que havia dito para e no que ela mesma havia falado para mim. Tardiamente entendi que eu só me sentiria tranquila se fosse pedir desculpas a ela.
E eu odiava pedir desculpas.
Levantei da cama a contragosto e respirei fundo algumas vezes enquanto seguia para fora do meu quarto e ia em direção ao interior do dela, deixando meu orgulho em algum lugar no caminho entre um cômodo e o outro.
Dei duas batidas na porta antes de abri-la. Encontrei de frente para seu grande espelho, escolhendo entre dois pares de sapato, acompanhada de uma pilha de roupas sobre a cama. Arrumada e com maquiagem, entendi que ela estava pronta para sair.
Só não sabia para onde ou por quê.
- ? – ela me chamou, vendo-me pelo reflexo do espelho e depois virando-se para mim. Seu semblante torcido deixou claro que ela não esperava me ver.
Senti como se estivesse atrapalhando e fiz menção de ir embora.
- Eu volto depois.
- Não. – Ela se adiantou e veio até mim. – Aconteceu algo?
- Não, é só que... – Eu pigarreei. – Eu vim pedir desculpas sobre como falei com você hoje mais cedo.
Ela deu um sorriso fraco para mim.
- Não precisa se desculpar. Acho que eu acabei sendo um pouco mais dura com você do que devia.
Eu dei de ombros, já não ligando mais.
- Talvez eu precisasse ouvir aquilo.
- Talvez. – Ela concordou.
Por um instante mais longo do que de fato deveria ser, deixamos o silêncio tomar conta do espaço. Como eu ainda não me sentia muito à vontade em falar, decidi que seria melhor deixá-la terminar de se arrumar para ir seja lá para onde. Assim, eu poderia voltar para o meu quarto, e dessa vez, quem sabe, tentar me distrair com algum episódio de Game of Thrones.
Aparentemente previu meus movimentos antes mesmo de eu os fazê-lo, pois ela se adiantou a tocou meu pulso com sua mão. Não com força, impedindo que eu fosse embora, mas suavemente, apenas o suficiente para fazer com que eu prestasse atenção nela.
- Olha, eu realmente pensei que se você conversasse, se sentiria melhor. – Ela revirou os olhos uma vez e depois retorceu a os lábios. – Mas se você não quer fazer isso, ok, não vou insistir. Só que eu também não acho certo você ficar se fechando com seus pensamentos pessimistas, você sabe o que acontece quando faz isso.
Eu pisquei algumas vezes, olhando-a com atenção. Então baixei os olhos até meus pés.
- Eu sei – foi o que consegui dizer por fim, e ela não esperou que eu dissesse mais nada.
Não era preciso entrar em detalhes para saber que ela simplesmente evitava que eu voltasse a ser aquela pessoa que fui logo após a morte da minha mãe.
sorriu para mim, um sorriso simples que não chegava aos seus olhos e me abraçou de leve, receando que eu me afastasse. Ainda imersa em meus pensamentos, retribuí o gesto, mas sem prolongá-lo muito. Logo minha amiga já voltava para a frente do espelho.
- Bom, já que está aqui – ela começou a falar e então apontou para os sapatos no chão e as roupas sobre a cama. – Será que pode me ajudar? Eu realmente não sei o que vestir ou que sapato calçar.
- E para onde você pretende ir? – Eu me juntei a ela, sentindo-me um pouco mais animada que antes percebendo sua intenção.
As bochechas da minha amiga ganharam cor.
- Eu vou sair com – respondeu. – Vamos a uma festa na casa de algum amigo dele. Na verdade eu não sei quem é, mas ele insistiu que eu o acompanhasse.
- Bom. – Eu fingi desinteresse. – Então vamos ver o que conseguimos fazer em você.
Nós sorrimos cúmplices, e pela primeira vez naquele dia eu me senti leve, deixando a amargura que se espalhava por mim desaparecer até se tornar imperceptível. Quem sabe isso não era apenas uma nuvem de tempestade passageira?
Podia ser. Eu desejava que fosse.
Só precisava sobreviver aos novos desafios, por mais complicados que eles se tornassem.
- Tem certeza que não quer vir? – insistiu mais uma vez enquanto caminhava com seus saltos ecoando pelo chão do apartamento. – Eu posso falar com . Ele vai entender! Aposto que nem vai ligar.
- Não. De jeito nenhum! – apressei-me em dizer. – Você sabe que não tenho roupa que combine para o papel de castiçal. Prefiro ficar aqui.
- Mas eu não quero te deixar sozinha, .
- E eu não vou estar – adicionei. – Jon Snow vai me fazer companhia enquanto você estiver fora.
Minha amiga riu e finalmente pareceu deixar o assunto por encerrado.
- Só me ligue qualquer coisa – ela pediu, antes de passar pela porta.
- Você também.
me soprou um beijo e então já não estava mais lá, descendo pelo elevador.
Eu realmente ficava feliz com a relação dela e de . O fato dos dois se verem frequentemente significava que estava cada vez mais sério, e o cuidado de para não deixar as pessoas de fora do seu círculo de amizade descobrirem sobre e passarem a importuná-la me deixava bastante impressionada e completamente satisfeita. Eu esperava de coração que o relacionamento deles desse certo.
Pelo menos uma de nós podia dizer que a vida amorosa estava boa.
Respirei fundo e dei meia volta, em direção ao meu quarto, me interrompendo apenas um instante para parar na cozinha e preparar um chocolate quente cremoso com direito a marshmallows no topo. Se eu ia passar o resto da noite assistindo séries, eu faria isso ao meu estilo.
Liguei o aquecedor pouco antes de colocar meu pijama e me deitar entre os travesseiros. Não estava tão frio assim, mas sozinha, eu me sentia melhor num ambiente quente com o som da tv preenchendo o fundo.
Depois disso, Game Of Thrones passou incansavelmente por horas a fio.
Sinceramente eu não sabia se estava no quarto ou quinto episódio da quinta temporada. Eu já tinha perdido a conta, mas ao menos sabia que era meio da madrugada, o silêncio da vizinhança denunciava esse fato. Por isso achei tão esquisito quando tocaram minha campainha duas vezes, ainda por cima mostrando impaciência.
Hesitei por apenas um segundo e então me levantei, imaginando que provavelmente deveria ter esquecido sua chave e agora estava trancada para o lado de fora. Típico.
Pausei a série um pouco contrariada e segui para a porta de entrada, sem sequer me importar em colocar o roupão sobre o pijama, mas bastante tentada a, no caminho, preparar um pouco mais de chocolate quente para mim. Deixei isso para depois e parei de frente para a fechadura, destrancando-a sem pressa, apenas para provocar minha amiga.
A culpa não era minha se ela sempre esquecia a chave.
Quando abri a porta, sem sequer vê-la de fato, não esperei por suas desculpas ou embromações, já fui logo dizendo:
- Mas será possível que terei que deixar uma cópia da chave na portaria para você?
Contudo, minha súbita animação mista de provocação se perdeu no meio da frase, morrendo completamente e se transformando em confusão.
A figura parada no meu batente não era .
Prendi a respiração.
Que Deus me ajudasse nesse momento.
- ?
Eu precisei de apenas um segundo para entender que era ele mesmo parado ali, mas a segunda percepção demorou um pouco mais que isso. Ele não parecia bem.
Estava com os braços um tanto moles, soltos demais ao lado do seu corpo. A cabeça pendia para frente e ele usava exatamente a mesma roupa que tinha usado durante a manhã na reunião, essa parecendo um pouco amassada demais.
- ! – eu o chamei de novo e dessa vez seus olhos se levantaram preguiçosamente, encontrando os meus. Vermelhos demais. – , o que você está fazendo aqui?
se aproximou um passo de mim. Ele cheirava a perfume amadeirado, álcool e cigarros. Meu coração acelerou.
- Eu precisava te ver – ele me respondeu com a voz rouca, mais que o normal, porém menos arrastada do que eu realmente achei que estaria.
- São quase três horas da manhã.
- Eu não ligo – falou. – Eu precisava te ver. Falar com você.
E então ele passou por mim, sem esperar o convite para entrar. Em um segundo ele já ia em direção ao meu sofá, ainda que não fizesse menção de se sentar. Ficou em pé, dando passos de um lado para o outro, às vezes parecendo um pouco desequilibrado, mas sem deixar a agitação que o preenchia desaparecer.
Preocupada, fechei a porta atrás de mim, seguindo-o até a sala. Eu não estava entendendo mais nada.
- O que você quer? – Eu cruzei os braços e o encarei a uma distância segura. – Por que veio aqui?
- Teria sido diferente? – Ele virou-se em minha direção, os braços abertos e as mãos espalmadas. – Teria, ?
Eu franzi minha testa e estreitei meus olhos.
- Do que você está falando?
- Eu preciso saber se teria sido diferente.
- O que, ? – Eu dei dois passos em sua direção, sentindo-me momentaneamente aflita. – O que quer dizer com isso?
- Se eu tivesse atendido a porra do celular! – ele falou se segurando para não gritar. – Se eu tivesse atendido algumas das ligações que você me fez antes dessa merda de contrato aparecer, você teria escolhido diferente?
Lentamente eu percebi onde ele queria chegar. Entendi sua angústia, porque, de certa forma, eu também a sentia. Minha boca secou e as palavras desapareceram da minha cabeça, incapazes de se juntarem para formar uma frase coerente.
me olhava com os olhos arregalados, o peito subindo e descendo mais rápido que o normal. Eu acreditava que devia estar assim, ou pelo menos bem próximo disso, porque meu coração batia com tanta força, que ecoava até meus ouvidos.
- Me diga alguma coisa, ! – Ele finalmente perdeu o pouco de controle que tinha e veio em minha direção, parando tão próximo de mim que, se quisesse, poderia me tocar. E verdade seja dita, se ele fizesse isso, eu provavelmente perderia toda a minha sensatez.
Respirei fundo e me obriguei a ficar calma, a ritmar meus batimentos cardíacos e manter minha face a mais neutra possível. Porém, a expressão sofrida que ele carregava, a forma como ela cuspia as palavras, quase ganindo, me deixava preocupada e tornava minhas tentativas falhas quase todas as vezes.
Eu não sabia onde ele estivera, o que havia feito, mas sem a menor dúvida eu me importava muito mais com a saúde dele do que ele mesmo parecia se importar.
- Quanto você bebeu antes de vir aqui?
- Você teria escolhido ele mesmo assim? – Ignorou-me.
- Veio dirigindo?
- Caralho, ! – Suas mãos passaram sobre seu rosto, bagunçando seu cabelo já todo atrapalhado. Era como se ele esperasse que o gesto pudesse, de alguma forma, despertá-lo. Recuei um passo. – Você não está me levando a sério, está? Nunca leva! Acha sempre que estou brincando, dizendo palavras da boca pra fora. E aí você fica parada, me olhando com esses olhos e... Eu não consigo. Não dá! Se você não vai me responder, não existe motivo para eu ficar.
E então mais rápido do que eu consegui me livrar do estupor, passou por mim, em direção a porta do apartamento. Mas eu não podia deixar que ele fosse embora. Não agora, não no estado em que ele estava, todo atordoado e muito provavelmente fora do seu estado natural por causa da bebida.
Impressionantemente em dois passos eu me interpunha entre ele e a saída, encostando todo o meu corpo contra a porta, uma mão sobre a maçaneta e a outra sobre o batente oposto. Se ele quisesse passar, teria que ser por cima de mim.
- O que está fazendo?
- Impedindo você de ir embora – esclareci com a voz entrecortada e a respiração acelerada.
soltou um riso seco, como se não pudesse acreditar em minha ousadia. Sua cabeça pendeu para baixo de novo, e, surpreendendo-me completamente, apoiou suas mãos, uma de cada lado da minha cabeça, na porta atrás de mim, parando tão próximo que se ele erguesse seu rosto nós estaríamos a uma distância menor que um palmo, sua face bem diante da minha. Eu estava presa entre seu corpo e a porta.
Achei que ele fosse me beijar, desejei isso. Eu queria beija-lo.
- Por que você gosta tanto desse jogo? – Sua respiração sapecou contra meu rosto.
- Jogo? , eu não…
- Não arrume desculpas. Elas não servem para nada agora – me interrompeu. – Eu sei que na maior parte do tempo eu fui um completo babaca com você, ignorando tudo o que acontecia entre nós, eu sei. Sinceramente, acredito que eu ainda seja um belo de um idiota, caso contrário eu não estaria aqui agora. Mas, sinceramente, Ruivinha, já não consigo mais ficar nesse lago de indecisões suas. Você faz com que eu me sinta um completo burro!
- Eu? – A intenção não era essa, mas eu soei indignada. E ofendida! – Quem fez com que eu recuasse todos os passos? Foi você, seu tonto!
- Eu sei disso, cacete! – ele reclamou, sem se distanciar um centímetro que fosse. – E todas as vezes você correu para ficar com o .
- Porque ele nunca me maltratou ou fez eu me sentir uma completa idiota. Sempre foi sincero comigo!
- E eu nunca fui? – Seus olhos faiscaram, magoados e irritados também. – Nunca fui sincero, ?
- À sua maneira – respondi baixo. –, mas sempre me deu mais lacunas para preencher do que de fato soluções.
E isso bastou para ele se afastar de mim. Apesar de desconsertada, não ousei me mexer. Eu não queria que ele fosse embora. Não podia deixar.
- Foi esse um dos motivos? – A voz dele soava grogue, cansada. – Foi por isso que escolheu ?
Eu consegui soltar uma risada sem humor. Como ele ainda podia pensar isso?
- Eu nunca tive a capacidade de escolher.
E era verdade. Depois de muito tempo eu consegui entender isso, claro como cristal em minha mente.
Nunca ia importar a quantidade de tempo que eu passasse ao lado de , quanto eu me esforçasse para gostar dele de uma maneira mais forte e profunda além do sentimento de amizade, meus pensamentos sempre se voltariam para , meu coração sempre bateria mais forte por . Simples, natural e inconsciente, como respirar.
Era irritante, mas era real. Eu não pude evitar isso de acontecer, e agora, já não conseguia me ver sem essa sensação.
Porém, como sempre, deixou passar mais esse detalhe despercebido.
Olhando-me dos pés a cabeça, os lábios pressionados um contra o outro, ele deu um passo para trás.
- Ótimo – disse amargurado, a voz quebradiça. Mas não deixou de soar frio e até colérico. Meu cenho se franziu e meus olhos se estreitaram, exasperados e sem qualquer compreensão. – Era o que eu precisava saber – completou enfim.
Entendendo o raciocínio que sua mente de curto alcance chegou, não pude conter minha explosão. Alvoroçada e bem próxima do desequilíbrio eu parei em sua frente, diminuindo a distância que ele tentava impor. Seu gesto súbito foi o bastante para que eu mesma perdesse a paciência que até então eu tentava manter.
- Mas não é possível! – soltei, a voz distorcida, soando algumas oitavas mais alto que o recomendável. – Será que você não consegue ler nas entrelinhas? É tão cego assim, a ponto de não ver o que está literalmente, bem na sua frente, santa teimosia?!
teve uma pequena mudança na expressão, adquirindo agora algo bem próximo da perplexidade.
- Do que você está falando?
- Sempre foi você, seu cabeça dura! – Eu apontei um dedo bem na ponta do seu nariz, sentindo minhas bochechas arderem conforme a verdade saltava para fora da minha boca. – Eu nunca tive escolha, porque sempre foi você!
Seus olhos me encararam atônitos, arregalados, brilhantes. Duas esferas de cor âmbar fixas em mim com tanta intensidade que fui incapaz de desviar ou até mesmo piscar as pálpebras. Imaginei que eu devia olhá-lo da mesma maneira profunda que ele fazia, porque sequer mexia um músculo do corpo, completamente estático e incapaz de dizer algo.
Contudo, conforme os segundos se estendiam, sua expressão atenuou, seus traços do rosto relaxaram, enquanto ele finalmente se dava conta do que havia acabado de escutar. Eu abaixei minha mão até então levantada e balancei a cabeça para os lados com leveza. O silêncio era preenchido pela minha própria respiração entrecortada, mas não continuou assim por muito mais tempo. Como se ele precisasse de uma confirmação, eu me aproximei ainda mais, o rosto virado para cima, subindo na ponta dos pés. Sem quebrar o contato visual espalmei minhas mãos uma de cada lado do seu rosto, sentindo sua pele quente sob a minha.
- O tempo todo foi você.
Capítulo 33
Can we take it to the next level?
Baby, do you dare?
Don't be scared
'Cause if you can say the words
I don't know why I should care”
’s POV
Não sei dizer quem deu o primeiro passo, quem fez o primeiro movimento, mas meu coração perdeu uma batida quando finalmente a distância entre nós dois foi diminuída a zero e seus lábios encontraram os meus num encaixe perfeito.
O primeiro toque foi sutil. Apenas o roçar dos nossos lábios, como se experimentássemos aquela sensação pela primeira vez. De certa forma, consegui pensar, era isso mesmo que acontecia. Sem holofotes, sem plateia, sem a intenção de calar um ao outro com a surpresa, apenas a vontade mútua do contato.
Era novo, leve e completamente natural, porque nos conhecíamos melhor até do que gostaríamos de admitir um para o outro. E, dessa vez, finalmente, não parecíamos ter medo de admitir isso.
Então, conforme entendíamos o significado daquela carícia, em um segundo o ritmo se alterou. A boca de procurou a minha com mais intensidade, aprofundando o beijo enquanto suas mãos se prenderam em minha nuca e então desceram pelo meu pescoço, ombros, até chegar em minha cintura, distribuindo uma espécie de eletricidade, num toque febril que pareceu incendiar minha pele conforme seus dedos se arrastavam sobre mim. Eu compreendia o que era aquilo. A súbita urgência com a qual me envolvia. Existia a palpável sensação de receio entre nós como se a qualquer instante algo fosse acontecer para nos distanciar. Alguém, uma voz, alguma coisa, ou mesmo nossas próprias consciências. Foi o que sempre aconteceu. Mas dessa vez eu pretendia mandar minha sanidade catar coquinho se fosse preciso, porque eu não tinha intenção de interromper aquilo.
Sem aviso, minhas costas encontraram a parede fria como um apoio bem vindo, ainda que o choque térmico entre meu corpo e a outra superfície tenha me causado leves arrepios. Se não fossem os braços dele ao meu redor ou o suporte dado às minhas costas, eu provavelmente teria deslizado até atingir o chão, pois sentia cada célula do meu corpo derreter. Meu coração batia tão rápido e tão forte contra meu peito que eu tinha certeza absoluta de que conseguia senti-lo e escutá-lo através do meu corpo. Eu sei que eu conseguia sentir o dele, reverberando sob meus dedos ao passo em que eu deslizava minhas mãos por seu tórax, seguindo por suas omoplatas e se contendo em sua nuca, deixando que seu cabelo fizesse cócegas em minhas palmas.
A sensação era de que o beijo nos consumia. Arrancava de nós tudo o que por muito tempo vinha sendo evitado, escondido. Ignorado. Cada segundo desvanecendo nossos pensamentos um pouco mais, os diluindo em forma de toques lascivos e gestos sublimes.
Eu provavelmente teria permitido que tudo ao meu redor se desintegrasse, não fosse se separar de mim de maneira súbita e rápido demais.
Com a respiração acelerada e com a mente ainda desconexa, eu abri meus olhos e o encarei por um instante.
Seu rosto não estava distante do meu, assim como seu corpo. Ele estava próximo o suficiente para eu sentir seu calor e sua própria respiração bater contra minha pele. Mas seus olhos estavam fechados, sua testa encrespada. E apesar de uma de suas mãos estar gentilmente na lateral do meu rosto e a outra presa firmemente em minha cintura, ele parecia hesitar.
Eu subi minhas mãos até seu rosto, tocando seu maxilar com delicadeza, pousando minha palma sobre sua bochecha.
- …
- Não. – Ele me interrompeu, abrindo os olhos e me encarando com firmeza. – Eu preciso saber tudo. Preciso entender o que é isso.
Eu pisquei algumas vezes, ainda muito atordoada, a boca formigando e a respiração descompassada. Justo agora?, eu quis perguntar, mas mordi a língua antes que isso acontecesse.
- Nós podemos falar disso depois e…
- A história toda, . – Sua voz saiu como um sussurro rouco e quase inaudível. – Você e , eu não entendo…
- Nós não temos nada.
- Mas vocês... – ele começou a falar, perdido em palavras que não conseguia juntar em frases enquanto seu olhar sustentava o meu com as pupilas tão grandes que as íris pareciam quase não existir. – Você foi se encontrar com ele depois que voltamos de Brighton, vocês…
Ele se interrompeu e pressionou seus lábios um contra o outro. Eu não sabia se me sentia surpresa ou satisfeita com o que estava acontecendo. Estava presa em uma sensação entre as duas coisas, porque talvez, só talvez, essa tenha sido a reação mais genuína que eu já tinha visto de . Sem preparo para suas caras e bocas ou ensaio de suas falas.
Por isso acho que não consegui conter o esboço de um sorriso, ainda que parecesse fora de hora e não se encaixasse no momento.
- Você tirou conclusões precipitadas.
- Então me explique – pediu num murmúrio, tão perto, que quase perdi toda minha concentração. – Por favor, .
E eu abri a boca para falar, mas surpresa, a fechei em seguida, desmanchando minha expressão anteriormente suave, em algo completamente indefinido.
Eu não sabia como, me dei conta. Não sabia por onde começar, ou o que dizer. A história parecia muito longa para caber naquele momento. Mas com um formigamento em meu estômago, eu sentia que os muros que costumava erguer ao seu redor pareciam finalmente começar a ceder. Não completamente, porém o suficiente para que eu o vislumbrasse e o atingisse verdadeiramente. Pequenas fissuras que ele mesmo não percebia ter formado e que agora eu não podia simplesmente ignorar.
Dessa vez, não havia espaço para mentiras ou ocultações. Mas ainda assim, a dificuldade de achar as palavras certas me impedia de dizer o que ele queria ouvir.
Tentei engolir algumas vezes apenas para falhar em seguida.
- Você não vai me dizer, não é?
Sua expressão começava a murchar, os olhos pareciam perder o brilho recém adquirido enquanto um espaço de tempo se estendia entre nós ao passo em que eu tentava encontrar uma maneira de lhe esclarecer tudo.
Mas eu não conseguia. E ele percebeu isso um segundo antes de eu pronunciar em voz alta:
- Eu não sei como – admiti para ele e em seguida suas mãos deixaram meu corpo conforme uma espécie de indignação preenchia seu olhar.
- Como não sabe? – Sua voz quase falhou. – É só falar, abrir a boca e deixar as palavras saírem.
- Não é tão simples, , não é…
- Só me diga de uma vez, !
- Você me deixa confusa! – confessei, tão rápido, que achei que ele não tivesse ouvido. – Eu nunca sei o que você vai fazer ou como vai reagir. Exatamente como agora! Em um segundo estamos nos beijando e em outro já estamos discutindo. Eu quis falar com você durante tanto tempo, te procurei tantas vezes, mas admito que nesse instante eu já não sei mais. Do que vai adiantar eu dizer alguma coisa? Você vai continuar aqui depois que eu terminar?
- Depende do que você me contar.
Seu olhar se prendeu no meu por mais tempo do que pude calcular. E eu fui incapaz de não o sustentar enquanto decidia o rumo que aquela conversa tomaria. Meu coração batia tão forte contra o peito que parecia prestes a explodir, mas a sensação era muito diferente daquela que eu sentia apenas alguns minutos antes.
Isso me assustava mais do que os beijos trocados entre eu e ele.
merecia isso, não? Que eu me abrisse e revelasse o que eu sentia? Mas eu precisava receber algo em troca. Também merecia saber aquilo que só ele poderia me contar.
Mas o primeiro passo teria que ser meu. Correr o risco de dar e não receber nada.
Será que valeria a pena?
- Eu... – Pigarreei algumas vezes, sentindo uma tonelada de coisas que deveriam ser ditas, mas sem a mínima noção de como colocá-las para fora. Respirei fundo umas cinco vezes antes de me apoiar completamente sobre a parede às minhas costas. – É... complicado. Desconexo. Um embaralhado de acontecimentos, eu não sei bem como explicar, .
- Só... tente – ele pediu num sussurro. Eu poderia dizer que ele praticamente implorava.
Apesar do espaço respeitoso que ele impunha entre eu e ele, me senti tentada a tocar seu rosto com a ponta dos meus dedos. Quase me atrevi a dizer que queria que ele me tocasse.
Balancei a cabeça para os lados e me obriguei a focar no que era preciso.
- De-depois daquela noite quando você me levou para aquela corrida, quando me defendeu do... – Eu me interrompi, incapaz de dizer o nome de Beckett em voz alta. Somente imaginar a face daquele homem já me dava arrepios. – Depois de tudo o que aconteceu naquele lugar eu senti algo mais forte por você do que eu mesma queria deixar transparecer. Eu te beijei porque eu queria aquilo. Mas não pude deixar de lembrar de tudo o que você tinha me dito antes sobre romantizar as coisas, entender tudo errado porque eu era ingênua demais para esse mundo novo. Eu precisei te deixar lá antes que eu fizesse alguma besteira qual me arrependesse em seguida.
Eu queria me manter parada no mesmo local, mas subitamente minhas mãos se tornaram inquietas, assim como meu próprio cérebro, que já não seguia somente uma linha de raciocínio e começava a acumular coisas demais em pouquíssimo tempo. permanecia com os olhos fixos em mim, atento, ainda que seus lábios estivessem entreabertos e as sobrancelhas levemente torcidas. Eu não sabia dizer o que ele sentia em relação ao que eu falava, mas tinha certeza que era tarde demais para eu voltar atrás no que dizia.
- Eu pensava que realmente estava começando a fantasiar coisas entre você e eu. Sentimentos que não existiam de verdade, só na minha cabeça. E então mais tanta coisa aconteceu desde aí que faltou muito pouco para eu não ficar doida dentro dessa casa. – Esbocei um sorriso cansado e um tanto nasalado que se misturou as batidas do meu coração e ao frio na minha barriga. – A música que você escreveu e gravou, a discussão que tivemos no estúdio... Eu simplesmente surtei. E depois de tudo o que dissemos um para o outro naquele dia... bem, eu quis desistir. Você não admitia o que sentia e nem tinha a coragem de dizer tudo o que tinha passado. Eu deduzi cada parte e acho que acertei.
- Eu te odiei por isso – ele disse para mim, mas não havia raiva em sua voz.
- Eu sei. Mas não me arrependo de nada do que disse.
Eu arrumei minha postura e desencostei completamente da parede, como se eu já não conseguisse ficar mais na mesma posição. Em outro momento, talvez, eu estaria andando em círculos de um lado para o outro, mas agora, eu não conseguia deixar de olhar para .
- E então teve – continuei com um suspiro, vendo a sombra de algo perpassar por seus olhos e seus lábios se comprimirem numa linha fina. – Na verdade, ele sempre esteve lá, muito antes disso, desde o começo, você sabe. Só que eu fui estúpida com ele. Confesso que realmente pensei que eu e ele podíamos ficar juntos em algum momento no futuro, mas percebi que eu estava enganada, só me dando conta disso depois de muito tempo, depois de tudo aquilo que aconteceu entre eu e você.
Mas o que me deixou mais irritada nisso tudo foi você insinuar que eu deveria ficar com , se menosprezando a ponto de dizer que não me merecia, como se eu fosse boa demais para você. E nesse momento fui eu quem te odiei, ! Mas ouvir isso sair da sua boca bastou para eu entender de uma vez que não era mais que meu amigo, porque o que eu sentia por ele não chega nem aos pés do que eu sinto por você.
Seus olhos tremularam um pouco enquanto sua boca fez a mesma coisa, quase como se quisesse dizer algo. Talvez fosse isso mesmo, porém não dei a chance para ele tentar. Eu precisava chegar ao ponto final.
- Inconscientemente, durante tanto tempo talvez eu tenha dado a entender o contrário a . Não podia continuar com isso, era errado. Ele não merecia que eu o tratasse assim. E ao mesmo tempo em que eu tomava coragem para tentar dizer isso a ele, você veio se desculpar justo na première, se abrindo de uma maneira que talvez eu nunca tenha imaginado. Eu fiquei surpresa, admirada e confusa. Não sabia se era real, duvidei. Sinto muito, mas eu não tinha como saber. Você podia pular fora no segundo seguinte e eu estaria... despedaçada. Porque por mais estranha que seja nossa relação, feito uma montanha russa cheia de loopings, curvas fechadas, subidas e descidas intermináveis, eu já não consigo mais me ver sem ela.
Eu percebi a menção de de levantar a mão lentamente em direção ao meu rosto, atônito demais para qualquer coisa, mas me apressei para interrompê-lo e fechei meus dedos ao redor dos seus, pronta para despejar mais tantas outras coisas que agora estavam entaladas em minha garganta. Se eu parasse agora, perderia a coragem.
- E então aconteceu o acidente do meu pai, num timing completamente fora de hora, mas ao mesmo tempo completamente perfeito, ainda que a circunstância não fosse boa. Eu não sei, mas tenho a impressão que, se tivéssemos tido a chance de terminar aquela conversa que começamos na noite da première, o resultado não teria sido bom. No fim, tudo aconteceu como deveria, imagino. De um jeito meio maluco, mas certo. Você foi essencial naquele dia, me ajudou mais do que ninguém, durante e depois daquela bagunça imensa.
Se fosse real, eu lembro de ter pensado, talvez valesse a pena tentar, não é? Foi quando eu decidi conversar com você, francamente. Mas então você me encontrou na praia e agiu daquele jeito distante, não seco como de costume, só... diferente. E então nós voltamos para Londres e de repente toda a abertura que você tinha me dado desapareceu, quase como um passe de mágica. Você se afastou completamente de mim, sem mais nem menos, e me deixou quase à deriva, porque eu não entendia o que estava acontecendo. Pelo menos não completamente.
Pela primeira vez desde que eu começara a falar seus olhos desviaram-se dos meus e abaixou a cabeça, como se agora se arrependesse da atitude que tomara.
- Sinto muito por isso, , mas …
- Você leu a mensagem que ele enviou e pensou que tivéssemos algo. – O interrompi gentilmente e levantei seu rosto delicadamente com minhas mãos. – Eu sei disso, , e não te culpo. Por isso eu fui encontrar naquele dia, porque percebi que eu e você nunca aconteceria se ainda existisse algo, por menor que fosse, entre eu e . Achei que tudo ficaria mais claro para ele se eu explicasse meus sentimentos e isso tudo mais que eu já te falei. Eu queria acabar com aquilo de uma vez para poder conversar com você em seguida para chegarmos a um acordo, qualquer coisa, porque eu não sabia mais o que fazer, só sabia que não queria te perder. Mas então aconteceu aquilo tudo... – Eu balancei a cabeça para os lados. – Isso aconteceu.
- Eu não sabia, não tinha como! – balbuciou, um tanto atordoado, sua voz assumindo falhas conforme pronunciava as palavras. – Esse tempo todo... Não sabia de nada disso, . Sempre achei que tivesse algo com você, sempre achei que eu era o ponto fora da curva, atrapalhando e... Você podia ter me contado antes, podia ter tentado falar!
- Mas eu tentei! – respondi a ele. – Eu tentei de verdade, . Tantas vezes que não consigo numerar! Aquele dia depois da nossa conversa na Tower Bridge, e de novo naquele dia no estúdio, e então na praia, antes dessa maldita reunião que tivemos. Eu te liguei incontáveis vezes! Mas você nunca me deu a chance. E do que valia eu insistir, dizer algo, qualquer coisa que fosse, se não sabia se era recíproco? Como eu ficaria se você negasse qualquer sentimento por mim de novo, quando eu finalmente já entendia que o que eu sentia por você não tinha volta?
Por um instante nós apenas nos encaramos. Meu peito subindo e descendo ofegante pelas últimas falas, enquanto permanecia tão imóvel que mais parecia uma estátua.
E então, de tudo o que eu esperava que dissesse ou fizesse, ele ainda assim conseguiu me surpreender, dando um passo para trás, rindo, gargalhando, ainda que não houvesse graça naquilo tudo, ainda que sua face sequer expressasse algum humor.
- Isso não pode... Eu não consigo acreditar que... – Ele se afastou um pouco mais, passando as mãos sobre seu cabelo, incapaz de completar uma frase, adquirindo uma espécie de olhar que mostrava estar muito próximo de explodir. – Realmente está me dizendo que eu poderia ter evitado essa porcaria toda na qual estamos envolvidos se eu simplesmente tivesse atendido suas ligações, não é? Se eu simplesmente não tivesse sido evasivo tantas e tantas vezes? Está dizendo que se eu não tivesse sido orgulhoso... – Ele soltou mais algumas risadas ocas, andando de um lado para o outro, enfim parando e me olhando. – A culpa é minha, ! Eu estraguei tudo enquanto pensava estar estragando tudo. Isso não é incrivelmente burro da minha parte? E agora vou ter que assistir enquanto…
- Não, . – Imediatamente eu neguei, indo em sua direção até parar de frente para ele, não deixando-o dar sequer mais um passo para qualquer lado que fosse. – Eu não estou dizendo isso, porque não importa o que podia ou não ter acontecido, a questão é o que de fato aconteceu e como chegamos aqui! Como isso virou o que é agora!
Ele balançava a cabeça de um lado para o outro e franzia a testa, como se não acreditasse no que eu dizia.
- Isso não importa! – Ele levantou um pouco a voz. – Não importa mais!
- É claro que importa! Como…
- Você não percebe? – Interrompeu-me. – Não sabe que agora est…
- Eu te odiava, ! – Aumentei o tom até que ele enfim parasse de falar e me ouvisse. – Entende isso? Desde o momento em que eu te conheci, quando derrubei aquele maldito café em sua camiseta e você surtou, desde o momento em que você me mandou aquelas malditas flores e percebi que o destino brincava comigo e me colocava para trabalhar com você, sempre sarcástico e irônico, com frases prontas para me tirar do sério e me colocar à prova.
Eu te odiava com todas as minhas forças, e, se possível, um pouco mais, e não sei quando, ou ainda como, mas isso mudou em algum momento de lá até aqui. Existia uma linha tênue, e essa linha foi cruzada, . Nenhum de nós é capaz de negar isso agora! Você não pode dizer que não importa. Você sabe que isso não é verdade!
Mas apenas negou para mim, uma única vez, com os olhos vazios e os braços soltos ao seu lado.
- E daí? Não percebe que já é tarde demais para isso, ? – Sua voz agora parecia baixa demais, quase inaudível. – Você está presa a e eu condenado a fingir que aprovo isso quando na verdade o que mais quero é te afastar dele e tê-la comigo.
Suas últimas palavras fizeram meu coração bater mais forte, mas não foi o suficiente para apagar o que veio antes dela. Afundei minhas unhas contra minha palma, apertando meus punhos contra meu quadril, tentando manter a calma que já não parecia mais me pertencer.
- Você está fadando isso ao fracasso sem sequer tentar. – Percebi, num esforço tremendo, que minha voz começava a falhar.
- Não podemos fazer isso, !
- Podemos fazer o que quisermos! – eu praticamente gritei. – Com a droga de um contrato nos perseguindo ou sem ele, . Basta querer!
Lá estava ele, assumindo uma pose que não lhe pertencia, pensando que conseguiria me fazer mudar de ideia simplesmente contrariando e colocando obstáculos no meu caminho, tentando colocar a razão acima de qualquer coisa, ainda que custasse seus desejos, sua felicidade. A minha felicidade.
Por que logo agora ele tinha que fingir ser racional?
Outra vez ele passou a mão por seus cabelos, os deixando tão bagunçados que parecia mais um cientista louco. Eu queria conseguir ler suas emoções verdadeiramente, ver além da fachada correta que ele tentava levantar agora, mas não conseguia me focar o suficiente para isso, eu quase já não conseguia mais pensar.
- Não basta, . Você não vê? Não consegue perceber isso? – Ele segurou em meu rosto, uma mão de cada lado, olhou em meus olhos e esperou que eu visse ali algo que somente ele conseguia enxergar. Mas suas pupilas pareciam buracos negros que não levavam a lugar nenhum. – Isso nunca vai dar certo! Nunca!
E eu fechei os olhos, segurando em seus pulsos com força, incapaz de lhe dar ouvidos.
- Você não sabe isso. Não tem como saber!
- Tenho sim, cacete! E você também! – Eu afastei suas mãos de mim com força. – Porque existem riscos e consequências por nossos atos, . E não somos só eu e você que seremos afetados por eles.
Eu respirei fundo, tentando clarear meus pensamentos.
- Eu sei – murmurei com a voz tremendo. – Sei dos riscos e das consequências e estou disposta a enfrentá-las se você também estiver!
Eu esperava que ele concordasse comigo, pela maneira como ele me olhava, eu esperei isso acontecer. Mas com o mais sutil dos movimentos, ele balançou a cabeça para os lados. No mesmo instante meus olhos se encheram de lágrimas.
Dei um passo para trás.
Me sentia uma idiota. Uma tola completa. Tinha aberto meu coração, dito tudo aquilo para então ser rejeitada por causa de uma droga de um papel com um punhado de assinaturas que naquele momento não tinham o menor valor.
Não devia ser assim!
- Não é justo dizer isso, não é justo agir assim – eu consegui dizer enquanto me afastava dele, juntando todas as minhas forças para não deixar as lágrimas caírem. – Não é justo, !
- Eu nunca disse que não era – ele me respondeu. E suas simples palavras inflamaram em mim uma raiva que até então eu não sabia existir.
- Por que você fez isso? – eu gritei para ele. – Por que vir aqui agora, fazer tudo isso comigo, me fazer dizer todas essas coisas se no final simplesmente sairia andando e dizendo que não daria certo?! Por que fazer assim se já sabia o final desde o começo, seu idiota?!
Meus olhos arderam e eu me obriguei a olhar para cima. Eu me sentia completamente humilhada, mas me recusava a chorar em sua frente. Não perderia o que restava do meu orgulho desse jeito.
- Eu não sabia, caralho! – Foi a vez dele de gritar e eu pressionei meus lábios um contra o outro, me segurando para não mandá-lo calar a boca de uma vez. – Eu não sabia de nada! Esperava que você simplesmente dissesse e confirmasse o que eu pensava, que tivera sido o tempo todo. E assim eu poderia sair daqui convencido de que nunca sequer tivera tido uma chance com você!
Foi a minha vez de soltar uma risada, incrédula demais para conseguir me controlar ou ter qualquer outra reação que não fosse essa.
- Ótimo, ! A culpa então é minha! – eu disse para ele. – É minha porque fui eu que fui atrás de você. É minha, porque fui eu que tive coragem de dizer o que sentia! A culpa é minha, porque sou eu quem simplesmente não quer deixar as coisas como estão, enquanto você fica aí, fingindo ser racional, com medo de coisas que nem sequer aconteceram!
- Eu não estou fazendo isso por mim, ! Eu estou fazendo por você! Tentando te proteger!
- Mas eu não quero ser protegida, ! Eu só quero você!
E a raiva entre nós despedaçou no instante em que as últimas palavras deixaram minha boca, dando espaço para outro tipo de sentimento preencher o espaço, algo tão implícito que eu não conseguiria descrever se alguém pedisse. Mas eu conseguia sentir, e acreditava que ele também.
me olhou com os olhos arregalados e surpresos. Completamente hesitante e sem falas. Desarmado por apenas quatro palavras.
As expressões que antes trazia consigo já não existiam mais lá, desaparecendo conforme sua face dava espaço a realidade por trás da máscara que tentava usar e das palavras sem verdade que tentava impor, que tentava fazer eu a si próprio acreditar.
Sem argumentos eu baixei meus braços e relaxei os ombros, suavizei o semblante. Eu só quero você, quis repetir mais uma vez, mas temi não ter mais voz para isso. Estava esgotada e ele parecia igualmente sem forças para continuar a briga, e por isso ficamos apenas com olhos nos olhos enquanto esperávamos algum de nós tomar a iniciativa.
Mas eu nunca soube o que poderia ter acontecido em seguida.
Apesar de eu me sentir tentada a pular sobre ele, presa entre balança-lo pelos ombros ou beija-lo com força, não pude fazer nenhuma das opções. E nem fiquei sabendo se me beijaria de novo, se me tocaria mais uma vez, apesar da maneira como me olhava parecer dizer que queria muito, uma expressão entre isso ou virar as costas e ir embora, como eu temia que ele fizesse e rezava para não fazer.
Mas a porta do apartamento se abriu antes que qualquer um de nós pudesse fazer alguma coisa, tomar alguma decisão. Para bem ou para mal.
De repente, nada do que poderia acontecer entre nós importava mais.
Lentamente, enquanto escutávamos risos chegarem aos nossos ouvidos, nos afastamos com pequenos passos, quebrando o contato visual e desfazendo o que quer que fosse aquilo que parecia se formar de novo entre nós, algo quase palpável que nunca teríamos a chance de descobrir o que era.
Com as mãos tremendo e a garganta seca, procurei o encosto de uma das cadeiras como um apoio improvisado. Por que tínhamos chegado a esse ponto? Por que eu permiti que isso acontecesse?, comecei a perguntar para mim mesma. Por que passar por todo esse desgaste se não chegaríamos a lugar nenhum?
Respirei fundo algumas vezes, tentando, em vão, parecer normal. Será que eu conseguiria enganar alguém assim? Eu duvidava muito.
logo apareceu em meu campo de visão, completamente bêbada, praticamente sendo carregada por , que estava sério e parecia até preocupado enquanto a ouvia murmurar frases sem sentido em seu ouvido.
Ele me viu antes de enxergar . Se percebeu meu desconforto e frustração por vê-lo, foi muito educado em não dizer. Estava tão concentrado em minha amiga que parecia absorto de muita coisa.
- , desculpe entrar assim, não sabia que você estava acordada, mas... – Ele se interrompeu quando notou a presença do seu amigo. Seus olhos dançaram entre ele e eu como se finalmente compreendesse que havia interrompido algo. Sem graça, ele olhou para os próprios sapatos. – Desculpem, eu... eu não quis interromper.
- Não interrompeu – fui eu quem disse secamente, vendo com o canto dos olhos, os lábios de se retorcerem em completo desgosto.
Por que de repente ele tinha que fingir mágoa?, questionei em minha mente, a raiva novamente se acendendo, misturando-se com uma espécie de ressentimento por sua atitude subitamente contida e incondizente com ele próprio que sempre tinha resposta para tudo, em todos os momentos. Não era ele que acreditava que aquilo não daria certo? Não era ele que teimava contrariar tudo o que eu dizia? Os nós dos meus dedos ficaram brancos conforme minhas mãos se fechavam mais ao redor do metal da cadeira e as dúvidas se assentavam em minha cabeça. Por que então ele não diz nada?
Eu tinha vontade de gritar.
- Eu só... – , pigarreou e indicou com o queixo, mole em seus braços, como uma boneca de pano, apesar de murmurar algo sobre bebidas e o abraço de . – Ela não está muito bem.
Eu olhei de relance para mais uma vez, apenas para vê-lo exatamente da mesma maneira que antes. Então soltei um suspiro irritadiço, deixando um segundo se estender até tomar a iniciativa de ir até minha amiga.
- Pode deixar, eu vou colocá-la na cama.
- Posso fazer isso.
- Eu consigo – protestei, mas passou por mim seguindo o corredor até chegar ao quarto dela.
Incapaz de ficar com naquele momento, ainda preso em seu silêncio interminável, eu segui de perto e o ajudei a colocar minha amiga confortavelmente sobre o edredom e as almofadas, tirando seus sapatos e a cobrindo com uma manta. Imediatamente ela apagou, completamente fora de si.
De volta a sala, permanecia parado no mesmo lugar, os ombros curvados e a cabeça pendendo para frente com os olhos perdidos em algo tão distante que de fato não parecia existir. Quando me aproximei, ainda que muito devagar e cheia de cautela, procurei por seu olhar.
Ele me encarou por apenas um segundo, aprumou sua postura até que sua coluna estivesse completamente ereta e então desviou os olhos.
Algo dentro de mim naquele instante perdeu forças e eu soube que aquela era sua resposta final. Nada mais seria dito. Se ele sequer conseguia me olhar, não havia mais motivos para insistir com nada daquilo.
Muito calmamente, foi até o lado dele.
- Você pretende ficar ou…
- Ele vai embora. – Foi minha voz que preencheu o ambiente. Tarde demais, percebi que ela já não estava firme como poucos minutos atrás, e sim trêmula, fraca, tão cheia de sentimentos que eu mesma não seria capaz de nomear todos eles. Mas quem poderia me culpar por isso? Eu não conseguia mais entender onde aquilo estava me levando ou o que eu estava fazendo. Só sabia que estava cansada de ser rejeitada por ele. De ser feita de fantoche. E no momento em que ele deixasse a minha casa, eu desistiria dele por completo.
Era essa a minha decisão final. E o tempo estava se esgotando.
- , eu…
Eu me virei para , subitamente surpresa demais para esconder a esperança evidente em meu rosto ao escutar sua voz, perplexa esperando ele terminar a frase que havia começado. Por favor, diga que também me quer, diga que não importa a besteira que estamos fazendo. Por favor, por favor, por favor... Diga alguma coisa!, mas sua boca se fechou apenas um pouco depois, e, como uma conclusão, não se abriu mais nenhuma vez.
A primeira lágrima caiu sem que eu tivesse forças de impedi-la.
- Ele vai embora, – eu voltei a dizer, cruzando os braços sobre meu tronco, como se pudesse me abraçar ou me confortar enquanto sentia minhas forças se reduzirem a zero. – Se ele pretende continuar com essa história ridícula de certo ou errado, se ele pretende continuar fingindo para si mesmo todas essas coisas, então ele está indo embora.
E eu olhei para ele, intensamente, esperando que toda minha irritação, raiva e descrença pudessem o atingir, que pudesse alcançá-lo. Mas não consegui ser firme o suficiente. Parte de mim ainda esperava que ele dessa vez tomasse uma atitude, que dissesse algo que mudasse tudo, porque eu queria isso. Eu ainda aspirava, desejava por isso com os últimos resquícios de fé que eu ainda conseguia manter.
Mas o tempo passou, e nada foi dito.
Com um soluço entalado em minha garganta que se fechava a cada segundo, eu consegui respirar fundo e dizer aquilo que se tornaria minha última fala:
- Quando você for, saiba que não terá mais volta.
E a esperança que eu ainda tinha se foi quando seus olhos deixaram os meus pela última vez.
Com os lábios pressionados um contra o outro numa linha fina, eu virei meu rosto para qualquer lugar onde ele não estivesse, dessa vez incapaz de segurar as lágrimas que já escorriam por minhas bochechas.
O gosto metálico de sangue preencheu minha boca quando percebi que mordia o lábio inferior, num esforço grande demais para não deixar nenhum som escapar por entre meus lábios.
, um tanto assustado e sem graça, não emitiu som quando o puxou pelo braço e o levou até a porta, sem qualquer tipo de resistência ou obstinação.
A cada passo que ele dava para longe de mim, mais um pedaço meu parecia se quebrar.
Estava feito.
Ainda em pé, parada na mesma posição qual haviam me deixado, eu não ouvi a maçaneta se fechar, mas pelo tempo que se estendeu em seguida, eu sabia que eles tinham ido embora.
O choro já era involuntário, ainda que eu tentasse a todo custo controlar as lágrimas que caíam por meu rosto. Eu não queria acordar , ela não merecia esse drama. Mas alguém merecia, afinal?
Me sentindo completamente vulnerável, completamente exposta e vazia por ter dito todas aquelas coisas em vão, por ter me tornado tão transparente para alguém que sequer se mostrou digno de tal atitude, fui em direção a porta com a intenção de trancá-la e não abri-la mais. Mas acho que foi no meio do caminho que, com as mãos tremendo e a vista embaçada, decidi que faria a mesma coisa comigo mesma.
Contudo, antes de sequer chegar devidamente a entrada, eu interrompi meus passos, parando estática com todo o corpo esticado bem no meio do caminho.
Parado de frente para a porta, estava , sem , com a testa encostada na madeira, tão quieto que eu precisei fechar os olhos e reabri-los para ter certeza que não era um truque da minha cabeça.
Ele percebeu minha presença pouco silenciosa e olhou-me sobre os ombros, ainda que eu não pudesse ver seu rosto completamente.
Por um instante as palavras se perderam em minha boca.
- Por que ainda está aqui? – consegui murmurar para ele, após vários segundos de tentativas falhas.
- Porque eu sou incapaz de deixar você, . – Ele se virou de frente para mim, os olhos vermelhos, como se ele próprio lutasse para não chorar. Meu coração errou uma batida enquanto o olhava desmanchar qualquer barreira que teimasse em permanecer sobre si mesmo. Sua própria voz parecia diferente daquele tom impassível que ele costumava usar, o próprio rosto abatido. – Sou incapaz de deixá-la aqui, pensando que eu realmente quis dizer todas aquelas coisas. Eu não quis. E não posso ir embora agora. Com ou sem contrato, não consigo ficar longe de você.
Ele se aproximou de mim a passos lentos.
- Não consigo ficar sem você. – Parou de frente para mim, vendo-me incapaz de mexer um músculo que fosse.
Meus pulmões se expandiram em busca de ar, fazendo me perceber, tarde demais, que eu prendia a respiração enquanto o observava caminhar em minha direção. Balancei a cabeça para os lados, em completo estado de confusão.
- Mas você disse…
- Esqueça o que eu disse. – Interrompeu, e pela primeira vez naquela noite eu consegui enxergar a fragilidade que também emanava dele, por cada poro do seu corpo, agora tão nítido, que me deixava desconsertada. – Eu menti quando disse que não me importava, quando disse que não podíamos fazer isso.
- Então por que fez?
- Porque sou idiota. – Um riso fraco e tímido deixou sua boca. Eu o imitei pelo simples fato de vê-lo sorrir. – Porque precisava tentar colocar juízo na sua cabeça. E porque sei, que, se seguirmos adiante com isso, vamos estar nos metendo numa encrenca sem tamanho que só Deus sabe onde vai nos levar.
Eu funguei em meio a uma risada. Eu não entendia porque ainda continuava chorando, mas as lágrimas escorriam livremente por todo meu rosto.
- Eu sei disso, . – Eu mesma quase não consegui ouvir a minha voz. – E eu não dou a mínima.
Ele se aproximou mais um passo, segurando meu rosto com suas mãos. Eu não impedi que ele me tocasse. Deixei que seus polegares corressem por minhas bochechas num toque sutil enquanto eu cobria suas mãos com as minhas.
- Ótimo – ele disse enfim num sussurro. –, porque eu também não.
sorriu para mim. Um sorriso tímido, que apesar de pequeno e tenso, chegava aos olhos e dava indícios de que que havia mais do que de fato era mostrado. Mas eu não ligava para aquilo. O que eu via acontecer em minha frente já parecia grande demais.
- Tentar ser correto, afinal, nunca foi bem meu estilo.
- Não mesmo. – Eu consegui sorrir também, aproximando-me ainda mais dele, as pontas dos meus dedos agora subindo por seu peito até chegar em seu pescoço, sentindo seu batimento cardíaco acelerado sob suas veias.
- Então me permita reverter esse erro. – Ele segurou mais forte em minha nuca, seus olhos tão fundos nos meus que pareciam ver minha alma. Eu sei que conseguia ter um vislumbre da sua. – Porque também estou disposto a ficar com você, , e enfrentar qualquer risco ou consequência que venha com isso.
Capítulo 34
Find yourself a new gig
This town ain’t big enough for two of us”
’s POV
Acordei na manhã seguinte com a luz do sol batendo sobre o meu rosto. Dolorida pela posição ruim em que havia dormido, e mais surpresa que ver a manhã ensolarada depois de tantos dias nublados, foi perceber que ainda estava ali, no mesmo sofá que eu, dormindo, perto o suficiente para eu tocar o cabelo que caia sobre seu rosto, se eu quisesse.
Precisei de alguns segundos para raciocinar os fatos.
Parecia tudo ainda um tanto irreal. Eu demorava a acreditar no que realmente estava acontecendo, ou no que poderia e ia acontecer, o rumo que aquilo estava tomando desde o meio da madrugada anterior.
Com as pernas emboladas umas nas outras, em algum momento horas antes havíamos adormecido no meio de outra conversa aleatória, no meio de algo que nenhum de nós parecia de fato acreditar. Ou entender.
A questão é que tínhamos algo que parecia frágil demais, tão delicado, que com um toque fora do lugar, podia se despedaçar.
Era estranho demais e ao mesmo tempo completamente fascinante.
Os olhos dele se abriram alguns segundos depois e não demoraram a se focar em mim.
Minhas bochechas coraram e eu desviei meu olhar para minhas próprias mãos, fingindo distração quando na verdade minha atenção estava toda nele. Mas afinal, que tipo de pessoa fica encarando a outra enquanto dorme? É um tanto quanto bizarro. Eu acharia, no mínimo, algo esquisito. Porém, pareceu achar graça disso. Sentou-se melhor no sofá, arrumando sua postura. Parecia tão dolorido quanto eu pela posição de mal jeito, mas não deixou isso visível, nada além da pequena careta que fez. Logo ele substituiu a expressão por um sorriso contido que chegava até os olhos. Parecia genuinamente feliz, num tipo de paz que, eu precisava admitir, não via nele em dias.
Queria saber o que ele estava pensando.
Com os segundos em silêncio se arrastando por entre nós, eu pisquei algumas vezes até enfim dizer:
- Oi.
- Oi – ele me respondeu, a voz grogue e arrastada.
- Bom dia! – Nós dois quase caímos do sofá com a voz de chegando aos nossos ouvidos.
Sentada, a apenas alguns metros de nós, minha amiga estava segurando uma caneca de café em suas mãos, vestindo um roupão sobre sua roupa e, apesar de, em aparência, não estar em um dos seus melhores momentos, parecia bastante entretida e interessada no que via.
Por puro reflexo eu e nos afastamos como pudemos, como se estivéssemos fazendo algo de errado.
Acabei por abraçar minhas pernas contra meu tronco e , ainda atordoado, se decidia entre deixar as pernas sobre o sofá ou encostar os pés no chão.
Os olhos afiados de dançavam entre nós dois. Haviam tantas perguntas neles que eu comecei a ficar preocupada pela maneira como ela nos olhava.
Eu pigarreei algumas vezes, mas não fui capaz de esconder a vermelhidão do meu rosto. parecia igualmente sem graça e, pasmem, sem palavras.
- Há quanto tempo você está aí? – Eu tentei soar despreocupada, mas pela maneira qual minha amiga me olhou imediatamente, sei que falhei.
- Engraçado você perguntar isso – ela começou. – Porque eu ia fazer uma pergunta parecida a você: há quanto tempo isso está acontecendo?
Eu fui incapaz de fazer algo senão piscar incontáveis vezes. , tão aturdido quanto eu, pareceu incapaz de formular uma frase. Eu fiquei grata por isso, apesar de minha amiga não ter demonstrado felicidade.
- Deixem-me contextualizar melhor a questão. – Ela colocou o café sobre a mesa de centro e se arrumou na poltrona mais uma vez. – Eu não me lembro de muita coisa sobre a noite passada. E é verdade, eu não me lembro mesmo. Sequer recordo de ter chegado em casa, mas com certeza absoluta lembro de ter deixado você sozinha aqui ontem. E posso estar enganada, mas até então você e... esse sujeito, tinham brigado apenas algumas horas antes. Pra variar. Como podem estar... assim hoje então? O que eu perdi que você não pôde me contar?
- É... complicado.
- Complicado é eu beber álcool demais e depois perder a consciência. Isso é complicado. O que está acontecendo aqui é no mínimo... uma bagunça.
O desconforto era comumente sentido por todos e pairava acima de nossas cabeças.
Eu passei meus olhos tanto por quanto por . De fato, havia muito o que conversar. Com ambos. Mas não sei se eu seria capaz de fazer isso com eles juntos.
o encarou de cima a baixo.
- Bom, levem o tempo que precisarem.
- – eu a chamei num pedido não pronunciado para ela parar. Não era hora para isso.
- É verdade, estou de folga hoje.
- . – A súplica e o aviso implícito em meus olhos, a longa piscada que eu dirigi a ela foram o suficiente para calá-la, apesar de minha amiga sustentar o olhar e insistir por mais alguns segundos.
No fim ela se levantou. Os lábios apertados numa linha fina, suas pernas esguias levando sua insatisfação para longe sem dizer sequer outra palavra.
Mas sua saída não levou embora nosso desconforto que se estendeu em um silêncio incômodo por ainda outros longos segundos.
- Me desculpe por isso. – Consegui dizer assim que estávamos sozinhos na sala.
- Tudo bem – me respondeu, a voz ainda rouca e baixa. Então ele passou as mãos pelo cabelo como se despertasse de fato e se levantou. – Melhor eu ir agora.
Imediatamente eu me coloquei de pé, rápido demais, com as palavras pulando pra fora da minha boca:
- Você pode ficar. – Seus olhos se prenderam em mim, sem piscar. – Se quiser. – Acrescentei sentindo o estupor em mim.
Lentamente um sorriso cresceu em sua face.
- Eu... – Sua visão desceu para os seus próprios pés. – Eu falo com você depois.
Assenti, subitamente quieta. E por alguns segundos ficamos apenas nos olhando, até que ele deu dois passos para frente e se inclinou sobre mim, suas mãos encontrando minha nuca, os polegares em meu maxilar. Então seus lábios estavam nos meus, no mais sútil dos toques.
Surpresa demais para sequer reagir, me mantive completamente parada exatamente da maneira que estava até que ele afastasse seu rosto do meu.
- Depois – ele sussurrou contra a minha boca.
- Depois. – Eu concordei com um sorriso crescente nos lábios.
Então ele se afastou. Em um instante estava na minha frente, em outro já estava fechando a porta e indo embora.
Eu me sentei novamente no sofá quando no momento seguinte minha amiga voltou a adentrar a sala, uma sobrancelha arqueada e os braços cruzados na altura dos seus seios.
- Será que agora eu posso questionar alguma coisa ou você vai me expulsar com seu olhar mais uma vez?
- Convenhamos, você foi inconveniente.
- Não fui.
- Claro que foi! Acha que foi agradável pra gente dar de cara com você nos observando? Inconveniente.
torceu sua boca numa careta e então revirou os olhos.
- Talvez um pouco.
- Talvez muito.
- Desculpe, eu só queria ter certeza que eu já estava sóbria e não tendo qualquer alucinação pelo álcool.
Eu soltei um suspiro longo, mais alto do que o planejado.
- Deixa isso pra lá – ela me disse quando percebeu minha irritação crescente. – Desculpe por ter sido sem noção.
- Tudo bem. – Eu abanei uma mão como quem diz para esquecer o assunto, mas mantive minha atenção focada nela. – te trouxe ontem. Bem na hora que e eu estávamos... conversando.
- Vai me contar o que aconteceu?
- Se você ainda quiser ouvir.
Então nós nos sentamos no sofá, dessa vez eu a acompanhando com o café, e contei a ela os acontecimentos da noite passada. Algumas partes mais superficiais que outras, e tenho certeza que ela percebeu a falta de detalhes entre minhas frases, contudo, pareceu satisfeita em ouvir. E animada, apesar de eu ter certeza que ela não concordava completamente com isso.
- Você parece feliz. – Ela me observou após já estar a par de tudo.
Por um instante eu fiquei sem reação.
- Me sinto feliz – respondi por fim. abriu um sorriso.
- Espero que você seja feliz.
Os dias se passaram numa calma avassaladora que me fizeram questionar se, por alguma razão, isso não precederia uma grande tempestade em algum momento a seguir.
Treinar na academia, ter as aulas individuais de luta e tiro, eram as únicas coisas que eu continuava fazendo e ainda assim não eram o suficiente para aliviar meus nervos. Talvez a falta do que fazer com o fim das filmagens e esse intervalo tortuoso entre uma reunião e outra me deixasse igualmente nervosa e inquieta, tanto quanto pensar no que eu teria que fazer em apenas poucos minutos.
De novo dentro daquele edifício completamente fechado por vidros no centro de Londres, o nervosismo e apreensão falavam mais alto que qualquer outro sentimento em mim, ainda que eu mantivesse minha postura e minha expressão completamente nula e sem qualquer dica do que se passava em minha cabeça.
Não havia espaço para dúvidas, eu frequentemente me lembrava. Já estava decidido. Eu não voltaria atrás.
me encarava às vezes, ainda que fingisse o contrário. Não me sentia feliz ou satisfeita com sua atenção, mas igualmente não podia impedi-lo de me olhar. Pelo menos eu podia ver que ele hesitava em se aproximar, como se percebesse que existia uma aura ao meu redor que o repelia. E era verdade, eu ainda não conseguia falar com ele. Não sabia mais se poderia confiar nele. Não sem me lembrar do jogo qual ele me colocou e quis se colocar a frente como o jogador mais esperto.
Eu olhei para ele, devolvendo um olhar carregado de frieza, demonstrando um pouco daquilo que eu sentia por ele em meu interior. Contudo, não foi capaz de sustentar a ligação, ainda que o serpentear de uma chama tenha se iluminado em suas íris.
Será que ele tinha alguma noção do que eu pensava sobre ele agora? De como eu me sentia pelo que ele fez? Será que isso importava?
Com um leve som de sino, a porta do elevador se abriu e tirou cada um de nós de seu próprio devaneio. Os advogados e representantes de todos nós se dirigiam para a sala imediatamente, nos oferecendo apenas um rápido aceno. A deixa de que o trabalho precisava ser feito e terminado.
Todos: , Victoria, , , , e eu, apenas os observamos passar por entre nós como um desfile a ser apreciado.
Respirei o mais fundo que pude e ainda assim não consegui me levantar da cadeira, como se meus ossos pesassem chumbo e o ar que eu respirava fosse insuficiente. Independente se fosse ou não para nós segui-los até aquela respectiva sala, eu provavelmente ficaria um pouco mais sentada naquela poltrona, esperando.
pareceu notar alguma coisa na minha expressão corporal que ou não o agradou, ou que ele não foi capaz de compreender, talvez aceitar. Procurou meus olhos com os seus como se perguntasse silenciosamente o que havia de errado. Mas eu podia ver sua agitação camuflada por sua indiferença usual casualmente forjada.
Levantei meus ombros minimamente, como quem não sabe o que dizer. De fato, eu não sabia.
Mas isso não foi o suficiente para fazê-lo esquecer o assunto.
Enquanto e se levantavam, conversando baixo e se preparando para ir logo ao que vieram, mordeu o lábio, ainda me encarando. Eu podia ver algumas questões passando por sua cabeça, ele resolvendo e respondendo-as silenciosamente antes de se colocar de pé, e, com o queixo, indicar um caminho atrás de si, caminho esse que ele estava tomando a seguir.
E queria que eu o seguisse, aproveitando o súbito movimento da maioria daqueles que nos rodeavam.
Ponderando por um instante, eu deixei que ele fosse na frente, me perguntando o que os outros pensariam se nos vissem ir sozinhos para um lugar longe da companhia deles. Logo nós dois, que, geralmente, desmanchávamos a paz de qualquer ambiente apenas com palavras e línguas afiadas.
Mas não importava de verdade o que eles pensavam. Se prestariam ou não atenção nos passos que eu daria. Já estávamos todos metidos naquela encrenca, quer desconfiassem de mais isso ou não.
Poucos segundos depois eu me levantei e segui o mesmo caminho que .
Atrás de uma parede que dividia o ambiente das entradas dos banheiros, ele me esperava com as mãos nos bolsos, me estudando de cima a baixo com os olhos semicerrados e atentos. Não tentei e nem quis esconder meu ar contemplativo, e nem a tensão presente em todo o meu corpo.
- Tem algo errado.
Não foi exatamente uma pergunta, mais uma afirmação da sua parte.
Novamente eu dei de ombros. Eu quase podia dizer com certeza que as questões quais pairavam sobre mim também pairavam sobre ele.
- Quer conversar? – ele perguntou um tanto depois.
- Não é algo que eu queria – admiti para ele. – Mas acho que precisamos.
Novamente ele me estudou por um instante, mas não demorou e responder:
- Eu sei.
não hesitou em dizer aquilo ou em me olhar, esperando que eu tomasse a iniciativa, mesmo sabendo que era bastante perceptível para mim que sua concordância não eliminava seu súbito desconforto. Muito menos que era capaz de eliminar o meu.
- Você queria falar sobre…
- O contrato. – Terminei por ele, soltando lentamente o ar por minha boca, tomando coragem para seguir com aquilo, não que fosse um assunto novo. Não que já não tivéssemos discutido superficialmente sobre aquele mesmo tema antes.
Um segundo que pareceu uma hora se estendeu.
Mantínhamos uma distância saudável entre nós. Eu, com os braços cruzados sob os seios, as pontas dos meus dedos mexendo distraidamente nas pontas do meu cabelo solto. Ele, com sua face inexpressiva, o corpo solto indicando tranquilidade, mas eu conseguia ver o músculo do seu maxilar tensionado, assim como ele via minhas tentativas de não engolir em seco.
Minhas mãos se tornaram inquietas enquanto eu tentava com afinco manter a pose decidida. Resoluta.
Talvez tenha sido a expressão que perpassou por seus olhos, a chama que apareceu e desapareceu neles em apenas um batimento cardíaco, contudo, me vi preparada para uma discussão. Eu não voltaria atrás em minhas escolhas, não voltaria com meus passos, independente disso facilitar minha vida ou deixar meu caminho atual mais árduo e cheio de complicações. As palavras ditas permaneceriam as mesmas.
Mas ser firme e segura da sentença que eu mesma havia me dado não me impediu de perguntar, não me impediu de querer saber e questionar a opinião dele em tudo isso. Então esperei por suas palavras.
Eu precisava delas.
- Não vou pedir que você não assine os papéis.
Sua resposta fez com que a tensão dos meus ombros se desmanchasse um pouco. Entretanto, ainda assim, respondi com firmeza:
- Eu não deixaria de assiná-los mesmo se você dissesse o inverso. – Meu queixo para cima, o nariz empinado, ombros para trás. Tive certeza que ele enxergou a petulância em cada micro detalhe em mim, em minha postura, como se eu quisesse provar algo para ele. Para mim mesma.
A sombra de um sorriso quis se erguer em um dos cantos dos seus lábios, como se algo o divertisse, mas fosse inoportuno para o momento. Em um segundo sua face voltou ao que era antes.
- Eu nunca pediria o contrário – falou com calma. – Nunca pediria para que você deixasse de fazer algo por minha causa. A escolha é sua. E eu a aceitarei seja ela qual for.
Eu pisquei duas vezes antes de relaxar minha postura por completo, absorvendo o significado do que dissera.
Por um milhão de razões essas seriam as últimas coisas que eu havia pensado ouvir. Por mil motivos diferentes aquilo parecia mais uma brincadeira do que uma fala convicta e real. Mas eu olhava em seus olhos, suas íris sustentando as minhas com determinação, e soube com certeza que aquilo era dito com verdade.
Ele observou a dúvida em meu semblante, minha incredulidade, aos poucos se desfazer enquanto nos observávamos sem vacilar e, por fim, pareceu satisfeito com o que viu, com minha reação tardia. Sorriu quase como se tivesse gostado da surpresa e quase alívio que quiseram se deixar mostrar.
Contudo, o gesto não chegou a durar.
Talvez tenha sido meu engolir em seco, meu pequeno desequilíbrio na postura ou talvez meu suspiro um tanto mais alto que o planejado, contudo, logo sua expressão se atenuou novamente, a seriedade tomando o sorriso do seu rosto.
E ele esperou que eu dissesse, tomasse a iniciativa para falar fosse o que fosse que estivesse em minha mente.
- Como faremos isso funcionar? – As palavras saíram com dificuldade da minha boca subitamente seca. Eu não queria pronunciá-las, não de verdade. Mas sabia que era necessário. Como faremos isso já que ambos vamos seguir com o maldito contrato?, era a frase exata e completa que fui incapaz de formular para ele.
Porque eu sabia, que apesar da sua resposta anterior, ele não estava feliz com minhas escolhas. Ele as respeitava, mas isso não significava que concordava com elas. E o fato de eu estar ali, direcionando esse diálogo para essas questões, mostrava que eu também não estava feliz ou satisfeita. Mostrava que, apesar da visão decidida que eu passava aos outros, ainda guardava insegurança sob a pele.
não desviou os olhos de mim. Perpassou-os por todos os cantos do meu rosto até se prender novamente em minhas íris, lendo e visualizando aquilo que estava oculto por minha face.
Eu não sabia muito bem o que ele via em meus olhos, mas nos seus eu via um brilho que deixava-os quase como bronze derretido contra a luz.
- Eu não sei. – Sua voz transbordava sinceridade. E apesar de não ser aquilo que eu desejava escutar, fiquei satisfeita com o que disse. Pela maneira como disse. – De verdade eu não faço ideia de como faremos, mas tenho certeza que daremos um jeito.
- Seremos capazes de lidar com tudo?
Porque às vezes eu me pegava pensando sobre as consequências que isso traria para nós, mas principalmente para . era seu amigo muito antes de eu aparecer em seu caminho. No caminho de ambos. Não era justo que eu me tornasse um empecilho. Outra questão que eu não era capaz de dizer em voz alta.
Felizmente ou não, ele pareceu entender o ponto onde eu queria chegar.
E mesmo que seus ombros tenham se curvado levemente para frente, que a sombra do cansaço tenha tomado seu olhar, sua mão encontrou a minha e a segurou com um misto de firmeza e sutileza.
- Daremos um jeito – repetiu convicto. E aceitei suas palavras como um mantra.
Mais tarde, enquanto eu assinava os papéis e encarava todas aquelas assinaturas por mais tempo do que seria natural, eu fiquei repetindo aquilo em minha mente.
Daremos um jeito, daremos um jeito.
Eu darei um jeito.
’s POV
Eu tentei não fazer, realmente tentei. Mas era impossível não prestar atenção em a cada movimento seu enquanto ela efetivava o esboço do que seria sua carreira dali em diante.
Do que seria parte daquilo que estávamos construindo entre nós dois.
Eu a vi encher os pulmões de ar e soltar lentamente da maneira menos visível que conseguiu. Seu nervosismo somado a tensão da sala era óbvio apesar de disfarçado. E eu poderia dizer que o sentimento era mútuo.
Ainda que eu me esforçasse, não conseguia manter os olhos longe dela. Não conseguia prestar atenção em outra coisa, senão cada pequeno gesto que ela fazia. E talvez essa atenção deliberada fosse o que mais me denunciava, porque havia percebido meu olhar atento sobre ela. Desde momentos antes, quando eu e ela saímos sorrateiramente para conversar, antes disso até, já sabia que algo estava diferente. Que havia alguma coisa acontecendo.
E isso o incomodava. Eu o conhecia bem o suficiente para saber seus tiques, para ver seus dedos tamborilando o tampo da mesa, perdido em algum lugar com pensamentos longos, mas nada alheios. Juntando peças de um quebra cabeça que ele achava ter, buscando compreensão para algo que não lhe dizia respeito.
Ao menos, não completamente.
Tranquei o maxilar e baixei os olhos até a caneta em minhas mãos, que eu dedilhava, girava entre meus dedos para parecer distraído aos olhos dos outros. Mas na verdade quatro palavras reverberavam com força em minha mente. Aonde isso nos levaria?, eu me perguntava repetidamente desde antes de adentrar aquele edifício. Acho que eu me perguntava isso desde o momento em que aquilo entre e eu se concretizou durante aquela madrugada, só não sendo capaz de admitir isso para mim e muito menos para ela.
Minha vez de encher os pulmões com ar e soltar vagarosamente. Um cigarro viria bem a calhar no momento.
Quando ergui meus olhos de novo, me encarava com atenção, medindo meu comportamento. Ele também me conhecia bem o suficiente para saber quando algo estava errado. Quando existia alguma coisa fora do lugar. E ele via isso agora, claro como cristal bem em sua frente.
- Já que está tudo resolvido - um dos representantes da Modest falou quando o silêncio já parecia insuportável tolerar. –, precisamos aumentar os boatos acerca do relacionamento de vocês.
Uma sobrancelha de arqueou-se e só então sua atenção se desviou de mim.
- O que teremos que fazer?
- Saiam juntos ainda essa semana. Algo comum, que um casal de namorados faria.
- E depois?
- Bom – outra promotora soltou um risinho baixo. –, ajam como namorados.
E a conversa se encerrou simplesmente. não disse uma palavra e levantou-se quando a reunião acabou. Me dirigiu um rápido olhar e saiu pela sala da mesma maneira que entrou. Muda.
Eu fiquei olhando para onde ela estava mesmo depois de ela ter ido embora, desejando ter algo útil a dizer. Algo que a fizesse se sentir melhor com a situação qual nos colocávamos com total ciência. Mas eu não tinha. Eu sequer conseguia responder as minhas próprias dúvidas, quem dirá responder as dela com algo real e concreto, cheio de certeza.
E sinceramente, ainda naquela sala, sentado despreocupado na cadeira com um desinteresse que não existia de fato em mim, a única coisa qual eu tinha certeza é que a história pioraria muito antes de melhorar. O modo como me encarou antes de se retirar disse tudo.
Implícito e explicitamente.
Tínhamos assuntos a tratar.
- Está fazendo isso de propósito.
entrou em minha casa sem sequer bater à porta, como se o apartamento fosse dele também.
Engraçado que há algum tempo eu não teria me importado com isso, com esse pensamento ou com essa atitude. Não teria me irritado em absoluto se ele quisesse fazer qualquer coisa que fosse ali dentro, com quem quer que fosse também.
Agora, por outro lado, pareceu um insulto e uma intromissão muito grande para simplesmente ser ignorado. Ele não tinha mais esse direito. Porque eu sabia o que ele tinha feito com , sabia como ele tinha agido com ela, como a tinha enganado. Eu podia lidar com os olhares que me mandava, com rancor e promessas contidas neles, mas não conseguiria agir de forma parcial ou indiferente quanto ao resto.
Eu o olhei de canto de olho sem me prender em sua figura por muito tempo. De pé, eu permanecia parado no centro da sala, esperando.
Ele podia ter me procurado logo que deixamos a reunião, o edifício, mas não o fez. Podia ter me mandado uma droga de uma mensagem, me ligado, mas preferiu simplesmente aparecer em minha casa. Dentro dela. Sem ser convidado, sem perguntar se eu estava a fim de qualquer coisa.
Eram pistas suficientes para eu entender que aquilo não terminaria bem. Eram pistas suficientes para eu saber que ele estava feito, acabado. A última gota antes do copo transbordar completamente.
- Como disse? – falei, apenas alto o suficiente para ele me ouvir.
- Fez isso de propósito! Ainda está fazendo. Sempre fez tudo pensando no seu próprio umbigo!
Seu rosto se contorcia numa expressão de fúria, os músculos tão tensionados que as veias eram completamente visíveis sob sua pele. Ele parecia fazer um grande esforço para se segurar, e eu apenas deixei que a raiva que eu mesmo sentia simplesmente se acumulasse um pouco mais. Com as mãos abrindo e se fechando em punhos eu não me permitiria explodir, não com as consequências que poderiam vir depois se isso acontecesse.
Foi esse pensamento que me manteve firme como uma rocha no lugar onde eu estava enquanto via os olhos tingidos de vermelho de tão pouco distante de mim, prestes a entrar em combustão.
- Sempre foi um filho da puta egocêntrico! – Ele atirou as palavras em minha direção. – Pensa que consegue ser tão discreto com seus olhares, ? Eu vejo como você a olha! Sempre vi desde aquele maldito primeiro dia!
O ar carregado se intensificou um pouco mais conforme um pequeno intervalo de segundos se estendia, como uma deixa para que eu dissesse qualquer coisa que fosse.
- Você parece um tanto transtornado. – Tentei com sucesso manter minha voz numa calma inexistente salpicada com um pouco de sarcasmo. – Talvez devesse se acalmar um pouco.
- Não me diga o que eu tenho que fazer! – Ele avançou a longos passos até estar a um metro de mim, seu braço esticado em minha direção, o dedo tão próximo do meu rosto que quase me tocava. – Nunca mais sequer pense que saiba alguma coisa sobre o que eu quero ou preciso, porque claramente você não se importa!
- …
- Por uma vez, . Por uma única maldita vez você poderia ter sido homem e pensado mais com a cabeça de cima que com a de baixo! – Eu retesei um passo e minhas costas se alinharam perigosamente retas, o sangue correndo mais rápido por minhas veias. – Não é justo que esteja fazendo isso comigo, não é justo que você esteja fazendo isso com ela!
- Não a coloque no meio disso. O problema é entre você e eu.
- Mas ela é justamente o ponto! – ele berrou tão forte que senti sua voz arranhar a garganta. Nem um pingo de paciência existia nele, nada além da ira. – Você sabia que eu a queria, era óbvio para todo mundo! E ainda assim você foi atrás dela. Fez de propósito. Fez de propósito porque ela era um rosto novo em meio a tantos, fez de propósito para dizer que podia! Seu canalha, você fez isso simplesmente para dizer que era melhor que eu.
- Nunca sequer pensei nisso – respondi a ele, obrigando meus batimentos cardíacos a se acalmarem, obrigando meus músculos a pararem de tremer. – Você está falando sem pensar e agindo completamente fora de si. Não percebe que a escolha sempre foi dela? A culpa não é minha se ela não quis você!
- Não tente jogar essa máscara de arrogância sobre mim! Nem tente parecer condescendente! – Ele se aproximou mais. – Não tente bancar o inocente comigo, . Não esqueça que eu te conheço muito melhor do que você pensa.
- Engraçado dizer isso, uma vez que você parecia muito confortável se fazendo de bom moço para , fingindo ser um príncipe encantado saído diretamente de um conto de fadas. Mas quando ela o recusou, então finalmente resolveu mostrar outro lado de si, não é? Quando prometeu a ela uma coisa e não hesitou em fazer o contrário!
Dessa vez ele ficou calado, me olhando apenas, os dentes trancados, completamente imóvel.
- Eu também conheço você, , caso tenha se esquecido desse detalhe. Foi punição por ela ter dito não a você? Foi algum tipo de vingança sua querer prender ela a você nem que fosse indiretamente por causa da porcaria de um papel só porque ela me escolheu?
Ele respirou fundo, seus punhos tão cerrados que as juntas dos seus dedos estavam brancas como osso. Eu me perguntava se as unhas dele se afundavam na palma como acontecia comigo, se sentia aquela dor aguda na pele como uma linha tênue entre a conversa e uma briga de fato.
Eu me preparei para seu grito.
- Eu queria mantê-la longe de você, ! – Sua voz não foi mais alta que um sibilar carregado de ódio que fez meu autocontrole anuviar por um instante. Outras pessoas, eu tinha certeza, teriam tido bom senso de ir embora naquele instante ao ouvir seu tom lascivo. – Queria mostrar que eu sou melhor e não estou interessado em ficar com ela simplesmente pra pagar uma de famoso pegador igual você faz desde a merda do início da sua carreira!
- Mas que porra você está dizendo!?
- Que você não consegue ver uma mulher diferente na sua frente, que não consegue guardar o pau dentro das calças!
Dez segundos. Dez segundos foi o tempo que precisei para deixar suas palavras assentarem enquanto eu semicerrava os olhos em sua direção e procurava manter o resquício de calma que ainda existia em mim.
- Cuidado com o que você diz, – eu consegui dizer a ele num esforço que pareceu sugar muito da minha energia, minha voz num tom grave de aviso de que ele estava indo longe demais.
Mas como se ignorasse, como se não desse a mínima para onde aquilo nos levaria, ele soltou um riso de escárnio em minha direção.
- Isso me faz perguntar como ela pode querer você. – A voz dele soou igualmente baixa. – Me faz perguntar o que você tem que eu não tenho, ou que talvez não possa dar a ela. Como é possível que vocês, que não tem nada em comum, sequer tentem alguma coisa? Ela não te conhece, não de verdade.
- Tudo isso é entre eu e ela, não diz respeito a você.
- Será que não? – Ele se aproximou um passo. – por acaso sabe que você come geral? Que assim que você enjoar dela já vai pular para a cama de outra sem nem lembrar o nome dela? Ela sabe disso, ?
- Cala a boca, , você não sabe porra nenhuma do que está dizendo.
- Será que não sei? – Ele se aproximou mais, sua face diante da minhas, seus olhos fixos no meu. – Você contou a ela seus verdadeiros interesses? Ela sabe que você só quer usa-la pra depois descartá-la como um objeto qualquer? Ela sabe que quando estiver chorando se sentindo sozinha vou ser eu que vou consolá-la?
Eu respirei fundo, contando novamente. Um, dois, três…
- Não, eu aposto que não. Vocês devem ficar muito ocupados trepando para ela se preocupar com qualquer outra coisa!
Em um segundo ele falava, no outro minha paciência se esvaía e meu punho acertava seu maxilar.
Surpreso, demorou um instante para reagir, e seu súbito desequilíbrio permitiu que eu lhe acertasse outro soco, dessa vez em seu olho. Mas minha vantagem acabou aí. Ele começou a revidar no segundo seguinte com a habilidade de um boxeador que eu sabia que ele tinha. Nós treinávamos juntos não muitos meses antes e eu sabia como ele conseguia ser certeiro em seus socos quando queria e a força que ele conseguiria colocar em cada golpe.
O gosto acobreado em minha boca foi o suficiente para eu saber que haveria marcas visíveis em mim depois disso, mas eu garantiria que nele acontecesse o mesmo enquanto deixava o nó dos meus dedos acertarem sua face.
Sabia que poderíamos ter continuado nisso por muito mais tempo, até que um deixasse o outro inconsciente, não fosse por súbitas mãos que se colocaram entre nós dois nos separando imediatamente.
Talvez fosse o cansaço que começava a se mostrar presente, ou a culpa que me atingiu por estar batendo em alguém que fora meu amigo, que devia ser meu amigo, mas fosse o que fosse eu deixei me afastar até estar a bons passos de distância de , com um de olhos arregalados e assustado entre eu e , os braços esticados, fazendo força para impedir de se mexer sem prestar muita atenção em mim.
- Que caralho está acontecendo aqui!? – parecia completamente incrédulo, perpassando os olhos entre nós dois. – Que porra vocês acham que estão fazendo!?
- Eu disse para mantê-la fora disso! – eu grunhi para , que com o olho avermelhado começando a inchar, me olhava como se quisesse me destruir.
- Não me interessa o que você disse! – Ele cuspiu sangue no chão em seguida. – Não me interessa o que você pensa!
Ele se desvencilhou dos braços de que o mantinha afastado e deu apenas um passo em minha direção. se apressou em se interpor entre nós de novo para evitar o pior.
- O que eu disse é verdade. Cada palavra – ele grunhiu para nós dois, os olhos brilhando com uma fúria incalculável. – E você sabe, , sabe muito bem disso. E quando ela descobrir, eu estarei esperando. Esperando para recebê-la e para acabar com você! Porque é isso que vai acontecer, é minha promessa para quando você mostrar sua verdadeira cara.
- Saia daqui – eu murmurei para ele, acompanhando nossas palavras sem sequer ousar respirar. – Dê o fora da minha casa!
- Já aconteceu uma vez, . – começou a se afastar. – A história vai se repetir. Guarde minhas palavras.
Eu me empertiguei no lugar, os músculos rígidos e a coluna completamente ereta. lançou um olhar a para que ele fosse embora e depois arrastou os olhos até mim em completa confusão, sem qualquer entendimento do que suas últimas palavras haviam significado.
Mas eu sabia exatamente do que ele estava falando.
Capítulo 35
[…]
I’m the violence in the pouring rain
I’m a hurricane”
’s POV
- Que porra aconteceu? – me encarava do mesmo lugar, os olhos arregalados, respirando muito rapidamente, como eu, tentando lidar com a adrenalina que rugia por seu corpo.
Eu não sabia como ele conseguiu ter um timing tão bom, mas a presença dele ali mudou tudo. Se não fosse ele chegar…
Inquieto, eu comecei a andar de um lado para o outro, as palavras de ainda reverberando por minha cabeça. Minhas juntas doíam e eu sentia o sangue escorrer pelo meu lábio cortado, os arranhões incômodos nos nós dos meus dedos que ficariam roxos em apenas alguns minutos. Meu pulso latejava.
- Não foi nada – resmunguei passando as mãos pelos meus cabelos, o sangue grudando nos fios e os empapando longe do meu rosto. – Não vale a pena discutir isso.
A incredulidade e incompreensão no rosto de se transformaram numa risada desacreditada e sarcástica apenas para ser substituída por uma expressão de descrença e agonia como eu nunca tinha visto em meu amigo até então.
- Não vale a pena? – ele murmurou entredentes. – Um minuto mais tarde que eu tivesse chagado eu teria que ter chamado uma ambulância! Ou a polícia! Ou qualquer merda que fosse. Tem noção do que isso se tornaria? Algum de vocês dois pensou em alguma consequência?
- Não importa.
- Importa sim, cacete! – murmurou alguma coisa para si mesmo, antes de pegar o telefone. – Vou mandar alguém atrás de . Onde diabos estão os seguranças de vocês quando precisam deles?
Ignorei as perguntas retóricas, os comentários. Não queria responder e dizer que não preciso de escolta, que não quero alguém seguindo meus passos. Abri e fechei meus punhos como se me obrigasse a encontrar novamente a calma.
Eu observei falar com alguém pelo telefone, não levando mais que um minuto nesse processo. Meu corpo começava a pesar, mas minha mente ainda trabalhava rápido demais para eu sequer conseguir acompanhá-la. O que tinha acabado de acontecer…
- Por que veio aqui?
me olhou sobre seu ombro, o rosto sério e o semblante torcido em preocupação.
- Obviamente não para separar uma briga – retrucou. – Vinha falar sobre música. Algumas ideias que tive. Mas certamente isso pode ser deixado pra depois. Que merda estava acontecendo entre vocês? Por quê?
- Isso é entre e eu, – respondi ainda em um murmúrio. – Não vem ao caso envolver você ou qualquer outra pessoa.
Ele me respondeu com um sorriso seco:
- Não seja burro, ! Vem ao caso me envolver ou envolver os outros quando isso afeta nosso trabalho. E está claro o suficiente para eu entender que isso vai afetar muito mais que apenas nosso dia a dia como banda.
Eu o estudei rapidamente, deixando suas palavras se assentarem, sentindo a veia em minha testa, meu pescoço, pulsar, a pálpebra do meu olho começar a obstruir minha visão. Meu estômago pareceu se embrulhar.
Dali em diante o que aconteceria... Não.
- Se quiser contar alguma coisa a você ou a alguém, o problema é dele. Mas me desculpe, não vou falar sobre isso. – Fui até meu banheiro ainda sentindo seu olhar sobre mim e joguei água em meu rosto, a sujeira e o sangue escorrendo por entre meus dedos, a porcelana branca da pia sendo tingida por um tom avermelhado enquanto o mesmo se diluía ali. Eu respirei fundo o cheiro metálico misturado com água, me demorando apenas um segundo antes de encerrar aquilo, e me dirigi a sem sequer olhá-lo direito. – Eu quero ficar sozinho, se não se importar. Pode ver como está por si mesmo.
Um instante se estendeu enquanto ele me estudou e começou a se afastar.
Contrariado e nervoso, a boca numa linha fina, me olhou uma última vez, de cima a baixo como se não reconhecesse a pessoa parada a poucos passos de si, antes de deixar meu apartamento e bater a porta atrás de si.
Eu expulsei todo o ar dos meus pulmões antes de me sentar com a cabeça entre as pernas, mil pensamentos embaralhados tomaram conta da minha mente.
Eu não sabia o que fazer.
’s POV
As coisas estavam estranhas. Estranhas num nível que eu não conseguia descrever ou explicar, mas já fazia um tempo, alguns dias pelo menos. Tudo estava quieto demais. Normal demais, sem qualquer lasca de tensão ao redor. Sem qualquer menção de qualquer coisa, de ninguém.
Parecia que todos tinham desaparecido, com a intenção de cortar qualquer contato.
Até mesmo , que me via todos os dias, que sempre tinha algum comentário ou questionamento, se mostrava bastante cautelosa, como se medisse cada passo que dava, cada respiração que tomava. Parecia calcular cada frase que me dirigia.
Era óbvio que algo estava errado, que alguma coisa tinha acontecido. Ou estava acontecendo. Eu só não conseguia descobrir o que era.
Confesso que fiz pouco para tentar descobrir alguma coisa, contudo. Por várias vezes eu tentei me convencer de que não era nada, mas bastava eu encarar minha amiga por mais de cinco minutos que eu percebia: tinha algo que ela não estava me contando. As respostas tornavam-se evasivas sempre que chegavam em assuntos comuns, como a série, um dos garotos ou qualquer coisa relacionada a ambos os tópicos.
Eu não via ou qualquer outro deles desde o dia da reunião onde assinamos o contrato de fato. Não que eu precisasse de outro encontro tenso como aquele último, porém eu queria encontrá-lo. Queria vê-lo. Mas ele também me evitava. Alegou estar doente, pediu para não nos vermos por um tempo, que ele me visitaria assim que possível. Obviamente eu era mais inteligente que isso para acreditar que uma gripe qualquer fosse impedi-lo de me ver. Mas, levando em conta os últimos acontecimentos, eu acreditava que isso fosse alguma maneira de evitar que fôssemos vistos muito juntos, um tipo de medida preventiva, levando em consideração que agora, mais do que nunca, deveríamos ter muito cuidado com a maneira que levássemos isso adiante, já que as gravações da série estavam encerradas e não havia outra desculpa no momento que justificasse nossos encontros caso viessem a público.
Eu não o recriminava por isso, entendia completamente. Entretanto, ele devia ser mais esperto para saber que eu não acreditaria nisso cem porcento, que eu o conhecia melhor que isso. Porque parecia ter outro argumento por trás da história toda, o qual não expôs. Qual ele não queria que eu soubesse. E isso me inquietava.
Quando, desde que nós nos conhecemos, ele era o prudente de nós dois? Aquele que pensava a frente daquilo que fazíamos agora? Não se encaixava. Não fazia sentido, apesar de dever fazer, porque, afinal, era uma justificativa boa o suficiente. Eu só não conseguia aceitá-la por fim.
, para minha alegria, foi o único a entrar em contato comigo. Uma mensagem direta, bastante clara, que mais parecia uma ordem para que eu obedecesse:
“Hyde Park, quinta feira, 15h. Eu busco você em casa”.
A simples maneira fria como aquilo foi direcionado a mim fez com que minha irritação já existente por ele, crescesse ainda mais.
Contudo, eu procurei me acalmar e avaliar minhas opções antes de tomar qualquer atitude que depois me trouxesse problemas. Eu levaria isso adiante como um emprego. Outro personagem que eu construiria toda uma personalidade, uma fachada tão boa que convenceria até aqueles que não quisessem ser convencidos a fim de sairmos bem daquele negócio sem levantar qualquer suspeita que fosse.
Então, quinta feira, minutos antes de dar 15h, eu esperava pronta, na portaria do meu edifício, por meu amável e honesto mais novo namorado.
Ou o que quer que ele fosse para mim aos olhos dos outros.
Preparada para uma caminhada no parque, coloquei tênis macios e calças jeans confortáveis, um tanto rasgadas na altura dos joelhos e larga nas pernas. A camiseta de mangas compridas, por outro lado, era justa e com pequenas listras mesclando branco e azul marinho. Eu apostava que, para uma atriz de tv supostamente famosa, eu estava vestida de maneira muito simples levando em consideração que o objetivo daquilo era atrair holofotes. disse que meu propósito de chamar a atenção seria melhor atendido se eu optasse por usar um vestido de lantejoulas verde e saltos vermelhos ou quem sabe alguma seta com led piscante sobre a cabeça. Eu simplesmente a ignorei. Sinceramente, eu não dava a mínima. Quando o carro de , já bastante conhecido por mim, parou ao meu lado, eu não esperei para ver se ele abriria a porta para mim como sempre fez. Simplesmente estendi a mão e a puxei, entrando em seguida.
O clima, geralmente agradável que emanava dele e de todos os ambientes onde ele costuma estar, agora era substituído por algo oposto a isso, bastante frio e nada acolhedor. Por reflexo a essa percepção, passei os braços ao meu redor como se pudesse me abraçar.
- Oi, – eu o cumprimentei, mais por educação do que vontade. E tudo o que ele fez antes de voltar a dirigir foi me olhar rapidamente e repuxar um dos cantos da boca. Ele não me elogiou, não falou nada sobre minha roupa, sequer comentou irrelevâncias sobre o trânsito ou o clima. Nunca o vi tão calado e de súbito, ainda me acostumando a suas novas atitudes, o observei de soslaio.
Eu não tinha intenção de encará-lo por muito tempo, mas alguma coisa em seu rosto me chamou a atenção e semicerrei os olhos para ele. Contudo, receosa de parecer estar encarando muito, desviei o olhar rápido demais, mas não eliminei aquela sensação de que algo não estava certo. E sem trocar nenhuma palavra por todo caminho, seguimos até o parque.
De mãos dadas, nós andamos pelo Hyde Park por minutos como se não tivéssemos a capacidade de falar. Aquele conforto e carinho existentes que propagavam apenas com sua companhia, de fato, não existiam mais, eu já tinha certeza absoluta disso. Sua mão era fria ao meu toque, e, sinceramente, apesar de como devíamos agir, eu sequer conseguia manter o aperto dos meus dedos contra os seus. Entrelaçados, porém frouxos.
Eu ainda procurava observá-lo, estudando a estranheza em seu rosto, a seriedade acentuada como nunca vi. Marcas superficiais que depois percebi estarem cobertas por uma fina camada de maquiagem que camuflava machucados sob ela. Franzi o semblante com o leve entendimento.
- Por quanto tempo vai continuar com esse silêncio, apenas me encarando?
não olhou para mim enquanto dizia. Eu dei de ombros, sem de fato me importar.
- Depende – respondi. – Por quanto mais tempo você pretende ficar com essa expressão de quem acabou de sair de um enterro?
Um dos cantos dos seus lábios se ergueu, mas não senti humor no gesto.
- Touché – ele murmurou e não interrompeu seus passos.
Eu abri um sorriso que mostrava todos os dentes, mais pela imagem que estávamos passando para os outros do que por vontade própria. O parque não estava cheio, principalmente por ser um dia de semana bem no meio da tarde, mas haviam algumas pessoas nos olhando de soslaio, com aquele olhar que diz “conheço vocês, mas não lembro bem de onde”. Não havia sinal de fotógrafos à vista, ainda assim, era sempre melhor prevenir. Então, mantendo as aparências, me aproximei mais de , aconchegando-me em seu braço, encostando minha cabeça em seu ombro.
Por um instante muito breve ele pareceu sobressaltado e então entrou no papel, sorrindo para mim como se estivesse feliz em me ver, como se risse de algo que eu tivesse acabado de lhe falar.
Sabíamos que isso era mentira.
- Aconteceu algo com seu rosto? – Esforcei-me, em parte para puxar assunto e tentar ser agradável, e em parte para matar a curiosidade, reparando num sombreado mais escuro circundando seu olho esquerdo, que chegava a parecer levemente com uma olheira, mas que não se repetia no olho direito igualmente.
Pelo tempo que demorou para ao menos me contemplar, soube que o assunto não me interessava. Ele não tinha a menor intenção de me contar fosse o que fosse, mesmo se algo estivesse errado e ele precisasse de ajuda.
Bem, era a escolha dele, mas confesso que me senti relativamente intrometida por tocar num assunto que não me convinha.
- Deixa pra lá – murmurei contrariada no mesmo instante que ele soltou um suspiro carregado.
- Olho roxo – respondeu em seguida, a contragosto. – Treino de boxe.
- Parece estar bem feio.
- Estava pior – foi o que ele disse e encerrou o assunto.
Eu o avaliei por um instante e foi minha vez de conter o suspiro alto do fundo dos meus pulmões.
Tentei por um tempo manter o sorriso no rosto, ao menos um repuxar nos lábios enquanto andávamos quase abraçados, mas ao passo em que eu parecia estar me esforçando muito, sequer se dava ao trabalho de me olhar.
Mordendo o lábio e segurando um pensamento mal-educado, formulei melhor a frase:
- Devíamos ir embora – comecei a falar tranquila e pausadamente. –, se você não vai nem ao menos tentar.
Ele sentiu minhas palavras acusatórias sem nem mudar sua postura ou o ritmo em que caminhava, como se não desse a mínima para o que eu pensava ou o que fazíamos.
- E eu devia tentar quando sei que isso não é o que você quer?
- Tenho alguma escolha senão justamente essa?
- Você poderia ter dito não.
- Sabe que não funcionaria assim. Você mesmo disse. Ou era uma escolha mútua entre nós dois, ou era nada. – Eu deixei que aquilo que não foi pronunciado fosse assentado nas estrelinhas, que o entendimento súbito fosse captado pelo silêncio.
Outro sentimento pareceu cruzar seu rosto. Mágoa, arrependimento. Eu não sabia dizer muito bem. Preferia não ter certeza.
- Está dizendo que a culpa é minha. – Não foi uma pergunta de verdade, mas senti a indagação em sua voz. O mais próximo de fraquejar sua postura irredutível e concreta que se permitiu fazer.
- Estou apontando fatos, não dedos. – As palavras afiadas o pegaram completamente e eu não me senti mal por isso.
- Você vai remoer isso até quando, ? – Exigiu em tom quase grosseiro. – Até quando vai ficar com essas paredes levantadas e me repelir para longe de você?
Não respondi a nenhuma de suas questões e finalmente afastei meus olhos para longe dele. Também senti suas palavras me atingirem com força, mas rezei para ter mantido minha face inalterada.
Observei o nosso entorno, as árvores que nos rodeavam, o aroma de terra molhada, o ar leve e gentil que contrastava grandemente com o peso dos nossos pensamentos, das nossas palavras. Porque havia muito não dito que queria ser pronunciado, mas eu guardaria para mim. Por um pouco mais, eu faria isso.
- Não vou me desculpar, . – Minha voz saiu mais suave e até seus ombros relaxarem com essa percepção. – Se é isso que está querendo dizer.
- Não estou pedindo por isso.
- Então esclareça onde quer chegar. Não consigo ler você. – Porque houve um tempo que eu acreditei que o entendesse, que soubesse interpretar suas ações, gestos, olhares. Agora, porém, não mais. Ele parecia um estranho aos meus olhos, desde o momento que disse que faria algo, e terminou por fazer exatamente o oposto.
Eu o vi me observar por um instante, de cima a baixo, se prendendo em meu rosto e em meus traços, desvendando minha expressão. Então ele se aproximou, soltou sua mão da minha e passou o braço sobre meus ombros, puxando me contra si até que sua boca encosta em minha testa.
- Não quero que você me afaste, – foi sua resposta contra minha pele antes de beijar o local suavemente. – Não quero se afaste de mim.
E outra vez eu não respondi. Segurei sua mão que caía por cima do meu ombro e sorri levemente enquanto o abraçava com o braço livre, percebendo mais olhares sobre nós, a atenção das pessoas se voltando exatamente para nós dois. Contudo, minha vontade não era essa, e ali, onde estávamos, eu não podia, não de verdade, mostrar o que eu estava sentindo. Mas eu ainda podia falar:
- Isso não muda as coisas. – Porque só palavras não bastavam para mim.
- Talvez não agora.
A pontada de esperança em sua voz fez algo dentro de mim se contorcer e precisei respirar fundo para não exibir uma careta no lugar do sorriso, do olhar doce que eu tinha que manter.
- Talvez não mude nunca, . – E dessa vez eu me senti mal quando as palavras deixaram minha boca. Ainda que fosse verdade, ainda que eu estivesse sendo sincera em cada sílaba. Um resquício daquele homem que eu tinha compartilhado tantos momentos divertidos, que eu pensava ser meu amigo, veio à tona. E tão rápido quando apareceu, aquela expressão se dissolveu em sombras, substituída por outra fachada, um sorriso que não chegava aos olhos, o tom de voz debochado:
- Então você espera agir assim, como uma pessoa oca, fingindo que não me conhece, até que o contrato acabe?
Eu parei de andar e o encarei diretamente, olho no olho, sem me importar no quão abrupto aquilo foi, pronta para deixar que pensamentos inacabados deixassem meus lábios, mas comecei a ver alguns detalhes em sua expressão que até o momento eu não havia notado, e segurei as palavras por mais um instante.
Além do olho roxo por baixo da sua maquiagem, existiam, de fato, olheiras fundas, uma leve marca sobre seu cílio esquerdo, onde provavelmente antes teria sido um corte, outros roxos mais leves pelo maxilar logo abaixo da barba rala, mas vi também aquilo que não era perceptível a olhos nus; uma vulnerabilidade que ele tentava esconder, uma fraqueza que tentava apagar. Desgosto e tristeza que ele sufocava dentro de si e os subjulgava com máscaras muito a calhar para a situação.
Mordi o lábio inferior, esperando que a percepção não transparecesse em meus olhos, que ele não percebesse que eu era uma observadora muito melhor do que muitos me julgavam ser, do que, com certeza, ele mesmo acreditava.
E antes que eu pudesse sequer pensar em uma resposta decente para sua pergunta, essa que eu não poderia deixar de responder, eu vi de longe, a câmera levantada em nossa direção, o objetivo a que viemos prestes a ser cumprido.
Odiando-me por ter que fazer isso, justamente naquele momento, eu me aproximei um passo, um sorriso desabrochando em meus lábios, e disse pausadamente enquanto ele apenas me encarava com aquela incógnita no rosto:
- Esse é só o começo, . – E rapidamente passei minha mão livre por sua nuca, encostando minha boca na sua em seguida, os olhos ainda abertos o encarando, porque não havia calor nas minhas palavras antes disso ou no meu gesto naquele momento.
Só quando ele entendeu o que estava acontecendo, ainda um tanto surpreso, passou as mãos por minha cintura e nós dois fechamos os olhos. Eu sorrindo contra a sua boca, sentindo sua respiração contra minha bochecha.
Como era possível que eu me mostrasse tão oposto daquilo que eu estava sentindo?
Eu não conhecia a pessoa que eu estava sendo.
Está feito, está feito, eu repetia mentalmente. Vezes e vezes seguidas até esquecer que era eu mesma quem dizia aquilo.
Minha voz era uma reverberação interminável dentro de minha cabeça, mas a convicção que deveria vir com ela era ainda muito distante.
Os músculos do meu rosto doíam de tantos sorrisos que tive que mostrar e manter, os dedos das minhas mãos ainda se dobravam esperando por outros quais se entrelaçar pelo tempo que ficamos de mãos dadas enquanto caminhávamos.
Quando cheguei em casa, me sentia a casca de alguma coisa, mas não eu mesma, ainda que eu tentasse inutilmente me relembrar que aquilo era um emprego, essa junto de era uma personagem tanto quando Kate era na série.
O apartamento estava silencioso, apesar de ter certeza que eu mesma estava quieta demais até para os meus padrões. Quase chamei por , para ver se ela já havia chegado, mas não precisei. A constatação veio quando reparei na sua bolsa jogada por cima da mesa de jantar e uma jaqueta masculina pendurada no encosto da cadeira. As risadas contidas vieram logo depois, do quarto dela. E não precisei de muito para entender que estava com ela. Sem notar, um sorriso involuntário tomou meus lábios, o único verdadeiro até o momento.
Sem querer ser uma distração para qualquer um dos dois, segui com a ponta dos pés até meu próprio quarto, desejando não anunciar minha chegada, ainda que a porta deles estivesse entreaberta e provavelmente percebessem meu vulto. Mas eles estavam distraídos demais um com o outro, a voz baixa e rouca audível apenas o suficiente para que eu ouvisse uma coisa ou outra de dentro do ambiente.
Não era minha intenção ouvir o que diziam, mas foi inevitável conforme eu caminhava pelo corredor:
- Por que está com essa cara? – A voz de estava suave e macia, como se previsse um assunto delicado. – Estava pensando neles de novo?
A resposta demorou um pouco para vir:
- Eu devia tentar fazer algo.
- É melhor não se intrometer. – Minha amiga pareceu subitamente tensa, e foi exatamente essa percepção que me fez diminuir a velocidade e parar logo entre meu quarto e o dela, exatamente como uma bisbilhoteira curiosa encostada contra a parede.
- Mas essa briga... você não viu o estado deles, blondie. Não viu como estava transtornado naquele dia. Não parecia ele, o cara que eu convivi nos últimos anos. E …
ficou em silêncio, esperando pela continuação, por uma narração que começou a embrulhar meu estômago conforme eu ligava as peças do quebra cabeça. Eu podia jurar que meu coração batia mais rápido, atropelando os próprios movimentos. Eu fechei os olhos com força.
- Parecia um fantasma de si mesmo. Ele não dizia ou fazia qualquer coisa, permaneceu como uma estátua em nossa presença. Não sai de casa desde aquele dia, sequer deixa eu ou um dos outros ir até lá, não atende ao telefone. Acho que a briga entre eles foi a gota d’água. Ou o que quer que seja que a provocou.
- Sabemos o que provocou isso.
Senti-me enjoada e com apreensão enquanto outro espaço de tempo vago se estendia entre eles, o som de lençóis e cobertas sendo arrastados, do colchão de mexendo era o que preenchia minha audição.
- Não é justo com ela.
- Não é justo com ninguém – respondeu com pressa. –, e colocar nosso dedo no meio só vai piorar.
- Ela devia saber.
- Talvez, mas não cabe a nós contar.
- Será? Eles não dirão nada a . Você sabe disso, eu sei disso.
E antes que eu percebesse, meus pés se dirigiram até a porta e a abriram, em movimentos automáticos que não conseguir segurar.
- Quem não contará o que para mim?
Quase me arrependi de ter agido sem pensar quando vi ambos enrolados nas cobertas, abraçados, próximos e despreocupados do mundo, tendo aquele tipo de conversa íntima que não era para ninguém jamais presenciar.
Mas a pergunta deixou meus lábios sem que eu raciocinasse, sem que eu sequer me desse conta de que me mexia e ia até eles conforme eu ligava os pontos e compreendia outra parte oculta da história.
claramente se sobressaltou quando me viu, mas apenas me olhou com olhos arregalados ainda absorvendo. Pela maneira como me estudou, quase pude dizer com certeza absoluta que ela podia ouvir meu coração errando os próprios batimentos, sentir o formigamento em meu estômago, ver o ar se tornando rarefeito ao meu redor.
- Você é filha de morcego pra ficar assim se escondendo nas sombras? – A indignação de não se passava de uma tentativa vaga de sondar o terreno, parecer descontraída ainda que sua expressão não fosse muito convincente.
- O que aconteceu? – exigi sem de fato ligar para a aspereza em minha voz.
Ela me analisou por um instante e se ajeitou na cama, sua falsa leveza se desmanchando em milésimos de segundo. Ela engoliu em seco.
- Há quanto tempo estava ouvindo?
- O suficiente. – Pressionei meus lábios um contra o outro.
apenas observou eu e ela com olhares rápidos, como se acompanhasse uma partida de tênis. Mas não fez menção de abrir a boca.
- Essa é a explicação de todo o mistério – falei com ênfase. Não foi uma pergunta, mas entendi o silêncio como uma confirmação do pensamento.
Minha amiga se sentou de forma mais ereta, o lençol cobrindo seu corpo, os olhos sem deixar os meus.
- É por isso que está com o rosto machucado? É por isso que ninguém fala comigo direito? Com medo de deixar algo escapar? Porque eles brigaram?
- , nós não podíamos contar. Não era assunto nosso!
Eu fechei os olhos, sentindo a raiva tomar meus sentidos, substituindo a incredulidade.
- me disse que tinha se machucado no treino de boxe. me falou que está doente!
- Se pudéssemos, teríamos contado. – Foram as primeiras palavras de dirigidas a mim. – Nós realmente teríamos, .
Respirei fundo controlando minha respiração.
E eu vi a verdade em seus olhos, não duvidei de suas palavras. Não era culpa de nenhum dos dois. E, com isso, percebi que minha irritação, minha indignação, não era dirigida a ele ou minha amiga, que estavam desconsertados, pálidos e claramente magoados com a situação. Mas era raiva de , de , por ambos terem mentido para mim, terem escondido algo relacionado a minha pessoa e julgado não ser do meu interesse.
Comecei a me afastar, balançando a cabeça ainda em descrença. Indo em direção à porta.
- …
- Esquece! – Eu me virei para e levantei uma mão na altura do rosto, a cortando sem sequer permitir continuar sua linha de raciocínio.
Não interessava se eles achavam que eu não devia saber, se queriam me manter longe para evitar fosse o que fosse.
Eu merecia entender aquilo completamente, era o mínimo que me deviam depois de estarem agindo como babacas uns com os outros, de criarem esse clima ridículo entre tantas pessoas.
E não interessava o que pensariam sobre isso, mas eu preencheria as lacunas e iria atrás das respostas.
Gostassem eles ou não.
O segurança e a portaria quase não me deixaram passar. Eu os fiz ligar tantas vezes até o apartamento de que suas orelhas deviam estar completamente vermelhas pela quantidade de tentativas falhas. Mas, finalmente, quando atendeu e permitiu minha subida, eu percebi o quão teimosa e invasiva eu estava sendo com minha insistência, e subitamente me arrependi da impulsividade repentina.
Eu não era inconsequente assim fazia muito tempo, e comecei a me questionar se agir dessa forma traria algo bom. Contudo, agora era tarde demais para simplesmente virar as costas e ir embora. Por isso, subi para o apartamento dele e toquei a campainha com incerteza suficiente para me fazer hesitar.
Mas quando abriu a porta e deu passagem para minha entrada, meu receio sumiu.
Primeiro ele me olhou dos pés à cabeça, desconfiado, e depois me puxou para um abraço apertado, passando seus braços ao redor do meu tronco e me mantendo junto a si com firmeza, até que não houvesse espaço entre nossos corpos. Eu não tinha me dado conta do tanto que sentia falta dele até aquele momento. Fechei os olhos e inspirei fundo, sentindo seu cheiro e depois me afastei vagarosamente, estudando seu rosto e encontrando justamente o que estava procurando. Pequenos arranhões na lateral esquerda, o olho do mesmo lado levemente arroxeado. Engoli em seco com o coração afundando no peito, a capacidade de falar desaparecendo por completo.
- Aconteceu alguma coisa? – A voz dele estava rouca, como se não falasse fazia muito tempo. Seu semblante se torceu me encarando com atenção.
- Eu queria ver como você estava.
Não era mentira, eu realmente queria vê-lo. Mas não fui completamente sincera com os motivos. E eu acreditava que ele via através da minha calma cuidadosamente formulada que algo não se encaixava.
Ele se inclinou e me beijou rapidamente. Quando se afastou, acariciou meu rosto com os nós dos dedos e foi aí que percebi os machucados ali também, arranhando levemente minha pele sem que ele tivesse a intenção.
- Por que não ligou antes para avisar? – Eu dei de ombros para ele conforme adentrávamos o apartamento.
- Desculpe – falei. – Eu não tinha planejado vir até pouco tempo atrás.
- Como assim?
- Encontrei hoje. – Pude jurar que sua postura se enrijeceu, seu maxilar trincou.
- Para…
- Sim.
Eu não precisava dizer tudo, e ele já havia entendido, de qualquer forma, sem que todas as palavras e acontecimentos fossem verbalizados.
O clima, já estranho, piorou um pouco mais.
Ele se sentou no sofá, os cotovelos apoiados em suas coxas, e eu me sentei ao seu lado um pouco distante, brincando com os pingentes da minha pulseira.
- Como foi?
Eu o olhei por alguns segundos. Não faria diferença se eu contasse. Ele não queria saber, não de verdade. Então usei a brecha para chegar ao ponto que queria:
- estava com o rosto machucado – falei, mas ele não olhou para mim. – Um olho roxo coberto por maquiagem, o supercílio cortado.
- É?
- Sim. – arqueou uma sobrancelha. – Ele me disse que foi um treino de boxe difícil. – Eu avaliei sua reação, a expressão em seu rosto. Ele apenas me encarava de volta, esperando. – Me pergunto se por acaso vocês dois não treinaram juntos.
Houve um espaço de tempo preenchido pelo silêncio carregado de tensão. Ele não tinha certeza do quanto da história eu sabia. Muito ou pouco, não estava satisfeito com minha descoberta. Eu quase podia dizer que ele apertava suas mãos, uma contra a outra, controlando seus pensamentos, suas possíveis ações, as palavras que sairiam da sua boca. Quem sabe.
Quando ele disse, sua voz saiu como um sussurro:
- O que quer que eu diga?
- Me conte o que aconteceu. Como aconteceu.
Ele balançou a cabeça para os lados.
- Acho melhor não.
Aproximei-me dele e segurei suas mãos na minha, o fazendo me olhar nos olhos, atento, talvez da maneira mais firme até o momento.
- Não quero saber o que você acha, . Quero a verdade e só isso.
Eu não queria soar dura ou impassível da forma como de fato soei. Ele mesmo pareceu bastante surpreso com o tom e por um instante mais longo do que realmente deveria ser, apenas me estudou. Então ele recostou no sofá, um cansaço tão grande pairando sobre si que ele parecia prestes a se render à exaustão.
- Você já sabe o principal. O que mais quer saber? Por quê?
- Porque quero entender o que está acontecendo. Quero ouvir isso de você.
E então, enquanto ele me olhava e segurava minha mão na sua, soltou um suspiro longo.
- Não é uma história bonita.
- Só me conte.
Enfim, ele se pôs a falar:
- Ele chegou aqui fora de si depois que todos assinamos o contrato, naquele mesmo dia. Sei que o porteiro o deixou entrar porque até não muito tempo atrás ele tinha a chave daqui e vinha quando queria, não precisava da minha permissão. Mas você sabe que as coisas mudaram. Já faz um tempo que isso aconteceu. E eu juro, , eu nunca o tinha visto daquele jeito, tão alterado. E ele disse coisas... Eu não me importei com o que ele disse sobre mim. Mas sobre você... , quando seu nome caiu na conversa e ele disse coisas sobre você, insinuou coisas que não pude só ficar ouvindo.
virou seu rosto para frente, seus olhos se desviaram dos meus para um ponto tão distante que eu desconfiei que esse não estava mesmo lá. Um gosto amargo tomou minha boca.
- Fui eu que bati primeiro. – Sua voz soou ainda mais arrastada e grossa. – E eu queria dizer que me arrependo de ter feito isso, mas ás vezes eu não acredito. Às vezes eu acho que ele mereceu cada soco que dei nele, e eu também mereci os que ele me acertou. Que merecíamos até mais do que apenas aquilo que recebemos. Mas então lembro que ele é meu amigo. Era. E aí não sei de mais nada. Não sei o que pensar.
A dor em sua voz, em sua expressão... O resquício de raiva que ainda restava em mim se desfez em migalhas conforme culpa ia preenchendo cada poro do meu corpo, tão avassaladoramente intensa que inebriou todos os meus outros sentidos.
Tudo ao meu redor por um instante perdeu o foco.
- Eu sinto muito, . Por tudo isso.
Ele virou-se para mim, os olhos opacos e tristes me estudando. Nós compartilhamos do silêncio por algum tempo, enquanto ele via aquilo que eu pensava sem que eu precisasse de fato pronunciar. Os pensamentos expostos em meus olhos.
apenas balançou a cabeça levemente para os lados.
- A culpa não é sua, .
Mas será que não era?, a pergunta veio um segundo após as palavras dele. O sentimento de algo revirando meu estômago começou a se tornar crescente.
- Talvez seja.
Ele me encarou sem piscar.
- Não é verdade.
- É sim, . – Ele começou a negar e eu soltei um riso seco, completamente sem humor. – Não negue o óbvio na minha cara. Eu só queria que não tivesse terminado assim.
- Pare de falar desse jeito – me cortou. – Você não pode carregar o peso disso nas costas.
Eu apenas ignorei suas palavras.
- Como serão as coisas daqui pra frente? – Ele não respondeu a retórica. – Vocês vão fingir ser o que não são da mesma maneira que eu e ele estamos fingindo? Vai ser outro papel que vão interpretar na frente de todos?
- Eu não sei.
Claro que não sabe, quase respondi. Nenhum deles pensou no que viria depois.
Apertei minhas pálpebras, respirando fundo, contando até dez. acariciou o torso da minha mão com seu polegar, num chamado silencioso para que eu o olhasse.
Quando o fiz, havia suavidade em seus olhos, calma, e sua voz era macia aos meus ouvidos.
- Isso não é problema seu, , para se preocupar.
Eu engoli em seco sem desviar minhas pupilas das suas.
- Eu posso não ter estado presente de fato, mas sei que era o meu nome sendo abordado aqui. – Seus lábios se comprimiram num gesto automático que logo se desfez, a clara contestação que ele queria dar, mas a percepção e o silêncio admitindo que era isso mesmo. – Então sim, é problema meu. Sei que isso é culpa minha. Parte de tudo, pelo menos. Essa é a verdade, , e não dá pra mudar isso, por mais que você tente me convencer do contrário. Por mais que eu fique pensando em tudo que eu podia ter feito diferente.
- Então não pense assim!
- E de que outro jeito eu devo pensar?
Ele apenas balançou a cabeça para os lados, os ombros se curvando levemente, se dando por vencido.
- Já foi, .
- E se acontecer de novo? Eu não quero que essa história se repita, que vire um ciclo vicioso.
Eu me aproximei um pouco mais dele no sofá, segurando suas mãos mais firmemente, o olhando com tanto vigor que ele apenas me encarou, paralisado.
- Me prometa que você não fará isso de novo, – pedi em um único fôlego. – E não tente justificar, não venha com essa história de que era apenas para me defender, eu posso lidar com essas coisas. Não ligo para o que diz, sobre o que ele pensa. Não ligo para o que qualquer um acha! E você não tem que dar ouvidos também, mesmo que ofenda a mim, mesmo que ofenda a você! Se ligarmos pra tudo o que ele disser, tudo o que qualquer um disser, até mesmo a mídia, nunca conseguiremos passar por isso, . Nunca chegaremos a lugar nenhum!
- Eu…
- Eles não sabem nada, nada sobre nós – eu o interrompi, vendo a dúvida brilhar em suas íris. – Não leve tão facilmente em consideração qualquer coisa que saia da boca deles.
E então ele apenas me olhou, sem desviar, tão quieto que meus músculos ficaram tensos e apreensivos esperando sua oposição. Eu via sua oscilação, tão clara como água corrente, pendendo entre contestar o que eu havia dito ou aceitar meu pedido de uma vez. E quando achei que a negativa viria, sua postura por completo se suavizou. E meus lábios, formando uma linha fina sem que eu tivesse notado, descolaram-se um do outro e soltaram o ar que eu segurava em alívio conforme ele puxava meu rosto para perto do seu e beijava minha testa com ternura, repetindo aquela frase, para uns tão simplória, que um dia ainda se tornaria a origem da minha paz:
- Tudo bem, . – Seus lábios fizeram cócegas em minha pele. – Nós daremos um jeito.
Outra vez, eu acreditei nisso. Mesmo que o caminho que seguiríamos fosse ser repleto de obstáculos cada vez mais e mais difíceis.
Capítulo 36
Do the people whisper 'bout you on the train like me?
Saying that you shouldn't waste your pretty face like me?
[…]
With your face all made up, living on a screen”
’s POV
- Mas ele socou !
- Óbvio, não tá malhando à toa.
- !
- É verdade, ué – ela se defendeu. – Se fosse você no lugar dele, não se defenderia?
- Talvez com palavras – afirmei. – Definitivamente não com punhos.
- Diz isso agora, mas no calor do momento não tem como saber.
Continuei impaciente andando de um lado para o outro.
Fazia algum tempo que eu estava de volta ao meu apartamento. Apesar de oferecer me trazer de volta, eu insisti que podia vir sozinha, apenas com a ajuda de um táxi. Contrariado, porém sensato, ele só parou de discutir quando argumentei que nós dois sermos vistos juntos agora não seria bom para ninguém. Por fim, esse tempo serviu de auxílio para eu pensar e refletir sobre alguns assuntos em específico.
já não estava mais em minha casa quando cheguei, mas me esperava ansiosa, quase apreensiva. Eu sabia que ela havia me ligado algumas vezes, recebi suas ligações, mas as havia ignorado completamente, por mais ridículo e infantil que isso possa ter sido.
E agora, ainda que eu não estivesse cem por cento de acordo com tudo o que ela havia escondido de mim, contava a minha amiga tudo aquilo que não saía da minha cabeça desde o instante em que as palavras foram absorvidas por minha mente.
- O que eu devo fazer agora?
- Você? – franziu o cenho para mim. – Absolutamente nada.
- Como assim nada?
- Isso tudo é problema deles, ! Você não tem que enfiar seu dedo no meio só porque acha que é necessário.
Eu parei no lugar onde estava e a encarei com os punhos apertados contra o meu quadril. Sentia minhas bochechas quentes e por isso podia apostar que meu rosto inteiro estava pegando fogo.
- Então, na sua opinião, você acha que eu deva simplesmente ficar na minha enquanto a amizade deles vai para o lixo?
Eu sinceramente não conseguia ver como sua fala podia ser diferente das palavras que eu havia acabado de pronunciar.
- Você percebe que a escolha deles de brigar foi completamente deles e não sua, não é? já te disse isso, eu já te disse isso. O que está feito, está feito. E ok, não é uma situação fácil ou agradável para ninguém, mas não há nada para mudar isso! Se alguém tem que resolver isso, esse alguém é um daqueles dois, e não você.
Eu me sentei no sofá ainda com as costas eretas. Eu queria uma resposta diferente daquela, queria uma solução milagrosa que pudesse acertar tudo. E eu me sentia decepcionada por ser incapaz de conseguir isso.
E apesar de tudo pelo que eu me repreendia internamente, tudo aquilo pelo qual eu remoía e sabia que podia ter feito diferente tantas e tantas vezes, quando olhei para , escondi essa culpa o mais longe da superfície que consegui e confessei outra coisa que vinha me incomodando:
- Eu fiz prometer que não brigaria com de novo.
Minha amiga me olhou com os olhos incrédulos, brilhando cheios de escárnio.
- E você acreditou quando ele confirmou isso?
- Ele quer brigar tanto quando eu quero, .
- Você é muito ingênua, – ela me respondeu balançando a cabeça para os lados.
- Não aja como se soubesse o fim da história sem sequer passar pelo meio dela.
revirou os olhos, os lábios pressionados um no outro formando uma linha fina. Mas quando me olhou, sua expressão estava suavizada e parecia muito mais leve.
- É, bem. Pelo menos você tem dois caras gatos interessados em você, é algo a se admirar.
Envergonhada, eu escondi o rosto entre minhas mãos. A risada dela atingiu minha audição antes que eu a visse de fato rir.
- Desculpe, amiga. Mas uma coisa boa tínhamos que achar nessa situação.
E por mais que aquilo, em minha visão, parecesse mais trágico e triste do que de fato engraçado, eu comecei a rir simplesmente porque as risadas de eram contagiosas demais para serem ignoradas. E, apesar de tudo, esse momento tão bobo me fez bem.
- Tudo bem, só vamos esquecer isso por enquanto.
- Eu acho isso uma ótima ideia. – Ela se levantou da poltrona em um salto. – E sabe o que é ainda melhor? Tomarmos sorvete enquanto ignoramos o mundo!
Eu já começava a rir novamente enquanto ela se dirigia a cozinha, mas nossa animação foi interrompida mútua e subitamente quando mensagens chegaram em nossos celulares. Não podia ser coincidência.
Com a testa franzida, puxei o aparelho de dentro da bolsa e parou apreensiva ao meu lado.
- O que foi?
Soltei o ar pela boca vagarosamente olhando todas aquelas imagens, só então me dando conta de que não estava respirando.
- É oficial – eu disse para ela, passando com o dedo aquelas fotos onde eu abraçava , onde nós dois ríamos como verdadeiros apaixonados e depois nos beijávamos sem ligar para quem via. – Para todos, agora é oficial para todo mundo.
puxou o aparelho das minhas mãos para observar as fotografias mais de perto, mas eu o aproximei de mim de novo apenas para mudar seu foco rapidamente.
- E tem mais. – Eu abri o e-mail que Rachel havia me enviado juntamente das imagens. – O próximo passo já está definido.
Ela juntou as sobrancelhas levemente e seus lábios murmuraram as palavras conforme ela lia rapidamente.
- Você vai ao especial de The Late Late Show aqui em Londres?
- É – respondi num murmúrio que fez meu estômago revirar em apreensão. – , eu, Victoria e vamos a entrevista.
Ainda era cedo para dizer, mas a sensação é de que andaríamos em um campo minado. E eu não queria saber quem seria o primeiro a cair na armadilha.
- Mas você não recebeu nenhuma dica de como vai ser?
- Não, – eu respondi rindo para ela pelo telefone enquanto Philip arrumava meu cabelo com cachos volumosos. Pela cara que ele estava fazendo enquanto apertava o spray do laquê, não estava lá muito feliz, fosse com seu trabalho, ou com minha inquietação. – Vai ser surpresa tanto para mim quanto para você. Uma entrevista rápida e um jogo que não sabemos qual é.
- Será que você pode parar quieta, ô coisinha? – ele me disse e acrescentou algo como “Ah, como eu queria trabalhar com estátuas...” enquanto passava mais fixador em minha cabeça, achando que não iria ouvi-lo. – Desliga isso de uma vez!
- Por que Philip está reclamando? – Minha amiga ralhou do outro lado. – Que falta de respeito com a minha pessoa! Eu só quero saber qual brincadeira o James Corden vai fazer com vocês!
Soltei um riso baixo enquanto via meu Hair Stylist revirar os olhos ouvindo claramente minha amiga do outro lado forçar o tom de indignação na voz.
- Vá ser insistente assim na porta da rainha! – ele falou e virou-se para longe de onde eu estava. – Vá logo. Eu desisto de continuar tentando trabalhar com você, criatura.
E apesar do chilique, ele me olhava com um brilho de satisfação nos olhos, e por isso meu sorriso continuou bastante visível no rosto quando mandei um beijo para ele e segui para fora do camarim.
- Juro, . Se eu soubesse, contaria! Mas não é esse o caso.
- Eu queria estar na gravação só para ver isso ao vivo – ela falou com a voz suavizada. – Imagina a vergonha toda que ele vai te fazer passar? Eu merecia estar presente!
A gargalhada escapou dos meus lábios conforme eu caminhava pelo corredor rumo ao set de filmagem, atraindo olhares atravessados e a atenção de várias pessoas que cruzavam meu caminho.
- Não se preocupe, o lado bom é que você vai poder reprisar seja lá o que acontecer por quantas mil vezes quiser.
Eu fiz a curva para um corredor menos movimentado, praticamente vazio e continuei a caminhada.
- Bom, isso é o mínimo, né? Já que certas pessoas – ela deu ênfase às palavras. – não lembraram de me arrumar convites!
- Hey, não foi bem assim! A gente não pôde... Ai! – eu comecei a dizer indignada, mas subitamente uma porta se abriu ao meu lado, e antes que eu sequer pudesse reagir de alguma maneira, uma mão se fechou em meu braço, com força apenas suficiente para me puxar para dentro do local. Em um segundo a porta se fechava e minhas costas eram encostadas num armário cheio de produtos de limpeza enquanto um corpo se colava ao meu. Eu reconheci quem era imediatamente.
O breu era intenso e a única claridade no ambiente vinha justamente através do contorno da porta, mas eu reconheceria aquele cheiro em qualquer lugar, e quando aquelas mãos me tocaram... Eu não tive dúvidas.
- ? ? Ainda está aí?
- Hm, acho que vou ter que desligar.
- Ué, mas como assim? ? Não me deixe falando sozinha!
- Até mais, Loira! – respondeu por mim e encerrou a chamada sem sequer dar a chance de minha amiga dizer algo mais. No instante seguinte ele colava sua boca na minha, os lábios entreabertos, me recebendo com um beijo surpreendente que me deixou de pernas bambas.
Suas mãos se prenderam em minha cintura e eu passei meus braços por seus ombros, minhas mãos se embrenhando no cabelo de sua nuca. Graças a sandália de salto que eu usava, eu não tive que me esforçar para ficar nas pontas dos pés e alcançá-lo devidamente, e tenho quase certeza que ele apreciou esse detalhe tanto quanto eu.
Acabei rindo entre o beijo, o que o fez abrir um sorriso e se distanciar apenas o suficiente para me olhar, ainda que com dificuldade, em meio a escuridão.
- No armário de limpeza, ? Sério?
Ele riu e sua respiração bateu contra meu pescoço, arrepiando minha pele conforme ele arrastava os lábios vagarosamente pela região.
- É, bem, a gente se vira como pode.
Eu aproximei minha boca de sua orelha.
- Quanta pressa – sussurrei. – Não podia esperar até mais tarde?
- Não quando você está tão linda e tão perto.
- Mentiroso, nem consegue me ver direito.
- Você que pensa. E afinal, preciso aproveitar agora enquanto te tenho aqui, depois vou ter que fingir que não ligo a mínima pra você na frente de toda aquela gente.
E como acréscimo a sua resposta ele mordeu levemente meu pescoço, arrepiando e me causando cócegas ao mesmo tempo. Comecei a gargalhar involuntariamente, mas sua mão tapou minha boca antes que o som se tornasse muito alto e seu rosto ficou diante do meu, nariz com nariz.
- Desculpa – eu pedi num murmúrio.
- É que precisamos ser bem discretos e silenciosos – ele comentou, ainda com um sorriso no rosto. – Você sabe, a situação não seria favorável para nós dois se alguém nos encontrasse aqui assim, com meu amigo e seu suposto namorado tão perto daqui e ainda com um programa de TV prestes a começar. Pegaria mal.
Eu sabia que essa era a tentativa dele de fazer brincadeira, mas ao mesmo tempo eu também percebia que existia algum outro sentimento bem próximo da mágoa que ele não deixava transparecer totalmente. Melhor do que eu, ele sabia que nossa atuação teria que ser convincente em frente a essas câmeras também.
- Tudo bem – concordei com ele em um dar de ombros inocente. – São só uns amassos no armário, tenho certeza que consigo manter o controle.
Um sorriso malicioso se tornou crescente nos lábios de e um brilho cheio de desafio iluminou seus olhos. Por um momento eu quase me arrependi de tê-lo desafiado indiretamente, mas o formigamento em minha barriga deixou óbvio minha ansiedade, e quando ele apertou minha cintura e passou a mão por meu rosto, eu não consegui conter o sorriso e arfei em seguida.
- Será que consegue? – ele sussurrou contra minha boca, roubando meu ar e estremecendo meu corpo inteiro. – É o que vamos ver, Ruivinha.
Pelos próximos minutos, eu realmente fui colocada à prova.
Minhas pernas ainda estavam um tanto quanto bambas e eu sabia muito bem que minhas bochechas estavam vermelhas, não somente por causa do blush que as clones de Philip me colocaram. Sabia também que meu Hair Stylist daria um chilique se visse meu cabelo agora, com mais volume do que deveria e até com um tanto de friz, mas as assistentes de cabelo e maquiagem do studio rapidamente deram um jeito nesse pequeno detalhe e também no batom (que subitamente tinha desaparecido da minha boca), sem fazer uma pergunta sequer, tão rápido que mal tive tempo de assimilar o feito ou ficar envergonhada por isso.
Eu não havia admitido para , não em voz alta pelo menos, apesar de saber que minha expressão (e respiração acelerada) não escondiam muita coisa, mas aqueles foram beijos arrebatadores que me deixaram fora de órbita e quase me fizeram perder as estribeiras. Se eu parasse para não pensar muito, provavelmente perderia o controle sobre mim mesma e arrastaria de volta para aquele cubículo e terminaríamos o que tínhamos começado ali.
O mero pensamento fez o rubor subir por minhas bochechas de novo. Desde quando minha cabeça direcionava meus pensamentos para questões como essa? Eu sabia bem a resposta. Mordi o lábio inferior e respirei fundo, acalmando meus hormônios quando bem naquele instante começou a se aproximar com aquele seu jeito de quem não liga pra nada, cheio de arrogância emanando dos pés à cabeça, tão seguro de si que atraiu atenção de metade das pessoas presentes ali.
Eu quase me peguei sorrindo para ele.
- Perdeu alguma coisa aqui, Ruivinha? – Ele arqueou uma sobrancelha em minha direção, jogando aquele jogo que devíamos interpretar na frente de todas aquelas pessoas.
Ele era um jogador muito melhor do que eu, que fiquei momentaneamente desconcertada com sua presença. Afinal, minha pele ainda formigava nos lugares onde suas mãos passearam.
- Por que não cuida da sua própria vida? – eu questionei acrescentando sarcasmo a minha voz e vi seus olhos se iluminarem enquanto me encarava por completo.
- Eu estou cuidando – ele disse. – Mas são seus olhos que não deixam meu corpo. Só estou curioso.
Era uma provocação. Um flerte. E eu não consegui evitar o rubor mais uma vez por toda minha face.
Aqueles que estavam perto ou riram ou reviraram os olhos com nosso diálogo. Mal sabem eles, eu ri internamente.
E subitamente um braço se apoiou em meus ombros, apagando qualquer sinal de animação em mim.
- Perdi alguma coisa? – Aquela voz. Meu coração acelerou. E não foi uma sensação boa.
subitamente se colocou entre nós, e o clima leve e descontraído que e eu havíamos construído aos poucos se desmanchou conforme perpassou os olhos entre eu e .
Engoli em seco, me preparando para assumir aquela personagem que, de verdade, eu não queria.
Em um instante eu estava me repreendendo por ser tão inconsequente, ainda mais num local como esse, onde tudo é observado. Como eu podia ficar com numa sala escura onde ninguém via e em menos de quinze minutos depois estar aqui com , deixando-o me abraçar e me beijar publicamente?
Uma parte do meu subconsciente tentava me convencer que isso era como um trabalho, o roteiro mandava que eu ficasse com naquele momento e eu então obedecia. Aquilo que eu fazia fora das câmeras e da vigia atenta e curiosidade de toda aquela gente não interessava a ninguém, apenas a mim, e no caso, a . Mas a outra parte do meu subconsciente, aquela que sobrava, não concordava com essa linha de raciocínio, e me fazia pensar coisas grosseiras sobre mim mesma que eu não podia me dar ao luxo de ouvir, e por isso tive que a reprimir até que essa se tornou uma voz baixa com palavras incompreensíveis em minha cabeça.
me aproximou do seu corpo, beijando minha testa, num gesto bastante carinhoso para ser observado pelas pessoas ao nosso redor e eu permiti, retribuindo com um sorriso, ainda que estivesse tensa, me obrigando a relaxar no seu abraço, respirando fundo e desviando os olhos de , mesmo que sentisse os seus próprios sobre nós dois, incapaz de desviar sua atenção.
Por um instante me perguntei se o intuito de talvez não fosse exatamente esse, provocar me usando para isso, usando toda a situação a seu favor para isso. Será que ele seria capaz de tal coisa? De irritar e fazer a paciência do outro ir ao limite só para brigar outra vez? Sinceramente, eu já não sabia mais. Preferia acreditar que ele estava apenas fazendo aquilo que agora tínhamos que fazer publicamente: mostrar uma relação afetuosa e verdadeira como um casal normal.
ainda não sabia que eu havia descoberto sobre a briga que os dois tiveram, e imaginei que estivesse tentando descobrir se algo tinha mudado desde a última vez que eu o vi, já que sua voz parecia levemente tensa e seus olhos se fixaram em procurando estudar sua reação conforme me mantinha mais próxima do seu corpo e eu deixava que fizesse isso.
Tudo durou apenas um segundo, apesar de ter parecido horas até, enquanto a quase perplexidade que queria me tomar, foi substituída pela alegria fingida que interpretei ao vê-lo, abraçando-o lateralmente, com um grande sorriso que fez minhas bochechas doerem.
- Eu estava com saudade – disse a ele, forçando um tom de voz muito perto do meloso e beijando sua bochecha, sujando-a com batom recém retocado.
Pelo canto do olho vi baixar a cabeça e virar as costas para gente. Eu não o culpava por isso, sinceramente. Podia dizer que me sentia exatamente como ele. Talvez até pior, por obrigá-lo a ver isso.
Mas quando assinamos aquele contrato não muitos dias atrás, estávamos todos cientes de como seriam algumas coisas e que todos estaríamos no mesmo barco. Não existia espaço para consolo.
- Eu imagino que sim – me respondeu, e, apesar do sorriso, senti a provocação em sua voz.
abriu a boca para dizer algo, mas foi interrompido antes mesmo de tomar ar suficiente para isso. Salvos pelo diretor do programa, nós três fomos direcionados para o backstage e para nosso local de entrada, de onde fomos instruídos a esperar pelo chamado.
O ar perceptivelmente ruim me deixava sem palavras. Desejei do fundo do coração que Victoria estivesse aqui, porque, pra variar, eu não sabia o que fazer para melhorar aquilo que parecia prestes a entrar em combustão entre eles, e, como sempre, ela conseguiria mudar o foco mais rápido que um piscar de olhos.
Mas ela não estava. Então eu não tinha muita escolha.
Enquanto a correria da organização do cenário continuava, o público começava a entrar e encontrar seus lugares e eu continuava a procurar inutilmente algo para fazer ou dizer, James, como um milagre, nos encontrou atrás das cortinas, se preparando para sua entrada que aconteceria em breve.
- Meu Deus, eu estou muito feliz por vocês terem vindo! – Corden apertou a mão de e de e em seguida me deu um abraço apertado e aconchegante.
- Nós também! Muito obrigada pelo convite, James – eu disse ainda enquanto o abraçava, sem saber muito bem como reagir. Mesmo que estivesse muito grata por sua presença, era mais que isso. Será que pegaria mal eu dizer que sou fã dele? Porque sou. E devia estar tremendo nesse momento por finalmente me dar conta de que estava abraçando James Corden.
- Não tem que agradecer nada. Vamos nos divertir muito hoje!
- Mal posso esperar. – Eu me remexi no mesmo lugar que estava, contendo a necessidade de pular de alegria. – Victoria está bem triste por não ter conseguido vir, pediu para dizermos isso a você.
- Não tem problema, vou superar isso, já até conversei com ela – ele disse sorrindo daquele jeito contagiante e cheio de brilho e animação antes que eu pudesse formular qualquer outra frase. – Eu queria poder conversar melhor com vocês agora, mas eu preciso ir para a marcação e começar o programa.
- Sem problema, cara – disse batendo em seu ombro como velhos amigos. – Vamos ter tempo depois. Vai ser divertido.
James soltou uma de suas gargalhadas altas nos contagiando com ela, apesar de nos deixar subitamente nervosos também.
- Não sei se vocês vão continuar com esse pensamento por muito tempo…
- O que quer dizer com isso? – perguntou ainda sorrindo, mas eu comecei aos poucos a me sentir apreensiva.
Quase me arrependi de ter concordado de ir até lá participar às cegas de uma brincadeira que ele e a própria produção do show iam escolher. Tudo podia ser possível nesse programa, e com a criatividade de James…
- Até logo, pessoal. – Ele se foi, rindo como o gato da Alice no País das Maravilhas, nos deixando perplexos e propositalmente muito curiosos.
Eu engoli em seco, mais confusa que nunca.
- É – acabei murmurando somente alto o suficiente para que os dois ao meu lado ouvirem. – Acho que será um programa interessante.
E por várias circunstâncias diferentes, eu tinha praticamente certeza disso.
- E com vocês, senhoras e senhores, os atores de The Blackside! , e !
A vinheta começou a tocar e imediatamente a assistente de produção indicou a cortina, liberando nossa entrada, um atrás do outro, ao som dos gritos e aplausos. Eu sorria e fazia alguns rápidos hi-5 com aqueles na ponta do corredor qual percorríamos e até dei um rápido abraço em uma garota na primeira fileira que ficou completamente eufórica comigo. Minhas pernas tremiam e de repente fiquei com medo de cair do salto.
Nos dirigindo diretamente para o sofá posicionado ao lado da mesa de James, ele estava a nossa espera nos recebendo com um rápido abraço, arrastando sua cadeira de rodinhas apenas para ficar mais próximo de nós em seguida. Por fim, me acomodei na ponta do sofá, com entre eu e . Apesar da tensão entre nós três, naquele instante, todos estávamos imersos demais, flutuando na sensação inebriante que tudo aquilo nos causava e quase nos esquecemos de todos nossos problemas.
Meu coração palpitava forte, minhas mãos suavam e por isso precisei conter o impulso de limpá-las na barra do meu vestido azul marinho que tinha corpete rendado e saia de tule quando entendi que de verdade, aquilo estava acontecendo. Eu estava numa entrevista ao vivo.
- Estou muito feliz em recebê-los hoje, pessoal! É um prazer enorme ver vocês participando da nossa semana especial aqui na Inglaterra. – James começou sorrindo enquanto pegava as fichas em sua mão e as arrumava rapidamente em outra ordem, mais por hábito do que necessidade, aparentemente.
virou-se para James parecendo completamente nas nuvens:
- Nós que agradecemos, é sempre ótimo vir aqui! Olha só essa recepção!
Por um instante, sobressaltada, eu olhei para e vi a gentileza em sua postura. Alegria genuína, algo que eu não tinha presenciado muito ultimamente e me pegou desprevenida.
Pisquei rapidamente para afastar a sombra da dúvida e da incompreensão que me tomavam e voltei minha atenção para James, que ainda parecia ligado no 220 de tão animado ao falar conosco:
- Bom, da última vez que os encontrei eu falava com os membros do One Direction! Hoje 3/5 estão faltando e acho que vamos deixar o tema musical de lado para concentrar em outra parte da vida de vocês: a atuação! – A plateia se ouriçou e começou a vibrar. – E como se isso já não fosse muito, ainda temos a presença incrível de ! É sua primeira vez na televisão, estou certo?
- É isso aí, James. – Eu respirei fundo em meio a um sorriso largo percebendo que eu parecia um robô falando de tão travada, mas não sabia bem como agir. – É uma honra estar aqui hoje!
- Se é uma honra, então por que suas mãos estão tremendo?
Ele me lançou um olhar de falsa preocupação, brincando, e todos soltaram uma risada, inclusive eu, que senti minhas bochechas corarem enquanto as câmeras davam um close nas minhas mãos e Corden as segurava gentilmente enquanto ria.
- Eu estou muito nervosa!
- Garanto a você que o pior ainda está por vir. – Ele começou a rir junto com a plateia e eu literalmente soltei risos ainda mais nervosos.
- Assim você vai assustá-la! – brincou com o apresentador. – Pode ser que ela fuja no meio de um comercial e nos deixe aqui.
- Eu aposto que não – respondeu, apoiando seu tornozelo no joelho. – Ela está praticamente em êxtase. Olha pra ela!
- Ai, meu Deus. Me deixem quieta! – Eu acabei escondendo meu rosto vermelho e risonho com a mão que James não segurava e esse apenas nos encarou com divertimento.
- Deixe-me explicar para o público o que está acontecendo! – Ele olhou direto para a câmera. – Esses três atores maravilhosos concordaram em vir hoje participar dessa entrevista e ainda fazer parte de uma brincadeira aqui no programa. Mas qual brincadeira? Eles ainda não sabem. E essa é justamente a graça da história.
olhou para eu e com seriedade. Algumas pessoas riram quando ele disse:
- Isso me deixa nervoso.
- Eu quase sinto pena de vocês – James acrescentou.
- Acredite, nós já sentimos pena de nós mesmos – retrucou em tom de brincadeira.
- Mas não é hora pra isso ainda. – James gesticulou banalmente querendo mudar de assunto. – Vamos falar de outras coisas! Sabemos que outra temporada da série já teve as gravações encerradas. Vocês tiveram uma intensa rotina de filmagens durante os últimos meses, certo? Como foi esse processo todo?
- Bom, foram quase seis meses direto trabalhando unicamente com a série. – Incrivelmente, quem respondeu foi . Imagino que fez isso porque é o ator mais antigo de The Blackside presente aqui hoje, já que Victoria não pôde comparecer. – Foi bastante cansativo, estressante até, mas ficamos satisfeitos com o resultado. Está no final da pós-produção agora.
- Sim, existiram fases que ficamos quase vinte horas seguidas dentro do estúdio para gravar uma única sequência de cenas. Era divertido porque estávamos juntos, mas às vezes queríamos no matar também. Fora as aulas especiais que tivemos que frequentar durante todo esse período, quase todos os dias – complementou. – Eu nunca tinha participado de uma filmagem de algo que não fosse um videoclipe, então foi difícil e desafiador. Mas com certeza eu adorei cada segundo daquilo, e é absolutamente muito mais complicado do que aparenta ser.
Eu mesma ri em concordância e logo Corden se virou para mim:
- , esse também é o primeiro trabalho de atuação que você faz, não é?
- Sim – eu respondi quase no automático e precisou me dar um leve cutucão para eu perceber que precisava dar uma resposta mais completa que isso. – Hã... Antes de vir para Londres eu trabalhava em comerciais, sessões de fotos para revistas e catálogos. Minha maior atuação tinha sido em peças escolares, então quando consegui passar por toda a seleção e ganhei o papel de Katherine Deville na série, foi uma reviravolta na minha vida. É difícil descrever a sensação, e confesso que às vezes é difícil acreditar que estou mesmo aqui realizando esse sonho.
Algumas pessoas soltaram suspiros comovidos na plateia e bateram palmas.
- Sempre foi seu sonho trabalhar como atriz?
Eu tamborilei os dedos sobre a parte exposta das minhas pernas por um momento enquanto encarava o apresentador. Quanto eu deveria revelar da minha vida pessoal enquanto falava com ele na frente de toda aquela gente?
- Sim e não – respondi por fim. – Inicialmente era um hobbie. Eu fazia simplesmente porque gostava e depois se tornou uma necessidade para ajudar minha família na parte financeira. Então conforme o tempo foi passando e eu percebi que realmente era boa naquilo que fazia, decidi levar adiante.
- Bastante modesta – James comentou me interrompendo rapidamente e eu soltei um riso em resposta antes de continuar:
- Precisei de algumas tentativas até conseguir fazer dar certo, e como todo mundo, precisei passar por alguns altos e baixos também, porém aqui estou. Acho que é isso que importa.
Algumas pessoas aplaudiram e James dirigiu um sorriso para mim, aplaudindo também.
- E me digam uma coisa, vocês ainda têm contato com Maya Santiago? A saída dela da série não foi de fato planejada, como vocês lidaram com isso?
olhou para , aquele tipo de olhar que carrega várias coisas não pronunciadas e só quem se conhece há muito tempo consegue compreender sem a verbalização.
Eu me vi completamente perdida naquele momento. Eu não podia responder àquela pergunta pois eu estar na série hoje justamente se devia ao fato de Maya não estar mais lá. Eu não a conhecia, sequer podia opinar sobre algo. Mas o jeito que encarava dava a entender que existia muito mais por trás daquilo que seria dito.
- Nós ficamos chocados no começo, foi difícil – falou sem desmanchar sua postura milimetricamente calculada. – Mas conversamos depois disso, estamos bem. não teve a oportunidade de conhece-la ainda e não chegou a trabalhar com ela, mas Maya está crescendo cada vez mais profissionalmente. Passado é passado, independente de como as coisas tenham acontecido, todos nós da família The Blackside estamos orgulhosos dela.
- Mas ela contou os motivos repentinos de sua saída?
hesitou por um instante.
- Era pessoal demais – respondeu sem olhar diretamente para ninguém em particular. – O importante é que agora ela se sente bem com o que está fazendo e está feliz. Estamos felizes por ela também.
Eu o vi engolir com dificuldade, e vi também a expressão de suavizar minimamente, como se sentisse empatia por . Seu olhar condescendente logo desapareceu, e ninguém além de mim pareceu perceber isso, mesmo quando me olhou pelo canto dos olhos e logo desviou sua atenção.
- Então vamos assistir um teaser de The Blackside, quem não conhece vai conhecer agora os talentos que temos aqui!
Mais aplausos e alguns gritos, as luzes diminuíram e o vídeo começou após a deixa de Corden.
Ainda que minha perplexidade momentânea fosse forte e eu não quisesse deixar a curiosidade de lado, direcionei minhas questões internas para o fundo da minha mente e foquei minha atenção somente no que estava acontecendo ali.
Eu podia ter assistido aquele teaser milhares de vezes desde que havia sido finalizado, inclusive o próprio trailer, mas ainda me sentia completamente gratificada ao vê-los, e não foi difícil me concentrar nele.
Ao fim do mesmo, todos nós aplaudimos e também fomos aplaudidos pelo público presente.
- Eu adoro essa série. – Corden voltou a se dirigir para nós conforme o barulho na plateia foi diminuindo. – Como faço para participar dela também? Eu consigo ser um ótimo espião. Mas talvez na parte física eu deixe um tanto a desejar. – Ele colocou suas mãos sobre a barriga e fez uma expressão de decepção olhando para baixo e suspirando, arrancando risos de todos.
- Aposto que Gregory Colleman está assistindo, quem sabe ele não fica tentado a conseguir um papel para você na quarta temporada se tivermos sorte? – falou e recebeu gritos de entusiasmo do pessoal.
- Ninguém resiste ao meu charme. – James se virou para a câmera e piscou apenas um dos olhos.
Eu adorava o carisma desse homem. Minhas bochechas doíam já de tanto sorrir e mal tínhamos chegado ali.
- Mas vamos lá, pessoal! – Ele continuou rindo de si mesmo e de todos nós depois de tentar nos convencer a ensinar alguns movimentos de luta que praticávamos em cena (com certeza se saiu muito melhor que eu. preferiu nem participar, e ironicamente ele era o melhor de nós nisso). – Com a vida agitada desse jeito, como vocês conseguem ter tempo para a parte pessoal?
- Difícil – comentou fazendo uma careta e olhou para nós deixando que acrescentasse:
- Mas sempre damos um jeito.
- E você está solteiro, não é, ? – James questionou com naturalidade, mas eu senti imediatamente que adentraríamos num assunto delicado. – A falta de tempo é um dos motivos para isso?
se ajeitou melhor no sofá e se esforçou para manter a postura neutra, desinteressada.
- É, bem, pode se dizer que sim. – Seu tom de voz soou mais rouco que o normal e ele pigarreou em seguida, o clareando. – É complicado ter algum tipo de relacionamento quando se tem uma rotina tão corrida e incerta quanto a nossa. E desgastante também. Às vezes as pessoas não compreendem isso.
- Pois é, minha esposa é uma santa! – James acrescentou sorrindo, tirando sarro da própria vida. – Mas acho que não dá pra dizer isso dos seus colegas, hein? – O sorriso malicioso que ele lançou para e eu nos fez soltar risos nervosos, já a plateia parecia bastante interessada soltando murmúrios eriçados. – Vocês são a exceção à regra? Há quanto tempo estão juntos?
olhou para mim, abriu a palma da mão virada para cima e eu coloquei a minha sobre a dele, entrelaçando nossos dedos carinhosamente. Todos reagiram cheios de entusiasmo com o simples gesto.
- Já faz algum tempo, umas poucas semanas – respondeu, me livrando de falar.
Com a boca seca, precisei beber um pouco de água enquanto de fundo algumas imagens nossas eram mostradas, de tanto tempo atrás que eu já nem me lembrava delas, como fotos em que deixávamos uma boate da primeira vez que veio a Londres, e outras mais atuais, do dia fatídico onde ele me beijou naquela cafeteria, e então nós dois juntos no parque.
- E, desculpem a curiosidade, mas como aconteceu? – James continuou.
- Bem, nós sempre fomos muito amigos, quer dizer, desde que fomos apresentados como colegas de trabalho, antes até, já nos conhecíamos. – olhou para mim, a deixa para que eu continuasse.
- E uma coisa foi levando a outra, estávamos sempre na companhia um do outro. – Eu dei de ombros, sem nem precisar me esforçar para ficar ruborizada. – Por fim, acho que nos demos conta de que estávamos juntos.
A plateia fez um coro de “awnn” e todos nós soltamos risadas, inclusive , que permanecia apenas observando, calado. perpassou os olhos por todo o público, e, sorrindo, subitamente, se inclinou e beijou minha bochecha.
Os gritos aumentaram ainda mais e inclusive Corden pareceu mais animado do que nunca.
- Que gracinha, vocês dois! – ele disse sem desmanchar o sorriso, fazendo gestos exagerados que o fazia parecer uma criança em dia de Natal. – Parabéns, vocês formam um belo casal. Já sou shipper de vocês!
Eu gargalhei alto dessa vez, ainda que minha vontade fosse justamente o contrário, de afundar no meio das almofadas daquele sofá até desaparecer.
Era estranho isso tudo acontecer e estar com logo ao nosso lado, rindo, mas com os olhos desfocados fingindo estar feliz por nós quando eu sabia de verdade que ele estava apenas atuando para todas as câmeras. Mas eu não podia me prender a isso. Mesmo que doesse, eu não podia, e por isso, conforme James prosseguiu com a entrevista, eu me vi comunicativa o bastante para participar de quase todas as respostas, fosse sobre nosso relacionamento ou alguma outra coisa sobre minha vida, apenas para não deixar que todas as defesas que construí para participar disso fossem destruídas pela culpa que eu sentia.
Realmente eu gostaria que Victoria estivesse aqui, seu senso de humor viria muito a calhar e ela com certeza seria o foco da atenção.
Eu sentia que não conseguia respirar.
- Antes de irmos para mais um comercial, acho que é hora de descobrirem o quadro que vão participar hoje, não acham? – Corden arqueou as sobrancelhas e sorriu sem mostrar os dentes.
O suspense todo não me fez bem.
- Não é por nada, mas eu acabei de ficar toda arrepiada.
soltou uma gargalhada ao meu lado assim que fechei a boca. James continuou:
- Estão prontos para colocarem suas verdades na mesa? – passou as mãos pelo rosto murmurando um “ai, não” e eu tinha quase certeza que era por nervosismo. – Logo depois dos comerciais, vem aí: Spill your guts or fill your guts¹! Não percam, pessoal!
E era isso: eu queria poder fugir antes que piorasse de vez.
¹ Spill your guts or fill your guts é um Quadro do programa The Late Late Show apresentado atualmente por James Corden que na tradução livre significa “derrame suas tripas ou preencha elas”, onde os convidados basicamente precisam responder questões constrangedoras sobre suas vidas ou então comer coisas nojentas para se livrar dessas perguntas.
Para os curiosos, segue o link do quadro que nosso queridíssimo Niall Horan participou:
https://www.youtube.com/watch?v=O0cUnOBeZyQ&t=1s
E eu recomendo que assistam todos os outros, vale a pena. Eu garanto!
Capítulo 37
Only gonna push me away, that’s it”
’s POV
Vamos lá, a questão principal desse jogo não era ter que responder as perguntas cabulosas formuladas pelos produtores do programa, e sim ter que ficar frente a frente com aquelas comidas bizarras que deviam ser proibidas pela OMS de serem ingeridas por qualquer pessoa no mundo. Simplesmente não era possível aquilo tudo ser realmente comestível.
Ah, mas se você responder as perguntas não precisa comer!, algumas pessoas devem estar pensando. Verdade, mas mesmo que a gente não coloque nenhuma dessas coisas na boca, juro que o cheiro já bastava para nos fazer perder toda a coragem e embrulhar nosso estômago por pelo menos uma semana inteira a partir de agora. Basicamente a situação se resumia a aquele tão famoso ditado: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.
Honestamente, eu queria dizer que tinha aceitado os fatos, mas não conseguia deixar de fazer careta olhando para os quartetos de pratos tão perto da gente. Pra melhorar, todos pareciam bastante divertidos com minha reação espontânea.
- Está tudo bem, ? Você parece pálida. Enjoada talvez?
- Hã, não sei. – Engoli em seco enquanto respondia James. – Estou apenas observando o que nos aguarda, você sabe.
A risada dele não me passou tranquilidade e nem me deu muitas esperanças.
- Muito bem. Vamos dar uma olhada no que temos aqui? – James encarou a mesa, olhou para cada um de nós, e se voltou para os pratos. Parecia preocupado, apesar do seu senso de humor. – Ah, meu Deus. Não acredito que sou pago pra isso. Ok, sem pânico! Para começar temos essa saborosíssima língua de vaca, seguido de um brinde de saliva de pássaro, alguns escaravelhos crocantes, smoothie de sardinha, escorpiões que eu realmente espero não comer, copos de molho picante, suco de molusco e nossos queridíssimos testículos de peru.
A cada prato apresentado enquanto a mesa era rotacionada a plateia resmungava audivelmente com nojo e ânsia. Eu reagia exatamente da mesma forma.
Juro que só conseguia encarar aqueles testículos de peru e tentar não vomitar.
- Isso é realmente de verdade? – observou os pratos mais de perto.
- Estou me arrependendo de estar aqui – , ao meu lado, murmurou nem um pouco satisfeito.
- Não é nada pessoal, gente, juro de mindinho – James garantiu. – Mas seguinte: o jogo funciona de forma que vocês fazem uma pergunta para seu oponente e ele ou ela pode responder verdadeiramente e não comer o prato escolhido, ou omitir a resposta e comer aquilo que foi designado.
Não era tranquilizador, mas assentimos mesmo assim.
- E como faremos os times? – questionou Corden, porém sua atenção estava completamente voltada para o escorpião morto no prato bem a sua frente.
- Vamos trabalhar em duplas, assim, se seu parceiro ou parceira se recusar a responder, os dois comem enquanto os outros brindam e provavelmente entram em pânico por vocês.
- Ah, que maravilha.
Soltei sem sequer me dar conta, e James me olhou bem no fundo dos olhos:
- Pensem bem nas consequências disso.
Eu suava sem sequer ter começado a brincadeira.
- e , por serem um casal vocês são uma dupla e eu e seremos a outra porque... bem, porque secretamente nós somos um casal também. – Entrando na brincadeira simultaneamente, e Corden se abraçaram.
- Será que eu devo ligar pra sua esposa? – sugeriu claramente bem humorado enquanto acariciava a cabeça de James. Mas conforme os risos da plateia diminuíram, eles se separaram e o apresentador deu o sinal para que começasse.
Enquanto o mesmo pegava uma das fichas logo ao seu lado, James se virou para a câmera:
- Nenhum de nós viu qualquer uma dessas perguntas. – Ele soltou um suspiro. – O que poderia dar errado, não é?
gargalhou de James e virou-se para mim:
- , escolha o prato para eles. Com certeza vão ter que comer.
Eu observei o que havia sobre a mesa novamente e por fim girei até que o smoothie de sardinha ficou bem de frente para e Corden.
- Ok, parece que realmente quer brincar – James murmurou depois de olhar do smoothie para mim e um coletivo de risadas preencheu o espaço.
- Cara, é melhor responder essa pergunta! – fingiu o ameaçar franzindo a testa e pressionando um lábio contra o outro. permanecia rindo enquanto se preparava para falar:
- Certo, James: um dos seus quadros mais criativos do The Late Late Show é o Carpoll Karaoke. – fez um rápido resumo de como funcionava o quadro, enquanto nossa dupla adversária e a plateia ouvia com atenção. – Sendo assim, de todos os seus “carpool” já feitos até hoje, qual dos convidados você menos gostava da música?
Eu comecei a rir nervosa, incapaz ficar quieta, acompanhando o público que parecia divergir entre gargalhar ou fazer “uhs” cheios de suspense.
A dupla adversária se olhou por um longo instante.
- Veja bem, não significa que você não tenha gostado – tentou persuadi-lo a responder.
- Claro, é só o que eu gostei menos.
- Exatamente!
James balançou a cabeça completamente desiludido. não parecia feliz.
- Eu sinto muito, gente – tentei me desculpar enquanto James pegava o copo com o smoothie e mergulhava a colher dentro daquela... coisa. claramente estava contrariado, mas foi firme e imitou o gesto.
Quando eles colocaram aquilo na boca depois de vários protestos vindo da plateia, eu não consegui olhar mais, grunhindo de nojo.
Vários gritos indignados depois, alguns saídos de mim inclusive, James e beberam água para, provavelmente, ajudar o smoothie a descer, e viraram a mesa até que o copo com saliva de pássaros estivesse bem de frente para e eu, sem perder tempo.
Eu contorci meu rosto em desgosto.
- Isso não pode ser sério.
me deu um rápido cutucão, como se eu estivesse falando muito antes da hora, mas James não pareceu se importar e parecia partilhar da minha dúvida, pois acrescentou:
- Eu confesso que ainda não tenho certeza absoluta de como eles conseguem pegar toda essa saliva, mas vamos a pergunta:
- – encarou a ficha em suas mãos e depois me olhou com atenção. –, a pergunta é para você.
Alguns riram pela maneira cômica como ele me encarou, mas um arrepio subiu por minha espinha.
- , Victoria – que não está presente – e eu, todos trabalhamos com você na série The Blackside já há alguns meses – introduziu enquanto eu assentia. – Tendo isso em mente, não querendo criar discórdia e nem nada, liste, em ordem de talento, nossos nomes do melhor ao pior.
Enquanto a plateia gritava numa mistura de ânimo e descrença, eu senti o sangue correr com mais força pelo meu rosto enquanto eu olhava de para e então para aquele copo com líquido suspeito, tentando decidir o que era pior: beber aquilo ou ranquear o talento desses dois homens que já possuíam motivos demais para brigarem entre si.
Eu gostaria que o chão se abrisse nesse instante e me engolisse.
- – me chamou e eu olhei para ele. –, talvez seja uma boa ideia responder à pergunta.
- Será? – Perpassei meu olhar por ele e . Ambos ansiosos por minha decisão.
Eu arqueei uma sobrancelha e peguei o copo.
- Não deve ser tão ruim assim. – E eu cheirei o conteúdo dentro. A bile subiu até a garganta. – Ou talvez seja.
- Você pode cuspir no balde aí do lado se preferir não engolir. – James atiçou, um sorriso maroto em seus lábios, mas balançou a cabeça.
- Ela vai responder.
Eu ia mesmo? Encarei com um olhar próximo da desolação. Não, eu não podia fazer isso.
- …
- Que tal um brinde? – eu disse a ele, e a plateia ficou ainda mais eufórica. Realmente, eu não responderia à pergunta, seria como colocar mais lenha numa fogueira ardente.
Então, ainda que estivesse completamente contrariado, nós dois batemos as taças, com James e completamente perplexos nos olhando, e viramos o conteúdo como se fosse um xarope de gripe.
Aquele líquido era tão viscoso e pegajoso em minha boca, que mesmo depois de ter engolido, precisei pegar a água em um dos copos simplesmente para fazer um bochecho.
- Sem condições! – se exaltou, mas sua voz tinha tom de brincadeira. Estava cuspindo sem parar dentro do balde. – Isso... isso não se faz!
- Podia ser pior. – Eu olhei para os outros pratos na mesa. Mas sinceramente eu estava tentando me convencer de algo que eu não tinha certeza.
A dupla adversária ria com fervor. Eu queria que eles calassem a boca.
- Que garota casca grossa! – James exclamou. – Gostei de ver, . Gostei muito.
Eu fiz uma careta.
- Meu estômago não gostou. – Eu olhei para com senso de humor. – E você me aguarde para a vingança!
E me preparei lendo a próxima ficha enquanto escolhia o que eles comeriam em seguida.
Aquilo podia dar muito certo, ou muito errado.
Os testículos de peru foi o prato escolhido para eles.
- Certo, , a pergunta é para você.
- Isso é golpe baixo, Ruivinha.
Eu não sabia se ria ou sentia pena. se virou para mim com a palma da mão levantada e nós fizemos um hi-5.
- O golpe baixo vem agora – o provocou, e plateia entrou na onda, provocando sonoramente.
Respirei fundo. É sério, quem fazia essas perguntas?
- Se por algum motivo, o One Direction só pudesse ter quatro integrantes, quem você tiraria do grupo?
Todos nós ríamos, mas eram risadas perceptivelmente nervosas. James olhou para ele então se virou para seu pulso, olhando as horas em um relógio que não existia.
- Eu acabei de lembrar que tenho dentista agora, foi muito bom participar desse jogo com vocês! – E quando ele fez menção de levantar, o puxou de volta para a cadeira.
- Na saúde, na doença – brincou. –, e nos momentos bizarros também, Corden.
olhou de relance para e eu, se demorando no primeiro, então pegou o garfo e espetou um dos testículos nele, o estudando enquanto o estúdio inteiro exclamava com nojo.
- Testículos de peru. Sinceramente, eu nem sabia que perus tinham testículos. – Ele encarou aquilo em seu garfo que mais parecia um feijão gigante e inchado. – Todo dia aprendendo coisas novas, isso não é ótimo?
Alguns riram de sua observação, mas o provocou:
- Vai responder ou não?
Ele iria? largou o garfo no prato, na maior naturalidade que conseguiu mostrar.
- Eu me tiraria!
Todos nós exclamamos, perplexos demais.
- Ai, meu Deus. É sério? – James arregalou os olhos para ele.
Um segundo se estendeu por todos nós.
- Não – respondeu e no instante seguinte estava com o testículo do peru em sua boca. James demorou apenas um segundo para fazer o mesmo, rindo completamente decepcionado.
- Eu quero vomitar por vocês! – gritei enojada, incapaz de olhar para eles enquanto mastigavam aquele troço.
Eles cuspiram no balde, não engolindo.
- Acho que a pior parte é quando se morde realmente essa coisa. – tossiu e depois soluçou, como se seu próprio organismo não soubesse como reagir àquilo. – É borrachudo e tem um fluido dentro.
James assentiu ainda bebendo água e enxaguando sua boca. Ele parecia prestes a colocar tudo para fora.
- Nós sabemos bem que fluido era esse.
Precisei de muita concentração para não devolver o que estava em meu estômago enquanto exclamava completamente enojada, acompanhada de todos que nos assistiam ao vivo.
- Última pergunta. – Corden observou as “comidas” restantes na mesa, e tortuosamente começou a girá-la. – Algum pedido especial?
- Sim – eu respondi por impulso. – Quero ir embora antes da pergunta.
Óbvio que não fui levada a sério, ainda que fosse um pedido que vinha do fundo da minha alma. Então o papel de girar a mesa passou a ser de e ele pareceu ao mesmo tempo divertido e incomodado ao parar o escorpião de frente para eu e .
Eu pisquei, transtornada.
- A gente realmente pode comer escorpião? – Me vi falando. – Não é ilegal? Digo, não é venenoso?
Uma porção de gente riu, mas só me respondeu:
- Eu diria que é o que vamos descobrir. – E então aguardamos.
- Certo. , agora é com você. – James leu a ficha: – , conte para a gente a vez que ficou com mais raiva de e como isso aconteceu.
Sabe aquele papo de não colocar lenha na fogueira? Claramente havia um complô contra isso.
Enquanto o estúdio inteiro ovacionava, aplaudindo e gritando, eu senti todos os meus músculos tensos como se fossem feitos de pedra, minha coluna ficou ereta e meu cérebro gritou em alerta. Apesar de e estarem rindo, eu via algumas coisas, movimentos sutis, como o apertar do punho de um, ou o trincar do maxilar do outro, que mostrava a merda que aquilo poderia resultar. Não aqui, mas depois. Longe de toda essa gente.
- Isso vai ser interessante – James brincou, provavelmente não percebendo o ar carregado se acumular ao nosso redor, e apoiou os dois cotovelos sobre a mesa e sua cabeça em suas mãos, esperando a resposta de com entusiasmo e divertimento.
Os dois (ex) amigos se encararam, procurando uma perspectiva, talvez? Eu não gostei no brilho que vi no olhar de nenhum dos dois e decidi que tinha que intervir de algum jeito. Do jeito mais idiota que eu conseguisse. Do mais patético.
Encarei o escorpião imóvel a minha frente, não maior que meu dedo mindinho, e chamei o homem ao meu lado:
- ?
- O quê?
- Se me fizer comer isso – falei em tom de aviso. –, não vou mais beijar você.
Os “uuhhhs” e as gargalhadas serviram um pouco para aliviar o clima. Não muito, já que olhou para baixo e mordeu o lábio, mas ao menos deixou de olhá-lo como se fosse contar todos os podres dele e me olhou com olhos arregalados, como se estivesse assustado com minhas palavras.
- Eu diria para você repensar o que vai fazer a seguir, cara! – falou Corden, com falta de ar de tanto rir.
deixou-se pensar por um instante e pegou o escorpião pelo rabo, o colocando bem em frente ao rosto.
De apetitoso aquilo não tinha nada.
- Ok, eu vou contar. – E então largou o bicho de volta no prato.
Involuntariamente minhas mãos agarraram o assento e minhas juntas ficaram brancas de tão forte que eu o segurei. Ao mesmo tempo se recostou em sua cadeira, tentando esconder o meio sorriso que teimava em aparecer enquanto mantinha a inexpressividade e aguardava . James era o único que esperava muito feliz aquela história, assim como o público. Eram eles, afinal, que estavam alheios ao que acontecia fora dali, de qualquer forma.
Eu poderia ter um piripaque a qualquer instante. Será que alguém me acudiria de um ataque apoplético?
- Então, aconteceu não faz muito tempo – começou, passando a mão por sua nuca, olhando fixamente para . – às vezes faz algumas coisas imprevisivelmente previsíveis, como enfiar o nariz onde não foi chamado.
James olhou de relance de um para o outro e esperou. tomou ar para continuar:
- Enfim, acontece que ele resolveu brincar comigo e eu não gostei nem um pouco da brincadeira. Sabe quando você pensa “nossa, está tudo bom demais para ser verdade”? Foi basicamente nesse momento que apareceu como se dissesse “Hey, verdade, vou atrapalhar um pouco pra você”.
Por baixo dos risos, o ressentimento entre os dois ia ficando cada vez mais palpável.
- Não vai contar o que ele fez? – Corden torceu seu semblante, aguardando a história completa.
- Eu estava trabalhando em algo. – olhou de relance para mim. – Algo realmente importante para mim que já vinha levando um tempo.
- O que era?
hesitou e meu coração errou uma batida.
- Uma música. – Eu quase suspirei de alívio. Ele não diria a verdade verdadeira. – E eu tinha investido tanto tempo nela... E então começou a mexer um pouquinho nuns acordes, depois mais um tanto na letra... Músico perfeccionista, entende? Ele não conseguiu deixar o dedo dele de fora.
- Não foi desse jeito. – tentou protestar.
- Quando eu vi já estava tudo diferente – terminou forçando uma risada. – Sério, a gente trabalha muito junto e tal, estamos acostumados com algumas mudanças repentinas, mas eu fiquei puto da vida porque tudo o que eu tinha feito praticamente já não existia mais e era dele. E sabia o quanto eu vinha me esforçando ali, era de se esperar que ele ao menos me avisasse que estava interessado na mesma coisa.
- Ah, pera aí. Não foi bem assim!
- Foi sim – insistiu. – Mas deixa pra lá.
- Não foi de propósito – acrescentou. – Não foi uma brincadeira, como você acha.
- Esquece, já foi. – riu alto, um gesto parecendo bastante involuntário e real. Mas não era. – Estamos bem, cara.
gargalhou e balançou a cabeça para os lados. Não, eles não estavam bem.
Eu os observava como se assistisse a uma partida de tênis. Não só eu, quase todos faziam exatamente a mesma coisa.
Era ridículo o desfecho daquilo. Patético. parecia tão desesperado para irritar que provavelmente nem pensou no que estava fazendo. Pior, ele estava criando uma analogia péssima para toda aquela situação a troco de quê?
- Parece que essa é ainda uma história bem fresca – James riu, amenizando o clima. Talvez ele tenha percebido que aquela havia sido uma pergunta muito errada ou que a história toda era ridícula demais. Até o público parecia meio perplexo. – Decidiram de quem é a música afinal?
Num impulso eu quase gritei “ela não é de ninguém!”, sabendo que a música na verdade era eu. Mas isso provavelmente complicaria tudo ainda mais.
- Estamos no processo de descobrir. – forçou uma risada acompanhada da de , que estava mais dando de ombros para tudo enquanto escondia o brilho de irritação em seus olhos.
- E você pediu desculpas a ele, ? – Corden perguntou tão naturalmente que só pude acreditar que aquela história maluca tinha colado.
- De jeito nenhum! – gargalhou, e a cautela que até então eles pareciam usar começou a se desfazer.
Hora de intervir mais uma vez me fazendo de idiota:
- Na cara de vocês! – Eu falei mais alto e levantei os braços para cima, comemorando. – Não comemos o escorpião!
Pelo menos os risos por minha reação infantil pareceram diluir um pouco a tensão acumulada ao nosso redor.
- Realmente! – James gritou. – Eu não acredito nisso, . Achei que você nunca fosse responder!
- Acontece que eu gosto muito mais dos beijos da . – A plateia rugiu ao passo em que eu corava.
E como se isso já não bastasse tudo o que tinha acontecido até aí, virou-se para mim e segurou meu rosto com suas duas mãos, uma de cada lado, colando seus lábios no meu. Despreparada e completamente surpresa, não fiz outra coisa além de retribuir o beijo que ele me dava, ao vivo, em um programa exibido internacionalmente, enquanto James Corden gritava em êxtase finalizando o quadro e chamando os comerciais, agradecendo o show e a nossa presença.
Quando nos separamos, tudo parecia um borrão desfocado se desmanchando em pixels. E mesmo sabendo disso eu passei os olhos ao redor, procurando até conseguir visualizar a silhueta de , afastado, que não olhava para nenhum de nós, e mesmo assim aplaudia como se esse fosse um dos momentos mais felizes que ele teve o prazer de presenciar por seu amigo .
Eu não sei por que e nem o que eu procurava em sua expressão. Mas não demorou para eu perceber que não havia nada ali. Foi quando me dei conta de que também não havia nada em mim.
Naquele momento, estávamos vazios. Nós dois.
- Gregory disse que devemos voltar juntos – falou, andando alguns passos atrás de mim.
A naturalidade com que ele estava agindo diante de tudo o que fez estava me deixando irritada.
Apressada, eu caminhava sem olhar para trás, desejando que pudesse despistá-lo em algum local entre o estúdio do The Late Late Show e os nossos camarins. Não que fosse possível, ele parecia estar literalmente grudado no meu calcanhar, mas não custava tentar.
Eu sei que eu estava agindo de um jeito infantil, tomando a dianteira quando deveria caminhar lado a lado com ele porque estávamos no meio de muitas pessoas e tínhamos uma imagem a passar e blábláblá, mas honestamente, que pensassem então que eu estava fazendo birra por alguma coisa com meu pseudo namorado tinha feito. Não ligo. A verdade é que nós três, inclusive, parecíamos bombas prestes a explodir. Não era sábio, para nenhum de nós, forçar a barra naquele momento.
Pelo menos concordava comigo, já …
- , você ouviu? – Ele puxou meu pulso apenas para me fazer olhar para ele, de relance que fosse.
- Ouvi – respondi com a voz grave. – Recebi a mesma mensagem.
Me desvencilhei de sua mão sem sequer olhar em sua face. Continuei andando, apesar de ouvi-lo expirar o ar com mais força que necessário.
Antes de tudo, eu havia combinado com de encontrá-lo depois da nossa participação no meu camarim. Aproveitaríamos um tempo juntos, então iríamos para casa passar mais tempo juntos antes de eu ter que encontrar novamente para recomeçarmos esse mesmo ciclo.
Porém, nas atuais circunstâncias, não sei bem se isso daria certo. Com ao meu encalço, doido para pilhar todo mundo a sua volta, dizer meus planos em voz alta não seria inteligente. Por isso, à contragosto, mandei uma mensagem para , cancelando nosso suposto encontro, e desliguei o telefone para ter certeza que não descontaria nele minhas frustrações. Ou que ele fizesse o mesmo comigo.
Já do lado de fora a brisa gélida me pegou desprevenida e eu abracei meu próprio corpo, como se fosse evitar o frio. Comecei a realmente me arrepender de não ter passado no camarim para ter me trocado e colocado calça e um casaco.
Maldito vestido curto.
- Por que está indo tão rápido? – acelerou seus passos até estar ao meu lado, dessa vez, sem me tocar. – Está fugindo de mim ou algo do tipo?
Eu o olhei completamente descrente e acabei revirando os olhos num gesto bastante petulante. Ele abriu os braços, sem entender nada, quando entrei no carro sem respondê-lo.
demorou alguns segundos para entrar no veículo, como se estivesse acalmando a si mesmo antes de fazê-lo. Por fim, ele sentou-se ao meu lado, deixando o assento do meio livre num espaço confortável entre nós. Hoje um motorista nos levaria embora.
Eu não sabia dizer se isso era algo bom ou ruim.
, subitamente, pareceu perceber que eu estava com frio e estendeu sua jaqueta para mim, que recusei com um gesto rápido e sem interesse.
- Qual é, . – Ele revirou os olhos.
- O quê? – Eu virei-me para ele. – Você pode irritar todo mundo a sua volta e eu não posso ficar brava? Tenho que ser só sorrisos e abraços?
- Seja mais específica. Não sei do que você está falando.
Eu cruzei os braços e o encarei com desdém.
- Não sabe mesmo? – Acabei bufando e balançando a cabeça enquanto soltava um riso seco. – Minha nossa, o que foi tudo aquilo então? Estava na cara que você estava provocando !
- E se foi isso mesmo? Do que isso te interessa? – O atrevimento na voz dele era claro e me pegou momentaneamente desprevenida. – Aquelas perguntas pareciam pedir por isso, de qualquer forma.
- Pelo amor de Deus! – eu acabei dizendo, exasperada. – Era um jogo! Pra que agir assim? Onde acha que ficar cutucando ele dessa maneira vai te levar?
- Isso é entre eu e ele, . Deixa quieto.
- Ah, agora você diz isso!? – Eu precisei me segurar para não soltar um grunhido de frustração. – Não interessa se era entre vocês dois, porque estávamos nós três no meio de uma entrevista para milhares de pessoas! Minha primeira vez num programa ao vivo, . Se eu já estava perdida antes, como acha que fiquei me sentindo depois, enquanto assistia vocês remoerem seus problemas na frente de todo mundo com a maior cara de paisagem?
virou o rosto para a janela ao seu lado e ficou calado. Se havia uma resposta para a minha pergunta, ele preferiu não compartilhar, provavelmente para evitar dizer algo que fosse se arrepender de ter dito logo em seguida.
Permanecemos alguns quilômetros desta maneira, com o silêncio preenchendo todo o ambiente, mas havia muita coisa me incomodando ainda. E ele podia escolher ficar quieto, contudo eu não conseguiria fazer o mesmo quando tinha tanta coisa entalada na minha garganta.
- Eu não entendo você, – falei por fim, minha voz surpreendentemente rouca. – Diz que não quer que eu me afaste, que não quer que... eu mantenha você longe, mas então age assim sem pensar duas vezes.
Queria acrescentar que já era difícil o suficiente para ter que ficar na presença de nós dois quando estávamos “juntos” e que ele não precisava se dar ao trabalho de irritá-lo ainda mais. Mas então me lembrei que, teoricamente, ele não havia me contado que sabia sobre e eu. Se eu dissesse algo, estaria apenas entregando essa satisfação a ele.
Não que ele já não soubesse que estava nos atingindo, afinal. Isso era óbvio.
- Eu já disse, . Não precisa defendê-lo, já entendi. São coisas que e eu precisamos resolver – falou após outra longa pausa.
- Resolver o quê? – insisti num tom agudo e sem paciência, fazendo exatamente aquilo que eu sabia que devia evitar: forçar a barra.
E minha punição por isso foi o silêncio vindo de . O único tipo de resposta que eu não queria.
Ele massageou a têmpora e fechou os olhos, jogando a cabeça para trás até bater no encosto do assento. Meus lábios se pressionaram um contra o outro e evitei dizer qualquer outra coisa que fosse. Me concentrei na paisagem familiar que passava pela janela como na tela de uma televisão.
havia dito que eu não devia me intrometer. Por que eu sentia a necessidade de fazer exatamente o contrário?
Senti os olhos de sobre mim durante algum tempo, mas preferi fingir que não percebia sua atitude. Não queria ser a primeira a começar um novo diálogo.
Muito depois eu ouvi um longo suspiro sair de seus lábios.
- Você nunca me viu de verdade, não é?
- Como assim?
Seus olhos encontraram profundamente os meus.
- Eu estive lá o tempo todo, . E mesmo assim fiquei invisível aos seus olhos.
Eu o encarei de volta, meu peito se apertando pelas palavras que ele me dizia, me desarmando, suavizando de repente toda a raiva que eu sentia até aquele momento. Acho que ele percebeu isso, pois seus ombros também relaxaram quando viram minha postura. Mas ainda que de fato tenha notado isso, sua voz permaneceu triste, fraca, como se sua mente estivesse longe demais para levar essa discussão a frente. Como se ele não quisesse se esforçar para isso, no fim das contas.
me analisou mais uma vez, de cima a baixo. Abrindo e fechando a boca, até que por fim falou:
- Eu só queria que você me quisesse. – Sua voz não era mais que um sussurro. Uma confissão. – Era tudo o que eu queria, desde o começo.
E virou-se de volta para a janela, sem mais o que dizer.
Perplexa, eu apenas o encarei por minutos. Analisando, absorvendo, refletindo. Em outro momento, não muito distante, eu pensava que já tinha dito tudo o que precisava dizer a . Mas agora, enquanto o via preso em sua própria redoma dentro daquele carro, tive a necessidade de dizer algo mais. Algo que fizesse a diferença. Algo que explicasse que eu não conseguia retribuir aquilo que ele queria me dar, que sentia muito por termos chegado a esse ponto.
Mas eu não conseguia. Naquele momento, eu não tinha voz para isso. Não tinha voz para nada.
’s POV
Logo que recebi a mensagem de , achei que fosse algum tipo de brincadeira dela para aliviar o clima pesado que vinha pairando sobre todos nós desde o fim da entrevista com James Corden. Entretanto, depois de esperar quinze minutos, em vão, no seu camarim com Philip reclamando no meu ouvido sobre a vida péssima que vinha levando por causa da ingratidão, indiferença e falta de educação das pessoas com que ele trabalhava, eu percebi que ela realmente não vinha e deixei o Hair Stylist ali, tendo mais alguém sobre quem reclamar a partir de então.
Tentei ligar para pelo menos cinco vezes, sem sucesso. Não tinha muito o que qualquer um de nós pudesse fazer. Ela tinha que obedecer às ordens de Gregory para cumprir também aquele maldito contrato e não podia ir contra isso.
No caminho de volta para a minha casa, fumei pelo menos uns três cigarros, me controlando para não pegar o quarto, enquanto acalmava meus pensamentos e media minhas possíveis ações.
Tudo estava ótimo. Eu havia surpreendido dentro daquela sala de materiais de limpeza. Nós rimos e nos beijamos muito, estávamos felizes e animados, tendo um momento só nosso sem a intromissão de absolutamente ninguém, por mais patética que tenha sido a forma como conseguimos isso. parecia no paraíso por ter sua primeira entrevista, estava completamente extasiada e divertida. Eu estava feliz por ela, compartilhava toda sua alegria. Isso, até aparecer, fingir estar tranquilo e então começar com aquela palhaçada, acabando com qualquer resquício de entusiasmo que tinha em nós dois. Aquele…
- Filho da puta – eu falei e bati o punho contra o volante num ímpeto de raiva que não pude controlar.
Eu tinha muita energia para gastar, sentia meus músculos tensos com todas essas sensações acumuladas em si que eu precisava colocar para fora.
Estacionei meu carro e subi até a minha cobertura, ignorando por completo os paparazzi de plantão e até mesmo o porteiro que parecia me chamar, ainda que eu não tivesse certeza disso.
Quando cheguei ao meu apartamento, enfim, a primeira coisa que vi foi jogado em meu sofá, as mãos atrás da nuca, encarando o teto com os calcanhares cruzados, como se esperasse a minha chegada.
Não me incomodei em ser educado com ele também.
- Por que está aqui?
Ele sequer moveu o corpo, apenas arqueou uma sobrancelha para mim.
- Eu assisti ao programa – respondeu como se aquilo fosse uma boa justificativa. – Vim para cá assim que terminaram aquela parte das comidas esquisitas. Achei que talvez você fosse querer companhia, principalmente depois…
Eu soquei a parede antes que ele pudesse terminar a frase ou mesmo sua linha de raciocínio. Sem esperar para ver se vinha atrás, eu segui até o cômodo que eu havia transformado em academia e sala de treino. Ninguém precisava de tantos quartos em um apartamento, por isso dei outras funções a alguns deles.
Passei pela porta e sequer pensei em enrolar meus dedos com gaze ou colocar a merda das luvas, simplesmente tirei a jaqueta, a camiseta, os sapatos e fui direto para o saco de areia pendurado em meu teto, o socando vezes e vezes seguidas até parar ao meu lado, com seu sorriso debochado no rosto.
- Está a fim de quebrar um dedo?
- Me dá um tempo – eu murmurei para a ele, seguindo uma nova sequência de socos.
- Tudo bem. – Ele deu de ombros com falsa despreocupação. Eu o conhecia bem o suficiente para saber disso. – Mas não vou levar ninguém ao hospital.
Ele permaneceu ao meu lado, afastado apenas alguns metros enquanto eu continuava a bater no saco de pancadas até que meus dedos começaram a ficar dormentes e minha respiração começou a falhar. Percebi que uma fina camada de suor cobria minha pele exposta e que as juntas da minha mão estavam vermelhas.
Eu me apoiei um instante no próprio saco que ainda balançava sem parar, esperando que meus batimentos cardíacos se acalmassem.
Sorrateiramente, se aproximou de mim e sentou-se no chão. Eu desabei ao seu lado, sentindo uma exaustão que até então não estava lá, a adrenalina começando a desaparecer do meu corpo.
- Eu não sei como fazer isso.
- Socar? – me provocou. – Também não sou especialista, mas você parecia estar se saindo muito bem.
- Idiota. – Eu me virei para ele, tomando fôlego. – Estou dizendo em relação a .
Ele pareceu pensar por um instante.
- Eu fiquei surpreso pela forma que ele agiu hoje no programa. costuma se conter mais, pensar antes de falar.
- Não sei se foi bem o caso – falei. – Pelo menos não em parte da entrevista.
tamborilou os dedos no chão. Sem me encarar, ele perguntou:
- Acha que alguém percebeu algo de estranho?
Eu ponderei seu questionamento por um instante e hesitei.
- Não – respondi em seguida, mais seguro. – Somente . Mas ela já sabia da briga. Só não tinha contado a ele e vice versa.
Eu passei as mãos pelo meu cabelo úmido de suor, foi quando comecei a sentir as dores do antebraço para baixo. Ainda assim não me arrependia de não ter calçado as luvas de boxe. A dor era uma distração bem vinda.
- Só que isso não ajuda muito, não é? – Eu me virei para . – Ela saber o que está rolando entre e eu, ou mesmo ele saber do meu relacionamento com . Tanto uma coisa quanto a outra só vai servir para piorar a situação. Pelo menos eu tenho quase certeza que descobriria um jeito para isso.
me encarou com indignação.
- não é assim tão imbecil, – repreendeu com a voz firme. – Para bem ou para mal, vocês trabalham juntos. São amigos antes de qualquer coisa.
- Éramos – eu o corrigi, me controlando para não me exaltar com também. – Ele está com raiva, cara. As pessoas fazem merda quando estão com raiva. E de um nível de zero a dez, a dele ultrapassou o limite em 500%.
passou o polegar e o indicador em suas sobrancelhas, respirando fundo.
- Ele vai voltar à razão. A inteligência dele é maior que isso, sempre teve muito juízo.
Ouvi-lo defender me incomodou mais do que eu gostaria de admitir para mim mesmo, e, quando percebi, já estava apertando os punhos novamente. Dessa vez, ao lado do meu corpo.
- Não acredito que você está tentando intervir por ele.
me olhou sobressaltado.
- Vocês podem estar discutindo, , mas eu não vou tomar lado nessa briga. Não sou burro a esse ponto! – Ele se colocou de pé e eu o imitei imediatamente. – Sou amigo de vocês dois e não vou comprar briga de ninguém.
- Acha que eu estou exagerando? – Precisei controlar meu tom de voz para não me exaltar. – Caralho, , você não o viu como eu vi! Não o ouviu falar, não sentiu o ódio dele transbordar por cada olhar que ele lançava para mim!
abriu os braços e expos as palmas para cima, como se não tivesse o que fazer.
- Sinto muito, . Mas, porra, não posso fazer muito mais por você além de tentar colocar sensatez nessa sua cabeça dura – respondeu. – Ninguém guarda rancor pra sempre. Você e precisam conversar até caírem em si e verem que estão agindo como dois adolescentes de merda na puberdade, cheios de hormônios incontroláveis!
Eu contorci meu rosto em uma careta.
- Fala sério.
- Estão agindo como idiotas! – me ignorou. – Coitada da por ter que lidar com vocês dois. Coitado de todos nós!
Foi minha vez de fingir que não o ouvi e comecei a andar de um lado para o outro dentro do quarto.
- Eu não sei como lidar com nesse momento, . Entende isso? – Eu parei de frente para ele. – Precisei me esforçar muito hoje. De verdade, não sabia como agir! Entende que até poucos dias atrás nós estávamos saindo juntos, bebendo, fazendo piada e reclamando e rindo da vida e agora temos dificuldade até de olharmos um na cara do outro sem partir para uma briga? Acha que estou feliz com isso?
- Se não está feliz, então por que não conserta?
- Porque não sei como! – admiti socando o saco de areia para longe com toda a minha força. Ele começou a desenhar círculos no ar conforme voltava ao seu estado de inércia. – Porque sei que a culpa em parte é minha e eu não fiz nada para evitar chegarmos a esse ponto. E porque tem também. Que está, literalmente, no meio desse fogo cruzado.
balançou a cabeça para os lados em movimentos sutis. Eu não entendia como ele podia estar tão calmo quando eu sentia meu sangue ferver.
- Infelizmente ela faz parte disso, .
Como quem cala consente, eu fiquei em silêncio por vários minutos em seguida.
Minha cabeça começou a latejar e acabei por me deitar no chão, meu corpo ainda quente em contraste com a frieza do piso, enviando calafrios por toda minha espinha. se sentou ao meu lado, as pernas separadas, a coluna curvada e seus braços abraçando os joelhos meio sem jeito.
- O que você vai fazer, ? – De súbito, percebi como a voz dele soou cansada também. Quase exausta. – Pretende desistir?
Desistir?, me perguntei. De quê? Do resquício de amizade que eu ainda poderia ter com ? Do contrato o qual eu assinei sabendo a bagunça que daria estando secretamente entre o casal do momento? Ou do meu relacionamento com , que mal tinha começado?
Eram tantas coisas. Eu não sabia a que, exatamente, estava se referindo, mas sabia que não queria desistir de nada disso, nem das outras coisas quais sequer pensei e me recusava a verbalizar.
Mas quando a resposta veio, foi específica para uma só questão apesar de valer para todo o resto também:
- é o único motivo de eu querer levar isso adiante, . E acredite, isso tudo está acabando comigo – falei. E me contive para não dizer em como eu acreditava que estava enchendo a cabeça dela de bobagens, a fazendo se sentir culpada só para se vingar de mim por meio do ressentimento dela e de como isso refletiria em mim.
Ela podia não contar, mas eu o conhecia bem até demais. Tanto as partes boas, quanto as ruins.
- Ótimo – ele murmurou e se levantou. – Se vai continuar, então precisa achar um meio termo, ou sua sanidade vai evaporar antes da próxima estação.
Eu revirei os olhos para ele, mesmo sabendo que estava certo. começou a se afastar em direção a porta, mas parou antes de passar pelo batente.
- ?
- O quê?
- Uma última coisa – ele disse. – Lembre-se que não é o vilão, ok?
E antes que eu pudesse pensar sobre ou no mínimo responder monossilabicamente para ele, já tinha ido, me deixando ali com meu celular tocando e um nome na tela que fez todo o meu sangue gelar e o ar sumir dos meus pulmões.
Eu vivia em uma espécie de pesadelo ou o universo tirava uma com a minha cara.
Realmente, eu ficaria surpreso se minha sanidade durasse até o próximo mês. O ódio se inflou dentro de mim.
No segundo seguinte meu celular voava de encontro a parede.
OBS: todos os pratos descritos realmente já foram usados em algum quadro de Spill your guts or fill your guts – é verídico!
Capítulo 38
Here we go again
So don’t go look at me with that look in your eye
You really ain’t going away without a fight”
’s POV
- Minha nossa! – exclamou mais uma vez, um sorriso tão grande, os olhos tão arregalados, que ela começava a se parecer muito com o Cheshire Cat de Alice no País das Maravilhas. – É inacreditável, essa revista também está falando de vocês!
- Ah, é mesmo? – Se ela notou o tom de sarcasmo, não se preocupou. – Não diga!
- , ... – Minha amiga balançou a cabeça levemente para os lados. – Pode fazer já uma semana, mas esse beijo ao vivo deu o que falar!
Eu revirei os olhos enquanto a via adicionar mais uma revista a pilha de “fofocas sobre ” que vinha colecionando desde o dia em que fui para a audição em Brighton, independente de qual fosse o conteúdo que elas tivessem.
Esse vinha sendo seu novo passatempo favorito já fazia tempo demais. Mas eu não ligava, desde que ela não me enchesse o saco por isso.
- Nem me fale – resmunguei mais para eu mesma do que para ela de fato.
estava muito ocupada vendo a repercussão daquilo tudo para se incomodar de verdade com meu mau humor ou os motivos dele. Por isso, enquanto ela trocava de canal, procurando mais algum lugar que falasse sobre “o mais novo casal da Inglaterra”, simultaneamente eu me fechava dentro de uma bolha e encarava meu celular, aguardando ansiosamente alguma resposta de .
- Talvez, se apertar o aparelho com mais força, ele funcione mais rápido – ela debochou sem me olhar de verdade. Fiquei tentada a jogar uma almofada em sua cabeça.
- Você é muito chata – reclamei. – Cadê quando preciso dele?
Ela se limitou a rir.
- Trabalhando, ué. Depois dessa confusão toda entre seus dois namorados, alguém tem que continuar com o serviço.
Eu não a corrigiria de novo para dizer que eles não eram meus namorados. Nenhum dos dois. Não da maneira convencional pelo menos.
- E o seu namorado é o músico salvador da banda, então?
- Não sei. – Ela deu de ombros. – Ainda não tive a oportunidade de descobrir.
Meus lábios se transformaram numa linha fina. Eu não entraria nesse assunto. Sabia que ficava incomodada e evasiva demais quando falávamos sobre as músicas dos garotos. por várias vezes afirmou para ela que estava escrevendo algo especial, mas nunca mostrou nada. Talvez fosse insegurança. Minha amiga achava que era porque ela não era boa suficiente para opinar. Eu preferia pensar que ele estava aguardando o momento certo. Mas, de qualquer forma, só poderia dizer qual das opções era a verdadeira, e ele não estava presente no momento para isso.
- Vai sair para onde hoje? – Minha amiga mudou de assunto. Evasiva, como o esperado. Contive a vontade de soltar um suspiro.
- Vou almoçar com , num restaurante na orla do Tâmisa.
- Parece bom.
Só parece mesmo, quis responder. Mas optei apenas em dar um murmúrio afirmativo.
- sabe?
- Sabe – falei. Era esse exatamente o assunto das mensagens que ele ainda não havia me respondido. – Mas não há muito o que ele ou eu possamos fazer sobre isso, gostando ou não.
Houve um espaço de tempo onde todo o som se resumia aquele emitido pela televisão.
- A situação entre vocês está estranha desde o programa do James, não é?
- No mínimo isso – foi o que me limitei a falar.
As coisas que aconteceram naquele dia, os acontecimentos que antecederam ao mesmo... Tudo aquilo resultava numa dor de cabeça certeira. A culpa, a tristeza, o incômodo e a impotência se misturavam de tal forma que eu não conseguia separar um sentimento do outro.
Aquela confissão que fez para mim no carro... Meu peito doía por isso na mesma intensidade com a qual eu sentia raiva dele por ter agido daquele jeito com . Eu ainda não sabia o que fazer, apesar de saber muito bem o que queria e gostaria que eu fizesse.
E então tinha . Sempre um enigma para mim, mesmo depois de todos os passos que conseguimos dar em frente.
- veio aqui outra noite, não veio? – perguntou. – Quando eu estava com , fora de casa.
- Sim – falei, com parte dos pensamentos ainda vagando para longe. – Mas ele não ficou muito e nós não falamos sobre o que aconteceu semana passada. Acho que nenhum de nós dois queria entrar nesse assunto, torturar a nós dois. Ele parecia exausto demais para eu sequer cogitar isso. Fizemos outras coisas.
Eu disse tudo com bastante naturalidade, mas minha amiga devolveu o olhar com tanta malícia que não contive a quentura em meu rosto. Nem em meu pescoço.
- Outras coisas, é?
- Não esse tipo de coisas. – Revirei os olhos para ela, entendendo exatamente o que ela queria dizer. – Nós conversamos, rimos, comemos uma pizza e quase um pote inteiro de sorvete. E quando fomos assistir um filme, pegou no sono antes da metade.
- Mas que chatice. – soltou mais como uma provocação do que qualquer outra coisa.
- Como eu disse, ele estava exausto.
Ela soltou um suspiro teatral. Eu a ignorei.
Ainda que estivesse muito cansado naquela noite, quando eu acordei na manhã seguinte, ele não estava mais ali, deitado ao meu lado, da maneira como havíamos adormecido horas antes. Confesso que isso me magoou um tanto, de uma forma que não consegui colocar em voz alta.
Havia apenas uma mensagem sobre o travesseiro que ele usara, dizendo que tinha algumas coisas para fazer. Só isso, apenas uma satisfação. Mas o que eu poderia fazer? Se eu não queria falar, não o obrigaria a fazer justamente isso.
Quando nos falamos depois disso, não tocou no assunto. E eu não insisti.
Era estranho, para nós dois. A situação toda.
Lidar com tudo isso era uma descoberta lenta e gradual. E apesar de pensarmos o contrário logo no início, não sabíamos em absoluto onde estávamos nos metendo quando concordamos com o que estávamos fazendo. O que uma ação poderia desencadear, as consequências reais que viriam em tantos aspectos.
Mas aquilo estava nos afetando mais do que gostaríamos de admitir. Não era apenas , era a mídia, nossos amigos, nossos trabalhas, nossas vidas.
Nenhum de nós queria pressionar o outro exatamente por não saber os limites de cada um. Tínhamos medo. Não queríamos adentrar territórios perigosos, de assuntos que talvez ainda não estivéssemos prontos para falar. Porque conhecíamos muito bem um ao outro para saber que nada daquilo se resumia somente ao contrato e os desentendimentos com .
Existia mais.
Estávamos em uma eterna linha tênue, e justamente por isso eu sentia esse vazio me consumir de dentro pra fora com aquela indecisão constante, me prendendo numa eterna encruzilhada: fazer o que era preciso ou fazer o que eu queria”. Era um ou outro, eu queria ter tudo, mas não podia. Ou ao menos era à conclusão que eu chegava. Todas as vezes.
O que pensava sobre isso?
Encarei meu celular outra vez, esperando, mas não havia nada.
Exalei o ar para fora controladamente e encarei , ainda analisando suas revistas.
- Vou me trocar – falei para ela. – Preciso ir a um encontro.
Querido Diário…
Eu ainda estou tentando entender como tudo mudou quase que da água para o vinho, ou melhor, da água para a cachaça, do dia para a noite.
Em praticamente todos os aspectos da minha vida, as coisas estão diferentes.
Estou no carro agora, indo me encontrar com , mas vou acabar chegando atrasada porque me prendi demais à algumas pessoas no meio do caminho, tirando fotos e dando alguns autógrafos. 6 meses antes eu era uma total desconhecida para a sociedade, hoje as pessoas me param na rua porque me reconhecem da TV e internet. É estranho pensar assim, mas as coisas mudaram rápido demais.
Agora mesmo, eu acabei de ver fotos minhas estampando a vitrine da Pandora e a pontada de orgulho ameaçou se expandir em meu peito muito intensamente. Eu amo meu trabalho, amo o que faço!
Ou, era o que eu pensava até poucos dias atrás. Antes de me ver presa em um cabo de guerra sem fim.
Estou tentando me convencer de que posso superar, suportar tudo isso. Pela minha própria capacidade de cumprir com um acordo, de ser profissional até o fim. É o que digo para quem me pergunta por que estou fazendo isso.
Contudo, a verdade nua e crua é que estou fazendo isso pela minha família. É pelo meu pai. Pelos meus irmãos.
Parece loucura, mas é para o bem deles. Posso ter dinheiro agora, mas não era o suficiente para tudo. Não, pelo menos, até o novo contrato.
É a primeira vez que estou admitindo isso em algum lugar além da minha própria cabeça. Não sei, me sinto um pouco suja por isso.
Minha escolha imediata foi dizer não para a ideia completamente maluca que me ofereciam. Mas então me deixou meio sem saída, não completamente, como como fiz parecer. Ele estava certo em um ponto: eu poderia ter dito não se fosse isso mesmo que eu quisesse. E muito provavelmente eu teria feito exatamente isso, se por impulso, eu não tivesse pensado na minha família, no bem estar dela antes do meu, naquele mísero instante fatídico.
Seria hipocrisia minha dizer que estou realmente feliz agora com tudo o que está acontecendo.
Mas não são só consequências ruins que me empurram para baixo. Agora eu consigo pagar a reabilitação do meu pai, que está internado em uma clínica para se recuperar dos seus vícios – ainda sem tempo estimado para saída. E consigo pagar também os cuidados e estudos dos meus irmãos, que estão estudando em um colégio interno e integral, com tudo o que precisam já incluso, inclusive atividades extras para os manter distraídos e ocupados, sem preocupações excessivas sobre a ausência do nosso pai, ou mesmo a minha.
Saber que as pessoas que amo estão bem, compensa quase todo o resto.
Eu ligo para eles com frequência, Laura e Leonard. Entretanto, não consigo me convencer de que isso é o suficiente. De que eu estou fazendo o suficiente. Se eu pudesse, se eu tivesse o tempo necessário para dar atenção a eles, os traria para morar comigo. Mas não tenho. E isso é outra coisa que acaba comigo aos poucos, mesmo que eu os veja felizes onde estão agora.
O importante é que as coisas estão dando certo até agora. Mais ou menos.
É o que tento dizer a mim mesma o tempo todo. Isso, e que e eu vamos dar um jeito no que temos também. Mesmo que seja difícil, mesmo que ele não saiba tudo por trás das minhas escolhas. Mesmo que eu não saiba tudo o que está acontecendo com ele também, igualmente, porque sei que há algo mais, ainda que ele pense que eu não perceba.
Mais obstáculos. Eu não me sinto surpresa, para ser sincera. Só que isso me assusta de uma maneira que não sei descrever. Me arrepio só de pensar, como se o futuro ainda me guardasse muitas provações. Para todos nós…
O motorista está dizendo que estamos chegando. Sinto a necessidade de escrever muito, muito mais, só que não posso agora. Não teria como.
Essas já foram questões demais.
Com amor,
.
- Eu pedi uma bebida para nós enquanto te esperava – disse após me ajudar a sentar na cadeira, a vista perfeita do rio Tâmisa logo a minha frente. – Talvez esteja sem gelo. Se quiser, posso pedir outra.
Eu balancei a cabeça num gesto sutil.
- Assim está bom. – Beberiquei o suco de cranberry e em seguida se sentou, não muito distante, ao meu lado.
Tudo nele parecia muito mais... ameno. Nostálgico até. Seu olhar estava pacífico, límpido, e não haviam rugas em sua testa. Talvez tenham sido as palavras que me dirigiu em nosso último encontro, como se quando as tivesse colocado para fora uma grande parte de si tivesse se aliviado também. Ou quem sabe minha própria reação, minha falta de palavras quanto àquilo, não tenha o feito se acalmar diante de tudo.
Mas, mesmo pensando assim, por algum motivo fiquei me perguntando se por acaso ele não estava agindo assim por se lembrar da noite em que fomos até o restaurante francês, quando nos beijamos pela primeira vez.
Parecia ter sido há uma vida inteira atrás, quando de fato estávamos tendo um encontro de verdade. Agindo genuinamente um com o outro.
Não queria admitir, mas sentia falta daquele , que tinha conversas fáceis e leveza na presença. Aquele que era meu amigo antes de tudo.
- Eu vi as suas fotos promocionais para a Pandora – ele disse após um momento em silêncio, enquanto avaliava minha postura, cada gesto que eu fazia. – Você está linda nelas, gostei muito.
- Obrigada – murmurei com um sorriso que ao meu ver pareceu forçado demais. – Eu estava ansiosa para vê-las.
- Quando você as tirou?
- Já tem um tempo. – Dei de ombros enquanto folheava o cardápio. – Estávamos em Bradford no meio das filmagens da série. Talvez você se lembre, devo ter comentado algo.
Em um segundo, ele se retesou. Até mesmo seu olhar ficou mais sombrio enquanto me encarava.
- Ah, eu me lembro – ele respondeu e senti uma súbita mudança em seu tom de voz, quase como se eu tivesse dito algo errado.
Eu abaixei o cardápio para observa-lo melhor, talvez perguntar alguma coisa, mas só tive tempo de franzir a testa e juntar minhas sobrancelhas. De repente o garçom já estava ao meu lado, anotando nossos pedidos.
não se esforçou para puxar assunto depois disso e permaneceu calado durante toda refeição, só se dando ao trabalho de me olhar e sorrir vagamente por causa de alguns paparazzi que estavam nos arredores, esses tendo sido informados de nossa localização por nossos próprios agentes.
Mas que raios tinha sido isso? Todas as coisas boas que eu tinha notado nele desapareceram em um piscar de olhos.
Irritada por seu humor volátil demais, busquei meu celular como algo com o que me distrair. Não demorou para perceber isso e começar a olhar feio para o meu aparelho, a fazer caretas cada vez que me via digitando uma nova mensagem.
Quando o silêncio começou a se tornar insuportável, por fim eu larguei meus talheres no prato e o encarei com seriedade.
- O que foi, ?
- O que foi o quê?
Eu semicerrei meus olhos em sua direção.
- Por que está assim? Eu te fiz alguma coisa?
Ele deu de ombros, mastigando mais um pedaço de carne, sem se dar o trabalho de responder. Depois de um tempo, apontou com o queixo em direção ao meu celular.
- Falando com de novo?
Eu demorei para absorver o que ele estava falando. Surpresa demais, recostei na cadeira, piscando vezes seguidas sem desviar os olhos dele, que apenas me olhava com a sobrancelha arqueada e um sorrisinho presunçoso nos lábios.
- Por que a pergunta? – Acabei soltando.
- Não sei. Parece que ele sempre está aqui, mesmo não estando.
Eu balancei a cabeça para os lados, sentindo meu estômago formigar.
- Não sei por que está falando isso.
- Ah, não? – Foi a vez dele de colocar seus talheres sobre o prato e estender a mão sobre a mesa de encontro a minha. Ainda perplexa demais, não a afastei. – Aposto que sempre que está comigo, é com ele que está conversando.
Eu não devia fazer uma cena. Eu não podia fazer uma cena. Mas sentia que ele estava me incitando a fazer justamente isso.
- Isso é ridículo.
- Será que é? – Seu polegar acariciou o dorso da minha mão enquanto ele me olhava e sorria.
- É, sim! – Afastei minha mão da sua. – Eu sequer toquei no nome dele. Você que mudou completamente de um segundo para o outro!
apenas me encarou.
- Não faça caretas, . As câmeras estão logo ali. – Seu braço se esticou novamente, capturando minha mão com a sua e por um segundo meu único pensamento foi levantar e ir embora dali.
Respirei fundo algumas vezes até que meu coração tivesse acalmado seus batimentos.
- Se eu estiver ou não conservando com , , isso não é da sua conta – falei pausadamente, com o rosto isento de qualquer expressão que não fosse a da pura paz e tranquilidade. – Afinal, eu e você, não estamos juntos de verdade. Esse seu ciúme é completamente sem sentido.
Eu sorri para ele. O maior e melhor sorriso que eu consegui naquele momento, e juntei minha outra mão livre para junto daquela que já me segurava sobre a mesa.
Ele olhou para baixo, para a toalha da mesa, e levantou o rosto com um sorriso aberto. Completamente falso.
- Sabe, enquanto você falava de Bradford, uma lembrança me veio à mente – começou ele, com a voz baixa e cautelosa. – Realmente, eu me lembro de você ter comentado sobre a sessão de fotos com a Pandora. E sabe do que mais me lembro? De que estávamos saindo, você e eu. E mesmo assim, me lembro de naquela mesma noite você chegar no hotel acompanhada de , vestindo a jaqueta dele. De mãos dadas com ele enquanto estava comigo.
Eu engoli em seco, apertando sua mão com as minhas. Se eu pudesse, apagaria toda a mágoa que sentia, todo o remorso. Porque aos poucos eu vinha percebendo quão profundos eram esses sentimentos dele e como aquilo o estava destruindo.
- Eu não tinha nada com , .
- Não acredito nisso – falou sem vacilar. – Não acredito nisso nem por um segundo!
Revirei os olhos e soltei uma gargalhada sem qualquer pingo de humor.
- Você só pode estar brincando. O objetivo de nos encontrarmos hoje, por acaso, era de falar sobre ele ou levar adiante nossas responsabilidades? Porque não tem nada a ver com isso!
Seus olhos eram firmes nos meus, sequer piscavam ou se moviam. E suas íris, cor de chocolate, não eram nada mais que um aro ao redor das pupilas dilatadas, que brilhavam com descrença, cada vez mais intensamente enquanto ouvia o que eu falava.
- Isso não vai dar certo, . – Ele recostou em sua própria cadeira, não disfarçando a seriedade que o tomava.
- Do jeito que estamos, claramente que não – resmunguei sem pensar. – Você parece não estar nem se dando ao trabalho de tentar!
- E por que eu devia tentar, se você já estragou tudo antes de sequer começar?
Eu me aproximei dele, segurando a irritação e a vontade de gritar:
- , eu Eestou tentando!
Tudo o que ele fez foi se aproximar de mim da mesma maneira que eu havia feito e segurou meu rosto com suas mãos, aproveitando a deixa da maneira que melhor veio a calhar para a situação.
A doçura que ele mostrava em seu rosto não existia de verdade em sua voz.
- Fazer isso enquanto fica com não é tentar, é fadar ao fracasso no primeiro momento.
Eu fechei os olhos e balancei a cabeça para os lados.
- Do que você está falando?
- Acha que eu não sei que vocês estão juntos? – Sua voz ficou mais forte, cheia de repulsa. – Faça-me o favor, , eu não sou cego!
Mordi o lábio inferior impedindo as palavras de saírem.
Dane-se se eu devia fingir para ele que e eu não tínhamos nada. Dane-se se ele estava ressentido, ferido. A forma como ele falou, a expressão em seus olhos... Eu segurei seus pulsos, os impulsionei para baixo, querendo me afastar do seu toque. Seus braços não se moveram um centímetro.
- Eu sei dividir minha vida profissional da pessoal, – vociferei para ele. Minhas mãos firmes no mesmo lugar. – Se você não sabe fazer isso, então o problema não é meu.
- É isso que vai dizer quando descobrirem que você está com dois homens ao mesmo tempo? Que um está na sua vida pessoal e outro na profissional? – Ele se aproximou ainda mais de mim. – Parabéns, com certeza vai ser uma ótima imagem essa que você vai passar.
Se a intenção dele era me atingir e me fazer recuar, ele tinha feito um ótimo trabalho. Me segurei para não deixar minha face fraquejar, ainda que meus olhos ardessem e que minha garganta estivesse se fechando.
Mas eu havia entendido o que ele queria dizer, ouvia a palavra não pronunciada ecoar em minha cabeça tão clara e fria quanto gelo.
deve ter percebido que foi longe demais, porque em um segundo sua expressão inteira suavizou sendo substituída pela incredulidade e vergonha.
- , eu…
- Está me chamando de vadia, ? – O tom falho de minha voz traiu toda a confiança que eu tentava passar. – É isso que está tentando dizer?
- Me desculpe, não foi isso que eu quis…
Eu comecei a me levantar, interrompendo sua fala.
- Preciso ir.
- Eu não disse isso por mal. – Ele teve a coragem de segurar meu braço quando passei ao seu lado, impedindo que eu continuasse. – Eu só... Eu só quero que você tome cuidado com o , . Não quero que ele te magoe, porque é isso que vai acontecer se você continuar caindo nas conversas dele.
- Me deixe em paz, .
- Já vi isso acontecer antes! – Ele elevou o tom conforme eu me desvencilhava dele e me afastava. – Por que acha que Maya foi embora, ? Por quê?
Eu hesitei o próximo passo. Olhando-o sobre o ombro com o coração acelerado e as mãos suando.
- Pergunte a ele sobre ela. – Apesar da voz suave, eu sentia a provocação mascarada por sua beleza. – Pergunte, . Porque eu não ficaria surpreso de ver a história se repetir mais uma vez.
E com esse alegre comentário, eu sorri para ele, sem mostrar os dentes, com o estômago embrulhado e as mãos tremendo. Segui para longe da orla, para longe dele, sem me importar se estava ou não sendo fotografada, ligando para a única pessoa que eu podia contar no momento.
- ? – Eu rezei para que ele não notasse a fraqueza em minhas palavras. – Posso me encontrar com você agora?
Não tive dificuldade ao passar pela portaria dessa vez, e o porteiro me entregou a chave reserva sem qualquer empecilho, apesar de ter me lançado um olhar torto que com muita indiferença eu ignorei.
disse que não estava em casa, mas permitiu que eu o esperasse lá, independente de quanto tempo ele ainda fosse demorar. O que eu esperava que não fosse muito.
Minha cabeça parecia prestes a explodir. Eu havia segurado todas as lágrimas que se formaram, mas meu sangue ainda rugia, vibrava por todo o meu corpo, as palavras de ecoando em minha cabeça ainda que eu me recusasse a pensar nelas.
A primeira coisa que fiz quando entrei em seu apartamento foi beber água. A segunda foi ficar caminhando de um lado para o outro até perceber que nem uma coisa, nem outra, estavam ajudando a acalmar meus nervos. Por isso resolvi explorar.
Honestamente eu não ligava se estava sendo enxerida ou não. Eu não estava pensando com clareza desde que proferira aquelas coisas para mim. Todas elas.
Me sentia a definição da palavra confusão. E naquele momento, eu só queria parar de pensar.
Andando pelos cômodos, comecei a avaliar as alternativas. Eu podia me jogar em uma das camas dos quartos e tentar dormir para esquecer essas últimas horas. Podia ir para o quarto/academia dar uns socos no saco de areia ou correr na esteira até desmaiar. Podia me jogar no sofá da sala e assistir um filme ou mesmo tomar um banho até que a água quente acabasse. Mas optei por mergulhar na piscina. Mesmo que isso me trouxesse lembranças horríveis. Mesmo que isso me desse calafrios por toda a espinha. Parecia a melhor escolha entre todas.
Tirei os sapatos, minha calça jeans e em seguida o casaco pesado e minha blusa, ficando só com a roupa íntima e mergulhei antes que mudasse de ideia.
Não era funda, nem rasa, e fiquei grata pelo aquecedor da água estar ligado, ou eu poderia muito bem morrer congelada. Mas o que realmente importava era que eu conseguia encostar os pés no fundo e ainda assim manter minha cabeça na superfície. Bastava para mim.
Eu mergulhei a primeira vez esperando que água afogasse minhas frustrações. A segunda, para apagar as mágoas. A terceira, para me fazer esquecer as palavras cruéis. A quarta, para inibir as lágrimas. E continuei por uma quinta, sexta, incontáveis outras vezes.
Quando percebi, eu já estava completamente sem fôlego, encostada na borda, com o nó dos dedos brancos de tanto apertá-la.
Mas a força maior era aquela dentro de mim que eu estava fazendo para não desmoronar ali.
Meu corpo boiava e eu praticamente não me mexia. Observava a transparência do vidro acima de mim e as nuvens que se moviam com lentidão, a mudança da luz conforme o tempo passava. Não fazia tanto que eu estava ali, mas pareciam horas. Meu celular havia tocado algumas vezes, mas não mexi um músculo para atendê-lo, independente de quem fosse.
Que tocasse até a bateria acabar.
Uma batida de porta me deixou alerta e me movi meio desajeitadamente até a parede da piscina, esperando. Apesar de me sentir exausta, a simples presença de atenuou tudo o que me incomodava. Eu o queria perto de mim, comigo.
E estava pronta para chamar seu nome, dar um indício de onde eu estava, apesar da porta aberta que provavelmente ele veria à distância, quando ouvi sua voz firme, grave, irritada:
- Não interessa! – O tom se tornou crescente conforme os segundos passaram e me calei imediatamente. Ele parecia alterado e eu não sabia se alguém o acompanhava ou se estava ao telefone, mas me vi cada vez mais curiosa e incrivelmente sem saber o que fazer diante da intromissão não planejada. Me colei a borda da piscina como se pudesse me camuflar ali ao mesmo tempo em que ouvia tudo e tentava entender o que estava acontecendo. – Trato é trato, tinha sido um acordo justo, porra!
Houve um instante onde apenas os passos de se tornaram audíveis, cada vez mais próximos, e de repente eu sentia minha pulsação no meu pescoço. Forte e acelerada. O que aquilo significava?
- Você é mesmo um filho da puta – ele quase rosnou. E então entrou na sala da piscina, estudando o ambiente.
Por um instante ficou perplexo demais por me encontrar ali, então pegou o celular, ainda próximo do seu ouvido e o baixou lentamente. Eu podia jurar que, caso não tivesse me visto, teria atirado o aparelho longe, mas tudo o que fez foi encerrar a ligação sem dar qualquer satisfação a quem estava do outro lado da linha.
Eu abri e fechei a boca, avaliando, após um instante tenso que serpenteou por entre nós dois sem que qualquer um dissesse alguma coisa.
- Você está bem? – consegui perguntar. Eu apoiei meus dois braços na borda e coloquei meu queixo sobre as mãos, o observando com cuidado.
- Não sabia que estava aqui. – Ele me olhou dentro da piscina e começou a caminhar com calma até a borda, largando seu celular fora de alcance. Ele viu minhas roupas jogadas em um canto, mas não fez comentário algum sobre aquilo, nem uma brincadeira maliciosa.
Para mim, isso era um sinal de que algo não estava certo.
Era o que sempre parecia, na verdade. Alguma peça sempre estava fora do lugar, para nós dois.
- Desculpa, eu queria espairecer – respondi. – Achei que você não fosse se importar de eu estar aqui, mas se quiser posso sair.
- Não, tudo bem. – Ele balançou a cabeça para os lados levemente e me lançou um sorriso. – Eu costumo usar a piscina quando preciso pensar também. Apesar de preferir um saco de pancadas.
Eu esbocei um sorriso contido com sua tentativa de brincar, de aliviar o clima.
- Achei que não soubesse nadar, igual eu.
- E eu não sei – deu de ombros como se não desse a mínima. –, mas ficar dentro da água de uma piscina não é tão assustador quando minha cabeça fica na superfície.
Eu acabei rindo um pouco.
- Da mesma forma que ficar com os pés pendurados e balançando sobre uma ponte não é assustador para alguém com medo de altura porque a vista no fim compensa?
- Mais ou menos isso. – Ele me acompanhou com uma gargalhada rouca e me afastei da borda, impulsionando o copo para trás até que estivesse no centro da piscina.
Ele me fitou por um instante longo, uma expressão em seu rosto que não consegui interpretar, e por fim começou a tirar os sapatos, então as meias.
- Posso me juntar a você?
Eu dei de ombros com humor, me sentindo um pouco mais leve que antes. A tensão desaparecendo cada segundo um pouco mais.
- A piscina é sua. Sinta-se em casa.
Ele não me respondeu com palavras, apenas me lançou uma sobrancelha arqueada, com divertimento claro em sua expressão e logo tirou a calça, então sua jaqueta e camiseta, ficando só de cueca, se juntando a mim na água.
Seria mentira se eu dissesse que não o encarei sem pudor, com os lábios entreabertos, sem disfarce algum, a cada instante conforme ele se despia em minha frente. E seria uma mentira maior ainda se eu dissesse que não reparei na forma como seus músculos se tensionavam ao passo que ele se mexia, na maneira como suas tatuagens cobriam e contrastavam com sua pele. Na maneira como ele me olhava atentamente todo o tempo, vendo o que me causava, ou então na forma como sua cueca se agarrava perfeitamente ao corpo, destacando seus quadris estreitos, os volumes escondidos por baixo do tecido.
Precisei de um segundo para me livrar do estupor e da minha falta de vergonha, mergulhando rapidamente apenas para clarear meus pensamentos.
Quando voltei a superfície, se aproximava de mim, lentamente, talvez porque a água retardasse sua locomoção, ou somente porque queria me provocar, mas enfim ele me tocou. Ambas as mãos ao redor da minha face, afastando o cabelo molhado que caía na frente dos meus olhos e que descia por meu pescoço e ombros, flutuando ao meu redor na água.
Primeiro ele me olhou no fundo dos olhos, como se procurasse alguma coisa ali, talvez eu fizesse o mesmo com ele, mas em seguida sua boca tomou a minha. Estávamos nos beijando antes que eu me desse conta.
Um beijo completamente diferente dos que tínhamos trocado até então, que ia muito além da paixão existente entre nós dois. Era lascivo, profundo e parecia reivindicar cada pedacinho um do outro, de nós mesmos. Um beijo que parecia ter o poder de apagar e fazer desaparecer tudo ao nosso redor, fazer derreter e desmanchar todos os pensamentos, todas as lembranças que pesavam em nossa memória.
Um beijo que não deixava nada além do desejo. Da sensação de cura, como um antídoto, um bálsamo para todas as dores. Era o tipo de beijo que fazia você se sentir pertencente a um lugar, a uma pessoa. Que fazia você se sentir completo.
Suas mãos apertaram minha cintura, me aproximando ainda mais do seu corpo e meus braços passaram ao redor dos seus ombros, me fazendo tirar os pés do fundo da piscina, flutuando enquanto ele me segurava firmemente contra si.
Eu sabia que algo estava acontecendo com ele, da mesma maneira que ele sabia, quando me olhou antes de me beijar, que algo estava acontecendo comigo. Por mais vil e banal que fosse, ele era a minha distração tanto quanto eu era a distração dele para tudo o que estivesse dando de errado ao nosso redor. Ele me distraia consigo próprio, deixando que eu fizesse o mesmo por ele. E não havia hesitação nisso. Em nenhuma das partes.
Subitamente eu senti os azulejos em minhas costas enquanto ele me apertava contra a parede da piscina, nossos corpos leves, sem peso na água, quase totalmente juntos, colados um ao outro. Uma de suas pernas estava entre as minhas e minha coxa livre subiu até a altura de sua cintura, sendo erguida por sua mão numa pressão que fez minha pele formigar e todo o meu corpo se incendiar conforme seus lábios e sua língua desceram por minha mandíbula, meu pescoço, até chegar em minha clavícula.
Eu arfei, com minha vista enuviada, a água escorrendo pela parte do meu corpo que não estava submersa.
Quando a temperatura começou a ficar cada vez mais quente, insuportavelmente quente, eu senti aquela cordinha me chamando de volta para a realidade.
- ?
Sua testa se encostou na minha, sua respiração acelerada batendo contra meu rosto úmido, me fazendo estremecer. Ele não me recriminou, seja com palavras, gestos ou expressões, a direção inevitável que aquilo estava tomando e a minha súbita interrupção. Apenas me observou sob seus grossos cílios curvados.
- Tem algo diferente em você – falou após um instante em silêncio enquanto nossos batimentos cardíacos eram acalmados. – Me conte o que há de errado, Ruivinha.
Eu balancei a cabeça para os lados. Depois de vê-lo chegar falando daquele jeito, eu queria saber dele primeiro para depois entrar nos meus próprios problemas e confissões.
- O que está acontecendo, ? – Suas mãos acariciaram meu rosto. – Conversa comigo.
- Não agora. – Sua voz vacilou levemente, seu pomo de adão oscilou. – Você disse que tinha algo a me contar.
- Eu tinha. Tenho – me corrigi –, mas posso deixar para depois.
Ele me encarou com firmeza, me estudando. E quando disse, seu tom de voz era irredutível:
- Estava com antes de vir pra cá, não era?
Eu abri e fechei a boca sem dizer nada. Não havia espaço para respostas evasivas da minha parte quando seu olhar transbordava com preocupação e um brilho inquieto e apreensivo. Não pude mentir ou redirecionar a conversa.
- Sim.
- O que ele disse a você, então?
- Como sabe que ele disse alguma coisa?
apenas continuou me encarando, completamente resoluto, sem desviar seus olhos dos meus.
- Eu simplesmente sei – respondeu, a voz grave e macia. O carinho se ampliando desde a forma como me olhava até a maneira como tocava meu rosto com seus dedos. – Basta olhar pra você, olhar de verdade. Consigo perceber que algo te feriu. E não gosto disso, de te ver assim. Então fala pra mim, . O que eu posso fazer?
Eu engoli em seco, repassando em minha cabeça tudo o que havia dito em apenas um mísero segundo enquanto eu fixava meus olhos nos de e tentava encontrar a coragem para dizer aquilo.
“Vadia”, “Vai ser uma ótima imagem essa que você vai passar”. As palavras ecoavam em minha mente, afiadas como navalhas. “Vadia”.
Eu fechei meus olhos com força.
“Não ficaria surpreso de ver a história se repetir mais uma vez.”
“É isso que vai acontecer se você continuar caindo nas conversas dele.”
“Eu só queria que você me quisesse.”
“Já vi isso acontecer antes. Não quero que ele te magoe.”
“Pergunte a ele sobre ela. Pergunte sobre Maya.”
E com meus pensamentos em um turbilhão, se colocando uns sobre os outros initerruptamente, com tanta coisa se acumulando em minha garganta, sob minha língua, eu deixei de lado as confissões e os desabafos que não melhorariam em nada a situação e os sufoquei no fundo da minha mente enquanto dizia a única coisa que podia clarear ou escurecer todas as minhas dúvidas, tudo o que eu achava que sabia ou entendia.
Eu abri meus olhos e observei por um momento. O bronze em seus olhos. As palavras a seguir vieram com facilidade:
- Me conte sobre Maya.
Capítulo 39
We’re the one thing we don’t fuck up
That’s the essence of us
Everything else we leave erupts”
’s POV
Ela pacientemente esperava por minha resposta enquanto eu ainda assimilava suas palavras e tentava entender como tudo pôde se voltar justamente para esse assunto.
Eu sabia, sem precisar verbalizar, que fora quem havia dito alguma coisa. E por um segundo, me questionei o quão longe ele estava indo com tudo isso, querendo interferir entre eu e ela para sua própria satisfação.
Me afastei de apenas o suficiente para olhá-la melhor, e ela se aprumou contra a parede, a perna que até então estava em minha cintura se recolhendo para o próprio corpo, para longe do meu toque, mesmo que seus braços ainda continuassem firmes sobre meus ombros, suas mãos entrelaçadas em minha nuca.
Minha pele ainda estava quente, meus lábios ainda formigavam e o desejo de senti-la contra mim era quase mais forte que minha racionalidade naquele momento.
Soava um pouco patético em minha cabeça, mas quando a vi ali, na piscina, apenas de calcinha e sutiã, ambos pretos se contrastando com sua pele pálida, não tive outra reação senão ficar embasbacado, olhando-a de cima. Eu nunca tinha visto-a dessa forma até então. E meu coração acelerou tanto que achei que ele fosse explodir.
Eu só sabia que queria beijá-la. E depois me senti idiota ao me dar conta disso, quando claramente não precisei de mais que um olhar atento nos olhos dela para perceber que a aura brilhante e cheia de vida que costumava a acompanhar estava apagada.
E agora eu entendia melhor o porquê, mesmo que ela não tenha contado ainda exatamente como tinha se desenrolado sua tarde com , eu já conseguia ter uma boa noção ao menos do resultado obtido com isso. Ela estava completamente desgastada.
- , por favor. – Sua voz não foi mais alta que um sussurro trêmulo.
- O que disse a você?
Ela engoliu em seco e desviou os olhos dos meus por um segundo, como se relutasse a me responder isso.
Por fim, tomou ar para dizer:
- Que... Ele disse que você foi o motivo para Maya ter ido embora, e que a história se repetiria, dessa vez comigo. Mas não é só isso, não é só o que ele disse. – Ela balançou a cabeça para os lados, voltando a me olhar. – No programa, o olhar que vocês dois trocaram quando perguntaram dela, o tom da sua voz, mesmo a sua postura... Ela parece um fantasma do seu passado que fica voltando pra te assombrar e eu não…
Havia mais para ser dito, mas fechou sua boca, pressionando seus lábios um no outro, interrompendo a linha de raciocínio e suas próprias palavras.
Eu não podia negar uma explicação para ela. Não depois de tudo o que passamos para chegarmos até aqui.
- Eu e Maya trabalhamos juntos, durante um tempo – comecei a falar, pigarreando e forçando minha voz a sair sem falhas. – E nos tornamos muito próximos um do outro. Até que enfim estávamos juntos.
assentiu e permaneceu em silêncio, num incentivo para que eu continuasse contando, por mais estranho que fosse eu falar de outro relacionamento que tive para ela.
- A mídia não sabia – continuei após tomar fôlego. – Apenas algumas pessoas próximas a nós, nosso círculo de amizade mais íntimo. Não queríamos que boatos e histórias complicassem nosso... caso, e tomamos cuidado para que as coisas ficassem assim. Por um tempo deu certo.
Eu perdi um segundo para estudar seu rosto, tentar encontrar algum sinal do que ela estava pensando ou sentindo, mas sua expressão estava limpa, sem qualquer vestígio de qualquer sentimento.
Eu me afastei um pouco mais dela e suas mãos deixaram meus ombros. permaneceu no mesmo lugar, com olhos atentos, enquanto me via vacilar pouco a pouco, conforme as palavras me deixavam.
- Você me conhece, Ruivinha. Sabe que sou uma pessoa complicada e que... tenho um passado difícil. – Engoli em seco, tomando cuidado em não dizer coisas que eu ainda não me sentia seguro em dizer, coisas que eu ainda não estava preparado para confessar, mesmo que ela soubesse o principal, sobre as drogas e sobre o tráfico, existiam detalhes demais para serem acrescentados. – Você sabe mais até do que meus melhores amigos, mesmo que pareça pouco, sabe demais sobre a vida que... tive por trás do que todos veem. Eu ainda tenho dificuldade em encarar tudo aquilo, porque existem coisas que persistem em me perseguir como minha própria maldita sombra e…
- Eu sei, . – Ela me interrompeu gentilmente. – Já foi. Lidamos com isso, está resolvido.
Eu hesitei. Havia convicção em sua voz, em seus olhos, e não consegui contrariá-la, não quando ela parecia querer me consolar com tudo o que estava ao alcance dela.
Mas foi outra coisa que deixou minha boca quando tomei coragem de falar:
- Você foi a primeira pessoa que eu confiei para mostrar tudo – confessei, surpreendendo até a mim mesmo, me referindo a vez que a levei para aquela corrida, para aquele acordo idiota com aqueles canalhas, que parecia ter sido há tanto, tanto tempo.
Seus lábios se entreabriram em surpresa, e vi, enquanto ela me encarava com a testa levemente franzida, que sua mente esperta trabalhava para dizer algo.
De súbito eu mergulhei rapidamente, aproveitando a pausa para reunir meus pensamentos novamente, dessa vez com mais coerência, com menos enrolação e mais foco para não me perder na conversa. Eu não queria que ela soubesse o quanto me arrependia por tê-la levado naquele lugar aquela noite e a feito presenciar e participar de tudo aquilo. Não era assunto para agora, talvez nem para depois.
Quando voltei a superfície, ainda me olhava com calma, apenas esperando, sem qualquer tipo de julgamento.
- Me desculpe – eu pedi e prossegui, minha voz mais arrastada e rouca que antes. – A questão é que, em algum momento enquanto eu estava com Maya, eu tive problemas sobre essa parte da minha vida, sobre isso que... também faz parte de quem sou. E então ela... ela começou a me pressionar para saber mais, para saber porque. Para me entender. Ela queria me fazer falar e eu não podia. Não porque eu não confiava nela, é só que... eu não queria compartilhar aquilo ainda, ela não era a pessoa certa para isso, eu sentia de verdade que não era. Mas eu não pude dizer isso também. Então, enquanto ela insistia e insistia cada vez mais, eu comecei a me afastar. – Balancei minha cabeça em negação. – Eu sei que devia ter sido sincero com ela, ao menos para dizer que... sei lá, não estava pronto para compartilhar meus problemas e que talvez nunca estivesse. Mas não foi o que eu fiz.
“E enquanto eu dava respostas cada vez mais evasivas e aos poucos ia criando obstáculos entre nós, ela por algum motivo chegou à conclusão de que eu a estava traindo. Que aquilo que eu tanto escondia era na verdade outra pessoa, alguém mais importante.
“Só que ela nunca me disse isso, não antes dela mesma me trair com outra pessoa, na minha frente. Na frente de todos aqueles que sabiam sobre nós dois.”
Outra pausa, o silêncio serpenteando entre nós. Cada palavra dita parecia mais pesada ao sair da minha boca.
tentou se aproximar de mim, tocar meu rosto com suas mãos pequenas, mas eu me afastei, porque se deixasse que ela chegasse perto demais, não conseguiria terminar essa história, e ela precisava de uma conclusão. Ela precisava entender os dois lados da história.
- Quando eu entendi o que estava acontecendo – voltei a dizer, mais suavemente e não tão firme dessa vez. –, quando ela disse o que pensava, quando despejou todas suas acusações, eu fiquei calado e aceitei. Não neguei nada do que ela disse sobre mim, sobre eu traí-la e tudo mais. Era mais fácil assim, que ela e todos os outros pensassem isso, que me achassem um filho da puta estúpido, a eu ter que explicar minha vida inteira para eles.
“Todos pensam que eu a magoei desse jeito terrível e que ela então apenas devolveu na mesma moeda toda a dor que eu a causei. Mas na verdade tudo isso não passou de uma tentativa covarde de esconder minha própria história.”
Antes que eu pudesse impedir, me abraçou. Tomou impulso na água até que passasse seus braços novamente por meus ombros e pressionou firmemente sua cabeça ao lado da minha, se agarrando a mim com força, como se quisesse ter certeza que eu não a afastaria.
A única coisa que consegui fazer em meio a surpresa foi retribuir o carinho, segurando-a contra mim firmemente. Tão juntos que nem o ar tinha espaço entre nós.
- Quando eles quiseram me transformar no vilão depois disso, eu deixei que fizessem. Eu os ajudei a fazer isso – murmurei, de olhos fechados contra o seu rosto. – Eu sou rude e desinteressado com as pessoas, arrogante e sarcástico porque percebi que se eu as afasto logo de cara, menores são as chances de magoá-las depois. Eu sempre acabo com tudo que toco.
- Para com isso – ela disse em meu ouvido. – Você não é o vilão da história, .
Mas será que não era mesmo? Eu apertei ainda mais meus braços ao redor de sua cintura.
- Eu te tratei muito mal quando nos conhecemos. – Meus pensamentos fluíram com a minha própria voz. – Eu queria te manter longe, mas não consegui. E mesmo depois de tudo, você ainda está aqui.
- Shh. Deixa isso pra lá, ok?
- Não, eu preciso terminar. Não estou sendo clichê, apenas sincero. – Ela se afastou o suficiente para me olhar devidamente, percebendo que eu não pararia de falar agora que tinha começado. – Sua curiosidade, sua ingenuidade, me atraíram. Sua persistência, seu talento. A sua própria história. E preciso dizer que quando eu comecei a entender que sentia algo por você, fiquei assustado, assustado demais, porque de repente eu estava revelando tanto de mim que eu só conseguia ver catástrofes se desenrolando a frente. Então eu fiz exatamente a única coisa que eu sempre fiz para fugir de algo: me afastei.
“Fiz isso porque eu não queria te machucar, e incrivelmente acabei fazendo exatamente o oposto. Achei que você desistiria de mim depois de ver como eu era filho da puta, depois de ver todas as merdas que eu já tinha feito e estava envolvido. Mas eu... tive medo de você me deixar de verdade, mesmo achando que era isso que eu queria. Mesmo sabendo que seria melhor para você.”
Ela balançou a cabeça com firmeza.
- Se tinha medo, por que…
- Porque eu não queria foder com mais isso na minha vida – sussurrei para ela, interrompendo sua pergunta e fechando os olhos mais uma vez, percebendo que a dor em minha voz era muito maior do que eu conseguia controlar. – Tudo o que eu deixei se aproximar demais, em algum momento, entrou em erupção. E por isso fiquei nessa guerra interna sem saber o que fazer, querendo você ao mesmo tempo em que queria que você me odiasse.
Seus dedos tocaram meu rosto com leveza, traçando todo o contorno da minha face. Eu me sentia completamente derrotado por tudo o que havia confessado a ela. Queria me sentir aliviado por colocar tudo para fora, mas o fardo parecia ainda mais pesado agora que eu verbalizava a verdade que ninguém conhecia.
Eu era um covarde. Sabia disso. Preferia que acabassem com a pessoa que eu era a ter que revelar meu passado nojento. Até onde eu iria por isso? Eu não suportava mais.
- Você fez o que achava que era certo – disse, beijando minha bochecha em seguida, acariciando meu semblante e desfazendo os vincos que se formavam ali. – Não vou te julgar por isso.
Eu abri meus olhos apenas para me deparar com o azul esverdeado de suas íris, firmes e serenas me olhando com intensidade.
- Eu também não me orgulho da pessoa que fui, das coisas que fiz, . – Ela roçou minha boca com a ponta do seu polegar. – Mas estou disposta a melhorar, a ser uma pessoa melhor.
Ela afastou as mechas de cabelo úmidos que teimavam em cair em minha testa, com um sorriso doce se formando vagarosamente em sua expressão resoluta. Eu não conseguia fazer nada além de olha-la.
- Sabe, nós dois temos muitos lugares sombrios em nossas mentes de que tentamos fugir o tempo todo – falou após um segundo de silêncio. – Acho que devíamos nos ajudar a vencer esses fantasmas. Não podemos deixar que isso nos destrua. Você mesmo me disse isso uma vez.
Eu assenti, ainda absorvendo e guardando suas palavras em minha mente, em um lugar onde eu pudesse lembrar-me delas com frequência. Afrouxei meus braços ao seu redor e seus pés voltaram ao fundo da piscina, a água ondulando ao nosso redor. Mas ela não se afastou de mim como eu achei que faria, manteve-se próxima, ainda que agora seu rosto estivesse distante do meu e ela tivesse que inclinar a cabeça para cima para me olhar completamente.
- Não remoa mais nada disso, tudo bem? O importante é o que temos agora e o que teremos daqui em diante – ela continuou. – O passado deve ficar onde está. Só precisamos dele de fato para não repetir nossos erros.
Eu estava fascinado por ela, completamente desconcertado por sua compreensão, completamente sem palavras por sua condescendência e nenhum julgamento por minhas atitudes imaturas, impensadas e odiosas. parecia imperturbável, inabalável. Seus olhos, ainda focados em mim, refletiam a água onde estávamos, tão límpidos, claros e zen quanto a mesma que fluía ao nosso redor. Mas além disso, de alguma maneira, eles eram ainda mais intensos que o céu acima de nós, ainda mais puros.
Olhando para , naquele instante, eu prometi a mim mesmo que eu faria daquilo nossa essência. Eu não estragaria tudo, não deixaria que nada estragasse o que tínhamos. Essa seria a primeira coisa que eu não arruinaria na minha vida.
- Tudo bem – eu murmurei pelo que pareceu ser uma eternidade depois.
Ela se limitou a sorrir para mim.
- Tudo bem. – voltou a me abraçar, sua cabeça encostada em meu peito, exatamente sobre o meu coração, que batia forte, ainda mais forte do que eu me lembrava. – Obrigada por me contar.
Eu não fiz nada além de retribuir o abraço, de beijar o topo de sua cabeça coberta por seus cabelos acobreados úmidos. Mas era eu quem tinha que agradecê-la. Por tantas e tantas coisas.
Principalmente por ter fé em mim.
’s POV
- Já escureceu – eu mencionei o óbvio enquanto ainda boiava na piscina, encarando o céu com algumas nuvens que encobriam as estrelas e a lua nova, que, apesar disso, ainda persistia em mostrar seu brilho.
- Estamos aqui já faz um tempo.
Concordei com .
Mas na verdade não era tanto tempo assim. Com o inverno se aproximando, a noite começava a cair mais cedo, e, depois da conversa que tivemos, preferimos que o silêncio se tornasse nosso maior aliado no momento, fazendo os minutos passarem mais rápido, nos ajudando mutuamente. Eu a entender a história, encaixando peças que faltavam em vários quebra-cabeças incompletos em minha mente, e a aceitar as palavras que o deixaram, porque eu sabia quão difícil aquilo devia ter sido para ele, que dificilmente se mostrava vulnerável o suficiente para que alguém visse além de suas máscaras cuidadosamente moldadas.
Tentando erroneamente nadar, eu me aproximei da borda e me agarrei a ela.
- Acho que é melhor eu ir. – franziu o cenho para mim e tentei esclarecer melhor: – Antes que fique muito tarde.
- Não precisa ter pressa. – Ele se aproximou de mim. – Eu... não me importaria se você passasse a noite aqui.
Um frio subiu por minha barriga. Era isso que sempre acontecia cada vez que ele me lançava aquele olhar zombeteiro e o sorriso que erguia apenas um dos cantos da sua boca.
- Eu não trouxe roupa pra ficar, .
- Sejamos sinceros, você não tem roupa nem pra sair daqui.
Eu pisquei algumas vezes.
- O que quer dizer?
- Primeiro de tudo – ele me indicou com o queixo. –, você mergulhou com suas únicas roupas de baixo e agora elas estão completamente encharcadas.
Eu olhei para minha própria roupa íntima, me sentido idiota e constrangida por não ter pensado nisso antes, e logo me recompus, o olhando de volta com petulância.
- Preferia que eu mergulhasse sem elas?
- Quer mesmo que eu responda?
Eu joguei água nele como se pudesse expulsar seu atrevimento, mas me arrependi disso no instante seguinte, quando me pegou pela cintura e sem muito esforço me ergueu para fora da água e depois me atirou de volta para ela.
- E segundo – ele continuou, rindo, enquanto eu ainda submergia e afastava as mechas molhadas do meu cabelo da frente do meu rosto. –, parece que o que resta de toda sua roupa, no momento, é só a calça.
- Como assim?
- Veja por si mesma. – E apontou para o local onde eu havia deixado minhas peças, descuidadamente jogadas no chão, todas molhadas pela água da piscina, com exceção da calça jeans que estava mais afastada da mesma, junto das roupas de .
Ele começou a gargalhar da minha expressão sofrida e desacreditada.
- E agora? – eu perguntei soando como uma criança perdida.
- Vou colocar as roupas pra lavar – falou. – Quando elas secarem, você as veste de novo.
- Tá, e enquanto isso eu faço o quê? Fico pelada?
- Isso é uma sugestão? – arqueou uma sobrancelha. – Porque eu não me importaria.
Eu abri e fechei a boca para responder, mas engasguei com minhas próprias palavras. Acabei escondendo meu rosto com as mãos tentando disfarçar o constrangimento, mas tudo o que fez foi me abraçar pela cintura enquanto ria e beijava o topo da minha cabeça.
- É brincadeira, Ruivinha. – Beijou minha bochecha dessa vez. – Você pode usar alguma roupa minha. Vou pegar umas toalhas pra gente e ligar o aquecedor do resto da casa.
- Tudo bem – respondi ainda sentindo meu rosto todo vermelho e ele começou a se afastar.
- Já volto.
Em um segundo ele estava fora da piscina, indo direto para a porta sem se preocupar em pegar suas roupas milagrosamente secas no chão não tão distante de onde ele estava. Eu ia perguntar se ele pretendia deixar tudo ali, mas me vi com a boca seca, descaradamente o observando se afastar, as gotas de água descendo por suas costas, traçando o desenho dos seus músculos despreocupadamente.
Eu pisquei tardiamente e saí do meu estupor. Não apenas minhas bochechas estavam quentes como todo o meu rosto parecia ferver. Por um instante eu desejei que a água estivesse fria para que eu pudesse me resfriar nela. Fiquei agradecida por ele não estar presente para ver meu estado naquele momento.
Quando voltou, o que pareceu acontecer rápido demais, precisei me esforçar muito para não olha-lo como se meu maxilar estivesse se desprendendo do rosto. Dessa vez, ele estava com uma toalha amarrada na cintura, e caminhava tão seguro de si em minha direção que se eu não estivesse dentro da piscina provavelmente teria ficado com as pernas bambas.
Como ele conseguia ser tão lindo a ponto de me deixar sem palavras e engolindo em seco?
- Vem, deixa eu te ajudar a sair daí. – Ele esticou um de seus braços e eu demorei um segundo para entender que eu devia segura-lo.
Rapidamente eu estava fora da água e de pé em sua frente, desconcertada o bastante para se tornar visível. Ele me estendeu uma outra toalha sem dizer nada e eu logo me enrolei nela.
- Se importa se eu for tomar banho?
Ele riu para mim.
- Claro que não, acha que eu ia deixar você assim? – Eu comecei a me sentir muito boba de repente. Acho que meus neurônios não estavam funcionando direito. – Vamos lá, vou te mostrar onde estão as coisas.
Realmente, a casa agora estava muito mais confortável depois de ter ligado os aquecedores, então não foi um sacrifício muito grande ter que andar de toalha por alguns cômodos até chegar no banheiro.
Ele pareceu sem graça ao me estender algumas roupas suas que eu pudesse usar, dizendo que não sabia se algo serviria ou se eu gostaria de alguma coisa, e eu peguei a pilha escondendo meus risos baixinhos por trás dela.
Depois do banho, comecei a analisar as peças cuidadosamente dobradas que ele havia me emprestado. Eu não tinha mais roupas de baixo, no momento deviam estar lavando junto com minhas outras peças e isso estava fazendo com que a vergonha revirasse na boca do meu estômago. Eu vesti uma das cuecas de tentando me convencer de que isso era perfeitamente normal, e graças a Deus, a impressão era de que eu usava um short bastante justo e bastante curto. Coloquei uma de suas camisetas – sem nada por baixo já que meu sutiã no momento estava inutilizável – que ficou larga de um jeito não muito desengonçado e que desceu até antes do meio das minhas coxas, e por fim vesti uma calça de moletom e meias grossas.
Se eu não estivesse muito envergonhada, provavelmente teria desistido do moletom que tive que dobrar várias e várias vezes até conseguir ajustar a barra para o meu tamanho. Mas era o que tínhamos pra hoje, e eu não reclamaria, por mais ridícula que eu estivesse.
Saí do banheiro com os cabelos molhados caindo por minhas costas, sem me preocupar em secá-los direito, apenas os desembaraçando com os dedos.
estava me esperando na sala, dessa vez completamente vestido. Quando viu me aproximar, apenas me encarou de cima a baixo com as sobrancelhas um pouco juntas.
- Estou me sentindo uma palhaça – confessei.
- Não ficou tão ruim.
- Pelo amor de Deus, . – Eu revirei os olhos ao sentar ao seu lado. – Cabem duas de mim dentro desse moletom. Não minta na minha cara.
- Mas que pouca vergonha. – Ele me puxou para perto, fingindo decepção ao falar comigo. – Eu faço o favor de emprestar minhas roupas e você ainda tem a audácia de reclamar?! Isso é um absurdo!
- Minha nossa, quanto exagero. – Ele puxou minhas pernas para cima do seu colo. – Não sabia que você era fã de drama.
- Só nas horas vagas. – Ele piscou um dos olhos para mim e estendeu uma caneca cheia para mim, que até então eu não tinha notado estar no aparador ao lado do sofá. – Fiz chocolate quente.
- Que atencioso. – Brinquei aceitando a caneca.
- Na verdade você só demorou muito no banho e resolvi aproveitar o tempo.
Eu revirei os olhos e acabei rindo, sendo acompanhada por ele em seguida, que ficou me olhando por um tempo depois disso, seus olhos não maiores que duas meia luas. Eu adorava esse clima de brincadeiras espontâneas que tínhamos quando estávamos só nós dois. Era até engraçado, mas eu desejava que pudesse ser assim sempre, não só de vez em quando, como vinha sendo.
Quanto nos custaria se cruzássemos a linha invisível que vínhamos seguindo?
Não era justo com ele eu pensar assim agora. Tive a oportunidade de fazer diferente não tanto tempo antes e escolhi seguir por esse caminho sabendo de todas as dificuldades que nos aguardariam ainda assim. Era hipocrisia minha pensar nas coisas diferentes nesse momento.
Não dava para voltar atrás. Minha família agora dependia disso.
Percebi que minha expressão começou a pesar, desviei meus olhos dele e balancei a cabeça, afastando esses pensamentos enquanto bebericava a bebida quente, quase queimando minha língua com isso. Mas antes que eu pudesse me apressar em pensar em alguma coisa para dizer, o próprio rosto dele já estava sério me encarando.
- No que você está pensando?
- Nada de mais.
- Não acredito. – Ele me provocou, mas não de brincadeira. Seu tom era firme o suficiente para eu saber disso. – Ainda está pensando sobre o que aconteceu hoje?
Eu assenti levemente e tomei mais um gole do chocolate quente.
- Mas não é só isso, . Eu só... – Eu engoli minhas palavras. Ele me acharia fútil demais se soubesse disso? Me acharia muito interesseira? Ou me acharia uma idiota por me submeter a isso? – Deixa pra lá, tudo bem?
Suas sobrancelhas se uniram e eu quase pude dizer que havia mágoa em sua expressão.
- Não quer me contar?
- Quero – respondi imediatamente. – Só não ainda.
Ele pareceu querer relutar, mas aceitou a resposta, se concentrando em seu próprio chocolate quente. Algo na postura que ele tomou me fez lembrar da maneira como ele havia chegado mais cedo, e a preocupação que eu tive quando o vi daquele jeito, começou a retornar gradativamente enquanto eu o observava.
Ouvi minha voz antes de entender que eu estava perguntando:
- ? – Ele me olhou desconfiado, levemente confuso. – Quem era ao telefone hoje mais cedo?
Ele pareceu um pouco perdido em pensamentos, como se não estivesse entendendo onde eu queria chegar e acrescentei, rapidamente tentando esclarecer:
- Quando você chegou, antes de me encontrar, eu... ouvi você conversar com alguém. – Dei de ombros um pouco envergonhada pela invasão de privacidade. – Não precisei de muito para entender que estava irritado.
- Aquilo não foi nada – ele disse, rápido demais para ser verdade, e seus olhos começaram a escurecer.
Eu não queria atormentá-lo com problemas, não queria que ele se afastasse para mais questões difíceis. O dia já parecia ter sido cansativo o bastante para nós dois.
- Não quer me contar? – Eu devolvi a mesma pergunta que ele havia me feito, um leve tom de humor acompanhado de um pequeno sorriso em minha boca.
Ele devolveu a expressão, se afastando daquelas sombras que ele há pouco havia quase cedido, e me respondeu como eu havia respondido:
- Quero. Só não ainda.
Então ele se inclinou, segurando minhas pernas esticadas sobre seu colo, e encostou seus lábios nos meus.
- Chega de confissões hoje? – Eu o provoquei com uma sobrancelha arqueada.
- Acho que foi o suficiente – ele respondeu e roubou outro beijo em seguida, seu bom humor de volta como se nunca tivesse desaparecido. – Já decidiu se vai passar a noite aqui?
- Com uma condição. Duas na verdade.
Ele se afastou um pouco.
- Tudo bem, e quais são?
- Primeiro, eu quero mais chocolate quente – espondi.
- Tudo bem, eu posso fazer isso – falou de imediato. – E a segunda condição?
- Quero ficar com essa camiseta. Gostei demais dela.
Ele abriu um sorriso tão largo que me deixou completamente desconcertada.
- Tudo bem.
- Tudo bem?
- Claro. – Ele ainda estava sorrindo. – Já era sua sem que tivesse me pedido.
- Isso não faz sentido, .
- Claro que faz. – Ele se aproximou de mim de novo. – Gostei mais dela em você do que em mim.
Eu comecei a gargalhar.
- Não seja ridículo.
- Não, estou sendo sincero. – E ele realmente parecia mesmo, mas não me deu chance de questionar ou rebater mais nada quando roubou outro beijo, esse um pouco mais longo que os outros anteriores, me deixando quase completamente sem ar. – Vamos, Ruivinha. Tenho que pegar mais chocolate para você e cumprir meu acordo por completo, e aí vamos descansar. Depois desse dia exaustivo, merecemos.
Eu sorri para ele e dessa vez o puxei para um beijo.
- Sim, com certeza merecemos.
- Não é que você lembrou que tem casa?
Foi assim que me recebeu no dia seguinte, mesmo que eu tenha tentado entrar sorrateiramente no apartamento sem anunciar minha presença.
- Às vezes você esquece disso também. – Eu a provoquei de volta, me sentindo animada demais para ter levantado às 7h da manhã, ainda mais depois das notícias que tinha visto logo cedo.
Finalmente se virou para mim, arrumada e pronta para ir trabalhar, segurando sua caneca de café entre os dedos. Ela me encarou de cima a baixo, completamente surpresa, beirando a perplexidade.
- Essas roupas são do ou…
- Do . – Ela arqueou uma sobrancelha para mim. – Eu me encontrei com ele ontem.
- Depois de sair com ?
Revirei os olhos e fui em direção a lavanderia para estender minhas roupas, que ainda estavam úmidas e dentro de uma sacola.
Eu ainda vestia a camiseta e a cueca de , mas a calça era a jeans que eu havia usado no dia anterior, milagrosamente seca quando todo o resto tinha se molhado, junto de um moletom que também era do . Quer dizer, agora essas coisas eram minhas. Pelo menos o combinado era que fossem.
Eu acabei sorrindo com a lembrança mesmo tendo me irritado com minha amiga menos de um minuto antes.
- Não seja estraga prazeres e nem me encha o saco, ok? – Ela ignorou completamente meu pedido.
- Por que está usando as roupas dele? – Ela me provocou com um sorriso malicioso. – Vocês transaram?
Eu engasguei com minha própria saliva e deixei cair a camiseta que eu estava pendurando no varal.
- !
- O quê? – Ela deu de ombros levemente e tomou um gole de café. – Foi uma pergunta inocente. Estou curiosa. Não é como se nunca tivéssemos discutido isso.
Subitamente eu comecei a me sentir bastante nervosa, remexendo em minha pulseira antes de olha-la com as bochechas coradas.
- Não, nós só entramos na piscina – expliquei. – Por isso as roupas molhadas.
Resolvi deixar de fora a conversa que tivemos e meu encontro desastroso com , mas contei a ela superficialmente como tinha sido o dia anterior.
- Peraí, deixa eu ver se entendi. – Ela se sentou na cadeira da pequena mesa que tínhamos na cozinha que ficava um pouco antes da divisória com a lavanderia. – Quer dizer que vocês se pegaram muito, mas não chegaram nos finalmentes? Nem numas preliminares?
Eu fiquei com o rosto ainda mais vermelho.
- Não, .
- E por que não? – Sua voz estava alguns decibéis acima do normal. – Desculpa, . Eu posso não gostar muito do , mas sei que ele não é de perder tempo, o que me leva a uma única outra conclusão.
Ela não fez mais nada além e me encarar, o que era uma resposta óbvia o suficiente para dizer que sua “conclusão” era eu. Então apenas esperou por minha reação. Eu soltei um suspiro longo e me sentei ao seu lado.
- Só não foi o momento certo, acho.
Ela me estudou por um instante e se recostou na cadeira, abrindo e fechando a boca algumas vezes.
- Você não está... você sabe, com medo, não é? – Ela pareceu se atrapalhar um pouco com as palavras enquanto eu a encarava completamente confusa. – Digo, Bradley, aquele seu ex, foi um idiota com você. E só porque as vezes que você teve com ele não foram boas não significa que todas em diante também vão ser ruins. Quer dizer, quanto tempo faz que você fez sexo pela última vez? Eu sei que faz bastante, muito tempo que isso aconteceu e agora você já deve estar praticamente virgem de novo, mas com certeza vai ser muito melhor e…
- ! – Eu a interrompi. – Chega!
- Tudo bem, desculpa. É só que…
- Sério, para! – Ela calou a boca. – Sinceramente eu não penso em Bradley a meses e gostaria de não lembrar dele pelo resto da vida.
- Desculpa – ela pediu de novo, mas apenas fiz um sinal para que ela deixasse pra lá.
- E acredite, não estou com medo. Talvez um pouco nervosa. Mas só. Realmente acho que não era o momento para acontecer. – Eu dei de ombros, brincando com os pingentes que dançavam por meu pulso. – As coisas entre eu e fluem naturalmente. Tenho certeza que com isso não vai ser diferente.
me estudou por um instante e bebeu seu café sem desviar os olhos de mim. Por fim abriu um sorriso tão brilhante que poderia iluminar a casa inteira.
- Tudo bem, desculpe o falatório. – Ela voltou a se levantar. – Mas quando acontecer, vou querer saber.
- Você vai. – Acabei rindo um pouco e ela me acompanhou sem dificuldade.
- Mudando de assunto, o que vai fazer de bom hoje?
Minha animação desapareceu um pouco.
- Bom, além das compras de Natal? – Eu dei de ombros, já imaginando a confusão que aquilo seria. – Tenho que me preparar para uma sessão de autógrafos no shopping para daqui uns dias e descobrir um jeito de reverter alguns problemas.
- Que tipo de problemas? – Eu estava surpresa demais por ela não ter visto antes de mim que até esqueci de provocá-la pela falta de atualização com a mídia, e acabei desbloqueando o celular no automático para mostrar a ela.
- Esse tipo de problema.
E lá estavam algumas fotos do dia anterior, uma sequência confusa que misturava sorrisos trocados, aproximações repentinas e finalmente expressões nada felizes acompanhadas do meu distanciamento de com o rosto controlado numa neutralidade que não existia enquanto ele me encarava ao fundo com as mãos no cabelo, claramente nervoso. A manchete acompanhando as imagens era a questão que me deixava nervosa.
e têm sua primeira DR.
Eu não sabia o que esperar a seguir.
Capítulo 40
But I don't ever want to see you with him
I'm selfish, I know
I told you, but I know you never listen”
’s POV
Querido diário…
Dizer que os últimos dias foram uma bagunça é um eufemismo, um eufemismo dos bons.
Fazer compras nunca me deu tanto trabalho. Andar na rua nunca pareceu tão atordoante. Juro por tudo que é mais sagrado. Eu estou destruída. Como minha avó diria – só o pó da rabiola, seja lá o que ela queria dizer com isso. O bagaço da laranja.
Eu até diria que estou prestes a ter uma síncope, mas como já estou mais calma desde que cheguei em casa, acho que meu coração vai se recuperar, provavelmente. Em breve. Pelo menos até a coletiva de imprensa seguida da sessão de autógrafos que faremos amanhã.
Depois disso pode ser que a confusão dos meus neurônios volte. Ainda não tenho certeza.
Mas desde que minhas fotos começaram a fazer parte da campanha da Pandora há alguns dias e agora meu rosto - meu rosto - está estampando não só nas lojas da marca mas em diversos lugares diferentes por onde eu ando, as pessoas começaram a se dar conta de quem eu sou e seguir a linha de raciocínio que passava do: “ah, acho que conheço aquela guria. Ela é a cara da modelo da Pandora.”, para em seguida concluírem que: “Ei, espera um pouco, ela também é a atriz daquela série de espionagem!”. E então, depois que a ficha delas caía, vinham me parar para tirar fotos e pedir autógrafos.
Por isso andar na rua começou a ser atordoante, principalmente porque eu tive a esplêndida ideia de fazer isso totalmente sozinha, achando que seria bom para pensar um pouco na vida.
A única coisa que pensei foi em fugir de volta para minha casa. E a única coisa boa foi que cheguei em segurança.
Pelo menos os presentes de Natal estão comprados, uma coisa a menos para me preocupar. Posso concentrar minhas energias agora na entrevista de amanhã e no que e eu vamos dizer para reverter as manchetes que surgiram com as malditas fotos e os boatos – dessa vez verdadeiros, mas quem está se importando? – que surgiram com elas.
está tentando falar comigo, me liga várias vezes ao dia. Mas honestamente, eu não quero conversar mais sobre nada. Só quero levar esse contrato adiante para acabar logo com ele. Só isso.
Não quero as desculpas dele, nem seu arrependimento. Eu queria mesmo é que ele não tivesse dito tais coisas, mas não dá pra mudar isso agora.
Enfim, tenho outras coisas com as quais me preocupar. Espero que as festas de fim de ano sirvam para amenizar toda essa confusão.
Mas até lá, ainda tem tempo.
Com amor,
Apesar do frio ter começado a se intensificar muito nas últimas semanas, o interior do local onde seria a coletiva, principalmente a sala de espera onde eu me encontrava, estava aquecido e bastante agradável, de forma que eu me livrei do casaco na primeira oportunidade que tive.
Eu fui a primeira a chegar, antes até mesmo do Gregory, e entrei pelos fundos, fora da vista dos fãs que já estavam adentrando o local pelas portas da frente, diminuindo um pouco a multidão formada do lado de fora, e consequentemente a algazarra também. Mas isso era temporário, apenas até que eles estivessem reunidos de novo no interior. A muvuca voltaria assim que começasse a contagem regressiva para nossa entrada.
Ao menos foi o que uma das assistentes me falou.
Era ao mesmo tempo muito legal assistir a essas reações dos fãs e completamente assustador.
A correria de um lado para o outro não tinha pausa enquanto terminavam toda a organização do espaço, e eu comecei a me perguntar se os outros chegariam em cima da hora ou se fariam alguma entrada dramática depois do horário marcado para dar uma emoção a mais ao público.
“Seu despertador quebrou ou está atrasado conscientemente?”, eu enviei a mensagem para apenas com o intuito de provocá-lo e também de me distrair enquanto estava só.
“Segunda opção, como sempre”, ele me respondeu quase imediatamente e eu sorri comigo mesma. “Quem mais está aí?”
“Por enquanto apenas eu.”, enviei a resposta em seguida. “Achei que talvez você fosse dar o ar da graça antes, mas tive esperanças em vão pelo visto.”
“Do jeito que fala até parece que está com saudade.” Eu apertei a boca contendo um sorriso enquanto lia a frase.
“Talvez eu esteja mesmo.”, mandei de volta.
“Sendo assim talvez eu me esforce para chegar mais rápido. É um caso de emergência.” Não consegui segurar a gargalhada e algumas pessoas que passavam por mim me fitaram confusas.
“Sim, com certeza uma emergência.”, escrevi. “Vai interromper seu tratamento de beleza então? Ou estava apenas se apreciando no espelho?”
Eu não consegui desmanchar o sorriso mesmo enquanto aguardava sua próxima mensagem.
“Para sua informação, Ruivinha, eu estava fazendo compras.” Eu quase pude ouvi-lo dizer isso com seu sarcasmo afiado, o que me fez rir mais ainda.
era muito mais vaidoso que eu, e exatamente por isso eu gostava tanto de tirar sarro dele. Ele tinha tantas roupas que se quisesse, eu quase tinha certeza que ele poderia usar uma peça diferente por dia durante um ano inteiro sem repetir nada.
“Bom, vou querer ver todas as roupas novas depois. Alguma maquiagem também?”
Bloqueei a tela quando um dos assistentes veio ao meu encontro oferecer água e algumas coisas para comer. não me respondeu pelos próximos minutos, o que só me levou a concluir que ele havia ficado chateado com meus comentários.
O que me fez irritá-lo apenas um pouco mais. “Ih, a madame ficou brava?”, enviei por fim, e dessa vez sua resposta veio rápida:
“Acabou com as gracinhas ou ainda tem alguma piada para fazer?”
“É brincadeira.”, afirmei o óbvio e resolvi mudar o rumo da conversa. “Tem algo para mim no meio dessas compras aí?”
A mensagem seguinte veio cheia de ressentimento forjado: “Depois de ressaltar tão bem minha masculinidade, acho que não.”
Eu comecei a rir de novo sem perceber e mordi o lábio para não chamar a atenção de quem passava em volta.
“Que masculinidade?”, enviei minha última provocação sem conseguir resistir.
- Ah, amore! – Victoria apareceu como um furacão e me fez largar o celular no colo por pura reação ao susto. – Se eu soubesse que estaria aqui tinha vindo antes. Está sozinha faz muito tempo?
Eu pisquei algumas vezes até entender bem o que estava acontecendo e rapidamente bloqueei a tela do aparelho para evitar que ela visse as mensagens, tratando de esconder a surpresa em minha cara logo em seguida enquanto a cumprimentava com um rápido abraço.
- Vicka, fica tranquila – eu disse a ela depois de começar a me acalmar. – Foram só alguns minutos.
- Perdi a hora, não me lembro a última vez que acordei tão atrasada. Que ressaca horrível! – ela me disse passando as mãos pelo cabelo que estavam um pouco mais repicados desde a última vez que eu a vi.
- Foi onde ontem à noite? – eu a provoquei com um sorriso cheio de malícia.
- A uma festa. – Ela balançou a cabeça para os lados. – Eu devia ter repensado ao invés de fazer isso durante semana, ainda mais antes de uma comitiva.
- Tá com a agenda cheia de compromissos, hein?
- Que nada, era aniversário de uma amiga. – Ela revirou os olhos e soltou um suspiro. – Eu sabia que devia ter dado só uma passadinha pra cumprimentar, mas estava tão legal, e aí eu tomei um drink, e depois outro. Bem que me disse que eu estava ficando muito louca, fora de mim, mas não sei o que me deu, eu ignorei completamente o pobre coitado e…
- ? – eu a interrompi. – O nosso ?
Ela se interrompeu piscando algumas vezes.
- Eu disse ?
- Sim, disse.
Houve um segundo muito estranho de silêncio.
- Ah, é porque ele estava na festa também.
- O nosso .
- Sim.
Outro segundo muito estranho de silêncio.
- Certo, continue.
- Nada de mais. – Ela abanou as mãos no ar, parecendo um pouco agitada. Mais que o normal. – Eu só acabei bebendo mais do que devia e fiquei completamente pirada. Pirada de verdade, . Minha amiga disse que já não sabia mais o que fazer comigo, fui sem a intenção de ficar muito e acabei sendo uma das últimas a sair, devo ter pagado o maior mico. E eu estou morrendo de pena do , coitado, praticamente teve que me carregar até o carro dele e…
- O carro de ? – eu perguntei mais uma vez, só pra ter certeza que era mesmo a pessoa que eu estava entendendo que era e Vic de repente ficou vermelha, como se estivesse se dando conta de que tinha dito o nome dele em voz alta de novo.
Outra pessoa entrou na sala e interrompeu completamente o nosso diálogo, salvando a morena de terminar a história e esclarecer algumas coisas que eu ainda estava demorando a raciocinar.
- , olha só pra você! – Ela pulou da cadeira que tinha acabado de sentar e o abraçou, provavelmente feliz em encerrar o assunto. – Está tão sexy que parece que saltou direto da série The Vampire Diaries pra cá com essa jaqueta de couro.
Minha cabeça virou tão rápido na direção dele que meu pescoço estralou. E realmente, eu não podia negar o que Victoria estava dizendo. Nem desviar meus olhos dele. Mas ri da brincadeira de Victoria apenas para não ficar muda e nem com cara de boba.
Precisei de muito autocontrole para não morder o lábio ou sorrir em sua direção.
- Está rindo assim porque concorda com a Vicka, Ruivinha? – Ele me encarou de cima a baixo e arqueou uma sobrancelha.
Eu revirei meus olhos para ele.
- Isso é você quem está dizendo.
Ainda me olhando ele se sentou na cadeira ao lado de Victoria, que, imediatamente, começou a conversar com ele sobre um conhecido em comum, evitando que eu voltasse ao assunto anterior qual fomos interrompidas.
Eu soltei mais alguns risos baixos quando outra mensagem chegou no meu celular e vi olhando para mim com expectativa e depois se virando para o aparelho, sinal claro de que a mensagem era dele.
“Pelo jeito que me olhou, acho que começou a repensar o que me disse sobre minha masculinidade, não?”, eu tentei esconder meu sorriso por trás da minha palma que pairava na frente da boca.
“De novo: isso é você quem está dizendo.”, respondi petulante, de propósito olhando para ele e esperando por sua próxima mensagem.
Victoria estava tão animada com a conversa que nem ligou para o fato de que revezava sua atenção entre ela e o celular.
“Está duvidando de mim?”
“O quê?”, meu semblante torcido em confusão foi um pouco difícil de disfarçar e eu vi um sorriso de canto surgir em seus lábios do outro lado da sala.
“Vou mostrar pra você minha masculinidade quando voltarmos pra casa.”, me respondeu. “Quero ver voltar a tirar sarro de mim depois.”
Sorrindo, eu voltei a digitar e respondi antes que perdesse a coragem, mesmo que sentisse minhas bochechas começarem a corar: “E como pretende me convencer disso, sr. ?”
Ele imediatamente levantou os olhos do celular para mim, semicerrando-os enquanto sorria maliciosamente, entendendo o flerte sem qualquer esforço.
“Depende, srta. .”, me enviou após um segundo que mais pareceu uma hora. “Existem várias maneiras.”
Ele se virou, despreocupadamente para Victoria, falando com ela, me deixando na expectativa do que mais ele continuou a escrever sem sequer olhar para a tela.
“Posso provar com palavras, olhares, mãos, lábios... Língua. Dentes.” A uma altura dessas eu já não conseguia esconder minha agitação. Fui incapaz também de pensar em uma resposta melhor do que um “Ah, é?” que se tivesse sido dito em voz alta, provavelmente teria soado fraco e bastante trêmulo.
Mas ele parecia se divertir cada vez mais com meu desconcerto, me olhando pelo canto dos olhos, umedecendo seus lábios.
“Posso até deixar você escolher uma forma, Ruivinha.”, me enviou. “Ou quem sabe todas.”
- ? – A voz de Victoria me trouxe de volta a realidade, fazendo minha cabeça levantar tão rápido que por um segundo fiquei tonta.
- O quê?
- Aconteceu alguma coisa? Você está vermelha igual a uma pimenta. – Minha cor deve ter se intensificado um pouco mais depois de sua afirmação, porque verdade seja dita, minha boca estava seca e meu raciocínio praticamente já não existia mais.
- Não é nada. – Pigarreei, tentando desconversar.
- Estava lendo algo de interessante? – me lançou aquele sorriso de quem sabia mais do que admitia e meu estômago vibrou imediatamente.
- Hm, na verdade não – forcei minha voz a sair o mais próximo do natural. – Só um monte de bobagem.
- Sei – ele respondeu tranquilamente, mas seus dedos rapidamente procuraram seu celular.
“Vamos ver se você continuar dizendo isso depois quando estivermos a sós.”, a resposta dele veio em seguida e eu precisei respirar fundo para me segurar.
Guardei o celular encerrando aquela conversa não pronunciada, aumentando ainda mais o divertimento de .
- Mas então, Vicka – Eu tentei me distrair para não ficar fitando por muito mais tempo do que eu achava seguro, ainda mais por estarmos num lugar público e eu com meus hormônios quase tendo um colapso pelas sugestões bastante criativas que ele havia comentado há pouco –, você não terminou a história da festa. O que aconteceu depois que te levou para o carro?
Pode ter sido mancada minha por ter jogado na roda o assunto que de repente ela parecia querer se livrar, mas o que eu podia fazer? Além da minha curiosidade, eu queria tirar a atenção deles de mim.
- ? – franziu o cenho para ela e de repente parecia que Victoria tinha perdido a capacidade de falar.
- É, bem, o que tem de mais? – Ela pigarreou. – Somos…
- Oi, pessoal. – irrompeu na sala, deixando Vic aliviada por ser mais uma vez interrompida. Mas, posso dizer com completa certeza que o único alívio ou qualquer tipo de animação foi vindo dela.
- E aí – disse, provavelmente tentando ser educado, mas permaneceu sério, sem o encarar de verdade.
- Hey. – O sorriso que lancei para ele não chegou aos olhos e sei muito bem que ele percebeu isso, pois me lançou uma expressão sofrida ao se sentar ao meu lado, abrindo e fechando a boca vezes seguidas como se quisesse dizer algo e não soubesse como.
Mas então levantou os olhos para as outras duas figuras na sala e percebi que na verdade ele só não verbalizava nada por causa dos outros.
- , eu…
- Não. – Eu o cortei mais rápido do que devia. – Depois, ok?
Ele pressionou seus lábios um contra o outro e assentiu, mas a expressão controlada que estava mantendo começou a desaparecer quando percebeu que nos olhava atentamente.
Victoria fingia estar mais interessada em algo no seu celular e se fazia de alheia na conversa.
Eu respirei fundo, pronta para procurar algum assunto útil para todos nós.
- Porque nós não…
- Olhem só se não são meus atores favoritos. – Gregory colocou sua cabeça para dentro do ambiente, e graças a Deus parecia bem humorado. – Estão prontos para mais essa? Entramos em dois minutos.
Se ele sabia que o timing dele era perfeito, não deixou transparecer. Nós levantamos rapidamente das cadeiras onde estávamos.
- Primeiro faremos a comitiva, ok? Depois seguiremos para os autógrafos – Sr. Colleman começou a dizer para todos e por último se virou para mim. – Vai ser mais fácil que a entrevista ao vivo com o James Corden, a diferença é que além de perguntas vão ter alguns pôsteres para serem autografados depois.
- Sem problema. – Assenti rapidamente e arrumei meu cabelo sobre os ombros, lembrando-me das vezes que fizemos isso pelo pequeno tour na Inglaterra ainda durante as gravações.
Nosso diretor nos chamou para nos apressarmos. Não demos dois passos sem ele nos interromper mais uma vez.
- Uma última coisa, vocês dois – ele apontou discretamente para e eu, agora lado a lado –, vão ter que arrumar a bagunça do último encontro de vocês. Não sei o que há de errado, e sinceramente prefiro não me intrometer. Mas vão precisar dar um jeito nisso hoje.
assentiu sombriamente e eu apenas fiz um rápido aceno com a cabeça, olhando diretamente e apenas para o diretor, não confiando em minha capacidade de ficar inexpressiva caso olhasse para ou nesse momento.
- Vamos andando então.
E conforme caminhamos, eu acalmei meus batimentos cardíacos.
Quando subi no palco e sorri ouvindo os gritos em frenesi, eu sabia muito bem o que tinha que fazer.
’s POV
Nunca me considerei um cara muito ciumento. Mas confesso que ter que assistir com , mesmo sabendo que o que eles tinham não era real e que na verdade ela estava comigo quando estava longe disso tudo, ter que presenciar tudo isso parecia uma provação de autocontrole para o meu temperamento.
Honestamente eu acredito que estaria lidando muito melhor com isso tudo se não fosse querer me provocar a cada oportunidade, como se eu precisasse de um lembrete constante para saber que no momento ele me odiava.
Puta merda, que saco.
A mesa em que estávamos era comprida e bastante espaçosa. Eu estava em uma das pontas e estava na outra, mas Victoria estava entre e eu, de forma que impedia minha visão direta para a Ruivinha e me impedia de ouvir também a bajulação diária de para cima dela.
Eu ainda não tinha decidido se essa última parte era boa ou ruim.
Quando os aplausos e os gritos diminuíram eu me obriguei a desviar a atenção deles e me focar no que era prioridade no momento.
Os repórteres e fotógrafos estavam localizados logo antes do palco, os fãs estavam atrás, alguns já aguardando na fila que mais tarde seria aquela que receberia autógrafos nossos.
- O que vocês podem nos contar sobre essa nova temporada de The Black Side? – a primeira repórter perguntou para ninguém em particular.
- Mais ação do que as outras duas temporadas, com certeza. – Victoria tomou a iniciativa, se divertindo mais do que qualquer outro em começar a responder. – Acho que já deu pra perceber pelo trailer que o passado do Ian, personagem do , vai desencadear alguns acontecimentos e inclusive trazer algumas pessoas para o presente, como a personagem da . Então vão ser várias reviravoltas que Kate, Ian e Cecília, no caso eu, vão ter que passar para conseguir resolver os novos problemas. E claro, vai ter a ajuda de Dave, o personagem do , que vai fazer toda a diferença em alguns momentos.
- e ! Vocês podem falar um pouco dos personagens de vocês?
- Bom – começou falando –, Dave é um nerd da informática, mais até do que o personagem do , e é ótimo no trabalho quando está fechado numa sala de frente para o computador tendo que só hackear informações e fazer pesquisas, mas em campo às vezes ele é um pouco atrapalhado e vai ser isso que justamente vai dar um pouco de senso de humor a série, mesmo que ele não apareça o tempo todo.
Ele se virou para enquanto algumas pessoas batiam palmas, num incentivo para que ela tomasse a palavra.
- Katherine vai tirar vocês do sério – ela disse e, apesar de eu não olhá-la, sabia que estava sorrindo. – A garota é atrevida, petulante, esquentada e dona da razão. Completamente inconsequente, ela vai ser essencial nas investigações com seu raciocínio dedutivo e rápido, mas vai ralar pra conseguir a confiança dessa turma, principalmente de Ian, já que suas origens são questionáveis e também gira em torno do passado dele.
- Ian é sempre cheio de mistério quando se trata do passado – acrescentou, provocativo, o duplo sentido explícito.
Eu sorri sem mostrar os dentes.
Se eu não o conhecesse, até podia acreditar que ele estava mesmo falando de Ian e não de mim.
- As coisas precisam de um pouco de emoção – eu falei em seguida e os fãs pareceram gostar.
- , você já sabe se vai estar na próxima temporada caso seja confirmada?
- Muito cedo pra dizer – ele disse em seguida.
- Calma, gente, vamos focar na terceira temporada! – Victoria completou. – Ainda tem muito o que acontecer.
- E em relação ao elenco atual, vocês estão bem? Digo, a transição e adaptação de atores antigos e novos foi boa? – outro repórter perguntou e eu tomei ar para responder, mas antes que minha voz soasse, já estava fazendo isso por mim:
- Ah, a série começou muito bem com a Maya fazendo parte do elenco e acho que isso era perceptível com a química que Victoria, e Maya tinham. Então ela saiu, teve os problemas dela e não pôde ficar mais. sabe melhor o que aconteceu, de qualquer forma, mas apareceu e roubou a cena, definitivamente. Foi um privilégio trabalhar com ela durante esses meses. – Ele se virou para ela com um sorriso doce no rosto, segurando a mão dela na sua e a beijando em seguida. – Eu me surpreendi muito e com certeza a atuação dela vai surpreender a todos vocês. O elenco está incrível, podem acreditar.
Victoria e eu o fitamos, esperando que continuasse a falar, a responder devidamente à pergunta que ele parecia ter respondido sem pé e nem cabeça, porém esse assunto pareceu se encerrar no momento em que sorriu de volta para ele.
Os fãs gritavam ao fundo, e apesar de estampar sinceridade no rosto, seus ombros estavam tensos, quase que da mesma maneira que os meus.
Eu sabia o próximo passo antes mesmo dele ser tomado.
- , já que tocou no assunto, por que Maya saiu da série? Você ainda mantém contato com ela? – Eu soltei o ar com calma o mais imperceptivelmente que pude.
- Ela teve seus motivos pessoais para isso, e acredito que ela seja a melhor pessoa para responder isso a vocês, apesar do que meu amigo disse. – Eu não olhei para ele quando falei. – Nós ainda mantemos contato sim, somos bons amigos, e apesar de não trabalharmos mais juntos, ainda conversamos esporadicamente. E sobre a transição de elenco, tudo se desenrolou muito bem.
olhava para mim atentamente, como se me incentivasse. Ela era esperta o suficiente para saber que havia tocado no nome de Maya apenas para tentar criar discórdia entre ela e eu. Só que ele já não sabia nem metade do que acontecia entre nós dois. E agora, felizmente, ele parecia acertar tiros na água.
quase sorriu para mim antes de se virar para frente de novo.
- , qual foi sua maior expectativa quando começou a trabalhar entre tantos atores já bem direcionados, aclamados pelo público e pela mídia?
Ela franziu levemente o cenho.
- Acho que na verdade minha maior expectativa era eu atingir um nível de atuação que chegasse pelo menos perto de todo o talento deles – respondeu. – Foi um desafio maravilhoso trabalhar com todos eles.
- Ela é muito modesta – Victoria acrescentou em seguida, piscando um dos olhos para ela.
- Com certeza – falei em seguida, sorrindo, enquanto nos encarava agradecida.
, ao que pareceu, não gostou do meu comentário, mas pareceu ainda menos feliz quando a próxima pergunta foi verbalizada:
- Na série, , você faz par romântico com , mas atualmente você está namorando com . É isso mesmo?
Eu encarei a repórter que havia feito a pergunta com minhas sobrancelhas quase se unindo em uma única. parecia igualmente confusa, assim como . Mesmo Victoria desconfortavelmente aguardava a resposta.
Por um segundo longo demais ela hesitou.
- É isso mesmo.
- E não fica um clima meio estranho entre vocês por causa disso?
- Claro que não. – A voz dela estava um pouco mais aguda que o normal. – Somos todos amigos.
- Sabemos separar as coisas. – Eu me apressei em ajudar. – Não é mesmo, ?
Ele me dirigiu outro olhar carregado de uma raiva oculta aos outros e acabou por sorrir para os repórteres, para os fãs, e segurou a mão de novamente.
- Com certeza – disse enfim. – São ossos do ofício, mas foi como disse: somos todos amigos aqui.
De repente o termo “amigos” começou a soar muito falso para mim.
- Então quer dizer que vocês realmente estão juntos?
- É isso mesmo – repetiu a frase e abriu um sorriso para o repórter.
- Mas e as fotos tiradas de vocês dois na orla do Tâmisa? Pareciam estar entre uma discussão.
- O casal que nunca brigou, por favor, atire a primeira pedra – disse em tom brincalhão, arrancando risos de algumas pessoas. – Não vamos negar isso, mas já superamos o ocorrido. Estamos bem agora.
e se olharam por um segundo que pareceu muito longo, suas mãos entrelaçadas uma na outra, e algumas pessoas começaram a gritar em incentivo.
Eu precisei desviar os olhos daquela cena, mesmo que fingisse um sorriso para as câmeras posicionadas bem em minha frente.
- Faço as palavras dele, minhas – a Ruivinha acrescentou. – Confesso para vocês que é bastante difícil ficar brava com por muito tempo.
- Olha só quem está dizendo. – A risada dele foi audível mesmo que eu não estivesse olhando.
Em seguida, mais rápido do que pude acompanhar, gritos e aplausos explodiram por todo lado. Eu sabia o que era antes mesmo de confirmar com meus próprios olhos.
Mas, quando me virei de volta para eles e os vi se beijando, ainda que não fosse a primeira vez que eu presenciasse tal gesto, doía igualmente na mesma intensidade como se fosse a primeira vez. Percebi que demorei mais do que devia para estampar a felicidade ensaiada que era esperada de mim, o amigo fiel dos dois que agora formavam um casal apaixonado, e me obriguei a interpretar aquele papel como eu havia me comprometido que faria.
Mas aquela sensação no fundo do meu estômago…
Podia ser egoísta, podia ser patético, podia ser qualquer coisa no mundo, mas ver a tocando, a beijando da maneira que eu gostaria de estar fazendo, me destruía mais do que eu poderia algum dia admitir.
Eu queria poder afastar ela dele e trazê-la para perto de mim, mostrar a essas pessoas que era comigo que estava. Queria poder mostrar isso para todos, fazer todas as coisas que faz com ela, mas a fazendo se sentir realmente bem, sem máscaras ou qualquer fingimento que ela era obrigada a mostrar.
E apesar de eu saber que era para mim que ela reservava seus beijos verdadeiros, suas risadas e seus sorrisos espontâneos, seus sentimentos mais genuínos, uma parte de mim, aquela parte ciumenta, invejosa, controladora e egoísta não achava isso suficiente. Queria mais. Talvez eu inteiro quisesse mais.
Por mais que eu tivesse concordado em fazer parte de tudo isso, o fardo estava se tornando pesado demais.
Antes que eu pudesse entender o que estava fazendo, peguei o microfone que estava disposto logo a minha frente e falei:
- Opa! Chega de empolgação, vocês dois. – Algumas pessoas riram e se distanciou de , mais relutante do que deveria. – Ainda temos trabalho a fazer aqui. Próxima pergunta! Vamos focar na série dessa vez.
Mais risos encheram o ar e, apesar de eu estar rindo para as câmeras, com o semblante leve e cheio de carisma, eu me recusava a olhar para os dois novamente, quando muito provavelmente meu ressentimento falaria mais alto, mesmo que eles rissem como se se divertissem muito com a situação ou com minhas palavras.
- , sempre estraga prazeres – murmurou e eu congelei o sorriso no rosto enquanto as pessoas que nos assistiam se divertiam, torcendo para que nem ele e nem ninguém enxergasse a mágoa por trás da fachada.
olhou para mim, mas ela ainda estava de mãos dadas com ele, os dedos entrelaçados sobre a mesa. Eu não consegui retribuir o olhar.
Só queria que aquilo acabasse de uma vez.
Quando a sessão de autógrafos terminou algumas horas mais tarde, eu me vi caminhando na frente de todos os outros com mais pressa do que seria recomendado aparentar, tendo em vista que ainda estávamos rodeados de pessoas desconhecidas que deviam pensar que éramos todos uma família feliz e contente.
Quanta bobagem.
- , vamos tirar algumas fotos para a publicidade – Victoria me chamou após falar com Gregory.
Eu não escondi meu sorriso amarelo quando a olhei.
- Não estou muito afim, Vic – respondi para ela, mais seco que o planejado. – Posso ficar ou preciso estar junto?
- Todos nós, . – Ela deu de ombros como se pedisse desculpas e eu retrocedi alguns passos para acompanhá-la de volta até o local das fotos.
esperava na porta, com ao seu lado, apenas me estudando com o olhar.
- Você não parece muito à vontade, . – me avaliou como se estivesse preocupado. Uma grande mentira. – Algum problema, amigo? Será que posso ajudar?
Ele passou o braço pelos ombros de . Eu não sabia, honestamente, o que se passava na cabeça dele.
A porra de bom senso com certeza não era.
- Na verdade está tudo ótimo. – Dei de ombros e parei a sua frente. – Você quem parece à vontade demais às vezes, não é?
Eu indiquei discretamente com o queixo e a vi revirar os olhos tanto para mim quanto para .
Sei que ela não se sentia confortável com a situação, mas eu também não me via confortável observando aproveitar cada oportunidade que tinha para tocá-la e principalmente beijá-la na minha frente com a desculpa barata de estar “cumprindo seu papel”.
- Não dá pra resistir ao charme de . – Ele abriu um sorriso que mostrava todos os dentes, me instigando a perder a paciência, tirando cada vez mais proveito da posição que ele tinha.
E foda-se meu autocontrole.
- Realmente. Dá pra ver que você não consegue tirar a língua da boca dela.
- ! – ralhou, se afastou de e arregalou os olhos para mim.
- Sempre querendo chamar a atenção. – estralou a língua no céu da boca. – Não liga pra ele, amor.
Ela afastou-se repentinamente dele e, consequentemente, de mim também.
- Chega você dois! – Ela virou-se para com os olhos semicerrados em aviso. – Fotos. Agora!
Nós dois hesitamos por um momento, nos encarando surpresos pela atitude repentina dela. Então a seguimos para onde Victoria já nos aguardava, olhando-nos com cautela.
Manter a pose naquele instante foi quase impossível, e os próximos minutos passaram se arrastando de uma maneira que eu sequer conseguia descrever.
Eu evitava olhar. Primeiro para não me irritar e segundo porque não queria fazer cena, mas porra. Existiam limites antes de chegar ao ponto do exagero. E puta que pariu, ou não se importava com isso, ou não conhecia essa linha que estava cruzando. ainda achava que ele encontraria a sensatez de novo, mas sinceramente eu já não tinha essa certeza.
A sensação era de que ele queria que eu o odiasse. E eu não queria, por mais que no momento esse fosse o sentimento mais próximo para descrever minha relação com ele.
Apertei meus lábios numa linha fina quando finalmente pudemos voltar para a sala de espera, de onde iríamos embora. Eu simplesmente queria pegar minhas coisas e ir para longe desse lugar, de todos os que estavam aqui. Queria esfriar minha cabeça.
E era tanta coisa se sobre colocando em minha mente, que eu já não conseguia mais discernir. Quando vi entrando na sala, acompanhado das duas garotas, sorrindo para mim como se tudo estivesse na maior paz, eu não segurei as palavras incrustradas de mágoa e ressentimento:
- Você não perde a oportunidade, não é? – O riso seco que saiu veio do fundo da minha garganta.
Mas quando ele me encarou, de cima a baixo, não fez nada além de fingir completo desentendimento.
- Não sei do que você está falando, .
- Isso é alguma espécie de jogo pra você, dude?
Ele arqueou uma sobrancelha para mim.
- Se for, você começou jogando muito antes de me avisar – falou. – Parecia que a vantagem estava toda sempre com você.
- O que há de errado com vocês dois? – Victoria trocou olhares entre eu e , percebendo meus punhos apertados contra a lateral do meu corpo e a provocação escorrendo por cada poro da face dele. – Estão agindo como pré-adolescentes cheios de hormônios!
- Isso não é da sua conta. – pouco se importou com as pessoas que passavam ao nosso redor e a surpresa pela forma rude como ele falou com ela pegou a todos nós desprevenidos.
Victoria piscou algumas vezes enquanto o encarou, trocando o peso do corpo de pé e deixando toda sua animação frequente se transformar em ofensa.
- Não é da minha conta? – Ela estreitou os olhos para ele e parou ao lado da amiga. – Escuta aqui, se quer agir como um babaca aqui dentro, vá em frente! Pouco me importa, mas não pense que pode fazer isso enquanto todos nós estamos trabalhando! Que história foi aquela de falar de Maya? Você sequer respondeu à pergunta que fizeram! Parece que sua única intenção era de alguma maneira jogar o nome dela no meio e foda-se o resto.
- Já foi, gente. Deixa isso quieto! – tentou, em vão, encerrar o assunto, porém Vicka não estava interessada nisso.
- Que merda está acontecendo, ? – Ela se aproximou dele. – Desde quando você fala assim e provoca tanto as pessoas? Desde quando você provoca desse jeito?
Para quem estava tão interessado em ver o circo pegar fogo, de repente ele ficou mudo. Mas agora que ele já tinha me irritado, eu não conseguiria deixar tudo simplesmente da maneira que estava.
- De repente minha vida ficou muito interessante pra você, não é, ? – Eu andei até ele vendo o olhar de alerta que me mandava, mas fingindo não ter percebido. – De repente você adora querer voltar para assuntos que acha que me incomodam, adora falar daquilo que acha que de alguma maneira me atinge. Mas sabe o que é mais engraçado? É que você não faz ideia do que está falando!
- Tem certeza que eu não sei? – O tom de voz dele foi completamente calculado. – Porque a maneira como você está agindo, mostra exatamente o contrário.
pegou minha mão e a apertou com força, um gesto claro e simples para que eu me afastasse, mas não fui capaz de quebrar o contato visual que e eu firmávamos. Existia pouco que eu podia fazer dentro da circunstância além de demonstrar pelo menos resistência. Eu tranquei o maxilar conforme ele deu um passo em minha direção.
- Na verdade, , tenho certeza que te atingi, sim.
- O que está havendo aqui? – Gregory interrompeu aparecendo de súbito ao nosso lado, perpassando os olhos por todos nós.
Não sei há quanto tempo ele estava ali ou quanto da conversa e da movimentação ele havia presenciado, mas imediatamente soltou minha mão e se distanciou de mim, da mesma maneira que , parando ao lado dele. Para a nossa sorte, Victoria permaneceu calada, guardando suas suspeitas óbvias para si mesma e deixando que nós lidássemos com a merda toda que aquilo havia virado.
- Qual é o problema? – Sr. Colleman insistiu.
- Não é nada – respondeu, a voz exausta como poucas vezes eu tinha ouvido antes, e essa percepção serviu para amenizar um pouco da minha raiva.
Era culpa minha e de tê-la deixado assim.
Gregory não ficou convencido com as palavras dela. Ninguém ficou, mas era melhor para todos se transformássemos aquilo em verdade, porque minha face inexpressiva e os lábios apertados de não nos levariam a lugar nenhum.
Victoria, ainda que parecesse consternada, estava lidando com aquilo melhor que a gente.
- está certa – ela se apressou em dizer. – Foi um mal entendido bobo, é o cansaço do trabalho.
- Então tratem de desfazer essas expressões de quem comeu e não gostou, não tem ninguém morrendo aqui por constipação. – Gregory gesticulou apressadamente para todos nós enquanto fazia uma careta. – Os fotógrafos estão esperando na saída. Vamos embora agora e acalmar nossos nervos depois. Continuar aqui não vai ajudar ninguém.
ainda me olhava quando todos começamos a nos dispersar rumo a saída, e então, aproveitando a deixa, ela disparou até mim.
- ... – Ela tocou no meu braço, o cenho franzido, pronta para dizer alguma coisa. Mas o que quer que fosse, ela foi interrompida:
- O que pensa que está fazendo? – Gregory parou ao lado dela, ignorando minha presença. – já está na porta!
- Preciso conversar com .
- Vai fazer isso depois – ele disse com autoridade. – Você e vão sair daqui juntos e voltar juntos para casa. Precisamos dessas fotos agora!
Ela trocou olhares entre eu e o diretor, os lábios entreabertos, gaguejando sons que não faziam sentido algum.
E por mais que eu quisesse que ela ficasse ao meu lado, que me abraçasse e conversasse comigo, eu sabia que isso não nos ajudaria. Não nos ajudaria em absoluto depois do que tinha acontecido.
- Gregory tem razão – eu disse a sem olhá-la, mesmo percebendo que ela parecia infeliz com isso. – Seu namorado está te esperando e ele não parece estar muito paciente hoje.
Eu me afastei dela com delicadeza, mas ainda assim fui firme com o gesto.
Satisfeito, Sr. Colleman assentiu em minha direção, mas , ao contrário, parecia em algum lugar entre a perplexidade e a mágoa.
O olhar que ela me lançou sobre o ombro enquanto acompanhava Gregory até a saída era a prova de que estava contrariada e brava demais para simplesmente deixar tudo por isso mesmo.
Só que ainda que eu soubesse que aquelas palavras a incomodaram, eu não podia retirá-las ou desmenti-las. Precisava dizê-las para manter pelo menos um pouco da fachada que devíamos ter por sabe-se lá quanto tempo mais.
O que eu queria e o que eu devia fazer, eram coisas completamente diferentes. E naquele momento, eu estava escolhendo a segunda opção.
Capítulo 41
Tears my world apart”
’s POV
- Dude, se você começou o dia bebendo, a tendência é piorar.
Eu apenas olhei para e tomei mais um gole da minha cerveja.
- Você fez exatamente isso ontem e ninguém encheu a porra do seu saco, encheu?
- Não, mas era minha comemoração de aniversário. Eu podia fazer o que eu quisesse.
Acabei soltando algumas gargalhadas enquanto segurava o violão no meu colo.
Como o aniversário de era justamente na véspera de Natal, sempre saíamos para fazer alguma coisa ou antes ou depois da data. Dessa vez ele decidiu fazer antes para poder aproveitar a dia ao lado da família e ainda assim ter tempo para passar com e os amigos em uma comemoração ontem em um Pub no centro de Londres com um punhado de gente que não chegava nem a dez pessoas.
Primeiramente eu estranhei sua simplicidade, mas foi só eu dizer isso em voz alta que explicou que ele faria uma festa maior alguns dias depois do Natal, com mais gente, num lugar maior, que pudesse organizar melhor e até com mais antecedência.
Então tudo fez mais sentido ao saber disso.
Como sempre foi muito extrovertido, eu não duvidava da sua capacidade de fazer cinco festas e conseguir encher todas as cinco com pessoas diferentes em cada uma. Honestamente eu estava grato por ele ter apenas me chamado para beber. Ultimamente eu vinha dispensando locais com muita gente.
- E além disso – ele sentou-se ao meu lado e tirou a garrafa da minha mão –, eu não ia trabalhar, por isso bebi. Percebe-se que esse não é o caso.
- Foda-se. – Eu me ouvi dizer e peguei a garrafa de volta. – Fico mais criativo com um pouco de álcool. Agora me deixa.
revirou os olhos, mas gargalhou em seguida.
- Certo, e o que você tem aí? – Ele apontou para os papéis e partituras ao meu redor.
- Falta a letra. Todo o instrumental está pronto.
Ele observou então as partituras, estudando as notas e algumas anotações que havíamos feito já fazia alguns dias. Enquanto ele fazia isso, eu olhei para o relógio do celular.
- Os outros não vem?
- e estão resolvendo outra coisa no outro estúdio – respondeu –, mas deve chegar logo para nos ajudar.
Eu olhei para ele sem esconder o incômodo.
- Não me olhe assim, .
- Isso vai dar merda, – Eu o alertei. – Ouve o que estou te falando.
Ele me ignorou por completo.
- Falou com hoje?
Foi minha vez de revirar os olhos para ele por sua mudança de assunto nada sutil.
- Não, ela só disse que chegou em casa bem ontem e que me ligava mais tarde.
Nós tínhamos nos encontrado no Pub, mas não por mais do que apenas alguns minutos, sequer conseguimos conversar direito. Como era um local público e haviam vários paparazzis do lado de fora só aguardando uma oportunidade para qualquer coisa que valesse um click, nós não pudemos ir juntos, voltar juntos e nem ficar juntos durante o tempo que estivemos no local.
não tinha ido ontem à noite, mas era sempre melhor prevenir que remediar, e nenhum de nós estava disposto a correr o risco. Pelo menos era com esse pensamento que eu tentava me convencer.
- E você falou com a ? – perguntei a ele em seguida.
gargalhou ao meu lado com um sorriso que chegava quase até suas orelhas.
- Minha loira não para de reclamar – ele falou após um segundo. – Disse que mal consegue ficar em pé.
- Eu ficaria surpreso se ela dissesse o contrário. – Ri e me acompanhou.
- Aquela mulher tem muita energia, cara – contou com um olhar embasbacado que deixava óbvio os sentimentos que ele tinha por ela. – Ela só deixou que eu a levasse para casa literalmente quando já não havia nenhuma música tocando. Enquanto isso ela ficou dançando o tempo todo, querendo me arrastar junto.
- Por isso hoje ela mal para em pé.
- Justamente.
Eu levantei a garrafa como se brindasse com ele e tomei mais um gole de cerveja, encerrando o assunto em seguida.
- Vamos ver logo isso. – Ele pegou algumas folhas rabiscadas e começou a ler. – Quanto antes terminarmos, antes podemos ir pra casa.
- Que seja. – Eu deixei a cerveja de lado. – Eu comecei escrevendo isso, então…
- Desculpem o atraso. – entrou no estúdio, tirando seu casaco e o estendendo no encosto da primeira cadeira que viu. – Peguei um pouco de trânsito para chegar aqui.
começou a respondê-lo, murmurando algumas coisas em concordância de que sim, o trânsito estava mesmo uma merda, mas eu apenas fiquei calado o encarando de cima a baixo, pensando em como ele tostaria minha paciência hoje.
Por um instante ele parecia tão de boa, tão... tranquilo que quase esqueci que esse era o mesmo cara que vinha sendo um puto comigo nas últimas semanas.
Trocando um rápido olhar entre eu e ele, tratou de atualizá-lo do meu trabalho.
- Esse é o refrão. – mostrou a ele as frases escritas. – Temos o último verso, que basicamente repete a mesma coisa várias vezes, e os arranjos que precedem a repetição do refrão pela última vez, que foi aquilo que você e eu fizemos outro dia, mas o primeiro e o segundo verso não estavam encaixando e nem o pré-refrão.
- Certo, vamos tocar o que temos até agora.
- A versão final ou acústica? – perguntou a .
- Acústica. – Ele se virou para mim, indicando o violão e comecei a dedilhar as notas.
O processo se repetiu até que eu parei por um momento e peguei uma folha de papel qualquer, rabiscando algumas frases soltas que vinham a minha cabeça.
- E se – eu comecei a falar –, pegássemos o começo do primeiro verso antigo e adaptássemos?
- O que você tem em mente? – perguntou enquanto apenas me observava.
- Podemos mudar aqui e aqui. – Eu apontei para eles no papel. – E o resultado seria esse, com o que pensei.
- Pode cantar? – Eu concordei, voltando toda a melodia do começo.
- Ficaria então a partir daqui. – Eu dei a deixa e tomei ar: – I know you said, that you don’t like it complicated, that we should try to keep it simple, but love is never ever simple.
Por um momento nenhum dos dois falou nada.
- Gostei. – abriu um sorriso, mas foi que pegou o violão que eu havia deixado ao meu lado e repetiu, mais seriamente dessa vez:
- Eu sei que você disse que não gosta de coisas complicadas, que devíamos manter isso simples, mas o amor nunca é simples. – Ele arqueou uma sobrancelha em minha direção, como se visse mais do que apenas as palavras ditas, mas também de onde veio a ideia de colocá-las juntas. – Nada mal. Daqui vem o pré-refrão, certo?
e eu assentimos e repetimos o primeiro verso e o refrão mais algumas vezes, até que por fim não estávamos mais cantando, apenas pronunciando as palavras sem melodia agora.
- Here we go again, another go round for all of my friends, another non stop will it ever end. – estreitou os olhos para a parte que ele havia escrito já a algum tempo. – E então repete isso mais uma vez.
- E continua com if we’re never coming back down, we’re looking down on the clouds. – batucou um lápis contra o chão onde estávamos sentados.
- Ficaria ruim repetir o primeiro verso no segundo? – Eu me virei para eles. – Não totalmente, mas seguindo a mesma linha que o outro.
- O que quer dizer? – abraçou os joelhos e me encarou.
- O segundo verso poderia ser algo como I know you said, that you don’t like it complicated, repetindo as duas primeiras frases do primeiro, mas então podemos seguir com That you are tired of all the changes, but love is always, always changing.
pegou o violão dessa vez e encaixou os versos na melodia.
Enquanto ele fazia isso, apenas me olhava, sem nada de definido em sua expressão para que eu pudesse entender o que se passava em sua mente. Mas ele repetia os versos novos, daquela mesma maneira que tinha feito anteriormente, procurando um significado para eles.
- Está inspirado hoje, – falou com o tom neutro. Mas eu sentia que havia algo implícito em sua voz. – Tem mais alguma coisa de interessante aí?
Antes que eu pudesse negar, ele pegou os papéis que estavam ao meu lado, perpassando os olhos por todas as anotações, por todas as letras que eu havia escrito, fosse para essa música, ou qualquer outra, ele não estava deixando nada passar. Nem que fosse apenas um pensamento, uma rima, ele estava lendo, com interesse além do normal.
Então, enquanto eu apenas o olhava fazer isso, vi o brilho do entendimento em seus olhos acompanhado de uma pontada de tristeza que refletiu em sua expressão, e eu sabia que ele tinha compreendido, de onde tinha vindo tudo aquilo.
De onde tinha vindo minha inspiração.
- Inacreditável... – murmurou e eu esfreguei minha têmpora com os dedos. – Com tanta coisa, é um desperdício que não estejamos usando nada disso.
O sarcasmo começou a se tornar perceptível. o olhou desconfiado e eu não fiz nada além de manter minha boca numa linha fina.
- Escuta essa, . – Ele segurava o papel com tanta força que o amassava. olhou de relance para mim, sentindo meu desconforto. – So take it off, let's break down all of our walls, right now I wanna see it all. I don't wanna cool off, so let's cross the lines we lost, right now I wanna see it all. You were right on border.
Houve um instante em que o silêncio se estendeu por entre nós, juntamente da tensão que começava a se formar.
- Pode me devolver isso, por favor? – Eu estiquei o braço, a palma da mão aberta para que ele me entregasse as folhas. apenas trocou olhares entre nós dois, como se assistisse algo que não fizesse o menor sentido para ele.
- Realmente é boa – respondeu, com a mesma expressão de confusão no rosto –, mas deixa isso quieto, . Vamos focar no que falta para nossa música, pode ser?
- Por que não estamos usando essas? – insistiu. – São muito pessoais pra você querer compartilhar com a gente, ?
- E se forem? – Eu dei de ombros. – Eu escrevo sobre o que sinto.
Ele não respondeu de imediato enquanto me estudava, ainda com a mão estendida como um idiota enquanto ele olhava seriamente.
- Engraçado. – Ele me devolveu os papéis com mais sutileza do que eu verdadeiramente esperava. – Realmente sempre acreditei que toda música tivesse um significado e uma base real para ser escrita, de experiências empíricas e essas coisas. - Tanto quanto eu o olhamos, esperando sua conclusão. - Será que isso se aplica a essa nossa música aqui também? – Ele indicou a partitura e toda a letra que tínhamos escrito até agora.
- O que você acha? – Não segurei as palavras de saírem.
- Que talvez seja isso mesmo. Que você esteja escrevendo até sobre alguém que conheçamos.
começou a rir, um riso forçado e um tanto nasalado, enquanto olhava para nós dois como se fossemos muito idiotas. E talvez fôssemos mesmo, mas dava para ver sua tentativa clara de aliviar o clima.
- Pelo amor de Deus, vocês são mesmo dois bundões! – Ele revirou os olhos e ajeitou o violão no seu colo. – A música é sobre alguma garota. Nossas músicas sempre são sobre garotas e elas nem sempre são reais. Não é porque escreveu dois versos que necessariamente tem que ser sobre alguém de verdade, isso é ridículo.
Por um instante eu fiquei admirado em ouvir me defender, levando em conta que até outro dia ele estava fazendo justamente o contrário. E igualmente da maneira que aquilo me animou, irritou ainda mais .
- É uma mulher hipotética – continuou. – Eu escrevi uma parte, outra, e agora você vai fazer o mesmo. É uma história contada com vários pontos de vista.
Na teoria, a ideia de era admirável. Na prática, não era bem assim.
Algo no olhar de faiscou quando ele pegou o lápis e começou a rabiscar alguma coisa no papel onde a letra oficial vinha sendo anotada.
- Claro, é tudo uma hipótese – ele murmurou para ninguém em especial. – Não tem nada a ver com o que pensamos de verdade, não é?
- É. – A paciência de já estava se esvaindo. – É exatamente isso.
- Ótimo. – estendeu o papel para nós. – Aí está o pré-refrão de um pensamento hipotético, para uma garota hipotética.
Apesar da tolerância de estar cada vez menor, ele ainda assim pegou o papel e começou a música do início, apenas para encaixar as palavras na melodia enquanto eu as lias sem pronunciá-las em voz alta, encarando da mesma maneira que ele também me encarava.
- Someday you’re gonna see the things that I see, you’re gonna want air that I breathe, you’re gonna wish you never left me. – cantou e eu apenas balancei a cabeça para os lados em negação. Não porque não estava bom, estava ótimo. Mas era o porquê de ele querer escrever aquilo, de onde vieram aquelas frases.
Então ele esboçou um sorriso para mim, apenas um erguer de lábios sem qualquer calor, e, por fim, deu de ombros como quem não liga pra nada.
- Eu escrevo sobre o que sinto. – Devolveu as mesmas palavras que há pouco eu tinha usado com ele.
Mas ao invés de raiva, eu senti completa apatia enquanto ele me instigava a querer brigar com ele.
- Caralho, ! – esbravejou de onde estava, o tom firme e severo. – Para com isso!
Eu apenas me levantei e joguei a garrafa da cerveja no lixo, recolhi meus papéis e devolvi de volta no meu fichário, o rosto sem qualquer expressão.
- Foi apenas um comentário. – se defendeu e ficou me encarando conforme eu pegava meu celular e abria minhas mensagens. – Falando com , ?
Virei para ele sem qualquer interesse de levar aquilo adiante.
- Não faz diferença pra você, faz?
- Na verdade, faz – respondeu, e apenas revirou os olhos, rabiscando as folhas que tinha nas mãos como se quisesse ficar alheio da conversa. Sinceramente, eu também queria. – Talvez você tenha se esquecido, mas hoje ela tem compromisso comigo.
- Que papo é esse? – Eu estreitei os olhos em sua direção no mesmo instante em que ele me dirigia um sorriso.
- Ah, então ela não te contou.
- Me contar o que, ?
- Que ela vai ter que passar a noite na minha casa. – Eu podia sentir veneno em suas palavras. – Gregory pediu, junto dos outros agentes. Você sabe, para aumentar os rumores.
Eu passei as mãos pelo cabelo. Não podia ficar mais dentro daquela sala, perto dele, ouvindo seu cinismo carregado com uma maldade que só vinha crescendo a cada dia que passava. Eu não conseguia mais fingir que estava bem, que levaria esse jogo adiante, que estava feliz em fazê-lo.
Eu olhei para , me sentindo derrotado, sem ação pela maneira que ele se obrigava a agir, sendo alguém totalmente diferente da pessoa que um dia pensei conhecer e tratar como se fosse meu irmão.
As palavras deixaram um gosto azedo em minha boca, e não houve satisfação ao dizê-las:
- Vá para o inferno, . – Eu dei mais um passo em sua direção, o olhando de cima, não sentindo nada além de desprezo. – Vá para o inferno.
A última coisa que ouvi quando bati a porta do estúdio foi explodindo com e perguntando onde ele estava com a cabeça.
Então meu telefone tocou, alto e estridente. E aquela raiva, toda irritação e ódio que até o momento eu não tinha sentido, que estava reprimida e contida bem lá no fundo, de repente vieram à tona quando aquele mesmo nome na tela brilhou incansavelmente. Imediatamente eu dei o fora dali.
’s POV
Eu não queria, mas fiz a mala mesmo assim. E por isso, pela falta de vontade, quase não prestei atenção no que estava fazendo. Escolhi algumas roupas aleatórias, apenas dois conjuntos de peças e algumas outras coisas úteis e necessárias, sem a mínima vontade ou qualquer entusiasmo em fazer isso de fato.
Rachel havia me enviado um e-mail, Gregory havia me ligado, e eu não tive outra saída além de concordar em fazer o que eles pediam. Exatamente como eu tinha feito todas as outras vezes antes dessa.
Fechei o zíper talvez com mais violência do que devia, levando em consideração que a mala em si não tinha culpa de nada, e peguei o celular primeiro para avisar que eu já estava pronta e que ligaria quando estivesse chegando, e segundo para ter certeza que estava com a chave dela caso resolvesse, por alguma razão, passar a noite aqui e não com , o que sinceramente eu duvidava.
Por último eu ligaria para um táxi, mas essa atividade eu adiaria por quanto tempo eu conseguisse.
Eu estava exatamente no meio da segunda mensagem de texto quando a campainha soou não uma, mas duas vezes seguidas.
Segui para a porta com o cenho franzido. Quando a abri, me deparei com . Primeiro eu sorri, feliz por sua presença surpresa, mas a reação não durou mais que dois segundos, apenas para depois voltar exatamente para a expressão anterior enquanto ele passava por mim e adentrava meu apartamento sem dizer uma palavra.
- O que aconteceu? – Perguntei sem me esforçar para parecer intrigada.
parecia desnorteado. Descabelado, inquieto como nunca vi, tinha o olhar distante, como se estivesse pensando em muitas coisas ao mesmo tempo e não conseguisse organizar o que se passava em sua cabeça.
Eu me aproximei dele e segurei seu pulso levemente.
- …
- Eu vou enlouquecer, ! É muita coisa, é coisa demais... – A voz dele estava falhando e eu percebia sua tensão por cada pedacinho do seu corpo enquanto ele se afastava de mim bruscamente.
Eu juntei as sobrancelhas, sem entender em absoluto o que estava acontecendo.
- Do que você está falando? – perguntei a ele, balançando a cabeça. – Você não está fazendo sentido, o que foi que aconteceu?
- Quando ia me contar, ? – Ele apontou para a mala em cima do sofá e minha boca secou ao compreender o rumo que aquilo tomaria. – Quando? Quando já estivesse lá com ele? Na casa dele? Passando a noite lá?
Eu fechei os olhos com força e respirei fundo, meu coração começando a bater muito mais forte do que era recomendável.
- te contou?
- O que você acha? – Ele abriu os braços e os largou em seguida ao lado do corpo, esperando uma explicação.
Eu tentava manter a calma, tentava ser racional, apesar da maneira como ele falava. Mas eu via em seu olhar opaco que ele realmente não estava bem e precisava de ajuda para ver claramente. E eu só conseguiria fazer isso se eu mantivesse o equilíbrio da situação.
- Não é como se isso fosse um segredo. Eu ia contar – afirmei para ele, sem me alterar. – Só não esperava que ele fosse dizer algo antes de mim. Sabe que está apenas tentando te provocar, não é? Dar motivos para eu e você brigarmos, para vocês dois se desentenderem.
- É mesmo? – Ele riu nasaladamente. – Não tinha notado, ! Obrigado pela observação.
Revirei os olhos e cruzei meus braços na altura do peito, a paciência diminuindo a cada palavra sarcástica que ele dirigia para mim.
- Está agindo exatamente o oposto de como deveria, se sabe o objetivo dele tão bem quanto eu.
- Por quê? – O tom de voz dele começou a subir gradativamente. – Existe um jeito certo de eu agir? Um jeito certo para eu aceitar tudo isso? Será que eu devo simplesmente bater palmas para tudo o que vocês fazem?
- Um jeito certo provavelmente não, mas com certeza você está exagerando!
Seus lábios se pressionaram numa linha fina e passou as mãos novamente pelos cabelos, os embaraçando ainda mais do que já estavam, quase como se ele estivesse fazendo força para se controlar.
Aquilo me abalou completamente.
- Você sabe que aquilo não é real, – continuei, me aproximando de novo. – Não haja como se eu fizesse tudo aquilo porque gosto ou porque realmente quero.
- Ah, claro. Até porque vocês não faziam ideia do que teriam que fazer quando assinaram o contrato. – Ele soltou uma gargalhada sem qualquer pingo de humor. – Quase me esqueci de que vocês fazem só o que os outros mandam. Melhor ainda! Devo me sentar e assistir tudo isso como se fosse um filme, então? Talvez assim fique mais fácil.
Estreitei meus olhos para ele, dando um passo para trás totalmente perplexa.
- Misericórdia, . O que há com você?
- O que há comigo? – Os olhos dele estavam arregalados e eu devo ter ficado muito surpresa com sua reação, pois ele fez uma pausa para estudar meu rosto rapidamente. – , pelo amor de Deus, você tem ideia de como é estar no meu lugar? Ter que observar isso como um... coadjuvante qualquer?
- Não seja paranoico. – Eu tentei soar firme e manter a voz constante. – Sabia que não seria fácil, . Desde antes disso começar!
- Mas também não sabia que seria tão difícil, porra! – Ele virou de costas para mim e grunhiu de repente, um som que vinha do fundo da sua garganta. – Devia ser eu no lugar dele. Eu queria estar no lugar dele!
- Queria fingir alguma coisa comigo? É isso que você quer? – falei para ele, a indignação crescente em meu tom. – Porque é exatamente isso que e eu fazemos, . Fingimos! Nada mais e nada além disso.
- Não, ! Você não entende? – Ele se virou de frente para mim de novo, seus olhos fixos nos meus. Fiquei assustada por um segundo, porque ele parecia... completamente miserável. – Devia ser eu a te levar em encontros em público, a andar de mãos dadas com você sem me preocupar com quem estivesse assistindo. Devia ser eu a te beijar em qualquer lugar e a qualquer hora, a te fazer sorrir sem esforço e espontaneamente. Eu. Não ele! Mas não adianta eu querer alguma coisa, sou só mais uma sombra em toda essa trama de vocês dois!
Minha respiração começou a falhar.
- Isso não é verdade, não é…
- Claro que é! É a mais pura verdade! – Interrompeu e pressionei meus lábios um contra o outro para segurar as palavras. – Só posso fazer alguma coisa quando ninguém está vendo, quando estamos fora do alcance de qualquer um. E se não são esses momentos roubados, então tudo o que posso fazer é observar fazer tudo o que eu queria, tudo o que eu poderia. Mas não faço, porque não posso.
- Acha que é o único que tem problemas em lidar com isso? – Minha paciência havia se esgotado e eu já não conseguia manter meus pensamentos racionais, não quando via ele mesmo perder os dele. – Pois eu também tenho, ! Cada vez que tenho que estar com ele quando quero estar com você!
- Então não vá ficar com ele! – ele exclamou para mim e me deixou paralisada com a súplica em seus olhos, a fragilidade em sua voz. – Fique aqui, fique comigo! Eu não quero que você vá.
Mas eu apenas balancei a cabeça, negando.
- Eu não posso, você sabe que não.
- Por causa daquela porcaria de contrato! – ele gritou e eu fechei meus olhos com força.
Por um instante eu me senti zonza. andava de um lado para o outro na sala, sua expressão mais suave e eu podia apostar que naquele instante ele tentava recobrar sua calma perdida. Eu mesma tentava fazer isso. Só queria entender.
- Por que isso agora? – perguntei e me surpreendi por não soar com a voz quebradiça como achei que estaria. – É por que não quer que eu vá para a casa dele? Por que eu não te contei o que tinha que fazer dessa vez?
- Não é só por isso! – Apesar de sôfrego, seu tom já não era alto, mas controlado. – Não é só por você, , é por mim também, e por ele. É por esse caminho que estamos seguindo!
- Todos concordamos em fazer isso, !
- Não. – Ele negou e aquela única palavra, aquela única sílaba quase foi capaz de me fazer cambalear. – Eu nunca concordei com isso, . Nunca.
- Mentira. – Meus olhos começaram a arder, a apreensão de onde tudo aquilo poderia terminar se assentando dentro de mim. – Quando você assinou aquela porcaria de papel você disse sim, você concordou!
- Não integralmente. Não da maneira como você e se comprometeram a fazer isso. – Havia uma vulnerabilidade em sua expressão que me quebrou por completo. – Eu nunca quis que as coisas acontecessem assim.
- Está me culpando, é isso? – Quis esconder o soluço, mas não consegui. De repente, eu já não me sentia tão forte.
Ele balançou a cabeça, mas o que disse foi diferente do que eu gostaria de ouvir:
- , eu... Eu não sei se consigo. – Sua garganta oscilou e eu dei um passo para trás, chocada demais. – Eu vivo numa pilha de nervos tendo que... dividir você com ele. E isso não devia fazer sentido, essa situação toda, ela... A gente não devia ver normalidade nisso e deixar acontecer.
- Você consegue, vai conseguir, sim! – As frases saíam como um sussurro estrangulado. – Você disse que daríamos um jeito. Disse que aceitaria minhas escolhas comigo!
- Mas essas escolhas estão permitindo que você acabe não só comigo, mas consigo mesma! – Por um instante ele voltou a sua firmeza, mas eu apenas me senti mais atingida. – Está deixando que eles guiem você como uma marionete, . Sabe que pode dizer não, certo? Sabe que pode conduzir isso à sua maneira, não é? Não precisa se submeter a qualquer coisa que queiram!
Esfreguei minhas têmporas e segurei as lágrimas para não se derramarem. Meu peito ardia por vê-lo daquele jeito, ardia também pela maneira como eu estava me sentindo. Mas como eu podia ajudar, se eu parecia ser exatamente a razão por ele estar assim? Como eu podia ajudar, se de repente o peso da culpa parecia recair sobre mim, me sufocando?
Eu não conseguia pensar com clareza.
- Foi algo que te disse? Algo que ele fez? – eu perguntei para ele, respirando fortemente enquanto o olhava nos olhos, procurando alguma coisa qual eu pudesse me apegar. – Você disse que não é só por mim ou por você, então me conte o que ele fez, eu vou conversar com ele, vou pedir que ele me ouça e…
- É mais que isso, ! Muito mais! – Seus dedos se prenderam em seu cabelo com força e só então eu consegui entender o quão abalado ele estava. – Ele era meu amigo, minha família! E eu o perdi em algum momento entre o começo do que temos e esse maldito contrato. Dia após dia isso tem acabado comigo de dentro pra fora. As provocações dele, ver você juntos e... – Ele engoliu em seco. – É muita coisa, fingir que está tudo bem simplesmente não funciona! Porque eu sei que em seguida sempre vai vir outra bomba, ele sempre vai ter algo novo com o que me atingir usando você, sempre você!
- Eu sinto muito. – As lágrimas começaram a cair sem qualquer cerimônia. – Eu não queria nada disso, ! Ele era meu amigo também, era alguém que eu confiava.
- E ainda assim – suas palavras falharam –, e ainda assim estamos aqui.
Por um instante muito longo nós dois apenas nos encaramos, estudamos um ao outro com atenção. Seus olhos estavam vermelhos, suas pupilas tão dilatadas que pareciam engolir as íris.
- O que você quer que eu faça, ?
- O que você quer fazer? – Ele devolveu e eu não fiz nada além de engolir em seco e enxugar meu rosto com as costas da mão.
Pergunta perigosa.
- O que eu quero e o que eu posso fazer são coisas completamente diferentes – falei para ele, endurecendo minha expressão apesar da fragilidade em minha voz. – Você disse isso, lembra? E sinceramente, eu quero coisas demais, mas não posso fazer nada, .
- Isso está nos afundando, !
- Eu sei disso! – gritei para ele, o deixando completamente aturdido. – Mas se eu sou a âncora nos afundando, então seja o meu leme e me guia, me ajude a passar por tudo isso!
O silêncio pendeu sobre nós. Não havia nada além das lágrimas que caíam sem permissão, dos nossos olhares arregalados cheios de súplica não verbalizada.
Eu segurava meus punhos firmemente contra meu quadril, os dedos apertados tão firmes contra a palma que eu sentia minhas unhas afundarem na pele enquanto engolia cada soluço que queria deixar minha garganta. Apenas observei o mais controlada que pude e esperei sua reação, seu próximo passo.
Porque eu não saberia lidar se ele virasse as costas e fosse embora. Eu não suportaria se ele fizesse isso.
Ele deu um passo e eu fechei os olhos, com medo de olhar e ver a direção que ele seguia. E então eu senti seus braços ao meu redor, apertando-me contra si e quase não me deixando respirar.
Eu não fiz outra coisa além de retribuir o gesto.
Apoiei minha cabeça sobre seu peito e fechei os olhos, querendo me perder naquele momento por quanto tempo me fosse permitido.
Tive a impressão de que ele queria fazer o mesmo, enquanto afagava meus cabelos e beijava o topo da minha cabeça, apenas para em seguida apoiar seu próprio queixo sobre ela.
- Eu sinto muito por tudo isso também – ele murmurou, levantando meu rosto após o que pareceram ser minutos.
- Eu nunca quis que o resultado disso fosse essa bagunça e confusão constante.
- Sei que não. – Seus olhos se prenderam nos meus. – Mas você teria escolhido diferente? Se eu tivesse pedido, teria dito não?
Eu hesitei, mas a verdade é que eu não teria. E eu sabia que ele via isso agora, enquanto me olhava. Via a verdade que eu era incapaz de esconder.
- Não, . Eu não teria.
Ele assentiu, mas não era só o brilho de mágoa que eu via em seus olhos. Existia uma espécie de compreensão que eu não entendia, como se ele enxergasse muito além daquilo que eu dizia.
- Sua teimosia para não voltar atrás não foi o único motivo para você aceitar fazer isso, não é? – Acho que minha surpresa serviu de confirmação para ele, porque me esboçou um sorriso triste, apesar de estar com o cenho franzido. – Qual foi a outra razão, ? O que te fez dar o ponto final?
Meu estômago formigou em apreensão e a intensidade em seu olhar fez minha boca secar. Por um instante achei que não conseguiria dizer audivelmente, mas respirei lentamente algumas vezes antes de confessar num fio de voz:
- Eu precisava do dinheiro. – Fechei os olhos por um instante. – Ainda preciso.
E enquanto eu sentia a futilidade em minhas palavras, me olhava perplexo, em completo desentendimento.
- Mas por quê? Como... – Ele balançou a cabeça me olhando. – Para quê, ?
- Meu pai. – Eu me afastei dele dolorosamente e me sentei no sofá atrás de mim, abraçando minhas pernas em seguida. – Ele concordou em ir para a reabilitação.
sentou-se ao meu lado e apenas continuou me olhando, esperando que eu seguisse com a história e me deu seu silêncio e atenção como incentivo.
- Ele sabia que estava completamente dependente da bebida, sabia também que precisava parar, pelo bem dos meus irmãos e dele, antes que fosse tarde, porque já estava prestes a chegar no fundo do poço. O susto que ele nos deu aquele dia no hospital... isso foi o alerta final para ele entender. Mas não estava seguro em fazer isso por si mesmo, ele sabia que não seria forte o suficiente sozinho e preferiu procurar ajuda. Então ele achou uma clínica – expliquei. – Só que ele não tem mais emprego agora, . Como ele conseguiria pagar isso e ainda cuidar dos meus irmãos se estaria longe, assim como eu estou? Onde meus irmãos iriam ficar se não teria ninguém em casa nesse período todo?
- Eles foram sua prioridade – disse sutilmente e as palavras se prolongaram no espaço. Cobri meu rosto com as mãos enquanto tentava manter a voz firme, meu coração e respiração estáveis.
- Eles precisavam de mim, – falei com a voz abafada. – Eu não podia negar isso a minha família, mesmo sabendo que estava fora do meu orçamento. Não podia, tinha que dar um jeito de ajudá-los. Depois de tudo o que aconteceu nos últimos anos... Eu simplesmente precisava fazer isso. Era meu papel. Então o contrato apareceu com um timing perfeito, e aí... Estamos aqui agora.
afastou minhas mãos do rosto gentilmente, procurando meu olhar com o seu, e pressionei meus lábios um contra o outro. Seus olhos brilhavam e eu não conseguia entender o que se passava ali.
- Por que não me falou? – Sua voz estava suave, suave demais quando comparada a poucos momentos antes. Mas ainda existia irritação oculta ali, por eu ter escondido tudo isso, por estar fazendo tudo isso. – Por que não conversou comigo, ? Por que não me disse nada? Eu podia ter te ajudado, eu podia ter…
- Eu precisava resolver isso sozinha. – O interrompi de súbito com um único fôlego. – Era minha responsabilidade, . Eles são minha responsabilidade.
Ele abriu e fechou a boca várias vezes, como se estivesse escolhendo as palavras que diria a seguir ou quem sabe apenas organizando seus próprios pensamentos, como eu mesma tentava fazer.
Segurei suas mãos entre as minhas com força.
- Eu não queria contar tudo isso assim. Me desculpe por fazer isso com você, com a gente – eu murmurei novamente com a voz embargada. – Mas eu não podia não ajudá-los, eu não podia simplesmente... – comecei a gaguejar. – Sinto muito, .
E eu esperei que ele me recriminasse, que dissesse coisas ruins, de como eu estava sendo egoísta e fútil, porque era como muitas vezes eu me sentia quando pensava demais em minhas escolhas, e até esperei até que risse de mim com o sarcasmo que ele tanto gostava de usar. Mas me surpreendi ao assimilar que só havia entendimento em seus olhos, a aceitação do que eu havia feito, compreensão. Uma espécie de alívio começou a formigar dentro de mim, porque de repente eu sabia até meu último fio de cabelo que ele agia assim porque, se fosse ele no meu lugar, teria feito exatamente a mesma coisa.
Eu apertei ainda mais meus dedos contra sua mão e então ele me puxou para perto de si de novo. Agarrei-me a ele com força, como se ele pudesse ir embora a qualquer momento e me deixar ali. Mas segurou meu rosto com suas mãos e com os polegares limpou a umidade ainda existente embaixo dos meus olhos.
- Está tudo bem, . – Ele sussurrou para mim e eu neguei imediatamente quando me afastava para olhá-lo.
- Não, não está. Você sabe que não.
Ele esboçou um sorriso torto e beijou minha testa suavemente antes de apoiar minha cabeça contra seu peito e me abraçar mais uma vez.
- Tem razão, , não está tudo bem. Mas vai ficar – ele afirmou com convicção e eu o apertei ainda mais forte contra mim. – Nós vamos dar um jeito.
Capítulo 42
You were the one I tried to draw
How dare you say it's nothing to me
Baby, you're the only light I ever saw”
’s POV
Nem parecia que apenas minutos antes estávamos gritando um com o outro como se o mundo fosse acabar a qualquer instante.
ainda me abraçava com toda a paciência do mundo quando meu celular tocou pela primeira vez, mas eu não ousei quebrar aquele contato ou acabar com aquela paz súbita e acolhedora que aquecia o fundo dos meus ossos, apenas deixei que os toques da música sumissem por conta própria. Que a ligação caísse na caixa postal. Porque apesar de tudo o que tinha acontecido, tudo o que tinha sido dito, estava certo, e doía pensar assim. Mas era verdade, e o que tínhamos não passavam de momentos roubados.
Engoli em seco. Não me permitiria admitir isso em voz alta. Não por enquanto, pelo menos.
E deixaria para encarar a verdade dura quando já não existisse mais outra opção.
- Me desculpe por ter surtado – ele sussurrou contra o meu ouvido pelo que pareceu ser minutos depois, enquanto seus dedos serpenteavam por meu cabelo bagunçado.
Soltei um suspiro.
- Você tinha todo o direito.
- Não, não tinha. – Ele levantou meu rosto até que nossos olhos se encontraram. – Eu não sabia a história inteira. Agi por egoísmo e ciúme.
Eu neguei com a cabeça levemente.
- Exatamente por você não saber a história inteira tinha o direito de surtar – falei. – Eu devia ter contado. Você estava triste, com raiva e magoado. Ainda está.
- E isso é uma justificativa boa?
- Talvez não. – Dei de ombros. – Mas fazemos coisas por impulso quando nos sentimos assim.
No primeiro instante ele me olhou, estudou minha expressão com cuidado, seus olhos passando por todo o meu rosto. Então no segundo ele encostou seus lábios nos meus, tão levemente e tão rápido que quase não assimilei o toque. Estava tentada a me inclinar em sua direção para ter mais, mas me interrompeu antes que eu fizesse o que queria:
- Me conte como está sua família.
Juntei as sobrancelhas levemente.
- Está tentando mudar de assunto.
Ele não negou.
- Não quero pensar naquelas outras coisas agora, tudo bem? – murmurou enquanto mexia nas mechas de cabelo que caiam sobre meu rosto. – Acho que já debatemos mais que o suficiente.
- Por enquanto – eu completei e o vi se encolher levemente sobre as palavras.
- É – confirmou. – Por enquanto.
Soltei um longo suspiro e desviei meu olhar do seu. Não era surpresa, não de verdade. Ainda tinha a sensação de que voltaríamos a discutir isso muitas outras vezes até o fim do contrato. Depois até, dependendo do que estivesse acontecendo, se estivéssemos juntos até lá.
- E então? – A voz dele tirou-me de meu súbito devaneio. – Como eles estão?
Pisquei algumas vezes para afastar os pensamentos anteriores.
- Estão bem, dentro do possível. Meu pai está internado, não falo com ele faz alguns dias, mas estava se adaptando – contei. – O mesmo vale para os meus irmãos. Nós conseguimos uma transferência de última hora para um colégio interno e eles vão ficar estudando e morando lá pelos próximos seis meses pelo menos. Mas vão voltar para casa no Natal.
- Vai passar o feriado com eles?
- É isso ou então deixá-los sozinhos. – Dei de ombros, mas me sentia extremamente triste quando pensava nisso.
- E seu pai?
- Não acho que ele vá deixar a clínica até o fim do tratamento – admiti, de repente muito interessada em minhas próprias unhas enquanto uma sensação amarga se assentava em meu estômago. – Você vai para Bradford ficar com sua família?
- Eu... Não. Vou ficar por aqui.
- Por quê?
Ele hesitou por um momento e permaneceu imóvel me fitando. Eu comecei a me afastar para estudá-lo melhor e imediatamente segurou em meus braços, impedindo-me de continuar com o movimento súbito.
- Chega de notícias ruins por hoje, pode ser?
- …
- Não é nada de mais.
- Se fosse realmente “nada de mais” você não estaria sendo evasivo.
Ele olhou para a parede mais distante do cômodo e prendeu sua atenção ali por um momento, e eu esperei tensa por suas próximas palavras. Pelo que podiam significar.
- Não é um bom momento para eu ir até lá. – Sua voz saiu baixa, porém nítida. – Para Bradford.
- Está com algum tipo de problema? – eu arrisquei perguntar.
- Eu ainda não tenho certeza. – Eu segurei as laterais da jaqueta que cobria seus ombros com mais firmeza, o gesto traduzindo minha apreensão. – Mas estou trabalhando para descobrir.
- Como assim, ?
- Não precisa me olhar desse jeito. – Ele abriu um sorriso para mim, suas mãos delicadamente sobre as minhas. – Estou resolvendo isso, .
- Você…
- Estou falando sério – interrompeu rápida e firmemente. – De verdade. Deixe isso para lá.
- Não é justo você fazer assim.
- Por favor, Ruivinha.
Prendi minha respiração e demorei para responder. Apertei minha boca com firmeza enquanto o olhava atentamente, até que soltei o ar vagarosamente.
- Tudo bem – disse por fim com um suspiro derrotado. – Mas me prometa que vai me contar o que está acontecendo quando descobrir o rumo da situação.
- Eu prometo – ele não hesitou em responder e me senti minimamente aliviada ao ver que ele falava a verdade. – E agora eu tenho algo mais importante pra fazer.
- E o que seria?
- Beijar você. – Ele sorriu ao mesmo tempo que eu e pressionou seus lábios no meu sem demora. Antes que eu pudesse me perder em sua boca e segurar em sua nuca, meu celular voltou a tocar e nos separou abruptamente com o toque estridente.
Eu não queria ir, mas algo no olhar de dizia que eu deveria.
- Talvez seja importante. – Ele arriscou, ainda que em dúvida. Deu de ombros e indicou meu aparelho em cima da mesa de jantar, distante de onde nós dois estávamos.
Minha intuição dizia que era uma interrupção muito indesejada, que tiraria de nós esse breve momento de tranquilidade. Acho que viu isso em minha postura e jurei ter visto seus ombros se curvarem, mas não me impediu de levantar e ir até o celular em seguida.
Eu estava certa.
Recusei a chamada de sem sequer pensar duas vezes e fiquei encarando o aparelho por um instante que pareceu interminável, lendo as várias mensagens inquisidoras, cheias de perguntas e frases que faziam minha cabeça doer, de costas para , que me esperava quieto no mesmo lugar.
- É ele, não é? – Sua voz estava cheia de pesar.
- Sim.
Houve um espaço de tempo em que permanecemos em silêncio, esperando que o outro tomasse o primeiro passo do que seria dito em seguida. Do que aconteceria depois disso.
Quando nós dois parecíamos pensar demais, impulsivamente sem me importar com as consequências que aquilo poderia me trazer, enchi meus pulmões de ar e comecei a digitar uma resposta para . Na cabeça de , por outro lado, quando viu meus dedos se movendo com agilidade, eu já tinha decidido o que faria, e isso não incluía a presença dele mais aqui.
Eu o ouvi se remexer no estofado antes da sua voz soar alta e clara, apesar de triste:
- Imagino que você precise ir agora.
Mordi o lábio, ainda sem olhá-lo, pensando e decidindo o que faria.
- Se eu ficar – comecei a dizer com cautela, pausadamente. –, você ficaria comigo aqui?
- Sim. – Não havia hesitação em sua voz.
Eu me virei para trás bruscamente, decidida, enviando o que há pouco tinha digitado e olhando para enquanto ele me fitava de volta, a expectativa nítida em seu rosto. Eu acabei sorrindo para ele.
- Então eu não vou a lugar nenhum.
Imediatamente ele se levantou e veio em minha direção, não perdendo tempo em se aproximar, segurar meu rosto entre suas mãos e me beijar como se nunca devesse ter parado de fazer isso momentos atrás. Surpresa, entendi sua reação como uma aprovação a minha última decisão. E sorrindo, eu passei meus braços por seus ombros o incentivando a continuar, pois concordava totalmente com sua própria atitude e não demorei a retribuí-la.
- Sabe, eu adoraria ouvir você dizer isso de novo – murmurou contra minha boca e eu lhe roubei um beijo.
- Hm, não sei. Sinto que você pode começar a ficar convencido demais se eu começar a dizer essas coisas com frequência.
- Não quer repetir que está ficando aqui por minha causa? – ele me provocou passando a ponta o nariz levemente pela lateral da minha face.
- Não disse? – Eu segurei seu rosto. – Convencido.
Ele riu baixinho. Eu adorava ver a maneira como os olhos dele se curvavam enquanto ele sorria.
- Sabe que posso te compensar por toda sua bajulação. – Provocou-me arqueando uma sobrancelha e subitamente meu estômago começou a formigar enquanto ele afastava o cabelo do meu ombro e passava a ponta dos dedos por minha clavícula.
O ar começava a se tornar carregado entre nós, mais pesado e quente.
- Será? – De repente eu comecei a me sentir muito atrevida. – Se bem me recordo, você tinha feito uma outra promessa um tanto quanto parecida.
- É mesmo? – Suas pupilas dilatadas quase engoliam suas íris, que não passavam de um aro brilhante e cobre. – E qual era ela?
- Uma sobre me mostrar toda sua masculinidade. – Eu aproximei minha boca da sua. – E todas as maneiras como você poderia fazer isso.
- Ah, sim. Você prefere que eu comece usando mãos, lábios, língua ou dentes?
Um sorriso se abriu em seu rosto ao passo em que sua mão desceu até minha cintura e apertou meu corpo contra o seu, arrancando o ar dos meus pulmões. Seu cheiro me deixava tão inebriada que eu começava a perder a noção do que acontecia. Sentia-me tão quente que poderia derreter em seus braços. Não consegui responder, ele se aproximou ainda mais de mim, sua respiração provocativamente batendo contra meu rosto.
- Nunca é tarde demais para cumprir uma promessa, certo?
Eu não tive tempo sequer de raciocinar uma resposta quando a boca dele cobriu a minha, firme, num beijo muito mais profundo e intenso que os outros trocados até aquele momento, me deixando completamente sem fôlego e ainda assim sedenta por mais. Não precisou de muito para eu perder a noção do tempo e espaço.
Seus braços apertaram meu tronco contra o seu como se quisesse que eu me fundisse a ele, e eu já aceitava que não tinha capacidade de pensar em outra coisa que não fosse , na forma como seus lábios tocavam meu pescoço, em como suas mãos faziam arrepios subirem pela pele exposta que ele roçava, em como ele mesmo reagia quando eu passeava minhas unhas levemente por seu abdômen por baixo de sua roupa ou o beijava calma e lentamente.
Foi assim que eu soube que estava perdida.
Ele tirou a jaqueta primeiro, depois que eu empurrei o tecido pesado dos seus ombros, um tanto quanto incerta se devia ou não fazer aquilo, mas recebi sua aprovação como um sorriso e em retorno ele puxou a barra da minha própria blusa de lã para cima, que em dois segundos fazia companhia à peça de roupa dele no chão.
O beijo se tornou mais rápido, lascivo conforme ficava claro o rumo que estávamos tomando. Em um segundo suas mãos deslizaram por meu quadril, segurando minhas coxas por trás, tirando qualquer contato que eu tivesse com o chão até então. Em seguida eu estava sentada sobre a mesa com entre minhas pernas e beijando meu pescoço.
Eu provavelmente teria tirado sua camiseta, já que minhas mãos exploravam seus músculos por baixo do tecido já quase sem vergonha alguma enquanto eu mesma beijava seu maxilar e toda extensão de pele exposta até a gola de sua camiseta, mas não tive a oportunidade, pois naquele momento a porta do apartamento se abriu nos deixando completamente mortificados.
- , achei que você já tivesse ido! – exclamou cheia de entusiasmo e imediatamente e eu nos separamos. – Opa.
A animação dela se desmanchou até se transformar em vergonha conforme ela percebia as peças de roupa no chão, eu sentada na mesa, segurando firme em uma cadeira a poucos passos de mim e a vermelhidão completa que devia tomar não só o meu rosto, mas o dele também.
Não deu tempo de fingir a pose de “não tem nada acontecendo aqui”.
Não deu tempo de nada.
Nós dois ainda tentávamos controlar nossas respirações quando ela deu mais alguns passos pelo corredor e abaixou as várias sacolas que carregava nos braços, observando tudo ao redor, menos nós. Eu cruzei minhas pernas e arrumei meu cabelo. por fim passou a mão pelo rosto e pigarreou.
- Oi. – Ele acenou constrangido para ela e eu sorri sem mostrar os dentes.
- Me desculpem. – arregalou os olhos para nós, tão sem graça pela interrupção que eu não sabia se ria ou brigava com ela. – Eu não imaginei que... não pensei que estariam…
- Tudo bem! – Eu levantei as mãos e desci da mesa antes que ela falasse demais. – Deixa pra lá. E aí, o que são essas coisas?
- Eu não sabia que você estava em casa – ela continuou não ligando para minha intenção de mudar de assunto e balançou a cabeça, segurando o riso enquanto não encarava minha amiga diretamente.
- Eu também não sabia que você viria – acrescentei. – Pensei que estaria com . Mas me diga, o que são essas sacolas?
Quando se abaixou para recolher sua jaqueta e minha blusa de lã, por fim balançou a cabeça tentando sair do seu estado de estupor.
- Compras de Natal – respondeu sem seguida. – E sim, eu estava com , ele acabou de me deixar aqui.
Apenas assenti. Eu não sabia como levar a conversa adiante e parecia bastante feliz em continuar calado, então sorriu para nós numa animação pra lá de forçada e foi para a cozinha.
- Nossa, que fome. Que tal pedirmos uma pizza? Eu vou pedir uma pizza! – Ela nos deixou sozinhos em um segundo.
Eu comecei a rir numa mistura de divertimento e descrença enquanto ela telefonava para o delivery. tentava ficar sério, mas não demorou para ele me acompanhar nas risadas também.
Vesti de novo a blusa de lã no momento em que ele me devolveu e esperei para que voltasse, bem depois do tempo realmente usado para uma ligação como aquela, provavelmente enquanto ela mesma se recompunha.
Quando minha amiga voltou para a sala, e eu já estávamos sentados de novo no sofá, dessa vez não muito próximos um do outro, mas igualmente sem graça.
- Então – ela começou com cautela. –, vai ficar aqui?
- Vou – ele respondeu em seguida.
cruzou o braço na altura dos seios.
- Vocês... – Ela pigarreou. – Querem que eu vá embora?
Outra vez eu comecei a gargalhar, num nível elevado daquele famoso “riso nervoso”.
- , cala a boca! – Eu exclamei, rezando para o semancol dela reaparecer. Mas claramente não funcionou.
- Eu realmente não sabia que vocês estariam aqui – ela continuou mesmo assim. – Só voltei porque precisava guardar todos esses presentes, já que amanhã vamos para Brighton de manhã e também não queria atrapalhar que vai para Doncaster logo cedo.
- Vai amanhã para Brighton? – se virou para mim, mudando o rumo da conversa, finalmente.
Quis beijá-lo em agradecimento. Mas me contive em apenas concordar.
- Sim, vamos cedo para ajudar na ceia.
se aproximou um pouco.
- e os irmãos dela vão passar o Natal na minha casa – minha amiga acrescentou. – Você vai passar o feriado com sua família, ?
- Na verdade não.
- Poderia ir com a gente, se quiser. – Ela deu de ombros e eu quase pude ver minha perplexidade se juntar a de quando o convite foi feito.
Todos nós sabíamos que eles não exatamente gostavam um do outro, talvez mais se suportassem e apenas convivessem por educação do que qualquer outra coisa, e por isso a surpresa não foi disfarçada.
Mas eu sabia que estava fazendo isso por mim, o convidando para a casa dela no dia de Natal, com sua família, mesmo que provavelmente ela não estivesse muito entusiasmada com isso.
- Não sei – ele respondeu após um segundo, mas eu me virei para ele com os olhos firmes, tão animada com a ideia que quase não conseguia me conter.
- Por favor? – pedi. – Não precisa ficar muito, só até dia 26! Eu ia gostar de ter você lá, não quero que fique aqui sozinho.
- Tem espaço para você – completou. – Mas de qualquer forma a casa do pai da não fica tão longe, se não se sentir confortável em ficar com minha família.
Ele desviou os olhos dos meus e a olhou atentamente, absorvendo as palavras enquanto eu esperava sua decisão.
abriu e fechou a boca algumas vezes, por fim então se virou para mim.
- Tudo bem.
- Tudo bem? – Eu devia estar quase chocada, porque tanto ele quanto riram.
- Sim, Ruivinha. Tudo bem. – Ele assentiu mais uma vez e eu sorri para ele, um sorriso tão grande que fez minhas bochechas arderem. Ele pareceu gostar muito da minha reação, mas olhou para mais uma vez e continuou: – Podemos ir com meu carro. Só preciso pegar algumas coisas em casa e de lá seguimos direto.
- Fechado – ela concordou em um segundo. – Só tente não nos atrasar com seu sono da beleza.
Ele arqueou uma sobrancelha e piscou um olho antes de voltar para a cozinha.
Eu ainda permanecia estática apenas observando e assimilando tudo. , percebendo minha quietude, puxou minha mão para a sua, entrelaçando nossos dedos.
- Isso vai ser interessante, não acha?
Simplesmente me inclinei sobre ele e o beijei mais uma vez. Realmente, seria mais que interessante.
A viagem até Brighton foi tranquila. Quase não haviam carros na estrada e felizmente dessa vez não tinham motivos para irmos acima do limite de velocidade, como aconteceu da última vez que viemos até a cidade, sem qualquer planejamento.
O dia estava bastante frio, a temperatura não chegava a 5ºC e tudo ao nosso redor parecia ser composto entre tons de cinza que iam clareando até o branco, contando com algumas poucas superfícies ainda cobertas por uma fina camada de gelo causadas pela geada de logo cedo. Me vi olhando para o céu realmente desejando que pudesse nevar.
seguiu calmamente por todo o percurso. O asfalto estava levemente úmido pela garoa que vinha caindo já a algumas horas e era preciso tomar cuidado na direção. Mas não tínhamos pressa, de qualquer forma.
Quando chegamos, me vi observando a casa de minha amiga com nostalgia. Eram praticamente os mesmos enfeites desde a nossa infância, os pisca-piscas ao redor das janelas brancas, as bolas vermelhas com dourado penduradas graciosamente nos galhos da árvore sem folhas do jardim frontal, a guirlanda na porta da mesma cor que a janela com uma plaquinha do Papai Noel em vermelho combinando com os tijolos a vista que compunham a fachada da casa.
Por um instante eu tinha dez anos de novo e ajudava a montar toda a decoração com a ajuda dos meus amigos, logo depois de correr e escorregar sem parar por todo o jardim, ralando as palmas das mãos contra as pedras e rolando na neve congelante que se acumulava no chão.
- Obrigada pela carona, – disse após descer do carro e pegar suas coisas no porta malas. – Sabia que teria algo útil em trazer você para cá. Belo carro, aliás.
- Sempre soube que você só estava interessada nos meus bens materiais. – revirou os olhos e eu apenas ri dele e de minha amiga, o ajudando em seguida a pegar nossas próprias coisas no carro.
Eu pretendia contar a um pouco dessas lembranças que eu tinha sobre o local, mas mal cheguei devidamente até a porta quando a abriu e eu tive a surpresa incrível de receber meus irmãos ali, me esperando junto ao batente com sorrisos tão grandes que mal cabiam nos rostos.
Se não fossem eles correndo até mim, teria ficado paralisada por muito mais tempo.
- Por que você não me avisou que eles já estavam aqui? – eu perguntei a ela e os abracei fortemente enquanto parava ao meu lado, segurando as duas pequenas malas e algumas sacolas com presentes. – Eu pensei que ia buscá-los ainda!
A alegria que eu sentia definitivamente não cabia em meu peito.
- Foi ideia nossa – Laura se apressou em dizer.
- A gente pediu para o papai e ele deixou que Luke fosse nos buscar.
Eu retesei por um instante.
- Ele liberou a saída de vocês do internato? – Foi impossível esconder a incredulidade em minha voz.
- Sim – Leonard continuou. – Ele ligou pra conversar com a gente. Aí pedimos pra ele deixar que o Luke nos buscasse pra gente te fazer uma surpresa de Natal.
Pisquei algumas vezes e olhei o meu amigo parado um pouco atrás dos meus próprios irmãos.
- E você foi mesmo buscá-los. – Virei para Luke o abraçando em seguida.
- Não foi nada de mais.
- Papai mandou Feliz Natal também. – Laura sorriu para mim e meu coração perdeu uma batida conforme eu assimilava e compreendia toda a informação.
Parecia bobagem porque eram coisas tão pequenas, mas que fizeram meu peito se aquecer de um jeito que eu não conseguia descrever. Meus olhos marejaram em resposta e minha garganta fechou. Estava sem palavras, sem reação.
Feliz como há muito tempo eu não me sentia.
- Começamos bem a véspera. – me abraçou de lado enquanto eu me recompunha, mas logo se afastou, indo cumprimentar meus irmãos e Luke. – Mas talvez eu devesse ajudar minha mãe e meu pai na cozinha enquanto vocês ficam papeando aí.
Luke concordou com um aceno e se virou para mim, mas seus olhos estavam fixos em a minha direita, que cumprimentava animadamente meus irmãos antes de eles nos deixarem sozinhos e voltarem para o quintal.
- Então você trouxe companhia? – Ele arqueou uma sobrancelha para mim e enfim começou a prestar atenção em nós. – E aí, cara?
Os dois apertaram as mãos e eu me vi estranhamente desconcertada.
- Foi um pouco de última hora. – Eu coloquei uma mecha do cabelo atrás da orelha e segurei a mão de . – Se não for nenhum problema para vocês…
- Não é – Luke apressou-se em dizer, sorrindo para nós. – Pode trazer quem quiser aqui, sabe disso.
O irmão de nos convidou a entrar e fechou a porta atrás de nós. Se ele tinha perguntas para fazer sobre a aparição de , guardou para si mesmo ou apenas preferiu deixar o assunto para depois, apesar de eu já imaginar que devia ter contado alguma coisa para ele, ao menos explicado o básico.
Mas era óbvio que estava ainda mais embaraçado que eu, até deslocado, porém se esforçava para parecer descontraído e leve. Observou os ambientes com curiosidade enquanto seguíamos e não soltou minha mão em nenhum momento desde a entrada até a cozinha onde o resto da família de estava nos esperando.
Podia ser início da tarde, mas o cheiro da comida que estavam preparando para dali a algumas horas já impregnava toda a casa.
- Eu vou querer um pedaço disso. – Animei-me quando vi os doces sendo colocados sobre a bancada e Jenny, mãe de , me puxou para um abraço apertado imediatamente.
- Minha garota, há quanto tempo! – Ela passou uma de suas mãos por meu rosto e sorriu me observando. – Está ainda mais bonita.
- Não a sufoque, Jenny querida. – O pai de e Luke, Roger, me cumprimentou rapidamente assim que sua esposa se distanciou um pouco de mim. – Estávamos com saudade de você. Até mais que de .
Ele piscou um dos olhos conspirando animadamente e minha amiga fez um gesto rude para o pai, que ele recebeu com uma grande gargalhada estrondosa, beijando o topo da cabeça dela em seguida.
A cena me arrancou um sorriso melancólico que logo desmanchei, mudando meu foco.
- É muito bom ver todos vocês de novo – eu disse a eles finalmente, mas ninguém estava prestando muita atenção em mim na verdade.
- Quem é esse rapaz, ? – Jenny perguntou colocando as mãos na cintura e deu um passo à frente, segurando minha cintura com uma mão e estendendo a outra para eles.
- Sou – falou, ao mesmo tempo em que eu disse:
- Ele é meu namorado.
Bruscamente virou o rosto em minha direção, abrindo um sorriso surpreso que chegava até seus olhos brilhantes enquanto me fitava como se estivesse sem palavras. Me dei conta, subitamente, que essa era a primeira vez que eu o chamava assim. Minhas bochechas coraram imediatamente e a cena não passou despercebida pela família de que, muito interessada, nos observava atentamente.
- Bom – Roger quebrou o silêncio após um ou dois segundos. –, é um prazer conhecer você, .
- Obrigado por me receberem.
- Não precisa agradecer. – Jenny balançou a cabeça alegremente. – A família de também é nossa família. – Eu podia jurar que nós dois estávamos vermelhos. – Agora por que vocês não levam suas coisas para cima e descansam um pouco?
- Podemos ajudar aqui, se quiserem. – Eu dei de ombros me referindo a todos os pratos que eles pareciam querer preparar.
- Seria ótimo! – a mãe de respondeu, mas minha amiga do outro lado da cozinha não soava muito contente:
- Não, mãe! Da última vez deixou tudo passar do ponto! Não quero comer carvão de novo!
- Pera aí, não ficou tão ruim assim! – Defendi-me.
- Tem razão. Não ficou ruim, ficou péssimo!
Todos começaram a gargalhar, mas eu já tinha passado por muitas situações mais constrangedoras que essa na frente deles para me sentir envergonhada agora.
- Que seja, vou deixar os experts trabalharem então. – Eu revirei os olhos em brincadeira e estava prestes a sair da cozinha quando falou:
- Na verdade, eu gostaria de ajudar.
Eu devo tê-lo encarado com muita indignação, porque ele começou a rir e se explicar para os outros:
- Se me disserem o que fazer, claro. – Ele deu de ombros timidamente. – E conheço uma receita de biscoitos da minha mãe que eu ficaria feliz em fazer.
- Você?
Ele arqueou uma sobrancelha para mim.
- Duvidando dos meus talentos gastronômicos também, Ruivinha?
Quando não respondi por estar um pouco (muito) perplexa, ele beijou minha bochecha e me dirigiu uma piscadela rápida, os olhos aquecidos por diversão e algo mais que não pude identificar. Por um instante eu esqueci que todos estavam nos olhando.
- Vá ficar com seus irmãos, . – maneou a cabeça em direção ao quintal. – Vamos cuidar bem do .
E enquanto Luke pegava nossas bolsas e levava para o andar de cima com um sorriso divertido no rosto, eu apenas fitava se afastar lentamente até os pais de e minha própria amiga, para ajudá-los. Por um instante eu apenas observei toda a cena como se eu estivesse do outro lado de uma moldura.
Então segui para onde Laura e Leonard estavam, disposta a aproveitar todas aquelas companhias enquanto eu ainda pudesse.
’s POV
- E não é que os biscoitos ficaram bons? – me provocou comendo mais um pedaço do doce que há pouco tempo eu tinha ajudado a fazer.
- Eu disse para não duvidar dos meus talentos gastronômicos. – revirou os olhos e mastigou o biscoito despreocupadamente.
- Foi muita gentileza sua nos ajudar, – a mãe de falou enquanto se servia de chá e leite.
apertou minha mão em aprovação e me dirigiu um rápido sorriso.
- Não foi nada – eu respondi para Jenny e Roger.
A verdade é que as horas tinham passado de uma maneira muito melhor do que ousei pensar quando aceitei a ideia de vir até aqui. Achei que provavelmente ficaria excluído, quem sabe me arrependendo de ter vindo ou sentindo pena de mim mesmo, mas a verdade é que todos vinham me tratando realmente bem e não foi difícil que aos poucos eu começasse a me sentir menos forasteiro entre eles.
Apesar de e os irmãos dela não serem de fato da família deles, todos os tratavam como se fossem, e a felicidade que ela sentia entre eles, o brilho que iluminava todo o seu rosto, me deixava feliz por estar ali, junto dela, e fazer parte disso. Presenciar esses momentos.
- Por que está sorrindo? – sussurrou para mim, não querendo tirar os outros de suas animadas conversas.
- Olhar para você não é motivo para sorrir? – As bochechas dela ficaram coradas e eu sorri ainda mais ao observar isso.
- Puxa saco – ela murmurou contendo um sorriso.
- Realista – eu a corrigi e roubei um beijo rápido de sua boca. – Só estou surpreendentemente feliz.
- Verdade?
- Verdade. – Eu apaguei a dúvida dela do olhar. – Realmente estou gostando de estar aqui.
- Isso é bom.
- Com certeza é. – Sorri para ela, que esticou sua mão para mexer em meu cabelo levemente. Nós firmamos o olhar um no outro. Eu quis completar e dizer que parte dessa felicidade era poder estar com ela sem me preocupar em fingir alguma coisa na frente de alguém, mas não tive oportunidade. Qualquer momento e conversa que estivéssemos tendo ali naquele instante foi interrompido quando seus irmãos se sentaram perto de nós e começaram a conversar, animados e descontraídos.
Eles me lembravam minhas irmãs quando eram mais novas. Podia parecer bobo, mas isso apenas aumentava a saudade que eu sentia da minha família.
Eu me obriguei a não focar nesses pensamentos. Poderia vê-los em breve, eu tinha certeza.
Ainda era a noite da véspera e, como mandava a tradição, deveríamos esperar até a manhã seguinte para abrir todos os presentes, mas enquanto e sua família pareciam entretidos comendo os pães e biscoitos enquanto tomavam chá ou sopa, Laura e Leonard mexiam e cutucavam, tentando parecer discretos, todas as sacolas e caixas debaixo da árvore enfeitada com uma impaciência gigantesca que me fazia rir enquanto assistia fazê-los pararem quietos e esperarem.
Todos observavam aquilo com olhar divertido, mas parecia envergonhada.
- Parem com isso – ela os repreendia. – Ainda é cedo para quererem abrir.
- Só estávamos olhando, ué. – Laura deu de ombros tentando ver para quem era o presente dentro de uma sacola branca.
- Deixa isso! – insistiu e a risada de Roger e Jenny encheu a sala.
- costumava fazer exatamente a mesma coisa. Mas ela fazia isso de madrugada e realmente abria todas as caixas como se não fôssemos ver diferença. – A mãe dela a encarou com ar divertido, mas a loira apenas olhou para o céu como se pedisse piedade.
- Por favor, não comecem a contar minhas histórias de infância.
- Quem sabe quando estiver presente para ouvir? – o próprio pai dela propôs.
- De jeito nenhum!
- Eu pago pra ver – Luke acrescentou provocativo e eles começaram a rir, mas os olhos de sua mãe ainda estavam fixos em Laura e Leonard, os observando com um sorriso contido e olhos divertidos.
- Talvez pudéssemos abrir os presentes antes. – Jenny deu de ombros. – O que são algumas horas de diferença?
Todos a encaramos em seguida.
- Não precisa fazer isso – se apressou em falar. – Eles podem esperar.
- Não tem problema, querida – ela insistiu. – Seremos só nós na ceia amanhã, como eu disse, o que são umas horas de diferença?
Laura e Leonard imediatamente começaram a comemorar, já procurando as coisas com seus nomes e em seguida estavam todos ao redor da árvore os fazendo companhia, entregando pacotes, recebendo outros em troca, porém nesse momento eu preferi apenas continuar no sofá onde eu estava, observando a festa com atenção.
tentava me persuadir a me juntar a eles, mas apenas neguei com um sorriso sincero. Esse era o momento deles.
- , não precisava ter se incomodado! – Jenny exclamou após um tempo quando pegou o vinho e o champanhe que eu havia comprado para eles um pouco antes de viajarmos até aqui.
Roger pegou as garrafas da mão dela, analisando as informações na embalagem, e arqueou uma sobrancelha em aprovação. Parecia feliz.
- Nós adoramos. – Ele sorriu para mim e eu devolvi o gesto. Não tinha sido nada de mais.
- Olha só, não é que às vezes usa os neurônios? – Agatha levantou a caixa de chocolate que eu havia comprado para ela com uma expressão falsa de desdém que me arrancou uma risada.
- De nada, loira. – Ela por fim esboçou um sorriso para mim. Nunca pensei que fosse presenciar isso na vida, preciso admitir.
Luke foi o próximo a me agradecer e em seguida Laura e Leonard, que na verdade não perderam muito tempo antes de se entreterem com os outros presentes também.
Era engraçado porque, em geral, tinham sido coisas genéricas. Eu não esperava passar esse dia aqui e tive pouco mais que alguns minutos para pensar em alguma coisa para cada um, mas todos pareciam genuinamente felizes conforme recebiam os pacotes.
E mais engraçado que isso, bobo até, era eu perceber que me sentia bem ao ver todas as devidas reações, pois pareciam realmente gratos. E eu ficava grato por isso.
- Foi muito gentil da sua parte dar alguma coisa para todos eles – se sentou ao meu lado em seguida, murmurando com suavidade.
- Era o mínimo que eu podia fazer se ficaria hospedado aqui.
Ela sorriu para mim.
- Isso é para você. – Ela esticou um embrulho retangular para mim, um tanto insegura.
Sem perder tempo eu o peguei de sua mão. Percebi que ela não tirou os olhos de mim enquanto eu abria o pacote cuidadosamente embrulhado e mexia distraidamente em seus berloques da pulseira.
Fiquei sem saber o que dizer enquanto observava a capa dura preta de couro com meu nome em dourado e em relevo no caderno que eu segurava e começava a folhear, juntamente com uma caneta de nanquim com meu nome gravado.
- Sei que parece simples – ela se apressou em falar enquanto eu observava o mesmo. –, mas percebi que você vive carregando várias folhas pra cima e pra baixo pra desenhar e compor e que elas vivem espalhadas e fora de ordem, então pensei que talvez fosse ser útil se você tivesse um único lugar onde pudesse ter tudo. Tem folhas sem pauta para desenho, com pauta para anotar rimas ou textos, o que você quiser, e a última é com partituras, para você anotar as melodias que estiver compondo.
Eu continuei a folhear o caderno enquanto ela me encarava cheia de expectativa. Umedeci meus lábios com a língua e comecei a sorrir sem nem mesmo perceber.
- O que é isso? – Eu apontei para a estampa que cobria as contracapas, vários desenhos em preto e branco bastante familiares.
- São suas tatuagens. Bem, uma montagem delas que fiz. – Ela balançou a cabeça, tentando se explicar. – Eu queria que o presente fosse algo pessoal, que quem visse não tivesse dúvida de que era a sua cara, mas que ao mesmo tempo tivesse alguma utilidade para você.
Eu continuei calado por mais um instante, observando os presentes com muita atenção, sem palavras, mas ela entendeu meu silêncio de uma forma completamente oposta do que ele de fato significava.
- Você não gostou, não é?
Eu a olhei sem conter a felicidade.
- Eu adorei, .
- É sério? – ela começou a parecer aliviada conforme fitava minha expressão.
- Você conseguiu juntar todas as formas de arte que eu gosto de expressar em um único local. E foi você que me deu – eu disse enfim. – Como eu poderia não ter gostado? Não achei simples. Achei o presente mais bem pensado que já recebi.
Nós nos encaramos por um segundo. Então ela abriu um sorriso largo de forma que ele chegasse até os olhos e não consegui pensar em algo mais bonito que o brilho do azul esverdeado de suas íris, o que imediatamente me lembrou de que eu também tinha algo para ela.
- E aliás, acho que nossos presentes combinam, de certa forma. – Eu me estiquei até a árvore e peguei um envelope grande que estava encostado bem no fundo de tudo.
- Como assim? – Ela parecia em dúvida e não muito convencida, mas aceitou o envelope quando eu entreguei para ela, subitamente sentindo meu estômago formigar e minhas mãos suarem.
Desde quando eu me sentia assim?
- Abra e veja por si mesma. – E ela fez o que eu pedi.
Eu observei cada pequeno movimento que ela fez enquanto puxava o desenho de dentro do envelope pardo comum e aguardei com o coração acelerado todas as reações que ela tinha conforme via o que havia de fato ali.
Mas estava tão quieta apenas olhando para o papel em sua mão que de repente achei que ela não tinha entendido. Contudo ela levantou sua visão até meu rosto, perplexa demais, como se não conseguisse pensar direito. Estava atônita.
- São meus olhos... Como...? Você me desenhou? – Suas perguntas não passaram de um sussurro confuso.
Eu engoli em seco, com medo de começar a gaguejar em seguida.
- Sim, eu... – Pigarreei. – Sei que meu forte não são desenhos realistas, e antes mesmo de fazer já sabia que provavelmente o resultado talvez não fosse ficar muito bonito, mas resolvi tentar mesmo assim.
Ela passou a ponta do indicador sobre os traços de nanquim no papel e seus lábios se entreabriam por um momento.
- Acho que pensamos parecido, no fim – eu continuei falando, não querendo que o silêncio se prolongasse por tanto tempo. – Porque eu não queria simplesmente dar algo a você. Também queria que fosse pessoal, e por que não um desenho? Talvez eu não tenha pensado na parte do funcional, e talvez pareça também muito pouco, mas queria que você soubesse o quanto eu…
Minha garganta subitamente ficou seca e eu não terminei a frase. Mas sorriu para mim, tão embasbacada pelo presente quanto eu por sua reação, e seus olhos encontraram os meus, marejados, tão cheios de sentimentos que eu poderia ficar encarando-a por horas e nunca conseguiria nomear todos eles.
E percebi de súbito que eu poderia tentar desenhá-la quantas vezes fosse, mas nunca conseguiria fazer jus a imagem real. A sua beleza verdadeira. Por mais que tentasse.
- , eu amei, eu... – Ela se interrompeu e fechou os olhos por um instante. – Obrigada. Obrigada por estar aqui hoje, obrigada por tudo.
- Eu que agradeço. – Levei uma de minhas mãos até a lateral do seu rosto, sorrindo igual a um tolo apaixonado. Porque talvez fosse exatamente isso que eu fosse. – Por tudo também.
Nós nos beijamos em seguida, em meio a sorrisos e risos baixinhos, esquecendo que existiam outras pessoas ao nosso redor, como se estivéssemos dentro de nossa própria bolha.
- Feliz Natal, – murmurou contra minha boca. E eu não contive o sorriso que cresceu em meu rosto em seguida.
- Feliz Natal, Ruivinha. – Nossos lábios se encaixaram mais uma vez. – Ao primeiro de muitos.
E eu mal podia esperar para o que os próximos dias nos aguardavam. A eu e ela, juntos.
Capítulo 43
In a frame and stay like this
I'll put this day
Back on replay and keep reliving it”
Querido diário…
Faz tempo que eu não penso assim, mas os últimos dias passaram incrivelmente tranquilos e bem. Há quem diga que é o clima de fim de ano, mas eu acho que é mais que isso.
Eu não tinha noção de como sentia saudade de Brighton até finalmente passar alguns dias aqui sem nenhum problema me perseguindo. Não tinha noção também do tamanho da saudade que eu sentia de todas essas pessoas. Seja a família de Agatha ou a minha própria.
E nem tinha noção de que ficar com todo esse tempo me faria sentir tão bem. Tão feliz.
Imensuravelmente feliz, como se eu tivesse me apaixonado ainda mais por ele nesses últimos dias, como se o que eu sentisse antes fosse apenas uma amostra do que poderia de fato ser.
Eu estou apavorada por me dar conta disso. É assustador e ao mesmo tempo tão incrível. Tão, mas tão bom. Eu tenho medo ao mesmo tempo que não.
Eu não consigo explicar ou achar palavras suficientes.
Parece que de repente eu sinto todos os clichês tornando-se reais, por mais bobo e sem sentido que isso pareça. Como se eu estivesse vivendo em um script de série de romance que arranca suspiros e amolece o coração de quem assiste.
É engraçado porque eu não esperava que nada disso acontecesse, sendo sincera comigo mesma. Mas agora que é realidade, não quero nem imaginar como seriam as coisas de maneiras diferentes.
Só quero que essa paz continue por quanto tempo for possível. Só quero me sentir assim por mais tempo sem me preocupar com nada.
Quero essas sensações para sempre, sem interrupção.
É esse o meu pedido para hoje. Para sempre. O pedido que não vou contar para ninguém quando apagar as velas do bolo de aniversário escondido na geladeira.
É isso que quero, nesse 28 de dezembro, no meu aniversário de 20 anos.
Com amor,
’s POV
Geralmente eu colocava o despertador para tocar cedo. Nesse dia em especial não seria diferente, principalmente porque estaríamos voltando para Londres e meus irmãos estariam indo embora. Mas quando comecei a recobrar a consciência, tive certeza absoluta que não era o toque do meu celular me acordando naquele momento.
- Vou ficar mal acostumada desse jeito – eu murmurei roucamente contra o travesseiro, abraçando o mesmo mais forte enquanto continuava a passar seus dedos leve e calmamente por meus cabelos.
- É seu aniversário – ele respondeu. – Posso mimar você se eu quiser.
Eu abri um sorriso envergonhado e levantei a cabeça apenas para vê-lo já totalmente vestido sentado confortavelmente contra o encosto da cama.
- Você lembrou!
Ele começou a rir descontraidamente, apesar de antes fingir uma expressão de bravo.
- Como eu poderia esquecer o aniversário da minha namorada? – Eu abri um sorriso grogue para ele. – Eu não sou tão cruel assim, Ruivinha.
- Geralmente as pessoas esquecem – eu me justifiquei e me sentei melhor na cama, me espreguiçando levemente, tentando melhorar a cara amassada que eu provavelmente deveria estar. – Você sabe, bem no meio das festas de fim de ano.
- Eu não esqueci. – Ele se inclinou e beijou minha bochecha. – Aliás, eu não conseguiria nem se eu quisesse. Estou numa casa rodeada de pessoas que acordaram realmente cedo para fazer algo para você.
Eu pisquei algumas vezes.
- Que horas são?
- Pouco mais de nove horas. – Eu me preparei para pular da cama, mas me impediu, puxando o edredom para cima de mim novamente. – Não precisa ter pressa, desliguei seu despertador justamente para você dormir mais.
- Mas estamos atrasados!
- Não estamos, não. Ninguém vai fugir de você. – Ele riu e se levantou da cama. – E até agora não entendi muito bem a história dessa sua tia vir buscar seus irmãos. Eu nem sabia que você tinha uma tia.
- Ela é irmã do meu pai – resmunguei e levantei da cama, dessa vez sem que ele me impedisse. – Não temos muito contato, na verdade.
- Como assim?
- Ela aparece quando quer se mostrar solícita, uma vez no ano, duas no máximo. – Fiz uma pausa enquanto abria minha mala para pegar algumas roupas quentes para passar o dia. – Ela também não gosta muito de mim, pra ser sincera.
fez uma careta.
- Por que não?
Eu soltei um suspiro derrotado, não querendo estragar o dia antes mesmo de ter começado.
- Porque ela também acha que eu podia ter evitado o acidente com a minha mãe – esclareci. – Então ela me ignora na maior parte do tempo provavelmente para não tocar no assunto e não se aborrecer. Deve falar mal de mim pelas costas, não tenho dúvida.
- Mas ela gosta dos seus irmãos. – Aquilo soou definitivamente mais como uma afirmação do que uma pergunta.
- Sim, e é por isso que ela os convidou para passar o ano novo com ela, o marido e os filhos, que tem mais ou menos a mesma idade de Laura e Leonard.
- Não convidou você? – Ele retorceu a boca de novo.
- Não e sinceramente eu não ligo. – Dei de ombros. – Ela é assim. Vai dizer que está fazendo isso pelo meu pai porque tem pena dele e de como ficou depois do acidente. Vai ficar com meus irmãos porque também tem dó deles, vai fazê-los se divertir, trazê-los de volta para o internato e então ligar uma ou duas vezes para o meu pai antes de desaparecer provavelmente até o ano seguinte.
ficou em silêncio por alguns segundos e me observou pendurar as roupas sobre o meu braço.
- Ela não parece uma pessoa muito legal. – Seu tom era de brincadeira, mas dava para perceber que ele não se sentia bem com o desenrolar da conversa.
- Nem me fale. – A risada que soltei aliviou um pouco da tensão recém formada. – Enfim, o importante é que ela os trata bem e que eles gostam dela e dos primos. Só quero que se divirtam.
Levantei com as roupas que eu usaria já separadas, entendendo o silêncio de como um fim para o assunto, e decidi ir me arrumar no banheiro, mas no meio do caminho entre a mala e a porta, me interrompeu, fazendo com que eu o encarasse.
- Não quero parecer grosso e nem nada do tipo – começou –, mas essa sua tia não sabe a pessoa maravilhosa que ela está perdendo em ter na vida pensando essas coisas ridículas de você. Não me importa quem ela seja, ou o que ela faça, mas a acho uma idiota por isso. Você é a melhor pessoa que conheço.
Eu esbocei um sorriso para ele, um tanto quanto perplexa, e aceitei extremamente grata as palavras ditas por ele. Então puxei seu rosto e dei um beijo em sua bochecha em agradecimento antes de seguir meu caminho para o banheiro para poder me arrumar.
Palavras aparentemente tão simples que já me fizeram iniciar o dia com o peito aquecido.
De repente eu mal esperava pelo resto do dia acontecer.
Não tinha sido nada demais o que eu encontrei quando desci as escadas, mas arrancou sorrisos verdadeiros que não consegui desmanchar muito cedo.
O bolo era simples, recheado e confeitado pela própria família de Agatha, exatamente como eu gostava e ela sabia. Tiveram exatas vinte velinhas que fui intimada a assoprar e apagar, com um pouco mais de dificuldade do que de fato deveria ter, e então tiveram as músicas de aniversário sendo cantadas em coro que me deixaram sem saber bem o que fazer e um pouco envergonhada, seguidas de vários abraços apertados e animados acompanhados de fotos divertidas que eu guardaria com muito carinho depois disso.
Gostaria que esses momentos tivessem durado mais. Laura e Leonard estavam contentes e eu mesma estava animada com o aniversário, mas logo minha tia chegou, já não muito feliz pelo novo endereço de encontro que passei para ela, e interrompeu toda nossa comemoração.
disse que poderia falar com ela se eu quisesse para que eu não precisasse deixar o pessoal lá dentro, mas eu recusei. Era minha família, eu lidaria com ela.
Depois de alguns olhares tortos e frases cheias de veneno vindas da minha tia, eu simplesmente me fiz de burra e deixei que ela fosse embora. Se bem que, se eu parasse para analisar, essa ocasião tinha sido bem menos pior que as anteriores quando a encontrei, mesmo antes de minha mãe morrer. Talvez a surpresa dela em ver ao meu lado deve ter contribuído um pouco. A cara embasbacada dela denunciou isso sem que eu precisasse de muito e fiquei satisfeita pela indiferença que ela tentou passar quando na verdade não conseguiu.
Despedi-me rápido demais dos meus irmãos para o meu gosto, mas sabia que não tinha muito o que eu poderia fazer para mudar isso.
Quando voltei para dentro da casa de Agatha, sabia que eu e éramos os próximos a deixar o local.
- Tem certeza que não quer vir com a gente? – Eu insisti para Agatha mais uma vez, mas tudo o que ela fez foi balançar a cabeça para os lados em negação.
- Vou ficar mais um pouco com esses chatos. Provavelmente mais uns dois dias. – Vi Luke ao fundo revirar os olhos, pouco convencido das palavras da irmã. – Acho que volto para o Ano Novo.
- Isso se não a expulsarmos antes – Luke apressou-se em dizer e nós acabamos rindo.
- Obrigada pelos últimos dias – eu agradeci a todos e dei um último abraço em Jenny, Roger e no próprio Luke enquanto se despedia deles também.
- Voltem mais vezes! – a mãe de Agatha falou com um sorriso autêntico no rosto e eu devolvi o gesto.
- Liguem se precisarem de algo. – Minha amiga assentiu para mim.
- Você também. – Ela beijou minha bochecha. – Ligue quando chegarem em casa para eu saber que estão vivos e aproveite seu aniversário, ok?
Eu vi que os olhos dela estavam fixos em que guardava nossas coisas no porta malas e não resisti ao sorriso quando o observei rapidamente pelo ombro.
- Eu vou aproveitar – respondi. – Pode ter certeza.
- Sabe – eu comecei a falar enquanto dirigia –, pode parecer bobagem, mas o desconcerto da minha tia ao ver você comigo me deixou bastante satisfeita.
Ele soltou uma risada, mas não tirou os olhos da rua.
- Ela parecia mesquinha. – Pigarreou em seguida. – Com todo respeito, claro.
- Mas ela é mesmo. – Concordei também dando risada. – Não se sinta mal por dizer isso.
- Não sinto.
Ele me olhou de soslaio rapidamente e nós dois sorrimos um para o outro.
- Foi o ponto alto do meu dia.
virou-se para mim com as sobrancelhas juntas.
- Se ver sua tia chata com cara de trouxa foi o ponto alto do dia do seu aniversário então suas expectativas estão bem baixas. – Ele voltou os olhos para o trânsito a sua frente. – Tá tudo errado, temos que mudar isso.
- Como assim? – Eu estava rindo, mas na verdade não estava entendendo muita coisa.
- O que você quer fazer hoje? Escolha qualquer coisa.
Eu o encarei intrigada, porém completamente interessada. Foi impossível esconder a malícia em meu rosto e no sorriso de canto que começou a crescer.
- Qualquer coisa, é?
Ele me estudou por um instante.
- Não sei se estou gostando da sua expressão.
- Você vai fazer o que eu quiser também? – Ele esboçou uma careta e hesitou. – , não dá pra retirar o que disse.
- Eu não sei se... – Ele me encarou, mas meu olhar afiado interrompeu sua frase e ele soltou um suspiro. – Se for razoável…
- Vamos ao Thorpe Park – eu respondi em seguida antes que ele tentasse me enrolar. – Por mais ridículo e desastroso que isso possa ser, é o que eu quero fazer.
Por dois segundos longos demais ele me encarou com o cenho franzido.
- É sério? Sério mesmo?
- , promessa é dívida!
- Ué, Ruivinha, eu não prometi nada.
- Por favor?
Ele observou meus olhos levemente arregalados e minha expressão de súplica. Nunca fui muito boa em ser persuasiva, mas não custava tentar agora, e pela suavidade que a face de começou a adquirir, pude jurar que estava dando certo.
- Tudo bem – ele murmurou e quase pulei do assento para beijá-lo, mas me contive em apenas comemorar no lugar e evitar algum acidente. – Sempre soube que você gostava de adrenalina, Ruivinha.
E apesar de ele fingir arrependimento pela ideia de “qualquer coisa”, eu ignorei sua atitude, apenas para continuar com o ânimo incapaz de ser controlado em minha voz:
- Vamos, . – Eu peguei o celular e digitei o endereço do parque de diversões no GPS. – Pegue a próxima saída! As montanhas russas mais incríveis do mundo estão nos esperando.
- Talvez não tenha sido uma boa ideia vir – eu murmurei ao ver a quantidade de pessoas no parque.
A verdade é que eu achei que fosse estar mais vazio por ser inverno e bem passagem do Natal para o Ano Novo, mas conforme comecei a observar, cheguei à conclusão de que havia me enganado apenas um pouquinho. E agora a minha parte paranoica da cabeça ficava repetindo que alguém poderia nos reconhecer e tirar fotos nossas que não dariam em boa coisa no final.
- Se estamos aqui então devíamos dar uma chance – me respondeu após trancar o carro e parar ao meu lado. – Já compramos os ingressos e não precisamos passar pela bilheteria. Nossos passes dão direito de sermos VIPs, por isso podemos ir direto nos brinquedos. E sinceramente, se serve de alguma coisa, já vi esse lugar mais cheio. Se as coisas começarem a desandar vamos embora em seguida, o que acha?
Eu puxei a touca um pouco mais para baixo, cobrindo minhas orelhas e ponderei por um instante.
Era meu aniversário. Eu devia poder me divertir sem me preocupar muito com qualquer coisa. Por isso resolvi mandar aquela parte paranoica e chata da minha cabeça hibernar e deixar questões irritantes para eu avaliar em outros dias, todos os outros depois desse.
Estralei a língua no céu da boca observando as atrações que se estendiam no espaço à nossa frente e segurei a mão de em seguida.
- Não vamos perder tempo então.
Eu disparei em direção a entrada, puxando , um pouco relutante, logo atrás de mim. Precisei insistir um pouco, mas a cada passo que dava, ele começava a deixar suas preocupações de lado um pouco mais. De repente nenhum de nós nos importava com o que os outros pensavam ao nos ver correr daquele jeito meio idiota e infantil por entre as pessoas. E admito que, ao perceber a expressão leve e descontraída no rosto do meu namorado que começava a se soltar, deixar que seu lado brincalhão e divertido assumisse, fazia tudo valer a pena. Porque pelo menos nesse momento, não estávamos hesitando.
- Você sabe que tenho medo de altura, não sabe? – Ele olhou nervosamente para a Stealth, a maior e mais rápida montanha russa de todo o Reino Unido, que ficava cada vez mais próxima de nós dois conforme íamos adiante.
- Vai ser legal – eu disse para ele. – Eu deixo você segurar minha mão, se quiser.
Ele começou a soltar risos nervosos, mas continuei seguindo em direção a fila VIP que nos permitia a dianteira do carrinho do brinquedo.
- Ela atinge 130km/h em dois segundos – falei provavelmente com os olhos brilhando. – Você nem vai perceber a altura, vai estar ocupado demais com a adrenalina!
Ele balançou a cabeça para os lados e eu ri de sua expressão quase amedrontada, beijando seus lábios rapidamente.
- Vamos lá, ! Não vai se arrepender!
Seu suspiro pareceu levemente trêmulo, eu apenas esperava que fosse impressão minha. Não queria causar nele um ataque cardíaco.
- O que eu não faço por você – ele murmurou quando sentou-se e baixou a trava de segurança em seu lugar, me ajudando a fazer o mesmo enquanto o observava completamente extasiada.
A diversão realmente começou depois disso.
Primeiro encaramos a Stealth, que ficou com nosso estômago em algum lugar do seu percurso entre a subida e a queda. Então veio a The Swarm, seguindo para a Colossus com seus infindáveis loopings, a Nemesis Inferno e finalizando com a SAW, inspirada nos filmes da franquia jogos mortais que me deu vários sustos e admito que provavelmente esqueci meu coração em alguma parte daquele circuito assustador em seu breu total.
Dizer que estávamos tontos ao sair das montanhas russas era um eufemismo.
Ainda tiveram tantos outros brinquedos depois desses que poucas horas depois eu já estava completamente rouca de gritar e rir, as duas coisas geralmente feitas ao mesmo tempo. não estava tão diferente de mim, ficou repetindo que o Samurai e o Vortex chacoalharam tanto sua cabeça que seu cérebro tinha virado líquido lá dentro. Provavelmente ele nunca mais voltaria naqueles brinquedos.
Nossos músculos tremiam e a adrenalina corria solta por nossas veias, mas eu não queria ir embora, por mais esgotada que eu tivesse.
Eu olhava as fotos que tiramos, aquelas feitas pelas próprias câmeras presas nos assentos dos brinquedos, e não conseguia desmanchar o sorriso em meu rosto que deixava minhas bochechas completamente dormentes.
- Eu cheguei a uma conclusão – me disse após comprarmos um lanche para comer enquanto caminhávamos, dessa vez sem pressa.
- E qual foi ela?
- Devíamos ter ido a um Kart. Eu prefiro mil vezes dirigir um carro em alta velocidade do que andar nessas coisas malucas.
Soltei uma gargalhada alta.
- Como assim!? – eu o respondi indignada. – Como pode dizer isso?
- Simples! – ele me respondeu depois de tomar mais refrigerante. – Ao menos lá eu estou no controle e sei o que estou fazendo, aqui eu não faço ideia do que vai acontecer em seguida.
- Ah, você fala isso, mas eu que te acompanhei no banco do passageiro e garanto que a sensação é tão desesperadora quanto essa que você sentiu! – Nós rimos juntos com a lembrança, mas conforme comi mais algumas batatas fritas, meu riso se desmanchou até se transformar em seriedade, os pensamentos presos em memórias passadas que eu não queria recordar no momento. – Aquilo tudo me apavorou. – Ouvi-me dizer.
afastou seu copo da boca e manteve sua atenção sobre mim pelo que pareceram ser muitos minutos, mas não ousou interromper nossos passos. Eu desejava saber o que ele tanto pensava.
- Me apavorou também – ele confessou num sussurro quase inaudível e levantei meus olhos até que encontrassem os seus. – Às vezes eu me pego pensando naquela noite e em como fui idiota por te levar lá, em como tudo poderia ter dado errado.
Eu me aproximei mais dele, fazendo-o parar em minha frente e então segurei seu rosto, prendendo-o com meu olhar fixo.
- Tudo aconteceu exatamente da maneira que devia acontecer – falei – ou então não estaríamos aqui.
- Não se arrepende daquilo?
- Não. – Eu esbocei um sorriso para ele. – Teria feito tudo de novo se fosse para resultar nisso. – Eu gesticulei meus dedos indicando nós dois. – Não só aquilo, mas todos os momentos desde que nos encontramos pela primeira vez, eu faria tudo de novo se fosse preciso.
Seus olhos estudaram os meus. Ele ajeitou a touca em minha cabeça, mexendo distraidamente no cabelo que ficava para fora dela e sorriu distraidamente, os olhos cheios de ternura e carinho.
- Eu achei que eu devesse te dizer palavras bonitas hoje. – Eu abri ainda mais meu sorriso. – Não o contrário.
- Acho que você pode me compensar mais tarde, o que acha? – Eu me inclinei para frente e o beijei calmamente, deixando que ele mesmo ditasse o ritmo dos nossos lábios até que o ar se fizesse necessário.
Quando nos deparamos, ainda próximos o suficiente para nossos narizes se tocarem, ele sorriu contra minha boca.
- Tudo o que quiser. – Eu sorri contra a boca dele também, observando a cor das suas íris, tão brilhantes e intensas quando bronze derretido.
- Tudo mesmo, é? – Eu roubei um rápido beijo e me afastei em um pulo. – Vamos lá então, conquistador. Existem muitos brinquedos ainda no Thorpe Park!
Ele ria, mas parecia um tanto desolado. Será que eu estava pegando pesado com ele? Balancei a cabeça e o puxei alegremente pela mão.
- Quer me matar, ?
- Não! Eu só quero nos divertir!
E ele me seguiu sem pestanejar ou contradizer. Nosso tour pelo parque só acabou de fato quando o local fechou, no fim da tarde, praticamente nos colocando para fora, com as roupas encharcadas e praticamente nos congelando após irmos no Tidal Wave.
A ideia era, depois de nos molharmos inteiros, ir em mais alguns brinquedos radicais que pudessem ajudar a secar a roupa. Foi um pensamento idiota? Completamente, mas não tinha muito o que pudéssemos fazer sobre isso agora. Não mudava o fato de que muito provavelmente pegaríamos alguma doença por toda a friagem que estávamos tomando. Ao menos era uma situação engraçada. pelo menos parecia pensar isso. Ria tanto que estava com falta de ar.
Mas confesso que estava com medo disso ser apenas um breve anúncio da tosse vindo.
De qualquer forma, nós pegamos algumas roupas secas dentro das malas e nos vestimos dentro do carro, um de cada vez, enquanto o outro tomava conta para que ninguém visse a situação constrangedora que estávamos nos obrigando a passar.
Depois, o aquecedor do carro fez o resto do trabalho de nos aquecer por todo o caminho até minha casa.
- Fazia muito tempo que eu não me sentia bem como hoje – eu disse a depois que entramos em meu apartamento, enquanto eu tirava a touca de minha cabeça. – Minhas bochechas doem de tanto que eu ri!
- Tá de menisquência comigo? Devem ser seus músculos congelando pelo frio. – Ele me provocou fazendo uma cara engraçada e balançando a cabeça. – Francamente, que ideia mais tchonga e sem noção foi essa de ir num splash numa temperatura menor que 10°C.
- Quem fala tchonga hoje em dia?
- Eu falo!
- Minha nossa, .
Aparentemente começamos a gargalhar de nossas próprias reações e eu fiquei um tempo sem falar nada, esperando que ele parasse de rir até que o silêncio serpenteasse entre nós dois de novo, suavemente.
- Obrigada por hoje. – Eu dei um passo para frente, sem tirar meus olhos dos seus. – Eu amei cada momento, por menor ou mais bobo que tenha sido.
Fiquei na ponta dos pés e segurou meu rosto entre suas mãos. Eu o beijei de novo, mais uma vez, exatamente da mesma forma como tinha feito durante outras tantas vezes durante as últimas horas.
Por que beijá-lo tinha que ser tão bom a ponto de eu não conseguir pensar em outra coisa quando o olhava, quando via sua boca?
Ele se distanciou de mim por um momento e inclinou um dos cantos dos lábios para cima.
- Espero que não esteja fazendo disso uma espécie de despedida.
- Ah, não? – Eu arqueei uma sobrancelha.
- Não. O dia não acabou, o que significa que ainda é seu aniversário.
- Ótima observação, obrigada – falei sarcasticamente.
- E eu ainda tenho mais uma coisa para você, Ruivinha. – O sorriso dele cresceu conforme viu meu cenho franzido em dúvida.
Ele me puxou delicadamente até a sala de estar e me fez sentar no sofá enquanto trazia nossas malas para perto de nós e procurava algo dentro de sua própria bolsa.
Era um embrulho delicado, branco com prateado, uma caixinha um pouco maior que minha mão. Eu sorria sem sequer me dar conta.
- Não precisava de mais um presente, .
- Não fala nada ainda – ele pediu e colocou o presente em minhas mãos. – Abra primeiro, tudo bem?
Eu concordei sem dizer uma palavra e calmamente comecei a desmanchar o embrulho. Em prata o nome Pandora brilhava acima da caixa e eu o lancei um olhar intrigado, um sorriso curioso. Mas ele apenas me observava com apreensão, os olhos brilhando charmosos e cheios de expectativas.
Quando empurrei a tampa para cima, fiquei completamente sem fôlego.
Sobre o veludo azulado descansava uma pulseira prateada cheia de uma nova coleção de berloques e separadores. Hesitei por um instante, tocando os pingentes com as pontas dos dedos, engolindo em seco procurando palavras que fizessem sentido eu verbalizar. O berloque do “Happy B-day” me arrancou um sorriso sem qualquer esforço, da mesma maneira que fez o cupcake com a vela. Mas os outros tiraram de mim qualquer capacidade de raciocinar.
- Eu sei que você já tem sua pulseira. – A voz de soava tão suave quanto plumas. – Mas se ela representa tudo o que te trouxe até aqui, pensei que talvez você fosse gostar de outra que representasse o depois.
Eu não levantei os olhos para ele quando perguntei com a voz embargada:
- O que significam? – Eu indiquei sutilmente o acessório ainda em minha mão. – Os berloques que você escolheu.
Por um instante ele não me respondeu nada, então pegou a pulseira de dentro da caixa e a colocou gentilmente ao lado da outra, o toque frio da prata e dos dedos quentes dele em minha pele fazendo-me arrepiar.
- O rolo de fita significa o seu trabalho agora – ele começou, segurando cada um dos pingentes conforme falava, terno. – A chave é para que você sempre se lembre que pode abrir todas as portas que desejar, para você ser o que quiser. A clave de sol é para você saber que me inspira todos os dias em cada pedacinho das minhas músicas. Na hora pareceu legal, mas agora soa bobo.
Nós dois rimos juntos, mas ele continuou com calma:
- O passaporte, a mala, o avião, todos eles significam que esse é apenas o começo. Você ainda vai viver muito, vai conhecer muitos lugares. O globo terrestre está aí para você saber, mesmo que ninguém te diga, que você merece cada pedacinho do mundo. Merece ele inteiro. – Ele subiu os olhos para encarar os meus, só que eu não conseguia dizer nada. – E então tem a âncora, o leme, as asas e o coração.
Eu abri e fechei a boca algumas vezes, a primeira lágrima caindo do meu olho sem qualquer permissão. apenas levantou seu polegar e a enxugou enquanto a gota escorria pela bochecha.
- Aquele dia quando discutimos... Você estava certa quando disse que era a âncora – ele falou, sua voz não soando mais alta que um sussurro. – Mas não pelos motivos que achou serem os certos. E eu quero sim ser seu leme, seu guia durante todas as tempestades, mas não só isso. Então fiquei pensando por um tempo em como dizer isso para você, e talvez eu tenha deixado meu lado compositor falar um pouco mais alto... Enfim. Que tal: you’ll be the anchor that keeps my feet on the ground. And I’ll be the wings that keep you heart in the clouds.
Ele mostrou as palavras gravadas no interior da caixinha e a fechou em seguida, sem dizer mais nada.
Eu encarei a pulseira completamente embasbacada por alguns segundos e então subi meu olhar até encontrar os olhos de , me fitando, aguardando pacientemente pelo meu próximo passo. Mas não existiam palavras para descrever todas as sensações que ele despertou em mim quando disse cada uma daquelas frases. Não existia nada no mundo que pudesse fazer alguém entender como aquele presente tocou fundo na minha alma.
Apenas me aproximei dele e toquei seu rosto, sentindo sua pele na ponta dos meus dedos e encostei meus lábios nos seus no mais sutil dos toques. E lentamente, enquanto o beijava, enquanto sentia seu gosto contra a minha língua, esperava que pudesse despertar nele, que pudesse fazê-lo sentir todas as sensações que ele próprio havia me causado. Esperava que ele entendesse, por meio desse gesto, o quanto eu o amava por isso. Por absolutamente tudo.
E enfim quando nos separamos apenas o suficiente para respirarmos, e ele segurou em meu rosto, olhando tão fundo nos meus olhos que parecia ver minha alma, as palavras simplesmente pularam para fora da minha boca como se eu não tivesse poder sobre elas:
- Eu amo você, .
Meu coração já acelerado pareceu errar uma batida quando ele sorriu para mim, contornando meu lábio inferior com seu polegar conforme o brilho em suas íris crescia, conforme suas pupilas se dilatavam ainda mais enquanto me observava encantado.
- Eu amo você, .
Em algum momento entre suas palavras e o beijo que lhe dei em seguida eu tive vontade de chorar. Registrei isso no fundo da minha mente, querendo me concentrar apenas no homem a minha frente. Em como ele me olhava, como ele me tocava. E decidi que queria derreter em seus braços e nunca me distanciar dele.
Quando dei por mim eu já estava em seu colo, uma perna de cada lado da sua cintura, os pensamentos turvos como se tudo dentro da minha cabeça tivesse simplesmente se desfeito, porque a maneira como ele me beijava, como sua boca provocava a minha, o seu cheiro, tudo estava me deixando completamente inebriada.
Dessa vez não houve hesitação da minha parte quando fiz menção de tirar seu casaco e ele o meu. Só conseguia pensar que queria mais, que queria ele inteiro. Porque ele já me tinha inteira. Alma e agora corpo.
Era como se ele estivesse esperando por isso, por um sinal, pois em um segundo suas mãos se colocaram por debaixo do tecido da minha blusa, passando por minha barriga e subindo por meu tronco, arrepiando todos os pelos do meu corpo.
Então ele puxou a barra da minha blusa para cima e a tirou tão lentamente que me fez estremecer. Por um segundo ele apenas me observou, observou meu corpo e meu rosto, e estendeu suas mãos para tirar os cabelos que caíam sobre minha face, sobre meus ombros. Eu sentia minhas bochechas arderem, mas o rosto iluminado dele não permitia que eu sentisse vergonha.
Tirei sua camiseta em seguida, sem pressa, fitando seus ombros, seu peito. Dedilhando as tatuagens espalhadas por sua pele. Antes que eu mesma me desse conta, estava me inclinando para beijar cada desenho, cada linha de tinta marcada em seu corpo. fechou os olhos com força, soltando um resmungo baixo e deslizou suas mãos contra minhas costas, minha cintura, conforme eu arrastava meus lábios sobre si, até que ele segurou minhas coxas firmemente e interrompeu a linha de beijos que eu distribuía agora por seu pescoço.
Quando voltei a olhá-lo, duas esferas de cor âmbar me encaravam com tanta intensidade que fui incapaz de desviar. Eu arfei com o que vi. Com o desejo estampado em seu rosto.
O próximo beijo que trocamos foi completamente lascivo, e eu me entreguei as sensações sem questionar, sem pensar. Onde suas mãos me tocavam, deixavam minha pele em chamas. E quanto mais ele apertava minha cintura e me puxava contra si, mais eu desejava que não existisse nada entre nós dois.
Em um segundo ele se colocou de pé, comigo em seu colo, as pernas entrelaçadas ao redor do seu quadril e seguiu para o meu quarto.
Talvez tenhamos cambaleado um pouco até chegar lá, perdido nossos sapatos no meio do caminho e aproveitado também um pouco do apoio das paredes e até da frieza delas em contraste com a quentura que emanava de nós dois, mas quando enfim me colocou sobre a cama e tirou minha calça eu não esperei e fiz o mesmo com ele, querendo que as peças encontrassem logo o chão. Decidida de que nós não precisávamos mais delas.
Ele se debruçou sobre mim, beijando a curva do meu ombro, arrancando suspiros trêmulos da minha boca enquanto mexia distraidamente pelo fecho do meu sutiã.
Eu arqueei minhas costas, apertei minhas pernas em sua cintura e segurei sua nuca. Eu não tinha mais controle sobre mim mesma. Então ele interrompeu seus toques, sua cabeça parada exatamente sobre a minha, me fitando.
Sem quase me movimentar, sem interromper o contato visual, eu empurrei as alças do meu sutiã para baixo e abri o fecho, o tirando em seguida.
dedilhou minha clavícula e arrastou seus dedos pelo vale entre meus seios, prendendo sua atenção por um longo segundo em toda minha pele exposta.
- O que você quer de mim, Ruivinha? – O tom rouco e arrastado de sua voz me arrepiou por completo e não tardei em segurar seu rosto entre minhas mãos.
- Quero que me beije. – Sua boca se aproximou da minha.
- E depois?
- Quero você por inteiro. – Arfei conforme seus dedos continuavam a explorar meu corpo, descendo cada vez mais. – Completamente.
Ele sorriu para mim e eu não entendia como meu coração conseguia aumentar ainda mais sua velocidade com um gesto tão simples em meio a tudo isso.
- Você já me tem, . – Seus lábios roçaram os meus. – Completamente.
E enquanto eu ainda assimilava suas palavras, o que aconteceu em seguida fez com que minha sanidade evaporasse em absoluto. Em algum lugar no fundo da minha mente eu entendia que o quarto poderia estar em chamas, mas eu sequer seria capaz de notar isso, pois toda minha atenção, eu inteira, só conseguia ter olhos para o homem que estava sobre mim.
E era abrasador. Essa era a sensação que me consumia quando ele tirou sua cueca e então minha calcinha. Quando ele distribuiu beijos por todo meu corpo, pelo meu baixo ventre, pela parte interna da minha coxa.
buscou o preservativo em sua carteira quase sem interromper seus toques, nosso contato. E quando finalmente o colocou, finalmente eliminou qualquer espaço que existia entre nós dois, eu de fato senti que perdia toda minha capacidade de pensar com um único gemido.
Ele me completava, cada pedacinho, inteiramente, e eu só conseguia sentir sua respiração contra meu rosto, uma mão em meu quadril e a outra o apoiando no colchão enquanto eu o abraçava pelos ombros e enroscava minhas pernas ao seu redor.
Avaliei seu semblante de lábios entreabertos, os olhos semicerrados e senti que mais uma parte minha se entregava para ele ali, definitivamente. Só era capaz de registrar seus movimentos sutis, sua boca se movendo contra a minha com ternura e calma, sem qualquer pressa de encerrar aquilo tudo.
Cada toque, cada beijo, cada movimento, nada disso parecia o bastante. Nada parecia ser o suficiente enquanto eu sentia seu corpo vir de encontro ao meu, vezes e vezes seguidas até que nossa pele começasse a ficar úmida com uma fina camada de suor. Ainda que lá fora estivesse extremamente frio, eu me sentia prestes a entrar em combustão neste quarto com .
Era como se eu estivesse presa em algum lugar entre a realidade e a fantasia. Não havia nada além das nossas respirações aceleradas, dos nossos gemidos quebrando o silêncio do quarto, dos nossos corações reverberando em nossos próprios ouvidos, da pele contra pele, dos nossos corpos se movimentando como um numa dança sem música, numa harmonia perfeita, e da sensação mais avassaladora e extasiante que já tinha sido capaz de sentir. Até agora.
Eu me desmanchei ali, me derreti sob ele quando ele fez o mesmo sobre mim.
Completamente sem ar, trêmula, com o corpo pesado, mas me sentindo tão leve quanto uma pluma, eu o abracei o mais firmemente que consegui. Incapaz de fazer qualquer outra coisa. Então apenas o observei, sem fôlego, a expressão de prazer em seu rosto e também de paixão enquanto me fitava de volta, sua respiração errática tentando voltar ao normal.
rolou para o meu lado me afastando de si apenas por um segundo, antes de me puxar para que deitasse sobre si.
Eu não sei se era a lentidão dos nossos cérebros apenas assimilando tudo o que tinha acontecido nos últimos minutos, mas por um tempo não houve nada entre nós dois além do silêncio pleno.
Em algum momento enquanto ele brincava com as mechas do meu cabelo que se espalhavam pelo travesseiro e eu admirava fascinada mais uma vez os desenhos em seu corpo, comecei a rir baixinho, chamando sua atenção. levantou levemente a cabeça para me olhar e esboçou um sorriso em minha direção.
- Do que está rindo?
Eu apoiei meu queixo sobre seu peito e dei de ombros com ar inocente, o fitando.
- Algumas pessoas superestimam os aniversários – comecei. –, mas posso dizer com toda a convicção do mundo que, depois de hoje, ninguém nunca teve seus vinte anos tão bem comemorados igual o meu.
começou a gargalhar e eu o acompanhei, me sentindo muito boba pelo que tinha acabado de dizer.
- Se você dissesse o contrário eu teria que me redimir com você. – Eu abri ainda mais meu sorriso para ele.
- Mas sabe, agora estou preocupada.
- Por quê? – Seu semblante se torceu levemente e eu apenas balancei a cabeça.
- Porque, de agora em diante, como vou superar minhas expectativas para os próximos aniversários?
- Ah, Ruivinha. – Ele aproximou seu rosto do meu e o acariciou com suavidade. – Sempre vou dar um jeito de te surpreender.
Eu esbocei um sorriso aberto que chegou até meus olhos e se espelhou em seu próprio rosto.
- Convencido.
- Realista. – me roubou um beijo.
- Sinceramente eu não acredito. – O provoquei num sussurro.
- Parece que vou ter que te convencer do contrário então. – Em um segundo ele rolou para cima de mim, prendendo meus pulsos sobre a minha cabeça enquanto o ar deixava meus pulmões num único suspiro e eu o olhava completamente estupefata. – Deixe-me começar fazendo isso.
E quando ele deslizou sua mão livre por meu corpo e encaixou sua boca na minha, eu deixei que ele tornasse suas palavras reais até que eu não soubesse mais onde ele começava ou terminava, até que eu estivesse completamente perdida nele mais uma vez.
Que fosse assim por horas a fio, que fosse assim pelo que nos restava da noite.
Capítulo 44
Wanna give your heart a break
I know you're scared it's wrong
Like you might make a mistake”
’s POV
A manhã seguinte ao aniversário de estava realmente fria. Ainda que os aquecedores do apartamento estivessem ligados, e eu estávamos mergulhados embaixo de grossas colchas que nos cobriam quase até as orelhas, bem próximos um do outro, e não fazíamos sequer uma menção de sair dali.
Digo por mim, pelo menos. E admito que me sentia um pouco idiota por isso. Mas um idiota no bom sentido da palavra.
Nossas pernas se entrelaçavam embaixo dos lençóis e eu tinha acordado com o braço dormente enquanto a abraçava contra mim. Tive que me afastar com cuidado para não acordá-la, mas também não tive coragem de sair dali em seguida, então fiquei desperto, apenas pensando e a observando.
A parte de mim que me achava um patético por isso foi ignorada com sucesso.
Podia ser bobagem, ou ao menos era o que eu tentava me convencer, mas de repente eu parecia completamente convertido ao meu eu clichê que geralmente não dava as caras com muita frequência, porque a questão é que eu estava acordado a menos de uma hora e já tinha pensado em no mínimo umas cinco músicas que ajudei a compor e escrever, que até então nunca passaram só de palavras numa melodia e, de repente, pareciam ser totalmente reais, fazendo todo o sentido possível enquanto eu atribuía significados a elas.
Era isso ou eu apenas estava agindo como um completo tolo apaixonado.
Provavelmente a segunda opção. Eu tinha quase certeza.
- Por que está me encarando? – A voz rouca e arrastada de me tirou do devaneio.
- Hm, eu não... não estava, eu…
- Estava sim.
Ela sorriu sem abrir os olhos e eu fiquei em silêncio. Realmente, agindo como um idiota (ainda no bom sentido da palavra, acho).
- Bom dia. – Ela abriu os olhos lentamente, como se estivesse se esforçando para isso.
- Bom dia, Ruivinha. – Eu finalmente consegui me livrar do estupor e devolvi o sorriso para ela. – Dormiu bem? Como está nessa manhã?
Ela me olhou por um momento e abriu um sorriso cheio de malícia ao mesmo tempo em que suas bochechas coraram.
- Muito interessante você perguntar isso – ela disse. – Mas as horas de sono que me foram permitidas foram bastante tranquilas, na verdade, apesar de estar com o corpo um tanto quanto dolorido.
- É mesmo? – Meu sarcasmo e malícia não mascararam meu divertimento.
- Você é um bobo. – Ela escondeu o rosto no travesseiro e começamos a rir juntos.
- Se serve de consolo, faço da sua resposta a minha, Ruivinha.
Ela apenas arqueou uma sobrancelha para mim, sem levantar a face da superfície macia onde estava e em seguida voltou a rir ainda mais.
- Realmente muito bobo.
Concluí que eu não me importava de agir como um idiota, desde que ela continuasse sorrindo daquele jeito para mim.
- É, fazer o quê. – Eu dei de ombros e puxei a coberta mais para cima. se aconchegou um pouco mais próxima de mim.
- Vai me contar por que estava me encarando agora? – Eu abri a boca para negar que estava observando-a, mas ela se adiantou: – Não, nem tente.
Eu revirei os olhos, mas não consegui ficar sério por muito tempo. Por fim eu afastei uma mecha do seu cabelo que caía na frente do seu rosto.
- É que... Sei lá.
- Ótima resposta.
- É sério. – Eu comecei a rir e ela me acompanhou. – Só estava te olhando porque gosto de olhar para você.
O sorriso de ficou maior.
- Aliás, nesse exato momento eu estou observando as sardinhas em sua bochecha, embaixo dos seus olhos.
puxou o lençol cobrindo seu rosto.
- Não gosto delas.
Eu puxei o lençol para baixo.
- Bom, eu decidi que gosto.
- Sei. – Ela revirou os olhos sorrindo envergonhada. – Decididamente você é um bobo muito fofo.
Eu gargalhei, apesar de não estar me sentindo muito bom com palavras hoje.
- Não vou dizer que gosto de quando você me chama assim – comecei e então a puxei para cima de mim. –, mas não vou contrariá-la.
- Não me contrariar. – Ela se inclinou e beijou a curva do meu pescoço. – Gosto disso.
Eu franzi o cenho para ela.
- Gosta de me beijar ou de não ser contrariada?
- Hm. – Ela fingiu pensar. – Os dois.
Nós dois sorrimos em uníssono.
- Bom saber – falei e por fim puxei seu rosto para perto do meu, bastante decidido a beijá-la. Mas, contrariando as minhas vontades, o celular dela começou a tocar, o som distante, porém que fez ela interromper o caminho que sua boca fazia até a minha.
Eu resmunguei audivelmente quando ela começou a se afastar.
- Pode ser importante – se justificou, contudo eu passei meus braços por sua cintura e a impedi de levantar.
- Se for realmente importante, mais tarde a pessoa liga mais uma vez.
- , não seja possessivo! – O tom dela era de brincadeira e acabei cedendo alguns segundos depois.
se levantou a contragosto, não vestindo nada além de um par de meias grossas que subiam até acima dos seus joelhos e uma camiseta minha (que na verdade parecia muito melhor nela do que em mim), e dirigiu-se até a sala, onde ontem havíamos deixado nossas coisas, voltando não muito depois com sua bolsa de mão.
De lá apressadamente ela tirou seu celular (que já não tocava mais) e então um caderno, que imediatamente eu deduzi ser seu diário e observei seus movimentos com bastante interesse, até que ela o depositou sobre a mesa de cabeceira e se aconchegou novamente contra os travesseiros da cama ao meu lado, abraçando os joelhos e encarando a tela do aparelho, seu cabelo caindo como uma cortina acobreada pela frente do seu rosto.
- Posso fazer uma pergunta? – Eu me ouvi falando impulsivamente.
- Se eu souber responder…
Ela levantou os olhos para mim, com um brilho de petulância.
- Tenho certeza de que você sabe. – Eu me sentei e me encostei na cabeceira da cama também, puxando a colcha até a altura da minha cintura, me acostumando com a temperatura do ambiente. – Na verdade só quero garantir que você não vá me bater depois que eu perguntar.
- Do que você está falando?
- Da última vez que perguntei, você não queria trocar palavras comigo – expliquei. – Estava mais para trocar socos.
gargalhou e eu sorri com isso. Eu adorava o som de sua risada, era como música para os meus ouvidos.
- O que te aflige, ó amor da minha vida?
Eu sorri e esperei um segundo para enfim indicar com o dedo.
- Uma vez você disse para eu ficar longe disso. – Ela encontrou o objeto qual eu apontava. – Daquela vez que fomos a sua casa em Brighton as escondidas, lembra? Queria entender o que é o caderno. Pode me contar? Por que escreve?
Ela afastou o cabelo do rosto, o prendendo atrás da orelha delicadamente e ficou um instante em silêncio.
- É menos interessante do que você deve imaginar. – Ela virou-se para mim. – Comecei a escrever um pouco depois que minha mãe morreu. Era uma terapia que a psicóloga recomendou, para eu não me fechar demais, então poderia escrever aqui como eu me sentia.
Ela puxou o caderno para o seu colo, deixando o celular de lado por um instante.
- Eu não escrevo mais tanto quanto antes, mas se tornou um hábito depois de um tempo.
- Por isso você tem tantos? – Ela franziu o cenho. – Na sua casa, em Brighton, tem uma prateleira cheia deles.
- É, bem. – Ela deu de ombros. – Isso é minha válvula de escape. Ou era, já não sei muito bem.
se virou para mim e sorriu, mas sinceramente eu já não sabia o que dizer em seguida. Pela quantidade de cadernos, ou diários, que eu havia visto em sua casa, achei que fazia anos que ela escrevia. Mas na verdade tinha talvez pouco mais de dezoito meses.
Quão difícil devem ter sido aquelas primeiras semanas, aqueles primeiros meses depois da morte da mãe dela para ela precisar ficar tanto tempo por trás de papeis e canetas? Pelo pouco que eu conheci da sua família, apenas pelas poucas partes que ela me contou, eu tinha uma pequena noção. Uma péssima conclusão.
Balancei a cabeça levemente e lhe lancei um sorriso sereno.
- E o que você costuma escrever aí agora?
- Depende. – Ela folheou rapidamente as páginas apenas para fechá-las em seguida. – Geralmente histórias que eu sinto relevância, acontecimentos importantes. Às vezes só desabafos sobre coisas ou pessoas.
- Quer dizer que você fala de mim aí?
Por um instante ela hesitou e desviou os olhos.
- É, mais ou menos. – Eu avaliei sua expressão com cuidado.
- Foram coisas ruins, não é?
- Não.
- …
- Às vezes – ela murmurou, confessando. – Mas tive boas justificativas para isso!
- Duvido muito – eu respondi numa gargalhada apenas para irritá-la. – Sou tão maravilhoso que você jamais seria capaz de me diminuir com palavras.
- Vai sonhando. – Ela fingiu desdém, sorrindo, e ficamos alguns segundos em silêncio.
- Algum dia vai me mostrar? – eu voltei a perguntar. – O que escreveu sobre mim?
me olhou de cima a baixo.
- Nunca!
- Mas e se eu tentasse te persuadir? – Lancei um olhar cheio de segundas intenções e me aproximei um pouco dela, o que a fez engolir em seco, mas seu desconcerto logo se desfez e ela se recuperou, empertigando a coluna e pigarreando.
- Não funcionaria, .
- Tem certeza?
- Absoluta.
Eu fingi decepção e estalei a língua no céu da boca.
- Mas e se... – Eu a olhei de soslaio. – E se eu tentasse pegar assim?
Debrucei-me sobre ela mais rápido do que ela pôde prever e comecei a fazer cócegas em sua barriga enquanto ela tentava manter o caderno longe do alcance das minhas mãos, mas eu a prendia no local sem fazer muita força e ela não conseguia se concentrar enquanto ria e tremia.
- Não é justo! – Ela tentou se desvencilhar de mim, e eu apenas continuei com mais vigor.
Mas então o celular dela tocou novamente e achei melhor parar antes que ela tivesse uma síncope. Eu provavelmente não saberia o que fazer se ela desmaiasse por falta de oxigênio no cérebro.
- Deve ser . – Ela tateou a cama até achar o celular, recuperando o fôlego gradualmente e enxugando as lágrimas que escorriam dos seus olhos. – Esqueci de ligar para ela ontem e avisar que chegamos vivos e sãos. Ela vai me matar.
- Talvez não. – Dei de ombros enquanto voltava a me sentar devidamente. – Se você disser o que estávamos fazendo ela provavelmente vai compreender nosso sumiço.
- ! – começou a rir.
- Só não diga detalhes, gosto de manter minha intimidade privada.
- Cala a boca.
Mas o divertimento no rosto dela se desmanchou conforme ela observou o nome na tela e eu me afastei para dar mais espaço, porém sem esconder a mistura de curiosidade e preocupação crescente em minha expressão.
- Alô?
- , tudo bem?
Eu não conseguia ouvir muito, mesmo me concentrando, mas reconheci aquela voz instantaneamente.
Ela engoliu em seco e eu acho que fiz o mesmo.
- Oi, .
Não havia ânimo em sua voz. E apesar de eu saber que devia dar privacidade a ela, não consegui levantar. A vontade de saber o que ele queria era maior que meu bom senso naquele instante.
- Está em Londres?
- Estou.
- Eu também. – Ele acrescentou mais alguma coisa que não pude identificar, mas deduzi, pela expressão de , que ela não estava feliz com as palavras dele.
- Não posso.
Houve um momento em que o silêncio foi prolongado e eu jurei ter escutado suspirar do outro lado, como se estivesse arrependido ou cansado de algo, mas eu apostava que a verdade era que estava sendo seca e isso provavelmente o estava incomodando.
E então voltei a ouvir, palavras não tão claras quanto antes, mas o suficiente para eu compreender o geral:
- Olha [...] foi um pouco invasivo demais o que pediram [...] precisamos, você sabe [...] não dá pra ignorar [...]
balançou a cabeça para os lados, ainda que ele não pudesse ver sua reação de fato.
- , desculpe, mas não acho que agora seja um bom momento pra falar disso, ok?
- Assim nós só vamos continuar adiando o que é inevitável!
Dessa vez a voz dele soou alta e mais forte e eu encarei o telefone na mão de com os olhos semicerrados. Se ela percebeu meu incômodo, preferiu fingir o contrário.
- Eu já marquei outros compromissos até o ano novo, não posso.
Ela apenas apertou seus lábios firmemente enquanto ele dizia alguma coisa.
- Se estou com ele ou com alguma outra pessoa, sinceramente não vem ao caso – ela respondeu a ele. – Só estou dizendo que tenho compromissos até dia primeiro de janeiro. Me dê um tempo!
- Temos um contrato juntos, !
- Eu sei disso! – ela respondeu tão irritadiça quanto ele. – Não estou fugindo ou negando fazer alguma coisa, . Só quero um pouco de espaço e tempo para mim mesma!
disse alguma coisa, algo que não consegui entender, mas endireitou a coluna ainda mais contra a cabeceira da cama. Isso me deixou alerta.
- Não – ela disse firmemente. – Vou cumprir com a minha parte e você sabe disso.
- Você vai é acabar com tudo, . É isso que vai fazer.
E em seguida a chamada foi encerrada. Soube disso porque apenas ficou encarando a parede sem piscar os olhos com o telefone ainda em sua orelha sem falar nada por incontáveis segundos.
- , eu…
- Não. – Ela jogou o celular sobre o edredom, mas não me olhou por um instante.
- Posso tentar conversar com ele – ofereci, mesmo sabendo que isso podia dar muito errado. Ela deve ter pensado a mesma coisa, porque virou-se para mim completamente inexpressiva e depois soltou um suspiro.
- Eu resolvo isso, . Você dizer alguma coisa provavelmente só pioraria.
Apenas assenti levemente, concordando com o que ela havia dito para encerrar o assunto. Não sei se valia a pena querer discutir, ainda mais sabendo que ela estava certa quanto a isso. Mesmo eu querendo ajudar, sequer me deixaria formular uma frase antes de soltar suas bombas sobre mim, não escutaria três palavras. Realmente a minha conversa com ele terminaria antes mesmo de começar.
E se eu fosse ser honesto comigo mesmo, não gostaria de vê-lo por um tempo ainda.
- O que exatamente ele disse para você?
- Não importa – ela respondeu e eu soube que justamente por ela não me olhar, importava sim.
- Não gosto de ouvi-lo falar assim com você, .
Ela apenas abaixou a cabeça e soltou um riso seco. Em seguida levantou-se da cama como se nada tivesse acontecido, foi até o banheiro e ficou lá por incontáveis minutos. Quando saiu mais tarde, eu ainda permanecia no mesmo lugar na cama, e apesar de fitá-la com intensidade, seu rosto não mostrava nada. Como se ficar sozinha tivesse surtido um efeito de afastar tudo o que estava sentindo.
Ela me olhou sobre o ombro quando passou por mim de novo.
- Vou fazer chá. Quer um pouco?
Sem palavras, eu apenas assenti, um tanto perplexo pela súbita mudança de atitude e a observei caminhar até a cozinha, até que fechei os olhos com força e pressionei minha têmpora com os dedos, sem saber o que fazer.
Que belo começo de dia tinha sido esse.
Querido diário…
está dormindo ao meu lado agora, enquanto eu escrevo. Está tão lindo que me sinto meio patética por pensar assim, mas ele fica com a expressão tão suave quando dorme que parece um anjo, e fico pensando se tudo isso não é só uma espécie de sonho.
Mas não é. É verdade verdadeira. E estou sorrindo bobamente agora por escrever isso.
Que noite. Que noite maravilhosa tinha sido a virada do ano.
Sempre assisti aos fogos na praia de Brighton junto dos meus irmãos. É uma festa bonita lá, mas certamente não se compara com Londres. Nem de perto!
Ainda não estou acreditando que realmente fui presenciar isso, assistir a uma das comemorações com mais altas expectativas em todos os anos no mundo inteiro! Na orla do Tâmisa, com a London Eye de fundo, todas aquelas luzes e músicas (e um frio de congelar os ossos). Se não fosse , eu provavelmente teria ficado mais um ano sem saber o que estava perdendo. Eu e , já que havia a levado também.
Tenho até medo de dizer isso em voz alta, mas a sorte tem sorrido para mim nos últimos dias. Óbvio que eu e temos tomado cuidado, mas as poucas vezes que saímos publicamente juntos, não chamamos a atenção e nem criamos algum problema. Por enquanto está tudo certo, e eu espero que continue assim. Minha maior vontade é continuar a repetir passeios como nosso Réveillon e meu aniversário, por mais difícil que possa ser.
Encontrarei em alguns dias para dar continuidade ao nosso relacionamento fictício, mas minha paciência com ele está se esgotando. disse que eu acabaria com tudo sem perceber, que já estava pouco ligando para meus “deveres”. Não sei se consigo ouvir mais uma frase que soe assim sem fazer nada ou dizer alguma coisa que talvez depois eu me arrependa.
Mas não posso mais aceitar tudo o que ele diz.
Eu darei um jeito, como prometi a mim mesma logo que tomei essa decisão. E é isso que farei.
Com amor,
’s POV
- Estou indo, . – Eu a cutuquei de leve nas costas. – Devo estar de volta antes de você, mas te ligo qualquer coisa.
- Tudo bem – ela disse e se virou para mim, encarando-me de cima a baixo, segurando firme a caneca de café nas mãos. – Mas por favor, se resolver passar a noite fora ou dar uns pegas no aqui no apartamento, me avise para eu saber o que fazer ou onde ir!
Minha amiga frisou tanto as palavras que achei que por um instante ela pudesse querer soletrar também para dar ainda mais ênfase. Eu acabei rindo um pouco.
document.write(Agatha)…
- É verdade! Não quero ser empata foda de ninguém, caso tenha se esquecido do que aconteceu na última vez, mas também não quero ficar preocupada sem saber onde você está! Principalmente porque agora não tem mais gravação, então não posso mais deduzir que você está no set de filmagem trabalhando.
Eu revirei os olhos, mas ponderei por um instante.
- Tudo bem, você está certa.
- Sei que estou. – Ela piscou um dos olhos para mim.
Ainda era manhã bem cedo e minha amiga estava se arrumando para trabalhar, tomando o café da manhã, para ser mais exata, e resolvi acompanhá-la. Eu podia esperar para sair, podia até ter dormido um pouco mais se quisesse, mas uma parte de mim sabia que se eu fizesse isso estaria apenas enrolando, por isso juntei minha coragem e arrumei minhas coisas para cumprir com minhas tarefas.
- Aliás – voltou a falar, me tirando do devaneio: –, antes que eu me esqueça, Victoria nos convidou pra ir até a casa dela beber e comer alguma coisa. Provavelmente não vai passar de um dia inteiro de fofocas, e você obviamente não é obrigada a tomar nada alcoólico se não quiser, antes que reclame, mas acho sinceramente que seria legal um dia destinado só para garotas quando você vem passando tanto tempo nesse seu triângulo amoroso bizarro.
Por um segundo eu apenas a encarei um tanto perplexa, absorvendo suas palavras. era inacreditável, às vezes me surpreendia com a sinceridade de algumas coisas que falava.
Soltei um suspiro.
- Quando seria isso?
- No fim de semana – ela respondeu e me encarou por completo. – Tá fazendo careta por quê?
- Domingo é aniversário do , quero fazer algo legal para ele no fim de semana.
- Então vamos para a casa dela de quinta para sexta, pode ser?
Bom, não me deixaria fugir de qualquer maneira, e eu estava com saudade de Victoria também.
- Tudo bem – concordei. – Mas não comente nada com ela sobre eu e . Vicka não sabe sobre nós e por enquanto é melhor ela continuar às escuras quanto a isso.
Ela não ficou satisfeita. Percebi isso pela maneira como ela pressionou seus lábios e me olhou.
- Vocês precisam mesmo ficar fazendo todo esse suspense até para os amigos de vocês?
- Acredite, quanto menos gente souber, melhor para todos.
- Se você diz…
- E insisto – acrescentei em seguida. – Mais tarde conversamos, tudo bem? Veja os detalhes com a Vic e me fale assim que souber.
- Sem problemas. – Sua seriedade suavizou conforme me viu caminhar até a porta com a bolsa e o celular na mão. – Boa sorte com .
Por um instante eu hesitei antes de sair.
- É – concordei desanimada. – Vou precisar.
e eu havíamos trocado poucas mensagens desde a última vez que ele me ligara. Nós dois tentávamos ser educados, era bastante perceptível. Mas era óbvio também que caminhávamos numa linha tênue. E eu pressentia que não faltava muito para que um de nós, ou quem sabe ambos, não terminasse de cruzá-la de uma vez. Para bem ou para mal.
O táxi me deixou na frente da casa de mais rápido do que eu provavelmente teria desejado. Ele me esperava na porta, escorado no batente com um sorriso no rosto e observou enquanto eu saía do carro e seguia até ele calmamente. Por fim nós nos abraçamos diante da entrada, demoradamente para as câmeras a espreita capturarem o momento, e me guiou para dentro apenas segundos depois.
Eu apostava que haviam tirado já algumas fotos nossas. Queria que isso fosse o suficiente para eu poder ir embora, mas o combinado era outro. Passar algumas horas juntos em sua casa, quem sabe postar fotos nossas tiradas por nós mesmo em nossas redes sociais. Depois eu poderia voltar para meu apartamento.
- Como foram suas festas de fim de ano? – perguntei suavemente assim que ele fechou a porta.
Decidi que era melhor estudar o terreno com perguntas simples. Por uma única vez eu queria que nada terminasse em briga entre nós dois, que pudéssemos agir civilizadamente sem trocar farpas. Mas dizer qualquer coisa para ele era como pisar em ovos.
- Foram boas – ele murmurou, igualmente cauteloso. – Viajei para Liverpool, fiquei com minha família e amigos, me diverti bastante. E você?
- Fui para casa – respondi em seguida me sentando no sofá de sua sala. – Fiquei lá até meu aniversário e então voltei para Londres.
Ele franziu o cenho por um momento.
- Seu aniversário? Quando foi?
- Vinte e oito de dezembro.
Um instante de silêncio se estendeu e ele ligou os pontos, provavelmente percebendo que havia me telefonado e brigado comigo justamente na manhã após meu aniversário.
- Não sabia. – Algo em sua expressão me dizia que ele agora parecia chateado com a descoberta. Mas sinceramente eu não queria que ele ficasse chateado por não saber minha data de nascimento, que era justamente o que eu estava deduzindo, e sim pela forma como ele falou comigo independente de qualquer coisa.
Só que não era o caso.
- Não tem problema – garanti a ele, tentando abrir um sorriso mínimo. – Eu nunca contei quando era também. É um dia como todos os outros.
- Mas teoricamente agora essa é uma informação pública, não? – disse . – Digo, você é famosa. As pessoas sabem das coisas sem precisar perguntar.
Ele esboçou um sorriso e, surpreendentemente, eu o acompanhei.
- Às vezes eu me esqueço desse detalhe – confessei. – De qualquer forma, não se preocupe com isso.
assentiu e se sentou ao meu lado, afastado, o que me deixou bastante surpresa se levasse em conta nossos encontros anteriores, mas continuou a conversa se esforçando para ser agradável.
- E você se divertiu na comemoração?
- Sim. – Eu olhei para baixo sorrindo, mas tentei afastar as lembranças rapidamente daquele dia, tendo certeza que ele não queria detalhes. Nenhum que fosse. – Não foi bem uma comemoração, mas foi um dia divertido.
- Bom, fico feliz com isso, .
Dirigi meus olhos para ele esperando encontrar algum tipo de ironia, mas me surpreendi ao encontrar sinceridade ali. E confesso que quase me senti aliviada por isso. Mas esses modos não durariam muito. Nunca duravam.
- Obrigada – murmurei após um instante. – Fez alguma festa na virada do ano?
- Nada de mais. Só saí com alguns amigos, brindamos e assistimos aos fogos. – Ele deu de ombros, se espalhando mais no estofado. – Depois bebemos mais um pouco, mas sinceramente acho que é o que quase todas as pessoas fazem.
- Eu mesma fiz isso, tirando a parte de beber.
Ele abriu um pouco mais o sorriso e eu o acompanhei levemente. Quase parecia que nosso receio começava a desaparecer e que conseguiríamos levar isso adiante pelas próximas horas.
- Foi comemorar onde?
- Assisti o show da orla, bem pertinho da London Eye – respondi, subitamente animada. – Foi um pouco em cima da hora, nenhum de nós estava preparado. Pelo menos e eu não, mas foi único. Clichê dizer isso, mas foi mágico.
juntou as sobrancelhas me olhando com atenção.
- Nenhum de “nós”? – Ele fez aspas com os dedos. – Você, e mais quem?
Meu ânimo desapareceu e eu claramente hesitei. Lá vamos nós de novo, pensei, minhas esperanças começando a se desmanchar junto com o suspiro que eu soltei lentamente enquanto o fitava.
- Eu, , e – falei calmamente. Mas os nomes o atingiram em cheio e ele retesou no encosto do sofá, apertando as pálpebras com força.
- Está me dizendo que você e foram juntos, publicamente, como um casal, a um dos locais mais cheios que podiam encontrar em toda a Inglaterra e talvez no mundo inteiro? – Uma faísca perigosa começou a brilhar em seu olhar quando eles se abriram e fixaram-se em mim. – Isso é algum tipo de piada, ?
Não respondi nada e isso o fez soltar um riso seco, seguido de uma gargalhada sem qualquer pingo de humor.
- Você tem noção do que pode ter feito? Tem noção de que pode ter acabado com tudo apenas por uma... regalia qualquer?
- Ninguém nos viu, .
Ele bateu a mão contra o estofado do sofá, tão forte que o barulho reverberou por um instante.
- Como você pode saber? – Sua voz saiu quase como um urro. – Como você pode ter certeza?!
- Porque fazem quase dez dias! – respondi imediatamente. – Se fosse para ter alguma foto, a essa altura a internet já estaria abarrotada.
- Então está jogando com a sorte, é isso?
- Não, ! É raciocínio lógico. As pessoas estavam tão focadas em suas próprias comemorações que não perderam tempo para ver quem estava ao lado delas, ninguém estava preocupado com isso.
- Então esse é o planejamento que você e ele fazem todas as vezes antes de se juntarem? – ele ironizou. – “Vamos escolher um local que de tão cheio ninguém perceba que estamos lá”. Que ótima estratégia.
E lá se foi o que poderia ter sido um dia tranquilo.
- Não vim aqui discutir com você, , as opiniões que tem sobre o que eu faço ou não longe de você.
- Mas é justamente essa a questão, . – Ele se aproximou um tanto e imediatamente eu enrijeci meus músculos e empertiguei minha postura. – Você deveria querer minhas opiniões. Porque da mesma forma que eu posso fazer algo que afete a você, o contrário acontece. E você está sim jogando com a sorte.
- Eu nunca faria nada para prejudicar você ou a sua imagem!
- Não é o que parece, merda! – Novamente ele levantou a voz, os olhos arregalados me encarando. – Você vai acabar com tudo. Eu achei que pudesse ter dito demais outro dia, mas é exatamente isso que você vai fazer!
- Eu já disse que não vou!
- Então por que continua se encontrando com o ? – ele gritou de volta.
- Porque é a minha vida privada, ! – Minha voz subitamente aumentou o tom e ele pressionou seus lábios, apenas ouvindo. – Porque ele é meu amigo, meu namorado e eu o amo! Isso que eu e você temos não é real, droga! Pare de agir como se fosse!
Eu, assustada, coloquei a mão sobre a minha boca assim que as palavras as deixaram e o silêncio serpenteou entre nós por segundos pesados e lentos demais. Seria necessário cortar a tensão com uma faca de tão palpável que estava no ambiente.
Como eu fui capaz de verbalizar tudo isso sem mais nem menos? Não dava para pegar de volta o que eu havia dito.
- Nada nunca foi real pra você, não é? – Sua voz soava machucada. – Nem mesmo antes disso tudo.
Eu balancei a cabeça para os lados. Não negando, apenas tentando organizar meus pensamentos.
- Foi sim, . Existiu um momento em que era genuíno – disse a ele. – Mas acabou. Não era pra ser, entende isso?
Seus lábios se pressionaram um contra o outro enquanto seus olhos não deixavam os meus.
- Poderia ter sido! Poderia ter sido se ele não tivesse se enfiado onde ninguém o chamou.
- A culpa não é de ! Não é minha, nem sua, ! Não é de ninguém! – comecei a me atrapalhar com as palavras, mas elas já saíam sem que eu pudesse interrompe-las. – Pare de tentar achar alguém a quem culpar o tempo todo. Eu sinto muito por isso, por ter ido adiante com o que tínhamos sem ter nenhuma certeza se daria certo ou não, só que eu não tinha como saber, não tinha garantia de nada!
- Talvez, . Mas podia ao menos ter tentado algo comigo antes de correr para a cama dele e desistir de mim!
Meu rosto ficou vermelho e precisei contar até dez para não gritar mais uma vez, para não perder o controle.
- É isso que você não entende, – falei pausadamente. – Não. Eu não podia. Porque se tivesse feito isso, se tivesse ficado com você, só teria enganado a nós dois. Eu não queria enganar você com falsas esperanças!
- Mas você fez isso, . Não percebe? – Seu rosto se contorceu numa careta desgostosa, cheia de decepção. – De certa forma, ainda está fazendo exatamente isso. E não consigo aceitar que você esteja com ele quando eu fiz tanta coisa por você. Eu me doei quase que por completo e não recebi nada em troca!
Meus olhos começaram a arder, contudo eu seguraria as lágrimas até que elas secassem completamente, não me permitiria chorar na frente dele sabendo que sua intenção era exatamente me atingir.
- Eu sinto muito por não poder retribuir seus sentimentos. De verdade, me desculpe! Só que não há nada que eu possa fazer.
- Mas poderia ter feito antes!
Cobri meu rosto com as mãos ao mesmo tempo em que o ouvi se largar no estofado e soltar um suspiro audivelmente sôfrego.
Não queria buscar justificativas para suas atitudes impensadas e para suas palavras afiadas como navalhas, mas no fundo eu entendia que ele só estava fazendo isso porque estava machucado. Porque queria entender como chegou a esse ponto e achar respostas para suas hipóteses.
Só que descontar isso nos outros não resolveria nada. E era justamente esse ponto que ele ainda não tinha compreendido em absoluto.
- Às vezes, ... – Eu pigarreei clareando minha voz e ele me encarou com relutância. – Às vezes eu me arrependo. Me arrependo de ter deixado você me beijar naquela noite depois do nosso encontro, ou de ter me aproximado tanto de você durante aqueles meses, se eu soubesse como estaríamos hoje, se soubesse que o resultado seria esse. – Seus olhos se fecharam enquanto passava os dedos sobre a têmpora, como se não quisesse ouvir aquilo, mas se obrigasse. – Mas aí eu me lembro que naquela época eu queria ter sido beijada e queria ter estado próxima de você! Porém, acontece que existem coisas que não somos nós que escolhemos! Entende isso, ? Ninguém é capaz de escolher por quem se apaixonar! Ninguém! E eu sinto muito por ter magoado você. Te machucar me machucou também, por mais que não acredite.
Por alguns segundos não houve nada entre nós além do silêncio. Nós dois nos fitando com intensidade, meu coração acelerado aguardando por suas próximas palavras depois de toda a confissão que eu havia tanto me esforçado a dar a ele. Aguardei sua fala. Se é que haveria alguma.
- O que espera que eu te diga, ? – Ele deu de ombros, esgotado. – Que está tudo bem? Porque isso eu te garanto que não está.
- Não. – Eu balancei a cabeça levemente. – Não é isso. Eu só queria que fossemos capazes de lidar com isso sem todas essas brigas, porque você é importante pra mim, mesmo depois de todas essas coisas ridículas que disse e insinuou. E é importante para também! Vocês são mais que isso, mais que esse ressentimento obscuro.
- Não fale dele.
- Mas …
- Não falei dele, ! – Ele me cortou com a voz firme e se levantou.
- Pare de agir assim de uma vez. – Eu me levantei em seguida. – Por favor, . não é o vilão da história. Nem eu, ou você. Mas do jeito que você está agindo... Está muito próximo de se transformar em um.
Ele me encarou surpreso e perplexo. Quase pude jurar que o vi retesar por um instante. Tomou fôlego para dizer algo e me preparei para palavras que me machucariam. Mas ele apenas virou as costas e se dirigiu para a escada.
- Eu estarei lá em cima se precisar de alguma coisa. – Seu último murmúrio foi seguido dos passos abafados contra os degraus. Eu o encarei subir e desaparecer no segundo andar, mas ele não olhou para trás nenhuma vez.
Eu sentei novamente no sofá, sentindo como se tudo ao redor fosse um borrão. A sensação era que eu estava afundando em areia movediça. Porque quanto mais eu lutava para sair desse ciclo infinito de discussões, mais eu afundava nele.
Não sabia quanto tempo mais conseguiria levar adiante.
Capítulo 45
[…]
One day, maybe next week
I’m gonna metcha
I’ll metcha”
’s POV
- Feliz aniversário! – Eu pulei sobre e passei meus braços por seus ombros assim que ele abriu a porta o suficiente para eu passar.
Ele cambaleou um pouco para trás, completamente surpreso por minha atitude súbita, mas não demorou para me abraçar pela cintura e tirar meus pés do chão em seguida.
- Minha nossa, Ruivinha, quanta energia!
- Eu estava animada para te ver! – Ri e segurei seu rosto entre minhas mãos, o beijando em seguida mais rapidamente do que de fato eu desejava.
- Percebi – ele murmurou contra minha boca e me colocou no chão com cuidado. – Acho que posso me acostumar com recepções calorosas assim.
- Vou me lembrar disso nas próximas vezes. – Eu pisquei um dos olhos para ele. – Mas agora cubra sua vista com alguma coisa. Tenho algumas surpresas para você.
Ele arqueou as sobrancelhas sugestivamente, mas colocou as mãos sobre os olhos em seguida, sem espiar por entre os dedos.
- Se pretende fazer alguma coisa comigo vendado, eu sugiro irmos nós dois para o quarto antes.
Eu comecei a gargalhar muito mais do que provavelmente o esperado e ele apenas me dirigiu um sorriso divertido enquanto ia até seu sofá e eu voltei até a entrada do seu apartamento para pegar algumas coisas que havia deixado ali por um instante.
Quando voltei para a sala alguns segundos depois, acendi as velas sobre o bolo com um fósforo e finalmente sentei de frente para ele no estofado.
- Agora sim eu posso dizer com propriedade: Feliz aniversário, ! – Ele tirou as mãos dos olhos e encarou o bolo em sua frente com um sorriso pleno e satisfeito.
- Obrigado, Ruivinha. Não precisava ter se incomodado.
- Vamos, faça um pedido! – eu disse estendendo o bolo mais próximo dele. – Apague as velas e aí podemos comer.
Ele riu parecendo contrariado, mas fez o que eu pedi e em seguida tirou o bolo de minhas mãos e o colocou sobre a mesa de centro.
- Tenho a impressão de que alguém dedurou meu sabor favorito para você? – me olhou sugestivamente e eu dei de ombros.
- Tenho minhas fontes.
- Foi , não foi?
Revirei os olhos e estendi a faca e os pratinhos para ele fazer as honras.
- Ah, vamos lá. – Ele sorriu para mim enquanto cortava a primeira fatia do doce e eu continuei, mudando de assunto: – Vai me contar o que desejou quando apagou as velas?
- Sabe o que dizem sobre pedidos de aniversário. – Ele estendeu o primeiro pedaço para mim e aproveitou para sujar a ponta do meu nariz com chantilly rápido demais para eu me afastar. – Se dissermos em voz alta, eles não se realizam.
Estava prestes a protestar, mas se inclinou e beijou o local onde até um instante ele próprio havia sujado de chantilly. Eu fiquei embasbacada por um segundo.
- E além do mais – continuou. –, você não me contou seu pedido. Acho justo eu não contar o meu também.
- Espertinho. – Eu passei a ponta do dedo na cobertura do bolo em minha mão e a espalhei em seguida na bochecha dele antes que se desse conta para me impedir. – Como o senhor quiser.
Comecei a comer o doce em seguida despretensiosamente enquanto ele apenas me encarava com as sobrancelhas juntas. Eu me fingi de desentendida. Realmente, o bolo estava uma delícia.
- Isso não é justo – ele reclamou em tom de brincadeira e apontou para sua bochecha com ar de indignação. – Eu limpei a sujeira que fiz em você. Devia fazer o mesmo.
Eu ri baixinho e me inclinei sobre ele para fazer exatamente da mesma maneira que ele havia feito comigo, talvez me demorando apenas um pouco mais do que devia enquanto lambia seu rosto.
- Está bom assim para você, ? – eu murmurei provocante, passando o dedão gentilmente pelo local como se limpasse algum resquício. Ele me olhou em seguida e vi um brilho sugestivo em suas íris. Eu conhecia aquela expressão em seu rosto e meu estômago imediatamente reagiu a ela, formigando em antecipação.
- Sabe, Ruivinha – sua voz soou incrivelmente sensual. –, você está me dando algumas ideias bastante interessantes que envolvem um pouco mais de chantilly, eu, você e nenhuma roupa. Talvez algumas cerejas.
Tentei manter a expressão séria e conter a vermelhidão em meu rosto, a respiração subitamente mais pesada.
- Eu sabia que você era atrevido. – Olhei para ele de cima a baixo enquanto me recompunha. – Só não sabia que era tanto.
- Você desperta algo em mim, .
- Uma fera indomável?
- Só quando estamos eu e você.
Eu ri, apesar de me sentir momentaneamente quente, como se a temperatura tivesse subido rápido demais em pouquíssimo tempo. Ele começou a aproximar seu rosto do meu e eu pigarreei, o interrompendo.
- Fico incrivelmente lisonjeada, vou aceitar isso como uma espécie de elogio. – Ele franziu o cenho. – Mas antes de qualquer outra coisa, eu tenho mais um presente para você.
- Desse jeito vou ficar mal acostumado – ele brincou, mas me observou levantar do sofá com interesse. – É sério?
Outra vez eu desapareci da sala e voltei para a entrada do apartamento, dessa vez pegando um embrulho grande demais para conseguir esconder e o formato óbvio o suficiente para deduzir por si só o que era que eu trazia para ele.
- Olhando daqui quase dá pra dizer que o pacote é do seu tamanho.
- Sou pequena, mas nem tanto. – Ele riu quando me viu revirar os olhos.
Contudo, em um segundo eu já sorria de novo para ele e lhe entregava o presente. – Sei que você já sabe o que é, mas vou fingir que não e pedir para você abrir mesmo assim.
riu e se levantou do sofá para me abraçar e me beijar rapidamente antes de se sentar de novo.
- Obrigado pelo violão, Ruivinha – ele disse enquanto desfazia o laço e eu me sentei de novo ao seu lado, o observando com interesse. – Hey, você gravou uma frase nele?
Seus olhos se levantaram até meu rosto com curiosidade. Ele pegou o instrumento com cuidado e terminou de tirar a case, colocando-o em seu colo.
- É, bem... – Dei de ombros me sentindo um tanto patética. – Não é nada novo. Na verdade é a mesma que você gravou na caixinha da pulseira. – Levantei meu pulso onde a joia estava para dar mais ênfase. – Só gostei demais dela e achei que combinaria você ter algo que te lembrasse daquilo da mesma forma que eu tenho.
O sorriso que ele tinha atravessava seu rosto por completo e ele dedilhou a inscrição com cuidado. You’ll be the anchor that keeps my feet on the ground. And I’ll be the wings that keep you heart in the clouds.¹
- É a sua caligrafia, não é? – Assenti levemente. – Eu adorei.
- Sei que você já deve ter uns cinco violões. – Cutuquei de leve seu ombro, sorrindo minimamente, me sentindo estranhamente boba quando confessei: – É muito difícil dar presente para alguém que já tem tudo.
- Não fale isso. Pode até ser verdade – Ele devolveu o violão na case e me puxou para mais perto de si. –, mas agora esse é o meu instrumento favorito entre todos os outros.
- Por quê?
- Porque foi você que me deu – ele respondeu sorrindo como se aquilo fosse muito óbvio.
- Você fala de um jeito como se isso de alguma forma fosse te inspirar mais. – Eu o zoei, mas ele fingiu não entender o sarcasmo.
- Quem sabe? – falou. – Você uma vez disse que era minha musa inspiradora, eu acredito plenamente nisso.
Acabei rindo me lembrando do dia em que havia dito aquilo para ele, no hotel em Bradford tantos meses antes. Nem acreditava que ele se lembrava disso ainda.
- Independente disso – mudei de assunto. –, está aí uma verdade: sou péssima com presentes. Vai ter que se acostumar com isso.
Ele apenas balançou a cabeça negando.
- Se serve de consolo, é melhor que . – soltou um suspiro longo fingindo decepção. – Ele me deu um vale tatuagem com validade de um ano. Disse que em um momento ou outro eu o usaria. Só não sabia quando ou em quê.
Soltei uma risada.
- Foi criativo! – Tentei defender nosso amigo.
- É. Foi o que disse também.
Nós dois gargalhamos por um instante e eu voltei a comer a fatia de bolo que ainda estava em meu prato. resolveu fazer o mesmo apenas um segundo depois.
- Então, você encontrou o pessoal? – Eu me referi aos garotos da banda e concordou.
- Eles quiseram me levar para comemorar antes, já que falei que estaria ocupado hoje. – Lançou-me um olhar significativo e eu sorri com malícia. – Fomos até um pub que escolheu e ficamos lá por umas horas. Ele disse que teria chamado você e , mas que estavam ocupadas demais tendo uma noite de garotas ou algo assim.
Eu acabei rindo um pouco.
- Sim, estávamos na casa de Victoria fofocando. – tomou ar para perguntar, mas eu o cortei antes disso, explicando: – E não, você não foi o foco da conversa. Na verdade, foi.
Ele piscou.
- ?
- Sim, aparentemente Vicka finalmente abriu o jogo para eu e sobre o caso dos dois que às vezes parece mais um ioiô de tão “estamos juntos e de repente não mais”. – parecia um tanto perplexo. Eu também tinha ficado quando soube. – Ele nunca disse nada para você ou um dos caras? Sobre estar com Victoria?
- Não, ele sempre foi bastante reservado sobre a vida amorosa. Se ele não fala, nós não perguntamos. segue essa linha de raciocínio com todos nós, aliás.
Eu ponderei por um instante.
- Então ele não sabe sobre nós dois? – negou rapidamente, convicto.
- O único que sabe tudo na íntegra é . – Ele se calou por um segundo. – E sabe aquilo que quer. Ou apenas o que entende, sinceramente não sei.
Concordei com a cabeça, não revelando o fato de minha boca grande ter dito demais na última vez que eu havia me encontrado com .
- Victoria também não sabe – afirmei. – Desconfia de algo, mas acha que não passa de flertes sem objetivo. Provocações, nada mais.
- Acho que pensa a mesma coisa ou algo muito próximo, não é de se intrometer – acrescentou. – Por outro lado, o loiro azedo do sabe que tem algo acontecendo. Só não foi direto em perguntar nada ainda.
- Por que diz isso?
- Ele esteve presente em algumas situações chaves. – Deu de ombros, mas não explicou muito mais que isso. – tem suas próprias conclusões, mas na confusão atual que todos nós da banda estamos, ele não vai dizer nada. Pelo menos não no meio de todos.
Eu interrompi o caminho que o garfo fazia até minha boca e o olhei incomodada. Triste.
- não foi comemorar seu aniversário com os outros, não é? – Pelo suspiro e a maneira que seus ombros se curvaram, tive minha resposta. – Sinto muito, .
- Não vamos falar sobre isso – ele disse imediatamente e abriu um sorriso amplo no rosto que ainda não era genuíno, mas ele se esforçava para em deixá-lo real. – Estou mais interessado em saber como está se sentindo, já que o primeiro episódio será lançado essa semana.
Eu abri um sorriso arreganhado que provavelmente estava mostrando todos os meus dentes.
- , eu estou surtando de tão ansiosa! Parece um sonho.
- É a realização de um, não é?
Eu tinha a resposta na ponta da língua, mas ainda assim demorei para responder enquanto observava o brilho de orgulho nos olhos de fitando os meus com animação e divertimento.
- Você não faz nem ideia – sussurrei em meio a outro sorriso, mais pleno dessa vez.
- Você que pensa. – Ele devolveu o gesto e mudou de assunto em seguida. – Aliás, tenho uma pergunta para você.
- É mesmo?
- Já esteve em alguma premiação? – O fitei por um instante, tentando entender onde ele queria chegar.
- É deduzível que não. – Ele revirou os olhos para minha ironia.
- Estaria disposta a ir em uma?
Um instante se passou enquanto eu absorvia suas palavras. Meu coração acelerou com as conclusões precipitadas.
- Onde quer chegar com isso?
- Bem – ele coçou a nuca, dando de ombros. –, todos os anos acontece aqui em Londres o BAFTA Awards e o Brits Awards. O primeiro como você deve saber é direcionado para filmes e artes televisivas, o segundo para a música.
- Certo. – Eu apenas concordei num incentivo para fazê-lo continuar.
- Pois então, ambas as premiações acontecem no mês que vem. – Ele respirou fundo e me olhou atentamente. – No Brits eu e os caras iremos como o One Direction, pois estamos concorrendo a algumas categorias, e você talvez ainda não saiba, mas provavelmente irá acompanhando . Mas no BAFTA, eles não estarão presentes... E eu gostaria que você me acompanhasse nessa festa.
Pisquei os olhos lentamente, a euforia se misturando com o nervosismo e incerteza.
- Mas... – Eu pigarrei para clarear minha voz. – Os outros vão surtar se formos juntos.
- Talvez. – Ele sorriu maroto, agindo como se já tivesse pensado nisso e em uma solução. – Mas iremos como colegas de trabalho. Amigos. Afinal, pensa comigo, estaremos indo a uma das maiores premiações da televisão como protagonistas da série The Blackside justamente ao mesmo tempo em que os episódios são lançados semanalmente. Qualquer um que tente enxergar demais, será repelido. Podemos rebater que aquilo não se passava de marketing. Publicidade para a série.
Eu ponderei por um instante.
- Faz sentido.
- Claro que faz, eu sou um gênio.
Revirei os olhos e contive uma risada, pensando em outro quesito. Um empecilho.
- E ? – questionei. – Ele também é ator da série. Aposto que ele foi convidado. Se decidir ir, não terei outra escolha senão acompanhá-lo, . Exatamente como no Brits, que aliás, eu não sabia, obrigada por informar.
- Disponha. – Fingiu que aquilo realmente não era nada, mesmo eu estando bastante surpresa com a informação. – Mas é sério, Ruivinha. Ele não vai. Eu sei porque recebemos o convite juntos numa reunião e ele recusou na hora.
- Mas isso não o impede de ficar puto.
- Não, mas ele também não pode implicar por você aceitar o convite. – Eu franzi a testa para ele. – Qual é, Ruivinha, você faz parte da televisão inglesa agora, aposto que vai receber o convite de qualquer forma. Se reclamar por causa disso, é porque esse homem tem desvio de caráter. Não é possível!
Eu soltei uma gargalhada um tanto incrédula e me acompanhou rindo baixinho.
- Mas …
- Não. Sem mais! – Ele me cortou. – Vá como minha acompanhante. É meu pedido de aniversário para você.
- Ah, não! Isso é golpe baixo.
- Eu cumpri com seu pedido, golpe baixo vai ser você rejeitar o meu. – Tentei segurar a risada para sua expressão indignada, mas foi em vão.
- Tudo bem. – Eu murmurei me dando por vencida, sabendo que ele insistiria até que eu cedesse. E afinal, eu queria mesmo ir ao BAFTA. A simples menção já quase me fez pular do estofado e gritar em êxtase.
- É sério?
- Pareço estar brincando? – Suas mãos seguraram meu rosto com firmeza.
- Você é a melhor pessoa no mundo. – E me puxou para um beijo cheio de energia que arrancou todo o oxigênio que eu tinha ao meu redor.
Sorri em meio ao beijo apenas para retomar a conexão dos nossos lábios em seguida, deixando os pratinhos sobre a mesa de centro enquanto segurava minha cintura com uma mão e a outra segurava minha perna, puxando me para seu colo com mais rapidez do que fui capaz de raciocinar.
Se essa era sua forma de agradecer por eu ter concordado com seu pedido, sinceramente eu estava pronta para me deixar perder nele completamente e em todas as sensações que seus lábios e mãos eram capazes de provocar em mim.
Isso provavelmente teria acontecido se não fosse o celular dele tocando. Eu soltei um murmúrio completamente sem sentido nem um pouco satisfeita.
- Não é por nada – eu disse afastando meu cabelo do rosto enquanto ele pegava seu celular sem me tirar do seu colo, uma perna de cada lado de seu corpo. –, mas estou começando a achar que devíamos deixar nossos celulares no silencioso de agora em diante.
- Cansada de ser interrompida? – A malícia sugestiva em sua voz me fez abrir um sorriso cheio de provocação.
- Você não faz nem ideia. – Suas íris escureceram e as pupilas expandiram conforme ele me olhava penetrantemente. Minha boca secou no mesmo instante.
Mas nossa conexão foi interrompida assim que o aparelho soou mais uma vez e tirou a atenção que tinha sobre mim.
- Deve ser só mais uma felicitação de aniversário. – Deu de ombros e começou a ler o conteúdo.
Talvez ele não tenha achado que eu percebi, mas seu sorriso desmanchou lentamente e sua respiração acelerou. Me vi tentada a espiar o que estava escrito na tela, mas antes que fizesse qualquer movimento largou o celular longe de nós dois no sofá e segurou firme em minhas coxas.
- Aconteceu alguma coisa?
Ele levantou o rosto para me encarar.
- Nada de mais – murmurou inexpressivamente. – Como eu disse, apenas uma mensagem de parabéns.
- Certo – eu concordei, mas não acreditei em suas palavras, convicta da mentira contada.
Porém, se ele via ou não minha conclusão em meus olhos, preferiu deixar de lado quando se inclinou para a frente e me beijou novamente. Mais firme dessa vez. Mais intenso.
E uma parte de mim reclamou dizendo que ele estava apenas me distraindo do que tinha acontecido, seja lá o que tenha sido, mas confesso que o pensamento não durou muito.
Minhas mãos se fixaram em sua nuca enquanto as dele circulavam minha cintura e me puxavam para baixo, arrancando suspiros de mim. Sua boca se movimentava contra a minha lascivamente e eu não era capaz de outra coisa além de seguir seu ritmo, de me deixar levar por ele.
- Acho que agora devemos desligar nossos celulares – ele sussurrou contra minha boca, roucamente, seus dedos apertando a pele exposta da minha coxa. – Tenho planos diferentes para nós dois.
Eu precisei de um segundo para me livrar do torpor em que estava para responder:
- É mesmo? – A pergunta não passou de um arfado sôfrego. – Quer me contar alguns detalhes?
Ele sorriu e mordeu meu lábio inferior, o puxando para si ao passo em que suas mãos adentrando por baixo da minha saia com destreza me arrepiando por completo.
- Com certeza, Ruivinha. – Ele desceu os beijos por meu pescoço até chegar em meu colo. – Envolve minha piscina com água aquecida, nós dois e nenhuma peça de roupa.
Ele impulsionou sua pélvis contra a minha e não consegui segurar o gemido.
- Parece interessante. – A rouquidão em minha voz foi impossível de esconder. Mas tudo o que ele fez em seguida foi sorrir abertamente, o desejo e excitação visível em cada poro do seu corpo. Seus olhos brilhavam em ansiedade enquanto me olhavam e eu sabia que fazia o mesmo.
- Ah, . Vai ser muito mais interessante do que parece. – Ele se levantou imediatamente do sofá segurando firme minhas pernas ao redor da sua cintura. – Pode ter certeza disso.
E, de fato, ele provou a veracidade de suas palavras para mim com todos os recursos que tinha disponível.
Quase foi capaz de me fazer esquecer que ele estava escondendo algo.
Quase.
’s POV
dormia tranquilamente em minha cama, os cabelos ainda úmidos do banho que havíamos tomado não muito tempo antes estavam espalhados pela fronha do travesseiro, mas ela não parecia ligar para isso. Estava aconchegada nas cobertas, as pernas encolhidas junto ao tronco, respirando tão serenamente que por mais alguns segundos ela quase foi capaz de livrar meus pensamentos de todos os novos tormentos.
Por mais que ela tenha sido capaz de inebriar todos os meus sentidos durante a tarde e boa parte da noite, a preocupação começava a reaparecer em mim agora.
Com um timing perfeito, meu celular começou a vibrar, dessa vez sem som, na mesa de cabeceira, tirando-me de meu estupor com rapidez.
Eu não queria acordá-la, ter que contar a ela o que estava acontecendo. Não agora. Não assim, depois do dia que tivemos. Queria poder resolver tudo antes de dizer qualquer coisa que fosse. Contudo, algo bem no fundo tentava me dizer que as coisas não seriam assim.
Olhei o nome na tela do aparelho e o xinguei mentalmente pelo que pareceu ser a milionésima vez. Fora do quarto, olhando de relance para a cama onde minha Ruivinha estava, eu fechei os olhos com força e atendi a chamada.
- Eu pensei ter dito para você não me ligar mais. – A raiva foi impossível de ser camuflada. Mas a risada em resposta do outro foi suficiente para eu saber que não tinha sido levado a sério, a voz soando grave em tom de divertimento:
- Pensei que estivesse com saudade, . Não posso ligar para desejar um feliz aniversário para um velho amigo?
Eu respirei fundo para controlar o que eu diria a seguir.
- O que você quer, Beckett?
A gargalhada soou mais uma vez. E então ele disse.
’s POV
- Eu não acredito nisso! – exclamava para mim, os olhos arregalados e a boca aberta num sorriso que mostrava todos os dentes. – Não consigo acreditar! Era você ali, ! Era você mesma!
Ela apontava entusiasmada para a televisão, segurando o balde de pipoca firmemente em seu braço enquanto eu ria alegremente, extremamente feliz, deixando a ficha ir aos poucos caindo.
Finalmente o tão esperado dia. O momento que eu esperei pelos últimos meses tão ansiosamente.
Os créditos do final do programa subiam pela tela encerrando o primeiro episódio lançado de The Blackside e eu quase não conseguia respirar enquanto observava. Meu coração palpitava com orgulho e realização desde o início da transmissão até agora, era tão intenso que não conseguia me mexer. Não conseguia nem raciocinar o suficiente para dizer algo para minha amiga, que agora me abraçava desajeitadamente, derramando alguns grãos de pipoca ao nosso redor, incapaz de se conter no próprio lugar.
- Você conseguiu, ! – ela murmurou contra a minha cabeça. – Conseguiu mesmo!
- Conseguimos! – Eu frisei a palavra, corrigindo-a, e retribuí o aperto completamente sem jeito. – Se não fosse você me incentivando lá atrás, eu jamais teria me inscrito para a seleção e nem estaria aqui hoje.
soltou um gritinho agudo e me apertou mais. Quando nos separamos, ela olhava para cima e fungava audivelmente.
- Ai, não. – Eu me desesperei. – Não chora, ! Por favor, não faça isso.
- Não vou! – Ela piscou os olhos firmemente para o teto. – Só estou muito feliz e orgulhosa de você.
De repente meus olhos ardiam também pela emoção dela, por ver sua reação pela minha conquista. Meu coração transbordava aquecido e em um segundo eu fechava os olhos para impedir que a vontade de chorar ganhasse mais espaço.
Nós duas nos encaramos, aquele tipo de olhar que diz muito mais que palavras, e começamos a gargalhar sem motivo algum, certas de que esse dia não merecia lágrimas, mesmo de emoção, apenas sorrisos, risadas e gargalhadas.
- Você precisava ver sua reação quando passou a abertura – me provocou, mais controlada dessa vez. – Eu consegui filmar. É um dos melhores vídeos seus que tenho.
Ela indicou o celular agora em sua mão e eu corri para ver a gravação.
- te mandou parabéns, aliás. – ela acrescentou em seguida. – E eu postaria a filmagem se fosse você. Está linda, espontânea e genuína.
Eu terminei de assistir ao vídeo e abracei mais uma vez, completamente sem palavras.
- Obrigada por isso. – Eu dei de ombros sem saber bem ao certo a que a estava agradecendo de verdade. Mas minha amiga apenas concordou ainda rindo sem jeito.
O vídeo estava online alguns minutos depois em minhas redes sociais e eu me divertia com comentários e menções de fãs que vieram em seguida, a reação do público em geral. Mas admito que, aquilo que mais me chamou a atenção, que mais me divertiu, foi a mensagem que me mandou particularmente: uma foto minha tirada da tela da TV bem no meio do episódio. A expressão taciturna, a postura ereta e calculada, as roupas pretas apertadas se agarrando ao meu corpo, os cabelos soltos jogados sobre os meus ombros. A frase que vinha embaixo me fez soltar uma gargalhada audível e divertida: “Que espiã mais sexy... Parabéns pelo trabalho, Ruivinha. Foi demais”.
revirou os olhos quando viu o que era e me observou enviar para ele uma foto dele também tirada de uma das cenas da série. Sua seriedade e a pontada de dúvida no rosto, o meio sorriso que esboçava com os olhos semicerrados. “O ótimo trabalho foi seu.” Eu respondi. “Que homem mais gostoso.”
- Se vocês vão começar a trocar mensagens sacanas ou eróticas, me avise que eu saio daqui agora! – Minha amiga provocou claramente interessada. – Corro para as colinas ou me tranco no quarto. Qualquer coisa para não presenciar isso.
- Qual é, eu não reclamo de você e do . – Irritadiça, mas ainda rindo, eu lancei uma almofada em sua direção e depois me levantei para recolher a bagunça de embalagens de twix e pipocas pelo chão para em seguida jogá-las fora.
me seguiu até a cozinha.
- Claro que não, nós somos perfeitamente educados.
Meu olhar indignado fez o rosto dela corar imediatamente.
- Preciso mencionar aquela vez que... – A campainha tocou e me interrompeu. , subitamente muito solícita, foi imediatamente abrir a porta. – Não pense que vou esquecer disso!
- Cale a boca, . – Ela abriu a porta e estampou um sorriso no rosto. – Rachel! Entra aí.
Eu segurei a vontade de rir da cara de pau da minha amiga de querer se fingir de santa e dei espaço para que minha empresária adentrasse o apartamento com as sacolas que carregava penduradas no braço.
Primeiro ela me abraçou e me parabenizou por algum tempo pelo lançamento definitivo de The Blackside e enfim foi conosco de volta até a sala e se sentou no sofá espaçosamente.
- Tenho algumas novidades! – Ela pegou algumas pastas dentro de uma das sacolas.
- Por favor, me diga que são coisas boas – eu pedi fazendo careta. – Da última vez eu fiquei mais assustada que feliz.
- E dessa vez são! – Ela riu e estendeu algumas folhas de papel para mim. – A Pandora quer fazer outro contrato com você para uma nova coleção de joias.
Eu peguei os papéis perplexa demais, ainda assimilando as palavras quando tomou-os das minhas mãos e começou a ler animadamente antes que eu pudesse reagir. Rachel apenas soltou um riso nervoso com a cena.
- Eu achei que eles não tivessem gostado de mim. – Pensei na sessão de fotos em Bradford e de como algumas das pessoas que trabalhavam lá me olharam ou falaram comigo.
- Bom, ao que parece seu rosto como modelo aumentou as vendas. – Minha empresária deu de ombros. – A esperança deles é que você aumente ainda mais. Ah, antes que eu me esqueça, mandaram esses mimos para você também.
Ela me entregou uma sacola propriamente dita da marca, onde dentro havia várias caixinhas cheias de joias que me deixaram de queixo caído enquanto as olhava calmamente com olhos brilhando.
, mais uma vez, foi mais rápida que eu e puxou a sacola das minhas mãos para fuçar o conteúdo.
Sério, qual era o problema dela?
- Enfim. – Rachel soltou um suspiro divertido trocando olhares entre eu e minha amiga. – Não quero falar muito mais sem ainda ter certeza, mas existem algumas outras marcas que estão se interessando em você ultimamente. Estou tentando entrar em acordo com elas, achei que você deveria saber.
- Quais marcas?
- Bom, isso será surpresa. – Ela piscou um dos olhos para mim e eu demorei a acreditar que tudo aquilo era realidade. – Mas vamos focar em outra coisa. Tenho aqui também algumas correspondências de fãs.
Dessa vez eu puxei a sacola repleta de cartas e outros objetos antes que botasse as mãos. Para minha surpresa, a loira não estava prestando atenção nisso.
- E... – Ray fez suspense, me olhando de soslaio enquanto tirava uma pasta e alguns desenhos de dentro dela. – Aqui estão alguns esboços para sua roupa no Red Carpet do BAFTA.
- O quê? – exclamou inconscientemente e pegou os desenhos para si.
- Pelo amor de Deus, mulher! – Eu puxei os desenhos de sua mão de volta para mim. – Aquieta esse corpo!
Rachel riu ao passo em que minha amiga apenas piscou os olhos, aturdida.
- Desculpa – a loira murmurou, um tanto mais calma. Minha empresária soltou um suspiro.
- Não quero tomar mais o tempo de vocês, tenho algumas outras coisas para fazer agora. – Ela se levantou. – Só peço para você escolher o modelo da roupa o quanto antes. Os nomes dos estilistas estão assinados embaixo dos desenhos e sei que vocês conseguem deduzir a marca da peça a partir daí. Preciso da resposta disso o quanto antes e aí você me entrega o contrato da Pandora assinado ou com as alterações que deseja ao mesmo tempo. Pode ser?
Ela não se demorou muito depois disso, e em poucos minutos eu e estávamos sozinhas de novo no apartamento.
- Você tem noção do tanto de coisa legal que você ganhou? – Ela indicou a sacola da Pandora e tirou de lá uma caixinha, me mostrando brincos em argolas pequenas e delicadas incrustradas de zircônias.
Eu apenas a olhei divertida enquanto via logo mudando seu foco para os desenhos dos vestidos que Rachel havia nos entregado.
- Olha isso, . – Ela soltou um suspiro para os papéis. – Realmente você está ficando importante, olha a beleza disso aqui? Impossível escolher entre eles.
- Talvez Philip consiga ajudar – eu disse a ela, dando de ombros. – Afinal, ele vai fazer meu cabelo e maquiagem. É justo que ele opine.
- Ótima ideia! – se levantou apontando o dedo e sorrindo para mim. – Eu vou ligar para ele e pedir que venha agora mesmo.
- O que, mas... Agora? – Balancei a cabeça para os lados. – Você tem o telefone dele?
Minha amiga estralou a língua no céu da boca e começou a se afastar para longe, ainda com os desenhos dos meus vestidos em suas mãos.
- Querida – ela disse para mim como se eu fosse ingênua. –, eu tenho o telefone de todo mundo.
E um instante depois eu estava sozinha em minha sala, apenas a ouvindo de longe conversar com meu Hairstylist com uma empolgação muito maior que a sua própria por natureza.
Rindo, aproveitei a distração dela, eu comecei a ver as cartas dos fãs que estavam ainda ao meu alcance dentro da sacola, disposta a me alegrar ainda mais com o conteúdo dali de dentro como sempre acontecia. Desde os bichinhos de pelúcia que haviam me mandado até as frases mais singelas e os desenhos mais simples.
Estava indo tudo bem até aí, eu ouvia a voz de ao longe discutindo com Philip, talvez implorando alguma coisa enquanto eu havia acabado de ler uma carta bastante emocionante, um depoimento de uma garota que falava que a minha história a ajudava a seguir em frente com a dela, quando botei os olhos no envelope seguinte.
Diferente dos outros, ele era... inexpressivo. Não havia nada nele. Não tinha selo, carimbo, remetente. Apenas meu nome escrito na frente em letras garrafais negras contra o papel branco, como se a pessoa tivesse vindo até meu condomínio e o deixado diretamente na portaria sem querer revelar a identidade.
Até aí estava tudo ok, mas o conteúdo interno…
Eu li e reli as frases por incontáveis vezes durante os próximos segundos.
I see you. Do you see me too?²
Bette K. C.
Eu franzi a testa enquanto encarava as palavras por muito mais tempo que o normal e um arrepio subiu por minha espinha. Qual o sentido disso? Alguma pegadinha?
Eu virei a folha procurando mais alguma coisa, mas não havia nada.
- ! – apareceu novamente na sala e eu saltei no mesmo lugar onde estava, assustada. – Philip está vindo, eu o convenci a vir imediatamente. Tive que prometer algumas coisas, mas sério! Você precisa ver tudo isso, são esboços de sonhos e... o que é isso em sua mão?
- Uma carta – eu murmurei e pisquei várias vezes seguidas para me livrar do devaneio que me tomava. – Nada de mais, na verdade.
se aproximou em dois passos e a puxou da minha mão, as sobrancelhas juntas e a preocupação visível enquanto lia as únicas duas frases com seriedade.
- Parece uma brincadeira de mal gosto. – Ela olhou do papel para mim e observou minha expressão pensativa. – Só ignora. – Ela amassou a carta em seguida e a jogou para longe sobre o ombro. – Vamos pensar no que vai usar no Red Carpet do BAFTA Awards, pode ser? Muito mais emocionante.
Eu apenas assenti, calada, deixando que minha amiga se sentasse ao meu lado e começasse a falar incansavelmente dos croquis feitos pelos estilistas, os colocando um ao lado do outro na nossa frente enquanto os analisava. A verdade, porém, era que minha mente ainda estava presa naquele papel e no que ele queria dizer. Se é que tinha algum sentido, afinal.
Balancei a cabeça para o lado, expulsando o pensamento com força e observei os vestidos em minha frente. Foi o que disse, disse mentalmente. Não se passa de uma brincadeira de mal gosto.
E eu repeti isso, até me convencer de que era verdade.
¹ Você será a âncora que mantém meus pés no chão. E eu serei as asas que manterão seu coração nas nuvens.
²Eu vejo você. Será que você também me vê?
Capítulo 46
Spread it all around the world now”
’s POV
A merda do celular tocava de novo. Outra mensagem de texto que eu ignoraria, porque minha decisão estava tomada. Não importava o que o filho da puta do Beckett quisesse, pedisse ou até ameaçasse, a resposta continuaria a ser não até que ele enfim cansasse.
Mais algumas semanas, eu podia lidar com isso mais algumas semanas.
O cara tinha tudo o que precisava, talvez não o que queria, mas atazanar minha vida não podia fazer parte dessa lista pessoal de conquistas e, sinceramente, ele que se fodesse achando que estava me atingindo de alguma forma.
Larguei o celular sobre a cama depois de desligá-lo e fui surpreendido por dois braços pequenos e finos circulando meu tronco, e em seguida a cabeça de estava apoiada contra as minhas costas, bem no espaço das minhas omoplatas. Seu calor irradiando contra meu corpo e desfazendo a irritação que a pouco ameaçava me tomar.
- Você parece tenso. – Ela arriscou com a voz baixa e eu obriguei meus músculos a relaxarem antes de me virar de frente para ela.
- Impressão sua, eu estou bem. – Ela não pareceu convencida e resolvi mudar de assunto para evitar outra conversa que não nos levaria a lugar nenhum. Precisava tomar muito cuidado com o que falava de agora em diante para não atiçar ainda mais a curiosidade dela e a meter ainda mais em problemas que não lhe fariam bem. – Está preparada para amanhã?
A sombra de preocupação rapidamente desapareceu de seus olhos.
- Tentando não enlouquecer, na verdade. – Ela esboçou um pequeno sorriso. – Essas semanas passaram rápido, mas não me distraí o suficiente do nervosismo pela aproximação da festa.
- Tenho certeza que você vai adorar cada detalhe. Vai ficar deslumbrada. – Beijei seus cabelos rapidamente e ela se afastou para me olhar por inteiro com os olhos apertados em desconfiança.
- De repente você está parecendo incrivelmente bem humorado.
- Eu sou sempre bem humorado.
- Não é, não. Às vezes é um completo rabugento. – Eu arqueei uma sobrancelha e ela soltou um risinho baixo. – Pra ser honesta, nas últimas semanas você tem sido um protótipo do senhor do contra.
- O que isso deveria significar? – Ela revirou os olhos. – É mentira.
- É verdade – insistiu. – Desde o seu aniversário mais ou menos você começou a ter esses momentos de “vou me fechar com meus problemas agora, depois nos falamos”. Já faz praticamente um mês, . Tem agido estranho e distraído.
Eu abri um sorriso para ela e segurei em sua cintura.
- A distração na maioria das vezes é você. – Ela fez uma careta e eu lhe lancei um olhar cheio de segundas intenções que eu sabia que ela entenderia. – No bom sentido, claro.
soltou um suspiro calmo e controlado antes de se aproximar um passo e quase colar nossos corpos.
- Sabe – Ela começou entrelaçando seus dedos em minha nuca. –, tirarmos as roupas um do outro e fazer sexo não é a solução ideal para todos os problemas.
- Não, mas podemos fazer ser. – Eu a encarei de cima a baixo bastante sugestivo. Ela riu, mas se afastou, adquirindo uma expressão séria e cautelosa.
- , eu quero ajudar você.
E lá íamos nós de novo.
- Estar ao meu lado já ajuda, Ruivinha. – Acariciei seu rosto delicadamente. – Acredite.
Ainda assim ela não pareceu muito convencida quando abriu e fechou a boca algumas vezes em seguida.
- Estou com um mal pressentimento sobre tudo isso.
- O quê? Por quê? – Eu tentei levantar seu rosto para olhar em seus olhos, mas tudo o que ela fez foi hesitar. Hesitou em me olhar, em falar comigo.
- Não sei, só estou.
Eu a observei por um instante e forcei um sorriso tranquilo a se formar em meu rosto.
- Hey, deve ser só nervosismo, nada de mais – falei de forma leve, chamando sua atenção. – Fique tranquila, ok? Não precisa se preocupar com nada.
- É só que…
- Está tudo bem – eu disse mais firmemente, tentando passar convicção, mesmo que ela não tenha se dado por vencida. Foi minha vez de soltar um suspiro e por fim a olhei de cima a baixo. – Vejo que já está pronta, melhor eu te levar para o treino de luta antes que se atrase. Amanhã já vai ser um longo dia por si só, não vai ser legal prolongarmos o de hoje além do necessário, certo?
demorou alguns segundos, mas por fim consentiu e me lançou um sorriso pouco convincente. Eu sabia, pelo semblante dela durante todo o caminho de carro até a academia, que ela não tinha se deixado levar por minhas afirmações anteriores. Aquele cutucão incômodo continuava lá em sua cabeça persistindo initerruptamente e continuaria por ainda mais tempo, não importa o que eu falasse. Só iria embora quando ela descobrisse a verdade.
E, se dependesse de mim, demoraria ainda bastante tempo para acontecer.
’s POV
- Você parece da realeza, projeto de gente. – Philip fingiu enxugar uma lágrima de emoção quando finalmente se afastou para longe de mim e olhou meu reflexo pelo espelho. – Eu mereço palmas, não mereço?
- Merece – concordou sorrindo. – Merece até mais que isso.
Meu Hairstylist fechou o sorriso e a encarou de cima a baixo com desdém.
- Não pense que não vou cobrar o que prometeu. – apenas revirou os olhos.
- Vem, . Deixa eu te ajudar com o vestido.
Eu me levantei da cadeira e abracei Philip rapidamente, sem conter o sorriso e o divertimento.
- Obrigada.
- Disponha, coisinha.
Minha amiga segurou o roupão que eu usava assim que adentramos o closet e Philip me ajudou a vestir a peça de roupa com cuidado, depois fechou o zíper dela com delicadeza e maestria, aquela calma de quem já havia feito a mesma coisa um milhão de vezes antes.
Era engraçado, mas meu coração palpitava forte conforme os minutos se passavam e ficava cada vez mais próximo do evento.
BAFTA. British academy of film and television arts. Uma festa inglesa anual e gigantesca, uma das maiores e mais aguardadas premiações voltadas para as artes cênicas transmitida ao vivo mundialmente por todos os meios de comunicação existentes, contando com a presença de celebridades internacionalmente conhecidas e de todas as partes do mundo.
A sensação era de que eu seria uma forasteira no meio de todos, a novata do ramo dentre tantos veteranos na profissão. Mas ao mesmo tempo em que a insegurança tentava dar as caras, eu a substituia pela animação sem tamanho que me preenchia por completo.
- Está fabulosa – sussurrou em meu ouvido e finalmente eu levantei meu rosto até me encarar por inteira no espelho.
Por um instante eu perdi o fôlego com a minha imagem refletida e as expressões satisfeitas das duas figuras atrás de mim. E eu de verdade precisei de alguns segundos para entender que era realmente eu ali, produzida e trabalhada como... a artista que agora eu era.
Girei pateticamente, observando minha silhueta como uma garota faria em seu baile de primavera.
A maquiagem marcava meus olhos com uma sombra escurecida e esfumaçada e os meus lábios estavam pintados com um batom carmim opaco que me deixavam com um ar de femme fatale bastante convincente, completados pelo coque alto com leves cachos soltos na frente do meu rosto.
O vestido era deslumbrante. Mais que isso, era completamente perfeito.
Preta, a roupa era praticamente duas peças que formavam uma única. Primeiro vinha um macaquinho negro, opaco e curto que se agarrava perfeitamente ao meu busto delineando minhas curvas até os quadris, parando justamente no começo das pernas, todo trabalhado com bordados de pedrarias prateadas que formavam desenho florais femininos e atraentes. Mas todo esse bordado, todos os detalhes eram velados por outra peça, pela transparência do tule que se ajustava ao meu tronco sobre o corpete com uma única alça que cruzava meu colo do ombro esquerdo até a cintura marcada, e então descia pelo meu corpo numa saia solta e esvoaçante até o chão.
Tudo se fechava com um zíper único nas minhas costas e com um pequeno laço no topo do ombro esquerdo.
- Eu estou sem palavras – consegui dizer após muito tempo em silêncio, mas e Philip pareciam igualmente presos em seus próprios devaneios.
Meu Hairstylist foi o primeiro a balançar a cabeça e jogar seus pensamentos de lado enquanto abanava uma mão na altura do rosto.
- Chega – ele murmurou para si mesmo com a voz embargada. – Vá lá encontrar seu homem na sala antes que eu mesmo a arraste até ele.
arregalou os olhos alarmada e eu me virei de supetão para ele, me atrapalhando pateticamente com a saia.
- não é meu homem, ele…
- Pelo amor do Buda! – Philip exclamou exasperado e bateu com o pente na palma da sua mão. Deve ter ardido, pelo barulho que fez. – Vocês héteros acham que são discretos quando estão com alguém, mas adivinhem só, não são! E além disso, nós gays temos um sexto sentido sensacional para essas coisas.
- Hm, na verdade…
- Eu sei que vocês estão se comendo, esmiolada. – Ele revirou os olhos e minhas bochechas ficaram ainda mais escarlates do que já estavam com o blush nelas. – Agora, por obséquio, vá logo e não se atrase. E fique tranquila também. Minha boca é túmulo.
, que até então apenas observava calada, me puxou pelo pulso antes que o próprio Philip fizesse isso, apesar de eu ainda estar entendendo tudo o que ele havia dito a mim.
- Ele é completamente biruta – minha amiga sussurrou para que só eu ouvisse e nunca concordei tanto com algo que ela disse até então.
Seguimos rindo por todo o corredor quando, perto da entrada, parei estática, embasbacada. esperava escorado contra a parede, a perna esquerda cruzada levemente contra a direita, uma mão dentro do bolso da calça e a outra mexendo no celular. Sua pose em si, a indiferença calculada, já tinha me deixado louca, mas o smoking que ele vestia, as peças de roupa negras fazendo seu cabelo escurecer quase que exatamente da mesma cor que as peças, a camisa branca por baixo sem nenhuma gravata em completo destaque... Eu fiquei com medo que meu maxilar se desprendesse do meu rosto e fosse parar no chão.
- A baba está escorrendo – me provocou e eu me obriguei a sair do torpor quando finalmente notou minha presença e começou a me analisar completamente, os olhos perpassando com lentidão e completa atenção desde os dedos do meu pé até o último fio de cabelo em minha cabeça, me arrepiando por completo.
E aí eu não fui a única a ficar com cara de besta em seguida.
Ele me fitou profundamente com lábios entreabertos e as pupilas dilatadas, piscando vagarosamente como se recobrasse a consciência. Só quando ele distraidamente deu um passo em minha direção que percebi que estava segurando a respiração. Como era possível que um único olhar que ele me lançasse já fizesse minha boca secar e meu corpo esquentar assim tão rápido?
pigarreou ao nosso lado com vigor.
- Por favor, arrumem um quarto – ela soltou atraindo nossa atenção em imediato. – A tensão sexual está insuportável entre vocês.
riu sem graça enquanto eu balbuciei alguma coisa incompreensível que fez minha amiga revirar os olhos.
- Desculpe. – seguiu até mim em dois passos largos, me medindo por completo mais uma vez. – , você está... Não sei o que dizer.
Eu sorri para ele, desconcertada, e subi minhas mãos pela camisa branca que ele vestia, alisando-a até chegar na gola perfeitamente arrumada e me demorei ali, puxando-a levemente como se houvesse algum defeito nela, mas era apenas a minha necessidade de tocá-lo de alguma forma e acreditar que era ele parado em minha frente, a definição da perfeição.
- Obrigada – eu sussurrei em resposta e finalmente o olhei nos olhos, me prendendo no âmbar derretido das suas íris. – Quem diria que eu seria capaz de deixar sem palavras? Mas confesso que você realmente está um pitelzinho.
gargalhou audivelmente e eu o acompanhei, grata pelo nervosismo ter sido quebrado por um instante.
- Vocês dois – passou o indicador entre eu e ele. –, estão prontos para quebrar corações hoje.
- Com certeza estamos. – ofereceu o braço para que eu segurasse e logo me coloquei ao seu lado.
- Uma foto de recordação? – Eu sorri sugestivamente e segurou a polaroid que carregava na altura dos olhos.
- Ah, antes que eu me esqueça. – se virou rapidamente para a mesa de jantar e me entregou um único botão de rosa vermelha, da cor do meu batom, e sorriu de canto como se tivesse notado a semelhança entre as cores e aprovasse o detalhe profundamente. – Isso é para você.
Eu segurei a flor delicadamente entre os dedos e o encarei com a expressão tomada de carinho e admiração, exatamente da forma que ele fazia enquanto me olhava. Foi esse o momento em que minha amiga aproveitou a deixa e fotografou. E logo em seguida quando eu juntei minha boca com a dele também.
Talvez a parte mais legal desse instante tenha sido o fato de que até então e eu não tínhamos nenhuma foto juntas além daquelas ridículas das montanhas-russas que sequer contavam de tão zoadas. Essas eram as primeiras. As melhores primeiras fotos que podíamos ter tirado.
- Vamos então? – Ele sorriu para mim após um instante observando as imagens.
- Já não era sem tempo. – nos apressou em direção a porta, doida para se livrar de nós dois. – E tentem não amassar as roupas até lá.
- Não prometemos nada, Loira. – piscou um dos olhos para minha amiga e eu soltei uma gargalhada divertida antes de finalmente entrar no elevador.
Já no carro, na limusine, devo me corrigir, com o motorista que nos levaria juntos e diretamente até o Royall Albert Hall depois daqui, atenciosamente me ajudou a entrar no veículo e me ajudou com a saia enquanto eu me preocupava com a sandália de saltos agulha que me deixava pelo menos dez centímetros mais alta. Ele tomou cuidado para não fechar parte do meu vestido para fora e nem sentar-se em cima do tecido quando se colocou ao meu lado.
Imaginei que conseguiríamos nos comportar bem no percurso até a premiação, mas quando seus olhos se cravaram em mim e aquele brilho me atingiu, eu soube que havia me equivocado.
- Você – ele disse contra meu rosto, colocando um dos cachos soltos atrás da minha orelha e segurando meu queixo entre o indicador e o dedão. – Eu não sabia que era possível, Ruivinha, mas você está extremamente sexy dentro desse vestido. Extremamente gostosa. Eu estou me segurando muito nesse momento para não perder o controle que ainda tenho sobre eu mesmo.
Subitamente o sangue começou a correr mais rápido em minhas veias e minha respiração acelerou. Umedeci os lábios com a língua e em resposta para sua afirmação apenas cruzei uma perna sobre a outra, virando-me o máximo de frente para ele, deixando que a transparência da minha roupa revelasse a pele nua por baixo dela. Imediatamente seus olhos se fixaram no meu movimento com luxúria e interesse.
Eu não sabia qual era esse poder dele sobre mim, mas toda vez que me olhava, falava comigo, principalmente agora que estávamos juntos, com frases tão cruas como as que há pouco ele proferira, eu perdia quase que completamente a vergonha que tinha na cara e falava ou mesmo fazia coisas que em outra época eu provavelmente ficaria constrangida, mas que agora não pareciam nada mais do que a necessidade louca de devolver suas provocações com o mesmo fogo que ele me fazia sentir.
- Me desculpe, mas alguém pediu para você se controlar? – Eu me fiz de inocente e desabotoei o primeiro botão de sua camisa. – Acho que não prestei muita atenção.
Um sorriso de canto começou a se alargar em seu rosto lentamente conforme o veículo começava a se locomover pelas ruas. perpassou os olhos entre os vidros escurecidos pelo insulfilme e pela divisória entre os bancos da frente e os de trás onde estávamos e finalmente voltou a me fitar com uma intensidade que não estava lá antes, conforme segurou meu tornozelo por baixo da saia e subiu os dedos numa leve carícia por toda a panturrilha até chegar no alto de minha coxa.
Eu contive um suspiro e engoli em seco quando seu rosto se aproximou do meu.
- Só espero que você tenha esse mesmo batom em algum lugar por aqui. – A ponta do seu dedo contornou meu lábio inferior. – Vai precisar retocar ele depois, Ruivinha.
me beijou em seguida sugando todo o meu oxigênio e eu me agarrei firme em seus ombros.
Nunca um passeio de carro foi tão bom quanto esse.
Meu coração acelerou num ímpeto e eu apertei fortemente a mão de contra a minha quando finalmente chegamos ao o local já totalmente preparado e cheio de fãs, assessores do evento, seguranças, repórteres televisivos, câmeras e fotógrafos diversos que se estendiam atrás de um local isolado enquanto aguardavam a chegada das celebridades.
Eu sorria tanto enquanto observava o local que minhas bochechas formigavam.
- Vamos ficar lado a lado o tempo todo. – devolveu o aperto e me lançou uma piscadela.
Ri um tanto sem ar e concordei no instante em que um segurança abriu a porta do carro.
Imediatamente eu vi o tapete vermelho estendido diante de nós ao passo que os gritos e murmurinhos de conversa tomaram o espaço ao nosso redor. foi o primeiro a descer do veículo, estando exatamente ao lado da porta, e ajeitou o smoking quando se colocou de pé. O segurança fez menção de me ajudar a descer, mas logo o dispensou e estendeu a mão para mim com um sorriso de canto nos lábios enquanto me fitava. Eu aceitei e fiquei grata pelo gesto espontâneo, não tendo certeza se teria conseguido fazer aquilo sozinha, levando em conta como minhas pernas tremiam sem parar.
Quando meu salto tocou a superfície aveludada com firmeza e me coloquei para fora da limusine, a sensação era de que eu estava realmente em um filme de Hollywood, ainda que uma vozinha em minha cabeça me contrariasse e dissesse que na verdade era mais que isso, estava acontecendo de verdade, não através de um livro ou roteiro da TV. Era real. Finalmente.
As coisas no primeiro segundo pareceram acontecer em câmera lenta e eu prendi a respiração quando dei o primeiro passo e soltei a saia do vestido depois de segurá-la firme demais entre meus dedos até que os nós estivessem brancos. Os flashes se intensificaram quando notaram nossa presença e por um instante eu fiquei momentaneamente atordoada pela luz antes de gentilmente me puxar pelo cotovelo em direção ao percurso erguido a esquerda com um dry wall com vários símbolos de marcas que patrocinavam a festa e o logo do BAFTA intercalados. Era ali que posaríamos.
Soltei o ar vagarosamente dos meus pulmões, ergui o queixo e abri um sorriso genuíno sem precisar me esforçar de verdade para aquilo. Esse era o momento.
Confiantemente, comecei a caminhar pelo tapete vermelho.
O combinado entre e eu era que ficássemos sempre perto um do outro, mas que evitássemos contatos desnecessários na frente das pessoas, fossem elas quem fossem. Não devia existir uma proximidade real entre nós dois, apenas o vínculo de amigos e o ar descontraído e, por isso, agora, enquanto nos dirigíamos calmamente até a entrada e até a área oficial de fotos, mantinha uma distância segura e guiava o percurso sem dificuldade.
Mas obviamente meu nervosismo atrapalharia os planos bem definidos e organizados, e em algum momento enquanto tiravam fotos minhas e eu continuava minha lenta caminhada, as perguntas de alguns repórteres, a luminosidade das câmeras e os gritos de alguns fãs me deixaram momentaneamente zonza. Quando percebi praticamente já trombava em a menos de dois passos de distância de mim.
Eu ri sem graça para ele ao passo em que ele apenas me olhava com diversão.
- Uma foto de vocês dois juntos, por favor! – algum fotógrafo gritou e eu pateticamente abri e fechei a boca sem saber se consentia ou negava.
- Isso! Uma foto dos colegas de trabalho!
tomou a atitude de aceitar a ideia e segurou em minha cintura, aproximando nossos corpos lateralmente, enquanto sorria tranquilamente.
- Aqui, e !
Um tanto aturdida eu olhei para frente, e por intermináveis segundos nós posamos juntos para as dezenas de câmeras, apenas ouvindo os burburinhos e os cliques infindáveis.
Quando realmente pensei que aquilo pudesse continuar por uma eternidade, aproximou seu rosto da lateral do meu e depositou um beijo em minha bochecha que me deixou completamente sem graça e sem reação. A perplexidade não durou mais que um segundo e ele afastou sua mão e maneou com a cabeça para que seguíssemos adiante, quando perto da entrada do salão, os repórteres oficiais do programa nos pararam, admirados.
Precisei piscar algumas vezes para recolocar os pensamentos em ordem.
Eu sabia que eles ficavam de prontidão para receber as celebridades que estavam concorrendo para as categorias e que geralmente não paravam aqueles que estavam ali apenas para assistir à premiação, por isso admito que quando nos interromperam, subitamente senti minha boca secar.
- e ! – A mulher elegantemente vestida abriu um sorriso para nós. – Que surpresa recebê-los hoje à noite. Estão ansiosos para a festa?
- Mais do que seríamos capazes de colocar em palavras – respondeu galante e devolveu o sorriso educado.
- É a primeira vez que a vemos em uma premiação, senhorita , o que tem achado até agora?
- Estou deslumbrada, apesar de ter visto muito pouco até o momento – respondi. – Afinal, é a primeira premiação que venho e me sinto completamente extasiada.
A repórter ainda fez mais algumas perguntas para mim e , dessa vez sobre quais categorias mais aguardávamos, quem esperávamos ver como vencedores e enfim sobre as roupas que usávamos. Fiquei muito satisfeita ao ouvi-la elogiar meu vestido e dizer que não esperaria menos se eu ficasse entre as mais bem vestidas da noite.
- Eu disse que ela está uma quebradora de corações hoje. – adicionou em seguida, brincalhão, e a mulher concordou com a cabeça, mas a pergunta que fez em seguida desmanchou minha animação de forma que quase não pude disfarçar.
- Falando em coração, seu namorado, , não vem hoje à noite?
Minha súbita vontade foi destacar o óbvio. Que, se ele viesse, teria vindo comigo, mas apenas lhe dirigi um sorriso contido.
- Infelizmente ele não pôde comparecer.
- Mas e a After Party? Ele vem?
- Quem sabe? – Eu dei de ombros, inocentemente. – Vamos esperar para ver.
E com isso finalizou a conversa nos levando para dentro do salão completamente organizado e luxuoso, cheio de pessoas famosas que nunca pensei ver pessoalmente, e aos poucos o desconforto sentido antes com aquelas questões sumiu para dar espaço a euforia.
- Foque nas coisas aqui dentro, Ruivinha – sussurrou em meu ouvido. – Vai ser uma noite longa e cheia de surpresas.
E seria. Realmente seria. Eu só não sabia o quanto.
- , eu não posso acreditar! – eu repetia isso pelo que deveria ser a terceira vez enquanto todos apenas riam. – Eddie Redmayne me cumprimentou!
- Sim – ele disse em meio a outra gargalhada. – Assim como o Mark Rufallo, Amy Adams, Felicity Jones.
- Julianne Moore, Keira Knightley. – Victoria adicionou ao nosso lado enquanto bebericou sua taça de champanhe.
- E ali está sua chance de falar de novo com o James Corden. – apontou discretamente para o homem. – E parece que ele está batendo papo com o Henry Cavill.
- Ah, olha lá! Jamie Dornam passará por nós em dez, nove…
- Eu vou surtar, ! Vicka, eu vou surtar!
A premiação havia acabado há pouco menos de uma hora e a After Party havia começado despretensiosamente. Jurava por tudo que era mais sagrado que eu ficaria sentada na mesa enquanto degustava alguns coquetéis, mas desde o momento em que Victoria pôs os olhos em mim, imediatamente se juntou com e ambos fizeram um complô para me apresentar, vulgo, me fazer desfilar pelo salão, e conversar com o máximo de pessoas que eu conseguisse.
Era extremamente desconcertante, porque a maioria deles eram ídolos meus que eu admirava fotografias dentro do meu quarto com a porta fechada. Trocar palavras com eles de verdade era surreal.
Eu poderia desmaiar a qualquer instante.
Mas lá estava eu mais uma vez, conversando com Jamie Dorman que Victoria fez questão de interromper a caminhada apenas para nos apresentar e puxar conversa fiada antes dele seguir seu caminho.
- Fazer contatos é tudo! – ela murmurou para mim pela vigésima vez desde que tinha concordado com que estava na hora de eu me fazer conhecida entre aquelas pessoas. – Você vai me agradecer por isso depois.
Porém, sinceramente eu duvidava que todos eles fossem lembrar meu nome até o final da noite. Mas ainda assim assenti e segui o caminho até James Corden e Henry Cavill, que nos introduziram a uma conversa engraçada e descontraída. Admito que quando Cavill me abraçou e beijou minha bochecha senti meus joelhos fraquejarem e provavelmente fiquei toda abobada no meio deles.
pigarreou quando percebeu minha reação, como se quisesse lembrar que ele estava bem ao meu lado, mas quem pode me julgar por ficar sem palavras ao lado daquele homem? Tipo, olhem pra ele, é um pedaço do paraíso na Terra.
- Talvez você devesse dar uma passada no banheiro e juntar sua dignidade. Ou quem sabe procurar seu bom senso? – Victoria gargalhou e eu a acompanhei quando terminou de falar e revirou os olhos. Ela se afastou um pouco de nós dois.
- Vou buscar mais champanhe. – Ela indicou sua taça mais uma vez vazia. – Tentem não se matar até eu voltar, eu imploro.
Mas a verdade é que, olhando para enciumado em minha frente, a única coisa que eu tinha vontade de fazer na verdade era abraçá-lo. Primeiro por estar comigo nessa noite e segundo por estar se esforçando para fazê-la divertida por minha causa.
Só que eu não podia fazer muito mais além de olhá-lo.
- Obrigada por tudo isso. – Eu abri um sorriso e ele o me devolveu no mesmo instante, carinhoso.
- Qualquer coisa para te ver feliz.
Subitamente desejei que eu pudesse estar sozinha com ele para beijá-lo. Não era justo ele me dizer coisas assim e eu sequer poder tocá-lo.
Por fim eu quebrei a conexão dos nossos olhos e dei um passo para o lado.
- Eu vou ao banheiro – disse a ele e então sorri provocativa. – Pode ser que você esteja certo e meu bom senso de fato esteja lá dentro em algum lugar.
- Eu duvido – acrescentou me olhando de cima a baixo. – É mais provável que você tenha deixado dentro da limusine enquanto nós…
- ! – Eu o interrompi de súbito e o som da sua gargalhada serpenteou entre nós dois.
- É brincadeira. – Eu concordei rapidamente.
- Volto já. – Comecei a andar. – Tente não sumir.
E desapareci no meio das pessoas, rumo ao toilette já pensando no parto que seria para tirar aquela roupa e fazer xixi. Eu provavelmente teria que ficar completamente nua, mas o que eu poderia fazer? Adversidades de ser mulher. Era indignante saber que os homens não tinham toda essa dificuldade quando tinham suas próprias necessidades fisiológicas.
Depois de muito mais transtorno do que eu estava disposta a passar, consegui subir o zíper novamente e já estava apresentável mais uma vez e pronta para seguir com a festa.
Contudo, assim que eu saí do banheiro, enquanto passava os olhos pela multidão e procurava por aqueles que me faziam companhia, meus olhos encontraram outra pessoa. Outro alguém que já me olhava de longe e que imediatamente começou a caminhar em minha direção.
Não fosse a parede as minhas costas como um belo apoio, eu teria cambaleado até trombar em alguém.
Pisquei diversas vezes até eliminar o enevoado em que minha mente se transformava, e me obriguei a sorrir como uma pessoa normal faria. Afinal, era meu namorado que estava diante de mim agora.
- . – A voz dele soava calma e controlada. Tinha até um quê de admiração, eu diria. – Eu tinha te visto em algumas fotos, mas realmente nenhuma delas fez jus a como você está incrível pessoalmente.
- . – Eu sustentei o sorriso um pouco mais. – Não sabia que você vinha.
- Nem eu, pra ser sincero contigo. – Trocou o peso do corpo de pé, me avaliando. – Mas depois das suas fotos com no red carpet e da deixa que você me deu naquela entrevista antes das premiações... Mudei de ideia bem rápido.
- Você só pode estar brincando.
- Na verdade estou sendo bem sério – contrariou de imediato. – Afinal, eu não podia deixar meu colega de trabalho desfilar com minha namorada como se fosse dele.
Eu soltei um som engasgado, palavras sem sentido saltando para fora da minha boca.
- Isso não pode... você não... – Se estivéssemos sozinhos e em outro local eu provavelmente teria soltado um grunhido. – É um contrato, ! Eu não sou sua de verdade. Pare de agir como se eu fosse!
- Mas é aí que está, . – Ele deu mais um passo em minha direção, dizendo entredentes: – Não é como se fosse, você é! Num espaço como esse, você é minha da mesma forma que eu sou seu até o fim do contrato. Antes disso, qualquer outra coisa que você demonstre com alguém pode ser considerado traição ou violação e não cumprimento de cláusulas. Quem sabe as duas coisas juntas.
- Eu não fiz nada de errado!
- Quer dizer que o beijo foi inocente então?
- Foi um beijo na bochecha! Não teve absolutamente nada de mais.
- Bom, há quem discorde disso.
Eu balancei a cabeça para os lados, completamente perplexa pelo que ouvia.
- Pelo amor de Deus. Se você veio aqui estragar minha noite com suas acusações…
- Na verdade eu vim aqui garantir que sua noite não desande. – Ele me interrompeu, impassível. – Quem sabe o que pode acontecer quando você e ele saírem daqui juntos? Talvez você ou ele pensem que eu seja muito frouxo para lidar com essa situação que você está nos colocando, , mas não pense, nem por um segundo, que se eu precisar não vou me defender como posso.
Eu me afastei dele apenas o suficiente para analisar sua expressão.
- Onde quer chegar com isso?
Um sorriso sombrio tomou seus lábios em seguida.
- Imagina que dramático seria se a história verdadeira fosse anonimamente contada para a mídia. Entregue de bandeja. Óbvio que nenhuma palavra sobre o contrato seria dita, mas pense na matéria: é traído por dois amigos bem debaixo do nariz dele durante todo o tempo. Bastante trágico, não?
Eu recuei um passo, completamente desacreditada.
- Isso é uma ameaça?
- Um aviso.
- Você não faria isso, .
- Quem garante que não? Não me teste.
Eu arregalei meus olhos para ele, alarmada, atordoada.
- Esse não é você, ! Você não é desse jeito! – Algo em sua expressão petrificada tremeu. – Por favor. Você vai deixar esse ódio por mim e te consumir até que ponto? Uma vez disse que eu era uma pessoa oca por estar fingindo não te conhecer, mas realmente, eu já quase não te reconheço mais!
Sua face até então firme fraquejou e ele olhou para seus sapatos antes de olhar para mim de novo, inexpressivo.
- Acho que no fim você nunca me conheceu de verdade, . – Empertiguei minha coluna e pressionei firmemente meus lábios um contra o outro, suas palavras me atingindo como tapas. Era isso que ele pensava, então? A conclusão que tinha? Eu me sentia completamente diminuída. – Vamos voltar para os seus amigos antes que eles venham até aqui.
E com a cabeça a mil, incapaz de entender exatamente tudo o que tinha acabado de acontecer, segurei sua mão e tomei a dianteira do caminho. Meu estômago embrulhado subitamente traduzia tudo o que eu sentia, a sensação súbita de que não deveria ter saído de casa hoje.
Mas eu respirei fundo e segui em frente mesmo assim.
Capítulo 47
Throw my head on a blade for ya
I'd jump in front of a train for ya
You know I'd do anything for ya”
’s POV
A taça de champanhe já ficava vazia em minha mão e nada de voltar do banheiro. Eu sabia que aquele vestido era uma peça complicada de tirar e por (acreditem, tive uma breve experiência sobre isso), e estava começando a refletir se não deveria ter dito a Victoria para acompanhá-la e ajudá-la com esse detalhe, quando subitamente a vi se aproximar, finalmente.
Mas a breve felicidade que eu tive ao vê-la sumiu quando meus olhos pousaram na figura que a acompanhava de perto, de braços dados com ela.
- Olhem só quem resolveu fazer uma surpresa! – ela disse com um sorriso que não chegava até os olhos.
Meu maxilar se enrijeceu por completo.
- Obrigado por ter tomado conta dela para mim, amigo. – sorriu provocantemente e passou um braço pelos ombros de .
Confesso que fiquei um tanto surpreso por não vê-lo se aproveitar mais da situação e beijá-la na frente de todos como parecia feliz em fazer em todas as oportunidades que tinha, e talvez por essa breve percepção, apenas assenti com a cabeça sombriamente, incapaz de lhe dirigir alguma palavra.
, ao perceber minha reação, apenas mexeu nervosamente nos berloques das pulseiras que usava até que eles colidissem uns com os outros e chacoalhassem por um instante.
Ela me dirigiu um olhar significativo e eu entendi sem que ela precisasse pronunciar as palavras: ela não havia dito para ele que vinha, sozinha ou comigo. E por isso ele estava aqui.
Mas tinha mais por trás daquela expressão, algo que inutilmente eu não fui capaz de deduzir.
- , fico feliz que tenha vindo! – Victoria tratou de cumprimenta-lo muito animadamente, um pouco alta pela quantidade de taças de champanhe que já tinha tomado, mas autêntica e bem humorada, ignorando completamente a forma desastrosa que havia acontecido nosso último encontro todos juntos. – Não sabe como sofri na mão desses dois a noite inteira!
- Ah, eu imagino – ele comentou com uma risada. Contudo, e eu apenas procuramos não nos olhar devidamente.
- Enfim – Vicka voltou a dizer, se afastando de e indicando as outras três pessoas que agora se reuniam entorno de nós. – Deixe-me apresentar para vocês dois, e , para meus amigos Emma Stone, Sam Claflin e sua esposa, Laura Haddock.
Num instante de perplexidade, apenas encarou as três figuras piscando vagarosamente, como se absorvesse a informação. a cutucou levemente para ela enfim sair de seu estupor e rapidamente todos começaram a trocar rápidos abraços e beijos no rosto desfazendo o clima tenso recém formado.
Talvez pela maneira não saudável com a qual e eu vínhamos lidando com toda a situação, eu esperava que ele começasse a soar cheio de gracinhas para cima de ou mesmo a soltar provocações para mim para apenas não perder o hábito que vinha adquirindo, contudo ele permaneceu quieto em seu canto, falando apenas quando alguém se dirigia a ele, medindo até mesmo seus próprios olhares. Se eu observasse bem poderia até mesmo dizer que existia uma sombra de cansaço em seu rosto. Mas eu não tinha certeza, e, sinceramente, não perguntaria também.
Comecei a me sentir mais tranquilo, sentir meu corpo esfriar, conforme os minutos foram passando e a breve percepção me tomou de que as coisas se manteriam estranhamente controladas na rodinha em que estávamos.
Pelo que pareceu apenas um segundo depois dessa conclusão, readquiriu sua felicidade plena. Fosse por se dar conta do mesmo detalhe que eu ou apenas por falar com mais algumas pessoas que admirava, como o trio reunido conosco, não importava. Eu sorri com a cena sem que sequer percebesse. Sorri ainda mais quando ela me procurou com os olhos e abriu um sorriso que atravessava seu rosto enquanto apontava para Sam Claflin e mexia os lábios sem pronunciar “É ele mesmo! Aqui do meu lado!”, como uma tiete adolescente faria.
Precisei conter a gargalhada antes que chamasse a atenção de todos ali.
Meu único consolo e motivo naquele momento para eu permanecer onde estava, era perceber a conversa descontraída que todos levariam adiante pelos próximos minutos como fossem já velhos conhecidos.
De repente eu já não me sentia assim tão irritado, mesmo com sentado ao lado de segurando a mão dela entrelaçada na sua, enquanto tudo o que eu tinha entre meus dedos agora era uma taça vazia de champanhe.
Balancei a cabeça imperceptivelmente. Não podia me prender em detalhes como esse agora.
- As correspondências dos fãs são as coisas mais bizarras! – Victoria concordou com Emma após outro gole da bebida em sua taça. – Eu já recebi até calcinhas e cuecas!
- Limpas, eu espero – Sam acrescentou e soltamos alguns risos em seguida.
A conversa do momento entre eles eram os objetos mais estranhos que já haviam recebido pelo correio. Por experiência própria eu havia descoberto que a criatividade humana não tinha limites e nem regras.
- Eu já recebi uma embalagem de preservativo – Emma disse. – Veio uma carta junto dizendo para eu guardar até que “pudéssemos usar juntos”. Foi a maior controvérsia de sensações que já vivi.
- Nós ganhamos vários sutiãs quando fazemos shows. – Indiquei com a mão e ele concordou com uma risada verdadeira. – As fãs literalmente os atiram sobre nós e dizem coisas bastante obscenas que até um filme pornô não autorizaria.
Todos explodiram em risadas ao nosso redor. Provavelmente não acreditavam. Coitados, mal sabiam das fanfictions que as pessoas eram capazes de escrever…
- É engraçado – aproveitou a deixa. –, mas fora essas coisas, tiveram ocasiões que já recebemos ameaças também.
Concordei, subitamente me sentindo distraído. Como eu disse, as pessoas não conheciam limites.
- Certa vez nós recebemos algo absurdo, uma história descritiva que narrava a morte de cada um de nós, detalhadamente – contei quando a atenção de todos se focava em mim. – Nós ficamos assustados e com o cu na mão, mas aí depois percebemos que era final de outubro, uma brincadeira de Halloween de muito mal gosto e deixamos quieto.
- Que horror! – Vicka exclamou com as sobrancelhas juntas.
- Eu acho que ia ficar neurótica se isso fosse comigo – disse. – Há umas semanas eu recebi uma carta que dizia algo como “eu vejo você, será que você também me vê?” e já fiquei toda paranoica como se estivessem me perseguindo. Imagina com uma narração completa de como eu ia morrer?
- Você recebeu isso mesmo? – a encarou surpreso e confesso que eu fazia o mesmo.
- Juro! E pior que a pessoa ainda assinou. Quem assina uma carta assim?
Victoria soltou uma gargalhada junto de Emma.
- Você lembra o nome? – Sam perguntou enquanto fazia uma careta engraçada.
- Pior que sim. – assentiu. – Bette K. C.. Não faço ideia de quem seja, mas procurei na internet mesmo assim, por pura curiosidade, e não achei nenhum perfil.
Todos gargalhavam, uma mistura de divertimento e nervosismo, como se ninguém conseguisse entender muito bem porque, mesmo depois de tanto tempo, ainda existiam pessoas tão fanáticas e inconsequentes.
- Bom, tome cuidado. – Vicka piscou um olho para . – É o que John Lennon diria.
- Outch, que piada pesada! – a encarou espantado, e ainda assim todos riram em resposta. Mas algo que ainda estava inquieto no fundo da minha mente começou a tomar forma, algo que há pouco havia dito e me incomodado de um jeito que eu não sabia explicar.
Eu franzi as sobrancelhas e a encarei imediatamente.
- Julliet, Bette K. C.? – perguntei completamente fora de contexto. – Com dois “t”s?
afirmou com a cabeça distraidamente como se fosse tudo muito estranho para fazer sentido. Mas algo ali soava familiar para mim.
- Você a conhece? – ela devolveu curiosamente. Eu abri a boca, mas ainda não sabia o que responder.
- Que menina doida! – Emma chamou sua atenção e desviou-a de mim após me interromper sem intenção. – Nem perca seu tempo procurando essa garota, seja ela quem for. Só devia estar sem nada para fazer e resolveu te assustar!
- Provavelmente, porque não havia nem remetente naquele diacho de envelope!
Todos riram em uníssimo pela maneira indignada com a qual falou. Menos eu. A sensação de que algo estava errado começou a formigar no fundo do meu estômago. Uma luz de alerta começou a piscar em minha mente e continuou assim por minutos incontáveis enquanto inutilmente eu tentava juntar peças de um quebra cabeça que eu não via partes para completar.
Mesmo depois que a festa acabou e, infelizmente, me despedi apressadamente de , o incômodo ainda estava lá. Adentrei o carro, dessa vez sozinho, e foquei minha mente nessa sensação.
Tinha que ter alguma coisa, tinha que fazer algum sentido.
Mas não tinha nada. Nada até onde eu pudesse estender meus pensamentos.
Quando o motorista me deixou em casa, quando eu entrei em meu apartamento, tranquei a porta e me joguei no sofá, quase consegui me convencer que era tudo cansaço e nada além disso. Meu próprio subconsciente brincando comigo.
Só que eu não tinha tempo para descanso. Não quando meu telefone tocou, em plenas 4h da manhã de um domingo. Não foi necessário muito para saber quem era do outro lado da linha. Não quando a única pessoa que me importava já havia me mandado mensagem dizendo que estava em casa e bem.
Nesse caso... Ah, nesse caso não era nada mais que um infortúnio.
E o pior de tudo... O pior foi ter a resposta, finalmente. O entendimento do enigma que tomou parte da minha noite, em um segundo estava ali, na minha frente, escrito bem na tela do meu celular.
Em um maldito e miserável instante, eu entendi tudo.
Com as mãos tremendo de raiva, ódio, cólera, eu atendi o telefonema. Meus dedos apertando tão forte o aparelho que eu mal sentia minha pele enquanto formigava.
- Pensou na proposta que te fiz, ?
- Foi você. – Minha voz soou como um rosnado contido. E sua risada fez meu sangue correr ainda mais rápido.
- Eu?
- Bette K. C. – eu disse entredentes, minha respiração tão curta e pesada que doía meus músculos. – É um anagrama para Beckett, não é, seu filho da puta?
Uma risada fria soou gravemente.
- Honestamente, eu achava que sua garota seria mais esperta para perceber isso. Talvez eu a tenha subestimado.
- Seu problema é comigo, Beckett – grunhi para ele. – Não com ela. Não a envolva!
- Ora, mas ela já está bastante envolvida, não acha? – Um frio subiu por minha espinha enquanto eu apertava meu punho, sentia as unhas dos meus dedos afundarem em minha carne. – Afinal, ela esteve com você quando você veio me encontrar e testar a sorte. Ela tem estado com você desde então também. Talvez seja um pouco tarde para você me pedir isso.
- Seu bastardo, você não sabe de nada!
- Será que não sei? – Houve um momento muito longo de pausa e, por alguma razão, eu não consegui encontrar palavras para interrompê-lo. – Talvez você queira olhar suas mensagens agora.
Vagarosamente, com um nó em minha garganta, eu afastei o celular do meu ouvido. Não encerrei a chamada e apenas mudei a tela para abrir as mensagens que ele havia enviado. Meu sangue fervia tão fortemente em meu corpo que se esse maldito estivesse em minha frente agora eu não poderia me responsabilizar pelos meus atos.
Essa certeza me acertou da mesma maneira que as fotos que ele me mandou fizeram.
Fotos minha e de juntos, de momentos que ninguém estava presente. Fotos dela sozinha andando na rua, chegando em casa. Fotos que não eram tiradas por paparazzi para serem vendidas para mídia. Fotos que significavam que tinha alguém tomando conta dos seus passos.
Sem raciocínio qualquer para me fazer pensar antes de agir, eu soquei o quadro em minha parede. O vidro se partiu, a superfície do desenho rachou e a moldura atingiu o chão. Barulhos em sequência que Beckett ouviu do outro lado e fez questão de expressar a satisfação com uma risada cruel.
Ele sabia que me tinha nas mãos.
- Todos tem seu ponto fraco, , e eu descobri o seu. – Senti sua respiração contra o meu ouvido. – Vai fazer o que pedi agora?
Respirei fundo, três, quatro vezes.
- Deixe-a fora disso. E eu faço o que quer.
- Ora, eu não a machucaria sem motivo. – Ele fez uma pausa e eu juro que por um instante senti meu coração parar de bater também. – Temos um acordo?
Dessa vez, eu não hesitei quando disse:
- Te entrego o dinheiro amanhã.
’s POV
Querido diário…
Homens. Por que eles precisam ser tão previsivelmente imprevisíveis? Primeiro com essa mania terrível de esconder coisas de mim, e então querendo tomar conta de cada passo que eu dou, aparecendo de surpresa apenas para “me deixar uma mensagem”, e então de novo cheio de mistério praticamente fugindo de mim nos últimos cinco dias, agindo pior ainda que no último mês inteiro.
Qual é? O que está acontecendo, mundo?
Um passo para frente e dois para trás. Cada vez que eu me sinto bem com algo acontece e nos distancia de novo.
Será que falou para ele as mesmas coisas que disse para mim no BAFTA? Ou é a foto minha e de no tapete vermelho que vem fazendo todo esse estardalhaço?
Minha nossa, foi um beijo na bochecha e tem gente agindo como se fosse uma atuação pornô pública, eu não mereço isso! Pelo amor de D-E-U-S.
Como uma noite como aquela pôde desandar tão rápido de um minuto para o outro?
Se for isso que tiver acontecido, eu entendo. Quero dar espaço a para ele não se sentir pressionado, porque se fosse eu no lugar dele não gostaria de ter alguém em cima de mim insistindo e insistindo sem parar, mas... Eu ainda estou com aquele mal pressentimento arrepiando minha pele. Não sei o que esperar.
Não sei o que fazer. E sinceramente eu quero muito fazer alguma coisa.
Preciso falar com . Preciso falar com .
Essa bagunça toda tem que estar prestes a terminar.
Com amor,
.
- Olha só se não é a garota que acabou de passar em mais uma reportagem – murmurou sem se preocupar em me olhar enquanto apontava para o notebook aberto sobre a mesa, aquela foto, aquela maldita e maravilhosa foto minha e de estampando todos os sites de notícias.
Eu parei e perpassei os olhos pela reportagem/fofoca, não interessada de verdade naquilo. “ e compareceram juntos a tão esperada festa do BAFTA Awards em Londres no último domingo” blá blá blá “trocaram um beijo super carinhoso no Red Carpet e permaneceram juntos durante toda a premiação” blá blá blá “ só apareceu para encontrar sua namorada no After Party por motivos que ninguém esclareceu, e por isso especulamos se está tudo bem entre o casal ou se está rolando um affair entre ela e ” blá blá blá.
Definitivamente eu estava desistindo das teorias que eles postavam online. Por mais próximas da verdade que às vezes fosse o que estava escrito ali, de qualquer forma.
Acabei suspirando alto demais.
- Que foi? - arqueou uma sobrancelha para mim.
- Nada. Eu realmente gostei muito desse vestido – falei por fim, indicando minha própria roupa e arrancando um riso de minha amiga.
Do que adiantaria eu reclamar do que estava escrito lá? Com certeza já devia existir muitas pessoas fazendo isso nesse mesmo instante, como Gregory Colleman, Rachel, quem sabe todo o pessoal da Modest, e claro, não vamos esquecer de , que numa altura dessas já devia estar subindo pelas paredes.
Saí do site de notícias sem sequer avisar e enfim continuei minha caminhada até a porta, conferindo minha carteira e todo os documentos dentro da bolsa.
- Onde a senhorita pensa que vai? – Minha amiga levantou os olhos das correspondências que lia com toda preguiça e desinteresse que conseguiu juntar.
- Vou visitar .
Ela deixou as cartas caírem sobre a mesa e se empertigou na poltrona, de repente não tão interessada na leitura delas quanto antes.
- Como assim? E aquela história de dar tempo e espaço para o triângulo de confusões que vocês criaram?
Dei de ombros, bisbilhotando rapidamente alguns dos papéis que ela antes estava vendo.
- Desisti disso. Faz uma semana e tudo o que eu fiz foi trabalhar com as minhas fotos para a campanha da Pandora, treinar e trocar mensagens monossilábicas com e . Estou cansada de “ficar na minha” e jogar de novo o jogo do . nunca deixou nada o impedir de ficar comigo antes, por que vai fazer isso agora?
- Não sei, porque talvez tenha ameaçado expor vocês com todas as letras? – ela disse sarcástica e irritadiça, como se eu não tivesse pensado nisso até agora. – Não sei você, mas acho um motivo bastante considerável.
- Pois eu não concordo.
- E qual sua solução miraculosa? – provocou. – Encontrar sem nem falar para ele que está a caminho?
- Ele saberia se atendesse o maldito celular.
bufou e se jogou contra o encosto da poltrona.
- Você quem sabe. – Revirou os olhos, desistindo de conversar. – Mas tente controlar sua teimosia. Tenho certeza que ela deve incomodar ele tanto quanto ou até mais do que me incomoda.
Decidi que seria melhor não revidar o comentário da maneira que imediatamente se passou em minha cabeça.
- Vou me lembrar disso – respondi desanimada. – Me ligue qualquer coisa.
Ela assentiu com a cabeça e rapidamente voltou a olhar a correspondência.
Sinceramente, quando saí pela porta, só desejei que essa pudesse ter sido a única briga do dia.
Como eu odiava estar errada.
A porta da cobertura de se abriu antes que eu pudesse tocar a campainha. Assustada pelo movimento brusco, eu dei um passo para trás nem um pouco jeitoso.
- ?! – pareceu completamente aturdido por me ver ali e parou seu movimento no meio do caminho, se tornando uma completa estátua enquanto me olhava com olhos arregalados e boca aberta. – Por que está aqui?
Eu pisquei algumas vezes tentando fazer meu cérebro voltar a trabalhar e acabei soltando um riso sem graça.
- Eu queria te ver, ué. Você tem estado bastante ocupado e…
Ele me puxou para dentro do apartamento e fechou a porta atrás de si tão rápido que mal pude perceber. Ele guardou seu celular no bolso com irritação e me encarou completamente alarmado.
- Alguém te viu chegar aqui?
- O quê? – Eu passei por ele até chegar na sala. – Não, acho que não.
- Como pode ter certeza?
- Sou cuidadosa, , eu…
- Você não devia ter vindo. – Ele começou a andar de um lado para o outro sem parar como um perfeito soldado da coroa real. – Alguém pode nos ver juntos e puta merda, isso…
- Hey! Calma aí! – eu exclamei o segurando pelos ombros, tentando mantê-lo parado. – O que está acontecendo? Eu liguei para você várias vezes.
apenas me estudou por um instante, os lábios firmes pressionados um contra o outro até que soltou um suspiro lento, esvaziando seus pulmões.
- Você devia ir embora agora, .
Eu dei um passo para trás.
- O quê? Por quê? – Fechei os olhos e balancei a cabeça. Não fazia sentido. – Não. De jeito nenhum!
- Eu estou de saída agora – ele esclareceu. – Tenho algo para resolver, não posso ficar aqui papeando.
- Pensei que essa sua grosseria comigo tivesse ficado para trás. – Ele encolheu os ombros levemente, mas não se desculpou. – Que merda está passando na sua cabeça? Mal falou comigo na última semana, não me atendeu hoje, mas claramente viu que liguei, já que estava tão interessado com o celular na mão. – Um gosto amargo surgiu em minha boca e de repente eu já não me sentia tão corajosa em falar alguma coisa. – Eu fiz alguma coisa errada, ?
- Não, Ruivinha! Não é isso. – Ele se aproximou de mim e segurou meus ombros. – Você não fez nada.
- Então por que está agindo assim? – Minha voz já soava magoada demais para que eu pudesse evitar. – Caramba, eu conheço você. Sei que tem algo errado. Só que das outras vezes você simplesmente se fechava. Agora parece que está me excluindo.
- ... – Ele fechou os olhos com força e eu aguardei por uma explicação, a mais ordinária que fosse. Mas não foi isso que saiu de sua boca: – Você não devia ter vindo. Volte pra casa.
Eu me afastei do seu toque reconfortante, irritada.
- Não vou a lugar algum até que você me explique o que está acontecendo. – Aquela mesma dúvida de outro dia me atingiu e eu dei um passo para trás, sentida. – Isso é pelo que o falou? Acha que ele vai fazer aquilo de verdade? , ele sequer sabe que eu vim aqui!
Mas apenas me fitou como se não compreendesse o sentido das minhas palavras. Ele franziu a testa quase em completo desentendimento e logo me encarou de novo com seriedade.
- , só…
- Ele não vai nos expor de verdade, ! – eu o interrompi, me sentindo quase alucinada. – É mentira, tem que ser! Ele não nos ameaçaria realmente, só devia estar com raiva. Não o leve a sério nisso!
Um segundo de silêncio se estendeu entre nós quando uma cordinha pareceu ser puxada dentro da cabeça dele.
- Espera um pouco, disse isso a você? – Raiva preencheu seu semblante, passou por seu olhar e desapareceu tão rápido quanto surgiu. – Quando?
- Na pós festa do BAFTA e... – eu comecei a explicar sem fôlego quando subitamente me interrompi, afastando-me dele minimamente, apenas o suficiente para conseguir observá-lo por inteiro enquanto muito silenciosamente ele me encarava. – Calma, você não sabia. Se não sabia disso, por que está agindo assim? Tem mais coisa, não é? Aquilo que você vem escondendo de mim!
- Agora só não é um bom momento, . – Ele retesou e arrumou sua postura até que ela estivesse completamente ereta.
Eu soltei um riso sem a mínima pontada de humor. Como era possível que brincassem tanto comigo? com seus problemas de aceitação da realidade. em compartilhar seus transtornos e entender que não pode aguentar o fardo do mundo sozinho.
Uma parte de mim queria que eu fosse compreensiva com ele nesse momento, pois muito provavelmente ele apenas estava evitando que eu ficasse preocupada com ele ou qualquer coisa do tipo, mas sinceramente eu estava com raiva. Com raiva e cansada de ele nunca me achar boa o suficiente para compartilhar suas dificuldades.
A outra parte de mim que sobrava estava prestes a entrar em combustão por tudo isso e mais um pouco.
- Quando você vai entender que eu quero te ajudar! – resmunguei por entredentes. – E não julgar você por seja lá o que estiver acontecendo?
Ele sacudiu os braços e os largou na lateral do corpo em seguida, agitado e ansioso.
- Eu já disse que agora não é um bom momento, !
- Parece que sempre que você está com um problema, nunca é um bom momento.
A ironia brilhou em seus olhos.
- Parabéns, Capitã Óbvio.
Minha vez de parecer uma completa desequilibrada e grunhir em direção a ele, impotente.
- Me conte o que há de errado!
- Eu não posso! – ele devolveu com a mesma intensidade. – Não agora, pelo menos. Volte pra casa. Vou te explicar tudo, só…
- Quer tempo – eu finalizei a frase por ele, um misto de mágoa e furor me tomando de dentro pra fora. – Quer resolver as coisas primeiro, não me quer por perto. Que seja!
- , eu não disso isso, eu…
- Dane-se, . – Eu me afastei em direção a porta. – Foi o que deu a entender. Você venceu, não se preocupe! Eu estou indo pra casa.
Seu olhar de indignação e desolação quase me convenceram de que ele impediria minha caminhada em direção a sua porta para no mínimo amenizar aquilo tudo. Mas não foi o que aconteceu. Quando passei pela entrada do seu apartamento, a única coisa que ouvi foram meus próprios passos ecoando pelo piso e meu coração reverberando alto em meu ouvido.
Não sua voz. Ele não se preocupou em proferir mais nada.
’s POV
Quando voltei para casa, a noite já havia caído e eu me sentia completamente exausto.
Recapitulando as merdas que estavam acontecendo comigo no momento, temos:
a) Um amigo que já não é mais meu amigo e que fica feliz em poder atingir e eu como se fôssemos pinhatas de festas mexicanas penduradas em sua frente, onde no momento a jogada dele é dizer que vai expor meu relacionamento que não devia existir para poder afastar de mim e quem sabe aproximá-la dele consequentemente;
b) Uma namorada que teoricamente não devia ser minha namorada, mas que na realidade é até bem mais que isso, e que está pra lá de irritada porque não quer ficar sem saber o que está acontecendo comigo, quando o motivo de eu não abrir minha maldita boca mais tudo o que estou tentando fazer é exatamente para protegê-la dos problemas que ela tanto quer conhecer e, finalmente;
c) Um filho da puta que devia ter a existência esquecida ou no mínimo ignorada pela humanidade, vulgo, o canalha do Beckett, que decidiu brincar com minha vida como se fosse uma partida de bilhar, jogando tudo de lá pra cá e de cá pra lá apenas porque provavelmente não tem nada melhor o que fazer com seus dias e achou mais interessante me importunar a procurar ser alguém mais desenvolvido que acrescente algo ao planeta Terra. Ah, ele também estava ameaçando minha namorada como se ela fosse um brinquedo qualquer, caso eu decidisse não colaborar, mas detalhes à parte.
Peguei um cigarro do maço guardado em meu bolso e o acendi em seguida. Era nicotina ou me embebedar. Mas eu estava sem bebidas em casa no momento, e sair para ir a algum bar parecia cansativo demais depois do dia que eu havia tido. Puxei o trago fortemente e soltei a fumaça muito devagar até que sentisse o início do relaxamento tomar meu corpo.
Queria poder ligar para , queria poder ir até ela e passar horas ao seu lado como fizemos várias vezes durante o último mês. Como fizemos naqueles dias entre o Natal e o Ano Novo. Mas eu me encontrava em circunstâncias que... eu tinha medo de colocar os pensamentos em voz alta, mas talvez o melhor a se fazer no momento seja realmente me afastar dela.
Grande imbecil eu fui por tê-la levado naquele lugar, por ter contado alguma coisa para ela algum dia. Mas ao mesmo tempo, se eu não tivesse feito aquilo, se não tivéssemos ido juntos, nós dois nunca…
Tudo era tão complicado que pensar me dava dor de cabeça. Eu simplesmente não conseguia ter certeza de mais nada. Muito menos das decisões precipitadas que parte de mim queria tomar.
Como se um sinal do universo para me fazer repensar essas escolhas, o nome de brilhou na tela do meu celular. Mesmo hesitando em atender, não fui capaz de recusar a chamada como havia feito hoje mais cedo e a atendi logo depois de apagar o cigarro no cinzeiro, ainda pela metade.
- ? – A voz dela soava incerta e fraca. Eu demorei para responder enquanto reparava nisso.
- Oi, .
E eu me calei em seguida.
Houve um instante onde nenhum de nós disse nada e apenas esperou o outro tomar a iniciativa. Existia muito que eu gostaria de dizer para ela. Mas eu não conseguiria naquele momento. Mesmo ela sendo a minha luz no fim do túnel, a sensação era de que eu apenas a arrastaria mais para a escuridão se dissesse qualquer coisa que fosse.
- Não liguei para brigar – ela disse enfim com um suspiro cansado soando fracamente do outro lado. – Desculpe pela forma como eu falei hoje, como agi. A discussão que tive com ... Acho que descontei em você a frustração.
Apertei minha têmpora com força. Como ela podia achar que de alguma forma aquilo era culpa dela quando o idiota de carteirinha da relação sempre fui eu?
- Desculpe pela minha reação ao te ver – eu murmurei para ela, ainda desacreditado e me sentindo ainda pior que antes. –, só não esperava você aqui naquele momento... E sinceramente não estava 100% bom da cabeça.
- Muita coisa pra pensar, suponho. – Ela jogou verde e eu segurei minha língua para não dizer exatamente o que não devia. E então segui cautelosamente pelo caminho da ocultação.
- Só preciso que você entenda que contar para você o que está acontecendo talvez piore as coisas ainda mais.
- Como pode piorar, ?
- Eu não sei – menti, jogando as palavras rápido demais. – É apenas uma intuição.
Como eu poderia sequer cogitar dizer a ela que aquele filho bastardo estúpido estava ameaçando-a? E por minha causa! E que agora eu usava o que restava da minha dignidade para mantê-lo longe dela? Eu simplesmente não conseguia dizer isso.
A ouvi suspirar cansada e imitei seu gesto, abatido. Ela poderia explodir agora e gritar comigo, eu aceitaria. De fato, eu merecia.
- Não vou te obrigar a me contar – falou tranquila, e confesso que fiquei surpreso. – Não vou insistir mais nesse assunto, , porque você nunca me obrigou a fazer isso quando era eu que não queria compartilhar as coisas que aconteciam em minha vida. Eu te respeito e respeito sua escolha. Mas não posso mentir e dizer que não me sinto insuficiente nesse momento. Magoada por ser mantida de fora.
Eu senti algo dentro de mim diminuir, começar a desmanchar. E ainda assim procurei dar um tom alternativo àquela conversa, antes que eu dissesse demais e perdesse a noção do que fazia.
- Você não gosta de não saber das coisas, não é, Ruivinha?
Ela soltou um riso bem humorado, mas eu sabia que era passageiro.
- Bom, eu ficaria surpresa se você não soubesse disso ainda.
A risada de nós dois foi fraca demais para ser levada adiante e alguns segundos de silêncio se estenderam em seguida, conforme eu mordia meu lábio e me obrigava a colocar a ideia que vinha formulando em voz alta.
- , eu não quero que você me entenda errado o que vou dizer agora, mas acho que talvez nós devíamos dar um…
- Não! – A voz dela soou estridente e alarmada do outro lado. – Nem pense em terminar essa frase, eu proíbo você! Não é justo!
- Só me ouve, ok? Por favor! – Praticamente supliquei. – Não vamos parar de nos ver. Só diminuir a frequência com que isso acontece.
- Não acredito que está sugerindo isso, a gente mal se vê de qualquer jeito! – A voz dela tremeu e meu nervosismo começou a aumentar se transformando em angústia. – Você ocupado com o CD e eu com meus trabalhos, minha rotina de treinos e a sua também! Literalmente a gente mata compromissos para conseguirmos nos encontrar.
- , talvez seja melhor para todos nós no momento. – Eu tentei raciocinar com ela. – Não quero complicar as coisas para e nem para você. Aquela foto nossa já está dando muito o que falar e…
- Está usando isso como desculpa para se afastar.
Era mais ou menos isso que eu estava fazendo e ainda assim tentei negar.
- Não, eu estou deixando a poeira abaixar antes de cometermos outro deslize.
Eu aceitei o silêncio dela como no mínimo algo como “estou pensando nisso”. Afinal, o contrato que assinamos para e não duraria mais que algumas semanas além dessa e muita gente no momento estava de olho para ver o que acontecia, para terem certeza de que o que a mídia estava dizendo não se passava de boatos feitos para entreter o público, e não de fato o que estava havendo bem debaixo dos narizes de todos eles.
Podia não ser minha principal preocupação no momento, talvez eu estivesse usando isso apenas como um meio para amenizar minha própria situação com , mas era algo com o que se tomar cuidado também. E nós dois sabíamos muito bem disso.
- Você falou com desde a premiação?
Eu não esperava essa pergunta.
- Não. Não sobre esses assuntos, pelo menos. – Dessa vez fui sincero. – Sobre quase nada, na verdade.
A respiração dela soou forte novamente.
- Ok.
Pressionei minha boca e segurei o suspiro de sair.
- Por favor, não fique brava comigo.
- Não posso prometer isso, .
- Só confie em mim, por favor, . – Estou fazendo isso por você!, eu quis acrescentar, mas mordi a língua antes que pudesse colocar para fora.
- E eu confio, . – A convicção em sua voz acelerou meus batimentos cardíacos. – Só me pergunto às vezes se você também confia em mim tanto quanto confio em você.
Fui incapaz de dizer qualquer coisa em seguida. Dessa vez ela não ficou esperando na linha para ouvir outra desculpa minha.
- Falo com você depois.
desligou o telefone sem sequer se despedir e, incrivelmente, eu não fiz nada sobre isso.
Mais tarde, quando o telefone tocou de novo enquanto eu fumava outro cigarro e tomava uma bebida que finalmente eu havia saído para comprar e agora descia rasgando por minha garganta, já me achava tão apático e indiferente a tudo que sentia que isso era o suficiente para me fazer não ser atingido por nada mais que dissessem.
Eu sempre parecia pensar cedo demais.
Sem qualquer emoção, eu atendi a ligação e fui direto ao ponto:
- Fiz o que você pediu.
- Eu vi, obrigado pelo carro. – A risada seca fez uma fagulha de emoção se acender em mim.
- Vá se foder, Beckett.
Poderia jurar que ouvi uma exclamação surpresa sair da sua boca imunda, mas igualmente podia ser só coisa da minha cabeça.
- Eu tomaria mais cuidado se fosse você com a maneira qual fala comigo, caro amigo. Ou parceiro, devo dizer?
Meu estômago se embrulhou com a suavidade que vinha de sua voz.
- Já te dei dinheiro, já te entreguei meu carro – grunhi para ele. – O que mais vai querer de mim, porra?
O segundo seguinte levou uma eternidade para passar enquanto eu apenas ouvia sua respiração do outro lado.
- Acho engraçado como as coisas aconteceram entre nós, você não acha, ? Afinal, eu te dei um local para ficar e um emprego quando você precisou. E então cresceu aqui dentro, ganhou minha confiança e respeito por mais tempo que muitas pessoas tiveram a oportunidade de desfrutar. Contudo, que grande reviravolta! Abandonou a todos nós, virou as costas para mim sem olhar para trás assim que teve a oportunidade. Eu me pergunto porque, sabe. Quais as razões. O que você recebia aqui não era suficiente para suas ambições, ? Era seu objetivo, por acaso, ganhar e ganhar cada vez mais até, quem sabe, assumir meu lugar e ficar com tudo? E talvez percebeu que isso nunca aconteceria e então pulou fora para melhores alternativas? Não sei. – Ele gargalhou contra o telefone, meu sangue correndo cada vez mais rápido em meu corpo. – Talvez um dia você me conte. Mas agora, neste instante, eu tenho outra pergunta para você, e uma resposta também.
- Diga de uma vez.
- Eu me pergunto, quão grande é a sua fortuna, ? – Sua voz arrastada fez um arrepio subir pela minha espinha, gelando meu sangue dos pés à cabeça conforme a compreensão me atingia de uma vez. – Eu quero tudo o que você tem.
Capítulo 48
I don't expect you to care
I know I've said it before”
’s POV
Cada dia que passava eu tinha mais certeza de que minha vida estava sendo um rascunho de algum manual de complicações. Algo como um teste inventado por alguém lá de cima que vinha intitulado como “vamos ver quantas merdas uma pessoa consegue aguentar antes de surtar por completo”. Ou no mínimo algo parecido com isso.
Deixando o drama de lado, que vinha me acompanhando incessantemente durante 24h por dia, 7 dias por semana, eu podia dizer que estava exagerando enquanto tentava me adaptar às mudanças constantes.
Eu não dormia direito fazia alguns dias. Honestamente, eram nomes demais rondando meus pensamentos. Meu pai, meus irmãos, , , eu mesma. Mesmo escrever sobre tudo parecia difícil demais. Eu balançava a caneta entre os dedos e encarava a página em branco do meu diário, com muitas coisas dentro da minha cabeça, mas nenhuma capacidade de ordená-las em frases no momento, muito menos em um texto.
Já não conseguia me focar em muita coisa, tinha sido um dia longo e cansativo, com mais baixos do que altos, sendo bem sincera.
Meu celular descansava sobre a minha perna e meus olhos permaneciam cravados nele, como se isso fosse fazer alguma diferença e, quem sabe, magicamente fazer as mensagens que eu queria ler chegarem em um segundo.
Um tanto atrapalhada, guardei meus objetos dentro da bolsa e saí do apartamento, tendo a brilhante ideia de caminhar até a cafeteria onde e eu havíamos marcado de nos encontrar, como se isso, de alguma forma, fosse melhorar meu humor ou quem sabe me ajudar a pensar melhor graças ao ar fresco.
Não ajudou.
Primeiro por causa da poluição. Segundo por causa dos fotógrafos que brotaram magicamente no meu caminho.
Para a má sorte deles, eu não estava para conversas fiadas hoje.
- Hey, ! Está trabalhando em algum projeto novo?
- Como estão as coisas entre você e , senhorita ?
- Você não parece muito bem.
- Um sorrisinho para a câmera, por favor!
- vem encontrar com você?
Eu me sentia zonza com a quantidade de perguntas despejadas sobre mim e os cliques constantes começavam a se tornar tão repetitivos que minha cabeça ameaçava latejar.
Eles estavam fazendo o trabalho deles, eu não podia simplesmente ser rude, mas realmente aquilo estava me incomodando.
Em pensar que da última vez que estive numa situação parecida com essa, havia aparecido e me salvado quase como um príncipe em um cavalo branco. Se bem que... Não. Essa comparação foi péssima. Mas de qualquer forma eu quase podia dizer que sentia saudade daquela moto dele. Quase.
Alguns fãs apareceram em seguida e não consegui dizer não a eles quando pediram autógrafos e fotos, mesmo que minha aparência estivesse mais para um espantalho anêmico e eu me sentisse um protótipo de um lixo não reciclável naquele momento.
Minutos depois, magicamente, veio caminhando até mim, obviamente me encontrando com facilidade, guardando as chaves do carro no bolso e acenando rapidamente para os mesmos paparazzi que antes estavam focados em mim, também se perdendo um pouco com um punhado de fãs que o pararam.
Ele analisou a situação de relance conforme foi se aproximando, passando os olhos entre o agrupamento de pessoas com e sem câmeras e eu.
- , desculpe o atraso... – Nós nos cumprimentamos com um abraço rápido e para o azar de todos observando, eu não sorri. – Quer ir para outro lugar?
Sua voz estava suave e sinceramente eu me sentia cansada demais para estudar sua expressão e identificar algum nível de interesse, fosse qual fosse. Então apenas concordei e me levantei da cadeira.
Ele pagou a conta no meu lugar antes que eu conseguisse puxar o zíper da minha carteira e me acompanhou até seu carro. Eu me sentia tão exausta que sequer discuti.
- Você... está bem? – Ele me encarou por completo antes de virar a chave e ligar o veículo.
Precisei admitir que, após observá-lo com cuidado, não pude negar o que enxergava. Ele realmente parecia interessado em saber. Mas meu sarcasmo não me permitiu cair tão fácil na beleza dos seus olhos e na suavidade de sua voz.
- Como se você se importasse.
Ele me fitou intensamente por um instante e apertou o volante firmemente entre os dedos até que os nós ficaram brancos.
- Eu me importo, ! – Ele praguejou alguma coisa baixinho que não pude entender. – Apesar de tudo, eu ainda me importo.
Acabei rindo secamente.
- Apesar de tudo... – Balancei a cabeça lentamente. – Que reviravolta nós vivemos, hein? Talvez você me ache uma megera, , mas eu nunca te contei de verdade porque estou fazendo isso.
Ele desligou o carro, provavelmente prevendo que aquela conversa seria mais longa do que ele estava preparado.
- Com “fazendo isso” você diz…
- O contrato, sim. Ferir de diferentes maneiras as pessoas que estão ao meu redor. – Passei a mão por meu rosto e cabelo, todas minhas preocupações de repente transbordando. – Não assinei aqueles papéis simplesmente porque queria provar alguma coisa para alguém, não era só isso. Eu fiz isso, ainda estou fazendo, pela minha família.
- O que quer dizer? – Ele me encarou com atenção e depois chacoalhou a cabeça para os lados, se corrigindo. – Pode me explicar? Por favor.
Em um instante eu me virei de frente para ele e, pela primeira vez em dias, eu de fato vi que ele parecia disposto a ouvir o que eu tinha a dizer, e não estava pronto para atirar pedras em minha direção.
Eu sabia que ele merecia ouvir a verdade. Por isso, quando dei por mim, já estava falando sem pausa, derramando palavra após palavra sem tirar os olhos dele. Estava despejando tudo.
Expliquei, da maneira mais sucinta que consegui tudo o que aconteceu desde a cirurgia do meu pai e como as coisas se desenrolaram a partir daí, não só com ele ainda no hospital, mas com e com o próprio também. E incrivelmente, me ouviu do começo ao fim, sem me interromper uma única vez ou esboçar qualquer reação.
- Você realmente acreditou em algum momento que eu estava fazendo isso por alguma vingança ridícula sem fundamento? Ou por algum motivo ordinário para querer magoar você? – perguntei com aquela pontada de raiva se mostrando presente. Ele continuou me observando sem mover um músculo sequer. – Você foi meu amigo quando ninguém mais foi, . Eu nunca faria isso com você.
- Eu sei.
- De verdade, , eu jamais... – Interrompi-me subitamente, fechando os olhos e os reabrindo para fitar o seu rosto, temendo ter ouvido errado o que saíra de sua boca. – Espera aí. O quê?
Uma risada oca veio do fundo da sua garganta e em seguida um sorriso mais natural se formou em seu rosto por causa da minha expressão confusa, apenas para desaparecer logo em seguida e voltar a sua completa seriedade anterior.
- Eu sei que você não faria isso, . Não de propósito – esclareceu lenta e calmamente, num esforço para me fazer entender. – E eu também nunca exporia você e . Nem o contrato que temos. Ou merda nenhuma do tipo, me desculpe.
Eu pisquei vezes seguidas, estagnada. Provavelmente até pasma. Eu realmente achava não estar compreendendo o que ele dizia.
- Você está se desculpando?
E depois de um minuto inteiro em silêncio, sua resposta veio quase como um sussurro:
- Estou, . – Dessa vez nós nos olhamos nos olhos. – Me desculpe.
Por um instante em seguida apenas nos encaramos.
- Por que isso agora? – Minha voz soou magoada e tão alta quanto um murmúrio. – Por que, depois de tanta coisa?
- Não sei. Só... – Ele deu um suspiro e soltou o volante que em algum momento tinha voltado a segurar sem que eu me desse conta. – Acho que passei dos limites com o que falei da última vez que nos vimos e…
- Realmente, .
- ... Eu sei que errei ao fazer algo que te disse que não faria. – Ele ignorou meu comentário. – De verdade, me arrependo de ter feito aquilo com você, mesmo achando que tivesse razão em tentar interferir na sua vida como um alerta do que poderia ou não acontecer, eu não devia.
- Então por que fez? – Minha fala saiu como um sopro, sem forças para brigar. – Por que fez tudo isso? Qual foi o motivo?
Ele piscou algumas vezes, rápido demais, e abriu e fechou a boca como se procurasse as palavras, ou tentasse formar frases coerentes com seus pensamentos. Fosse o que fosse, eu percebia, por sua expressão corporal, como ele estava inseguro. Como ele se sentia acuado por minhas perguntas. E ainda assim, eu não as retiraria. Não depois de tudo o que ele disse, depois do que ele fez, sem mais nem menos. Depois de tudo o que contei, eu merecia uma explicação. Era o mínimo que ele poderia me dar, porque desculpa nenhuma valeria de alguma coisa se eu não pudesse entender seu ponto de vista de uma vez por todas e tentar entender como chegamos ao ponto em que estamos agora.
Um dia ele havia sido meu amigo. Um dia ele havia confiado em mim. Havia sido recíproco. Por que então eu não podia conhecer seus motivos, se agora ele já conhecia os meus?
- Por que, ? – eu insisti mais uma vez, mais firme, e seus ombros se curvaram para frente.
- Porque eu achava que apenas repetiria o ciclo – ele respondeu com um suspiro dolorido. Algo genuíno que me fez retesar no assento do carro. – Ainda tenho um pé atrás quando se trata desse assunto, de e Maya. E sei que nós dois, ele e eu, precisamos esclarecer esse assunto todo de uma vez, porém você precisa saber que é difícil me convencer de que dessa vez entre vocês dois não vai acabar igualmente como da vez anterior. É difícil confiar que vai ser diferente, que você não vai se machucar no final dessa história como aconteceu com Maya, que também era minha amiga e que eu vi se desmanchar em mil pedaços em questão de minutos quando aconteceu o que era iminente. Me desculpe se estou sendo muito honesto com você, mas é a verdade, é o que sinto. E eu não quero que ele machuque você. Não queria que você escolhesse ele quando... eu estava bem ali na sua frente, e sabia que jamais faria o que um dia ele fez com alguém.
As palavras me atingiram de forma tão intensa que por um momento eu havia perdido a capacidade de falar enquanto o escutava. Estendi minha mão para tocar seu braço por puro reflexo, ainda perplexa demais para conseguir dizer algo em voz alta.
- , eu…
- Se eu parar de falar agora, não vou conseguir continuar. – Ele impediu que minha mão o alcançasse e me olhou com suas íris chocolate transbordando em um arrependimento sombrio que parecia já há muito tempo estar ali, sob a espreita da superfície. – No fim, mais que tudo, deixei isso, esses sentimentos me consumirem até que não conseguisse pensar em outra coisa senão te manter afastada dele da maneira que eu conseguisse, fosse como fosse. Mas ver você se afastar de mim doeu mais do que qualquer coisa, . Podia não ser recíproco entre nós dois da maneira como eu desejava, mas eu não estava preparado para te perder do jeito que aconteceu. Não por causa dele, como eu me convenci que era, mas pelas coisas que eu mesmo fiz.
“Você tinha razão quando disse, eu não estava mais sendo eu mesmo, que estava me transformando no vilão. Me dei conta que o tempo todo só estava descontando em você minhas frustrações e culpando como se ele pudesse ter interferido em algo que, na verdade... não tem nada a ver. Como se não bastasse ter te afastado de mim, eu consegui afastar também. Foi aí que entendi, sempre fui eu o problema. Nunca vocês. Jamais você.”
Houve um intervalo de tempo onde eu não consegui fazer nada além de analisá-lo com cuidado, com minha face inexpressiva e a dele transbordando culpa, remorso e expectativa por minha reação.
Parecia que eu observava a situação toda se desenrolar pela tela de uma televisão que não existia.
- Não estou bem com isso que está acontecendo entre todos nós dois, , e sei que nada do que falei vai, de alguma forma, apagar as coisas que aconteceram antes. Mas estou disposto a dar uma trégua em seja lá o que for isso que estamos fazendo. E por isso estou pedindo desculpas. – Ele me encarou por alguns segundos, esperançoso no que eu poderia responder. Contudo, quando meu silêncio prevaleceu por tempo demais, subitamente uma incógnita surgiu em seu rosto conforme eu continuava a olhá-lo sem sequer piscar. – Hm, você parece pior agora que eu te contei isso que antes... por quê?
Eu balancei a cabeça para os lados, incrédula, um tanto indignada e bastante confusa também.
- , você não espera que eu aceite tudo isso com um sorriso e diga que está tudo maravilhosamente reconciliado, não é? – Pela expressão que ele fez, era justamente isso que ele pensava. Algo dentro de mim borbulhou. – Com todo respeito, não sei se consigo confiar em você de novo. Esses últimos meses... seria eufemismo dizer que foram uma bagunça.
- Seria mesmo – concordou em seguida, esboçando um sorriso triste. – Mas você estaria disposta? A tentar confiar em mim de novo? Eu não quero que você me odeie para sempre. E além do mais, sei que fui irracional tentando te afastar de . Não quero mais fazer isso. Eu... seria idiota dizer que não vejo o que há entre vocês mesmo quando tentam esconder de todos os outros.
Desconcertada pela confissão, eu virei o rosto para longe do seu, minhas bochechas corando em seguida.
- Talvez seja um pouco tarde para isso. – Encarei as pulseiras em meu pulso, as duas agora inseparáveis desde o meu aniversário, e aquela exaustão de antes começou a pesar sobre meus ombros. – praticamente pediu um tempo por causa desse pseudo triângulo amoroso e problemático não intencional entre todos nós, somado às especulações que estavam vindo de brinde por causa da premiação.
permaneceu um tempo me olhando, abriu a boca para dizer algo e eu o impedi imediatamente:
- , essa rotina está acabando comigo! – desabafei. – Eu não tenho notícias do meu pai, estou há semanas sem saber se ele está bem, se ao menos o tratamento está surtindo efeito e ele está melhorando. Eu sequer pude cuidar dos meus irmãos! Tive que mandá-los para mais longe ainda e mesmo com as minhas boas intenções, parece que aos poucos o resultado disso vai ser acabar com minha relação com , se não der um jeito de destruir meu psicológico primeiro. Eu não quero isso, eu... eu não devia estar conversando isso com você.
, se concordava ou não com minha afirmação, não falou nada, e um riso amargo deixou meus lábios quando outro pensamento praticamente se materializou em minha frente.
- Eu me vendi por dinheiro – disse enfim. – Eu quis ajudar as pessoas, coloquei a saúde e as necessidades delas a frente das minhas, mas, pra fazer isso, eu me vendi para que fizessem o que achassem melhor da minha imagem diante de todos. Eu sou completamente hipócrita. Eu sou uma fraude!
Não percebi que estava chorando até que minhas bochechas ficaram molhadas com lágrimas quentes que escorriam e pingavam em minha blusa. Eu estava me sentindo patética por desabar assim justamente na frente da pessoa que muito provavelmente ficaria feliz com meu sofrimento, mesmo que estivesse tentando me convencer do contrário.
- , você não é uma fraude. – Ele fez com que eu o olhasse finalmente. Ainda que hesitante, eu fiz. Para minha surpresa, não havia qualquer acusação em seus olhos e nem parecia divertido em me ver daquele jeito, como uma parte de mim achou que ele estaria. – A parte mais difícil de estar nesse mundo da fama é entender que em muitos momentos teremos que ceder para as vontades dos outros, que teremos que cuidar dos nossos passos como se existissem correntes nos controlando ou pessoas vigiando nossos movimentos como aves de rapina. É isso que acontece, porque sempre vai ter um contrato, um trabalho, um motivo para fazermos o que os outros pedem, para no fim termos algo que queremos.
- Mas…
- Toda pessoa tem seu preço – ele esclareceu. – E não só figurativamente. Talvez agora você esteja se arrependendo da escolha que fez pela maneira como isso soa quando você diz em voz alta, mas naquele momento, quando você decidiu isso, era o que você precisava. Era o seu preço. E sinceramente, eu posso ter todos meus motivos menos decentes para ter concordado com esse contrato, mas o seu com certeza tem honra. E não acho que qualquer pessoa com caráter fosse fazer algo diferente do que você fez.
Eu segurei firme os berloques das duas pulseiras entre meus dedos, minha boca trêmula apertada em uma linha fina. Não tinha certeza se tudo o que dizia fazia de verdade algum sentido em minha cabeça, mas aos poucos as palavras iam assentando. Gradativamente.
- Como você sabe disso?
A resposta dele foi simples:
- Porque quando a gente ama alguém, fazemos qualquer coisa por essa pessoa. – Ele abriu um sorriso mínimo. – Você é a prova disso, não?
Apenas o encarei, sem dizer uma palavra, pelo que pareceu ser minutos infindáveis. Não havia qualquer coisa que eu pudesse responder para ele em seguida. Nada que eu fosse capaz de pensar.
Então a suavidade em seus olhos se acentuou e ele desviou o olhar de mim de volta para a vista através do para-brisa. Não havia nada além de outro carro estacionado, mas pela maneira fixa e certeira com a qual ele o encarava, parecia ser muito importante. Só então me dei conta de que ele estava pensando em algo mais. Uma capacidade que eu não parecia ter no momento em questão.
- Você gostaria de romper o contrato antes?
- O quê? – Eu pisquei desconcertada, quase gaguejando para ele. – Você faria isso?
- Faria – admitiu. – Afinal, não está sendo algo saudável para nenhum de nós.
Eu apenas assenti, mais por impulso que entendimento. Ele soltou um suspiro e olhou para mim.
- , se for o que você quer, eu concordo em rompermos o contrato, agora mesmo. Mas você precisa saber que se fizermos isso antes da data estipulada, vai desencadear uma série de problemas para nós dois e para os outros que assinaram também. Todos eles.
- Eu sei – respondi arrogante. – E só pra constar, da última vez que você disse algo como “se for o que você quer, eu faço”, quebrou sua promessa mais rápido que eu dizendo “traidor”.
me encarou boquiaberto por um instante enquanto era pego desprevenido por minha rudeza. Então apertou seus lábios um contra o outro e retomou a fala, como se minha acusação não tivesse sido nada:
- Não quero te pressionar a fazer uma escolha, mas talvez... talvez fosse melhor esperar mais algumas semanas. Não falta muito.
- Sei disso também.
Passei a mão sobre os olhos, enxugando os últimos resquícios de lágrimas, enquanto ele apenas suspirava, se dando por vencido. ligou o carro logo depois, seguindo o sentido da rua sem sequer me dizer para onde estava indo, aproveitando meu silêncio e o assunto delicado como desculpa para tal. Sinceramente, ele podia rodar em círculos que eu não me importaria.
A sensação disso tudo era que eu vivia numa encruzilhada. Presa em um labirinto com corredores infinitos sem nunca encontrar uma saída, às vezes só me embrenhando cada vez mais fundo em direção ao seu centro, onde provavelmente ficarei perdida para sempre, incapaz de achar a devida saída onde eu finalmente poderia finalmente respirar.
Eu sentia que estava prestes a sufocar diante de todos.
Quando a paisagem que passava pela minha janela começou a se tornar muito familiar, eu olhei para de soslaio, em dúvida, sem entender.
- Estamos indo para minha casa?
- Sim – disse sem sequer virar o rosto da rota que seguia.
- Por quê?
- Porque você não está bem.
- E isso é importante, por acaso?
Ele soltou um riso nasalado.
- Eu não vou deixar que você se desgaste ainda mais.
A surpresa ao ouvir isso foi impossível de disfarçar, mas tão rápido quanto ela surgiu, desapareceu também.
Ele fez uma careta ao notar minha descrença. E eu fiz outra ao vê-lo tão solícito. não podia esperar que de repente eu simplesmente acreditaria nele de novo, certo? Em cada coisinha que colocasse para fora, pensando que voltaríamos a ter a mesma conexão de antes de um segundo para o outro? Não. Sem chance. Impossível.
- Eu quero ajudar você, – ele deu ênfase a palavra.
- Você já me disse isso antes também, mais de uma vez. – E então me limitei a morder o lábio e não dizer mais nada, fosse positivo ou negativo. Dessa vez, eu mesma estava cuidando para não me machucar depois. Me precaver de um caminho que eu já havia trilhado antes e me ferira era o primeiro passo que eu precisava dar.
apenas continuou dirigindo, desapontado e provavelmente infeliz com a maneira como eu havia falado com ele, até que parou na frente do meu condomínio e desligou o carro no meio fio, calado.
Soltei um suspiro para me acalmar e não soltar coisas que pudesse me arrepender depois.
- Obrigada pela carona – falei com a voz monótona e o olhei de canto, que apenas assentiu levemente. Sem mais delongas eu desci. Não tem porque prolongar esses instantes, pensei. Mas o vidro do passageiro se abaixou, e fixei meus pés no chão antes que pudesse ir embora.
- Eu falei sério hoje, – ele disse assim que fechei a porta, e me vi o fitando calmamente pelo vidro abaixado. – Falei mais sério do que todas as outras vezes antes.
- Sinto muito, – murmurei para ele. – Podemos fazer disso uma trégua, mas não sei se consigo acreditar em você. A sensação é que vai me apunhalar pelas costas quando tiver a oportunidade, quase como da última vez.
- Não vou fazer isso.
- Então prove – falei por fim. – Prove que está disposto a fazer diferente. E então vemos o que acontece em seguida.
Não esperei para ver sua reação ou ouvir mais algum comentário dele e segui em direção a minha portaria para subir até meu apartamento.
Queria ficar sozinha.
O banho tinha me ajudado a espairecer um pouco, e confesso que passei tanto tempo mergulhada dentro da banheira que, quando saí, estava com os dedos todos enrugados pelos vários minutos que passei imersa dentro da água pelando até que a mesma quase esfriasse por completo.
Enrolada em minha toalha, segui para o meu quarto, desembaraçando o cabelo com minhas próprias mãos. O aquecedor estava ligado e eu quase não conseguia sentir o frio que realmente estava.
Apesar de já estar escurecendo, ainda não tinha voltado para casa e eu esperava que ela me respondesse logo a mensagem se queria ou não que eu comprasse algo para nós duas jantarmos. Por isso, quando o celular tocou segundos depois de eu me sentar em minha cama, ainda sem me vestir, sequer perdi tempo em ver quem era.
- Antes que você diga qualquer coisa, não, eu não vou trocar a janta por algum doce qualquer – eu disse, tentando soar bem-humorada. – Guarde sua fome por açúcar para a sobremesa.
- Hm, do que você está falando?
Eu levei minha mão até a testa, a vergonha me calando por um minuto inteiro. Hoje realmente não era meu dia.
- , eu achei que fosse a . – Ele soltou uma risada baixinha do outro lado da linha.
- Imagino que não tenha visto quem era antes de atender.
- Eu estava distraída – admiti e me encostei nos travesseiros.
- Está tudo bem por aí? – Absolutamente não.
- Sim – foi o que respondi. – Por que não me atendeu das outra vezes que liguei?
Ele esperou alguns segundos para responder.
- Estive ocupado, Ruivinha.
- Nos últimos três dias? – Foi impossível eu conter o sarcasmo.
Muito provavelmente eu soava como aquelas namoradas obcecadas e ciumentas que ficavam no pé do outro o dia inteiro. Mas a verdade é que sempre que eu entrava em contato com ele, se havia a opção de ele me responder via mensagens, era o que ele fazia. E eu simplesmente já não estava entendendo mais nada.
- Eu estou cuidando de alguns assuntos. – Apenas arqueei uma sobrancelha para o que ele dizia, mesmo que de fato não pudesse ver minha expressão de desconfiança.
- Entendi – murmurei mais para encerrar o assunto e evitar outra discussão do que por vontade de concordar mesmo. – Eu conversei com hoje.
- Eu sei.
- Ele se desculpou e... – Eu encarei o telefone sem entender. – Como assim “sabe”?
- Eu sei porque ele conversou comigo também – esclareceu calmamente. – Ele me ligou não muito tempo atrás.
Pisquei algumas vezes, inconformada com o que escutava do outro lado.
- Então as ligações dele você atende? – , mais uma vez, ignorou minha ironia, e quando ele falou em seguida, confesso que o sentimento se desmanchou até desaparecer por completo, transformando-se em outra coisa.
- me explicou que você não estava muito bem, , entre outras coisas.
De repente o fio solto da minha toalha parecia muito mais interessante que a conversa em si. Quão estranha era essa situação toda? Há menos de dez dias eles provavelmente não trocavam nada além de insultos e agora um estava ligando para o outro contando coisas sobre mim.
Maravilha.
- E o que mais ele te contou?
- Que se desculpou com você e então fez mais ou menos o mesmo comigo – contou. – Sinceramente, foram minutos confusos. É difícil dizer se acredito ou não.
- Eu que o diga.
- Mas ele disse que estava disposto a romper o contrato se fosse isso que nós quiséssemos.
Eu comecei a gaguejar contra o telefone enquanto a descrença e a indignação se misturavam completamente.
- Que merda...? – eu murmurei desconcertada. – , eu…
- É isso que você quer? – ele me interrompeu suavemente.
Eu precisei pensar por apenas um segundo antes de responder:
- Eu quero que a gente não dê um tempo por causa disso! – falei em seguida. – Quero resolver a situação.
- , não estamos dando um tempo.
- Não? – Eu soltei uma risada seca. – Da última vez que te vi, você praticamente me mandou para fora da sua casa e logo depois sugeriu exatamente para darmos um tempo!
- , não espero que esteja pensando que eu queira terminar com você. – Seu tom de voz era preocupado. – Só quero sair dos holofotes por um certo período para não prejudicar você e e a imagem que têm que passar.
- Não é o que parece.
Ele soltou um suspiro cansado do outro lado.
- Escuta, as coisas vão se ajeitar normalmente, ok? Não precisa apressá-las. Só precisamos fazer nossa parte. – Ele fez uma pequena pausa. – E sobre o contrato…
- Não vou desistir do contrato, – eu o interrompi imediatamente. – Mas também não quero me conformar com o que está acontecendo. Por favor, vamos nos encontrar e conversar pessoalmente.
- Saudade de mim, Ruivinha? – Eu quase pude jurar que enxergava seu sorriso provocante do outro lado. E foi minha vez de soltar o ar vagarosamente dos meus pulmões.
- Você sabe que sim.
- Também estou com saudade – ele admitiu num sussurro e meu coração derreteu um pouco.
- Então vamos nos encontrar!
- , eu não posso – ele começou a falar e eu fechei meus olhos com força.
- Ninguém vai nos ver, ! Caramba, eu coloco até uma peruca e óculos escuros se você achar mais convincente e seguro.
Eu o ouvi rir divertido e esbocei um sorriso com o som, mesmo que me sentisse triste com sua resposta negativa.
- Não é isso. – Ele pareceu hesitar por um instante. – Não estou em Londres, Ruivinha.
- Como assim? Onde está então?
- Em Bradford. Cheguei aqui antes de ontem e devo voltar amanhã ou depois. – Eu estava absorvendo a informação ainda. – Se eu estivesse em Londres, não estaria te ligando. Não depois de ter me ligado para dizer que você não estava bem. Teria ido te encontrar imediatamente, com disfarce de cartolas e narizes postiços ou sem.
Uma cena engraçada acabou se formando em minha cabeça e ri baixinho em resposta.
- Me desculpe não estar aí para te ajudar.
Meu sorriso desapareceu por completo do rosto.
- Você tem estado tão ausente que é difícil de acreditar. – Eu sabia que as palavras tinham o atingido antes mesmo de me dizer alguma coisa. E eu me senti mal por isso logo em seguida. – Me desculpe, não era para ter soado desse jeito.
- Tudo bem, você tem o direito de pensar assim.
Eu mordi o lábio inferior assim que ouvi a fragilidade em sua voz e outra coisa me ocorreu.
- , sua família está bem? – perguntei me sentindo um tanto idiota. – Aconteceu alguma coisa com eles?
- Está tudo bem sim. – Ele pareceu um pouco confuso. – Por que está perguntando com esse tom de apreensão?
- Porque você disse que está em Bradford e fiquei preocupada de ter acontecido algo com suas irmãs ou seus pais, que algo... não sei. Só me ocorreu isso e fiquei preocupada.
- Estão todos bem por aqui, – ele me garantiu. – Pode ficar tranquila.
- Tudo bem. Mas então por que viajou?
- Na verdade eu estou aqui para resolver outra coisa. – Eu esperei que ele entendesse meu silêncio como um incentivo para continuar, já que eu havia prometido não insistir mais em assuntos derivados dos seus “problemas”. – Vim tratar de negócios.
- Negócios?
- Sim, bem… – Ele pigarreou. – Um... conhecido meu estava bastante interessado em... comprar uma casa minha aqui em Bradford. Então vim para cá cuidar disso, assinar os papéis de transferência de nome também. Enfim, resolver essa parte burocrática.
- Está fazendo bico como corretor de imóveis, é isso? – tentei fazer uma brincadeira leve, já que ele não parecia muito feliz com o rumo da conversa.
- Pode se dizer que sim, entre outras coisas.
E apesar do seu tom ter ficado mais leve, não evitei formular uma hipótese em minha cabeça e logo em seguida expô-la para ele:
- A venda dessa casa tem algo em comum com... os problemas que você vem tendo ultimamente? – perguntei com cuidado e me apressei em acrescentar. – Não precisa responder se não quiser.
- Está interligado, sim.
Tomei mais alguns segundos para formular a próxima pergunta.
- , você por acaso está com problemas financeiros?
Ele demorou alguns segundos para se dar conta de que devia me dizer alguma coisa.
- Não, . De onde tirou essa ideia?
- Vamos ver, você está vendendo uma casa e disse que isso está conectado com... – Eu me interrompi no meio do caminho. Não muito convencida com sua resposta pouco esclarecedora, mas nem um pouco interessada em levar mais foras se tentasse persuadir a conversa. – Tudo bem, deixa pra lá.
Ele permaneceu quieto por mais alguns segundos, sem me incentivar a terminar a linha de raciocínio ou de explicar alguma coisa mais.
Parecia minha deixa para finalizar a chamada antes de nos levar a outra briga.
- Bom, espero que você consiga resolver tudo o que precisa aí – disse enfim, me sentindo irritadiça novamente. – Vou desligar agora, ainda tenho que sair para comprar alguma coisa para e eu jantarmos. Me ligue depois ou mande uma mensagem se quiser conversar mais caso tenha tempo, ou…
- Tudo bem, – ele me interrompeu subitamente. – Entendi o ponto. Nos falamos depois, pode ser?
Novamente ele parecia sorrir do outro lado. E dessa vez eu não o imitei.
- Claro – eu murmurei chateada. – Boa noite então, .
- Boa noite, , eu…
Desliguei a chamada em seguida, sem saber o que mais ele acrescentou depois do meu nome.
- Você tinha que querer fazer o mais difícil, não é?
- Qual o problema? – resmungou cruzando uma perna sobre a outra na cadeira. – Sempre estamos fazendo a mesma coisa! Só quis mudar um pouco os ares e os hábitos.
Revirei os olhos para ela, contendo um pequeno sorriso.
Pouco mais de uma hora antes ela havia me convencido de que jantar em casa seria muito chato e praticamente me obrigou a acompanhá-la até um bistrô mais ou menos na esquina da nossa rua, onde ela já havia comido algumas vezes com .
A comida do lugar era boa, eu não podia reclamar sobre isso em específico. Realmente, a massa era muito bem feita. Mas já haviam pelo menos dois fotógrafos do lado de fora tirando fotos nossas. Pareciam discretos, ao contrário daqueles que encontrei hoje mais cedo antes de ver , porém eu ainda estava inquieta com a presença deles. Cada flash um arrepio.
De qualquer forma, tudo estava tranquilo até aqui e eu desejava que tudo continuasse assim até voltarmos para casa.
- Bom, você não retrucou – ela observou de soslaio. – Penso então que a comida deve ter valido o esforço de andar até aqui.
- Pensou certo. – Eu ergui a taça do suco que bebia como se estivesse brindando e ela fez o mesmo em seguida.
- Admita, eu sempre tenho as melhores ideias.
- Isso até onde você saiba – provoquei apenas para ver sua expressão de falsa ofensa e acabamos rindo em seguida.
- Tanto faz, tenho certeza que vai pedir para vir aqui outras vezes – eu resmunguei algumas coisas que ela não pôde ouvir e enfim ela se levantou. – Vamos, eu sei que você está doida para voltar também.
- Está bastante frio e, com todo respeito, eu amo você, , mas nesse momento a companhia da minha cama, do meu aquecedor e dos meus cobertores parece completamente irrecusável.
Ela gargalhou audivelmente e eu a segui até o caixa.
- Está guardando as lágrimas para o travesseiro? – Foi a vez dela de me provocar após eu ter contado todas as conversas que tive no dia com as diferentes pessoas. Ela estralou a língua no céu da boca. – Está trocando meu ombro amigo pela solidão, isso é imperdoável.
- Ah, cale a boca! – Eu revirei os olhos mais uma vez e ela colocou a mão na cintura.
- Cale a boca você – disse com um sorriso. – Sei que está pensando que seria muito mais eficiente em te aquecer nesse frio que todos aqueles edredons.
- Pelo amor de Deus, como chegamos nesse assunto?
Dessa vez ela riu tão alto que todos ao nosso redor nos encararam perplexos.
- Posso ajudá-las, senhoritas? – o senhor que cuidava do caixa nos chamou delicadamente e tive certeza que ele havia ouvido nossa conversa. Inclusive o comentário de sobre eu e .
Meu rosto estava todo vermelho.
- Sim, nós queremos pagar a conta da mesa quinze. – Minha amiga limpou a garganta enquanto tirava a carteira da bolsa e eu fazia o mesmo.
Provavelmente entraríamos em uma discussão sobre quem pagaria o jantar em alguns segundos, apenas para não perder o costume.
- Mesa quinze?
- Sim, senhor.
- Desculpem, a conta dessa mesa já está paga, um homem a pagou não muito tempo atrás, no nome de vocês – ele respondeu com um sorriso educado, mas eu e apenas nos encaramos sem entender.
- Como assim? – eu murmurei confusa. – Quem pagou disse qual era seu nome?
- Não. Mas era um rapaz na faixa dos vinte e poucos anos – ele respondeu. – Disse que conhecia a senhorita do cabelo avermelhado e que gostaria de pagar como uma cortesia.
me fitou desconfiada e infelizmente eu não tinha o que responder a ela.
- Cortesia de quê? – eu questionei. – Como ele era?
- Bom, ele não disse. – O homem começou a ficar incomodado pela quantidade de perguntas e de repente já não parecia querer ser tão solícito assim. – Era alto, com ombros largos, olhos bem verdes e cabelos loiros. Bastante educado também. Parecia uma boa pessoa.
Eu busquei em minha memória alguém com essa descrição e percebi que minha amiga fazia a mesma coisa com avidez ao meu lado.
- Existe algum problema, senhorita? – Eu levantei os olhos até o senhor. – Porque, veja bem, o rapaz está do outro lado da rua. Talvez queira falar com ele ou…
Eu deixei de escutá-lo no segundo em que me virei para a fachada de vidro do bistrô em que estávamos e procurei o homem com as características que ele havia me passado. Contudo, não precisei me esforçar para encontrar a pessoa em especial. Ele estava olhando diretamente para mim.
Assim que nossos olhares se encontraram e ele dirigiu um meio sorriso em minha direção, eu senti uma onda de adrenalina invadir meu corpo conforme meu coração acelerou na mesma intensidade que minha respiração. Eu me apoiei com força no balcão atrás de mim, rezando para eu estar vendo coisas e por isso fechei os olhos firmemente até ver estrelas atrás das pálpebras.
- Não, não, não…
- , você está bem? – tocou meus ombros com cautela e fechei a boca para impedir as palavras incoerentes de saírem. – Você está muito pálida! Viu alguma coisa errada? Quer se sentar?
Eu reabri os olhos mirando imediatamente minha amiga, segurando a respiração como se isso de alguma forma fosse me ajudar e então desviei minha atenção em direção a rua mais uma vez. O ar saiu vagarosamente por minha boca.
Dessa vez, não havia ninguém parado me observando. Apenas o fluxo normal de pedestres indo de um lado para o outro na calçada, sem qualquer coisa fora do comum.
Balancei a cabeça para os lados, me perguntando se eu teria criado aquela imagem, se teria sido apenas uma ilusão depois de tudo o que aconteceu hoje ou se…
- Está tudo bem, apenas uma queda de pressão. – Eu soltei outra respiração que até então estava prendendo e tentei parecer calma, mesmo que todos me olhassem como se eu estivesse completamente maluca. – Bom, fique com isso como gorjeta então, senhor. Obrigada!
Eu deixei um tanto de dinheiro sobre o balcão com o senhor ainda me olhando sem palavras e com uma incógnita no rosto. Virei para esboçando um sorriso que eu esperava não estar trêmulo, segurando sua mão com firmeza.
- Deve ter sido algum fã que me reconheceu e resolveu pagar – disse, como se isso acontecesse o tempo todo, a situação mais comum do mundo inteiro. – Nada de mais, sério!
E enquanto ela abria a boca, ainda com a preocupação evidente em seu cenho franzido, não esperei para ver se ela acreditava em minha mentira ou não. Só torcia para que aquilo fosse apenas minha mente me pregando uma peça pelo cansaço e sobrecarga do dia.
Não é real, não pode ser, eu tentava me convencer enquanto caminhava a frente de minha amiga de volta para o nosso apartamento, sua mão ainda sobre a minha acompanhando meus passos largos e apressados, meu casaco apertado contra meu corpo como se pudesse me proteger.
Não pode ser verdade… porque se fosse... se fosse mesmo Beckett parado do outro lado da rua nos observando, me observando... Eu não precisava ser muito inteligente para saber que algo ruim iria acontecer.
Ou que já estava acontecendo.
Capítulo 49
Afraid to be alone again, I hate this
I’m trying a way to chill, can’t breath, oh”
’s POV
O local era escuro, infinito. Eu não ouvia nada além do som da minha própria respiração ofegante e meu corpo parecia leve, feito de ar. Eu mal sentia minhas mãos suspensas sobre minha cabeça, meus pulsos e tornozelos atados.
Quando abri os olhos, as pálpebras pesadas quase voltando a se fechar, a luz tênue clareou minha visão, olhos verdes e maliciosos encarando meu rosto, estudando minha expressão.
Com o susto, eu tentei me afastar, apenas para ser impedida pelo puxão no meu braço, a corda me mantendo firme no local. A pele onde elas rodeavam ardia e enfim percebi que era justamente ela, amarrada contra meus antebraços, que sustentava meu corpo inerte.
Tentei apoiar meus pés no chão para aliviar aquela dor, mas foi um esforço tão grande que fiquei com falta de ar. A sensação era que meus ossos se desprenderiam uns dos outros.
O homem em minha frente pareceu se divertir com a visão, e seus traços borrados, ainda não reconhecíveis para mim, finalmente, pouco a pouco, começaram a tomar forma. O cabelo loiro sobre a vista, os traços definidos e duros do maxilar. Havia algo de terrível em sua expressão que gelou minha coluna e congelou todo o meu sangue.
- Está com medo agora? – ele murmurou contra o meu rosto, acariciando minha face com os nós ensanguentados dos seus dedos. – Achei que fosse mais corajosa.
Inutilmente eu balancei minha cabeça pesada, tentando me livrar do seu toque, mas ele apenas segurou firme meu queixo com sua mão áspera e me obrigou a olhar para ele, sua expressão fria e cruel.
- Eu prometi não te desapontar, não foi? – Ele segurou meu cabelo entre seus dedos, o fitando com tamanha luxúria que eu tive vontade de vomitar. – Eu sei que você vai pedir por mais quando eu acabar. E sabe o que mais eu sei?
Eu cuspi contra seu rosto e brutalmente ele agarrou os fios do meu cabelo pela nuca, puxando minha cabeça para trás, me fazendo soltar um ganido por entre os lábios.
- Que o inferno esteve aqui a sua espera o tempo todo, – ele grunhiu contra meu ouvido, sua boca roçando em minha pele. – E assim como o seu namorado, você também vai queimar nele.
Subitamente o corpo inerte de preencheu meu campo de visão e tudo dentro de mim ruiu em um instante. Eu gritei seu nome, berrei o mais alto que pude, e ele não mexeu um membro que fosse da posição retorcida em que estava no chão.
O cheiro metálico do sangue embrulhava meu estômago e as feridas pela pele exposta eram tantas que eu me via incapaz de contar, sem noção de onde um machucado começava e outro acabava. Meu coração batia tão forte contra meu peito que eu temia desmaiar.
Continuei me debatendo, chorando de raiva e desespero sem sequer me preocupar como eu mesma estava naquele instante, mas tudo o que havia ali era ele, suas risadas me atingindo como ameaças do que estava por vir. Os olhos impiedosos sobre mim, suas mãos duras sobre o meu corpo. As promessas que ele fazia com cada gesto calculado.
Uma de suas mãos circulou meus pulsos em um único movimento, tão forte que mordi meus lábios rachados, perdendo o ar dos meus pulmões em uma lufada enquanto a dor irradiava por meus membros, embaçando minha vista.
- Lembre-se, . – Sua voz soou áspera e grave, seus olhos brilhavam em expectativa. – O nome que você vai gritar hoje à noite é Beckett. nenhum vai vir te salvar. Eu sou tudo o que você tem.
Quando suas mãos se fecharam mais uma vez contra minha pele e eu gritei tão alto que minha garganta ardeu, as imagens se perderam novamente em minha vista, e dessa vez, a escuridão persistiu por mais tempo.
A noite estava fria e ainda assim eu suava por todos os poros do meu corpo. De súbito meus olhos estavam arregalados, encarando as paredes e os móveis do quarto, a janela com a cortina entreaberta, procurando por uma ameaça que não existia em outro lugar que não fosse em minha própria cabeça. Encostei na cabeceira com as mãos sobre minha têmpora, ainda respirando com dificuldade enquanto me livrava do susto.
Era a primeira vez que eu tinha um pesadelo com Beckett. Nem depois do nosso único encontro eu permiti que meu subconsciente se entregasse tanto àquelas lembranças, das palavras que ele havia dirigido a mim. Porém agora, por algum motivo, minha vulnerabilidade não deixou que os pensamentos se perdessem como deveria e se agarrou a eles firmemente de uma forma ainda mais dura.
Eu não conseguia tirar da cabeça o que vi fora do restaurante aquele dia, mesmo com a dúvida constante se tinha sido ou não apenas fruto da minha imaginação. Mas desde então eu era preenchida por uma sensação de apreensão constante e que agora não deixava meu coração e minha respiração desacelerarem.
Segurei firme o cobertor, afundando meus dedos contra o tecido até que todas as juntas estivessem esbranquiçadas e os músculos reclamassem de dor pela tensão absoluta. Quando dei por mim já estava procurando meu celular às cegas e ligando para , sem sequer me importar se estávamos ou não bem no meio da madrugada.
- ? – Eu tentei controlar a tremedeira em minha voz quando muito tempo depois ele finalmente atendeu a ligação. – , você está bem?
- ? – Ele parecia preocupado, a voz grogue e arrastada começando a ficar desperta. – O que aconteceu? Está tudo bem?
O alívio me invadiu de uma única vez me fazendo soltar o ar vagarosamente dos meus pulmões.
- Eu... – Pigarreei para clarear minha voz em seguida. – Está tudo bem. Desculpe ter ligado.
- O que há de errado? – Ele insistiu e mordi o lábio me sentindo um tanto infantil por isso.
- Foi só um mal pressentimento – respondi com a voz fraca. – Tive um pesadelo. Só precisava saber se você estava bem.
Ele pareceu absorver a informação lentamente e depois suavizou a voz ao perguntar:
- Quer me contar com o que sonhou?
E por impulso eu quase despejei minhas dúvidas e pensamentos sobre ele, mas me impedi antes de dizer qualquer coisa, me lembrando de que ele já tinha suas próprias adversidades para lidar, não precisava das minhas também. Ainda mais por serem situações inventadas por minha própria cabeça.
- Não – eu respondi firmemente em seguida. – Só precisava ouvir sua voz e saber que estava tudo ok.
Pelo tempo que ele demorou para responder, soube que não estava convencido e nem satisfeito.
- Me ligue se precisar de alguma coisa, tudo bem?
- Me desculpe, – eu murmurei por fim. – Me desculpe por te acordar.
E desliguei a chamada me sentindo completamente tonta.
Depois de minutos inertes sobre a superfície do meu colchão enquanto absorvia os últimos momentos, me coloquei de pé, completamente desperta. Precisei tomar um banho para tirar a camada pegajosa da minha pele e, quando saí, Agatha estava parado no batente da porta do seu próprio quarto, me esperando.
- Você está bem? – Ela me encarou de cima a baixo e eu apertei o roupão um pouco mais forte contra o meu corpo.
- Estou.
- Eu ouvi você falar enquanto dormia – ela disse com cautela, observando minha reação. – E depois você gritou. Tem certeza que está bem?
Eu esbocei um sorriso que não chegava aos olhos, mas passei por ela sem querer levar a conversa adiante.
- Foi só um pesadelo bobo – respondi num murmúrio enquanto entrava no meu quarto. – Boa noite, Agatha.
Mas assim como , ela não era fácil de enganar, e quando fechei a porta e me encostei contra a mesma, ouvi o suspiro alto de minha amiga do outro lado, a voz dela soando baixinha e nem um pouco satisfeita enquanto entrava no seu próprio quarto.
- Não, ela também não me contou, . Mas vou ficar de olho nela, fique tranquilo. Aviso se acontecer de novo.
Eu fechei os olhos com força conforme o som ia desaparecendo, ficando cada vez mais indistinguível e por fim fui até minha cama e me deitei de novo.
Mas não consegui dormir nem um minuto sequer depois disso.
- Bom dia, flor do dia. – Agatha me recebeu com uma caneca enorme de chá assim que coloquei meus pés na sala de estar. – Conseguiu dormir?
Eu assenti, pegando a caneca de suas mãos, mas sabia que as olheiras debaixo dos meus olhos provavam justamente o contrário do que eu tentava afirmar.
- Não quer me contar o que estava se passando aí dentro? – Ela sorriu como uma mãe olha para um filho e procurou meu olhar com o seu enquanto apontava para a minha cabeça. Sua tentativa delicada de me fazer falar não funcionou em absoluto.
- Está tudo bem – eu menti e beberiquei a bebida, grata pela quentura dela me aquecer de dentro para fora quase que instantaneamente.
Agatha pressionou seus lábios numa linha fina e sentou-se novamente no sofá, onde olhava a correspondência sem muito interesse aparente.
Eu pensei em me sentar do lado oposto ao dela e ver as pérolas que tinham me enviado por correio dessa vez, quando a voz dela me pegou desprevenida:
- Tem mais uma carta para você. – Ela abriu o envelope para ver o conteúdo. – Daquela mesma garota estranha. Bette K. C.
- Se for algo como da última vez, não quero nem ler. – Eu fiz um gesto com a mão para ela afastar aquilo de mim. Não estava com cabeça para frases de duplo sentido. Não estava com ânimo para entrar no clima de suas mensagens arrepiantes e confusas.
- Então o que faço com isso? – Ela arqueou uma sobrancelha, respondendo indiretamente que o conteúdo não me faria feliz.
Então eu apenas dei de ombros.
- Jogue fora.
E decidi voltar para o meu quarto onde pelo menos o meu silêncio não me incomodaria e eu poderia ficar longe da maioria das coisas que me atormentavam. Menos, é claro, da minha própria mente.
As horas se prolongaram e pareceram intermináveis. Não fui para a academia, não fui para o treino de luta e nem para as aulas de tiro. Meu diário continuava aberto sobre a cama, mas eu não queria escrever aquilo que estava tomando meus pensamentos com medo de tornar o receio mais palpável com os parágrafos descritivos que eu desenvolveria, e sinceramente, eu só queria me livrar das imagens formadas em minha cabeça que apareciam em minhas pálpebras cada vez que eu fechava os olhos.
Mais tarde, enquanto eu tomava coragem para finalmente me livrar do roupão e colocar uma roupa confortável que não fosse o pijama para passar o resto das horas que o dia ainda possuía antes de tentar dormir de novo, ou muito provavelmente apenas ficar virando de um lado para o outro na cama, duas batidas leves na porta fizeram eu interromper minha atividade medíocre de encarar o closet.
Em um segundo a cabeça de já estava entre o vão do batente e da porta.
- Está vestida, Ruivinha? – Ele espiou entre os dedos, me dando um sorriso atrevido e eu fiquei estática no mesmo lugar apenas o olhando.
- O que está fazendo aqui? – eu murmurei, me sentindo idiota por dizer isso logo em seguida.
- Não pode responder minha pergunta fazendo outra pergunta. – Ele entrou no quarto e fechou a porta atrás de si. – E antes que fale alguma coisa, Agatha abriu a porta para mim antes de sair e disse que você estava aqui. Não invadi o apartamento, se for isso que estiver pensando.
- Pensei que estivesse me evitando – soltei de uma vez e sua boca se retorceu em uma pequena careta.
- Você sabe que não é isso. Está melhor?
Eu me sentei na cama, sem dar muito ouvidos a ele e me encolhi ali, abraçando minhas próprias pernas contra o peito.
- Eu estou bem – respondi secamente.
- Tem certeza disso? – Ele insistiu me olhando sagaz e eu revirei os olhos, impaciente.
- Tenho.
- Não parece.
- Eu não ligo para o que parece. – Ele soltou um suspiro em resposta a minha grosseria.
- Certo, o que eu posso fazer para você me dar um sorriso?
- Pode tentar começando a me dizer por que veio até aqui mesmo depois daquela história sobre “deixar a poeira abaixar” que você tentou enfiar em minha cabeça.
- Vim ver como você está e também vim te dar um presente.
Eu juntei as sobrancelhas e me dispersei na conversa enquanto ele levantava um embrulho pequeno e retangular bastante fino e o estendia para mim.
Resoluta, eu aceitei o pacotinho e ele esperou ansioso por minha reação enquanto eu abria a embalagem sem pressa e encarava perplexa o conteúdo dentro dela.
- Finalizaram o álbum?
Ele sorriu abertamente enquanto me observava ver as imagens no caderno interno do CD, o título final do mesmo com todos eles na capa, todas as músicas que compunham mais esse trabalho. Talvez eu estivesse um tanto hipnotizada pelo que tinha em mãos, não tinha muita certeza.
se sentou ao meu lado, um ar um tanto orgulhoso por observar mais essa conquista em sua carreira. E eu me sentia assim por ele também. Até mais, se fosse possível.
- Estamos na pré-venda é já batemos o recorde de compras, comparado aos álbuns anteriores – ele disse tentando controlar um sorriso crescente em seus lábios. – Semana que vem é o lançamento oficial.
- Você não me contou.
Ele deve ter notado minha mágoa, o brilho de chateação nos meus olhos camuflados pela própria felicidade que eu sentia genuinamente por ver o resultado de todo o seu esforço e desgaste dos últimos meses.
- Estou contando agora. – Ele encostou seu ombro no meu gentilmente com ar brincalhão. – E era para ser uma surpresa também.
Eu quase abri um sorriso enquanto continuava estudando as faixas do álbum intitulado Four e então acabei me dirigindo a mais uma vez:
- Não me respondeu por que veio.
Com delicadeza ele segurou meu rosto e sustentou meu olhar com o seu.
- Eu te disse que viria te encontrar sempre que não estivesse bem – respondeu. – Mesmo se eu precisasse usar óculos com nariz e bigode falsos para chegar até você.
Eu acabei curvando meus lábios para cima.
- E precisou disso?
- Não, felizmente minha moto consegue ser bastante rápida para despistar algumas pessoas. – Eu acabei rindo em concordância. – E confesso que seu porteiro também se mostrou bastante solícito e boa gente. Deixou que eu entrasse na garagem assim que viu que era eu sem me fazer perder tempo.
- Parece que você o conquistou.
- Meu charme é irresistível. – Revirei os olhos com seu sorriso malicioso, mas não discordei. – E só pra constar e encerrar o assunto, eu teria vindo assim que você me ligou. Mas sua amiga loira não deixou, disse que estava tomando conta de você.
Apenas continuei a fita-lo.
- Eu ouvi vocês conversando de madrugada. – Dei de ombros envergonhada por bisbilhotar conversas alheias. – Mais ou menos, quero dizer.
Ele me dirigiu um sorriso triste.
- Não conseguiu dormir depois que me ligou?
- Está tudo bem agora, . Cansei de repetir isso.
Em seguida ele apenas me puxou para seus braços e me apertou com força contra si, como se soubesse que aquele contato era tudo o que eu precisava. E de fato era. Imediatamente eu retribuí com força o gesto, encostando minha cabeça contra seu peito, inspirando seu perfume e ouvindo as batidas do seu coração enquanto seu queixo apoiava-se no topo de minha cabeça e ele passava seus braços como um casulo ao meu redor.
Eu sabia que agora nós dois estávamos vivendo numa linha tênue, guardando segredos um do outro na cara de pau e sequer fazíamos menção de trazê-los à tona. Não que isso fosse uma justificativa boa ou convincente o suficiente, mas ambos sabíamos porque fazíamos isso e tudo o que queríamos era evitar mais desgaste emocional, mais preocupações.
Sinceramente, eu só tentava me convencer a manter essa linha de raciocínio por mais tempo, até que tudo estivesse realmente bem outra vez.
Afastei-me dele apenas um pouco e logo sua mão estava na lateral do meu rosto, tirando o cabelo que caía na frente do rosto. Eu fui a primeira a falar em seguida:
- Eu gostaria de ouvir.
- Hein?
- O CD. – Eu sorri para ele e peguei o objeto de novo. – Quero ouvi-lo com você.
pareceu alegre e satisfeito com o que escutou e concordou imediatamente, mas minha animação vacilou por um instante.
- Que horas você tem que... hm, ir embora?
- Na verdade, não tenho. – Eu juntei as sobrancelhas e ele riu com gosto ao ver minha reação. – Estava pensando se não poderia passar a noite aqui, se você deixar e quiser.
Ele indicou com a cabeça uma pequena bolsa que havia deixado na porta, provavelmente contendo roupas e alguns outros objetos, que até então eu não havia notado presença.
- Eu quero – murmurei rápido demais, mas não pareceu ligar para isso, parecia ansioso por minha resposta, de qualquer forma.
- Ótimo. – Ele alargou seu sorriso e tirou o álbum que havia me dado das minhas mãos enquanto se inclinava e roubava um beijo meu. – Porque eu estou com saudade de você.
Sua boca tomou a minha em seguida mais uma vez e eu não resisti a seus lábios e sua língua, sabendo que mesmo com nossas discussões, eu precisava dele tanto quanto ele precisava de mim. Fosse nos momentos difíceis ou nos fáceis.
- E além do mais – ele se afastou apenas o suficiente para retomarmos o ar que agora nos faltava e com muita lentidão alcançou o laço que fechava meu roupão e o desfez, até que o mesmo se abrisse e ele empurrasse a peça pelos meus ombros. –, eu quero fazer você se sentir bem.
Meu coração acelerou ainda mais, prestes a errar suas próprias batidas e eu já sentia meu sangue correr mais quente pelo meu corpo enquanto meu estômago formigava ansioso.
- Eu também quero – murmurei contra o seu rosto, subindo minhas mãos por toda a extensão do seu tronco, mas ele segurou firme meus pulsos, interrompendo o caminho que faziam.
- Não, – ele sussurrou com sua boca roçando a minha e prendeu meu lábio inferior entre os seus dentes. – Eu vou ser sua distração hoje.
Suas mãos soltaram as minhas apenas o suficiente para ele poder tirar a blusa do meu pijama, passando-a rapidamente pela minha cabeça e depois empurrando gentilmente meu corpo contra o colchão, se colocando sobre mim, imobilizando firmemente minhas mãos acima da minha cabeça enquanto me fitava com as pupilas dilatadas, as íris escurecidas e a excitação transbordando por todo o seu corpo.
- Vou te fazer esquecer o que vem te incomodando. – Ele começou a distribuir beijos lânguidos por toda a extensão do meu pescoço até chegar nos meus seios expostos. – Vou amar você até que sua mente esteja vazia de tudo o que vem te afligindo, até que você não consiga pensar em mais nada.
Eu já começava a perder a consciência. Fechei os olhos e soltei um gemido baixinho conforme ele sugava a pele próxima a minha clavícula e descia o short que eu usava até que ele passasse pelos tornozelos. Faça isso, eu queria dizer. Por favor, me faça esquecer tudo. Só quero lembrar do seu nome. E mesmo que eu não verbalizasse, ele parecia entender isso completamente.
- Vou mostrar o quanto amo você agora – ele sussurrou em meu ouvido, meus pelos se arrepiando com a rouquidão de sua voz. – Não vão mais existir problemas hoje, . Só você, eu, e as coisas que vou te fazer sentir.
Minha respiração ficou mais forte, descompassada.
- É isso que você quer, Ruivinha? – Sua mão livre subiu pela extensão interna da minha coxa, alcançando a virilha e de imediato eu me sobressaltei com o toque.
- Sim – eu murmurei com o semblante torcido em aflição e ansiedade. – Sim, . Por favor.
Ele observou minhas feições com fascinação e intensidade antes de enfim colocar seu corpo ainda vestido entre as minhas pernas, seu sexo roçando contra o meu me fazendo contrair no mesmo lugar sem poder me mexer devidamente, sua mão ainda segurando meus pulsos no alto da cabeça.
Sem qualquer pressa, pronto para me enlouquecer, ele aproximou seu rosto do meu, sua respiração batendo contra minha boca e desceu beijos desde o meu maxilar até o meu umbigo, ainda descendo, quando levantou seus olhos para encontrar os meus.
- Então é o que você vai ter.
E eu tive. Muito mais do que me permiti pensar. Até que realmente nada mais funcionasse em minha cabeça.
No fim, minha única certeza era de que estava ali comigo. Era a única coisa que eu precisava também.
- É agora, presta atenção! – disse para mim em meio a algumas risadas, ouvindo a melodia de uma das novas músicas no álbum que estávamos tentando erroneamente cantar juntos, ainda que eu não soubesse melodia e letra nenhuma. Por isso a minha parte era... – Vai, !
- Oh!
- Baby look what you’ve done to me – ele completou em seguida e me deixou a deixa:
- Oh!
- Baby look what you’ve done now!
- Oh!
- Baby I’ll never leave if you keep holding me this way. – Nós nos encaramos simultaneamente e cantamos juntos – wo-o-o-o-o-ow. Oh!
Gargalhamos em seguida e eu perdi completamente o compasso da música, apesar de ainda tentar levar adiante sua cantoria, mas acabou cedendo quando viu que eu já estava com muita falta de ar e completamente vermelha de rir.
- Parabéns, você já pode me ajudar com os backvocals. – Ele bagunçou meu cabelo que estava espalhado por suas pernas, uma vez que eu estava deitada no seu colo, observando o encarte do CD enquanto ele cantava e falava um pouco das músicas que estavam nele.
O momento estava leve e descontraído, nós dois deitados na cama semivestidos esperando nossa pizza chegar sem qualquer preocupação com o que estivesse acontecendo no mundo.
- Eu gostei dessa – falei ainda ouvindo os acordes de Stockolm Syndrome. – De verdade, acho que é minha favorita até agora.
- Gosto dela também – acrescentou em seguida enquanto tentava fazer uma espécie de trança muito errada que deixaria meu cabelo mais embaraçado do que já estava. – Foi uma surpresa para nós quando aprovaram essa música.
- Como assim “aprovaram”? – Eu ergui meu corpo com os cotovelos para olha-lo melhor e ele imitou meu gesto. – Vocês têm liberdade para fazer o que quiserem, não?
- O que quer dizer?
Eu dei de ombros, tentando colocar meu pensamento em ordem, e ele baixou o som da música de forma que ela fosse apenas algo preenchendo o espaço enquanto conversávamos.
- Como cantor, compositor e integrante do One Direction – tentei esclarecer. – Você, todos vocês, na verdade, têm liberdade de escolher o que querem ou precisam seguir regras?
Ele soltou um suspiro cansado.
- A verdade? – se sentou na cama, apoiando os braços nos joelhos, e eu me virei de lado, apoiando minha cabeça em minha mão para observa-lo melhor. – Existem regras, . É complicado, porque por causa desses acordos que fizemos com a Modest!, da imagem que temos que passar e do público que temos que conquistar, muitas vezes nós não podemos ser nós mesmos.
- Não sei se entendi muito bem.
- As músicas. – Ele pegou o encarte que eu lia e o folheou rapidamente. – Stockolm Syndrome que estávamos ouvindo agora mesmo, por exemplo. Ela trata de um assunto mais sério, mais adulto, mas por estar romantizada, eles aprovaram ela no álbum porque seu verdadeiro sentido está mascarado. No Control, então. – Ele soltou uma risada baixinha e deixou o encarte sobre a cama. – Do que a música fala?
- Hm, sobre paixão – eu disse tentando vagamente me recobrar das palavras. – E de sexo, acho.
- Mas não usamos essa palavra, certo? – Eu assenti com a cabeça. – Exatamente, nós falamos de sexo, mas não explicitamente. Nunca explicitamente porque não podemos usar determinadas palavras que mudariam, por exemplo, nosso público alvo, ou então a imagem que concordamos ter que passar para as pessoas.
Eu apenas fiquei observando-o enquanto me lembrava da própria conversa que tinha tido com mais ou menos sobre o mesmo assunto apenas alguns dias atrás.
- Nada pode ser colocado no álbum sem a aprovação deles. – me fitou enquanto explicava. – Já tivemos alguns problemas sobre isso a pouco tempo. Eu queria colocar uma música que compus com Louis, mas ela foi descartada por não se encaixar no padrão One Direction. Então toda a verdade que estava escrita ali, toda a experiência que transformamos em versos e notas, foi jogada de lado. Resumidamente, se eles não gostam, se acham que não somos capazes de dar a eles o que eles querem, eles então acham algo melhor.
deu uma risada seca quando viu minha expressão inconformada por essa revelação. Não era justo com eles, todo esse controle.
- Sabia que no começo nós não podíamos ter tatuagens? – ele contou para mim. – Fazia parte de uma cláusula no contrato e tudo mais.
- O quê? – Minha indignação o fez rir enquanto eu perpassava meus olhos por seus braços, peito e barriga, seu corpo todo com diversos desenhos a mostra. Não fazia sentido. – Mas então como…
- Eu quebrei as regras. – Ele me lançou um sorriso convencido. – Vivo fazendo isso e vivo arranjando problemas por esses motivos.
- Não esperaria menos de você.
Ele gargalhou genuinamente.
- A resposta para sua pergunta é não. – Ele segurou minha mão levemente. – Não temos liberdade completa. E não vou mentir dizendo que estamos completamente satisfeitos com isso, mas a verdade é que sempre vão existir regras. Para qualquer coisa. Você só precisa decidir se vai querer segui-las ou se vai quebrá-las. E se vai ser capaz de fazer ou um ou outro.
Eu sustentei seu olhar por mais alguns segundos e acabei sorrindo para ele, aquela expressão de quem sabe mais do que conta.
- te contou isso também, não foi?
- Sobre a crise que teve sobre suas próprias escolhas? – Ele fingiu pensar por um instante. – É, contou sim.
- Logo imaginei, mas confesso que estou surpresa. – Eu revirei os olhos e se abaixou para me beijar.
- Você não é uma pessoa ruim por ter feito as escolhas que fez e nem significa que somos fracos por aceitarmos as circunstâncias de agora – disse por fim. – Essa é a verdade.
Eu concordei sutilmente com a cabeça e segurei o rosto de para beijá-lo em seguida. Um beijo que poderia ter sido muito mais longo se o interfone não tivesse tocado e feito nós dois nos distanciarmos um do outro.
- Acho que nossa pizza chegou. – Eu me sentei na cama ao mesmo tempo em que ele se colocava de pé. – Você atende o telefone e eu vou buscá-la!
- De jeito nenhum. – me jogou de volta na cama enquanto vestia sua jaqueta e subia o zíper numa rapidez impressionante sem se preocupar em colocar nada por baixo dela. – Eu faço as duas coisas.
- E eu fico simplesmente esperando?
Ele perdeu um segundo passando seus olhos por todo o meu corpo e por fim abriu um sorriso.
- Exatamente. – Ele começou a andar em direção da porta. – Não vou deixar você se vestir tão cedo, Ruivinha.
piscou um dos olhos sorridentes para mim e fiquei completamente sem reação, apenas o fitando sair do quarto com lábios entreabertos e bochechas vermelhas. Desconcertada, eu olhei para o meu próprio corpo e, mesmo contra os desejos dele, coloquei meu short do pijama, fazendo um conjunto estranhamente engraçado junto da camiseta dele e das meias de ursinho que eu usava.
Muito maduro da minha parte, eu sei.
Enquanto o esperava subir com nossa janta, eu fui em direção a cozinha pegar copos, refrigerante e guardanapos, ainda incerta de onde comeríamos.
Eu ainda estava ouvindo o CD tocar de longe, começando a repetição de todas as faixas do álbum, quando outro som se sobrepôs a esse e eu olhei ao redor, intrigada, até perceber que era o celular de que havia acabado de receber uma mensagem.
Não querendo fuçar, apenas silenciar o toque, eu o peguei rapidamente pronta para bloquear a tela quando inevitavelmente eu li a notificação curiosa e preocupante.
“Transferência aprovada para a agência XXXX conta XXXXXXX-X no valor de....”
- Puta merda – eu sussurrei automaticamente assim que vi o valor integral de dinheiro que havia pedido para transferir.
- Ruivinha, eu achei que você fosse me esperar na cama! – ele disse alegremente colocando a pizza na mesa junto do refrigerantes, copos e guardanapos.
Eu mal havia percebido o barulho da porta abrindo ou dos seus passos atrás de mim antes dele depositar um beijo estralado em minha bochecha e me abraçar por trás, agarrando minha cintura.
Devo ter permanecido tão inerte que ele me segurou pelos ombros com atenção.
- Hey, o que foi? – Seus olhos me percorreram por completo até se fixarem no que eu tinha nas mãos. – Por que está com meu telefone?
- ? – Ele não me respondeu, apenas estudou minha postura e esperou por minhas palavras. – Tem certeza que você não está com dívidas?
- Tenho. – Ele acenou firmemente. – Já disse que está tudo ok.
Eu olhei de relance para o aparelho e o estendi em sua direção, piscando os olhos várias vezes, tentando recobrar minha linha de raciocínio.
- Porque chegou uma mensagem dizendo que uma transferência absurda foi aprovada no seu nome para uma conta qualquer. – Eu achei que fosse engasgar com minhas próprias palavras quando o olhei. – Só que é muito dinheiro.
Eu esperei me sentindo embasbacada enquanto ele pegava o celular das minhas mãos e lia a mesma mensagem que há pouco eu também havia lido, com calma e atenção, sem esboçar um pingo de reação que fosse. A cada segundo eu ficava mais nervosa.
- Talvez você devesse ligar para o banco e ver se foi algum engano ou…
- Está tudo bem, . – Ele guardou o celular no bolso e me olhou quase que inexpressivo. – Eu realmente fiz essa transferência e estava esperando a autorização do banco.
Eu devo ter parecido muito confusa, porque ele deu de ombros e soltou um risinho baixo.
- Lembra que eu te disse que vendi uma casa em Bradford? – Ele não esperou que eu concordasse ou negasse. – Bom, eu comprei outra no lugar daquela.
Eu estudei sua expressão por um instante muito longo.
- Por isso ficou lá durante tantos dias? – eu murmurei, raciocinando lentamente. – Porque além de vender a outra propriedade estava vendo uma para comprar?
Ele sorriu levemente.
- É isso mesmo – afirmou sem olhar para mim, abrindo a caixa da pizza e colocando refrigerante tanto no meu copo quanto no seu. – Não precisa se preocupar. Trata-se apenas de... um pagamento.
E apesar de achar tudo aquilo muito estranho, assenti uma vez. Mas nenhum de nós dois pareceu satisfeito com isso, então forcei-me a ignorar a desconfiança e seguir com a noite sem estragar com os bons momentos que estávamos tendo.
- Vamos comer? – Ele puxou uma fatia para si e arqueou uma sobrancelha para mim quando tomei a iniciativa de imitar seu gesto.
- Antes tarde do que nunca – eu respondi em seguida, já mordendo um grande pedaço. – Estou morta de fome.
- Eu imagino. – Ele me lançou um olhar malicioso. – Pela quantidade de energia que gastou nas últimas horas.
Nós dois rimos em seguida, e só não nos provocamos mais porque um toque de celular nos interrompeu de súbito.
- Dessa vez não é o meu. – levantou as mãos na altura dos ombros em sinal de inocência enquanto eu perpassava os olhos pelas mensagens que Rachel me enviara.
- Não, mas tenho certeza que isso aqui também é de seu interesse – eu disse antes de finalmente erguer os olhos até ele. – Temos uma reunião com Gregory Colleman amanhã.
- Aí diz algum detalhe sobre o que vai se tratar?
- Não. – Eu reli só para ter certeza de que não tinha deixado passar nada. – É apenas um comunicado convocando Victoria, , você e eu até seu escritório para discutir assuntos sobre a série The Blackside.
Eu mostrei o conteúdo para ele e esperei um instante.
- Devemos nos preocupar? – perguntei em seguida, mordendo mais um pedaço da pizza em minha mão.
- Não – ele respondeu me devolvendo o celular em seguida. – Imagino que vá ser tranquilo.
- E nós iremos juntos? – Beberiquei o refrigerante. – Podemos usar disfarces discretos. Quem sabe eu vista uma peruca verde e um vestido rosa pink? Bem que você podia me dar uma carona.
- Eu estou de moto, Ruivinha.
- E daí? Vai ser um percurso interessante e radical.
gargalhou com minha gíria um tanto antiga.
- Se eu concordar ganho o que em troca?
Eu dei de ombros, fingindo ar de inocência, baixando o zíper da sua jaqueta lentamente.
- Acho que podemos chegar a um acordo.
Seus olhos brilharam com malícia.
- Com certeza podemos.
Capítulo 50
[…]
Someone help me
I’m crawling in my skin”
’s POV
- Ainda bem que te convenci a deixar a peruca verde e o vestido rosa neon de lado. – me olhou de soslaio enquanto descíamos de elevador até a garagem subsolo do meu condomínio para buscar sua moto.
Noite passada tinha sido a primeira dentre dias em que eu finalmente consegui dormir profundamente, sem preocupações ou pesadelos indesejados. Talvez fosse a presença de , seu braço estendido sobre minha cintura com a cabeça encostada em meu peito, não sei. Era a única explicação que eu encontrava para essa súbita paz de espírito e para o sorriso bobo que brincava em meus lábios.
- Você se esforçou muito ontem para tirar essa ideia da minha cabeça, não é? – Ele me encarou de cima a baixo mordendo seu próprio lábio inferior e eu senti minhas bochechas corarem enquanto eu sorria para ele.
- Você sabe bem o quanto.
- Ô se sei. – Ele me puxou para fora do elevador com um sorriso que atravessava seu rosto e caminhamos até sua moto.
- Sabe – ele disse após alguns segundos de silêncio enquanto pegava os dois capacetes e estendia um para mim. –, eu gosto de quando você usa preto. Fica sexy e dominadora.
Eu encarei minha calça skinny preta, as botas de cano curto e salto da mesma cor seguidas pela minha própria jaqueta de couro com spikes espalhados tanto na parte superior da frente quanto na de trás. A única coisa que quebrava meu conjunto negro era a malha cinza que eu usava por baixo, mas que quase não era percebida.
- Acha mesmo? – perguntei com ar de inocência e fiz uma pose para , que me admirou por completo antes de subir na moto e me convidar a fazer o mesmo na garupa, nós dois agora de capacete, apenas com as viseiras levantadas.
Ele me olhou sobre o ombro assim que ligou o motor do veículo e eu tirei os pés do chão, abraçando simultaneamente sua cintura.
- Mas você gosta, não é? – Sua voz estava abafada e eu achei que poderia não ter entendido direito.
- Gosto do quê?
- De ficar por cima no sexo – ele esclareceu e imediatamente eu enrubesci. – De ser dominadora.
Eu devo ter gaguejado vergonhosamente porque ele começou a rir em seguida.
- Jura que quer conversar sobre isso agora?
- Ué, e tem hora certa pra fazer isso?
- Vamos, ! – Eu apontei desconcertada em direção ao portão. – Dirige logo esse troço ou vamos nos atrasar.
Ele soltou uma gargalhada antes de descer sua viseira e preparar a moto.
- Eu adoro como você fica constrangida quando tento falar sobre isso com você – disse com diversão brilhando em seus olhos. –, até parece que entre quatro paredes não sabe o que quer ou o que está fazendo. Você é muito safada, Ruivinha.
- Eu não sou safada! – respondi com indignação, minha voz uma oitava acima do normal.
- Não. – Ele devolveu com sarcasmo e preparou a saída. – Mas sua boca com certeza é.
E comigo completamente envergonhada agarrada às suas costas, acelerou a moto em direção a rua, tão rápido que sequer tive tempo de elaborar uma resposta a todo seu atrevimento.
Se bem que... Quem eu queria enganar? Perto dele eu não me responsabilizava por meus atos.
Minha boca muito menos.
O caminho quase todo foi feito em silêncio. Era difícil conversar enquanto usávamos capacetes e ainda pior quando estávamos ziguezagueando por entre as ruas, desviando de carros e passando por entre eles.
Pode ser também que eu não tenha me esforçado para dizer nada devido a tentativa sutil de de puxar assunto enquanto saíamos de casa. Eu ainda estava embaraçada.
Paramos na portaria do edifício apenas para mostrar nossas identidades e em seguida seguimos diretamente para o estacionamento, dando de cara com Victoria descendo de seu próprio carro.
- Amore, como você está estilosa. – Ela me encarou de cima a baixo com um sorriso no rosto. – A mulher de preto. Coloque um óculos escuro que eu faço uma sessão de fotos suas agora mesmo, sabe como amo uma fotografia para o feed do Instagram.
Eu soltei uma risada baixa enquanto desembaraçava meu cabelo com os dedos e devolvia o capacete para , que me olhava de soslaio, interessado.
- Acordei inspirada hoje, Vicka. – fingiu uma tosse e colocou a mão na boca para esconder o sorriso.
- Percebi. – Ela me abraçou rapidamente. – Vieram juntos, vocês dois?
- Estava passando perto da casa dela e ofereci carona. – deu de ombros, tecendo a mentira. – Às vezes eu me faço de bom moço.
- Com certeza, aposto que estava vindo de mais uma noitada, não é?
- E que noite, Vic – ele respondeu para ela com um sorriso enorme e foi minha vez de tossir para disfarçar a expressão em meu rosto.
- Nossa, como está empoeirado aqui. – Eu abanei a mão na frente da minha face quando Victoria me olhou com as sobrancelhas juntas. – Está atacando minha alergia.
- Sei. Vamos subir de uma vez. – Ela concordou virando as costas e guiando o caminho. – Parece até que estamos enrolando para não ir à reunião.
Soltei um riso nervoso e e eu trocamos um breve olhar antes de seguirmos o caminho, lado a lado, porém separados.
O primeiro pensamento que me ocorreu assim que subimos até o andar determinado foi me perguntar onde estava , questão essa que foi respondida assim que as portas do elevador se abriram e nós o vimos sentado relaxadamente em um sofá lendo uma revista.
Para os padrões de encontros anteriores, esse se elevou a um nível bastante promissor, pois ao passo em que e eu hesitávamos ao nos aproximarmos dele, ele nos recebia com um sorriso, que apesar de não mostrar os dentes e não parecer exatamente feliz, ainda era uma tentativa decente e educada de levar aquilo adiante.
Eu esperava de verdade que estivesse tentando e não apenas fingindo.
Retribuí o gesto para ele e assentiu com a cabeça, relaxando os músculos que subitamente estavam tensos.
Não houve tempo para iniciar uma conversa, poucos minutos depois nós quatro estávamos reunidos no escritório de Gregory enquanto sua secretária colocava copos de água em nossa frente e deixava que o sr. Colleman nos avaliasse numa paz interminável com os dedos entrelaçados sobre a mesa.
Pela maneira como ele nos fitava, eu começava a me sentir tensa e nervosa sobre o rumo que poderia ter esse diálogo. Meu coração já acelerava em expectativa.
- É presumível que vocês saibam que estão aqui para falar da série – ele disse após nos cumprimentar informalmente.
Todos assentimos em uníssono e aguardamos.
- Pois bem, tenho notícias para vocês.
- Notícias boas ou ruins? – Vicka questionou debruçando o corpo sobre a mesa.
- Depende do tanto que vocês gostam do trabalho que tem aqui – ele respondeu com um dar de ombros descontraído enquanto eu sentia um formigamento pelo corpo em ansiedade.
- E isso quer dizer que...? – o incentivou a continuar e finalmente o diretor deixou a inexpressividade de lado e nos abriu um sorriso tão grande que nos permitia contar todos os dentes de sua boca se quiséssemos.
- Significa que The Blackside acabou de ser renovada para a quarta temporada com todos vocês como elenco principal. – Gregory se virou para . – Inclusive você, Sr. . Se ainda quiser o papel de Dave, ele é seu.
Nós demoramos um segundo para entender o que aquilo significava e mais outro para depois começarmos a comemorar num alvoroço sem qualquer sutileza, todos nós ainda absorvendo a informação, mas rindo e gargalhando como completos loucos transbordando de felicidade.
- Há quanto tempo sabe disso? – Victoria perguntou enxugando uma lágrima de emoção que escorria do seu rosto.
- A emissora me ligou ontem de manhã – o diretor respondeu ainda sem desmanchar o sorriso no rosto. – Vocês são os primeiros da equipe a quem contei. Pretendo fazer um comunicado formal para todo o elenco e todos aqueles que trabalham nos bastidores o quanto antes, mas não consegui me segurar. Precisava contar a vocês. Eu estou muito orgulhoso do crescimento que tiveram do último ano para cá ainda mais com todas as mudanças que tivemos que passar.
Parecia besteira, mas eu me sentia completamente sem palavras, flutuando. Sr. Colleman continuou a falar sobre o crescimento da audiência e os picos de visualizações nas redes sociais, as expectativas e alguns estudos de estatísticas para os episódios que ainda seriam lançados dali em diante, mas eu só conseguia pensar que eu tinha conseguido. Mais uma vez, mais um objetivo. Eu tinha conseguido.
Ele persistiu com as explicações, deu ideias sobre alguns eventos fora do país que ele gostaria de nos colocar para participar, quem sabe uma turnê de autógrafos pelos Estados Unidos ou Europa ainda pelas próximas semanas que viriam, se conseguissem programar tudo assim tão em cima da hora, contudo parte de mim ainda estava perdida em algum lugar entre a imaginação e a realidade enquanto eu encarava minhas pulseiras com o peito transbordando de carinho e o coração apertado em nostalgia. O berloque de estrela brilhando sobre o pingente de avião, os significados de ambos agora se transformando em um único.
Desejei mais uma vez que minha mãe estivesse aqui para presenciar esse acontecimento, para me abraçar e rir comigo. Para saber que, como havia me dito, era apenas o começo. O início da promessa.
- Senhorita – Gregory me chamou e eu pisquei os olhos para afastar a emoção e me livrar do devaneio. –, senhor . Isso me lembra também que o contrato de vocês será finalizado. O último evento oficial que precisam comparecer juntos é ao Brit Awards. Depois disso, espalharemos alguns boatos sobre o término e enfim publicaremos uma carta oficial no nome de vocês sobre o fim do relacionamento.
Imediatamente e eu nos olhamos por um longo segundo.
- Só isso? – eu me atrevi a perguntar, mais uma vez perplexa. – Menos de duas semanas e... acabou?
- Sim – o diretor concordou e se encostou na cadeira preguiçosamente. – A contribuição de vocês com o aumento de audiência foi bastante notável, devo dizer. Receberão o último pagamento pelos serviços no dia seguinte a premiação. Vocês dois, e, obviamente todo o grupo que apoiou e deu suporte. A Modest ainda vai entrar em contato para explicar detalhadamente como isso vai funcionar para você , como para , e da mesma forma. Victoria a mesma coisa, seus representantes logo darão detalhes sobre sua parte na contribuição, estou apenas adiantando o assunto porque veio a calhar.
virou-se para mim com olhos brilhando e sem me importar com o que os outros ao nosso redor pensariam, eu abri um sorriso para ele.
Duas notícias boas em menos de dez minutos, parecia bom demais para ser verdade. Foi impossível não pensar em quanto tempo essa felicidade duraria até ser apagada por alguma coisa.
Mas me obriguei a deixar esse pensamento para depois, porque o que realmente importava nesse momento era que e eu finalmente poderíamos sair das sombras onde nos escondíamos. Não ia se tratar mais de tempo roubado. Não seria mais dia após outro evitando visitas para não sermos vistos juntos.
Estava tudo prestes a mudar. Mais uma vez.
Victoria ainda estava completamente descrente com a notícia da renovação da série e conversava animadamente com Gregory sobre coisas que eu não conseguia identificar. E , da mesma maneira como havia entrado na sala, permanecia. Calado, observando. Para minha surpresa, ele dançava seus olhares entre eu e com leveza, um sorriso mínimo se formando em seus lábios.
Eu não soube o que dizer ou fazer em seguida, assim como , quando percebemos sua expressão. O fitamos confusos, piscamos algumas vezes e ele se divertiu com isso, rindo baixinho e assentindo com a cabeça, como se estivesse feliz por nós dois.
Não sabia se acreditava no que via ou se era apenas minha mente confusa criando imagens próprias, mas fiquei feliz pelo senhor Colleman chamar nossa atenção em seguida mais uma vez, porque era provável que eu continuasse encarando com cara de tonta até que ficasse muito explícito que algo de errado não estava certo. Por mais sem sentido que isso pudesse soar.
Eu acabei rindo para mim mesma.
- Bom, ainda não posso comprovar nada, pois estamos a vários meses de distância disso, mas a ideia é começarmos as gravações mais ou menos na mesma época do ano passado – o diretor disse com os olhos brilhando. – Claro que a pré-produção, a escrita dos roteiros, a procura por novos atores, as locações dos cenários e espaços, etc e etc, tudo isso começa agora. Mas vocês... Assim que a turnê do One Direction tiver acabado estarão todos convocados.
Os outros concordaram vigorosamente, entretanto eu demorei a assimilar o que ele havia acabado de dizer, a fazer todas as palavras terem sentido enquanto minha ideia de futuro começava a se desmanchar sem sequer ter tomado forma de fato.
- Vocês vão sair em turnê? – Eu me virei para e , sentados um ao lado do outro, mas meus olhos estavam completamente fixos em . A felicidade e orgulho se misturaram com a secura em minha boca quando entendi o que aquilo significava enfim. – Quando? Por quanto tempo?
Lá estava aquele pensamento de novo. Tudo bom demais para ser verdade. Não teria demorado para outra notícia vir e equilibrar os bons sentimentos com outros não muito felizes.
Respirei fundo para acalmar meu nervosismo.
Seria egoísmo da minha parte eu dizer que subitamente estava me sentindo abalada, com um vazio querendo se formar dentro de mim, porque essa notícia, de modo geral, só podia significar uma coisa para eu e : separação.
Mas eu não permitiria que esse pensamento viesse à tona. Eu seria infantil e mimada demais se deixasse isso acontecer, e ainda tínhamos muito o que conversar, era precipitado demais eu chegar a essa conclusão.
Uma parte de mim me achava uma completa idiota. Era óbvio que em algum ponto eles sairiam em turnê. É o trabalho deles. Compõe, gravam, lançam músicas. Então viajam pelo mundo fazendo shows com elas e divulgando seu trabalho em apresentações e entrevistas.
Admito que eu estava mais surpresa pelo jeito que descobri que pela informação em si.
Não consegui impedir a pitada de pesar, chateação e mágoa por não ter dito isso para mim pessoalmente quando ele claramente já sabia, por eu ter ficado sabendo pela boca de outro, numa sala lotada onde eu sequer podia agir naturalmente quando escutasse a novidade.
me encarou boquiaberto sem saber o que dizer, provavelmente se dando conta de que eu estava incomodada. Contudo, para não só a surpresa dele, mas minha também, foi quem respondeu em seu lugar imediatamente:
- Ainda não sabemos muito bem os detalhes. Teremos uma reunião em alguns dias para o anúncio das datas e locais de shows, mas nossos empresários, a Modest, todos ainda estão cuidando disso – ele explicou rapidamente. – Só sabemos que a turnê será mundial e que durará alguns meses.
Eu sorri verdadeiramente animada, porque era algo completamente excitante para eles, mas engoli em seco mesmo assim.
Algo no olhar de me disse que conversaríamos melhor sobre isso depois e eu concordei antes de falar algo que não devesse ou soar de uma maneira mesquinha que eu não queria, porque eu não deveria e não queria ser esse tipo de pessoa. Queria comemorar a conquista dele como se fosse minha e mostrar apoio, incentivo. Não ser egoísta e medíocre.
Não sei o que tinha de errado comigo, de repente tudo parecia estar no superlativo, grande demais, como se eu não fosse capaz de lidar com mais nada. Dificuldades e preocupações novamente à espreita de acabar com minha sanidade, provocar minha ansiedade.
Eu não queria deixar isso tomar meus pensamentos de novo. Não queria ser vencida por isso mais uma vez.
Tinham tantas coisas boas em que eu podia me focar agora.
Confesso que depois disso, apesar de Gregory continuar falando e dando detalhes sobre o novo contrato para nós, suas ideias e aspirações para a quarta temporada, eu não ouvia com a atenção que deveria. Minha cabeça estava cheia demais, com pensamentos demais e eu não conseguia organizar o fuzuê em que tudo se transformava lá dentro, mesmo que eu respirasse fundo vezes seguidas, mesmo que eu tentasse manter a calma.
De repente eram muitas informações dadas de uma vez para eu lidar com elas.
Não sabia o que pensar.
Esse vinha sendo o pensamento mais comum na minha vida ultimamente.
- Ah, garota! – Victoria me abraçou fortemente assim que deixamos a sala do senhor Coleman. - Já pensou em tudo mais o que vamos fazer no set de filmagens?
Eu ri e a apertei na mesma intensidade.
- Shh, o que acontece no camarim, fica no camarim.
Ela gargalhou em resposta e nós nos separamos compartilhando sorrisos.
- Fico feliz por você continuar fazendo parte da nossa família – ela disse baixinho e eu a olhei emocionada.
- Eu também, Vicka. Acredite.
Ela me fitou por mais um instante e seguiu para repetir o gesto com os outros.
a abraçou rapidamente, e enquanto ela conversa com e trocava algumas piadas internas que deviam ter formado nos últimos três anos de convivência, parou ao meu lado e pigarreou levemente, chamando minha atenção.
- Parabéns, – ele disse suavemente.
- Obrigada – eu falei em resposta, baixinho. – O mesmo para você. Não só pela série, mas pela turnê e pelo CD. Por sinal ficou muito bom, eu adorei.
Tentei soar descontraída para melhorar meu humor esquisito desde os minutos anteriores e ele pareceu gostar disso, agindo tão diferente das vezes anteriores que nos encontramos que foi impossível não estranhar. Ele parecia, de fato, estar se esforçando. Provando que estava disposto a melhorar.
- Fico feliz com isso – respondeu sem desmanchar seu sorriso e então se aproximou um pouco mais, para que apenas eu ouvisse quando disse: – Acredito que sua mãe estaria orgulhosa de você agora. De verdade, estou feliz por você.
Eu o encarei perplexa, piscando vezes seguidas e não soube o que dizer, como agir. Por isso, quando percebeu minha falta de reação, ele apenas sorriu para mim e se afastou para dar um toque nas costas de , um cumprimento de parabenização e uma despedida, deixando-o igualmente confuso.
- Vejo vocês, pessoal – falou por fim e se afastou, indo em direção ao elevador enquanto eu ainda permanecia estática sem quase nem respirar.
Vic sentiu a mudança no clima e começou a perpassar os olhos entre todos nós para em seguida nos dirigir um sorriso e se despedir também, falando alguma coisa sobre marcarmos para comemorar e não deixarmos para nos ver apenas nas vésperas das gravações. Eu devo ter concordado, mas a verdade é que eu não tinha certeza. Estava sorrindo sem motivo com a palpável percepção da mudança a caminho. Meu humor mudando do 8 para o 80 numa oscilação que não fazia o menor sentido e era no mínimo bizarra, mas que me deixava surpreendentemente satisfeita.
Assim que sobramos apenas e eu, resolvi tomar a dianteira e ir em direção ao outro elevador para enfim irmos embora.
Ele esperou até que estivéssemos no estacionamento, sozinhos, para resolver dizer alguma coisa:
- Me desculpe não ter contado antes sobre a turnê, eu queria ter abordado o assunto com mais calma – ele disse suavemente e eu estudei sua expressão, demorando alguns segundos enquanto suspirava e por fim respondia:
- Não vou dizer que gostei de como as coisas aconteceram, mas está tudo bem – eu disse, começando a me sentir melhor. – Já aceitei o fato e estou feliz por você e pelos outros.
- Então por que você parecia tão chateada? – Ele segurou meu pulso gentilmente e interrompeu minha caminhada por entre os carros enquanto estudava minha face, toda a minha expressão corporal e chegava a sua conclusão. – Você não pode ter cogitado a ideia maluca de que nós terminaríamos por causa da turnê, não é?
De repente eu me senti boba demais e hesitei para enfim dizer quase gaguejando:
- Claro que não, só estou pensativa.
Ele obviamente não acreditou no que eu disse.
- Então por que está tão quieta?
- Porque estou pensativa!
passou a mão pelo cabelo, bagunçando seu topete e o deixando incrivelmente melhor do que estava.
- Não, , foi exatamente o que você pensou. Está praticamente escrito na sua testa! Eu achei que você fosse ficar apreensiva, mas que me conhecesse melhor do que isso. Não vou terminar com você.
- , a questão não é essa. – Eu soltei um suspiro baixinho, olhando ao redor do estacionamento, vendo se não havia ninguém ali para escutar a conversa. – Você vai passar meses fora e quase não vamos conseguir nos ver. Foi só uma hipótese que me ocorreu porque se já é difícil para nós dois agora que estamos a menos de 30 min de distância um do outro, imagina quando isso se transformar em 12h, até mais?
- Então seu primeiro pensamento foi que não daria certo nós continuarmos? – Basicamente, mas resolvi guardar isso para mim mesma. – Não espere o fracasso de algo sem nem ter tentado. Pra tudo se tem uma solução. Quer um exemplo? Você pode viajar em turnê comigo, aproveitar para conhecer novos lugares, novas pessoas e…
- Atrapalhar vocês também? – Eu arqueei uma sobrancelha o interrompendo e abri um sorriso em seguida para amenizar o tom que usei. – Eu estou aberta a um diálogo, . Mas por que não deixamos para fazer isso em casa?
Ele olhou ao redor como se finalmente percebesse que estávamos parados no meio de um estacionamento e se deu por vencido.
- Tudo bem, você está certa – ele disse antes de começar a me guiar em direção a sua moto. – Só por favor, não venha com essa ideia absurda de término. A não ser que você queira terminar…
- Não quero!
- Então não temos motivo para pensar nisso. – Ele emendou imediatamente. – Vamos chegar a um acordo, vamos passar por isso e aí no final você vai ver que só se precipitou ao pensar desse jeito e…
Um ruído alto e barulhento chamou minha atenção e eu desviei o sorriso que dirigia a enquanto ele falava convictamente do nosso relacionamento, apenas para observar a outra moto adentrar rapidamente o estacionamento e parar a apenas alguns metros de distâncias de nós dois. A percepção do que veio a seguir fez com que de repente eu não ouvisse mais nada. Não quando a visão do homem tirando o capacete a poucos passos de nós fez meu corpo inteiro cambalear em choque para trás, fazendo com que o peito de trombasse em minhas costas um segundo depois.
Eu tomei fôlego para gritar e me interrompi no meio do caminho quando o mesmo homem que prendia minha atenção tirou os óculos de sol e virou-se de frente para nós.
O cabelo podia ser loiro e seus ombros largos, ter a mesma estatura, mas seu queixo era fino e não marcado e quadrado, o nariz muito torto e os lábios finos demais para serem dele. Do homem que havia decidido rondar minha cabeça como um fantasma.
A ansiedade estava me fazendo ver coisas, eu tinha certeza. O nervosismo brincando com minha mente como se fosse um fantoche.
Eu levei as mãos para minha cabeça assim que o rapaz desconhecido passou por nós e seguiu seu caminho até o elevador sem perceber minha expressão completamente paralisada ou a confusão de . Expulsei a lembrança, a imagem, a memória que ainda persistia por trás dos meus olhos. Por que não ia embora? Eu não queria me lembrar!
- ? ? O que foi? – segurou meus pulsos com delicadeza e os afastou de onde estavam, levantou meu queixo até que meus olhos encontrassem os seus. Só então percebi que ele agora estava de frente para mim. – O que aconteceu?
- Não foi nada, já passou.
Ele negou seriamente.
- Você estava encarando aquele homem como se tivesse visto um espírito! – Eu tentei controlar minha respiração subitamente acelerada e minha incapacidade de me concentrar. – Você está pálida. Por que não me diz o que está te deixando assim? Tem a ver com o pesadelo que você teve naquela outra noite?
Meus lábios se apertaram um contra o outro e não tive forças para negar, me sentindo fraca demais para mentir quando claramente ele não acreditaria.
O intuito não era esse, não devia ter que lidar com as peças que minha própria cabeça estava pregando em mim. Não era justo, ainda mais com tudo o que ele mesmo tinha que lidar. Mas algo lá no fundo me dizia que minhas dúvidas podiam ser muito mais do que pareciam, que talvez não fosse tão irreal quanto eu pensava que fosse. E para quem mais eu podia dizer isso? Quem mais daria ouvidos aos meus devaneios?
Minha boca tremeu quando comecei a falar debilmente, uma confissão:
- Eu tenho medo que, se dizer as palavras em voz alta, vou transformar tudo isso em realidade, .
- Isso o quê? – Ele juntou as sobrancelhas e esperou atentamente. – , por favor…
Eu me apoiei em uma das pilastras do estacionamento, tentando recobrar a calma, um resquício que fosse para não parecer uma perfeita louca. Mas pela maneira como ele me olhou, eu deveria estar parecendo completamente apavorada.
- , eu acho que o vi – disse de uma vez.
- Viu quem?
- Beckett – murmurei e de súbito sua postura que estava em um misto de preocupação e paciência empertigou-se totalmente em atenção, um brilho sinistro surgindo em seus olhos enquanto eu continuava a falar. – Eu acho que o vi, há alguns dias. Pareceu tão, tão real... Tenho estado paranoica desde então.
- Quando isso aconteceu? – ele exigiu com a voz grossa. – Onde?
- P-pode ter sido coisa da minha cabeça, eu não tenho certeza! – tentei explicar. – Não confio no que enxerguei. Era noite, eu estava cansada, pode ser que eu tenha me confundido!
- Me conte essa história direito, . Agora. – Ele segurou firme em meus ombros, olhando tão intensamente em meus olhos que não tive outra opção senão contar a ele.
Achei que eu estava perturbada com isso, mas quando enfim terminei a história, começou a caminhar inquietamente de um lado para o outro com os olhos sérios e fora de foco. Vê-lo agir de tal forma não melhorou meu estado.
- Seu pesadelo – ele disse entredentes. – Foi com ele o seu pesadelo?
Eu apenas assenti levemente, incapaz de entrar em detalhes, incapaz de dizer todas as imagens que meu cérebro tinha construído com as lembranças que eu tinha daquele homem e de como estava destruído nessa visão, sem sequer mexer um dedo ou respirar.
- Suas mãos estão tremendo. – Ele se aproximou de mim e as segurou firmemente entre as suas, controlando sua raiva da maneira mais sensata que conseguia. Eu via isso em cada movimento que ele fazia. E constatar isso não me fez deixar um pensamento passar despercebido, não com a reação imediata de a minha história.
- Você acha que era ele mesmo? – eu perguntei num sussurro. – Acha que ele quer alguma coisa?
Comigo, com você, com a gente?, eu não completei a pergunta em voz alta, mas sei que ela estava nítida em meus olhos.
abriu e fechou a boca várias vezes, olhou para os próprios pés e depois me puxou contra si, me abraçando com força.
- Se era ele ou não – começou a falar com calma e cautela enquanto apertava meu corpo contra seu peito. –, você não precisa se preocupar com isso. Pode ser que... realmente você não tenha enxergado direito, não é? E a visão despertou essa memória.
- É uma hipótese – eu concordei com a voz grave. Era algo muito melhor a se acreditar que pensar na outra opção, que era ter que lidar com aquele homem.
- Então vamos pensar que é a realidade. – Ele se afastou de mim e estudou minha feição.
- Eu não sei porque isso está acontecendo – eu voltei a falar. – Depois daquela noite em que nós nos encontramos com ele, eu estava assustada, mas não era medo. Só apreensão. E então eu empurrei aquelas memórias tão fundo na minha mente que eu achei ter esquecido. E de repente isso aconteceu e... Agora eu realmente sinto medo. Ele bateu no seu carro apenas por diversão, . O que ele seria capaz de fazer movido a base da raiva, quando realmente quisesse causar problemas?
- Ele não virá atrás de você – ele falou convicto para mim, segurando meu rosto em suas mãos. – Nunca. Te prometo isso.
Mas balancei a cabeça para os lados, atordoada.
- E você, ? – Eu segurei suas mãos com força. – E se ele vier atrás de você? – Porque era isso que mais me preocupava. O que poderia acontecer com , não comigo.
Contudo, enquanto eu esperava suas palavras de que nada aconteceria, eu só recebi silêncio. Ele apenas piscou os olhos fixos nos meus e então se distanciou de mim lentamente para ir em direção a moto.
- Vamos para casa. – Ele me estendeu o capacete, resoluto. – Você precisa se acalmar, depois discutimos isso melhor. Pode ser? Vai ficar tudo bem.
Eu o observei por um instante enquanto ele aguardava minha resposta, com mais expectativa do que deixava transparecer.
Havia algo em sua postura que parecia implorar para que eu cedesse, que eu concordasse com suas palavras. Eu não entendia bem, talvez fosse apenas a surpresa por tudo o que contei a ele ou pela forma como eu ainda deveria parecer aturdida. Por isso respirei fundo e consenti com ele, subindo na garupa e abraçando suas costas após colocar o capacete completamente inexpressiva, mas sentindo seu calor de um modo reconfortante, as batidas do seu coração contra suas costelas coladas às minhas.
Quase jurei que o senti soltar o ar, aliviado.
E por mais esquisita que tenha sido sua atitude, eu não contestei. Talvez realmente fosse melhor deixar aquele pensamento morrer. Uma hora teria que enfim desaparecer.
’s POV
Eu havia tentado, durante todas as horas que seguiram desde o relato de , esfriar a cabeça, manter a calma, não ser precipitado com minhas decisões.
Chovia forte em Londres, uma tempestade como há muito tempo eu não via, com relâmpagos iluminando o céu e trovoadas guturais que estavam perturbando ainda mais. Eu a observava de soslaio, tentando inutilmente manter minha inquietude sob controle. A baixa visibilidade do clima não permitiria que eu saísse dali tão cedo, mas eu precisava tirar tudo isso a limpo, colocar um ponto final nessa história antes que eu perdesse a cabeça, ou pior. Antes que se machucasse.
Contudo, nada esvaziava minha mente e meu corpo da raiva que eu estava sentindo, das sensações inquietantes que borbulhavam sob minha pele. Eu sequer podia falar alguma coisa sem tocar no assunto ou parecer paranoico. Talvez eu estivesse mesmo paranoico.
Imediatamente na primeira oportunidade que tive, quando deixou a sala para seguir até o banheiro para tomar um banho quente e tentar relaxar, eu tirei o celular do bolso, respirei fundo no mínimo umas cinco vezes e tomei uma decisão. Fiz uma das únicas coisas que tinha prometido a mim mesmo que não faria no meio de toda essa cilada: liguei para Beckett.
Eu estava tão irado, tão fora de mim, que sentia minhas veias saltarem em meu pescoço, pulsarem em minha testa conforme o sangue rugia mais rápido por meu corpo.
Os toques pareceram uma eternidade para cessarem, mas finalmente, juntamente da luz súbita de um raio iluminando a sala de , a voz dele soou macia e voraz:
- Pois não, parceiro?
- Caralho, qual é o seu problema, filho da puta? – Precisei me segurar para não rugir contra o telefone e precisei me conformar em gastar a energia acumulada andando de um lado para o outro e apertando os punhos contra meu próprio quadril até que as unhas afundassem na palma.
Ele levou um segundo para responder e, ainda assim, sua calma me agitava ainda mais.
- Pensei que estivéssemos entendidos quanto às formas de falar comigo.
- Eu não ligo, não estou nem aí! – Atropelei as palavras enquanto as pronunciava sem qualquer raciocínio. – Eu quero saber por que você foi atrás de ! Eu estou fazendo absolutamente tudo o que você pede, porra! Eu disse que ela está fora da jogada, Beckett!
Seu riso soou tão sinistro quanto o trovão do lado de fora e confesso que meus pelos se eriçaram em alerta conforme ele estralava a língua no céu da boca várias e várias vezes.
- , … – Beckett fez uma pequena pausa e senti sua respiração contra meu ouvido. – Eu achei que tivesse sido muito claro naquela outra noite. Eu quero tudo o que você tem.
A compreensão me atingiu tão forte quanto um soco e eu achei que fosse ser capaz de arrancar todos os fios de cabelo da minha cabeça um por um quando minhas mãos se prenderam com força contra eles.
Mordi a língua para não soltar o rugido que entalou na minha garganta, mas sei que o meu silêncio bastava para ele saber que eu estava transtornado. Sua gargalhada de humor negro comprovou isso.
- Enquanto ela estiver com você, , então eu também a quero. – Ele pareceu saborear as palavras em sua própria boca e eu desejei poder arrancar sua língua com minhas próprias mãos. – E na verdade, se me lembro bem, acho que já disse isso uma vez para você, não? Quando você veio aqui me desafiar alguns meses atrás. Será que ela é tão feroz na cama quanto pareceu ser aquele dia me enfrentando?
Eu soquei o estofado do sofá com toda a força que eu tinha.
- Você vai se arrepender Beckett, você…
- Você não está em posição para me ameaçar, sabe disso. – O bastardo me interrompeu com divertimento explícito em sua voz. Eu o mataria, mataria se ele encostasse um dedo nela. – Seria mais esperto decidir agora: deixar a garota ou entregá-la pra mim.
Eu pressionei os dedos contra a têmpora, fechei os olhos com tanta força que comecei a ver pontos brancos.
- Vamos deixar isso mais simples – ele disse finalmente, dessa vez sério e impassível. – Se afaste dela e sai da minha listinha de desejos particulares. Fique, e então acho que terá um problema maior em mãos, meu amigo, porque sinto que você não vai querer colaborar. – Ele riu mais uma vez. – A decisão é toda sua, . Tem 24h para me dar uma resposta.
A chamada se encerrou tão subitamente quanto começou e eu mal conseguia respirar. Tudo o que ele fazia era jogar. E nesse momento, ele mostrava sua carta coringa. A rodada que decidiria se ele me teria nas suas mãos ou não. Era tudo ou nada.
E infelizmente eu sabia que ele tinha ganhado.
Capítulo 51
That you need your distance, distance
[…]
If he’s the reason that you’re leaving me tonight
Spare me what you think and
Tell me a lie”
’s POV
Quando finalmente saiu do banho e entrou no quarto, enrolada em uma toalha e com um coque no cabelo já seco no alto da sua cabeça, descalça e distraída, teve um pequeno sobressalto ao me ver sentado em sua cama, completamente estático, praticamente sem respirar.
- , o que foi? – Ela se aproximou com pressa. – Por que está molhado desse jeito?
Ela correu de volta para o banheiro e voltou em segundos, me estendendo uma toalha seca para que eu me secasse, mas ficou desconcertada quando não fiz menção de levantar o braço e aceitar sua ajuda. Meus dedos estavam brancos pela força com a qual eu apertava a superfície macia do colchão coberto pelo lençol e edredom.
- Saí para andar – foi o que eu respondi num murmúrio quase inaudível.
Ela franziu a testa para mim e encarou a chuva torrencial que caía do lado de fora, as trovoadas a fazendo encolher os ombros, seu rosto transbordando em preocupação agora que tinha os olhos fixos em mim.
- Você está louco? – Ela me obrigou a tirar a jaqueta imediatamente e fez o mesmo com minha camiseta enquanto esfregava a toalha em meu peito, secando as gotas de água que escorriam por minha pele. – Você vai pegar uma gripe se não for tomar um banho quente agora e tirar essa friagem toda!
Eu soltei um riso seco e sem humor do fundo da minha garganta. hesitou e se afastou para me observar, perplexa demais por mim atitude. De repente ela parecia sem reação. E foi nesse momento, quando eu olhei no mar azul esverdeado dos olhos dela que eu soube que não podia continuar mentindo e levando aquilo tudo inconsequentemente adiante.
- , uma gripe é o que menos me importa nesse momento.
Calma e lentamente ela afastou a toalha de mim e se ajoelhou entre minhas pernas, sentando sobre seus calcanhares, sem nunca desviar seus olhos dos meus, uma mão sobre a minha coxa e a outra gentilmente tocando a lateral do meu rosto, afastando as mechas encharcadas que pingavam ocasionalmente da frente da minha face. Ela sequer se importava se eu estava ou não molhando sua cama com minha calça ensopada. Tudo o que fazia era encarar fixamente meus olhos vermelhos e tentar entender o que tinha deixado passar, o que tinha acontecido nos últimos minutos enquanto ela estava ausente, tão perto, mas tão longe.
De repente seus olhos ficaram tão azuis que por um momento me senti submerso em uma enseada completamente translúcida onde a água refletia o céu de verão. Ela era tão linda. Minha boca ficou completamente seca, e desejei, por um instante, que ela não me afetasse com tanta intensidade quanto fazia.
- O que aconteceu, ? Pode me contar. – Sua voz soou como um sussurro. Tão frágil que fez meu coração se agitar.
Não demorei a perceber que ela inteira parecia frágil demais. Uma boneca de porcelana que com um toque poderia rachar completamente, olhos feitos de cristal. Eu toquei seus cabelos também, com a mão úmida, e soltei o coque até que os fios estivessem soltos e caindo em uma cascata acobreada sobre seus ombros, emoldurando seu rosto, as pequenas sardas que decoravam sua pele pálida formando constelações que eu não cansava de olhar, a inocência que ela parecia ter com bochechas e lábios rosados, os cílios se curvando para cima naturalmente, como feitos um a um em uma pintura.
Era como se eu a olhasse pela primeira vez. Como se a observasse pela última. Decorando cada um dos seus traços até que tivesse a coragem de dizer alguma coisa.
- Eu estive pensando – Minha voz saiu rouca demais até para meus próprios padrões. –, talvez fosse melhor, mais seguro, você ter seguranças particulares daqui pra frente.
- Tudo bem. – Ela assentiu enquanto acariciava minha bochecha, a ponta dos dedos compridos roçando por minha barba por fazer. – Mas por que eu preciso de seguranças, ?
- Eu poderia arcar com os custos. – Ignorei sua pergunta após respirar fundo. – Poderia cuidar disso para você.
- Por quê?
- Não vai levar nem dois dias. – Ela estreitou os olhos para mim. – Conheço alguns homens de confiança que trabalharam para mim, vou ligar para eles amanhã cedo e pedir que no dia seguinte já estejam aqui para sua proteção.
- ! – Ela levantou sua outra mão até que tocasse minha outra bochecha, ficou sobre os joelhos e aproximou o rosto do meu, firme, impassível, fazendo meu coração acelerar ainda mais rápido do que já estava. – Por que eu preciso de proteção? O que você descobriu que está te assustando tanto?!
Eu abri e fechei a boca debilmente.
- Não é só o que eu descobri, – eu murmurei acariciando seus braços, segurando seu rosto. – É o que eu sei que pode e vai acontecer se não deixar você hoje.
Sua postura vacilou por um segundo quando as palavras finalmente fizeram sentido e eu senti minha garganta se fechar conforme sua face era assolada pela incompreensão e mágoa.
- Não. – Sua voz começou a falhar e tremer. – Você não vai simplesmente dizer isso e deixar essa casa. Você vai me explicar nos mínimos detalhes que diabo está acontecendo e então nós vamos conversar e tentar achar um meio termo! Não pense nem por um segundo que eu vou deixar você tomar alguma decisão sobre nosso relacionamento sem me consultar!
Sua respiração acelerada se misturou com a minha e eu senti meus olhos arderem enquanto eu balançava a cabeça para os lados e via seu rosto se desmanchar em desolação.
- , me diga alguma coisa! – Ela soou como um animal ferido, segurando as lágrimas enquanto pressionava seus lábios e me fitava com súplica brilhando em suas íris ainda mais límpidas agora do que antes.
- Eu nunca devia ter te levado para aquela porcaria de corrida, . – Minha boca tremeu quando falei. – Nunca devia ter me aproximado tanto de você.
- Por que está me dizendo essas coisas?
- Porque agora você é minha fraqueza, e ele sabe disso – eu respondi. – Vai te usar contra mim até que não reste mais nada.
Houve um intervalo de apenas um segundo quando nos encaramos. Ela então segurou minha nuca com força e se afastou de mim com aquela feição de quem montava um quebra cabeça e agora finalmente achava as peças que faltavam.
- Está falando de Beckett? É dele que se trata tudo isso? – pesar da firmeza pela compreensão que ela queria me passar, eu sentia a apreensão em cada sílaba que ela pronunciava. Eu a via demonstrar exatamente tudo aquilo que eu queria evitar que ela sentisse. Todo aquele medo qual eu a queria manter distante. – , você prometeu! Prometeu que falaria comigo se ele viesse atrás de você de novo!
- Eu nunca prometi isso, Ruivinha.
Ela se levantou num ímpeto e suas mãos me deixaram. Foi um movimento simples, mas o local onde antes ela me tocava agora estava frio. começou a andar de um lado para o outro, as mãos pressionadas contra suas têmporas enquanto lágrimas silenciosas escorriam e ela tentava visivelmente controlar as emoções que estava sentindo, provavelmente uma confusão delas, como acontecia comigo.
- Há quanto tempo você vem escondendo isso de mim? – Eu senti a raiva em sua voz, baixa e avassaladora. Toda a mágoa que ela tentava camuflar. – Há quanto tempo, ?
- Desde o programa do James Corden.
se virou para mim com os olhos arregalados e incrédulos.
- Isso já faz meses! – praticamente gritou e então me encarou pasma com o entendimento que veio com isso juntamente. – Era isso então. Era esse o problema que você vinha fazendo tanto suspense, não era? Era essa merda que você vinha querendo resolver sozinho e não me deixava envolver? Me responda, !
- Era isso, porra! – Eu apoiei meus cotovelos sobre os joelhos e segurei minha nuca, a cabeça abaixada em quase completo desespero. – Me desculpe, ! Eu não queria te envolver nisso.
- Eu já estou envolvida, ! – ela me respondeu firmemente, furiosa. – Muito antes disso que está acontecendo agora!
- Mas não deveria, ! Esse é o ponto que você não entende e é isso que estou tentando evitar a todo custo: te colocar ainda mais fundo nessa sujeira toda.
Ela fungou audivelmente e enxugou grosseiramente o rosto com as mãos trêmulas após me encarar por um momento.
- Era ele me observando na rua, não era? Realmente era ele pagando minha conta aquele dia? Por isso você pareceu tão furioso hoje mais cedo. Não era? – ela exigiu saber, apesar de já ter sua resposta. – Que cortesia era essa que ele queria me pagar, ? Por favor, me explique! Não me deixe no escuro com tudo isso mais do que já estou. Eu mereço entender!
Balancei a cabeça para os lados, aturdido. A verdade deixando minha boca com tanta acidez que me consumia de dentro para fora. As feridas se abrindo cada vez mais.
- Ele está me chantageando, – eu confessei após me ver sem forças de negar ou criar evasivas. Eu já me sentia completamente de mãos atadas; vê-la daquela forma acabava comigo. Saber o que eu tinha que fazer me destruía. – É tudo uma maldita chantagem.
- O quê? – ela exclamou fora de si.
- Eu disse a você – tentei explicar com mais clareza, apesar de minha voz estar completamente quebradiça. – Ele descobriu que você é minha fraqueza, . Eu não tenho outra saída além de fazer o que ele pede.
- E isso quer dizer que…
- Que ele está ameaçando você. – Ela parou no local onde estava, pálida, de boca aberta e completamente sem palavras. – Está te usando contra mim para que eu faça o que ele quer. E me perdoe, , eu não tenho outra escolha. É isso ou te ver machucada. E eu me recuso a sequer pensar na segunda opção!
- Me ameaçando como? – A voz dela tremeu. – Como isso começou, pelo amor de Deus?
- Na noite do BAFTA. – Ela abraçou o próprio corpo e se sentou de novo no chão, dessa vez afastada de onde eu estava, encostada contra a parede, como se precisasse de espaço para pensar e absorver o que eu dizia. – Beckett começou a fazer isso diretamente depois que voltei da festa, depois que Liam te levou para casa.
- Como assim diretamente?
Eu fechei os olhos com força sabendo que teria que lançar aquela bomba.
- Aquelas correspondências que você recebeu de uma tal e Bette K.C.? – Lentamente ela concordou, esperando. – Essa mulher não existe. Era Beckett testando você, brincando com a gente.
- Como pode ter certeza disso?
- Porque o nome com o qual assinaram a carta, nada mais é que um anagrama de Beckett. As letras do nome dele misturadas para formar outra palavra. – me encarou atônita, gaguejando sem dizer nada, e eu fui me sentindo cada vez mais inútil e medíocre conforme contava os detalhes para ela. – Eu sei disso porque era algo que fazíamos em Bradford para nos comunicar anonimamente, usando pseudônimos que eram anagramas para nossos verdadeiros nomes.
“Eu o confrontei sobre isso depois que você contou sobre a correspondência estranha e o que ela dizia durante a festa. O pior é que o filho da puta nem sequer tentou negar, apenas se vangloriou. Foi aí que eu comecei a fazer o que ele pedia, porque sabia que você estava na mira dele. E eu juro pra você, , juro por qualquer coisa que você queira! Até então eu tinha negado, mandado ele ficar longe de mim.
“Aquele dia que você estava na minha piscina e eu cheguei falando ao telefone? Era eu recusando ajuda-lo. Era eu tentando inutilmente manter distância do meu passado de novo. Eu nunca quis que tudo chegasse até o nível em que estamos. Eu nunca pensei que ele pretendesse fazer disso um jogo sem fim.”
Aturdida, ela se levantou e veio em minha direção, seu rosto tão vermelho que parecia prestes a explodir.
- E você achou que eu não devia saber? – ela gritou e empurrou meus ombros. – Achou que tudo bem eu ficar por fora do fato de que alguém estava me ameaçando? Que podia me deixar a deriva enquanto resolvia tudo sem qualquer ajuda e se colocava em risco?
Cada palavra era um novo empurrão enfurecido. Mas ela não tinha forças, seus gestos iam vacilando a cada segundo, fraquejando na mesma intensidade que sua voz. Quando terminou a última frase já deixava as lágrimas escorrerem livremente por seu rosto enquanto me olhava intensamente.
Apesar da proximidade, não me tocava. Mas eu sentia o calor do seu corpo próximo ao meu mesmo assim. Uma sensação ao mesmo tempo reconfortante e muito dolorosa.
- O que ele vem pedindo para você fazer? – ela perguntou após recobrar debilmente o fôlego sôfrego e prender suas pupilas em mim. – Quão horrível é essa situação?
Eu abri e fechei a boca antes de tomar coragem de dizer:
- Transferências de dinheiro. Muito dinheiro.
Ela mordeu o lábio inferior com tanta força que eu apostava que estava sentindo o gosto do seu próprio sangue agora.
- Então ontem a mensagem que eu vi em seu celular…
- Sim. – Eu a interrompi apenas para ver a desolação em seu rosto. – Era eu transferindo dinheiro para uma das contas dele. E a viagem que fiz para Bradford foi para transferir uma casa minha para o nome dele. Assim como eu havia feito antes com um dos meus carros, e como provavelmente terei que fazer algumas vezes mais no futuro.
- Você não pode estar falando sério! Tem que falar com a polícia, isso é extorsão, é…
- Eu não posso envolver a polícia nisso, ! Esqueceu que um dia era eu no lugar dele?
Ela ficou calada me fitando e então baixou a cabeça para o chão.
- Então arrume o dinheiro que ele quer e termine com isso. – Ela deu de ombros, desesperada. – Eu ajudo você com isso! Podemos ligar para o banco, falar com algumas pessoas…
- , você sequer está se ouvindo? Você não vai fazer isso. Não vai fazer nada! – Eu me coloquei de pé e a segurei pelos ombros, obrigando-a a levantar a cabeça e olhar em meus olhos. – Você não vai colocar um dedo sequer nessa palhaçada toda, entendeu? Vai ficar longe! Vai se afastar de mim como estou te pedindo!
- Eu não vou fazer isso!
- Vai sim, porque é isso que vai determinar sua segurança! – eu praticamente gritei em sua direção e imediatamente senti o caminho quente que as lágrimas deixavam contra meu próprio rosto, incapaz de controlar minhas emoções a uma altura dessas. – Você pode não entender, , mas é a única maneira de talvez eu conseguir resolver isso!
Suas mãos trêmulas se ergueram para enxugar minhas próprias lágrimas.
- Não vou me afastar de você, não me importa o que você diga, ainda mais por causa desse canalha arrogante.
- Você vai sim – eu insisti com a voz tão falha agora quanto a dela e ela pressionou seus próprios lábios para segurar um soluço. – Vai, porque se não fizer, ele vai entender isso como um desafio. Beckett me passou o ultimato dele, . Está obcecado por você.
- Isso não é verdade – ela choramingou assustada. Eu estava assustado também.
- Ele tem gente te vigiando. Vigiando nós dois – contei rapidamente e sem pausa sobre as fotos que ele me enviou dela não somente uma, mas várias vezes apenas para me persuadir a colaborar com seus pedidos. – Cada passo que você dá, ele está de olho para ver onde vai. Um, porque sabe que vai me atingir e, dois, porque você faz parte de uma conquista interrompida dele. Faz parte de uma lista nojenta de coisas que ele quer tirar de mim.
Ela se afastou para retomar sua caminhada que não levava a lugar nenhum e puxou seus cabelos com força como se fosse arrancá-los da cabeça.
- Justamente, , seu burro! Se ele quer tirar as coisas de você, se afastar de mim vai estar dando exatamente o que ele quer!
- Não. Não será assim. Eu sei que você vai estar em segurança longe de mim.
- Não vou estar não! – Ela parou em minha frente, fora de si. – Quem garante que ele não vai vir atrás de mim quando você estiver distante, hein? Quem garante que ele vai cumprir com a palavra dele? Eu prefiro ficar com você, ao seu lado em meio a todos os perigos sejam quais forem, a ter dez homens cuidando de cada passo que eu dou enquanto fico sozinha sem saber o que vai estar acontecendo a minha e a sua volta.
- Eu não vou conseguir cuidar de você assim, !
- Vai sim! – Ela bateu o punho contra o meu peito nu e não segurou os prantos que vieram a seguir. – Você fez isso naquele maldito racha, vai fazer de novo. Eu sei que vai! Não preciso de outras pessoas tomando conta do que faço. Não preciso de qualquer tipo de vigia! Eu sei tomar conta de mim mesma, e, se eu precisar escolher alguém para fazer isso, com quem eu me sinta segura, então escolherei você, . Eu só preciso de você!
Por mais que me doesse, segurei seus pulsos gentilmente e os afastei de mim.
- , é nossa única saída.
- Pare de dizer isso!
- É a verdade.
- A verdade é que você disse que me amava. – Suas palavras me cortaram como facas e eu engoli em seco. – Prometeu que daríamos um jeito em tudo! Não pode desistir assim agora, não pode!
- Eu amo você, ! Estou fazendo isso justamente porque te amo. – Eu segurei seu rosto entre minhas mãos, tentando inutilmente desmanchar as rugas que estavam em sua testa, a dor que transbordava do seu olhar. – Não estou desistindo nada, eu…
- Está sim! Você está e só não consegue admitir. Se me deixar aqui hoje, se for embora, significa que está desistindo de tudo! – Ela se desvencilhou de mim e fechou a porta do quarto, encostando as costas contra a superfície fria da mesma. – Não vá embora, , por favor. Você é a minha única constante na vida, não posso perder você também!
Algo naquelas palavras estilhaçaram alguma coisa já quebrada dentro dela. Dentro de mim. Eu podia não ver, mas senti cada mínimo pedaço se partir.
- Preciso ir, , justamente para te proteger.
Eu caminhei até ela para afastá-la da passagem, mas segurou firme a maçaneta com toda a força que tinha, até que os nós dos seus dedos estivessem brancos como ossos, até que seus pulsos doessem e falhassem pela pressão que ela aplicava neles. Eu nunca a tinha visto assim. Vulnerável e completamente amedrontada. Nem mesmo quando enfrentou seu pai em sua própria casa ela desmanchou a parede de determinação e calma firmemente construídas.
A visão me assustava porque eu sabia que era culpa minha fazê-la agir assim. Eu sabia que estava destruindo algo dentro dela e não tinha outra escolha senão essa.
- Não escolha entre ele e eu, .
- Não estou fazendo isso.
- Está sim! – As lágrimas se intensificaram. – Você vai me deixar por causa de algo que ele quer!
- Eu preciso fazer isso, !
- Então negue para mim tudo o que um dia já me disse! – ela berrou com a voz entrecortada, arranhando o fundo de sua garganta. – Diga que não quer meu beijo, meu toque, minha proximidade, que não me ama. Que não me quer! Negue todas essas coisas e então eu faço o que você pede. Me convença disso e eu deixo você ir sem te impedir! Porque enquanto existir alguma coisa verdadeira entre nós, eu não vou deixar você tomar essa decisão e me deixar. Me convença, ! E então eu te deixo ir.
Interrompi todos os meus movimentos para observar a seriedade em sua face, absorver a verdade e súplica em suas palavras, a ferocidade em todo seu corpo.
De onde eu tiraria forças para fazer isso? Todos os meus músculos de repente tremiam. Eu abri a boca, mas nem uma palavra conseguiu sair dela, nem uma frase se formou. Eu só ouvia meu coração reverberar no peito até meus ouvidos enquanto a olhava se desmanchar bem em minha frente. Enquanto olhava a mulher que eu amo se agarrar a última partícula de esperança que tinha.
Jamais seria capaz de dizer isso para ela. Essa era uma mentira que eu nunca teria coragem suficiente de contar.
Balancei a cabeça para os lados, derrotado, puxando-a contra mim de uma maneira tão febril que eu mesmo não entendia. Não conhecia essa sensação avassaladora de desespero, totalmente sufocante, enquanto a apertava contra meu corpo, a abraçando como se pudesse fundi-la a mim.
- Eu não posso. Não consigo fazer isso.
- Então não faça. – Ela acariciou meu rosto com as mãos inquietas, descendo-as pelos meus braços, pelo meu peito. – Não faça isso , comigo, com você.
Ela fungou mais uma vez e eu fechei os olhos com o peito ardendo de dentro para fora, minha respiração entrecortada.
- Não me deixe aqui. – Ela puxou seu rosto contra o meu e me beijou com desespero. – Prefiro que continue me contando mil mentiras a ter que te ver partir por causa disso.
Ela me beijou mais uma vez. Mais firme. Mais intensamente. Tentando me persuadir a ficar. E eu a agarrei contra mim com toda a fúria e desejo que tinha, até que o corpo dela estivesse tão grudado ao meu que sequer o ar conseguia se interpor entre nós.
- Eu quero você comigo, . É tudo o que eu quero, porque eu amo você – murmurou contra meu ouvido como se fizesse uma prece e implorasse para ser atendida.
- Eu também quero você. – Eu agarrei suas pernas e as suspendi até que as mesmas estivessem enlaças em minha cintura, a apertei tanto contra a porta que senti cada contorno do seu corpo mesmo através do tecido da toalha. – Eu amo você, .
- Então fica comigo – ela disse lascivamente me beijando. – Não deixe que ele decida seu futuro, , baseado em ameaças. Não deixe ele fazer isso com a gente!
- Tenha fé em mim, – pedi num sussurro rouco, incapaz de dizer o que ela queria ouvir de verdade, incapaz de alterar a decisão que já havia sido tomada.
- Você prometeu que daríamos um jeito juntos – ela repetiu, partindo meu coração em mais mil pedaços, se agarrando a mim com mais força enquanto se desfazia da própria toalha, enquanto eu tirava minha própria calça incapaz de interromper nossos movimentos. – Não quebre essa promessa, . Por favor.
Eu apenas voltei a beija-la vigorosamente, nessa e em todas as vezes em que ambos tentamos dizer algo, até que as palavras não tivessem mais sentido, até que não existisse mais nada entre nossos corpos, até que tudo se resumisse somente a ela e eu, ao momento em que compartilhávamos.
Embevecido pelo seu próprio gosto misturado com suas lágrimas salgadas, por sua pele contra a minha inebriando todos os meus pensamentos e qualquer resquício de sanidade que ainda me restava, eu comecei a me perder em meio às sensações, completamente anestesiado por ela, por suas reações ao meu toque, pela maneira como seu corpo se encaixava ao meu. Pelo universo brilhante que só ela me fazia enxergar.
E tentei alcançá-la da maneira mais profunda que fui capaz, para que entendesse que eu a amava, que eu a venerava com tudo o que eu tinha: alma, corpo, mais que isso, e que esses eram os sentimentos mais honestos e puros que um dia já senti, que um dia sentiria. Para que ela compreendesse que quando acordasse no dia seguinte e não me encontrasse ao seu lado, soubesse que eu estava fazendo o que era preciso unicamente porque ela era tudo para mim, e que eu faria qualquer coisa, o que estivesse ao meu alcance ou fora dele, para protegê-la, mesmo que para isso eu precisasse estar longe dela. Mesmo que para isso eu precisasse me destruir.
Então deixei que aquela necessidade crua de tê-la me comandasse, que nos levasse ao limite. Deixei me fazer dela.
De fazer minha uma última vez.
’s POV
Nunca tinha sido tão profundo. Tão intenso.
Se eu fechasse os olhos, por trás das estrelas formadas em minhas pálpebras, ainda poderia dizer que era real. Que ainda estava acontecendo.
Sentia seus traços por todo meu corpo, seu cheiro impregnado também nos lençóis, na fronha do travesseiro e se misturando ao meu próprio. Eu quase podia jurar que ainda sentia seus lábios se arrastando sobre a minha pele, sua voz rouca contra o meu ouvido dizendo que me amava. A ponta dos seus dedos tocando meu rosto, nossas mãos entrelaçadas.
Mas quando acordei, algumas horas antes, não havia o calor do seu corpo me aquecendo, me abraçando contra si. Não havia nada além do seu lado vazio em minha cama, de repente grande demais para uma única pessoa. Não havia nada além da frieza em meu colchão.
Era como se tudo não se passasse de um doce sonho. Como se aquele momento nunca tivesse existido de verdade.
Primeiro eu desabei. Chorei e tentei ligar para ele, até que depois de dez tentativas falhas, entendi que eu não seria atendida. Ele não voltaria.
Então eu me recompus, decidida de que não deixaria esse ser nosso fim.
Se ele havia me convencido antes apenas com meia dúzia de palavras que não terminaria comigo por causa de uma turnê que nos manteria separados por meses, eu daria meu jeito de não deixar que um bastardo imundo qualquer decidisse nosso futuro por nós mesmos.
Me recusava a deixar isso acontecer, mesmo com a teimosia e cabeça dura de . Mesmo com toda sua pirraça de achar que sabia o que era melhor para mim, de que assim me protegeria.
Eu não queria ser protegida, não se isso significasse ficar sem ele. Por que não entendia isso?
Minha mente ainda trabalhava como se tentasse achar a soluções para um jogo de palavras cruzadas sem respostas certas, para os tons de cinza que de repente substituíram todas as cores ao meu redor.
Subitamente, desfazendo meu estado de estupor, a porta do meu quarto se abriu. Meu coração se acelerou de imediato, deixando todo o meu corpo em alerta. Foi impossível eu não ter esperanças e desejar que fosse a passar por ali e vir em minha direção pedindo desculpas ou dizendo qualquer outra coisa que o tivesse convencido a mudar de ideia, voltar e ficar comigo.
Mas era apenas , sorrindo de orelha a orelha, tão feliz que senti uma pontada de inveja de minha amiga enquanto eu me sentia verdadeiramente oca e completamente vazia.
- Só queria avisar que cheguei – ela disse suavemente, plena. Como eu gostaria de estar. – Você não respondeu minha mensagem ontem, mas deve ter deduzido que passei a noite com .
- Sim. – Eu forcei um sorriso em meu rosto conforme ela vinha em minha direção e sentava-se na beira da cama, contando animadamente detalhes de sua noite, tão alegre que fui incapaz de interromper.
Mesmo que eu estivesse o caco, me sentindo aquele resquício de poeira que ninguém lembra de limpar dos cantos da casa, eu a ouvi com atenção e paciência, até que a própria se desse conta de que alguma coisa não estava certa e parasse de falar de súbito, seu olhar adquirindo um brilho de preocupação que causou uma pontada em meu peito.
- , o que aconteceu? – Ela me estudou com fugacidade. – Seus olhos estão inchados. Você andou chorando? Por quê?
A percepção dela fez a ardência em minha garganta, em minhas vias respiratórias, voltar com ainda mais força e eu quase não conseguia respirar. A vontade era de me jogar em seus braços e deixar que tudo fluísse para fora. Contudo, eu engoli em seco e balancei a cabeça para os lados, formando um sorriso sem mostrar os dentes enquanto tecia a história, a mentira que ela precisava saber.
- The Blackside foi renovada para a quarta temporada! – Apesar de sentir felicidade por isso, não consegui transformar essa sensação em algo genuíno e palpável, como eu achei que seria capaz. Como eu me esforcei para que fosse.
- Eu não acredito! – me abraçou com orgulho e se separou após alguns segundos. – Isso é ótimo. Mais que isso, é maravilhoso! Por que está chorando então? Não parecem ter sido lágrimas de felicidade ou emoção que fizeram isso com você.
Passei a mão no rosto, não querendo olhá-la nos olhos enquanto sentia minha garganta se fechar, então fixei minha visão nas duas pulseiras que ainda estavam fechadas contra meu pulso, fielmente, e usei a única coisa que talvez fosse capaz de fazê-la acreditar no meu estado atual. E rezei para que funcionasse.
- Eu estava pensando na minha mãe – falei enfim, minha voz se tornando rouca e falha. – Eu queria que ela estivesse aqui.
Imediatamente me abraçou, dessa vez com mais força, e eu comecei a chorar novamente, misturando essa verdade com a outra que eu precisava esconder, a verdade que agora tanto me assombrava. Duas dores, uma antiga e outra nova em folha se misturando até que se tornaram quase a mesma me corroendo até o fundo da alma.
Minha amiga não questionou mais. Não pediu que eu entrasse em detalhes. Deixou que eu apoiasse minha cabeça no seu ombro até que as lágrimas secassem, até que eu cansasse de tremer e soluçar, mas não parou de me abraçar e acariciar meu cabelo um segundo sequer, mesmo depois disso.
Ela me consolou verdadeiramente mesmo sem saber que eu estava escondendo coisas dela. Me fez companhia e permaneceu ao meu lado por minutos e horas até que eu parecesse mais calma por fora, ainda que estivesse uma verdadeira confusão do lado de dentro.
Mais tarde, depois que me ofereceu um chá e se retirou para tomar banho quando eu já havia me recomposto, dessa vez pra valer, sem chance de vacilar, me recusando a deixar uma outra mísera lágrima cair antes de resolver toda essa bagunça, coloquei minha mente para trabalhar, com mais afinco do que nunca, repassando todas as informações que eu tinha, tudo o que tinha me dito sobre esse caso maluco.
Vingança. Beckett estava atrás de apenas para provar que não deixaria as coisas fáceis para ele, que daria um jeito de persegui-lo apenas para provar que estava certo. No momento estava sugando tudo o que ele tinha e resolveu me usar como forma de persuasão para que concordasse e cedesse. Ele devia estar louco por qualquer coisa, qualquer quantia que conseguisse.
Foi quando eu recebi um insight, algo que Liam havia me dito não tantos dias atrás. “Toda pessoa tem seu preço”. Se Beckett estava fazendo com que transferisse dinheiro para ele, carros e casas, é porque com certeza fazia jus a essa frase.
Batuquei os dedos contra minha própria perna, pensando, e então deixei o chá de lado no meu criado mudo, buscando meu celular até então largado sobre o edredom.
- Realmente, Liam – eu murmurei para mim mesma. – Nós fazemos qualquer coisa pelas pessoas que amamos.
Eu procurei o número em minha agenda com facilidade e respirei fundo.
- ! – Rachel me atendeu com a voz estridente e alegre. – Eu não tive tempo de parabenizá-la pelas novidades!
Eu sorri minimamente contra o telefone, mesmo sabendo que ela não podia ver.
- Obrigada, Ray, mas na verdade não estou ligando para falar sobre a renovação do contrato para a quarta temporada.
Ela pareceu surpresa e ficou um instante em silêncio. Eu aguardei, controlando minha respiração para manter a calma.
- Tudo bem, e em quê posso ser útil para você, ?
- Preciso de sua ajuda.
- Claro, é só dizer!
Eu me levantei da cama e comecei a caminhar pelo quarto inquietamente.
- Lembra aqueles acordos que você disse estar fechando contrato, com marcas que não quis me contar quais eram? – ela concordou rapidamente do outro lado e não deixei que me interrompesse quando disse firmemente: – Eu quero eles agora! O máximo de trabalhos que conseguir agendar para mim durante essa semana e a próxima. Todas as oportunidades que conseguir me colocar dentro! Eu aceito todas.
Ela soltou um grasnado incrédulo e assustado do outro lado.
- Mas tão rápido assim? E sua agenda, como…
- Dê um jeito na agenda também – eu pedi duramente em seguida, completamente impassível. – Faça desses trabalhos minha prioridade. Aproveite que estou quase sem compromissos durantes os próximos dias.
Houve um espaço de tempo preenchido por nada mais que o silêncio e meu coração acelerou ainda mais com a possibilidade dela me negar isso ou tentar me persuadir do contrário.
Se por alguma razão ela fizesse isso, eu não gostaria de agir na maneira que precisaria. Mas enfim, ela soltou um suspiro cansado.
- Tudo bem, vou cuidar disso – Rachel me respondeu em seguida, e juro que senti seu estranhamento quanto a minha atitude. – , não quero parecer intrometida e nem nada, mas... aconteceu alguma coisa? Você…
- Nada – respondi evasivamente, tentando parecer calma e tranquila. – Nada com o que se preocupar, Rachel. Estou apenas... interessada em aproveitar meu tempo livre com coisas novas.
Se ela acreditou ou não nas minhas palavras, não perguntei ou esperei que me dissesse suas desconfianças. Estava mais interessada em me preparar para o que estava por vir, para provar para que eu não era tão indefesa quanto parecia e que eu podia ser útil, podia ajudar e iria ajudar.
Só tinha uma certeza naquele momento a qual eu me agarrava: se Beckett tinha um preço, eu descobriria qual era. Entregaria até o último tostão que ele quisesse para que enfim nos deixasse em paz e sumisse das nossas vidas.
Eu me prepararia para isso. Eu acabaria com Beckett até que seu maior arrependimento fosse ter mexido com e .
Era tarde demais para voltar atrás agora.
Capítulo 52
And now that we’ve got it we can’t just give up
I’m reaching out for you”
’s POV
Ainda era madrugada e chovia quando deixei o apartamento de , ela adormecida sob as cobertas. Mais uma vez, não me importei se seria uma boa ou má ideia tomar mais um banho de chuva, peguei minha moto e dirigi sem rumo por horas a fio até que começasse amanhecer e eu enfim tomasse coragem de aceitar os fatos e bater o martelo na escolha final que eu havia acabado de tomar.
Sozinho, com o vento gélido sacudindo minhas roupas molhadas, secando-as contra a minha pele fria ao mesmo tempo em que a água as encharcava novamente, eu desejei que a chuva pudesse lavar minha alma, escorrer por mim e limpar todos os erros que cometi até chegar aqui.
Eu tremia por inteiro, sentia meus músculos completamente rígidos e não era apenas pelo frio que eu sentia. Vinha de dentro pra fora, muito maior e mais violento do que parecia a olho nu.
Eu puxei o telefone do bolso dentro da jaqueta e disquei o número com o coração tão pesado quanto ferro fundido.
- Qual é sua resposta, ?
- Está feito – eu respondi entredentes. – está fora do jogo de uma vez por todas.
- Bom – Beckett riu cruelmente do outro lado. –, somos só eu e você então.
’s POV
Eu observava meu reflexo através do espelho de corpo inteiro que estava bem em minha frente no ateliê da estilista, mas não enxergava minha silhueta de fato. Toda a imagem estava desfocada assim como as coisas ao meu redor, assim como os risos e as conversas que pareciam pouco mais do que uma gravação no fundo do ambiente.
Agatha estava animada ao meu lado, provando seu próprio vestido e deixando que as costureiras continuassem a marcar os novos ajustes no tecido, mal conseguindo parar quieta enquanto se olhava, avaliava. Eu, por outro lado, fingia ser um manequim; imóvel, inexpressiva, sem me preocupar com as agulhas e alfinetes pinicando minha pele de vez em quando ou os olhares tortos que as mulheres me lançavam por minha falta de entusiasmo.
Não era nada contra ninguém ali. Eu só não estava em um bom momento para conversar.
- , estou falando com você. – Minha amiga me beliscou com bom humor e eu forcei um sorriso para ela.
- Desculpe, estava pensando em outra coisa.
- Sei. – Ela me olhou de cima a baixo. – Aposto que está com a cabeça em mais algum photoshoot que provavelmente tem em algumas horas, não é? Você parece exausta.
Realmente, eu me sentia pender para os lados por puro cansaço. Se me deixasse sem fazer nada por mais de alguns minutos, tenho certeza que meu corpo desligaria assim que encontrasse uma superfície confortável.
Durante a última semana e meia inteira eu vinha dormindo cerca de três a quatro horas por noite, nada mais que isso, às vezes menos, mal me lembrando de comer ou a real necessidade que eu tinha de descansar. Meu dia se estendia abarrotado de atividades desde a hora que eu deixava a cama até o momento em que eu voltava para ela, se tivesse tempo para isso. Treino de luta, aula de tiro, academia, e, abençoada seja Rachel por isso, sempre um trabalho com que me preocupar durante horas a fio. Felizmente, com algo sempre distraindo minha mente de pensar em , ou onde ele estava, ou o que estava fazendo, por quanto tempo fosse possível. E por quanto tempo mais eu aguentasse fingir que estava tudo bem.
Não era saudável. Eu sabia que estava me desgastando demais e que teriam consequências por isso num futuro talvez não tão distante. Por duas vezes eu já havia quase desmaiado no meio de sessões de fotos, passado mal em meio aos treinos ou pegado pesado demais com os exercícios na academia, mas eu me esforçava a continuar firme. Que os outros pensassem o que quisessem.
Cada dia eu estava mais próxima do meu objetivo. Precisava aguentar apenas um pouco mais.
- Não se preocupe comigo. – Eu olhei de soslaio para Agatha, que aguardava ansiosa e cautelosa minha resposta. – Está tudo sob controle. Em alguns dias tudo estará resolvido, você vai ver.
- Ainda não entendo porque você está acabando consigo mesma. – Ela revirou os olhos, preocupada. – Será possível que todas as marcas disponíveis resolveram te contratar na mesma semana?
Eu soltei um riso nervoso e nasalado. Minha amiga não sabia porque eu estava fazendo tudo isso, porque estava praticamente entregando partes de mim em uma bandeja para que me deixassem trabalhar. E melhor seria se ela continuasse sem saber, para não me impedir de ir adiante com minhas escolhas.
- Rachel disse que isso a deixou bastante surpresa também – acrescentei em seguida. – Mas não se preocupe e nem fique com raiva dela, foi escolha minha fazer tudo isso.
- Você vai ter um colapso nervoso a qualquer momento e é isso que me responde.
- Se eu não estiver bem, você vai ser a primeira a saber. – Ela não pareceu convencida e por isso emendei mudando de assunto, maneando com a cabeça em direção ao seu vestido. – Me fale sobre como se sente.
Seu rosto se iluminou tanto imediatamente que Agatha seria capaz de emitir luz própria se o ambiente já não estivesse tão claro com as luzes brancas espalhadas pelo teto.
- Eu ainda não acredito que me convidou para acompanhá-lo no Brit – ela murmurou tão baixinho que quase não consegui ouvi-la, mas sua emoção fez algo dentro de mim derreter e amolecer as barreiras que eu tinha erguido minuciosamente durante todos os últimos dias. – Estou tão feliz em poder ir, ainda mais com você estando lá também! Sei que teoricamente você vai estar acompanhando , mas vai estar com a gente, então isso vai ser o mais próximo de encontro duplo que já tivemos, não é?
Aquela dor que eu tentava comprimir de repente quase veio à tona e eu engoli em seco.
Minha amiga não sabia que tinha ido embora, ela não sabia a confusão em que estávamos metidos e nem o plano que eu colocava em prática todo dia quando acordava, determinada a dar um basta a tudo isso de uma vez.
Então, para todos os casos, para não deixar que ela se metesse onde não deveria, era melhor que ela pensasse e que eu a fizesse acreditar que não estávamos nos vendo apenas por falta de tempo. Ele, pelo dia a dia corrido com a banda e novo CD. Eu, porque estava muito ocupada pegando de modelo por toda Londres.
Que assim fosse.
- Vai ser divertido – me esforcei em dizer enquanto finalmente começava a observar o resultado da estilista e a peça de fina costura que cobria meu corpo. – Você vai estar linda, Agatha.
Ela sorriu para mim em resposta.
- Você também, – minha amiga me respondeu sincera. – Vai ser uma noite inesquecível.
Eu admirei nossos reflexos pelo espelho e respirei fundo.
De um jeito ou de outro, de fato seria realmente uma noite inesquecível.
Os músculos das minhas pernas doíam, toda a extensão dos meus braços esticados reclamava de câimbra enquanto eu mantinha a postura, minhas mãos unidas segurando firme a pistola 4.5mm entre os meus dedos, alinhando a massa de mira com a alça de mira em relação ao alvo até que eu tivesse minha linha de visada completamente limpa.
Mas o segredo para um bom tiro não estava apenas na maneira como você empunhava e arrumava sua postura vertical e horizontalmente com o alvo, como segurava a arma. Óbvio que ajudavam, mas o que podia mudar tudo era a respiração.
Então eu inspirei profundamente e enfim fechei o olho esquerdo, visualizando tudo o que eu precisava apenas com a mira do direito. Apertei o gatilho ao mesmo tempo em que expirava o ar dos pulmões.
Eu esvaziei o pente com precisão em cada tiro, mesmo com o coice que vinha a cada disparo. O instrutor Jones, ao meu lado, balançou a cabeça feliz com o resultado, e eu tirei os óculos e a proteção dos ouvidos, baixando a arma sobre a bancada em minha frente enquanto o homem certificava-se de que não havia mais balas e que a arma agora estava sem pente e travada.
Relaxei os braços ao redor do corpo e dessa vez senti incomodo nas costas. Talvez não tivesse sido uma boa ideia vir direto do treino de luta para cá.
- Parabéns pelo foco, senhorita – Jones disse guardando a pistola semiautomática, desmontando-a rapidamente em seguida com toda a prática que eu ainda não tinha.
- Obrigada. – Soltei um suspiro longo, estralando o pescoço. – Estamos acabados por hoje?
- Eu estou, mas você tem um admirador. – Ele indicou com o queixo a sala do outro lado com a divisória de vidro que dava às pessoas a oportunidade de assistir aos alunos durante as aulas de tiro esportivo.
Franzi as sobrancelhas, mas agradeci o instrutor pelo recado e fui direto para o lado de fora. Ainda que eu tentasse evitar, aquela chama de esperança brilhando bem fundo na minha alma esperava que por um milagre fosse ali. Uma parte de mim ainda teimava em acreditar que ele mudaria de ideia.
Mas rapidamente a comprovação veio, e não era ele. A chama perdeu um pouco mais do seu brilho com a percepção. Estava cada vez mais próxima de se apagar.
- Quanta eficiência.
- Eu sou uma estudante eficiente.
sorriu para mim e acabei por dar de ombros.
- Tem algo muito importante para fazer agora?
- Hm, passar em casa e tomar um banho rápido antes da sessão de fotos que terei mais tarde. Estou nojenta. Coitado do instrutor Jones que teve que ficar mais de uma hora comigo assim.
- Tudo bem. – Ele riu baixinho fingindo que não via o bagaço que eu estava. – Posso te oferecer uma carona então? Quem sabe um lanche?
Demorou um instante enquanto eu ajeitava o rabo de cavalo no alto da minha cabeça para enfim concordar com e então sairmos dali.
Não tínhamos marcado nada hoje, o combinado apenas era que nosso último encontro oficial seria no Brit, e por isso sua aparição sem aviso tinha me surpreendido.
Ainda com um pé atrás. Era assim que as coisas iam com , como eu me comportava perto dele. Particularmente eu me sentia em uma corda bamba, levando as conversas com calma e paciência, mas sinceramente a sensação era de que eu podia perder o equilíbrio a qualquer instante, ou pior, que ele poderia me empurrar e fazer eu cair de uma vez.
Demorou quase uma hora inteira para irmos dali para a minha casa e de lá eu tomar um banho, me trocar e sair com ele de novo para uma lanchonete de fast food qualquer. Me encarando no espelho, dessa vez ao menos eu aparentava estar um pouco melhor que antes. Só aparentando mesmo.
- Então, me conte as novidades – eu pedi, torcendo para que ele começasse a falar antes que o silêncio me enlouquecesse e continuássemos com as conversas monossilábicas.
me observou por um instante enquanto mastigava seus nuggets, provavelmente se perguntando até onde eu iria com esses assuntos genéricos e por isso mudou o rumo:
- Está animada para o Brit Awards?
- Estou. – Acabei parecendo abatida, mas eu realmente estava animada com a ideia. – Nunca vi vocês se apresentando ao vivo antes, vai ser divertido. Posso me fazer de fã histérica ou vocês preferem que eu finja indiferença?
Ele riu assim que engoliu uma porção de batatas fritas.
- Tomara que nenhum de nós caia no palco. tem PhD nisso. – Eu soltei uma gargalhada sincera.
- Tenho certeza que vai dar tudo certo, vai todo mundo ficar bem.
Pela primeira vez em semanas, nós sorrimos um para o outro sem fingir que aquilo fazia parte de uma história a ser contada. Eu desviei o olhar de , subitamente desejando que ele não estivesse fingindo agora, queria pensar que ele havia me feito rir espontaneamente. Eu sentia falta do meu amigo. Mais do que eu queria admitir, mesmo depois de todas as merdas. E vê-lo assim me lembrava daquela época onde teoricamente não existiam problemas e estava tudo bem, dentro do possível, entre todos.
Eu afastei esses pensamentos ao mesmo tempo em que puxei o canudinho dentro do copo de refrigerante como distração para o silêncio subitamente formado.
me observou e batucou impacientemente os dedos na mesa até que enfim soltou um suspiro rápido e decisivo.
- , eu não vim até você hoje por causa do nosso contrato. Eu vim, na verdade, te procurar como um amigo – contou, tirando-me do meu devaneio e me fazendo fita-lo admirada e curiosa. – Aliás, Agatha disse onde você estaria, um pouco desconfiada, devo acrescentar. Mas vim até você porque o assunto que quero colocar em pauta não é algo que eu gostaria de dizer por telefone, e com sua agenda atolada de coisas, não sabia se teria outra oportunidade para isso antes de, você sabe, a gente parar de se ver.
- Certo – eu falei lentamente e deixei que o silêncio se estendesse como um incentivo para ele continuar sua linha de raciocínio.
- Eu acho que você precisa saber, , eu... – Ele respirou fundo. – decidi que não vou continuar no elenco de The Blackside para a próxima temporada.
Eu pisquei perplexa, provavelmente com cara de tonta por muito tempo sem saber o que dizer.
- O quê? – eu disse pateticamente. – Por quê?
Ele abriu e fechou a boca, brincou com mais algumas batatas fritas e finalmente me olhou com atenção.
- Eu estive pensando, refletindo desde que o senhor Colleman nos convidou para aquela reunião e cheguei à conclusão que aquele não é o meu lugar. – Ele fechou os olhos por um segundo e segurou o fôlego. – É o lugar do .
“Não me entenda errado, eu adorei a experiência de atuar, poderia muito bem continuar fazendo isso por mais tempo, mas pra mim é diferente do que é para ele. ama o que faz e daria tudo para continuar fazendo isso. Essa série é o lugar dele. As pessoas lá são a família dele. E veja, esses últimos meses eu... – Novamente ele soltou um suspiro. – A sensação é que eu invadi o espaço, me colocando no meio de algo que deveria ser só dele. E nós bem sabemos que as coisas não se desenrolaram muito bem. Então decidi que ao invés de dar a impressão de que quero continuar fazendo tudo o que ele faz, de interferir no seu caminho exatamente como fiz nas últimas semanas desde que assinamos o contrato, prefiro focar em reconstruir a amizade que um dia tivemos e mostrar que estou disposto a ser melhor que a pessoa que fui naquele tempo.
“Você me disse que eu precisava provar que estava disposto a fazer diferente. Sem implicâncias, sem desavenças... Parece um bom recomeço. Uma boa forma de mostrar isso. Por isso concluí que essa seria a melhor escolha para todos nós. Afinal, eu e ele ainda trabalhamos juntos no One Direction, e se vou conviver com o cara a maior parte do ano como fizemos desde 2010, esse clima escroto entre nós não pode continuar. E então é isso que vou fazer. É por aqui que vou começar.”
Permaneci alguns vários segundos, provavelmente minutos, apenas encarando enquanto absorvia suas palavras lentamente, como se ele estivesse falando mandarim misturado com grego e eu não soubesse por onde começar a tradução.
- É sério?
- Sim. – Ele deu um sorriso, seus olhos me encaravam de um jeito divertido pela expressão que eu fazia. – Um passo de cada vez, sabe? Acho que vai dar certo.
Eu gaguejei vergonhosamente sem pronunciar nada.
- Tem certeza disso?
- Tenho, . – parecia realmente sério com as palavras, convicto. – Eu tive a experiência que queria, foi ótimo, mas vou me focar na música agora.
Assenti sem saber o que de fato dizer sobre isso. Se comemorava sua decisão, se ficava calada, eu não tinha certeza de como reagir. Ainda não parecia real na minha cabeça, apesar de eu ter escutado com atenção tudo o que falou. Pisquei mais algumas vezes como se aquilo fosse clarear meus pensamentos e resolvi seguir por outro rumo.
- E você já falou com ? Sobre o que decidiu? Com alguém além de mim?
- Não, na verdade... isso é outra coisa que vim falar com você.
De repente a atmosfera ao nosso redor mudou drasticamente. Algo no seu tom não me agradou nem um pouco e eu senti minha pele se arrepiar.
- Como assim? – Me debrucei um pouco sobre a mesa, deixando o copo de refrigerante de lado por um instante.
- Ninguém tem notícias do já faz alguns dias. – Eu soltei um riso nervoso com a informação, incapaz de contê-lo, e meu coração acelerou imediatamente. – Tínhamos ensaio com a banda hoje cedo para a apresentação do Brit e ele não apareceu. Ligamos e ele não atendeu, nem retornou as ligações até agora. disse que não fala com ele desde a semana anterior e... parece bobagem, mas estamos preocupados. Você tem falado com ele? Tem alguma notícia?
Meus batimentos cardíacos ecoaram em meus ouvidos.
Eu tinha alguns segundos para responder algo antes de perceber minha hesitação. Mas o que eu poderia dar a ele além de absolutamente nada? Minha intuição dizia que estava bem, apenas ocupado demais com seus... negócios, provavelmente mantendo distância para não dar mais nada de bandeja para Beckett. Eu o conhecia bem o suficiente para saber que seria essa a primeira escolha que ele faria, exatamente da mesma forma como havia feito comigo naquela noite. Mas isso era algo que eu não podia dizer a , ainda mais sem a certeza absoluta.
Contudo, se eu dissesse que também não sabia por onde ele andava, provavelmente criaria uma comoção de preocupação ainda maior do que já existia.
Eu também podia simplesmente dizer que nós não estávamos mais juntos e que não era da minha conta. O que não ajudaria em nada, para ninguém.
Talvez eu tivesse que optar por contar uma mentira. Era melhor do que dizer que ele estava lidando com antigos problemas que envolviam coisas ilegais e provavelmente mantendo distância por causa da gente. Não podia expô-lo desse jeito, mas tudo o que me restava agora era protegê-lo.
- Ele está em Bradford – eu resolvi contar a própria história que uma vez ele mesmo havia me contado, um pouco alterada para fazer mais sentido e esperando que parecesse plausível o suficiente. – Alguma coisa deu errada em uma compra de uma casa que ele estava fazendo para a família dele e precisou ir para lá. Achei que ele tivesse conversado com vocês, foi um pouco em cima da hora, na verdade. Ele não estava planejando sumir assim.
Eu me segurei para não desviar o olhar e nem engolir em seco ou desestabilizar minha respiração regular. Agir naturalmente para que acreditasse era fundamental.
estudou minha face pelo que pareceu ser um minuto inteiro.
- Não, ele não disse nada. – fez uma careta desgostosa e eu quase suspirei aliviada quando ele se encostou na cadeira com a testa franzida, parecendo mais tranquilo agora. – Será que ele vai conseguir voltar a tempo do Brit ou…
- Eu diria para você não se preocupar, . – Fingi calma e comi mais uma batata despreocupadamente. – Tenho certeza que ele não deixará vocês na mão.
assentiu e voltou a comer seu lanche, dessa vez parecendo mais leve, como se tivesse tirado todo o peso dos seus ombros durante a conversa e o suposto esclarecimento do paradeiro de . Mas a verdade é que enquanto ele comia feliz, a comida em meu estômago pesava e eu me sentia completamente enjoada.
Depois, quando já havia ido embora e eu estava a caminho de mais um photoshoot tarde da noite, venci meu orgulho e liguei para com os dedos trêmulos e respiração entrecortada, rezando mentalmente para que ele atendesse apenas para acabar com a angústia e preocupação em meu peito ao ouvir sua voz.
Ele não atendeu, pois os toques da chamada foram cortados no meio. Eu esperava que isso fosse alguma espécie de sinal que era ele cancelando a ligação. Após a chamada ter sido encaminhada diretamente para a caixa de mensagens, eu desisti de ligar e apenas mandei uma mensagem explicando o que aconteceu e a história que eu havia inventado. não respondeu, e na verdade eu não esperava que ele o fizesse. Só desejava que ele ao menos tivesse lido. Eu queria que os outros soubessem dessa bagunça tanto quanto ele lutava para se manter distante. Ou seja, muito.
Soltei um longo suspiro, como se meditasse.
Para todos os fins era bom mesmo que estivesse bem. Se ele não estivesse... Joguei esse pensamento o mais longe que consegui.
As coisas não podiam continuar do jeito que estavam.
- ! Os nossos vestidos chegaram, eu pendurei o seu no seu closet – Agatha avisou assim que eu cheguei em casa, tirando os sapatos de qualquer jeito e literalmente me jogando no sofá.
- Ok – eu murmurei quase sem som nenhum.
- disse que vai mandar um carro vir nos buscar, apesar de achar que você já sabe disso.
- E por que eu saberia? – reclamei. – Não tenho bola de cristal.
- Nossa, santo mal humor. – Ela revirou os olhos. – Achei que tivesse te contado.
A menção do nome dele fez todo meu cansaço evaporar e eu olhei para minha amiga com atenção e clareza.
- Você falou com ?
- Não, falou.
Meu coração disparou e eu fechei os olhos, aliviada. Quase pude jurar que ouvia um coro de igreja cantar aleluia em algum lugar acima, mas devia ser apenas minha cabeça cansada demais inventando coisas. Eu preferia camuflar minha raiva por ele não ter retornado minhas ligações ou respondido minhas mensagens usando a desculpa do meu cansaço a ter que lidar com minha amiga fazendo perguntas demais.
- Que bom. – Eu me esforcei para sentar no sofá e parecer menos estrupiada do que me sentia. – Agradeça ele por isso. Depois falo com , não tivemos tempo de conversar ainda.
- Sem problema. Que horas devo pedir para Philip chegar amanhã?
- Depois do almoço, mas eu provavelmente só estarei aqui do meio da tarde em diante.
- Não brinca comigo, sua maluca! – Agatha franziu as sobrancelhas para mim e me encarou com indignação. – Não é possível que Rachel tenha marcado alguma coisa para você até mesmo no dia do Brit Awards quando você devia estar descansada e animada para a festa e todo o glamour do evento!
Eu revirei os olhos, a beira de um colapso e sem qualquer paciência.
- Não, Agatha. Ela não fez isso – eu resmunguei e me coloquei de pé. – Só preciso passar no banco para resolver um problema com minha conta.
- E não pode deixar isso para outro dia?
- Vou sair e voltar tão rápido que você nem vai perceber.
Minha amiga não pareceu convencida. Mas eu não precisava que ela acreditasse em mim, apenas que não me impedisse de sair, porque o banco no dia seguinte era apenas um da lista de lugares que eu devia ir.
- Chegou alguma encomenda para mim hoje? – eu mudei de assunto tentando parecer desinteressada.
- Na verdade sim, eu retirei uma caixa na portaria e coloquei no seu quarto – ela me disse. – Só não entendi porque você compraria algo de um lugar chamado Espião Iniciante. É algum tipo de pegadinha?
Eu forcei uma risada.
- Não, é só um presentinho que comprei para Leonard – eu menti. – Ele está um pouco obcecado com essas coisas de espionagem, então comprei umas besteirinhas para ele se divertir.
- Tipo uma caneta com uma câmera? – Minha amiga perguntou sarcástica.
- Touché!
- Bom pra ele. – Ela riu, achando tudo aquilo bobo demais e eu apenas a acompanhei. – Preciso ir na farmácia, quer algo de lá?
- Não, obrigada. Vou tomar banho e dormir – eu respondi. Mas a verdade é que quando Agatha saiu de casa e finalmente me deixou sozinha, eu me fechei em meu quarto e abri aquela caixa.
Tinham algumas coisas que eu precisava aprender a usar até o dia seguinte.
Entrar e sair, eu repeti para mim mesma assim que desci do táxi com minha bolsa na mão.
não estava em casa, ele estava junto com os outros rapazes ensaiando para a apresentação de hoje à noite, exatamente como tinha dito para Agatha quando conversei com ela algumas horas atrás antes de deixá-la no apartamento e ir direto para o banco. Agora que eu já tinha resolvido o que precisava lá, essa era minha chance de conseguir a última peça que me faltava, o momento perfeito. Só precisava entrar e sair sem ser dedurada e tudo ficaria bem. Dentro do possível.
Controlei minha respiração quando me aproximei mais do edifício decidindo de uma vez levar aquilo adiante.
- Olá, seu Frederico! – eu cumprimentei o porteiro da cobertura de animadamente como sempre fiz desde que comecei a visitar o lugar. – O dia está lindo hoje, não? Quase nunca vemos sol em Londres.
O senhor grisalho e mal humorado revirou os olhos para mim e minha conversa furada. Raramente ele me dava atenção. Na maior parte do tempo devia achar que eu era uma tiete burra e sonsa que não largava o pé do .
E era exatamente essa pessoa que eu seria para ele hoje.
- Oi, senhorita. Em que posso ajudá-la?
- Sabe se está em casa? – Eu inclinei levemente a cabeça para o lado e pisquei como ele esperava que eu fizesse, a garota acéfala que eu parecia ser aos olhos dele. – Eu precisava tanto falar com ele!
- Sinto muito, ele não está – o velho respondeu rabugento e eu disfarcei o sorriso com uma careta triste. – Por que não volta depois? Eu deixo o recado e digo que você passou aqui.
Agora sim estávamos chegando a algum lugar…
- Não, seu Frederico! Ele não pode saber que eu estive aqui – falei com olhos arregalados em súplica e de repente não sabia o que era maior, a desconfiança ou curiosidade dele.
- E por que não?
Eu mordi o lábio inferior como se segurasse as palavras dentro da minha boca e pensasse se devia ou não dizer porque era tão importante que ele não dissesse que eu havia passado aqui. Fingi me dar por vencida e estralei a língua no céu da boca, como uma garota mimada.
- Droga, seu Frederico, não conte para o ! Mas eu esqueci minhas lingeries novas no carro dele outro dia, e acontece que eu tinha prometido que as usaria hoje à noite. Ele vai ficar decepcionado se eu não fizer o que prometi, ainda mais que já pagou o quarto do hotel com jacuzzi e tudo. – Me fiz de tonta, uma atuação que convencia a maioria das pessoas com mais facilidade e rapidez que dizer o próprio nome. O velho ficou vermelho da cor de um pimentão enquanto me ouvia falar. – O senhor não pode me dar as chaves do Audi dele, seu Frederico, por favor? Não vai levar cinco minutos.
Ele ficou desconcertado me encarando. O truque era fazê-lo acreditar que eu era exatamente a pessoa fútil que ele pensava que eu era e então usar essa imagem a meu favor e contra ele. Falar sobre assuntos que provavelmente deixariam um senhor de idade constrangido era apenas um bônus para soar mais convincente e uma esperança de que ele me fizesse calar a boca por não querer ouvir mais detalhes e me desse logo o que eu pedia para se livrar de mim de uma vez.
Eu precisava parecer inocente e inofensiva o bastante para ele, assim não teria motivos para avisar que eu estive furtivamente por aqui e fucei suas coisas sem sua autorização.
Seu Frederico começou a gaguejar:
- Hm, n-não posso fazer isso, senhoria, e-eu sinto muito se isso vai estragar sua noite, mas…
- Ele vai ficar tão chateado se eu não usar aquele conjunto vinho de renda, ainda mais as algemas que ele tanto queria! – eu insisti um pouco mais, começando a apelar para o absurdo. – E o chicote de couro, ele queria tanto usar o chicote e…
- Tudo bem! – O senhor me interrompeu, vermelho até a raiz do cabelo. – Peça a chave para o manobrista, te dou cinco minutos. Por favor, só não…
Ele não terminou a frase, apenas fingiu que zipava a própria boca. Um pedido para eu não dizer mais nada. Com essa deixa, imediatamente eu me coloque a andar para a garagem, sorrindo para o porteiro como uma perfeita tiete adolescente.
Obrigada, mãe, por ter me colocado nas aulas de teatro, eu pensei enquanto descia até a garagem.
Sem dificuldade, cheguei até o Audi, o mesmo carro que havia usado no racha tanto tempo antes. Meu coração batia forte conforme o manobrista me dava as chaves e eu abria o veículo calmamente enquanto esperava que ele se afastasse.
Ele não podia ver o que eu realmente estava querendo ali.
Perdoe o trocadilho péssimo, parecia um tiro no escuro que a arma que havia levado aquela noite ainda estivesse ali, mas eu tinha uma intuição muito forte que me dizia que sua pistola estava guardada de volta dentro do porta luvas. muito provavelmente não sairia por aí desarmado se tinha tanto receio do que Beckett ou alguém ligado a esse filho da mãe pudesse fazer alguma coisa com ele. Provável até que havia outra arma em casa em algum lugar que eu não sabia onde era e mais outra para caso de emergência.
Mas não importava quantas armas ele tinha, eu só precisava de uma.
Com as mãos tremendo eu abri o compartimento e soltei um suspiro aliviado quando de fato encontrei a arma ali, intacta como o carro estava agora depois do seu conserto perfeito.
Guardei a mesma com cuidado dentro da minha bolsa após ter certeza que ela não estava destravada e aproveitei a deixa para tirar o cartucho de balas como precaução.
Então em seguida peguei uma sacola da Victoria’s Secrets, um pouco amassada por estar dentro da minha bolsa, e coloque dentro uma porção de sutiãs e calcinhas que tirei do mesmo lugar apenas para sustentar a mentira que eu havia contado quando eu saísse pela portaria.
Não tinha chicote e algema, mas tinha um corpete de couro. Ia bastar.
Eu devolvi as chaves para o manobrista, agarrei a sacola e minha bolsa como se minha vida dependesse disso e sai da garagem, passando pela portaria acenando alegremente e mostrando minha sacola cheia de roupas íntimas que fez o Sr. Frederico virar o rosto para longe de mim e quase cair duro de vergonha.
Dentro do táxi de volta para o meu apartamento, eu coloquei tudo o que estava dentro da sacola de volta do lugar de onde os peguei, de forma que Agatha não fizesse perguntas ou fuçasse o que tinha ali, como costumava fazer, torcendo para que ela estivesse muito distraída com toda a arrumação para a festa e sequer notasse alguma coisa.
O importante é que estava feito, eu tinha tudo o que precisava.
Peguei meu diário dentro da bolsa, e em meio aos solavancos pelo caminho, comecei a escrever.
Depois disso, só precisava esperar a noite cair.
Capítulo 53
Let’s just take it real slow
Forget about the clock
There is t-t-ticking”
’s POV
- Eu realmente acho que se ainda não caiu aos seus pés, agora ele vai – disse e soltou uma gargalhada alta em resposta enquanto me divertia com sua expressão entusiasmada.
Quase pronta, havia me deixado em completo estupor. O vestido dela era mais que deslumbrante, vinho da mesma cor que seu batom, conseguindo de alguma maneira deixar seu cabelo loiro ainda mais vibrante e cheio de brilho, preso de lado com ondas sedosas e longas que caiam sobre seu ombro esquerdo. Sua roupa era frente única formada por duas faixas que cobriam seus seios, resultando em um decote pra lá de ousado que descia até sua cintura marcada, onde a saia começava e descia com leveza até seus tornozelos com duas fendas laterais no tecido coberto por um tule transparente e finíssimo que a deixava com um ar matador e sexy.
- Eu sei – ela me respondeu com um sorriso malicioso, provavelmente com o pensamento cheio de segundas intensões sobre o que poderia fazer com quando ele a visse desse jeito, coisas que eu sinceramente preferia que ela não verbalizasse. – Quero ver a expressão dele quando me olhar. Nunca usei uma roupa de festa assim.
- Se quiser, posso filmá-lo quando nos encontrarmos – eu sugeri de brincadeira. – Deixo o celular com a câmera em mãos e tudo mais.
- Não seja boba. – Ela revirou os olhos sem se importar de verdade.
- Mas agora sério – eu voltei a dizer. – Esse vai ser só o primeiro tapete vermelho de muitos, porque se não te levar em mais premiações, eu garanto que te levo. – A cutuquei de leve. – Vai virar minha acompanhante oficial.
- Duvido que vá deixar isso acontecer. – Ela riu me olhando de cima a baixo. – Ainda mais depois de ver você com esse corpete.
Eu sorri apesar de me sentir subitamente triste pela menção de . Um tópico terrivelmente complicado de se abordar nos últimos dias perto dela quando o que eu sentia e o que deveria transparecer eram coisas tão opostas.
- Não tem nada de tão incrível nessa roupa. – Mudei o foco da conversa e passei as mãos levemente pelo tecido bordado.
Meu vestido dessa vez não era exatamente longo, era um modelo mullet dress todo bordado com flores azuis e rosas aplicadas manualmente, curto na frente, pouco abaixo do meio da minha coxa, que ia se alongando e descendo com uma cauda até encostar o chão. O forro da roupa era todo de seda nude, com uma peça sobreposta por um corpete de alcinhas de chiffon preto com silhueta bastante definida, barbatanas e aros sob os seios, que deixavam o busto mais marcado e empinado. A saia mullet era formada por duas peças sobrepostas sobre o forro a partir da cintura, pretas e também de chiffon, davam movimento à peça com muita facilidade, esvoaçando a cada passo que eu dava.
Dessa vez, meus lábios eram um nude suave em equilíbrio com minha bochechas rosadas, tornando o foco da maquiagem ser em meus olhos, completamente marcados com sombras da mesma cor que as flores do vestido numa transição sutil entre os tons nas pálpebras, rosa e azul, combinados com o delineador e lápis pretos, mais um par de cílios postiços, que formavam um conjunto que fazia eu me sentir poderosa e bem mais confiante em mim, deixando a cor das minhas íris muito mais intensas que o normal, o azul esverdeado tendendo para uma transparência diferente, iluminado como nunca.
- Ah, tem. – soltou um riso nasalado cheio de gracinhas me medindo por completo, apoiando sua mão exageradamente na cintura. – Esse vestido empurrou seu peito pra cima de um jeito que dá até inveja. Parece silicone!
Foi minha vez de soltar uma gargalhada e então afastei meu cabelo do rosto, a raiz lisa e leves cachos nas pontas, completamente solto.
Eu me sentia feliz por poder ter esse momento descontraído com minha amiga, ainda mais depois de todo o estresse que passei durantes as últimas duas semanas. Gostaria de poder aproveitar melhor essa pausa, até prolongá-la se fosse possível, mas havia muito o que ser feito hoje, e eu não podia enrolar, não tinha tempo a perder. Estaria apenas adiando o inevitável.
Mesmo que eu não soubesse de verdade o que a noite me reservaria.
Com meus pensamentos subitamente menos animados e festivos, soltei um suspiro conforme desmanchava o sorriso em meu rosto e puxei a Polaroid de cima da penteadeira do meu quarto onde antes nós duas nos olhávamos diante do espelho e chamei minha amiga com a mão. Meu coração se apertou por mil e um motivos diferentes. E eu quis sorrir e abraçá-la por outros um milhão.
Era hora de seguir.
- Vem, vou pedir para Philip tirar uma foto nossa antes de sairmos. – Ela concordou e sorriu ao fazer menção de chamar o Hair Stylist que já estava na sala juntando suas coisas para ir embora com suas duas assistentes clones, mas eu a interrompi de súbito no meio do caminho, antes que ela passasse pela porta, as sensações confusas se assentando em meu interior. – ?
Ela me fitou com atenção, as sobrancelhas bem feitas e desenhadas franzidas.
- Que foi? Tem algo errado? Batom no meu dente? – Eu sacudi a cabeça para os lados rapidamente. – Então por que está tão séria de repente?
- Não é nada, eu só... – Respirei fundo, deixando que minha postura relaxasse enquanto fixava meus olhos nela e abria um sorriso pequeno, sem mostrar os dentes, mas completamente sincero e genuíno. – Obrigada por estar me acompanhando em toda essa aventura. Cada momento dela. – Eu segurei suas mãos firmemente com as minhas. – Obrigada por ser minha família quando ninguém mais foi e por ainda estar aqui.
Eu pressionei meus lábios numa linha fina, sem saber exatamente porque aquelas palavras vieram logo agora, mas aguardei calmamente por sua reação.
Minha amiga me encarou por um instante longo e segurou em meus ombros delicadamente, abrindo e fechando a boca como um peixe, para enfim desistir de falar e me abraçar firme, forte. Eu retribuí na mesma intensidade por todos os segundos que o gesto se prolongou, até que minha amiga se afastou, fungando e abanando a mão na frente do rosto como uma perfeita garota metida, que me arrancou leves risos, apesar do meu olhar marejado.
- Eu não quero sujar minha maquiagem maravilhosa e nem fazer você desmanchar a sua, mas saiba que tenho orgulho de você, . De onde você chegou, de quem é hoje. – A voz dela soou muito embargada e eu senti minha vontade de chorar crescer ainda mais, minha garganta se fechando cada segundo um pouco mais. – Mas me orgulho ainda mais de poder te ter como irmã. Não de sangue, e sim da vida. Alguém que me escolheu e então escolheu ficar.
Nós nos encaramos nos olhos sem piscar. As íris resplandecentes transmitindo um brilho de carinho que apenas duas pessoas que se conheciam há muito tempo conseguiriam compartilhar de verdade.
De repente, eu não sabia o que dizer. Contudo, o silêncio entre nós duas parecia uma resposta boa o suficiente para o momento. Eu jamais encontraria uma amiga tão boa quanto .
Um pigarreio fez nós duas olharmos para trás, confusas.
- Se eu quisesse assistir drama, tinha ligado a Tv para assistir novela mexicana. – Philip revirou os olhos, mas sorria para nós duas enquanto isso. – Me deem a câmera e venham logo tirar a foto, o carro de vocês já chegou.
Nós duas rimos, um tanto sem graça, mas nos recompusemos rapidamente, seguindo para a sala, tirando algumas fotos e enfim nos despedindo de Philip e suas assistentes, que desceram conosco até o térreo, nos acompanhando (talvez para ter certeza que não íamos enrolar mais e perder a hora).
De fato, a limusine estava a nossa espera, e, assim que nos aproximamos, a porta se abriu de uma vez e imediatamente desceu, escancarando a mesma exatamente do jeito que fazia com sua boca enquanto passava os olhos por toda a silhueta de de um jeito que me fez corar por ela e ficar completamente constrangida pelo ar mais espesso entre nós.
Certa vez eu me lembro de minha amiga falando sobre uma tensão sexual existente entre e eu, mas sinceramente, o que eu sentia entre esses dois era tão palpável que eu poderia muito bem cortar com uma faca. Com essa conclusão surgiu o pensamento de pedir um carro somente para mim e dar a eles a privacidade que necessitavam. Era óbvio que queriam ficar sozinhos.
- ... – A voz de saiu extremamente rouca. – Você vai ser minha morte hoje.
Ela sorriu sedutoramente para ele, que passou os dedos demoradamente por seu maxilar sem tirar os olhos dos dela e eu decidi que definitivamente precisava sair dali.
Eu gesticulei com as mãos, bastante envergonhada, em direção ao carro fazendo menção de que iria me afastar e deixá-los fazer seja lá o que quisessem, mas não fui capaz de dizer qualquer coisa que desviasse a atenção um do outro. Uma pontada subitamente incômoda me atingiu na costela ao pensar que além de ir segurando vela daqui até a arena O2, provavelmente ia ser a empata foda do casal também.
Ah, adoro. Eu estava mesmo louca para isso.
Imediatamente eu fui até a porta totalmente aberta o mais rápido que podia para me afastar deles e me inclinei para adentrar o veículo, entretanto, parei completamente estática no meio dos meus movimentos de repente desejando realmente ter pedido um carro só para mim.
Bom, a boa notícia é que eu não seria a única a segurar vela. Estávamos mais para formar um castiçal de cinco lugares, já que , , e também estavam dentro da limusine esperando por eu e , ou no caso, agora por ela e .
Assim que meu olhar recaiu sobre eu perdi o ar dos meus pulmões e ele pareceu fazer exatamente a mesma coisa enquanto me admirava.
Meu coração acelerou. Parecia fazer tanto tempo desde que eu o vira pela última vez que precisei me controlar para não ir até ele e tocá-lo com a ponta dos dedos, contemplá-lo como uma de nossas fotografias.
Ele foi o primeiro a quebrar o contato visual e eu tentei disfarçar a sensação de algo murchando em meu peito. Muito vagarosamente eu segui até o lado de , certamente vago para eu ocupar, e me sentei ali, tomando cuidado com a cauda do vestido, para não pisar ou prendê-la em algum lugar.
- Eu não sabia que vocês viriam nos buscar. – Eu tentei sorrir e soar agradável. foi o primeiro a se pronunciar:
- insistiu muito. – Ele revirou os olhos em brincadeira. – E também achou que talvez fosse melhor que vocês chegassem juntos e tal por causa do contrato.
- Não vou recusar um passeio de limusine. – Eu ri e sorriu para mim.
- Vocês mulheres adoram ser mimadas, sabemos disso – o loiro me disse com uma piscadela que me arrancou uma risada. – A propósito, você está linda, .
- Está mesmo.
Eu desviei meus olhos de segurando minha resposta para ele bem presa em minha garganta quando me virei para , quem havia acabado de deixar a frase escapar, sua face tão séria que eu não sabia se havia sido um comentário intencional ou não, mas que mesmo assim fez aquelas borboletas tão antigas em meu estômago se revirarem mais uma vez. De repente eu me sentia desconcertada demais.
- Obrigada. – Eu sorri tentando não parecer afetada, mas pelo olhar que me lançou, acho que não funcionou.
Feliz (ou infelizmente), fui poupada de ter que dizer algo depois disso quando finalmente minha amiga e entraram, os dois cheios de sorrisinhos um para o outro e arrumaram um lugar onde pudessem ficar grudados lado a lado.
Sem perguntas, já que as respostas pareciam óbvias demais, se virou para o motorista e em um instante o veículo enfim se locomovia.
Como os bons amigos que eles eram, a diversão dali em diante foi fácil.
Gostei de ver que depois disso as conversas se formaram naturalmente sobre os assuntos mais bizarros, arrancando de mim todas as risadas que não dei durante o decorrer da semana e me fazendo sustentar o sorriso no rosto mesmo quando já não havia mais motivo para tal.
Desejei que aquela noite pudesse ser memorável por momentos assim. Que pudesse ser engraçada e divertida.
Mas eu sabia que não se resumiria a isso. O tempo estava passando, e não muito mais tarde eu começaria minha própria contagem regressiva.
Parece que eu estava pegando o jeito da coisa, ficando mais confiante, apesar do nervosismo que me agitava por dentro.
Quando chegou a hora de caminhar pelo tapete vermelho, com o braço de ao redor da minha cintura enquanto tirávamos fotos e depois com sua mão gentilmente na base da minha coluna ao passo em que caminhávamos, percebi que não me sentia tão atrapalhada quanto no BAFTA e nem me sentia mais tão tonta com todos os flashs de luz branca disparando em nossa direção quanto antes. Eu conseguia ter um ritmo próprio, não mais tão preocupada com cada coisinha que acontecia ao redor para me distrair.
Fiquei orgulhosa, não tropecei nenhuma vez.
Meus batimentos cardíacos ainda estavam acelerados, eu ainda sentia uma leve tremedeira nos meus músculos e a boca do meu estômago formigar, mas era apenas a sensação de ansiedade pelo que viria a seguir. E eu conseguia lidar perfeitamente com todas as sensações.
De soslaio eu olhei pra enquanto ela caminhava ao lado de , ele sempre a guiando por todo o caminho firmemente, um sorriso satisfeito nos lábios que eu realmente ficava feliz de ver. Foi uma reação de surpresa geral quando os dois posaram juntos. Fiquei imaginando se gostaria de ver a si mesma aparecendo em revistas tanto quanto gostava de ver eu nelas.
Quando o One Direction finalmente se juntou para tirar as fotos oficiais no Red Carpet, eu segurei a mão de minha amiga e nos afastei dos garotos com espaço suficiente para não interferir nas fotos deles. Percebi que ela estava com a respiração entrecortada, mas tinha exatamente a mesma expressão que eu, embasbacada com tudo, sorrindo amplamente com os olhos brilhando.
Eu sabia que ela ia amar cada segundo como eu também estava amando.
Mas ao mesmo tempo em que eu me sentia completamente feliz por , meu coração batia dolorosamente no peito. evitava a todo custo me olhar e apesar de eu tentar fazer o mesmo, não conseguia. Essa era uma batalha há muito perdida. Eu fixava meus olhos nele como se eu não tivesse outro local para olhar enquanto ele apenas fingia indiferença.
Sei que não deveria, mas ficava pensando constantemente no quão sério ele levaria essa situação adiante. Não somente no que se tratava a nós, mas a todo o resto.
Quando seria o fim? Até onde ele iria? Até que Beckett literalmente acabasse com tudo que ele tinha? Ele deixaria que aquele imprestável fizesse isso com sua vida? Até que ponto? Eram tantas perguntas.
Fiquei sobressaltada quando apareceu novamente ao meu lado, sua mão em minhas costas me guiando pelo resto do caminho e então pisquei afastando a visão de da minha frente, seguindo para o interior do local onde seria a premiação. E apesar de não ter notado o estado de estupor em que eu estava, percebeu. A partir de então, durante toda a programação enquanto ela estava ao meu lado, eu precisei esconder as dúvidas e questões, disfarcei meus sentimentos com ainda mais afinco, mantendo meu foco unicamente no final daquilo tudo, até que chegou o momento da apresentação deles, e foi aí que as coisas começaram a desandar.
- Vamos, precisamos seguir para os bastidores, nossa apresentação é em quinze minutos – disse aos outros antes um dos assessores do show vir pessoalmente chamá-los, e assim, vagarosamente, começaram a se levantar enquanto e eu apenas continuávamos sentadas assistindo à premiação.
Demorou apenas o tempo em que eles desapareciam do nosso campo de visão para que minha amiga finalmente me encarasse com a testa franzida e nenhum sorriso no rosto.
- Ok, me conte o que está acontecendo.
Eu cruzei as pernas e dei de ombros.
- Não entendi.
- Você e , bobinha. – Ela mesma revirou os olhos e me encarou mais firmemente. – Não trocaram palavras até agora. O que há de errado?
- Temos que ser discretos. – Eu tentei usar as respostas genéricas de sempre. – Para todos os fins eu estou com , não com ele.
- Isso não justifica a nostalgia com que você olha para ele e nem disfarça a expressão dele quando te encara.
A pergunta patética veio antes que eu pudesse interrompê-la:
- Ele estava me encarando?
- Com um misto de desejo e arrependimento, sim. – Ela se aproximou um pouco mais, agora com suas suspeitas claras o suficiente. – Vocês brigaram?
Eu abri e fechei a boca, pronta para soltar uma mentira. Mas o olhar de estava tão fixo no meu que eu não poderia fazer isso sem que ela se sentisse irritada ou me arrastasse para longe dali apenas para arrancar a verdade de mim quando percebesse nos meus olhos que eu escondia algo dela.
- Uma discussão besta. – Eu abaixei minha voz até que ela não passasse de um sussurro. – Não tem que se preocupar com nada.
Optei pelo caminho menos perigoso; omitir todos os detalhes principais e revelar apenas o mínimo, aquilo que poderia ser dito sem revelar demais. Em seguida respirei fundo para mostrar que não estava interessada em ter essa conversa agora, pois estava nítido em sua face que era exatamente o que ela gostaria de ter.
- Não me venha com essa, eu me preocupo sim, – insistiu sem desviar os olhos e engoli em seco com a firmeza e intensidade dela. –, porque você também está carregando uma pontada de arrependimento na sua expressão. Eu só não sei dizer se é por algo que já aconteceu ou que vai acontecer ainda.
Pega de surpresa, segurei minha respiração. Me senti incapaz sequer de piscar e dizer qualquer coisa enquanto meus lábios se entreabriram. Eu tinha um plano para essa noite e ninguém poderia saber dele até o momento certo. Nem mesmo . Só que ela dizer tudo isso agora quase me fez vacilar. O que eu poderia dizer? O que eu poderia fazer?
Nós ficamos nos fitando por alguns segundos, sua feição tão afiada quanto uma navalha, até que as palmas empolgadas em nosso entorno fizeram com que nós duas nos ajeitássemos de novo nas cadeiras e voltássemos a prestar atenção no que era importante no momento.
Ou, ao menos, foi quase isso que aconteceu.
Está tão óbvio assim?, eu me perguntei de repente, saindo do devaneio enquanto observava mais um prêmio ser entregue e aplaudia após o rápido discurso. Por fora eu estava totalmente plena aos olhares alheios, entretanto, por dentro, eu era a definição da palavra confusão.
Eu sabia, que se eu deixasse algo escapar, eles tentariam me impedir antes mesmo de tentar.
Me virei para novamente após respirar fundo por um instante.
- Eu e vamos nos resolver – falei com um sorriso convincente e acompanhei a comemoração da plateia. – Pode ter certeza disso.
franziu as sobrancelhas, pouco convencida, pronta para tentar arrancar mais alguma coisa de mim, mas foi interrompida ao passo em que um homem me surpreendeu ao parar ao meu lado me chamando, um crachá de staff do evento discretamente sobre sua camisa escura.
- Senhorita ? – Ele me olhou por um instante.
- Eu mesma, senhor.
- Você poderia me acompanhar até o backstage? Estão chamando por você lá.
Eu olhei para , nós duas de repente confusas demais e então eu voltei minha atenção ao homem e assenti rapidamente.
- Você vai ficar bem sem mim ou…
- Pode ir – minha amiga respondeu antes que eu finalizasse a frase. – Já sou bem grandinha. Vou aproveitar as outras celebridades enquanto você não volta.
Sua piscadela divertida não disfarçou a curiosidade em sua expressão, nem a preocupação ainda presente.
- Sabe por que estão me chamando? – eu perguntei ao assistente, mas ele apenas negou e disse que estava somente fazendo o que lhe foi mandado. Assim como eu, que o seguia sem questionar.
Não precisei procurar muito a pessoa que me requisitou. Assim que me viu, imediatamente veio em minha direção.
- O que foi? – eu perguntei juntando as sobrancelhas. – Por que me chamou?
- não parece muito bem. – Ele maneou em direção a , que até então eu não havia notado, sentado em um canto isolado, os cotovelos nos joelhos e a cabeça baixa, uma mão firme ao redor do seu celular e a outra com uma garrafa d’água. – Acho que ele possa estar tendo outra crise de ansiedade.
- Crise de ansiedade?
não parecia confortável com o assunto, mas esclareceu mesmo assim:
- Às vezes antes de grandes apresentações ele tem pequenas crises. Geralmente a gente tenta animá-lo e distraí-lo, mas não está dando muito certo hoje. Está assim desde antes de chegarmos aqui e acho que talvez tenha algo o incomodando.
- Certo. – Eu o olhei de canto de olho e me voltei para mais uma vez. – E você quer que eu converse com ele.
- É essa a ideia – respondeu. – Por favor, só fale com , talvez o ajude a se sentir melhor, menos tenso. Não queremos que ele entre no palco e fique travado, sabe? Se tem alguém que ele vai deixar se aproximar dele agora, eu aposto que é você.
Uma mulher chamou com pressa e ele me dirigiu um último olhar antes de sair de perto de mim e se juntar com os outros, que faziam o aquecimento de voz.
me viu de longe e assentiu, como se já soubesse da ideia de , e lentamente eu fui até , engolindo em seco. Será que ele me mandaria sair como fez aquela vez em seu apartamento? Ou sairia de perto de mim como fez da última vez que nos encontramos?
Sentei desajeitadamente ao seu lado e esperei que ele percebesse minha presença.
- ? – ele perguntou, se referindo a quem tinha me chamado ali. Eu soltei um suspiro.
- E – acrescentei em seguida. – Estão preocupados com você.
- Estou bem.
- Não, não está – eu respondi imediatamente ao passo em que ele me dirigia um riso seco. – Você sumiu por dias, . E mal está abrindo a boca para falar.
- Isso porque não tenho nada a dizer.
Eu virei meu rosto para observar sua expressão, mas não encontrei nada ali. Apenas minha própria frustração.
Levantei para ir embora logo em seguida, prevendo que aquilo desgastaria a nós dois mais do que ajudaria alguém, contudo, sua mão se fechou em meu pulso num ímpeto e me deixou estática no lugar, impedindo meus passos de irem adiante.
- Não vá ainda. – Ele finalmente olhou em meus olhos e tão breve quanto fez o contato, o quebrou, apenas para olhar a pulseira que ele mesmo havia me dado, brilhando sobre minha pele. – Fique comigo mais um pouco.
Eu hesitei por um instante e voltei a me sentar ao seu lado, esperando que o silêncio preenchesse o tempo e o espaço, mas incrivelmente, contrariando meu pensamento, começou a murmurar baixinho, garantindo que ninguém prestasse muita atenção em nós dois ali, afastados de todos e reclusos em um canto.
- Eu não devia ter vindo hoje.
- E por que não?
- Por causa deles. Por sua causa. – Ele indicou os garotos e então se virou para mim. – Ele disse para eu sair dos holofotes, eu não devia contrariá-lo.
Mordi meu lábio inferior e apertei os punhos com força na lateral do meu corpo, sabendo muito bem quem ele era.
- Esteve com Beckett todos esses dias, não foi?
- Não – sussurrou parecendo derrotado. – Apenas fiz serviços para ele.
Minha raiva inflou ainda mais e precisei respirar fundo para controlá-la. Não pareciam existir limites nesse jogo destrutivo. Será que não percebia isso?
- Você não pode deixar que ele faça o que quer de você – eu disse séria e friamente até que me olhasse no fundo dos olhos e visse minha determinação ali. – Alguém precisa fazer alguma coisa para pará-lo.
- Alguém, mas essa pessoa não vai ser eu. Não ainda – respondeu imediatamente. – Não quando posso arriscar a segurança de algum de vocês.
Senti as unhas afundarem em minha palma.
- E vai deixar então que ele vença simplesmente? Tirar de você tudo o que te faz quem é, inclusive a música? – Ele abriu a boca para me dar alguma resposta que provavelmente me deixaria ainda mais irritada e então o segurei pela lapela do seu paletó, fazendo com que ele tivesse olhos apenas para mim. – , você vai se levantar daqui, se reunir com os outros, subir naquele palco e vai cantar com toda a emoção que eu sei que você tem dentro de si, como se sua vida dependesse disso, como se essa fosse a apresentação mais importante de todos os tempos! E sequer vai pensar nesse canalha enquanto estiver lá, entendeu? Não vai nem lembrar da existência dele. E se, por um momento, isso cruzar seus pensamentos, olhe pra mim. Eu vou estar ali por você. Eu estou aqui por você.
Com o silêncio vindo em seguida e a falta de palavras da parte dele, seu olhar desceu até minha boca e eu fiz o mesmo olhando para a sua, minha respiração mais acelerada agora não só por toda a raiva que eu sentia. A vontade de beijá-lo me invadiu com tanta força que se não fosse por outro staff vindo até nós, eu teria feito exatamente isso, deixado que ele se inclinasse em minha direção involuntariamente como estava fazendo e o beijado ali na frente de todas aquelas pessoas que não deveriam presenciar a cena.
- Senhor , você e os outros entram em três minutos. Precisa se colocar em posição.
Eu soltei sua lapela até então firmemente presa entre meus dedos e a alisei rapidamente desamassando-a enquanto o homem dançava sua atenção entre nós dois sem entender muita coisa. Piscando os olhos rapidamente, enfim me levantei, sorrindo para o assistente e em seguida me virando para .
- Quebre uma perna – eu lhe desejei sorte, e então, quando ele se levantou e ficou de frente para mim, ainda completamente mudo, eu disse com toda a convicção que consegui reunir. – Isso acaba hoje, .
Virei as costas para ele antes que pudesse fazer algo que trouxesse consequências muito sérias para todos nós ou que desse a ele abertura para que pudesse fazer mais alguma pergunta ou mesmo um comentário qualquer sobre o que isso queria dizer.
Sem ajuda de ninguém, dei um jeito de voltar até a mesa onde estava, sozinha, e me sentei ao lado dela, observando os champanhes dentro dos coolers com gelo e decidindo que uma taça não faria mal. Eu a bebi inteira em dois grandes goles que fizeram me olhar com suspeita.
- Hm, aconteceu alguma coisa?
- Vai dar tudo certo.
Sua voz falhou quando me encarou mais uma vez:
- ?
Eu me servi de um pouco mais de bebida e a ignorei conforme as luzes diminuíam e anunciavam a performance do One Direction.
Há quanto tempo eu não fazia isso? Procurava a bebida como uma forma de alívio? Beberiquei a taça, dessa vez de forma mais elegante, mas meu estômago embrulhou vigorosamente. Eu sabia que isso não me ajudaria em nada e mesmo assim continuei.
A música começou a tocar pouco depois e, como se um imã existisse entre nós, assim que subiu ao palco os olhos de encontraram os meus e enquanto a música prosseguia ele cantou-a olhando diretamente para mim por todo o tempo, disparando meu coração tão rápido que seria impossível marcar sua velocidade.
Eu tomei o resto do champanhe mesmo com o estômago revirando em reclamações vigorosas. Precisaria da dose de coragem que o álcool me daria depois. Precisava continuar até ter certeza de que não vacilaria por nem um segundo.
O One Direction terminou a apresentação e saiu do Brit com dois prêmios para levar para casa. Apesar da felicidade que eu sentia por eles, minha vontade era ter ido embora assim que a premiação acabou. Não porque estava chata, longe disso, apenas porque era hora. Mas me lembrou que eu precisava aparecer nas fotos da pós festa com ele e honestamente não havia porque eu recusar, era questão de alguns minutos para eu enfim fazer meu caminho de volta para casa.
Dentro do salão, me fez companhia na maior parte do tempo enquanto os outros se dispersaram, apresentando-me para alguns conhecidos, que no caso me deixaram na maior parte das vezes sem palavras e completamente desacreditada. Sam Smith achou graça da minha cara, mas se mostrou muito divertido com meu embaraço e acabamos conversando por vários minutos depois disso. Ed Sheeran também, apesar de eu quase ter sofrido um desmaio assim que ele me abraçou, me deixando ainda mais sem graça depois de dizer que todos falavam muito bem de mim, principalmente . Desde quando ele falava de mim para outras pessoas?
, que sabia da minha paixão secreta pelo ruivo, não conseguia parar de rir em nenhum momento depois disso, mesmo após se distanciar de nós, indo até o banheiro.
ainda parecia mais animada que antes andando de um lado para o outro sabendo que poderia virar a noite fazendo o que mais gostava: festejando, e, de bônus, conhecendo muitos artistas pessoalmente, como fazia agora enquanto a apresentava para a Ellie Goulding.
Eu ri baixinho com a cena enquanto pediu licença para se juntar ao novo trio e resolvi aproveitar a deixa para ir embora, sem precisar me despedir de ninguém.
Teria feito exatamente isso se não tivesse aparecido ao meu lado de repente, me fazendo dar um passo para trás quase tropeçando em meus próprios saltos.
- Dança comigo? – Eu o encarei um tanto perplexa após me equilibrar mais uma vez, como se ele estivesse falando um idioma estrangeiro comigo. – Sabe que é falta de educação recusar uma dança lenta, não?
- Na verdade desconheço isso – eu o provoquei, mas sem qualquer senso de humor presente em minha voz. – Já estou de saída, .
- Uma música – ele insistiu e estendeu sua mão para mim. – Por favor.
Eu encarei sua palma virada para cima e hesitei por um instante, mas meu corpo pareceu decidir antes mesmo da minha mente ao ir em direção a ele. , por fim, sem mudar nada em sua face inexpressiva, deu alguns passos para a parte do salão livre reservada para a dança, agora lenta, e me puxou delicadamente para si, suas mãos ao redor da minha cintura e as minhas entrelaçadas atrás de sua nuca, nós dois nos movimentando lentamente de um lado para o outro.
Meu coração estava completamente fora de ritmo. Minha pele formigava ao seu toque. Mas a razão ainda prevalecia mais forte.
- Nós não devíamos estar fazendo isso.
Ele ergueu um dos cantos da boca em um meio sorriso e ignorou minha observação.
- Você está tão linda que é difícil ficar longe de você.
Estralei a língua no céu da boca.
- Engraçado, você parecia estar se saindo muito bem me ignorando até agora.
- Bom, parece que eu falhei com minhas tentativas – ele disse e sustentou meu olhar quando finalmente nos olhamos nos olhos, dessa vez sem intenção de interromper a conexão. Imediatamente sua voz até então neutra adquiriu um tom mais baixo, mais sério. Mais tenso. – Eu nunca quis que tudo terminasse assim, .
- Nem eu – admiti num sussurro, sabendo que discutir não nos levaria mais a lugar nenhum. Dessa vez só ações fariam diferença.
- Eu só quero que você fique segura. E sei que ele não irá atrás de você se eu cumprir com o que pediu – disse apertando minha cintura um pouco mais forte. – Saber que você está bem por enquanto basta. É tudo o que eu quero.
- E a sua segurança, ? – eu inquiri sem sequer pensar. – Pode não significar nada para você, mas é tudo pra mim.
Ele não esboçou reação sobre o que eu disse. Eu fechei os olhos por um instante longo demais onde nada além da música se estendeu por entre nós. Quando abri os olhos de novo, sua expressão parecia mais triste que antes. Algo em suas íris que não estava presente até então.
- Devia ter te agradecido antes – ele mudou de assunto e eu soltei um suspiro cansado. – Por hoje e também por ter me ajudado com aquela história que contou ao . Me livrou de uma série de perguntas que eu não poderia responder.
- Teria evitado todas essas coisas se tivesse contado a alguém que teria que viajar, pelo menos. Você podia ter me atendido – retruquei. – Eu estava preocupada.
- Estava tudo bem.
- Eu não sabia disso. Nenhum de nós sabia.
- , a questão não é essa. – Nós paramos de dançar enquanto ele me encarou seriamente. – Eu preciso me afastar até que tudo esteja resolvido.
- E quanto tempo isso vai demorar, ? Quando isso vai acontecer?
- Eu só preciso de tempo.
- Quanto mais tempo você der a ele, mais ele vai tirar de você. – Eu segurei sua nuca sem fazer menção de soltá-la. – Não posso ficar aqui assistindo você perder tudo, . Não posso.
- É minha escolha, . – Ele balançou a cabeça para os lados, as palavras suaves aos ouvidos, mas muito pesadas à compreensão. – Não sua.
Eu me afastei dele lentamente até que nossos braços estivessem soltos na lateral dos nossos corpos e nada mais nos conectasse fisicamente. Aquela sensação correndo por meu corpo mais uma vez, agora ainda mais forte que antes enquanto estávamos frente a frente. Mesmo com o gosto amargo sob a minha língua, minha decisão era tão firme quanto uma rocha.
- Isso acaba hoje.
Ele franziu a testa para mim, quase sem nenhuma emoção em seu rosto, apenas confusão e tristeza transbordando por seus olhos.
- Por que fica me repetindo isso? – ele sussurrou e eu mordi meu lábio inferior.
- Porque é o que vai acontecer, . – Eu dei mais um passo para trás, me afastando dolorosamente.
- Eu não entendo, .
- Não, eu sei que não. Porque não tem que entender – murmurei. Ainda não, eu quis acrescentar. Mas vai, em breve.
fez menção de se aproximar mais uma vez, mas em um ímpeto eu virei as costas, me distanciando dele com pressa e ziguezagueando por entre as pessoas até que o ele me perdesse de vista no meio da multidão.
Doía ter que deixá-lo ali após confessar tudo que ele estava abrindo mão, após entender que juntos nunca chegaríamos a um acordo. Mas eu sabia que se não fizesse o que pretendia, se não fosse embora de uma vez, tudo o que estava acontecendo nunca teria fim. E ele continuaria se machucando para não machucar ao outros. E eu continuaria a afundar cada vez mais em um poço de frustrações e impotência.
Eu tinha que tentar fazer alguma coisa por ele. Por nós dois. E direcionar minha raiva para quem merecia ela.
Perto da saída um garçom passou distribuindo taças de champanhe e novamente eu me apropriei de uma antes de chamar o táxi que me levaria para casa enquanto todos ficavam aqui e aproveitavam a noite.
Olhei para trás uma última vez, respirando fundo e virando toda a bebida que eu segurava em minha mão em um único gole. Minha última dose de coragem antes de seguir para o que podia ser minha atitude mais valente, ou a mais burra de todas.
estava certo, afinal. Beckett não viria atrás de mim.
Pela ironia da vida, eu que iria atrás dele essa noite.
Capítulo 54
I will not let anything take away
What's standing in front of me”
’s POV
Geralmente, minha noção de localização e geografia em geral não era lá muito confiável. Mas naquela noite, quando havia me trazido para o racha, acho que meus sentidos se apuraram com a perspectiva de alguma coisa dar errado no meio do caminho, a expectativa do que poderia encontrar pelo percurso, e, surpreendentemente, eu me lembrava o local exato onde tudo tinha acontecido sem precisar me esforçar para isso.
Então, dizer para o taxista onde me deixar foi a parte fácil.
Depois de ir da arena O2 direto para meu apartamento, eu troquei de roupa o mais rápido que consegui e me livrei da maquiagem do meu rosto muito porcamente. Não tive tempo de me olhar no espelho, mas sabia que, se fizesse, encontraria meus olhos ainda com o rímel à prova d’água e resquícios do lápis preto provavelmente borrados na pele.
Eu ouvia a música alta reverberar à distância conforme eu caminhava com minhas botas pretas de cano baixo e salto alto ecoando pela rua vazia em direção ao último local onde de fato eu gostaria de estar.
Com a cabeça erguida, segurando a bolsa entre meus dedos como se minha vida dependesse disso, segui até aquele mesmo estacionamento improvisado da última vez, onde um grupo relativamente grande de homens estava reunido com algumas garotas um pouco mais afastadas. Antes mesmo de eu me aproximar o suficiente, o cheiro adocicado e enjoativo da erva me atingiu juntamente com a aspereza do álcool. Todos fumando maconha e bebendo sem qualquer discrição.
Guardei meu torcer de lábios para mim mesma.
Não chamar a atenção, repeti mentalmente, me lembrando disso como uma prece pelo menos duas vezes a cada cinco segundos enquanto seguia, me recordando de dizer que eu deveria fingir fazer parte disso tudo, uma peça do ambiente que pertence ao lugar, como se fosse a coisa mais comum da minha vida.
Em aparência foi mais fácil que em espírito. Apesar de dessa vez eu não estar com roupas curtas mostrando a poupa da minha bunda, eu sabia que o cropped decotado de renda preto, a calça cintura alta de jeans rasgado com meia calça arrastão por baixo marcando muito bem minha cintura com a ajuda do cinto largo, mais a jaqueta de couro preta jogada sobre meus ombros faziam o suficiente para eu me misturar e ao mesmo tempo dar o ar arrogante de que não queria ninguém falando comigo.
Funcionou exatamente da maneira que eu desejava conforme algumas pessoas me encararam por completo e em seguida fingiram minha inexistência, como se meu olhar calculadamente desinteressado, frio e afiado as fizessem repensar suas atitudes e até mesmo seus pensamentos.
E ainda assim, apesar da casca com a qual eu me cobria, do personagem que eu me forçava a interpretar, deixar meu rosto livre de qualquer sentimento era muito mais complicado, pois eu sentia meu sangue rugir com força por minhas veias, meu coração batendo forte demais dentro do meu peito, e de repente eu me sentia tão enjoada que poderia vomitar a qualquer instante se não controlasse minha respiração com muito cuidado.
Eu parei a poucos passos de distância do grupo que tinha avistado de longe.
- Thomas Shepard, certo?
Todos os olhos do grupo recaíram sobre mim, contemplativos, como se eu fosse uma obra a ser observada. O moreno de estatura média me olhou de cima a baixo, formou um sorriso torto no rosto enquanto soltava a fumaça do seu cigarro muito próxima a mim sem conter o brilho de reconhecimento em sua face enquanto se demorava propositalmente para enfim falar:
- Conheço você – ele disse dando mais um trago em seguida. Segurei a careta quando ele soltou a fumaça em direção do meu rosto, mais uma vez. – É a garota do .
Ignorei seu comentário mordendo a parte interna de minha bochecha, o tom de propriedade que ele implicava em suas palavras como se eu fosse um objeto pertencente a alguém, e não uma pessoa livre de fato. Senti meu coração bater ainda mais forte, ansioso.
- Estou aqui para ver Beckett.
Mas a verdade se escondia sob a minha pele. Eu não tinha como prever que o homem estava aqui, basicamente estava contando com a sorte e, pela maneira como Shepard e os homens ao seu redor me olharam, desconfiaram na mesma hora do que eu pensava. As garotas que estavam com eles se afastaram ainda mais quando notaram o rumo da conversa.
- Por que acha que ele está aqui? – Thomas me arqueou as sobrancelhas. Seus olhos vermelhos pareciam tão desfocados quanto da primeira vez que eu o vi.
Dei de ombros como quem não liga e levantei a bolsa levemente, apenas para fazê-la notável para eles, o peso dela começando a fazer meus músculos do braço formigarem.
Papel podia pesar muito mais do que aparentava.
- Tenho uma entrega para ele.
Houve um instante onde ninguém disse nada e eu prendi a respiração, aguardando, a música sendo a única coisa interrompendo o silêncio entre nós.
Então, com muita cautela e curiosidade, Thomas deu dois passos em minha direção, parando a menos de trinta centímetros de distância, sua coluna ereta e seus ombros para trás. Mantive meus membros pressionados na lateral do meu corpo, sem movimentá-los. Com o salto que eu usava podia olhar perfeitamente em seu rosto sem precisar me preocupar em levantar a cabeça, e assim, sem recuar, mantive a postura impassível, os olhos firmes e esperei.
Ele soltou um riso nasalado.
- Acho que vai ser uma surpresa agradável para ele. – Shepard percorreu meu corpo com visão aguçada mais uma vez e segurei a vontade de revirar os olhos para sua atitude, decidindo apenas lhe dirigir um meio sorriso sem mostrar os dentes, que de doce não tinha nada.
- Muito bom ouvir isso, Shepard, mas me pergunto se vai me levar até ele agora ou pretende me fazer esperar a noite inteira aqui.
Um dos homens ao lado dele soltou uma risada divertida, mas não de um jeito leve. Seu gesto pareceu pesar mais que uma tonelada. Thomas semicerrou os olhos para mim, deixando o toco do seu cigarro atingir o asfalto sob nossos pés e pisando sobre ele sem desviar sua visão da minha.
Algo em sua expressão fez a penugem atrás se meu pescoço se arrepiar por inteiro. Um arrepio de aviso tomando meu corpo.
- Vai perceber, garota do , que é melhor e mais inteligente da sua parte tomar cuidado com a língua quando estiver perto de Beckett. Ou de mim – Shepard murmurou afiado em desafio, estendendo o segundo em um momento infinito, até que a tensão se tornasse quase insuportável, e então deu um passo para trás se afastando assim que minha respiração saiu como uma expiração profunda. Eu vi seu quase deleite se desenhar em sua expressão quando percebeu que de alguma forma havia atingido minha máscara perfeita. – Venha. – Sua voz voltou ao tom normal de antes. – Vou mostrar o caminho para você.
Tentei relaxar meus músculos tensos, sem dar a ele o gosto do meu hesitar, e quando virou as costas, o segui com passos firmes e decididos. Entretanto, o nervosismo e a ansiedade me faziam suar, quase tremer.
Eu podia lidar com olhares cheios de significados impróprios e suas palavras cortantes, até dilacerantes. Podia lidar com a maioria das coisas que sabia que receberia de graça dessa gente, e, por isso, eu me convencia de que aquilo preso em meu cinto seria apenas uma medida de proteção extra, nada mais. Sentir o cano da pistola preso no cós da minha calça, às minhas costas, era apenas um conforto para estar no meio de todas essas pessoas enojantes. Mas conforme eu ia de encontro a ele algo nisso parecia muito pouco convincente.
Ainda assim, esperava não precisar usar o acessório independente das circunstâncias.
Shepard me fez esperar do lado de fora de uma casa a poucos minutos de distância de onde ficava a linha de largada dos rachas ali realizados os quais eu me lembrava muito bem, lugar esse onde muita gente ficava reunida dançando, bebendo e usando drogas enquanto nenhuma corrida acontecia, como agora. Ele disse que preferia que eu ficasse à vista em um local menos aglomerado, e decidi que não dificultaria seu trabalho de manter os olhos em mim. Eu não iria a lugar algum.
Com a visão atenta, observei meu entorno com cuidado. A casa era um imóvel invadido, bastava olhar para os tijolos vermelhos descascando nas paredes, muitos deles destruídos, com o batente e vidros das janelas quebrados, a fachada completamente pichada com formas obscenas e a sujeira ao redor, incrustrada em tudo. Parecia bastante óbvio perceber isso.
Eu não tinha chegado a conhecer esse local em específico quando vim aqui com e sinceramente cogitava a possibilidade de continuar sem conhecê-lo, quem sabe, para sempre. As pontas dos vidros quebrados e a iluminação escassa que vinha de dentro repelida por um tecido qualquer sobre a abertura faziam meu desconforto aumentar ainda mais.
Um sinal de alerta começou a piscar em minha cabeça durante todo o tempo em que Thomas me deixou sozinha com dois homens altos e mal-encarados “me fazendo companhia” do lado de fora enquanto ele falava com Beckett sobre minha inusitada visita.
Conforme a espera aumentava, minha coragem começava a vacilar. Precisei fixar bem minhas solas no chão para impedir que a parte de mim que eu tentava esconder involuntariamente convencesse todo o resto e me fizesse virar as costas para esse lugar e sair dali como se nunca tivesse vindo. O medo crescente estava me sobrepujando.
Não. Eu apertei meus dedos até afundarem na carne da minha mão. Me recusava a fazer isso. Me recusava a fugir como um gato assustado. Eu iria até o fim.
Se era capaz de abrir mão de praticamente tudo para me proteger, eu também seria. Não deixaria que ele lidasse com essa bagunça sozinho. Estávamos juntos nessa.
Finalmente, quando eu começava a tremer não só de nervoso, mas também de frio mesmo usando a jaqueta pesada em meus ombros chegando à conclusão de que provavelmente ficaria ali até congelar, a porta voltou a se abrir com um rangido longo e desafinado. Segurei a vontade de engolir em seco quando acompanhado de Shepard, logo a sua frente, imponente, me dirigindo um sorriso completamente insolente, estava Beckett.
- Ora, ora, que bela visão para se ter em uma noite como essa. – Ele passou os dedos por seu maxilar, me observando com interesse. – Finalmente se cansou de e resolveu me procurar? Demorou mais até do que imaginei.
Eu empertiguei ainda mais minha coluna totalmente reta e empinei meu nariz, meu queixo erguido em superioridade.
- Não – eu lhe disse curtamente. – Vim aqui tratar de negócios.
Seus olhos faiscaram em expectativa, o verde das suas íris tão gélidos que fizeram minha pele arrepiar com o brilho. O olhar fixo o fazia parecer um predador que estudava sua presa. Como um lobo atrás de uma corça, estudando seus movimentos antes de atacar.
Ele não me respondeu com palavras. Lentamente se afastou para o lado e deu passagem para que eu entrasse na casa, perpassando os olhos pelo decote profundo do meu cropped assim que passei por ele, inexpressiva, transbordando uma confiança que na verdade eu não tinha.
Decidi que se queria conseguir algo dele hoje, não poderia vacilar nem com palavras, nem com ações.
Eu não seria a presa dele.
O homem loiro me guiou por um corredor assim que passamos pelo que um dia teria sido a sala de estar da construção, essa também cheia de pessoas as quais ignoramos, seguindo por um caminho cheio de portas fechadas e provavelmente trancadas, o cheiro de suor excessivo somado a mistura de vários tipos de cigarros impregnados no ar turvo até no forro do teto pela falta de aberturas, quando enfim chegamos numa sala reservada, afastada, sem ninguém por perto.
Eu olhei o espaço com atenção assim que o adentrei. Não havia muito o ocupando além de uma mesa que estaria vazia se não fosse pelo notebook sobre ela, uma cadeira de cada lado da mesma e uma janela na parede oposta de onde estava a porta.
Shepard entrou logo em seguida do homem loiro e eu, fechando a porta atrás de si, me encarando seriamente. Se a porta estava fechada com ele para o lado de dentro, significava que aqueles dois homens deveriam estar do lado de fora. Se por algum motivo eu precisasse sair daqui às pressas, teria que ser pela janela. Se Beckett e Shepard não fizessem algo para me impedir antes. Se ela estivesse destrancada. Caso contrário, teria que ter algo para estilhaça-la.
Afastei esses pensamentos para longe da superfície, me convencendo de que o plano daria certo sem a necessidade de chegar a tal ponto e me sentei na cadeira com calma e inexpressividade, largando a bolsa no chão com um barulho alto e breve enquanto cruzava as pernas despreocupadamente, disfarçando minha tensão e olhando Beckett com atenção.
Ele retribuiu o olhar.
- Negócios, você disse?
- Vamos conversar um pouco antes.
Ele arqueou uma sobrancelha para mim e recostou o quadril na mesa, ficando logo à minha frente. Shepard permanecia em pé, junto ao batente da porta apenas observando nós dois.
- Vá em frente, .
Fixei meus olhos em sua face por longos segundos enquanto ele apenas aguardava.
- Sabe, eu recebi algumas mensagens suas a alguns dias, um pseudônimo inteligente, devo dizer. – Eu passei a ponta dos meus dedos pelos braços da cadeira de madeira maciça o vendo acompanhar o movimento calmamente. – Inclusive, se me lembro bem, você até pagou um jantar meu em seguida. Uma cortesia, não é?
- Um pequeno agrado por tudo que tem feito por nós.
Eu sorri amargamente para ele.
- Engraçado, o que aconteceu com o trato que vocês fizeram naquela aposta? – Ele sorriu com ainda mais arrogância quando me fingi de inocente. – Você não devia mais usar o nome de dele, Beckett. Era esse acordo, não estou certa?
Ele se inclinou perigosamente em minha direção, interessado.
- Ah, mas eu sou um homem de palavra, Ruivinha. – Meu estômago embrulhou ao ouvir aquele apelido sair da sua boca, ele saboreando as palavras em sua língua. Só uma pessoa podia me chamar assim. E essa pessoa não era ele. – Não estou usando o nome do seu precioso namorado. Ele está nos... como é mesmo que vocês atores chamam? Ah sim, bastidores. Movimentando dinheiro, pagando dívidas antigas nossas, sustentando nossos luxos e prazeres. Afinal, ele tem de sobra, não estou certo?
Segurei a vontade de apertar meus lábios ou fechar meus dedos contra o braço da cadeira quando ele devolveu as palavras que eu havia dito para ele como a mesma intensidade e aspereza.
Balancei meu rosto para os lados muito devagar.
- Eu quero que isso acabe – falei finalmente. Ele soltou uma risada incrédula.
- Como disse?
- Esse jogo – eu expliquei calmamente com a voz macia. –, toda a chantagem que você vem fazendo com . Quero que isso termine. Hoje.
De repente o verde dos seus olhos parecia tão quente quanto ferro em brasa, prestes a me queimar.
- Interessante – ele murmurou curioso. – O que você estaria disposta a fazer para isso?
Eu sustentei seu olhar apenas o suficiente para ele ver que eu não vacilaria e então puxei de um dos bolsos externos da bolsa um talão de cheques com uma caneta.
- Me diga seu preço.
- Acha que pode me comprar? Suborno é crime, caso não saiba.
- Extorsão também é – eu respondi suavemente. –, mas você vem fazendo isso com há semanas mesmo assim. Vamos ser sinceros, Beckett, nenhum de nós está se preocupando com as leis no momento, apenas com nossos próprios interesses.
Ele abriu um sorriso para mim.
- Claramente o seu é libertar das nossas garras.
- Que bom que está entendendo onde quero chegar. – Sorri sem mostrar os dentes e preparei a ponta da caneta sobre o papel. – E então? Quanto vai ser?
Beckett me estudou tranquilamente como se lesse e tentasse interpretar um texto, as informações que estavam nas entrelinhas. Ele relaxou o corpo contra o móvel atrás de si.
- Quanto você está disposta a me dar?
Não pude negar a ambiguidade aflorada em sua frase. Mas me proibi de demonstrar o entendimento.
- Tudo isso à vista. – Deixei a caneta sobre a mesa junto ao talão e coloquei a bolsa, agora aberta, sobre ela, logo ao lado dele para que pudesse ver as libras esterlinas perfeitamente organizadas em bolos de dinheiro.
Eu ouvi Shepard rir ao fundo.
- Alguém limpou a conta no banco, huh? Quanto tem aí? – eu disse o valor a ele e não deixei me abalar quando soltou um assobio baixo, fingindo estar impressionado. – Interessante, Ruivinha, bastante tentador.
Beckett fez menção de pegar o que estava organizado dentro da bolsa, provavelmente querendo garantir que eu não o estava enganando com dinheiro falso, mas eu me impulsionei para frente em um gesto brusco e puxei o zíper para que fechasse a mesma e ele mantivesse as mãos longe ao menos até que chegássemos a um acordo.
- Além do que temos aqui, quanto mais você quer? – Minha seriedade começava a adquirir uma pitada de raiva a cada vez que ele me olhava, como se não pudesse acreditar no que eu estava fazendo e aquele brilho de desafio, uma espécie de desejo, vinha crescendo em seus olhos. – Quanto mais para deixar eu e fora disso tudo? De uma vez por todas.
Ele estreitou os olhos em minha direção, o meio sorriso sempre presente em sua boca. Toda vez que ele batucava os dedos na mesa em que se sentava, minha preocupação aumentava. Quanto mais ele demorava para dizer alguma coisa, mais minha língua coçava para apressa-lo a me responder algo. Beckett não podia estar tão relaxado quanto aparentava. Não era possível que ele estivesse tão tranquilo. O que ele poderia estar tramando? Eu quase podia ver as engrenagens em seu cérebro funcionando. E se ele estivesse um passo à frente de mim e eu não fizesse noção disso?
Meu coração começou a reverberam em meus ouvidos claramente. Mais rápido. Mais forte.
- Em quanto tempo conseguiria mais? Digamos, o dobro do que me trouxe.
- Uma semana – respondi sem pestanejar e suas sobrancelhas se arquearam em surpresa. – E então você pega o dinheiro para usar em seu tráfico, fabricação de drogas, o que for e onde quiser, e nos deixa em paz de uma vez.
Ele me mediu por inteiro, de repente duvidoso e ávido também.
- sabe que você está aqui?
- Esse não é o foco da nossa discussão.
- Talvez, mas quanto ele te contou sobre... essa situação em que ele e eu estamos trabalhando?
- O suficiente.
Beckett mais uma vez inclinou seu corpo em minha direção, suas pupilas fixas nas minhas, sem sequer piscar enquanto me olhava. Eu não me deixei recuar por isso.
- Então talvez ele tenha te falado – disse num sopro – que eu só vou parar o que estou fazendo quando tiver tudo. E nada menos que isso.
Por um segundo o ar pareceu desaparecer da sala. Não. Eu desconhecia esse detalhe. Aquele formigar em minha pele precisou ser disfarçado e me obriguei a segurar a vontade de engolir em seco. De dar a ele esse prazer de ver que alguma coisa havia me afetado, me abalado.
- O dobro do que te trouxe em uma semana. – Eu puxei o talão de cheques e arqueei uma sobrancelha, sugestivamente, querendo retomar o ponto principal daquilo tudo enquanto preparava a caneta sobre o papel. – É isso que você quer?
Meu atrevimento por fingir não levá-lo a sério fez um sutil repuxar de raiva se sobressair em seu rosto. Quando ele não respondeu nada e apenas sustentou meu olhar, completamente frio, eu comecei a preencher o cheque tentando não me importar com sua frieza ainda mais gélida agora do que antes.
Bruscamente ele puxou a caneta da minha mão assim que comecei a escrever os valores por extenso. O encarei surpresa e sem conseguir camuflar a perplexidade e a tensão.
- Acho que vou querer esse dinheiro vivo, como o que me trouxe hoje. – Ele abriu um sorriso cruel e malicioso. – Gosto de pensar que você virá aqui de novo para me ver.
- Nos seus sonhos, Beckett.
- Ou nos seus pesadelos. – Eu me grudei contra o encosto da cadeira, palavras simples que me trouxeram muito mais que uma lembrança. – Não pude deixar de notar naquele dia no restaurante a forma como você me olhou de longe. Aposto que já havia pensado em mim antes, não? Que meu rosto esteve em sua mente por várias vezes enquanto dormia. Até acordada, quem sabe?
- Não seja tão convencido – tentei soar calma, mas quase cuspi as palavras para ele. – Eu tenho mais o que fazer da minha vida a ficar pensando em você.
Ele me dirigiu um riso seco, nasalado e deixou seus olhos se estreitarem em minha direção mais uma vez, minhas mãos agora relaxadas sobre minhas pernas cruzadas como se eu realmente não desse a mínima.
- Sabe, Ruivinha – ele testou usar aquele apelido de novo, ainda saboreando o gosto das palavras, minha própria reação a elas. –, eu gostei desse fogo em você desde o momento que trocamos nossas primeiras frases. Acho fascinante.
- Não me chame assim – eu pedi trincando os dentes. – Eu tenho nome.
- Claro. .
Meu nome saiu quase como um sussurro de sua boca, de um jeito que dobrou minha pressa de sair daquele lugar.
- Estamos terminados então? – Eu descruzei as pernas e juntei minhas mãos em meu colo, vendo o clima do ambiente começar a mudar gradativamente a cada segundo enquanto minha força de vontade de continuar ali se desfazia ao mesmo tempo. – Uma semana, você recebe o dinheiro que quer e nunca mais nos procura.
Tão rápido quanto falei ele segurou os braços da cadeira onde eu estava, um de cada lado, não permitindo sequer que eu me mexesse sem que esbarrasse nele.
Meu coração perdeu todo o rítimo.
- Ou o quê? – ele murmurou contra o meu rosto.
Eu me obriguei a dar de ombros inocentemente, fingindo não me importar com a proximidade que ele forçava. Respirei fundo.
- Nunca se sabe o que pode acontecer.
Uma ameaça velada, e também vazia. Eu não tinha muito o que usar contra ele até o momento. Extorsão não contaria se eu estava pagando suborno para ele. A corrida ilegal que eles faziam e as drogas que usavam ali desapareceriam antes que a polícia chegasse a três quarteirões de distância se eu comunicasse alguém.
Até o momento, eu só tinha minha palavra contra a dele. Meu próprio conhecimento.
- Pois é. – O loiro sorriu abertamente e olhou para Shepard atrás de mim, uma troca de olhares que fez um arrepio horrível subir por minha espinha. – Nunca se sabe.
Ele se afastou de volta para a mesa e imediatamente eu me levantei lentamente, grudando minha visão em seu rosto ao passo em que ele apenas passava indiferença, cruzando os braços sobre seu tórax.
- Temos um acordo, Beckett? – eu insisti, tentada a olhar para trás, para Shepard, querendo entender o que aqueles olhares significavam e dar o fora dali o quanto antes, mas me segurei.
Estendi a mão em sua direção com a maior convicção e firmeza que consegui reunir e esperei, suas íris verdes fixas nos meus olhos, completamente impassível.
A mesma luz de alerta que tinha piscado em minha cabeça antes de entrar nessa casa se intensificou ainda mais agora, vibrando incansavelmente.
- Na verdade, tem algo mais que eu quero de você, .
Minha respiração acelerou e ele se desencostou da mesa apenas para ficar frente a frente comigo. Não tive capacidade de perguntar o que seria, minha voz podia falhar miseravelmente se eu o fizesse.
Talvez dessa vez eu não tenha disfarçado muito bem, porque o sorriso em seu rosto cresceu mais cruel e cortante.
- Você se lembra de quais eram os termos da aposta quando te trouxe aqui a alguns meses? – Sua voz era sugestiva, macia e completamente falsa. – Ele ganhava e eu tirava o nome dele da boca das pessoas. Se o contrário acontecesse, eu teria você por uma noite.
Aquele formigamento no meu interior voltou intenso e incômodo, dessa vez o medo crescia a cada respiração sem que eu pudesse evitar quando entendia a direção que a conversa tomava.
- Por que dessa vez não fazemos isso pra valer, já que você parece tão disposta a se livrar de mim? – Ele continuou sorrindo. Eu apertei meus punhos contra meu quadril conforme Beckett começava a me circular. – O dinheiro e uma noite comigo. Tudo acaba.
Eu balancei a cabeça para os lados levemente sem nem me dar conta conforme absorvia sua ideia repugnante. Ele riu audivelmente.
- Não.
- Descartando a ideia tão rápido assim?
- É o dinheiro ou nada feito – praticamente vociferei para ele, abruptamente demais, perdendo a calma, deixando as outras sensações me tomarem. Mas ele insistiu de novo:
- Ah, ... Gosto tanto de pensar na ideia de saber que te toquei porque você quis.
- Eu disse não.
- Prometo que você não vai se arrepender. – Beckett fez menção de colocar suas mãos em meus quadris e imediatamente, num movimento que ele não pôde prever, eu puxei a arma da minha cintura e apontei para ele.
- Não encoste em mim.
Aquele foi o primeiro momento desde que nos encontramos que ele finalmente pareceu surpreso demais para dizer alguma coisa e manter seu sorriso estúpido no rosto.
Mas antes que eu pudesse destravar a pistola para deixar claro que eu estava falando sério quanto ao que eu estava disposta a dar a ele em troca do seu sumiço, eu ouvi um estralo atrás de mim, o som bastante conhecido de uma arma sendo engatilhada. E percebi de imediato o erro que havia cometido ao dar as costas ao outro homem.
- Abaixe a arma – Shepard disse friamente e Beckett voltou a sorrir sem qualquer calor em sua feição.
Eu sentia meus batimentos cardíacos por cada poro do meu corpo, uma camada de suor se formando sobre minha pele.
Se eu abaixasse, mostraria fraqueza e provavelmente admitiria que estava assustada, um gesto totalmente impulsivo, mas se eu não fizesse isso, provavelmente seria considerada muito tola pela teimosia e acabaria levando algum tiro para expressar essa opinião da forma mais clara que eles possuíam.
Como eu não tinha perdido tempo e me esforçado para saber se eles estavam ou não armados? Que erro ridículo. Como eu era burra.
Com a boca em uma linha fina, eu soltei a arma, pendendo entre meus dedos enquanto afastei meus braços do corpo e os levantei em sinal de rendição, sem saída. Me sentindo patética.
- Ora, . – Beckett tirou a arma de mim e a encarou com curiosidade. – Você ao menos sabe usar isso aqui?
Seu deboche fez minha raiva ser inflada ainda mais.
- Quer testar?
Ele deixou a pistola desinteressadamente sobre a mesa, claramente não me levando a sério. Mas isso não anulava sua cólera recém adquirida, uma aura fervorosa de fúria crescente ao redor do seu corpo, se contendo.
- Deixe-me explicar algo para você, . – Ele chegou tão próximo que sua respiração se misturava com a minha, mas um passo que dei para trás fez o cano da arma de Shepard se encostar duramente em minha cabeça. – Aqui, ou as coisas funcionam do meu jeito, ou elas nem acontecem. Entendeu o que quero dizer?
Dessa vez eu engoli em seco sem conseguir conter o ímpeto.
- Sim.
- Bom. – Ele sorriu e seus dedos tocaram uma mecha do meu cabelo num gesto falsamente caloroso. – Vai fazer o que eu quero, então?
- Não – eu respondi entredentes, vendo seus olhos faiscarem com a recusa. – O dinheiro é tudo o que você conseguirá de mim por boa vontade.
Beckett sustentou seus olhos nos meus por alguns segundo além disso. E enfim se afastou, soltando um suspiro fingindo de cansaço e a frieza do cano da arma também se desfez atrás de mim quando Shepard abaixou seu braço para longe de mim. Por um instante eu quase soltei um suspiro aliviado.
- É uma pena, . Isso não será o suficiente. – Eu me preparei para retrucar suas palavras quando supreendentemente Shepard agarrou meus braços por trás e os segurou firmemente contra minhas costas com força, me fazendo arfar. – Meu interesse vai muito além de ter somente o seu dinheiro ou o dele.
Com um segundo de atraso comecei a me debater nos braços de Thomas, tentando me soltar do seu aperto enquanto dizia palavras desconexas e sem sentido até mesmo para meus próprios ouvidos, mas cada vez que eu me movimentava mais bruscamente, com mais força ele me apertava e mais admirado e deleitado com a cena Beckett parecia ficar.
Mas gritar não me levaria a lugar algum.
- Eu quero tudo o que tem. – Ele aproximou seu rosto do meu mais uma vez. – Sabe, eu poderia ter te deixado fora dessa lista, como tinha prometido a ele que faria se colaborasse. Mas foi você quem veio me procurar, não foi?
Ele soltou uma gargalhada alta e estridente que fez até meus ossos tremerem, e então se afastou para pegar algo dentro uma das gavetas da mesa, um líquido incolor com um rótulo químico que não consegui ler, o qual ele diluiu em água e depois umedeceu um pedaço de pano antes de vir novamente em minha direção. Meus olhos se arregalaram. Shepard riu contra meu ouvido.
A uma altura dessas eu já não conseguia disfarçar mais nada do que eu estava sentindo e o desespero me tomava por completo. Até mesmo as gotículas de suor em minha testa pareciam mais descontroladas, o bolo em minha garganta fazendo minha respiração falhar e meus olhos arderem. Mas eu sabia que não adiantaria chamar por ajuda.
Ninguém viria.
- Você não faz ideia da oportunidade que acabou de me trazer de mãos beijadas, não é? Meu cheque mate. – Ele segurou minha nuca com sua mão livre, embrenhando seus dedos nada delicadamente em meus cabelos e os puxando até que eu fizesse uma careta de dor. – Acho que vamos passar um pouco mais de tempo juntos. Quem sabe até lá você não muda de ideia sobre minha proposta?
Beckett riu mais uma vez ao me ver tentar lutar e finalmente colocou o tecido sobre o meu rosto, me obrigando a respirá-lo, forçando-o contra meu nariz e minha boca até que meus pulmões ardessem e eu não tivesse escolha senão fazer exatamente o que ele queria.
Não mais que em milésimos de segundo eu me senti enfraquecer, meus músculos começarem a parar de lutar e a angústia pela minha incapacidade era tudo o que me restava.
- Vamos nos divertir muito ainda – ele sussurrou em meu ouvido enquanto eu sentia o torpor me tomar. – Obrigado, Ruivinha.
Minha cabeça ficou repentinamente leve e ao mesmo tempo pesada. Meus olhos abertos viam borrões lentos e atrasados, os sons não faziam sentido algum aos meus ouvidos. O sangue parecia correr frio por meu corpo, minha pele gelada formigando por toda sua extensão. Respirar era a coisa mais difícil do mundo.
Em um instante eu estava ali, vendo Beckett sorrir cruelmente para mim, e no outro, eu desfalecia nos braços de Shepard, cedendo completamente à escuridão.
’s POV
Eu entrei no meu apartamento com uma sensação esquisita de mal-estar. Como se algo não estivesse certo. Como um aviso de um sexto sentido que eu não tinha.
Mas respirei fundo e pensei que tudo isso se devia ao que acontecera hoje. Sabia que se visse ia fraquejar em algum momento. Sabia que não poderia resistir com ela estando tão perto de mim.
estava tão incrivelmente linda nessa noite que, se fosse em outros tempos, eu teria tirado minutos apenas para admirá-la, para dizer como ela estava maravilhosa, para adorá-la como eu sabia que ela merecia. Apesar disso, tudo o que eu fiz foi tentar ignorar sua presença por quase toda a noite até miseravelmente me ver sendo vencido pela vontade de tê-la próximo de mim, de tocá-la, de olhar no mar dos seus olhos mais uma vez.
Não consegui resistir a esses impulsos no instante em que ela foi atrás de mim no backstage, e foi ainda mais difícil deixá-la ir embora enquanto dançávamos do que em qualquer outro momento da noite.
Parecia uma piada de mal gosto contra nós. Ficamos juntos sem poder admitir isso de verdade para as pessoas, e finalmente quando poderíamos agir como um casal normal na frente de todo mundo, o universo decidiu que isso não aconteceria.
Isso acaba hoje, ela tinha me dito, duas vezes, sem esclarecer qualquer coisa. Mas sua voz era tão firme. Seu olhar tão decidido. Três palavras que me causaram frio repentino e uma sensação tão terrível quanto gelo por minha espinha. Eu rezava para que ela não falasse sério, não sobre nós dois. Que não fosse o fim do que tínhamos, porque todo dia, sem ela nem fazer ideia, eu travava uma batalha diferente para conseguir dar um fim a tudo isso e poder ficar junto dela finalmente.
Tudo o que eu fazia era justamente por ela.
Eu me sentei no sofá me preparando para mais uma noite de insônia enquanto eu pensava em tudo o que precisava fazer para Beckett. Em como eu me livraria dele de uma vez por todas, um plano que pouco a pouco ia se encaminhando, lento demais, esgotando meu tempo. Eu quase não tinha mais paciência para isso.
Abri os primeiros botões da minha camisa e me preparei para puxar o maço de cigarros do bolso quando meu celular tocou e interrompeu meus movimentos no meio do caminho.
Aquele mal-estar que eu sentia se intensificou e os pelos do meu braço se eriçaram em um arrepio súbito. Quem mais me ligaria no meio da madrugada senão aquele filho da puta desgraçado?
Mas a voz que soou do outro lado não era masculina.
- ? – Eu franzi a testa murmurando contra o telefone. – Por que está me ligando?
- Será que você pode fazer o favor de deixar atender a porcaria do telefone dela? Estou cansada de ligar e só cair direto na caixa de mensagens! Se eu quisesse falar com um robô, comprava um para mim! – a voz da loira soava estridente e irritada, talvez pela bebida. ria ao fundo se divertindo com a sua atitude. Eu apenas fiquei mais confuso.
- Hm, tudo bem – murmurei. – Eu até poderia dizer isso a , mas acontece que ela não está comigo.
- Sem essa, ! Passa o telefone pra ela.
- Estou falando sério – insisti. – não está aqui.
Houve um instante onde nem eu e nem ela dissemos algo.
- Como assim ela não está com você?
Um nervosismo repentino correu por meu corpo a partir da entonação em sua voz. Por que ela deveria estar aqui?
- Não estando – eu respondi mais sério, me sentando com as costas eretas no sofá.
soltou um som incrédulo do outro lado da linha.
- Mas o porteiro disse que a viu chegando em um táxi! Então ela subiu, ficou uns minutos em casa e saiu de novo – explicou calmamente enquanto meu coração acelerava de forma errática dentro do meu peito. – Ele disse que ela havia se trocado e estava carregando uma mala. Pensei que ela pudesse estar com você, já que a última vez que a vi vocês estavam dançando juntos.
- Acontece que depois que dançamos ela foi embora. E não veio para a minha casa – eu falei pausadamente e senti mais um arrepio, dessa vez por todo o meu corpo. Podia jurar que senti se enrijecer também.
- – a voz da loira tremeu controladamente, eu já não ouvia mais do outro lado. –, se ela não está aqui e nem com você…
Eu achei que fosse algum tipo de piada. Até mesmo me atrevi a rir contra o telefone.
- Está me dizendo que ela sumiu?
- Eu não sei onde ela está.
Capítulo 55
Go through Armageddon
Girl, I got you
There’s no goodbyes, only us
So I will follow”
’s POV
Eu tentei ser racional apesar de estar emocionalmente em ruínas. Tentei usar o cérebro, mais para ajudar do outro lado da linha do que a mim mesmo. Mas era quase como se eu estivesse lutando contra uma causa perdida.
Olhei o horário do celular percebendo minha respiração ficar descompassada, alta, curta demais. Quatro horas da manhã. havia ido embora da pós-festa por volta da uma hora, e isso significava que ela não falara com ninguém por praticamente três horas e não havia informado sequer para onde estava indo.
- Tudo bem – eu murmurei roucamente, controlando minha respiração. – , para onde mais ela iria no meio da porra da madrugada?
- Fora a sua casa? – Eu ignorei seu sarcasmo sem dificuldade. – Nenhum lugar bom, .
Eu passei as mãos pelo meu cabelo, levantando-me e começando a andar de um lado para o outro.
- Sabe se aconteceu alguma coisa com a família dela?
arfou do outro lado.
- Boa ideia! Vou fazer algumas ligações.
- Não desligue o celular – eu exigi quase desesperado. – Fique na linha me informando das coisas.
- vai falar com você agora. – Sons abafados se seguiram por alguns segundos até que a voz de soou séria do outro lado: – , talvez fosse uma boa ligar para os caras. Eles podem saber de alguma coisa.
- Ok, vou fazer isso. – Eu caminhei até o telefone fixo e comecei a discar os números.
Cada toque de cada ligação parecia levar uma eternidade. E foda-se se estávamos no meio da noite sendo inconvenientes, eu ligaria até para o presidente dos Estados Unidos se isso fosse ajudar de alguma maneira.
disse que não estava com ela. A última vez que ele a havia visto na festa tinha sido logo depois de apresentá-la ao Ed e então se juntou a , e Ellie em uma conversa que durou muito tempo, perdendo de vista.
Quem atendeu o telefone do na verdade foi Victoria. Eu poderia ter rido do seu embaraço ao perceber que havia confundido o telefone dele com o dela e se dedurado para mim sem ter noção de que fazia isso, mas não disse uma palavra. E foi exatamente por eu não fazer nenhuma piada sobre isso que ela percebeu que tinha algo errado.
disse que não tinha visto depois de nos separarmos na pós-festa, e Victoria começou a ficar inquieta com a falta de explicações que eu passava para eles. Precisei desligar antes que ela fizesse perguntas demais que eu não pudesse responder, ou que me deixasse ainda mais nervoso com hipóteses que eu não queria pensar.
- já ligou para o centro de reabilitação onde o pai de está e agora está falando com alguém muito irritado do internato onde os gêmeos moram, mas aparentemente todos estão bem. – Eu quase podia jurar que franzia a testa enquanto observava a namorada. – Nenhum motivo para ela sair às pressas sem avisar até o momento. vai ligar para Luke, ver se ele sabe de algo.
- Tudo bem. – Eu me vi balançar a cabeça pateticamente como se ele pudesse ver. – , e Victoria não sabem de nada.
- Victoria? – A confusão e indignação se misturaram na voz de . Eu quase me permiti rir com isso.
- Eles estão juntos. Longa história, deixamos isso pra outra hora – eu interrompi o assunto antes de sequer começar. – Vou ligar para agora.
atendeu a chamada com a voz grogue de sono. Eu apostava que ele já estaria dormindo há algum tempo. Se me lembrava bem, ele havia sido o primeiro a ir embora.
- – eu respirei fundo. –, está com você aí?
Eu podia apostar que ele estava bufando, sentando-se na cama completamente irritado.
- Isso é algum tipo de brincadeira? – ele praticamente rosnou do outro lado. – É claro que ela não está comigo, .
Eu fechei os olhos com força.
- E você sabe onde, hipoteticamente, ela poderia estar agora?
- Isso é algum tipo de teste? Não sei!
- , por favor.
Ele se acalmou do outro lado, de repente quieto demais. Eu esperava sua resposta séria, mesmo que seu silêncio já me desse uma conclusão bastante clara.
- – ele me disse lentamente. – aconteceu alguma coisa com ela?
Eu me recusei a responder aquilo, incapaz de pensar em outras possibilidades.
- Boa noite, .
Desliguei o telefone na sua cara, exatamente como fiz com os outros, evitando perguntas, apesar de estar bastante certo que isso não ajudaria nenhum deles a manter a calma ou simplesmente voltar a dormir depois disso.
Voltei a pegar meu celular.
- Alguma sorte por aí, ?
- Meu irmão não sabe de nada – foi quem me respondeu.
- Nem nenhum dos caras – eu disse sentindo meu estômago embrulhar.
Eu ouvi a própria respiração da garota do outro lado da linha, pesada demais, perdendo o controle. Eu também estava.
- , pra onde ela foi numa hora dessas? – A voz dela fraquejou.
- Eu não sei! – exclamei começando a sentir o desespero querer tomar conta de mim. – Nós simplesmente dançamos, começamos a discutir e então ela começou a agir estranho e foi embora em seguida! Não me disse para onde e nem porquê.
gaguejou do outro lado:
- E-ela vem agindo de forma estranha durantes as últimas duas semanas – disse com a voz embargada. – Acha que isso tem a ver com seu sumiço?
Obviamente, eu quis dizer, mas me controlei. Ser grosso não levaria nenhum de nós a lugar nenhum. Não ajudaria.
- Mais importante que isso é saber porque ela vinha agindo esquisito – eu respondi em seguida. – Do que você sabe, ?
- De nada – ela me respondeu imediatamente. – Eu achei que fosse só estresse! Ela trabalhou tanto nos últimos dias que mal parou em casa.
- Desde quando ela estava trabalhando em serviços paralelos?
Eu não sabia daquilo. Por que ela faria isso?
- Desde que ficou sabendo que a série havia sido renovada para a quarta temporada – falou em seguida. – ,em>Exatamente no dia seguinte ela veio com essa história de que tinha tempo livre demais e que Rachel havia conseguido alguns trabalhos para ela. Eu juro que mal consegui conversar com desde então.
Algumas conexões. Minha mente começava a trabalhar em buscar detalhes que talvez estivessem mascarados demais para serem percebidos inicialmente, mas eu não conseguia pensar direito.
- Acha que devemos ligar para Rachel? – perguntou do outro lado. – Será que ela sabe de alguma coisa?
Eu balancei a cabeça negativamente para os lados, mesmo que ela não conseguisse ver.
- Não – eu respondi. – Se ela tivesse algo a contar, diria para um de nós dois, .
- Então estamos deixando passar alguma coisa! – a loira praticamente gritou do outro lado. Eu ouvi tentar fazê-la manter a calma. – Ela não te disse nada? Você sabe de alguma coisa que eu não sei, ?
- Talvez. Eu não faço ideia.
Eu percorria meu apartamento inquieto, tremendo. Para onde ela iria?, eu repetia sem parar, tentando achar uma resposta. Por quê?
- Você me disse que tinham discutido – continuou. – O que aconteceu entre vocês? Tem alguma coisa a ver? Tem que ter ligação com alguma coisa, !
- Nós brigamos, sim! Mas os motivos pelos quais brigamos, ela não... ela... – As palavras se perderam conforme algumas peças foram se encaixando dolorosamente, e minha pele começou a formigar fervorosamente.
Nossa última noite juntos. A briga antecedendo a isso. O mesmo dia da reunião com Gregory. Toda a bagunça que veio em seguida. As coisas que ela me disse.
“Alguém precisa fazer alguma coisa para pará-lo.”
“Não posso ficar aqui assistindo você perder tudo, . Não posso.”
“Isso acaba hoje.”
.
Puta que pariu.
Minha boca secou totalmente, os sons não parecendo mais que ruídos aos meus ouvidos conforme o entendimento finalmente vinha, e me atingia como um soco na boca do estômago.
Não podia ser, não podia. Era apenas um absurdo da minha cabeça cansada, da perturbação toda, eu tentava me convencer. Ela não faria... Não. Mentira. Ela faria. Faria exatamente isso, o que eu mais temia.
- Como eu pude ser tão estúpido!
Gritei contra o telefone e chutei a primeira coisa que achei no meu caminho para longe. A cadeira caiu com um som espalhafatoso que apenas me deixou com mais vontade de bater e quebrar outros objetos.
- ? – estava aflita. – , o que foi?!
- E-eu... Não pode ser, não pode ser... – Eu estava lívido de desespero pela ideia que praticamente se concluiu em minha cabeça conforme meus olhos ardiam e minha garganta se fechava quase que inteira. – Entre no quarto dela, veja se acha algo que ela possa ter deixado para trás como uma dica, um bilhete, um cartão, qualquer merda que faça sentido!
- Eu não estou te entendendo, . – Mas ainda assim eu ouvi passos apressados do outro lado enquanto ela e faziam o que eu pedia.
- Ela deve ter deixado alguma dica, ela não iria até ele sem…
- Não tem nada aqui, , está tudo impecavelmente arrumado! – gritou. – Nada além do notebook dela e o diário.
- É isso, o diário! – eu gritei imediatamente. – Leia o diário dela, veja as últimas coisas que ela escreveu.
A garota hesitou surpreendentemente.
- Ela vai me matar se descobrir que fiz isso.
- Você realmente está preocupada com isso, mulher? – Ouvi retrucar para ela, revoltado. – Me dá esse negócio aqui.
Identifiquei o barulho de papéis sendo remexidos, sussurros sendo trocados conforme perpassavam os olhos pelas informações, e cada segundo que se seguia, mais uma batida do meu coração ecoava, como se marcasse o tempo, como se me preparasse para o que seria o divisor de águas do momento.
- E então? – Eu exigi saber quando o silêncio já se tornava insuportável.
soltou um ganido do outro lado. Foi que falou comigo em seguida:
- Talvez seja melhor você vir para cá. – Sua voz estava rouca demais. – Não vai gostar do que está escrito aqui, mas é para você.
Eu fechei os olhos com força e as lágrimas de desespero escorreram sem permissão.
Em que merda ela tinha se enfiado? Eu tinha uma boa ideia quanto a isso.
’s POV
Eu comecei a recobrar a consciência lentamente. Primeiro ouvindo sons distantes, ecoando alto dentro do meu crânio. Depois, sentindo todas minhas vias respiratórias queimarem de tão secas.
Minha cabeça estava tombada para a frente, pesada demais para que eu conseguisse levantá-la de uma vez e a náusea forte fazia eu querer me contorcer. Só que eu não consegui sentir meus músculos de imediato, demorou até que eu conseguisse, mas uma breve onda de alívio me preencheu quando meus dedos tocaram minhas pulseiras no pulso contrário. Eu ainda tinha uma chance.
Plano B, eu consegui pensar debilmente. Tem que funcionar. Era tudo o que eu tinha agora.
Comecei a recobrar os outros sentidos gradativamente. Fiz uma careta de dor quando finalmente a enxaqueca me atingiu e meus braços doeram ao tentar mexê-los. Estavam amarrados atrás das minhas costas, eu sentada em uma cadeira dura e precária provavelmente para que ficassem de olho em mim. O ambiente frio fez meus pelos se eriçarem, pois haviam tirado minha jaqueta e parecia ter uma corrente de vento gélida vindo de algum lugar acima. Significava que havia alguma abertura por perto.
- Parece que a princesa está acordando. – Aquela voz seguida daquela risada... Eu quase podia jurar que estava apenas tendo outro pesadelo se tudo não parecesse tão real. Se eu não soubesse que era real.
Pisquei pesadamente algumas vezes, grogue demais.
- O que você me deu para cheirar? – Quase não entendi o que eu mesma disse de tão seca que minhas vias respiratórias estavam e de tão rouca que minha voz saiu. Tossi com ainda mais dificuldade.
- Clorofórmio – Beckett me respondeu, e eu finalmente consegui abrir os olhos e começar a enxergar alguma coisa além de vultos e borrões de antes. A claridade parecia muito forte, entretanto, para que eu me focasse em qualquer coisa.
- O que é isso?
- Um composto químico. Um anestésico externo, na verdade – explicou calmamente e estralou a língua no céu da boca, tirando o cabelo loiro da frente do seu rosto. – Pode ser um pouco tóxico. Confesso que fiquei preocupado com você, passou bastante tempo desacordada. Talvez eu tenha exagerado um pouquinho, mesmo o diluindo em água antes. Perdoe meu equívoco.
Eu ainda me sentia fraca demais para retrucar alguma coisa. Só conseguia pensar no quanto eu o odiava e então difamar toda a família dele: passado, presente, e até quem viria depois, enquanto eu me sentia uma completa estúpida por ter me deixado ser pega tão facilmente.
- Onde eu estou? – Comecei a olhar ao redor, minhas íris mais focadas agora, procurando algo de familiar no ambiente. Não havia nada.
- Em um lugar onde as pessoas não questionariam tanto por que estávamos carregando uma garota desmaiada conosco, provavelmente contra a vontade dela.
Finalmente eu consegui notar a presença de outras pessoas além de Beckett. Shepard e os homens que haviam ficado de olho em mim antes a poucos metros de onde eu estava. Eu não sabia se havia alguém atrás de mim, mas era provável que sim.
Observei o que existia dentro do meu campo de visão, ainda com vertigens leves, mas minha respiração se tornando mais forte a cada segundo, assim como meus batimentos cardíacos.
A primeira coisa que eu realmente me dei conta enquanto meus olhos passeavam pelo espaço foi da empilhadeira a alguns vário metros de nós, e então outras mais distantes, palets no chão com diversas embalagens de produtos pesados e muito suspeitos sobre eles. Pilhas e pilhas pelos cantos, criando tantos corredores que seriam capazes de fazer uma pessoa se perder. A semelhança deste lugar para com um depósito de supermercado era tanta que se eu não conhecesse pelo menos um pouco das pessoas com quem eu estava lidando agora, teria sido facilmente enganada pelo entendimento que a visão me proporcionava.
Entretanto, esse não era o caso, e eu tinha bons palpites do que era tudo isso. Meu estômago vibrou com a onda repentina de ansiedade que me atingiu.
Bingo.
- É aqui o seu armazenamento e centro de distribuição, então? – perguntei repentinamente, querendo pegá-lo de surpresa, mas Beckett permaneceu inexpressivo e não respondeu nada, apenas me fitou atentamente. Só que eu precisava que ele dissesse em voz alta. Que assumisse ou confessasse alguma coisa, e por isso continuei: – Pelo tamanho que aparenta ter esse galpão e a quantidade de caixas e embrulhos empilhados nesses corredores, os negócios têm estado bons, huh?
- O dinheiro de e agora o seu, devo dizer, nos ajuda a manter locais como esse.
Suas palavras me lembraram de outra coisa e minha boca se contorceu numa careta. Eu pisquei os olhos pesadamente, ainda com dificuldades de me manter firme.
- ... – murmurei tão baixo que ele precisou se aproximar de mim para ouvir devidamente. – Eu não entendo, vocês dois tinham um acordo.
- Ora, já conversamos sobre isso, . Eu não descumpri minha palavra. – Ele sorriu para mim. – E eu avisei para ele. Uma vez nesse mundo, para sempre nele.
Eu arrumei minha coluna na cadeira até que estivesse completamente ereta, deixando que sua ameaça passasse por mim como uma brisa inofensiva, controlando minha expressão para que eu não revelasse nada.
- Que sorte a nossa saber que o dinheiro que demos a você não vem assinado com nosso nome, não é? – Eu ri secamente para ele. – Assim você pode continuar acreditando nessa ilusão de que é um homem de palavra.
Beckett manteve o canto dos seus lábios erguidos em um meio sorriso.
- Aí estão – ele disse maliciosamente, suas pupilas fixas e intensas sobre as minhas. – Suas chamas se acendendo de novo. Acho fascinante e completamente sedutor essa arrogância serena que você tem, fingindo ser superior a qualquer um que pise na sua frente.
Eu desviei meus olhos dos seus, voltando a passear minha visão pelo galpão abarrotado até avistar as janelas abertas no topo das paredes laterais. Altas demais para eu cogitar qualquer coisa.
Não adiantaria de qualquer forma. Além da minha nula habilidade para escalar qualquer superfície, minhas mãos estavam firmemente atadas. Eu sentia muito claramente a aspereza das cordas contra minha pele cada vez que eu fazia qualquer movimento.
Ao menos meus pés estavam soltos. Não era muito, mas melhor que nada.
- Quanto tempo eu fiquei apagada? – Percebi que minha voz já começava a melhorar, mesmo que pigarrear fizesse minha garganta arder ainda mais.
- Um par de horas. – Beckett deu de ombros.
- E por que se deu ao trabalho de me trazer até aqui?
- Achei que talvez um lugar silencioso e afastado pudesse ser bom para te fazer repensar minha oferta.
- Um lugar deserto, sem testemunhas a meu favor e rodeado de drogas, você quer dizer? – Eu ri sem humor. – Que péssima maneira de tentar convencer uma garota a dormir com você, Beckett. Tente flores, chocolates, um hotel cinco estrelas da próxima vez, talvez tenha mais sorte.
Ele soltou uma gargalhada estrondosa.
- Se você concordar, posso resolver isso. – Ele se aproximou perigosamente de mim. – Só que... Por curiosidade, você já transou com as mãos amarradas e venda nos olhos ou isso não faz muito o estilo do ?
Eu franzi as sobrancelhas para ele, constrangida e com uma pitada muito forte de receio, um arrepio subindo por minha espinha enquanto meu rosto ficava quente. Isso pareceu deixá-lo ainda mais excitado.
- Bom, a questão é que eu não deixaria você ver onde eu estaria te levando, muito menos deixaria você me tocar depois de apontar uma arma em minha direção, então nosso sexo teria que ser assim – ele explicou com um dar de ombros fingindo inocência. – Mas garanto que seria igualmente divertido e prazeroso. Aposto que não se arrependeria depois, provavelmente pediria por mais.
- É mesmo? – Se ele ouviu meu sarcasmo, ignorou.
- Ah, com certeza, Ruivinha. – Ele deu mais um passo em minha direção. – Sabe, se você raciocinar com clareza, vai ver que eu poderia pedir coisas piores de você, fazer coisas piores com você. Mas só estou pedindo uma noite da sua vida. E assim todos conseguimos o que queremos.
Eu apertei meus punhos com força contra minhas costas, grata por poder esconder esse gesto dele, sentindo além de nojo, ódio por suas palavras, pela forma como ele me olhava.
Era tudo um jogo para ele, não se passava disso em sua mente doente.
Só que eu também sabia jogar. E se ele achava que eu era uma garota inofensiva, carregando uma arma sem, teoricamente, saber usá-la, e que ao tirá-la de mim me deixara completamente indefesa e a mercê dele, Beckett estava muito, muito enganado.
Eu fechei os olhos, contei mentalmente até dez e humedeci meus lábios com a ponta da minha língua.
- Se eu concordar com você – eu comecei a dizer e o olhei atentamente. –, como funcionaria isso?
Um brilho faminto surgiu em seus olhos. Ele deu mais um passo em minha direção e eu medi a distância que ele estava de mim.
Tinha que chegar mais perto.
- Você quer detalhes, ?
- Quero.
Mais um passo ecoou no chão. E então ele se inclinou sobre mim, suas íris percorrendo todo o meu rosto, meu corpo.
- De costas e de quatro – Ele me encarou perversamente. –, eu te foderia tão forte, Ruivinha, que você gemeria e gritaria meu nome até perder a voz, gostaria tanto do que eu estaria fazendo que imploraria para que eu nunca parasse. Pediria por mais até que perdesse todos os sentidos. E então, quando finalmente voltasse para , assim que todos nós tivéssemos encerrado nossos assuntos e interesses comuns, eu ficaria em paz sabendo que jamais olharia para você sem se lembrar que um dia te toquei, que estive dentro de você como ele nunca esteve. Que agora você teria resquícios de mim como digitais sobre a sua pele para sempre.
“Nenhum dos dois jamais esqueceria meu rosto ou meu nome. E saberiam, ah, eu faria questão que entendessem por fim, que o único culpado por tudo isso é e sempre foi justamente , a quem você tenta tão desesperadamente proteger, por ter decidido abandonar nossos negócios como se nós aqui fossemos a droga da escória da sociedade, e ele, alguém muito melhor que a gente!”
A bile subiu até minha garganta e meu estômago se agitou em repulsa. Eu respirei fundo, controlando meu coração errático e a reverberação dos seus batimentos contra meu ouvido. Engoli em seco apenas para ter certeza de que não vomitaria e lutei para não virar meu rosto para longe do dele, de desviar meus olhos dos seus.
Então relaxei meus músculos na cadeira, suavizei minha face endurecida. E me preparei.
- Para isso acabar, tudo o que eu precisaria fazer é concordar? – eu murmurei a pergunta calmamente.
- Basta dizer sim. – Beckett abriu um sorriso vitorioso, abaixou-se até que seu rosto estivesse na altura do meu, nossos narizes alinhados, olhos nos olhos. – O que vai ser então, ?
Eu pisquei lentamente.
- Acho que já tenho minha resposta – sussurrei.
- Então me diga qual é.
Eu deixei que nós nos olhássemos por cinco segundos inteiros quando finalmente deixei transparecer todo o meu nojo por ele, sem nada mais oculto.
- A resposta é não. – E em seguida, antes que ele pudesse ter qualquer reação além de me fitar incrédulo e desgostoso, eu chutei com toda a força o meio de suas pernas com minha canela esquerda, acertando em cheio seu maxilar com um chute do meu pé direito logo depois e finalizei, ainda enquanto ele era tomado pela surpresa e dor, com um empurrão usando meus dois pés contra o seu peito, ganhando espaço e o fazendo cambalear pateticamente para trás até atingir, de costas, o chão tão frio e sujo quanto ele. Ironias da vida, eu havia usado exatamente essa mesma sequência de golpes contra enquanto filmávamos a série. Eu adorava meu trabalho.
Apesar das armas subitamente apontadas em minha direção em resposta ao acontecimento, acompanhadas de olhares arregalados dos homens dentro do recinto que pareciam sem saber o que fazer ou como reagir, Shepard foi o único que fez alguma menção de ajudar o chefe a se levantar.
Beckett o dispensou com um gesto controlado, pedindo aos outros que abaixassem suas pistolas, ainda grunhindo e se contorcendo no chão, afastado de mim com a respiração forte e curta. Eu podia ver, por entre os dedos que cobriam seu queixo, um pequeno filete de sangue escorrer dali. E mesmo sabendo que havia cruzado uma linha tênue muito perigosa, não escondi a satisfação por perceber o que tinha feito com ele e sorri em sua direção, tomada por uma raiva e adrenalina que não cabiam dentro de mim.
- Oops! Será que eu machuquei você, Beckett? Devo pedir desculpas por isso? Porque eu espero que tenha sido o suficiente para entender, que não importa o que você diga, minha resposta sempre será não! – O intervalo de um segundo foi suficiente para minhas palavras e falsa inocência serem absorvidas por ele, desvanecendo-se no ar, transformando-se em seus olhos, fazendo com que ele levantasse o rosto até mim, recuperado, o olhar fixo e fervendo de cólera, imediatamente se colocando de pé e caminhando apressadamente em minha direção.
E então me devolveu a agressão com um tapa tão forte no rosto que todo o meu corpo foi jogado para o lado, e depois para o outro com o segundo golpe, quase me fazendo cair da cadeira, me tirando todo o ar dos pulmões.
- Você é muito estúpida se acha que vai conseguir alguma coisa agindo assim! – ele gritou e sua voz ecoou em meus ouvidos, o mundo de repente em câmera lenta passando ao meu redor com imagens atrasadas. Eu me encolhi contra meu próprio corpo.
A pele da minha face formigava, doía e queimava, e eu apertei meus olhos para dispensar a tontura. O gosto metálico de sangue me deixou ainda mais enjoada e eu cuspi o líquido no chão ao meu lado quando percebi que meu lábio estava cortado e sangrava dentro da minha boca. Mas ainda assim, a vertigem causada pelos tapas ainda não havia passado por completo e meu ouvido apitava baixinho num som infinito que me deixava zonza.
- Não me subestime tanto quanto vem fazendo – eu consegui dizer após alguns segundos e a fúria no rosto dele quase me fez encolher outra vez quando ele se inclinou sobre mim novamente. – Não sou uma garota bonita sem cérebro como pensa que eu sou.
Ele me esboçou um meio sorriso cruel, o olhar próximo da loucura, e limpou o sangue que escorria do seu próprio rosto, olhando para seu polegar manchado de vermelho e em seguida o esfregando contra meu lábio inferior e queixo, fingindo que não me via tentar esquivar do seu toque grotesco.
- Amarrem as pernas dela. – Ele ordenou para seus capangas, que imediatamente saíram à procura de cordas para fazer o serviço, sem nunca tirar a atenção de mim. – Você tem sorte de que bater em mulheres não faz muito meu estilo, ou agora você estaria com muito mais que apenas um corte superficial e o rosto vermelho.
- Acha que me dizer isso vai fazer alguma diferença? – eu vociferei para ele. – Acha que vai me fazer colaborar? Você nunca vai ter o que quer de mim por minha livre e espontânea vontade!
Ele gargalhou na minha cara, seu hálito batendo contra meu rosto e voltando a se aproximar perigosamente de mim.
- Fique tranquila, . Isso não será um problema. – Ele roçou os dedos na curva do meu seio, levantando a barra do meu cropped levemente e apertou o alto da minha coxa quando tentei me desvencilhar do seu toque, não mais preocupada em manter minha postura imóvel, apenas querendo ele distante. – Não gosto das coisas desse jeito, à força. Prefiro quando as mulheres estão molhadas por mim, para mim.
“Mas acredite – Ele segurou meu rosto com seus dedos ásperos e brutos, com força suficiente para que me fizesse arfar e murmurou com sua boca quase roçando em minha pele. –, você vai se dar conta, até o final do dia de hoje, que teria sido muito mais fácil se você tivesse de fato colaborado comigo logo no começo. Vai perceber isso quando assistir o que vou fazer com quando ele estiver aqui e a única saída para vocês dois, a única forma de me fazer parar, vai ser me dar o que eu quero.
“Então você vai pedir por mim, . Vai implorar para que eu meta duro em você, sem parar, até você desmaiar, simplesmente para poupar de todas as formas que eu tenho planejado para acabar com ele, até que ele se torne irreconhecível! E finalmente o tão famoso vai sumir do mapa de todo mundo. E eu vou ficar feliz em saber que isso vai ter terminado comigo assombrando a vida miserável de vocês dois. Para sempre.”
Ele soltou meu rosto rispidamente e sustentou meu olhar por mais um tempo, me observando como se estudasse mil maneiras de me destruir, ainda piores que as ameaças que fizera para , enquanto eu me sentia começar a tremer dos pés à cabeça sem qualquer capacidade de esconder o medo real e indisfarçável.
Ele deu um passo para trás quando os homens chegaram com as cordas. Eles as apertaram tanto em meus calcanhares contra os pés da cadeira que o sangue quase não chegava aos meus dedos.
Beckett sorriu a cada careta de dor que deixei escapar, e a mensagem ficou cada vez mais clara diante de mim. A ira dele não seria mais contida, ele não se seguraria mais. E eu estava ficando sem tempo.
Inspirei e expirei por diversas vezes tentando me acalmar, sem sucesso.
Plano B. Plano B. Plano B.
’s POV
O porteiro do condomínio mais uma vez permitiu que eu deixasse minha moto no estacionamento subsolo do edifício, mas eu não fui muito educado com ele quando passei praticamente voando direto para o elevador até que enfim chegasse no apartamento de e o adentrasse sem sequer avisar minha chegada.
estava inquieta, os olhos injetados de vermelho, provavelmente por raiva e também por ter chorado. Andava de um lado para o outro mordendo o dedão, e assim que me viu, veio em minha direção, xingando alto palavras que mal absorvi, praticamente socando o diário de contra o meu peito.
me olhou de cima a baixo, sentado na cadeira da mesa de jantar com os cotovelos apoiados nos joelhos e os dedos indicadores juntos contra sua boca.
Se era possível, meu coração acelerou ainda mais pela seriedade dele, que nunca perdia as palavras e dava espaço para a quietude.
Preso em uma espécie de transe, comecei a ler o que eu segurava em minhas mãos.
Querido diário…
,
Se chegou ao ponto de você pegar meu diário para fuçar e ler o que está aqui, imagino que seja porque muito tempo tenha se passado e eu ainda não tenha voltado para casa.
Isso, e também, porque muito provavelmente, você entendeu o que eu quis dizer quando conversei com você hoje à noite e veio até aqui atrás de respostas. Fico feliz por ter ligado os pontos.
A uma altura dessas acho que já sabe que não me referia a nós dois quando disse que tudo acabaria. Não, para nós eu espero que seja apenas o começo. E de um jeito ou de outro, vai ser o fim para aquilo que desde que nos conhecemos vem tentando te manter longe de mim.
Você precisa entender que não é o vilão da história como pensa que é! A culpa não é sua. Você é um homem bom que faz de tudo para proteger as pessoas que ama nem que seja transformando sua própria imagem em algo que a maioria odeie, sua vida num rascunho do inferno, ou em seu próprio purgatório.
Eu vi isso em você, essa parte que você tanto tenta esconder, esse altruísmo, a bondade. Enxerguei lá dentro da sua alma, , e as coisas boas que encontrei nela... Saiba que são algumas das razões porque te amo. Então coloque em sua cabeça: não posso deixar que se destrua. Não posso deixar que Beckett destrua você.
Essa história proibida do seu passado que você há tanto tempo vem ocultando, muito antes sequer de eu aparecer... Está na hora de acabar com ela. De uma vez.
E eu decidi fazer isso.
Nesse momento, devo estar com ele. Joguei com a sorte e fui para o mesmo lugar onde você me levou aquela noite. Vou oferecer dinheiro para Beckett. Tudo o que eu tenho, tudo o que posso conseguir, e fazer um acordo para ele nunca mais procurar nenhum de nós dois ou qualquer pessoa próxima da gente.
Esse é meu plano A.
Se não funcionar, aí vou precisar da sua ajuda para conseguir levar o plano B até o fim.
Acontece que eu resolvi tomar algumas precauções antes de vir desacompanhada para um lugar sem ter a certeza absoluta de que iria conseguir sair sozinha.
Primeiro de tudo, peguei a pistola que estava no porta luvas do seu Audi. Espero que não se importe. Também espero poder devolvê-la em breve e sem usa-la.
Segundo, se você ligar meu notebook vai ver três programas abertos. Um deles tem minha localização em tempo real, ou no mínimo, o último local onde estive antes do transmissor ter parado de funcionar. Eu coloquei esse pequeno GPS em um dos pingentes de minhas pulseiras, junto com a escuta eletrônica que estou usando.
Vai ver que um dos outros programas abertos é um transmissor de áudio simultâneo, e o último, um gravador de mídias que está armazenando tudo o que é dito em um único arquivo ao mesmo tempo em que acontece. Só vai parar quando a transmissão da escuta se encerrar, por isso não feche o programa antes da hora. Se Beckett não aceitar minha primeira oferta, eu pretendo arrancar algumas verdades dele para poder incriminá-lo com suas próprias palavras.
E é aí que você entra.
Quando Beckett fizer isso, leve as informações direto para a polícia! Sei que não é o que você deseja, que podem muito bem existir consequências para você mesmo se fizer isso, mesmo depois de tudo, mas é o que temos, nossa garantia que esse homem e mais alguns vão desaparecer de uma vez.
E, assim que tivermos o que é preciso, assim que isso acontecer, me tire de onde quer que eu esteja.
Por favor, , não faça nenhuma besteira. Eu já estou fazendo o suficiente por nós dois ao ir de encontro a ele.
Não envolva mais ninguém nisso.
Confio em você.
Espero que confie em mim também.
Com todo o amor,
Sua .
Eu achei que pudesse ter parado de respirar. Minhas mãos tremiam tanto que as palavras se tornaram borrões, as linhas retas, completamente tortas, e ao fim da leitura, aos tropeços eu me sentei de frente para o computador dela, agora sobre a mesa de jantar, trazido provavelmente por ou e constatei que realmente ela tinha dito a verdade no diário. Ela realmente estava falando sério.
Eu deixei que o caderno fizesse um barulho oco ao encontrar o vidro da mesa e se fechasse imediatamente.
- Puta que pariu! – eu soltei esse e alguns outros palavrões quando olhei o relógio do notebook que marcava agora cinco horas da manhã e alguns minutos enquanto o gravador de áudio tinha um timer de mais de quatro horas, os segundos ainda passando, aumentando. – Por que não tem som saindo daqui?
me olhou completamente esgotado, balançando a cabeça para os lados.
- Eu coloquei no mudo para não ter que ouvir o que estava acontecendo.
A sensação que tive foi quase idêntica a de levar um soco em minha cara.
- O que quer dizer com isso? – Minha voz tremeu debilmente, minhas unhas afundando em minhas palmas de punhos cerrados. – Que caralho estava acontecendo, ?
parou ao meu lado e bateu com força seu celular na mesa, a tela mostrando sua biblioteca de áudios.
- Ouça você mesmo. – Ela praticamente cuspiu no meu rosto.
Eu pisquei atordoado e coloquei os fones de ouvido, a voz de soando primeiro e o nojo me tomou por completo conforme o discurso prosseguia.
“- Se eu concordar com você, como funcionaria isso?
- Você quer detalhes, ?
- Quero.
[...]”
E o que veio depois daquilo... Foram os três minutos mais longos da minha vida, eu achei que pudesse explodir de dentro para fora de tanto ódio que eu sentia. Pura cólera me tomando por inteiro.
O que ele havia dito para ela, o que ele havia feito.
Eu mataria aquele filho da puta. Eu o faria pagar por isso!
Cego pela fúria eu me levantei num ímpeto, tirei a arma que estava em minha cintura, até então invisível aos olhos de qualquer um, outra pistola que eu guardava em meu quarto por precaução e agora carregava comigo, e tirei seu pente, conferindo a quantidade de balas no cartucho, fazendo se levantar de supetão com olhos arregalados e se afastar assustada, a passos trôpegos.
- Que porra você pensa que está fazendo? – gritou comigo, segurando meu braço com mais força do que jamais senti vindo dele.
- Indo buscar e pondo um fim nisso.
- Coloque juízo na sua cabeça vazia! – ele gritou. – Você não pode matar uma pessoa!
- Eu vou tirá-la das mãos daquele filho da puta não importa as consequências! – eu gritei de volta e fiz menção de me afastar, mas fui interrompido de súbito:
- Não! Você não vai a lugar nenhum até explicar o que está acontecendo! – literalmente arrancou a arma da minha mão, talvez no gesto mais ridiculamente impulsivo que ela já fez e a jogou de qualquer jeito sobre o sofá atrás de si, me encarando com algo que ia além do ódio e desespero. – Sinto muito se você quer bancar o Batman agora, , mas minha melhor amiga está sabe-se lá onde nesse momento por algum bastardo agindo como se toda essa desgraça não se passasse da porcaria de um filme de ação!
Ela gritou tão alto que eu precisei dar um passo para trás para conseguir inutilmente me recuperar. abriu e fechou a boca, transtornado, e não disse nada. Mas ela continuou mesmo assim:
- Então trate de explicar nos mínimos detalhes como isso foi acontecer, . Porque eu pretendo ajudar. – Ela deu um passo em minha direção. – E se acha que vai conseguir me fazer mudar de ideia, eu sugiro que repense. Você não vai a lugar nenhum sozinho.
Eu olhei para , procurando apoio. Quem sabe assim ele não diria algo que recobrasse a sensatez de sua namorada? Porque claramente ela não estava pensando com clareza para sugerir algo tão estúpido! Mas ele apenas me encarava impassível, sua boca numa linha fina, a coluna completamente ereta, fazendo das palavras dela, dele também.
Eu apertei os punhos mais uma vez contra a lateral do meu corpo, o sangue rugindo até meus ouvidos, minha garganta se fechando com a agonia e angústia por estar desperdiçando mais e mais tempo enquanto tinha que dar satisfação a eles.
Minha cabeça estava trabalhando tão rápido que eu não conseguia raciocinar direito. E as coisas se tornaram ainda piores quando de repente a porta se abriu e eu vi a quantidade de pessoas que passou por ela em seguida.
primeiro, seguido de , Victoria e por último.
Eu quase consegui rir com a ironia daquilo. Que piada ridícula o universo estava fazendo.
- Isso virou algum tipo de reunião ou alguma merda do tipo? – eu perguntei roucamente, me sentindo tremer, virando me de volta para o casal diante de mim. – Quem os chamou aqui?
Pela cara de espanto que e fizeram quando os encarei, não havia sido nenhum deles a fazer isso.
- Fui eu – disse firmemente, tentando explicar, achando que tinha algum direito disso no fim das contas. – Você não fez sentido ao telefone, e me contaram que você também ligou para eles. me disse que estava aqui. Então eu vim, nós viemos.
- Agora, o que está acontecendo? – perguntou numa calma ensaiada. – Acharam a ?
- Sim e não – murmurou simplesmente, seu nervosismo tão palpável quanto o de qualquer um ali dentro. Então ela virou-se para mim e cruzou os braços, o peso do seu olhar tentando me sobrepujar. – Mas primeiro, tem uma história para contar. Ele vai explicar tudo.
Seis pares de olhos me fitaram em expectativa e eu me senti como um animal encurralado, meu corpo inteiro tremendo em agonia.
- Comece a falar – exigiu firmemente.
Eu respirei fundo, sem saída, e fiz o que pediu.
Ps¹: Bom, informação de utilidade pública aqui -> falamos do clorofórmio nesse capítulo. Ele é realmente um composto químico, muito, muito forte e tóxico que pode levar uma pessoa a diversos estágios de intoxicação e inclusive a morte se ingeri-lo. Visto que ele pode ser encontrado à venda em alguns lugares (principalmente na composição de lança perfumes), aconselho vocês a manter as mãos (e todo o corpo) longe dele, tá?
Ps²: Só pra lembrar, não é porque eu escrevo sobre violência que concordo ou acho certo. Pelo contrário. Qualquer tipo de abuso, denuncie!
Capítulo 56
Driving the edge of a knife
Never let you go, never let me down
Don't you give up, nah-nah-nah
I won't give up, nah-nah-nah”
’s POV
Os próximos minutos passaram se arrastando conforme eu contava a eles minha história; aquela que ninguém além de sabia, que eu tinha lutado tanto, por tanto tempo, para esconder. As palavras se despejavam da minha boca muitas vezes antes que eu sequer pudesse pensar no que elas significavam, desconexas, seguindo para onde eu achei que tivesse sido o fim de toda essa merda até chegar ao ponto de como as últimas semanas transcorreram até aqui. Ou quase.
- Pausa! – fez sinal de tempo com as mãos me interrompendo, a testa franzida, claramente confuso. – Só pra confirmar: você era traficante?
- Sim – respondi impaciente. – Era. No passado, em todos os pretéritos. Fui.
- E esse tempo todo a gente nunca desconfiou de nada? – Ele encarou , perplexo, quando me viu assentir mais uma vez, ainda que relutante. – Puta merda, a gente é muito cego. Foram quase cinco anos!
deu de ombros, sem saber o que dizer. apenas me encarava. piscou os olhos e riu secamente, a decepção clara em todos os seus poros, quando tomou ar para perguntar:
- O que você tinha na cabeça pra entrar nesse meio? Por que merda você fazia isso, ?
Eu trinquei meu maxilar e pressionei minha têmpora com os dedos. Eu sentia a indignação em sua fala. Sua quase repulsa. Ele me julgava sem saber do que falava, todos eles faziam exatamente a mesma coisa. E isso cresceu uma raiva em mim que por um instante achei que não seria capaz de controlar.
- Não interessa o que eu tinha ou não na cabeça. Fiz o que fiz para ajudar minha família – consegui dizer por fim, entredentes, minha voz pesada como mil quilos. Os olhares deles suavizaram um pouco com a resposta direta e crua, mas ainda existia a dúvida espreitando a superfície de suas expressões. E dessa vez, respirando fundo, me dei conta de que não poderia condená-los por isso.
Se fosse eu no lugar deles, não agiria assim tão diferente.
fitava seus próprios pés, evitando olhar para qualquer um, ao lado de Victoria, que assumia uma pose controlada e ereta enquanto segurava a arma (desmontada) longe, garantindo que eu não a pegasse para ir embora antes da hora fingindo ser o Rambo, como ela insistiu em me chamar, ao ver o que eu realmente estava disposto a fazer apenas para terminar tudo aquilo de uma vez.
Seria tudo muito engraçado se fosse em outro momento. Eu quase esbocei um sorriso sem qualquer humor em resposta a esse pensamento.
- Sua família? – franziu o cenho, se pronunciando pela primeira vez. – Mas não entendo, como…
A frase se estendeu, incompleta, no ar. Ninguém ousou completá-la, e pousaram seus olhares sobre mim com mais expectativa do que eu seria capaz de aguentar. Apertei meus punhos contra a lateral do meu corpo e rangi os dentes.
- Houve um tempo, antes de conhecer vocês... – eu me esforcei para continuar. – Meu avô precisava de um tratamento médico que minha família... nós não tínhamos como pagar. E ao ver o estado em que ele estava, tudo o que a doença estava fazendo ele se submeter... Eu não podia deixá-lo sofrendo daquele jeito, me recusei a aceitar isso como os outros fizeram. Ele já tinha feito tanto por todos, que ficar sentado e assistindo ele se desfazer simplesmente me desfazia também. Então jurei que, se tivesse a oportunidade, qualquer uma que fosse, eu a faria valer, eu a agarraria para poder ajudar meu avô com cada réles moeda que fosse, porque a uma altura daquelas, qualquer valor poderia fazer a diferença.
“Então conheci Beckett e ele me ofereceu um trabalho. Não pude dizer não. Não queria dizer não – esclareci. – Era exatamente o que eu necessitava no momento mais crucial, e por isso fiz o que precisava ser feito. Quando mais eu teria outra chance?
“Podem não acreditar, mas não me orgulho disso, do caminho que segui. Entretanto, foi a saída que arrumei para ajudar meu avô, a única coisa que encontrei que poderia bancar o que ele necessitava naquele momento. E assim foi até ele morrer; eu continuei até ele morrer.”
Ouvi alguém soltar um suspiro entrecortado. Talvez tenha sido eu mesmo, porque o silêncio vindo dos outros era mais avassalador que qualquer coisa.
- Seus pais nunca desconfiaram de nada? – perguntou num murmúrio.
- Provavelmente sim, nenhum garoto de dezesseis anos consegue ganhar tanto dinheiro do nada. Mas para todos os fins, eles achavam que eu tinha um emprego normal – respondi. – Nunca entrei em detalhes e eles nunca se interessaram em saber mais. A negação de que existia algo errado era mais fácil para todos nós. Foi melhor assim.
Fechei os olhos por um instante, engolindo em seco. Quando os reabri, percebi que todos esperavam mais.
- E depois? O que aconteceu? – me incitou a continuar, sua voz tranquilamente calculada. E eu fiquei bastante surpreso ao me dar conta de que dessa vez já não existia um bolo em minha garganta prendendo a história apenas para mim. A fala saía fluída, ainda que dolorida.
- Quando meu avô morreu, quando isso aconteceu, já tínhamos a nossa banda – continuei. –, e eu decidi que meus motivos para estar fazendo aquilo já tinham acabado. Nunca gostei de estar lá, não de verdade. Talvez uma parte de mim tivesse me convencido de que sim apenas para me fazer ir adiante simplesmente porque eu precisava. Mas a questão é que eu quis sair. E foi quando tomei a iniciativa, o primeiro passo, que as coisas começaram a desandar. Beckett não aceitou bem minha decisão e fez com que eu ainda permanecesse naquele ninho de cobras mesmo que como um fantasma, fora de vista, fora de qualquer alcance. Continuou usando meu nome sem que eu nem passasse perto daqueles lugares mais.
“Era um aviso para eu tomar cuidado com meus passos. O início da minha punição.”
- E você não deixou as coisas por isso mesmo – disse, mais uma conclusão que uma pergunta. Eu assenti levemente para ele.
- O que aconteceu em seguida vocês já sabem.
A rouquidão súbita em minha voz deixava perceptível meu humor volátil, minha impaciência tanto pelas faces chocadas dos meus amigos quanto a avassaladora certeza do tempo se esvaindo por entre meus dedos enquanto falava e nada fazia para ajudar .
Mas a pior sensação de todas dentro daquela sala era aquela raiva contida que vinha em ondas de dentro do olhar de , diretamente para mim.
- E onde – perguntou pausadamente, olhos fixos nos meus. – o sumiço de entra nessa história?
Eu afundei as unhas em minha palma, apertando ainda mais meus punhos.
- Resumidamente? – O sarcasmo pulou da minha língua junto com a falta de paciência e a secura ao falar. Meu corpo inteiro formigava. – Depois de Beckett começar ameaça-la e eu decidir que lidaria com tudo sozinho até que finalmente estivesse acabado, me afastei dela. Por mais que me doesse e a machucasse, não podia correr qualquer risco que fosse. Mas não aceitou bem a ideia da separação e foi atrás dele por conta própria sem contar nada a ninguém achando que conseguiria dar um jeito em tudo. – Eu passei as mãos por meu cabelo, engolindo o gosto ruim da boca. – É onde ela está agora. Com aquele filho da puta sabe-se lá onde!
Quando a última palavra deixou minha boca, eu tive certeza: Eu não sentia raiva somente de por ter partido e tomado uma decisão tão arriscada. Nem só de ou dos outros por terem conseguido arrancar a verdade de mim sem qualquer preparo e agora me olharem como se eu fosse alguém que não conheciam. Por incrível que pareça, nem era apenas ódio de Beckett e todos os outros que eu desejava ver no inferno por tudo o que haviam feito e ainda estavam fazendo.
Era raiva de mim. Ódio por todas as coisas que eu fiz e pelo que eu deixei acontecer. Porque se a culpa tinha que ser de alguém, esse alguém então era eu. Não existia qualquer outra pessoa que pudesse assumir esse lugar.
Eu soube, com mais clareza do que eu achava possível, que esse era meu purgatório na Terra, por todos os erros que cometi até aqui. Eu estava pagando meus pecados agora, e não suportava que fosse uma ferramenta para isso.
Tal constatação só me fez fervilhar ainda mais por dentro, prestes a cruzar as linhas que me faziam manter o resquício de controle que eu ainda tentava demonstrar.
Todos ficaram me encarando, embasbacados, céticos. Da mesma forma desacreditada que eu havia ficado por todos os segundos anteriores. Então meus olhos encontraram os de de novo. E em um segundo suas íris faiscavam enquanto ele parecia uma estátua, completamente imóvel. No seguinte, ele vinha para cima de mim e me acertava um soco no maxilar e outro no estômago com tanta rapidez que sequer pude me defender.
Eu merecia aquilo. Não revidei. Até teria deixado ele me bater mais, como eu sabia que faria se tivesse a chance. Mas uma gritaria começou instantaneamente, as garotas assustadas com a briga iminente, me amparando de um lado e e afastando de mim para a outra extremidade, enquanto o mesmo me olhava como se fosse capaz de acabar comigo, sons guturais saindo de sua garganta, os músculos retesados e as veias saltando por seus braços e pescoço.
Eu me sentia perder a sanidade conforme a vontade de rir insanamente pela minha desgraça crescia.
Aquele começo de manhã só melhorava. Eu estava perdendo tudo.
- Temos coisa mais importante pra lidar agora, cacete! Segurem essa testosterona no corpo de vocês! – Victoria gritou fora de si.
- Filho da Puta! Seu cretino! Eu não acredito que você a deixou fazer isso, , eu não…
- , cale sua maldita boca! – Foi a vez de berrar para ele, calando sua voz que reverberava pela fúria. Ele a encarou com olhos arregalados e descrentes, todos fizeram isso, eu inclusive, porque ninguém jamais havia visto perder seu controle da forma como fazia agora. – Não está ajudando agir assim! – ela continuou. – Estamos todos com raiva, e acredite, eu também quero muito bater em , mas antes disso eu quero minha amiga de volta aqui, comigo! Então aquieta sua bunda na cadeira e ouve o que eu tenho a dizer, porque a hora da história ainda não acabou! Se tiver que bater nele, não vai fazer isso agora!
- Tem mais? – Os olhos de brilharam azuis e furiosos.
Todos começaram a trocar olhares entre a loira e eu, querendo mais detalhes, aquilo que continuava oculto. Contudo foi quem respondeu:
- deixou uma pequena carta. – Ele segurou o diário que estava em cima da mesa para dar ênfase e me olhou de relance. Eu levei a mão até meu rosto para sentir o local onde tinha acertado e balancei a cabeça lentamente para os lados. Não conseguia falar ainda. Minha mandíbula doía e meu estômago começava a se recuperar gradativamente da dor.
- Ela acha que virou uma das três espiãs demais ou alguma espécie de vingadora – retrucou e pegou o caderno das mãos do namorado. – Assim que todos se acalmarem, eu leio o que está escrito aqui. Então, eu sugiro que vocês escutem.
Lentamente, todos obedeceram, controlando seus próprios nervos, apesar de ser o ponto focal de , e portanto, somente quando ele se afastou e respirou fundo, tentando suavizar sua expressão facial que formava uma careta horrível de cólera, que a loira tomou fôlego e releu aquelas palavras dolorosas, corajosas e ao mesmo tempo completamente estúpidas que haviam me deixado a beira de um surto. Eu ainda estava muito próximo disso.
foi o primeiro a se levantar e ir diretamente para o computador, comprovando com os próprios olhos aquilo que ainda era tão difícil de acreditar. Ele tirou os fones de ouvido do celular da que estava próximo e os colocou em seguida, conectando-os ao computador.
se recostou na poltrona e jogou a cabeça para trás ao mesmo tempo em que , lívido, passava as mãos pelos cabelos e grunhia para si mesmo, se obrigando a manter a compostura.
- Alguém contou para que ela só pode fazer essa loucura na série e não na vida real? – Victoria ainda estava incrédula.
- Falaremos isso até que entre naquela cabeça dura assim que ela estiver com a gente de novo – respondeu imediatamente.
- Se ela pediu para levarmos isso para a polícia, por que ainda não o fizemos? – perguntou, absorvendo todos os fatos.
- Porque ela ainda não conseguiu nada sólido o suficiente para isso – eu tossi logo depois de falar. – Precisa ser algo concreto, nada menos que uma confissão.
- Como você sabe disso? – estreitou seus olhos para mim.
- Eu estava tomando minhas próprias providências – falei num murmúrio falho. – De certa forma, eu faria algo parecido com o que ela pensou. Só que levaria mais tempo, seria mais bem programado. E muito menos perigoso.
- Explique isso direito, pelo amor de Deus! Quando eu disse que você estava dando uma de Batman era para ser irônico e não real! – se colocou em minha frente e eu apertei minha têmpora com os dedos.
- Eu tenho contatos na polícia metropolitana de Londres – falei. – E informações suficiente para saber que apenas denunciar Beckett não serviria de nada sem provas. Então eu ia continuar levando essa merda adiante, deixá-lo achar que estava tirando tudo de mim até que concluísse que eu não oferecia nenhum perigo a ele e não iria a lugar nenhum que ele não quisesse. E aí eu o faria falar tudo o que eu precisasse ouvir e usaria contra ele em seguida.
Eu ri pela própria ironia e reviravolta que aquilo tinha tomado e segurei minha cabeça entre minhas mãos, puxando meus cabelos como se pudesse arrancá-los.
- Não seria assim – eu disse por fim, exasperado, me referindo a situação, mais para mim mesmo que para todos eles. – Já estava arranjando tudo.
- Você chegou a falar com esse contato da polícia? – se fez audível mais uma vez e eu controlei minha respiração para encará-lo.
- Sim, há algumas semanas.
Ele assentiu quase imperceptivelmente.
- Então está na hora de falar com ele de novo. – Todos nós o fitamos em uníssono e ele soltou um suspiro cansado. – Estratégia, gente. Talvez as coisas estejam um pouco fora dos trilhos agora, mas está tentando fazer exatamente o que você mesmo faria, não é? E aquele cara não vai desconfiar dela a ponto de achar que tem uma escuta. – Ele virou-se para mim fazendo uma careta. – Com certeza pensa que ela não sabe o que está fazendo. Com todo respeito, eu acharia isso.
- Continue a linha de raciocínio, – pediu cruzando os braços. Eu também o ouvia com atenção.
- Tenho certeza que agora ele vai tentar atrair até eles.
- Foi o que o canalha disse no áudio ameaçando – murmurou.
- Ele disse o quê? – Os olhos de ficaram ainda mais vermelhos ao redor das íris engolidas pelas pupilas.
- Vamos aproveitar a vantagem que temos enquanto podemos – continuou. –, Julie está lá dentro agora disposta a pegar as informações necessárias e ele não faz ideia disso. Nós sim. Enquanto o filho da puta pensa que apenas está levando até ele, haverá uma surpresa maior que ele não vai esperar receber. Com a ajuda da polícia podemos tirá-la de lá e ainda prendê-lo. Tenho certeza que é isso que pensou. O que ela quer.
Meus pés começaram a se movimentar involuntariamente de um lado para o outro.
- Se falarmos com a polícia, a mídia vai aparecer – disse. – Vai virar um alvoroço.
- Não se falarmos estritamente com as pessoas necessárias – Victoria me disse. – Vai precisar ser muito claro com quem você conhece da metropolitana. Essa notícia não pode se espalhar.
- E como ele vai garantir isso? – perguntou, parecendo desordenada.
- Da mesma forma que eu vinha garantindo alguma coisa com Beckett. – A maioria na sala franziu o cenho para mim. – Com dinheiro.
- Está realmente cogitando subornar a polícia? – A voz de tornou-se subitamente estridente.
- Estou cogitando qualquer coisa para tirar de lá.
se preparou para responder e foi cortado:
- Desculpe interromper – disse tirando um dos fones de ouvido que até agora estava usando, completamente alarmado. –, mas acho que vocês deviam ouvir o que está acontecendo por lá.
O silêncio caiu imediatamente na sala assim que ele desconectou o fone do computador e aumentou o volume.
- Está ansiosa para ouvir a voz do seu namorado, Ruivinha? – Todos, sem exceção, ficaram alertas quando ouviram Beckett do outro lado.
Eu quase pude sentir meu coração sair pela boca ao ouvi-la em seguida:
- Na verdade estou mais ansiosa para ouvir você parar de falar.
Ele gargalhou alto do outro lado.
- Realmente, você está testando minha paciência. – Houve uma curta pausa, quase como se ele estivesse pensando no que fazer a seguir. Pude imaginar perfeitamente sua expressão, o sorriso arrogante em seu rosto enquanto olhava para . – Amordacem ela. Não quero que atrapalhe minha ligação gritando por ele.
não retrucou mesmo quando sons abafados se seguiram. Eu passei as mãos em minha cabeça.
- Não precisa me olhar assim – ele disse em tom divertido. – Vou tirar isso de você assim que ele desligar. Por enquanto quero brincar um pouquinho com vocês.
Meu telefone imediatamente começou a tocar em meu bolso e todos se viraram para encará-lo, eu o tirando todo atrapalhado quase o deixando cair no chão.
- Não atenda ainda! – disse de súbito. – Grave a ligação enquanto ele fala com você.
- Use meu telefone. – mexeu no seu próprio aparelho rapidamente e o deixou pronto sobre a mesa, meu celular ainda tocando entre minhas mãos. – , coloque o computador no mudo, Beckett não pode escutar nada além de .
- Eu vou pôr no viva voz – anunciei gravemente. – Fiquem em silêncio.
Assim que todos assentiram, eu tomei ar e imediatamente atendi ao telefonema, rezando para que minha voz não falhasse e meus próprios pensamentos não me traíssem.
- Beckett – eu disse, colocando um celular ao lado do outro, a atenção de todos voltada exatamente para aquele ponto, apreensivos.
- , espero que sua noite tenha sido divertida – ele começou dizendo. – A minha com certeza foi. Quer adivinhar quem veio me fazer uma visita?
Eu respirei fundo. Ele não podia saber que eu já sabia que estava com ele. E eu nem podia agir diferente do que ele estava acostumado. Precisava fingir bem e fazê-lo se convencer de que eu estava no escuro, mesmo que isso muito provavelmente fizesse entender o mesmo.
- Não está muito cedo para você querer falar comigo? – eu perguntei com voz seca, ignorando sua própria pergunta. – Por que está me ligando?
- Para contar as novidades – ele continuou. – Aliás, eu não sabia que sua garota era tão intrometida assim no assunto dos outros.
Eu deixei que alguns segundos se estendessem entre nós e me recusei a olhar para a face dos outros na sala.
- O que quer dizer com isso?
Ele soltou uma risada sem humor.
- Por acaso a visita de que eu estava falando antes e você ignorou, é a dela.
- Isso é algum tipo de brincadeira doentia sua? – perguntei mais duro, a dúvida e preocupação quase palpáveis.
- Não acredita em mim? Posso mandar uma foto dela agora mesmo. – Ele sugeriu fingindo ser atencioso. – Ah, eu pediria para ela sorrir, mas sua boca está ocupada no momento.
Mais um espaço de tempo sem nada a ser dito, até que meu celular vibrasse e eu recebi uma mensagem, o anexo de uma foto logo em seguida. Minha respiração se tornou mais curta e mais rápida, e tremendo, eu abri o arquivo.
Minha raiva inebriou quase todos os sentidos depois que vi o que ele havia me mandado.
Por um instante perdi minha capacidade de falar.
- Coloque-a na linha – eu exigi com a voz tão sombria que vi próximo de mim estremecer. – Quero falar com ela. Agora!
- Parece estar tentando se controlar, hein? – Ele riu mais uma vez, me instigando a perder o controle. – Infelizmente ela não vai poder conversar com você, . Vou reservar todas as palavras dela só para mim de agora em diante.
Eu afundei as unhas contra as minhas palmas até cortarem a carne.
- Você disse que ela não seria envolvida – eu falei pausadamente. – Deixe-a ir, Beckett.
- Acontece que foi ela que veio até mim. Acho que ficou com saudade.
Meu coração reverberava em meu ouvido. Eu umedeci meus lábios com a língua antes de falar:
- Vamos fazer uma troca – falei. – Quanto você quer?
- Quer pagar um resgate por ela? – Eu jurava que ele estava sorrindo abertamente, até passando a mão por sua própria nunca. –
- Quanto você quer? – eu rugi mais forte, querendo calar a boca dele e seus pensamentos sujos.
Ele ficou em silêncio por quase um minuto. E então me disse o valor, algo exorbitante, algo que eu muito dificilmente fosse conseguir. Mas que sabia que eu daria um jeito.
- Você tem até a meia noite, Malilk. Te passo o endereço assim que tiver todo o dinheiro. – Os nós dos meus dedos ficaram brancos quando segurei o encosto da cadeira com força. – E então teremos uma conversinha, nós três. Venha sozinho.
A ligação se encerrou antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa.
Foi quem tocou meu ombro com firmeza enquanto eu me perdia em meu estupor.
- Hora de ligar para aquele seu contato, cara. – Eu olhei para ele, e em seguida para os outros, cada um substituindo sua devastação pela convicção e determinação do que faríamos daqui em diante, de que faríamos aquilo dar certo.
Eu assenti firmemente.
Não havia mais tempo a perder.
’s POV
Meu coração ainda batia forte, esperançoso por ouvir a voz de . Mas aquela dúvida cutucando o fundo da minha mente... Ele parecia surpreso, surpreso demais. Será que fazia alguma ideia do que eu havia deixado para ele encontrar? Será que sabia que eu já tinha um plano?
Com a possibilidade de uma resposta negativa, meus olhos arderam me fazendo mostrar uma emoção que eu não queria tornar visível.
Apertei firmemente minhas pálpebras. Não, ele teria ligado os pontos. Ele sabia, tinha que saber, porque se esse não fosse o caso... Então eu estava apenas lutando contra areia movediça.
- Prontinho, eu disse que tiraria isso assim que terminasse minha conversa com ele, não é? – Beckett desamarrou o pedaço de pano da minha boca com um cuidado que não existia nele. – Eu cumpro o que digo, Ruivinha.
Revirei meus olhos, sentindo minha língua ainda mais seca que antes.
- Ao que parece, vou ficar presa com você aqui por mais várias horas – eu murmurei olhando para as janelas no alto das paredes, o céu passando do azul escuro lentamente pra o claro. O dia amanhecia.
- Pode encurtar seu tempo se mudar de ideia sobre a proposta.
Eu ri amarga.
- Devo ser muito excitante pra você insistir tanto nesse ponto mesmo depois de eu ter conseguido te bater.
Ele parou seus movimentos onde estava e o ar subitamente mudou ao nosso redor. Uma tensão, um pressentimento ruim. Ele arqueou uma sobrancelha para mim e caminhou em minha direção, lenta e calculadamente, exatamente como um predador faz. Seus olhos tinham um brilho ameaçador contidos por trás das suas íris verdes como a copa das árvores.
Eu me empertiguei na cadeira.
- E é muito burra também se acha que pode falar desse jeito comigo e tudo bem. – Eu sustentei seu olhar sem demonstrar assombro, apesar de por dentro eu sentir exatamente isso. – Sabe, , você combinou com aquela mordaça. Acho que você vai ficar com ela até aprender como falar comigo direito.
Em seguida ele já a colocava de volta, brutalmente, amarrando-a em minha boca com ainda mais força que antes, repuxando meus lábios e os cortando ainda mais. Eu reclamei e arfei pela sua aspereza, mas não disse uma palavra, meus olhos transmitiam o suficiente do que eu sentia para ele entender.
Beckett abriu um sorriso enquanto me olhava.
- Pronto. Continua feroz e linda. – Ele tocou meu rosto e inutilmente tentei afastar seu toque de mim.
Ele gargalhou e andou para longe, eu apenas continuei o fitando se distanciar.
- Se me dá licença, , preciso fazer algumas coisinhas antes de aparecer. – Ele me olhou sobre o ombro. – Shepard vai cuidar de você agora. Nos vemos mais tarde.
Por fim piscou um olho e continuou caminhando até apenas sua silhueta ser visível e o ecoar fraco dos seus passos ser audível.
Eu olhei para Shepard que me dava um meio sorriso.
Apertei as pálpebras com força jogando a cabeça para trás. Precisava conseguir as informações para .
E logo.
’s POV
- Necessito de mais que somente isso – o policial responsável pela estratégia, Milles, repetia novamente para nós. – Só a localização do galpão não é suficiente.
- E pretende deixar que ela fique a mercê dele por mais quanto tempo? – grunhiu impaciente.
Passei as mãos pelo cabelo.
- Beckett com certeza não está sozinho lá dentro, você ouviu o áudio. – Eu maneei com a cabeça em direção ao computador, agora com um policial encarregado de ouvir e anotar informações válidas. ainda estava próximo para ficar de olho no que acontecia. – Conheço Shepard. É o braço direito de Beckett agora, e se fosse arriscar o que conheço deles, acredito que tenha mais gente dentro do galpão. Provavelmente homens fora também.
- Como tem certeza? Talvez todos estejam concentrados no lado de dentro.
- Não – eu insisti de novo. – Ele não deixaria o depósito das drogas dele desprotegido. Provavelmente existem pessoas de olho nas redondezas para observar movimentos suspeitos, avisar a chegada da polícia.
- Se lá for mesmo o depósito dele.
Eu mordi minha língua para não sair do meu controle.
- Lá é. – Eu dei ênfase a palavra, batendo na mesma tecla.
- Enquanto o homem não disser com sua própria voz em suas próprias palavras, o que você diz é apenas hipótese. O resto não é válido.
olhou irritado para Milles.
- A questão não é essa – disse firmemente – E sim como vocês vão poder se aproximar sem que sejam dedurados em seguida.
cruzou um olhar rápido entre eu e .
- Não vão poder usar os carros de vocês da polícia – falou, chegando a mesma dedução de Milles, pela expressão que o outro fez.
- Vamos usar disfarces – acrescentou o agente. – Mas como entraremos é o problema maior. Não sabemos se nossos números serão suficientes.
- Então chame mais policiais! – Victoria praticamente exigiu. – Só podemos seguir a base de certezas aqui.
- Não é assim que funciona – Milles recrutou e um dos outros policiais retorceu a boca numa careta, como se fôssemos todos idiotas. – Vocês não querem chamar a atenção, então precisamos de um número pequeno de agentes.
Victoria o olhou com as pálpebras semifechadas e percebi que logo ela começaria a falar mais do que deveria, e resolvi intervir antes disso acontecer:
- Beckett vai permitir minha entrada sem problemas – eu disse. – Ele quer que eu vá até eles. Posso usar uma escuta, passar mais informações que ajudem vocês a... neutralizar o que estiver no caminho e então a entrar lá sem muitas surpresas.
- E se te revistarem? – arqueou uma sobrancelha.
- Eles vão revistar – concordei. – Por isso precisamos ser criativos quanto ao local onde vou colocar a escuta e a câmera, se quiserem seguir por esse caminho.
Algumas pessoas soltaram suspiros longos, outras cruzaram os braços e recostaram nas cadeiras.
Nas últimas horas que se estenderam desde que eu ligara para Milles e pedira para ele e seus homens de maior confiança virem até o apartamento de onde enfim os coloquei a par dos últimos acontecimentos, a sala de jantar tinha virado uma espécie de mesa de conferência e elaboração de planos. Quase como um quartel general.
Todos estávamos com os nervos à flor da pele e não parávamos sequer para comer. Às vezes para beber água ou ir ao banheiro.
Mas o que realmente irritava era que o tempo passava por nós como se fosse a própria velocidade da luz enquanto parecíamos apenas andar em círculos sem nunca chegar a lugar nenhum.
Não havia tido nenhuma outra captação de som desde que Beckett havia deixado o galpão onde o indicador GPS passava a localização, e isso frustrava os agentes que estavam conosco da mesma forma que a nós também, que, se fosse possível, estávamos ainda mais enervados pela quietude contínua. Mas sem informações precisas, muito mais coisa podia dar errado; eram muitas mais variáveis a se levar em consideração.
E ninguém estava seguro de tomar esses riscos ainda.
Eu conseguir entrar captando sons e imagens novas poderia ser o que mudaria o jogo para nós e nos garantiria a vitória.
- Que tal na mala com o dinheiro? – Todos nós encaramos , as testas franzidas. – A escuta e a câmera. Por que não colocar na mala onde estará o dinheiro?
- Na mala? – o agente perguntou arqueando uma sobrancelha. devolveu o gesto sem paciência para o desdém dele.
- Ué? Beckett pode até revistar , mas não revistaria o dinheiro – ela esclareceu. – Provavelmente conferiria se está tudo lá dentro o que exigiu e só isso. Não ficaria procurando nada ali além do óbvio. E manteria a grana perto dele o tempo todo.
Um instante em silêncio preencheu o ambiente.
- Pode ser que funcione – Milles respondeu a contragosto, aceitando a ideia e outro policial assentiu para ele.
Eu balancei a cabeça para os lados. “Pode ser” não existiria hoje.
- Tem que funcionar. – Os olhos da maioria se fixaram em mim pela intensidade que imprimi na palavra.
- Vai mesmo levar o dinheiro? – Victoria questionou da outra ponta da mesa. – Não seria melhor levar notas falsas?
- Trabalhoso demais – Milles respondeu por mim. – Demandaria um tempo que não temos.
- Claro, ainda bem que dinheiro para não é um problema. – revirou os olhos. – Podemos até levar uma gorjeta para Beckett se ele tiver cuidado bem da .
- Vou levar o dinheiro – eu respondi cortando a discussão que poderia se formar a partir dali. – Ele tem que acreditar que estou lá para colaborar. Se fosse falso, Beckett ou qualquer um dos outros perceberia instantaneamente. Seria pior se isso acontecesse.
- Nós temos a vantagem, precisamos mantê-la – repetiu o que já há muito tinha falado.
- E de qualquer forma, falso ou não, não faz diferença – eu acrescentei um pouco depois. –, no fim da noite o dinheiro vai estar comigo de novo. Assim como .
Houve um instante de silêncio entre todos nós, interrompido apenas quando o agente sentado a frente do computador pigarreou chamando nossa atenção.
- Estou ouvindo alguns ruídos. Vozes ao longe.
E imediatamente, apreensivos, todos nos focamos aos sons que agora preenchiam o apartamento.
Parte de mim achava que eram nossos próprios corações batendo em uníssono.
’s POV
- Não durma. – Um dos homens, que não era Shepard, puxou meu cabelo para trás com força levantando minha cabeça, se afastando em seguida para longe.
Eu obriguei meus olhos a encararem o teto.
Que horas são?, eu me perguntava enquanto observava a claridade pela janela se confundir com as luzes acesas do galpão. Não dava pra ver nada que diferenciasse o momento do dia que estávamos, eu não tinha noção do tempo.
Inutilmente tentei arrumar minha posição na cadeira, sentindo a corda arranhar ainda mais meus pulsos em carne viva ao passo que intensificava o incômodo dos meus braços e ombros que há muito tempo estavam parados na mesma posição.
Meu estômago estava embrulhado, doía e se retorcia. Queimava. Minha última refeição havia sido antes do Brit no dia anterior e a bebida havia sido unicamente todo aquele champanhe que tomei imprudentemente. Nem uma gota de água.
De quebra ainda teve o tal do clorofórmio que secou todas minhas vias respiratórias e agora havia esse pano entre os meus dentes terminando o trabalho, secando minha língua e deixando minha boca pegajosa.
Eu queria vomitar e não tinha nada no meu estômago para fazer isso além da própria bile.
Shepard me encarou com mais atenção que em outros momentos, tão fundo e com tanta hostilidade que eu quis me encolher.
- Está passando mal, ? – perguntou. Eu pisquei os olhos pesadamente, me sentindo fraca. Thomas sabia a resposta sem que eu precisasse dizer. – Quer um pouco de água?
Não respondi.
A verdade é que eu queria. Mas não pediria nada a eles. Não daria esse gosto a nenhum desses homens, muito menos a Beckett, de que eu precisava de algo vindo deles. Nem que eu desmaiasse por inanição, permaneceria imóvel e calada.
A última parte bastante fácil graças a Beckett.
Shepard se abaixou levemente de frente para mim e encarou meus olhos com uma expressão gélida e vazia.
- Eu disse a você antes de tudo isso acontecer – ele começou, a voz macia como se falasse com uma criança de cinco anos. –, deveria ter tomado cuidado com a maneira como falava com o chefe.
Sustentei seu olhar com minha face limpa de qualquer sentimento. Ele podia falar o que fosse, não me faria reagir.
- Teria sido inteligente me ouvir aquela hora, mas deixe eu te dar outra dica agora. – Ele se aproximou mais, respirando o mesmo ar que eu. Desejei muito poder chuta-lo assim como havia feito com Beckett. – Seja lá o acordo que ele queira fazer com você, aceite. Independente de qual for. Vai poupar você e de muita dor e sofrimento, acredite em mim. Já estive muito perto do seu lugar, garota. Sei do que estou falando.
Eu balancei a cabeça para os lados imperceptivelmente, a raiva turvando minha visão. Até enfim perceber que na verdade era uma vertigem quase tomando meus sentidos.
Shepard puxou minha cabeça para cima pelos cabelos de novo e eu reclamei com um grunhido rouco que fez toda minha garganta arder.
- Não, não. – Ele segurou meu rosto. – Olhos abertos.
Eu tossi e logo esse gesto foi substituído pela ânsia que fez eu me contorcer sentada. Não tinha o que colocar para fora, a não ser meu próprio estômago e todos os outros órgãos.
Passos firmes chamaram minha atenção e eu me forcei a ficar minimamente mais desperta. Alguém estava chegando.
- O que está acontecendo? – A voz grossa e melodiosa encheu o ambiente. Finalmente Beckett estava de volta. E eu só consegui sentir ainda mais repulsa.
Eu precisava dar um jeito de conseguir o que eu queria de uma vez.
- Ela não está muito bem – Shepard respondeu para ele ainda de costas, me olhando como se quisesse ter certeza de que eu tinha ouvido sua sutil e delicada dica de como me virar daqui para frente.
- É só eu sair algumas horinhas que ela passa mal? – Beckett abriu um largo sorriso. – Sentiu minha falta, não é?
Thomas deu espaço para que o outro se aproximasse e ambos ficaram de frente para mim, me encarando sem piscar como se eu fosse uma peça em exposição.
- Será que você já aprendeu sua lição? – o loiro perguntou fazendo um bico. Eu tinha nojo dele. – Você vai ser uma boa garota se eu tirar essa faixa da sua boca?
Continuei parada sem mexer um músculo. Apenas pisquei vagarosamente. Então ele estendeu sua mão e desfez o nó atrás da minha cabeça, tirando a mordaça, entendendo o silêncio como um consentimento.
O alívio foi instantâneo, porém meu maxilar doeu ao se mexer. Tentei humedecer meus lábios rachados e a sensação apenas piorou, eu senti o gosto de sangue seco neles, alguns pequenos cortes reabrindo. Não havia saliva nenhuma dentro da minha boca para eu poder limpá-los.
Beckett abriu um sorriso ao perceber isso, minha aparência maltratada.
- Sua pele está um tanto quente, . Um pouco pálida também. – Ele me falou fingindo ser atencioso, a palma da sua mão áspera contra minha testa e bochecha. – É possível que você esteja com início de desidratação.
- Eu ofereci água. – Thomas deu de ombros. – Ela ignorou a oferta.
- Que pena. – O homem dos olhos verdes frios soltou um suspiro. – Ela só vai ter se pedir com educação.
Ótimo. Eles não me ouviriam pedir nada.
Mas ficar calada também não me ajudaria em absoluto.
Tentei respirar fundo, sentindo o ar falhar miseravelmente, a ardência por minhas vias respiratórias se intensificar, mas procurei forças e falei mesmo assim:
- Você nunca disse seu primeiro nome.
Beckett e Shepard arquearam uma sobrancelha para mim, provavelmente admirados pela minha voz seca como se houvesse algo me arranhando por dentro. Tentei pigarrear e a sensação apenas piorou. Eu tossi algumas vezes, tão forte que meus músculos do peito e abdômen doeram.
- Por que isso agora, Ruivinha? – Ele me encarou de cima a baixo. – Para saber o que gritar quando estiver a sós comigo?
Fechei os olhos por um segundo.
- Curiosidade. – Dei de ombros.
- A mesma curiosidade que sentiu ao ver onde estava? – Ele estendeu a mão num gesto amplo para indicar o galpão.
- Tem muita coisa aqui. – Eu fingi admirar todas as pilhas de caixas e produtos empilhados sobre palets pelos corredores até eu perder de vista. – Não pode me condenar por querer entender onde estou. Você faria a mesma coisa se estivesse no meu lugar.
Ele me observou por um instante.
- Sim, faria – concordou com um sorriso de canto. – Mas por que, sinceramente, está tão impressionada com o que vê aqui, ?
Minha voz falhou na primeira tentativa de falar.
- Só estou surpresa. – Tossi mais uma vez. – Nunca vi um lugar como esse ou coisas assim de perto.
- Aposto que não. – Ele passou seus olhos por todo o meu corpo enquanto dizia com sarcasmo: – Fica quase chocada com as drogas que eu produzo e guardo aqui, mas parecia perfeitamente tranquila quando apontou uma arma em minha direção. Deve ser mesmo um mundo novo para você.
Meu coração perdeu uma batida.
- Não faz nem ideia do quanto. – Eu sorri para ele, a adrenalina correndo por minhas veias renovando minhas energias, quase nem sentindo os cortes que se abriram em minha boca quando estiquei os lábios já partidos, que voltaram a sangrar. – Quantos tipos diferentes de drogas tem aqui?
Ele tinha dito o que eu precisava ouvir. Estava começando a falar. E eu queria que ele continuasse.
Mas não foi o que aconteceu.
- Isso com certeza não diz respeito a você – ele começou a me rodear calmamente, passos lentos e calculados. – Agora, minha vez. Uma pergunta curiosa pra você, Ruivinha. Sabe mesmo atirar ou era sua atuação se sobrepondo a si mesma naquele momento?
- O que você acha? – Eu tentei olhar por cima do meu ombro para encará-lo, contudo, não consegui.
Ele soltou uma risada às minhas costas.
- Acho que estava bancando a badass¹. – Ele parou de frente para mim e cruzou os braços mais uma vez. – Com todo respeito, seus chutes até foram bons, mas eu duvido que você tenha alguma habilidade além dessa.
- Isso é você quem está dizendo. Quer testar?
Shepard me lançou um olhar de aviso. Beckett passou sua mão por uma mecha de cabelo meu e em seguida a enrolou na mão apenas para puxá-la com força em seguida, aproximando meu rosto do seu.
Segurei a respiração.
- Olha o jeito como fala – alertou. – No fim, , eu tenho certeza que você é só uma casca superficial sem inteligência alguma.
Ele se afastou bruscamente e eu arfei com o movimento, pontos brilhantes se iluminando por trás das minhas pálpebras. Depois, o homem me encarou por mais um instante, os braços cruzados sobre o tórax.
Ele parecia sentir minha fraqueza, o torpor absorvendo minha consciência junto com a debilidade.
- Você devia tomar água. Peça, e eu darei a você educadamente.
Permaneci em silêncio e Thomas se afastou irritado por minha teimosia. Isso fez Beckett estreitar os olhos para mim.
Mas não era de água que eu mais necessitava ali. Precisava de palavras.
- O que são aqueles pacotes? – Eu maneei a cabeça levemente em direção a algumas pilhas um tanto distantes. – Cocaína? Entorpecentes?
- Por que tantas perguntas?
- Estou tentando passar meu tempo mais depressa – tentei justificar inocentemente. – E entender como isso funciona.
Beckett me encarou com desdém. Eu inclinei a cabeça levemente para o lado, insistindo:
- É como nos filmes? – continuei. – Vocês misturam produtos e transportam as drogas como se fosse outra coisa? Ou fazem a locomoção disso à base da sorte?
O homem voltou a se aproximar, me encarando com mais intensidade e então segurou meu maxilar com força para que eu o fitasse de volta, fundo nos olhos.
Eu comecei a tossir e meu corpo a tremer junto com o gesto.
- Se quer passar seu tempo mais depressa – ele sibilou contra meu rosto. –, eu sugiro que peça a maldita da água. Quanto pior você ficar, mais lentamente as horas vão parecer passar. Ainda mais se você continuar gastando fôlego à toa desse jeito.
- Eu não quero a porcaria da sua água – devolvi num sussurro. – Se eu desmaiar, ao menos não tenho que olhar para a cara de vocês.
Ele gargalhou cruelmente contra mim, seus dedos mais firmes contra minha pele. Me marcando.
- Ah, . Doce, . – Beckett estralou a língua no céu da boca várias vezes seguidas. – Ainda não entendeu que você é o coringa da minha jogada? Não vou facilitar as coisas para você.
Tentei me livrar do seu aperto, inutilmente, apenas para ele segurar ainda mais forte, a ponto de me fazer reclamar de dor. Então com um gesto da mão, sem tirar suas íris das minhas, chamou Shepard:
- Me traga a água.
O outro obedeceu imediatamente, não trazendo somente um copo cheio até então sobre a mesa, mas toda uma jarra transbordando até a boca.
Teria sido mais fácil se eu realmente tivesse apenas colaborado, pedido. Agora, porém, Beckett literalmente forçava o líquido contra meus lábios até que eu o engolisse e o mesmo descesse até o estômago. Ardeu como se eu estivesse passando álcool em uma ferida. A sensação me lembrou o que o clorofórmio me causou, e justamente por esse pensamento, de ter algo naquele líquido incolor e inodoro, aparentemente inofensivo, que pudesse me causar algum mal como o outro causou, fez com que eu tomasse mais uma atitude imprudente. Mais uma para a lista das últimas horas.
Quando o homem finalmente e grosseiramente soltou meu rosto para começar a se afastar, achando que eu não resistiria mais, eu cuspi nele parte do que eu ainda não havia engolido, bem em seu rosto.
Primeiro ele me encarou perplexo. Depois a fúria preencheu todo o seu olhar.
Sua raiva inflou tão rápido quanto um piscar de olhos e em um instante toda a água que estava na jarra de repente era derramada sobre a minha cabeça.
Gelada, o súbito contato do líquido contra minha pele quente fez com que o ar em meus pulmões me deixasse em um único instante.
- Cansei de ser paciente com você! – Beckett gritou para mim, tão alto e tão perto do meu ouvido que sua voz ficou ecoando em seguida. – Cansei de te dar chances!
Ele deu dois passos para trás, os olhos brilhando, me assustando por sua mudança súbita de comportamento. Com sua fúria há tanto escondida.
O loiro puxou o telefone do bolso, e, com olhos fixos em mim, fez sua ligação. Eu não precisava perguntar para saber de quem era o número chamado. Ele colocou o telefonema no viva voz assim que atendeu:
- Mudei de ideia, – Beckett disse de forma gélida. Eu percebi que minha respiração começava a acelerar. – Quero você aqui, agora.
- O combinado era a meia noite. Preciso de mais tempo.
Eu fechei os olhos tentando controlar meus batimentos cardíacos. A voz de parecia numa linha tênue entre o controle da calma e da sua raiva explosiva.
- Não é mais, . É bom que você já tenha o dinheiro. – Chamas vívidas surgiram em meio as íris verdes do homem. – Porque sua namoradinha tem me causado problemas. E estou começando a ficar tentado a causar alguns de volta.
- Se você ousar encostar um dedo nela, Beckett, eu juro por Deus que…
- Você sabia que ela teve a audácia de apontar uma arma em minha direção quando me encontrou? – Eu engoli em seco enquanto o homem tirava um revólver do cós da sua calça e me observava com animosidade. – Parecia uma criança assustada a segurando, você precisava ver que cena. Mas confesso que fiquei surpreso.
A respiração de se acelerou o outro lado. Abri e fechei a boca, querendo dizer que estava tudo bem, mas minha voz sairia trêmula e eu falharia debilmente sendo calada em seguida.
- Preciso de mais tempo, Beckett – repetiu grave e eu segurei minha respiração conforme assistia o loiro abrir câmara giratória do revólver com calma calculada e tirar todos os cartuchos de dentro até sobrar somente um.
- Mais tempo você disse? Pode ser. Mas talvez não tenha mais tempo.
O sangue começou a correr mais rápido em minhas veias conforme observei passo a passo o que ele estava fazendo, conferindo as culatras, fechando o tambor e o girando em seguida.
- O que quer dizer com isso?
Eu senti o desespero crescente na voz de . Esse sentimento existia em mim também, agora mais forte que nunca.
- Cada hora que você ganha, ela pode perder uma. – Beckett destravou a arma e a levantou até que estivesse apontada para mim.
- Beckett, você está blefando, não faria…
- Já jogou roleta russa, ? – O loiro o cortou e abriu um meio sorriso para mim. Totalmente cruel quando me olhou nos olhos. – Porque vamos começar a jogar agora.
Me preparei para gritar, mas o som foi interrompido pelo meio quando o homem puxou o gatilho em seguida sem hesitar.
Eu pulei no mesmo lugar, me encolhendo, esperando por uma bala atingir meu corpo, um impacto que não veio e o silêncio seguiu por segundos a fim.
Toda minha pele estava arrepiada, era como se tivesse gelo em minha coluna. Eu não tinha a capacidade de piscar os olhos.
Certamente ouviu minha voz, e seu autocontrole se desfez por completo do outro lado.
Beckett gargalhou audivelmente, até perder o fôlego, e eu senti lágrimas escorrerem dos meus olhos e se misturarem com a água que umedecia minha pele.
- Parece que você conseguiu a uma hora que queria, . Muito bem! – O loiro bateu palmas exageradas. – Existem mais quatro de cinco chances, se quiser tentar a sorte. Eu não apostaria.
- Coloque na linha, seu filho da puta doente, deixe eu falar com ela! – gritou. Eu senti meus olhos arderem ainda mais.
- Quer dizer para ele se apressar, Ruivinha? – Beckett me olhou com falsa caridade. – Eu estou no meu limite.
Meus lábios chacoalharam vergonhosamente.
- – eu murmurei num sussurro rouco, implorando. – Por favor…
- , eu…
- Sessenta minutos. – A voz de Beckett se transformou num som gutural. – Nem um segundo a mais até a próxima rodada. – E a chamada foi encerrada em seguida.
Eu pisquei para afastar o torpor, a vontade de me desfazer naquela cadeira. Contudo os olhos verdes do monstro que aquele homem era já estavam perto de novo, procurando os meus, famintos e inquietos por receber o assombro que emanava de mim. Ele sorriu lancinante. Impiedoso.
- O inferno, – Beckett murmurou e aproximou seu rosto do meu até que sua boca roçasse em minha pele. – Você vai conhecê-lo hoje.
Eu achei que pudesse estar tremendo de frio. Resultado da água que molhou minha pele e minhas roupas. Mas meu corpo tremia de dentro para fora. Era medo, puro e simples. Dessa vez eu realmente estava assustada.
E não sabia se seria capaz de fingir o contrário de novo.
Capítulo 57 - O PONTO FINAL - Parte 1
You know that I’ll save you”
’s POV
O silêncio vindo do outro lado da linha fez meu sangue gelar por todo o corpo, meu coração batendo tão alto que reverberava por minha pele. Mas foram as palavras que Beckett proferiu para depois, essas quais ouvimos por meio da escuta dela, que fez uma onda de adrenalina correr em minhas veias e tirar-me do estado de estupor, me deixando incapaz de conter minha fúria e aflição.
Completamente inebriado pelos sentidos, cego pela angústia, cólera e desespero, pelo medo de perdê-la, eu gritei, atingi a palma da minha mão contra a mesa, como se fosse capaz de quebrá-la, ainda que tudo o que eu sentisse fosse minhas terminações nervosas reclamarem de dor, e então eu disparei em direção a Victoria, mal notando o que acontecia ao meu redor, mal entendendo a reação daqueles que haviam presenciado e escutados as mesmas coisas que eu.
- Victoria, me dê a droga da arma. – Eu estiquei a mão para ela, a palma aberta, vermelha, minha visão embaçada a olhando firmemente e angustiada. Injetada de sangue. Ela piscou boquiaberta e eu repeti mais alto: – A pistola, Victoria! Me dê essa porra agora!
ao lado dela, com lágrimas escorrendo dos olhos me encarou como se não me reconhecesse, pulando na própria cadeira, desolada.
Todos pareciam desolados de alguma maneira.
A garota morena deu um passo para trás até bater com as costas no peitoral de , que a amparou silenciosamente enquanto se afastava de mim.
- Isso não é a porcaria de um programa de televisão, !
- E você acha que eu não sei? – gritei mais uma vez, sentindo meu rosto esquentar, minhas veias saltarem por meus braços, pescoço, enquanto eu tentava conter a ira que não devia ser descontada nessas pessoas que não estavam fazendo além de ajudar. – Não posso mais ficar aqui esperando. Não posso deixar nem mais um segundo com ele, cacete!
- Você não está pensando com clareza. – tentou chamar minha atenção colocando sua mão sobre meu ombro e eu o afastei bruscamente.
- Beckett apontou uma arma para ela! Atirou nela, puta que pariu, vocês ouviram o que podia ter acontecido se a bala estivesse na culatra?!
Eu perpassei os olhos por todos eles, rindo histericamente em seguida, tentando conter o surto sem nenhuma eficiência.
- …
- Não tentem dizer que não estou pensando claramente. Nunca estive tão são do que devo fazer! – devolvi aos berros em seguida, completamente fora de mim, minha respiração acelerada e falhando como se eu tivesse corrido por quilômetros até que segundos se estendessem sem nada ser dito. – Eu vou com ou sem a ajuda de vocês. Sozinho ou não! Então, Victoria e Milles, me deem a arma e o caralho da escuta, pois eu vou levar o dinheiro até Beckett e trazer de volta. Custe o que custar.
Victoria engoliu em seco e balançou a cabeça para os lados, os olhos se enchendo de água enquanto o silêncio se prolongava pesadamente por todos nós. Mas foi que, muito calmamente, alcançou a pistola guardada dentro da bolsa da garota, atrás de si sobre um aparador, e a estendeu para mim, atraindo ao mesmo tempo o olhar de todos do ambiente, concordando comigo ainda sem pronunciar uma sílaba.
- Isso precisa ser feito.
Falou enfim, e eu anuí uma vez firmemente, ele sustentou meu olhar por mais um segundo e então começou a se mover no mesmo instante que eu.
Milles e seus agentes se agitaram de repente enquanto observavam o desenrolar da cena. Foi meu velho conhecido que me olhou piscando vezes seguidas, segurando meu braço, gaguejando desnorteado:
- Mas nossa estratégia está incompleta, não temos…
- Você já tem a denúncia! Ela conseguiu que ele falasse. – O interrompi imediatamente, vociferando, segurando para não simplesmente mandar todos se foderem. – Não é possível que isso não seja o suficiente para vocês conseguirem o mandato ou simplesmente invadirem aquele lugar, não depois de todas as merdas que ele está fazendo com ela!
- O que mais vocês precisam que ele faça para irem pegá-lo? Matar alguém? – se colocou ao meu lado. – Sequestro, tráfico e posse de drogas, agressão contra mulheres, extorsão e suborno. Já é mais que o suficiente!
- Vocês têm a localização, têm a vantagem sobre Beckett por saberem mais do que ele sequer imagina – eu falei tentando manter meu tom de voz estável. – Não dá pra esperar mais. Nós precisamos nos posicionar agora!
O agente Milles negou sem tirar os olhos de mim.
- Ainda precisamos de tempo, estamos mapeando as ruas, as casas e…
- Nós não temos tempo! – eu gritei mais uma vez e ele se afastou, endurecendo seu rosto.
- Se fizermos as coisas de qualquer jeito, não terá garantia que vai dar certo!
- Então isso muda agora – eu exigi tremendo. – Você pode não estar determinado a correr o risco, mas eu estou! E vou sair por aquela porta. De um jeito ou de outro!
A tensão dentro da sala inflou ainda mais, tornando-se palpável, e eu segurei meu ar.
Então a expressão impassível em Milles se desfez, e ele soltou um suspiro pesado.
- Sairemos daqui e iremos para lá – ele disse monotonamente sem se dirigir a ninguém em especial, mas imediatamente todos seus agentes se levantaram e começaram a arrumar suas coisas, sem questionar. – Seguiremos com o que temos. Mas não haverá garantias. Estamos todos por nossa conta em risco. Você entende isso, ?
Senti uma pontada de alívio tão breve quanto o ar que soltei, porque o sentido implícito em sua frase estava lá para qualquer um perceber. Não é só a vida dela ou a sua em jogo aqui.
- Eu sei. – Meu maxilar trincou em ansiedade. – Mas estou disposto a seguir até o fim, seja esse qual for. E aceito as consequências disso.
Por um momento que se estendeu até demais, ninguém naquela sala disse nada, mas toda a movimentação subitamente se encerrou. E eu senti que aquela era minha escolha. Ela se assentava em minha alma.
Milles assentiu para mim, taciturno, e simples assim a decisão estava tomada.
- Então é isso? – Victoria sussurrou. – Agora nós simplesmente esperamos?
Todos meus amigos se entreolharam numa conversa sem palavras e eu pressionei meus lábios numa linha pálida.
- Darei notícias assim que possível.
Foi que me puxou pelo braço, interrompendo meu caminho até a porta, seguindo Milles e seus homens:
- Nós vamos com você.
- Não – imediatamente neguei, encarando seus olhos, o de cada um deles com a maior convicção que consegui reunir em meio ao caos que meu cérebro estava raciocinando. – Vocês vão ficar aqui, vão esperar por mim e por exatamente onde estão.
Um dos agentes recolheu o computador com os programas de escuta, os levando embora e tentou impedi-los agilmente, se levantando agitada, a respiração descompassada.
- Não, você não pode esperar que vamos ficar aqui no escuro, sem saber nada enquanto você e ela estão lá no meio dessa loucura completa!
- É justamente o que espero – insisti me sentindo ainda mais nervoso. – Nenhum de vocês vai colocar um pé naquele lugar.
- , você não pode nos obrigar a ficar – me disse simplesmente.
- Posso tentar.
- Mas não vai conseguir. – se colocou ao lado de Victoria.
Milles os observou com ar de irritação.
- Não teremos como garantir a segurança de vocês nas circunstâncias e nos números em que estamos.
- Esta conversa está encerrada! – tentei intervir.
- Iremos com ou a sem a permissão. – deu de ombros, fechou os olhos. – E seremos mais úteis lá do que aqui, de qualquer forma.
- Fazendo o quê? – Milles debochou. – Vão distrair os outros tocando violão?
- Observando – continuou antes que respondesse a provocação que estava prestes a saltar de sua boca. – Nós vimos as estratégias de vocês. Acham que serão o suficiente para cobrir todo os pontos que querem?
- Com todo respeito, vocês são cantores, não policiais.
- Com todo o respeito, você está gastando minutos preciosos discutindo enquanto podia estar fazendo seu trabalho, que é prender aquele traficante de merda que por acaso está com uma mulher que você devia ajudar a salvar. – o direcionou um olhar hostil. – Iremos e ponto. Só faça o favor de mostrar o caminho e poderemos evitar mais conversa fiada.
O agente apertou sua boca em uma linha fina, e, apesar de eu estar completamente contrariado pelo rumo que aquilo tomava, não pude deixar de olhar meus amigos com admiração. Uma sensação muito maior do que eu era capaz de descrever me tomando dos pés à cabeça, ainda que pesasse muito em meu peito ao mesmo tempo.
- Não tente nos impedir, – pediu num murmúrio rouco e contido. me encarou com firmeza e fúria.
Eu não teria como fazer isso, me dei conta.
Fechei os olhos por um instante, frustrado, me dando por vencido. Lancei a todos um olhar significativo de que não iria mais bater na mesma tecla antes de virar as costas e sair pela porta, sabendo, sem precisar ver, que estavam todos me seguindo.
Ergui a cabeça e assenti.
Se olhasse muito para eles, se sequer me desse ao trabalho de cogitar outra possibilidade, mudaria de ideia. E eu não podia deixar um minuto mais escapar por entre meus dedos.
Eles estarem comigo era só mais um lembrete do quão caro isso poderia me custar se eu cometesse qualquer erro.
Eu não podia falhar. E não falharia.
’s POV
Achei que com os olhos fechados eu conseguiria fingir que estava tudo bem. Conseguiria fazer o tempo passar mais depressa. Imaginar que estava apenas sonhando.
Mas os sons ainda eram reais, eu ainda tremia, um tanto de frio, outro de assombro. Meu coração ainda lutava para se manter estável assim como minha respiração às vezes falhava.
E pior que isso, eu ainda sentia a presença dele, de Beckett, seu olhar sobre mim mesmo quando eu me esforçava para não olhar. Sempre me estudando, analisando. Sorrindo enquanto via toda aquela vulnerabilidade que passei horas tentando camuflar, finalmente exposta, palpável, à sua frente para poder me atormentar da maneira que quisesse ou desejasse. Até que eu enlouquecesse.
Beckett puxou uma cadeira e sentou-se de frente para mim. O arrastar e som agudo do metal contra o piso fez eu abrir os olhos e observar a luz acima, evitando-o. O céu, aquela pequena parte que eu via do lado de fora através das janelas altas e inacessíveis, já estava escuro novamente. Uma mudança gradual que não vi acontecer por causa do medo instalado em mim durante as últimas dezenas de minutos, uma percepção que começou a me assustar apenas um instante em seguida.
Quanto tempo tinha se passado desde que ele telefonara para ? Quanto tempo mais até chegar? O que aconteceria quando ele chegasse aqui? Ele deveria mesmo vir? Já não tinha tanta certeza.
Eu tentava, com movimentos mínimos, retorcer meus pulsos nas amarras. Se eu conseguisse afrouxar o suficiente, poderia puxar minhas mãos para fora. Com os tornozelos presos obviamente eu não poderia fugir, mas era uma defesa com certeza melhor que nenhuma. Melhor do que apenas ter palavras ácidas para jogar sobre ele enquanto ele tinha tantas outras coisas com que me atingir.
Contudo, o aperto era muito forte e apesar de todas as minhas tentativas, nada acontecia, nem um milímetro se expandia. Eu só me feria mais a cada tentativa. Minha pele já estava em carne viva pelo atrito onde as cordas rodeavam.
Soltei um suspiro trêmulo, jogando a frustração para o mais fundo dentro de mim. Eu mordi meu lábio inferior com força e o corte já existente nele reabriu com o gesto sem que eu sequer notasse ou ligasse para isso.
Mas o gosto e o cheiro metálico do sangue era impossível de confundir.
- Nervosa, ? – Beckett alargou seu sorriso e esticou sua mão para tocar meu lábio machucado. Eu retesei o fitando e ele se aproximou ainda mais. Limpou o sangue gentilmente e depois o esfregou contra as próprias pontas dos dedos numa calma ameaçadora. – Se não chegar em dez minutos, teremos uma segunda rodada da roleta russa.
Ele levantou a arma sutilmente e imediatamente meus olhos se fixaram nela. Meu coração bateu mais forte.
Eu tinha 5 chances em 6 de sair ilesa. Agora me restavam 4, uma probabilidade maior que 60% de eu dar sorte e o tiro sair literalmente pela culatra. De novo. Mas havia aqueles outros 16%, aquela uma chance em 6 que seria exatamente o que Beckett queria. E precisava.
Ele soltou uma risada, provavelmente entendendo o que minha expressão significava e eu desviei minhas pupilas para ele.
- Não é tão divertido quando a arma está apontada para você, não é? – Eu sustentei seu olhar tentando me manter firme enquanto o ouvia falar. – Nada disso estaria acontecendo se você tivesse aceitado a oferta que te dei. Sabe disso, não sabe, Ruivinha?
Eu engoli em seco e tomei ar.
- Você não está acostumado a não ter o que quer.
- Não. – Um brilho insaciável se acendeu em seu olhar. – Eu sempre fui um homem persistente. Bastante persuasivo também. Sempre consigo tudo o que desejo. Sempre.
Eu estreitei minha visão para ele, meus punhos cerrados contra minhas costas, a raiva se tornando maior que meu medo.
- Todas as mesas viram em algum momento, Beckett – eu devolvi sem pensar. – Sabe disso, não sabe?
Ele se inclinou repentinamente sobre mim e segurou tão firmemente meus braços entre suas mãos que eu podia sentir seu aperto chegar ao osso, o metal frio do revólver me queimar a alma. Tão forte que fez meus olhos arderem, lacrimejarem.
- Você vai pagar por cada palavra que está dizendo – ele vociferou para mim num sussurro contido. – Vai engolir tudo o que disse durante cada hora que passamos juntos. Vai se arrepender por estar agindo assim.
Devolvi a hostilidade em seu olhar com a mesma intensidade que ele a transmitia para mim, mesmo que as lágrimas escorressem por meu rosto e embaçassem minha visão, mesmo que eu segurasse meus choramingos de dor no fundo da minha garganta enquanto suas mãos ainda estavam sobre mim, marcando meus membros como se ele tivesse total direito de fazer isso.
- Você também vai – consegui dizer entredentes.
E foi assim que ganhei o terceiro tapa no rosto antes de ele se levantar bruscamente para longe de mim enquanto eu ainda sentia toda a ardência por minha pele sensível, deixando meu corpo tremer em parte por alívio, outra parte por dor.
Eu posso aguentar isso, consegui me convencer, controlando minha respiração. Mais um pouco. Eu consigo.
- Acho que o tempo de acabou. – Ele levantou o revólver com uma mão, o celular com a outra. – Será que o seu também?
Me arrepiei completamente com seu olhar maníaco, tentando engolir o que parecia ser uma bola de pelos em minha boca. O pânico voltando a alcançar a minha superfície.
Um segundo antes dele seguir adiante com suas próprias ideias, Shepard chegou apressado, o segurou pelo ombro com seriedade, me lançando um olhar de menosprezo, virando-se novamente para o chefe.
- Ele chegou.
Bastou para que eu entendesse.
Não sabia dizer se estava aliviada ou com mais medo ainda pelo que poderia acontecer, os sentimentos opostos se misturavam em mim. O ar deixou meus pulmões em uma única lufada. Quase não conseguia mais diferenciar o que pensava do que sentia.
Todo meu corpo ficou alerta.
- Finalmente. – Beckett olhou para mim e guardou o revólver no cós da sua calça, o celular em seu bolso. – Nosso pequeno reencontro. – Ele saboreou as palavras em sua língua. – Quanto tempo será que vai durar?
Ele se afastou, o canto dos lábios erguidos.
Shepard me encarou. Comecei a suar frio.
’s POV
Meus pensamentos, ao contrário dos meus movimentos tensos e travados, simplesmente fluíam enquanto eu observava o local com olhos atentos e treinados, à distância, relembrando tudo aquilo que discutira não mais que apenas minutos antes com a equipe. Calculando os passos. Seguindo o plano.
Beckett já sabia da minha presença mesmo sem eu ter colocado meus pés no interior do grande galpão, mesmo sem eu tê-lo aviso de fato. Tinha certeza.
Os dois homens que tomavam conta da porta do lado de fora silenciosamente analisaram meus passos, minha aproximação, e finalmente, quando se deram conta de quem eu era, não muito depois, informaram minha chegada por seus telefones para alguém no lado de dentro.
Ambos, apesar de parecerem fumar despreocupadamente, como se não estivessem fazendo nada demais parados onde estavam, sentados no batente da porta, guardavam a entrada com armas na cintura, percepção camuflada de tudo o que acontecia em volta e pose cuidadosamente tomada de quem não quer nada.
- Vocês dois – eu disse em alto e bom tom para que não apenas eles ouvissem, mas Milles e sua equipe também através da minha própria escuta, presa na mala. – Vim me encontrar com Beckett.
O mais alto e mais mal encarado dos dois, com tatuagens e piercings enchendo seu rosto bruto, me direcionou um olhar de desdém, afastando sua própria jaqueta para o lado, mostrando seu revólver orgulhosamente preso em sua calça.
- Algum problema em esperar?
- Algum problema em abrir a porta?
Eu arqueei uma sobrancelha para ele, sem paciência para conversas e joguinhos e mostrei sutilmente que ele não era o único com algum brinquedo perigoso.
Antes que eu pudesse inflar muito os ânimos dele e do seu amigo que já arrumava sua postura e fechava sua cara provavelmente pensando onde me bateria primeiro, o barulho da tranca sendo aberta chamou nossa atenção e imediatamente a passagem para o lado de dentro estava aberta, escancarada a minha frente, a silhueta de Beckett com os braços cruzados parado bem no centro dela.
Prendi meu fôlego e apertei o punho contra meu quadril.
- O convidado de honra. – Ele me encarou de cima a baixo com ódio e eu repliquei a atitude apenas com um pouco mais de arrogância, levantando meu queixo, semicerrando minhas pálpebras. – Bem na hora.
- Onde está ela?
O homem loiro abriu um sorriso de canto, trapaceiro. Eu já esperava que não seria fácil. Muito mais complicado que simplesmente entrar e sair.
A ideia boba de acabar com aquilo sem fazer bagunça acabou sem sequer ter começado.
- Com tanta pressa de ir embora?
- Me leve até .
A tensão entre nós dois estava tão densa que precisaria ser cortada por uma faca. Provavelmente seria a única maneira de acabar com a névoa que se formava ao nosso redor, cada vez mais espessa a cada respiração que eu ou ele dava.
Isso me deixou apenas mais ansioso pelo fim.
Beckett deu um passo para o lado e estendeu o braço, um falso gesto educado me convidando a entrar. Os dois homens que impediam minha passagem instantaneamente se afastaram, ainda desconfiados e com músculos retesados, mas, sem hesitar, dei um passo para frente, firme e convicto, apenas para ser bruscamente interrompido logo em seguida.
- Tire a jaqueta. – Beckett usou um tom cortês, mas não era um pedido educado.
- Por quê?
- Porque sua garota escondia uma arma por baixo da dela – explicou com menosprezo e sarcasmo. – Quem pode imaginar o que tem debaixo da sua, então?
Eu sustentei seu olhar sem demonstrar qualquer expressão.
Calmamente tirei meu casaco e ele imediatamente tirou minha arma presa na cintura, exposta, pegando-a para si enquanto a estudava rapidamente e gesticulava sem interesse para um dos seus capangas parado a porta:
- Drake, reviste-o direito.
Eu abri as pernas e os braços, contrariado, porém colaborando. A mala em uma mão, distante do meu corpo enquanto o outro apalpava meus braços, tronco, pernas, até chegar nos calcanhares e tirar de dentro da bota um estilete.
Com um riso seco, Drake entregou o utensílio para o chefe.
- Mais alguma coisa? – Beckett fingiu desinteresse. – Um canivete dentro do outro sapato? Uma faca presa no antebraço?
- Não – eu respondi gravemente, puxando o punho da camisa que eu usava mais para baixo. – Apenas seu maldito dinheiro.
Beckett ampliou o sorriso em seu rosto, o desejo o consumindo.
- Siga em frente, . – Ele me deu passagem lentamente. – É uma linha reta daqui até . Só me perdoe, talvez ela não esteja em um dos seus melhores momentos. Sabe como é, garotas más precisam aprender a se comportar.
Eu trinquei meu maxilar e apertei meus punhos contra a lateral do meu corpo, os dedos que seguravam as alças da mala ficaram com seus nós brancos sem qualquer esforço. Quase pude dizer que a veia em minha testa e pescoço estavam pulsando visivelmente.
A passos calculados, assim como toda minha postura e face, eu respirei fundo me acalmando mentalmente e segui, contando cada metro da entrada até , observando os pacotes e as drogas organizadas em fileiras, pilhas e caixas, os caminhos e as saídas que eu podia encontrar.
Nada daria certo se eu deixasse meus sentimentos se colocarem acima da razão. No momento era ela que mantinha minha sanidade. A certeza de que o plano funcionaria. E eu precisava me manter frio por quanto tempo fosse possível para garantir isso.
No entanto, conforme eu seguia, algo não pareceu certo, e imperceptivelmente eu diminuí a velocidade dos meus passos, ouvindo seu ecoar com atenção. A parca iluminação. O silêncio absoluto.
Um formigamento tomou a boca do meu estômago. Uma chance. Um pressentimento que poderia ser decisivo.
- Onde estão todos? – eu perguntei sem olhá-lo, fitando as janelas no alto das paredes, aquelas com vidros abertos que poderiam ser úteis, as com vidros fechados que seriam um problema. – Está um tanto sem vida aqui dentro.
Ele estralou a língua no céu da boca.
- Eu pedi um pouco de privacidade hoje a noite. Pelo menos até... eu resolver essa situação emergencial.
- Então fora os dois na entrada, só existem eu, você e aqui dentro?
- Não se engane, . – Ele riu audivelmente e controlei minha respiração. – Minha privacidade acaba da porta para fora. Tente fugir, como imagino que esteja tentando planejar nessa sua cabecinha ingênua agora mesmo, e verá o quão sozinho estou aqui.
Isso com certeza era um problema que não estava nas minhas mãos. Diretamente, ao menos. Milles estaria tomando suas providências sobre isso nesse exato momento.
Eu soltei um riso nasalado.
- Eu não fujo dos meus problemas, Beckett. Deveria saber, a uma altura dessas.
- Vai desejar ter fugido – ele disse em seguida. – Ou ao menos ter tentado.
O meio sorriso debochado em seu rosto não atingiu as paredes que eu havia erguido para repeli-lo, e minha inexpressividade cuidadosamente formulada permaneceu intacta e sustentou sua própria face carregada de tantas suposições.
Não daria ouvidos a seu jogo de palavras, a suas ameaças. Não estava aqui hoje para isso e não desperdiçaria meu tempo com suas provocações. Ele até podia achar que me manteria ali, que brincaria comigo até eu perder minha sanidade, que tiraria tudo o que tenho e ainda mais se pudesse. Que me destruiria de uma vez.
Mas isso não aconteceria. Não. Hoje eu seria seu problema, não o contrário.
Nunca mais o contrário.
- Vamos ao que viemos. – Eu o encarei por mais um segundo e continuei em frente, com Beckett sempre a apenas dois passos atrás de mim, sua vista fixa na minha nuca, em cada movimento que eu poderia fazer.
Nem um pouco contente pela minha reação contrária ao que esperava.
Continuamente eu caminhei a passos firmes sem qualquer relutância. O corredor infinito, escuro e parecendo ainda menor pela quantidade de coisas em suas laterais indicava apenas um local: o fundo do galpão, o espaço iluminado e relativamente vazio, não fosse por uma mesa, cadeiras ao redor da mesma, e centralizada no espaço.
Eu prendi a respiração quando finalmente consegui vê-la. E isso foi o suficiente para quase fazer com que eu caísse de joelhos, desmoronando. Não fosse pela vingança, pela raiva que eu sentia por Beckett que no momento anulava todos os outros sentimentos e se sobressaía a qualquer coisa, o desenrolar daquilo teria sido completamente diferente.
Abatida, pálida e com os cabelos bagunçados demais, meio grudados sobre sua pele, embaraçados em suas pontas, me encarava com olhos em um azul cristalino que mais parecia feito de vidro, completamente arregalados. Havia sangue seco perto da sua boca, um corte no canto da mesma que me fez trincar os dentes, mas era sua respiração descompassada, a cor em suas bochechas e a leve tremedeira que ela tinha que me fez parar estático no mesmo lugar, vendo não só suas mãos amarradas atrás das costas e seus pés presos contra as pernas da cadeira, mas a figura parada logo ao seu lado, a arma apontada em sua direção.
A minha própria arma que ela mesma havia pegado.
- Shepard, é bom ver que foi convocado para essa reunião também – eu disse a ele, um cumprimento falso e distante de qualquer emoção. Contudo, Thomas sequer desviou sua atenção de . – Você e mais dois amigos, vejo.
Os homens recolhidos próximo a parede não se movimentaram, sequer piscaram os olhos para mim, mas eu me lembrava deles da última vez que havia participado do racha. Achei que teria a sorte de nunca mais vê-los depois daquilo.
- Deveria ter chegado mais cedo – ele me respondeu suavemente. – Perdeu algumas coisinhas interessantes. Sua garota tem uma língua muito afiada.
movimentou a cabeça para os lados, levemente, e precisei me esforçar muito para não esboçar um traço que fosse de qualquer sentimento em meu rosto. Foi um sacrifício conseguir controlar meu coração e minha respiração, ambos erráticos. Mas pior ainda foi quebrar nosso contato e desviar meus olhos do seu.
Eu ignorei cada palavra e me virei para Beckett que, de braços cruzados, apenas prestava atenção no meu diálogo com Shepard, minha troca de olhares com .
- Engraçado. – Ele franziu a testa, curioso quando o silêncio se intensificou. – De repente ela ficou tão calada. O que aconteceu, Ruivinha?
Ouvi-lo usar aquele apelido dela me deu gastura.
Eu a observei estreitar os olhos, uma faísca saltar de suas íris. De repente não havia mais apreensão ali, só ódio.
- Meu nome não é esse, eu já disse: não me chame assim.
- Você não está em posição de pedir nada, querida. – Beckett riu e deu um passo na direção dela. – Sabe…
- Chega. – Eu interrompi de súbito, querendo encerrar aquela conversa de uma vez, ir ao que interessava. Fazer o que era preciso. – Aqui está a porcaria do seu dinheiro. É hora de soltá-la.
A bolsa caiu no chão em um único som oco, levantando uma pequena camada de poeira ao seu redor quando atingiu a superfície rígida, calando todos em seguida.
Eu sabia que em seguida eu não teria mais do que poucos minutos. Só rezava para que Milles e os outros soubessem disso também. E que fosse o suficiente. Eu faria ser o suficiente.
Tanto Shepard quanto Beckett me fitaram por um instante longo demais. Com uma calma muito maior do que de fato possuía, o loiro veio até mim e se abaixou, puxando o zíper lentamente, avaliando, e observou o interior negro da bolsa, os maços de dinheiro separados cuidadosamente ali dentro de cinco em cinco mil.
Não tocou uma nota que fosse, e ainda assim, chegou a uma conclusão:
- Não está tudo aqui.
- Quando sair caminhando pela porta da frente, eu te entrego o resto.
- Não é assim que funciona, . – Ele fingiu me olhar com decepção, estralando a língua no céu da boca repetidas vezes. – É tudo ou nada. E infelizmente, nesse caso você escolheu o nada.
Meu maxilar se tencionou por puro reflexo.
- Por que não pega seu dinheiro e a deixa ir?
- Porque só isso já não é mais o bastante. – Ele se afastou sorrindo até alcançar , e a arma na mão de Thomas se virou dela para minha direção em um segundo.
arfou audivelmente e meu corpo se tornou tão imóvel quanto uma estátua de cera.
- Beckett, solte-a – eu mais uma vez insisti, controlando minha voz enquanto ignorava o cano da arma apontado para mim e o olhava fundo nos olhos. Eu precisava de mais tempo. Precisava conversar e enrolá-lo. – Solte-a, e eu lhe entrego o que falta. Conversaremos eu e você. Chegaremos a um acordo, como sempre aconteceu. Mas não precisa estar presente.
O homem me dirigiu uma gargalhada estridente e precisei controlar o ar que deixava meus pulmões com muita calma.
- Não, . Eu gosto dela aqui, observando. – Beckett se aproximou de e passou a mão por seu rosto ferido e eu percebi como ela tentou se afastar do toque, como falhou debilmente, em como eu não pude fazer nada para ajudar por causa da arma apontada contra mim. – Seria uma pena se ela perdesse o show que faremos agora, não acha?
Eu a vi engolir com dificuldade, sua garganta convulsionar, e vi eu mesmo de repente ficar com a boca seca.
Os dois homens até então imóveis nas laterais do recinto começaram a se aproximar, vir em minha direção com passos firmes e decididos. E a arma estendida em minha direção novamente mudou sua mira, voltando para minha Ruivinha outra vez, num aviso nada sutil.
Todo meu interior se revirou.
Foda-se a conversa fiada. Foda-se o tempo. Ele estava prestes a acabar para todos nós.
Era agora ou nunca.
Eu ergui um dos cantos da minha boca em um sorriso completamente louco, as unhas afundando contra minha palma, tão fundo que eu quase sentia o sangue escorrer pelas marcas. Mas ele estava certo. Que show seria esse.
E não seria por suas mãos.
- Isso acaba hoje, Beckett – eu consegui dizer para ele, entredentes.
Se fosse possível, os olhos de se arregalaram ainda mais em minha direção, os lábios se entreabrindo, a mensagem sendo recebida com sucesso.
- Com certeza acaba – o homem loiro respondeu da mesma maneira doentia de sempre quando enfim os seus dois capangas chegaram perto o suficiente de mim e seguraram meus braços com firmeza. – Agora, Ruivinha, eu quero que preste muita atenção no que vai acontecer. Vai ser pior se não fizer isso.
E começou a caminhar em minha direção, largando a cabeça dela bruscamente, exatamente no momento que alguns sons começaram a ecoar pelo galpão, atraindo a atenção de todos e interrompendo seus movimentos de súbito.
Quando o barulho se repetiu e eles começaram a procurar ao redor para entender o que estava acontecendo, eu senti o aperto em meus braços se afrouxar, aquele um segundo decisivo se aproximando.
- Mas que porra! – alguém gritou.
- Que merda é essa?
- Não sei, chefe!
- Shepard, você me disse que estava tudo limpo lá fora! – Luzes tilintaram nas pupilas dilatadas de Beckett. – Que ele veio sozinho!
- E veio! – Thomas arregalou os olhos em sua direção, a preocupação saltitando por seu corpo. – Ninguém relatou nada anormal, ninguém…
Outro som fez com que a conversa entre eles se findasse. Foi meu sorriso que dessa vez prendeu a atenção de todos eles, e Beckett me encarou feroz, seu rosto vermelho quase incandescente, a voz em um rugido:
- O que você fez, ?
Mas foi quando finalmente a fumaça começou a se fazer visível através das pequenas bombinhas lançadas, tomando o ambiente numa névoa espessa que eu finalmente reagi.
Que o pandemônio começasse.
Capítulo 58 - O ponto final - parte 2
Be my ghost”
’s POV
Meu cérebro demorou apenas poucos segundos para raciocinar e entender a súbita somatória de palavras e acontecimentos consequentes enquanto as bombinhas caiam no chão e a fumaça inodora, porém densa, se espalhava no ar na mesma velocidade inquietante que minha respiração.
Isso acaba hoje. Agora.
Mas de que forma?, eu me perguntava repetidamente enquanto observava tudo como uma estátua e compreendia o que viria em seguida, visualizando todas as variações existentes, as possíveis e impossíveis como visões em minha mente enquanto o caos se instalava sem hesitação.
- Vão para a porta agora! Descubram que porra é essa! – Beckett ordenou para os dois homens, que não tardaram a soltar de qualquer jeito depois de o atingirem com um par de socos ao perceberem sua intenção de reagir, e então se distanciaram, correndo pelo corredor e desaparecendo pela bruma, o som dos passos pesados ecoando e se perdendo conforme levavam o telefone ao ouvido e falavam com aqueles do lado de fora em busca de qualquer tipo de entendimento e informação.
Mas não foi esse conjunto de acontecimentos que fez minha pulsação aumentar.
O ar deixou meus pulmões quando vi recuar por um instante, indefeso, e devo ter gritado ao ver as mãos dele sobre seu estômago, com dor, mal notando o homem loiro ir diretamente em sua direção e lhe dar um soco certeiro no maxilar, jogando sua cabeça para o lado, praticamente o fazendo tombar para trás em completa surpresa e despreparo.
Só que dizer qualquer coisa naquele momento foi um erro terrível, porque imediatamente minha voz esganiçada atraiu a atenção de para onde eu estava, uma distração que Beckett não tardou a aproveitar.
Segurei o segundo grito em minha garganta quando comecei a ver o sangue de escorrer por cortes diversos e passei a respirar com dificuldade, sentindo a angústia aumentar por todo o meu corpo a cada vez que Beckett o atingia sem dó. Com tanta força que me fazia encolher em minha própria pele como se fosse eu recebendo os golpes incansáveis.
Eu preferia que fosse eu.
Pensar, eu não conseguia pensar desse jeito. Como poderia? Não conseguia desviar os olhos dos dois. Não conseguia respirar por puro medo e desespero por , porque sabia que a desvantagem era dele.
Só no momento que retribuiu o soco, um tanto desequilibrado, mas se recuperando rapidamente enquanto ia para cima de Beckett com a mesma agilidade com que o outro o atacava, trocando golpes e pontapés, eu pareci finalmente me livrar do torpor, guardando todas aquelas sensações inebriantes bem no fundo da minha alma, procurando uma brecha, deixando a adrenalina me invadir e me fornecer uma força que eu sabia que não tinha de verdade.
Contudo, mesmo me mexendo e lutando para me livrar das cordas, percebi que era um esforço inútil. Tão inútil quanto eu me sentia, pois não pude fazer nada além de observar o desenrolar da cena por segundos que pareceram infinitos. Olhos arregalados, tentando energeticamente desfazer o aperto que envolvia meus pulsos e tornozelos, usando todas as energias que eu ainda possuía exatamente para poder de alguma forma fazer mais que apenas assistir enquanto paralelamente a briga, Shepard silenciosamente levantava sua arma e a distanciava de mim, mirando-a em em um movimento turvo que pareceu acontecer em câmera lenta diante do meu cérebro ainda incapaz de raciocinar decentemente.
Eu pisquei, desconcertada. Perplexa.
A cadeira se arrastou no chão pesada e audivelmente quando me movi bruscamente por puro instinto em direção a Shepard.
- Seu filho da mãe! Você vai errar! – eu consegui grunhir para ele com a garganta dolorida, distraindo-o com meus sons por segundos preciosos, recebendo apenas palavras rudes que não me fizeram calar a boca por pura frustração, me fazendo mover com ainda mais pressa e força que instantes antes.
O meu triunfo foi breve enquanto usava minha voz como minha única arma, Thomas já não tinha a mira limpa para um tiro com toda a movimentação frenética entre e Beckett. Eu tinha certeza que se ele atirasse, a bala poderia muito bem atingir seu próprio chefe antes de acertar . E não fosse essa percepção maluca, essa constatação talvez tão mínima e miserável... Foi a única coisa que me fez não perder todo o controle que ainda me restava.
Mas será que Thomas sabia disso tão bem quanto eu ou arriscaria mesmo assim?
Vi seus olhos se concentrarem mais no alvo, se semicerrarem com atenção. E meu coração batendo forte contra meu ouvido quase silenciou todo o resto.
O desespero em mim era maior que tudo e anulava todas as outras coisas. Eu precisava fazer algo. Precisava. Só conseguia pensar em como transcorreriam os próximos instantes enquanto eu permanecia sentada naquela cadeira maldita incapaz de qualquer coisa.
Não, eu me recusava a aceitar isso. Eu não seria uma mera expectadora nessa história.
Com lágrimas nos olhos que escorriam pela dor aguda que subia por meu pulso até meus ombros, eu forcei ainda mais o aperto. A sensação era algo parecido com tentar separar minhas mãos do resto do corpo, mas continuei ainda assim, resmungando xingamentos e arfados constantes que faziam Thomas desviar os olhos da briga apenas para se deparar com minhas tentativas falhas de movimentação e agonias que o irritavam pela distração. Era bom que ele não conseguisse se focar na mira, só que eu não ligava mais se estava ou não chamando a atenção de alguém, meu objetivo já era outro. Eu sabia que Beckett me ignorava porque tinha certeza que eu não causaria problemas se continuasse ali. Thomas não demoraria a ter a mesma conclusão, e exatamente por isso eu precisava me mover.
O suor ajudava a pele a escorregar, uma palma contra a outra, e, ainda que fosse algo muito sutil, eu senti a mudança, quando a dor aumentou em meu pulso e me fez arfar e morder os lábios para não soluçar em voz alta. Minha mão esquerda deslizou e a corda arranhou a superfície que ainda estava intacta conforme eu espremia meus ossos pelo espaço, ignorando as pontadas que latejavam em meu membro, me concentrando apenas na liberdade que teria com um pouco mais de esforço.
Quase lá. E um grunhido animalesco me fez interromper todo o processo.
Minha visão voltou a entrar em foco e isso aconteceu exatamente quando Shepard se deu conta de que eu era o menor de seus problemas, nem se dando conta do meu ínfimo progresso, onde contrariado e de repente agindo como um completo tolo alienado, deixou a arma de lado sobre a mesa metálica, distanciando-se de mim, a atenção fixa nos outros homens vendo que os socos se tornavam cada vez mais intensos, finalmente se dirigindo para se juntar a luta livre que acontecia ali para defender seu chefe, se dando conta de que seria mais sábio interferir assim que com uma bala que poderia ou não atingir seu alvo.
Dividida entre o alívio por vê-lo longe da arma e exaspero intenso por saber que perderia qualquer vantagem que tivesse quando o outro chegasse para interceder, dessa vez fui eu que fui distraída por suas ações, e, portanto, só pude fechar os olhos até que pontos brilhantes surgissem por trás das minhas pálpebras enquanto puxava, estreitava e espremia meu punho pela corda, choramingando agora mais por aflição do que acontecia ao redor que pelas fisgadas em meus próprios nervos.
Só mais um pouco, droga, eu ficava repetindo como um incentivo de agonia, tentando abafar os sons de luta nas proximidades, ouvir apenas meus próprios pensamentos em meio ao desespero. Só mais um pouco! Tão pouco!
Mas não precisei insistir muito mais enquanto sentia lágrimas frustradas descerem por meus olhos assim que voltei a abri-los enfim. Foi questão de segundos.
Não consegui acompanhar bem os movimentos a seguir que se desenrolaram a minha frente, meu cérebro tardiamente absorveu apenas parte do que de fato tinha acontecido, mas surpreendentemente o jogo virou de forma abrupta.
De repente empurrava o loiro para longe, a adrenalina de alguma forma dobrando sua força, fazendo o outro cambalear por vários metros para longe dele. aproveitou o espaço recém adquirido para dar um soco cruzado e uma rasteira em Shepard, com tanto ódio que derrubou-o no chão imediatamente, onde bateu com a cabeça e ficou atordoado, gemendo, as mãos sobre seu crânio, incapaz de se mexer devidamente, até que por fim apagou.
Vendo-se temporariamente livre de um, ainda que estivesse ofegante, com o rosto sangrando e o corpo pendendo para um único lado, conseguiu atingir certeiramente seu joelho contra o estômago de Beckett que chegava até ele novamente e tentava imobilizá-lo com ainda mais fervor.
Só que as faíscas existentes nos olhos de Beckett não chegavam aos pés das labaredas nas íris de , o verdadeiro incêndio que aquele olhar poderia causar.
E então seguiu com uma sequência de socos violentos onde os rins do outro estavam localizados nas costas, até que o loiro estivesse com dor suficiente para afrouxar o aperto impetuoso e desajeitado sobre ele. Quando isso aconteceu, segurou a cabeça do homem entre as mãos brutalmente e sem hesitar deu com a testa de Beckett contra a mesa metálica próxima a eles e também a mim, deixando-o cair no chão com um estardalhaço, quase completamente inerte, enquanto o homem perdia a consciência imediatamente.
Inerte e completamente hipnotizada pelo que vi, houve um instante onde o silêncio serpenteou entre nós e dramaticamente a fumaça fechou o espaço ao nosso redor, enevoando a visão clara que ainda tínhamos do ambiente.
Eu estava boquiaberta, subitamente imóvel e permaneci assim até que os olhos de encontraram os meus, alarmados e despertos do estupor. Ele correu em minha direção, mancando um tanto sobre o tornozelo direito, após se abaixar aos tropeços e pegar algo no bolso de trás de Beckett, virando-se para pegar também a arma que Shepard havia deixado sobre a mesa pouco antes.
- Vou soltar você, Ruivinha – ele murmurou para mim, a voz grave e séria demais enquanto o via liberar a lâmina do estilete e finalmente desprender meus pulsos após um instante que pareceu interminável. – Você vai ter que correr naquela direção e não vai olhar para trás quando fizer isso.
- Nós temos que correr e sair daqui antes que eles acordem – objetei após um grunhido claro de alívio quando meus braços e mãos estavam finalmente livres, a pele vermelha e arranhada, a carne viva e rodeada de sangue onde as cordas estavam. – Eu vou quando você estiver comigo. Não vou sair daqui sem você!
Eu passei meus braços ao redor do seu pescoço tão rápido que sequer me dei conta de que estava o abraçando até que seus braços me apertaram contra si apesar da maneira precária e desajeitada em que estávamos.
puxou meu rosto e beijou minha boca muito rapidamente, minha testa, num gesto desesperado para se dirigir em seguida aos nós que prendiam meus tornozelos. Subitamente sem qualquer clareza ao raciocinar, meu desejo naquele instante não era que ele me soltasse, mas seu calor me envolvendo, queria seu cheiro me inebriando.
Mas como um aviso silencioso a fumaça que ficava cada vez mais espessa funcionou como um alarme em minha mente. Eu sabia que os homens não ficariam desacordados para sempre e ninguém esqueceria nossa presença ali tão facilmente.
Respirei duas vezes antes de me mover mais uma vez. Eu ajudei com as mãos trêmulas a soltar o pé oposto enquanto o via ofegar claramente e apertar a boca numa linha fina, balançando a cabeça para os lados.
- Precisamos sair daqui, .
- Nós vamos.
- O que está acontecendo lá fora?
- Não é o momento de explicar – resmungou. – Você sai, eu te encontro mais tarde e te conto os detalhes que não tiver deduzido.
Eu o encarei indignada, qualquer dor ou mal estar que eu estivesse sentindo desaparecendo em um único segundo.
- Teu cu que vou fazer isso!
Ele me encarou com olhos arregalados, sem parar de mexer os dedos nas cordas. Sinceramente eu já não tinha controle do que saía da minha boca para me preocupar com o palavreado.
- Não seja teimosa agora, – praticamente rosnou para mim. – Você vai sair daqui enquanto eu termino com isso!
A percepção do que ele queria dizer me atingiu como uma corrente gélida de um vento cortante, me enchendo de pavor de um jeito que todo o meu corpo se arrepiou.
- Não, . – Eu me livrei da corda com violência enquanto ele fazia o mesmo e enfim conseguia me colocar de pé ao mesmo tempo que ele, segurando seus ombros, cravando minhas unhas em seus bíceps enquanto o olhava com intensidade. – Se está aqui agora e tudo isso está acontecendo é porque sei que descobriu o que eu planejava fazer. E se for isso mesmo, então eles vão ter o que merecem! Mas não por você. Você não vai fazer nada que possa se arrepender depois. Não vai!
A fúria iluminou seu olhar e eu precisei me conter para não desviar minhas pupilas das suas.
- Não posso deixar que eles simplesmente saiam impunes! – ele vociferou. – Depois do que eles fizeram a você e do que te ameaçaram! Do que fizeram a mim e a tantas outras pessoas. Não posso, ! Simplesmente não posso!
- Pode e vai! – eu insisti firmemente, minha voz falhando no meio do grito de desespero. – Não cabe a você se vingar desse jeito, ! Não cometa essa loucura!
Ele tentou se afastar de mim e eu cambaleei para o lado, minhas pernas fracas pelo tempo incontável em que fiquei presa e imóvel, por todo o desgaste físico e emocional.
- , sua cabeça dura, pelo amor de tudo que é mais sagrado, não me peça isso! – ele gritou apenas para em seguida me segurar de novo, impedindo que eu caísse. – Se eu não fizer nada, se eu deixá-lo aqui... Ele nunca vai parar! Entende isso? Nunca! Então saia daqui agora e me deixe fazer o que é preciso!
- Não, ! Cale essa maldita boca. Pela última vez, nós vamos terminar essa merda juntos, seja como for! – eu devolvi enfim, apelando. – Não vou deixar você sozinho aqui! Se quer que eu saia, sairemos juntos. Se decidir ficar, então eu também fico! E nada que escolher estará somente nas suas mãos. Entende isso? É pegar ou largar!
A tensão entre nós pareceu um fio prestes a arrebentar.
Nós sustentamos o olhar um do outro por um instante interminável, uma luta interna poderosa demais onde qualquer gesto seria o divisor de águas entre algo que mudaria o futuro de nós dois para sempre, sem qualquer borracha capaz de apagar tais ações. E então soltou xingamentos desconexos, seu rosto retorcido em um sofrimento maior do que eu seria capaz de descrever, agarrou minha mão e começou a me puxar para longe dali às pressas, desistindo daquilo que estava em sua mente, me enchendo de um alívio descomunal que quase me fez abraçá-lo mais uma vez por pensar com clareza em um instante onde tudo parecia acontecer por instinto.
Mas sequer conseguimos dar três passos antes que nossa saída fosse interrompida, antes que meu coração já acelerado se enchesse e transbordasse por uma súbita onda de pânico avassaladora, destruindo o alívio tão rápido quanto ele veio.
Jogado aos nossos pés entre a fumaça esbranquiçada estava Shepard. Mas Beckett não estava mais caído no chão. Não.
Ele estava de frente para nós, o rosto retorcido em pura cólera, a arma estendida em minha direção, e de repente, sem hesitação conforme soltava um urro capaz de estremecer as paredes, ele apertou o gatilho.
Dessa vez eu soube que seu revólver não falharia, fosse qual fosse a probabilidade existente, e com um último piscar eu esperei a bala atingir meu peito.
Mas não foi isso que eu senti um milésimo de segundo antes de ser baleada. Foi o empurrão que me deu conforme me afastava do percurso do tiro e se colocava exatamente onde eu deveria estar, sendo atingido em cheio, me deixando atônita, sem chão. Sem respirar.
E mundo pareceu parar conforme a bala entrava em sua carne e desaparecia em seu corpo.
A pulsação do meu sangue retumbou mais alto em meus ouvidos e eu vi tudo ao meu redor acontecer em câmera lenta: o sorriso cruel enchendo a expressão de Beckett; cair, baleado contra o chão, os olhos fechados, a respiração rápida demais, curta; meu próprio grito estridente deixar minha garganta arranhando-a como se eu estivesse engolindo espinhos, levando as mãos a minha cabeça em completo desespero enquanto sentia a terra estremecer.
A dor que eu sentia não era física. Vinha dentro de mim, da minha alma, e me dilacerava.
A gargalhada insana de Beckett me arrancou daquela realidade paralela em que eu estava conforme vinha em minha direção, os olhos débeis preenchidos por loucura e satisfação doentia.
Me joguei ao lado de , sobre meus joelhos, sentindo estar muito próxima de um surto, de perder o que restava da minha sanidade. Sentindo que me perdia com a possibilidade de perdê-lo também.
Eu gritava seu nome com tanta intensidade que minha voz reverberava pelas paredes, mas imóvel, ele não respondia, não reagia aos meus toques, a minha voz. E eu não entendia o que era aquilo, o que significava. Não tinha sangue. Por que não tinha sangue?
- Eu disse que ia te mostrar o inferno hoje, Ruivinha. – Por trás, Beckett cravou sua mão livre em meu couro cabeludo e me levantou em um puxão forte e agressivo apenas para me arrastar e enfim me lançar novamente em direção ao piso como se eu fosse um saco de lixo a ser descartado.
Apesar do ganido que soltei, da dor aguda que subiu por meu pulso já machucado quando caí por cima dele, do formigamento em minha cabeça que fez meu ouvido apitar dentro do meu crânio, não senti medo do que estava por vir, do que ele faria comigo em seguida. Só senti raiva. A mais completa e pura fúria que obscurecia minha visão já turva e tingia tudo de vermelho.
- Você está enganado – eu consegui soltar quase num rosnado quando apertei meus dedos ao redor do estilete que até pouco antes jazia na mão de . – É você quem vai conhecer a porcaria do seu inferno!
Minha visão estava embaçada pelas lágrimas, mas nunca me senti tão lúcida quanto ao que fazer em seguida como naquele momento.
Impulsionei meu corpo para cima, a lâmina exposta em minha mão direcionada contra o homem que pairava acima de mim, até que a parte afiada cortou sua perna na altura da coxa e o sangue esguichou da ferida, sobre mim, sobre o piso, sobre ele próprio.
Em meio a um grunhido animalesco, com uma mão ele segurou meu pulso que tinha o estilete, pronto para golpeá-lo de novo, e impediu meu movimento. Com a outra mão, segurou o corte que sangrava em sua perna, numa reação espontânea a dor. Aproveitando do seu desequilíbrio e súbita fraqueza, da minha própria adrenalina que me dava uma onda ainda mais intensa de força, eu lhe passei uma rasteira sobre a perna ferida, derrubando-o no chão da mesma maneira desajeitada que ele havia feito comigo.
- Garota estúpida! – ele gritou para mim, apressando-se a se colocar de pé ao meu lado da mesma maneira que eu fazia em meio ao caos e a baixa visão em nosso entorno. – Acha que vai me impedir de terminar com você?
- Você atirou em ! – Um soluço irrefreável deixou minha garganta conforme eu engatinhava para longe dele, para perto do corpo de , apenas para sentir um forte puxão em minha perna, fazendo com que eu batesse meu queixo no piso e recuasse tudo o que eu tinha avançado para longe dele. – Atirou nele!
Mas meus gritos se perderam em meio aos movimentos.
- Atirei, e atiraria de novo! – Eu tentei chutá-lo quando senti que me arrastava pelo piso exatamente em sua direção, os dedos contra minha panturrilha, depois a coxa. – Mas por sorte já era. Só falta você agora.
- Ele não está morto! Não está. Não está! – eu gritei para aquele monstro, tentando cortar sua carne com o estilete outra vez, repetindo aquela frase como se quisesse me convencer dela, mesmo que algo em mim começasse a ficar à deriva. Mas suas mãos viraram meu corpo de costas para o chão, arrancaram minha única arma com menos esforço do que eu era capaz de aceitar, torcendo meu pulso com tanta força que a dor ficou como um eco por todo o meu braço. – Você não o matou, Beckett! Não matou!
Contudo, meus gritos pareceram se perder na atmosfera opaca e confusa, na névoa esbranquiçada que nos atingia e eu não conseguia mais ver . Não conseguia mais senti-lo. Nem chamar por ele.
Eu estava sozinha.
Apenas o riso sombrio e lunático de Beckett conseguiu chegar até mim, me atingir. Tão fundo que alcançou meus ossos. Tão intenso que pareceu arrancar algo de mim. Mais de tanto do que já havia tirado.
- Matei, . – Ele sentou-se sobre as minhas pernas enquanto eu esperneava e me remexia embaixo de si, segurou meus braços sobre a minha cabeça como se eu sequer estivesse me esforçando para lutar e analisou a lâmina afiada e suja de rubro do seu próprio sangue com um brilho obscuro, doentio e mortal. – E agora vou matar você também. Meu rosto vai ser a última coisa que você vai ver. E eu vou adorar isso. Vou adorar ouvir você implorar para que eu pare. Vou adorar assistir você morrer.
Eu olhei em seu rosto, tentando fazer do caos que eu sentia minhas forças, e suas íris verdes quase engolidas pelas pupilas dilatadas me atingiram mais fortes e intensas que um de seus socos ou tapas, fazendo minha pele formigar em resposta imediata.
Simples assim, a compreensão me atingiu. Foi como se alguém tivesse cortado uma corda que eu ainda não sabia da existência, e, de repente, eu me sentia em queda livre num abismo sem quaisquer proporções. Eu chorava compulsivamente sob ele, meus músculos cansados e retesados, minha alma partida, o mundo perdendo o brilho ao meu redor conforme eu entendia o que havia acontecido, a iminência do que aconteceria a seguir enquanto o via aproximar a lâmina da minha pele, pressioná-la contra minha clavícula, pairar seu sorriso grotesco sobre o meu rosto enquanto cortava minha carne e o sangue quente lentamente cobria meu colo.
- Pode parar de lutar agora, Ruivinha. Acabou.
Mas mesmo em meio a angustia e aflição, eu não parei. Mesmo quando tudo me dava motivos para parar, eu decidi que não faria isso. Não pararia nunca.
Por , que ainda estava ali, em algum lugar, eu continuaria.
Pelo pouco que eu ainda tinha, eu lutaria com cada fibra que me restava.
E enquanto ele se dava conta disso, enquanto afundava a lâmina em meu corpo lentamente, com ainda mais raiva por minha teimosia e insistência, se deliciando com a dor refletida em meus olhos, houve um instante de silêncio onde segurei o grito mordendo meu lábio com força, sustentando seu olhar com o meu, e enfim entendi, ouvi minha consciência sussurrar em concordância: você tem razão. Acabou.
Mas o que veio a seguir foi um disparo, e não um grito ou uma gargalhada de êxtase, nem a luz em minha visão se apagando. Foi um único tiro que fez a ardência em minha pele se interromper, perder a sensação gélida da lâmina me ferindo.
Se era em mim, porque eu não sentia a queimação da ferida?
Eu arregalei ainda mais os olhos, sobressaltada, confusa, sentindo que a força que Beckett infligia contra mim perdia a pressão. E tudo pareceu estranho demais, com visões desconexas, como se houvesse um hiato a ser preenchido, até que seus movimentos retesaram e seu corpo foi empurrado para o lado, para longe de mim. Até que vi , de pé, atrás dele, as mãos segurando a pistola e seu dedo sobre o gatilho com a mira fixa no homem. Até que entendi que a voz que eu ouvira não era minha consciência, mas pondo um ponto final em tudo. E então eu compreendi.
Ele estava vivo. Estava comigo.
Esse um segundo decisivo, essa sucessão de acontecimentos, era ele me salvando. Era ele atirando em Beckett.
Tardiamente, aos tropeços, me coloquei de pé, distanciando-me do homem loiro caído no chão, que se arrastava em nossa direção como se a visão da arma apontada para si não significasse nada, até que outro homem se juntou a , e então mais um, todos o vigiando de perto. E então meus músculos falharam. Meus joelhos vacilaram ao mesmo tempo em que Beckett interrompia seus movimentos, e eu outra vez me levantei, mais firme, insistindo em ir em direção a , perplexa demais, gaguejando vergonhosamente enquanto as palavras se perdiam em minha boca e mente até que eu estivesse de frente para ele, até que seus olhos encontraram os meus e ele largou a pistola no chão em um único gesto desolado.
Eu não sei de onde tirei forças, mas em um segundo eu o encarava e no outro eu pulava sobre ele e nós dois cambaleamos para trás, fracos e desamparados, eu apertando contra mim como se estivéssemos costurados pelas roupas, como se meu corpo fizesse parte do seu.
E por um momento, éramos só nós dois que existíamos, mesmo com as vozes desconexas, com os passos apressados ao nosso redor, todos os sons reverberados e ecoando, a fumaça esvaecendo.
Eu só conseguia sentir meu coração bater forte, palpitando na mesma velocidade desconcertante que o dele.
- Todos parados! – uma voz grossa se fez audível, barulhos de metais sendo manuseados, de armas sendo destravadas. – Polícia metropolitana de Londres!
De relance, sobre o ombro de , eu enxerguei mais homens se aproximando, as armas em punho, olhares ferozes, até que encontraram quem procuravam no chão, já na mira de outros, e o entendimento e transtorno se tornaram visíveis em cada um deles, até que um se colocou de joelhos, segurando o punho de Shepard, sentindo seus batimentos cardíacos e anuiu com a cabeça uma única vez.
- Chamem os paramédicos! – outro homem gritou próximo a nós dois, nos olhando de cima a baixo, uma expressão qual fui incapaz de decifrar, mas ainda assim preocupada. – Temos feridos no local.
Resmungos que não prestei atenção vieram em seguida conforme eu me afastei de , a súbita percepção me atingindo conforme absorvi as palavras anteriores do policial, me deixando novamente nervosa, desesperada.
- Você levou um tiro! Precisa de ajuda! Por que está em pé? Como...? – Eu tateei seu peito, procurando desnorteada pelo machucado e pelo sangue que deveriam estar ali, até que ele segurou meus pulsos gentilmente me fazendo parar com os gestos e me fitou.
- , estou bem. Colete a prova de balas – ele sussurrou, explicando, levando meus dedos até o buraco existente em seu peito, em todo aquele tecido que o amorteceu, e precisei apenas de um instante para saber o que aquilo significava, o abraçando ainda mais forte, ele retribuindo o aperto na mesma intensidade, até que eu reclamasse pelos meus músculos doloridos.
- Você quase me matou de susto – reclamei com lágrimas se formando sob minhas pálpebras fechadas, a voz tão ridiculamente frágil que mal era entendida. – Você não me respondia, sequer se mexia, não parecia…
- Ele precisava achar que tinha vencido. – Sua frase soou como um pedido de desculpas. – E você quase me matou também, Ruivinha, você não faz nem ideia…
Eu fechei meus olhos com força, absorvendo sua voz falha, chorando, a movimentação ao nosso redor cada vez maior. Que bagunça eu tinha feito.
- Me desculpe – eu solucei. – Era o único jeito, eu não queria…
- Shh. Não vamos discutir, só nunca mais me dê um susto como esse – ele interrompeu minhas palavras pressionando seus dedos contra meus lábios secos, uma mão amparando meu rosto machucado. – Isso não importa mais. Acabou. Tudo isso acabou.
Eu quis abraçá-lo de novo, queria me manter próxima a ele até que o mundo acabasse, mas uma gargalhada falha, dolorida, cortou nossa conexão e eu retesei na mesma maneira que fez. Mas foi o arrepio que o som me provocou que fez com que eu virasse meu rosto em direção ao mesmo, mais assustada do que de fato gostaria de deixar transparecer.
- Nunca vai ter fim – Beckett murmurou enquanto um paramédico analisava sua ferida na perna, que ainda sangrava. – Saibam disso, ouçam o que eu digo a vocês. Não acabou. Nunca vai acabar!
Ele ria com satisfação, os olhos injetados de sangue, e deu um passo à frente, pronto para comprar a briga. Mas eu segurei seu braço por impulso ao mesmo tempo em que um policial se colocava entre ele e o doente que ria para nós como um completo alucinado, repetindo as mesmas frases sem tirar os olhos de ele e eu.
- Charles Beckett – o policial disse firmemente. – Você está preso por extorsão, porte ilegal de armas, tráfico e posse de drogas, sequestro, agressão, abuso e tentativa de homicídio. Tem o direito de permanecer em silêncio ou tudo o que disser poderá ser usado contra você no tribunal. – Um par de algemas foi colocado nele, e eu seria uma mentirosa se não dissesse que me senti satisfeita ao ver sua face se contorcer de dor ou ao ouvir seu grunhido rouco quando seus braços foram puxados para trás e ele foi imobilizado, ignorando completamente a ferida em seu ombro que um médico enfaixava ou o corte profundo que precisaria de vários pontos.
Era pouco, se comparado ao que fizera conosco.
O policial continuou falando, instruindo seu mais novo detento de todos os seus direitos. Mas eu apostava que ele já sabia aquilo de cor fazia muito tempo. E tudo o que eu podia fazer enquanto isso era manter meus olhos presos em suas íris verdes faiscantes, até que ele fosse arrastado para longe de nós, até que entendesse que tínhamos ganhado, não ele, e que era sim o fim, ao menos daquele momento. Até que seu sorriso doentio desaparecesse por completo do seu rosto e o som da sua risada tóxica se perdesse em meio ao espaço.
Até que ele não estivesse mais ali, até que sobrassem apenas seus resquícios.
- Está tudo bem agora – murmurou e apertou minha cintura.
Mas só quando o corpo de Shepard foi levado para fora dali por uma maca que então me permiti respirar mais uma vez de fato, meu coração finalmente batendo mais devagar, minha tremedeira se acalmando. E eu pisquei lentamente como se absorvesse de fato a visão, me amparou, trazendo-me para mais próximo de si, como se sentisse minha fraqueza.
- Precisamos dar uma olhada em vocês dois – disse um paramédico, subitamente parado a nossa frente.
Eu dei um aceno negativo, querendo me distanciar. Estou bem, eu tentei dizer. As feridas de pareciam muito piores do que as minhas. Mas as palavras não saíram. Minha boca mal se abriu.
E acho que tudo foi demais para mim, meu corpo simplesmente resolveu desligar.
Porque em um segundo eu estava com os olhos abertos, ciente de tudo que acontecia ao meu redor, mas no outro, havia apenas escuridão e os braços de me levantando do chão.
Capítulo 59
Beautiful, like the bluest ocean
Like a wave, we broke down
The barriers, like the bluest ocean”
’s POV
A primeira coisa que senti quando comecei a recobrar minha consciência foi frio. Por que estava tão gelado? Por que eu me sentia tão desconfortável? E por que aquele cheiro forte de limpeza excessiva, de esterilização, me incomodava tanto? Onde eu estava? Por quê?
Precisei de alguns longos segundos para recuperar todos os meus sentidos, para entender que aquele colchão não era meu, nem o lençol que me cobria, muito menos a roupa que eu usava. Abri os olhos e me deparei com luzes fortes e muito, muito branco ao redor, além de um bip irritante que repetia como uma melodia ininterrupta. Enfim, quando me dei conta de onde estava, juro que imediatamente quis sair dali, e, justamente por isso, tentei me levantar, impulsionar meu corpo para fora daquela superfície, mesmo grogue, fraca e desorientada.
- Opa, você devia continuar deitada. – A voz de invadiu minha cabeça e só então eu percebi sua presença, seu tom arrastado, seu corpo sobre a poltrona ao lado da minha pseudo cama, mal acomodado e com as roupas todas amarrotadas, as mesmas que eu me lembrava de antes. Quanto tempo tinha passado? – Ainda não terminou de tomar o soro.
- O quê? – Minha lentidão de raciocínio o fez rir brevemente, e só quando ele se levantou e andou até mim, claramente cansado, mas sem hesitar nem um segundo, apontando para cima, que vi pacote de soro pendurado ligando-se até meu braço pelo fino tubo transparente. Minha pele se arrepiou. – Ah, não. Ah, não!
Eu me deitei novamente, desviando os olhos do meu braço, por onde o soro chegava ao meu corpo, sentindo mal-estar e nervosismo súbitos. pareceu preocupado, acho que devo ter ficado pálida demais de repente.
- O quê? O que foi? Quer que eu chame um enfermeiro? O que está sentindo?
Eu balancei a cabeça para os lados, a respiração acelerada e o bip aumentando o ritmo, seguindo meus batimentos cardíacos atrapalhados.
- Eu odeio agulhas – confessei com uma sensação estranha enquanto piscava sem parar. Mole demais. – Odeio agulhas, mas tem uma enfiada no meu braço. Tem uma agulha enfiada no meu braço!
Ele se acalmou em seguida. Provavelmente em respeito à minha pessoa, tentou segurar um riso quando finalmente entendeu o que acontecia, e disse como se falasse com uma criança:
- Está tudo bem, . É só não olhar pra ela.
- Você tá vendo o tamanho do acesso preso na minha pele? Não dá pra ignorar um negócio desse!
Dessa vez os lábios dele se transformaram numa linha fina quando ele segurou minha mão, mas eu via seus olhos se transformarem em duas meia luas sorridentes enquanto me encaravam.
- Não é justo, não tem graça!
- Hey, esquece isso! – insistiu mais uma vez ignorando minha birra. – Olha pra mim, ok? Vamos conversar. Como está se sentindo?
Eu respirei fundo.
- Não sei – admiti. – Estava melhor antes de saber que tenho um acesso preso em mim por meio de uma agulha.
Dessa vez ele gargalhou.
- Não dá pra entender você, Ruivinha. – Ele se aproximou e depositou um beijo em minha testa e senti um calor súbito se espalhar a partir do local onde seus lábios encostaram em minha pele. – Não hesita em ir de encontro ao perigo, mas entra em pânico ao ver uma agulha.
Sua frase fez uma luz acender-se internamente em minha cabeça, e em um instante as lembranças me atingiram como uma avalanche que varreu qualquer plenitude que eu estivesse começando a sentir.
Ele deve ter percebido que algo se modificou em mim com sua frase, porque sua diversão desapareceu tão rápido quanto a minha e logo seu rosto estava vazio, apesar de seus olhos ainda estarem fixos nos meus, preocupados e atentos.
- Por que estamos no hospital, ?
- Você desmaiou. Ficou desacordada por um tempo – ele explicou com calma, segurando minha mão e a acariciando ternamente. – Desidratação e queda de pressão depois que a adrenalina toda passou. Por isso o soro. E também, você torceu e abriu o pulso em algum momento da bagunça toda, fora alguns outros cortes e esfoliações mais leves…
Seus olhos desceram até minha clavícula e eu retribuí o aperto que ele fazia em minha mão. Senti aquilo que ele deixou serpentear pelo ar, a insinuação que estava em sua voz, porém não propriamente colocada em palavras. De verdade, eu não sentia o corte em minha pele, mas sabia que estava ali. Engoli em seco, incapaz de disfarçar o desconforto e respirei demoradamente por um instante. Se havia sido fundo ou não, se me deixaria uma cicatriz, eu não estava pronta para ver agora. Mas tinha certeza que essa futura marca não me importaria. O significado dela se fixava em mim muito mais do que sua própria aparência.
Rapidamente, piscando, meus olhos passearam até minha mão esquerda, enfaixada, que eu não havia notado antes. Com ela imobilizada daquele jeito eu não senti qualquer incômodo e também não tentei mexe-la. Contudo, me lembrei do quanto forcei aquele mesmo pulso contra as amarras tantas vezes em todas aquelas horas de agonia, me recordei da queda que tive sobre ela em meio a todo o caos, da dor atravessou todo meu braço e me fez ver estrelas por trás das pálpebras. Não me surpreendia que o tivesse machucado mais severamente.
- E você? – Eu balancei a cabeça para os lados levemente, como se pudesse esvanecer minhas lembranças e me foquei em . – Está bem?
- Fora alguns hematomas, esfoliações e cortes superficiais, estou sim.
Eu avaliei seu rosto com mais cuidado agora, como se quisesse comprovar sua fala e levantei minha mão livre até tocar o contorno da sua face, o corte em seu maxilar, a marca arroxeada na lateral de sua cabeça. A mão dele segurou a minha com ainda mais firmeza e ele inclinou-se em direção ao meu toque, então vi os arranhões nos nós dos seus dedos, as feridas concentradas ali. Não havia uma que não estivesse vermelha e inflamada. Não havia uma que não houvesse sangrado.
Meu coração se apertou e se contorceu dentro do meu peito.
- Eu sinto muito.
- Não tem que sentir – ele murmurou. – Estamos bem agora.
Mas eu hesitei mesmo assim com as palavras na ponta da língua.
- Beckett, ele…
- Está preso – respondeu firmemente, de uma vez, apagando quaisquer outros pensamentos que pudessem estar se construindo em minha cabeça. – Assim como Shepard, assim como os outros capangas que estavam aos arredores e também dentro do galpão, somados a alguns outros que aos poucos vão ser dedurados por aqueles que já estão atrás das grades ou agora mesmo depondo na delegacia em troca de redução de pena. Eles se foram. Todos eles quais você se lembra o rosto. Esse é um fato absoluto agora.
Eu assenti uma vez, meu estômago se revirando em cambalhotas desgostosas. Não sabia muito o que fazer além de concordar com ele. Negar o alívio seria o mesmo que mentir na cara da dura, e ainda assim... Podia ter acabado, de certa forma, mas de outra, estava apenas começando. Tudo o que viria depois dessa situação ia muito além do que nós podíamos sequer pensar.
- Teremos que depor, não teremos?
- Assim que você estiver melhor – ele murmurou em concordância. – E pronta. Milles estará esperando por nós. Ele será paciente.
Balancei a cabeça mais uma vez fracamente e soltei um suspiro desolado. Tinha outra coisa além das palavras dele tomando minha mente naquele momento e nervosamente eu chacoalhei minhas pulseiras cheias de pingentes, ainda firme e fielmente presas ao meu pulso, como deveriam estar.
- Sei que minha ideia de fazer tudo isso foi completamente maluca e idiota, , mas…
- Foi completamente pirada e desesperadora – ele concordou seriamente e entrelaçou seus dedos nos meus após me interromper. – Mas não posso julgá-la, por mais inconsequente que tenha sido, porque antes eu tinha pensado em fazer a mesma coisa. – O suspiro que ele soltou foi completamente exasperado. – Eu iria até o fim com essa merda, , eu daria tudo, e também tiraria tudo o que pudesse de Beckett enquanto ele falasse e então o entregaria à polícia. Só que eu não podia te contar antes de conseguir isso de fato. Se você soubesse de algo, se ele soubesse, sequer suspeitasse de alguma coisa... qualquer chance, tudo, arruinado. Para nós dois.
- E resolveu se afastar de mim para evitar que algo acontecesse comigo, por causa das ameaças dele. – Eu deduzi e a simples maneira como ele piscou em seguida, o silêncio que perpassou por entre nós, eu soube que era isso mesmo.
- Quero que saiba que eu jamais me afastaria de você se não soubesse que era a única opção. A opção mais segura para você naquele momento.
- E eu fiz o oposto, indo literalmente direto para a cova dos leões.
O silêncio perdurou por alguns instantes. Não sei se chegaram a ser segundos ou minutos. Estava focada demais em me concentrar no toque das mãos de sobre a minha para ter essa percepção.
- Eu entrei em pânico quando me ligou. – A voz dele não soou mais alta que um sussurro. – Uma parte de mim queria rir histericamente conforme lia o que você tinha escrito no diário, por puro desespero. Mas outra estava admirada demais para deixar a histeria predominar. Sua coragem... Você tinha pensado em quase tudo.
Por algum motivo eu soltei uma risada baixa.
- Devia ter pensado melhor em um plano de fuga – admiti, mas meu riso foi se perdendo conforme eu falava, até morrer completamente e apenas minha seriedade e insegurança perdurarem. – Eu treinei ainda mais duro durante os últimos dias. Tiro, luta, resistência. Era como se eu soubesse que fosse precisar disso em algum momento, mas quando tive a oportunidade de atirar, de usar a vantagem contra ele, não fiz. E quando consegui bater em Beckett, quando consegui atingi-lo de algum jeito, também não foi o suficiente. Eu não queria mais ninguém envolvido, mas comecei a rezar para que você me achasse logo. Já não sabia mais o que fazer ou esperar. E a sensação que tenho agora é de que falhei com tudo.
- Não. Você não falhou. A vida não é um roteiro adaptado para a televisão, . – Ele se inclinou para a frente, um sorriso mínimo que não chegava até seus olhos. – Apesar de você ter agido como se fosse exatamente isso.
- Me desculpe – eu acabei pedindo.
- Me desculpe também. – Ele beijou minha bochecha. Eu virei o rosto de frente para o dele e o beijei na boca em seguida.
A calidez dos seus lábios me arrancou um suspiro. O monitor que mostrava o eletrocardiograma subitamente acelerou, e os bips ficaram mais velozes conforme meu coração acelerava. Nós dois rimos mutuamente com a percepção, mas a graça sumiu tão rápido que quase pareceu nunca ter acontecido. Nós dois estávamos sérios meros segundos depois.
Eu não sabia o que ele enxergava enquanto me olhava com tanta intensidade quanto fazia, mas eu via seus olhos brilharem dourados como uma perfeita mistura de ouro e bronze. Uma perfeita joia.
Fui a primeira a quebrar o contato, dançando meu olhar entre os machucados dele e os meus. O pesar se mostrando visível em minha expressão.
- Eu fiquei com medo, . Do que poderia acontecer.
- Nós dois ficamos – ele concordou num fio de voz. – Não vamos mais ser impulsivos assim. Nunca mais cometa uma loucura como essa, , por favor.
Eu esbocei um sorriso para ele que não chegava até os olhos.
- Nunca mais se enfie numa confusão daquela proporção e aí eu talvez consiga cumprir com a promessa.
Nós nos olhamos por um instante, olhos nos olhos, sem desviar.
- O que está feito, está feito – respondeu.
- Não vamos mais falar sobre isso. Por enquanto.
- Está decidido. – Ele encostou sua testa na minha e nós dois inspiramos em uníssono enquanto fechávamos os olhos por um instante, e ficamos assim por segundos infindáveis enquanto aproveitávamos a companhia um do outro.
Até que fomos interrompidos.
- Desculpem. – A enfermeira limpou a garganta e nos mostrou um sorriso constrangido, como se visse algo íntimo demais se desenrolar em sua frente. – Vim retirar o acesso. O soro acabou.
Eu lancei um olhar confuso para cima para então me deparar com o saquinho vazio, nenhuma gota pingando mais no tubo que chegava ao meu braço. Com toda a conversa que tivemos, eu sequer me lembrava mais da agulha me espetando.
Devo ter feito uma careta, porque agarrou minha mão e me lançou um sorriso.
- É só não olhar enquanto ela tira a agulha.
A enfermeira riu e tentei não me importar com o fato de que eu era uma adulta agindo como uma criança na frente dela.
Mais rápido do que eu poderia reclamar, meu braço já estava livre, e ela levava os objetos para longe para descartá-los, colocando antes um pequeno band-aid bem na dobra do meu braço, como uma forma de curativo.
- Tem algumas pessoas ansiosas em ver você do lado de fora. – Ela sorriu amigavelmente. – Você ainda não está liberada para ir, mas, se quiser, eles podem entrar para vê-la.
- Eu quero – respondi imediatamente.
E ela saiu anuindo, ainda com o mesmo sorriso no rosto. E não se passaram trinta segundos depois dela deixar o quarto antes de um furacão loiro invadir meu espaço acompanhado de mais cinco pessoas ao seu encalço, não tão apressados quanto ela, mas igualmente curiosos. Fiquei pensando se, por acaso, eles não haviam enganado a segurança do hospital de alguma forma para conseguirem todos irem até ali juntos. De repente aquele pequeno ambiente parecia cheio demais para um quarto hospitalar.
- Se você não estivesse em uma maca, eu te colocaria em uma. – se jogou sobre mim desajeitadamente, apertando-me contra si, tão forte que quase não consegui respirar. – Desde quando você é tão estúpida!?
- Estou vendo que realmente sentiu minha falta – eu murmurei contra seu tronco, minha cabeça quase enfiada em seus peitos.
- Pois é. Senti. – Eu ri baixinho conforme ela se afastava e me encarava com os olhos firmes. – Mas foi você que quase fez meu cérebro entrar em combustão espontânea com essa história toda. Não é justo! Você é completamente louca!
- Fale baixo – pediu atrás dela. – Ela deve estar com dor de cabeça de tanto pensar.
- Também, os três neurônios dela devem estar cansados.
Eu franzi o cenho para .
- Três? Por que só três?
Ela revirou os olhos para mim.
- Depois da burrice que presenciei hoje, não deve ter espaço para muita coisa aí dentro.
Apesar de arrancar alguns risos meus, era fato que ela estava realmente brava. Todos pareciam pender entre a indignação e o alívio. Eu admito que me sentia envergonhada por isso.
- Você por acaso pensou que havia se transformado na Viúva Negra nos últimos dias? O que estava se passando por essa sua cabeça oca?
- Me desculpe – eu pedi para ela com sinceridade e toda sua expressão determinada se desmanchou em um segundo quando ela sentiu isso. E de repente minha melhor amiga me olhava completamente desarmada, os olhos castanhos brilhando pelas lágrimas que se acumulavam neles.
- Eu quase tive uma síncope, não posso ficar sem você! – Sua voz soou trêmula. Ela me abraçou mais uma vez e o clima começou a ficar pesado e melancólico de um jeito que eu não queria. Não depois de todas as últimas horas. – Nunca mais faça isso, .
- Ao menos não sem chamar a gente – Victoria acrescentou, brincalhona. – Se você vai ser a Viúva Negra, eu quero ser a versão feminina do Tom Cruise.
- Estamos falando dos personagens da Marvel, Vicka – reclamou com a mão ao redor da cintura dela. – Você poderia ser a Feiticeira Escarlate. E a Capitã Marvel.
- Não dê ideias – se pronunciou com ar leve enquanto eu ria abertamente. – Ela é doida de pedra. Pode levar a sério.
- Eu realmente concordo com – acrescentou de súbito. – Depois do que ela fez, não deve ter mais que três neurônios funcionando aí.
- Até onde sabemos – disse , se pronunciando pela primeira vez desde que eles haviam entrado no quarto, e seus olhos brilhavam para mim –, pode ser que tenha menos.
E apesar das minhas bochechas coradas, o clima começou a ficar leve de novo conforme eles falavam e me cumprimentavam. Abraços apertados, como se não nos víssemos há muito tempo. A sensação era exatamente essa, de que eu não os via fazia dias.
Por alguns minutos nós ficamos apenas conversando, trocando pontos de vista do que tinha acontecido, a forma como agiram com a notícia. Podia ser errado pensar na situação com a leveza que todos eles estavam tentando transmitir, mas eu preferia assim a sentir o peso de tudo o que tinha acontecido.
Afinal, contando a história do seu ponto de vista chegava muito perto de um roteiro hollywoodiano com pitadas de stand-up. Óbvio que ele incrementaria a história. Mas quem além e nós saberia?
Era bom rir agora, mesmo sabendo que nada era tão simples como parecia.
- Se mais alguém aqui tem um passado obscuro e cheio de mistério – levantou os braços chamando a atenção e todos. –, a hora de contar é agora.
Todos se entreolharam cheios de graça, mas foi Styles que passou os dedos pelo maxilar de um jeito pensativo e atraiu nossos olhares cheios de confusão.
- Não nessa história, pelo menos – fez uma pausa para pensar. –, mas existe um livro que eu sou o personagem principal e…
Victoria segurou seu braço e franziu o cenho. A mesma expressão perplexa que todos lançávamos para ele igualmente.
- Desde quando você lê fanfictions, ?
Styles deu de ombros como quem não liga para nada.
- Ué, temos que dar uma chance aos escritores.
Provavelmente muitos de nós teríamos feito comentários sobre isso. Ao menos, eu teria, não fosse o médico entrando na sala e pedindo que todos se retirassem enquanto ele me examinava uma última vez antes de me liberar.
- Não precisamos fazer isso hoje se você não quiser – me disse sobre o depoimento enquanto eu tirava as roupas do hospital e colocava as minhas novamente, minutos após o doutor nos deixar no quarto mais uma vez, nossos amigos nos esperando na sala de espera a poucos metros dali.
Apenas neguei uma única vez, firme.
- Não, . – Parei de frente para ele, segurando sua mão, a apertando levemente. – Vou fazer isso hoje.
Eu precisava terminar esse capítulo da minha vida, finalmente virar a página. E acho que ele compreendeu, viu essa determinação em minha expressão, porque concordou comigo sem insistir, e não saiu do meu lado por um segundo.
No fim do dia que pareceu ter 72h completas, estávamos todos exaustos. Não só fisicamente, mas com nossas mentes cansadas também. E quando finalmente chegamos em casa horas e horas mais tarde, nosso sono veio surpreendentemente cheio de paz, ininterrupto, sem sonhos ou pesadelos.
Tinha acabado. Dessa vez realmente tinha.
Querido Diário…
Faz pouco mais de uma semana, mas se eu fecho os olhos e me concentro, consigo ver e sentir perfeitamente tudo o que aconteceu naquele galpão como se estivesse acontecendo exatamente agora. Eu me arrepio com essa percepção toda vez, porém então respiro fundo e volto para a realidade, sabendo que a lembrança não pode me machucar como o acontecimento fez de verdade.
Tudo está acontecendo da maneira como deve acontecer.
Do jeito certo. Ou como eu acho ser o certo, pelo menos. Não importa.
Beckett e tantos outros estão presos. tem conhecimento de mais detalhes sobre isso que eu, mas o fato é que quanto menos eu souber, melhor vou me sentir. Ele sabe disso, e por isso esse é um assunto que, desde o depoimento que fizemos à polícia, tem sido evitado a todo custo por nós dois.
É um desafio. Nossas novas cicatrizes enfatizam isso melhor que tudo. Não só aquelas espalhadas por nossos corpos, mas principalmente aquelas incrustadas em nossas almas. É um pouco surpreendente que foram elas também que se tornaram a chave de , e ele tem ficado cada vez melhor nisso de compartilhar sua vida comigo. Eu sinto como se o conhecesse agora como conheço a palma da minha mão. E é a melhor sensação que um dia poderia experimentar.
Contudo, como se não bastasse todas as nossas complicações já para lidarmos, veio a surpresa: alguém conseguiu nos fotografar naquele dia. Eu não me lembrava do momento, estava inconsciente, mas estávamos todos já do lado de fora do galpão e perto da ambulância, e as fotos existentes desse momento possuem resoluções horríveis e vultos questionáveis os quais muitas pessoas vêm criando hipóteses sobre. Quem vê sinceramente não entende muito bem o que se passa na cena toda, ela não faz assim tanto sentido. É até duvidável que sejamos nós ali: , eu, , , , ... e Victoria também. Mas os fãs e outros que trabalham na mídia fizeram questão de garantir por todos os santos que somos nós naquelas fotos. Desde então... Vídeo clipes, cenas extras, participações especiais, photoshoots de tantas coisas que perdi a conta, mil explicações para o acontecimento! E nenhuma sequer chega perto da verdade. Graças a Deus.
Tanto faz o que os outros pensam, qualquer coisa, no fim, é melhor. Por isso tudo o que meu pai e meus irmãos sabem sobre isso, é que eu estava trabalhando, me machuquei, e que agora estou bem. Ponto final. Quanto menos souberem da verdade, melhor para eles.
Agora sobre os boatos... É uma droga não poder simplesmente deixar as pessoas falarem. Por isso nossos empresários e nós mesmos estamos dando um jeito nisso, precisamos apenas…
- O que você está fazendo aí? – Eu desencostei a ponta da caneta do papel quando ouvi a voz rouca de chegar até mim.
- Escrevendo.
Eu fechei o diário com um suspiro, marcando a página inacabada com a caneta no meio dele. levantou a cabeça do travesseiro com certo esforço, mas não tirou os olhos sonolentos de mim, mesmo com seu cansaço e sono evidentes.
- Não consegue dormir? – Eu confirmei com um aceno rápido e coloquei o caderno sobre o criado mudo, me aconchegando em seguida debaixo das cobertas, minha cabeça contra o travesseiro, agora de frente para .
- Acho que estou com insônia.
- Posso fazer algo por você? Um chocolate quente?
Cogitei a ideia do chocolate por um instante antes de balançar a cabeça para os lados. O chocolate de era sensacional.
- Está tudo bem. – Abri um sorriso sem mostrar os dentes, um sorriso que não chegou até meus olhos.
- Eu sei que não está. – Ele sorriu também em resposta e eu suspirei por saber que já não conseguia disfarçar meus sentimentos dele. Ele me lia com a mesma facilidade com a qual lia uma de suas partituras. – É sobre seu pai e sua família ou…
A frase morreu antes de se concretizar e tudo ser colocado em voz alta. Aí estava mais um assunto para encher minha cabeça. Ao menos esse era um assunto bom. Ou pelo menos parecia ser.
- Eu fico me perguntando se ele realmente mudou – acabei confessando. – Se para melhor ou pior. Se nós vamos continuar de onde paramos ou se vamos recomeçar tudo. Não sei direito o que achar sobre essa história toda.
esticou a mão para tocar meu rosto enquanto pensava.
Alguns dias depois de toda a confusão, meu pai havia ligado para mim. Apenas isso já era muito, levando em consideração nossa relação turbulenta. Mas não era só. Ele estava voltando para casa depois de quatro meses dentro da clínica.
Havia algo notavelmente diferente em sua voz, eu percebi quase de imediato, mas de longe, não sabia dizer como aquilo poderia ser entendido. Quando perguntei dos meus irmãos, ele apenas respondeu que ambos terminariam o ano letivo no internato e que em pouco mais de três meses eles estariam de volta a Brighton para viver com ele. Mas que gostaria de me encontrar em algum fim de semana antes disso. Algum dia em que nós quatro pudéssemos ficar juntos e conversar. Cinco, quero dizer. Ele pediu que eu levasse meu namorado.
Bem, isso seria interessante, dependendo do tanto que ele soubesse da minha vida dentro e fora das fofocas que eram espalhadas por aí. Fiquei pensando quão confuso teria que ser explicar que meu namorado na televisão não era bem meu namorado de verdade.
Quer dizer, agora era. Finalmente.
- Você só vai descobrir isso se der uma chance – me respondeu com suavidade. – Sabe que se quiser, vou estar junto para te apoiar. Não precisa ter medo.
- Eu sei – sussurrei e coloquei minha mão sobre a sua, ainda em meu rosto. – Só não quero criar expectativas e perceber que tive esperanças demais. Não quero descobrir que ele é um caso perdido.
Dessa vez foi quem respirou fundo e soltou um suspiro. Sua opinião sobre meu pai tinha sido óbvia desde o princípio, e apesar disso, nunca me obrigou a nada quando o assunto era meu relacionamento com minha família. Sempre me deu todo o espaço que precisei. E mesmo agora, quando eu claramente percebia que ele certamente não tinha um, mas sim dois pés atrás em relação ao meu pai, tomou ar e falou com muito esforço:
- Talvez ele não seja, .
E o sorriso que mostrei a ele em seguida, se alargou por todo meu rosto.
- Igual você? – eu o provoquei apenas por diversão e me respondeu com uma careta, afastando sua mão de mim mais rápido do que fui capaz de segurá-la no lugar. Eu comecei a rir sabendo que era apenas birra da sua parte e tentei puxá-lo de volta não tendo êxito algum nisso. – Era brincadeira, ! Volta aqui, eu amo você.
Imediatamente ele parou e me olhou com um sorriso largo que chegava até seus olhos, segurando-me a menos de um palmo de si enquanto me olhava contemplativamente.
- Não, senhorita, não era brincadeira – ele disse me abraçando, ainda deitado na cama. – É a verdade. E você sabe disso.
Eu o abracei de volta, apoiando minha cabeça sobre seu peito, dessa vez sorrindo verdadeiramente, uma espécie de nostalgia me tomando a cada segundo um pouco mais. Eu não sabia o que responder a ele em seguida, mas acho que meus olhos fizeram isso melhor do que eu um dia seria capaz, traduzindo meus sentimentos de alguma forma que só ele conseguia entender.
- Eu estive pensando em uma coisa – ele murmurou após alguns instantes em silêncio.
- Ah, você pensa? – Ele me puxou para mais perto de si, rindo, e eu retribui o gesto da mesma maneira. – Diga o que se passa aí dentro.
- Quero te fazer um convite.
- Vai me chamar para outro baile de gala?
Ele fez uma pausa afastando seu rosto do meu, sua sobrancelha arqueada em cogitação.
- Se você prometer usar outro vestido sexy como aqueles anteriores. – Eu acabei soltando uma gargalhada contra seu rosto sem conseguir segurar, mas ele levantou o dedo indicador na frente da face, ainda se fazendo de sério. – E tem mais uma condição! Tem que prometer que quando der meia noite não vai sair correndo da festa indo para algum lugar onde não deveria, deixando ao invés do maldito sapato de cristal, um diário cheio de planejamentos sem nexo.
- Ótimo, já está fazendo analogias à história de Cinderela. – Eu usei um tom de deboche que não passou despercebido por ele. – Acho que isso é um avanço, apesar de não ter muito sentido uma coisa com a outra.
- Prefiro a história real à dos contos de fadas, se quer saber.
- Não quero. – Eu acabei rindo junto dele, sabendo que não se passava de uma brincadeira. – Era realmente isso que ia fazer? Um convite para uma outra festa chique?
- Na verdade não. – Ele torceu os lábios em uma careta. – Mas pode ser que esteja incluso no pacote.
- Pacote?
- O pacote de acontecimentos que vem junto com a tour do One Direction.
Eu pisquei duas vezes vagarosamente enquanto ele aguardava com expectativa. Será que minha cabeça estava afetada pelo cansaço da madrugada ou eu estava escutando certo?
- Tour? – Eu pigarreei quando percebi minha voz falhando. – Está me chamando para viajar com você ao redor do mundo?
- Teoricamente estaremos eu e os caras, e talvez e Victoria também, só que isso não depende de mim – ele abriu um sorriso que me deu vontade de me inclinar e beija-lo. –, mas sim, é isso mesmo que estou fazendo. Touché, Ruivinha.
Impulsivamente eu me inclinei e fiz exatamente aquilo que tinha pensado pelo menos umas cem vezes antes enquanto o observava: o beijei e então o abracei desajeitadamente pelo o pescoço enquanto sorria como uma perfeita boba esperando que isso já fosse o suficiente para ele traduzir minha resposta em um sim, até que me separei dele, me dando subitamente conta de algo.
- O que foi? Não me diga que mudou de ideia. – Ele pareceu realmente preocupado.
- Mas e o ?
- O que tem o ?
Eu fiquei momentaneamente indignada por ter que dar alguma explicação sobre isso. Mas bastou ver minha expressão descontente que desatou a rir. Ele estava se fazendo de desentendido de propósito.
- Eu estou falando sério! – Revirei os olhos sorrindo, apesar de estar realmente incomodada com isso. – Não quero causar problemas. Vocês mal voltaram a conversar agora!
- Nós estamos nos resolvendo – ele me respondeu em seguida com sinceridade. – Aos poucos, . Vamos ficar bem.
- E se não ficarem? – eu desatei a perguntar. – E se como você estiverem agora não bastar para manter a amizade?
Ele permaneceu alguns segundos me olhando sem dizer uma palavra. Seu suspiro pareceu ser a única coisa que ele foi capaz de fazer por um longo tempo conforme absorvia minha preocupação.
- Bom, vamos descobrir isso com o tempo. e eu – respondeu baixinho. – E você está fugindo da questão principal. Vai aceitar meu convite e conhecer o mundo comigo? Pense nas possibilidades.
E eu estava pensando.
Tantas coisas para fazer, descobrir, conhecer... Todo meu interior vibrava em excitação.
Mas apesar de me sentir completamente eufórica, ainda existia uma pontada de tristeza dentro de mim, por e . Mesmo por e eu. Nunca seria a mesma coisa, eu sabia disso. Eu sentia falta do meu amigo, daquela pessoa que esteve ao meu lado quando eu não tinha ninguém. E sabia que sentia o mesmo. Que queria aquele irmão de outra mãe ao seu lado, como costumava ser.
Só que ele estava certo. Como diriam algumas pessoas, dê tempo ao tempo, e o que tiver de ser, será. Simples assim. O primeiro passo já tinha sido dado. Existiam muitos outros por vir ainda, e eles estavam trabalhando juntos nisso. Todos nós estávamos. Eu não devia subestimar o futuro, afinal, ele já havia me surpreendido tanto.
Por fim eu respirei fundo.
- Tem certeza? Sabe que às vezes eu posso ser um pé no saco.
- Se eu estou perguntando é porque tenho, Ruivinha. – Ele dedilhou meu rosto para afastar algumas mechas de cabelo que caiam em frente aos meus olhos. – E então, o que vai me dizer?
Arqueei minhas sobrancelhas para ele.
- Jura que meu beijo e abraço não foram suficientes para você sacar que eu quero? Tipo, muito?
abriu um sorriso, maior que todos os anteriores que ele me dirigiu naquela noite.
- Eu só queria ter certeza que não tinha entendido errado. – Ele se inclinou para me dar um rápido beijo.
- Você entendeu certo – eu respondi contra sua boca. – E sabe o que mais?
- O quê?
- Mudei de ideia sobre o chocolate quente – falei. – Uma caneca para cada um de nós iria muito bem agora.
Ele gargalhou alto.
- O que eu não faço por você, Ruivinha?
- Não sei. Mas o chocolate quente você faz – eu respondi rindo também, simplesmente porque me sentia radiante. Ele se segurava para não fazer o mesmo simplesmente para me provocar.
- Sabe que vamos nos atrasar para a entrevista de hoje, não é? Sem falar nas gravações de última hora do clipe que todos estamos intimados. – Ele estralou a língua no céu da boca, como se estivesse realmente pesaroso ao constatar o fato anterior de que não chegaria no horário para a entrevista da Radio1 ou para as gravações do vídeo clipe cheio de ação que nos livraria de todas as especulações sobre aquelas malditas fotos desfocadas e mal feitas do dia D. – Que péssimo exemplo nós dois somos.
- Seja sincero, você não se importa. – Eu me sentei ao mesmo tempo em que ele se levantava da cama e ia em direção a porta.
- Você tem razão, eu não ligo mesmo, sei que vai ser mais divertido viver na emoção. – E antes de ele deixar o quarto, sua palma bateu levemente no batente quando ele olhou para mim mais uma vez. Seu rosto estava sereno. – E só pra constar, eu também amo você.
Com uma única piscadela ele se dirigiu a cozinha enquanto eu mergulhava debaixo das cobertas, sorrindo como uma pré-adolescente logo depois de ver seu crush do outro lado do corredor do colégio trocando olhares com ela. Eu encarei meu diário sobre o criado mudo, sentindo as bochechas coradas, pensando nas páginas não finalizadas desta noite, tantas outras coisas que eu queria escrever ali antes de ter que sair com para nos prepararmos para mais um dia abarrotado de trabalho... Sorri comigo mesma, pois algo martelava no fundo da minha mente. Palavras que pediam para ser escritas.
Eu voltei a abrir o caderno rapidamente, virei a página ignorando o parágrafo anterior interrompido e comecei a escrever algo totalmente novo, uma vontade que parecia estar adormecida até então.
Querido diário…
É engraçado pensar que há menos de um ano eu achava que estava buscando a felicidade na loucura do show business, que seria a fama que me daria alegria e tudo o que me faltava na vida, que era isso que minha mãe esperava de mim durante todo o tempo em que esteve comigo, correndo de um lado para o outro me levando ao teatro, para apresentações ou para freelances de fotografias e pequenas atuações.
Mas aos poucos, um tanto a cada dia, eu percebi que isso era só uma parcela do que me fazia sorrir antes de dormir todas as noites. A verdade é que minha mãe desejava muito mais para mim, sempre desejou. E eu finalmente entendi isso. Tudo o que eu vivo com , com meus amigos, com aqueles que eu amo, é isso que ela queria que eu sentisse. Que ela lutou para que eu encontrasse. Essa felicidade e amor que me fazem transbordar dentro de mim mesma.
Mãe, quando você se foi eu me senti estilhaçada e sem rumo. Achei que tivesse perdido meu norte e meu chão. Mas agora eu sei que não foi isso que aconteceu. Você sempre esteve comigo, e foi minha guia quando achei que estava só, me ajudou a juntar cada um dos pedaços espalhados por aí, fez com que eu me reconstruísse. E foi assim que eu encontrei aquilo que eu nem sabia que estava procurando. Graças a você, hoje eu me sinto completa. Tudo o que um dia eu gostaria e ser, tudo o que um dia eu gostaria de sentir, e acho que você teria orgulho de mim. Eu sei que eu tenho.
Você antes dizia que eu era sua estrela, mas a verdade é que você que brilha por mim agora. E não fosse seu brilho iluminando o meu caminho, eu não estaria onde estou.
Por isso, obrigada.
Infinitamente obrigada.
Com amor, .
Quando fechei o diário em meu colo e eu encarei os pingentes que dançavam contra a pele do meu pulso, os antigos e os novos se entrelaçando como se fossem um único, algo dentro de mim pareceu se aquecer ao mesmo tempo em que a sensação de algo se findando me preenchia. Por um segundo eu fiquei encarando o papel e a caneta, os berloques prateados, tentando entender o que era aquilo que eu sentia, que fez meu coração perder uma batida, minha pele arrepiar.
Eu sabia que devia ter feito esse agradecimento a muito tempo. E agora que o tinha feito, que encontrei não só as palavras certas, mas a coragem para fazê-lo, era como se eu estivesse presa entre dois momentos, mais um divisor de águas, que definiria o antes e o depois de mais uma etapa da minha vida.
Outros desafios. Novas oportunidades. O que o futuro me reservava? Eu estaria pronta?
Meu coração perdeu uma batida, segurei minha respiração e então a voz de soou ao longe, me chamando. Piscando meus olhos rapidamente eu olhei ao redor sobressaltada e me distanciei do objeto em minha frente com uma leveza diferente, como se me trouxesse de volta à realidade. Lembrei que pular uma página não anulava a história incompleta de antes, mas era tão melhor poder passar esses momentos em paz com conversas leves e divertidas com a minha pessoa favorita no mundo, que não hesitei quando me levantei da cama e fui para onde poderia encontrar .
Fui exatamente para onde eu sabia que estaria feliz.
Fim
É hora dos agradecimentos! E eu admito que tenho muitos.
Nos últimos 5 anos eu vim criando essa história na minha cabeça, desenvolvendo os personagens aos poucos, montando a fiction Dear Diary como se monta um brinquedo de lego até que todas as peças estivessem encaixadas e fizessem, finalmente, algum sentido. Não foi fácil e sei também que não foi perfeito, porém, ter esse resultado em mãos me enche de alegria e orgulho. E sei que, justamente por todas as sensações maravilhosas que transbordam em mim agora, que tudo aconteceu exatamente da maneira que deveria. E eu não mudaria nada. Nem uma vírgula. Nem o último ponto final.
Passei minha adolescência e início da minha vida adulta em companhia desses personagens. Cada experiência minha, de alguma forma, era traduzida para o que acontecia aqui. Claro que eu tive liberdade poética, mas em essência, está tudo aí. De certa forma (bem imperceptível na verdade) tudo está entrelaçado. E acabar DD, fecha um ciclo em minha vida.
Eu precisei do incentivo de muita gente, de muita força de vontade minha, organização e persistência para finalizar esse romance, porque colocar as palavras no papel nunca foi tão simples quanto produzir as cenas em minha mente. E conseguir chegar até aqui depois de tanto tempo é algo diferente de qualquer outra coisa que eu já fiz nos meus 21 anos, mas me fez apenas ter ainda mais certeza de algo: escrever é o que eu amo. E não vou para nunca.
Belle Castro e Rafa Barros: vai ser clichê (mas vocês duas sabem que eu amo um clichê), e por isso eu dedico essa história a vocês, minhas amigas leitoras e críticas que não me deixaram desistir; que opinaram, brigaram comigo, quiseram me bater, mas no final me apoiaram, me ajudaram e amaram esses personagens tanto quanto eu mesma amei e ainda amo. Obrigada por desde 2014 estarem fazendo parte desse sonho. Eu devo muito do que consegui a vocês duas.
A todas as minhas betas e principalmente a Luba que fechou esse ciclo comigo, obrigada pela paciência, pelo apoio, e por sua dedicação.
E leitores: a todos vocês que se divertiram, choraram, ficaram indignados e revoltados com as palavras escritas ao longo de todos os 59 capítulos, que se emocionaram, se apaixonaram e amaram Dear Diary na mesma intensidade que eu, obrigada. Por cada comentário, por cada visualização, por cada e-mail recebido pedindo a continuação, por cada favorito! Vocês despertaram algo em mim. Uma paixão que só cresce. E eu nunca vou conseguir retribuir todo o carinho qual vocês livremente compartilharam comigo.
E por fim, a todos que chegaram até aqui: meu mais sincero obrigada. Do fundo da minha alma! Meu coração está quentinho, e não consigo parar de sorrir agora.
Uma nova etapa vai começar em breve. 2020 vai ser um ano brilhante!
Beijos a todos vocês e até a próxima! Com certeza vai ter uma próxima ;)
Ps: Terminou Dear Diary e quer ler outros trabalhos meus? Veja a lista aí embaixo!
A Vida Volta a Seguir Seu Rumo (outros/finalizada) – Oneshot
Don’t Go (outros/finalizada) – Oneshot Desafio Songfic 3ª temporada
I Want You In Every Single Way (outros/finalizada) – Oneshot
Me Ame ou Me Deixe (outros/finalizada) – Oneshot
My Best Crush Friend (outros/finalizada) – Oneshot
Oops, Baby, I Love You (outros/finalizada) – Oneshot Especial de Fim de Ano
O Que (Não) Me Resta (outros/finalizada) – Oneshot Desafio Songfic 9ª Temporada
That’s Enough (outros/finalizada) – Oneshot
Uptown Girl (outros/finalizada) – Shortfic Desafio Songfic 1ª temporada
What a Wonderful Confusion (outros/finalizada) – Shortfic
Beijos e até a próxima :)