Me Ame ou Me Deixe
Escrito por Gaby Pingituro | Revisado por Isabelle Castro
Era um dia frio de inverno em Washington DC. O sol brilhava lá fora e o céu estava intensamente azul, limpo de qualquer nuvem. Porém o vento soprava frio e cortante, incomodando mesmo através das várias camadas de roupas que usava.
Não era algo incomum para aquela época de janeiro. Geralmente a temperatura baixa e até a neve branquinha costumavam fazer parte da paisagem daquela região para a alegria das crianças e dos vários os turistas que davam o ar da graça por ali. Mesmo que o clima não estivesse exatamente agradável, existiam aquelas pessoas que preferiam o inverno ao verão.
E era uma delas.
Se pudesse, caminharia feliz pela calçada bebendo um chocolate quente enquanto puxava seu gorro para que o mesmo não fosse levado pelo vento. Talvez até fosse para algum parque montar um grande boneco de neve ou então se jogar no chão para fazer anjos por ali. Ou, melhor ainda, iria direto para um lago congelado, pegaria seus patins e patinaria pelo gelo até que o mesmo derretesse ou se quebrasse. Patinaria até que as lâminas dos seus patins estivessem gastas demais e completamente cegas, até que seus músculos reclamassem exaustos e que seus pés ficassem dormentes.
Não conseguia pensar em algo que amasse mais se não patinar. Ela vivia para aquilo. Para dançar no gelo, para se libertar no frio que para muitos mais parecia aprisionar.
Entretanto, no momento não era nem de longe o tipo de diversão que estava tendo. Em outra época, seria algo agradável, que ela também amaria fazer. Agora, porém, a sensação era um pouco diferente.
caminhava ao lado do namorado, , pelo shopping City Center DC. Estavam próximos um do outro, porém não andavam de mãos dadas ou sequer interagiam muito entre si. Pareciam mais um casal de conhecidos que um casal romântico de fato, pois o garoto parecia mais animado com o celular em suas mãos que com ela logo ao seu lado.
Não era algo que gostasse de admitir, mas era verdade. Qualquer um num raio de dez metros provavelmente percebia isso.
Ela soltou um suspiro desanimado. Seguiu mais alguns passos o acompanhando enquanto observava digitar rapidamente em seu aparelho. Por fim então tentou iniciar um diálogo:
- Você parece distraído.
- Ah, não é nada demais. – Ele respondeu sem tirar os olhos do aplicativo qual usava. – Só conversando com o pessoal do time, você sabe.
Mas não sabia de verdade. agia com tanto mistério em relação ao novo time de basebol, que quase parecia ser proibido falar sobre o mesmo para outras pessoas que não fossem diretamente ligadas a ele.
A garota reprimiu a vontade de bufar, e ao invés disso, tentou prolongar o assunto:
- Vocês tem se dado bem, então?
esperou, mas a resposta de fato não veio. Tudo o que ele fez foi balançar a cabeça em concordância e continuar a movimentar os dedos initerruptamente.
Ela revirou os olhos e continuou indo pelo corredor, tentando distrair sua chateação com as vitrines das diversas lojas quais passavam, todas em liquidação pós-festas de fim de ano. Pena que ela não estava interessada em fazer compras. Seria muito mais fácil se esse fosse o caso.
olhava de relance para em alguns momentos, querendo saber se ele já havia saído do mundo da tecnologia. No entanto ele continuava focado no aparelho, alheio a todo o resto. Não parecia interessado em fazer outra coisa senão mexer no celular.
Algumas mechas do cabelo dele caiam sobre sua testa. Davam um certo ar desleixado, como se ele tivesse acabado de acordar e saído de casa assim mesmo sem se importar. Houve uma época em que achava isso um charme, agora já não sabia se ainda pensava assim. Ela tinha vontade de estender a mão e as afasta-las da frente dos olhos dele que ela tanto amava, mas se segurou. não estava dando a mínima para como seu cabelo estava ou deixava de estar. Não queria ser incomodado. Então seria melhor que ela não o contrariasse.
se pegou pensando em como sentia falta da maneira que ele agia com ela não há muito tempo atrás, antes de assinar o contrato com o time de basebol, antes de começar a parecer viver em dois lugares diferentes ao mesmo tempo.
Depois de finalmente conseguir alcançar seu maior desejo, sua tão esperada oportunidade de jogar profissionalmente, dava a entender que o que fazia antes de tal acontecimento, já não era mais sua vida. E isso incomodava de uma maneira que ela não conseguia explicar com palavras, mas sentia seu coração se apertar contra o peito toda vez que se dava conta do quanto ele havia mudado nas últimas semanas, interna e externamente.
Fisicamente ele tinha encorpado, graças aos exercícios novos que vinha praticando. Seus músculos haviam crescido e ele parecia ainda muito mais atlético. Mas as mudanças não paravam por aí. Estava mais sério e reservado, já não conversava com da maneira que fazia há um tempo, como se ela fosse sua confidente, sua melhor amiga. Suas conversas tinham passado a ser como um campo minado: um passo em falso e bombas explodiam sob ela.
se sentia mal por tudo o que estava acontecendo, pois parte disso os estava afastando um do outro. Mas, por alguma razão, não se sentia exatamente surpresa por perceber isso. Era até como se já soubesse que viria a acontecer.
se virou para ela, subitamente, a tirando de suas reflexões e guardando o celular em seu bolso como se nunca o tivesse usado. juntou as sobrancelhas sem entender, porém com uma pitada de ânimo pelo aparente interesse dele.
- O que foi? – Ela perguntou.
soltou um suspiro quase imperceptível.
- Preciso falar com você.
O coração da garota acelerou atingindo a velocidade do som. Era bobagem, sim, mas ouvir a frase “preciso falar com você” era praticamente a mesma coisa que acender uma luz amarela piscando sobre sua cabeça em sinal de “alerta!”. Mil coisas podiam ser ditas depois daquilo.
- Hm, certo. – Tentou parecer indiferente. – Pode falar.
- Na verdade, quero te fazer um convite.
Ela ficou parcialmente aliviada. Convites geralmente resultavam em coisas divertidas.
- Que seria...?
- É, bem. – Ele pigarreou, hesitando por um instante. – Outro dia, numa reunião com o pessoal do clube que me contratou para essa temporada de jogos... Eles estavam dizendo que agora que não sou mais um jogador amador, que faço parte de um time da liga nacional e etc. e tal, tenho uma rotina bastante diferente da que estou de fato acostumado. Mais pesada, mais rígida. E que para eu me adaptar as mudanças mais facilmente, para ficar junto dos outros, teria que me mudar...
continuou falando, mas a mente de parou de assimilar as coisas ali.
- Se mudar?
O garoto deu de ombros como se não fosse nada demais, como se ele só estivesse dizendo que tinha que ir ali trocar de roupa bem rapidinho. Estava feliz e parecia conter sua animação.
- É, bem, não para muito longe, mas para a sede do clube do time de basebol. – Explicou. – Terei que me mudar para Nova York.
o encarou perplexa. Ele sorria para ela, provavelmente esperando uma reação parecida com a sua, que ela desse pulinhos de alegria e saltasse sobre ele, porém tudo o que ela fazia era piscar vezes seguidas tentando entender ao menos 50% da história.
- Nova York?
- Sim! Os Yankees são de NY. – confirmou. – Mas na verdade isso não vai fazer muita diferença, já que a maior parte do tempo eu e a esquipe estaremos viajando pelo país para jogar. Então lá será mais como uma casa de veraneio, sabe? E é aí que entra meu convite para você.
- Ah é?
- Quero que você vá comigo. – falou simplesmente. – Primeiro para Nova York e então depois pelo país. Quero que me acompanhe em cada jogo e que vá a cada lugar que eu for!
Demorou um pouco para que o cérebro de entendesse tudo o que estava acontecendo, porém, ainda assim ela sentia-se incapacitada a falar qualquer coisa. Era um convite, mas ele não agia como se fosse. O modo como ele havia dito, como se tivesse certeza absoluta que ela fosse aceitar sem sequer pestanejar... não esperava uma resposta dela de verdade. Achava que ela simplesmente iria para qualquer lugar que ele fosse.
Era maravilhoso e ao mesmo tempo completamente assustador.
respirou fundo. Primeiro sentiu alegria, depois raiva, mas agora a angústia e a confusão que tomavam conta dela. Queria acreditar que tudo aquilo não se passava de uma brincadeira, contudo sabia que estava falando sério.
- Nova York? – Ela repetiu o nome da cidade como se fosse amaldiçoado.
Então riu da sua expressão e passou o braço pelo ombro dela, puxando-a para perto, imediatamente roubando-lhe um selinho.
Por um mero segundo ficou atônita. Quanto tempo fazia desde a última vez em que ele tentara ser carinhoso com ela? Três semanas, um mês? Ela não se lembrava. Só sabia que para duas pessoas que namoravam há dois anos, alguma coisa não estava se encaixando.
A garota tentou sorrir para , mostrar que estava feliz por ele e que se sentia animada com a notícia, mas não conseguiu. Na verdade estava apavorada demais pela ideia toda. A mudança. O convite. Ficou o encarando, olhando-o no fundo dos olhos, tentando entender tudo o que vinha acontecendo.
- Por que está me olhando assim? – perguntou levantando um dos cantos da boca. – É uma notícia maravilhosa!
- Eu sei, não é nada. – Ela mentiu. – Só gosto de olhar para você.
Por um tempo os dois ficaram em silêncio, apenas trocando olhares especulativos.
- Sei que está pensando sobre a mudança. – Ele disse de repente, observando-a com atenção. – Mas não tem que ter receio, . Vai ser bom mudar os ares, você vai ver.
Em seguida ele ficou de frente para ela, sorrindo sem mostrar os dentes e não desviando o olhar. Se ele havia acreditado no que ela tinha dito, não tinha certeza, mas estava certa de que ele não ligava. segurou seu rosto, uma mão de cada lado, e por fim a beijou. Um beijo de verdade, daqueles que tomam o fôlego e deixam um súbito desejo de querer mais, que fazem o estômago revirar em ansiedade e o coração perder uma batida. se sentiu desconsertada. Por um momento se esqueceu da questão que pairava por sua cabeça.
Ele era a distração brilhante que a fazia perder o foco.
se entregou ao beijo como se aquilo fosse a única coisa que importasse. Mas mesmo querendo continuar nos braços dele da maneira que estava, uma sensação incômoda crescia dentro de si, como se ele a quisesse persuadir através do toque. Como uma armadilha.
passou os braços pela cintura dela e a abraçou firmemente. Beijou a lateral do seu rosto, do seu pescoço, determinado. Então deu um passo para trás, pouco a vontade e cheia de desconfiança.
- Tem algo errado, .
- Não seja estraga prazeres. – Ele murmurou impaciente, tentando toma-la para outro beijo. Contudo, dessa vez a garota foi mais rápida e deu um passo para trás, se afastando. – O que foi dessa vez? Não tem nada de errado, ! Está louca?
Ela mordeu o lábio com força, contendo várias palavras rudes de irromperem por sua boca.
- Não é nada! – Ela se obrigou a dizer mesmo contra a vontade. Não queria aborrecê-lo. – Me desculpe, não queria te deixar assim. É só muita coisa para assimilar de uma vez.
respirou fundo. Não parecia convencido, ela sabia. Mas mesmo que ela quisesse, não conseguiria dizer a ele tudo o que achava não estar certo. Só queria agradá-lo de algum jeito e fazê-lo feliz como antes. Sentia falta das coisas simples, como quando ele dizia amá-la sem esperar nada em troca ou quando ele simplesmente adormecia em seu colo como se ela fosse a única pessoa que ele precisasse, a única próxima o suficiente para vê-lo respirar.
Mas o que eram os dois agora se tudo o que faziam era ir para a cama brigados e sem se falar? soltou um suspiro, incomodada pela direção sombria que seus pensamentos começavam a leva-la.
- Eu sei. – a trouxe de volta para a realidade, concordando com o que ela havia dito para sua própria surpresa. – Sei que é muito repentino o que estou te pedindo e sei também que ultimamente posso ter parecido um pouco distante, mas estou disposto a mudar isso. Estava pensando...
- Sim? – Ela perguntou esperançosa.
- Não sei, talvez você pudesse gostar de passar a noite lá em casa. – Disse, um tom implícito e cheio de malícia expandindo pela voz subitamente rouca. – Você sabe. Podíamos comemorar, nos divertir...
baixou os olhos, apertando os lábios numa linha fina. Sexo. Para , a resolução perfeita para todos os problemas do mundo. Por que ela não se sentia surpresa com o pedido descarado dele? Se fosse em outro tempo, a garota teria rido e concordado, absorvendo os desejos dele para si também. Porém, agora, ela já sabia como a história terminava.
Um mar de sentimentos rasos. A inundava por algumas horas e fazia transbordar sensações que há muito estavam adormecidas, para apenas deixa-la em seguida tão vazia e seca quanto um lago escasso no meio do deserto.
Ela não queria algo breve. Queria constância e plenitude.
- Eu... – hesitou.
- Tudo bem. – soltou um suspiro, como se a incerteza dela o desgastasse. – Já entendi, você não quer. Não vou força-la a isso. Mas ao menos podíamos sair.
Os olhos dela se iluminaram.
- Sair? Tipo um encontro?
- É. – Confirmou ele impaciente, sem querer explicar muito. – Podíamos ir a uma festa, uma balada. Qualquer coisa que quisesse. Podíamos ir direto daqui.
ficou um instante calada, tentada a concordar e aceitar a última proposta de . Mas não era isso o que ele queria, ela sabia. Sua intenção era outra e por isso ela deu para trás com sua decisão no último segundo.
- Não sei se posso, . Não posso faltar ao treino.
Ele não pareceu feliz com a reação da garota. Balançou as mãos num gesto impaciente e assumiu uma expressão de desgosto.
- Qual é, ? – Ele perguntou grosseiramente. – Vamos para Nova York em alguns dias! Nós precisamos comemorar!
A garota retesou. A maneira como ele disse vamos, nós e precisamos, parecia tão convicto, tão cheio de certeza que isso iria mesmo acontecer, que ela sentiu-se indignada. Era como se já tivesse concordado e estivesse de malas prontas para embarcar no desconhecido, sendo que na verdade ela sequer havia falado sua opinião sobre isso.
- Nós? – Ela acabou deixando escapar. Tudo o que menos queria era brigar em local público para virar o centro das atenções, porém não conseguiu deixar passar o que havia ouvido seu namorado falar. – , como pode dizer isso, eu nem sequer aceitei!
- O quê? – Ele lhe dirigiu um olhar incrédulo. – Não pode estar pensando seriamente em recusar, . Ninguém seria louco para fazer isso!
- Minha vida está aqui!
- E você pode leva-la para outro lugar. – Argumentou de maneira tão rude que a garota deu um passo para trás.
mordeu o lábio. Respirou fundo e controlou a respiração. Estava prestes a perder a cabeça, mas se forçou a ficar calma.
- , não é tão simples. – Tentou dizer. – Minha família está aqui, tudo o que eu amo está aqui. Meus amigos, minha treinadora, o ringue onde patino! Logo começam as regionais, como posso simplesmente...
- Largar tudo e ficar comigo? – respondeu tão frio quanto o clima daquele dia. – Você está obcecada por essa estúpida patinação no gelo.
sentiu um gosto amargo na boca.
- É meu sonho, !
- Mas talvez esteja na hora de sonhar com outra coisa.
Por um instante o silêncio pairou sobre eles. estava chocada demais para conseguir formular uma frase meramente boa para dizer a ele sem que a voz falhasse e sua boca tremesse.
O garoto revirou os olhos e passou a mão pelo cabelo.
- Olha, eu não quis dizer isso, ok? – Tentou se corrigir. – Existe patinação no gelo em Nova York também. Você vai poder continuar patinando quando estivermos na cidade!
- Mas não poderei seguir a carreira profissionalmente. – Ela continuou como se completasse a frase dele. – É isso, não é? Se eu for para Nova York com você, não poderei ser patinadora.
- Tenho certeza que você encontrará outra coisa qualquer para fazer.
apertou os punhos contra a lateral do seu tronco.
- Como, por exemplo, ser sua acompanhante em tempo integral? Uma tiete apelidada de namorada?
- Eu não disse isso.
- Mas com certeza pensou.
- Você está agindo como uma paranoica, . – reclamou. – Quando na sua vida outra oportunidade como essa vai aparecer para você? Ainda mais sendo patinadora profissional como deseja? Provavelmente nunca. Isso nem sequer chega mesmo a ser uma profissão.
Ela sentiu os olhos arderem, um arrepio gélido subiu por sua espinha. Era como se cada palavra a penetrasse como uma ferroada repleta de veneno. Sabia que estava prestes a chorar feito uma criancinha de cinco anos, mas segurou-se para não o fazer. Não queria dar essa satisfação a ele, não depois de tudo que disse.
Infelizmente, imaginou que sua expressão devia mostrar o quão machucada estava, pois logo em seguida, enquanto a observava, suavizou o olhar e as marcas antes acentuadas sobre seu rosto sumiram rapidamente.
Ele soltou um suspiro e olhou para os próprios pés como se a visão dela daquele jeito não o agradasse. Então deu um passo a frente e pegou as mãos de com as suas antes que ela pudesse se afastar.
- Olha, eu não quero discutir com você. – usou um tom cordial, longe do acusativo e rude de segundos antes.
- Claro que não quer. – A garota murmurou em resposta, ainda que soubesse que ele estava mentido para ela.
revirou os olhos, um tanto impaciente, e percebeu que ele sabia que ela não tinha se deixado acreditar.
- Eu não vim aqui pra isso, . Falo sério. Minha intenção era outra e você sabe.
Ela mordeu o lábio com ainda mais força que às vezes anteriores, evitando dizer coisas demais. Baixou os olhos até suas botas e então o encarou em seguida. Sua face com completa apatia.
- Certo. – Falou para e puxou suas mãos para longe do toque dele. – Depois nos falamos, ok? Preciso ir agora.
Ele a encarou por um segundo, talvez tentando compreender se esse depois de fato viria a acontecer. quase achou que ele fosse puxa-la para um rápido beijo como dois namorados fazem depois de se despedirem, porém ele apenas assentiu e torceu os lábios em uma careta.
- Só pense sobre o convite, certo? – Ele segurou repentinamente no pulso dela. – Eu realmente quero que você vá comigo, . Do começo ao fim, como conversávamos.
assentiu apenas para dar por encerrada aquela conversa, ainda que soubesse que estava dando a ele falsas esperanças a partir de um gesto tão pequeno. Então virou as costas para ele, e com o coração batendo num ritmo doloroso, saiu andando de volta ao ar frio e gélido que ela tanto gostava.
Olivia respirou fundo, sem perder a velocidade sobre o gelo, e se concentrou. Realizou um spin cammel e então deslizou um pouco mais, primeiro de costas, depois de frente, cruzando ambos os pés como se desenhasse no gelo com as lâminas de seus patins e continuou assim até interromper de súbito o movimento e parar completamente junto com o último acorde da música.
Ouviu barulho de palmas solitárias vindas de algum lugar e acabou por sorrir minimamente. Esperava que daquela vez tivesse sido melhor que a anterior.
Retirou-se até o banco atrás do ringue, com a respiração errática e se sentou. Estava suada, com os músculos da perna tremendo levemente, mas sua treinadora sorria para ela abertamente, e, naquele momento, aquilo anulava qualquer outra coisa.
- Querida, isso foi ótimo! – Sua treinadora, Glenda, exclamou animada, oferecendo uma garrafa de água para que aceitou sem relutância. – Se continuar assim, vamos conseguir ir para as regionais ainda esse ano! Tenho certeza absoluta que dessa vez você consegue.
sorriu de tal forma que sentiu suas bochechas doerem em resposta. Ouvir aquilo, justamente daquela mulher, era quase como saber que havia ganhado na loteria.
Glenda a abraçou lateralmente, tão feliz quanto à própria garota. Ela a treinava desde o início de sua adolescência, praticamente viu crescer e se tornar a mulher que era hoje. Seu orgulho por ela era tão grande que sentia como se ela fosse sua filha.
- Acha mesmo isso? – perguntou entre um gole e outro, ainda ofegante, sem acreditar.
- Não tenho dúvida. – Glenda respondeu, sentando-se ao lado dela para aproveitar da rápida pausa. – Esse será o seu ano!
Algo se aqueceu dentro da garota. Uma vibração no estômago, uma leve vontade de deixar lágrimas caírem.
se colocou de pé, como se toda aquela água a tivesse renovado, ainda mais depois das doces palavras que ouvira.
- Vamos continuar? – Ela atropelou as palavras que saíam de forma energética. – Mais alguma sequência? Repetir o solo? O que devo fazer?
A treinadora sorriu ao vê-la assim, porém, sua resposta não combinava em nada com esse detalhe:
- Por hoje, mais nada. – Disse Glenda logo em seguida.
A expressão até então animada de , pareceu murchar em súbita dúvida.
- E por que não? Fiz algo errado?
Sua treinadora sorriu, como se não estivesse acostumada a ver uma reação daquela com muita frequência.
- Não, querida. Não fez nada errado. – Ela lhe assegurou. – Mas porque de todas as minhas patinadoras, você é a que mais treina. Veja só, sábado à noite e você ainda está aqui. Faça uma pausa, tire umas horas para se divertir. Saia com seu namorado, seus amigos.
fez menção de contestar, mas Glenda continuou mesmo assim:
- Nada em excesso é bom, você sabe.
A garota mordeu os lábios, relutante, mas assentiu. Sentou-se novamente e começou a tirar seus patins, um processo que há muito já estava acostumada a fazer.
Queria dizer a Glenda que não importava se estava ou não se excedendo, pois ali era o único lugar onde se sentia ela mesma, onde estava livre para fazer o que queria. Onde seu cérebro esvaziava completamente e nada a incomodava, onde nada além do gelo a atingia.
Lembrar-se do seu namorado, ainda mais depois do último ocorrido há uma semana, só fazia com que ela se sentisse pior.
A mulher olhou para a garota com atenção. Os movimentos que fazia eram bruscos, completamente diferentes da delicadeza que ela usara enquanto patinava. Parecia irritada. Seu rosto estava fechado, os músculos tensionados.
- Você está bem, querida? – Glenda perguntou após observa-la por um breve instante.
- Claro. – respondeu no automático, a voz distante de qualquer sentimento.
Então a treinadora, ainda sentada ao lado de , mostrando que aquela palavrinha não tinha a convencido, sorriu para ela de maneira confiante e carinhosa, exatamente da mesma forma que fazia quando sabia que a menina precisava colocar para fora algo que a vinha sobrecarregando.
estava tão acostumada com aquele gesto, com aquele olhar implícito pronto para ouvir fosse o que fosse, que nem sequer evitou ou pestanejou em contar a Glenda tudo o que vinha a incomodando.
Assim que a mulher segurou sua mão e perguntou o que estava errado, se pôs a falar. As palavras fluíam de sua boca com tanta facilidade que a garota mais tarde ficou surpresa por ter se aberto tão simplesmente. Não era de pedir conselho aos outros. Achava que para viver e de fato aprender com a vida, tinha que ela mesma achar as respostas para suas próprias encruzilhadas.
E, no entanto, lá estava ela. Não tinha percebido, até então, como o peso em seus ombros diminuía ao passo em que compartilhava suas dores.
Ao fim do que pareceu muito tempo, terminou a história. Glenda ainda sorria e segurava sua mão de maneira reconfortante. Porém, dessa vez, parecia muito mais pensativa.
- Você está magoada, não está?
- Estou. – respondeu num murmúrio quase inaudível. – Acho que talvez ele não tenha dito nada por mal, só estava na defensiva porque eu não tinha feito o que ele queria, mas às vezes... Às vezes penso que a intenção de era realmente me machucar, me inferiorizar diante do que ele conseguiu.
Um momento de absoluto silêncio se estendeu entre as duas, até que Glenda ergueu os olhos e perguntou:
- Qual é o seu sonho, ?
A garota a olhou surpresa. De todas as mil coisas que passavam por sua cabeça, aquela nem sequer fazia parte da lista. Talvez “você o ama?” ou quem sabe “o que tem de errado com Nova York?” até fizessem parte das possíveis perguntas, mas “qual o seu sonho?”, não. Nem de longe.
- Meu sonho?
- É. – Concordou a treinadora. – Aquilo que faz seus olhos brilharem, tudo dentro de você se agitar. Aquilo que você não trocaria por nada no mundo.
fez menção de responder, contudo Glenda balançou a cabeça a impedindo rapidamente.
- Não, não precisa me responder. – Falou. – Só quero que pense na resposta. E baseada nela, que se pergunte se faria o mesmo por você se fosse você no lugar dele.
Outra vez o silêncio doloroso e quase palpável. queria ter gritado sem hesitar que sim, faria, mas ficou em dúvida.
Era algo um tanto complicado dentro da cabeça da garota. Ao mesmo tempo em que queria defender as atitudes do namorado, tinha plena consciência que feitos como os daquela tarde não podiam ser simplesmente ignorados para que mais tarde ela fingisse que nunca aconteceram.
Tudo pesava na balança. Simples assim.
No fim, a resposta que deu a mulher foi diferente da qual pensava:
- Eu o amo, Glenda.
- Sei que sim, querida. – A mulher a assegurou. – Não tenho dúvidas dos seus sentimentos para com ele. Sei também que às vezes relacionamentos são complicados. Existem fases mais turbulentas que outras, porém de uma maneira ou de outra, para bem ou para mal, as coisas se acertam. E antes de tomar qualquer decisão, precisa ter certeza de algumas coisas.
Glenda a olhou nos olhos. Ela não disse com palavras, mas percebeu pela expressão facial dela, que tais coisas, na verdade se referiam as questões que há pouco havia levantado.
A garota respirou fundo, o coração se apertando dentro do peito. Sentia como se existisse uma barragem dentro do seu crânio prestes a romper pelo acúmulo de pensamentos desenfreados e perguntas sem respostas.
Não sabia como encarar tudo aquilo.
- Mas – Glenda voltou a dizer, arrastando a palavra por mais tempo que o necessário propositalmente para chamar a atenção de que, por um rápido momento, havia entrado num devaneio. –, independente da escolha que tome, precisa saber que o caminho não será fácil. Para nenhuma das possibilidades.
- Eu sei. – concordou contra a vontade, ainda atordoada, se perdendo em mais outro pensamento.
A treinadora ficou quieta, apenas a olhando atentamente. Apesar de não saber como tudo aquilo terminaria, tinha seus palpites.
- ? – A mulher chamou.
- Sim?
- Saiba que seja qual for o caminho que você siga, tenho orgulho de você.
As duas se olharam, olhos nos olhos. Houve um entendimento silencioso entre ambas e por fim acabaram sorrindo e se abraçando.
Sua treinadora se despediu e em poucos segundos só restava ali, sentada, ainda com a roupa do treino, patins encostados ao seu lado, olhos marejados e um turbilhão de pensamentos em sua mente. “Do começo ao fim, como conversávamos”, lembrou-se de seu namorado dizendo e então respirou fundo.
E se ela pudesse fazer as duas coisas?
Levantou-se, colocou a alça da bolsa em seu ombro, pegou os patins e saiu, decidindo que naquela noite ela se arrumaria e iria a um encontro.
Talvez tenha demorado um pouco para decidir o que vestir após seu banho. Talvez ela tenha sentado na frente da televisão e quase desistido de sair. Sua hesitação nunca fora tão grande. Mas agora, depois de uma séria discussão interna, se olhava no espelho e gostava do que vestia, quase sentia-se bem consigo mesma.
Os cabelos encaracolados estavam presos para cima com algumas mechas soltas caindo pelas laterais. A saia era um tanto curta, mas a meia calça cobria a pele exposta que a outra peça não conseguia. Vestia um casaco quente e grosso por cima da blusa lisa, mais a bota de salto preto que completava seu visual e a fazia parecer mais confiante.
Pensou em pegar o telefone e avisar que estava indo até sua casa para conversarem, saírem, se resolverem. Porém mudou de ideia rapidamente. Achou que uma surpresa seria algo interessante, que faria bem para o relacionamento deles, ainda mais depois do último encontro desastroso que tiveram. estava certa que hoje a situação entre os dois mudaria.
Pegou a bolsa em cima da mesa e então saiu do seu apartamento, respirando fundo enquanto rumava em direção da rua.
Durante o tempo que havia passado sozinha, chegara a uma conclusão. Havia pensado muito sobre o que Glenda havia dito e ela. Relacionamentos são complicados, ela dissera. Existem fases mais turbulentas que outras, porém de uma maneira ou de outra, para bem ou para mal, as coisas se acertam. E era exatamente por isso que ela estava indo de encontro a .
Do começo ao fim, como conversávamos, ele tinha lhe dito antes dela ir embora. A frase que ela não parou de ouvir ecoar por sua cabeça desde aquele dia. Tomou os dizeres como uma espécie de âncora, algo a que se agarrar em meio a tantas dúvidas. Se ele tinha lhe dito isso, é porque seu pedido era sério e verdadeiro.
Estava certa que podiam resolver a situação sem machucar um ao outro. Existiam muitos caminhos a escolher. Só precisavam olhar com mais atenção ao redor deles.
acabou sorrindo e puxou o casaco com mais firmeza contra seu corpo. A resposta final viria ainda hoje. De alguma maneira ela sabia disso.
Alguns poucos minutos depois já estava na rua de . Percebeu que institivamente havia feito o caminho no automático. Provavelmente já tinha ido tantas vezes até aquele destino que seu subconsciente simplesmente assumiu o comando, e só agora, a poucos passos de distância da casa do seu namorado, que ela se deu conta de tal fato.
Só que à medida que se aproximou da residência, começou a notar algo diferente por lá.
Do lado de fora havia diversas pessoas espalhadas pela frente do gramado. Algumas delas aproveitavam os cantos para fumarem cigarros provavelmente não legais, outras simplesmente estavam jogadas no chão com a mão no estômago, passando mal.
não gostou do que viu. Sentiu sua barriga formigar e mordeu o lábio, receosa. Chegou até a sentir gosto de sangue na boca de tão forte que provavelmente apertou os dentes contra a carne. Mas por fim, passou pela porta de entrada, completamente escancarada, e entrou na casa.
A visão que veio em seguida não a agradou muito. O lugar estava abarrotado de gente, todos com algum tipo de bebida nas mãos. A maioria dançava ao som da música eletrônica alta e estridente que fazia os ouvidos de pulsarem em agonia.
Passou os olhos pelo lugar a procura de , mas o cheiro de todo o álcool misturado com a fumaça dos cigarros deixavam-na enjoada e com tontura. Ela demorou um pouco para conseguir sair do lugar.
Desde que ele começara a andar com os outros colegas do time, a casa dele vivia com gente entrando e saindo o tempo todo. Eram tantas festas que ele fazia, que já havia se transformado em algo normal. Entretanto nunca havia ido a nenhuma delas. Festas não faziam muito seu estilo. E depois de se ver naquela situação, não se arrependia nem um pouco de ter evitado aquilo tudo.
Começou a se espremer por entre os corpos em movimento, uma atividade muito mais trabalhosa do que imaginou. Quando conseguiu espaço para respirar devidamente, pensando que poderia ficar tranquila a partir daí, o que viu na verdade a fez ter vontade de chorar.
Lá estava , sentado em um sofá. A garrafa de sabe-se lá o que em uma das mãos enquanto uma garota ria em seu ouvido e segurava seu rosto. Na mesa em frente a eles algumas fileiras de pó branco estavam estendidas. Uma outra garota as cheirava. A expressão dele dizia que o garoto não se importava. Na verdade, seu sorriso dizia que ele estava gostando e os próprios vestígios de pó em seu nariz comprovavam isso.
Foi como se o oxigênio do mundo tivesse acabado e uma cratera tivesse sido aberta sob os pés de . Para piorar, abriu os olhos, até então fechados, e imediatamente suas pupilas encontraram as dela. Ele se afastou das garotas, limpou o nariz com as costas da mão e largou a garrafa, mas não esperou uma explicação.
Num segundo ela o encarava como se tivesse levado um soco na boca do estômago. No outro já estava de volta ao meio daquela gente, procurando o caminho da saída.
Chegou a tropeçar em algumas pessoas durante o trajeto. Foi parada por algumas querendo puxar assunto, e outras querendo lhe entregar um copo com líquidos suspeitos. ignorou completamente tudo o que se aproximou dela.
Quando conseguiu passar pela porta da frente de volta ao gramado, teve que se apoiar rapidamente no batente até deixar de respirar erraticamente, e a passos apressados, fez seu caminho para longe dali.
Estava tão chocada que não tinha vontade de chorar. Sentias suas mãos tremerem e o coração acelerar, porém se concentrava em seguir sem tropeçar pela rua. Só queria chegar a sua casa o mais rápido que conseguisse.
Foi quando alguém puxou seu pulso e ela parou de andar subitamente.
agora estava a sua frente. Ela o olhou com atenção. De uma forma esquisita parecia abalado. Respirava com dificuldade como se tivesse corrido muito para alcança-la, quando na verdade, ela só tinha chegado ao fim da rua.
- O que você quer? – Ela disparou para sem um pingo de educação. Ele não merecia sua bondade naquele momento.
- Aquilo não era o que parecia. – Falou aturdido.
- Ah, é mesmo? Então não devo me preocupar?
O garoto fez um gesto um tanto quanto exasperado e expirou o ar com força.
- Eu não estava te traindo, ! – Ele gritou. – Juro por tudo o que é mais sagrado, juro de verdade!
fervilhava de raiva. Seus olhos ardiam e sua pele formigava. Ela o conhecia bem o suficiente para reconhecer a verdade em sua voz. Mas nada disso apagaria a cena que presenciou. Estava tão alterada que nem sequer percebeu que estava elevando a voz:
- Ela estava agarrada ao seu pescoço e você ria daquilo como se gostasse. Você não a impediu, !
- E eu não poderia! – Ele disparou imediatamente. – Ela é uma fã como muitas outras garotas naquela festa. Assim como os torcedores, garotas como ela dão a fama que os jogadores têm. Fazem a nossa vida. Não posso ignora-las! – Berrou de volta. – Faz parte de quem eu sou agora.
Ouvir aquilo doeu quase tanto quanto vê-lo da maneira que estava momentos antes. se afastou um passo.
- Assim como usar cocaína? Também faz parte de quem você é agora?
passou as mãos pelo cabelo, parecia muito perto de explodir.
- Foi a primeira vez, !
- Parecia mesmo a primeira vez.
Ele soltou um som gutural do fundo da garganta.
- O que você quer que eu diga afinal? – Ele gritou tão fora de si que a garota teve de dar alguns passos trôpegos para trás. – O que veio fazer aqui, ?
chutou um arbusto próximo dele e alguns galhos se quebraram. Parecia uma atitude boba a se ter, mas a raiva que ele descarregava, a expressão facial que estava, fizeram sentir medo. Sensato era a última palavra que poderia descrevê-lo no momento.
- Me responda!
mordeu o lábio e prendeu a respiração. Sua boca doía pela quantidade de vezes que seus dentes a apertaram. Por fim conseguiu responder, ainda que gaguejando levemente:
- Eu vim f-falar sobre Nova York.
As feições do garoto se suavizaram repentinamente. Seu olhar amenizou, a raiva dissipou, e por um segundo pareceu que esqueceu de respirar.
- É sério? – Ele aproximou-se dela, segurando em seus braços, as sobrancelhas juntas em completa dúvida. – Veio pra isso mesmo?
assentiu minimamente, controlando seus batimentos cardíacos.
- Talvez devêssemos conversar sobre isso depois.
- Não! – Ele disse imediatamente. – Não, me fale agora!
- Não sei se é uma boa ideia, . Você...
- Estou perfeitamente bem para ter essa conversa.
hesitou. A conversa já seria difícil com ele nos melhores dias. Agora então? As estatísticas não eram boas.
- Eu tinha uma proposta para você.
- Proposta?
- É. – Concordou, se forçando a manter um tom estável. – Mas agora... Agora não vejo como poderia funcionar. Sinto muito.
Ela se afastou mais uma vez, não querendo ser tocada por ele naquelas circunstâncias.
- O que quer dizer com isso?
Foi a vez da garota quase surtar. Passou a mão pelo rosto, fechou os olhos força.
- Você não vê, ? – Ela disse a ele. – Tudo o que tem acontecido. Você não pode fazer isso comigo! Ou cura meu coração ou o quebra nos menores pedaços que conseguir! Não está sendo justo comigo. Esse jogo de pingue pongue é loucura!
- Não existe jogo, !
- Como não? Você me magoa, se afasta, me esquece e então volta com presentes, carinho, volta a ser quem você era. Como isso não pode ser um jogo? Como a ideia de deixar tudo para trás e viver em função de você não é a porcaria de um jogo, ?
- Você está tentando me fazer sentir culpa, é isso mesmo? Está querendo se fazer de vítima aqui? – Ele devolveu carregado da mesma intensidade que ela. – Nem tente se esforçar para isso. Não vai conseguir! Então faça um favor a nós dois e diga de uma vez os motivos que te trouxeram aqui.
A garota respirou fundo. Estava tão quente que suava mesmo exposta ao frio da noite.
- Eu não vou para Nova York.
Foi a vez de dar um passo para trás completamente atônito.
- O quê?
- Não agora, pelo menos. – Ela emendou rapidamente, piscando para limpar a visão embaçada. – Eu iria assim que as regionais passassem, eu disse a voc...
- Não venha colocar aquela desgraça acima de mim, ! – Ele gritou tão alto e tão forte que as palavras foram esquecidas na boca da garota. – Eu me recuso a aceitar isso vindo de você!
Só sabe falar nessa ideia fixa, nesse seu sonho idiota que jamais vai te dar futuro! Sabe que não vai conseguir nada com patinação artística e continua insistindo! Está brincando comigo? Você não é burra, ! Use sua cabeça para alguma coisa nessa vida!
As palavras dele a atingiram como as quedas que levava no treino. Duras e geladas, paralisando-a por completo. Ela se distanciou dele institivamente, sentindo-se subitamente tonta.
- O que deu em você? – Sua voz saiu como um sussurro cheio de dor, mágoa transpirando por todo o seu rosto. – Não acredito que está me dizendo essas coisas absurdas!
- É verdade e você sabe! – Ele respondeu, a fúria palpável em toda sua maneira de agir e falar, seu rosto completamente escarlate. – Se fosse parar ter conseguido algum tipo de carreira nisso, teria conseguido anos atrás. Agora só está gastando seu tempo à toa! Não percebe que a cada ano que passa suas chances ficam menores ainda? Pois eu vejo isso! Só estou te dizendo as verdades que ninguém mais diz. Devia me agradecer por isso.
- Você é um grosso! – Ela falou, sentindo suas mãos formigando e o sangue fluir com força por todo o seu rosto. – Todos aqueles dias que você passou socado naquelas quadras, eu te apoiei verdadeiramente. Nunca te desencorajei a deixar seu sonho do basebol de lado! Por que não pode fazer o mesmo por mim com a patinação? Não estou te pedindo muito!
- Não? É só fazer uma simples comparação, . – ergueu os braços, gesticulando com intensidade. – Olhe para onde eu estou agora! Com contrato assinado em um clube de proporções enormes, prestes a me mudar para Nova York, a cidade onde tudo acontece e viajar pelo país fazendo o que mais desejo. Mas e você? Treina como se sua vida dependesse disso, praticamente mora naquele ginásio, porém nunca conseguiu passar de uma regional. Ainda não percebeu, mas está deixando de viver por algo impossível.
- Pelo menos sou verdadeira com quem sou. – Ela se atreveu a dizer. – Quão longe você acha que vai agindo da maneira que estava há pouco? Quão longe acha que vai “sendo quem é agora”, ?
O garoto balançou a cabeça para os lados.
- Você não é ninguém para me dar sermão, . Não perca seu tempo com isso.
Ela sentiu seu pelo se arrepiar e, se fosse possível, diria que tudo dentro de si chorou em agonia.
- Você me odeia? É isso então?
riu cheio de sarcasmo, os olhos levemente arregalados como um louco. Ela não sabia se a intenção dele era fazê-la se sentir ainda pior, mas se fosse, conseguiu com muito êxito.
- E agora resolveu tirar palavras da minha boca?
Ela sacudiu a cabeça. A garganta se fechava e a visão ficava turva com o acúmulo de lágrimas em seus olhos. Os mesmo ardiam tentando obedecer a sua vontade de reprimir o choro.
- Tudo o que você disse, tudo o que fez e o que quer que eu faça – continuou, ainda que seus lábios tremessem com a fala debilmente –, nada disso é uma atitude a se fazer com alguém que ama. Não está me dando escolha!
foi até ela, segurou em seu rosto com uma mão a cada lado e procurou olhar dentro dos seus olhos. Podia parecer carinhoso visto de longe, agora que ele não gritava como um maluco, mas toda a sua face transmitia frieza. Pálida como um espectro. Ele era a definição da neve em seus piores dias.
- Se não for comigo, nosso namoro termina, . – O garoto sussurrou. – É essa sua escolha.
Ela agarrou ambas as mãos dele e as tirou com rudeza para longe de si.
- Você é ridículo, . Ridículo!
Ele riu outra vez, sem parar de encará-la, divertido com a reação da garota.
- É, eu sou sim. Sou isso e mais um monte de coisa, você sabe. E nada do que disser vai mudar! – Falou. – Então, minha querida , com esses termos já discutidos, ou você me ama assim, ou então me deixa aqui.
A garota o encarou, com olhar sem foco e lábios entreabertos. O tempo ao seu redor começou a desacelerar. Ela o via com clareza ali como há muito não conseguia. Como se uma máscara finalmente tivesse caído e ele mostrasse cada camada sua. Da mais desejável até a pior de todas.
pensou em tudo o que passaram desde quando se conheceram até chegarem onde estavam agora. Em como ela pensou conhece-lo. E então em como tudo pôde virar de cabeça para baixo tão rápido.
De repente, a certeza veio como um flash.
- Então eu deixo você.
ficou tão chocado que não se atreveu a retrucar. A encarou como se uma montanha tivesse desabando sobre si. E quando ela virou, de costas para ele e pronta para ir embora, não a impediu de seguir.
sabia que o deixou usa-la desde o momento em que se conheceram. Deu a ele um mundo inteiro de chances que foram sempre desperdiçadas. Tinha sido completamente imprudente. Havia se perdido na beleza dele e não enxergou um passo além.
Mas ainda que se sentisse destroçada, sabia, do mais fundo da sua alma, que aquilo jamais seria eterno. Desde o começo ela lutou sozinha. A diferença é que agora tudo veio como uma avalanche.
Aquilo doeria. Mais para ela do que para ele, tinha certeza. Mas ela precisava seguir seu caminho. Qual é o seu sonho, ?, Glenda tinha lhe perguntado. faria o mesmo por você se fosse você no lugar dele? Não, ele não faria. E por mais que o amasse, não poderia levar aquilo adiante. Então ela o deixaria viver a vida do modo que quisesse. De um modo onde ela não pudesse interferir ou ferir a si mesma como vinha acontecendo.
E agora, enquanto se afastava dele, sentia como se tivesse se libertado de correntes. Estava leve e livre, apesar das lágrimas quentes escorrerem por seu rosto.
Ninguém nunca mais seria abusivo com ela. Ninguém nunca mais a privaria dos seus sonhos, daquilo que ela queria. E mostraria a todos que um dia duvidaram de sua capacidade, que ela não desistiria. Ela chegaria ao topo do mundo apenas com sua determinação.
Não interessava quanto tempo levasse, no momento certo ela teria suas recompensas. E enquanto isso não acontecesse, ela continuaria a viver e a sonhar no gelo.
FIM
N/A: Olá, leitores! Espero que tenham gostado de mais esse conto. Deixem a opinião de vocês aí embaixo, viu? Não vão esquecer!
Essa história foi inspirada na música Love Me or Leave Me – Little Mix e só foi feita graças a mais um desafio proposto pela minha Beta Belle hahah. Gostei de escrever a história, pois acho que todos nós temos um sonho na vida, algo que daríamos tudo para conseguir. E acho legal ressaltar que se você ama alguma coisa, então deve lutar por ela, independente do quão difícil seja e de quantas coisas tenha que abrir mão para aquilo dar certo. No fim, as recompensas vêm na hora certa.
Bom, é isso. Quem leu e gostou pode dar uma fuçada nas minhas outras fanfics, não é mesmo?
A Vida Volta a Seguir Seu Rumo (outros/finalizada) – Oneshot
Dear Diary (one direction/em andamento) – Longfic
Don’t Go (outros/finalizada) – Oneshot Desafio Songfic 3ª Temporada
I Want You In Every Single Way (outros/finalizada) – Oneshot
My Best Crush Friend (outros/finalizada) – Oneshot
Oops, Baby, I Love You (outros/finalizada) – Oneshot Especial de Fim de Ano
That’s Enough (outros/finalizada) – Oneshot Especial #001
Uptown Girl (outros/finalizada) – Shortfic Desafio Songfic 1ª Temporada
What a Wonderful Confusion (outros/finalizada) – Shortfic
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Beijos e até a próxima :)