Segredo de Escritório
Escrito por Nyx
Revisado por Natashia Kitamura
Prólogo
Eu sabia que minha vida profissional não era exatamente um conto de fadas, mas também não achava que estava fadado a ser um "cobaia" no mercado de trabalho. Isso ficou claro no momento em que meu chefe me chamou para uma conversa "especial" depois de anunciar que eu seria demitido por contenção de custos.
— Escuta, eu não queria te deixar na mão. Você é um cara esforçado, sabe? — ele disse, com aquele tom que misturava pena e alívio por não ser ele quem ia ficar desempregado. — Então, consegui algo temporário para você. É uma experiência curta, mas com potencial.
Potencial? Eu devia ter desconfiado.
— Você vai ser o novo secretário da CEO da Domus Enterprises. Ela é… única. — Ele disse a palavra "única" como se fosse um eufemismo para algo inconfessável. — A ideia é que você fique lá enquanto o RH encontra alguém definitivo.
Não era bem uma proposta — era mais um ultimato.
— Se você aguentar até eles encontrarem uma nova secretária, eu te dou um aumento quando você voltar. Mas se ela te demitir antes disso... bem, boa sorte por aí.
Eu estava sem escolha. Aceitei, pensando que, no máximo, teria que aturar alguma chefe autoritária e com mania de grandeza por umas duas ou três semanas. Como dizia minha irmã, “todo mundo tem um preço, e o seu é bem baixo”. Naquele momento, o preço era a promessa de um aumento e a esperança de não voltar para casa morando com ela e dividindo o último pacote de macarrão instantâneo.
No dia seguinte, eu me vi em frente ao prédio da Domus Enterprises, tentando não suar nas mãos enquanto me apresentava à recepcionista. Eu estava prestes a conhecer a lendária CEO que fazia todas as suas secretárias fugirem como se o próprio inferno estivesse as perseguindo.
Eu não sabia como seria meu futuro ali. Mas tinha certeza de uma coisa: esse emprego temporário não seria apenas mais uma linha discreta no meu currículo. Alguma coisa me dizia que, ao fim disso, eu teria histórias o suficiente para escrever um livro. E talvez, se sobrevivesse, até mesmo um aumento.
Capítulo 1: Bem-vindo ao Inferno Corporativo
O primeiro dia de trabalho é sempre um teste de fogo, mas o meu parecia ter sido projetado para quebrar qualquer recorde de caos logo nas primeiras horas. A recepcionista Bianca — como dizia seu crachá — me lançou um olhar misto de pena e curiosidade enquanto eu esperava pelo elevador.
— Primeiro dia? — ela perguntou, como se não fosse óbvio.
— Sim. Alguma dica? — tentei soar descontraído, mas meu nervosismo vazava em cada palavra.
— Boa sorte, é o que posso dizer. — E riu, como se eu fosse o protagonista de uma comédia de erros que ela já assistira muitas vezes.
O elevador chegou com um ding que parecia mais alto do que deveria ser, ou talvez fosse apenas meu coração disparado ecoando em meus ouvidos. Quando as portas se abriram no andar da presidência, a atmosfera mudou completamente. O silêncio era tão absoluto que eu podia ouvir o som dos meus sapatos contra o chão impecável de mármore.
Uma assistente com um sorriso forçado me conduziu até a sala principal, onde ela aguardava. Minha nova chefe.
O escritório dela era uma obra de arte do design minimalista e luxuoso. As paredes eram de um branco impecável, interrompidas apenas por prateleiras embutidas que exibiam livros de negócios, prêmios e algumas poucas esculturas modernas. A mesa dela, feita de vidro e aço escovado, estava impecavelmente organizada, com um notebook prateado no centro e uma caneta de tinta preta estrategicamente posicionada ao lado. Atrás dela, enormes janelas iam do chão ao teto, oferecendo uma vista espetacular da cidade, com prédios que pareciam competir em altura com o céu. O contraste entre a vista vibrante e o ambiente frio do escritório deixava claro que aquela sala era feita para impressionar e intimidar.
Uma mulher estava sentada em uma cadeira que parecia mais um trono de couro preto. A luz que atravessava as janelas enormes dava à sala um ar teatral, destacando seus traços impecáveis. Ela tinha um semblante firme, os cabelos presos em um coque elegante e uma postura que exalava autoconfiança. Por um momento, enquanto tentava processar toda a cena, não pude evitar pensar: "Incrível como ela é bonita." Era o tipo de beleza que intimidava, algo que combinava perfeitamente com o ambiente frio e calculado daquele escritório. Seu olhar atravessou o espaço até mim com a precisão de uma flecha. Eu não precisava de apresentações para saber que aquela era a CEO da Domus Enterprises, .
— Então você é o substituto improvisado, é isso? — ela perguntou, sem levantar os olhos da tela do computador.
— Sim, senhora. Quero dizer, sim, sou eu. — Eu odiava o som da minha voz naquele momento.
— Não me chame de senhora. Parece que estou contratando um mordomo. Me chame de... Srta. . — Ela finalmente olhou para mim, com uma expressão que misturava impaciência e curiosidade. — Qual é o seu nome mesmo?
— .
— . Certo. Vamos ver se você dura mais que o último. — E com isso, ela voltou sua atenção para o computador, claramente me dispensando.
Os minutos seguintes foram um borrão de ordens rápidas e instruções confusas.
— Quero que você pegue a planilha de desempenho da equipe de vendas. Ela está na pasta compartilhada e, por favor, me diga que você sabe usar o sistema interno.
— Sim, claro! — Respondi, mesmo não tendo a menor ideia do que era "pasta compartilhada" naquele contexto.
— Depois, ligue para o fornecedor da campanha de mídia e pergunte por que a apresentação de layouts ainda não foi enviada. Você consegue fazer isso em 15 minutos? Porque eu preciso disso antes da próxima reunião.
Eu apenas assenti freneticamente enquanto anotava as instruções em um bloco de notas improvisado — uma folha sulfite que eu encontrei em cima da mesa.
— Ah, e café. Forte, sem açúcar. Você vai encontrar a cafeteira na sala ao lado, mas não demore. E nada de café frio.
Antes que pudesse responder, ela continuou:
— Aproveite e imprima as notas da última reunião com o comitê financeiro. Estão no meu e-mail, enviei para você agora. Você sabe usar o e-mail corporativo, né? Se não souber, bem… aprenda rápido.
Enquanto corria para cumprir a lista interminável, percebi que ela nem sequer esperava confirmação de que eu entendera tudo. Era como se minha presença fosse algo tão automático quanto um aplicativo respondendo a comandos. Entre idas e vindas, os detalhes da minha missão pareciam aumentar a cada passo.
Primeiro, o café. A sala de café, escondida em um canto pouco iluminado, parecia um labirinto para alguém que estava ali pela primeira vez. O café era forte demais e o copo tremia na minha mão enquanto eu voltava para entregá-lo. Ao colocá-lo à mesa dela, ela sequer olhou para cima.
— Finalmente. Agora me explique por que ainda não ligou para o fornecedor?
— Já estou fazendo isso — menti, enquanto abria o meu notebook em uma mesa improvisada na sala dela, se é que aquilo poderia ser chamado de mesa. Eu estava mesmo ferrado nesse trabalho.
Quando consegui acessar o sistema, percebi que as planilhas que ela mencionou estavam em uma pasta que exigia permissões que eu não tinha. A chamei para perguntar, mas ela levantou uma sobrancelha e apenas apontou para o telefone.
— Resolva. Se precisar de permissão, fale com TI. E não venha me perguntar sobre coisas que você deveria saber resolver sozinho.
Eu me senti como uma criança sendo repreendida pela professora e voltei correndo para o telefone. Ligar para o fornecedor foi outro desafio. Eles não atendiam, e quando finalmente consegui falar, a pessoa do outro lado parecia não ter a menor ideia do que era a apresentação que ela mencionara. Enquanto tentava esclarecer, senti o olhar dela atravessando meu crânio.
— Alguma novidade? — ela perguntou, cruzando os braços.
— Eles estão verificando — respondi, sem mencionar o fato de que ainda não sabiam do que eu estava falando.
Ao final da tarde, minha folha sulfite improvisada parecia uma zona de guerra. Havia setas, palavras rabiscadas e lembretes de coisas que eu provavelmente não entenderia mais tarde. Quando finalizei a impressão das notas do comitê financeiro e as entreguei, ela pegou os papéis, folheou por dois segundos e disse:
— Você imprimiu isso em preto e branco? Da próxima vez, quero em cores. Estamos em 2025, . Não em 1998.
Assenti, sem energia para discutir que ninguém havia me dito nada sobre isso. Quando finalmente me sentei para respirar, ela me chamou, de novo.
— Preciso que você me envie por e-mail um resumo das notas para o time de marketing. Mas revise antes. Não vou tolerar erros.
No fim do dia, percebi que não tinha comido nada e que minha energia estava no limite. Cada vez que eu pensava em ir comer, ou pensava em ir ao banheiro, sentia como se fosse avaliado em uma escala invisível de competência. Era oficial: eu não passava de mais um peão no xadrez dela. Necessário, mas facilmente substituível.
💻👠
Minha casa era um pequeno apartamento no terceiro andar de um prédio antigo, mas bem cuidado. O prédio tinha um charme peculiar: as janelas tinham caixilhos de madeira pintados de branco, e a entrada era decorada com plantas em vasos de barro, cortesia dos vizinhos do térreo. Subir as escadas era quase um ritual. Os degraus rangiam a cada passo, lembrando-me do peso do dia que eu carregava.
As paredes do corredor de entrada do meu apartamento estavam decoradas com alguns dos meus desenhos, emoldurados de forma improvisada. Eram retratos que eu fazia para passar o tempo, misturando pessoas imaginárias e paisagens surreais. Clara dizia que isso fazia o lugar parecer mais nosso, menos um aluguel genérico. Sempre tive vontade de seguir no ramo da ilustração, mas nunca pude devido a fatores financeiros, então havia se tornado um hobby para mim. Quem sabe um dia eu possa me dedicar mais a isso?
A sala de estar, embora pequena, era aconchegante, com um sofá cinza que eu comprei em uma promoção e uma mesinha de centro cheia de livros e HQs, equilibrando o caos com algum charme. A TV, que ocupava boa parte da parede oposta, era provavelmente o item mais moderno do apartamento. Clara tinha insistido que era um investimento para nosso “tempo de qualidade”, embora ela passasse mais tempo maratonando séries do que eu.
Em casa havia sempre um cheiro de café misturado com a lavanda do aromatizador que minha irmã insistia em comprar. Clara dizia que o cheiro tornava o ambiente mais acolhedor. Eu achava que era uma forma de esconder o odor persistente do tapete velho que não importava quantas vezes fosse lavado, parecia nunca mudar.
Clara e eu vivíamos sozinhos em São Paulo. Ela havia passado no vestibular e, sem pensar duas vezes, abri as portas do meu apartamento para acolhê-la. Enquanto isso, nossos pais continuavam morando no interior do Tocantins, distantes da correria e das luzes da cidade grande.
Joguei minha mochila no chão da sala assim que entrei e me sentei no sofá como se fosse um sobrevivente de um apocalipse corporativo. Minha irmã mais nova apareceu na porta da cozinha com um saco de pipoca na mão e uma expressão confusa no rosto.
— Você parece que foi atropelado por um caminhão. Tudo bem? — perguntou, jogando um grão de pipoca na boca.
— Não, Clara. Definitivamente não. — Suspirei e fechei os olhos. — Primeiro dia de trabalho e eu já quero pedir demissão.
Ela riu e se sentou ao meu lado, empurrando o saco de pipoca para mim.
— O que aconteceu?
— A chefe. Ela é… infernal. Um demônio em salto alto. Eu mal entrei na sala e ela já estava me jogando uma lista infinita de tarefas. E o pior é que ela não explica nada. Só manda. E se você não adivinha o que ela quer, é tratado como idiota.
Clara arregalou os olhos, pegou mais um punhado de pipoca e respondeu:
— Parece até cena de filme. Mas você conseguiu fazer tudo?
— Na verdade, não. Quase tudo deu errado. Café errado, impressão errada, telefonema perdido… Eu me senti como um extra em um filme de desastre.
Ela me deu um tapinha no braço, tentando me animar.
— Relaxa, . Amanhã vai ser melhor. Talvez ela só estivesse testando você.
— Testando minha sanidade, isso sim.
— , pensamento positivo, hum? E como ela é? Tem quantos anos? Fiquei curiosa.
— Ela é uma mulher bonita, isso é... evidente. — As palavras escaparam antes que eu pudesse me conter, e Clara imediatamente levantou uma sobrancelha, me encarando com aquele olhar que só ela sabia dar.
— Bonita? Isso foi muito mais informação do que eu esperava. — Ela se inclinou na poltrona, claramente esperando mais. — Anda, me conta mais. Eu sei que tem algo aí.
Suspirei, percebendo que não conseguiria escapar.
— tem cerca de trinta e dois anos. Ela é inteligente, exigente, e dá para ver que a pressão que ela coloca nos outros é a mesma que ela coloca em si mesma.
— Trinta e dois? — Clara arregalou os olhos. — Relativamente nova para ser CEO de uma grande empresa. E só cinco anos mais velha que você! Isso não te intimida nem um pouco?
— Clara, ela intimida qualquer pessoa. Mas não é a idade, é a presença dela. Quando ela entra na sala, parece que o ar simplesmente muda.
Clara deu um sorriso debochado, claramente se divertindo com a minha descrição.
— Então, ela é tipo uma vilã de filme, só que muito gata?
— Não ajuda. — Revirei os olhos. Clara soltou uma gargalhada e se ajeitou no sofá. Depois de uma pausa, ela mudou de assunto, talvez percebendo que eu precisava de um respiro.
— Você acha que seu dia foi ruim? Meu professor de cálculo hoje resolveu passar um monte de exercício de revisão, como se não bastasse a quantidade de trabalho que eu já tenho. Sério, ele só pode estar de implicância.
Eu ri, balançando a cabeça. Clara cursava engenharia, então matemática fazia parte de sua rotina.
— Você sempre acha que os professores estão de implicância.
— Porque eles estão! — Ela deu um sorriso irônico. — Mas olha, nem tudo foi péssimo. Eu acho que estou me apaixonando pelo Marcos.
Aquilo me pegou de surpresa.
— O Marcos? Aquele do seu grupo de estudo? Achei que vocês eram só amigos.
— É, mas ele é tão atencioso, sabe? E tem umas conversas que… Sei lá, acho que ele gosta de mim também. — Ela desviou o olhar, como quem não queria admitir muito mais.
— Então vai em frente. Só tome cuidado para ele não te distrair tanto que você acabe errando as contas no cálculo.
— Pode deixar… Aliás, você falando de romance… E ai, ainda solteiro?
— Por escolha. Acredite, é melhor assim. Um relacionamento agora só ia complicar minha vida. Quer dizer, ainda estou vendo a Amanda de vez em quando, mas não é nada sério. Ela entende que não quero compromisso.
Clara arqueou uma sobrancelha, claramente intrigada.
— Amanda? Essa é nova. E ela tá ok com isso?
— Sim, tá tudo tranquilo. A gente sai, se diverte, mas sem pressão. É algo casual, e eu gosto assim por enquanto.
Clara balançou a cabeça, rindo levemente.
— Você é inacreditável, . Mas, se isso funciona pra vocês dois, quem sou eu pra julgar?
Ela me deu um olhar cético, como se não acreditasse muito na minha desculpa, mas não insistiu.
— Bom, se você vai continuar nessa vida de solteiro convicto, pelo menos me ajuda a escolher um filme. Hoje eu quero comédia.
Acabamos assistindo a um filme que, honestamente, nem consegui prestar atenção. Mas só o fato de estar em casa, ouvindo Clara falar sobre seus dramas da faculdade e suas paixões, já era um alívio depois daquele caos corporativo. No final das contas, a noite foi menos sobre o filme e mais sobre relembrar que, apesar de tudo, ainda havia um mundo fora daquele escritório.
Quando já estava quase pegando no sono no sofá, o som do meu celular vibrou na mesa de centro. Estiquei o braço, ainda relutante, e olhei o número: desconhecido. Suspirei, já prevendo que aquilo não seria coisa boa, mas atendi.
— falando.
— Preciso de você. Agora. — A voz autoritária da Srta. veio direto ao ponto, cortando qualquer ideia de que poderia ser uma chamada rápida.
Sentei-me imediatamente, agora completamente acordado. Como aquela mulher descobriu tão rápido meu celular?
— Ah, olá, Srta. . O que aconteceu? — tentei soar profissional, mesmo que minha voz ainda estivesse arrastada de sono.
— Preciso que você revise e envie o e-mail com o relatório de marketing que pedi. Algo tão simples não deveria demorar o dia inteiro, mas, aparentemente, você esqueceu. — Ela fez uma pausa curta, o suficiente para eu começar a formular uma resposta. — Ou talvez tenha achado que poderia deixá-lo para amanhã.
— Não, claro que não! Eu já estou com tudo pronto. Só… vou conferir uma última vez para garantir. — Levantei-me e comecei a procurar meu notebook pela sala, tropeçando em minha própria mochila no processo.
— Ótimo. Espero isso na minha caixa de entrada em quinze minutos. — E, antes que eu pudesse responder, ela desligou.
Clara, que havia observado toda a cena com uma sobrancelha levantada, deixou escapar uma risada.
— Era sua chefe, não é? A "demônio em salto alto"?
— Ela mesma. — Respondi, ainda buscando o notebook entre os travesseiros do sofá. — Parece que minha paz foi oficialmente cancelada.
Clara jogou um travesseiro em mim.
— Boa sorte, irmão. Parece que você vai precisar de mais do que quinze minutos para sobreviver nesse emprego.
Enquanto conectava o notebook e abria o e-mail, não pude evitar pensar em como ela parecia dominar até mesmo o meu tempo em casa. Era só o primeiro dia, mas, de alguma forma, a Srta. já havia invadido minha vida de um jeito que eu não conseguia ignorar.
Nota da autora: Me aventurei nesse projeto chamado Adote uma Ideia do EC, e vamos ver no que isso vai dar hahaha. Conto com vocês me contando o que estão achando, viu? Beijos <3
Capítulo 2: Teste de Resistência
Eu havia dormido muito tarde ontem à noite, porque, depois de finalmente ter enviado o e-mail que ela exigiu, a Srta. ligou novamente. Dessa vez, pediu que eu revisasse um outro documento e mandasse para o setor de marketing antes das sete da manhã. Foi uma maratona para tentar cumprir o prazo, o que me deixou com apenas algumas horas de sono e uma enorme dor de cabeça ao acordar.
Eu tentei chegar cedo, esperando impressionar — ou pelo menos evitar um sermão logo de cara, mas não deu muito certo, acabei chegando apenas 20 minutos antes das 08h00. O ambiente da Domus Enterprises era quase como uma cena de filme futurista: impecável, com uma decoração minimalista que fazia questão de lembrar aos funcionários que ali não havia espaço para erros. Ou para personalidade. Tudo era silencioso, exceto pelo som ritmo das teclas dos computadores e pelo ocasional clique de um salto mais apressado. Era um ambiente que quase exigia que você segurasse a respiração para não perturbar a ordem estabelecida.
Adentrei o escritório com passos apressados, quase como um vulto, e segui diretamente em direção à sala de . No entanto, ao entrar, percebi que a sala estava vazia. Sobre a mesa impecável, um pequeno post-it chamava minha atenção. A caligrafia elegante e firme era inconfundível, mesmo com apenas um dia de trabalho, eu já sabia exatamente de quem era.
"Sala de reunião 3, 8h em ponto. Não atrase."
Uma mensagem simples, mas escrita com a precisão de quem não admitia desculpas. A letra, claro, era da Srta. .
Olhei para o relógio e senti um leve aperto no peito: 07h48. Doze minutos. Era tudo o que eu tinha para encontrar a bendita sala de reunião número 3. Segurei o post-it em minhas mãos como se fosse meu único mapa de sobrevivência naquele labirinto corporativo e saí da sala às pressas. No entanto, antes que pudesse dar mais alguns passos, uma voz me chamou pelo nome, me fazendo parar no meio do corredor.
— , certo? O novo secretário temporário da ?
Me virei rapidamente e me deparei com uma jovem bonita de estatura baixa, traços delicados e olhos atentos que me analisavam como se estivessem decifrando cada detalhe sobre mim. Ela tinha um sorriso educado no rosto, mas havia um brilho curioso em seu olhar, como se estivesse testando a peça nova desse tabuleiro corporativo.
— Sou eu. Alguma coisa errada? — perguntei, tentando manter o tom neutro, mas já me preparando mentalmente para o pior.
— Nada de errado. — Ela estendeu a mão com naturalidade. — Sou Anelise, trabalho no administrativo. Só vim te dar algumas informações úteis... e, quem sabe, um pouco de solidariedade.
Apertei a mão dela, forçando um sorriso apesar do cansaço que já me consumia.
— Solidariedade? — arqueei uma sobrancelha, desconfiado. — Isso é um aviso? Eu devo me preocupar?
Anelise soltou uma risadinha, balançando a cabeça com um ar divertido.
— Ah, você já vai entender. Mas antes, vim te avisar que você não precisa mais ficar na sala da . Arrumaram uma mesa pra você ali, do lado da nossa. Tá vendo?
Segui a direção do olhar dela e vi uma mesa simples, mas equipada com tudo o que eu precisava. Um alívio imediato percorreu meu corpo.
— Sério? Graças a Deus! Aquela sala dela... parece que o ar pesa dez vezes mais lá dentro.
— Eu acredito. — Ela riu de leve, cruzando os braços. — E então, como foi seu primeiro dia? Sobreviveu?
Eu soltei um riso curto e cansado.
— Sobreviver é um termo otimista. Foi... intenso, pra dizer o mínimo. tem um radar especial pra perceber quando você tá começando a respirar aliviado, só pra te jogar mais trabalho.
— Bem-vindo ao mundo de . — O tom dela tinha um toque divertido, mas também empático. — Não vou mentir, ela não é fácil. Aliás, sabia que ninguém dura muito tempo nesse cargo?
Eu já tinha sentido isso na pele, mas levantei uma sobrancelha, curioso.
— Eu tinha ouvido rumores... mas não achei que fosse tão grave assim.
Anelise deu um passo mais perto, como quem fosse compartilhar um segredo.
— Aqui no escritório, a gente tem um bolão para adivinhar quanto tempo o novo secretário vai aguentar.
Minha boca se entreabriu por um instante antes de eu soltar uma risada incrédula.
— Bolão? Você tá de brincadeira.
— Nem um pouco. — Anelise riu junto, inclinando a cabeça como se compartilhasse um segredo proibido. — Teve uma menina que durou só três dias antes de sair daqui chorando.
— Três dias?! — exclamei, genuinamente surpreso. — E o que vocês apostaram pra mim? Já criaram um prazo de validade pro meu cargo?
Ela cobriu a boca com a mão, fingindo confidencialidade, mas claramente se divertindo com a situação.
— Ah, isso é segredo... Mas ouvi uns palpites interessantes. Vamos ver se você surpreende alguém. Pelo menos o seu é temporário, né? Quem sabe a pressão seja menor.
Soltei um suspiro, balançando a cabeça.
— Não é bem assim, Anelise. Eu preciso trabalhar bem para não ser demitido. Se isso acontecer, eu estou ferrado. Não tenho lugar para voltar.
O sorriso dela diminuiu levemente, substituído por uma expressão mais compreensiva.
— Sério? Eu não fazia ideia. — Ela franziu a testa, visivelmente surpresa. — Isso deve ser complicado.
— Pois é, mas pelo menos agora eu tenho uma mesa só minha e um pouco mais de distância daquele olhar mortal dela.
Anelise voltou a rir, mas logo apontou para o post-it amassado que eu segurava com firmeza.
— Não se empolgue muito. Esse bilhetinho aí? É só o começo. sempre encontra um jeito de te achar, mesmo que você se esconda do outro lado da cidade.
Revirei os olhos, soltando uma risada seca.
— Maravilha... Valeu pela motivação, Anelise. Aliás, você sabe onde fica a sala de reunião 3? Tenho que chegar nela em... — olhei para o relógio e engoli em seco — quatro minutos.
Ela arregalou os olhos e soltou uma exclamação de falsa pena.
— Nossa... Você realmente está ferrado. Eu te mostro o caminho. Vem antes que mande alguém te caçar.
E assim, segui Anelise pelo corredor, passando por um mar de mesas organizadas em fileiras impecáveis, onde funcionários digitavam freneticamente ou falavam ao telefone. O chão impecavelmente polido refletia a luz fria dos painéis no teto, enquanto o som ritmado dos saltos dela ecoavam pelo ambiente silencioso. Viramos à esquerda em um corredor mais estreito, onde as portas das salas de reunião estavam alinhadas, cada uma identificada com uma placa discreta ao lado. Anelise caminhava com facilidade, claramente acostumada com aquele labirinto corporativo, enquanto eu tentava memorizar o caminho para não me perder da próxima vez.
Chegamos diante de uma porta de vidro fosco com a identificação "Sala de Reunião 3". Ela parou e apontou com a cabeça.
— É aqui. Boa sorte, .
Soltei um suspiro profundo antes de agradecer com um aceno. Entrei na sala e me esperava junto com dois colaboradores, desconfiava que eram parte do time de contabilidade, mas ainda não havia decorado rostos. Ambos estavam arrumados como se tivessem acabado de sair de um editorial de moda corporativa.
, por outro lado, tinha algo de diferente naquele dia. Ela usava um vestido preto muito bonito, o tecido ajustava-se perfeitamente ao seu corpo, moldando suas curvas com uma precisão que parecia quase proposital. O corte do vestido desenhava sua silhueta de forma elegante, mas não havia como ignorar como ele também destacava sua bunda, perfeitamente delineada. Era impossível não notar como ela estava bonita naquele dia, algo que, para minha própria irritação, deixou minha atenção levemente dispersa por um momento.
Eu não sabia se era o vestido impecavelmente ajustado ao seu corpo ou o olhar de desdém que ela lançava com precisão cirúrgica para todos ao seu redor, mas havia algo em sua presença que tornava o ambiente ainda mais gélido que o ar-condicionado. Era como se sua postura e aura de autoridade redefinissem a temperatura da sala, impondo uma atmosfera de respeito e intimidação que ninguém ousava desafiar.
— Você está atrasado dois minutos, eu falei 8 horas! Sente-se logo — ela disse, sem nem sequer olhar para mim enquanto folheava alguns papéis. Logo depois de eu me sentar, ela sentou-se também. — Hoje será um dia cheio, e eu não tenho tempo para explicar tudo duas vezes.
“Nada como um bom dia caloroso para começar”, pensei, mas me limitei a assentir e sentar na cadeira mais distante da cabeceira.
— , preciso que você organize uma planilha de custos detalhada. Quero cada despesa categorizada e comparada com o orçamento anterior. Sem erros, porque estarei apresentando isso ao conselho amanhã.
Assenti rapidamente, anotando tudo com a maior pressa possível.
A Domus Enterprises, até agora pouco mencionada em detalhes, era uma das principais empresas do ramo de Marketing e Publicidade. Especializada em criar campanhas impactantes e estratégias inovadoras, a empresa era reconhecida no mercado pela sua habilidade em transformar marcas em verdadeiros ícones. Era um ambiente competitivo e exigente, onde cada projeto carregava o peso de expectativas altíssimas — algo que fazia todo sentido, considerando que estava no comando.
— Além disso, há um evento na próxima semana. Você será responsável por supervisionar a entrega dos materiais. Certifique-se de que tudo esteja no local correto e no horário combinado. Qualquer atraso será inaceitável.
Ela fez uma pausa breve, apenas o suficiente para folhear outro documento, antes de continuar:
— E revise minha agenda para o restante da semana. Quero garantir que não haja conflitos ou reuniões desnecessárias. Preciso que cada minuto do meu tempo seja aproveitado.
Eu senti a pressão aumentar a cada palavra dela, mas tentei manter uma expressão neutra.
— Alguma dúvida? — perguntou, finalmente levantando os olhos para me encarar. Seu olhar era firme, como se estivesse pronta para contestar qualquer resposta que não fosse a esperada.
— Não, Srta. . Tudo claro — menti, tentando soar confiante enquanto segurava meu caderno de anotações com força suficiente para amassar as bordas.
Ela estreitou os olhos, claramente desconfiada, como se estivesse esperando que eu entrasse em pânico a qualquer momento. Mas, para meu alívio, não insistiu. Apenas balançou a cabeça de leve, como se tivesse mais coisas importantes para fazer, antes de passar para o próximo tópico da reunião.
A reunião seguiu seu curso, com distribuindo instruções em um ritmo tão rápido que minhas anotações pareciam mais um emaranhado caótico de palavras e setas do que algo compreensível.
Os outros dois colaboradores ao redor da mesa pareciam muito mais acostumados com aquela rotina. Um deles, um homem de terno cinza e expressão neutra, apenas balançava a cabeça de tempos em tempos, como se já soubesse exatamente o que fazer antes mesmo de falar. A outra, uma mulher elegante de cabelos presos em um coque meticuloso, digitava no notebook com a precisão de um robô programado para acompanhar a CEO.
Eu, por outro lado, tentava não parecer perdido no meio daquele furacão de ordens.
— — a voz dela cortou meus pensamentos como uma lâmina. Eu imediatamente ergui os olhos.
— Sim, Srta. ?
— Você parece distraído. Algum problema?
Neguei rapidamente.
— Nenhum problema, estou apenas garantindo que tudo esteja anotado corretamente.
me observou por um momento, como se estivesse analisando minha credibilidade, antes de desviar a atenção de volta para os documentos à sua frente.
— Muito bem. Porque erros não são aceitáveis.
Soltei um suspiro interno. "Sim, claro, como se já não estivesse óbvio."
A reunião seguiu por mais alguns minutos, até que finalmente fechou a pasta que tinha diante de si e se levantou.
— Estamos terminados por agora. Voltem ao trabalho. , fique.
Meus ombros enrijeceram automaticamente.
Os outros dois colaboradores recolheram seus materiais e saíram, deixando-me sozinho com . O silêncio que se instalou na sala era quase opressor, e a maneira como ela me observava, agora sem testemunhas, só tornava tudo pior.
Ela caminhou lentamente até a cabeceira da mesa e apoiou as mãos na superfície de vidro, inclinando-se ligeiramente na minha direção.
— Você tem certeza de que não há dúvidas?
Engoli em seco.
— Tenho, sim.
Ela franziu os lábios, como se não estivesse convencida.
— Espero que sim, . Porque se eu tiver que corrigir qualquer erro seu mais tarde, não serei tão paciente quanto fui agora.
Ah, então aquilo foi paciência? Bom saber.
Assenti, lutando para manter a expressão neutra.
— Vou garantir que tudo saia como o esperado.
me analisou por mais alguns segundos, então se afastou, pegando uma caneta da mesa e brincando com ela entre os dedos.
— Ótimo. Pode ir.
Levantei-me rápido demais, quase derrubando minha caneta no processo. Peguei minhas anotações e me virei para sair, mas, antes que eu alcançasse a porta, ouvi sua voz novamente.
— .
Me virei.
— Sim?
Ela me observou por um instante antes de apenas balançar a cabeça e dizer:
— Nada. Apenas faça seu trabalho direito.
E com isso, me dispensou.
Saí da sala ainda tentando decifrar se aquilo havia sido um teste, uma ameaça velada ou apenas mais um dia comum no mundo de . O peso das expectativas dela parecia ter se instalado nos meus ombros como uma mochila cheia de pedras, e, enquanto voltava para a minha estação de trabalho, percebi que minha lista de tarefas estava mais para uma missão impossível digna de filme de ação.
O primeiro obstáculo do dia surgiu rápido: localizar o fornecedor de materiais para o evento da próxima semana. Simples? Não. O problema? Eles tinham trocado o endereço de entrega, e os itens estavam, naquele momento, a caminho do outro lado da cidade. O telefone parecia pesar na minha mão enquanto eu tentava, pela terceira vez, explicar a situação para alguém do outro lado da linha que claramente não estava tão interessado quanto eu em resolver o problema.
— Senhor, vamos verificar isso e retornaremos assim que possível — disse o atendente, com um tom arrastado que fazia "assim que possível" soar como "talvez nunca".
Fechei os olhos por um instante, tentando controlar minha frustração. Respirei fundo e respondi, com a firmeza que eu não sentia internamente:
— Não, "assim que possível" não é suficiente. O evento é daqui alguns dias e preciso da confirmação agora. — Minha voz soava firme, mas meu cérebro já estava em pânico, pensando em todas as maneiras que aquilo poderia dar errado.
Enquanto eu argumentava, senti uma presença ao meu lado. Era como se o ar tivesse ficado mais frio e mais pesado ao mesmo tempo. Olhei de relance e, claro, lá estava ela: , parada com os braços cruzados, me observando como se fosse uma predadora avaliando sua presa. Seus olhos estavam fixos em mim, impassíveis, e eu não sabia se ela estava apenas analisando meu desempenho ou mentalmente atualizando meu prazo de validade no cargo.
— Algum problema? — perguntou ela, com a voz tão firme quanto sua postura. Seu tom não era exatamente hostil, mas carregava uma curiosidade cortante, como se ela já soubesse que algo estava errado e só quisesse ouvir a confissão.
Desliguei o telefone com mais rapidez do que pretendia, tentando parecer que estava no controle.
— Nada que não possa ser resolvido — respondi, segurando o caderno de anotações como se fosse um escudo. — O fornecedor confundiu os endereços, mas estou corrigindo isso agora.
Ela arqueou uma sobrancelha, dando aquele olhar característico que fazia qualquer um se sentir dois passos atrás. Então, deu um passo à frente, inclinando-se ligeiramente, como se quisesse examinar meu trabalho de perto.
— Espero que resolva rápido. Não temos margem para erros. — Como se eu já não soubesse disso. fazia questão de reforçar essa mensagem a cada cinco minutos. Era sua maneira particular de me lembrar, sem palavras, que qualquer deslize seria inaceitável.
— Vai ficar tudo certo, Srta. . — Garanti, embora uma parte de mim ainda não soubesse exatamente como eu ia conseguir isso.
ficou em silêncio por alguns segundos, como se estivesse avaliando a credibilidade da minha promessa. Então, finalmente, assentiu de leve antes de se virar e sair, voltando para sua sala. Mas, mesmo depois de sua partida, era como se sua presença ainda pairasse no ar. A pressão parecia ter se impregnado no ambiente, como um lembrete invisível de que qualquer erro seria imperdoável.
Quase no mesmo instante, o telefone tocou novamente. Atendi rápido, esperando que fosse o atendente do fornecedor, e, para meu alívio, desta vez a pessoa parecia mais disposta a colaborar. Com algumas instruções rápidas e um tom mais firme, consegui corrigir o erro e confirmar o novo endereço. Desliguei o telefone e soltei um suspiro pesado, sentindo o alívio percorrer meu corpo por alguns segundos.
Após me chamar em sua sala no começo da tarde, ela saiu por um instante para ir ao banheiro, deixando-me sozinho. Resolvi aproveitar a oportunidade para impressioná-la, organizando os papéis que estavam espalhados pela mesa. Contudo, minha tentativa de bajulação rapidamente se transformou em um desastre cômico.
Eu estava tão focado em entender de onde os documentos eram, franzindo a testa e balbuciando para mim mesmo, que não percebi sua entrada silenciosa na sala. Só notei sua presença quando, em um movimento desajeitado, meu cotovelo derrubou sua caneca de café — felizmente vazia — no chão, produzindo um som estridente que ecoou pela sala.
— Esse é um método interessante de organização, — disse ela, com um leve sorriso que pendia mais para a ironia do que para diversão, enquanto cruzava os braços e inclinava levemente a cabeça para me observar.
O calor subiu para o meu rosto imediatamente. Eu me abaixei rápido para pegar a caneca, sentindo minhas orelhas queimarem de vergonha.
— Desculpe, Srta. . Eu… me distraí. Vou pegar isso agora mesmo — murmurei, tentando esconder o embaraço, embora minha voz trêmula entregasse tudo.
permaneceu no mesmo lugar, me observando de cima com aquele olhar que parecia atravessar a alma.
— Se distraiu? — Ela ergueu uma sobrancelha, o tom de voz firme. — Espero que não seja com algo irrelevante. Temos um evento para organizar e uma agenda cheia. Não posso me dar ao luxo de desatenções.
Engoli em seco e me levantei rapidamente, segurando a caneca como se fosse uma relíquia.
— Não, claro que não, eu só me distraí lendo estes documentos. Quanto ao evento, está tudo certo. Foi… só um momento de desatenção. Prometo que não vai acontecer de novo — garanti, com uma tentativa de confiança que, internamente, parecia falhar miseravelmente.
Ela deu um passo à frente, pegou a caneca de minha mão e a examinou como se estivesse verificando algum dano.
— Espero que não. Não tenho tempo para lidar com caos desnecessário, . — Sua voz era séria, mas o canto de sua boca se curvou ligeiramente, quase formando um sorriso. Quase.
colocou a caneca de volta na mesa com um gesto preciso, como se até isso fosse ensaiado, e lançou um último olhar na minha direção. Esse olhar... demorou mais do que o necessário, carregado de algo que eu não conseguia decifrar. Era avaliação, divertimento, ou apenas seu jeito de me lembrar quem estava no comando? Eu não sabia.
— Agora, volte ao trabalho e me deixe sozinha! — disse ela, com o tom firme que encerrava qualquer conversa, antes de se virar com a elegância que parecia natural a ela.
Por um momento, fiquei onde estava, segurando a respiração e processando a situação. Apesar do tom autoritário e da postura impecável, havia algo nos olhos dela que brilhou por um breve instante, como se, talvez, ela tivesse achado a cena discretamente divertida. Ou talvez fosse só minha imaginação tentando aliviar o constrangimento esmagador.
Não fiquei mais para tentar entendê-la. Peguei meu caderno, ajeitei a postura e saí da sala, sabendo que, por mais que tentasse, continuaria sendo um enigma que eu dificilmente resolveria.
Ao fim do dia, quando finalmente terminei de revisar a agenda de , fui arrancado da minha concentração por sua voz firme e inconfundível.
— Alguma atualização sobre os materiais?
Meu coração deu um pequeno salto e minha cabeça se ergueu tão rápido que quase derrubei a pilha de papéis ao lado do teclado.
— Sim, estão a caminho. Devem chegar a tempo para o evento — respondi, tentando manter a compostura, embora minha voz entregasse um leve resquício de hesitação.
inclinou a cabeça, analisando-me com aquele olhar clínico que sempre parecia pesar a credibilidade das palavras alheias.
— Espero que sim. Porque, se houver atrasos, você será o responsável por dar explicações ao cliente.
A forma como ela pronunciava cada palavra soava como uma sentença. Respirei fundo, engolindo em seco, e assenti com determinação.
— Não vai acontecer. Eu garanto.
Ela permaneceu ali por um instante, como se quisesse se certificar de que eu realmente acreditava no que dizia. Finalmente, deu um passo para trás e virou-se para sair.
Foi então que percebi, mais uma vez, o quão graciosa era a maneira como ela caminhava. não apenas passava pelo ambiente — ela dominava o espaço ao seu redor. Cada passo era meticulosamente calculado, carregado de confiança e controle absoluto. E, bom… o vestido que ela usava só reforçava ainda mais aquela presença avassaladora. Meu olhar se demorou um pouco mais do que deveria, fixando-se na forma impecável como o tecido moldava suas curvas, especialmente a maneira provocante como realçava sua bunda.
Antes que eu tivesse tempo de me repreender mentalmente por aquilo, parou de repente e olhou por cima do ombro.
— Mais alguma coisa, ? Ou prefere continuar admirando enquanto eu saio? — Sua sobrancelha arqueada e o tom meticulosamente casual, mas carregado de um certo divertimento, me fizeram congelar.
Meu rosto ficou em chamas na mesma hora.
— N-não, Srta. . Tudo sob controle! — gaguejei, voltando meus olhos para a tela do computador como se minha vida dependesse disso.
Ela esboçou um sorriso sutil — o tipo de sorriso que fazia questão de deixar no ar se era pura diversão ou apenas condescendência — e continuou andando, sumindo pelo corredor.
Fiquei ali, tentando afastar os pensamentos que insistiam em surgir.
Isso é problema. Um grande problema., conclui, exalando o ar que nem percebi estar prendendo.
Quando finalmente cheguei em casa, joguei minha mochila no chão da sala e desabei no sofá. Clara estava na mesa de jantar, cercada por livros e cadernos, com o rosto franzido enquanto resolvia algum cálculo complicado. Ao ouvir o barulho da porta, ela levantou o olhar, ajustando os óculos e deixando escapar um sorriso divertido ao me ver completamente derrotado.
— De volta do campo de batalha? — perguntou, sentando-se ao meu lado.
Suspirei profundamente, sentindo o peso do dia ainda sobre meus ombros.
— Se aquilo é um campo de batalha, eu sou o soldado raso que esqueceram de treinar — respondi, cobrindo os olhos com as mãos.
Clara riu, claramente se divertindo com o meu drama.
— O que aconteceu hoje? Mais missões impossíveis?
— Você não faz ideia. Primeiro, o fornecedor resolveu confundir os endereços e quase perdi metade do dia tentando resolver isso. Depois, derrubei a caneca de café da minha chefe. — Eu parei por um instante, lembrando do olhar dela. — E, para piorar, fui flagrado encarando a Srta. enquanto ela saía da minha mesa. Foi… constrangedor.
— Espera aí! Como assim "encarando"? Você ficou olhando para ela? ! — Sua risada ecoou pela sala.
— Não foi isso! — protestei, levantando as mãos em defesa. — Foi mais… um momento de distração. Ela estava saindo, e eu… bem, minha mente desligou por um segundo.
— Me conta tudo — Clara comentou, claramente ansiosa pelos detalhes mais embaraçosos.
— Não foi nada demais. Ela só fez questão de comentar algo como: “Ou você prefere observar enquanto eu saio?” — imitei o tom dela, com um toque exagerado para dramatizar.
Clara quase caiu de tanto rir.
— , isso é hilário! Você está começando bem nesse emprego. Primeiro caneca derrubada, agora olhar de cobiça. O próximo passo é declarar seu amor.
— Para, Clara. Não tem nada a ver com isso. — Eu balançava a cabeça, mas sabia que minhas orelhas estavam ficando vermelhas. — Ela é minha chefe. É fria, exigente e, sinceramente, quer minha cabeça a qualquer momento.
Clara levantou uma sobrancelha, ainda sorrindo.
— Fria? Exigente? Não é o que parece. Se ela fez piada, talvez esteja te testando. Ou talvez… — Ela fez uma pausa dramática, apoiando o queixo na mão. — Talvez ela esteja te achando interessante também.
— Clara! — exclamei, pegando uma almofada e jogando nela, o que só a fez rir ainda mais.
Ela se levantou do sofá, ajeitando as almofadas antes de ir para a cozinha, mas continuou rindo enquanto lançava mais um comentário:
— Só digo uma coisa: essa sua chefe parece mais interessante do que você admite. E talvez… só talvez… ela esteja notando você mais do que você pensa.
Fiquei ali no sofá, cruzando os braços atrás da cabeça enquanto encarava o teto. Tentei ignorar as palavras da Clara, mas elas ecoavam como um tambor. "Mais interessante do que você pensa"? O que ela queria dizer com isso? Balancei a cabeça, tentando afastar as imagens que surgiam. Eu sabia que, no fundo, aquela última frase dela não era tão fácil de descartar quanto eu gostaria. Havia algo perturbadoramente incômodo — ou talvez intrigante — na ideia de que pudesse estar me notando mais do que eu imaginava.
CONTINUA...
Nota da autora: Gente, eu ri tanto escrevendo esse capítulo… o Arthur o tempo todo passando perrengue, e ainda foi flagrado por ela… o que será que a Alice acha realmente dele? Me digam as apostas de vocês!