Capítulo 17 • O Testamento
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Depois que todos nos juntamos na casa da árvore, Felipe fala:
– Eu vejo que você conseguiu muitos aliados, Christian.
– Essa morena linda do meu lado é Sophia e aquela do lado de Jack é Kelly.
– Perfeito, agora que estamos todos aqui, vou ler o testamento do doutor Robert.
– Prossiga. – Diz Jack ansiosamente.
Felipe segura um papel entre as mãos.
– Eu, Robert Araujo da Silva, deixo as minhas descobertas para Christian Donato, as que estão na pasta preta. – Felipe suspira. – Aqui está uma carta que ele deixou, quer que eu leia?
– Claro.
– “Christian, meu filho, nessa pasta consta todas as informações necessárias para você saber como agir daqui para frente, e tome todo o cuidado do mundo, seu pai não é confiável, muito menos a sua mãe, eles estão juntos com o mercado negro para a negociação do medicamento, eles estão ganhando uma nota preta, usando pessoas necessitadas como cobaia e algumas foram encontradas mortas meses depois em algum barranco qualquer, degolados ou sem sangue. Eu sinto muito por tudo isso, se você está lendo essa carta, significa que eu morri, mas não se preocupe comigo. Há, eles vão saber que você vai dar por minha falta, provavelmente já me cremaram e irão inventar alguma coisa para contar para você. Gisele sabe da situação toda, não se deixe enganar por ela, ela se apaixonou por você desde criança, vocês brincavam juntos, mas aí quando vocês cresceram, ela percebeu que você não sentia desejo por ela, então pediu ajuda aos seus pais, e como ela é rica, seus pais ficaram com olho gordo no dinheiro e nas conexões com a sociedade que você teria, seus cartões de credito devem estar grampeados, sua casa por enquanto não, mas não é bom ficar muito tempo por lá ou em qualquer lugar perto deles. Eles farão qualquer coisa para te casar com Gisele, já que eu recentemente descobri que eles pegaram um empréstimo da família de Gisele para financiar o empreendimento e a venda desses medicamentos e o casamento de vocês é o pagamento, tome muito cuidado, meu filho, com grandes poderes vem grandes responsabilidades.”
Estou chocado, eles deveriam ser minha família, sabe? Cuidar de mim, me manter longe de problemas, me amarem a cima de tudo e todos, mas não... Preferiram o dinheiro a mim, deus... Como eles chegaram a esse ponto... Estou sentido nojo de um dia ter ao menos gostado deles.
Sophia me abraça e me encara com seus olhos avelãs marejados.
– Christian, vai ficar tudo bem, okay? Eles não merecem um filho perfeito como você, porque é isso que você é para mim, perfeito, meu menino perfeito.
Lhe aperto forte e olho para um Jack desolado.
– Eu sabia que eles não prestavam Chris, não deixe isso te abalar, eles são filhos da puta mesmo, você sempre vai me ter ao seu lado.
Tento falar, mas parece que tem uma bola enorme na minha garganta.
Sophia me olha preocupada.
– Felipe, poderia passar a tal pasta preta, por favor?
Felipe pega a pasta e entrega a Sophia.
Recobro a minha voz.
– E você, Felipe? Vai fazer o que?
– Robert deixou dinheiro de viagem e um passaporte novo para eu sair do país, vou hoje mesmo.
– Obrigado por tudo. – Aperto a mão dele e começo a descer a árvore.
Chegando lá em baixo, dou a mão para Sophia e tiro a maleta dela.
A tensão aumenta quando chegamos ao carro.
Abro a porta e todos entram ao mesmo tempo.
– Você está bem? Espera, ignore o que eu disse, foi uma pergunta idiota. – Fala Sophia.
Sorrio de lado para ela.
– Eu me lembro dessa frase de algum lugar...
– Ela é sua.
– Eu estou bem, eu sabia que eles não valiam um centavo, mas isso meio que ultrapassa não valer um centavo para o fundo do poço. Agora vamos deixar de frescuragem e abrir essa pasta logo, porque temos pessoas que precisamos botar na cadeia.
Pego a maleta e coloco no meu colo.
– O que foi? – Pergunta Jack.
– Bom... Tem uma senha na pasta... – Digo franzindo o cenho.
– Tenta aquela senha da mensagem de voz, idiota. – Responde Jack
– Ta, ta.
Pego a senha, coloco 3-8-5-4-1-2 e a maleta destranca.
Puxo uma respiração tremula e abro a maleta.
Olho dentro e congelo.
Fotos... Dos meus pais, recebendo dinheiro em um beco qualquer.
Fotos de Gisele em um prédio escuro conversando com os meus pais.
Fotos dos pais de Gisele saindo de um carro preto com dois brutos montes do lado.
Fotos de uma área restrita...
Fotos de um carro preto.
Fotos de crianças e adolescentes de rua sendo levados por um carro preto.
Fotos de crianças e adolescentes chegando a tal área restrita... Chorando. Implorando. Algumas pulando de alegria e outras com um olhar vago e estoico.
Documentos e mais documentos falando sobre a tal área...
“Há relatos de que usam crianças e adolescentes de rua como cobaia cientifica, aplicando medicamentos ilegais e observando o andamento do processo, mantendo eles em cativeiro. Também a relatos de que muitos deles foram encontrados meses depois, mortos por desidratação, insolação, queimaduras de terceiro grau, manchas roxas, sem sangue e por doenças não identificação. Todas essas informações são comprovadas e legalizadas por: Doutor Robert, o medico de uma das clinicas que utilizavam clandestinamente alguns de seus medicamentos e corpos de pessoas mortas.”
Vasculho mais a pasta e encontro fotos de algumas crianças mortas.
Não sinto que estou chorando até algumas lagrimas caem nos papeis...
Eu só... Respiro fundo... Era minha família... Eles fazem parte disso... Eles matam crianças. CRIANÇAS.
Pego uma folha que estava dobrada.
“De acordo com o que eu pesquisei, eles se encontram a cada mês para atualização, e o encontro deles será dia 31 de Janeiro, desse mês ainda, no final desses encontros, Ethan entra sozinho em um carro preto e vai a uma direção desconhecida.”
Hoje é dia 25 de janeiro... Conheço Sophia há apenas 4 dias e parece como se fosse a minha vida toda. Volto para o papel em minhas mãos, dia 31 de janeiro, faltam apenas 6 dias para a reunião deles... É uma informação crucial.
Olho atrás da folha e vejo um número e "Ligar caso a situação fique muito ruim”.
Mexo mais fundo, encontro um classificador fino, abro e leio silenciosamente:
– Martin, precisamos de mais crianças para os experimentos.
– E as crianças da semana passada?
– Carolina e Ethan pegaram e levaram eles.
– Hum... Quais os ajustes que faltam no medicamento?
– Precisamos deixar o medicamento mais humano do que animal, então eu vou precisar de uma medula óssea que preste, e talvez um pouco mais de alfa-metildopa... Deixo-me ver... Afrin, prednisolona e mais três vacinas anti-rábicas.
– E aquelas plantas medicinais?
– Não, eu não preciso de mais, está perfeito.
– Quer que eu te traga algum animal?
– Traga... Uns dois gatos e um cachorro com raiva, muita raiva, impossível de ser tratado.
– E quais serão os efeitos colaterais?
– Se funcionar como planejado, a impotência sexual é inevitável, mas a pessoa terá o poder do olfato de um cachorro, poderá enxergar no escuro como um gato e terão garras, tudo ativado pela raiva, será a nossa melhor criação, porque a pessoa não irá precisar se internar, apenas tomar uma dose e ficar em casa de repouso por uma semana.
– E venderemos para quem dessa vez?
– Eu já liguei para Gisele para ela avisar a Carolina que os medicamentos experimentais estão quase prontos e então Ethan irá a seus contatos no mercado negro, venderemos para exércitos, pessoas com muito dinheiro que se acham donos do mundo, ficaremos mais ricos ainda.
– Perfeito. E quanto cobrará dessa vez?
– Eu cobrarei um milhão por dose.
– Uau, mulher. Adoro a sua ambição.
– Certo, agora vá, que quanto antes terminar, poderemos nos aposentar e ir para o caribe, que tal? Claro que não antes do casamento do nosso filho Christian.
– Amor, eu não acho que ele vá se casar por vontade própria com Gisele.
– Então ele se casará contra vontade, o doparemos, injetaremos soro da mentira e tudo feito, de um jeito ou de outro ou ele se casa ou ele se casa, se não, as nossas dividas com os pais de Gisele nunca serão quitadas, e você sabe o que eles fazem com os mentirosos que quebram contratos, eu não serei um deles.
– Bom... Nós precisamos deles por causa dos contatos com o mercado negro, sem isso o nosso negocio nunca iria decolar, então tivemos que pegar esse empréstimo de um jeito ou de outro mesmo.
– E se o nosso Christian é o preço, que se dane, é um preço pequeno a se pagar pela fama que teremos com ele casado com a Socialite Gisele Parkson, e seremos trilionários. Acalme-se Martin, tudo vai acabar bem.
Essa foi a gravação de uma conversa entre Martin e Martha Donato. Feita três semanas atrás, por: Doutor Robert.
Mais lagrimas piscam em meus olhos, ignoro tudo ao meu redor e me esforço a lembrar de uma vez, apenas uma vez que eles se importaram comigo, mas tudo o que me vem à mente é um branco, não teve essa vez, eu nunca os conheci de verdade, eles, os meus pais, que eu amei um dia sem motivo algum, que me mandaram para um internato, que me fizeram a primeira cobaia de seus experimentos, que deixavam babás cuidando de mim o tempo todo, eles, que agora estão destruindo vidas de pessoas inocentes.
Respiro tremulamente e consigo formular um pensamento:
Quem diabos são esses contatos que Ethan tem?
Procuro desesperadamente na pasta e encontro um trecho:
“De acordo com o pesquisado, os contatos de Ethan Parkson no mercado negro, são desconhecidos até certo ponto, sei que são 3 caras, um de 24 anos, um de 33, e um de 44, todos sem rostos até o momento, mas suspeitamos que os de 33 e 44 são os capangas da família Parkson, e um deles tem origem em Salvador, Bahia. Foi um importante traficante na área de Itapuã, desaparecendo do mapa depois do ensino médio, ele é o líder da ação, com apenas 24 anos. Não tenho nomes concretos, mas esse cara foi acusado de tentativa de estupro em uma jovem na época do colegial, porém as acusações desapareceram uma semana depois. Informações reais coletadas por: Doutor Robert.”
De repente escuto um ofego agudo, viro para o lado e vejo Sophia com a mão na boca e lagrimas transbordando pelos seus lindos olhos.
Mas não consigo formular palavras ou perguntas mesmo se eu quisesse, pois eu mesmo estou completamente quebrado. Desolado. Estilhaçado.
Sophia quebra em pequenos soluços.
– Mi amoré, o que foi? – Jack pergunta preocupado.
Eu que deveria estar consolando ela, mas não consigo, eu... Eu... Não posso, não agora, só não agora.
Sophia fecha os olhos com força.
– N-N-Não, e-esta-ta tudo b-bem. – Ela gagueja tentando respirar profundamente.
A encaro até ver que ela está olhando dentro dos meus olhos.
Meu anjo.
É tudo o que eu consigo dizer em silencio.
Tento ver se ela me ouviu, me leu, e então a boca dela se movimenta.
Meu menino.
Só então posso sorrir de novo, eu sei que tudo vai ficar bem, porque Sophia está do meu lado e juntos somos mais, mais do que qualquer plano do mal contra a nossa felicidade.
Enxugo as minha lagrimas e dou uma olhada em Jack, que me encara com um misto de preocupação e desespero.
“Você está bem?” – Ele movimenta a boca.
“Eu vou ficar... Um dia.” – Digo de volta.
– Jack, pegue essa pasta e guarde-a aí com você, por favor. – Falo roucamente em voz alta.
– Claro.
Jack puxa a pasta do meu colo, guarda tudo e coloca perto dele.
Aproximo-me de Sophia e enxugo suas lagrimas.
– O que foi, meu anjo?
– Eu que deveria estar te consolando.
– Você me consola através do seu olhar, esse olhar é tudo o que eu preciso para me animar.
Sophia sorri fracamente.
– Como você se sente?
– Uma merda, mas vou sobreviver.
– Eu vou ajudar você a sobreviver.
– Eu agradeceria muito se você fizesse isso.
– Que tipo de agradecimento, Senhor Grey? – Sophia funga e brinca comigo.
– Um espancamento com um chicote de três tiras, talvez? – Brinco com ela.
– Wow, Wow, calma galera. Estamos em um momento de luto aqui, sem chicotes envolvidos, por favor. – Fala Kelly.
– Luto? Quem está de luto? – Franzo o cenho.
– Deixa pra lá, gênio. – Responde Kelly.
– Hoje vamos dormir na casa de Sophia. Depois de amanhã é que iremos nos reunir para falar sobre os acontecimentos de hoje.
– Por que não amanhã? – Pergunta Kelly.
– Porque amanhã eu quero que nós passemos um dia normal.
Olho para a estrada escura e paraliso quando vejo um carro preto a alguns quilômetros do carro.
– Jack, me passa uma foto da pasta, onde tem tipo uma construção enorme caindo aos pedaços.
Jack franze o cenho e me passa uma foto.
Encaro a foto alguns segundos, engulo em seco e piso fundo no acelerador.
– Christian, que porra? – Grita Jack.
Olho para o retrovisor e vejo que o carro preto ligou e está vindo em nossa direção.
Droga, droga, droga. Como eu não pensei nisso antes?
O Colégio Daybrack, aquele que foi fechado há anos atrás, é o local onde eles fazem as experiências, e esse colégio está localizado a uns 20 quilômetros atrás da gente, quase do lado da clinica onde eu fiquei.
– Estamos sendo seguidos, caralho. – Respondo a Jack.
Piso mais fundo no acelerado e o carro atrás da gente acelerar também.
O mesmo carro que leva as crianças, droga, porra, merda, xingo baixinho todos os nomes possíveis, agora eles sabem que eu passei por aqui, a placa desse carro é de Jack, então vão me conectar ao local e contar para Martin e Martha.
– Oh meu deus, Christian, eles tem uma arma!!! – Fala Sophia assustada.
Olho pelo retrovisor e segundos depois escuto tiros.
– TODO MUNDO ABAIXADO AGORA!! – GRITO.
Manobro o carro fora dos tiros deles e me preocupo com as rodas, céus, eles não podem atingir as rodas.
Escuto mais um tiro e ele bate no vidro de trás do carro. As meninas gritam assustadas, mas o carro de Jack é a prova de balas, ele é meio nerd sobre ataques misteriosos e colocou isso, veio a calhar, devo parabeniza-lo se sobrevivermos depois dessa.
Escuto o som de um trem. Há, aqui é um dos lugares onde trens descarregam matérias primas.
Vejo o trilho alguns metros à frente e o trem em alta velocidade, eu posso, eu consigo fazer isso, não deve ser tão ruim assim, nos filmes se fazem isso toda hora.
Minhas mãos começam a suar, me aproximo dos trilhos, meus ouvidos estão quase surdos com o barulho do trem buzinando para me afastar, junto com as batidas frenéticas do meu coração, mas ao invés de frear, dou um impulso para frente, o carro salta no ar e escuto os gritos de Kelly e Sophia.
De repente tudo começa a passar em câmera lenta.
Suor desliza na minha testa e a minha vida passa diante dos meus olhos, então eu fecho os olhos e continuo acelerando.
O barulho do trem se torna ensurdecedor e eu só consigo pensar em morte, morte e nada mais.
Em seguida o carro bate com força no chão, abro os olhos e vejo que ultrapassamos, yep, conseguimos passar, eu consegui fazer isso!
Começo a gritar animado e olho para Jack que também está sorrindo loucamente.
– Você estava tentando me matar é, porra? E aqueles caras atirando na gente. Eu juro que ainda sou muito nova para morrer! – Esbraveja Kelly.
Eu não ligo, eu consegui sobreviver, dessa vez, pelo menos.
– Sophia, você está bem?
Franzo o cenho quando a vejo respirar fundo.
– Eu estou bem. Agora dirija, pelo amor de deus, e se eles estiverem ainda atrás de nós?
– Jack, eu vou deixar o seu carro no nosso estacionamento, depois pego o carro de Sophia e vamos para a casa dela, certo?
– Claro, cara. Mas... Tinha que ser logo o meu carrinho? O meu bebê?– Jack meio choraminga meio brinca.
– Eles viram a placa, Jack, não poderemos mais usar o seu carro por agora.
– Porra, isso é o que mais me preocupa, eles viram a placa, e agora?
– Agora deixa rolar, sabe? Mas eu vou andar com uma faca no bolso só por precaução. Vamos sair daqui.
Então religo o carro e tento acalmar as loucas batidas do meu coração.
Pelo visto a paz que tinha sobrado acabou de se transformar em guerra.
Agora só espero termos coragem o suficiente para seguirmos em frente sem desmoronar.