Fear

Escrito por Soldada | Revisado por Lelen

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00 - O Idiota

DIVORCED | AGORA
Graz, Áustria.

  Vladimir estava tendo um péssimo dia.
  Primeiro, ele havia acordado atrasado após seu celular ter descarregado no meio da noite, ainda preso no loop de um vídeo pornô, já que ele tinha praticamente apagado na noite anterior, cansado demais para bater uma. Então ele se confundiu com suas roupas, na pressa de se vestir, e só percebeu que estava usando as roupas sujas quando foi erguer seu braço para pegar o maldito pó de café na prateleira de cima do armário da copa ao lado da sala de segurança em que trabalhava, e sentiu o cheiro pungente de suor de sua axila. Mas foi só trinta minutos depois, após ouvir uma longa reclamação de seu chefe, Leonid, e finalmente colocar seu celular para carregar, que seu mundo efetivamente desabou. Uma mensagem apenas do advogado de Martha, sua esposa: os papeis de divórcio.
  Assinados.
  Merda! Porra! Vladimir desejou chorar no mesmo segundo, mas se orgulhou ao conseguir ocultar dos olhares curiosos de seus outros colegas. A verdade era que Vladimir sequer se importava com Martha em si. Claro, ele deveria ter se apaixonado por ela em algum dos seis primeiros meses, mas puta merda, ela falava tanto! E sempre havia alguma coisa nova para resolver, alguma merda que ele tinha feito e a deixava mal humorada. Ou então era simplesmente tão grudenta, tão ciumenta, tão irracional! Mas quer dizer, ela era uma puta gostosa quando eles se conheceram, e tinha uma bunda incrível, além disso, os amigos de Vladimir adoravam dizer como ele era sortudo por ter conseguido fisgar alguém como Martha. Vladimir era a porra de um herói. E não importava o que ele fizesse, Martha sempre voltava. Ela era segura. Estável. Foi por isso que ele havia se casado com ela. E por uns seis meses, ele realmente achou que estava com a mulher de sua vida, mas bem... ele tinha necessidades, e detestava a ideia de ficar limitado. Seus amigos enfatizavam que Vladimir era muito novo para ficar limitado a apenas uma mulher, e muito bonito para descartar suas outras opções.
  E bem, não era como se as mulheres fossem inocentes também.
  Mas ele havia sido fiel. O tempo inteiro. Durante todo aquele tempo, ele não havia se apaixonado por nenhuma outra mulher: nem mesmo Lydia, Carol, Nilce, Ksenya... não! E olha que haviam melhores, muito melhores do que Martha! Vladimir só queria variedade, era uma coisa de homem! Só isso, ele não queria fazer! Mas Martha ainda descobriu, e Vladimir tinha completa certeza de que a mulher o perdoaria, que eles iriam superar aquela fase ruim do casamento deles, até agora.
  Depois de tudo o que ele havia feito por ela! Como ela podia fazer aquilo com ele? Como podia ser tão baixa e mesquinha ao ponto de largá-lo assim? De assinar aqueles malditos papeis! Era uma puta mesmo, deveria o estar traindo também, e estava usando o erro dele para conseguir a desculpa perfeita para sair como vítima, mas ele sabia a víbora que ela era. E se Martha achava que ele deixaria barato...
  — Para a porra de um autointitulado segurança, eu não faço ideia do que mantém seu emprego aqui, Vorobyov, mas definitivamente não é a inteligência — resmungou Leonid Novokov com um tom de voz afiado, ameaçador.
  Vladimir se tencionou, praguejando baixo ao perceber que não havia ouvido, outra vez, Leonid se aproximar. Ele bloqueou a tela de seu celular, se endireitando, assumindo sua postura mais profissional e durona ao encarar o moreno, mas algo no fundo de sua mente o deteve. Que Vladimir adoraria cortar a garganta de Leonid, isso não era dúvida, mas puta que pariu, se Vladimir não tinha medo do desgraçado, no fim das contas.
  Leonid estreitou o olhar, observando-o em completo silêncio. Havia algo perigoso em Leonid, algo que soava... insano. Os olhos escuros como a noite pareciam sempre alertas, observando, absorvendo, como se ele fosse capaz de ler a todos, mas ninguém, simplesmente ninguém sabia o que se passava por sua mente. Até onde Vladimir sabia, Leonid era um completo mistério. Não falava muito. Não tinha amigos ali. Passava a maior parte do tempo calado, e ninguém sabia se ele tinha família, pais, irmãos, inferno, nem uma stripper o filho da puta havia sido capaz de foder como qualquer outro homem normal. A única coisa que ele dizia, era que havia sido casado antes, mas a esposa havia morrido há alguns anos. A maioria do Departamento especulava que Leonid provavelmente a havia matado, era a ideia mais lógica e provável considerando que o cara parecia ter saído de uma página policial de procurados. Leonid tinha aquele tipo de olhar. Mas Vladimir acreditava piamente que a esposa morta dele deveria ter se suicidado. Porra, ele também se suicidaria se tivesse que conviver vinte e quatro horas com Leonid.
  — Vou precisar dizer mais devagar para que você entenda, Vorobyov?
  Vladimir tencionou a mandíbula com força, negando lentamente com a cabeça antes de voltar sua atenção para as pastas nas mãos de Novokov. Uma sensação de incerteza atingiu o fundo de seu estômago, mas ele habilidosamente conseguiu mascarar suas emoções antes que o olhar cortante de Leonid pudesse perceber mais do que deveria.
  Por um breve segundo, Vladimir sentiu uma confusão de emoções. Ele sabia que ele estava ali para fazer o trabalho, não era uma questão, e durante todo aquele tempo ele tinha feito. Sem questionar, sem tremer ou hesitar. Mas sempre que Vladimir via as pastas novas que chegavam – e sempre chegavam pastas novas – e ele lia os nomes impressos no material, sempre que ele via as fichas, algo dentro de seu peito apodrecia mais e mais. Era impossível não se sentir sujo ao observar as fotografias. Elas eram tão pequenas... tão frágeis... algumas sequer tinham mais do que 4 anos!
  Mas antes elas do que ele.
  No fim do dia, infelizmente, ele não tinha escolha. Não havia muita coisa que Vladimir pudesse fazer, havia? Estavam condenadas. Era o que era. Quer dizer, é claro que ele se sentia culpado. Ele não era um monstro! Seu coração doía por elas, mas era assim que o Departamento X funcionava. Era assim que as coisas ali funcionavam. O laboratório demandava novas cobaias, e as meninas eram trazidas conforme a demanda pedia. Havia sempre mais de onde aquelas vinham. Ele sentia muito pelas garotinhas, mas era melhor elas pagarem o preço do que ele. Ninguém merecia ser tratado daquela forma! Absolutamente ninguém.
  — Quantas dessa vez? — questionou Vladimir, tentando mascarar o tremor em seu tom de voz e manter a postura profissional e indiferente que Leonid sempre exibia.
  Vladimir soltou um pigarro, unindo as sobrancelhas, enquanto tomava das mãos de Leonid Novokov as pastas, erguendo preguiçosamente uma sobrancelha para convir desinteresse. Vinte e nove pastas. Vinte e nove garotinhas. As idades variavam entre 6 anos a 13 anos.
  — Dezessete. Lyudmila deixou claro que não quer nenhuma maior de 8 anos. São mais difíceis de controlar, maior o risco de resistência — respondeu Novokov com um tom de voz baixo, sua voz, gutural, raspando os ouvidos de Vladimir como unhas agressivas. Mas era clara. Estupidamente clara, desprovida de quaisquer espaços para dúvidas. Direta, como sempre. E assustadora. Puta que pariu... os dedos de Vladimir seguraram com mais intensidade as pastas, engolindo em seco.
  Merda, porra, cacete! Ele não consegue olhar, ele não consegue olhar, ele não consegue olhar...
  Vladimir obrigou-se a voltar seu olhar para as pastas, assentindo sem dizer mais nenhuma palavra a Novokov enquanto repousava as pastas sobre as mesas. Sentia-se travado. Como se seus músculos estivessem se transformando lentamente em meras placas de metal, enferrujadas e enroscadas entre si, que o impossibilitavam de se mover. Como se houvesse gelo percorrendo sua corrente sanguínea, prendendo-o no lugar. Mas ele precisa se mover. Demonstrar franqueza na frente de Leonid seria pior. Demonstrar que estava sendo afetado por tudo aquilo seria condenar a si mesmo a um destino cruel. Um destino o qual ele não merecia. Aquelas garotinhas estavam condenadas. Fizeram por onde, deveriam culpar a si mesmas. Elas haviam confiado nas pessoas erradas. Elas estavam vulneráveis. Elas estavam no lugar erado, na hora errada! Não era culpa dele. Não era culpa dele. Não era culpa dele! Não era culpa dele! Não. Era. Culpa. Dele! Não era culpa dele!
  NÃO ERA CULPA DELE!!
  Dezessete. Dezessete garotinhas entre 6 a 8 anos foram selecionadas por Vladimir. O restante é descartado em uma pilha e entregue a Leonid novamente. Leonid sequer parecia reagir às pastas, eram como nada mais do que apenas trabalho tedioso. O que era esperado. Ele sequer piscou ou hesitou. Não. Leonid Novokov era incapaz de exibir quaisquer sinais de humanidade em sua expressão, mesmo se fosse necessário. Mesmo se sua vida dependesse disso.
  Um arrepio desconfortável percorreu a espinha de Vladimir que percebia, pela primeira vez em toda sua vida, que a implacabilidade de Leonid não era, exatamente, algo a que deveria se admirar, mas sim, ser observada com atenção. Se ele era tão insensível assim àquelas pastas, então, o quão fácil seria para ele...
  Click, clack.
  Leonid engatilhou sua arma, estreitando o olhar enquanto se aproximava das pastas descartadas, os olhos escuros percorrendo-as rapidamente. Não estava lendo as fichas, muito menos os nomes, estava memorizando as fotografias. Os rostos das garotinhas que haviam sido trazidas para a base e que em breve seriam descartadas. Não era culpa dele. Não era culpa dele. Não era culpa dele. Não era culpa dele...
  — Convoque o restante do esquadrão. Feche os portões no Leste e Norte, avise que a ordem é para que nenhuma escape. Se tiver que caçar, irá caçá-las. Fui claro? — A voz de Leonid era autoritária, mas estranhamente neutra, e por um segundo Vladimir não souve dizer se era capaz de respondê-lo ou não.
  Era fácil deixar-se levar pela raiva e frustração quando se tratava de Novokov. Era fácil deixar-se convencer de que ele era apenas um esquisitão que não se encaixava em nenhum espaço, que tinha aquele maldito olhar de Vale da Estranheza. Mas então, em pequenos momentos, momentos como aquele, Vladimir era relembrado dolorosamente que de fato: ele não sabia nada de Leonid. Leonid era a porra de um livro codificado e Vladimir mal sabia ler. Era sempre um choque ser lembrado disso.
  Vladimir forçou um pigarro, endireitando-se, desesperado para manter sua postura de profissional, desesperado para manter as rachaduras ocultadas dos olhos de Novokov, então ele apenas assentiu lentamente.
  — Onde está a porra da sua arma, Vorobyov?
  Vladimir arregalou os olhos praguejando entre dentes, e assentindo para Novokov outra vez, incapaz de dizer quaisquer palavras. Ele tocou o rádio preso em seu uniforme, esperando ouvir a resposta de Kuznetsov ou Sokolov antes de repassar as ordens de Novokov, avisando o restante dos esquadrões do comando “Código Azul”.
  Vladimir se aproximou das mesas um pouco mais ao fundo da sala de segurança, onde alguns servidores estavam, junto com geradores de energia reservas que funcionavam como uma terceira assistência caso a energia principal e os primeiros geradores fossem cortados durante a algum ataque ou incidente. Ele havia deixado sua arma ali quando havia chegado aquela manhã. Merda, onde ele havia colocado? Porra, era por isso que ele tinha que deixar sua arma dentro do coldre, toda vez ele se esquecia de colocá-la de volta no lugar!
  Os olhos dele percorreram as mesas um pouco mais ao fundo da sala, prendendo, instintivamente, a própria respiração, sem sequer perceber o que fazia. Havia algo de estranho dentro de seu peito. Uma agitação que ele costumava decodificar como reação à Martha, toda vez que sua esposa – bem, ex-esposa agora – parecia estar perto de clicar no botão errado de seu celular e abrir acidentalmente alguma conversa com alguma das outras mulheres com que Vladimir a havia traído.
  Sua garganta estava estranhamente seca, fazendo com que o gesto de engolir sua própria saliva se tornasse desconfortável. Sua respiração parecia curta e superficial, visivelmente controlada, escapava por suas narinas, mas o oxigênio nunca parecia entrar, como se ele estivesse em algum tipo de estado permanente de falta de ar – e crescente.
  Então, Vladimir encontrou a merda de sua arma no canto que ele havia deixado, como sempre, mas havia se esquecido porque estava mais desesperado para carregar o celular do que prestar atenção em alguma outra coisa. Vladimir avançou para pegar a arma, destravando-a e retirando o pente com a munição, verificando quantas balas tinha disponíveis. Doze. Um pente inteiro. Engolindo em seco, Vladimir se obrigou a retornar o pente de novo na arma, engatilhando-a, mas suas mãos estavam trêmulas demais.
  Ele não sabia por que estava tremendo, mas era impossível conter.
  Tinha a estranha sensação de suas mãos estarem começando a formigar, amortecidas, por algum motivo, quando Vladimir conseguiu, finalmente, destravar e engatilhar sua arma. Seu coração nunca esteve tão acelerado. Sua pulsação nunca esteve tão alta aos seus próprios ouvidos. Não, não era medo, não podia ser medo. E, todavia, era inegável. O martelar intenso de seu coração contra sua caixa torácica começava a se tornar desconfortável, doloroso ao seu peito, enquanto sua corrente sanguínea estava afundando-se em adrenalina e mais adrenalina.
  Vladimir se voltou, hesitante, na direção de Novokov, como se estivesse determinado a perguntar se ele também estava sentido aquela estranha sensação. Como um sussurro, suave e convidativo na nuca, como se seu sangue estivesse começando a queimar dentro das veias, como um oceano agitando-se em frente à tempestade. Mas da boca de Vladimir, não saiu nada.
  Novokov não parecia estar prestando atenção. Porra, sequer parecia estar ouvindo alguma coisa. Os olhos escuros estavam fixos no chão, com aquele maldito ar de Vale da Estranheza que ele sempre adquiria quando ficava muito tempo em completo silêncio. Como se estivesse fora de seu corpo ou fosse a porra de um boneco e nada mais. Nunca nada mais humano que isso.
  Por um breve momento, Vladimir se permitiu observar Leonid Novokov sem preocupação alguma de acionar o lado perigoso ou ser intimidado pelo homem. Os dedos de Vladimir agarraram o punho da arma com tamanha força que o metal gélido machucou a palma da mão dele. Leonid Novokov era estupidamente bom no que fazia. Ele era o melhor entre todos que tinha ali. Ninguém sabia de onde ele vinha, claro, sequer poderiam dizer se ele era humano, mas havia algo que eles não poderiam negar, era a eficiência de Novokov em quaisquer situações. Um super soldado – talvez, melhor.
  Leonid Novokov era um soldado estoico, impossível de ser lido, mas naquele momento, os olhos dele cintilavam com alguma coisa incompreensível. Leonid virou-se instintivamente na direção de uma das telas de monitoramento, como se tivesse alguém e não a porra de um dos laboratórios. Ele pareceu estar prestes a fazer algo, os músculos de seu corpo se tencionando enquanto as mãos se fecharam em punhos firmes. As sobrancelhas se arquearam em uma expressão que não era vulnerável, mas explicitava uma dúvida, uma mínima, quase imperceptível, hesitação. Os olhos dele buscando alguém... alguma coisa... do outro lado da tela. As mãos de Leonid começaram a sangrar, as unhas entrando nas palmas e as cortando.
  Vladimir se tencionou. Não, não estava com medo, longe disso! Vladimir não sentia medo de nada, era apenas... apenas precaução. Pura e somente precaução. Eles não podiam falhar em seus trabalhos e Leonid claramente não estava concentrado no que estava fazendo, encarando a porra de tela como se estivesse em algum tipo de transe, acabando de se lembrar de alguém amado que estava esperando-o do outro lado, ou seja lá o que aquela porra de homem poderia ter em sua mente que fosse assim tão digno de nota. Mas então, os olhos de Vladimir registraram algo esquisito, grotesco, começar a acontecer. Da narina direita, uma grossa gota de sangue escorreu, deslizando por entre o lábio superior de Novokov e desabando de seu queixo, pingando sobre a mesa de metal à frente das telas de monitoramento. O brilho azul das telas deixou o sangue de Novokov mais escuro do que de fato era.
  Vladimir engoliu em seco. Nunca em sua vida havia acreditado que Leonid Novokov era sobre-humano, longe disso. O cara era o mais esquisito que ele já havia conhecido, mas com toda certeza era humano. Mas para Vladimir, Novokov sempre havia sido intocável. Impenetrável. Até agora... o coração de Vladimir se acelerou ainda mais, e ele se questionava se iria infartar a qualquer momento, ao mesmo tempo que a outra parte de sua mente, uma parte traiçoeira e desesperada, começava a espiralar a ideia que tinha em mãos. A oportunidade. Novokov estava vulnerável agora. Completamente e indubitavelmente vulnerável. Leonid Novokov nunca veria o que o havia acertado, tudo o que Vladimir precisava ter era coragem o suficiente para erguer seu braço e puxar o gatilho. Tudo o que ele precisava fazer era erguer sua arma e disparar, e ele nunca mais precisaria se preocupar com Leonid Novokov outra vez. Ele estaria seguro e tranquilo, talvez até ganhasse uma promoção. Com Leonid Novokov fora de seu caminho, Vladimir era o único que sabia como lidar com toda a merda daquele lugar, talvez Vladimir soubesse mais. Tudo o que ele precisava fazer era erguer a porra da arma...
  Mas ele estava paralisado.
  Porque se algo conseguia afetar Leonid, então... o que não faria com ele?
  O momento se esvaiu com um piscar de olhos. Novokov pareceu voltar a si mesmo com uma inspiração funda e afiada, levando a mão esquerda imediatamente na direção de seu nariz e limpando o sangue que fluía dali com uma expressão mais sombria que o normal. Vladimir se esforçava, com muita dificuldade, para manter uma expressão cínica e desprovida de quaisquer outros questionamentos que não fosse apenas um: “e aí? Vai ficar parado?”, sentindo o olhar penetrante de Novokov quase expor sua alma, nua e crua, a seus pés. O que esse cara tinha de tão errado dentro de si? Vladimir já havia conhecido muita gente merda, mas aquilo... aquilo não era normal.
  — Se mexe.  — É tudo o que Novokov diz e Vladimir não é burro o suficiente para contestar.
  Inspirando fundo, tentando acalmar sua pulsação cardíaca desenfreada e obrigar a seus músculos tensos a se moverem, Vladimir engoliu em seco, seguindo a alguns passos atrás de Novokov na direção onde as garotinhas deveriam estar esperando.
  Os corredores que seguiam para a parte subterrânea dos laboratórios, alguns consideráveis níveis abaixo da terra, eram estranhamente organizados e sufocantes. Pálidos, e esterilizados, nada parecia fora do lugar, nem mesmo uma gota de sangue. Os elevadores pesados, com portas duplas, eram revestidos e à prova de balas, mais parecidos com cofres de segurança do que elevadores em si, altamente tecnológicos, funcionavam com base em voz e reconhecimento ocular. Ainda assim, dos três elevadores, um possuía marcas de mãos perturbadoras, como alguém que havia tentado abri-las a força. Mas era impossível para que um humano o tivesse feito. O mito era que havia sido Wolverine o culpado por fazer aquilo quando escapou, mas Vladimir não tinha muita certeza. Toda vez que eles eram obrigados a descerem até aquela parte da base, nos níveis subterrâneos, era sempre perturbador. Havia uma estática estranha que pairava no ar. Uma tensão invisível que carregava o espaço e o fazia parecer sufocante. Branco demais, limpo demais, silencioso demais.
  Por entre as celas e capsulas de contenção, havia monstro por todos os lados. Acorrentados até a boca e contidos contra a parede, suspensos no ar, aprisionados dentro de máquinas de contenção que estalavam com o eco de choques elétricos ou então submersos em um estado de coma induzido. Trancas pesadas impediam que pessoas de fora acessassem aquele lugar, nem mesmo Vladimir possuía acesso ali, apenas o alto escalão o tinha, e dentre eles, estava, é claro, Novokov.
  Vladimir ignorou a sensação de desconforto que começou a emergir e inundar seus pensamentos, ignorando o tremor que percorria todo o seu corpo, engolindo em seco, e preparando-se para o que estava por vir, ouvindo alguns gritinhos desesperados de garotinhas sendo arrastadas de uma das salas para outra, separando-as das mais velhas, quando um movimento em sua visão periférica chamou sua atenção.
  Vladimir uniu as sobrancelhas, virando-se na direção de onde a mancha havia chamado sua atenção, hesitando. Não, ele não deveria se afastar de Novokov. As ordens eram claras, seguir o que Novokov dizia, não fazer perguntas, esquecer o que acontecia ali embaixo. Vladimir não era exatamente a pessoa certa para arriscar sua vida por pura curiosidade. Então ele tentou ignorar, mas bastou seus olhos encontrarem os dela que tudo desapareceu.
  Por um breve segundo, Vladimir só conseguiu encará-la, estupefato.
  Ela era a criatura mais linda que ele já havia visto em toda sua vida. Nem mesmo em seus sonhos mais selvagens, nem mesmo quando ele viu Ksenya de joelhos, entre suas pernas, engolindo praticamente tudo, seria o suficiente para compará-la. Ela era completamente de tirar o fôlego. Cabelos pendendo delicadamente por seus ombros, olhos , intensos, fixos no rosto dele com uma mistura de inocência e medo, e algo dentro de seu peito se aperta para chegar até ela para protegê-la. Vestida de bailarina, impecavelmente. Escondendo-se atrás de uma das paredes, e encarando-o... encarando-o como se ele fosse o único que pudesse salvá-la.
  A respiração de Vladimir se perdeu em sua garganta, e então ele tomou sua decisão. Ele iria salvar ela. Não importava o que acontecesse, ele iria salvar ela. Seu coração martelava dolorosamente contra seu peito, com uma crescente arritmia, descompassado e amortecendo suas mãos de leve. Vladimir engoliu em seco, lançando um breve olhar para as costas de Novokov, antes de disparar na direção contrária da qual deveria seguir, em direção à mulher. Ele precisava alcança-la. Ele iria salvá-la.
  Custasse o que custasse, ele iria salvá-la.
  Mas a mulher soltou um chiado baixo, desprovidos de qualquer som possível, arregalando os olhos quando ele a flagrou, e imediatamente começou a correr, em desespero. Vladimir sentiu o desespero aumentar por seu peito enquanto ele se obrigava a correr mais rápido que seu corpo permitia. Por que ela estava fugindo dele? Ele não era um monstro ali! Ele só queria ajudar! Ele iria ajudá-la! E então ela ficaria grata pelo que ele havia feito, e eles seriam felizes. Era assim que funcionava. Era assim que sempre funcionaria.
  Os cabelos dela deslizaram pelo ar suavemente, pareciam ser tão macios, tão sedosos ao toque. As pernas elegantes de bailarina se moveram com surpreendente força, velocidade, para alguém tão frágil como ela. Como ela havia entrado ali? Quem era ela? As perguntas espiralavam pela mente de Vladimir enquanto ele tentava alcança-la, descendo escadas, e virando em corredores pálidos e mais pálidos, em um labirinto de celas que se tornavam mais grossas e mais antigas do que deveriam, os números gravados nas portas quase desaparecendo, enquanto o espaço adquiria um ar esquisito de ter sido esquecido pela passagem do tempo, um ar de contenção proibida e restrita que nem mesmo alguns do alto nível pareciam parecer e, todavia, lá estava, as portas estranhamente abertas, com manchas de sangue obscurecidas, secas e antigas demais para que ele se preocupasse com sua própria segurança.
  — Espera! Eu... eu só quero...! — Vladimir balbuciou sem fôlego, quase implorando para que a mulher parasse de correr, para que a linda mulher não tivesse medo dele. Ele não era um monstro, ele estava ali para ajudá-la. Ela deveria parar de fugir dele!
  Mas tudo o que ela fez foi olhar por cima do ombro, encarando-o com uma ponta de horror, os olhos , doceis e frágeis, exibindo uma nítida vulnerabilidade, como se ela fosse quebrar a qualquer momento, o que fez Vladimir querer abraça-la e protegê-la. Pior, o fez querer mantê-la somente para si mesmo. Pureza. Era isso que Vladimir havia buscado sua vida inteira. Pureza. Não a merda que ele havia encontrado em todas as outras mulheres com quem ele havia estado, que caíam tão fácil, desesperadas por atenção, vadias e corruptas. Não, era alguém como ela. Pura. Intocada. Delicada como uma brisa.
  Vladimir piscou, e então a mulher desapareceu completamente.
  Por um breve momento ele encarou o vazio à sua frente completamente estupefato e em choque. Para onde ela havia ido? Ela estava à sua frente não fazia nem mesmo dois segundos! Mas então os olhos dele repousaram na entrada de uma sala ampla, obscurecida pelas luzes apagadas e coberta por uma camada densa de poeira, enquanto um ruído contínuo, elétrico, ecoava pelo espaço. Uma escadaria feita de cimento queimado se abriu à sua frente quando ele se aproximou das portas que deveriam ter pelo menos 70 centímetros de grossura, em uma mistura de metais poderosos e vibranium. As trancas, antigas e renovadas, altamente tecnológicas, estavam quebradas, havia um glitch continuo em um dos painéis com o vidro trincado, piscando em um alerta que Vladimir não conseguia ler direito devido às fissuras e do cristal líquido das telas. Havia um cheiro intenso de borracha e carne queimadas espalhando-se pelo ar enquanto os olhos dele absorviam o espaço com uma expressão assustada.
  Câmaras de criogenia.
  Em sua maioria estavam vazias, exceto por uma. Ao centro da sala, um pouco mais ao fundo, enterrada entre o chão e escorada por inúmeros tubos e fios vindos do teto com estrutura industrial. Pilhas e pilhas de papéis estavam espalhados pelo chão, esquecidos e abandonados, enquanto ele se aproximava de onde a câmara de criogenia estava. Um arrepio percorreu o corpo inteiro de Vladimir enquanto seu coração martelava de maneira intensa contra sua caixa torácica, o peito dele a essa altura estava dolorido e incômodo, mas ele sequer prestou atenção nisso. Não. Os olhos dele estavam fixos no rosto da mulher presa entre os tubos, praticamente congelada, dentro da câmara de criogenia. Lá estava ela, presa pelos cabos e inconsciente, sequer parecia estar viva, os cabelos emoldurando o rosto dela, flutuando ao redor de si, os cílios tremendo suavemente e o peito subindo e descendo fracamente sendo a única indicação de que ela estava, na verdade, viva. Provavelmente em um estado de hibernação profundo, se fosse considerar a quantidade de fios que a enroscavam no lugar.
  Vladimir prendeu a respiração sem conseguir desviar os olhos dela. Ele precisa fazer alguma coisa, qualquer coisa.
  Ela se moveu.
  Vladimir arregalou os olhos prendendo a respiração ao observá-la esticar a mão na direção dele, os olhos , tão vulneráveis, tão assustados. Vladimir não percebeu que ele havia dado um passo na direção dela, quase que instintivamente, sentindo em seu peito o aperto de alguém que finalmente havia tomado uma decisão – ele iria salvá-la; se ele fosse seu salvador, então ela seria sua.
  A mão de Vladimir tocou o vidro gélido e espesso, hipnotizado, sequer capaz de perceber que sangue fluía, agora, de seu nariz com mais intensidade, pingando na frente de seu uniforme e no chão à sua frente, tudo o que ele conseguia pensar era na mulher. Na maneira com que ela parecia estar se sufocando, desesperada para alcançá-lo.
  Então, a mão dela tocou o vidro no mesmo lugar em que a mão de Vladimir estava, e ele soltou uma exclamação baixa, encantado. A mão dela era tão delicada, mesmo coberta por camadas de gelo que deveriam estar doendo para porra. Ele nunca quis tocar uma mulher em toda sua vida. Ele quase podia senti-la. Quente, macia, adoravelmente frágil em suas mãos... porra, ele estava ficando duro só de pensar.
  Os olhos de Vladimir voltaram a se encontrar com os dela, mas o sorriso de Vladimir desapareceu, dando espaço para uma expressão de horror. Nos olhos havia nada senão apenas pura fúria. Um monstro. Era isso que ela era. Um completo monstro. Mas é tarde demais para Vladimir. As unhas dela fincaram-se contra o vidro espesso, com as manchas do sangue onde as pontas dos dedos dela haviam sido completamente esmagadas com a violência que ela tentou agarrá-lo. O rosto contorcido por dor, e alguma coisa impossível de compreender, mas que chegava próximo a apenas fúria. Uma violência profunda e enraizada profunda demais dentro de si mesma. Mas era tarde dema...
  Vladimir explodiu.


01 - O Soldado

LONGING | AGORA
Coney Island, Nova York

  De todas as ideias que ele já tinha tido, aquela era de longe a mais estúpida.
  Mas ainda assim... o aroma de funnel cake, hot dog, óleo queimado e urina a céu aberto permeia os arredores. Os gritos de pura animação das crianças correndo em disparada para conseguirem tempo o suficiente para irem no máximo de brinquedos se espalham ao redor, algumas tropeçando em seus pés e apenas evitando atingir o chão, porque Bucky instintivamente os segurava, oferecendo seu sorriso mais gentil e o aviso de “cuidado” ou “sem correr”, antes de os assistir, com uma expressão contemplativa, voltarem a correr para longe, ouvindo um agitado “obrigado!” que seria consumido e esquecido completamente com os outros gritos e o barulho das máquinas do parque de diversões.
  Há um ponto de hesitação que percorre a expressão de Barnes. Por um breve segundo, ele é transportado para 1939, antes da guerra, e onde a única preocupação dele era apenas conseguir alguns trocados, para conseguir impressionar alguma garota bonita que havia aceitado sair com ele para algum encontro, e, é claro, encontrar uma garota que desejasse conhecer Steve também, porque Bucky jamais deixaria Steve para trás. Ou sairiam a quatro ou não haveria encontro. E por mais que isso soasse meio questionável – para dizer o mínimo – Bucky era leal demais para isso.
  Mas observar agora o parque de diversões, com todas as luzes em neon, com todas as músicas estranhamente agitadas e que pareciam pulsar pela cabeça de Bucky, sobre beijar milhões de garotos à beber para esquecer alguém, era no mínimo uma experiência curiosa. Quer dizer, a montanha russa Cyclone ainda estava ali, evidenciando a fé absurda que algumas pessoas possuíam em um objeto que estava, teoricamente, fadado ao fracasso de certa forma, ou pelo menos não estava exatamente tão seguro assim para sequer ter carrinhos correndo a toda velocidade, quiçá carrinhos com pessoas dentro. Era uma receita para o desastre, mas ainda assim parecia divertido o suficiente para que pessoas se sujeitassem a tal de qualquer forma.
  — Quanto tempo faz que você não anda no Ciclone para estar encarando-o como se fosse seu ex-namorado? — A voz irritante de Sam não oculta o tom de divertimento enquanto Barnes rapidamente pisca, voltando a si mesmo e lançando um olhar ao redor, irritadiço.
  Não é como se Sam estivesse observando-o muito a fundo, na verdade, se olhasse pelo ombro esquerdo, um pouco mais a noroeste, de frente para um pequeno carrinho que estava vendendo batatas chips e pipoca com corante doce, Sam Wilson, ou, para a completa frustração afetiva de Bucky, o novo Capitão América, estaria discretamente fingindo que estava esperando sua vez para ser atendido como qualquer pai divorciado ausente esperando conseguir um presente barato para agradar seus filhos. Mas o fato é que Bucky ainda sente suas bochechas se aquecerem, um claro sinal de que ele havia corado, e isso significava que a piada de Sam o havia pegado desprevenido e, para a satisfação do Capitão América, Bucky sabia que Sam o estaria atormentando pelo resto da semana por causa dessa maldita piada.
  — Quer saber? Terminando aqui, a gente vai andar nessa montanha russa. Se amarelar, vou dizer para as crianças que você é uma galinha.
  Bucky nega com a cabeça frustrado, pronto para retorquir ao que Sam havia dito com algum comentário sarcástico e igualmente infantil – apenas por fazer –, mas se contém abruptamente quando os olhos azuis esverdeados do soldado se encontram com os desconfiados, enrugados e evidentemente aborrecidos de uma senhora de meia-idade, claramente uma mãe, com cabelos chanel loiro e uma expressão de alguém que parecia discutir em um caixa porque estava faltando um centavo no troco que lhe foi entregue, lhe lança um olhar torto. Bucky sabe que não precisa dizer nada, mas seu impulso fala mais alto, então, com apenas seu sorriso mais fácil possível, Bucky retira o celular do bolso, e aponta para a orelha no qual o comunicador está enterrado, e diz em sua voz mais cínica possível:
  — Minha esposa. — Bucky volta a andar antes que sequer possa ouvir algum comentário de volta, exalando baixo, mal-humorado. Não porque está realmente incomodado com alguma coisa. Bem, na verdade está, mas não é com as piadas de Sam. Não, é aquela maldita situação. E todavia, ele não consegue convencer a si mesmo a dar meia volta e ir embora. É claro que não. Se havia algo que Bucky havia se tornado proficiente nos últimos tempos é em sentir culpa, e aquela, bem... ele não pode exatamente pedir desculpas a alguém morto, mas pode ao menos tentar fazer as pazes com o fantasma e oferecer reparações, por menores que fossem.
  — Muito discreto, Robocop, cê sabe que não dá pra levar a sério o seu papo de espião, né?
  — Cala a boca — Bucky retorque ao comentário de Sam e apenas revira os olhos ajeitando a lapela de sua jaqueta por mais alívio de um tique nervoso do que por estar realmente desajeitada.
  Bucky tenciona a mandíbula bem marcada, um pequeno músculo movendo-se sob a pele, enquanto os olhos azuis esverdeados dele deslizam pelas outras pessoas, buscando por um rosto em específico.
  — O ponto inteiro da espionagem é não ser pego. Como você explicaria um comunicador, Sam? Você faz parecer óbvio para ocultar a intenção por trás.
  Sam fica em silêncio por alguns segundos antes de praguejar baixo com um riso discreto. Bucky se aproxima de uma banca de jogos chamada de “Palhaço”, que consistia em apenas uma série de cabeças de palhaço se movendo da direita para a esquerda, e então ao contrário, consecutivamente, enquanto o único propósito era arremessar bolinhas de isopor pintadas de laranja na boca do palhaço e assim conseguir um prêmio.
  Bucky aperta os lábios assentindo para o dono da barraca quando ele entrega a bolinha de isopor para ele, antes de unir as sobrancelhas e voltar sua atenção para as bocas dos palhaços com uma ponta de nostalgia. Ele era muito bom naquele jogo, um sorriso nostálgico quase surge pelos lábios dele ao lembrar-se de como ele tinha o truque de sempre acertar no canto superior da boca do palhaço para conseguir fazer cair dentro, como ele conseguia os ursinhos de pelúcia e boneca para Dotty – ele nem lembrava mais como ela era, qual a cor dos olhos, como era o rosto, era apenas um manequim –, como Steve reclamava que Bucky estava trapaceando…
   Se vai jogar essa bolinha, é melhor fazer do jeito certo, Bucky. Sem roubar — diz Steve pelo comunicador, e a respiração de Bucky se perde em sua garganta.
  Ele nega com a cabeça, mas sem conseguir conter o sorriso torto que surge por seu rosto ao arremessar a bolinha no primeiro palhaço. Seu peito se aquece, e por um momento, Bucky quer só largar tudo e ir abraçar o melhor amigo, mas ele rapidamente afasta o pensamento de sua mente, revirando os olhos, fingindo sentir uma exasperação que de fato, não existia.
  —Consegue guardar muitos segredos, hein, Sam.
  — Não vem me culpar não, eu não tenho nada a ver com isso, Robocop. Tô seguindo para o sul, vou cobrir as saídas do leste — retorque Sam sem ocultar o próprio divertimento de seu tom de voz ao dar mais um apelido a Bucky, como se ele não estivesse o chamando por aquele nome fazia semanas. Quer dizer, ele já havia arriscado pesquisar na internet sobre o que diabos era um Robocop, e Bucky havia definitivamente ficado irritado porque obviamente ele não era um policial. Barnes só assumiu, por fim, que Sam era redundantemente estúpido, mas bem, onde estava a surpresa nisso? Eles eram amigos de Steve, maior bandeira vermelha, seja lá o que isso significasse, era o suficiente para representar Bucky e Sam naquela situação. — Tenta não começar um incidente internacional, Homem de Aço.
  Bucky revira os olhos sem conseguir conter a própria frustração naquele momento.
  — É vibranium! Eu tenho um braço de vibranium.
  — Homem de vibranium soa estúpido — contra-ataca Sam e, meio à parte, Bucky quase consegue ouvir a risada contida de Steve do outro lado da linha de comunicação.
  Barnes morde o interior de suas bochechas, contendo o impulso de responder Sam com um ataque inteligente e preciso, porque não é exatamente o melhor momento para fazer aquilo, então Bucky apenas concentra-se nas bocas dos palhaços giratórios, unindo as sobrancelhas enquanto se concentra em arremessar as duas bolinhas restantes que tem em sua mão.
  Ele inspira fundo, e, desta vez, faz como Steve havia pedido.
  Ele mira a bolinha, mas dessa vez não no cantinho em que ele sabia que iria entrar, mas como qualquer outro civil o faria. Bucky se dá ao luxo até mesmo de dar alguns passos para trás, para conseguir construir um espaço bom o suficiente para que pudesse arremessar a bolinha sem que atrapalhasse a trajetória, e, inspirando fundo uma única vez, a arremessa. E então, a última, seguida. Steve solta um riso nasalado, mas há uma ponta de nostalgia no eco da voz dele transmitido pelo comunicador preso na orelha de Barnes.
  — Exibido — resmunga Steve, e Bucky apenas oferece um sorriso meio desconfortável meio plástico para o atendente da barraquinha que indica para que ele escolha um dos prêmios, e por um breve segundo, Barnes precisa pausar e tentar lembrar-se.
  Do que ela gostava? Ele não tinha a mínima ideia. Mas então, os olhos azuis esverdeados de Bucky se tornam pesarosos, mais nublados do que antes enquanto repousam em uma raposinha esquisita e ridícula, feita de tecido, esguia, com patinhas que mais se pareciam com rolos de tecido laranja e branco e detalhes em preto, e botões pretos no lugar dos olhos. O gosto amargo em sua boca é pungente, mas é mais do que isso. Bucky sente culpa. Bucky não hesita em pedir pela raposinha anêmica de pelúcia, gentilmente a pegando e a observando com uma expressão distante por um breve momento. A ponta de seu polegar acariciando o tecido, mais instintivamente do que conscientemente, antes da voz de Steve ecoar pelo comunicador, dessa vez mais suave:
  — Você tem realmente certeza que quer fazer isso?
  Bucky exala pesado, lançando um olhar novamente para as pessoas ao redor do parque antes de tencionar a mandíbula com força, oferecendo um sorriso educado para o atendente da barraquinha e então voltando a caminhar por entre adultos em encontros ou apenas conversando tranquilamente entre si, pedindo para que as crianças agitadas e com rostos sujos de doces parem de correr.
  A nota sombria de seu olhar parece se aprofundar um pouco mais enquanto Bucky se aproxima de onde a estrutura espetacular de lona e metal do circo, onde a fila, apesar de grande, estava se movendo rápido para as pessoas que assistiriam o espetáculo. Bucky passa por Steve, mas os olhos dos dois homens não se encontram. Steve tem um folheto em suas mãos, parecendo estar lendo atentamente algo sobre algum tipo de higiene e proibições na cabine da Roda Gigante, enquanto Bucky apalpa casualmente o bolso de seu casaco pesado para encontrar onde o ticket dele estava, os dedos biônicos, envolvendo o pescoço da raposinha anêmica de pelúcia com um pouco mais de força do que deveria.
  — Não. Não tenho certeza — admite Bucky silenciosamente, mas de maneira honesta, finalmente conseguindo alçar o ticket de dentro de seu bolso, tencionando a mandíbula enquanto os olhos azuis esverdeados repousam nos dizeres: Maravilhosa Luna do espetáculo que aconteceria nos próximos minutos.
  Steve fica em silêncio por alguns segundos.
  — Você não precisa fazer isso, Bucky. Você já fez o trabalho. Encerrou tudo isso há um tempo. Recebeu o perdão da Corte Americana, você está finalmente livre — diz Steve com um tom de voz compassivo e a compreensão familiar consegue, ao menos, passar a falsa sensação de segurança a Bucky.
  Barnes tenciona a mandíbula com um pouco mais de força, enquanto une as sobrancelhas, encarando com intensidade o funcionário que está recebendo os tickets, mas não o enxerga de fato. Não, seus olhos estão presos no passado, em um amontoado de cabelos desgrenhados e despenteados, e olhos intensos que beiravam a pura insanidade; medo. Bucky percebe que, pela primeira vez em muito tempo, ele não se sente completamente incerto, sozinho, perdido. Aquece seu peito de uma maneira que ele havia achado que tinha morrido completamente após 1945, quando ele havia sido capturado pela primeira vez pela Hydra. Uma parte que ele nunca recuperaria.
  — Bucky, escuta... às vezes cometemos erros. Erros que não tem como consertar, que não tem reparação. Precisamos aceitar que cometemos essa falha, e aceitar que, por mais que desejássemos mudá-la ou repará-la, não há nada que possa ser feito. Não há desculpas ou gesto redentores. O melhor que podemos fazer é enterrar. Algumas coisas precisam ficar enterradas. Para o seu próprio bem.
  — Corajoso ser vocêa dizer isso, Rogers. — Apesar das palavras afiadas, o tom de Bucky é mais incerto do que agressivo, quase nostálgico e pesaroso. Bucky inspira fundo, entregando o ticket para o funcionário, e acenando com a cabeça em agradecimento, seguindo para as arquibancadas buscando por seu acento.
  Steve solta um riso seco, sem humor.
  — Por ser quem sou que estou dizendo, Bucky. Às vezes, o melhor que podemos fazerérecomeçar.
  As luzes do picadeiro se acendem com um chiado eletrônico e o eco da voz do apresentador soa pelas caixas de som, dispostas ordenadamente a cada quatro pilares, convenientemente, com uma bem abaixo do acento de Bucky – sorte a dele; não é como se ele tivesse assim também uma boa adição, graças a Hydra e os choques. Mas seus olhos não estão presos no apresentador em questão, animando a plateia e introduzindo o espetáculo de acrobacia e contorcionismo que iria acontecer em breve. Não. Os olhos azuis esverdeados de Bucky estão fixos no púlpito de, no mínimo, cinco metros de altura em que a figura se encontra fantasiada, como se fosse feita de pequenos cristais espalhados pelo corpo inteiro dela, enquanto os cabelos estão repuxados para trás, envoltos em pequenas correntes e contas de ouro espalhados pelas mechas. Os olhos , três tons mais claros e mais vívidos refletem as luzes com tons gélidos, enviando uma onda de tensão pelo corpo de Bucky. Ele tenciona a mandíbula novamente, unindo as sobrancelhas, determinado. Os dedos biônicos de seu braço soltam pequenos estalidos eletrônicos quando se fecham com força o suficiente para rasgar a pelúcia.
  .

•••

  — Você precisa ter muita coragem para vir até aqui, Sargento.
  Bucky move a mandíbula, mas não responde, ao menos não imediatamente. A voz adulta de soa mais esquisita do que ele lembrava, mas bem, ele a havia conhecido quando ela era apenas uma garotinha de 6 anos, assustada, escondendo-se nos cantos das celas ou espiando por entre as grades de ferro. Sua garganta se aperta enquanto Bucky tenta se obrigar a não se lembrar atrás de quem se escondia quando era só uma garotinha. A maneira com que agarrava à roupa dela, ou como se colocava sempre à frente de , não importasse o quão machucada estivesse – não importava o quanto sua vida dependesse disso. O cheiro de , todavia, é o mesmo, madeira, maçã e cigarro, coçam o nariz dele, mas não é desconfortável, só familiar o suficiente para ser desconfortável.
   permanece sentada em sua cadeira desconfortável de metal, projetando-se na frente do que parece ser uma penteadeira saída diretamente dos anos 50 com as lâmpadas de fundo amarelado formando quase uma linha ao redor do espelho, ressaltando a maquiagem pesada e artística que enfeita seu rosto, ou a maneira com que os cristais e ouro refletem contra a luz, criando pequenos reflexos suaves na madeira e no chão, ao redor de .
  Sem desviar o olhar da mulher, Bucky aproxima-se cautelosamente devagar até onde ela está sentada e repousa, um pouco meio sem jeito, e em uma oferta de paz, a raposinha anêmica de pelúcia que ele havia conseguido ganhar na barraquinha de palhaços, com a única intenção de entregar a a pelúcia. É claro que, agora, com o rasgo, era inútil, mas ele espera que ao menos pudesse servir como uma oferenda pacificadora e significaria a que ele, pelo menos, havia tentado apaziguar as coisas. Não é o suficiente, nunca seria o suficiente, mas é um começo, certo?
   não se mexe, os olhos dela apenas acompanham o movimento que Barnes faz, e então, ela se deixa recostar contra a cadeira de metal em que está sentada, erguendo o queixo de maneira desafiadora, um sorriso preguiçoso surge pelos lábios dela, repletos de descrença e uma raiva contida que não seria exposta, ele sabia, mas que não estava sendo, igualmente, ocultada de ninguém. Os olhos dela queimam o rosto dele, e Bucky se sente imediatamente desconfortável com a atenção que recebe, ele tenta ignorar a descrença, a raiva e o nojo que há nos olhos de , e apesar de tudo, Barnes não pode deixar de sentir seu coração afundar em seu peito, o peso, desconfortável e sufocante, indesejado, mas não menos verdadeiro. Talvez, esse fosse o problema de sentir-se culpado, a consciência de que nada, absolutamente nada que ele pudesse oferecer, poderia apagar o erro que havia cometido, mesmo que não estivesse em seu controle naquela época, não mudava o fato de que havia feito. Bucky engole em seco, percebendo tardiamente que havia sido, de fato, um erro ir até ali, mas agora é tarde demais para voltar atrás.
  Mas se Rogers não era um calhorda!
  — Porra nega com a cabeça com um riso contido, desprovidos de quaisquer traços de humor, enquanto o tom de incredulidade é pungente em sua voz.
  Quando ela era pequena, era uma criança doce, até mesmo meiga, extremamente tímida. Agora? Parecia agressiva, instável, e com um tom de voz rouco e arrastado que o fez se questionar internamente o quão sóbria ela estava naquele momento. Bucky não a culpa. De todas as coisas que ele poderia fazer, de todas as coisas que ele havia sido subjugado a executar, a última coisa que ele poderia fazer, era culpá-la por qualquer coisa, por mínima que fosse. Ainda assim, engolir o gesto, tem gosto amargo.
  Bucky trinca os dentes com força, mas obriga-se a desviar os olhos do rosto de para a mesa com a maquiagem que ela havia usado para o espetáculo. se empurra para trás, colocando-se de pé com um rangido metálico irritante da cadeira, e então encara Barnes, os dentes expostos em um sorriso afiado, mas que mais parece com uma careta felina, preparando-se para atacá-lo. Ele não a julgaria se ela fizesse. Ele não a impediria. Mas não faz nada, e talvez isso seja a pior parte de tudo.
  — Tá fodendo com a minha cara, seu merda?! Cê tá achando mesmo que pode entrar aqui e me obrigar a te ajudar, huh?! A audácia que cê tem...
  Bucky engole em seco, dando um passo para trás e erguendo as duas mão para cima, em um aviso silencioso de rendição a . Ele não está ali para lutar, e definitivamente não iria iniciar um confronto, não com .
  — , por favor... — dizBucky, hesitante, tentando apelar para a parte da mente de que não o via como ameaça, a parte da mente de que era a garotinha que ele havia segurado em seus braços, arriscado sua vida para proteger enquanto escapava da Hydra pela segunda vez. Alguma coisa daquela garotinha que confiava nele, que havia segurado sua mão sem soltar e implorado para que voltasse por , deveria estar ali. Precisava estar ali. Se não estivesse, então... — Eu só preciso de informações, isso não precisa acabar de maneira ruim, por favor, , não me faz ter que te atacar, por favor...
  Mas o riso de é cortante, e a súplica morre na garganta de Bucky antes que ele possa fazê-la.
  — Me atacar? Quem disse que você consegue chegar assim tão longe?
   arremessa bruscamente as maquiagens na direção de Bucky, que instintivamente usa seu braço direito para cobrir seu rosto, enquanto o braço biônico dele se aciona. Um estalido eletrônico escapa, e antes que Bucky possa se dar conta, o braço biônico agarra com força o braço esquerdo de , impedindo-a de acertar-lhe um soco, usando o punho direito para atingir com força o suficiente para impedir e não machucar a mulher, no ombro dela, empurrando-a para trás, ao mesmo tempo que tenta acertar um cruzado no rosto de Barnes.
  Bucky agarra com o braço biônico o pulso da mulher, apoiando a mão direita no ombro dela, tentando imobilizá-la, mas é mais rápida e consegue atingir um chute bem colocado na lateral de seu joelho. Um grunhido escapa da garganta de Bucky, seu joelho cedendo ao próprio peso, e desabando em seu joelho, usando o momento para desviar de uma joelhada de em direção ao seu rosto, girando rapidamente para a esquerda, e obrigando-se a colocar-se de pé.
  Trincando os dentes com um estalo, Bucky para ao lado de , envolvendo o pescoço dela com seu braço direito, apertado o suficiente para roubar o fôlego dela, mas não o suficiente para machucá-la, praticamente tentando fazer ouvi-lo:
  — ! , por favor!
  Mas é claro que, se havia algo que era boa, era justamente ao ser completamente incapaz de ouvir alguma coisa que era dita a ela. Maldita teimosia desgraçada que ela possuía!
  Bucky rosna baixo meio grito de pura frustração, sentindo o cotovelo dobrado de se conectar com suas costelas, roubando-lhe o fôlego dos pulmões – algo difícil de ser feito, se fosse ser honesto –, enquanto aproveitava a distração para chutar o calcanhar direito de Bucky, e usar a queda para lançar-se para a frente, derrubando-o e rolando por sobre seu ombro a fim de livrar-se dele.
   acerta um soco violento no rosto de Bucky, que grunhi entre dentes, sentindo seu rosto ser lançado para a esquerda bruscamente, a dor explodindo por trás de seus olhos, enquanto a pele queima com o contato do punho da mulher.
  O braço biônico de Bucky se aciona novamente, agarrando o pulso de bruscamente, ouvindo-a soltar um grito estrangulado pela maneira com que o sonoro crack escapa, evidenciando que Bucky deveria pelo menos ter deslocado o membro do lugar, enquanto a puxava para o lado, tentando tirá-la de seu caminho e disparar em direção à saída do camarim – ele realmente não queria machucá-la, porra! Mas é claro que não o deixaria escapar, deixaria? Não. sempre precisava levar tudo ao extremo, não é? Ela sempre tinha que passar de todos os limites até que não tivesse mais outra escolha senão matar ou morrer. Merda, Rogers! Por que de todas as pessoas você tinha que estar certo?
  Ainda no chão, desliza na direção de Bucky, lançando um chute que Barnes consegue desviar, mas antes que ele possa registrar, acerta outro chute forte na altura de seu peito, mandando-o para trás. Barnes avança na direção da mulher, desta vez, deferindo um golpe rápido e preciso na altura da costela dela, ouvindo-a grunhir com raiva e dor, antes de acertar o rosto dela, tentando encontrar uma abertura na postura de para conseguir imobilizá-la, mesmo que por meros segundos, no lugar. Bucky trinca os dentes com força, mas o peso em seu peito é maior, mais sufocante, e ele não pode escapar da própria culpa que havia enterrado tantos anos atrás. Ou quer escapar.
  — Eu sei que você queria que as coisas fossem diferentes, , eu gostaria que as coisas fossem diferentes... — A voz de Bucky desce uma oitava, mais grave, mais pesarosa, enquanto ele luta contra a parte de sua mente que grita que aquela é uma luta perdida.
  Não. Não! Ele não pode perder a garotinha que estava em sua memória. Não, não, porra! Se ele a perdesse, então... então era tarde demais para cumprir com aquela última tarefa. Então era tarde demais para perdão e ao menos fazer as pazes com o passado, e tudo o que lhe sobraria era a consciência de que não havia mais nada a ser feito, que a Hydra havia o transformado em uma arma e usado, e que ele não poderia corrigir isso, não para . Não na visão dela. Ele precisava que ela acreditasse que ele não era o Soldado Invernal. Ele precisava que ela visse.
  — Eu não tinha controle... por favor, , acredite em mim....
  O riso de é implacável e afiado, como facas, fincando-se lentamente pela pele de Barnes, e um arrepio gélido percorre por sua espinha como ácido, corroendo tudo que está pelo caminho. A respiração dele se perde momentaneamente em sua garganta, enquanto o aperto dele ao redor do pescoço de se aperta um pouco mais do que deveria. A reação é instintiva. Talvez, Rogers estivesse mais certo do que deveria. Talvez tivesse sido um erro terrível ter ido até ali. Talvez mortos devessem ficar enterrados pela sanidade e bem de todos. Talvez ele não desejasse que ...
  — É isso que diz para você mesmo? Que não tinha escolha aquele dia? ofega com um rosnado, enquanto o riso desprovido de quaisquer traços de humor rasga por seu peito.
  Ela não se debate contra Barnes, as unhas dela apenas fincam-se com mais força contra o braço direito dele, tirando sangue. Ela está tremendo, mas se de raiva ou algo além disso, Bucky não sabe dizer, porque, no momento que as palavras ecoam pelo camarim, é tudo o que ele consegue pensar e ouvir apenas.
  — Ninguém estava te controlando aquele dia, estava? Você tinha quebrado o código e estava fugindo, que ordens a Hydra poderia ter te dado aquele dia? Eu sei muito bem por que você a matou, Barnes.
  Bucky não reage. Os olhos azuis esverdeados dele apenas encontram-se com os de , em uma súplica silenciosa – pelo o que tampouco ele poderia saber –, mas ele não diz nada. Ele não a impede, dessa vez, quando se livra de seu aperto, puxando com força o braço direito de Bucky para o lado, apoiando sua mão esquerda sobre o ombro de Barnes e então o puxando com força para a frente, usando o joelho para atingir o rosto de Bucky.
  Dor explode por seu rosto, e um sonoro crack ecoa, onde seu nariz deveria ter acabado de ser quebrado. O ataque o desorienta e Bucky cai para trás, quando chuta novamente seu peito, tossindo e tentando se forçar a respirar, enquanto um grunhido baixo escapa por seus dentes cerrados, mas Bucky não se defende.
  Os olhos azuis esverdeados dele acompanham se aproximando de novo de sua penteadeira enquanto Bucky se arresta um pouco para trás, tentando colocar-se sentado enquanto limpava o sangue que escorre de seu nariz. Ele cospe o sangue que se acumula em sua boca, unindo as sobrancelhas e então congelando no lugar quando se volta na direção dele com uma arma em suas mãos, agora. É claro que ela teria escondido uma pistola automática em algum lugar do camarim, elehavia ensinado isso a ela. Há uma parte traidora de sua mente que não pode deixar de se orgulhar pela mulher. Ela havia aprendido afinal. Sua garotinha havia crescido. E de repente, Bucky percebe-se mais disposto do que deveria a aceitar sua morte se realmente estivesse determinada a matá-lo. Seria o justo.
  — Cê não tem ideia de como eu sonhei com esse momento, Tovarisch cospe entre dentes, erguendo a arma na direção de Bucky que não move um músculo.
  Os olhos azuis esverdeados de Bucky se encontram com os de e há uma nota de compreensão, mesmo que ele não deseje evidenciar nada a ela. Não porque ele não desejasse que ela compreendesse de onde ele vinha, mas porque sabia que ela não gostaria de ver remorso ou culpa no rosto de Barnes. Mesmo que ele se culpasse e sentisse o remorso corroer sua mente todos os dias por tudo o que a Hydra o havia obrigado a fazer, não cabia a Bucky mesurar o sofrimento que ele havia causado. E se pagar com sua vida é o preço justo que havia estipulado, então... ele estava em paz com isso. Bucky fecha os olhos, esperando o disparo.
  Mas ele nunca chega.
   solta um grito abafado, baixo, se lançando para frente quando um risco metálico praticamente corta o ar à frente de onde ela estava, enterrando-se contra a parede do camarim, enquanto Steve Rogers praticamente salta na direção de . Bucky abre os olhos de supetão, surpreso, e encara a cena à sua frente com uma breve confusão, antes de saltar sobre os ombros de Rogers, girando pelo ar e desabando no chão, antes de disparar para fora do camarim, correndo o mais rápido que conseguia. A arma esquecida no chão. Steve tosse baixo, tentando recuperar seu fôlego, enquanto se levanta do chão. Bucky solta um grunhido de dor baixo, colocando seu nariz de volta ao lugar e então balançando a sua cabeça ao se levantar, oferecendo uma mão na direção de Rogers, que a aceita sem hesitar.
  — Eu tinha tudo sob controle — diz Bucky com um tom de voz irritado, mas é mais do que isso. Barnes não queria que Steve tivesse visto sua decisão no final porque sabia que eles teriam que conversar sobre isso mais tarde. Sabia que Steve faria perguntas e Bucky não estava assim tão disposto a respondê-las. Sequer supunha que estava disposto a responder a si mesmo, como poderia falar algo para Rogers?
  Steve ergue uma sobrancelha, com um sorriso seco, negando com a cabeça.
  — Bem, para mim, você parecia precisar de ajuda — confessa Steve, seu cenho se franzindo enquanto parece tentar recuperar o fôlego, e Bucky aperta os lábios com uma careta. Barnes sente o incômodo dos golpes de , que não eram precisos, mas eram fortes o suficiente para machucar, mesmo que Bucky Barnes não tivesse um organismo humano, por assim dizer, ainda era um experimento; pior, ainda era uma mutante, então, de certa forma, após tantos anos, ela deveria ter aprendido a canalizar seus poderes para conseguir resultados mais efetivos.
  Inspirando fundo, Bucky observa Steve levar a mão esquerda em direção à orelha, apertando o botão do comunicador, tentando conseguir avisar Sam a tempo.
  — Sam, ela está seguindo na sua direção. Hostil. Comando para subjugar e imobilizar.
  — Tenho ela na mira, mas é melhor vocês virem rápido.
  — Cuidado, Sam — é tudo o que Bucky responde pela linha do comunicador, pegando a arma de do chão, e destravando-a rapidamente.
  Ele une as sobrancelhas, retirando o carregador da pistola automática, para verificar quanta munição havia, seis balas, e então colocando-a de volta no lugar, destravando a arma, e guardando-a atrás de si, lançando um olhar na direção de Steve com um aceno de cabeça, disparando atrás de .
  Bucky e Steve disparam por entre os civis, tentando tirá-los do meio do caminho para que não se tornem casualidades, enquanto, pela linha do comunicador, eles podem ouvir Sam direcionando-os para onde ele estava em confronto com . Barnes solta um grunhido deixando Coney Island e seguindo em direção à praia, praguejando alto quando ele observa desferir uma rajada de energia pálida em direção de Sam, arremessando-o para trás, derrubando-o.
  Bucky rosna, disparando na direção de Sam, saltando para conseguir agarra-lo e usando seu próprio corpo como escudo para amortecer a queda. Os dois rolam pela areia, e Bucky faz uma careta quando o cotovelo de Wilson acerta bruscamente a mandíbula de Barnes, e Bucky atinge alguma coisa de Sam, mas os dois ignoram, tentando se ajudar a se levantarem enquanto Steve tenta conter sozinho. Os dois disparam na direção de , tentando impedi-la de escapar.
  A mulher congela no lugar, visivelmente irritada, mas surpreendentemente, não luta contra os três heróis, pelo contrário. Resignada, apesar da fúria que parece cintilar e acender seus olhos, ergue suas mãos lentamente para cima, fuzilando Bucky com o olhar furioso contido. Ele sabia naquele momento, que a havia perdido. Não havia mais nada que Bucky pudesse fazer para tentar ao menos se desculpar por ter destruído o mundo e a vida de , por tê-la livrado dos tormentos da Sala Vermelha, mas condenado, por consequência, e matado, sua irmã mais velha antes disso. Por ter abandonado a garotinha sozinha em um mundo cruel, sem amparo algum. Ele sabia que não era digno de sentir o luto por matar – mesmo que ele não pudesse evitar.
  Então, não é mais o Sargento Barnes à frente de , tentando fazer as pazes e consertar os erros que a Hydra o havia obrigado a fazer e pela crueldade que ele sabia que manchava suas mãos e alma em profundidade ainda. A crueldade que sempre mancharia. Não. Este havia desaparecido, agora restava era a implacabilidade do Soldado Invernal. Quisesse Bucky ou não, aquela parte sempre estaria duramente fundada em seu ser, era também quem ele havia se tornado, e diante de , naquele momento, não havia mais outra escolha. Ela havia escolhido seu caminho, e não restava mais nada a Bucky senão usar a força agora. De qualquer forma, ele teria as respostas que precisava.
  — Zephyr — Bucky rosnou entre dentes, dando um passo na direção de e então mais outro, até que estivesse a centímetros de distância da mulher, os olhos presos nos dela, sem desviar, pronto para atacá-la e subjugá-la se fosse necessário. — Eu sei que você sabe onde os códigos estão. Você vai dizer tudo, e se tentar mentir, eu vou quebrar seu pescoço. Então é melhor começar a falar, , agora.

CONTINUA...



Comentários da autora


  Nota da Autora: eu amo o Bucky, simplesmente isso, não tem muito o que dizer é só isso mesmo. Lembrando que: eu não sou boa em escrever personagens já existentes, nem em criar plots. Tenha expectativas baixas. Além disso, olha desculpa, mas dane-se aqui tem Stucky (Steve ou Sam, tanto faz, tem os dois ships com o Bucky) sim, porque eu não sou covarde como a Marvel, e sou adepta da ideia “resolve tudo em um surubão e tá tudo certo”. Enfim, é isso aí, a gente se vê em breve. Esta fic é escrita de madrugada, quando estou sobrecarregada com estímulos externos e preciso de uma forma de me regular, portanto perdão antecipado por incoerências, erros gramaticais e algumas confusões, meu e-mail está sempre aberto para discussões e opiniões.