E se for ele?
Escrito por Kelsea | Revisado por Lelen
Capítulo 1
As mãos trêmulas de Rosana seguravam o aparelho que continha a chave para o seu futuro. Um futuro com o qual ela sonhava desde pequena, enquanto acompanhava o pai na plantação. Claro que uma criança ainda não entendia como o café tão apreciado pelos adultos tinha início em uma fazenda administrada por sua família há gerações. A graciosa garotinha de cinco anos, ao invés de brincar de bonecas com outras garotas, implorava a seu pai que a levasse para a fazenda, onde ela caminhava pelo cafezal ao seu lado. Enquanto seus olhos brilhavam, Gumercindo olhava para a filha orgulhoso, antes de explicar:
— Sabe, Rosana, meu avô veio de Portugal há muito tempo em busca de uma vida melhor aqui no Brasil, ele chegou, com nada além da roupa do corpo e um sonho: ficar rico. Mesmo nunca tendo plantado uma muda de café na vida, ele conheceu um fazendeiro aqui em São Paulo que lhe deu um trabalho e o acolheu. Logo seu bisavô já era dono das próprias terras, terras estas que com o trabalho duro dele, prosperaram e passaram para as mãos do meu pai, que depois passou para mim e um dia, quem sabe, se você merecer…
A menina que tinha os cabelos presos por uma maria-chiquinha respondeu sorridente:
— Não se preocupe, papai, vou fazer por merecer!
— Eu sei que vai, minha filha. Mas é muita responsabilidade, porque agora ela é muito mais do que uma fazenda: um negócio. Pessoas do Brasil inteiro, e até de outros países, tomam o café feito com os grãos saídos daqui e moídos nas minhas inúmeras fábricas espalhadas por aí.
Os olhos da garotinha se arregalaram em admiração.
— As pessoas de outros países também tomam café, papai?
O empresário passou as mãos pelos cabelos cobertos de gel enquanto deixava escapar uma risada.
— Claro que sim, minha filha! Bom, em alguns lugares menos, em outros mais. Contudo, o que posso te garantir é que quem experimenta o nosso café nunca mais quer saber de outro!
— Porque o nosso é o melhor! — a pequena exclamou se agarrando às pernas do pai.
— Isso mesmo, minha menina! Quem sabe se você me provar seu valor eu não te dou a chance de me mostrar que consegue continuar produzindo?
Desde aquela época, tudo que Rosana desejava era deixar o pai orgulhoso, afinal, mesmo ele não admitindo, no fundo era evidente que o empresário queria muito ter tido um filho homem para cuidar dos negócios, um pensamento que a aborrecia, mas deixava passar, afinal sabia que a mente teimosa e irredutível do grande Gumercindo Pereira estava presa no século dezenove.
Apesar do patriarca nunca ter negado a possibilidade de passar o negócio da família para as mãos de Rosana, a jovem sempre teve que trabalhar duro a fim de mostrar sua capacidade. Na adolescência, ela passava os finais de semana ajudando na plantação da maneira que podia, fosse colhendo, regando, e sempre perguntava no que mais poderia ser útil. Quando completou dezessete, seu pai deixou que se tornasse responsável por uma das fábricas e o acordo era: se a fábrica em questão dobrasse a produção e o faturamento em um mês, ele pagaria para Rosana um curso de administração em Harvard, faculdade para a qual ela havia entrado, e quando ela voltasse, teria seu lugar na presidência.
A jovem deu seu máximo para fazer a fábrica funcionar a todo vapor, mas mesmo assim seus pés teimavam em tremer enquanto entrava no escritório de seu pai.
— Ah, Rosana, minha filha, você chegou! Pode se sentar.
Sentindo o coração bater descontrolado, a jovem, de maneira tímida, obedeceu, enquanto segurava sua planilha.
— Muito bem, minha filha. Como você sabe, esse mês eu fiquei muito apertado — começou Gumercindo gesticulando as mãos como de costume.
— É, eu sei, pai, o senhor teve que cuidar de negócios no exterior e dar atenção a Angélica.
A pequena e doce Angélica havia nascido muitos anos depois de Rosana, era uma menina adorável.
— Sim, não é fácil para ela crescer sem uma mãe.
Infelizmente a vida de Angélica havia custado a vida de dona Maria do Socorro conhecida como a primeira dama do café. A aspirante à empresária possuía inúmeras boas lembranças com a mãe, por exemplo, uma vez em que ela demitiu uma empregada porque o filho da mulher havia puxado o cabelo de sua preciosa Rosana, ou quando a filha chegava exausta de um dia na fazenda, ela sempre a recebia com um chá e uma palavra de incentivo.
— Filha, você está indo muito bem, tenho certeza que seu pai está orgulhoso, mesmo que ele não diga, sabe como o senhor Gumercindo é cabeça dura.
Ela ria enquanto se aconchegava no abraço da matriarca da família.
Desde a morte da mãe, Rosana havia colocado como meta para si mesma: se tornar uma empresária tão boa quanto seu pai, ou até melhor. Um caminho que se tornou muito mais difícil com a ausência de Maria do Socorro, porém Rosana precisava ser forte, pelo seu sonho e por sua irmãzinha, Angélica, a mesma sem culpa alguma do acontecido.
— Eu sei, e está fazendo um ótimo trabalho — elogiou na tentativa de amolecer aquele coração duro. — Mas eu trouxe aqui as planilhas com os resultados da fábrica no tempo em que ela ficou sob minha responsabilidade.
Com as mãos trêmulas a garota colocou a pasta na mesa do mesmo jeito que um aluno entrega aquela prova impossível de matemática sem saber o resultado.
O barulho do passar das páginas e o olhar concentrado de Gumercindo sobre as folhas, faziam a jovem sentir como se o tempo tivesse parado. Mesmo batendo os pés na tentativa de se distrair, seu olhar continuava concentrado tentando decifrar através da ruga na testa do pai, o que passava em sua mente.
Depois do que na sua perspectiva foram horas, o empresário suspirou antes de começar a falar:
— Rosana — sua voz saiu fria, mas isso não significava nada já que era seu tom de voz habitual, outra vez ela tentou encontrar alguma pista de seu futuro nas feições de Gumercindo, mas para seu azar, o pai era muito bom em esconder as emoções. Um réu em julgamento provavelmente estaria menos nervoso.
— Sim pai! — soltou de maneira automática.
O neto de fazendeiro a fitou por alguns segundos antes de continuar:
— Você não dobrou o faturamento como tínhamos combinado.
A jovem engoliu seco. Sua voz saiu trêmula e fraca quando indagou.
— Não?
— Não. Você simplesmente o triplicou.
A fala sem expressão foi o suficiente para fazer um sorriso surgir nos lábios de Rosana e ela não fez questão de esconder.
— É sério? — Ela puxou a pasta das mãos do pai sem pensar em mais nada.
— Devo dizer que estou impressionado, nem eu consegui tamanho feito quando tinha a sua idade. Para ser sincero, a primeira vez em que dobrei o faturamento da pequena fazenda do meu pai eu tinha vinte e oito anos. Você, minha filha, é uma potência.
Nada era mais satisfatório para Rosana do que ouvir um elogio saindo da boca de seu pai, afinal esse evento era mais raro do que um eclipse.
Como combinado, a herdeira arrumou suas malas e, passados quatro anos, se formou com louvor em uma das faculdades mais renomadas do mundo.
Ao retornar para o Brasil, sua mente estava aberta, cheia de novas ideias para modernizar a empresa e fazê-la lucrar ainda mais. Certa noite, ela decidiu compartilhá-las com seu pai.
Em meio a uma sala escura com nada além da luz de um datashow brilhando, a garota expôs seu ponto de vista com confiança.
— Resumindo, no dia de hoje, as pessoas estão precisando mais de ficar bêbadas do que acordadas. Por isso, expandir nossa gama de produtos e investir em vinhos colocaria nossa empresa em outro nível — afirmou, antes de acender as luzes e encarar o pai com nervosismo.
Gumercindo fitou a filha de cima a baixo como se ela tivesse acabado de fazer algo errado e ele estivesse pensando no melhor castigo. Rosana já estava acostumada a esse olhar, por isso ainda mantinha esperanças de que sua ideia poderia ganhar a aprovação do empresário.
— Minha filha, você sabe que o consumo de café no Brasil ainda é muito maior do que o de vinho, não é? E que para investir na plantação de uvas teríamos que adquirir algumas terras específicas no Sul e isso custaria dinheiro — começou o patriarca fazendo a garganta de Rosana coçar em nervoso.
— Eu estou ciente de tudo isso, meu pai. Mas, se você consultar os dados, o mercado de vinhos é o que mais cresce no nosso país atualmente. Pense bem. O café é algo que as pessoas relacionam a ficar acordadas, para trabalharem, já o vinho se relaciona ao momento de lazer, descanso. Essa é a visão que eu gostaria de trazer. Além de que os vinhos são mais caros, tendo a chance de um lucro ainda maior. — Ela se calou enquanto observava o pai cruzar os braços sem esboçar nenhuma reação.
— É o seguinte, Rosana — Gumercindo pigarreou. — Meu avô, o seu bisavô, como você sabe, veio de Portugal sem nunca ter visto uma muda de café na vida, mas ele se esforçou, deu a sorte de encontrar um patrão generoso e aprendeu como produzir o melhor café deste país. O que eu quero dizer é: O café sempre foi a nossa marca, a tradição da nossa família. Seu bisavô reviraria no túmulo com a ideia de começarmos a investir em outro produto.
Rosana abaixou a cabeça não gostando do rumo que a fala do pai estava tomando.
— Porém…
Os olhos da garota se levantaram outra vez, em esperança.
— Mesmo sendo difícil de acreditar, eu não sou tão cabeça dura como ele. Por isso vou te dar uma chance.
Sem acreditar, a jovem suspirou aliviada.
— Sério, pai?
— Sim. Eu te mandei para uma das melhores faculdades do mundo, é hora de eu ver se meu investimento valeu a pena. É o seguinte: eu estava mesmo querendo tirar umas férias daquele lugar, sabe como é? Durante um mês, eu vou te nomear presidente interina. Você poderá elaborar esse seu projeto dos vinhos melhor e apresentar aos acionistas, se convencê-los e os custos não forem tão exorbitantes, eu vou te deixar na presidência permanentemente.
O sorriso no rosto de Rosana brilhava em euforia.
— Muito obrigada, pai! Não vai se arrepender!
— Porém, se os acionistas não aprovarem dentro de um mês, eu tomo o controle de volta, pois meu investimento terá sido em vão. Estamos entendidos?
A jovem de cabelos castanhos ondulados engoliu seco, ela sabia que o pai não estava blefando, pois era um homem de palavra. Aquela era a chance que sempre desejou, se tivesse sucesso, seu sonho de assumir os negócios da família se tornaria realidade, mas se falhasse, o mesmo estaria arruinado para sempre. O que fazer? Como havia aprendido com seus antepassados e com o pai, a vida era feita de riscos.
— Certo, eu aceito!
Dias depois, lá estava ela, prestes a apresentar o projeto aos acionistas da empresa. Gumercindo dizia que eles eram como lobos, sempre esperando o momento certo para atacar sua presa. Porém, Rosana não se intimidava, afinal, aquele grupo de engravatados não iria ficar em seu caminho.
Contudo, ela não podia evitar sentir um certo frio na barriga. Era a primeira vez que falaria na frente de tantas pessoas importantes e, além do mais, seu maior sonho estava em risco. O corretivo abaixo dos olhos disfarçava as olheiras, resultado de noites em claro na companhia de livros sobre vinhos e negócios. Foram dias de trabalho duro, onde em sua cabeça não havia espaço para mais nada. O resultado estava ali na sua frente, os slides que havia montado tão cuidadosamente, cada letra, cada palavra, calculados milimetricamente para convencer os acionistas de que aquele era o melhor caminho.
Além das olheiras, outro resultado das madrugadas em claro eram seus constantes bocejos, estes resolvidos com um copo de café. Enquanto revisava o trabalho de sua vida, Rosana deu um gole na bebida, porém quase a cuspiu quando viu um erro drástico de ortografia, logo na introdução.
— Ah, meus Deus, como deixei isso passar depois de tantas revisões?
Ela olhou a hora, faltavam cinco minutos para a reunião que definiria seu destino. Apressada, ela começou a digitar ao mesmo tempo em que bebia o café. O tempo estava contra ela, precisava revisar os slides pela última vez o mais rápido possível. Enquanto digitava e engolia o café, apressada, não percebeu quando sua mão esbarrou no copo e todo o líquido quente caiu no teclado de seu computador, fazendo seu trabalho desaparecer.
— Ai, não, que droga, não faz isso comigo!
Desesperada, sentindo o coração sair pela boca, Rosana começou a apertar as teclas ininterruptamente, porém era inútil, seu computador havia morrido.
— Seu café estupido, por isso mesmo quero investir em outros produtos além de você! — berrou jogando o copo assassino no lixo.
Devastada, Rosana abaixou a cabeça tentando disfarçar as lágrimas que em alguns segundos escorreram por sua bochecha... seu sonho, tudo pelo que havia trabalho a vida inteira, sua chance, arruinada pela falta de um computador e por um estúpido copo de café. Quanta ironia.
Perdida em sua tristeza, ela nem queria ir à reunião, não permitiria que os acionistas a vissem derrotada daquela forma. O jeito era voltar para casa e encarar o sermão de seu pai….
Porém, quando ela estava prestes a fazer um movimento de desistência, uma voz masculina soou atingindo seus ouvidos.
— Signorina, stai bene?
O sotaque estrangeiro a fez levantar a cabeça e se deparar com um desconhecido, mas belo rosto sorridente.
Capítulo 2
Rosana fitou hipnotizada o homem misterioso de cabelos castanhos perfeitamente cortados, barba rala por fazer e olhos verdes sedutores, seria um anjo que havia vindo dizer que realmente sua chance estava arruinada? Porque ele era bonito demais para ser real e aquele sotaque sem nenhum esforço fez os pelos de seus braços se arrepiarem inteiro.
A jovem, ao longo de sua adolescência, nunca teve muito tempo para ir a festas, paquerar e tentar encontrar alguém, afinal estava concentrada demais em provar ao seu pai que era capaz de assumir a empresa algum dia, uma missão quase impossível. Nos Estados Unidos ela até conheceu alguns garotos interessantes na faculdade, mas nenhum que a fizesse se encantar como aquele homem misterioso havia feito em apenas um segundo.
A aspirante a empresária precisou de alguns segundos para se recompor e tentar formular uma frase decente sem se distrair com a visão do paraíso.
— É… sim eu estou bem, quer dizer, não — admitiu de alguma forma sentindo confiança no estranho angelical.
— O que aconteceu, signorina? — Ele olhou fundo nos seus olhos como se pudesse ler sua alma.
Após a segunda fala, Rosana conseguiu identificar que seu sotaque era italiano.
— Bom, eu sendo desastrada do jeito que sou, acabei derrubando café e estragando o meu computador. Tinha algo muito importante nele, que claro, eu salvei na nuvem, mas não tem outro… — A cabeça da herdeira ainda se encontrava tonta por tanta beleza.
— Conputatore en la oficina? — Rosana arregalou os olhos, confusa.
— Oficina? Mas não dá tempo…
O estranho angelical deu uma risada charmosa parecendo exibir sua voz sexy.
— Me dispiace, sino qui in Brasile ha poco tempo, non parlo partoguesse molto bene. Credo que chi si chiama sala di riunione.
— Ah, sim. Nossa, eu já devo estar atrasada, mas não importa, sem a minha apresentação…
— Segnorina, scusa, ma mio padre sempre dice che non importa como facciamo algo, ma come facciamo, capito. A questão da união é importante. Va! O resto se resolverá.
As palavras do estranho eram gentis e como em um passe de mágica, deram a Rosana o incentivo que ela precisava. Quem diria que a vida traria um consolo através de um italiano gato. Ela realmente estava animada para começar a frequentar o escritório, assim teria a chance de conseguir seu telefone.
— Tem razão. Eu vou conseguir!
— Isso, Segnorina!
— Obrigada, quer dizer, grazie! Preciso ir. — Ela correu ainda se perguntando quem era o charme em pessoa e como o seu pai não lhe havia falado de um italiano novo no escritório? Ainda mais ele sendo tão atraente!
Depois de uma passada no banheiro para se recompor, Rosana entrou na sala de reuniões com as bochechas coradas pelos olhares voltados a ela, um deles em particular chamou a atenção. O italiano que era a razão para estar ali a encarava exibindo o mesmo sorriso hipnotizante de alguns minutos atrás. Como assim? Ele era parte do comitê avaliador? Definitivamente ela precisava ter uma conversa com o senhor Gumercindo.
— Me disparate… Digo, me desculpem pelo atraso, eu tive um pequeno problema.
— Sabe o quanto prezamos pela pontualidade, senhorita Rosana — repreendeu um dos acionistas mais velhos, provavelmente pensando que Gumercindo deveria estar louco por ter dado uma chance à mulher.
A garota engoliu em seco, pelo visto não havia causado uma incrível primeira impressão como desejava.
— Eu sei e prometo que não irá se repetir.
— Muito bem, então vamos começar logo para não perdermos mais tempo — comentou um outro membro do comitê com idade para ser seu avô.
— Certo. É, muito bem, senhores, hoje vou falar sobre uma proposta capaz de mudar o futuro dessa empresa para melhor…
Por sorte, a jovem batalhadora havia ensaiado tanto que sabia a apresentação de cor e salteado. Assim sendo, expôs seus argumentos sem precisar de nenhum slide. Os acionistas a encaravam atentos, mas não esboçaram nenhuma reação.
Ignorando a revolução que acontecia em sua barriga e as pernas trêmulas, Rosana concluiu sua apresentação sem gaguejar uma única vez e com um sorriso orgulhoso no rosto. Como queria que seu pai estivesse ali.
— Muito bem, senhores, era o que eu tinha para falar, espero que considerem a ideia, afinal, investindo no vinho, tenho certeza que essa empresa crescerá ainda mais. Obrigada.
O membro mais antigo do comitê a encarou de cima a baixo quase fazendo com que a torrada que havia tomado de café da manhã voltasse ali mesmo. O coração de Rosana batia forte como se ela estivesse no meio de um julgamento. Bom, não deixava de ser, afinal, aqueles homens velhos e carrancudos que por algum motivo possuíam a confiança de seu pai, julgariam se ela realizaria o seu sonho ou não.
Para a surpresa de Rosana, antes da votação, o italiano misterioso se pronunciou erguendo o braço.
— Sim, Matteo, o que quer falar? — indagou o membro mais velho cruzando os braços e revelando o nome do galã: Matteo.
— Si signore. Bom, é Rosana, non é? A senhorina non ha trazido ninguno dado relevante, solo ha parlato sobre il vino, non preocupou em trazer uma presentazione.
Rosana quis voar no pescoço do homem. Como alguém tão bonito podia ser tão cafajeste? Ele sabia muito bem o que havia acontecido, como teve coragem de a expor dessa forma? Ainda mais depois de tê-la encorajado e dado forças para estar ali. Pelo jeito, aquele italiano não era angelical e sim “maledeto”.
— Segnori — continuou Matteo sem nem ter a coragem de a olhar nos olhos como havia feito antes —, il caffè è una tradizione di questa compagnia e di questo paese, iniziano a produrre il vino, tutto esso si perderá. Anche, I giovanne non beven tanto vino. Um dado que li outro dia em um artigo, ma que la signorina no há trago e deveria tê-lo acrescentado, afinal, signori, os geovanes son importante consumitori ainda mais considerando que entram todos os giornos nel mercado de trabalho
Rosana sentiu sua voz sair fraca ao rebater:
— Sim, mas como eu disse, as pessoas com mais de 40 ainda são …
Contudo, antes que ela pudesse terminar seu raciocínio, o italiano continuou a interrompendo de forma grosseira.
— Posso essere qui a poco tempo, ma io valorizzo la tradizione e il Mercato giovanne. Scusa, ma la tua proposta non è buona, in verità, è una piada, como dizem aqui.
A jovem nunca havia se sentido tão humilhada em toda a sua vida, nem mesmo quando trabalhava nas fazendas como uma simples empregada. Tudo piorou quando a maioria dos acionistas votou contra seu projeto, provavelmente influenciados pela fala do italiano maldito de olhos brilhantes.
Depois da apuração dos votos, o chefe dos acionistas cruzou as pernas e deu a sentença:
— Eu sinto muito, Rosana, mas seu projeto foi negado.
A moça engoliu seco vendo seu sonho escapar de seus dedos por causa de um italiano maldito com um sorriso perfeito
Tentando conter as lágrimas, Rosana correu para o lugar mais confortável daquela empresa, a copa, onde havia a velha máquina de café que os funcionários usavam antes da abertura da lanchonete. Sem pensar muito, ela pegou um pequeno copo e o mexeu com a bebida da qual ela queria se orar.
— É, café, parece que você venceu…
Enquanto ela sentia o quente da bebida descer por sua garganta, escutou uma voz familiar.
— Io sinto muito signorina, ma il yup projeto non era buono — afirmou Matteo antes de continuar. — Ma saiba que non é nada pessoal.
Lutando para não se perder naquela voz sedutora, Rosana deu um suspiro enquanto se lembrava de que quando alguém atacava o trabalho de sua vida, era sim pessoal.
— Matteo, não é? — começou se aproximando do italiano de cabelo impecável. — Bom, já que gosta tanto de café, por que não toma um pouco? — Em um impulso ela virou o copo em sua mão em cima do cabelo de Matteo que, segundos depois, estava ensopado pela bebida quente.
— Também não é nada pessoal! — zombou.
Antes de conseguir ouvir as reclamações em italiano, a herdeira saiu pisando forte e não se preocupando em esconder a feição zangada.
A herdeira entrou em casa batendo a porta e se jogando no sofá sem cumprimentar ninguém. Como Rosana era sempre gentil e alegre, logo, até mesmo Gumercindo estranhou o comportamento da filha.
— Boa tarde, Rosana! — exclamou tirando os olhos de seu jornal.
A garota deu um suspiro enquanto colocava os pés sobre a mesa de centro da sala.
— Rosana, o papai já cansou de falar que não gosta que coloquemos o pé aí. Geralmente sou eu quem faço isso. O que deu em você, minha irmã? — O tom inocente de Angélica sempre fazia seu coração se acalmar.
— Me desculpe, meu docinho — Rosana começou, envolvendo a irmãzinha em seus braços. — É que a apresentação do meu projeto não saiu como eu esperava… Ele não foi aprovado — declarou já aguardando o olhar fuzilante do pai. Contudo, ao invés de julgá-la, ele continuou lendo seu jornal. — Pai, como o senhor não me disse que no comitê avaliador teria um italiano cabeça dura e grosseiro?
Gumercindo mais uma vez desviou o olhar das folhas que segurava para encarar a filha.
— Grosseira.
— Tudo estava indo bem — declarou ocultando a parte do problema com o computador. — Eu apresentei minha proposta e todos os acionistas pareciam interessados, até aquele italiano de olhos brilhantes pedir a palavra e estragar tudo.
— Olhos brilhantes? — Angélica cruzou as pernas se aproximando curiosa.
Percebendo o erro, Rosana sentiu sua bochecha queimar. Droga, sua irmãzinha não deixava passar nada.
— Esquece o que eu falei, docinho. Enfim, você tinha que ter me contado sobre a presença de um novo acionista. Afinal, quem é ele?
Gumercindo murmurou algumas palavras para si mesmo enquanto largava seu jornal na mesa para começar a explicar.
— Matteo chegou de surpresa há apenas alguns dias, exigindo seu lugar de diretor acionista. Eu não pude recusar.
— Mas como assim? Aquele italiano parece ser um pé rapado.
— Mas tem olhos brilhantes — zombou Angélica.
— Docinho, os adultos estão conversando — repreendeu a herdeira.
— Odeio quando me trata feito criança. — Angélica cruzou os braços.
— Mas o nosso cinema ainda está de pé?
Em meio à cara emburrada, a adolescente abriu um sorriso. A tradicional ida ao cinema de toda sexta com sua irmãzinha era um momento muito especial para Rosana, e naquela noite em especial seria bom tentar se distrair, não só por causa do projeto, mas também para tentar tirar um certo par de olhos brilhantes de sua mente.
— Está sim!
Angélica exibiu um belo sorriso antes de subir para o seu quarto deixando os adultos a sós.
— O Matteo é filho do meu antigo melhor amigo, Bartollo, que faleceu há pouco. Agora ele veio assumir o lugar do pai como acionista.
Rosana ouviu atenta, o pai já havia relatado a temporada que passou na Itália, mas nunca dessa forma, ela nem sabia sobre esse suposto melhor amigo.
— Mas eu não entendo, por que o filho do melhor amigo italiano tem direito a ser acionista da nossa empresa?
Gumercindo suspirou enquanto tirava os óculos.
— Porque o Bartollo não era só o meu melhor amigo, era também meu sócio — revelou fazendo Rosana arregalar os olhos.
— Como é? O senhor teve um sócio?
— Foi há muito tempo, antes de você nascer, eu tinha acabado de assumir a fazenda do seu avô, mas eu, na época, por mais que ele tivesse me ensinado, não tinha segurança para cuidar de um negócio, por isso decidi passar uma temporada na Itália, lá eu conheci o Bartollo, ele entendia de negócios, mas eu queria crescer e se ofereceu para me ajudar. Eu o trouxe para o Brasil e juntos nós expandimos a empresa. Tudo ia bem, até que brigamos feio. Você não se lembra porque era bebê.
— E qual foi o motivo da briga?
— Eu descobri que ele estava me roubando, o coloquei para fora no mesmo instante — revelou não escondendo a dor que as lembranças lhe causavam.
— Que horror. E o senhor vai deixar o filho dele na nossa empresa? — Rosana levantou o tom de voz, indignada.
— Minha filha. O Bartollo nunca mais tinha dado notícias, agora com a morte dele que esse filho apareceu. Ele ameaçou ir na justiça se eu não o fizesse, ele tem provas de que o pai foi responsável por ajudar a fundar a empresa, ou era isso ou teríamos que ceder metade do nosso patrimônio para aquela família maldita.
— Tudo bem. Você tem razão.
— Ótimo, então eu não quero mais saber de você jogando café nele.
Rosana arregalou os olhos, incrédula.
— O quê? Como o senhor…?
— Eu sei de tudo que se passa na minha empresa, Rosana, já devia saber disso. Eu estou decepcionado. Jogar café em um dos acionistas, mesmo que na copa da empresa não é atitude de uma presidente, mas sim de uma criança mimada. Eu esperava mais de você, Rosana, não investi em Havard para isso — declarou.
Rosana queria explicar que o italiano maldito era um traidor, que segundos antes da reunião a havia encorajado para depois humilha-la diante de todos os outros acionistas. Queria gritar que se em seu lugar estivesse o filho homem que Gumercindo tanto queria, ele não teria dito aquelas palavras tão duras e já o teria nomeado presidente de forma permanente, mas em nome de seu futuro, guardou todas essas queixas para si mesma se limitando a responder:
— Certo, me desculpe, pai, não vai mais acontecer.
— Assim espero, porque caso contrário, não poderei mais confiar a presidência a você.
Rosana cruzou os braços enquanto mentalmente amaldiçoava aquele italiano charmoso que havia arruinado sua vida.
Em meio ao cheiro de pipoca, Rosana tentava se distrair encarando os cartazes pendurados no cinema do shopping. Havia alguns títulos interessantes, uma nova comédia romântica que ela estava louca para assistir, contudo, Angélica havia optado pelo filme da youtuber da qual era fã.
Rosana não gostava de contrariar a irmãzinha que já havia sofrido tanto crescendo sem uma mãe e com um pai frio. Além do mais, comédias românticas eram uma bobagem que só serviam para iludir as garotas, já que os homens da realidade eram todos uns traidores, chegavam de mansinho com seus sorrisos hipnotizantes e palavras de encorajamento, para depois apunhalar pelas costas, e não, ela não estava falando de ninguém em particular, pelo menos era o que repetia para si mesma.
— Ai, a fila está muito grande, desse jeito vamos perder o começo do filme e eu ainda quero pipoca — reclamou Angélica.
— Fica calma, docinho, vamos fazer o seguinte, você vai comprar as pipocas, eu fico aqui na fila dos ingressos pode ser?
— Jura que não vai comprar os ingressos para aquela comédia romântica boba que você queria ver ao invés do filme da Lisa Belinha?
Rosana riu.
— Eu juro, pode ir!
— Você é a melhor do mundo! — A pequena abraçou a irmã mais velha.
Rosana jogou um beijo de longe enquanto a irmã caminhava em direção ao balcão de lanches.
A fila realmente estava longa, mas depois de alguns minutos, Rosana finalmente era a próxima. Mas então, um homem alto de cabelos marrons entrou na sua frente. Que grosseria. Era só o que faltava e a situação ficou ainda pior quando ela reconheceu a voz do fura fila.
— Um ingresso para Lisa Belinha, per favore — pediu Matteo.
Capítulo 3
Rosana acreditou estar tendo uma alucinação, afinal, quais as chances de o italiano “maledeto” que tinha arruinado suas chances de sucesso na empresa estar bem ali no mesmo cinema onde ela havia ido com a sua irmãzinha e ainda passando na sua frente para comprar os ingressos! Realmente, ele era muito abusado! A herdeira não queria brigas, mas não se aguentou. Em meio a um pigarro, ela comentou:
— Então quer dizer que além de arruinar projetos alheios, você também é fura fila?
Matteo olhou para trás reconhecendo a voz.
— Buona sera, signorina Rosana — Sua voz saiu fria, enquanto ele lutava para não dar um sorriso, afinal, mesmo sendo irritada e impulsiva, Matteo precisava admitir que a jovem tinha seu charme.
— Não me venha com essa. Primeiro você me humilha na frente dos outros acionistas fazendo meu projeto ser negado e agora ainda passa na minha frente no cinema? — Ela cruzou os braços.
Matteo pediu licença à moça do caixa e caminhou até a garota de cabelos castanhos e olhos cristalinos.
— E o que a signorina vai fazer? Jogar pipoca em mim? Como jogou café? — indagou perto o suficiente para que ela pudesse sentir sua respiração.
— Não é uma má ideia.
— Para a sua informacione, io no furei la fila, eu já estava qui, ma tive que atender o telefone e pedi à gentil moça do caixa para guardare il mio lugar.
— É verdade — confirmou a moça do balcão, pelo visto escutando a conversa, que não era muito difícil considerando o volume da voz angelical do italiano marrento.
Rosana suspirou em desânimo.
— Tudo bem, vai lá terminar de comprar o seu ingresso, não quero mais problemas.
— Grazie, Io também no.
Contudo, antes que Matteo pudesse se encaminhar de volta à bilheteria, Angélica retornou curiosa…
— Rosana, que gritaria foi essa? Eu consegui escutar lá do balcão. Ah, quem é seu amigo?
— Angélica, ele não é meu amigo.
— Piacere. Tu sei una bella ragazzina.
A herdeira caçula arregalou os olhos confusos, enquanto colocava um pouco de pipoca na boca.
— Ragazzina, o que é isso?
— Significa menininha, minha irmã — explicou Rosana de maneira paciente.
— Ah, sim. Mas eu já sou uma pré-adolescente. — A fala fez os dois adultos caírem na risada
— Ecco, mi dispiace! Io sono Matteo, molto piacere!
— Prazer, espera, Matteo? Rosana, por acaso esse é o italiano de olhos brilhantes de quem você falou? — A herdeira mais velha sentiu as bochechas corarem e uma vontade imensa de desaparecer.
— O quê? De onde você tirou isso, Angélica? — A voz de Rosana saiu em tom de ameaça. — Crianças, elas têm cada uma.
— Já disse que não sou criança e não inventei nada, essas foram as suas exatas palavras.
Matteo caiu na risada com a discussão das duas irmãs e no fundo ficou contente de saber que Rosana achava seus olhos brilhantes, afinal o italiano pensava o mesmo da garota que tinha jogado café em sua cabeça mais cedo, não podia negar.
— Certo, agora vocês já se conhecem, mas agora deixa o Matteo comprar o ingresso dele, está bem?
— Espera, ele está sozinho? Cadê a sua namorada?
Foi a vez de Matteo corar, enquanto colocava as mãos no bolso pensando em como responder à pergunta indiscreta.
— Io non ho una namorata, segnorina.
— Sério, bonito desse jeito?
— A senhora me acha bello? — indagou Matteo.
— Claro, e a Rosana também, não é, Rosana?
Ao chegar em casa com certeza a jovem teria uma longa conversa com sua irmãzinha sobre discrição e comportamentos constrangedores.
— Muito bem, Matteo, se puder ir logo, o nosso filme já vai começar.
— Ecco.
— Espera, pelo visto você não vai ter tempo de comprar pipoca. Quer um pouco da nossa? — Angélica esticou o pacote em suas mãos.
— Non Grazie signorina.
— Que filme você vai assistir?
Matteo demorou um pouco para dar a resposta.
— Lisa Belinha.
— Não brinca! A gente também. Quer dizer, a Rosana queria assistir uma comédia romântica chata e melosa, mas eu convenci ela. Ah, eu tive uma ideia, por que vocês dois não compram os ingressos juntos e o Matteo senta com a gente, já que ele está sozinho?
Outra vez Rosana quis esganar a irmãzinha.
— Eu não sei se o Matteo vai querer, Angélica.
— Ah, por favor. Vai ser legal ter alguém que veio assistir ao mesmo filme que eu por vontade própria do meu lado para variar. O que me diz, Matteo?
O rapaz suspirou vendo que não havia outra opção, ele não podia desapontar Angélica, até porque ela o lembrava muito de sua própria irmã. O problema seria ficar perto de Rosana por tanto tempo. Quando viu a garota pela primeira vez na empresa, ele sentiu seu coração bater mais forte desde o divórcio, com seus cabelos marrons ondulados presos em um rabo de cavalo e seus olhos azuis cristalinos, a jovem chamou sua atenção, por isso, quando a viu de cabeça baixa, foi até lá oferecer ajuda. Mesmo que ela tenha sido grossa depois e ele tenha passado a tarde tentando tirar todo o café do cabelo, o italiano não podia negar que de certa forma se sentia atraído por ela. Porém, Rosana havia deixado bem claro que o odiava. Matteo não queria ter falado mal do projeto dela, mas precisava defender seus interesses, mesmo que isso custasse a oportunidade de conhecer a garota melhor e de afastá-la para sempre.
Contudo lá estavam os dois prestes a entrarem na mesma sala de cinema acompanhados da irmãzinha dela. Talvez ele tivesse a chance de mostrar a Rosana que não era o carrasco que havia humilhado mais cedo.
Assim, os jovens caminharam em direção à bilheteria e pediram três ingressos. Ambos tiraram a carteira no mesmo instante.
— Per favore, signorina.
— Não, imagina, eu trouxe dinheiro para isso.
— Rosana, per favore, me deixa fazer isso, é o mínimo depois de hoje.
Novamente, a herdeira mais velha conseguiu enxergar gentileza nos olhos brilhantes do italiano.
— Tudo bem, mas é a última vez.
— Cierto.
— Até porque duvido que iremos ao cinema juntos de novo, não é?
Matteo sentiu uma dor em seu peito quando as palavras de Rosana ecoaram em seus ouvidos.
— Ecco. — Ele colocou um sorriso falso nos lábios.
Enquanto caminhavam para a sala, Rosana pensava em como era estranha a sensação de ter mais alguém na tradicional sessão de cinema, até porque sempre havia sido só ela e Angélica por tanto tempo. Bom, a jovem tinha certeza de que se sua mãe estivesse viva estaria ali também, mas como infelizmente não era o caso, ela quem se encarregava de garantir à caçula momentos de diversão com uma figura feminina.
— La tua sorella é uma graça! — Matteo interrompeu seus pensamentos.
— A Angélica é um doce de menina e você gosta do mesmo filme que ela — Provocou fazendo o italiano dar uma risada.
— Ecco, mas eu ainda acho Lisa Belinha melhor do que comédias românticas. — Matteo cruzou os braços devolvendo a brincadeira na mesma medida.
— Não me surpreende que você não goste, afinal, para apreciar um belo romance é preciso ter sensibilidade, algo que pelo jeito você não tem. Como chamou meu projeto mesmo, ah é, uma piada. — Matteo suspirou cansado.
— Ma io ho olhos brilhante, non e vero? — provocou fazendo o coração de Rosana sair pela boca.
— Você é mesmo muito abusado. — Rosana torceu para que ele não reparasse em suas mãos trêmulas.
— Cierto. Já vi que a signorina não vai me perdoar tão cedo, mesmo io tendo dito que non era nada pessoal, ma será que podemos assistir a esse filme em paz, pela tua sorella.
Rosana pensou enquanto mexia nos cabelos. Uma forma inconsciente de exibir seus cachos para o italiano de olhos brilhantes que estava ao seu lado, mas se alguém perguntasse, ela nunca iria admitir que ainda se sentia atraída por ele.
— Tudo bem, temos um acordo! — A herdeira esticou a mão.
— Ótimo! — Matteo a cumprimentou sem saber que um simples toque de mão era capaz de fazer os pelos de seu corpo se arrepiarem por inteiro.
A sala de cinema, como esperado, estava lotada por meninas da idade de Angélica ansiosas por ver o filme da Lisa Belinha. Em meio às fileiras, os três encontram seus assentos. Antes de mais nada e com medo de ficar ao lado de Matteo por duas horas, Rosana foi logo indagando:
— Angélica, você quer sentar no meio? — Ela lançou um olhar discreto para a irmã que dizia: Por favor, aceite.
Contudo, a pré-adolescente, ao invés de concordar, exibiu um sorriso malicioso antes de responder:
— Rosana, você sabe que eu me dou melhor no canto e você vem sempre comigo, hoje quero ficar perto só do Matteo!
Pela quinta vez naquela noite ela quis esganar a garotinha de cabelos negros que parecia fazer de propósito. A herdeira mais velha então, vendo que não teria escolha, deu um longo suspiro.
— Tudo bem, como você quiser… — Sua feição, todavia, mostrava que teriam uma longa conversa quando chegassem em casa.
Assim ela sentou ao lado do italiano maldito que havia destruído seus sonhos mais cedo, mas tinha um sorriso angelical e olhos brilhantes, ela não podia negar.
— Eu acho que ela faz de propósito — cochichou para Matteo, enquanto sentia o cheiro de café que ainda estava impregnado em seu cabelo.
— O que, signorina? — Matteo a encarou de volta enquanto comia um pouco de pipoca oferecida por Angélica.
— Ela sabe que não te suporto e por isso me fez sentar ao seu lado. — Ela cruzou os braços. — Droga, eu quero um pouco de pipoca também e vai ser difícil pegar.
— Non seja por isso, signorina Rosana.
Matteo enfiou a mão no pote de Angélica e apenas alguns segundos depois, estendeu o punhado de pipoca em direção a Rosana.
— Aqui está.
Outra vez Matteo exibiu sua gentileza, quase a fazendo se esquecer da humilhação que o mesmo a havia feito passar mais cedo, contudo, Rosana não era assim de ceder tão fácil, até porque, seu sonho valia muito mais do que dois ingressos para cinema e um punhado de pipoca.
Com receio, Rosana esticou as mãos fazendo elas tocarem as de Matteo. Suas mãos eram quentes e macias, por alguns segundos ela imaginou como seria passar aquelas duas horas sentindo todo aquele calor, mas logo voltou a si e depois pegou as pipocas de maneira lenta.
— Grazie — cochichou não disfarçando o sorriso.
— Non há de que, signorina.
— Por favor, para com esse negócio de signorina, não sei, parece coisa do século passado, me chama só de Rosana, eu prefiro.
Foi a vez dos lábios de Matteo se levantarem em alegria, talvez não fosse tão impossível derreter aquele coração de gelo afinal.
— Cierto, só Rosana, eu gosto, é um nome bem bonito.
O poder que o italiano tinha de fazer suas bochechas queimarem, se mostrava cada vez mais infalível.
— Minha mãe escolheu quando eu nasci, ela era louca por rosas! — exclamou enquanto se deliciava com as lembranças da mãe a levando para passear no jardim e ver todas as flores que desabrochavam sob suas cuidadosas mãos.
— Que bello e dove stai la tua mamma?
Rosana sentiu uma pontada no peito com a pergunta.
— Ela… se foi, quando eu era bem novinha. — A garota de cabelos castanhos se limitou a responder.
Matteo arregalou os olhos enquanto fitava os olhos tão belos, mas tristes, de Rosana. Pelo visto, falar da mãe era um assunto bem doloroso, ele podia imaginar o que a jovem ao seu lado havia sofrido. Perder seu pai foi a maior dor que sentiu em toda a vida. De alguma forma, ele se identificava não somente pela perda de Bartolomeu, mas também porque já que sua mãe Leonora e a irmãzinha Paola, haviam ficado na Itália e queria consolá-la, afinal, por algum motivo não suportava ver aqueles lindos e hipnotizantes olhos verdes daquele jeito, não, queria vê-los alegres, em uma festa ou quem sabe depois de um beijo apaixonado… Agora ele estava sonhando demais,
— Io sento, Rosana, Io Non sapevo.
— Tudo bem. Obrigada. Mas e os seus pais?
— Mio padre no estai mas e tre Noi…
— Eu estou sabendo… e sinto muito — afirmou se lembrando das revelações de seu pai.
Matteo arregalou os olhos e lançou um olhar malicioso que era bastante sedutor.
— Grazie, no ha sido facile, ma então lá segno… quer dizer, tu já pergontato de me por aí?
Rosana gaguejou.
— Eu… bom não vá se achando, italiano, mas e o resto da sua família?
— Se han quedado en Italia — afirmou nem sequer lembrando da tela à frente.
— Nossa, deve sentir muita falta deles.
— Si io sento molta falta della mia mama e de la mia sorellina. In Verità Io Io ho escolhido questo film perché mia sorella is gostar…
Rosana ouvia admirada, mesmo com apenas duas frases, dava para perceber o quanto Matteo se importava com seus entes queridos e o quanto sofria por estar longe deles, de certa forma esse lado família do italiano era fofo. Por um instante ela se sentiu mal por ter zombado de sua escolha.
— Mas se todos estão lá, porque você veio para o Brasil?
Matteo suspirou tentando afastar as lembranças de Giuliana chorando enquanto arrancava o anel de seu dedo. Vê-la partir fez seu coração doer e sua vida parecer sem sentido, afinal era louco pela esposa, mas esta preferiu deixá-lo por uma aventura…
— Tudo que Io poso desire é que eu precisava de um recomeço…
Contudo, antes que Rosana pudesse responder, Angélica virou para o lado com uma cara fechada.
— Ei, vocês dois, eu estou tentando prestar atenção no filme aqui.
A fala fez Matteo e Rosana caírem na risada de uma maneira leve.
Matteo a encarou fascinado pensando há quanto tempo não ria daquela maneira. Angélica era uma garota doce que o lembrava sua irmãzinha de diversas maneiras e Rosana, essa ainda era um mistério, mas um mistério que ele teria um enorme prazer em desvendar
— Mi dispiace bella ragazza, vamos a guardare il film, non è Rosana? — O italiano pegou mais um punhado de pipoca.
A garota o fitou de uma maneira diferente, parecendo enxergar novamente o homem gentil que a havia incentivado mais cedo, não alguém que arruinou seu sonho e por algum motivo a luz dos olhos de Matteo pareciam ainda mais reluzentes aí em meio à escuridão.
— Ecco! — afirmou ela gastando o pouco que conhecia da língua italiana.
Mesmo sempre tendo gostado de viajar, a garota nunca havia se interessado em aprendê-la, mas naquele momento tudo que mais desejava era ser fluente.
Capítulo 4
Caminhando pelo shopping ao lado de Angélica e Matteo, Rosana mantinha a cabeça baixa, tentando evitar ao máximo encarar aqueles olhos hipnotizantes e sedutores que pareciam chamá-la para conhecê-los melhor. Por mais que o italiano tivesse se mostrado gentil oferecendo pipoca e falando sobre sua família, ela não podia esquecer da humilhação que o mesmo a havia feito passar apenas algumas horas antes na frente dos outros acionistas da empresa de seu pai. As palavras que saíram daquela maldita boca perfeita ainda ecoavam na mente da herdeira mais velha:
“Seu projeto é uma piada. Non é buono”. Por causa daquelas palavras que machucam mais do que qualquer corte feito por uma tesoura de podar, seu sonho estava arruinado, com o projeto negado, a garota de cabelos castanhos ondulados não tinha ideia de qual seria seu futuro na empresa. O que seu pai diria, será que o grande senhor Gumercindo Pereira ainda consideraria passar seu cargo de maneira permanente para ela depois de tudo? Se tivesse nascido homem, Rosana nem mesmo estaria tendo essa dúvida, era horrível pensar que mesmo no século XXI ela como mulher ainda precisava provar sua capacidade até mesmo para o próprio pai.
— E você, Rosana, o que achou do filme? — O sorriso inocente de Angélica a fez voltar ao momento presente.
— Ah, sabe como não é tão ruim quanto eu pensei! — A jovem direcionou seu olhar para Matteo não escondendo um sorriso tímido.
O italiano correspondeu pensando o mesmo. Rosana não era a garota grosseira que o havia ensopado de café mais cedo, era cuidadosa, ótima irmã mais velha e uma mulher muito interessante, cheia de camadas, camadas essas que Matteo queria muito desvendar.
— Ainda bem que você prestou atenção no filme e não nos olhos brilhantes do Matteo! — provocou a pré-adolescente fazendo Rosanna sentir as bochechas corarem pela vigésima vez naquela noite.
— Angélica! — repreendeu Rosana em um cochicho.
— Que foi? Não briga comigo, eu só estou repetindo as suas próprias palavras.
A audácia da garotinha com a irmã mais velha fez o italiano cair na risada.
— Aliás, vocês dois quando quiserem conversar, façam o favor de marcarem um encontro e não atrapalhar parte do meu filme — provocou Angélica, fazendo os dois se adultos encararem de maneira tímida, como dois adolescentes.
— Ma noi due ficamo quieto dopo que você chamou a nossa atenção! — argumentou Matteo.
— É verdade, eu gostei muito da sua companhia, Matteo, não sei por que minha irmã reclamou tanto de você, até porque, pelo jeito, gostou de sentar ao seu lado até mais do que eu.
Definitivamente Angélica precisava de uma aula sobre discrição e como agir em situações constrangedoras, não era possível que uma pré-adolescente pudesse ser tão atrevida e deixou uma jovem na casa dos vinte tão envergonhada diante de um homem sedutor. Ela precisava deixar tudo claro para que não houvesse mal-entendidos.
— É, Angélica, eu quero muito um sorvete, por que você não vai lá comprar para mim?
— Você nem gosta de sorvete. Podia ter pensado em uma desculpa melhor para ficar a sós com o Matteo, né? Eu só vou porque você vai acabar me dando a casquinha inteira mesmo. Comportem-se. Posso ser novinha, mas estou de olho — ameaçou a jovem antes de sair.
Rosana sentiu seu coração explodindo no peito, pela segunda vez naquele dia, lá estava ela de frente para o italiano de olhos brilhantes que havia lhe dado coragem depois do incidente com o computador, apenas para minutos depois a humilhar e acabar com todas as suas esperanças.
— A Angélica é assim mesmo, mas ela gostou de você! Então, eu te agradeço por ser tão gentil com ela.
— Non há de que, sua sorella é adorável mesmo que non tenha papas na língua, como vocês dizem aqui!
A jovem arregalou os olhos de surpresa.
— Nossa, para quem chegou há pouco tempo até que você conhece algumas gírias da língua portuguesa — provocou se aproximando.
— Io ho estudado il portuguese antes vir para cá. Sabe, meu pai sempre me contava que trabalhava no Brasil, me contava histórias dele e do seu pai.
Rosana cruzou os braços impressionada em como aquele italiano era cheio de mistérios.
— Então, você sabe quem eu sou?
— Sim, meu pai sempre falava que il signore Gumercindo tinha uma filha chamada Rosana e quando os acionistas falaram o seu nome, eu sabia que era você. Só non sabia que era ton bella — o italiano sussurrou a última parte fazendo Rosana sentir novamente arrepios por todo corpo.
Ela estava acostumada a ser elogiada por todo tipo de homem, afinal frequentou algumas festas na faculdade e seu pai sempre a levava para as comemorações da empresa onde os filhos de funcionários muitas vezes lhe teciam elogios, porém, nunca nenhum deles havia causado o que ela estava sentindo naquele momento.
Por um instante ela se pegou imaginando como seria mergulhar naqueles lábios perfeitos que mais pareciam uma obra de arte, ou sentir aquele cheiro de café impregnado naquele cabelo mais de perto. Não, ela estava fora de si, não podia se deixar levar tão facilmente por elogios e encantos de um italiano charmoso, ainda mais quando este havia destruído seu sonho e difamado o projeto de sua vida na frente dos acionistas da empresa que um dia seria sua. Sem contar as revelações de seu pai sobre a família do italiano…
Ela precisava manter o foco, Matteo era desprezível, um destruidor de metas e de projetos alheios, Rosana jamais poderia se esquecer disso, mesmo que aquele arruinador viesse em uma embalagem tão irresistível.
— Seu italiano atrevido, acha mesmo que esses elogios vão me fazer esquecer do que fez?
Matteo não podia acreditar, realmente Rosana era osso duro de roer, que garota teimosa, mas tão irritantemente linda.
— Io só estava sendo gentil, mas você só sabe reclamar e jogar pedras em mim — retrucou Matteo.
— Ah, eu que jogo pedras em você? Você chamou o projeto da minha vida de piada.
— Ma dio santo! Esquece isso.
— Você é mesmo um insensível. E pensar que eu te agradeci por ser gentil com a Angélica, mas eu acho que esse cinema foi um erro,
— Io também acho.
Os dois cruzaram os braços como duas crianças ao mesmo tempo em que Angélica retornou com uma colher de sorvete de baunilha na boca.
— Como eu sabia que você ia me dar, eu já economizei tempo… Ah não, vocês brigaram de novo. Pelo amor de Deus, nem as pessoas da minha sala fazem isso.
— Vamos embora, Angélica. Não temos mais nada que fazer aqui! Buona sera! — Rosana puxou a irmã antes que a mesma pudesse se despedir de Matteo.
— O que foi, Rosana? Eu ia convidar o Matteo para jantar lá em casa amanhã, ele é legal e você também gosta dele que eu sei!
— Não, eu não gosto e aquele italiano é maledeto
— O quê?
— Quer dizer que ele não é boa gente, agora vamos logo antes que o papai fique preocupado, e não conte nada disso para ele, promete?
— Por que não?
Rosana suspirou. Se Gumercindo, que prezava tanto pelo profissionalismo, soubesse do ocorrido, aí sim as chances de Rosana estariam arruinadas de vez.
— Você não entenderia, é assunto de adulto.
Angélica cruzou os braços, emburrada.
— Já disse que odeio quando me trata feito criança, mas tudo bem, eu mantenho segredo por você!
— Obrigada, vamos, vamos!
Rosana puxou a irmã para fora do shopping, se amaldiçoando por ter escolhido aquele cinema, afinal, em vez de se distrair com a irmãzinha, estava voltando para casa com mais um problema, e o pior é que o “problema” em questão tinha uma obra de arte no lugar da boca.
Matteo abriu a porta de seu pequeno apartamento no Brasil, onde se deparou com uma sala vazia. Seu coração se apertou ao lembrar de que na Itália esse cenário era bem diferente. Quando voltava do trabalho no bar, sentia o cheiro do café feito na hora por sua mãe, Dona Leonora, com a ajuda da nora Giuliana, enquanto seu pai, Bartollo, o esperava para conversar sobre as principais notícias do dia, assunto este muito entediante aos olhos de sua irmãzinha Paola, esta, impaciente, puxava a blusa do irmão mais velho o chamando para brincar.
Sua casa, na pequena vila italiana, era bem modesta, afinal, seu pai havia perdido tudo que havia conseguido levar do Brasil, em um investimento fracassado. De todo modo, eles podiam não ter muito dinheiro, mas amor era algo em abundância naquela família.
Agora, Matteo até podia ter conseguido uma boa posição como acionista de uma das maiores empresas de café do Brasil, mas se sentia sozinho. A morte trágica de seu pai era um momento que sempre voltava à sua mente como uma sombra.
Na época, Bartollo estava apavorado, mesmo anos depois de ter voltado do Brasil, expulso por seu melhor amigo por um mal-entendido – pensou ter sido enganado, mas a verdade é que Bartollo nunca havia roubado um pão qualquer em toda a sua vida. Em uma última esperança de tentar se reerguer novamente, o chefe da família investiu o pouco que restava em um pequeno negócio de massas com a ajuda da esposa Leonora, uma cozinheira de mão cheia. Este durou bastante tempo, contudo, por dívidas de aluguel e a concorrência de grandes redes que estavam chegando até mesmo nas grandes cidades, eles acabaram falindo. Em um ato de desespero e para evitar ver sua família em extrema necessidade, Bartollo teve uma atitude inconsequente e impulsiva, por mais que Matteo e Leonora o aconselhassem o contrário, afinal os mesmos podiam ajudar da forma que fosse, o salário de Matteo na época não era muito, mas era o suficiente para evitar o pior.
Todavia, o chefe da família, teimoso e orgulhoso, não queria dar o braço a torcer e admitir que havia falhado, além do mais, Matteo era casado, e segundo Bartollo, o filho precisava se preocupar com a esposa e os filhos que poderiam vir. Ele sabia que Matteo estava juntando o pouco que ganhava para comprar uma casa própria onde poderia viver com Giuliana e construir sua própria família, não era justo que seu filho pagasse por seus erros.
O italiano fez um empréstimo com quem não devia. Claro, essas pessoas maldosas cobraram o preço. Começou com pequenas ameaças escritas na porta de entrada da casa, depois Bartollo chegava em casa pingando sangue do rosto devido a inúmeras surras, até que por fim, em uma emboscada, os mafiosos malditos tiraram a vida de seu pai.
A verdadeira razão da morte de Bartollo permaneceu um mistério na vizinhança. O mesmo tinha vergonha de sua situação, por isso, antes de morrer com uma bala na barriga e mal conseguindo respirar, ele pediu que inventassem qualquer história, mas não revelassem a verdade. Matteo se lembrava perfeitamente das últimas palavras do pai.
— Matteo, filho mio, escuta. — Bartollo segurou as mãos do filho em despedida. — Io ho fatto uma besteira e agora eles também podem vir atrás de você. Mas você tem uma chance, filho mio. In Brasille, na empresa de mio amico Gumercindo.
Na época, Matteo não podia nem ouvir falar aquele nome, afinal, em sua mente, o ex-sócio brasileiro era indiretamente culpado por toda aquela situação. Mesmo sendo uma criança, ele se lembrava de como o pai havia partido em busca de um futuro melhor, ficou transtornado quando retornou e demorou anos para se reerguer.
— Non, Io no vo atrás de quelo maledito.
— Perfafire, figlio mio — continuou com dificuldades de respirar. — Acha mesmo que questa desgraça há finito com me? Non, Io conosco quella gente vai vir atrás de vocês. Non vai dinero para ir todo mundo. Tua mama e tua Paolla puoden quedare a casa de mia sorella em Roma, estarão seguras, tu e a tua Giuliana van, você tem direito, figlio fmio. Anchor, Brasile é um belo lugar. E a chance de um recomeço!
Matteo sentiu o coração apertar com a ideia de ficar longe de sua mãe e sua irmã. Perder o pai já não era o suficiente? A família sempre foi tudo para ele e agora a mesma estava desabando sobre sua cabeça. Contudo, seu pai estava certo, o jovem também conhecia a “maledita” máfia. Sabia que não os deixariam em paz.
— Tá bene. Io volto para buscar vocês. Bom, pelo menos Io tere la mia Giuliana ao meu lado — pensou consigo mesmo sem imaginar que sua amada não iria para o Brasil.
Agora, lá estava ele, voltando de uma sessão de cinema na companhia da filha daquele que julgava ser o responsável pela ruína de sua vida. E o pior é que a filha mais velha tinha lábios irresistíveis.
Claro, o acionista estrangeiro ainda não havia esquecido sua Giuliana, afinalm, a mesma foi seu primeiro e único amor desde a adolescência, porém, quando viu Rosana pela primeira vez, brigando com o computador, uma sensação diferente tomou conta do seu corpo, sentiu que tinha vindo ao Brasil e entrado naquela empresa só para encontrá-la. Mesmo com a mágoa em seu peito e o coração fechado para o amor, a jovem de cabelos castanhos ondulados atraiu seu olhar como um anzol e seu temperamento forte então…
De certa forma, ele se arrependia de ter sido tão duro com o projeto de Rosana, afinal, tinha visto seu desespero e nervosismo antes da apresentação. Além do mais, já havia dado para perceber que ela trabalhava duro por uma chance e merecia tê-la. Droga, mesmo que Matteo fosse contra a ideia de investir em novos produtos, não tinha direito de humilhar uma mulher daquela forma, ainda mais uma que à primeira vista havia feito seu coração bater mais forte.
Entretanto, agora era tarde demais, Rosana nunca o perdoaria por mais que odiasse admitir, e sabia que tinha merecido levar o copo de café em seu cabelo. Droga, por quê?
Mesmo tendo o sangue do assassino indireto de seu pai, ela tinha que ser tão atraente. Deus como só de entregar pipoca em suas mãos ele sentiu o corpo inteiro se arrepiar?
Em uma tentativa de esfriar a cabeça, Matteo se deitou no sofá e acabou adormecendo, mas naquela noite sonhou com uma certa pessoa de cabelos castanhos ondulados.
Capítulo 5
As mãos de Rosana acariciavam de maneira carinhosa os cabelos lisos e negros da irmã, contudo, sua mente ainda estava imersa nos acontecimentos do dia. Primeiro o olhar penetrante de Matteo a hipnotizou, como se ele tivesse jogado algum tipo de feitiço no copo de café, pois não era possível. Assim que seus olhos cruzaram com os do italiano misterioso, a jovem herdeira soube que não tinha mais volta, era uma sensação nova de segurança, perigo, alegria, medo, tudo ao mesmo tempo junto e misturado.
Por sempre estar muito ocupada tentando provar seu valor ao senhor Gumercindo, a garota de cabelos castanhos ondulados nunca teve muito tempo para ir às festas ou conhecer alguém. Porém, isso não significava que, no fundo, ela não queria saber qual a sensação de sentir seu peito pular ao olhar para alguém ou experimentar o gosto de um beijo de amor verdadeiro vindo de alguém que a desejasse em seus braços mais do que tudo.
Por um tempo, esses desejos, antes considerados por ela infantis, ficaram guardados em sua mente e em seu coração em um local que a aspirante a empresária raramente acessava, mas desde que conheceu Matteo naquela manhã, era como se essa mesma parte que a garota lutou tanto tempo para esconder, por considerá-la fraca, tivesse se rebelado e quisesse tomar o controle sobre suas ações. Porém, mesmo que a aventureira dentro dela quisesse mergulhar fundo nessa nova emoção, o seu lado racional a dizia para parar, afinal, uma vez que cedesse aos encantos do italiano, a filha mais velha de Gumercindo temia que não houvesse mais volta.
— Terra para Rosana, você vai ler a história para eu dormir ou não? — Angélica arrancou a irmã de seus pensamentos intrusos.
Mesmo já sendo uma pré-adolescente de treze anos, Angélica fazia questão que Rosana lesse uma história antes de dormir todas as noites. Por ter crescido sem a mãe, a herdeira mais nova tinha em Rosana uma figura materna em quem sentia segurança e, mesmo crescida, a pequena gostava de manter as boas tradições, as histórias antes de dormir e o beijo de boa noite vindo da irmã mais velha eram algumas delas.
— Me desculpa, docinho, eu estava longe, mas agora estou aqui! — Rosana aconchegou a irmã em seus braços.
— Sei muito bem onde estava, com um certo italiano charmoso… — provocou.
Ao mesmo tempo em que gostava de manter tradições consideradas infantis por alguns, Angélica também se mostrava muitas vezes mais madura do que a maioria das garotas de sua idade, por essa razão, Rosana tinha dificuldades em esconder seus sentimentos da irmã, o que às vezes era uma benção e uma maldição.
— Esquece esse assunto, eu já disse que o Matteo não é uma boa pessoa. Eu não gosto dele!
— Não foi o que pareceu quando vocês estavam conversando no cinema, eu vi como estava hipnotizada. Para dizer a verdade, irmã, eu nunca te vi tão feliz como quando estava com ele.
Por mais que não quisesse admitir, Rosana sabia que a irmã estava certa. Sua vida se resumia a tentar impressionar Gumercindo, trabalhar na fazenda e cuidar de Angélica, não que estivesse reclamando, mas sua rotina sempre a mesma, monótona, nada de diferente acontecia há tempos além da apresentação do projeto. As sessões de cinema com Angélica, por mais que a jovem apreciasse a companhia da irmã, sempre quase a faziam cair no sono, afinal, os filmes eram sempre escolhidos pela garota de treze anos.
Naquele dia, depois de tempos, algo balançou suas estruturas e esse algo tinha nome e lábios sedutores. Ao pensar no italiano, a herdeira mais velha sentiu uma vontade imensa de fazer uma loucura, largar tudo para o alto e viver essa nova emoção que havia chegado tão de repetente e se instalado em seu peito de forma avassaladora.
O que estava dizendo? Ela andava assistindo muitas comédias românticas, a vida real não era assim, ela possuía sua vida, a empresa, Angélica, não podia nem sequer pensar em largar tudo por um italiano de quem não sabia nada, ou melhor, sabia que ele era filho de um ladrão e arruinador de projetos. Isso ela nunca poderia esquecer, por isso teve que se esforçar para não sorrir ou ao se lembrar das mãos de Matteo tocando as suas ao entregar-lhe um punhado de pipoca.
— Ah, minha irmã, você está enxergando demais, eu só estava tentando ser educada, afinal, você inventou de chamar o maledito para sentar com a gente. Eu não queria brigas no meio da nossa sessão de cinema.
— É, mas logo depois vocês estavam brigando de novo, parece até aqueles casais dos filmes que você gosta, onde os protagonistas vivem brigando, mas no fundo são apaixonados um pelo outro.
Rosana sentiu as bochechas corarem, visto que realmente uma das razões para ela ter brigado com o italiano enquanto ela ia pegar o sorvete foi justamente o fato de Matteo a ter elogiado. Bella. Rosana já havia recebido inúmeras mensagens com declarações melosas de amor nos tempos da faculdade, tantas que se tornaram irrelevantes. Contudo, uma simples palavra saída daquela boca italiana perfeita era o suficiente para fazê-la se derreter por dentro para abalar suas estruturas de uma forma inédita.
— Eu preciso parar de te mostrar esses filmes, melhor você continuar assistindo Lisa Belinha para não ter ideias erradas na cabeça. O Matteo foi cruel comigo, me humilhou na frente dos acionistas.
— Mas ele tem olhos brilhantes.
Rosana suspirou enquanto brincava com os cabelos da irmã.
— Você não vai me deixar esquecer disso, não é?
— Não, vou!
— Então, minha irmã. Eu sei que você está acostumada a assistir e ler contos de fada onde os homens lindos e de olhos brilhantes são príncipes encantados perfeitos que se apaixonam à primeira vista pelas princesas. Mas, na vida real, esses homens bonitos usam essa beleza para enganar as mulheres. Eles fazem promessas, são legais com as irmãs delas, mas é tudo até conseguirem o que querem…
Angélica ergueu a sobrancelha de forma curiosa enquanto abraçava o travesseiro.
— E o que eles querem?
Rosana na mesma hora percebeu o erro que havia cometido, não podia contar à sua irmãzinha de treze anos o que acontecia em um quarto, e em outros lugares criativos, entre duas pessoas que se amam. Angélica, por mais sagaz que fosse, ainda era muito nova para ter “a conversa” .
— Um beijo. — Sua voz saiu em um impulso
— Ah, não, não me enrola Rosana. Eu só tava te testando, mas sabe muito bem que é mais que isso.
Rosana jogou o travesseiro na irmã a repreendendo.
— Angélica, você é muito nova para esse tipo de assunto, mocinha. Essas meninas de hoje são impossíveis.
— Ah, Rosana. Eu já aprendi sobre isso na escola há muito tempo. Tenho treze anos. Você quem precisava parar de me tratar como uma criança, mas eu sei muito bem o que é se-
— Chega! Não fala. — Rosana tampou os ouvidos horrorizada com a ideia de ouvir tal palavra sair da boca inocente de sua irmã caçula. — Prometo que quando for a hora vou ter uma conversa com você para explicar tudo, mas agora…
— Combinado. Só me responde uma pergunta?
— Claro.
— Isso que os adultos fazem, você sabe, dentro de um quarto… que você não quer que eu fale... Você gostaria de fazer com o Matteo?
Dessa vez não apenas as bochechas, mas o rosto inteiro de Rosana se tornou um pimentão. A resposta? Obviamente era sim, mesmo com as revelações de seu pai e a humilhação na empresa, ela não conseguia deixar de imaginar como seria um beijo do italiano, será que a levaria aos céus, será que se ele beijasse seu pescoço e algumas outras partes ela saberia o que é ser amada de verdade? No que estava pensando? O conhecia há apenas um dia! Ela lembrou a si mesma, recuperando a razão.
— Já falei! Isso não é assunto para alguém da sua idade. Além do mais, amanhã você tem escola, chega de conversa e vamos ler logo essa história para a senhorita dormir.
Angélica cruzou os braços em reclamação.
— Tudo bem, mas não pense que vai escapar dessa conversa…
A herdeira mais velha engoliu seco antes de pegar o livro na cabeceira e tentar se concentrar na leitura, mas sem sucesso, visto que um certo italiano pelo visto não deixaria sua mente em paz tão cedo.
Matteo engoliu o pão de maneira rápida enquanto seus dedos deslizavam sobre a tela para saber as notícias do dia, o gosto salgado do pão de sal comprado na padaria no dia anterior o fazia sentir saudade do café da manhã doce de casa.
Por mais que Brasil e Itália fossem semelhantes em alguns aspectos, alguns se diferenciavam bastante quando falávamos de cultura e o café da manhã era um deles. Matteo não entendia por que alguém iria comer algo salgado no café da manhã logo depois de acordar, afinal, como sua mãe sempre dizia, um doce para começar o dia sempre é bom. Contudo, ele queria experimentar os costumes locais para se enturmar e ser respeitado como um acionista de uma empresa importante do Brasil, ele devia isso a memória de seu pai, a dona Leonora e a pequena Paola, estas o aguardavam ansiosas, com boas notícias. Matteo não podia deixá-las na mão, precisava mostrar que era capaz de ajudar sua família, mesmo sem seu pai e sem sua Giuliana… a única mulher que tinha amado a vida toda desde a adolescência, a lembrança de tê-la em seus braços durante as festas locais ainda eram uma tortura de certa forma, seus braços pareciam ter sido feitos para ela, e, na época, ele pensava que os dois ficariam juntos para sempre, mas estava enganado, agora ele passava os dias se perguntando se algum dia alguma mulher seria capaz de fazê-lo se apaixonar de novo. Bom, essa resposta talvez estivesse mais perto do que ele pensava, considerando as recentes interações com uma certa garota mal-humorada de cabelos castanhos cacheados, não, ele precisava se concentrar, não era hora de pensar em Rosana e em como seus cabelos caíam perfeitamente sobre os ombros ou como seu sorriso era maravilhoso enquanto estava se divertindo. Hoje era dia de missão importante, então por que ele sentia uma vontade imensa de ir até o escritório para ver se, por acaso, a filha do senhor Gumercindo não estava por lá?
O toque de seu celular fez o italiano voltar ao presente com um sorriso ao ver o nome na tela.
— Mama como estai? — exclamou ao ver dona Leonor na tela.
— Matteo, filho mio! Como está in Brasile?
— Bene mama, quer dizer, io ho tido alguns problemas, mas nada que io non posso resolver.
— Que tipo de problemas? — Leonora cruzou os braços enquanto ainda segurava o celular.
— Ah, mama, a filha do signore Gumercindo, ela é uma garota arrogante, sabe. Acredita que ela apresentou um projeto para que a empresa comece a investir em vinho também?
— Madona Mia e o que você fez.
— Eu não aprovei, claro, e convenci os acionistas a votarem contra, aí ela jogou café na minha cara.
Escutando a conversa, Paola apareceu em frente a tela não segurando o riso.
— Io já gostei dela! — exclamou.
— Você sempre implica comigo, né, Paola?
— Você sabe que isso é, como dizem em português, mesmo? Ah é, saudade.
— Pois é, mia ragazza anche io sono morto de saudades, mas logo io vo conseguir trazer vocês!
— Ma e essa Rosana, ela é carina, bonita?
Matteo corou com a pergunta, realmente, sua irmãzinha não era muito diferente de Angélica.
— Ma que pergunta é essa? — indagou dando graças a Deus por não ter contado sobre o cinema.
— Io só quero saber, além do mais, você precisa encontrar um novo amore, quem sabe, não consigo uma cognata brasiliana?
— Tua sorrela non esta errada, Matteo, você precisa se abrir para o amore novamente.
O italiano suspirou antes de responder.
— Io se, mama, mas é tão difícile, sabe, ho paura, me machucar de novo.
Dona Leonora soltou uma leve risada.
— Non precisa, filho mio, non deu certo com a Giuliana, ma isso non significa que nunca vai dar certo com ninguém, promete para sua mama que se conhecer alguém speciale vai dar uma chance.
— Tá bom, mama, Io prometo, agora eu tenho que ir, oggi io vo na fazenda do signore Gumercindo para conhecer tudo.
— Fa molto bene mio figlio, te voglio molto bene. Fica com dio!
— Anche io te voglio molto bene mamma, te vediamo!
— Ciao, mio fratello querido! — Paolla jogou um beijo antes de encerrar a ligação.
Matteo colocou o aparelho de lado enquanto suspirava tentando absorver as palavras de sua mãe… talvez ela estivesse certa, talvez ele precisasse se abrir para o amor, mesmo que esse jogasse café em seu rosto.
Naquela manhã, a fim de mostrar ao seu pai que não havia desistido de assumir a empresa algum dia, Rosana levantou cedo para ir à fazenda. A jovem se distraía olhando para os cafezais e ajudando a supervisionar as safras colhidas que iam para a fábrica, um trabalho empolgante que ela adorava fazer e nada iria estragar, pelo menos, era o que ela pensava, até descobrir que mais uma vez o destino havia pregado uma peça. Pois, junto com um dos caminhões de descarga, ela também avistou um certo italiano passar pelo portão principal…