E se for ele?

Escrito por Kelsea | Revisado por Lelen

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Capítulo 1

  As mãos trêmulas de Rosana seguravam o aparelho que continha a chave para o seu futuro. Um futuro com o qual ela sonhava desde pequena, enquanto acompanhava o pai na plantação. Claro que uma criança ainda não entendia como o café tão apreciado pelos adultos tinha início em uma fazenda administrada por sua família há gerações. A graciosa garotinha de cinco anos, ao invés de brincar de bonecas com outras garotas, implorava a seu pai que a levasse para a fazenda, onde ela caminhava pelo cafezal ao seu lado. Enquanto seus olhos brilhavam, Gumercindo olhava para a filha orgulhoso, antes de explicar:
  — Sabe, Rosana, meu avô veio de Portugal há muito tempo em busca de uma vida melhor aqui no Brasil, ele chegou, com nada além da roupa do corpo e um sonho: ficar rico. Mesmo nunca tendo plantado uma muda de café na vida, ele conheceu um fazendeiro aqui em São Paulo que lhe deu um trabalho e o acolheu. Logo seu bisavô já era dono das próprias terras, terras estas que com o trabalho duro dele, prosperaram e passaram para as mãos do meu pai, que depois passou para mim e um dia, quem sabe, se você merecer…
  A menina que tinha os cabelos presos por uma maria-chiquinha respondeu sorridente:
  — Não se preocupe, papai, vou fazer por merecer!
  — Eu sei que vai, minha filha. Mas é muita responsabilidade, porque agora ela é muito mais do que uma fazenda: um negócio. Pessoas do Brasil inteiro, e até de outros países, tomam o café feito com os grãos saídos daqui e moídos nas minhas inúmeras fábricas espalhadas por aí.
  Os olhos da garotinha se arregalaram em admiração.
  — As pessoas de outros países também tomam café, papai?
  O empresário passou as mãos pelos cabelos cobertos de gel enquanto deixava escapar uma risada.
  — Claro que sim, minha filha! Bom, em alguns lugares menos, em outros mais. Contudo, o que posso te garantir é que quem experimenta o nosso café nunca mais quer saber de outro!
  — Porque o nosso é o melhor! — a pequena exclamou se agarrando às pernas do pai.
  — Isso mesmo, minha menina! Quem sabe se você me provar seu valor eu não te dou a chance de me mostrar que consegue continuar produzindo?
  Desde aquela época, tudo que Rosana desejava era deixar o pai orgulhoso, afinal, mesmo ele não admitindo, no fundo era evidente que o empresário queria muito ter tido um filho homem para cuidar dos negócios, um pensamento que a aborrecia, mas deixava passar, afinal sabia que a mente teimosa e irredutível do grande Gumercindo Pereira estava presa no século dezenove.
  Apesar do patriarca nunca ter negado a possibilidade de passar o negócio da família para as mãos de Rosana, a jovem sempre teve que trabalhar duro a fim de mostrar sua capacidade. Na adolescência, ela passava os finais de semana ajudando na plantação da maneira que podia, fosse colhendo, regando, e sempre perguntava no que mais poderia ser útil. Quando completou dezessete, seu pai deixou que se tornasse responsável por uma das fábricas e o acordo era: se a fábrica em questão dobrasse a produção e o faturamento em um mês, ele pagaria para Rosana um curso de administração em Harvard, faculdade para a qual ela havia entrado, e quando ela voltasse, teria seu lugar na presidência.
  A jovem deu seu máximo para fazer a fábrica funcionar a todo vapor, mas mesmo assim seus pés teimavam em tremer enquanto entrava no escritório de seu pai.
  — Ah, Rosana, minha filha, você chegou! Pode se sentar.
  Sentindo o coração bater descontrolado, a jovem, de maneira tímida, obedeceu, enquanto segurava sua planilha.
  — Muito bem, minha filha. Como você sabe, esse mês eu fiquei muito apertado — começou Gumercindo gesticulando as mãos como de costume.
  — É, eu sei, pai, o senhor teve que cuidar de negócios no exterior e dar atenção a Angélica.
  A pequena e doce Angélica havia nascido muitos anos depois de Rosana, era uma menina adorável.
  — Sim, não é fácil para ela crescer sem uma mãe.
  Infelizmente a vida de Angélica havia custado a vida de dona Maria do Socorro conhecida como a primeira dama do café. A aspirante à empresária possuía inúmeras boas lembranças com a mãe, por exemplo, uma vez em que ela demitiu uma empregada porque o filho da mulher havia puxado o cabelo de sua preciosa Rosana, ou quando a filha chegava exausta de um dia na fazenda, ela sempre a recebia com um chá e uma palavra de incentivo.
  — Filha, você está indo muito bem, tenho certeza que seu pai está orgulhoso, mesmo que ele não diga, sabe como o senhor Gumercindo é cabeça dura.
  Ela ria enquanto se aconchegava no abraço da matriarca da família.
  Desde a morte da mãe, Rosana havia colocado como meta para si mesma: se tornar uma empresária tão boa quanto seu pai, ou até melhor. Um caminho que se tornou muito mais difícil com a ausência de Maria do Socorro, porém Rosana precisava ser forte, pelo seu sonho e por sua irmãzinha, Angélica, a mesma sem culpa alguma do acontecido.
  — Eu sei, e está fazendo um ótimo trabalho — elogiou na tentativa de amolecer aquele coração duro. — Mas eu trouxe aqui as planilhas com os resultados da fábrica no tempo em que ela ficou sob minha responsabilidade.
  Com as mãos trêmulas a garota colocou a pasta na mesa do mesmo jeito que um aluno entrega aquela prova impossível de matemática sem saber o resultado.
  O barulho do passar das páginas e o olhar concentrado de Gumercindo sobre as folhas, faziam a jovem sentir como se o tempo tivesse parado. Mesmo batendo os pés na tentativa de se distrair, seu olhar continuava concentrado tentando decifrar através da ruga na testa do pai, o que passava em sua mente.
  Depois do que na sua perspectiva foram horas, o empresário suspirou antes de começar a falar:
  — Rosana — sua voz saiu fria, mas isso não significava nada já que era seu tom de voz habitual, outra vez ela tentou encontrar alguma pista de seu futuro nas feições de Gumercindo, mas para seu azar, o pai era muito bom em esconder as emoções. Um réu em julgamento provavelmente estaria menos nervoso.
  — Sim pai! — soltou de maneira automática.
  O neto de fazendeiro a fitou por alguns segundos antes de continuar:
  — Você não dobrou o faturamento como tínhamos combinado.
  A jovem engoliu seco. Sua voz saiu trêmula e fraca quando indagou.
  — Não?
  — Não. Você simplesmente o triplicou.
  A fala sem expressão foi o suficiente para fazer um sorriso surgir nos lábios de Rosana e ela não fez questão de esconder.
  — É sério? — Ela puxou a pasta das mãos do pai sem pensar em mais nada.
  — Devo dizer que estou impressionado, nem eu consegui tamanho feito quando tinha a sua idade. Para ser sincero, a primeira vez em que dobrei o faturamento da pequena fazenda do meu pai eu tinha vinte e oito anos. Você, minha filha, é uma potência.
  Nada era mais satisfatório para Rosana do que ouvir um elogio saindo da boca de seu pai, afinal esse evento era mais raro do que um eclipse.
  Como combinado, a herdeira arrumou suas malas e, passados quatro anos, se formou com louvor em uma das faculdades mais renomadas do mundo.
  Ao retornar para o Brasil, sua mente estava aberta, cheia de novas ideias para modernizar a empresa e fazê-la lucrar ainda mais. Certa noite, ela decidiu compartilhá-las com seu pai.
  Em meio a uma sala escura com nada além da luz de um datashow brilhando, a garota expôs seu ponto de vista com confiança.
  — Resumindo, no dia de hoje, as pessoas estão precisando mais de ficar bêbadas do que acordadas. Por isso, expandir nossa gama de produtos e investir em vinhos colocaria nossa empresa em outro nível — afirmou, antes de acender as luzes e encarar o pai com nervosismo.
  Gumercindo fitou a filha de cima a baixo como se ela tivesse acabado de fazer algo errado e ele estivesse pensando no melhor castigo. Rosana já estava acostumada a esse olhar, por isso ainda mantinha esperanças de que sua ideia poderia ganhar a aprovação do empresário.
  — Minha filha, você sabe que o consumo de café no Brasil ainda é muito maior do que o de vinho, não é? E que para investir na plantação de uvas teríamos que adquirir algumas terras específicas no Sul e isso custaria dinheiro — começou o patriarca fazendo a garganta de Rosana coçar em nervoso.
  — Eu estou ciente de tudo isso, meu pai. Mas, se você consultar os dados, o mercado de vinhos é o que mais cresce no nosso país atualmente. Pense bem. O café é algo que as pessoas relacionam a ficar acordadas, para trabalharem, já o vinho se relaciona ao momento de lazer, descanso. Essa é a visão que eu gostaria de trazer. Além de que os vinhos são mais caros, tendo a chance de um lucro ainda maior. — Ela se calou enquanto observava o pai cruzar os braços sem esboçar nenhuma reação.
  — É o seguinte, Rosana — Gumercindo pigarreou. — Meu avô, o seu bisavô, como você sabe, veio de Portugal sem nunca ter visto uma muda de café na vida, mas ele se esforçou, deu a sorte de encontrar um patrão generoso e aprendeu como produzir o melhor café deste país. O que eu quero dizer é: O café sempre foi a nossa marca, a tradição da nossa família. Seu bisavô reviraria no túmulo com a ideia de começarmos a investir em outro produto.
  Rosana abaixou a cabeça não gostando do rumo que a fala do pai estava tomando.
  — Porém…
  Os olhos da garota se levantaram outra vez, em esperança.
  — Mesmo sendo difícil de acreditar, eu não sou tão cabeça dura como ele. Por isso vou te dar uma chance.
  Sem acreditar, a jovem suspirou aliviada.
  — Sério, pai?
  — Sim. Eu te mandei para uma das melhores faculdades do mundo, é hora de eu ver se meu investimento valeu a pena. É o seguinte: eu estava mesmo querendo tirar umas férias daquele lugar, sabe como é? Durante um mês, eu vou te nomear presidente interina. Você poderá elaborar esse seu projeto dos vinhos melhor e apresentar aos acionistas, se convencê-los e os custos não forem tão exorbitantes, eu vou te deixar na presidência permanentemente.
  O sorriso no rosto de Rosana brilhava em euforia.
  — Muito obrigada, pai! Não vai se arrepender!
  — Porém, se os acionistas não aprovarem dentro de um mês, eu tomo o controle de volta, pois meu investimento terá sido em vão. Estamos entendidos?
  A jovem de cabelos castanhos ondulados engoliu seco, ela sabia que o pai não estava blefando, pois era um homem de palavra. Aquela era a chance que sempre desejou, se tivesse sucesso, seu sonho de assumir os negócios da família se tornaria realidade, mas se falhasse, o mesmo estaria arruinado para sempre. O que fazer? Como havia aprendido com seus antepassados e com o pai, a vida era feita de riscos.
  — Certo, eu aceito!

  Dias depois, lá estava ela, prestes a apresentar o projeto aos acionistas da empresa. Gumercindo dizia que eles eram como lobos, sempre esperando o momento certo para atacar sua presa. Porém, Rosana não se intimidava, afinal, aquele grupo de engravatados não iria ficar em seu caminho.
  Contudo, ela não podia evitar sentir um certo frio na barriga. Era a primeira vez que falaria na frente de tantas pessoas importantes e, além do mais, seu maior sonho estava em risco. O corretivo abaixo dos olhos disfarçava as olheiras, resultado de noites em claro na companhia de livros sobre vinhos e negócios. Foram dias de trabalho duro, onde em sua cabeça não havia espaço para mais nada. O resultado estava ali na sua frente, os slides que havia montado tão cuidadosamente, cada letra, cada palavra, calculados milimetricamente para convencer os acionistas de que aquele era o melhor caminho.  
  Além das olheiras, outro resultado das madrugadas em claro eram seus constantes bocejos, estes resolvidos com um copo de café. Enquanto revisava o trabalho de sua vida, Rosana deu um gole na bebida, porém quase a cuspiu quando viu um erro drástico de ortografia, logo na introdução.
  — Ah, meus Deus, como deixei isso passar depois de tantas revisões?
  Ela olhou a hora, faltavam cinco minutos para a reunião que definiria seu destino. Apressada, ela começou a digitar ao mesmo tempo em que bebia o café. O tempo estava contra ela, precisava revisar os slides pela última vez o mais rápido possível. Enquanto digitava e engolia o café, apressada, não percebeu quando sua mão esbarrou no copo e todo o líquido quente caiu no teclado de seu computador, fazendo seu trabalho desaparecer.
  — Ai, não, que droga, não faz isso comigo!
  Desesperada, sentindo o coração sair pela boca, Rosana começou a apertar as teclas ininterruptamente, porém era inútil, seu computador havia morrido.
  — Seu café estupido, por isso mesmo quero investir em outros produtos além de você! — berrou jogando o copo assassino no lixo.
  Devastada, Rosana abaixou a cabeça tentando disfarçar as lágrimas que em alguns segundos escorreram por sua bochecha... seu sonho, tudo pelo que havia trabalho a vida inteira, sua chance, arruinada pela falta de um computador e por um estúpido copo de café. Quanta ironia.
  Perdida em sua tristeza, ela nem queria ir à reunião, não permitiria que os acionistas a vissem derrotada daquela forma. O jeito era voltar para casa e encarar o sermão de seu pai….
  Porém, quando ela estava prestes a fazer um movimento de desistência, uma voz masculina soou atingindo seus ouvidos.
  — Signorina, stai bene?
  O sotaque estrangeiro a fez levantar a cabeça e se deparar com um desconhecido, mas belo rosto sorridente.

CONTINUA...



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