Drácus Dementer
Escrito por Hels | Revisado por Natashia Kitamura
Prólogo
A noite chegou grandiosa, sem qualquer vestígio de brilhantes estrelas no céu, apenas nuvens carregadas que traziam relâmpagos e trovões em uma celestial tempestade, que escondia a gloriosa lua de sangue.
Caminho por entre as duas fileiras separadas de bancos de madeira, da pequena capela de Upiór. O crucifixo pendurado ao redor de meu pescoço bate contra meu peito, acompanhando cada passo que dou sobre minhas botas, que, em altos ecos, serviam como uma música de fundo.
Mais uma vez a claridade atravessa os vitrais da capela, majestosamente, acompanhada por um poderoso trovão que range de forma furiosa. Paro, ao ficar em frente ao pequeno altar, e, respeitosamente, curvo minha cabeça, fazendo um rápido sinal de cruz, antes de me levantar e virar a minha esquerda, indo diretamente para o confessionário.
Já perto do pequeno armário de madeira com detalhes em vinho, abro a porta da direita e, em seguida, me sento no pequeno banco do lado de dentro. Dou duas leves batidas na parede oca, e a janela trançada que me separava da outra metade do confessionário, é aberta.
– Padre Albert, perdoe os meus pecados. – Encaro a porta fechada à minha frente e escuto um longo suspirar vindo do outro lado da tela trançada, que mal me dava vista para o homem velho e careca.
– Eles são muitos, não é?!... Está perdoada, Elena.
Fico em silêncio, apenas escutando a forte tempestade do lado de fora, enquanto aguardo suas instruções.
– Não poderá haver falhas esta noite. Precisamos terminar o que começamos há cem anos, Elena.
Seguro em meu crucifixo.
– Não haverá falhas, Padre.
– Me escute, criança. O seu despertar já aconteceu e, por isso, nós te treinamos por todo esse tempo. Sua força é maior que a de qualquer outro humano, seu reflexo e agilidade são aguçados como uma faca, e sua resistência também é maior. Você se tornou um mestre em armas e em combate, e o seu sentido é sensível como uma flor, Elena. Mas tudo isso já vinha com você, apenas por nascer uma Van Helsing. – Seu tom de voz não era gentil, era duro e impassível. E mesmo sem vê-lo, aposto que a expressão do Padre se tornou séria. – Olhe para mim, Elena.
Viro minha cabeça em direção à tela trançada, enxergando apenas a sombra do Padre Albert do outro lado do confessionário. Aqui dentro era escuro como o inferno.
Que Deus perdoe os meus pensamentos.
– Você tem grandes habilidades, mas não se esqueça, ainda é uma humana que pode morrer em apenas uma vida. – Sua voz se torna mais séria a cada palavra que ele dizia, mas isso não pode me assustar agora.
– Me diga, Padre, como matamos uma criatura que já está morta? – Pergunto, apertando meus dedos ao redor do crucifixo de prata.
Olho para baixo, encarando no meio do escuro, a cruz que embalava minha pele, presa a um grande cordão de prata. O anel de minha família pesava em meu dedo, e a pedra preta nele, me prometia proteção eterna até o meu último suspiro.
– Nós arrancamos a cabeça fora. – Respondo minha própria pergunta, sentindo o sangue vibrar em minhas veias apenas por pensar no momento que me aguardava do lado de fora, na grande tempestade de Upiór.
– Você levará todas as suas armas de treinamento, mas nós também separamos algo especial. Drácula não é como os outros Drácus Dementers, então use uma estaca especial, por fora ela é feita de prata, e por dentro, contém água benta. Depois que você acertar o peito daquela criatura medonha, arranque sua cabeça para se certificar que ele nunca mais abra os olhos.
– Eu trarei isso para o senhor, Padre. Espere por mim.
Os pelos de meu braço se eriçam por debaixo do grande sobretudo preto de couro. Eu podia sentir, eles se aproximavam do lado de fora, esta presença é única.
– Que Deus te guie e te proteja nesta noite.
– Amém, Padre. – E com isso, abro a porta do confessionário, sentindo todo meu corpo se arrepiar ao pisar no chão da capela.
Tudo era escuro e silêncio, apenas com a tempestade clareando os vitrais coloridos e desenhados.
Me viro, dando apenas dois passos, ficando de frente para a porta esquerda do confessionário, onde os padres costumam nos esperar para a libertação de nossos pecados. Abro a porta, encontrando o lugar vazio de presença, apenas com um grande saco de linho marrom sobre o banco, onde Padre Albert estava a poucos minutos atrás.
Puxo o saco de linho para fora do confessionário, e o abro, checando tudo que a igreja preparou para mim. A primeira coisa que me salta os olhos, é um longo e velho rifle com uma tira de couro repleta de munições extras; balas de prata. Passo a tira de couro sobre os ombros, de modo que o rifle fique pendurado em minhas costas. Depois, a próxima coisa que pego é uma pequena faca afiada, que prendo contra o cinto de minhas calças pretas. Pego também a balestra de madeira com dez lanças engatadas em sua engrenagem, e a deixo de lado por um momento, assim que meus olhos enxergam o último item guardado dentro do saco de linho.
A estaca de prata.
Com cuidado, pego a estaca, vendo-a brilhar sobre a claridade do relâmpago acompanhado pelo trovão, que gritava do lado de fora. Aproximo a estaca de minha orelha, e a chacoalho, escutando o líquido de dentro balançar, a água benta.
Um sorriso, quase que imperceptível para quem me visse agora, surge em meus lábios pintados de vermelho sangue, como o gosto da morte.
Depois de admirar o grande presente surpresa que eu levarei para Drácula, guardo a estaca de prata dentro de minha bota, sabendo que ela enterraria todos os sentimentos que um dia eu compartilhei com aquela criatura sem coração e alma.
Mais um relâmpago atravessa os vitrais da capela, e a porta de frente é aberta em um grande e alto estrondo, da forma mais desesperada possível.
Rapidamente me abaixo, pegando a balestra, e a apontando em direção à porta, sabendo que não erraria essa flechada e que posso derrubar o intruso em poucos segundos.
Os meus olhos atentos, encontram os olhos assustados de Wendy, que arfava em seu corpo completamente encharcado pela tempestade. Minha irmã me encara por alguns segundos, e mesmo estando longe, eu conseguia ver que ela tremia muito.
Apenas um lado da porta dupla de madeira estava aberto, mas era o suficiente para que eu pudesse vislumbrar as malditas criaturas voando entre os pingos grossos da chuva.
Gritos de socorro tentam atravessar as paredes da igreja.
– Eles chegaram, Elena! Os vampiros estão aqui!
Capítulo 1
– Chegamos! – A voz animada de minha mãe, faz com que eu olhe para frente, emergindo minha atenção da bela paisagem da qual eu observava através da janela do carro.
Seu sorriso era largo. Ela estava animada por nos trazer até o pequeno Vilarejo de Upiór, onde minha avó morava, depois de longos anos.
– Acorde sua irmã, vou pegar as malas lá atrás. – Ela aponta para fora, e eu assinto, assim, a fazendo sair do carro logo em seguida.
Quando a porta do carro é fechada, olho para a minha direita, encontrando Wendy totalmente desajeitada sobre o banco do carro. Seu corpo e cabeça estavam inclinados, seus olhos fechados, e ela ressonava baixo.
– Você sempre dorme nas viagens. – Suspiro ao encarar o rosto desacordado de minha irmã. – Vamos, acorde, Wendy. Nós já chegamos.
Levo minhas mãos até seus ombros e começo a chacoalhá-los, até que, de forma lenta, Wendy comece a abrir seus olhos, os coçando logo depois.
– O que foi? – Sonolenta, ela pergunta, completamente desnorteada.
– Nós já chegamos. – Repito, levando minha mão até a porta do carro para abri-la.
Coloco meus pés para fora, tocando o chão cimentado, e a primeira coisa que me recebe em um abraço gentil, é a suave brisa da noite que se estendia por minha cabeça. O céu rasgado de estrelas, era bonito, emoldurando o pequeno Vilarejo de Upiór.
Alguns poucos minutos bastaram para que a porta da casa em que estacionamos na frente, se abrisse, revelando a figura animada de minha avó.
Em seu vestido longo, de cor azul-escuro com algumas flores, ela vem apressada até a calçada, fazendo seus cabelos longos e brancos balançarem, acompanhando a brisa suave.
– Eu escutei o barulho do carro. – Vovó diz, assim que alcança a calçada.
– Oi, mãe. – Minha mãe, cumprimenta, terminando de pegar as malas e fechar o porta-malas.
– Vovó. – Uma Wendy, ainda com vestígios de sonolência, diz, assim que sai do carro.
– Como vocês duas estão? Wendy, venha aqui. – Vovó pede, sorridente, e Wendy se aproxima.
Somos envolvidas em um abraço caloroso, e não posso evitar de sorrir também.
– Estamos bem, e a senhora? – Pergunto, assim que nos afastamos.
Ela segura em nossas mãos.
– Estou ótima, criança.
Outro sorriso doce.
– Vão ajudar Elizabeth. Depois subam e escolham os quartos de vocês.
Wendy e eu apenas assentimos, indo pegar as malas que estavam com nossa mãe. Depois, saímos na frente, andando até a entrada da casa de vovó. A luminosidade de dentro era forte, parecia que todos os cômodos do primeiro andar estavam acessos.
Entre alguns resmungos de Wendy, subimos as escadas de madeira, que rangiam debaixo de nossos pés, até que estivéssemos no segundo andar.
– Eu vou ficar aqui. – Anuncio, parada a porta do quarto que escolhi.
– Eu também. – Wendy diz, parada a poucos passos de mim.
Coloco minha mala no chão, e a encaro com as sobrancelhas arqueadas.
– Escolha outro, Wendy. – Falo séria.
Wendy enruga o rosto em uma careta, e segura em minha mão direta com suas duas mãos.
– Mas eu quero ficar com você, Elena. Você sabe que eu tenho medo do escuro, não posso dormir sozinha. – Ela resmunga como se fosse apenas uma criancinha.
Solto um suspiro.
– Você dorme sozinha lá em casa, Wendy. – Rebato, firme.
– Exatamente. Lá na nossa casa, mas aqui não é a nossa casa. – Seus olhos se tornam grandes, como se ela me contasse uma coisa assustadora.
– Você já tem vinte anos, precisa superar esse seu medo idiota. – Com a voz derrotada, e sabendo que não tinha chances de ganhar uma discussão com a Senhora Medo Do Escuro, apenas pego minha mala e entro no quarto que eu escolhi e, que agora, terei que dividir com Wendy.
– Não seja chata, Eleninha. – Wendy diz, logo atrás de mim, arrastando sua mala para dentro do quarto.
Olho sobre meus ombros, encarando Wendy seriamente sobre este apelido, ela sabe que eu não gosto que me chamem assim. E, por sua vez, Wendy apenas sorri cinicamente, não se importando.
O quarto era iluminado pela luz que vinha da janela aberta. As cortinas claras, também abertas, balançavam bem vagarosamente, deixando que a brisa suave entrasse no quarto, tornando o ambiente mais agradável.
– O que nós vamos fazer por três semanas? Não tem muita coisa por aqui. – Wendy senta sobre sua mala, e me encara com expectativa.
– Eu não sei.
Fico pensante por alguns segundos, tentando encontrar alguma solução para o nosso pequeno problema, mas nada me vem em mente. Upiór é um pequeno vilarejo afastado de tudo, na verdade, quase não é conhecido, e todos aqui vivem de forma simples e pacata, não acho que seja o lugar favorito dos jovens.
Wendy e eu ficamos nos encarando por longos segundos, como se com isso, a solução fosse surgir magicamente. Mas a única coisa que obtivemos, foi o grito de nossa avó, pedindo que descêssemos.
Depois de deixar nossas malas largadas em qualquer canto, apenas descemos, como vovó pediu. E assim que chegamos na cozinha, nossa mãe estava sentada em das cadeiras ao redor da mesa, tomando uma grande xícara de chá, já nossa avó enchia mais duas xícaras com um líquido verde.
– Venham tomar um pouco de chá. – Nossa mãe pede, indicando as cadeiras vagas.
– Eu estou bem. – Wendy levanta as mãos em frente ao corpo e as abana, enquanto sorri forçada.
– Ora, venham, não façam essa desfeita com a vovó. – Depois de encher as xícaras, nossa avó leva as mãos até a cintura, nos olhando com falsa severidade.
Seguro no pulso de Wendy e a puxo para perto das cadeiras.
Ocupando meu lugar a mesa, encaro a xícara cheia do líquido que fumegava.
– É chá do quê? – Pergunto, segurando a xícara com cuidado, aproximando-a de meu rosto.
– Erva-verde. – Minha avó, responde.
– Esse é o nome? – Cheiro o conteúdo da xícara, com alguns pequenos pedaços de ervas boiando sobre o líquido.
Vovó apenas acena positivamente.
Espio de rabo de olho minha irmã, que fazia uma careta ao bebericar seu primeiro gole de chá.
– Quando vocês eram crianças, adoravam minhas ervas. – A dócil mulher de longos cabelos brancos diz, um pouco desapontada.
– Acho que meu gosto para chás pode ter mudado um pouco. – Wendy coloca a xícara sobre a mesa outra vez, desistindo de tomar o chá de erva-verde.
Nossa mãe ri, observando tudo com divertimento.
– E como estão as coisas por aqui, mãe?
– Calmas, como sempre. Já tem anos desde que algo agitado aconteceu nesse vilarejo, Liz. – Vovó responde.
– Assim é melhor. – Com um último gole, minha mãe termina seu chá. – E a sua loja?
– A senhora ainda tem a loja de ervas, vovó? – Com curiosidade, Wendy encara a mulher que estava de pé.
– Sim, mas agora vendo flores também. Minhas ervas são medicinais, e como esse é um vilarejo tranquilo, quase ninguém precisa delas, por este motivo resolvi vender flores também, isso sim me dá algum dinheiro.
– Então, por que não vende apenas flores? – Pergunto, e depois, dou meu primeiro gole no chá-verde, contendo uma careta com o amargor do gosto.
– Oras, eu adoro cultivar minhas ervas, faço isso porque gosto, assim como vender flores. É algo apenas para preencher meu tempo. – Ela explica, com um grande sorriso de orgulho e olhos brilhantes.
– Bem, acho que vou indo. – Minha mãe se levanta da cadeira em que estava.
– Não quer passar a noite, Liz? Já está tarde.
– Não posso, mãe, amanhã tenho uma reunião de trabalho, preciso voltar hoje. – Nossa mãe se aproximar de Wendy e eu, nos dando rápidos beijos no topo de nossas cabeças. – Sejam boazinhas com a vovó. – Ela sorri, acenando uma última vez, antes de deixar a cozinha.
– Crianças, subam e vão tomar um banho, logo começarei a preparar o jantar. – Vovó anuncia, e arrastadamente, nos levantamos também, para fazer o que ela pediu.
***
Depois de banhos relaxantes, de vestirmos pijamas quentes e de arrumarmos nossas coisas, Wendy e eu descemos para o primeiro andar, em direção à sala, onde esperamos por nossa avó, sentadas no carpete marrom-claro e macio.
– Quer assistir alguma coisa? – Wendy pergunta, enquanto zapeia os canais de televisão.
– Nada especial. – Respondo, me ajeitando melhor sobre o carpete, enquanto encosto minhas costas contra o sofá para poder responder as mensagens em meu celular.
– Oh... olhe só isso, Elena.
A voz animada de Wendy, me faz tirar os olhos da tela do celular.
O rosto de minha irmã tinha uma expressão animada; os olhos levemente arregalados e um sorriso nos lábios.
– O quê? – Franzo o cenho, e depois olho para a televisão, onde passava algum documentário no Discovery.
– Estão falando sobre criaturas sobrenaturais, acho que vampiros.
Wendy se aproxima mais da televisão, totalmente concentrada no homem de barba, que contava sobre a primeira vez em que encontrou um vampiro. O fundo preto e a música de suspense, até poderia fazer com que alguns telespectadores ficassem com medo. O homem de barba falava com tanta intensidade que quase me fazia acreditar no seu suposto encontro com o vampiro.
– Uma vez assisti o documentário deles sobre sereias, até vídeos delas eles tinham. – Wendy me olha com espanto, e quase reviro os olhos, achando graça em como ela acreditava fácil nessas coisas.
– É tudo mentira, Wendy. – Arqueio as sobrancelhas, e ela me olha feio, como se me repreendesse.
– O que é mentira?
Sobressalto em meu lugar, quando escuto a voz de minha avó ecoar pelas paredes da sala. Ela entrava no cômodo segurando uma grande bandeja com três vasilhas em cima.
– É tudo mentira, mas você ficou com medo, huh?! – Wendy caçoa, com os olhos estreitos.
– Do que vocês estão falando? – Vovó coloca a bandeja cuidadosamente em cima da pequena mesinha de centro, feita em madeira.
– Esses documentários do Discovery, Wendy acredita em todos eles, agora é com vampiros. – Respondo, sem interesse.
Percebo que vovó rapidamente fica com a postura rígida, e desvia seu olhar, sorrindo forçado.
– Não seja boba, criança. Vampiros não existem. – Em meio ao riso nervoso, vovó limpa várias vezes suas mãos no avental em torno de sua cintura.
Wendy dá de ombros, desligando a televisão.
– O que a senhora fez? – Minha irmã se aproxima da mesinha de centro, espiando dentro das vasilhas redondas.
Encaro por mais um tempo minha avó, achando estranho seu repentino comportamento apenas por um documentário mentiroso.
– Canja de galinha, me lembrei que vocês adoram. – Aos poucos, ela parece se recompor.
– Agora você acertou. – Com os olhos grandes, Wendy pega uma das vasilhas, assim como os talheres ao lado.
– Espere, coloque isso em cima. – Vovó pega a vasilha do meio, a menor, e posso ver que nela contém algumas ervas-verdes cortadas em pedaços pequenos.
Wendy faz uma careta, mas estende sua vasilha em direção à nossa avó, que salpica um pouco da erva sobre a canja. Em seguida, ela faz o mesmo com a segunda vasilha redonda, e me entrega.
Com o auxílio da colher, misturo a canja e a erva, enchendo uma grande colherada e a levando até a boca. Espero pelo gosto amargo de antes, mas para minha sorte, apenas sinto o delicioso sabor da galinha.
– Isso não te lembra os velhos tempos, Elena? – Wendy pergunta, vindo se sentar ao meu lado.
Sorrio fechado.
– Sim. Quando nós três e o vovô passávamos algumas noites aqui na sala. – Comento, cheia de nostalgia.
– As histórias sobre as criaturas da floresta que ele nos contava... a senhora não gostava. – Wendy solta uma gargalhada alta, enquanto segura sua vasilha.
– Claro que eu não gostava. – Vovó faz uma expressão séria, e começa a se aproximar da lareira, onde alguns porta-retratos estavam espalhados. – Ele inventava aquelas histórias bobas e depois vocês não conseguiam dormir. – Vovó pega um dos porta-retratos, um com a foto de nós quatro juntos.
– Acho que eram histórias sobre vampiros. – Comento, pensativa, tentando me lembrar.
– Por muito tempo eu não gostava nem de passar perto da floresta. – Wendy diz, levando sua vasilha até a boca, virando-a e tomando o resto da canja.
– Seu avô era um bobo. – Vovó comenta, com um sorriso triste no rosto enquanto encarava a foto. – Eu sinto tanto a falta dele.
Se para nós já era difícil lidar com a morte de nosso avô, para vovó deveria ser muito mais.
– Me sinto solitária sem ele.
Olho para Wendy, que também tinha um semblante triste. Ela se levanta e vai até nossa avó, a abraçando.
– Não se preocupe, nós viremos mais vezes, assim a senhora não vai se sentir tão sozinha. – Minha irmã diz, e vovó sorri, encostando sua cabeça contra o ombro dela.
– Obrigada, meninas, mas não precisam se preocupar com essa velha aqui.
Me sinto mal pelas palavras de vovó, e nem mesmo sua deliciosa canja, tenho vontade de terminar, apenas coloco minha vasilha de volta sobre a mesinha de centro, e me levanto também, indo até as duas.
– Não fale assim. – Peço, gentilmente.
Me junto ao abraçado delas, tentando, de alguma forma, consolar a dor de nossa avó.
***
Quando toda nostalgia foi embora, nós três tivemos uma agradável conversa, que não durou muito, já que o sono preencheu cada uma de nós. Wendy e eu nos despedimos de vovó e fomos até nosso quarto para descansar um pouco, já era quase um novo dia.
– A noite parece tão agradável, eu queria poder sair um pouco, Elena. – Wendy se aproxima da janela aberta, se escorando no batente.
– Pensei que estivesse com sono. – Me junto a ela, sendo recebida pela brisa da noite que embolava nossos cabelos.
– Eu estou, mas a noite está tão bonita que me faz ter vontade de sair. – Seus olhos castanhos estavam presos na paisagem do lado de fora.
Várias casinhas se espelhavam pelo vilarejo repleto de lamparinas, e claro, ao fundo era possível enxergar a grande floresta verde, das histórias de nosso avô.
– É melhor irmos dormir agora. Talvez a gente saia outro dia.
Dou uma leve batida no ombro de minha irmã, e depois ando em direção à cama, puxando o edredom branco para baixo e me enfiando no meio dele. Espero até que Wendy se junte a mim, para que assim, eu possa fechar meus olhos e ter um sonho tranquilo na minha primeira noite em Upiór.
Capítulo 2
– Levantem! Levantem! Está um dia lindo lá fora.
Me remexo sobre a cama, contorcendo o rosto em uma careta de desgosto.
– Já está tarde, vocês precisam levantar.
Solto um suspiro ao escutar a insistente voz de minha avó.
Wendy resmunga algo inaudível ao meu lado.
– Aconteceu alguma coisa? – Abro apenas um olho, espiando a figura de vovó parada a beira da cama, com as mãos na cintura. Ela estava arrumada para sair.
– Eu preciso ir para a loja, e vocês vão comigo. – Ela responde, sorridente.
– Não podemos ir depois? – Wendy pergunta, atrás de mim.
– Não. Eu conheço muito bem você duas, se não forem agora, não irão depois.
– Que horas são? – Pergunto, estendendo a mão até a cabeceira ao lado da cama, para alcançar meu celular.
Com a visão um pouco embaçada, encaro o visor luminoso do celular, vendo que marcava dez horas da manhã.
– Ainda é muito cedo. – Resmungo com a voz rouca de sono
Vovó suspira alto e agarra o edredom branco que nos cobria, puxando-o para fora da cama.
– Levantem e se vistam, estou esperando lá embaixo. – E dizendo isso, ela deixa o quarto.
Sem alternativas, me sento sobre a cama, olhando para qualquer ponto do quarto, na esperança de que meu corpo desperte de vez.
– Vai, Wendy, não enrola. – Levo minha mão esquerda até as costas de minha irmã, que estava escolhida na cama, e a chacoalho de leve.
Depois de levantarmos, Wendy e eu tentamos nos arrumar com pressa, para que vovó não gritasse pela milésima vez. E como ela havia dito, o dia estava lindo, com o sol brilhando bem forte do lado de fora, por isso, revirei minhas coisas a procura de alguma roupa que fosse agradável a está manhã ensolarada e calorosa.
– Use essa saia com a blusa branca de mangas caídas. – Wendy joga duas peças de roupas em minha direção.
Encaro as peças de roupas em minhas mãos, pensando se deveria ou não as usá-las.
– Confie na sua irmã mais velha, eu tenho mais experiência.
– Só temos dois anos de diferença, Wendy.
– Mas ainda são dois anos. – Ela me lança uma piscadela, e eu reviro os olhos em resposta.
Com outro grito de vovó vindo do andar de baixo, acabo colocando as roupas que Wendy sugeriu; uma saia azul floral, uma blusa branca de mangas caídas e tênis brancos.
Ao descermos para o segundo andar e escutarmos alguns resmungos de nossa avó, nós três partimos para a loja. E, durante todo o caminho, vovó cumprimentou praticamente todos que passaram por nós, e alguns deles até nos reconheceram, mesmo tendo se passado muito tempo desde que estivemos em Upiór.
Talvez, depois de uns quinze minutos, nós finalmente chegamos na loja de vovó, que agora estava com a fachada pintada de rosa-claro, com uma grande placa de madeira entalhada com flores e folhas que representavam as ervas; o sobrenome Van Helsing era o único no meio dos desenhos, indicando o nome da loja.
– Você pintou... eu gostei. – Digo, enquanto me aproximo da porta com detalhes dourados.
– Era a cor favorita de seu avô. – Vovó explica, me fazendo sorrir.
Vovó destranca a porta da loja, nos dando passagem para entrar. Por dentro, tudo era organizado e colorido, seja pelas diversas flores e ervas, ou pelas cores nas paredes, prateleiras e balcão.
– É como uma loja de bonecas, tudo aqui é tão pequeno e fofo. – Wendy comenta, olhando de forma maravilhada.
Vovó solta uma gargalhada alta e depois pede para que a acompanhássemos até os fundos da loja, onde tivemos que passar por detrás do balcão e depois por outra porta com detalhes dourados. E com isso, demos diretamente em um quintal dos fundos, um pequeno e adorável jardim dividido entre flores e ervas plantadas.
– É aqui que eu cultivo tudo que vendo. – Vovó diz orgulhosa, olhando suas pequenas plantações de flores e ervas.
Haviam delicadas plaquinhas indicando o nome de tudo que estava plantado. E ao fundo, uma simétrica cerca cinza que separava o jardim das árvores da floresta.
***
Ao passar da manhã e o começo da tarde, Wendy e eu ajudamos vovó em sua loja, que por sua vez permaneceu nos fundos, cuidando de seu jardim, enquanto minha irmã e eu atendemos todos os clientes que entravam pela porta com um pequeno sino ao topo, e até nos arriscávamos montando alguns arranjos de flores.
– Como estão as coisas por aqui? – Pergunto da porta, vendo vovó ajoelhada em frente a uma pequena muda.
Com suas luvas brancas, segurando uma pá de mão, ela seca o suor em sua testa protegida por um grande chapéu.
– Ainda tenho algum trabalho, mas já estou com dor nas costas de ficar abaixada na terra, e com dor de cabeça por conta do sol quente. Já não sou mais moça. – Ela ri, divertida.
– Por que a senhora não descansa um pouco? – Pergunto, em tom preocupado.
– Eu ainda tenho mais duas encomendas hoje, preciso esperar pelos clientes. – Ela explica, enquanto leva uma de suas mãos com luvas, até as costas.
– Nós cuidamos disso. A senhora pode voltar pra casa e descansar. – Minha irmã surge atrás de mim, apoiando seu queixo sobre meu ombro.
– Wendy tem razão, vovó. Nós cuidamos de tudo e voltamos pra casa assim que a última encomenda for entregue.
Vovó pensa por alguns segundos, talvez querendo protestar, mas uma careta de dor pinta seu rosto, acho que suas costas, e isso é o bastante para fazê-la aceitar. E depois de guardar seu chapéu, luvas e pá, ela se limpa com um paninho velho e se despede de nós duas, antes, indicando o que deveríamos fazer com as últimas duas encomendas.
– Vamos sentar lá? – Wendy aponta para porta da frente da loja.
– Por que você quer sentar lá fora? – Apoio meus braços sobre o balcão amarelo.
– Passamos o dia todo aqui dentro, quero ficar um pouco no sol. Podemos esperar os clientes lá fora, e quando eles chegarem, nós entramos. – Wendy explica, já tirando o avental branco florido que usava.
Dou de ombros e retiro meu avental também, deixando junto com o de Wendy em cima do balcão.
Juntas, caminhamos para fora e nos sentamos na frente da loja, sobre o chão de cimento, enquanto observávamos o belo dia e as poucas pessoas que passavam do lado esquerdo. Já ao lado direito, a única coisa que se podia ver era a entrada da floresta, a loja de vovó ficava literalmente a pelos menos uns dez passos da entrada da floresta, onde uma linha branca separava o vilarejo e as árvores.
– Está tão bom aqui fora, você não acha? – Wendy apoia as mãos no chão, atrás do corpo, inclinando seu tronco para trás.
– Sim, é até relaxante. – Solto um suspiro de satisfação ao sentir os raios de sol esquentarem minha pele de forma agradável.
– Olhe só aquelas flores, Elena! – Meu momento de paz e relaxamento não dura mais que cinco segundos, já que Wendy quase grita, animada.
Ela aponta em direção a floresta, onde, em meio ao único caminho aberto para passagem, haviam algumas flores dentre tantas árvores e mato.
Franzo meu cenho ao observar a coloração preta-avermelhada das poucas flores ali, eram apenas quatro.
– Eu nunca vi flores com esse tipo de cor. – Comento.
– Nem eu, acho que a vovó não planta essas... e se a gente pegar aquelas?
Desvio meu olhar até Wendy, que tinha um grande sorriso de expectativa no rosto.
– Pegar?
Ela assente.
– Pegamos, e a vovó pode tirar as sementes e plantar mais. Com essa cor, com certeza venderá muito.
– Eu não sei, Wendy. Já tem tantas aqui, e você sabe que a vovó não gosta que a gente entre nessa floresta. – Digo.
– Isso foi quando éramos crianças, Elena. Mas se você não quer ir, fique aí, eu vou. – Wendy se levanta, determinada, e caminha sem pressa até a entrada da floresta, em direção ao pequeno caminho de terra.
Solto um curto suspiro, e me levanto também.
Por mais que Wendy fosse dois anos mais velha, eu me sinto no dever de evitar qualquer idiotice que ela tente, e sempre são muitas.
Me arrasto, sem vontade alguma, atrás de minha irmã, que a essa altura já estava agachada na terra de mato, e arrancava as quatro flores.
Com as flores em mãos, Wendy se levanta, e começa a andar pelo caminho aberto da floresta.
– Onde você está indo, Wendy? – Pergunto, apertando meu passo para alcançá-la.
– Quero ver se encontro mais algumas. – Ela me olha rapidamente sobre seus ombros pequenos, e depois volta sua atenção para o caminho que fazia.
– Não podemos deixar a loja sem ninguém. – Continuo a seguindo. – Wendy! – Chamo alto, mas ela me ignora.
Bufo, frustrada.
Conforme vamos entrando mais para dentro da floresta, fazendo uma pequena curva para esquerda, as árvores pareciam ficar mais altas, e o verde de suas folhas pareciam mais vibrantes. Era muito bonito, não posso negar, o sol refletia as cores da floresta de uma forma única, parecia um grande sonho. Os passarinhos cantavam e voavam por todos os lados, alguns pequenos insetos se arrastavam perto de nossos pés, e várias folhas pintavam o chão de terra.
Por um momento, fiquei tão encantada com a beleza e os sons da floresta, que só paro de andar quando trombo contra o corpo de Wendy.
– Acho que não tem mais. – Wendy diz um pouco decepcionada, enquanto segura as quatro flores perto de seu vestido rosa.
– Vamos voltar então, a vovó conseguirá plantar mais flores apenas com essas que você pegou. – Seguro na mão livre de Wendy, pronta para levá-la de volta a loja.
Entre o verde das árvores e folhas, e o marrom da terra, uma pequena bola vermelha surge pelo caminho que fazíamos, trazendo uma nova cor para a paisagem da floresta.
A pequena bola rola lentamente, batendo contra a lateral dos pés de Wendy, que se abaixa para apanhar o objeto.
– Uma bola? – Minha irmã me olha com confusão, e eu dou de ombros.
A calmaria da floresta é preenchida por duas vozes e passos apressados que pareciam vir em nossa direção. E em instantes, uma pequena figura de um garotinho surge exatamente onde estávamos, ele vinha correndo, mas para assim que nos vê.
Seus cabelos estavam desgrenhados, com alguns fios espalhados por sua testa, e sua pele era extremamente pálida, como se todo o seu sangue fosse drenado de seu corpo, o que criava um grande contraste com sua blusa, shorts, sapatos e meias, todos na cor preta. Não posso nem imaginar como é se vestir de preto neste calor todo.
– A bola é sua? – Wendy pergunta, e o garotinho, assente, sem dizer nada.
Minha irmã sorri, e se aproxima dele, estendendo a bola em sua direção. E com um pouco de receio, ele a pega de volta.
– Hyun! Eu já disse para não sair correndo na minha frente, você pode se perder!
Um segundo garoto surge, esse, mais velho, talvez da minha idade.
Meus olhos quase se arregalam ao vê-lo parar abruptamente quando nos vê, assim como o garotinho menor.
Ele era realmente lindo, talvez eu nunca tenha visto alguém tão bonito antes. Seus cabelos eram de um loiro tão claro que se asselavam ao branco, talvez fossem brancos e os raios de sol estavam escurecendo-os um pouco; Sua pele também era pálida, apenas com os lábios volumosos em vermelho; E assim com o pequeno garotinho, ele vestia roupas pretas, roupas bem elegantes para se andar em uma floresta.
– Boa tarde. – Eles no cumprimenta com um sorriso. – Quem são vocês? – O garoto maior, se aproxima do que segurava a bola vermelha, que aproveita do momento para se esconder atrás das pernas cheias, do mais alto.
– Ahn? – Chacoalho a cabeça, tentando voltar ao meu estado de lucidez ao invés de encará-lo como se eu fosse uma estranha.
– Eu nunca vi vocês por aqui. – Ele continua dizendo, com seu semblante gentil, e seus olhos que ficavam pequenos toda vez que ele sorria.
– Nós viemos pegar algumas flores. – Aponto para Wendy, que encarava o garoto como se ele fosse algum tipo de fantasma.
– Então fiquem à vontade. – E ali estava mais um de seus sorrisos.
Um silêncio constrangedor se instala por alguns segundos entre nós, mas é interrompido pelos passos do garoto maior, que se afasta do garotinho com a bola vermelha, e vem em minha direção, parando perto de mim. Ele se inclina para frente, e eu, por impulso e surpresa, me inclino para trás.
– Na verdade, vocês não querem levar algumas frutas também? – Ele me pergunta seriamente, como se essa fosse uma pergunta importante.
– F-Frutas? – Me sinto nervosa, e olho para o lado, em direção a Wendy, na tentativa de fazê-la me ajudar, mas ela apenas sorri e me faz um sinal de positivo com as mãos. – Mas eu nem te conheço. – Volto a encarar o garoto, que sorri outra vez, em seus dentes brancos e bem alinhados.
– Eu sou Jimin, muito prazer em conhecê-las. – Por conta de seu sorriso, seus olhos ficam pequenos de novo, quase se fechando. – Você pode vir comigo agora? – Ele pergunta, mas eu não respondo, então ele toma isso como um 'sim' e segura em meu pulso de forma suave, começando a me puxar pelo caminho da floresta.
Olho sobre os ombros, exasperada, e Wendy apenas nos segue com divertimento, tendo o garotinho com a bola vermelha, a poucos passos à sua frente.
Jimin me leva por alguns segundos, até que estivemos em frente a uma grande e larga macieira, onde algumas maçãs bem vermelhas estavam espalhadas pelo chão e pelos galhos pendurados na árvore.
Ele solta meu pulso e se agacha nos joelhos, pegando uma das maçãs do chão.
– São bonitas, não são? – Jimin me olha, e tudo que consigo fazer é acenar positivamente com a cabeça. – O gosto também é bom. Acho que ficariam deliciosas em uma torta. Faz tanto tempo que não como uma boa torta de maçã. – Ele sorri e se levanta. – Pegue, experimente. – Jimin me estende a maçã e, sem graça, eu a pego.
– Acho que vou comer depois. – Forço um sorriso.
– Eu posso experimentar então. – Wendy para ao meu lado, e toma a maçã de minha mão, dando uma grande mordida.
– Wendy, não coma coisas que estavam no chão. – Repreendo, mas ela dá de ombros, mordendo mais uma vez a maçã.
– Está muito boa, Eleninha.
Jimin ri.
– Não tem problema, a maçã não fará mal, acredite em mim. – Jimin leva as mãos para trás do corpo, nos olhando de forma amigável.
– Eu quero voltar. – O pequeno garotinho que carregava sua bola vermelha se aproxima de Jimin, agarrando na blusa de seda preta dele.
– Nós já vamos. – Jimin encara o garotinho, que fica um pouco emburrado.
– Acho melhor voltarmos também. Obrigada pela maçã. – Digo, dando alguns passos para trás.
– Espere, leve mais algumas. – Jimin volta a se agachar, e pega mais maçãs, me entregando cada uma delas. Eram tantas que mal consegui segurar.
Ainda mais sem jeito por tudo isso, agradeço de novo pelas maçãs, e praticamente corro dali com Wendy, respirando aliviada quando voltamos para a loja.
O resto da tarde passou com tranquilidade, e felizmente não perdemos os dois clientes. Depois de acertamos as últimas encomendas, Wendy e eu fechamos a loja. E não pude conter minha curiosidade ao espiar a floresta mais uma vez, enquanto trancava a porta da loja, mas não havia nada além das árvores.
Consegui arrumar uma sacola de pano nas coisas que vovó deixava na loja, e assim, carreguei as maçãs e as flores dentro dela de forma mais fácil. E durante o caminho, não consegui evitar provar uma das maçãs, me surpreendendo com o gosto extremamente suculento que ela tinha, o sabor era realmente único.
***
– Onde arranjaram tudo isso? – Vovó pergunta, assim que coloco a sacola de pano sobre a mesa da cozinha. Ela checou tudo que trouxemos. – Nunca vi esse tipo de flor por aqui. – Vovó nos olha desconfiada.
– Eu levei algum dinheiro e comprei essas maçãs de um mercador, ele acabou me dando essas flores como agradecimento. – Wendy abraça meu corpo por trás, apoiando seu queixo em meu ombro.
Ela mente bem, assim como respira.
– Que mercador? – Vovó continua com seu olhar desconfiado.
– Eu não conheço, encontramos ele no caminho de volta. – Wendy se mantém calma, dando mais veracidade a sua mentira, fazendo nossa avó acreditar. – A senhora pode arrumar um vaso para colocarmos elas? Acho que ficarão bonitas no nosso quarto.
Vovó assente, parecendo mais calma.
– E como a senhora está agora? – Pergunto, tentando mudar de assunto.
– Estou melhor. Só precisei de uma boa soneca. – Ela responde, divertida. – Acho que temos muitas maçãs agora, o que faremos com elas?
– Que tal uma torta? – Wendy pergunta, animada.
Viro minha cabeça para encará-la, e minha irmã me lança uma piscadela esperta.
– Acho que devo ter a receita de torta de maçã, só preciso achá-la. – Vovó olha em volta, como se procurasse por algo.
– Elena faz uma torta de maçã com canela sensacional, a senhora deveria experimentar.
Vovó volta a nos encarar, e sorri.
– A cozinha é toda sua então. Só não esqueça de colocar um pouco da minha erva-verde junto ao recheio da sua torta.
E com isso, as duas me deixam sozinhas na cozinha com várias maçãs vermelhas espalhadas pela mesa, todas me fazendo lembrar do estranho garoto de pele pálida que encontrei hoje na floresta.
Capítulo 3
Na manhã seguinte, vovó não precisou nos chamar mais do que três vezes, conseguimos nos arrumar antes que ela se irritasse. Wendy é ainda mais preguiçosa do que eu, mas até ela se esforçou um pouco mais.
Vovó precisou levar algumas das suas ervas para a loja, e por isso as colocou em uma cesta de vime. Eu aproveitei e enrolei um pedaço de torta em um pano de prato limpo, e coloquei na cesta também, me oferecendo para levá-la.
O dia era ensolarado, menos quente que o anterior, mas, ainda sim, agradável. Vesti outra saia e a mesma blusa de mangas caídas, e assim, fui para a loja com Wendy e vovó.
A manhã correu lenta e sem muito movimento na loja, e desta vez vovó passou a maior parte do tempo atrás do balcão, ajeitando cada uma das ervas em potes de vidros específicos. Wendy estava nos fundos, jogada no jardim em algum canto que tivesse sol.
Esperei até o começo da tarde para ir atrás de minha irmã. E como suspeitei, ela estava sentada ao sol, ao lado de algumas mudas que indicavam "lírios rosas".
– Eu acho que estou derretendo, Elena. – Wendy resmunga.
– Então saia do sol.
– Eu não posso, estou com muita preguiça. – Wendy diz arrastadamente, me fazendo revirar os olhos.
– Preciso de um favor.
– Um favor? – Seu corpo preguiçoso logo se mexe, e ela me olha curiosa.
– Sem que a vovó percebesse, eu trouxe na cesta, um pedaço de torta, e bem... – Olho para o lado, meio sem jeito de falar. – eu gostaria de levar esse pedaço de torta para o Jimin, apenas pra agradecer pelas maçãs.
Um grande sorriso malicioso se abre nos lábios de Wendy.
– Jimin, huh?! – Ela cruza os braços, esticando suas pernas na grama cortada do jardim.
– Não seja besta, eu já disse que só quero agradecer. – Bufo, um pouco incomodada com a infantilidade de minha irmã.
– Tudo bem, tudo bem. Em que posso te ajudar, Eleninha?
Meus olhos se estreitam, e Wendy encolhe os ombros com falsa inocência.
– Distraia a vovó, não deixe que ela perceba que eu vou sair, não irei demorar. E se ela der por minha falta, diga que eu fui conversar com algum mercador, sei lá.
– Ok. – Wendy se levanta, espreguiçando o corpo. – Vamos entrar, eu vou trazer ela aqui pro jardim e você vai. – Ela explica e eu assinto.
Como minha irmã sugeriu, entramos outra vez, ela pediu que nossa avó a ensinasse a plantar flores, e vovó não poderia ter ficado mais animada.
Esperei por alguns minutos, até me certificar que nenhuma das duas voltaria para o interior da loja, e com a minha confirmação, peguei a cesta de vime e saí da loja, sempre olhando para trás.
Meus pés tocaram a terra seca do caminho da floresta, e olhei uma última vez para a entrada da loja de vovó, e com tudo calmo, comecei a andar pelo mesmo caminho de ontem.
Mantive minha concentração alta, tentando me recordar de cada passo que dei, afinal, tudo aqui dentro era igual, árvores, mato, folhas e insetos, às vezes, até algum animalzinho pequeno, como coelhos brancos.
Os passarinhos ainda pareciam cantar e o sol era aconchegante, iluminando o caminho que eu fiz até a grande e larga macieira.
Paro em frente a árvore, pensando se deveria ou não continuar, já que não conhecia a floresta além deste ponto.
– Procurando alguém?
Salto em meu lugar, com um pequeno grito agudo que sai de minha boca. Aperto com força a cesta de vime, e me viro lentamente, encontrando o dono da voz que fez meu coração quase sair pelo peito.
– Desculpe, eu não quis te assustar. – Jimin diz de forma calma.
Ele usava as mesmas roupas de ontem.
– Tudo bem, eu apenas não te percebi chegando. Você é muito silencioso. – Comento, enquanto tento acalmar as batidas do meu coração, que aos poucos, voltam ao seu ritmo normal.
Jimin apenas sorri.
– O que faz aqui de novo?
– Estava te procurando. – Respondo, sem jeito.
– Me procurando? – Ele arqueia as sobrancelhas, em surpresa.
Conto mentalmente até três e me sinto uma idiota por estar tão nervosa, não há motivos.
– Eu fiz uma torta com as maçãs que você me deu ontem, e trouxe um pedaço pra você, como forma de agradecimento. – Sinto minhas bochechas esquentarem.
Os olhos de Jimin vão até à cesta que eu carregava, e outro sorriso surge nos seus lábios cheios e vermelhos.
Estendo a cesta de vime em sua direção.
– Você não deveria se preocupar. – Ele pega a cesta de minhas mãos. – Muito obrigado.
– Acho que vou indo agora, você pode deixar a cesta na entrada da floresta que eu pego depois. – Com o polegar, indico o caminho atrás de mim, querendo escapar com pressa.
– Não, fiquei e coma comigo. – Jimin se aproxima animado, mas eu recuo.
– Eu comi muitos pedaços ontem. – Olho para os lados em busca de uma saída.
– Por favor. – Seus olhos me encaram de forma profunda, quase que hipnotizante, e me sinto extremamente desconfortável com isso.
Solto um curto suspiro.
– Tudo bem, mas eu não posso demorar.
Ele sorri satisfeito, e pede que eu me sente ao seu lado, debaixo da grande macieira.
Na sombra, encostamos nossas costas contra o tronco grosso e marrom da árvore, e Jimin coloca a cesta de vime sobre seu colo, a abrindo com anseio. Ele retira, cuidadosamente, o pano de prato limpo de dentro da cesta, desenrolando-o em seguida e sorrindo assim que vê o pedaço bem cortado da torta.
– Obrigado pela torta, irei comer agora. – Jimin me olha com os olhos pequenos, e depois volta sua atenção para sua torta.
Parecendo ainda mais ansioso, ele leva o pedaço de torta até a boca, dando uma mordida. Seus olhos voltam a se arregalar, enquanto ele me encara outra vez.
– Está boa? – Pergunto, encolhendo os ombros.
– Está ótima! – Ele sorri.
Jimin dá mais algumas mordidas na torta, e apenas com poucos segundos, ele consegue terminá-la.
– Fazia tanto tempo assim que você não comia uma torta? – O encaro com espanto.
– Não como a sua. – Ele dobra o pano de prato e coloca de volta na cesta, antes de me devolver.
Pego a cesta de bom grado, me sentindo feliz por ter conseguido retribuir o que ele fez ontem.
– Agora que você já comeu, eu preciso ir. – Me levanto, limpando de minha roupa, qualquer vestígio de terra ou folhas secas.
– Tudo bem. Obrigado por ter vindo até aqui. – Jimin agradece, ainda sentado. Pelo jeito, ele passará algum tempo debaixo desta árvore.
Sorrio fechado, dando um rápido aceno de cabeça, antes de me virar e começar a ir em direção ao caminho que me levaria de volta a loja de vovó. E junto ao barulho de meus passos pisando contra as pequenas folhas secas deitadas sobre o chão, a voz de Jimin se agrupa no que parecia ser uma alta sucessão de tosses.
Curiosa, espio sobre meus ombros a tempo de ver Jimin se curvar para o lado, apoiando as mãos contra a terra e folhas secas, para assim, vomitar uma grande quantidade de sangue que chega a me assustar. Com os olhos arregalados, me viro em sua direção, segurando com forma minha cesta.
Os dedos de Jimin apertam a terra e ele vomita mais uma vez, seus braços fraquejam, fazendo com que seu rosto atinja o chão, sujando grande parte de sua pele pálida e roupas, com o próprio sangue.
Solto a cesta, e corro em sua direção, me agachando e tentando levantar seu tronco. Jimin aperta os olhos, e uma expressão de dor preenche cada canto de seu rosto, algumas poucas linhas de sangue ainda escorriam para fora de sua boca.
– Jimin, o que houve?! – Pergunto desesperada, o segurando pelos ombros para que não caia outra vez, mas seu corpo era mole, sem qualquer força.
Ele não consegue responder, e seus olhos parecem pesados, quase se fechando.
Minha respiração se torna acelerada e olho para os lados, em busca de uma saída.
– Você consegue me mostrar onde fica a sua casa? – Seguro seu corpo com mais força quando ele cambaleia para o lado. Meu pé esquerdo escorrega no sangue, e me desequilibro, batendo o joelho na terra e sujando boa parte de minha canela, com sangue.
Com a mão trêmula, Jimin aponta para a direita, indicando a continuação do caminho da floresta. Eu nunca segui deste ponto, mas não posso deixá-lo desse jeito.
– Eu vou te levantar agora. – Aviso, e depois, passo um e meus braços por de baixo dos seus, de modo que ele possa se apoiar em mim.
Jimin deixa seu braço esquerdo sobre os meus ombros, agarrando com força meu ombro esquerdo também. Forço minhas pernas e, aos poucos, vou me levantando e levantando Jimin junto, que com sua mão livre, se apoia no tronco da árvore. Cambaleamos um pouco e, novamente, piso sobre o sangue no chão, mas consigo manter o equilíbrio.
Lentamente, de maneira que não o prejudicasse, nós dois começamos a andar, seguindo em frente. O caminho era fechado nos lados apenas por grandes e altos ramos de flores, deixando a parte de cima aberta para a entrada do sol. Também haviam algumas viradas, mais de uma opção de caminho, e como Jimin não dizia nada, apenas decidi seguir reto.
Eu sentia que o garoto que se apoiava em mim, ia perdendo mais suas forças cada vez mais em cada passo que dávamos.
– Por favor, não desmaie. – Peço, em tom baixo, com uma prece.
Olho para o lado, checando Jimin, que tinha sua cabeça tombada para frente.
Respiro fundo, fazendo uma pequena pausa para poder ajeitá-lo melhor. Depois, continuamos a seguir em frente, e eu podia perceber o esforço que o Jimin fazia para conseguir andar. Mas, por sorte, eu consigo avistar o final do caminho de arbustos, apenas mais alguns passos, longos passos.
Tento aumentar um pouco o ritmo de nossa caminhada, e depois de alguns minutos, finalmente saímos dos arbustos, entrando no que parecia ser um enorme jardim de uma mansão ainda maior. Flores de todos os tipos, mas apenas nas cores vermelho e preto, estavam bem distribuídas pelo jardim, uma fonte com uma gárgula enfeitava ao centro e alguns caminhos cimentados seguiam até a entrada da mansão.
– Essa é sua casa? – Pergunto para Jimin, que não responde, ele nem ao menos podia levantar sua cabeça.
Respiro fundo pela segunda vez, e passo pelos portões dourados abertos da mansão, escolhendo o caminho cimentado da direita, deixando algumas pegadas sujas de sangue para trás. O corpo de Jimin parece mais pesado agora, e preciso me esforçar para nos levar até a entrada da mansão muito bem detalhada e cheia de janelas.
Paro em frente aos cinco degraus largos que nos levariam até porta, e penso em como farei para subir com Jimin. Sem muita escolha, tento subi-lo, mas não conseguimos passar nem do primeiro degrau, já que Jimin está muito fraco, e em nossa falha tentativa, acabamos caindo sobre os degraus. Me certifico de que ele não se machucou, e depois o deito nos degraus, subindo sozinha, correndo até a grande porta entalhada de madeira.
Procuro por alguma campainha, mas a única coisa que vejo é uma aldraba de metal pendurada ao lado direito. Então, seguro na argola presa e pesada, e com o auxílio das duas mãos, bato ela incessantemente contra a madeira da porta, até que ela se abra.
Apenas uma pequena fresta mostrava o interior escuro da mansão, e quando penso em entrar, a porta é aberta um pouco mais, revelando a imagem alta de um garoto de cabelos escuros e pele pálida. E assim como Jimin, ele tinha lábios volumosos e avermelhados, e usava roupas pretas.
Seus olhos castanhos varrem todo meu corpo, provavelmente analisando o sangue seco que me sujava.
– Em que posso ajudar? – Ele pergunta, com uma voz impassível, segurando o batente da porta.
– Por favor, o Jimin, ele não está bem! – Minha voz era exasperada, enquanto eu apontava para trás.
O garoto parado na porta, muda sua expressão, parecendo confuso.
– Ele está aqui! – Sem esperar por alguma resposta sua, corro de volta até os degraus.
O garoto vem logo atrás de mim, descendo cada degrau de forma lenta. Ele se agacha ao lado do corpo, agora, desacordado, de Jimin, e o encara por alguns segundos, fazendo todo o meu desespero aumentar por ele não fazer nada.
Ele suspira e toma o Jimin em seus braços, subindo os degraus. E mesmo sem o conhecer, o sigo para dentro da mansão, onde passamos por um hall de entrada repleto de quadros antigos, depois saindo direto em um espaço aberto, onde ao fundo e no meio de duas escadas curvadas que levavam para outro andar, havia uma grande porta de madeira.
O garoto vira à direita, entrando em uma sala que parecia do tamanho da minha casa. Com Jimin no colo, ele caminha até um espaçoso e grande sofá, o deitando ali.
Ele se afasta de Jimin e caminha para fora da sala, passando por mim como se eu não estivesse ali. Olho para o garoto desacordado, que arfava e suava muito, e sem saber o que fazer, acabo seguindo o garoto desconhecido outra vez.
Imitando cada um de seus passos, passo outra vez pelo espaço aberto, seguindo reto e indo até à entrada da esquerda, a cozinha. Tudo nessa mansão era grande, com muitos enfeites e objetos espalhados, o ar era de antiguidade, como se eu tivesse entrado em outro século.
Sem se importar com a minha presença, o garoto vai em direção a parte dos armários com portas de vidro, e pega uma pequena caixinha quadrada. E por mais que eu estivesse afastada, consigo enxergar através do vidro muito bem limpo, pequenos potes transparentes distribuídos pelas prateleiras de dentro do armário, onde, em cada um havia um pequeno morcego morto, parecendo dormir dentro do líquido que o imergia até a tampa escura.
Mesmo estando com uma sensação ruim ao ver os morcegos, continuo acompanhando os movimentos do garoto, que depois de procurar por uma chaleira, caminha até a pia atrás de água, em seguida, despejando o conteúdo da caixinha dentro da chaleira. Depois, ele fica parado em frente ao fogão acesso que trabalhava para ferver o conteúdo da chaleira. Seu corpo alto cobre parcialmente meu campo de visão, ele era como uma estátua, não se mexia.
Sem jeito, mas me sentindo preocupada por Jimin, dou alguns passos pela cozinha, me aproximando com cuidado do garoto de costas largas.
– Você poderia me dizer se ele vai ficar bem? – Receosa, pergunto, segurando minhas próprias mãos em nervosismo.
O garoto de cabelos escuros olha para o lado e sorri para mim.
– Não se preocupe. – Ele diz de forma mais gentil do que antes.
Aceno e depois encaro o chão.
– Eu não sei o que aconteceu, eu apenas dei um pedaço de torta de maça pra ele, e então ele começou a passar mal. – Solto um suspiro, triste.
– Você deu torta de maçã para ele? – O garoto pergunta, e eu volto a encará-lo.
– Sim. Ontem ele me deu algumas maçãs, e disse que fazia tempo que não comia uma torta feita com elas, por isso eu fiz. Trouxe um pedaço para agradecê-lo. – Confesso, me sentindo, de alguma forma, culpada pelo que aconteceu.
A chaleira começa a apitar no mesmo instante que o garoto começa a rir.
– Jimin ficará bem, ele deve ter passado mal porque comeu muito rápido. Ele não tem jeito. – O garoto retira a chaleira do fogo e a leva até o balcão escuro, pegando uma xícara branca logo depois, e despejando o conteúdo vermelho dentro da porcelana.
– O que é isso? – Me aproximo dele, de novo, que me espia de conto de olho.
– Erva-De-Sangue, isso vai ajudar o Jimin a ficar melhor. – Ele termina de encher a xícara.
– Erva-De-Sangue? – Pergunto, espantada com a coloração que a água ficou.
– Sim. Tem esse nome porque as folhas dessa erva são vermelhas e deixam o chá parecendo sangue. – Ele olha em volta, indo até um pequeno pano branco deixado ao lado da pia. – Agora, vamos dar isso ao Jimin.
Ele caminha com a pequena xícara de porcelana em mãos, refazendo o mesmo caminho de antes até a sala.
– Você pode levantar a cabeça dele um pouco, por favor? – Ele pede, se aproximando do sofá, sentando-se na borda.
Assinto, e caminho até Jimin, ficando de pé perto do braço do sofá, onde, com cuidado, levanto a cabeça do garoto desacordado.
O garoto alto toma uma expressão séria e apoia o pano branco que trouxe, debaixo do queixo de Jimin, para depois, levar a xícara até sua boca, tentando fazê-lo beber. Alguma quantidade de chá escorre pelas bordas dos lábios de Jimin, mas ele parece tomar tudo que pode. Por fim, o garoto alto limpa Jimin, pedindo que eu deite sua cabeça outra vez.
– Você é amigo dele? – Pergunto, observando atentamente o semblante de Jimin ficar mais relaxado, enquanto sua respiração de instabiliza.
– Sou o irmão mais velho dele. – Ele sorri, antes de se levantar e sair com a xícara e o pano sujo, me deixando sozinha com um Jimin meio acordado e meio desacordado.
Silenciosamente, espero até que o irmão mais velho de Jimin retorne, e enquanto isso, encaro seu semblante, torcendo para que aquele chá possa o fazer melhor. Talvez a culpa fosse minha, mas eu ainda não posso entender, todos na casa de vovó comeram a minha torta, e apenas Jimin passou mal. Não é normal vomitar sangue apenas por comer, não é? Eu realmente não sei.
– Quem é você? – Uma voz masculina, de tom frívolo, me faz afastar do sofá onde Jimin estava.
Olho para a minha direita, encontrando um garoto de pele pálida e cabelos brancos, parado ao lado da enorme lareira de pedra, ao fundo da sala.
Por onde ele pode ter entrado, se não há nenhuma porta ali?
– E-Eu... Elena, meu nome é Elena. – Me sinto ameaçada diante de seu olhar que parecia tão intenso como a lâmina de uma faca.
– Eu não conheço nenhuma Elena. – Seu tom de voz fica mais baixo, e ele começa a se aproximar de mim, me deixando ainda mais nervosa com sua presença.
– Yoongi, não assuste nossa convidada. Elena é uma amiga de Jimin. Ele passou mal e ela o trouxe aqui. Então seja um pouco mais gentil.
Me assusto pela segunda vez, ao escutar a voz do irmão mais velho de Jimin soar atrás de mim. Eles são como o vento, se aproximam tão silenciosamente que não notamos.
– Eu estou preso nessa porcaria de lugar, sem poder sair, gentileza é a última coisa que você vai ter de mim. – O tal Yoongi rebate, mostrando todo seu desprezo e desinteresse.
Com seus cabelos brancos e finos lábios avermelhados, Yoongi enfia suas mãos para dentro das roupas pretas e sai da sala, nem se dando ao trabalho de checar se Jimin estava bem.
– Desculpe meu irmão, às vezes ele pode ser um pouco irritante. – O irmão mais velho de Jimin, diz, de forma suave.
– Tudo bem, mas o que ele quis dizer com estar preso aqui dentro?
O garoto de cabelos pretos e traços sutis, sorri.
– Temos muitas coisas para fazer na mansão, então quase não temos tempo para sair. – Ele explica. – Aliás, acho que ainda não me apresentei, eu sou o Jin. Muito prazer em te conhecer, Elena, e obrigado por ter trazido meu irmãozinho.
Sorrio fechado, um pouco sem jeito. Eu não sou como Wendy, que faz amizades com facilidade, sempre levei um tempo para me sentir confortável na frente de desconhecidos.
– Vocês são em três irmãos então? – Pergunto, me sentindo curiosa a respeito disso.
– Somos oito irmãos, acho que você já conheceu o Hyun, ele e Jimin já haviam me contado sobre você e outra garota. Talvez sua irmã? – Ele estreita os olhos de forma divertida, tentando adivinhar.
Assinto, confirmando, e ele parece satisfeito com isso.
– Hyun... o garotinho da bola vermelha?
Jin acena positivamente.
– Bonito anel.
Franzo o cenho, confusa, e ele aponta para minha mão direita. Olho para o meu dedo médio, vendo a pequena pedra preta. Esse foi um presente de minha mãe, Wendy tem um igual, ganhamos há tanto tempo e nossa mãe sempre fez tanta questão que nunca tirássemos ele, que às vezes até esqueço que uso esse anel.
– Obrigada, foi presente da minha mãe.
– Hm, um anel de família então. Eu também tenho um, na verdade, todos nós. – Jin me mostra sua mão direita, onde um anel de pedra vermelha estava em seu dedo médio, assim como o meu. – Está vendo essa cor? É sangue, nosso pai nos entregou esses anéis com seu próprio sangue dentro.
Arregalo os olhos, o encarando espantada e Jin acha graça.
– Estranho, eu sei. Mas é de família, então não posso jogar fora. – Ele explica, mas não digo nada, e acabamos no silêncio.
– Eu preciso ir agora. – Digo, pouco à vontade com tudo isso.
– Eu te acompanho até a porta. – Jin diz, e toma a frente.
Olho uma última vez para Jimin, vendo que agora ele parecia mais relaxado.
Depois disso, Jin e eu saímos da sala, passando pelo espaço aberto e depois pelo hall, tudo em silêncio. Observei com atenção todos os quadros antigos pendurados nas paredes do hall, a fotografia era velha e as roupas que vestiam não era de minha época, mas o curioso mesmo, era que algumas das pessoas nas fotos se pareciam muito com os que já conheci dessa mansão aqui. Talvez alguns ancestrais.
– Venha nos visitar quando quiser. E mais uma vez, muito obrigado por ter ajudado o Jimin. – A voz de Jin me faz voltar para a realidade. Ele estava parado ao lado da porta aberta.
– Não foi nada. – Curvo minha cabeça rapidamente, em um aceno, e me apresso a sair da mansão.
Já do lado de fora e um pouco curiosa, espio sobre os meus ombros, mas a porta já estava fechada.
Solto um suspiro e desço os degraus largos, me apressando ao sair do jardim da mansão, e voltando pelo menos caminho que vim. Ao passar em frente a macieira, ainda era possível ver os vestígios do sangue de Jimin, agora mais viscoso e escuro, sobre à terra.
Apanho a cesta de vime que larguei no chão, e uso o pano de prato que trouxe para poder limpar minhas pernas sujas com o sangue seco. Depois, ando calmamente para onde sabia que me levaria para fora da floresta
O sol era fraco e a tarde dava sua última aparição.
Avisto a pequena loja de vovó e caminho até a entrada, tudo era vazio, mas pude escutar a voz de Wendy vinda da parte detrás. Deixo a cesta sobre o balcão e espio da porta, colocando apenas minha cabeça para fora. Vovó explicava alguma coisa sobre como colocar a semente corretamente na terra e Wendy apenas mexia a cabeça, como se estive entendendo tudo.
Os olhos de minha irmã desviam da terra esburacada, como se sentissem a minha presença, e Wendy olha em direção a porta. Sibilo um "cheguei" para ela, que acena positivamente, se mostrando aliviada.
***
Depois de arrumar uma desculpa qualquer para vovó, dizendo que eu apenas aproveitei o pouco movimento da loja para caminhar pelo vilarejo, nós acabamos voltando para casa.
A noite chegou tranquila e nós três tivemos um bom jantar, regado a conversas desinteressantes que às vezes gostávamos de ter. E depois de lavarmos a louça para que a cozinha ficasse organizada, acabamos por receber uma visita; o vizinho de vovó, Sebastian, que a convidou para um chá da noite. A princípio, ela recusou, mas depois de nossa insistência, ela acabou aceitando. Isso seria bom para vovó, ela apenas vive nesta casa ou em sua loja, passar algum tempo com alguém da sua idade a faria bem.
Depois que vovó saiu, Wendy e eu subimos para o quarto, ela queria saber sobre todos os detalhes da minha tarde com Jimin, e eu me estressava apenas por lembrar.
No corredor para nosso quarto, acabamos avistando a última porta, a que ficava na parede de frente para a entrada do corredor. Wendy não se conteve e correu até a porta que guardava a escada para o sótão. Não pude me conter também e me juntei a Wendy. Nós duas subimos as escadas gastas, que nos levaram até o sótão iluminado pela luz que vinha da pequena sacada.
Nada parecia ter mudado por aqui, ainda havia uma cama com lençóis limpos, uma penteadeira e alguns caixotes que deviam carregar coisas sem utilidades. O teto inclinado estava enfeitado por algumas teias de arranha, e as costinhas gastas da sacada iam até o chão, deixando a barra em cor de poeira.
– Isso é tão nostálgico. – Wendy cantarola, abrindo a porta de correr da sacada, deixando o vento da noite entrar. – Lembra como costumávamos ver as estrelas daqui com o vovô? – Ela segura no batente de madeira da sacada pequena, que cabia apenas duas pessoas adultas por vez.
Assinto, olhando para o céu, que parecia muito mais bonito visto daqui. Este ponto da casa de vovó era o mais alto, por isso, dava a impressão de que poderíamos tocar as estrelas, assim como nos fazia sentir que estávamos bem acima do vilarejo, tendo uma vista ainda mais privilegiada e ampla de tudo que Upióir oferecia.
– Agora, me conte tudo que você fez hoje. – Wendy se vira para mim, sorrindo enquanto espera que eu comece a falar.
Solto um suspiro cansado.
– Tudo bem, mas depois vamos dormir.
Capítulo 4
Mais um dia e mais uma manhã trabalhando na loja de vovó. Hoje o movimento parecia melhor, e eu até tive algumas conversas agradáveis com alguns clientes. Também aprendi mais sobre flores e ervas, e até mesmo como plantá-las devidamente, depois de uma árdua explicação de Wendy, que quis me contar cada detalhe do que aprendeu com vovó. E claro, não posso esquecer que Wendy não perdeu nenhuma oportunidade de tirar sarro do que lhe contei noite passada, ela dizia que eu deveria ficar longe da cozinha de agora em diante, ou acabaria matando alguém.
E o grande inevitável de toda minha manhã e começo de tarde, foi sempre que podia, espiava pela janela a entrada da floresta, tentando, de alguma forma, saber como Jimin deveria estar depois de tudo que aconteceu. O sentimento de culpa ainda me incomodava, e eu tentava a todo custo encontrar alguma explicação, mas não cheguei a nada.
Sebastian, o vizinho de vovó, acabou passando por aqui, e a convidou para ir até à capela de Upiór, e vovó aceitou sem pestanejar dessa vez, dizendo que nós também deveríamos visitar a capela qualquer dia. E com a nossa palavra de que iriamos, vovó nos deixou cuidando de sua loja outra vez.
Atrás do balcão amarelo, vestindo meu avental florido, vejo quando uma adorável senhora entra na loja.
– Você não acha que Sebastian anda muito interessado na vovó? – Wendy pergunta em tom baixo, assim que se aproxima.
– Não diga besteiras agora. – A repreendo, também em tom baixo, para que a senhora não escute. – Boa tarde. – Cumprimento, e ela me dá um leve aceno de cabeça.
– Vim buscar minha encomenda de orquídeas azuis. – A senhora de cabelos brancos e pele enrugada, para em frente ao balcão.
– Vou pegar. – Wendy diz, animada, e sai de perto de mim. Ela caminha até uma das prateleiras, e pega um grande arranjo muito bem feito. – Vovó já havia deixado pronto. Aqui está. – Ela entrega para a senhora, que antes de pegar, abri sua pequena bolsa de mão, retirando o dinheiro da compra.
– Veja se está certo, por favor. – Ela deixa três notas sobre o balcão.
Confiro o valor na pequena tabela ao lado da caixa registradora.
– Está tudo certo. – Sorrio. – Eu acompanho a senhora até a porta.
Saio detrás do balcão e passo por Wendy, caminhando até a porta com a senhora, que parecia ainda menor com o arranjo em mãos. Paro na entrada da porta, e a senhora se curva rapidamente para mim, acenando um tchau com as mãos.
– Tenha uma boa tarde. – Aceno de volta para ela, enquanto a observo ir embora pela rua de ladrilhos.
– Elena!
Olho para meu lado direito assim que escuto alguém chamando por meu nome, penso ser a senhora que acabou de ir, mas ela ainda caminhava pelos ladrilhos.
– Elena!
Me viro, encarando o interior da loja, onde Wendy ajeitava alguma coisa nas prateleiras de flores.
– Aqui na floresta!
Espio sobre os ombros, vendo Jimin parado na entrada da floresta. Receosa, olho para todos os lados, antes de me aproximar dele.
– O que você está fazendo aqui? – Pergunto, assim que paro perto da linha branca que dividia o vilarejo e a floresta, eu de um lado e Jimin do outro.
Sua expressão se torna um pouco decepcionada.
– Poxa, você não foi me ver hoje, por isso, vim atrás de você.
Nós mal nos conhecemos, não é como se eu fosse atrás dele todos os dias, ontem eu apenas quis agradecê-lo.
Aperto os lábios em uma linha fina por poucos segundos, pensando no que deveria dizer.
– Como está? Se sente bem agora?
Sua expressão se suaviza um pouco.
– Eu estou bem, obrigado por ter me ajudado. – A brisa da tarde parece vir de dentro da floresta, balançando a nova blusa de seda que Jimin usava, e para minha surpresa, na cor branca.
– Me desculpe, acho que foi a minha torta que te deixou mal. – Coloco as mãos para trás do corpo, desviando meu olhar.
– Não se desculpe, eu já estou bem. Mas não foi pra isso que eu vim até aqui. – Ele diz, com sua voz suave, me fazendo encará-lo outra vez. Ele sorria enquanto a brisa bagunçava os fios claros de seus cabelos. – Estou fazendo piquenique com os meus irmãos hoje, e gostaria que você participasse dele.
Fico em silêncio.
Jimin acena para alguém atrás de mim, e quando me viro, vejo Wendy se aproximar com um grande sorriso no rosto.
– Você deveria ir. – Ela passa o braço por meus ombros.
– Eu não posso te deixar sozinha aqui na loja. – A encaro séria.
– Não se preocupe, Eleninha. Se divirta um pouco. – Wendy ri e puxa o nó de meu avental, desatando-o, depois passa ele por minha cabeça, retirando-o de vez. – Seu celular. – Ela me entrega o aparelho que estava no bolso da frente do avental. – Estou indo agora, até mais. – Wendy se vira, me dando as costas e voltando para a loja.
Olho para Jimin, que sorri animado.
Quero suspirar, mas me contenho.
Guardo o celular no bolso de minha saia e entro na floresta com Jimin.
***
O caminho até a mansão de Jimin foi envolto de muita conversa, com ele me dizendo como o chá que Jin fez pra ele foi milagroso, o fazendo se sentir bem logo depois que eu fui embora.
Passamos pelo caminho que aprendi a decorar, mas dessa vez, Jimin me guiou até os fundos da mansão, onde havia mais um enorme jardim completamente florido, e era lindo. Também me espantei ao contornar a mansão e ver como ela conseguia ser muito maior do que olhando de frente, até parecia um castelo antigo cheio de janelas e andares.
Ao centro da grama bem aparada do jardim, havia uma grande toalha quadriculada vazia em tons de vermelho e branco, com dois garotos sentados sobre ela. Um deles tinha os cabelos pretos, um pouco repartidos, caindo sobre sua testa, os olhos escuros e pele pálida; o outro tinha os cabelos mais curtos, em tom quase branco, sua pele era pálida e ele usava óculos enquanto lia um livro.
– Você conheceu o Jin, o irmão mais velho. – Jimin leva uma de suas mãos até minhas costas, me aproximando da toalha e dos outros dois garotos, que notam nossas presenças. – Também conheceu o Yoongi, que é o segundo mais velho entre nós.
O garoto que lia, abaixa seu livro, segurando-o com apenas uma mão, para que a outra apoie seu corpo sentado. Já o garoto de cabelos pretos sorri, grandemente animado com nossa presença.
– Depois de Yoongi, vem o Hoseok. – Jimin aponta para o garoto sorridente, que acena para mim, me deixando sem jeito. – Depois o Namjoon. – Ele aponta para o garoto do livro. – E depois, eu. – Jimin se coloca à minha frente e abre os braços, rindo consigo mesmo.
– Você deve ser Elena, certo? – Hoseok pergunta, se inclinando para o lado para me ver, já que Jimin parou na minha frente. – Sente-se com a gente. Skull logo trará a comida. – Ele faz um gesto para que eu me aproxime mais.
Encaro Jimin, pedindo por ajuda, e ele segura em minha mão, me levando para a tolha esticada no chão. Ele se senta, e pede que eu sente ao seu lado. Ainda sem jeito, me agacho na toalha, me sentando sobre as pernas, de modo que minha saia não revele nada além do que já estava exposto.
Com três pares de olhares sobre mim, o silencio nos rodeia, deixando apenas o barulho dos pássaros que voavam por perto.
Vendo esses três juntos assim, só agora sou capaz de notar a semelhança em suas orelhas furadas por brincos e unhas pintadas em preto, detalhes que não fui capaz de reparar nem mesmo em Jimin. Acho que não sou muito do tipo observadora.
Agarro na barra de minha saia e encaro minhas próprias mãos, me sentindo desconfortável com o silêncio. Por um momento, volto minha atenção apenas ao anel de pedra escura em meu dedo médio, e logo me lembro da conversa que tive com Jin, e com isso, tentando ser sutil, ao espiar as mãos dos três garotos sentados comigo, notando que eles também carregavam o mesmo anel que Jin, eram idênticos.
– O seu anel é bonito. – Me surpreendo, quando acabo por escutar uma nova voz. Ela vinha do Namjoon, que apontava para minha mão direita.
– O-Obrigada, é de família. – Encolho os ombros, me sentindo um pouco intimidada com tanta atenção.
– Os nossos também. – Namjoon responde, e em sincronia, os três garotos erguem suas mãos no ar, me mostrando seus anéis de pedras vermelhas, que eu sabia que carregavam o sangue do pai deles.
– Hyun disse que vocês encontraram duas garotas, Jimin. – Hoseok diz.
– Acho que era a minha irmã. Ela ficou cuidando da loja da nossa avó. – Respondo, em tom baixo.
– Traga sua irmã da próxima vez. – Namjoon fala, com um sorriso gentil no rosto. Ele fecha seu livro, colocando-o ao lado de seu copo, sobre à toalha.
– Sua avó tem uma loja? Que legal! – Hoseok se inclina para frente, parecendo ainda mais animado. Ele era como o sol de hoje, alguém brilhante, um pouco parecido com Wendy, talvez.
Jimin apenas sorria ao meu lado, parecendo feliz por eu ter iniciado uma conversa descente.
– Sim. Ela tem uma loja de flores e ervas. – Respondo, tentando me acalmar e não parecer uma estranha.
– Oh, isso é muito mais legal! – Hoseok tem os olhos surpresos, enquanto encara Namjoon, que dá risada e assente.
– Qual o nome da loja da sua avó, Elena? – Jimin pergunta, ao meu lado.
– Ela usa o sobrenome da nossa família por parte de mãe. O nome da loja é Van Helsing. – Explico, eles me olham curiosos, trocando alguns olhares.
– Van Helsing, como o caçador de vampiros? – Namjoon pergunta, calmamente, parecendo interessado.
– Acho que sim, alguma coisa parecida com essa baboseira. – Encolho os ombros.
– Eu devo me preocupar com você? – Jimin pergunta, com uma expressão falsamente séria.
– Apenas se você for um vampiro. – Brinco, tentando me enturmar no clima desta conversa. – Mas nós sabemos que eles não existem.
Jimin solta uma curta risada e depois olha para Hoseok, que sorri.
– Você não acredita em seres sobrenaturais? – Namjoon pergunta, outra vez.
– Não. Mas talvez minha irmã acredite, ela assiste bastante documentários sobre isso.
– Eu também não acredito. – Hoseok diz, com uma expressão engraçada, enquanto abana a mão em frente ao rosto.
Como se fosse uma sombra sorrateira, um homem alto e magro, com cabelos brancos na altura dos ombros, aparece. Ele usava um fraque preto e luvas brancas, parecidas como as de um mordomo, e por estar segurando uma grande bandeja nas mãos, acho que ele realmente seja um mordomo. Seu rosto marcava bem os ossos faciais, se assemelhando a uma caveira, fazendo jus ao seu nome.
– Coloque aqui, Skull. – Hoseok aponta para o meio vazio entre nós, e assim, o mordomo se abaixa e retira a tampa da bandeja, que estava repleta por biscoitos e pedaços de bolo. – Obrigado.
Os três acenam com a cabeça, de forma educada para o mordomo, que sem dizer uma palavra, se vira e sai.
– Você come primeiro, é a convidada. – Hoseok empurra a bandeja em minha direção.
Passo, rapidamente, os olhos pelos três garotos, que me encaravam com atenção.
Com a brisa do dia fresco e sentindo os raios de sol esquentarem minha pele, pego um dos biscoitos e levo até minha boca, dando uma mordida pequena, sentindo o gosto do chocolate derreter em minha língua.
Arregalo os olhos, encarando biscoito em minha mão.
– Está delicioso. – Falo espantada, e os três riem, antes de pegarem alguns biscoitos também.
– Os biscoitos do Skull são os melhores. – Hoseok comenta, de boca cheia, e Namjoon ri de seu irmão por ser alguém tão expressivo.
– Você não mora aqui, não é? Nunca te vi antes em Upiór. – Jimin pergunta, enquanto termina de comer seu biscoito, pronto para pegar outro.
– Estou passando as férias com a minha avó. Moro com a minha mãe e a minha irmã. – Respondo, limpando de minha roupa alguns farelos de biscoito.
– E o seu pai? – Hoseok pergunta, esticando suas pernas sobre a toalha, enquanto come dois biscoitos de uma vez.
– Eu não tenho. Ele abandonou minha mãe antes de eu nascer. – Aceito de bom grado o pedaço de bolo, também de chocolate, que Jimin me ofereceu quando pegou um pedaço para ele mesmo.
– Eu sinto muito. – Jimin me olhar com pesar.
Eu até poderia achar fofo o seu jeito, como Jimin sempre parece preocupado em ser gentil. E sua aparência delicada e suave apenas acarretavam mais em tudo isso.
– Tudo bem, eu nunca conheci ele, então não é alguém de quem eu sinta falta. – Dou de ombros, sendo sincera.
Eu cresci sem a presença de um pai, mas não foi algo que me afetou. Minha mãe sempre deu o seu melhor para criar minha irmã e eu com muito amor e carinho, e eu aprecio isso. Provavelmente, nem Wendy se lembra dele, já que tinha apenas dois anos quando ele foi embora.
– E os pais de vocês? – Aproveito do momento e pergunto, depois, dando uma mordida no pedaço de bolo que Jimin me deu.
– Nossa mãe morreu enquanto Hyun nascia. E nosso pai também, ele morreu há alguns anos, esteve envolvido em uma briga aqui em Upiór. Esse lugar não é muito moderno, as coisas aqui funcionam devagar, e antes de o vilarejo ser pacato, as pessoas brigavam por território, e foi em uma dessas brigas que ele morreu. – Namjoon explica, depois de terminar de comer seu biscoito.
Eu estava prestes a comer mais um pedaço do bolo, mas me sinto mal poder ter perguntado sobre isso, então apenas devolvo a fatia de volta a bandeja.
– Não se preocupe, isso já tem bastante tempo. – Namjoon responde com calma, realmente não parecendo se importar muito, na verdade, nenhum deles.
– Acho que eu era um adolescente na época em que nosso pai morreu. – Jimin comenta.
– Então vocês moram sozinhos aqui? – Pergunto, enquanto uma grande sombra nos cobre. Olho para cima, e percebo que as nuvens do céu tapam o sol, e logo, taparam a tarde também.
– Nós moramos apenas com os empregados. – Hoseok responde. – Quantos anos você tem, Elena? – Com seu sorriso animado, ele pergunta.
– Dezoito. – Encaro outra vez o céu de nuvens, pensando se não deveria ir embora logo, antes que escureça.
– É como uma criança ainda. – Olho confusa para Namjoon, que ri atrás de seus óculos.
Ele diz como se fosse muito mais velho que eu, mas parecemos ter idades próximas.
– Eu preciso voltar agora, daqui a pouco ficará tarde e minha irmã está me esperando na loja. – Mesmo que esse piquenique tinha sido mais agradável do que imaginei, me levanto, sabendo que deveria voltar. – Obrigada pela hospitalidade, eu me diverti muito hoje. – Inclino minha cabeça rapidamente em direção a eles.
– Vou levar ela. – Jimin avisa seus irmãos, que assentem. E depois, ele se levanta ao meu lado.
– Volte mais vezes, Elena. – Hoseok abana freneticamente sua mão para mim, em um tchau. E Namjoon apenas acena com a cabeça.
Pronta para ir embora com Jimin, escutamos vozes agitadas e altas, e bastam segundos até que o garotinho da bola vermelha, apareça correndo, vindo da frente da mansão, seguido por um garoto de cabelos escuros e pele pálida. O garotinho parecia animado, se divertindo em uma pequena brincadeira com o garoto mais velho.
– Hyun! Jungkook! Venham aqui! – Jimin grita e os dois que corriam, nos olham, vindo em nossa direção.
O garoto alto, com parte do cabelo penteado para o lado e alguns fios soltos sobre a testa, olha diretamente para mim, vindo com seus passos calmos e elegantes. Seus olhos pareciam duas estrelas escuras, eram grandes e bem desenhados. As duas pequenas argolas, uma em cada orelha, se destacavam entre a pele pálida e lábio avermelhado.
– O Hyun você já conhece. – Jimin diz, assim que o garotinho para ao seu lado, agarrando sua perna. Jimin leva sua mão até o topo da cabeça dele, bagunçando seus cabelos escuros. – E este outro é Jungkook, o segundo mais novo depois de Hyun. – Com a mão livre, Jimin aponta para o garoto alto que para a minha frente.
– Elena, não é? – Em sua voz melodiosa, ele pergunta, enquanto mantém seu olhar marcante sobre mim.
O som de sua voz me deixa desnorteada por um momento, e tudo que consigo fazer, é assentir. E isso parece agradá-lo, que sorri, minimamente, revelando um charmoso sorriso de coelho. Seus dentes da frente não eram grandes ou coisa do tipo, mas de alguma forma, quando ele sorria, me lembrava um belo coelho branco de olhos escuros.
Começo a me sentir hipnotizada por seu olhar, e acabo desviando para os lados, tentando me recompor.
– J-Jimin, eu realmente preciso ir. – Encolho os ombros, e encaro o garoto parado ao meu lado.
– Não está indo por que eu cheguei, ou está? – Jungkook pergunta, parecendo querer me desafiar em seu tom de voz.
– Ela já estava de saída, você que chegou tarde demais. – Jimin responde por mim, e respiro aliviada com isso. – Vamos?
Jimin segura em minha mão, e começa a me levar para longe de seus irmãos.
Não contenho em dar uma última olhada para Jungkook, que sorri maldoso, com os olhos estreitos.
Acho que seria melhor ficar longe desse garoto.
Saindo da mansão e em mais uma conversa agradável, Jimin me leva de volta até a saída da floresta, se despedindo e agradecendo por eu ter ido com ele. Quando o vejo sumir no meio das árvores altas, caminho até a loja, sendo recebida por muitas perguntas de Wendy, sobre tudo que eu fiz. E depois de ser obrigada a contar cada detalhe de minha tarde, nós duas ajeitamos o interior da loja de vovó para voltarmos, e durante todo o caminho, penso sobre ter conhecido quase todos os irmãos de Jimin. Jin me disse que eles são em oito, e já encontrei sete, e se Jimin veio depois de Namjoon, e Jungkook é o segundo mais novo depois de Hyun, então existe um irmão misterioso entre Jungkook e Jimin. Quem poderia ser ele? Talvez eu esteja um pouco curiosa para saber como ele é, já que todos naquela mansão parecem ter saído direito de um livro de contos de fadas estranhamente sombrio e diferente.
Capítulo 5
No dia anterior, acabei passando um bom tempo com Jimin e seus irmãos, mas assim que cheguei em casa, acabei dando pela falta de meu celular. Eu sei que, antes de ir, coloquei ele dentro do bolso da minha saia e, provavelmente, ele deve ter caído do bolso enquanto estive sentada na tolha quadriculada durante o piquenique. Sei disso, pois assim que cheguei na loja de vovó hoje, procurei por todos os lugares, mas eu não encontrei.
Disse para Wendy que precisaria ir até à mansão de Jimin pegar meu celular, e minha irmã sugeriu que eu fizesse isso depois que nós duas arrumássemos algumas ervas em seus devidos potes de vidro, assim vovó não suspeitaria de nada.
A manhã foi um pouco mais lenta do que eu gostaria, mas ainda assim foi agradável. Ajeitar as ervas que seriam vendidas era, de certa forma, relaxante. Cada uma delas tinha um aroma único que parecia me acalmar, como uma conexão suave entre o cheiro e o meu corpo. Wendy e eu separamos as folhas moídas em potes com etiquetas, mesmo que não houvesse alguma explicação para que serviam.
Durante a tarde, menos flores e mais ervas foram vendidas. As encomendas para este dia pareciam grandemente numerosas, deixando vovó feliz por tantos clientes. E nós trabalhamos como nunca antes.
Quando cada um dos potes de ervas e buquês de flores em vasos com água já estavam devidamente ajeitados nas prateleiras, estico meus braços para cima, estalando alguns ossos das costas. Suspiro em alívio, retirando meu avental florido. Espio de relance vovó, que foi ajeitar seu jardim, nos fundos, e aproveito do momento para ir falar com Wendy, esta, que tirava o pó das prateleiras do outro lado da loja.
– Preciso ir agora, antes que fique tarde. – Digo, tocando seu ombro de leve.
Wendy para de passar o espanador entre os pequenos potes de vidro e me olha.
– Tudo bem, eu vou terminar aqui e depois vou distrair a vovó. Mas não se esqueça de ser rápida, Elena. Hoje vamos fechar mais cedo, porque a vovó quer nos levar até a capela. – Wendy alerta, em tom baixo, e eu assinto.
– Não vou demorar. – Aceno com a cabeça e me afasto com cuidado, sendo silenciosa para que vovó não escute nada.
Prendo a respiração enquanto ando na ponta dos pés até a porta de entrada, e assim que meus pés tocam o chão de fora da loja, volto a respirar. Espio o interior da loja, vendo Wendy ir até os fundos distrair vovó, e essa era a minha deixa, pois logo depois, corro até a entrada da floresta, passando com pressa pelo caminho que já decorei. Apenas acalmo meus passos quando chego perto da grande macieira, pois sei que aqui já estou um pouco longe, e ninguém me veria.
Como sempre, algumas maçãs e folhas estavam espalhadas pela grama e terra seca, acompanhando a grande sombra da árvore. Procuro o lugar onde ajudei Jimin, e percebo que a marca de sangue que ele deixou já não estava mais ali, decerto, algum dos irmãos deve ter limpado para não assustar quem entrasse na floresta.
Saio dali e entro no caminho fechado de arbustos, sempre seguindo reto. Olho para cima, contemplando o céu ensolarado, mas nem tanto quanto nos outros dias. Os raios de sol brigavam por seu lugar em meio as nuvens que chegavam silenciosamente. Meus olhos ficam como imãs na bela pintura do céu azul de manchas brancas, e por isso, mal percebo quando chego em frente aos portões da mansão onde Jimin morava.
Passo pelos portões abertos, entrando no grande jardim da frente, e não posso deixar de continuar me sentindo surpresa toda vez que vejo a magnitude deste lugar, tudo era impecável. Tudo aqui trazia uma grande sensação de ter sido colocada em outro mundo, dentro de uma história mágica e antiga, em tempos dos quais eu ainda não parecia ter nascido.
– Procurando alguém, Venator? – Uma voz calma e feminina, soa à minha direita, atraindo minha atenção como um entoar do canto de uma sereia.
Pelo canto de olho, vejo uma garota de cabelos em tom púrpura, com camadas claras e algumas mais escuras, um harmonioso degrade de tons. Ela estava sentada sobre a grama bem aparada, com os braços que apoiavam o corpo que se banhava nos raios de sol. Seu pequeno corpo era coberto por um longo vestido preto de alças finas, deixando seus ombros estreitos e clavículas fundas à mostra. Seu rosto era desenhado em traços suaves e delicados, como uma boneca de porcelana com os lábios pintados de vermelho.
De olhos fechados, sua cabeça se vira em minha direção. Ela era silenciosa como uma sombra, eu não fui capaz de perceber sua presença mesmo que estivesse concentrada no céu azul de nuvens brancas.
– Você deve ser a garota que quase matou Jimin. – Seus olhos se abrem lentamente, expondo as duas íris escuras que me observavam com atenção.
Seguro em minhas próprias mãos, desviando o olhar enquanto me sinto sem jeito.
– Como pôde dar uma torta de maçã com Erva-Verde pra ele? Jimin é alérgico a Erva-Verde.
– Erva-Verde? – Volto a encará-la e ela assente.
Posso me lembrar que vovó insistiu que eu colocasse uma pequena pitada de Erva-Verde na torta. Para mim, não fez diferença no gosto, mas para Jimin, aparentemente, foi algo ruim.
– Eu não sabia que ele era alérgico. – Encolho os ombros sobre seu olhar.
Ela sorri.
– Eu sei, não se preocupe. Estava apenas brincando, mas ele realmente é alérgico. Se está procurando por Jimin, ele está lá dentro. – Ela diz e volta a fechar os olhos, aproveitando seu momento ao sol.
Fico parada por alguns segundos, apenas a observando, ainda me sentindo um pouco transtornada com nossa pequena troca de palavras.
– Anda, vá de uma vez. – De olhos fechados, ela faz um gesto com sua mão, me surpreendendo por ainda saber que estou aqui.
Aceno com a cabeça, mesmo que ela não possa me ver, e sigo em frente.
Com o som dos pássaros e do vento, atravesso todo o grande jardim, passando ao lado da fonte, para enfim chegar até a porta de entrada da mansão. Seguro na aldraba de metal e o bato contra a porta, esperando ser atendida, mas ninguém aparece. E em minha terceira e última tentativa, a porta se abre em um ranger, apenas uma pequena fresta, talvez estivesse encostada esse tempo todo.
Receosa sobre entrar ou não, acabo empurrando a porta pesada para dentro, apenas o suficiente para que consiga entrar. Uma vez do lado de dentro, me viro para encostar a porta, e quando volto a me virar para o hall de entrada, encontro o mordomo que vi no jardim na tarde passada, parado a poucos passos de mim.
– Não quis assustá-la, senhorita, esta não foi a minha intenção. – Se me recordo de seu nome, Skull, diz em tom de voz sério, com o rosto impassível.
– Não, tudo bem, eu que acabei entrando sem avisar. É que eu bati na porta de ninguém abriu. – Aponto para trás, tentando me explicar.
– Me perdoe, este é o meu trabalho, dá próxima vez serei mais eficiente. – Ele curva sua cabeça.
– Não precisa se desculpar. Por favor, levante sua cabeça. – Peço, sem jeito em nossa situação.
Skull ergue sua cabeça, assumindo, outra vez, sua postura formal de trabalho.
– Em que posso ajudar a senhorita então? – Seu rosto magro parecia incapaz de expressar qualquer tipo de emoção, ele era como um robô talvez.
– Eu gostaria de falar com o Jimin.
– Suba as escadas da esquerda e entre no corredor pelo mesmo lado. O Senhor Jimin está em seus aposentos. – Skull vira para o lado, liberando minha passagem.
Com um aceno de cabeça, agradeço a ajuda e passo por ele, sentindo o peso de seus olhos sobre minhas costas.
Caminho pelo hall de entrada, até que eu esteja no grande espaço vazio com uma porta ao fundo, duas entradas e duas escadas, uma em cada canto. Olho sobre os ombros, encontrando o hall totalmente vazio. Skull era rápido.
E assim como me foi dito, vou em direção às escadas da esquerda, onde cada degrau era coberto por um tapete vermelho. O corrimão e os balaústres da escada eram pintados em dourado como o reluzir do ouro.
Apoio minha mão sobre o corrimão liso e começo a subir pelos degraus da escada, até que eu alcançasse o topo, onde, ao meu lado esquerdo, havia um corredor, e ao meu lado direito, atravessando um pequeno espaço reto, havia outro corredor, este, que se alcançava através da escada da direita.
Continuo seguindo as instruções de Skull, e entro no corredor da esquerda. Estava um pouco escuro, mas eu conseguia enxergar cinco portas distribuídas pelo corredor, e me pergunto em qual delas Jimin deve estar. E sem uma ajuda, resolvo abrir cada uma das portas, já me desculpando mentalmente pela intromissão.
Paro em frente à primeira porta, ela era de tom vinho-escuro, assim como todas as outras portas. Dou três batidas na porta e ninguém abre, então verifico se a porta estava aberta. Depois de empurrar a maçaneta dourada para baixo, a porta se abre, revelando um ambiente coberto pelo rosa; uma enorme cama ao centro, com um belo dorsal rosa; móveis que pareciam antigos, mas que combinavam perfeitamente com cada arranjo do quarto.
Parada na entrada, volto para trás e fecho a porta, seguindo para a próxima, a que estava ao lado. Outra vez, seguro na maçaneta dourada e a empurro para baixo, relevando, agora, um quarto completamente coberto por brinquedos, com bonecas e carros espalhados por todos os cantos. O tom de bordô estava presente em quase tudo, deixando o quarto um pouco escuro e sombrio por dentro.
Este deveria ser o quarto de Hyun, por isso, é melhor que eu saia logo.
Sem fazer barulho, fecho a porta do segundo quarto, indo para o terceiro, a última porta deste lado do corredor. E se caso este também não fosse o quarto de Jimin, eu apenas me viraria e verificaria as outras duas portas que estavam na parede contrária.
Para minha sorte, a terceira porta já estava entreaberta, então apenas dou algumas batidas de leve, esperando que Jimin aparecesse. Talvez os segundos me consumissem aqui, parada em frente a esta porta que emanava a escuridão do quarto, mas Jimin não me recebeu.
Respiro fundo e, com cuidado, empurro a porta para dentro, revelando o ambiente escuro, onde todas as cortinas estavam fechadas, não me deixando observar com atenção o que havia dentro deste quarto.
A apenas alguns passos para dentro do quarto, me assusto quando sinto meu pulso esquerdo ser agarrado com força e meu corpo ser jogado contra a parede de forma rude e dolorida. Meus olhos se arregalam e minha respiração se torna irregular quando encaro o par de olhos escuros que me fitavam com tanta agressividade.
Meu pulso direito também é agarrado com força, me impossibilitando de sair da pequena prisão que eu entrei.
– Nunca te disseram que não se deve entrar no quarto de alguém sem ser convidada? – A voz grave e grossa como um trovão, sai dos lábios avermelhados do garoto parado à minha frente, o que me fez encolher contra a parede.
– M-Me desculpe, eu só estava procurando o Jimin. – Com as batidas do coração, descompensadas, tento me explicar, na esperança de sair dessa situação.
Meus pulsos são apertados com mais força, até que ardam. Olho para baixo e vejo suas unhas pintadas em preto, fazerem pequenos cortes contra minha pele.
– Esse não é o quarto do Jimin. – O garoto diz entre os dentes, fazendo seu cabelo acinzentado e extremamente liso, balançar perto dos olhos, acompanhando o longo brinco pendurado em sua orelha direita.
Grunho de dor e fecho os olhos por reflexo.
– Você deve ser a humana. – Abro os olhos outra vez, quando escuto sua voz tão perto.
– O quê? – Com a voz falha, pergunto para o garoto, não entendendo o que ele queria.
Seus olhos se estreitam e ele aproxima seu rosto da curva do meu pescoço. Sinto seu nariz tocar minha pele e prendo a respiração, querendo chorar por ser como um coelho indefeso.
O garoto de cabelos quase brancos, afasta seu rosto do meu pescoço, tornando sua expressão ainda mais rígida.
– Não... esse cheiro. – Ele força suas unhas contra os meus pulsos, outra vez.
Me coloco na ponta dos pés, contorcendo meu corpo contra a parede, enquanto os meus olhos ardem.
– O que você está fazendo, Taehyung?! – A voz de Jimin surge junto com o barulho da porta sendo aberta.
Com um olhar sério, que nunca vi antes, Jimin afasta o garoto de perto de mim, em seguida, me puxando para os seus braços.
– Qual o seu problema? Você não consegue ser gentil com ninguém nem por um segundo? – Com a voz alta, Jimin quase grita.
O garoto nos encara com desdém, fazendo um rápido barulho com os lábios.
– Saiam do meu quarto. – Essa é sua resposta rude, antes que ele caminhe até onde estávamos, nos empurrando para fora e fechando a porta em nossas caras com um baque alto.
Jimin suspira.
– Me desculpe por isso, o meu irmão é um pouco... – Jimin começa a dizer, mas não encontra as palavras para terminar.
Ele suspira outra vez.
– O que veio fazer aqui? – Com os olhos amáveis de sempre, ele pergunta.
– Acho que esqueci o meu celular. – Respondo em tom baixo, quase inaudível, enquanto seguro um de meus pulsos, tentando conter a ardência e pulsação.
Os olhos de Jimin acompanham os meus movimentos, e ele não demora ao notar os pequenos cortes em minha pele. Seu olhar amável se torna culpado, e uma expressão melancólica preenche seu rosto.
– Por favor, venha comigo. – Ele pede, indo até à porta do outro lado, que ficava de frente para o quarto que nunca mais quero entrar outra vez.
Jimin abre a porta e espera, com paciência, até que eu entre.
Tons de branco e amarelo saltam meus olhos, tudo muito calmo e sutil, e até poderia trazer um pouco de aconchego.
Parado na entrada do quarto, Jimin pede que sente na grande cama de lençóis claros e o espere. Depois disso, ele volta para o corredor, sumindo. Ele não demora muito, mas é tempo o bastante para que eu aprecie a calmaria neste ambiente.
As longas cortinas brancas balançavam pela fresta aberta da janela, deixando o sol e o vento entrarem. Me sinto tão pequena dentro de um lugar grande como esse; na verdade, me sinto no lugar errado, realmente como se eu estivesse dentro de um livro encantado.
Outra vez, de volta, Jimin encosta na porta e caminha em minha direção com uma caixa quadrada e branca em mãos. Ele se agacha aos meus pés, ficando na altura de meu rosto, e com um semblante sério, ele pega, gentilmente, o meu pulso direito, abrindo a caixa branca e retirando algumas ataduras. Ele enrola sobre os pequenos cortes, o pano fino, que não incomoda, e aos poucos, ganha uma coloração vermelha. Depois, seguindo seus passos anteriores, ele faz o mesmo em meu pulso esquerdo.
– Cuide direito destes machucados. – Jimin pede, enquanto encara as ataduras. – Elena, me desculpe. Você deve estar assustada agora. – Sua voz se torna melancólica, assim como sua expressão de antes.
– Não é culpa sua. Eu já estou melhor. – Forço um sorriso fechado.
– Sua mentira apenas me deixa pior. – Jimin suspira. – Taehyung se tornou um garoto malcriado depois que nossa mãe morreu. Pode não parecer, mas nós somos como melhores amigos, e por isso farei ele se desculpar com você depois. – A expressão de Jimin se torna determinada, e isso me dá vontade de rir por um momento, de certa forma, era um pouco fofo, assim como sua aura.
– Não se preocupe com isso. – Falo sincera.
Não quero ver Taehyung outra vez.
Jimin se levanta, deixando a caixa branca no chão. Ele caminha até um grande guarda-roupas de madeira e abre uma das portas, vasculhando por algo dentro dele, e quando encontra, Jimin se vira em minha direção, mostrando o aparelho em sua mão.
– Você realmente esqueceu aqui, então eu guardei. – Jimin me estende o celular. – Sua mãe ligou muitas vezes, estava quase atendendo para saber se alguma coisa tinha acontecido.
Sorrio, ao encarar o visor do aparelho, vendo sete chamadas perdidas, antes de guardá-lo em meu bolso com segurança.
– Ela é assim mesmo, exagerada. – Suspiro, e me levanto da cama. – Obrigada, Jimin, mas agora eu preciso ir, vou sair mais tarde com a minha avó e minha irmã.
Ele acena e depois me acompanha pela mansão. Jimin até se oferece para me levar até a entrada da floresta, mas acabo recusando sua ajuda e ele parece um pouco triste com isso, talvez se sinta culpado outra vez. No final, ele aceita minha decisão e me deixa na porta de entrada; com breves acenos de mãos, nos despedimos.
Passo pelo jardim, não encontrando mais a garota de cabelo púrpura. Depois, entro no caminho de arbustos e refaço o caminho da floresta, me sentindo completamente esgotada com o meu repentino encontro com Taehyung. Era como se todas as forças do meu corpo fossem arrastadas para fora, enquanto um sentimento angustiante me corroía por dentro, não era algo que eu gostaria de sentir outra vez.
***
Volto para a loja de vovó, e Wendy quase estraga tudo ao gritar por minhas ataduras, tive que dizer a vovó que machuquei os pulsos enquanto tentava cortar alguns espinhos de uma roseira que encontrei aqui por perto. E com uma conversa e explicações duvidosas de minha parte, nós três voltamos para casa. Assim que chegamos, vovó preparou uma pequena pasta de água e Erva-Laranja. Ela espalhou a pasta por todos os cortes em meus pulsos, enrolando novas ataduras por cima, vovó disse que essa erva fará com que meus machucados cicatrizem com mais rapidez.
Quando meus machucados já estão devidamente cuidados, vovó pede para que Wendy e eu nos arrumássemos para visitar a capela de Upiór. Nós duas nunca fomos do tipo religiosas, então levamos algum tempo até que encontrássemos roupas que julgássemos adequadas para esta ocasião.
E com tudo finalmente pronto, nós três seguimos até uma pequena capela de concreto branco, que ficava a pouco menos de dez minutos da casa da vovó. Havia algum movimento na capela, pessoas entravam e saíam, com o grande céu estrelado cobrindo todas as pequenas cabeças curvadas em educação. Upiór estava clara com suas lamparinas, e a lua mostrava o caminho que deveríamos seguir.
O silêncio do lado de dentro da capela indicava o respeito, enquanto muitos estavam sentados nos extensos bancos de madeiras, divididos em duas fileiras, onde, ao meio, era o corredor livre que nos levaria até o altar elevado, perto dos vitrais coloridos.
Vovó nos guiou até a primeira fileira do lado esquerdo, onde encontramos Sebastian sentado no banco, parecendo nos esperar. Ele nos cumprimenta com um breve aceno de cabeça, e vovó pergunta se ele pode nos fazer companhia, enquanto ela iria até o confessionário. Sebastian aceita de bom grado, e vovó diz que não demorará, se levantando logo em seguida e indo até o pequeno armário de madeira, onde ela entra em uma das portas.
Sentada entre Wendy e Sebastian, encaro o altar com velas e uma grande cruz, me sentindo completamente deslocada dentro desta capela, eu nem ao menos sei o que deveria fazer.
– Tudo bem se vocês fingirem que estão rezando. – Sebastian sussurra ao meu lado, e eu o encaro com surpresa. Ele solta uma risada baixa, e logo percebo que ele entendeu minha grande confusão neste lugar.
– Desculpe, não estamos muito acostumadas com isso. – Confesso e encolho os ombros, levando minha mão direita até o pulso esquerdo, onde, através da blusa de mangas longas que uso, posso sentir uma das ataduras.
– Tudo bem, isso é normal. – Sua barba branca, acompanha seu sorriso.
Espio rapidamente minha irmã, que parecia absorta em qualquer detalhe da igreja, talvez alguém tão perdida quanto eu.
– Já faz um tempo desde a última vez que estiveram aqui. – Sebastian inicia uma conversa em tom baixo, e volto a prestar atenção no senhor de roupas simples e cabelos brancos. – Me lembro de sempre ver vocês passeando com Eddie, quando eram menores.
Sorrio fechado, ao ter memórias de meu avô.
– Não sei ao certo por que ficamos tanto tempo sem voltar, mas vovó sempre parecia ocupada. – Comprimo os lábios em uma linha fina, suspirando. – Eu ouvi que Upiór passou por um período ruim, onde acabaram brigando por território, talvez seja por isso que não pudemos voltar antes.
Os olhos de Sebastian se arregalam minimamente.
– A pessoa que lhe disse isso não está muito atualizada. – O homem de cabelos brancos, diz entre um riso baixo.
Franzo meu cenho.
– A briga por territórios já tem quase cem anos.
– O quê?! – Pergunto, confusa e espantada.
– Sim, isso começou a há quase cem anos, Elena.
Mesmo que a capela estivesse em silêncio, eu não podia escutar nada agora, as coisas não pareciam ter sentido. Namjoon contou sobre a morte de seu pai, e Jimin disse que era um adolescente quando isso aconteceu, será que ele se enganou ou eu que entendi as coisas de forma errada? E, se a briga por território não é o motivo de vovó não ter nos deixado voltar para Upiór, o que poderia ser? Quando nosso avô morreu, Wendy e eu fomos proibidas de voltar para Upiór, e depois disso, nunca mais falamos sobre esse assunto.
As coisas estão estranhas e eu nem posso encontrar um motivo. Não entendo e não sei por onde procurar algumas respostas. Sinto que depois de minha conversa com Sebastian, não posso prestar atenção em mais nada, tudo parece distante, enquanto em meus pensamentos, eu tento encontrar uma resposta para todo esse mal-entendido.
Depois que vovó saiu do confessório, ela conversou um pouco com Sebastian, antes que voltássemos para casa. E em todo o caminho de volta, eu sentia minha cabeça martelar em confusão, eu olhava para vovó em busca de uma explicação, e seu doce sorriso parecia me dizer um segredo, algo que estava sendo escondido de mim.
Wendy se tornou como a brisa, apenas seguindo seu caminho, ela não pare ter percebido as mesmas coisas que eu, então, apenas se manteve feliz em respirar o ar gelado do lado de fora.
Assim que meus pés tocaram o chão de madeira da casa de vovó, logo inventei uma desculpa, dizendo que estava cansada e que iria dormir. Deixei Wendy na cozinha com vovó, onde as duas se aprontavam para o jantar. Corri todos os degraus de madeira que rangiam, e fui em direção ao meu quarto, querendo algum tempo comigo mesma, apenas para pensar, pensar e pensar mais um pouco sobre tudo isso.
Quando girei a maçaneta e atravessei a porta, o cheiro doce e vibrante que estava espalhado pelo quarto, atinge cada ponto dos meus sentidos. Olho em volta, encontrando através da luz da janela, o brilho intenso da lua refletido sobre o pequeno vaso de vidro, que abrigava as quatro flores em preto-avermelhado que Wendy colheu. Eu nem pude me lembrar delas, apenas foram deixadas sobre a cômoda marrom e ali ficaram por alguns dias. Todas as suas pétalas estavam como novas, exalando esse inebriante perfume pelo quarto, era algo tão doce que aguçava os meus pensamentos, me fervilhando em lógicas irracionais, me arrastando até uma saída, uma explicação para o que realmente aconteceu há cem anos atrás.
Capítulo 6
"Elena!"
"Elena!"
"Elena!"
Expiro profundamente, enquanto mexo meu corpo sobre a cama, sentindo a coberta fina se embolar no meio das minhas pernas.
"Elena!"
- O que foi Wendy? - Sem abrir os olhos, pergunto.
"Elena!"
Suspiro, chutando a coberta para baixo.
- O que você quer, Wendy? - Me sento sobre a cama, com o corpo ainda preguiçoso.
Em minha visão um pouco embaçada, vejo Wendy sair do banheiro segurando uma escova de dentes, enquanto sua boca está completamente cheia de pasta.
- Me chamou? - Ela pergunta com a boca cheia, quase deixando a espuma da pasta cair para fora de sua boca.
- Você quem me chamou. - Espreguiço meu corpo, erguendo os braços no ar, antes de colocar os pés para fora da cama.
- Não chamei. Estou escovando os dentes. - Wendy aponta para sua boca, e depois se vira, voltando para dentro do banheiro.
Nego com a cabeça, sabendo que Wendy deve estar fazendo uma das suas brincadeiras.
Quando sinto meu corpo bem acordado, checo meu celular, que estava jogado ao pé da cama. Respondo algumas mensagens e deixo o aparelho sobra a cômoda, ao lado do vaso com flores. Aproximo meu rosto das flores, inspirando seu cheiro doce, que deixava o quarto, de alguma forma, mais agradável.
Caminho até à janela, puxando as cortinas para o lado, para poder espiar o dia limpo do lado de fora. Não havia sol hoje, mas não era como um dia frio.
Perco algum tempo observando a visão oferecida da janela, e acabo suspirando ao recordar da noite anterior. Eu estava carregada de dúvidas, queria entender as coisas, mas me lembro de ficar confusa e acabar com muito sono, foi repentino, mas eu apenas acabei dormindo. Acho que minha cabeça cheia acabou cansando meu corpo.
"Elena!"
Olho para trás, me vendo sozinha no quarto.
"Elena!"
Vou em direção ao banheiro de porta aberta, vendo minha irmã enxaguar sua boca suja de pasta.
- Muito engraçado, Wendy. - Falo, em tom irônico, enquanto abro o espelho/armário, e pego minha escova de dentes.
Wendy me olha de rabo de olho, com uma expressão confusa no rosto, mas sei que ela está apenas fingindo.
Depois que Wendy parou com suas brincadeiras, nós duas nos arrumamos para ter um longo dia na loja de vovó. E prontas, descemos até o primeiro andar, onde encontramos vovó e Sebastian conversando na cozinha. Vovó disse que hoje seria nosso dia livre, e que deveríamos aproveitar pela cidade, já que cuidamos da loja sozinhas para ela durante alguns dias. Ela também disse que Sebastian a ajudaria na loja, e precisei conter a língua de Wendy antes que ela soltasse algum comentário impertinente a respeito disso.
Wendy sugeriu que passeamos um pouco, para lembrar de como Upiór era, já que a última vez que estivemos aqui foi durante o enterro de nosso avô, logo depois, sendo proibidas de voltarmos nesse vilarejo.
Minha irmã voltou para o segundo andar, indo atrás de uma bolsa que pudéssemos levar em nosso passeio, enquanto vovó trocava as minhas ataduras. E tenho uma grande surpresa ao ver que os cortes em meus pulsos estavam quase curados, agora eram apenas arranhões que logo sumiriam.
Com uma bolsa de pano sobre um dos ombros, Wendy retornou pronta. Nós duas nos despedimos de vovó e Sebastian, e seguimos para fora da casa, logo depois parando na calçada, enquanto pensávamos em qual direção tomar, tendo em vista que não conhecíamos direito a nova Upiór. Mas minha irmã decide tomar a frente, nos guiando por ruas de ladrilhos, onde muitas pessoas transitavam. Wendy andava confiante, como se já conhecesse o lugar, e isso me faz querer rir de certa forma, mesmo se estivéssemos perdidas, ela agiria como se tudo estivesse no controle, com sua grande confiança.
Debaixo do céu limpo, mas sem sol, nós encontramos uma pequena feira repleta de barracas com os mais variados tipos de comidas e frutas. Meu estômago ronca apenas com o cheiro agradável de cada uma das barraquinhas, e Wendy ri, dizendo que deveríamos procurar algo para comer.
- Você pode nos dar dois desses, por favor? - Wendy fala com a gentil senhora atrás da barraca branca de doces.
- Eu não tenho dinheiro, só o meu cartão... mas acho que esqueci ele em casa. - Faço uma careta, e suspiro.
Wendy estreita os olhos.
- Eu não acho que eles usem cartões em Upiór, Elena. - Com as mãos na cintura, ela diz. - Sorte a sua que tem uma irmã mais velha que pensa em tudo, não é?! - Wendy tira a bolsa de pano de seu ombro, e começa a vasculhá-la. - Eu trouxe dinheiro suficiente pra nós duas, não se preocupe. - Ela sorri, puxando sua carteira amarela para fora da bolsa.
Aceno, positivamente, por um momento, sentindo que sou a irmã mais nova.
Wendy paga por dois bolinhos de nozes, que tinham aparências muito apetitosas. E enquanto comíamos, atravessamos toda a feira, parando vez ou outra para comprar algumas frutas ou comidas diferentes que gostaríamos de experimentar depois.
- Olhe aquela loja! Vamos lá! - Wendy segura minha mão, me puxando em direção à fachada de madeira com emblemas e letras que eu não conseguia entender.
Ao passarmos pela porta aberta, o preto das paredes me surpreende. Muitas gravuras e quadros enfeitavam o lugar, assim como os balcões de vidro que carregavam livros velhos e objetos estranhos.
- Boa tarde! - O dono da loja, um garoto de cabelos curtos e pele bronzeada, nos saúda.
- Do que exatamente é essa loja? - Wendy pergunta, enquanto passa perto dos balcões, admirando cada um dos itens postos sobre os vidros.
- Eu vendo a história do vilarejo.
Franzo o cenho, me aproximando de onde o dono da loja estava.
- História do vilarejo? - Pergunto, confusa.
Ele assente.
- Sim. Tudo relacionado às lendas e histórias de Upiór, você pode encontrar aqui. - Ele empurra em minha direção, um pequeno livro aberto que estava por perto.
Desenhos rústicos de criaturas com asas e dentes estavam por toda a página, assim como pequenos morcegos ao fundo em segundo plano do desenho principal.
- E isso é verdade mesmo? - Wendy se junta a mim, espiando o livro sobre os meus ombros.
- Não estou aqui para dizer o que é verdade ou não, vocês devem acreditar por conta própria. - O dono da loja cruza os braços, nos olhando com seriedade.
Fascinadas pelos desenhos, viro a página e a próxima figura que surge é a de um homem de dentes afiados, unhas pretas e pontudas, longos fios de cabelo que iam até à cintura, e olhos vermelhos-cintilantes.
- Isso é um vampiro? - Levo meu dedo até o desenho, prestando atenção em cada detalhe.
O dono da loja puxa o livro para perto de si, e volta uma página.
- Isso é um vampiro comum. - Ele diz, nos mostrando a página com morcegos e criaturas de asas.
Ele volta a virar a página, agora, retomando o desenho de antes.
- E isso, é o Drácula.
Todos ficamos em silêncio, e eu olho para Wendy, que dá de ombros.
- Certo, você ganhou. Vamos levar aqueles colares ali. - Com sua voz descontraída, minha irmã se afasta, e vai até o outro balcão, puxando duas cordas finas e pretas para cima, revelando pedras vermelhas.
- Isso é um colar de aíma. - O dono da loja logo acompanha Wendy. - Dizem que ela brilha toda vez que se aproxima de um vampiro.
Os olhos de Wendy se arregalam de forma maravilhada, e sei que ela acreditou em tudo que o dono da loja nos disse até agora. Se você quer vender, precisa de uma boa história, e ele está fazendo um bom trabalho aqui.
- As verdadeiras pedras de aíma foram extintas há muito tempo, isso são apenas réplicas que eu encontrei quando era criança, cavando no quintal de casa. Sempre acreditei que fossem verdadeiras, mas depois de saber que não existem mais, resolvi vender como cópia. - Ele explica.
- Vou levar esses dois. - Wendy puxa de sua carteira algumas notas. - São bonitos, não são, Elena?! - Ela se vira, segurando os colares pelos cordões pretos.
Assinto, realmente concordando que as pedras eram bonitas.
Wendy guarda os colares em sua bolsa de pano, e nós duas nos despedimos do dono da loja antes de sair.
- Acho que vai chover de noite. - Minha irmã para de andar assim que alcança o lado de fora da loja, e olha para cima.
O céu limpo da tarde, começava a ser pintado por algumas nuvens cinzas.
- Wendy, agora falando sobre toda essa bobeira de vampiros e coisas estranhas, eu acabei me lembrando de uma coisa que gostaria de conversar com você. - Despertada por tudo que vi na loja, resolvo compartilhar com minha irmã o que encheu minha cabeça de dúvidas.
- O que foi? - Seus olhos escuros, desviam do céu e encontram os meus olhos.
O vento, que chegava sorrateiramente, balança os longos fios de cabelos em tom de loiro de Wendy.
- Você se lembra quando eu disse que o pai do Jimin morreu quando ele ainda era um adolescente? - Sinto o vento me atingir também, me deixando ansiosa apenas por falar sobre isso.
- Sim. Você falou que ele se meteu em uma briga por território aqui, não é?
Assinto.
- Ontem, na igreja, acho que você não escutou, mas eu conversei com Sebastian sobre isso. A princípio, eu pensei que essa briga por território pudesse ser o motivo da vovó não ter nos deixado voltar pra Upiór, mas Sebastian me disse que essa briga aconteceu há cem anos. Então, como Jimin podia ser um adolescente nessa época? - Sinto que as batidas do meu coração, ficam descompensadas sem motivo.
Apenas por querer entender essa história, me torno inquieta por dentro.
Wendy arqueia as sobrancelhas.
- Você não entendeu errado, Elena? - Ela pergunta, e eu nego com a cabeça.
Wendy suspira, antes de sorrir.
- Não encha sua cabeça com essas coisas, você deve estar apenas impressionada com o que te aconteceu. - Ela aponta para as ataduras em meus braços. - Sabe o que eu acho? Que você não deve voltar mais naquele lugar, isso te deixará melhor. Eu farei das nossas férias, férias de irmãs. - Wendy segura minha mão de forma terna, enquanto acaricia a superfície de minha mão com seu polegar.
Ela deve ter razão, não há motivos para me preocupar com algo tão pequeno. Jimin pode ter se enganado, e no fim, toda essa história não tem ligação alguma com vovó, depois que nosso avô morreu, ela ficou muito triste e precisava de um tempo, e essa deve ser a explicação de tudo.
- Finalmente achei você!
Escuto uma voz feminina, atrás de mim. Wendy olha sobre meus ombros, um pouco confusa.
Solto a mão de minha irmã, e me viro, tendo a surpresa de encontrar a garota que estava na mansão, e sei disso, porque em meio dos óculos escuros, chapéu e lenço preto, eu conseguia ter vislumbres de seu cabelo cor púrpura.
Franzo o cenho, a encarando incerta sobre o que ela poderia querer comigo.
- Hum...
- Blarie. - A garota completa, assim que percebe que não sei seu nome. - Acho que não tivemos tempo de sermos apresentadas. - Ela diz, jogando parte de seu lenço sobre os ombros.
Ela estava inteiramente trajada de preto, desde seu vestido até os acessórios, completamente escondida na ausência de cor.
- Por que está vestida assim? Por acaso está fugindo de alguém? - Wendy se aproxima, parando ao meu lado.
Eu realmente acho incrível a capacidade que ela tem de não controlar a língua para o que pensa.
Blarie sorri.
- Estou com um pouco de frio. - Ela responde.
- Por que está aqui? - Pergunto, ainda intrigada com esse repentino encontro.
- Jimin me mandou ver como você estava. - Ela olha em direção aos meus pulsos. - Ele achou que você não iria querer vê-lo outra vez, por conta do que Taehyung fez, por isso, me pediu que viesse atrás de você.
Me sinto um pouco mal por Jimin, eu percebi como ele estava ontem. Não o culpo por seu irmão, mas naquele momento eu realmente queria ficar longe daquela mansão, mas meu intuito não era preocupá-lo.
- Eu andei umas três vezes por esse vilarejo, atrás de você. Minhas pernas estão até cansadas. - Blarie ajeita seus óculos escuros.
- Você quer tomar um chá na nossa casa? É o mínimo que posso oferecer depois do seu esforço pra me achar. - Suspiro.
- Se não tiver Erva-Verde, eu aceito. - Blarie se inclina para frente, colocando a mão coberta pela luva de renda preta, ao lado da boca, como se me contasse um segredo. - O gosto não me agrada muito.
- Tudo bem, sem Erva-Verde. - Sorrio, apreciando seu jeito descontraído.
E assim seguimos, Wendy segurando em meu braço, e Blarie ao nosso lado, até que chegamos em casa outra vez. E todo o caminho foi silencioso, sendo preenchido apenas pelo vento que se tornava forte, anunciando a chegada da chuva, que provavelmente viria de noite.
Por conta dos óculos escuros, eu não conseguia ver os olhos de Blarie, mas ela parecia muito concentrada em todo nosso caminho, sempre virando sua cabeça para acompanhar todas as pessoas que passavam por nós.
- Chegamos. - Wendy anuncia, assim que paramos em frente a porta da casa de vovó.
Minha irmã solta meu braço e vasculha dentro de sua bolsa de pano, retirando a chave logo em seguida. Ela coloca o objeto prata na fechadura e destranca a porta, abrindo-a e nos dando passagem.
Permaneço parada, esperando que Blarie entre, afinal, ela é a convidada, então poderia fazer isso primeiro, mas ela apenas continua em seu lugar, olhando para o interior da casa, revelado pela porta aberta.
- O que foi? Não vai entrar? Por acaso você é uma vampira e nós precisamos te convidar? - Wendy pergunta, descontraída, e eu a encaro séria.
Ela não deveria falar assim com as pessoas.
- Gosto do seu senso de humor. - Blarie aponta para Wendy, antes de entrar em nossa casa.
Sou a segunda a entrar na casa, seguida por Wendy, que após fechar a porta, grita algumas vezes por vovó, que não responde, nos mostrando que estávamos sozinhas. Ela ainda deve estar na loja, mas como já é fim de tarde, ela deve retornar logo.
Nós três seguimos até a cozinha, e eu acabo por de acomodar ao redor da mesa, junto com Blarie, enquanto Wendy, que se voluntariou, faz o chá. E ao se sentar em uma das cadeiras, Blarie retira seus óculos, ficando apenas com o chapéu e lenço. Ela era como alguém muito elegante, e sua imagem ficava completamente desconexa dentro desta casa simples, diante de sua presença.
- Hum, você disse que Jimin acha que eu não quero vê-lo outra vez? - Tento começar uma conversa, enquanto Wendy anda de um lado para o outro pela cozinha.
Blarie assente.
- Não leve as coisas a mal, eles são em oito irmãos, e cada um tem uma personalidade bem diferente da outra. Jimin costuma se culpar muito pelas coisas que Taehyung faz, ele se sente assim, provavelmente, porque é mais velho. E Taehyung, sendo um dos irmãos mais novos, ele é um pouco... - Blarie para sua fala, apertando os olhos enquanto pensa sobre o que deveria dizer.
- Imaturo? - Pergunto, e ela aponta em minha direção, assentindo.
- Acho que podemos dizer que ele é imaturo.
- Jimin me disse que ele ficou assim depois que a mãe morreu. - Confesso, e Blarie arqueia as sobrancelhas, um pouco surpresa.
- Como eu disse, eles têm personalidades muito singulares, e cada um dos irmãos reagiu de uma forma diferente a morte da mãe. Menos Hyun, ele era muito pequeno para se lembrar dela.
Concordo com um aceno, escutando, ao fundo, a chaleira começar a apitar dentro da cozinha.
- Você mora com eles? - Pergunto, sabendo que essa era uma das coisas que mais gostaria de saber sobre essa garota.
- Sim. Minha família era muito próxima da família deles, era como uma parceira de negócios, por isso, conheço eles desde pequena. Mas meus pais acabaram morrendo em uma briga aqui em Úpior.
- A briga por territórios.
Blarie me olha surpresa de novo, e depois estreita os olhos, como se me analisasse, enquanto assente.
- Sim... a briga por territórios. - Ela sorri, fechado. - E como eu era amiga da família, acabei indo morar com os irmãos, assim eu não ficaria sozinha. Então, Amia e eu moramos na mansão também.
Franzo o cenho no mesmo instante em que Wendy coloca a xícara fumegante na mesa, bem a minha frente, fazendo o mesmo com Blarie, logo depois.
- Quem é Amia? - Pergunto.
Wendy se senta ao meu lado, com sua xícara de chá.
Blarie leva a xícara em direção aos lábios pintados de vermelho, bebericando um pouco da bebida quente.
- Você não a viu ainda porque Amia está viajando a negócios da família dos irmãos. Mas a família dela também fazia parte dessa parceria de negócios e, infelizmente, os pais dela também morreram.
- Todos vocês têm histórias bem parecidas, não é? - Wendy diz, ao meu lado.
Blarie assente, tomando, agora, um longo gole do chá.
- Acho que podemos chamar isso de destino. Nós todos nos tornamos bons amigos com o passar dos anos, apesar de Amia dizer que é a namorada do Taehyung. - A garota de cabelo púrpura, solta uma curta risada.
Não consigo conter meu rosto, que se contorce, minimamente, em uma feição de desgosto.
- Não posso entender como alguém gostaria de estar em um relacionamento com o Taehyung. - Encolho os ombros em meu lugar.
Blarie afasta a xícara de sua boca, a deixando sobre a mesa.
- Taehyung é melhor do que parece, você apenas teve a infelicidade de conhecer o lado imaturo dele. - Blarie faz um gesto de cabeça, frisando bem a palavra que eu havia sugerido antes. - Ele também é bem bonito, então eu posso entender o lado de Amia.
Fico em silêncio, sem ter qualquer coisa para dizer. Eu não conheço Taehyung e, na verdade, nem quero, por isso, saber sobre ele não é algo que me desperte interesse.
- Ele é um idiota de qualquer jeito. - Wendy diz, enquanto bebe seu chá.
Blarie assente, sem dizer nada.
- E vocês, moram aqui com quem? - A garota de pele pálida entrelaça os dedos cobertos pelas luvas de rende preta, apoiando os cotovelos sobre a mesa, e o rosto sobre as mãos entrelaçadas.
- Com a nossa avó. Na verdade, só estamos de passagem, moramos na capital. - Respondo, dando meu primeiro gole no chá, que já estava morno.
- E qual o nome da sua avó? Talvez eu conheça ela, já moro um bom tempo nesse lugar. - Blarie sorri, parecendo bastante interessada em nossa conversa.
Ela era agradável, sua voz era suave e sua fala calma. Não era do tipo que nos deixaria desconfortáveis, a não ser por sua figura elegante que certamente nos fazia sentir um pouco pequenas. Isso era algo que exalava dela.
- Morgana.
Blarie levanta as sobrancelhas, e assente.
- Acho que já ouvi esse nome antes.
- Ela tem uma loja de ervas e flores bem na divisa do vilarejo com a floresta, o lugar onde você tem que passar pra vir até aqui. - Wendy diz e a repreendo com o olhar. Ela precisa aprender a distinguir com quem pode e não pode falar desta maneira.
- Eu posso ser um pouco distraída às vezes, me perdoem. - Blarie sorri, tornando seu rosto de traços delicados, ainda mais gentil.
- Não se preocupe com isso. - Digo, sincera.
- Bem, eu preciso ir agora. Jimin deve estar roendo as unhas de ansiedade para saber se você está bem. - Ela ri, pegando seus óculos escuros enquanto se levanta da cadeira. - Mas antes, será que você poderia me dar um absorvente-higiênico? Estou sentindo algumas dores. - Ela leva sua mão até a parte inferior de sua barriga.
- Claro, venha comigo, vou te dar um. - Digo, me levantando também.
Sem pressa, saio da cozinha com Blarie, deixando Wendy para trás tomando seu chá.
Nós duas subimos as escadas para o segundo andar, e depois andamos até o meu quarto. E assim que entramos, vou direto procurar nas minhas coisas por um absorvente-higiênico, não demorando ao encontrá-lo. E com ele em mãos, me viro para entregar a Blarie, que estava parada ao lado da cômoda, admirando o vaso de flores.
- Isso são tulipas-negras? - Ela olha em minha direção, tocando de leve as flores pretas-avermelhadas.
- Eu não sei, Wendy e eu encontramos elas na entrada da floresta. - Respondo.
- O nome dessa flor é queen of the night, é um tipo muito raro. Ela só nasce na mansão, mas acho que o vento pode ter espalhado algumas sementes. - Blarie sorri, enquanto me olha. - Taehyung gosta muito de flores, um dia ele voltou pra mansão com uma tulipa-negra, e pediu para Skull plantar. Por isso, só vemos essa flor na mansão. Você é muito sortuda por ter encontrado uma tulipa-negra em outro lugar.
Não consigo esconder minha surpresa ao descobrir que Taehyung gosta de flores. Isso não parece nada certo com seu jeito rude e agressivo.
- Por ser uma flor rara na maioria dos lugares, dizem que quando você encontra uma tulipa-negra, significa que algo especial está prestes a acontecer na sua vida. E que enquanto a flor exalar esse perfume delicioso, as coisas especiais continuarão acontecendo na sua vida, por isso, mantenha sempre elas aqui. - Blarie aproxima seu rosto das pétalas escuras, inalando o cheiro que perfumava o quarto inteiro.
É uma bela história para uma bela flor. O cheiro é realmente agradável, e deixa o ambiente muito mais bonito com sua peculiaridade de cor. Eu com certeza as deixarei aqui.
Aceno e sorrio para Blarie, antes de indicar para a garota de cabelo púrpura, a porta do banheiro. Ela agradece e se afasta do vaso de flores sobre a cômoda, indo até o banheiro.
Aproveito do momento para ir até à janela, arrastando as cortinas para o lado, e encontrando o céu completamente nublado do lado de fora. As nuvens pareciam carregadas demais, como se estivem prestes a explodir em uma forte tempestade.
Arrumo as cortinas de volta ao seu lugar, e me afasto da janela, deixando o quarto logo depois. Passo pelo corredor e desço as escadas, indo de volta para a cozinha, onde Wendy terminada de lavar a louça de nosso chá. Vou até o armário e pego um pano de prato limpo, me juntando a minha irmã, de frente para a pia.
- Deixa que eu seco. - Digo para Wendy, que sorri agradecida.
E com Wendy assoviando, nós duas trabalhos lado a lado, sendo interrompidas apenas por um rápido barulho que veio do andar de cima. Olho para minha irmã, que dá de ombros, pegando o pano de prato de minhas mãos para secar as suas mãos.
- Eu vejo. - Ela se voluntária, saindo de perto de mim e da cozinha.
Permaneço em minha tarefa, arrumando cada coisa em seu lugar até que tudo estivesse como antes.
Dobro o pano de prato e o deixo na pia, esperando Blarie e Wendy voltarem. Elas não demoram, e Wendy diz que Blarie acabou esbarrando na cômoda, e por isso escutamos o barulho. Pergunto se ela se machucou, e ela diz que está bem. E depois disso, a levamos até a porta, onde ela agradece mais uma vez, e se despede, indo embora.
Wendy e eu passamos o resto da tarde procurando pelo anel dela, que disse que tirou para lavar a louça e que agora não o encontrava em lugar nenhum. Eu até poderia repreendê-la, mas sei que esse anel significa muito para nós duas, já que era um presente de nossa mãe. E mesmo depois de revirar a casa inteira, nós não achamos o anel, então acabei sugerindo que procurássemos ele no dia seguinte, já que estava ficando tarde e pelo jeito, teríamos que fazer a janta, já que vovó demorou para voltar.
Capítulo 7
Nosso dia de folga já havia passado, e hoje, Wendy e eu precisávamos voltar para a loja de vovó. E como de costume, acordamos cedo e nos arrumamos, mas ao ir chamar vovó, acabamos encontrando-a dormindo; a contragosto, eu a acordei e perguntei se ela não iria para a loja. Nossa avó ficou até tarde na noite passada, por isso, disse que descansaria hoje, e perguntou se poderíamos dar conta de tudo sozinhas, o que não seria um problema para nós.
Antes de irmos para a loja, Wendy nos fez procurar por seu anel, e mais uma vez, ele parecia simplesmente ter sumido. Não posso acreditar que ela não sabe como ele desapareceu de sua mão desta forma. Eu tentei consolá-la, dizendo que uma hora ou outra nós o acharíamos, que enquanto isso, nós duas poderíamos usar os belos colares de Aíma que ela nos comprou.
Com tudo pronto, nós seguimos para a loja, a encontrando completamente revirada, com terra até mesmo pelo chão. Eu não sei o que vovó e Sebastian fizeram neste lugar ontem, mas tudo estava um caos.
– Acho que vamos ter que arrumar essa bagunça antes. – Wendy diz, em meio a uma careta, se aproximando do balcão onde vários tipos de ervas estavam espalhados.
– Sim. – Suspiro.
Nós duas colocamos nossos aventais, e depois pegamos tudo que precisaríamos para arrumar esse lugar. Provavelmente, daria um pouco de trabalho e não terminaríamos tão cedo. Nem ao menos sabemos quais são as entregas de hoje, mas não podemos deixar que os clientes vejam essa bagunça, ou não será nada bom para os negócios da loja.
Com uma vassoura em mãos, eu tentava juntar toda a terra espelhada pelo chão, quando escuto o pequeno sino no topo da porta de entrada, anunciar que alguém havia chegado na loja.
– Desculpe, mas ainda estamos fechados. – Falo, apoiando as mãos sobre o topo da vassoura, enquanto me viro para ver os clientes dessa manhã.
Meu cenho se franzo, me deixando completamente surpresa ao ver os dois garotos de peles pálidas e roupas elegantes entrarem na loja, fazendo com que ela parecesse pequena e simples.
– O que vocês estão fazendo aqui? – Pergunto, enquanto Jimin, que estava ao lado de Hoseok, sorri para mim.
– Eu vim te ver. – Jimin responde, se aproximando com animação. – Como você está? – Ele toca, suavemente, em meus pulsos cobertos pela fina blusa de mangas longas e soltas.
Jimin ergue as mangas de minha blusa, deixando a amostra as novas ataduras que troquei esta manhã, antes de sair de casa.
– Estou bem. Os machucados estão quase curados. – Sorrio, minimamente, sabendo que não deveria deixar Jimin mais culpado.
– Isso é bom. – Ela sorri outra vez, de forma ainda mais gentil. Era como olhar para um anjo.
– Então quer dizer que você pode vir com a gente, não é? – Hoseok se aproxima, olhando de Jimin para mim.
– Ir com vocês? – Pergunto, enquanto afasto meus pulsos de Jimin, e arrumo minha blusa.
– Nós queríamos que você voltasse na mansão, é um pouco chato quando você não aparece. – Jimin confessa, com uma expressão tímida, talvez.
Eu sempre vou me surpreender como ele me trata como se fôssemos amigos de longa data... mas ele parece tão sincero agora.
– Taehyung não vai fazer nada, nós prometemos. – Hoseok se apressa ao falar, erguendo seu mindinho no ar, firmando sua promessa.
Solto um longo suspiro alto.
– A loja está uma bagunça. Eu não posso sair e deixar tudo assim. – Confesso, sendo mais que sincera.
As coisas não são tão simples, e eu tenho as minhas responsabilidades aqui.
– Se você cuidar da loja durante a manhã, eu posso cuidar durante a tarde, assim, você pode ir com eles sempre que quiser.
Me viro surpresa, vendo Wendy se aproximar com um sorriso. Ela vinha do pequeno jardim dos fundos.
Franzo meu cenho, em sua direção.
– Então está decidido. Nós vamos te ajudar a arrumar a loja e depois você pode vir com a gente. – Jimin diz, completamente animado, tomando a vassoura de minha mão.
Fico parada em meu lugar, vendo Jimin e Hoseok começarem a se mexer pela loja.
Olho para Wendy, que sorri enquanto inclina sua cabeça para o lado.
– O que foi? Será bom pra você passar algum tempo com seus amigos.
– Por que está fazendo isso, Wendy? Você não me disse pra não voltar mais lá depois do que aconteceu? – Sussurro para que apenas minha irmã escute.
Ela dá de ombros.
– Esqueça isso. – Wendy se vira, me dando as costas. – Vocês dois vão precisar de aventais, ou ficaram todos sujos.
***
Eu não posso acreditar, eles realmente ficaram e nos ajudaram a arrumar toda a loja até que tudo estivesse impecável. E agora, Wendy retirava meu avental para que eu pudesse ir até à mansão com os dois. Realmente não entendo ela. Como toda aquela conversa de viagens de irmãs acabou desta maneira? Talvez eu não tivesse muitas escolhas. Meu corpo pede por um momento de descanso, e espero que não me arrependa disso.
– Vamos? – Jimin estende sua mão para mim, enquanto se mantém parado na minha frente, com Hoseok alguns passos atrás.
– Não vou demorar. – Olho sobre os ombros para Wendy, que balança a cabeça e sorri.
– Não se preocupe, apenas se divirta. – Ela me empurra em direção a Jimin, que pega em minha mão e começa a me puxar para fora da loja.
Solto outro suspiro assim que saio, sendo recebida pelo vento e pelo céu cinza. Ontem não choveu, mas o tempo fechado e carregado de nuvens escuras permaneceu intacto.
Nós três caminhamos até a entrada da floresta, depois, pegando o caminho que já fiz algumas vezes. Os dois pareciam bem animados, conversando sem parar sobre todas as coisas que fizeram no dia de ontem, quando eu não voltei para a mansão. Jimin continuou perguntando se eu estava mesmo bem, e depois de tranquilizá-lo pela terceira vez, ele acabou se convencendo de minha resposta.
A enorme mansão invade nosso campo de visão, como mágica, trazendo um sentimento de deslocamento, como um universo completamente novo. Era essa constante sensação de que estar aqui é como viajar para dentro de um livro fantasioso, e até mesmo o céu parece diferente quando visto deste lugar.
Os dois me guiam para os fundos da mansão, exatamente onde participei da tarde de piquenique com eles. Nós passamos pela grande fonte, e pelo jardim da frente, onde, agora, reparei melhor nas belas tulipas-negras espelhadas pelas flores distribuídas de forma organizada, elas eram exatamente iguais às que eu coloquei em meu quarto.
Quando pisamos sobre a grama bem aparada dos fundos da mansão, avisto Hyun sentado no chão, rodeado por bonecas em belos vestidos e bonecos. Seus pequenos olhos curiosos logo notam nossa presença e ele fica um pouco mais agitado com isso.
Jimin pergunta se eu me importaria de passar algum tempo com ele e Hyun, brincando, e eu respondo que não, eu realmente não me importava. Hoseok se despede brevemente, dizendo que iria caminhar perto do lago que havia aqui por perto.
Assim que Hoseok caminha para o fundo da mansão, sumindo entre as árvores altas e espessas, Jimin e eu nos sentamos com Hyun que, a princípio, se mostra tímido e relutante diante da minha presença, mas, aos poucos, e com o encorajamento de Jimin, ele me entrega uma de suas bonecas, e passa a fazer um pequeno teatro comigo. Fico grata por Jimin. Hyun era uma criança adorável, e já tem tanto tempo desde que brinquei desta forma, que até me sinto feliz por isso. Chegava a ser engraçado como Jimin e eu parecíamos mais imersos na brincadeira, do que o pequeno garotinho, que vez ou outra ria de nossas encenações exageradas.
– Acho que você me machucou. – Digo para Hyun, assim que sua boneca bate contra a minha.
Ele encolhe seus pequenos ombros e sorri, o que é adorável.
– Vou pedir para Skull preparar um lanche pra gente. – Jimin solta seu boneco, e se levanta.
– Posso usar o banheiro então? Quero lavar as mãos. – Pergunto, já que ficamos brincando sobre essa grama por bastante tempo.
– Claro, você pode usar o banheiro do meu quarto. – Jimin faz um gesto para que eu o siga. – Você também deveria lavar suas mãos, Hyun.
O garotinho ignora o que seu irmão diz e se concentra em brincar com seus brinquedos. Jimin ri, e nega com a cabeça, antes de se virar e começar a andar em direção à frente da mansão.
Acompanho seus passos, e logo estamos subindo os pequenos degraus que nos levam até a grande porta de entrada. E, uma vez dentro da mansão, passamos pelo hall, e Jimin diz que irá na cozinha e que eu posso subir para o segundo andar.
Com um aceno de cabeça, me separo dele e vou em direção às escadas do lado esquerdo, subindo os degraus de forma cautelosa, me lembrando que eu poderia encontrar Taehyung no andar de cima, mas, pelo menos, agora eu sei em qual quarto eu não deveria entrar.
Suspiro quando termino de subir as escadas, e olho para baixo outra vez, vendo tudo vazio. E tomando coragem, volto a olhar para frente, e entro no corredor da esquerda, andando sobre o tapete vermelho e a falta de luz do corredor.
Sigo diretamente para a porta de Jimin, passando na frente de outra, que estava entreaberta, me fazendo congelar no lugar ao ver pela fresta, Blarie deitada sobre uma enorme cama, com seu vestido roxo-claro, caído até os ombros, enquanto Jungkook estava por cima dela, beijando seu pescoço. Os gemidos que Blarie solta, são muito bem audíveis do corredor, e meu sangue gela por isso, com a mínima hipótese de ser descoberta, então, me apresso ao passar pela porta e ir direto para o quarto do Jimin. E uma vez do lado de dentro, fecho a porta e encosto meu corpo contra ela, ainda me sentindo surpresa sobre o que vi.
O branco e amarelo do quarto de Jimin me acalma um pouco e, aos poucos, me sinto menos constrangida por isso. Em seguida, me desencosto da porta e caminho até a outra porta que havia no quarto, dando direto para um enorme banheiro limpo.
Vou até a pia branca, parando na frente do espelho a tempo de ter a impressão de ver uma segunda imagem junto à minha. Me viro exasperada para trás, encontrando nada além das paredes claras. Checo em volta, percebendo que não teria como alguém estar aqui, já que a porta estava trancada. Eu realmente estou atormentada com o que vi.
Suspiro e abro a torneira, lavando minhas mãos e depois meu rosto, para ver se voltava ao meu estado normal. Me seco em uma felpuda toalha colocada sobre a pia extensa, e deixo o banheiro, passando pelo quarto calmo e organizado.
Abro a porta para sair, mas dou alguns passos para atrás, me assustando ao encontrar Jungkook parado do outro lado, me olhando daquela maneira que eu não gostava. Seus cabelos estavam um pouco bagunçados, mas sua roupa e postura eram impecáveis.
Em silêncio, permaneço segurando na maçaneta, enquanto ele estreita os olhos escuros.
– Não é agradável espiar os outros. – Ele diz, provocativo.
Desvio meu olhar, olhando para os lados como forma de saída.
– Eu não estava espiando ninguém. – Falo, engolindo em seco.
Jungkook fica quieto por alguns segundos, dando poucos passos para ficar bem perto de mim. Arregalo os olhos, e inclino meu corpo para trás, evitando nossa proximidade.
– Eu deveria fazer o mesmo com você? – Sua voz se torna baixa, mas firme. E seus olhos parecem grudados aos meus, de forma incômoda.
Seguro com força na maçaneta, me sentindo nervosa.
Fico em silêncio, e Jungkook aproveita deste momento e passa seu braço direito ao redor da minha cintura, levando meu corpo para perto do seu. Retiro minha mão da maçaneta da porta, e levo até seu tronco, tentando afastá-lo de mim.
– O que você está fazendo? – Pergunto nervosa, olhando exasperadamente para os lados.
Ele inclina sua cabeça até meu pescoço, tocando o lugar com a ponta do seu nariz, o que me faz arregalar os olhos.
– Eu gosto do seu cheiro. – Ele diz, perto de minha orelha e meu corpo se arrepia de maneira ruim.
Querendo me livrar dessa situação, empurro seu corpo para longe do meu, enquanto eu o encaro incrédula. Ele sorri com escárnio. E tudo que posso fazer agora, é correr para longe, descendo as escadas o mais rápido que consigo.
Ao pisar no chão do primeiro andar, olho para o topo da escada, vendo tudo vazio. Respiro fundo, ainda me sentindo nervosa sobre o que aconteceu, e por isso, vou direto para o hall, saindo da mansão com o intuito de voltar para o jardim dos fundos.
O vento gelado me atinge em cheio assim que atravesso a porta de entrada, balançando meus cabelos para todos os lados, de forma agressiva.
Desço os degraus para entrar no jardim, e atravesso toda a grama bem aparada, indo até os fundos da mansão, onde não tenho vestígios de Jimin, que parecia não ter voltando. Hyun estava sozinho, sentado sobre as pernas, enquanto tapava seu joelho direito com suas pequenas mãos. Seu rosto estava abaixado, com alguns fios de cabelo cobrindo seus olhos.
Franzo o cenho, achando um pouco estranho esta situação, mas assim que vejo alguns filetes de sangue escorrerem por entre seus pequenos dedos, meus olhos se arregalam e saio correndo até o garoto.
– Hyun, você está bem?! O que aconteceu?! – Me agacho ao lado dele, que me olha um pouco assustado.
Ele retira suas pequenas mãos de perto do joelho, me mostrando um mediano corte, que parecia profundo.
Olho assustada para Hyun, que aponta para um boneco de porcelana que estava ao seu lado. O brinquedo estava quebrado, resultando em algumas partes cortantes que estavam sujas de sangue.
Completamente preocupada, pego o garoto no colo, que segura em minha blusa com força, e não me importo se ela pode se sujar com o sangue de suas mãos. Olho aflita para todos os lados, encarando as janelas no alto da parte detrás da mansão, eram dos quartos, e isso trazia uma sensação não muito boa de estar sendo vigiada.
Sem tempo para pensar nisso agora, corro de volta para a entrada da mansão, atravessando o gramado com Hyuns em meus braços. O vento nos acompanhava, criando uma bagunça ainda maior acerca de nós dois, esvoaçando nossos cabelos pelo ar. E, depressa, subo os degraus para a porta da mansão, empurrando-a com força, depois, atravesso o hall com pressa, correndo direto para a cozinha, que estava vazia. Volto para o centro, e corro, agora, para a sala, que também estava vazia. E como última opção, vou em direção às escadas, subindo pelo lado direito, onde posso escutar, de forma suave, uma música tocada em um piano, de plano de fundo.
– É o Tae. – Hyun diz, me fazendo olhá-lo surpresa.
O garotinho não tinha nenhum vestígio de dor em seu rosto, e muito menos parecia querer chorar, ele apenas apontava para cima, indicando o teto.
A música era bonita e calma, contrastando completamente com o meu desespero neste momento. Eu precisava de ajuda.
Encaro o joelho de Hyun, que continuava sangrando sem parar, e quase sinto a dor apenas por olhar o machucado. Não sei como este pequeno garotinho está tão tranquilo.
– Elena.
Me viro de supetão, ficando aliviada por ver Jimin vir do lado esquerdo do corredor.
– Eu estava te procurando. – Ele diz, enquanto se aproxima calmamente.
– Jimin, o Hyun se machucou! – Apresso meus passos até ele, que me olha surpreso.
Jimin pega Hyun de meu colo, examinando seu joelho.
– Como você fez isso, Hyun? – Jimin olha de forma preocupada para seu irmão mais novo.
– Um dos bonecos dele quebrou. Acho que cortou o joelho na porcelana. – Explico, me sentindo ainda mais preocupada, querendo apenas ajudar esse pequeno garotinho.
Jimin suspira, se virando e indo até à escada da esquerda, descendo os degraus com Hyun. Eu sigo os dois, e me sinto surpresa ao ver o mordomo parado no final da escada, já que vasculhei tudo e não encontrei ninguém.
– Skull, Hyun machucou o joelho, você pode me ajudar com isso? – Jimin desce com pressa, e entrega Hyun para Skull, que assente, antes de carregar o garoto para longe, indo em direção à porta dos fundos, que ficava entre as duas escadas, no primeiro andar.
Paro ao lado de Jimin, enquanto vejo Skull atravessar a porta de madeira dupla da cor vinho e detalhes dourados.
– Ele vai ficar bem, Skull saberá o fazer. – Jimin coloca uma mão sobre meu ombro.
– Como pode estar tão calmo agora?
Jimin solta uma baixa risada nasalada.
– Hyun é uma criança, Elena. Ele vive se machucando, por isso, sei que ele vai ficar bem. Agora venha comigo, vamos comer alguma coisa enquanto esperamos Skull trazer ele de volta. – Jimin afasta sua mão de meu ombro, e se vira, indo em direção à cozinha.
Olho uma última vez para onde Skull levou Hyun, antes de seguir Jimin, encontrando Blarie encostada contra o grande balcão escuro da cozinha. Ela estava ao lado de um prato com biscoitos, e comia um deles.
– Isso não é pra você. – Jimin se aproxima dela, e pega o prato, trazendo-o até onde eu estava.
– Não seja egoísta. – Blarie resmunga, de forma descontraída.
Jimin estende o prato em minha direção, e pede que eu pegue um.
– Não estou com muita vontade de comer.
Jimin suspira, e abaixa o prato, se virando e devolvendo ele para Blarie.
– Se você está tão preocupada com Hyun, eu vou lá ver como ele está. – Com um sorriso compreensivo, Jimin passa ao meu lado e sai da cozinha.
– Nos encontramos de novo. – Blarie diz, assim que Jimin sai.
Ela estava comendo mais um biscoito.
Me aproximo dela, ficando a alguns passos de distância.
– O que foi? Não está com uma cara muito boa. – Ela levanta suas sobrancelhas, enquanto dá uma mordida no biscoito de chocolate.
– Não é nada. – Digo, realmente sem saber o que conversar com ela.
Blarie coloca o biscoito que segurava, de volta ao prato e cruza os braços, me olhando de forma curiosa.
– Talvez devêssemos falar sobre o que você viu. – Ela sorri fechado, não se importando.
Meus olhos se arregalam, minimamente, e sinto que meu rosto pode ficar vermelho a qualquer momento.
– E-Eu... Eu não queria. – Encolho os ombros, me sentindo envergonhada.
– Tudo bem. – Ela ri. – Eu sei que você não estava espiando.
Assinto, ainda mergulhada em minha vergonha.
– Vocês... estão juntos? – Pergunto em tom baixo, segurando minhas próprias mãos.
Blarie ri outra vez.
– Não. Nós não somos namorados, se quer saber. – Ela responde calmamente, não se sentindo incomodada com o assunto.
Assinto, desviando meu olhar para o lado, sem jeito para essa conversa.
– Você é tão fofa. – Blarie toca a ponta do meu nariz com o dedo. – Me sinto uma pervertia por contar isso pra alguém como você, mas todos nós nos relacionamos muito bem aqui na mansão. Perdemos muito tempo com os negócios da família, então não temos muito tempo para sair como os jovens, por isso, temos que nos virar como podemos.
Se antes eu senti que meu rosto poderia ficar vermelho a qualquer momento, agora eu tinha certeza que ele estava.
Então quer dizer que ela e eles...?
Blarie ri, de novo.
– Elena, Hyun já está bem.
Quase salto em meu lugar ao escutar a voz de Jimin. E quando me viro, vejo ele parado na entrada da cozinha com Hyun em seus braços, que tinha um curativo em seu joelho. E eu só espero que Jimin não tenha escutado nada.
– Preciso ir agora, Hoseok está me esperando perto do lago. – Blarie sussurra ao meu lado, e tenho que conter minha vergonha para que Jimin não perceba.
Em seus passos elegantes, Blarie se afasta de mim, passando ao lado de Jimin e fazendo um rápido afago nos cabelos de Hyun, antes de deixar a cozinha.
Jimin se aproxima.
– Você está bem? Seu rosto está um pouco vermelho. – O garoto de cabelos claros, me olha desconfiado.
Forço um sorriso e assinto, tentando sair desta situação iniciando uma conversa com Hyun.
***
Eu definitivamente perdi a noção do tempo. O final de tarde já estava se despedindo, e o começo da noite dava seus primeiros sinais de chegada, muito bem acompanhada do vento gelado e forte que perpetuava pelo clima.
Eu precisava ir embora, Wendy estava me esperando, mas foi difícil explicar isso para Jimin, que insistia para que eu voltasse no dia seguinte. Disse para ele que não posso ficar vindo aqui todos os dias, já que tenho as minhas responsabilidades na loja. Mas ele usou de toda sua força de vontade para me ter por perto, dizendo que como ele passava muito tempo na mansão, quase não via ninguém, e que agora, eu me tornei uma boa amiga para ele. Mas eu pude resistir, e fui persistente dizendo que não sabia se voltaria amanhã. E com uma expressão triste de sua parte, nós dois nos despedidos na porta da mansão, já que eu disse que ele não precisava me levar, e sim que deveria ficar com Hyun, que estava machucado.
E com o vento ao meu lado, atravessei todo o grande jardim de belas flores, decorado com a grande fonte de gárgula, e fui direto para o caminho que me levaria até a loja. Admirei toda a bela natureza que cobria os dois lados da passagem, enquanto escutava o barulho de alguns grilos e cigarras por todos os lados.
Saio do caminho fechado de arbustos, e entro no lugar onde a enorme macieira ficava, e como sempre, o chão era repleto por seus frutos que, vez ou outra, caíam dos galhos. E, mesmo que estivesse escuro pela chegada da noite, era impossível não ver uma silhueta masculina sentada sobre o chão de terra, e encostada contra o largo tronco da macieira.
– Você continua vindo aqui. – Um tom de voz carregado de escárnio, vem da silhueta sentada. E mesmo que eu tivesse escutado essa voz uma única vez, era impossível não reconhecer.
O timbre grave e grosso, a entonação imponente, infelizmente, eu sabia que era Taehyung.
Meu corpo fica tenso, e sinto meu coração se agitar, exatamente da mesma maneira que eu ficava quando via alguma sombra estranha no meu quarto, quando era criança.
Eu poderia correr para longe, deixá-lo para trás, mas as marcas do que aconteceu ainda estão comigo, enroladas nessas aturaras em torno da minha pele.
Levo minha mão até meu pulso esquerdo, sentindo uma das ataduras, que me faz criar um pouco de coragem, enquanto meu coração se torna cada vez mais agitado.
– Eu voltei pelo Jimin. – Minha voz sai mais baixa do que eu gostaria, mas pelo menos ela não falhou.
Ele ri, se juntando ao som dos grilos e das cigarras. E, em seguida, sua silhueta se levanta, vindo em passos calmos até mim. Prendo minha respiração, segurando com força meu pulso esquerdo coberto pela atadura, já que a cada passo de Taehyung, sua silhueta ficava maior.
Seu corpo sai das sombras, sendo iluminado pela luz da lua, a única solitária no céu. Seu cabelo acinzentado estava com alguns fios caídos sobre seus olhos escuros, e os brincos que ele usava, pareciam brilhar sobre a luz da lua. Sua pele refletia a ausência de vida da noite, e a camisa de seda que usava, aberta nos três primeiros botões, balançava com o vento gelado.
Ele caminha em passos lentos e calmos, até que fique parado na minha frente, com sua altura se sobressaindo à minha. E estando assim tão perto, eu podia ver cada detalhe do seu rosto, até mesmo as pequenas pintinhas que ele tinha; uma, no nariz, outra, na boca avermelhada e mais uma, perto da linha d'água de seu olho. Estamos tão perto ao ponto de meus pensamentos concordarem com as palavras de Blarie, sobre Taehyung ser alguém tão bonito. Era inacreditável, eu parecia olhar para um desenho, era como encontrar um personagem de um livro de contos de fadas, um vilão. E eu não estava gostando nada disso, já me sentia arrependida por ter ficado e falado com ele.
Tento respirar calmamente, estando sobre seu olhar que era incrivelmente intenso e ameaçador.
– Você não parece tão falante agora. – Ele diz em tom provocativo.
– Eu vou embora. – Me viro, pronta para correr para longe, adotando minha ideia inicial, mas Taehyung agarra meu pulso, me impedindo.
Olho sobre os ombros, e ele me puxa para perto, ainda segurando meu pulso direito. Ele abaixa a manga de minha blusa, encarando a atadura entorno da minha pele.
Suas sobrancelhas se levantam em um movimento sincronizado e, logo depois, ele me encara.
– Eu deveria pedir desculpas por isso? – Ele curva seu corpo para frente, deixando seu rosto bem próximo ao meu. – Me desculpe, Elena.
Meu coração salta em meu peito, e tenho medo que possa passar mal a qualquer momento.
Fico em silêncio, encarando seus olhos escuros que pareciam engolir os meus. E ele permanece assim por mais alguns segundos, até que suas íris escuras desviem, encontrando um ponto mais abaixo. E quando acompanho seu olhar, posso ver um fraco brilho vermelho vindo de dentro do topo da minha blusa, era a pedra de Aíma do meu colar. Ela cintilava debaixo do tecido, ficando em evidência por ser noite.
Taehyung encara o brilho vermelho-cintilante por mais algum tempo e depois me olha, em seguida, soltando meu pulso. Ele sorri uma última vez e se afasta de mim, indo em direção ao caminho de arbustos, me deixando para trás com meu nervosismo e medo.
Respiro rapidamente, e começo a correr na direção contrária, sentindo o vento gelado correr ao meu lado. E só paro quando chego na entrada da loja de vovó, onde Wendy fica curiosa sobre o que eu fiz durante a tarde, mas eu não queria conversar sobre nada no momento, apenas peço para que fechemos a loja para voltarmos para casa.
Nós duas encerramos nosso período por este dia, e voltamos para casa com um caminho silencioso de minha parte, e regado a olhares desconfiados da parte de minha irmã.
Tudo que eu queria era deitar em minha cama e esquecer tudo que aconteceu nesse dia. Eu apenas inventarei uma desculpa qualquer para explicar o pouco de sangue que estava em minha blusa, causado pelas mãos de Hyun, e depois me trancaria no quarto. Mas as coisas nem sempre são com queremos, e assim que cheguei em casa, encontrei vovó fazendo a janta com Sebastian sentado em uma das cadeiras, ao redor da mesa de jantar. Eles conversavam tão animadamente que quase não notaram nossa presença.
– Que bom que vocês chegaram, eu preciso mesmo falar com as duas. – Vovó limpa sua mão em um pano de prato e se aproxima da mesa, ficando de pé ao lado de seu amigo. – Acho que nunca falei, mas é Sebastian quem traz ervas e novas flores para mim, ele faz muitas viagens e, por isso, conhece muitos lugares ricos em natureza. Ele estava me contando sobre um vilarejo vizinho, que tem uma grande reserva de ervas, e as nossas estão quase acabando. Nós tentamos fazer algumas com as plantas do jardim, mas ainda estavam muito novas.
– Por isso a loja estava aquela bagunça toda? – Wendy se aproxima da mesa, apoiando os braços sobre o topo de uma cadeira vazia.
– Me desculpem. – Vovó sorri culpada.
– Tudo bem. – Suspiro, e sorrio, me aproximando de Wendy.
– Sebastian vai viajar para esse vilarejo amanhã e eu estava pensando em ir com ele, mas não queria deixar vocês duas sozinhas.
– Não somos mais crianças. Podemos nos cuidar. – Wendy ri e vovó a acompanha.
– Serão por dois ou três dias no máximo, tudo bem pra vocês? – Vovó pergunta de um jeito calmo, mas posso notar a expectativa em seus olhos.
– Claro, a senhora deve ir nessa viagem amanhã. – Digo e assinto, fazendo vovó sorrir e olhar animada para Sebastian.
Eu deveria dormir agora, o dia foi longo, e a partir de amanhã será apenas Wendy e eu, sozinhas nessa casa e nesse vilarejo. E eu precisarei lidar com muitas coisas, então é melhor que meu corpo e mente estejam descansados e longe de toda essa agitação.
Capítulo 8
Nesta manhã, como vovó teria que se preparar para sua viagem com Sebastian, ela não iria para a loja, deixando essa responsabilidade comigo e com Wendy.
Para minha felicidade, não precisei de novas ataduras hoje, pois a pasta de Erva-Laranja que vovó havia feito para que eu passasse em meus pulsos, curou cada um dos meus machucados, por sorte, não deixando nenhuma cicatriz. Era como mágica.
Como já era de costume, e como já aprendemos, minha irmã e eu fomos direto para a loja, debaixo do sol fraco mas quente o suficiente para ser agradável. Os dias estavam ficando cada vez mais estranhos, o calor e belos dias ensolarados de quando chegamos estavam se despedindo aos poucos, deixando a atmosfera mais nebulenta.
Wendy me informou sobre as vendas do dia anterior, e disse que hoje não teríamos nenhuma encomenda, pois as ervas estavam quase acabando e as pessoas não costumam comprar flores todos os dias.
– Você não acha estranho que a vovó sempre esteja com o Sebastian? – Wendy pergunta detrás do balcão, limpando a superfície amarela com um pano.
Paro de espanar os pequenos potes de vidros com ervas, que estavam colocados nas prateleiras, e olho para minha irmã.
– Não acho, Wendy. Nós ficamos um bom tempo sem voltar pra Upiór depois que o vovô morreu, então é normal que a vovó tenha ficado mais próxima do amigo dela. Agora deixe de inventar coisas.
Wendy para de limpar o balcão, mantendo sua mão sobre o pano.
– Sabe qual o seu problema? – Segurando o pano, ela aponta para mim. – Você é muito inocente, Elena.
– Inocente? – Estreito meus olhos, encarando-a com seriedade.
Wendy assente e dá de ombros.
– Não vou pegar no seu pé porque você só tem dezoito anos. Mas deveria aproveitar melhor a vida. – Descontraída, Wendy volta a limpar o balcão.
– Nossos conceitos de "aproveitar melhor a vida" são bem diferentes. – Nego com a cabeça, enquanto rio com o jeito de minha irmã.
Não sei porque ainda me impressiono, Wendy sempre foi assim, ela é o meu completo oposto, nós não nos parecemos em nada, talvez a cor de nossos cabelos seja a única coisa que nos ligue desta forma.
– Toc-toc!
Duas leves batidas na porta acompanham uma voz grave e calma.
Olho para a entrada da loja, tendo uma espécie de déjà-vu ao encontrar dois visitantes inesperados, desta vez sendo Namjoon e Jungkook.
O primeiro, mais velho e mais alto, tomava a frente. Namjoon era quem havia batido na porta aberta da loja. Ele tinha um bonito sorriso em seu rosto, enquanto olhava admirado para todos os detalhes da loja. Desta vez, ele não estava de óculos, deixando seu rosto completamente livre para minha visão.
O segundo garoto, este mais novo e com uma expressão menos animadora, estava atrás de Namjoon, não parecendo tão contente em estar aqui. Mas Jungkook parecia ser deste tipo, de qualquer maneira. Talvez todos os garotos mais novos dessa família tendem a ser um pouco ríspidos.
– Bem-vindos... hum... o que fazem aqui? – Me viro para o lado, encarando-os com um pouco de confusão.
– Nós viemos te buscar. – Jungkook diz e um sorriso provocador surge em seus lábios avermelhados.
Ele passa na frente de Namjoon, vindo em minha direção.
Seguro o espanador em frente ao meu corpo, pronta para usá-lo se fosse necessário.
Com as mãos dentro dos bolsos, ele para na minha frente, quase me fazendo prender a respiração, enquanto tentava me mexer o mínimo possível.
– M-Me buscar pra quê? – Pergunto, tentando me manter séria, mas tudo que tenho é meu nervosismo.
Olho, rapidamente, por cima de meus ombros, procurando por Wendy, que estava com os cotovelos apoiados no balcão e o rosto apoiado na mão direita.
– Jimin está preparando algo especial pra você e pediu que viéssemos te buscar. –Volto a olhar para frente, encarando Namjoon com espanto.
Algo especial? Por que ele faria isso? Jimin tem levado as coisas muito a sério, e às vezes me sinto mal por apenas ir na mansão, nunca retribuindo essa amizade que ele tem por mim.
– Se vocês forem aparecer aqui todos os dias atrás da minha irmã, é melhor começarem a comprar. – Wendy diz detrás do balcão. E mesmo sem vê-la, sei que sua expressão deve ser de petulância, assim como suas palavras.
– Me desculpe, não tenho dinheiro comigo agora. Mas prometo que da próxima vez comprei algumas flores. – Namjoon acena com a cabeça, se desculpando.
Solto um suspiro, pensando em negar tudo isso e dizer que não posso ir, mas se Jimin realmente está fazendo alguma coisa, seria muito descaso da minha parte negar.
Olho outra vez para Wendy, que faz um gesto de mão para que eu vá com eles. Mas às vezes me sinto desconfortável com isso, já que enquanto eu vou na mansão quase todos os dias, ela fica aqui na loja trabalhando.
– Oh!... aquilo é um jardim? – Namjoon pergunta, inclinando seu corpo para o lado, tentando ver através da porta escondida atrás do balcão.
– Sim. Quer dar uma olhada? – Wendy pergunta, e ele assente, indo até onde ela estava. E assim, os dois vão para o jardim dos fundos.
Fico em silêncio, encarando a porta aberta, sabendo que havia alguém, neste momento, me encarando, mais perto do que eu gostaria.
Receosa, vou desviando os meus olhos da porta, até que eles encontrem a imagem de Jungkook, que permaneceu parado perto de mim, com seus grandes olhos castanho-escuros me encarando.
– Você não quer ir ver o jardim com eles?
– Não.
Agarra o espanador com as duas mãos, me sentindo nervosa de novo e de novo.
Jungkook desvia seu olhar do meu e o sobe em direção às prateleiras atrás de mim. Ele ergue um de seu braço direito até um dos potes de ervas, me fazendo ir, automaticamente, para trás. Encosto minhas costas contra a prateleira, e Jungkook ergue seu braço esquerdo também, e sei que ele não está verdadeiramente interessado nas ervas, e sim em me colocar em uma situação constrangedora.
Ele solta os potes de vidro, mas não afasta suas mãos das prateleiras, me deixando entre elas, mesmo que ambas estejam muito acima da minha cabeça. Em seguida, seus olhos voltam a me encarar, enquanto ele aproxima seu corpo do meu.
– Você não quer soltar isso? – Com um discreto movimento de cabeça, ele indica o espanador que eu usava como barreira entre nós dois, para que ele não pudesse se aproximar mais.
– N-Não. – Expiro falho, me sentindo ainda mais nervosa.
Ele sorri fechado e fica em silêncio, antes de curvar seu corpo, aproximando, aos poucos, seu rosto do meu. Meus olhos se arregalam, e o nervosismo me faz apertar o espanador com mais força. Penso em usar o objeto para afastá-lo, mas meu corpo estava congelado no lugar e até mesmo o meu sangue parecia frio neste momento.
Jungkook ia aproximando seu rosto do meu até que eu sentisse sua respiração contra a minha pele que, provavelmente, ganhou um tom rubro.
– Vocês não têm Erva-De-Sangue aqui? – Ele pergunta, puxando um dos potes de vidro, e se afastando de mim, como se nada tivesse acontecido.
Solto todo o ar de meus pulmões de uma vez, tentando relaxar meu corpo tenso.
– N-Não... não temos. – Clareio minha garganta, deixando minha voz menos falha.
Ele apenas acena com a cabeça e devolve o pote para a prateleira, depois se virando e indo em direção ao balcão.
– Vou chamar o Namjoon, pra gente ir. – Ele diz, antes de passar pela porta que dava para o jardim.
– O que diabos foi isso? – Levo uma mão até minha testa, enquanto suspiro pesadamente.
***
Depois que Jungkook foi chamar Namjoon, nós três seguimos para a floresta que, posteriormente, nos levaria até a mansão. E durante nosso pequeno percurso, Namjoon tentou ser o mais agradável que podia, falando sobre as espécies de flores que ele viu no jardim da loja; ele realmente parecia gostar disso. Já Jungkook seguiu em seu silêncio, olhando apenas para o caminho de árvores e matos à nossa frente.
Ainda tenho alguns resquícios de meu nervosismo e me sinto um pouco inquieta pelo que aconteceu. Esse tipo de situação não é algo comum para mim, e Jungkook não foi do tipo gentil quando nos conhecemos, e agora tem todas essas provocações dele. Eu deveria tê-lo espantado com o espanador.
Assim que chegamos nos portões da mansão, Namjoon nos conduziu até os fundos, dizendo que deveríamos entrar em outro caminho de árvores altas. Eu me lembro de ter visto Hoseok seguir por ele no dia anterior, quando ele disse que iria caminhar perto de algum lago.
Com os barulhos dos pequenos insetos, e debaixo dos fracos raios de sol, nós caminhamos por entre mais árvores que, aos poucos, iam nos revelando uma bela paisagem cristalina, acompanhada por um som contínuo e suave de água e risadas.
Meus olhos se arregalam, minimamente quando, em meu campo de visão, uma bela paisagem é pintada com as mais variadas cores naturais. Um extenso e sem fim visível lago de água cristalina e limpa, corria na parte detrás da paisagem. E, à beira do lago, uma grande toalha quadriculada estava posta sobre a grama e terra com folhas. Muitas comidas estavam distribuídas sobre a tolha branca e vermelha, assim como todos aqueles que conheci na mansão, estavam sentados e distribuídos pela toalha também.
– Elena! – Hoseok grita, mesmo que eu estivesse perto o suficiente para escutá-lo. Ele abana sua mão de um lado para o outro, se tornando animado ao me ver.
Jimin, que estava sentado na direção aposta de Hoseok e ao lado de Blarie, sorri ao me ver, me fazendo retribuir o sorriso. No final das contas, eu gostava de estar perto dele.
Ele faz um gesto para que eu me aproxime e sente entre ele e Blarie, que logo me dá algum espaço quando paro rente à toalha. E, com cuidado para não pisar nas diversas comidas, me coloco ao meio dos dois.
– Que bom que você veio. – Jimin diz, sorridente.
Assinto, com um sorriso agradecido.
– Já faz algum tempo desde que nos vimos, Elena. – Jin, que estava do outro lado da toalha, sorri para mim, enquanto Namjoon se sentava perto dele e Jungkook perto de Jimin.
– Sim. Obrigada por me receber. – Aceno, agradecendo.
– Não seja tão formal. Uma amiga do Jimin também é nossa amiga. – Jin diz, ajeitando Hyun, que estava ao seu lado, entre suas pernas, de maneira que ele possa ajudar o garotinho a tomar o suco do copo que ele segurava.
Olho para o joelho do pequeno garotinho, mas suas calças me impedem de saber qual era o estado de seu machucado.
– Agora que ela chegou, nós podemos comer?
– Sempre tão cortês, Yoongi. – Hoseok, que estava ao lado do garoto que era o mais pálido entre todos e tinha os cabelos brancos, diz, de forma sarcástica.
– Nós já podemos comer, sim, Yoon. – Jimin ri ao meu lado.
O final da manhã e o começo da tarde passou agradavelmente, me proporcionando algumas risadas durante esse longo piquenique que tivemos. Todos eram muito educados e tinham inúmeras histórias para compartilhar, e até mesmo Jungkook aproveitou seu tempo sem qualquer tipo de provocação. Era curioso e, de certa forma, até intrigante observar toda a maneira como essa família se comportava quando estavam juntos. Eles com certeza têm vivido por muitos anos juntos, já que tudo fluía naturalmente de forma amistosa e descontraída. Talvez Hyun fosse uma exceção, já que estava mais interessado na comida do que nas conversas que, para ele, sem dúvida eram desinteressantes.
Essa companhia me fazia mais leve, mesmo que do meu jeito retraído, mas a bela paisagem me ajudava a relaxar. Um cenário digno de histórias bonitas. Passar um tempo nesse lugar com certeza era como encontrar um pouco de paz, apenas a natureza e o barulho dos insetos. E esse belo lago, claro, que daria até pena de entrar, de tão limpa e brilhante que a água dele era.
– Nós passamos quase a tarde toda aqui. Estou começando a ficar cansado. Você precisa vir aqui menos vezes, Elena, eu não consigo acompanhar esse tipo de evento. – Yoongi diz, com sua voz calma.
Ele estava deitado de lado, sobre a a toalha, com o rosto apoiado sobre sua mão direita, que estava apoiada por seu cotovelo.
– Você pode vir aqui todos os dias se quiser. Não ligue pra ele. – Hoseok fala, com seu grande sorriso. Ele realmente era como o sol, alguém quente e animado, acho que não consigo imaginá-lo em um dia ruim.
– Você sempre tem esses acessórios bonitos. – Namjoon, sentado de pernas cruzadas, aponta para o meu pescoço.
Olho para baixo, vendo a pequena pedra de aíma brilhando por debaixo da minha blusa, como ontem.
– Minha irmã comprou pra mim. Acho que está brilhando por causa do sol. – Puxo a pedra vermelha para fora de minha blusa, mostrando a todos, que a observam com atenção.
– É bonita. – Jimin fala, ao meu lado, sorrindo.
Assinto, agradecendo.
– Bom, agora vamos levar tudo isso pra dentro. Acho que já aproveitamos bastante nosso tempo aqui fora. – Jin se levanta, com Hyun no colo. – Elena, volte quando quiser. – Ele sorri para mim e sai de cima da toalha.
– Você vai pedir para o Skull vir pegar isso? – Blarie pergunta para Jin, apontando para os pratos e copos vazios espalhados pela toalha de piquenique.
– Sei que podem ser mais educados do que isso. Vocês vão levar tudo pra dentro, e Skull vai cuidar do resto. – Jin estreita os olhos, rindo para as expressões de desgosto de todos.
E mesmo que resmungassem, a autoridade de irmão mais velho que Jin tinha era incontestável, e todos acabaram obedecendo seu pedido. Eu até tentei ajudar, mas Jimin me impediu, dizendo para esperar ele aqui, que logo ele voltaria.
Jungkook foi o único que ficou no lago, talvez para o meu nervosismo, mas ele se comportou tão decentemente durante o piquenique, que eu acho que posso ficar alguns minutos sozinha com ele... pelo menos até Jimin voltar.
Ele continuou sentado no mesmo lugar, sobre a toalha agora vazia. Jimin era o único entre nós, antes, por isso, a distância é pouca.
Jungkook fica me encarando sem dizer nada, e mesmo que apenas isso, não me sinto completamente à vontade com a nossa situação. Talvez eu pudesse esperar Jimin no jardim dos fundos, assim seria melhor.
Determinada a sair desse silêncio incômodo, me levanto pronta para deixar a tolha e o lago, mas ao passar em frente a Jungkook, ele puxa meu pulso para baixo, fazendo meu corpo cair em direção a ele, que em um gesto rápido e ágil, me beija, me deixando completamente atônita.
Eu não sou a pessoa mais experiente do mundo quando o assunto são relacionamentos, só estive em um até hoje, mas sei muito bem o que ele está fazendo agora, e mesmo que seja apenas um beijo superficial, sem um aprofundamento, não deixa de ser algo que eu não gostaria de ter feito com ele, eu acho.
Afasto minha boca da sua e o encaro com completo espanto. E tudo que ele faz é sorrir daquela maneira de sempre, quando quer me provocar.
Puxo meu pulso de sua mão e me afasto dele, correndo para longe entre as árvores altas. Sinto todos os nervosos do meu corpo aflorados, enquanto meus pensamentos se embolam. E assim que saio no jardim dos fundos da mansão, encontro Jimin voltando.
Como se ele pudesse saber o que aconteceu, olho nervosa para todos os lados, até mesmo para as janelas altas que ficavam na parte detrás da mansão, o que me causava uma sensação ainda mais estranha, como se alguém estivesse me vigiando através de uma delas.
– Jimin, eu preciso ir embora.
– Por quê? Aconteceu alguma coisa? – Ele franze o cenho e para de andar.
Nego com a cabeça.
– Eu já fiquei bastante tempo. Preciso ajudar Wendy na loja. – Engulo em seco, forçando meu corpo a voltar ao normal.
Jimin, mesmo que visivelmente desapontado, sorri compreensivo e diz que vai me levar até a loja, e desta vez não o proíbo de fazer isso.
O garoto parado a minha frente ergue sua mão no ar, sorrindo mais abertamente.
– Jungkook, Elena já está indo embora. – Jimin fala com alguém atrás de mim. E sem que ele perceba, tento respirar fundo.
– Até qualquer dia, Elena. – Passando ao meu lado com as mãos nos bolsos e uma expressão descontraída, sem me olhar, Jungkook diz.
Em passos calmos, ele caminha até a parte da frente da mansão.
– Vamos? – Jimin se inclina, me olhando com as duas sobrancelhas levantadas.
Assinto algumas vezes seguidas, antes de começar a caminhar com Jimin, me sentindo mais calma quando nos afastamos da mansão. Respiro aliviada por ter apenas Jimin comigo, que andava absorto de tudo ao seu redor.
– Hm, Jimin... por que Taehyung não participou do piquenique? – Pergunto, quando estávamos quase chegando na entrada da floresta.
Jimin me olha surpreso.
– Você está preocupada com ele agora? – Jimin sorri esperto.
Franzo o cenho, e abano minhas mãos em negação.
– Eu só fiquei curiosa, já que ele foi o único que não apareceu.
Jimin ri de meu desconcerto.
– Eu acho que ele era um morcego na sua vida passada, porque só vive enfiado naquele quarto escuro. Às vezes eu vejo ele saindo, mas só quando todo mundo já está dormindo. Você não sabe como é difícil tirar ele daquele quarto, nós já brigamos muito por conta disso. – Jimin bufa, quase me fazendo rir de sua feição séria, era adorável para alguém tão gentil como ele.
Eu até posso entender Taehyung, já que Wendy age da mesma maneira comigo. Mas eu nunca diria isso em voz alta.
– Parece que chegamos. – Jimin avisa, assim que saímos da floresta e avistamos a pequena loja em cor rosa, no meio do fim da tarde.
Jimin segura em minha mão, me levanto até a entrada da loja, onde encontramos Wendy atrás do balcão amarelo, olhando para as prateleiras de forma entediada. Expressão essa que logo muda ao nos ver passar pela porta.
– Até que enfim! Estava só esperando você voltar pra gente fechar a loja. – Minha irmã diz, saindo detrás do balcão e vindo até nós dois. – Oi, Jimin.
– Oi, Wendy. Desculpe por te fazer esperar. – Jimin acena com a cabeça, em um pedido de desculpas.
– Tudo bem. – Minha irmã sorri.
– Por que você já quer fechar a loja? – Pergunto e Wendy arqueia as sobrancelhas.
– Esqueceu que hoje a vovó vai viajar? Por isso, seria melhor se fossemos mais cedo, assim podemos ajudar ela, se ela precisar. – Ela dá de ombros.
– Você tem razão, eu já tinha me esquecido disso. – Contorço o rosto em uma carreta de desgosto com o meu próprio esquecimento.
– Sua avó vai viajar? – Jimin me olha de forma curiosa.
– Sim. – Assinto. – Ela precisa pegar mais ervas, acho que ficará fora por uns três dias.
Um grande sorriso surge nos lábios cheios e avermelhados de Jimin, que segura minhas mãos em um gesto rápido.
– Então você deveria ficar três dias na mansão comigo. – Ele sugere, de forma empolgada, me fazendo olhá-lo com espanto.
– Como assim ficar três dias na mansão, Jimin?
– Aproveite que sua avó vai viajar e passe alguns dias lá. Nós podemos nos divertir muito. – Seus olhos quase brilhavam, me olhando me maneira hipnótica.
Solto minhas mãos das mãos de Jimin.
– Eu não posso. Wendy vai ficar sozinha.
– Não seja por isso, eu não me importo. Posso te visitar todos os dias lá. – Wendy passa um de seus braços sobre os meus ombros.
– Isso! Está decidido então? – Jimin pergunta, com expectativa.
Encaro os dois como se eles fossem completos loucos, já que essa ideia era louca. Eu mal conheço Jimin e sei que estamos nos tornando bons amigos agora, mas eu não posso simplesmente passar três dias naquela mansão. Não, eu não posso.
– Me desculpe. – Falo, vendo a expressão de Jimin se tornar triste, enquanto seu sorriso some.
Encolho os ombros e me viro, indo em direção à porta e saindo da loja, querendo tomar um pouco de ar do lado de fora.
Eu sinto muito se Jimin ficar chateado, mas eu não posso fazer isso.
Alguns poucos minutos depois, Jimin sai da loja com Wendy, ele ainda tem um semblante triste, mas não tanto quanto antes. Ele pede desculpas, e depois se despede de Wendy com um aceno de cabeça e uma troca de olhares sérios, que chegava a ser estranho.
***
Assim que voltamos para casa, vovó já estava terminando de arrumar suas coisas, por isso não demorou até que Sebastian viesse a buscar e eles partissem em uma carroça de mercadorias, antes, claro, com vovó nos dizendo que deveríamos ligar para ela, caso alguma coisa acontecesse. Ela tirou uns bons minutos para nos instruir e dizer tudo que achava necessário.
Quando ficamos sozinhas, resolvi que faria o jantar, já que vovó não estaria aqui para fazer isso por uns dias, e sei que minha irmã não sabe cozinhar. Eu tive um grande momento de paz na cozinha e de certa forma, me senti surpresa por Wendy não ter ficado no meu pé, insistindo que eu fosse passar uns dias na mansão. Desta vez ela parece ter respeitado a minha decisão e me sinto grata por isso.
Depois de um jantar calmo e com muita conversa jogada fora, Wendy, sendo quem é, deixa toda a bagunça para eu arrumar, enquanto ela vai para o andar de cima. Eu não sei o que ela fez, mas eu podia escutar ela correndo de um lado para o outro, barulhos de coisas caindo, uma completa bagunça. Eu até cheguei a gritar da escada, mas Wendy respondeu um simples "não estou fazendo nada".
De qualquer forma, eu já havia terminado lavar louça e estava pronta para ver o que ela aprontou no andar de cima. Eu só preciso terminar de dobrar este pano de prato molhado, que vou deixar no canto da pia.
O andar de cima fica em silêncio, mas alguém começa a bater na porta, não era forte, foram apenas batidas suaves, mas contínuas.
Dobro o pano de prato com mais rapidez, para poder ir até à porta de entrada. O que faço em poucos segundos, me tornando completamente confusa e surpresa ao ver Jimin parado do lado de fora, com seu costumeiro sorriso que fazia seus olhos pequenos, quase fechados.
Não digo nada, apenas fico o encarando de maneira confusa, até que ele resolva dizer o que veio fazer.
– Aqui! Tudo pronto!
Escuto a voz de Wendy e me viro, a vendo descer as escadas do segundo andar com uma mala em mãos. Ela fazia um pequeno esforço para trazer a mala para o andar debaixo.
Wendy arrasta a mala pelo chão de madeira e pára ao meu lado, entregando a mala para Jimin, que agradece com um aceno de cabeça.
– O que é isso? – Pergunto, olhando pra ela com desconfiança.
– Sua mala. – Ela sorri. – Cuide bem da minha irmã.
– Eu vou cuidar. – Jimin também sorri.
– Agora vai logo, Elena. – Wendy faz um gesto de mão para que eu saia da casa.
Me sinto embasbacada com tudo que estava acontecendo, mas não faço nada do que Wendy sugere, pois me mantenho firme em meu lugar.
– Eu já disse que não vou. – Falo, séria.
– O quê? Eu não consigo te escutar. – Wendy força uma careta, colocando suas mãos nas minhas costas e me empurrando para fora. Em seguida, ela fecha a porta e a escuto trancá-la logo depois.
Seguro na maçaneta, tentando girá-la para destrancar a porta, mas, como imagino, ela não abre.
– Você não tem escolha! Se não for com ele, vai dormir na calçada, Eleninha. – Wendy diz do outro lado da porta, fazendo sua voz soar abafada. Depois, posso escutar seus passos na escada de madeira.
Bufo alto e me viro, encarando Jimin, que força um sorriso.
Sem dizer nenhuma palavra, passo por ele, sabendo que não teria escolha a não ser passar a noite naquela mansão, mas apenas por hoje, já que amanhã eu com certeza voltaria. Até penso em dormir na loja de vovó, mas as chaves dela estão dentro de casa com Wendy.
– Não fique brava. – Escuto os passos apressados de Jimin, atrás de mim.
– Jimin, eu estou brava.
Eu mal podia esperar para esse dia acabar de uma vez. Tudo parece ter saído do controle em algum momento. Essas férias não estão sendo como eu imaginei. Onde está toda a tranquilidade de Upiór?
Capítulo 9
Durante todo o caminho, Jimin não falou comigo, tentando não me deixar mais chateada do que eu já estava. Eu posso muito bem tomar as minhas próprias decisões, e se eu disse que não viria, tudo que ele deveria fazer, era aceitar. Não sei qual o seu problema em sempre querer me manter por perto desta maneira. Wendy seria alguém muito mais divertida do que eu, e sei que não se incomodaria em fazer isto.
Tendo a luz da lua como nossa única guia durante a noite, nós saímos do vilarejo e entramos na floresta, passando por todos os caminhos decorados, até que estivéssemos em frente a mansão. E poucas eram as janelas que ainda estavam acessas.
Carregando a minha mala, Jimin passa na minha frente para que eu o acompanhe. E assim, atravessamos o jardim e subimos os pequenos degraus que nos levaram até a porta de entrada; atravessamos ela e depois o hall, para, em seguida, subirmos as escadas da direita, entrando no corredor que eu ainda não conhecia na mansão. E assim como no lado do quarto de Jimin, este lado também era composto por portas, que penso ser do restante dos outros quartos.
Jimin para na primeira porta da parede do lado direito e a abre, revelando um quarto quase que inteiramente coberto pela cor vermelha, desde os lençóis da cama, até as cortinas das janelas e do tapete.
– Esse é o quarto da Amia. Ela está viajando, então você pode ficar. Tem outros quartos no andar de cima, mas acho que você não vai querer ficar sozinha lá. – Jimin coloca minha mala para dentro do quarto, meio sem jeito. – Qualquer coisa, é só atravessar o corredor e me chamar. – Ele aponta para fora do quarto.
Eu apenas assinto. E, ele, ainda mais sem jeito, sai do quarto e fecha a porta.
Assim que estou sozinha, solto um longo suspiro, me sentindo completamente cansada desse dia, cansada em todos os sentidos possíveis.
Encaro a mala deixada ao lado da porta e penso que não devo arrumar minhas coisas nesse quarto se tenho planos para ir embora amanhã mesmo. E, com outro suspiro, caminho até a cama e me sento na ponta dela, observando o quarto em que eu passaria uma noite. Tudo era realmente excêntrico e extravagante demais para mim, e todo esse vermelho vibrante deixava tudo menos confortável.
Perco uns bons minutos encarando um ponto qualquer do quarto, como se isso fosse ajudar o tempo a passar mais rápido. E sem muitas opções, me levanto da cama e vou até à mala outra vez. Vasculho tudo que Wendy preparou para mim, mas não acho nada além de roupas, nem mesmo meu celular.
Bufo, um pouco frustrada, e me afasto da mala, com uma nova muda de roupas que peguei para dormir. Vou até o banheiro e me troco, para depois sair do banheiro e deixar as roupas que usei antes dobradas sobre a mala, que, agora, estava ao lado da cama.
Com os pés cobertos apenas por meias, me aproximo da janela de cortinas vermelhas, as afastando para o lado, tendo uma vista completa do quintal dos fundos da mansão, assim como do caminho de árvores que levava até o lago. E em meio a imensidão do gramado bem aparado, uma única pessoa estava parada no meio do jardim, com as mãos para dentro dos bolsos de suas calças escuras. O vento do lado de fora, balançava os fios de seus cabelos acinzentados levemente e sua camisa parecia acompanhar o balanço dos cabelos. E o brinco em sua orelha, cintilava de longe.
Era Taehyung. Com certeza era ele parado ali no meio do jardim, encarando as grandes árvores ao redor da mansão. Eu não tenho noção das horas agora, mas, com certeza, já está tarde, então me pergunto o que ele pode estar fazendo ali a essa hora?
E como se pudesse sentir que eu pensava nele, parte de seu tronco se vira e seus olhos que pareciam ter um brilho diferente nesse momento, como um vermelho cintilante, olham diretamente para a janela por onde eu espiava. E, por um momento, parece que o vidro limpo que me separava da noite do lado de fora havia sumido, me deixando em um estado de vulnerabilidade e nervosismo. Me afasto da janela e coloco a cortina de volta no lugar, sabendo que não adiantaria torcer para que ele não tenha me visto, porque sei que ele viu.
Eu deveria dormir, descansar e esquecer tudo isso de uma vez. Não acho que ficar espiando Taehyung da janela seja uma coisa boa, ele pode se irritar e já sei muito bem que não gosto dele quando está irritado.
Respiro fundo, antes de procurar pelo interruptor de luz, deixando o quarto imergir na escuridão da noite, para que assim eu possa ir até à cama e dormir, tendo minha primeira noite de sono na mansão.
***
– Vamos, querida, acorde!
Escuto minha própria voz sussurrar, como se fosse um eco por todos os lados. Era suave e calmo, me fazendo sorrir, mesmo que meus olhos estejam fechados.
– Acorde, Elena Van Helsing!
Abro os olhos, tendo a vista de um teto completamente branco. Viro minha cabeça para o lado e vejo mais branco nas paredes à direita.
– Aqui, querida.
Sinto a pressão de um dedo cutucar meu ombro, e quando olho para o lado, meus olhos se arregalam ao encontrar a minha própria imagem sentada ao meu lado. Não havia o que por nem tirar, essa pessoa era eu.
Me sento em um movimento rápido, encarando com completo espanto a figura que sorria para mim.
– Não precisa ter medo, nós somos a mesma pessoa... talvez não sejamos tão parecidas assim, mas tenho certeza que logo seremos uma só. – Minha própria imagem diz, trazendo a sensação como se eu olhasse para um espelho.
Seus cabelos estavam presos em um baixo rabo de cavalo, e o vestido que usava, era da mesma cor que tudo neste lugar: branco. Como estar no meio do nada, uma grande caixa branca e sem saída.
Eu devo estar ficando louca, não há outra explicação para isso.
– Não. Você não está louca, Elena.
Todo o meu corpo congela.
– Você não deveria estar surpresa, eu já disse que somos a mesma pessoa. Talvez isso te acalme um pouco... Nós estamos em um sonho, um sonho aqui dentro. – Ela aponta para a própria cabeça.
Então tudo isso não é real? É só um sonho estranho, um sonho como qualquer outro.
– Pense como quiser. Nós só precisamos ter uma conversa. – Sua expressão se torna séria.
E mesmo que isso fosse apenas um sonho, era completamente louco conversar comigo mesma.
O cabelo, o rosto, o corpo, tudo me formava, mas seus gestos e até mesmo entonação da voz, eram um tanto quanto diferentes. Alguém com mais confiança e seriedade no olhar, talvez, uma irmã gêmea com traços menos contidos que os meus.
– Para que você entenda o que eu vou dizer agora, pense em mim como um Alter Ego seu... na verdade, é exatamente isso que eu sou. Um Van Helsing costuma ser assim, nós somos pessoas especiais e, por isso, em cada um de nós, existe um Alter ego esperando o momento certo para aparecer. E o meu momento, Elena, chegou agora.
Franzo meu cenho, não entendendo tudo isso.
– Você teve algumas dúvidas antes, a respeito do verdadeiro motivo que levou vovó a não deixar que nós e Wendy voltássemos para Upiór, não é? E ainda tem o Jimin e sua adolescência de cem anos atrás.
– Por que está falando sobre isso? Eu já entendi que foi um engano meu.
Seu semblante se torna mais sério, uma feição que eu nunca vi em mim, pelos menos não com essa intensidade.
– Nunca é um engano, Elena.
– Se não é um engano, então me explique. – Mesmo que isso fosse um sonho estranho, eu quero entender cada pedaço dele.
– Eu já disse, sou uma parte sua, uma parte que ficará guardada até que você entre em contato com aquilo que me despertará. Não vim do futuro para te dar respostas. Tudo que sei é que sou uma parte diferente de você, uma parte que esteve esperando o dia em que eu fosse despertada pela primeira vez, para que tivéssemos essa conversa, onde eu te faria ir atrás das nossas respostas.
– Eu não entendo. O que é isso que te despertará? – Suspiro alto, me sentindo cada vez mais confusa.
– Eu não sei, Elena. Mas nós precisamos descobrir isso juntas. Desde que chegamos na casa da vovó, eu me tornei inquieta, eu acordei do meu longo sono e vi tudo que você viu. Tenho as mesmas dúvidas, mas ao contrário de você, eu não resolvi esquecê-las, apenas sei que quando estou naquela mansão, eu fico completamente descontrolada dentro de você, mas ainda me sinto presa. Por isso, sei que só vou poder ser liberta, quando você descobrir tudo... Elena – Ela segura as minhas mãos de forma nervosa e exasperada. Seus olhos eram suplicantes, encontrando os meus. –, a resposta está na mansão e em todos aqueles que moram lá. Nós não podemos desistir. Eu sei que sua vontade é de voltar para casa, mas fique com eles durante esses três dias e se atente a todos os detalhes. Eles são especiais como nós, eu sinto que são.
Dentro de meu próprio sonho, me sinto zonza, sinto minha cabeça dar voltas e mais voltas, tudo se embolava em uma grande confusão. Os sentimentos dela pareciam tão reais que eu senti cada um deles dentro de mim, eu realmente sentia. Havia uma grande conexão entre nós duas, me fazendo acreditar que ela era mesmo o meu Alter Ego, minha parte adormecida... até este momento, pelo menos.
– Como posso descobrir algo que eu nem mesmo sei o que é? – Pergunto, completamente angustiada. E sei que esse sentimento vinha diretamente dela.
– Nós somos espertas. Já desconfiamos de algumas coisas, mas ninguém irá nos contar a verdade, por isso, precisamos fazer as coisas sozinhas. – Ela solta uma de minhas mãos para levar seu dedo indicador até o meu tronco, pressionando o dedo contra a pedra de aíma do meu colar. – Toda vez que ela brilha, eu pareço queimar, é como se eu estivesse a um passo de ser liberta. Use ela, use esse calor e nós chegaremos na resposta mais rápido.
Fico em silêncio, absorvendo tudo que escutei, enquanto encaro nos olhos daquela que é a minha imagem, a minha própria angústia. E, sentindo que poderia ser engolida por uma onda de nervosismo compartilhada, assinto para o meu Alter Ego, que expira aliviada.
– Da próxima vez que nos encontrarmos, já seremos somente uma, Elena Van Helsing.
Capítulo 10
Abro os olhos de uma só vez, me sentindo completamente atordoada. Meus globos oculares parecem ir de um lado para o outro enquanto encaro o teto. Meu corpo parecia afundar no colchão, sendo engolido pelas dobras do lençol vermelho que cobria a cama.
Como uma brisa sorrateira e silenciosa, um par de olhos escuros entra em meu campo de visão, acompanhado de um punhado de cabelos lisos e cheios que adornavam os grandes cílios que piscavam em minha direção.
– Bom dia. – Hyun me saúda.
Sinto o peso de seu pequeno corpo fazer movimentos sobre a cama. Ele estava ajoelhado ao meu lado e apoiava as mãos sobre o colhão, enquanto me olhava curiosamente.
– Bom dia. – Respondo, enquanto levanto meu tronco, me sentando sobre a cama. – O que está fazendo aqui?
– Tava esperando você acordar. – Ele retira suas mãos do colchão, e coloca sobre suas pernas dobradas e expostas pelos shorts escuros.
– Por quê?
Hyun balança a cabeça de um lado para o outro, negando freneticamente.
– O Jimin disse que você tava aqui. O meu machucado já sarou. – Hyun estica sua perna direita e aponta para o joelho, me mostrando a pele clara e sem qualquer vestígio de cicatriz.
– Isso é bom. Fico feliz que esteja bem. – Sorrio fechado e Hyun retribui.
De certa forma, isso era surpreendente, quase nunca o vi sorrindo. Só quando brincamos no jardim dos fundos, a única vez.
Analiso Hyun por mais alguns segundos, percebendo que não me livraria desta criança com facilidade. Seus olhos grandes curiosos e seu pequeno corpo sentado pacientemente de um jeito desajeitado, me indicavam isso.
– Quantos anos você tem, Hyun?
– Seis. – Ele ergue suas mãos no ar, me mostrando sua resposta através de dedos pequenos e gordinhos.
Depois disso, ele volta a ser silencioso, com seu olhar em minha direção. E, sem saída, solto um suspiro, me rendendo.
– Você quer fazer alguma coisa? – Pergunto e ele assente. – Certo. Então me espere aqui, vou usar o banheiro e já volto.
Dizendo isso, retiro o resto do lençol que me cobria e saio da cama, caminhando até a pequena mala que Wendy fez para mim. Pego o essencial para começar e vou para o banheiro, onde me apronto para mais um dia. E com tudo pronto, me coloco diante do espelho e permaneço encarando meu próprio reflexo por algum tempo, relembrando de todo o sonho que tive. Eu até poderia ignorar e dizer que sonhos são assim mesmo, mas algo dentro de mim está me deixando inquieta, e não posso ignorar isso.
O vermelho da pedra de aíma pendurado ao redor do meu pescoço capta minha atenção e decido que vou guardar esse colar no meu bolso. Se eu pretendo passar três dias aqui na mansão, tentando descobrir sobre todo esse mistério, serei discreta. Eu posso fazer isso.
Respiro fundo e recolho tudo que trouxe para o banheiro, levando de volta ao quarto, onde Hyun me esperava sentado na ponta da cama com as pernas para fora. Sua pequena estatura impedia que ele conseguisse tocar o chão, por isso, suas pernas estavam balançando entre a pequena altura.
– E o que você quer fazer? – Pergunto para o garotinho, que salta da cama assim que termino de guardar minhas roupas de dormir.
– Eu quero te mostrar a minha boneca favorita. – Hyun ele diz, animado, se aproximando de mim.
– E onde ela está? – Coloco as mãos na cintura, encarando a pequena criança parada na minha frente.
Hyun agarra minha mão direita e começa a me puxar para fora do quarto. E, do lado de fora, ele me guia pelo corredor vazio, nos fazendo atravessar para o outro lado, onde ficava o seu quarto. Mas fico surpresa quando Hyun passa direto pela porta de seu quarto, indo para a que estava ao lado.
Paro meus passos abruptamente impedindo que Hyun me levasse além daquela porta em tom vinho-escuro.
– Nós não podemos entrar aí, é o quarto do Taehyung. – Alerto Hyun, me sentindo nervosa por estar de frente para essa porta com más recordações.
O garotinho solta minha mão e abre a porta. Depois ele corre para trás do meu corpo e me empurra para dentro do quarto, fechando a porta logo em seguida.
Meu corpo congela no meio do preto que cobria o quarto. E como se não bastasse a ausência de cor, o quarto era escuro, podendo muito bem esconder alguém secretamente em algum dos cantos.
Sem se importar, Hyun caminha até a enorme cama com lençóis pretos que pareciam de seda e se abaixa a beira dela, procurando por algo escondido ali.
Sinto as batidas de meu coração acompanharem os passos que vinham do lado de fora do corredor. O nervosismo se agita dentro de mim, me fazendo olhar em todas as direções, em busca de uma saída.
Justo agora que eu acabei de entrar. Isso parece adivinhar.
– Achei! – Hyun diz, puxando para fora da cama uma boneca de porcelana com vestido branco.
Arregalo os olhos e levo o dedo indicador até a boca, fazendo um sinal para que o garotinho fique quieto. E sem entender, ele me encara, permanecendo agachado sobre o carpete vinho-escuro.
Corro para perto de Hyun e peço que ele entre debaixo da cama. E sem me contestar, ele obedece e eu faço o mesmo logo depois.
Ao lado de Hyun, me encolho debaixo da cama e faço, outra vez, o gesto para que ele fique em silêncio, e o garotinho parece achar graça da situação, já que sorri e repete meu gesto, enquanto segura sua boneca com o rosto manchado de vermelho, contra seu corpo deitado.
Mais algum tempo, talvez uns dois minutos depois, a porta do quarto é aberta, e tudo que posso ver é um par de sapatos escuros e elegantes, entrarem. A porta é fechada e o silêncio engloba cada parte do quarto.
Hyun ameaça soltar uma risadinha, e por reflexo do nervosismo, passo meu braço direito ao redor de seu corpo, tapando sua boca, tentando os deixar como estátuas.
Os sapatos elegantes param no centro do quarto, virados para a esquerda. Outra vez o silêncio. Agora os sapatos caminham para perto da cama, parando na lateral da esquerda, com as pontas para debaixo da cama.
Aperto meus dedos contra a boca de Hyun e tento afastar nossos corpos de modo silencioso.
A cama se mexe, algo perece ser pego de cima dela, mesmo que eu não me lembre de ter visto nada. E isso permanece por alguns segundos, que para mim não pareciam acabar nunca. Por fim, a cama para de se mexer, e os sapatos elegantes se afastam, indo até à porta que é aberta, outra vez, levando embora o dono dos passos.
Respiro aliviada quando estou sozinha com Hyun e retiro minha mão de sua boca.
– Vamos esperar um pouquinho. – Sussurro para o garotinho, que assente, sorrindo.
Com certeza, para ele, não é nada demais, talvez algo similar a uma brincadeira. Mas para mim se tratava de um esconde-esconde, onde eu não poderia ser achada.
Hyun e eu ficamos debaixo da cama até que todo e qualquer barulho que viesse do lado de fora, sumisse. E assim, nós saímos debaixo da cama.
– Vamos sair rápido. – Estendo minha mão para Hyun, que aceita de bom grado.
Ainda me sentindo nervosa, caminho para fora do quarto com Hyun. E assim que abro a porta, sinto como se um ar muito forte passasse por nós, me levando diretamente para a parede ao lado da porta.
– O que eu disse sobre entrar no quarto dos outros sem ser convidada? – Com o rosto tão próximo do meu quanto eu gostaria, Taehyung pergunta entre os dentes.
Suas mãos estavam uma em cada lado da minha cabeça, contra a parede. Me fazendo apertar minhas mãos nervosas sobre finos ombros de Hyun, que acabou parando entre nós dois durante o pequeno tumulto.
– Eu trouxe ela, Tae. – Hyun responde por mim, me fazendo encará-lo para ver seus enormes olhos com longos cílios, nos observando com atenção e curiosidade.
– Você sabe que eu não gosto disso, Hyun. – Taehyung diz para o garotinho, mesmo que mantenha seus olhos contra os meus, causando arrepios em meu corpo, de maneira ruim. Algo comum quando estou perto dele.
– Desculpa, Tae. – A voz de Hyun soa tranquila e calma. Acho que ele não percebe o que fez, de qualquer forma, ele é uma criança.
Taehyung corre seus olhos lentamente por cada parte do meu rosto, observando-me de um jeito que parecia arrancar um pouco de toda a minha coragem inexistente.
– Se você queria tanto conhecer o meu quarto, deveria ter pedido pra mim e não para o Hyun. – Ele estreita os olhos e abaixa seu tom de voz, se afastando e deixando que eu saísse.
Ainda me recuperando da “surpresa” que tive, o encaro com um pouco de espanto, antes de puxar Hyun e sair pelo correr quase correndo.
Respirando fundo inúmeras vezes, descendo as escadas que ficavam do lado esquerdo, sentindo que os grandes olhos de Hyun me acompanhavam. Ele provavelmente não pôde entender as coisas e eu nem sei como explicar, então é melhor deixarmos assim.
Uma onda de alívio relaxa meu corpo quando chegamos no primeiro andar, longe o suficiente daquele quarto.
Escuto algumas conversas altas vindas da grande porta ao meio das duas escadas para o segundo andar. Nunca passei além delas, mas todos parecem estarem lá, por isso, vou com Hyun até o barulho e empurro a porta dupla até que ela se abra, revelando um caminho reto e dois corredores, um para cada lado. Hyun aponta para frente, e assim seguimos reto até darmos em uma enorme sala de jantar clara com um brilhante lustre preso no teto.
Todas as conversam param assim que chegamos e, em vez de bom dia, somos recebidos por feições de espanto e pelo silêncio. Todos que estavam ocupando um lugar ao redor da mesa, nos encaram por segundos, até que eu percebesse que Hyun e eu não éramos os alvos, e sim alguma coisa atrás de nós.
Me sentindo estranhamente nervosa de novo, olho sobre meus ombros, encontrando Taehyung parado atrás de nós, com suas mãos enfiadas nos bolsos e sua expressão pouco interessada.
Como ele apareceu assim? Eu não o escutei. Por acaso ele é um fantasma?
– Você trouxe ele? – Blarie pergunta.
Todos me encaram, esperando por minha resposta, que vem em um aceno negativo de cabeça.
Jimin é o primeiro e quebrar a tensão, se levantando com um grande sorriso no rosto e indicando a cadeira vazia ao seu lado.
– Tae, que bom que resolveu se juntar com a gente. Senta aqui do meu lado. – Jimin arrasta a cadeira para trás, olhando com expectativa para Taehyung, que passa por mim forma tranquila e se senta ao lado de Jimin.
– Vem, Elena. Você pode sentar comigo. – Hoseok quase grita, me trazendo para a realidade.
Ainda segurando a mão de Hyun, me sento ao lado do garoto sorridente e energético.
– Deixe ela tomar café sozinha, Hyun. Vem aqui comigo. – Jin faz um gesto de mão para que Hyun se aproxime dele. E segurando sua boneca, ele corre até seu irmão mais velho, que estava sentado na cadeira central, geralmente onde um pai costuma sentar, o lugar mais importante, talvez.
– Bom dia. – Hoseok se inclina em minha direção com seu sorriso.
– Bom dia, Hoseok. – Sorrio fechado.
– Você está sério, o que foi? – Blarie, que estava sentada do outro lado de Hoseok, inclina sua cabeça para frente, para poder me enxergar.
– Não é nada, eu estou bem. – Forço outro sorriso e olho para frente, desejando não ter feito isso. Já que, devido a nossa chegada tardia, Taehyung estava sentado de frente para mim, com aqueles olhos carregados sobre mim.
– Dormiu bem? Se sente melhor hoje? – Jimin sorri, apoiando seus cotovelos sobre a mesa, entrelaçando as mãos e apoiando o rosto sobre as mãos.
– Sim. – Tento soar normal para que ninguém desconfie.
– Você deveria sair mais vezes, Taehyung. É um desperdício um rosto tão bonito ficar tanto tempo escondido naquele quarto. – Blarie diz e Taehyung a encara desinteressado.
– Você por acaso é um morcego? – Yoongi, que estava sentado perto do lado direito de Jin, pergunta, enquanto pega uma das torradas espalhadas entre inúmeras comidas distribuídas pela mesa longa e forrada com uma limpa toalha branca.
– Provavelmente, ele é. – Jungkook, que estava ao lado de Jimin, entra na conversa. – Ele só sai de noite.
– Ele sai, é? – Namjoon, ao lado esquerdo de Jin, pergunta, arqueando as sobrancelhas. – E sai pra fazer o quê?
– Não sei. – Jungkook dá de ombros. – Tentei seguir ele uma vez, mas ele descobriu.
– Deixem ele em paz. – Jimin repreende, enquanto força uma expressão séria. – O importante é que você está aqui. – Ele coloca uma de suas mãos sobre o ombro de Taehyung e sorri.
Taehyung olha para Jimin, e assente, quase que imperceptivelmente.
– Isso é muito bom, na verdade. Assim você pode me ajudar nos negócios da família, você sabe que precisa fazer isso. – Jin aponta uma faca suja de geleia em direção a Taehyung. Ele havia acabado de preparar algumas torradas para Hyun.
– Não quero falar sobre coisas chatas. – Hoseok resmunga, ao meu lado, contorcendo o rosto em uma careta.
– O que vocês vão fazer hoje? – Namjoon pergunta para Jimin.
– Estava pensando em levar a Elena em um passeio.
– Eu vou. – Hoseok se voluntaria, animadamente
– Eu também. – Blarie levanta sua mão, enquanto leva um pedaço de pão até a boca.
Taehyung volta a me encarar, sem se importar em ser discreto, o que me deixa desconfortável. Seu rosto na luz do dia se tornava ainda mais intimidante, assim como sua beleza, que chegava a ser algo estúpido.
Percebendo que mantive contato visual demais com Taehyung, e que os demais estavam percebendo, eu pigarreio e assinto para Jimin, em concordância ao seu passeio.
– Posso ir também? – Hyun pergunta, sentado no colo de Jin.
– Não. – Yoongi responde seu irmão mais novo, que o encara com aborrecimento. – Você não foi convidado, pirralho.
– Mas eu quero ficar com a Elena. – Hyun olha para Jin, completamente frustrado.
– Deixe a Elena sair, e quando ela voltar, pode passar um tempo com você, não é mesmo? – Jin me olha e Hyun também.
Os grandes olhos do garotinho, brilhavam de expectativa e eu não podia negar.
– Claro. Quando eu voltar, vou ficar com você. – Sorrio para Hyun, que parece mais animado agora.
Depois de um café da manhã muito agitado e regado a olhares de Taehyung, Jimin, eu, Blarie e Hoseok saímos no começo da manhã.
Nós quatro pegamos um caminho diferente, era um dos lados da entrada que tinha quando se encontrava no caminho de arbustos que dava para a mansão. E, desta vez, em vez de seguirmos reto, entramos à direita, que também era um caminho composto por arbustos.
O dia não era ensolarado, mas não era preciso um casaco. O vento às vezes era um pouco gelado, porém rápido e passageiro, nada que chegasse a ser incômodo. E debaixo do céu cinza, nós passamos pelo novo caminho de arbustos, que deu direto em um grande espaço aberto com pequenos morros verdes, tendo grande parte da floresta ao fundo. Era, de fato, uma bela vista.
Em fila, começamos a andar entre os pequenos morros, sobre um caminho estreito de terra seca. O vento passou por cada um de nossos corpos e andamos no silêncio por longos minutos, até que chegássemos no que parecia um pequeno vilarejo montado, com pessoas andando de um lado para o outro. Uma música suave e instrumental emanava pela parte plana e cercada pelos pequenos morros, onde alguns carregavam caixotes para um lado, enquanto outros empurravam jaulas vazias para o outro lado.
– Você pode pegar o que quiser, tudo isso é da nossa família, então não se preocupe. – Jimin me olha sobre seu ombro rapidamente, antes de voltar sua atenção para frente.
Nós quatro andamos no meio de barracas de madeiras montadas, com pessoas vendendo todo tipo de comida. Alguns casais sozinhos ou com filhos estavam por todas as partes em frente às barracas.
Uma pequena nuvem de vapor sobrevoava as barracas, levando com ela o cheiro de tudo que era vendido. Todos por quem passávamos cumprimentavam Jimin e Hoseok com muito respeito, e até algumas informações sobre como estavam os andamentos dos negócios, eles receberam.
E depois de insistirem que eu experimentasse uma bebida de groselha-vermelha bem doce, nós atravessamos todas as barracas, entrando no que parecia ser a área de descarga das mercadorias.
Jaulas estavam por todo canto... com pessoas dentro delas. Homens e mulheres usando roupas finas que pareciam ser feitas de peles de animais. Eles se contorciam dentro das jaulas, olhando atentamente para todos que passavam.
– O que é isso? – Pergunto, agarrando na barra da blusa branca de Jimin, enquanto olho para um senhor dentro de uma das jaulas.
Sua longa barba branca, tocava o chão devido a sua posição. E seu olhos enrugados e fundos, me seguiam como falcões.
– São atrações. – Jimin responde, com um grande sorriso no rosto. – Não se preocupe, ele está bem.
– Atrações? – Olho para Jimin com espanto, e logo depois sinto Hoseok passar seu braço ao redor do meu pescoço.
– Você está no Festival De Sangue. Nosso pai sempre costumava fazer essas festas para animar os funcionários. Nós caçamos e as pessoas presas nas jaulas representam nossa colheita. Elas também fazem parte disso, à noite são soltas para a comemoração dos funcionários. De dia qualquer pessoa pode visitar, mas de noite, a festa é deles. – Hoseok explica, enquanto aponta para algumas jaulas.
– Então, tudo isso é uma encenação?
– Isso aí. – Blarie aparece do lado contrário, trazendo um pequeno copo marrom em suas mãos, um igual ao que eu usei para tomar a bebida de groselha-vermelha.
– É um pouco estranho, não? – Intercalo meu olhar entre os três, me sentindo desconfiada. Algo dentro de mim parecia acender como um alarme vermelho de perigo.
– Essas são tradições muito antigas, por isso, você acha estranho, mas com o tempo acostuma. Foi o mesmo pra nós. – Jimin gargalha de minha expressão, pedindo que continuamos nossa caminhada.
Olho uma última vez para o senhor enjaulado, que segurava nas barras grossas e sustentava seu olhar ao meu.
Com o braço ainda ao redor do meu pescoço, Hoseok me puxa sutilmente para frente, para que acompanhássemos Jimin e Blarie.
Depois de nosso passeio pelo tal Festival De Sangue, nós entramos no caminho de volta para a mansão. E eu ainda me sentia inquieta quando tive a ideia de diminuir a velocidade de meus passos, deixando que os três passassem na minha frente. E, de modo sutil, retirei o colar de aíma que estava no me bolso, o vendo cintilar como uma estrela no céu. Olhei da pedra vermelha para os três de costas para mim, e depois guardei o colar de volta no meu bolso, sem que eles percebessem.
***
Perdemos uma tarde toda neste passeio que Jimin planejou, e me sinto cansada agora, e por esse motivo foi que eu disse para os três que me acompanharam, que ficaria um pouco sozinha no jardim, apreciando as inúmeras tulipas-negras espalhadas. Mas a verdade é que, eu apenas precisava tomar um tempo para mim, antes de entrar naquela mansão e continuar com tudo.
Encarando o começo da noite no meio desse imenso jardim rodeado pelo vento gelado, eu fui capaz de compreender que há algo muito errado com esses irmãos. E talvez eu não seja a melhor pessoa para descobrir isso. Por que eu deveria me meter nos problemas de outra família? Eu não sou enxerida e não gosto desse tipo de coisa, mas de uma forma ou de outra, eu sempre acabo nesse lugar.
Eu tive um encontro comigo mesma, e agora sei que tudo vai além do que eu posso compreender. De alguma forma, sinto que toda a estranheza dessa família acaba se interligando comigo, e talvez esse seja o motivo que eu encontre para continuar com toda essa loucura.
Eu conheci pessoas novas, e posso dizer que tenho um bom novo amigo como Jimin, mas quando paro para pensar em cada palavra daquele sonho que tive, me sinto receosa de estar perto dele. Essa sensação correndo por mim, algo extremamente desconfortável que me diz que eu não posso ser tão ingênua de agora em diante. Então eu penso se serei capaz de ir até o final com isso, se serei capaz de guardar tudo para mim até que eu descubra a verdade.
Com um alto e longo suspiro, encerro todos os meus devaneios, e com o vento bagunçando os meus cabelos, sigo até a porta de entrada da mansão. Com um pouco de esforço, empurro a madeira pesada para dentro, entrando no hall enquanto caminho observando os quadros antigos pendurados na parede; outra coisa estranha, ancestrais exatamente iguais aos irmãos?
Desvio meu olhar do último quadro quando saio do hall, a tempo de ver a porta dupla entre as escadas ser aberta por Taehyung, que logo me encontra. A porta dupla se fecha atrás dele, que mantém seus olhos em minha direção. E sentindo que sou incapaz de continuar com isso, apresso meus passos até a escada do lado direito, escutando muito bem quando Taehyung alcança a escada do lado esquerdo.
Encolho meus ombros no lugar e seguro no corrimão dourado, escutando os meus passos acompanharem os de Taehyung por cada degrau que subíamos. De rabo de olho, tento espiar sua imagem do outro lado, percebendo que ele não se importava com a minha presença. Seu rosto estava de perfil e seu olhar era baixo, como se estivesse cansado e entediado. Seus cabelos lisos com alguns fios sobre os olhos, acompanhavam o movimento de seu corpo que subia a escada, assim como o brinco longo perdurado em sua orelha.
Já no topo do segundo andar, entro no corredor oposto ao de Taehyung e caminho até a porta do quarto em que estou. Paro em frente à madeira em tom de vinho-escuro e seguro na maçaneta dourada, sentindo o meu interior nervoso apenas com a pequena aparição de Taehyung.
Fica parada por alguns segundos no lugar e não consigo conter essa agitação dentro de mim, e acabo espiando Taehyung outra vez, apenas para vê-lo me encarando do outro lado do corredor.
Meu coração dá um salto dentro de meu peito, e por impulso do meu nervosismo, abro a porta do quarto, entrando rapidamente. Encosto meu corpo contra a porta, e tateio pela parede atrás do interruptor, e assim que as luzes clareiam o quarto, posso ver Hyun sentado na ponta da cama de lençóis vermelhos, agarrado a um travesseiro que parecia ser do seu tamanho.
– Eu tava esperando você. – Hyun diz, com os olhos grandes em minha direção.
Me acalmo e assinto para o garotinho.
– Eu posso dormir aqui hoje? – Ele balança seus pés que não tocavam o chão, no ar.
– Isso não seria um problema? – Me desencosto da cama e caminho até ele, que nega com a cabeça, freneticamente.
Suspiro.
– Tudo bem.
Capítulo 11
Sweets, como sempre, na mídia tem um vídeo de trilha sonora pro capítulo, e só dá pra por um por capítulo. E, nesse capítulo aqui, é mencionado outras músicas, então vou deixar o link delas, caso queiram escutar de curiosidade, ou pra acompanharem e deixarem o trecho da história mais real.
Piano: https://www.youtube.com/watch?v=tdRzphj_-cE
Chopstick Waltz: https://www.youtube.com/watch?v=eJZnDn-M8JM
Nesta manhã de céu cinza e vento, como no dia anterior, acordei com dois grandes e puxados olhos castanhos me encarando. Hyun esperou com paciência até que eu acordasse. E mesmo que fosse um pouco estranho, não tive problemas com ele, o garotinho era quieto e calmo durante a noite. Dormiu abraçado a um travesseiro do seu tamanho, que parecia o deixar mais pequeno do que ele já era.
Conversamos um pouco sobre o que ele pretendia fazer hoje, e tudo se resumia a brincar ou qualquer coisa que pudesse chatear Taehyung. Talvez ele sinta essa necessidade de estar com seu irmão, já que Taehyung parece viver trancado naquele quarto. E mesmo que não admita isso em voz alta, eu torcia para que ele permanecesse trancado no seu quarto escuro, durante todos os dias em que estivesse aqui.
Também pensei comigo mesma sobre o motivo de Wendy não ter vindo ontem, pois ela mesma disse que viria me visitar todas as noites. Há muito o que conversar com minha irmã depois, ainda me sinto aborrecida por ela ter tomado uma decisão contra minha vontade. Uma hora Wendy diz que devo me afastar desse lugar, e na outra, ela simplesmente me empurra direto para as portas da mansão. Eu não posso entender isso mas, com certeza, ela terá muito o que explicar acerca de tudo.
Seguindo a pequena rotina que criei na mansão, depois de me despedir de Hyun, que foi para o seu quarto, segui para o banheiro com o intuito de me arrumar para mais um dia. Ainda estou guardando cada uma das minhas desconfianças sobre esse lugar, e não desisti de descobrir o que pode ser tudo isso. Manterei meu colar de aíma escondido, para que tudo seja discreto, já que ele parece ser uma parte importante.
Com tudo pronto, deixo meu quarto provisório, indo em direção à escada do lado esquerdo, e, antes de pisar sobre o primeiro degrau do topo, olho para o corredor do lado esquerdo, vendo tudo calmo e vazio. Logo, me lembro de Taehyung na noite passada e um arrepio gelado corre meu corpo. Esse tipo de sensação ruim que tenho apenas por lembrar dele, eu não gosto disso.
Com um longo suspiro, desço a escada, para depois ir até à cozinha, onde encontro Jimin, Namjoon e Blarie conversando animadamente. E até mesmo Skull está aqui hoje, andando de um lado para o outro com um espanador nas mãos, limpando qualquer coisa que ele julgasse sujo. Esse estranho e esguio homem era como o vento, quase não o víamos, e quando ele surgia, era silencioso e discreto, como uma alma penada.
– Bom dia. Dormiu bem? – Jimin, que estava debruçado sobre o balcão escuro, é o primeiro a me saudar. Claro, sempre com um sorriso gentil.
– Sim. – Assinto, enquanto me aproximo deles.
– A senhorita gostaria de alguma coisa? – Sem que eu percebesse, Skull surge atrás de mim, se inclinando para frente de modo qu, me olhasse de lado.
Meu corpo tem um pequeno sobressalto de susto, e me afasto, minimamente.
– Não, obrigada. Estou bem. – Forço um sorriso e ele acena com a cabeça, antes de sair de perto de mim, voltando aos seus afazeres.
– Nós estávamos falando justamente de você. – Blarie, que tinha um dos cotovelos apoiados contra o balcão, aponta para mim.
– Falando o quê? – Pergunto, curiosa, me colocando ao lado de Jimin, que me olha animado.
– Falávamos em como é legal ter alguém de fora por aqui. É bom ver um rosto diferente às vezes. – Namjoon sorri, deixando em evidência duas pequenas covinhas que ele tinha em suas bochechas, algo que não reparei antes.
Assinto outra vez.
– E o que faremos hoje? – Olho para Jimin, esperando que ele me dê alguma pista. Tenho certeza que qualquer coisa com eles será diferente, o que pode me ajudar a descobrir alguma coisa.
Jimin parece pensar, e resposta surge segundos depois em forma de um sorriso nos seus lábios cheios e avermelhados.
– E se você fizesse aquela sua torta de maçã? Claro, se você quiser. – Ele sugere, me fazendo sentir surpresa, pois todos nós sabemos em como aquilo terminou.
– Você tem certeza que quer que eu faça isso? – Pergunto, e ele assente.
– Pelo que me lembro, ela estava deliciosa. É só manter as Ervas-Verdes longe, que tudo vai ficar bem. – Ele ri, como se o que passou não fosse nada demais.
Apesar de tudo, eu gosto desse jeito leve que Jimin tem. E mesmo que eu me sinta desconfiada agora, com toda essa situação que vem me acontecendo, ele é alguém agradável de se estar perto, sem cobranças ou culpas.
– Certo. Eu posso fazer, se você quiser.
Talvez, me distrair um pouco na cozinha, deixe minha cabeça menos cheia. Assim, eu posso organizar tudo que farei, já que tudo que tive é o mesmo de quando conheci eles, nada novo, a não ser meu sonho.
– Estou ansioso pra experimentar isso. – Namjoon olha animado e com expectativa.
– Você quer ajuda? – Blarie pergunta, enquanto mexe em seu cabelo de cor púrpura.
– Tudo bem. Eu consigo fazer sozinha. – Sorrio para ela.
– Isso é um alívio, porque eu não me dou bem na cozinha. – Ela se afasta do balcão, fazendo um de seus elegantes vestidos acompanharem seus movimentos.
– Então não vamos atrapalhá-la. – Jimin também se afasta do balcão. – Sinta-se à vontade, e se não conseguir encontrar o que precisa, é só chamar o Skull que ele vai te ajudar.
Aceno positivamente para Jimin, que vai em direção à saída da cozinha, junto de Namjoon e Blarie.
– Aqui, senhorita. – Sobressalto pela segunda vez, ao escutar a voz de Skull atrás de mim.
Me viro, o encontrando parado segurando um avental branco.
– Obrigada. – Pego o avental de suas mãos.
– Eu já separei tudo que a senhorita vai precisar. Mas, se precisar de algo a mais, pode procurar nos armários ou me chamar.
Em seguida, ele se curva respeitosamente e sai da cozinha, me deixando completamente surpresa ao ver os utensílios e ingredientes separados, todos sobre a grande pia da cozinha. Eu nem mesmo escutei ou vi quando ele fez isso.
Olho para onde Skull saiu, e fico encarado o vazio com espanto, antes de chacoalhar a cabeça e vestir o avental, amarrando-o em torno da minha cintura. Depois, caminho até a pia, verificando tudo que Skull deixou para mim, vendo que não precisaria procurar por mais nada, tudo que precisava, já estava aqui.
***
Passei o resto da manhã e início da tarde dentro da enorme cozinha da mansão, preparando duas tortas de maçãs, dais quais acabei de colocar no forno.
Espreguiço meus braços e bato a farinha de minhas mãos, retirando o avental para colocá-lo dobrado sobre o balcão que eu mesma limpei. Arrumei toda a bagunça que fiz e agora só precisava esperar quarenta minutos até que as duas tortas estivessem prontas.
Ninguém veio até a cozinha depois que comecei o preparo das tortas e, decerto, conhecendo Jimin, ele deve ter sido o responsável por isso. Mas, agora, olhando para o relógio no alto da parede esquerda da cozinha, sei que tenho bastante tempo até que tudo esteja pronto, e sei exatamente o que fazer. Assim que comecei a lavar a louça e limpar o balcão, escutei uma suave melodia que parecia vir de um piano em algum lugar da mansão, e, desde então, me senti curiosa para saber quem poderia ser. E agora que terminei tudo por aqui, acho que posso tentar descobrir isso.
Escutando a bela melodia que se repetia por minutos, saio da cozinha, percebendo que o som vinha do andar de cima. E, subindo a escada da esquerda, escuto o piano ficar mais alto, parecendo vir do final do corredor dos quartos onde eu estava. Sobre o tapete vermelho e ambiente pouco iluminado, caminho até o final do corredor de portas, me surpreendendo ao ver que existia uma outra escada, esta, que levaria para um terceiro andar. Eu nunca reparei nisso, sempre pensei que fosse um corredor fechado.
Coloco o pé sobre o primeiro degrau, me sentindo receosa se deveria ou não subir, mas a melodia era tão bonita que acho que não posso me conter. Por isso, tentando ser silenciosa, começo a subir a escada, que era mais longa do que as que levavam para o segundo andar. E, depois de passar pela escada fechada, sou recebida pela grande claridade que vinha do terceiro andar, com apenas um longo e extenso corredor. Mais um tapete vermelho cobria o chão, enquanto as laterais eram repletas de portas abertas, que iluminavam cada parte das paredes enfeitadas com papéis de paredes delicados e bem desenhados.
Neste novo andar, a melodia se fazia mais limpa e audível, e como um canto de sereia, sigo cada nota dela, passando em frente às portas abertas, que se revelavam ser mais quartos. E em passos silenciosos, paro em frente a última porta, esta, sendo uma porta branca e dupla, com maçanetas douradas.
Meus olhos brilham ao ver a espaçosa sala clara, com alguns instrumentos organizados por todos os lados. Um armário grande e de madeira, estava ao canto, sendo o único móvel da sala. Alguns bancos estavam distribuídos pelos cantos, e uma porta, também dupla, de vidro, que provavelmente daria para uma sacada, estava aberta, deixando que o vento entrasse e balançasse as longas cortinas brancas presas nas portas de vidro. O vento entrava agitado para dentro da sala, indo diretamente em direção ao grande piano de cauda muito bem posicionado ao centro da sala.
Os cabelos alvos que esvoaçam pelo vento, o corpo relaxado sentado sobre o pequeno banco preto, enquanto seus dedos pálidos dedilhavam cada nota do piano. Eu realmente não esperava por isso.
Fico parada, apenas escutando-o tocar as últimas notas estendidas de sua melodia.
– Você gostou? – Yoongi vira parcialmente seu corpo, me olhando sobre seus ombros, me pegando de surpresa por ele ter notado minha presença, mesmo que eu tivesse sido tão silenciosa.
– É uma música bonita... mas parece um pouco triste. – Encolho os ombros, me sentindo sem jeito.
Yoongi ri nasalado. E faz um gesto de mão para que eu me aproxime, e assim, me sento em um banco perto do piano escuro.
Ele suspira fundo e alto.
– Acho que esse tipo de música combina com esse lugar. – Ele estreita os ombros, enquanto o vento gelado continua bagunçando seus cabelos brancos, que mesmo não sendo de idade, combinavam perfeitamente com ele. – Mas eu posso tocar Chopstick Waltz, se você quiser. – Suas palavras são mais como uma provação por minha observação, mas, mesmo assim, não posso conter a confusão em meu rosto ao escutar o nome que ele mencionou.
Percebendo que eu não sabia do que ele falava, Yoongi simplesmente volta a se virar de frente para o piano, e começa a tocar a melodia que logo me atinge de forma nostálgica, me arrastando de volta a infância.
Ele não se estende nesta melodia, apenas toca o básico para que eu entenda sobre o que ele falava.
– Todo mundo já escutou essa música alguma vez na vida, mas poucos a conhecem pelo seu nome. – Ele sorri fechado, antes de se virar para mim outra vez.
– Eu não imaginava que você pudesse tocar piano. – Confesso, encolhendo os ombros.
– O que foi? Eu sou tão ranzinza assim, que não posso tocar? – E, de novo, ele estreita seus olhos em minha direção.
Ergo as mãos no ar e chacoalho elas em frente ao corpo.
– N-Não, não foi isso que eu quis dizer. Eu só...
– Não leve isso a sério. Relaxa. – Ele ri, deixando sua expressão mais suave.
Olho para os lados, sem jeito.
– Nossa mãe... – Yoongi diz com a voz mais arrastada e um pouco grave. – Ela gostava de música clássica, por isso, todos nós tocamos algum instrumento. Costumávamos nos apresentar pra ela. Hyun, provavelmente, será o único que não fará parte disso. De qualquer jeito, como ele não teve tempo com a nossa mãe, não há motivos pra seguir com isso. – Yoongi dá de ombros. – Depois que ela morreu, ninguém tocou tanto quanto antes, a não ser pelo Taehyung, que sempre está aqui. E às vezes o Jimin, que gosta de acompanhar ele.
– E por que você estava tocando agora? – Pergunto, tentando ser cuidadosa, já que era um assunto difícil, ao que parece.
– Eu tive vontade de tocar um pouco, só isso. – Sua voz não carregava emoção, ela transmitia apenas essa vontade, nada que remetesse a fazer isso por um sentimento ou significado.
– Você por aqui? Essa é nova. – Uma terceira voz soa por entre as paredes da sala de música, e quando olho para a porta dupla de entrada, vejo Jungkook escorado contra o batente, de braços cruzados, enquanto nos encara.
– Eu já estou de saída. – Yoongi diz e se levanta do banco do piano. – Jungkook te fará companhia agora. – Quando o garoto de cabelos brancos diz isso, tenho vontade de segurar em uma das suas pernas e pedir para ele não me deixar sozinha com Jungkook, não depois do que aconteceu.
Yoongi enfia as mãos nos bolsos e caminha calmamente até a porta dupla, passando por Jungkook e deixando a sala de música.
Já Jungkook fica com seus olhos grandes e redondos, iguais aos de Hyun, me encarando, o que vai me deixando desconfortável e, por isso, desvio o olhar, apenas para segundos depois, escutar seus passos dentro da sala de música, se aproximando de mim.
Jungkook se senta ao meu lado, deixando um pequeno espaço de um palmo entre nós.
– O que está fazendo aqui? – Ele pergunta, e tomo coragem para olhá-lo assim tão de perto.
Como uma vez vi em Taehyung, estando tão próxima de Jungkook, eu podia notar uma pequena pinta que ele tinha perto de sua boca. Ela era bem pequena, tanto que, apenas estando perto o suficiente de seu rosto, era capaz de se notar, como as que Taehyung também tinha.
– Escutei Yoongi tocando e fiquei curiosa pra saber quem era. – Confesso, com a voz baixa.
Ele sorri fechado, com o sutil movimento, o que faz com que alguns fios de seus cabelos caiam sobre seus olhos.
– Eu não sabia que vocês tocavam. – Continuo, quando me sinto intimidade com a maneira atenta que ele me olhava.
– Você não sabe muitas coisas sobre nós. – Jungkook diz, afastando com o auxílio dos dedos, as mechas de cabelo que beiram seus olhos.
E acompanhando seus dedos, que correm até a parte detrás de sua orelha, posso notar quatro furos apenas de uma de suas orelhas, odoradas por brincos.
– Você tem razão. – Respiro fundo, assentindo para o que ele disse, não podendo deixar que todas as estranhezas das últimas horas me cobrissem agora.
Depois disso, um silêncio se perpetua por nós, por pelo menos, uns dois minutos.
– Eu toco violino. – Jungkook é o primeiro a acabar com o silêncio, e acho que posso ficar mais surpresa com ele e um violino, do que com Yoongi e um piano.
– Violino não parece o seu tipo de coisa. – Confesso, com o cenho franzido.
– E o que seria o meu tipo de coisa? – Ele usa seu tom provocativo, enquanto seus olhos correm por cada parte de meu rosto.
– Eu não sei.
Jungkook se inclina para frente, deixando seu rosto bem próximo ao meu, fazendo meu corpo congelar sobre o banco, incapaz de se mover.
– Exatamente, você não sabe. – Jungkook torna sua voz baixa, com seus olhos centrados nos meus de forma hipnótica.
– P-Por que você fez aquilo? – Engulo em seco, tomando coragem para perguntar.
– Você diz sobre o nosso primeiro beijo? – Ele sorri com escárnio, tendo seu rosto tão perto que posso sentir sua respiração calma, contra o meu rosto.
Assinto, sem voz para sua pergunta.
– Eu te beijei porque tive vontade, não há uma grande explicação pra isso.
Sinto meu corpo se revirar por dentro, enquanto o encaro.
– Você não deveria ter feito... isso não depende só de uma pessoa. – Tento manter meu tom de voz normal, o que é quase impossível, já que estou completamente nervosa diante da sua presença.
Jungkook sorri fechado outra vez e deixa seus olhos vagarem até minha boca.
– Então... Elena – Ele sorri. –, você quer me beijar agora? – Seus olhos voltam a encarar os meus olhos, de uma forma tão intensa, que sinto que posso desmaiar apenas com isso.
Os meus olhos se arregalam e meu corpo inteiro é como uma onda de nervosismo. Abro a minha boca para respondê-lo, mas, simplesmente, não consigo.
Jungkook ri nasalado e se afasta.
– Não fique assim, foi apenas uma brincadeira. – Ele apoia as mãos no banco que estávamos sentados e move seu corpo para frente, me encarando com divertimento. – Nós não precisamos fazer isso agora. Mas admito que o seu rosto fica ainda mais bonito quando você está com vergonha.
Com estas palavras, Jungkook se levanta e sorri uma última vez, antes de se virar e sair da sala de música, me deixando completamente atônita para trás.
***
Depois de me recompor e esperar todo o meu nervosismo ir embora, saio da sala de música e volto para a cozinha, onde permaneci segura e longe de Jungkook, esperando as tortas ficarem prontas.
Jimin finalmente apareceu, junto de Hoseok e Blarie, que ficaram comigo até que as tortas esfriassem e pudéssemos comer. Eles me ajudaram, organizando pratos e talheres sobre a bancada.
Posso dizer que de todos nessa mansão, eu me tornei mais próxima destes três, que podiam me fazer esquecer qualquer coisa quando estávamos juntos. Eles sempre eram divertidos e descontraídos, barulhentos que riam muito. E, de certa forma, me sinto um pouco mal por saber que algo de estranho rondam eles. Eu vim para passar minhas férias em Úpior, e pude conhecer pessoas como eles, e quando isso acontece, descubro que há algo estranho acerca disso. Eu realmente não sou uma pessoa de boa sorte.
Quando tudo já está pronto, Blarie se voluntaria para chamar todos, que logo se juntam na cozinha, a não ser por Taehyung e Jin.
Me sentindo ainda um pouco nervosa com a presença de Jungkook – que nem sequer me olhou – tento aproveitar com todos nosso pequeno lanche da tarde, onde recebi alguns elogios pelas tortas.
Assim que se sentiu satisfeito, Jimin pegou um pedaço de torta e colocou em um prato limpo, dizendo que levaria para Taehyung, e que ele deveria provar.
Fiquei mais um pouco na cozinha conversando, até que perguntei sobre Jin, e Hoseok me respondeu dizendo que ele estava em seu escritório resolvendo algumas coisas sobre os negócios da família. E mesmo que eu ache os negócios da família deles estranho, acabo fazendo o mesmo que Jimin e me voluntario para levar um pedaço de torta para Jin.
Talvez essa fossa a minha chance de descobrir alguma coisa.
Segurando o prato com a torta e um pequeno prato, sigo as instruções de Hoseok e vou em direção à porta dupla de madeira, que ficava no meio das duas escadas para o segundo andar. E passando por ela, olho para os dois corredores, um de cada lado, optando pelo lado esquerda, já que era o único iluminado por uma porta que estava entreaberta.
Caminho pelo corredor e paro na segunda porta. A luz emanava de dentro, assim como o silêncio, e temendo que possa atrapalhar, bato algumas vezes na porta trançada, escutando um "pode entrar". E, assim, empurro a porta para dentro, encontrando um ambiente muito bem organizado, com estantes e prateleiras por todos os lados, com uma grande mesa no canto, onde Jin estava sentado atrás, perdido nas numerosas folhas espalhadas pela superfície da mesa.
– Hm... eu trouxe torta. – Anuncio, estendendo o prato no ar.
Jin desvia seus olhos das folhas de papéis e me olha.
– Obrigado, Elena. Eu até senti o cheiro, mas estou um pouco ocupado. – Ele levanta algumas folhas, me mostrando.
Aceno e me aproximo dele, sentando em uma das poltronas de frente para sua mesa, depois, colocando o prato de torta sobre a mesa. Jin puxa o prato para perto e segura o pequeno garfo que eu trouxe junto, cortando um pedaço da torta antes de comer.
Fico em silêncio, analisando cada detalhe de seu escritório particular. E percebo um pequeno porta-retratos sobre a mesa. Tenho vontade de pegá-lo e ver qual poderia ser a foto, mas me contenho, seria falta de educação, afinal, essa sala é de Jin.
Jin percebe meu olhar curioso e pega o porta-retratos, dando uma rápida olhada na foto, antes de me entregar.
– É um pouco antiga, Hyun nem existia ainda. – Jin explica assim que pego o porta-retratos, vendo sete, dos oito irmãos, todos crianças ainda. Eles estavam em volta de uma mulher de cabelos curtos, rente ao queixo.
A mulher sorria parecendo feliz. E não preciso me esforçar muito para saber o motivo de sua felicidade que, com certeza, eram os seus filhos. Os seus olhos lembravam os de Jimin toda vez que ele sorria, e seu sorriso era igual ao do garoto abraçado ao seu pescoço, que também sorria... era o Taehyung.
Isso é estranho, a primeira vez que vejo Taehyung sorrindo genuinamente, é através de uma foto velha e sem cor, que parecia tão antiga quando uma pintura de quadro.
– Ela era animada como o Hoseok, mas, com certeza, ficava mal-humorada como o Yoongi, às vezes. – Jin ri de forma engraça, enquanto coloca o prato vazio sobre sua mesa.
– Ela era muito bonita. – Sorrio e entrego o porta-retratos para ele.
– Sim, ela era. – Jin ajeita o objeto de volta a sua mesa.
– E o seu pai? – Pergunto, e ele me olha com as sobrancelhas arqueadas.
– Ele e a nossa mãe se separaram quando nós éramos pequenos, e só voltaram pouco tempo antes de Hyun nascer, e o resto você já sabe. Nosso pai era um homem de negócios, muito ocupado, quase não o víamos ou passávamos algum tempo com ele, a não ser quando ele ficou com a nossa mãe.
Aceno, mostrando que entendi.
– Por isso, vocês assumiram os negócios dele?
Jin suspira e se recosta, relaxadamente, contra sua cadeira.
– Essa família precisa sobreviver de alguma coisa, não é? – Ele ri. – Como sou o irmão mais velho, cuido da maior parte das coisas, mas todos participam, mesmo que não gostem de toda essa parte chata.
Me sentindo um pouco ansiosa agora, sei que esse é o momento perfeito para tentar descobrir alguma coisa.
– Jimin me levou no Festival-De-Sangue ontem, eu não entendi muito bem o que vocês fazem, só vi muitas jaulas e caixotes.
Jin passa uma mão por seus cabelos bagunçados, deixando os fios mais desalinhados ainda. E o longo brinco em sua orelha direita, balança com seus movimentos.
– Venda de pele e sangue de animais, nós trabalhos com isso. Esse é o motivo dos nossos funcionários ficarem nas florestas de diferentes lugares pelo mundo. Muitas pessoas pagam caro por peles de animais, ou pelo seu sangue, seja lá o que elas fazem com isso. – Jin explica, me deixando completamente chocada com sua revelação.
Eu realmente não esperava por isso, mas entendo o motivo deles parecem tão elegantes. Se têm negócios por todo o mundo, então são muito importantes. Mas, então, para que se manterem em Úpior? Um lugar tão afastado e nada moderno. Decerto, não estão aqui apenas pela memória de seu pai, com certeza não.
– Um pouco cruel, não é? – Jin sorri, cansado. – Mas negócios são negócios.
***
Depois de minha breve conversa com Jin sobre os negócios da família, voltei para a cozinha, onde apenas Hoseok e Hyun ainda estavam por lá. Fiquei algum tempo com eles, e depois subi para o meu quarto, pronta para tomar um longo banho que relaxasse meu corpo.
No começo da noite, escutei o som do piano de novo, mas ao descer para jantar, encontrei Yoongi sentado ao redor da enorme mesa de jantar, assim como todos os outros, menos Taehyung, então, soube que era ele quem tocava. Da sala de jantar mal dava para escutar sua melodia, e assim que o jantar acabou, ele já não tocava mais.
Com o final de nossa refeição, fui para sala de estar com Jimin, Hoseok, Blarie e Namjoon, onde nós conversamos por algumas horas sobre coisas que gostávamos de fazer ou qualquer assunto fútil. E quando me senti cansada, me despedi de todos eles e fui para meu quarto, completamente atordoada com a energia noturna das pessoas dessa mansão.
Uma vez de volta ao quarto, troquei minhas roupas por um pijama longo e fui dar uma última espiada na noite, antes de dormir. Acabei encontrando Taehyung parado no jardim dos fundos, como na primeira noite em que passei aqui. Eu nem mesmo sei dizer quanto tempo eu o observei de costas para a minha janela, parado, sem fazer absolutamente nada. Talvez eu tenha feito isso tempo o bastante para me perturbar e me fazer dormir.
Capítulo 12
Já tem algum tempo que estou sentada na ponta da cama, encarando um ponto qualquer e pensando em como seria meu último dia nessa mansão. Pelas minhas contas e memória, vovó deve voltar amanhã, por isso, irei embora ao amanhecer.
Quando tenho a oportunidade de ficar sozinha neste quarto coberto pelo vermelho, tento colocar todos as minhas ideias em ordem. Não fui capaz de descobrir grandes coisas, mas passei a reparar melhor nos hábitos estranhos dessa família, e já posso dizer que estou formulando uma hipótese para tudo isso. Ela parece louca quando penso, mas preciso tentar, nem que seja para ter uma resposta que desmentirá minha hipótese. Por isso, assim que eu sair desta mansão, já sei aonde devo ir e a quem procurar.
Acho que durante esses dois dias e três noites que estive nesse lugar, eu tentei a tudo custo reprimir esse tipo de pensamento, afinal, não seria possível que fosse real, essas coisas não existem, não é? Na verdade, eu não sei, talvez as loucuras de Wendy finalmente estejam me afetando.
Desconstruir toda uma verdade e passar a acreditar em um mito, isso não era uma tarefa fácil, já que nossa primeira saída é sempre buscar uma resposta lógica, a mais fácil e confortável. Para uma criança, não seria tão difícil acreditar em histórias como essas, então, por que para os adultos era?
Cansada de embolar meus pensamentos, decido que tratarei disso depois, quando for embora; por agora, eu apenas seguirei com o meu dia.
Depois de me arrumar, saindo das roupas de dormir, vou para fora do quarto, atravessando o corredor vazio, para depois descer até o primeiro andar que, estranhamente, estava silencioso demais.
Caminho até a cozinha, mas não encontro ninguém, então decido procurar na sala de estar e na sala de jantar, sem ter nenhum vestígio. E não sabendo onde todos poderiam estar, retorno para a sala de jantar e me sento em uma das inúmeras cadeiras ao redor da grande mesa que estava repleta por diferentes comidas. Observo por alguns segundos o que pegar, antes de escolher uma redonda e vermelha maçã. Puxo para perto uma faca próxima e começo a cortar a maçã em pequenos pedaços que facilitassem meu café da manhã.
Com a mão esquerda, apoio a metade da maçã entre os dedos, e com a mão direita, posiciono a faca na base da fruta, fazendo um pequeno corte que, lentamente, desço pela extensão até alcançar a parte baixa. E sem conseguir conter a pressão que fiz na faca, acabo por acertar a porta de meu dedo polegar.
Solto a faca – que ganhou uma coloração de vermelho vibrante – sobre a mesa.
– Droga! – Examino meu dedo, vendo que o corte não era grande e nem profundo.
Uma gorda gota de sangue ameaça escorrer.
Deixo a maçã sobre a mesa também, enquanto olho em volta, em busca de algum guardanapo ou algo que me ajude a estancar o corte.
– Elena! Você está bem?!
Sobressalto em minha cadeira e olho assustada para a porta de entrada da sala de jantar, vendo Jimin parado enquanto me olha com preocupação. E atrás dele, seus irmãos e Blarie, com exceção de Hyun e Taehyung, espreitavam para tentar entender o pequeno alvoroço que Jimin causou.
– Não é nada, eu só cortei meu dedo. – Assim que respondo Jimin, todos ali presentes me olham de forma estranha, com mais preocupação do que um corte deveria ter.
Jimin sai de perto da porta e se aproxima, mantendo seus olhos presos em meu dedo machucado. Os que ficaram para trás, encaram a cena com ânsia de expectadores concentrados.
Um arrepio corre minha espinha, me fazendo desconfortável sobre o olhar de Jimin, que parecia bastante interessado em me ajudar.
– Não é nada. – Escondo minha mão atrás do meu corpo. – É sério, Jimin. Eu estou bem. – Tento soar firme e convincente, mas ele continua vindo em minha direção.
– Se ela disse que está bem, é porquê está. – Blarie entra na sala de jantar e caminha até Jimin, o puxando pelo braço e o arrastando até a porta, antes de enxotar todos os outros.
Longe dos olhares dos irmãos, respiro aliviada, completamente atônita com toda essa comoção por um simples corte. Até então, eles nem sequer deram sinal de vida, e agora, simplesmente adivinham que eu me machuquei? Não.
– Hm, vamos ver examinar esse machucado. – Blarie se aproxima, soando em seus sapatos de salto.
Ela para ao lado de minha cadeira e se abaixa em sua saia longa de renda, antes de pegar minha mão esquerda e analisar meu corte, que, por sinal, já havia deixado uma pequena quantidade de sangue sujar minha pele.
Blarie encara meu dedo e aproxima seu rosto do corte, tocando meu polegar com seus lábios pintados em um rosa-cereja-claro. Ela suga a pequena quantidade de sangue em meu corte, antes de afastar seu rosto com uma expressão surpresa. Ela me olha por um segundo, e depois volta a encarar o corte, parecendo cada vez mais espantada.
– Eu não vou morrer, vou? – Brinco, a encarando com confusão.
Ela me olha mais uma vez, antes de se levantar alvoroçada, se virando e indo em passos agitados até à porta.
– Vou buscar um band-aid. – Sua é ofegante em suas últimas palavras, antes de sair da sala de jantar, me deixando sozinha e confusa.
Fico olhando para a porta aberta e depois para o meu dedo, enquanto assimilo todos os fatos dos últimos minutos desde que me cortei.
Chacoalho a cabeça para organizar meus pensamentos, e me levanto, decidida a ir até à cozinha para lavar meu corte, que ainda sangrava, mesmo que pouco.
Saio da sala de jantar e faço meu caminho até a cozinha, não encontrando ninguém além do silêncio anterior. Vou direto para a pia e abro a torneira, colocando meu polegar debaixo da água corrente que, de forma rápida, leva embora qualquer vestígio de sangue que havia no meu corte.
Solto um suspiro, me sentindo cansada, e desligo a torneira, procurando por um pano de prato para secar minha mão. E depois de fazer isso, deixo a cozinha, retornando para a sala de jantar, onde tenho uma surpresa ao encontrar um visitante inesperado.
Paro meus passos assim que vejo a figura alta de Taheyung, sentado na mesma cadeira que eu estava antes. Ele usava a faca da qual eu me cortei e sujei de sangue, para passar um pouco de geleia em uma torrada.
– O que foi? – Ele pergunta, me pegando de surpresa ao me fitar.
Me sinto nervosa com sua voz e engulo em seco, apontando para a faca que ele segurava.
– Essa faca... ela. – Engulo em seco de novo, tentando me acalmar.
Taehyung olha para faca, enquanto dá uma mordida na torrada com geleia de cor roxa.
– Você quer ela? – Ele ameaça jogar a faca em minha direção, e levando os braços involuntariamente como defesa.
Ele ri sem humor da minha reação, e volta a se concentrar nas torradas, da qual ele pega mais uma.
Seguro em minhas próprias mãos, e temente, me aproximo dele, sentando em outra cadeira, deixando o espaço de uma cadeira entre nós. E sem se importar comigo, ele repete todo o processo de passar a geleia em mais uma torrada, antes de comê-la, deixando que o barulho do pão tostado se partindo em sua boca, preenchesse o silêncio entre nós.
– O que foi? – Taehyung suspira alto, e volta a me encarar.
– Não é nada... eu só estou surpresa em te ver aqui. – Respondo em tom baixo.
– Eu moro nesse lugar. – Ele arqueia as sobrancelhas.
– Eu sei. – Falo de forma quase inaudível.
Taehyung dá a última mordida na torrada, fazendo seu maxilar muito bem delineado, se movimentar.
A camisa vermelha que ele usava estava aberta por alguns botões, revelando o colar fino ao redor do seu pescoço, como da vez em que nos encontramos na floresta. E o anel em seu dedo médio contrastava muito bem com a cor de sua camisa e de seus lábios comprimidos em uma linha fina, enquanto mastigava a torrada.
Seu rosto estava de perfil, e cada traço era suave, como se fosse desenhado a mão, cada proporção muito bem distribuída, que combinavam perfeitamente com o delicado brinco longo, em sua orelha com mais dois furos. Eu não podia ver as pequenas pintas em seu rosto, mas podia ver seu cabelo quase branco, caído desalinhadamente sobre o topo de seus olhos... E eu acho que estou reparando demais.
– Taehyung... – O chamo de forma tão baixo que, por um momento, penso que ele não escutou, mas assim que se vira para me olhar, depois de limpar suas mãos, tenho certeza que estou errada.
Respiro fundo e encolho os ombros, tomando coragem para continuar.
Não sou uma das pessoas mais extrovertidas o mundo, mas a maneira como me sinto contida perto dele, chega a ser patético.
Suas íris escuras prestam atenção em mim, esperando que eu fale de uma vez o que queria.
– Eu acho que me tornei amiga do seu irmão... – Olho para os cantos da mesa, me sentindo cada vez mais nervosa e sem coragem. – Será que nós não poderíamos nos dar bem... pelo Jimin?
Engulo em seco pela terceira vez, temendo a resposta que viria. Eu até mesmo já podia imaginar facas e torradas voando para todos os lados, enquanto Taehyung me ameaça de alguma forma.
– Claro.
Por um segundo, sinto como se meu corpo parece por dentro, e logo depois, o espanto e a surpresa me atingem, e olho para Taehyung completamente perplexa.
– O-O quê? – Espantada, analiso sua expressão apática, tentando ver se ele estava brincando comigo.
– Eu disse: claro. – Ele se levanta, colocando suas mãos para dentro dos bolsos de suas calças. – Nós podemos fazer isso. – Ele sorri fechado, sem qualquer emoção. E, em seguida, deixa a sala de jantar.
Ainda atônita, preciso de mais alguns segundos, sozinha, para tentar entender como isso pôde ser tão fácil.
***
Quando finalmente volto ao meu estado normal, tento comer mais alguma coisa antes de sair da sala de jantar e procurar por alguém, especificamente Jimin. Mas, para minha má sorte, ele parece ter evaporado como fumaça no ar e Namjoon é o único que encontro.
Ele estava no jardim, parado ao lado da grande fonte em formato de gárgula, e parecia admirar as tulipas que enfeitavam partes do jardim.
Com cuidado, me aproximo dele, que logo nota minha presença e sorri amigável.
– Como está o seu dedo? – Ele pergunta, assim que paro ao seu lado, observando as tulipas de cor escura, plantadas de forma organizada e bonita.
– Estou bem. – Sorrio para ele, que assente. – Blarie disse que pegaria um band-aid, mas até agora não voltou.
Namjoon ri, mostrando suas covinhas.
– Ela é assim mesmo. – Ele passa a mãos pelos cabelos desgrenhados pelo vento fresco do dia, ainda cinza.
Ao seu lado, percebo o quão alto ele é, talvez, o mais alto dos irmãos.
– Vocês se dão muito bem, não é? – Tento começar uma conversa, sem jeito.
Namjoon parecia tão calmo, sempre tão sereno quanto alguém poderia ser.
– Nós somos uma família. – Ele sorri de novo. – Mas se está falando sobre ter visto ela beijando o Jungkook ou coisa do tipo... é, nós nos damos muito bem. – Sua voz é tranquila, assim como seu olhar divertido.
Meus olhos se arregalam e sinto meu rosto quente.
– N-Não... não foi isso que eu quis dizer! Não! – Abano as mãos no ar, de um lado para o outro, completamente exasperada.
Namjoon ri.
– Você é fofa. – Ele coloca uma de suas mãos sobre o topo da minha cabeça, bagunçando meus cabelos de leve.
– Eu-Eu vou procurar o Jimin. – Me viro com pressa e, com passos rápidos, quase corro para dentro da mansão, sabendo que Namjoon provavelmente deveria estar rindo de mim outra vez.
Quando entro do hall, respiro aliviada, me perguntando qual dos dois, Blarie ou Jungkook, contou isso para Namjoon. Será que os outros também sabiam?
Cubro meu rosto com as mãos, pensando na possibilidade deles me acharem uma pervertida.
Com um suspiro, passo por todo o hall de entrada, indo até à escada do lado esquerdo. Eu procuraria por Jimin no segundo andar, e se não o encontrasse, iria até o terceiro.
De forma lenta, enquanto deixo minha vergonha para trás, subo cada um dos degraus até chegar no topo do segundo andar, onde vejo Blarie curvada sobre uma das portas dos quartos. Uma fresta estava amostra, e ela parecia espiar quem quer que fosse.
Em passos silenciosos, me aproximo da garota de cabelo cor púrpura e olho sobre seus ombros, vendo um pequeno vestígio de Yoongi dentro do quarto de porta entreaberta.
– O que você está fazendo? – Pergunto, e o corpo de Blarie salta no lugar.
Ela se vira com exaspero, e me encara com os olhos grandes, como se fosse pega fazendo algo que não deveria.
– Você estava espiando ele? – Pergunto outra vez, percebendo que ela não responderia a minha primeira pergunta.
– O-O quê?! Não! – A voz dela sai alta, e ela logo se arrepende, tapando a boca com as mãos antes de baixar seu tom de voz, enquanto suas bochechas ganham um tom rubro. – Não estava espiando ninguém. Quem faz isso é só você.
Sinto meu rosto esquentar outra vez.
– Por que você estava espiando ele? – Tento voltar o foco de nossa conversa para ela, não querendo passar por essa situação novamente.
– Pare de falar besteiras, eu não estava espiando ninguém. – Blarie segura meu braço, e me puxa para longe da porta.
O semblante dela se torna sério, com suas bochechas vermelhas. Eu nunca a vi com vergonha antes, na verdade, eu nem conseguiria imaginar.
A porta do quarto é aberta por completo, e Yoongi para rente ao batente, enquanto segurava na maçaneta.
– O que vocês estão fazendo? – Yoongi pergunta, nos encarando através de seus olhos pequenos e puxados.
– Nada! Não é nada! – A voz de Blarie sai alta outra vez, e seu rosto se torna mais vermelho do que antes.
– Então qual o motivo dessa barulheira toda? – Yoongi aperta os olhos, com um olhar cético.
– Ela foi pegar um band-aid pro meu dedo, e não me achou porque eu estava no jardim. Por isso ela gritou quando eu subi. – Respondo.
– Isso! – Blarie balança a cabeça, repetidas vezes, em um sinal de concordância.
– Hm... – Yoongi não parece ter acreditado. – De qualquer forma, eu não ligo. – Ele sai do quarto, fechando a porta. – Blarie, preciso que você fique de olho no Hyun, nós teremos uma reunião agora. – Yoongi caminha para perto e, pelo canto de olho, percebo Blarie agarrar no tecido de sua saia, com nervosismo.
– Tudo bem. – Ela força um sorriso. – Onde ele está?
– Na sala de música. – Yoongi aponto sobre seus ombros para o final do corredor, e passa por nós, indo até à escada que levava para o primeiro andar. E assim que ele some degraus abaixo, Blarie suspira ao meu lado.
A encaro com desconfiança, mas ela não fala nada.
– Vamos. – Blarie diz, antes de caminhar até o final do corredor.
Sigo seus passos, mantendo meu olhar desconfiado. E assim, chegamos na escada para o terceiro andar.
– Você por acaso gosta dele?
Minha pergunta faz Blarie parar na metade dos degraus para me olhar sobre os ombros, com espanto.
– Eu não gosto dele, pelo menos, não dessa maneira que você está insinuando. – Sua voz sai esganiçada.
– Gosta sim. – Rebato, e o rosto dela volta a ficar vermelho.
– Eu não gosto.
– Então por que ficou tão nervosa?
Blarie abre a boca para responder, mas se limita a se virar e subir o restante dos degraus, passando pelo corredor do terceiro andar em passos rápidos e pesados.
Ao alcançar a sala de música, vejo que Hyun estava sentado no banco do piano, apertando todas as teclas de uma vez, criando um barulho alto e desafinado. Algumas de suas bonecas estavam espalhadas pelo chão.
– Ei, seu irmão não vai gostar disso. – Blarie se aproxima de Hyun, com um tom de voz mais controlado.
Ela puxa o garoto do banco preto e acolchoado, o pegando no colo.
– Cadê o Jimin? – Hyun pergunta.
– Ele está ocupado agora.
– Que reunião era essa que o Yoongi falou? – Pergunto, e Blarie me olha com um pouco de nervosismo, ainda.
– São sobre os negócios da família. Às vezes, eles se reúnem no escritório do Jin pra conversar sobre como as coisas estão.
***
Passamos o resto da manhã e toda tarde dentro desta sala de música, conversando e brincando com Hyun. Blarie já não estava mais nervosa comigo, e não tocamos no nome do Yoongi depois disso.
Essa reunião estava demorando mais do que eu imaginava, e nem pudemos sair da sala de música, já que Hyun não deixava. Ele quis passar cada segundo aqui, tentando tocar o maior número de instrumentos que podia, mesmo que não levasse jeito para coisa.
No final das contas, não foi tão ruim assim. Mesmo presa dentro dessa sala, tive conversas agradáveis com Blarie, e claro, brinquei com Hyun, que parecia ser a única pessoa não-estranha nessa família.
Blarie me contou sobre Skull ser um empregado silencioso, e que mesmo ela e os irmãos quase não o viam na mansão, mas que ele sempre aparecia quando alguém precisava de algo, como se tivesse um sexto sentido de trabalho. Ela também disse que algumas empregadas aparecem por aqui às vezes, para ajudar Skull a limpar tudo, já que essa mansão era gigante. Mas elas não vêm com muita frequência.
– Eu tô com fome. – Hyun resmunga pela terceira vez.
Ele, que estava sentado no colo de Blarie, cruza os braços e a encara de forma séria, o que era fofo.
Blarie suspira e se levanta com ele nos braços.
– Vou levar Hyun na cozinha, senão ele vai morrer de fome, não é? – Blarie olha para o garotinho, que assente freneticamente.
– Tudo bem. Acho que vou ficar aqui mais um pouco, esperando o Jimin. – Falo, e Blarie acena com a cabeça, antes de sair da sala de música com Hyun.
Estico meus braços no ar e espreguiço meu corpo, antes de me levantar do banco acolchoado. Recolho todas as bonecas espalhadas de Hyun e as deixo sobre o banco, antes de caminhar até as portas abertas e de vidro da sacada. Paro rente a elas, e o vento agradável do começo da noite me saúda. Fecho os olhos e aproveito a sensação, me sentindo bem com o frescor gelado tocando minha pele e balançando suavemente os meus cabelos.
– O que você está fazendo aqui?
Abro os olhos instantaneamente quando escuto a voz grave de Taehyung, e quando encaro sobre os ombros, vejo ele parado ao lado do piano.
– Eu estava com a Blarie e o Hyun. – Respondo, mas ele fica em silêncio, e isso se perpétua por alguns segundos, apenas com seu olhar atento sobre mim, o que começava a me deixar nervosa. – Eu já estou saindo. – Aviso, e abaixo o meu olhar, me afastando da janela para sair.
Preciso passar ao lado de Taehyung e do piano, e isso só aumenta meu nervosismo. Então, respiro fundo e seguro em minhas próprias mãos, passando apressadamente.
Taehyung segura um pulso esquerdo, e com seu reflexo rápido e ágil, ele vira meu corpo, me encostando contra o piano tão rápido quanto eu posso entender.
Arregalo minimamente os olhos e respiro rápido, agora completamente nervosa.
Seus dedos dedilham meu pulso, de forma suave, sem apertar como ele fez da primeira que nos vimos. Taehyung dá dois passos para frente, ficando extremamente perto de mim, com sua altura de sobrepondo contra a minha.
O ambiente da sala de música parecia ter ficado mais escuro, e o vento gelado que entrava, preenchia a sala com um barulho agitado, igual a minha respiração.
Taehyung usa sua mão livre para levá-la até meus cabelos, afastando uma mecha para longe de meu rosto, com o auxílio das costas de seu dedo indicador. Seus olhos observam cada ponto do meu rosto, enquanto ele se curva em direção ao meu pescoço, inspirando o local profundamente.
Sinto seu nariz roçar na pele de meu pescoço, e meu corpo inteiro paralisa. Lentamente, ele afasta o rosto, voltando a colocá-lo de frente para o meu. E, outra vez, estando tão perto, posso enxergar com perfeição cada uma das pequenas pintas em seu rosto.
– Você precisa me deixar ir. – Falo, sentindo meu coração pulsar tão forte que tenho medo que ele também sinta isso.
– Por quê? – Taehyung arrasta seu olhar de minha boca até as minhas íris.
– Pare de me intimidar. – Meu peito começa a subir e descer de forma descompassada.
– Você me acha intimidante? – Ele inclina sua cabeça levemente para o lado, enquanto seus dedos dedilham mais uma vez meu pulso.
– Nós combinados que nos daríamos bem, Taehyung. – Seguro na borda do piano com minha mão livre, apertando-o com força.
– Eu não estou fazendo nada desagradável dessa vez, Elena. – Ele sorri, fechado, antes de aproximar lentamente, seu rosto do meu.
Seu tronco se curva para frente e Taehyung se abaixa. Seus dedos dedilham sobre minha pele e seu rosto se torna tão próximo que sinto nossos narizes se tocarem. Minha respiração fica irregular e meu corpo inteiro se revira por dentro.
Taehyung encara os meus lábios, enquanto se aproxima mais, e depois volta sua atenção para os meus olhos, como se falasse algo através desse contato visual. Ele sorri mais uma vez e tudo o que consigo fazer agora, é fechar os olhos com força, esperando de forma temente e ansiosa, pelo que ele faria.
O vento uiva dentro da sala em torno de nós dois e do piano. Seus dedos se arrastam por meu pulso e depois se afastam, me fazendo apertar o piano com ansiedade. Meu peito continua subindo e descendo com rapidez, e a demora de Taehyung só me deixava ainda mais nervosa e enjoada.
Espero e espero por mais longos segundos, até tomar coragem para abrir os olhos e perceber que eu me encontrava sozinha na sala de música: só eu, o vento e o piano de cauda.
Capítulo 13
Se eu dormi por três horas seguidas essa noite, foi muita coisa. Eu sentia meu corpo inteiro cansado, e meus olhos ardiam um pouco, mas eu simplesmente não podia dormir, na verdade, eu não conseguia. Minha cabeça ficava revivendo cada detalhe do meu pequeno encontro com Taehyung, dos seus dedos dedilhando meu pulso, do seu nariz tocando meu pescoço, da sua presença, da sua proximidade, de tudo. Eu não sei o que aconteceu comigo ou o porquê de eu me sentir assim. De todos os irmãos dessa mansão, ele foi o mais desagradável e, mesmo assim, eu continuo pensando nele, na maneira da qual eu imaginei que ele me beijaria. Eu realmente esperei por isso? Nem quando Jungkook chegou a me beijar, eu fiquei desta forma. Eu me sinto tão boba.
Repetindo o que já era um hábito para mim, suspiro, enquanto fecho minha pequena mala que eu havia colocado sobre a cama.
Já que não consegui dormir, levantei antes do amanhecer, e decidi arrumar as minhas coisas e me preparar para ir embora. Não tenho nenhum relógio, mas não deveria passar das dez horas da manhã. Eu estou apenas esperando que todos despertem, para que eu me despeça e volte para minha realidade, a realidade onde eu encontraria algumas respostas, espero.
Encaro o vidro limpo da janela, avistando o dia nublado do lado de fora. As folhas das árvores não balançavam, mas isso não me impedia de achar que o tempo era frio e, por este motivo, peguei todas as roupas que pareciam mais quentes.
Escuto alguns burburios do lado de fora do quarto, indicando que alguém já havia acordado. Então, me levanto da cama e pego minha mala, indo em direção à porta que abro sem pressa e, uma vez do lado de fora, acabo por escutar uma voz familiar.
– Wendy? – Encaro o corredor vazio de forma surpresa.
Apresso meu passo, alcançando com rapidez a escada da esquerda. E do topo, confirmo minhas suspeitas ao ver Wendy parada na saída do hall, conversando com Jimin.
Começo a descer os degraus, sentindo que o ar parece mais frio do que no segundo andar.
– Olha só quem acordou. – Jimin é o primeiro a me notar. – Bom dia, Elena.
– Bom dia. – Sorrio para ele, me aproximando dos dois.
– Eu senti saudades. – Wendy me recebe com um abraço exagerado.
– Então por que não veio me ver? – Finalizo nosso abraço, e a encaro.
– Me desculpe, Eleninha. A loja teve um bom movimento esses dias, e eu não queria entrar nessa floresta de noite. Mas eu estou aqui agora, vim te buscar. – Ela sorri, puxando a mala de minhas mãos.
Jimin ri, enquanto nos observa.
– Onde está o seu colar? – Wendy segura seu próprio colar, que cintilava.
Involuntariamente, levo minha mão até o pescoço.
– Eu tirei ele, mas deve estar na mala... eu acho. – Abaixo meu tom de voz, não tendo certeza se o guardei na mala, de fato.
– Quer ir dar uma olhadinha? Eu te espero aqui. – Wendy pergunta, e eu assinto, antes de me virar e correr de volta em direção à escada.
Subo os degraus quase de dois em dois e refaço meu caminho pelo corredor. Paro em frente à porta do quarto que me abrigou pelos últimos dias, e seguro na maçaneta, girando-a e empurrando a porta para dentro. Entro no quarto e solto a porta, que fecha lentamente sozinha, ficando encostada.
Olho para a cama arrumada em que estava antes, e decido que começarei por ela. Me aproximo do lençol vermelho e tateio por ele, pensando que talvez o colar possa ter se camuflado no meio da cor.
– Está atrás disso?
Viro de uma vez, assustada, procurando pelo dono da voz, que estava ao lado da porta do banheiro, com uma de suas mãos para dentro de um dos bolsos das calças pretas, enquanto a outra, prendia meu colar entre os dedos.
– O que você está fazendo aqui? – Pergunto, nervosa.
– Eu moro aqui, já disse. – Taehyung faz um som nasalado de desdém.
– Eu preciso do colar pra ir embora. – Digo, e Taehyung arqueia as sobrancelhas.
Logo depois, ele estende sua mão para frente, esperando que eu fosse pegar o colar. Fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo, completamente cansada e nervosa.
Meu corpo se torna ansioso quando dou o primeiro passo em sua direção, e depois outro, sucessivamente até que eu chegue perto de Taehyung. Estico minha mão para pegar o colar e ir embora, mas ele recua seu braço, levando o colar para perto dele.
– Taehyung, por favor. – Peço, me sentindo derrotada.
– Você só precisa pegar ele. – Taehyung balança o colar de um lado para o outro.
Forço minhas pernas a darem mais alguns passos em sua direção, ficando mais perto do que eu gostaria. Eu mal pude superar a noite passada, e agora isso. Eu definitivamente estou enlouquecendo aqui.
Encaro Taehyung, que tinha uma expressão apática e postura relaxada, sem se mexer. Respiro fundo outra vez e, de novo, estico minha mão para pegar o colar no mesmo instante em que ele coloca o braço para o lado, afastando o objeto de mim.
Taehyung curva seu tronco, como na noite passada, e aproxima seu rosto do meu. Meu coração salta e me sinto completamente apreensiva nesse momento. Ele abaixa o braço, o deixado ao lado do corpo, e mantém a outra mão para dentro do bolso. Seus olhos se conectam com os meus por segundos, antes deles escorregarem para baixo... até a minha boca.
Nossos narizes se tocam levemente, e Taehyung inclina sutilmente sua cabeça, aproximando mais seu rosto do meu, de modo que eu sinta sua boca roçar na minha em um toque superficial, mas que é o bastante para me transformar em uma pilha de nervosos. E, nesse momento, as batidas de meu coração pareciam martelar em meus ouvidos, enquanto meu estômago se revirava por completo, corroído por ansiedade.
Taehyung fita uma última vez meus olhos, me tornando apreensiva, para no segundo seguinte, selar sua boca contra a minha. Era como se as minhas pernas fossem falhar agora, e quando vejo Taehyung fechar os olhos, eu quase entro em desespero. Eu deveria afastá-lo, mas eu não posso, e nem mesmo sei o porquê.
Com os lábios pressionados contra os meus, sinto quando a ponta de sua língua passa, de leve, por minha boca. E sem conseguir conter isso, acabo por deixar que ele inicie um beijo. Onde, de forma automática, meus olhos se fecham lentamente e, timidamente, abro minha boca, sentindo sua língua tocar a minha, fazendo meu estômago se revirar de novo.
Sua boca era macia e fazia tudo com naturalidade, com Taehyung começando a conduzir os movimentos, sem parecer ter pressa. O beijo começa a fazer alguns sons baixos, e não contenho o suspiro que me escapa, sentindo minhas bochechas esquentarem por isso. E sendo algum tipo de resposta, lentamente, Taehyung continua por mais algum tempo, me causando o primeiro arrepio a cada vez que sinto sua língua se entrelaçar com a minha, de um jeito que eu nunca senti antes.
Devagar, ele começa a diminuir a sincronia de nossas bocas, as afastando de maneira arrastada enquanto roça seus lábios avermelhados e molhados contra os meus.
Completamente envergonhada, abro os olhos a tempo de ver Taehyung fazer o mesmo. Suas íris escuras encontram as minhas, antes que ele endireite sua postura, afastando seu rosto.
Em silêncio, Taehyung estende o calor em minha direção.
Com o corpo completamente congelado no lugar, demoro alguns segundos observando seu rosto, antes de conseguir me mexer e, hesitantemente, tentar pegar o colar de sua mão.
Seu olhar sobre mim era atento; era como se Taehyung não quisesse perder nenhum movimento que eu fazia, mesmo que fosse apenas o ato de respirar.
Com as mãos um pouco suadas pelo nervosismo, aproximo minha mão da sua. Dessa vez, ele deixa que eu pegue o colar que cintilava com muita intensidade.
Aperto o cordão do colar entre os dedos, e olho para Taehyung mais uma vez. A sensação era estranha, como se seus olhos arrancassem cada parte de mim, sem que eu pudesse suportar. E, por isso, sem dizer nada, me viro e saio apressada do quarto, passando pelo corredor e correndo nas escadas.
– Você demorou. – Wendy resmunga, assim que volto ao primeiro andar.
– Aconteceu alguma coisa? Seu rosto está vermelho. – Jimin me encara preocupado.
– Eu estou bem, deve ser o frio. Vamos? – Olho para Wendy, forçando um sorriso, enquanto pego em seu braço e a arrasto para dentro do hall.
– Eu levo vocês até a porta. – Jimin faz menção de nos seguir.
– Não precisa. – Outro sorriso forçado. – Muito obrigada por tudo, Jimin.
– Não se preocupe, você pode voltar sempre que quiser. – Com um olhar confuso, Jimin acena, se despedindo.
– O que foi? – Wendy sussurra, enquanto arrasto ela, pelo hall.
– Nada.
***
Suspiro alto assim que saímos da floresta e paramos em frente à loja fechada de vovó.
– Vovó me mandou uma mensagem, vai chegar na hora do almoço. Ela disse que não precisamos abrir a loja hoje.
Encaro a fachada rosa com letreiro, pensando em fazer agora o que decidi na mansão, antes que vovó voltasse, talvez depois seja mais difícil.
– Você pode ir na frente? – Pergunto, e Wendy franze o cenho.
– Você não vem?
Nego com a cabeça.
– Eu preciso passar em um lugar antes... sozinha. – Respondo, e a feição de Wendy se torna séria.
– Elena, aconteceu alguma coisa?
– Depois eu te conto, eu prometo. Não vou demorar. – Falo, e saio na frente de minha irmã, sem dar tempo para ela tentar mais algumas perguntas.
Me afasto de Wendy até que não possa vê-la, e forço minha memória para que eu me lembre do caminho que precisava fazer. E depois de perder alguns longos minutos, tendo que parar para pedir algumas informações, eu finalmente estava diante da loja de madeira com emblemas enigmáticos.
Inspiro profundamente, sabendo que precisava fazer isso. Então caminho até a entrada, passando pela porta, que anuncia a minha chegada com o tilintar de um sino.
As familiares paredes pretas preenchem minha visão, assim como os demais objetos espelhados pelas paredes e balcões de vidro.
– Bom dia. – O garoto de pele bronzeada e cabelos escuros saúda, saindo de trás de um dos balcões. – Eu me lembro de você. – Ele para na minha frente, e cruza os braços.
– Eu e minha irmã já estivemos aqui antes. – Enfio uma de minhas mãos dentro do bolso das calças. – Compramos isso. – Puxo o cordão preto para fora do bolso.
– O colar de aíma, claro. – Ele acena. – Mas então, no que posso te ajudar agora? Quer alguma coisa específica?
– Na verdade... eu não vim comprar nada dessa vez. – Encolho os ombros. – Eu gostaria de conversar com você.
O cenho do garoto se franze.
– Você pode me falar um pouco mais sobre esse colar? – Pergunto, receosa. E um semblante confuso aparece no rosto do garoto.
Ele pega o colar de minhas mãos, olhando para a pedra vermelha.
– O que sei, é que essa pedra foi criada pra identificar vampiros. Dentro dela deveria ter uma pequena quantidade do sangue de um vampiro, que reagiria com o sangue dentro do corpo do vampiro, fazendo a pedra brilhar. Mas essa aqui é falsa. – Ele me entrega o colar de volta.
– Como você sabe que é falsa?
A cada pergunta, o semblante do menino se tornava menos confuso e mais desconfiado.
– Como já devo ter dito, encontrei algumas dessas pedras enterradas no quintal da minha casa. Meu pai, que fundou a loja, disse que eram falsas e que as pedras de aíma foram extintas há muitos anos, nos tempos medievais.
Olho discretamente em volta, como se quiséssemos me certificar de que ninguém escutaria nada, mesmo que estivéssemos sozinhos dentro dessa loja.
– E... E se eu te dissesse que ele funciona? – Fico um pouco apreensiva sobre seu olhar, esperando ansiosa por sua resposta. – Eu vi esse colar brilhar algumas vezes.
– Deve ter sido o reflexo da luz ou coisa do tipo, porque essa pedra é falsa. – Ele diz confiante.
Desvio meu olhar, encarando o balcão, onde o livro que vi da outra vez, continuava no mesmo lugar.
– Esse livro está à venda? – Me aproximo do balcão de vidro, tocando com a ponta dos dedos, as folhas amareladas e gastas do livro antigo.
– Não. – O dono da loja se apressa para perto, pegando o livro antes de mim. – Era do meu pai. Eu só uso ele como guia da loja, e também, tem um bocado de páginas faltando. – O garoto fecha o livro de capa vermelha com o título "Drácus Dementer", que acompanhava o desenho de um castelo em dourado.
– Esse livro é só sobre vampiros? – Tento me aproximar.
– Sim. Mas por que você está tão curiosa de repente? – O garoto afasta o livro, enquanto tem seu olhar desconfiado e atento.
Suspiro.
– Você acredita em vampiros, não acredita? – Pergunto, e ele assente. – Eu não posso afirmar nada, mas ultimamente... eu não sei, eu conheci algumas pessoas um pouco estranhas e talvez...
– Você acha que eles podem ser vampiros? – Seu olhar se torna de espanto.
– Mais ou menos. Não é como se eu tivesse visto algum deles matando alguém ou mordendo pescoços... mas eles são estranhos.
– Você já disse isso. – O garoto abraça o livro, segurando-o com firmeza.
– Eles são muito silenciosos, às vezes parecem que surgem nos lugares como fumaça. E tem a cor da pele, eles são muito pálidos também, mas podem andar no sol, então não sei. – Suspiro de novo.
– Vampiros podem andar no sol desde que tenham anéis especiais que os protejam. O nome disso é "anel do sol" e costuma ser passado de geração em geração.
Meus pensamentos parecem dar um nó, e não posso me impedir de lembrar do anel de família que os irmãos, e até mesmo Blarie, têm.
– O que mais você sabe? Isso que disse até agora não pode constituir alguém como vampiro.
– Os olhos. – Aponto para os meus próprios olhos. – Os olhos deles, às vezes tenho a sensação de estar presa em um contato visual, alguma coisa que dura segundos, parecido com um olhar intenso.
– Vampiros têm a habilidade de hipnotizar humanos.
Rio nasalada.
– Isso soa como coisa de filme. – Confesso.
– Foi você quem me procurou dizendo que conhece vampiros. – O garoto arqueia as sobrancelhas.
– Sim. – Desvio o olhar, me sentindo boba por toda essa cena. Não sei se vir até aqui foi uma boa ideia. – É melhor esquecermos isso, acho que preciso de um chá de Erva-Verde pra acalmar os meus pensamentos.
O garoto franze o cenho, voltando a ficar sério, enquanto abre o livro e começa a folheá-lo.
– Eu acho que já li alguma coisa sobre isso. – Ele fala, passando o dedo pelas letras de traços grossos.
– Alguma coisa sobre o quê? – Pergunto, confusa.
– Erva-Verde. – Seus olham continuam fixos nas páginas amareladas. – Aqui! – Ele me olha e se aproxima, deixando que eu visse o desenho de algumas folhas que eu conhecia muito bem. – "Existe uma terceira categoria de ervas, as mágicas, estas, com propriedades acessadas apenas por aqueles que, de fato, têm conhecimento de suas propriedades místicas." – Ele lê o trecho em voz alta, e depois vira a página. – Esse tipo de erva faz muito mal pros vampiros.
– O quê?! – Pego o livro de suas mãos e leio as linhas outra vez, não acreditando nas palavras escritas.
Eu até poderia dizer que tudo aqui era mentira, se eu não tivesse visto com os meus próprios olhos Jimin passar mal. E ainda me lembro de como todos eles evitam essa erva, isso não pode ser só uma coincidência... pode?
– O que mais você tem aqui sobre vampiros? – Folheio as páginas com exaltação, e o garoto, outra vez, toma o livro de minhas mãos.
– Cuidado. Assim você vai estragar. – Sua voz e seu olhar, eram de repreensão.
– Me desculpe. – Expiro alto, passando a mão pelo rosto. – Escute, eu preciso ir agora, mas será que podemos nos ver depois? Eu preciso saber mais.
– Eu não sei se o que tem nesse livro te interessaria, tudo aqui é generalizado, mitos que todos dizem sobre os vampiros. – Ele dá de ombros, mas quando nota meu semblante desapontado, suspiro derrotado. – Mas, se é tão importante pra você, eu posso dar uma olhada nas coisas do meu pai e ver se encontro algo interessante, ou quem sabe, as páginas que estão faltando.
– Obrigada! Muito obrigada! – Sorrio, aliviada.
– Caleb.
Franzo o cenho.
– O meu nome é Caleb.
Sorrio de novo.
– O meu é Elena. Muito obrigada pela ajuda, Caleb. Eu voltarei depois. – Me curvo rapidamente, agradecida. E Caleb assente.
Depois, me viro e vou em direção à saída da loja com a cabeça completamente pesada, mas com uma ponta de esperança para descobrir tudo e saber se eu beijei um vampiro hoje.
***
Como pensei achei mais cedo, o tempo realmente estava frio e sem vento, mas o suficiente para me fazer andar com as mãos dentro dos bolsos da blusa de frio.
Durante todo o caminho de volta para casa, tentei pensar em uma resposta óbvia para tudo isso, algo mais racional, mas era impossível, principalmente, depois de os últimos acontecidos. Eu era boba por cogitar na hipótese de que criaturas sugadoras de sangue existem? Provavelmente.
– Você chegou! Onde estava? – Vovó surge da cozinha, sorrindo e vindo me abraçar.
– Fui na feira, queria ver se ainda tinham aqueles bolinhos de nozes que eu comi com Wendy, mas não achei. – Respondo, assim que me separo de vovó. – Bem-vinda de volta.
Vovó sorri, agradecendo com um aceno de cabeça.
– Espero que não tenham tido muito trabalho na loja por minha causa. – Ela ri. – Eu trouxe muitas coisas, venha ver.
Vovó segura em minha mão e me leva para a cozinha, onde vários caixotes pequenos estavam espalhados pela mesa e pia.
– Olha, Elena. É muita Erva-Verde. – Wendy puxa para fora do caixote, algumas pequenas mudas de ervas.
Meu corpo fica rígido, enquanto encaro as folhas esverdeadas.
– Essas são especiais. Sebastian e eu conhecemos um senhor que estava tentando misturar algumas ervas, até que saiu essa. – Vovó pega uma das mudas da mão de Wendy. – O gosto e o cheiro são mais fortes. Quero que vocês experimentem. – Ela devolve as mudas para o caixote.
– Tudo isso são ervas? – Pergunto, me aproximando de um caixote lacrado, com o nome "Erva-Amarela" escrito na tampa.
– Não. Eu também trouxe algumas sementes de flores novas. – Vovó responde empolgada, e eu apenas assinto. – O que foi? Você parece um pouco desanimada.
– Só estou cansada. – Sorrio.
– Então vá descansar um pouco, querida. Deixe que eu cuido do resto. E você também, Wendy, vá com a sua irmã. – Vovó retira todas as mudas das mãos de Wendy, e fecha o caixote de Ervas-Verdes.
Me viro e saio da cozinha, escutando os passos de Wendy atrás de mim. E, em uma pequena fila, nós duas subimos para o segundo andar, indo direto para nosso quarto que tinha um ar quente e perfumado.
– Eu adoro esse cheiro. – Wendy anda até o vaso de flores que estava sobre a cômoda e cheira as pétalas escuras.
As tulipas-negras estavam intactas, como se tivessem sido colhidas hoje, algo estranho para uma planta, que mesmo estando em um vaso com água, deveria começar a perder, ao menos, seu cheiro.
Wendy se afasta das flores e vai até à cama, se jogando sentada sobre o colchão.
– Agora pode ir me contando o que aconteceu mais cedo. – Ela cruza as pernas, balançando a que estava por cima.
Respiro alto e vou até minha irmã, sentando ao seu lado.
– Eu meio que acho que acredito em vampiros agora. – Confesso, esperando que sua reação seja exagerada, como sempre, mas tudo que Wendy faz, é me encarar confusa.
– Vampiros? É sério, Eleninha? – Ela ri alto.
– Eu pensei que você acreditasse. – Estreito os olhos, a observando com atenção.
– É, mas eu pensei melhor sobre isso, e agora eu concordo com você. Vampiros não existem. – Wendy sorri, enquanto continuam balançando sua perna, o que era incômodo de se ver.
Decido não insistir, já que não tenho uma prova concrenta além das minhas especulações e observações. E decido que não seria sensato contar para Wendy sobre o meu sonho também, pelos menos não antes de entendê-lo melhor.
– E o seu anel? Já achou ele? – Mudo de assunto, querendo deixar toda essa história louca que eu inventei, de lado por um momento.
– Não, eu acho que perdi mesmo. Estranho, não é?
Capítulo 14
Me remexo sobre a cama, e coloco minha mão para fora das cobertas, tateando o chão com a ponta dos dedos, até encostar no meu celular. E, preguiçosamente, puxo o aparelho para debaixo das cobertas, abrindo os olhos e encarando o visor luminoso, que marcava onze e cinquenta da manhã.
Esperando toda a preguiça deixar o meu corpo, checo todas as mensagens do meu celular e, ao tentar responder as mensagens de minha mãe, percebo a falta de sinal no aparelho marcado no topo do visor.
Escuto um forte trovão soar do lado fora, e logo entendo o motivo da falta de sinal no meu celular. Retiro a coberta de cima do meu corpo, e me levanto, arrumando rapidamente a cama, para depois caminhar até a janela, vendo o tempo fechado e chuvoso através dos vidros limpos.
O quarto parecia mais escuro do que de costume, e sei que isso se dá ao fato do tempo nebuloso desta manhã.
Espreguiço meu corpo enquanto respiro fundo, inspirando o aroma doce das tulipas que estavam sobre a cômoda. O cheiro parecia mais intenso hoje, muito mais do que ontem.
Com os pés cobertos por meias quentinhas, vou até o banheiro para poder lavar o rosto e escovar os dentes, sem me dar ao trabalho de trocar de roupa. Vovó nos acordou cedo e disse que não precisávamos ir para a loja hoje, porque ela e Sebastian iriam trabalhar no jardim da loja, plantando e ajeitando as novas mudas que trouxeram da viagem. Bem, não sei se seria possível fazer isso com um temporal destes.
Me sentindo mais acordada, saio do banheiro e depois do quarto, caminhando pelo corredor que estava bem escuro, sendo acompanhada por minhas meias e pelo cheiro das tulipas que impregnaram em cada canto dessa casa.
Desço os degraus de madeira, escutando a televisão ligada e a chuva de fora como segundo plano.
– Bom dia. – Wendy, que estava sentada no sofá, em seu pijama, vira sua cabeça para me olhar do encosto do sofá.
– Bom dia. – Paro atrás do sofá e atrás dela. – O que está assistindo? – Pergunto, mas logo noto o símbolo do Discovery no canto da tela, sabendo que tipo de programa era. – Sobre o que eles estão falando hoje? Lobisomens?
– Na verdade, eu não estou assistindo. Só liguei a TV para não me sentir sozinha, já que você não acordava logo pra fazer o nosso café. – Ela sorri cinicamente, mexendo em seu celular.
Eu estreito os olhos, enquanto rio. Me afasto de sofá e de Wendy, caminhando em minhas meias rosas.
– O seu celular tem sinal?
– Não. – Respondo já entrando na cozinha. – Deve ser por conta do tempo.
Sem pressa, e escutando a chuva forte e a televisão, caminho até a geladeira, retirando de lá alguns ovos e uma caixa de leite, que deixo sobre a pia. Em seguida, retiro do armário tudo que precisaria para fazer um café da manhã – quase almoço – para mim e Wendy.
Preparo os ovos, alguns pãezinhos e frutas, e esquento um caneco com pouco leite. Reparo no pequeno pote que vovó deixou na pequena muretinha da janela, e o abrindo e sentindo o seu cheiro, sei que era Erva-Verde. Penso em colocar um pouco nos ovos, mas acabo desistindo.
Quando termino tudo, chamo Wendy, e assim nós duas tomamos nosso café em meio ao som dos trovões.
– O que vamos fazer hoje? – Wendy pergunta, antes de tomar um pouco do seu leite.
– Eu não sei. – Dou de ombros, colocando meu garfo sobre o prato que usei para os ovos.
– Nós podíamos buscar a vovó na loja mais tarde. – Wendy sugere.
– Com essa chuva?
– Exatamente por conta da chuva, Eleninha. – Wendy coloca os pés para cima do assento da cadeira, apoiando o queixo entre os joelhos. – Quando a vovó saiu, não estava chovendo. Acho que ela não levou guarda-chuva.
– Tudo bem. Vamos esperar pra ver se a chuva diminui até o final da tarde. – Digo, e Wendy assente. – A propósito, a louça é sua. – Me levanto de minha cadeira, e Wendy faz uma careta, se levantando também.
Ajudo minha irmã a retirar as coisas da mesa, e no meio do processo, escutamos alguns barulhos vindos do andar de cima, como se alguém estivesse lá.
– O que é isso? – Wendy me olha com o cenho franzido, enquanto coloca os pratos dentro da pia.
– Vou ver. – Me voluntário, antes de sair da cozinha e deixar minha irmã com a louça suja.
Passo em frente à sala e desligo a televisão que Wendy deixou ligada, e depois vou para as escadas, subindo os degraus que rangiam baixo sobre meus pés cobertos pelas meias rosas. Alcanço o segundo andar e vou direto para o meu quarto, mas não escuto nada por lá, a não ser pelos trovões fortes do lado de fora, que, vez ou outra, acompanhavam os relâmpagos que iluminavam os cômodos.
Escuto o barulho outra vez e saio do quarto. Paro no meio do corredor escuro e fico em silêncio, esperando escutar o barulho de novo. E quando finalmente acontece, ele parece vir do sótão.
Caminho até o final do corredor, abrindo a porta que ficava de frente, na última parede. Piso sobre os degraus gastos, tentando não tropeçar na escuridão, por isso, uso o auxílio das mãos para não cair.
Entro no sótão que era preenchido pelo barulho da porta da pequena sacada, que estava entreaberta e chacoalhava devido ao vento da tempestade, junto das cortinas que pareciam um pouco molhadas agora.
Procuro pelo interruptor de luz.
– Acho que acabou a energia. – Comento para mim mesma, antes de sair de perto do interruptor e ir até a sacada, com o intuito de fechar a porta. Mas, antes que eu alcance a porta de correr, escuto o mesmo barulho de antes, que agora, é acompanhando por três morcegos que me assustam.
Não contenho o grito de espanto, e me abaixo segurando a cabeça, quando eles voam por cima de mim e saem pela fresta da sacada. Em seguida, corro até à sacada, fechando a porta com força, antes, sendo atingida pelo vento gelado e respingos de chuva que vinham do lado de fora.
Respiro fundo quando a porta para de balançar, e puxo as cortinas que a cobrem. Atenta, encaro o teto inclinado do sótão, checando se estava livre dos morcegos, e quando tenho certeza disso, saio o sótão escuro e empoeirado.
Refaço todo o caminho de volta para a cozinha, onde encontro Wendy secando a louça.
– O que foi? – Ela pergunta, enquanto guarda as louças secas.
– Tinham alguns morcegos no sótão. – Apoio meus braços sobre o topo da cadeira mais próxima.
– Deve ter muito mais que morcegos lá, baratas, ratos. Com toda aquela tralha que vovó guarda lá, não duvido. – Ela ri, enquanto eu contorço o nariz em desgosto. – Acho que a energia acabou.
– Eu percebi. – Suspiro.
– E o que vamos fazer sem sinal e sem energia? – Wendy termina de guardar os pratos no armário, e depois dobra o pano de prato, deixando-o sobre a pia.
Suspiro de novo, enquanto olho para os cantos da cozinha, tentando pensar em algo que pudesse consumir o meu tempo e de Wendy. E um pequeno potinho quadrado, chama a minha atenção pela segunda vez no dia.
– E se eu te ensinasse a fazer bolinhos de Erva-Verde? Depois nós duas poderíamos levar pra vovó lá na loja, o que acha? – Sorrio, sentindo meus pensamentos rodarem em algumas ideias acerca disso.
– Pode ser. – Wendy apoia os braços sobre o topo da cadeira do outro lado da mesa.
– Então pega alguns aventais pra gente começar. – Aponto para as gavetas do armário, e depois vou até à pia com o intuito de lavar as mãos.
Wendy me entrega um dos aventais floridos de vovó, que amarro ao redor de minha cintura. Em seguida, retiro do armário e da geladeira tudo que usaremos, colocando os ingredientes distribuídos entre a mesa e a pia.
– Toma. – Pego o pote quadrado de Erva-Verde, e entrego para Wendy. – Coloca um pouco em uma panela com água quente e mexa até virar uma pasta – Explico, e Wendy assente antes de seguir minhas instruções.
Ligo o forno para que pré-aqueça, e depois volto para perto da pia, posicionando uma vasilha de vidro sobre ela, onde, despejo uma quantidade de farinha de trigo e farinha de arroz. Com uma colher de pau, misturo as farinhas, acrescentando o açúcar e fermento. Quebro três ovos na mistura seca, e acrescento um copo e meio de leite.
Puxo as mangas de meu pijama para cima, e uso as mãos para unificar os ingredientes. E faço isso por pelo menos uns dois minutos até que se forme uma massa lisa e bonita.
Checo a parte de Wendy, vendo que a Erva-Verde já estava no ponto. Depois de esperar esfriar um pouco, peço que ela despeje a pasta sobre a massa, que, outra vez, unifico com o auxílio das mãos, vendo a massa ganhar uma coloração verde clara.
Lavo as mãos, e procuro por uma forma, que unto com manteiga e farinha de arroz.
– Agora nós precisamos fazer bolinhas pequenas. – Falo para a Wendy, enquanto retiro um pedaço da massa verde, começando a moldá-lo de forma suave.
Wendy olha tudo atentamente e, em seguida, tentando repetir o que fiz.
– Assim? – Ela me estende sua mão, onde, da qual, uma pequena bolinha estava apoiada sobre sua palma.
Assinto, colocando o primeiro bolinho que fiz na forma untada. Wendy sorri satisfeita e logo pega mais um pedaço da massa. E assim refazemos todo o processo até que não restasse mais nada na vasilha de vidro.
– Precisamos esperar uns quarenta minutos. – Digo, enquanto coloco a forma com os bolinhos crus, dentro do forno. – Podemos limpar a cozinha agora.
Apoio as mãos na cintura sobre o avental e Wendy se joga em uma das cadeiras com uma expressão de preguiça.
***
– O cheiro está bom. – Wendy coloca suas mãos sobre os meus ombros, me vendo desinformar os bolinhos que ganharam uma coloração mais escura de verde. – Posso pegar um?
– Não. Vamos levar pra loja, lá a gente come. – Com cuidado, começo a colocar os bolinhos em um pote médio, que estava ao lado de um pote pequeno.
– Você é tão chata. – Wendy arrasta do som do "a", se jogando ao meu lado, escorada contra a mesa.
Apenas a ignoro, mas ela permanece atenta ao que eu fazia.
– Pra que é esse outro pote? – Ela coloca o dedo indicador sobre o pote pequeno.
A encaro de rabo de olho e sorrio.
– Vou separar alguns pro Jimin e para os irmãos dele, quero agradecer pelos dias que estive na mansão. – Desenformo mais alguns bolinhos, determinada a ir em frente com a pequena ideia que tive.
– Pensei que ele fosse alérgico a Erva-Verde ou alguma coisa do tipo. – Wendy comenta, confusa.
– Vovó disse que essas são diferentes, não disse? Talvez não faça mal dessa vez. – Fecho o pote pequeno, que enchi de bolinhos, e o ergo no ar, admirando o trabalho que fiz.
Wendy dá de ombros.
Depois de perdemos algum tempo na cozinha, esperamos a energia voltar, enquanto jogávamos conversa fora, mas acho que isso não aconteceria tão cedo.
A tarde foi passando de forma lenta, e a hora de buscar vovó já se aproximava, por isso, fui me arrumar, tendo que esperar Wendy tomar um banho, depois de muito insistir em ferver água para fazer isso, o que demorou um tempão.
– Tudo pronto. – Wendy sai da cozinha carregando uma sacola que guardava o pote médio com bolinhos.
Segurando dois guarda-chuvas, os únicos que achei, abro a porta, sendo recebida pelo vento e por um relâmpago.
– Diminuiu, mas ainda está chovendo. – Entrego um guarda-chuva para Wendy.
– Vamos chegar vivas na loja. – Ela brinca e pega o guarda-chuva, passando na minha frente e saindo.
Trancamos a casa de vovó e seguimos para a calçada, andando com cuidado para não espirarmos mais água do que o necessário. E mesmo que chovesse, parecia uma caminhada agradável. Nós não nos molhamos e, durante à tarde, o tempo clareou um pouco, mesmo que daqui a pouco fosse noite.
Não havia muitas pessoas transitando pelas ruas de ladrilhos de Úpior, mas as poucas que passaram por nós, fizeram questão de nos cumprimentar. Os adultos podiam não gostar muito do tempo chuvoso, mas as crianças em capas de chuvas amarelas, se divertiam pulando de uma poça para outra.
Alguns minutos depois, sendo envolvidas pelo barulho da chuva e por alguns gritos de Wendy toda vez que se assustava com um relâmpago, nós finalmente chegamos na loja de vovó. E de frente para a fachada rosa, não me contenho e olho em direção à entrada da floresta, que era silenciosa e molhada.
Wendy e eu caminhamos até a porta loja, não encontrando ninguém na parte da frente.
– Vovó? – Chamo, enquanto deixo nossos guarda-chuvas em um canto qualquer e Wendy coloca a sacola sobre o balcão amarelo.
Uma cabeleira branca surge da porta do jardim, e vovó nos olha surpresa.
– São as minhas netas, Sebastian. – Ela fala para o jardim, e depois entra na loja, revelando sua capa de chuva e galochas sujas de terra que viraram barro. – O que estão fazendo aqui? – Vovó retira suas luvas sujas, as colocando no balcão.
– Te trouxemos um guarda-chuva e isso. – Wendy empurra a sacola em direção a vovó no momento em que Sebastian surge do jardim, em uma capa de chuva e galochas também.
– Boa tarde, meninas. – Ele cumprimenta, ficando ao lado de vovó.
Respondo com um aceno de cabeça e um sorriso.
Vovó abre a sacola, curiosa, e retira o pote branco de dentro dela.
– Bolinhos? – Ela sorri ao nos encarar com felicidade.
– De Erva-Verde, e eu ajudei dessa vez. – Wendy diz orgulhosa, e vovó ri.
– Parecem ótimos. Pegue um, Sebastian. – Vovó estende o pote para seu amigo, que timidamente pega um dos bolinhos verdes.
– Eu também quero. A Elena não me deixou comer nenhum. – Wendy me mostra a língua, antes de se juntar a vovó. E eu logo faço o mesmo.
– Morgana, suas netas têm mãos de fadas. – Sebastian elogia, pegando outro bolinho.
– Essas crianças são especiais. – Vovó sorri, enquanto nos olha. – Você precisa me passar a receita depois, quero levar alguns desses para o Padre Albert.
– Por que pro Padre? – Wendy pergunta, enquanto enfia dois bolinhos de uma vez só na boca.
– Oras, ele é meu amigo, criança. – Vovó responde bem-humorada. – Isso me lembra que temos que voltar lá qualquer dia.
– Eu não quero ir na igreja, é chato. – Wendy resmunga de boca cheia.
– Mais respeito, criança. Não faz mal ir à igreja de vez em quando. – Vovó aperta um lado das bochechas de Wendy.
– Também preciso voltar na igreja. Fiquei de levar algumas mudas de Erva-Verde para o Padre, mas desde que voltamos ontem, não mexi no meu jardim. – Sebastian coça sua barba branca, com uma feição culpada.
– Eu te ajudo com isso depois. – Vovó se voluntaria, pegando mais um bolinho.
***
Escutando o som da chuva diminuir, nós quatro comemos todos os bolinhos que estavam no pote. E preciso admitir que realmente ficaram bons... espero que eles também gostem.
Wendy resmunga perto de mim e leva uma mão até a barriga, se apoiando contra o balcão.
– O que foi, criança? – Vovó coloca uma de suas mãos sobre as costas de Wendy.
– Acho que estou passando mal. – Wendy responde, curvando seu corpo, antes de vomitar sobre o chão da loja.
– Está vendo, isso que dá comer igual uma esfomeada! – Vovó repreende, segurando os cabelos de Wendy e esperando ela terminar de vomitar. – Vamos lá fora tomar um pouco de água e de ar.
Olho preocupada para minha irmã, querendo ajudar, mas vovó diz que ela vai ficar bem, que só ficou assim porque comeu muitos bolinhos de uma vez só, rápido demais e sem mastigar direito.
Me afasto do vômito de Wendy, que respingou em alguns lugares, e fico perto de Sebastian, encarando a porta para o jardim com preocupação.
– Vocês são bem diferentes, isso desde pequenas, eu me lembro. – Sebastian comenta. E eu desvio meu olhar da porta para ele, o encarando com confusão. – Sua irmã age imprudentemente, e você está aqui toda preocupada. Até parece a mais velha. – Ele sorri, compreensível.
Expiro alto.
– Você com certeza já sabe. Wendy é adotada, esse é o motivo de sermos tão diferentes. – Encolho os ombros.
– Não disse por esse lado, Elena. Qualquer um que passasse um tempo com vocês duas, nunca desconfiaria que sua irmã é adotada, até porquê, se me lembro bem, Wendy tem um jeito muito similar ao da sua mãe.
Rio baixo.
– Às vezes, parece que eu sou a adotada. Acredite, Wendy se parece muito com a nossa mãe. – Brinco, e nós dois rimos.
Vovó passa alguns minutos no jardim com Wendy, e depois que ela se sente melhor, limpamos sua pequena bagunça no chão e fomos embora; Sebastian para sua casa, vovó em um guarda-chuva e Wendy e eu dividindo o outro.
Sobre a chuva fina, que quase parava, nós retornamos para casa, agradecendo por perceber que a energia já havia voltado. Eu quero muito tomar um banho, mas ter todo o trabalho que Wendy teve ao esquentar a água, não parecia nada animador.
– Que cheiro é esse? – Vovó pergunta assim que entramos em casa.
Ela fecha os guarda-chuvas, colocando-os no porta guarda-chuva.
– Deve ser dos bolinhos. – Respondo.
– Não. É mais doce, nunca senti esse cheiro antes. – Vovó fecha a porta de entrada, não deixando o vento gelado entrar.
– Ah! Então deve ser o cheiro das flores que tem no nosso quarto. – Wendy responde.
Vovó fica em silêncio por um tempo e seu semblante se torna sério. Ela olha para o topo da escada, parecendo pensar.
– Qual mercador deu essas flores pra vocês? – Ela vira seu olhar em nossa direção, ainda séria.
– Eh? Mercador? – Wendy franze o cenho.
– Vocês disseram que um mercador deu as flores pra vocês, depois de comprarem as maçãs aquele dia. – Vovó cruza os braços. – Foi um mercador, não foi? – Suas sobrancelhas brancas, se levantam.
Engulo em seco, tentando disfarçar, e olho para minha irmã, que sorri sem graça.
– Tá bom, não foi um mercador... nós pegamos elas na floresta. – Wendy confessa, e vovó suspira.
– Eu não já disse que não quero vocês naquele lugar. – Sua voz fica alta.
– Mas isso foi quando éramos crianças. – Wendy rebate, mudando seu tom de voz, algo que ela fazia quando queria se safar dos problemas, agindo de maneira inocente ou forçadamente fofa.
– Não importa. Eu não quero vocês na floresta, aquele lugar está cheio de bichos perigosos.
– Nós nem entramos lá, pegamos as flores na entrada, bem perto da loja. – Encaro Wendy de rabo de olho, temendo que vovó descobrisse a mentira.
– Já estamos conversadas. Agora eu vou jogar essas flores fora, esse cheiro está me dando dor de cabeça. – Vovó nega. – Vamos!
Ela segura em nossas mãos e nos puxa para frente, nos fazendo andar até a escada. Mas ela para na metade dos degraus, olhando sobre seu ombro para Wendy.
– Onde está o seu anel, Wendy? – Vovó fita a mão de minha irmã.
– Eu acho que perdi. – Wendy sorri amarelo.
– Perdeu aonde? – Vovó solta nossas mãos, e se vira de frente para nós.
Ela iria ficar irritada a qualquer momento.
– Aqui, eu acho. – Wendy tenta usar seu tom de voz inocente.
Vovó bufa alto.
– Você precisa tomar jeito, Wendy. Sua mãe te deu aquele anel, e coisas de família nós temos que cuidar muito bem. – Vovó aponta para o anel que ela carregava em sua mão, igual ao meu. – Depois que jogarmos as flores fora, vamos procurar pelo seu anel. Um anel Van Helsing é como uma relíquia sagrada, nunca se esqueça.
Capítulo 15
Assim como no dia anterior, a chuva se perpetuou, mas era mais suave e o céu não era nebuloso, haviam alguns tímidos raios de sol que atravessavam as gotas finas da chuva, criando um belo arco-íris. O tempo era agradável, não estava mais frio, por isso, pude colocar um vestido confortável com um casaquinho e sapatilhas.
Wendy e eu tomaríamos conta da loja sozinhas. Como havia prometido, vovó foi ajudar Sebastian em seu jardim hoje, eles faziam questão de levar algumas ervas para o padre da capela.
Debaixo de guarda-chuvas, eu e minha irmã fomos até a loja de vovó e abrimos para mais um dia de trabalho. Ajeitamos tudo que precisava ser bem apresentável, e atendemos alguns poucos clientes na parte da manhã. Provavelmente a maioria viria quando a chuva diminuísse.
Com algumas flores espalhadas pelo balcão amarelo da loja, eu cortava com o auxílio de um pequeno alicate, alguns espinhos das flores. Depois, juntei as flores prontas em volta do papel de seda branco, tentando deixar tudo organizado. Para finalizar, amarrei um laço para prender tudo, e pronto, mais um buquê estava pronto.
Sorrio satisfeita com o meu trabalho e esforço, e coloco o buquê em uma parte mais afastada do balcão onde não haviam sujeiras e, consequentemente, olha para baixo, na mesma reta onde deixei o buquê, e onde, também, eu havia deixado uma pequena sacola de pano, que escondia o pote pequeno com bolinhos de Erva-Verde.
Suspiro, enquanto encaro a sacola, pensando se eu deveria mesmo fazer isso. Hoje acordei destinada a ir na mansão e entregar isso para Jimin, alegando ser bolinhos de limão. Eu passei por tanto, tentei a todo custo me convencer que era tudo um mal-entendido, e agora não posso mais correr, preciso descobrir se tudo isso realmente é o que penso.
– Eleninha, estou com fome, e você? – Wendy surge da porta do jardim, carregando algumas flores que acabaram de ser colhidas.
Wendy coloca as flores sobre o balcão.
– Um pouco. – Confesso, voltando para o lugar que eu estava antes.
– Acho que vou sair e comprar alguma coisa pra gente comer. Tudo bem se você ficar sozinha por uns minutinhos? – Wendy pergunta, enquanto tira suas luvas amarelas de malha e seu avental.
– Tudo bem, pode ir. – Sorrio para minha irmã, antes de apanhar as flores que ela trouxe, para recomeçar todo o meu trabalho.
Wendy sorri de volta e procura por sua bolsa de ombro, acenando antes de sair da loja.
Pego um dos girassóis que Wendy trouxe e começo a podá-lo, antes de pegar o próximo e fazer a mesma coisa, consecutivamente até que eu terminasse todos. Junto as flores amarelas, e dessa vez opto por um papel de seda amarelo também, enrolando-o delicadamente em torno dos caules. Dou um laço apertado, mas necessário, em volta de tudo, me sentindo satisfeita com mais um trabalho. Eu acho que peguei o jeito da coisa.
Me preparo para o próximo buquê, esse com flores variadas e coloridas, quando noto alguém passando pela porta de entrada da loja.
– Bem-vinda. – Tiro minha atenção das flores para poder recepcionar a garota de cabelos longos e rosa-claro.
Seus olhos escuros e puxados analisam cada detalhe da loja, enquanto ela dá passos graciosos para dentro. Assim como eu, ela também usava um vestido, mas o dela ia rente aos seus pés, escondendo seus sapatos.
– Obrigada. – Ela me olha pela primeira vez, sorrindo em seu batom vinho.
Seu corpo magro e de pele pálida se aproxima do balcão.
– Me desculpe pela bagunça, é que estou arrumando alguns buquês. – Sorrio educadamente para ela.
– Não tem problema, querida. – Ela sorri, de novo.
Em silêncio, ela me encara, e era um olhar tão fixo que até me sinto desconcertada por um momento.
– Então... em que posso ajudá-la?
– Hm, que cheiro ótimo. – Ela diz, abrindo seu sorriso.
– Deve ser das flores. – Sorrio amigavelmente.
Ela aperta seus olhos, os deixando mais puxados.
– Acho que não. – A garota de cabelos rosa-claro, apoia suas mãos com unhas pintadas de preto sobre o balcão e, sutilmente, se inclina para frente. – Parece que vem de você.
Seus olhos encontram os meus, fixamente. Sem jeito, sorrio um pouco nervosa.
– Obrigada.
Ela me encara por mais alguns segundos, antes de se afastar.
– Eu gostei desse aqui, já estão encomendados? – Ela olha em direção ao buquê de girassóis, o pegando em seguida.
– Não. Eu acabei de fazê-los. – Respondo.
– Isso é ótimo. Vou levá-los. – Ela coloca o buquê sobre o balcão e depois retira de dentro do decote de seu vestido, algumas notas dobradas. – Quando eu te devo?
– Setenta. – Sorrio.
– Um bom preço, por um bom tralhado. – Ela me entrega algumas das notas dobradas.
– Aqui está, é todo seu. – Pego o buquê para entregá-la, que aceita de bom grado. – Muito obrigada por comprar aqui. Espero que volte mais vezes.
– Eu voltarei. – Ela segura o buquê. – Qual o seu nome, querida? – Ela se afasta um pouco do balcão.
– Elena. – Sorrio amigavelmente de novo.
– Certo, Elena, foi um prazer te conhecer. A propósito, me chamo Amia. – Seus lábios pintados no vinho escur, sorriem uma última vez, antes de a garota de cabelo rosa-claro se virar e sair da loja, me deixando completamente atônita para trás.
– Amia? – Sussurro para mim mesma, com os olhos arregalados.
Saio apressada de trás do balcão e corro até a porta, a tempo de ver Amia pegar o caminho da floresta. Permaneço parada, encarando-a até ver seu corpo sumir por entre as árvores.
Um único pingo acerta meu ombro coberto pelo casaquinho, e saio de meu estado de espanto, encarando o céu e percebendo que já não chovia mais, apenas os pingos que escorriam do letreiro da loja e caíam no chão. O arco-íris se manteve intacto no céu, e me pergunto se algo de bom irá acontecer. É o que dizem, arco-íris são bons presságios, não são?
Olho outra vez para entrada vazia da floresta e me viro, voltando para o interior da loja, sentindo meu corpo se tornar ansioso, mesmo que eu não soubesse o motivo. E permaneço assim, até que Wendy retorne com a nossa comida. E depois de limpar o balcão e colocar em jarros, todas as flores que não tive tempo de organizar em um buquê, nós duas comemos os pequenos bolinhos de arroz que Wendy trouxe.
– Você vai na mansão mesmo? – Wendy pergunta, enquanto junta nossa pequena bagunça, jogando as embalagens plásticas dos bolinhos no cesto de lixo atrás do balcão.
– Eu não sei. – Suspiro, apoiando o cotovelo sobre o balcão e o rosto sobre a palma da mão.
– Eu pensei que quisesse agradecer. – Wendy passa um pano sobre o balcão, e me olha de rabo de olho.
– É.
– Elena, o que foi? Você tem agido estranho desde que voltou daquela mansão. Aconteceu alguma coisa lá que você quer me contar? – Wendy para de limpar o balcão e apoia uma das mãos na cintura.
Suspiro outra vez.
– Você não vai acreditar se eu contar.
Wendy arqueia as sobrancelhas.
– De novo aquela coisa de vampiros?
Encolho os ombros, sorrindo sem graça.
– E o que te faz acreditar que vampiros existem? – Ela pergunta.
– Deixa pra lá, Wendy. – Retiro o rosto apoiado da minha mão e espreguiço meu corpo.
– Eu não sei, não, mas estou sentindo que mais coisas aconteceram lá e você não quer me contar. – Ela joga o pano que segurava sobre o balcão e se apoia nele, me encarando com desconfiança.
Desvio o olhar.
– Tá vendo, eu sabia! Agora pode ir me contando tudo. – Wendy se afasta do balcão e cruza os braços.
Fecho os olhos e respiro fundo.
Eu sempre conversei sobre tudo com a minha irmã, então é bobeira que eu guarde isso para mim, não é?
– Eu meio que beijei um dos irmãos do Jimin... – Confesso, encolhendo os ombros, e Wendy arregala os olhos. – talvez dois deles.
– Você beijou dois daqueles garotos maravilhosos?! – Wendy praticamente grita, demonstrando toda sua animação e surpresa.
– Bem, o Jungkook que me beijou, mas eu não correspondi. E tem o Taehyung, e o beijo dele... eu...
Wendy corre para perto de mim, e me segura pelos ombros.
– Você beijou o Taehyung?! Aquele Taehyung?! – Ela aproxima tanto o seu rosto do meu, que preciso me inclinar para trás.
– S-Sim. – Respondo, e empurro Wendy para longe.
– Eu pensei que você, tipo, odiasse ele. – Ela me olha incrédula.
– Não é como se eu gostasse dele, Wendy. Eu só... só não sei porquê correspondi ao beijo dele. – Encolho os ombros, de novo.
– Nossa, ele deve ser mesmo muito bonito pra você ter beijado ele. – Wendy ri. – Mas sabem o que dizem né, o amor e o ódio andam juntos.
– Wendy, eu nem conheço ele. Só sei o nome. – A encaro incrédula.
– E qual o problema? Se ele é bonito, isso é tudo que importa. – Ela arqueia as sobrancelhas.
– Não é assim que as coisas funcionam. Ele me machucou, já esqueceu?
– Mas você beijou ele do mesmo jeito, não beijou? Então vocês devem estar se dando bem agora. – Ela sorri, animada.
Desvio o olhar.
– Eu perguntei pra ele se poderíamos nos dar bem, pelo Jimin. Eu estava disposta a esquecer o que ele fez quando nos conhecemos. Mas eu não imaginava que ele ia tentar me beijar.
– Então por que você está assim? Vocês dois estão se dando bem, como você queria.
– As coisas pra você sempre parecem mais fácies. – Confesso e suspiro.
– É porque são, Eleninha. Você que gosta de complicar tudo. O garoto não colocou um anel no seu dedo e te pediu em casamento, isso foi só um beijo. Um beijo que você devia aproveitar. – Ela aponta na minha direção, sorrindo esperta.
Reviro os olhos e rio da imaturidade da minha irmã. Não adianta contestar, ela sempre vai ser assim.
***
– Então, você vai ou não? – Wendy pergunta, depois de trancar a loja.
Seguro com força na alça da sacola de pano e olho em direção à entrada da floresta.
– Eu vou. – Respondo, mesmo que me sinta incerta.
– Tudo bem. Vou ficar te esperando na loja de bolinhos de arroz, é aqui perto. Qualquer coisa, é só me ligar. – Wendy avisa, começando a se afastar de mim.
– Não vou demorar, já está escurecendo. – Aponto para cima, em direção ao céu que perdia sua luz aos poucos, anunciando o começo da noite.
Wendy assente e se vira, indo na direção contrária.
Respiro fundo e começo a caminhar até a entrada da floresta, tomando cuidado para não escorregar na terra úmida e nas folhas molhadas. Alguns passarinhos voavam logo à frente, e alguns insetos rastejavam pelo solo marrom e verde.
Engulo em seco, respirando o ar pelo nariz e soltando pela boca, tentando me manter calma sobre o que eu planejei.
Passo pelo espaço aberto, em frente à grande macieira que, como sempre, deixava muito de seus frutos espalhados pelo chão de terra. Depois, sigo reto, entrando no caminho fechado por arbustos. Olho pra cima, vendo o alaranjado da luz do sol se despedir, assim como o belo arco-íris.
Ando por mais alguns minutos acompanhada de meu nervosismo, até dar de frente com os grandes portões da mansão. Paro rente a eles e o vento passa por mim, balançando a barra de meu vestido branco e roxo-claro, assim como os meus cabelos.
Encaro o largo jardim e a grande mansão de fundo, me perguntando se eu deveria continuar com isso. Respiro o ar pelo nariz e solto pela boca, de novo, tomando alguma coragem para dar meu primeiro passo para dentro do jardim. E, da forma mais lenta e hesitante que posso, caminho até estar parada em frente a porta de madeira.
Agarro a alça da sacola de pano, com as duas mãos, me sentindo muito mais nervosa que antes.
– É melhor eu ir embora. – Tomada pelo nervosismo, me viro apressada, parando no lugar ao encontrar Skull a poucos passos de distância.
Em silêncio, o vento passa por mim outra vez, e em segredo, peço que ele me leve embora.
– Boa tarde, senhorita. – Skull se curva cordialmente. – Irei levá-la até o senhor Jimin.
Skull passa ao meu lado e abre a porta, esperando educadamente que eu entre antes dele.
– N-Não, eu já estou indo embora. Você pode dizer pra ele que eu volto outro dia. – Forço um sorriso.
– Não seja modesta, senhorita. O senhor Jimin ficará muito feliz em ver uma amiga. – Skull acena com a cabeça e eu forço outro sorriso, antes de assentir e entrar na mansão.
Paro dentro do hall e sobressalto quando Skull fecha a porta e, em seguida, para ao meu lado e estende uma mão para que eu ande em sua frente. E assim, ele me conduz até a sala de estar, onde todos os irmãos, sem exceção, estavam todos sentados nos enormes sofás e poltronas. Mas meus olhos vão automaticamente em direção à garota de cabelo rosa-claro que estava sentada entre Taehyung e Blarie.
– Elena. – Jimin é o primeiro a me saudar, levantando do sofá em que estava para vir em minha direção me receber com um abraço gentil.
– Me desculpe por aparecer assim... mas você não foi me ver hoje, por isso, vim atrás de você. – Sorrio sem jeito, enquanto encolho os ombros e repito a mesma coisa que um dia ele falou para mim.
Jimin sorri, e segura minhas mãos.
– Já disse, você pode vir aqui sempre que quiser.
– Elena! – Hoseok grita, acenando freneticamente de seu lugar ao lado de Jungkook, que me olhava desinteressado.
– Seja bem-vinda. – Jin, que estava com Hyun no colo, diz. E eu aceno com a cabeça.
Preguiçosamente, Yoongi ergue sua mão, me cumprimentando com um gesto silencioso, e Namjoon, ao seu lado, sorri.
Hoseok se levanta do sofá e vem para perto, me olhando curioso.
– O que é isso? – Ele tenta espiar dentro da minha sacola de pano.
– São coisas da loja, alicates, luvas. – Sorrio para tentar disfarçar.
– Oi, eu estou aqui também. – Blarie diz, me fazendo olhá-la, acenando em sua direção.
– Ah, acho que você ainda não conhece, mas essa é Amia. – Jimin coloca uma de suas mãos sobre as minhas costas e me obrigando a caminhar com ele para perto do sofá de três lugares, onde, involuntariamente, olho para Taehyung, que tinha um olhar atento sobre mim.
Torço para que meu rosto não fique vermelho agora, enquanto todo o meu interior fica completamente imerso em ansiedade, apenas por estar a poucos passos dele.
– Nós já nos conhecemos, não é mesmo, querida? – Amia cruza suas pernas, sorrindo para mim.
– Se conhecem de onde? – Hoseok surge ao meu lado, passando um de seus braços ao redor dos meus ombros, enquanto me olha curioso.
– Ela foi na loja hoje de tarde. – Respondo baixo, sentindo o olhar do Taehyung. E mesmo que eu já não o encarasse mais, era impossível não sentir isso sobre mim.
– Sim, eu passei lá para comprar algumas flores pro Taehyung. – Amia segura o braço de Taehyung, inclinando sua cabeça em direção ao ombro dele.
Nesse momento, me sinto muito mais nervosa, pois me lembro sobre Blarie dizer que Amia era a namorada de Taehyung. Então era isso, eu havia beijado alguém que namora. Eu fiz a coisa errada em todos os sentidos.
Amia sorri para mim e depois encara Taehyung, que desvia seu olhar do meu para encará-la, sem dizer nada.
Blarie me olha e arqueia uma das sobrancelhas, como se percebesse o que estava acontecendo.
– Eu deveria te levar na loja da Elena qualquer dia, Taehyung. Você iria adorar. – Jimin diz, sorrindo para seu irmão, que assente, me deixando completamente nervosa com a hipótese de tê-lo algum dia na loja.
– E-Eu preciso ir. – Me viro para Jimin.
– Mas você acabou de chegar. – Jimin levanta as sobrancelhas e Hoseok contesta ao meu lado.
– Minha irmã está me esperando, só passei para dar um "oi". – Respiro fundo, de forma discreta.
– Tudo bem. – Jimin assente, visivelmente desapontado.
– Elena.
Pronta para ir embora, me viro quando escuto Amia me chamar.
– Nós deveríamos sair qualquer dia desses. Eu, você e a Blarie. – Ela sorri.
– Você pode chamar a sua irmã também. – Blarie completa.
Eu apenas assinto, sem saber o que responder. E depois de me despedir brevemente, Jimin me leva até a porta da mansão, pedindo que eu voltasse o mais rápido possível.
Expiro alto quando Jimin fecha a porta, e vou em direção aos degraus de entrada, descendo cada um deles. Depois, atravesso o jardim com o vento ao meu lado e meu nervosismo vai indo embora aos poucos.
Eu estava destinada a dar esses bolinhos de Erva-Verde para Jimin e seus irmãos, pois queria comprovar o que Caleb me disse sobre elas. Mas, ao pensar em como Jimin passou mal, sinto toda a minha coragem ir embora. No fundo, eu sei que não quero fazer mal a ninguém, especialmente a eles, que foram sempre tão gentis comigo, pelo menos, quase todos eles.
Alcanço os portões da mansão quando escuto alguém me chamando, e todo meu nervosismo volta à tona. Me viro encontrando Amia parada bem perto de mim, alguém que chegou tão silenciosamente quanto a brisa.
– Eu nem pude te agradecer direito. – Ela permanece parada em seu lugar. – Taehyung adorou as flores. – Amia sorri, enquanto o vento suave, balança seus cabelos e seu longo vestido.
– Fico feliz que ele tenha gostado. – Sorrio fechado.
Me viro com o intuito de ir embora, mas meus pés param depois de dois passos. Olho sobre os ombros, percebendo que Amia ainda estava no mesmo lugar, então me viro de volta para ela.
– Pra você, em agradecimento por ter comprado na loja. – Estendo a sacola de pano em sua direção e ela me olha confusa.
– Isso não são suas coisas de jardinagem? – Ela arqueia as sobrancelhas, e sorri.
Nego com a cabeça.
– Não. Na verdade, são bolinhos que fiz e vim trazer para o Jimin. Quando eu cheguei, conversei com o Skull e ele acabou me falando que o Jimin não gosta muito desses, por isso, eu menti aquela hora. Mas pode ficar com eles, eu insisto. – Forço um sorriso.
– Você é adorável. – Amia estende sua mão para pegar a sacola, sem desviar seu olhar do meu.
– Aproveite bem. – Digo, acenando para ela.
Sinto nossos dedos se tocaram por um instante, quando ela pega a sacola.
– Eu vou. – Seu tom de voz soa mais baixo e intenso, antes que eu me vire e entre no caminho de arbustos.
***
Quando saí da floresta, fui direito encontrar Wendy. Demorei um pouco para achar a tal loja de bolinhos de arroz. Depois disso, perguntei se minha irmã poderia dar uma rápida passada comigo na loja de Caleb, porque eu gostaria de falar com ele, principalmente depois do dia de hoje. Se não fui capaz de dar os bolinhos de Erva-Verde para Jimin, eu deveria encontrar uma outra resposta que confirmasse minhas suspeitas.
E assim, Wendy e eu andamos debaixo do céu que se tornou escuro, até a loja de Caleb, o encontrando organizando algumas coisas, provavelmente se preparando para fechar a loja.
– Você... – Ele se levanta detrás de um dos balcões de vidro, dando a volta e se aproximando.
Wendy se afasta para poder olhar os objetos da loja.
– Vim ver se encontrou mais alguma coisa. – Falo, ansiando por sua resposta.
– Eu sinto muito. Como eu disse, tudo que tenho aqui são coisas generalizadas sobre vampiros. Eu até que gostaria de te ajudar e saber se essas pessoas que você conhece são vampiros mesmo. – Ele fala sincero e eu suspiro.
– Esse livro é tão estranho. – Wendy diz, e quando a olho, vejo minha irmã folheando o livro de capa vermelha.
– Por favor, deixei ele onde estava. – Caleb sai de perto de mim, querendo se aproximar de minha irmã para pegar o livro de suas mãos.
E antes que Caleb chegue perto de Wendy, o semblante de minha irmã se franze e ela me olha surpresa.
– Erva-Amarela? Elena, esse não é o mesmo nome que estava escrito naquele caixote que a vovó trouxe?
Capítulo 16 – Parte I
Durante grande parte do meu expediente na loja de vovó, era inevitável não pensar em tudo que enchia minha cabeça nos últimos dias. Mesmo ontem, quando passei na loja de Caleb, eu não encontrei nada de tão relevante, a não ser a Erva-Amarela, que era tão estranha quanto a Erva-Verde. Aproveitei daquele momento e tentei encontrar qualquer coisa relacionada a Alter ego no livro Drácus Dementer, mas sem sorte. Haviam tantas páginas faltando naquele livro que parecia impossível responder a qualquer coisa.
Eu tenha essa sensação de que, quanto mais eu procuro por uma explicação, mais elas se tornam confusas. Nem um simples sonho eu sou capaz de compreender.
Minha cabeça estava tão cheia, que me tornei desastrada com alguns clientes, e vovó já me olhava com desconfiança, enquanto perguntava se alguma coisa havia acontecido. E precisei me virar muito bem para contornar essa situação, por sorte, Wendy me ajudou.
Às vezes, penso que deveria esquecer tudo isso, inclusive, deixar de visitar Jimin e seus irmãos, mas depois daquele sonho, sei que não posso. E o fato deles serem sempre tão legais comigo não ajuda. Talvez soe um pouco difícil, quando paro para pensar na hipótese de que eles podem ser completamente diferentes da imagem que criei.
Vovó estava nos fundos, como sempre, trabalhando no jardim, e Wendy estava lá fora, varrendo a entrada da loja, enquanto eu ficava parada atrás do balcão, encarando a porta aberta e os fracos raios de sol sobre o chão, sem conseguir tirar toda essa bagunça da minha cabeça. Quem diria que as minhas férias se tornariam algo tão estranho.
Suspiro e fechos os olhos, passando as mãos pelo rosto, como se pudesse afastar tudo isso por um momento.
Escuto a voz de minha irmã me chamar em um tom baixo, quase como um sussurro, e ao abrir os olhos, vejo Wendy inclinada com metade do corpo para dentro da loja. Ela faz um gesto silencioso para que eu vá até ela, e depois some, deixando a porta vazia.
Me sentindo lenta e preguiçosa, saio de trás do balcão e vou até à porta, alcançando o lado de fora da loja, que emoldurava um dia de sol fraco, possibilitando qualquer um de usar desde um vestido até uma blusa.
– Olá, Venator. – Blarie, que estava próxima de Wendy, sorri para mim.
– Oi. O que está fazendo aqui? – Pergunto, um pouco confusa com sua visita repentina.
Blarie – enrolada em seu lenço preto, chapéu, luvas e óculos escuros – ri.
– Você é sempre tão receptiva. Aprenda a receber melhor uma amiga. – Ela retira seus óculos escuros, deixando as íris escura à mostra.
Wendy ri também, se apoiando contra vassoura que segurava.
– Me desculpe. – Encolho os ombros, e ela sorri.
– Não se preocupe. E eu vim aqui para te fazer um convite.
– Convite para o quê? – Pergunto, interessada, sentindo os fracos raios de sol esquentarem minha pele.
– Nós conversamos ontem, Amia te chamou pra sair. Vim aqui saber se podemos fazer isso hoje de noite? E antes que você responda, quero que considere o esforço que Amia está fazendo pra sair com você. Ela passou mal pra caramba ontem, não disse o motivo, mas achei que acordaria pior hoje, mas ela já está bem e faz questão de sair essa noite. – Blarie explica, me deixando completamente intrigada com a situação.
Não posso deixar de associar isso aos bolinhos de Erva-Verde que entreguei para Amia ontem... será que foram eles?
– Wendy pode ir também. Será uma noite de garotas. Nós podemos fazer alguma coisa legal. – Blarie mal termina de falar e já percebo os olhos de Wendy brilhando em excitação, mas dessa vez, não será preciso que ela me convença, eu já estou decidida.
– Claro, nós quatro podemos sair hoje à noite. – Sorrio.
Se Amia passou mal por conta dos meus bolinhos, esse é o real motivo pelo qual ela quer sair comigo, e eu estarei pronta para isso. Fiz aqueles bolinhos com um único propósito, e se eles parecem ter funcionado, não posso dar um passo para trás agora.
– Isso é ótimo, achei que ia perder o resto da tarde te convencendo. Mas fico feliz que esteja mais à vontade perto de nós. – Blarie sorri, de novo, e volta a colocar seus óculos escuros. – Estou indo agora, vou avisar Amia. Vocês duas nos esperem na ponte de Upiór, ela fica perto daquela loja onde nos encontramos. Estejam lá às dez.
– Dez horas da noite? – Pergunto, quando Blarie se vira para ir embora.
– Sim. Por acaso você não pode sair de noite, criancinha? – Blarie arqueia as sobrancelhas por detrás dos óculos escuros.
– Não se preocupe, nós estaremos lá às dez. – Wendy responde por mim e acena para Blarie, antes que a garota de cabelos púrpura entre no caminho da floresta.
– Não sei se a vovó vai gostar disso. – Falo para minha irmã, assim que o corpo magro e pálido de Blarie, some entre as árvores altas.
– Se nós ficarmos pelo vilarejo, vovó não vai reclamar. E também, já somos adultas, Eleninha.
***
De alguma forma, Wendy conseguiu fazer tudo com tranquilidade, ela conversou com vovó e disse que nós duas estávamos querendo sair esta noite, nos divertir um pouco – sem citar Blarie e Amia –, e vovó disse que tudo bem, desde que ficássemos por aqui. Wendy também convenceu vovó a nos deixar sair mais cedo, já que ela queria comprar uma roupa para esta noite.
Nós duas só trouxemos o necessário para férias em um vilarejo, e não tínhamos nada que nos arrumasse para uma saída, se bem que não faço a menor ideia de onde vamos, talvez passar a noite em alguma loja de ervas, já que é tudo que parece ter nesse lugar.
Depois de sairmos da loja de vovó e andarmos um bom tempo pelo centro de Upiór, fiquei completamente surpresa ao descobrir uma loja que não vendesse nada que você usaria para um dia de trabalho na terra. Com sua determinação e incansável vontade de gastar dinheiro, Wendy nos levou a uma lojinha pequena e simples, a única que trazia coisas da cidade grande para Upiór. Então por aqui existia uma variação de coisas mais modernas, tanto em roupas quanto em acessórios e perfumes.
Wendy me fez entrar no provador de cortina florida pelo menos umas oito vezes. Era como se ela pegasse todas as roupas que encontrasse e jogasse para mim. Eu já estava farta, mas, no quarto vestido, ela meio que me obrigou a comprá-lo, junto com botas pretas, que eu não sabia se iriam combinar, mas segundo ela, eu deveria confiar em sua intuição de irmã mais velha.
Agora eu encarava com dúvida o vestido longo, azul e mangas longas, com a frente mais curta. Não parecia o tipo de coisa que eu usaria normalmente, e também, não é como se essa fosse uma noite especial ou algo do tipo. Se arrumar para andar em Upiór? Isso parece uma besteira, mas o que eu posso fazer quando minha irmã é a Wendy? Não há muitas saídas para isso.
– Eu tenho certeza que vai ficar lindo em você. Aposto que a Blarie e a outra garota vão usar aqueles vestidos bonitos e chiques, então não podemos fazer feio. – Wendy para o meu lado, enrolada em sua toalha úmida de banho e ergue seu dedo indicador como se falasse algo realmente sério. – Agora vá se arrumar, porque já está escuro. Eu comprei um batom vermelho que vai ficar lindo em você.
– Batom vermelho? – Encaro minha irmã, com desanimo.
– Nem adianta vir com esse olhar, não. Nós vamos nos divertir hoje, não tente estragar as coisas antes mesmo de sairmos de casa. – Wendy passa por mim e vai em direção à sua roupa, que ela deixou dobrada sobre uma das pontas da cama.
Procuro por meu celular e vejo o visor marcando oito horas da noite. Respondo algumas mensagens e falo brevemente com a minha mãe, antes de tomar um banho para me arrumar, pois sabia que Wendy ficaria atrás de mim se eu enrolasse.
***
– Pronto! – Wendy sorri, enquanto afasta o batom vermelho. – Pode olhar.
Ela dá espaço para que eu olhe meu reflexo no espelho do banheiro, onde preciso de alguns segundo para me acostumar com a cor escura que pintava cada parte da minha boca. Não havia ficado tão ruim quanto eu imaginei, mas ainda era diferente me ver em cores tão marcantes.
– Você está linda.
– Nós não estamos exagerando um pouco? – Me viro para Wendy, encarando seu vestido vermelho.
– Você deveria estar mais preocupada em se divertir, não na sua roupa. Depois de tudo, vai ser bom pra nós duas. Eu vou estar lá, então tudo vai ficar bem, Eleninha. – Wendy aperta um dos lados de minha bochecha e, de certa forma, me sinto melhor.
Talvez eu esteja levando essa noite muito a sério, esse nem é o real motivo, minha irmã quer se divertir, enquanto os meus pensamentos são outros. A verdade é que eu não faço ideia do que pode acontecer com nós quatro juntas no mesmo lugar, ainda mais depois do que Blarie me contou. Por isso, vou precisar contar tudo para que Wendy não ache estranho, pois sei que ela não acreditaria no que eu tenho para compartilhar.
– Você quer ir agora? Eu nunca vi a ponte que a Blarie falou. Acho que seria bom se fôssemos um pouco mais cedo, caso a gente demore pra encontrar ela.
Assinto, concordando em fazer isso de uma vez.
Minha irmã procura em suas coisas, uma bolsa pequena para que levássemos nela o necessário, ela disse que poderia cuidar disso, por isso, entreguei meu celular para Wendy.
Depois, nós duas fomos atrás de vovó, que estava em seu quarto assistindo televisão debaixo das cobertas. Nos despedimos e ela deu um rápido sermão sobre tomarmos cuidados, e avisarmos quando voltássemos. E com um breve elogio dela, nós duas deixamos seu quarto e, posteriormente, a casa de vovó.
A noite não era gelada, pelo menos não agora, por isso, não foi um problema sair de vestido. O céu não era estrelado, mas também não haviam sinais de nuvens de chuva ou coisa do tipo. O vento não acompanhava a rua, assim como as pessoas. Tudo estava calmo e quase deserto, exceto pelas luzes que vinham das janelas de algumas casas.
O som dos nossos passos sobre as ruas de ladrilhos pareciam o único barulho que nos fazia algum tipo de companhia agora. E, ajeitando melhor a bolsa de alça fina sobre seu ombro, Wendy foi tagarelando o caminho todo, sobre como estava animada em sair um pouco da nossa pequena rotina de Upiór.
Com alguns minutos de caminhada, Wendy e eu passamos em frente à loja de Caleb, que ainda parecia aberta. Até cogitei em ir até lá, mas sabia que escutaria a mesma coisa de sempre, sobre como ele não tem nada novo além das crendices populares.
Não demoramos tanto tempo para encontrar a tal ponte, que era pequena e feita de pedra, ficando sobre um estreito rio que corria para direção contrária de onde estávamos.
– Bem na hora.
Sobressalto em meu lugar, me virando e encontrando duas silhuetas paradas no final da ponta, opostas à direção que Wendy e eu estávamos. Blarie dá alguns passos até sair da escuridão, enquanto Amia continua parada no mesmo lugar, mas eu podia sentir que seus olhos estavam em mim, essa sensação de ansiedade correndo pelo meu corpo, querendo encará-la de perto.
– Nós vamos por aqui. – Blarie aponta para onde ela estava, se virando e andando na outra direção. E assim, nós duas a seguimos.
Tudo que eu via de Amia, era seu longo vestido vermelho que beirava ao chão e seu cabelo rosa-claro que balançava em sincronia aos seus passos. Ela e Blarie andavam na frente, e Wendy e eu atrás, nós quatro em silêncio.
Parecíamos nos afastar cada vez mais das casas e comércios, até que estivéssemos em uma parte de Upiór que eu não conhecia, com nada além de uma casa média de madeira com todas as luzes acessas. Ela ficava, provavelmente, na outra ponta do vilarejo, rente às árvores que cercavam o lugar.
Seguindo até a porta, percebo que o lado de dentro se assemelhava a uma taverna um pouco mais moderna. Eu não podia imaginar isso, já que não havia letreiro ou qualquer coisa que indicasse do lado de fora.
O local estava quase vazio, a não ser pelas duas garotas sentadas em uma mesa mais afastada. Mas isso não impedia uma suave música de transitar pelo ambiente, onde funcionários estavam a postos atrás do balcão ou perto de portas que deveriam indicar a ala de funcionários.
Amia olha sobre os ombros, pela primeira vez me mostrando seu rosto bem delineado em cor preta nos olhos, e um batom de cor similar ao meu. Ela sorri, fechado, e faz um gesto de mão para que a seguíssemos.
Nós nos sentamos em bancos altos e redondos de madeira. Amia entre mim e Blarie, e eu entre ela e Wendy.
– Quatro licores de mirtilo, por favor. – Amia pede para o homem de cabelos brancos, que estava parado na ponta do balcão com um pano dobrado em seu braço.
O homem acena positivamente e se vira em direção à grande estante de fundo do balcão, pegando uma das inúmeras garrafas enfileiradas. Depois, junto da garrafa, ele pega mais quatro pequenos copos de vidros. Ele deposita os copos, cada um em frente a uma de nós, e os enche com o conteúdo de cor escura e vermelha. Por fim, o homem de cabelos brancos, deixa a garrafa por perto e se afasta.
– A nós. – Amia sorri, e ergue seu pequeno copo no ar, propondo um brinde.
Todas nós repetimos a ação, mesmo que eu encare o conteúdo do copo de forma receosa.
– O que foi, Elena querida? Você não gosta de licor? Se quiser, eu peço outra coisa... ou talvez você não beba? – Amia pergunta, estreitando os olhos, enquanto me encara com seu copo vazio.
O licor parecia ter deixado seus lábios ainda mais vermelhos.
Olho para o interior do copo, me sentindo estranha de alguma forma apenas pela cor que o licor possuía. Sinto Wendy colocar uma mão sobre meu ombro, e quando a olho, ela sorri, dizendo que a bebida não era ruim.
Amia e Blarie me encaram com expectativa, e me sinto nervosa por isso.
Respiro fundo, e levo o copo até a boca, virando-o receosamente, sentindo uma quantidade pequena da bebida tocar meus lábios. O gosto doce invade minha boca, e reconheço o sabor da fruta misturado ao álcool, e isso me dá mais segurança para beber todo o licor.
– Não foi difícil, foi? – Blarie, que estava ao lado de Amia, se inclina sobre o balcão de pedra para me encarar.
– Eu vou tentar. – Respondo, entre um suspiro mais relaxado.
– Assim que se fala. – Blarie sorri.
Amia pega a garrafa aberta e começa a encher o meu corpo outra vez.
– Exatamente, vamos nos divertir hoje. – Ela olha do copo cheio para mim, antes de encher seu próprio copo e o de Blarie e Wendy.
– Você pode aumentar um pouco a música? – Blarie pergunta para o mesmo homem que nos trouxe o licor.
Outra vez ele assente, mas agora caminha até uma das portas de madeira, sumindo entre ela para, segundos depois, escutarmos a música ficar mais alta, nada que chegasse a ser incômodo.
– Como vocês descobriram esse lugar? Vocês sabem, Upiór não tem muitas coisas. – Wendy fala ao meu lado.
Menos hesitante dessa vez, bebo devagar todo o licor do meu copo.
– Foi por acaso. Acredite, nós também ficamos surpresas ao encontrar esse lugar. – Blarie responde, puxando a garrafa para perto e enchendo seu copo de novo.
Ela vira a bebida com rapidez e depois se levanta em seu vestido escuro.
– Alguém quer dançar comigo? – Ela pergunta, colocando seu cabelo púrpura para trás da orelha.
– Eu não danço. – Respondo.
– Nem eu. – Amia fala de forma lenta, ainda me encarando.
– Eu vou então. – Wendy arrasta seu banco ao meu lado, e se levanta, indo com Blarie para perto das mesas, onde elas dançam solitárias em uma taverna quase vazia.
Que noite.
– Fiquei contente por ter vindo, Elena. – Amia diz, me fazendo olhá-la.
Ela apoia um de seus cotovelos sobre o balcão de pedra, e apoia seu rosto sobre sua mão fechada.
– É bom sair às vezes. – Digo, e ela assente. – Blarie comentou sobre você ter passado mal ontem à noite, o que houve? – Pergunto o que eu realmente queria saber, atenta a qualquer reação que a garota de cabelo rosa-claro, poderia ter.
– Foi só um mal-estar, não se preocupe, já estou bem. – Amia responde calmamente, enquanto enche seu copo vazio.
– Isso é bom. – Aceno. – E os bolinhos que te dei? – Mesmo que eu tente parecer tranquila por fora, por dentro sinto que a ansiedade fica indo e vindo.
Amia toma um gole do seu licor, afastando o copo de seus lábios avermelhados pelo batom e bebida.
– Estavam ótimos, você foi muito gentil em me oferecer. – Ela sorri sem mostrar os dentes.
Queria poder saber o que ela pensava agora, não posso dizer que Amia foi ruim, e mesmo assim, me sinto estranha perto dela, não é nada natural, como é estar com Blarie, por exemplo. Eu não consigo explicar ou entender isso, era como uma relação mascaradamente hostil.
Amia estende sua mão livre, tocando em uma das mechas loiras de meu cabelo.
– Você está tão bonita hoje. – Seus olhos correm devagar por meu rosto, e seus dedos passando por meu cabelo.
Fico alguns segundos em silêncio, e automaticamente olho para Wendy e Blarie, que pareciam animadas se divertindo em sua própria dança.
– Obrigada. Você também está bonita, como sempre. – Sorrio fechado e ela retribui.
– Mas me diga, Elena. – Pela segunda vez, Amia enche meu copo. – Você tem namorado? – Seus olhos encontram os meus, assim que ela afasta a garrafa do meu copo.
– Não, eu não namoro. – Respondo, antes de beber um pouco do licor, que a cada gole parecia adquirir um gosto mais doce e agradável.
– É uma pena que uma garota como você não namore. Sabe... – Ela segura em outra mecha de meu cabelo – eu até que poderia ser sua namorada, se não estivesse com o Taehyung. – Amia sorri para mim, e eu me forço a sorrir de volta.
– Vamos brindar ao seu namoro. – Sugiro e ela me olha interessada, pegando seu copo quase vazio.
– Ao meu namoro com o Taehyung. – Amia leva seu copo para perto do meu, batendo o vidro levemente, que faz um barulho baixo, selando o nosso brinde.
Capítulo 16 – Parte II
Assim que finalizamos nosso pequeno brinde, a porta da taverna é aberta e novos visitantes entram.
Blarie para de dançar quando vê, e Wendy a imita por estar confusa, até se virar e encarar os quatro garotos de roupas escuras que estavam parados perto da porta fechada.
– O que vocês estão fazendo aqui? – Blarie pergunta, se aproximando dos garotos com Wendy.
– Você não é dona do lugar, ou é? – Jungkook pergunta, debochado, antes de passar com Taehyung e Yoongi, indo até uma das mesas.
Jimin é o único que vem em nossa direção, deixando Blarie e Wendy paradas no mesmo lugar.
– Oi. – Jimin me saúda, sorridente. – Você está linda.
– Obrigada. – Sorrio de volta, me sentindo melhor por Jimin estar aqui.
– Vocês não vieram atrapalhar, vieram? Era pra nós quatro estarmos aqui sozinhas. – O tom de voz de Amia, parecia um pouco irritado.
– Noite das garotas? – Jimin pergunta, enquanto pega nossa garrafa de licor e o meu corpo, emprestado. – Desculpa, eu não sabia. – Ele enche o copo e toma um pouco da bebida, não se importando com seu tom de voz, que não poderia ser mais cínico. Jimin não fez nem questão de disfarçar.
– Como que conseguiram tirar ele de casa? – Blarie pergunta, assim que se aproxima de nós, olhando de canto de olho para a mesa dos irmãos.
– Taehyung é um morcego, esqueceu? Morcegos gostam de sair de noite. Mas foi fácil, só precisamos falar que a Elena estaria e, de alguma forma, isso foi o bastante pra fazer ele sair. Eu não entendi, mas quem é que entende o Taehyung? – Jimin coloca o copo de volta no balcão, sorrindo dissimuladamente, enquanto dá de ombros.
Disfarçadamente, olho para Amia, que encarava Jimin com os olhos estreitos, como se quisesse entender o que ele estava dizendo.
– Vamos todos nos sentar lá. – Jimin sugere, e estende gentilmente sua mão para mim, e quando eu aceito seu convite, ele me leva para perto dos outros irmãos.
Não sei ao certo quantos lugares tinham ao redor da mesa retangular, mas eram muitos, e devido à maneira como se sentaram, de um lado eu tinha Taehyung, e do outro, Jungkook. E mesmo que eu não quisesse sentar ao lado de nenhum deles, julguei que me sentar ao lado de Jungkook seria mais fácil. Por isso, penso em trocar de lado com Jimin, que, por algum motivo, sutilmente me empurra para o lado direito, me obrigando a sentar ao lado de Taehyung, enquanto ele se senta ao lado de Jungkook.
– Assim eu posso te ver melhor. – Jimin diz quando se senta do outro lado de mesa.
Fico imóvel em meu lugar, sem coragem para olhar para o lado, querendo me levantar e sentar do outro lado, mas Amia e as meninas chegam perto da mesa, e ela se senta ao meu lado, me deixando entre ela e Taehyung. Wendy e Blarie se sentam do lado contrário, com Jimin.
Neste momento, era como estar em uma cilada com dois predadores, um de cada lado. E isso não podia ser mais desconfortante.
Todos ao redor da mesa ficam em silêncio, apenas se encarando, e claro, eu só olhava para frente, sem saber o que fazer.
As duas meninas que estavam no bar, fora a gente, se levantam e saem pela porta, fazendo de nós oito, os únicos clientes da taverna.
– Hum... o que fazemos agora? – Wendy tenta quebrar a tensão, ajeitando sua bolsa sobre seu ombro.
– O que vocês estavam fazendo antes da gente chegar? – Jimin pergunta, entrelaçando suas mãos sobre a mesa.
– Conversando. – Blarie responde e a mesa volta ao silêncio.
Yoongi suspira alto.
– Vamos beber. – Ele sugere, passando a mão por seus cabelos lisos e brancos.
– Já sei. – Jimin fala, parecendo subitamente animado. – E se nós, fizéssemos o beijo de sangue? – Ele sorri grande e olha para seus irmãos.
Jungkook ri nasalado, com uma expressão de insatisfação.
– Isso não é coisa de colegial? – Yoongi apoia um de seus braços sobre o assento do grande banco curvado, ao redor da nossa mesa.
– O que é beijo de sangue? – Wendy pergunta, com os olhos curiosos.
– Nós nos sentamos intercalados, cada um com um copo de licor. Todos precisam beber um pouco, tentando deixar exatamente um dedo de bebida no copo, quem não conseguir, precisa beijar a pessoa sentada do seu lado direito. Não precisa ser um beijo de verdade, você entendeu. – Blarie dá de ombro, tentando ganhar um pouco de espaço entre Wendy e Jimin.
Isso não parece uma boa ideia.
– E por que beijo de sangue? – Pergunto um pouco baixo, e sinto que todos os pares de olhos ao redor da mesa me encaram. E dois em especiais me deixam um tanto quanto nervosa, os de Jungkook, que me observam atentos, e os de Taehyung, que mesmo não os vendo, sei que estão sobre mim.
– Porque usamos o licor, que é vermelho como o sangue, e porque ele é um pouco mais espesso que as outras bebidas e fica mais difícil de deixar um dedo do líquido. – Jimin, ainda animado, se levanta, passando por Blarie e Wendy. – Vou buscar alguns copos e uma garrafa, enquanto isso vocês já podem ir se ajeitando.
O silêncio paira sobre a mesa outra vez. E agora, mais do que nunca, me sinto nervosa.
– É melhor fazermos logo, senão Jimin vai passar a noite toda insistindo. – Blarie diz, se levantando e trocando de lugar com Jungkook, ficando entre ele e Yoongi. – Elena, troca de lugar com o Taehyung. – Ela aponta em minha direção e meu corpo congela.
Respiro fundo, e sem olhá-lo, me levanto, passando na sua frente de modo rápido, me sentando entre ele e o Yoongi.
Quando Jimin volta com a garrafa e os copos, ele se senta ao lado de minha irmã, onde, nossa ordem final ficou: Jimin, Wendy, Jungkook, Blarie, Yoongi, eu, Taehyung e Amia.
Jimin enche cada um dos pequenos copos e depois os empurra em nossas direções. E quando pego meu copo para que ele não escorregue para fora da mesa, percebo meus dedos gelados pelo nervosismo.
Respiro fundo em segredo e fico em silêncio, imóvel entre Yoongi e Taehyung.
– Vamos começar. – Jimin anuncia, olhando animado para cada um de nós.
Aperto o copo contra os meus dedos, enquanto seguro firmemente no tecido de meu vestido, com a outra mão escondida debaixo da mesa. Todos começam a beber o licor de mirtilo, e sou a última a fazer isso, em goles lentos e tementes.
Enquanto sinto o gosto doce do licor descendo por minha garganta, fecho os olhos e afasto o copo de minha boca, colocando-o sobre a mesa, com medo de abrir os olhos e ver o resultado.
– Blarie perdeu a primeira rodada. – Escuto a voz de Jimin, e abro os olhos, olhando diretamente para o meu copo quase vazio.
Tentando disfarçar minha mão que começava a tremer, levo o dedo indicador até a parte inferior do corpo, medindo o tanto de licor que ainda restava, e suspiro aliviada ao ver que havia conseguido deixar exatamente um dedo de bebida.
– Parece que a Blarie foi a única. – Wendy diz, apoiando seu rosto em uma das suas mãos, sorrindo divertida para a garota de cabelos púrpura.
Blarie tenta parecer normal, mas sou capaz de perceber o pequeno sorrisinho que ameaçava surgir em seus lábios pintados de salmão-claro.
Ela olha para Yoongi, que ainda estava com um de seus braços apoiados sobre o assento do banco. Ele a olha de volta, completamente relaxado com isso. Depois, Blarie se inclina em direção a Yoongi, e coloca uma de suas mãos contra a pele pálida dele, antes de aproximar seu rosto para um longo selinho.
Me sinto estranha ao ver isso, mas também me sinto feliz por ela, pois sei que mesmo negando, Blarie gosta de Yoongi. Nunca a vi ficar envergonhada por nenhum dos irmãos, a não ser por ele.
– Próxima rodada. – Jungkook avisa, negando com a cabeça depois de ver o beijo de Blarie e Yoongi.
Jimin voltar a encher os copos de todos, e tudo que posso fazer é segurar o meu com firmeza, querendo sair desse jogo, mesmo que minhas pernas e minha boca não me obedeçam agora.
– Elena, você precisa me dar o seu copo. – Jimin sorri e todos me olham.
Tento disfarçar, acenando com a cabeça e empurrando meu copo na direção dele, que o enche com o líquido vermelho.
Respiro fundo de novo e pego o copo de volta. Jimin dá o sinal para a segunda rodada, e todos começam a beber o licor. Como antes, eu fecho os olhos enquanto faço isso. Coloco o copo de volta sobre a mesa, e abro apenas um olho, espiando a quantidade de licor que restou no meu copo, muito similar à da rodada anterior. Respiro aliviada de novo, e confirmo com o dedo, vendo que eu havia conseguido mais uma rodada.
– Você perdeu de novo, Blarie. Isso não é difícil, só você está errando, por acaso está fazendo de propósito? – Jimin provoca Blarie, que arregala os olhos com descrença.
– Eu estou jogando pra valer, Jimin. – Blarie responde rápido demais, e seu rosto fica vermelho. Mas ela poderia ter a desculpa da bebida.
– Não é o que parece. – Amia diz, fazendo Jungkook e Wendy rirem.
Irritada, Blarie dá um rápido selinho em Yoongi, e joga seu copo em direção a Jimin, para a próxima rodada.
– Ei, calma. É só uma brincadeira. – Jimin ri, a encarando com divertimento, enquanto Yoongi olha para Blarie com os olhos atentos.
– Essa vai ser a última rodada, o licor já está acabando. – Jimin avisa, quando começa a encher os copos.
Um a um, ele empurra os copos de volta. E me sinto um pouco mais confiante, acho que sou boa nisso, consegui passar duas rodadas, e só falta uma.
– Certo... – Jimin estreita os olhos, e nos encara com divertimento. – Última rodada antes que eu pegue mais uma garrafa de licor.
Respiro fundo e seguro o copo. Encaro o licor, e resolvo que dessa vez não vou fechar os olhos.
Olho para frente, e meu olhar encontra o de Wendy, que faz um sinal de positivo para mim, enquanto bebe seu licor. Assinto para ela, e levo o copo até a boca, sentindo o sabor de mirtilo e do álcool tocarem minha garganta.
Afasto o copo e limpo meus lábios com o auxílio da língua, retirando o excesso de bebida. Olho em volta e percebo que ninguém parece ter perdido essa rodada, nem mesmo Blarie.
– Elena. – Wendy chama, e quando a encaro, ela aponta em minha direção.
Franzo o cenho, e depois olho para o meu copo, vendo que estava quase vazio, apenas um único resquício de licor. E eu nem precisava conferir para saber que perdi.
Meu coração dispara instantaneamente, e todo meu corpo esfria, enquanto sinto os meus dedos suarem ao redor do copo.
– Parece que você perdeu. – Yoongi diz, calmo.
Blarie, ao seu lado, tapa parcialmente a boca com a mão, tamborilando seus dedos na pele pálida, enquanto me olha. Jungkook fica mais atento, com um olhar que acompanhava cada respiração que eu dava.
– Agora você precisa beijar o Taehyung. – Jimin fala entre um sorriso que parecia compartilhado com Wendy.
Fico parada por mais alguns segundos, sentindo meu peito subir e descer rapidamente, enquanto encaro o copo preso entre os meus dedos.
– Eu... E-Eu... – Aperto o copo com mais força, como se pudesse quebrar o vidro.
– Você não quer que a gente comece a gritar "beija! beija!", não é? Porque se quiser, eu posso fazer isso. – Blarie pergunta e me apresso a responder um "não" afobado.
É só um selinho, Elena. Vai ser rápido, você pode fazer isso, mesmo na frente de todos... não, eu não posso. O Taehyung namora, isso não é certo. Eu vou pedir para sair do jogo.
Coloco o copo sobre a mesa, atraindo a atenção de todos. Aperto o tecido de meu vestido com a mão escondida e engulo em seco. De canto de olho, tento espiar Taehyung que, claro, estava me encarando.
A mesa fica em silêncio, esperando pacientemente pelo que eu deveria fazer.
– Isso é ridículo. – Escuto a voz de Amia dizer, e por canto de olho, percebo quando ela se levanta do lugar e se inclina entre Taehyung, aproximando-se de mim.
Amia coloca uma de suas mãos em minha nuca e me puxa para frente, juntando seus lábios pintados de vermelhos, aos meus lábios pintados de vermelho. Segundos depois, ela se afasta e me encara.
– Pronto, está feito.
– Eu não acredito. – Blarie começa a rir.
– Isso não está certo. – Jimin contesta, enquanto eu continuo congelada em meu lugar, sem acreditar no que aconteceu.
– Qual o problema? Foi um beijo e eu também estou do lado direito dela, então está certo sim. – Amia volta a se sentar em seu lugar, fazendo Blarie rir ainda mais, enquanto Wendy acompanha ela.
– Vou pegar outra garrafa. – Jimin se levanta com uma feição de desgosto.
– E-Eu preciso ir ao banheiro. – Me levanto junto com ele, e saio apressada daquela mesa.
Pergunto para o primeiro funcionário que acho, onde fica o banheiro, e as suas instruções me levam até um corredor escuro que ficava em uma entrada ao lado do balcão de pedra. Caminho até o final do corredor, me deparando duas portas vermelhas, uma que indicava um banheiro misto, e a outra com as palavras "saída de emergência". Eu me sentia em uma situação de emergência agora, por isso, escolho a porta da minha esquerda, segurando na barra de metal que ela possuía, e com alguma força, a empurro para fora.
Sou recebida pela noite agradável, que aos poucos se torna mais fria do que antes. Com cuidado, fecho a porta, e dou alguns passos pela pequena rua estreita com algumas latas de lixo espalhadas pelos cantos. Encaro o grande muro da casa da frente, enquanto escuto o som dos pequenos insetos e bichinhos da noite.
Cruzo os braços e fechos os olhos, aproveitando o silêncio para pensar em como Amia me beijou para evitar que eu fizesse o mesmo com Taehyung. E tudo isso só me deixa ainda mais culpada, porque mesmo que eu não tenha uma grande amizade com ela, no final das contas, ela é a namorada dele e não eu.
Expiro alto, passando as mãos pelo rosto, querendo ir embora desse lugar e me enfiar debaixo das cobertas, onde eu não faria mais nenhuma idiotice.
Encaro o chão e permaneço em silêncio, escutando a porta de emergência ser aberta.
– Está tentando fugir de mim?
Suspiro baixo, quando escuto a voz de Taehyung. Justamente quem eu não precisava ver agora. E sem vontade alguma, me viro, o vendo parado perto da porta fechada, com as mãos para dentro dos bolsos de suas calças.
Talvez seja só impressão, mas seus cabelos pareciam um pouco maiores que antes, todos os fios alinhados em frente aos seus olhos puxados com um olhar apático, que o deixava ainda mais... bonito. Droga! Às vezes eu me sinto irritada em como ele pode sempre parecer bonito em roupas novas. Sua aparêcia parece melhorar a cada dia, era assustador.
Mas nada disso muda os fatos, as coisas são como são.
– O que está fazendo aqui? – Pergunto.
– Eu vim atrás de você, não está óbvio? – Ele arque as sobrancelhas.
– Por quê?
– Porque você não sabe disfarçar. Essa desculpinha de ir no banheiro. – Ele faz um barulho com a boca, um som de desdém.
– Não, Taehyung. Eu quero saber por que você continua vindo atrás de mim? Você tem namorada. – Falo, colocando para fora tudo que deveria sair.
– Namorada? – Sua voz se torna baixa, e seus olhos cerram.
– Blarie me contou.
– Só porque alguém te contou uma coisa, não quer dizer que isso seja verdade. – Com as mãos ainda enterradas nos bolsos e com um semblante mais rígido, ele caminha para perto de mim como uma grande sombra de roupas pretas.
– Amia me falou tu...
– A Amia fala muitas coisas. – Taehyung me interrompe com a voz firme e mais alta.
Aperto meus braços cruzados e o encaro com um pouco de espanto, mas fico séria em seguida.
– Você não precisa mentir.
– Eu não estou mentindo. – Ele dá mais um passo para perto de mim e eu recuo, ainda com uma expressão séria.
Isso está se tornando tenso.
– Você quer saber o que a Amia disse depois que você foi embora ontem? – Taehyung inclina sua cabeça para o lado, fazendo o longo brinco em sua orelha, se mexer junto com os cabelos claros. – "Você está andando com crianças agora, Jimin? Essa garota é patética, ela nem deveria estar aqui. Você definitivamente precisa se livrar dela."
Os meus olhos se arregalam, enquanto prendo minha respiração por alguns segundos.
– E mesmo assim ela te convidou pra sair... ela até te beijou. Isso só mostra que você deveria ser menos ingênua ao acreditar no que te dizem. – Seu tom de voz sério e firme, só me deixa pior. – Se você escutar algo a meu respeito, e quiser saber a verdade – Taehyung se inclina para frente, de modo que possa encarar meu rosto –, pergunte isso pra mim.
Encolho os ombros no lugar, me sentindo pequena diante de sua presença e palavras.
– Me desculpe. – Com os ombros encolhidos, quase sussurro.
Taehyung faz o mesmo som de desdém que antes e volta a sua postura normal.
– Você não precisa pedir desculpas. – Ele desvia seu olhar, enquanto eu continuo me sentindo uma idiota por ter acreditado em tudo isso.
Eu percebi que Amia não gostava de mim verdadeiramente, mas isso é cruel... Eu sou uma criança patética?
– Se você vai ficar se martirizando por isso a noite inteira, tem uma coisa que você pode fazer pra compensar, em vez de pedir desculpas. – Taehyung diz e me encara com seriedade.
– O quê? – Pergunto, um pouco mais alto, tentada a querer continuar bem com ele.
Taehyung me olha por alguns segundos, antes de tirar suas mãos dos bolsos e usar uma delas para puxar um de meus braços cruzados, trazendo meu corpo para perto do seu. Ele passa seu braço direito ao redor da minha cintura e coloca sua mão esquerda na lateral do meu rosto, antes de se inclinar de novo, aproximando-se de mim.
Meu corpo estava contra o seu, tão perto quanto nunca esteve antes, e o toque de suas mãos era mais gentil do que a primeira vez que nos encontramos. Ele continua aproximando seu rosto do meu, até que os cabelos que beiravam seus longos e curvados cílios, tocassem a minha testa.
Meu coração se agita e tudo que consigo fazer é me apoiar contra os seus braços, devido a nossa proximidade. Taehyung fita diretamente os meus olhos e toca seu nariz no meu, inclinado sua cabeça para o lado de forma sutil, antes que seus olhos se tornem menores, para que depois ele me beije.
Seus lábios gelados encontram os meus, fazendo com que meus olhos se fechem automaticamente, e meu corpo imerge nessa sensação de ter ele fazendo parte de mim.
Acompanho seus movimentos, sentindo quando sua língua entra em contato com a minha, compartilhando o gosto de licor que tomamos mais cedo. A mão que segurava o meu rosto, desce até as minhas costas, enquanto a outra permanece na parte detrás de minha cintura, me deixando completamente junta ao seu corpo alto.
Involuntariamente, meus dedos apertam o tecido de sua camisa preta de seda, enquanto continuamos nosso beijo de forma sincronizada, como se fosse algo ensaiado.
O som da noite ganha um novo acompanhante, como uma sinfonia que, aos poucos, ia acrescentando mais instrumentos. Talvez o barulho de nossos beijos seja ainda mais alto do que a sinfonia da noite.
Nosso ritmo não tinha pressa, com um beijo lento e intenso que se perpetua por mais alguns segundos, até que Taehyung se separe de mim, deixando seu rosto tão próximo que tenho vontade de beijá-lo outra vez.
Ainda com seus braços ao meu redor, expiro fundo, enquanto encaro suas íris escuras, me sentindo completamente perdida e enfeitiçada de um jeito completamente novo. Todo esse seu jeito, não importa o quanto grosseiro ele tente ser, cada movimento de Taehyung era como uma grande aura de sedução que parecia emanar de dentro para fora do seu corpo.
– Por que você continua fazendo isso? – Pergunto quando seus braços se afastam lentamente do meu corpo.
Ele arqueia as sobrancelhas, também afastando seu rosto do meu, o deixando mais iluminado sobre a lua, me fazendo perceber alguns resquícios de meu batom em seus lábios.
– Eu não deveria te beijar? Assim você me machuca. – Taehyung ri sem humor, com um olhar mais suave, retomando sua postura.
– Você me machucou quando nos conhecemos, e agora... me beija. – Encolho os olhos, minha mania particular. Ainda tendo a sensação dos seus lábios contra os meus, e isso apenas me confunde mais.
– Você era uma estranha que apareceu no meu quarto sem ser convidada. – Ele responde, como se fosse algo óbvio, e talvez para ele seja.
– Você sabe que eu não fiz de propósito, eu estava procurando o Jimin... eu nunca faria aquilo com alguém. – Falo a última parte de maneira baixa.
– Exatamente, você não faria aquilo, mas eu não sou você, nós somos diferentes. Já pensou em como as coisas seriam chatas se todos fossem como você? – Taehyung coloca suas mãos para dentro dos bolsos, outra vez.
– Poderiam ser chatas, mas pelo menos seriam gentis.
Ele me olha sério, como se me repreendesse.
– Você não quer um Taehyung gentil, você quer um Taehyung que aja como você acha que eu devo agir. Isso não parece muito justo pra mim. Eu não sei o que você pensa de mim, mas eu não sou esse tipo de cara. Não é porque você passou algum tempo com o Jimin, que todos devem ser como ele.
– Não estou pedindo pra você ser como o Jimin. – Rebato, séria.
– Então o que você está me pedindo, Elena? – Sua voz volta a ficar firme e parece que tudo que aconteceu segundos atrás, simplesmente desapareceu. – Você deveria me agradecer, porque pelo menos quando está comigo, você consegue ser mais sincera. Passa o tempo inteiro com os meus irmãos, concordando com praticamente tudo que eles falam, e aposto que não ficou três dias na mansão por decisão própria.
Taehyung nega com a cabeça, rindo sem humor.
– Só nos encontramos algumas vezes, mas em todas elas, em vez de você concordar com as merdas que eu digo, você fala, nem que seja pra ser irritante. Eu sou um imbecil, mas perto de mim, você é verdadeira com o que quer, em vez de guardar tudo aí dentro.
Ele faz um gesto de cabeça, apontando para mim.
– Então, a pergunta que você deve se fazer é: por que eu continuou beijando o Taehyung? – Sua voz e entonação transformam a pergunta em uma grande pedra pesada, que me atinge sem deixar partes livres.
Pisco os olhos algumas vezes, sentindo eles arderem, enquanto um nó parecia ser atado ao redor da minha garganta.
– Eu não sei. – Respondo baixo, tão baixo que quase não me escuto.
– Não sabe? – Taehyung ri nasalado. – Talvez você devesse pensar um pouco sobre isso. Até lá, eu esperarei ansioso pelo nosso próximo encontro, Elena.
Sem dizer mais nada, passo ao lado de dele, e caminho até a porta da saída emergência, puxando a barra de metal e entrando de volta a taverna. Atravesso o corredor escuro e procuro por Wendy, dizendo que queria ir embora. Jimin tenta insistir para que eu fique, mas, no final, acaba se voluntariando para me levar para casa e me oferecendo sua blusa, alegando que estava frio demais do lado de fora. E sabendo que negar isso só estenderia suas insistências, acabei vestindo sua blusa que parecia elegante demais para mim.
Me despeço de todos, recebendo um olhar estranho vindo de Jungkook, que, por agora, não era uma das coisas mais importantes dais quais eu deveria me preocupar.
***
Wendy teve a companhia de Jimin para conversar durante nosso caminho de volta, o que evitava que eu falasse, e isso era bom, já que eu não podia pensar em mais nada a não ser no beijo que dei em Taehyung, e nas palavras que vieram depois.
Taehyung tem razão, por que eu continuo beijando-o, depois tudo? Por que continuo insistindo em tudo isso, mesmo depois de estar decidida a me dar bem com ele e seguir em frente?
– Chegamos. – Jimin para de andar assim que paramos na calçada da frente.
– Obrigada. – Wendy acena para Jimin.
– Não foi nada. – Ele acena de volta.
– Eu vou indo na frente, enrolar a vovó. – Wendy aponta para a casa, e eu assinto.
Quando Wendy se afasta, Jimin segura uma das minhas mãos, me fazendo olhá-lo.
– Você está bem? Parece um pouco abatida. Tem alguma coisa que eu possa fazer por você? – Ele me observa de maneira preocupada.
A ardência em meus olhos, retorna.
– Você é sempre tão gentil comigo. – Pisco os olhos rapidamente, tentando afastar a ardência. – Às vezes, eu queria que todos fossem como você. Acho que é meio que egoísmo da minha parte. – Sorrio fechado, enquanto encaro o chão.
Jimin aperta suavemente a minha mão, deslizando seus dedos pelos meus de forma terna.
– Você não precisa desejar que as pessoas sejam iguais a mim. Cada um é especial e gentil da sua maneira, você só precisa descobrir isso. – Volto a olhar Jimin, que tinha uma expressão de compreensão. – Sabe, eu adoro ter tantos irmãos, principalmente porque toda vez que eu estou com algum deles, é um momento diferente, sempre único e incrível, da maneira deles.
Jimin entrelaça nossos dedos, fazendo com que nossos anéis se toquem, criando um pequeno barulho.
– Nós dois, por exemplo, somos bem diferentes, e mesmo assim nos tornamos amigos. E eu não gostaria que você fosse parecida comigo. – Jimin sorri, tornando seus olhos pequenos.
– Obrigada. – Sorrio, verdadeiramente agradecida.
Em silêncio, encaro nossos dedos entrelaçados que, nesse momento, representavam muito mais que um gesto, era a ligação que criamos desde que cheguei em Upiór.
– Isso não é muito justo, o seu anel é mais bonito que o meu. – Olho para Jimin, que tinha falsa careta em seu rosto, enquanto encarava nossos anéis, e sei que ele está tentando me fazer sentir melhor.
– Se chama Anel Da Lua. – Sorrio para mim mesma, me lembrando do dia em que a minha mãe me contou a história desse anel de família.
– O meu se chama Anel Do Sol. Até nisso somos diferentes. – Jimin ri engraçado, me fazendo acompanhá-lo.
– Eu acho que preciso entrar agora. – Separo nossas mãos, e começo a tirar sua blusa, mas Jimin me impede.
– Fique com ela, isso será uma boa desculpa pra você me visitar mais rápido. – Ele sorri uma última vez, antes de acenar e se virar, indo embora pela rua de ladrilhos.
Aperto a blusa de Jimin contra o meu tronco, como se fosse um abraço seu, enquanto vou em direção a casa de vovó, para uma longa madrugada repleta de pensamentos repletos de Taehyung.
Capítulo 17
– Wendy, terminei! Você já pode vir limpar tudo! – Grito da cozinha, enquanto tampo o pequeno pote quadrado que guardava meia dúzia de bolinhos de Erva-Verde.
– Pronto, está feito. – Coloco as mãos sobre a cintura e sorrio minimamente, me sentindo aliviada por finalmente ter feito isso.
Procuro por meu celular, que deixei sobre a mesa, checando no visor que já marcava quase seis horas.
Limpo as mãos – com quase imperceptíveis resquícios de farinha – no avental em torno da minha cintura, e depois desato o nó que o prendia ao meu corpo, dobrando a pequena peça florida e, em seguida, a deixando sobre a pia.
Caminho até a saída da cozinha e vou direito para a sala, onde encontro Wendy jogada no sofá, mexendo em seu celular, com a televisão ligada de fundo. E sem que minha irmã perceba, puxo uma das almofadas na direção contrária, e a solto sobre sua cabeça.
Wendy forma um bico em seus lábios e me olha com desagrado.
– Não me escutou falando com você, não? Já pode ir lavar a louça, Wendy. – Bato, levemente a ponta de dois dedos contra sua testa, e ela retorce o rosto em uma careta, logo depois afastando meus dedos e tapando sua testa com a própria mão.
– Por que eu preciso lavar a louça? – Com um tom de voz indignado, Wendy se levanta do sofá em seu pijama roxo-claro e branco.
– Porque eu fiz os bolinhos. – Levanto as sobrancelhas e respondo o óbvio que talvez não seja assim tão óbvio para Wendy.
– E por que precisamos levar esses bolinhos para o padre? – Ela espreguiça o corpo, ainda segurando o celular em uma das mãos.
– Você sabe que a vovó pediu, agora vai lavar a louça. Eu preciso tomar banho e depois que terminar, você faz o mesmo. Não vamos nos atrasar muito, senão a vovó vai ficar irritada. – Respondo - pela milésima vez naquela dia - a mesma coisa.
Escutando os resmungos de Wendy, saio da sala e vou em direção às escadas, subindo os degraus com os pés cobertos por meias listradas. No andar de cima, vou direto para o meu quarto, onde separo uma roupa limpa e decente para ir até a capela; depois, pego tudo que preciso para um banho.
Retiro minhas roupas do dia e ligo o registro do chuveiro, fechando os olhos enquanto sorrio aliviada ao sentir a água quente abraçar meu corpo. Tentando não molhar o cabelo, desvio a cabeça da água corrente e das gotas teimosas que pingavam para alguns lados todas às vezes que se chocavam contra o meu corpo.
Quando finalizo meu banho, enrolo meu corpo úmido em uma tolha seca e volto para o quarto. Caminho até a janela e arrasto uma brecha da cortina para o lado, observando o céu limpo ganhar um tom escuro.
Depois de perder alguns segundos olhando através do vidro limpo da janela, me afasto e começo a secar meu corpo, em seguida, vestindo roupas limpas. Procuro por um par de sapatos confortáveis e, por fim, arrumo o meu cabelo, a tempo de ver Wendy entrar no quarto, já tirando suas roupas e as jogando sobre o chão.
Nego com a cabeça em desaprovação, recolhendo cada peça de roupa que minha irmã deixou pelo caminho, como uma pequena trilha que levava até a porta do banheiro.
Saio do quarto e volto para o primeiro andar, especificamente para a cozinha, em busca do celular que deixei sobre a mesa. Pego o aparelho e encaro o visor que agora marcava seis e meia. A foto de fundo era nova, Wendy praticamente me obrigou a colocá-la, onde tudo se resumia a ela sorrindo para a lente da câmera. E no celular de minha irmã, havia uma foto minha, uma espécie de combinação de wallpaper, ou qualquer bobagem que ela tenha dito enquanto me importunava para fazer isso.
Essas fotos foram tiradas há três dias, exatamente quando Wendy e eu saímos com as pessoas da mansão, para uma noite um tanto quanto conturbada. Desde então não vi mais nenhum deles, nem mesmo Jimin apareceu na loja. Talvez ele esteja me esperando, querendo sua blusa de frio de volta, mas a verdade é que, eu me sinto tão pequena depois de o que aconteceu, toda aquela situação com Taehyung, e saber como Amia podia ser tão cruel. Eu não posso dizer isso em voz alta, mas, ao mesmo tempo que eu gostaria de ir até à mansão, me sinto receosa.
Acho que não tenho olhos para encarar essa situação.
Suspiro alto e guardo o celular no bolso traseiro de minhas calças. Olho em torno da cozinha limpa por Wendy, antes de caminhar para perto da pia, procurando sobre a pequena marretinha rente à janela, o anel que eu havia tirado por um segundo, depois de perceber que ele juntava uma grande quantidade de massa durante o preparo dos bolinhos.
Vasculho entre os temperos bem organizados, mas não encontro meu anel. Franzo o cenho e olho em volta, procurando por outros lugares na cozinha, mas ele parecia simplesmente ter sumido.
– Será que eu levei pro quarto e não me lembro? – Pergunto para mim mesma, saindo da cozinha e voltando para o andar de cima.
Retorno ao quarto, escutando o chuveiro de fundo. Dou algumas batidas na porta do banheiro e peço para Wendy se apressar, e depois começo a procurar por meu anel no meio das minhas coisas. Quase reviro cada roupa, sem sucesso.
Agachada ao lado da cama, me levanto e mordo o interior da boca, pensando em qual lugar eu deixei esse bendito anel. Minha mãe me deu ele, tem um grande valor sentimental, não posso perdê-lo como Wendy fez com o dela.
Solto outro suspiro e decido procurar mais uma vez no guarda-roupas, remexendo entre roupas, acessórios, produtos de pele e qualquer coisa entre o meu anel e seu esconderijo.
Me sinto frustrada por não conseguir encontrá-lo e, por isso, acabo abrindo o lado de Wendy do guarda-roupas, apenas como uma opção a mais. E não preciso vasculhar por mais de alguns segundos para encontrar meu anel enterrado entre alguns vestidos seus. Chego até mesmo a conferir a marcação no fundo do anel, com uma pequena letra “E”, que diferenciava o meu anel do da minha irmã.
Um pouco confusa, puxo o objeto do meio dos vestidos e fecho o guarda-roupas.
– Terminei. – Wendy cantarola alto, saindo do banheiro sem roupas e secando seus cabelos molhados na tolha branca.
Ela para ao meu lado e procura por algumas roupas.
– Hm, Wendy... por que meu anel estava nas suas coisas? – Pergunto, a fazendo parar de mexer em suas roupas para me olhar com o cenho franzido.
Ela olha do anel em meus dedos, para mim.
– Eu guardei pra você, ele estava jogado lá na cozinha. Fiquei com medo que pudesse perder o seu também. – Ela sorri e volta a mexer em suas roupas, puxando uma blusa amarela do meio das peças dobradas.
– Eu só achei um pouco estranho ele estar escondido no meio das suas coisas. – Rio baixo, tentando amenizar tudo isso.
– Ele não estava escondido, Elena. – Wendy rebate, enquanto veste sua blusa, sem se preocupar em vestir um sutiã. – Eu devo ter colocado ele aqui por acaso.
– É, você está certa. – Aceno com a cabeça e forço um sorrio. – Se apresse, já estamos atrasadas.
***
Quando Wendy finalmente fica pronta, nós duas seguimos para a loja de vovó, que já nos esperava com impaciência. Ela fechou a loja, encerrando todas as atividades do dia, e durante nosso caminho até a capela, vovó enfatizou inúmeras vezes que Wendy e eu teríamos que trabalhar na loja no dia seguinte, já que tivemos o dia de folga para que eu fizesse os bolinhos para o padre.
Caminhando debaixo de um enfeitado céu estrelado e tempo agradável, nós três traçamos as ruas de ladrilhos, acenando educadamente para cada morador que nos cumprimentava pelas calçadas, andando com seus amigos ou família.
Não demorou até que estivéssemos em frente à pequena capela, onde algumas pessoas se alternavam entre entrarem e saírem pela porta dupla de madeira.
Com o seu crucifixo pendurado ao redor do pescoço, vovó pede para que a seguíssemos em silêncio, respeitando o local; e assim o fizemos. Com o número considerável de pessoas, nós nos camuflamos entre elas, entrando no lugar sagrado.
O ambiente era pouco iluminado, enquanto passávamos por entre o corredor no meio dos bancos largos, onde alguns rezavam sentados e outros ajoelhados, adornados com véus em suas cabeças e crucifixos em suas mãos.
Em silêncio, observo cada detalhe da capela que, mesmo sendo pequena, era realmente acolhedora, deixando as pessoas confortáveis para externalizarem sua fé. Não importa quantas vezes eu entre nesse lugar, acho que sempre vou observar as duas fileiras de bancos largos de madeiras, os vitrais coloridos, o grande altar no fundo e a imponente cruz pregada no alto da parede.
Talvez eu tenha imergido demais nestes detalhes, pois acabo chocando meu corpo com o de uma garota de longos cabelos escuros, que cobriam boa parte de seu rosto com o véu branco e um pouco transparente, o que me possibilitou ver os grandes orifícios azuis que eram seus olhos.
Me desculpo e a garota sorri como se não fosse grande coisa, depois passa ao meu lado usando um longo vestido branco, indo em direção à saída da igreja. Observo por alguns segundos seu corpo pequeno e franzino se movimentar em passos calmos, fazendo as pontas de seus cabelos acompanharem o balanço, assim como o crucifixo enrolado em torno da sua mão esquerda. E com a barra de seu vestido quase tocando o chão, ela deixa a capela.
– O que você está fazendo? Vamos. – Wendy arrasta o som do “O” em sua última palavra, de maneira baixa, e segura em minha mão, me puxando para frente para que alcançássemos vovó que, por sinal, já estava diante ao altar elevado, conversando com uma figura vestida em uma batina preta.
Humildemente, minha irmã e eu nos aproximamos.
– Minhas netas. Mas o senhor já as conhece. – Vovó aponta com a mão livre em nossa direção.
O padre, que estava parado em seu lugar com as mãos em frente ao próprio corpo, na altura do ventre, sorri gentilmente.
– Sejam muito bem-vindas de volta à casa do Senhor, o lugar onde vocês podem deixar todos os seus pecados para trás. – Com um olhar manso, o padre mantém o sorriso.
E sem saber o que eu deveria responder para ele, me contento em sorrir de volta, e Wendy faz o mesmo.
– Veja, padre, vim até a capela para fazer minha reza, mas também vim trazer isso. – Vovó estende a sacola branca em direção ao padre, que mesmo sorrindo, a encara com confusão.
– Minha neta, Elena. – Vovó aponta para mim. – É uma ótima cozinheira, e ela mesma criou essa receita de bolinhos doces feitos com Erva-Verde, o senhor vai adorar.
O padre me encara.
– Erva-Verde? Nós adoramos Erva-Verde por aqui, será um prazer compartilhar esses bolinhos com os meus irmãos de fé. – De forma educada, o padre pega a sacola das mãos de vovó. – Elena, muito obrigada pelo seu esforço, nós o apreciamos muito.
– Não foi nada. – Coloco as mãos para trás do corpo, sorrindo genuinamente por este senhor de cabelos quase brancos, ser alguém tão simpático. Até mesmo sua fala soa simpática, tão calma e suave.
– Eu adoraria mostrar a capela para vocês duas, mas, infelizmente, é uma humilde capela pequena que só se dá para mostrar o que os seus olhos alcançam. – Segurando a sacola branca com as duas mãos, o padre sorri sem mostrar os dentes.
– Não tem problema, senhor padre. Acho que já vimos todas as partes da capela da outra vez que viemos. – Wendy fala ao meu lado e o padre ri.
– Apenas padre Albert, por favor. Bom, vou deixar vocês à vontade, preciso cuidar dos interesses da capela. Sintam-se em sua própria casa, já que a casa do Senhor é a casa de todos.
Com um gesto educado de cabeça, o padre se afasta, indo em direção ao pequeno confessionário.
– Vamos fazer uma reza e depois eu levarei vocês para comerem em algum lugar. Está uma noite muito bonita, devemos aproveitar. – O humor de vovó parecia completamente revitalizado agora.
***
Soando de certa forma engraçado, Wendy e eu havíamos nos ajoelhado diante de um dos bancos de madeira, enquanto rezávamos ao lado de vovó, que parecia saber muito bem fazer isso.
Mesmo que nossa mãe tivesse o costume de ir na igreja aos domingos, ela nunca nos obrigou a isso e, por este motivo, Wendy e eu não somos as pessoas mais espirituosas do mundo, então nossa reza foi rápida. Eu me contentei em agradecer por coisas normais, talvez o que todo mundo agradeça em uma reza: obrigada por mais um dia, pela comida, pela saúde, entre outras necessidades básicas de se ter uma vida.
Abro os olhos algumas vezes para espiar vovó, mas ela parecia ter muito o que pedir, então acabo trocando meio olhar aberto com Wendy, que mesmo sem dizer nada, é capaz de me fazer rir de nossa situação não habitual.
Depois de nossas rezas, para finalizar nosso dia tranquilo, vovó nos levou até um pequeno restaurante de três meses, que servia uma deliciosa comida caseira. E assim, nós três encerramos nossa noite ao redor de muitas conversas e risadas nostálgicas de memórias.
A noite estrelada do lado de fora alertava o dia – provavelmente – ensolarado que acordaria na manhã seguinte, tornando tudo aconchegante para nós três. E embolando seu crucifixo nos pontos traçados de seu xale vermelho, vovó o retira, deixando a peça de roupa sobre uma das cadeiras vazias do pequeno restaurante. Em seguida, ela vira parcialmente seu corpo para pedir para uma das garçonetes nos trazer mais uma rodada de refrigerante.
– Acho que nunca vou me acostumar com o fato de que a senhora tem uma tatuagem nas costas. – Wendy apoia o rosto entre as mãos entrelaçadas, enquanto encara a pele clara de vovó que, em certas partes, eram pintadas pelo preto.
Um grande desenho do que parecia uma sombra de um pássaro ou talvez morcego, preenchia o centro de suas costas, com uma grande estaca em formato de cruz como segundo plano, bem ao centro do desenho, como se acertasse o animal. Enquanto muitos riscos pareciam sair da suposta estaca, traçando quase que todas as partes de suas costas. E mesmo que eu pudesse ver apenas algumas partes do que o vestido de alças finas de vovó não cobria, eu sabia de cor cada traço da tatuagem, afinal, minha mãe tinha uma idêntica.
– Eu era nova e imatura, não faria isso de novo se pudesse voltar no passado. – Vovó vira seu corpo para frente, se sentando corretamente na cadeira.
– Vovó era uma rebelde, isso sempre soa engraçado pra mim. – Wendy ri, e vovó a acompanha.
– Sobre o que é isso, vovó? – Pergunto, sempre me sentindo curiosa quando o assunto era essas tatuagens.
– De uma banda qualquer da minha época, tolice de adolescente. – Vovó suspira de forma exagerada.
– Se a nossa mãe também tem uma dessas, nós deveríamos fazer também? – Wendy olha em minha direção com as sobrancelhas levantadas em animação.
– Não. Vocês não precisam disso. Elizabeth só fez aquela tatuagem para me irritar. – O tom de voz de vovó fica um pouco mais alto, enquanto ela abana a mão de um lado para o outro no ar.
– Sinceramente, irritar a própria mãe fazendo uma tatuagem idêntica a dela, isso é doideira, mas rende uma ótima história. – Wendy continua rindo.
Vovó pega seu xale de volta, cobrindo seus ombros e costas outra vez.
– Você nem imagina.
Capítulo 18
Balanço as mãos de um lado para o outro de forma automática, enquanto seguro o cabo da vassoura. Percebo que já estou fazendo isso a tempo demais e em apenas um ponto específico. No final das contas, não estou limpando nada.
Minha cabeça parece estar distante demais hoje, e mal posso me concentrar em coisas simples, como varrer o chão da loja de vovó.
Solto um suspiro alto, sentindo todo o meu corpo cansado como se eu não dormisse há muito tempo, isso era realmente ruim. Tudo o que eu tenho feito nessas férias se resumia a cuidar da loja e, às vezes, ir na mansão, mas, mesmo assim, sinto como se toda minha vitalidade estivesse dando um rápido adeus.
Paro de varrer o pequeno espaço no chão e retiro uma das mãos do cabo da vassoura, levando-a até o pescoço, onde faço uma pequena massagem.
– Você vai sair hoje? – Sobressalto em meu lugar quando escuto a voz de Wendy.
Olho para minha esquerda, a encontrando apoiada contra o balcão amarelo.
– Você me assustou. – Afasto a vassoura, colocando-a apoiada na parede atrás de mim.
– Eu já estou aqui há um bom tempo, mas você parecia em outro mundo e nem me notou. – Wendy ri e depois aponta para algo além de mim; quando me viro, percebo que ela estava apontando para a blusa de frio preta dobrada e escondida entre umas das partes do balcão.
– Acho que vou levar ela pro Jimin logo, antes que a vovó veja. – Respondo sua primeira pergunta.
– Certo. Então faça isso agora, e quando você voltar, nós podemos ir embora. Hoje eu estou morrendo de fome, aqueles bolinhos de arroz que compramos mais cedo não fizeram um bom trabalho. – Wendy se desencosta do balcão, levando uma mão até à barriga.
Assinto e desato o nó que dei em meu avental florido, o dobrando e colocando sobre o balcão.
– Estou indo. – Aviso e passo ao lado de Wendy, saindo de trás do balcão.
– Não está esquecendo nada?
Olho sobre os ombros de forma confusa e Wendy estende a blusa preta de Jimin.
– Está muito distraída hoje, cuidado para não se perder. – Ela me entrega a blusa e tudo que faço é acenar com a cabeça, antes de deixar a loja e caminhar para a entrada da floresta, debaixo do dia ensolarado que deixava o ar seco.
Passando por entre as árvores altas e sobre a terra seca, escuto as cigarras me rodearem, anunciando o dia quente. Sigo o seu barulho como se fosse um cântico que me guiaria até meu destino, com o vento nos acompanhando, balançando meu vestido e meu cabelo para trás.
Em meus passos sem pará-los, por um momento, fechos os olhos na tentativa de molhá-los, pois sinto-os ficarem secos pela falta de umidade no ar.
Alguns dedos de minha mão começam a suar um pouco, e os aperto contra a blusa de Jimin. Algumas folhas secas caídas no chão, esbarram contra os dedos de meu pé, levantando uma pequena e fina camada de poeira seca.
O vento passa de maneira mais forte por meu corpo, e abro os braços para recebê-lo melhor e me refrescar.
Observo cada arbusto grande e robusto, quando entro para o caminho que logo me levaria até à mansão e, por alguns instantes, me concentro em toda beleza natural que essa floresta exibia. Não importa se é a primeira ou a décima vez, todas elas sempre parecem mágicas quando trilho esse caminho, tudo aqui parece mais vivo que o normal, mais brilhante e bonito, era como estar andando pelo jardim de um conto de fadas.
Sem delongas, os traços gloriosos da mansão começam a surgir como linhas traçadas em uma folha branca. Sua construção é sempre a mesma, ela nunca muda, e mesmo assim, é sempre surpreendente vê-la parada e escondida dentro dessa floresta.
Passo ao centro dos portões abertos, caminhando para dentro do jardim bem cuidado, vendo o vento balançar cada tulipa ou pequeno ramo de folha. A fonte de gárgula funcionava perfeitamente ao centro do jardim, jorrando uma pequena quantidade de água de sua boca de pedra; ao passar do lado dela, toco a ponta de meus dedos na água caída da parte terra inferior, sentindo meus dedos quentes se refrescarem com a temperatura da água.
Balanço minha mão e a seco no vestido, saindo de perto da fonte e indo até os degraus que me levariam até à porta de entrada da mansão.
Subo cada um deles com passos arrastados e sem pressa, e uma vez de frente para a porta de madeira grossa e entalhada, seguro na aldraba com as duas mãos e o bato contra a porta três vezes, que se abre sozinha. Coloco uma parte de minha cabeça para dentro, espio o interior vazio da mansão e resolvo entrar.
Empurro um pouco mais a porta, e passo meu corpo pela fresta. Encosto a porta e começo a andar pelo hall, tomando algum tempo para reparar nos quadros antigos pendurados nas paredes, me lembrando de como foi estranho vê-los na primeira vez. E hoje, depois de toda a estranheza que me aconteceu, não seria uma loucura pensar que, talvez, as pessoas nas fotos não fossem parentes antigos, e sim, que são os próprios irmãos. Se estou considerando acreditar em vampiros, isso deveria servir como um incentivo.
Depois de passar por todo hall, paro ao centro da entrada, olhando para as duas escadas para o segundo andar.
– Estou na cozinha. – Uma voz feminina que reconheço ser de Blarie, chama ao meu lado esquerdo.
Vou até à cozinha, encontrando Blarie parada perto do balcão, onde um pequeno e redondo pote de vidro guardava muitas cerejas, todas elas banhadas e uma calda avermelhada.
– Quer uma? – Blarie pergunta, levando uma das cerejas até sua boca, a segurando pela haste e fazendo com que algumas gostas da calda avermelhada caíssem sobre o balcão limpo.
– Não, obrigada. Na verdade, eu vim devolver essa blusa para o Jimin. – Respondo, e os olhos de Blarie vão em direção a blusa que eu segurava sobre os dois braços.
– Ah, o Jimin... – Ela faz um som nasalado, e depois come mais uma das cerejas.
– Ele não está? – Ando para perto dela.
– Ele está sim, um pouco ocupado agora, mas está. Você pode esperar aqui comigo, acho que o Jimin não vai demorar.
Eu também não queria demorar, Wendy está me esperando e disse que estava com fome, e eu sei como ela pode ser irritante quando não tem o que quer. Mas se Jimin não vai mesmo demorar, acho que posso esperar por alguns minutos.
– Tudo bem.
Blarie empurra o pequeno pote de cerejas em minha direção, mas nego outra vez. Eu realmente não estava querendo isso agora.
– Você ficou três dias sem aparecer por aqui, acho que é um recorde, não lembro direito. – Blarie comenta, puxando o pote de volta para perto.
– Bem, eu não moro aqui. Acho que não preciso visitar todos os dias.
– Mas nós gostamos muito da sua presença, então não seja tímida, pode vir aqui todos os dias se quiser.
Ela faz um gesto de mão – com seus dedos que seguravam a pequena haste da cereja – antes de comê-la.
Não respondo Blarie, apenas fico em silêncio, observando o pequeno pote com cerejas.
– Você é do tipo contida, não é? Eu já percebi. Só queria dizer que já nos acostumamos com você por aqui, é como parte da família já.
– Vocês costumam colocar todos as pessoas que passam as férias em Upiór, dentro da família?
Blarie para de pegar cerejas, e me encara com as sobrancelhas arqueadas.
– Só as que são especiais, como você. – Ela sorri.
– Eu não acho que sou especial.
Blarie cruza os braços e os apoia contra o balcão, fazendo a parte da frente de seu longo vestido preto e de mangas, tocar o chão.
– Com certeza você é. – Ela abaixa sua cabeça, a deitando de lado sobre os braços cruzados. – Você tirou o Taehyung da caverna dele, isso é incrível, acredite no que eu digo.
Fico em silêncios por alguns segundos, absorvendo lentamente suas palavras, medindo o tamanho do impacto que elas podem ter sobre mim.
– O fiz sair do quarto para se irritar, essa é a única razão. – Falo sem grandes emoções.
– Mas ainda é valido. – Blarie levanta sua cabeça e descruza os braços, apoiando as mãos sobre o balcão para poder se inclinar em minha direção. – E também, você não pode me enganar assim. Eu percebi quando Taehyung saiu logo depois de você, quando estávamos no bar. Vocês ficaram um tempão seja lá onde estavam.
Blarie sorri abertamente, mostrando seus dentes alinhados e brancos.
Desvio meu olhar e tento conter meu constrangimento ao lembrar daquele momento que não acabou do jeito que começou.
– Se você não quer me contar o que aconteceu, tudo bem, porque eu posso imaginar muitas coisas.
Arregalo minimamente os olhos, e penso em uma resposta para sua impertinência, mas sinto que se eu tentar me explicar, as coisas ficaram mais sem jeito do que já estão.
– Talvez nós devemos falar sobre como você gosta de beijar o Yoongi. – Seguro firme a blusa de Jimin contra meu corpo, torcendo para que minha estratégia de mudar de assunto dê certo.
– Isso não é uma novidade, eu já beijei o Yoongi muitas vezes. – Blarie para de sorrir e cerra os olhos, me encarando com suspeitas.
– É uma novidade quando você beija alguém que gosta.
O olhar de Blarie rapidamente muda para indignação, acompanhando sua nova feição.
– Eu não gosto dele! – Sua voz aumenta e ela bate as palmas de suas mãos contra o balcão escuro.
– Gosta sim. – Rebato em tom e feição normais.
Não era tão legal estar do outro lado, não é, Blarie?
– Você pode calar a boca? Eu estou tentando dormir, mas essa casa se tornou barulhenta. Eu não posso ficar lá em cima e nem aqui embaixo.
A voz grave de Taehyung preenche o ambiente, e quando espio sobre os ombros, o vejo entrar na cozinha usando calças pretas largas, uma blusa de botões com quase todos eles abertos, revelando grande parte de seu tronco, enquanto o colar de cordão brilhante e fino ao redor de seu pescoço, se deitava suavemente sobre seu tórax levemente definido.
Os cabelos loiros – quase brancos – estavam desgrenhados, tapando algumas partes de seus olhos puxados, mas que agora, estavam muito pouco abertos como um olhar entediado e sonolento.
Com os pés descalços, ele caminha em nossa direção, parando entre nós duas para pegar uma das cerejas no pote de vidro. Tento encarar fixamente o balcão, uma vez que ele era muito mais alto que eu, e seu tronco escondido por apenas três botões presos ficava tão próximo de minha visão.
Ele parece especialmente bem agora, e isso me incomoda muito, toda essa maneira como eu sempre acho que ele se destaca no meio dos irmãos, mesmo que tenha sido o menos receptivo comigo. Talvez eu seja amargurada, pois, mesmo depois de pedir uma trégua, eu continuo remoendo nosso primeiro encontro.
– São quase seis horas, Taehyung. – Blarie fala, entediada.
Mantenho meus olhos no balcão escuro, vendo apenas a sombra da sua mão pegar outra das cerejas.
– E qual o problema? Eu posso dormir a hora que eu quiser, não posso?
– Já acordou de mau humor, foi? Talvez a nossa visitante especial te anime um pouco.
Paraliso em meu lugar com a fala de Blarie, pois sei que Taehyung deve estar me olhando agora, eu sinto isso.
– O que tem de especial nisso? Ela vem aqui sempre. – Taehyung fala em tom apático, e isso é o bastante para cutucar minha impaciência, me fazendo olhá-lo – diretamente – pela primeira vez.
Enquanto coloca outra cereja na boca, ele mantém seu contato visual comigo e, por isso, posso ver quando uma pequena gota da calda que acompanhava a fruta, ameaça escorrer por sua boca, o obrigando a limpá-la com a língua que havia ganhado uma coloração avermelhada.
Em silêncio, torço para que Blarie nos interrompa nem que fosse com um comentário impertinente, mas o que tenho, é outro tipo de salvador.
Aos risos, Jimin entra na cozinha, acompanhado por uma garota de longos cabelos escuros e pele rosada em um vestido branco de verão. A princípio, penso não conhecer a garota, mas quando seus incrivelmente olhos azuis encontram os meus, sinto uma estranha sensação de déjà vu.
– Elena? O que está fazendo aqui? – Jimin pergunta assim que me vê, caminhando em minha direção com a garota de olhos azuis no seu encalce.
– Vim devolver. – Estendo sua blusa, mas Jimin não pega.
Taehyung suspira e se afasta, passando ao lado da garota sem cumprimentá-la. Ele começa a caminhar para fora da cozinha.
– Ah, sim. Eu já havia me esquecido. – Espero por um dos seus amáveis sorrisos, e o que recebo são lábios comprimidos em uma linha reta. – Eu preciso levá-la até à porta, você pode deixar isso no meu quarto, por favor? – Jimin coloca uma das mãos sobre as costas da garota, que permanece me observando.
No meio desse clima estranho que entrou na cozinha com Jimin, tudo que eu faço é forçar um sorriso fechado e assentir.
– Obrigado. – Jimin acena rapidamente com a cabeça, e se vira, pegando na mão da garota e saindo com ela.
Olho para Blarie que ainda estava perto do balcão. Ela dá de ombros.
Com essa sensação estranha dentro de mim, saio da cozinha e vou para as escadas do segundo andar, tendo a surpresa de encontrar Taehyung nos degraus. Ele subia tão lentamente que eu facilmente poderia alcançá-lo.
Respiro fundo e começo a subir a escada, passo por passo, sempre tentando deixar dois degraus de distância entre mim e Taehyung, que logo nota. Segurando o corrimão dourado, ele me olha sobre os ombros largos.
– Eu prefiro morder durante a noite, então não se preocupe. – Ele fala, me fazendo parar no degrau que estava.
Taehyung cerra os olhos e sorri cinicamente.
– Mas acho que poderia começar a fazer isso durante o dia também. – Com essas palavras que me deixam instantaneamente nervosa por dentro, ele volta a olhar para frente e subir os degraus.
Sem mais gracinhas, ele segue na frente pelo corredor e eu atrás. Taehyung entra em seu quarto e fecha a porta sem me olhar.
Respiro um pouco mais aliviada e vou para porta de Jimin, que estava entreaberta, por isso, tudo que faço é empurrá-la para dentro. O branco e amarelo saltam de todos os lados e, especialmente, seus lençóis bagunçados me chamam a atenção. Nas poucas vezes que estive aqui, tudo parecia organizado e muito bem alinhado, e agora, a cama parecia tão revirada quanto uma noite de pesadelos.
Ainda mantendo a blusa de Jimin contra o meu corpo e, em passos hesitantes, caminho até à cama, observado todo aquele emaranhado branco. Por alguma razão, olhar para isso e pensar no que pode ter acontecido me incomoda, eu me sinto um pouco rejeitada, talvez. Depois de nossa última conversa, minha amizade com Jimin pareceu ser algo que me fazia querer levar isso para uma vida toda, mas agora, tudo que tenho é um sentimento de ser substituída por alguém que vai além de uma amizade.
Parada de frente para a cama bagunçada, me sinto patética por esses sentimentos, mas meus olhos não podiam me obedecer agora. E talvez o motivo seja algo maior, já que com minha atenção voltada para os lençóis, sou capaz de notar alguns pequenos pingos de sangue espalhados por todo o branco, algo que você não notaria se estivesse muito longe.
Completamente duvidosa sobre fazer isso ou não, estico uma de minhas mãos até o lençol, tocando uma das gotas de sangue, vendo o vermelho manchar meu dedo.
Um arrepio ruim corre minha espinha, me fazendo jogar a blusa preta sobre a cama, para poder sair apressada do quarto. Fecho a porta, e caminho rapidamente pelo corredor, descendo os degraus na intenção de me afastar do que possa ter acontecido naquele quarto.
Quando estava prestes a descer o último degrau, Blarie sai da cozinha e se oferece para me levar até à porta.
– Jimin conheceu essa garota no caminho de volta, depois de te deixar em casa, no dia que saímos. Eu não sei muito sobre isso, mas eles têm se tornados bem próximos nos últimos três dias... tente não ficar muito chateada com isso. – Blarie sorri compreensiva, parada ao lado da porta aberta.
Me despeço com um aceno de cabeça e a deixo para trás.
Durante todo o caminho até à loja de vovó, não vi nenhum sinal de Jimin ou da garota de olhos azuis que conheci na igreja. Não sei onde eles estão, mas não me sinto bem com isso.
***
– Estava muito bom, a senhora é a melhor. – Wendy se esparrama na cadeira, parecendo mais do que satisfeita.
– Nada deixa a vovó mais feliz do que ver as minhas crianças de barriga cheia. – Vovó sorri amorosa e se levanta da cadeira, começando a recolher os pratos sujos e vazios.
– Eu comi tanto que preciso descansar agora.
– Pode ir descansar então. – Vovó ri e Wendy se levanta, saindo da cozinha, mas sei que tudo isso não passa de uma desculpa para não ajudar na limpeza do jantar.
– Estava bom mesmo, eu pude sentir o gosto da Erva-Verde. – Comento, me levantando por último, para ajudar vovó.
– Desde que voltei de viagem, Wendy tem reclamado de como estava enjoada de comer Erva-Verde, então eu não usei mais. A nova Erva-Verde que trouxe tem um gosto diferente, mas ela passou mal quando comeu nos seus bolinhos. – Vovó coloca a pequena pilha de pratos dentro da pia. – Eu já estava com saudades desse tempero, por isso coloquei hoje. E estou feliz que ela não tenha percebido.
Vovó ri, enquanto abre a torneira.
– Deixe isso comigo, você pode subir e descansar também. Já tomou conta da loja hoje.
Penso em insistir, mas ainda me sinto cansada, então agradeço vovó com um beijo na bochecha e saio da cozinha.
No corredor do segundo andar, escuto um barulho estranho vindo do meu quarto. Apresso meus passos para ver e, quando chego no quarto, escuto o barulho da descarga. Me aproximo da porta aberta, onde Wendy estava de pé em frente a privada, com o corpo um pouco inclinado para frente.
– Você está bem? – Pergunto, preocupada.
Wendy se vira para mim com o rosto pálido.
– Sim, eu estou. Acho que comi demais, não se preocupe. – Ela responde com tom de voz normal e passa por mim, saindo do banheiro.
Me aproximo da privada, vendo através do assento levantado, alguns vestígios de sangue na água que ainda balançava.
– Wendy, você vomitou sangue?! – Volto para o quarto, exasperada.
– Fala baixo, não quero que a vovó escute. – Wendy se deita na cama, tapando os olhos com o antebraço.
– Como não quer? Você vomitou sangue, Wendy. Isso não é normal. – Vou para perto da cama em passos apressados.
– Eu já disse que estou bem. Se você contar pra vovó, ela vai querer me mandar para casa. – Wendy suspira, sem tirar o antebraço do rosto. – Por favor, não conta pra ela.
Fico em silêncio, encarando o corpo deitado de minha irmã, completamente preocupada com isso. Em seguida, saio do quarto e vou atrás de vovó, dizendo que Wendy comeu demais e que por isso, está se sentindo enjoada e indisposta, com algumas dores internas. Vovó rapidamente prepara um chá de Erva-Laranja, e pede que eu dê para Wendy, avisando que depois que terminasse de arrumar a cozinha, ela cuidaria de minha irmã.
Retorno para o quarto com uma xícara fumegante de chá, parando ao lado de cama. Wendy afasta o antebraço que tapava seus olhos e me encara sem entender.
– O que é isso? – Ela pergunta, ainda deitada.
– Chá. Eu disse para vovó que você está indisposta. – Estendo a xícara em sua direção e Wendy faz uma careta.
– Eu não quero chá de Erva-Verde, é isso que está me enjoando tanto. A vovó coloca essa erva em tudo. – Wendy resmunga como uma criança.
– Não é Erva-Verde. Agora anda, toma isso logo, Wendy. Eu não estou brincando, ou você toma ou eu conto a verdade pra vovó. – Falo séria e Wendy percebe que não era um blefe.
Ela se senta sobre a cama e pega a xícara fumegante. Wendy encara o líquido alaranjado por um tempo, assoprando a fumaça para longe, antes de bebericar e fazer uma feição de desgosto.
Permaneço ao seu lado até que ela termine o chá.
Já é a segunda vez que Wendy passa mal desse jeito, mas é a primeira vez que ela vomita sangue. Só vi isso acontecer com o Jimin, e foi logo depois que ele comeu Erva-Verde também. E com tudo isso, é impossível não lembrar do que li no livro de Caleb, sobre vampiros passarem mal com essa erva. Eu já estou de olhos mais abertos para a família de Jimin, cogitando na ridícula hipótese de que vampiros existem, mas a minha irmã? Isso não faz sentido, não pode fazer... porém, tem toda a sua mudança de comportamento recentemente, que só me deixa mais desconfiada.
Wendy não pode ser uma vampira.
Capítulo 19
– Esse calor está insuportável. – Wendy resmunga, abanando de um lado para o outro em frente ao seu rosto, um leque improvisado de papel.
Acabo concordando com minha irmã.
Olho para a porta aberta da loja, enxergando os iluminados raios de sol do lado de fora. Mesmo longe, eles pareciam tão quentes quanto o ar seco e abafado que produziam.
– Talvez eu pudesse comprar alguns sorvetes, o que acha? – Pergunto e os olhos de Wendy ficam grandes.
– É uma ótima ideia! – Sua voz se torna animada e alta, como um pedido implorado por aquilo.
– Certo, então tome conta de tudo, eu não vou demorar. – Sem me importar de tirar o avental sobre meu vestido fresco, procuro por algum dinheiro antes de sair da loja.
O lado de fora era cinco vezes mais quente, e toda vez que os raios de sol tocavam minha pele, eu sentia que poderia derreter.
Com uma das mãos sobre os olhos, improvisando uma viseira, caminho pelas ruas de ladrilho, podendo enxergar melhor por conta da sombra de minha mão, mas o sol batia diretamente em suas costas, me fazendo sentir a pele esquentar mais do que eu gostaria.
As cigarras em estavam por toda parte, cantarolando a canção do sol, com certeza, mais animadas do que qualquer um de nós ao receber esse calor.
Sigo pelo caminho que aprendi a fazer durante os últimos dias, e depois de passos lentos e quentes, eu quase corri para debaixo do pequeno toldo listrado, quando avistei a pequena loja do qual Wendy e eu sempre comprávamos comida quando passávamos o dia na loja.
Fico alguns segundos parada debaixo do toldo tentando me recompor do calor, antes de entrar pela porta branca que estava aberta. Inspiro tudo que posso quando sinto o ar gelado do lado de dentro da loja, agradecendo por este lugar estar mais fresco que do lado de fora.
– Elena! Bom dia! – A mulher com o cabelo ajeitado em um coque bem puxado e em roupas de calor, me recebe com um grande sorriso.
– Bom dia, Cora. – Sorrio de volta e passo em frente ao balcão que ela limpava com o auxílio de um pano.
– O que vai ser hoje?
– Soverte. – Respondo, parando em frente ao freezer que armazenava diversos sabores do doce gelado que seria a minha salvação nessa manhã calorosa.
– Os sorvetes estão vendendo muito bem nos últimos dias. Toda noite antes de dormir, eu sempre preparo mais uma remessa deles, pois sei que no dia seguinte irá fazer esse calorzão danado.
– Por favor, continue fazendo muitos sorvetes. – Suplico em meu calor e Cora ri.
Depois de escolher dois sabores de sorvete, os levo até o balcão, onde pago o devido valor para Cora, que me oferece uma pequena sacolinha para carregar o sorvete de Wendy.
– Cora, você pode me responder uma coisa? – Abro meu sorvete, dando a primeira chupada no doce gelado, que quase me faz suspirar.
– Claro, o que seria? – A mulher sorri outra vez, fazendo algumas pequenas regas ao redor de seus olhos, se tornarem visíveis em pequenas linhas.
– O que você sabe sobre Upiór? Ultimamente eu tenho escutado algumas histórias do que aconteceu nesse vilarejo há tempos atrás. – Tomando meu sorvete, encaro com curiosidade a mulher de cabelos presos.
Por alguns segundos ela pensa, mas logo volta a passar o pano sobre o balcão.
– Hum, Upiór tem muitas histórias, lendas que ninguém sabe se é verdade. Nós temos muito disso por aqui, não é algo com que você deva se preocupar.
Parece que quando o assunto é saber a verdade sobre o que aconteceu nesse lugar, todas as respostas somem.
Sabendo que não conseguiria nada além disso e, também, antes que o sorvete de Wendy derreta, resolvo deixar esse assunto para lá, por enquanto. Me despeço da mulher de cabelos presos, agradecendo pelo sorvete.
Mesmo debaixo do sol quente, tento ser rápida ao voltar para loja, temendo pelo sorvete de Wendy, que poderia facilmente virar água com todo esse calor.
E ao retornar para a loja, percebo que havia uma nova cliente. Wendy conversava com ela, enquanto a garota de longos cabelos escuros que iam até sua cintura, permanecia imóvel com seu corpo magro e vestido rosa, em frente ao balcão.
Fico parada na entrada da loja, tendo, outra vez, aquela estranha sensação de déjà vu.
Wendy nota minha presença e se inclina para o lado para poder me ver. Ela faz um gesto de mão para que eu me aproxime.
– Bom dia. – Cumprimento a cliente, me aproximando dela.
A garota vira sua cabeça em minha direção e sorri, piscando algumas vezes seus grandes olhos azuis.
Quase tropeço no ar ao reconhecê-la como a garota da igreja e nova amiga de Jimin.
– Ela veio aqui fazer uma encomenda de ervas, mas é muita coisa. – Wendy explica.
– Quanto seria? – Pergunto, parando ao lado da garota de olhos azuis, tentando parecer normal.
– Dez dúzias de todas as suas ervas. – Ela responde com um sorriso.
Franzo o cenho, um pouco espantada.
– Me desculpe se eu parecer indelicada agora, mas por que você quer tantas ervas? – Olho séria para Wendy, que também não parecia entender essa encomenda.
– Eu sou uma artista e gosto usar flores e plantas nas minhas pinturas, isso deixa elas mais realistas. Costumo pedir grandes encomendas para o caso de errar ou não gostar de alguma das minhas pinturas. Nós precisamos ser prevenidos. – Ela ri sozinha.
– Bem... eu não sei se temos tanto assim. Mas se você quiser, pode voltar amanhã. Nós duas falaremos com a nossa avó, que é a dona da loja, e veremos o que podemos fazer pela sua encomenda. – Sorrio educadamente, e ela assente.
– Tudo bem, eu voltarei amanhã. – Ela nos encara com seus grandes olhos azuis, e depois se vira, indo até à saída da loja.
– Isso foi estranho. – Comento com Wendy, quando tenho certeza que a garota já foi embora.
– Contanto que ela nos pague, eu não vejo problema. – Wendy dá de ombros, e caminha para o lado direito do balcão, procurando por alguma coisa nas prateleiras.
– Se vendermos tudo isso pra ela, a loja ficará sem nada.
Wendy puxa de umas das prateleiras do balcão, um regador cinza.
– O que você vai fazer?
– Se vamos vender tanto assim, precisamos cuidar do jardim. E com esse calor, as plantinhas devem estar sofrendo mais do que a gente. – Wendy responde, e vai em direção à porta aberta do jardim.
– O seu sorvete, Wendy. Acho que já derreteu. – Vou atrás de minha irmã, carregando a pequena sacola branca.
***
– Finalmente vamos pra casa. Eu preciso de um banho. – Alongo meus braços, sentindo toda a preguiça correr meu corpo.
– Eu também. – Wendy tranca a porta da loja, guardando a chave em seu bolso traseiro.
– Vamos? – Faço um gesto de mão para que ela me siga, mas Wendy fica parada perto da porta e encara a floresta. – O que foi?
Seus olhos encontram os meus, se tornando brilhantes, e sei que ela está prestes a me pedir algo.
– Nos últimos dias a comida da vovó não tem me feito bem, e eu quase não como nada. – Ela suspira falsamente. – Você poderia colher algumas maçãs e fazer uma deliciosa torta para sua irmã mais velha. – Wendy abre um grande sorriso.
– Não inventa, Wendy. Eu quero ir pra casa. Meu corpo inteiro está grudando.
Wendy junta as mãos como se fosse rezar, e começa a piscar seus olhos.
– Por favorzinho, Eleninha. Eu estive tão mal nos últimos dias. – Ela arrasta as letras de sua fala como se fosse uma criança.
Me sentindo cansada, suspiro alto.
– Por favor.
A encaro seriamente.
– Tudo bem, mas não saia daqui. – Alerto, e Wendy dá alguns pulos de alegria.
Completamente sem vontade, caminho até a entrada da floresta, agradecendo pelo sol estar se despedindo e tornando o ar menos quente.
Com passos apressados, tento ser rápida ao alcançar a macieira. Sendo guiada pelo canto das cigarras. E assim, caminho até à grande árvore que projetava uma grande sombra no chão de terra e mato.
Uma mão pequena e de dedos finos apanha uma das maçãs caídas no chão, e sua dona estava agachada nos joelhos, fazendo as pontas de seus longos cabelos roçarem contra à terra seca.
Como se soubesse que eu estava ali, os dedos finos soltam a maçã e os olhos grandes e azuis olham em minha direção. Em seguida, a garota se levanta, passando a mão pelo vestido rosa, tirando a poeira seca. Ela sorri e aponta com o dedo indicador para o caminho de arbustos, correndo em direção a eles logo depois.
Sem entender o que estava acontecendo, eu apenas sinto que deveria segui-la, mesmo que fosse irracional, mas nada parece racional agora, definitivamente não parece.
Encaro o céu de fim de tarde, e tomo coragem para começar a andar até o caminho de arbustos. Em meu primeiro passo para dentro do caminho fechado, vejo a imagem sorridente da garota de olhos azuis, que rodopia e volta a correr.
Preciso deixar meus passos ágeis e rápidos para acompanhá-la, que acaba entrando no caminho que estive apenas uma vez, quando Jimin me levou até aquele estranho festival. Por um segundo, êxito em segui-la, já que era um caminho do qual eu não tinha familiaridade, mas eu ainda sentia que devia fazer isso, então, sigo o meu intuito agora.
A princípio, ela traceja pelo mesmo caminho que passei com Jimin, mas depois entre no meio das árvores altas, saindo da pequena trilha no chão.
A essa altura, eu tive que me render e literalmente correr atrás da garota, que a cada passo se aproximava mais do que parecia ser uma pequena ribanceira.
Seus passos param rente à beirada da ribanceira, onde ela perde alguns segundos encarando o que poderia ter no final do buraco. Depois, ela se vira de costas para a ribanceira e me encara tão profundamente que me sinto hipnotizada pelo azul de seus olhos.
Seus lábios finos e sem cor sorriem para mim, como uma despedida e, nesse momento, sou capaz de entender o que estava prestes a acontecer. A garota de olhos azuis abre os braços no ar, fazendo seus longos cabelos e vestido rosa balançarem com o vento que vinha da direção contrária.
Meus olhos se arregalam e sinto meu interior se revirar. Desesperada, corro em sua direção na esperança de impedir que ela faça o planeja, mas já era tarde demais, eu cheguei tarde demais, e tudo que tenho agora é a imagem do seu corpo caindo de costas para dentro da ribanceira, sendo engolida pelo ar que passava por seu corpo magro.
Nossos dedos se tocam brevemente, quando ela estende sua mão em direção à minha, embora o sorriso no seu rosto nunca tenha sumido. Minha tentativa de agarrá-la e impedi-la é falha, mas ela não parece chateada ou desesperada, na verdade, a aura deste momento desesperado é completamente insana. Seus olhos azuis me observam como um falcão, e a ribanceira cede, fazendo meu pé encontrar o ar e vento que vinha do buraco. Meu corpo se desequilibra e é completamente puxado para baixo, me tornando companhia da garota de olhos azuis. Ele cai em queda livre, tornando cada uma das pedras no final do desfiladeiro, meu descontrole.
Mal tenho tempo de pensar no que estava acontecendo, já que o barulho do corpo da garota de olhos azuis batendo contra as pedras é o suficiente para me fazer fechar os olhos em horror.
No segundo seguinte, sinto o impacto doloroso contra meu corpo. E agora, minha respiração era falha e agoniante, onde eu precisava colocar muita força em meus pulmões para conseguir inspirar o mínimo de ar que podia, trazendo com isso, o chiado que meus pulmões produziam.
A minha cabeça estava pesada e molhada, e a minha coxa ardia tanto que eu queria chorar, mas até isso parecia doloroso agora. Com as mãos trêmulas, levo uma delas até minha coxa e, tateando com a ponta dos dedos, sinto um corte profundo o bastante para enterrar meus dedos.
Meu peito subia e descia freneticamente em uma busca desesperada por ar, enquanto meus olhos eram tão pesados como toneladas. E com muito esforço, consigo abri-los em uma pequena fresta, enxergando tudo embaçado, mas o suficiente para ver o corpo magro e ensanguentado que estava caído a poucos metros de mim, corpo este que não se movia.
A garota de olhos azuis estava morta e, provavelmente, eu seria a próxima.
Capítulo 20
Com todos os meus sentidos em fervor, me levanto de uma vez só, respirando de forma ofegante e alta. Meus dedos agarram com força o lençol branco que cobria minhas pernas. Pisco os olhos freneticamente, tentado afastar todas as imagens ruins que passavam como flashes em minha mente.
– Até que enfim você acordou, já estava na hora.
Olho assustada para o meu lado direito, vendo Amia sentada na ponta da grande cama. Ela estava muito bem arrumada, como sempre.
– Amia? O que você está fazendo aqui? – Pergunto, enquanto tento estabilizar minha respiração.
– Estou cuidado de você, querida. – Ela sorri.
Sem entender o que estava acontecendo, toco algumas partes de minha cabeça, a procura de algum machucado, mas tudo estava em ordem. Depois, levanto o lençol que cobria minhas pernas, vendo que a pele da minha coxa, que estava em perfeita condição. Eu não tenho uma explicação para isso, mas a dor era tão real que eu estou capaz de revivê-la.
Sinto o colchão macio em que estava se mexer e, ao finalmente olhar prestar atenção ao redor, percebo uma terceira pessoa no quarto.
Sentado em uma cadeira almofadada vermelha e dourada, com os braços sobre o colchão e a cabeça sobre os braços, Jimin parecia dormir, pelo menos, até aquele momento.
Seus olhos pequenos e puxados se abrem lentamente, e aos poucos ele levanta seu tronco, espreguiçando o corpo. Sem demora, ele olha em minha direção e seus olhos se arregalam, e como o vento, ele vem para perto, segurando as minhas mãos com força, enquanto me olha da maneira mais preocupada que já vi.
– Ainda bem! Eu estou tão aliviado em te ver acordada. – Ele quase suspira. E sua feição é completamente emotiva.
– Jimin... o que aconteceu? – Pergunto, me sentindo confusa.
Ainda segurando minhas mãos, Jimin responde:
– Você se machucou na floresta, caiu de uma altura perigosa. Graças aos céus o Taehyung te encontrou e te trouxe para cá.
– O-O Taehyung? – Eu nem precisava ver minha expressão nesse momento para saber que era coberta de incredulidade e surpresa.
– Sim. – Jimin assente.
– E a outra garota, Jimin? Como ela está? – Pergunto assim que um flash ruim do corpo ensanguentado e sem movimento retorna em minhas memórias que pareciam pesadelos.
– Que outra garota? – Jimin me olha confuso.
– Ela bateu com a cabeça, é normal que esteja confusa. Nós não deveríamos importuná-la agora. Querida, você tem que descansar. – Amia diz ao meu lado direito, cruzando as pernas.
– Que horas são?
– Dez. – Jimin responde.
– Dez da manhã? – Pergunto surpresa.
– Sim. Você dormiu a noite toda, e a madrugada também.
Em um salto, saio da cama, percebendo só agora que uma camisola branca cobria meu corpo. Jimin nota minha confusão e, por isso, se afasta da cama e caminha até seu guarda-roupa, pegando de lá de dentro, algumas roupas dobradas e limpas, que identifico como sendo as que usei noite passada.
– Haviam alguns rasgos, mas Skull cuidou de tudo, nem dá pra perceber. – Jimin me entrega as roupas.
Em silêncio, pego as roupas e vou para o banheiro, onde perco alguns bons minutos para tentar assimilar tudo. Quando termino de me trocar, aviso que preciso ir embora, mesmo com Jimin insistindo para que eu fique mais um pouco e descanse. Eu não posso, Wendy e vovó devem estar preocupadas e nem sei como irei explicar isso.
Depois de recusar o convite de Jimin para me acompanhar, agradeço por tudo e, praticamente, fujo da mansão, querendo ficar longe do lugar. Eu não sei como, mas eles cuidaram de mim ao ponto de todos os meus machucados – que eram graves – sumirem como mágica, e isso não pode ser normal.
***
Corro floresta adentro, sem olhar para trás, tentando afastar todas as memórias horríveis que tive aqui. Só paro quando chego na loja de vovó, onde encontro Wendy parada atrás do balcão, com um olhar extremamente assustado. E quando seus olhos amedrontados encontram os meus, era como se uma onda de alívio corresse por seu corpo. Ela sai de trás do balcão e vem até onde estou, me abraçando tão fortemente que tenho dificuldades para respirar.
– Você voltou! Você soltou! Você voltou! – Seus braços tremem ao redor do meu pescoço, e sua voz falha.
Wendy desfaz nosso abraço e me olha com pesar.
– Você sumiu.
Mesmo sem culpa, sua expressão me faz sentir culpada.
– Eu sei, me desculpe. – Seguro uma de suas mãos, apertando ternamente.
Era tão bom poder olhar para o rosto da minha irmã outra vez, poder estar aqui nessa loja, de pé, sentindo o ar entrar por meus pulmões.
– O que aconteceu? – Wendy pergunta, me puxando para dentro da loja, nos tirando na entrada.
– Eu estou bem, Wendy. – Decido que aqui não era o lugar certo para ter essa conversa, minha irmã está muito nervosa, se eu contar, tudo irá piorar.
– A vovó está uma fera. Eu disse pra ela que você resolveu sair depois que fechamos a loja.
– Você fez bem, Wendy. – Solto um suspiro mental de alívio.
– Ela quer conversar com você.
– A vovó está em casa? – Pergunto, e Wendy assente.
– Você vai conversar com ela agora?
– Vou. Não se preocupe, está tudo bem, eu estou bem. Agora fique aqui na loja, não quero que ela acabe se chateando com você também. Eu prometo que volto depois que conversar com ela.
***
Durante todo o caminho que fiz até a casa de vovó, minha cabeça se encheu de pensamentos e dúvidas sobre todo esse pesadelo. Eu estou aqui agora, viva e sem machucados, encontrada por Taehyung, e curada milagrosamente pelos irmãos. A garota de olhos azuis sumiu, e eu nem sei se está mesmo morta. Tudo é uma loucura, e sinto que não posso mais carregar isso comigo, pelo menos, não sem entender.
Cogito várias vezes na hipótese de contar a verdade para vovó, sobre tudo que desconfio e que vivi, mas temo que ela me ache louca. Talvez vovó soubesse de algo, afinal, ela nunca nos quer na floresta, e planta uma erva que faz mal para vampiros, seria impossível que ela não soubesse sua utilidade, certo? Eu não sei, realmente não sei. Vovó já nos disse que vampiros não existem, mas e se for mentira? Essa também é uma hipótese válida, então eu acho que irei contar, talvez esse seja o melhor caminho.
Respiro fundo uma, duas, três vezes, quando percebo que estou parada em frente à porta de entrada, encarando a madeira enquanto me preparo para despejar toda essa confusão em vovó.
Não estando nenhum pouco confiante, seguro na maçaneta da porta, a girando lentamente, nem querendo fazer isso. Contando mentalmente, abro a porta, dando meu primeiro passo receoso para dentro. Encosto a porta devagar, e respiro fundo outra vez.
– Vovó? – Chamo, ficando no silêncio por um tempo.
– Aqui na sala. – Sua resposta me faz ficar ansiosa.
Enquanto começo a caminhar em direção a sala, repenso sobre contar tudo isso ou não. A verdade é que eu sou uma covarde e, ao mesmo tempo que quero respostas, eu tenho medo delas.
– Nós precisamos conversar.
Paro de andar abruptamente, mas não pelo tom de voz sério de vovó, e sim pelos olhos azuis que me observavam.
A garota de olhos azuis estava sentada no sofá de vovó, com uma xícara de chá em mãos.
– Eu estive preocupada com você a noite toda, e você na casa da sua amiga. Poderia ao menos ter me avisado, Elena. – Com as mãos na cintura, vovó me encara seriamente.
Atônica, encaro hesitante a garota de olhos azuis, que acena.
– Do que a senhora está falando?
– Não precisa mentir, Lydia já me contou tudo. Eu sei que você passou a noite na casa dela. Eu conheço a família de Lydia, mas, mesmo assim, você deveria ter me avisado. – Vovó explica e, outra vez, encaro a garota de olhos azuis.
– Eu preciso ir agora, Morgana. Muito obrigada pelo chá, estava ótimo. – A garota se levanta do sofá, com o corpo em perfeitas condições, e me sinto vendo um fantasma que ressurgiu de sua morte. – Por favor, não brigue muito com ela. Nós duas fizemos mal em não avisar. Prometo que não acontecerá de novo. – A garota de olhos azuis se curva.
Vovó suspira.
– Elena, acompanhe sua amiga até a porta.
A garota de olhos azuis, ou Lydia, passa ao meu lado, fazendo meu corpo se mover automaticamente. Ela anda na minha frente, enquanto eu tento identificar em todas as partes visíveis de seu corpo, qualquer machucado, arranhão ou algo que explique nossa queda.
Lydia abre a porta, e antes que possa sair, eu agarro seu pulso, a impedindo.
– O que você está fazendo? – Pergunto para ela, que me olha sobre os ombros.
Agora, perto dela, me sinto desesperada por algo.
– Te ajudando. – Ela me encara de maneira confusa.
– Onde estão os seus machucados? – Aperto meus dedos ao redor de seu pulso, e ela me dá um sorriso de despedida, puxando seu pulso para longa de minha mão, indo embora com todas as minhas respostas.
Transtornada, fecho a porta quando seu corpo some pela calçada.
Sabendo que não poderia contar nada para vovó agora, procuro por ela em silêncio, a encontrando lavando algumas xícaras na cozinha.
– Lydia me falou sobre a encomenda. – Vovó diz, de costas para mim.
– A senhora não achou estranho a quantidade? – Pergunto da entrada da cozinha.
– O pai da Lydia era um ótimo freguês, eu a conheço desde pequena, e sei que ela sempre gostou de pintar. – Vovó responde, e eu não digo nada. – Estava pensando em chamar Sebastian para ir comigo atrás da encomenda dela. A cidade que visitamos antes vende caixotes de ervas, isso será ótimo. E com a carroça de Sebastian, facilitamos tudo.
– Quando a senhora vai?
– Estava pensando em ir amanhã, será como um favor pelo pai dela ter sido um cliente fiel por anos. Tudo bem para você? – Depois de desligar a torneira, vovó me olha.
Completamente cansada do dia que mal havia começado, só tenho forças para assentir, sabendo que tudo isso estava longe de acabar.
Capítulo 21
Vovó já estava na estrada com Sebastian. Eles partiram cedo na carroça de madeira, ambos em busca da encomenda de Lydia, que nem em um milhão de anos me convenceria com aquela desculpa de que as ervas seriam para seus trabalhos artísticos. Dez dúzias? Isso era um absurdo, como vovó não consegue perceber?
– Está na hora. – Um pequeno buquê de lírios-brancos é colocado contra meu rosto, tão perto que as pétalas tocavam minha pele.
Abandono meus pensamentos e encaro Wendy, que estava parada na minha frente com uma mão na cintura sobre seu avental, enquanto a outra segurava o buquê.
– Eu não sei se quero fazer isso. Estou me sentindo patética, Wendy.
Minha irmã arqueia as sobrancelhas, mantendo as flores estendidas.
Nem de longe ela parece a mesma Wendy preocupada de ontem. Depois que todos nós nos acalmarmos, pensamos com mais clareza. Eu tive que manter a mentira de Lydia, pelos menos, até eu descobrir toda a verdade dela.
– Por que você seria patética? Está apenas agradecendo. Você não disse que se perdeu e ele te ajudou a achar a mansão? Não há nada de errado com isso. – Wendy balança as flores em frente ao meu rosto, quase me fazendo engolir algumas pétalas.
Minha irmã suspira.
– Você precisa parar de se remoer pelo que aconteceu, pensei que quisesse uma trégua. Agora vá depressa, antes que se arrependa, Eleninha.
Encaro os lírios e depois Wendy, soltando um suspiro e pegando as flores, o que faz minha irmã sorrir.
– Você vai voltar hoje?
– É claro, Wendy. – Respondo séria.
– Se você demorar muito, eu vou pra casa. – Ela dá de ombros e vai para o jardim da loja.
Eu me pergunto como alguém pode ser desse jeito? Sinceramente, Wendy é única.
Retiro meu avental e, com o buquê em mãos, caminho para fora da loja, sentindo o ar quente do fim da tarde, menos quente que ontem, mas ainda sim, quente.
Preciso de algum tempo para conseguir entrar na floresta, temendo que tudo pudesse se repetir. Estou fazendo isso para agradecer, seja lá o que aconteceu, eu estou viva e bem graças aos irmãos da mansão, e quando estive de cabeça cheia, saí correndo da mansão e não os agradeci de forma educada. Isso era o mínimo que eu deveria fazer.
Sempre olhando para frente e evitando espiar os lados, tendo um único objetivo, respiro aliviada ao passar do lado da macieira e não encontrar ninguém. O trajeto pelo caminho de arbustos foi tranquilo, mas admito que parei por alguns segundos para encarar a entrada que me levaria para noite passada.
Entro no caminho que me levaria para mansão, onde vejo duas pessoas paradas no meio do enorme jardim, Namjoon e Hoseok.
– Elena! – Hoseok acena sua mão de um lado para o outro quando me vê. E ao me aproximar, ele sorri. – Veio ver o Jimin? – Ele pergunta, observando as flores em minhas mãos.
Encolho os ombros, me sentindo um pouco sem jeito.
– Na verdade, eu vim ver o Taehyung. O Jimin me disse que foi ele quem me encontrou na floresta... eu só queria agradecer. – Diminuo o tom de minha voz à medida que falo.
– Taehyung adora flores. – Namjoon sorri, tendo as mãos para dentro dos bolsos.
Ainda sem jeito, fico em silêncio.
Hoseok entrelaça seu braço ao meu, e começa a me guiar para a entrada da mansão.
– Taehyung está na sala de música. – Ele explica enquanto subimos os cinco degraus que nos levavam para porta de entrada. Namjoon vinha logo atrás.
Nós três passamos pela porta e depois pelo hall, parando em frente as suas escadas para o segundo andar, onde escutamos um piano suave entoar pelos cantos da mansão.
– Você sabe onde fica sala de música? – Namjoon pergunta e eu assinto.
– Se ele for ruim, você só precisa gritar. – Hoseok afasta seu braço do meu.
– Não dê ouvidos ao Hoseok. Nós estaremos aqui embaixo. – Namjoon sorri mostrando suas covinhas, e acena, antes de ir para a sala.
– Vou procurar Jimin e avisar que você está aqui. Ele saiu mais cedo com o Hyun e uma amiga.
Franzo o cenho.
– Uma garota de olhos azuis? – Pergunto, e Hoseok me olha surpreso.
– Sim, como você sabe?
– Já vi ela antes. – Forço um sorriso e ele acena, parecendo engolir minha desculpa.
Quando Hoseok volta pelo hall, vou em direção às escadas do lado direito, subindo os degraus com ansiedade. Encaro os lírios-brancos que estavam amarrados com um fino cordão de sisal, e me pergunto se ele vai gostar disso.
Respiro fundo e termino de subir as escadas, entrando no corredor e passando rapidamente pelos quartos, pois sei que o de Amia fica desse lado e não quero vê-la agora.
Subindo a segunda escada, me sinto ainda mais ansiosa à medida que o som do piano se torna mais alto. Tento não apertar muito os lírios e não descontar o meu nervosismo nas pequenas flores.
Ao chegar no terceiro andar, a música que vinha da última sala preenche tudo ao meu redor, deixando meu corpo mais leve, enquanto mascara meus passos. Meu coração começa a bater tão rápido que chega a ser incômodo em meu peito, por isso, enquanto ando, fechos os olhos e vou respirando fundo, até que eu estivesse de frente para a sala de música.
A sala clara e repleta de instrumentos, era iluminada pela fraca luz do fim de tarde, sombreando o enorme piano e a pessoa que o possuía neste momento. Completamente envolvida pela emoção da música, me aproximo silenciosamente da figura de Taehyung, que vestia uma camisa de seda preta e calças de mesma cor. O longo brinco em sua orelha direita, cintilava sobre a luz, e até mesmo os fios claros de seus cabelos, pareciam brilhar agora.
Encantada com a forma que ele tocava, paro ao seu lado, vendo que Taehyung mantinha seus olhos fechados enquanto dedilhava as notas do piano com perfeição. Ele parecia tão entregue agora que não queria interrompê-lo, por isso, esperaria até que ele terminasse, já que eu não me incomodaria nenhum pouco em escutá-lo tocar desta forma.
Como de costume, os botões de sua camisa estavam abertos, menos que dá última vez. Assim como seus cabelos estavam levemente bagunçados menos que dá última vez. Vê-lo desta forma, sentado de frente para o piano, o deixava ainda mais bonito do que parecia possível.
A intensidade das notas musicais se tornam lentas e baixas, e com mais alguns toques, Taehyung finaliza a canção com maestria, me fazendo pedir por mais internamente.
Seus olhos cobertos por alguns fios de cabelos, se abrem, me tendo como primeira imagem. Seu rosto não esboça nenhuma emoção e seus dedos continuam parados sobre as teclas do piano.
Sinto meu rosto esquentar, e sei que minha vergonha está se externalizando agora. E com todas as minhas entranhas se revirando por dentro, estendo o pequeno e simples buquê de lírios-brancos em sua direção.
Taehyung olha as flores e depois a mim.
– O que é isso? – Ele pergunta com seu tom de voz grave.
– Flores. – Engulo em seco, olhando, vez ou outra, para os lados.
Taehyung arqueia as sobrancelhas parcialmente cobertas por seu cabelo.
– Eu sei que são flores. – Seu olhar sempre parece tão intimidador que queria correr para longe.
– Elas são para vocês. – Revelo, de maneira baixa, enquanto desvio meu olhar. – Jimin me contou que foi você que me encontrou na floresta... obrigada.
Meu coração dá outro salto. E com muito esforço, volto a encarar Taehyung.
Ele olha mais uma vez para as flores, e se levanta do banco do piano, ficando de frente para mim. Em silêncio, ele segura um de meus pulsos e me puxa para perto, passando seu braço direito ao redor da minha cintura. Preciso controlar meu corpo para que ela não trema em nervosismo, pois eu já podia imaginar o que viria. E mesmo sempre cheia de confusões quando se trata de Taehyung... talvez eu queira isso.
Sua mão livre vai até o meu rosto e, diferente das outras vezes, ele não tenta prolongar o que faria. Seus lábios avermelhados encontram os meus, que vibram como se estivessem com saudades desse toque.
Os meus olhos se fecham lentamente, enquanto deixo que meu corpo se entregue a essa sensação de tê-lo desta maneira. Passo meu braço direito ao redor de seu pescoço, ainda segurando o buquê de lírios; enquanto minha mão esquerda repousa sobre o lado esquerdo de seu tronco.
Nossas línguas e bocas se movimentam de um jeito diferente do de costume, com mais fervor e, por um momento, fico espantada com isso, mas incapaz de parar. Suspiro entre o beijo e sinto que o corpo de Taehyung me empurra para trás, até que eu sinta a lateral do piano de cauda. Em seguida, suas mãos abandonam meu corpo, para segundos depois, tocarem a parte traseira de minhas coxas, me impulsionando para cima de modo que eu ficasse sentada sobre o piano.
Acabo soltando o buquê de lírios sobre o piano, para poder tocar Taehyung com mais intensidade. Eu nem mesmo posso explicar isso, ou dizer que seria uma coisa que eu faria normalmente, era louco, mas eu simplesmente não podia parar agora.
Suas mãos repousam na parte superior de minhas coxas, fazendo com que eu sinta o calor delas sobre minhas calças.
Em busca de ar, Taehyung interrompe nosso beijo, encarando minha boca de um jeito que causa arrepios por toca minha espinha. E sem criar um contato visual, seu rosto se inclina em direção ao meu pescoço, onde sinto a ponta de seu nariz roçar minha pele.
A mão direita de Taehyung vai até minhas costas, puxando meu corpo para frente de modo que ele fique entre minhas pernas. Já sua mão esquerda sobe pela lateral do meu corpo, alcançando a barra de minha regata fina e solta e, de forma lenta, a ponta dos dedos de Taehyung começam a subir um lado do tecido, enterrando seus dedos para dentro da regata. Seu nariz toca mais uma vez meu pescoço para, em seguida, eu sentir seus lábios molhados e quentes selarem um beijo na pele livre, me fazendo fechar os olhos e respirar fundo.
Os dedos de Taehyung continuam subindo, parando abaixo do meu sutiã, deixando um lado de minha barriga completamente à mostra. Com isso, deste mesmo lado, a alça de minha regata e de meu sutiã deslizam por meu ombro.
Os beijos de Taehyung descem por meu pescoço, chegando em meu ombro, onde, segundos antes, eram ocupados por duas alças. Seus dedos apertam a pele abaixo do meu sutiã, e sou incapaz de ficar quieta, apertando também meus dedos contra sua nuca e fios de cabelos que deslizam por minha mão de forma suave.
– Taehyung!
Toda e qualquer onda de tensão entre nós dois, é quebrada com o grito que vem do corredor.
Taehyung se afasta de mim.
Saio de cima do piano, ajeitando minha roupa.
– Finalmente te achei. – Amia resmunga alto, entrando na sala, mas para assim que me vê.
Blarie entra logo depois, e torço para que elas não descubram o que aconteceu.
– O Jin está te esperando no escritório, negócios, você sabe. – Mesmo que Amia esteja falando com Taehyung, seus olhos estão em mim.
Sem dizer uma palavra, Taehyung se aproxima e eu congelo meu corpo no lugar. Ele pega o buquê que eu trouxe e sai da sala de música.
– Blarie, você poderia pedir para o Skull preparar alguma coisa para a nossa convidada? – Amia se vira para a garota de cabelos cor púrpura.
– Não precisa. – Digo.
– Sem problemas, eu posso fazer isso. – Blarie sorri gentilmente para mim, sendo a próxima a sair da sala de música.
Amia volta a me olhar e sorri, caminhando em suas botas pretas e vestido longo para perto de mim.
– Foi você que trouxe as flores? – Ela para na minha frente, apoiando uma das mãos com unhas pintadas de vermelho sobre o piano.
– Sim.
– Você é uma gracinha, querida. Mas não acho que seja correto um homem comprometido receber flores. – Ela sorri fechado, me olhando de cima a baixo.
– Taehyung me contou que vocês não namoram. – Mesmo que eu ainda me sinta nervosa pelo que aconteceu minutos atrás, tento soar calma.
Amia arqueia suas sobrancelhas, com uma expressão desafiadora.
– Nós havíamos brigado, mas já estamos bem. Mas me diga, querida. – Amia sai de perto do piano e anda ao redor do meu corpo, tocando uma das mechas de meu cabelo. – Vocês costumam conversar muito? – Ela para atrás de mim.
– Não. – Respondo simples, e ela solta meu cabelo.
– Melhor irmos agora. – Amia sai de trás de mim, e caminha para fora da sala de música.
Sempre ando atrás dela, pois não posso confiar em suas ações. Nós duas descemos para o primeiro andar, onde encontramos Jimin, Hyun e Hoseok na cozinha, junto de Blarie e Skull, que preparava algum tipo de massa em uma tigela azul de porcelana.
Mesmo com a presença de Amia, tento aproveitar a companhia de Jimin, me desculpando por ter saído daquela maneira na noite passada. Dendo compreensível como é, Jimin me deu um de seus incríveis sorrisos e ficou perguntando a todo momento se eu estava bem.
Hyun parecia querer um pouco de atenção, então tentei ser o mais gentil que pude. Hoseok e Blarie, como sempre, conseguiram fazer todos mais leves e até mesmo Amia parecia mais tranquila.
Tentei não demorar muito, mas quando percebi, a noite já havia caído. Dessa vez não recusei o pedido de Jimin para me acompanhar até à loja que, por sinal, já estava fechada.
– Tem certeza que não quer que eu te leve? – Ele pergunta gentilmente.
– Tudo bem, daqui eu ficarei bem. – Agradeço com um sorriso.
– Certo. E o que vamos fazer amanhã?
– Jimin, eu preciso cuidar da loja. – Aponto para a construção rosa.
Ele leva as duas mãos até o meu rosto, apertando-o de leve.
– Elena, você está de férias. Não pode ficar nessa loja todos os dias.
Suspiro, vencida por seus olhos pidões.
– Venha jantar na minha casa amanhã, você pode trazer todos. A minha avó está viajando, Wendy e eu estamos sozinhas
O meu convite faz sua expressão surpresa, acompanhada de um grande sorriso.
– Nós iremos. – Jimin solta meu rosto. – Até amanhã então! – Ele acena animado, antes de voltar para a entrada da floresta.
Sorrio para Jimin, esperando seu corpo sumir no meio das árvores.
Eu tenho muitos planos para esse jantar, ele foi uma ideia repentina, mas sei exatamente o que tenho que fazer.
Capítulo 22
Espero pacientemente até que Wendy feche a loja de vovó, onde finalizamos mais um dia de trabalho. E agora, eu não poderia estar mais ansiosa para a noite que chegaria.
– Wendy, você pode ir na frente. – Falo assim que minha irmã se afasta da porta trancada e se aproxima de mim.
– E eu posso saber por que eu tenho que ir na frente? – Wendy franze o cenho, enquanto guarda a chave da loja dentro de sua bolsa de pano.
– Eu preciso comprar algumas coisas que estão faltando para o jantar.
– Eu posso ajudar, não tem problema. – Com a bolsa sobre um dos ombros, ela segura na alça, sorrindo para mim.
– É melhor você ir na frente pra adiantar as coisas, temos muito o que fazer, você sabe. – Tento soar o mais normal que posso.
Wendy acaba dando de ombros. E assim, nós duas nos separamos, ela indo na frente, para casa, e eu indo atrás do nosso convidado especial.
Durante todo o caminho até a loja com fachada de madeira e emblemas e letras enigmática, tento me convencer de que é uma boa ideia.
Quem eu quero enganar com isso? Apenas a mim mesma. Eu nem sei o que estou fazendo, mas algo é certo, eu não posso simplesmente deixar que as coisas fiquem dessa maneira, eu preciso entender o que, de fato, está acontecendo nesse lugar e, por isso, eu tentarei todas as alternativas, mesmo que elas soem patéticas.
Parada em frente à porta, coloco minha mão sobre o vidro mesclado com a madeira e empurro a porta até que eu tenha passagem para o lado de dentro da loja.
Habituada ao preto das paredes, procuro pelo dono na loja, que estava ao canto folheando um dos inúmeros livros velhos que haviam na loja. Caleb não demora ao notar minha presença, e seu olhar é completamente desinteressado, provavelmente, cansado de toda a minha ladainha, mas eu serei persistente.
– Não descobri nada. – Caleb fala, antes mesmo que eu diga qual o motivo que me trouxe até sua loja.
Seus olhos ficam breves segundos em mim, mas o livro em suas mãos parecia muito mais interessante.
– Não estou aqui pra isso... você não gostaria de conhecer um vampiro de verdade?
Sem rodeios, vou direto ao ponto, talvez soando um pouco desconexa, mas atrativa o suficiente para Caleb voltar a me olhar.
– Você está falando sobre os seus amigos? – Ele fecha o livro e o coloca sobre o balcão ao seu lado.
– Sim. Eu convidei alguns deles para um jantar hoje à noite, e gostaria que você também fosse.
– E o que eu faria lá? – Caleb cruza os braços e arqueia as sobrancelhas.
Me aproximo dele com passos esperançosos.
– Me ajudar. – Paro na sua frente, torcendo para que isso seja fácil.
– Eu nunca vi um vampiro, não posso te ajudar.
– Você pode nunca ter visto um vampiro, mas conhece mais sobre eles do que eu. – Rebato, decidida a só sair dessa loja com um “sim” seu para o meu convite.
Ele suspira.
– Você acha que só porque tenho essa loja, eu me torno automaticamente um detector de vampiros? – Seus olhos escuros ficam sérios.
– Então, qual o propósito de manter essa loja? – Pergunto, e ele estreita os olhos, ficando em silêncio. – Quando entrei aqui pela primeira vez, você me vendeu a história de Upiór, falou sobre vampiros e coisas sobrenaturais.
Mantenho nosso contato visual, não deixando que ele ganhe nossa conversa.
Espero por mais alguns segundos, e Caleb continua em silêncio.
– Você vai? – Me mantenho calma por fora, mas por dentro, sinto um fio de ansiedade por seu silêncio.
Ele suspira outra vez e desvia o olhar.
– Vou.
Sorrio.
– Obrigada. – Agradeço sincera. – Você pode me emprestar um papel e uma caneta para escrever o endereço?
Por canto de olho, ele me olha, antes de procurar no meio de seus objetos estranhos, um pedaço pequeno de papel e uma caneta. Rapidamente escrevo o endereço e o horário, agradecendo mais uma vez, antes de deixar sua loja, sentindo que eu finalmente poderia descobrir algo.
***
Depois de verificar tudo que preparei para o jantar, saio da cozinha e vou para o andar de cima atrás de Wendy, que ainda estava se arrumando.
Ao chegar no quarto, encontro a porta do banheiro aberta e Wendy parada em frente ao espelho, ajeitando seu longo cabelo loiro.
– Como estou?
– Está ótima. – Paro rente ao batente da porta do banheiro.
– Você também. – Ela sorri. – Mas acho que ficaria mais bonita com um colar, onde está o seu? – Minha irmã coloca as mãos sobre a cintura, enquanto inclina a cabeça para o lado.
Involuntariamente levo a mão até meu pescoço, sentindo apenas minha pele.
– Eu tirei ele quando passei alguns dias na mansão e esqueci de pôr de volta. – Respondo. – Mas e o seu? Você também está sem.
– Nós tínhamos comprado colares iguais pra combinar, você parou de usar o seu, aí eu parei de usar o meu.
Eu realmente nem me dei conta de que esqueci de por o colar outra vez, mas Wendy é tão boba para essas coisas.
– Onde está o seu? Nós podemos usar agora. – Wendy sai do banheiro, entrando no quarto.
– Na minha parte do guarda-roupas. – Respondo, entrando no banheiro para apagar a luz que ela deixou acessa.
Escuto o barulho de Wendy abrindo as portas de madeira e remexendo no guarda-roupas.
– Aqui está.
Saio do banheiro, vendo Wendy segurar os dois colares em sua mão. Ela sorri animada e começa a se aproximar de mim, mas em seu pequeno trajeto, acaba por tropeçar nos próprios pés, soltando ambos os colares que, por serem de pedra, se partem em pequenos pedaços ao se chocarem contra o chão.
O sorriso de Wendy some, e ela se abaixa no chão, recolhendo com pressa, cada um dos pequenos pedaços vermelhos de aíma.
– Elena, me desculpe. Eu não queria fazer isso. – Seu olhar culpado se intercala entre me olhar e olhar para os pedaços dos colares.
– Tudo bem, Wendy. – Me abaixo também, para ajudá-la.
– Me desculpe, me desculpe mesmo.
Seguro suas mãos, impedindo-a de continuar recolhendo os pedaços de aíma.
– Wendy, está tudo bem, eram só colares. Nós podemos comprar outros depois. – Sorrio compreensiva para minha irmã, que relaxa um pouco.
Eu não estou chateada com isso, o colar já não tem mais utilidade, eu já vi o que ele podia fazer e sei que funciona, isso basta.
Depois de ajudar Wendy a limpar os restos dos colares, nós duas descemos para o primeiro andar, ajeitando alguns bancos - que encontramos no sótão - entre a cozinha e sala. Hoje teríamos muitos convidados e a mesa de vovó não era grande como a da mansão, por isso, precisaríamos nos virar com o que tínhamos.
Chequei a hora no visor do meu celular, faltava um minuto para às sete, o horário que marquei para o jantar. Fiquei encarando o visor acesso até que os números mudassem para sete, e nem um segundo a menos de atraso, a campainha soou junto com a troca de números.
– Uh, eles são pontuais. – Wendy, que estava sentada em uma das cadeiras da mesa, diz.
Deixo meu celular sobre o pequeno balcão do armário e vou para fora da cozinha, querendo recepcionar nossos convidados, Wendy vem logo atrás de mim. Com calma, caminho até a porta de entrada, a destrancando com a chave que estava pendurada na fechadura. E a primeira coisa que vejo quando abro a porta, é o sorriso animado de Jimin, o primeiro da pequena fila do lado de fora.
– Boa noite. – Ele me saúda com um rápido abraço.
– Boa noite. – Sorrio para Jimin, que logo entra na casa de vovó.
O segundo a entrar é Hoseok, que também faz questão me abraçar, assim como Blarie e, para o meu desprazer, Amia também. Jungkook é o próximo e apenas passa ao meu lado sem se importar. Namjoon e Yoongi entram juntos, com o primeiro me saudando com um sorriso e covinhas, e o segundo entrando de forma relaxada com as mãos nos bolsos.
Jin surge com Hyung e algumas sacolas.
– Trouxemos vinho para os adultos e suco de uva para o Hyun. – Jin indica as sacolas.
– Muito obrigada, não precisava se incomodar. – Me curvo rapidamente.
– Você já está fazendo o jantar, isso é o mínimo. – Depois que Jin entra com Hyun, vejo Wendy levar todas para a sala.
E agora, só estava sobrando um.
– Oi. – Falo, um pouco sem jeito.
Assim como Yoongi, Taehyung estava com as mãos para dentro dos bolsos, me encarando de forma calma, mostrando que eu sou a única a sentir algo agora.
– Entre. – Me afasto e dou espaço para que ele passe pela porta.
Em silêncio, Taehyung entra, e ao passar ao meu lado, sinto o suave aroma de flores vindo dele, quase me fazendo fechar os olhos para apreciar.
Por Deus, ele estava tão cheiro e bonito.
Fecho a porta e me viro, pronta para ir até à sala me juntar com todos. Caminho um pouco atrás de Taehyung, admirando a forma elegante como ele andava; tudo sobre ele e seus irmãos parecia tão deslumbrante.
Nós dois somos os últimos a chegar na sala, onde todos já estavam acomodados pelo sofá ou poltrona e bancos que trouxemos do sótão. Eu nunca vi a sala de vovó tão cheia.
A lareira estava ligada, deixando o ambiente mais quente e aconchegante.
Taehyung senta no braço do sofá, ao lado de Blarie.
– Hum, a comida já está pronta, nós podemos jantar agora se vocês quiserem. – Digo, me sentindo um pouco desconfortável por ter tantos olhares sobre mim agora.
Hyun, que estava sentado no colo de Jin, ergue uma das suas pequenas mãos.
– Eu quero ir no banheiro. – O garotinho fala alto, fazendo Jimin rir.
– Certo. Eu te levo. – Estendo minha mão para Hyun, que sai do colo de Jin e se aproxima de mim. – Wendy, leve eles para a cozinha, nós já voltamos. – Peço para minha irmã, que assente e se levanta de onde estava.
De mãos dadas com Hyun, nós dois seguimos até a escada, subindo os degraus de forma devagar para que eu acompanhasse o seu ritmo.
– Eu gostei da sua casa. – O garotinho me encara com seus olhos grandes e puxados, enquanto andamos pelo corredor do segundo andar.
– Sério? Isso é bom. – Sorrio para Hyun, que acena com a cabeça.
– O que tem ali? – Hyun aponta para a porta no final do corredor, a única que ficava na parede.
– O sótão. – Respondo, parando em frente a uma porta aberta. – Esse aqui é o meu quarto, e ali é o banheiro, você pode ir. – Aponto para a porta dentro do quarto, e Hyun solta minha mão, correndo até ela.
Depois que ele fecha a porta, eu caminho até a janela, afastando a cortina para o lado, contemplando o céu escuro da noite. Olho para as ruas e para a entrada da casa, me perguntando se Caleb demoraria para chegar ou se até mesmo viria.
Suspiro de forma baixa e solto a cortina, me virando na direção oposta da janela para esperar por Hyun. E acabo por me assustar ao encontrar Jungkook parado na entrada do meu quarto.
– Se você precisa ir ao banheiro também, tem outro aqui no corredor.
Sem pressa, Jungkook caminha para perto de mim, parando na minha frente, deixando que poucos centímetros nos separassem. Ele apoia um de seus braços contra a janela atrás de mim, bem no alto da minha cabeça.
Seus olhos escuros se prendem aos meus, não deixando que nem mesmo as minhas respirações passassem despercebidas.
Mantenho meu corpo imóvel no lugar, tensa nesse momento.
– O que há entre você e o Taehyung? – E essas são suas primeiras palavras para mim em dias, já que ele parecia ter mantido algum voto de silêncio contra mim.
Franzo o cenho, olhando em algumas direções diferentes, tentando entender o que ele queria saber.
– Nada. – Pisco algumas vezes, me sentindo ainda mais tensa.
Jungkook arrasta seu braço um pouco para baixo, junto com seu tronco, o que o fez aproximar seu rosto do meu, de modo que seu olhar ficasse próximo, como se ele quisesse enxergar a verdade em minha resposta.
– Você tem certeza? – Seus olhos bem delineados e redondos, se apertam em um olhar desconfiado.
Apoio as mãos contra a janela, apertando discretamente as cortinas atrás de mim.
– Sim. – Aceno, querendo me livrar dessa situação.
Jungkook sorri fechado, minimamente.
– Lembre-se que essas são suas palavras.
Meu coração parece parar por um segundo quando percebo Jungkook aproximar mais seu rosto do meu.
– O que vocês tão fazendo? – Respiro aliviada ao escutar a voz de Hyun.
Jungkook me olha uma última vez, antes de se afastar.
– Esperando você. – Jungkook olha para Hyun, o pegando no colo quando ele se aproxima, saindo do meu quarto em seguida.
Respiro alto quando fico sozinha, relaxando meus músculos.
Eu só queria férias calmas com a minha avó, e acabei ganhando uma confusão com esses irmãos.
Minha avó... Acho que tive uma ideia.
Rapidamente me afasto da janela e saio de meu quarto, indo em direção ao quarto de vovó. Abro a porta sem tentar fazer barulho, e olho em volta dentro do quarto organizado. Sabendo que não posso demorar e nem deixar que vovó desconfie depois, começo a vasculhar por algumas de suas coisas, como cômoda e guarda-roupas, sorrindo sozinha quando encontro o que finalmente queria.
Encaro o terço em minhas mãos, prendendo-o ao redor de meu pescoço - onde antes o colar de aíma ficava -, escondendo a pequena cruz no topo de minha blusa.
Depois de verificar se tudo estava como antes, saio do quarto de vovó e retorno ao segundo andar, encontrando todos na cozinha com conversas altas e animadas. Bem, nem todos, alguns estavam apenas observando os detalhes ao redor.
– Vamos comer. – Anuncio quando entro na cozinha, e todos me olham.
Sabendo que tudo era fruto de minha ansiedade por essa noite, sinto como se a cruz escondida dentro de minha blusa, pinicasse ao estar dentro dessa cozinha, implorando para ser exposta a todos os olhares que me encaravam agora.
– O cheiro está muito bom. – Hoseok fala, como sempre, bastante expressivo em suas feições.
Sorrio.
– O segredo é o alho, eu uso bastante. Espero que não se importem.
– Nós adoramos alho. – Jimin diz.
A campainha toca.
– Eu atendo. – Wendy sai de perto da pia e passa por todos, saindo animada da cozinha.
– Nós podemos ajudar em alguma coisa? – Namjoon se aproxima, parando ao meu lado.
– Claro, os pratos e talheres estão ali. – Aponto para um canto do armário, onde eu havia separado tudo que usaríamos hoje.
Jimin e Hoseok se oferecem para ajudar Namjoon a pôr a mesa.
– Elena, o seu amigo chegou. – Wendy cantarola alto, e quando olho sobre os ombros, vejo Caleb na entrada da cozinha, ao lado de minha irmã. Ele tentava ser discreto ao observar todos que estavam na cozinha.
Ando até Caleb, sorrindo aliviada ao vê-lo.
– Fico feliz que tenha vindo.
– Você não me deu muitas escolhas. – Ele responde baixo e um pouco sério.
Sinto alguma atenção começar a ser direcionada para nós dois e, por isso, resolvo me afastar de Caleb, antes pedindo que ele fique à vontade.
Com ajuda, nós separamos todos, já que não daria para todo mundo jantar no mesmo lugar.
Wendy ficou na cozinha com Jin, Hyun, Jungkook, Taehyung e Amia, enquanto eu fui para sala com Jimin, Hoseok, Blarie, Namjoon, Yoongi e Caleb. Nós sete nos organizamos entre sofá, poltrona, bancos e até mesmo o chão, já que Jimin e Blarie fizeram questão de se sentarem ao meu lado, apoiando seus pratos sobre a pequena mesa de centro da sala. Eu até me sentia um pouco mal por eles estarem em roupas tão elegantes e sentados no carpete de vovó.
– Isso é tão macio que quero deitar. – Jimin comenta entre um riso, passando a mão pelo carpete marrom-claro.
– Vocês são amigos faz tempo? – Blarie pergunta para Caleb, que estava sentando em um dos bancos, enquanto apoiava seu prato sobre uma das almofadas do sofá.
Caleb me olha discretamente antes de responder.
– Não. Nos conhecemos tem pouco tempo. – Ele tentar soar menos sério. Posso notar seu esforço.
– E como vocês se conheceram? – Jimin pergunta com a mão em frente à boca.
– Ela e a irmã compraram alguns colares na minha loja.
– Oh, então aquele colar bonito que você usava era da loja dele? – Hoseok me olha surpreso. Ele estava de pernas cruzadas e apoiava seu prato sobre o braço do sofá.
– Sim, foi lá. – Respondo, tentando me ajeitar melhor sobre o carpete.
– Isso é legal, cara. O que você venda na sua loja? – Foi a vez de Namjoon pergunta, com um semblante bastante interessado. Ele estava sentado entre Hoseok e Yoongi, no sofá, também com uma almofada apoiando seu prato.
Sinceramente, de certa forma, tudo é engraçado, toda essa família é bem-refinada, entretanto, todos estão tão simples aqui na casa de vovó. Isso não é uma cena que eu poderia imaginar.
– Eu vendo a história do vilarejo, coisas como lendas ou objetos místicos. – Aos poucos, sinto que Caleb começa a ficar um pouco mais à vontade.
– Ele tem bastante coisas sobre vampiros. – Comento como quem não quer nada, enquanto encaro meu prato ao mesmo tempo que tento espiar os dois ao meu lado, pelo canto de olho.
– Isso é uma besteira, vampiros não existem. – Yoongi diz de forma insípida, como se realmente tivesse propriedade sobre o que fala, parecia até a vovó.
– Você já viu um? – Pergunto, e ele me olha com as sobrancelhas arqueadas.
– Não.
– Então como pode falar que não existem?
Yoongi aperta os olhos, me observando com cautela.
– Ela te pegou agora, Yoon. – Jimin ri, ao meu lado.
– Achei que você não acreditasse nessas coisas. – Namjoon comenta, acompanhando o riso de Jimin.
Dou de ombros, me forçando a rir também.
O restante do jantar ocorreu normalmente, nós conversamos sobre assuntos comuns, vez ou outra tocando sobre as coisas que Caleb fazia em sua loja. Namjoon realmente parecia ter ficado interessado, e deixando de lado toda essa situação, ele parece alguém que se interessaria por este tipo de coisa.
Aparentemente, tudo foi bem com a Wendy na cozinha, mas duvido que ela tenha conversado tanto quanto eu, pois sei que os que estavam com ela, não eram do tipo falantes como os que foram para a sala comigo.
Recebi alguma ajuda para recolher os pratos e tudo que usamos. Pedi que todos se acomodassem na sala e tomassem o vinho. Eu me encarregaria de lavar a louça e Wendy ficaria com eles.
– Achei um pouco indelicado deixar uma senhorita com todo esse trabalho. – Jin surge ao meu lado, enquanto enxáguo a louça.
Ele se recosta contra a pia, ficando ao meu lado, e me estende uma taça de vinho, enquanto segura a sua própria taça com a outra mão.
Desligo a torneira e seco as mãos no pano de prato que estava por perto.
– Vocês são os convidados. – Pego a taça que ele me oferece, tomando um pequeno gole da bebida doce e acentuada.
Jin sorri e também toma um gole de seu vinho deixando seus lábios cheios bem avermelhados.
Ele passa uma das mãos pelos fios escuros de seus cabelos, os ajeitando momentaneamente, e definitivamente percebo que a beleza é algo que vem de herança dentro dessa família. Todos parecem incrivelmente incríveis.
– Nós não costumamos sair muito, geralmente só quando o assunto são os negócios da família. Passar um tempo assim foi ótimo, obrigado por nos convidar. – Jin sorri outra vez, apoiando uma das mãos contra a pia, fazendo com que sua camisa de botões involuntariamente se abra um pouco mais, relevando um pequeno pedaço de sua pele pálida.
Por alguns segundos, me sinto perdida em seus pequenos detalhes, era fascinante.
– Você é religiosa? – Franzo o cenho, e Jin aponta para o meu pescoço.
Olho para baixo, e retiro a pequena cruz de dentro da minha blusa.
– Não sou muito, mas achei bonito, por isso coloquei. – Apoio a pequena cruz entre dois dedos, e encaro Jin.
Ele estende sua mão livre, tocando na pequena cruz, passando seu dedo sobre o relevo para sentir a textura.
– É bonito mesmo. – Ele solta a cruz e bebe o resto do seu vinho, depois pega o pano de prato que usei para secar minha mão e o joga sobre seu ombro. – Vou te ajudar. – Ele se desencosta da pia e fica ao meu lado, esperando que eu volte a enxaguar a louça.
Depois de receber a ajuda de Jin com a louça, a cozinha estava organizada outra vez. Eu disse a ele para voltar para sala e aproveitar como uma visita, que logo eu iria me juntar a eles, apenas precisava ir ao banheiro.
Saio da cozinha escutando a conversa alta vindo da sala e, sem atrapalhar, subo as escadas, indo em direção ao meu quarto.
Suspiro profundamente ao parar perto da cômoda onde costumava ter um vaso de flor, e começo a pensar que tudo que planejei até agora não está dando certo. O alho e o terço estão fora de cogitação, nada aconteceu e isso é ridículo, eu estou me baseando no que sei sobre lendas e filmes. Mas o que eu deveria fazer?
Parada de frente para a cômoda, com as mãos apoiadas sobre ela, perto de um par de brincos de Wendy, sinto alguém se aproximar e sei que não estou mais sozinha no quarto.
Sem que perceba, solto o ar lentamente, observando atentamente quando Taehyung entra no meu quarto e caminha até a cama, se sentando sobre o colchão forrado por um lençol limpo.
– O que está fazendo aqui? – Pergunto, me sentindo um pouco inquieta por estar sozinha com ele.
– Você invadiu o meu quarto, esqueceu? Acho que tenho o mesmo direito. – Ele cruza suas pernas de forma elegante e apoia as mãos sobre o colchão.
– Eu não invadi seu quarto, você sabe, eu apenas me confundi. – Encolho os ombros, e ele ri nasalado, sem humor.
Ficamos em silêncio, enquanto ele encara os detalhes do meu quarto.
Talvez estando sozinha com ele, eu descubra alguma coisa. Fiz o jantar com esse intuito, e mesmo que tudo até agora não tenha saído como o planejado, acho que sei de algo que pode funcionar.
Volto a me virar de frente para cômoda e, de maneira discreta, pego um dos brincos de Wendy que estava aqui, e retiro a pequena tarraxa, usando a ponta do brinco para fazer um corte na palma de minha mão.
Sinto uma leve ardência em minha pele, e contenho minha feição de desconforto, me virando outra vez de frente para o quarto. Fecho minha mão, sentindo sangue quente minar no corte.
Tomando coragem para isso, me aproximo receosa de Taehyung, sentando ao seu lado na cama. Ele me observa em silêncio, enquanto eu começo a pensar em como posso fazer isso. E assim como ele, apoio minhas mãos sobre o colchão, sabendo que meu sangue mancharia o lençol limpo.
Encaro Taehyung de volta, observando cada traço delicado de seu rosto apático. Parecia que toda vez que eu o olhava desta forma, era como um dever descrever cada mínimo detalhe de seu rosto perfeito.
Ainda em silêncio, aproximo minha mão da sua, até que eu toque sua pele com a palma de minha mão, fazendo assim, no mesmo segundo, Taehyung agarrar meu pulso e virar minha mão para cima.
– Você se machucou. – Ele diz, enquanto me encara.
Fico em silêncio, olhando dele para o sangue que minava na palma de minha mão.
– O que foi? Por que está me olhando desse jeito? Está querendo me perguntar alguma coisa? – Ele estreita seus olhos, não desviando nem por um segundo nosso contato visual.
– Eu deveria perguntar alguma coisa? – Sentindo o sangue quente formar uma pequena poça em minha mão, sustento nosso olhar, não querendo perder qualquer mudança que ele possa ter agora.
Taehyung não responde, mesmo que seu olhar fosse tão profundo quanto palavras.
Escuto alguns passos vindos do corredor, mas Taehyung não solta meu pulso.
– Nós estamos esperando vocês. – Jimin surge na porta do quarto.
Quando seus olhos veem meu corte, sua expressão é preocupada e ele se aproxima, se abaixando para ficar à minha altura.
– Elena, você se machucou? Como fez isso? – Seus olhos pequenos encaram o sangue na minha pele e na de Taehyung, que foi manchada por mim.
– Eu não sei, acho que quando eu estava lavando a louça.
– O kit de primeiros socorros está no banheiro? – Jimin pergunta e eu assinto, apontando para a porta dentro do quarto.
Ele se levanta e vai até lá.
Taehyung também se levanta e, sem dizer nada, sai do quarto, me deixando para trás e sem uma resposta.
Jimin retorna ao quarto com uma pequena caixinha branca, me ajudando a colocar um curativo sobre meu corte. Tento observar nele qualquer reação estranha, mas ele estava como sempre.
Em seguida, nós dois retornamos ao primeiro andar, onde passamos o resto da noite conversando e bebendo vinho. Tive que dar uma breve explicação sobre meu mais novo curativo, mas nada que causasse um alarde.
Vez ou outra eu sentia os olhares de Jungkook e Taehyung sobre mim, e me surpreendia por não receber um de Amia, que estranhamente estava quieta hoje, sem qualquer coisa que insinuasse seu “relacionamento” com Taehyung. Bem, eu não iriei reclamar, desta forma é bem melhor.
***
Por volta das onze horas, todos começaram a se despedir, prontos para irem embora, e eu acabei me oferecendo para acompanhar Caleb até sua loja, pois queria ter uma conversa a sós com ele.
Nós andamos em silêncio pelas ruas de Upiór, e ao chegar em sua loja, perguntei sobre as impressões dele para com todos, e soltei um longo suspiro ao escutar de sua boca que ele não achou nada de estranho em nenhum deles. Eu até que insisti, pedindo que ele tentasse associar tudo que conhecia de seus livros aos meus visitantes, mas Caleb continuou dizendo que não havia nada de estranho neles.
Sentindo que a minha noite foi um completo fracasso, volto sozinha para casa, pensando se havia mais alguma coisa da qual eu poderia fazer para provar minha irreal teoria sobre vampiros.
Pelas ruas tranquilas e silenciosas, me torno receosa quando encontro uma silhuetada em frente à casa de vovó, e ao me aproximar com cuidado, percebo ser Jungkook, então relaxo meu corpo.
Caminho até ele, que estava perto da porta de entrada, sozinho.
– Alguém esqueceu alguma coisa? – Cruzo os braços, sentindo o vento gelado da, quase, madrugada.
Fora de qualquer coisa que eu poderia imaginar, Jungkook segura na parte superior do meu braço direito, e me puxa para perto, me dando um beijo completamente desprevenido. Os meus olhos se arregalam em surpresa, mas seus lábios não ficam muito mais contra os meus, ele é rápido.
– Me encontre no jardim da mansão, amanhã de tarde. – Ele fala próximo de minha boca, me fazendo sentir seu hálito quente e depois simplesmente vai embora, me deixando completamente atônita parada em frente à casa de vovó.
O que aconteceu essa noite?
Capítulo 23
Eu estava nervosa, realmente nervosa e curiosa, passei a manhã toda pensando se deveria ou não encontrar Jungkook, ainda mais depois de o que aconteceu ontem. Mas e se ele tivesse algo de importante para me contar? Eu duvido muito.
Solto o ar devagar pela boca, fechando os olhos por alguns segundos, tomando alguma coragem para finalmente ir até à mansão.
Eu só espero não me arrepender.
E antes que a minha coragem fosse toda embora, aviso Wendy e me despeço dela, que não dá muita importância, ela estava bem entretida no jardim, cuidando de algumas ervas e flores.
Caminhando para fora da loja e, sobre os raios de sol, vou em direção à floresta, sentindo que meu nervosismo aumenta apenas por pisar sobre o solo de terra e folhas secas.
Como de costume, sempre me recebendo com cânticos, sigo o barulho das pequenas cigarras escondidas pela floresta.
O dia era agradável, realmente agradável para um passeio, e mesmo que eu tenha tido um momento ruim nessa floresta, algo que parecia muito mais um sonho do que, de fato, uma realidade, não posso negar que esse lugar é um dos mais bonitos que já vi em toda minha vida.
Admirar os detalhes da floresta foi algo que me distraiu, me fazendo longe de toda memória ruim que vivi e, por este motivo, mal pude me dar conta de ter chegado tão rápido na mansão.
Agora, aqui estava eu, parada ao centro dos portões abertos, encarando a imensidão que era o jardim bem cuidado. E meus olhos são rápidos ao notarem a figura alta de Jungkook parada de costas para mim e ao lado de um pequeno arbusto.
Seu corpo se vira lentamente, como se sentisse a minha presença, e a brisa suave balança sua camisa branca com mangas cumpridas. Haviam algumas ondulações na gola e nas mangas, assim como no tronco, era algo semelhante a babados, mas não posso dizer se são isso mesmo, de qualquer forma, ele parece um príncipe com essa roupa, enquanto eu estou usando um simples vestido vermelho com um casaquinho amarelo por cima.
Seus cabelos acompanham o movimento da brisa, e então, ele começa a andar com elegância para perto de mim, com uma expressão tão serena quanto a brisa. Particularmente hoje, seus lábios pareciam mais vermelhos e seus olhos mais escuros.
– Pensei que não fosse vir. – Ele diz, parando na minha frente com as mãos para dentro dos bolsos de suas calças pretas, uma mania de família, talvez.
– Por que eu estou aqui? – Pergunto, querendo me livrar desse nervosismo e curiosidade logo.
– Porque eu vou te levar para um encontro. – Ele responde de forma natural, como se me contasse algo sobre o tempo.
A princípio, me sinto um pouco desnorteada com suas palavras, mas, logo depois, fico completamente confusa.
– Um encontro? Por que você quer me levar para um encontro? – Encaro Jungkook com um pouco de assombro.
Ainda com as mãos dentro dos bolsos, ele se curva para frente, abaixando seu tronco para que seu rosto fique na altura do meu. Seus olhos escuros encaram os meus com seriedade.
– O que há entre você e o Taehyung? – Ele repete a mesma pergunta que me fez noite passada, quando estávamos sozinhos no meu quarto esperando por Hyun.
– Nada. – Respondo outra vez, ainda mais confusa.
Jungkook fica por alguns segundos encarando os meus olhos. Depois, ele endireita sua postura e puxa sua mão direta para fora do bolso para, em seguida, segurar uma de minhas mãos.
– Aí está a sua resposta, é por isso que estou te levando a um encontro.
Sem esperar por uma resposta minha, segurando minha mão, Jungkook começa a me guiar para direção contrária da mansão, indo para o caminho onde estivesse com Lydia. E apenas com a simples menção de ir por aquele caminho, meu corpo paralisa no lugar, fazendo Jungkook parar junto comigo. Ele me olha sobre os ombros de sua camisa, e ainda segurando a minha mão, ele usa a outra para apoiar em minhas costas, me impulsionando para frente de forma amena.
Cuidadosamente, de um jeito que não parecia vir dele, Jungkook continua me guiando pelo caminho que fiz com Lydia e, para o meu alívio, ele acaba por fazer um pequeno desvio, onde, no final, nós dois andávamos pela pequena trilha que me lembro de ter feito com Jimin, Hoseok e Blarie.
Em momento algum ele parecia ter pretensão de soltar a minha mão, mesmo quando teve que andar na minha frente para sinalizar o caminho, e isso se tornou tão estranho. Eu não entendo por que ainda estou aqui deixando que ele me leve para um encontro. Isso é louco, aonde ele quer chegar com tudo isso?
Como eu suspeitei desde que entramos nesse caminho estreito de terra, nós acabamos chegando no mesmo vilarejo montado onde vi aquelas pessoas presas em jaulas que, supostamente, estavam fazendo parte de uma encenação.
Semelhante a primeira vez,vi algumas pessoas transitando de um lado para o outro, passando por entre as barracas de madeira que vendiam todo tipo de comida, enquanto uma pequena nuvem de vapor se formava sobre elas.
Ainda sem soltar minha mão, Jungkook começa a andar por entre as barracas, e assim como Jimin e Hoseok, ele é sempre cumprimentado por todos os funcionários que demostram imenso respeito por aquele que seria o seu chefe.
Ele pergunta o que eu gostaria de comer, e mesmo que eu dissesse que estava bem, Jungkook insistiu que nós estávamos em um encontro e que, por isso, eu deveria escolher alguma coisa. E depois de pararmos em algumas barracas, com uma mão ocupada com a sacola de papel, Jungkook nos levou para longe do vilarejo montado, mas não longe o suficiente para nos impedir de ver as pequenas barracas de madeira, elas ainda estavam em nosso campo de visão, um pouco distantes agora.
Nós subimos um pequeno morro de grama que nos levou até o topo de uma queda, algo similar ao que vi com Lydia, mas este era maior. E apesar da altura, o lugar era deslumbrante, nos dando uma vista vasta da floresta colorida e do vilarejo montado.
– Se não quiser cair, é melhor se afastar. – Jungkook diz assim que me aproximo mais da beirada, tentando mensurar a profundidade que tinha.
Com passos ágeis, volto para trás e me viro, vendo Jungkook sentado sobre a grama baixa e seca, com a sacola de papel ao seu lado.
Me aproximo dele e me sento sobre os joelhos, de modo que meu vestido não revelasse nada.
– Já tive quedas demais para uma vida. – Solto um riso sem graça, e encolho os ombros, enquanto Jungkook me encara.
– Como aconteceu? – Seus olhos estavam completamente presos a mim, como se eu fosse algo importante que ele devia olhar agora.
Enrugo minhas sobrancelhas e encaro minhas mãos que estavam sobre minhas coxas, acabando por me relembrar daquele dia tão confuso.
– Eu escorreguei e cai. Não sei como sai ilesa. – Opto por contar o que falei para todos, não acho que ele acreditaria em Lydia, nem mesmo eu acredito.
Jungkook ri nasalado, sem humor.
– Existem pessoas com sorte. E você parece do tipo que se machuca. – Seus olhos vão direto para minha mão que escondia o curativo que fez noite passada, algo que eu nem mesmo me lembrava até esse momento. – Então, deve ter muita sorte.
– Minha sorte, na verdade, foi o Taehyung. – Sorrio fechado, um pouco sem jeito.
A expressão de Jungkook não muda.
– No lugar certo, na hora certa.
O encaro curiosa.
– O que você quer dizer?
Seus olhos desviam dos meus e, pela primeira vez, ele encara a paisagem à nossa frente.
– Se tem alguém que conhece essa floresta, esse alguém é ele. – A brisa passa suavemente por nós, bagunçando seu cabelo castanho.
– E isso te incomoda? – Inclino o corpo um pouco para frente, de modo que possa olhar seu rosto.
– Isso não é uma competição, Taehyung é o meu irmão, Elena. – Jungkook me encara de canto de olho e decido que é melhor não continuar com esse tipo de conversa.
O som da brisa preenche nosso silêncio e, por me sentir um pouco incomodada, seguro na barra de meu vestido, encarando minhas mãos outra vez.
– Coma, isso é seu. – Ele coloca a sacola de papel sobre meu colo, adicionando um novo item à minha visão, que estava restrita as minhas coxas, barra do vestido, mãos e grama.
Abro o pequeno saco marrom e retiro dois pãezinhos redondos e rosas que estavam embalados em plástico.
Estendo um deles para Jungkook, que olha do pãozinho rosa para mim.
– Eu não quero.
Expiro baixo, e Jungkook escuta.
– Isso é um encontro, você precisa aceitar. – Mantenho o bolinho estendido em sua direção.
Jungkook sorri de forma mínima quase que para que eu não notasse, e pega o pãozinho de minhas mãos.
***
Jungkook afasta o arco do violino e afasta o instrumento de seu ombro.
– Você toca tão bem. – Encaro Jungkook completamente pasma com o seu talento.
Violino parecia um instrumento tão complicado e que requer um cuidado muito grande, mas ele consegue tocar com tanta facilidade. Isso era realmente incrível.
– Aposto que usa esse truque para enganar as pessoas.
Jungkook deixa o violino entre suas pernas e coloca o arco sobre seu colo, antes de me encarar e se aproximar perigosamente de mim.
– Eu consegui te enganar? – Ele pergunta com seu hálito quente perto do meu rosto.
Meus olhos se arregalam e meu corpo se curva automaticamente para trás.
– Talvez. – Confesso, e ele ri, mostrando seu sorriso que me lembrava um belo coelho branco.
– Nesse caso, eu deveria te beijar?
Seus olhos nem ao menos piscavam.
– V-Você está me perguntando isso agora? – Sinto todo nervosismo do começo, voltar.
– Estou tentando ser legal dessa vez. – Ele sorri de novo.
Levo uma de minhas mãos até seu tronco, e o empurro suavemente para trás.
– Então, vamos parar por aqui. Nós tivemos um dia agradável, acho que podemos terminar assim. – Falo, sincera.
Jungkook suspira falsamente.
– Ok, se é assim que você quer. – Ele coloca seu violino e o arco sobre o banco que estávamos sentados e, em seguida, se levanta. – Mas não garanto que serei tão legal no nosso próximo encontro.
De pé na minha frente, Jungkook me estende uma mão.
Encaro ele e acabo sorrindo discretamente, aceitando sua ajuda para levantar. E assim, ele me leva até a entrada da mansão, e depois para o jardim, onde caminhamos lado a lado debaixo do céu de fim de tarde.
Enquanto passávamos por entre alguns canteiros de flores, Jungkook aproveita para colher uma das belas tulipas-negras.
– Para que você não se esqueça de mim hoje. – Ele me oferece a flor, que eu recebo de bom grado.
– Obrigada. – Aceno para ele, assim que paramos perto do portão da mansão.
– Você quer que eu te leve até sua casa? – Parecendo completamente mais agradável do que qualquer vez que nos vimos, Jungkook pergunta.
– Não precisa. Tenho que ir para a loja, minha irmã está me esperando. Você pode dizer ao Jimin que estive aqui?
Jungkook passa uma mão das mãos por seus cabelos, jogando os fios para trás, enquanto assente.
– Eu vou indo agora. Obrigada pela tarde, eu aproveitei muito. – Sorrio fechado, erguendo um pouco a tulipa que ele me deu.
Jungkook sorri de volta, me fazendo perceber que era a hora de ir embora, eu já estava o vendo de um jeito diferente.
Nos encaramos uma última vez, antes que fossemos interrompidos por uma risada feminina, que estava se aproximando com passos. E poucos segundos bastam para que a imagem de Amia, agarrada a um dos braços de Taehyung, surja por entre os portões da mansão.
Os dois param assim que nos veem.
Os olhos de Taehyung encontram os meus por poucos segundos, pois logo depois ele encara a tulipa em minha mão e Jungkook.
Sua expressão é indiferente, da mesma maneira como estava ao lado de Amia, mesmo que seus olhos estejam atentos a tudo.
– Vocês estão juntos? – Amia pergunta, me olhando de forma espantada.
Sentindo o peso do olhar de Taehyung - também - em mim, assinto, fazendo Amia arquear as sobrancelhas.
– Nós quatro deveríamos sair juntos. – Amia se prende mais ao braço de Taehyung.
Jungkook fica em silêncio ao meu lado.
– Eu preciso ir agora. – Digo, sem jeito. – Obrigada. – Me curvo rapidamente para Jungkook, que me encara silenciosamente, e depois passo apressada por Amia e Taehyung.
Sem nem ao menos olhar para trás, sigo pelo caminho da floresta, querendo me livrar dessa situação que acabei entrando.
Aperto o caule da tulipa contra o curativo em minha mão, e apresso meus passos, não demorando para chegar até a saída da floresta, percebendo que hoje eu teria um dia com grandes surpresas.
Lydia estava se aproximando da loja, mas para e espera por mim assim que me vê saindo da floresta.
– Olá. – Ela sorri abertamente.
A cumprimento com um aceno de cabeça.
– Vim saber sobre a minha encomenda.
– Minha avó me mandou uma mensagem hoje, ela voltará em dois dias com a sua encomenda. – Forço um sorriso, me sentindo desconfortável por estar perto de Lydia.
– Tudo bem, eu voltarei. – Ela sorri.
Seus grandes olhos azuis permanecem me encarando, até que ela note a tulipa-negra em minha mão.
– Que linda. – Lydia diz, enquanto olha para a flor.
Olho para a tulipa também, sabendo que não posso ficar com ela, já que vovó não gosta do cheiro
– Pode ficar. – Estendo a flor para ela.
– Obrigada. – Lydia mantém seu sorriso e pega a flor.
– Não foi nada. Elas combinam com os seus olhos.
Capítulo 24
O tempo não era muito bom, há dois dias o sol estava por todo canto, e hoje a temperatura dentro de casa era de resmungar por sair debaixo das cobertas. Não quero nem imaginar como está lá fora, apenas o céu cinza já me faz relutar sobre ir à loja.
Enrolei na cama e demorei algum tempo, mas, finalmente, eu já havia feito tudo que precisava; meus dentes escovados e meu rosto lavado, mas acho que vou continuar de pijama.
– Bom dia, bela adormecida. – Wendy me saúda assim que abro a porta do banheiro.
Minha irmã estava sentada sobre a ponta da cama recém arrumada.
– Bom dia. – Espreguiço meu corpo pela terceira vez desde que acordei.
– A vovó me mandou mensagem já tem um tempinho. Mas ela já chegou, falou que ia passar na loja primeiro, pra deixar as ervas que trouxe.
Eu estava prestes a responder um simples “tá bom”, quando o barulho da porta abrindo no primeiro andar, seguido de vozes, me interrompe.
– Acho que ela chegou. Só estava esperando você acordar. – Wendy ri e se levanta. Ela espera até que eu calce meus chinelos, para que nós duas descêssemos para o primeiro andar.
A voz de Sebastian facilmente é identificada com a de vovó, que falava em um tom alto, diferente do de costume.
Wendy e eu fomos até a cozinha, onde, de fato, vovó conversava com Sebastian, ambos com expressões sérias e, aparentemente, preocupadas.
– Bem-vinda, vovó. – Wendy fala animada, indo abraçar vovó, que retribui, mas mantém a feição.
– Aconteceu alguma coisa? – Pergunt, e me aproximo de vovó, que troca um olhar estranho com Sebastian.
Ela suspira alto.
– Um garoto do vilarejo desapareceu.
Franzo o cenho e olho para minha irmã.
– Que garoto? – Wendy pergunta, enquanto segura no braço de vovó, uma mania que ela tinha quando estava curiosa.
– O garoto que trabalhava na loja onde vocês tinham comprado aqueles colares vermelhos.
Meus olhos se arregalam.
– Caleb? – Pergunto temente e, para minha infelicidade, vovó assente.
– Ficamos sabendo agora de manhã, quando chegamos na loja. – Sebastian tira o boné de sua cabeça, coçando os frios brancos.
– A mãe dele disse que uns quatro dias atrás ele foi jantar na casa de um amigo e não voltou mais. – vovó explica.
Olho outra vez para Wendy, pedindo silenciosamente para que ela não diga nada.
***
Espero Wendy terminar de colar o cartaz no poste de luz, para que seguíssemos para o próximo local.
Depois que vovó nos contou sobre Caleb, um pequeno grupo de busca formado por moradores do vilarejo começou a vasculhar cada canto à procura de Caleb. Wendy e eu estávamos responsáveis por espalhar cartazes feitos em folhas de sulfite, com a foto de Caleb. Por mais que Upiór fosse pequeno, às vezes, como eu e Wendy, sempre tem alguém de fora e, até mesmo, sei que nem todos são amigos próximos, por isso era importante divulgar sobre o sumiço de Caleb.
Eu ainda não posso acreditar, se Caleb sumiu há quatro dias, tudo que penso é no jantar na casa de vovó, e a mãe dele ainda confirmou que depois disso ele não voltou para casa. Mas eu me lembro bem de acompanhá-lo até sua loja, então como isso aconteceu? Ele sumiu assim que o deixei lá?
Isso é louco, tudo isso é louco, e a minha cabeça parece que vai explodir. Talvez seja porque estou tentando fazer isso agora, mas a mansão e os irmãos, desde aquele sonho e depois de colocar nos miolos que vampiros podem existir, eu sempre acabo culpando-os.
Respiro fundo e encaro o céu de fim de tarde, que mais parecia começo da noite, pois o cinza do tempo que se fechou, como se fosse um sinal do que havia acontecido, pintava cada pedaço do céu com suas nuvens carregadas e escuras. O vento era forte e balançava os meus cabelos e os cartazes que eu carregava nos braços, e preciso segurá-los com força, caso contrário, o vento levaria cada um deles embora.
Wendy e eu caminhamos para debaixo do toldo listrado, passando pela pequena porta branca com a tintura descascada.
– Meninas, como estão? – Cora se afasta de uma das mesas que limpava, e se aproxima de nós duas.
Apenas um casal preenchia sua loja, e estavam sentados mais afastados.
– Podemos deixar um aqui? – Mostro um dos cartazes para Cora, que assente.
– Claro, venha, pode colocar aqui. – Ela põe uma de suas mãos sobre as minhas costas para me indicar o caminho.
– Vou deixar um com aquele casal. – Wendy avisa, assim que Cora e eu começamos a andar para perto do balcão.
Na parada ao lado do balcão, onde havia um pequeno mural com alguns rascunhos sobre promoções, Cora arruma um espaço para que eu cole o cartaz.
– Uma má sorte esse garoto ter desaparecido, não é? Já vi ele algumas vezes, mas a maior parte do tempo, diziam que ele passava naquela loja estranha que tinha.
– Sim. – Com o auxílio da fita adesiva, colo o sulfite no mural.
– Espero que o encontrem. Se eu souber de alguma coisa, com certeza eu aviso, sua avó que está coordenando as buscas, certo?
– Sim, é ela. – Me afasto do mural quando termino.
– Ela sempre fez muito por esse vilarejo. – Cora sorri de forma pesarosa e eu retribuo.
Depois de colarmos o cartaz e de deixar um com o casal que estava na loja de Cora, Wendy e eu saímos, sempre entregando cartazes para todos que passavam por nós.
***
Depois que nossos cartazes acabaram, nós voltamos para loja de vovó, onde além de Sebastian, encontramos Lydia. Ela havia vindo buscar sua encomenda, e trouxe consigo uma velha lamparina da qual ela disse que estava usando para vasculhar com algumas pessoas dentro da floresta, já que o dia estava bem escuro. Lydia também havia se voluntariado a fazer os cartazes que entregamos hoje, e mesmo que ela esteja ajudando, não posso deixar de me sentir desconfortável perto dela, não depois de o que aconteceu.
Carregando sua lamparina, ela seguiu Sebastian até o jardim da loja, o lugar onde ele e vovó deixaram todos os caixotes que trouxeram de viagem. O homem de cabelos brancos disse que ajudaria Lydia a levar sua encomenda para casa.
No meio de um silêncio amargo entre vovó e Wendy, encaro a pequena chave que estava sobre o balcão amarelo, sabendo que era a chave que abria a loja de Caleb. Como vovó estava coordenando as buscas, a mãe de Caleb acabou deixando a chave com ela.
– Estou pensando em ir nas cidades vizinhas para ver se ele não passou por lá. – Vovó quebra o silêncio. – Vocês podem ir comigo? Vou precisar de ajuda.
– Claro. – Wendy responde, abraçando vovó de lado, tentando amenizar essa situação de alguma forma.
– Certo, então iremos amanhã.
– Vovó, nós duas poderíamos dar uma olhada na loja do Caleb antes? Talvez a gente encontre alguma coisa por lá. – Pergunto, tendo uma pequena ideia de como conseguir, nem que fosse, uma miséria pista.
– Se quiserem, podem ir, mas a mãe dele disse que já vasculhou tudo por lá e não encontrou nada. – Vovó pega a chave que estava no balcão e me entrega.
***
Com um céu um pouco mais escuro agora, destranco a porta da loja de Caleb, enquanto Wendy fica atrás de mim, esperando em meio aos resmungos de frio. O vento gelado continua forte e o casaco vermelho que uso, já não parece eficiente o bastante. Tento ser mais rápida ao destrancar a porta, e quando ela se abre, praticamente corremos para dentro.
Wendy encontra o interruptor de luz, e a loja parecia a mesma de sempre, tudo muito bem organizado em seu lugar, intocável.
– O que especificamente estamos procurando? – Wendy pergunta, enquanto desenrola o pequeno lenço que estava em torno de seu pescoço, o deixando de lado sobre uma parte do balcão.
– Alguma pista que nos ajuda a descobrir onde Caleb está. – Respondo com os olhos fixos no meu objetivo.
Vovó disse que a mãe de Caleb já passou por aqui e não encontrou nada e, de fato, não deve ter mesmo, mas não posso negar, quis vir até aqui para, finalmente, poder folear aquele livro de capa vermelha que estava sobre o balcão. Talvez se eu puder entender essa situação, eu posso chegar perto do que ou quem fez Caleb sumir.
Espio discretamente Wendy, vendo que ela estava procurando na direção contrária, entre os objetos estranhos da loja, e aproveito desse momento para me aproximar do livro, que pego com cuidado. Como sempre, estava aberto na mesma página, uma que explicava sobre os vampiros. Dou uma rápida lida por entre as letras um pouco apagadas nas folhas gastas, e tento me apropriar de qualquer informação sobre vampiros que seja útil.
Começo a folhear as páginas, vendo agora a figura de Drácula, que de acordo com esse livro, era o vampiro mais forte dentro todos. Muitas informações sobre ele estavam faltando, por isso, eu só tinha o básico. E não só sobre o Drácula, mas muitas outras páginas foram arrancadas desse livro, me deixando cada vez mais sem informações.
Reli sobre a Erva-Verde e procurei sobre outras ervas, sem sucesso. Também tentei procurar por algo que explicasse o Alter ego, mas também foi inútil. Procurar pistas através de um único sonho que eu tive não estava sendo fácil, eu nem ao menos sei o que devo fazer da forma certa, e nada vem até mim, todas as coisas parecem se esconder ou não existir.
Junto de um suspiro, abro a penúltima página com poucas palavras escritas bem ao centro em tom escuro e grande:
❝Drácus Dementer: Lycanthrope
Lupul se va dezvălui și Dracula va trebui să lupte pentru a supraviețui.
Mulți oameni vor muri.❞
Eu definitivamente não posso entender isso, então tudo que faço é virar para a última folha, na esperança de encontrar algo que pudesse me ajudar a entender, e me surpreendo ao ver um papel dobrado escorregar para o chão antes que eu posso pegá-lo.
Fecho o livro de capa vermelha e o coloco de volta sobre o balcão, em seguida, me abaixo para pegar o papel dobrado, percebendo que se tratava de uma carta feita em uma folha branca mal cortada. Nela, uma letra tremida explicava que seu lugar não era em Upiór, e que sua vontade era de viajar por outros lugares em busca de algo que realmente explicasse suas crenças. Era uma carta de Caleb, seu nome estava assinado no final.
Com o cenho franzido, continuo relendo as palavras. Mostro a carta para Wendy, que parece tão surpresa quanto eu.
– Então ele foi embora e deixou isso no livro? – Minha irmã pergunta, confusa.
– Não sei, mas é melhor mostrarmos pra vovó. – Aviso e Wendy assente, logo depois indo procurar por seu lenço, o colocando outra vez antes de nos ajeitarmos para irmos embora.
Isso é muito estranho, Caleb some e deixa uma carta no meio do seu livro dizendo que seu lugar não é em Upiór? Por que não deixar na sua casa, onde sua mãe encontraria com facilidade?
Eu não posso acreditar nisso, e algo dentro de mim, está se corroendo e dizendo que eu sei onde devo ir, porque a resposta estará lá.
Às presas, volto para loja de vovó com Wendy, mas não entro. Peço para minha irmã mostrar a carta para vovó, pois eu iria para outro lugar, a mansão. Wendy pergunta o que eu faria lá, e digo conversaria com Jimin para saber se ele ou um de seus irmãos viu Caleb deixando o vilarejo ou algo do tipo, já que todos nós jantamos juntos no dia que Caleb sumiu. Também peço para Wendy falar para vovó que eu fui até a casa de Lydia ajudar a fazer mais cartazes. Se vovó confia nessa garota, e depois de tudo que aconteceu entre nós duas, eu tenho o direito de usar sua “ajuda” agora. Ela já deve ter ido embora com sua encomenda, então sei que Lydia não retornaria na loja tão cedo e esse seria meu álibi perfeito nesse momento.
Com a ajuda de Wendy, passo apressada em frente à porta aberta da loja de vovó, suspirando aliviada por ela não me ver. Depois corro até a entrada da floresta, mantendo meu ritmo até que eu esteja escondida o suficiente para ninguém me veja ali.
Bem lá no fundo, eu sinto que alguém daquela mansão pode ter algo com isso, aquela carta não me parece verdadeira, e mesmo que eu continue vendo apenas paredes enormes no meu caminho, não vou desistir de tentar entender o que é tudo isso.
Junto com o vento gelado, corro por entre todas as árvores e sob o chão de terra, até que eu chegasse nos portões da mansão. Com passos mais calmos agora, atravesso todo o jardim e vou direto para porta de entrada, dando algumas batidas nela. Espero alguns minutos e sou recebida por Jimin, que sorri ao me ver. Ele estava usando roupas quentes também, mas não parecia muito diferente das que ele usava normalmente.
– Entre, está muito frio aí fora. Assim você vai pegar um resfriado. – Ele segura gentilmente em minha mão e me puxa para dentro.
O ar dentro da mansão não era gelado, na verdade, agradável.
– Veio me visitar? – Ele pergunta calmamente, mantendo seu sorriso.
– Você está sozinho? – Pergunto e olho para o final do hall vazio.
– Taehyung, Blarie, Hoseok e Amia estão na sala. Os outro saíram, foram resolver alguns assuntos sobre os negócios da família.
– Até o Hyun? – Volto a encará-lo.
– Sim. Jin disse que seria bom para ele sair um pouco. – O sorriso de Jimin se torna um pouco confuso, e ele enruga as sobrancelhas. – Mas por que está me perguntando isso? Aconteceu alguma coisa?
Respiro fundo antes de responder.
– Você se lembra de Caleb? – Seguro minhas próprias mãos, sentindo meus dedos gelados.
– O seu amigo, certo? Ele jantou com a gente na sua casa. – Jimin ainda parecia confuso.
– Sim... ele sumiu. – Os pequenos olhos de Jimin se arregalam. – Depois do jantar ele desapareceu, e agora nós estamos procurando por ele lá no vilarejo.
Decido não contar sobre a carta, já que não tenho certeza sobre ela.
– Isso é ruim. Você não sabe para onde ele pode ter ido? – Jimin pergunta.
Nego com a cabeça.
– Nós estamos procurando por todos os lugares, espalhamos alguns cartazes, mas até agora não tivemos sorte. – Suspiro falsamente.
Jimin segura minha mão pela segunda vez e começa a me puxar pelo hall de entrada.
– Vou te ajudar. Nós podemos procurar aqui por perto. Muitas pessoas se perdem na floresta.
Não respondo, e assim, Jimin me leva até a sala, onde Blarie e Hoseok estavam sentados próximo da enorme lareira, enquanto Taehyung e Amia estavam no sofá. Rapidamente, Jimin explica a situação e todos aceitam me ajudar, mesmo que Taehyung tenha ficado em silêncio.
Como estávamos em seis, Hoseok sugeriu que nos separássemos em dois grupos, assim teríamos mais chances de encontrar Caleb ou alguma pista. E de alguma forma, Amia conseguiu fazer com que Taehyung e eu fizéssemos parte de seu grupo. Eu realmente não me importo, contanto que eu esteja com algum deles, sei que posso tentar descobrir algo.
Jimin procurou por algumas lanternas na mansão, dando uma para cada um de nós, já que o céu era escuro do lado de fora e na floresta a única iluminação era a da lua, que já estava dando seus primeiros indícios.
De volta ao vento, nós nos separamos e o meu grupo pega o caminho da parte detrás da mansão. Taehyung tomou a frente, e Amia ficou ao meu lado, e enquanto nós duas iluminávamos o caminho, vi alguns pequenos insetos e até mesmo alguns coelhos e esquilos, que eram atraídos pelas luzes das lanternas e depois saiam correndo quando nos viam.
– Você não sabe como ele sumiu? – Amia pergunta, usando sua mão livre para segurar em seu longo vestido de mangas.
– Não. – Respondo, prestando atenção pelo caminho, não querendo tropeçar em nada.
– Ele pode ter ido para outro lugar, não pode? Talvez viajar.
Encaro Amia, que me olhava curiosa.
– Talvez, mas enquanto não descobrirmos, é melhor procurar.
– Claro, você tem razão. – Ela sorri em seus lábios pintados em um tom de roxo bem escuro, antes de soltar seu vestido e segurar em meu braço. – Tome cuidado, querida. – Ela me puxa para perto de seu corpo, desviando meus passos de um pequeno esquilo que passou correndo por nós duas.
Sem mais perguntas, ela anda em silêncio ao meu lado. Observo o corpo alto de Taehyung, ele andava calmamente a nossa frente com uma das mãos para dentro do bolso do longo casaco preto que ele usava, deixando à mostra apenas a gola da blusa preta que ele vestia.
Em meio ao som do vento, um barulho de água, não muito alto, começa a surgir gradativamente, e Taehyung parece seguir ele. Amia e eu andamos por cada um de seus passos, até que estivessem em frente ao rio que ficava nos fundos da mansão, mas em uma parte diferente onde fizemos o piquenique.
Por conta do vento, a água estava um pouco agitada, fazendo barulho e, nesta parte, haviam algumas pedras grandes que levavam para o outro lado do rio, com mais árvores.
Taehyung para de frente para o rio, e nós duas paramos logo atrás, encarando a água que estava escura e que refletia a luz da lua.
– Quer ir para o outro lado ver se encontra seu amigo? – Amia pergunta para mim, apontando em direção as pedras grandes no meio do rio, onde as águas tinham um pouco de dificuldade para passar.
Taehyung nos observa em silêncio, com sua lanterna apontada para água.
Encaro o outro lado do rio, pensando se havia algo de importante por lá, já que Amia sugeriu que atravessássemos o rio.
Eu vim até aqui para isso, não é? Então, eu acho que devo fazer isso.
– Tudo bem. – Digo, e tomo a frente, indo em direção às pedras, parando rente a beirada do rio.
– Pode ir, estou bem atrás de você. – Amia sorri, esperando que eu suba na primeira pedra grande.
Ilumino bem cada parte daquela pedra, me certificando que o topo não estava molhado, e depois de ver que nenhum animalzinho estava por perto também, com cuidado, pulo para cima da primeira pedra, felizmente, conseguindo me equilibrar nela.
Escutando o barulho da água, olho para trás, vendo que Amia se preparava para seguir meus passos, enquanto Taehyung permanecia no mesmo lugar. Amia volta a segurar seu vestido, e ilumina as pedras, assim como eu fiz, antes de saltar. Seu corpo é muito rápido, por isso, não posso desviar quando ela pula em minha direção, esbarrando seu corpo no meu, me fazendo quase ir ao encontro do rio. Meu corpo se desequilibra e caio de joelhos sobras a pedra, tentando me manter sobre ela com o auxílio da mão, deixando que minha lanterna caísse na água.
Sinto meu joelho direito arder, e quando tento esticar minha perna, ainda ajoelhada, levo as mãos até o local machucado, fechando os olhos momentaneamente.
– Você está bem? Me desculpe, eu não quis te machucar. – Amia se abaixa ao meu lado.
Escuto Taehyung suspirar.
– Saia da frente, Amia. – Pela primeira vez desde que o vi hoje, ele fala.
Ainda mais rápida que antes, Amia se levanta e dá espaço para que Taehyung se aproxime de mim. Ele também se abaixa, pegando em um dos meus braços para passar ao redor do seu pescoço, me ajudando a levantar.
– Eu estou bem, posso andar. – Falo, e sinto uma fisgada em meu joelho, me fazendo contorcer o rosto.
Taehyung me ajuda a sair das pedras, e com uma mão em minha cintura, ele começa a me fazer andar em direção ao caminho que usamos para chegar aqui.
– Você vai voltar? Nós precisamos procurar o amigo dela. – Amia diz, vindo atrás de nós.
Taehyung para de andar, e a encara sobre os ombros.
– Encontre o Jimin e fique com ele. Acho que você já ajudou demais. – Com o tom de voz sério, Taehyung diz para Amia, que fica calada.
Capítulo 25
Ele estava abaixado, então eu não podia ver seus olhos, porque seus cabelos estavam tapando. E cada um dos fios acinzentados, quase brancos, estavam muito bem alinhados e pareciam tão macios que me dava vontade de tocar. Seu casaco preto estava tocando o chão, enquanto ele terminava de colocar o pequeno curativo sobre o arranhão que sujou minhas calças de sangue, esta que, por sinal, estava com um rasgo na horizontal.
Eu tentava deixar meu corpo inteiro paralisado, não querendo atrapalhar o que ele fazia. E aqui, sentada sobre sua enorme cama com lençóis pretos, eu estava me sentindo tão nervosa que nem conseguia reparar nos detalhes que compunham seu quarto, o lugar do qual eu nunca deveria entrar sem ser convidada.
Eu sei que vou ficar bem, meu machucado nem doía mais, e quando eu voltar para casa de vovó, apenas preciso preparar uma pasta com Erva-Laranja, e esse machucado vai sumir em poucos dias, assim como foi com o corte em minha mão. Mas ele estava sendo alguém gentil agora, se preocupando em fazer esse pequeno curativo, então não posso dizer nada.
Suas mãos se afastam de meu joelho e observo o curativo que ele colocou por entre o rasgo de minhas calças sujas de sangue.
– Obrigada. – Com as mãos sobre as coxas, em nervosismo, agradeço.
Taehyung me olha através dos fios de cabelos que cobriam seus olhos, e depois se levanta enquanto pega alguns papéis sujos de sangue, para ir em direção a porta que levava até o banheiro dentro do seu quarto.
Sozinha dentro do quarto, olho ao meu redor, vendo desde as cortinas pretas e longas que tocavam o chão coberto por um carpete vinho, até os lençóis de seda que cobriam a enorme cama da qual eu estava sentada. Ao lado do enorme guarda-roupas escuro que parecia ser de mármore, havia uma pequena mesa quadrada de madeira, onde um vaso muito bonito de vidro, abrigava alguns lírios que reconheço como sendo os que presentei Taehyung, sei disso por conta do cordão de sisal que amarrava as flores.
Me levanto da cama e caminho até a pequena mesa quadrada, sorrindo minimante por saber que no final das contas, ele acabou gostando das flores, as mantendo em seu quarto. Elas ainda estavam bem cuidadas, exatamente como eu trouxe, com cada um dos caules mergulhados na água do vaso.
Com a ponta dos dedos, toco as pétalas brancas, contendo um sorriso maior que teimava em surgir em meus lábios. Esses lírios se destacavam em tanta cor escura que havia nesse quarto, e isso os tornavam ainda mais especiais
Escuto Taehyung sair do banheiro, e me viro parcialmente para olhá-lo. Seus olhos encontram os meus, e ele me observa por alguns segundos, antes de andar até uma poltrona preta que ficava ao lado direito de sua cama. Ele retira o casaco que vestia, ficando apenas com a blusa preta de gola alta, da qual ele ergue as mangas até os cotovelos. A blusa estava por dentro de suas calças jeans justas, de mesma cor.
– As flores ficaram ótimas aqui. – Encolho os ombros, me sentindo um pouco envergonhada por estar em seu quarto, ao mesmo tempo que me sinto deslumbrada em como ele parece bonito agora.
O longo brinco que ele usava em sua orelha direita o deixava ainda mais charmoso, assim como os dois furos em sua orelha esquerda, com brincos pequenos e simples. Suas unhas estavam pintadas de preto, algo que eu me recordo de ver em Jimin e em alguns de seus irmãos quando os conheci.
De alguma forma, o cinto preto de suas calças deixava sua cintura mais fina, tornando sua imagem elegante. Seu corpo nessas roupas justas, era magro e esbelto, de uma forma que nunca vi antes.
– Como está o seu joelho? – Ele pergunta.
Taehyung coloca as mãos para dentro dos bolsos das calças e caminha calmamente para perto de mim.
– Eu estou bem, nem dói mais. – Sorrio fechado, agradecida.
Ele assente em silêncio.
Sem saber o que dizer, desvio o olhar para os lados, me sentindo nervosa sobre o seu. Olho para algumas direções, fingindo prestar atenção em outras coisas.
– Gostei do seu quarto, tem cores bem escuras, mas acho que combinam com você. – Encolho os ombros outra vez e o encaro de canto de olho.
– Você saiu com o Jungkook? – Ele pergunta, me fazendo voltar a olhá-lo como antes.
Sua feição não era séria, nem irritada, era apática como sempre.
– Talvez eu tenha saído. – Seguro minhas próprias mãos, mexendo meus dedos inquietamente.
Taehyung fica em silêncio outra vez.
– Você saiu com a Amia também. – Encaro o carpete-vinho, dizendo de maneira baixa e um pouco lenta.
Continua mexendo os dedos e encarando o carpete, completamente tensa.
– Mas acho que isso não é muito importante, não é? – Forço um sorriso fechado para o carpete.
– Não é. – Ele responde, e consigo ver quando Taehyung retira as mãos de dentro dos bolsos, e as aproxima das minhas, tocando meus dedos gelados e nervosos.
Com as batidas do coração começando a ficar rápidas, hesitante e gradativamente, volto a encará-lo. Os olhos escuros de Taehyung estavam contra os meus, e o ar que respirávamos no quarto, parecia ter sido substituído por tensão.
Taehyung solta uma de minhas mãos, levado ela até o meu rosto, lugar que ele toca com a ponta dos dedos. Sua mão desliza para parte detrás de minha cabeça, onde seus dedos entram entre os fios loiros de meus cabelos.
Ele começa a aproximar seu rosto do meu, e meu coração acelera de uma vez, me fazendo sentir as batidas rápidas contra meu peito.
– Não é importante. – Ele sussurra com sua boca avermelhada bem próxima a minha e, dessa vez, não sou capaz de me conter ou esperar por ele.
Me sentindo completamente perdida em seus olhos escuros, dou um passo para frente, soltando sua mão e agarrando na blusa de gola, para depois juntar sua boca com a minha em um beijo que ele prontamente retribui.
As mãos de Taehyung vão até a minha cintura, a abraçando e trazendo meu corpo para perto do seu. Solto sua blusa e passo os meus braços ao redor do seu pescoço, levando a ponta de meus dedos até seus cabelos que, como imaginei, estavam incrivelmente macios.
Nossas línguas se movimentam de forma sincronizada e avida, causando alguns barulhos em nosso beijo. Expiro profundamente quando sinto ele me virar e me empurrar para trás, até que meu corpo fique entre ele e o guarda-roupas. Suas mãos escorregam para dentro de meu casaco vermelho e blusa de frio, me fazendo contrair a barriga ao sentir seus dedos tocarem minha pele que começava a ficar quente.
Taehyung leva suas mãos de volta para minha cintura, arrastando seus dedos para cima, me fazendo ter alguns arrepios. Seus lábios se afastam dos meus, indo em direção ao meu pescoço, onde ele começa a distribuir lentos e molhados beijos gelados. Aperto meus dedos contra seu cabelo, suspirando algumas vezes quando sua língua tocava a pele de meu pescoço.
Suas mãos saem de dentro de minha blusa, indo até o topo de meu casaco, desabotoando-o. As batidas de meu coração se tornam mais fervorosas com seu gesto, e me sinto completamente nervosa por isso, eu realmente estava nervosa agora, em todos os sentidos possíveis.
Quando termina de desabotoar meu casaco, ele se afasta de meu pescoço e me encara enquanto desliza por meus braços o casaco, me deixando apenas com a blusa de frio preta. Ele joga meu casaco no chão e me beija de novo, desta vez pressionando seu corpo contra o meu, me fazendo ficar completamente presa entre o guarda-roupas.
Sinto que não posso pensar com clareza agora, definitivamente não posso, e muito menos consigo controlar meus próprios gestos, e nem mesmo as minhas mãos que descem até seu tronco e puxam sua blusa de gola para fora de suas calças, me fazendo sentir por alguns segundos, a pele de sua barriga. Afasto minha mão de seu tronco, sentindo meu rosto esquentar, e agradeço por estar o beijo agora, pois não conseguiria encará-lo neste momento.
Suas mãos deslizam para a lateral de meu corpo e, em questão de segundos, Taehyung agarra a parte detrás de minhas coxas, me impulsionando para cima, de modo que ele ficasse entre as minhas pernas. Me torno mais nervosa, mas suspiro um pouco aliviada quando sinto ele me sentar sobre a pequena mesa quadrada, da qual tive que dividir espaço com o vaso com os lírios-brancos. O celular que estava no meu bolso traseiro acabou saindo de meu bolso e ficando sobre a mesa.
Suas mãos se afastam de mim, assim como seu corpo também e, aos poucos, Taehyung para nosso beijo, quando abro os olhos, o vejo inclinado em minha direção com as mãos uma de cada lado de minhas coxas, sobre a mesa de madeira.
Com o rosto extremamente perto do meu, ele me encara por alguns segundos e depois se agacha na minha frente. Suas mãos tocam meus pés cobertos por botas pretas de cano curto, que ele retira sem presa junto de minhas meias, depois fazendo o mesmo com os seus sapatos e meias também.
Taehyung se levanta e me pega no colo da mesma maneira, e desta vez rodeio sua cintura com as minhas pernas, enquanto ele me leva até sua cama, não quebrando nosso contato visual em momento algum. Lentamente, ele me deita sobre os lençóis pretos de seda e se coloca sobre meu corpo, com as pernas uma em cada lado dos meus quadris, e as mãos da mesma forma, mas ao lado de minha cabeça, sem encostar nossos corpos.
Seus cabelos estavam caídos para frente, assim como seu brinco. Ele sorri quase que imperceptivelmente, e se senta sobre os meus quadris, segurando na barra de minha blusa de frio preta, a puxando para cima até que meu sutiã rosa-claro ficasse à mostra.
Meu rosto volta a esquentar quando ele joga minha blusa para fora da cama, antes de me beijar. Taehyung sai de cima dos meus quadris e se deita sobre meu corpo, me fazendo sentir algo crescendo entre suas pernas, o que fez meu coração dar um grande salto e minha respiração ficar mais rápida.
Seus dedos tocam os meus ombros, segurando nas alças de meu sutiã, as puxando para baixo. O ar gelado do quarto encontra os meus seios que, aos poucos, ficam parcialmente expostos. Taehyung escorrega sua boca para baixo, interrompendo nosso beijo, para que seus lábios molhados comecem a fazer um caminho que começa em meu queixo, passa por meu pescoço e clavículas, e para rente ao meu colo. Ele segura nas minhas mãos, entrelaçando nossos dedos contra a cama, antes que eu sinta seus lábios roçando contra um de meus mamilos. Deixo meu corpo imóvel e o encaro, mas ele estava concentrado em olhar para minha pele exposta. Taehyung coloca sua língua para fora, passando ela lentamente sobre meu mamilo, me fazendo fechar os olhos para me manter calma.
Afastando sua língua de mim, ele aproxima toda sua boca, mordiscando de leve meu mamilo. Aperto meus dedos contra os seus, e ele pressiona minhas mãos contra o colchão, enquanto começa a intercalar entre chupões e mordiscadas nos meios seios que já estavam se tornando cada vez mais rígidos, assim como o volume entre as suas pernas que estava pressionado contra o começo de minha barriga.
Mordo meu lábio inferior, mas não consigo conter os suspiros que se tornam mais altos quando suas mãos grandes tocam os meus seios, fazendo todo o meu corpo esquentar com o seu toque. Minhas mãos vão direto para seus cabelos, na tentativa de amenizar tudo que eu estava sentindo agora.
Taehyung me puxa pra cima pela cintura, me fazendo ficar sobre suas pernas, agora, sentadas sobre a cama. E suas mãos hábeis abrem o feixe do meu sutiã, o jogando para longe. Com as pernas ao redor de sua cintura outra vez, aproveito de minha posição para puxar sua blusa de gola para cima, relevando seu tronco magro e levemente definido, coberto apenas pelo fino colar ao redor de seu pescoço. Segurando sua blusa de gola, encaro sua pele exposta, esquecendo por um momento que meus seios estavam descaradamente de fora, o possibilitando vê-los por completo.
Ele puxa a blusa de gola da minha mão, jogando-a para o mesmo lugar que jogou as outras peças de roupas. Taehyung segura meu rosto e o puxa delicadamente para frente, iniciando mais um beijo, este mais rápido e intenso. Sentada da maneira que eu estava, eu sentia com perfeição o volume no meio de suas pernas roçar algumas vezes contra o interior das minhas, e isso tornava impossível do meu corpo ser quieto. Eu queria poder me mexer ou sair desta possível nada confortável, mas Taehyung parecia mais rápido do que os meus próprios pensamentos.
E sem desfazer nosso beijo exasperado, ele alcança o cós de minhas calças, desabotoando-a e descendo o pequeno zíper. Sua mão permanece por poucos segundos perto do zíper, pois logo em seguida, sem qualquer tipo de aviso ou preparação, sua mão escorrega para dentro de minha calcinha.
Inclino minha cabeça para trás, e abro os olhos, o encarando de forma envergonhada e nervosa. Taehyung inclina sua cabeça para frente, roçando seus lábios nos meus, sem o intuito de iniciar um beijo. Seus dedos tocam minha intimidade pela primeira vez, e ele sorri quando me sente completamente molhada. Seus dedos escorregam para baixo, passando por toda minha intimidade, antes de subir outra vez e começar a se movimentar em lentos movimentos circulares.
Aperto minhas mãos contra seus ombros, e ele me puxa para mais perto com sua outra mão, me prendendo pela cintura. Ele começa a roçar a ponta de seu nariz contra o meu, enquanto meu peito subia e descia com rapidez e eu mordia o lábio inferior com força, reprimindo que algo além de muitos suspiros e respiração alta, saísse de minha boca.
Seus movimentos ficam rápidos e desesperadamente o beijo para abafar os meus grunhidos, mas o barulho que seus dedos faziam toda vez que se movimentavam em mim, tornava cada vez mais difícil que eu me contesse.
Quando meu corpo inteiro se arrepia, Taehyung afasta sua mão da minha intimidade, me deixando desconfortável no meio das pernas, me sentindo pulsante e incrivelmente molhada.
Seus dedos úmidos tocam a pele de minha cintura, voltando a me deitar sobre os lençóis pretos de seda, para que ele possa puxar minhas calças para fora de minhas pernas, levando minha calcinha-rosa junto. Ele tem um cuidado especial ao passar o tecido áspero por meus joelhos, não querendo descolar o pequeno curativo que fez.
Seus olhos tomam alguns segundos para contemplarem meu corpo despido, observando cada parte com tanta atenção que fazia meu rosto esquentar. E suas íris escuras, parcialmente cobertas por seus cabelos, encontram as minhas, enquanto Taehyung começava a desabotoar suas próprias calças, relevando o topo de sua cueca preta. Minha respiração fica rápida outra vez e me sinto muito mais nervosa.
Isso estava prestes a acontecer, eu não sei se consigo, talvez eu desmaie de nervosismo agora.
Lentamente ele abaixa o zíper, enganchando seus dedos dentro do cós de suas calças e cueca, puxando ambas para baixo, pouco a pouco, relevando seu membro ereto, que faz meu nervosismo se aflorar mais do que parecia possível. Eu não conseguia desviar meu olhar de seu corpo sem qualquer vestígio de roupa, e uma grande onda de ansiedade percorria toda minha espinha por isso.
Taehyung parece notar meu nervosismo.
– Você...
– Não. – O interrompo, sentindo meu rosto esquentar pela milésima vez, enquanto desvio meu olhar. – E-Eu já fiz isso antes... mas não foi bom. – Abaixo o tom de minha voz, me sentindo constrangida por falar isso para ele.
Envergonhada, o encaro, enquanto ele me observa atento.
Taehyung repousa sua mão direta na lateral do meu rosto, aproximando seu rosto do meu, para um beijo calmo e lento. Com a outra mão, ele afasta minhas pernas, e logo depois, o sinto tocar minha entrada com a cabeça de seu membro. Meu corpo fica rígido, mas Taehyung não me deixar parar o beijo, enquanto de forma devagar, ele começa a empuxar seu membro para dentro de mim.
Seguro seus ombros, apertando minhas unhas em sua pele, sentindo uma leve ardência e desconforto no meio de minhas pernas. E embora eu não seja virgem, ter feito sexo apenas uma vez, não tornava isso mais fácil na segunda vez.
Quando ele se coloca por completo dentro de mim, fica parado por alguns segundos, me dando algum tempo para lidar com a ardência que ia embora aos poucos. Separando nosso beijo, abro os olhos, encontrando os seus já abertos. Sua testa e nariz encostam nos meus, e Taehyung começa a se movimentar com cuidado, atento nas minhas reações, até que eu lhe desse o consentimento para ir mais rápido, através de um aceno de cabeça.
Neste momento, sou completamente incapaz de ficar apenas nos suspiros. Minha boca se abre de forma involuntária, deixando o primeiro gemido sair de minha boca. Meu corpo se curva para cima e jogo minha cabeça para trás, fechando os olhos ao sentir todo desconforto dar lugar ao prazer.
Sem parar seus movimentos, Taehyung aproveita de meu momento e distribui beijos por todo o meu torso curvado, desde meu queixo até o meu colo, que se movimentavam a cada penetração. Uma de suas mãos cobre um de meus seios, enquanto ele usa a boca para estimular o outro, tornando impossível que eu consiga acompanhar os seus movimentos por estar completamente perdida em todas essas sensações que pareciam explodir de dentro para fora do meu corpo.
Levo minhas mãos de seus ombros para seus cabelos, os puxando para trás, afastando sua boca do meio colo, para trazê-la até a minha. Eu não consigo explicar isso, mas sinto que posso enlouquecer a qualquer momento, e todo meu corpo quer estar devidamente encaixado contra o seu.
Nós dois tentamos iniciar um beijo, mas parecia impossível agora, não conseguíamos manter o ritmo, estava tudo bagunçado, eu mal podia deixar minha boca fechada para conter todos os meus gemidos.
Desistindo do beijo, Taehyung coloca sua cabeça na curva de meu pescoço, com a boca bem próxima de minha orelha. E bastam poucos segundos para que eu comece a escutar sua voz grave entoar alguns gemidos que ele tentava conter. O meu corpo inteiro esquenta e se arrepia ao escutar seus suspiros de prazer que se misturavam ao som de suas penetrações, preenchendo cada quanto do quarto que não parecia ter ar suficiente para nos manter aqui.
Os seus gemidos se misturam aos meus; o seu membro fazia barulho toda vez que entrava e saia de mim; a cama acompanhava cada uma das penetrações, assim como o brinco em sua orelha; os meus seios roçavam repetidamente contra seu tronco, criando uma fricção que me fazia contorcer os dedos dos pés; minhas unhas apertavam com força a pele de suas costas; os fios de seus cabelos começavam a ficar molhados pelo suor, grudando em sua testa e lateral do rosto; sua boca estava incrivelmente avermelhada e um pouco inchada e, também, entreaberta, com a respiração descompassada por seus gemidos.
Passo minhas pernas ao redor de sua cintura, tentando trazer seu quadril para mais perto do meu, como se isso fosse possível, mas não era, nós já estávamos tão próximos que eu sentia cada parte de seu corpo, que se movimentava cada vez mais rápido.
Sua boca encontra meu pescoço de novo, e com um beijo lento, sinto seus dentes roçassem na minha pele sensível, enquanto Taehyung inspira profundamente o cheiro que minha pele exalava. E não consigo mais me conter com isso, já que enquanto se atenta ao meu pescoço, ele deixa seus movimentos mais fortes, me fazendo quase gritar dentro de seu quarto ao sentir todo meu corpo tremer e relaxar no segundo seguinte.
Taehyung precisa de mais algumas estocadas para chegar ao seu clímax, em um rouco gemido rente ao meu pescoço. Com o tronco descendo e subindo rapidamente, Taehyung me encara, me fazendo perceber que nunca o vi tão bonito quanto antes, era definitivamente como admirar uma pintura que cheirava a sexo.
***
Mantenho minhas pernas juntas, e as mãos sobre as coxas, enquanto permaneço sentada sobre a ponta da cama, sentindo todo o meu rosto esquentar quando encaro a xícara vazia ao meu lado. Xícara essa que antes tinha um chá de tom roxo, do qual Taehyung disse que eu deveria tomar se não quisesse... se não quisesse...
Eu não posso nem pensar nisso.
– O que foi? Está arrependida? – Taehyung pergunta, enquanto passa ao lado e coloca sua blusa de frio outra vez, cobrindo seu tronco levemente definido e pálido.
– Não, eu só... só estou me sentindo um pouco estranha... talvez, envergonhada. – Digo a última parte de maneira baixa, para que apenas eu escute.
Tampo o rosto com as mãos, querendo me esconder agora.
– Acho que é melhor eu ir. – Com as mãos ainda tapando o rosto, falo.
– E o seu amigo? – Escuto seus passos perto de mim, e quando destampo o rosto, o vejo parado na minha frente, com os pés descalços.
– Diga para o Jimin que depois eu volto. – Taehyung me observa por alguns segundos e depois assente.
Ele estende sua mão para mim e me acompanha até a saída da mansão, onde ficamos parados na porta de entrada.
Sem jeito, saio da mansão, sentindo o vento gelado da noite. E timidamente me viro para a porta.
– Até outro dia. – Aceno para Taehyung, que segurava na borda da porta e no batente da porta.
Ele inclina seu corpo para frente, e me dá um longo selinho de despedida.
– Até, Elena. – Taehyung sorri de lado, antes de fechar a porta.
Feito uma idiota, fico parada no mesmo lugar, completamente inebriada por ele, que nem ao menos estava aqui agora.
Eu vim para mansão descobrir o que aconteceu com Caleb, como eu acabei assim com o Taehyung? Por que eu continuo fazendo tudo errado?
***
Sem acreditar no que aconteceu e sentindo meu rosto esquentar várias vezes, volto para casa de vovó, a encontrando na cozinha, preparando o jantar.
– Estava na casa da Lydia ajudando ela? Você demorou. – Vovó me olha sobre os ombros, enquanto mexe algo em uma panela fumegante.
– Desculpe. – Seguro minhas próprias mãos, sem coragem de encarar vovó nos olhos, com medo que ela descobrisse sobre o que eu fiz.
– Não tem problema. Na verdade, quero falar com você sobre isso. – Vovó abaixa o fogo, e se afasta da panela, vindo em minha direção. – Você se machucou? – Seus passos ficam mais rápidos quando ela nota o rasgo em minhas calças e o sangue seco.
– Estava muito escuro lá fora, eu tropecei e acabei caindo. Não é nada, eu estou bem. – Forço um sorriso.
– Você precisa ser menos desastrada, Elena. Não é mais uma criancinha para se machucar tanto. – Vovó me repreende com os braços cruzados. – Como eu estava dizendo antes, eu acho que não vamos mais precisar procurar Caleb.
Vovó suspira.
– Por quê? – Franzo o cenho.
– Eu mostrei aquela carta para a mãe dele, e ela confirmou que era a letra de Caleb. Também disse que o garoto já falava sobre ir embora de Upiór, e que provavelmente foi escondido porque sabia que ela era contra. – Vovó explica. – O garoto criou toda essa preocupação à toa.
Eu não conseguia acreditar nisso, simplesmente não parecia certo, tudo ainda estava estranho, mas agora não tenho forças para debater com vovó, até porque ela me acharia louca se eu contasse o que penso. Tudo que eu preciso agora é de um banho e uma longa noite de sono que me faça esquecer o que fiz hoje, caso contrário, eu vou acabar enlouquecendo de vergonha.
– Isso é bom. – Forço outro sorriso. – Vou tomar um banho. – Falo e vovó assente, voltando para perto do fogão.
***
Me remexo algumas vezes sobre a cama depois que escuto o barulho de passos pesados. E, preguiçosamente, abro os olhos, tendo a visão um pouco embaça, onde, em meio ao quarto escuro e o barulho do vento que batia contra a janela, percebo a figura de minha irmã caminhando por entre o breu do quarto.
– Wendy? – A chamo com a voz embargada pelo sono.
Tento forçar um pouco mais minha visão, vendo que ela estava em seu pijama amarelo da mesma maneira de quando fomos dormir, a não ser pela barra das calças de seu pijama, que pareciam um pouco escuras demais agora, como se estivessem sujas. Mas, com certeza, estou vendo mal devido ao sono.
– Desculpa, eu não queria te acordar. Só estava indo no banheiro. – Wendy sussurra, andando para perto da porta. – Volte a dormir, Eleninha.
Capítulo 26
– Acorde, criança.
Sinto uma pequena mão tocar meu ombro descoberto, enquanto chacoalha suavemente o meu corpo.
Aos poucos, de forma preguiçosa, começo a abrir os meus olhos, encontrando vovó sentada na beirada da minha cama, me olhando de forma preocupada.
Rapidamente, me sento sobre o colchão, só agora notando a presença de minha irmã. Wendy estava parada na entrada do quarto, nos observando com aparentes olhos amedrontados.
– Aconteceu alguma coisa? – Entreolho de vovó para Wendy, me sentindo completamente acordada agora.
Vovó comprime os lábios em uma linha fina, expressando sua preocupada.
– O jardim da loja pegou fogo e queimou tudo, inclusive os caixotes que eu trouxe de viagem e havia deixado lá fora. Tudo que restou foram alguns poucos frascos de ervas e buquês de flores que ficaram a salvo nas prateleiras dentro da loja.
Demoro alguns segundos para assimilar o que vovó acabou de me falar, me sentindo totalmente atordoada e, por um momento, era como se eu ainda estivesse dormindo.
– O que aconteceu? – Inclino meu tronco para frente, chegando mais perto de vovó.
Olho outra vez para minha irmã e ela mantém sua expressão amedrontada.
– Você se lembra que Lydia foi buscar a encomenda na loja? – Vovó pergunta, e eu assinto. – Ela estava com uma lamparina, ajudando nas buscas por Caleb na floresta. Sebastian a levou até o jardim e, provavelmente, ela acabou deixando a lamparina lá, e foi isso que começou o incêndio.
Vovó respira pesado.
– Quando cheguei na loja, a lamparina estava caída no chão. Não tinha mais fogo por conta da garoa, mas ainda havia um pouco de fumaça.
A cada segundo eu ficava mais atordoada.
– Ninguém viu o fogo? – Pergunto, achando um tanto estranho esse repentino incêndio.
Vovó nega com a cabeça e, em seguida, se levanta da cama.
– Estou voltando para loja agora, Sebastian está me esperando. Nós vamos ver o que podemos fazer a respeito disso. – Vovó passa as mãos pelo tecido de seu vestido azul-claro, ajeitando-o e desamassando-o, para depois começar a se afastar, indo até à porta e passando ao lado de Wendy, antes de nos deixar sozinhas no quarto.
Em silêncio, encaro minha irmã, sem conseguir acreditar no que aconteceu.
– Você não estava usando um pijama amarelo? – Pergunto para Wendy, depois de passar alguns segundos a encarando.
– Não. Estava usando esse branco mesmo. – Wendy ajeita seu cabelo de maneira nervosa. Foi um gesto sutil, mas convivo com ela minha vida toda, então posso perceber quando isso acontece.
Assinto, em silêncio.
– Por que você não me espera lá embaixo? Vou só escovar os dentes e já desço pra fazer o nosso café da manhã. – Sugiro, e Wendy assente quase que imperceptivelmente.
Minha irmã se vira e, lentamente, sai do quarto.
Eu sei que ela pode estar assim pelo que aconteceu na loja de vovó, mas tudo parece tão estranho para mim. Um incêndio causado por uma lamparina e ninguém vê o fogo? Fora que, tenho certeza que o pijama que Wendy vestiu ontem era amarelo.
Por ora, não posso fazer nada a respeito do incêndio mal explicado, mas posso descobrir sobre Wendy.
Tiro a coberta que cobria minhas pernas e saio da cama, caminhando até a porta aberta do quarto. Coloco apenas minha cabeça para fora e checo os dois lados para me certificar de que Wendy não estava mais no segundo andar. Vendo apenas o corredor vazio, volto minha cabeça para dentro do quarto e fecho a porta, enquanto tento não fazer barulho.
Em passos apressados, vou para o banheiro e, a primeira coisa que faço ao entrar no ambiente coberto por azulejos, é procurar pelo cesto de roupa suja, que estava ao lado da pia.
Afobada, retiro a tampa de plástico do cesto e começo a vasculhar por entre as roupas sujas, jogando todas no chão até que eu encontrasse o que procurava.
O pijama amarelo de Wendy estava soterrado debaixo de todas as peças de roupas que joguei no chão do banheiro. Com isso, eu até poderia pensar que estava errada, ao achar que minha irmã havia vestido ele ontem, se não fosse pelas barras do pijama, que estavam úmidas, como se alguém tivesse tentado lavá-las.
– Terra. – Falo baixo para mim mesma, depois de conseguir encontrar alguns resquícios marrons no tecido fino e úmido.
Wendy tentou limpar terra de seu pijama e depois escondeu ele, bem quando um incêndio aconteceu no jardim da loja.
Mais difícil do que acreditar em vampiros, é acreditar que uma pessoa importante para mim possa ter feito algo tão ruim.
Desde que cheguei em Upiór, todas as minhas crenças têm sido testadas, agora sei e acredito que algo de muito estranho acontece nesse lugar. Eu simplesmente não posso mais tentar me convencer de que coisas como essas não passam de lendas e mentiras contadas por todo mundo.
Quando eu finalmente me permito acreditar na existência de vampiros, toda aquela bagunça acontece na floresta e até agora não sei como Lydia e eu estamos vivas. Depois, Caleb "viaja" misteriosamente e, por fim, Wendy e o jardim da loja.
De agora em diante, não terei sossego até descobrir como tudo isso se interliga, mesmo sabendo que não fui bem-sucedida nas minhas tentativas de solucionar esses mistérios. Porém, estando aqui, sozinha com Wendy, penso que finalmente posso encontrar alguma coisa.
Coloco todas as roupas sujas de volta no cesto, deixando o pijama de Wendy soterrado, como ela fez. Depois, me arrumo e arrumo minha cama para, enfim, descer para o primeiro andar, já sabendo o que eu deveria fazer.
Passo rapidamente pela sala e aviso Wendy que vou preparar o café. Uma vez na cozinha, começo a pegar nos armários e geladeira, tudo que vou precisar para fazer torradas e ovos com muita Erva-Verde.
Essa ideia não é nova, eu já tentei colocá-la em prática antes, mas acabei desistindo, agora não posso desistir mais. Tenho algumas teorias loucas se formando na minha mente, e vou comprovar ao menos uma delas durante o café da manhã.
Após colocar os ovos e as torradas em pratos, deixo-os sobre a mesa e vou até à geladeira para pegar um suco de laranja pronto.
– Wendy, o café já está pronto! – Grito da cozinha, enquanto procuro por copos e garfos.
Minha irmã demora apenas alguns segundos para vir até à cozinha. Ela se senta em uma das cadeiras e puxa um dos pratos para perto.
– Está bom. – Wendy diz depois de dar uma pequena garfada nos ovos que preparei.
– Obrigada, é o sabor da Erva-Verde. – Sorrio para minha irmã, me sentando na cadeira à sua frente, do outro lado da mesa.
Em silêncio, começo a comer meus ovos e torradas, atenta a todos os movimentos e expressões de Wendy.
– O que foi? – Wendy pergunta, quando percebe meu olhar.
– Nada. Só estou pensando no que aconteceu com o jardim da vovó. Você não achou um pouco estranho? – Tento manter meu tom de voz neutro, para que minha irmã não desconfie de nada.
Wendy desvia seu olhar, encarando o prato com apenas metade dos ovos.
– Foi a lamparina, vovó já explicou. – Ela dá uma grande mordida na torrada, provavelmente, para não ter que falar mais.
Não digo mais nada e Wendy permanece calada durante o restante de nosso café da manhã, o que não é muito habitual, tendo em vista que minha irmã é uma pessoa extremamente falante.
– Você lava a louça. – Falo, depois de tomar o que sobrou do meu suco de laranja.
Wendy assente.
– Vou usar o banheiro primeiro. – Ela se levanta da cadeira, levando seu prato e copo para a pia.
– Você não está tentando me enrolar, está? – Estreito os olhos, e Wendy ri.
– Não. Eu só quero usar o banheiro. – Ela abana sua mão, e sai da cozinha.
Permaneço sentada, esperando escutar os passos de Wendy no segundo andar. E, quando escuto, rapidamente me levanto e saio da cozinha, deixando meu prato e meu copo sobre a mesa.
Na ponta dos pés, começo a subir as escadas para o segundo andar, tentando ser extremamente silenciosa, enquanto ando pelo corredor.
A porta do nosso quarto estava encostada, e precisei de muito cuidado para não fazer barulho.
Olho ao redor e não vejo Wendy no quarto, mas não preciso de muito para saber que ela estava no banheiro, já que um grunhido estranho vinha de lá.
Sinto meu corpo ficar tenso quando começo a caminhar em direção ao banheiro. E com a palma da mão direita, toco na madeira da porta, sentindo uma grande onda de ansiedade me preenche.
Escuto o grunhido de Wendy de novo, seguido de outro grunhido e mais um.
Tomando coragem, empurro a porta do banheiro, mostrando Wendy caída no chão de azulejos, enquanto vomitava uma enorme quantidade de sangue dentro da privada.
...exatamente como aconteceu com Jimin, e exatamente como aconteceu com ela na loja da vovó.
Automaticamente, os meus dedos apertam o batente da porta com força. Meu peito começa a subir e descer com rapidez, tornando minha respiração alta.
Wendy nota minha presença e vira sua cabeça em minha direção, assumindo uma expressão assustada.
– Por que você não pode comer Erva-Verde?
Ela não me responde, mas seus olhos começam a marejar.
– Por que, Wendy?! – Grito exasperada, assustando Wendy, que se encolhe no chão de azulejos.
Sem nenhum controle sobre essa situação, como um tornado, quase voo para cima de Wendy, me abaixando nos azulejos claros para segurar os braços de minha irmã, com força, obrigando-a me olhar.
– Eu te fiz uma pergunta! – Minha voz era tão alta que criava um solitário eco dentro do banheiro.
O corpo de Wendy começa a tremer em minhas mãos enquanto ela chora, fazendo alguns pingos de sangue escorrem por sua boca suja.
– E-Eu não sei. – As lágrimas escorriam em seu rosto como uma chuva forte. – Eu não sei, Elena. Toda vez que eu como essa porcaria de erva, alguma coisa dentro de mim sempre fala que eu preciso vomitar tudo. – Ela fala tão apressada em meio ao seu choro, que quase se embola nas palavras.
Minhas mãos ficam mais suaves em seus braços, e Wendy aproveita deste momento para afastá-las e jogar seu corpo contra o meu, me abraçando de forma tão desesperada que faz ter enjoos.
– Eu não quero mais fazer isso. Não quero. – Com a cabeça contra o meu ombro, Wendy começa a soluçar suas palavras.
– Não quer fazer o quê? – Pergunto, com as batidas do meu coração martelando de uma maneira incomoda.
As lágrimas de Wendy molham minha blusa.
– Eu... Eu não posso te falar... Eles não deixam. Eu não consigo fazer isso.
Afasto o abraço de Wendy, e a seguro pelos ombros outra vez.
– Eles quem, Wendy? – A encaro com exaspero.
Ela pisca algumas vezes e continua chorando. Seus lábios tremem, mas ela fica em silêncio.
***
Este dia se tornou longo.
Depois do que aconteceu no banheiro, tentei perguntar mais algumas coisas para minha irmã, e tudo que ela fez foi chorar e repetir inúmeras vezes que não podia me contar. No começo, fiquei irritada, mas, em seguida, foi inevitável não lembrar das coisas que li naquele livro da loja de Caleb. Ele me contou sobre o poder de hipnose que os vampiros têm sobre os humanos, tornando impossível que eu não associasse isso a Wendy.
Minha irmã nunca agiu dessa maneira estranha antes dessas férias em Upiór, nem mesmo quando éramos pequenas e vínhamos para esse lugar. Por isso, "eles" só pode ter uma única explicação.
Quando estava mais calma, ajudei Wendy a se limpar e pedi que ela não saísse para lugar nenhum pelo resto da semana, nem mesmo para ir à loja de vovó, pois eu diria que ela pegou um resfriado e precisava ficar de repouso.
No momento em que minha irmã dormiu, depois de chorar muito, fui direto para sala esperar vovó, que só voltou de noite.
– Como está lá? – Pergunto, assim que vovó se senta ao meu lado no sofá.
Ela suspira alta, e coloca as mãos sobre os joelhos.
– Perdi tudo.
Sinto meu coração apertar ao ver a expressão desolada de vovó.
– Amanhã vou viajar com Sebastian para buscar novas ervas e flores. Eu ainda tinha encomendas para entregar essa semana. – Seus olhos adornados por pequenas rugas, se fecham por alguns segundos. – Quando eu voltar, vocês vão embora.
Me sinto zonza e a encaro com confusão.
– Embora? – Franzo o cenho.
– Sim. Com tudo que vem acontecendo em Upiór, eu mal tenho tempo de ficar com você e sua irmã. – Vovó se levanta do sofá e eu me levanto junto.
– Mas a senhora...
– Sem “mas”, Elena. Eu já disse, vocês vão embora assim que eu voltar dessa viagem, entendeu? – Seus olhos me encaram de uma maneira tão séria que, por um momento, fico assustada.
– Sim, senhora.
Capítulo 27
As coisas têm estado tensas por aqui, o clima está longe de ser o melhor, mas penso que todos entendem o porquê disso.
Acabei não dormindo noite passada, pois passei a madrugada inteira pensando sobre tudo, tentando juntar mais alguns pontos sobre essa bagunça. E me pergunto: se Wendy foi mesmo hipnotizada, quando exatamente isso aconteceu?
Esta é definitivamente a pergunta.
E se vovó vai nos mandar para casa quando voltar de viagem, então não tenho muito tempo parar descobrir como, de fato, tudo isso começou. Sei que as minhas respostas não estão aqui, e sim na grande mansão que fica dentro da floresta, por isso, é para lá que vou mais tarde.
Precisei de uma boa desculpa, já que vovó não viajou hoje e, pelo que nos contou, demoraria ao menos um dia até que Sebastian preparasse sua carroça para que eles pudessem viajar, então só iriam amanhã. Vovó tomou a decisão de cabeça quente e acabou esquecendo deste detalhe.
Mas o mais importante foi que eu consegui convencer vovó a me deixar ir para a loja sozinha, com a desculpa de que eu queria ajudá-la, pois sabia que as coisas por lá deveriam estar bem bagunçadas. E como vovó já está cheia de coisas para resolver sobre sua viagem, ela não acabou desconfiando das minhas reais intenções quanto a isso.
Wendy permaneceria em casa, usando a mentira sobre um resfriado. Era o melhor a se fazer, não podemos correr o risco de minha irmã ser supostamente hipnotizada outra vez.
Depois de me arrumar e esperar a garoa fina passar, vou até à loja de vovó, tendo a impressão que o clima tenso não estava limitado apenas à casa de vovó. Parecia que Upiór estava imerso nesse sentimento desagradável e, não sei ao certo, talvez o tempo cinza esteja contribuindo, ou a falta de pessoas nas ruas.
Com as mãos para dentro dos bolsos da minha blusa de moletom, caminhei pelas ruas de ladrilhos até que estivesse de frente para a fachada rosa com placa de madeira.
Por um momento, olho em direção à entrada da floresta, fazendo meu estômago se revirar ao imaginar como seria a minha visita de hoje. Mas, antes, eu realmente preciso ajeitar a loja para que vovó não desconfie, e fazer isso vai me ajudar a tomar um tempo para pensar sobre o que eu vou fazer quando for à mansão.
Puxo para fora do meu bolso a chave da loja, e destranco a porta que, uma vez aberta, mostra o caos que estava do lado de dentro. Não parecia a mesma loja. Era como se um furacão tivesse passado por esse lugar.
Suspiro alto e entro na loja, andando sobre o chão sujo de terra e restos de fuligem trazidos do jardim, pelo vento.
O jardim...
Com passos agora mais rápidos, caminho até à porta - aberta - que levava para o jardim, ou, neste caso, o que um dia foi um jardim, já que as únicas cores que cobriam a terra e os restos de ervas e flores, era o preto e o cinza. Até mesmo a pequena cerca branca que separava o jardim da floresta estava queimada.
– Wendy fez isso? – Era difícil de acreditar.
Quando os pequenos pintos da garoa retornarem, saio do jardim e volto ao interior da loja, indo em busca de um avental e alguns produtos de limpeza que me ajudassem a dar um jeito nessa bagunça.
E desta maneira, passei o restante da minha manhã varrendo o chão, limpando as prateleiras e colocando em sacos de lixo, tudo que estava queimado, assim como os restos da madeira dos caixotes que vovó e Sebastian trouxeram na última viagem.
A garoa alternava, ora forte, ora fraca, e isso me impossibilitava de limpar o jardim.
– Eleninha!
Parada atrás do balcão e perto da porta, encarando o jardim, viro minha cabeça para trás, espiando sobre meus ombros.
Wendy e Jimin entravam juntos na loja, ambos com guarda-chuvas e com minha irmã segurando uma sacola à parte.
– Vim trazer seu almoço. – Wendy ergue a sacola no ar, depois de fechar seu guarda-chuva e colocá-lo escorado contra a porta aberta da loja. Jimin faz o mesmo também.
Meu corpo fica tenso com a presença de Jimin. Pela primeira vez, desconfortável por ele estar no mesmo ambiente que eu.
Os dois caminham para perto, parando do outro lado do balcão amarelo.
Fico em silêncio, encarando Wendy de maneira séria.
– Quando eu estava chegando, ele estava saindo da floresta. – Minha irmã força um sorriso, claramente entendendo o meu descontentamento.
– Obrigada. Você já pode ir. – Pego a sacola da mão de Wendy.
Jimin franze o cenho, não entendendo, e Wendy assente sem jeito, antes de se virar e caminhar para porta, pegando seu guarda-chuva e saindo da loja.
Eu não gosto de ser rude com a minha irmã, mas eu não quero ela perto de nenhum deles.
– Você está bem? – Jimin pergunta, me fazendo olhá-lo.
– Estou bem. – Aceno com a cabeça, enquanto coloco a sacola que Wendy me trouxe sobre o balcão.
– Vim ver como seu machucado está. Era pra eu ter aparecido ontem, mas estava um pouco ocupado. – Jimin sorri e, agora, nem mesmo seu sorriso pode de me trazer um sentimento bom.
– Já está tudo bem, minha avó tem um remédio pra isso. Não precisava se incomodar.
– Nós somos amigos, é claro que eu precisava me incomodar.
– É, somos. – Eu não pretendia soar tão seca, mas é algo que está fora do meu controle nesse momento.
– Você está mesmo bem? Se quiser, eu posso ir. Entendo se essa não for uma boa hora. Eu só estava preocupado, você foi embora antes que eu voltasse. – Seu sorriso some, e ele aponta sobre os ombros, para a porta da loja.
– Você encontrou alguma coisa? – Ignoro sua pergunta, não sabendo se conseguiria fingir por mais tempo. Eu vi o que minha irmã passou, e isso é tudo que importa.
Jimin suspira.
– Não. Infelizmente nós não encontramos nada. – Ele passa uma das mãos por seu cabelo claro.
Assinto e, em seguida, solto uma risada nasalada.
– Você sabia que ele sumiu logo depois daquele jantar na casa da minha avó? E ninguém viu ele. Estranho, não? É como se algo soubesse a hora certa de atacar, quando ninguém estivesse por perto, sem testemunhas.
Jimin franze o cenho de novo, e sorri de maneira confusa, inclinando minimamente a cabeça para o lado.
– O que você quer dizer com isso? – Jimin estreita os olhos, me encarando com muita atenção.
– Nada. Só que tudo isso é muito estranho. Já tem dias que ele sumiu e ninguém encontrou uma pista sequer. – Dou de ombros.
– E você acha que tem mais alguém envolvido nisso?
– Não sei, você acha que pode ter mais alguém? – Cruzo os braços sobre meu avental.
Jimin fica alguns segundos em silêncio.
– Talvez. – Com um olhar completamente diferente do que já vi antes, ele responde.
Era como encarar os olhos de outra pessoa.
Jimin se afasta de mim, e se aproxima das prateleiras, observando os frascos de ervas e as flores que sobreviveram ao incêndio da loja
– Amanhã é aniversário do Taehyung, e sempre fazemos uma festa. Mas essa será fora de data. – Seus dedos deslizam sobre a superfície da prateleira. – A festa seria amanhã, mas fiquei sabendo de algo que me fez mudar ela para o sábado.
Vovó vai viajar amanhã, e sábado Wendy e eu estaremos sozinhas em Upiór.
Jimin retira um dos pequenos frascos da prateleira.
– Você deveria ir. Vai ser bem legal. – Ele coloca o pequeno pote de vidro sobre o balcão, e sorri. Um sorriso inteiramente inédito ao que ele deu quando chegou.
E pela primeira vez, ele me deixou ver através do seu rosto, quem ele realmente era.
– Por que não? – Sorrio de volta.
– Isso é ótimo. – Jimin apoia uma das mãos sobre o balcão amarelo e se inclina para frente, levando sua mão livre até o canto de sua boca, como se fosse me contar um segredo. – Esteja lá às dez. Você é alguém muito importante pra todos nós. – Ele sussurra.
– Sábado às dez, eu estarei lá com certeza. – Sinto meu coração acelerar com o convite que finalmente me levaria para o caminho da verdade.
– Eu preciso voltar agora, mas vou levar isso. – Ele pega o frasco sobre o balcão e me entrega.
Encaro o nome “Erva-Amarelo” escrito no frasco, e depois encaro Jimin.
– Pode levar. Presente de um amigo para o outro. – Sorrio, fechado.
– Obrigado, Elena. Você sempre sendo gentil. – Jimin se afasta do balcão, se virando e indo para perto do seu guarda-chuva.
Parado perto da porta de entrada, ele me olha uma última vez.
– Te vejo no sábado. – Ele sorri e sai da loja.
***
Não precisei ir na mansão, meu encontro com Jimin foi bem esclarecedor. Ele não é bobo, definitivamente percebeu o que está acontecendo, assim como eu também percebi. Por isso, no sábado não existirá mais motivos para mentiras.
Depois de comer o almoço que Wendy me trouxe, eu finalmente consegui limpar o jardim. E não sei como vovó irá plantar nesta terra danificada, provavelmente levará um bom tempo até que ela ajeite o solo para que ele volte ao normal.
Após passar metade da minha tarde na loja, estava decidia a voltar para casa e descobrir se Wendy falou alguma coisa para Jimin, pois o fato dele mudar a festa do Taehyung justamente para um dia que vovó não esteja no vilarejo, me soou muito estranho.
Mas, talvez, Upiór esteja tentando me dizer alguma coisa, enquanto tenta me manter presa na loja de vovó, visto que, neste momento, tenho mais um convidado passando pela porta de entrada da loja, ao mesmo tempo, em que carrega uma grande caixa quadrada.
Em seu longo vestido escuro e sobre saltos que fazem barulho contra o chão da loja, Amia caminha em direção ao balcão amarelo, depositando a grande caixa branca sobre ele.
Suas mãos com unhas pintadas em roxo, repousam sobre sua cintura, enquanto ela sorri para mim.
– Jimin nos contou que você vai à festa surpresa que estamos preparando para o Taehyung. É verdade?
Arqueio as sobrancelhas, surpresa.
– Sim, é verdade.
O sorriso de Amia se torna maior.
– E é por isso... – Ela coloca sua mão direita sobre a lateral da caixa quadrada e puxa a tampa para cima. – que eu te trouxe esse lindo vestido, que foi da mãe dos meninos. Ele estava guardado há tanto tempo na mansão, que já estava empoeirado. Mas quando Jimin nos contou sobre você, eu logo pedi para Skull limpá-lo. – Seus dedos deslizam sobre o tecido vinho-escuro com preto.
– Por que você me trouxe esse vestido? – Pergunto, enquanto encaro o vestido dobrado dentro da caixa.
– Imaginei que você não tivesse uma roupa apropriada pra festa. Além do mais, se me lembro bem, a mãe dos meninos tinha um corpo bem-parecido com o seu. – Amia aperta os olhos, e leva sua mão até o queixo, me analisando. – Acho que vai ficar muito bem em você.
Observo outra vez o vestido, antes de respondê-la.
– Certo, eu vou usar. – Digo, confiante, fazendo Amia sorrir em seu batom escuro.
– Pelo visto, meu trabalho por aqui já está feito. Irei voltar pra mansão então, eles precisam de mim. Só passei aqui pra te entregar o vestido. Aproveite muito bem, Amélia estava usando-o quando conheceu Henry pela primeira vez.
Amia se curva rapidamente em minha direção, antes de virar e sair da loja, me deixando sozinha com o vestido de Amélia.
Capítulo 28
Desço apressadamente os degraus de madeira, indo para sala, onde vovó e Sebastian se preparavam para sua viagem.
– Crianças, estou indo! – Vovó grita, enquanto ajeita sua bolsa de pano sobre os ombros.
– Vovó, achei essa chave na loja ontem. Acabei esquecendo de mostrar pra senhora. – Apareço na entrada da sala, balançando a chave no ar.
Vovó a encara por alguns segundos, e depois suspira.
– Essa chave é da loja do Caleb. – Exatamente como imaginei.
Vovó coloca as mãos na cintura, enquanto Sebastian acena para mim, antes de sair da sala.
– Aconteceram tantas coisas nos últimos dias, que acabei me esquecendo de devolver para mãe do garoto. – Vovó explica.
– Eu posso devolver, se a senhora não se importar. Eu já estava querendo conhecer a mãe do Caleb mesmo. Nós nos tornamos amigos antes dele desaparecer. – Digo, e vovó assente.
– Tudo bem, pode levar se quiser. Eu agradeço, é menos um trabalho para mim.
Sorrio para vovó, que depois de escrever em um papel o endereço da casa da mãe de Caleb, se despede de mim e de Wendy, partindo com Sebastian em mais uma viagem.
Depois de explicar para Wendy que preciso devolver a chave da loja de Caleb, peço que ela fique em casa, não aparecendo nem mesmo na janela. E antes de ir, faço um chá de Erva-Amarela para ela, pois, de agora em diante, serei mais cuidadosa.
Após me arrumar e pegar todas as chaves da casa, deixo Wendy trancada, guardo no bolso traseiro de minhas calças o papel com o endereço que preciso.
Do lado de fora, o dia ainda era cinzento, apesar de não garoar como ontem, mas a quantidade de pessoas nas ruas era maior que no dia anterior.
Penso que essa foi minha segunda noite sem dormir, já que também fiquei acordada pela madrugada, pensando sobre o sábado, a festa de aniversário do Taehyung que, com certeza, me levaria até a verdade.
Festas costumam ter um número significativo de pessoas presentes e, se tratando daqueles irmãos, preciso estar preparada para encontrar mais que alguns poucos vampiros. Por isso, planejei tudo que devo fazer antes dessa festa.
Enquanto arrumava a loja de vovó, tive a sorte de encontrar a chave da loja de Caleb, que surgiu em ótimo momento, sendo a responsável por me fazer planejar minha ida até a mansão.
Se não fosse a brisa gelada tocando meu rosto como um aviso, eu mal perceberia que já havia chegado na loja. Fiquei tão presa dentro dos meus pensamentos, que minhas pernas me guiaram de forma automática.
Encaro a fachada escura da loja, e depois olho para os lados, checando a movimentação em volta, que era fraca nesta região do vilarejo. Em seguida, caminho até à porta, colocando a chave na fechadura, girando-a logo depois. Empurro a maçaneta para baixo e abro a porta, entrando na loja escura. Procuro pelo interruptor de luz, que ao iluminar o ambiente, me faz perceber que tudo estava exatamente igual à última vez em que estive aqui.
Encosto a porta para que ninguém entre, e logo vou atrás do grande livro de capa vermelha com escrita dourada, o Drácus Dementer. Tive a oportunidade de lê-lo algumas vezes, e tudo ainda é vivido em minha mente e, mesmo que muitas páginas estejam faltando, lembro de ter visto algo muito interessante nas velhas folhas amareladas restantes.
Folheio com cuidado cada uma das páginas, lendo informação por informação, até encontrar o desenho marrom que procurava. Era disso que eu precisava, exatamente isso. E me recordo muito bem de ter lido ao similar, nas descrições de alguns dos colares que Caleb vendia aqui.
Coloco o livro de volta ao balcão de vidro, e vou em direção aos colares da loja, onde, alguns deles tinham pequenas etiquetas feitas com folhas rasgadas de papel de caderno, com a mesma caligrafia da carta que Caleb deixou para trás antes de sumir.
– É esse. – Pego com cuidado o colar com adornos de bolinhas brancas similares a pérolas. E quando o ergo contra a luz, posso ver algo marrom moído em pequenos pedaços, dentro de cada uma das bolinhas. – Me desculpe, Caleb, mas vou precisar disso. – Falo sozinha, guardando o colar dentro do bolso de minha blusa de frio.
Confiro se tudo estava igual, antes de sair da loja de Caleb, tendo a casa de sua mãe como próxima parada.
***
A casa simples pintada de azul não era longe da loja, só duas ruas de distância, então foi fácil de encontrar.
Paro em frente à porta que descascava o branco da pintura, e bato suavemente três vezes. Conto vinte e sete segundos até que a porta seja aberta por uma mulher de cabelos presos em um coque.
– Boa tarde. – Ela sorri, fechado, enquanto segura na maçaneta de dentro e no batente da porta, relevando pouco sobre o interior da casa.
– Boa tarde. – Me curvo sutilmente. – Sou neta da Morgana. Ela me pediu pra entregar isso. – Retiro a chave de dentro do meu bolso, tomando cuidado para não puxar o colar junto.
A postura da mulher de cabelos presos, relaxa um pouco, quando ela vê a chave.
– Pensei que sua avó ainda estava procurando alguma coisa na loja, por isso, não pedi a chave de volta. – Gentilmente, ela pega a chave da minha mão.
– Ela tinha esquecido. – Encolho os ombros e sorrio.
– Tudo bem. – Ela sorri de volta, me fazendo perceber como era diferente de Caleb. – Você quer entrar? – Ela retira sua mão do batente da porta, me dando espaço e relevando um pedaço do corredor de dentro.
– Me desculpe, não posso demorar. – Não quero deixar Wendy sozinha por tanto tempo.
– Certo. Obrigada por trazer de voltar. Aquela loja é a maior lembrança que tenho do meu filho agora. E de meu marido também, foi ele quem abriu aquela loja e encheu a cabeça de Caleb sobre toda aquela baboseira de objetos místicos. – A mulher ri sozinha, enquanto encara a chave que segurava.
Assinto, sem saber direito o que falar em relação a isso.
– Se me permite perguntar, pra onde o Caleb viajou? – Minha pergunta faz a mulher me olhar de imediato.
– Ele foi para cidade grande. Logo irei visitá-lo. – Seu sorriso se torna algo forçado, não escondendo o desconforto.
Sua postura fica tensa e, mesmo que tente disfarçar, percebo que ela começa a olhar para os lados de maneira nervosa.
– Estou com uma panela no fogo, preciso entrar. Obrigada por trazer a chave. – O que acontece em seguida é tão rápido que, só quando a porta é fechada com força, consigo entender.
Algo dentro de mim sempre soube que Caleb não havia viajado e que, na verdade, toda essa história que a mãe dele contou para vovó, era uma grande desculpa. E depois de presenciar sua reação, minhas suspeitas foram reforçadas.
***
Assim que saí da casa da mãe de Caleb, fui até à loja de vovó pegar a caixa com o vestido, e de lá, voltei para casa.
Quando cheguei, subi direto para o quarto, encontrando as roupas de Wendy jogadas sobre o chão.
Caminho até à cama e me sento sobre o colchão macio, repousando a caixa grande e quadrada na minha frente. Olho para porta do banheiro, escutando o barulho do chuveiro. Com isso, abro a caixa e, com cuidado, retiro o longo vestido vinho-escuro com preto, admirando cada detalhe do tecido muito bem costurado.
Desvio meu olhar para o fundo da caixa, vendo que o vestido guardava e escondia uma delicada máscara preta. Toco com a ponta dos dedos a máscara, e escuto o chuveiro ser desligado. Rapidamente coloco o vestido de volta na caixa e retiro o colar do meu bolso, juntando-o ao vestido e a máscara. Com tudo dentro da caixa, a escondo debaixo da cama.
Continuo sentada, esperando Wendy sair do banheiro. E, depois de, aparentemente, derrubar algumas coisas lá dentro, ela sai enrolada em uma toalha, deixando todo o vapor quente de seu banho, entrar no quarto.
– Finalmente voltou. Eu estava ficando entediada, você me trancou aqui. – Wendy resmunga, enquanto anda até sua parte do guarda-roupas.
– Eu não demorei, Wendy. – Nego com a cabeça, encarando seu corpo de costas para mim.
Franzo o cenho, ao notar algo estranho em sua pele.
– Mas pareceu uma eternidade. – Wendy continua resmungando, enquanto vasculha por entre suas roupas.
Me levanto da cama e me aproximo dela, tocando suas costas.
– O que foi? – Ela se vira, segurando um sutiã.
Espantada, olho minha irmã, que arqueia as sobrancelhas.
Viro Wendy de costas para de novo.
– O que é isso, Wendy? Que marcas são essas nas suas costas?
– Que marcas? – Ela me olha sobre os ombros, confusa.
Seguro no braço esquerdo de minha irmã, e começo a puxá-la para o banheiro, fazendo-a soltar o sutiã no chão.
Paro seu corpo de frente para o espelho.
– Wendy, isso são mordidas. – Aponto para as marcas arroxeadas em sua pele. – Como eu nunca vi isso em você antes? – Levo uma das mãos até a testa, completamente aterrorizada com o que vi.
– Mordidas? Por que tem mordidas nas minhas costas? – Wendy se desespera, tentando enxergar as marcas.
Encaro minha irmã.
– Porque é um lugar que dá pra esconder. – Falo séria, e Wendy me encara de volta, assustada.
Capítulo 29
Tudo nesse dia foi resumido a preocupação e ansiedade.
Vovó viajou cedo com Sebastian, deixando para trás um clima coberto de tensão, não dando mais do que dois dias - contando com hoje - para que eu descubra alguma coisa, já que ela pretende nos mandar para casa quando voltar.
Passei todo tempo tentando acalmar os meus nervos, ansiosa pela noite que já havia chego e, por mais que eu tenha consciência do motivo que está me fazendo ir até à mansão, não posso imaginar o que me espera essa noite.
Não contei para Wendy sobre os meus planos, não queria que ela se afligisse, já passou por muito, e também penso que não é muito seguro deixar ela a par do que pretendo fazer, considerando que minha irmã realmente foi hipnotizada.
Desde que descobri o que aconteceu com Wendy, não tem um minuto dos meus dias que eu não me preocupe com a sua segurança. Já fiz ela beber tanto chá de Erva-Amarela, que até mesmo eu já não suporto mais o cheiro.
Por todos esses motivos, quando saí esta tarde, foi por poucos minutos. Fui até a feira procurar por algo que pudesse me ajudar a lidar com Wendy e, por sorte, acabei encontrando algo que seria muito útil, um sonífero natural, feito através de algumas plantas. O vendedor me afirmou que o sonífero não era do tipo pesado, apenas ajudando a dormir mais rápido e melhor, mas que a pessoa que o ingerisse, podia acordar facilmente com barulhos altos.
Há mais ou menos uns quarenta minutos, preparei mais um chá de Erva-Amarela para Wendy, e coloquei uma dose do sonífero, e bastaram poucos minutos, talvez, dez, para que ela tivesse caído em um sono, aparentemente tranquilo, já que sua feição sobre a cama era relaxada.
Assim seria melhor.
De frente para a cama e sentada sobre o colchão, passo levemente a mão pelos cabelos bagunçados de minha irmã, me sentindo um pouco mais leve por saber que ela ficará segura essa noite.
Respiro fundo e me viro, ainda sentada sobre o colchão, e inclino meu corpo para baixo, pegando as sandálias de salto que comprei mais cedo, na mesma loja que fui com Wendy, o lugar que trazia roupas, artigos e qualquer coisa que viesse da cidade grande. Eu não tinha nada apropriado para usar com este vestido tão elegante, então tive que comprar essas sandálias em um tom de preto discreto.
Ergo a barra do vestido que eu já havia colocado, e afivelo as sandálias. Em seguida, me levanto e mexo os pés, verificando o quão desconfortável seria usar isso, mas, talvez, não seja tão ruim assim, pelo menos o estofado interno da sandália era macio.
Caminho até o banheiro, que estava com a porta aberta e a luz de dentro acessa. Paro em frente ao espelho e encaro o meu reflexo, vendo quão diferente eu estava. Já que era uma noite especial, me arrumei mais do que de costume, peguei algumas das maquiagens mais escuras de Wendy e tentei fazer o melhor que pude, e penso que não me sai tão mal, tendo em vista que costumo usar tons mais claros e sutis.
Acho que gostei de como meu cabelo ficou. Eu não tinha muito por aqui, então me virei com grampos e alguns bóbis de cabelo da vovó, para tentar mudar um pouco o aspecto dos meus fios loiros, que sempre estavam retos, mas que hoje, ganharam algumas ondulações.
Coloco minha mão sobre o pescoço, sentindo as pequenas bolinhas brancas do colar que eu usava. As encaro, tentando ver se dava para notar as folhas de Erva-Marrom e, por sorte, acho que passarei despercebida.
Meu olhar desvia do espelho para a pia abaixo de mim, onde, de um lado estava a máscara preta que eu usaria, e do outro, estava uma pequena seringa que encontrei nas coisas de vovó.
Chá de Erva-Amarela não foi a única coisa que fiz naquela cozinha hoje. Eu sabia que precisava estar preparada para tudo, então depois de encontrar nas coisas de vovó uma seringa dentro de um kit de primeiros socorros, amacei algumas folhas da Erva-Verde e despejei o líquido esverdeado dentro da pequena seringa.
– Acho que já é hora de ir. – Falo para mim mesma.
Com cuidado, pego a pequena seringa e guardo dentro do decote de meu vestido, de modo que ninguém consiga ver. Depois, pego a máscara preta e coloco-a em meu rosto, amarrando a fina fita debaixo do meu cabelo, prendendo assim, a máscara.
Respiro fundo de novo e me olho uma última vez no espelho, antes de apagar a luz e sair do banheiro. No quarto, checo Wendy rapidamente e depois saio, indo para o andar debaixo.
Ando até à cozinha, atrás da chave de casa, e aproveito para ver o horário no meu celular que estava no mesmo balcão que a chave.
Onze e dez.
Depois de conferir as horas, coloco o celular de volta no balcão, decidida a deixá-lo em casa. Passo ao lado da mesa de madeira e apanho sobre ela, a delicada rosa-vermelha que tinha um laço - de mesma cor - amarrado em seu caule. E com a rosa em mãos, caminho até à porta de entrada da casa, deixando Wendy trancada para dentro, como venho fazendo nas últimas vezes em que saio.
Escondo a chave da casa de vovó dentro dos pequenos vasinhos de flores que ela deixava na entrada e, depois, enfim, sigo meu caminho pelas ruas desertas e com pouca luminosidade.
Sei que as pessoas desse vilarejo levam uma vida diferente, e seus costumes são mais simplistas, como dormir mais cedo ou, pelo menos, não ficar perambulando pelas ruas até muito tarde. E foi por isso que resolvi sair de casa um pouquinho fora de hora, já que não gostaria de chamar a atenção andando com essa roupa e essa máscara.
Definitivamente não foi fácil caminhar sobre os ladrilhos usando essas sandálias, e quando entrei na floresta, parecia impossível. Enquanto carregava a rosa-vermelha, tive que usar as duas mãos para erguer a barra de meu vestido, não querendo que ele sujasse, mas não pude fazer muito nas vezes em que senti os saltos das sandálias-pratas afundarem na terra.
Manter o equilíbrio nunca foi tão difícil, e torci muito para não acabar de cara na terra e folha secas; além disso, ter o caminho iluminado apenas pela luz da lua não facilitava em nada a minha situação. Eu já estava a ponto de desistir e voltar para casa, porque me sentia extremamente idiota tentando atravessar uma floresta com essas sandálias.
Então, quando finalmente avistei os grandes portões da mansão, suspirei de alívio porque saí da terra e entrei no caminho cimentado do jardim, observando a grande luminosidade que emanava das janelas da mansão.
Meu corpo fica um pouco mais ansioso do que antes e, por isso, preciso de alguns segundos, parada em frente aos largos degraus, antes de tomar coragem para subi-los e ficar de frente para a porta de entrada.
Engulo em seco, tento fazer meu nervosismo descer junto com a saliva, na esperança de que ele vá embora, mas não acho que seria tão fácil assim.
Atrás da máscara preta, fecho os olhos e respiro fundo.
Abro os olhos, e levanto minha não livre para bater na porta de madeira, mas ela abre sozinha, como já aconteceu antes.
Permaneço mais alguns segundos parada e depois empurro a porta, entrando na mansão para encontrar Skull parado a poucos centímetros de distância.
– Boa noite, senhorita Elena. Por um momento, não a reconheci, seu cheiro está diferente. – Em seu uniforme, ele se curva educadamente.
Um pouco sem jeito, assinto.
– O Taehyung...?
– A última vez que vi o Senhor Taehyung, ele estava na sala de música. – Skull responde, com a postura impecável.
A sala de música, é claro.
– Hm... obrigada. – Aceno com a cabeça, e Skull permanece parado em seu lugar.
Ainda sem jeito, passo por Skull e atravesso todo o hall. E quando me viro, como de costume, o mordomo não estava mais lá.
Parada na saída do hall, consigo escutar o barulho que vinha do meu lado direito, a sala. Música e vozes altas preenchiam a mansão. A porta entre as escadas, parecia estar um pouco entreaberta, mas ninguém por perto. E o lado esquerdo, o que levava para a cozinha, também parecia estar vazio.
Olho para o baixo e ergo a barra me vestido, já sabendo antes mesmo de ver, que haveria terra sujando minhas sandálias.
Eu preciso limpar isso.
Me apresso para ir em direção as escadas do lado esquerdo, antes que alguém me visse, por isso, subo os degraus com pressa. Já no andar de cima, vou até o quarto de Jimin, com o intuito de usar o banheiro.
Verifico o corredor, vendo que estava sozinha, então passo em frente as portas dos quartos, onde algumas estavam um pouco abertas, mas não presto tanta atenção assim nelas.
Abro a porta do quarto de Jimin e acendo a luz, encontrando tudo impecável como sempre. Caminho até o banheiro e fecho a porta. Pego um grande pedaço de papel higiênico e depois me apoio contra a parada mais próxima, dobrando minha perna esquerda, enquanto tento me equilibrar para limpar o salto de minhas sandálias.
Quando começo a limpar a sandália do par direito, escuto alguém bater na porta. Tento dizer que o banheiro estava ocupado, mas as batidas ficam mais fortes e altas.
– Deve ser o Jimin. – Falo baixo para mim mesma, jogando o papel higiênico sujo de terra, na lixeira.
Vou até à porta e a abro, me surpreendendo ao encontrar Jungkook parado do outro lado
O seu olhar corre rapidamente por meu corpo, antes que ele entre no banheiro, para que, segundos depois, eu me veja presa entre ele e uma das paredes brancas.
– Por que você está usando esse vestido? – Suas palavras saem entre os dentes. Era como se ele rosnasse.
Seus braços cobertos por um terno preto com detalhes brancos, estavam no alto, um de cada lado da minha cabeça, criando uma pequena prisão. E seus cabelos, antes alinhados, estavam com os fios bagunçados sobre sua testa, devido aos seus movimentos rápidos.
Fico em silêncio, observando seu olhar irritado.
– Estou falando com você, Elena! – Suas mãos batem contra a parede.
Engulo em seco, encolhendo meu corpo, e no mesmo instante, a feição de Jungkook muda. Ele parecia... triste? Não sei, eu nunca o vi dessa maneira antes, nunca.
Jungkook abaixa sua cabeça, fazendo seus cabelos taparem os olhos, ao mesmo tempo em que suas mãos deslizam pela parede.
O corpo dele se inclina lentamente para frente e sua testa encosta na minha, enquanto sua mão direita segura o meu queixo.
– Você está linda. – As palavras saem tão baixas que só escuto porque estou perto.
Ele estava tão transtornado e confuso agora, percebo isso só pela maneira com que ele me encara.
Jungkook desencosta sua testa e aproxima sua boca da minha, tocando os meus lábios com um beijo brando.
Seus grandes e redondos olhos se fecham, mas mantenho os meus abertos, completamente surpresa. Não que ele me beijar seja uma grande novidade, mas no meio dessa situação toda... era tão estranha.
O toque dos seus lábios contra os meus não durou mais do que poucos segundos, assim como sua saída, que foi tão rápida que mal consegui acompanhar. Em um segundo, ele estava me beijando, e no outro, desapareceu completamente do banheiro, me deixando para trás totalmente atônita.
Capítulo 30
Fiquei no banheiro por mais alguns minutos, não sei ao certo quantos, mas o suficiente para que eu voltasse ao meu estado normal.
Quando coloquei este vestido, talvez eu pensasse que poderia obter esse tipo de reação de algum dos irmãos, e esse foi justamente o motivo que me fez usá-lo. Não há mais o que esconder, Jimin com certeza percebeu o que eu estava tentando dizer na loja e, por isso, me convidou para essa festa supostamente cheia de vampiros. Ele também entende que o momento finalmente chegou, e usar o vestido nessa ocasião, mesmo que não seja a melhor das ideias, deixaria mais do que claro as minhas intenções para todos eles. Mas, mesmo assim, não pude conter todo o meu nervosismo quando Jungkook se mostrou irritado ao me ver vestida desta maneira. E no segundo em que ele percebeu o que estava fazendo, seu olhar, sua feição e seu jeito mudaram por completo, era como me lançar duas emoções completamente diferentes simultaneamente, então não sei ao certo como ele se sente em relação a tudo isso.
Depois de me ajeitar em frente ao espelho, me certifico de ver se as minhas sandálias estavam mesmo limpas e por último e, com certeza, mais importante, pego a rosa-vermelha que coloquei sobre o assento fechado do vaso sanitário, antes de limpar as sandálias.
Silenciosamente saio do banheiro e do quarto de Jimin, não encontrando ninguém pelo corredor que atravesso com presa, enquanto escuto a música que vinha do andar debaixo. Quase corro ao passar em frente as portas que ficavam do lado direito, torcendo para que não me vissem.
Assim que paro de frente para as escadas que me levariam para o terceiro andar, sinto o meu estômago embrulhar, trazendo toda a ansiedade de volta. Essa seria a primeira vez que eu veria o Taehyung depois... depois do que fizemos. Acho que vou enlouquecer como daquela vez.
Puxo o máximo de ar que posso, e depois solto todo ele pela boca, de forma alta, tentando acalmar os meus nervosos que estavam em completa desordem.
Eu não posso esquecer o que Taehyung é o motivo que me fez vir até essa festa, mas eu simplesmente não posso controlar toda essa ansiedade ruim que está corroendo a boca do meu estômago. Era como sentir milhares de insetos andando de um lado para o outro dentro de mim.
Não gosto de me sentir assim.
Minhas mãos começam a suar quando subo o primeiro degrau, e conforme subo os outros, os insetos dentro de mim se agitam cada vez mais. Quando já estou no terceiro andar, a música que entoava pela mansão se torna mais baixa, mas ainda era bem audível.
Encaro o corredor escuro e quieto, com uma única luz que vinha da última porta - a sala de música - e tenho vontade de correr para longe.
Talvez eu desmaie agora mesmo.
Calma, Elena. Você precisa ficar calma. Você sabe que já viu o Taehyung muitas outras vezes.., mas nunca depois de... depois de...
Coloco as mãos sobre a máscara em meu rosto, sentindo minhas bochechas esquentarem, e torço com todas as forças para que o preto da máscara esconda a minha vergonha.
Vamos lá, você pode fazer isso, eu sei que pode.
Dou o primeiro passo pelo corredor, e de alguma forma, consigo me acalmar um pouco, enquanto penso que me sentir assim era uma grande bobeira. E desta forma, tentando controlar os meus pensamentos, consigo finalmente andar até à sala de música.
Paro ao meio da porta dupla aberta, sendo atingida pela claridade que vinha de dentro da sala iluminada pela luz da lua, através das portas de vidro da sacada que estavam abertas.
E lá estava, de costas para mim, parecendo encarar a grande lua do lado de fora, exatamente como já o vi fazendo antes no jardim.
Ele estava em um terno preto com alguns detalhes brilhantes, em preto também. Suas mãos estavam para dentro dos bolsos como de costume, e eu não podia ver muito bem como seu cabelo estava, mas, com certeza, enxergava o cintilar do seu longo brinco refletido sobre a luz da lua. Havia também uma pequena máscara branca e preta sobre o piano do qual Taehyung estava ao lado.
Ele não demora para sentir a minha presença, e vira sua cabeça para o lado.
– Oi. – Isso é o melhor que consigo dizer, e soa tão idiota que meu rosto esquenta de novo.
Ao reconhecer minha voz, Taehyung se vira em minha direção, e é apenas uma questão de segundos até que seus olhos caiam sobre o vestido que eu usava. Primeiro, suas sobrancelhas se franzem, e depois, seu olhar se torna confuso, uma feição que nunca pensei em ver em seu rosto.
Ele pisca algumas vezes, mas não desvia seu olhar do vestido, como se estivesse hipnotizado pelo tecido vinho e preto.
Passo a segurar a rosa-vermelha com as duas mãos, sentindo que nesse momento, eu era apenas nervosismo e ansiedade.
Envolta pelo silêncio de Taehyung, começo a me aproximar de forma lenta, escutando o barulho dos saltos de minhas sandálias soarem como o responsável por preencher esse momento.
Quando fico a dois passos de distância, os olhos de Taehyung sobem por meu corpo, até encontrarem os meus olhos, e tenho a impressão que suas íris castanhas se tornam mais escuras, igual à noite.
Visivelmente desordenado, seu rosto era impecável como sempre, o que o tornava cada vez mais intimidante todas às vezes que o via de perto.
Afasto minha mão esquerda da rosa-vermelha com um laço amarrado no caule, e uso a direita para tenta colocar a flor solitária sobre o piano, mas a mão de Taehyung é extremamente rápida ao agarrar meu pulso antes que eu conseguisse fazer o que pretendia.
– Onde você conseguiu esse vestido? – Seus dedos com unhas pintadas de preto, apertam com força meu pulso, enquanto seu olhar se sustentava contra o meu de forma intensa e rígida.
Encaro sua mão em meu pulso, sentindo que ele estava aplicando mais força do que deveria, e isso logo seria incômodo.
– Você vai me machucar, como da vez em que nos conhecemos? – Volto a encará-lo, e minha voz soa um tanto quanto melancólica.
Os olhos de Taehyung se arregalam de forma sutil, e só percebo porque estou perto o suficiente para isso.
Ele solta meu pulso, e seus dedos escorregam pela manga do vestido vinho e preto, passando rapidamente pela minha mão e pela rosa-vermelha.
Ainda em silêncio, sua mandíbula se movimenta, como se ele apertasse os dentes.
Os insetos dentro de mim, me mandavam ir embora ou eu enlouqueceria. Às vezes penso que estar perto de Taehyung não me fazia bem.
Sem ser impedida, coloco a rosa-vermelha sobre o piano, ao lado da máscara.
– Feliz aniversário. – Falo baixo, e me viro, caminhando para fora da sala de música.
Passo rapidamente pelo corredor, sem olhar para trás, e desço os degraus com pressa, fazendo o mesmo com a escada que me levou para o primeiro andar. E longe o suficiente de Taehyung, consigo respirar melhor.
Depois de me acalmar, finalmente vou até o local onde tudo parece estar acontecendo. Atravesso o espaço aberto entre as escadas, vendo os primeiros vestígios dos convidados.
Todos os móveis da sala haviam sumido, e aposto que a lareira era a única. O espaço que já era incrivelmente grande com móveis parecesse ainda maior sem eles, fazendo com que muitas pessoas bem vestidas e mascaradas pudessem transitar com tranquilidade pelo lugar.
Os convidados estavam animados enquanto conversavam, riam e até mesmo, dançavam formalmente. Skull e outras pessoas uniformizadas, andavam de um lado para o outro com inúmeras bandejas com taças cheias por um líquido vermelho. Ao meu canto esquerdo, havia uma longa mesa coberta pelos mais variados tipos de comida que enchiam os olhos.
Eu nunca estivesse em uma festa como essa.
– Com licença, senhorita, mas será que poderia me conceder uma dança? – Alguém pergunta atrás de mim, e quando me viro, encontro Jimin em roupas ainda mais elegantes das que ele costumava usar.
Ele sorri para mim, tornando seus olhos pequenos atrás da máscara branca com detalhes em prata que ele usava.
Assinto, e Jimin segura minha mão, me levando para dentro e indo até o centro da sala cheia, onde algumas pessoas dançavam.
Ele segura em minha mão direita, e apoia a outra mão em minhas costas, começando a rodopiar no ritmo da música, e faço o que posso para acompanhá-lo.
– Como me reconheceu? – Pergunto, enquanto continuamos rodopiando pela sala, ao som da música que era alta.
– Eu reconheceria esse belo cabelo em qualquer lugar. Mesmo com o seu cheiro diferente. – Jimin responde. – Talvez esse seja o seu novo perfume? – Ele ergue suas sobrancelhas, fazendo-as saltarem para fora da máscara.
Jimin afasta nossos corpos, e retira sua mão das minhas costas para poder me girar com apenas uma mão, voltando a nos aproximar logo em seguida.
Eu ainda podia sentir aquela essência que Jimin me trouxe quando nos vimos pela primeira vez na floresta... o seu sorriso. Mas os seus olhos já não pareciam mais os mesmos.
– Bonito vestido. – Ele diz, enquanto rodopiamos por entre algumas pessoas que também dançavam.
Seus pequenos olhos observam por alguns segundos o vestido e, involuntariamente, acabo apertando sua mão direita.
– Você não está irritado? – Pergunto, vendo um grande sorriso se abrir em seus lábios cheios e avermelhados.
– Eu estou muito irritado agora, Elena. – Ele finge uma feição brava, e ri.
Jimin para abruptamente de dançar, mas mantém suas mãos em mim.
– Se fosse outra pessoa usando isso, eu estaria muito irritado. – Jimin leva sua mão de minhas costas até o meu queixo, segurando-o entre os dedos de forma suave, enquanto aproxima o seu rosto do meu. – Mas se tem alguém que poder usar esse vestido, esse alguém é você. Ela, com certeza, gostaria de te ver usando ele. – Jimin desliza seu dedo indicador por meu queixo e, por um momento, tenho a impressão de que ele pode me beijar.
Para minha surpresa e alívio, quando Jimin se aproxima perigosamente, ele ergue minha mão direita e rodopia meu corpo, soltando minha mão e me fazendo ir de encontro com outra pessoa, que também segura minha mão e inicia uma nova dança.
– Você está completamente deslumbrante. – Blarie sorri, enquanto começa a rodopiar comigo.
O seu cabelo cor púrpura estava metade preso com alguns grampos dourados, combinando com seu lindo vestido amarelo-claro. E consigo sentir a suavidade do tecido das luvas brancas de Blarie, toda vez que nos movemos.
– Obrigada.
Atrás da máscara dourada, Blarie franze as sobrancelhas.
– O que foi? – Ela pergunta, enquanto continuamos dançando.
Estou chateada, porque pensei que você pudesse ser como uma amiga para mim, mas acho que é só uma vampira.
– Não é nada. Só não estou acostumada com esse tipo de festa. – Forço um sorriso, me sentindo incapaz de ser verdadeira com ela.
Blarie sorri fechado, e continua me rodopiando, parando abruptamente como Jimin fez e, dessa vez, paro de frente para outra pessoa, uma vestida em um longo vestido vermelho, com máscara de mesma cor.
Amia, que tinha os cabelos presos, leva as mãos para a cintura, e sorri ao encarar meu corpo de baixo para cima.
– Eu sabia que ficaria perfeito em você. – Ela me fita, com seus olhos cobertos pela maquiagem marcante relevada através de alguns pequenos furos em sua máscara.
O que eu deveria dizer? Eu sei que ela fez isso para que os irmãos se irritassem comigo, não sou tão ingênua assim.
Alguém exclama um "Oh!” perto de mim, atraindo minha atenção e me livrando de ter que conversar com Amia.
A garota de vestido azul ao meu lado, olhava para algo atrás de mim, assim como todas as pessoas em volta.
Me viro, conseguindo enxergar o motivo de tanta comoção, parado na entrada da sala. Taehyung, que agora usava sua máscara, e tenho impressão que está me olhando.
Como de costumo, meu interior se revira com o pensamento, e quando ele começa a caminhar para frente, vindo diretamente ao meu encontro, todos os insetos que me incomodavam antes, voltam.
Taehyung para na minha frente e me estende uma mão. Por alguns segundos, ele olha sobre os meus ombros, e sinto a presença de Amia se afastar, e sei que ela deve estar me odiando nesse momento.
Ele volta a me encarar, esperando por minha resposta, assim como todos ao nosso redor que nos encaravam, me deixando nervosa. Eu nunca gostei de ser o centro das atenções.
Respiro fundo mentalmente e seguro na mão de Taehyung, dando para ele a resposta que precisava para se aproximar de mim.
Segurando minha mão direita, ele leva a esquerda até as minhas costas, fazendo o meu interior se contorcer por completo. Seus olhos me encaram, e ele espera até que eu coloque minha mão sobre a parte detrás de seus ombros, para começar a se mover lentamente, iniciando a nossa dança.
Para direita e para esquerda, Taehyung começa a me conduzir, assim, dando permissão para que todos os demais ao nosso redor voltem a dançar, nos acompanhando.
Por mais que eu quisesse, eu não conseguia para de encarar seus olhos, e ele não tinha a menor pretensão de quebrar nosso contato visual. Seu rosto coberto por essa máscara preta e branca, de alguma forma o deixava ainda mais bonito, escondendo de mim o que vim descobrir essa noite.
Sua mão escorrega suavemente por minhas costas e se afasta do meu corpo para que ele possa me girar. Sinto os meus cabelos e a barra do meu vestido balançarem, me seguindo.
Quando volto a ficar de frente para Taehyung, ele me puxa para perto, tão perto que nossos narizes quase se tocam. Expiro alto, sentindo os milhares de insetos corroerem o meu estômago, e tudo que eu conseguia me concentra agora, era no som da música tocada a instrumentos clássicos, nas mãos de Taehyung em mim e em seus movimentos que eu conseguia acompanhar com perfeição, como se estivéssemos conectados.
Sua mão esquerda me empurra sutilmente para frente, me fazendo sentir por completo seu corpo, enquanto rodopiávamos pela sala, com os rostos tão próximos que me faz ter vontade de beijá-lo aqui mesmo, mas eu não faria isso, mesmo que sua boca estivesse tão tentadora como nunca.
Para o meu próprio bem, desvio meu olhar do seu quando começo a me sentir zonza. Deixo minha cabeça perto do seu ombro e, por fazer isto, posso colocar minha atenção em outras coisas que não fossem o Taehyung fascinantemente sedutor desta noite.
Apoio a ponta dos dedos no topo de seus ombros, me aproximando de modo que, meu rosto fique entre a curva de seu pescoço, um jeito de evitar contato visual com ele, mas começar um novo com Jungkook, que estava parado em um canto da sala, escorado contra a parede, nos observando enquanto tomava um pouco do líquido vermelho que Skull estava servindo em taças.
Seus olhos adornados por uma máscara preta, seguiam cada movimento meu e de Taehyung, me fazendo sentir como se estivesse no meio de uma linha de fogo, ser ter para onde olhar.
O som dos instrumentos clássicos começam a ganhar lentidão, e a música vai diminuindo para que outra comece. E junto com as últimas notas, minha dança com Taehyung chega ao fim.
Afasto meu rosto da curva de seu pescoço, enquanto olho para baixo. Suas mãos não me abandonam em momento algum, me obrigando a encará-lo logo depois, quase me fazendo suspirar ao fitar suas íris escuras.
– Acho que agora é a minha vez de ter uma dança. – Uma garota de cabelos vermelhos, usando um vestido laranja-escuro com um enorme decote, surge ao nosso lado, me fazendo soltar Taehyung no mesmo instante. – Taehyung, é a minha vez. – Eu mal o solto, e ela o agarra, apertando seu decote contra ele, mesmo sem ele sequer a olhá-la.
– Entre na fila, nós já estávamos esperando. – Outra garota surge, esta com mais três garotas ao seu encalce.
De forma rude, a garota que usava o vestido laranja-escuro, é puxada para longe de Taehyung.
– Deem o fora. Nenhuma de vocês vai dançar com ele. – Amia espanta todas as garotas que estavam ao redor de Taehyung e, em seguida, segura o braço dele de forma possessa, enquanto me encara com uma expressão não muito amigável.
Desconfortável com a situação, olho para a parede, procurando por Jungkook, mas ele já não estava mais lá.
– Vamos, meu amor. Você não vai me deixar esperando a noite toda, não é? – Amia puxa Taehyung para longe de mim, e tudo que posso fazer agora, é sair dessa sala que faz com que todos os meus insetos, me perturbem em nervosismo.
Eu preciso me concentrar, estou aqui por um motivo, e até agora não consegui nada.
Capítulo 31
De volta ao espaço vazio entre as escadas para o segundo andar, me mantenho longe de todas as pessoas.
Preciso parar de deixar que Taehyung desvie todas as minhas intenções. Daqui para frente, sem distrações, Elena.
Quando todos os meus insetos interiores vão embora, me sinto pronta para, enfim, encontrar algumas respostas claras e, talvez, eu já saiba por onde começar.
Olho em direção a entrada da sala, me certificando de que ninguém surgiria, e depois, olho em direção à porta ainda entreaberta, que de ficava ao meio das duas escadas para o segundo andar.
Me lembro de ter ido lá algumas vezes, uma em especial, quando levei um pedaço de torta para Jin. Penso que posso ter um pouco de sorte por lá, quem sabe Jin não tem alguma coisa importante escondida no seu escritório.
Tentando não fazer tanto barulho com os saltos das sandálias, caminho até à porta dupla entreaberta e, ligeiramente, passo por ela, dando em um ambiente escuro.
Encaro o corredor reto e os outros dois ao lado, e sei que preciso ir para o lado esquerdo, na segunda porta. Era isso, tenho certeza.
Ando um pouco, e paro em frente à porta trançada, em seguida, seguro na maçaneta e a giro, me sentindo contente por ela não estar trancada.
Depois de abri-la, empurro a porta lentamente para dentro, revelando a sala totalmente escura. Entro na sala e não fecho a porta, tentando encontrar o interruptor de luz, e mesmo que o corredor de fora esteja escuro também, ainda é menos escuro que a sala, e penso que se eu fechar a porta, não serei capaz de enxergar nem mesmo a sombra das minhas mãos.
Tateio a parede mais próxima da porta, até que eu sinta o interruptor de luz, que não demora ao iluminar o lugar. E com a claridade que preciso, fecho a porta para que ninguém me veja aqui.
– Aí está o vestido que anda causando tantas perturbações nessa noite. – Ainda de frente para a porta, agora fechada, sinto todo o meu corpo paralisar ao escutar a voz de Jin.
Vagarosamente me viro, encontrando-o parcialmente sentado sobre a mesa de madeira do escritório, tendo Namjoon de pé ao seu lado, com os braços cruzados, e Hoseok parado a pouco passos à frente dos dois.
– Vejam só. – Hoseok aponta em minha direção, e depois se aproxima, segurando em minha mão para me fazer andar para frente, ficando um pouco mais próxima de Jin e Namjoon.
Quando paramos de andar, Hoseok fica na minha frente, e pega uma das mexas do meu cabelo.
– Se não fosse pela cor e comprimento do seu cabelo, eu diria que estava olhando pra ela nesse momento. – Hoseok não pisca seus olhos, me encarando de maneira fixa, enquanto sorri, fechado.
Ela? Amélia?
– Não sei porque isso é tão importante, esse vestido esteve guardado por anos e ninguém nunca se importou com ele. – Reconheço a voz de Yoongi, e quando me viro para procurá-lo, o encontro deitado sobre o sofá de veludo ao canto contrário da sala.
Como Jin e Namjoon, Jungkook estava sentado sobre o braço do sofá em que Yoongi estava deitado, e Taehyung estava de pé ao seu lado.
Todos os irmãos não usavam mais máscaras e vestiam ternos elegantes com variações de tons escuros.
Eu até poderia perguntar como era possível que Taehyung estivesse no escritório, se acabei de sair da sala e não o vi passando por mim. Mas acho que já sei a resposta.
Tendo tantos olhares sobre mim, me sinto um pouco apreensiva e sem saber o que fazer.
– É bom que você esteja aqui, Elena. Nós precisamos mesmo conversar. – Jin fala, me fazendo olhá-lo por cima dos ombros de Hoseok, que ainda estava parado na minha frente, mas ele logo da vai um pouco para o lado, dando vista para seus dois irmãos perto da mesa.
– Conversar sobre o quê? – Pergunto, apreensiva.
Hoseok ri, perto de mim.
– Não precisa se fazer de desentendida, Jimin já nos contou sobre a conversa de vocês na loja da sua avó. – Hoseok diz com tranquilidade, fazendo os meus insetos interiores voltarem.
Por mais que eu tenha uma única razão para estar aqui, é provável que eu não esteja pronta para isso? Talvez sim, e é por isso que acabo dando alguns passos involuntários para trás, tentando me afastar, mas acabando por esbarrar em alguém mais alto que eu.
Ao me virar, encontro Jimin parado atrás de mim, que sorri quando o encaro. Ele também não estava mais de máscara.
– Sinceramente, ainda bem que vamos ter essa conversa. Eu sou o que sou, e já estava ficando de saco cheio de ter que mentir por sua causa. – Yoongi fala do sofá, com os olhos fechados e as mãos atrás da cabeça.
– O que você é? – Por impulso, pergunto, e Yoongi abre um dos olhos e sorri.
Jungkook, ao seu lado, sentado sobre o braço do sofá, ri nasalado. E Taehyung enfia as mãos para dentro dos bolsos das calças pretas do terno, e dá um mínimo sorriso de lado.
– Vamos, Elena, você sabe o que nós somos. – Jin apoia sua mão sobre a mesa de madeira da qual ele estava sentando apenas com uma perna.
– Você só precisa perguntar. – Hoseok inclina cabeça para o lado e sorri, enquanto me encara de cima a baixo.
O nervosismo me abraça de novo e, dessa vez, mais forte do que das vezes anteriores. Eu estava mais perto do que nunca da verdade, mas isso parece demais para mim.
Seguro no tecido do vestido, e abro minha boca que treme um pouco, enquanto reúno coragem o suficiente para dizer isso em voz alta.
– Só precisa perguntar...
– Vocês são vampiros? – Quando as palavras saem em alto e bom som da minha boca, era como se tudo ao meu redor tivesse parado, enquanto um zumbido estranho preenchia os meus ouvidos, como se eu estivesse me desligando agora.
– Sim. – O sorriso aberto e largo de Hoseok perto do meu rosto, é o que me puxa de volta ao meu estado normal, ou quase normal.
O escritório fica em silêncio, e começo a me sentir sufocada.
– Então a Wendy...
– Entenda, a sua irmã poderia ser um problema, por isso, precisamos dar um jeito nela. – Jin suspira alto, enquanto enfia uma mão para dentro do bolso das calças de seu terno, puxando para fora um anel com uma pedra preta que ele joga para o ar e, logo em seguida, pega.
O anel da Wendy.
– Como...? – Pisco os olhos várias vezes, não acreditando no que estava vendo.
– Parece que foi ontem... – Namjoon ri ao lado de Jin. – Jimin voltou pra casa e disse que conheceu duas garotas na floresta e que, uma delas, tinha um cheiro diferente. Um cheiro do qual ele só tinha sentido uma vez e em uma única pessoa.
– Cheiro diferente? – Pergunto, receosa e apreensiva.
– O cheiro de alguém muito especial. – Escuto a voz de Jimin atrás de mim, seguida por suas mãos sobre os meus ombros.
– Nós precisávamos conhecer um pouco mais dessa pessoa de cheiro diferente, já que fazia um bom tempo que ninguém com esse cheiro entrava na floresta. E foi por isso que tivemos que hipnotizar a sua irmã, se não ela poderia estragar tudo.
– Q-Quando vocês fizeram isso? – Aperto o tecido do vestido contra os meus dedos, ainda sentindo as mãos de Jimin sobre os meus ombros.
– Blarie foi a primeira, mandamos ela até à sua casa, e foi quando ela pegou o anel da sua irmã. Depois foi o Jimin, quando sua irmã veio te buscar aqui. – Yoongi responde tranquilamente do sofá. – Acho que todos nós fizemos isso pelo menos uma vez. Sabe, você deixava sua irmã muito tempo sozinha naquela loja, e isso ajudou muito.
O zumbido de antes volta, e me sinto mentalmente zonza.
Eu não podia acreditar, eu não conseguia.
– Então todas aquelas marcas na Wendy... foram vocês. – Encaro o chão, sentindo que não tinha controle para onde olhava.
– Você deveria perguntar isso pra Amia. Ela não gosta nenhum pouco de você, e faria qualquer coisa pra te deixar desse jeito. – Encaro Jungkook, que arqueia as sobrancelhas, enquanto passa um dedo perto da boca, sorrindo para mim.
Eu me sentia atônita, completamente atônita com tudo isso. Nesse momento, estar perto desses irmãos me fazia ficar mal, eu não estou tão confiante como achei que ficaria. Então me viro, dando de cara com Jimin, que em silêncio, consegue ver através dos meus olhos confusos, e me dá espaço para sair desse escritório.
Abro a porta com tanta presa que ela se fecha em um alto estrondo, enquanto fico parada no corredor escuro.
Olho sobre os ombros, vendo a luminosidade do lado de dentro do escritório.
Pensei que poderia lidar com isso, que poderia fazer algo em relação a Wendy, mas quando escutei tudo aquilo, eu não sei, nada parecia fazer sentido, e agora eu tenho esse mal-estar dentro de mim.
Escuto um baixo ranger de porta, e viro assustada para o lado, vendo que a última porta do corredor estava, sutilmente, aberta. Olho mais uma vez para a porta fechada do escritório e depois para a última porta.
Definitivamente não posso ficar perto desses irmãos, mas não há mais mentiras, e aquela porta que se abriu no final do corredor não é uma coincidência, eles já não me escondem mais a verdade e estão querendo que eu descubra tudo de uma vez, sei que é isso.
Ainda parada em frente ao escritório, respiro fundo, e me viro de frente para o corredor. Meu nervosismo não me abandona em momento algum, e todos os meus passos são lentos, de modo que, eu pareça não querer fazer isso e, talvez, não queria mesmo... mas eu preciso.
Me sentindo agoniada, retiro a máscara que estava em meu rosto e a jogo o chão, enquanto continuo andando pelo corredor.
Quando chego em frente à porta aberta, descubro que atrás dela, havia uma escada curvada de pedras que levava, possivelmente, para um porão, que era ainda mais escuro que o corredor.
– Você não vai ter outra chance, Elena. Precisa fazer isso agora. – Seguro na borda da porta e falo para mim mesma, antes de olhar uma última vez para o corredor, vendo que a porta do escritório ainda estava fechada.
Respiro fundo de novo e piso sobre no primeiro degrau da escada de pedra. Apoio minha mão na parede de dentro para não cair e, com muito cuidado, começo a descer a escada, escutando apenas minha respiração e o barulho dos meus saltos contra a pedra.
Olho para trás e a porta continua do mesmo jeito, então desço e desço mais um pouco até os saltos de minhas sandálias tocarem o chão do porão. Saio dos degraus e piso firme, olhando ao meu redor na tentativa de encontrar alguma coisa, mas o escuro aqui embaixo era muito intenso, assim como um cheiro ruim, como se algo podre estivesse guardada nesse lugar por muito tempo.
Tapo meu nariz com as mãos, quando o cheiro começa a embrulhar meu estômago, enquanto começo a entrar na escuridão do lugar em busca de algo que iluminasse.
Cautelosamente caminho para frente e meus pés esbarram em algo duro que faz um estranho barulho de coisas caindo no chão. E por susto, contenho um grito apertando mais forte minha mão contra meu rosto, e ando para trás, acabando por tropeçar em algo que me faz cair de costas e bater contra uma parede.
Minhas pernas ficam sobre alguma coisa, provavelmente, sobre o que tropecei.
Apoio minhas mãos no chão áspero e tomo impulso para levantar, retirando minhas pernas de cima do que tropecei. E com algum esforço, consigo me levantar para, em seguida, repetir o que fiz no escritório, ao tatear pela parede dura até encontrar algum interruptor.
Desta vez, tive um pouco mais de trabalho e esbarrei em mais coisas antes de conseguir ligar a luz do porão, que me fez inspirar todo o cheiro de podre ao enxergar o segredo que estava guardado aqui embaixo.
Encosto meu corpo contra a parede em que o interruptor estava, e começo a respirar com dificuldade, enchendo os meus pulmões com o cheiro da morte. Aperto os dedos contra a parede, como se ela fosse alguém que pudesse me ajudar.
Eu encontrei o inferno.
O lugar era pequeno e sem qualquer móvel, apenas inúmeras vigas de madeira que pareciam sustentar alguns pares de algemas que já não conseguiam mais prender todos os ossos secos e sujos que estavam espalhadas as pilhas, por todos os lados. Mas quem me dera se o maior dos problemas fossem os ossos, e não os corpos que putrificavam no chão, fazendo com que moscas se apossassem de sua carne que parecia derreter.
Os meus joelhos tremem, quando reconheço aquele rosto sem vida e rasgado, como sendo Caleb. Ele parecia estar aqui há tanto tempo, que seu corpo estava sumindo e enchendo o lugar com esse cheiro horrível.
– Eu preciso sair daqui... preciso. – Com os olhos ardendo, e sem conseguir desviar do segredo horripilante que encontrei, tento correr para longe, mas acabo tropeçando em algo de novo e, dessa vez, não são só as minhas pernas que ficam sobre o que me derruba, e sim, o meu corpo todo.
Olhos azuis e sem vida me encaravam, o longo cabelo que parecia não ter mais brilho, a pele sem cor, as marcas por seu corpo coberto por um vestido sujo e rasgado. Foi assim que eu encontrei Lydia.
Completamente horrorizada, me levanto rapidamente, tirando meu corpo para longe do de Lydia, que era fria como a morte.
Corro em direção às escadas de pedra e caio sobre os primeiros degraus, mas isso não me impede de subir, querendo fugir para bem longe desse inferno.
Quando volto ao corredor, não me preocupo em fechar a porta, apenas saio correndo, passando em frente ao escritório que estava escuro.
Praticamente, me jogo sobre as portas duplas que me tirariam daqui, mas sobressalto no lugar ao me assustar com Hyun parado do lado de fora. O garotinho carregava uma pequena boneca manchada de vermelho.
– Veio brincar comigo hoje? – Hyun pergunta, com sua boca manchada de vermelho também, um vermelho que havia secado, mas que escorreu por seu queixo e sujou sua roupa.
Corro para longe de Hyun, sentindo que poderia começar a chorar a qualquer momento.
Atravesso o espaço vazio entre as escadas, escutando a música que vinha da sala. Depois, corro em direção ao hall vazio, avistando a porta de entrada como a minha única saída desse lugar.
– Ei, você! Espera um pouco!
Me viro em alerta quando escuto alguém gritando no hall.
Um homem de cabelos escuros e terno branco, corria para tentar me alcançar.
– Eu preciso falar com você. – Ele levanta uma de suas mãos e pede que eu espere.
Encaro a porta que estava a literalmente uns seis passos de mim, e penso em ignorá-lo e fugir, mas ele se aproxima com rapidez.
– Eu estive te procurando esse tempo todo. – Ele sorri quando para na minha frente.
– Por quê? – Pergunto, com a voz um pouco embargada pelo choro que engoli.
Pisco algumas vezes, tentando afastar todas as lágrimas.
– Por quê? – Ele ri, e se aproxima mais de mim, me fazendo andar para trás até encostar na parede do hall. – Porque você é a garota mais bonita desse lugar. Eu não podia te deixar ir embora assim. – Ele tenta tocar o meu rosto, mas me esquivo.
O homem de cabelos escuros e terno branco arqueia as sobrancelhas.
– O que foi? Eu não sou tão bom quanto um deles? – Seu sorriso que embrulha meu estômago some, e seus olhos assumem um brilho ruim. – Isso tudo é por que eu não sou um Dracul como eles?
O choro sobe por minha garganta quando ele coloca uma mão na minha cintura e a outra na lateral do meu pescoço.
– Não se preocupe. Eu posso te mostrar que sou tão bom quanto eles. – Sua voz fica baixa, e ele leva seu rosto em direção ao meu.
Sentindo todo o desespero fluir por mim, junto todas as minhas forças e o empurro para trás, mas ele acaba segurando em meu colar e o levando junto.
As bolinhas brancas como pérolas, caem no chão, pingando para todos os lados.
– Sua vadiazinha de merda. – Ele rosna entre os dentes, quando seu corpo bate na parede do outro lado do hall.
Ele segurava o cordão transparente do colar, com uma feição irritada que não perdurou, já que seu rosto se torna surpreso poucos segundos depois.
– Que cheiro é esse? – Ele olha confuso para os lados, enquanto parece farejar.
Em seguida, seus olhos encontram os meus, e um sorriso completamente nojento aparece em seu rosto.
– Espera, esse cheiro é seu? – Ele solta o cordão transparente do colar, e se aproxima de mim tão rápido que parece que eu apenas pisquei.
Tento afastá-lo outra vez, mas ele agarra meu pulso direito com muita força, enquanto me mantém presa na parede.
Sua mão esquerda volta para minha cintura, me apertando com brutalidade.
Seus olhos começam a ganhar um tom de vermelho, e algumas veias finas e pretas saltam na parte debaixo de seus olhos. Ele abre a boca e seus caninos crescem no mesmo instante.
Arregalo os olhos, respirando com rapidez, sentindo todo meu corpo tremer.
Ele sorri de novo, e tenta aproximar sua boca do meu pulso direito.
Começo a me debater freneticamente, mas ele era muito mais forte.
As batidas do meu coração, aceleram e, tomada pelo completo desespero, lembro da seringa que trouxe comigo.
Seus lábios tocam no meu pulso, e seus dentes roçam na minha pele, seguida de uma mordida leve que ficava mais intensa à medida que seus dentes pareciam que iam atravessar minha carne.
Enfio a mão dentro do decote do meu vestido e pego a seringa, quase a derrubando pelo nervosismo.
Entreabro minha boca, respirando pesado e alto. Seus dentes espetam minha pele, e posso ver duas gotas de sangue escorrerem. Cheia de desespero, levo minha mão esquerda em direção ao seu pescoço, acertando a seringa em sua pele pálida. Seus olhos vermelhos me encaram, e sua boca suja de sangue se afasta do meu pulso. Aperto o êmbolo da seringa, injetando todo o líquido de Erva-Verde nele.
Seu corpo cai no mesmo instante, me libertando. E no chão, ele vomita sobre toda a roupa, uma grande quantidade de sangue.
– O que é isso?! O que é isso?! – Ele me olha irritado, engasgando na próxima leva de sangue que vomita.
Apavorada, me jogo contra a porta de entrada e a abro, correndo para fora da mansão.
Desço os degraus com presa e entro no jardim, passando desesperada pelas flores e pela fonte de gárgula, mas sou obrigada a parar quando vejo Taehyung me esperando nos portões da mansão.
– É melhor você ir embora de uma vez. Não vai demorar pra que eles sintam o seu cheiro. – Com uma expressão serena e com as mãos para dentro dos bolsos, Taehyung fala, enquanto o vento da noite, balança seus cabelos claros.
Neste momento, encontrando-o depois de tudo que vi, já não sou capaz de segurar as lágrimas que enchiam os meus olhos.
– Você mentiu pra mim... me enganou. – Cheia de mágoa, minha voz sai embolada e baixa.
Seus olhos encontram meu pulso machucado e, como medida de proteção, tampo o sangue que escorria.
– Eu nunca menti pra você, Elena. Você sabe disso. Esteve comigo por vontade própria. – O vento uiva entre nós, tornando frias as lágrimas que escorriam por meu rosto.
– Você é um monstro. – Falo em meio ao choro.
– Eu sou um vampiro.
Ele depois desvia seu olhar do meu, olhando algo ao longe.
– Vá embora, Elena. – Ele volta a me encarar. – Vá embora, agora! – Ele grita, me assustando e me fazendo correr para fora da mansão.
Sem olhar para trás, entro no caminho de arbustos, sendo engolida pela noite da floresta.
Capítulo 32
Corro floresta adentro como se minha vida dependesse disso. Eu não sei ao certo quanta vezes caí, mas foram vezes o suficiente para sujar e rasgar esse vestido. Os saltos das sandálias afundavam toda vez que eu pisava com mais força, por isso, as tirei e deixei na floresta. E mesmo que agora os meus pés queimem toda vez que corro sobre à terra seca cheia de insetos, pedras ou galhos, eu não vou parar.
Quando consigo sair da floresta e entrar em Upiór, respiro fundo, sentindo o ar gelado preencher os meus pulmões.
Continuo correndo e, ao passar em frente à loja de vovó, minhas pernas falham um pouco, devido à dor nos meus pés que me fez mancar, seguido de uma dor ardente em minhas costas.
Não posso desistir agora.
Deixando para trás pegadas de sangue, ergo a barra de meu vestido e permaneço correndo até que eu conseguisse chegar em casa.
Ao avistar a pequena casa de vovó, corro ainda mais até ela, me apoiando contra a porta de entrada. Fecho os olhos e deixo minha boca entreaberta para que o ar entrasse em maior quantidade, quando a dor em minhas costas volta, dessa vez com uma intensidade tão grande que faz cair de joelhos no chão.
O vestido amortece um pouco o impacto, mas eu ainda o senti. E ajoelhada no chão, começo a vascular por entre os vasinhos de flores em busca da chave de casa, e a pego tão desesperadamente que tento ao menos três vezes colocá-la dentro da fechadura.
Despois de conseguir destrancar a porta, jogo a chave para dentro e bato a porta com força, me escorando nela quando minhas pernas falham outra vez devido à dor nas costas e nos pés.
Me arrasto pelo corredor e me lança nos degraus da escada tentando, com cuidado, ver o estado das solas de meus pés, que estavam cobertas pelo vermelho.
Meu peito começa a subir e descer com rapidez e uma enorme falta de ar me atinge, e todo o ar da casa parece não entrar mais no meu corpo.
Aflita, me levanto dos degraus e seguro no corrimão, subindo a escada com rapidez, causando mais barulhos. No andar de cima, corro pelo corredor, enquanto tento respirar.
Completamente exasperada, abro a porta do quarto, encontrando Wendy sentada na cama, com uma expressão sonolenta que muda assim que me vê.
– Elena, o que aconteceu com você?! – Wendy salta da cama, mas eu não a espero, pois corro até o banheiro e tranco a porta.
Me apoio na pia do banheiro, e abro a torneira jogando várias vezes uma grande quantidade de água no rosto, sentindo, aos poucos, o ar retornar para dentro do meu corpo.
Minhas costas ardem outra vez, então fecho os olhos enquanto sinto meu corpo escorregar para o chão.
– Elena! – Wendy chama do lado de fora do banheiro, tentando abrir a porta.
Não consigo conter o grito de dor quando algo parece rasgar a pele das minhas costas. Curvo meu corpo para frente e fecho os olhos com força. A torneira que deixei aberta, enche a pia até que a água comece a cair em mim, acertando minhas costas como se fosse ácido.
Grito outra vez, e rolo para longa da água que transbordava.
– Elena, abra a porta, por favor!
Puxo o vestido para baixo, tentando afastá-lo de meu corpo assim que o pano gruda na minha pele.
Agora coberta apenas por uma calcinha, jogo o vestido sobre a água que formava uma grande poça no chão do banheiro. Percebo que ela começa a ganhar uma coloração avermelhada, enquanto alguns filetes de sangue escorriam do meu corpo.
De uma vez só, me levanto do chão e acabo por escorregar na água, batendo as minhas costelas contra a privada próxima. Outra vez sinto a fata de ar em conjunto com a dor, e me agarro na privada, enquanto as lágrimas começam a escorrer do meu rosto.
– Elena, abra a porta! Abra a porta agora! – Wendy grita extremamente alto, fazendo o zumbido voltar aos meus ouvidos.
Sinto o sangue escorrendo das minhas costas, acompanhando a água que transbordava da pia.
Com muita dor, me apoio na privada e consigo me levantar, depois, agarro na minha pia cheia de água e encaro meu reflexo no espelho.
O meu estado era deplorável.
Lentamente me viro de costas para o espelho, tentando olhar sobre os ombros. Cortes profundos e sangrentos estavam por toda parte da minha carne, traçando cada ponto das minhas costas.
Com as mãos trêmulas, tento tocar alguns dos cortes, sentindo-os quentes e fundos.
– Elena!
Me viro de frente para o espelho outra vez, mas meu reflexo não segue os meus movimentos, ele continua de costas para mim, espiando-me sobre os ombros, enquanto me mostrava aqueles horríveis e dolorosos cortes.
– Este é o momento, Elena Van Helsing. Agora, somos uma. – O reflexo no espelho diz para mim, e logo reconheço aquele olhar tão diferente do meu.
Em um estado de choque, me sento no chão molhado.
– Eu estou ficando louca? – Sussurro em meio ao choro.
Mais uma vez algo parece rasgar minhas costas, e era tão fundo que eu podia sentir isso tocando os meus ossos. Era desesperador, e eu não posso aguentar, era como morrer. Eu estava morrendo.
Me arrasto para perto da porta, e seguro na maçaneta para conseguir me levantar. De pé, grito contra a madeira branca da porta quando a dor toca os meus ossos outra vez.
Trêmula da cabeça aos pés, destranco e abro a porta, encontrando Wendy com o rosto vermelho e molhado de lágrimas. Seus olhos ficam completamente assustados ao me ver, mas estou tão desesperada pela dor, que não consigo me importar com isso agora.
Empurro seu corpo para o lado, e saio do banheiro, indo em direção à saída do quarto.
– Elena, onde você vai?! – Wendy grita atrás de mim quando começo a correr no corredor.
Desço a escada com presa e meus pés molhados escorregam nos três últimos degraus, fazendo minhas costas baterem contra a quina dos degraus.
Grito de dor, enquanto choro, e Wendy se desespera ao descer os degraus, mas não quero que ela fique perto de mim, ela não pode me ajudar, eu só preciso que essa dor infernal suma.
Com um pouco de dificuldade, me levanto e consigo ir para a cozinha.
– Pelo amor de Deus, o que aconteceu com as suas costas?!
Paro ao lado da gaveta de talheres, a abro e vasculho dentro, pegando a maior faca que havia ali.
– O que você vai fazer? – A voz de Wendy falha, e eu a encaro. Ela estava parada no outro lado da mesa, com medo de se aproximar.
Ela não parava de chorar, e seu nariz já estava escorrendo.
Pisco algumas vezes, enquanto as lágrimas quentes pingam do meu rosto.
– Eu não consigo suportar essa dor, Wendy. – Sinto a saliva escorrer pelo canto de minha boca.
Volto meu olhar para a faca de carne que segurava, aperto o cabo preto com força, coloco a mão esquerda sobre a pia da cozinha, e ergo a mão direita.
Não posso suportar essa dor. Não posso. Preciso fazer ela ir embora. Preciso substituí-la por outra coisa... por outra dor.
– Elena, não! – Wendy grita e empurra a mesa, tentando correr até onde eu estava, mas já era tarde demais, eu já havia acertado minha mão esquerda com a faca, e ela atravessou toda a minha carne, rasgando a minha pele de um jeito cruel, sanguinário e extremamente dolorido.
Não consigo nem ao menos gritar, minha visão começa a embasar e minhas pernas perdem por completo as forças, meu corpo fica mole, e tudo que faço é soltar a faca que fica presa entre minha pele e meus ossos.
A expressão de pavor no rosto da Wendy, enquanto ela tenta segurar meu corpo que cai no chão frio da cozinha, é a última coisa que vejo antes de perder por completo, todos os meus sentidos.
Capítulo 33
Respiro fundo e abro os olhos, encarando o teto claro e limpo. Empurro a coberta que me cobria, e sinto algo enrolado em minha mão esquerda. Levanto levemente o tronco e vejo uma atadura manchada de sangue, enrolada ao redor da palma da minha mão.
Apoio os cotovelos sobre o colchão, ainda encarando minha mão enfaixada. Tento fazer alguns movimentos de abrir e fechar, mas era um pouco dolorido, impossibilitando uma rápida mobilidade da minha mão esquerda.
– Eu suturei o seu machucado com algumas coisas que encontrei em um dos kits de primeiros socorros.
Ergo meu olhar para frente, vendo Wendy parada na entrada do quarto. Ela segurava as próprias mãos e tinha os ombros encolhidos, enquanto me observava com preocupação.
Os seus olhos estavam bem avermelhados e eu podia enxergar as olheiras e as pequenas veias vermelhas que indicavam uma noite de sono mal dormida. A cor do seu rosto também parecia ter sumido, ela estava pálida como uma doente.
– Sei que não deveria me arriscar em uma coisa tão delicada. Mas o seu machucado estava bem feio, e eu não conheço nenhum médico aqui em Upiór, acho que nem tem. – Wendy se explica com a voz baixa, mexendo nos próprios dedos de forma nervosa. – Também coloquei um pouco daquela pasta de Erva-Laranja pra ser de diminuía a sua dor.
Me sento sobre a cama e depois coloco os pés para fora do colchão para me levantar. Sinto algo nos meus pés, e quando olho para baixo, vejo mais ataduras. Os meus pés não doíam, mas era um pouco incômodo a textura das ataduras contra a sola deles.
Estranhamente, sinto uma sensação de calor, como se o dia do lado de fora estivesse quente. Então, caminho até à janela do quarto e afasto a cortina para o lado, vendo apenas a rigorosa neblina que escondia a rua e as casas do vilarejo.
Escuto os passos de Wendy se aproximarem, onde, depois, sinto sua mão encostar em um dos meus braços.
– Elena… deveríamos ligar pra vovó. Eu sei que ela vai voltar hoje, mas esse seu machucado está muito feio, e também... – Uma estranha sensação correr por todo meu corpo, dos pés à cabeça, e antes que eu pudesse raciocinar direito, meu corpo se vira em um movimento apressado, para que depois, eu conseguisse agarrar em um dos pulsos de Wendy, a puxando com força e a prendendo entre o meu corpo e a janela, impedindo-a de terminar sua fala.
– Nem pense em ligar pra ela. Você entendeu? – Minhas palavras saem um pouco ásperas demais, o que assusta Wendy, fazendo seus olhos começaram a marejar.
Espantada com minha própria atitude, solto o pulso de minha irmã e me afasto dela.
– Wendy... eu... eu... me desculpe. Eu não queria fazer isso. – Um pouco exasperada, passo as mãos por meus cabelos emaranhados.
– Está tudo bem. – Minha irmã funga, e depois limpa o nariz com as costas de uma das mãos.
Seu pulso ficou um pouco vermelho e manchado pelo sangue da minha atadura.
Sem hesitar, com os olhos ainda marejados, Wendy volta a se aproximar de mim com seus pés descalços.
– Você precisa ver isso. – Wendy pisca os olhos, repetidas vezes, afastando as lágrimas que ameaçavam sair.
Cuidadosamente, ela segura em minha mão machucada e me leva até o banheiro de nosso quarto; e pelos ombros, ela me coloca de costas para o espelho.
– Tira sua blusa. – De frente para mim, ela pede.
Encarando seus olhos nervosos, sinto como se um pressentimento ruim me abraçasse, enquanto a sensação de calor de antes, se perpetuava por todo o meu corpo.
Mesmo com todas essas impressões, começo a desabotoar os botões do pijama que estava usando. Lentamente, deslizo o tecido fino de cor rosa-claro e branco, pelos ombros, até sentir meu tronco completamente despido de qualquer peça de roupa.
– Agora olhe no espelho. – Wendy aponta para objeto de vidro atrás de mim, e esse simples gesto, faz com que eu seja atingida outra vez pelo pressentimento ruim.
Minha irmã sustentava seu olhar contra o meu, e eu podia enxergar todo o seu assombro. Sua laringe se movimentava algumas vezes, devido ao seu nervosismo que a fazia engolir em seco.
Com uma última troca de olhares, viro minha cabeça e olho sobre os ombros, vendo refletido no espelho, muitos traços escuros desenhados nas minhas costas.
Eu reconhecia a estaca em formato de cruz, e reconhecia o morcego.
Marcado na minha pele, em todos os cantos das minhas costas, estava a mesma tatuagem que minha mãe e vovó tinham.
– Depois de trazer você da cozinha pro quarto, tentei te dar um banho para tirar todo o sangue dos seus machucados... – Vendo Wendy através do espelho, ela engole em seco de novo. – Quando a água caiu nas suas costas, ela levou embora todo o sangue, e debaixo dele tinha isso. Sem machucados, sem cortes, só isso.
Viro minha cabeça de volta em direção a minha irmã, não conseguindo acreditar em tudo que estava escutando.
Eu estava assustada.
***
Provavelmente, perdi a manhã inteira encarando aquela suposta “tatuagem” nas minhas costas; não parecia para ver as horas.
Não pode ser uma simples coincidência que minha mãe, vovó e agora eu, tenhamos essa mesma tatuagem nas costas. Sei que elas estão escondendo alguma coisa.
– Isso não parece certo, Elena. – Wendy diz ao meu lado, enquanto me olha incerta.
Nós duas estávamos paradas em frente à porta do quarto de vovó.
– Você entende o que está acontecendo, Wendy? – Pergunto, virando minha cabeça para o lado para olhá-la melhor.
– Não. – Ela cruza os braços em sua blusa de frio em tom de vermelho-escuro.
– É justamente por isso.
Wendy franze o cenho, assumindo uma expressão um pouco assustada.
– Mas o que vamos procurar aí dentro? – Ela aponta com a cabeça para a porta fechada.
– Não sei, qualquer coisa que explique tudo que está acontecendo com a gente.
Wendy permanece com a mesma expressão, sempre olhando para os lados como se temesse que vovó chegasse a qualquer momento, o que era uma besteira, pois ela avisou que só chegaria de noite.
– Por que você não procura no sótão e deixa o quarto comigo? – Sugiro, para ver se um pouco do seu nervosismo ia embora.
Ela assente.
Outra vez encaro a porta de madeira, percebendo como a cor dela parecia mais escura. Na verdade, tudo parecia mais escuro, as cores eram mais apagadas, como se acompanhassem o dia nublado do lado de fora da casa.
– O que foi? – Wendy pergunta, quando coço os dois olhos de uma vez.
– Não é nada. Vai logo olhar o sótão. – Paro de coçar os olhos.
Sem dizer nada, Wendy se afasta de mim e vai em direção à porta que levava para o sótão.
Seguro na maçaneta da porta e a giro, empurrando-a para dentro. O quarto estava extremamente escuro, e me apresso ao procurar pelo interruptor, mas mesmo depois de ligar a luz, o quarto ainda era escuro, dificultando que eu enxergasse como deveria.
Saio do quarto por um momento, e olho para o corredor mais iluminado, mas essa sensação de ter um filtro nos meus olhos, que deixava tudo em cores mais escuras, não sumia.
Coço os olhos de novo, e quando volto a abri-los, tudo continua melancólico como antes.
Suspiro e volto a entrar no ambiente escuro, tentando ignorar isso.
De volta ao quarto organizado de vovó, começo a fazer o que vim fazer, e vou até sua cama e olho debaixo dela, mas não havia nada. Também checo debaixo do colchão, e sem sucesso.
O próximo lugar que procuro, são as gavetas das duas pequenas cômodas que haviam no quarto, mas não encontrei nada demais nelas.
Até debaixo do tapete redondo, eu olhei.
Sem desistir, vou em direção ao guarda-roupas de vovó, onde abro a porta de madeira, que me revela alguns vestidos e camisas ajeitados em cabides. Primeiro, olho dentro dos bolsos de algumas das peças de roupas, e depois as empurro para o lado, procurando pelo chão e fundo do guarda-roupas. Afasto todos os sapatos, e não encontro nada além de algumas fotos antigas.
Quando já estava pronta para desistir e ir checar a outra parte do guarda-roupas, toco na parede do fundo e escuto um barulho mais agudo, algo oco.
Bato algumas vezes no lugar e ao redor dele, me cerificando que apenas aquele pedaço fazia um barulho diferente.
Espalmo as duas mãos sobre a parede, e começo a empurrar para cima e para baixo, vendo um pedaço do fundo se desprender dos demais. Puxo o falso tampão para longe da parede, arregalando os olhos em surpresa, ao ver um baú de tamanho médio escondido em um buraco na parede.
Com cuidado, retiro o baú do buraco e o coloco no chão, na minha frente. Ele estava empoeirado e parecia ser bem velho. Para a minha sorte, ele não estava trancado, então não perco tempo e o abro, vendo que seu interior era aveludado, mantendo os dois pequenos livros, em bom estado.
Pego primeiro, o livro que estava por cima, ele tinha a capa preta, assim como o outro livro. Começo a folheá-lo, mas preciso piscar os olhos algumas vezes e, até mesmo, coçar de novo, porque o amarelo das folhas e o preto da escrita, pareciam escuros demais para que eu enxergasse.
Me afasto do guarda-roupas e vou para debaixo da lâmpada do quarto, na esperança de que isso me ajude.
Fecho os olhos com força por alguns segundos, e quando os abro, aproximo bem o livro do meu rosto e, para minha infelicidade, tudo parecia ser escrito em outra língua que eu não faço a menor ideia de qual seja.
Pego o segundo livro e verifico suas folhas, percebendo que ele também era escrito na mesma língua que o primeiro livro.
Suspiro, um pouco decepcionada, mas continuo folheando os livros, tentando entender, pelo menos, as figuras que pareciam ter sido desenhadas a mão.
Olho de todos os ângulos e viro o livro em todas as direções, mas eu realmente não conseguia entender o que era isso; alguma coisa inteiramente preta, que parecia usar um manto ou lençol que cobria todo seu corpo, acho que a figura também estava flutuando no ar, não sei, ao certo, nunca vi antes. As suas mãos eram as únicas coisas que se diferenciavam do resto, saindo debaixo do que o cobria, sendo finas e com dedos bem longos.
– Dementer. – Leio em voz alta a escrita acima da figura.
Essa palavra fazia parte do título do livro vermelho e dourado, que fica na loja do Caleb, eu me lembro; Drácus Dementer.
O que diabos era isso?
Capítulo 34
Wendy não encontrou nada além de tralhas no sótão, e eu não consegui entender absolutamente nada dos livros que estavam escondidos no quarto da vovó. Nem mesmo as figuras puderam me ajudar, aquele tipo de criatura era completamente diferente, não se parecia nenhum pouco com os desenhos dos vampiros ou do Drácula, que eu vi na loja de Caleb.
Até agora, eu me pergunto, o que é um Drácus Dementer?
– Você está me escutando, Elena?
– Hã? – Olho para o lado, vendo vovó parada com as mãos na cintura, me encarando com desaprovação. – Desculpe, a senhora pode repetir?
Vovó bufa, parecendo um pouco nervosa.
Estava de noite, e já faziam algumas horas que ela retornou de viagem.
– Eu disse que você precisa ser mais cuidadosa. Onde já se viu, fazer um machucado desses enquanto cozinha. – Vovó nega com a cabeça e, discretamente, troco um olhar com Wendy, que estava colocando a mesa para o jantar.
Minha irmã estava visivelmente apreensiva, e acabo desviando o olhar para que ela não fique tão nervosa e acabe nos entregando.
– Serei mais cuidadosa. – Involuntariamente, seguro em minha mão enfaixada com ataduras.
Vovó estreita os olhos e faz um barulho nasalado, antes de se afastar de mim para ir até o fogão, onde as panelas fumegantes de sopa de galinha, estavam.
– Já sabem, vamos conversar sobre a volta de vocês para casa. Eu já liguei para Elizabeth. – Vovó fala, enquanto começa a mexer a sopa com uma colher de pau.
– Estou com um pouco de saudades de casa. – Wendy diz, e eu a encaro, mas ela se mantém concentrada em colocar as colheres ao lado das tigelas.
– Logo você vai voltar. – Vovó responde, sustentando sua atenção apenas na sopa.
O som de leves batidas na porta de entrada, preenche o ar gelado da cozinha.
Vovó olha sobre seus ombros, com o cenho franzido, e Wendy ignora o barulho.
– Eu atendo. – Me voluntario, já saindo da cozinha.
Passo em frente a sala, e sigo pelo pequeno corredor até à porta, enquanto abraçado meu corpo dentro do pijama que eu usava.
A noite parece ter trazido o frio, levando embora todo o calor que eu senti durante a manhã e à tarde.
Com os pés cobertos apenas por um par de meias listradas, abro a porta, sentindo que a sensação de frio corre rapidamente por todo meu corpo, ao mesmo instante, em que meus olhos se arregalam.
– O que você...? – Começando a me sentir aflita, olho sobre os ombros, verificando que ninguém o veria.
Rapidamente saio da casa de vovó e fecho a porta, sentindo o vento gelado da noite me atingir de uma vez só, me fazendo estremecer no lugar. Mas, talvez, o vento não seja o único a me fazer estremecer.
– O que aconteceu com a sua mão? – Jimin aponta para minha mão esquerda, enquanto encara as ataduras em volta dela.
– O que você está fazendo aqui? – Pergunto, sentindo minha aflição se tornar cada vez maior.
Sem me dar ao trabalho de disfarçar, olho para todos os lados, checando se Jimin não havia trazido nenhuma companhia.
– Vim te ver. – Meus olhos voltam a encontrar o seus quando ele me responde.
Eu definitivamente me sentia a pessoa mais idiota do mundo, por já ter caído nessa conversa de falsa preocupação dele, várias e várias vezes.
– Você pode parar com isso? – Tento controlar a altura de minha voz, mas eu estava tão farta de tudo isso, que parecia impossível esconder o meu amargor.
Jimin arqueia as duas sobrancelhas, enquanto o vento balança os seus cabelos claros, para o lado.
– Parar com o que, Elena? – Sua expressão é muito boa em enganar e fingir confusão.
Encaro minhas meias listradas, enquanto movo minhas sobrancelhas para baixo.
Por que ele continua com isso?
– Depois de tudo que você fez com a minha irmã, ainda tem coragem de agir dessa maneira? – Volto a encará-lo, completamente desacreditada.
– Eu não me alimentei dela, Elena. Pensei que tivesse ficado claro que Amia foi a única que fez isso. – Jimin franze o cenho, ficando um pouco sério agora.
– Isso não muda as coisas em nada. Você sabia o que a Amia estava fazendo com a minha irmã. E se bem me lembro, todos vocês a hipnotizaram. – Não consigo mais me controlar, e minha voz sai um pouco alta.
– Eu fiz isso porque preciso me manter informado sobre você. – Jimin também se exalta, e o vento ao nosso redor, fica mais forte, parecendo acompanhar a intensidade da nossa conversa.
– Se manter informado sobre mim pra quê? Pra se alimentar depois? – Seus olhos se arregalam, e ele fica em silêncio. – Jimin, chega de bancar o bonzinho. Eu vi o Caleb e a Lydia no porão da mansão.
Estremeço só de lembrar do estado em que os corpos estavam.
Jimin continua sem dizer nada, apenas franze o cenho de novo e encara o chão.
– Só vai embora, eu te imploro. Me deixe em paz e eu sumo de uma vez por todas. – Digo, completamente imersa em emoções ruins, me sentindo traída por uma amizade que um dia, acreditei ser verdadeira.
Jimin volta a me encarar, e sua expressão se torna tão fria como o vento que nos cercava agora.
– E se eu não quiser ir embora? – Suas palavras fazem as batidas do meu coração se tornarem descompassadas.
Seus olhos, que ganharam um brilho escuro, me acompanham como se eu fosse um filhotinho indefeso e, talvez, eu seja mesmo.
Escuto a porta ser aberta atrás de mim, seguida por um barulho de algo que parecia ser destravado ou engatilhado.
Um objeto reluzente e longo, se posiciona ao lado da minha cabeça, quase tocando minha bochecha direita.
– Então, eu estouro sua cabeça. – Os meus olhos se arregalam ao escutar a voz de vovó soar atrás de mim.
Meu corpo inteiro paralisa no lugar percebendo que, o que estava perto do meu rosto, era um rifle.
Jimin sorri de maneira vil.
– Você deveria ter queimado a mim e os meus irmãos, quando teve chance, Morgana. Exatamente como fez com nosso pai, em mil novecentos e doze. – O vento balança outra vez os cabelos de Jimin, cobrindo parcialmente seus olhos, tornando seu olhar ainda mais sombrio.
– Redire ad infernum. – Meu corpo é puxado para trás, enquanto vovó se coloca a minha frente. E se não fosse por Wendy, que estava escondida dentro de casa e acabou me segurando, eu teria caído.
Vovó aponto o rifle em direção a cabeça de Jimin, que não se intimida.
Ele solta um riso baixo, e depois deixa os seus olhos encontrarem os meus.
– Essa não será a última vez que nos veremos. – E dizendo isso, uma pequena cortina de fumaça negra começa a surgir aos poucos ao redor do corpo de Jimin, até que ele seja completamente coberto por ela, dando lugar a um pequeno morcego que voa para longe.
Vovó fecha a porta com força e solta o rifle que cai no chão. Seu corpo se vira, e um olhar completamente raivoso surge em seu rosto que parecia outro.
Involuntariamente, me encolho nos braços de minha irmã, que ainda me segurava.
– Eu sabia. Sabia que havia alguma coisa muito estranha acontecendo aqui. – A voz de vovó sai baixa e carregada, assumindo um tom de voz completamente diferente. – Então, quer dizer que vocês duas estavam metidas com vampiros? – Seu peito subia e descia, mostrando toda sua fúria.
Me solto dos braços de Wendy.
– Nós não sabíamos...
– Não minta para mim, garota! Você acha que eu sou uma velha estúpida?! – Vovó grita, me fazendo dar um passo involuntário para trás, esbarrando no corpo de Wendy.
Quem era essa mulher? Ela não se parecia nada com a minha avó.
– Eu vou ligar para Elizabeth agora, e vocês vão embora! Nunca mais pisarão nesse vilarejo! – As veias de seu pescoço saltavam toda vez que ela gritava.
Seu rosto parecia mais enrugado em uma imagem maléfica; e todas as suas cores se tornaram mais escuros, como o amarelado de seus dentes, que rangiam.
Eu estava assusta, essa não era a minha avó. Mas eu também me sentia injustiçada, porque, por mais que eu tenha feito algumas escolhas ruins, fui enganada sobre tudo isso, ninguém nunca me contou nada.
Tentando encontrar algum vestígio de coragem - o que parecia impossível -, dou um passo para frente, ficando mais perto de vovó.
– A senhora não pode mais decidir as coisas por nós. – Minha voz sai trêmula, mas isso não impede vovó de me encarar com sua fúria. – Você mentiu... – Antes mesmo que eu conseguisse terminar de falar, um tapa absolutamente forte atinge meu rosto, me fazendo cair no chão tamanho foi o impacto.
Minha mão machucada bate contra a madeira, me fazendo gemer de dor, enquanto meu rosto latejava e meus olhos marejavam.
Wendy se abaixa e me abraça, e posso escutar o seu choro baixo.
– Cala essa boca! Tudo eu o que eu fiz foi proteger vocês duas!
– Vovó, por favor, a senhora está me assustando. – Wendy suplica, me abraçando com força.
– Eu já mandei calar a boca! Você não deve falar, não é nem uma Van Helsing de sangue!
Wendy começa a chorar com mais ardor, e era como se meu coração se despedaçasse em migalhas.
– Não fale assim com ela... Você diz que estava nos protegendo, mas nos protegendo do quê?! Da verdade?! – Ao ver minha irmã em um estado de tamanha fragilidade, não consigo me conter e acabo gritando também.
Isso é o bastante para vovó partir para cima de mim, enquanto Wendy permanecia ao meio, gritando e tentando afastá-la de perto de mim. E ainda caída no chão, fui acertada algumas vezes por suas unhas, que passava por meus braços e, às vezes, cabelo, tentando me puxar para longe de minha irmã.
Em poucos segundos, os botões da frente do meu pijama, estouram, e o tecido das mangas, começa a se rasgar, até que meu tronco esteja metade coberto por retalhos rasgados, e metade despido, coberto apenas por um sutiã.
– O que é isso?! O que é isso em você?! – Vovó grita, e seus olhos se tornam grandes.
Com força, ela empurra Wendy para o lado e me puxa por um dos braços, me virando de costas para ela.
– Isso... eu não posso acreditar. – Sua voz sai entre os dentes, antes que ela me force a ficar de pé.
Em seguida, vovó abre a porta de entrada e me joga para fora de casa. Wendy tentar correr ao meu socorro, mas vovó a empurra para dentro de casa e fecha a porta, a trancando com a chave que antes estava pendurada na fechadura.
O vento gelado me acerta inúmeras vezes, e todo meu corpo se arrepia de frio.
Wendy começa a bater na porta fechada, gritando do lado de dentro da casa, mas vovó a ignora, vindo em minha direção e me levantando do chão com um puxão doloroso.
Em silêncio, ela começa a me arrastar pela rua, enquanto eu chorava e tremia. Eu queria correr e gritar, mas eu estava completamente assombrada com suas atitudes, que tinha medo de tentar alguma coisa e tudo se tornar pior.
Sentindo todas as lágrimas quentes escorrerem por meu rosto latejante pelo tapa, sou arrastada pela noite escura e sem cor de Upiór. Não havia ninguém do lado de fora, provavelmente todos se protegiam do frio agora e, por isso, não sabiam o que estava acontecendo neste exato momento nas ruas do vilarejo.
Vovó me leva para a pequena capela de Upiór, me obrigando a parar de frente para a porta dupla fechada, enquanto ela praticamente esmurra a madeira.
Levam alguns minutos até que a porta dupla da capela seja aberta pelo Padre Abel, que usava um longo pijama branco coberto por um robe de mesma cor.
Ele nos encara com espanto, e abre um pouco mais a porta, nos dando passagem.
Vovó me empurra para dentro, e eu caio direto no chão gelado de dentro da capela.
– Mas o que é isso, Morgana?
Vovó entra como um furacão na capela, e me obriga a ajoelhar de costas para ela e para o Padre Abel.
Suas mãos tocam minha pele através das unhas que me arranham, e ela puxa com força o restante da blusa rasgada do pijama que ainda me cobria.
– Olhe só, Padre! O senhor está vendo essa marca?! Ela não deveria estar aí, mas está! Essa garotinha idiota, ela andou se encontrando com aqueles demônios da floresta! Um deles foi na minha casa atrás dela!
Ajoelhada, abraço meu próprio corpo enquanto choro em silêncio, sentindo toda a humilhação desse momento.
– Você deveria morrer pela desgraça que trouxe a esse lugar!
– Já chega, Morgana! Isso aqui é uma igreja, tenha um pouco mais de respeito!
– O senhor deveria estar gritando com ela...
– Vá embora da minha igreja, Morgana! Agora! – As palavras do Padre ecoam como trovões.
Os passos de vovó batem contra o chão, assim como a porta, fazendo o silêncio momentâneo preencher o interior da capela.
Sinto um tecido fino ser colocado sobre os meus ombros, e quando olho, vejo que se trata do robe branco e longo, do Padre.
Ele suspira, e estende uma mão para mim, e espera com paciência até que eu a aceite.
O Padre me ajuda a levantar, e depois fecha o robe ao redor do meu tronco, tapando minha pele exposta. Em seguida, ele me conduz pelo caminho entre os bancos da capela, e me leva até o pequeno confessionário de madeira. Ele abre a porta onde, geralmente, só os Padres entram, e mexe em alguma coisa do lado de dentro que, segundos depois, faz com que uma das tábuas de madeira das paredes, comece a subir, entrando para dentro da estrutura da capela, revelando uma passagem secreta dentro do confessionário.
Padre Abel faz um gesto para que eu entre, e um pouco receosa, faço o que ele pede; entro no confessionário e passo para a passagem secreta, que tinha uma longa escada de pedra em um lugar iluminado por tochas nas paredes acinzentadas.
Depois de fazer o mesmo que eu, fechando a porta do confessionário, o Padre aperta um pequeno botãozinho vermelho que estava acoplado ao concreto da passagem secreta, fazendo a tábua de madeira descer e volta para o seu lugar, fingindo ser apenas uma parede do pequeno armário onde todos entravam para confessar os seus pecados.
Não sei se posso dizer que estou assustada, na verdade, não sei como eu deveria me sentir. O que era essa igreja?
Gentilmente, o Padre coloca um de seus braços por meus ombros, em um abraço sutil para me conduzir pelos degraus da escada.
Depois de descermos um pouco, paramos em um pequeno espaço reto entre os degraus de cima e os de baixo, onde, para o lado direito, havia um corredor com três portas de madeira velha. O Padre abre uma delas e pede que eu entre, me relevando um quarto simples com apenas uma cama, uma mesinha redonda e uma vela apoiada em um pires, encarregada de iluminar o lugar.
– Descanse um pouco, amanhã iremos conversar sobre tudo isso. – O Padre caminha até a cama simples, e pega a coberta dobrada sobre ela, a ajeitando no colchão. – Por favor, deite-se um pouco, você precisa.
Ele puxa o topo da coberta para baixo, dando espaço para que eu me deite na cama.
Fico alguns segundos parada na entrada do quarto, mas acabo indo para perto da cama e me deitando.
– Agora durma e não se preocupe, o Senhor está do seu lado. – O Padre me cobre e depois se afasta, saindo do quarto onde eu passaria uma noite completamente miserável, escondida em algum lugar da capela de Upiór.
Capítulo 35
A porta velha de madeira é aberta pelo Padre Abel, que arrastava para dentro do quarto, malas que reconheço como sendo minhas, as que estavam na casa de vovó.
Retiro a coberta do meu corpo, e me sento sobre a pequena cama.
– Essas são as minhas malas. – Digo, assim que o Padre fecha a porta e deixa as malas em um canto do quarto.
– Sim, fui até a casa da sua avó pegá-las. – Ele vem se sentar ao meu lado, sobre a cama.
– Por quê? – Cruzo os braços, em um gesto para manter um pouco de contato, mesmo que próprio.
– Porquê você vai ficar aqui, por enquanto.
Franzo o cenho, confusa.
– Não posso ir embora?
– Claro que pode, mas antes temos que conversar. – Mesmo que seu semblante fosse sério, sua voz soava amena.
Fico em silêncio por um tempo, e o Padre suspira, antes de estender sua mão e tocar minha bochecha.
– Como você está hoje? Dormiu bem? Ainda parece um pouco avermelhado. – Ele passa suavemente seus dedos sobre minha bochecha, no exato local onde vovó acertou.
Não dormi nenhum pouco bem, longe disso, na verdade, eu nem dormi, passei a noite inteira acordada nesse quarto, pensando e revivendo dentro da minha cabeça, tudo que aconteceu nas últimas horas.
Apenas aceno em concordância para o Padre, que percebe que não estou falando a verdade.
Ele suspira, outra vez.
– Antes de te explicar, gostaria de saber tudo que aconteceu até o momento em que essa tatuagem apareceu em você. – O Padre coloca suas mãos sobre as pernas cobertas pela batina preta, observando-me com paciência.
Respiro fundo, olhando para qualquer outro lugar do pequeno quarto de paredes acinzentadas de concreto.
– Vovó estava certa... eu conheço alguns vampiros. – Meu lábio inferior treme, e eu quase não consigo continuar. – Demorei pra descobrir que eles eram vampiros, e quando isso aconteceu, quis ir atrás pra saber a verdade, já que ninguém nunca me contou. Então, um vampiro que eu nunca tinha visto antes... ele me atacou... – Engulo em seco, e depois aperto minha mandíbula, enquanto mexo meus dedos de maneira nervosa. – Mas eu havia levado uma seringa cheia de Erva-Verde, eu pensei que esse tipo de coisa poderia acontecer. Eu injetei nele, e depois voltei pra casa, e foi quando eu senti essa dor horrível nas costas e essa marca apareceu.
Mesmo que agora eu esteja encarando a atadura em volta da minha mão esquerda, posso sentir o olhar do Padre sobre mim.
– Você provavelmente o matou, Elena. Por isso, ganhou essa marca. – Ele suspira, pela terceira vez.
Um pouco espantada, encaro o Padre, com meus os olhos arregalados.
– E-Eu o matei...? – Minha voz sai trêmula.
– Você estava apenas se defendendo, não estava? – Ele repousa sua mão sobre meu ombro, e aperta suavemente.
De maneira fraca e sutil, assinto.
– Nesse caso, ninguém pode te julgar por ter feito isso. – Ele sorri compreensível, tentando me confortar, mas meus olhos marejam do mesmo jeito.
Outra vez, respiro fundo, puxando todo o ar pelo nariz e soltando pela boca.
– Elena, preciso que preste atenção em tudo que eu vou te contar agora, tudo bem? – O Padre retira sua mão do meu ombro.
Assinto, limpando o nariz com as costas de uma das mãos.
– Para que você entenda, vou precisar falar de Vlad III, O Empalador. Esse homem foi um príncipe muito cruel, que tinha um desrespeito muito grande pela vida humana, ele não se importava em matar, torturar ou empalar quem quer que fosse. E acredite quando eu digo, esse homem deve ter sido uma das coisas mais perversas que já existiu nessa terra. – O Padre levanta o dedo indicador no ar, expondo algo de extrema importância.
– E por ser tão ruim, ele acabou se tornando detestável com a maldição Draculea, sendo obrigado a vagar pela eternidade como uma criatura nem viva e nem morta. Mas seu maior castigo, seria ficar preso a todo o sangue que ele derramou durante sua vida inteira.
O Padre suspira e, em seguida, nega com a cabeça.
– Isso deveria ser uma maldição, e por mais que ele tenha ganhado algumas habilidades, elas estavam ali somente para que ele sucumbisse a loucura de não ser mais um humano, e tentasse acabar com sua própria vida, em um castigo eterno. Mas, infelizmente, não foi bem isso que aconteceu.
– Escute, Elena, Vlad III era alguém terrivelmente péssimo enquanto humano, e quando se tornou o primeiro vampiro e Drácula, ele conseguiu ser muito, muito pior. Por mais que ser uma criatura, aparentemente, invencível, pareça sedutor, tudo tem um preço, e não poder respirar ou sentir as pequenas coisas de forma nada menos do que intensa, se torna uma verdadeira maldição. E Vlad III, teve isso. Com o tempo, ele percebeu que ser o único a ter vida eterna, e não poder mais fazer coisas simples, era como estar preso em algo terrível, e foi por isso que ele passou a descontar sua fúria nos humanos.
– Um Drácula costuma ter muitas noivas e, consequentemente, muitos filhos, que tiveram filhos e assim por diante, e essa foi a maneira que Vlad III arrumou para não viver a eternidade na solidão. E dessa maneira, ele também acabou espalhando pelo mundo, os vampiros.
– Um vampiro que vem diretamente da prole de Drácula, é um vampiro muito mais forte do que os outros, mesmo que todos sejam descendentes de Vlad III. E aqueles garotos que você conheceu na floresta, eles são filhos legítimos de um Drácula.
Mesmo estando completamente imersa na história que Padre Abel estava me contando, não consigo conter minha surpresa.
Isso parecia cada vez mais complexo e irreal.
Após me dar alguns segundos para absorver as informações, Padre Abel continua com sua história:
– Depois de Vlad III, muitos outros Dráculas vieram, e um em especial, a Condessa Meredith, parecia ser alguém tão ruim quanto Vlad III. Mas algo importante que você precisa saber, é que tudo tem um polo oposto, e o dos vampiros, são os Van Helsing, uma linhagem de humanos nascida unicamente para combatê-los.
Sinto um pequeno friozinho na barriga. Ele estava falando da minha família.
– Condessa Meredith foi o primeiro Drácula a ser morto por um Van Helsing. E se você for religiosa, vai saber que as pessoas boas alcançam o paraíso, e as más, o inferno.
Meu friozinho na barriga, se estende como um longo arrepio na espinha.
– Há muitos anos, antes mesmo dos vampiros, existiam criaturas chamadas de Dementadores, que vagavam pela terra. Essas criaturas sujas eram do tipo que se alimentavam da felicidade e vida humana e, por isso, foram banidas da terra, sendo rebaixadas a guiarem os mortos para o inferno.
– Dementadores? – Pergunto, com os olhos arregalados. – Isso tem a ver com Dementer?
Em silêncio, o Padre assente.
– Quando Condessa Meredith morreu, um Dementador ficou encarregado de levá-la para o inferno, mas ela não queria morrer e, por isso, naquele momento, ela selou um acordo. A Condessa queria viver, e o Dementador queria poder voltar para terra, logo, eles se uniram, tornando-se uma só criatura.
– Drácus Dementer. – Um lampejo clareia minha mente, me deixando completamente perplexa ao começar a juntar todas as pequenas peças dessa história.
– Exatamente, um Drácus Dementer. Um tipo novo de vampiro muito mais poderoso que os outros, uma criatura que não precisava mais de sangue para sobreviver, e sim, de almas.
– Será que... será que... os irmãos...? – Mesmo que eu mal conseguisse formular uma frase, Padre Abel assente, confirmando minha dúvida.
Sinto todo meu corpo ficar leve, como se eu fosse arrancada desse mundo e tudo ao meu redor sumisse. Eu não podia acreditar, a cada minuto tudo se tornava ainda mais irreal.
– Toda vez que um Drácula morre, Elena, um de seus filhos, e apenas eles, precisam sucedê-lo. Um Drácula para os vampiros, é como o Papa para nós da igreja católica, um líder que precisa existir. Durante a lua de sangue, a mesma lua que estava no céu na noite em que Vlad III recebeu a maldição de Draculea, o filho que mais tiver coletado almas no lugar onde o Drácula morreu, se tornará o novo líder dos vampiros.
Exasperada, viro minha cabeça em direção ao Padre.
– Um daqueles irmãos vai se tornar o novo Drácula? – Meu coração se agita.
– Sim. – O Padre acena com a cabeça.
– E quando é a lua de sangue? – Involuntariamente, arrasto meu corpo para mais perto do Padre, fazendo o robe branco que ele me emprestou noite passada, escorregar por um de meus ombros.
– Ainda não temos certeza da data, mas, com certeza, será esse ano. Estamos trabalhando para descobrir o dia.
Levanto as sobrancelhas.
– Por isso, essa pequena capela está aqui em Upiór, Elena. É decretado pelo Vaticano, a instituição encarregada de gerenciar todos os humanos caçadores de vampiros e monstros, que haja uma igreja em todo lugar habitado por vampiros, para que possamos vigiá-los.
– Caçadores de vampiros e monstros? – Encaro o Padre com atenção.
– Como eu disse anteriormente, os Van Helsing nasceram unicamente para combater os vampiros e, ao longo dos anos, eles acabaram se filiando com a igreja católica em prol de manter os humanos seguros de qualquer ameaça. Com o tempo, humanos não nascidos Van Helsing também se juntaram a igreja, tendo em vista que os Van Helsing são uma espécie rara de humanos.
– Juntos, lideramos em sua maioria por um Van Helsing, esses humanos são treinados pela igreja, e em segredo vagam por todo o mundo eliminando essas criaturas do inferno.
– Padre, me responda uma coisa, o que o senhor sabe sobre Alter-ego? – Pergunto, à medida que consigo juntar mais pequenas peças de toda essa bagunça.
O Padre me encara por alguns segundos, antes de responder.
– Alter-ego é o lado caçador de um Van Helsing, Elena. Ele permanece adormecido dentro de você, e só é despertado quando o Van Helsing passa a ter contato direto com um vampiro. E creio que você tenha tido esse contato com o seu, não é? – Assinto para sua pergunta. – Geralmente, esses encontros com Alter-ego, são bem confusos, porque eles não sabem muito mais do que você, afinal, um Alter-ego é você, apenas com uma personalidade um pouco diferente.
– Eu conheci o meu uma vez, e depois que essa marca surgiu nas minhas costas, ele apareceu outra vez e disse que agora somos um só.
– Isso porque quando você mata um vampiro, acaba libertando esse seu lado caçador que estava adormecido e, com isso, é como se vocês se fundissem. Exatamente como seu Alter-ego disse, sendo um só.
Então, quer dizer que tem outra versão minha morando dentro do meu corpo? Acho que isso explica porque eu agi daquele jeito com a Wendy; mas ainda parece confuso na minha cabeça.
– Você tem mais alguma pergunta? – O Padre toca em meu ombro de novo, quando começo a mergulhar nos meus próprios pensamentos.
– Uma vez, escutei uma história sobre uma briga por territórios que aconteceu aqui no vilarejo, eu não entendi muito bem, mas sei que foi há muitos anos atrás. E quando um daqueles irmãos-vampiros, apareceu lá na casa da vovó, ele falou alguma coisa sobre ela ter queimado o pai deles em mil novecentos e doze.
O Padre fica em silêncio, e encara sua batina preta, pensador.
– Um Van Helsing envelhece mais lentamente que um humano comum, e vive muito mais, também, e esse é o motivo da sua avó ter participado dessa briga entre vampiros e humanos, em mil novecentos e doze. Eu não estava vivo nessa época, mas pelo que li nos livros da igreja, essas criaturas do inferno estavam matando em excesso a nossa gente e, por isso, os humanos se rebelaram e tentaram matá-los, queimando aquela mansão na floresta. Henry Dracul III, o Drácula, morreu, e vários outros vampiros também, assim como humanos.
– Mas como aqueles irmãos sobreviveram?
– Parece que alguns vampiros, seguidores de Henry, conseguiram tirar os filhos dele da mansão, escondendo-os em algum lugar.
– E eles voltaram porque um deles precisa ser o novo Drácula, e precisa colher almas no lugar onde o pai deles foi morto? – Me inclino um pouco para frente, ficando mais perto do Padre.
– Sim.
Isso tudo não parecia real.
– Agora que você já sabe de tudo, podemos falar um pouco sobre a sua avó? – O Padre pergunta e, no mesmo instante, todo meu corpo se encolhe, e a perplexidade que eu tinha acerca dessa história, some.
O Padre suspira, e coloca sua mão no topo da minha cabeça, como se eu fosse uma criancinha frágil.
– Sua avó e sua mãe escolheram esconder tudo isso de você e sua irmã. Na realidade, as gerações mais antigas decidiram que não contariam nada, eles diziam que não queriam esse tipo de vida para os seus filhos e descendentes, e que se os mantivessem longe de vampiros, nunca despertariam um Alter-ego e viveram normalmente como um humano comum.
– Nunca concordei com isso, os meus votos de Padre não me deixam mentir. Eu penso que se a verdade fosse dita desde o começo, muita coisa seria evitada, como essa situação, por exemplo. – O Padre, bate levemente a palma de sua mão contra minha cabeça, e me olha compreensível, quando percebe que meus olhos começam a marejar.
– Não havia nada que eu ou qualquer outro pudéssemos fazer, essa era uma decisão da família.
– Isso não passa de mentira. – Falo baixo, me sentindo amarga.
O Padre comprime os lábios em uma linha fina, e afasta sua mão da minha cabeça.
– Depois que Henry foi morto, a igreja acabou criando um tipo de acordo, onde, se os vampiros não invadissem o território humano, os humanos não invadiriam o território vampírico; isso deveria evitar uma matança como a de mil novecentos e doze. Mas estávamos suspeitando que os vampiros voltaram a atacar aqui no vilarejo.
– Sua avó, sendo uma Van Helsing, estava à frente das investigações, por isso, ela viajava muito. Os vampiros estavam matando e deixando os corpos nos vilarejos vizinhos, para tentar tirar o foco do que estavam fazendo aqui em Upiór. Sua avó só estava tentando te proteger de tudo isso, ela nunca pensou que você ou sua irmã acabariam desobedecendo às ordens dela sobre ir até à floresta, ela confiou em vocês.
– Ela disse que eu deveria morrer... me culpa por ter trazido os vampiros para Upiór. – Seguro as lágrimas, não querendo mais chorar.
– Morgana nunca conseguiu lidar muito bem com seu Alter-ego, desde que a conheço, por muitas vezes, ela é um pouco descontrolada. Agia mais contida na sua frente, porque não queria te contar a verdade.
Fico em silêncio, engolindo o choro, porque não importa o que o Padre me diga, nada vai me fazer esquecer o que vovó disse e fez.
– Elena, o Vaticano monitora todos os humanos e, principalmente, os Van Helsing, por isso, tive que reportar o que aconteceu com você. Ter uma marca como essa é algo muito sério e, a partir de hoje, você precisa fazer uma escolha, porque a sua vida não pode ser mais como era.
– Do que o senhor está falando? – Pergunto, começando a ficar temente.
– Você tem duas opções, pode voltar para sua casa, sem poder contar para ninguém sobre tudo isso, enquanto será vigiada constantemente por alguém do Vaticano. Ou pode se juntar a nós, e nos ajudar a impedir que mais humanos sofram nas mãos dessas criaturas do inferno.
Meus olhos se arregalam levemente, ao mesmo tempo que o encaro com espanto, me sentindo completamente zonza.
– Eu sei que uma decisão dessas não pode ser tomada de uma hora para outra, mas precisamos da sua resposta até amanhã. Hoje você pode descansar e refletir e, se quiser, também pode conhecer o trabalho que fazemos aqui na igreja, ver um pouco de como cuidamos desses assuntos. Talvez te ajude. – O Padre se levanta, me oferecendo um sorriso amigável, antes de caminhar até à porta, me deixando sozinha para pensar.
Atordoada, permaneço encarando a porta velha de madeira pela qual o Padre saiu, enquanto me pergunto no que a minha vida se transformou?
Capítulo 36
Depois que o Padre Abel saiu do quarto, ainda permaneci aqui por mais algum tempo, pensando sobre a nossa conversa.
Ainda parecia tudo muito louco na minha cabeça.
Após quase queimar os miolos, acabei trocando de roupa. E quando já estava pronta, resolvi sair do quarto e seguir o conselho do Padre, de conhecer um pouco dessa capela misteriosa.
De pé perto da porta velha de madeira, a abro, sendo recebida pelo silêncio do outro lado. Caminho pelo corredor, indo direto para as escadas. Olho para cima, vendo a falsa parede que escondia esse lugar. Em seguida, começo a descer os degraus iluminados pelas lamparinas presas nas paredes de concreto.
Logo depois de descer mais alguns lances, encontro mais dois corredores similares aos do quarto onde eu estava ficando, então julgo que esses também devem abrigar quartos.
Continuo descendo, até chegar ao final dos degraus, tendo duas opções de portas de madeira para escolher. Me sinto um pouco inquieta ao ter que escolher uma delas; por conta da conversa que tive, qualquer decisão que eu tome, por mais boba que seja, como escolher uma porta ou roupa que eu usaria hoje, me causava essa sensação.
Acabo optando pelo lado esquerdo, tocando a maçaneta redonda e fria, girando-a tão lentamente, tentando abrir a porta sem fazer muito barulho. Empurro a porta para dentro, revelando apenas uma pequena brecha, que já me permitia ver uma velha estante de madeira com muitos livros em suas prateleiras.
– Bem-vindo! – Alguém diz do lado de dentro, era uma voz masculina.
Fico parada no lugar segurando a maçaneta com força. Eu me sentia uma criança que estava prestes a aprontar e foi pega.
Isso é bobagem, o Padre disse que estava tudo bem, fazer isso.
Relaxo um pouco meu corpo, e empurro mais a porta para dentro, e sou acolhida por um sorriso gentil, que vinha de um garoto de estatura baixa e que usava um par de óculos redondos. Ele estava segurando um espanador, e retirava o pó dos livros que estavam na estante.
– Você deve ser a Elena. – Mesmo me encarando, ele não para de espanar os livros.
Assinto.
– Pois bem, vamos, entre, entre. – Com a outra mão, ele faz um gesto para que eu me acomode do lado de dentro da sala.
– Com licença. – Curvo minha cabeça em um gesto rápido e sutil.
– Não seja tímida, o Padre já nos avisou sobre você. – Ele mantém o sorriso.
Encosto a porta atrás de mim.
– Que lugar é esse? – Pergunto, olhando para cada detalhe da sala.
Ela era pequena e simples, tinha duas estantes com livros, um carpete liso de cor vinho, duas poltronas e uma pequena porta de madeira no fundo.
– Acho que podemos chamar esse lugar de biblioteca particular. – O garoto ri de maneira descontraída. – Todos esses livros contam as histórias dos vampiros, da igreja, dos Van Helsing. – Ele me olha de maneira significava, me deixando um pouco sem jeito. – Tudo que precisamos saber, todos os segredos. – O garoto sussurra e ri.
– E-E eu posso ver um deles? – Pergunto, acanhada.
Ele sorri e acena positivamente.
Me aproximo da estante que ele limpava, e encaro os inúmeros livros ali, escolhendo aleatoriamente um deles. Puxo a capa escura e grossa, fazendo um pouco de poeira sair com o livro.
– Nosferatu. – Leio em voz alta o título do livro.
– É uma palavra de origem húngaro-românica para vampiro. Uma das línguas maternas dessas criaturas. – O garoto se aproxima e aponta para a capa escura.
Olho para ele e assinto, antes de abrir o livro de páginas velhas e me deparar com a mesma escrita que encontrei nos livros de vovó.
– É latim. Você sabe latim?
– Não. – Suspiro.
– Todos os livros estão em latim.
– Por quê? – Pergunto, depois de devolver o livro de volta para estante.
– Latim não é uma língua popular nos tempos atuais. Provavelmente, noventa e cinco por cento dela só é falada pela igreja, e isso facilita que as informações fiquem só entre nós. – Ele explica, enquanto gesticula, fazendo o espanador em sua mão balançar de um lado para o outro.
– O Padre Abel está por aqui? – Mesmo que o garoto seja amigável, me sinto um pouco simples perto dele. Não consigo me sentir tão à vontade perto de pessoas que conheci há pouco, de maneira tão rápida como minha irmã faz.
Wendy... como será que ela está? Espero que bem. Assim que eu ver o Padre novamente, irei perguntar sobre minha irmã.
– Ele saiu, estava resolvendo alguns assuntos importantes desde ontem, e é sobre você. – O garoto ajeito os óculos no rosto, quando eles escorregam por seu nariz pequeno.
– Sobre mim? – Levanto as sobrancelhas, curiosa e surpresa.
– Sim. Creio que o Padre já te falou sobre o Vaticano. – Assinto para confirmar. – Pois bem, eles são bem rígidos e logo irão querer te conhecer. – Ele aponta seu espanador em minha direção. – Você tem uma decisão muito importante para tomar e, por essa razão, o Padre está fazendo todos os preparativos necessários.
– Mas eu ainda nem decidi. E se eu falar não? – Pergunto exasperada, encolhendo os ombros, me sentindo encurralada.
O garoto ri, antes de se curvar em minha direção, me fazendo inclinar para trás.
– Pois, tudo será cancelado. Você não precisa se preocupar, ninguém aqui vai te forçar a nada, Elena. Mas se sua resposta for sim, então é melhor que tudo já esteja preparado. – Ele continua com seu sorrido, e volta a postura anterior.
– Tudo o quê? – Cruzo os braços, sentindo minha atadura, lembrando dela só nesse momento em que ela toca meu braço.
– Você só vai descobrir isso se sua resposta for sim.
– Isso não seria chantagem? – Pergunto, com o cenho franzido.
Ele dá de ombros.
– Não sou eu quem crio as regras. – Ele toca meu rosto com o espanador, rindo.
Afasto o espanador do meu rosto, cuspindo invisivelmente, como se alguma das plumas tivesse ficado na minha boca.
– A propósito, meu nome é Alef.
– Muito prazer, Alef. Sou Elena, mas você já sabe. – Digo, passando a mão pelo meu rosto, ainda tendo a impressão de que haviam plumas, mas era apenas a sensação pinicante que o espanador causava.
– Sim. Todos aqui sabem.
– Hum, eu gostaria de entender como vocês sabem tanto assim, não acho que seja só porque o Padre conhece a minha avó.
Alef arruma seus óculos outra vez, antes de responder.
– Pois bem, você está certa. Como você já deve saber, o Vaticano tem conhecimento sobre todos os Van Helsing, mas não é do tipo de saber apenas da sua existência. Digamos que eles devem ter uma pastinha com seu nome e todas as suas informações, talvez, até coisas que nem você mesma saiba. – Alef responde um jeito estranho, como se tentasse me assustar.
Ele ri da expressão que faço.
– Isso não é um pouco estranho? Pessoas que nem conhecemos sabem mais de nós do que nós mesmos?
– Mas isso é necessário. – Ele dá de ombros, de novo.
– Hm... posso te fazer uma pergunta meio pessoal agora? – Pergunto, um pouco sem jeito.
– Mas é claro que pode, se você vai ser uma de nós, não vou esconder nada de você.
Eu ainda nem decidi o que vou fazer, e ele age como se eu já fizesse parte disso.
– Por que escolheu... isso? – Faço um gesto com a mão, tentando indicar as coisas ao redor.
Ele cruza os braços e toca o queixo com a mão sem o espanador, enquanto faz uma cara pensativa.
– Pois bem, a maioria das pessoas aqui acabam se juntando a igreja porque tiveram alguma experiência ruim com vampiros. Mas eu não tive isso. Minha família sempre foi religiosa e eu sempre ia à igreja, e se me lembro bem, escutei uma conversa do Padre Abel, e fui curioso o bastante pra perguntar, mas o Padre não queria me falar. – Seu dedo que antes estava no queixo, agora é erguido no ar, enquanto ele faz uma falsa feição séria, como se contasse algo de extrema importância. – Depois disso, todo domingo passei a atazanar o Padre, até que ele me aceitasse em sua equipe.
Não consigo segurar o riso fraco que escapa de minha boca, ao imaginar esse garoto franzino de óculos, que agora segura um espanador, importunando o Padre de uma igreja.
– Não foi fácil. As pessoas não gostam muito de falar sobre isso.
Minha risada some.
– Eu não concordo com isso. – Confesso.
– E nem eu, Elena. – Alef comprimi os lábios em um sorriso compreensível. – Como diz a palavra do nosso bom Deus, “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”
***
Algumas batidas na porta, interrompem minha conversa com Alef. Nós passamos horas e mais horas conversando, e ele se dispôs a tentar a me explicar o trabalho que era feito nesse lugar.
– Com licença, estou entrando agora. – Padre Abel coloca apenas metade de seu corpo para dentro da sala.
– Oh, Padre! Vamos, entre, entre. – Alef logo se levanta da poltrona em que estava sentado, e faço o mesmo.
– Poderia vir comigo por um instante, Elena? Você tem visitas. – O Padre pergunta, gentilmente, e eu assinto.
– Chegou a sua hora. Você pode voltar aqui sempre que quiser. Foi um prazer te conhecer, Elena. – Alef estende sua mão para mim, e trocamos um rápido e sincero, aperto de mão.
Aceno com a cabeça para ele, e me afasto, indo até à porta, que é aberta pelo Padre, me dando passagem. Depois que saio e ele fecha a porta, o Padre faz um gesto para que eu suba as escadas e, em silêncio, ele me guia de volta até o quarto onde eu estava ficando.
Assim que o Padre Abel abre a porta, sinto os meus olhos lacrimejarem instantaneamente, ao ver minha mãe e Wendy sentadas na cama da qual passei a pior noite da minha vida.
Quando minha mãe se levanta da cama, sem pensar duas vezes, corro em sua direção e a abraço tão fortemente, que não tenho vontade alguma de soltá-la.
– Vamos, não chore, filha. A mamãe está aqui agora. – Ela seca meu rosto quando nos separamos.
Seu nariz vermelho, entregava toda sua vontade de chorar.
– Vou deixá-las a sós. Estarei esperando aqui do lado de fora. – Padre Abel diz, antes de fechar a porta.
Minha mãe segura em minha mão e me guia para a cama, me fazendo sentar entre ela e Wendy, que tinha a ponta do nariz vermelha, exatamente como a nossa mãe.
– Como você está? – Seguro em uma das mãos da minha irmã, que me abraça e coloca sua cabeça no meu ombro.
– Eu é quem deveria estar perguntando isso. – Wendy soluça, e posso sentir suas lágrimas molharem minha camiseta. – Me desculpe por não conseguir fazer nada.
Expiro profundamente, tentando controlar a ardência nos olhos e na garganta.
– Wendy, está tudo bem. Você me ajudou muito. – Digo, e ela se afasta lentamente do meu ombro, limpando o nariz com as costas da mão.
– O que você está fazendo em Upiór, mãe? – Pergunto, segurando em sua mão também.
Aqui e agora, estando com as duas pessoas que mais amo no mundo, sinto meu coração apertar de um jeito agoniante, como se todos os momentos bons que já tivemos, fosse resumido a esse único encontro.
– O Padre me ligou ontem à noite e contou o que aconteceu. Vim o mais rápido que pude. – Com a mão livre, minha mãe toca o topo da minha cabeça, fazendo um leve afago em meus cabelos. – Eu sinto muito por estar passando por tudo isso, filha. A culpa é toda minha. – O avermelhado de seu nariz se espalha por suas bochechas, enquanto ela continua segurando o choro.
Ela sempre fazia isso, nunca chorava quando eu ou Wendy estávamos passando por um momento ruim, ela sempre dizia que não havia tempo para chorar quando suas filhas estavam tristes.
– Mãe, a culpa não é sua. – Wendy se apressa ao falar, e eu assinto, concordando com ela.
– É sim. Se eu nunca tivesse escondido tudo isso, você não estaria nessa situação agora. – Sua mão escorrega do meu cabelo para o meu rosto, acompanhando algumas lágrimas que escorrem de meus olhos.
Quando suas próprias lágrimas ameaçam escorrer, ela solta minha mão e limpa seu rosto e, em seguida, ajeita seus cabelos curtos e loiros, tentando disfarçar.
– É hora contar tudo pra vocês duas, não quero mais esconder nada. – Ela diz, em seguida, colocando as mãos sobre os joelhos.
– Eu sempre soubesse o que sua avó fazia, não tinha como ela esconder isso de mim, morávamos juntas, então, foi natural que eu me tornasse parte da igreja como ela. – Aos poucos, o avermelhado de seu rosto vai sumindo, à medida que as coisas ficam menos emotivas. – Alguns anos depois de começar a me envolver com tudo isso, conheci o pai de vocês, mas eu não podia contar pra ele o que eu era.
– O tempo foi passando, ficamos juntos por um longo período, e ele começou a me questionar sobre ter filhos, mas eu sabia que se isso acontecesse, tinham grandes chances dessa criança carregar essa mesma marca. – Ela aponta para as próprias costas. – E foi quando eu decidi mentir e dizer que era estéril, que não podia ter filhos; no final, acabamos adotando a Wendy. – Um pequeno sorriso surge em seus lábios finos.
– Depois de me tornar mãe, fui incapaz de continuar com essa vida que eu levava escondida do Will. Eu não queria colocar a vida da minha filha em risco com as coisas que eu fazia, por isso, eu conversei com a minha mãe, e decidi fazer o que toda a geração dela fazia, continuar escondendo tudo. – Seus olhos encaram suas mãos, e posso sentir toda a culpa que ela carregava.
– Eu pensei que as coisas seriam boas assim, eu estava morando com a pessoa que eu amava, e tinha uma filha linda. Mas acho que Will acabou descobrindo que não queria essa vida, no final das contas. E foi quando ele nos deixou, indo embora sem saber que eu estava grávida.
Os meus olhos voltam a arder.
– Wendy só tinha dois anos quando você nasceu. No começo, fiquei desesperada... – Ela ergue sua cabeça outra vez, nos encarando. – mas quer saber, eu nunca fui tão feliz. Eu não precisava mais dele, eu tinha algo muito melhor e em dobro.
Wendy funga do meu lado.
– Escondi a verdade e privei vocês de terem um contato maior com os seus avós, porque pensei que assim estaria protegendo vocês. Eu já estava afastada dessa vida de qualquer jeito, então não havia motivos para contar a verdade, minha mãe me apoiou nessa decisão, dizendo que se pudesse voltar no passado, nunca teria contado a verdade pra mim também. A única vez que a mentira me trouxe uma coisa boa, foi quando adotei Wendy, fora isso, sei que agi completamente errada.
– Não. Por favor, não se culpe. – Seguro outra vez na sua mão, a apertando levemente.
– Agora, quero que você saiba, Elena, que não importa a decisão que você tomar, sua irmã eu eu vamos estar do seu lado. – Seus olhos levemente avermelhados, encaram a atadura em minha mão esquerda.
– Mesmo se eu escolher fazer parte disso? – Engulo em seco.
Ela sorri fracamente.
– Você já faz parte disso, Elena, desde que nasceu.
Meu corpo se arrepia com suas palavras.
– Agora que já conversamos, eu preciso ir na casa da sua avó. Wendy, fique com a sua irmã, na volta, passo aqui e te pego, você vai embora comigo.
– Não, mãe. Não vai pra lá, eu não quero que a vovó brigue com você. – Wendy estende sua mão sobre minhas pernas, e segura a mão dela, com exaspero.
– Quem vai brigar com ela, sou eu. Não posso perdoar o que ela fez. – Ela diz com um tom de voz firme e se levanta da cama, fazendo Wendy e eu a acompanharmos.
Eu estava nervosa agora, nem posso imaginar o que vai acontecer quando elas estiverem juntas.
– Não quero que ela seja rude com você. – Confesso, sentindo meus olhos marejarem de novo.
– Até o mais perigoso dos vampiros tem medo da fúria de uma mãe, quando se mexe com os filhos dela.
– Mamãe. – Wendy resmunga chorosa do meu lado, antes de se jogar nos braços de nossa mãe.
Não resisto e acabo fazendo o mesmo.
– Vocês são as coisas mais preciosas que eu tenho, e eu brigaria com qualquer um pelas minhas filhotinhas, mesmo se esse alguém for a minha própria mãe. Eu não me importo se ela não consegue lidar com a personalidade Van Helsing dela, nada justifica o que aconteceu.
Após um longo abraço que recarregou todas as minhas energias, Wendy e eu acompanhamos nossa mãe até à porta, encontrando o Padre Abel esperando no corredor, como disse que faria.
– Antes de você ir, mãe, tenho uma coisa importante pra dizer. – Revelo, sentindo as batidas de meu coração, começarem a se agitar aos poucos.
– Tudo bem, pode falar. – Ela diz, parada ao lado do Padre, enquanto Wendy fica do meu, segurando levemente meu pulso.
– Padre, eu já tomei a minha decisão. – Meu coração se agita por completo agora.
– Você ainda tem algumas horas, Elena. Tem certeza que não quer pensar um pouco mais?
Nego com a cabeça.
– Certo, e qual seria a sua decisão? – O Padre pergunta.
Meu peito subia e descia de forma aparente sobre a camiseta, enquanto sinto peso o dos olhares dos três.
Respiro fundo, antes de responder.
– Eu vou me juntar à igreja.
Capítulo 37
Após revelar minha decisão, descobri que teria que passar uma temporada aqui na capela de Upiór, sobre os cuidados do Padre Abel. Depois de ir até à casa de vovó, minha mãe voltou para buscar Wendy; ela disse que ambas sempre viriam me visitar, e me desejou boa sorte nessa fase que eu estava prestes a iniciar.
Neste novo dia, Padre Abel passou aqui no quarto, pedindo para que eu me aprontasse, pois, segundo ele, eu tinha mais algumas visitas. Ele não me contou nada na noite passada, por isso, pude dormir com um pouco de tranquilidade.
Não estou com meu celular, era proibido aqui, e não tem nenhum relógio por perto, então, não tenho noção de horas, mas sei que já estou há alguns minutos sentada sobre essa pequena cama, esperando o Padre voltar.
Eu estava nervosa, muito ansiosa para saber de quem seria a visita de hoje. Até cogitei na hipótese de ser vovó. Talvez, depois da conversa dela com a minha mãe, ela tenha se arrependido.
As batidas seguintes, na porta, fazem minha ansiedade saltar da cama, assim como eu. Me apresso até à porta, encontrando o Padre do outro lado.
– Vamos? – Ele sorri agradável, com as mãos juntas na frente de sua batina preta com colarinho branco.
Aceno com a cabeça.
Calmamente, o Padre se vira e começa a me guiar, andando a alguns passos de distância. Vamos para a escada e descemos todos os degraus e, em seguida, o Padre vai em direção à porta da esquerda, onde ficava a pequena biblioteca em que Alef estava ontem.
Padre Albert abre a porta e faz um gesto para que eu entre primeiro, e com a ansiedade explodindo, disfarçadamente respiro fundo e entro na sala.
– Olá! – Uma garota de cabelos curtos e loiros, me saúda animadamente.
Ela estava sentada em uma das poltronas que havia na biblioteca, assim como uma outra garota, essa de cabelos levemente azulados e igualmente curtos. E ao meio dessas duas poltronas, de pé, havia uma teceria garota de longos cabelos escuros e ondulados.
– É um prazer finalmente te conhecer. – A garota de cabelos longos e ondulados, sorri, antes de curvar sua cabeça educadamente.
Olho confusa para o Padre, que se aproxima de mim.
– Elena, essa é a sua nova equipe. – O Padre aponta para as três garotas.
– Equipe? – Franzo o cenho.
– Se vai se juntar a nós, precisa de uma equipe, todos devem ter uma. E você, sendo uma Van Helsing, se tornará a líder.
Eu, líder de uma equipe? Isso não parece certo.
– Mas eu não sei nada, Padre. Como é que eu vou ser líder de uma equipe? – Pergunto, um pouco aflita com essa ideia.
– Não se preocupe. Nós estamos aqui pra te ajudar. – A mesma garota de antes fala, enquanto se aproxima.
– Vou deixá-las a sós agora. Você está em ótimas mãos, eu mesmo as selecionei para sua equipe. – O Padre diz, antes de se virar e sair da sala. E a minha vontade era de ir com ele.
Assim que a porta é fechada, o silêncio se instala na sala, me obrigando a encarar as três garotas de novo.
– Imagino que você deva estar nervosa depois de tudo. – A garota de cabelos longos tenta ser o mais gentil que pode em seu tom de voz. – Mas será uma honra pra nós, trabalhar com alguém tão importante como um Van Helsing.
– Um de verdade dessa vez. – A garota de cabelos loiros e curtos praticamente grita, da sua poltrona, recebendo um olhar de desaprovação da garota de cabelos longos.
– Eu sou a Meg, e essa é a Lilu. – A garota de cabelos longos aponta para a garota de cabelos curtos e loiros. – E aquela outra ali, é a Sally. – Por fim, ela me apresenta a única garota que se manteve quieta até agora.
– Posso ver a sua marca? – A tal Lilu se levanta da sua poltrona, com um sorriso animado.
– Não. Nós já conversamos sobre isso. – Meg a repreendeu outra vez.
– Mas eu nunca vi uma. – Lilu cruza os braços, fazendo uma feição emburrada.
– E nem vai ver. – Meg se fica firme em sua repreensão, enquanto Sally apenas observa tudo em silêncio, com um olhar de poucos amigos.
Todas essas garotas não pareciam ser muito mais velhas que eu, e me pergunto o motivo delas estarem aqui agora.
– Nos desculpe, a Lilu é um pouco... incontrolável. – Meg fala, enquanto encara a garota de cabelos curtos, pelo canto de olho. – Toda equipe formada pela igreja ganha o nome de Filhos Da Sombra.
– Legal, né? – Lilu se aproxima, e passa seu braço pelo meu pescoço, se pendurando em mim.
Meg bufa.
– Todas nós estivemos nos preparando até agora, essa também é a nossa primeira vez participando de uma equipe. – Meg explica. – Cada uma de nós se especializou em um tipo de coisa, e agora vamos tentar te ensinar tudo que sabemos. Hoje você vai ficar com a Sally, amanhã com a Lilu e no último dia, comigo.
Sem saber bem o que deveria fazer, apenas assinto.
Meg sorri.
– Bom, agora a Lilu e eu vamos te deixar com a Sally. Nós estaremos por aqui, caso precise de alguma coisa. – Meg diz, e depois puxa Lilu para longe de mim, para que ambas saiam da sala.
Ainda sem jeito, olho para a única garota que sobrou. Claro que eu começaria com a que tem um olhar de quem parece querer me matar.
Em silêncio, ela se levanta da poltrona e caminha para o canto da sala, onde, perto de uma das estantes, estava uma mochila preta, da qual eu não havia percebido até agora.
A garota de cabelos curtos e azulados se senta sobre o carpete vinho, começando a abrir a mochila.
– Você não quer se sentar comigo? – Ela pergunta, sem me olhar.
Sua voz era neutra, mas, leve.
– Tudo bem. – Falo em tom baixo.
Ando para perto e me sento na sua frente. Ela para de mexer na sua mochila e sorri, antes de me encarar através de seus olhos escuros e intimidantes.
– Não precisa ter medo de mim. Você é a líder e eu te respeito. – Ela diz, com uma mão dentro da mochila e a outra fora. – Todas nós somos bem diferentes uma da outra, mas acho que podemos fazer isso, não se preocupe. – Ela volta a mexer na mochila.
– Toda equipe formada pela igreja precisa ter um especialista em ervas e itens místicos, um especialista em armas e um exorcista. E você, sendo uma Van Helsing, além de líder, precisa ser especialista em tudo isso. – Ela fala com tranquilidade, me fazendo arregalar os olhos.
– C-Como eu posso ser uma especialista em tudo isso? Eu não sei nada. – A aflição aparece mais uma vez.
– Você já disse isso. – Sally me encara, de novo. – Nós vamos te ajudar, não precisa se preocupar, eu já disse.
Assinto, em silêncio, e ela fica me fitando por alguns segundos.
– Tem alguma ideia do que eu vou te ensinar hoje? – Ela arqueia uma das suas sobrancelhas muito bem delineadas.
O cabelo curto e azulado, o olhar intimidante, a postura séria, as roupas escuras...
– Exorcismo? – Encolho os ombros, e ela ri.
– Errou. – Sua mão puxa para fora da mochila, algumas vasilhas redondas de barro, e um pequeno socador, iguais aos que haviam na loja de vovó. – Ervas e itens místicos. Exorcismo é com a Meg. Ela entrou para a igreja antes de nós, por isso, teve mais tempo para se preparar, e também, eu não acho que tenha muitas habilidades para exorcismo.
É como sempre dizem, as aparências enganam.
– Algo importante para não esquecer – Sally volta a mexer em sua mochila. – Todas nós, sem exceção, precisamos ser boas em combate, temos que saber nos defender. A Lilu também é muito boa nisso, foi ela quem nos ajudou, apesar de ter se especializado em armamento.
Sally retira dois pequenos livros de sua mochila, também.
– Aqui está o básico que você precisa saber sobre ervas e itens místicos. – Ela coloca sua mão sobre os dois livros empilhados. – Mas sei que você já conhece algumas.
– Sim. – Aceno positivamente com a cabeça.
– O que é isso? – Sally aponta para a atadura na minha mão esquerda.
– Eu machuquei. – Seguro na minha própria mão, de forma involuntária.
– Você não precisa disso, é uma Van Helsing. – Ela puxa minha mão para perto dela, e depois começa a desenrolar a atadura, e me surpreendo ao ver minha mão em perfeito estado, sem qualquer sinal de corte ou cicatriz.
– Mas como? Eu fiz um machucado muito feio aqui. – Aproximo minha mão do rosto, buscando qualquer mísero sinal que me explicasse o que aconteceu.
– Um Van Helsing não é como um humano normal, Elena. Vocês têm uma capacidade de cura muito melhor do que qualquer um de nós. Não é como a de um vampiro, mas, ainda sim, é boa. Provavelmente, em um ou dois dias você poderá se curar de qualquer machucado, não importa a gravidade dele.
A encaro com espanto, completamente atordoada com sua revelação.
– Pelo jeito, ninguém te contou nada mesmo. – Ela faz uma careta, e nega com a cabeça. – Certo, então vamos no começo. – Sally pega um dos livros, e começa a folheá-lo. – Aqui, está vendo. Conhece essa erva? – Ela aponta para a figura de uma folha alaranjada.
– Sim, eu conheço, minha avó vende essa erva na loja dela. Essa erva é pra machucado, não é? – Pergunto.
– Sim. Essa erva, como todas as outras, são ervas com propriedades místicas, algumas criadas pelos Van Helsing e outras pela igreja, há muito tempo atrás. – Seus dedos deslizam por cada escrita abaixo da figura ilustrativa. – A Erva-Laranja serve pra nos dar a mesma vantagem que você tem, uma Van Helsing. Ela acelera nosso processo de cura que, sendo humano, é um pouco lento. Ela cura desde arranhões até machucados internos.
Presto muito atenção em cada palavra. Era complemente diferente redescobrir a utilidade de uma coisa, da qual, eu julgava ser simples.
Sally vira mais uma página.
– Erva-Amarela, essa aqui é pra combater a hipnose dos vampiros. Geralmente, tomamos pra evitar que eles consigam nos hipnotizar, mas em casos onde a pessoa já foi hipnotizada, essa erva pode anular a hipnose.
– Uma pessoa pode ser hipnotizada pra vomitar um determinado tipo de erva? – Pergunto, quando entramos em um assunto do qual tive que lidar nos últimos dias.
Ela arqueia as duas sobrancelhas.
– Do que especificamente estamos falando?
Suspiro alto.
– Minha irmã, ela foi hipnotizada, e toda vez que comia qualquer coisa com Erva-Verde, ela vomitava tudo.
A expressão de Sally fica um pouco séria.
– A Erva-Verde é como um veneno, e se a sua irmã foi hipnotizada, provavelmente algum vampiro fez isso pra poder se alimentar. Se ela vomita essa erva, então a erva não estará circulando no seu sangue, e não afeta o vampiro.
Pelo que os irmãos me disseram, Amia era quem estava se alimentando da Wendy, então foi ela quem fez isso? Mas e se eles estiverem mentindo e também se alimentaram da Wendy? Não posso descartar nenhuma possibilidade.
– Podemos continuar ou tem mais alguma dúvida?
– Pode continuar. – Digo, e ela volta a virar as páginas do livro. – Espere, essa erva aqui, pra que ela serve? – Aponto para uma página, quando o vermelho me salta os olhos.
Estava escrito Erva-Vermelha, e parecia muito com a Erva que Jin usou para fazer um chá quando Jimin passou mal por conta da minha torta de maçã.
– Ah, essa erva é usada pelos vampiros pra combater justamente a Erva-Verde. Se eles passam mal, podem morrer, mas essa erva ajuda. É como se fosse a Erva-Laranja para os humanos.
– Eu já vi ela uma vez, mas tinha um nome diferente, acho que era Erva-De-Sangue.
– Os vampiros costumam chamar ela por esse nome, é a mesma erva.
Descobrir essas pequenas coisas, faz com que tudo passe a ter um sentido ainda maior. Eu consigo entender acontecidos passados de uma forma completamente nova agora.
– Vamos lá, agora eu quero te mostrar uma coisa. – Sally se levanta, e caminha até à porta dos fundos da sala. Ela enfia uma das mãos no bolso de suas calças e retira de lá, uma chave. – Vem aqui.
Curiosa, me levanto e vou para perto dela, que me olha com entusiasmo.
– O Padre me emprestou essa chave hoje. Fiquei muito ansiosa por isso. – Ela diz, e coloca a chave na fechadura da porta velha, demorando alguns segundos para destrancá-la.
Ela empurra a porta para dentro, revelando um cômodo do tamanho de um pequeno closet. Não haviam janelas ou qualquer coisa do tipo, apenas inúmeras lâmpadas no teto, deixando o lugar extremamente iluminado, enquanto o chão era coberto por pequenos vasinhos com o que pareciam plantas de folhas pretas.
Sally entra no cômodo e pega um dos vasinhos.
– Eu nunca tinha visto uma de perto, só nos livros. – Ela encara a planta, com fascínio.
– O que ela faz? – Me aproximo de Sally, encarando as folhas pretas.
– Essa aqui é só uma das ervas mais importantes que existem. – Sally me olha esperta. – Ela quase foi exterminada pelos vampiros, e hoje só é cultivada nas igrejas. O nome é Erva-Negra, e é como se ela pudesse ressuscitar um humano.
– Ressuscitar? – Arregalo os olhos, e Sally assente.
– Você conhece a história da Condessa Meredith? – Sally desvia sua atenção da Erva-Negra por um instante.
Assinto.
– Depois que ela fez o acordo com o dementador, os vampiros comuns passaram a se tornar raros no mundo. Eles eram mais fracos que um vampiro dementer, e você sabe né, existe a seleção natural, e se você não é forte o bastante e não se adapta, você morre. E foi o que aconteceu. Atualmente, o número de vampiros comuns é insignificante.
– Você está dizendo que mais da metade dos vampiros são dementers? – Pergunto, assombrada.
– Isso aí. Praticamente todos são dementers, e um dementer se alimenta de alma, como já sabemos. É muito difícil escapar de um ataque desses, mas se a pessoa escapa, com certeza, deve ter tido pelo menos uma parte da sua alma devorada. E essa plantinha aqui – Sally bate suas unhas contra o vasinho da erva. –, vai te deixar novinho em folha outra vez.
Como era possível? Como isso é possível?
Sally coloca o vasinho que segurava, de volta junto aos outros.
– Vamos deixar elas descansando agora. – Sally apoia uma mão sobre as minhas costas, e me direciona para fora do cômodo, trancando-o ele em seguida. – Impressionante, não é? – Sally pergunta, enquanto tranca a porta do cômodo.
– Até demais. – Confesso, ainda atordoada.
– Por isso escolhi me especializar em ervas e itens místicos. Se você sabe o jeito certo de usá-los, pode fazer um estrago inimaginável em qualquer um, seja criatura sobrenatural ou humano. Isso não nos aproxima um pouco de Deus? – Ela guarda a chave de volta no seu bolso, e me encara.
– E isso não seria blasfêmia?
Sally ri, e aponta com a cabeça para o mesmo lugar que estávamos antes.
Capítulo 38
– Isso vai ser tão divertido. – Lilu fala animada, enquanto destranca a porta da direita, a que ficava ao lado da porta da biblioteca.
Ontem passei o dia inteiro com Sally, e aprendi coisas que não consigo acreditar até agora. Eram tantos segredos escondidos dentro das paredes da capela, que agora sei que nunca mais vou conseguir olhar para uma igreja do mesmo jeito.
Desde os primórdios, a humanidade esconde tantos segredos aterrorizantes, que quase consigo entender o porquê de esconderem todos.
– Tadã! – Lilu empurra a porta para dentro, e faz um gesto similar à de um mágico quando concretiza um truque. – Espera, vou ligar a luz. – Ela corre para dentro da sala e tudo rapidamente se ilumina.
Estávamos no que parecia ser um refeitório, mas as mesas estavam, propositalmente, afastadas do centro e colocadas nos cantos, deixando o meio da sala vazio.
– Vem ver. – Lilu empurra a porta de qualquer jeito, e segura na minha mão, me obrigando a correr com ela até uma das mesas.
Facas, estacadas, rifles e outras armas que não faço a menor ideia do que são, estávamos todas espalhadas pelas superfícies das mesas.
– Legal, né? Eu pedi que eles preparassem tudo. – Lilu diz, com as mãos na cintura, admirando todos os objetos. – Pego só esse aqui. – A garota de cabelos curtos e loiros, joga um rifle para cima de mim. – Precisa se acostumar.
Paraliso com o objeto em meus braços, não sabendo nem a maneira correta de segurá-lo.
– Você está carregando uma criança, por acaso? – Lilu ri, enquanto pega uma das armas sobre a mesa.
Tento mudar o rifle de posição, mas tenho certeza que ainda parece ridículo nos meus braços.
– Olha só essa maravilha aqui. É um fuzil de balas de prata. É meio antigo, na verdade, muito, mas ainda pode fazer um baita de um buraco na sua cabeça. – Lilu encosta o cano da arma contra a própria cabeça, e depois aponta ela na minha direção.
– O que você está fazendo? – Meu corpo inteiro fica tenso quando Lilu ajeita a arma em frente ao rosto, fechando um dos olhos, parecendo preparada para me acertar.
As batidas do meu coração, martelam nos meus ouvidos.
– Na mira. – Sua voz se torna baixa, e seu dedo vai para perto do gatilho.
Completamente amedrontada, fecho os meus olhos e levanto as mãos - com o rifle - em frente ao rosto, tentando me defender, enquanto grito.
– Pow! – Ela também grita, e depois ri. – Está sem munição. Eles tiraram todas.
Ainda com as batidas martelando nos ouvidos, abro os olhos, vendo Lilu colocar a arma na mesa.
Expiro alto, tentando me acalmar.
– Acho melhor começarmos com uma coisa mais simples ou você vai desmaiar. – Ainda rindo, Lilu pega o rifle de minhas mão, e também coloca na mesa.
Em seguida, ela retira seus sapatos e caminha para o meio do refeitório.
– Agora, quero que você tente me acertar. – Ela diz alto.
– O quê? – Franzo o rosto, a encarando com confusão.
– Eu quero que você me acerte. – Ela diz de forma pausada, com as mãos perto da boca para soar mais alto. – Preciso saber como você é em combate.
Encaro meus dois lados, procurando por uma saída, mas não havia, era apenas eu e a insanidade de Lilu, e sei que ela não vai me deixar sair daqui antes de fazer isso.
Expiro alto pela segunda vez, e caminho receosamente para perto dela.
– Vamos lá, sem medo. Me bata com toda sua força agora.
Encaro aquela garota que era menor que eu, e mais magra também, sabendo que mesmo assim, isso não daria certo.
Procurando por um pingo de coragem, corro para cima de Lilu, tentando atingi-la de qualquer jeito, mas um poderoso chute me golpeia no estômago, me jogando para trás e me impedindo sequer de chegar perto dela.
Respiro com dificuldade quando o ar me falta, e coloco os dois braços contra a barriga, tentando amenizar a dor.
– V-Você é louca? – Pergunto com dificuldade.
– Isso aqui é pra valer. Você não é uma Van Helsing? – Suas sobrancelhas, também, pintadas de loiros, se arqueiam em uma expressão provocativa.
Algo dentro de mim me deixa completamente incomodada com sua atitude e, por isso, me forço a levantar do chão, querendo tentar acertá-la de novo.
Mais uma vez corre em sua direção e, tão rápida quanto os irmãos eram, Lilu gira seu corpo à medida que sua perna se ergue, atingindo o meu rosto com um chute.
De volta ao chão, sinto o sangue encher minha boca, enquanto gemo de dor com os olhos fechados.
– Você é muito previsível, Elena. Não se pode simplesmente atacar alguém, é preciso observar com atenção o corpo e os movimentos que o seu oponente está prestes a fazer. – Sua mão toca as minhas costas, mas uma onda de raiva me faz empurrar seu braço para longe.
Cuspo um pequeno bolo de sangue no chão, e me levanto, indo em direção às mesas e pegando uma das facas sobre ela. E completamente tomada pela raiva, similar ao que senti com Wendy, parto para cima de Lilu, que desvia da primeira investida que dou e, assim, suscetivelmente até que eu consiga arranhar seu rosto com a ponta da faca.
– Ainda não está seguindo as minhas dicas, mas eu gosto dessa nova atitude. – Lilu sorri, enquanto segura meu pulso, que passou rente ao seu rosto que sangrava em um fino e pequeno filete de sangue. – Vamos tentar mais uma vez, e agora, sem a faca. – Lilu puxa o objeto sujo com seu sangue, da minha mão, e o jogo para longe.
Lilu move seu pescoço de um lado para o outro, estalando-o.
– Pense que eu sou um vampiro, e tente me atacar, mas, agora, usando as dicas que eu dei. – A pequena garota, sorri.
Com o corpo dolorido e a respiração instável, encaro apenas seu corpo, o observando com muita atenção.
A minha pele parecia pegar fogo, o calor que emanava dessa capela já estava começando a ficar incômodo, e a adrenalina que corria por minhas veias agora, só aumentava a temperatura.
A sala fica em silêncio, exceto pelo barulho da minha respiração e as batidas que continuavam martelando nos meus ouvidos.
Antes que o sangue escorra para fora da minha boca, o engulo, ignorando o gosto ruim que tinha.
Tento me concentrar o máximo que posso em Lilu, e percebo quando ela apoia o peso do próprio corpo sobre a perna esquerda, mostrando que pretendia deixar a perna direita livre para me acertar. Por isso, corro em direção ao seu lado direito, a impossibilitando de usar seu chute outra vez. Ela tenta girar sua perna para mudar de posição e me acertar, mas me jogo no chão, puxando uma de suas pernas, a fazendo cair; e aproveito desse momento para colocar meu corpo sobre o seu, acertando seu rosto com um soco.
Sua cabeça vira para o lado e seu cabelo cobre parte de seu rosto, ficando com as pontas sujas de sangue quando sua boca começa a sangrar.
– É disso que eu estou falando! – Ela grita, virando sua cabeça em minha direção e sorrindo com os dentes cobertos de sangue.
Aos poucos, a adrenalina começa a sumir do meu corpo, e percebo o que acabei de fazer.
– Meu Deus, você está bem? – Pergunto, saindo de cima do seu corpo.
Lilu levanta seu tronco, dobrando as pernas e se sentando sobre elas, antes de cuspir o sangue no chão.
– Eu estou ótima. – Ela segura nas minhas mãos de forma animada.
Seus lábios estavam pintados de sangue, e a pele ao redor estava um pouco manchada de vermelho também.
***
– Esse foi um ótimo primeiro treino. – Lilu diz, ao mesmo tempo que, se joga no banco de madeira, sentando-se ao meu lado.
– Primeiro? – A encaro atordoada, enquanto pressiono meu próprio casaco, contra meu supercílio, que estava cortado.
Meu corpo inteiro doía, como se eu tivesse levado uma surra e, dessa vez, eu levei mesmo.
– Você ainda é ruim, tem muito o que melhorar. Mas não se preocupe, porque eu vou te ajudar direitinho. – Ela se vira sobre o banco, colocando seus pés para debaixo da mesa, onde as armas ainda estavam. – Acho que podemos voltar pra isso agora. – Ela pega uma das facas, passando os dedos pela lâmina brilhante.
Seu rosto pequeno e delicado, estava com alguns hematomas roxos, mas Lilu não parecia ligar. Nem mesmo a dor a incomodava.
– Uma faca como essa pode até machucar um vampiro, mas será por poucos segundos, até ele se curar. Por isso, costumamos molhar as facas na água benta. – Lilu começa a dizer, ainda mantendo sua atenção na faca.
– Então, isso de água benta não é lenda? – Afasto o casaco do meu supercílio, tocando o machucado com os dedos para saber se já havia parado de sangrar.
– Não. A água benta é criada através de orações feitas por exorcistas e, uma vez abençoada por eles, ela pode queimar muito um vampiro, fazendo sua cicatrização ser um pouco mais demorada.
Assinto, entendendo.
– Eles podem entrar em igrejas? – Pergunto, enquanto volto a pressionar o casaco no meu machucado quando o sinto sagrar de novo.
– Também não. Solo sagrado é restrito pra eles. – Lilu deixa a faca de volta na mesa, e se vira de lado, apoiando um dos braços na mesa, para me encarar. – Armas precisam conter munições de prata, que antes foram abençoadas. Você também pode matar um vampiro do jeito convencional, com uma estaca de madeira no coração. – Ela simula uma golpeada. – Mas só funciona se for a madeira de uma árvore plantada em solo sagrado, ou seja, na igreja.
Agora entendo porquê o Padre me mantém nesse lugar.
– Tem os jeitos mais simples, arrancando o anel do sol, ou queimando eles até que virem pó. Está na bíblia, “tudo caminha para um mesmo lugar; tudo vem do pó e tudo volta ao pó.”
– Mesmo assim, ainda parece difícil. – Confesso em um suspiro.
– E o que não é difícil? – Ela sorri fechado, e me fita com atenção. – Se não formos nós a fazer isso, quem fará pela gente?
Capítulo 39
Bato duas vezes na porta da biblioteca, e só entro quando escuto a voz suave do lado de dentro dizer “entre”.
Lentamente empurro a porta, e sou surpreendida ao ver que a biblioteca estava um pouco diferente do que eu conhecia.
As duas poltronas e o carpete, não estavam mais aqui, apenas as estantes se manteram no lugar.
O chão de cimento, estava molhado no certo, em um formato de círculo, e ao redor deste círculo haviam algumas velas acessas.
– Preparada pra aprender um pouco sobre exorcismo? – Meg me olha animada assim que fecho a porta da biblioteca.
Ela segurava um pequeno livro de capa preta com uma cruz.
– Não acho que tenho certeza. – Admito, sentindo meu corpo inteiro se arrepiar ao pensar em como serie esse dia.
Confesso que de todas as coisas que eu deveria aprender, exorcismo é o que está me deixando mais temente. Sei que a vida não é como nos filmes, mas é impossível não lembrar de cenas como a do filme Exorcista. E isso foi o suficiente para não me fazer dormir à noite.
– Não se preocupe, vai dar tudo certo. – Meg faz um gesto de mão para que eu me aproxime dela.
Ansiosa de certa forma, fico ao seu lado, a vendo abrir o seu livro que era escrito em latim, claro.
– Pelo jeito, Lilu não pegou leve com você. – Meg comenta, encarando o meu rosto que ainda tinha alguns cortes. Eles não doíam mais, mas ainda estavam ali. – Acredite, ela fez isso com a gente também. – Ela ri, e sorrio fechado.
– Bom, vamos começar então? – Meg pergunta, e eu assinto. – Dentro da nossa prática, os exorcismos têm mais de uma utilidade, e podem ser usados em qualquer criatura.
– Você quer dizer que existem outras além dos vampiros? – Pergunto, e ela assente.
– Mas é claro que sim, vampiros, lobisomens, bruxas, e por aí vai, a lista é enorme.
– Sereias também? – Automaticamente acabo me lembrando dos documentários que Wendy costumava assistir no Discovery.
– Eu nunca vi, mas quem sabe. Se existe uma criatura que rouba almas, por que não existiria uma sereia? – Ela arregala seus olhos levemente, tentando descontrair o clima.
Acho que ela seria a mais fácil de se lidar, da minha equipe. Minha equipe... isso ainda soava um pouco estranho.
– Voltando ao que eu estava falando, um exorcismo tem muitas utilidades. E nós vamos começar pelo exorcismo clássico, aquele que todo mundo conhece um pouco. – Meg dá alguns passos para frente, se aproximando do círculo e das velas. – Pra realizar esse tipo de exorcismo, é preciso colocar a criatura dentro desse círculo que foi feito com água benta. Isso serve para que ele não consiga sair daqui de dentro.
Me aproximo do círculo, também.
– Mas as criaturas não podem simplesmente passar por cima? Os vampiros podem virar morcegos e voarem. – Digo, ficando curiosa a respeito disso.
– E é por isso que nós precisamos dizer a palavrinha mágica. – Meg gesticula com seu dedo indicador, me olhando ardilosa.
– Que palavra? – Me sinto ainda mais curiosa que segundos atrás.
– Ignis. – Suas palavras fazem enormes e quentes labaredas, surgirem onde, antes, estava desenhado o círculo com água benta.
Em reação natural ao susto que levei, dou vários passos para trás.
– A biblioteca vai pegar fogo. – Olho incrédula para Meg.
– Não vai. – Ela ri. – Isso é fogo sagrado, ele só queima aqueles que ficarem dentro do círculo, e como não tem ninguém, ele vai se apagar sozinho, veja. – Ela apontada para as labaredas de fogo que, aos poucos, iam perdendo intensidade, diminuindo cada vez mais. – Esse fogo sagrado vai impedir que a criatura dentro dele saia ou ataque alguém, e uma vez presa aí dentro, nós podemos fazer o exorcismo.
Com passos cuidadosos, me aproximo outra vez de Meg, quando o fogo diminui ainda mais, quase que sumindo tão rápido quanto apareceu.
– Os exorcismos são feitos em latim? – Pergunto para ela, mas me mantenho atenta ao fogo.
– Alguns sim. Na realidade, o latim é mais como um código linguístico pra que a população de fora da igreja, não entenda o que fazemos aqui, então meio que se tornou uma tradição aprender latim. Mas um exorcismo tem o mesmo grau de efeito se não for feito em latim, não muda absolutamente nada.
O fogo finalmente some por completo, não deixado nenhuma fumaça ou resquício no chão; o círculo de água benta continua intacto.
– Entendi. – Volto a encarar Meg, depois desse pequeno susto.
– Algo muito importante para saber, um exorcismo nada mais é do que uma invocação daqueles que já morreram.
Franzo o cenho, ficando completamente atenta as suas palavras.
– Quando nós da igreja fazemos um exorcismo, estamos invocando os espíritos de antigos membros da igreja para nos ajudar. Por exemplo, vou recitar uma oração exorcista, e posso matar a criatura que estiver dentro desse círculo se eu quiser, mas, na verdade, quem fará isso por mim é o espírito que eu invocar.
– Podemos ver eles? – Arregalo os olhos como uma criança que acaba de descobrir um grande segredo.
– Não, mas podemos sentir... bom, na verdade, só um Van Helsing consegue sentir. Nós, meros mortais simples – Meg ri das próprias palavras –, costumamos colocar essas velas perto do círculo do exorcismo, elas são como um catalisador de presença, e o fogo delas vai apagar caso o espírito apareça.
– Nem sempre isso dá certo. Não é qualquer um que consegue invocar um espírito, até porquê, se todos soubessem, não precisaria existir exorcistas. – Meg ri outra vez. – Eu levei muito tempo pra conseguir fazer isso, mas acho que consigo te mostrar.
Ela sorri, fechado, e me olha com expectativa, me fazendo entrar em uma onda de ansiedade.
Em seguida, Meg passa a encarar o círculo a nossa frente, e respira fundo.
– Invoco-nos agora, todos os meus falecidos irmãos. – Ela diz as palavras de forma calma, e ficamos em silêncio logo depois.
Os meus olhos atentos, acompanham as cinco velas serem apagadas, enquanto uma sensação completamente nova, atinge meu corpo da cabeça aos pés.
Viro o meu corpo em todas as direções, quando sinto uma estranha presença me rondar. Eu não conseguia ver nada além de Meg, mas conseguia sentir um calor, algo que indicava que mais alguém estava com a gente, exatamente quando sentimos alguém se aproximando por trás.
Os meus olhos acompanham a presença como se pudesse enxergá-la e, por mais estranho que pareça, ela não me trazia um sentimento de medo ou qualquer coisa ruim, muito pelo contrário.
– Infelizmente, nunca sabemos que tipo de espírito invocamos, só que eles são de pessoas que um dia estiveram aqui no nosso lugar, ajudando os humanos. – Meg diz, e eu mal posso prestar atenção em suas palavras, pois,a presença desse espírito era fascinante. – Bom, acho que devemos deixá-lo ir agora. – A encaro, antes que ela continue. – Obrigada por sua ajuda, meu querido irmão. Por favor, descanse em paz agora.
As palavras de Meg são o bastante para fazer com que a presença suma no mesmo segundo, deixando tudo como estava antes.
– Quando morrermos, também viramos espíritos que ajudam em exorcismos? – Pergunta, completamente maravilhada com a experiência que acabei de ter.
– Provavelmente. – Meg responde.
– Isso é incrível. – Se eu conseguisse ver os meus olhos agora, sei que com certeza eles estão brilhando.
Meg ri.
– Os espíritos que invocamos durante um exorcismo, também nos ajudam a imobilizar criaturas, em situações diversas. – Meg volta a explicar. – Nem sempre vamos conseguir colocar uma delas dentro do círculo de exorcismo, imprevistos acontecem e, por isso, precisamos estar preparados pra tudo.
– Não te mova. Amarro-te agora, immunda spiritus. Quando recitamos essa oração, se você for um exorcista bom, você imobiliza qualquer criatura, os espíritos que invocarmos na hora serão encarregados dessa pequena tarefa. Mas também é importante lembrar que existem criaturas extremamente fortes que conseguem se livrar disso.
– Não tem problema recitar essas orações assim? – Pergunto, curiosa.
– E por que teria? Não tem nenhuma criatura aqui, e não estamos exorcizando ninguém, Elena. Então, não vai acontecer nada.
Assinto, mostrando que entendi.
– Agora quero te explicar um dos feitos mais importantes de um exorcismo.
– Certo. – Bato uma palma involuntariamente, mostrando todo o meu intuíamos.
– Você já sabe como um humano se torna um vampiro? – Meg pergunta, e eu a encaro surpresa.
– Pensei que eles já nasciam assim.
– A maioria sim, mas existe os que são transformados, e esses são denominados de vampiros comuns. A maioria vem da descendência Drácus Dementer, mas os humanos transformados, são só vampiros mesmo.
– Sally me explicou sobre isso. – Digo, ao lembrar da conversa que tive com a garota de cabelos curtos e azulados.
– Bom, para que um humano se transforme, ele precisa ingerir um pouco do sangue de um vampiro, e depois precisa ser morto com uma estaca no peito, exatamente como um vampiro. Após isso, ele ressurgirá como um vampiro, e o seu corpo entrará em mudança durante as vinte quatro primeiras horas, por isso, elas são de extrema importância.
– Se antes de completar as vinte e quatro primeiras horas, esse humano for levado até um exorcista, esse exorcista pode exorcizá-lo e trazê-lo de volta a vida humana.
– Se ele não for levado antes de vinte e quatro horas, se torna vampiro pra sempre? – Pergunto.
– Sim, ele se torna um vampiro pra sempre.
– Espero que a igreja consiga trazer muitos humanos de volta. – Falo meio abobada com essa nova descoberta.
– Eu também.
– Por que vocês escolheram estar aqui? – Minhas palavras fazem Meg me olhar com curiosidade e sobrancelhas levantadas.
Sei que já fiz essa mesma pergunta para Alef, mas gostaria muito de saber o que leva pessoas tão jovens, como, elas e eu, a escolherem esse caminho, porque mesmo com minha decisão tomada, ainda me faço essa pergunta algumas vezes.
Meg fecha o livro que segurava e encara a capa com desenho de cruz.
– Sally viu a mãe ser morta por vampiro, quando era criança; ela foi criada só pelo pai. E a Lilu cresceu órfã; quando ainda era um bebê, teve a casa invadida por vampiros, eles também mataram seus pais, mas deixaram ela viva. A sorte foi que uma freira da sua cidade natal a encontrou depois de escutar o choro dela. Então, ela foi criada dentro da igreja.
– E você? – Pergunto de maneira branda, não querendo deixá-la desconfortável.
Meg sorri, fechado, e me olha.
– Eu não tive meus pais mortos por vampiros. – Ela suspira. – Mas crescer sabendo que existem criaturas que se alimentam do nosso sangue, é um pouco assustador, não é? Eu só queria acabar com um pouco desse medo das pessoas, porque está na palavra do Senhor: “ajudai-vos uns aos outros.”
Ela estava aqui pelo motivo certo, pelo mesmo motivo que eu descobri ser o meu motivo de estar aqui também.
Capítulo 40
Eu nem consigo acreditar que seis meses se passaram desde que me juntei à igreja. Seis longos meses treinando e estudando sobre vampiros. Compreendendo agora como essas criaturas não deveriam existir.
Eles nos matam para sobreviver, e bebem nosso sangue como se fosse vinho, apenas para que continuem jovens eternamente. Isso não parece certo para mim, não parece mesmo.
Tudo pelo que tive que passar, eu não poderia culpar ninguém a não ser essas criaturas, afinal, os Van Helsing só existem por conta dos vampiros. Talvez, se Vlad III não tivesse sido alguém tão ruim, eu poderia ser uma humana comum, ou nem existisse, o que também não me parece uma opção ruim.
Padre Abel clareou a minha mente para os conhecimentos divinos, me colocou e me direcionou no caminho certo, o caminho da humanidade, aquela para qual tenho um dever até o meu último suspiro nessa terra.
Fazendo parte dos Filhos Da Sombra, dentro de uma equipe, uma nova família, eu também pude acompanhar todo sofrimento que cada uma das três garotas que dividiam seu tempo comigo, passavam; em como um vampiro pode destruir uma vida toda, forçando simples humanos a carregarem um enorme fardo, lembranças amargas que os fazem tomar decisões que mudaram suas vidas para sempre.
O Vaticano havia acabado de emitir uma informação importante e secreta, os que trabalham lá haviam descoberto quando seria a próxima lua de sangue. Parece que se já tinham algumas hipóteses em relação à data, mas era preciso confirmar antes. Há cada seiscentos anos, uma nova lua de sangue pinta o céu da noite, e essa era a chance única de um novo Drácula, líder dos Drácus Dementers e dos poucos vampiros comuns, renascer através de uma nova criatura.
Por este importante motivo, Upiór, o local que abriga os oito filhos do último Drácula, Herny III Dracul, era o grande alvo da vez. E o Vaticano não era o único que estava de olho no pequeno vilarejo afastado, todos os Drácus Dementers estavam também. Já nos foi avisado que na lua de sangue, era provável que uma grande quantidade dessas criaturas se acumule aqui em Upiór; Drácus Dementers e vampiros vindos de todos os lugares.
Sendo todos Drácus Dementers, quando um dos filhos de Henry assumir seu lugar, o seu poder será ainda maior, e ele terá uma grande fome e precisará se alimentar para suprir seu novo corpo, e Upiór se tornaria seu cardápio. Por isso, Filhos Da Sombra de todos os lugares do mundo estavam vindo aos montes para esse vilarejo, para nos ajudar na grande noite.
Há uma semana, Padre Abel montou pequenos grupos na igreja, pedindo que todos eles - minha equipe e eu estávamos incluídas - distribuíssem cartazes por Upiór, sobre um falso aviso de que uma infestação de lobos estava rondando o vilarejo, e que seriam eles os culpados pelos recentes sumiços dos jovens de Upiór, como Caleb e Lydia.
A mãe de Caleb, uma mulher que tinha o conhecimento sobre as criaturas, mas que na época fingiu para mim que não sabia de nada, também estava ajudando na evacuação de Upiór, pois o nosso intuito era tirar o máximo de pessoas possíveis desse lugar, antes da lua de sangue.
Ainda existiam aqueles que se negavam a deixar Upiór, com a desculpa de que não tinham medo de alguns lobos selvagens, e era exatamente por conta dessas pessoas que ainda estávamos espalhando cartazes pelo vilarejo. E, também, era por conta dessas pessoas que Padre Abel precisou de alguns voluntários que, em sua grande maioria, eram Filhos Da Sombra aposentados, para ajudar. Eles ficariam encarregados de vigiarem os moradores teimosos durante a lua de sangue, para evitar que eles fossem mortos.
Minha mãe e Wendy estavam completando uma dessas equipes, ambas disseram que não poderiam ficar longe de Upiór em uma noite onde eu arriscaria minha vida para ajudar os humanos. Eu sentia a preocupação delas apenas nas trocas de olhares que tínhamos, mas como minha mãe mesma disse há seis meses, ela respeitaria minha decisão, e como minha decisão foi essa, ela queria estar por perto. Eu até que tentei mandar, ao menos, Wendy para casa, mas sendo a Wendy que ela é, não tive sucesso algum. De qualquer forma, eu estava um pouco mais tranquila, sabendo que havia muitas equipes treinadas aqui no vilarejo, e sei que os que ficarem cuidariam muito bem dos outros.
– Pronto, podemos ir para o próximo lugar. – Meg diz, depois de colar um cartaz nas tábuas de madeira que interditavam a antiga loja de Caleb.
As três garotas que estavam comigo, seguem pela direção contrária da loja, se afastando. Fico alguns segundos parada no mesmo lugar, segurando um bocado de cartazes, enquanto encaro a loja. Esse lugar foi essencial para que eu começasse a descobrir a verdade, mas também foi um marco de uma grande ruína. Vim descobrir algum tempo depois que o pai de Caleb, o fundador desta loja, foi alguém que tinha conhecimento sobre vampiros e que, com o intuito de ajudar os moradores de Upiór, passou a vender alguns itens místicos que contavam a história do vilarejo; e mesmo que grande parte dos moradores achasse isso besteira, contando que eles comprassem, já estariam se protegendo sem saber. Os pais de Caleb nunca contaram, de fato, para ele, sobre a história dos vampiros, mas após a morte do pai, Caleb decidiu continuar com a loja para manter a memória de seu pai viva, mesmo que no fundo ele não acreditasse nos itens místicos também.
– Elena, vamos! – Lilu grita, e se eu não estivesse tão acostumada com seu jeito, eu teria me assustado.
Suspiro e me afasto da loja, indo em direção às garotas que me esperaram mais à frente.
Nós seguimos por Upiór colando cartazes e os distribuindo em todo lugar e para cada pessoa, até mesmo batemos de porta em porta relembrando do perigo dos "lobos selvagens".
Entendo o motivo da igreja não revelar de uma vez a existência de Drácus Dementers, isso poderia gerar uma grande crise, mas, ainda sim, era estranho sair por aí falando que pessoas como Caleb e Lydia, foram mortos por lobos do mato. Era estranho porque eu sabia a verdade, sei melhor do que ninguém como é estar do outro lado, aquele que permanece no escuro sem saber de nada.
Tanta coisa aconteceu nesses últimos meses, e acho que mudei bastante, ganhei uma nova percepção das coisas, e se antes eu achava que conseguia enxergar as situações passadas de um novo ângulo, hoje eu tinha isso muito bem claro na minha cabeça. Lydia, por exemplo, foi alguém que além de ter servido como um bom vinho para os filhos de Henry, também foi usada para me vigiar, assim como Wendy. Suas enormes encomendas na loja não passavam de um plano dos vampiros para tirar todas as ervas da loja Van Helsing de cena, e sabendo que ainda haviam algumas reservas, eles usaram minha irmã para queimar o que faltava. E quando Lydia não tinha mais utilidade, ela foi descartada, como na vez em que tivemos aquele estranho encontro na floresta, aquilo foi um sinal claro dos filhos de Henry brincando comigo, tentando me fazer ver atrás das cortinas. Se nós duas ficamos vivas depois daquela queda dolorosa, foi porque eles permitiram, me deram o empurrão final para que eu começasse a me mexer em busca da verdade que ninguém nunca me contou.
Eu até poderia me sentir um pouco idiota por ter demorando tanto para começar a ir atrás da verdade, mas agora entendo que não era tão simples. Eu passei a minha vida toda com a minha família colocando ideias na minha cabeça de que tudo isso era uma grande besteira, que vampiros não existiam. Foi uma forte ideologia que deveria se instalar até a minha morte, mas os filhos de Henry, aqueles irmãos, estavam dispostos a quebrar essa ideologia que carreguei por quase dezenove anos.
Durantes esses últimos meses, também pude perceber a real utilidade de Blarie e Amia em toda essa grande bagunça. Depois que Padre Abel me explicou sobre os filhos de Drácula estarem condenados a roubarem almas no lugar onde o Drácula morreu, sei que Blarie e Amia eram como uma ponte. Quando os conheci, Amia estava viajando, então tudo fez sentido, pois se eles estão "presos" a Upiór, alguém precisa ser essa ligação entre os irmãos e o resto da sua espécie. E mesmo com as inúmeras saídas dos irmãos, sei que eles precisam se manter em um tempo maior nesse vilarejo, logo, Blarie e Amia desempenham esse papel de ponte entre eles e o restante.
Por mais desprezíveis que sejam, essas criaturas estão longe de serem burras. Os seus passos parecem sempre mais longos que os nossos. Eles são perigosamente ardilosos.
– Você não precisa entrar se não quiser. – Meg toca meu ombro, quando chegamos na loja da minha avó. Essa seria nossa última parada hoje.
Seis meses se passaram e eu não posso carregar para o resto da vida o pesar de ser destruída pela minha avó.
Depois do que ela fez, Padre Abel achou melhor que ela se aposentasse, levando com ela Sebastian, seu último parceiro vivo de equipe. Minha equipe está no lugar da sua agora, não devo mais nada a essa mulher amarga que, até hoje, pensa ter feito aquele grande show para me proteger.
– Tudo bem. – Assinto para Meg, enquanto as três garotas me encaram com atenção.
Elas sabem sobre tudo, não há segredos entres os Filhos Da Sombra.
Meg sorri, sem mostrar os dentes, de uma maneira compreensiva que, ao mesmo tempo, me encorajava.
As garotas tomam a frente e entram antes de mim. Atrás, os meus passos são mais lentos, porque preciso de algum tempo para observar cada detalhe desse lugar que não vejo há seis meses. Mesmo fazendo tento um tempo que não coloco os meus pés aqui, ainda posso sentir todos os momentos que passei nesse lugar, que não mudou absolutamente nada.
Hoje sei que essa loja existe pelo mesmo motivo que a loja de Caleb existia, para proteger os moradores. Talvez a minha avó já não estivesse dando conta e deixou muitas coisas passarem, enquanto tomou más decisões, como vender tanta erva para Lydia. Penso que esse foi seu bilhete para o declínio. Por mais que um Van Helsing tenha uma longa vida, a velhice chega para todos.
Vejo sua figura carrancuda parada atrás do balcão amarelo, não havia mais motivos para ser uma boa mulher na minha frente, eu já sabia a verdade e podia enxergar tudo.
Suas cores eram escuras, assim como as da loja, que um dia pareciam vibrantes e quentes. O interior era frio como uma caverna, mas eu entendia o motivo disso.
– Trouxemos mais alguns cartazes pra você colocar na loja, ordens do Padre. – Meg - que mais parecia a líder da equipe do que eu - tenta ser amigável, colocando sobre o balcão sua pequena pilha de cartazes, seguida por Sally, que faz o mesmo.
Paro ao lado de Lilu, que estava a dois passos atrás de Meg e Sally.
Os olhos de minha avó nem se permitem observar os cartazes, eles encaram diretamente a mim, e se ela pudesse soltar fogo por eles, eu estaria morta agora.
– É bom que ajude mesmo, já que foi você que os trouxe até o vilarejo. – Minha avó diz, de forma áspera.
– Pensei que os vampiros já estavam atacando antes dela vir pra Upiór. Se não em engano, essa era a sua tarefa, investigar e impedir que coisas como essas acontecessem. – Sally diz, enquanto inclina, levemente, a cabeça para o lado.
O rosto de minha avó fica vermelho, e parecia que sua cabeça poderia explodir em fumaça, como nos desenhos animados.
– Antes dela chegar, eles não atacavam dentro do vilarejo, só as margens. – Ela quase grita, transbordando fúria.
Lilu se afasta de mim, dando dois passos para frente e, logo depois, ela bate sua mão - que segurava um cartaz – contra o balcão amarelo, fazendo Meg saltar ao seu lado.
– É melhor pendurar isso aqui na sua loja, se não quiser que nada de ruim te aconteça, vovó. – Lilu diz, calmamente.
Os olhos de minha avó se estreitam, enquanto seu rosto fica cada vez mais vermelho.
– Está me ameaçando, garota? – Ela range os dentes.
– Não estou te ameaçando, mas existem criaturas perigosas rondando por aí. – Lilu afasta sua mão do balcão amarelo, e se vira, caminhando para fora da loja.
Meg e Sally a seguem.
Olho uma última vez para minha avó, antes de me virar e ir com as garotas.
– É melhor que você mate aqueles malditos sugadores de sangue rápido, porque eu vou tacar fogo naquela mansão outra vez, e se você estiver lá dentro, vai queimar com eles. – Suas palavras de fúria me fazem parar rente à porta da loja, mas escolho ficar em silêncio e sair sem olhar para trás.
Minha equipe e eu voltamos para a igreja, precisávamos recepcionar a chegada das demais equipes que ainda viriam, pois a lua de sangue estava se aproximando como um silencioso morcego voando na noite, pronto para atacar.
Capítulo 41
Mais alguns dias se passaram e, finalmente, esta noite recepcionaria a grande lua de sangue. De hoje não passaria.
A igreja estava movimentada, todos ajeitavam os últimos preparativos para o que viria quando a noite chegasse. E eu não poderia estar mais nervosa. Até agora, tudo que fiz foi dentro dessas quatro paredes, treinando com as garotas; e nenhuma de nós nunca lutou verdadeiramente contra um vampiro, era a nossa primeira vez e em um evento tão grande como esse.
Eu não sei o que me aguarda, se sequer terei a oportunidade de vislumbrar os raios do sol de um novo dia, mas eu preciso fazer isso, é o meu dever como uma Van Helsing e como humana. É preciso extinguir da Terra toda essa proliferação infernal, devolver aos humanos sua liberdade, a sua terra.
Já faz seis meses que não vejo aqueles irmãos, os filhos de Henry e, sinceramente, não consigo imaginar como as coisas serão quando nos encontrarmos de novo, dessa vez, cada um de um lado.
Jimin e Taehyung não saem da minha cabeça nos últimos dias e nas últimas horas, eu me sinto incrivelmente ansiosa ao pensar em vê-los de novo, tendo em conta que meus últimos encontros com eles foram extremamente ruins. Tive longos seis meses para me desvincular de qualquer tipo de sentimento, e eu estaria mentindo se dissesse que foi fácil, nunca é. Mesmo depois de tudo que passei, e de saber sobre a real natureza deles, os momentos bons, se assim posso dizer, me atingem como lampejos de uma velha lâmpada queimada.
Que o Senhor me dê forças para encarar aquele que um dia foi amigo e aquele se tornou uma inexplicável paixão de Upiór. Maldito seja o meu coração se não os soltar.
Estou me libertando desses sentimentos agora, eles nunca foram verdadeiros, pelo menos, não da parte deles. Deveria ser divertido enganar uma Van Helsing boba que não sabia de nada, fingir ser seu amigo, seduzi-la até uma cama de lençóis de seda. Eu irei esquecer tudo isso agora. Eu irei.
– Oiiii? – Uma mão com unhas pintadas de roxo, passa rente ao meu rosto algumas vezes. – No que está pensando? – Lilu me encara através de seus grandes olhos escuros.
– Nada importante. – Forço um sorriso fechado.
Lilu me encara por mais alguns segundos e dá de ombros, voltando a olhar para frente, dentro da pequena capela.
Todas as equipes foram convocadas a se reunirem na parte superior da capela, para uma última reunião com o Padre Abel e alguns representantes do Vaticano, que chegaram no dia anterior.
Os largos bancos de madeira da capela não foram capazes de acomodar todas as equipes, por isso, alguns estavam de pé, mas não pareciam se importar, isso era apenas um detalhe nesse momento.
As portas da capela foram fechadas para que ninguém de fora nos atrapalhasse ou que algum dos poucos moradores que insistiram em permanecer em Upiór, ouvisse o que falaríamos aqui.
Os cultos na capela haviam sidos suspensos até que a ameaça dos lobos sumisse.
Padre Abel, que estava perto do altar, para de conversar com um dos homens ao seu lado esquerdo, e olha, de modo geral, para todas as equipes. Ele junta suas mãos na frente da batina preta e dá dois passos para frente, fazendo todos ficarem quietos.
As garotas que estavam sentadas ao meu lado, minha equipe, ficam mais sérias, e sei que elas também estão nervosas por esse momento, eu não sou a única a passar por isso.
– Por favor, prestem atenção, essas serão nossas últimas instruções. – Padre Abel diz, e os três representantes do Vaticano que estava mais atrás, assentem em concordância. – Sei que para muitos é a primeira vez, sei também que podem estar com medo de nunca mais verem suas famílias depois de hoje. Mas eu os asseguro, nosso bom Deus está do lado de cada um de vocês, e nos dará essa vitória. O primeiro grande passo dos humanos.
– Todos vocês vêm se preparando para esse grande momento, por isso, não deixem que o medo e a incerteza os controle, vocês sabem exatamente o que devem fazer, e irão conseguir.
– Nossas últimas instruções são para que todos descansem muito, se organizem e repassem todas as estratégias, porque não podemos ter erros hoje, a vida de muitos humanos, incluindo os presentes nessa capela, dependem do que vocês, Filhos Da Sombra, farão.
Meu corpo fica tenso sobre o banco de madeira, enquanto sinto todo esse peso cair em minhas costas.
– Vamos fazer uma última reza antes da lua de sangue. – Padre Abel diz, e todos se levantam de seus bancos. E os três homens atrás dele se aproximam do Padre, antes que ele comece. – Todos comigo, quero que repitam em voz alta.
Junto as mãos em frente ao rosto e fechos os olhos, sabendo que os demais dentro da capela também fariam isso.
– Ave María, grátia plena. Dóminus tecum, benedícta tu in muliéribus, et benedictus fructus ventris tui Jesus. Sancta María, Mater Dei, ora pro nobis peccatóribus, nunc et in hora mortis nostrae. Amen.
– Amen. – Digo baixo em meu lugar, escutando as meninas repetirem ao meu lado.
Abro os olhos, vendo o Padre Abel se afastar com os três homens do Vaticano.
– Acho que seria bom se repassássemos o que planejamos. – Meg sugere entre nós, e assentimentos em concordância.
Juntas, vamos em direção ao confessionário, esperando algumas equipes que estavam na nossa frente, passarem para o esconderijo da igreja. Depois que conseguimos entrar, nós quatro vamos para o quartinho em que tenho ficado nos últimos seis meses.
Lilu se deitou na minha cama, mantendo sua cabeça para fora. Eu me sentei no chão com as costas recostadas contra a madeira da cama. Sally e Meg sentam no chão também, uma de cada lado meu.
– Então... – Lilu deixa sua cabeça perto do meu pescoço, enquanto balança suas pernas dobradas para cima.
– Iremos nos dividir em duplas, duas entrarão pela frente da floresta e duas por trás, no caso deles estarem espalhados, assim ninguém pode nos pegar desprevenidas, certo? – Falo e depois olho para as três garotas, que assentem.
– Vamos nos reunir na frente da mansão, e cada uma fica responsável por um lugar. A mansão tem três andares, então Meg vasculha o jardim, Sally o primeiro andar, Lilu o segundo e eu o terceiro. – Tento conter um suspiro quando penso no motivo de ter escolhido o terceiro andar.
– Você tem certeza que quer ir pra mansão? – Meg pergunta ao meu lado direito. – Outra equipe pode ir no nosso lugar, nós ficamos aqui no vilarejo ajudando caso tenha alguma invasão, o que com certeza vai acontecer. – Seus olhos escuros eram compreensíveis, e sua voz era suave.
– Nós podemos fazer isso sem nenhum problema. – Sally reforça a sugestão de Meg, ao meu lado esquerdo.
– Isso mesmo, Eleninha. – Lilu passa seus braços ao redor o meu pescoço, enquanto usa o apelido que aprendeu com Wendy. – Nós sabemos como isso pode ser difícil pra você. Vamos ficar aqui no vilarejo. – Lilu aperta seu rosto contra o meu.
Solto o suspiro que contive antes, e coloco minhas mãos nos braços de Lilu, segurando-os.
– Eu preciso fazer isso. Preciso finalizar essa parte da minha vida, se não, nunca vou conseguir seguir em frente. – Confesso, puxando minhas pernas para perto da barriga, assim como Sally e Meg faziam.
– Bom, tudo bem então, se é isso que quer, estaremos lá com você. – Meg sorri, e a agradeço com a retribuição de um sorriso.
– Quando sua irmã vai nos trazes os colares de Erva-Marrom? – Sally pergunta.
– Não sei, mas acho que podemos ir atrás dela. – Respondo, ainda tendo os braços de Lilu ao redor do meu pescoço.
Wendy ficou encarregada de nos trazer quatro colares de Erva-Marrom, para que pudéssemos camuflar nossa presença ao ir à mansão.
– Podemos separar nossas roupas e verificar todas as armas e itens místicos que usaremos, talvez Wendy chegue enquanto fazemos isso. – Meg diz, e todos nós nos levantamos, prontas para seguir suas ordens.
Não sei porque ela não é a líder, leva muito mais jeito do que eu. Cederia meu lugar para ela com muito alívio. Mas acho que deveria pensar nisso em outra ocasião, porque agora tenho algo muito importante para fazer.
Eu podia sentir minhas entranhas se revirarem a cada segundo, minuto e hora que passava, me deixando mais perto da lua de sangue e dos irmãos daquela mansão.
Capítulo 42
A noite chegou grandiosa, sem qualquer vestígio de brilhantes estrelas no céu, apenas nuvens carregadas que traziam relâmpagos e trovões em uma celestial tempestade que escondia a gloriosa lua de sangue.
Caminho por entre as duas fileiras separadas de bancos de madeira da pequena capela de Upiór. O crucifixo pendurado ao redor do meu pescoço, bate contra meu peito, acompanhando cada passo que dou sobre minhas botas que em altos ecos, serviam como uma música de fundo.
Mais uma vez, a claridade atravessa majestosamente os vitrais da capela, acompanhada por um poderoso trovão que range de forma furiosa. Paro, ao ficar de frente para o pequeno altar, e, respeitosamente, curvo minha cabeça, fazendo um rápido sinal de cruz antes de me levantar e virar para esquerda, indo diretamente para o confessionário.
Já perto do pequeno armário de madeira com detalhes em vinho, abro a porta da direita e, em seguida, me sento no pequeno banco do lado de dentro. Dou duas leves batidas na parede oca, e a janela trançada que me separava da outra metade do confessionário, é aberta.
– Padre Albert, perdoe os meus pecados. – Encaro a porta fechada na minha frente, e escuto um longo suspiro vindo do outro lado da tela trançada, que mal me dava vista para o homem velho e careca.
– Eles são muitos, não é?... Está perdoada.
Fico em silêncio, apenas escutando a forte tempestade do lado de fora, enquanto aguardo suas instruções.
– Não pode haver falhas esta noite. Precisamos terminar o que começamos há cem anos, Elena.
Seguro em meu crucifixo de prata.
– Não haverá falhas, Padre.
– Me escute, pequena criança. O seu despertar já aconteceu e, por isso, nós te treinamos por todo esse tempo. Sua força é maior que a de qualquer outro humano, seu reflexo e agilidade são aguçados como uma faca, e sua resistência também é maior. Você se tornou um mestre em armas e em combate, e o seu sentido é sensível como uma flor, Elena. Mas tudo isso já vinha com você só por nascer uma Van Helsing. – Seu tom de voz não era gentil, era duro e impassível. E mesmo sem vê-lo, aposto que a expressão do Padre se tornou rígida. – Olhe para mim, Elena.
Viro minha cabeça em direção à tela trançada, enxergando apenas a sombra do Padre Albert do outro lado do confessionário. Aqui dentro era escuro como o inferno.
Que Deus perdoe os meus pensamentos.
– Você tem grandes habilidades, mas não se esqueça, ainda é uma humana que pode morrer em uma vida. – Sua voz se torna mais séria a cada palavra que ele dizia, mas isso não pode me assustar agora. Eu já havia tomado minha decisão.
– Me diga, Padre, como terminamos de matar uma criatura que já está meio morta? – Pergunto, apertando meus dedos ao redor do crucifixo.
Olho para baixo, encarando no meio do escuro, a cruz que embalava minha pele, presa a um grande cordão de prata. O anel de minha família pesava em meu dedo e a pedra preta nele me prometia proteção eterna até o meu último suspiro.
– Nós arrancamos a cabeça fora. – Respondo minha própria pergunta, sentindo o sangue vibrar em minhas veias apenas por pensar no momento que me aguardava do lado de fora, na grande tempestade de Upiór.
– Você levará todas as suas armas de treinamento, mas nós também separamos algo especial. Drácula não é como os outros Drácus Dementers. Use uma estaca especial. Por fora ela é feita de prata, e por dentro, contém água benta. Depois que você acertar o peito daquela criatura infernal, arranque sua cabeça para se certificar de que ele nunca mais abra os olhos.
– Eu trarei isso para o senhor, Padre. Espere por mim.
Os pelos de meu braço se eriçam por debaixo do grande sobretudo preto de couro. Eu podia sentir, eles se aproximavam do lado de fora, essa presença é única.
– Que Deus te guie e te proteja nesta noite.
– Amém, Padre. – E com isso, abro a porta do confessionário, sentindo todo meu corpo se arrepiar ao pisar no chão da capela.
Tudo era escuro e silêncio, apenas com a tempestade clareando os vitrais coloridos e desenhados.
Me viro, dando dois passos e ficando de frente para a porta esquerda do confessionário, onde os padres costumam nos esperar para a libertação de nossos pecados. Abro a porta, encontrando o lugar vazio de presença, mas com um grande saco de linho marrom sobre o banco, onde Padre Albert estava a poucos minutos atrás.
Puxo o saco de linho para fora do confessionário, e o abro, checando tudo que a igreja preparou para mim. A primeira coisa que me saltam os olhos, é um longo e velho rifle com uma tira de couro repleta de munições extras; balas de prata. Passo a tira de couro sobre os ombros, de modo que o rifle fique pendurado em minhas costas. Depois, a próxima coisa que pego é uma pequena faca afiada, que prendo contra o cinto de minhas calças pretas. Pego também, a balestra de madeira com dez lanças engatadas em sua engrenagem, e a deixo de lado por um momento assim que meus olhos enxergam o último item guardado dentro do saco de linho.
A estaca de prata.
Com cuidado, pego a estaca, vendo-a brilhar sobre a claridade do relâmpago acompanhado pelo trovão que gritava do lado de fora. Aproximo a estaca de minha orelha e a chacoalho, escutando o líquido de dentro balançar, a água benta.
Um arrepio corre por meu corpo, como o gosto da morte.
Depois de admirar o grande presente surpresa que levarei para o futuro Drácula, guardo à estaca de prata dentro da minha bota, sabendo que ela enterraria todos os sentimentos que um dia compartilhei com aquelas criaturas sem coração e alma.
Mais um relâmpago atravessa os vitrais da capela, e a porta da frente é aberta em um grande e alto estrondo da forma mais desesperada possível.
Rapidamente me abaixo, pegando a balestra e a apontando em direção a porta, sabendo que não erraria essa flechada e que posso derrubar o intruso em poucos segundos.
Os meus olhos atentos encontram os olhos assustados de Wendy, que arfava em seu corpo completamente encharcado pela tempestade. Minha irmã me encara por alguns segundos, e mesmo estando um pouco longe, eu conseguia ver que ela tremia muito.
Apenas um lado da porta dupla de madeira estava aberto, mas era o suficiente para que eu pudesse vislumbrar as infernais criaturas voando entre os pingos grossos da chuva.
Gritos de socorro tentam atravessar as paredes da igreja.
– Eles chegaram, Elena! Os vampiros estão aqui!
Capítulo 43
Me levanto, segurando fortemente a balestra, e corro até à porta da capela.
– Pegue a mamãe e se esconda, Wendy, entendeu? – Falo, sentindo o vento gelado do lado de fora trazer para dentro da capela alguns pingos de chuva.
Wendy assente, e antes que eu pudesse sair, seu corpo molhado me abraça.
– Boa sorte... e tome cuidado. – Ela diz, com os olhos amedrontados.
– Eu vou tomar. – Sorrio para minha irmã, tentando a tranquilizar.
Me afasto de seu corpo, e respiro fundo, caminhando para saída da capela.
– É bom você voltar inteira pra casa, porque mês que vem é meu aniversário, e eu vou querer o meu presente, Elena! – Wendy grita com a voz embargada de choro, quando os meus pés tocam o chão do lado de fora da igreja.
Sorrio com suas palavras, mas não olho para trás, eu não podia fazer isso agora, porque eu não sabia se voltaria para o seu aniversário.
A chuva era forte e as gotas de água eram grossas, atrapalhando a visão, mas não me impedindo de ver aquelas coisas infernais voando para todos os lados, enquanto algumas delas levavam embora no céu da noite, humanos inocentes.
Todos os Filhos Da Sombra corriam de um lado para o outro, tentando impedir o ataque dos Drácus Dementers.
– Elena! – Escuto alguém gritar meu nome em meio aos trovões altos.
Olho para todos os lados até encontrar Meg correndo em minha direção. E devido à chuva intensa, ela escorrega a cai no chão de ladrilhos a tempo de uma das criaturas que voava, se aproveitar de sua queda para tentar atacá-la.
Despertada por uma enorme onda de adrenalina, corro para perto de Meg, e quando vejo a criatura a segurando para tentar voar com ela para longe, levanto minha balestra e miro em uma das suas mãos, a acertando.
Com um grito de dor, a criatura solta Meg, que cai de uma pequena altura, mas isso não a impede de recitar um rápido exorcismo que paralisa o Drácus Dementer, que impossibilitado de voar, também cai.
De forma rápida como um dos relâmpagos dessa tempestade, três tiros são acertados contra a cabeça da criatura, que grita enquanto agoniza.
Lilu surge com seu fuzil de balas de prata, junto de Sally, que carregava uma pequena pistola com capsulas de Erva-Verde líquida. Sally se aproxima da criatura que agonizava no chão, e toca seu peito na altura do coração, com o cano da pistola, mandando para dentro dela, uma capsula de Erva-Verde.
O corpo do Drácus Dementer, aos poucos, começa a se desmanchar, virando pó, exatamente como está escrito nas escrituras sagradas do nosso Senhor.
Ainda no chão, Meg me encara, com seu tronco descendo e subindo rapidamente.
– Que seus ancestrais te carreguem para o inferno. In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen. – Faço um rápido sinal de cruz, e todas as garotas repetem.
– Onde é que você está, Elena, querida?! Eu sei que não foi embora, é estúpida demais pra isso! – Meu corpo inteiro se arrepia ao reconhecer a voz que começa a me chamar em meio a tempestade.
Outra vez, olho em todas as direções, enxergando a leste, uma sombra surgir no meio dos pingos grossos da chuva. E não demora mais que alguns segundos, até que Amia surja, liderando um pequeno grupo de vampiros que estavam logo atrás dela.
Seu longo vestido estava colado ao seu corpo molhado, com a barra suja arrastando no chão. Seus longos cabelos em tom de rosa-claro, grudavam em seu rosto que estampava um largo sorriso de batom escuro.
– Aí está você, querida. Finalmente te achei. – Ela para a alguns metros de distância, colocando suas mãos na cintura, enquanto as outras criaturas paravam atrás dela.
– E por que você estava me procurando, Amia? – Pergunto, erguendo a balestra na frente do meu corpo.
Meg, Sally e Lilu rapidamente se juntam a mim, assumindo posturas de luta, prontas para qualquer coisa.
– Não está óbvio? – Amia inclina seu tronco para frente, fazendo o decote de seu vestido ficar à mostra. – Porque agora eu finalmente posso te tirar do meu caminho.
Com essas palavras, seus olhos se tornam vermelhos como duas luzes brilhantes de natal, e ela abre a boca, deixando à mostra, as presas que se alongam em seus caninos.
Amia abre os braços, e duas grandes asas iguais às asas de um morcego, surgem entre as mangas de seu vestido, quando ela vem tão rapidamente em minha direção, que só tenho tempo de sentir o impacto do meu corpo contra o chão, me fazendo soltar a balestra.
Sobre o meu corpo, Amia chia como um animal que está prestes a atacar.
– Quer implorar por sua vida? – Ela sorri arrogante, me mostrando suas presas.
De rabo de olho, vejo minha equipe tentar me ajudar, mas os vampiros que vieram com Amia, as impedem.
– Vou arrancar seu coração e depois vou beber todo o sangue dele. – A chuva forte que acertava o corpo de Amia, pingava no meu.
Cheia de ansiedade correndo pelas minhas entranhas, consigo tocar meu cinto, puxando a faca para fora dele.
– Antes disso, eu vou te mandar direto pro inferno, criança patética. – Sorrio para ela, antes de acertar a faca em sua barriga, a fazendo abrir a boca em surpresa.
Ainda segurando o cabo da faca, puxo ela para fora de Amia e empurro seu corpo de cima do meu, antes de acertar seu peito com a faca.
Seus olhos se enchem de fúria, enquanto Amia puxa a faca cravada em sua pele.
Sem esperar por sua reação, corro em direção a balestra que deixei cair, mas no momento em que meus dedos roçam a madeira, os braços de Amia me seguram, levantando todo meu corpo no ar.
– Elena! – Alguém grita.
Chiando como um gato selvagem, ela voa rápido entre a tempestade, jogando meu corpo contra a parede da primeira casa que surge na nossa frente.
Fecho os olhos quando sinto o impacto com os tijolos alaranjados. Em seguida, meu corpo cai no chão. Tento me levantar rapidamente, enquanto seguro o braço esquerdo, que foi o mais afetado no impacto.
Céus, isso doía como o inferno.
Que Deus me perdoe por isso, mas doía muito.
Amia pousa no chão, fazendo suas asas sumirem. Ela vem caminhando lentamente em minha direção.
Cambaleio para o lado, sentindo a tira do rifle balançar em minhas costas.
Céus, como eu me esqueci disso?
Ela estava se aproximando cada vez mais.
– Desculpe, Amia querida, mas eu não tenho tempo para perder com você. – Em um movimento rápido, viro a tira do rifle para frente e miro em Amia, atirando tantas vezes que nem consigo contar.
Quando seu corpo cai no chão, fazendo seu sangue se misturar com a chuva, corro para longe dela, em busca da minha equipe.
– Meg! Sally! Lilu! Precisamos ir agora! – Corro para perto da igreja outra vez, vendo as três garotas enfrentando alguns vampiros. – Nós precisamos ir! – Grito, enquanto puxo rifle para cima, o saltando do meu corpo, para acertar uma das criaturas que lutava com Sally.
Acerto três vezes a cabeça da criatura com a soleira do rifle, o fazendo sair de perto de Sally.
– Vamos! – Seguro em sua mão e a puxo em direção às outras duas. – Vamos agora! – Grito de novo, e elas tentam se afastar dos vampiros que as atacavam.
Algumas equipes surgem em meio a tempestade forte, e correm na direção das criaturas, nos dando tempo para fugir.
Nos escondendo por onde quer que passássemos, percebemos que o número de vampiros Drácus Dementers que estavam atacando Upiór era muito grande, por isso, nosso plano não correu totalmente como o planejado, e nós quatro tivemos que entrar pela parte da frente da floresta, passando correndo em frente à loja Van Helsing, da qual trabalhei durante vários dias, sendo um dos meus pontos de encontro com os vampiros da mansão, mas, que agora, marcaria nosso último encontro.
Capítulo 44
Assim que nossos pés tocam o chão lamacento da floresta, ficamos em completo silêncio, deixando apenas a chuva e os pequenos animais preencherem a atmosfera ao nosso redor. Nossos olhos precisavam ser tão bons quantos os de um falcão, porque acabamos de entrar no território inimigo, e eu podia sentir o ar tão gelado que quase tremia.
Com o rifle aposto rente ao mesmo rosto, eu mirava em todas as direções, andando como se a qualquer momento, alguma coisa fosse saltar sobre mim. Eu não podia errar, eu sabia disso. Os meus olhos tentam enxergar entre as grosas fileiras de água que caiam do céu, e os relâmpagos que surgiam junto da tempestade nos deixavam espiar por meros segundos, tudo que estava escondido por entre as sombras das altas e largas árvores.
– Inferno! – Escuto a voz de Lilu gritar, e me viro apressada em direção a ela, vendo-a caída no chão apontando seu fuzil de balas de prata para cima. – Maldito inferno! Eu odeio barro! – Resmungando, Lilu se levanta com metade de seu corpo coberto pelo barro que a chuva formava na terra da floresta. – Agora estou toda suja. – Irritada, ela sacode um dos braços, tentando se livrar da sujeira.
– Pare de blasfemar e de gritar, você quer que eles nos encontrem? – Sally a repreende, tendo um olhar sério.
– Tarde demais. – Alguém ri atrás de mim, fazendo todos os pelos do meu corpo se arrepiarem por debaixo do sobretudo preto.
Apressada, me viro para trás, vendo um garoto alto surgir por entre as sombras das árvores. Seus olhos vermelhos podiam ser vistos antes mesmo de seu corpo deixar as sombras.
– Quatro porquinhos indefesos. Acho que vou soprar, e soprar, e soprar, até derrubar sua casinha. – Ele diz, enquanto passa sua língua pelas presas longas.
– Vá em frente, lobo mau. – Meg o provoca, fazendo um grande sorriso perverso surgir em seus lábios, antes que ele corra em nossa direção. – Não te mova. Amarro-te agora, immunda spiritus! – Meg grita, fazendo o corpo do vampiro ficar imóvel. – Agora, a água benta!
Sally se apressa e retira de dentro do seu casaco preto, um pequeno frasco com água benta, que ela usa para fazer um círculo desajeitado e apressado, em volta do vampiro, o fazendo rugir como se fosse um leão quando o fogo de labaredas altas, o rodeia.
– Eu, Margareta Scott, condeno a tua alma ao sofrimento eterno. – Meg dá um passo para trás quando o vampiro ruge furiosamente. Percebo que uma de suas pernas falham. – Quima-te eternamente, criatura imunda. Os teus dias... – Mais um passo para trás, e o vampiro mexe quase que imperceptivelmente um dos braços. – Os teus dias... – Meg cai de joelhos no barro, e o vampiro consegue mexer com mais força um dos braços.
– Meg. – Corro até ela, e me agacho para ajudá-la a levantar, percebendo que seu nariz estava sangrando. – Meg, você precisa parar, ele é muito forte. – Encaro o círculo de fogo, vendo que o vampiro conseguia se mexer mais, como se se desprendesse de algo invisível.
– Eu consigo... consigo. – De pé, ela limpa o nariz, e segura no crucifixo em volta do seu pescoço. – Quero que vocês três sigam caminho.
– O quê?! Não vamos fazer isso! – Lilu diz apreensiva, e Sally concorda.
– Vou estar bem atrás de vocês, vou cuidar do jardim. Agora, por favor, vão de uma vez, não podemos perder tempo, só temos uma chance. – Ela diz, e seu nariz volta a sangrar à medida que o vampiro rugia e gritava de raiva dentro do círculo de fogo.
Meg retira de seu cinto uma pequena faca e me entrega.
– Pegue, você vai precisar dela mais do que eu. – Quando pego a faca de sua mão e a guardo no cós detrás das minhas calças, o exaspero toma conta do meu corpo, mesmo sabendo que Meg estava certa. Não podemos perder tempo.
– Você promete que irá nos encontrar depois? – A encaro aflita.
Meg sorri, enquanto a chuva limpava o sangue que escorria do seu nariz.
– Eu prometo.
Permaneço parada ao seu lado, até outro grito do vampiro me despertar.
– Vamos! Vamos agora! – Grito para Sally e Lilu, que com olhares aflitos, acabam me seguindo e deixando Meg para trás com o vampiro.
Escutando os gritos da criatura, nós três corremos por entre as árvores, escorregando algumas vezes no barro do chão. E, quando finalmente entramos no caminho de arbustos fechados, meu coração começa a bater rapidamente enquanto minhas veias bombeavam apenas ansiedade e adrenalina.
Nossas botas pegajosas e lamacentas só pararam quando os grandes portões da enorme mansão se materializam em nosso campo de visão. Agora, mais sombria do que nunca, com todas as luzes apagadas, a mansão parecia abandonada, uma velha construção largada ao meio da floresta, abrigando uma famosa lenda sobre vampiros.
Em silêncio, mas com as respirações descompensadas, Sally e Lilu me encaram, esperando por algum sinal.
– Como combinamos. Andar um, andar dois... – Aponto para cada uma delas. – e andar três.
Elas assentem, com olhos atentos e nervosos, eu sentia isso.
Lado a lado e tomando cuidado para não fazermos barulho, caminhamos juntas, entrando e atravessando o jardim com tulipas-negras. De frente para os cincos largos degraus que nos levariam até à porta de entrada, elas deixam que eu tome a frente, e quando paramos perto da grande porta de madeira, olhamos uma última vez para o jardim, conferindo se ninguém havia nos seguido.
Respiro fundo, e encosto minha mão direita na porta, enquanto uso a esquerda para segurar o rifle. Faço força contra a porta, tentando-a empurrar para dentro e, como esperado, ela se abre em um baixo rangido, revelando a escuridão do interior da mansão.
Olho expressivamente para Sally e Lilu, que entendem e assentem. Logo depois entro na mansão, sentindo o ar gélido do hall.
– Não feche a porta. – Sally sussurra para Lilu.
Lilu assente e se afasta da porta, e juntas, outra vez, começamos a andar pelo hall de entrada.
Caminhos até víssemos o final hall, e paramos assim que entramos no espaço vazio, onde se dava para ver as duas escadas para o segundo andar e a porta entre as escadas.
– O primeiro andar leva para o porão, não se esqueça de olhar lá. – Sussurro para Sally, que se aprontava para ser a primeira de nós, a se separar.
Ela assente.
– Não importa quem seja, mate todos. – Falo, engolindo em seco quando um arrepio corre meu corpo.
Com mais um aceno positivo de cabeça, Sally começa a se afastar indo em direção à sala, e esse era o sinal para que Lilu e eu continuássemos.
Em apenas duas, seguimos adiante indo até à escada do lado esquerdo, subindo todos os degraus com atenção e cuidado, sempre olhando em todas as direções.
Quando chegamos no segundo andar, Lilu para de frente para mim, mas sempre prestando atenção a tudo.
– Vou para aquele lado. – Aponto para o lado que estávamos, pois sabia que esse era o corredor que levava para o terceiro andar.
Lilu assente.
– Vou começar por aqui então. – Ela aponta na direção contrária, mantendo seu fuzil de balas de prata, bem próximo ao seu corpo.
Expiro pesado e a encaro com preocupação.
– Boa sorte. – Sussurro, quando ela começa a se afastar.
Lilu sorri.
– Vai dar tudo certo, vamos conseguir. – Ela se vira em seus cabelos curtos e loiros, e caminha em direção ao corredor dos quartos dos vampiros mais novos.
Engulo em seco, sentindo meu coração acelerar outra vez. Me viro e começo a andar para longe de Lilu, passando por entre as portas fechadas dos quartos dos vampiros mais velhos. Quando paro de frente para as escadas que me levariam até o terceiro andar, consigo escutar as batidas de meu coração martelando nos ouvidos, acompanhando o barulho da forte tempestade do lado de fora.
A adrenalina faz meu corpo esquentar, e acabo retirando o grande sobretudo preto do meu corpo, ficando apenas com uma blusa preta de mangas longas que revelava meus ombros. Depois de jogar o sobretudo no chão do segundo andar, começo a subir os degraus da escada, pisando na ponta dos pés para que minhas botas não fizessem barulho.
Assim que alcanço o terceiro e último andar, um relâmpago ilumina o final do corredor, e o clarão veio da única porta que estava aberta, a sala de música.
Quando dou o primeiro passo no corredor do terceiro andar, minhas pernas fraquejam e minhas entranhas se reviram. Por alguns segundos, fecho os olhos e afasto minha mão direita do rifle para poder segurar o crucifixo de para cheio de Erva-Marrom, preso no meu pescoço.
– Que o Senhor me guie e me proteja, amém. – Sussurro para mim mesma e abro os olhos, soltando o crucifixo e voltando a segurar o rifle com as duas mãos.
Respiro fundo em silêncio, e começo a andar pelo corredor, passando em frente a cada uma das portas fechadas que me deixavam mais perto do meu destino. Mais um relâmpago, mais um clarão e mais um trovão. Meu coração parece que vai parar a qualquer momento de tão rápido que estava batendo.
A apenas três passos da sala de música, minhas mãos começam a suar, misturando-se a água da chuva que escorria pelo meu corpo molhado.
Fecho os olhos.
Um passo.
Mais um trovão.
Dois passos.
Entranhas se revirando.
Três passos.
Viro meu corpo para o lado, ergo o rifle, respiro fundo e abro os olhos, sentindo meu corpo inteiro se arrepiar quando um novo relâmpago ilumina por completo a sala de música.
Eu não estava sozinha... não estava mais sozinha.
O alto e masculino corpo estava parado de frente para as portas de vidro da sacada da sala de música, enquanto o vento da tempestade entrava e balançava suas roupas brancas, assim, como, seus longos cabelos brancos que passavam de sua cintura. Suas longas unhas pintadas de preto estavam para fora das mangas largas de sua blusa branca.
Encarando-o além da mira do meu rifle, não consigo controlar minha respiração acelerada que enchia a sala de música, acompanhando as batidas do meu coração.
As gotas da chuva que me molhavam, escorriam lentamente por minha pele, pingando no chão, e isso soava como se fossem pedras pesadas, nesse momento.
Lentamente, o corpo magro e bem-vestido se vira em minha direção, até que ele esteja de frente para mim, fazendo minhas pernas fraquejarem outra vez.
Os longos brincos em suas duas orelhas, se perdiam em meio aos longos fios de brancos que desciam por seus ombros. Seus olhos incrivelmente vermelhos, cintilando mais do que a própria luz, me encaravam através dos finos fios de cabelo, que caiam em frente a eles.
Seus lábios avermelhados como o sangue estavam em uma linha reta, sem demonstrar nenhum tipo de emoção, tal como sua expressão.
Ele era infernalmente lindo, exatamente como um presságio ruim de morte.
– Tem certeza que quer fazer isso, Elena? – Sua voz grave e rouca, como os trovões da tempestade, me estremece.
Pisco algumas vezes, enquanto minhas mãos tremem, me fazendo perder a mira do rifle.
– Sim, eu tenho certeza... Drácula. – Engulo meu nervosismo em seco, e aperto o gatilho do rifle, disparando o primeiro tiro.
Seu corpo se movimenta tão rápido, que antes que eu consiga fazer algo, Taehyung estava na minha frente, me encarando de perto com seus olhos vermelhos.
Espantada, dou um passo para trás.
Taehyung puxa o rifle de minhas mãos com facilidade, e o jogo para qualquer canto da sala de música, me deixando desarmada.
Com a respiração pesada, tento pegar a faca escondida no cós de minhas calças, mas ele segura meu pulso, me puxando para perto de seu corpo, me obrigando a olhar para aquelas duas íris cintilantes.
Totalmente aflita, consigo pegar a faca com a outra mão, usando-a para golpeá-lo no braço, fazendo Taehyung soltar meu pulso. Aproveito o momento e corro para dentro da sala de música, indo em busca do meu rifle, mas, antes mesmo de ter chance de alcançá-lo, sinto algo pontudo me atingir nas costas, me fazendo parar de andar e envergar o corpo para trás, enquanto uma dor queimante subia dos meus pés até minha cabeça.
Caminho até à parede mais próxima e me apoio contra ela, enquanto sinto o sangue quente escorrer no local que latejava. Olho para Taehyung, que estava parado na entrada da sala de música, com um dos braços manchando sua roupa branca de sangue.
Em meio a dor e com um pouco de dificuldade, viro meu braço para trás, tentando alcançar o que estava preso na minha pele. E quando sinto o cabo da faca que antes usei para machucá-lo, a puxo de uma fez, deixando um pequeno grito de dor escapar dos meus lábios.
Encaro a lâmina suja de sangue, e acabo soltando-a no chão quando minhas mãos tremem.
Taehyung começa a se aproximar lentamente outra vez, e a aflição me enche de uma vez só.
– N-Não te mova. Amarro-te agora, immunda spiritus! – Grito, mas nada acontece, ele continua se aproximando.
Suas sobrancelhas parcialmente cobertas pelo cabelo branco, se arqueiam, enquanto ele sorri para mim.
– Parece que você não é muito boa nisso. – Suas palavras saem de maneira zombeteira, me fazendo amaldiçoá-lo aos céus, milhares de vezes.
Ele estava tão perto agora que fazia o meu machucado nas costas doer ainda mais ao imaginar o que poderia acontecer.
Engulo em seco e respiro fundo de novo e de novo, tentando me concentrar em tudo que aprendi nesses últimos seis meses.
Colocando em segundo plano qualquer tipo de dor, deixo que Taehyung se aproxime o suficiente para pensar que me encurralou, e quando ele ergue suas mãos em minha direção, me jogo no chão, assim como fiz com Lilu, e depois rolo para longe, me levantando e correndo até o meu rifle. E sabendo que ele tentaria me impedir, destravo o rifle e viro meu corpo, ao mesmo tempo, em que atiro na direção contrária, conseguindo atingir seu corpo que estava tão próximo do meu.
Acerto três tiros em seu tronco, e me apresso a pegar mais munição na tira pregada ao rifle, mas meu corpo voa para longe da arma, caindo sobre o pequeno banco do piano, fazendo minhas costas partirem a madeira em várias partes.
Fecho os olhos quando o corte em minhas costas, pega fogo, queimando como se eu estivesse no inferno.
Respiro pesado e abro os olhos. Mesmo com dor, tento não perder tempo e me levanto do chão, apoiando meu corpo contra o piano, o que faz um alto barulho desafinado quando meus dedos tocam as teclas pretas e brancas.
Taehyung se aproxima outra vez, e olho em volta em busca de algo que pudesse me ajudar, e o pequeno violino apoiando por perto, é o que uso para acertar seu rosto. Sua cabeça pende para o lado, fazendo o cabelo longo cobrir sua feição quando os pedaços do violino voam por todos os lados.
Permaneço segurando o que sobrou do violino, respirando pesado e alto.
Taehyung vira sua cabeça para frente. Ele mexe sua boca que escorria sangue, e toca seu maxilar, me encarando logo em seguida. Seus olhos se estreitam, e ele me olha irritação.
Sua mão com unhas longas toca meu braço, apertando o local com força, fazendo as pontas das suas unhas machucarem minha pele. E sem pensar duas vezes, acerto seu ombro com que sobrou do violino, fazendo as partes pontiagudas da madeira entrarem em sua pele, manchando ainda mais sua blusa branca.
Taehyung grunhe, enquanto puxa o violino quebrado para fora da pele, o arremessando na parede contrária.
Tento correr para onde deixei minha faca cair, mas Taehyung surge na minha frente, me assustando e me fazendo dar alguns passos para trás, onde, acabo tropeçando nos próprios pés e indo parar no chão. E tão rápido quanto apareceu na minha frente, ele coloca seu corpo em cima do meu, me prendendo entre ele e o chão.
Suas mãos agarram meus pulsos, me impedindo de mexer, e seus longos cabelos brancos caem um pouco em cada lado meu rosto. Tento me debater embaixo dele, mas era inútil, sua força se sobressaia à minha.
Taehyung inclina sua cabeça para baixo, e começa a aproximar seu rosto do meu, fazendo as batidas do meu coração se acelerarem pele milésima vez nesse dia. Suas íris vermelhas desviam das minhas, e passam a encarar o meu pescoço, onde ele realmente aproximava seu rosto. Seus lábios vermelhos, tocam a pele do meu pescoço, e todo meu corpo se arrepia enquanto engulo em seco. Em seguida, Taehyung afasta seus lábios e seus dentes roçam na minha pele, antes que eu sinta uma aguda fisgada no meu pescoço, quando suas presas entram na minha carne.
Nenhuma gota quente de sangue escorria, porque eu o sentia sugando cada uma delas.
Aperto os olhos com força, quando as fisgadas ficam mais fortes em meu pescoço. Taehyung solta um de meus pulsos e leva sua mão até a lateral livre do outro lado do meu pescoço, me mantendo mais perto de suas presas.
Engolindo a dor, me mexo com dificuldades debaixo do seu corpo, tentando alcançar minha bota. Meus dedos roçam na borda da bota, enquanto tento curvar meu corpo para tentar enfiar a mão dentro dela.
Taehyung me aperta mais contra sua boca, sugando uma grande quantidade do meu sangue. Começo a me sentir levemente tonta, e um calafrio corre minha espinha. Eu não posso me render agora. Inspiro e expiro alto, e consigo curvar meu corpo um pouco para o lado. Enfio os dedos dentro da bota e toco o topo da estaca escondida. Mordo meu lábio inferior e continuo tentando me curvar, até conseguir puxar a estaca de prata para fora da bota.
Solto um gemido de dor, ao mesmo tempo que, minha visão começa a embasar e meu corpo esfriar.
Ergo o braço e o enfio entre meu corpo e o de Taehyung, e com alguma força, empurro a ponta da escada contra seu peito, fazendo, instantaneamente, ele tirar suas presas de dentro da minha pele.
Lentamente, ele afasta seu rosto do meu pescoço, até que eu consiga o enxergar. Taehyung encara a estaca enfiada em seu peito. A forço mais fundo contra sua pele, e ele segura minhas mãos, tentando me impedir de continuar. Seus olhos voltam a me encarar, e o líquido vermelho que sujava sua boca, cai sobre a minha boca, em uma mistura do que era o meu sangue e o sangue dele.
Tento forçar a estaca mais uma vez contra Taehyung, mas ele empurra minha mão para trás, deixando só a ponta da estaca dentro de sua pele.
Com a respiração descompassada, forço meu corpo para o lado e consigo derrubar Taehyung, ficando por cima dele agora, tendo um pouco mais de apoio para tentar empurrar a estaca contra seu peito.
Mais um pedaço se enterra contra sua pele, fazendo um barulho horrível que me obriga a fechar os olhos. E quando os abro novamente, vejo algumas gotas de água, pingarem sobre o rosto de Taehyung, mas não era a água da tempestade que me molhou antes, essas pequenas gotas eram quentes e escorriam dos meus olhos.
Céus, por que estou chorando?
Respiro com dificuldade e engulo meu choro, enquanto o rosto de Taehyung se contorce em uma feição de dor. Aos poucos, eu sentia que sua força diminuía, ele estava igualmente machucado.
Minhas mãos quase vacilam quando minha visão volta a embasar, como se uma grande camada de fumaça me atrapalhasse a enxergar. E quando meus pulmões puxam aquele ar pesado que me faz querer tossir, tenho certeza que a fumaça realmente está aqui.
Um ar incrivelmente quente atinge meu corpo, me fazendo olhar para trás assustada, vendo uma cortina cinza vir do corredor.
Fogo.
Isso era fogo.
Os meus olhos se arregalam, e minhas mãos se afrouxam em torno da estaca quando lembro das palavras de minha avó há alguns dias. Mas ela não seria capaz, ela não coloria fogo na mansão sabendo que eu estou aqui, não é?
Ficando completamente atônita, Taehyung consegue afastar minhas mãos da estaca. Ainda tendo alguma força, ele se levanta, me levando junto, para depois, me carregar nos braços até à sacada da sala de música.
– O que você vai fazer, Taehyung?! – Pergunto desesperada, quando ele estende meu corpo para fora da sacada. – Taehyung, eu estou falando com você! – Grito, enquanto tento me agarrar contra sua blusa suja de sangue.
As lágrimas que inutilmente tentei segurar, não paravam de rolar por meu rosto.
Taehyung me encara uma última vez, e o vermelho de seus olhos vai desaparecendo, dando lugar a sua cor natural, que era cercada por um brilho diferente. O sangue escorre pelos cantos de sua boca, indo em direção ao seu pescoço, e o vento da tempestade molha e balança seus longos cabelos brancos.
– Taehyung... – Sussurro seu novo e me corpo treme em seus braços que me soltam para fora da sacada.
E despencando do terceiro andar, consigo ver Taehyung arrancar a estaca de prata do peito, enquanto seu corpo cai no chão da sacada que era engolida pela fumaça cinza. Um grito desesperado rasga minha garganta, seguido pelos poderosos trovões que abafam o som dos meus ossos se partindo quando encontram o jardim dos fundos da mansão; me levando direto para a escuridão, enquanto dou meu último suspiro de dor debaixo da lua de sangue.
Epílogo
Solto o ar pesadamente pelo nariz, em desaprovação, enquanto encaro meu reflexo.
Me aproximo mais do grande espelho e inclino meu rosto para frente, examinando com cuidado a marca que permaneceu por todos esses anos no meu pescoço.
– Isso aqui não vai sumir nunca? – Pergunto frustrada para mim mesma.
Não importa o que eu passe ou o que faça, essa maldita e irritante marca de presas não saía da minha pele.
Suspiro, soltando a gola da minha blusa, deixando que ela tampe a marca.
Continuo parada de frente para o espelho, até encarar a mesinha posta ao lado dele. Sobre ela, haviam dois porta-retratos, um com uma foto em que eu estava com Meg, Lilu e Sally, nos tempos em que nos tornamos uma equipe; e a outra, uma foto onde Lilu, Sally, Wendy e eu tiramos um tempo depois, quando minha irmã assumiu o novo lugar de exorcista da minha equipe.
Já se passaram quatro anos desde que Meg e muitos outros humanos morreram tentando salvar a nossa espécie das infernais criaturas. Nem posso acreditar que quatro anos se passaram... e eu sobrevivi.
Eu tinha certeza que morreria durante aquela queda, mas, por carregar o sangue de um Van Helsing, acordei três dias depois, sentindo meu corpo um pouco dolorido, como se tivesse acabado de treinar com Lilu. Mas apenas isso, nenhum osso quebrado ou machucado, nada, eu estava em perfeito estado.
Há quatro anos atrás, na lua de sangue, eu morri e nasci outra vez.
Essa noite parece um sonho louco e turbulento na minha cabeça, mas eu sei que aconteceu e que eu estive lá, porque as perdas foram reais. Minha avó foi uma dessas pessoas, depois de incendiar a mansão Dracul, misteriosamente, ela acabou entre as labaredas de fogo. E sendo sincera comigo mesma, depois de tudo que ela me fez passar, Morgana Van Helsing não é alguém que tenho saudades todos os dias... mas Meg, ela com certeza deveria estar viva.
Suspiro de novo, sabendo que isso já havia virado um hábito.
– Elena, estou entrando! – Escuto Wendy gritar do lado de fora do meu quarto, e quando olho sobre os ombros, a vejo entrando, seguida de Lilu e Sally.
– O que foi? Aconteceu alguma coisa? – Pergunto, me virando para elas que me encaram com feições sérias. – Pelo visto, pra vocês três estarem aqui de uma vez, aconteceu mesmo.
Wendy se aproxima de mim, e me estende um envelope branco que ela segurava.
Sem entender bem o que estava acontecendo, pego o envelope de suas mãos, vendo o endereço do remetente marcar "Transilvânia, Romênia". Isso é o bastante para fazer meu corpo inteiro ficar tenso. Viro o envelope do outro lado, e o dizeres "Para minha doce Elena", fazem meu sangue correr gelado nas veias.
Espantada, olho para as três garotas no meu quarto.
– Todas nós recebemos um também. – Wendy diz, e dá alguns passos para trás, se juntando a Sally e Lilu.
Disfarçadamente, respiro fundo, e abro o envelope que continha uma carta e um anel no fundo dele. Pego o anel com uma delicada pedra vermelha e o encaro por alguns segundos, antes de ler o que estava escrito na carta.
"Venha ao nosso baile de máscaras daqui três dias, às 22h00 horas. Sua presença é muito importante."
Tenho a impressão de que meus joelhos tremem quanto incontáveis besteiras atingem minha mente.
Isso era impossível, não faz sentido o que estou pensando nesse momento.
– Então, o que vamos fazer agora? – Sally pergunta, me fazendo olhá-las de maneira espantada devido ao pequeno susto que tomo quando sou puxada para fora dos meus pensamentos confusos.
Fico em silêncio e volto a encarar a carta e o anel que veio com ela.
– Nós vamos para Transilvânia.
CONTINUA NA PARTE II
Drácus Dementer: Lycanthrope
Drácus Dementer: Lycanthrope
>Sinopse: ❝Uma figura para o encerramento do tempo, a divina antagonista, vazia da palavra vazia.❞
Lycanthrope.
❝Às vezes, você acorda e seu mundo foi engolido. Às vezes, o mundo muda durante a noite. Às vezes, aqueles que você ama, te traem. Mas uma coisa é garantida, você sempre morre sozinho.❞
Se proliferando como uma praga silenciosa, esperando o momento certo para mostrar suas garras afiadas e seus dentes manchados com o sangue. Maldita seja a lua que o liberta. Nosferatu e Van Helsing, condeno-tes, exilem esse maldito lobo para os confins do inferno.
❝Até o meu último dia... até o meu último suspiro.❞
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