Drácus Dementer: Lycanthrope

Escrito por Hels | Revisado por Natashia Kitamura

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Prólogo

  – Espera, só mais um pouquinho... tadã! – Lilu afasta suas mãos de mim depois de prender a máscara no meu rosto.
  Ela pula da cama, segurando a barra de seu vestido para não cair, fazendo seus longos cabelos pintados de laranja, balançarem com o movimento.
  – Você está linda, Eleninha. Vem ver. – Lilu vira meu corpo e me empurra até o banheiro do pequeno quarto da pousada onde estávamos desde que chegamos na Transilvânia. – Não sei se dá pra enxergar muita coisa, mas você está linda, pode acreditar. – Lilu pula animada atrás de mim.
  Arregalo um pouco os olhos, ao encarar a minha imagem através do espelho.
  Algumas mechas de cabelo estavam presas para trás, deixando meu rosto em evidência na máscara, enquanto outra parte estava sobre meus ombros descobertos pelo vestido vinho aveludado, e sobre as costas, tapando um pequeno pedaço da marca/tatuagem que carrego até hoje em minha pele. Um grande decote estava exposto, e no começo precisei de um tempo para me acostumar, mas, olhando agora, não parece tão mal assim.
  – Meu Deus, olhe só pra você! – Wendy grita, parando na porta do banheiro.
  Seus cabelos estavam inteiramente presos em um bonito penteado que combinava perfeitamente com o vestido preto que ela usava, assim como o colar de mesma cor.
  – Espero que vocês se lembrem que estamos em missão. – Sally passa atrás de Wendy, indo para o outro lado do quarto.
  – A Sally está certa. Nós só estamos indo para esse baile para descobrir quem mandou as cartas. – Digo, passando ao lado de Wendy e voltando para dentro do quarto.
  – E qual o problema de nos divertimos um pouco? – Lilu pergunta, saindo do banheiro e indo atrás de sua máscara.
  – Eu não confio em você se divertindo. – Sally diz, enquanto esconde uma pequena faca na cinta liga que usava debaixo do vestido escuro, justamente para isso.
  – Vai dar tudo certo. E se não der, nós já estamos encrencadas mesmo. Quero só ver quando o Padre Albert souber que viajamos escondidas. – Wendy se joga em uma das camas de casais que dividíamos, apoiando o peso de seu corpo nos cotovelos.
  – Quando vai avisar ele que viemos pra Transilvânia? – Sally pergunta, pegando sua máscara que estava na mesma cama que Wendy deitou.
  – Antes de sairmos eu mando uma mensagem eu aviso. – Respondo, e Lilu ri de maneira escandalosa, adorando toda essa situação impulsiva em que nos metemos. Ou melhor, em que eu nos coloquei.
  Caminho para perto da pequena cômoda de duas gavetas, onde deixei o envelope que me trouxe até esse lugar distante. Abro ele e puxo para fora o anel de pedra vermelha que veio junto. E, delicadamente, o coloca em meu dedo anular da mão esquerda, já que uso o anel de família na mão direita.
  – Já são quase dez horas. – Wendy avisa.
  – Todas prontas? – Pergunto, ficando de costas para a cômoda de duas gavetas.
  As três assentem, devidamente vestidas e mascaradas.
  – Vamos repassar rapidamente o que faremos. – Digo, colocando as mãos na cintura por cima do vestido. – Não sabemos quem nos convidou, mas pelo local e pela má experiência que tive com bailes de máscaras, provavelmente é um vampiro. Estamos indo para essa festa tentar descobrir quem está por trás de tudo isso. Mas, também, não se esqueçam do que eu falei antes, muitos humanos são hipnotizados ou seduzidos para comparecerem a esse tipo de evento, então, libertem todos que puderem.
  – Pode deixar. – Lilu ergue a barra do seu vestido, deixando uma das suas pernas à mostra, revelando a cinta liga que carregava pequenos frascos de Erva-Amarela.
  – Sem hipnose. Mandaremos todos os humanos pra bem longe desse lugar, Eleninha. – Wendy sorri animada, e quase suspiro com a empolgação dela e de Lilu.
  – Seja o que Deus quiser. – Ergo as mãos para cima, sabendo que a noite da Transilvânia, o covil dos vampiros nos aguardava.

Capítulo 1

  Esse lugar, a Transilvânia, trazia uma sensação completamente obscura, tudo aqui parecia ter parado no tempo, exatamente como Upiór. Porém, mesmo que seja antigo, tudo se tornava muito elegante, como se eu tivesse ido parar na era dos reis e rainhas. E levando em conta que, nesse exato momento, estou indo para um castelo (literalmente), talvez eu realmente tenha feito uma viagem no tempo.
  Mesmo que a noite esteja agradável, uma leve nevoa pairava sobre o ar, provavelmente por este lugar ser montanhoso. Durante o caminho até o castelo, percebo que minha equipe e eu não éramos as únicas indo para este baile, já que muitas outras pessoas estavam formalmente trajadas em ternos e vestidos, todo pegando o mesmo caminho.
  Uma familiar ansiedade que não me assolava há mais ou menos quatro anos se apossa de todo meu corpo nesse momento, me revirando completamente por dentro. Sinto minhas mãos soarem levemente, por isso, as movimento (abrindo e fechando) para tentar me livrar disso.
  Cheguei neste lugar há dois dias, e durante essas quarenta e oito horas, eu não paro de ter ideias idiotas sobre quem possa ter mandado aquela carta. Isso era surreal, e aqueles filhos de Henry, os irmãos, principalmente um em especial, tornavam os meus pensamentos em pesadelos acordados. Mas não era possível, pois sei que eles morreram naquele incêndio. Talvez seja algum outro vampiro, um novo sucessor de Drácula, querendo se vingar pelo que fizemos.
  Sei que foi completamente imprudente da minha parte viajar para Romênia sem antes avisar os meus superiores, mas, naquele momento, depois de ler aquela carta, eu simplesmente não consegui me controlar, eu me senti inquieta; eu precisava descobrir o real motivo por trás dessa carta.
  De qualquer forma, minha equipe e eu não pretendemos chamar atenção, iremos apenas investigar, para que assim, possamos relatar tudo ao Padre Albert que, se já leu minha mensagem, deve estar soltando fogo pelas ventas.
  Céus, estamos muito encrencadas, mas irei lidar com isso depois.
  Para que chegássemos em nosso destino, foi preciso subir uma pequena colina com chão de pedras lisas, que era cercada por árvores e mais árvores altas. Era como se tivessem desmembrado uma floresta para fazer esse caminho e o que estava no final dele.
  Não foi um caminho difícil, mas era um pouco cansativo, já que o local do baile era um pouco afastado do centro da cidade, ficando no ponto mais alto, sendo visto de qualquer lugar. Um grande símbolo que carregava inúmeras lendas.
  Quando a colina finalmente termina, a primeira coisa que vejo é um enorme muro de pedra em tamanhos, formas e desenhos esculpidos nas pedras, como uma construção que não parecia ser dessa era. Bem ao centro do muro, debaixo de um pequeno formato cruzado como se imitasse a parte da frente do telhado de uma casa, estava gravurado "Castelul lui Dracula".
  Eu finalmente havia chegado, esse era o lugar, o covil, o berço de todos os Dráculas que já passaram por esta terra.
  Minhas entranhas se reviram à medida que tenho a sensação de ser inundada por milhares de pequenos insetos que me deixam cada vez mais nervosa. Respiro fundo, sentindo três pares de olhos sobre mim, e sei que minha equipe está esperando que eu, literalmente, dê o primeiro passo.
  Mesmo nervosa, seguro na saia do meu vestido, erguendo-o um pouco, e começo a andar pelo chão cimentado que estava coberto por folhas vermelhas-alaranjadas. Escuto os passos das três que me acompanhavam atrás de mim e, assim, passamos pela pequena entrada que nos revelou a maior estrutura que já vimos em nossas vidas. Era enorme, majestoso, inigualável, era o Castelo do Drácula.
  Completamente espantada com tudo que vejo, continuo caminhando, indo em direção a uma pequena ponte de pedra curvada, que passava por cima de um claro e brilhante lago calmo que, no final, deu direto para um jardim formado por relevos de grama e gárgulas. Um pequeno caminho no centro de tudo isso, nos levou para a frente do castelo, que mais parecia uma arranha-céu de tão alto, e confesso que chegava a dar um pouco de medo. Eram inúmeras torres com tetos pontiagudos, inúmeras janelas de vitrais vermelhos, o lugar era de dar arrepios.
  Havia algumas sessões de escadas até que conseguíssemos entrar na mansão, então, tivemos que subir alguns degraus em direção reta, depois virar mais alguns para a direita e subir uns últimos para cima e reto, de novo. A grande porta de entrada estava aberta, e os convidados entravam despreocupadamente e, sem saber muito bem o que fazer, nós quatro acabamos por seguir os que estavam na frente. E com isso, passamos por um longo hall com um tapete vermelho no chão e espelhos nas paredes. Quando saímos do hall, entramos em um espaço enorme preenchido por pilastras desenhadas e por diversas escadas curvadas que levavam para outros lugares do gigantesco castelo.
  Um mordomo mascarado já nos esperava, pronto para nos mostrar o restante do caminho. Ele nos indica o lado esquerdo, nos fazendo passar por debaixo de uma das escadas curvadas. Depois, ele para em frente a uma porta dupla e a empurra para dentro, revelando o maior salão de bailes que eu já havia visto em toda a minha vida. Isso aqui deve ser maior que a casa que divido com a minha equipe; definitivamente era muito maior.
  Pessoas bem vestidas estavam por toda parte, dançando no meio da música alta clássica. Suas identidades estavam preservadas pelas máscaras, enquanto se deliciavam com as taças de líquidos vermelhos. Mordomos e empregadoss estavam por toda parte, servindo bebidas e comidas em bandejas que pareciam ser de ouro, ao menos, a cor era bem semelhante.
  Esse lugar me traz uma sensação mais obscura do que andar nas ruas da Transilvânia. Todas essas pessoas mascaradas que eu sei que não são pessoas, porque o grande número deve ser dos vampiros, os Drácus Dementers.
  Se eu não fosse uma Van Helsing e não pudesse sentir a presença dessas criaturas, isso aqui se tornaria muito difícil.
  As garotas param ao meu lado, bem no momento em que um dos mordomos passa com uma bandeja repleta de taças com líquidos avermelhados. Sem pestanejar, Lilu pega uma das taças sobre a bandeja, pronta para beber, mas eu a impeço, tomando a taça de sua mão quando estava perto o suficiente de sua boca coberta por um batom escuro.
  – Você aceitaria uma taça de vinho? – Sorrindo, pergunto para uma mulher de cabelos curtos que passava do meu lado.
  – Claro. Obrigada. – Ela sorri e pega a taça.
  – Não foi nada. – Aceno com a cabeça e ela sai.
  Me viro para minha equipe, encarando Lilu - agora carrancuda - com desaprovação.
  – Não vamos beber e nem comer nada, entenderam? Não sabemos se colocaram alguma coisa, é arriscado. – Falo, séria, e Lilu revira os olhos.
  – Então, por que você deu pra ela? – Lilu aponta para trás de mim, onde a mulher de cabelos escuros estava.
  Por um segundo, a espio pelo canto de olho.
  – Ela vai ficar bem. Não se preocupe. – Digo, sabendo que aquela mulher estava longe de ser uma humana.
  – Não começa. – Sally diz para Lilu, quando ela cruza os braços, ainda mantendo a carranca.
  Lilu a encara com falso desprezo, só para provocar, mas depois suspira, balançando as mãos no ar, enquanto revira os olhos outra vez, se dando por vencida.
  – Vamos repassar o plano rapidinho? – Wendy pergunta baixo, ao lado de Sally, que estava no meio das três paradas na minha frente.
  Assinto, em concordância.
  – Nós vamos nos separar. Tentem mandar todos os humanos que puderem pra casa, mas sejam discretas, não podemos arranjar confusão, ok? – Pergunto baixo, mas elas só assentem, olhando para alguma coisa atrás de mim.
  Curiosa, me viro, vendo um garoto alto e jovem, de pele pálida e cabelos pretos, parado atrás de mim, me encarando atrás de sua máscara, com um sorriso descoberto.
  Com uma mão escondida atrás do próprio corpo, ele estende a outra em minha direção.
  – Eu poderia tirar essa bela dama para dançar? – Com sua mão estendida, ele continua me encarando.
  – Hm... eu não sei dançar, me desculpe. – Sorrio forçado, tentando me livrar dele.
  – Não se preocupe com isso. – Delicado, ele segura em minha mão e me puxa sutilmente para dançar com ele, me levando por entre as pessoas do baile.
  Por cima dos ombros, procuro por minha equipe que continua parada no mesmo lugar.
  Quando estava pronta para insistir em minha desculpa, o garoto de cabelos pretos para de andar e me vira de frente para ele, colocando sua mão livre em minhas costas, trazendo meu corpo para perto do seu.
  Mantendo seu galante sorriso, ele começa a nos movimentar de um lado para o outro, e apenas por encarar seus olhos cor de âmbar, não consigo ir embora. Havia algo muito sombrio sobre isso, era como estar conectado, não conseguindo fugir mesmo querendo.
  Seus cabelos estavam propositalmente bagunçados de um jeito arrumado, com as laterais sendo mais baixas do que os medianos fios da parte de cima da sua cabeça, com algumas mechas caindo sobre sua testa. O seu terno era preto, assim como a blusa de gola alta que ele usava por baixo, deixando em destaque seu colar de prata sobre a gola da blusa. Suas orelhas eram furadas, as duas carregando pequenos brincos da cor preta, também.
  Os olhos cor de âmbar piscavam lentamente, sustentando o nosso contato visual, e seus lábios nem tão finos, não abandonavam o sorriso que o fazia se tornar mais charmoso a cada segundo.
  A mão que estava sobre os meus cabelos que cobriam minhas costas, permanece imóvel, enquanto a outra mão tentava deixar seu toque sempre leve, não apertando minha mão.
  Nossos corpos iam de um lado para o outro, dançando entre todas as outras pessoas ao nosso redor. E minha cabeça ficava emitindo a mesma mensagem "Elena, você deve fazer o que veio fazer", mas era impossível me afastar desse garoto agora, eu não entendo e nem consigo.
  Suspiro quando a temperatura do meu corpo fica oscilando entre quente e gelado, como se um ventilador estivesse apontado em minha direção, emitindo um vento frio, mas que toda vez que o ventilador girava, o calor voltava no mesmo instante.
  Mais alguns passos e a música se aproximava do fim, fazendo, assim, nosso ritmo se tornar lento até que parasse. O garoto de cabelos pretos retira sua mão das minhas costas e, em seguida, beija minha mão esquerda, bem próximo ao anel de pedra vermelha que estou usando.
  – Foi um prazer dançar com você. – Ele se curva rapidamente, e depois começa a se afastar.
  – E-Espera! – Digo um pouco alto, o fazendo parar. – Qual o seu nome? – Pergunto, e ele sorri antes de me deixar sem uma resposta.
  Quando mais um suspiro escapa de minha boca, chacoalho minha cabeça, tentando voltar ao normal.
  Eu preciso me concentrar.
  Olho em volta em busca da minha equipe, e acabo vendo Sally relativamente perto de onde eu estava. Ela dançava com um garoto, mas seus olhos estavam em mim, e quando percebe que eu a encaro de volta, Sally aponta discretamente com a cabeça para alguém que estava ao seu lado.
  Uma garota de vestido acinzentado e cabelos presos, estava com um homem que parecia um pouco mais velho que ela. Ele cheirava e beijava seu pescoço, inúmeras vezes, não tendo pretensão de se afastar dali.
  Volto a encarar Sally e, quase que imperceptivelmente, assinto para ela, mostrando que entendi.
  Com passos rápidos, me aproximo dos dois, fazendo o homem mais velho se afastar do pescoço da garota, para me olhar. E mesmo com uma máscara branca, eu consigo perceber quando ele arqueia as duas sobrancelhas como se perguntasse "o que você quer?".
  – Se não for incômodo, eu gostaria de dançar um pouco com ela. – Sorrio para o homem, que não parece gostar nenhum pouco da minha ideia.
  Sem esperar por uma resposta sua, eu simplesmente seguro na mão da garota e a puxo para longe dele, o fazendo assumir uma postura defensiva, como um gato arisco.
  – É só uma música, poxa. – Forço uma feição desapontada. E parecendo irritado, o homem simplesmente se vira para nós e vai em busca de uma nova presa.
  Me viro para a garota e a seguro em uma posição de dança, logo depois procurando Sally de novo para indicar o homem que saiu. Ela entende o recado e se afasta do garoto com quem dançava, e vai atrás do homem para vigiá-lo e impedi-lo de atacar outro humano.
  Olho para a garota com quem eu dançava, percebendo que seus olhos, apesar de estarem em mim, estavam completamente vidrados, ela nem piscada; estava hipnotizada.
  Apreensiva, passo os olhos pelas demais pessoas no salão, me sentindo um pouco paranoica com isso agora, como se finalmente conseguisse ver quem precisa de ajuda.
  Lilu e Wendy surgem em meu campo de visão, ambas se aproximando de mim enquanto dançam. Não perco tempo, e com a mão que estava nas costas da garota de olhos vidrados, aponta pra ela mesma, para que Lilu e Wendy percebam o que eu quero.
  Com um sorriso positivo de Lilu, ela abre sua mão que estava junto da de Wendy, me mostrando um pequeno frasco de Erva-Amarela. E tanto elas quanto eu, começamos a nos aproximar em passos de dança, comigo sempre tendo que puxar a garota em direção as outras duas. E com um afastar e um giro, jogo a garota nos braços de Lilu, em seguida, iniciando uma dança com Wendy.
  Atenta, fico observando Lilu e a garota, sobre os ombros de minha irmã. Discretamente, Lilu coloca sua mão que segurava o frasco de Erva-Amarela, sobre a lateral do braço da garota, usando a pequena agulha escondida dentro do frasco, para injetar o líquido. Depois, Lilu aproxima seu rosto do pescoço dela, e sussurra alguma coisa que faz a garota se afastar um pouco assustada, a encarando por alguns segundos antes de sair apressada do salão.
  Nos saímos bem. Se nos mantermos assim, tudo dará certo.
  – Ela conseguiu. – Aviso Wendy, que sorri e assente.
  – Vamos continuar assim? – Minha irmã pergunta, enquanto dançamos.
  Olho em volta.
  – Ficaríamos a noite toda fazendo isso e não conseguiríamos livrar todos os humanos, tem muita gente nesse lugar. Nós precisamos nos separar.
  – E o que você quer fazer?
  – Nós duas vamos sair desse salão e vamos procurar por alguma coisa nesse castelo. A Lilu e a Sally ficam aqui, tentando livrar mais alguns.
  Nosso real objetivo é descobrir quem está por trás das cartas, e se passarmos a noite inteira preocupadas com os humanos, no final não teremos nada. Por isso, penso que esse é o melhor jeito de fazermos as duas coisas.
  Wendy concorda, e paramos de dançar, indo até Lilu e contando sobre o plano. Ela diz que vai atrás de Sally para que as duas trabalhem juntas aqui. E com isso, minha irmã e eu saímos do salão, voltando ao espaço com escadas e pilastras.
  Peço que Wendy tome cuidado, e que se encontrar qualquer coisa suspeita, ela deve retornar ao salão e avisar as outras. Nada de agir sozinha essa noite, não queremos chamar atenção.
  Sempre atenta para saber se não estou sendo vigiada, acabo indo para o lado contrário do salão, abrindo uma outra porta que também ficava embaixo de uma das escadas curvadas. Sem fazer barulho, passo para o outro lado, dando em um extenso corredor coberto por um similar tapete vermelho do hall.
  Em um dos lados do corredor, havia uma parede clara e limpa, e do outro, janelas que davam vista para o lado de fora. Por estar de noite, eu não conseguia ver muito mais do que árvores do lado de fora.
  E em silêncio, mas atenta, começo a caminhar pelo corredor vazio, escutando apenas o baixo ressoar dos meus saltos abafados pelo tapete vermelho. Com a mão esquerda, procuro pela pulseira de Erva-Marrom escondida debaixo da manga do vestido, me certificando de que ela estaria ali para esconder a minha presença.
  O final do corredor era escuro, sendo fracamente iluminado pela luz que atravessava as janelas do corredor. Paro e observo o que eu deveria fazer agora. Ao meu lado esquerdo havia uma escada para outro andar e, à minha frente, uma abertura de porta, mas sem porta.
  Preparada para qualquer coisa, começo a caminhar em direção à abertura sem porta, vendo de longe, nada além da escuridão do outro lado, e isso foi o que despertou minha curiosidade para saber o que poderia estar escondido ali.
  Um arrepio causado por uma inesperada sensação de frio corre por toda minha espinha, me fazendo parar de andar. Ainda encarando a abertura escura, meu corpo fica tenso quando sinto uma segunda presença junto da minha. Tudo estava em silêncio, e meu coração se encarrega de preencher os meus ouvidos com batidas ansiosas, fazendo minhas mãos voltarem a suar e minhas entranhas se revirarem.
  Abro a boca e, silenciosamente, respiro fundo, antes de me virar e descobrir quem estava comigo.
  – Eu sabia que você viria.
  Meus olhos se arregalam, e dou dois passos para trás, fechando minhas mãos em punhos quando elas parecem querer tremer. E se antes minha boca estava aberta para respirar fundo, agora ela estava aberta em descrença. Tenho vontade de coçar os olhos para descobrir se não estou alucinando, mas meu corpo está chocado demais para fazer isso.
  Os olhos castanho-escuros me encaram em meio a alguns frios brancos de cabelos, enquanto os lábios avermelhados me ofereciam um sorriso insolente, revelando parcialmente seus dentes alinhados e brancos. A pele pálida que parecia uma porcelana, estava debaixo de uma blusa preta de botões dourados e relevos semelhantes a babados, com um colete preto por cima. Os longos brincos que adornavam suas orelhas furadas, cintilavam sob a fraca luz das janelas.
  O seu perfume de flores e sangue me deixava tonta, completamente inebriada, como uma bêbada repleta de alucinações.
  – Já tem um bom tempo. – Sua voz rouca e grave, quase faz as minhas pernas tremerem por debaixo do meu vestido aveludado.
  – C-Como você pode estar vivo? – Pergunto, incrédula.
  Sua cabeça se inclina um pouco para o lado, fazendo um de seus brincos penderem e seus cabelos acompanharem o motivo.
  Seus olhos me encaram de cima a baixo, e mais um sorriso surge em seus lábios perfeitamente delineados com uma pequena pintinha no canto inferior.
  – Você por acaso me viu morrer? – Suas palavras eram sombriamente zombeteiras, assim como seu sorriso, enquanto ele arqueava as duas sobrancelhas. Talvez para ele, isso seja engraçado de alguma forma.
  Calmamente, ele dá dois passos em minha direção, e leva uma das suas mãos com unhas pintadas de preto em direção ao meu pescoço, afastando todo o cabelo que estava ali. Suas pupilas se dilatam quando ele vê minha pele desnuda. E com a ponta dos dedos, ele toca o local que sei estar marcado por duas pequenas marcas de presas.
  Afasto sua mão do meu pescoço, e dou mais dois passos para trás.
  – Como é que você está vivo, Taehyung? – Minhas palavras eram uma mistura de exaspero, descrença e começo de uma irritação.
  Sem dizer nada, ele apenas enfia as mãos para dentro dos bolsos das calças pretas.
  – Você deveria saber que um Drácula não morre tão facilmente. – A resposta não vem de Taehyung, e sim, da pessoa que estava descendo as escadas atrás dele.
  Yoongi.
  Calmamente, e com uma das mãos para dentro de um dos bolsos, como Taehyung, ele desce todos dos degraus, até que estivesse ao lado de seu irmão mais novo e mais alto.
  – Me deixe ser o primeiro a te parabenizar por seu noivado. – Com os olhos preguiçosamente pouco abertos, Yoongi diz.
  Meu cenho se franze, o encarando abstrusa.
  – Do que você está falando?
  Com a mão que estava fora do bolso, Yoongi segura a minha mão esquerda.
  – Este é um anel muito especial, do tipo que só uma das noivas de um Drácula usa. E se você veio até esse baile com esse anel, é porque aceitou o pedido de casamento do Taehyung.
  Yoongi solta a minha mão, enquanto encaro atônita o anel de pedra vermelha que estava no meu dedo anular.
  Olho para Taehyung, que sorri de maneira cínica e arqueia uma das sobrancelhas. Ele estava adorando isso, eu sei que sim.
  – Foi você que me mandou? – Espantada, pergunto para ele, que não responde. – Você só pode estar brincando comigo. – Passo a mão pelo rosto, retirando a máscara e a jogando no chão.
  Me tornando exasperada no segundo seguinte, tento puxar o anel para fora do meu dedo, mas ele não sai, estava entalado. Sua auréola só rodava, mas não saia do meu dedo.
  Yoongi encara Taehyung de maneira significativa que só eles entendem, e depois ri nasalado, antes de passar por mim e entrar na abertura escura que eu estava prestes a espiar antes de tudo isso acontecer.
  – Eu devo pedir que preparem um quarto pra você? A não ser que a minha noiva queira ficar no meu quarto... comigo. – Suas palavras se arrastam com insolência.
  Completamente descreditada, me calo, e Taehyung vê isso como um convite para se aproximar, deixando seu rosto próximo do meu pescoço, fazendo seu nariz tocar minha pele, antes que ele inspire profundamente.
  – Tão doce quanto eu me lembro. – Ele sussurra.
  Meu corpo treme quando sua voz soa perto da minha orelha, mas consigo empurrá-lo para longe. Taehyung ri, e passa a mão pelos cabelos, me olhando de forma sombria.
  As batidas aceleradas do meu coração são um aviso de alerta para que eu desperte e consiga correr para bem longe de Taehyung, voltando pelo mesmo caminho que vim, enquanto tento a todo custo tirar essa droga de anel do meu dedo.

Capítulo 2

  Faz exatamente quinze horas que Padre Albert saiu daqui com Héllio, um dos representantes do Vaticano.
  Anteontem, depois que eu e a minha equipe voltamos para essa pousada que estávamos ficando, percebi que haviam mais de vinte chamadas perdidas do Padre Albert no meu celular, fora as falhas tentativas dele no celular das garotas. Então, naquele momento, eu soube que estava em uma encrenca tão grande que queria fugir, mas tive que reunir coragem e retornar as ligações dele. E, depois de uma longa conversa, contando absolutamente tudo, desde a carta até o anel, Padre Albert ficou por longos segundos em silêncio, e eu até pensei que ele pudesse ter desmaiado ou coisa do tipo, mas quando ele começou a gritar do outro lado da linha, eu soube que ele estava mais que acordado. Eu nunca tinha "visto" o Padre daquele jeito, eu até o podia imaginar cuspindo fogo como um dragão irritado.
  Não sei ao certo quanto tempo nossa ligação durou, mas sei que escutei um belo e longo sermão de como fui irresponsável colocando a minha vida e a da minha equipe em perigo, e eu que eu não podia simplesmente sair por aí e fazer o que me dava na telha, pois tenho um compromisso com a igreja. Acho que depois de descarregar toda sua raiva, ele conseguiu se acalmar, porque me lembro do seu tom de voz soar um pouco mais calmo, pouquíssima coisa.
  O Padre pediu que todas nós nos mantivéssemos escondidas na pousada e que esperássemos por ele. Era como se ele tivesse vindo voando, já que algumas horas depois, ele estava batendo na porta do nosso quarto com Héllio ao seu lado. Padre Albert disse que, como sempre, precisou relatar todo o ocorrido para o Vaticano, e eles enviaram Héllio, que era o representante mais perto (em questão de espaço) do Padre, e que ele deveria o acompanhar até aqui.
  Ambos escutaram toda nossa história - o Padre Albert pela segunda vez -, e ao final, eles simplesmente se levantaram e saíram do quarto, me deixando completamente imersa em um nervosismo que se perpetuou por quinze horas.
  A ficha finalmente havia caído. Eu já tinha alguma noção da minha imprudência, mas agora, depois de tudo isso, parece ainda mais inconsequente. Eu não deveria ter deixado os meus sentimentos se sobressaírem à minha razão, já que eles são os verdadeiros culpados por tudo isso, incluindo essa porcaria de anel que não saía do meu dedo de jeito nenhum. Eu tentei usar sabonete, água e até mesmo óleo quando fui até à cozinha da pousada e pedi uma pequena ajuda para um dos cozinheiros. Wendy tentou alguns exorcismos e Sally tentou usar algumas ervas e itens místicos, mas nada funcionava. O anel se movia no máximo uns dois centímetros no meu dedo, mas não passava das juntas, e isso já estava me irritando tanto que estou cogitando a ideia de Lilu, de arrancar meu dedo e torcer para outro nascer no lugar depois.
  – Daqui a pouco a porta vai criar pernas e sair andando, com medo desse seu olhar aí. – Wendy se senta ao meu lado na cama, também, ficando de frente para a porta do nosso quarto.
  Não posso evitar, estou nervosa e esperando o momento em que Padre Albert vai entrar com Héllio e nos dar uma bela sentença.
  – Provavelmente seremos expulsas da igreja, e a culpa é toda minha. – Expiro alto e forte, enquanto mordo o interior da minha bochecha, tentando de alguma forma controlar essa horrível sensação. Eu me sentia como uma criança que havia aprontado e que agora estava à espera de um castigo.
  – Você não obrigou nenhuma de nós, estamos aqui por vontade própria. – Sally diz tranquilamente, deitada na outra cama de casal.
  Eu invejava esse autocontrole que ela sempre tinha. As únicas vezes que ela não conseguia controlar seu nervosismo, era quando Lilu a irritava, o que era feito com frequência, por sinal.
  – É. – E pensando nela, Lilu se joga sobre as minhas costas, passando seus braços para frente do meu tronco e me abraçando pelo pescoço, enquanto apoia seu queixo no meu ombro. – Nós somos uma equipe, Eleninha. Uma por todas e todas por uma. – Lilu balança nossos corpos, fazendo seu cabelo (que a quatros anos atrás era curto e loiro, e que agora estava longo e tingido por um laranja avivado) cair sobre os meus ombros.
  Suspiro e seguro um dos braços de Lilu, tentando forçar um sorriso.
  Mesmo em momentos como este, quando estou extremamente nervosa, consigo me sentir grata por ter essas três garotas comigo. Mesmo com as diferenças e inúmeras discussões, nós nos tornamos uma família. Às vezes, quando me lembro do que o Padre Albert me disse há quatro anos, lá na pequena capela de Upiór, sobre ter escolhido a dedo essas garotas para completarem a minha equipe, penso que ele usou o critério "vou juntar todas as que atraem mais confusão", porque era exatamente isso que expressava os momentos em que estamos juntas.
  – Se você for se sentir mais calma, eu posso ligar para o Padre e perguntar onde ele está. – Wendy inclina seu corpo para frente para ver meu rosto melhor.
  Encaro minha irmã, que depois de quatro anos resolveu cortar seu longo cabelo loiro, que além de mais liso e mais escuro, estava pouca coisa abaixo de seus ombros, talvez um palmo. E antes que eu tivesse a oportunidade de respondê-la, ou sequer pensar sobre isso, a porta do nosso quarto é aberta, fazendo meu nervosismo atingir o pico.
  Em silêncio, Padre Albert e Héllio caminham até à cama onde Sally estava deitada, e se sentam. Sally rapidamente se levanta e vem para a cama onde estávamos, fazendo nossa equipe ficar em uma cama e eles na outra. Wendy, Lilu e eu nos viramos, ficando semelhante a Sally, para que possamos ficar de frente para os dois, e não mais para a porta.
  Sentada entre Wendy e Sally, consigo sentir a tensão emanar do corpo de ambas, assim como a de Lilu, que aperta mais forte seus braços ao redor do meu pescoço; com a mão que uso para segurar um de seus braços, dou um leve aperto no braço de Lilu, tentando acalmá-la.
  Padre Albert tinha uma expressão pior da que tinha quando saiu do quarto, e isso não era um bom sinal. Já Héllio suspira alto, antes de começar a falar:
  – Vocês sabem que todo lugar habitado por vampiros precisa ter uma igreja ou base. Mas nós estamos na Transilvânia, essa é a cidade dos vampiros, e mesmo que humanos morem aqui, sabemos que nem se compara a população vampírica. Não tem como abrir uma igreja nesse lugar, por isso, Albert e eu fomos para a cidade vizinha. Lá nós nos acomodamos em uma igreja e, mais uma vez, conversamos com o Vaticano.
  Héllio suspira outra vez.
  – Todos pensávamos que aqueles malditos vampiros estavam mortos. Eles ficaram quietos por quatro anos, dá para acreditar? – Ele nega com a cabeça, rindo nervoso. – Com certeza, essas cartas não foram mandadas à toa, eles devem estar tramando algo, talvez uma vingança.
  Foi exatamente o que pensei antes.
  – E com toda essa história de anel e noiva do Drácula... vocês quase foram expulsas, sabiam? – Héllio encara especialmente a mim, apoiando suas mãos sobre as pernas. – Mas têm sorte de serem cuidadas por Albert, porque ele ficou um longo tempo tentando convencer o Vaticano a não penalizar vocês.
  O corpo de Lilu se mexe atrás do meu, enquanto Wendy e Sally permanecem imóveis.
  Encaro o Padre Albert, que continua sério para um inferno.
  Não vou pedir perdão por esse pensamento, estou nervosa demais para isso, e sei que vou blasfemar de novo.
  – O Vaticano resolveu dar uma chance para vocês. – Héllio aponta para nós, uma por uma. – Vocês poderiam ter criado uma grande confusão com os vampiros. Outra guerra.
  – Vamos precisar fazer alguma coisa pra compensar, não é? – Pergunto, nervosa.
  Héllio assente.
  – Mais bravo do que vocês terem desobedecido as regras, o Vaticano ficou por saber que os filhos de Henry ainda estão vivos. Por isso, foi dada a ordem de que vocês quatro acabem de uma vez com tudo isso.
  Meu corpo também fica tenso, enquanto endireito minha postura, fazendo Lilu se mexer comigo.
  – Como? – Sally pergunta, séria. E sei que mesmo tentando esconder, ela também estava nervosa.
  Os olhos de Héllio vão diretamente para minha mão que segurava o braço de Lilu.
  – Elena, você vai aceitar o pedido do Drácula e vai se tornar a noiva dele.
  – O quê?! – Wendy grita do meu lado, enquanto Lilu quase me enforca ao apertar seus braços fortemente ao redor do meu pescoço.
  Eu nem posso dizer que estou perplexa agora, acho que é pouco.
  – Como assim aceitar o pedido do Drácula? – Lilu pergunta, enfiando sua cabeça entre a curva do meu pescoço.
  – Não é de verdade, você apenas precisa fingir que aceitou. E assim, levar toda sua equipe para dentro daquele castelo. O Vaticano quer que vocês se infiltrem no Castelo do Drácula e descubram quais são os planos dos Drácus. Uma base do Vaticano vai ser montada na saída da cidade com uma equipe reserva que estará pronta para ajudar se necessário, fora as igrejas das cidades vizinhas.
  Não.
  – Sei que é perigoso e tão arriscado quanto a decisão que você tomou. Mas é a sua bagunça, e está na hora de limpar ela. – Héllio finaliza.
  – Vocês acham que eles não vão desconfiar? – Pergunto retoricamente, apavorada com a ideia
  – É claro que eles vão. E é por isso que vocês precisam ser mais rápidas e inteligentes. Isso vai ser um jogo de sagacidade, Elena, como tem sido por décadas. Eles já nos enganaram uma vez, há quatro anos, em Upiór. Não podemos deixar que isso se repita dessa vez, e este é o motivo do Vaticano estar mandando vocês direto para o Castelo do Drácula. Nós vamos acabar com o inimigo bem debaixo do nariz dele, dentro do seu próprio castelo e na sua cidade.
  – Se conseguirmos derrubar o Drácula, o resto se torna mais fácil. Nós desestabilizamos todos os seus seguidores. E se tem alguém que pode fazer isso, esse alguém é você, Elena Van Helsing, porque, aparentemente, o Drácula tem um interesse especial na sua pessoa. E é exatamente por isso que sabemos que ele não vai fazer nada a nenhuma de vocês, pelo menos, por enquanto.
  Padre Albert suspira.
  – Ou vocês estão dentro, ou estão fora. – Héllio diz com seriedade, e Padre Albert o encara.
  – Você, por favor, pode me dar uns minutos com as minhas crianças? – O Padre pergunta, e Héllio assente antes de se levantar e sair do quarto.
  – Padre, isso é loucura. Estão querendo nos jogar no covil dos vampiros. – Falo, exasperada.
  – E o que você fez naquela noite foi o quê, Elena? – Ele me encara severo, e eu me calo.
  – Isso nunca vai dar certo. – Sally quebra o meu silêncio.
  – Vai sim, porque são vocês que estão fazendo. – O Padre diz e fica em silêncio por alguns segundos, antes de suspirar mais uma vez. – Escutem, eu não concordo com esse plano, mas eu não tenho poder para mudar uma ordem do Vaticano. Esse foi o único jeito que encontramos para manter vocês na igreja.
  – Eles não estão sendo um pouco duros demais nessa decisão? Nós não causamos nenhum problema, no final das contas. – Sally pergunta, começando a ficar irritada.
  – É mais que isso, Sally. O histórico da Elena com aqueles vampiros tem um grande peso. Existe um receio de que ela se envolva de novo com eles, ou que ainda nutra qualquer tipo de sentimento, por isso, a expulsão foi a primeira opção deles.
  Meu corpo desfaz a postura tensa e meus ombros caem.
  – Então é isso que eles pensam sobre mim? Não existe confiança, não é? – Pergunto amarga, quando percebo que Morgana não foi a única a me enxergar dessa maneira.
  Padre Albert inclina seu corpo para frente, e toca meu joelho de um jeito terno.
  – Eu confio nas minhas crianças, não duvide disso, Elena. E gostaria que a situação fosse diferente, mas não é. – Ele me encara, compreensivo. – Todos estão desesperados para derrubar os Drácus Dementers, ninguém quer outra lua de sangue. Vocês viram o tanto de vidas que perdemos naquela noite.
  Assinto, em silêncio.
  – Mesmo que perigosa, eu penso que isso pode dar certo. Vocês estão juntas por quatro anos, e hoje se tornaram uma equipe admirável. Quantos vampiros vocês já mataram? Muitos, eu sei disso, estive lá esperando vocês retornarem de cada uma das missões por todos esses anos.
  – Mas...
  – Não tem "mas", Lilu. Eu concordo com o que Héllio disse. Se mesmo depois de todo esse tempo, aqueles filhos de Henry ainda têm algum interesse na Elena, eles não farão nada, pelo menos, não agora. Se vocês usarem todas as suas habilidades para derrubarem eles, antes que eles derrubem vocês, será um grande passo para a humanidade, talvez o maior passo que já demos até hoje. Destruir o seu inimigo por dentro.
  Entendo sua analogia de destruí-los na sua própria morada, de dentro para fora, mas ainda estou apavorada. Eu não quero voltar naquele castelo e muito menos ter que reviver tudo. Sinto que os meus sentimentos não aguentariam isso.
  – A ordem foi dada... traga-me esses malditos vampiros dessa vez.
  Inferno.

Capítulo 3

  Isso não estava acontecendo. Simplesmente não parece real. Enquanto estou sentada no banco desse carro, espero ansiosamente pelo momento em que vou acordar e perceber que tudo não passa de um pesadelo, e que estou segura e bem distante da Transilvânia; mais especificamente, do castelo do qual estou indo agora.
  Discretamente, solto o ar entre lábios, enquanto encaro a paisagem do lado de fora do pequeno carro. E a cada árvore que deixávamos para trás, minha ansiedade ficava cada vez mais palpável.
  Sally e Lilu, que dividem o bando de trás comigo, parecem alheias ao meu nervosismo, talvez preocupadas demais com seu próprio nervosismo. Sei melhor do que ninguém que nenhuma delas gostaria de estar nessa situação também, mas nossas más escolhas nos trouxeram até este momento.
  Depois da conversa com Héllio e do com o Padre Abel, ganhamos apenas um dia para nós nos prepararmos, nem mais, nem menos, um único dia. Dormir foi algo que eu realmente não fiz, e penso que as garotas também não.
  Levantamos muito cedo e fizemos nossas malas com as poucas coisas que trouxemos, aparentemente, nos mandariam o restante alguns dias mais tarde. E recebendo as últimas instruções de Héllio e do Padre, nós quatro nos enfiamos dentro de um pequeno e simples táxi, o único que aceitou nos levar até o Castelo do Drácula, porque parece que as lendas sobre vampiros assustam alguns dos humanos. E mesmo se algum deles não acreditar, morar em um castelo afastado te torna o tipo de pessoa incomum do qual as outras podem não querer nenhum tipo de contato. De acordo com o taxista de meia-idade, apenas os jovens e os velhos excêntricos costumam visitar o castelo no alto da colina.
  Eu torcia fervorosamente para que essa viagem de táxi fosse a mais longa possível, ou que algum imprevisto acontecesse, como um enorme meteoro vindo do céu, nos esmagando e acabando com o meu nervosismo.
  Isso era ridículo, essa maneira como estou agora. Sei que nenhum caçador da igreja em sã consciência gostaria de ir para o covil dos vampiros, mas estou passando dos limites, extrapolando a linha da racionalidade. A verdade é que durantes esses quatro anos, eu venho tentando me convencer de que deixei tudo para trás na lua de sangue, que ela foi o meu desfecho, e durante algum tempo, ela realmente foi, mas isso caiu por terra quando eu descobri que os filhos de Henry ainda estavam vivos. Agora, eu sinto que quatro anos da minha vida estão sendo jogados por uma janela, porque não passam de uma mentira. Eu sei que só conseguirei seguir, de fato, a minha vida e ficar em paz, quando eles desaparecerem. E para que isso aconteça, eu preciso juntar todo meu autocontrole enquanto estiver no castelo, para que tudo dê certo e eu me livre desses vampiros de uma vez por todas.
  O taxista estaciona o carro em frente à pequena entrada de pedra, Castelul lui Dracula, havíamos chegado. Ele retirou nossas poucas malas do porta-malas do seu táxi, e disse que se esse fosse outro lugar, ele até que levaria as malas para nós, mas como é o Castelo do Drácula, ele não faria. Wendy bem que tentou subornado com algumas notas, do mesmo jeito que fizemos para que ele nos trouxesse aqui, mas, dessa vez, não deu certo.
  E aqui estávamos, os Filhos Da Sombra, quatro garotas, sozinha, largadas em frente ao covil dos vampiros, com uma única missão que parecia impossível e muito suicida.
  Suspiro alto e me forço a me recompor, porque a hora era essa e não dava para voltar.
  Tomo a frente, pegando minhas duas malas e caminhando em direção à entrada de pedra, andando sobre as folhas caídas. Escuto os passos das garotas atrás de mim e, em silêncio, andamos pelo mesmo caminho que fizemos na noite do baile.
  Depois de passarmos pela pequena ponte e pelo enorme jardim, meu nervosismo salta dentro de mim quando começamos a subir as escadas que nos levarão até à porta de entrada do enorme castelo.
  Por alguns segundos, fechos os olhos e respiro fundo, em silêncio, assumindo o controle outra vez. Eu podia fazer. Eu conseguiria fazer isso.
  Em frente à enorme porta dupla e entalhada, coloco minhas malas no chão quando as meninas param atrás de mim, e me preparo para bater na porta, mas ela se abre antes que eu tenha a oportunidade de fazer.
  Tento conter o espanto quando vejo Skull parado do outro lado, exatamente como há quatro anos atrás. Ele não havia mudado nada, nem mesmo suas roupas pareciam diferentes.
  – Senhorita Elena, é de imenso prazer revê-la outra vez. – Com o olhar sem qualquer vestígio de emoção, e com uma mão formalmente posicionada atrás do corpo, ele fala.
  Mexendo apenas os globos oculares, Skull olha para mim e depois para as meninas.
  – Por favor, entrem. – Ele empurra a porta para dentro, nos dando espaço, depois curva seu tronco e permanece assim até que todas entremos.
  Com as malas em mãos, mais uma vez, permaneço parada do lado de dentro, e espero até que Skull tome a frente pelo hall de entrada.
  Em silêncio, nós cinco caminhamos até que estivemos de frente para o lugar repleto por pilastras e escadas curvadas.
  Blarie, de mãos dadas com Hyun, que parecia um pouco maior agora, descia uma das escadas, mas para assim que me vê. Seus olhos se arregalam levemente, e sem entender, Hyun a encara com confusão.
  Seus cabelos cor púrpura eram mais lisos e mais curtos, pouca coisa, mas o suficiente para lhe dar uma aparecia mais jovial. O seu costume por longos vestidos permaneceu intacto, e ela estava impecável como sempre esteve.
  Hyun tinha os cabelos mais longos cobrindo toda sua testa, e sua altura havia mudado muito pouco. De resto, era o mesmo garotinho de antes. Quando seus grandes olhos me encontram, diferente de Blarie, ele sorri, mas não sou capaz de corresponder.
  Mesmo estando na frente, consigo sentir a inquietação da minha equipe atrás de mim, me lembrando o que eu deveria fazer.
  Sem tempo para respirar fundo outra vez, me junto com minha coragem e dou um passo para frente, sentindo todos me olharem.
  – Taehyung, estou aqui agora... eu aceito o seu pedido! – Grito, sabendo que ele me escutaria perfeitamente de onde quer que esteja.
  Meu corpo inteiro vibra por dentro quando minha voz ecoa pelo castelo, como se fosse um grande choque de realidade que me falava "é, você realmente está nisso".
  – Skull, por favor, mostre os quartos. – Blarie diz, estática, sem nem piscar enquanto me encara.
  Skull acena silenciosamente.
  – Creio que as senhoritas gostariam de ficar sozinhas. – Aceno também, concordando com a sua afirmação.
  E assim, ele nos guia para a escada do lado oposto a que Blarie e Hyun estavam. E mesmo sem olhá-la, eu podia sentir o seu olhar me acompanhar enquanto eu subia os degraus da escada curvada.
  Depois que subirmos a escada, tento decorar o caminho do qual Skull está nos levando, mas parece um pouco impossível, tendo em vista que estávamos em um castelo. E para chegarmos até o lugar onde ficaríamos, tivemos que subir mais três lances de escadas, e tivemos que passar por inúmeros corredores iluminados por velas pesas em candelabros e castiçais. Por um momento, me sinto preparada para o pior, vendo que parecíamos nos afastar cada vez mais da entrada do castelo. Isso parecia uma emboscada?
  Meus olhos ficam atentos a cada movimento, até o mínimo deles, como o balançar das chamas das velas.
  Após subirmos um quatro lance de escadas, entramos em um corredor ao lado direito, dobrando-o para a esquerda e entrando em um novo corredor.
  Skull finalmente para de andar.
  Eu consegui contar nove portas nesse corredor, quatro ao meu lado esquerdo e cinco ao direito. O corredor tinha um fim, indicando que era o único nesta ala; uma grande parede feita com tijolos marrons, depois da última porta, me mostrava isso.
  – Conhecendo um pouco a Senhorita Elena, pensei que seria bom acomodá-las em uma área mais isolada do castelo, assim, todas poderão desfrutar de sua privacidade. – Skull diz sem esboçar emoção em sua fala, mas sem deixar de ser formal, como de costume. – Não há mais ninguém neste espaço. Podem ficar à vontade para escolherem qualquer um dos nove quartos. Espero que sejam de seu agrado, mas, se não for, por favor, me avisem e cuidarei disto.
  Aceno para Skull, entendendo.
  – Se me dão licença, preciso voltar aos meus afazeres. O jantar será servido às nove em ponto, por favor, se aprontem para isso. Pedirei que façam a melhor comida da Transilvânia esta noite. – Skull se curva educadamente, fazendo seu longo cabelo pender para frente, antes que ele saia silenciosamente, nos deixando sozinhas.
  Ainda em silêncio, nos encaramos por alguns segundos em meio as nossas malas. Lilu é a primeira a dar de ombros, indo até uma das portas do lado esquerdo e escolhendo um dos quartos.
  Ela abre a porta de madeira e coloca apenas sua cabeça para dentro do quarto, em seguida, ela se afasta, segurando a maçaneta, e nos encara com os olhos arregalados.
  – Mesmo se juntarmos todos os nossos quartos, não teremos isso aqui. – Ela ponta para a porta entreaberta.
  Curiosa, ando para perto dela e abro a porta ao lado da sua, a última porta do lado esquerdo. E assim como os de Lilu, meus olhos também se arregalam ao deslumbrarem o quarto mais lindo que já vi em toda a minha vida.
  Grande parecia um adjetivo muito pequeno para descrevê-lo. Havia uma cama de casal ainda maior da que vi naquela mansão em Upiór, com um lindo dossel rosa que ia do teto, passando pelo lençol e colcha em tons claros, até o chão. Um tapete perfeitamente branco e que parecia muito macio se estendia por cada pedaço do chão do quarto. Onde, sobre ele, havia um enorme guarda-roupas que cobria por completo uma das paredes, enquanto uma cortina da mesma cor que o dossel, se encarregava de cobrir a outra parede de frente para o guarda-roupas; as cortinas não eram tão escuras, por isso, eu consegui ver as portas de vidro que ela escondia, a varanda do quarto. Também havia uma linda penteadeira antiga, com um espelho e velas, perto da cama. Um lustre que parecia de cristal, adornado por mais velas, estava pendurado no teto. E por fim, mais uma porta, está de madeira também, provavelmente levava para o banheiro.
  – Quanto dinheiro você precisa ter pra construir um quarto desses? – Wendy pergunta enquanto tenta enxergar sobre os meus ombros.
  Mesmo que eu ainda esteja um tanto deslumbrada com o que vejo, consigo me recompor rapidamente, pedindo para que as garotas escolham de vez. E depois que elas já o fizeram, todas nós nos reunimos no "meu quarto", para que pudéssemos conversar sobre o que faríamos.
  Sally estava sentada ao meu lado, sobre a cama. Wendy estava deitada de lado, com a cabeça apoiada na mão, enquanto Lilu estava com a cabeça deitada no meu colo.
  – Eu estou com fome. – Lilu resmunga, me encarando.
  – O jantar é às nove. Você escutou. – Wendy fala, enquanto morde uma das unhas.
  – Será que devemos comer fora? E se eles colocarem alguma coisa na comida? – Sally pergunta, fazendo todas nós ficarmos em silêncio por alguns segundos.
  – Deveríamos morrer de fome então? – Lilu balança sua franjinha alaranjada.
  – Não acho que eles vão fazer isso. Como o Padre e o Héllio disseram, pelo menos, não por enquanto. Acho que os primeiros dias serão os mais tranquilos, então devemos aproveitar. – Digo.
  – Tenho certeza que eles vão usar os primeiros dias pra descobrirem por que aceitamos vir pra esse castelo. Do mesmo jeito que estamos planejando fazer. – Wendy diz, voltando a morder suas unhas.
  – Precisamos ser mais inteligentes e rápidas, não esqueçam. – Lilu fala um pouco alto, e faço um sinal para que ela abaixe o tom da sua voz. Nós estamos em um castelo repleto de vampiros, e sabemos como eles podem escutar as coisas.
  – Sim, nós precisamos ser. – Suspiro, enquanto começo a passar meus dedos pelos cabelos laranjas de Lilu, pensando exatamente sobre o que deveríamos fazer. – Pelo que me lembro, esses irmãos costumavam ser bem noturnos.
  – Sabemos que esse lance de vampiros só saírem de noite, é besteira. Isso só funcionaria para os que não têm o anel do sol. – Lilu me interrompe.
  – Sim, eu sei. Mas o que eu quero dizer, é que eles costumam sair muito de noite, então, acho que esse vai ser o momento perfeito. Depois desse jantar, nós vamos nos separar e investigar esse castelo. Precisamos nos familiarizar, conhecer, porque tenho certeza que um lugar desse tamanho, com certeza esconde muitas coisas.
  Elas assentem.
  – Mas peguem leve. Nós não temos quase nada aqui. O restante das nossas armas só vão chegar com as nossas roupas daqui uns dias.
  Com a nossa decisão precipitada, viemos para a Transilvânia com apenas básico. E como usamos alguns itens durante o baile de máscaras, não nos sobrou muita coisa, por isso, entrar em qualquer tipo de briga com esses vampiros, não era uma opção válida no momento.
  – Nós estamos contando que eles irão sair. Mas e se não saírem? – Sally pergunta, pegando um dos inúmeros travesseiros cobertos por fronhas de seda, e colocando entre suas pernas cruzadas.
  – Ei, você fala como se fossemos novatas. Somos os Filhos Da Sombra, e estivemos treinando por muito tempo. Somos tão boas quanto eles, podemos fazer isso sem que descubram. – Lilu sempre se sentia ofendida quando duvidavam da capacidade de nossa equipe, mesmo que isso viesse de uma de nós.
  Suspiro alto.
  – Vocês investigam o castelo e eu me encarrego de distrair quem ficar. Acho que já está na hora de ter alguns reencontros aqui. – Suspiro outra vez, nervosa apenas com a ideia.
  Meu dedo anular da mão esquerda acaba ficando enganchado no cabelo de Lilu, e isso se dá a porcaria do anel que estava preso no meu dedo. Com cuidado, desemaranho o cabelo, para não a machucar.
  Encaro a pedra vermelha, querendo que lasers pudessem sair dos meus olhos para derreterem esse anel. Eu não entendo porque ele não sai, nem está apertado, quero dizer, não me machuca e não parece apertado, ficava exatamente como um anel normal, no entanto, toda vez que eu tentava tirar, ele não saia.
  – Tem certeza disso? – Wendy me pergunta, encarando-me um pouco preocupada.
  Se vamos fazer isso, não posso permitir que as garotas precisem pensar em mim cada vez que fazemos algo. Eu preciso assumir o controle e mostrar que nada vai me afetar daqui para frente.
  Assinto para Wendy.
  – Vou fazer isso, porque estou louca pra ter uma conversa com o meu noivo.

***

  Depois que conversamos a respeito de nossos planos, as garotas foram para seus respectivos quartos organizarem suas coisas e se prepararem para o que viria mais tarde. E aproveitei para fazer o mesmo, foi algo rápido, não haviam muitas coisas nas minhas malas, e acho que nem vou precisar de muito, porque assim que vasculhei o enorme guarda-roupas, fiquei completamente surpresa ao encontrar uma variedade de roupas, sapatos e produtos femininos organizados e guardados.
  Talvez isso soe um pouco idiota, mas entrar nesse quarto, ver essas roupas e toda a decoração presente aqui, me fazia sentir como se eu estivesse entrando no guarda-roupa de Nárnia, mas, ao invés de sair em Nárnia, eu me sentia dentro de um filme antigo sobre vampiros. O sentimento que esse lugar e as coisas dele me traziam, era de pertencer a um mundo fictício de algum filme ilusório que explorava a empolgante e sombria lenda das criaturas que sugam sangue. E no meu caso, sei que sangue é apenas uma pequena parte disso.
  Todo o estereótipo do que é ser um vampiro exalava nesse castelo. Até mesmo aqueles que não acreditam em vampiros, com certeza pensariam nessas criaturas quando entrassem nesse lugar. Era a exata sensação que tive quando entrei na floresta de Upiór, aquela sensação de algo místico e irreal, de ser tirada do mundo real e inserida em algum conto de fadas sombrio e bastante tenebroso e mórbido.
  Após me perder em pensamentos bobos, percebi que a noite havia chego. Skull não demorou aos nos chamar para o jantar que, para minha surpresa, seria apenas as garotas e eu. Nenhum dos irmãos ou a Blarie apareceram, e quando questionei Skull sobre isso, ele me respondeu que eles estavam cuidando de seus negócios. O mordomo não me deu oportunidade de continuar com minhas perguntas, pois, logo depois, saiu da sala de jantar.
  Esta sala de jantar ficava no segundo andar, eu contei as escadas que descemos. E ela era enorme como tudo aqui. Uma mesa com tantos lugares que sou incapaz de contar, repleta pelas mais variadas comidas que enchiam os olhos de qualquer um.
  Mesmo tenho quase certeza que não haviam colocado nada na comida, eu gostaria de tê-las examinado antes, isso se não fosse por Lilu, que começou a comer antes mesmo que eu pudesse dizer qualquer coisa. E entre bandejas de prata e velas decorativas, não tivemos outra escolha a não ser acompanhar Lilu. E durante todo o jantar, tentamos não falar sobre coisas que pudessem estragar os nossos planos, estávamos sempre com os olhos e ouvidos atentos.
  Ao final do jantar, troquei um olhar significativo com as garotas, que logo entenderam. E assim que Skull nos levou de volta ao corredor dos nossos quartos, decidimos esperar alguns minutos antes de iniciarmos nossa investigação pelo castelo, para dar tempo do mordomo se afastar.
  Com isso, acabei indo tomar um rápido banho, pois ele seria do tempo ideal até que a minha equipe começasse com tudo. E como o quarto, o banheiro também era extremamente grande e deslumbrante, com um enorme espelho de corpo todo, uma pia de mármore com uma torneira antiga em formato da cabeça de uma gárgula, um chuveiro com uma ducha bem generosa e uma incrível banheira.
  Logo após meu banho, acabei tendo que usar uma das roupas que estavam no guarda-roupas, já que só trouxe roupas para combate e a roupa que usei no baile. Vesti uma longa camisola de seda branca que cobria os meus pés, e coloquei um robe de mesma cor por cima.
  Skull disse que todos estão cuidando de seus negócios, mas para o caso de algum deles voltar, eu estaria com roupas de dormir, e essa seria a minha desculpa caso eu fosse pega.
  Caminho até as longas cortinas rosas e as afasto para o lado, abrindo as portas de vidro, deixando que o vento de fora entrasse no quarto. Eu me sentia um pouco nervosa e pensar em um suposto reencontro, e mesmo que esse quarto fosse gigante, o ar parecia ter sumido por conta do meu nervosismo, por isso, preciso do vento gelado para respirar melhor.
  Entro na sacada, observando a noite da Transilvânia. A brilhante lua, era a única a preencher o céu. Eu não sei exatamente em qual direção o meu quarto fica, mas a única vista de que tenho é a de um grande jardim repleto de estatuas e de árvores altas da floresta.
  Duas suaves batidas na porta, me fazem sair da sacada e voltar para o quarto. Com os pés descalças cobertos pela camisola de seda, caminho até à porta, percebendo que não havia ninguém do outro lado.
  Saio do meu quarto e olho para os dois lados do corredor, os vendo vazios. Em seguida, vou até o quarto de cada uma das garotas, os encontrando vazios também, elas já haviam ido.
  Quando saio do quarto de Sally, percebo uma sutil e rápida sombra no final do corredor, se escondendo. E com o cenho franzido, corro de volta para o meu quarto e procuro pela faca de caça que trouxe comigo, a prendendo por dentro do robe com o cordão que estava por fora.
  Deixo meu quarto outra vez e fecho a porta, olhando com atenção para o final do corredor, não vendo mais nada. Com cuidado, começo a caminhar de forma silenciosa. Viro ao final e encaro o novo corredor, vendo a sombra correr para longe.
  Coloco minha mão por cima do robe, sentindo a faca de caça. Começo a seguir a sombra, sentindo o ar gelado preencher o corredor. Passo em frente a escada que vinha do quarto andar para este que estou, e a sombra para abruptamente de frente para uma aberta da qual eu não sabia para onde levaria.
  A sombra estava de lado e permanece desse jeito por alguns segundos, antes de virar apenas sua cabeça, fazendo dois pequenos círculos amarelado-alaranjados, como uma pedra de âmbar, brilharem em minha direção.
  Paro no lugar, com uma sensação completamente estranha enquanto sou observada pelos pequenos círculos.
  O que julgo ser um par de olhos, se desviam, e a sombra corre para dentro da abertura, sumindo do meu campo de visão. Mesmo com essa sensação, corro atrás da sombra, sabendo que, de alguma forma, eu precisava ir atrás dela. E quando alcanço a abertura, percebo que era uma escada que levava para um novo andar.
  Corro sobre os degraus iluminados por velas presas nas paredes, saindo em um novo corredor com uma janela grande no final dele. Descalça sobre o tapete vinho, começo a caminhar pelo corredor em busca da sombra que havia desaparecido.
  Haviam algumas portas aqui, mas os meus olhos não desgrudavam da grande janela. E assim que chego na metade do corredor de paredes com quadros, um arrepio percorre meu corpo quando sinto uma presença atrás de mim.
  Mais uma vez, coloco uma das mãos sobre o robe, pronta para usar a faca de caça caso fosse necessário. Em meus pés descalços, rapidamente viro meu corpo, dando um passo involuntário para trás que me faz tropeçar nos pés, mas sou apanhada por uma mão firme e grande, que não me deixa cair.
  Os olhos escuros de Taehyung me encaram com apatia, enquanto minhas mãos estavam sobre seu tronco, na tentativa de manter seu corpo longe do meu para que ele não sinta a faça de caça escondida debaixo do robe.
  – O que você está fazendo? – Seus olhos piscam lentamente enquanto ele me encara.
  Afasto sua mão do meu corpo, e me mantenho a dois passos de distância.
  – Conhecendo o lugar que vou ficar. Já que você não me mostrou nada. – Cruzo os braços, e torço para que ele acredite na minha mentira.
  – Você queria que te mostrasse o castelo? – Mesmo que sua expressão continuasse apática, eu sei que ele está fazendo isso só para me provocar.
  Limpo a garganta.
  – Skull disse que vocês saíram, que estavam cuidando de negócios, ou qualquer coisa do tipo. – Desvio o olhar por um segundo, me sentindo nervosa por estar sozinha com ele, o que era estúpido demais.
  – Eu estou cuidado de negócios. E você deveria estar dormindo. – Taehyung diz e depois se afasta, caminhando até à terceira e última porta do lado direito.
  Comprimo os lábios e o sigo, entrando atrás dele na sala que descubro ser um escritório. A iluminação do lado de dentro era baixa e havia vários livros por todos os lados, postos em duas estantes grandes e altas.
  Taehyung me olha de canto de olho sobre os ombros, enquanto caminha para trás da grande mesa de madeira.
  – Você tem um escritório agora. – Digo sem interesse, enquanto olho para todos os detalhes do lugar.
  – Eu tenho muitas coisas agora, Elena. E você é uma delas.
  Volto a encarar Taehyung, que estava encostado contra a mesa, me fitando com um pequeno sorriso insolente nos lábios avermelhados.
  Sabendo que uma carranca havia se formado em meu rosto, caminho até ele.
  – Vamos deixar as coisas bem claras. Não é porque eu estou aqui, que você vai fazer o que quiser comigo. Eu não sou sua. – Falo séria, e isso só faz o sorriso dele aumentar.
  Taehyung inclina levemente a cabeça para o lado, fazendo os fios brancos balançarem em frente aos seus olhos.
  – Estou curioso para saber o que te levou a aceitar o meu pedido. – Ele cruza os braços, com um olhar zombeteiro, completamente provocativo a sua fala.
  Ergo minha mão esquerda no ar e aponto para o anel no meu dedo anular.
  – Estou ficando aqui até conseguir tirar esse anel. Quando isso acontecer, eu vou embora.
  Taehyung encara o anel e depois a mim, se desencosta da mesa e fica bem próximo. Como sempre faço, penso em dar um passo para trás, mas, dessa vez, não o faço, não vou deixar que ele me intimide. E se ele acha isso engraçado, pois deve saber que estou falando sério.
  Ele toca a lateral do meu rosto, e depois segura uma fina mexa do meu cabelo, deslizando seus dedos até o final.
  – Você se lembra da noite em que estávamos naquele bar em Upiór, e eu te disse que quando você estava perto de mim, era um pouco mais verdadeira? – Ele pergunta, e eu franzo o meu cenho, confusa e desconfiada com sua conversa. – Eu sempre te irritei, não é? – Ele sorri, e seus olhos fitam de minha boca até os meus olhos, de forma lenta. – Acho que esse era o motivo de você ser sincera. Talvez, sua irritação te deixe mais verdadeira.
  – Por que está falando isso? – Pergunto, um pouco irritada.
  Taehyung coloca meu cabelo para trás, deixando a amostra o lugar onde eu sabia que ele havia mordido.
  – Você mudou, eu percebo isso. Está mais parecida com essa Elena irritada... eu gosto disso. – Mantendo seu sorriso, seus olhos se desviam do meu pescoço e encontram os meus.
  Afasto sua mão quando ele ameaça tocar meu pescoço.
  – E você não mudou nada. Continua o mesmo vampiro idiota de quatro anos atrás. – Não me contenho e acabo dando um passo para trás, querendo me afastar dele. – Eu só quero entender por que você me mandou esse anel.
  Taehyung arqueia as sobrancelhas, de novo, com a expressão irônica.
  – Pensei que estivesse óbvio.
  Ele se aproxima e eu recuo, e fazemos isso até que eu sinta as minhas costas contra uma das estantes. Com uma das mãos escorada contra as prateleiras, Taehyung me encara profundamente.
  – Eu gosto de você, Van Helsing.
  Eu definitivamente pude sentir o meu coração parar por alguns segundos.
  – Isso é ridículo. – Minha voz sai mais baixa do que eu gostaria. E tenho certeza que a minha expressão deve ter me entregado agora. – Nós nunca tivemos esse tipo de relação, Taehyung.
  – Nós vamos nos casar.
  – Não vamos.
  – Então por que você ainda não tirou esse anel? – Ele sorri vitorioso, me fazendo empurrá-lo para longe com o coração acelerado e com as veias cheias de nervosismo.
  Bato os pés descalços até à porta do escritório, e o encaro sobre os ombros antes de sair.
  – Nós não vamos nos casar. Isso é uma promessa.
  Saio e bato a porta, andando cheia de irritação pelo corredor.
  Gostar de mim? Ele não gosta de mim e eu sei disso. Que tipo de relação ele pensa que tivemos? Nós só nos desentendíamos, o mais perto que chegamos, foi quando eu dei para ele aquele buquê, fora isso, ele está brincando comigo e eu não vou deixar. Eu só preciso me livrar dessa porcaria de anel que não sai do meu dedo.
  Com certeza o castelo inteiro conseguiu escutar os passos pesados que dei até voltar para o meu quarto.
  – Ei, querida, vai com calma. Não faz bem dormir irritada. – Assim que bato a porta do meu quarto, a visitante que estava sentada na minha cama, diz.
  Se eu estava irritada por meu encontro com Taehyung, eu definitivamente estava fervendo agora.
  – O que você está fazendo aqui? – Pergunto, perto da porta.
  Ela descruza as pernas e se levanta da cama, vindo calmamente em minha direção.
  – Vim te dar as boas-vindas. – Com os lábios pintados de vermelho, ela sorri quando para perto de mim.
  – Boas-vindas? – Enrugo as sobrancelhas, desacreditada. – Pensei que estivesse tentando me matar. – Falo, a encarando seriamente.
  – Não guarde mágoas. Isso está no passado. E eu quero te pedir desculpas por aquela noite. Eu estava apenas defendendo o Conde, você entende, não entende?
  Como ela consegue agir dessa maneira?
  – Eu com certeza entendo. – Mesmo que sendo irônica, ela sorri como se eu tivesse aceitado seu pedido de desculpas.
  – Isso é ótimo. – Ela me abraça, me fazendo arregalar os olhos em irritação. – Companheiras não devem guardar rancor uma da outra.
  Incrédula, a encaro sem entender. E ela sorri de novo, enquanto passa uma das mãos por seus cabelos rosas, fazendo o anel de pedra vermelha que estava em sua mão esquerda, se tornar visível.
  – Somos as noivas do Drácula, querida. Em breve seremos uma família, por isso, é bom que deixemos as coisas boas entre nós duas agora. – Me encarando intensamente, ela toca meu queixo, o segurando entre os dedos, antes de aproximar seu rosto e encostar seus lábios nos meus em um selar.
  Amia se afasta e sorri uma última vez, saindo e me deixando completamente atônita dentro desse quarto, enquanto encaro um pequeno papel dobrado voar da sacada para dentro do quarto, acompanhando os movimentos das cortinas.
  Demoro alguns segundos até conseguir me mexer e ir até o papel dobrado e caído no chão. Vendo, assim que abro, a palavra Lycanthropia escrita no que parecia ser a página de um livro.

Capítulo 4

  Do lado de dentro do banheiro, posso sentir a presença que sei que está no meu quarto. Preparada, pego a faca de caça que estava presa na parte detrás do cós das minhas calças pretas e, em seguida, seguro na maçaneta da porta, girando-a com cuidado enquanto empurro a porta com cautela. Não sei a quantos minutos estou no banheiro me arrumando para mais um dia nesse lugar, mas, a pelo menos uns três minutos, eu conseguia sentir a presença que invadiu.
  Seguro com força a faca e abro a porta de uma vez, expirando alto e forte ao encontrar o garotinho de cabelos escuros, sentado sobre a minha cama enquanto balança seus pés cobertos por sapatos lustrosos.
  – Você me assustou. – Falo, e coloco a faca de volta ao cós das calças. – Você não deveria entrar assim, Hyun.
  Caminho até o outro lado da cama, onde eu havia deixado o meu celular. Depois, coloco a mão por cima do bolso traseiro, sentindo o papel dobrado que guardei ali.
  – Eu queria te ver. – Ele me encara com seus grandes olhos escuros, piscando lentamente em seus longos cílios.
  Suspiro, sabendo que mesmo sendo uma criança, Hyun também me causava uma sensação um pouco estranha agora, afinal, ele também é um vampiro e, com certeza, tem mais idade do que aparenta. É um fato que eu preciso me concentrar nesta missão, mesmo com um pé atrás por essas criaturas, e a única maneira de fazer isso funcionar, vai ser fazendo com eles o mesmo que me fizeram. Pode até soar como maldade da minha parte, mas penso que esse garotinho sentado na minha cama, usando shorts pretos e uma blusa branca e meias que iam até os joelhos, poderá me ajudar muito. Talvez ele possa me contar alguma coisa que os outros nunca falariam.
  Antes mesmo que eu pudesse colocar meu pequeno plano em prática, escuto leves batidas na porta do quarto, seguido pela entrada de Jin, que mesmo após quatro anos, continuava impecável como sempre, talvez seu cabelo escuro tenha crescido um pouco, e isso parecia ser a única diferença.
  – Hyun, vá brincar um pouco. Eu preciso falar com a Elena.
  – Mas eu cheguei primeiro. – Hyun cruza os braços, com uma feição emburrada.
  Jin o encara sério.
  – Você pode ficar com ela depois, vai ter muito tempo para isso. Agora, dê o fora. – Jin enfatiza sua fala, e faz Hyun saltar da cama, irritado, enquanto caminha até à porta e a bate com força.
  Jin nega com a cabeça, antes de se aproximar de mim.
  – Crianças, você sabe como elas são. – Jin ri. – A propósito, seja bem-vinda à nossa casa.
  – Obrigada. – Respondo, um pouco tensa por estar sozinha com ele.
  De qualquer forma, a faca de caça estava nas minhas calças e estou pronta para usá-la se for preciso.
  – Me desculpe por não poder recebê-la quando chegou. Estive um pouco ocupado, mas agora, gostaria de ter uma rápida conversa com você. – Ele cruza os braços em suas roupas elegantes.
  Assinto.
  – Estou ouvindo.
  Jin me encara por alguns segundos, antes de falar:
  – Preciso confessar que sabia do seu caso com o Taehyung no passado. Mas não pensei que iria tão longe assim. Na verdade, fiquei bem surpreso quando descobri que ele te enviou um dos anéis. – Ele faz uma pequena pausa, e me encara por mais alguns segundos. – Vamos ser sinceros aqui, da última vez, você e a igreja estavam tentando nos matar. Então, eu não sei o que você pretende com isso, aceitando o pedido do Taehyung.
  Meu corpo fica ainda mais tenso, mas tento não demonstrar.
  – Não é nada pessoal, nós gostamos de você por aqui, isso é verdade. Mas o Taehyung é o Drácula agora, ele não deveria estar noivo de uma humana e muito menos uma que é um Van Helsing. – Jin descruza os braços e se vira para sair, me encarando uma última vez sobre os ombros. – Eu estarei de olho em você, Elena. Não se esqueça.
  Essas são suas palavras finais, antes que ele saia do quarto.
  Suspiro alto e depois mordo o cantor de dentro da minha bochecha.
  As coisas precisam ser feitas com mais rapidez, nós não teremos outra chance depois disso.
  Como combinado por mensagem mais cedo, saio do meu quarto e vou até o quarto da Wendy, encontrando as garotas lá, todas sentadas na cama.
  – Já ia te chamar. – Wendy diz assim que entro no quarto.
  – Tive um pequeno atraso. – Respondo enquanto fecho a porta.
  – Que tipo de atraso? – Sally me olha desconfiada.
  – Do tipo que nos avisa que precisamos ser rápidas. – Caminho até à cama e me sento do lado da Wendy, ficando de frente para Lilu e Sally.
  Elas me olham um pouco confusas e atentas.
  – O que vocês descobriram ontem? – Pergunto, e Sally suspira.
  – Praticamente nada, esse lugar é enorme. – Sally responde.
  – É um castelo, né. – Lilu fala, e Sally a encara séria. – Mas eu encontrei um lugar estranho.
  – Que lugar? – Pergunto.
  – Fui descendo até encontrar o porão, mas não achei um porão. Era um lugar estranho, como se fosse usado para rituais. Tinha um desenho no chão, velas, estátuas e umas coisas assim.
  Franzo o cenho, imaginando o que poderia ser.
  – Eu quero ver isso depois. – Falo e Lilu assente.
  – Mais cedo o Padre me mandou uma mensagem avisando que as nossas coisas já chegaram. Isso é bom. Nós precisamos das nossas armas. – Wendy diz.
  – Vamos nos dividir em duplas. Se vamos trazer nossas armas, então é melhor que busquem elas pessoalmente para nada dar errado. Enquanto isso, as outras duas ficam aqui e continuam vasculhando o castelo. – Digo e todas assentem.
  – Acho que seria bom que você ficasse. Com certeza vai ser muito mais fácil pra vocês descobrir alguma coisa. – Wendy me encara.
  – Certo. Então a Lilu fica comigo e vocês duas vão encontrar o Padre. – Ainda sentada, enfio a mão dentro do bolso e puxo o papel dobrado. – Quero que mostrem isso pra ele também. Achei na sacada do meu quarto ontem de noite. – Desdobro o papel e coloco no meio do nosso estranho círculo sobre a cama.
  – Lycanthropia? Isso não é sobre lobos? – Sally me encara séria e de sobrancelhas franzidas.
  Assinto.
  – Foi exatamente o que eu pensei.
  – Nós não sabemos tanto assim sobre lobos. – Sally diz preocupada.
  – E quem deixou isso na sua sacada? – Wendy me encara confusa.
  – Eu não sei. Escutei alguém batendo na porta, depois segui uma sombra que tinha os olhos amarelos e só encontrei o Taehyung. Mas eu tenho certeza que os olhos que vi, não eram os dele.
  – Quer dizer que tem um lobo no castelo do Drácula? – Lilu arregala os olhos.
  – É por isso que vocês precisam mostrar isso pro Padre.
  – Você vai contar alguma coisa, você sabe... pra eles? – Wendy me olha apreensiva.
  – Não. Não vou contar nada. Nós vamos descobrir o que é isso e vamos continuar com a nossa missão.
  – Certo. Acho que já podemos ir então, as coisas estão loucas. – Sally se vira para Wendy, que assente.
  Após nossa pequena reunião, Wendy e Sally saem do castelo e vão atrás do Padre. Lilu e eu ficamos para trás, tentando pensar sobre tudo que deveríamos fazer hoje. E acabamos no meu quarto, conversando sobre os lugares dos quais poderíamos esconder as armas que Wendy e Lilu trariam. E não tendo muitas opções além do guarda-roupa ou debaixo do colchão (parecendo seres os lugares mais “seguramente escondidos”), acabei sendo vencida pelas reclamações de Lilu sobre estar com fome.
  De frente para a porta do quarto, assim que abro, tenho minha primeira surpresa do dia ao encontrar Blarie parada do outro lado, com uma expressão incerta e talvez um pouco envergonhada.
  Fico parada no mesmo lugar, com Lilu atrás de mim. Encaro a garota de cabelos púrpura, esperando que ela fale alguma coisa.
  – Err... bem... eu já estou aqui a alguns segundos, estava tomando coragem para bater na porta. – Blarie segura suas mãos na frente do corpo e sorri um pouco tímida, algo bem diferente do que me lembro. – Pensei em te chamar pra um passeio no castelo, eu posso te mostrar um pouco do lugar.
  Eu ainda me sentia sem jeito em rever todos esses vampiros que fizeram parte da minha vida no passado, mas não acho que isso seja algo apenas meu, já que Blarie não parece tão confortável com isso agora. Desde que a vi, ela não soltou nenhuma das suas piadas de duplo sentido, mostrando como o clima entre todos nós mudou depois de quatro longos anos.
  – Nós adoraríamos. – Lilu me abraça pelos ombros e responde Blarie, que assente.
  – Acho que podemos fazer isso depois do café. Estarei esperando vocês lá embaixo. – Blarie sorri de uma maneira animada, mas contida. Ela parecia verdadeiramente satisfeita com a resposta de Lilu.
  Em seu longo vestido roxo-claro e branco, Blarie se vira e caminha pelo corredor, até sumir de vista.
  – Por que você fez isso? – Me viro para Lilu.
  – Eleninha, sei que mais do que ninguém que você não queria estar aqui. Mas se continuar com essa atitude, afastando todos eles, não vamos conseguir nada. – Ainda mantendo seu braço sobre os meus ombros, Lilu me puxa para mais perto, apertando sua bochecha contra a minha. – Por que não tenta usar isso a seu favor? Se eles te querem por perto as coisas serão mais fáceis pra gente. Não estou pedindo pra voltar a ser amiga deles, mas você pode fingir, não pode? – Ela desencosta nossos rostos e me encara com expectativa.
  Suspiro.
  – Posso.
  Lilu sorri.
  – Legal. Agora vamos comer.
  Como se tivesse perdido mais uma batalha, sem vontade, sigo Lilu pelos corredores até que encontrássemos a sala de jantar, onde, em volta da enorme mesa com as mais variadas comidas, apenas Blarie e Amia ocupavam seus lugares.
  – Bom dia. – Amia diz, antes de bebericar o que quer que esteja tomando em uma xícara de porcelana.
  – Bom dia. – Lilu cantarola, se sentando em uma das cadeiras do outro lado da mesa, não se importando com Amia, mesmo depois de tudo que ela fez.
  Bem, essa era a Lilu, não acho que ela se preocupe com muitas coisas. Às vezes, ela parece estar bem fora da realidade, sua seriedade só costuma aparecer em momentos críticos.
  Me sento do lado da Lilu, que já comia, ficando de frente para Blarie e Amia.
  – Onde está todo mundo? – Pergunto, enquanto Lilu tentava enfiar dois pedaços de pão de uma vez só na boca.
  – Quando você faz parte da família principal de uma espécie tão poderosa, sempre tem muitas coisas para fazer. – Amia sorri, bebericando o conteúdo da sua xícara de novo.
  – Alguns saíram e os outros devem estar pelo castelo. – Blarie completa, apoiando seu cotovelo sobre a mesa e o rosto sobre a mão.
  – Aproveitando que estamos juntas, quero te fazer um convite. – Amia me encara, fazendo Blarie e Lilu que encararem também.
  – Que convite? – Levanto as duas sobrancelhas, antes de pegar um pedaço do pão doce que Lilu comia.
  – Taehyung está ocupado hoje. Provavelmente, foi encontrar suas outras noivas. – Ela coloca a xícara sobre o pires de porcelana, ajeitando suas mãos sobre a mesa em uma postura impecável.
  – Outras noivas? – Lilu pergunta de boca cheia, me encarando confusa.
  – Não pensou que seriamos as únicas, não é, querida? – Amia arqueia as sobrancelhas e depois ri.
   Quando eu penso que as coisas não podem piorar, elas pioram.
  – Na verdade, Taehyung precisa escolhê-las ainda. Mas tenho quase certeza que ele vai fazer isso hoje. Por isso, estou pensando em visitar a Madame Dorothea amanhã, para começarmos os preparativos, você sabe, um casamento precisa de um grande planejamento e quanto antes começarmos, melhor.
  Amia entrelaça seus dedos sobre a mesa, e encaro anel em seu dedo que era idêntico ao meu.
  – Claro. – Forço um sorriso.
  Sinto os olhos de Lilu sobre mim, mas apenas estou tentando fazer o que ela sugeriu. Se estou fadada a essa “relação", vou adorar saber o que a noiva do Drácula deve fazer.
  – Ótimo. Esteja pronta amanhã e teremos um agradável dia. – Amia sorria de volta, fazendo todo meu interior enjoar só de olhá-la. Ela era a pior de todas e eu nunca vou esquecer o que ela fez com a Wendy.
  – Podemos ir agora, Blarie? – Pergunto para a garota de cabelos púrpura, e ela assente, se levantando da sua cadeira.
  – Eu ainda não terminei. – Lilu resmunga, e eu a puxo pelo braço, a arrastando para longe da mesa. Ela ainda conseguiu alcançar mais um dos pães e pegando-o antes que saíssemos da sala de jantar, deixando Amia sozinha.
  Blarie nos conduziu para o primeiro andar do castelo, entrando no mesmo corredor que eu entrei quando vim ao baile de máscaras. E passando pela entrada onde Yoongi sumiu naquela noite, a mesma que eu planejava espiar, ela abre uma porta que nos leva para um grande pátio, uma parte descoberta com um caminho de pavimento cercado por flores e plantas; e segundo Blarie, esse era só um dos muitos pátios que transpassavam o castelo e levava para diversos lugares diferentes desse enorme terreno dos vampiros.
  – Antes de irmos, eu preciso te falar isso, senão vou enlouquecer de incômodo. – Blarie para abruptamente no meio do caminho, sem mais nem menos, se virando para mim.
  Lilu para atenta, do meu lado.
  – Eu sei que Amia já deve ter falado muitas coisas pra você. Mas você precisa saber que ela só é uma das noivas do Taehyung, porque Jin meio que surtou quando soube que o Taehyung te enviou um anel. É complicado, você sabe, os vampiros não aceitariam que o Drácula se casasse com uma humana, uma Van Helsing. Isso poderia fazer com que os outros vampiros deixassem de obedecê-lo.
  Por algum motivo, sinto como se meu coração parasse por alguns segundos.
  – Você conhece o Taehyung um pouco, sabe como ele pode ser irritante, e o Jin percebeu que ele não estava disposto a ceder. Por isso, pediu que ele tivesse outras noivas, dessa vez, vampiras, se não as coisas poderiam ficar complicadas com os outros vampiros.
  Sinto Lilu me encarar, e meu coração para de novo. Eu realmente não sei o que dizer, não esperava escutar isso, mas as coisas não podem mudar.
  – Obrigada por me contar, eu acho. – Forço um sorriso, e peço que ela continue andando, enquanto tento me livrar de qualquer desconforto e me focar no meu plano.
  No final, esse pátio nos levou até os fundos do castelo, onde entramos em um caminho estreito e de grama aparada entre as árvores altas da floresta; subindo mais um pouco, a colina onde o castelo ficava. E, aos poucos, as árvores foram sumindo e dando lugar a vegetação alta com muitas lápides enterradas entre elas. Os nomes estavam escritos em romeno e as datas eram absurdamente antigas.
  – Esse aqui é o cemitério dos vampiros. – Blarie se vira de frente para nós duas e continua subindo a colina, agora, de costas. – Aqui são enterrados as noivas e os familiares do Drácula.
  – Um pouco mórbido ter um cemitério no quintal de casa. – Comento, observando as lápides.
  – Não quando você é um vampiro. – Blarie ri.
  – Então é aqui que vocês plantam as Ervas-Vermelhas? Inteligente. Um estoque grande. – Lilu diz de forma natural, fazendo Blarie sorrir sem jeito e se virar para frente, nos dando as costas.
  Cutuco Lilu com o cotovelo e ela me olha, sussurrando “o quê?". Nego com a cabeça, antes de andar mais rápido e alcançar Blarie, que estava indo em direção a uma pequena escada do lado de um, aparente, penhasco. E, de fato, confirmo isso quando chego nos degraus de cimento que estavam quase cobertos pelas folhas alaranjadas e pedras da terra; fazendo uma pequena curva na colina, o lado direito não havia nenhum suporte a não ser uma bela descida para o final de um penhasco. Peço que Lilu tome cuidado ao subir e ela me mostra a língua dizendo que estava tudo bem, e quando chegamos ao final da escada, a primeira e única coisa que vemos no pequeno espaço de terra em que estávamos, era uma construção de pedra com a palavra Nosferatu” cravada ao alto dela debaixo do teto em formato de telhado.
  – Essa é a cripta de todos os Dráculas que existiram. – Blarie diz, enquanto caminha até à construção de pedra.
  – Eles estão enterrados aí? – Lilu se aproxima de Blarie e tenta espiar enquanto ela abre a cripta.
  – Não. Os Dráculas nunca são enterrados aqui. Ninguém nunca sabe onde eles são enterrados. Essa cripta é mais como um memorial.
  É claro que os Dráculas não estariam enterrados em um lugar comum. Imagina todos os segredos que poderiam descobrir através do corpo do vampiro mais poderoso, isso é perigoso, apesar de que poderia ser um grande avanço para a humanidade caso a igreja os encontrasse.
  – Todos esses retratos, cada um deles foi um Drácula de uma época diferente.
  Dentro da cripta, haviam retratos pendurados por todos os lados, alguns eram pinturas e outros eram fotografias que iam se modernizando ao longo de cada imagem. Também haviam alguns bancos de pedra para que pudessem deixar flores e velas para os que já morreram.
  Admirando cada detalhe do lugar iluminado apenas pela luz que vinha de fora, me aproximo do que parece ser o último retrato, do lado de um espaço vazio que daria continuidade assim que mais um Drácula morresse. O nome “Henry III Dracul” estava escrito na borda da foto de um homem de cabelos brancos e longos, com os olhos escuros e puxados, e era impossível negar, seus traços sérios lembravam um pouco de cada um daqueles irmãos, especialmente, Taehyung e Yoongi. Quando me recordo do retrato da Amélia, lembro de achar o sorriso do Taehyung idêntico ao de sua mãe, mas se o tirasse, Taehyung seria uma cópia de seu pai.
  – Eu o conheci um pouco. – Olho para o lado quando Blarie se aproxima. – Quando trago flores para essa cripta, é pra agradecer a morte de Henry.
  Franzo as sobrancelhas.
  – Por quê?
  – Acredite, esse não é um vampiro que você gostaria de conhecer. Até mesmo eu posso admitir isso.
  Encaro de novo a foto do homem sério, e acabo concordando internamente com Blarie, ele não me parece alguém que foi bom, se é que um vampiro pode ser.
  – Então, esse aqui é o grande maldito que começou com tudo isso?
  A voz de Lilu nos faz olhá-la. Ela estava do outro lado, de frente para um dos quadros, e quando nos aproximamos, percebo ser uma pintura de Vlad III, O Empalador.
  Encaro Blarie, sem saber o que dizer. Lilu não está me deixando agir com o plano com esses comentários.
  Blarie se aproxima de Lilu, coloca as mãos para trás do corpo e se inclina perto de seu ombro.
  – Não se esqueça que antes de ser um vampiro, ele foi um humano ainda mais terrível.
  Lilu encara Blarie, que ri.
  – Dessa vez você me pegou. – Lilu suspira e dá de ombros.
  – Vamos. Aqui não tem muita coisa. – Ainda rindo, Blarie indica a saída da cripta.
  Por um momento, quase rio com ela, ao relembrar das vezes em que estivemos juntas no passado. Sei que não foram muitos momentos, mas eu realmente cheguei a considerar uma amizade entre nós duas.
  Com um suspiro baixo, caminho para fora da cripta, sentindo vontade de correr para dentro outra vez quando meu coração salta em meu peito ao ver Jimin parado perto das escadas. Engulo em seco ao perceber que seus olhos encaravam apenas a mim e nada mais. E se antes eu deixei que algum sentimento nostálgico me invadisse por conta da Blarie, agora eu parecia ter levado um soco no estômago.
  Ele estava ali, parado a poucos metros, usando roupas elegantes como me lembro, com a pele tão pálida e lábios avermelhados. Seus cabelos estavam diferentes, um pouco mais curtos nas laterais e maior na parte de cima, deixando alguns fios pendurados em sua testa.
  – Vamos na frente? – Blarie pergunta para Lilu.
  – Por quê? – Lilu me encara desconfiada.
  – Tem um lugar muito legal que eu quero te mostrar. Os antigos Dráculas costumavam sacrificar humanos lá.
  Os olhos de Lilu se arregalam.
  – Então, vamos logo. – Apressada, Lilu me deixa para trás, caminhando com Blarie, e passando ao lado de Jimin como se ele não estivesse ali.
  Quando os cabelos alaranjados e púrpuros somem, sinto como se meus pés estivessem colados no chão e eu não pudesse me mover. Me sentindo a mesma Elena de quatro anos atrás, tão frágil e vulnerável, volto a encarar Jimin que, com uma expressão apreensiva, começa a se aproximar de mim lentamente.
  – Eu disse que aquela não seria a última vez que nos veríamos. – Incerto sobre fazer isso ou não, Jimin sorri minimamente fechado quando para perto.
  O ar sai do meu nariz em uma risada nervosa e sem som.
  – Por favor, não vamos voltar para Upiór. Você não precisa mais fingir. Aquilo foi uma ameaça. – Falo em meio as batidas nervosas do meu coração.
  Jimin enruga as sobrancelhas.
  – Eu nunca te ameaçaria, Elena. – Ele estende sua mão para tocar o meu braço, mas eu recuo.
  – Não tenho mais dezoito anos, Jimin. Não sou mais uma garotinha boba. Você e o Taehyung não vão me enganar outra vez.
  Todo aquele sentimento que eu tentei guardar em uma caixinha no fundo do meu coração, parece ter sido destrancada agora, me fazendo sentir tudo que senti a quatro anos atrás.
  – Você precisa entender, Elena. Não havia outra escolha pra nós. – Jimin gesticula, ficando um pouco frustrado.
  Aperto os olhos, o encarando com descrença.
  – Você não pode dizer isso, porque sempre tem uma escolha. – Fervilhando nesses sentimentos, tudo começa a ser transformado em irritação dentro de mim. Irritação pelo seu fingimento, irritação por me sentir assim outra vez, irritação por estar nessa porcaria de lugar.
  A expressão de Jimin também muda e, aos poucos, ele também parece ficar irritado.
  – Você não vai me fazer continuar essa discussão depois de quatro anos, Elena. – Ele expira alto.
  – Não vamos continuar porque você sabe que eu estou certa.
  Ele estreita os olhos, me encarando com irritação.
  – Não posso pedir desculpas por nascer como um vampiro, Elena. As minhas leis e os meus princípios são diferentes dos seus. E nem por isso, eu digo que os humanos estão errados em nos caçarem e matarem, porque isso é o que vocês são. – Ele estava transbordando tanto quanto eu, talvez até mais, já que se vira e vai embora depois de quase gritar no alto da colina.
  Suas palavras me atingem certeiramente, fazendo os meus olhos arderem em lágrimas de irritação que eu não iria derramar.
  Mais decidida do que nunca a dar um fim em tudo isso, desço as escadas e caminho apressada entre as lápides e depois as árvores até que eu estive de volta aos fundos do castelo.
  – Oi. – Sobressalto quando Hyun aparece em um dos cantos dos fundos.
  – Eu já pedi pra você parar de fazer isso, Hyun. – Respiro pesadamente, me recompondo do susto.
  – Desculpa. Você tá brava? – Ele me encara através de seus grandes e redondos olhos escuros, e percebo nesse momento minha chance.
  – Não, está tudo bem. – Acalmo minha voz. – Você ainda quer passar algum tempo comigo? – Pergunto e ele assente. – Então, por que não me mostra algum lugar bem legal desse castelo? Ele é muito grande e eu não consegui ver muita coisa. – Forço um sorriso gentil.
  O garotinho franze o cenho e fica por alguns segundos em silêncio, pensando.
  – Tem um lugar que eu não posso ir. O Jin não deixa. Mas eu sei onde ele esconde a chave, aí eu já fui lá uma vez, mas ele não sabe. Você quer ir, Elena?
  – Sim, eu quero, Hyun. – Sorrio, dessa vez de verdade, pois isso seria um ponto positivo para mim. Jimin me incentivou mais que nunca a continuar com o nosso plano.
  – Tá bom. Mas você não pode contar pra ninguém, tá? – Hyun segura minha mão e me encara enquanto me puxa para a porta do pátio.
  – Não vou contar. Eu prometo. – Sorrio e deixo que ele me leve para dentro do castelo.
  Depois de subirmos alguns andares, Hyun me leva até o corredor onde o escritório do Taehyung ficava. Nós entramos em uma porta diferente, dando em mais um escritório, provavelmente o do Jin, pelo que o garotinho me contou. Hyun corre até à cadeira atrás da mesa do escritório e arrasta ela para perto de uma estante de livros, enquanto eu fico perto na porta para me certificar de que ninguém nos veria. Depois, o garoto puxa o quinto livro da terceira fileira, pegando uma chave escondida atrás dele.
  – Aqui! – Ele se vira para mim e me mostra a chave, depois de saltar da cadeira.
  – Shh! Fala baixo, Hyun, ou vão nos descobrir. Agora deixa tudo do jeito que estava.
  Ele assente e empurra a cadeira de volta ao lugar, vindo correndo em minha direção e pegando minha mão de novo.
  Quando saímos do escritório do Jin, subimos mais um andar e entramos em um espaço com dois corredores. Hyun me puxa para o lado esquerdo, para dentro de um corredor iluminado por velas em castiçais. O garotinho para na terceira e última porta do lado direito, enfiando a chave na fechadura dourada. Peço que ele gire a porta de modo devagar para não fazer barulho, e depois de assentir, ele faz isso, abrigando a porta. Olho uma última vez para o corredor, o vendo vazio, e entro na sala com Hyun. E assim que o garotinho liga a luz do cômodo, meus olhos encaram tudo com avidez.
  Era uma sala grande e espaçosa, com estantes que iam do chão até o teto, por toda parte. E nas prateleiras de cada uma das estantes, haviam potes de vidro com um par (em cada) de redondas bolinhas. Na frente dessas estantes com potes de vidro, haviam manequins sem cabeça, que vestiam deslumbrantes vestidos de noivas, alguns nem pareciam ser dessa época, mas, mesmo assim, ainda eram lindos. E isso era tudo que encontrei nessa sala.
  Curiosa, caminho sobre o carpete vinho, me aproximando de uma das estantes, retirando um dos potes de vidro da prateleira, me surpreendendo ao perceber que o par de bolinhas que havia em cada pote, na realidade, era um par de olhos, cada um de uma cor diferente e todos muito bem conservados.
  – Hyun, você sabe por que isso está aqui? – Me viro, levantando o pote de vidro.
  Hyun nega com a cabeça, me observando silenciosamente.
  Me sentindo totalmente desorientada por ver isso, pego meu celular que estava guardado no meu bolso traseiro, desde que sai do quarto, e começo a fotografar os potes, com o intuito de mostrá-los para o Padre Albert. Os vestidos de noiva são os próximos, e acabo me encantando mais do que devia ao examiná-los... esse sentimento.
  – Esse é um lugar muito legal, e eu estou feliz porque você me mostrou ele, mas acho que devemos ir agora, antes que nos descubram. – Falo para Hyun, depois que tenho todas as fotos que preciso.
  Ele assente, e nós dois deixamos a sala, em seguida, devolvendo a chave para o mesmo lugar de antes.

***

  Assim que Wendy e Sally voltaram para o castelo, reúno minha equipe e mostro as fotos que tirei. Todas ficam tão surpresas quanto eu, mas, infelizmente, não temos qualquer palpite sobre o que possa ser isso. De qualquer forma, Padre Albert pediu que as garotas avisassem que devemos ir encontrá-lo amanhã, e ele com certeza deve ter algum palpite sobre isso. Parece que a folha da página solta que eu encontrei com a palavra Lycanthropia foi mais do que o suficiente para criar uma pequena reunião entre todos nós.
  Lilu nos disse que Blarie a levou até o mesmo lugar que ela já havia ido, mas que ela não pôde investigar muito por não estar sozinha. Já Wendy e Sally trouxeram nossas roupas vindas direto de Hammond, assim como nossas armas, que escondemos do melhor jeito que pudemos. Combinamos de nos aprontar para o jantar e terminar o restante do dia de uma maneira mais tranquila, já que na manhã seguinte, teríamos muito o que conversar com Padre Albert.
  E depois de um longo banho e uma roupa confortável que dessa vez era minha, caminho até à sacada aberta, a fim de tomar um pouco de ar enquanto mando uma mensagem para minha mãe, dizendo como estavam as coisas aqui na Transilvânia. Com os olhos atentos na mensagem que eu escrevia, apoio meus cotovelos no batente da sacada, sentindo vento do final da tarde me atingir.
  Respiro fundo e facho os olhos, mexendo meu pescoço de um lado para o outro, depois que envio a mensagem para minha mãe. Abro os olhos novamente e observo a bela paisagem que o castelo me oferecia, e algo em especial atrai minha atenção. Mesmo estando a alguns andares de distância do chão, minha visão ainda é muito boa, e agradeço ao meu sangue Van Helsing por isso. Andando entre as estatuas do jardim, Taehyung caminhava ao lado de uma garota da qual não consigo ver com precisão os traços (mesmo que minha visão seja melhor que a de um humano comum, ela não fará milagres). Ela estava com um dos braços enlaçado ao dele e, por algum motivo, imagino que ele está rindo ou sorrindo para a garota. Ela deve ser uma das noivas que ele ainda deveria escolher, as que Amia me contou.
  Me afasto da sacada quando percebo que estava apertando meu celular com mais força do que deveria. Volto para o quarto com a intenção de encontrar uma das garotas, e pensar em outras coisas que realmente mereciam a minha atenção, e não no Taehyung andando no jardim com uma garota qualquer que supostamente vai ser mais uma das suas noivas.
  – Você não tem ideia do quanto eu queria te ver. – Ergo a cabeça rapidamente, encarando espantada e assustada a pessoa que estava sentada na ponta da minha cama, com as penas cruzadas e as mãos apoiadas no colchão.
  – Quando você entrou aqui? – Fico parada na entrada do quarto para a sacada.
  – Eu pensei que tinha me visto. – Jungkook arqueia as sobrancelhas, e depois se levanta da cama.
  Ele enfia as mãos para dentro dos bolsos das calças, e começa a caminhar em minha direção.
  – Nosso último encontro não foi muito agradável. Mas eu preciso dizer, você continua encantadoramente linda. – Ele para mais perto do que eu gostaria, e sorri de um jeito sem-vergonha.
  – Eu preciso sair. – Falo, me sentindo nervosa por ser encarada por esses olhos escuros e grandes, que pareciam que iriam me despedaçar.
  – Tudo bem. – Ele sorri de novo, antes de inclinar seu corpo em direção ao meu, rapidamente, encostando seus lábios contra os meus. Com os olhos arregalados, tento inclinar meu corpo para trás, mas Jungkook tira uma das mãos dos bolsos e passa ao redor da minha cintura, me mantendo perto, enquanto seus lábios continuam sobre os meus.
  Quando ele se afasta, por um segundo, penso que as minhas pernas podem falhar. Parada no mesmo lugar, segurando meu celular, o vejo sorrir mais uma vez, antes de se virar e sair do quarto, me deixando completamente atônita, sabendo que tudo havia começado de novo e eu estava nisso outra vez, do mesmo jeito.

Capítulo 5 – Parte I

  Sinto um incômodo no meu braço esquerdo, e contorço meu rosto por isso. Uma pontada ardida vibra em meu braço e sinto o local latejar. Com o rosto ainda contorcido, abro os olhos, vendo o dossel rosa pendurado no teto. Mais uma ponta no meu braço esquerdo, e sou obrigada a me levantar, apoiando o peso do meu corpo nos cotovelos, mas, basta fazer isso para que a dor fique ainda maior. Encaro meu braço esquerdo, ainda coberto pelo lençol branco da cama, vendo uma grande mancha vermelha, e eu reconhecia muito bem esse cheiro, era sangue. Rapidamente, empurro o lençol para baixo, vendo, agora, em meu corpo descoberto, quatro grandes cortes em meu braço esquerdo. Com cuidado, toco o machucado com a ponta dos dedos, os afastando depressa, pois o simples e leve toque fazia doer mais.
  Quatro riscos grossos e fundos na minha pele, que pareciam ser feitos por unhas bem afiadas. A carne vermelha estava sangrenta e exposta, e toda a pele ao redor dos cortes, estava com uma coloração avermelhada.
  Apressada, me levanto da cama e saio correndo do meu quarto, indo direto para o quarto de Wendy. Abro a porta com exaspero e corro até à cama onde minha irmã dormia.
  – Wendy, acorda! – De joelhos na cama, começo a chacoalhar seu corpo.
  De maneira sonolenta, minha irmã abre os ombros. E deitada de lado e de costas para mim, ela me fita sobre os ombros com apenas um dos olhos abertos.
  – O que foi, Elena? – Ela pergunta com a voz rouca de sono.
  – Wendy, olha isso! – Viro meu braço em sua direção, e quando ela vê os cortes em meu braço, abre o outro olho e arregala os dois.
  – O que é isso? Como você se machucou? – Com os cabelos completamente despenteados e com uma expressão preocupada, Wendy estende sua mão para tocar meu machucado.
  – Não faz isso. – Desvio meu braço. – Não dá pra tocar, está doendo muito.
  Tentando acordar de uma vez, Wendy pisca os olhos várias vezes, olhando do meu machucado para o meu rosto.
  – Isso é o que eu estou pensando? – Wendy engole em seco.
  Assinto, tendo o mesmo tipo de sentimento que minha irmã.
  – Lobo. – Digo e, em seguida, sinto uma fisgada no machucado, me fazendo fechar os olhos e soltar um baixo gemido de dor.
  – Eleninha, vai se arrumar depressa. Vou acordar as meninas e todas nós vamos atrás do Padre Albert. – Com um olhar perturbado, Wendy me encara.
  Sem contestar, saio de sua cama e ela também. Volto para o meu quarto e faço o melhor que posso para me arrumar sem sentir muita dor. As garotas não demoram ao aparecerem no meu quarto, e Lilu parece ser a única admirada com meu machucado, e precisei brigar com ela pelo menos umas duas vezes para que ela não tocasse nos cortes.
  Por sorte, não encontramos muitas pessoas pelo caminho, apenas avisei Skull que precisava sair e, em silêncio, ele assentiu. Nós descemos a colina do castelo e fomos para centro da cidade, e lá pedimos um taxi que nos levaria até à saída da cidade, onde a base do Padre estava montada.

***

  Provavelmente uns cinquenta minutos dolorosos depois, o taxi finalmente estacionou no nosso ponto. Assim que pagamos o taxista, nós quatros seguimos pela beira de uma estrada de terra até que encontrássemos uma pequena cabana de madeira no meio do nada. Seria muito arriscado pedir que o taxista nos deixasse na porta da cabana, isso arruinaria nosso disfarce. E confesso que foi a caminhada mais angustiante da minha vida, eu não conseguia me concentrar em mais nada que não fosse os cortes.
  Tomando a frente, Wendy bate algumas vezes na porta da cabana que, para minha surpresa, é aberta por Alef, que nos recebe com um grande sorriso.
  – Sem tempo, Ciclope. Nós precisamos ver o Padre agora. – Wendy praticamente invade a cabana, entrando primeiro e deixando Alef com uma feição de desaprovação para trás, enquanto ajeitava seus óculos.
  Lilu balança os olhos e ergue as mãos no ar, como se disse para Alef "você sabe como ela é". Sally entra logo em seguida e eu sou a última.
  – Bom te ver outra vez, Elena. – Alef volta a sorrir gentil, e toca meu braço com sutileza.
  Movimento meu ombro para baixo quando seu toque faz os cortes doerem.
  – Algo de errado? – Alef me olha confuso, enquanto fecha a porta da cabana.
  – Meu braço está machucado. – Respondo entre uma careta de dor.
  – Me desculpe, eu não queria... – Alef toca meu braço de novo. – Me desculpe! Me desculpe, Elena!
  – Tudo bem. – Aceno com a cabeça e saio apressada antes que ele toque no meu braço de novo.
  A cabana não era muito grande, mas várias pessoas andavam de um lado para o outro, e muitas armas estavam em evidência por todos os lados. Vou até à sala do lugar, encontrando Padre Albert sentado sobre um pequeno sofá, enquanto escutava o que Wendy falava. Sally e Lilu estavam de pé do lado dela.
  Quando sente minha presença, o Padre me encara sério.
  – Elena, venha aqui e me deixe ver isso. – Padre Albert indica o lugar vago no sofá.
  Me sento no sofá de cor caramelo e, com muito cuidado e lentamente, começo a dobrar a manga da minha blusa que, agora, percebo estar com alguns pingos de sangue; eu bem que tentei vir com uma blusa escura, mas não parece ter sido o suficiente. Respiro fundo e tento engolir a dor quando sinto que uma parte da blusa grudou nos cortes.
  – Isso não são marcas de garras? – Alef se aproxima e aponta para o meu machucado.
  Padre Albert encara os cortes por alguns segundos, antes de suspirar.
  – Só um lobo poderia fazer um machucado como esse. – O Padre nega com a cabeça, apoiando suas mãos sobre os joelhos cobertos pela batina preta.
  – Você não viu quem fez isso em você? – Alef pergunta.
  – Não. Quando eu acordei, isso já estava no meu braço.
  – E o que vamos fazer agora? – Lilu pergunta, se sentando sobre o braço do sofá, perto da Wendy.
  O Padre Albert suspira outra vez
  – Nosso maior erro foi ter focado grande parte do treinamento de vocês, apenas nos vampiros. – O Padre encara o chão. – Já tem muito tempo que os lobisomens não causam problemas, e acho que foi isso que acabou nos fazendo deixá-los de lado. Vocês são caçadoras de vampiros e monstros, deveriam ter se aprofundado mais sobre outras criaturas além dos Drácus. Vou ligar para o Vaticano e reportar o que está acontecendo. Também irei atrás de ervas que irão te ajudar com esse machucado, Elena. E quero que Sally venha comigo. Você é a especialista em ervas e itens místicos, precisa se atualizar rapidamente sobre isso. – O Padre diz e Sally assente, sem contestar.
  – Mas o senhor tem ideia do porquê eles estão atacando agora, depois de tanto tempo? – Alef pergunta, examinando meu machucado.
  – Todos sabem que a briga entre os vampiros e os lobisomens é antiga. E o fato de a Elena estar noiva do Drácula, sendo uma Van Helsing, com certeza deve ter feito com que eles se sentissem ameaçados em relação à sua posição no meio das criaturas místicas. Isso é tudo que consigo pensar agora, se tiver outro motivo, não faço a menor ideia. – Padre Albert coça seu rosto, sobre a barba branca que começava a nascer.
  – E como eles sabem que a Elena está noiva do Drácula? – Sally pergunta, e franze o cenho.
  – Essa resposta é algo que precisamos descobrir rápido, antes que eles façam mais alguma coisa. Poderemos usar isso contra os vampiros depois. – Padre nos encara de maneira preocupante, nos fazendo perceber a gravidade das coisas.
  Se tudo já parecia difícil lidando só com os vampiros, agora, com a suposta aparição dos lobos, tudo estava prestes a piorar.
  – Por hora, Alef vai preparar alguma coisa que ajude na sua dor, pelo menos, um pouco, até que Sally e eu voltemos com a erva certa para curar seu machucado. Seremos rápidos.

***

  Após uma longa manhã na base do Padre Albert, Wendy, Lilu e eu retornamos para o castelo. Alef enfaixou meu braço depois de passar uma pomada nos meus cortes, ajudando um pouco com a dor, como Padre Albert pediu. Ao menos agora eu conseguia mexer melhor meu braço sem querer arrancá-lo fora.
  Já no castelo, tive infelicidade de ver Amia antes de todos, e ela logo me lembrou do nosso pequeno compromisso. E com um grande suspiro mental, disse a ela que só iria me arrumar. Wendy até tentou me convencer a ficar, depois de encarar Amia de uma forma tão ameaçador que pensei que as duas iriam brigar. Mas, quando Amia se foi, disse a Wendy que precisava fazer isso e que não podíamos mais perder tempo. Tive uma pequena ajuda de Lilu, que arrastou Wendy para a sala de jantar com o pretexto de que precisava comer ou iria desmaiar.
  Depois de me vestir e pegar meu celular, percebi que acabei esquecendo de mostrar para o Padre as fotos que tirei. No meio de toda essa confusão, parecia impossível. Mas assim que ele voltar, farei isso.
  Debaixo do céu acinzentado da tarde da Transilvânia, com uma leve brisa, Amia e eu saímos do castelo, lado a lado, e seu braço enlaçado ao meu. Antes eu gostaria de cortar o meu braço, mas agora, queria arrancar o dela. Eu simplesmente não consigo entender como ela pode agir dessa maneira tão falsa depois de tentar me matar, e o pior é que sou obrigada a me deixar levar por isso, porque é a minha missão.
  Descemos a colina do castelo e depois ela me mostrou alguns lugares da cidade, como, bares, lojas de doces, de roupas e toda essa porcaria que seria muito mais agradável na companhia de qualquer outra pessoa que não fosse ela. Por fim, seguimos pelas ruas de ladrilhos como Upiór, porém, de uma maneira mais moderna, até uma pequena loja envidraçada de madeira de dois andares. Uma grande placa de madeira ilustrava os dizeres “Madame Dorothea”. E sem se importar em bater, Amia entrou na loja, me puxando para dentro também. Ela retira o longo casaco que cobria seu vestido e o pendura no cabideiro dentro do pequeno hall, antes de subirmos uma escada de madeira para o segundo andar. O primeiro andar era simples, como se fosse uma casa, mas este, o segundo, era totalmente semelhante a um ateliê de costura, com manequins, espelhos e tecidos para todos os lados.
  Haviam duas garotas de aparência jovens sentadas sobre um banco de veludo vermelho com detalhes dourados. Ambas tinham expressões entediadas, e a garota com o rosto apoiado contra a palma de uma das mãos, especialmente me chama atenção, ela parecia familiar.
  – Elena, quero que conheça Olivia e Zoe, nossas outras duas companheiras. – Amia estica seu braço, apontando as duas garotas, enquanto sorri abertamente.
  As feições entediadas logo mudam, e elas me encaram com interesse. A de cabelos vermelhos se levanta e se aproxima de mim.
  – Muito prazer, sou Olivia. – Ela me segura pelos ombros e me dá um beijo na bochecha.
  Era essa que estava com Taehyung ontem.
  – A humana... – Escuto uma voz atrás de mim, e quando olho sobre os ombros, vejo a garota de cabelos curtos e loiros me rodear, enquanto me analisa. Eu nem a vi se levantar.
  Sendo a que sobrou de nome, Zoe, aproxima seu rosto do meu pescoço.
  – Você tem um cheiro muito bom. – Ela diz perto da minha orelha. – Espera. – Zoe recua seu rosto do meu pescoço, e ainda parada atrás de mim, ela afasta meu cabelo. – Isso é incrível. Você viu essa marca, Amia? – Zoe ri, e vira meu corpo cuidadosamente em direção à Amia. – Já sabemos quem é a predileta do Drácula.
  – Parece que teremos que nos esforçar mais, se quisermos um pouquinho de atenção. – Olivia também ria, antes de cobrir minha marca com meu cabelo de volta.
  Amia sorri sem mostrar os dentes enquanto arqueia as sobrancelhas, se afastando.
  – Dorothea! – Ela chama, andando entre os manequins.
  Uma mulher alta e bem magra, com os cabelos presos em um coque bem apertado e com uma fita métrica ao redor do pescoço, surge detrás de uma cortina florida que tinha no canto do ateliê.
  – Elena, essa é Madame Dorothea. Por anos, ela é quem costura os vestidos das noivas do Drácula, é uma tradição de família, sua mãe e sua avó também fizeram isso. – Amia coloca as mãos na cintura e sorri satisfeita ao ver a mulher.
  Dorothea vem em minha direção e pega na minha mão direita, beijando-a e deixando a marca do seu batom vermelho na minha pele.
  – Estou encantada em finalmente te conhecer, Elena. – A mulher sorri de um jeito estranho. Ela era a definição de impecável, sua aparência era de alguém que parecia estar arrumada o tempo todo. – Gostaria de tirar suas medidas para começar a fazer o vestido de noiva mais bonito que você já viu em toda sua vida.
  – Nada disso, Dorothea. Vamos começar comigo. – Amia se aproxima de nós duas.
  – Você pode esperar um pouco, Amia. Eu estive muito ansiosa por esse momento com a Elena. – E antes que eu possa fazer qualquer coisa, Dorothea me puxa pela mão até uma cortina florida.
  Pelos ombros, ela me posiciona de frente ao espelho que tinha do outro lado, fechando a cortina atrás de nós.
  – Vou tirar suas medidas. – Ela sorri para mim através do espelho, antes de pegar a fita métrica ao redor do seu pescoço, e começar a medir meu corpo.
  – Hm... você não precisa anotar isso? – Pergunto, depois que ela mede os meus braços e vai para a meu busto.
  – Não se preocupe, tenho uma boa memória. – Ela responde sem me olhar, concentrada em enrolar a fita ao redor do meu tronco. – Você tem uma bela tatuagem aqui. – Dorothea puxa para trás, sutilmente, a gola da minha blusa, espiando dentro dela.
  Fico em silêncio. Não era necessário explicar, ela sabia o que essa tatuagem significava.
  – Você não é a primeira humana que faz um vestido para se casar com um Drácula, mas, com certeza, é a primeira Van Helsing. E precisa saber, isso nunca acaba bem. – Outra vez, através do espelho, ela me encara, agora, de maneira significativa e com as sobrancelhas levantadas.
  Eu não pretendo consumar isso, era o que eu queria dizer para ela.
  – Estou curiosa para saber como uma caçadora de vampiros resolveu casar com o Drácula, mas não é da minha conta. Minha obrigação é apenas te deixar linda. – Ela se levanta, depois que se abaixou para medir minhas pernas. – Mas não será uma tarefa difícil. – Dorothea aperta uma das minhas bochechas. – Acabamos. Por favor, chame a Amia para mim.
  Ainda em silêncio, saio de trás da cortina e caminho até o banco vermelho onde as três estavam sentadas.
  – Sua vez. – Digo para Amia, apontando sobre os ombros para trás.
  Ela levanta animada do banco e vai pelo mesmo caminho que eu vim.
  – Já tiramos nossas medidas, estávamos só esperando vocês. – Olivia diz e se afasta, deixando um espaço vago entre ela e Zoe para que eu me sente.
  – Por que tanta questão disso? – Pergunto, depois de me sentar entre elas.
  – Vamos dividir o mesmo marido, acho que devemos nos conhecer antes de passarmos a eternidade juntas. – Olivia deita sua cabeça no meu ombro direito, enquanto tenta me encarar. – Você definitivamente tem o melhor cheiro que eu já senti em toda minha vida. – Sem afastar sua cabeça do meu ombro, ela a arrasta, encostando a ponta do seu nariz no meu pescoço.
  – Realmente entendo porque Taehyung te escolheu. – Zoe toca meu cabelo, enrolando seu dedo indicador em uma mecha loira. – Muitos vampiros não gostam dos humanos, ainda mais se forem como você, um caçador. Mas, eu, particularmente, não me importo com nada disso. – Ela aproxima seu rosto do meu, tão perto que eu se virasse um pouco para o lado, nossos rostos se tocariam.
  – Acho que estamos indo um pouco rápido demais, não acham? – Inclino meu tronco para trás, me afastando delas por um momento.
  – Como quiser. – Zoe ri, se sentando normalmente de novo.
  – Nunca é rápido demais para o amor. – Olivia sorri para mim, e coloca uma das mãos na minha coxa.
  – Tudo bem, Olivia, nós podemos fazer isso depois. – Forço um sorriso fechado e seguro em sua mão, a tirando da minha coxa.
  – Apreciem a noiva do Drácula. – A voz da Amia chama nossa atenção, antes dela afastar a cortina florida para o lado e sair de lá usando um enorme vestido de noiva.
  – O vestido é bonito. – Zoe comenta, do meu lado.
  – Claro que é. Estive planejando ele durante anos. – Amia vai em direção a um dos muitos espelhos do ateliê, e fica se admirando. – Eu estou perfeita, exatamente como sabia que ficaria. – Seu olhar para o próprio reflexo, ela superior, e o sorriso completamente prepotente. – O que acha, Elena querida?
  – Você já disse tudo, Amia. Está perfeita. – Sorrio para ela que, mesmo sabendo que estou sendo falsa, fica satisfeita com o que eu digo.
  – Tem alguma coisa em especial que queira no seu vestido, Elena? Um tecido, uma joia, renda? – Dorothea pergunta, assim que sai de trás da cortina também.
  – Não. Estou deixando isso nas suas mãos. – Não é como se eu me importasse com esse vestido ridículo. Eu nem vou me casar de verdade.
  – Comece a aprender um pouco comigo, Elena. A esposa de um Drácula tem tanto controle quanto ele para comandar os vampiros, ela precisa ser o braço direito dele. E uma boa aparência muda tudo. Você pode ser respeitada só pela maneira como se veste. E no nosso casamento, irei mostrar a vocês três como se deve fazer. – Os olhos de Amia medem cada parte do seu corpo pelo reflexo, ela estava tão deslumbrada que me enjoava.
  Quando a megalomania da Amia acaba, Dorothea faz mais algumas perguntas sobre os vestidos e depois nos libera. Olivia e Zoe nos acompanharam porque, aparentemente, elas tinham algum compromisso com Amia, que até me convidou, mas neguei assim que meu braço voltou a doer; acho que o efeito da pomada está passando.
  Depois de pegar seu casaco no cabideiro e vesti-lo, Amia abre a porta, nos fazendo dar de cada com um garoto de cabelos pretos e pele pálida, que estava sentado em frente a porta da loja, fumando um cigarro.
  – Ah, Peter. – Amia diz sem muito interesse.
  – Você sumiu. – Zoe fala, saindo da loja e segurando por alguns segundos, a mão que o garoto de olhos escuros, estende.
  – Veio fazer seu terno? – Olivia pergunta, depois de dar um beijo na bochecha de Peter.
  – Sim. Estava esperando vocês saírem. – Ele responde, enquanto solta a fumaça do cigarro entre seus lábios, lentamente.
  – Essa aqui é a última noiva. – Amia aponta para Peter, e a encaro confusa.
  Ele se levanta, jogando o cigarro no chão e o apagando em uma pisada.
  – Espero que não se importe em dividir o Drácula comigo, gracinha. – Ele sorri e toca a ponta do meu nariz com o dedo, antes de entrar na loja da Madame Dorothea.
  – É, estamos todos aqui. – Amia diz com desdém e fecha a porta da loja, antes de sairmos pelas ruas da Transilvânia.

***

  Enquanto as três noivas saiam para seu compromisso, eu voltei para o castelo, sendo recebida por Lilu e Wendy, que estavam completamente eufóricas. Elas me levaram até o porão-não-porão que Lilu encontrou e que Blarie a levou, o lugar dos sacrifícios, que era exatamente como a garota de cabelos alaranjados me descreveu: um grande símbolo vermelho no chão, velas e estátuas de gárgulas e um enorme vitral colorido de fundo, bem parecido com os que encontramos nas igrejas. Mas, o mais surpreendente de tudo isso, foi Lilu me contar que enquanto estive fora, ela trouxe Wendy até esse lugar e as duas acabaram por encontrar uma passagem secreta, onde uma das paredes de tijolos se moveu assim que puxaram um destes tijolos. E, desta forma, acabamos em um lugar ainda mais estranho que o anterior, do qual era escuro e iluminado por tochas nas paredes que estavam apagadas nesse momento. Também haviam algumas correntes presas nas paredes e alguns instrumentos pontiagudos e potes pequenos de sangue por toda parte.
  Não ficamos muito tempo ali, não poderíamos correr o risco de sermos pegas, mas sabíamos muito bem para que servia aquele lugar. Provavelmente, os humanos eram drenados naquela sala, até sua última gota de sangue. Já que um Drácus se alimenta de alma, penso que sequestravam os humanos, tiravam o máximo de sangue que podiam e quanto este pobre coitado estava à beira da morte, eles simplesmente ceifavam sua vida.
  Acho que tive o suficiente por um dia, todas essas coisas que vi e descobri hoje estavam enchendo minha cabeça, e a dor no meu braço não estava ajudando. Nós iriamos repassar tudo ao Padre assim que ele voltasse com Sally, mas, agora, tudo que eu preciso é de um longo banho que relaxe meu corpo. Wendy disse que compressa de água quente talvez ajude na minha dor, por isso, a banheira seria perfeita.
  Na caída da noite, depois de enchê-la com muita água quente, prendo meu cabelo e entro na banheira, deixando apenas minha cabeça para fora recostada contra a borda na banheira. Todo o estresse acumulado no meu corpo parece ir embora junto com a água, e o ambiente calmo e silencioso do banheiro ajudava muito. Fecho os olhos e respiro fundo e alto, mandando para fora todos esses problemas que corria por minhas veias. A água quente realmente ajudou um pouco na dor, mas eu ainda a sinto, bem lá no fundo da minha carne, ardendo de uma maneira que me deixava irritada algumas vezes.
  Completamente imersa neste pequeno momento de paz, onde só existe a Elena, sem igreja ou vampiros, sinto uma grande mão espalmar meu rosto e empurrar minha cabeça para baixo, fazendo meu corpo escorregar na banheira e imergir na água. Abro os olhos quando uma segunda mão agarra o meu pescoço, me prendendo no fundo da banheira. Exasperadamente, começo a me debater dentro da banheira, enxergando através da água agitada por meus movimentos, a imagem desfocada da pessoa que tentava me afogar; eu não conseguia ver com clareza, a água não permitia, e a falta de oxigênio no meu corpo começa a deixar minha visão ainda mais embaçada, deixando a amostra apenas o âmbar que brilhava do lado de fora da banheira. Quase sem ar nos pulmões, agarro com força as mãos que me prendiam e aperto minhas unhas contra sua pele, antes de torcer seus pulsos, fazendo quem quer que seja, finalmente, me soltar.
  Levanto meu tronco de uma vez, tossindo incessantemente a água que invadiu meu interior, enquanto tento desesperadamente encher meus pulmões com ar. E com o peito subindo e descendo de forma rápida, seguro nas bordas na banheira e olho ao redor no banheiro, não vendo nenhum sinal de quem fez isso comigo, apenas a porta entreaberta do banheiro.
  Apressadamente, saio da banheira, tendo que me segurar na parede mais próxima quando perco o equilíbrio pela falta de ar. O machucado em meu braço dói em uma pontada, e acabo levanto a mão involuntariamente até o lugar, gemendo de dor ao sentir meu próprio toque. De forma lenta, me arrasto até o robe de seda que trouxe para o banheiro, o vestindo e amarrando bem para mantê-lo fechado, não me importando se estava completamente molhada.
  O tecido gruda em meu corpo e meu cabelo começa a molhar o robe quando caminho até à porta, voltando para meu quarto, tendo os olhos atentos para ver se encontrava alguém. Sem sucesso, tudo estava silencioso e vazio.
  Começo a ir até à porta do quarto, mas paro assim que sinto uma forte presença atrás de mim. Em seguida, sinto um toque sobre meu ombro, uma mão que me vira.
  Fecho os olhos por alguns segundos, me acalmando quando vejo Taehyung.
  – Você está bem? – Ele me encara desconfiado.
  – Sim. – Coloco uma mão na testa e fecho os olhos, expirando alto.
  Quando volto a abrir os olhos, vejo que o olhar de Taehyung é estreito. Seu semblante sério examina todo meu corpo, enquanto ele inspira alto, como se farejasse algo. Ele puxa o lado esquerdo do meu robe para baixo, e preciso segurar uma parte para que o meu seio não fique de fora.
  As pupilas do Taehyung dilatam quando ele encara o meu machucado.
  – Tranque esse quarto e não saia daqui. – Ele diz e passa por mim com o intuito de sair do quarto.
  Por um segundo, a imagem do seu corpo de costas fica embaçada, e outra pontada arde no meu machucado, me obrigando a colocar a mão sobre ele de novo. Fecho os olhos com força quando a dor se torna insuportável, fazendo minhas pernas cederem e meu corpo cair fraco no chão.

Capítulo 5 – Parte II

  Respiro fundo e abro os olhos, encarando o dossel rosa. Tudo que aconteceu me atinge de uma vez, e me sento apressada sobre a cama, vendo meu quarto vazio e silencioso; a porta do banheiro estava fechada, e a da sacada aberta, revelando a noite do lado de fora.
  Apreensiva, saio com cuidado da cama e vou até o guarda-roupa, abrindo-o e vasculhando pelas minhas armas. Pego o primeiro revólver que encontro e o destravo.
  Os meus ouvidos captam sons baixos de passos, me fazendo virar em direção ao barulho.
  – Inferno! Eu podia ter atirado em você, sabia. – Grito, irritada com essa mania de Taehyung de aparecer nos lugares como um fantasma. Ele estava parado na saída da sacada para entrada do quarto.
  Que o Senhor perdoe minhas palavras.
  – Você está melhor? – Lentamente ele se aproxima, tendo o vento que vinha da sacada aberta, balançando sua roupa preta e cabelos esbranquiçados.
  – Sim, me sinto melhor. Eu dormi por muito tempo?
  – Não muito. – Ele para na minha frente e coloca as mãos dentro dos bolsos. – Você pode guardar isso de novo. – Ele aponta com a cabeça para o revólver que eu segurava.
  – Por que eu guardaria? – Esse maldito machucado que arde para um inferno, está me deixando de muito mau humor.
  – Eu estou aqui agora, Elena. – Taehyung diz, sério.
  – E eu não estou pedindo pra você me proteger. Eu posso fazer isso sozinha. – Devolvo o olhar sério, mas ele não se intimida.
  – Não te mova. Amarro-te agora, immunda spiritus! – A voz de Wendy grita do lado de fora do quarto, me fazendo encarar com surpresa a porta fechada.
  Corro até ela, abrindo-a de supetão para ver Wendy parada no meio do corredor. Lilu estava bem ao lado dela, com os olhos atentos e mal-encarados.
  Ela me olha assim que me percebe.
  – Situação crítica?
  – Situação crítica. – Lilu apontando as duas pistolas que segurava, uma em cada mão, para frente.
  Taehyung surge atrás de mim assim que um rosnado preenche o corredor. E vinha do homem suspenso no ar. Seus olhos cor de âmbar estavam cheios de fúria, enquanto ele mostrava as longas presas como se fosse um animal selvagem. Seus pés não tocavam o chão, e seus braços estavam presos contra o próprio corpo, e sua cabeça era a única coisa que ele conseguia mexer.
  – Queime no inferno! – Wendy grita, com a mão estendida, fazendo todos escutarmos um barulho estranho de ossos estalando ao mesmo tempo, em que o homem de olhos amarelos, ruge como uma fera.
  Taehyung empurra sutilmente meu corpo para o lado e sai do quarto, indo até o homem, do qual ele segura pelo pescoço, apertando-o.
  – O que você está fazendo no meu castelo? – Taehyung pergunta de uma maneira totalmente intimidante, enquanto o homem tenta se livrar do que o sufocava.
  Percebendo que o homem não conseguia falar devido à força que Taehyung usava para apertar seu pescoço, ele o solta, fazendo seu corpo cair no chão. O homem tosse um pouco, e seu cabelo loiro balança junto com sua respiração alta.
  – Aproveite seu reinado enquanto pode, porque logo você vai morrer, falso Drácula. – O homem sorri com desprezo para Taehyung, antes de tentar correr para o final do corredor, sendo impedido por Hoseok, que surge como em um passe de mágica.
  – Vai a algum lugar? – Hoseok sorri para o homem, que para abruptamente e se vira, percebendo estar em uma encruzilhada.
  Ele franze o rosto e mostra seus dentes outra vez.
  – Você! – Lilu grita e encara Hoseok.
  – Isso não é uma boa hora pra perguntar. Mas vocês se conhecem? – Wendy fita Lilu de forma tensa.
  – Ela tentou me matar na mansão em Upiór, na lua de sangue, não é mesmo, bonitinha? – Hoseok sorri para Lilu, que aponta suas armas para ele.
  – Lilu, essa não uma boa hora. – Entro no corredor, a encarando apreensiva.
  Irritada, Lilu volta a apontar suas armas em direção ao homem de olhos amarelos, que tenta se aproveitar da situação para fugir pelo lado aposto. Pulando na parede como as pernas e mãos, igual a um cachorro, para se desviar de Taehyung e tentar entrar no meu quarto.
  Lilu atira em direção ao homem, mas ele desvia, então ela salta para cima dele, o prendendo em um Hadaka Jime, enquanto encosta uma arma na cabeça dele.
  – Quietinho agora, lobinho. – Lilu força seu braço quando o homem começa a se debater.
  – Vocês acham que me pegaram?! Eu não estou sozinho, seus idiotas! Tem muito mais! Nós vamos acabar com vocês! – O homem começa a rir de força descontrolada, tentando se livrar do braço e da arma de Lilu.
  – Acho que não. Essa não é a sua noite de sorte.
  Olho na direção contrária, vendo Yoongi e Namjoon parados perto de Taehyung.
  Yoongi segurava pelos cabelos, uma cabeça ensanguentada, que ele joga em direção ao homem.
  – Diga oi para o seu amiguinho.
  Os olhos do homem se arregalam, e ele começa a se debater com mais força.
  – O que aconteceu? – Calmamente, Taehyung se vira para Namjoon, que estava com as mãos sujas de sangue.
  – Nós matamos a maioria. Jungkook, Jimin e Jin foram atrás dos que fugiram.
  – Onde está a Blarie? – Yoongi pergunta, olhando ao redor.
  – Com o Hyun. A Amia deve estar junto. – Hoseok responde, se aproximando deles.
  – Rápido, Wendy, faz alguma coisa. Acho que ele comeu a ração hoje. – Lilu resmunga, e quando volto a encará-la, percebo que ela está com dificuldades em manter o homem preso.
  Inundado por fúria, ele segura o pulso de Wendy, afastando a arma da sua cabeça. Tento correr para ajudá-la, mas um tiro é disparado em minha direção, acertando em cheio meu ombro. Meu corpo vai para trás pelo impacto e esbarra em alguém, e mesmo sem ver, consigo reconhecer o toque de Taehyung quando suas mãos rodeiam minha cintura.
  – Elena! Eu não queria, a culpa foi dele! – Lilu grita, um pouco aflita.
  Gemo de dor e me solto de Taehyung. Enfio dois dedos no buraco da bala e a puxo para fora, jogando o projetil no chão.
  – Isso doeu pra valer. – Falo irritada, sentindo o sangue minar do buraco. – Isso realmente doeu! – Quase grito, erguendo meu revólver e disparando contra a cabeça do homem de olhos amarelos.
  Lilu fica imóvel no lugar, segurando o homem desacordado nos braços, o encarando descrente.
  – Isso foi muito nojento. – Ela joga o corpo mole no chão, e limpa seu rosto com respingos de sangue.
  – Você está bem? – Wendy se aproxima, preocupada.
  – Se com bem, você quer dizer com muita dor, então, sim, eu estou bem. – Coloco uma das minhas mãos sobre o ombro atingido, e começo a mexê-lo em movimento circulares.
  – Você matou ele, Elena. Como vamos descobrir alguma coisa agora? – Lilu diz, se aproximando também.
  – Se não é no coração, ele não morre. – Yoongi responde.
  – Tirem ele daqui e levem para o calabouço. – Taehyung fala para seus irmãos, que assentem e vão em direção ao corpo desacordado do homem de olhos amarelos.
  – O que vocês vão fazer? – Wendy pergunta para Taehyung.
  – Uma pequena festinha quando ele acordar. – Taehyung sorri sórdido, antes de segurar minha mão e me puxar de volta para o quarto, sem se importar com os outros.
  Ele fecha a porta, nos deixando sozinhos no meu quarto.
  – O que é? – O encaro em meio a uma careta de dor.
  – Você precisa descansar agora, e eu preciso ver esse machucado. – Ele fala calmamente. Sem perder a paciência em momento algum, mesmo tendo um lobisomem em seu castelo.
  Por mais que eu saiba que esses irmãos conseguem se controlar bem perto do sangue humano, eu não vou deixá-lo examinar os meus machucados. Já corri riscos demais por um dia.
  – Eu sou uma Van Helsing, Taehyung, não vou morrer. – Caminho até à cama e jogo meu revólver no colchão, antes de me sentar nele.
  – Nem pense que vai ficar sozinho com ela, bonitão. – Lilu chuta a porta e entra no quarto. – A cavalaria chegou. – Ela vem e se senta do meu lado, me abraçando como tem mania, mas me afasto quando ela aperta os meus machucados.
  – Se um dia eu morrer, a culpa é sua. – Resmungo no meio de um suspiro de dor. – E a Wendy?
  – Foi pegar você sabe o quê no quarto da Sally. – Lilu sussurra para mim, como se Taehyung não pudesse escutar isso.
  – Você deveria passar a noite no meu quarto, Elena. – Taehyung se aproxima de nós duas.
  – Sem convites imorais. Ela acabou de levar um tiro. – Lilu estende uma mão no ar, e me abraça com a outra, desta vez, com cuidado.
  – Ela é minha noiva e eu estou tentando protegê-la. – Taehyung suspira.
  – Não se preocupe. Eu vou cuidar muito bem da Eleninha. Agora xô! Vai embora, morceguinho. – Lilu faz um gesto com as mãos para que Taehyung saia do quarto.
  Ele fica parado no mesmo lugar, me encarando.
  – Eu estou bem, Taehyung. É sério... obrigada por isso. – Forço um mínimo sorriso fechado, que não era falso, e isso o tranquiliza.
  Taehyung assente em silêncio e sai do quarto. Em alguns minutos, Wendy não demora ao trazer uma pasta de Erva-Laranja para o meu buraco de tiro, mesmo sabendo que amanhã eu já deveria estar curada disso. Na realidade, esses machucados não são minhas preocupações no momento, e sim, o que aquele homem disse.

Capítulo 6

  Sinto algo pesado rolando sobre o meu braço, resmungo baixo de dor quando meu machucado lateja e abro os olhos, encontrando um amontoado laranja cobrindo cada parte da minha visão em um grande bolo de fios emaranhados. Suspiro, empurrando com cuidado o corpo desacordado de Lilu. Sua expressão serena não se desfez e seus olhos fechados permaneceram do mesmo jeito. Me sento, vendo Wendy deitada nos pés da cama, de maneira atravessada. Ontem de noite, depois de toda confusão e de fazer um curativo novo no meu machucado, essas duas decidiram que ficariam aqui me vigiando como se eu fosse uma criancinha em perigo.
  Silenciosa, saio da cama, sentindo um pequeno arrepio quando meus pés quentes tocam o chão gelado do quarto. Meu corpo inteiro estava suado, e a nova camisola que coloquei parecia tão molhada quanto quando a vesti sem me secar, na noite anterior. Eu me sentia pegajosa e até mesmo os meus cabelos estavam úmidos pelo suor. Antes de tomar um banho, vou atrás do meu celular, vendo que ainda eram cinco e dez da madrugada, e os primeiros raios de sol ameaçavam apontar no horizonte que espiei através das portas de vidro da sacada. Sem pretensão de acordar as garotas, e percebendo que estava sem sono, pego algumas roupas limpas e vou para o banheiro. Depois de retirar minha camisola molhada de suor, retiro o curativo que Wendy havia feito sobre meu machucado. A coloração avermelhada ao redor dos quatro cortes era ainda mais intensa que antes, e não sei se é apenas uma impressão minha, mas parece um pouco inchado também, com alguns filetes de sangue ainda manchando os gazes e a atadura.
  Foi um banho rápido e difícil, tentei limpar e lavar o machucado, mas doía tanto que quase desisti. Estava realmente feio e doloroso. Quando finalmente consegui me vestir e fazer um novo curativo, fui para frente do espelho tentar me arrumar, acabando por me surpreender com minha própria aparência: a minha pele estava sem cor, como uma doente, os meus olhos estavam um pouco fundos, e até mesmo a cor dos meus cabelos parecia opaca nesse momento. Talvez, depois que eu comer um pouco, eu me sinta e pareça um melhor. Eu deveria fazer isso, mas ainda está bem cedo, não sei qual o horário que um vampiro costuma acordar.
  Acabei decidindo dar uma volta no castelo para ver se alguém estava acordado, e se não estivesse, então eu tomaria apenas um pouco de ar do lado de fora, acho que ajudaria também. Depois de sair do meu quarto, comecei a descer todos os lances de escadas até o primeiro andar e, para minha surpresa, após perambular um pouco, acabei por encontrar uma enorme sala de estar, onde Jimin estava sozinho sob o gigantesco sofá escuro. Sentado no estofado, ele tinha as mãos apoiadas nos joelhos, enquanto encara a lareira desligada, ao fundo. A blusa de mangas longas que ele usava, estava dobrada até os cotovelos, e eu podia enxergar pequenos pontos vermelhos nas mangas.
  Seu momento sozinho dura pouco, pois ele logo sente a minha presença, virando apenas sua cabeça e me encarando sobre os ombros e sobre o sofá. Seus olhos se abrem mais, levemente, e ele fica me encarando por alguns segundos antes de se levantar e sair de perto do sofá.
  – Elena, como você está? Soube o que aconteceu, queria ter ido te ver ontem, mas achei melhor não. – Sua voz era incerta, assim como seus passos até onde eu estava.
  Jimin coloca uma das mãos atrás da cabeça, coçando seus cabelos de maneira nervosa.
  – Não se preocupe. – Forço um sorriso fechado, que não o deixa mais confortável dentro desse clima estranho.
  Seus olhos pequenos olham para os lados, como se buscasse coragem para continuar.
  – Hum... Elena... – Ele respira fundo, e volta a me encarar. – Eu só queria me desculpar por aquela briga. Você pode não acreditar, mas eu realmente te considero uma amiga. É verdade que no começo tudo não passou de interesse por você ser uma Van Helsing, mas, depois, tudo foi verdadeiro e eu apreciava mesmo a amizade que construímos.
  Tenho vontade de desviar o meu olhar do seu, mas ele parece tão verdadeiro agora que chega a me incomodar. Mas, eu nunca devo me esquecer de tudo que a igreja me ensinou sobre os vampiros serem criaturas manipuladoras. Como uma humana poderia ser amiga de um vampiro? É o mesmo que pedir que um leão e um coelho convivam em paz e harmonia. Eles se alimentam de nós, por isso, não sei se é possível criar esse tipo de relacionamento. Confesso que por muito tempo (durante os quatro anos), eu desejei que isso fosse diferente, mas todos ao meu redor me mostraram que não seria assim.
  Sem uma resposta descente para isso, apenas forço mais um sorriso e assinto. Eu até consegui notar uma pontada de desapontamento no fundo dos seus olhos, mas decidi ignorar.
  – Ontem, no meio daquela confusão toda, o Taehyung pediu pra levarem aquele homem estranho para o calabouço, eu acho. O que aconteceu com ele? – Acabo por mudar de assunto, pois dessa forma seria melhor.
  Jimin suspira pela segunda vez.
  – Ele passou a madrugada toda no calabouço. Nós estamos tentando descobrir o motivo da invasão, mas ele não diz nada. – Jimin coloca as mãos na cintura, encarando o chão de maneira cansada.
  Outra vez, fito as mangas da sua blusa, observando os respingos de sangue e imaginando os métodos que eles usaram para fazer o homem-lobo falar.
  – Então, eles ainda estão no calabouço? – Pergunto.
  – Sim.
  – Você pode me levar lá?
  Ele me encara de novo, um pouco surpreso, mas assente.
  Eu tenho tanto interesse nesse lobo quanto os irmãos, afinal, foi a mim que ele machucou e depois tentou matar. Preciso descobrir se os seus motivos para isso, são os que o Padre Albert deduziu.
  Jimin nos conduz para fora da sala de estar, e voltamos para o espaço aberto, depois seguimos pelo mesmo caminho que fiz na noite em que reencontrei Taehyung e, desta vez, consigo passar pela abertura escura que Yoongi passou naquela noite. Andando reto no escuro e virando à esquerda, acabamos em um corredor de pedra inteiramente iluminado por tochas presas nas paredes, não havia portas e nem janelas, só as tochas.
  Eu conhecia muito bem esse caminho, era o mesmo que Lilu me mostrou quando me levou até à sala de rituais e aquela outra sala secreta que, agora, julgo ser o calabouço.
  – Taehyung já estava desconfiado que alguém estava perambulando pelo castelo, mas nunca conseguiu ver nada até ontem. Nós só não entendemos como essa invasão aconteceu. – Jimin comenta ao meu lado, enquanto atravessamos o corredor de pedra.
  – Nem eu. Nós estávamos no castelo do Drácula e ele foi o último a saber. – Confesso, fazendo Jimin suspira de novo.
  – É. Algo de muito estranho deve estar envolvido nessa invasão. – Jimin diz e eu assinto, realmente concordando com isso.
  Em silêncio, traçamos o resto do caminho, indo para a sala de rituais e depois para a sala secreta, ou calabouço, que foi aberto assim que Jimin puxou um dos tijolos da parede, revelando o real intuito desse lugar.
  Preso em uma das correntes acopladas na parede, estava o homem-lobo, que tinha os olhos apertados, o corpo suado, sujo de sangue e machucado. Os seus cabelos loiros grudavam em sua testa por conta do suor, e suas roupas estavam rasgadas em várias partes. A respiração era alta, fazendo seu tronco subir e descer rapidamente. Ele estava deplorável, nada parecido com o lobo arisco da noite passada.
  Agora, com a chegada de Jimin, todos os irmãos, sem exceção, estavam no calabouço. Ambos em torno do homem-lobo, em um semicírculo, com suas mãos e algumas partes das roupas sujas de sangue também, mas, no caso deles, eu sabia que o sangue não os pertencia.
  Taehyung é o primeiro a nos encarar e, assim como ele, todos os irmãos não tinham feições amigáveis. Pelo visto, foi uma longa madrugada dentro desse calabouço. O homem-lobo é o último a nos encarar, erguendo sua cabeça com dificuldade, enquanto uma linha fina de sangue misturada a saliva, escorria de sua boca. Um horripilante e nojento sorriso se abre em seus lábios machucados quando ele me vê.
  – Vejam só, se não é digníssima futura esposa do Conde Drácula. – Sua voz carregada de desdém era falha, e ele tossia algumas vezes devido aos seus ferimentos.
  Em silêncio, e com todos os olhares voltados em minha direção, caminho para perto de Taehyung.
  – Descobriu alguma coisa? – Cruzo os braços, sentindo o ar gelado do calabouço.
  – Não. – Assim como seu olhar, a voz de Taehyung também era séria.
  – Se você quer saber alguma coisa, deveria me perguntar, bela caçadora. – O homem-lobo tenta rir, mas acaba em mais uma sessão de tosses que o faz cuspir o próprio sangue, do qual ele mira no sapato de Yoongi, que estava mais perto.
  O olhar de Yoongi se torna ainda mais carregado antes dele acertar um soco na barriga do homem-lobo, que geme e se encolhe nas correntes, cuspindo mais sangue.
  Por mais que seja uma cena violenta e esse calabouço mal iluminado esteja coberto por sangue, não me deixo impressionar. Em meus quatro anos atuando como um dos Filhos Da Sombra, aprendi a "conviver" com esse tipo de coisa.
  Passo a língua sobre meus lábios, que estavam secos, antes de dar alguns passos para frente, me aproximando do homem-lobo que ainda gemia de dor.
  – O que você veio fazer aqui? – Pergunto, sentindo, outra vez, todos me encararem.
  Espero em silêncio até que o homem-lobo lide com sua dor e me olhe. Ele pisca os olhos algumas vezes, antes de tentar sorrir, querendo continuar com a sua arrogância.
  – Não importa o que vocês façam comigo. Tudo já começou e não há como desfazer o que está prestes a acontecer. Eu só precisava dar o recado. – Ele diz, em meio a sua respiração alta que começava a fazer um baixo chiado.
  – Que recado? – Pergunto, sentindo meu corpo ficar tenso.
  – O falso Drácula deve morrer. – Mantendo seu sorriso nojento, seus olhos desviam dos meus, e mesmo sem olhar, sei que ele encara Taehyung, que deve estar se controlando para não arrancar a cabeça desse homem.
  Todos no calabouço ficam em silêncio. E mais uma risada do homem-lobo preenche o ambiente gelado.
  – Sabe qual um dos pratos preferidos de um lobo, bela caçadora? – Ele volta a me encarar e, desta vez, de uma maneira tão sinistra que quase me deixo intimidar.
  Sem dizer nada, apenas nego com a cabeça, esperando por sua resposta.
  – Um carneirinho pequeno e bonito como você. – Ele abre mais seu sorriso, o deixando largo, me mostrando suas presas, antes de impulsionar seu compro para frente nas correntes, tentando me acertar com uma mordida.
  Rapidamente, Jungkook passa um dos seus braços ao redor da minha cintura e me puxa para trás, longe do homem-lobo. Com uma velocidade que só os vampiros têm, Taehyung empurra o corpo dele contra a parede, o segurando pelo pescoço.
  – Tente fazer isso mais uma vez, e eu arranco sua pele e faço um lindo tapete, vira-lata. – Taehyung ameaça bem perto do rosto do homem-lobo, só o soltando quando Namjoon toca em seu braço como um sinal de alerta.
  Ainda atordoada com o que aconteceu, encaro Jungkook, que entende o meu olhar e me solta.
  – Obrigada. – Agradeço, ao pensar que podia ter sido machucada. Eu não sei o que aconteceu e por que não me mexi ou agi como deveria.
  Com um olhar sério, Jungkook não responde, só assente.
  – Você está bem? Não se feriu, não é? – Jimin me vira tão rápido pelos ombros que quase me sinto tonta.
  Seus olhos preocupados encaram todo meu corpo.
  – Ele não me acertou, eu estou bem.
  Jimin fecha os olhos por uns dois segundos, e respira profundamente, largando os meus ombros.
  – Alguém fique aqui o vigiando. Os outros, venham comigo. – Jin dá sua ordem em um tom tão sério, que ninguém é capaz de contestar.
  Com os olhos fervilhando de irritação, Yoongi permanece no calabouço e Jungkook também, que logo pega um dos muitos instrumentos de tortura espalhados pelo lugar. E assim que saímos, poucos segundos depois que a parede de tijolos foi fechada, os gritos desesperados do homem-lobo preencheram a sala de rituais, onde estávamos agora.
  Parada entre Jimin e Taehyung, encaro Jin, esperando que ele diga alguma coisa. Namjoon e Hoseok estavam do lado dele, tão sérios quanto.
  – Taehyung, você precisa conversar com todos os vampiros logo. Isso é uma reunião de emergência. Nós não sabemos o que os lobos querem com essa coisa de "falso Drácula", mas eles já conseguiram invadir o castelo sem que percebêssemos.
  – Jin está certo, Tae. Não é mais uma brincadeira entre vampiros e lobos, a coisa está séria. Eles machucaram a Elena. – Por mais que Namjoon tentasse manter o tom de sua voz calmo, era nítido a seriedade nos seus olhos.
  Fico em silêncio no meu canto, apenas os escutando e escutando os gritos do homem-lobo do calabouço.
  – Aproveite e apresente de uma vez a Elena para todo mundo, já está na hora de saberem. – Jin fala.
  – Se ele fizer isso, os vampiros podem se rebelar contra a nossa família e a nossa posição. – Hoseok diz apreensivo.
  – Se isso acontecer, lidaremos com os rebeldes à moda antiga. Com uma estaca no coração e fogo, porque eu ainda sou o Drácula. – Todos ficam em silêncio, encarando Taehyung de maneira tensa.
  Os irmãos assentem, mostrando total respeito pela posição que Taehyung exerce sobre todos.
  Ainda sem dizer uma palavra, sinto o meu machucado pulsar, e levo a mão até o local, apertando com força de maneira involuntária, tentando amenizar a dor.
  – Elena, o que foi? Você está bem? – Jimin pergunta, quando cambaleio para o lado e me escoro levemente contra seu corpo.
  Fecho os olhos quando o machucado pulsa mais uma vez, e quando volto a abri-los, minha visão embaça de uma vez, me fazendo enxergar borrões. Me seguro em Jimin quando minhas pernas falham, apertando com força o tecido de sua blusa. Penso que posso cair a qualquer momento, mas sinto braços me rodearem, me pegando no colo. Solto a blusa de Jimin quando quem me segura, começa a andar para longe dele. Meu corpo se torna mais leve, e meus braços e cabeça pendem para baixar, no exato momento em que eu desmaio.

Capítulo 7

  – Eleninha, quando você vai acordar?
  – Deixa ela, Lilu. Você sabe que ela precisa descansar.
  – Mas é muito chato assim. Enquanto ela não acordar, nós não podemos fazer nada.
  – Sai de cima dela logo, Lilu, antes que eu te bata pra valer.
  – Ai! Ai! Espera, ela se mexeu! Eu vi! Olha!
  – O que vocês estão fazendo? – Faço uma careta pelo barulho e abro os olhos, vendo o rosto da Lilu tão próximo do meu, que seus cabelos caíam em mim e eu podia sentir sua respiração.
  – Que bom que você acordou! – Lilu grita contra o meu rosto, e joga seu corpo em cima do meu, me abraçando.
  – Lilu, tá apertando demais. – Resmungo e tento me sentar na cama, mas ela não me solta.
  – Desculpa. Eu estava com saudades.
  – Saudades? Você não saiu do lado dela durante esses dois dias. – Sally resmunga, do meu lado esquerdo.
  A encaro confusa, antes de sentir mais um corpo se jogar contra o meu. Era a Wendy agora.
  – Como você se sente, Eleninha? Está melhor? – Com os braços ao redor da minha cintura, Wendy me encara.
  – Garotas, primeiro, vocês podem me deixar respirar um pouco? – Retiro os braços de Lilu que estavam em volta do meu pescoço, e com isso Wendy também se afasta.
  Respiro fundo, me sentindo aliviada por ter um pouco de espaço, e isso me leva a conseguir observar com atenção o lugar onde eu estava: uma cama maior que a minha, lençóis e cortinas pretas e vinhos, um espaço absurdamente maior, um enorme lustre de cristal no teto, um carpete cobrindo quase todo o chão... eu não me lembro de ter isso.
  – Onde estamos? – Pergunto.
  – No quarto do seu morceguinho. – Lilu responde, me fazendo ficar parada por alguns segundos, apenas encarando o lençol que me cobria, enquanto meus olhos correm de um lado para o outro, tentando entender tudo isso.
  – Você desmaiou e o Taehyung te trouxe pra cá. Você também dormiu por dois dias, mas eu cheguei ontem de noite e trouxe a Erva Anti-Parálysi. – Sally explica e aponta para o meu braço esquecer que, ao olhar, vejo uma nova atadura em volta dele.
  Um pouco receosa, toco o lugar enfaixado, esperando pela dor que não vem.
  – Por conta do seu sangue Van Helsing, provavelmente, seu processo de cura será mais rápido ainda com a ajuda dessa erva.
  – Obrigada. – Agradeço a Sally, que sorri, antes de suspirar.
  – Eu estive com o Padre. Nós visitamos uma base nas redondezas e esperamos pelo que o Vaticano iria nos mandar. Já conversei com as garotas a respeito disso, mas enquanto estive fora, li o máximo de informações que pude dos livros que o Vaticano enviou. – Ela faz uma pequena pausa, e nos encara com preocupação. – Isso não é brincadeira, Elena. Eles são tão fortes quantos os vampiros, é preocupante.
  Expiro profundamente.
  – Antes de desmaiar, os irmãos falaram sobre uma reunião com os outros vampiros, para alertar sobre os lobos. Eles também querem me apresentar como noiva do Taehyung nessa reunião. As coisas podem piorar depois disso. Mas, acho que antes de qualquer coisa, devemos ver o que acontecerá nessa reunião antes de tomarmos alguma atitude. Como a Sally disse, os lobos são tão fortes quantos os vampiros, uma ameaça a mais do que tínhamos antes. Não podemos mais simplesmente fazer as coisas de qualquer jeito, como viemos fazendo até agora.
  – Eu sinceramente não gosto nada disso, Elena. – Wendy também suspira. – Nós não temos sequer um plano descente. Só fomos jogadas nesse castelo com uma missão que é impossível. Nós estamos na Transilvânia, esse lugar é o berço dos vampiros. Somos apenas três. E mesmo que treinadas, o que podemos fazer contra milhares de vampiros, e agora lobisomens? Isso se parece muito mais uma punição, do que uma missão.
  – Uma punição pelos meus pecados. Eu sinto muito por ter arrastado vocês pra essa bagunça. – Abaixo meu olhar, segurando com força o lençol.
  – Eu já disse antes e vou dizer de novo, ninguém aqui foi obrigada a nada, viemos por vontade própria. – Sally diz. – Já passou da hora de você parar de se martirizar por isso, Elena. Você não é culpada por essas coisas, como o Vaticano te faz acreditar.
  – É isso mesmo, Eleninha. Por favor, não fica triste agora. Nós estávamos tão felizes por você ter acordado. – Lilu me abraça de lado. – Quer saber, acho que deveríamos começar com o que a Elena disse e depois montarmos nosso próprio plano.
  – Do que você está falando? – Wendy pergunta para Lilu.
  – Vamos nessa reunião e vamos ver o que os vampiros pretendem fazer, porque, querendo ou não, tecnicamente estamos do lado deles, né? Moramos no Castelo do Drácula agora. – Lilu faz uma pausa para nos encarar uma por uma. – Nós poderíamos até ajudar eles nessa caçada aos lobos, e isso seria uma ótima oportunidade para observar de perto as fraquezas dos vampiros. Assim, acabamos com eles e essa missão, mandamos o Vaticano para o inferno e tiramos férias em um lugar bem quente e com praia.
  – Finalmente você está falando alguma coisa de verdade. – Sally diz, e ri depois que Lilu faz uma careta.
  – Eu gostei disso, tirando a parte da blasfêmia. – Wendy sorri, animada com a ideia.
  Assinto.
  – Certo, então vamos fazer isso. – Eu só espero que dê tudo certo dessa vez e que não acabemos como a quatro anos atrás.

***

  Após nossa conversa, retornei ao meu quarto, acabando por encontrar Skull no meio do caminho. Primeiro ele disse estar feliz por eu ter acordado, e depois pediu que eu e as garotas nos aprontássemos para o jantar, pois Jin havia dado uma ordem para organizar um jantar com todos do castelo, assim que eu acordasse. Como acabei de fazer isso, esse tal jantar seria hoje.
  As garotas esperaram no meu quarto comigo, até que alguém viesse nos chamar, e esse alguém foi Blarie, que me recebeu com um abraço impulsivo que ela pareceu ser arrepender logo depois que o clima estranho pairou sobre nossa antiga amizade. E com Lilu cantarolando, nós cinco fomos até à sala de jantar, onde, os irmãos e Amia ocupavam seus lugares à mesa. E como já imaginava, quando chegamos, todos nos encaravam, principalmente por ser a primeira vez em vê-los depois de ter desmaiado.
  – Elena, que bom que você acordou. – Hoseok é o primeiro a me saudar com um sorriso. E Lilu, que estava perto de mim, para de cantarolar e muda de expressão na hora.
  Sorrio fechado para ele.
  – Vem sentar. – Jimin pede, também com um sorriso, e eu assinto.
  Blarie volta a se sentar ao lado de Yoongi e Hyun. E eu acabo tendo que me sentar ao lado esquerdo de Taehyung, que estava na ponta, no centro da mesa, com Amia sentada do seu lado direito.
  Bandejas tampadas estavam por toda mesa, e assim que eu e as garotas nos sentamos, Skull e algumas empregadas surgem, destapando tudo e nos desejando uma ótima refeição. Aos poucos, todos começa a comer, e me pego por um momento os observando, sabendo que fisiologicamente eles não precisavam disso para sobreviver e que comem apenas por comerem. Talvez, porque gostem, mas nada além disso.
  – Agora que a Elena acordou, nós podemos fazer aquela reunião com os vampiros. Por isso, é bom que planejemos tudo entre nós, antes de fazê-la. – Jin anuncia, sentado do mesmo lado que eu, perto de Lilu, que estava encarando Hoseok com um olhar de poucos amigos.
  – Qual o problema, bonitinha? – Hoseok pergunta, enquanto leva até à boca uma garfada do frango que nos serviram.
  Tão rápido quanto o clima tenso ao redor da mesa, Lilu arremessa uma faca em direção a Hoseok, que apenas inclina sua cabeça para o lado, desviando com facilidade.
  – Você errou. – Ele provoca.
  – Qual o lance entre vocês? – Jungkook pergunta da outra ponta da mesa, enquanto arqueia as sobrancelhas.
  Fazendo um alto barulho, Lilu se levanta da cadeira, a empurrando para trás. Em seguida, ela levanta sua blusa, fazendo todos a encararem. Blarie tampou os olhos de Hyun, que estava do seu lado.
  – Esse é o lance. – Lilu aponta para a própria barriga, mostrando uma pequena cicatriz que ela tinha em sua pele.
  – Eu só me defendi. Você estava tentando me matar. – Hoseok fala incrédulo, e Namjoon, ao seu lado, nega com a cabeça, voltando a comer como se nada tivesse acontecido.
  – Vocês não adoram jantares em família? – Yoongi pergunta, enquanto também volta a comer normalmente, fazendo Jimin rir.
  – Alguém, por favor, controla esse Gremli. Eu quero jantar em paz. – Amia bufa.
  – Não fala assim dela. – Wendy, do meu lado, solta seu garfo no prato, fazendo um barulho alto. – Se começar uma briga, eu já aviso que vou pra cima dela, Elena. – Minha irmã me olha com irritação.
  Encaro Sally, sem saber o que fazer, e ela dá de ombros, completamente indiferente; se juntou ao clube dos "estou mais interessado em jantar", com Namjoon e Yoongi.
  – Sente-se, por favor, estamos jantando. Tenha um pouco mais de modos. – Jin fala para Lilu, que o encara incrédula. – Eu pedi para se sentar, Lilu. – O tom de voz dele se torna mais firme, e quem fica incrédula agora sou eu, por ver Lilu o obedecendo, enquanto não consegue parar de encará-lo de um jeito admirado? Eu não sei.
  – Vocês vão brigar? – Hyung pergunta depois que Blarie destapa seus olhos.
  – Só se a bonitinha quiser. – E lá se vai a paz que eu achei que ia ter.
  Deixando de fitar Jin por um momento, Lilu volta discutir com Hoseok que só respondia com provocações, fazendo Jimin não conseguir mais comer de tanto que ria deles.
  Amia faz um barulho nasalado de desdém, algo capaz de irritar Wendy outra vez, que só queria uma miséria desculpa para se vingar dela pelo que ela fez. Eu nem consegui tocar na minha comida, porque isso aqui está parecendo um campo de guerra, só que mais barulhento. Ainda sem saber o que fazer e completamente desesperada, me viro para Taehyung que se manteve calado o tempo todo.
  – Você pode acabar com isso? – Cansada, pergunto para ele, que jantava em silêncio.
  De forma calma e sutil, ele se levanta e pega na minha mão, me puxando para levantar também e sair da cozinha com ele, deixando toda a barulheira para trás. Eu até mesmo duvido que a maioria tenha nos percebido. Tentando manter a calma e fazer com que os nossos planos deem certo, deixo que ele me conduza pelo castelo até que estejamos no meu quarto, apenas nós dois. Essa deve ser a oportunidade perfeita para colocar as coisas em práticas do jeito que combinamos, não sei quanto tempo a distração irá durar.
  Em silêncio, caminho até à sacada do quarto e apoio os meus braços no batente dela.
  – Eu posso pedir para o Skull trazer sua comida aqui, se quiser.
  Olho sobre os ombros, encarando Taehyung, que estava escorado na entrada da sacada, com os braços cruzados.
  – Tudo bem, eu posso comer alguma coisa depois. – Digo, e ele assente quase que imperceptivelmente.
  – Taehyung... eu estive pensando em uma coisa, e acho que deveria te dizer. – Por um momento, comprimo os lábios em uma linha fina, e ele arqueia as sobrancelhas enquanto me encara.
  – O que é? – A brisa da noite passa por nós, balançando levemente os cabelos de Taehyung, fazendo os fios dançarem em frente aos seus olhos.
  Fico em silêncio por alguns segundos e encaro o anel de pedra vermelha preso no meu dedo anular. O seguro, girando o anel que não saia, de um lado para o outro.
  – Eu realmente não sei o que está acontecendo aqui, mas acho que pelo menos por um tempo, posso esquecer todo esse desentendimento entre os vampiros e os humanos. Eu quero te ajudar no que seja lá que você for fazer, contra os lobos. – Volto a encará-lo.
  Ainda de sobrancelhas arqueadas, Taehyung arregala minimamente os olhos, parecendo curioso sobre o que eu estava oferecendo.
  – E por que você quer fazer isso? – Ele pergunta calmamente em sua voz grave.
  – Eles estão tentando me matar, não é o que parece? Eu já estou envolvida nisso. – Também arqueio as sobrancelhas e me viro para ele, encostando minhas costas no batente. – Provavelmente, é por conta desse casamento. E ainda tem aquela reunião com os vampiros. – Encaro, outra vez, o anel no meu dedo.
  – Você não precisa se preocupar com isso, Elena. – Ele diz, e eu assinto.
  – Quando vai ser essa reunião?
  – Amanhã.
  Suspiro.
  – Não podemos perder tempo, não é? – Falo, incerta, e ele assente.
  Ficamos em silêncio mais uma vez, mas seus olhos escuros não desviam dos meus. Ele permanece por longos segundos apenas me encarando, e isso me faz engolir em seco, não só por temer que ele veja a verdade por trás das minhas intenções, mas porque é Taehyung III Dracul que está me fitando com uma intensidade tão profunda que faz com que os meus insetos interiores, guardados em uma caixa por quatro anos, comecem a sair para um passeio relembrando dos velhos tempos.
  – Vou te deixar descansar agora. Espero por você amanhã, Elena. – Taehyung diz, piscando lentamente seus olhos com longos cílios. E como se estivesse hipnotizada, tudo que eu faço é acenar positivamente com a cabeça, enquanto o vejo sair do meu quarto.

Capítulo 8

  – Eu estou parecendo a Mortícia. – Digo, enquanto encaro o meu reflexo no espelho do banheiro.
  – Você está linda, não seja boba. – Blarie fala, com as mãos apoiadas nos meus ombros, sorrindo para mim através do espelho.
  – É, não seja idiota. – Sally aparece na porta do banheiro.
  – Ela não disse idiota. – Encaro a garota de cabelos curtos e vestido escuro.
  Sally ri.
  – Você sabe, Eleninha, os vampiros têm essa coisa de um estilo próprio da Família Addams, só que mais chique. – Wendy fala de dentro do meu quarto, e mesmo sem poder vê-la, Blarie encara a porta aberta, com as sobrancelhas arqueadas.
  – Hora da festa, meninas. – Lilu quase pula nas costas de Sally, abraçando seu pescoço por trás.
  – Você não consegue levar nada a sério, não é? – Sally a encara de rabo de olho.
  – Só em situações críticas. – Lilu ri, balançando seu longo cabelo tingido de laranja.
  Blarie também ri.
  – Se todas estiverem prontas, nós já podemos ir. Com certeza, já estão no esperando. – A garota de cabelos púrpura fala, e nós assentimos, deixando o banheiro com ela.
  Com Blarie nos conduzindo pelo castelo, repasso mentalmente todo o planejamento para essa noite. Antes dela vir nos buscar no meu quarto, escondemos em nossos vestidos todas as armas que precisaríamos levar, afinal, estamos a um passo de uma reunião com vampiros e hoje as coisas podem ficar tensas.
  – Vocês já estão indo? – Hyun surge assim que estamos prestes a entrar no hall do castelo.
  O pequeno garotinho estava parado a poucos metros, usando um pijama amarelo enquanto segurava uma boneca.
  – Sim. E você deveria estar na cama. – Blarie o responde, fazendo Hyun contorcer o rosto em uma feição irritada.
  – O pirralhinho vai ficar? – Lilu pergunta e Blarie assente.
  – O Senhor Hyun sabe que ainda é muito novo para esse tipo de evento. Eu farei companhia durante essa agradável noite. – Skull é o próximo que surge como um fantasma, parado em uma das portas do primeiro andar.
  – Mas eu ainda nem brinquei com a Elena. – O garotinho resmunga, emburrado.
  – As crianças te amam. – Wendy dá dois tapinhas em meus ombros descobertos, rindo.
  Suspiro.
  – Podem ir. Me deem um minuto e eu alcanço vocês. – Digo para as garotas, que assentem e entram no hall.
  Skull fica em seu lugar, parado, esperando pacientemente que eu fale com Hyun, para que depois ele possa continuar com o seu trabalho.
  Coloco as mãos nos joelhos e me inclino para baixo.
  – Hyun, isso é importante e eu preciso sair agora. Nós podemos fazer isso depois, eu prometo, tudo bem? – Sorrio fechado para o garotinho, me sentindo um pouco nostálgica ao encarar seus grandes e redondos olhos escuros.
  Não menos emburrado, ele assente, me fazendo suspirar de novo.
  – Você está bem? – Coloco uma mão no topo da sua cabeça entre seus cabelos macios e cheios. – Blarie e Amia te protegeram, certo?
  Como estive mal por esses dias, eu realmente não vi esse garotinho desde toda aquela confusão, e sei como ele deve se sentir, sempre no meio de um grande caos, sem poder agir como uma criança de verdade. Eu entendo essa necessidade que ele tem de sempre procurar por um tipo simples de atenção. Mas eu ainda não posso me esquecer que Hyun é um vampiro, e mesmo que eu tente deixar as coisas mais calmas e suaves agora, sempre me manterei em alerta acerca de todos esses irmãos, até mesmo com esse pequenino aqui.
  – Eu não vi nada. – Ele nega com a cabeça, balançado seus cabelos lisos. – A Amia não tava com a gente naquele dia.
  Retiro minha mão de sua cabeça, me sentindo um pouco confusa e descrente agora, como se tivesse acabado de encontrar uma pequena caixa de moedas de ouro falsas.
  – Tudo bem, isso é bom. Como eu disso, assim que eu voltar, nós passaremos um tempo juntos. Agora eu preciso ir. – Forço um sorriso para o pequeno garotinho, antes de sair de perto dele e ir para o hall.
  Pensando sobre o que Hyun disse e após passar pelo hall, encontro as garotas me esperando perto das escadas, e assim, nós atravessamos o jardim e vamos para a entrada de pedra do castelo, onde alguns carros estavam estacionados. Eles pareciam chiques demais para estarem com seus pneus sobre esse terreno de terra e folhas secas.
  – Nós poderíamos ir de um jeito mais rápido, você sabe, para os vampiros. Mas como vocês vão também, providenciaram algumas carruagens. – Blarie diz descontraída.
  – Uau, eu quero ir nesse aqui. – Lilu tenta correr em direção ao grande carro preto que estava ao centro do outros, mas Blarie a segura pelo braço, impedindo-a.
  – Não. Esse é o carro onde o Drácula deve ir somente com suas noivas. – Blarie explica para Lilu.
  – Se a Eleninha vai nesse carro, eu quero ir com ela.
  – A Amia está dentro desse carro também? – Wendy se aproxima delas, e Blarie assente. – Nesse caso, eu também vou.
  – Então, está decidido. – Lilu bate uma palma animada.
  – Nós somos uma equipe, uma por todas e todas por uma. Você entende esse lance dos mosqueteiros, não é? – Sally aparece atrás de mim, me empurrando sutilmente para frente, enquanto sorri para Blarie.
  Sem qualquer cerimônia, Lilu vai até o carro escolhido e abre a porta detrás dele.
  – Boa noite, todos vocês. – Escuto sua voz dizer assim que ela entra no carro, seguida por Wendy e Sally.
  Paro rente à porta aberta e encaro Blarie, sorrindo sem graça para ela, como um pedido de desculpa. Ela nega com a cabeça, e depois faz um gesto de mão para que eu entre no carro. Debaixo do céu estrelado da Transilvânia, respiro fundo e entro no carro, me sentando do lado da Sally, espremendo quatro pessoas em um banco só. A outra opção era me sentar ao lado do Taehyung, que tinha Amia do seu lado esquerdo, agarrando-o pelo braço; eles estavam no banco de frente para o nosso.
  – Você está deslumbrante, querida. – Amia sorri em minha direção, apertando mais seu tronco contra o braço de Taehyung, propositalmente.
  – Obrigada. Você também está. – Digo, dentro do clima tenso dentro do carro.
  Lilu estava animada, mas ela fica animada com qualquer coisa. Wendy estava prestando atenção em Amia, tentando esconder sua antipatia pela garota de cabelos rosados. Sally estava indiferente, como sempre, mas sei que ela seria a primeira a agir caso Wendy resolvesse pular em cima da Amia para uma vingança dentro desse carro. E eu estava tentando fingir que não percebia os olhares de Taehyung em minha direção, enquanto ele apoiava a cabeça contra a pequena tela preta que nos separava de quem estava dirigindo o carro.

***

  Essa foi a viagem de carro mais desconfortante que eu já fiz em toda minha vida, e mesmo que o silêncio tenha preenchido o tempo, era o tipo de silêncio onde se podia sentir o cheiro da hostilidade e tensão. Passei o caminho todo olhando a paisagem sumir pela janela, mas não acho que isso tenha me ajudado, pois uma enorme ansiedade começa a surgir dentro de mim. Mesmo depois de quatro anos lutando em nome da igreja pela humanidade, eu estava nervosa agora por ir em uma reunião infestada de vampiros, como quando eu fui ao baile de máscaras e quando eu me mudei para o castelo. Contando que consiga esconder isso, eu posso fazer as coisas darem certo, essa noite, pelo menos; é isso que eu espero.
  Nosso carro estacionou em frente a uma grande mansão que parecia abandonada, e o que pude ver pela janela do carro, foi um portão enferrujado e torto, e ervas daninhas espalhadas por toda parte. Me surpreendo quando um homem vestido em uniforme de motorista e usando um quepe, abre a porta do meu lado, estendendo uma mão para me ajudar a sair do carro. O encaro por alguns segundos, mas percebendo que todos esperavam que eu saísse para fazerem o mesmo, acabo segurando na mão do motorista e saindo do veículo.
  Em mais dois carros, os irmãos e Blarie saíam também, todos muitos bem arrumados em roupas elegantes, como de costume. Ao me ver, Jungkook sorri discretamente em minha direção, e como fiz com Taehyung, apenas finjo que não percebi. Mesmo depois de sair do carro, Amia continua agarrada ao braço de Taehyung. E quando todos se juntam a nós, os irmãos ficam me encarando, esperando que eu faça alguma coisa que eu não sei o que é.
  – Essa é uma reunião pra que você seja apresentada como noiva do Drácula, então, será que você podia, senhorita...? – Namjoon fala entre um riso, e aponta para o Taehyung.
  Fico em silêncio, parada onde estou, até Lilu me dar uma cotovelada nada discreta, me fazendo segurar no outro braço de Taehyung para que todos comecem a caminhar em direção ao portão enferrujado da mansão.
  De rabo de olho, tento espiar Taehyung, que encarava o caminho a nossa frente de uma maneira apática, não se importando muito com isso agora. Mentalmente não paro de respirar fundo, me sentindo cada vez mais ansiosa à medida que nos aproximávamos da porta de entrada da mansão. A noite que era refrescante, parecia ter ficado gelada, como se alguns sopros de ventos atingissem parte das minhas costas descobertas, mas sei que isso era coisa da minha cabeça, por eu estar me mostrando para um bando de vampiros, a marca que ganhei por matar um deles. Mas não tive muitas opções, não foi eu que escolhi essa porcaria de vestido que, segundo esses irmãos, eu não deveria mais manter em segredo, já que estávamos fazendo isso para esclarecer de uma vez por todas essa história para os outros vampiros.
  A mansão por dentro era completamente escura e suja, teias de aranha e poeira estavam por todos os lados. E apenas com o som dos nossos passos, atravessamos uma parte do lugar, indo até uma grande porta de correr de vidro, que nos dava vista para um jardim, onde muitas pessoas, ou no caso, vampiros, transitavam de um lado para o outro, inclusive perto de uma fogueira feita ao canto do jardim.
  Com uma das mãos nos bolsos, Yoongi abre a porta de correr para que Taehyung, Amia e eu, fossemos para o jardim, e isso me faz apertar o braço de Taehyung que me encara no mesmo instante.
  – Não se preocupe. – Ele diz, acenando com a cabeça, antes que nós três passássemos para o jardim, sendo recepcionados por vários e vários olhares.
  – Finalmente o Conde chegou, agora podemos saber o motivo dessa importante reunião. – Um homem que estava sentado na base de uma fonte de gárgula, diz.
  – Todos nós escutamos alguns rumores sobre uma das suas noivas, Senhor. Mas agora que estão aqui, pelo cheiro acho que todos nós já sabemos a verdade. – Um outro homem, esse de cabelos avermelhados, perto do homem sentado na fonte, diz com um grande sorriso no rosto.
  – Drácula está noivo de uma humana? – O homem sentado na fonte estreita seus olhos enquanto encara Taehyung, fazendo todos prestarem atenção em nós.
  – Uma Van Helsing, devo corrigi-lo. – Jin para ao nosso lado, dizendo seriamente.
  Todos os vampiros presentes se entreolham de forma incrédula, e isso me deixa um pouco tensa.
  – Estar noivo de uma humana comum é mais aceitável do que estar noivo de uma Van Helsing, Taehyung. – O homem de cabelos pretos sentado na fonte, se levanta.
  – Vocês ainda devem respeito a ela. Não se esqueçam disso. – Sentada perto da fogueira, Olivia diz alto, tendo Zoe e Peter com ela.
  Rápido como o vento, o homem de cabelos avermelhados corre e surge atrás de mim.
  – Olhe para isso, ela tem a marca. – Me viro de supetão quando ele tenta encostar uma das mãos nas minhas costas.
  – Não toque nela. – Taehyung agarra o pulso dele, apertando com força antes de empurrá-la para longe.
  – Uou, estou surpreso, isso foi para valer, Taehyung. Você está mesmo gostando de uma caçadora de vampiros? – Ele segura seu próprio pulso, rindo provocativo.
  – A Elena está com a gente agora, e vai nos ajudar em algo muito mais preocupante do que um casamento. – Namjoon toma sua vez.
  – E o fato do Drácula se casar com uma caçadora que já matou um vampiro, não é preocupante? – Uma mulher em um vestido justo e vermelho, pergunta.
  – Depois que lidarmos com nossa real preocupação, quando tudo acabar, se vocês ainda não a aprovarem, podem fazer o que quiserem com ela. – Yoongi diz, calmamente, me fazendo encará-lo espantada.
  – Sem chance. – Wendy fala irritada, e eu a seguro pelo braço para que ela não se exalte.
  – Em outras palavras. – Jungkook também se aproxima, encarando todos com um sorriso sombrio. – Aqueles que não ajudarem, serão considerados inimigos. E vocês sabem o que acontecem com inimigos do Drácula.
  Todos ficam em silêncio por alguns segundos.
  – O quê? Vão nos ameaçar por causa de uma Van Helsing? – O homem de cabelos pretos diz e alguns vampiros por perto começam a nos encarar de forma intimidante.
  Sendo ainda mais rápido do que o vampiro de cabelos avermelhados, Taehyung o segura pelo pescoço e o arrasta até a fogueira, jogando seu corpo no fogo em questão de segundos, quase não nos deixando acompanhar seus movimentos.
  – Isso não é uma ameaça. Eu estou falando aqui e agora que qualquer um que não ficar do meu lado, pode se considerar morto, porque eu sou o Conde Drácula. – Taehyung fala em meio aos gritos desesperados do homem que queimava na fogueira até que virasse nada além de pó e fuligem.
  Sem se desfazer de sua postura, Taehyung caminha até o homem perto da fonte, parando de frente para ele, que fica completamente tenso, assim como todos ao redor.
  – E então, Abel, o que vai ser? Você está do meu lado ou não? – Taehyung o encara profundamente, de maneira que até mesmo eu me sinto intimidada.
  – S-Sim. – O homem gagueja, enquanto assente. – Mas isso não quer dizer que concordamos com sua decisão, Taehyung. – Ele se afasta, e diz quando se sente mais seguro.
  – Vocês não precisam concordar, mas cada um sabe do seu lugar. Talvez vocês não entendam isso agora, mas um dia entenderão. – Jin fala, e todos se acalmam um pouco mais. – Agora, vamos direto ao ponto que nos fez reunir os representantes de cada lugar.
  Jin espera até que Taehyung volte para perto de nós, e faz um gesto para que ele continue.
  – O meu castelo foi invadido por lobos. – Assim que Taehyung diz isso, todos os vampiros parecem ficar ainda mais surpresos do que descobrirem sobre minha origem. – Nós conseguimos prender um deles, mas, até agora, ele não revelou nada sobre o ataque.
  – Lobos? – Abel encara Taehyung, de forma descrente.
  – Eu sabia que isso ia acontecer. – Uma mulher de aparência mais velha, sentada em uma outra fonte, diz. – Esses malditos cachorros estiveram quietos por quase cem anos, já era de se esperar que eles voltassem.
  – Pois essa reunião...
  – É pra dizer que estamos entrando em guerra contra os lobos. – Os olhos de Yoongi se tornam carregados, enquanto ele cruza os braços.
  – Todos aqui sabem que se você ataca diretamente o lugar onde o líder de uma espécie vive, é porque está o convidando para um confronto. E nós estamos aceitando isso agora. – Hoseok diz com uma seriedade que nunca vi antes, chegava a dar arrepios.
  – Se tem uma coisa que eu odeio mais do que caçadores, são esses pulguentos imundos que pensam que podem tomar o nosso lugar. – Abel aperta suas mãos em punhos de raiva.
  – Como eles conseguiram invadir o castelo, Taehyung? Esse não deveria ser o lugar mais seguro da Transilvânia? – Peter, perto da fogueira, pergunta.
  – Aí está o problema, Peter. Estamos tentando entender como isso aconteceu. – Jimin responde entre um suspiro e uma expressão séria.
  – Mas vocês não sentiram nada? – Olivia pergunta, olhando para os lados.
  – Sentimos apenas uma vez, quando capturamos o vira-lata. Mas estou desconfiado de que aquela não foi a primeira vez. – Taehyung responde, estreitando os olhos, e eu engulo em seco ao lembrar da noite em que encontrei aquela folha na sacada do meu quarto.
  – Isso quer dizer que...
  – Isso quer dizer muitas coisas, mas enquanto não tivermos certeza, vamos ficar de olho e fazer uma grande varredura na Transilvânia, porque os lobos invadiram a nossa cidade. – Jin fala, interrompendo uma garota.
  – Os daqui e os de fora, quero que vocês vasculhem cada canil atrás dos lobos, e me avisem no segundo em que descobrirem alguma coisa. – Taehyung dá sua ordem e todos assentem, começando com burburinhos isolados sobre o novo problema que eles precisariam lidar.
  Após isso, nosso pequeno grupo caminha para perto da fogueira, onde as cinzas do homem de cabelos avermelhados, queimavam.
  – Vocês também não adoram quando ele fica sério? – Zoe fala, assim que nos aproximamos, tocando o tronco de Taehyung. – Você está incrivelmente sexy essa noite, baby.
  – Não posso discordar. – Olivia sorri galante para Taehyung.
  – Vocês conseguem mostrar um pouco de respeito e alguns modos? – Amia encara as duas garotas com desaprovação.
  – Sem estresse, Amia. A festa acabou de começar. – Peter passe seu braço pelos ombros da Amia, que o encara com desprezo antes de afastá-lo, o fazendo rir.
  – Elena, é um prazer te rever. Talvez não seja a melhor ocasião para dizer isso, mas você está linda essa noite. – Peter sorri para mim, me fazendo ficar sem jeito no meio de tantos olhares. – E você também. – Depois, ele se vira para Taehyung, segurando o queixo dele por alguns segundos.
  Taehyung não parece se importar com toda essa atenção das suas outras noivas, acho que deve estar pensando em como vai encontrar os lobos e dar um ponto final nisso tudo.
  – Eu estou com fome. – Lilu diz, interrompendo esse momento, e nunca me senti tão agradecida por sua tagarelice sem motivo.
  – Eu posso te lavar pra comer, bonitinha. – Hoseok se voluntaria, fazendo Lilu encará-lo com uma carranca desagradável.
  – E eu posso atirar na sua cabeça.
  – Tá bom, já chega. Não vamos começar de novo. Eu te levo para comer. – Jin expira alto, e Lilu o encara fixamente, assentindo e indo com ele de boa vontade.
  – Acho que perdi minha companhia. Blarie, me dá essa honra? – Hoseok fala descontraidamente, e oferece seu braço para a garota de cabelos púrpura, que ri e sai com ele.
  Yoongi os encara indo para longe, e acaba saindo também.
  – Você não se importa se roubarmos ela um pouquinho, não é? – Olivia me puxa para perto dela. – Vocês já moram juntos. – Ela ri, e começa a me arrastar para longe de todos, sendo seguida por Zoe e Peter.
  Wendy e Sally me encaram com preocupação, mas eu aceno para elas, mostrando que estava tudo bem.
  Os três me conduzem para dentro da mansão, e depois me fazem subir para um novo andar, onde nós três acabamos em um quarto velho e empoeirado.
  – Um ótimo momento para nos conhecermos melhor, sem a Amia por perto. – Zoe diz, se jogando sentada no colchão que levanta poeira com seu peso.
  – Qual o problema com ela? – Pergunto, curiosa.
  – Tirando o fato dela achar que, de alguma forma, o Taehyung vai preferi-la? Ela é chata mesmo. – Zoe responde, cruzando suas pernas debaixo do vestido de cetim.
  Peter ri e senta do lado dela.
  – Vamos. Se junte aos seus companheiros de matrimônio, Elena. – Olivia segura em minha mão e me leva até à cama, onde me sento entre ela e Peter.
  – Gracinha, pode começar, quando conheceu o Taehyung? – Com a mão que carregava o anel de noivado, Peter toca meu cabelo.
  Pela segunda vez, eu me sentia no ateliê da Madame Dorothea, tendo vampiros mais pertos de mim do que eu gostaria.
  – Hm... nos conhecemos há quatro anos, durante as minhas férias na casa da minha avó. – Respondo, tentando deixar meu corpo imóvel no meio deles.
  – Férias, isso parece divertido. – Peter diz, agora, tocando o meu rosto.
  – Acho que você conhece ele mais tempo do que nós. Não é de se espantar que seja a predileta. – Olivia comenta, afastando meu cabelo para trás e deixando a marca em meu pescoço, exposta.
  – Amia esteve com ele por muito mais tempo. – Zoe caçoa, enquanto se inclina para frente para poder me fitar melhor.
  – Mas quem aguenta ela? – Peter sorri provocativo, antes de aproximar seu rosto do meu pescoço, cheirando minha pele. – Eu gosto do seu cheiro, gracinha. É tão bom quanto o do Taehyung.
  Quando Olivia toca minha barriga por cima do vestido, sei que é hora de me afastar, então, me levanto da cama, ficando um pouco distante deles. Eu sei que vampiros podem ser criaturas sexuais, mas isso é demais. Preciso começar a manter uma certa distância desses três.
  – O que foi? Nós te assustamos outra vez? – Zoe ri.
  – Não é melhor ir se acostumando? Nós precisamos nos conhecer. – Peter fala provocativo.
  – Não acho que estamos pensando no mesmo sentido da palavra "conhecer". – Falo, atenta aos três.
  Olivia inclina sua cabeça para o lado, e me encara de cima a baixo.
  – Você só precisa relaxar e voltar para cama, docinho. – A de cabelos vermelhos, diz lasciva.
  – Acho que isso vai ficar para uma próxima vez, docinho. – Solto um riso nervoso.
  – Desse jeito não é justo, você disse a mesma coisa no ateliê. – Olivia rebate, com uma feição um pouco emburrada.
  – Desculpe, acho que ainda não estou pronta pra isso. Talvez vocês devam me procurar depois do casamento. – Um casamento que não vai acontecer.
  Dizendo isso, não dou oportunidade para que eles me "ataquem" mais uma vez, e saio do quarto completamente atordoada com esses vampiros. Acho que não importa quanto tempo eu passe perto deles, não sei se posso me acostumar com esse tipo de coisa.
  Me recompondo desse pequeno momento com os meus "companheiros", começo a descer a escada velha, segurando no corrimão de madeira que parecia que ia cair. E, ao encarar o final da escada, vejo Abel escorado contra parede da frente com um pé apoiado nela enquanto me encara.
  – Achei que não iria demorar. – Ele se afasta da parede quando termino de descer.
  – Aconteceu alguma coisa? – Pergunto, parada próxima ao último degrau.
  – Estava te esperando. – Ele se aproxima vagarosamente.
  – Me esperando por quê?
  – Para uma conversa. – Ele para na minha frente.
  Apenas três passos entre nós.
  – Estou escutando. – Sutilmente, posiciono minha mão perto da minha coxa esquerda, sabendo que na parte interna dela, eu escondia uma arma para que não marcasse.
  – Só vou dizer isso uma vez. – Ele dá um passo para frente.
  Apenas dois passos entre nós.
  – Eu não ligo se você vai se casar com o Taehyung, eu nunca admitiria uma desonra dessas a nossa espécie. – Mais um passo e seu rosto quase encosta no meu. – Espero que durma com os olhos abertos a partir de hoje. O maldito lobo não será a única coisa da qual você deve se preocupar daqui para frente.
  – Está me ameaçando, Abel? – Levanto as sobrancelhas.
  – E se eu estiver, Elena? – Ele diz meu nome desdém.
  Rapidamente, levanto a barra do meu vestido e pego minha arma, encostando a ponta dela conta o peito de Abel.
  – Então, nós teremos que resolver isso, porque eu não tenho medo de vampiros. – Coloco o dedo no gatilho, pronta para atirar se fosse preciso.
  – Você acha que consegue me matar? – Ele sorri, empurrando seu corpo contra a arma.
  – Na verdade, ela consegue sim. Mas se não conseguisse, aí você teria que se divertir com a gente. – Sally diz, saindo de um dos cantos escuros da mansão, seguida por Lilu, Wendy e todos os irmãos, que cercam Abel.
  Encaro confusa a cena, não entendendo como eles conseguiram surgir todos juntos em um momento como esses.
  – Colocamos um rastreador em você, Eleninha. Ele apita quando você está encrencada. – Lilu diz assim que percebe minha confusão. – É brincadeira. Todos nós vimos quando ele entrou na mansão pouco tempo depois de você. Então, viemos atrás e ficamos espiando pra ver o que ia rolar, legal né? Trabalho em equipe. – Ela maneia seus dois revólveres, mas sem tirar Abel da mira.
  Taehyung se aproxima, pronto para atacar Abel, mas Jin o para, segurando-o pelo ombro.
  – Não faça isso, Taehyung. Sem mais mortes ou vamos acabar com problemas aqui. E não importa se você é o Drácula.
  – É, Tae. Não podemos, não hoje. – Jimin se aproxima também. – Abel sabe muito bem o que vai acontecer se isso se repetir. Deixe para matá-lo outro dia. – Jimin encara Abel, mesmo que ele mantenha seus olhos presos nos meus, tentando me intimidar.
  – Tudo bem, me desculpe, estou indo. – Abel levanta suas mãos e se afasta de mim e da minha arma. – Espero que tenham uma ótima noite. – Ele se curva de maneira exagerada e vai em direção à saída da mansão.
  – Que bela maneira de começar um noivado. – Jungkook debocha, fazendo Namjoon e Hoseok rirem, enquanto Jin os repreende com um olhar sério.
  – Vamos terminar com essa reunião logo. Fale mais algumas coisas e depois nós voltamos, antes que mais alguém resolva começar outro tumulto, Taehyung. – Yoongi sugere.
  – Ele está certo. – Lilu assente, enquanto guarda suas armas debaixo do vestido outra vez.
  – Você poderia fazer isso não na nossa frente? – Jin pergunta para ela, quando Lilu deixa suas pernas a amostra.
  – Por quê? Não gostou delas? – Lilu estende uma das suas pernas em direção a Jin, que nega com a cabeça antes de sair e voltar para o jardim.
  – Eu gostei. – Hoseok provoca.
  – Ninguém aqui te perguntou nada. – Lilu rebate, abaixando o vestido.
  Namjoon ri, e dá alguns tapinhas nos ombros do Hoseok.
  – Vão na frente, eu preciso falar com a Elena. – Taehyung diz, e todos começam a sair, até mesmo as garotas.
  E aqui estava eu, mais vez, sozinha com Taehyung III Dracul.
  – Eu sinto muito por isso. Se mais algum deles tentar alguma coisa, me avise, preciso saber se terei outros rebeldes por aqui. – Ele diz, me encarando atentamente.
  – Você dizendo "eu sinto muito"? Estou surpresa. – Comento com um pouco de sarcasmo. – Não se preocupe tanto, eu posso me defender, e te contarei se encontrar algum rebelde. – Balanço minha arma para que ele veja, antes de escondê-la debaixo do meu vestido outra vez.
  – Ainda não tive a oportunidade de dizer. – O encaro com as sobrancelhas arqueadas, depois que guardo minha arma. – Eu realmente concordo com o que o Peter disse, você está linda essa noite. – Taehyung toca o meu rosto, e meus olhos se arregalam levemente.
  – Obrigada. – Seguro sua mão e a levo para longe do meu rosto que, aos poucos, eu sentia esquentar um pouco, e torço com todas as forças para que a má iluminação desse lugar não deixe Taehyung ver isso.
  Ainda segurando sua mão, ele desliza seus dedos sobre os meus, fazendo a boca do meu estômago sentir uma pontada de ansiedade.
  – V-Vamos. – Me viro e saio apressada de perto dele.
  Qual o meu problema? Já tinha tanto tempo que eu não gaguejava desse jeito. Isso é coisa da Elena de Upiór, e eu não posso mais ser como ela.
  Depois de mais alguns minutos naquele lugar, Taehyung enfatizou tudo que os outros vampiros deveriam fazer e encerrou a reunião e, em seguida, todos começam a sumir pelo ar em forma de pequenos morcegos da noite, enquanto nós seguimos para os carros estacionados em frente a mansão. E mais do que nunca, eu evitei qualquer tipo de contato com Taehyung dentro do carro, colocando toda minha atenção na janela do carro, querendo fazer esse horrível sentimento de ansiedade, sumir.
  Após vários resmungos de Lilu e muitos "pedidos" de Sally para que ela calasse a boca, nós finalmente havíamos chegado de volta ao castelo. Onde todos, sem exceção, caminharam conosco até as escadas do castelo, tendo em vista que eles poderiam voar. Eu já estava pronta para me jogar naquela enorme cama e esquecer um pouco dos problemas desse dia, mas acho que eles é que não estavam dispostos a nos esquecerem, pois, como um lembrete sangrento, um corpo desacordado e, possivelmente, morto, estava deitado perto da porta de entrada do Castelo do Drácula.

Capítulo 9

Πίτουρο

  Todos estávamos na grande sala de estar, no mais absoluto silêncio. Alguns sentados no sofá, outros de pé e poucos encostados contra as paredes da sala. A madrugada parecia silenciosa como uma cobra pronta para dar o bote, deixando cada um aqui, preocupado de um jeito diferente; era nítido nas expressões irritadas e pensantes espalhadas por todo cômodo. Um corpo jogado na entrada do castelo foi o suficiente para desestabilizar qualquer plano que os vampiros tinham, mostrando que os lobos estavam a um, dois, três, muitos passos na frente.
  Infelizmente, Olivia foi responsável por nos alertar sobre isso, com uma estaca cravada em seu coração e seu corpo completamente dilacerado por garras. Nos reunimos para atacar os lobos e eles contra-atacaram mais rápido do que poderíamos imaginar. Esse foi o primeiro aviso: eles não estavam brincando, sabiam o que estavam fazendo e faziam isso com muita excelência.
  Como Drácula, Taehyung se encheu de raiva ao encontrar o corpo sem vida de Olivia, e foi diretamente até o calabouço do castelo, onde o nosso prisioneiro estava. Não sei dizer ao certo se sua raiva era por perder alguém ou por ser provocado por um lobo; nunca vi muitas interações entre Taehyung e suas noivas, por isso, não consigo responder. De qualquer forma, o ponto central de tudo isso agora, é que já faz alguns minutos que ele foi até o calabouço, antes de avisar para que ninguém o seguisse, acabando por não nos dar escolha a não ser esperá-lo aqui na sala de estar. Pouco depois de Taehyung sair furioso, alguns dos irmãos foram atrás de Hyun e Skull, que estavam sãos e salvos no castelo. E o mais estranho, eles não viram ou ouviram nada. Skull jurou que enquanto ele esteve com Hyun, ambos sequer sentiram qualquer presença diferente.
  E sendo o completo oposto de nossos intrusos, Taehyung surge como um tornado em passos altos, mãos e roupas sujas de sangue e olhos de fúria. Definitivamente, era a primeira vez que eu o via desse jeito e chegava a assustar um pouco. Seus olhos pareciam tão fundos e escuros quanto essa madrugada, deixando transparecer que ele realmente estava mais que irritado com essa situação.
  – Você matou ele? – Jimin se levanta do meu lado, e encara Taehyung de maneira séria.
  – Não acho que aquela vira-lata iria nos contar alguma coisa. Ele já foi torturado de todas as maneiras possíveis e não abriu a boca. – Jungkook, que estava escorado contra a parede da esquerda, diz. Ele parecia tão irritado quanto Taehyung.
  – Deveríamos ter matado ele no dia em que o trancamos lá embaixo. – Yoongi suspira.
  – Alguém aqui tem ideia do que era aquilo escrito na barriga da Olivia? – Wendy, que estava sentada no braço do sofá, pergunta, enquanto olha para todos.
  – Não. Está em grego. – Namjoon é o próximo a suspirar. – Mas nós vamos descobrir. – Suas sobrancelhas se franzem, tornando sua expressão séria.
  Quando encontramos Olivia, havia uma palavra estranha entalhada na sua pele, e eu definitivamente não sabia o que aquilo poderia significar e muito menos que era algo em grego.
  – O que vamos fazer agora, Taehyung? Você é o Drácula. – Jin encara o vampiro sujo de sangue, que parecia enterrado dentro do seu próprio mundo de irritação.
  – Outra reunião. – Taehyung responde, encarando um ponto qualquer da sala. Ele nem parecia que estava prestando atenção ao que diziam, mas estava.
  – Outra reunião? Para quê? – Jin franze as sobrancelhas ao encará-lo.
  – Porque eu quero saber como um maldito vira-lata estava escondido em um lugar repleto de vampiros e ninguém viu nada. – Os olhos carregados de Taehyung encontram os de Jin, que muda de expressão no mesmo segundo.
  – Você acha que havia um lobo infiltrado? – Hoseok também se levanta do sofá, com um olhar espantado.
  – Vocês foram os únicos vampiros que voltaram de carro. Demoraram mais pra chegar e, se havia mesmo um lobo naquela reunião, isso deu tempo para que ele pegasse Olivia e a trouxesse aqui antes de voltarmos. – Digo, entendendo aonde Taehyung queria chegar.
  – Quer dizer que o lobo pegou Olivia antes de voltarmos e a deixou pra avisar que eles sabem do nosso plano? – Blarie pergunta, sem piscar, completamente atordoada.
  – Se eles realmente sabem o que vamos fazer, então o plano está ferrado. Os vira-latas com certeza vão recuar por enquanto, pra que não encontremos nada aqui na Transilvânia, como planejamos na reunião. – Jungkook balança levemente a cabeça de um lado para outro, bufando alto.
  – O que eu preciso entender agora, é como um deles estava escondido naquela reunião e ninguém percebeu. Nem mesmo nós. – Taehyung fecha os olhos, e respira fundo, cada vez mais irritado.
  Essa é a questão que vem me perturbando desde o dia em que encontrei aquele papel dobrado na sacada do meu quarto.
  – Precisamos mudar de estratégia o mais rápido possível. – Namjoon diz.
  – Precisamos encontrá-los e matá-los o mais rápido possível. – Yoongi encara seu irmão, de um jeito extremamente sério.
  Expirando alto, Amia se levanta do outro sofá, em que estava sentada.
  – Tae, você deveria trazer Zoe e Peter para o castelo. – Ela começa a se aproximar de Taehyung.
  – Pra quê, Amia? – Com os olhos, ele acompanha os movimentos dela.
  – Olivia estava com Peter e Zoe na reunião. Elena querida, você passou algum tempo com eles, quando saiu de perto, os três ainda estavam juntos? – Parada de frente para Taehyung, ela me encara sobre os ombros.
  – Sim, estavam. – Assinto, a fazendo voltar a encarar Taehyung.
  – Aí está o começo da sua resposta, querido. Os três estavam juntos o tempo todo, e não os vimos antes de ir embora. Nesse momento, eles são suspeitos.
  – O que você quer dizer com suspeitos, Amia? – Jimin franze as sobrancelhas e a encara com seriedade.
  – Olivia foi morta e nenhum desses dois nos procurou até agora. Quem garante que eles não estão envolvidos com os lobos? Seria muito mais fácil infiltrar um lobo em uma reunião infestada de vampiros se você tivesse um aliado ali dentro. – Devolvendo na mesma intensidade o olhar de Jimin, Amia o encara.
  – É uma acusação séria, Amia. Você não deveria dizer isso se não tem provas. – Blarie é a próxima que se levanta do sofá.
  – A Blarie tem razão, Amia. – Falo, preocupada, enquanto sinto Lilu me encarar.
  Amia arqueia as sobrancelhas.
  – Não me leve a mal, querida, mas isso é assunto para os vampiros. E todas as coisas apontam para esses dois agora. Se eles não têm culpa, por que não nos procuraram ainda? Pelo que eu sei, Zoe e Peter costumavam ser muito amigos da Olivia... ou não. – Ela ri nasalada, sem humor.
   Jimin coloca uma mão sobre meu ombro e o aperta de leve ao perceber minha irritação.
  – Amia pode ter razão, Taehyung. Se Peter e Zoe são inocentes, não há o que temer. Nossa prioridade agora é entender o que está acontecendo. – Jin dá o veredito final.

***

  O sol da manhã aquecia toda Transilvânia, e ninguém no castelo foi capaz de dormir. Os meus olhos ardiam e eu sabia que olheiras se formaram abaixo deles; meu corpo realmente estava cansado, mas eu não podia descansar, pelo menos, não enquanto tudo isso não se resolvesse.
  Alguns dos irmãos foram designados a irem atrás de Zoe e Peter, por isso, acabei aproveitando essa pequena pausa para ir ao meu quarto trocar de roupa. E enquanto estava debaixo do chuveiro, tirando a maquiagem da noite passada, o banheiro foi invadido por Wendy, que sem se importar em se molhar, me mostrou uma mensagem do Padre Albert anexando uma foto de um corpo sem vida e com uma palavra entalhada na barriga... parecida com a de Olivia. Deixando para trás o chuveiro ligado e quase escorregando nos azulejos, me enrolei em uma toalha e corri para o quarto atrás do meu celular, e quando o encontro, vejo muitas ligações perdidas do Padre e uma mensagem com o mesmo anexo. Nenhuma de nós levou celular para aquela reunião, e vendo o horário das ligações do Padre, tudo parece ter acontecido em tempos similares.
  Depois de me trocar e avisar as outras garotas, todas nós saímos apressadas do castelo, indo em direção à base do Padre Albert. O caminho foi tenso e regado a pedidos nervosos de Sally para que o homem atrás do volante do táxi fosse mais rápido. E entre muita discussão e chacoalhões do carro pelo caminho, o taxista finalmente nos deixou na saída da cidade. Sally jogou às presas as notas de dinheiro pela janela do táxi. E assim, corremos por toda estrada de terra até à cabana de madeira no meio do nada, que estava parcialmente cercada por pessoas da igreja, exatamente como os policias fazem em cenas de crime.
  Reconheço Padre Albert pela batina preta que sempre usava. Ele estava de costas e sua cabeça parecia estar inclinada para baixo como a todos que estavam do lado dele.
  Nossos passos altos e apressados sobre a estrada de terra, chamam a atenção do Padre, que se vira para nos encarar. Sua feição tinha uma mistura de seriedade e pesar, o que me deixou apreensiva. Quando nos aproximamos, em silêncio, ele dá algum espaço, relevando a marca de sangue seco que estava a apenas uns passos da entrada da cabana de madeira.
  Respiro fundo, enquanto encaro a terra que ganhou uma coloração vermelha.
  – Padre, podemos conversar a sós? – Pergunto, olhando discretamente para os outros irmãos da igreja que estavam por perto.
  O Padre assente, se virando e colocando as mãos para trás da sua batina, antes de caminhar para a lateral da cabana. Chamo minha equipe e assim nós o seguimos.
  – Vamos conversar aqui. Lá dentro está um caos. – Ele diz, quando para ao lado esquerdo da cabana.
  Antes de falar, encaro as garotas que, tão preocupadas quanto eu, ficam em silêncio esperando que eu revele tudo.
  – Como o senhor foi avisado, ontem aconteceu a reunião com os vampiros.
  – E como foi? – Ele interrompe.
  – Exatamente como já imaginávamos. Eles não ficaram muito felizes. – Solto outro suspiro. – Quando voltamos para o castelo, também encontramos um corpo morto na entrada. E pelo horário das suas ligações, foi em períodos parecidos.
  Padre Albert aperta suas sobrancelhas, criando duas linhas finas e curtas entre elas.
  – Isso não é uma coincidência. – Ele diz, ainda mais sério que antes.
  – Não. O corpo que encontramos era de um dos vampiros que estava na reunião. Taehyung acha que havia um lobo infiltrado lá, e esse corpo seria um aviso pra que ele soubesse disso. – Sally explica, cruzando os braços e assumindo uma postura séria também.
  – Todos concordam que isso é um aviso para os vampiros. Mas por que matar alguém da igreja? – Wendy pergunta, olhando para todos.
  – Acho que minha especulação estava certa. Elena está noiva do Drácula e é uma Van Helsing, por isso, atacar a igreja também era de se esperar. – Ele suspira.
  – Padre, havia uma palavra escrita na barriga da vampira morta. Não sei o significa, porque aparentemente está em grego, mas os irmãos falaram que vão descobrir. – Revelo.
  – Também havia algo escrito na barriga do Harris. Nós já enviamos uma foto para o Vaticano. Eles analisarão e nos mandarão o retorno.
  – Será que era a mesma palavra que a nossa? – Lilu pergunta, com os olhos levemente arregalados. – Ou eles estão tentando nos mandar algum recado?
  – É bem provável que seja isso. – Sally expira alto e forte.
  – Prestem atenção, se eles estiverem tentando mandar um recado, nós devemos ser os únicos a saber. Quando vocês descobrirem o que a palavra de vocês significa, me contatem. E não contem aos vampiros que a igreja foi atacada também.
  Assentimos.
  – Eles estão jogando. – Digo, logo em seguida, encarando a terra seca, enquanto algumas coisas começam a fazer sentido dentro da minha cabeça.
  – Do que você está falando? – O Padre enruga as sobrancelhas mais uma vez, me encarando com atenção.
  – Os lobos estão mandando esse recado. Um vampiro morto e um humano da igreja. Tudo só vai fazer sentido se juntarmos as informações dos dois lados. É isso que eles esperam que façamos. Eu e as garotas somos as únicas que sabemos que existe mais vítimas além dos vampiros.
  – Eles querem ver se vamos contar para os vampiros. – Sally complementa, espantada, e a encaro, assentindo.
  – Mas isso não pode acontecer. – Wendy nos encara preocupada.
  – E não vai. Apenas façam o que eu pedi e mantenham isso em segredo. Os vampiros não podem saber. – Padre Albert abaixa seu tom de voz quando algumas pessoas passam por perto, entrando na cabana. – Nós vamos juntar todas as informações e vamos atrás dos lobos. Lidaremos com eles e depois será a vez dos vampiros. Enquanto isso, não se esqueçam de estudar nosso novo inimigo, não precisamos de mais surpresas como foi o ataque a Elena. Estejam preparadas e prontas para tudo, do mesmo jeito que estavam na Lua de Sangue, há quatro anos atrás.

Μαρία

Capítulo 10

Εκκλησία

  Respiro fundo, soltando alto o ar pela boca. Me remexo sobre a cama, sentindo algo quente do lado esquerdo: um braço. Com certeza, o braço de uma das garotas, provavelmente Wendy ou Lilu. Preguiçosamente, abro os olhos e, lentamente, começo a me virar para a esquerda, tendo uma pequena surpresa ao encontrar um corpo mais alto do que o de Wendy e Lilu.
  Sangue e cortes preenchiam cada canto da minha visão matinal, me fazendo saltar da cama espantada. Meus pés enroscam no lençol e acabo caindo sentada no chão. Com os olhos arregalados, meu tronco sobe de desce com rapidez, enquanto encaro espantada o corpo que sujava minha cama com o líquido vermelho.
  Atenta e assustada, olho para os lados, não encontrando nada além do silêncio no quarto. Apressada, me levando do chão e me aproximo da cama, e quando faço menção de tocar o corpo desacordado, percebo que parte do meu braço esquerdo e tórax estão sujos com o seu sangue. Me sentindo receosa, toco a pele ainda quente do pescoço de Peter, não sentindo seus batimentos e, em seguida, faço mesmo com seu pulso, também não sentindo nada. Ele estava morto, e pelo calor que ainda emanava de seu corpo, não faz muito tempo que isso aconteceu. Seu sangue ainda estava fresco e sua pele ainda não havia começado a endurecer.
  Múltiplos cortes cobriam seus braços e até mesmo rosto, desfiguravam sua aparência que antes era impecável, enquanto no seu tronco havia uma palavra em grego entalhada na carne, como foi com Olivia e Harris. E fora os vermelhões de seus machucados, sua pele era mais pálida do que de costume, e também haviam manchas escuras debaixo dos seus olhos, indicando que ele não passou por boas coisas enquanto esteve no calabouço.
  Não podendo fazer mais nada por ele, corro até o meu guarda-roupas e começo a vasculhar pelas minhas armas, pegando um dos revólveres. Depois, na ponta dos pés, começo a andar e vasculhar cada canto do quarto, sempre mantendo meus olhos atentos a qualquer coisa. Não encontro nada, nenhum sinal ou sombra de quem fez isso com Peter e o colocou na minha cama. Descalça, corro para fora do meu quarto, enquanto a camisola que eu usava, balançava com os meus movimentos. Abro a porta e espio o corredor vazio, indo para o meio dele e ficando de costas para a parede e de frente para o final aberto. Com a arma bem posicionada em minhas mãos, começo a bater nas portas dos quartos das garotas, e preciso fazer isso mais de duas vezes até que uma delas acorde. Sally é a primeira, abrindo a porta enquanto coça os olhos, que logo se arregalam ao me verem.
  – Elena?! O que aconteceu?! Você está bem?! – Com um olhar preocupado ela se aproxima, me segurando pelos ombros, sujando suas mãos de sangue enquanto me examina atrás de algum machucado.
  – Tá tudo bem, Sally. O sangue não é meu. – Falo, olhando dela para o final do corredor, não querendo perder o foco da minha atenção. Quem fez aquilo com Peter ainda pode estar aqui.
  Ela arregala os olhos, me encarando assustada.
  – Dá uma olhada no meu quarto. – Indico com a cabeça, e ela assente antes de correr para lá.
  Continuo batendo nas outras portas, e Wendy é a próxima que sai para o corredor, com os cabelos bagunçados e pijama amassado. Antes que a minha irmã possa me perguntar qualquer coisa, Sally sai do meu quarto afobada, me encarando com preocupação.
  – O que está acontecendo? – Wendy olha de mim para Sally, assombrada.
  – Lobos. – Respondo, e engulo em seco, apertando os dentes uns nos outros.
  Wendy também arregala os olhos.
  Sally corre até à porta do quarto de Lilu e entra para acordá-la. Wendy permanece parada no lugar, com um olhar preocupado.
  Lilu sai do quarto segurando dois revólveres, com Sally em seu encalce. Parando atrás da garota de cabelos alaranjados bagunçados, Sally levanta a blusa do seu pijama de seda, relevando uma faca de caça dentro de uma capa de couro.
  – Desde que nos mudamos pra esse castelo, não durmo mais desprevenida. – Ela releva, enquanto retira a capa de couro que escondia a lâmina da faca, e a joga para dentro do seu quarto.
  Após todas verem o corpo morto de Peter no meu quarto, minha equipe entende o que estava acontecendo nesse momento. E, por isso, nos reunimos outra vez ao centro do corredor, prontas para caçarmos um lobo dentro do castelo do Drácula.
  Em formação e atentas a tudo, tentando manter uma visão trezentos e sessenta de tudo ao nosso redor. Começamos a andar descalças pelo corredor. Tudo ainda estava silencioso, e o nosso andar não parecia guardar qualquer tipo de presença, por isso, descemos. No quarto andar, tudo estava um pouco mais escuro e igualmente silencioso. Apenas movimentando os lábios sem fazer barulho, indico que deveríamos ir até à virada do corredor do quarto andar e procurar por lá. E assim que o fazemos, virando à direita, meu corpo é trazido para perto da parede, me fazendo destravar a arma que segurava, enquanto Lilu apontava as suas para a pessoa que me puxou.
  – Blarie?! – A encaro surpresa, falando um pouco alto, e ela tapa minha boca por alguns segundos.
  Lilu suspira, e abaixa seus revólveres, enquanto Wendy e Sally relaxam.
  – Vocês também perceberam, não é? – Ela pergunta, me soltando e nos encarando.
  – Que tem mais um lobo infiltrado aqui? Sim. – Wendy responde.
  Blarie expira alto.
  – Alguns minutos atrás eu estava cuidando do Hyun, escutei um barulho do lado de fora do quarto dele e fui ver o que era, e tenho certeza que vi de relance um homem estranho. – Ela coloca as mãos na cintura enquanto explica. – Fui atrás do Skull e pedi que ele escondesse o Hyun para que eu procurasse esse homem. Eu realmente já estava começando a pensar que era coisa da minha cabeça, porque nenhum de nós sentiu o cheiro de alguém desconhecido. Mas aí vocês aparecem desse jeito. – Blarie aponta especificamente para mim onde estava sujo de sangue.
  Assinto, mostrando que entendi.
  – Blarie... eu acordei com o corpo morto do Peter do meu lado. – Minhas palavras fazem seus olhos se arregalarem.
  – O quê?! O Peter? – Ela dá um passo involuntário para perto de mim. – Alguém invadiu o castelo e matou ele? Eu não posso acreditar que isso está acontecendo. – Seus olhos castanhos parecem se perder em descrença por um momento.
  – Como vocês não perceberam isso? Onde estão os outros vampiros desse lugar? – Sally pergunta de forma exaltada.
  – Foram na nova reunião que o Taehyung pediu pra fazer. Eles iriam conversar com os outros vampiros sobre o que aconteceu com a Olivia, e Amia insistiu em ir junto, ela está realmente decidida a participar disso. Eu estava cuidando do Hyun, e Skull estava preparando o café da manhã. Ele é o único mordomo que fica em tempo integral no castelo.
  – Um castelo desse tamanho e quase ninguém vigiando? Qual o problema de vocês? – Lilu bufa alto, parecendo um pouco irritada.
  – Nós nunca pensamos que os lobos invadiriam o Castelo do Drácula. – Também ficando um pouco irritada, Blarie rebate.
  – Certo, isso não uma boa hora pra discussões. Blarie, você já olhou o calabouço? – Pergunto.
  – Não. Ainda não consegui ir lá.
  – Então é isso que precisamos fazer agora: vamos nos dividir. – Digo. – Wendy e Sally vão para o calabouço. Nós não sabemos se eles atacaram a Zoe também. E se caso isso não tenha acontecido, tirem ela de lá e a escondam em algum lugar seguro, bem longe desse castelo.
  – Nós não conhecemos a Transilvânia. – Sally fala.
  – Ela conhece e pode ajudar vocês nisso. Mas se caso ela também estiver morta... – Suspiro ao pensar nessa hipótese, sabendo que a morte de Peter e a talvez morte da Zoe, é inteiramente culpa do plano idiota da Amia, que fez com que os irmãos os prendessem no calabouço tentando descobrir o motivo da morte de Olivia. Se os dois não estivessem nesse castelo, talvez ainda estivessem sãos e salvos. – Se juntem a nós três.
  Sally e Wendy assentem.
  E como se estivessem esperando apenas o momento certo, nos espiando de longe, escutamos um barulho de passos do outro lado da virada do corredor, por onde viemos. Depois de trocarmos olhares atentos e significativos, nós cinco vamos em direção ao barulho, a tempo de vermos uma sombra correr escada abaixo.
  Em um piscar de olhos, o corpo de Blarie se transforma em um pequeno morcego que voa com rapidez atrás da sombra, enquanto eu e minha equipe corremos para escada.
  – Não te mova! Amarro-te agora, immunda spiritus! – Wendy grita do alto dos degraus quando Blarie pousa na frente do homem que estava de costas para nós, impedindo que ele fugisse.
  Com uma mão estendida em direção ao homem, Wendy, lentamente, desce os degraus, e nós a acompanhamos.
  – Quem é você? – Blarie pergunta, assim que seu corpo antes transmutado em morcego, volta ao normal.
  O homem de cabelos escuros e longos, rosna para ela.
  Cautelosamente e com a arma estendida em direção ao homem-lobo, contorno seu corpo até ficar do lado da Blarie. Wendy se junta a nós, Lilu cuida das laterais e Sally fica atrás.
  – Encontraram o nosso pequeno presentinho? – O homem-lobo de olhos amarelados, sorri, mostrando suas longas presas, enquanto tenta se soltar do exorcismo de Wendy, conseguindo mexer apenas seu pescoço. – Aquilo é o que vai acontecer com cada uma de vocês.
  – Quem te mandou? – Blarie dá um passo em direção a ele, com uma feição severa.
  – O verdadeiro líder. – O homem-lobo continua sorrindo, cuspindo suas palavras com escárnio. O que dura pouco, pois seu corpo é levemente impulsionado para frente, seguido de uma grande quantidade de sangue que escorre por sua boca, causando uma sucessão de engasgos.
  – Sabe o que é isso? O seu pulmão. E sabe do que a minha faca é feita? De prata. – Sally fala perto do ouvido do homem-lobo. – Espero que aproveite o nosso pequeno presentinho. – Sally puxa a faca de caça que cravou nas costas dele, e mais sangue escorre de sua boca aberta.
  – Obrigado por sua ajuda, meu querido irmão. Por favor, descanse em paz agora. – Ao dizer essas palavras, Wendy liberta o homem-lobo do exorcismo, fazendo seu corpo cair de joelhos.
  Blarie o segura pelos cabelos escuros, puxando sua cabeça para trás, antes de curvar seu corpo e estender sua mão em direção ao torço do homem, atravessando seu peito com uma das mãos.
  – E esse é o seu coração. – A garota de cabelos púrpura, puxa o órgão pulsante e cheio de sangue para fora do peito do homem, o matando de vez.
  Blarie joga o coração no chão, e limpa sua mão na própria roupa.
  – Ele não está sozinho. – Ela diz, encarando o chão com os olhos estáticos. – Estou escutando alguma coisa lá embaixo.
  – Sem perder tempo: Wendy e Sally vão atrás da Zoe agora. – Falo alto e em alerta, e as duas começam a correr escada abaixo.
  Lilu, Blarie e eu as seguimos, apenas nos separando quando chegamos no terceiro andar. E ali tentamos nos tornar silenciosas para pegar o próximo intruso desprevenido.
  De volta a mais um corredor, Blarie fala que precisamos descer mais. E os barulhos estranhos que, aos poucos, se tornavam altos, confirmam as suspeitas dela, indicando que nosso próximo alvo estava no segundo andar.
  – O quarto do Hyun. – Blarie fala baixo e de forma estremecida, fazendo meu coração dar um pequeno salto nervoso ao pensar no que poderia ter acontecido ao garotinho.
  Com a adrenalina e ansiedade correndo nas veias, descemos para o segundo andar, e Blarie nos leva para um corredor cheio de portas, indicando uma que estava fechada e era da cor marrom-escuro. E uma vez que estamos próximas, Blarie, sem qualquer aviso prévio, chuta a porta, a abrindo, e Lilu que estava logo atrás, dispara duas vezes para dentro do quarto, acertando em cheio a mulher de cabelos acinzentados que tinha um braço em torno do pescoço de Hyun.
  Com as pernas feridas, a mulher se coloca de joelhos, dando oportunidade para que Hyun corra para perto de Skull. O mordomo estava a alguns metros de distância, com os olhos vermelhos e mãos sujas de sangue. Ele recebe o pequeno garotinho nos braços, o escondendo atrás de suas longas pernas. Hyun também estava com os olhos vermelhos, e mostrava pequenas presas, como as de um pequeno filhote. Por detrás das pernas de Skull, ele observava com atenção a mulher ajoelhada, como um pequeno gato arrisco que estava pronto para atacar.
  – Vocês estão bem? – Blarie pergunta quando entramos no quarto.
  – Sim, Senhora Blarie. Me desculpe, eu não protegi o pequeno Hyun como deveria. – Por um segundo, Skull no encara, e essa foi a única vez que vi uma expressão em seu rosto magro e marcado pelos ossos faciais: decepção.
  – Do que você está falando, Hanson? Olha só pra você, dá pra ver que você lutou até o final pelo pirralhinho. – Lilu diz, deixando seus revólveres na mira da mulher que rosnava de dor.
  Lilu está certa, o sangue nas mãos de Skull não estão ali atoa, é possível ver alguns hematomas na mulher-lobo. E se Skull também teve alguns, eles já se curaram, deixando apenas alguns rasgos em seu uniforme.
  – O seu amiguinho já morreu e você vai ser a próxima. – Lilu posiciona seus dedos nos gatilhos das armas, mas antes mesmo que ela tenha oportunidade de atirar de novo, a mulher se levanta, e mesmo sangrando consegue atacar Lilu, a empurrando e fazendo com que ela erre o tiro. Em seguida, por não ter sido ferida por balas de prata, ela consegue correr em direção à janela fechada, se jogando contra o vidro que se parte em vários pedaços, enquanto pula para fora do castelo. E sabendo que não poderia deixar ela escapar, corro atrás da mulher-lobo, saltando do segundo andar do castelo. Meu corpo se choca contra o gramado do quintal dos fundos, me fazendo soltar o revólver pelo impacto. Meu corpo inteiro vibra de dor, mas sei que vou sobreviver, sou uma Van Helsing e preciso fazer o meu trabalho agora. Ignorando o latejar que parecia vir diretamente dos meus ossos, me levanto e olho em volta, vendo um pequeno rastro de sangue no chão. Começo a segui-lo arduamente como uma trilha que me levaria até o baú de ouro, mas, na realidade, acabei no cemitério dos vampiros, perseguindo um lobo. Eu conseguia vê-la, o rastro de sangue me mostrou, mas seu corpo machucado se tornava lento à medida que subíamos a pequena colina escondida nos fundos do castelo. Mesmo que isso não a mate, Lilu fez um belo estrago nas suas penas, e toda sua agilidade de lobo estava ficando em segundo plano.
  Forço as minhas pernas a correrem mais rápido, e a cada segundo me aproximo mais dela. E quando a mulher-lobo começa a subir os estreitos degraus que levavam até a cripta dos Dráculas, atiro em sua panturrilha direita, a fazendo cair nos degraus. Deitada, ela começa a se arrastar para cima, deixando uma grande poça de sangue para trás. Mais um tiro em sua outra panturrilha e ela para de se arrastar. Pela sua blusa suja com a poeira da terra, a puxo para cima, subindo o restante dos degraus antes de lançar seu corpo em direção a cripta, a fazendo se chocar contra as pedras da construção, que ganham uma pintura com seu sangue. Me aproximo dela e a levanto do chão pelo colarinho de sua blusa, antes de retirar o anel preso em seu dedo médio e encarar bem seus olhos amarelados.
  – Preste bem atenção, eu vou te deixar ir embora viva, mas só porque eu quero que você envie o meu recado para quem está por trás disso. – Bato suas costas contra a construção de pedra da cripta. – Os vampiros e os Filhos da Sombra liderados por Elena Van Helsing vão caçar cada um de vocês. Nós aceitamos o seu convite, então, é bom que vocês se preparem para o pior.
  Ela franze as sobrancelhas e rosna para mim como um cachorro e, em seguida, tenta me morder. E sem pensar duas vezes, a jogo em direção ao penhasco que havia na beirada da colina, sabendo que ela não morreria com a queda floresta adentro, mas, com certeza, ganharia boas fraturas.
  Encaro o anel de coloração amarelada por alguns segundos e, em seguida, escuto alguns barulhos de passos.
  – Por que você deixou ela fugir? – Me viro em direção à voz de Lilu, a vendo parada no topo da escada, com as mãos sobre os joelhos, tentando recuperar o fôlego.
  – Porque os lobos também precisam saber que não estamos brincando. – Falo séria, e Lilu assente.
  – Blarie foi atrás do Taehyung. E ela não vai demorar, você sabe, ela pode voar. Melhor nos prepararmos para o que vai vir quando eles voltarem.

***

  E tudo parecia ser exatamente igual à noite anterior, mais uma vez, estávamos reunidos na grande sala de estar para conversar sobre o que aconteceu nessa manhã turbulenta.
  Depois de jogar a mulher-lobo do penhasco da cripta, Lilu e eu voltamos para mansão, esperando Blarie retornar com Taehyung e os outros irmãos. Por um breve momento, fui atrás de Hyun e Skull para me certificar de que tudo estava bem, também aproveitei para conversar com Skull a respeito da invasão, mas ele não tinha muito a dizer, realmente parece haver algo que impede que os vampiros sintam o cheiro dos lobos, o que estava tornando tão fácil e frequente essas invasões no castelo.
  Enquanto Skull se encarregava de arrumar a bagunça que deixamos pela mansão, acabei me voluntariando para olhar Hyun e, dessa forma, acabei o levando para o meu quarto, já sabendo que precisava tirar algumas fotos do corpo de Peter para mostrar ao Padre. E para minha surpresa, ao pegar meu celular para fazer isso, acabei recebendo uma surpresa; mais um anexo do Padre Albert, mais uma vítima e mais uma palavra: Δύση. Eu não sei exatamente que horas acordei e quanto tempo nosso confronto com os lobos durou, mas o horário da mensagem do Padre era recente, indicando que o ataque não aconteceu só no castelo, os lobos estavam reproduzindo o que fizeram no dia anterior, o que apenas reforça nossa teoria de que eles querem passar uma mensagem o mais rápido possível e nós precisamos decifrá-la sem demoras.
  Para que nada fosse suspeito, levei Hyun para o quarto de Lilu, e pedi que ela tirasse as fotos do corpo de Peter e fosse imediatamente para a base do Padre Albert saber sobre essa nova vítima da igreja. Eu iria permanecer no castelo e esperar a chegada dos irmãos para ficar por dentro do que eles fariam e se já descobriram o significado da palavra entalhada no corpo de Olivia; não podemos perder nada. E durante o tempo que fiquei no quarto de Lilu com Hyun, Sally e Wendy voltaram ao castelo, ambas me informaram que Zoe ainda estava viva e que acabaram a levando para o ateliê da Madame Dorothea, a pedido dela mesma, pois, segundo Zoe, aquele seria um lugar seguro para ela se esconder e se curar de todos os machucados que ganhou enquanto esteve no calabouço aos cuidados de Amia. Acabei enviando as duas para a base do Padre também, porque sei que ele vai precisar de ajuda agora, e acho que posso lidar com os problemas dos vampiros por aqui.
  Assim que os irmãos e Amia voltaram para o castelo, e após me limpar e trocar de roupa, deixo Hyun aos cuidados de Skull para me reunir na sala de estar, onde estou agora sentada entre Blarie e Jimin, enquanto aquele familiar e sombriamente tenso silêncio, pairava sobre todos nós.
  Esses irmãos estavam bravos, realmente zangados, principalmente Taehyung, que nesses últimos dias vem me lembrando o Taehyung que conheci quando cheguei em Upiór, mas, dessa vez, não vou julgá-lo, afinal, ele tem todos os motivos para estar assim.
  Pelo que foi conversado aqui nessa sala, a reunião não foi das melhores, já que os vampiros parecem estar em uma cilada, um beco sem saída, não sabendo como devem agir, já que os lobos, aparentemente, estão prevendo cada passo que eles dão, além de estarem mais perto do que imaginam. Ao que parece, a segurança em torno da Transilvânia foi reforçada, e mais vampiros foram convocados a se mudarem para esse lugar, e a varredura continua até que eles achem nem que for uma mísera pista sobre o que os lobos estão tentando fazer.
  Também descobri que os vampiros já sabem sua palavra, que significa: Bran. Os irmãos não são fluentes ou tão bons em grego, já que isso é especialidade dos lobos, mas eles sabem reconhecer algumas palavras e letras, e ao levar isso na reunião com os outros vampiros, eles descobriram o significado, e agora terão que fazer o mesmo com a palavra entalhada em Peter. Os irmãos também se irritaram um pouco ao não encontrarem Zoe no calabouço, e depois de conversar com Blarie a sós, nós acabamos mentindo, dizendo que os lobos devem ter a levado; porque assim como eu, Blarie não acha que Zoe esteva envolvida nisso, e dizer que ela está, na verdade, escondida no ateliê, pode gerar uma retaliação muito grande para o seu lado, levando em conta como os irmãos estão irritados com essa situação que os lobos os colocaram. Eu só não posso esquecer de passar no ateliê o quanto antes para conversar com Zoe e pedir que Madame Dorothea possa manter qualquer visitante afastado da sua loja, preferencialmente Amia, para que ninguém saiba do paradeiro de Zoe.
  – Eles esperaram até que nós saíssemos pra atacar... está mais do que claro que realmente há alguém do lado dos lobos. Esse seria o único jeito dos lobos anteciparem tudo o que fazemos e sempre saberem quando atacar. – Namjoon diz, sentado no braço do sofá com as pernas cruzadas, enquanto mantém uma mão perto do queixo, tendo um olhar franzido para o enorme tapete vinho no chão.
  Hoseok, que estava de pé perto de Jungkook, suspira com uma expressão realmente cansada.
  – É como eu disse, vocês só precisam acreditar em mim. – Amia cruza seus braços, ao lado de Taehyung. – Vocês não estão levando a sério o fato de eu ter pedido que trouxessem Peter e Zoe para o castelo.
  – Nós os trouxéssemos para o castelo, Amia. Acho que estamos te levando a sério. – Yoongi fala com um tom de voz irritado, parecendo sem paciência para tudo isso.
  – Mas não basta só trazê-los para o castelo e me deixar arrancar um dedo ou dois até que um novo nasça no lugar. – Amia encara Yoongi com rigidez, com o queixo erguido. – Vocês realmente não percebem o que está acontecendo aqui? – Ela se vira para encarar todos, acabando na frente de Taehyung, como na cena da noite anterior. – Você é o Drácula, deveria ser o primeiro a enxergar isso.
  Taehyung franze as sobrancelhas em uma mescla de expressões que desafiava Amia a continuar, mostrando que isso seria um caminho perigoso. Ela logo percebe e abaixa sutilmente os ombros, desmanchando um pouco sua pose de superioridade.
  – Eu mantenho o que eu disse, Taehyung. Uma das suas noivas está trazendo a ruína para o seu castelo. Tudo que aconteceu na primeira reunião me deixou desconfiada, por isso, sugeri que você trouxesse aqueles dois para cá. E agora Peter é morto e Zoe sumiu.
  Os meus olhos se arregalam levemente quando percebo a expressão de Taehyung mudar, sabendo que ele, aos poucos, estava acreditando nas palavras de Amia.
  Zoe não está com os lobos, ela está escondida, mas se eu revelar seu paradeiro, Taehyung nunca vai acreditar nela e ela acabará como o Peter.
  Disfarçadamente, sinto Blarie tocar minha mão sobre o assento do sofá, em seguida, agarrando três dos meus dedos, os apertando levemente. Ela era a única que entendia o meu nervosismo nesse momento, e sei que esse sutil toque é uma mensagem para que eu me mantenha calma e mantenha em segredo o que fizemos.
  – Eu não acho que você está certa, Amia. – Digo alto, atraindo a atenção de todos para mim.
  Amia me encara com as sobrancelhas arqueadas.
  – Você precisa parar com isso. Desde ontem tudo que você fez foi apenas colocar os vampiros contra os vampiros. – Me levanto do sofá, e Blarie tenta agarrar minha mão e me puxar para baixo, na tentativa de me impedir. – Olivia e Peter estão mortos, e isso é exclusivamente culpa dos lobos. Presa aqui no castelo, mais especificamente, no calabouço que você jogou eles, a Zoe só se tornou um alvo muito fácil. Mas agora que ela sumiu, tudo que você está tentando fazer é jogar a culpa nela, porque é o mais fácil.
  Taehyung presta toda atenção em mim, enquanto Amia aperta os cantos dos olhos, não parecendo se agradar com o que eu digo.
  – Eu também acredito que existe alguém ajudando os lobos, mas esse alguém não é Zoe. Presta bem atenção em tudo que está acontecendo, você realmente acha que esse é o momento certo pra jogar os vampiros contra eles mesmos? – Encaro ela por alguns segundos, antes de desviar meu olhar até o Taehyung. – Como ela disse, você é o Drácula, e deveria ser o único a tomar suas próprias decisões. Já matou um vampiro na frente de todos e quase começou uma briga com a sua própria espécie por conta de um casamento com uma Van Helsing. Então, não se esqueça, Taehyung, os lobos não são os únicos que estão de olho em você, os vampiros também estão e só querem um pequeno motivo pra se voltar contra sua família. E com toda essa história de "falso Drácula", é melhor você fazer as coisas do jeito certo ou vai acabar com mais inimigos do que gostaria.
  Quando termino de falar, todos ficam em silêncio, me observando; eu podia sentir os olhares, mas a única coisa que me importava agora era o par de olhos castanho-escuros que me encara com uma pontada de surpresa, como se eu tivesse os libertado de um feitiço que os cegava.
  – Não me leve a mal, querida. Mas você não deveria se meter nos assuntos dos vampiros, nós sabemos exatamente o que devemos fazer. – Amia dá as costas para o Taehyung e se vira para mim. – Afinal, você mais do que ninguém deve ser levada como uma suspeita. – Ela sorri com escárnio. – Uma caçadora de vampiros Van Helsing que "misteriosamente" aceitou o pedido de casamento de um Drácula? Isso definitivamente te coloca no topo da lista. Mas fiquei quieta por todo esse tempo por pura consideração, porque eu gosto de você. Mas acho que não dá mais para fingir que essa possibilidade não existe. Se não foi a Zoe que trouxe os lobos para dentro do castelo, portanto, quem foi, Elena?
  – Você está brincando com a minha cara, não é? – Pergunto baixo, entre um riso sem humor e irritado.
  – Ei, Amia, eu sei que essa situação é um saco, mas você está indo por um caminho perigoso agora. – Jungkook diz, a encarando com uma expressão fechada.
  – O quê? Vai defender a caçadora também? Vocês sabem que colocar a Elena e a gangue de malucas dela dentro desse castelo, foi o maior e pior erro de vocês. – Amia fala alto, tentando ser o centro de tudo isso, enquanto tem um olhar de desgosto para mim. – Eu não sei o que você pretende fazer ao manter ela aqui, Taehyung. Mas esteja ciente que a culpa é toda sua por trazer a maldição dos vampiros para a Transilvânia. Já pensou que ela é o único motivo dos lobos te chamarem de falso Drácula? Se os vampiros souberem disso, você vai ter a sua rebelião com certeza. – Mesmo estando de costas para Taehyung, ela o provoca e sustenta seu olhar unicamente em minha direção.
  – Qual é o seu problema?! Você viu o que os lobos fizeram comigo! – Falo tão alto que quase grito. O meu sangue fervia.
  Jimin se levanta rapidamente do sofá, seguido por Blarie, e ambos me seguram pelos braços.
  – Você está passando dos limites, Amia. Isso não é legal. – Hoseok fala, encarando dela para mim, de um jeito preocupado.
  – Você está viva, não está? – Amia arqueia uma sobrancelha; e mais um sorriso de escárnio.
  – Chega, Amia! Não foi para isso que nos reunimos aqui. – Jin toma a frente, já que tudo que Taehyung faz, foi ficar calado. E por mais que Jin esteja tentando acabar com tudo isso, seu olhar não me passa segurança, e eu sei que, assim como Taehyung, ele também deve estar acreditando na Amia.
  – Não dê atenção para o que ela está falando. – Jimin fala baixo.
  – Vou tirar você daqui um pouco. Vai ser bom. – Blarie diz, e Jimin assente para ela, soltando meu braço antes que ela me leve para fora da sala de estar.
  Assim que saímos, me solto dela e começo a caminhar na frente, apressada.
  – Aonde você vai? – Blarie pergunta logo atrás de mim.
  – Pra algum lugar bem longe desse castelo idiota.
  – Elena, não deixe o que ela disse te irritar.
  Paro de andar quando fico de frete para o hall, e encaro Blarie sobre os ombros.
  – Ela estava tentando me fazer parecer a vilã. Eu acho que tenho o direito de ficar irritada.
  Blarie suspira alto e caminha até onde estou.
  – Elena.
  E antes que ela tenha a oportunidade de me dizer qualquer coisa, Amia surge do mesmo lugar pelo qual passamos, vindo logo atrás de Blarie.
  – Amia, dá um tempo, não vai começar outra briga, por favor. – Blarie fala para ela.
  – Eu não vim atrás de vocês para brigar, eu quero me desculpar. Não foi nada legal o que eu disse lá na sala.
  Isso é realmente sério? Ela acha que eu vou cair na sua conversinha?
  – Vamos deixas as coisas às claras, Amia. Chega desse seu joguinho.
  Ela para a quatro passos de distância, e Blarie se posiciona de lado, ponta para entrar no meio.
  – Claro, é isso que eu gostaria de fazer.
  – Você tentou me matar uma vez, e depois pediu desculpas dizendo que fez aquilo pra proteger o Drácula. E agora tenta me culpar pela invasão dos lobos, e tenta se desculpar mais uma vez? Desculpa, mas não sou idiota de acreditar nesse seu papo de boa vampira.
  – Você não acha que estou sendo verdadeira? – Ela pergunta em uma falsa expressão de surpresa.
  Bingo.
  – Não importa o que eu acho. Só quero que você saiba que as coisas não vão ficar assim. – Falo, determinada.
  – Você está me ameaçando, Elena querida? – Ela sorri e inclina minimamente sua cabeça para o lado, enquanto arqueia as sobrancelhas.
  – Entenda como quiser, Amia querida.
  Blarie logo se coloca entre nós duas e pede para Amia sair, mas eu me viro e entro no hall, deixando as duas para trás, porque quem estava de saída, era eu.
  Antes de abrir a porta de entrada do castelo, sorrio discretamente, satisfeita por tudo estar saindo como eu havia planejado com Blarie assim que ela foi me chamar no quarto de Lilu. Depois de deixar Hyun com Skull, nós conversamos por alguns minutos sobre tudo isso, e eu sabia exatamente o que eu tinha que fazer, e ela me ajudaria nisso. Os lobos estão na frente, então, já está na hora de alcançarmos, e se o Taehyung não consegue agir como o Drácula agora, eu vou dar uma pequena ajudinha, afinal, é isso que uma noiva deve fazer.

Δύση

Capítulo 11

Ιουλίου

  Mais uma noite sem dormir.
  Desde que saí do castelo, tive que continuar colocando em prática tudo que eu precisava fazer. E claro, os lobos não deram descanso, eles não fariam isso fácil. As coisas estão acontecendo de uma maneira muito rápida, e eu preciso acompanhar esse ritmo se quiser encontrar o pequeno lobinho no pote de ouro no final do arco-íris.
  Como combinado com Blarie, depois que eu saísse do castelo, eu não voltaria até que ela me desse um pequeno passe livre de que todos haviam saído. E para que tudo desse certo, fui para o lugar mais afastado do castelo que eu conheço: a base da igreja. De qualquer forma, eu precisava resolver isso também, as garotas e o Padre estavam me esperando.
  No dia anterior, quando vim para a base do Padre, todos nós conversamos sobre o novo corpo. Dessa vez, a vítima dos lobos foi uma garota de cabelos curtos chamada Aleah. Eu não a conhecia, apenas a vi algumas vezes aqui na base. E como nos outros três corpos, no de Aleah também havia uma palavra entalhada: 4 Ιουλίου.
  O Padre Albert já tinha enviado a foto do corpo de Harris para o Vaticano, e eles foram rápidos ao enviarem de volta a tradução. Aparentemente, Μαρία significava Maria, e sabendo que Πίτουρο, a palavra de Olivia, significava Bran, nós temos Maria e Bran como pistas.
  Isso não faz muito sentido agora, mas, talvez, depois que o Vaticano enviar a tradução da palavra que estava em Peter e em Aleah, as coisas comecem a fazer sentido. Definitivamente, tudo vai se juntar e nós vamos alcançar os lobos. Pelo menos, era isso que eu pensava até o começo dessa manhã, quando Wendy recebeu uma ligação de um número desconhecido, que veio a ser da Madame Dorothea, que pediu para que fossemos até sua loja apenas para encontrar o corpo morto de Zoe e mais uma palavra.
  Com tudo que aconteceu ontem, eu não pude ir encontrar Zoe, e estava pensando em fazer isso hoje, mas parece que não tive tempo, mais uma vez, os lobos foram mais rápidos. Madame Dorothea não sabe como isso aconteceu, ela diz que deixou Zoe escondida no ateliê, e quando foi vê-la essa manhã, encontrou a garota morta e a janela aberta. Eu pedi que ela mantivesse isso em segredo ou tudo estaria acabado para os vampiros. Sei que assustei ela mais do que deveria, mas essa informação não podia sair por aí, apenas aqueles envolvidos no meu plano deveriam saber. E Jimin foi um deles. Blarie estava encarregada de conversar com ele depois que eu saísse do castelo, porque eu sabia que apesar de tudo que passamos, ele ajudaria e pensaria como nós duas. Depois que Blarie me enviou uma mensagem dizendo que Jimin estava disposto a ajudar, eu pedi que ele ficasse de olho no ateliê da Madame Dorothea, onde, parece que durante a noite ele viu algum tipo de movimentação suspeita nas redondezas e se afastou do ateliê para investigar e, provavelmente, foi nesse momento que Zoe foi morta. Eu penso que existe uma grande hipótese de que Jimin foi seguido, e dessa maneira descobriram onde Zoe estava e que, por fim, ele foi distraído para que eles pudessem matar mais um vampiro. Eu lamento que ela esteja morta, mas sei também que sua morte nos aproximou mais do real significado do recado dos lobos.
  Após fotografar a palavra entalhada no torso de Zoe, deixei Jimin cuidando do corpo dela, já que ele teria que manter isso escondido dos seus irmãos até que nós finalizássemos nosso plano.
  Voltei para base do Padre e passei para ele a imagem de Zoe, e agora tínhamos três palavras em processo de tradução no Vaticano, e enquanto esperei lá pela resposta deles, recebi uma mensagem de Blarie, finalmente me enviando meu passe livre daquele dia. Com a desculpa de que precisava tomar um banho e trocar minhas roupas, me despedi do Padre por hora, e voltei com a minha equipe para o castelo, sabendo exatamente o que eu deveria fazer.

***

  Ao retornar, apenas Blarie, Hyun e Skull estavam no castelo, porque, aparentemente, Amia convenceu Taehyung a iniciar uma caça por Zoe e, por este motivo, os irmãos e ela estavam reunidos com os outros vampiros. Eu sabia que isso aconteceria, que ela não deixaria de tentar induzir Taehyung como se ela fosse o Drácula, mas eu só precisava de um momento sozinha nesse castelo para começar a colocar em prática o que planejei.
  Aproveitei o momento no castelo para dizer à minha equipe que precisávamos investigar o quarto de Amia, pois eu estava desconfiada das atitudes dela. E já sabendo qual era o quarto da Amia (informado por Blarie), levei as garotas até o ambiente repleto de estátuas de gárgulas e seda vermelha, para que vasculhássemos tudo. E foi dessa maneira que eu encontrei, dentro de um pequeno porta-joias, o anel da mulher-lobo que eu havia pegado e escondido no meu quarto. Ele era a isca e Amia mordeu direitinho, agora eu só precisava puxar o anzol.
  – Então... ela tirou isso do seu quarto? – Lilu pergunta, encarando o anel que eu segurava. Ela estava tão perto que seu rosto quase encostava na pedra amarelada.
  – Sim. Eu peguei esse anel daquela mulher-lobo, iria levar ele para o Padre. Mas como eu disse, discuti com a Amia antes e sai irritada do castelo, e esqueci de levar o anel.
  – Como ela sabia que esse anel estava no seu quarto? – Wendy me encara surpresa.
  – Ela provavelmente fez a mesma coisa que estávamos fazendo agora. Aproveitou que você passou a noite longe do castelo e mexeu nas suas coisas. – Sally diz e eu assinto.
  Era exatamente isso que eu precisava que ela fizesse.
  – Mas por que ela escondeu esse anel? – Wendy respira fundo e faz uma cara pensante.
  – É o que nós precisamos descobrir. – Respondo.
  Lilu é a próxima que respira fundo, se afastando de mim e do anel, se colocando ao lado de uma das pequenas estátuas em pequenas pilastras de gesso, que havia no quarto de Amia. Ela tenta apoiar seu braço ali, mas acaba empurrando a pequena gárgula de gesso, que cai e se espatifa no chão.
  Sally bufa.
  – Parabéns, Lilu, agora ela com certeza vai saber que estivemos aqui. – Sally encara Lilu com reprovação.
  – Foi sem querer. – Lilu retruca, indignada, com um pequeno bico nos lábios.
  Estreito os olhos, e caminho para perto de outra das pequenas estátuas, a pegando e retirando de cima da pilastra, antes de encará-la por alguns segundos e jogá-la pelo ar em direção à parede onde a grande cama de casal com lençóis de seda estava, fazendo ela se partir em vários pedaços que caem no colchão.
  – Você está louca? Quer que ela descubra que estivemos aqui? – Wendy me encara aflita e eu sorrio para ela.
  – Eu não ligo. – Falo, e Lilu ri alto. – Essa é a sua chance de se vingar, Wendy. Você está no palácio da Amia. – Indico com os braços o quarto ao meu redor.
  Os olhos da Wendy se arregalam levemente, e depois ela encara os próprios pés, conflituosa sobre o que fazer.
  – Você pode me emprestar a sua faca? – Wendy encara Sally, que sem entender, retira do cós de suas calças, sua faca de caça, entregando para ela.
  Em silêncio de novo, minha irmã caminha até à cama suja com pedaços de gesso, parando na ponta dela. Wendy crava a faca no colchão e traça uma linha até o começo onde os travesseiros estavam, criando um barulho de pano rasgando.
  Lilu ri mais uma vez e leva sua mão até à boca. Sally caminha para perto de outra estátua.
  – Vocês todas enlouqueceram. Isso vai dar uma baita de uma confusão, mas eu também não gosto dela. – E com essas palavras, Sally derruba mais uma das estátuas, deixando apenas duas.
  – Nossa vez! – Lilu fala empolgada, e retira do cós, um revólver que ela joga em minha direção, em seguida, correndo até à cama e subindo no colchão rasgado, ela pega um dos travesseiros e o ergue no ar, longe do seu corpo, e sorri para mim com expectativa.
  Com aquele familiar sentimento de estar fazendo algo que não deveria, destravo a arma e atiro inúmeras vezes contra o alvo, fazendo as plumas do travesseiro voarem e vários buracos o enfeitarem. Lilu grita empolgada e joga o travesseiro no ar, antes de começar a pular na cama, saltando cada vez mais alto. E tomando um grande impulso para cima, ela ergue suas pernas e cai propositalmente sentada, fazendo a cama ir para o chão quando o peso do seu corpo se choca contra o colchão, causando um barulho ainda mais alto quando a cama quebra.
  Por um momento, nós quatro nos encaramos e rimos, antes de nos espalharmos pelo quarto, destruindo tudo que podemos, desde rasgar as roupas da Amia até quebrar seus perfumes e porta-joias. Quando Wendy entra no banheiro, os barulhos se tornam mais altos, e quando vou ver o que ela estava fazendo, rio surpresa ao notar que ela atirou na banheira.
  Eu sei que estamos fazendo muito barulho, mas Blarie vai cuidar de tudo para que Skull não nos interrompa ou Hyun venha espiar.
  Encaro uma cadeira vermelha estofada, e vou até ela, usando suas pernas douradas para quebrar os vidros de todas as janelas, que se estilhaçam com facilidade.
  Wendy sai do banheiro e corre em minha direção, me segurando como uma posição de dança, começando a me rodopiar no quarto em uma dança imaginaria, enquanto nossa música de fundo era tudo que Sally e Lilu destruíam. E quando nossa dança termina, encaro o belo estrago que fizemos no quarto de Amia e, de imediato, me sinto completamente ansiosa por sua chegada e para a cartada final do meu plano.
  Espero que ela goste da nova decoração, porque foi tudo muito bem planejado.

***

  Já havia se passado algumas horas desde nossa bagunça. Eu havia pedido para que cada uma das garotas ficasse em seus quartos, porque eu lidaria sozinha com o que estava por vir. Sendo assim, aqui estava eu, sentada na beirada da minha cama, com os pés propositalmente escorados no alto da penteadeira, esperando por Amia.
  Eu passei e repassei tudo que eu fiz e ainda teria que fazer, e a cada segundo deixado para trás, eu torcia para que esse plano desse certo, porque ele pode ser, finalmente, um norteador para que comecemos a entender toda essa bagunça.
  Me mantive calma durante todas as horas que passaram, e eu sabia que a tarde já havia chego; eu podia ver isso através das portas abertas da varanda. O sol brilhava, mas não era quente o suficiente para incomodar, não havia qualquer sinal de vento e brisa, tudo estava calmo e silencioso, apenas esperando que tudo isso fosse jogado para longe quando o momento chegasse. E ao ver a porta do meu quarto sendo aberta e fechada por uma vampira de cabelos rosados, eu sabia que esse momento terminaria agora.
  Os seus olhos estavam estreitos e sua feição era séria, ela estava irritada e isso era visível. Suas mãos agarravam o tecido de seu longo vestido salmão, tentando controlar sua irritação ao me ver; ela tentava esconder isso, mas não conseguia. Sua postura era tensa, deixando seu corpo rígido o suficiente para parecer uma estátua como aquela que quebrei.
  – Elena querida, por que fez aquilo no meu quarto? – Amia reúne todas as suas forças para sorrir, mesmo que o canto de seus lábios trema.
  – Do que você está falando? – Levanto minhas sobrancelhas e cruzo os braços.
  Amia desvia seu olhar do meu, e pisca os olhos alguns vezes, de forma rápida, como se isso fosse um tique em um acesso de raiva que ela tentava conter.
  – Você mesma disse que não queria mais joguinhos, por isso, é melhor ser sincera. – Ela volta a me encarar. – Eu sei que foi você quem fez aquilo no meu quarto... com as minhas coisas.
  – Eu realmente não sei do que você está falando, mas não acho justo me acusar de algo sem ter provas. – Falo calmamente.
  A mandíbula de Amia fica tão rígida quanto o resto de seu corpo, e eu sei que ela está apertando os dentes.
  – Nós tivemos um pequeno desentendimento ontem e eu te pedi desculpas. – Ela frisa bem sua fala, como se eu devesse ter esquecido tudo só porque ela se “desculpou”. – Você sabe que me ameaçou, e agora o meu quarto aparece simplesmente detonado. Por favor, haja descentemente como uma noiva do Drácula e assuma sua responsabilidade. Estou te dando algumas horas para arrumar a bagunça que você fez.
  Ela me dá as costas, querendo sair do quarto, mas eu não facilitaria isso, eu apenas comecei.
  – E quem é você pra me dizer como eu devo agir? Amia, a grande noiva do Drácula que, em vez de ajudar, está o empurrando para dentro de um grande buraco negro. – Minhas palavras fazem seu corpo paralisar no lugar e seus dedos apertarem outra vez seu vestido.
  Ela se vira lentamente, ainda com o corpo tenso e postura rígida.
  – O que você está insinuando, querida? – Mais uma vez ela tenta forçar um sorriso, mas dessa vez não consegue.
  Rio nasalado e aperto os meus olhos, encarando bem Amia, que estava caindo direitinho na minha armadilha.
  – Talvez o Taehyung e os irmãos dele estejam tão deseperados para descobrirem quem está por trás dos lobos, que não percebam o que você está tentando fazer. Mas eu consigo enxergar as coisas com clareza. – Descruzo os meus braços e pego o anel que estava ao lado do meu corpo, sobre a cama. Ergo ele para que Amia veja. – Não me subestime só porque eu não sou uma vampira com mais de mil anos, Amia. Você tem agido como se, na verdade, fosse o Drácula, dando ordens e tirando os irmãos do caminho certo toda vez que eles tentam descobrir alguma coisa. É tão fácil colocar a culpa em alguém e depois matá-lo, assim ele não estará aqui pra se defender e você pode inventar mais mentiras.
  Os olhos de Amia ganham um brilho diferente, algo muito parecido com o que vi em na Lua de Sangue, na noite em que ela tentou me matar.
  – Você está insinuando que eu estou do lado dos lobos? – Ela pergunta entre os dentes apertados uns nos outros, e dá um passo para frente.
  – Não, Amia, eu não estou insinuando. – Calmamente, retiro os meus pés da penteadeira e me levanto da cama. – Estou me certificando disso agora. Eu acredito que esse traidor seja você. Do contrário, por que você continuaria tentando colocar os irmãos contra os outros vampiros, fazendo eles se matarem? – Jogo o anel de pedra amarelada em sua direção, que cai perto de seus pés cobertos pelo vestido.
  O lábio inferior de Amia, pintado com um batom escuro, treme, e seus olhos piscam rapidamente como antes, enquanto seus dedos, lentamente, soltam o tecido do vestido.
  – Eu deveria ter te matado naquela maldita noite. – Amia rosna baixo, em um tom de voz ameaçador e parcialmente mais grosso, me encarando de forma mortífera.
  – E por que não matou, Amia? – Pergunto, levantando minhas sobrancelhas, a fazendo tremer de fúria em seu lugar. – E o mais importante: o que te impede de fazer isso agora? O Taehyung? – O sorriso que dou ao terminar de provocá-la, é o suficiente para desestabilizá-la, a fazendo transformar seus olhos em furiosos pontos vermelhos, enquanto suas presas se alongavam, junto das asas que se formam entre seus braços e tronco.
  Eu questão de segundos, seu corpo literalmente voa em direção ao meu, onde ela tem suas mãos posicionadas para frente, me empurrando com força contra a penteadeira que cai no chão comigo quebrando tudo que havia sobre ela, inclusive o espelho.
  – É assim que você pretende me matar? Vai precisar de um pouco mais que isso. – Rio para provocá-la, sentindo uns pequenos cortes espalhados pelo meu corpo, causados pelos objetos da penteadeira. Isso não me incomodaria agora.
  Enquanto me levanto do chão, Amia segura um dos lados da penteadeira e a quebra, usando a parte solta para perfurar minha barriga. Meu corpo se curva para frente, e uma grande quantidade de sangue começa a escorrer pela minha boca, pingando no chão e sujando o impecável tapete branco. A dor me faz fechar os olhos por alguns segundos à medida que ela queimava minha pele e se estendia por cada parte do meu corpo, pulsando em torno do pedaço da penteadeira que estava grudado na minha carne.
  Isso doía para um inferno. Realmente doía. Espero que o Senhor me perdoe por isso.
  Com um pouco de dificuldades, endireito meu corpo e seguro na ponta da penteadeira partida, puxando-a para fora da minha barriga, enquanto escuto um barulho agoniando de atrito contra a minha carne. Gemo de dor e respiro fundo quando solto o objeto sujo com meu sangue.
  Amia não me dá chance alguma, e acerta meu rosto com as costas de sua mão, me fazendo cambalear para o lado. Em seguida, possuída por sua raiva, ela começa a destruir tudo que encontra em meu quarto, quebrando desde o guarda-roupas até a cama. No meu lugar, em silêncio, observo tudo, torcendo para que nenhuma das garotas apareça agora, precisarei delas daqui a alguns minutos, mas não agora.
  Quando sente que já causou estragos o suficiente, Amia se vira em minha direção mais uma vez, me encarando como se pudesse me matar através de suas íris vermelhas. Com o corpo imerso em dor, rio mais uma vez, tendo que colocar uma das mãos sobre o machucado em minha barriga assim que ele dói devido ao movimento que meu corpo faz ao rir.
  – Você fez um ótimo trabalho aqui. Eu me pergunto o que o Taehyung vai achar disso quando eu contar tudo pra ele. – Sem pressa, limpo o sangue que ainda escorria da minha boca, enquanto vejo Amia se enfurecer cada vez mais.
  E sendo tão rápida quanto antes, ela voa em minha direção mais uma vez, me segurando pela gola da camiseta, antes de me lançar com força em direção à porta, que se parte com o impacto do meu corpo, fazendo minhas costas e partes da porta partida, baterem contra a parede do outro lado do corredor. Apoio meus braços no chão do corredor para tentar me levantar, mas eles tremem, meu corpo estava muito machucado e fraco nesse momento, por isso, apenas me viro e encosto minhas costas na parede, ficando meio sentada e meio deitada, vendo, lentamente, Amia caminhar dentro do meu quarto, com o intuito de vir até onde estou.
  E como eu planejei e torci para acontecer, finalmente as garotas começam a surgir. Talvez, o barulho dentro do meu quarto não tenha sido tão alto, mas, com certeza, uma porta se partindo e um corpo se espatifando na parede do corredor era barulho o suficiente para atrair a atenção. Sally é a primeira a sair, arregalando os olhos e vindo correndo em minha direção. Wendy e Lilu saem de seus quartos quase que ao mesmo tempo, se tornando tão chocadas quanto Sally, mas antes que elas tenham a oportunidade de se juntarem a ela, Amia atrai a atenção de todas quando aparece no corredor.
  – Ela fez isso com você?! – Sally pergunta em uma fala apressada, tentando me tocar, mas quando faço uma careta de dor, ela recua.
  Amia me encara com fúria, e Wendy olha dela para mim, completamente atônita. Lilu volta para o seu quarto.
  – Acho que vou precisar das suas ervas... – Me auto-interrompo com uma pequena crise de tosse. – Você pode preparar algumas?
  – Eu não posso deixar você aqui assim! – Sally encara Amia sobre os ombros.
  – Vai ficar tudo bem. Confie em mim, por favor. – Observo com atenção Amia, que a qualquer momento iria me atacar de novo.
  Claramente perturbada com tudo isso, Sally acaba assentindo e correndo até seu quarto.
  – Invoco-nos agora, todos os meus falecidos irmãos! Ajudem-me a conter esta besta do inferno! – Wendy grita, imobilizando o corpo de Amia. Depois, ela se abaixa e pega uma das lascas da porta partida e usa a madeira para acertar Amia inúmeras vezes, até que seu rosto ganhasse alguns machucados e estive coberto pelo próprio sangue.
  Isso apenas a deixa com mais raiva, fazendo Amia gritar estridente enquanto mostra suas presas. Seus machucados se curavam instantemente, mas Wendy parecia decidida a machucá-la duas vezes mais rápido, causando mais um corte antes mesmo do antigo se curar.
  Aos poucos, Amia fica cada vez mais possessa, começando a conseguir se libertar do exorcismo de paralisia da Wendy, que recua alguns passos quando ela consegue mexer os braços.
  Com passos altos e apressados, Lilu sai correndo do seu quarto e pula nas costas de Amia, a prendendo pelo pescoço enquanto encosta uma arma em sua cabeça, que ela dispara sem pestanejar, causando não só o barulho do disparo, mais uma grande macha de sangue que suja a parede por perto. Amia grita e seu corpo cambaleia para o lado até bater na mancha de sangue, onde, no mesmo momento, ela lança o corpo de Lilu por cima da sua cabeça, a jogando no meio do corredor a poucos metros de onde eu estava caída e com e com muita dor.
  Wendy encara Amia com os olhos nebulosos, de um jeito que nunca vi antes. E acompanhando mais um tiro que Lilu dispara contra Amia, Wendy a acerta com um chute no estômago que a leva para o chão. Ela tenta subir em cima de Amia, mas é jogada na direção de Lilu, caindo sobre o corpo pequena dela.
  Amia aproveita esse momento para me ter como alvo mais uma vez, vindo em minha direção e me puxando para cima por um dos braços. Fecho os olhos devido à dor dos meus machucados, que é seguida de mais intensidade, à medida que seus dentes se enterram em minha pele, entre o pescoço e ombro. Sua boca sugava com fervor o meu sangue, o que dura segundos, pois seu corpo é brutalmente puxado para longe do meu, quase me fazendo cair no chão de novo, se não fosse por Blarie, que me segura. Após me apoiar nela, que me encara com preocupação e certo receio, percebo que ela não é a única aqui. Taehyung foi o responsável por tirar Amia de perto de mim, e ele a encara do mesmo jeito que encarou aquele homem-lobo que ficou preso no calabouço.
  – O que diabos você fez, Amia?! – Hoseok grita, surgindo no final do corredor junto com Jin.
  Lilu e Wendy se levantam do chão, ainda atentas à Amia.
  Sem desviar seu olhar de Amia, Taehyung caminha até ela que, ainda fervendo em fúria, também se levanta do chão.
  – Por que você estava mordendo ela? – O tom de voz de Taehyung era mais ameaçador do que o de Amia quando estávamos no meu quarto.
  – Porque já está na hora de tirar essa patética caçadora daqui! Você não percebe isso, Taehyung?! Essas coisas só estão acontecendo porque você a enfiou nesse castelo! Nós vamos continuar afundando enquanto ela estiver aqui! – Amia grita, encarando Taehyung raiva.
  – Qual é, vamos lá, conte a verdade, Amia. Você está doida para ser a única noiva do Taehyung, e é por isso que está tentando acabar com todos nós. Você surta e depois me ataca, enquanto me acusa sem ter nenhum tipo de prova.
  Blarie continua me encarando com receio, e sei que para ela é difícil trair alguém que esteve tanto tempo do seu lado. Mas se eu estiver certa, a traição de Amia é muito maior e, definitivamente, levaria a morte de todos aqui.
  – Maldita! Maldita! Maldita! – Amia se descontrola e tenta me atacar de novo, mas Taehyung a impede, prendendo seu corpo na parede com brutalidade.
  – Já chega, Amia! – E pela primeira vez, Taehyung grita, sem paciência. – Eu quero que você pegue as suas coisas e saia do castelo. Passe a noite em algum lugar até se acalmar. – Ele solta Amia, que arregala os olhos, o encarando com descrença.
  Em uma pequena cortina de fumaça negra, Jin surge perto dos dois.
  – Taehyung está certo, Amia. Você precisa esfriar sua cabeça longe daqui por um tempo. – Jin fala.
  – Eu não acredito que você prefere ficar do lado de uma maldita caçadora, ao invés de me escolher. – Encarando Taehyung sem piscar, Amia fala entre os dentes, antes de empurrá-lo para trás, fazendo Hoseok surgir próximo deles também, pronto para apartar. – Essa foi a última vez que você isso comigo, Taehyung. A última. – E com essas palavras carregadas e os olhos cheios de fúria, Amia se transforma em um pequeno morcego e voa para fora do corredor, nós deixando para trás.
  Jin suspira, e diz que vai atrás de Skull para que ele arrume a bagunça que Amia fez. Ele pede que Hoseok o siga. Taehyung se aproxima de mim, querendo saber como estou, e eu digo que ficarei bem, que as garotas vão cuidar de mim e que depois nós conversamos, pois agora eu precisava muito descansar um pouco. Blarie me ajuda e diz que tenho razão, e a contra-gosto, Taehyung nos deixa também. Por fim, peço que Blarie vá atrás de Jimin para que coloquemos em prática a parte final de nosso plano, e isso acaba deixando Wendy e Lilu confusas.
  E após Blarie sair também, Wendy e Lilu me levam até o quarto de Sally, que estava apressada correndo de um lado para o outro, enquanto preparava porções de ervas e pegava todos os kits para primeiros socorros. Ela me encara apreensiva, e eu sabia que ela deveria ter escutado tudo que aconteceu. Peço que Lilu feche a porta do quarto, enquanto Wendy me ajuda a sentar na cama de Sally.
  – Vou tirar sua camiseta. – A garota de cabelos curtos e pretos, diz e, em seguida, começa a puxar minha camiseta para cima, com cuidado.
  As três me encaram preocupadas quando veem o machucado em minha barriga.
  – O que foi isso, Elena? Eu pensei que ela estava nervosa pelo que fizemos no quarto dela, mas que história é essa de plano?
  Sally toca a machucado em minha barriga com uma pequena gaze e eu gemo, mordendo o lábio inferior para comprimir a dor.
  – Hyun me contou que a Amia não estava com ele e nem com a Blarie no dia do primeiro ataque dos lobos. Depois, ela começou a agir de forma estranha, sempre dando um jeito de fazer com que os irmãos desconfiassem dos outros vampiros, colocando uns contra os outros. Então, eu comecei a desconfiar.
  Sally começa a limpar o meu machucado, tentando ser o mais suave possível em seus toques.
  – Como os lobos sempre sabiam onde estávamos e como eles conseguiam invadir esse castelo com tanta facilidade? Era óbvio que alguém estava ajudando e, com certeza, era alguém daqui de dentro, porque antes disso, não vi os irmãos tendo tanto contato com os outros vampiros para eles saberem o que eles sempre estavam fazendo.
  – Você acha que a Amia é quem está do lado dos lobos? – Wendy pergunta, e eu assinto.
  – Mas eu não podia dizer nada sempre provas. Ela mora com eles por anos, e eu sou uma Van Helsing. Eu precisava de provas. Por isso, no segundo ataque dos lobos, quando eu peguei aquele anel da mulher-lobo pra mostrar para o Padre, eu tive uma ideia depois de conversar com a Blarie.
  Sally começa a espalhar uma pequena quantidade de pomada de erva no meu machucado.
  – Blarie também estava achando estranho todas essas atitudes da Amia, e foi aí que eu consegui convencer ela a participar do meu plano.
  – E que plano era esse? – Sally me encara depois que termina. Ela pega um rolo de atadura e começa a enrolar ao redor da minha barriga, cobrindo o machucado.
  – Quando os irmãos voltassem para o castelo, eu iria comentar sobre o anel, ele era uma isca. Então, eu iria brigar com a Amia, dizendo que me vingaria dela de algum jeito, e depois sairia do castelo, voltando só no dia seguinte, dando oportunidade pra que a Amia fosse atrás do anel da mulher-lobo.
  – Se ela estivesse do lado dos vampiros não teria motivos pra pegar o anel de um lobo. – Wendy liga os pontos, e arregala os olhos, nos encarando com espanto.
  – Sim. Eu precisava saber se ela se interessaria pelo anel, por isso, sugeri que fossemos vasculhar o quarto dela. – Sally finaliza o curativo, e passa a cuidar dos meus outros machucados, esses menores e em formato de cortes. – Eu já pretendia destruir o quarto da Amia, Lilu só apressou as coisas. – Encaro a garota de cabelos alaranjados, que sorri sem graça. – Eu precisava fazer algo que a deixasse irritada ao ponto dela ir atrás de mim, pensando que essa atitude fosse o começo da minha vingança.
  – Mas por que você queria que ela fosse atrás de você pensando que a bagunça no quarto foi vingança? – Lilu pergunta, se sentando sobre os joelhos e se aproximando mais.
  – Porque nesse momento, eu iria contar pra ela que tinha suspeitas, eu sabia que isso a tiraria do sério de vez. E quando ela fosse pra cima de mim, eu deixaria ela me bater à vontade porque isso só faria Taehyung ficar mais irritado com ela, já que o que eu queria, era tirar a Amia desse castelo e ver se as coisas começavam a dar certo com ela longe. Se a Amia for mesmo uma traidora, os lobos pararão de prever nossas ações sem ela por perto para contar tudo.
  Quando Sally termina, a agradeço e visto minha camiseta rasgada de volta.
  – Blarie conversou com o Jimin e ele entrou no plano. Aceitou não contar para os seus irmãos sobre a Zoe e a morte dela até que descobríssemos a verdade. Ele também estava encarregado de seguir a Amia quando ela saísse do castelo para ver se ela se encontraria com alguém suspeito ou fosse pra algum lugar suspeito.
  – Não acredito que você pensou em tudo isso e não nos contou. – Wendy me encara descrente.
  – Você é um gênio, Eleninha. – Lilu me abraça pelo pescoço, sem se importar que estou machucada.
  – Desculpe, Wendy. Só não contei nada porque a reação de vocês precisava ser convincente o suficiente para que ninguém desconfiasse do que eu queria fazer. – Suspiro fundo, causando uma pequena pontada no meu machucado. – Não temos noção do quanto os lobos sabem, mas eles estão atacando de todos os lados e a todo momento. Nós não podíamos mais nos dar ao luxo de continuarmos perdidos no meio disso tudo. E descobrir se Amia é mesmo uma traidora nos colocaria de volta ao jogo, porque assim finalmente poderíamos ter estratégias que os lobos não saberiam.
  – E se no final das contas ela não for uma traidora? – Sally me pergunta, arqueando uma sobrancelha.
  – Se ela não for uma traidora, também teremos vantagem. Tudo que a Amia fez até agora não ajudou em nada, muito pelo contrário. – Falo sincera, sabendo que existe a possibilidade dela não ser a informante dos lobos, e sim só alguém sem caráter. De qualquer forma, tenho certeza que as coisas podem mudar com ela fora do castelo.
  Encaro o anel de noivado preso no meu dedo anular, algo que se tornou tão "comum” que às vezes esqueço que estou usando-o. Parece que sou a única noiva que sobrou, mas, diferente das outras, eu realmente estou disposta a ajudar o Taehyung nessa luta contra os lobos. Pensarei em nós dois e, no final, quando tudo isso acabar, apenas nesse momento, nós lidaremos com as nossas diferenças, porque há algo muito mais importante e perigoso do que o casamento entre uma humana e um vampiro. E por mais que isso faça o meu interior se revirar como milhões de insetos caminhando dentro dele, estarei com Taehyung a partir de agora, e assim como estou fazendo comigo mesma, o forçarei a tomar suas próprias decisões, deixando de lado tudo que os outros esperem que ele faça. Já está na hora de eu agir como uma verdadeira Van Helsing e ele, como o verdadeiro Drácula.

Capítulo 12

  4 de julho, Oeste de Bran, Igreja Santa Maria.
  Esse era o recado dos lobos: uma data e uma localização. Nessa manhã, Padre Albert me mandou uma mensagem solicitando que eu e a minha equipe fossemos até à sua base e, ao chegar lá, ele me entregou um pequeno papel dobrado que continha as traduções das palavras na ordem correta. Depois de amanhã seria quatro de julho, a mesma data em que aconteceu a última lua de sangue, há quatro anos.
  Definitivamente era algo significativo, e depois de pesquisar um pouco sobre essa tal igreja Santa Maria, a encontramos como sendo uma das igrejas datadas como inativas na Transilvânia. Não se tem muitas informações sobre ela, apenas que foi fechada a mais ou menos uns cinquenta anos atrás, ou mais. De certa forma, eu diria que era algo estranho, levando em conta que sempre pensei que o Vaticano tinha toda e qualquer informação sobre as igrejas existentes, mas, também, não posso esquecer que essa regra não deve se aplicar à Romênia, que é o lar dos vampiros.
  De fato, saber que o encontro com os lobos estava mais perto do que nunca me deixa receosa, mas isso não é a maior das minhas preocupações agora, e sim, saber que nesse mesmo instante, Padre Albert está trocando informações com o Vaticano, enquanto as ordens dele, prepara um ataque para o dia quatro de julho.
  Involuntariamente, suspiro alto e arrastado, enquanto desvio meu olhar da pequena mesa redonda de metal até o outro lado da rua, onde havia uma pequena e colorida loja de flores.
  – Elena?!
  Viro minha cabeça na direção contrária, vendo as três garotas comigo me encararem com atenção.
  – Estou te chamando já tem alguns minutos. Você parece estar em outro planeta. – Wendy, sentada do outro lado da mesa redonda, na minha frente, franze levemente seu cenho.
  – Desculpe, estava pensando em outras coisas.
  – Pensando no quê? Você está assim desde que saímos da base da igreja. – Sally, sentada do lado da Wendy, leva o canudo branco de seu café gelado até à boca, tomando a bebida sem preocupação.
  As encaro em silêncio por alguns segundos, e as três esperam ainda atentas.
  Mais uma vez, observo a loja de flores do outro lado da rua do pequeno café em que estávamos, e isso faz a pequena sensação de preocupação dentro de mim, crescer.
  – Não sei se concordo com essa invasão da igreja. – Confesso.
  – Por que, Eleninha? – Lilu, que estava do meu lado, apoia o cotovelo sobre a mesa, perto do seu copo de isopor, e apoia o rosto na mão fechada em punho.
  – Nós sabemos o que um simples arranhão de lobo pode fazer a um humano e, mesmo assim, eles querem fazer uma invasão. Eu... – Faço uma pausa, suspirando outra vez e engolindo a saliva em seco. – Eu não acho que podemos fazer isso sozinhos. Realmente precisamos da ajuda dos vampiros. Uma hora eles vão descobrir a verdade, e então será a igreja versus os lobos e vampiros de uma vez só. Não estou desacreditada das nossas habilidades, sei que somos bons, mas ainda somos humanos. O padre mesmo me disse isso uma vez, mas parece que agora esqueceu do significado dessa frase.
  – Eu te entendo, também estive pensando sobre isso. – Sally revela, colocando seu copo de café gelado na mesa. – Sempre chegamos em um momento que precisamos nos unir com nossos inimigos para derrotar um inimigo ainda maior, ou algo do tipo. – Ela dá de ombros. – Não disse nada antes porque isso poderia dar uma baita de uma briga na base, mas deveríamos seguir aquele plano da Lilu de fazermos as coisas por nós mesmas. Até porque, já vimos que isso só dá certo quanto seguimos nosso próprio plano, e não o da igreja.
  Assinto, concordando com tudo que Sally disse. A grande prova foi a jogada de tirar Amia da mansão, nosso primeiro passo na direção certa, e esse mérito não veio da igreja.
  – Eu penso que eles estão tão cegos por essa vingança, que realmente não se importam conosco e nem com os outros Filhos da Sombra. – Wendy também suspira.
  – Vingança não é um bom sentimento, e tenho certeza que o Senhor não o aprova. Quando eu disse que deveríamos seguir nosso próprio plano e deixar a igreja de lado, foi justamente por esse extremismo que eles assumiram. Não é só porque estão na liderança das igrejas ou do Vaticano, que não estão sujeitos ao pecado. – Com calma, Lilu começa a explicar seu ponto de vista. – Na verdade, todos nós caímos em pecado, estamos mentindo para os nossos mentores e, provavelmente, vamos continuar com isso, ou acabaremos como a vovó Morgana. – Debaixo da franjinha alaranjada, Lilu pisca lentamente seus olhos, com o semblante mais sério do que de costume. – É uma questão de sobrevivência agora. Os princípios da igreja são aniquilarem os vampiros a qualquer custo, mesmo que isso mate vários humanos no caminho; eles não estão e não vão pensar com clareza. Enquanto os nossos princípios são dar um fim em tudo isso e evitar que os humanos continuem sendo usados por essas criaturas místicas.
  – Acho que às vezes dá pra ter uma conversa decente com você. – Sally provoca Lilu, como de costume, e essa mostra a língua para ela.
  – Então, se todas vocês estiverem de acordo, acho que o melhor a se fazer agora é evitar passar qualquer informação relevante para a igreja. Vamos tentar enrolá-los o máximo que pudermos... talvez inventemos algumas coisas também. Eu não gosto nada disso, mas, sinceramente, acho que esse é o único jeito de conseguirmos fazer isso.
  As garotas acenam positivamente, concordando comigo.
  – Quando tudo acabar, nós nos resolvemos com a igreja e aceitamos qualquer punição que eles tenham pra nós. De qualquer forma, pelo menos já vamos ter acabado com essa confusão dos lobos e vampiros. – Aperto os dentes uns nos outros ao pensar em lidar com a igreja.
  – Precisamos começar pensando em como vamos evitar essa invasão da igreja no dia quatro de julho. Vocês sabem, isso pode muito bem ser uma emboscada e eles estão caindo direitinho. Precisamos ter muito cuidado com esse encontro e temos apenas um dia e meio pra agir. – Sally diz, enquanto empurra todo seu canudo branco para dentro do copo de café gelado.
  – Vocês voltem para o castelo e pensem em como vamos trazer os vampiros para o nosso plano. – Wendy olha especificamente para mim enquanto fala, e sinto o peso dessa responsabilidade. – Eu vou voltar pra base e ficar de olho no que eles farão. Depois conto tudo pra vocês e vemos o que podemos fazer a respeito disso.
  E após nossa decisão final sobre essa grande bagunça, nos separamos e Wendy retorna a base como disse.
  Enquanto voltava para o castelo com Sally e Lilu, me mantive calada, apenas pensando em como poderia revelar tudo que sei aos vampiros, sem que isso soe muito mal, já que viemos escondendo os fatos importantes deles por todo esse tempo, o que só reforçaria todo aquele discurso que Amia tentou usar contra mim.

***

  Assim que chegamos no castelo, encontramos Jimin e Hoseok. Jimin pediu que nos reuníssemos todos em seu quarto para que ele pudesse falar sobre Amia. A princípio, fiquei surpresa por ele falar isso na frente do Hoseok, já que ele não estava incialmente em nossos planos, mas agora eu já tinha tomado a minha decisão de incluir todos os irmãos nisso, então apenas fiz o que Jimin pediu. Após procurarmos por Blarie, nós seis nos reunimos no enorme quarto de Jimin, cada um sentado em um pedaço da cama de lençóis claros.
  – Como combinamos, eu segui a Amia depois que ela saiu do castelo, e voltei faz pouco tempo. Ela foi em direção a uma cidade vizinha, mas eu acabei perdendo-a de vista porque senti que estava sendo seguido por alguém. Mas era só o Hoseok. – Jimin encara seu irmão, que coça a parte detrás da cabeça.
  – Desculpa. É que eu reparei que vocês estavam agindo um pouco estranhos, por isso segui o Jimin. – Um pouco sem jeito, ele sorri.
  – Tudo bem. – Apesar de sua voz ser calma e suave, Jimin o encara com um pouco de seriedade. – Eu tive que contar pra ele sobre o nosso plano, e depois disso o Hoseok me ajudou a procurar a Amia pela cidade, mas ainda não achamos nada.
  – Era como se ela tivesse desaparecido. – Hoseok levemente arregala seus olhos, complementando a fala de Jimin.
  – Iriamos perguntar sobre ela para alguns moradores, mas eu continuei sentindo que estava sendo seguido. E não podia ser o Hoseok, ele estava comigo. – Jimin enruga as sobrancelhas, ficando mais sério. – Nessa situação, acabamos voltando pro castelo porque precisávamos descobrir quem estava nos seguindo. Bolamos um pequeno plano rápido, atraindo quem fosse pra floresta aqui perto e acabamos matando três lobos.
  Suspiro, provavelmente, pela milésima vez no dia.
  – Vocês não sentiram o cheiro dos lobos de novo? Eu não entendo isso, sei que pra vampiros o cheiro de um lobo é bem forte e diferente dos humanos. – Sally diz, e os três vampiros no quarto se entreolham.
  – Isso já era uma hipótese, mas agora virou uma confirmação. Quando o sangue de um vampiro se mistura com o de um humano, ele produz uma substância chamada Valak, que camufla qualquer cheiro, deixando a pessoa que o ingeriu com o odor similar à de um vampiro. – Blarie explica, com um semblante pesaroso, porque confirmar essa hipótese também confirmava que realmente existia vampiros ajudando os lobos. E mesmo que já soubéssemos disso, é impossível não me sentir completamente chocada.
  – Isso quer dizer que a Amia está dando seu sangue para os lobos? – Lilu arqueia as sobrancelhas, espantada.
  – Não sabemos, mas como ela é principal suspeita, é a única em quem conseguimos pensar agora. – Jimin diz, também, com grande pesar na voz e feição.
  – E o que fazemos? – Sally pergunta.
  – Precisamos contar tudo pro Taehyung, ele é o Drácula e precisa saber disso. – Hoseok também passa a ficar sério. – Existe um traidor entre os vampiros e nós precisamos encontrá-lo rápido, ou eles vão continuar nos seguindo e estragando tudo.
  Me coração bate um pouco mais forte ao pensar na reação do Taehyung ao saber do que venho fazendo. Isso realmente era capaz de fazer meu corpo ficar frio por dentro. Temo que ele pense que o que Amia disse faça sentido, por isso, eu acho que preciso de uma prova concreta de que é ela que está do lado dos lobos, porque isso será capaz de evitar uma briga entre nós.
  – Antes de contarmos pra ele, eu acho que deveríamos voltar mais uma vez na cidade vizinha, talvez encontremos alguma coisa importante. Não acho que dessa vez seremos seguidos, pelo menos, não nesse momento em que três lobos morreram. Se depois disso ainda não encontrarmos nada, então contamos tudo para o Taehyung.
  – Acho que deveríamos fazer isso. E se caso ainda formos seguidos, é mais uma chance de eliminar mais lobos. – Blarie encara Jimin e Hoseok, que acabam concordando.
  Tudo foi decidido as presas, e eu preciso de algumas horas para tomar coragem de encarar Taehyung, enquanto torço para que Jimin, Blarie e Hoseok - que se voluntariaram para voltarem na cidade vizinha - encontrem algo concreto que atribua à Amia essa culpa.

***

  Esse dia parecia que não terminava nunca. Eu finalmente respirei aliviada quando a noite chegou, pois passei o dia todo pensando em como as coisas seriam daqui para frente. Eu realmente sentia agora um enorme peso no meu corpo, algo que corria por cada veia dentro de mim.
  – Pare de pensar um pouco nisso, Eleninha. Eu sei que você está pensando porque as suas sobrancelhas ficam franzidas como se estivesse prestando atenção em um daqueles documentários de sereias que a Wendy gosta. – Lilu, que estava com a cabeça deitada nas minhas pernas dobradas, estica suas mãos e toca minhas sobrancelhas, tentando mudar minha expressão.
  – Estamos juntas nisso, não se esqueça. – Sally tira seus olhos do seu livro com anotações sobre lobos, e me encara por alguns segundos.
  Aceno para ela e sorrio fechado.
  – Obrigada por sem... – A porta do quarto de Sally é aberta em um alto estrondo, interrompendo minha fala. A madeira da porta bate tão forte contra a parede de dentro que tenho certeza que deixou alguma marca.
  Blarie me encara da entrada do quarto, e sua expressão não era nada boa; a mão ainda estava na porta, o corpo era tenso, os olhos pareciam maiores do que o normal, a boca estava comprimida e as sobrancelhas se movimentavam para cima e para baixo.
  Ela passa a língua pelos lábios antes de falar.
  – É a Wendy... – O seu tom de voz faz Lilu se levantar do meu colo, enquanto meu corpo fica rígido em cima da cama.
  Sally fecha seu livro e sai da cama, ficando de pé do lado dela.
  – O que tem a Wendy? – Ela pergunta, e Blarie me encara de novo.
  – Por favor, venham comigo. – Blarie retira sua mão da porta e se vira, sumindo de vista.
  Meu corpo parece voltar a funcionar, e com um salto, saio da cama e corro atrás de Blarie, sendo seguida por Sally e Lilu.
  Os familiares insetos aparecem em meu estômago e fazem uma enorme festa nesse momento, fazendo todo meu corpo mergulhar em uma sensação ruim que arrepiava todos os meus pelos.
  Em um silêncio que era completamente horripilante, Blarie nos leva para o primeiro andar, mais especificamente para a sala de estar, onde vejo uma cena que faz meu corpo congelar, enquanto um forte enjoo me atinge em cheio.
  Os meus olhos se arregalam e minhas mãos vão automaticamente para minha boca, antes que minhas pernas corram para perto do sofá sujo de sangue, onde Wendy estava deitada.
  Jimin, Hoseok e Jungkook estavam com ela
  – Meu Deus, o que aconteceu com a minha irmã?! – Pergunto desesperada, me ajoelhando no tapete da sala, encarando horrorizada o enorme rasgo na barriga da Wendy. Ele certamente foi feito por garras. O cheiro de sangue fresco era forte, e havia muita carne saltando para fora.
  – Jungkook encontrou ela desse jeito dentro de um táxi que estava parado na entrada do castelo. – Jimin explica, e encaro Jungkook, percebendo que suas mãos estavam sujas de sangue.
  – Um táxi? – Sally surge do meu lado, tão horrorizada quanto eu. – Ela precisa de um médico urgente. Isso está muito fundo, é um buraco. – Com os olhos aflitos, Sally me encara.
  – Vocês devem conhecer algum, né?! Moram aqui! – Lilu fala alto e rápido, e vai em direção aos três irmãos.
  – Vou trazer um médico no castelo, não acho que devemos levar ela pra fora nesse estado. – Jimin avisa, e eu assinto para ele, sentindo as lágrimas começarem a se formar em meus olhos. Ele percebe, por isso, se apressa ao sair da sala, indo atrás de ajuda.
  Gemidos de dor e grunhidos preenchem a sala, e eles vinham de Wendy que, aos poucos, começa a se mexer e abrir os olhos em uma pequena linha.
  – Wendy! Wendy! O que aconteceu com você?! – Pergunto exasperada, fazendo menção de tocá-la, mas não faço, com medo de machucá-la ainda mais.
  Minha respiração fica acelerada, e seco algumas lágrimas que escorrem por meu rosto.
  Ela fecha os olhos mais uma vez, tentando respirar, mas parecia doer. Minha irmã engole a própria saliva misturada com sangue, e abre os olhos outra vez.
  – Lobo... – Com dificuldade, ela fala. – E-Eu estava voltando pro castelo. O taxista era um lobo.
  Mesmo já sabendo que esse tipo de machucado só poderia ser feito por um lobo, me levanto de supetão do chão, sentindo meu corpo inteiro tremer, enquanto sou dominada completamente pelo sentimento de raiva.
  – Elena, calma, nós vamos pegar eles. Já conversamos sobre isso. – Hoseok tenta me segurar pelos ombros, na tentativa de me acalmar, mas isso era impossível. Eu queria matar cada um desses malditos lobos, jogá-los diretamente no inferno.
  Apertando os dentes uns nos outros, e com as lágrimas escorrendo, olho sobre os ombros de Hoseok, encarando Jungkook, que também me encarava. Ele estava sério e se mantinha quieto em seu canto.
  – Se a minha irmã... se a minha irmã morrer. Eu juro por Deus que eu esqueço tudo que conversamos hoje e vou no mesmo segundo atrás de cada um deles.
  – Ela não vai morrer. – Blarie se aproxima, me encarando apreensiva.
  – E-Elena... – Exasperada, olho em direção à minha irmã quando a escuto me chamar. Me solto de Hoseok e me aproximo dela de novo.
  – O que foi, Wendy? – Ajoelhada, a encaro com preocupação.
  Fraca e lenta, ela levanta a mão direita e aponta para a barriga, no local do rasgo.
  – Tem alguma coisa aqui dentro... ele colocou.
  Os meus olhos se arregalam, e encaro as garotas, que ficam tão atordoadas quanto eu.
  – Dentro do seu machucado? – Sally pergunta e Wendy assente fracamente.
  – Tira, por favor.
  – É melhor esperarmos o médico chegar com o Jimin. – Digo, aflita.
  – Não... por favor.
  – Eu não consigo. – Engulo o choro ao encarar minha irmã. Eu sei que a dor que ela deve estar sentindo agora, é terrível, mas vê-la nesse estado me doía internamente até a alma.
  – Eu faço. – Sally diz, passando do lado de Lilu, que a fita com os olhos arregalados de pavor.
  Me afasto, me levantando, e Lilu vem para perto, segurando em meu braço, enquanto Blarie apoia sua mão em um dos meus ombros, tentando me passar um pouco de conforto. Hoseok e Jungkook observam tudo em silêncio.
  Sally respira fundo e se ajoelha na frente do sofá. Temente, ela encara Wendy, que assente, dando sinal positivo para ela faça. Quando Sally ergue sua mão, ela treme, demorando alguns segundo até ter coragem de tocar a pele exposta. Primeiro, seus dedos entram dentro do grande rasgo, e minha irmã contorce o rosto. Depois, sua mão inteira mergulha entre a carne sangrenta, causando alguns grunhidos em Wendy. Sally remexe sua mão dentro do rasgo por um tempo, me fazendo fechar os olhos com o barulho que surge junto, me causando arrepios. Lilu encosta sua cabeça no meu braço e o aperta com força.
  Respiro fundo e alto, e abro os olhos a tempo de ver Sally puxar para fora do rasgo na barriga de Wendy, um papel completamente encharcado de sangue. Arqueio as sobrancelhas em surpresa e arregalo os olhos. Sally se levanta do chão e estende o papel para mim que, com receio, o pego, tendo dificuldade para conseguir ler o que estava escrito no papel manchado.

  “Nosferatu e Van Helsing, ansiosamente aguardo-os para nosso primeiro encontro. Neste bilhete, peço com educação que apenas o senhor Drácula e sua noiva venham ao meu encontro, ou a próxima vítima será a vampira de cabelos roxos.
  KF”

Capítulo 13

  Meu pescoço começa a doer, me obrigando a acordar. Expiro pesado, desencostando minhas costas do assento da poltrona da qual passei a noite. Ele ficava no quarto de Wendy, que estava adormecida em sua cama, com Lilu dormindo do seu lado e Sally aos seus pés de um jeito atravessado na cama. Por sorte, na noite passada, Jimin não demorou para trazer um médico provavelmente hipnotizado, tendo em vista que o estado da minha irmã era grave demais e só as nossas ervas não ajudariam. Após uma avaliação e de trazer tudo que era preciso, o médico suturou minha irmã e passou alguns antibióticos para dor; ele também pediu que ela repousasse o máximo possível, enquanto esse machucado não melhorasse.
  Eu sei que normalmente sempre ajo como se fosse a irmã mais velha de Wendy, mas ontem eu passei longe de ser assim, a verdade é que eu queria ligar para nossa mãe dizendo que não sabia o que fazer. O sentimento de impotência me esmagou.
  Depois das coisas se acalmarem e toda minha raiva pelo que fizeram com a minha irmã "passar”, consegui pensar com um pouco mais de clareza. Ontem, quando conversei com Jimin, Blarie e Hoseok, eu estava preocupada em mostrar para Taehyung uma prova concreta das minhas ações até agora, mas depois do que aconteceu com a minha irmã e do bilhete (que já era do conhecido dele), eu não poderia mais fazer isso. As coisas mudaram, estão sempre mudando, os lobos nos forçam a mudá-las.
  Aproveitando que as minhas garotas ainda estavam dormindo, vou até o banheiro e lavo o rosto para acordar de vez; depois saio do quarto de Wendy e vou até à sala de jantar, onde encontro Skull preparando a mesa para o café. Brevemente o comprimento e pergunto se Taehyung estava no castelo, e ele informa que Taehyung estava em seu quarto. Skull também avisa sobre meu novo quarto, que todas as minhas coisas já foram levadas para lá.
  Como Amia destruiu meu quarto, precisei trocá-lo, e pensei que ficaria no mesmo corredor que as garotas, já que ali havia mais de quatro quartos, porém, Skull me disse que foi informado para preparar um quarto ao lado do de Taehyung, que deu essa ordem a ele. Aparentemente, depois de tudo, Taehyung queria que eu ficasse mais perto dele, assim ele poderia me vigiar caso eu sofresse mais um ataque dentro do castelo. A princípio, pensei em relutar e permanecer no corredor das garotas, mas ao levar em conta o estado da minha irmã, acho que pelo menos por enquanto, é melhor que eu seja um alvo afastado. Sei que o real interesse dos lobos está em mim e no Taehyung, e que Wendy foi um mero aviso para nos atingir (a mim mais do que Taehyung), então, acho que esse é o certo a se fazer por agora.
  Decidida e ansiosa para ter essa conversa com Taehyung, vou para o oitavo andar, onde seu quarto ficava. Parada em frente à porta dupla de madeira, encaro a que estava do lado: meu novo quarto. Suspiro. Dou leves batidas na porta e espero alguns segundos até que ela seja aberta por Taehyung, que estava tão parecido com o Taehyung de Upiór, o da vez em que ele interrompeu uma conversa minha com Blarie, na mansão, pedindo que ficássemos quietas para que ele pudesse dormir.
  Ele usava calças largas de um moletom preto e uma blusa fina e branca, tinha os pés descalços e seus cabelos não estavam tão alinhados como de costume. Por um momento, tenho um estranho sentimento de nostalgia que logo trato de mandar para longe.
  – Posso entrar? Eu queria conversar com você. – Sem dizer nada, ele apenas dá espaço para que eu entre em seu quarto que, apesar de ter as portas de vidro da sacada abertas, não iluminava muita coisa por conta dos tons escuros das paredes, cortinas e todo o resto.
  Taehyung fecha a porta e caminha até sua cama, se sentando na ponta, e eu faço o mesmo, ficando de frente para ele.
  Ele passa seus dedos com unhas pintadas de preto, por entre seus cabelos, bagunçando-os mais ainda, e levemente movimenta suas costas.
  Inspiro e expiro algo.
  – Eu disse pra mim mesma que seria sincera com você e é isso que eu vou fazer. – Falo mais para mim do que para ele.
  Taehyung permanece em silêncio, apenas me encarando com seus olhos escuros.
  – Não é só os vampiros que foram atacados pelos lobos... a igreja também foi. – Encolho os ombros, engolindo minha saliva em seco. – Depois de conversar com as garotas, chegamos à conclusão de que os lobos estavam jogando. Aquelas palavras nos corpos de Olivia, Peter e Zoe completavam as que estavam nos corpos das vítimas da igreja. Eles queriam saber se nos juntaríamos para descobrir o que significavam. – Seguro minhas mãos e as encaro. – Não é novidade alguma que nós temos que relatar para os nossos superiores o que estava acontecendo aqui, e eles não queriam que contássemos para vocês sobre as mortes na igreja.
  – E por que você está me contando então? – Taehyung pergunta com sua voz grave e grossa, mas em um tom calmo.
  Volto a encará-lo, não vendo nenhum resquício de raiva em seu rosto.
  Minha boca se abre e se movimenta, mas sem som. Expiro alto de novo.
  – Não importa o que eles querem. Estou fazendo isso por conta própria agora, Taehyung. Eu realmente não acho que possamos fazer isso sem a ajuda dos vampiros, e é por isso que eu estou te contando que amanhã, dia quatro de julho, ao Oeste de Bran, na igreja Santa Maria, você e eu devemos ir encontrar quem está por trás dos lobos. – Suspiro de alívio quando termino de falar, sentindo uma pequena parcela de todo esse peso ir embora.
  A expressão de Taehyung não muda, mas por estar tão próximo a ele e por ter a visão privilegiada de uma Van Helsing, consigo notar quando suas pupilas se dilatam.
  – Eu e as garotas estamos dispostas a intervir na invasão que a igreja pretende fazer amanhã. Depois do que aconteceu com a minha irmã, sei do jeito perfeito de fazer isso.
  Taehyung assente e se levanta da cama.
  – Esteja pronta amanhã de tarde. Nós iremos encontrar esse lobo.
  – Vamos sozinhos? – Me levanto também.
  – Não. Não podemos confiar neles. Vou pedir que os meus irmãos nos sigam de maneira discreta, se escondendo para que eles pensem que fomos sozinhos.
  – O castelo vai ficar desprotegido? Não posso deixar a minha irmã nesse estado aqui sozinha.
  – Suas amigas não vão ficar com ela? – Ele levanta as sobrancelhas.
  – Cuidar de alguém ferido e lutar contra lobos não deve ser muito fácil.
  Taehyung desvia seu olhar e encara um ponto qualquer por alguns segundos.
  – Vou pedir que alguns vampiros fiquem espalhados pela floresta da colina.
  – Obrigada. – Falo, sincera, e ele assente de novo.
  Com isso, deixo o quarto de Taehyung, sentindo que finalmente estava fazendo a coisa certa.
  Volto para o quarto de Wendy e fico lá até que todas acordem. E depois de perguntar pelo menos umas oito vezes se minha irmã estava bem, Lilu e eu fomos tomar café, enquanto Sally cuidava de Wendy.
  Não encontramos todos os irmãos na sala de jantar, nem mesmo Taehyung veio tomar café, mas, ao menos, consegui ver Jimin, Hoseok e Blarie, que disseram que após o café iriam até a cidade onde Jimin viu Amia.
  Tivemos um café da manhã até que agradável, tirando as trocas de insultos entre Lilu e Hoseok que, pelo menos por aquele momento, me fizeram esquecer a situação da minha irmã.
  Assim que os três vampiros partem em sua pequena missão, trato de avisar as garotas que agora era a nossa vez. Logo após levarmos o café para Sally e Wendy, peço que a de cabelos curtos e pretos cuide de minha irmã por algumas horas, pois Lilu e eu iriamos até à base do Padre impedir a invasão de amanhã.
  Quando terminamos de nos arrumar, Lilu e eu saímos do castelo. E durante o caminho até à saída da Transilvânia, expliquei para Lilu o que pretendia fazer. Agora, atenta aos taxistas do lugar, com desconfiança, paguei o que nos levou até nosso ponto, mas, no final, ele era apenas um humano.
  Juntas, Lilu e eu caminhamos pela estrada de terra e logo avistamos a base, que estava extremamente movimentada, com todos se preparando para o dia de amanhã.
  Fomos recebidas por Alef, que nos levou até o pequeno quarto onde o Padre Albert ficava. Ao nos ver, ele pediu que entrássemos e foi logo contando toda sua estratégia para invasão.
  Sentada na pequena cama de madeira, encaro Lilu com falso temor.
  – Padre, vamos ter que cancelar a invasão. – Digo, e o Padre que estava mexendo em sua escrivaninha, para, se virando e nos encarando com as sobrancelhas franzidas.
  – Como? Por quê? – Ele se aproxima, parando a nossa frente.
  – Ontem de noite, depois de sair daqui, Wendy foi atacada por lobos. Ela realmente está machucada, por isso não veio, Sally está cuidando dela. – Falo, e as sobrancelhas do Padre passam de franzidas para levantadas.
  – Os vampiros do castelo conseguiram capturar um dos lobos que atacou a Wendy, e ele confessou que tudo não passou de distração. Toda essa história de igreja Santa Maria é furada. O que eles queriam, era continuar atacando a gente. Wendy teve sorte, se não tivéssemos salvado ela dos lobos, ela com certeza... – Lilu passa a ponta de sua unha pelo pescoço enquanto faz um barulho com a boca, simulando morte.
  Em silêncio, o Padre nos encara com atenção, provavelmente, tentando “enxergar” através do que falávamos.
  – Desculpe não ter avisado nada para o senhor ontem. Eu estava desesperada, tivemos até que chamar um médio porque o que eles fizeram com a Wendy foi sério, mas, graças a Deus, ela está melhor. A partir de hoje vamos cuidar muito bem do machucado dela e usar todas aquelas ervas que o Vaticano nos enviou. Estou pedindo aos céus que ela se cure logo. – Falo a verdade.
  O Padre suspira alto.
  – Como que os vampiros não conseguem perceber essas constantes invasões? – O Padre pergunta em um tom de voz frustrado.
  – Nós já sabemos, Padre, descobrimos isso ontem. É alguma coisa sobre o sangue Valak. – Lilu fala, fazendo os olhos do Padre se arregalarem.
  – É claro, o sangue Valak. Céus, como eu pude me esquecer disso? É uma coisa que não escuto há tanto tempo que até me esqueci. – Ele coça a própria barba branca. – Isso quer dizer que tem mesmo um vampiro ajudando os lobos?
  Assinto.
  – Sim. Por isso precisamos adiar essa invasão e começarmos a procurar pelo traidor. O senhor não precisa se preocupar, vou dar um jeito do Taehyung fazer outra reunião de vampiros e nela vamos descobrir quem está ajudando os lobos. – Falo, determinada.
  O Padre acena positivamente.
  – Crianças, me deem licença. Preciso informar tudo ao Vaticano agora. – A frustração ainda era muito presente em sua voz.
  Lilu e eu nos levantamos da pequena cama de madeira.
  – Padre, nós vamos voltar para o castelo. Só viemos avisar mesmo. Não quero ficar muito tempo longe da minha irmã. Quero estar por perto caso aconteça mais alguma coisa. – Digo e o Padre acena de novo.
  Nós duas nos despedimos e saímos do quarto do Padre e da base, prontas para voltarmos para o castelo.
  Não sei se o Padre acreditou cem por cento no que falamos, mas para garantir que nada dê errado, peço para que Lilu fique o dia todo na base, amanhã. Ela tinha a missão de vigiar todos da igreja para se certificar de que eles não fariam a invasão, pois isso poderia estragar a minha ida com o Taehyung até à igreja Santa Maria. Ela também estava encarregada de impedir a invasão caso eles resolvam fazê-la mesmo depois do que falamos.
  Amanhã, quatro de julho, completaria cinco anos da lua de sangue, cinco anos da noite em que eu renasci de novo, cinco anos que Taehyung se tornou o Drácula. E amanhã também seria o dia em que o Taehyung e eu nos encontraríamos com o possível líder dos lobos, e nada pode dar errado; era o que eu esperava.

Capítulo 14

  O dia passou mais rápido do que eu gostaria, a tarde já havia chego e, com isso, eu sabia que estava cada vez mais perto de descobrir quem estava por trás dos lobos. Nem mesmo as minhas refeições eu conseguir fazer, o meu estômago não parava de dar voltas, eu me sentia extremamente ansiosa por isso. Mesmo na lua de sangue, não fiquei tão nervosa quanto estou agora.
  Lilu foi cedo para a base do Padre, ela tinha sua missão, e partiu logo após nos reunirmos no quarto de Wendy para uma oração dedicada a Meg. Hoje completa cinco anos de sua morte. Nossa amiga foi enterrada em Hammond, a cidade onde passamos a morar, e todo quatro de julho, nós a visitamos no cemitério levando flores e fazendo uma oração, mas como esse ano estamos na Transilvânia, apenas oramos.
  Como prometido, alguns vampiros, a mando de Taehyung, já estavam espalhados pela floresta da colina, vigiando o castelo. Isso me tranquilizava um pouco.
  Eu já havia conversado e me despedido de Sally e Wendy. Para minha sorte e graças aos poderes curativos da Erva Anti-Parálysi, minha irmã estava em um bom estado de recuperação. Eu realmente gostaria de estar com ela até que melhorasse definitivamente, mas sei que preciso resolver toda essa situação com os lobos.
  Respirando fundo, entro no corredor onde ficava o quarto de Taehyung e o meu, do qual eu só usava para trocar de roupa e tomar banho, tendo em vista que sempre fico no de Wendy.
  Parada em frente à porta dupla de madeira, tateio meu corpo, me certificando de que as duas armas com balas de prata e a faca com lâmina de prata estavam muito bem escondidas debaixo das minhas roupas.
  Pronta, solto o ar pela boca e levanto minha mão para bater na porta, mas ela é aberta antes que eu possa fazer. Taehyung me encara do batente e, por um segundo, meu corpo paralisa. Eu me pergunto como alguém pode ser tão bonito desse jeito. Me sinto extremamente boba por pensar dessa maneira, ele é um vampiro e isso foi um pensamento automático. Taehyung nem deve ter se esforçado para parecer assim, eu é que estou levando as coisas muito a sério.
  – Vamos? – Pergunto, e ele assente, saindo do quarto e fechando a porta.
  Juntos, caminhamos pelo corredor e descemos todos os andares, indo para sala de estar onde Jin, Jungkook, Namjoon e Yoongi já nos esperavam. Em silêncio, os quatro se juntam a nós, e assim vamos para fora do castelo, onde havia dois carros pretos à nossa espera. Antes de entrar nos automóveis, Taehyung conversou brevemente com alguns dos vampiros que vigiavam o castelo, querendo saber se eles viram alguma movimentação estranha, para se certificar de que não seríamos seguidos; para nossa sorte, os vampiros não viram nada.
  No carro da frente, Taehyung e eu fomos sozinhos, enquanto seus irmãos foram no de trás, nos seguindo de maneira discreta.
  O caminho foi silencioso, acho que não conseguiria manter uma conversa, pois eu estava muito nervosa por isso. Então, tentei ocupar minha cabeça com outras coisas para que eu não ficasse mais nervosa do que já estava. Pensei em Jimin, Hoseok e Blarie, que foram até a cidade vizinha à procura de informações sobre Amia. E torço internamente para que eles tenham sorte.

***

  A Transilvânia era maior que eu imaginava, acho que ficamos pelo menos uns cinquenta minutos dentro desse carro até que chegássemos ao Oeste de Bran.
  O carro preto estacionou em frente à entrada de mais uma das inúmeras florestas da Transilvânia. Taehyung e eu saímos do veículo, e ele disse para o motorista que poderia ir embora.
  Discretamente olho em volta, tentando ver se conseguia vislumbrar qualquer vestígio do carro que trazia os outros quatro irmãos, mas não vi nada. Isso era bom, mostrava como eles estavam sendo discretos e, de qualquer forma, sei que eles já devem ter chegado e estão prontos para nos vigiarem.
  Taehyung me fita de forma significativa, e eu aceno positivamente para ele, vendo o carro que nos trouxe, sumir pela estrada de terra e mato baixo. E com isso, nós dois começamos a caminhar para dentro da floresta de Bran.
  O sol no céu azul era fraco, e apenas alguns raios iluminavam a terra seca do chão quando conseguiam passar por entre as folhas das árvores altas. O som dos galhos se quebrando debaixo dos nossos pés era o único barulho na floresta, fora o canto de alguns pequenos pássaros que nos sobrevoavam.
  – Você sabe como achar essa igreja? – Pergunto, enquanto me abaixava para passar debaixo de um tronco.
  – Sim. Ela fica escondida aqui dentro pra que ninguém encontre. – Taehyung responde, passando por debaixo do tronco também.
  – Você sabe disso porque já esteve aqui antes?
  – Sim, eu já estive.
  – Eu pesquisei um pouco sobre essa igreja, mas não achei nada relevante. – Digo, passando por entre finos raios de sol que atingem meu rosto e parte do meu braço esquerdo.
  – Santa Maria foi uma igreja fundada por lobos, mas os vampiros a fecharam anos atrás. – Taehyung me encara enquanto anda.
  Seus cabelos brancos pareciam mais claros ao passarem pelos raios de sol, e os longos brincos em suas orelhas, balançavam junto com o movimento de seu corpo ao andar.
  – Uma igreja de lobos? Estou surpresa que tenha existido isso aqui na Transilvânia. – Confesso, enquanto viramos à esquerda, floresta adentro.
  – Era clandestina.
  – Para um país, em sua maioria ocupado por vampiros, vocês foram muito bem enganados. – Digo, e Taehyung volta a me encarar, agora, com as sobrancelhas arqueadas.
  – Não parecemos ser os únicos. – Ele sorri minimamente de lado e de um jeito irônico.
  Aperto os olhos e volto a olhar para frente.
  – Isso é diferente. – Resmungo baixo.
  – Cuidado onde pisa. – Taehyung alerta, no mesmo instante em que me puxa pelo braço para perto dele. Involuntariamente, me apoio em seu tórax e encaro o chão, vendo perto de nós, um pequeno filhote de esquilo que corre para longe.
  – Eu não vi. – Falo, surpresa.
  – Aparentemente, você não vê muitas coisas. – Taehyung diz, e eu o fito. Ele sorri irônico outra vez, e estava mais perto do que eu gostaria, tão perto que eu podia ver as pequenas pintas em seu nariz e boca. Os fracos raios de sol acertavam seu rosto, passando por um de seus olhos, destacando os longos cílios e deixando sua íris mais clara.
  Com o canto de mais um pássaro, levemente chacoalho minha cabeça e me afasto de Taehyung, voltando a andar, me sentindo um pouco atordoada.
  Ele ri, e enfia suas mãos para dentro dos bolsos das calças jeans pretas, andando calmamente do meu lado. Tento me concentrar em memorizar o caminho que estamos fazendo, isso seria importante caso precisássemos voltar aqui, e eu gostaria de saber vir sozinha, afinal, nunca se sabe.

***

  Após longos minutos de caminhada, sinto que já esqueci metade do caminho. Era impossível. As árvores pareciam todas iguais: as mesmas folhas, as mesmas cores, o mesmo céu, o mesmo chão de terra, os mesmos insetos e animaizinhos. Eu definitivamente não posso fazer isso.
  – Aqui. – Taehyung aponta para a direita, e assim que viramos em um caminho fechado e com mais árvores, meus olhos se tornam grandes ao avistarem uma pequena e velha construção. Meus pés param sobre a terra, e meu estômago sente uma pequena pontada de ansiedade.
  A pintura branca estava suja e com grande parte coberta por musgo. O concreto estava rachado e com buracos, e a pequena cruz no topo da igreja estava partida de modo pendurado.
  Dois homens, de estaturas medianas, guardavam a pequena construção, parados um de cada lado dela. Não havia nada além do mato alto e das árvores por perto. Definitivamente era impossível encontrar esse lugar sem saber aonde exatamente ele ficava. A igreja estava muito bem escondida.
  Assim que nos veem, os dois lobos saem de seus postos e caminham até onde estávamos parados.
  – Majestade, por favor, nos siga. – O homem careca se curva exageradamente, claramente em tom de zombaria.
  Taehyung não se importa, o encarando apático, esperando que ele nos guie. E através de grandes sorrisos de gozação, os homens de olhos cor de âmbar nos levam para perto da igreja.
  – Desculpe não estar vestido adequadamente para recebê-los, mas, por favor, entrem. – O homem careca continua em seu tom de provocação, e sinto que gostaria de ser tão paciente quanto Taehyung, que apenas sobe os dois pequenos degraus de madeira e caminha para a entrada da igreja; sem ter problemas em pisar em solo sagrado, que já não era mais sagrado, pois, depois de vinte anos inativa, uma igreja deixa de ser sagrada e assim os vampiros podem entrar nela.
  Com um olhar irritado, que era influência das provocações e da ansiedade que me cobria agora, encaro os dois homens uma última vez antes de seguir Taehyung, que me esperava perto da entrada.
  A porta larga estava quebrada e caída para dentro da igreja que, ao entrarmos, se mostra parcialmente escura, apenas com pouca iluminação vinda dos vitrais coloridos e quebrados e da porta aberta. O cheiro de poeira e coisas velhas era bem forte do lado de dentro, e a madeira do chão range assim que adentramos.
  Todos os bancos compridos de madeira, divididos em duas fileiras (esquerda e direita), estavam bagunçados e desalinhados. No meio deles, no fundo, havia um pequeno altar com uma grande imagem de uma mulher que julgo ser Santa Maria. E de joelhos de frente para essa imagem, havia um homem de cabelos pretos que parecia rezar.
  – Essa é Maria Alexandra Vitória, a Santa Maria de todos os lobos. A nossa corajosa rainha fundadora dessa igreja, que um dia foi sagrada, antes dos vampiros a destruírem. – Ainda de joelhos, o homem de cabelos pretos vira sua cabeça, nos encarando sobre os ombros.
  Ele sorri e meus olhos se arregalam ao reconhecê-lo.
  – É um prazer enorme te rever, Elena. – Sua voz ecoa por toda igreja vazia, enquanto ele se levanta e limpa os joelhos de suas calças.
  Sinto os olhos de Taehyung em mim, e sem olhá-lo, o respondo:
  – Ele estava no castelo no dia do baile de máscaras.
  – Sim. – O homem de pele extremamente clara e traços marcantes, sorri e desce do altar. – Por favor, vamos nos sentar. – Despreocupadamente, em suas roupas escuras, ele caminha até um dos bancos e se senta.
  Pisco os olhos repetidas vezes de forma rápida, sem acreditar que dancei com um lobo em um baile de máscaras que aconteceu no castelo do Drácula. Eu sei que seus olhos tinham esse tom de amarelo, mas eu não senti nada de tão estranho, como o fato dele ser um lobo.
  Percebendo que eu ainda estava surpresa, Taehyung segura minha mão e me puxa para acompanhá-lo até um comprido banco que estava virado de frente para o banco do lobo.
  – Estou verdadeiramente emocionado por estar na presença do Drácula e de uma Van Helsing legítima. – Ele cruza as pernas longas, apoiando suas mãos sobre um dos joelhos, deixando à mostra o anel de pedra amarela em seu dedo anular.
  – Qual o seu nome? – Pergunto, tensa sobre o banco sujo de madeira.
  – Acho que não te disse o meu nome no dia do baile, não é? – Ele inclina levemente sua cabeça, fazendo alguns fios de seus cabelos pretos, balançarem. – Sou Kihyun Falls.
  – Então... Kihyun, por que você queria que viéssemos até esse lugar? – Pergunto um pouco algo demais, sendo, momentaneamente, tomada por um sentimento ruim.
  Taehyung toca meu braço e me olha como se dissesse “fique calma”.
  – Acho que já estava na hora de nos conhecermos. – Com sua voz calma, que começava a me irritar, Kihyun responde.
  Estou tensa, não posso negar, mas, definitivamente, também estou irritada, pois estou de frente para o lobo que mandou fazer aquela brutalidade com a minha irmã.
  – Você poderia ter mandado um convite. – Taehyung responde, tão calmo quanto Kihyun.
  – Desculpe o meu jeito excêntrico. Eu queria deixar uma boa primeira impressão. Sinto muito por suas noivas, mas eu certamente deixei a mais importante viva. – Kihyun sorri, e seus olhos amarelados me encaram. – Não é como se eu pudesse matar uma Van Helsing com a mesma facilidade que matei as outras.
  – Como entrou no meu castelo? – Encaro Taehyung quando ele pergunta, e não entendo como ele pode estar tendo essa conversa com tanta serenidade.
  Entre esses dois, eu sou a única tendo esse sentimento. Toda vez que Kihyun sorri, eu sinto que poderia atirar nele com uma das minhas armas. Alguém que parece tão jovem quanto Taehyung e eu, pode agir de forma tão cruel quanto um vampiro.
  – Se eu te contasse, as coisas perderiam a graça. Mas posso te dar uma dica: só podemos confiar em nós mesmos. Você sabe, muitos querem ser um Drácula. – Kihyun dá de ombros, com uma expressão despreocupada.
  Taehyung apenas assente, e eu o encaro com o cenho franzido. Ele praticamente acabou de receber uma confirmação de que há vampiros tentando tomar seu lugar e ele age dessa maneira?
  – Por que começar essa briga, Kihyun? – Pergunto, depois respirar fundo para me acalmar.
  – Não é óbvio? Porque eu não posso deixar que vocês se casem. – Ele aponta para nós dois. – Entenda bem, Elena, eu já tinha planos de acabar com o Drácula, mas com esse casamento, as coisas só se apressaram. – Suas palavras soam tão naturais quanto uma conversa de ponto de ônibus sobre o tempo.
  A dissimulação de Kihyun era algo surreal, e me pergunto se todos os lobos nascem com esse “dom”.
  – Desde o começo dos tempos, os lobos são associados aos vampiros, inimigos fadados. Entretanto, sempre ficamos em segundo plano, abaixo dos vampiros. – Kihyun gesticula com as mãos, indicando uma discrepância de altura. – Eu quero mudar isso. Quero libertar a minha espécie e finalmente colocá-los no topo. E para que isso aconteça, eu preciso arruinar vocês dois. – Mais um sorriso. – Você me entende, não é, Taehyung? Como líder dos vampiros sempre lutando pra que todos continuem temendo-o e respeitando-o, sabe o porquê de eu precisar fazer tudo isso.
  – Sim, eu entendo, Kihyun. Vá em frente com seu plano, eu já aceitei o seu convite. Só não espere que facilitemos as coisas pra você. – Taehyung também cruza as pernas, com uma postura relaxada acerca de tudo isso.
  – Eu não espero.
  Me sentia como uma mera espectadora dessa conversa, alguém que não entendia aonde tudo isso iria chegar e o que esses dois planejavam.
  – Admiro a sua coragem por tentar fazer algo que ninguém nunca conseguiu. – Com escárnio, Taehyung sorri para Kihyun.
  – Estou confiante dessa vez, tem alguém muito importante olhando por nós. – Kihyun rebate sem se importar com a provocação de Taehyung.
  – Quem? – Pergunto, desconfiada.
  – Maria. – Kihyun aponta para trás, em direção ao altar.
  – Espero que Maria esteja mesmo olhando por vocês, porque vão precisar. – Digo.
  Kihyun arqueia as sobrancelhas.
  – Vocês estão certos que terão companheiros para lutarem com vocês? Mesmo não tendo noção do tamanho do estrago que eu fiz? Eu posso ter desestabilizado os seguidores do Drácula. – Ele retira suas mãos do joelho e apoia seus braços sobre o topo do banco em que estava sentado.
  – A única coisa que eu preciso pra te matar, são as minhas mãos. – Taehyung reponde sem hesitação, mas com tranquilidade.
  – É definitivamente uma honra estar na sua frente. – Kihyun sorri.
  Outra vez imersa na aura que esses dois criaram, sou despertada quando alguém chama Kihyun da entrada da igreja.
  – Foi um prazer conversar com vocês. Tivemos uma conversa muito agradável, ela me fez sentir como se eu fosse parte da família. Mas preciso ir agora, vocês sabem, preparar novas emboscadas e esse tipo de coisa. – Kihyun se levanta do banco e se curva sutilmente antes de começar a se afastar.
  – Vamos deixar ele sair? – Desconfiada com sua atitude, sussurro para Taehyung.
  – Meus irmãos vão segui-lo.
  – Mas...
  – Ele só queria nos intimidar, Elena. Mostrar que está no controle e que pode nos derrubar quando quiser. – Taehyung me interrompe.
  – E ele pode? – Encaro Taehyung com preocupação, depois que Kihyun deixa a igreja com um dos homens que nos recebeu.
  – Precisamos deixar que ele acredite que sim. – Taehyung se levanta.
  Por mais alguns segundos, permaneço sentada, apenas encarando Taehyung, tentando digerir toda essa conversa estranha que tivemos.
  Com um longo e alto suspiro, me levanto também, e começo a caminhar para fora da igreja com Taehyung. Do lado de fora, a tarde começava a se despedir e já não havia mais sol, apesar do clima ainda ser quente. Kihyun ou qualquer um que estivesse com ele, já havia ido embora, e como sei como os lobos são criaturas rápidas, presumo que já estejam bem longes daqui nesse momento.
  Enquanto repasso nosso encontro várias e várias vezes dentro da minha cabeça, Taehyung e eu começamos a refazer nosso caminho. Ele faz uma pequena ligação para seu motorista, pedindo que ele volte e nos espere na entrada da floresta. Essa foi a primeira vez que o vi usando um celular, na verdade, nem sabia que ele tinha um. Também acho notável como ele age como um humano quando estou por perto; sei que ele poderia ir voando para seu castelo e chegar muito mais rápido, mas sabendo que eu não posso fazer o mesmo, então ele precisa pegar um carro e aguentar cinquenta minutos de viagem.
  Sinto seus dedos em torno do meu pulso, e o encaro. Por um segundo, fiquei tão dentro de meus pensamentos que apenas andei de forma automática.
  Em um gesto rápido, Taehyung nos vira para trás, em direção a um trio de árvores, o que me deixa confusa.
  Escuto alguns barulhos de galhos se partindo e folhas se amansando, e o mesmo homem careca que nos recebeu, sai de trás de uma das árvores, seguido por quatro homens desconhecidos.
  – Estou impressionado por nos descobrir. – O homem careca, diz.
  – O chefe já foi embora, portanto, não vai ver isso. – Um outro homem, esse do lado esquerdo, fala.
  – Só queremos saber se as habilidades de vocês são tão boas quanto dizem por aí. – O homem careca logo assume seu tom zombeteiro. – A verdade, é só que não gostamos de vampiros e caçadores.
  – Vocês não acham que podem nos matar, ou acham? – Pergunto, como se tivesse acabado de ouvir a piada mais engraçada.
  – Matar não, quem vai fazer isso é o chefe. Nós só queremos diversão. – O homem careca sorri abertamente, me fazendo apertar os olhos e afastar meu pulso da mão de Taehyung.
  – Que seja, vamos nos divertir então. – Puxo para fora do cós das calças, os dois revólveres que escondi, destravando-os.
  De rabo de olho, percebo Taehyung virar sua cabeça em minha direção.
  – O quê? Eles querem diversão, então vamos dar a eles diversão. – O fito. – Se você estiver com muito medo, pode ficar atrás de mim que eu te protejo. – Falo ironicamente para Taehyung que, em um piscar de olhos, surge na frente de um dos cinco lobos, atravessando seu peito com a mão direita, enquanto o encara de perto, fazendo uma pequena fumaça negra sair da boca do lobo e entrar na de Taehyung.
  Ele estava roubando sua alma.
  Quando acaba, Taehyung puxa sua mão para fora do peito do lobo, trazendo seu coração para fora do corpo, que cai sem vida no chão de terra da floresta.
  – Se querem diversão, terão que ser mais rápidos que isso. – Taehyung provoca, enquanto os quatro que sobraram o encaram com espanto por conta de sua rapidez.
  Os lobos de olhos amarelados, assumem posturas ariscas, alongando suas presas e unhas, e intensificando a cor de seus olhos. Eles se dividem, e dois deles vão para cima de Taehyung, enquanto os outros dois vêm em minha direção. E sem pestanejar, começo a atirar contra os lobos, que grunhem quando as balas de prata atravessam seus corpos; muito provavelmente eles pensaram que esses eram projéteis comuns, mas eu tenho uma surpresa: vim preparada para tudo hoje.
  Um deles consegue desviar dos meus tiros, e tenta saltar em minha direção, mas me abaixo com rapidez, e do chão mesmo, o chuto para longe, acertando um tiro no meio de sua testa. Ele cambaleia para trás e praticamente uiva, antes de tentar me atacar de novo. Suas unhas passam rentes ao meu rosto, quase me tocando, mas consigo rolar para o lado, fazendo ele acertar seu companheiro, que também tentava me atingir.
  Me levanto apressada, a tempo de ver Taehyung lançar o homem careca que nos provocou mais cedo, em direção ao outro lobo que o ajudava. Posso ver um grande buraco em seu peito aberto, mostrando que só restava um lobo para Taehyung matar.
  Os grunhidos altos dos dois que me tinham como alvo, me fazem agilizar meus movimentos, voltando a atirar até que a munição de uma das minhas armas acabe.
  – Droga! – Resmungo, encarando a arma vazia. Em seguida, a lanço em direção ao lobo mais próximo, acertando sua cabeça com a arma. Isso não o machuca, mas é o suficiente para atordoá-lo para que eu conseguia dar-lhe uma rasteira, levando-o para o chão a tempo de puxar a faca de caça presa em minhas calças, e acertar seu peito com ela.
  O lobo ruge enquanto começa a morrer, e pela sombra projetada no chão, vejo quando o lobo que restou salta em minha direção, mas sou ágil o bastante para atirar nele, que cai sobre o meu corpo. O sangue que saia de sua boca, pinga no meu pescoço. Debaixo do seu corpo, arrasto minha mão e encosto o cano da minha arma contra seu peito, dando o último disparo para matá-lo de vez.
  Expiro aliviada, e jogo seu corpo morto para o lado, vendo Taehyung se aproximar e estender sua mão suja de sangue em minha direção. A seguro e ele me ajuda a levantar do chão áspero.
  Tento tirar a terra e as folhas secas da minha roupa, e quando passo a mão no pescoço, mancho ela de sangue, e sou obrigada a tentar limpá-la em minha roupa, que fica ainda mais suja. Taehyung não estava muito diferente: sua blusa de seda branca estava completamente manchada de sangue, principalmente, nas mangas largas, e havia alguns respingos em seu rosto; com certeza também havia no meu.
  – Um começo de noite bem divertido, não acha? – Rio nasalada, pegando minhas armas e a faca cravada no peito do lobo morto, guardando-as em minhas calças de volta.
  – É sempre divertido quando você está por perto. – Taehyung ri provocativo para mim, e dessa vez acabo rindo.

***

  Cinquenta minutos sujos de sangue depois, fora os minutos de caminhada na floresta, e nós finalmente havíamos voltamos para o castelo.
  Taehyung mais uma vez conversou com os vampiros que estavam vigiando o castelo, e eles o informaram que nada suspeito aconteceu, mas, mesmo assim, Taehyung pediu que eles permanecessem ali por essa noite. Após isso, debaixo do céu estrelado, nós dois caminhamos até à entrada do castelo, onde encontramos Skull, que disse que tanto Wendy, quanto Sally estavam bem, e que Lilu, Blarie e os outros irmãos ainda não haviam retornado. Agradeci ao mordomo e subi com Taehyung até o oitavo andar. Eu gostaria de conversar com ele e tomar um banho antes de ir falar com Wendy e Sally.
  Quando entramos no corredor de nossos quartos, sigo Taehyung, que vai até à terceira e última porta do corredor. Ela era maior que todas as outras, e quando ele a abre, entendo que ela era desse tamanho para guardar a enorme sala do outro lado: a sala de música.
  Taehyung caminha até as portas de vidro da sacada e afasta as longas cortinas brancas para o lado, deixando nelas, marcas de dedos sujos de sangue. Ele abre as portas e deixa o clima agradável da noite entrar. Em seguida, ele passa por entre os instrumentos organizados e distribuídos pela sala de música e vai em direção ao piano, que apesar de ficar fora da linha da sacada, conseguia ganhar certa iluminação, sombreando algumas partes. Taehyung se senta sobre o pequeno banco acolchoado e levanta a proteção que escondia as teclas do piano, antes de começar a tocar uma melodia um pouco melancólica.
  Tentando não atrapalhá-lo, fecho com cuidado as portas da sala de música. E com passos silenciosos, caminho para perto do piano de cauda.
  – Você foi sincera comigo ontem. Acho que eu gostaria de ser sincero com você também. – Taehyung diz, de olhos fechados, sem parar de tocar.
  – Certo. – O incentivo, parando ao lado do piano, observando-o.
  – Eu sempre soube de tudo. – Seus dedos passam suavemente de uma tecla para a outro.
  – Tudo o quê? – Pergunto, confusa.
  – Foi muito arriscado tentar tirar Amia do castelo daquele jeito. Ela poderia ter te matado.
  Minha boca se abre, e meus olhos se arregalam levemente. Fico alguns segundos em silêncio, pensando.
  – Você não a deixaria fazer isso. – Decido falar a verdade. Se ele realmente descobriu tudo, era idiotice continuar mentindo e escondendo.
  – E se eu não estivesse no castelo naquele momento? – Sua expressão era como a de um boneco, sem qualquer emoção. Ele não precisava, seus dedos sobre as teclas, derramavam cada gota dessas emoções.
  – Então outra pessoa viria me ajudar. – Aperto os lábios uns nos outros.
  Ele sorri minimamente, de olhos fechados.
  – Eu também estava desconfiada dela, Elena. E tinha os meus próprios planos de descobrir se Amia estava envolvida nisso. – Taehyung revela, me deixando surpresa. – Vampiros são criaturas muito sentimentais, e quebrar um vínculo com alguém, ainda mais quando esse alguém é alguém de anos, não é uma coisa fácil. Por isso, eu precisava pensar muito bem antes de jogar com a Amia.
  – Nesse caso, por que você não agiu? Eu pensei que estava acreditando nela. – Confesso.
  – Estava apenas entrando no seu plano. Você, na verdade, me atrapalhou, agiu antes do previsto. Eu só te deixei resolver isso. Como eu poderia investigar a Amia se ela desconfiasse que eu desconfio dela?
  – Você está dizendo que me usou? Deixou que eu começasse uma briga com a Amia para que você saísse ileso? – Apoio um de minhas mãos no piano escuro, fitando Taehyung com descrença.
  Ele finalmente abre os olhos e me encara.
  – E o que você esteve fazendo comigo até agora, Elena? Tirar Amia daqui foi sua decisão, eu não iria estragar os seus planos.
  Suas palavras me deixaram sem respostas, pois, de certa forma, ele tinha um pouco de razão.
  – Se você também estava desconfiada dela, por que deixou Amia fazer aquilo com suas outras noivas?
  Taehyung desvia seu olhar do meu, se concentrando no piano.
  – Para ganhar algumas coisas, é preciso perder outras.
  Fico em silêncio, me sentindo mais espantada do que deveria com sua resposta. Taehyung é um vampiro, a morte para ele não é tão complicada quanto é para mim.
  – Há quase cinco anos, venho tendo a sensação de estar sendo vigiado. Eu também passei a ter sonhos estranhos com o meu pai, vendo coisas das quais não sabia explicar... até agora. – Os dedos de Taehyung apertam as teclas com mais força, fazendo a melodia ganhar maior intensidade.
  – Do que você está falando? – Franzo o meu cenho.
  – Isso acontece quando dois Dráculas existem ao mesmo tempo. Eles ficam conectados até que um deles morra.
  Retiro minha mão do piano, e me inclino levemente para trás.
  – Pensei que um Drácula renascia quando o outro morria. E você é o Drácula, Taehyung. – O encaro séria e ainda mais confusa.
  – Aquele que consumir mais almas até à próxima lua de sangue, se torna o Drácula. O antigo Drácula não precisa necessariamente estar morto, Elena.
  – Como não, Taehyung? Eu não estou entendendo.
  – Se o atual Drácula ainda estiver vivo na lua de sangue, ele vai perder seu lugar para um novo Drácula. E com o passar dos anos, ele vai começar a enfraquecer até morrer, justamente por não ser mais o Drácula.
  Os meus olhos se arregalam em espanto.
  – Você está me dizendo que seu pai está vivo? – Pergunto, boquiaberta.
  Taehyung assente.
  – Eu pensei que ele havia morrido, mas depois de começar a ter esses sonhos, sei que não. – Taehyung fecha os olhos mais uma vez, e aperta com força as teclas de novo, descontando todos os seus sentimentos no piano. – É ele quem está ajudando os lobos. Eu tenho certeza.
  Não consigo não lembrar de Kihyun dizendo que alguém está olhando pelos lobos. Ele falou que era Maria, mas, agora, com essa revelação de Taehyung... eu realmente estou chocada.
  – Por que seu pai ajudaria os lobos? Isso é loucura, Taehyung. Ele é um vampiro.
  – Eu não sei, mas vou descobrir.
  – Os seus irmãos já sabem disso?
  – Não. – Ele abre os olhos, e me encara com seriedade. – Não conte nada para o Jimin.
  – Ele tem direito de saber.
  Taehyung bate seus dedos com mais força nas teclas, quase deixando a melodia sem ritmo.
  – Na hora certa, eu vou contar, Elena.
  Não vou começar uma briga com Taehyung. Esse é um assunto delicado para ele e seus irmãos, o melhor a se fazer, é deixar que eles se resolvam entre si.
  – Você acha que a Amia pode ter passado as informações para o seu pai? – Expiro alto.
  – Talvez. Eu não sei. Vou descobrir quando souber se ela está do lado dos lobos.
  Fico em silêncio.
  – Você sabe por que eu te enviei aquele convite para o baile de máscaras, Elena? – Os dedos de Taehyung param abruptamente de tocar, e ele me encara de um jeito tão intenso que tenho calafrios.
  – Você disse que era porque gostava de mim. – Respondo, sentindo meu corpo ficar desconfortavelmente tenso.
  – Esse não é o único motivo. – Taehyung se levanta do assento acolchoado.
  – E qual é o outro motivo? – Pergunto, observando seu corpo alto entre a sombra da sala de música, sendo iluminado parcialmente pela luz da lua que vinha de fora.
  – Se o meu pai estiver mesmo vivo e ajudando os lobos, um casamento com uma Van Helsing, com certeza, o atrairia.
  Sorrio sem humor, deixando o ar sair pesado por meu nariz.
  – Então sou apenas uma pecinha no seu plano? Você só queria me usar? – Uma estranha sensação dentro de mim, me assola; era algo amargo.
  – Pensei que estivesse fazendo o mesmo comigo. – Taehyung arqueia as sobrancelhas. – Não entenda errado, Elena, eu realmente gosto de você. Eu só juntei as duas coisas. – Ele se afasta do banco e se aproxima de mim, segurando minha mão esquerda, encarando o anel em meu dedo anular. – Já pensou nas coisas que nós dois poderíamos fazer juntos?
  Encaro o anel de pedra vermelha também, antes de responder:
  – Não podemos ficar juntos, eu sou uma caçadora de vampiros. – Afasto minha mão da sua.
  – Você caça vampiros por quê? Por que a igreja diz que você tem que caçar vampiros? Eu pensei que estivesse tomando suas próprias decisões agora. – Seus olhos encaram os meus, e suas íris parecem mais escuras.
  – E-Eu caço vampiros porque vocês são uma ameaça, porque matam os humanos. – Minha voz treme como se eu tivesse sido pega em uma mentira.
  – Os humanos também matam. E matam muito antes dos vampiros existirem. – Ele estende sua mão e toca meu rosto, inclinando a cabeça para o lado, enquanto me observa.
  – Eu sou uma Van Helsing, Taehyung. – As batidas do meu coração se aceleram.
  Ele sorri fechado.
  – E quem se importa com isso!? – Em um único movimento, mesmo que lento, ele aproxima seu rosto do meu e encosta nossos lábios.
  Um arrepio gelado corre por toda minha espinha quando seus lábios se movimentam sobre os meus. A mão que tocava meu rosto se arrasta para trás, entrando por entre os fios dos meus cabelos. E é nesse momento que percebo que nunca o superei e, muito menos, o esqueci.
  Como se meu corpo inteiro pudesse suspirar de alívio por isso, me vejo segurando na blusa de Taehyung, enquanto o puxo para perto de mim, não aguentando mais fingir que isso nunca existiu entre nós.
  Suas mãos vão para minha cintura e ele impulsiona meu corpo para cima, me sentando no piano. Sua língua finalmente encontra a minha, e os pelos do meu corpo se arriam com o toque molhado. Seus dedos apertam minha cintura por cima das roupas, e meus braços rodeiam seu pescoço, o mantenho o mais perto que posso.
  Sua boca macia se afasta da minha, indo até meu maxilar, onde ele deixa um beijo molhado para, em seguida, arrastar seus lábios por minha pele que se tornava sensível, fazendo um caminho molhado até o meu pescoço. Lugar por qual ele distribui vários selares, ao mesmo tempo em que me provoca com sua língua quente, bem onde sei que havia a marca que ele fez no meu pescoço a cinco anos atrás.
  Suspiro, e meu corpo começa a se tornar quente.
  Após alguns longos e deliciosos minutos em meu pescoço, Taehyung enfia suas mãos por debaixo da minha blusa e a puxa para cima, me deixando apenas de sutiã. Com as batidas do coração, aceleradas, o encaro cheia de sentimentos e, segurando suas mãos manchadas de sangue seco, as levo até os meus seios cobertos pela renda clara. E com minhas mãos por cima das suas, aperto nossos dedos contra meus seios, suspirando com o toque que sujava meu sutiã e pele.
  Ele encara nossas mãos sobre os meus seios, e percebo quando suas pupilas dilatam. Entrando em um novo estado de sentimentos, Taehyung puxa meu sutiã com força, rasgando a pequena peça de renda clara.
  Completamente tomada por esse sentimento que fervilhava dentro de mim, o puxo para perto de novo, iniciando mais um beijo. Sua mão direita vai para minha nuca, e a esquerda sobe por todo meu tronco até chegar em meu seio descoberto, que ele aperta entre seus dedos longos e sujos de sangue, me fazendo suspirar entre nosso beijo.
  Mais uma onda de calor me atinge, como se fosse um calafrio. E ansiando por mais contato, seguro na barra de sua blusa e a puxo para cima, quebrando nosso beijo por um momento. Seu tronco magro e não muito definido, reflete diante a luz da lua que vinha da sacada.
  Ele apoia suas mãos no piano, uma de cada lado do meu corpo e se inclina para frente, me dando um longo selar e, em seguida, como fez no meu pescoço, ele traça o mesmo caminho, agora, com destino para o meu colo. Sua boca passa por entre o vão dos meus seios, antes de seus lábios tocarem meio seio direito, que logo é preenchido por sua boca. Sua língua me toca mais uma vez, e sinto sua saliva molhar minha pele sensível. Usando uma das mãos livres, ele segura meu seio esquerdo, o sujando ainda mais de sangue. De novo, coloco minha mão sobre a sua, ditando o ritmo em que seus dedos apalpavam meu seio. Inclino a cabeça para trás e fecho os olhos quando seus dentes prendem meu mamilo de forma suave.
  Eu definitivamente posso me tornar muito quente apenas com isso.
  Quando o primeiro gemido escapa da minha boca, Taehyung se afasta dos meus seios, agachando um pouco seu corpo para começar a desabotoar as minhas calças. Me apoiando no piano, ergue levemente meu corpo para que ele consiga puxar minhas calças para baixo, tirando minha calcinha e sapatos junto.
  Completamente vulnerável a ele, Taehyung segura nas minhas coxas e arrasta meu corpo para o lado, de movo que, meus pés toquem as notas do piano, fazendo um barulho sem harmonia. Em seguida, me segurando pela cintura, ele me senta sobre as teclas para que sua cintura fique na altura da minha. O contato das teclas geladas com a minha pele quente, me faz suspirar alto e profundamente.
  Ele empurra o pequeno banco acolchoado para o lado, e para na minha frente, começando a retirar as próprias calças, até que não restasse mais nada em seu corpo pálido.
  Perco alguns segundos apenas o observando, principalmente, onde ele mais estava excitado. E todo meu corpo se torna ansioso por isso.
  Taehyung era extremamente deslumbrante, em todos os aspectos, e quando estava assim, sem qualquer vestígio de roupas, eu me sentia admirando uma linda e delicada pintura de tons sombrios.
  O cínico sorriso em seu rosto, indicava que ele percebeu a maneira como eu o admirava. Sinto meu rosto esquentar nas bochechas de um jeito que não acontecia desde Upiór, o exato jeito que eu ficava envergonha na frente dele.
  Ele se aproxima mais e toca meu rosto com sua mão, espalmando na lateral dele. Apoio minhas mãos em seu tronco desnudo, enquanto ele me beija de novo. Sinto seu membro rígido e molhado tocar minha barriga, que se contrai.
  Sem interromper nosso beijo, Taehyung segura minhas coxas, próximo a minha bunda, causando alguns barulhos nas teclas do piano. Ele se ajeita entre as minhas pernas, e posso sentir quando suas mãos seguram seu próprio membro, que ele logo posiciona em minha entrada. Não contenho o baixo gemido que sobe por minha garganta quando nossas intimidades se tocam.
  Paro de beijo e ele encosta sua testa na minha. Ainda segurando seu membro, Taehyung não entra em mim, apenas me provoca, saindo de perto da minha entrada para arrastar a cabeça de seu membro por toda minha intimidade, que pingava excitação. Mordo o interior da minha boca quando ele se arrasta lentamente para cima e para baixo, em pura provocação.
  Eu estava a ponto de enlouquecer com isso.
  Mexo minha intimidade contra a sua, e o seguro pelos cabelos lisos e macios, com força, o trazendo para mais um beijo, na tentativa de amenizar a minha frustração por suas provocações. Mas, para o meu prazer, Taehyung não demora ao voltar para minha entrada, me penetrando de uma vez só, sem qualquer preparo, fazendo as teclas do piano produzirem um alto barulho.
  Sinto minha boca cheia, e quando afasto nossos lábios, vejo alguns filetes de nossas salivas se misturando em pequenos fios que brilhavam sob a fraca lua da lua que iluminava a sala de música.
  Apoio meus pés pouco acima de sua bunda, e seguro em seu pescoço, enquanto minha cabeça se inclina para trás. Minha boca se abre e vários gemidos que começam baixos e tímidos, ecoam por toda sala quando Taehyung começa a se movimentar, entrando e saindo de dentro de mim.
  Ele não perde a oportunidade de voltar a beijar meu pescoço, uma vez que o vê exposto em sua direção. E acompanhando seus movimentos, sua boca se arrasta por cada parte do meu pescoço, enquanto alguns gemidos começam a sair de sua boca, se misturando aos meus e ao barulho do piano.
  Eu literalmente perdi as contas de quantas vezes chamei por seu nome, enquanto meu corpo não parava quieto, completamente movido por uma enorme excitação que me fazia remexer o quadril contra o seu, à medida que arqueio as costas.
  De pé, ele apoia suas mãos nas teclas do piano para poder ter um suporte para se impulsionar com mais força e rapidez para dentro de mim. E na tentativa de me aliviar um pouco, aperto minhas unhas na parte detrás de seus ombros, arranhando sua pele com força, enquanto tento amenizar todos esses sentimentos que me faziam pensar que eu morria, literalmente, de tanto prazer.
  Sinto minhas unhas começarem a ficar molhadas, e sei que isso era sangue, pois, o cheiro dele logo se mistura ao cheiro do sexo que, aos poucos, preenche cada parte dessa sala de música, onde nós dois fazíamos nossa própria música através de gemidos, notas de piano mal tocadas e do barulho de nossos intimidades molhadas em movimento.
  Meu corpo começa a pingar suor, e a cada vez que os meus seios roçavam contra seu tórax, eles ficavam mais rígidos. Seu membro pulsava dentro de mim, e isso o faz acelerar mais seus movimentos, que ganham uma intensidade que me faz contorcer os dedos dos pés ao chegar no meu ápice com um alto gemido misturado ao som das notas do piano. Tremo por completa, enquanto minha respiração é algo completamente descompassada.
  Com alguns movimentos da minha parte, ajudo Taehyung a encontrar seu ápice também, que vem acompanhado de um gemido rouco que me faz arrepiar dos pés à cabeça, como uma porta de entrada para o céu. E quente como o sangue, o sinto se derramar, misturando sua satisfação e prazer aos meus, pingando e escorrendo para fora de mim, sujando as teclas do piano.
  Ainda com seu membro molhado dentro da minha intimidade, Taehyung para seus movimentos, e encosta sua testa na minha, me dando a bela oportunidade de apreciá-lo em seu momento frágil de prazer. E por mais que eu odeie admitir isso, mesmo que só para mim mesma, eu estava com saudades desse maldito, perigoso e lindo vampiro.

Capítulo 15

  Um esguio filete aquece meu ombro, descendo por uma parte do meu braço esquerdo e barriga. Respiro fundo, me concentrando na sensação de calor; era confortável. Mesmo que eu não usasse roupas, o sol que atingia meu corpo não o deixava desconfortável, ao contrário da superfície dura da qual eu estava deitada. Meu braço direito, debaixo do meu corpo, já começava a doer e a ficar dormente, o que, ocasionalmente, me faz abrir os olhos, tendo minha primeira vista da manhã: um rosto de traços delicados, com alguns fios de cabelos brancos - que pareciam brilhantes sob os raios de sol - espalhados pela testa e em frente aos olhos fechados de longos cílios; o longo brinco deitado na lateral do rosto; a pele pálida que criava um grande contraste com os lábios avermelhados e bem delineados, levemente cheios; as mãos com unhas pintadas de preto, perto do rosto, levemente sujas pelo sangue seco, assim, como, algumas partes do corpo pálido e desnudo.
  Inspiro profundamente, enquanto perco algum tempo apenas observando Taehyung, que parecia dormir. Me sento, espiando sobre os ombros, encarando as portas abertas da sacada, por onde os agradáveis raios de sol entravam. Perco mais algum tempo observando, antes de me levantar, decidida a tomar um banho para me limpar e despertar. Caminho para perto do piano e recolho minhas roupas sujas e sapatos, mais uma vez observando o piano, enquanto me lembro do dia anterior. E com mais uma respiração profunda, saio silenciosamente, deixando um Taehyung adormecido no chão da sala de música, para trás.
  Passo rapidamente para o cômodo do lado sem que ninguém me veja sem roupas, e quando fecho a porta do meu quarto, jogo tudo que trouxe no chão, indo com pressa até o banheiro grande e claro. Em frente à grande redoma de vidro que escondia o chuveiro, estico meus braços para cima, espreguiçando o meu corpo. Fecho os olhos por alguns segundos e movimento meu pescoço para os lados. Inspiro e expiro fortemente, tentando tirar toda preguiça matinal do meu corpo e, em seguida, abro a porta da redoma de vidro. Quando toco no registro, noto uma quantidade significativa de sangue seco debaixo das minhas unhas e nas pontas dos dedos. Rio sem humor de forma nasalada, fazendo uma pequena quantidade de ar sair do meu nariz.
  Giro o registro e, em instantes, a água quente atinge meu corpo como se fosse uma relaxante massagem. Paro ao centro do chuveiro, fechos os olhos e permaneço parada, apenas deixando que a água me cubra.
  Enrugo minhas sobrancelhas quando escuto um barulho suave ao fundo, indicando que alguém abriu a porta do quarto. E leva segundos até que eu escute a porta do banheiro ranger quase que imperceptivelmente. Se eu estivesse com a cabeça cheia de pensamentos, talvez eu nem teria escutado.
  Abro os olhos e me viro para a direita, em direção à porta da redoma de vidro, dando de vista com um alto corpo pálido e manchado de sangue. Meus olhos se arrastam do torço até o belo rosto de Taehyung.
  – Pensei que estivesse dormindo. – Algumas das gotas de água que me atingiam, respingam em seu corpo.
  – Acho que você me acordou. – A voz de Taehyung era isenta de qualquer emoção. Seu olhar, que encarava meu rosto, era baixo e pouco aberto, semelhante à sua voz.
  – Sinto muito por isso, mas eu precisava me limpar. – Confesso, e ele assente.
  Taehyung fica em silêncio, me fitando por alguns segundos, enquanto o barulho do chuveiro ligado soava ao fundo, preenchendo esse momento entre nós. Desvio meu olhar quando meu rosto ameaça esquentar, e isso era um pouco irritante.
  Respiro alto e profundamente.
  Sinto Taehyung tocar minha mão direita com a ponta dos dedos, de forma sutil, antes de segurá-la. Devagar, ele puxa meu braço para frente, me fazendo aproximar dele e sair debaixo do chuveiro. Taehyung solta minha mão, repousando suas mãos na minha cintura. Meu busto se junta ao seu tronco, tendo um contato direto das nossas peles e, com isso, acabo o molhando. Respiro alto de novo, e passo os meus braços ao redor do seu pescoço.
  Eu podia sentir cada parte do seu corpo. Não haviam roupas ou qualquer outra coisa que separasse esse contato. E por mais que meu rosto continue teimando em esquentar por essa situação, isso parece um pouco natural.
  – Eu ainda não sei se concordo com isso, Taehyung. Há muitas coisas dentro de mim que eu preciso resolver agora. – Faço uma pequena pausa e suspiro, desviando meu olhar do seu. – Por isso, eu queria levar as coisas de um jeito diferente.
  Sua mão vai até meu rosto, e ele empurra uma mecha molhada do meu cabelo, para trás da orelha.
  – Que jeito? – As costas dos seus dedos deslizam pela lateral do meu rosto, enquanto ele me encara de um jeito atento e profundo, como se me hipnotizasse, apesar de eu saber que ele não está fazendo isso e nem pode, pois estou usando o meu anel Van Helsing.
  Anel...
  O simples pensamento me faz tocar o segundo anel que passei a carregar comigo; com as mãos ainda atrás do seu pescoço, com um dedo, encosto na pedra vermelha.
  – Eu sei que para todos os outros, nós vamos estar em um compromisso... eu quero que entre nós dois, aqui e agora, demos um tempo em tudo isso. – Minhas palavras não têm qualquer efeito em sua feição apática e olhos atentos. – Não vou tirar o anel porque não consigo, mas durante todo esse tempo em que caçarmos os lobos, quero que levemos isso não como um noivado, e sim, como uma união entre as Filhas da Sombra e os Drácus Dementers. E quando tudo isso acabar, nós dois vamos nos entender. – Acabar com tudo.
  – É isso o que você quer, Elena? – Seus dedos passam, outra vez, pela lateral do meu rosto, deslizando até meu queixo, enquanto seu polegar roça suavemente no meu lábio inferior.
  Assinto, em silêncio.
  Taehyung curva sua cabeça para frente, selando nossos lábios por alguns segundos, sem intenção de intensificar o beijo.
  Seus lábios se afastam lentamente dos meus, com seus olhos castanho-escuros tão próximo dos meus.
  – Tudo bem. Vamos fazer isso. – Ele volta a sua postura anterior, afastando seu rosto.
  – Obrigada. – Agradeço, sincera.
  Nesse momento, me encarando, não sinto que ele possa ter ficado irritado, Taehyung realmente parece sincero e, por alguma razão, isso faz meu coração ficar acelerado e ansioso. E estando com meu corpo contra o dele, torço para que ele não note.
  Noite passada, eu admiti para mim mesma que não o superei e que até senti sua falta, e esses tipos de pensamentos, misturados a conhecer Taehyung dessa forma tão diferente e que julgo ser sincera, realmente me faz ficar nervosa. Um milhão de insetos andando por todo meu interior, enquanto sou corroída por essa ansiedade que me atinge bem na boca do estômago. Mas, independentemente de todos esses sentimentos, me sinto grata e feliz por ele ter me entendido.
  Seus olhos adornados pelos longos cílios, encaram meu pescoço, e sei que ele está observando a marca que havia ali. E me pergunto o que ele pode estar pensando agora?
  Taehyung é um vampiro, um Drácula, e mesmo que sua fonte de alimento sejam almas e não o sangue, como no caso de um vampiro comum; de certa forma, é admirável a forma como ele e seus irmãos se controlam mesmo debaixo do mesmo teto que humanos, ou até mesmo se controlam diante do sangue humano. Já tive alguns machucados nesse castelo, minha irmã também e, mesmo assim, eles nunca perderam o controle. Depois de estudar os vampiros por longos anos, sei que não é tão fácil se manter indiferente a um estímulo tão grande quanto o sangue humano, mas, no caso desses irmãos, eles estão, definitivamente, além disso.
  Penso que para Taehyung, talvez seja algo ainda mais difícil; toda vez que ele olha para essa marca no meu pescoço deixada por ele, seus instintos devem gritar para que ele repita o que fez na lua de sangue, mas ele nunca o fez desde que cheguei na Transilvânia. Mas, apenas pela maneira como suas pupilas se dilataram minimamente quando ele encarou a mordida feita por dois pequenos pontos de presas, sei que isso se torna uma grande tentação para ele.
  As batidas do meu coração ficam mais fortes quando novos pensamentos rodeiam minha mente. Estou decidida a seguir minhas próprias decisões, sem a interferência da igreja, por isso, não quero pensar no julgamento deles diante do que estou pensando em fazer. Taehyung e eu conversamos, não há mais um casamento, por enquanto, então eu não devo me preocupar com isso.
  Em uma pequena brecha, abro minha boca, puxando uma pequena quantidade de ar para depois a soltar. Afasto minhas mãos do pescoço de Taehyung, e coloco meu cabelo molhado para trás, deixando a marca em meu pescoço completamente à mostra.
  – Você quer fazer isso, não quer? – Pergunto, e Taehyung me encara, sem responder. – Faça.
  Ele aperta os olhos, em um olhar estreito.
  – Faça, Taehyung.
  Ele permanece parado. E eu engulo em seco.
  Suavemente, coloco minhas mãos uma de cada lado do seu rosto, e o encaro tão profundamente quanto ele costuma me encarar.
  – Eu estou dizendo que você pode fazer isso. – As batidas do meu coração parecem que vão parar a qualquer momento, de tão agitadas que estão. – Apenas faça isso agora, Taehyung
  Afasto minhas mãos do seu rosto e dou um passo para trás, deixando que ele me encare bem. Suas pupilas se dilatam outra vez, mas, agora, com muito mais intensidade.
  Em um literal piscar de olhos, sinto meu corpo ser prensado contra a parede fria, me causando um pequeno calafrio. O corpo alto de Taehyung estava parcialmente debaixo do chuveiro, deixando seu cabelo, em instantes, completamente molhado, com gotas que escorriam por seu rosto que ganhou uma expressão carregada.
  Suas mãos vão para os meus pulsos, os segurando contra os azulejos claros. Aos poucos, minha respiração começava a descompassar, do mesmo jeito que as batidas do meu coração. Minimamente, inclino a cabeça para o lado, o dando uma bela visão do meu pescoço que Taehyung não consegue desviar nem por um segundo. E sem qualquer tipo de aviso, ele aproxima seu rosto da curva do meu pescoço, e sinto seus lábios roçarem minha pele, me causando um pequeno arrepio. Seus lábios se afastam um do outro, e sei que ele abriu a boca, pois, segundos depois, fecho os olhos quando sinto suas presas perfurarem minha pele em uma dolorosa fisgada. As presas deslizam para dentro da minha pele com facilidade, como se atravessassem pequenos amontoados de algodão.
  Mordo meu lábio inferior quando o sinto começar a sugar meu sangue, assim, como, também sinto algumas gotas escorrerem por meu pescoço. Solto um baixo gemido de dor, fechando minhas mãos em punhos. Taehyung solta meus pulsos, e uma das suas mãos vai para lateral do meu pescoço, como um suporte, e a outra vai para minhas costas, me segurando e me mantendo perto; entre seu corpo e a parede gelada.
  A água do chuveiro continua caindo em Taehyung e, consequentemente, em mim, me possibilitando ver algumas pequenas gotas vermelhas se diluírem no chão molhado do banheiro.
  Assobio um curto suspiro quando a mão que estava nas minhas costas, se arrasta para minha cintura, apertando levemente o lugar, antes de subir de forma arrastada que meu causava arrepios, parando abaixo do meu busto prensado ao seu tronco. A mão em meu pescoço se arrasta para dentro dos fios molhados dos meus cabelos, enquanto Taehyung apertava mais seu corpo despido contra o meu, me fazendo sentir uma pequena ereção surgir dele. Ele estava prestes a ficar excitado, e sei como vampiros podem se tornar excitados quando bebem sangue humano (abrangendo todos os sentidos dessa palavra); mas, estando nessa situação, sei exatamente o motivo de Taehyung ficar excitado.
  Apoio uma mão em seu ombro e a outra no seu braço dobrado, sentindo meu corpo se arrepiar à medida que se torna quente. Taehyung para de sugar meu sangue, retirando suas presas de dentro da minha pele, mas sem afastar a boca do lugar. Seus lábios macios se mexem suavemente sobre o meu pescoço, roçando contra minha pele de uma maneira que me causava mais arrepios. Sua mão aperta a pele abaixo do meu busto e, em seguida, sinto a ponta de sua língua encostar no meu pescoço, se arrastando por todos os lugares manchados de sangue.
  Lentamente, Taehyung vai afastando seu rosto da curva do meu pescoço, até que eu possa o encarar: olhos vermelhos carregando um olhar pesado e profundo, pupilas dilatadas e a boca ainda mais avermelhada, com os cantos sujos de sangue e uma pequena gota escorrendo em direção ao seu queixo.
  Mais um arrepio e, dessa vez, um que carregava todos os meus sentimentos de; desejo e excitação, espanto e curiosidade, irritação e confusão, medo. E Taehyung enxerga cada um deles.
  Ainda consigo sentir suas presas e boca no meu pescoço, como um formigar que deixava minha pele dormente. Abruptamente, Taehyung me beija, sem qualquer tipo de delicadeza ao toque dos seus lábios contra os meus. E quando sua língua quente toca a minha, sinto o gosto do meu próprio sangue.

***

  Ajeito os fios úmidos dos meus cabelos e fecho a porta atrás de mim, antes de sair pelo corredor do oitavo andar. Em silêncio, desço até o cinto andar e vou direto para o quarto de Wendy, do qual abro a porta com cuidado para não fazer barulho, pois ainda era muito cedo.
  Assim que entro no quarto, vejo Wendy adormecida na cama com Lilu do seu lado. As portas da sacada estavam abertas, deixando que a claridade do belo dia ensolarado entrasse no quarto, como a suave e agradável brisa.
  Descalça, Sally sai do banheiro, me encarando com surpresa. Ainda em silêncio, indico para ela a sacada, e ela assente. Nos juntamos na sacada, de modo que possamos conversar sem acordar Wendy e Lilu. Primeiro, pergunto de minha irmã, e Sally diz que Wendy está se recuperando muito bem, e que apesar da gravidade do seu ferimento, em alguns dias ela estará curada, tudo graças aos poderes místicos da erva Anti-Parálysi. Mentalmente faço um pequeno agradecimento ao meu Senhor por isso, e depois conto para Sally sobre o encontro com Kihyun. Ela me questiona acerca do aviso do lobo sobre só podermos confiar em nós mesmo; Sally sugere que talvez um dos irmãos possa estar envolvido nisso, mas eu a respondo dizendo que não. Não que eu conheça esses irmãos tão bem ao ponto de não desconfiar, mas após passar algum tempo com Kihyun, percebi que suas intenções são tentar nos desestabilizar a todo custo, nos fazendo brigar entre nós mesmos, por conta das suas provocações. Isso facilitaria o seu trabalho, e é justamente por esse motivo que não devemos cair na sua armadilha.
  Quando nossa conversa acaba, pergunto se Sally não gostaria de tomar café, e ela me responde que está quase na hora de acordar Wendy e trocar seu curativo. Pergunto se ela se importa se eu fosse tomar café, e quando ela responde que não, digo que não vou demorar e que logo voltarei para ficar com elas.
  Saindo do quarto da minha irmã, vou direto para a sala de jantar, onde encontro Skull organizando a mesa para o café. Ao me ver, ele diz que tem algo para mim e pede que eu o espere aqui na sala de jantar. O mordomo volta segundos depois, com sua velocidade e eficiência de vampiro, me trazendo uma pequena xícara de porcelana com um conteúdo roxo. Não preciso pensar muito para saber o que é. Skull diz que Taehyung foi quem pediu que ele me preparasse esse chá. E em meio ao meu momento de vergonha, agradeço Skull, e pergunto onde Taehyung estava agora, na tentativa de mudar o assunto que fazia meu rosto esquentar. Skull me diz que Taehyung estava na sala de estar reunido com seus irmãos, o que desperta a minha curiosidade. Ele provavelmente está explicando sobre Kihyun, e eu gostaria de fazer parte dessa conversa, por isso, rapidamente tomo o chá-roxo e pego um dos pequenos pães de leite dentro de uma cesta sobre a mesa, e saio da sala de jantar.
  – Você não pretende ir para uma sala cheia de vampiros desse jeito, não é? – Quando estou prestes a descer as escadas que levavam para o primeiro andar, escuto a voz de Blarie atrás de mim.
  Quando me viro, a encontro sorrindo e de braços cruzados em seu longo e elegante vestido preto.
  – O quê? – Levanto as sobrancelhas em confusão, e olho para mim mesma. – Está falando do meu cabelo molhado? Eu tomei banho, só isso.
  Blarie ri e estica seu braço em minha direção, colocando meu cabelo para trás. Depois ela passa o dedo indicador sobre meu pescoço. Ela mostra o dedo sujo de sangue para mim, colocando-o na boca em seguida.
  – Esse cheiro e gosto são inconfundíveis. – Ela tira o dedo, já não mais sujo de sangue, da boca. – Foi atacada por um vampiro, Elena? – Blarie arqueia as sobrancelhas, e sorri lasciva.
  Arregalo os olhos e tampo o pescoço, sentindo o sangue molhar a palma da minha mão.
  – É melhor darmos um jeito nisso. Vem comigo. – Blarie ri, e faz um gesto de mão para que eu a siga.
  Ela me leva para um quarto qualquer do terceiro andar. E dentro do grande guarda-roupas de madeira, Blarie pega um pequeno kit de primeiros socorros; me fazendo pensar que esses vampiros devem ter um “longo relacionamento” com humanos, pois eu sei que eles não precisam de kits de primeiros socorros, mas, mesmo assim, ainda mantêm isso no castelo.
  – Vocês finalmente estão se entendendo? – Blarie pergunta, enquanto limpa meu pescoço com uma gaze, antes de colar um pequeno curativo sobre a mordida.
  Desvio o olhar e encolho os ombros.
  – Talvez.
  Blarie ri.
  – Isso é bom. – Ela se levanta da cama em que estávamos sentadas, e estende sua mão para mim.
  Nós duas saímos do quarto, e refazemos todo o caminho, agora, indo para a sala de estar, onde os irmãos conversavam.
  – Bom dia, Elena. – Hoseok me saúda com entusiasmo. – Senta aqui. – Ele indica o lugar vago entre ele e Yoongi, no grande sofá.
  Faço o que ele pede, e me sento do seu lado. Jimin que estava sentado no braço do sofá, do lado de Yoongi, sorri para mim, e eu retribuo com um sorriso fechado. Por fim, Blarie se senta no outro braço do sofá, esse do lado de Hoseok, que a abraça pela cintura.
  – Estávamos falando sobre o que o Yoon, Nam, Jungkook e Jin encontraram depois de seguirem os lobos. – Jimin fala.
  Atenta, acabo encarando Taehyung, que estava de pé a poucos metros de distância, perto da mesa de cristal no centro da sala de estar.
  – Não conseguimos ir atrás do Kihyun, ele é esperto, provavelmente já havia pensado nisso. Mas conseguimos seguir alguns lobos. – Yoongi me explica.
  – E pra onde ele foram? – Blarie pergunta, encarando Yoongi.
  – Igreja.
  – Igreja? Mais uma? – Franzo o cenho para Yoongi, confusa.
  Ele assente.
  – Essa estava ativa.
  – Não podemos entrar em igrejas ativas. Esse é um bom jeito de se esconder e se defender. – Namjoon, que estava sentado em uma das elegantes poltronas da sala, diz.
  Jin, de pé ao seu lado, suspira alto e irritado.
  – Então o Kihyun querer nos encontrar em uma igreja, era meio que uma pista? – Pergunto.
  Taehyung nega com a cabeça, cruzando os braços em sua elegante roupa.
  – Ele queria nos testar.
  – Eu pensei que tivesse dito que ele queria nos intimidar. – Jungkook, parado ao lado de Taehyung, o encara com o cenho franzido.
  – Também. – Taehyung é o próximo a suspirar. – Kihyun queria saber se a igreja e os vampiros trabalhariam juntos, por isso, distribuiu as pistas, sabendo que o único jeito de acharmos ele, era se juntarmos nossas pistas.
  – Se estivéssemos juntos, as coisas seriam mais difíceis para ele. – Jin complementa Taehyung, que assente.
  Fico contente por saber que pensei da maneira correta.
  – Mas a igreja não está do nosso lado, só a Elena e a equipe dela, não é? – Hoseok me encara, e eu assinto.
  A essa altura, Taehyung já deve ter contado tudo aos seus irmãos, de qualquer forma, era o certo a se fazer já que estamos trabalhando juntos agora.
  – Sim, Hoseok, mas elas estarem do nosso lado, já diz muito para o Kihyun. Só existem duas opções para isso: a Elena continuar com a igreja e mentir pra nós, ou ela ficar do nosso lado e mentir pra igreja. – Calmamente, Taehyung explica. – Kihyun sabia que a igreja não ia ficar do nosso lado, ele fez isso propositalmente.
  – O que isso tem a ver com as igrejas onde eles estão se escondendo? – Jimin pergunta para Taehyung.
  – Ele fez isso justamente para saber se iria ou não poder se esconder nas igrejas. A Transilvânia é a terra dos vampiros. Nós conhecemos muito bem esse lugar e vasculhamos cada parte, e não encontramos nada.
  – Vasculhamos tudo exceto as igrejas. – Namjoon parece ter um insight, e encara Taehyung com as sobrancelhas levantadas em surpresa.
  Taehyung assente mais uma vez.
  – Saber se a Elena estaria do nosso lado, é o mesmo que saber se ele pode ou não se esconder nas igrejas, já que ela poderia entrar. Ela estando do nosso lado, seria uma vantagem. – Jin fala, parecendo entender o raciocínio de Taehyung.
  – O vira-lata não é nada burro. – Jungkook diz sem humor.
  – No nosso encontro com ele, percebi o quão seguro Kihyun está de toda essa situação. E isso pode atrapalhá-lo. – Taehyung volta a falar. – Ele sabe que a Elena está do nosso lado agora, mas, provavelmente, não está tão preocupado, porque com essa decisão dela, tiramos a igreja dos planos.
  – A jogada desse cara é diminuir o número de inimigos que atacariam os lobos. – Yoongi cruza as pernas do meu lado, e movimenta a cabeça como se estivesse confirmando alguma coisa, com os olhos presos no carpete escuro do chão. – Ele sai ganhando com as duas opções que o Taehyung disse, já que, em ambas, ele elimina ou a igreja, ou os vampiros. E isso só faz com que ele se sinta mais seguro e arrogante.
  – Se ele está tão seguro assim e não enxerga a Elena e a equipe dela como ameaças, por serem apenas quatro, então tem grandes chances de ele continuar se escondendo nas igrejas. Por isso vimos os lobos em uma, ontem. – Namjoon fala, enquanto encara todos.
  – Maldito pulguento! – Hoseok bate na própria perna.
  – E o que fazemos agora? – Jungkook encara Taehyung, que devolve o olhar por alguns segundos, antes de fitar Jimin.
  – O que vocês descobriram sobre a Amia?
  Jimin expira alto.
  – Nada. – Ele responde com frustração.
  – Se estivermos certos acerca de tudo que falamos, e se a Amia realmente estiver ajudando os lobos, ela não deve estar por aqui. – Namjoon esfrega sua mão esquerda no queixo e depois arruma os óculos que usava hoje. – Estamos supondo que os lobos estão escondidos nas igrejas, portanto, ela não pode estar com eles, porque é uma vampira. E duvido muito que ela esconderia em uma igreja inativa, pois nós podemos entrar nelas.
  Me lembro de ter visto-o poucas vezes de óculos. Não acho que Namjoon precise, mas gosta de usar apenas por aparência.
  – Quando percebeu que a Elena armou para tirá-la do castelo, ela deve ter pensando que a Elena mandaria alguém para segui-la; a Amia é inteligente, nós sabemos disso. – Namjoon fala sério, encarando apenas seus irmãos com essa respectiva fala. – Ela provavelmente foi para Sibiu, justamente para despistar quem estivesse a seguindo, fazendo quem quer que fosse, perder tempo a procurando ali, enquanto ela fugia para seu real destino.
  – Quer dizer que perdemos esse tempo todo procurando no lugar errado? – Jimin encara Hoseok e Blarie, com uma expressão deprimida.
  – É uma opção. – Jin expira alto.
  – Por conta disso, escutem agora o que eu vou dizer, isso é o que devemos fazer. –Todos se voltam para Taehyung, o encarando com atenção. – Precisamos nos dividir em grupos, cada um liderado por uma das humanas aqui do castelo. Nós iremos invadir todas as igrejas desse lugar. – Ele fala de forma imponente, soando como um verdadeiro Drácula que é. – As humanas podem entrar, então, caso encontremos mais lobos escondidos, elas os atraem para fora e nós damos um jeito, até descobrirmos onde o maldito alfa está.
  – Só podemos formar duas equipes. Wendy ainda está se recuperando, e alguém vai precisar ficar cuidado dela aqui no castelo. – Digo.
  – Skull pode tomar conta da sua irmã enquanto fazemos isso. – Blarie sugere, mas fico em silêncio, pensando se seria uma boa ideia deixar minha irmã aos cuidados de um vampiro.
  – Se estamos todos juntos nisso, você vai precisar aprender a confiar em nós. Do mesmo jeito que vamos confiar em vocês. – Para minha surpresa, quem diz isso é Jin, que me fita com as sobrancelhas arqueadas.
  Sinto todos em encararem.
  Suspiro.
  – Tudo bem. – Solto o ar, baixo.
  – Certo, então temos três equipes. Isso faz com que aumentemos o tempo de busca. Assim será mais rápido. – Hoseok divaga, e todos concordam.
  – Quando começamos? – Namjoon pergunta para Taehyung.
  – O mais rápido possível. Apenas me deem algum tempo para falar com os outros vampiros, quero que eles vasculhem todas as cidades vizinhas atrás de vampiros; vamos fazer do jeito certo agora. Com certeza, existe mais de um traidor, e se encontrarmos Amia, encontramos o resto.
  – Não é perigoso demais fazer outra reunião, Taehyung? Já sabemos que existem vampiros nos traindo, e juntar todos em um lugar só vai aumentar as chances dos traidores vazarem nosso plano. – Jin fala seriamente para seu irmão mais novo.
  – A reunião vai acontecer aqui no castelo, e será só com os vampiros representantes.
  – Aqui no castelo? Mas e se um dos representantes for um traidor? Não é muito perigoso colocá-los aqui dentro? – Jimin pergunta.
  – Se qualquer informação dita na reunião vazar, então sabemos que um dos traidores é algum dos representantes. Isso vai facilitar as coisas.
  Acho que finalmente estamos farejando o nosso maldito lobo.

Capítulo 16

  Com nossos próximos passos decididos, acabo voltando para o quarto de Wendy, a fim de saber se ela havia acordado. E pelo caminho, acabo encontrando Hyun, tendo um tempo desde que o vi pela última vez. Esse castelo é gigante e todos aqui são vampiros, por isso, não me surpreendo de o garotinho ter sumido de vista por uns dias.
  Depois de jogar fora o pequeno curativo no meu pescoço, escondido por meus cabelos, levo Hyun comigo até o quarto de Wendy, e explico para minha equipe o novo plano. O pequeno vampiro ficou atento a tudo que falávamos, mesmo que não entendesse, não saindo do meu lado ou soltando minha mão em momento algum.
  Blarie acabou indo até o quarto de Wendy também, e depois de perguntar como minha irmã estava, a vampira de cabelos púrpura me informou que ontem quando ela, Jimin e Hoseok voltavam de Sibiu, acabaram encontrando Madame Dorothea, que me mandou um recado para retornar ao seu ateliê para uma prova do vestido de noiva. Como Taehyung e eu entramos em um acordo, acabo dizendo para Blarie que não era preciso ir lá, mas a vampira insistiu, dizendo que Madame Dorothea teve tanto trabalho no preparo do vestido, que o mínimo que eu deveria fazer era ir até o ateliê. Vencida por sua chantagem emocional, e após as garotas dizerem que estava tudo bem eu ir, acabo não tendo muitas opções.
  Hyun acabou pedindo para ir comigo e com Blarie. E sem a permissão dos irmãos mais velhos, acabamos levando o garotinho com a gente, e seriamos apenas nós três, se não fosse por Jungkook, que surgiu assim que alcançamos o hall de entrada do castelo, perguntando aonde iriamos. Quando Blarie o respondeu, Jungkook disse que também iria, pois, segundo ele, os lobos me têm como um grande alvo e, por isso, ele iria junto, para poder nos vigiar.
  Eu definitivamente não sei o que esperar desse dia, mas quero voltar para o castelo sem qualquer problema, podendo passar um tempo com a minha irmã antes das invasões nas igrejas começarem.

***

  Localizado bem ao centro de Bran, não demoramos para chegar no ateliê da Madame Dorothea, que assim que me viu, logo tratou de me empurrar para dentro do pequeno provador escondido por uma cortina florida.
  – Ainda faltam alguns ajustes, mas você pode me falar do que gostou e do que não gostou. – Madame Dorothea diz, enquanto arrumava as mangas do vestido em meu corpo. – Espere. – Ela ergue seu dedo no ar e se abaixa, pegando um longo véu branco que estava no chão, logo em seguida, o prendendo em meu cabelo solto. – Pronto. Agora está completo. – Ela joga as beiradas do véu sobre os meus ombros, e me encara através do reflexo do espelho.
  Sem piscar, encaro com encanto o vestido que moldava meu corpo, completamente deslumbrada por cada detalhe, mesmo que ainda faltassem alguns acabamentos.
  – É lindo. – Minha voz sai baixa, sem que eu consiga desviar meu olhar do meu próprio reflexo. – E-Eu não mudaria nada. – Confesso, sentindo meu rosto esquentar.
  O reflexo de Madame Dorothea sorri para mim.
  – Fico imensamente feliz por ter gostado. Eu realmente pensei em você enquanto fazia cada detalhe desse vestido. – Ela coloca suas mãos nos meus ombros, por cima do véu, e os aperta suavemente.
  Me calo, sem saber o que dizer. Tudo que eu podia fazer era admirar esse belo vestido de noiva.
  – Vamos mostrar para os outros. – Madame Dorothea se afasta e puxa a cortina para o lado, saindo do provador. Ela fica do lado de fora, esperando com um enorme sorriso, que eu saia também.
  Encaro meu reflexo uma última vez, antes de sair, sem jeito, do provador.
  Quando me vê, Blarie abre a boca, sorrindo abertamente. E Hyun que estava no seu colo, me encara curioso com os grandes olhos redondos bem abertos. Já Jungkook, ele não sorri, mas consigo notar seus olhos se arregalando levemente.
  – Por Vlad III, você está linda, Elena. – Blarie se levanta com Hyun em seu colo, e vem para perto de mim. – Você é a noiva mais linda que eu já vi em todos os longos anos da minha vida vampírica.
  – É bonito. – Hyun segura uma parte do meu véu, me encarando com seus grandes olhos.
  – É bonito mesmo, não é? Não acha que combina perfeitamente com ela, meu pequeno senhor? – Madame Dorothea pergunta animadamente para Hyun, que assente em resposta.
  Por um momento, encaro Jungkook, que sentado em um dos bancos do ateliê, sorri minimamente provocativo para mim.
  – Agora vamos tirar esse vestido e me deixar finalizá-lo. – A vampira de cabelos presos em um firme coque, começa a me empurrar de volta para o provador.
  – Você pode fazer um vestido pra mim? Com uma noiva tão bonita como a Elena, eu também quero estar bem nesse casamento. Faça alguma coisa para o Yoongi também, Dorothea. – Blarie vem apressada atrás de nós, sacudindo Hyung nos seus braços, que provavelmente se perguntava porque ela estava tão eufórica por um vestido.

***

  Assim que deixamos o ateliê, Blarie insistiu para aproveitarmos o dia ensolarado. Por isso, acabamos indo para o mesmo café do qual estive com as minhas garotas. Acabamos pegando uma mesa do lado de fora, onde pudemos aproveitar a vista da Transilvânia, enquanto as pessoas transitavam pela rua de ladrilhos.
  Blarie, Jungkook e eu tínhamos copos de café gelado, enquanto Hyun, uma caixinha de rosquinhas coloridas que eram mais interessantes do que nós três. Acabo sorrindo ao encarar o pequeno garotinho que tinha sua boca coberta por açúcar; acho que estou tendo o mesmo sentimento de Upiór. Ele deve passar tanto tempo preso naquele castelo.
  – Então, Jungkook, já sabe da grande novidade? – Desvio minha atenção de Hyung, quando Blarie começa a falar. Ela estava sentada do meu lado.
  – O quê? – Jungkook arqueia as sobrancelhas, e joga seu corpo para trás na cadeira em que estava sentado, de forma relaxada, enquanto escora um dos seus braços sobre o topo da cadeira de Hyun.
  Blarie me encara esperta, com um grande sorriso nos lábios pintados de roxo-escuro.
  – Parece que alguém finalmente cedeu aos encantos do Taehyung.
  Pisco os olhos repetidas vezes, a encarando com descrença, mas Blarie não parece se importar.
  Embaraçada, fito Jungkook, que com os olhos estreitos, pega seu copo de café e leva o canudo até sua boca, tomando um longo gole.
  – Eu vi o curativo no pescoço dela. – Ele revela, sorrindo provocativo.
  – Eu fiquei contente por isso ter acontecido. Você sabe o que estava perdendo. – Blarie me encara de canto de olho, enquanto a brisa do dia, balança seus cabelos púrpura. – Eu conheço muito bem esses irmãos, e tenho boas lembranças com Taehyung, não muitas, mas tenho. Então você sabe exatamente o que estava perdendo.
  Meu corpo escorrega pela cadeira, e tenho vontade de me esconder debaixo da mesa. Desvio meu olhar para o pequeno Hyun, na tentativa de me sentir menos embaraçada, mas o garotinho estava alheio a tudo, concentrado em comer as três rosquinhas cobertas por açúcar.
  – Somos todos adultos aqui. Não acho que nada disso seja segredo. – Jungkook ri cínico, apenas para continuar com sua provocação.
  – Eu me lembro de ter tido boas lembranças com você também, Jungkook. – Blarie apoia seus cotovelos na mesa, fecha as mãos em punhos e apoia o rosto nas mãos, enquanto encara Jungkook. – É uma pena que eu esteja só para o Yoongi agora.
  – Pensei que era o que você queria. – Ele arqueia as sobrancelhas para Blarie, tomando mais um gole do seu café.
  – É o que eu quero. Mas posso lamentar por não ver mais o belo par de pernas que você tem dentro dessas calças. – Como se estivesse sozinha com Jungkook, Blarie flerta com ele.
  Jungkook morde o topo do canudo do seu copo, passando sutilmente a língua pela ponta, antes de rir sem humor, não parecendo muito interessado nisso.
  – Com licença, eu posso ajudar em mais alguma coisa? – Uma das garçonetes do café surge perto da nossa mesa, ao lado de Jungkook. Essa situação me deixou tão desconcertada que nem ao menos a vi se aproximar.
  – Estamos bem, obrigada. – Blarie responde, mas a garçonete nem ao menos a encara, estava ocupada demais admirando, sem pudor, Jungkook. Os olhos dela quase brilhavam ao encarar ele.
  – Se precisarmos de alguma coisa, nós avisamos. – Jungkook fala, agradecendo com um pequeno sorriso.
  A garçonete assente, quase suspirando, antes de se virar e sair, voltando para o interior do café. Jungkook a acompanha com os olhos, observando seu corpo de costas.
  – Você poderia ser um pouco mais discreto. – Blarie pega seu copo, agarrando-o com uma mão e o canudo com a outra, antes de beber seu café gelado.
  – Não fiz nada. Ainda. – Jungkook inclina lentamente sua cabeça para trás, fazendo os fios escuros de seus cabelos penderem para trás, enquanto ele passa a mão pelos fios atingidos por alguns raios de sol.
  Com uma conversa mais leve, esperamos até que Hyun terminasse de comer suas rosquinhas, para que pudéssemos pagar a conta. Blarie se ofereceu para fazer isso, e Jungkook foi com ela, enquanto decidi dar uma espiada na loja de flores que ficava do outro lado da rua.
  De mãos dadas com Hyun, atravesso a porta de vidro que tilinta por meio de um pequeno sino, avisando sobre a entrada de novos clientes.
  O cheiro de flores frescas invade meu olfato, e não consigo conter o pequeno sorriso que surge em meu rosto.
  – Olha, Elena. – Hyun aponta para um vaso com grandes girassóis.
  – São bonitas, não é? – Sorrio para Hyun, que assente, atento a todas as flores que víamos.
  A loja não era grande, mas era muito bem organizada, com prateleiras e pequenos balcões com os mais variados tipos de flores. Tudo aqui era colorido, desde as flores, até as paredes e enfeites, tudo muito vívido.
  Enquanto passava no meio dos baixos e compridos balcões, sinto um forte sentimento de nostalgia me atingir. Por mais que houvesse aquele grande desentendimento no final, descobrindo a verdade sobre Morgana, não posso negar que tive uns bons momentos na pequena loja à margem da floresta de Upiór.
  – Eu, particularmente, gosto mais das dálias negras. Elas são grandes e exuberantes, e têm um cheiro único. – Alguém fala do meu lado, e quando me viro para olhar, acabo apertando a mão de Hyun com um pouco mais de força.
  – O-O que... O que você está fazendo aqui? Está me seguindo? – Pergunto para Kihyun, que estava a apenas três passos de mim.
  Por instinto, solto a mão de Hyun e o trago para perto do meu corpo, abraçando-o por cima dos ombros, como se estivesse aprisionando em um casulo.
  – Claro que não, Elena. Essa é apenas uma agradável coincidência. – Kihyun sorri, enquanto aqueles olhos cor de âmbar me encaram.
  Fico em silêncio e, de canto de olho, olho para a porta, percebendo que ela não estava tão longe e que seria fácil fugir com Hyun, caso fosse preciso.
  – Você também gosta das flores? Eu sou fascinado por elas, a maneira como se transformam de pequenos botõezinhos em algo grande e elegante. Pena que algumas delas são letais, as mais bonitas, sempre. – Kihyun encara um vaso esguio do seu lado, tocando as pétalas azuis de algumas hortênsias.
  – Quem é ele, Elena? – Hyun pergunta, enquanto ergue sua cabeça para me olhar.
  Kihyun encara o garotinho, e se inclina para ficar na altura dele.
  – Eu sou Kihyun. E você deve ser o pequeno Hyun, de quem tanto ouvi falar, estou certo? – O lobo pergunta, e Hyun assente, com um olhar curioso. – É um prazer finalmente te conhecer, Hyun. – Kihyun estende sua mão para o Hyun que, receosamente, retribui seu aperto de mão.
  Sabendo que deveria avisar os outros, sutilmente puxo a mão de Hyun para longe da de Kihyun.
  – Precisamos ir agora. – Digo, tentando não ficar tão nervosa.
  Kihyun sorri.
  – Tenha um bom dia, Elena. E não se esqueça de aproveitar esse maravilhoso sol. – Kihyun acena com a cabeça, parado em seu lugar.
  Seguro a mão de Hyun e caminho em passos largos até à porta da loja, escutando de novo o pequeno sino quando saio. Olho para os dois lados, e quando não vejo nenhum carro, atravesso a rua de ladrilhos com Hyun. Apresso nossos passos e olho sobre os ombros antes de entrar no café, não vendo nenhum sinal de Kihyun.
  Rapidamente, com os olhos, procuro pelos dois que me acompanhavam, e só encontro Blarie, que estava na fila esperando sua vez para pagar nossa conta. Hyun e eu passamos por entre as mesas e pessoas, até chegarmos nela.
  – Blarie, o Kihyun está aqui. – Me aproximo de seu ouvido e falo baixo.
  Ela movimenta a cabeça levemente para o lado, e me encara com as sobrancelhas franzidas.
  – O quê? Onde? – Ela começa a olhar ao seu redor, procurando por entre as pessoas que enchiam o café.
  – Na floricultura do outro lado da rua.
  Blaria fica séria, e encara a fila em que estava, vendo que ainda havia algumas pessoas na sua frente.
  – Merda! Vai chamar o Jungkook.
  – Onde ele está?
  – No banheiro.
  Assinto, soltando a mão de Hyun e pedindo que ele fique com Blarie na fila.
  De novo entre as mesas e pessoas, procuro pelo banheiro, o encontrando depois de perguntar para um dos funcionários.
  Em um corredor afastado das mesas do café, encaro as duas portas, e antes de entrar, torço mentalmente para que eu não encontre ninguém além do Jungkook.
  Seguro na maçaneta do banheiro masculino, a empurrando para baixo e depois empurrando a porta para dentro do banheiro. Meu corpo para na entrada do banheiro e minha mão permanece na maçaneta, quando vejo a garçonete que nos atendeu, encostada contra a pia de mármore do banheiro, enquanto Jungkook mordia seu pescoço.
  – O que você está fazendo? – Pergunto afobadamente, enquanto entro no banheiro e fecho a porta para que ninguém veja. – Está louco, Jungkook? Alguém pode entrar aqui a qualquer momento.
  Jungkook afasta sua boca do pescoço da garçonete, e retira sua mão direita da pia, que ele usava para prendê-la ali.
  – Só estamos nos conhecendo melhor. – Ele sorri cínico, e limpa os cantos sujos de sua boca, com a língua.
  Seus olhos estavam vermelhos como os de Taehyung.
  – Você realmente está louco. – Rio nervosa, e me aproximo apressada deles.
  – Qual o problema? – Jungkook arqueia as sobrancelhas. – Ela estava gostando.
  Encaro a garçonete, que permanece estática em seu lugar, com um olhar completamente vidrado, algo que me lembrava Lydia, a garota hipnotizada de Upiór. Apesar de não se mexer, a garota mordia o lábio inferior e tinha uma estranha expressão de prazer no rosto, enquanto duas gotas de sangue escorriam por seu pescoço.
  Desacreditada do que via, entro em uma das cabines e pego um pedaço de papel higiênico, usando-o para limpar o pescoço da garçonete antes que o sangue sujasse seu uniforme.
  – Kihyun está na floricultura do outro lado da rua. Eu estava com Hyun, não podia fazer nada, e Blarie está presa na fila. – Falo séria, vendo que, aos poucos, o pescoço da garçonete parava de sangrar.
  – É uma pena, gracinha. Mas parece que vamos ter que encerrar esse encontro. – Jungkook diz para a garçonete hipnotizada, segurando levemente seu queixo enquanto o balança.
  Em seguia, ele segura o rosto dela com as duas mãos e a encara bem nos olhos.
  – Esqueça tudo que aconteceu nesse banheiro. Essa marca no seu pescoço é de um inseto qualquer. Você me deu o seu número, por isso, não vai achar estranho quando eu voltar aqui procurando por você. – E dizendo isso, após hipnotizá-la mais uma vez, Jungkook lhe dá um longo selar, antes de se afastar da garçonete. – Quando Blarie terminar de pagar a conta, pegue Hyun e volte para o castelo com ela. – Jungkook encara seu reflexo no espelho, se certificando de que seus olhos voltaram ao normal. – Até mais, Elena. – De forma despreocupada e elegante, ele caminha para fora do banheiro.
  Respiro alto dentro do banheiro. Fito a garçonete que, de maneira lenta, voltava ao seu estado normal.
  – Você está bem? – Pergunto, encarando a pequena marca de presas em seu pescoço, tentando cobri-la com seus cabelos escuros.
  Ela pisca os olhos algumas vezes e chacoalha a cabeça, antes de me encarar.
  – Por que eu não estaria? – Ele me olha de cima a baixo, e depois sai do banheiro também, me deixando sozinha.
  Depois de um longo suspiro, jogo o papel higiênico sujo de sangue no lixo, antes de sair do banheiro masculino.
  Volto para a fila, vendo que Blarie seria a próxima a ser atendida.
  – Você acha que ele pode estar nos seguindo? – Blarie pergunta assim que me junto a ela e Hyun.
  – Não. – Nego com a cabeça, enquanto encaro a porta de saída do café. – Ele não perderia o tempo dele fazendo isso, com certeza mandaria um lobo qualquer, como vem fazendo. Ele estava aqui fazendo alguma coisa, eu sinto isso; mas deu a sorte de nos encontrar.
  Blarie me encara séria.
  – Kihyun sabe que Bran é o ninho dos vampiros, ele não se arriscaria a vir aqui sem um bom motivo. Talvez tenha vindo atrás dos vampiros que estão ajudando-o? – Ela pergunta.
  – Pode ser.
  Taehyung estava certo, Kihyun está tão seguro de si, que até mesmo veio pessoalmente para essas bandas de Bran. Ele está tão confiante de que tem tudo sob controle, que nem imagina que vamos fazê-lo morder o próprio rabo.

Capítulo 17

  – Já está pronta, Eleninha? – Lilu abre a porta do meu quarto. Ela já estava arrumada.
  Assinto, enquanto termino de amarrar minhas botas.
  Me afasto da cadeira de veludo que usei para apoiar o pé e vou até à cama, examinando bem, uma última vez, o que eu levaria: dois revólveres carregados com balas de prata, uma estaca de prata, um pequeno frasco com erva Anti-Parálysi e um terço. Escondo os revólveres no cós detrás das calças, a estaca dentro de uma bota, o frasco na outra e, por fim, coloco o terço.
  Era isso. As invasões as igrejas da Transilvânia estavam prestes a começar. E eu, como boa pecadora que me tornei, estarei liderando uma pequena equipe composta por dois vampiros; Taehyung e Jungkook.
  Seguro na cruz pendurada na ponta do terço, dando-lhe um beijo, de olhos fechados.
  – Que o Senhor me perdoe e guarde a minha alma, me redimindo de todos os pecados profanos que tenho cometido. In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen. – Sussurro para mim mesma e solto a pequena cruz, antes de caminhar para fora do quarto, sem saber o que me esperava do outro lado.
  Em silêncio, Lilu e eu fomos para o quinto andar, direto para o quarto de Wendy.
  – Estou pronta. – Sally diz assim que entramos no quarto. Ela estava abaixando a camiseta de Wendy, provavelmente verificando o machucado dela.
  – Como se sente? – Me aproximo da cama, sentando por um momento. Pego em uma das mãos de minha irmã.
  – Eu estou bem, Eleninha. Não se preocupe tanto. – Wendy sorri, me fazendo sorrir também.
  Depois de dois dias e meio, ela estava cada vez melhor e logo voltaria ao normal.
  – Estou levando o meu celular. – Aponto para o interior da minha jaqueta. – Qualquer coisa, me liga. É sério, Wendy.
  Ela revira os olhos, e ri.
  – Eu vou ficar bem. – Wendy coloca mais ênfase em sua fala. – Mas e você, como está?
  – Eu?
  Ela assente.
  Suspiro alto.
  – Nervosa. Acho que com um pouco de medo. – Confesso.
  – Medo do quê? – Wendy pergunta.
  – Nós vamos invadir igrejas. Isso não parece certo.
  – Eu concordo com a Elena. – Sally se manifesta. – Uma coisa é mexermos com os nossos superiores, e outra é mexermos com o Senhor. As igrejas são os templos do Senhor.
  Lilu, que foi para o lado de Sally, engole em seco. Ela também parecia um pouco incomodada com isso agora.
  – Escutem, vocês três – Wendy nos faz olhá-la com atenção – o Senhor sabe o motivo de estarmos fazendo isso. Ele sabe que precisamos fazer. E não acho que irá nos castigar, porque continuamos lutando pelos humanos.
  Ficamos em silêncio.
  Acho que as palavras de Wendy me confortam um pouco. Ela está certa, estamos fazendo isso para evitar que os de má fé assumam o poder.
  – É melhor irmos agora. – Digo, e me inclino em direção a Wendy, beijando sua bochecha. – Por favor, me prometa que se alguma coisa acontecer, você vai me ligar.
  – Eu prometo. – Ela sorri. – Agora vão lá dar um banho naqueles cachorrinhos sujos.
  Me levanto e me junto a Lilu e Sally.
  – Que o Senhor proteja e guarde vocês três. – O nosso "amém" vem sem pestanejar e uníssono.
  De volta ao corredor, descemos mais alguns andares até que chegamos no primeiro, mais especificamente, na sala de estar, onde todos já nos esperavam. O lugar que virou nosso ponto de encontros e reuniões.
  – É isso, hora de partir. – Jin anuncia, de braços cruzados ao lado de Taehyung, e perto de Hoseok. Ele parecia um pouco tenso.
  – Cada equipe já tem sua lista de igrejas, e todos já sabem o que fazer. – Jin continua, e todos assente, antes de, aos poucos, começarmos a deixar a sala de estar.
  Penso em esperar por Taehyung, mas Jimin e Blarie se juntam a mim e as garotas, e acabo indo com eles até o lado de fora do castelo.
  Há dois dias atrás, quando Jungkook seguiu Kihyun, ele acabou encontrando um pequeno grupo de lobos reunidos em um bar de Bran. Como esperado, Jungkook brigou com eles, e até conseguiu matar alguns, mas os outro fugiram, provavelmente, indo atrás de Kihyun, que desapareceu como a brisa daquele dia. Não espero encontrar Kihyun hoje, até porque ele é ótimo em ocultar-se como mágica, mas eu realmente espero pegar alguns lobos e reduzi-los a pó. Já passou da hora de quitarmos nossa dívida com eles, em nome de todos aqueles que morreram.
  Com todos fora do castelo, nos separamos na entrada, em três carros com: Lilu, Hoseok, Jin e Jimin; Sally, Yoongi, Blarie e Namjoon e; comigo, Taehyung e Jungkook.
  Me sento no banco de frente para os dois irmãos. Não acho que seria agradável me sentar do lado deles.
  Taehyung estava de pernas cruzadas, com as mãos apoiadas sobre um dos joelhos. Ele usava uma blusa de seda vermelha e calças pretas. E assim, como Taehyung, Jungkook também estava de pernas cruzadas, mas com os braços apoiados no topo do banco escuro do carro. Ele estava completamente trajado de preto.
  Jungkook observava a paisagem do outro lado da janela, enquanto Taehyung me encarava.
  Levanto minhas sobrancelhas para ele, como se pergunta "o que foi?", e ele sorri fechado, me fazendo desviar o olhar por sentir meu rosto esquentar um pouco.
  – Estamos quase pegando alguns traidores. – A voz de Taehyung me faz olhá-lo. Ela também atrai a atenção do Jungkook.
  – Os seus vampiros descobriram alguma coisa? – Pergunto, e Taehyung assente.
  – Eles encontraram alguns vampiros escondidos em Târgu Mureș. Parece que estavam escondidos em um lugar que já usamos para fazer a sectă de sânge.
  – Vamos fazer algo? – Jungkook pergunta para Taehyung, que nega.
  – Ainda não. Os vampiros só os viram lá, nada que comprove que estão do lado dos lobos. Mas é suspeito, já que nunca nos reunimos nos mesmos lugares.
  Abro um pouco mais os olhos, em surpresa.
  – Não é um plano nada ruim se esconder em lugares onde vocês não iriam mais procurar. – Digo, e Taehyung assente.
  – Sim. Por isso pedi que eles continuassem vigiando esses vampiros, sem que eles percebam. Precisamos descobrir o motivo de estarem ali.
  – E são muitos? – Jungkook se mexe sobre o banco do carro, que sacolejava um pouco, virando-se para o seu irmão.
  – Aproximadamente vinte. Mas isso foi o que eles viram naquele momento. Pode haver mais.
  Jungkook bufa, soltando o ar de forma pesada pelo nariz.
  – Deveríamos simplesmente ir lá e dar um jeito nisso.
  Apaticamente, Taehyung encara seu irmão.
  – As coisas não funcionam assim, Jungkook. Acredite, eu queria tanto quanto você matar um por um, mas não podemos começar mais uma briga, já nos basta esses malditos vira-latas.
  Jungkook devolve o olhar de Taehyung, e eles ficam se encarando por alguns segundos, sem dizer nada.
  – Eu posso esperar pra matar alguns. No final, vai compensar. – Jungkook sorri para Taehyung.
  Estou longe de ser uma santa, e sei que já matei alguns vampiros, mas, apenas vampiros, e isso para que eles não matassem os humanos. Não era a melhor parte de mim, ou algo que me desse prazer em fazer, mas esses dois sentados na minha frente, nem ao menos se importam. São em pequenos momentos como esse, que o peso da origem da qual viemos, cai sobre mim; a nossa visão de mundo e o quanto vale uma vida.

***

  O luxuoso carro preto estaciona na entrada de uma rua de pedra protegida dos dois lados pelas paredes das casas.
  Saímos do carro, sendo recebidos pela noite silenciosa. Já era tarde. Nossa viagem foi ainda mais demorada do que da vez em que Taehyung e eu fomos encontrar Kihyun.
  Assim que Taehyung e Jungkook se juntam a mim, um de cada lado, o vento gelado, mas fraco, da noite, nos atinge. Escuto o barulho do carro atrás de nós se afastando, e sei que o motorista de Taehyung estava fazendo isso para não levantar suspeitas, ele precisava se esconder.
  Cruzo os braços, enfiando as mãos para dentro da minha jaqueta preta, e olho para os dois vampiros, esperando que um deles indicasse o caminho.
  Taehyung faz um gesto de cabeça e começa a caminhar pela rua estreita. Jungkook e eu o acompanhamos. Nossos passos ecoavam toda vez que batiam contra as pequenas pedras quadradas do chão, se misturando ao zumbido que vinha de alguns postes de luzes.
  Quando saímos da ruazinha, viramos à esquerda, e eram poucas as casas que tinham as luzes acesas. Esse era o horário que todos costumam dormir ou passar algum tempo na sala de estar assistindo filmes com tudo apagado, talvez um filme de terror. Sentados sobre seus sofás, ou deitados em suas camas, mal sabem eles que o verdadeiro terror estava espalhado por essas ruas, escondidos nas igrejas.
  Conforme íamos virando em mais ruas, tudo começou a ser coberto por uma fina camada de névoa que parecia se arrastar no chão, até subir para frente das construções, nos permitindo enxergá-las apenas quando nos aproximávamos.
  Aperto meus braços cruzados e encolho meu corpo dentro da jaqueta, engolindo em seco quando lentamente, enquanto atravessávamos a névoa, algumas sombras começam a ganhar forma como o de uma cruz no alto de uma simples igreja.
  Paramos a poucos metros dela, em uma distância segura para os vampiros que estavam comigo.
  Pelo canto dos olhos, percebo quando Taehyung vira sua cabeça em minha direção.
  Respiro fundo, soltando ar pela boca, que sai como fumaça.
  – Não está com medo, está? – Jungkook me encara, sorrindo daquele seu jeito provocador.
  Não o respondo, apenas começo a dar alguns passos para frente, me afastando deles. De forma nervosa, minha respiração começa a misturar-se com o barulho dos meus passos, os únicos acordados nessa noite.
  Tudo o que havia perto da igreja estava apagado, sem uma mísera alma penada nas ruas. Passo por debaixo de outro poste de luz que zumbia como os outros, e subo na calçada da igreja, parando diante o caminho de cimento que levava até a porta de entrada.
  Procuro em meu pescoço, o terço, agarrando-o quando o sinto.
  – Per signum crucis, de inimicis nostris libera-nos Deus noster. In nonime Patriset Fílii et Spitiui Sancto. Amen. – Sussurro e começo a caminhar em direção à entrada da igreja.
  Paro em frente à porta dupla de madeira. Encosto minhas mãos nela e tento empurrá-la para dentro mas, como já era de se esperar, estava trancada. Respiro um pouco alto, sentindo meu corpo frio pelo vente. Me abaixo e puxo para fora de uma das minhas botas, à estaca de prata. Coloco a ponta da estaca bem ao meio da porta dupla, no vão entre elas, e faço força como se usasse um pé de cabra, até que eu escute um pequeno estalo e algumas lascas de madeira saltarem.
  A porta abriu.
  Pisco repetidas vezes os olhos e guardo à estaca de madeira na bota. Espio sobre os ombros, vendo Taehyung e Jungkook pertos da calçada da igreja, me observando.
  Puxo o máximo de ar que posso e olho para frente, puxando um dos revólveres do cós das calças. Volto a tocar a porta, a empurrando lentamente. Ela se abre em um rangido agudo, revelando a escuridão do lado de dentro.
  Com os lábios entreabertos, sempre tento puxar todo ar na tentativa de me acalmar um pouco.
  Quando os saltos quadrados das minhas botas tocam o solo sagrado que fora profanado agora, um eco corre pelo interior da igreja. Passo meu corpo todo para dentro, e encosto a porta, não querendo que a luminosidade da rua entregue a minha chegada.
  Ergo meu revólver em frente ao rosto e deixo meus olhos atentos. Apesar de eu saber que aqui dentro estava bem escuro, tenho vantagem por ser uma Van Helsing.
  Tento tornar meus passos os mais silenciosos que posso, enquanto começo a andar por entre as duas fileiras de bancos. Vou me aproximando de cada um deles para me certificar de que não havia ninguém escondido debaixo dos bancos. E quando termino de examiná-los, paro de costas para o altar, tendo apenas uma opção de caminho. Vou para o lado direito, em direção ao confessionário. Abro a porta pintada de marrom, mas o lado de dentro estava vazio. Mesmo assim, entro no confessionário e começo a procurar por alguma passagem secreta.
  Solto o ar pesadamente pelo nariz e saio do confessionário.
  Volto por onde vim e paro diante o altar, encaro a grande cruz com a imagem do meu Senhor e faço o final da cruz.
  – Me perdoe por isso. – Digo, antes de andar por entre os bancos.
  Puxo a porta de entrada e saio da igreja.
  – O que você achou? – Jungkook pergunta, enquanto guardo meu revólver e caminho até eles.
  – Nada. Não tem nada aqui. É só uma igreja comum, sem lobos.
  Jungkook não parece muito feliz com isso, Taehyung tampouco, mas ainda temos uma longa noite pela frente e, talvez, passemos a madrugada toda estourando igrejas.
  – É melhor irmos antes que nos vejam. Isso com certeza vai virar notícia amanhã. – Taehyung aponta para a porta arrombada da igreja.

***

  Dessa vez, o motorista nos deixou mais perto. O carro estacionou a uma quadra de distância da próxima igreja, ficando escondido em um beco com muitas latas de lixo.
  Enquanto caminhávamos em direção à construção branca, percebo que essa igreja não fica tão próxima das casas quanto a outra. Ela parecia um pouco solitária.
  – Essa é uma filial da Santa Maria. Os lobos que frequentavam ela costumavam se passar por humanos. – Taehyung explica depois que atravessamos a rua.
  – Pensei que os vampiros haviam fechados todas as igrejas dos lobos.
  Taehyung me encara de canto de olho.
  – Eles fecharam. Mas atualmente essa igreja é apenas dos humanos. Então tem uma grande chance de alguns deles estarem aí, por isso, tome cuidado. – Mesmo que sua expressão pareça um pouco apática, por esse mesmo motivo o encaro como se fosse uma boba, assentindo.
  Eles param de andar.
  – Não machuque esse seu rostinho lindo. – Jungkook diz e, quando o encaro, ele sorri.
  Ele realmente não tinha jeito. Aceno para Jungkook e começo a andar em direção à segunda igreja.
  Mesmo com o alerta de Taehyung, não me sinto tão nervosa quanto da primeira vez, por isso, apresso os meus passos. Rapidamente percorro todo caminho até a entrada. Seguro no puxador fina da maçaneta e lentamente o empurro para baixo para não causar barulho.
  Estava trancada.
  Como fiz na primeira igreja, uso a estaca de prata escondida na minha bota para abrir a porta. Quando consigo, volto a pegar meu revólver e faço um sinal para Taehyung e Jungkook antes de entrar.
  Igual a outra, essa igreja também estava escura, mas era um pouco maior que a anterior. Uma grande imagem de Santa Maria estava no altar e, provavelmente, alguns humanos nem devem saber quem essa mulher foi de verdade.
  Com o revólver bem posicionado em frente ao rosto, começo a andar por entre as fileiras de bancos. Quando a luz da noite, do lado de fora, se encontrava com os vitrais coloridos da igreja, ela projetava diferentes tons sobre os bancos e isso me ajudava a enxergar um pouco melhor.
  Chego à frente da igreja e me viro para imagem de Santa Maria; a vendo assim, nem se parece com um lobo ou alguém ruim.
  Me arrepio como se o vento tivesse rodeado meu corpo, mas não havia como o vento de fora entrar. Era aquela sensação de frio que eu conhecia muito bem.
  Algo se arrasta do lado esquerdo, me fazendo virar com rapidez, enquanto aponto minha arma na direção do barulho. Não vejo nada, mas continuo sentindo o frio e tudo dentro da igreja parece escurecer como um filtro, como a primeira vez que tive isso em Upiór, no quarto da Morgana.
  O ar fazia um pequeno barulho toda vez que saia da minha boca. Com cautela e atenta, começo a caminhar em direção ao barulho, mas, em instantes, sinto o chão gelado quando meu corpo é derrubado por alguém que salta em minhas costas. Uso a mão esquerda para não bater o rosto no chão, apertando o revólver com força para não o soltar durante a queda.
  – Quem é você? – A pessoa que estava sentada nas minhas costas pergunta, enquanto tenta empurrar meu rosto contra o chão.
  Minhas mãos acabam ficando esticadas para frente.
  Vejo alguém sair debaixo de uns dos bancos do quais eu estava prestes a investigar. Os seus olhos amarelados brilham na escuridão como se fossem enfeites de natal.
  O lobo corre em minha direção, tentando puxar o meu revólver no mesmo instante em que mais dois lobos surgem perto dos bancos.
  Meus dedos se apertam tanto ao redor do revólver, que ficam vermelhos. Começo a debater meu corpo até que eu o consiga virar, vendo a mulher lobo que me prendia no chão.
  Acerto o cano do resolver na sua testa e a empurro para trás. No momento em que consigo me levantar, sinto minha perna ser mordida, e quando olho para baixo, vejo o mesmo lobo de antes, com seus dentes cravados na minha bota como se fosse um animal.
  Grunho em irritação e os outros dois lobos, antes escondidos, partem para cima de mim.
  Disparo três vezes contra eles e consigo acertar um, mas não no coração, porém, o suficiente para afastá-lo por alguns segundos.
  O homem que me mordia aperta suas presas, criando pressão sobre o tecido da bota. Sinto quando o frasco de Anti-Parálysi se parte em pequenos pedaços que escorregam por minha bota até o solado.
  Atiro em sua cabeça e seu corpo cai desacordado no chão, mas eu sabia que não estava morto. Uma grande poça de sangue se forma no lugar e um pequeno buraco surge no topo da sua cabeça, entre os cabelos curtos.
  A mulher lobo salta outra vez sobre mim, passando suas pernas ao redor da minha cintura e seus braços ao redor do meu pescoço.
  – Se não é uma vampira, então é caçadora. – Ela rosna perto no meu pescoço, enquanto suas unhas passam um pouco acima do meu busto, deixando alguns arranhões ali.
  Respiro fundo e rápido devido a dor, e começo a correr - com ela pendurada em mim - até à porta da igreja, tentando conter a dor que sentia toda vez que pisava nos cacos de vidro dentro da bota. Meu corpo se choca contra a porta e caio com a mulher lobo, quando somos atingidas por um dos bancos.
  Ela sai de cima de mim e rola para o lado, irritada por ter sido atingida também.
  Os dois lobos que sobraram voltam a me atacar, e um deles me levanta pela jaqueta, me pendendo no ar. Com um pouco de dor, aperto com força meu revólver, que não soltei. O homem de olhos furiosos bate meu corpo contra a porta, a abrindo e me lançando para fora.
  Esses malditos lobos não iriam ganhar essa noite.
  Enquanto meu corpo voa para fora da igreja, consigo mirar meu revólver em sua direção. E parado na entrada da igreja, acerto o lobo bem no peito. Ele cai de joelhos e eu de costas.
  – Peguei você. – Jungkook diz, quando seus braços rodeiam meu corpo e não me deixam cair na rua.
  – Eles são quantos? – Taehyung olha de mim para a entrada da igreja.
  – Agora, três. – Me apoio nos braços de Jungkook para ficar de pé.
  – Como você está? – Taehyung me encara sério.
  – Bem. Se preocupe em fazê-los sair.
  – Não vai ser um problema. – Jungkook aponta sobre os meus ombros e quando acompanho seu braço estendido, vejo que o outro lobo empurrava para o lado o corpo morto, saindo correndo da igreja, tomado pela raiva.
  Taehyung sai na frente, o derrubando no chão quando ele sai do terreno sagrado da igreja.
  – Rápido, Elena, não temos tempo. Os tiros foram altos demais. Não vai demorar até que a polícia chegue aqui. – Jungkook alerta, passando do meu lado.
  Ele espera pela mulher lobo, que sai da igreja também.
  Olho em volta percebendo que algumas casas ao longe haviam acendido suas luzes, mas ninguém saiu para ver o que estava acontecendo.
  Passo correndo perto de Jungkook, que havia iniciado uma briga com a mulher lobo. Tento voltar para a igreja, mas o lobo do qual atirei na cabeça surge na porta, se apoiando nela enquanto tinha uma mão na cabeça, parecendo meio tonto. Miro meu revólver em sua direção e quando disparo, percebo que as balas haviam acabado.
  Resmungo e corro para cima dele, o chutando para dentro da igreja. Ele cai no chão, parecendo recobrar a consciência. Puxo a estaca para fora da bota e tento acertá-lo, mas ele rola para o lado, fazendo a estaca prender seu braço no chão.
  Ele rosna de dor e alguém grita do lado de fora para que ele peça ajuda e chame os outros lobos.
  O homem lobo usa meu pé para chutar minha perna, me fazendo cair com um joelho no chão. Ele tira a estaca do braço e se levanta, correndo para fora da igreja. Saco meu segundo revólver escondido e me apresso até à entrada da igreja, conseguindo o acertar com um tiro nas costas, ele cambaleia e me próximo, o derrubando com um chute nas costas. Quando seu rosto bate no chão, disparo três vezes aonde eu sabia que acertaria seu coração.
  – Temos que ir. – Enquanto ainda tinha o revólver apontado para o lobo morto, sinto Jungkook rodear meu corpo outra vez, mas agora com apenas um braço, me puxando para longe.
  Nós três corremos, deixando quatro lobos mortos para trás, enquanto passávamos em frente às casas despertadas. Apressados, entramos no carro escondido no beco e o motorista arranca o veículo com rapidez, nos levando para longe da bagunça que fizemos.
  Suspiro alto dentro do carro e tiro minha bota esquerda, vendo meu pé manchado de sangue. Apoio minha perna esquerda sobre a direita, vendo vários pedaços de cacos de vidro enterrados na minha pele. Tiro um deles, mas dói para um inferno agora que toda adrenalina sumiu do meu corpo.
  O banco afunda do meu lado, quando Taehyung senta perto de mim. Com as sobrancelhas franzidas, ele observa os cortes na sola do meu pé.
  – Não! Não toca! – Seguro sua mão, quando ele faz menção de encostar no meu pé. – Está doendo muito.
  – Como isso aconteceu, Elena? – Taehyung suspira.
  – Eu não deveria ter colocado um frasco de vidro dentro da bota. – Encolho os ombros, sentindo meu pé latejar.
  – Estique ele sobre o banco e tente não se mexer. – Jungkook sugere.
  Assinto, fazendo o que ele pediu.

***

  O caminho de volta foi preenchido por meus grunhidos de dor toda vez que o carro sacolejava. Jungkook não disse mais nada e Taehyung não saiu do meu lado o tempo todo, me observando como se eu fosse passar mal ou algo do tipo.
  Quando o carro estacionou na frente no castelo, joguei os cacos de vidro que estavam dentro da bota, fora, e a vesti de novo. Me apoiei em Taehyung e ele me ajudou, depois de se oferecer para me carregar e eu negar, pois seria muito constrangedor. Ele também quis me acompanhar até o quarto, mas o grupo de Lilu já havia retornado e estava na sala de estar, por isso falei para Taehyung que fosse lá. Ele era o primeiro que precisava saber do que aconteceu; também pedi que ele dissesse para Lilu escutar tudo e depois vir me contar.
  Ele não parecia muito feliz por ter que fazer isso, mas acabou indo.
  – Porcaria. – Suspiro, depois de subir o primeiro degrau e sentir uma dor horrível.
  – Precisa de ajuda?
  Olho sobre os ombros, vendo Jungkook se aproximar.
  – Não, tudo bem. Você deveria estar com os seus irmãos. – Digo, enquanto tento subir mais um degrau.
  – Eles podem me contar depois o que descobriram, o Drácula não sou eu. – Jungkook aparece do meu lado, se vira de costas e agacha um pouco. – Suba nas minhas costas.
  – O quê?
  – Vou te levar para o seu quarto. Eu bem que me ofereceria pra te carregar no colo, mas o Taehyung já levou um fora, por isso, suba nas costas.
  – Não, Jungkook, tudo bem. É sério.
  Ele me encara sobre os ombros.
  – O que foi? Eu só vou te levar para o quarto. Se fosse o Jimin, você provavelmente deixaria. – Ele arqueia as sobrancelhas.
  Fechos os olhos e suspiro, antes de passar meus braços por seu pescoço. Ele se levanta e me segura pelas dobras das pernas e, com facilidade, começa a subir as escadas enquanto me carrega.
  O meu pé doía menos desse jeito, mas, em compensação, eu sentia meu rosto bem quente, e agradeço por ele não poder me ver agora.
  Inspirando o cheiro doce do seu perfume e vendo seu cabelo balançar enquanto andava, ele subiu todos os andares até que estivéssemos no oitavo. Jungkook abriu a porta do meu quarto e me colocou no chão.
  – Obrigada. Eu vou no banheiro cuidar disso. – Um pouco sem jeito, aponto para a porta do banheiro, não esperando por sua resposta, pois me viro e vou mancando até lá.
  Quando fecho a porta, suspiro de novo, me sentindo aliviada por estar sozinha. Procuro o kit de primeiros socorros e depois vou para perto da privada, me sentando sobre a tampa fechada. Tiro as duas botas e apoio o pé esquerdo sobre a perna direita e, com a pequena pinça que havia no kit, começo a remover todos os cacos de vidro enterrados na minha pele. Preciso parar algumas vezes, pois doía muito.
  Eu resmunguei tanto nesse banheiro, que tive que pedir perdão por tantas blasfêmias.
  Após retirar todos os cacos de vidro, limpo os cortes e enfaixo pé. Em seguida, fico de frente para o espelho, examinando os arranhões acima do meu busto; não eram fundos, mas ardiam um pouco. Vou apenas limpá-los e depois passarei um pouco de Anti-Parálysi, antes que fique pior.
  Ajeito tudo que baguncei dentro do banheiro, jogando os algodões sujos de sangue no lixo e guardando o kit de primeiros socorros.
  Deixo o banheiro encarando meu pé, vendo que agora eu conseguia pisar melhor, apesar de ainda doer.
  Meu corpo tem um pequeno sobressalto quando ergo meus olhos em direção à minha cama, vendo Jungkook sentado nela.
  – Você me assustou, Jungkook. O que está fazendo aqui ainda? – Paro na frente dele e ele se levanta.
  – Eu precisava saber se você realmente iria ficar bem. – Ele diz, inclinando um pouco sua cabeça para o lado, fazendo alguns fios de seus cabelos tocaram a pequena argola em sua orelha.
  – Eu já te disse que está tudo bem. Não precisa se preocupar. – Falo sincera.
  Jungkook aperta os olhos, deixando seu olhar cerrado. Depois, com o dedo indicador, ele toca o topo da minha blusa, a abaixando um pouco em direção ao meu busto.
  – Tem certeza? Parece doloroso. – Ele olha para os arranhões em minha pele e depois para o meu rosto, que ameaça esquentar de novo.
  O que há de errado comigo esses dias? Por que eu me sinto tão facilmente envergonhada como a Elena boba de Upiór?
  – E-Eu vou dar um jeito nisso. – Afasto seu dedo da minha blusa debaixo da jaqueta, e coloco minha mão sobre o local, tampando o machucado.
  Jungkook sorri provocativo e enfia as mãos para dentro dos bolsos. Ele inclina seu tronco para baixo, deixando seu rosto na altura do meu.
  – O que foi? Eu só quero ajudar. – Ele diminui seu tom de voz
  Prendo a respiração por seu rosto estar tão próximo do meu. E engulo em seco pelo nervosismo.
  Seus olhos escuros caem sobre minha boca, e meu coração dá um pequeno salto de nervosismo. Jungkook aproxima mais um pouco seu rosto do meu, mas para quando falta apenas centímetros para que se toquem...
  – É melhor... você ir, Jungkook. – Falo, com as batidas do coração incomodas. – Eu estou bem.
  Por um segundo, meus olhos vão até seus lábios também.
  Ele assente e se afasta, me fazendo respirar aliviada.
  – Nos vemos depois então.
  Pisco os olhos algumas vezes, acenando com a cabeça.
  Jungkook sai do meu quarto e eu me jogo na cama, afundando minha cabeça entre os travesseiros.

Capítulo 18

  – Parece que vocês se deram muito bem. – Comento, enquanto observo Hyun sentado do lado Wendy sobre a cama.
  Ela sorri e olha para o garotinho que segurava uma boneca de porcelana.
  – Ele me fez companhia ontem junto com o Skull, mas você sabe, o mordomo não fala muito. Já esse aqui... – Wendy aponta para Hyun e ri. O garotinho a encara com os olhos curiosos e acaba acompanhando sua risada.
  Isso será bom. Com tudo que está acontecendo agora, Hyun passa muito tempo sozinho, apenas na companhia de Skull. Acho que será bom para ele e Wendy ficarem juntos por um tempo.
  – Então sei que são a dupla perfeita, porque você fala pelos cotovelos, Wendy. – Brinco, os fazendo rir de novo.
  – Bem, acho que está na minha hora. Preciso ir agora. – Me levanto da cama, colocando as mãos na cintura e encarando os dois. – Aproveitem o dia. E qualquer coisa, você me liga. – Olho para minha irmã, que assente.
  Me despeço deles e saio do quarto, indo atrás de Taehyung e Jungkook. Nós somos a única equipe que ainda estava no castelo, as demais já haviam partido. Ficamos para trás porque Taehyung precisava conversar com alguns vampiros representantes, os que estavam encarregados de espiarem os supostos vampiros traidores.
  Ontem, quando voltamos mais tarde, Lilu me contou que a sua equipe vasculhou três igrejas, mas não encontrou nada. Já a equipe de Sally, que chegou por último após invadirem duas igrejas, encontram ambas ocupadas por lobos; parece que sua equipe conseguiu matar todos que estavam por lá.
  As notícias já estavam correndo e havia especulações entre os humanos, que suspeitavam de ataques extremistas contra fiéis da igreja. Até depois de mortos os lobos conseguiram se safar, sendo noticiados como irmãos da igreja vítimas de um atentado. Não demoraria até que a polícia começasse a investigar, buscando pelos culpados, porém, mesmo que algum morador der qualquer depoimento, não acho que nenhum de nós será caçado. Pelo menos na igreja aonde brigamos com os lobos, as casas eram um pouco afastadas e ninguém ousou sair na rua. Era de noite, tarde, e eles com certeza não terão nenhuma descrição boa de nós. Lilu assegurou que ninguém viu sua equipe também, então acho que por enquanto estamos fora de suspeitas.
  Mas, todos sabem, notícias ruins correm rápido. O Padre Albert nos ligou logo cedo, primeiro ele queria saber qual era o motivo de estarmos ausentes de contato, e depois perguntou o que sabíamos sobre os ataques nas igrejas. Mais uma vez precisamos mentir. Eu acabei dizendo que estava tão surpresa quanto ele sobre as invasões, mas que eu e as garotas passamos os últimos dias no castelo, cuidando de Wendy, e esse era o motivo de não termos voltado para a base. Também disse que nenhum dos irmãos estava por trás dessas invasões, pois nos últimos dias estavam concentrados em pegar os vampiros traidores. O Padre então perguntou quem poderia ter feito isso, e como ele não sabe que as vítimas, na verdade, eram os lobos, fui obrigada a reverter o jogo a nosso favor, dizendo que tinha grandes chances de os lobos estarem por trás das mortes, já que mataram alguns dos nossos antes. Mesmo sem ver o Padre pessoalmente, apenas escutando sua voz pelo telefone, penso que ele acreditou em minhas mentiras e, com certeza, as passará para o Vaticano. De certa forma isso era conveniente. Se o Vaticano passar a depositar toda sua vontade de vingança sobre os lobos, os vampiros podem ser deixados de lado por um momento, nos dando maior liberdade para continuar com o plano.
  A essa altura, Kihyun já deve saber das mortes e me pergunto o que ele fará. Por mais que seja inteligente, não acho que ele possa encontrar um novo lugar tão rapidamente para se mudar, já que os lobos devem ser muitos. Kihyun vai precisar de um novo esconderijo, por isso, enquanto ele esvazia as igrejas, essa será a nossa chance de acabar com a maior quantidade de lobos possíveis, cada vez mais diminuindo seu número de aliados, até que reste apenas ele. Sua vaidade e segurança estão sendo sua queda, pois além de estarmos os eliminando sorrateiramente, também vamos conseguir colocar o Vaticano em cima dos lobos.
  Dessa vez, a vitória será dos vampiros.
  – Os representantes seguiram os vampiros até outro lugar que já usamos para fazer reuniões. – Taehyung diz, e paro de encarar a janela do carro, prestando atenção nele, que estava sentado na minha frente, do lado de Jungkook.
  O carro fazia meu corpo se mexer sutilmente. A paisagem do lado de fora passava como borrões.
  – Dessa vez, eles viram a Amia.
  Levanto as sobrancelhas.
  – Esse é só mais um motivo pra desconfiarmos nela. – Digo, convicta.
  – Pode ser. Nós só precisamos pegá-los fazendo alguma coisa ou se encontrando com os lobos. – Taehyung fala.
  – Você não acha que hoje eles já vão estar preparados para mais invasões nas igrejas? – Jungkook pergunta para seu irmão, que assente.
  – Mas eles não sabem quais igrejas iremos atacar. – Falo.
  – Por isso Kihyun deve ter mandado que todas ficassem em alerta. – Taehyung apoia um dos braços sobre o banco.
  – Isso não atrapalha um pouco os nossos planos? – Pergunto.
  Jungkook ri zombeteiro e me encara:
  – Isso só vai tornar tudo mais interessante.
  Os meus machucados estavam praticamente curados hoje, por isso, estou pronta para o que viria.

***

  Dessa vez, chegamos mais rápido do que pensei, as igrejas ficavam mais perto.
  Fecho a porta do carro quando sou a última a sair, e os pneus logo rolam pela estrada de terra. Os grilos cantavam pela mata e a lua iluminava nosso caminho. Decidimos que todos as nossas invasões seriam de noite, pois isso evitaria que os humanos, ou qualquer testemunha, nos reconhecessem, mas acho que hoje isso não será um problema, já que essa igreja ficava em um lugar malcuidado e isolado.
  Nossos passos faziam barulho sob as pedrinhas do chão seco, assustando alguns insetos.
  Deixo escapar uma baixa risada nasalada quando percebo que o caminho que fazíamos era bem parecido como de Upiór, só que ao invés de arbustos fechando-o, era um mato alto e desigual.
  O caminho era um pouco estreito e eu, que estava no meio, em alguns momentos andei de ombros colocados com Taehyung e Jungkook, mas isso não me incomodava, não agora, pois precisava ficar atenta a uma suposta emboscada.
  Quando alguma nuvem cobria a lua, o caminho se tornava um pouco mais escuro e suspeito, deixando o barulho dos grilos nos guiarem.
  Ao longe, um pequeno clarão surge. Mais alguns passos e vejo uma construção velha e abandonada no meio do nada. As árvores se afastavam e só o mato alto se fazia presente. E apesar de sua aparência miserável, o clarão vinha de dentro da igreja, indicando que tinha alguém lá dentro.
  – Essa foi uma das igrejas fechadas pelos vampiros. Nós podemos entrar com você. – Jungkook explica sem me olhar, com os olhos presos na construção de tinta suja.
  – Certo, então vamos. – Puxo o revólver carregado do cós da calça e o mantenho abaixado.
  Nós três começamos a caminhar até a igreja, tentando ser os mais silenciosos possíveis. E assim que atravessamos as portas abertas, descubro que os clarões vinham de pequenas tochas penduradas nas paredes rachadas. O chão era sujo, assim como os bancos empoeirados, onde várias pessoas estavam sentadas, todas com as cabeças abaixadas e mãos juntas, rezando em silêncio para a grande imagem da Santa Maria pregada no altar.
  Havia um único homem de pé, ele estava na frente do altar. Esse homem é o primeiro a parar de rezar, e quando nos vê, seus olhos se arregalam e ele nos encara com espanto e desconfiança.
  – Q-Quem são vocês? Vieram para o culto? – Ele pergunta, atraindo a atenção de todos, que param de rezar e nos fitam por cima dos bancos.
  – Desculpe, mas não acreditamos em Deus. – Jungkook diz, do meu lado esquerdo.
  Taehyung faz menção de se aproximar, mas eu coloco uma mão em frente ao seu corpo, o impedindo.
  – E se eles forem humanos? – Pergunto, encarando cada uma das pessoas nessa igreja velha. Todas pareciam tão assustadas.
  – O quê? – Taehyung franze as sobrancelhas. – Eu sinto o cheiro, Elena.
  Encaro Taehyung e depois as pessoas, ainda tendo dúvida.
  – O que vocês querem? – O homem na frente do altar, pergunta.
  – Nós podemos conversar? – Pergunto, dando três passos para frente, mas paro ao perceber que os olhos de todas as pessoas mudaram em instantes, ganhando aquele familiar brilho amarelado.
  O semblante do homem de pé muda, se tornando severo e mal-encarado.
  – Santa Maria não permite que conversemos com a escória! – O homem grita, fazendo todos nos mostrarem suas presas, subindo nos bancos e saltando por eles, enquanto vêm em nossa direção.
  – Cinco anos e você continua ingênua. É melhor se desfazer dessa sua humanidade, Elena. – Taehyung fala sarcasticamente, antes de correr em direção aos lobos.
  – É bom se mexer também. – Jungkook diz, segurando um dos lobos pelo pescoço quando ele tentar saltar sobre nós.
  Uma verdadeira bagunça se forma dentro da igreja, com rugidos e sangue para todos os lados. E quando, ao menos, uns sete lobos vêm em minha direção, sou obrigada a disparar em todas as direções, os afastando.
  Corro para a direita, agachando e deslizando meu corpo para trás de um banco, que uso como escudo para conseguir atirar em alguns lobos, conseguindo matar quatro deles.
  Um dos muitos bancos é arremessado na direção de onde eu me protegia, batendo na parede e fazendo alguns pedaços de madeira caírem em mim. Sem me machucar, me levanto de meu esconderijo e pego uma das tochas penduradas na parede, antes de subir em um dos bancos e lançar a tocha em direção a um pequeno grupo de lobos que corria para me atacar. Imediatamente, seus corpos entram em combustão, queimando como papel. Muitos gritos de dor ecoam dentro da igreja, atraindo mais lobos para a cena, e quando me percebem, alguns tentam vir até onde estou com os olhos em fúria.
  Corro por cima dos bancos, atirando em todos que posso, inclusive nos lobos que pegavam fogo.
  Salto do último banco do lado direito e me jogo no chão, deslizando sobre a sujeira até o lado esquerdo, me afastando de alguns lobos. Troco de revólver quando a munição acaba, e me coloco de pé no banco mais uma vez, pronta para continuar, mas minha atenção é captada por uma cena que se desenrola perto de onde estou. Taehyung segurava uma mulher lobo, completamente ensanguentada, pelo pescoço, a encarando fixamente com os olhos tão vermelhos quanto o sangue, enquanto uma fumaça negra saia da boca da mulher lobo e entrava na de Taehyung. Ela sequer se debatia, não conseguia lutar enquanto sua pele perdia a cor e seu corpo se tornava magro, com os ossos grudando na pele sem gordura.
  Antes que Taehyung pudesse se desfazer da carcaça sem vida e ossuda, mãos rodeiam meu tronco, me empurrando para trás, me fazendo cair no chão. Presas rosnam perto do meu rosto, e olhos de âmbar me engolem em fúria. Com a mão livre, disparo contra seu peito, antes que o lobo me acerte com suas garras.
  Jogo seu corpo morto para o lado e percebo, antes de me levantar, uma pequena nuvem cinza pairando sobre mim. De pé, vejo que os corpos que ateei fogo estavam queimando os bancos e assoalho de madeira.
  – Precisamos nos mandar daqui. – Jungkook alerta, se aproximando de Taehyung.
  Um dos lobos se levanta em meio aos corpos mortos espalhados pela igreja, pronto para atacar Jungkook. Sem pestanejar, ergo minha arma em sua direção e atiro, o fazendo voltar para a pilha de corpos sem vida.
  – Boa mira. – Jungkook movimenta as sobrancelhas. – Agora vamos.
  Ele começa a correr para à saída e Taehyung o segue. Empurro alguns bancos que estavam no meu caminho e corro atrás deles, enquanto a igreja começa a ser preenchia pela fumaça e fogo.
  Meus pés deslizam sobre o chão de terra, levantando poeira, e paro abruptamente de andar quando vejo uma mulher jovem e negra, de cabelos enrolados, surgir, vindo de onde haviam árvores. A cor amarelada de seus olhos, que contrastava com a pele, entrega sua verdadeira natureza.
  Taehyung e Jungkook também param de andar e a mulher sorri, enquanto vem em nossa direção com passos ensaiados.
  A fumaça começava a sair de dentro da igreja, se espelhando pelo ar da noite.
  – Carla. – Taehyung diz, e eu o encaro com o cenho franzido.
  Ele estava sério agora, até parecia um pouco nervoso, mas não como de costume.
  – Oh, meu Deus! Taehyung, querido! – Carla se aproxima de Taehyung, e segura o rosto dele, dando-lhe um breve selar nos lábios. – Como é bom te ver outra vez.
  Por um segundo me sinto tonta, com uma estranha sensação correndo dentro de mim, e não sei se é por conta da fumaça que pesava no ar, fazendo com que respirar se tornasse algo desagradável.
  Ela se afasta de Taehyung e suas mãos escorregam para os ombros dele, sem deixar de oferecer-lhe seu sorriso, enquanto ele continuava parado, a encarando como um leão diante de um coelho.
  – Quem é ela? – Jungkook pergunta, os fitando sem entender, mas com atenção.
  Carla sorri para Jungkook.
  – Bonito desse jeito, esse só pode ser um dos seus irmãos. – Ela se vira para Jungkook. – Eu não me importaria nenhum pouco de perder algum tempo com você também. – Carla toca o queixo de Jungkook, que sorri com escárnio.
  – Taehyung e eu... hum, nós tivemos um caso, não chegou a ser um namoro, mas, com certeza, foi alguma coisa. – Ela encara Taehyung de canto de olho, e sinto uma ansiedade ruim correr pela boca do meu estômago.
  Em seguida, seus olhos amarelados me encaram pela primeira vez e ela se aproxima de mim, me olhando bem dos pés à cabeça.
  – Esse anel no seu dedo... – Carla fita minha mão esquerda. – Você deve ser a noiva. Elena, não é? – Ela se inclina em minha direção e sorri bem próxima ao meu rosto. – Vejo que o Taehyung continua tendo muito bom gosto. – O ar de sua risada toca o meu rosto e ela se afasta.
  O barulho do fogo fica alto e estava se tornando impossível permanecer aqui com tanta fumaça. O calor das chamas já começa a transitar pelo ar.
  – O que você quer, Carla? – Taehyung pergunta, a observando atentamente.
  Carla arqueia as sobrancelhas para ele, colocando suas mãos na cintura.
  – Quantos lobos vocês mataram lá dentro, Taehyung? Você sabe que as coisas não podem ficar assim. – Os olhos amarelados de Carla ganham intensidade, e enquanto ela fala, posso ver suas presas se alongando vagarosamente.
  Rapidamente, o som do disparo atravessa a fumaça no ar, e como os pedaços da igreja, o corpo de Carla cai no chão.
  Taehyung e Jungkook me encaram, enquanto meu revólver continua erguido no ar.
  – Ela é um lobo igual a eles e iria no atacar. – Digo, com a respiração um pouco apressada.
  Coloco a arma de volta no cós das calças, fitando o corpo que sangrava. Eu não a matei, da maneira como ela estava, eu não conseguia mirar em seu coração.
  Taehyung se agacha e pega o corpo desacordado no colo.
  – O que você está fazendo? – Pergunto.
  – Nós vamos levá-la para o castelo.
  – O quê?! – Me aproximo dele, o vendo ajeitar o corpo de Carla, que tinha a cabeça pendida para trás, em seus braços.
  – A Carla para os lobos, é como os representantes vampiros para nós. Ela é alguém importante. – Taehyung respira alto e profundamente. – Talvez eu consiga descobrir alguma coisa com ela.
  Fico em silêncio e Taehyung começa a andar com Carla nos braços.
  – Vamos. – Jungkook, que permaneceu quieto, apenas observando, faz um gesto de cabeça para que eu o siga.

***

  Taehyung colocou Carla no banco com ele, e pegou meu revólver, que apontou para a mulher lobo quando ela acordou, ameaçando atirar nela caso ela fizesse alguma coisa.
  Jungkook acabou indo do meu lado, e eu conseguia perceber seus olhares atentos sobre mim, enquanto me mantive quieta até que chegássemos no castelo.
  Ninguém havia retornado ainda e talvez demorassem um pouco. Minha equipe invadiu apenas uma igreja hoje, e por conta do nosso pequeno empecilho, voltamos antes do planejado.
  Carla foi trancada no calabouço e passou algum tempo com Taehyung lá dentro. Eu não sei sobre o que eles conversaram, mas isso parecia ser o bastante para não me deixar prestar atenção no que Wendy e Hyun me contavam. E após minha irmã reclamar da minha falta de atenção, acabei dando uma desculpa qualquer sobre estar cansada. Eu pretendia ir para o meu quarto, mas acabei na sala de estar, sentada em um dos sofás, sentindo uma onda de ansiedade roer o meu interior.
  – Está me esperando?
  Me viro no sofá, vendo Taehyung atravessar a entrada da sala de estar. Ele caminha até o sofá e se senta do meu lado. Em seguida, apoia suas mãos nos joelhos e respira fundo.
  – Eu a conheci há três anos. Nunca trouxe Carla no castelo, por isso, nenhum dos meus irmãos sabe dela. – Taehyung fita a grande lareira no fundo da sala. – Eu sempre achei que Carla era uma humana qualquer. O cheiro dela era comum e a cor dos seus olhos também. Não é difícil você ver olhos assim em humanos, eles não tinham a intensidade de um lobo.
  Abro um pouco a boca, respirando em silêncio.
  – Duas noites antes de pararmos de nos encontrar, ela se descuidou e eu pude sentir o seu verdadeiro cheiro. Nós brigamos e ela me mostrou que era um lobo. – Taehyung faz uma pequena pausa e entrelaça os próprios dedos apoiados nos joelhos. – Eu podia ter matado ela, mas não fiz isso, deixei ela ir.
  – Você gostava dela? – Engulo minha respiração quando ela ameaça ficar pesada.
  Taehyung me encara por alguns segundos de forma séria, mas não diz nada, e isso parece pior do que se tivesse dito algo.
  – Nessa época, eu já estava tendo sonhos estranhos. Depois que Carla foi embora, eu percebi o porquê de ela cheirar como os humanos. Eu sabia que tinha algum vampiro ajudando-a.
  – Por isso você me disse naquela noite que tem certeza que seu pai está do lado dos lobos?
  Ele assente.
  Encaro o chão, olhando para os dois lados, e encolho os ombros.
  – Taehyung, você não a matou três anos atrás, mas... mas pode fazer isso agora.
  Ele me encara.
  – Eu não vou fazer isso, Elena. Eu já disse que ela pode me contar alguma coisa.
  – Contar o quê, Taehyung? Ela é um lobo. – Engulo em seco, apertando os dentes uns nos outros. – Ela te contou alguma coisa há três anos? Por que você acha que ela contaria agora?
  O encaro com fervor e ele escolhe não dizer nada de novo. Ao invés de disso, Taehyung sorri ser humor e se levanta do sofá, deixando a sala. Me levanto e vou atrás dele, mas quando saio da sala também, ele já havia desaparecido.
  Volto para o sofá e me jogo deitada nele, tapando o rosto com o antebraço, enquanto expiro alto.
  Qual o meu problema? Eu digo para ele para darmos um tempo nisso de casamento, mas, no segundo seguinte, estou agindo feito a louca da Amia.
  Há três anos eu não fazia parte da vida do Taehyung e não tenho direito nenhum de me aborrecer pelo fato de que ele esteve com outras. Eu não fiquei assim quando conheci Peter, Zoe e Olivia, mas talvez seja porque nunca me senti ameaçada por eles, como estou me sentindo agora; eu nunca senti que Taehyung tivesse sentimentos verdadeiros por algum desses três. Mas quando ele fingiu acreditar em Amia, e agora, quando não quis me responder sobre gostar ou não de Carla, eu me tornei alguém patética.
  Entenda de uma vez por todas, Elena Van Helsing, ele é um vampiro, um Drácus Dementer, o Drácula. Vocês não podem e não vão ficar juntos, então, por favor, pare de agir como uma idiota... e pare de amá-lo, por favor.
  Quando foi que eu cheguei no fundo do posso e concordei que seria uma boa ideia estar aqui? Com certeza quando eu decidi vir para esse maldito país, por conta aquele maldito convite, e quando coloquei esse maldito anel que não sai do meu dedo de jeito nenhum e da qual nem sei o motivo.
  Sinto uma mão gelada tocar meu braço, o tirando de cima do meu rosto.
  – Está chorando? – Jungkook pergunta de pé, em frente ao sofá.
  – Por que eu estaria chorando? – Afasto a mão dele, me sentando.
  – Por ciúmes, não sei. – Jungkook se senta do meu lado. – Mas irritada, com certeza você está. – Ele ri provocativo.
  – Eu não estou com ciúmes, Jungkook.
  – Você que sabe. – Ele dá de ombros. – Eu fiquei surpreso, ela é bem bonita, você não acha? – Jungkook cruza as pernas e apoia os braços no sofá.
  – Sim, ela é bonita.
  Jungkook ri de novo. Ele realmente estava se divertindo com isso.
  Respiro fundo e me levanto do sofá. Jungkook segura a minha mão.
  – Não vai. Eu só estou brincando.
  Encaro ele, que ficou um pouco mais modesto.
  – Sério, Jungkook, eu realmente estou ficando cansada disso. Vou para o meu quarto. – Tento soltar sua mão, mas ele me puxa para baixo, me fazendo sentar do seu lado.
  – Fica aqui, vai, Elena. – Jungkook solta a minha mão. – Não precisa se irritar por conta de ciúmes.
  – Eu não estou com ciúmes. – Quase interrompo sua fala, dando ênfase.
  Jungkook arqueia as sobrancelhas.
  – Se você não está com ciúmes do Taehyung. Então não vai ligar se eu fizer isso. – Antes mesmo que eu tenha a oportunidade de questioná-lo sobre o que falava, Jungkook me beija.
  Como sempre, me sinto completamente nervosa e espantada com o seu cinismo, quase o empurrando para longe, mas, dessa vez, algo dentro de mim, mesmo que surpreso, faz com que, pela primeira vez, eu corresponda ao beijo de Jungkook.
  Involuntariamente fecho os meus olhos e, lentamente, deixo que Jungkook aprofunde nosso beijo, mergulhando meu corpo inteiro em tensão quando nossas línguas se tocam pela primeira vez. Suas mãos vão para minha cintura, e as minhas para o seu rosto, tocando os fios macios de seus cabelos que esbarravam nas laterais do seu rosto.
  Seu corpo se inclina sutilmente em direção ao meu, e o percebo subir um pouco no sofá. Em seguida, meu corpo começa a ser empurrado para trás até que eu sinta as minhas costas tocarem o braço do sofá. Jungkook se coloca entre as minhas pernas dobradas, onde tive que apoiar os pés no estofado escuro.
  Terminando nosso beijo, Jungkook vai em direção ao meu pescoço, cheirando o local antes de começar a beijar minha pele, deixando meu corpo alerta. Seguro em suas costas, enquanto minha boca se abre, soltando alguns suspiros baixos. Sinto seus dedos tocarem minha blusa, passando por debaixo dela e tocando minha pele. Jungkook começa a arrastar os dedos para cima, debaixo da blusa.
  Quando sua língua encosta no meu pescoço, meu corpo esquenta, me fazendo arrastar as mãos para cima até os seus cabelos, mas, enquanto faço isso, com o rosto entre a curva do seu pescoço, consigo ver o anel de pedra vermelha em meu dedo anular, e todo o meu corpo se arrepia, fazendo o calor de antes virar angústia.
  Fecho os olhos e respiro fundo. Coloco as mãos nos ombros de Jungkook e o empurro sutilmente para trás até que eu conseguisse encará-lo. Os seus lábios estavam avermelhados e seu olhar era intenso, bem similar ao de Taehyung.
  – Acho melhor não fazermos isso. Não por esses motivos. – Falo, me sentindo envergonhada.
  Jungkook me fita por alguns segundos e sai de cima de mim, se jogando sentado no sofá. Ele pende a cabeça para trás e suspira alto.
  – Você vai fazer a minha noite ser longa, Elena. – Ele resmunga, me encarando de canto de olho.
  Agora, sentada, encolho os ombros.
  – Desculpe.
  – Tudo bem. Acho que ainda posso ligar para aquela garçonete bonitinha. – Ele ri, me fazendo ter mais vergonha ainda.
  – Jungkook, me desculpe, de verdade. Eu não deveria ter feito isso.
  – Elena, você não tem que se desculpar. Não é como se eu gostasse de você, nós só nos beijamos. – Jungkook se inclina rapidamente em minha direção e me dá um rápido selar. – Eu deixo essa parte para o meu irmão. – Ele sorri daquele jeito dele, antes de se levantar e sair da sala.
  Permaneço por alguns minutos na sala digerindo a minha própria bagunça, antes de voltar para o oitavo andar, onde parei em frente à porta do quarto do Taehyung e ponderei entrar, mas acabei indo para o meu. Eu deveria ser a última pessoa a ir lá hoje, porque, mesmo negando até o final, não posso mentir para mim mesma dizendo que não queria que fosse ele comigo naquela sala; apenas nós dois.

Capítulo 19

  Mais um dia, mais uma noite e mais invasões as igrejas. Esses eram nossos momentos finais, os lobos estavam, aos poucos, migrando para um novo esconderijo. Mas, desta vez, minha equipe acabou se desfazendo. Taehyung passou o dia inteiro trancado no calabouço com Carla, e eu não faço ideia se ele descobriu alguma coisa. A verdade é que, depois da nossa conversa, nós não nos vimos pelo castelo, apenas soube por Jimin que hoje Taehyung disse que não iria, então essa tarefa ficou para as equipes de Sally e Lilu.
  O restante do meu dia se arrastou como um castigo, e a todo minuto eu me lembrava do que fiz com Jungkook, e isso me deixava mal comigo mesma, pois sei que cedi apenas por estar chateada com Taehyung, por um motivo incrivelmente idiota.
  As coisas não se tornaram mais fáceis aqui e eu acabei ficando no castelo também, visto que não estava com ânimo para enfrentar lobos ou as provocações de Jungkook, que acabou se juntando à equipe de Sally esta noite.
  Eu sabia que, no fundo, só permaneci no castelo porque estava com medo de deixar Taehyung sozinho com Carla. Eu me sinto patética por isso, mas meu coração arde. Todos esses anos tentando reprimir os sentimentos que semeei em Upiór sem nem perceber, eclodiram no momento em que senti o gosto amargo de perder algo que eu estava tentando me desfazer. Eu me sentia segura nas palavras de Taehyung, “eu gosto de você", segura o bastante para manter a minha negação, mas eu não acho que posso fazer isso agora. E todos esses pensamentos parecem que vão me destruir a qualquer momento, pois eu sei o quão errado são; uma Van Helsing e um Drácula... quando isso foi certo? Eu estou jogando a minha alma no fogo, sem direito a uma redenção, estou fazendo tudo errado e não sei se Deus irá me salvar no final.
  Eu deveria estar com Wendy agora, apoiando minha irmã em sua recuperação, mas estou aqui, sentada no chão da sala de sacrifícios, em frente ao calabouço, espiando por uma pequena fresta, afastada o bastante para que eles não me notassem.
  Há vinte minutos, decidi que deveria conversar com Taehyung e me desculpar por agir tão descontroladamente, por ser como a Amia. Mas toda minha coragem foi embora quando os vi conversando. Carla parecia conhecer tão bem ele, até mais do que eu conheço. Ela não tinha vergonha de falar sobre seus sentimentos, e isso parecia deixar Taehyung conflituoso o bastante para não me notar e nem sentir o meu cheiro.
  Ele estava sentado no chão, com os joelhos dobrados e as mãos apoiadas nos joelhos, sua cabeça estava abaixada, e eu sabia que ele estava cansado de tudo isso. Já Carla, estava presa pelas pernas e braços por correntes, seu corpo estava coberto pelo suor sob sua pele negra, e os seus cabelos grudavam no rosto com alguns resquícios de sangue seco.
  – Por que você não acaba com isso logo, Taehyung? Nós dois sabemos que é assim que termina a nossa história. – Carla diz com um tom de voz sôfrego, como se tivesse acabado de correr.
  A cabeça de Taehyung se mexe e ele a ergue, encarando a parede escura na sua frente.
  – Não há motivos para despedidas tristes, meu querido, porque você sabe que eu te amei por todas as noites que nos encontramos, e isso é tudo. Não há mais nada entre nós, Taehy...
  – Me conte a verdade, Carla! – Sua voz alta corta o calabouço enquanto interrompe a mulher de cabelos enrolados e olhos amarelados.
  Taehyung se levanta em um único impulso, ficando de frente para ela.
  – Me conte a verdade, Carla! Me conte a verdade agora e pare com essa besteira! – Sua voz era tão sombria quanto uma noite de nevoeiro.
  Meu corpo se encolhe involuntariamente no chão e abraço as minhas pernas, me sentindo completamente tenso por esse momento que nem me pertencia.
  Carla sorri de lado, com os olhos brilhantes afundados no âmbar da malignidade.
  O som da respiração pesada de Taehyung preenche o calabouço, vazando para onde eu estava, antes que ele enfie sua mão na barriga de Carla, abrindo um grande buraco.
  Carla range os dentes, os apertando com força, como faz com os olhos, tentando comprimir sua dor que escapa por gemidos agudos.
  – I-Isso não te lembra os velhos tempos? – Com dificuldade, Carla ri, fazendo sangue saltar da sua boca.
  Taehyung retira sua mão de dentro da barriga de Carla, batendo-a na parede e deixando a marca de cinco dedos de sangue.
  – Eu sei que vou morrer, T-Taehyung.... n-não estou me importando com retaliações... – Carla fecha um dos olhos, apertando seu rosto em uma feição de dor. – Se você quer saber... a verdade, eu vou te contar. M-Mas já não vou estar aqui depois para te consolar... meu querido Taehyung.
  Com a mão direita ainda apoiada na parede, Taehyung se aproxima de Carla, deixando seu rosto bem próximo ao dela.
  – A verdade, Carla.
  Ela sorri de novo, enquanto algum sangue escorre para fora de sua boca e barriga, que já começava a se curar.
  – E-Em todas as religiões, sempre existe aquele que guiará seu povo.... nunca dois ou três, apenas um. É assim que as coisas são, Taehyung. – Seus olhos cor âmbar, encaram Taehyung com veemência. – Quando se experimenta estar no lugar de um Deus, é difícil deixar que outro usurpe o seu lugar, mesmo que esse alguém seja o seu próprio sangue.
  Puxo todo o ar para dentro dos meus pulmões, segurando a respiração por alguns segundos.
  – Você deveria ser a continuidade, aquele que compartilha sangue, carne e desejo, mas foi corrompida pela humana que te deu à luz. Você sabe o quanto decepcionou seu pai por isso?
  Os dedos de Taehyung se apertam na parede, se fechando lentamente enquanto deixam para trás um rastro de sangue.
  – Então ele está vivo. – Eu não conseguia ver o rosto de Taehyung com clareza, mas o tom de sua voz entregava toda sua raiva.
  Carla o encara por alguns segundos, antes de responder.
  – Sim, Henry está vivo, mas eu sei que você já sabe disso. Você não é burro, Taehyung, por isso se tornou o Drácula. Eu até perguntaria o que te levou a ser como o seu pai, mas sei que a sua sede por sangue foi a responsável pelas vidas que você já ceifou nessa terra.
  A mão de Taehyung vai da parede para o pescoço de Carla.
  Meu corpo fica ainda mais tenso, e tento controlar meu nervosismo para não ser descoberta.
  – E você será a próxima. – Enquanto sua voz transborda raiva, seu nariz encosta no rosto de Carla, que tenta mexer os braços, provavelmente para se livrar do aperto de Taehyung, mas as correntes não permitiam.
  – D-Deixe-me c-contar uma coisa.... a-antes que eu m-morra. – Com maior dificuldade, Carla tenta falar.
  Taehyung suaviza seu aperto, mas não solta o pescoço dela.
  A mulher puxa o ar para os pulmões com desespero, fazendo seu tronco subir e descer com rapidez. Ela olha para o chão e depois para Taehyung.
  – Amélia não morreu no parto de Hyun, Taehyung... – Carla faz uma pequena pausa para puxar mais ar. – Seu pai a matou.
  O meu corpo inteiro se arrepia de um jeito ruim, e sinto meu sangue correr gelado por minhas veias. Os meus olhos se arregalam, enquanto levo minhas mãos até à boca.
  – Do que você está falando?! – Taehyung grita contra o rosto de Carla, como um trovão em noite de tempestade.
  Carla fica um pouco mais séria, sem desviar seu olhar do de Taehyung.
  – Henry matou Amélia porque ela era a sua humanidade e dos seus irmãos. Ele queria arrancar isso de vocês para sempre, então a matou após dar à luz a Hyun, dizendo depois que ela morreu no parto.
  – Você está mentindo, não está, Carla? – A voz de Taehyung vai se tornando mais baixa e a fúria dava lugar a descrença.
  Carla aperta os lábios sujos de sangue.
  – Você está ligado ao seu pai. Tente mergulhar no passado dele e verá que não estou mentindo.
  Entrelaço os dedos na frente do rosto, os encostando na boca. Eu queria correr até lá e tirar Taehyung de dentro desse calabouço, mas eu não conseguia, pois estava presa a uma horrível sensação, como se estivesse sonhando agora.
  Taehyung não diz mais nada, mas sua mão volta a se apertar ao redor do pescoço de Carla, a fazendo perder o ar mais uma vez. Em um gesto abrupto, Taehyung beija Carla. E não demora mais que segundos para que o corpo dela comece a perder cor e forma, deixando seus ossos saltados debaixo da fina camada de pele sem gordura, enquanto sua alma era sugada até a morte.
  Restando apenas um velho saco de ossos sem vida, Taehyung se afasta do corpo preso nas correntes, fazendo uma cortina de fumaça escura surgir, antes que um pequeno morcego saísse voando do calabouço.
  Me sentindo assustada, meus olhos correm por todas as direções e, com um último olhar para o corpo de Carla, me levanto do chão e saio correndo da sala de sacrifícios.
  Faço todo o caminho até estar de frente para a grande escada que levava para o segundo andar. Seguro no corrimão, sentindo meu coração saltar inúmeras vezes dentro de mim, fazendo as batidas martelarem em meus ouvidos.
  Desesperadamente, começo a subir todos lances de escadas, sentindo as minhas pernas queimarem. E assim que meus pés tocam o sétimo andar, escuto barulhos altos que fazem meu corpo ficar tenso.
  – Taehyung... – Sussurro, antes de correr em frente as portas dos escritórios e da sala das noivas, indo direto para as escadas do oitavo andar. E quando termino de subi-las, o barulho se torna ainda mais alto.
  Pancadas pesadas preenchendo todo o corredor.
  Havia uma única porta aberta, fazendo com que a luz de dentro dela iluminasse a parede do outro lado do corredor; era a sala de música. Corro até ela, parando na entrada, onde vejo Taehyung destruir tudo que encontrava pela frente.
  Ele segurava um delicado violino, que usou para acertar o piano inúmeras vezes, fazendo as teclas pretas e brancas voarem para todos os lados, antes que ele empurrasse o grande instrumento para o chão, que bate no assoalho com violência, me fazendo sobressaltar.
  – Taehyung, o que você está fazendo? – Exasperada, entro na sala de música e tento me aproximar dele.
  Taehyung olha em minha direção, me mostrando seu semblante de fúria, suas presas e olhos vermelhos cobertos por lágrimas.
  Paro no lugar, sentindo uma sensação horrível de enjoo ao vê-lo dessa forma. Os ossos dentro de mim pareciam mexer, enquanto sou dominada por uma angústia avassaladora, como se sentisse o mesmo que ele.
  Em seguida, Taehyung pega mais um dos instrumentos e atira contra as portas da sacada, fazendo estilhaços de vidro saltarem, enquanto o instrumento voa para fora do castelo.
  – Taehyung, para com isso! Pelo amor de Deus, para! – Vou até ele, tentando segurar seu braço para que ele não destrua mais nada.
  Ele me encara mais uma vez, de um jeito que me causava medo, e puxa seu braço rudemente, me afastando.
  – Sai daqui, Elena! – Ele grita, se descontrolando mais ainda, enquanto permanece destruindo tudo.
  Os meus olhos começam a marejar, mas engulo essa vontade de chorar.
  – Não te mova! Amarro-te agora, immunda spiritus! – Grito de volta para ele, erguendo minha mão em sua direção, conseguindo conter seu corpo, que paralisa no lugar.
  Limpo meu nariz com o antebraço, quando ele escorre devido ao choro que reprimo.
  Ele começa a tentar se libertar do exorcismo e, por ser tão forte como é, aos poucos, ele consegue ganhar alguma mobilidade.
  – Taehyung, já chega, por favor, para. – Lentamente me aproximo, até estar na sua frente.
  Seus olhos vermelhos me encaram e algumas lágrimas deslizam por seu rosto.
  O meu coração literalmente dói em uma fisgada, me fazendo libertar Taehyung do exorcismo, que cai de joelhos. Ele apoia as mãos no chão e abaixa a cabeça, fazendo suas lágrimas pingarem no chão.
  Abro a boca e respiro fundo, piscando meus olhos várias vezes para afastar o choro. Depois, me agacho e me ajoelho no chão também. Toco uma de suas mãos, a segurando com suavidade.
  – Eu sinto muito pela sua mãe. Eu realmente sinto muito.
  Taehyung ergue lentamente sua cabeça, me deixando ver sua expressão de dor. Seus olhos não estavam mais vermelhos e suas presas haviam sumido.
  Sinto mais uma fisgada, enquanto meu corpo afunda em mais angústia.
  Fungo uma vez, antes de abraçá-lo. Taehyung retribui, apertando seus braços em mim, enquanto esconde seu rosto entre meu pescoço e ombro. Ele chorava como uma criança e seu corpo tremia como se estivesse com medo, de uma maneira tão frágil quanto um humano.

***

  A luz da lua atravessava as janelas quebradas da sala de música destruída, me fazendo suspirar baixo.
  Deslizo minhas mãos pelos fios brancos de cabelos do Taehyung, que tinha sua cabeça deitada em meu colo. Seus olhos castanhos também encaravam a lua do lado de fora, mas ele não parecia verdadeiramente prestar atenção nisso. Ao menos, ele não chorava mais, porém, não me disse nada, ficou em silêncio, e eu resolvi respeitar isso.
  Ele precisava disso, precisava desse momento, e não me importei de ficar aqui sentada com ele por todas as horas que passaram.
  Escuto um barulho baixo no corredor, seguindo pela imagem de Jimin, que surge na entrada da sala de música, se apoiando nos dois batentes enquanto encara a bagunça do lado de dentro.
  – O que aconteceu aqui? – Visivelmente perturbado e espantado, Jimin entra na sala, antes de me encarar.
  Respiro fundo e desvio meu olhar, sentindo à vontade chorar voltar.
  – Taehyung... o que é isso? – A voz de Jimin se torna cautelosa. Seus passos se aproximam com cuidado.
  Taehyung se levanta do meu colo, mas fica de costas para Jimin. Ele permanece encarando a lua do lado de fora.
  Fito ele por um segundo, e me levanto do chão coberto pelos destroços dos instrumentos. Passo perto de Jimin e paro do lado do seu corpo, sem saber o que fazer, e seu olhar para mim era de preocupação, como se ele temesse pelo que viria.
  Em silêncio, deixo a sala de música.

***

  Já tem algum tempo que Jimin, Hoseok e Jin se juntaram a Taehyung. Dessa vez, sei que Taehyung teve que contar a verdade, não havia mais como esconder sobre seu pai, não depois de hoje.
  A equipe de Lilu foi a primeira a chegar. Eles não tiveram muita sorte, e das quatro igrejas de vasculharam, apenas uma ainda estava ocupada pelos lobos.
  Eu realmente não estava muito interessada nisso agora, pois tudo que eu conseguia pensar, era na conversa dos irmãos e em como eles deveriam estar. Já passou tanto tempo e até agora nenhum deles veio aqui, e logo a equipe de Sally retornaria.
  – Ei. – Sinto alguém tocar meu braço.
  – Hã? Desculpa, o que você disse? – Encaro minha irmã.
  Wendy e Lilu, sentadas na cama, me encaram.
  – Você está preocupada, não está? – Wendy pergunta.
  Expiro alto, soltando o ar de uma vez.
  – Sim.
  – Então vai ver como eles estão. – Lilu diz.
  – Sim. Nós cuidamos da Sally quando ela voltar. – Wendy sorri compreensiva.
  – Obrigada. – Agradeço e me levanto da cama, saindo do quarto e fechando a porta com cuidado.
  Com esse sentimento de pesar, caminho pelo corredor, passando em frente à escada para o segundo andar, indo em direção ao outro lado do corredor, do qual me levaria para o próximo andar.
  Quando estou prestes a subir para o quinto andar, acabo encontrando Jimin sentado nos degraus da escada.
  – Oi. – Falo, um pouco receosa.
  Ele me olha e afasta seu corpo para o lado.
  – Oi. – Jimin se forçar a sorrir, minimamente. – Sente-se aqui.
  Assinto e sento no espaço vazo que ele deixou. Em silêncio, encaro seu rosto, ainda sem saber o que dizer. Seus olhos estavam avermelhados e levemente inchados; ele também havia chorado.
  – Eu sei que pode ser uma pergunta idiota: mas como se sente?
  Jimin encara os degraus debaixo.
  – Eu sempre soube que o nosso pai não era o melhor dos vampiros, mas... – ele engole em seco, limpando o canto dos olhos – mas eu nunca imaginaria que ele pudesse fazer algo assim.
  Passo meu braço ao redor do seu e seguro sua mão, entrelaçando os nossos dedos. Jimin sorri minimamente para mim e encosta sua cabeça no meu ombro.
  – Pode não parecer agora, mas vai passar. – Falo, sincera.
  – Eu sei. – Sua voz baixa e suave é o último barulho antes que entremos em silêncio por alguns segundos.
  Nem sempre nós tivemos bons momentos, isso é verdade, mas não posso e não quero abandoná-lo agora, independente do que aconteceu no passado.
  – De todos os irmãos, eu sou o mais próximo de Taehyung, por isso, o entendo como nenhum outro jamais entenderá. – Jimin começa a falar, me fazendo prestar atenção em sua voz. – E tem algo que eu tenho certeza que ele nunca te disse e nunca vai dizer, você sabe, o Taehyung é desse jeito. – Ele ri fraco.
  Jimin afasta sua cabeça do meu ombro.
  – Você sabe o que levou o meu irmão a se apaixonar por você, Elena? – Seus pequenos olhos me fitam, me fazendo nervosa por um momento.
  Nego com a cabeça, em silêncio, um pouco ansiosa pelo que ele diria.
  Jimin solta minha mão e toca meu rosto, sorrindo daquele jeito que eu tanto amava admirar em Upiór.
  – Porque você se parece com ela. – Suas palavras fazem meus olhos lacrimejarem.
  Pisco-os várias vezes para não chorar.
  – Não existe ninguém que o Tae ame mais do que a nossa mãe. Ela era a humana mais incrível que eu já conheci e, com certeza, vocês se dariam muito bem, porque ela também se emocionava fácil, do mesmo jeito que você. – Jimin ri, me fazendo acompanhá-lo. – Ela era a pessoa mais doce e amável que existia. A humanidade dela parecia coisa de outro mundo, e mesmo que tivéssemos nascidos como vampiros, ela nos fazia querer ser criaturas melhores. Os anos em que vivi com ela, foram os melhores da minha vida inteira.
  Sorrio tristemente, sem ter boas palavras para consolá-lo.
  – Quando Tae começou a se aproximar de você, pensei que fosse por ser uma Van Helsing... como todos nós fizemos. – Jimin desvia o olhar, parecendo um pouco envergonhado. – Mas com o passar do tempo, depois de te conhecer melhor, eu soube exatamente o porquê dele te querer tanto.
  Jimin segura minhas mãos.
  – Não estou mentindo agora, eu sempre fui apaixonado por você, mas não da mesma maneira que o meu irmão. Eu sou apaixonado por ser seu amigo, Elena. – Os seus olhos nunca foram tão verdadeiros, eles não se escondiam mais, eram os mesmos daquela noite em Upiór, quando eu soube o que ele era. Mas, dessa vez, eu o entendia.
  – Eu também, Jimin. – Falo, sincera, apertando suas mãos de forma afetuosa.
  – Por favor, dê uma chance ao meu irmão. Você é a melhor coisa que aconteceu na vida dele nos últimos séculos. E eu tenho certeza que quando está com você, ele se lembra como é estar com ela. E isso é tudo que ele precisa.
  Fungo algumas vezes e puxo um pouco de ar, antes de assentir, involuntariamente, encarando o anel em meu dedo.
  – Estou feliz que tivemos essa conversa. – Jimin sorri mais uma vez e se levanta. – Depois do que Taehyung nos contou, Jin foi atrás do Jungkook, Yoongi e Namjoon pra conversar com eles. Não seria uma boa ideia fazer isso aqui, ou a sala de música não seria a única destruída. O Hoseok sumiu depois da conversa, então acho que vou atrás dele agora.
  Outra vez, assinto.
  – Espero que tudo fique bem.
  – Vai ficar. – Jimin fala com calmamente, antes de sair.

Capítulo 20

  Fechos os olhos e respiro fundo, começando a caminhar pelo corredor do oitavo andar. Lentamente me aproximo da sala de música, vendo Taehyung sentado sobre o pequeno banco do piano, de frente para o instrumento quebrado e caído. Ele não se mexia, era como uma estátua, pelo menos, era o que eu pensava até ele olhar em minha direção.
  O seu olhar era sem emoção, e não do seu jeito típico e apático, parecia sem vida, vazio.
  Em silêncio, me aproximo e sento do seu lado. Ele continua me encarando, mas não diz nada.
  – Espero que esteja se sentindo um pouco melhor. – Falo baixo. Ele me encara por mais alguns segundos antes de voltar a olhar o piano quebrado.
  – Eu vou matá-lo.
  O fito receosamente.
  – Vou matá-lo do mesmo jeito que ele fez com ela. – Sua boca era a única a se movimentar em seu rosto.
  Suspiro alto.
  – Acho que você não deveria pensar nisso agora. Tente apenas ficar melhor. – Falo, sincera. – Eu tenho certeza que é o que ela gostaria. E sei que você se parece muito mais com a sua mãe, do que com seu pai, então não aja como ele, Taehyung.
  Ele me encara de canto de olho.
  – Eu sou um vampiro, Elena. Você consegue entender isso de uma vez por todas? Pare de me cobrar ações como as suas, porque eu não sou e nem posso ser um humano.
  Sei que ele está passando por um momento difícil, mas não vou brigar com ele e deixar que essa raiva de seu pai o consuma.
  – E a sua mãe alguma vez ligou pra isso? – O encaro firmemente, e ele devolve o olhar na mesma intensidade.
  – Eu não sei como é sentir dor por um mísero corte. Eu não sei como é envelhecer depressa, Elena. – Sua voz se torna um pouco mais alta. – Eu não sei como é sentir prazer ao beber alguma coisa que não seja sangue, ou como é estar em um lugar sem sentir o cheiro do sangue das pessoas. Não sei como é entrar em um lugar sem sentir a presença de alguém. Eu não sei como é ter um corpo quente o tempo todo. – Ele se inclina um pouco em minha direção, enquanto sua voz ganha mais expressividade, acompanhando seu olhar. – Eu não sei como é enxergar as cores do seu jeito. Eu não sei como é estar dentro de uma igreja, porque eu não posso entrar em uma, e não sei como é ser um humano... porque eu sou um vampiro!
  Suas palavras me atingem certeiramente, porque eu conseguia sentir a sua dor.
  Solto uma grande quantidade de ar pelo nariz, fazendo barulho.
  – Você fala como se eu fosse uma humana comum. Eu também passei por isso, Taehyung. – Me mantenho firme, antes de olhar ao redor e pegar uma pequena lasca de madeira no chão, da qual, uso para fazer um pequeno corte em meu pulso.
  O vermelho vivo logo se faz presente em minha pele em uma pequena quantidade.
  – Isso é o que você é e o que quer, Taehyung. – Estendo meu pulso em sua direção. – Então, quem liga se você é um vampiro? Ela não ligou, e eu não estou ligando agora.
  Uma única gota de sangue escorre do meu pulso, pingando sobre o banco do piano entre nós. Taehyung a acompanha com o olhar, antes de me encarar.
  Seus olhos voltam a ganhar vida de um jeito único e forte, e Taehyung não é capaz de resistir, pois segura meu pulso, antes de se curvar e tocar seus lábios sobre o pequeno corte, bebendo a pouca quantidade de sangue que fluía dali.
  Com os olhos fechados, ele afasta sua boca do corte, e quando os abre, seus olhos estão tão vermelhos quanto o sangue que manchava sua boca. Taehyung me encara como se fosse capaz de me dilacerar, e me puxa pelo pulso, fazendo-me ficar com o rosto perigosamente perto do seu.
  – Eu matei milhares, mas não posso matar você. – Seus olhos ferozes, encaram minha boca. – Porque tocar você me faz sentir vivo.
  Minha respiração começa a se tornar nervosa.
  – E tocar você me faz morrer por dentro. – Confesso, perto da sua boca, antes que ele me beije.
  Sem qualquer tipo de delicadeza, sua língua invade minha boca, trazendo junto, o gosto do sangue que compartilhamos. Sinto suas mãos deslizarem por minhas coxas, antes que ele me pegue e me levante do banco. Rodeio minhas pernas em sua cintura e o seguro nos ombros, apertando-os com força.
  Afasto minha boca da sua, com a respiração quente.
  – Aqui não, Taehyung. – Digo, vendo suas pupilas se dilatarem em meio ao vermelho das íris.
  Taehyung volta a me beijar. E com rapidez e agilidade, seu corpo se movimenta. E, em instantes, estamos em seu quarto, que ficava próximo a sala de música, apenas a uma porta de distância.
  Com brutalidade, minhas costas se chocam contra a parede ao lado da porta fechada. As mãos de Taehyung voltam a deslizar por minhas coxas, indo para perto do interior delas, fazendo com que uma onda de calor começasse a surgir em meu corpo.
  Ele pressiona seu quadril para frente de encontro ao meu, fazendo-me sentir a excitação que crescia entre suas pernas. Separo nosso beijo, respirando com dificuldade. Seguro entre os botões de sua blusa preta de sede, puxando-os para os lados, revelando seu tronco pálido.
  Taehyung me coloca no chão e depois se agacha, parando com o rosto rente ao cós das minhas calças jeans. Ele solta o botão e começa a puxar minhas calças para baixo, tirando meus sapatos junto, me deixando apenas de calcinha.
  Suas mãos deslizam pelas minhas pernas, antes que ele comece a deixar uma trilha de beijos na minha pele, chegando perto na minha calcinha, que estava começando a ficar úmida. A ponta do seu nariz toca a lateral da minha coxa, bem perto da minha intimidade, me fazendo suspirar. E com um beijo sobre o tecido de renda, ele se levanta, indo em direção à minha blusa branca. Taehyung enfia suas mãos para dentro dela e do meu sutiã, os empurrando para baixo, fazendo meus seios serem expostos por cima do tecido.
  Suas mãos deslizam por minha pele sensível, antes que sua língua me toque por pouco segundos, apenas me provando, de modo que eu aperte minhas pernas uma na outra, quando minha intimidade começa a formigar.
  Segurando em seus cabelos, o puxo até minha boca para que eu pudesse despejar um pouco de nosso desejo em um beijo molhado e apressado.
  Taehyung volta a me pegar no colo, apenas para que depois eu escute o barulho do seu zíper sendo aberto. Com apenas uma mão me segurando, sinto quando ele usa a outra para afastar minha calcinha para o lado, de forma que consiga me tocar com seu membro molhado, deslizando-se para dentro de mim.
  Deixo um gemido escapar entre nosso beijo quando ele começa a me estocar com força, sem qualquer preparo, pegando-me completamente de surpresa e me fazendo ainda mais quente.
  Enquanto minhas costas subiam e desciam pela parede, nosso beijo se tornava mais cheio e desajeitado, misturando nossas salivas de um jeito ímpio. E com os dedos enterrados entre os fios macios dos seus cabelos, puxo-os para trás toda vez que sentia meu corpo vibra pelo prazer.
  Taehyung para de me estocar e movimenta seu corpo com rapidez até que eu sinta a maciez de sua enorme cama. Por cima mim, ele logo tira por completo meu sutiã e blusa. Ele acaba tendo que retirar seu membro de mim por um momento, deixando um pequeno fio de nossas excitações se formar e cair no colchão. Rapidamente, me livro de minha calcinha e ele das roupas que ainda vestia. E incapaz de me controlar, não espero que ele volta para cima de mim, pois logo o agarro enquanto ainda está de joelhos, me sentando em seu colo.
  Ele me segura pela cintura e levanta meu corpo e, após posicionar seu membro em minha entrada, Taehyung começa a abaixá-lo, me fazendo deslizar por cima dele.
  Eu nunca fiz isso dessa forma, mas não estou me importando agora, não quando estou com ele.
  Passo os meus braços ao redor do seu pescoço e deixo minhas pernas uma em cada lado do seu quadril, com os pés apoiados no colchão que afunda quando começo a me movimentar nele.
  Suspiro baixo quando Taehyung ergue seu quadril de encontro ao meu, fazendo a sensação ser ainda mais prazerosa. Ele se inclina para frente, me beijando com fervor, enquanto meus movimentos se tornam mais confiantes.
  Sua mão vai para parte detrás do meu pescoço, onde ele segura o lugar com firmeza, deixando nosso beijo mais intenso, tornando minha mente tonta dentro do próprio corpo. E, por isso, acabo afastando nossas bocas quando não consigo controlar a imensa vontade de gemer seu nome.
  Fecho os olhos e pendo meu corpo para trás, enquanto me mexo sobre Taehyung, que desliza suas mãos por minha barriga até chegar em meus seios, onde ele os aperta com muita vontade, quase me fazendo gritar de prazer. E permanecemos assim por mais alguns minutos, antes que ele empurre meu corpo para trás, me deitando na cama.
  Outra vez por cima, Taehyung sai por completo de dentro de mim, entrando com uma força e rapidez que fazem minha intimidade pulsar. Seu tronco encosta em meus seios e seu rosto vai em direção ao meu pescoço, que ele beija para depois enterrar suas presas em minha pele, fazendo-me gemer de dor.
  Enquanto bebia meu sangue através da marca que ele mesmo fez, Taehyung me estocava com mais veracidade, fazendo a dor se transformar em prazer. E isso parecia tão errado, muito errado, algo excitantemente sem perdão, porque eu estava gostando.
  Quando se sente satisfeito, Taehyung afasta sua boca do meu pescoço e me encara e, nesse momento, enxergo o inferno dentro dos seus olhos vermelhos.
  Com uma mão apoiada do lado da minha cabeça, sobre o travesseiro, ele segura a cabeceira da cama com a outra, de modo que consiga tomar mais impulso para entrar e sair de dentro de mim.
  O som do nosso sexo molhado se misturava aos nossos gemidos altos, enquanto a cama batia com força na parede, nos balançando.
  Aos poucos, os cabelos de Taehyung começam a grudar em torno do seu rosto, e seu corpo pálido ganha o brilho do suor. Seus olhos parecem queimar e seus lábios cobertos de sangue ficavam entreabertos para que ele me oferecesse vários gemidos, que me arrepiavam.
  A cama continua batendo na parede, enquanto me contorço embaixo de Taehyung, que não tinha qualquer delicadeza ao me estocar, colocando em mim toda a sua raiva por essa noite miserável.
  Pego um dos travesseiros perto de mim e cubro o rosto, quando sinto vontade de gritar pelo prazer. Aperto-o com força até sentir meus dedos rasgarem o tecido fino, tocando as plumas que o enchiam por dentro.
  Meu corpo se curva quando um arrepio me faz contorcer os dedos do pé, enquanto sinto toda minha excitação escorrer sobre o membro de Taehyung. O travesseiro abafa o grito que solto quando alcanço o meu ápice.
  Taehyung tira o travesseiro de cima do meu rosto, fazendo-me perceber que minha visão havia escurecido parcialmente, como se eu, literalmente, fosse desmaiar de prazer. No segundo seguinte, ele mistura nossas respirações descompassadas em um beijo, enquanto continua se estocando com força para dentro de mim, até conseguir se desfazer de forma quente.
  Ao mesmo tempo que sua excitação escorre para dentro de mim, me preenchendo, Taehyung me beija com vontade, fazendo o barulho do nosso beijo ecoar por todo o quarto.
  Ele se afasta lentamente, abrindo seus olhos para me encarar. Seguro seu rosto entre as mãos, e ele retira seu membro de dentro de mim, enquanto sinto um pouco do líquido quente pingar de minha intimidade para o colchão.
  Taehyung se deita, colocando meu corpo deitado sobre o seu, enrolando nossa nudez nos lençóis vermelhos e sujos com nossa excitação. Da maneira como eu estava agora, eu conseguia ver com perfeição as rachaduras na parede atrás da cama, causadas pelo fizemos.
  Me fitando com seus olhos de vampiro, Taehyung passa as costas dos seus dedos pela lateral do meu rosto.
  – Obrigado por estar aqui. – Sua voz grave soa baixo, apenas para que eu o escute.
  Seguro a mão que afaga meu rosto e inclino meu rosto, dando-lhe um selar cheio de sentimentos.
  – Eu sempre vou estar. – E algumas gotas de sangue escorrem por meu pescoço.

Capítulo 21

  Suspiro baixo, tentando não o acordar. Já deve fazer, ao menos, uns bons minutos que estou aqui deitada, apenas o encarando.
  Estico meu braço esquerdo, já que meu corpo, de lado, estava sobre o direito e, suavemente, acaricio seu rosto de expressão calma. Depois de um dia difícil, e de uma noite muito agitada, acordando toda hora por ter sonhos com seus pais, Taehyung finalmente havia dormido.
  Ele precisava descansar, e fez isso há pouco. Nossa madrugada não compensou o momento que tivemos antes disso. Eu pensei que talvez tivesse o ajudado a esquecer o que aconteceu por um momento, mas quando decidimos dormir e Taehyung passou a ter essas lembranças da vida de seu pai, provavelmente despertadas pela revelação de Carla, ele chorou de novo, se enfureceu mais uma vez e precisei contê-lo para que não destruísse o próprio quarto. Agora, ele havia visto com os próprios olhos a morte de sua mãe, e não havia mais nada que eu pudesse fazer para o ajudar nesse momento.
  Cuidadosamente, saio debaixo do lençol que nos cobria e me arrasto para fora da cama. Taehyung não se mexe, permanece dormindo. Procuro por minhas roupas e as visto e, em seguida, deixo o quarto de Taehyung, indo até o meu.
  Solto outro suspiro, sentindo meu corpo pesado, não de cansaço, mas sim de emoções e sentimentos escuros. Após tomar um banho e vestir roupas limpas, abro as portas da sacada, deixando a luz do sol que nascia, iluminar e aquecer meu quarto.
  Vou para o quinto andar, em direção ao quarto de minha irmã. Devido a sua melhora, Sally e Lilu não dormiram com ela hoje. Elas devem estar descansando agora, todos estão cansados de tudo que passamos, então decido não as acordar ou ir até seus quartos.
  Converso brevemente com minha irmã sobre toda essa situação, mas, ao perceber como isso me deixava, Wendy resolveu mudar de assunto e me mostrou alguns livros que andava lendo. Todos eram sobre exorcismo. Ela disse que já que passava tanto tempo no quarto, resolveu se aprofundar um pouco mais, pois, segundo ela, assim que melhorasse, iria detonar os lobos com tudo que aprendeu.
  Ficar ao lado da Wendy, com esse jeito despreocupado dela, realmente era algo que me curava, e me sinto um pouco mal por não passar tanto tempo com ela, mas hoje, com certeza, eu faria isso. Minha irmã me disse que mais tarde Sally faria o primeiro teste para saber se Wendy já conseguia sair da cama sozinha, e isso era uma notícia boa no meio de tantas coisas turbulentas.
  Quando meu estômago ronca de fome, aviso minha irmã que irei tomar café e pedirei para que Skull trouxesse algo para ela. Wendy assentiu e voltou a ler mais um dos seus livros sobre exorcismo.
  A mansão estava silêncio, e mesmo que sempre fosse assim, hoje era diferente. Até mesmo o ar que transitava pelos corredores parecia mais pesado de respirar.
  Não encontrei Skull na sala de jantar, então o procuro na cozinha, onde o mordomo estava a preparar o café. Educadamente pedi que ele me preparasse um chá de erva-roxa antes, e tenho certeza que meu rosto ficou vermelho por isso. Com um aceno de cabeça e em poucos minutos, ele me entregou uma xícara de porcelana com o líquido quente. O agradeço e volto para a sala de jantar, deixando a xícara na mesa, esperando o chá esfriar um pouco.
  – Bom dia.
  De pé em frente à ponta da mesa, encontro Blarie parada na entrada da sala de jantar.
  – Bom dia. – Respondo.
  Ela se escora contra a parede aberta e cruza os braços. Seu olhar era vago e sua expressão um pouco cansada.
  – Como está? – Pergunto, apoiando as mãos sobre a mesa.
  – Um pouco chocada com tudo isso. Não deveria estar, porque já conhecia Henry, mas estou.
  Assinto, sem saber bem o que dizer.
  – E o Taehyung, como ele está?
  Suspiro alto.
  – Mal. – Encolho os olhos. – Depois do que Carla disse, ele começou a sonhar com as lembranças do pai e... e viu tudo. – Desvio o olhar, encarando a borda da mesa coberta por uma bonita toalha branca.
  – Quando Jin encontrou nossa equipe ontem e contou tudo, Namjoon, Jungkook e Yoongi sumiram, cada um foi para um lado. Eles ainda não voltaram para o castelo. – Seu semblante se torna amargo, de modo que sua tristeza me atinja.
  Me afasto da mesa, a contornando e indo até Blarie, dando-lhe um abraço que ela retribui.
  – Hoseok está trancado no seu quarto e Jimin está com ele, enquanto Jin continua enfiado no escritório pensando em planos idiotas para tentar distrair sua mente um pouco. – Com o queixo apoiado em meu ombro, ela diz com a voz baixa. – Eu queria poder fazer alguma coisa por eles, Elena.
  Suspiro pela quarta vez.
  Desfaço nosso abraço e seguro em suas mãos.
  – Eu também queria. – Confesso, sincera.
  Blarie pisca os olhos algumas vezes, tentando afastar o brilho marejado que surgia neles.
  – Vou atrás daqueles três. Não acho que estejam fazendo coisas boas por aí. – Um pequeno arrepio atinge os pelos dos meus braços, quando escuto suas palavras.
  Assinto e, com um sorriso triste, Blarie larga minhas mãos e sai da sala de jantar ao mesmo tempo em que Hyun entrava. Ela passa rapidamente as mãos pelos cabelos escuros dele e se vai.
  Carregando sua inseparável boneca, Hyun para na minha frente.
  – A Wendy já tá acordada?
  – Está, sim, mas ela precisa comer um pouco, Hyun. E fará isso assim que Skull terminar de preparar o café da manhã. – Ele parece ficar um pouco desapontado com o que digo.
  O encaro em silêncio por alguns segundos, pensando em como esse pequeno garotinho é o único isento de toda confusão, mas, também, o que mais foi privado de ter o amor da sua mãe.
  – Estou pensando em dar uma volta. Você quer vir comigo? – Pergunto, e bastam segundos para que seus olhos ganhem um brilho entusiasmado.
  Ele assente várias vezes, me fazendo sorrir sutilmente.

***

  Após pegar algum dinheiro, Hyun e eu deixamos o castelo, indo em direção ao centro da cidade.
  Primeiro, fizemos uma pequena parada em uma simples e ajeitada loja, onde tomamos nosso café da manhã. Depois, demos algumas voltas pela cidade e paramos toda vez que Hyun se impressionava com alguma coisa, seja ela ver os peixinhos que nadavam debaixo da ponte de pedra, ou observar os músicos de rua que tocavam sanfona.
  Deixar os ares do castelo era bom não só para mim, mas para Hyun também. O dia estava realmente bonito para ser apreciado, e como não posso fazer muito pelos outros irmãos, ao menos posso fazer por esse pequeno aqui.
  Também estou pensando em comprar algumas flores para Wendy, por hoje ser um dia especial para ela, pois tenho certeza que ela vai conseguir sair daquela cama e voltar a sua vida normal. Da mesma forma, penso em levar algumas flores para Taehyung; sei que ele gosta muito e espero que isso o ajude a se sentir melhor, mesmo que minimamente.
  Quando estamos a passos de entrar na pequena rua de ladrilhos onde a loja de flores ficava, Hyun aponta para o seu lado esquerdo, em direção a um homem vestido em um uniforme branco, que manuseava um carrinho de sorvete.
  – Você quer? – Pergunto, e Hyun assente.
  Fazemos outra pequena pausa para comprar o sorvete de Hyun, e me pego rindo ao ver como ele parecia satisfeito com o doce gelado. Sabendo que os vampiros comem puramente por prazer, do mesmo jeito que os humanos fazem sexo sem ter o intuito da reprodução, era engraçado observar Hyun e a maneira como lidava com as comidas humanas, como se precisasse delas para se alimentar, e não de sangue. Bem, isso com certeza é algo que vai mudar quando ele se tornar um vampiro adulto.
  Enquanto se deliciava com seu sorvete de casquinha, Hyun e eu entramos na loja de flores que ficava em frente ao café, do qual já fomos antes. O sino no topo anuncia nossa chegada.
  – Tome cuidado para não sujar nada, ok?
  Ele assente de novo, com a sua boca ocupada pela massa de morango.
  A loja estava vazia, então tivemos a liberdade de andar entre todos os balcões baixos com vasos de flores, nos possibilitando sentir o aroma variado e fresco de cada uma delas.
  Hyun me ajudou a escolher as flores de Wendy, insistindo para que levássemos umas de tom rosado, provavelmente por ter a mesma cor que o seu sorvete recém finalizado. Após pegar algumas, procurei pelas flores de Taehyung, me encantando com um pequeno ramo de taraxacum.
  Elas seriam perfeitas.
  Com tudo que precisava em mãos, vou até o outro lado da loja, onde havia o balcão principal para pelas flores.
  Assim que o vencedor começa a colocar os dois buquês em uma sacola marrom de papel, escuto o sino da loja tilintar de novo. Espio sobre os ombros, mas não encontro nada. Franzo o meu cenho e olho para os dois lados, não encontrando Hyun. Me afasto do balcão e dou uma volta completa na loja.
  Meu coração se agita e acabo deixando o dono da loja e os buquês para trás, quando saio correndo. Olho para os lados da calçada e não vejo o garotinho entre as pessoas que transitavam por aqui. Meu corpo inteiro fica tenso, e o sol do dia agradável começa a fazer as minhas mãos suarem.
  Atravesso a rua correndo e não paro nem quando uma moto buzina para mim, quase me acertando. Vou até o final da rua e paro em frente ao carrinho de sorvete.
  – O garotinho que estava comigo antes, o senhor o viu passar por alguém? – Pergunto, exasperada, mas o homem de bigode branco nega com a cabeça.
  Minha respiração se torna alta e parece ser a única coisa que consigo escutar agora.
  Começo a refazer todo o caminho que fizemos, enquanto grito por Hyun, na esperança de que ele me escute, mas tudo que recebo são os olhares das pessoas ao meu redor que, provavelmente, me acham louca.
  Eu já estava desesperada, completamente afundada nisso.
  Eu só queria ajudar e acabei piorando tudo, aqueles irmãos já estão passando por tanto, como posso dizer que perdi o irmão mais novo deles?
  Parada em uma calçada qualquer, as pessoas passam por mim sem se importarem com o meu estado.
  – Não pegue isso, deve estar sujo.
  Olho em direção a voz feminina que me puxou para a realidade que me deixava nervosa, vendo uma mulher de mãos dadas com uma criança que tentava pegar uma boneca caída no chão.
  – Hyun. – Sussurro para mim mesma, antes de correr em direção ao brinquedo que estava jogado na entrada de uma virada.
  As pessoas resmungam quando acabo esbarrando em algumas, mas não tenho tempo de me desculpar.
  Quando alcanço, me abaixo para pegar a boneca, limpando-a um pouco. Seu rosto de porcelana estava rachado.
  Ainda agachada, olho para dentro da entrada onde a boneca estava, vendo mais uma ruazinha estreita e de ladrilhos, ela era fechada pelas paredes de alguns comércios. Estava deserta, sem sinal de Hyun, apenas os muitos latões largos de lixo.
  Abraço a boneca quebrada e entro na rua estreita, disposta a ir para o outro lado dela e procurar Hyun por lá.
  Depois passar três latões de lixo, paro abruptamente de andar quando sinto meu corpo se tornar frio e alguém surgir atrás de mim. Aperto a boneca em meus braços e encaro o chão, vendo a silhueta de uma sombra feminina. Meu corpo fica tenso mais uma vez, e antes mesmo que eu tenha a oportunidade de atacar, a sombra se mexe e um pano molhado é colocado em frente ao meu rosto, enquanto um braço rodeia minha barriga, me prendendo quando começo a me debater.
  Lentamente meu corpo se torna fraco e mole, e o cheiro forte que vinha do pano me causa uma grande letargia, como se eu estivesse bêbada. Alguns pontos escuros começam a surgir na minha frente, à medida que minha visão vai escurecendo até que eu não consiga mais manter os olhos abertos.
  E nesse momento, enquanto meu corpo se desligava e afundava na escuridão, me deixando à mercê dessa sombra, eu entendi o que estava acontecendo. Eu soube que havíamos caído em uma armadilha, onde os lobos foram inteligentes o bastante para contra-atacarem mais rápido do que imaginávamos. Para nós, Kihyun estaria tão preocupado em tirar os lobos das igrejas, que estaria encurralado, mas enviar Carla ao encontro de Taehyung era sua vingança. Ele atingiu os irmãos onde sabia que machucava, nos desestabilizou e sacrificou Carla por sua espécie. Desta forma, nos deixando vulneráveis o bastante para que orquestrasse sua próxima jogada.
  – Tenha bons sonhos, querida.

Capítulo 22

  – Elena?
  – Oi. Você tá acordada já?
  Sinto um dedo cutucar meu braço, enquanto escuto uma voz fina sussurrar perto do meu rosto.
  Puxo bastante ar, soltando-o logo em seguida pelo nariz. Minha cabeça dói um pouco, então meu rosto se contorce enquanto, lentamente, começo a abrir os olhos.
  Grandes e redondos olhos escuros estavam desfocados na minha frente, e meu cérebro parece lento. Aos poucos, consigo organizar minha cabeça até que minha visão se torne nítida e eu veja a imagem de Hyun.
  Espantada, me levanto com exaspero e abraço o garotinho sentado do meu lado.
  – Graças a Deus você está bem. – Enquanto respiro aliviada, a minha cabeça dói mais uma vez.
  Me afasto de Hyun, colocado a mão direita sobre a cabeça, esperando a dor ir embora.
  Hyun pisca algumas vezes e depois aponta para o meu rosto.
  – Tá saindo sangue do seu nariz, Elena.
  Surpresa, passo os dedos perto do nariz, sentindo algo molhado. Encaro os meus dedos, vendo a cor do sangue. Respiro fundo e limpo o nariz com as costas da mão, não me importando de sujá-la.
  Em seguida, pela primeira vez, observo em volta para ver com atenção o lugar superficialmente escuro que estávamos. Era uma cela, onde, do lado esquerdo, havia uma janela média em um pequeno corredor, e na frente, algumas tochas nas paredes de pedras e uma porta no fundo. Apenas isso.
  – Você sabe que lugar é esse, Hyun? – Volto a me virar para o garotinho.
  Ele nega com a cabeça.
  Fico em silêncio por um tempo, pensando.
  – E essas barras, você acha que consegue arrebentá-las? Nós poderíamos tentar fugir. – Aponto para o ferro enfileirado que nos prendia aqui.
  – Não sei. – Hyun me encara, não parecendo entender muito bem o que estava acontecendo.
  Eu não tenho a habilidade de entortar barras. Mas talvez ele, como vampiro, consiga fazer isso.
  – Pode tentar? – Pergunto, e ele assente.
  Ao nos aproximarmos das barras, vejo um brilho estranho vindo delas. Passo a ponta de dois dedos sobre elas e depois cheiro. Reconheço o odor do óleo transparente no mesmo segundo, e tento impedir Hyun de tocar as barras, mas era um pouco tarde, ele havia encostado uma de suas mãos.
  O garotinho afasta sua mão com rapidez quando sua palma e dedos ficam vermelhos, como uma queimadura. Era similar à quando um vampiro entrava em contato com água benta, mas esse óleo parecia ser um pouco menos agressivo.
  – Você está bem? Me desculpe, eu não sabia. – Após limpar meus dedos, seguro sua pequena mão, analisando o avermelhado que logo vai sumindo até que sua pele volte ao normal.
  Expiro alto, pensando em como seria difícil sair desse lugar que nem sei onde é. Até mesmo óleo ungido passaram nas barras da cela para que não escapássemos.
  – Hyun, o que aconteceu na loja? Por que você sumiu? – Pergunto, enquanto me sento no chão gelado e estico minhas pernas.
  – Eu vi a Amia do lado de fora. Ela me chamou. – Então eu escutei certo, sabia que reconhecia aquela voz.
  Fecho os olhos por um momento, me sentindo tão cansada e perdida.
  – Eu fiquei desacordada por muito tempo?
  Ele assente.
  – E alguém veio aqui nesse tempo? Você viu outras pessoas além da Amia?
  – Um homem alto veio aqui. Ele queria ver se você já tava acordada. Eu vi ele três vezes. – O garotinho levanta a mão e forma o número três com os dedos.
  Enquanto Hyun me encara, provavelmente esperando que eu faça algo para nos tirar daqui, me sinto completamente desnorteada. Estamos trancados em uma cela com óleo ungido nas barras, e não há nada ao nosso redor que possa ajudar.
  Olho mais uma vez para a janela, e dela, tudo que se podia enxergar era o azul do céu. E bem ao fundo, longe, escutar o vento balançando o que parecia ser folhas e galhos, o barulho era semelhante.
  Encaro Hyun, me perguntando o que faríamos agora.

***

  Um longo tempo havia se passado e o céu do outro lado da janela estava mais escuro.
  Meu estômago começava a doer um pouco, e tenho certeza que para Hyun não é diferente. Não sei com que frequência um vampiro se alimenta, mas sei do que se alimenta, e espero que isso não chegue em momentos drásticos aqui.
  O meu corpo estava cansado, era como se eu tivesse me esforçado muito, mas sei que tudo isso era devido a nossa situação e ao que inalei antes, quando desmaiei naquela rua.
  Hyun estava sentado sobre as pernas com elas dobradas. Suas mãos pequenas estavam sobre os joelhos, enquanto ele encarava o chão. Já estava assim a mais ou menos uns vinte minutos. E não importa o que eu pergunte, ele sempre diz que não está pensando em nada.
  Com rapidez, desvio meu olhar do garotinho para a porta, quando a mesma faz barulho. Os meus olhos ficam atentos para quem entraria, e sinto meu corpo se tornar tenso ao ver Kihyun e Amia abrirem a porta de ferro.
  Os dois se aproximam calmamente da nossa cela, ficando perto das barras.
  – Finalmente você despertou, Elena. Fico feliz em ver que está bem. – Kihyun sorri para mim.
  Suas roupas eram inteiramente pretas. E Amia, ao seu lado, usava um longo vestido enquanto mantinha um olhar pretencioso.
  – Eu disse que os traria em segurança, meu querido. – Amia fita Kihyun, sorrindo abertamente em seu batom vermelho-escuro.
  – O que você quer com a gente, Kihyun? – Pergunto, enquanto, involuntariamente, passo um braço ao redor do corpo de Hyun, o trazendo para perto de mim. Ele apoia suas mãos em uma das minhas coxas, e sinto seu olhar curioso sobre mim.
  Kihyun segura nas barras da cela, e aproxima seu rosto delas.
  – Tem alguém muito importante que quer te conhecer, Elena. Ele está vindo de muito longe só para te ver. – O sorriso de Kihyun se torna ainda maior, e seu olhos também.
  Por debaixo das minhas roupas, os pelos do meu corpo se arrepiam um por um, enquanto minha boca fica seca.
  – E por que não veio me contar isso antes? Eu teria ido com você sem tudo isso.
  – Não teria, não. – Kihyun ri, fazendo Amia sorrir. – Você não iria querer conhecê-lo por vontade própria. Eu sei.
  Respiro pesado, fazendo meu peito subir e desder de uma vez.
  – Por que está fazendo isso? Eu sei de quem você está falando e ele é um vampiro, Kihyun. Isso não faz sentido.
  O vento que entrava pela janela a esquerda, se torna mais alto e forte.
  – Faz sentido quando você ajuda o seu pai, Elena.
  Os meus olhos se arregalam, e meu cenho se franze em uma expressão confusa.
  – O-O quê? Do que você está falando, Kihyun? – Meu corpo se arrepia outra vez.
  Amia ri nasalado, ao lado do lobo.
  – Deixe-me te falar meu nome completo pela primeira vez. – As mãos dele escorregam pelas barras da cela, se afastando. – Eu sou Kihyun Falls III Dracul.
  Tudo ao meu redor parecia ter parado. E, por alguns segundos, eu só conseguia escutar o som do vento balançando as folhas e galhos do lado de fora.
  – É mentira. Está mentindo. Você é um lobo, Kihyun. – Aperto Hyun contra meu corpo. Ele continua em silêncio, observando tudo.
  Calmamente, Kihyun dá a volta na cela e caminha para o lado esquerdo, de costas para o corredor da janela. Ele se agacha perto das barras, apoiando os pulsos sobre os joelhos dobrados.
  – Sim, eu sou um lobo, Elena. – Seus olhos de âmbar, encaram diretamente os meus. – Mas eu também posso ser um vampiro se você quiser. – Vagarosamente a cor de seus olhos começa a mudar, abandonando o amarelo para obter o vermelho dos vampiros.
  Mais uma vez, Kihyun toca nas barras da cela, e depois mostra suas mãos para mim, permitindo-me ver as mesmas marcas avermelhadas em sua mão, como as de Hyun antes ao tocar no óleo.
  – Não é possível... – Sussurro, desacreditada do que via.
  – É possível desde que minha mãe é um lobo e o meu pai um vampiro. E isso me torna seu irmão mais velho, Hyun. – O olhar de Kihyun vai até garotinho, que encolhe seu pequeno corpo debaixo do meu braço, e fechas suas mãos sobre a minha coxa.
  A minha cabeça estava a ponto de explodir. Os meus pensamentos se embolavam em nós, dos quais, eu não conseguia desatar.
  – Bom – Kihyun se levanta abruptamente – se me dão licença, preciso ir agora e ajeitar os preparativos para a chegada do meu pai. Só passei aqui para vê-los e saber como estavam. Vejo vocês outra hora. – Ele sorri e acena com a cabeça, refazendo seu caminho. E, por um momento, sua mão toca o ombro de Amia ao passar perto dela. – São todos seus, meu amor.
  Com isso, Kihyun deixa o lugar onde estávamos, e tudo que nos resta, é Amia e seu sorriso maldoso.
  – Já tem um bom tempo desde a nossa última conversa.
  A encaro, tensa.
  Solto Hyun e me levanto, aproximando-me da frente da cela, onde Amia estava aparada.
  – O que é isso, Amia? Está traindo o Taehyung? – Exasperada, seguro nas barras, sentindo o óleo sujar minhas mãos.
  – Estou apenas indo para o lado que vai sobreviver, querida. – Ela quase sobrepõe minha fala, com sua voz alta e firme. – Já superei o Taehyung há muito tempo.
  – Pensei que gostasse dele.
  – E eu gostei. – Seu tom era um pouco irritado, como se não gostasse de ser questionada sobre isso. – Acredite, eu o amei. E continuaria amando se não fosse por você.
  Amia passa a mão pelo cabelo longo e rosado, recuperando sua postura.
  – Taehyung e eu sempre estivemos juntos, e eu nunca me importei se ele conhecia outros, porque nunca era algo sério. Mas com você – Ela aproxima seu rosto da cela, deixando-o na altura do meu para que possa me encarar bem. – isso foi diferente.
  "Na época, eu estava viajando para resolver os assuntos da família dele, e quando volto, o vejo obcecado por uma Van Helsing. Ele deveria ter te matado, mas não o fez." Seus dedos apertarem sutilmente as barras que ela segura, sem se importar com o óleo que queimava sua pele. "Depois da lua de sangue, eu percebi que não o teria mais. E eu estava certa, já que ele te enviou um dos anéis de noivado."
  Amia se afasta das barras e arruma o cabelo mais uma vez, tentando sustentar a expressão indiferente.
  – Conheci o Kihyun quando nos mudamos para a Romênia. A mando de seu pai, ele estava indo atrás dos vampiros leais, os quais sabia que se juntariam à causa de Henry. Bem, eu não era um desses. – Ela ri baixo. – O peguei no flagra e ele acabou me contando tudo, antes que eu contasse para o Taehyung. E assim eu me juntei a ele.
  – Não se sente mal com isso? Você viveu com aqueles irmãos por anos. – A encaro, descrente.
  – Mal pelo quê? Por sobreviver? – Ela ri de novo, de novo e de novo. – Mesmo que você não surgisse na vida de Taehyung, eu teria um casamento de aparência, porque eu sei que ele não me ama. Na verdade, nunca pensei que ele pudesse amar alguém além da humana da mãe dele. – Ela sorri debochadamente. – Taehyung se prendeu a ela, mas isso não era um problema, desde que eu fosse sua noiva principal, aquela que comandaria os vampiros com ele. Eu poderia assumir caso ele deixasse a memória de Amélia atrapalhar suas decisões como Drácula.
  – Então tudo isso se trata de poder?
  Eu realmente não podia acreditar nas coisas que ela dizia.
  – Tudo se trata de poder, Elena. O mundo é assim, seja para os vampiros, ou para os humanos. Por que você acha que a igreja quer acabar com todos nós?
  – Para livrar a raça humana e nos deixar livres de vocês, que nos matam como gado. – Me apresso a responder, tornando-me um pouco séria para isso.
  Amia ergue seu dedo indicador no ar e o balança de um lado para o outro, enquanto faz um barulho com a boca.
  – O Vaticano é tão perverso quanto nós. O que eles querem, é controlar os humanos como gabo – Ela aponta para mim, de modo que, indique a palavra que eu usei antes. – Colocar um cabresto em vocês, com um antolho que não os deixa olhar para os lados. Vocês serão puxados pela rédea, indo para onde eles querem que vão.
  Se a intenção dela era me irritar, ela realmente estava conseguindo, pois minha cabeça estava fervilhando em pensamentos que queriam concordar com Amia.
  – Ao contrário do Taehyung, o Kihyun soube me tratar da maneira como eu devo ser tratada. E quando tudo isso acabar, nós dois, juntos, estaremos à frente de todas as criaturas místicas. Vampiros e lobos. E então, nem o Vaticano poderá fazer algo contra nós. Ninguém.
  Seu sorriso era vil, e o brilho em seus olhos, mostrava a ânsia por isso.
  – Por que Henry faria isso por vocês? Ele tem mais oito filhos, e o Taehyung já é o Drácula. – Minha voz fica um pouco mais alta.
  Eu estava a ponto de perder o controle disso.
  Ela me encara, rindo pelo nariz.
  – Taehyung não tem o que é preciso para ser um Drácula. Primeiro, ele teria que se livrar das memórias da Amélia, porque elas só o deixam mais fraco como os humanos. E segundo – ela se aproxima de novo das barras –, ele precisaria se livrar de você.
  Aperto os dentes um nos outros, enquanto engulo toda a saliva de maneira nervosa.
  – Você acabará com a vida do Taehyung. Ele se tornou a desonra dos vampiros. Como confiar em um líder que se entregou a uma caçadora de vampiros? – Ela arqueia as sobrancelhas. – Henry não poderia deixar que aqueles irmãos afundassem o legado dos vampiros na lama. Kihyun é o único capaz de fazer isso, por isso ele existe, porque Henry percebeu que não havia mais solução para os seus outros filhos. Por este motivo, ele decidiu criar um filho ainda mais poderoso, um híbrido de lobo e vampiro, alguém honrado o bastante para unir e liderar as criaturas místicas.
  Ela faz uma pausa, me encarando por segundos incômodos.
  – De fato, Kihyun é o único para isso, tendo em vista que até mesmo Henry se deixou levar pelos humanos. Esse pequeno fedelho é a prova viva. – Amia aponta por cima de mim, para Hyun, que estava silencioso. – Kihyun deveria ser o último filho, a salvação. Mas Amélia provavelmente seduziu Henry para que fizessem esse garoto que nunca fala e brinca de bonecas.
  – Não fale assim dele. Vocês são detestáveis. – Falo entre os dentes, e Amia ri em minha cara.
  – Você é detestável, Elena. Está traindo a sua própria espécie por um vampiro.
  – E o que você está...?
  – O que eu estou fazendo é diferente. – Ela me corta, aproximando tanto seu rosto das barras, que nossos narizes se tocam. – Estou lutando pela honra da minha espécie, unificando dois povos para que ambos se tornem uma grande potência. Já você, está apenas se entregando ao grande pecado que seu povo condena.
  Amia passa uma mão por entre as barras e toca meu rosto, segurando meu queixo.
  – Você é egoísta. Aceitou o pedido de Taehyung e se enfiou no castelo dele para derrubá-lo, a mando da igreja. Mas nem isso você conseguiu fazer, porque acabou ajudando seu maior inimigo, pois estava pensando apenas em você e em como, provavelmente, gostava de ficar na cama do Taehyung, mesmo que isso significasse trair a confiança dos humanos... outra vez. – Ela desliza os dedos pelo meu rosto. – Me diga, Elena querida, você realmente acha que isso dará certo? Que ele ficará do seu lado quando a igreja descobrir tudo? – Ela sorri. – Taehyung é um vampiro e não vai hesitar em matá-lo se for preciso, cada um deles.
  Abro a boca, mas não consigo responder.
  – Isso não te faz refletir um pouquinho? Você realmente conseguiria passar o resto da sua vida com alguém que mata humanos por prazer e sobrevivência? Que faz isso sem sentir qualquer remorso? Me diga, Elena, você conseguiria?
  Permaneço em silêncio, sentindo meu corpo começar a tremer, enquanto meus olhos ardiam.
  – Se lembra quando visitou o Festival de Sangue em Upiór? Humanos enjaulados e comercializá-los como animais. Eles faziam aquilo para que a igreja não desconfiasse das mortes e sumiços, uma camuflagem. Já aqui na Romênia, eles não precisam, podem matar quando quiserem. Mas não podemos esquecer que isso só acontece porque esse é o país dos vampiros, mas e nos outros lugares? Onde os vampiros precisam se esconder, como você acha que eles fazem nesses lugares? Isso nunca acabou, Elena, e nunca vai acabar. Esse é o império Dracul, construído em cima de sangue e morte.
  Minha respiração se torna curta e rápida, enquanto tento controlá-la junto com o choro que ardia dentro de mim.
  – Também não podemos esquecer que um dia o Taehyung acordará e te olhará, e você estará velha, e ele jovem e belo. Quando esse dia chegar, ele não te tocará mais, deixará você de lado. E na porta do castelo haverá vampiras e vampiros prontos para satisfazê-lo em um estalar de dedos. – Amia estala seus dedos, fazendo-me sobressaltar no lugar e o barulho ecoar pela cela.
  Eu não estava bem. Essas palavras pareciam queimar dentro de mim. Eu gostaria de poder fugir daqui e me esconder até que esquecesse tudo isso.
  – Escute o que eu digo, querida, isso é um conselho de alguém que deixou no passado todas as nossas desavenças. – Ela se afasta das barras da cela e se vira, começando a caminhar vagarosamente em direção à porta. – Vocês não podem ficar juntos porque Taehyung será o seu maior erro. E você se arrependerá todo dia e toda noite por ter escolhido ficar ao lado dele.
  Sinto as lágrimas quentes e reprimidas escorrerem por meu rosto, fazendo meu corpo tremer ainda mais.
  – Ah, quase me esqueci. – Ela para de andar quando está perto da porta e se vira de lado, segurando uma das mãos e puxando um anel para fora do dedo. – Pode ficar com isso. Eu não preciso mais. – Amia lança o anel para dentro da cela, fazendo-o cair ao meu lado e quebrar a pedra vermelha, deixando a pequena quantidade de sengue dentro dela, manchar o chão.
  Quando ela se vai, o som da minha respiração preenche todos os lados desse lugar, se misturando ao som do vento que entrava pela janela. Minhas pernas tremem muito, me impossibilitando ficar de pé quando um mal-estar me atinge, fazendo-me agachar no chão a abraçar as próprias pernas, enquanto escondo a cabeça entre os joelhos e deixo as lágrimas molharem minhas calças.
  Eu sei que tudo que ela disse era a mais pura verdade, e nos últimos dias venho evitado pensar dessa maneira, justamente por saber que estava fazendo tudo errado. Mas me enganar não tornava as coisas menos dolorosas, só as adiava para momentos como esse, onde tudo dentro de mim mergulhava em sentimentos amargos.
  Pequenas mãos me seguram pelos braços, e ao levantar minha cabeça, encontro Hyun me encarando com um olhar preocupado e confuso.
  – Não se preocupe comigo, está bem? Nós ficaremos bem. – Me forço sorrir para ele, secando as minhas lágrimas enquanto fungo.
  Eu sentia como se pudesse morrer agora. E talvez eu queira isso.

Capítulo 23

  Entre as barras, além da janela, eu conseguia enxergar a lua do lado de fora. O vento estava um pouco mais forte, fazendo os meus braços descobertos se arrepiarem. O som do vento assoviando ao passar pela janela era a única coisa que fazia barulho aqui dentro.
  Respiro fundo enquanto continuo passando minha mão pelos fios de cabelos escuros de Hyun, que estava com a cabeça deitada no meu colo. Já nem sei a quantas horas estamos assim, sentados sobre esse chão duro e gelado.
  Os meus olhos ardiam um pouco, resultado do choro e, às vezes, eu precisava piscar vários instantes seguidos até que eles se lubrificassem e se tornassem menos incômodos.
  No fundo, a porta de metal é aberta por um homem que dá passagem para Amia, que entra aonde estamos, carregando um balde de alumínio.
  Fico em silêncio, apenas a observando se aproximar.
  Ao parar em frente a cela, ela balança uma única chave presa em uma argola.
  – Pensei que estariam com fome. – Amia sorri e abre a cela, empurrando o balde para dentro. Ela volta a trancar a cela logo em seguida.
  Hyun levanta sua cabeça para olhar Amia e acaba se sentando do meu lado.
  Permaneço parada em silêncio.
  Amia arqueia as sobrancelhas.
  – Não vai comer? Eu não envenenei a comida, caso esteja pensando isso. – Não a respondo. – Certo, morra de fome então. Mas seria uma morte bem chata e sem valor algum.
  Ela cruza os braços.
  – De qualquer forma, faça o que quiser, mas tenho certeza que ele vai querer o que está aqui dentro.
  Encaro Amia e depois Hyun, que devolve o olhar. Eu realmente não confio na Amia, mas isso não se trata apenas de mim. Esse garotinho tem estado quieto o tempo todo e, talvez, mesmo sendo um vampiro, esteja assustado com tudo que está acontecendo, afinal, ele ainda é uma criança.
  – Fique aqui. – Peço para Hyun, antes de me afastar e ir até o balde de alumínio, vendo dentro dele um pão e um frasco de vidro cheio de sangue.
  – Nosso estoque de almas humanas infelizmente acabou, mas acho que isso pode ajudar a conter o fedelho estranho por enquanto. A menos que você queira se abater por ele, Elena. – Amia sorri, enquanto caçoa.
  Ainda sem respondê-la, pego o balde e o arrasto para perto de Hyun, entregando para ele o frasco com sangue. O garotinho desrosqueia a tampa e logo começa a beber o líquido espesso e vermelho como os humanos bebem água.
  Amia contorna a cela enquanto seus saltos, debaixo do vestido, criam ecos. Ela para do lado esquerdo e se agacha, sentando-se no chão de frente para onde estávamos, com as pernas cruzadas.
  – Sabe, eu estive pensando sobre a nossa conversa de antes. – Ela suspira falsamente. – Talvez eu tenha sido um pouco dura com você, mas não me entenda mal, eu só queria abrir os seus olhos, Elena.
  A encaro com severidade, sem ter nenhuma pretensão de conversar com ela.
  – Enquanto eu pensava sobre isso, também encontrei a solução perfeita para você e Taehyung. – Ela sorri fechado, falando como se eu realmente estivesse interessada. – Quando estamos apaixonados, fazemos coisas inexplicáveis, por isso, quero saber se você já leu Romeu e Julieta, Elena?
  Desvio meu olhar, fitando Hyun. Coloco minha mão sobre sua cabeça e começo a afagar seu cabelo de novo, enquanto ele termina de beber o sangue e eu finjo que Amia não estava aqui.
  – A maneira desesperada como Romeu bebeu o veneno por pensar que Julieta havia morrido quando, na verdade, ela estava viva. Ele fez isso por amor, por querer desesperadamente estar ao lado de sua amada. – Continuo me concentrando em Hyun, tentando não prestar atenção nas palavras de Amia. – E quando Julieta acorda e vê Romeu morto, o que ela faz? Pega o punhal dele e se mata, pois para ela já não havia mais motivos para viver sem ele.
  Quando Hyun termina de beber o sangue, ele me entrega o frasco, da qual eu fecho e coloco de volta no balde.
  – Quer o pão? – Pergunto para o garotinho, mas ele nega.
  – É uma história trágica, não posso negar, mas a base dela é o sacrifício pelo amor, a vontade de estar com aquele que se ama. Você e Taehyung são como Romeu e Julieta, Elena. Não deveriam estar juntos, porém, a única forma disso acontecer, é através do sacrifício. Então, se você gosta do Taehyung, o quanto estaria disposta a se sacrificar por ele? – O tom de voz de Amia vai se tornando mais baixo à medida que ganha intensidade, rodeando minha mente como um encanto assombrado que eu não conseguia me livrar.
  Puxo uma grande quantidade de ar para dentro, tentando me manter calma e controlada.
  – O único jeito de permanecer ao lado do Taehyung, Elena, é se você sacrificar o que tem de mais valioso... – Mesmo sem olhá-la, a escuto rir de forma nasalada. Diante o olhar de Hyun, que me fitava, sinto meu corpo se arrepiar com o vento, mas eu sabia que isso era sobre o que estava por vir. – sua vida humana.
  O vento assovia alto quando Amia fica em silêncio, e isso entrava diretamente dentro da minha cabeça, deixando meu corpo desconfortável.
  – Você se tornaria uma vampira por ele, Elena?
  Involuntariamente, meu corpo estremece ao escutar essa frase, como se trouxesse memórias ruins.
  – Esse é o seu sacrifício, o único jeito de ficarem juntos. Você precisa renunciar tudo que tem, dar as costas para sua fé e o seu Deus, se entregando de corpo e alma para uma nova vida, ou no caso, morte. Passar todos os seus dias caçando e matando aqueles pelo qual você vem lutando, os enxergando como seres mais fracos que você, que vivem por um único motivo, te satisfazer. Talvez, no começo, seja um pouco difícil para você, afinal, você tem sua família; a sua irmã, por exemplo. Você acha que ela te aceitaria depois de tudo que passou com os vampiros? Possivelmente não, mas com o tempo você aprenderia a lidar com isso até não se importar mais com o que os humanos pensam.
  Respirando fundo e soltando o ar fortemente pelo nariz, me viro para Amia, que me observava com atenção.
  – Eu gostaria de ir ao banheiro.
  Amia sorri e me fita por alguns segundos, antes de se levantar.
  – Claro, eu te levo. – Ela caminha até a frente da cela, destrancando-a.
  – Vem, vamos. – Digo para Hyun, que se levanta comigo.
  – Ele fica. – Amia diz da entrada da cela.
  – Não vou deixá-lo sozinho aqui. Ele vai comigo e não fará nada, não é mesmo? – Encaro o garotinho, que assente em silêncio, enquanto pega em minha mão.
  Amia suspira e nos encara com desinteresse, mas nos deixa sair da cela.
  Ela toma a frente, nos guiando até à porta de metal, enquanto seus saltos ecoam pelo lugar pequeno. Amia dá duas batidas na porta enferrujada, que logo é aberta pelo mesmo homem de antes. Nós três saímos, entrando em um enorme corredor escuro.
  A mais ou menos uns três metros da porta de metal havia outra, essa, de madeira. Amia parou em frente a ela, enquanto o homem de cabelos escuros ficou parado perto da porta de metal.
  – Esse é o banheiro, fiquem à vontade, mas não tentem nada idiota. Eu vou saber se tentarem. – Ela alerta e abre a porta de madeira, nos deixando entrar.
  Assim que acendo a luz do banheiro, Amia fecha a porta, deixando-nos sozinhos. O lugar era pequeno e simples, só com uma privada, uma pia branca trincada e um espelho pequeno acima dela.
  – Nós vamos sair daqui, Elena? – Hyun pergunta quando paro na frente do espelho.
  O fito sobre os ombros e levo o dedo indicador até os lábios, fazendo um gesto de silêncio, depois, indicando a porta. Amia com certeza, podia nos ouvir.
  Não queria usar o banheiro, isso foi apenas um pretexto para fugir daquela conversa. Eu verdadeiramente não aguento mais ouvir a voz da Amia, me sinto mal só por escutá-la falando comigo.
  Apoio minhas mãos sobre a pia de mármore e suspiro de olhos fechados, enquanto penso em como posso descobrir aonde estamos e como podemos fugir. Segundos depois, abro os olhos e encaro meu reflexo no espelho, fitando bem os meus olhos.
  Você não se tornará uma vampira, Elena. Você nasceu como uma Van Helsing e morrerá como uma. E não há nada nesse mundo que te fará mudar de ideia.
  Fico por mais algum tempo no banheiro, apenas para que Amia acredite.
  – Precisa fazer alguma coisa? – Encaro Hyun através do espelho, e ele nega com a cabeça.
  Com isso, pego em sua mão e abro a porta do banheiro, onde Amia nos esperava do outro lado, escorada contra a parede.
  Sorrindo, mas em silêncio, ela nos leva de volta para onde nos mantinha presos. Se eu estivesse sozinha, talvez tentasse fugir correndo, mas não seria uma boa ideia tendo Hyun comigo. E não posso esquecer que nem sei onde estamos, nem quantos lobos e vampiros estão nesse lugar.
  – Quer ver? – Amia pergunta, quando me percebe olhar para a janela, antes de entrar na cela.
  A encaro com desconfiança, mas assinto. Assim, caminhamos até à janela. E tudo o que se podia ver daqui era o céu da noite e uma enorme floresta. Haviam árvores altas por todos os lados, e a distância delas para onde estávamos era alarmantemente alta, chegando a ser um pouco assustador. Isso definitivamente era uma torre.
  – Ainda estamos na Romênia? – Pergunto, apoiando as mãos na janela de pedra.
  – Sim, mas fora da Transilvânia. – Amia se coloca do meu lado na janela.
  O vento que vem de fora nos atinge de uma só vez, assoviando.
  Me afasto da janela e de Amia, caminhando até à cela onde Hyun estava. Sem reluta, entro e vou para perto do garotinho, me sentando do seu lado.
  Amia tranca a cela.
  – Se não precisam de mais nada, estou indo agora. – Ela coloca as mãos na cintura e nos fita por alguns segundos, esperando por resposta que não vem. – Certo, estou indo então. Elena querida, pense na nossa conversa. – Ela sorri para mim, depois se vira e sai da torre.
  Permaneço quieta por alguns minutos para me certificar de que ela e nem ninguém viria aqui de novo.
  – Acho que agora podemos conversar. – Me arrasto para ficar sentada na frente de Hyun.
  Ele me encara com atenção e acena com a cabeça.
  – Eu não me lembrei disso antes porque estava nervosa – Confesso. – Hyun, você consegue voar, não é? Como seus irmãos fazem. Transmutação em morcego.
  – O Jimin e o Jin me ensinaram isso algumas vezes. – Com as pernas dobradas debaixo do corpo e as mãos sobre os joelhos, Hyun responde.
  Olho para a porta de metal fechada, e depois de novo para Hyun. Seguro nas pequenas mãos do garoto.
  – Hyun, preste atenção em mim agora. – Falo baixo. – Coisas ruins podem acontecer se continuarmos aqui, por isso, eu preciso que você voe e veja se encontra alguma coisa nos arredores, uma cidade ou pessoas que não estejam perto desse lugar. Pra que possamos fugir, eu preciso saber o que tem ao nosso redor, você entende? – Ele assente.
  Suspiro, encarando o chão por um momento.
  – Se suspeitar de algo, sempre continue como um morcego, não deixe que te vejam na forma normal. Dê uma volta no lugar e volte pra cá, está bem? – Não o espero responder e dou-lhe um abraço que transmitia toda minha preocupação. – Não faça nada perigoso.
  Quando o solto, Hyun se levanta e me encara por segundos. De pé, o garotinho me abraça de novo, passando seus braços ao redor do meu pescoço.
  – Eu vou voltar, tá bom? – Ele sorri para mim, antes de seu pequeno corpo se envolver em uma cortina de fumaça negra, o transformando em um pequeno morcego que voa em direção às barras da cela, passando por entre elas e indo até à janela aberta, sumindo.
  Me aproximo das barras, as segurando enquanto encaro a noite além da janela.
  – Por favor, fique bem.

***

  A brisa fresca me atinge e abro os meus olhos, vendo o grande penhasco que estava perto de mim. Franzo meu cenho e dou um passo para trás, involuntariamente. A brisa me rodeia e, confusa, começo a me aproximar do penhasco, espiando-o; um grande vazio cujo fim não se podia ser visto.
  Meu corpo inteiro se arrepia e escuto o som baixo de um choro. Me viro em direção a ele e arregalo os olhos ao ver, não muito longe, um enterro acontecendo..
  Haviam fileiras de cadeiras vazias sobre a grama alta, enquanto ao fundo, havia um caixão e uma mulher vestida de branco debruçada sobre ele, chorando em meio às coroas de flores mortas.
  Era uma noiva.
  Tenho um mau agouro quando penso reconhecer o vestido e véu que ela usava.
  Cautelosa e um pouco temente, começo a me aproximar da cerimônia fúnebre de uma pessoa só. O som dos meus passos sobre o mato malcuidado entrega a minha chegada, mas a noiva não se importa, pois permanece debruçada sobre o caixão, chorando.
  Devagar, caminho no meio das duas fileiras de cadeiras vazias, me aproximando mais ainda do caixão fechado e da noiva.
  O seu choro parece ficar mais alto, de um jeito que chegava a incomodar os meus ouvidos, como um estridente zumbido.
  Mais alguns passos e paro atrás dela, de fato reconhecendo seu vestido e o anel em sua mão esquerda. Os meus olhos se arregalam de novo e mais um arrepio sobe por minha espinha, enquanto, hesitantemente, toco seu ombro, e isso a faz chorar ainda mais alto.
  – Você está bem? – Pergunto e encaro o caixão fechado, conseguindo ver agora que estou próxima, uma pequena janela de vidro nele, deixando à vista o rosto de quem estava do outro lado.
  Se isso é possível, eu não sei, mas pude sentir o meu coração parar no segundo em que percebi quem estava dentro do caixão: era a Wendy.
  Minhas mãos começam a tremer e me desespero. Me jogo de joelhos no chão e encaro de perto seu rosto sem cor através da janela pequena e retangular.
  – Abra esse caixão! Abra esse caixão agora! – Exasperadamente tento levantar a tampa do caixão, que não abre, mas faz com que a noiva finalmente erga seu rosto, me encarando com os olhos vermelhos como os de um vampiro.
  Mesmo de joelhos, me desequilibro e caio para trás, sentada, enquanto agarro o mato alto com força, o arrancando do chão de terra.
  A pele pálida, os olhos vermelhos, as presas longas, a boca suja de sangue... essa era eu.
  Meu coração volta a bater em um salto e minha respiração se acelera em questão de segundos.
  Completamente assustada, me levanto e corro para perto das cadeiras que, nesse momento, não estavam mais vazias, mas sim ocupadas por cadáveres de pessoas que eu conhecia, como Lilu, Sally, Padre Albert e minha mãe. Todos com mordidas sangrentas nos pescoços e olhos vidrados que pareciam me encarar com julgamento.
  Tremendo mais que antes, começo a correr para longe deles enquanto sinto as lágrimas de desespero molharem o meu rosto. Com as pernas descontroladas, não paro de olhar para trás, me vendo cada vez mais longe daquela cena horripilante.
  Um grito mais alto que o choro da noiva rasga a brisa fresca de antes, quando sinto os meus pés saírem do chão e meu corpo ser puxado de encontro do penhasco escuro e sombrio, do qual corri em direção.

Capítulo 24

  Meu corpo deitado sobressalta do chão quando sou atingida por alguma coisa muito gelada. Rapidamente me sento, sentindo meu corpo e cabelo incrivelmente molhados.
  – Finalmente acordou.
  Assustada, olho ao meu redor, vendo o homem que vigiava a porta de metal parado do lado de fora da minha cela, segurando um balde de alumínio que pingava.
  – Cadê o garoto? – Ele pergunta, fazendo-me despertar após me sentir completamente confusa sobre o que aconteceu.
  Mais uma vez olho ao redor, procurando alguém dentro da cela ocupada apenas por mim.
  Não só pela água gelada, mas também pela sensação ruim que me assola, meu corpo se arrepia. Hyun ainda não havia voltado, e já era manhã de outro dia.
  Passo a mão por meu rosto molhado, tentando secá-lo de forma nervosa.
  – Eu não sei. – Respondo, sincera e perdida.
  O homem solta o ar pelo nariz de forma pesada.
  – Onde está o garoto? – Ele bate o balde de alumínio nas barras da cela, criando um alto barulho desagradável.
  Pisco os olhos rapidamente várias vezes e o encaro.
  – Eu já disse que não sei. Não estou mentindo.
  Seus olhos amarelados parecem irritados. Então, ele joga o balde contra as barras da cela e sai da torre, batendo com força a porta enferrujada de metal.
  Fecho os olhos e expiro profundamente.
  As gotas de água escorriam por mim e caiam no chão, formando uma pequena poça de água.
  Olho por entre as barras em direção à janela, vendo o azul do céu, enquanto escutava o piado de alguns pássaros que voavam em frente a janela.
  Fechos minhas mãos, fazendo meus dedos escorregarem pelo chão duro de pedra. Puxo o ar para dentro o máximo que posso, enquanto peço a Deus para que Hyun esteja bem, pois eu já me arrependida de ter pedido que ele saísse daqui.
  Talvez ele não tenha encontrado nada, por isso, ainda não voltou. Pense positivo e tudo dará certo, Elena.
  Enquanto imerjo em preocupação, por um segundo me lembro do sonho ruim que tive e de como eu estava nele. Eu ainda conseguia sentir todas aquelas sensações correrem dentro de mim e era horrível. Me ver daquela forma, como uma vampira, era tenebroso, algo ainda mais assustador do que quando vi pela primeira vez a marca dos Van Helsing surgindo nas minhas costas. De toda forma, esse sonho ruim apenas reforçou o que eu já tinha em mente; que nunca me transformaria em uma vampira. Nunca.
  A porta de metal é aberta, e aquele homem de olhos amarelados se aproxima da minha cela outra vez, agora carregando dois baldes e um esfregão. Ele coloca tudo no chão e abre a porta da cela.
  – Vem para fora. – Ele faz um gesto de cabeça, me encarando sério.
  Em silêncio e atenta ao que ele poderia fazer, me levanto do chão molhado e caminho até onde ele estava, do lado de fora da cela. Encaro os dois baldes, vendo um cheio de água com um escovão boiando dentro dele, e o outro com uma mistura de água e sabão.
  – Isso vai te ajudar a lembrar aonde o garoto está. – O homem lobo empurra o esfregão em minha direção. – Lave tudo, e é melhor fazer o que eu digo, se não quiser arrumar problemas por aqui.
  Com um olhar carregado, ele se vira e sai da torre, me deixando sozinha com um esfregão, um escovão e dois baldes para limpeza.
  Suspiro alto, sentindo os meus olhos arderem. Eu estava cansada, com fome, com frio e preocupada com Hyun. Estar presa aqui era como viver um pesadelo do qual nem sequer podia tentar fugir, pois precisava esperar Hyun voltar e me contar em que parte da Romênia estávamos, mesmo que, no fundo, eu soubesse que provavelmente era bem longe da Transilvânia, onde todos estavam.
  Sem ter escolhas, pego os dois baldes e o esfregão, e os levo para perto da janela. Os ponho de canto e depois coloco minhas mãos sobre o batente de pedra, observando a paisagem do lado de fora. O dia estava lindo, havia um sol brilhante, um céu azul, um vento agradável, o som dos pássaros, o cheiro puro das árvores e, no fim das contas, eu estava presa em uma torre fria, escura e silenciosa, vigiada por lobos e vampiros.
  Encaro as muitas árvores cheias, que preenchiam cada parte da minha visão, não me deixando ver nada além das suas folhas e galhos.
  – “O Senhor, pois, é aquele que vai adiante de ti; ele será contigo, não te deixará, nem te desamparará; não temas, nem te espantes.” – Sopro ao vento, um dos meus versículos favoritos, torcendo para que ele leve minhas palavras até o pequeno Hyun, seja lá onde ele estiver e o que estiver fazendo agora.
  Me afasto da janela e pego balde com água e sabão, despejando um pouco sobre o chão, e depois pego o esfregão e passo-o por toda parte perto da janela. Esfrego cada centímetro de chão que vejo pela frente, tornando isso a minha ocupação do momento, para que eu consiga deixar de lado, ao menos por um segundo, toda a minha preocupação.
  Aos poucos, o esfregão ganha uma coloração escura, não tanto quanto achei que se sujaria, mas, ainda sim, deixa a água preta.
  À medida que ia avançando, enquanto limpava o chão da torre que, mesmo sendo um espaço pequeno, os meus braços começaram a arder, e tive que parar algumas vezes quando isso se tornava incômodo demais.
  Assim que termino de limpar cada pedaço do chão, vou para minha cela e limpo ali dentro. E seguidamente me ajoelho diante as barras da mesma; com o auxílio do esfregão, começo a limpar todo óleo impregnado nas barras. Eu tiraria tudo que conseguisse, pois, desta forma, quando Hyun voltasse, ele não iria se preocupar em tocar as barras e se machucar de novo, porque eu já vou ter dado um jeito nisso.
  A cela era muito alta, então limpei até onde o meu braço alcançou, mas, de qualquer forma, Hyun é uma criança, então não tocaria em nada muito alto.
  Eu não sei quanto tempo levei para limpar tudo isso, mas quando terminei, deitei meu corpo por alguns minutos no chão da cela, respirando fundo, ao menos quatro vezes, enquanto sentia o meu corpo doer de exaustão.
  Quando me sinto um pouco melhor, me levanto do chão e recolho tudo que usei, levando os baldes e o esfregão para perto da janela, onde perdi algum tempo apenas observando o lado de fora, o lado da liberdade.
  Como será que estão todos no castelo? E a minha irmã, será que ela conseguiu sair da cama e voltar ao seu estado normal? Torço para que sim, ao mesmo tempo que me sinto culpada por saber que ela deve estar tão atribulada agora. Wendy mal se recuperou e teve que lidar com essa confusão que eu me meti, mais uma vez.
  E aqueles irmãos, eles devem estar tão preocupados com Hyun. Se os conheço, principalmente Taehyung, o castelo deve estar um completo caos. Mas espero que Jimin e Blarie consigam acalmar tudo por lá.
  – “Esforça-te, e tem bom ânimo; não temas, nem te espantes; porque o Senhor teu Deus é contigo, por onde quer que andares.” – Sussurro mais um versículo, desta vez para mim mesma, pois estava precisando disso mais que nunca.
  Seco os meus olhos quando algumas lágrimas ameaçam escorrer. Respiro fundo, tentando reconstruir todos os meus sentimentos e organizá-los de forma menos agoniante.
  Ao fundo, ouço a porta de metal ser aberta de novo, mas permaneço do mesmo jeito, parada em frente à janela.
  Os passos pesados caminham para perto de mim, até que param, acompanhando um badalar que parecia ser de um relógio, vindo de fora.
  – Eu limpei tudo. – Digo, enquanto me viro em direção ao homem lobo, que estava próximo, a apenas alguns passos. Ele segurava uma pequena bandeja com um pão e um copo com leite.
  Seus olhos amarelados observam cada canto da torre, desde o chão até a cela, antes de voltarem para mim.
  – Acho que você esqueceu essa parte. – Ele diz, sorrindo de um jeito maldoso, para depois virar a bandeja, fazendo o pão cair no chão e o leite se espalhar por todos os lados, sujando o que eu já havia limpado.
  Fecho os olhos, respirando fundo, enquanto sinto os meus olhos marejarem mais uma vez. Engulo a saliva junto com o choro e abro os olhos novamente, vendo de canto de olho, o esfregão perto de mim.
  – Onde está o garo... ugh! – Um grunhido de dor interrompe sua fala, quando pego o esfregão, parto ao meio e o acerto no abdômen.
  – Por que você não o procura no inferno? – Com uma mão, seguro a madeira partida, e com a outra, seco as lágrimas no meu rosto.
  Com força, puxo o esfregão para fora do seu abdômen e o homem lobo cambaleia, apoiando-se na parede, enquanto sua mão tenta estancar o sangue que pingava no chão.
  Com os dentes apertados uns nos outros, ele me encara completamente tomado pela raiva, vindo em minha direção com exacerbo. Suas unhas se alongam para que ele consiga me atacar, mas uso o esfregão quebrado para afastá-lo. O homem lobo segura no esfregão, tentando empurrá-lo em minha direção, me obrigando a virar nossos corpos, o colocando contra a janela. Ele aperta o esfregão, que começa a estalar, enquanto racha, mas isso não me impede de usá-lo para empurrá-lo para trás, fazendo o tronco do lobo se deitar no batente da janela e sua cabeça pender para fora da mesma.
  – Você não acha que já teve o bastante? – Pergunto, encarando a ferida em seu abdômen, que ainda sangrava.
  Ele não responde, apenas rosna entre os dentes, tentando me afastar de perto dele.
  Suspiro e solto o esfregão, o libertando.
  – Sai daqui. – Peço.
  Ele ainda me encara com raiva, mas não diz nada.
  – Anda. Sai daqui logo. – Falo séria e, diante de um olhar raivoso misturado a uma expressão de dor, ele se afasta de mim e depois sai da torre.
  Encaro minhas mãos, que se sujaram de sangue um pouco, assim como os respingos em minhas roupas. Depois, encaro a sujeira que se formou no chão e suspiro de novo, antes de pegar o pão e voltar para dentro da minha cela, enquanto me pergunto se um dia vou voltar a ter dias bons.

Capítulo 25

  – Vamos, Elena, está na hora de acordar. – Dedos deslizam suavemente pelo meu rosto. – Parece que estava bem cansada, não é? – Escuto seu suspiro, que me faz abrir os olhos, encontrando Kihyun agachado na minha frente.
  Ele sorri.
  – Você precisa levantar e se arrumar, hoje será um grande dia. – Kihyun desliza mais uma vez os dedos por meu rosto, mas agora eu afasto sua mão.
  Me sento no chão da cela, vendo que Amia estava a poucos metros de distância de nós.
  Kihyun me observa com atenção.
  – Sinto muito se teve um dia ruim ontem. – Ele diz, depois de analisar o estado em que eu estava. Meu corpo estava levemente suado e minhas roupas sujas, igual ao meu cabelo. – Estive fora. Amia e eu estávamos preparando tudo para a chegada do meu pai. Ele está muito ansioso para conhecer você
  – Comprei vestidos lindos para você, Elena. Até poderá escolher qual deles quer usar hoje. – Amia diz, sorrindo para mim.
  – Hoje? – Encaro Kihyun, que assente.
  – Sim, hoje. O meu pai já está chegando, e você precisa se arrumar para recebê-lo.
  Fracamente, assinto, tendo a pretensão de me levantar depois, mas Kihyun segura meu pulso.
  – Antes, eu gostaria de te perguntar uma coisa. – Ele me faz encará-lo. – Soube o que aconteceu ontem. Você gostaria de me dizer alguma coisa sobre o Hyun?
  Fico em silêncio e desvio meu olhar do seu, me sentindo ainda mais culpada hoje após um dia e uma noite sem ter notícias do pequeno garotinho.
  – Tudo bem então. Não precisa falar se não quiser. – Kihyun solta o meu pulso e me deixa levantar. – Pode ir com a Amia.
  Ainda calada e encarando o chão, caminho para perto da Amia, que coloca sua mão sobre as minhas costas e me guia para fora da cela. Kihyun fica para trás, enquanto saímos da torre, onde outro homem cuidava da porta de metal; não era o mesmo com quem briguei ontem.
  Assim que saímos, caminhamos pelo corredor, passando em frente a porta que eu sabia que era a do banheiro.
  O lugar era grande e o corredor parecia não ter um fim. Não haviam janelas aqui, apenas portas do lado direito, várias delas, todas de madeira e do mesmo jeito.
  – Aqui. – Amia para de andar e toca em uma das portas, batendo suas unhas na madeira. – Vamos entrar. – Ela arrasta sua mão até à maçaneta e a gira, abrindo a porta que dá para um quarto simples, mas espaçoso.
  Ela fecha a porta depois que entramos.
  – Venha ver os vestidos que comprei para você. – Ela segura em minha mão e me puxa para perto da cama de casal forrada por um lençol branco. Sobre ela, haviam dois vestidos, um vermelho e um preto. – Então, qual deles você gostou?
  Ele me encara, sorrindo, e eu devolvo o olhar.
  Suspiro baixo.
  – Eu não me importo.
  O seu sorriso some.
  – Certo. Você pode escolher depois. Vamos te levar para o banho então. – De novo ela segura em minha mão, agora me puxando em direção a outra porta do quarto, essa que levava para o banheiro.
  Ela não fecha a porta do banheiro, apenas a deixa entreaberta.
  – Pode tirar sua roupa. Eu já preparei seu banho. A água está morna. – Amia se aproxima da banheira branca, colocando sua mão dentro da água. – Vamos, se apresse, Elena. Eu preciso te deixar linda.
  Definitivamente estou presa em um pesadelo e eu não aguento mais.
  Respiro fundo, sentindo vontade de chorar, algo comum desde que fui trazida para esse lugar.
  Devagar e sem vontade, começo a tirar as minhas roupas sujas, até que não reste mais nada no meu corpo. Em seguida, caminho até à banheira, colocando apenas um pé para dentro, me certificando de que a água estava mesmo morna. Amia segura minha mão como se quisesse me ajudar a entrar, e isso me apressa para que eu possa soltar ela.
  Sento no fundo da banheira, deixando meu corpo coberto de água até um pouco abaixo das clavículas.
  – Estou tão animada por você. – Amia forma uma concha com suas mãos e as mergulha banheira, pegando um pouco de água e despejando nos meus cabelos. – Henry sempre foi muito respeitado entre os vampiros, por isso, é importante que você o conheça.
  Trago minhas pernas para perto do tronco e as abraço, enquanto Amia continua molhando os meus cabelos.
  – Não quer falar sobre isso? – Ela inclina sua cabeça para frente, para encarar meu rosto que estava de lado. – Hum, tudo bem, podemos conversar sobre outra coisa.
  Amia pega um frasco de shampoo que estava sobre a pequena mureta da banheira. Ela despeja uma quantidade em sua mão e depois começa a lavar os meus cabelos.
  – Sabe, a nossa conversa do outro dia me trouxe algumas lembranças. – Amia ri e inclina sua cabeça em direção ao meu rosto de novo. – Taehyung.
  Ela sorri, e a encaro de canto de olho.
  – Me recordei do tempo em que ficamos juntos. Até mesmo me lembrei de quando ele disse que gostava de mim pela primeira vez. – Quando a espuma do shampoo começa a cair na água, se desmanchando em pequenos montinhos, Amia começa a enxaguar meus cabelos. – Eu fiquei tão feliz quando isso aconteceu. Céus, acho que se eu me concentrar, consigo sentir isso de novo. – Mas não se engane, isso durou pouco, muito pouco. – Ela me encara de novo, depois de pegar um frasco de condicionador. – Logo ele apareceu com outros, e isso me deixou arrasada. Mas eu sempre soube que Taehyung era assim e eu não podia mudar quem ele era.
  Suas mãos deslizam do topo da minha cabeça até as pontas dos meus cabelos.
  – Os irmãos sempre foram cheios de pretendentes, afinal, eles são Drácus Dementer nascidos direto de um Drácula, então era normal que eles se envolvessem com muitos por aí. E penso que agora que Taehyung é o Drácula, por enquanto, é claro, isso deve ter se tornado pior.
  "Você não estava aqui quando ele escolheu suas noivas, mas posso lhe garantir que foi uma tremenda dor de cabeça. Haviam tantos querendo esse lugar, que isso tornava Olivia, Zoe e Peter grandes sortudos por terem conseguido. Pronto, terminei seu cabelo." Ela diz, pegando, em seguida, uma pequena esponja clara.
  – Eu sei que para um humano não deve ser fácil dividir alguém, vocês estão acostumados a passarem o resto das vidas com apenas uma pessoa. Mas, escute o que eu digo, se quiser ficar com o Taehyung, vai ter que aceitar isso. – Ela começa a esfregar as minhas costas com a esponja. – É inevitável, sabe. Taehyung é um vampiro muito bonito, um dos mais bonitos que já vi até hoje. E aquele jeito desinteressado dele, é isso que o torna tão charmoso. – Amia ri sozinha. – Taehyung pode até não admitir, mas ele consegue usar muito bem todos os seus atrativos. – Ela estica um dos meus braços, esfregando-o com a esponja cheia de sabão.
  "Quando se vive por séculos, as coisas começam a se tornar um pouco chatas e você precisa pensar em alguns desafios que te animem. E, com certeza, planejar um casamento com uma Van Helsing é algo muito excitante. Você só precisa torcer para que isso dure o suficiente para você não o ver te trocando por outro, como aconteceu comigo e com todos que já ficaram com o Taehyung. Querida, você está chorando? Por que está chorando? Eu disse algo que não deveria?" Amia para de me ensaboar para me encarar com olhos de quem não estava entendendo, mas eu sabia que era falsa preocupação pelas lágrimas que escorriam do meu rosto para a água da banheira.

***

  – Pronto. Você está perfeita. – Amia afasta suas mãos do meu pescoço, após colocar em mim um colar com pedras verdes. – Eu sabia que o vestido preto ficaria melhor em você. – Ela dá dois passos para trás, me encarando da cabeça aos pés.
  Permaneço em silêncio, como fiz durante o banho.
  – Vou te levar de volta para sua cela, e lá você vai esperar por Henry, tudo bem? – Ela coloca as mãos na cintura, esperando por minha resposta. – Certo, ainda não quer falar. – Ela suspira e levanta as sobrancelhas.
  Amia pega em minha mão e me conduz para fora do quarto e, em seguida, pelo corredor até à porta de metal, que tem sua passagem liberada pelo novo homem de olhos amarelados, que só para de me encarar depois que volto para a torre.
  – Sua cela vai ficar aberta, porque logo você sairá de novo. – Ela abre a porta da cela e espera até que eu entre. – Use batom vermelho mais vezes, ele fica ótimo em você. – Ela sorri e me dá as costas, deixando a torre.
  Respiro profundamente, soltando o ar de forma pesada.
  Encaro o silêncio do lugar e acabo saindo da cela e indo até à janela, onde sou recebida pelo vento e pelo calor de mais um dia ensolarado. Observo as árvores e começo a pensar em como seria esse encontro com Henry.

***

  Já era de tarde. A manhã passou devagar, enquanto permaneci sentada aqui no chão da minha cela. Qualquer mísero barulho que eu escutava me deixava nervosa de tal forma que, em alguns momentos, até o piado dos pássaros me assustava.
  Meu olhar alternava da porta para a janela, cuja eu torcia a todo momento para que Hyun entrasse voando, mas isso não aconteceu. E sinto que se algo acontecer com ele, não poderei me perdoar nunca.
  Um pequeno passarinho amarelo pousa no batente de pedra da janela, no mesmo instante em que a porta de metal é aberta em um rangido que faz meu estômago revirar de nervosismo.
  A luz do dia mal entrava na torre e, por isso, era comum que algumas partes fossem mais escuras, principalmente onde eu estava. Por este motivo, quando ele passou pela porta, não pude ver muito do seu rosto, contudo, seu corpo alto e um pouco robusto emanava uma postura furiosa de poder.
  Sinto meu coração tremer em meu peito quando, em passos lentos que me torturavam cada vez que ecoavam pela torre, ele se aproxima. E, pouco a pouco, comecei a vislumbrá-lo melhor, começando pelos cabelos brancos e longos que iam um pouco abaixo dos ombros largos.
  Quando ele para diante a minha cela aberta, meu corpo inteiro tem um calafrio, acompanhando o badalar do relógio que vem do lado de fora da torre.
  Ele estava sozinho, a porta de metal estava aberta, e quem a vigiava esperava do lado de fora. Aqui dentro éramos apenas nós dois, e isso me deixava completamente tensa.
  Os sapatos elegantes e pretos em seus pés dão os primeiros passos para dentro da cela e, em poucos segundos, ele já estava na minha frente, me fazendo cativa de suas íris escuras que carregavam um olhar sombrio que chegava a causar medo.
  – Sinto como se estivesse olhando para Amélia agora. – Ele diz com seu tom de voz grave que me lembrava o de Taehyung.
  Não digo nada, pois eu sentia que se dissesse, ele faria algo comigo.
  Ele se agacha para ficar próximo de minha altura e, em seguida, segura meu queixo, enquanto encara fixamente o meu rosto com um olhar estreito.
  – Não, você não se parece tanto assim com ela. – Segurando meu queixo, ele vira meu rosto para os lados, examinando-o bem. – Seu rosto é diferente. Só enganaria um tolo que não a conhecesse bem. Mas ambas ainda são muito bonitas.
  Ele solta meu rosto. Eu me sentia mais nervosa do que nunca.
  – Em todo caso, estou feliz por finalmente te conhecer, Elena. – Ele permanece sério, me encarando tão fixamente que me deixava cada vez mais enjoada.
   Engulo em seco, não acreditando que estava na presença de Henry III Dracul.
  – Bom, é melhor irmos, nós temos uma longa tarde pela frente para nos conhecermos um pouco mais, apesar de eu saber quase tudo sobre você. – Henry se levanta e me estende sua mão, da qual encaro enquanto mergulho em completa aflição.
  Eu não queria ir com ele, mas temo que ele possa fazer alguma coisa comigo. Nunca me senti assim perto de qualquer outro vampiro, eu realmente estava com medo.
  Fecho os olhos por um segundo e respiro fundo, tentando me controlar.
  A minha situação era ruim, eu sei, mas não posso deixar o medo ou a aflição me dominarem agora. Estou na frente do antigo Drácula, o pai daqueles irmãos, do Taehyung e, sinceramente, não sei se vou sair daqui viva, mas se existe uma pequena chance de isso acontecer, eu preciso, ao menos, ter alguma coisa para levar comigo.
  Minimamente mais calma, seguro apenas na ponta dos dedos de Henry, aceitando sua ajuda para me levantar.
  Pela primeira vez ele sorri fechado, e isso me espanta, pois era idêntico ao sorriso que Jungkook costumava me mostrar. A cada movimento ou expressão de Henry, era como se eu enxergasse um dos irmãos.
  – Vamos? – Ele me oferece seu braço, e mais uma vez preciso me tranquilizar interiormente para conseguir fazer isso.
  Temerosa, sou obrigada a passar meu braço ao redor do seu, e assim nós começamos a caminhar para fora da torre, passando pelo homem que a vigiava, antes de entrarmos no longo corredor.
  – Você já pode se sentir feliz, Elena, essas são suas últimas horas de cativeiro.
  Olho para ele, confusa e desconfiada.
  – O quê?
  Sua expressão não muda e nem seu tom de voz.
  – Já tem alguns dias que estou neste lugar, resolvendo assuntos importantes. Hoje é nosso último dia aqui na Romênia, por isso, gostaria de aproveitá-lo bem com você. – Ele responde sem me olhar, enquanto passávamos em frente a cada porta do extenso corredor.
  Não consigo controlar meu coração que, por um momento, fica ansioso. Não sei se posso acreditar no que Henry diz, mas, mais do que tudo, quero ir embora desse lugar e preciso encontrar Hyun antes.
  – Hoje é um dia muito especial, Elena, porque você vai me ajudar em algo muito grande e importante.
  – Te ajudar? – Pergunto receosa, engolindo em seco.
  Ele me espia de canto de olho e sorri de lado.
  – Você tem algo que eu quero muito, por isso foi trazida para esse lugar. Eu pedi que fizessem isso.
  A ansiedade em meu coração, se intensifica para algo ruim.
  – O que você vai fazer comigo? – Paro de andar, o fazendo parar também. Henry me encara com aqueles olhos intimidadores, me deixando completamente arrepiada em uma aflição que eu tentava não deixar transparecer, mas que estava muito difícil.
  – Tem um jardim muito bonito aqui, vamos até lá e eu te explicarei tudo. – Ele sorri de novo, voltando a andar, enquanto puxa meu braço junto com o seu.
  Nesse ponto, eu tinha certeza que ele conseguia escutar as batidas desenfreadas e ansiosas do meu coração.
  – O quanto a sua igreja e o Vaticano te contaram sobre sua origem?
  – Minha origem? Você está falando sobre os Van Helsings? – Pergunto, enquanto viramos no corredor, dando em frente a uma escadaria.
  – Sim, sobre os Van Helsing.
  – Eu sei tudo.
  Ele me encara de novo, enquanto descemos mais uma escadaria, e assim por diante até que estivéssemos no que parecia ser o primeiro andar, onde muitas mulheres e homens de olhos amarelados andavam de um lado para o outro, parecendo se prepararem para algo. Alguns deles nos olham, mas não por muito tempo.
  – Essa é uma antiga catedral construída por Santa Maria. Ela já está em desuso por alguns anos, mas se tornou um ótimo lugar para abrigar os lobos, e agora, alguns dos meus vampiros também.   Observo os detalhes da construção de pedra com aspectos antigos e rústicos. O lugar era enorme, com gárgulas - semelhantes as que já vi no castelo - espalhadas por alguns lugares, assim como estátuas, fontes e imagens religiosas.
  Henry nos conduz para frente da catedral, em direção a uma sacada de pedra esculpida, que dava vista para um grande e colorido jardim abarrotado das mais variadas flores.
  Ele encosta suas cotas contra as pilastras da varanda e cruza os braços enquanto me encara.
  – Se você conhece tudo sobre os Van Helsing, suponho que saiba o que é uma transmigração de almas. – Ele diz, de forma calma em seu tom de voz grave.
  Desvio meu olhar, encarando o batente da varanda, enquanto tento puxar em minhas memórias o que poderia ser isso. Ao longo desses anos em que me tornei parte da igreja, estudei muito sobre os Van Helsing, Vaticano, ervas e itens místicos vampiros comuns e os Drácus Dementer, além de outras criaturas místicas, mas eu realmente não consigo me recordar sobre isso.
  – Estou apenas caçoando de você, Elena. Eu sei que você não sabe sobre a transmigração de almas. – Ele ri, nasalado e sem humor. – Poucos dentro da igreja ainda sabem sobre isso, é uma prática proibida nos dias atuais, mas que surgiu do seu povo, os Van Helsing. Venha, se aproxime e me deixe te contar uma coisa.
  Cuidadosamente vou para perto de Henry, mas mantenho uma distância segura entre nós.
  – Com o surgimento dessa nova espécie de vampiros, os Drácus Dementer, que nasceram a partir do acordo da Condessa Meredith, os caçadores comuns e os Van Helsing, morreram em grande número, pois pouco sabiam sobre essa espécie. Escute bem, Elena, quando uma nova doença surge, se demora para entender como ela age e o que pode combatê-la, e até que isso aconteça, muitos perderão suas vidas. No mundo das criaturas místicas não é diferente.
  Seguro no batente da varanda de pedra cinza e encaro o jardim florido, me sentindo especialmente nervosa sobre essa conversa.
  – Seu povo acabou desenvolvendo uma técnica muito poderosa e perigosa de exorcismo, porque estavam desesperados para eliminarem os Drácus Dementers. – O sinto me encarar e o espio de canto de olho.
  Mesmo que não soubesse aonde essa conversa chegaria, eu me sentia mal, com uma sensação ruim, como se fosse uma premonição.
  – Transmigração de almas... quando você envia uma alma para um novo corpo. – Os meus dedos se apertam no batente, arrancados umas pequenas pedrinhas da construção cinza. – Os Van Helsing, por não entenderem o funcionamento de um Drácus Dementer, enviavam suas almas para corpos de humanos mortos, em sua maioria de outros caçadores da igreja que foram exterminados pelos vampiros. E uma vez que a alma desse Drácus estava em um corpo humano sem poderes, se tornava muito mais fácil matá-lo depois que seu corpo original e vazio era destruído, é claro.
  "Como eu disse, uma técnica muito poderosa, mas que acabou sendo proibida e seu ensinamento não passou adiante, pois também era uma técnica perigosa que poderia matar seu usuário."
  Engulo em seco de novo e me viro de lado, encarando bem Henry, que tinha seu corpo coberto pela luz do sol.
  – Por que está me contando isso? Quer que eu fique contra a igreja? Eu entendo que eles fizeram isso para o nosso bem.
  Henry sorri como Jungkook, e ri como Yoongi.
  – Não quero que você se vire contra a igreja, estava apenas te explicando, pois é algo do meu interesse. E esse é o algo que você vai me ajudar.
  Sinto uma pontada em meu estômago, que sobe por meu corpo como uma corrente nervosa em forma de calafrio.
  – Como você já deve saber, o meu tempo como Drácus está acabando, eu estou morrendo. – Ele me encara bem, mas sem demonstrar nenhuma expressão de medo ou tristeza ao dizer isso. – Taehyung está roubando os meus anos de vida.
  Passos invadem a varanda onde estávamos, em conjunto a imagem de um baixo e de cabelos claros.
  – Senhor, já está tudo pronto.
  – Obrigado, Lucis. Já estamos indo. – Henry acena para ele, o fazendo sair. – Pedi que preparassem um agradável banquete para nós, Elena. Se junte a mim nele, e terminaremos nossa conversa lá.
  Mais uma vez Henry me oferece seu braço e, dessa vez, não pestanejo ao aceitá-lo, pois eu precisava saber o que ele pretendia fazer comigo, ou a minha aflição me corroeria.
  Desta vez, não subimos escadarias, permanecemos no primeiro andar e fomos em direção a uma grande porta marrom de madeira que, ao ser aberta, nos revelou uma enorme sala de jantar bem organizada, onde havia uma mesa repleta de comida.
  Não havia ninguém aqui com exceção de nós.
  Henry se sentou na ponta da mesa, na cadeira ao centro, e eu fui obrigada a sentar do seu lado direito.
  Talheres e guardanapos estavam na minha frente sobre a mesa, assim como uma taça de vidro cheia. O meu prato já estava feito, organizado com alguns tipos de grãos e carnes.
  – Nós comemos apenas por prazer, mesmo que para você isso deve parecer muito mais saboroso do que para mim. Mas, mesmo assim, adoro boas refeições. Elas nos dão a oportunidade de conversarmos e agirmos como seres civilizados, do quais não somos em grande parte do dia.
  Henry ajeita o guardanapo em seu calo, antes de pegar seus talheres.
  – Por favor, coma. – Ele faz um gesto de mão para mim, antes de experimentar um pedaço da carne em seu prato.
  – Não estou com fome. – Digo, sabendo que estava tão nervosa que não conseguiria comer, mesmo que estive sem me alimentar direito a algum tempo.
  Após terminar de mastigar, Henry coloca seus talheres ao lado do seu prato e apoia os cotovelos sobre a mesa, entrelaçando as mãos e apoiando seu rosto nelas.
  – Eu mandei você comer. – Mesmo que em tom baixo, sua voz soa intensa, de uma maneira que me arrepia, enquanto seu olhar me intimidava.
  Desvio meu olhar do seu, olhando em diversas direções, antes de pegar o meu garfo e espetar algumas ervilhas com ele, as levando até à boca em seguida.
  – Ótimo. – Henry sorri e volta a comer. – Como estava dizendo antes, vou precisar da sua ajuda na transmigração de almas.
  Me encho de medo ao querer perguntar o que ele faria com um exorcismo que permite enviar uma alma para outro corpo. Eu estava aprovada pela resposta que ele poderia me dar
  – Apesar de ser meu filho, Taehyung não tem o que é preciso para ser um Drácula, porque ele é parecido demais com Amélia. Por isso, eu preciso dar um jeito nisso
  Fecho os olhos por um segundo, tentando me controlar. A ervilha desce com dificuldade por minha garganta.
  – Algum dos meus filhos já te contou sobre como conheci a Amélia? – Ele pergunta, e tudo que consigo fazer é negar com a cabeça. – Ela foi em um dos muitos bailes de máscaras da minha família. Depois disso, nós ficamos juntos e tivemos nossos filhos. Eu gostava dela, isso é verdade, e esse foi o motivo que me fez deixar que ela os criasse. Eu era um Drácula na época, alguém muito importante e ocupado, não tinha tempo para brincar de casinha com ela e com eles.
  – E-Então vocês não moravam juntos? – Limpo a garganta, quando minha voz falha.
  – Beba um pouco do seu vinho, vai ajudar. – Ele diz e fica em silêncio, só voltando a falar depois que bebo o líquido de cor escura e sabor doce. – Nós não morávamos juntos. Eu vivia na mansão em Upiór com as minhas esposas, e ela em uma cabana isolada no meio da floresta para que pudesse criar nossos filhos do jeito certo, sem que ninguém os encontrassem. Esse foi outro motivo que me fez deixá-los com ela. Amélia sempre me obedecia, porque ela me amava, então quando disse a ela que criasse eles como vampiros até que tivessem idade o suficiente para que eu os levasse comigo, ela o fez.
  – Eu os visitava com frequência, checava se ela estava mesmo ensinando-os da maneira correta, a dos vampiros, mas também percebi que não importava o que ela fazia, visto que, só o fato deles morarem com ela, os fazia absorver sua humanidade. Foi então que eu soube que precisava fazer algo, pois os filhos que um dia deveriam me suceder e liderar os vampiros, agiam como humanos.
  Henry pega um dos outros guardanapos sobre a mesa e limpa sua boca enquanto encara além da mesa, com um olhar que parecia viajar para longe.
  – Isso foi o que me levou a passar três meses na cabana com eles, para me certificar que eu ainda conseguiria livrar os meus filhos dessa humanidade toda. – Ele sorri sem humor. – Eu estava errado, Amélia já havia os corrompido e não havia mais nada que arrancasse isso deles. E esse foi o meu maior erro, deixar que ela os criasse, pois agi como um maldito humano ao ser arrastado por um pequeno sentimento que tive por ela.
  Sem saber o que dizer, completamente imersa em sua história, dou mais um gole no vinho, minimamente.
  – Quando retornei para mansão, eu estava muito irritado, eu deveria ter um herdeiro tão bom quanto eu, um líder poderoso que não se curvaria diante de sentimentos como esses. E, em tal caso, Kihyun surgiu em minha mente. Eu sabia que precisava de um novo filho, um da qual eu não cometeria os mesmos erros. Assim eu te pergunto, Elena, o que poderia ser mais poderoso que um Drácus Dementer? – Henry me encara, e seus olhos já me davam a resposta.
  Olho para o meu prato cheio, abrindo a boca discretamente para respirar fundo.
  – Um híbrido. Eu queria um filho híbrido para ser criado por mim, sem mais humanos ou suas emoções deturpadas. – Henry dá um grande gole em seu vinho. –Eu havia abandonado Amélia e os garotos, deixei que ela ficasse com eles, pois agora eu tinha Kihyun. Mas, certo dia, ela apareceu na mansão, estava chorando e pedindo que eu voltasse para eles. – Ele ri nasalado e nega com a cabeça. – Após isso, ela acabou engravidando de Hyun, e isso me deixou tão irritado, porque eu não precisava de mais um filho como ela, por isso, a matei em seu parto.
  "Tendo mais um momento de fraqueza, acabei levando nossos filhos para a mansão, mas eu não podia mais perder tempo com eles, então forjei minha morte na guerra em Upiór contra a igreja, deixei os garotos aos cuidados do mordomo, e vim para Transilvânia criar o Kihyun no castelo, como deveria ser feito."
  Tento respirar fundo mais uma vez, me sentindo enjoada com tudo que acabei de escutar.
  – Se você não precisava de mais um filho com Amélia, então por que a deixou ter o Hyun? – Pergunto, sem encará-lo.
  Ele fica em silêncio por alguns segundos.
  – Eu a matei, e isso é tudo que importa.
  Tomo coragem para olhá-lo, e percebo em sua expressão que se um dia ele deixou que Amélia desse a luz a Hyun e não matou os irmãos porque tinha sentimentos por eles, hoje isso já não existe mais.
  – Eu te contei tudo, Elena, e agora você sabe o porquê de eu não poder deixar Taehyung enterrar a honra dos vampiros na lama, como ele vem fazendo. Só o fato dele estar noivo de uma Van Helsing já prova isso.
  – E vai colocar o Kihyun no lugar? Ele também é metade lobo, pode muito bem se virar contra os vampiros um dia, porque você sabe que mesmo que alguns deles estejam com o Kihyun, a maioria dos vampiros ainda seguem o Taehyung. – Não me contenho e cuspo toda a minha angústia para fora, o que faz Henry sorrir.
  – Você está certa, muitos vampiros ainda seguem o Taehyung, mas isso mudaria se eu estivesse no controle, você não acha?
  Franzo o meu cenho, o encarando com suspeita.
  – Você não é mais o Drácula.
  – Sim, não sou mais por conta dessa maldita maldição da lua de sangue e seus seiscentos anos. Mas eu pensei em um jeito de tapear isso, e essa é a razão pela qual você está aqui, Elena. – Henry apoia suas mãos sobre a mesa e se inclina para frente de modo que se aproxime mais de mim. – Se eu não posso mais ser o Drácula, então me tornarei alguém mais poderoso que ele e usurparei seu lugar, não só tendo de volta o controle dos vampiros, mas assumindo o controle de todas as outras criaturas místicas.
  O meu coração salta em uma única batida, enquanto meu corpo se torna gelado.
  – Para que apenas colocar Kihyun no poder, se eu posso me fundir a ele? Enviar a minha alma para o seu corpo jovem e híbrido, deixando meu velho corpo para morrer, enquanto me torno a criatura mais poderosa dentre todas. Eu serei o seu novo Deus, Elena. E as igrejas e o Vaticano passarão a rezar para mim
  Enquanto entro em total estado de choque, a porta da sala de jantar é aberta por Kihyun, que surge com um grande sorriso.
  – Pai, já está na hora de irmos. Espero que tenham aproveitado a refeição.
  Henry se levanta, retirando o guardanapo do colo e colocando na mesa.
  – Sim. Elena é uma ótima companhia. – Ele me encara, antes de começar a caminhar em direção a Kihyun.
  – Eu imagino que seja mesmo, uma pena não poder me juntar a vocês.
  Minha respiração fica um pouco mais alta, e sinto minhas mãos começarem a suar. Não consigo controlar meu corpo quando ele se levanta em um solavanco, enquanto bato as mãos com força sobre a mesa, atraindo a atenção dos dois.
  – Kihyun, você não pode ficar do lado dele! Seu pai está te enganando! Ele pretende usar o seu corpo para não morrer! – Tomada completamente pelo exaspero, falo de uma só vez, criando um grande silêncio entre nós.
  Kihyun encara Henry por um tempo, e depois a mim.
  – E eu aceitarei o meu destino com toda honra e glória. Meu querido pai e eu seremos a mais poderosa criatura. – Kihyun sorri enquanto fita Henry.
  Eu senti como se o chão tivesse desmoronado e eu fosse engolida por uma bolha escura e fria.
  – Agora, sem perder tempo, nos acompanhe, Elena. Hora da sua liberdade. – Kihyun se vira e sai da sala de jantar, enquanto é seguido por Henry, que anda calmamente. Me deixando para trás com a respiração irregular e sem acreditar em tudo isso.
  Fito a mesa, enquanto sinto o exaspero tomar conta de mim. Pego umas das facas limpas e a escondo na manga do meu vestido, antes de me afastar da mesa e ir para à saída da sala de jantar. Eu não posso ir embora desse lugar, ainda não achei Hyun.
  Henry conversava com Kihyun e Amia, perto da varanda da catedral. E, ao me ver, Amia acena para mim, antes de sair com Kihyun.
  Olho para os lados, não vendo mais as mulheres e os homens que andavam por esse lugar, tudo estava vazio e apenas o badalar de um grande relógio preenchia o ambiente.
  – Venha aqui, Elena. – Henry me encara, enquanto enfia as mãos para dentro dos bolsos de suas calças pretas sociais.
  Nervosa, vou até Henry, enquanto tento não deixar à mostra o relevo da faca na manga do meu vestido.
  – Me siga. Estou te levando em direção à liberdade. – Ele começa a caminhar em direção ao jardim da catedral e eu vou atrás, com passos cautelosos, enquanto me mantenho atenta ao que ele pode fazer.
  Em silêncio, ele atravessa todo o jardim e anda em direção as altas árvores, das quais eu conseguia ver quando estava na torre, e que cercavam a catedral.
  Não acho que Hyun tenha voltado, caso contrário, Kihyun com certeza falaria sobre isso ou teria alguma movimentação. Não parecia ter mais ninguém na catedral. E, talvez, ele possa ter se perdido aqui nessa floresta, então, eu só preciso me manter a salvo de Henry e procurar Hyun por aqui.
  – Ande mais rápido, por favor. – Sobressalto no lugar, o vendo me olhar sobre os ombros.
  Acelero um pouco mais meus passos, mas ainda continuo atrás dele e, assim, caminhamos floresta adentro por longos minutos, até que eu não conseguisse mais ver a catedral.
  O sol iluminava o caminho, e os insetos e bichos pequenos se esgueiravam por entre as muitas árvores. O ar estava seco, fazendo uma fina camada de poeira levantar toda vez que batíamos nossos pés no chão.
  Henry para de andar, me fazendo para também. Encaro suas costas largas, tensa, mas atenta.
  Lentamente, ele se vira para mim.
  – Vou te deixar aqui e você pode tentar achar o caminho de volta.
  Em silêncio, apenas assinto com a cabeça, enquanto sinto meu estômago se agitar em nervosismo.
  Henry dá um passo em minha direção e, por espanto, dou um para trás. Ele dá mais um e outro, ficando bem perto, e quando tento me afastar, ele segura meu braço, me puxando com força.
  Os meus olhos se arregalam e meu coração acelera.
  – Para que eu consiga mandar a minha alma para o corpo do Kihyun, eu preciso fazer o ritual de exorcismo, e estive estudando-o muito por todos esses anos. Mas, de toda forma, eu ainda precisaria do lado Van Helsing para conseguir fazê-lo. Então, Elena, chegou a hora que você vai me ajudar. – Henry aproxima seu rosto do meu e sorri. – Não vou te matar, não se preocupe, mas irei roubar metade da sua alma. Isso não me tornará um Van Helsing, porém, me fará ter parte da sua essência, e creio que isso seja o bastante para que eu conclua com sucesso o exorcismo do seu povo.
  Todos os pelos do meu corpo se arrepiam, e pequenos insetos parecem encher o meu estômago, em uma sensação incômoda e desesperada.
  Henry coloca uma mão atrás da minha cabeça, aproximando mais seu rosto do meu. Tento forçá-la para trás, mas ele continua pressionando para que eu faça isso, até que sua boca fique perto da minha e eu sinta um calor indescritível subir por meu corpo, indo em direção à minha boca, onde posso ver uma pequena fumaça negra começar a sair de dentro de mim e entrar na boca de Henry.
  Os seus olhos ficam em tom de vermelho vibrante, enquanto encaram os meus e, como um feitiço, não posso desviar, eu não conseguia.
  Aos poucos, meu corpo começa a perder os movimentos, por isso, começo a balançar meu braço direito até sentir a faca escorregar da manga, caindo na minha mão que, por pouco, quase não foi parar no chão. Enquanto sentia meu corpo cada vez mais fraco e lento, tento acertar a faca em Henry e, por sorte, consigo cravá-la em seu ombro.
  Henry desvia seu olhar do meu e encara o próprio ombro. Ele solta meu braço e puxa a faca de seu ombro apenas pare que, segundos depois, eu a sinta entrando na lateral da minha barriga, rasgando minha carne como se fosse papel. Meu peito infla e meu tronco se enverga para cima, mas não consigo gritar ou fazer barulho.
  Henry fecha sua boca, fazendo o restante da fumaça negra que saia da minha boca, voltar para o meu corpo. Ele me solta, fazendo-me cair no chão, enquanto tento respirar tendo muita dificuldade quando o sangue começa a encher minha boca, escorrendo para fora.
  – Obrigado por me ajudar, Elena. Foi um prazer te conhecer. Diga a Taehyung que se ele tentar algo, eu mato o Hyun. – Escuto sua risada. – Eu sabia que você o mandaria para fora da torre. Não se preocupe muito, ele está comigo, e se vocês não fizerem nada, o meu adorável garotinho vai permanecer vivo.
  Após isso, não escuto mais sua voz e nem qualquer barulho que não fosse dos chiados da minha respiração irregular.
  Puxo a faca ainda cravada na lateral da minha barriga, a jogando no chão. Me arrasto para perto de uma árvore, deixando um rastro de sangue pelo caminho, depois me apoiando a ela, tento me colocar de pé. Minhas pernas falham e meus braços fracos quase não conseguem se segurar na árvore.
  Quando finalmente estou de pé, tento caminhar. Minhas pernas tremem e meus passos eram muito lentos. Uso uma mão para me apoiar nas árvores pelo caminho, e a outra para tapar o machucado na minha barriga, enquanto sinto o sangue escorrer pelos meus dedos e pingar no chão como se fosse uma marcação que eu deixava para trás.
  O chiado da minha respiração ficava cada vez mais alto, fazendo alguns respingos de sangue voarem para fora da minha boca. A minha visão começava a escurecer, primeiro me fazendo enxergar as coisas de forma embaçada. As minhas pernas tremiam muito e meu corpo estava extremamente pesado e fraco, de uma maneira horrível. O corte na minha barriga doía muito e não parava de minar sangue, isso não era nada bom.
  Dou mais alguns passos e minhas pernas fraquejam, não aguentando mais o peso do meu corpo, me fazendo cair. Meu rosto bate contra o chão de terra, que arranha minha pele. Os meus olhos se fecham lentamente e me rendo a essa avassaladora sensação de ter as minhas forças roubadas, enquanto sinto o sangue escorrer para fora da minha boca e do machucado na minha barriga.

Capítulo 26

  Sinto algo úmido ser pressionado em minha testa, em várias partes, de forma suave. Então, vagarosamente, com os olhos pesados, tento abri-los, vendo um pequeno filete de luz surgir, me obrigando a fechar os olhos de novo, por um momento.
  – Você acordou, graças a Deus! Eu já estava ficando com medo de que nunca mais acordasse. – Uma voz masculina e desconhecida soa exaltada do meu lado esquerdo.
  Me forço a abrir os olhos de novo, tentando lutar contra a claridade que me incomodava.
  – Você consegue me entender? – Um senhor de cabelos brancos, iguais a sua barba, surge na minha frente, colocando sua cabeça em frente ao meu rosto.
  – S-Sim... – Minha voz sai falha e baixa, devido a minha boca estar extremamente seca. – Eu consigo te entender.
  A expressão do senhor é de alívio. Em seguida, sinto a superfície macia da qual eu estava deitada - uma cama, suponho - afundar quando o senhor se senta nela.
  – Qual o seu nome, menina?
  Pisco os olhos lentamente, e respiro fundo, fazendo um baixo chiado.
  – Elena.
  – Elena, eu sou Jhoel. Estava caçando aqui por perto e te encontrei desacordada na floresta. Eu dei um jeito nesse seu machucado, mas acho que você deveria visitar um médico. Não te levei para a cidade porque achei melhor esperar você acordar.
  Tento abrir mais meus olhos, mas eles ainda estavam muitos pesados e meu corpo também, contudo, me sinto um pouco acalmada por não ter ficado caída naquela floresta para sangrar até morrer.
  – Jhoel... muito obrigada. – Minha voz ainda sai com dificuldade.
  – Você quer um pouco de água? Também estou fazendo uma sopa, se quiser. – Ele se levanta, afastando-se de mim e sumindo de onde eu podia vê-lo.
  Encaro o teto acima de mim, me lembrando de tudo que aconteceu. Eu preciso avisar aqueles irmãos sobre o que está prestes a acontecer, mas sinto como se quase todas as minhas forças fossem arrancadas de mim e, de fato, isso aconteceu mesmo.
  A sensação era ruim, como se eu estivesse tão cansada que não pudesse fazer nada e até mesmo manter os olhos abertos se tornava uma tarefa completamente difícil. Ao menos, eu não tinha mais dor e, na verdade, eu parecia não ter mais nada; eu experienciava um grande vazio.
  Jhoel volta a surgir do meu lado, segurando uma tigela que parecia ser feita de argila. Uma pequena quantidade de fumaça saía dessa vasilha, e suponho que seja a tal sopa que ele mencionou antes.
  – Você quer comer sozinha ou prefere que eu te dê? – Ele me encara com seus grandes olhos que passavam um pouco de bondade.
  – Você tem algum telefone? Eu gostaria de fazer uma ligação antes.
  Ele assente e se levanta.
  – Eu tenho um, espere só um minuto.
  Não o vejo mais, mas, logo depois, o consigo escutar abrindo alguma coisa e remexendo em algo.
  – Eu não gosto muito dessas tecnologias dos jovens. Minha filha me deu um celular há alguns anos, no meu aniversário, ela insiste que eu mantenha isso aqui, porque eu moro nessa floresta e longe da cidade, e esse é o único meio de comunicação entre nós dois. – Ele continua remexendo sem suas coisas. – Ela não gosta muito de vir aqui, diz que tem medo de ser atacada por um urso. – O escuto rir. – Bem, eu nunca vi um por essas bandas, caso contrário, eu já teria feito um belo tapete com o seu couro. Aqui, achei esse trambolho.
  O escuto correr para perto de mim, e logo sua imagem surge outra vez.
  Jhoel me estende o celular, era um modelo um pouco antigo, mas a única coisa que importava, era que ele realizasse a minha ligação.
  Respiro fundo de novo e começo a fazer força para levanta meu braço direito, que treme um pouco. Ele também estava bem pesado, tornando meus movimentos lentos demais. Jhoel me entrega o celular, e quando encaro as teclas do aparelho, minha visão embaça, e preciso piscar os olhos algumas vezes, tentando fazer minha visão melhorar.
  Após alguns segundos com o aparelho desbloqueado em mão, começo a digitar o número de Wendy, com o dedo trêmulo, enquanto sinto meu corpo ficar cada vez mais pesado, principalmente, os meus olhos, que faziam minhas pálpebras se fecharem vagarosamente, me tornando enfraquecida a medida que volto para a escuridão, antes de conseguir tocar no botão verde para realizar a ligação.

***

  Meu corpo sobressalta em um pulo, quando escuto um barulho muito alto. Assustada, abro os olhos e me sento sobre o chão, do qual antes eu estava deitada.
  Rapidamente apalpo meu tronco, procurando pelo machucado na minha barriga, mas não sinto nada. Levanto minha blusa e vejo que não havia cortes ou cicatrizes na minha pele.
  Mais uma vez, sobressalto quando passos pesados que corriam, ecoam acima de mim. Ainda mais assustada, olho para cima, vendo um teto de madeira.
  Observo ao meu redor, percebendo que estava em uma casa escura e totalmente feita de madeira. Receosa, me levanto do chão e caminho para perto de uma janela coberta por uma cortina. A afasto, vendo do lado de fora, clarões que indicavam a chegada de uma tempestade.
  Um barulhento e poderoso trovão acompanho de um relâmpago, rasgam o céu, iluminando o lugar onde eu estava e me fazendo sair de perto da janela, de forma involuntária e assustada.
  O meu corpo inteiro se arrepia, e corro para fora da sala onde eu estava, encontrando uma porta de entrada. Tento abri-la, mas estava trancada.
  Me afasto da porta e vou para uma cozinha pequena, encontrando mais uma porta. Essa também estava trancada. Tento abrir a janela da cozinha para sair, já que a da sala estava soldada.
  Essa janela não abre, como tudo aqui.
  Me viro de costas para a pia da cozinha quando escuto mais passos correndo no andar de cima. E sem ter por onde fugir, acabo saindo da cozinha e procurando as escadas que me levariam para o segundo andar, onde, possivelmente, havia alguém.
  Seguro com força no corrimão de madeira e começo a subir, escutando cada um dos degraus rangirem debaixo dos meus sapatos. Conforme eu me aproximava do segundo andar, as coisas se tornavam um pouco mais claras.
  Quando meus pés tocam o chão do segundo andar, os passos cessam e um agudo choro de bebê transita pelo corredor à minha frente. O choro parecia sofrido, como se me pedisse ajuda, por isso, não hesito em segui-lo, indo diretamente até à última porta, a única que estava aberta, deixando uma fraca luz emanar dela e atingir o outro lado do corredor.
  Perto da porta, o choro para. Seguro no batente branco e me viro para entrar no quarto, vendo um cômodo completamente decorado com móveis para bebês. Haviam delicadas cortinas e um tapete felpudo, papéis de parede com desenhos infantis e um abajur em formato de urso. Tudo em tons claros e simples, com exceção do berço adornado por um dossel, que estava completamente manchado de vermelho, deixando um rastro da porta até a grade do berço.
  Uma sensação ruim me corre dos pés à cabeça, e meu interior fica ansioso. Aperto o tecido das minhas calças, e começo a me aproximar lentamente do berço, até estar de frente para ele. Não havia nada no berço, ele estava vazio, apenas uma grande poça de sangue minava sobre o pequeno colchão para bebê.
  Subitamente, o choro volta, mas, dessa vez, vem de fora do quarto, acompanhando os mesmos passos apressados de antes. Mais uma vez assustada, me viro, encontrando duas crianças paradas na entrada do quarto, uma menina e um menino, ambas com as mãos e bocas sujas de sangue.
  – Foram vocês que fizeram isso? – Pergunto para as crianças, mas elas não respondem, apenas ficam em silêncio, me encarando.
  O choro fica alto, muito alto, quase incomodando os meus ouvidos.
  – Onde está o bebê? – Eles se viram e saem correndo para longe.
  Me sentindo completamente assombrada, saio do quarto, procurando pelas duas crianças. As vejo indo em direção às escadas.
  – Onde está o bebê?!Me digam onde está o bebê! – Grito, exasperada, e começo a tentar abrir as outras portas do corredor, mas todas estavam trancadas.
  O choro ecoa pela casa onde estou, agora vindo do primeiro andar. Corro para as escadas e desço com pressa, tropeçando no último degrau.
  Paradas do lado direito, na sala, as crianças riem enquanto me encaram, antes de saírem correndo de novo. Me apresso com rapidez e corro atrás delas, atravessando a sala e entrando em um novo corredor, esse, completamente escuro, não me impossibilitando ver nada. E tudo que eu posso fazer, é seguir o choro alto do bebê, sem saber onde ele estava.
  Olho para trás e já não vejo mais a saída, estava tudo escuro e eu parecia presa aqui.
  O bebê grita, me fazendo voltar a correr em sua direção, mas o corredor não tinha um fim, quanto mais eu corria, mas longe eu ficava do choro.
  – O bebê! Onde está o bebê? – Automaticamente, sem que eu consiga entender, enquanto brado no corredor sem luz, sinto os meus olhos começarem a marejar, à medida que sou engolida por uma angústia da qual não sabia de onde vinha. – O meu bebê! Por favor, onde ele está? Eu preciso achar o meu bebê!
  O meu bebê? O que eu estou falando?
  Paro de correr, entrando em um estado de choque. Meus olhos se arregalam enquanto me jogo de joelhos no chão. Involuntariamente, uma das minhas mãos vai até à boca e a outra até à barriga, apertando o local com força.
  – É o meu bebê...? – As lágrimas quentes começam a escorrer por meu rosto, ao mesmo tempo que o choro alto e estridente me engole de forma pavorosa, cobrindo o grito de desesperado que sai da minha boca.

Capítulo 27

  O ar sai de forma pesada da minha boca entreaberta, e meu corpo treme quando um calafrio me percorre, arrepiando todos os meus pelos, enquanto meu peito infla e meu tronco se levanta em um supetão exasperado. Os meus olhos estavam arregalados e eu ainda conseguia sentir o medo correndo por minhas veias como se fosse sangue. As imagens eram frescas em minha mente, de um sonho que se repetiu várias e várias vezes, me prendendo naquele momento confuso e horripilante. Eu não sei quantas vezes passei por ele, mas, com certeza, sou incapaz de contar.
  Eu ainda tremia, encarando a parede no fundo do quarto claro, na mesma proporção que apertava o lençol fino que me cobria até o começo da cintura. A minha respiração era o único barulho que eu conseguia escutar, ela estava desregulada, da mesma maneira que ficava quando eu estava assustada.
  Minhas pálpebras tremiam, obrigando-me a piscar algumas vezes, enquanto meus olhos se enchiam de lágrimas que não escorriam. Eu me sentia sufocada, como se estive literalmente morrendo por borbulhar e transbordar esses sentimentos e emoções causados pelo estranho sonho que eu gostaria de esquecer para sempre. Eu era nada além de angústia e desespero, me sentia mal dentro do meu próprio corpo e queria poder arrancar minha pele, pois, eu sabia que nada doeria mais do que o que vi naquele quarto com um berço ensanguentado.
  Enquanto apertava o lençol com mais força e tentava puxar o ar para dentro de mim, braços rodeiam meu corpo dos dois lados. Um baixo choro se mistura ao som da minha respiração, molhando meu ombro, e eu fecho os olhos, sentindo isso através de uma grande sensibilidade.
  – Graças a Deus. Graças a Deus. Graças a Deus você está bem agora. – A voz de Wendy sussurrava, enquanto ela apertava meu corpo de forma desesperada, assim com, Jimin fazia do meu lado esquerdo. Ela tremia, Jimin não, mas eu podia sentir a angústia dele.
  Quando me soltam, ambos se afastam e me encaram, obrigando-me a vislumbrar toda a amargura exposta em suas feições.
  Por um momento desvio meu olhar, percebendo que eles dois não eram os únicos no quarto - que reconheço como sendo o de Wendy. Na beirada a cama, Sally e Lilu estavam deitadas de forma desajeitada e dormiam silenciosamente. Mais duas poltronas estavam próximas da cama, em uma delas, Blarie também dormia com a cabeça virada para o lado. Na outra, Hoseok me fitava com os olhos arregalados e uma expressão surpresa.
  – Como você se sente? – Ele pergunta, parecendo um pouco receoso.
  Encaro o lençol e meu rosto se contorce em uma expressão de choro, enquanto seguro as lágrimas.
  Encolho os ombros como resposta, e Hoseok não diz mais nada.
  Wendy se arrasta pela cama, saindo do meu lado e indo até à beirada, onde, de forma sutil, acorda Lilu e Sally. Logo depois, Hoseok faz o mesmo com Blarie.
  Lilu se senta na cama e coça os olhos, demorando alguns segundos para olhar em minha direção, mas, ao fazer isso, seus olhos escuros se abrem bem e ela não demora ao se jogar em cima de mim, em um abraço muito apertado.
  – Por favor, nunca mais faça isso. – Ela funga em meu pescoço, antes de me soltar.
  Sally também se aproxima. Ela pondera por alguns segundos, como se estivesse assustada, antes de me abraçar também.
  Blarie se levanta da poltrona e vem até a cama, sentando-se perto de Jimin. Ela pega em minhas mãos, segurando com brandura. Hoseok também se junta e, no final, todos os seis estão sentados em um semicírculo ao meu redor.
  – Nos conte o que aconteceu, Elena. – Blarie pede com a voz calma, tentando não me pressionar em seu tom.
  Todos me observam em silêncio entre algumas fungadas de choros presos e passados.
  Solto as mãos de Blarie e engulo em seco, respirando fundo enquanto me lembro de tudo. Preciso de alguns segundos para me acalmar em meio ao bombardeio de lembranças.
  – No dia que saí com Hyun, nós dois fomos apanhados pela Amia. Ela está com o Kihyun agora, e fez isso a mando dele. Nós dois ficamos presos em uma cela, como animais. – Respiro fundo de novo, e passo as costas nas mãos sobre a boca. – As barras estavam encharcadas com óleo ungido.
  Encaro o lençol.
  – Depois de uma noite naquela torre, Hyun se transformou em um morcego e foi buscar ajuda e descobrir onde estávamos. Amia disse que era fora da Transilvânia. – Levanto meu olhar, sentindo os meus olhos marejarem muito. Olho de Jimin para Hoseok. – Ele não voltou porque... porque... porque Henry o capturou e disse que se tentarem fazer algo, ele o matará.
  Os olhos de Jimin se arregalam, e uma expressão de incredulidade atinge cada parte do seu rosto. Já Hoseok aperta os dentes uns nos outros, pois sua mandíbula fica bem marcada sob a pele, em uma expressão nervosa.
  – Você o viu, Elena, o nosso pai? – Jimin pergunta, enquanto tenta segurar algumas lágrimas que deixavam seus olhos brilhantes.
  Assinto fracamente.
  – Henry me contou sobre Amélia. – Encolho os ombros, tentando soar passiva, não querendo reviver memórias ruins em Jimin e Hoseok. – Ele me contou sobre vocês se parecerem muito com ela e que, por isso, não podiam o sucedê-lo. Então Henry disse que esse foi o motivo de ter outro filho, pois Kihyun existe apenas para que ele possa fazer uma migração de almas e possuir seu corpo. Dessa forma, ele engana a maldição da lua de sangue e continua vivo para poder assumir o comando tanto dos vampiros, quanto dos lobos, já que viraria um híbrido.
  Hoseok se levanta da cama. Ele começa a andar de um lado para o outro, enquanto enterra as mãos nos cabelos de forma nervosa.
  – Eu não posso acreditar. Não consigo acreditar que ele quer fazer uma coisa dessas. – Hoseok se aproxima de uma pequena penteadeira que havia no quarto e passa sua mão por ela, raivosamente derrubando tudo que havia ali. As garotas se encolhem na cama, espantadas.
  Blarie se levanta e corre até Hoseok, tentando acalmá-lo.
  Meu queixo treme em uma tentativa desesperada de não me entregar ao choro que ardia dentro de mim.
  Blarie traz Hoseok de volta para cama. Ele se senta de novo e seca o rosto com raiva, quando algumas lágrimas escorrem. Ele estava um pouco vermelho.
  Observo Jimin, que estava paralisado com uma expressão atônita de quem estava em choque.
  – Como funciona essa migração de almas? Nunca ouvi falar, mas acho que posso ter uma noção de como seria. – Sally pergunta, tentando interferir no clima pesado.
  Blarie suspira alto.
  – É um antigo exorcismo não mais praticado dos Van Helsings, eles a usavam para transferirem almas de Drácus para humanos já mortos, e assim matá-los com mais facilidade. Esse exorcismo foi proibido há muitos anos por ser perigoso, pois podia matar o seu usuário. Esse é o motivo de vocês nunca terem ouvido falar sobre. – Blarie responde Sally, que estava tão surpresa quanto Wendy e Lilu.
  – Foi por isso que eles te pegaram? Porque é uma prática dos Van Helsings? – Wendy me olha, e eu assinto.
  Todos ficam tensos ao meu redor, me encarando como se esperassem o pior.
  – E-E você fez isso? – De olhos amuados e assustados como um humano, Jimin pergunta com a voz tremida.
  – Não. – Faço uma pausa, engolindo o choro que estava casa vez mais forte. Franzo o meu cenho para o lençol e fungo. – Henry roubou metade da minha alma. Ele disse que isso o daria a essência dos Van Helsing para que ele mesmo realizasse o exorcismo. Depois ele me abandonou em uma floresta, eu estava fraca e machucada, mas alguém me achou e me ajudou. A última coisa que lembro é de discar os números da Wendy antes de finalizar uma chamada, pois desmaiei em seguida.
  – O senhor que te ajudou finalizou a chamada e nos disse onde você estava. Demoramos três dias para chegar lá. Era um lugar muito isolado e longe. – Sally começa a dizer, me encarando de forma amarga. – Logo percebemos que seu estado não era dos melhores, Elena. Eu já havia estudado sobre os seus sintomas: pele extremamente pálida, respiração chiada, batidas do coração fracas, quase sem reflexos e não acordava. Jhoel disse que você demorou dois dias e meio para acordar depois que ele a encontrou na floresta. Isso só podia significar uma sucção de alma interrompida.
  Por um momento, Sally para de falar e encara os demais ao redor, compartilhando um olhar temeroso que fez uma pontada ruim atingir o meu estômago.
  – Elena, por favor, quero que entenda que o que fizemos, foi unicamente para te ajudar. – Sally volta a me encarar, e segura uma das minhas mãos, a apertando levemente de forma nervosa.
  A pontada em meu estômago vira uma linha ardente de ansiedade que começa a se alongar pelo meu corpo.
  – O que aconteceu? – Mesmo sem uma resposta, os meus olhos ardem em mais lágrimas.
   Jimin pega em minha outra mão, tentando me confortar de algo que eu ainda não sabia o que era.
  – Você também estudou sobre isso, sabe como um ataque Dementador de um Drácus pode ser extremamente letal para um humano, mesmo que ele seja um Van Helsing. – Sally fecha os olhos por alguns segundos e expira alto. – A única forma de te ajudar era usando a Erva-Negra, mas você sabe que ela é uma erva rara e que apenas alguns membros superiores da igreja a tem. Por isso, tivemos que pedir ajuda do Padre e contar o que aconteceu, que você havia sido pega e atacada.
  O fio de ansiedade começa a se desfazer dentro de mim, ocupando o lugar dos meus ossos.
  – Quando retornamos com você para Transilvânia, o Padre já havia conseguido algumas dessas ervas e veio junto de um médico especializado da igreja até o castelo. Esse médico cuidou de você por quatro dias, Elena, porque ele precisava acompanhar a sua recuperação, ver se você realmente voltaria ao normal, porque essa é uma erva muito poderosa, a mais poderosa.
  – Eu voltei ao normal. Não estou mais como antes. – Digo, engolindo em seco de novo, ainda sentindo esse mau pressentimento.
  – Sim, você está. – Sally funga, e percebo quando seus olhos lacrimejam. Ela passa a mão pelo nariz, que fica vermelho na ponta.
  Meu corpo volta a tremer e sou incapaz de segurar as mãos de Sally e Jimin, por isso, as solto enquanto encaro todos. E cada um deles estava tão tenso e nervoso que meu corpo parecia sugar isso para dentro de mim, me deixando aflita.
  – O médico fez alguns exames em você para acompanhar sua recuperação – Sally encara as próprias pernas dobradas na cama, e sua boca aberta estremece quando ela não consegue falar e precisa de alguns segundos para isso. – Você está grávida, Elena.
  O meu corpo treme por dentro, e tudo parece ficar distante, como se todos ao meu redor sumissem, e apenas o som da minha respiração voltasse a ser a única coisa que consigo escutar. Imagens do sonho que tive inúmeras vezes, começam a passar como flashes diante os meus olhos que, por fim, deixam as lágrimas reprimidas escaparem.
  A maneira desesperada como eu gritava “Meu bebê” no sonho... o meu corpo já sabia? De alguma forma, já sabia o que estava dentro de mim?
  – Elena... – Wendy toca meu ombro, me puxando para a realidade desconfigurada, da qual eu estava presa. Os olhos da minha irmã demonstravam preocupação e ela tentava não chorar mais. – Ainda tem algo que você precisa saber.
  Minha boca treme quando tento falar um “não", negando com a cabeça de forma fraca. Eu estava assustada demais para continuar com isso.
  – No dia que descobriu sobre a sua gravidez, o médico não nos contou. Ele foi embora e relatou tudo na base... Padre Albert foi afastado como mentor da nossa equipe, e nós recebemos uma ligação vinda direta do Vaticano. – Wendy desvia seu olhar, não tendo coragem para sustentá-lo. – Eles nos declararam desertoras da igreja e, a partir de agora, estamos sendo oficialmente caçadas pelo Vaticano.
  – Enquanto esteve desacordada, o castelo foi atacado três vezes pela igreja que tentou capturar vocês. Precisamos trazer mais vampiros pra cá, para que eles passassem a vigiar o castelo dia e noite. Já tem um dia e meio que eles não nos atacam e, talvez, estejam preparando algo, mas nós também estamos prontos para isso se for o caso. Eles mataram alguns dos nossos, mas nós matamos muito mais dos deles. – Quando Blarie termina de falar, eu sinto que posso desmaiar a qualquer momento, pois estava a um passo de ter um grande colapso nervoso.
  O meu corpo tremia muito e as lágrimas escorriam como se não acabassem. Eu estava começando a hiperventilar, enquanto minha visão começava a escurecer em alguns pontos.
  – Elena, calma! Por favor, fica calma! – Jimin me abraça, enquanto balança o meu corpo para frente e para trás. – Escute a minha voz, por favor, só ela. – Ele funga, e suas mãos afagam os meus cabelos, ao mesmo tempo que, me prende em seus braços, contra o seu tronco.
  – É tudo minha culpa. É minha culpa. – Começo a chorar como uma criança, me sentindo mergulhada em um buraco fundo e cheio de desespero. – O Hyun, e agora isso... é tudo minha culpa. Eu deveria morrer. Por que vocês não me entregam pra igreja?
  – Não diga isso nunca mais! – Wendy grita com a voz embargada, antes de me abraçar por cima dos braços de Jimin. – Não diga isso, sua idiota. A culpa não é sua. – Ela chorava tanto quanto eu e, por um segundo, escuto como se todos aqui nesse quarto chorassem, enquanto afundamos juntos em uma aura amarga.

***

  Após me acalmar um pouco e todos nós conseguirmos parar de chorar, posteriormente ao me buscarem um copo com água, eles me contaram com mais detalhes sobre toda a situação atual que se tornou um completo caos.
  O Vaticano estava apresentando o Padre Albert como incapaz por não perceber a situação e, por este motivo, ele teria que se redimir enquanto liderava um grupo de invasão ao castelo. E como Blarie já explicou, muitos humanos morreram ao tentarem fazer isso, e penso que esse pode ser o motivo dos ataques terem parado, por enquanto.
  Não acho que posso me redimir em relação a essa confusão e tão pouco posso livrar as garotas que foram dadas como culpadas, uma vez que sabiam de tudo e não interferiram, pelo contrário, estavam comigo e com os vampiros.
  Eu gostaria de ligar para minha mãe e me desculpar, pois tenho certeza que já a informaram sobre tudo, mas eu simplesmente não tinha coragem. Eu me sentia a pior das pecadoras, alguém tão impura que não tinha esse direito. Se naquela torre eu achava que estava vivendo um pesadelo, aqui no castelo eu tenho certeza que fui expulsa do paraíso pelo próprio Deus.
  De forma covarde, levo minha mão levemente trêmula até minha barriga coberta pela roupa limpa que vesti depois do longo banho, e quando meus dedos a tocam sob o pano, os afasto assustada. Não importa quantas vezes eu me lembrasse de não ter tomado o chá de Erva-Roxa naquele dia, ou quantas vezes eu olhasse para minha barriga, eu ainda não podia acreditar no que estava se desenvolvendo dentro de mim.
  A facada de Henry não atingiu um lugar letal e, mesmo assim, esse bebê ainda deve ser pequeno demais para sofrer com um ataque desses. Ele simplesmente resistiu a tudo que eu vivi nessas últimas semanas e passou a me assombrar através de um sonho em um grito agoniante por ajuda.
  Eu estou grávida de um vampiro. Não de qualquer um, do Drácula. Eu, como uma Van Helsing e parte dos Filhos da Sombra, me deixei ser expurgada do céu, enquanto ia diretamente para o inferno por vontade própria, e agora pagaria fielmente por isso.
  – Posso entrar? – Wendy pergunta do outro lado da porta, após dar leves batidas.
  – Sim. – Respondo, afastando esse momento de mim.
  Começo a recolher a roupa que usei antes.
  Wendy entra no banheiro, encostando a porta antes de se encostar nela, colocando as mãos para trás do corpo.
  – Se sente melhor? – Mesmo que não chorasse mais, eu ainda conseguia perceber a preocupação em seu olhar.
  – Um pouco. – Coloco as roupas em um cesto que havia no banheiro.
  – Elena, por favor, não quero que se culpe. Nós falamos isso desde que viemos para a Transilvânia, você nunca nos obrigou a nada, nós quatro somos uma equipe e uma família, e estaremos juntas até o final, seja ele qual for.
  Encaro Wendy, observando com atenção a expressão amargurada em seu rosto levemente inchado e avermelhado pelo choro anterior.
  – É um pouco difícil pensar como você. Não queria que vocês estivem metidas nessa confusão, você percebe o quão sério isso se tornou, Wendy? Estamos sendo caçadas pela igreja, mas nós deveríamos lutar por ela e não nos virar contra.
  – Mas essa não é uma escolha sua. – O corpo de Wendy é empurrando sutilmente para frente quando Sally abre a porta do banheiro e entra com Lilu. – Você não pode decidir as coisas por nós, e nós escolhemos estar aqui do seu lado. – Sally fala de forma séria, mas sem soar grosseira.
  – Eleninha, por favor, não se esqueça de todas as nossas conversas. – Lilu se aproxima de mim, segurando minhas mãos com ternura. – A igreja só estava nos usando, e eu tenho certeza que ela não nos daria um final bom. Nós passamos a tomar nossas próprias decisões, e se as coisas estão assim agora é porque elas deveriam ser assim.
  – Ser um caos total, onde provavelmente a única saída será a nossa morte, Lilu? – Pergunto de forma atormentada, enquanto me sinto extremamente sufocada por tudo isso.
  – Não diga essas coisas, Elena! Nós não vamos morrer, isso é uma promessa! – Wendy dá um passo para frente, se tornando um pouco fervorosa. – Nós quatro iremos passar por essa confusão e, no final, ela não será nada além de lembranças de um passado que já foi superado! E se você decidir ter essa criança, independente do que ela seja, nós estaremos aqui para te ajudar a cuidar dela!
  Os meus olhos lacrimejam de novo, mas não choro, apenas os fechos e engulo essa vontade. Lilu aperta sutilmente as minhas mãos.
  – Como vocês conseguem dizer isso? Eu sei dos horrores que passaram com vampiros, e mesmo que eu carregue o filho de uma dessas criaturas, vocês ainda estão aqui. Nós não deveríamos odiá-los até a morte ou algo do tipo?
  – Você os odeia? – Wendy pergunta, séria.
  Seu olhar era carregado e acentuado, mostrando-me um lado completamente novo de minha irmã, que parecia ter crescido tanto desde sua recuperação ao ataque dos lobos. Wendy não estava mais machucada, pelo contrário, estava de pé, mais forte do que nunca.
  – Mesmo que eu não goste de admitir – Sally suspira. – Morar com esses vampiros mostrou que eles não são os únicos a fazerem mal, nós também fazemos um grande estrago por onde passamos. Está na bíblia, Elena, nós somos apenas cópias pecadoras de um Deus sem falhas. Ele é o ser perfeito e não nós. Desde os primórdios, todo mal existe por nossa culpa, os humanos sempre iniciam isso, mas agem como se fossem aqueles capazes de purificar o mundo, mas isso não passa de uma merda de besteira da igreja. Eles mentem! – A voz de Sally fica um pouco mais alta, ecoando pelo banheiro. – Eles mentiram para nós desde o começo. Nos tornaram os capachos que sujam as mãos de sangue e arriscam suas vidas, para que eles fiquem seus altares agindo como se fossem Deus, decidindo quem deve ou não ser condenado.
  Sally nem sequer piscava, ela estava completamente tomada por seu momento.
  – Nunca mais vou deixar que eles decidam por mim. Eu serei a única a tomar minhas decisões, e se eu achar que devo fazer amizade com um vampiro, lobisomem ou até mesmo uma sereia dessas que a Wendy vê nos documentários estúpidos dela, eu farei isso e ponto final. – Ela fala tão rápido e tão cheia de emoção, que arregalo os olhos, me sentindo comovida.
  – Pra começo de conversa, os vampiros nasceram através da nossa crueldade, então por que devemos julgá-los assim? Nós também matamos para viver e para comer, mas isso não se torna tão pavoroso quando é feito por um humano, não é? – Lilu arqueia suas sobrancelhas, enquanto me encara, sorrindo sutilmente.
  – A contar desse momento, nesse banheiro, nós iremos atrás daqueles que verdadeiramente são uma ameaça para a nossa existência. Sem mais descriminação por espécie. Todos nós nascemos pecadores e morremos como tal, porque não se pode mudar o inevitável. – Wendy assume uma postura poderosa, preenchendo o banheiro com suas palavras, enquanto olha para cada uma de nós.
  Respiro fundo por querer chorar pela milésima vez. Em meio a todo esse caos, eu realmente me sentia grata por essas três garotas comigo; a minha família.
  – Obrigada por serem a minha força e vontade de viver. – Falo, sincera.
  – Não me faça chorar mais, Eleninha. – Lilu me abraça e Wendy corre para fazer o mesmo, não deixando outra alternativa para Sally a não ser juntar a nós.
  – Não se esqueçam, as mosqueteiras: uma por todas e todas por uma. – Lilu brinca, e nós nos entreolhamos e trocamos sorrisos gratos de compaixão.

***

  Já estava de noite, o céu escureceu há pouco, mas eu ainda continuo trancada nesse quarto. Não saí para nada, e só a menção me deixava assustada, pois eu sabia exatamente o que teria que encarar lá fora se fizesse isso.
  Namjoon foi o único irmão que veio me ver, e julgo que os demais estejam fervendo e seus pensamentos, pois sei que Jimin e Hoseok já devem ter contato tudo que revelei. Tenho medo de encará-los e descobrir que talvez alguns deles me culpem por Hyun e por toda essa bagunça. E por mais que eu receba palavras reconfortantes dos meus amigos, é difícil não sabotar os meus próprios pensamentos e me manter calma sobre isso.
  Eu estava sozinha no quarto de Wendy, que se reuniu com as outras garotas no quarto de Sally, a meu pedido. Eu precisava desse momento sozinha, pois estava tentando juntar um pouco de coragem para ir até o oitavo andar, onde Jimin me informou que Taehyung estava, após ele ir contar a seu irmão sobre o meu despertar.
  Fui avisada que as coisas não estavam boas por aqui, mas parece que para Taehyung tudo estava pior. Minha equipe disse que esse castelo passou a ter um ar mais sombrio e que muitas coisas ruins aconteceram aqui nos últimos dias, e que em alguns momentos elas realmente passaram a ter medo dos vampiros, em especial, medo do Taehyung. Soube que ele se trancou no seu quarto a maior parte do tempo, e que era possível escutar gritos vindos de lá durante a madrugada, mas gritos que não eram dele.
  Afundo as duas mãos no colchão e me impulsiono para cima, levantando-me da cama enquanto sinto meu corpo ser abraçado por uma enorme ansiedade. Fecho os olhos por um momento e respiro fundo antes de caminhar até à porta do quarto, me sentindo surpresa ao ver no final do corredor, um homem. Com certeza ele fazia parte da segurança reforçada que foi trazida para o castelo, como me falaram antes, mas ainda assim era estranho saber que havia um vampiro em cada canto do castelo, como se fosse um vigia. Isso apenas me fazia cair cada vez mais na realidade de que as coisas estavam perigosas demais desse lado.
  Em silêncio, caminho pelo corredor, e quando passo em frente ao vampiro, ele me olha e acena com a cabeça. Eu retribuo o gesto e sigo rápido para longe, indo até às escadas para o quinto andar. E assim o fiz, me sentindo cada vez mais nervosa ao subir um andar. Eu gostaria de voltar correndo e me esconder, mas eu sabia que precisava fazer isso, visto que Taehyung e eu precisávamos conversar agora mais que nunca.
  A vampira que estava a postos no sétimo andar foi a última, já que não havia ninguém no oitavo andar, e posso imaginar que isso tenha sido uma ordem do próprio Taehyung. Definitivamente ele fez isso.
  Quando meu corpo para em frente à porta do seu quarto, minha ansiedade se torna extremamente desconfortável, sendo muito pior do que antes. Respiro fundo mais uma vez e uso a minha pouca coragem nesse momento para girar a maçaneta. A porta range baixo ao abrir, me deixando ser recebida pela escuridão do quarto e pelo forte odor que vinha de dentro.
  Eu reconheceria esse cheiro em qualquer lugar, era como inalar o perfume da própria morte.
  Minha mão treme sob a maçaneta, e com a boca entreaberta, expiro profundamente, antes de empurrar a porta para dentro e finalmente entrar no quarto.
  Os meus olhos se arregalam e minhas pernas parecem falhar quando vejo os corpos ensanguentados em vários cantos do quarto: dois sobre a cama e três pelo chão. Alguns pareciam terem sido mortos recentemente, outros não.
  Me torno levemente enjoada, mas eu sabia que não era pela gravidez, e sim pela pavorosa cena que fez meu corpo se arrepiar de forma ruim.
  Involuntariamente, solto a maçaneta da porta que se fecha sozinha em uma batida baixa a suave. Encosto minhas costas nela como um apoio, porque eu me sentia extremamente mal aqui dentro.
  Engulo toda a saliva duas vezes, e quando finalmente consigo desvia meu olhar dos cadáveres com pescoços dilacerados, olho em direção a sacada aberta, onde o corpo alto de Taehyung estava parado. A luz que vinha de fora me permitia ver a coloração vermelha em suas mãos e mangas soltas da blusa branca. Algumas gotas de sangue escorriam e pingavam delas, passando por cima das suas unhas pintadas de preto. Já havia um tempo desde que o vi com as unhas pintadas, e a maioria das vezes que me recordo dele assim, Taehyung não estava de um jeito especialmente bom.
  – Taehyung... o que você fez? – Minha voz sai trêmula e baixa, mas, mesmo assim, ele vira sua cabeça, me encarando sobre os ombros, com o rosto sombreado pela escuridão do quarto.
  Apesar de não estarem vermelhos, seus olhos pareciam tão sombrios quanto, e isso faz meu corpo se arrepiar pela segunda vez.
  O meu coração se aperta de desespero por ele e por quem ele matou.
  As palavras de Amia surgem em minha mente, em um aviso que dizia que eu deveria correr se não conseguisse suportar isso. E eu não sei até onde posso ir com o Taehyung. Eu sei que apesar de querer apenas me desestabilizar, Amia não mentiu em nada do que disse, e encontrar essa cena no quarto do Taehyung só reforça os meus maiores temores.
  Ainda com as pernas fracas, me afasto da porta e começo a ir em sua direção com passos pequenos. Paro atrás do seu corpo alto e encaro suas costas largas cobertas pela blusa fina que quase era transparente.
  – Você pode me olhar, por favor?
  Ele permanece parado por alguns instantes, mas acaba se virando lentamente até que estive de frente para mim.
  Sua boca estava manchada de sangue, e alguns vestígios do líquido quente haviam escorrido por seu queixo e pescoço, sujando a gola da blusa.
  – Por que você fez isso? – Pergunto, sentindo os meus olhos ameaçarem marejar.
  – Por que eu não faria isso? – Sua voz sai baixo e muito grave.
  Fico em silêncio, sentindo o peso do seu olhar que não muda. Eu não sabia o que fazer, me sentia mal aqui e me senti ainda pior quando percebi que, por um segundo, o olhar de Taehyung foi até a minha barriga, me fazendo prender a respiração e dar um passo assustado para trás. Minha mão faz um mínimo movimento involuntário querendo ir até minha barriga, mas não o faço.
  O que é isso? Por que me sinto assim tão frágil? É o Taehyung que está na minha frente, mesmo que seu olhar me lembrasse um pouco o de Henry agora. Não, esse ainda era o Taehyung.
  – Jimin já te contou sobre Henry? – Pergunto, temente.
  Taehyung desvia seu olhar e se vira, indo para perto do batente da sacada.
  – Sim. – Ele segura no batente, o sujando de sangue.
  Mais uma vez me aproximo dele, me colocando ao seu lado.
  – E o que você está pensando em fazer agora?
  Ele me encara de canto de olho.
  – Amanhã mesmo irei atrás dele e o matarei da pior forma possível. – O vento da noite passa por nós, mas são suas palavras que me causam um calafrio.
  Os seus olhos estavam cheios de fúria e seus dedos ensanguentados criaram rachaduras no batente da varanda quando ele o apertou com força.
  – Você nem sabe onde ele está.
  Taehyung se vira bruscamente para mim, me assustando pelo gesto inesperado.
  – Mas eu vou encontrá-lo, Elena, nem que eu tenha que buscá-lo no inferno. – Percebo quando suas presas se alongam um pouco em meio a sua fala tempestuosa.
  Puxo bastante ar pelo nariz, tentando me acalmar para continuar com essa conversa.
  – Não faça nada agora, o seu pai está com o Hyun, não se esqueça. É preciso ser cauteloso, eu vi nos olhos dele que ele não estava mentindo quando disse que mataria o Hyun se você fizesse algo.
  Suas pupilas dilatam e sua mandíbula fica marcada quando ele aperta os dentes. Taehyung estava se controlando, e sei que poderia acabar com qualquer um agora. Por este motivo, estremeço ao pensar que poderia ser eu.
  Um pouco receosa, toco em uma das mãos de Taehyung, logo vendo o sangue que já não era mais quente, manchar minha pele. Ele encara nossas mãos e depois meu rosto.
  – Me deixe te ajudar, Taehyung. Acredite em mim, eu quero tanto quando você acertar as coisas com o seu pai, mas nós precisamos fazer da maneira certa. – Pisco os olhos alguns vezes e depois encaro o interior do quarto, vislumbrando rapidamente os corpos.
  O sinto fechar seus dedos nos meus em um aperto suave, e quando o encaro percebo que já não tenho mais medo. Eu havia tomado a minha decisão, apenas precisava ser corajosa o suficiente para admitir isso para mim mesma.
  – Eu sei que você tem motivos para não confiar em mim, embora nunca tenha feito isso de forma agressiva. Vim para Transilvânia com o intuito de terminar o que comecei em Upiór, na lua de sangue e, mesmo assim, você me recebeu, indo contra todos os outros vampiros. E hoje, quando a igreja se vira contra mim, você continua me protegendo no seu castelo. – O fito com veemência para que ele enxergue minha sinceridade. – Se você fez tanto por mim, me deixe fazer isso por você agora.
  Noto seus olhos se arregalarem quase que imperceptivelmente, mas não espero por uma resposta, pois, logo em seguida, solto seus dedos e o abraço de forma imprevisível.
  Taehyung permanece estático por um tempo, com os braços minimamente levantados, antes de corresponder ao meu abraço, espalmando suas mãos sujas nas minhas costas. Fechos os olhos e encosto minha cabeça em seu peito, escutando as batidas lentas do seu coração que tinha a única função de bombear o sangue daqueles que ele se alimentava.
  – Eu confio em você. – Ele confessa baixo, me fazendo expirar alto, quase como se suspirasse.
  Após cinco anos dentro da Transilvânia e nos braços do verdadeiro Drácula, me dou conta que isso era inevitável, assim como morrer sendo uma pecadora. Eu sempre neguei o que levava dentro de mim, tentei de todas as formas me convencer de que nunca deveria cair em tentação, mas era apenas uma grande tolice. Dediquei os últimos nos da minha vida a seguir as regras da igreja e obedecer a todos os seus mandamentos, para que no final eles me condenassem como alguém tão sujo quanto os vampiros, em sua percepção do que era ser sujo. Mas, foi nesse enorme castelo, convivendo dia após dia com os vampiros, que eu finalmente pude me libertar e me soltar das amarras do Vaticano. Como ímpia, não julgarei alguém pelo que é; mas como Van Helsing, eu caçarei todos aqueles que ameaçarem a minha vida e daqueles que são importantes para mim. A marca que carrego em minhas costas e o anel que carrego em meu dedo, são, a partir de agora, a união do que nascia dentro de mim. A complexidade de duas espécies expurgadas que um dia darão vida a algo maior.
  – O que faremos em relação ao bebê? – Pergunto, quebrando o silêncio que nos envolveu.
  Taehyung não me solta, permanecendo-me contra seu corpo quente pelas vidas que ele roubou.
  – Tenho estado aqui por quase trezentos anos, e já vivi tudo que você pode imaginar. Mas nada disso me preparou para um momento como esse... me desculpe por não poder te ajudar agora, Elena. – Com o tom de voz baixo, ele diz para que apenas eu o escute. – Não importa qual decisão você tomar em relação a nossa criança, eu vou estar do seu lado por toda eternidade.

Capítulo 28

  – Vá com calma. – Jin fala, sentado do outro lado da pequena mesa redonda de ferro cinza. Ele estava com as pernas cruzadas e as mãos apoiadas no joelho, enquanto o sol cobria grande parte do seu corpo, tornando sua pele ainda mais pálida sob os raios quentes.
  Tusso algumas vezes, enquanto passo as costas da mão na boca, limpando os vestígios de sangue.
  Coloco a xícara suja com uma mistura de chá e sangue, em cima da pequena mesa que estava na sacada do quarto do Jin.
  Na noite passada, após conversar com Taehyung, nós passamos a madrugada no meu quarto, visto que o seu estava “cheio” demais. Nós dois conversamos e decidimos o que deveria ser feito em relação a Henry e os lobos. Pela manhã, encontrei Jimin, nós conversamos também e ele disse que se eu resolvesse ter esse bebê, deveria falar com o Jin, pois uma gravidez vampírica era diferente da humana. E Jin, por ser o irmão mais velho, acompanhou sete gestações de sua mãe, portanto, segundo Jimin, ele era o mais adequado para me ajudar nisso.
  – Vou pedir para Skull fazer como combinamos. Primeiro ele começa a colocar pequenas doses de sangue misturadas a chás e outras bebidas que mascarem o gosto e, conforme o passar do tempo, ele aumenta as doses até que você consiga ingerir o sangue puro, sem nada. – De forma calma, Jin explica.
  Mais uma vez, encaro a xícara vazia, pensando se um dia vou realmente ser capaz de me familiarizar com esse gosto forte e metálico do sangue. Mesmo que estivesse misturado ao chá, ainda assim, era desagradável ao meu paladar. Eu devo ter demorado, ao menos, uns vinte minutos para encontrar coragem para beber isso. Não estou mais com a igreja - se tornou um fato, mas isso não significa que seja fácil para mim, sair bebendo sangue como se fosse uma vampira, ainda mais quando parava para pensar de quem poderia ser; fiquei receosa de perguntar para Jin de onde o sangue veio.
  – Obrigada por me ajudar. – Encolho os ombros, enquanto encaro Jin.
  – Não precisa me agradecer, nós somos uma família agora. E acredite, os Draculs são leais à sua família, Elena. – Seu rosto não se altera, assim como o tom de sua voz, por isso sei que ele não estava mentindo. – Essa criança dentro de você é o nosso sangue, a nossa herança e continuidade. Algo tão importante quanto o próprio Drácula, mesmo que ela nasça de uma Van Helsing.
  Antes, eu estava completamente receosa sobre vir falar com Jin, pois ainda me recordava da primeira conversa que tivemos aqui no castelo. De todos os irmãos, ele era o que eu mais temia um julgamento ou retaliação.
  – Preciso confessar que no começo eu era contra essa união entre você e o meu irmão. – Jin faz uma pausa e encara além da sacada, a floresta do lado de fora do castelo. – Não apenas porque você é uma humana, mas porque esse tipo de união não tem um bom histórico, principalmente vindo de um Van Helsing. Talvez você não saiba disso, mas uma única vez, uma Van Helsing se uniu a um vampiro, e ela pagou por isso com sua vida, pois foi queimada em uma fogueira junto da criança que carregava em seu ventre, pela igreja.
  Não consigo esconder a surpresa ao escutar suas palavras. E, involuntariamente, minhas mãos vão até minha barriga, espalmando no lugar como se quisesse proteger o que havia ali dentro.
  – Creio que não preciso explicar o motivo da igreja nunca ter contado essa história para as novas gerações. – Jin me olha sugestivamente, e eu assinto de forma fraca e chocada. – Por isso é tão importante te proteger agora, Elena. Nós não sabemos o que eles pretendem fazer se conseguirem te capturar.
  Um fraco arrepio passa por todo o meu corpo, que se encolhe na cadeira de ferro cinza.
  – Quando soube da sua gravidez, ponderei em conversar com Taehyung sobre te manter aqui ou te entregar para igreja. – Engulo em seco. – Mas então, Jimin veio e me contou algo que mudou tudo – Jin me encara de forma séria. – Ele disse que esse anel no seu dedo, o de noivado, não sai.
  – Sim, já tentei o tirar de todas as formas. Mas não consegui. – Confesso, franzindo o cenho sem entender aonde ele gostaria de chegar com isso.
  – Algum dos meus irmãos, ou até mesmo Blarie, já te contaram o motivo desse anel não sair? – Ele aponta em direção a mão que ainda estava na minha barriga.
  Nego com a cabeça, me tornando um pouco nervosa e curiosa.
  – Todo anel de noivado do Drácula carrega um pouco do seu sangue de modo que ele reaja com o corpo daquele noivo escolhido. E uma vez que o sentimento de ambos seja recíproco, o anel não sai. Esse método é usado para evitar traições, Elena. Sabendo que o anel permanece preso no seu dedo, isso me mostra que o seu coração está verdadeiramente ligado ao do meu irmão.
  Fico completamente atônita, e enquanto encaro o anel de pedra vermelha, sinto o meu rosto esquentar nas bochechas, me deixando mais envergonhada.
  Eu realmente estou admitindo os meus sentimentos agora, mas saber que eles estavam aqui desde o momento em pisei os meus pés no castelo era completamente assombroso, e me faz pensar no que Lilu me disse sobre as coisas serem como são. Isso me mostra uma perspectiva diferente, e percebo que estava fadada ao meu presente, no minuto em que cheguei na Transilvânia.
  – Não espero que me entenda, Elena, você é uma humana. Mas eu, como um vampiro, prezo muito pela minha espécie e só estou tentando lutar por ela. Nós temos os nossos princípios e experiências, desta forma, para nós, é difícil não julgar os humanos. – Jin faz uma breve pausa para expirar alto. – Nem todos tiveram uma criação como a nossa. A nossa mãe nos ensinou sobre os valores humanos e nós aprendemos muito enquanto a observávamos, mesmo que os valores vampíricos fossem os que prevalecessem em nossa educação. Então, não pense que as coisas serão fáceis se você escolher ficar do lado do Taehyung. Mesmo sendo o Drácula, é importante conquistar a confiança e respeito dos demais vampiros e, estando com você, isso se tornará mais difícil para ele.
  – Então você quer que eu me afaste do Taehyung? – Pergunto, temerosa.
  Jin nega com a cabeça.
  – Isso é uma decisão que cabe apenas a vocês dois. Mas quero que saiba que não será imediato, pois, do mesmo jeito que é difícil para os humanos aceitarem os vampiros, será difícil para os vampiros aceitarem você, principalmente porque é uma Van Helsing.
  E no final tudo volta para o mesmo lugar: Van Helsing. Às vezes, é inevitável não pensar em como tudo na minha vida seria mais simples se eu tivesse nascido como uma humana comum em uma família comum.
  Suspiro baixo, me sentindo cansada mesmo que fosse apenas o começo da tarde.
  – Eu sei que é muita coisa para pensar, mas foque no que realmente é importante agora. Nós estamos a um passo de iniciar um grande confronto contra os lobos e até mesmo com os vampiros. – Uma suave brisa se mistura ao sol, criando a combinação agradável que faz com que os cabelos escuros de Jin balancem um pouco. – A decisão de ter um filho é eterna e não há mais volta depois. Por isso, o meu conselho para você, porque sei que ainda está confusa em relação a isso, é que continue tomando o sangue da maneira que combinamos, e quando tudo isso passar e essa briga acabar, então, nesse momento, você poderá respirar fundo e pensar com clareza em relação a essa criança. Você ainda estará no início da sua gravidez e poderá fazer o que verdadeiramente sente que deve fazer, Elena.
  De novo, Jin encara além da janela, porém, dessa vez, seu semblante se suaviza e ele parece ter um olhar perdido.
  – Te digo isso porque sei que se a minha mãe não tivesse engravidado do Hyun, ela poderia estar viva hoje. Não entenda errado, eu amo o meu irmão e sei que minha mãe não se arrependeu de ter o tido, ela não se arrependeria nem se tivesse tido mais oito filhos depois dele, ela amaria cada um. Mas o que quero que você entenda, é que um filho pode mudar completamente o seu destino, seja ele bom ou não.
  Jin estava certo em tudo que disse. Eu realmente estou com medo agora, e não consigo pensar com clareza quando tenho a igreja atrás de mim e os lobos a um passo de arruinarem tudo o que eu conheço. O fato é que, estar grávida me assusta, e pensar na hipótese de ser mãe de um vampiro era ainda mais assustador. Não sei se me sinto pronta para assumir uma responsabilidade tão grande como essa, mas também não quero tomar uma decisão da qual eu me arrependa pelo resto da vida. Então, pensar nisso quando tudo acabar definitivamente era o ideal a se fazer.
  – Obrigada, de verdade. Obrigada por tudo. – Quando Jin volta a me olhar, o encaro bem nos olhos.
  Ele não diz nada, apenas assente.
  – Agora é melhor você ir, Taehyung já deve estar te esperando... – Me levanto assim que ele diz. – Boa sorte, Elena. – Sua voz fica mais suave e consigo notar uma pequena camada de preocupação, que sei bem o motivo.
  Sorrio verdadeiramente para ele e agradeço mais uma vez antes de sair do seu escritório, encontrando quem eu menos esperava parado do outro lado do corredor, escorado na parede, de braços cruzados.
  Seus grandes olhos escuros acham os meus e, por um segundo, meu coração parece saltar.
  – Oi. – Digo após fechar a porta e me aproximar dele de forma receosa.
  – Como você está? – Jungkook pergunta.
  – Melhor do que ontem. – Sorrio fechado e um pouco sem jeito.
  Ele assente em silêncio.
  Essa é a primeira vez que o vejo depois que acordei. Me pergunto o que ele poderia estar pensando agora.
  Ficamos imersos no silêncio por alguns segundos e isso me deixava cada vez mais amargurada. Eu não aguentava nem mesmo sustentar nosso olhar.
  Olhando para baixo, fechos os olhos e respiro fundo, antes de abraçar Jungkook após sentir uma grande necessidade de fazer isso. Diferente de como foi com Taehyung, Jungkook não ponderou ao retribuir o gesto.
  – Me desculpe, Jungkook. Me desculpa. – Falo de maneira amarga.
  – Por que está se desculpando? – Ele pergunta calmamente, enquanto desliza sua mão por meu cabelo.
  – Por tudo. – Engulo a saliva quando minha voz embarga.
  Ele fica em silêncio por um tempo, em nosso abraço.
  – Você não tem motivos para se desculpar, Elena. Eu só precisava te ver agora. –Seu tom de voz era diferente, não parecia que eu estava falando como o mesmo Jungkook de sempre.
  Ele se afasta de mim, me encarando de forma profunda.
  – Pare de se culpar um pouco. Você precisa ser forte agora, por você e pelo seu filho. – Ele sorri e meu coração se aperta.
  Assinto e retribuo seu sorriso.
  Com isso, Jungkook e eu nos despedimos e eu sigo meu caminho, enquanto entro em uma bolha de nervosismo e ansiedade ao pensar no que faria hoje.
  Sem pressa, desço todos os andares, querendo que isso se tornasse lento, ao mesmo tempo em que tentava adquirir alguma coragem. Eu quase podia me sentir enjoada.
  Assim que chego no primeiro andar do castelo, escuto algumas vozes vindas da sala de estar.
  – Eu estou pedindo, por favor, cuide da minha irmã e não deixe nada acontecer a ela. – Silenciosa, me aproximo da entrada da sala, vendo Wendy falar para Taehyung, que estava sentado em uma das poltronas.
  – Não se preocupe, Wendy. – Ele estava sentado elegantemente de pernas cruzadas, e os braços estavam apoiados no alta da poltrona.
  – É claro que ela tem que se preocupar, vocês estão indo para a base da igreja. – Sally, que também estava de pernas cruzadas, sentada no sofá, balança seu pé de forma nervosa.
  – Não sei, mas eu acho que confio nele. – Lilu é a próxima a falar. Ela olha para Taehyung e depois para as garotas. – De qualquer forma, se ele estragar com tudo, eu mesma me resolvo com o vampiro. – Lilu volta a encarar Taehyung, que arqueia as sobrancelhas para ela e depois olha em minha direção. Eu sabia que ele já havia percebido a minha presença.
  – Acho que já nos metemos em brigas demais. – Digo, atraindo a atenção das garotas. – Vai ficar tudo bem. Não se preocupem. – Forço um mínimo sorriso para elas, tentando tranquilizá-las.
  Wendy se levanta do sofá. E do seu lugar, ela me olha com preocupação.
  – Eu queria ir com você, Elena.
  – É melhor que apenas eu vá, Wendy. Já estamos afundadas em confusões até o pescoço, e isso poderia ser ainda mais perigoso. – Mesmo contragosto, Wendy assente.
  – Vamos indo. – Taehyung se levanta da sua poltrona e caminha até onde estou, passando do meu lado e saindo da sala de estar.
  Encaro as garotas e suspiro.
  – Não vou demorar. Se preparem para essa noite. – Peço, e elas assentem, enquanto me observam deixar a sala e seguir Taehyung.
  Ele já me esperava na entrada do hall. Quando o alcanço, ele segura em minha mão, fitando-me bem.
  – Não se preocupe. Não vai acontecer nada. – Ele diz, antes de entrarmos no hall e caminharmos até à porta de entrada.
  Após sairmos do castelo, cruzamos todo o jardim e seguimos para fora, onde um carro preto já estava a nossa espera.

***

  Quando os pneus deslizam sobre o terreno seco, vejo através da janela do carro, uma fina camada de poeira subir, anunciando nossa chegada, e isso era o bastante para fazer a possível sensação de enjoo de antes, se tornar real agora.
  Eu já conseguia ver a pequena cabana da igreja no meio do nada. Haviam algumas pessoas do lado de fora, sentadas nos degraus de madeira e na pequena varanda. E assim que percebem o carro em que estávamos, eles param de conversar para observarem o automóvel que parava aos poucos.
  A mão de Taehyung toca a minha coxa, me fazendo olhá-lo. Ele estava um pouco sério agora, mas sei que não estava tão nervoso quanto eu. Respiro fundo, assentindo mesmo que ele não tenha dito nada e, com isso, o motorista que nos trouxe sai do carro, dando a volta e abrindo a porta do lado de Taehyung. Ele sai do carro sem pestanejar, já eu demoro alguns segundos, mas assim que o faço, sou inteiramente tomada pelo nervosismo da atmosfera de fora.
  Olho em direção à cabana a tempo de ver um garoto correr para dentro, provavelmente indo avisar alguém. Os demais que ficaram do lado de fora se tornam tensos, eu podia enxergar isso daqui.
  – Espere aqui. Nós não vamos demorar. – Taehyung diz para o motorista de quepe, que assente em silêncio e volta para dentro do carro.
  Mais uma vez respiro fundo e me coloco ao lado de Taehyung e, em seguida, começamos a caminhar juntos em direção à cabana. Porém, antes mesmo de chegarmos até ela, o garoto de antes volta correndo para fora, trazendo com ele um homem e uma mulher, ambos armados com rifles apontados para nós.
  O próximo a sair de dentro da cabana é Alef, que quando para no centro da varanda, nos encara com os olhos arregalados. Todos que estavam sentados pelos degraus e varanda, se levantam quando Taehyung e eu paramos perto.
  – E-Elena, o que você está fazendo aqui? – Alef ajeita seus óculos redondos de forma nervosa, empurrando a armação para cima.
  – Eu gostaria de falar com o Padre, Alef. – Digo, e minha resposta não parece agradar aos demais, que me encaram de forma reprovadora.
  – Primeiro você trai a igreja, e depois acha que pode voltar aqui para falar com o Padre depois dos problemas que arranjou para ele? Ainda mais trazendo esse vampiro com você.
  – Eu sempre soube que nunca deveriam ter te dado outra chance.
  Escuto tudo que eles têm a dizer, em silêncio, sabendo que não tinha direito de falar nada, pois eles estavam certos.
  – Já chega. Isso não é algo que vocês têm que decidir. O Padre escolherá se falará ou não com eles. – Alef interrompe, enquanto me olha de maneira triste. – Por favor, espere um pouco, estou indo chamar o Padre.
  – Não precisa. Já estou aqui. – A figura do Padre Alber, surge na porta, atrás de Alef, que se vira e sai do seu caminho. Por alguns segundos, o Padre nos encara severamente. – Venham comigo. – Ele diz, antes de se virar. – Não quero ninguém na cabana. Todos para fora.
  De maneira temerosa e covarde, passo por entre as pessoas da igreja, subindo os degraus de madeira e indo em direção à porta de entrada. Por um segundo, encaro Alef e ele devolve o olhar, mas não sabemos o que dizer, por isso, acabo entrando em silêncio. Uma vez do lado de dentro, percebo quando Taehyung para rente ao batente da porta, apenas olhando sobre os seus ombros, para fora.
  – Se disserem mais alguma coisa, arrancarei a língua de vocês e depois os farei comê-las. – Ele ameaça com um tom de voz sombrio, deixando todos em silêncio do lado de fora, antes de fechar a porta.
  Encaro Taehyung, mas não vou repreendê-lo, todos estamos nervosos agora, mesmo que ele demostre isso dessa forma. Um pouco à sua frente, o guio até onde lembrava que ficava a sala da cabana. Padre Albert nos aguardava, sentado no pequeno sofá de cor caramelo. Me sento ao seu lado, mas deixando um pequeno espaço entre nós, e Taehyung se senta do meu lado.
  O Padre apoia suas mãos nos joelhos cobertos pela longa batina preta, e nos encara, ainda, com severidão.
  – Então, o que vocês querem? – Seu tom de voz parecia outro e estava longe de ser o que ele usava para falar comigo antes. Era como estar diante de outra pessoa.
  Suspiro alto.
  – Padre, eu sei que nós somos os últimos que o senhor gostaria de ver agora, e eu sinto muito por toda confusão que causei ao senhor... – Faço uma pequena pausa, me sentindo amargurada. – Mas estou aqui porque as coisas são piores do que parecem.
  Ele franze suas sobrancelhas e fica em silêncio.
  – Fui sequestrada pelos lobos a mando de Henry Dracul. – Assim que o nome sai da minha boca, os olhos do Padre se arregalam e toda sua expressão muda.
  – O quê? Henry está vivo? – Ele estava completamente incrédulo. – O que mais você não me contou, Elena? – Eu podia sentir o julgamento em sua voz e isso me faz sentir um pouco culpada.
  – Henry tem um filho híbrido, Kihyun. Esse garoto foi criado por Henry com um único propósito que é servir de receptáculo para uma transmigração de almas. Henry pretende tomar o corpo do filho e se tornar o novo híbrido.
  – Está fazendo isso para assumir o comando dos lobos e dos vampiros ao mesmo tempo e evitar sua morte pela lua de sangue. – Padre completa minha fala, quando juntas as informações.
  Assinto.
  – Sim. É exatamente isso que ele vai fazer, e foi por isso que ele roubou parte da minha alma, pois pretende concretizar o exorcismo sozinho.
  – Quanto tempo faz que você foi atacada, Elena? – O Padre me encara sério.
  – Uma semana ou mais.
  O Padre suspira.
  – Ele já pode ter feito a transmigração então.
  – Não, ele não fez. – Taehyung interrompe, nos fazendo olhá-lo. – Meu pai está fraco agora, por não ser mais o Drácula, e a cada dia fica mais. Toda essa confusão que ele vem fazendo, é puramente uma distração para que ele arranje mais tempo.
  – Do que você está falando, Taehyung? – Pergunto.
  – Uma transmigração de almas requer muito poder e domínio das habilidades, por isso a sua espécie morria na maioria das vezes que tentava executar esse exorcismo, porque nem todos tinham o que era preciso, não é? – Taehyung encara o Padre, que assente. – Por estar enfraquecendo, o meu pai precisa se alimentar mais do que um Drácus em seu estado normal, porque se ele não estiver forte o suficiente para essa transmigração, então irá morrer como os Van Helsings. Caso contrário, ele poderia ter feito a transmigração no dia que roubou parte da sua alma, Elena.
  – Escutou o que ele disse, Padre? Nós estamos sem tempo, não sabemos quando Henry fará isso e pode ser a qualquer momento. E esse é o motivo pelo qual vim até aqui hoje. – Sentindo o nervosismo voltar para mim, me aproximo um pouco mais do Padre. – Henry tem os lobos, alguns vampiros e um híbrido do lado dele, além de ser o antigo Drácula. Por isso eu digo, sozinhos nem nós e nem vocês conseguirão nada.
  Os olhos do Padre se estreitam, enquanto ele mexe a cabeça de forma lenta.
  – Está sugerindo que nos juntemos? A igreja com os vampiros? Isso é indiscutível, Elena. – O seu olhar severo retorna e sua voz aumenta um pouco.
  – Padre, por favor, não é hora pra isso. Nossa condição não é boa. Não estou pedindo para que o Vaticano me perdoe ou deixe de caçar os vampiros, estou pedindo apenas uma trégua por enquanto, até resolvermos isso. Quando tudo acabar, vocês podem me caçar e me matar, se ainda for da vontade de vocês.
  – Não. Eu posso fazer isso, Elena.
  Do meu lado, Taehyung expira alto como se estivesse cansado.
  – Tanto quanto você, eu não queria essa união. Mas a situação não é das melhores, se ainda não percebeu. – Taehyung começa a dizer. – Então, ou nos ajuda nessa merda, ou os seus humanos irão direto para o inferno, porque se vocês continuarem nos atrapalhando, eu juro pelo seu Deus que eu mato cada um de vocês sem misericórdia.
  O Padre não se amedronta com as palavras de Taehyung, mas parece um pouco surpreso.
  – Padre, eu sei que o senhor pode conversar com o Vaticano. Diga que essa é nossa proposta. Estamos fazendo isso para eliminar um mal maior, pois enquanto vocês caçam os vampiros, Henry irá acabar com tudo e, com certeza, depois de conseguir o comando dos lobos e dos vampiros, ele irá atrás dos humanos e aí o senhor já sabe o que vai acontecer.
  – Estou te dando o dia hoje e o dia de amanhã para falar com o Vaticano e reunir os seus humanos, porque depois de amanhã, eu estarei indo atrás do meu pai com ou sem vocês. – Taehyung avisa, fazendo o Padre ficar em silêncio por alguns segundos.
  – Vocês já sabem onde ele está? – Encarando as próprias mãos, o Padre pergunta.
  – Não, ainda não sabemos. – Respondo.
  O Padre suspira alto e pesadamente.
  – Nunca presenciei uma transmigração de almas, isso é algo muito antigo, mas já li muito. – Ele entrelaça seus dedos sobre os joelhos, antes de me encarar. – Não basta ser um Van Helsing habilidoso, também é preciso fazer esse exorcismo em um lugar onde se teve muita absorção de magia. Lugares que serviram como cenário de batalhas místicas, por exemplo.
  Os meus olhos se arregalam e um pequeno colo de anseio surge em mim.
  – Como Upiór? – Pergunto.
  – Como Upiór. – Ele balança a cabeça em concordância. – Aquele vilarejo foi evacuado após a lua de sangue. Ele é afastado da Transilvânia, um lugar perfeito para se fazer isso sem que percebamos.
  O meu coração acelera apenas por lembrar do vilarejo e de tudo que vivi ali. Então era para Upiór que Henry e os lobos estavam indo naquele dia.
  – Vou me reunir com os meus vampiros essa noite. Elena e eu devemos ir agora e nos preparar, e você deve fazer o mesmo. – Taehyung fala enquanto se levanta do sofá. – Não se esqueça, tem um dia e meio para resolver. A cada hora que passa, meu pai se aproxima mais do seu objetivo.
  – Vou esperar sua ligação, Padre. – Digo de forma pacífica, e também me levanto. Olho uma última vez para ele, antes de começar a me afastar com Taehyung.
  – Mesmo rezando todos os dias por você, eu sempre soube que algo assim ia acabar acontecendo. – O Padre diz quando já estou de costas e prestes a sair da sala. Seu tom de voz voltou a soar familiar, e percebo sua sutil melancolia.
  Taehyung me fita e para perto da saída da sala.
  Volto a olhar para o Padre.
  – Então por que o senhor me deixou ir para o castelo? – Seu olhar vai direto para a minha barriga, deixando toda sua tristeza escondida, aparecer.
  – Porque você era a nossa única esperança, Elena.
  Nesse momento, absorvo suas palavras que parecem me atravessar de forma dolorosa e, em silêncio, me viro e saio da sala acompanhada de Taehyung, deixando para trás aquele que um dia me acolheu em Upiór quando mais precisei.

***

  – Eu estou nervosa. – Confesso.
  – Eu realmente não quero te deixar mais nervosa, mas todos já estão nos esperando lá embaixo. – Blarie diz, sentada na minha cama, de pernas cruzadas, balançando seu pé coberto pela sandália de salto debaixo do vestido.
  – Calma, nós estamos com você. Não vai acontecer nada. – Wendy segura minha mão e sorri.
  – Não se preocupe, Eleninha. Eu já estou preparada. – Lilu mostras as facas escondidas debaixo da sua blusa, fazendo Blarie a encarar com a sobrancelhas levantadas.
  Alguém bate suavemente na porta do meu quarto, antes de abri-la.
  – Precisamos de vocês lá embaixo agora. – Namjoon surge na porta, dizendo de forma calma.
  Assinto, ainda nervosa.
  Blarie e as garotas se levantam, e eu faço isso por último.
  – Espero que dê certo. – Digo baixo.
  – Vai dar. – Blarie toca meu ombro de forma confortante, antes de ir até Namjoon.
  Taehyung reuniu alguns vampiros representantes no castelo, todos já estão lá embaixo apenas nos esperando para que a reunião comece. Mas essa será apenas a segunda vez que os vejo, e a primeira vez após estar grávida. Com certeza essa gravidez não é mais segredo, e é justamente isso que mais me deixa nervosa.
  – Elena, espere. – Namjoon diz assim que me aproximo dele.
  – O quê? – Wendy pergunta do lado de fora do quarto.
  Namjoon enfia sua mão dentro de um dos bolsos das calças e puxa um pequeno relicário dourado, me entregando ele logo em seguida.
  – É pra mim? – Pergunto surpresa, e ele assente.
  Com cuidado, abro o pequeno relicário, vendo uma foto bem antiga dentro dele.
  Curiosa, Sally se aproxima e espia o relicário em minhas mãos.
  – São Raimundo Nonato? Esse não é o santo das grávidas e das crianças? – Ela olha para Namjoon, que assente de novo.
  – Era da minha mãe. – Namjoon enfia as duas mãos para dentro dos bolsos. – Ela não era do tipo religiosa, mas acreditava que esse relicário a protegia quando estava grávida.
  Encaro o delicado colar de forma fascinada, sabendo o quão precioso ele era. E, com cuidado, o coloco em torno do meu pescoço.
  – Obrigada. Vou cuidar muito bem dele. – Digo, sincera.
  – Ficou muito bonito em você. – Namjoon sorri minimamente.
  – Nós não tínhamos que ir? – Blarie coloca a cabeça para dentro do quarto, fazendo assim, todos saírem de uma vez.
  Enquanto descíamos os andares, me senti um pouco melhor, e tenho certeza que isso era por conto do relicário em meu pescoço. Se Amélia o usou em todas as suas oito gestações, sei o quão especial esse objeto é, e me sinto extremamente tocada por Namjoon ter me dado ele.
  Namjoon acabou nos levando até o salão do primeiro o andar, o local onde ocorreu o baile de máscaras que me fez vir para Transilvânia. O grande cômodo abrigava tantos vampiros que até pareciam ser mais do que os da reunião em que fui.
  Taehyung e os seus irmãos já estavam aqui, e nos esperavam próximos a porta, de modo que ficassem à vista de todos.
  – Pronto. Resgatadas. – Namjoon diz, antes de ir para perto de Hoseok.
  O salão fica em silêncio, e eu sinto grande parte dos olhares sobre mim, o que era completamente desconfortável.
  – Ela chegou. Agora já pode dizer o motivo dessa reunião, Conde. – Uma mulher que estava perto do centro do salão, diz.
  Jimin me encara e faz um gesto de cabeça para que eu me aproxime dele e de Taehyung e, completamente sem jeito, faço isso.
  – Hoje nós descobrimos o possível lugar em que o meu pai está escondido. – Taehyung diz alto para que todos escutem. – Existe uma grande possibilidade de ele estar em Upiór nesse momento.
  Os vampiros se mostram um pouco surpresos, mas permanecem respeitosamente em silêncio.
  Taehyung me encara, e eu sabia que era a minha vez de falar. Com isso, sou obrigada a engolir o meu nervosismo.
  – Eu e a minha equipe iremos antes para Upiór, com o intuito de checar se Henry está mesmo por lá. E caso não esteja, vocês podem procurá-lo em outro lugar e assim não perdemos tempo. – Digo, me sentindo menos nervosa depois falar.
  – Estamos fazendo isso para pegá-lo de surpresa. Ele está com o Hyun, então, provavelmente, pensa que não faremos nada tão cedo, por isso Elena irá primeiro, criando uma distração. – Taehyung explica.
  Assim, percebo Jin, que estava um pouco mais afastado, do lado direito de Taehyung. Ele o encarava de forma séria, e diferente das outras vezes, agora ele não diz nada, apenas deixando que seu irmão mais novo tome a frente e haja como o Drácula.
  – Alguns de vocês ficarão comigo e outros irão com ela. Então, agora, quero saber quem fará isso? – Taehyung pergunta, mas todos ficam em silêncio, se entreolhando de forma atenta.
  Um alto suspiro quebra esse silêncio, e todos vemos Yoongi dar alguns passos para frente.
  – Eu não sei o que vocês pensam, mas todos já perceberam que não há como separar esses dois. – Yoongi coloca as mãos nos bolsos e aponta com a cabeça em nossa direção. – Então é melhor se acostumarem com isso de uma vez. Eles irão se casar e ela está grávida. Desertou da igreja para ficar ao lado do meu irmão, e está sendo caçada por isso. Eu a respeito, ela é corajosa. – Ele me encara de canto de olho, sorrindo minimamente de lado para mim. – Mesmo grávida e correndo o risco de ser pega pela igreja, ela e a sua equipe estão indo para Upiór. E isso me faz pensar em como vocês é que parecem os humanos frágeis agora.
  As palavras de Yoongi tornam muitos vampiros sérios.
  – Nós estamos deixando quatro humanas que não têm nem um terço das nossas idades, tomarem a frente e serem mais corajosas. O que é isso? Nós somos vampiros ou não? Se vocês estão com medo, então é melhor voltarem para suas casas e se esconderem como malditos gatinhos assustados. Mas eu e a minha família iremos lutar até o final para reestabelecer o lugar dos vampiros. Nenhum maldito híbrido vai nos dizer o que fazer, mesmo que ele seja o nosso pai.
  – Mas Henry já foi um Drácula, ele também é um vampiro. – Alguém diz em meio ao amontoado de vampiros.
  – Henry não é mais um Drácula, e sim apenas um maldito vampiro à beira morte que pretende se transformar em um híbrido. Não se esqueçam que ele foi quem mandou matar aqueles vampiros que eram iguais a nós. – Taehyung diz, antes de rir nasalado. – Acreditem, não há ninguém que o conheça tão bem como nós. E eu posso lhes garantir que Henry III Dracul não se importa com ninguém que não seja ele mesmo, então não pensem que ele irá lutar pela honra dos vampiros.
  – E você irá lutar, Conde? Está prestes a se casar com uma Van Helsing que está grávida. O que essa criança será? Um vampiro caçador de vampiros?
  – Eu vou com ela! – Uma voz alta interrompe quem falava, me fazendo ficar completamente surpresa quando reconheço o homem que se destacou entre os vampiros. – Vocês sabem o que eu sempre pensei sobre os humanos, principalmente os Van Helsings. Entretanto, não sou um ingrato que não pode reconhecer que se não fosse por ela – o olhar intenso de Abel, encontra o meu –, nós ainda estaríamos perdidos. Vocês sabem que foi essa Van Helsing que mentiu para sua igreja e nos colocou no caminho certo. Ela foi sequestrada por Henry e tinha ali uma oportunidade perfeita para se juntar a ele, mas não fez, pelo contrário, ela quase morreu. E agora, mais uma vez, se não fosse por ela, nós nem saberíamos onde Henry está. Eu sou leal ao meu Drácula e a minha espécie, e se a Elena está mesmo disposta a se unir ao nosso líder, tudo que eu posso fazer agora é segui-la, e vocês deveriam fazer o mesmo, porque essa criança que ela carrega, um dia será aquela que guiará o futuro da nossa espécie. – De forma respeitosa, ele curva sua cabeça, me deixando totalmente atônita.
  Engulo a saliva quando sinto os meus olhos marejarem.
  – Obrigada. – Agradeço comovida, e Abel sorri satisfeito para mim, me fazendo sentir parte desse novo mundo, do qual eu entrei sem nem me dar conta. Eu era parte dos vampiros agora.

Capítulo 29

  Após alguns minutos procurando Skull, o encontro limpando alguns cômodos do primeiro andar. Ele segurava um espanador, enquanto ia de um lado para o outro, afastando a poeira.
  Assim que sente a minha presença, ele se vira com rapidez.
  – Senhorita Elena, posso ajudar em alguma coisa? – Ele pergunta em sua postura impecável.
  – Eu gostaria de saber se posso usar a cozinha por algumas horas?
  – Com toda certeza, fique à vontade. Deixe-me acompanhá-la e mostrar onde guardo cada item. – Segurando o espanador, ele se aproxima de mim.
  Em silêncio, acompanho Skull até a cozinha e, chegando nela, ele me mostra tudo. Confesso que fiquei um pouco perdida, pois a cozinha do castelo era muito maior que a da mansão. Eu já havia vindo aqui antes, mas agora que preciso usá-la, me pergunto como Skull consegue memorizar onde cada coisa está guardada.
  Quando o mordomo sai e me deixa sozinha, me sinto extremamente pequena aqui dentro.
  Já faz um mês e alguns dias desde a lua de sangue e, mais especificamente hoje, é o aniversário da Wendy. Assim como as outras garotas, ela estava se preparando e organizando tudo para amanhã, o dia em que retornaríamos para Upiór depois de longos seis anos. As coisas estavam corridas no castelo, os irmãos também estavam em seus afazeres com os outros vampiros, em especial, com o grupo que nos acompanharia. Não sei o que vai acontecer, muito menos sei sobre o nosso destino e, por esta razão, eu gostaria de ter, ao menos, um momento de tranquilidade, criar uma última recordação boa.
  Wendy passou por tanta coisa nesses últimos anos, mas ela sempre permaneceu forte por todos. Por esse motivo, ela merece celebrar, mesmo que de maneira simples, um dia tão especial como o seu aniversário.
  Respiro fundo e puxo o amarrador que estava em meu pulso, prendendo meu cabelo. Em seguida, lembrando das indicações de Skull, começo a procurar pelos armários, prateleiras e dispensa tudo que iria usar, organizando os ingredientes na grande bancada de mármore escuro.
  Não encontro um avental, por isso, tento não me sujar quando começo a despejar alguns ingredientes em uma tigela de vidro, torcendo para que o modesto bolo de chocolate desse certo. Esse era o sabor favorito da minha irmã, doce e apreciável como ela.
  Enquanto ando para lá e para cá em frente à bancada, não posso controlar os meus pensamentos, que sempre acabam encontrando o dia de amanhã. Tanto já se passou pela minha cabeça e vários finais, a cada hora um diferente, me assombravam; tudo que eu posso fazer é torcer para que isso dê certo no final.
  Padre Albert ainda não me deu uma resposta, porém, em contraponto, minha mãe não parou de me ligar. Após ser trazida para o castelo, ela ligou incessantemente no meu celular mesmo que eu a evitasse, mas ela não desistiu, ligou para Wendy, depois para Sally e então para Lilu. Ela já havia conversado com a minha irmã, eu sabia que ela precisava falar comigo, mas eu estava com medo de encará-la e também sabia que se não fizesse isso, eu teria Elizabeth Van Helsing aqui na Transilvânia. E eu não podia colocar mais ninguém importante para mim em perigo.
  Nossa conversa aconteceu depois da reunião com os vampiros, o momento em que me senti fazendo verdadeiramente parte disso. Não sei quanto tempo ficamos ao celular, mas, com certeza, mais de uma hora se foi enquanto eu escutava suas palavras maternas de amor. Definitivamente não existia ninguém nesse mundo que me acalmasse como a minha mãe. Eu me tornava uma garotinha pequena quando falava com ela, mas ela sempre me recolhia em seus braços e palavras reconfortantes. Eu sabia que ela estava preocupada, mais preocupada do que jamais esteve em toda sua vida, mas ela não podia me impedir, porque sabia que eu precisava fazer isso para terminar de uma vez por todas o que comecei em Upiór.
  Se não fosse por nossa mãe, eu realmente penso que Wendy e eu não teríamos suportado esse mundo. E isso aperta o meu coração, pois tudo poderia ter sido diferente para os irmãos se Amélia também estivesse viva.
  Com um baixo suspiro, despejo a massa marrom na forma que eu havia untado e, em seguida, a levo para o forno que já emanava um ar quente. Assim que fecho a porta do fogão com detalhes pretos, encaro a forma através do vidro escuro, permanecendo dessa forma por algum tempo, me sentindo completamente ansiosa e perdida.

***

  – Skull? Está fazendo bolo? – Viro minha cabeça para o lado, vendo Jimin entrar na cozinha. Ele me encara surpreso quando me vê.
  – Na verdade, acho que sou eu. – Sorrio minimamente para ele.
  – Eu senti o cheiro quando cheguei. É alguma ocasião especial? – Ele se aproxima, colocando-se ao meu lado, enquanto ficávamos escorados contra a bancada de frente para o fogão.
  – É aniversário da Wendy.
  – Aniversário são dias especiais. Nós sempre tentamos comemorá-los por aqui, mas nem todos os meus irmãos se importam com isso. – Jimin confessa, enquanto sorri.
  – Acho que a Wendy merece isso depois de tudo que passou.
  – Sim, você está certa. – Jimin suspira e ficamos em silêncio por alguns segundos, enquanto o cheiro suave do bolo no forno preenchia toda a cozinha.
  – Você tem pensando sobre o dia de amanhã? – Pergunto, com a voz um pouco baixa.
  Jimin encara os azulejos do chão, e sorri de forma desanimada.
  – O tempo todo.
  Sei que esse é um momento angustiante para todos nós, mas, definitivamente para esses irmãos, havia muito mais envolvido. Não posso nem imaginar o que é lutar contra o próprio pai, sabendo que ele tem motivos tão perversos. Ter que ir contra aquele que ajudou a lhe dar a vida, para salvar alguém tão importante como o seu pequeno irmão. Descobrir verdades tão dolorosas que são capazes de mudar alguém completamente. E encarar algo que percorrer em suas veias, como o próprio sangue da sua família.
  – Eu sou um vampiro, estive nesse mundo por muito tempo. Eu já passei por vários infernos diferentes, então acho que posso fazer isso mais uma vez, porque nada nesse mundo vai ser tão doloroso quanto descobrir que a minha mãe morreu. – Ele sorri de forma triste. E dessa vez, juro que posso ver seus olhos brilharem. – Mas pra você isso é novo – Os cantos dos seus olhos me espiam. – Você não é mais uma. Agora está carregando algo dentro de você e precisa conviver com todas as decisões que tomará daqui pra frente. – Jimin fecha os olhos por um momento, e suas mãos vão para a borda da bancada. – Eu estou tão preocupado por você e Taehyung, como estou preocupado pelo resto. Quero mais que tudo recuperar o Hyun, mas você e meu irmão têm tanto a perder agora.
  O meu coração dói e me sinto mais sentimental do que de costume. Levo uma das minhas mãos até a de Jimin, repousando os meus dedos sobre os seus, enquanto os aperto de leve, de forma terna.
  – Eu não acho que posso viver em um mundo onde Jimin III Dracul não exista. Porque eu sei que não conseguiria viver sabendo que nunca mais veria o sorriso adorável que você tem, aquele mesmo que deixa seus olhos pequenininhos. – Ele me encara um pouco surpreso. – Não importa o que aconteça a partir de amanhã, nós precisamos sobreviver. Isso é uma promessa. – Falo, carregada de verdade e sentimento em minhas palavras.
  A mão de Jimin fica um pouco mais quente debaixo da minha, e ele sorri, agora não tristemente, mas também não tão alegremente para fazer os seus olhos quase se fecharem.
  – Isso é uma promessa. – Jimin me puxa para mais perto. E em frente ao forno, sentindo aquele ar quente, nós permanecemos abraçados de lado, enquanto pensávamos no dia de amanhã.

***

  Cuidadosamente, coloco a bandeja de prata sobre a mesa da sala de jantar, vendo a calda quente escorrer pelas laterais do bolo de chocolate. A bandeja estava ao lado de alguns pequenos pratos e talheres.
  – Acho que isso vai tornar o bolo mais especial. – Jimin entra na sala de jantar, acompanhado de Hoseok, Jungkook, Namjoon e Yoongi. Ele segurava uma pequena caixinha branca e um acendedor. – Fui atrás de Skull e ele encontrou essas. – Jimin me estende a caixinha branca com velas dentro e o acendedor.
  – Vocês voltaram. – Comento, encarando os quatro recém chegados. – Deu tudo certo? – Pergunto, sabendo que eles haviam saído hoje cedo para se encontrar com alguns vampiros, enquanto Taehyung e Jin permaneceram no castelo para resolverem outras coisas.
  – Sim, tudo pronto pra amanhã. – Hoseok apoia as mãos na mesa e se inclina sobre o bolo, me vendo espetar algumas velas na massa lisa. – Alguém está fazendo aniversário? – Ele me encara curioso.
  – A minha irmã.
  Yoongi resmunga alguma coisa que não entendo, enquanto puxa uma das cadeiras da mesa e se senta, apoiando o rosto na mão.
  – É bom que tenha um momento leve hoje, todos estão tensos demais. – Namjoon diz entre um suspiro, se sentando ao lado de Yoongi.
  – Posso chamar ela? – Jimin pergunta.
  – Ela está com a Blarie e as outras garotas. – Digo, e Jimin assente, antes de sair da sala de jantar.
  Hoseok acaba se juntando aos outros irmãos sentados, e Jungkook é o único a permanecer de pé, perto da parede. Me aproximo dele.
  – Está tudo bem? – Pergunto para ele quando seus irmãos iniciam uma conversa.
  Ele não diz nada, apenas assente.
  – Espero que um pedaço de bolo de chocolate possa te animar um pouco. – Encolho os ombros, e ele sorri nasalado, fracamente.
  Hoje definitivamente não era um dia fácil. Mesmo após os demais vampiros pararem de vigiar o castelo, depois que decidi ir atrás da igreja com o Taehyung, o ar ainda era pesado aqui dentro.
  – O que vocês estão fazendo? – Jin entra na cozinha de supetão, me pegando de surpresa.
  – Aniversário da Wendy. – Yoongi responde, mais interessado em sua conversa.
  – E o Taehyung? – Pergunto.
  – Já terminamos a algum tempo. Ele saiu, deve estar no quarto dele. – Jin se aproxima.
  Não digo nada, mas controlo a vontade de suspirar.
  – Acho que voltamos para o Taehyung morcego que passa o dia todo trancado na sua caverna. – Jungkook diz do meu lado, mas não em tom de brincadeira.
  Desde que acordei, percebi como Taehyung se tornou fechado. Ele era como o mesmo de Upiór, e eu não sei se isso era bom.
  Alguns minutos depois, Jimin retorna para a sala de jantar, agora com as garotas.
  Os olhos de Wendy se tornam um pouco maiores quando ela vê o bolo e, surpresa, ela me encara.
  – Sei que ninguém aqui está em clima de festa. Mas eu só não queria deixar o seu aniversário passar em branco. Não posso dizer que ficaremos todos bem amanhã, mas, pelo menos, podemos ter esse pequeno momento agora. – Digo, me sentindo um pouco tímida, enquanto acendo as quatro velas que espetei no bolo.
  – Isso foi tocante. – Yoongi diz, mas quando o encaro, ele sorri de forma amigável e genuína.
  Com os olhos brilhando, Wendy se aproxima de mim, encarando o bolo como se ele fosse a coisa mais preciosa que ela já havia visto em toda sua vida.
  – Muito obrigada. – Ela funga e sorri.
  – Vamos. Assopre as velas e faça um desejo. – Blarie diz do outro lado da enorme mesa. Wendy encara Blarie e as garotas, que sorriem.
  Minha irmã fecha os olhos e assopra as velas de uma só vez.
  – Pedi que todos pudéssemos ter mais momentos como esse.
  – Se você contar o desejo não realiza. – Jungkook levanta as sobrancelhas, enquanto nos fita.
  – Eu tenho certeza que esse vai se realizar. – Sally diz, sorrindo de maneira amorável.
  Entrego uma pequena faca para Wendy e deixo que ela corte seu bolo, enquanto todos que ainda estavam de pé, começam a ocupar alguns lugares ao redor da mesa, fazendo a sala de jantar ser preenchida pelo som de suas vozes, que tornava o ambiente um pouco mais confortável.
  – Você vai adorar, a Eleninha cozinha muito bem. É ela quem faz a comida na nossa casa em Hammond. – Escuto quando Lilu comenta com Jin, que estava sentado do seu lado.
  Ele a encara e assente.
  – Eu sei. Uma vez comi um pedaço de uma torta de maçã que ela fez.
  Lilu sorri para Jin que, por um segundo, parece ficar um pouco envergonhado, mas não tenho certeza.
  – Você deveria sorrir mais, tenho certeza que ficaria ainda mais bonito. – Lilu comenta de forma calma, com um tom de voz tão suave que nunca escutei antes.
  Encaro Sally, que estava do lado de Blarie, e ela dá de ombros como se aquilo não fosse nada.
  – Você não está flertando com ele, está? – Namjoon escora seu braço na mesa e aponta para os dois.
  – Sim. Ela está. – Jungkook responde. – Mas se quiser alguma coisa com Jin, vai ter que ser mais incisiva que isso. Ele é do tipo difícil. – Parecendo um pouco mais relaxado agora, Jungkook completa sua fala.
  Agora, definitivamente Jin ficou envergonhado, e isso parecia agradar ainda mais Lilu.
  – Então dê esse pedaço de bolo para ele como forma do seu amor. – Wendy empurra um pequeno pratinho em direção a Lilu que, sem pestanejar e com um grande sorriso, entrega ele para Jin.
  – Acho que eu deveria ficar com ciúmes agora. – Hoseok comenta e Jimin ri baixo.
  Lilu o encara em silêncio por um tempo, e depois se vira para Wendy, pedindo mais um pedaço de bolo. E, após entregá-lo para Lilu, ela dá para Hoseok.
  – Isso é um gesto de paz? – Yoongi pergunta, observando tudo como se assiste a um seriado de TV muito interessante.
  – Talvez. – Lilu diz, com o olhar estreito. Em seguida, ela sorri, fazendo Hoseok sorrir também, de canto e de forma pequena.
  – Perdi alguma coisa? – Pergunto, me sentindo completamente de fora dessa cena confusa.
  – Muita coisa aconteceu enquanto você esteve fora e desacordada. – Blarie responde, antes de comer um pedaço do bolo que Wendy havia entregado para ela e para Sally.
  Mais uma vez olho para todos, absorvendo o clima mais leve e natural entre eles. Os olhares e sorrisos de Lilu para Jin que, aos poucos, se mostrava mais confortável e interessado. As conversas entre as garotas e os irmãos. E até mesmo as risadas contidas trocadas entre Lilu e Hoseok. Definitivamente o Taehyung não foi o único que mudou desde que acordei.
  E pensando nele...
  – Vou chamar o Taehyung – Aviso após Wendy servir todos e se sentar para comer também.
  – Boa sorte. – Jimin sorri para mim, deixando seus olhos pequenos, antes que eu saia da sala de jantar.
  Enquanto sinto o cheiro agradável do bolo por alguns lugares do castelo, subo até o oitavo andar. E mesmo que já fosse noite, o corredor sem janelas parecia mais escuro que o normal, com um ar carregado que quase se podia ver em tons de preto e vermelho.
  Silenciosa, vou até à porta entreaberta do quarto de Taehyung, que era ao lado do meu. O procuro ali no ambiente ainda mais escuro que o corredor, mas não o acho. Penso em ir até o seu escritório, mas logo lembro de outro lugar especial, do qual ele adorava passar algum tempo.
  Posteriormente ao incidente na sala de música, não voltei lá outra vez, talvez porque o ambiente pudesse me trazer recordações daquela noite em que Taehyung chorou nos meus braços. Mas, principalmente, porque eu sabia que não o encontraria tocando novamente, pois o belo piano de cauda, em homenagem à sua mãe, havia sido partido em vários pedaços, assim como o seu coração de vampiro.
  Paro em frente às grandes portas da sala de música e observo com atenção os poucos instrumentos que ainda haviam aqui, os únicos que restaram intactos. O grande cômodo estava limpo e organizado, mas estava tão vazio e solitário que isso o deixava ainda maior.
  Bem ao fundo, além das portas duplas de vidro, apoiado nos batentes da sacada, Taehyung observava as estrelas no céu escuro, e lembro-me de descobrir em Upiór que ele gostava de fazer isso. Por um momento, quase sorrio ao me recordar das vezes que o espiei pela janela da mansão, enquanto ele se perdia nos pontos brilhantes e eu me perguntava o que aquele vampiro fazia parado no meio do jardim, encarando o céu.
  Alguém com uma vida tão turbulenta e sanguinária, tinha hábitos e gostos tão delicados e suaves quanto colher flores, tocar piano e admirar as estrelas.
  Mesmo que eu soubesse que ele me percebeu no segundo em que pisei na entrada do corredor de fora, me aproximo cautelosamente dele, atravessando as portas da sacada.
  – Oi. – Apoio os meus braços nos batentes também, do seu lado.
  Ele vira minimamente sua cabeça e me encara. Seus olhos escuros pareciam tão vazios agora, nada brilhantes como as estrelas que ele observava.
  – Oi. – Sua voz não era baixa, mas também não era alta, e soava tão vazia quanto o seu olhar.
  – Posso perguntar o que você está pensando?
  Ele pisca lentamente os olhos algumas vezes.
  – Nada que valha a pena saber. – Ele diz e eu assinto.
  – Hoje é aniversário da Wendy, fiz um pequeno bolo pra ela. Todos estão lá embaixo. Você deveria se juntar a nós. – Encolho os ombros.
  Ele continua me encarando com aquele olhar vazio e não diz nada.
  Suspiro alto.
  – Eu sei que isso não é fácil pra você, mas, por favor, pelo menos por algumas horas, vamos esquecer o dia de amanhã. – Falo de forma completamente sentimental.
  Ele assente depois de alguns segundos e se desencosta do batente, estendendo sua mão para mim. E assim, em silêncio, nós saímos da sala de música a tempo de escutarmos um baixo ressoar acompanhado de um vibrar.
  Encaro Taehyung de forma confusa, mas logo reconheço o barulho.
  – Acho que é o meu celular. Me espere aqui, não vou demorar. – Peço para ele, que assente de novo e se encosta na parede perto, cruzando os braços.
  Ando rapidamente até o meu quarto e passo os olhos pelo ambiente, vendo uma pequena luz se acender em cima da cama, enquanto o celular vibrava sobre o lençol. Antes mesmo que chegar até a cama, o celular para de tocar, e quando o pego, percebo que haviam algumas mensagens e chamadas perdidas, e todas elas eram do Padre Albert.

Capítulo 30

  Somos as almas da condenação em nossas próprias realidades, espiando um futuro não previsto e sorrateiro. Não vítimas inocentes, sem avisos e sem sinais, mas sim almas ingratas e condenadas por toda a eternidade. O dia do julgamento havia chegado, e antes de ver a luz, alguém deve morrer.
  Respiro fundo, apertando o batente da sacada com força, enquanto encaro uma Transilvânia coberta pelo céu da madrugada. A maioria das pessoas provavelmente dormiam o sono dos justos, e quando acordassem, espreitariam o belo dia e cuidariam de seus afazeres. E, neste momento, eu nunca desejei tanto poder fazer isso, ao invés de estar aqui me sentindo completamente nervosa e ansiosa, sem saber se teria a chance de vislumbrar um novo dia.
  Respiro fundo e alto, puxando para dentro o vento gelado da madrugada.
  Minhas mãos escorregam até minha barriga, enquanto, com pesar, as sinto tremerem.
  – Bebê, você acha que viveremos? – Pergunto para o que eu sabia que crescia dentro de mim a cada dia mais.
  – Eu cuidarei para que sim. – Assustada, me viro com rapidez quando um arrepio percorre toda minha espinha. Taehyung estava encostado no batente da porta da sacada, com os braços cruzados.
  O meu quarto atrás do seu corpo alto, estava completamente escuro, e parecia tão silencioso como alguém que se entristece ao ser abandonado.
  Não o respondo, apenas desvio o olhar, me sentindo totalmente angustiada.
  Mesmo olhá-lo diretamente, consigo perceber quando ele se desencosta do batente e caminha até onde estou, depois de suspirar.
  Taehyung para na minha frente e segura as minhas mãos de forma suave.
  – Por que você ainda insiste em mim? – Minha pergunta o pega de surpresa, e minha voz era tão amarga com o fel.
  Eu mentiria se dissesse que dormi essa noite. Longe disso. Depois que celebrarmos o aniversário de Wendy, mesmo após alguns pedidos das garotas e do próprio Taehyung para que eu dormisse com algum deles, eu preferi me recolher sozinha no meu quarto, pois assim eu poderia mergulhar fundo nesse grande buraco de medo que me puxava fortemente para baixo.
  Não quero morrer, eu definitivamente não quero. Mas é inevitável não pensar que isso pode acontecer, do mesmo jeito que pode acontecer com qualquer um dos outros. Eu nunca me senti assim antes, era como se eu pudesse estar tão perto da morte que ela caminha comigo, apenas esperando o momento certo para me recolher; e eu não sei o que seria pior, abraçá-la de uma vez por todas, ou viver uma vida sem aqueles que são importantes para mim.
  – Por que está dizendo isso? – Taehyung pergunta, me olhando de força tão intensa que não me deixava desviar.
  – Eu nunca conseguiria viver sem algum de vocês, Taehyung. E mesmo que todos escapem da morte, isso não pode dar certo. Eu sou uma humana e um dia morrerei muito antes de você. – Minha voz despeja toda a minha aflição à medida que enchia os meus olhos de lágrimas amedrontadas.
  Ele solta uma das minhas mãos, a levando até o meu rosto, espalmando a lateral dele, enquanto o seu polegar desliza por minha pele quente.
  – No dia em que você se for, eu vou junto. – Ele diz de forma calma e intensa, mas isso não impede o meu coração de tremer.
  – Não diga uma besteira dessas, Taehyung. Você não pode fazer isso. Nunca. – Falo, de forma aflita.
  Ele sorri fechado, de forma mínima, enquanto o vento da madruga nos rodeia e o silêncio de fora nos embala.
  – Os Van Helsings vivem mais que os humanos comuns. Vocês também reencarnam – Ele inclina sutilmente sua cabeça para o lado, não desviando o seu olhar do meu, como se me apreciasse. – Essa não será a última vida que viveremos juntos, Elena.
  Suas palavras me fazem chegar ao limite, então, engulo o bolo ardente em minha garganta e fecho os olhos, enquanto algumas lágrimas quentes rolam por meu rosto. Sinto os seus lábios frios tocarem a minha testa como se ele estivesse prestes a partir para sempre.
  – Seja forte agora, por você e pela nossa criança. – Ele sussurra com os lábios tocando minha pele, e todo o meu corpo é engolido por um grande pesar de alguém que estava de luto.

***

  – Acho que está na hora. – Jin fala, olhando por cada um de nós. Ele já não conseguia esconder a preocupação, era algo evidente em sua feição que, na maior parte do tempo, era impecável.
  Assinto e, silenciosamente, respiro fundo, enquanto permaneço parada ao lado da minha equipe, e de frente para os irmãos e Blarie. Todos nós estávamos no final do hall de entrada, perto da porta.
  Os outros vampiros foram na frente, pois não havia necessidade que pegassem um avião conosco até Upiór. Por este motivo, certamente eles chegariam antes e, como combinado, usando a transmutação de morcego, eles sobrevoariam o pequeno vilarejo para descobrir se os lobos realmente estavam ali. Nós quatro chegaríamos provavelmente um dia depois deles e, assim, todos nos reuniríamos em uma pequena base abandonada nas redondezas, e ali prepararíamos o nosso próximo passo.
  – Eu nunca fui boa em ter amigas, por isso vocês precisam ficar bem até que cheguemos em Upiór. – Blarie diz com a ponta do nariz vermelha, como alguém que segura o choro. Com os olhos bem marcados pela maquiagem que ela sempre usava, a vampira pisca repetidas vezes querendo afastar o que os faziam brilharem. – E você, Venator – Ela sorri e me encara, tendo a voz completamente embargada. – Precisa sobreviver mais do que qualquer um aqui.
  Minha boca e queixo tremem quando sorrio para ela. Eu assinto.
  – Por favor, qualquer nos avise imediatamente. – Jimin diz com um tom de voz completamente preocupado.
  – Nós vamos ligar. – Sally diz de forma firme, tentando diminuir a preocupação dele.
  – Vocês realmente estão botando pouca fé em nós. – Wendy fala, atraindo nossos olhares para ela. – Somos humanas, mas ainda assim fomos Filhas da Sombra, as escolhidas da igreja para lidarmos justamente com situações como essa. – O seu olhar era completamente seguro, como se ela realmente soubesse que o fosse acontecer. – Nós vamos sobreviver.
  – É isso aí. – Sally diz, sorrindo de força esperta. – Se nos dão licença, agora nós precisamos colocar fogo em Upiór. – Suas palavras fazem Blarie e Wendy rirem, amenizando um pouco os olhares dos irmãos.
  Sally ajeita a mochila em suas costas e abre a porta, revelando a madrugada que seria nossa cúmplice.
  Olho uma última vez para todos os irmãos, em especial para Taehyung que, discretamente, assente para mim, e eu sabia que era como se ele dissesse “vai ficar tudo bem”. Sorrio sutilmente para ele, acreditando em tudo que havíamos conversado antes.
  Wendy sai do castelo logo após Sally, mas Lilu para na minha frente, me impedindo. E, antes que eu pergunte se ela esqueceu algo ou coisa do tipo, Lilu se vira e se afasta da porta, indo em direção aos irmãos. Wendy se esgueira na porta, quase caindo e os meus olhos se arregalam em puro espanto quando Lilu para em frente a Jin, segurando sua nuca e o puxando para um rápido beijo.
  – Só para o caso de alguma coisa acontecer. – Ela sorri para ele, que fica completamente sem jeito.
  Rapidamente olho para Hoseok, mas ele não parece chateado, muito pelo contrário, ele sorriu de forma verdadeira.
  – Por essa eu não esperava. – Sally comenta do lado de fora.
  – Agora sim. Vamos, Eleninha. – Lilu se aproxima e segura minha mão, me puxando para fora do castelo enquanto permaneço completamente atordoada com o que vi.
  E entre alguns comentários provocativos vindos de Wendy e Sally, nós quatro descemos as escadas do castelo. Depois atravessamos todo o grande jardim da frente e caminhamos até à entrada, onde havia a escrita em pedra com os dizeres “Castelul lui Dracula”. Do outro lado, ao pé na grande colina onde ficava o castelo, um carro já no esperava pronto para nos levar até a base do Padre, o lugar, cujo, iriamos nos reunir com alguns membros da igreja antes de partirmos para Upiór.
  Todas as mensagens e ligações perdidas do Padre eram para avisar que o Vaticano havia aceitado a minha barganha. Pelo tempo que levaríamos para encerrar essa história com os lobos, eles não nos caçariam, e nem aos vampiros, mas no exato segundo em que tudo terminasse, eles nos puniriam como um diabo pregado na cruz.
  Eu não posso imaginar como será trabalhar com os membros da igreja, pois sei que eles não gostam de nós, em especial, de mim. Mas contanto que eles façam o que é preciso ser feito, eu realmente não me importo com os olhares ou insultos.

***

  Respiro fundo mais uma vez, enquanto afivelo o meu cinto. Todos já estavam devidamente acomodados em seus assentos no avião e, em pouco mais de dois dias de viagem, nós estaríamos de volta ao vilarejo.
  A ansiedade e o nervosismo me corriam toda vez que eu repassava o nosso plano mentalmente, mas julgo dizer que o fato de voltar a onde tudo começou também ajuda para que essa sensação ruim me consuma cada vez mais.
  – Fique calma. Vai dar certo. – Wendy segura a minha mão. – Não se esqueça que você está grávida. Sei que estamos indo para uma situação pior do que isso, mas tente se controlar um pouco, certo? – Minha irmã me encara de forma terna, e isso me conforta e me acalma. Ela realmente se tornou uma irmã mais velha e eu admiro muito por isso.
  – Espero que a comida seja boa. Não tive tempo de tomar café. – Lilu comenta do meu lado esquerdo, perto da janela.
  – É claro, você acordou no horário errado e se atrasou. – Sally resmunga, sentada do outro lado da Wendy.
  Procuro dentro da minha blusa, o relicário que Namjoon me deu, e o puxo para fora, segurando-o com força entre os dedos, enquanto peço para São Raimundo Nonato proteger a mim e ao meu filho.
  – Atenção, senhores passageiros. Aqui quem fala é o comandante. Gostaria de informar que tenho permissão para decolar. Voo com destino final para Upiór. Espero que tenham uma boa viagem.

Capítulo 31

  Já havia mais ou menos uma hora e meia que havíamos desembarcado em Chensa, e mais ou menos quarenta minutos que, de fato, entramos em Upiór. Tudo dentro de mim se retorcia em saltos de ansiedade que estavam quase me enlouquecendo. Quando as rodas do carro impulsionaram o veículo para passar diante uma grande plana velha que dizia “Bem-vindo a Upiór", foi inevitável não me sentir assim. Eu odiava esse tipo de emoção, penso que quase não existe nada pior do que estar ansioso por algo, mesmo que seja por algo bom. A emoção em si, é horrível e deixa nosso corpo em um estado incomodamente frenético.
  Na frente do carro que nos levava, haviam mais dois, e atrás, apenas um. Eu sabia que o sexto carro já havia chego na base, pois nós também estávamos quase lá, eu já conseguia ver. A estrutura de madeira não era muito grande, parecia tão velha que dava a impressão que desabaria. A vegetação alta ajudava a camuflar a base solitária no meio do grande terreno, não a deixando tão evidente, o que era bom.
  Logo reconheço Abel, que estava parado dentro da pequena varanda da base, encostado ao lado da porta aberta por onde o pequeno grupo de Filhos da Sombra que chegaram no sexto carro, entravam arrastando suas mochilas e baús. Alguns vampiros estavam juntos a Abel, espalhados pela varanda e em frente à base. Assim que cheguei em Chensa, liguei para Abel para avisar e, por isso, eu sabia que ele estava ali justamente nos esperando.
  O veículo balança um pouco, fazendo uma pequena curva enquanto entra no terreno áspero que fazia barulho debaixo das rodas, nos sacolejando levemente. Os três carros da frente param lentamente, e o de trás segue o mesmo caminho, parando logo após o nosso carro.
  Respiro fundo quando escuto Sally abrir a porta do lado direito, deixando o carro seguida por Lilu, que estava no meio. Na frente, Wendy sai da porta do carona, e o garoto que nos conduziu até aqui sai da porta do motorista. Encaro a base através do vidro insulfilmado uma última vez, antes de sair do carro também.
  Meus pés pisam no chão de terra e folhagem, e observo bem tudo ao nosso redor, não vendo nada além da estrada e da vegetação malcuidada. Os fiéis da igreja já saíam dos outros carros, recolhendo tudo que trouxeram nos porta-malas. Alef ajudava alguns, conduzindo todos até à entrada da base, onde os vampiros esperavam.
  – Aqui. – Wendy me entrega a minha mochila e uma grande bolsa de mão.
  Agradeço com um aceno de cabeça e ajeito tudo sobre os ombros, e quando as garotas também estão prontas, juntas caminhamos em direção à base, passando na frente dos fiéis que nos esperaram.
  Bato meu pé no primeiro degrau de madeira, deixando minha perna dobrada para apoiar a bolsa de mão sobre ela. Abel se desencosta da parede de madeira e se aproxima, ficando no topo da escada de quatro degraus.
  – E então, os lobos estão mesmo aqui em Upiór? – Pergunto, e todos ao nosso redor ficam em silêncio, prestando atenção.
  Durante a breve ligação que fiz a Abel, ele não me contou nada, por isso presumi que os lobos realmente estavam aqui, caso contrário, ele não nos faria perder tempo vindo para um lugar esquecido.
  Abel assente, antes de falar.
  – Os lobos e alguns vampiros estão se abrigando nas casas abandonadas do vilarejo. – Ele cruza os braços abaixo do peito de sua blusa verde-escura. – Mas eu não vi Henry, Amia ou qualquer um que tenha as características do híbrido que você descreveu. Porém, ao sobrevoarmos a floresta, percebemos um grande número de vampiros vigiando a antiga mansão, o que indica que provavelmente eles estão ficando lá.
  – Mas o lugar não pegou fogo? – Sally surge do meu lado e me encara confusa antes de olhar para Abel.
  – E é justamente por isso que esse é o lugar perfeito para se esconder. – Abel completa, e eu assinto em concordância.
  – Pelo menos umas três ou quatro vezes por dia, humanos são levados para a mansão, e penso que isso seja para alimentar Henry e o deixar mais forte para a transmigração.
  Sinto os fiéis da igreja ficarem tensos ao meu redor.
  – Lamentavelmente, isso não é de todo mal. – Suspiro alto e com pesar. – Pelo menos já sabemos que ele ainda não fez a transmigração. Mas teremos que ser rápidos agora, justamente por não sabermos quando Henry fará isso.
  – Certo, então vamos começar a nos preparar agora, pessoal. – Alef diz um pouco atrás de mim, com a voz alta para que todos escutem, antes de começarem a se mexerem e entrarem aos poucos para a base velha de madeira.
  – Você já avisou o Taehyung? – Pergunto para Abel, enquanto subo os degraus de madeira com as garotas.
  – Espero que você faça isso. – Ele responde e eu assinto. – Vou levar os vampiros para fazer mais uma ronda, nós avisaremos se virmos alguma coisa suspeita ou estranha.
  – Se revezem, vocês também precisam descansar, estão fazendo isso já tem um dia inteiro. – Wendy fala para Abel ao passar por nós.
  Abel assente em silêncio, antes de sair com os outros vampiros.
  Quando se vão voando pelo céu da tarde como morcegos, eu entro na base. O lugar cheirava a mofo e poeira tão fortemente que fazia o meu nariz coçar. A cabana tinha dois andares, mas, mesmo assim, ainda era pequena demais, e tenho certeza que não haviam camas para todos, na verdade, nem para metade de nós. Contudo, tenho certeza que conseguiremos nos ajeitar aqui por alguns dias, pois estávamos apenas de passagem.
  Minha equipe e eu arrastamos nossas coisas para o segundo andar após espiarmos o primeiro, do qual alguns fiéis já começavam a montar os preparativos juntos de Alef, que coordenava tudo.
  Atravessamos um pequeno corredor que rangia debaixo dos pés e acabamos entrando no único quarto que ainda estava vazio. Havia uma cama de lençol encardido, uma cadeira velha de balanço com teias de aranha, e uma cômoda rachada com uma janela suja de fundo.
  Sentindo meu corpo cansado pela viagem, me jogo sobre a cama que levanta uma acinzentada camada de poeira quando me sento no colchão fino que me deixava sentir as vigas de madeira da cama. Wendy senta do meu lado direito e Sally do esquerdo, e Lilu se senta no chão, se enfiando entre as minhas pernas, apoiando seu queixo sobre a minha coxa.
  – Acho que você deveria fazer aquilo agora. – Wendy diz e me olha de forma significativa. – Você comeu pouco no avião, e não vi você colocando aquilo na comida. Agora precisa pensar em outro também. – Sua voz era quase um sussurro, como se ela tivesse me contando um segredo, enquanto seus olhos vão até a minha barriga.
  Logo entendo o que ela quer dizer, e sei que minha irmã tem razão. Durante todo o voo e nas paradas, não quis pegar nenhum dos frascos com sangue que Taehyung me deu para que eu trouxesse nessa viagem. Mesmo tendo aceitado a minha condição e escolhido o meu lado, eu ainda temia pelos fiéis da igreja se me vissem ingerindo sangue.
  – Acho que está na bolsa. Você pode pegar pra mim? – Pergunto para Lilu, que assente e se arrasta pelo chão sujo até a bolsa deixado aos pés da cadeira de balanço. Ela a abre e vasculha por alguns segundos, até puxar um pequeno e transparente frasco cheio do líquido viscoso e vermelho.
  – Isso é tão estranho. – Lilu comenta após me entregar o frasco.
  – Eu sei. – Abro os olhos para ela, concordando.
  Puxo a pequena rolha marrom-clara, deixando que odor leve do sangue invada o ar.
  – Acho que tenho uma garrafa de água na mochila, se quiser. – Wendy oferece, mas nego com a cabeça.
  – Tudo bem. – Falo e encaro o frasco por alguns segundos, antes de levá-lo até à boca, virando todo o líquido para dentro. O sabor forte preenche cada canto da minha boca quando toca minha língua, descendo rápido e fácil por minha garganta.
  – E então... como é? – Sally pergunta, enquanto me encara de forma curiosa.
  – Tão ruim quanto parece. – Respondo em meio a uma careta de desaprovação.
  Sinto um leve enjoo em consequência ao sabor forte e metálico, então inspiro e expiro algumas vezes, esperando a sensação ir embora.
  – Não sei se posso me acostumar com isso. – Confesso, colocando de lado o frasco, sobre a cama.
  As garotas assentem.
  – Estou nervosa. – Sally nos encara após ficarmos alguns segundos em silêncio. – Estou mais nervosa do que fiquei na lua de sangue.
  – Eu também. – Wendy suspira alto.
  Escolho ficar em silêncio, pois também estava nervosa, mas não acho que seja bom intensificar tudo que estamos sentindo agora. Sei o quanto voltar a Upiór está mexendo conosco, por isso, acho que o melhor a se fazer agora é dar um tempo para que possamos digerir e nos preparar para tudo que estava por vir.
  – Eu só sei que não posso morrer agora que estou quase namorando. – Lilu fala de forma pesarosa, suspirando longamente.
  Franzo o meu cenho e troco olhares com Sally e Wendy.
  – Quase namorando com quem? – Sally pergunta de forma zombeteira.
  – Com o irmão mais velho e bonitão. – Lilu responde de forma despreocupada, inclinando sua cabeça para trás para nos encarar, encostando os fios alaranjados entre as minhas pernas e barriga.
  – Você gosta mesmo dele? Eu achei que só estava provocando, como sempre faz. – Mesmo que mantivesse o tom zombeteiro, Sally estava um pouco surpresa.
  Lilu dá de ombro.
  – Não sei, acho que sim. Ele é bonito, organizado, fala bem e sabe dar ordens como nenhum outro vampiro.
  – Pensei que odiasse ordens. – Comento, admirada e levemente espantada.
  Lilu parece pensar por alguns segundos, mas dá de ombros de novo.
  – Acho que o Hoseok está mais interessado em você. – Wendy fala, antes de dar um leve peteleco na testa de Lilu.
  Ela resmunga e faz uma careta, antes de esconder a testa com a mão.
  – Talvez eu esteja um pouco interessada nele também.
  Arregalo minimamente os olhos, achando graça de suas falas, pois eu me sentia escutando uma adolescente.
  – Você não o odeia? – Pergunto.
  – Você não pode ficar com dois vampiros, Lilu. – Sally diz, fazendo Lilu a encarar como se estivesse ultrajada.
  – Por que não? A Elena ficou com dois vampiros. E eu não odeio o Hoseok, ele apenas me irrita muito, porque não me deixou matá-lo na lua de sangue. Mas até que ele é bem bonitinho quando paro pra pensar.
  Wendy se desmancha em risadas e Sally a acompanha, enquanto o meu rosto esquenta nas bochechas.
  – Não é a mesma coisa, Lilu! – Me apresso em minhas palavras. – Eu não fiquei com os dois!
  – Mas você não beijou o Jungkook também? Não precisa negar, Eleninha. Aqueles irmãos são vampiros, mas sabemos que são lindos também. – Ela fala de forma calma como se me consolasse, mas apenas me deixa mais envergonhada.
  – Pelo jeito, no final, seremos as duas solitárias. – Sally caçoa em meio a uma risada.
  – Então acho que devemos ficar juntas. – Wendy passa o seu braço pelos ombros de Sally, a puxando para perto.
  – Acho que devemos fazer isso mesmo. – Elas riem juntas de toda a cena que Lilu criou, enquanto eu nego fracamente com a cabeça e acabo me entregando aos risos também, me sentindo mais relaxada e pronta para isso nesse momento.
  – Continuem com as besteiras de vocês. Eu vou mandar uma mensagem para o Taehyung agora. – Digo, e puxo o celular guardado no bolso traseiro das minhas calças.
  Assim que eu enviasse essa mensagem, o nosso plano oficialmente começaria; o expurgo dos lobos.

Capítulo 32

  Dentro do pequeno banheiro sujo, iluminado por uma luz fraca que pendia no teto, encaro o meu reflexo no espelho trincado e manchado. Meu rosto estava sério, mas eu ainda conseguia enxergar o medo dentro das minhas íris escuras, que tremiam um pouco. Os meus lábios pintados por um batom vermelho, como se fosse um alerta de sangue, estavam fechados em uma linha reta e fina. E, especialmente hoje, eu estava pálida como se fosse um vampiro.
  Respiro fundo e passo minhas mãos cobertas pelas luvas pretas de couro, pelo casaco igualmente preto e de botões que eu usava. Em torno do pequeno cinto de couro preto com uma ponta fina de metal, sobre o casaco e ao redor da minha cintura deixando-a bem marcada, checo as duas estacas de pratas que prendi ali, me certificando de que elas não cairiam. Presas dentro das mangas largas do casaco, escondi duas facas de caças muito bem afiadas, assim como escondi dentro das minhas botas pretas, alguns frascos de erva Anti-Parálysi, sabendo que precisaria deles quando as coisas ficassem mais complicadas lá fora. Em seguida, pego as duas espingardas carregadas com balas de prata que deixei sobre a pia velha do banheiro, e as transpasso sobre os ombros com o auxílio das tiras marrons de couro, jogando-as sobre as minhas costas, bem onde o casaco escondia a minha marca Van Helsing. Por fim, pego a grande balestra de madeira que também estava sobre a pia e me viro, pronta para sair do banheiro, enquanto sinto os coldres presos em minhas coxas, apertados, carregando as duas pistolas escondidas.
  Essa noite, o preto era a nossa cor e nosso sinal, pois ela nos camuflaria perfeitamente dentro da madrugada silenciosa e fria, enquanto nos rastejávamos perigosamente por cada casa de Upiór, como se fossemos uma das pragas do Egito, matando todos aqueles que não tivessem pintado suas portas com sangue de cordeiro.
  Quando entro no quarto que dividi com as garotas e alguns vampiros - levando em conta que os fiéis da igreja não gostavam de ficar perto deles, encontro minha equipe já pronta e me esperando. Todas de preto, fantasiadas como se fossem Dementadores sombrios prestes a roubarem almas. As mãos de Lilu estavam cobertas por socos ingleses com pontas tão afiadas de metal que, com certeza, arrancariam facilmente a pele de alguém em uma briga. Seu corpo estava quase que inteiramente vestido por coldres que carregavam todo tipo de arma e faca, essa noite ela era como um verdadeiro arsenal mortífero. Sally usava um longo casaco de touca sobre os cabelos curtos e escuros, enquanto apoiava suas mãos sobre o topo de uma alta espingarda, mais precisamente, sobre o buraco onde as balas saiam. E então tínhamos Wendy, a responsável por liderar o grupo de exorcistas da igreja. Ela me encarava de forma séria, jogando para o alto um pequeno isqueiro de prata. Ele subia, rodava no ar e voltava para sua mão com unhas pintadas de vermelho sangue, e mesmo sendo tão pequeno, eu escutava com perfeição o líquido dentro dele chacoalhando: água benta.
  – Ignis. – A curta palavra que sai em tom baixo da boca de minha irmã, é o suficiente para fazer, instantaneamente, uma chama brilhante escapar de dentro do isqueiro lançado no ar. O fogo brilha sob a luz do quarto, glorioso, e se apaga assim que o objeto volta para a mão de Wendy, como se fosse mágica.
  Com um aceno firme de cabeça, elas entendem que o momento havia chegado. Na frente, saio do quarto, e atrás, elas vão passando em todos os outros cômodos, avisando para quem ainda estava na cabana, que precisávamos nos reunir do lado de fora.
  Depois de descer para o primeiro andar, observo tudo organizado com maestria, antes de passar pela porta aberta da entrada. Do lado de fora, a grande maioria já me esperava, todos parados em frente a cabana, rodeados pela madrugada escura e fria. Espero até que o restante saia de dentro da cabana, se juntando ao pequeno grupo que me observava.
  – Antes de nos dividirmos, vamos repassar o plano uma última vez. – Falo alto o suficiente para que todos escutem. Eles permanecem em silêncio, esperando que eu continue. – Uma parte de vocês irá comigo, e nós seremos a distração. Precisamos atrair o híbrido para o vilarejo, afastando-o de Henry e atrasando sua transmigração até que Taehyung chegue e o surpreenda em um ataque surpresa. Tenho certeza que Henry não entrará na linha de frente, pois precisa poupar energias e, por isso, continuará escondido na mansão, esperando que Kihyun dê um jeito em tudo. – Sinto minha feição ficar ainda mais séria do que antes.
  "Taehyung chegará em algumas horas com o restante dos vampiros e dá igreja uma vez que confirmamos que Upiór é o lugar certo. Nós não estamos em um grande número, pois não podíamos arriscar mandar muitos para um lugar da qual não sabíamos se seria o lugar certo..." Faço uma pequena pausa e expiro alto. "Nós teremos que ser o suficiente até que a ajuda chegue. Então, não hesitem em matar quem quer que esteja do lado dos lobos."
  – A maioria de nós ficará aqui na base sendo comandados por Sally e Alef, que estarão à frente do esquadrão de ervas, curando qualquer um que se machuque gravemente. Estamos a cinco quilômetros e meio do vilarejo, então, se perceberem que não podem aguentar, por favor, voltem para a base ou peça ajuda para voltar. Não vamos nos arriscar e fazer o mesmo que aconteceu na Lua de Sangue. E é exatamente por isso que a maioria ficará aqui na base, seguros e prontos para curarem qualquer um. Mas não se esqueçam, tomem cuidado pra que não descubram essa localização. Não podemos atrair o inimigo até a base.
  – Mas, caso aconteça, nós estaremos preparados para tudo. – Sally dá um passo para frente, parando do meu lado, mostrando propositalmente a espingarda que ela segurava. E Alef, que estava junto dos outros, em frente a cabana, assente em concordância para ela.
  – Agora, todos que fazem parte do esquadrão de ervas, venham para a cabana. Os exorcistas, se juntem a Wendy. E o restante, comigo e com Lilu. – Peço e depois desço os poucos degraus da cabana, indo para o terreno de vegetação malcuidada.
  Logo a varanda da cabana se enche de fiéis da igreja, todos atrás de Sally e Alef. Wendy foi para o lado direito, onde pouco mais de seis exorcistas se juntaram a ela. E do lado esquerdo, comigo e com Wendy, estavam alguns vampiros e o restante dos fiéis, que ainda eram poucos.
  – Sei que nos preparamos, mas vi como o vilarejo está abarrotado de lobos e vampiros. Isso não vai ser nada fácil. – Abel se aproxima, me encarando com apreensão.
  Sinto vontade de suspirar, enquanto penso no que responder, pois eu sabia que Abel tinha razão. Como disse antes, somos poucos justamente porque seríamos os que precisavam verificar se a localização estava certa. Não podíamos correr o risco de virmos todos de uma vez para Upiór e o lugar não ser esse no fim das contas, isso só nos faria perder mais tempo, e tempo era algo que não tínhamos mais.
  – Não é hora para ter medo. – Wendy diz do outro lado, atraindo a atenção para ela. – Enquanto estive presa naquela cama, após o ataque dos lobos, eu fiz o que odiava fazer na escola: eu estudei. Li cada um dos livros de exorcismo que levei para a Transilvânia... bem, eu tinha tempo. – Ela dá de ombro. – E só estava esperando esse momento para mostrar a vocês, a pequena surpresa que eu preparei pra hoje. – Wendy sorri de lado, de forma completamente maliciosa e até um pouco vil, mostrando que escondia algo muito grandioso, que nem mesmo eu sabia o que era.
  Ela se afasta do seu pequeno grupo de exorcistas, puxando do seu cinto, um pequeno frasco com água benta. Wendy tira a rolha do frasco e começa a despejar o líquido transparente no chão, formando um grande círculo sobre a terra e mato. Em seguida, ela se agacha fora do círculo, perto de uma das bordas. Retira o crucifixo que estava ao redor do seu pescoço e o coloca sobre a água benta derramada, cobrindo-o com sua mão espalmada. Seus olhos se concentram no círculo, enquanto ela começa a sussurrar coisas inaudíveis.
  Subitamente, uma luz extremamente forte surge dentro do círculo de água benta, obrigando todos a cobrirem seus olhos. Meu corpo inteiro se arrepia quando uma forte rajada de vento passa por nós, balançando roupas e cabelos. De repente, tudo fica silencioso e calmo, e quando, cuidadosamente, afasto o braço do rosto, me sinto completamente atordoada com o que vejo, algo capaz de fazer as minhas pernas fraquejarem. E eu não era a única a me sentir assim, todos, sem exceção, vampiros e fiéis, estavam tão descrentes quanto eu.
  Corpos cintilantes e levemente transparentes estavam parados dentro do círculo de água benta, nos encarando com expressões fortes e intensas. Mas, o que fez verdadeiramente o meu coração acelerar, foi reconhecer a imagem da garota parada entre muitas outras. E, antes mesmo que eu pudesse dizer algo, vejo Lilu correr para longe de mim, entrando apressada no círculo de água benta, praticamente se jogando em cima da figura translúcida que, para um espanto maior ainda, corresponde ao abraço exasperado de Lilu, enquanto fecha seus olhos como se sentisse aquilo.
  Escuto os passos incertos de Sally nos degraus da cabana, e com as duas mãos tapando a boca e com os olhos arregalados, ela também se aproxima da figura cintilante.
  Totalmente desacreditada, encaro Wendy, que sorri e faz um gesto de cabeça para que eu me junte as garotas.
  Involuntariamente, solto a balestra que segurava. Os meus passos são receosos e amedrontados, e eu podia jurar que as minhas pernas tremiam a cada passo que me aproximava mais da figura cintilante.
  Lilu seca seus olhos com o braço e se afasta com Sally após um abraço, para que eu consiga parar na frente da figura.
  Ela não havia mudado nada, nem um mísero detalhe: os mesmos cabelos escuros ondulados, o mesmo rosto bonito, o mesmo sorriso angelical da pessoa mais doce que eu já conheci em toda a minha vida.
  Movida por uma grande onda sentimental, a abraço com todas as forças que tenho, sentindo o meu corpo inteiro se arrepiar quando a toco. Eu podia sentir tudo, ela era tão real agora.
  – Meg... – Sussurro sofregamente, enquanto sinto os meus olhos lacrimejarem.
  – Por favor, não chore. – Sua voz calma faz meu coração acelerar mais do que acho possível, me causando mais um arrepio.
  Me afasto dela, tentando controlar a vontade de chorar, mas estava quase impossível.
  – Nos desculpe por não tê-la salvado naquele dia. – Procuro suas mãos com exaspero e as minhas tremem um pouco.
  Ela sorri de novo, e era como se seu sorriso pudesse iluminar a madrugada.
  – O que aconteceu na Lua de Sangue era o que deveria acontecer. E eu não carrego mágoa alguma, pelo contrário, estou feliz por ver que o meu sacrifício manteve as minhas garotas vivas. – Ela aperta ternamente as minhas mãos, e não posso mais controlar as lágrimas que tento esconder.
  – Como você fez isso? – Viro a cabeça em direção a Wendy, enquanto fungo e seco as minhas lágrimas.
  Wendy cruza os braços antes de responder.
  – Esse é um tipo mais avançado de invocação de espíritos. Ao contrário do tradicional, onde não enxergamos os Filhos da Sombra e eles nos ajudam apenas a imobilizar alguém durante um exorcismo, esse aqui os invoca por completo, permitindo-os lutarem ao lado daquele que os invoca. – Me sinto ainda mais espantada com sua explicação.
  – Isso quer dizer que vocês podem ficar aqui de novo? – Lilu pergunta, com os olhos bem abertos, cheios de esperança.
  – Não. – Meg nega com a cabeça. – Geralmente, somos invocados para batalhas e nossa única função é lutar o quanto aguentarmos, mas, quando morremos nessas batalhas, voltamos para o plano astral outra vez.
  Os ombros de Lilu caem, e sua expressão se torna triste, assim como a de Sally e a minha.
  – Apenas um exorcista muito habilidoso consegue fazer um exorcismo tão poderoso como esse. – Alef desce os poucos degraus da cabana, indo em direção a Wendy com um olhar completamente admirado e espantado.
  – Eu não sabia se conseguiria fazer isso, mas precisava tentar. Aquele ataque dos lobos não foi de todo mal, ele me encheu com a raiva e vontade de matá-los que ainda me faltava. – Meu corpo se arrepia pela terceira vez, me fazendo enxergar Wendy de um jeito completamente diferente. Eu sempre soube que ela era promissora e muito dedicada desde que entrou para minha equipe, mas a vendo agora, percebo que ela definitivamente é a que mais cresceu dentre nós quatro.
  – Detesto ser aquele que vai atrapalhar um momento tão tocante como esse, mas nós precisamos ir, logo a madrugada vai começar a virar manhã. – Abel alerta, do outro lado.
  – Ele está certo, nós precisamos ir agora. – Concordo.
  – Devemos explicar para eles antes? – Sally pergunta, me encarando.
  – Não precisa. Mesmo no plano astral, nós sabemos o que acontece aqui. – Um dos Filhos da Sombra invocados por Wendy, responde.
  – Certo, então isso é bom. Todos já sabem que os lobos querem ferrar com tudo. Vamos agora? – Abel se vira de lado e aponta para a estrada deserta e escura.
  – Estamos indo agora... – Olho especificamente para os fiéis na varada da cabana. – Por favor, tomem cuidado. – Agora, olho para Sally.
  – Vai ficar tudo bem. – Ela diz, mas tem um olhar apreensivo. Eu sabia que ela também estava com medo.
  Rapidamente dou-lhe um abraço e as garotas fazem o mesmo, em uma despedida fria e cheias de incertezas.

Capítulo 33

  Respiro fundo, vendo uma pequena quantidade de fumaça entrar na minha boca quando o ar quente do meu corpo encontra o ar frio da madrugada. Os meus olhos estavam atentos quando os meus pés deram os primeiros passos para dentro do vilarejo, fazendo o meu corpo inteiro imergir em uma onda nostalgia ruim encoberta por um esteiro arrepio.
  Tudo estava extremamente escuro debaixo da grande lua redonda no céu encoberto por alguns pontos brilhantes, mas minha visão de Van Helsing me ajudava a ver com clareza cada uma das casas, ruas de ladrilhos e detalhes de um lugar que um dia parecia aconchegante, e que hoje eram apenas destroços de casas deterioradas. Upiór era como uma cidade fantasma agora.
  Escolhemos atacar de madrugada, pois Abel nos informou - após observar por alguns dias, que os lobos estavam levando uma rotina “normal” aqui em Upiór. Por isso, nós nos espreitaríamos durante a madrugada, invadindo as casas e matando todos aqueles que encontrássemos, até que o nosso grande alvo viesse ao nosso encontro, de acordo com o plano.
  Uma lufada forte de vento passo na minha frente, como se cortasse minha pele com o seu ar gelado, enquanto assoviava alto, anunciando que a morte estava próxima. E nessa noite nós seríamos a própria morte, o julgamento divino, aqueles que expurgariam os detentores do pecado, mandando-os diretamente para o seu abismo particular de dor e sofrimento eterno.
  – Vamos nos dividir. Uma parte vai para este lado e a outra, para o outro. – Sussurro contra o vento gelado, enquanto olhava atenta para todas as direções. – Deste modo, conseguiremos criar uma grande confusão e eles não terão apenas um único lugar para atacar.
  Espio sobre os ombros para ver os que estavam atrás de mim.
  E assim, nós acabamos nos separando em direita e esquerda. Lilu e Abel vieram comigo para a esquerda, junto de alguns vampiros e fiéis. Meg e o restante foram com Wendy para a direita, se despedindo com um olhar carregado e um aceno de cabeça confiante vindo de minha irmã, antes que ela sumisse dentro da madrugada de Upiór.
  Os meus pés batiam silenciosamente nos ladrilhos enquanto entrávamos em uma ruazinha cheia de casa, afastada do comércio do vilarejo, que era indicado para o lado que Wendy havia ido.
  Quase que em uma fileira perfeita, paramos sobre uma calçada, diante de algumas casas com as luzes apagadas e janelas quebradas. O gramado crescia incrivelmente alto por todos os lados, a sujeira pintava as paredes das casas e o lodo escorria dos telhados rachados.
  Com um breve olhar vindo da minha parte, todos começam a se dispersar escolhendo as casas que seriam invadidas agora, uma do lado da outra. Eu conseguia sentir quão tensos todos estávamos, pois sabíamos que no momento em que invadíssemos essas casas, não teria mais volta. Isso seria um grande alerta de que Upiór estava sob ataque, despertando todas as outras criaturas que estavam adormecidas. Tentaríamos que ser silenciosos, matando como um veneno letal, mas não há garantias de que isso se estenderá por muito tempo.
  Fecho os olhos por um segundo e respiro fundo, puxando tanto ar para dentro de mim que parecia que não comportava dentro dos meus pulmões. O ar gelado esfria meu corpo por dentro, enquanto tento me concentrar em sentir o pequeno relicário que estava escondido debaixo do meu casado, torcendo com todas as forças para que hoje ele protegesse a mim e ao meu bebê.
  Pronta e completamente tensa, dou os primeiros passos em direção à casa de parede azul gasto, sendo seguida por Lilu e Abel. E os outros, em frente às outras casas, fazem o mesmo. Lilu toma a dianteira e ajoelha apenas um joelho em frente à fechadura, se concentrando em destrancar a porta com a ponta fina e afiada do seu soco-inglês.
  Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito segundos... click! A porta foi aberta.
  Lilu nos encara sobre os ombros, antes de se levantar e segurar com firmeza os dois revólveres que deixou sobre o chão para poder abrir a porta.
  – Sub tuum praesídium confúgimus, Sancta Dei Génetrix. Nostras deprecatiónes ne despícias in necessitátibus, sed a perículis cunctis libera nos semper, Virgo gloriósa et benedícta. – Em sussurros nervosos, começo a proferir a reza enquanto atravesso a porta que range baixo.
  – Amen. – Lilu finaliza minha reza com um tom de voz baixo e grave, completamente envolto em sangue quente. Os seus olhos castanhos escureceram mais, deixando bem explícito a sua necessidade de matar, como se estivesse possuída por todas as armas penduradas em seu corpo. Na maior parte do tempo, Lilu sempre tinha uma expressão jovial e divertida, sorrindo e fazendo piadas junto de Wendy, mas, em momentos como esse, ela se transformava e se tornava uma das mais perigosas entre todos os caçadores.
  Um sorriso diabólico e de lado borda seus lábios finos e bem desenhados, antes que suas pernas se flexionem em movimentos cautelosos e silenciosos como uma noite traiçoeira. Ela posiciona as armas próximas ao seu rosto, enquanto seus olhos atentos correm por cada centímetro da casa escura e sem barulho, ansiando por achar sua primeira vítima que lamentaria mil anos por ter encontrado Lilu hoje.
  A apenas um passo atrás de nós, Abel cobria a retaguarda, carregando nada além de suas habilidades vampíricas e seus olhos avermelhados que brilhavam como estrelas de dor e morte.
  Movimento os meus dedos sobre a balestra de madeira que posicionei em frente a linha do meu nariz, na mira de qualquer um que surgisse.
  Nos afastamos da porta entreaberta, andando até à sala destruída e até à cozinha amontoada de louças sujas, mas não encontramos nada. Porém, ao passar em frente a escada que levava para o segundo andar, sinto o meu corpo se arrepiar quando o ar parece mais pesado e frio, me indicando que havia alguma coisa lá em cima esperando por nós.
  – Lá em cima. – Sussurro de forma arrastada, sentindo meu rosto ficar sério.
  Lilu e Abel se juntam a mim e, assim, começamos a subir a escada, que range baixo debaixo dos nossos pés. No segundo andar, a luz da lua que atravessava a janela no final do corredor, sombreava sutilmente tudo.
  Haviam apenas quatro portas e todas estavam abertas. O meu estômago se revira em nervosismo, mas isso não me impede de começar a caminhar pelo chão de madeira, me aproximando do primeiro cômodo. Diligente como uma cobra, viro o meu corpo de frente para a porta aberta, encontrando apenas vários entulhos empilhados.
  Espio sobre os ombros, olhando diretamente para Lilu, que balança a cabeça em um sinal negativo, enquanto estava parada em frente a outra porta. Abel repete o seu gesto e então eliminamos três cômodos, restando apenas um.
  Abro sutilmente a boca em uma pequena fresta reta, deixando o ar entrar e sair com mais precisão. Tomo a frente, sentindo o calor e a frieza de Lilu e Abel atrás de mim, perto dos meus ombros. Ao fundo, vejo uma grande nuvem cobrir a lua cheia, tornando o corredor mais escuro.
  Minhas mãos cobertas pelas luvas de couro deslizam pela balestra, e os meus pés acompanham os movimentos, deslizando para o lado até que eu estivesse de frente para o cômodo de apenas uma cama, onde um rapaz de cabelos levemente grandes, cobrindo sua testa e parte dos olhos, parecia dormir. Seu peito subia e descia em um ritmo lento e calmo, enquanto os dedos apertavam sutilmente o lençol encardido que o encobria. E o que mais me chamou atenção, foi o anel de âmbar preso em seu dedo, indicando que ele era um lobo.
  Lilu e Abel param um de cada lado meu, atentos quando levanto mais a balestra, mirando-a em direção ao peito do lobo adormecido, pronta para arrancar sua vida antes que ele pudesse se dar conta do que aconteceu.
  Meu dedo indicador vai até o gatilho da balestra, mas, antes que eu tenha a oportunidade de ceifar a vida deste lobo, um grito alto e agudo rasga a madrugada, quebrando o silêncio e ecoando por todos os lados. Ele vinha de fora, de outra casa, e parecia um grito sofrido de dor.
  Os olhos cor de âmbar se abrem em um piscar, e eles pareciam mais amarelados do que costumamos ver em outros dias. Em questão de segundos, o lobo deitado abre sua boca, deixando suas presas a amostra enquanto seu corpo se transforma mais rápido do que posso acompanhar. O seu tamanho parece duplicar, ao mesmo tempo que pelos nascem por cada centímetro de sua pele, o deixando com uma aparência completamente selvagem. Unhas grandes e afiadas rasgam suas mãos e pés descalços, acompanhando o rugido que escapa de sua garganta com mandíbula igual a de um verdadeiro lobo humanoide, mostrando filetes espessos de saliva pendurados em seus dentes afiados como facas. Eu nunca vi um lobo nesse tipo de transformação antes, era completamente intimidante.
  Por um instante, recuo, dando dois passos para trás, enquanto os meus olhos se arregalam em puro espanto, e minhas mãos vacilam na balestra.
  Em um salto rápido, o lobo se põe de cócoras sobre a cama, apoiando as mãos no colchão enquanto suas unhas o rasgam com agressividade. As linhas ao redor dos olhos se estreitam e seu focinho se enruga, deixando mais a amostra suas presas, como um cachorro raivoso. Os olhos cor de âmbar que pareciam brilhar sob a luz da lua, me têm como presa, encarando-me como se eu fosse um pobre veado amedrontado pronto para o abate.
  O lobo salta em minha direção, mas seu corpo é jogado para trás, quebrando um velho gabinete quando Abel sobrevoa meus ombros, o atacando, seguido por dois tiros que acertam o lobo nos olhos, cegando-o momentaneamente.
  – Não é hora para isso, Elena. – Lilu me encara séria e arrisca. Fazendo seu tom de voz pesado me atingir como um soco no estômago, acordando-me para o que acabou de acontecer. – Não teremos outra chance.
  Suas palavras ecoam dentro de minha cabeça, enquanto acompanho com o olhar, Abel lutar contra o lobo cego, tentando contê-lo em seus ataques. Lilu parte para cima do lobo também, mas como se pudesse sentir sua presença, ele se joga para o lado, levando Abel consigo. O vampiro grunhi de dor quando as garras afiadas do lobo passam por sua barriga, deixando quatro marcas fundas e sangrentas, o suficiente para irritar Abel até os ossos, fazendo-o pegar o lobo pela cabeça, não se importando com os próximos arranhões. Abel arrasta o lobo até a única janela do quatro, quebrando o vidro com o corpo daquele que ele ainda segurava pela cabeça.
  “Não teremos outra chance!”
  As palavras voltam a ecoar na minha cabeça, mas, agora, como se fossem um grito feroz que impulsiona o meu corpo a se mexer. Minhas pernas se destravam, por isso, corro até à janela, cuja, o lobo arranhava os batentes de madeira tentando voltar para dentro do quarto, enquanto Abel se forçava a mantê-lo fora. Paro ao lado do vampiro quando o lobo arranca uma grande lasca do batente. Com o estômago agitado, ergo a balestra, mirando mais uma vez em seu peito. E agora, sem deixar que algo nos interrompa, aperto o gatilho, fazendo a flecha com ponta de prata voar como o vento, atravessando diretamente o coração do lobo, deixando para trás um considerável buraco sangrento.
  Os seus olhos âmbar se arregalam, assim como sua boca. Desta forma, aos poucos, seu corpo começa a voltar ao normal, sem mais presas, pelos ou garras. Ele virava um humano enquanto morria, mas não sou capaz de observar toda sua transformação, pois Abel solta a cabeça do lobo, que despenca do segundo andar e cai no gramado de mato alto.
  Meu corpo relaxa por um momento, despencando no chão de madeira. Solto a balestra e apoio as costas contra a parede, deixando minhas pernas dobradas.
  Abel contorce o rosto em uma feição de dor e leva a mão até as marcas de garras em sua pele.
  Enfio uma mão dentro da bota e puxo de um dos dispositivos apropriados para guardar frascos, um pequeno e cheio com a erva Anti-Parálysi. Depois do que aconteceu na invasão das igrejas, Sally projetou pequenos dispositivos acolchoados para que pudéssemos manter os frascos seguros sem que se partissem em uma briga.
  Jogo o pequeno frasco para Abel, que o pega com apenas uma mão.
  – Deveríamos usar isso apenas em situações críticas. Não podemos gastar o pouco que temos. – Ele diz em meio a mais um grunhido.
  – Acho que isso é uma situação crítica. – Digo, encarando as marcas. – Acredite, você não vai querer isso piorando. Estou falando por experiência própria. Apenas aplique logo no machucado.
  Abel me encara por alguns segundos em silêncio, antes de enfiar a pequena agulha acoplada a rolha do frasco, em um dos seus cortes, ejetando todo o líquido para dentro do seu corpo. Seu rosto se torce de novo e de novo, mas ele parece um pouco mais aliviado quando termina. Os cortes ainda estavam abertos em sua barriga, mas considerando a sua regeneração vampírica, logo a erva faria efeito e ele estaria novo em folha.
  – Espero que tenham acabado, porque acho que teremos companhia. – A voz de Lilu soa um pouco tensa, e a vejo apertar os dedos finos no batente quebrado da janela.
  Com rapidez, pego a balestra e me levanto, vendo, além da janela, algumas casas com as luzes acessas. Em especial, na que ficava do outro lado da rua, de frente para a casa que estávamos, um grupo de cinco pessoas sai correndo para a calçada. Eles encaram o corpo morto no gramado e depois seus olhos amarelados sobem um pouco mais, até encontrarem os nosso.
  – Vamos! – Abel grita e corre para fora do quarto, nos fazendo segui-lo, mas ele tinha a vantagem de voar, nos deixando um pouco para trás.
  Lilu e eu descemos as escadas o mais rápido que podemos, a tempo de ver Abel voar para fora, seguido de uma mulher que corre para dentro, se transformando em lobo e pulando em nossa direção. Apertando firme a balestra, me abaixo depois de descer o último degrau, e a mulher-lobo acaba caindo sobre Lilu, nos degraus.
  Quando penso em ajudá-la, mais um lobo surge. Não tenho tempo de atirar em sua direção, mas consigo usar a extremidade da balestra para acertar seu rosto, fazendo seu corpo cair longo para o lado. Rosnando no chão, acerto três flechadas em seu corpo, duas na cabeça e uma no peito, o matando. Outro lobo surge, e esse pula em minhas costas, cravando seus dentes em meu ombro, quase arrancando a pele.
  Grito de dor e corro de costas até nos bater contra uma parede próxima. Seus dentes vacilam em meu ombro e, com isso, consigo jogar seu corpo por cima do meu, quebrando uma pequena mesinha que tinha perto do corredor da porta de entrada.
  Disparo freneticamente até as minhas flechas acabarem. Nenhuma delas atravessou seu coração, por isso, mesmo sangrando e machucado, o lobo se levanta, rosnando lentamente para mim.
  À medida que a mordida em meu ombro latejava, sinto meu corpo ser tomado por uma onda quente que corria por minhas veias, enchendo o meu corpo de uma raiva que borbulhava. E isso me faz quebrar a balestra ao meio e partir para cima do lobo, golpeando-o incansavelmente até que sua pele sangrenta salte para fora de seu corpo, respingando sangue para todos os lados. Finalizando, pego uma das flechas caídas no chão que disparei antes, e enfio com toda força em seu peito, escutando a ponta afiada rasgar sua carne dura.
  Me levanto com a respiração descompassada e as mãos tremendo pela raiva. Estava tão imersa no sentimento que só tive tempo de escutar o disparo que passa rente ao meu rosto, acertando algo atrás de mim que cai em um baque pesado. Quando procuro, vejo mais um lobo morto e Lilu com seu revólver estendido no ar. Os seus olhos ainda estavam escuros, e seu semblante era tão séria quando o sangue que manchava as suas mãos.
  Abel surge na porta da casa, segurando no batente de forma exasperada, o sujando de vermelho. Ele nos encara de forma pesada, como se dissesse que precisávamos sair agora. E quando corremos para fora da casa, temos um vislumbre do que possivelmente seria o inferno. Não havia mais silêncio e nem calmaria, vampiros voavam por todos os lados, enquanto lobos rugiam para a lua, acompanhando os disparos que vinham de várias direções diferentes, seguidos pelos gritos de dor e o sangue que respingava em cada parte de Upiór.
  – Isso aqui perdeu o controle. – Abel avisa. – Agora será matar ou morrer.
  Os meus nervos ficam tensos e meu sangue congela, mas não me deixo amedrontar. A raiva ainda pulsava em mim, como o machucado no meu ombro. Eu não usaria a erva agora, vou esperar mais um pouco, não tenho tantos frascos assim e, a menos que eu chegue em um ponto insuportável, manterei cada um dos machucados.
  Escutando minha própria respiração alta no meio do barulho, disparo a correr, indo para a rua, desviando de tudo que via pelo caminho, deixando as minhas pernas me levaram para onde eu mais queria ir desde que coloquei os meus pés aqui em Upiór.
  Atrás de mim, Lilu atirava em qualquer um que tentasse nos parar, fosse ele lobo ou vampiro. E foi assim que conseguimos alcançar a casa no meio da rua entre tantas outras. As paredes brancas estavam completamente manchadas de preto, e todos os vasos na frente estavam quebrados, derramando a terra para fora. Todas as janelas estavam sem vidros, e o telhado tinha um grande buraco, enquanto os tijolos da chaminé que não existia mais, se espalhavam por ali.
  Solto o ar com força, e meu coração ameaça acelerar quando caminha até à porta trancada, da qual abro com um chute de sola de pé, que faz a porta se arrancar das dobradiças e pender para o lado de maneira torta. Puxo uma das pistolas presas nos coldres em minha coxa, e dessa vez não sou nenhum pouco cuidadosa ao vasculhar o lugar que me fazia arrepiar dos pés à cabeça. Era quase como se eu ainda pudesse sentir cheiro de ervas e chá.
  Eu havia retornada a casa da vovó. E dessa vez, eu gostaria do meu chá saboroso e espesso, como uma bela xícara de sangue quente.
  Os meus pés batem no chão de madeira, e Lilu para do meu lado. Nossos olhos fazem o mesmo caminho, encarando o que se escondia dentro da escuridão: no alto da escada, agachado em cima do corrimão de madeira, um par de olhos vermelhos nos fitava, tão sedentos como um Dementador pronto para sugar uma alma.
  Entorpecida e cega pelo caçador que se reverberava dentro de mim, corro escada acima enquanto atiro em direção ao vampiro, que voa e me cobre com seu corpo, nos fazendo rolar escada abaixo. Por cima de mim, ele tentava me morder com suas presas longas, enquanto eu o segurava pelo pescoço, apertando o local até que ele sinta dor. A lateral de sua cabeça de cabelos curtos, é acertada por uma poderosa joelhada que vem de Lilu, arrancando o vampiro de cima de mim.
  Ela encara o vampiro caído e manuseia sua arma na mão, a colocando de volta no coldre debaixo dos seus braços. Lilu sorri de forma cruel e provocante, erguendo suas mãos cobertas pelos socos-ingleses, antes de se lançar para o vampiro, escolhendo matá-lo não com um tiro, e sim com seus próprios punhos. Ela era mais rápida que o vento, e desviava com maestria de cada investida do vampiro, o acertando com socos, chutes e golpes perfeitamente aplicados de luta que só ela sabia fazer. Quando foi acertada no rosto, Lilu simplesmente inclinou a cabeça para o lado de lambeu o sangue que escorria de sua boca, deixando que o vampiro machucado encare seu sorriso ensanguentado como última visão antes de morrer. Ela o acerta no peito com um soco, empurrando as pontas afiadas de prata do seu soco-inglês para dentro da carne até que perfure a pele e acerte o coração. Quando Lilu puxa sua mão para fora, ela está manchada de sangue até o pulso. O corpo sem vida cai no chão de madeira e Lilu vasculha por sua roupa, tateando o corpo até encontrar o que procurava. Com um pequeno frasco de água benta e um isqueiro, ela incendeia o vampiro, assim, incinerando sua alma Dementadora.
  Ela passa a mão manchada de sangue pelos cabelos alaranjados, fazendo as duas cores se misturarem quando ela tenta ajeitar os fios para trás. Em seguida, Lilu se afasta das chamas quentes que começavam a se espalhar pelo assoalho de madeira. Ela acena com a cabeça para que saíssemos da casa, e após eu dar dois passos para me virar em direção à porta, uma vampira voa para dentro com rapidez, me segurando pelos ombros e me levando para o segundo andar, enquanto os meus pés não tocavam o chão.
  Com suas unhas afiadas, a mulher de asas aperta os meus ombros até suas unhas entrarem na minha pele, me fazendo quase gritar de dor quando elas enfincam no lugar ferido pelo lobo. Sou arremessada para dentro de um dos cômodos do segundo andar, caindo sobre uma cama que vai para o chão e se quebra com o impacto do meu corpo, me fazendo largar a pistola. Poeira e madeira saltam para cima, me acertando sem machucar. Tusso algumas vezes, e vejo a vampira vindo em minha direção mais uma vez. Rapidamente ergo os dois pés e consigo a chutar para longe, enfim me levantando da cama quebrada e percebendo onde eu estava. Era o quarto que eu costumava dividir com Wendy.
  O meu corpo se arrepia em uma nostalgia ruim, enchendo as minhas narinas com o aroma das tulipas-negras que costumávamos deixar aqui em um simples vaso sobre a cômoda. Chacoalho a cabeça, afastando as lembranças, sabendo que não havia cheiro nenhum, era apenas a minha memória escolhendo um mau momento para me atrapalhar.
  Rapidamente procuro a pistola que soltei, e assim que os meus dedos tocam a arma, a vampira volta a me agarrar, tentando me levar em direção à janela sem vidro, ao meu tempo que Lilu entra no quarto disparando diversas vezes. A vampira é acertada na asa, por isso se apressa ao voar mais rápido, nos jogando para fora quando um dos tiros de Lilu acerta de raspão a lateral da minha coxa.
  Em meio à minha dor, puxo da manga do casaco uma das facas de caça, acertando e cortando uma das mãos da vampira, que acaba me soltando. E enquanto despenco no ar, consigo ter a mira perfeita, assim, usado a arma para acertar em cheio seu coração com uma bala de prata, a fazendo cair no ar também.
  Enquanto meu corpo atravessa o ar que me rodeia, espero pela dor, mas dois braços firmes me pegam. O meu corpo se acalma e respiro aliviado quando Abel me leva em segurança para o chão, me colocando sentada sobre a grama alta da frente da casa.
  Alguns vampiros por perto se agitam para nos atacar, mas Lilu sai da casa pronta para lutar com eles, deixando para trás as chamas quentes que começavam a espalhar uma fumaça densa e cinza.
  – Obrigada. – Agradeço a Abel, enquanto deixo de lado minha pistola e faca, buscando dentro da minha bota um frasco de erva Anti-Parálysi.
  Ele me encara severamente.
  Injeto a agulha sobre o meu ombro, e fecho os olhos, sentindo a dor ardente que causava até que todo o líquido entrasse em mim. Respiro fundo quando acaba, e jogo o frasco vazio no mato.
  – Algum problema? – Pergunto, percebendo que Abel ainda me olhada de forma estranha.
  Pego minha pistola e faca de volta, e me levanto do chão, pronta para ajudar Lilu.
  – Talvez você não acredite tão verdadeiramente em mim, vi isso em seu rosto quando eu a salvei. Sou sincero quando digo que preferia que o Conde estivesse com uma vampira. Mas aprendi a respeitar sua decisão. – O encaro atenta. – Eu realmente queria me vingar de alguma forma, mas ver como os vampiros, a minha própria espécie, estavam se juntado com lobos por um propósito tão miserável, me fez ficar enjoado. E é por isso que eu estou aqui do seu lado, te ajudando, porque, no final, não importa quem se case com o Conde, eu apenas quero reestabelecer a honra dos vampiros.
  Assinto.
  – Vamos fazer assim – Checo quantas balas ainda haviam em minha pistola. – Se todos nós sobrevivermos e conseguirmos dar um jeito nesses lobos, você estará livre para me caçar até o inferno, se isso ainda for sua vontade. – Sorrio de lado para ele e, surpreso por alguns segundos, Abel acaba retribuindo o sorriso esperto, antes que, juntos, corramos em direção às criaturas que lutavam com Lilu.

Capítulo 34

  Depois de conseguirmos fugir de toda confusão que aconteceu na rua da casa de Morgana, Lilu, Abel e eu estávamos diante as ruínas do que um dia foi a capela de Upiór. O lugar onde eu renasci como uma verdadeira caçadora de vampiro e monstros. Foi exatamente nessa pequena construção caindo aos pedaços que conheci a minha equipe e me entreguei ao meu destino sangrento.
  – Elena! – Escuto a voz de Wendy quebrar o silêncio dessa parte do vilarejo, e quando me viro, a vejo vindo correndo em minha direção com outros exorcistas e espíritos da igreja. A quantidade era menor que antes.
  Corro em sua direção e a seguro pelo rosto suado, encarando preocupada a linha de sangue que ia do canto de sua cabeça até o queixo.
  – Você está bem? Se machucou?
  – Eu estou bem, e você? – Ela segura as minhas mãos, também me encarando preocupada. Assinto silenciosa, e ela olha sobre os meus ombros. – Lilu?
  – Estou bem. – Lilu responde e Wendy suspira aliviada.
  – Isso não parece um déjà vu? – Meg se aproxima com seu corpo cintilante e aponta para o lado.
  Exatamente como a seis anos atrás, na lua de sangue, Amia caminhava em nossa direção, mas agora ela não liderava apenas um grupo de vampiros, pois havia vários lobos ao seu redor também, uivando como cachorros. Seu vestido preto balançava cada vez que os seus saltos batiam nos ladrilhos, e um enorme sorriso pintado com um batom vermelho similar ao meu, surge em seus lábios, enquanto seus olhos me tinham como alvo.
  – Tenho a impressão de que essa será a última vez que nós nos veremos. – Ela diz, quando para a quase dois metros de mim, colocando suas mãos sobre a cintura fina enquanto sorri.
  Seguro com força minha arma e faço questão de retribuir o sorriso de Amia.
  – Pode ter certeza que eu me certificarei de que essa seja a última vez. – Falo, entre um riso nasalado, sem desviar o meu olhar do seu. – Essa noite, você é minha. – Digo entre os dentes, baixo, mas suficientemente alto para que todos comigo, escutem.
  Dessa vez, não haverá piedade da minha parte. Amia era o pião do meu jogo e eu sabia que se matasse o pião, o rei logo mandaria uma peça ainda maior para jogar; aquela que eu tanto queria.
  – Então faça as honras. – Wendy ri de forma debochada, e faz um gesto de mão como se imitasse um mordomo educado.
  Os olhos da Amia ficam completamente vermelhos e suas presas se alongam em seu sorriso perverso e basta um assoviar do vento frio para que ela voe em minha direção e eu corra na sua.
  Quando Amia faz menção de me pegar com as unhas grandes e afiadas, me jogo no chão, deslizando sobre os ladrilhos ásperos, enquanto atiro para cima, a acertando quatro vezes, fazendo seu sangue pingar em mim.
  Todos ao novo redor se agitam, iniciando muitas lutas em todos os cantos, regadas a gritos, urros e uivos, preenchendo cada canto da madrugada de lua cheia.
  Mesmo que sangrasse enquanto seus machucados cicatrizam após ela puxar as balas de prata para fora do corpo, Amia sorri, voando e se jogando sobre o meu corpo. Ela agarra os meus pulsos com força, fazendo os próximos tiros saírem na direção errada, passando por entre quem brigava.
  – Que tal um beijo de despedida, querida? – Ela começa a aproximar o seu rosto do meu, enquanto passa a língua sobre as presas. – Mas já aviso que talvez isso seja um pouco doloroso para você.
  O riso escapa pelo meu nariz, quando consigo encolher as pernas e usar as solas da bota para chutá-la para longe de mim.
  – Não acho que quero te beijar outra vez. – Em um salto, me levanto do chão, a vendo fazer o mesmo.
  Por um segundo, presa dentro da tensão de ódio que eu dividia com Amia, desvio meu olhar, espiando de conto de olho a velha construção com madeiras nas portas, impedindo a entrada.
  Eu sabia exatamente o que deveria fazer.
  Tento correr em direção à capela abandonada, mas paro abruptamente no meio do caminho quando sinto algo afiado entrar na carne da minha panturrilha. Meu tronco se contrai enquanto solto um reprimido gemido de dor. Me curvo para baixo, puxando para fora de minha pele, uma estaca de madeira.
  Mal tenho tempo de me virar, pois Amia, que havia roubado essa estaca de alguém, atinge meu rosto com as costas de sua mão, fazendo o canto da minha boca sangrar. Em seguida, ela me segura, me tirando do chão e começando a voar comigo.
  Finjo me debater, e espero até que ela sobrevoe exatamente aonde eu queria, enquanto ela tentava encontrar algum lutar para jogar meu corpo contra, exatamente como fez na lua de sangue. Quando Amia começa a voar perto da capela, viro minha arma para cima e atiro em suas asas, a fazendo tombar para o lado e perder parte do equilíbrio e, assim, continuo com os tiros até que ela não consiga mais voar e caia, me levando com ela até o chão em um bate pesado, duro e bastante doloroso.
  Por mais que os meus ossos pareçam pegar fogo, não perco tempo ao me levantar, segurando Amia pelas beiradas do seu vestido, antes de jogá-la em direção à porta da capela. Seu corpo bate de forma feroz contra as tábuas de madeira que interditavam a capela, rachando algumas e quebrando outras, mas, mesmo assim, a porta continua fechada. Por isso, quando Amia endireita seu corpo e mostra suas presas, a chuto bem no estômago, aplicando a força que faltava para fazer as portas da capela se romperem e abrirem, fazendo Amia cair do lado de dentro. Em questão de segundo, ela começa a gritar de forma desesperada, quando seu corpo inteiro começa a eclodir em bolhas, queimando sua pele por ela estar dentro de solo sagrado. Ela tenta voar para fora, mas a agarro pelo tronco, rente à porta, fazendo força para mantê-la dentro, enquanto seus braços e mãos sobre os meus ombros, arranhavam o ar em um gesto desesperado.
  A seguro com apenas uma mão e abaixo a outra - que ainda carregava a pistola, e então atiro em sua coxa, a fazendo cair de joelhos. Minha panturrilha machucada faz minha perna fraquejar, por isso, caio com Amia. Solto um gemido de dor com o impacto, mas ele é encoberto pelos gritos da vampira que se debatia no chão da capela.
  – Me deixe sair! Me deixe sair agora, sua maldita! Humana imunda! Me tire desse lugar! – Ela rugia com um leão, ao mesmo tempo que sua pele ganhava uma camada de sangue. Seus braços e pernas iam para todos os lados, mas ela queimava como uma folha seca, sem poder fazer nada.
  – Por favor, tenha um pouco mais de respeito. Você está em uma igreja. – Me levanto mais uma vez, enquanto minha perna machucada treme.
  Os seus gritos ecoam tão poderosamente dentro da igreja, que temo que poderia partir os vitrais em pedaços bem pequenos.
  Me aproximo de Amia, a segurando pelo vestido e, desta forma, a arrasto para perto dos bancos, afastando-a da porta da capela.
  – Me deixe ser aquela que te mandará direto para o inferno. – Falo, antes de soltar seu corpo quando ele estava afastado o suficiente da saída. Coloco minha pistola de lado e puxo uma das estacas presas no meu cinto, cravando o objeto de prata com o interior cheio de Erva-Verde, em seu peito de carne viva, a matando de uma vez por todas, enquanto, em seus momentos finais, Amia tentava me machucar com suas unhas afiadas e gritos agudos. – Faça boa viagem e queime para sempre, maldita. – Seu corpo sangrento para de se debater, e seus olhos arregalados e sem vida pareciam me encarar com ódio.
  Me afasto dela e acabo me jogando em dos bancos, deitando sobre a madeira suja. Me sinto tão cansada e com tantas dores pelo corpo todo que nem mesmo os rifles pendurados em minhas costas incomodavam. Meu peito sobe e desce de forma rápida, e eu levo minhas mãos até o pescoço, sentido alguns dos arranhões que Amia conseguiu fazer em mim. Suspiro alto dentro da capela, quando percebo que o arranhão sangrava.
  Um arrepio percorre meu corpo dolorido da cabeça aos pés, e acabo me encolhendo sobre o banco quando sinto um frio completamente fora do normal. E bastam segundos para que minha visão que se escureceu em tons sombrios, contemple a pavorosa criatura que surgiu em cima de mim, em um literal respirar. Suas presas pareciam maiores que de todos os lobos que vi hoje, e seus olhos brilhavam em um misto de âmbar e vermelho. Seu focinho de lobo estava enrugado, deixando as gengivas sangrentas a amostra, e os pelos no seu corpo eram mais escuros quanto a madrugada. Uma de suas mãos estava ao lado da minha cabeça, e a outra segurava o encosto do banco, arranhando a madeira com suas enormes garras. Sua respiração quente batia no meu rosto, me permitindo sentir o cheiro do sangue fresco que emanava dela.
  A peça maior havia chegado, e ela estava aqui para jogar comigo agora.
  Pouco a pouco, a sua monstruosidade de lobo começa a sumir, até que eu enxergue a pessoa por trás dela.
  – Você não deveria ter matado ela. – A voz de Kihyun ecoa por toda capela, e mesmo que ele usasse seu tom calmo de sempre, ela parecia muito intimidante agora.
  – Por quê? – Pergunto, sem desviar meu olhar, mantendo meu corpo debaixo do seu, sobre o banco de madeira empoeirado.
  – Amia era a minha noiva. Nós nos casaríamos quando tudo isso acabasse.
  – Você a amava?
  Suas sobrancelhas se movem lentamente até que seus olhos estejam estreitos em uma linha apertada.
  – Isso não se trata de amor, Elena, apenas de poder. Amia foi a vampira que traiu o Drácula, alguém que um dia amou e viveu por anos, para ficar do nosso lado. Ela era a única possível para assumir esse lugar. – Kihyun tenciona seus braços cobertos pela roupa preta, se inclinando mais para baixo, deixando seu olhar ainda mais pesado.
  – Então acho que isso é uma pena... – Não me deixando fraquejar, ergo minha cabeça, aproximando mais ainda meu rosto do seu para que ele visse todo ódio e desprezo nos meus olhos. – Porque ela está morta agora, e nada a trará de volta.
  Seus lábios apertados tremem um pouco, antes que ele sorria minimamente.
  – Talvez eu encontre alguém ainda melhor do que ela.
  – Eu poderia matar a próxima, e depois a próxima. Não me importo. – Cuspo as palavras de maneira firme.
  – Estou falando de você. – Sua cabeça se inclina levemente para o lado, enquanto seus olhos correm por todo o meu rosto, enquanto sinto o calor da sua respiração a centímetros da minha.
  – Eu nunca me casaria com você ou com o louco do seu pai! – Falo tão alto e cheia de emoções, que meu nariz toca o seu quando me movimento de forma raivosa.
  Kihyun ri nasalado.
  – Isso é uma pena. – Ele afasta seu rosto de perto do meu. – Eu sempre tentei ser gentil com você, Elena. Mas não costumo dar segundas chances, e acho que você já fez sua escolha. – Então, habilidosamente rápido, Kihyun quebra o apoio do banco e usa a grande lasca de madeira para rasgar a minha pele quando ele enterra a ponta cortante em minha barriga, até ela atravessar meu corpo e o banco debaixo de mim.
  Minha boca se abre, mas sou incapaz de gritar, a dor era tão insuportável que me arrancava todas as forças.
  O bebê!
  O meu bebê!
  Quando penso que vou perder o fôlego e morrer enquanto vejo Kihyun sorrir para a minha dor, seu corpo é puxado com brutalidade de cima de mim, e só consigo escutar o baque alto logo em seguida. Tudo foi como um grande borrão, e eu não sabia quem havia feito isso.
  Minhas mãos trêmulas vão até à lasca de madeira que me atravessava, mas não tenho forças para puxá-la.
  – Elena! Elena, calma! Eu estou aqui agora! – Os olhos aterrorizados de Jimin me encaravam com preocupação.
  – Tira isso... – Minha voz sai baixa e trêmula.
  Jimin assente e puxa a lasca de madeira para fora do meu corpo e, ao mesmo tempo, vejo uma feição de dor se formar em seu rosto, e é quando percebo sua pele queimando como a de Amia.
  Quero pedir para ele sair de dentro da igreja antes que morra, mas uma estranha luminosidade vinda do meu peito, atrai minha atenção.
  Os meus olhos se arregalam e eu enfio a mão para dentro do meu casaco, puxando para fora o relicário que brilhava como uma estrela. Sinto uma estranha sensação na minha pele, como se ela se unisse, cada pequeno pedacinho que foi dilacerado pela lasca de madeira. Abruptamente, me sento no banco e checo minha barriga, vendo o rasgo no meu casaco, mas minha pele estava inteira, sem qualquer arranhão ou cicatriz.
  Assustadamente, encaro Jimin, que em um misto de dor reprimida, parece tão surpreso quando eu. E foi então que, por cima dos seus ombros, eu vi quem havia tirado Kihyun de perto de mim. Mesmo que sua pele pálida e perfeita começasse a se manchar com o sangue, Taehyung parecia não se importar, enquanto partia para cima do lobo, o acertando de todas as maneiras que pudesse.
  – Taehyung, saia dessa igreja agora! – Grito desesperada e me levanto do banco, puxando Jimin junto. – Eu estou bem! – Por um milésimo de segundo, nossos olhares se encontram, e isso é o bastante para ele agarrar Kihyun e voar para fora da capela com ele.
  O próximo gemido vindo de Jimin me faz começar a correr, enquanto o puxo pela mão até que estivéssemos fora da igreja. Ele respira aliviado, ao mesmo tempo que sua pele queimada começa a se curar.
  – Elena! Você está bem?! – Wendy corre em minha direção quando me vê, e Lilu tenta se desvencilhar de um vampiro para vir ao meu encontro também.
  – Estou. Isso aqui me protegeu. – Seguro o relicário, o apertando com força. Ele não brilhava mais.
  Wendy encara o objeto de forma séria, ela não parece entender muito bem, mas também não perguntou.
  – Desculpe não ajudar, as coisas não estão nada fácies aqui do lado de fora. – Lilu diz, enquanto corre para perto e se vira por um momento para atirar no vampiro que a seguia. – Precisamos ser rápidos agora. – Lilu olha em direção a uma das muitas brigas, a que parecia mais agressiva, sendo travada por Kihyun, Taehyung e Hoseok.
  – Onde estão os outros? – Pergunto para Jimin.
  – Blarie ficou na base, caso algum intruso apareça por lá. E os meus outros irmãos foram para o castelo. Taehyung queria passar no vilarejo pra ter certeza que você estava bem, então Hoseok e eu viemos com ele, porque sabíamos que ele não mudaria de ideia.
  O plano era que eu mantivesse Kihyun afastado de Henry, evitando a transmigração, enquanto Taehyung invadia a mansão de surpresa com seus irmãos para matar o pai. Eles não deveriam estar aqui.
  Respiro profundamente.
  – Vamos ajudá-lo com isso antes que as coisas deem errado. – Falo, sacando a outra pistola que ainda me restava. – Wendy, você e Jimin conseguem manter todos os outros afastados de nós enquanto vamos pra cima do Kihyun?
  – Claro. – Minha irmã assente e encara Jimin que devolve o olhar de forma firme, antes que eles se afastem juntos, indo para perto de Meg e Abel, que brigavam com um grande número de lobos.
  – Hora de botar esse pano de chão pra dormir. – Lilu pega outro revólver, ficando com dois, um em cada mão coberta pelos socos-ingleses. Ela me encara séria, mas com um sorriso malicioso nos lábios.
  Lilu se afasta de mim, dando a volta para se aproximar por trás de Kihyun, que trocava socos e mordidas com Taehyung, enquanto Hoseok se levanta do chão após ser atingido.
  De longe, Lilu me fita significativamente e, com isso, começo a me aproximar da briga, esperando o momento certo, que surge quando Lilu salta nas costas de Kihyun, enfiando as pontas afiadas de seu soco-inglês na garganta dele. Aproveito a oportunidade para disparar cinco vezes contra o seu rosto, o cegando momentaneamente. Puxo do meu cinto a única estaca de prata que sobrou, e a cravo no peito de Kihyun. Ele ruge em um uivo alto que estremece tudo ao seu redor.
  Sua mão de lobo segura meu pulso enquanto eu tentava empurrar a estaca em direção ao seu coração, fazendo suas unhas afiadas arranharem minha pele, que começa a pingar sangue, como o seu pescoço que cicatrizava. Quando escuto o primeiro estalar vindo do meu pulso, acerto a mão de Kihyun com o cotovelo, me libertando de seu aperto. Ele ergue seu braço para trás e segura na roupa de Lilu, a puxando para frente, lançando-a em cima de mim quando Taehyung o impede de nos atacar novamente.
  O corpo de Lilu bate pesadamente contra o meu, nos empurrando para trás. Fecho os olhos pelo impacto repentino, mas braços logo nos rodeiam quando minhas costas batem em algo, enquanto Lilu e eu despencávamos para o chão.
  – Peguei vocês. – Hoseok diz abaixado, segurando nossos corpos que estavam caídos de forma desajeitada.
  – Obrigada. – Agradeço e me levanto, segurando meu pulso machucado que era o único a doer. Todos os meus outros machucados sumiram quando o relicário brilhou, e esses arranhões parecem ser os primeiros agora.
  Começo a procurar por minha arma que soltei, querendo ir ajudar Taehyung.
  – Que tal um relacionamento a três? – Viro minha cabeça para o lado quando escuto a voz de Hoseok. Ele ainda estava agachado, com Lilu em seus braços, e ambos se encaravam.
  Ela aperta os olhos e sorri minimamente.
  – Eu posso pensar nisso se você sobreviver. – Sua resposta faz Hoseok sorrir.
  – Só vamos sobreviver se vocês ajudarem. – Interrompo a conversa, e eles me encaram, saindo do seu momento e voltando para a grande guerra que acontecia em Upiór.
  Nego com a cabeça, mas rio fracamente e, em seguida, corro para perto da minha arma quando a encontro. E assim que me inclino para pegá-la, os meus olhos são magneticamente puxados para a transformação que acontecia a poucos metros de mim, onde asas de vampiros surgiam no corpo de lobo de Kihyun, mostrando a verdadeira aparência de um híbrido.
  Ele acerta Taehyung de forma forte, o fazendo cair para longe. E então, seus olhos âmbar-avermelhados encontram os meus, e com as mãos no chão, ele corre em minha direção como se fosse um cachorro. Disparo várias vezes, mas a minha munição logo acaba, e o que me resta é ir para o chão quando ele se joga sobre mim, rosnando em frente ao meu rosto. Fecho um dos olhos quando respingos de sangue vindos de sua boca, sujam meu rosto. Expiro irritada e uso a coronha da arma para acertar seu rosto, o tirando de cima de mim. Puxo um dos rifles pendurados nas minhas costas pelas tiras marrons de couro, e uso para bater em Kihyun enquanto ele ainda estava deitado, o acertado até seu focinho de lobo ser coberto pelo sangue vívido. Com a respiração completamente descompassada, destravo o rifle e atiro em seu rosto, fazendo carne e sangue saltarem para todos os lados, mas ele ainda estava vivo, por isso, o próximo tiro será em seu peito. Era o que eu pretendia fazer quando sua mão agarrou meu tornozelo e me puxou para o chão, e quando caio nos ladrilhos, Kihyun, mesmo desfigurado, se levantou e começou a alçar voo, me levando com ele para cima.
  Pendurada de cabeça para baixo, pelo tornozelo, os meus olhos se arregalam quando ficamos alto demais. Completamente nervosa, seguro firme no rifle que mantive comigo e tento mirá-lo em Kihyun, mas um grande borrão preto vestido em uma capa vinho-escuro atinge Kihyun, fazendo ele me soltar.
  Solto um grito de pavor quando meu corpo despencar pelo ar, fazendo o vento gelado da madrugada esvoaçar os meus cabelos e roupas. Solto o rifle, que se espatifa no chão, e fecho os olhos esperando o mesmo acontecer com o meu corpo, se não fosse por mãos firmes que me seguram a tempo de me salvarem de uma dolorosa queda de ossos partidos.
  Apressada abro os olhos, encontrando o olhar sério de Jimin. Ainda em seus braços, olho para cima, vendo Taehyung e Kihyun voarem pelo céu da madrugada em direção à floresta.
  – Eles estão indo para a mansão! – Hoseok grita, antes de voar atrás dele e Lilu o seguir correndo em terra.
  Jimin voa para baixo e me coloca cuidadosamente no chão. Wendy se aproxima.
  – Eu preciso ir agora. – Digo, com o coração disparado.
  Wendy me encara tensa, enquanto engole em seco.
  – Cuide de tudo aqui e leve os mais feridos para a base. – Peço para minha irmã, que fica em silêncio.
  – É bom você voltar inteira pra casa, porque o seu aniversário ainda não chegou, e nós precisamos fazer uma festa! – Ela praticamente grita, com a voz embargada, e eu a abraço apertado.
  – Eu vou voltar. – Sussurro para que apenas ela escute, antes de soltá-la, e encarar seus olhos marejados.
  – Pode ir, estou logo atrás de você. – Falo para Jimin, que assente e voa pelo céu tão rapidamente que mal acompanho com o olhar.
  Olho uma última vez para mim irmã, que permanece parada no mesmo lugar. Em seguida, me viro e começo a correr em direção à floresta, tentando alcançar Lilu.
  Me escondo por onde quer que passasse, percebendo que o número de vampiros traidores e lobos que estavam em Upiór era grande, mas nós também éramos, pois, com a chegada de Taehyung, muito outros vampiros surgiram para ajudar. Puxo a última arma de fogo que me restou, o último rifle, e forço minhas pernas a correrem mais rápido, até que eu avistasse as enormes árvores e o caminho para a floresta. Rapidamente passo em frente à loja fechada, com a pintura gasta e os telhados ornados por lodo e sujeira preta, com a placa que dizia “Van Helsing” pendurada, quase caindo. O meu corpo se arrepia por isso, antes que eu entre na floresta de Upiór.

Capítulo 35

  No meio da escuridão da floresta, consegui encontrar Lilu e, juntas, chegamos a tempo de ver uma confusão no céu, antes de Taehyung e Kihyun caírem propositalmente no telhado da mansão, fazendo um buraco no telhado ao entrarem assim, seguidos por Hoseok e Jimin.
  Lilu me olha de forma dramática antes de corrermos para a mansão coberta pelo preto. Atravessamos os portões e o jardim com fontes quebradas e arbustos tão malcuidados que quase cobriam todo o chão de cimento. Nossos passos bateram pesados e altos nos degraus que nos levou até onde deveria haver uma porta de entrada, mas que hoje era apenas um grande buraco sem nada.
  O hall era um caos de preto queimado e cinzas grudadas no chão do que um dia foram quadros dos irmãos. Insetos rastejavam por toda parte, enquanto desviávamos dos corpos mortos pelo chão, provavelmente dos lobos e vampiros que vigiaram a mansão para Henry. O sangue se misturava ao cheiro envelhecido, criando um odor muito desagradável.
  Quando saímos do hall e entramos no espaço vazio com duas escadas, escorrego em uma grande poça de sangue, mas Lilu me segura pelo braço.
  Nós duas quase nos dividimos e procuramos em direções opostas, se não fossem pelos barulhos de coisas quebrando e de gritos, vindo dos outros andares.
  Nos apressamos a subir a escada da esquerda, visto que a da direta foi completamente deteriorada pelo fogo e pelo tempo. E, desta forma, Lilu e eu desviamos de todos os corpos que encontramos pelo caminho, antes de acabarmos em frente ao que um dia foi o quarto de Blarie, e que agora era um amontoado de coisas queimadas em preto. O lugar onde os nove vampiros estavam reunidos, parados em frente ao grande buraco na parede e debaixo do buraco no teto, que deixava a luz da lua entrar e iluminar o cômodo.
  Kihyun estava completamente desajustado, com a respiração alta e falha, e com o corpo coberto pelo sangue, mesmo que não houvesse machucados em sua pele. Ele era feito de refém por Jungkook, que o segurava pelo braço, enquanto mantinha um olhar completamente poderoso para Henry. O homem de cabelos brancos e barba encara Jungkook e Kihyun com um grande sorriso no rosto. Suas roupas estavam partes sujas e rasgadas, mas ele também não parecia machucado.
  Yoongi estava perto de Jungkook, atento aos movimentos de Kihyun, enquanto Namjoon fazia o mesmo do outro lado. Jimin estava perto de Taehyung e Hoseok, que estavam próximos ao grande buraco na parede. As mãos se Taehyung estavam cobertas de sangue, assim como os cantos de sua boca. Suas calças pretas ganharam um rasgo, mas sua blusa e capa cor vinho-escuro se mantiveram intactas.
  Jin estava ao canto, entre Henry e Yoongi, com um olhar tão sério e furioso que facilmente poderia assustar alguém. Todos os irmãos, sem exceção, por mais alinhados que estivessem, pareciam que haviam saído de uma briga há pouco, e eles realmente fizeram isso, não ao ponto de matarem Henry, mas de fazerem isso de forma aparentemente intensa.
  – Acho que temos visitas. – A voz de Henry estremece meu corpo. – É bom estar com você outra vez, Elena. – Ele diz sem nem mesmo me olhar, pois estava de costas para a entrada do quarto.
  Todos os pelos do meu corpo se arrepiam e, de canto de olho, encaro Lilu para que entrássemos com cautela no quarto. Ela mantinha sua arma apontada para ele e tinha seus olhos atentos.
  Conforme eu entrava no quarto e me aproximava de Jin, Henry foi lentamente virando a cabeça para me observar.
  – Eu posso sentir o cheiro do seu sangue, e ele é único. – Henry sorri para mim. – Mas ele me parece um pouco familiar, já o senti antes em Amélia. – Seus olhos escuros se arrastam até minha barriga, me fazendo dar um passo para trás e esbarrar em Jin, que me segura com sutileza, enquanto tento tapar a visão da minha barriga com o rifle.
  O olhar de Henry me liberta para encontrar o de Taehyung.
  – Ela, por acaso, está grávida? – Taehyung não responde, mas Kihyun o encara com o cenho franzido, antes de rir em meio a uma tosse de sangue.
  – É melhor ficar quieto agora. – Jungkook aperta o braço de Kihyun, que rosna furiosamente para ele, quase fazendo os seus rostos se tocarem.
  – É exatamente por isso que você não pode ser o Drácula. – Henry continua encarando Taehyung. – Um Dracul engravidando uma Van Helsing? Você por acaso quer que ela termine como Sofia, Taehyung? Já se esqueceu que ela foi queimada viva pela igreja? – As palavras de Henry fazem Taehyung apertar as mãos em punhos tão fortes que suas unhas machucam sua pele até que o sangue escorresse.
  – Nenhum de vocês aqui é merecedor do sobrenome que carregam. – A voz de Henry fica alta, ecoando pelo quarto. – Porque se fossem, já teriam matado essa Van Helsing há muito tempo. – Ele me encara de novo, agora com fúria. – Vocês são uma desonra, uma vergonha para os vampiros. Até aposto que choraram quando descobriram que fui eu quem matou Amélia. – Seu tom de voz se abaixa de forma perigosa, enquanto um sorrio vil surge em seus lábios. – Você se lembra como costumava correr para os braços da sua mãe quando se machucava, Jimin? Taehyung também fazia isso, ia chorando até Amélia, ao invés de enfrentar as coisas como um vampiro. Ela foi mesmo uma desgraça.
  Taehyung quase tremia de raiva, e Jimin tinha um olhar extremamente carregado de alguém que se segurava para não explodir tudo em sangue.
  – Cale essa maldita boca e nunca mais fale assim da minha mãe de novo! – Jungkook grita perto de Kihyun, apertando seu braço até seus dedos atravessarem a carne do lobo, que range os dentes em dor e irritação.
  O nervosismo de Jungkook só torna Henry mais satisfeito.
  – Sempre incontrolável. Particularmente, eu sempre pensei que você e Yoongi se tornariam os mais impiedosos, matando sem se importarem, mas acho que são apenas crianças mimadas por uma humana fraca.
  Rápido como o vento, Yoongi se aproxima de Herny e o segura pela gola da roupa. Kihyun faz menção de se soltar de Jungkook, mas Hoseok o ajuda a contê-lo.
  – Eu posso te matar agora de forma impiedosa. – Yoongi rosna as palavras perto do rosto de Henry.
  – Faça isso e nunca mais vai encontrar o pequeno Hyun. – Henry sorri e os olhos de Yoongi se vidram em um vermelho que representava sua fúria.
  – Vamos fazer as coisas com calma, Yoongi. – Namjoon se aproxima de Yoongi e o tira de perto de Henry.
  – Você e Jin sempre foram os mais racionais, eu gosto disso. – Henry encara Namjoon, que devolve o olhar de forma severa. – Penso que ambos seriam Dráculas melhores que os outros.
  – E quem você pensa que é para falar sobre ser um Drácula? – A risada sem humor de Hoseok quebra o monológo de Henry. Hoseok inclina levemente sua cabeça para o lado, fitando o pai de um jeito completamente feroz. – Você acha que é o único que pode ser o Drácula, mas não conseguiu nem mesmo trazer metade dos vampiros para o seu lado. Eles continuam aqui, conosco, seguindo ao Taehyung, o único e verdadeiro Drácula.
  Por um momento, a postura superior de Henry vacila e enxergo seus olhos de fúria em um orgulho ferido.
  – Você sempre foi outro que preferia colher flores com a sua mãe, ao invés de se tornar um verdadeiro vampiro, apenas passando o tempo e vivendo como se fosse um humano fraco e insignificante. – Henry ri sem humor, dando um passo para frente. – Eu sou o único que pode fazer isso. E Kihyun é o único filho que me dá honra e orgulho. Eu o criei para ser quem é, e ele nunca ousou sequer aumentar a voz para mim como vocês estão fazendo agora. – Os olhos de Kihyun brilham diante das palavras de Henry, o encarando como se esse fosse um deus. Um mero recipiente para sua alma. – Eu farei que se arrependam de terem seguido os passos daquela humana que chamam de mãe, e os matarei como matei Amélia.
  Um disparo e Kihyun pende para frente quando seu peito é atravessado pela bala de prata.
  Minhas mãos tremem em torno do rifle, enquanto os meus olhos arregalados ainda pareciam horrorizados com tudo que viram enquanto Henry falava dessa forma desprezível.
  O corpo de Henry paralisa, antes que ele se vire em minha direção, me encarando como se fosse o verdadeiro diabo. E, em instantes, ele tinha suas mãos ao redor do meu pescoço, quase o torcendo e, consequentemente, solto meu rifle, que cai aos meus pés, antes dele ser chutado para longe por Henry.
  – O que você fez?! Eu vou te matar, humana insignificante! – Ele grita contra meu rosto, antes de ser acertado na lateral da cabeça por tiros disparados por Lilu.
  – Solta ela! – Jin grita e me puxa para longe de Henry junto de Lilu, enquanto Taehyung surge como fumaça, atravessando sua mão pela barriga do pai.
  – Não toque nela outra vez, seu bastardo de merda! – Taehyung movimenta sua mão dentre de Henry, causando ao pai, gemidos de dor. – Eu vou arrancar o seu coração e depois o estraçalharei, e queimarei seu corpo até que não reste nada além de cinzas. – Não era Taehyung ali atrás dos olhos vermelhos e veias saltantes. Se antes Henry se parecia com o diabo, agora penso que talvez o próprio diabo teria medo de Taehyung nesse momento.
  – Você está bem? – Jin pergunta, apoiando uma mão nas minhas costas.
  Assinto com as mãos no pescoço, enquanto ainda sinto a sensação das mãos de Henry aqui.
  – P-Pai! Pai! Eu não morri! Ainda estou vivo! – A voz de Kihyun faz Taehyung soltar Henry.
  Os olhos de Henry encaram Kihyun de forma surpresa e louca.
  – Eu estou lutando! Não vou deixar que me matem tão facilmente! – Kihyun grita, enquanto seu corpo caído no chão se retorce em alguns espasmos, enquanto sangue continua minando do seu peito atingido.
  Jin me solta e Lilu passa seus braços ao meu redor, me mantendo perto dela. Em seguida, Jin usa suas habilidades vampíricas para se aproximar com rapidez de Herny, o levantando do chão em um puxão.
  – Nos mostre onde escondeu o Hyun, ou matamos seu precioso filho híbrido. – Jin fala com o rosto próximo ao do pai.
  – Faça isso e nunca vai encontrá-lo. – Henry rosna entre os dentes. – Leve ele lá para jardim e eu lhes entregarei Hyun. Mas quero que o deixem sozinho. – Henry exige.
  Ele pretende barganhar por Hyun e depois fugir com Kihyun? Isso nunca vai funcionar, porque Kihyun está morrendo e Henry está cercado.
  – Levem. – Taehyung pede para os irmãos, mas sem desviar seu olhar do pai.
  Jungkook encara Taehyung por alguns segundos, antes de, com a ajuda de Namjoon, ambos sumirem com Kihyun através do buraco na parede, ressurgindo segundos depois, sozinhos.
  – Ele já está no jardim, agora nos entregue o Hyun. – Jin manda, mas Henry não se intimida, antes de se virar e sair do cômodo queimado.
  Todos muito bem atentos e preparados caso Henry tentasse fugir, o seguimos pelo corredor até a próxima escada e, assim, depois para o terceiro andar, o lugar da mansão que menos queimou. O vampiro de cabelos brancos, caminha em direção às portas duplas quebradas, nos levando até a antiga sala de música da mansão. Em passos lentos e traiçoeiros, Henry para ao lado do piano queimado, e então ele levanta a cauda do piano, revelando entre as cordas arrebentadas, o corpo desacordado e pequeno de Hyun.
  Os meus olhos se arregalam quando Henry tira o corpo desacordado de dentro do piado, o deixando de pé mesmo com as pernas moles de Hyun. Sua cabeça pende para frente e seus cabelos escuros cobrem seu rosto infantil, e seus braços caem ao lado do corpo.
  – Não se preocupem, o meu garotinho só está dormindo. – Henry ri sem humor, de forma cruel.
  – Nos entregue ele!
  – Ainda não. – Henry interrompe Jimin quando ele faz menção de se aproximar.
  Os olhos de Henry encontram os meus mais uma vez, em um olhar completamente insano e carregado.
  – Eu costumo manter minhas palavras sempre. – Ele diz me encarando e, mesmo que minimamente, consigo perceber quando ele arrasta a mão livre para perto do piano, buscando por algo nas cordas. – Você deu o meu recado para o Taehyung, Elena? – Seus dedos se movimentam quase que imperceptivelmente.
  – Que recado? – Namjoon me encara cautelosamente.
  Os meus olhos se arregalam, enquanto um grito de terror sai da minha boca quando tanto correr até Henry, mas não chego a tempo de impedir que ele mostre o punhal de prata escondido, e acerte Hyun.
  – Que eu mataria Hyun caso algum de vocês tentasse algo! – Henry grita e solta o corpo do Hyun, que vai ao chão quando tento segurá-lo. Tomada por um reflexo insano dentro de mim, puxo a faca de caça escondida dentro e cravo em Henry, mas isso não o impede de se transforme em um pequeno morcego que voa para fora da sala de música, passando pelas portas de vidro quebradas da sacada.
  – Vão atrás desse maldito! Vão atrás dele agora! – Jin grita, ao se abaixar no chão e tomar Hyun nos braços.
  Todos os irmãos parecem em choque, encarando o corpo ensanguentado de Hyun.
  – Agora! – Jin grita de novo, com mais veracidade, tirando seus irmãos do transe. Então, Jungkook, Namjoon, Yoongi e Hoseok também voam para fora da sala de música.
  Hyun tosse algumas vezes, acordando.
  – Ei, pirralhinho, abra os olhos, por favor. – Lilu dá leves tapinhas no rosto de Hyun e, lentamente e com esforço, Hyun começa a abrir os olhos.
  – Levem ele até a base! Sally e Alef trouxeram muitas coisas, eles podem ajudar! – Falo exasperada e Jimin, que já estava agachado também, toma Hyun dos braços de Jin.
  Taehyung rapidamente retira a capa vinho-escuro que usava e coloca sobre a ferida de Hyun, tentando estancar o sangue.
  – Vá depressa. – Com os olhos tão preocupados de um jeito que nunca vi, Taehyung diz para Jimin que, no segundo seguinte, sai voando da sala de música com Hyun nos braços.
  Ficamos em silêncio dentro da sala, sentindo a tensão.
  – Ele vai ficar bem. Sally vai ajudá-lo. – Lilu fala ao lado de Jin, que ainda estava agachado no chão.
  – Ele deve ter fugido com o corpo do Kihyun. – Taehyung diz, e Jin suspira pesadamente.
  – Nós precisamos ir também. Logo ele se curará e vai voltar a ter sua força. Precisamos encontrá-lo antes que faça a transmigração. – Jin se levanta do chão e começa a ir em direção a sacada, por onde provavelmente sairia. Lilu logo corre atrás dele.
  Encaro Taehyung sem acreditar em tudo que estava acontecendo. Engulo a saliva de forma dificultosa e me aproximo dele, que me encara com um olhar cansaço e pesado.
  – Eu preciso ir agora. – Sua voz soa baixa e ele faz menção de se virar.
  – Espera! – Minha voz sai mais exasperada do que eu esperava.
  O meu coração se acelera, não querendo deixar Taehyung ir. Eu estava com medo, me sentia enjoada e tonta só de pensar no que aconteceria quando ele fosse atrás do pai, caso Henry conseguisse finalizar seus planos antes que o encontrassem.
  – Você precisa me prometer que vai voltar – Minha voz se embarga, quando sinto uma imensa vontade de chorar ao repassar as imagens de tudo que acabou de acontecer. – porque... porque se você voltar, eu te prometo que me caso com você. – Seguro com força em sua elegante blusa presa com um lenço de renda na frente.
  Mesmo que tenha um olhar pesado e incerto, Taehyung sorri para mim e meu coração se aperta.
  – Pensei que havia me prometido que não nos casaríamos. – Suas mãos vão até as minhas, as segurando com ternura e suavidade.
  – Eu mudei de ideia. – Minha voz se embola e minha garganta arde. – Além do mais, você nunca me pediu realmente em casamento, então não era válido quando eu disse aquilo. – Fungo e algumas lágrimas escapam.
  Mantendo seu pequeno sorriso fechado, Taehyung limpa cada uma das minhas lágrimas.
  – Elena Van Helsing, você quer ser minha por toda eternidade? – O meu coração se agita e salta, enquanto minhas mãos tremem debaixo das suas.
  Assinto fracamente.
  – Sim, eu quero ser sua por toda eternidade. – Seu sorriso fica um pouco maior e, assim, ele aproxima seu rosto lentamente do meu, cobrindo os meus lábios com os seus, em um beijo doce e ao mesmo tempo amargo, molhado por lágrimas.
  Quando ele se afasta, solto suas mãos e puxo minhas luvas de couro para fora e, em seguida, retiro o anel de pedra preta do meu dedo. Com toda a dor que sinto, volto a segurar a mão de Taehyung, deslizando o anel por um dos seus dedos livres, naquele que cabia.
  – Esse é o meu anel Van Helsing, ele é uma herança de família e impede que eu seja hipnotizada, mas... essa noite, ele vai ser a promessa de que você voltará para mim. Por favor, me prometa que vai voltar com o anel, Taehyung. – Suplico em minhas lágrimas. Mas tudo que ele faz é sorrir como uma despedida, antes de beijar o anel que pus em seu dedo e se virar voando para longe de mim sem me dizer se voltaria.
  Fecho os olhos e mais lágrimas escorrem. Permaneço desse jeito até sentir braços me rodearem, enquanto a cabeça de Lilu repousa em meu ombro, me permitindo escutar suas respirações curtas que indicavam que ela tentava segurar o choro.

Capítulo 36

  Tudo estava um caos, enquanto eu corria por entre as árvores altas e terreno seco das pequenas colinas, atravessando o que um dia foi o Festival de Sangue dos Draculs.
  De alguma forma, todos aqueles que lutavam no vilarejo, souberam que Henry e Kihyun fugiram, o que me faz pensar que haviam muito mais com eles do que pensávamos. Após isso, todos do lado de Henry fugiram, provavelmente indo encontrá-lo em algum esconderijo. A maioria dos seguidores de Taehyung, foram atrás dos lobos e dos vampiros traidores, e outros levaram Hyun para longe onde pudessem curar o ferimento do garotinho, cujo eu torcia com todas as minhas forças para que ficasse bem. Sally disse que fez o possível para ajudar Hyun, mas que não parecia o suficiente. Por isso, ele foi levado para longe, sendo acompanhado por Jimin e Blarie.
  Eu poderia ter me voluntariado a ir junto atrás dos lobos, mas Skull apareceu na mansão algum tempo depois com Wendy e Sally, que me trouxe a capa vinho-escura de Taehyung, manchada de sangue. Eles carregavam nossas malas, que vieram direto da Transilvânia. Segundo o mordomo, Taehyung havia dado uma ordem direta para que ele nos tirasse de Upiór assim que tudo acabasse, pois, sem ter a certeza de que ele e seus irmãos voltariam, Taehyung queria garantir que eu estivesse segura em algum lugar longe da igreja.
  Skull me entregou um bilhete escrito por Taehyung:
  “Seja forte agora, por você e pela nossa criança.”
  Quando li suas palavras, quis chorar e gritar que não poderia ser forte sem ele do meu lado, mas Taehyung já não estava mais lá para que eu fizesse isso.
  Aperto com força o bilhete, enquanto seguro sua capa e continuo correndo por cima das pedras e folhas, até encontrar uma estrada de terra, onde um carro escuro já nos esperava. Eu não sei para aonde vamos, mas Skull garantiu que nos esconderia em um lugar que a igreja nunca nos acharia.
  O mordomo ocupou o banco do motorista, e Sally foi do seu lado no carona. Atrás, me sentei entre Wendy e Lilu, que me abraçavam, me fazendo estar grata por elas estarem bem, pelo menos. Foi um alívio tão grande quando vi minha irmã e Sally chegando na mansão, ao menos uma parte do peso em meu coração sumiu naquele momento. Eu gostaria de ter me despedido de Meg, mas não pude. Wendy falou que ela lutou fielmente até o final, antes de ser liberta do exorcismo com os outros.
  O carro começa a se movimentar sobre a estrada irregular, nos chacoalhando levemente para os lados, enquanto escutávamos o barulho dos pneus passando por cima do chão áspero.
  Os braços de Lilu que estavam a redor do meu, se apertam um pouco, e quando a encaro, a vejo olhando além da janela com um olhar triste e abatido. Eu sei como ela se sente em relação a Jin e a Hoseok, por isso, sei exatamente como ela se sente nesse momento.
  Wendy encosta sua cabeça em meu ombro e eu suspiro, enquanto sinto o cheiro de Taehyung vindo da sua capa que mantive comigo. Encaro minha mão, dando falta do anel que deveria estar no meu dedo. E com mais um suspiro, encaro minha outra mão, fitando o único anel que me sobrou: o de noivado, aquele que não saia do meu dedo porque representava tudo que Taehyung e eu sentíamos um pelo outro.
  Quando outra onda ardente de choro sobe por minha garganta até os meus olhos, o barulho baixo do meu celular apitando me distrai um pouco. Abro o bolso da bolsa sobre o meu colo e puxo o aparelho para fora, vendo que havia chegado uma mensagem... era do Padre Albert e dizia: “Boa sorte, e que o Senhor te proteja.”

Epílogo

  Solto o ar pela boca e ele sai em forma de fumaça quando os meus pés tocam o chão coberto de neve.
  – Não vou demorar. – Saio da sege e aviso o boleeiro que a conduzia, guiado por um bonito cavalo negro.
  Aperto bem ao redor do meu corpo o longo casaco de manto preto com capuz, antes de começar a caminhar até à entrada deslumbrante da grande igreja feita de tijolos espelhados e coloridos. As grandes portas de ferro estavam abertas, então não tive problemas ao entrar, fazendo os saltos das minhas sandálias ecoarem pelo interior santo e refinado do lugar.
  – Gloria Patri, et Filio, et Spiritui Sancto. Sicut erat in principio, et nunc, et semper, et in saecula saeculorum. Amen. – Sussurro quando começo a andar entre os inúmeros bancos de madeira da igreja, separados por fileiras.
  Todos dentro da grande igreja não pareciam notar a minha presença, mais preocupados em suas rezas e fé, e eles estavam certos.
  Os belos vitrais com imagens de santos, estavam espalhados por quase todas as paredes, deixando a luz fraca da noite gelada, atravessar e brincar com os bancos, dando-lhes várias cores novas.
  Paro diante o belíssimo altar que carregava a imagem do nosso Senhor, e perante a ele, me ajoelho nos pequenos degraus, enquanto fecho os olhos e junto minhas mãos, agradecendo por mais um dia de vida.
  O meu corpo se aquece quando sinto uma presença se aproximar, e então sei que alguém se ajoelhou do meu lado.
  – O que você pediu? – A voz doce e melodiosa que logo reconheço, sopra ao meu ouvido.
  Sorrio antes mesmo de abrir os olhos e encontrar minha irmã.
  – O mesmo de sempre.
  Wendy sorri em resposta, balançado os cabelos curtos na altura do queixo.
  – Venha comigo. Vamos conversar em outro lugar. – Ela se levanta, segurando em uma das minhas mãos, antes de me levar para o lado direito da igreja, onde um grande confessionário enfeitava o lugar.
  Quando nos afastamos o suficiente para não atrapalharmos quem rezava, Wendy se encosta na parede próxima e cruza os braços, enquanto me encara animada.
  – E então, como foi sua viagem? – Ela pergunta.
  – Cansativa. – Confesso em um suspiro. – Visitar tantas igrejas em apenas uma semana é bem mais cansativo do que parece.
  – Imagino. – Ela assente. – Você visitou todas?
  – Não. – Nego com a cabeça. – Mas felizmente a maioria.
  – Presumo que eu terei que visitar as que restaram. – Ela me encara com falso desanimo, me fazendo rir.
  – Com toda certeza. Eu não quero fazer isso até o próximo mês. Sinto falta da minha casa. – Suspiro pela segunda vez.
  – Antes de te deixar ir, me conte tudo.
  Minha expressão fica um pouco mais séria, à medida que me sinto cansada, não só fisicamente, mas dessa situação.
  – O Vaticano continua nos caçando. Às vezes, ele parece implacável.
  – Me sinto como se tivesse sido eu a entregar a maçã para Eva. – Wendy debocha, antes de revirar os olhos. – Isso nos faz importantes.
  – Não de um jeito bom. – Rio nasalada, e ela me acompanha.
  Por todos esses anos tivemos que lidar com o Vaticano nos perseguindo como ratos pecadores, mas eles nunca fazem isso bem. Todas as igrejas que abrimos e espalhamos por vários lugares, eram os espiões perfeitos para que vigiássemos os passos daqueles que nos caçam.
  – E as coisas por aqui, como estão? Sally saiu? – Pergunto.
  – Estão bem, essa sede está lotada de caçadores, temos realmente uma turma grande para ensinar. – Os olhos de Wendy brilham.
  Nós estávamos na frente da sede principal de todas as igrejas Sanguis. E eu via Wendy como um Padre que, ao invés de ensinar apenas sobre a palavra do Senhor, também ensinava como exorcizar e matar uma criatura. Essa era a principal função de todas as nossas igrejas. Não éramos mais apenas quatro, agora éramos milhares, todos espalhados pelo mundo, unidos por uma única causa, seguindo ao Senhor e não ao Vaticano, do qual renunciamos mesmo depois de sermos expulsas. Jamais, em hipótese alguma, seríamos pegas de surpresa outra vez, pois agora tínhamos quem lutar do nosso lado.
  – Sally está lá embaixo dando sua aula de ervas. – Wendy afina a voz e balança a cabeça e as mãos, fazendo graça como se fosse uma mágica.
  Rio, e depois encaro o confessionário perto de nós.
  – Você quer ir vê-la? Eu posso chamá-la por um instante, tenho certeza que não atrapalhará a aula. – Wendy aponta para o confessionário que guardava uma passagem secreta.
  – Não, tudo bem. Eu a vejo em outra ocasião. Eu realmente quero ir pra casa agora, já está ficando tarde. Só passei para avisar que voltei que você precisa visitar o restante das igrejas.
  Wendy faz uma careta e eu a encaro com falsa seriedade.
  Não importa quanto tempo passe, ela nunca deixava de ser dessa maneira divertidamente irresponsável. Me pergunto como Sally ainda consegue morar com ela. Bem, eu aguentei Wendy por vinte e dois anos, mas isso não conta, pois ela é minha irmã e eu já nasci pronta para amá-la incondicionalmente, apesar de suas bagunças e estripulias.
  – Agora me vou. Qualquer coisa me liga. Por enquanto as coisas então calmas e o Vaticano já não tenta nada faz quase um ano. – Me despeço de Wendy com um longo e apertado abraço.
  – É isso que me assusta. Um lobo em pele de cordeiro. Eles estão aprontando, Eleninha.
  – Que aprontem. Nós estaremos esperando de braços abertos, enquanto seguramos armas e facas. – Digo e Wendy ri mais alto do que deveria, fazendo sua risada ecoar pelos cantos da igreja.
  Ela logo encolhe os ombros ao perceber o que fez, mas quem iria repreendê-la por isso? Essa igreja era dela.
  Com mais alguns risos e abraços, me despeço verdadeiramente da minha irmã e saio da igreja, voltando para dentro da sege, vendo o cavalo um pouco impaciente. Quando me escuta fechar a porta da pequena cabine sem janelas, o boleeiro chacoalha as rédeas, fazendo o cavalo começar a andar, nos levando para longe da igreja.

***

  O caminho para casa pareceu mais longo do que eu gostaria, mas quando escuto o cavalo relinchar baixo e a sege parar em um tranco leve, suspiro aliviada. Com as mãos ansiosas, pego o pequeno buquê de taraxacum officinale que comprei mais cedo e deixei sobre o banco acolchoado da sege, e abro a porta da cabine pintada de preto, descendo com cuidado enquanto afundo minhas sandálias na neve clara e macia.
  Com um breve e educação curvar de cabeça, agradeço ao boleeiro, que mais uma vez chacoalha suas rédeas e vai embora com seu cavalo. As grandes rodas de madeira da sege deixaram grandes marcas na neve, como se fosse um caminho a seguir.
  Alguns corvos passam voando por perto enquanto corvejam, preenchendo a noite gelada com suas vozes. Eles voam em direção ao denso bosque de árvores altas e bonitas.
  Quando os dedos dos meus pés começam a congelar, sei que preciso me mexer, então empurro o grande portal cinza, fazendo alguma neve cair dele. Após deixá-lo como estava antes, começo a caminhar pelo alinhado caminho de pedras cobertas por neve. Na primavera ele sempre ficava tão bonito, enfileirado com suas pequenas pedras que acompanhavam as pétalas de flores trazidas do bosque, mas em invernos como esse, só se podia enxergar o branco.
  Após atravessar todo o caminho de pedras, contorno o jardim com pequenas fontes de anjos. A água saia congelada da boca das estátuas, como se fosse um fino escorregador, e isso as tornavam um pouco engraçadas, por isso, preciso conter um riso.
  Respiro fundo e alto, enquanto corro para a entrada da enorme casa pintada em tons claros com detalhes belíssimos de ferro brilhando nas bordas da porta e das janelas. As luzes estavam acessas, então alguém ainda estava acordado.
  Quando paro em frente à porta de entrada, pego a chave no bolso de meu casado de manto preto com capuz e, sem pressa, destranco a porta, passando rapidamente para dentro da casa iluminada, sendo recebida pelo calor.
  Respiro profundamente, puxando todo o ar para dentro de mim, enquanto sinto o costumeiro cheiro doce de ervas e flores.
  Caminho um pouco pelo hall coberto de retratos nas paredes, e coloco o buquê sobra a redonda mesinha de vidro. Em seguida, retiro o meu casaco, pois já não sinto mais frio aqui dentro, decerto, a lareira estava ligada, aquecendo todos os cômodos; o coloco sobre a mesinha também.
  Passo as mãos sobre o bonito vestido claro que eu usava hoje, ao mesmo tempo que escuto passos apressados correndo sobre o assoalho de madeira.
  Um sorriso involuntário surge em meus lábios e, em questão se segundos, vejo aquela pequena figura correndo em minha direção, em seu pijama branco de seda com estampa de ursinhos.
  – Mamãe!
  Me agacho e meu vestido se espelha pelo chão quando abro os meus braços, pronta para recebê-lo com todo o amor. Evan sorri largo, piscando seus grandes olhos castanhos, enquanto seu cabelo balançava ao acompanhar o ritmo de seus passinhos agitados cobertos por meias azuis felpudas.
  Ele se joga nos meus braços, passando seus bracinhos ao redor do meu pescoço enquanto me aperta o mais forte que pode.
  Escuto mais passos, mas esses são calmos. Logo a imagem de Lucille, a babá, surge no final do hall, quando ela trazia sua acompanhante. Sorrio para a pequena garotinha de longos cabelos claros - iguais aos de Evan, que segurava a barra da saia da babá, enquanto tentava manter seu pequeno ursinho consigo.
  Emily, vestida em um pijama idêntico ao de Evan, me encara por alguns segundos, antes de tomar coragem para correr em minha direção e se juntar ao abraço apertado do irmão.
  Fecho os olhos, os abraçando com todo amor que tenho, finalmente me sentindo em casa.
  – Por que os meus dois amores ainda estão acordados? Já está tarde. – Pergunto, com um tom de voz amoroso e calmo.
  – A Lucilli falou que você vinha hoje, mamãe. Aí eu fiquei acordado porque tava com muita saudade. – Evan explica com os olhos bem abertos, como se me contasse a coisa mais importante do mundo.
  Rio de sua expressão exagerada, sentindo meu coração se aquecer.
  – Eu também estava com saudades, meu amor. – Beijo o topo de sua cabeça, entre os fios quase brancos que pairavam sobre os seus longos cílios.
  Emily me aperta com seus braços, não querendo me soltar, e quando a olho, ela me encara atentamente, enquanto seu ursinho escorregava debaixo do braço e ela tentava mantê-lo.
  – Certo, já que estamos todos acordados, que tal um chá bem quentinho? – Pergunto, vendo a expressão de Evan se tornar surpresa e animada. – Então me esperem na cozinha. Me junto a vocês em um minuto. – Digo, e os solto.
  Emily segura na mão de Evan, e ele sorri para a irmã, antes de sair animado com ela pelo corredor.
  Lucille se aproxima, rindo contida.
  – Muito obrigada por tomar conta delas por essa semana. – Sorrio para a mulher de cabelos presos em um elegante rabo de cavalo. – Você está dispensada agora.
  – Não há de quê. – Ela sorri gentilmente.
  – Eles não deram trabalho, deram?
  – Eles nunca dão. – Ela fala de forma genuína, enquanto pega o seu casaco e bolsa pendurados no cabideiro.
  A agradeço mais uma vez e ela vai embora, sumindo por entre a neve fria do lado de fora.
  Expiro forte e animada, e pego o buquê e o casaco sobre a mesinha.
  – Esperem mais um minutinho. – Aviso alto, antes subir até o andar cima para guardar o que trouxe.
  Sem delongas, volto para o primeiro andar e vou em direção à cozinha, encontrando os meus preciosos gêmeos sentados em cadeiras, um do lado do outro. Evan balançava seus pezinhos debaixo da mesa, e Emily apertava suas mãos apoiadas sobre a barriga do ursinho deitado na mesa. Eles eram tão pequeninhos que quase não conseguiam enxergar a parte de cima da mesa, mas eu tinha a visão mais adorável do mundo ao vê-los encolhidinhos nas cadeiras que pareciam gigantes agora.
  Como se rodopiasse pela cozinha, balançando o meu vestido para lá e para cá, procuro a chaleira, da qual encho com água e coloco para ferver no fogão. Em seguida, vou atrás de algumas ervas cheirosas, um pouco de açúcar e um dos meus frascos especiais, que continham um líquido vermelho.
  Assim que pego algumas xícaras, escuto risos atrás de mim e a chaleira apita, indicando que a água já havia fervido. Então, com cuidado, encho as xícaras, misturando as ervas e o açúcar a água quente e, por fim, finalizo despejando algumas gotinhas do líquido vermelho em apenas duas das xícaras.
  – Pronto. – Anuncio, levando duas xícaras até a mesa. Evan bate palminhas e Emily observa tudo com curiosidade, às vezes espiando o ânimo do irmão. – Tomem cuidado porque está quente, huh?! – Empurro as xícaras em suas direções e eles assentem.
  Volto para perto do bonito balcão lustroso de pedra preta, e pego a minha xícara antes de me juntar aos meus filhos, me sentando do outro lado da mesa, de frente para ambos.
  Evan fica de pé sobre sua cadeira, e começa a assoprar o chá dentro da xícara, como eu já havia o ensinado. Emily observa de novo o irmão, antes de imitá-lo.
  – Então, me contem tudo que vocês fizeram essa semana. – Apoio um braço na mesa e o rosto na mão fechada, enquanto encaro cada detalhezinho dos meus bebês.
  – Mamãe, eu fiz um montão de desenho pra você.
  – É mesmo? – Pergunto animada e Evan assente, satisfeito com a minha reação. – Vou querer ver cada um deles depois. – Seus olhos brilham por minhas palavras, e mais uma vez o meu coração se aquece.
  – A gente brincou muito com a Lucilli, mamãe. Eu era um caçador, igual você. – Evan gesticula erguendo seus bracinhos. – A Lily era sempre o Drárura, todas as vezes, mamãe. Mas eu não deixei ela me morder, não. – Ele arregala os grandes olhos castanhos.
  – É Drácula, meu amor. – Rio enquanto o corrijo, e ele acena positivamente com a cabeça. – Tudo que você me contou parece muito divertido. – Ele acena de novo, antes de - com todo seu jeitinho cuidadoso, pegar a xícara que era maior que suas mãozinhas, tomando um pequeno gole do chá. – E você, Emily, o que você fez nessa semana, meu amor? – A encaro, e ela pisca seus grandes olhos, tentando afastar da testa a adorável franjinha de fios quase brancos.
  – Eu brinquei de Drácula, mamãe. – Ela afasta de novo os cabelos da testa, antes de beber seu chá também.
  – A Lily queria pegar uma flor no jardim, mas a Lucilli não deixou, mamãe. Ela falou que tá muito frio lá fora, não é, Lily? – Evan encara a irmã, a chamando pelo apelido. Me lembro de como ele demorou algum tempo para conseguir aprender a pronunciar o nome dela, então a chamava de Lily porque era mais fácil.
  Emily não responde com palavras, apenas acena, enquanto puxa seu ursinho para o colo e bebe mais um pouco de chá.
  – Hm, é uma pena mesmo, meu amor. Mas nós podemos fazer o que vocês quiserem amanhã.
  – E brincar na neve, mamãe? – Evan me pergunta com expectativa, batendo seus pezinhos na cadeira, fazendo seus cabelos balançarem de forma agitada.
  – Vamos passar o dia todinho brincando na neve amanhã. E depois vamos comer um montão de biscoitos e beber muito chocolate quente, o que acha?
  Evan para de se mexer sobre a cadeira, e seus ombros caem, enquanto ele me encara com os olhos arregalados e a boca aberta. E então, ele assente de forma animada com a ideia, me fazendo rir.
  Terminamos o nosso chá enquanto escutei tudo que Evan tinha para me contar. Emily falava vez ou outra, mas observava o irmão com atenção e admiração, não soltando seu ursinho em nenhum momento.
  Quando acabamos, recolho todas as xícaras e levo para a pia, lavando-as com calma, até sentir algo puxando a barra do meu vestido. Olho para baixo e vejo Emily de pé, encarando o chão com um olhar triste.
  Seco as mãos em um pano de prato que havia por perto e me agacho para ficar do seu tamanho.
  – O que foi, meu amorzinho? Aconteceu alguma coisa? – Afago levemente seus cabelos macios, e ela segura minha mão, a apertando levemente.
  – Mamãe... eu também posso brincar na neve com você e o irmão? – Seus belos olhos encontram os meus, e ela me encara tristinha. Emily tinha esse jeito mais contido e, apesar de tudo, ela ainda era mais sentimental do que Evan.
  – Mas é claro que pode. Nós três vamos brincar muito amanhã. E depois vamos no bosque admirar as flores que você gosta, nessa época do ano elas ficam todas cobertas de neve, parecendo pequenos bonequinhos. – Seus olhos mudam de tristes para surpresos. – O que me diz, você gostou? – Ela assente e me dá aquele lindo sorriso que ela tinha, antes de me abraçar.
  Quando termino de ajeitar a louça, pego os meus pequenos bebês no colo e os levo para o andar de cima.
  – Mamãe, eu não tô com sono. – Evan resmunga enquanto coça os olhos e boceja.
  – O que disse, mocinho? – Estreito os olhos e rio baixo.
  Emily estava com a cabeça deitada no meu ombro esquerdo, balançando seus pezinhos cobertos pelas meias felpudas rosas.
  Caminho pelo corredor iluminado pelas luminárias de cristal, e vou até a única porta colorida.
  Coloco os dois em suas camas e os ajeito confortavelmente nas cobertas.
  – Conta uma história, mamãe. – Emily pede, enquanto me abraçava pelo pescoço.
  – Tudo bem. – Beijo a ponta do seu nariz, a fazendo rir, e então ela ergue o ursinho em minha direção para que eu o beije também. E após fazer isso, caminho até a estante polida que havia no quarto enfeitado por brinquedos, papel de parede colorido e tapete fofinho.
  Deslizo os meus dedos pelos livros e paro sobre um de capa azul-marinho. Puxo o livro para fora da estante e as letras douradas logo saltam as vistas: Sirena del Atlantis. Esse era um dos livros favoritos deles, Wendy que os presenteou, dizendo que aquela era a melhor história sobre sereias do mundo.
  Me aproximo de novo das camas com dosséis, e me sento na cadeira branca enfeitada que havia entre elas. Ligo o pequeno abajur em forma de urso e abro o livro.
  Evan e Emily me observavam, mas eu já percebia seus olhinhos se fechando vagarosamente, então logo comecei a contar a história de uma bela sereia de cabelos dourados e olhos azuis como o oceano, que foi sequestrada por um encrenqueiro pirata que a levou para muitas aventuras.
  Por um momento, desvio o olhar do livro e percebo que eles já haviam dormido, como imaginei. Os meus bebês sempre dormiam antes que eu finalizasse o livro, por isso, nunca sabiam o que acontecia com a Serena e o Capitão Hanna. Talvez um dia eu consiga terminar essa história, acho que eles ficariam animados com o final surpreendente.
  Me levanto em silêncio e guardo o livro de volta na estante. Depois dou um terno beijo de boa noite em cada um e desligo o abajur, deixando a porta do quarto entreaberta, caso algum deles acorde.
  No corredor, espreguiço os meus braços enquanto sinto os meus cabelos longos roçarem em meus ombros e costas descobertos pelo vestido. Puxo os fios para o lado, os colocando apenas sobre um dos ombros, antes dos meus olhos se atraírem para a porta do outro lado do corredor.
  Com o ressoar baixo dos saltos das minhas sandálias, caminho até à porta de marfim, a abrindo em um girar de maçaneta. Quando os meus pés tocam o chão coberto pelo carpete vermelho com linhas douradas, todo o meu corpo é invadido por uma sensação nostálgica que revira o meu estômago.
  A primeira coisa que vejo ao acender a luz, é o lindo vestido de noiva que Madame Dorothea fez para mim. Me aproximo dele lentamente, tocando o véu e o resto do vestido como se fosse algo tão delicado que pudesse desmanchar ao toque. Ele já era lindo e ficou perfeito quanto ela terminou todos os detalhes. Mas me sinto melancólica quando olho um pouco mais para o lado, vendo a capa vinho-escuro pendurada em outro manequim, por isso, me afasto, indo para perto da enorme estante polida, da qual, atrás dos vidros brilhantes, guardava potes de ervas, itens místicos, livros sobre criaturas místicas e muitas fotos.
  Os meus dedos tocam o vidro, deixando marcas, quando observo a foto em que Meg estava. Suspiro e encaro a foto do lado; dessa vez Meg havia sumido e Wendy estava em seu lugar. Vou para a próxima foto, que me faz sorrir ao vislumbrar o sorriso gentil de Jhoel posando ao meu lado. Após me salvar naquela floresta, cuidando de mim por dias, eu nunca poderia esquecê-lo, quero o senhor na minha vida para sempre. A próxima foto também me faz sorrir, era a minha mãe segurando os meus gêmeos pouco depois que eles nasceram, ela estava com os olhos vermelhos de choro e sorria tão abertamente para a lente da câmera que era contagiante.
  As fotos seguintes fazem o meu coração apertar: uma havia sido tirada no aniversário da Wendy, na Transilvânia, e todos aqueles irmãos vampiros juntos de Blarie, posavam comigo e com a minha equipe. Lembro-me de Jimin insistir que registrássemos esse momento, e então eu tenho essa preciosa foto. Já a outra, a última, trazia uma onda ardente que ameaçava subir por minha garganta, enquanto encaro a foto pequena e velha de Hyun. O garotinho estava sério como sempre, mas rodeado pelas bonecas que mais gostava.
  Fecho os olhos e me afasto do vidro, me virando de costas para as fotos antes que começasse a chorar. Expiro profundamente, me recordando de algumas memórias dolorosas, em especial das que lembro receber a notícia da morte de Hyun e Jin. Aquilo foi tão difícil, lembro de chorar como se fosse uma perdida arrasada e, naquele momento, eu realmente era isso.
  Engulo o choro e respiro fundo, me virando de novo para as fotos, agora tentando trazer lembranças positivas. Eu sei que dói, e não importa o quanto eu pense em como Hyun se daria tão bem com os meus filhos, ou em como Lilu podia ter alegrado os dias de Jin, nada parece melhorar isso.
  Respiro fundo de novo e me empurro para dias brilhantes, como, por exemplo, hoje. Mais cedo conversei com Lilu ao telefone e soube do caos que ela está fazendo na Transilvânia com Hoseok, e isso me faz sorrir involuntariamente. Eu preciso visitá-la, mal posso esperar para ver o tamanho da sua barriga de grávida. Ela e Hoseok devem estar enlouquecendo Skull naquele castelo, eu até consigo imaginar ele correndo de um lado para o outro, enquanto uma Lilu com um grande barrigão bagunça tudo, enquanto briga com Hoseok sobre ele ser o culpado dela estar parecendo uma grande melancia. Bem, pelo menos foi assim que ela se descreveu para mim.
  Nesse exato momento, penso que Blarie e Yoongi estão aproveitando sua lua de mel que já dura dois anos, enquanto Jungkook e Jimin, que foram viajar com eles, arrumam confusão em cada lugar que passam. Eu definitivamente sei que Jungkook já deve ter quebrado centenas de corações por onde andou, embora ele ainda continue me mandando algumas mensagens descaradas até hoje, apenas para me provocar como de costume.
  Jimin me disse que está aproveitando cada lugar que visita, e que comprou muitas coisas para Evan e Emily. Ele disse que está morrendo de saudades dos sobrinhos, e eu digo que estou morrendo de saudades do meu melhor amigo.
  Os meus olhos vagam pela foto com as bordas amassadas, até encontrarem o sorriso de covinhas. Me pergunto o que Namjoon deve estar fazendo agora? Mas sei que ele se recusa a falar sobre isso. Quando toda bagunça acabou, ele simplesmente sumiu, mas, às vezes, manda algumas cartas para avisar que está vivo e que está tirando férias da vida de vampiro, embora ele seja o que mais traz notícias sobre a igreja.
  Por fim, os meus olhos se perdem naquele que era o mais bonito da foto, e meu coração salta, enquanto meu corpo se arrepia subitamente. Me sinto estranha e, por isso, espio sobre os ombros, tendo a impressão de não estar mais sozinha aqui. Os meus olhos atentos varrem toda a minha sala particular dos tesouros, mas não vejo nada, porém, escuto com clareza quando uma porta range baixo, me deixando nervosa.
  Me aproximo da escrivaninha e tateio embaixo dela, encontrando a chave escondida que abre uma das gavetas. Puxo o fundo falso e pego o revólver escondido, destravando-o lentamente para não fazer muito barulho.
  Silenciosamente deixo a minha sala dos tesouros particulares e apago a luz, fechando a porta logo em seguida. Ergo a arma, a segurando com força, enquanto os meus olhos atentos passam por cada parte do corredor que atravesso. O meu coração dá um pequeno salto quando vejo a porta do quarto de Evan e Emily totalmente aberta. Abro minimamente a boca e tento respirar fundo, convencendo a mim mesma que podia ser apenas algum deles que acordou, mesmo que eu soubesse que eles sempre me chamam quando fazem isso.
  Não consigo me controlar, e acabo correndo em direção à porta colorida, apontando o revólver para quem quer que estivesse ali dentro.
  – É assim que a minha mulher me recebe quando eu volto para casa? – Ele diz, parado entre as duas camas, desviando seu olhar intenso das duas crianças adormecidas.
  – Você me assustou de novo. Eu já disse pra parar de fazer isso. – Suspiro, falando baixo para não acordar as crianças.
  Taehyung encara uma última vez os filhos, antes de sair silenciosamente do quarto, passando por mim. Seus olhos castanhos me fitam por alguns segundos, antes que ele comece a caminhar pelo corredor, indo em direção às escadas que levavam para o terceiro andar.
  Vendo sua figura sumir pelo corredor, refaço meu caminho e guardo o revólver de volta na escrivaninha, e depois sigo o mesmo caminho que ele fez. E então, dessa forma, eu sabia onde ele estava. Passo em frente à porta do meu quarto e vou para a que ficava do lado, dando dentro de uma grande e organizada sala de música, com os mais variados instrumentos espalhados pelos cantos.
  As janelas estavam abertas, deixando o vento frio entrar, enquanto balançava as cortinas claras e trazia alguns flocos de neve junto.
  Taehyung estava parado ao lado do piano, encarando o bonito buquê que deixei ali em cima. Lentamente me aproximo dele e pego o buquê, observando as sementes brancas dos dentes-de-leão; embora o vento tenha desfeito algumas.
  – Comprei pra você. – Digo. – Toda vez que assoprar uma delas, poderá pedir algo que quer muito e, então, assim, vai realizar todos os seus desejos.
  Ele encara o buquê de novo e o toma de minhas mãos. Uma lufada barulhenta de vento passa por nós, balançado o meu vestido e os nossos cabelos, enquanto soprava algumas sementes de dente-de-leão pela sala de música.
  Taehyung coloca cuidadosamente o buquê em cima do piano, e depois ele rodeia minha cintura, me trazendo para perto.
  – Eu já tenho tudo que eu quero. – Ele diz, e eu passo os braços ao redor do seu pescoço, sorrindo como uma apaixonada.
  – Eu estou incluída nisso? – Pergunto, aproximando o meu rosto do seu.
  Ele sorri de lado, antes de tocar nossos narizes.
  – Com certeza. – Seus dedos passeiam por minhas costas e o arrepio seguinte não vem por conta do frio, pois sei que nada me deixa mais quente do que estar nos braços do meu marido.
  – Como foi a sua viagem? – Pergunto, enterrando os dedos por seus belos cabelos longos que já estavam maiores que os meus. Ele era lindo de todas as formas, mas com esses cabelos macios e brilhantes que escorregavam por suas costas, ele parecia um lindo pecado pintado em um quadro.
  – Afastamos um pequeno grupo de lobos por perto, eles estão desaparecendo aos poucos. É melhor assim. – O sorriso foge de seus lábios e ele fica sério por alguns segundos.
  Assim como eu sempre viajo uma vez por mês, durante uma semana, para checar as bases das nossas igrejas e espiar o Vaticano, Taehyung fazia o mesmo. De fato, mais do que nunca, ele era o Drácula, o vampiro mais respeitado e temido entre todos. Sei tudo que ele passou por muito nos últimos anos, desde que matou Henry e Kihyun naquela madrugada, mas, apesar das perdas que ocorreram como consequência, isso o impulsionou a ser o poderoso vampiro que ele se tornou hoje.
  – Teremos muito trabalho amanhã. Vai ser um dia cheio, brincando na neve e passeando no bosque. – Digo, tentando mudar de assunto, querendo aproveitar a sua chegada com momentos felizes.
  Os olhos de Taehyung ganham vida e cor, e logo ele sabe que estou falando dos nossos filhos. Quando decidi ter Evan e Emily com total certeza, eu soube que ninguém seria tão bom para mim como Taehyung. Confesso que não foi uma gravidez fácil, mas ele sempre tentou melhorar tudo, e ficou do meu lado até que eu conseguisse dar à luz aos nossos lindos bebês. E foi então que eu conheci um novo lado dele, talvez o que eu mais goste: o seu lado paternal. Por mais que Taehyung tivesse tido uma relação destrutivamente ruim com Henry, eu sei que ele ama nossos filhos com a mesma intensidade que Amélia amou a ele e seus irmãos. Evan espontaneamente adora o pai, e se pudesse, passava o dia todo pendurado em seus braços, dizendo o quanto achava o pai incrível. E Emily simplesmente é sua garotinha preciosa, e ele a fazia se sentir a pessoa mais especial de todo o mundo, do mesmo jeito que ele fazia comigo.
  – Logo também será natal e os seus irmãos prometeram que vão se reunir com a gente. – Continuo.
  – Essa casa vai ficar barulhenta. – Ele bufa, resmungando da sua maneira irritante que eu tanto amava.
  Rio nasalada.
  – Essa casa tem sido barulhenta nos últimos quatro anos e meio. – Falo baixo, como se o contasse um segredo, e ele sorri de lado.
  Desde que Evan e Emily nasceram, tudo que temos nessa casa é barulho e mais barulho, bagunça, risadas, objetos quebrados, paredes riscadas e mais bagunça. Mas não posso dizer que não amo tudo isso.
  – Devemos fazer um belo jantar para receber seus irmãos e as garotas. – Sugiro, mas logo um lampejo surge em minha mente. – Algo melhor, poderíamos fazer um baile de máscaras, o que acha? – Sorrio animada e convidativa para ele, e Taehyung retribui com um sorriso que faz minhas pernas fraquejarem embaixo do meu vestido longo.
  – É o que a Senhora Dracul deseja? – Ele pergunta baixo, com a voz grave e rouca, enquanto arrasta seus dedos para a parte descoberta das minhas costas, tocando minha pele.
  – Sim. – Sorrio ainda mais, aproximando meu rosto do seu, ficando na ponta dos pés.
  – Então faremos o maior baile de máscaras que já se viu. – Ele me deixa ver seu sedutor sorriso por mais alguns segundos, antes de, finalmente, selar nossos lábios, me fazendo suspirar com o toque de nossas bocas como se fosse a primeira vez.
  Não demora até que sua língua se envolva com a minha, sincronizando um ritmo lento e viciante, deixando meu corpo ainda mais quente do que já estava. Suas mãos deslizam até a minha cintura, apertando sutilmente o local, enquanto escorrego os dedos para dentro dos seus cabelos longos que se emaranham em torno dos meus dois anéis.
  Ele interrompe nosso beijo com alguns selares estalados e rápidos, me encarando fervorosamente como se eu fosse única. E isso fazia com que eu me apaixonasse cada dia mais por ele.
  Taehyung fita sugestivamente o piano, e eu logo entendo. Com um pouco de relutância, me solto dele e me sento no banquinho acolchoado do piano, ao seu lado. E juntos, nós dois tocamos as teclas pretas e brancas, iniciando uma melodia suave e bonita que se mistura com os uivos de ventos que traziam os flocos de neve para dentro.
  Fecho os olhos e me deixo levar pelo ritmo da melodia, balançando os meus dedos de uma tecla para a outra, enquanto me lembro de todas as aulas de piano que ele me deu, onde, no final, sempre acabamos sem roupas de algum jeito. Sinto minhas bochechas esquentarem e contenho um sorriso, mas meu corpo se arrepia quando seus dedos deslizam por cima dos meus, atravessando as teclas enquanto ele continuava a atacar.
  Abro os olhos e o encaro, o vendo me fitar descaradamente, cobrindo os meus dedos com os seus, enquanto começava a apertar as teclas em meu lugar, como fazia quando ainda me ensinava. O simples toque parece demais para mim, por isso, puxo minhas mãos para fora do piano e o beijo outra vez.
  O sinto sorrir entre nosso novo beijo, e logo suas mãos voltam para minha cintura, me puxando para o seu colo até que eu esteja sentada confortavelmente. Sua boca corre até o meu maxilar, descendo por meu pescoço de forma molhada, enquanto a ponta da sua língua traça minha pele arrepiada. Em seguida, seus lábios se arrastam para o lado, ficando na lateral do pescoço, e então, sua boca para sobre o lugar que carrega uma marca feita por ele. Taehyung fica alguns segundos apenas sentindo o cheiro da minha pele quente, antes de enfiar suas presas para dentro de mim, me fazendo apertar seus ombros quando sinto a familiar fisgada. Um suspiro escapa dos meus lábios quando ele começa a sugar o meu sangue, e tudo que posso fazer é segurar com força os seus cabelos, enquanto encontro aquela sensação que passou a fazer parte das nossas vidas nos últimos anos.
  Quando se sente satisfeito, ele retira suas presas da minha pele, fazendo o sangue escorrer quente por meu pescoço, atravessando o ombro e parte do meu colo, sujando o topo do meu lindo vestido claro.
  Ele roça os lábios no lugar e depois limpa a sujeira com sua língua quente, me fazendo contorcer em seu colo. Eu sabia como isso iria terminar, e acho que quero mais do que ele.
  Taehyung volta para perto do meu rosto, me deixando ver seus belos traços de boca manchada de sangue e olhos vermelhos.
  – Você sempre será o amor da minha vida e da minha morte. Eu vou te amar para sempre, Elena Van Helsing. – Ele diz em um incrível contato visual que faz meu coração saltar várias e várias vezes, enquanto me sinto ansiosa como uma boba.
  – Você sempre será o amor da minha vida e da minha morte. Eu vou te amar para sempre, Taehyung Dracul. – Repito suas palavras, aproximando meu rosto do seu, vendo um lindo sorriso em seus lábios manchados. E então, nos beijamos da forma mais apaixonada que podíamos, compartilhando o gosto do sangue quente e doce, enquanto nos amávamos até que o mundo ao nosso redor deixasse de existir.

FIM



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