×

ATENÇÃO!

História NÃO RECOMENDADA PARA MENORES ou PESSOAS SENSÍVEIS.

Esta história pode conter descrições (explícitas) de sexo, violência; palavras de baixo calão, linguagem imprópria. PODE CONTER GATILHOS

O Espaço Criativo não se responsabiliza pelo conteúdo das histórias hospedadas na sessão restrita ou apontadas pelo(a) autor(a) como não próprias para pessoas sensíveis.

Na Hora Certa

Escrita porNyx
Editada por Lelen

Capítulo 02 • O Rei da Arrogância

Tempo estimado de leitura: 30 minutos

  POV Charles

  A verdade?
0
Comente!x

  Eu odiava chegar por último.
0
Comente!x

  E não era por pontualidade, nunca foi. Era pelos olhares, cochichos disfarçados de curiosidade, sorrisos automáticos de quem já ensaiou a frase perfeita pra quando eu passasse. Técnicos, engenheiros, assessores — todos com a mesma expressão plastificada de surpresa. Como se ainda fosse novidade o rosto da Ferrari aparecer no paddock.
0
Comente!x

  Cruzei o corredor central com os óculos escuros no rosto e a mochila jogada de lado, o andar calculadamente desleixado. O teatro estava todo ali e ainda funcionava.
0
Comente!x

  — Ele chegou.
0
Comente!x

  — Tá com cara de quem não dormiu.
0
Comente!x

  — Deve estar puto com a suspensão nova…
0
Comente!x

  Fingir que não ouvia fazia parte do uniforme. Caminhei em linha reta ignorando tudo: os cliques de celular, os “bom dia” burocráticos, as tentativas de contato visual. Eu era bom nisso.
0
Comente!x

  Mas hoje…Hoje, a máscara pesava mais que o capacete.
0
Comente!x

  Três corridas seguidas sem pódio.
0
Comente!x

  Três.
0
Comente!x

  E o mundo já começava a me enterrar como se minha carreira tivesse terminado no GP anterior.
0
Comente!x

  “Estrelismo.”
0
Comente!x

  “Arrogância.”
0
Comente!x

  Como se talento viesse com manual de boas maneiras, como se um erro virasse defeito de caráter, mas ninguém ali fazia ideia do que era carregar esse macacão. Principalmente agora.
0
Comente!x

  Porque dividir o box com Lewis Hamilton mudava tudo. Com ele, cada movimento era uma comparação, se ele errava, era uma leitura estratégica. Se eu erro, é ego inflado.
0
Comente!x

  Ele é o multicampeão.
0
Comente!x

  A lenda.
0
Comente!x

  A marca registrada da Fórmula 1.
0
Comente!x

  E eu?
0
Comente!x

  Eu sou o garoto que prometeram que ia ser o futuro, e que agora todo mundo analisava tentando descobrir se ainda tinha validade. A equipe jurava que não havia favoritismo, que os dois carros tinham o mesmo suporte, o mesmo investimento, o mesmo respeito.
0
Comente!x

  Mas bastava estar lá dentro por cinco minutos pra perceber que os sorrisos eram mais largos para o outro lado, as instruções no rádio eram mais detalhadas, o benefício da dúvida só existia quando não era eu que errava.
0
Comente!x

  E fora do box, pior ainda.
0
Comente!x

  A imprensa me devorava com olhos famintos, esperando a próxima queda. Qualquer gesto virava manchete, qualquer pausa era interpretada como drama. Se falava demais, era egocêntrico, se me calava, era arrogante, se perdia, era o problema, se ganhava… era porque “o carro melhorou.”
0
Comente!x

  No fundo, todo mundo tinha alguma coisa pra dizer sobre mim e nenhum deles sabia a metade do que era carregar esse macacão. Mas tudo bem. Eles não precisavam saber, só precisavam me ver vencer.
0
Comente!x

  Eu estava encostado perto do mural de briefing, revendo mentalmente os dados da última sessão, quando ouvi:
0
Comente!x

  — Parece que colocaram alguém novo no carro do Leclerc.
0
Comente!x

  A mandíbula travou antes que eu pudesse fingir indiferença.
0
Comente!x

  — A moça da equipe de protótipos?
0
Comente!x

  — É. Dizem que ela é afiada. Matteo aprovou direto.
0
Comente!x

  Continuei encarando o mural, mas o corpo inteiro reagiu. Como se um alerta silencioso tivesse disparado dentro do peito, colocaram alguém novo no meu carro de novo e sem me avisar.
0
Comente!x

  Fechei os olhos por dois segundos.
0
Comente!x

  Inspirei.
0
Comente!x

  Soltei devagar.
0
Comente!x

  Não era a primeira vez, mas doía igual. Eu odiava surpresas ainda mais a forma como certas decisões eram tomadas, como se eu fosse só mais um componente da máquina. Não o cara que arrastava esse carro pelo grid mesmo quando tudo tava errado.
0
Comente!x

  Ela podia ser boa.
0
Comente!x

  Podia ser ótima, mas eu já aprendi a desconfiar de gente nova com currículo brilhante e zero quilometragem comigo. Porque era sempre assim: eles entravam querendo provar alguma coisa. Queriam mostrar serviço, mostrar superioridade, mostrar inovação, mas esqueciam que carro não era só dado. O carro era feeling, pulso, conexão e nenhum relatório substituía isso.
0
Comente!x

  Lembrei do engenheiro que quis mudar o padrão de frenagem traseira baseado num algoritmo revolucionário, aquaplanei na terceira volta. Na outra temporada, teve um que apostou tudo numa nova refrigeração de motor com base numa tese experimental, o motor ferveu antes do fim da sprint.
0
Comente!x

  Então, não. Eu não sou cobaia. Eu sou o que sobrava depois que os outros erravam. E se essa nova responsável — seja lá quem for — atrapalhar meu carro, eu vou pedir substituição. Sem cerimônia. Sem hesitar.
0
Comente!x

  Ainda não sabia o nome dela, mas já sabia o suficiente. Era só mais alguém tentando provar que merecia estar ali. E eu… eu não estava disposto a pagar o preço da insegurança de ninguém.
0
Comente!x

  Mas a curiosidade era uma merda. Principalmente quando vinha disfarçada de desconfiança. Larguei os papéis sobre a bancada e atravessei o box com passos lentos, calculados, como quem não tinha pressa, como quem não estava procurando nada. Mesmo quando sabia exatamente o que queria ver.
0
Comente!x

  O cheiro de óleo queimado misturado ao som ritmado das parafusadeiras preenchia o ar como uma música familiar. Quase reconfortante.
0
Comente!x

  Quase.
0
Comente!x

  Entrei esperando ver o de sempre. Mesmas caras, mesmos gestos, mesmos olhares que desviavam rápido quando percebiam que eu estava observando. Mas tinha algo diferente no ar, ou melhor… alguém.
0
Comente!x

  Ela estava de costas, macacão vermelho, cabelo preso num coque simples, prático. Postura reta, centrada, ajoelhada ao lado da suspensão do meu carro — do meu carro — como se aquele lugar fosse dela, como se já fizesse parte do box.
0
Comente!x

  Os movimentos eram precisos, sem hesitação ou aquela ansiedade típica de quem sabia que estava sendo observado. Ela não estava ali pra aprender, nem pra observar. Ela estava ali pra mexer, intervir e parecia saber exatamente o que fazia.
0
Comente!x

  E isso… me incomodou.
0
Comente!x

  Porque quando alguém colocava as mãos no seu carro sem nem te olhar nos olhos… sem perguntar… sem ouvir você primeiro… isso diz muita coisa.
0
Comente!x

  Diz: “não preciso da sua opinião.”
0
Comente!x

  Diz: “já entendi o que você faz de errado.”
0
Comente!x

  E isso, honestamente, me irritava.
0
Comente!x

  — Charles — a voz de Matteo surgiu ao meu lado, calma como sempre. — Aquela é %Isla% %Torres%. A nova responsável pela sua parte técnica.
0
Comente!x

  %Torres%.
0
Comente!x

  O nome soou conhecido. Relatório da pré-temporada, uma análise técnica elogiada. Precisão acima da média, boa demais pra alguém que, até então, não fazia parte da equipe principal.
0
Comente!x

  Ela se levantou, com calma, tirou as luvas e limpou as mãos em um pano sujo de graxa. Virou-se devagar e foi aí que nossos olhares se cruzaram pela primeira vez. Ela não sorriu, não piscou ou abaixou a cabeça.
0
Comente!x

  — Leclerc — disse, seca, como quem recitava uma peça de reposição.
0
Comente!x

  Só isso.
0
Comente!x

  Sem firulas, reverência ou empolgação. Como se eu fosse só mais um nome numa prancheta.
0
Comente!x

  — %Torres% — respondi, no mesmo tom.
0
Comente!x

  Ela assentiu. Um único movimento com a cabeça e então, simplesmente, voltou ao trabalho. Simples assim.
0
Comente!x

  Ela tinha aquele tipo de olhar que não pedia permissão para existir, que não se curvava e isso… já me irritava.
0
Comente!x

  Afastei-me alguns passos, encostando na bancada de ferramentas, braços cruzados. De onde eu estava, conseguia vê-la claramente. Trabalhava com foco absoluto, como se o resto do box não existisse, mas eu sabia que existia. Sabia demais.
0
Comente!x

  E bastaram poucos segundos para o murmúrio começar atrás de mim.
0
Comente!x

  — Aposto que foi uma escolha de marketing da Ferrari. “Olhem como somos inclusivos.” — disse um dos técnicos, rindo com desdém.
0
Comente!x

  — Ou ela puxou algum fio certo. Ninguém sobe tão rápido assim só com currículo.
0
Comente!x

  — Aposto quanto quiser que ela vai ferrar tudo na primeira corrida e depois vai culpar o sistema.
0
Comente!x

  Engoli a raiva, mas não por ela e sim porque eu sabia exatamente o que vinha depois desse tipo de fala. Sabia como funcionava, com qualquer novo, o julgamento era cruel. Com uma mulher… era sempre mais sujo.
0
Comente!x

  — Bonitinha ela é, né? Até dá vontade de ver o carro quebrar só pra ela vir arrumar.
0
Comente!x

  — Se fosse tão boa quanto é metida, o problema do eixo já teria sido resolvido.
0
Comente!x

  — Será que ela sabe pra que serve um difusor? Ou tá aqui só pra fazer o Charles sorrir?
0
Comente!x

  A última frase veio com uma risada alta, espalhafatosa, ridícula.
0
Comente!x

  Revirei os olhos. E dessa vez, falei.
0
Comente!x

  — Se quebrar, pelo menos ela vai saber onde procurar, melhor do que alguns por aqui.
0
Comente!x

  A risada morreu no ar. O silêncio que veio depois foi imediato, constrangido. Como quando alguém pisava fora do traçado e todo mundo sentia o impacto. Mas eu nem olhei ou dei espaço para reação. Só continuei ali, braços cruzados, expressão neutra.
0
Comente!x

  O mais curioso?
0
Comente!x

  Ela também ouviu. Dava pra ver na tensão sutil dos ombros ou na forma como os dedos continuavam firmes, mas a mandíbula estava mais contraída. Ela ouvia. Sabia que estavam falando dela e mesmo assim, não respondeu. Não desviou o olhar ou perdeu o ritmo das mãos.
0
Comente!x

  Ela só… continuou. Como se aquelas palavras não tivessem peso ou como se já tivesse ouvido coisa muito pior. E, de algum jeito, eu sabia que tinha mesmo.
0
Comente!x

  Talvez ela soubesse o que estava fazendo. Talvez aquele olhar direto, aquela precisão meticulosa, aquela frieza profissional escondessem algo além do currículo. Talvez existisse talento ali.
0
Comente!x

  Mas eu não confio em talvez.
0
Comente!x

  Nunca confiei.
0
Comente!x

  Estava prestes a voltar pro box quando ouvi passos firmes atrás de mim.
0
Comente!x

  — Tá com essa cara desde que cheguei ou é pessoal comigo? — a voz veio descontraída, com aquele sotaque britânico que já era parte da trilha sonora da Fórmula 1.
0
Comente!x

  Virei devagar.
0
Comente!x

  Lewis Hamilton.
0
Comente!x

  Uniforme vermelho da Ferrari. Óculos escuros. Um sorrisinho de canto que dizia o que as palavras não precisavam: ele sabia exatamente o efeito que causava quando entrava em qualquer lugar.
0
Comente!x

  — Você chegou atrasado. Eu só estava compensando o desequilíbrio de carisma no box — respondi, tentando soar mais leve do que me sentia.
0
Comente!x

  Ele riu, deu um tapinha no meu ombro e parou ao meu lado. Ficamos ali, lado a lado, em silêncio, assistindo o vai e vem da equipe como se estivéssemos analisando uma reta longa demais, aquela em que você sente o carro vibrar antes de qualquer curva.
0
Comente!x

  — Fiquei sabendo que trocaram sua equipe técnica — ele comentou, casual, mas com o peso exato das palavras. Ele sabia. Essas trocas nunca foram só técnicas.
0
Comente!x

  — Me avisaram depois. Claro.
0
Comente!x

  — E a nova?
0
Comente!x

  Olhei de canto para o box.
0
Comente!x

  %Isla%.
0
Comente!x

  Ajoelhada ao lado do difusor traseiro, o rosto parcialmente encoberto por uma mecha de cabelo escapando do coque. Mãos firmes, olhar focado. Como se tudo ao redor fosse apenas ruído branco.
0
Comente!x

  — %Isla% %Torres% — falei. — Vem da equipe de protótipos.
0
Comente!x

  — Já ouvi falar dela. Dizem que é boa, técnica e precisa.
0
Comente!x

  — É. Técnica. Fria. Concentrada.
0
Comente!x

  — E isso te incomoda? — Demorei a responder.
0
Comente!x

  — O problema não é ela — falei, por fim. — É que ninguém pergunta se eu quero essas mudanças. Só jogam no meu colo e esperam que eu confie de olhos fechados.
0
Comente!x

  Lewis assentiu, calmo. O tipo de calma que só vinha com anos de pista e desgaste emocional.
0
Comente!x

  — Não é sobre confiar de olhos fechados. É sobre dar espaço pra alguém mostrar que sabe o que tá fazendo.
0
Comente!x

  — E se ela errar? — Ele me olhou de lado, um rastro de sorriso nos lábios.
0
Comente!x

  — Então você faz o que sempre faz: segura o carro com uma mão e carrega a equipe nas costas com a outra. — Suspirei, rindo com amargura.
0
Comente!x

  — Ótimo. Mais uma corrida normal, então. — Ele riu também, mas o tom era diferente. Quase um aviso.
0
Comente!x

  — Vai com calma, Charles. Nem todo mundo veio aqui pra te sabotar. Às vezes, as pessoas só querem o mesmo que a gente: vencer.
0
Comente!x

  Ele se afastou com um aceno leve. Deixou as palavras no ar como fumaça de pneu queimado e eu fiquei parado ali, observando %Isla% ao longe, os gestos precisos, o silêncio carregado de tudo que ela ainda não disse. Talvez o Lewis estivesse certo, mas confiar… confiar exigia algo que eu não tinha mais pra dar.
0
Comente!x

  Voltei pro alojamento com a voz dele ainda martelando na cabeça:
0
Comente!x

  "Nem todo mundo veio aqui pra te sabotar."
0
Comente!x

  Fácil pra ele dizer, era intocável. O tipo de cara que podia errar e ainda sair aplaudido. Eu, não. Eu era o cara que, se fizesse uma curva um centímetro errado, virava motivo de piada na coletiva.
0
Comente!x

  Joguei a mochila sobre a cadeira, o corpo pesado, o cansaço martelando nas têmporas. Peguei o celular.
0
Comente!x

  Antes mesmo de desbloquear, o celular começou a vibrar. Fechei os olhos por um segundo. Pensei em ignorar, mas atendi. Talvez por costume, ou por culpa.
0
Comente!x

  — Oi — falei, baixo.
0
Comente!x

  — Finalmente — a voz da Alix soou cansada, mas carregada de expectativa. — Dois dias sem um sinal seu, Charles. Você sabe o quanto isso me machuca? — Suspirei, deixando o corpo cair na cama.
0
Comente!x

  — A gente terminou, Alix. Você precisa parar de se machucar por isso.
0
Comente!x

  — Eu não consigo desligar esse sentimento do dia pra noite. Achei que você também não conseguiria. — Ela não gritava, não cobrava, só deixava a tristeza vazar por cada palavra.
0
Comente!x

  — Eu só… tô exausto.
0
Comente!x

  — Você sempre tá, mas agora parece exausto até de mim. E eu ainda tô aqui, tentando encontrar alguma brecha pra voltar. — Silêncio. — Vi umas fotos da equipe. Tem uma engenheira nova. %Isla%, né? — Fiquei calado.
0
Comente!x

  — Só me diz se tem alguém no meu lugar agora.
0
Comente!x

  — Não tem ninguém. — Ela respirou fundo.
0
Comente!x

  — Tá. Mas tem alguma coisa em você que mudou, Charles. Desde antes da gente terminar, você já não tava mais aqui. — Fechei os olhos. O silêncio entre nós ficou mais alto que qualquer motor.
0
Comente!x

  — Eu sei. E eu sinto muito. De verdade.
0
Comente!x

  — Eu queria que a gente funcionasse — ela disse, com a voz embargada. — Mas não tem como se reconectar com alguém que já foi embora por dentro. — E desligou.
0
Comente!x

  Fiquei olhando pro celular por alguns segundos, como se ele pudesse me explicar em que curva a gente perdeu o controle. Duas chamadas perdidas. Quatro mensagens não lidas. Todas dela.
0
Comente!x

  Alix
  Você vai continuar me ignorando?
  A gente não pode tentar mais uma vez?
  Você pensou em mim hoje?
  Me diz que não acabou de verdade.
  Suspirei. Longo. Pesado.
0
Comente!x

  Não era sobre ciúmes. Era sobre ausência. Sobre o que a gente deixou morrer aos poucos e fingiu não ver. Ela nunca quis entender de motores, curvas, classificações. Mas talvez porque eu nunca abri espaço pra ela fazer parte disso.
0
Comente!x

  Deixei o celular de lado. Era mais fácil conversar com um carro do que com alguém que ainda te amava... mesmo quando você já não sabe mais amar de volta.
0
Comente!x

  Fechei os olhos por um instante, e o rosto da %Isla% atravessou minha cabeça. Concentrada. Em silêncio. Não sorria, não bajulava, não pedia nada. E talvez fosse por isso mesmo que ela me desarmasse tanto.
0
Comente!x

  O quarto estava escuro, o celular jogado de lado e a minha cabeça… um caos.
0
Comente!x

  Como se cada pensamento gritasse mais alto que o motor da Ferrari no modo quali. Me virei na cama, encarei o teto. E, como sempre, minha mente correu pra longe demais.
0
Comente!x

  Coletiva de imprensa – 2022.
  Uma sala lotada. Flashs estourando. Repórteres sorrindo demais, bajulando demais.
0
Comente!x

  — “Charles, mais uma pole. Três vitórias seguidas. Como você faz isso parecer tão fácil?”
0
Comente!x

  — “Trabalho em equipe, muito foco… e talvez um pouquinho de talento.”
0
Comente!x

  Todo mundo riu. Até eu ri. Aplaudiam. Me chamavam de prodígio.
0
Comente!x

  "O príncipe da Ferrari."
0
Comente!x

  Avanço alguns anos.
0
Comente!x

  Coletiva de imprensa – agora.
  Cadeiras vazias no fundo. A expressão dos jornalistas era mais curiosa do que entusiasmada.
0
Comente!x

  — “Charles, você acha que o problema é o carro… ou você?”
0
Comente!x

  — “A gente ainda tá analisando. Não existe só um fator.”
0
Comente!x

  — “Mas você tem cometido mais erros. Algum motivo específico?”
0
Comente!x

  — “Pergunta seguinte.”
0
Comente!x

  Não riram dessa vez.
0
Comente!x

  Anotaram.
0
Comente!x

  As manchetes no dia seguinte não falavam de estratégia, nem de falha mecânica. Falavam de mim.
0
Comente!x

  “Charles Leclerc vive pior fase na Ferrari.”
0
Comente!x

  “Pressão interna cresce.”
0
Comente!x

  “Estrelismo ou crise de confiança?”
0
Comente!x

  É assim que funcionava. A imprensa te erguia como se você fosse uma estátua… e depois torcia pra ver a queda. Talvez o mais irônico seja que, em nenhum dos dois cenários, eles realmente me conheciam. Nem no auge, nem no fundo do poço.
0
Comente!x

  E o mais triste? Talvez eu também não.
0
Comente!x

  A batida na porta veio seca e insistente. Como tudo naquela manhã.
0
Comente!x

  — Leclerc? Matteo pediu que você vá à sala de estratégia. Agora.
0
Comente!x

  Revirei os olhos antes mesmo de sair da cama. Claro, porque o dia ainda podia piorar.
0
Comente!x

  Me arrastei até o espelho, passei a mão no cabelo só pra tentar parecer minimamente funcional e vesti o moletom da equipe — o zíper já meio emperrado, o emblema começando a apagar. O celular vibrava na cômoda, pulando com tantas notificações que parecia impaciente. Não li nenhuma.
0
Comente!x

  As mensagens da Alix ainda estavam lá. Silenciosas, espaçadas. E eu já tinha passado da fase de responder por obrigação.
0
Comente!x

  Desci com passos firmes, o tipo de andar meio arrastado, meio ensaiado. O tipo que diz: sim, eu tô aqui, e não, não quero conversar. Sabia que estavam me observando, sempre estavam.
0
Comente!x

  Quando entrei na sala de estratégia, três pessoas estavam sentadas à mesa: Matteo, dois engenheiros de dados e ela.
0
Comente!x

  %Torres% estava sentada com a coluna ereta, a prancheta no colo, a expressão indecifrável. Como se aquilo fosse apenas mais um item da agenda, como se minha presença não significasse absolutamente nada, como se eu fosse invisível.
0
Comente!x

  Me sentei sem dizer uma palavra. Matteo começou o briefing com sua habitual frieza cirúrgica.
0
Comente!x

  — Detectamos instabilidade persistente nas curvas médias desde a última etapa. A telemetria sugere que o problema pode estar relacionado à resposta da suspensão traseira, combinada com a pressão de acoplamento irregular no torque lateral.
0
Comente!x

  Ele virou a tela pra mim. Gráficos coloridos, números em cascata, como uma versão técnica e angustiante de uma obra de arte abstrata. Eu reconhecia o padrão e reconhecia o tom.
0
Comente!x

  — %Torres% encontrou um ponto de desgaste que passou batido nas últimas três revisões. Ela sugeriu um ajuste técnico na flexibilidade do eixo traseiro.
0
Comente!x

  Lancei um olhar breve — e gelado — na direção dela. Ela não se moveu, piscou ou não me deu nem o prazer de parecer desconfortável.
0
Comente!x

  — Encontrou um ponto de desgaste ou… só achou um lugar pra deixar a sua marca pessoal no meu carro? — disparei, a voz baixa, mas cortante.
0
Comente!x

  Dois segundos de silêncio. Matteo pigarreou, um dos engenheiros apertou os lábios. %Isla%? Nem uma reação.
0
Comente!x

  — Os dados indicam melhora na estabilidade com o ajuste sugerido. Já aplicamos no simulador, e os resultados foram satisfatórios — Matteo completou, com a objetividade de quem não queria entrar em atrito… mas também não pretendia voltar atrás.
0
Comente!x

  — Ah, claro — ironizei, encostando na cadeira com o corpo tenso. — Se o simulador aprovou, então tá tudo certo. Vamos ignorar os dois anos de sintonia que eu tive com a equipe anterior. Jogar fora. Substituir. Atualizar. Tudo em nome do palpite da novata.
0
Comente!x

  Um dos engenheiros tentou suavizar. A voz veio quase conciliadora:
0
Comente!x

  — Não foi palpite. Ela fez a leitura com base no padrão de desgaste progressivo dos últimos treinos. A análise foi… impressionante, na verdade.
0
Comente!x

  Impressionante.
0
Comente!x

  Claro.
0
Comente!x

  A nova queridinha.
0
Comente!x

  — Tá ótimo — murmurei, me levantando tão rápido que a cadeira quase arranhou o chão. — Quando o carro quebrar na curva cinco, pelo menos a gente já vai saber quem culpar.
0
Comente!x

  Ela não respondeu.
0
Comente!x

  Não justificou.
0
Comente!x

  Não desviou os olhos.
0
Comente!x

  Apenas anotou algo na prancheta, como quem registrava uma observação qualquer. Como se eu fosse só mais uma variável estatística numa planilha e talvez… eu fosse mesmo.
0
Comente!x

  Mas aquilo queimou mais do que deveria.
0
Comente!x

🏁🛠

  O dia foi um desfibrilador emocional: reunião tensa, treino técnico sem foco, mensagens que não paravam de chegar e um incômodo constante pairando sobre tudo.
0
Comente!x

  O nome e o silêncio dela, o jeito como ninguém se atrevia a defendê-la, ou a enfrentá-la.
0
Comente!x

  Passei pelo box no fim do turno e, claro, lá estava ela. Sozinha, concentrada, com aquela postura que parecia dizer que o resto do mundo era ruído. Trabalhava em silêncio, como se fosse a dona do carro, do meu carro.
0
Comente!x

  Me encostei na bancada, braços cruzados. Olhei por alguns segundos, esperando que ela percebesse, que olhasse, reconhecesse minha presença de algum jeito. Mas não, ela seguia ali. Indiferente. Como se não fosse parte do jogo, ou como se já tivesse vencido.
0
Comente!x

  — Você realmente gosta de fingir que nada te afeta, né? — falei, o tom propositalmente provocativo. — Porque se é uma performance, tá perfeita. Até me convenceu.
0
Comente!x

  Ela não respondeu. Apenas terminou de ajustar o que mexia, girou uma chave com firmeza, e guardou a ferramenta com uma calma quase insultante.
0
Comente!x

  Se virou.
0
Comente!x

  Lenta.
0
Comente!x

  Olhos fixos, expressão controlada.
0
Comente!x

  — Acha que o mundo gira em torno da sua opinião, Leclerc? Parabéns. Descobriu a gravidade.
0
Comente!x

  — Eu só acho curioso como você tem sempre uma resposta pronta… menos quando te desafiam — rebati, sem perder o tom. — Fica calada, finge que tá acima de tudo, mas na real? Tá morrendo de medo de errar.
0
Comente!x

  Ela parou. Respirou fundo e, pela primeira vez, não voltou ao trabalho.
0
Comente!x

  — Medo de errar? — repetiu, devagar, como quem digeria uma ofensa antes de triturá-la.
0
Comente!x

  O sorriso que se formou nos lábios dela não tinha humor, e sim raiva e história.
0
Comente!x

  — Você tem ideia do que é trabalhar num lugar onde todo mundo espera que você falhe… só pra confirmar o que já pensam sobre você?
0
Comente!x

  — Seja bem-vinda à Fórmula 1 — respondi, sarcástico. Quis soar cínico, mas ela não deixou.
0
Comente!x

  A voz dela subiu um tom. Não gritou, mas cortou o ar como uma faca afiada.
0
Comente!x

  — Não. Bem-vindo ao mundo real, Charles. Onde mulher tem que ser três vezes melhor pra ser tratada como se fosse mediana. Onde você pode jogar um rádio na parede, xingar engenheiro, sair bufando do carro… e no dia seguinte ainda ser chamado de “gênio passional”.
0
Comente!x

  Ela deu um passo à frente. Só um, mas parecia que a sala inteira se inclinava com ela.
0
Comente!x

  — Eu tô nesse box há dois dias e já ouvi mais insinuação nojenta do que você provavelmente ouviu em toda a sua carreira. E sabe o que eu fiz? Nada. Trabalhei em silêncio. Corrigi erros atrás de erros que ninguém viu. Mexi num carro que você não quis tentar entender. Mas você… você acha que tem o direito de me chamar de insegura?
0
Comente!x

  Silêncio. Nem as ferramentas tilintando ao fundo. Nada. Só ela, ali. Respirando com raiva e firme, mas era mais do que raiva, era um tipo de exaustão que vem de uma vida inteira sendo desacreditada.
0
Comente!x

  — Você não me conhece. Não sabe do que eu abri mão. Do que eu tive que engolir pra estar aqui. E, sinceramente? Eu não preciso da sua aprovação.
0
Comente!x

  Ela deu o último passo. Ficou a poucos centímetros de mim. O olhar dela tinha um tipo de fogo que não queimava por fora, mas deixava cinzas por dentro.
0
Comente!x

  — Eu só preciso que o carro não quebre. E ele não vai. Porque você tá nas minhas mãos, Leclerc. Quer goste disso ou não.
0
Comente!x

  Ela se virou e saiu com a mesma precisão com que apertava uma peça no lugar certo: firme, sem olhar pra trás.
0
Comente!x

  E eu? Fiquei ali. Com a última frase dela ecoando na minha cabeça, mais forte que qualquer motor em rotação máxima.
0
Comente!x

  Você está nas minhas mãos. Quer goste disso ou não.
0
Comente!x


  Nota da autora:
  Esse capítulo foi pura treta, caos emocional e ego batendo na parede a 300km/h. Aqui vocês conhecem o Charles no modo “não mexe no meu carro e nem na minha vida” todo fechado, cheio de opinião, achando que o mundo gira no eixo dele. A %Isla% chegou com chave de boca e personalidade, e ele? Tá surtando por dentro. Mal sabe ele que esse embate ainda vai virar incêndio. Me digam o que estão achando nos comentários! Beijos 🛠️🔥

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest
1 Comentário
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Lelen

Tá, agora com o POV do moço eu consigo não pegar tanto ranço assim dele – corta pro próximo POV da Isla e eu querendo matar o pobre kkkkkkk.
O engraçado é que os dois tão praticamente no mesmo barco, lutando pra conseguir o seu lugar no mundo. Mas desculpa, Charles, a Isla tem o trunfo do “ser mulher”. Tu pode tá sofrendo a injustiça que for, sendo caçado pela imprensa e sendo falado até, mas a mulher tá sofrendo 10 vezes mais só por ser mulher.
AGORA EU QUERO VER A CORRIDA. TÔ TORCENDO PRA DAR TUDO CERTO E A ISLA ESFREGAR NA CARA DELE QUE ELA NÃO TÁ AQUI PRA BRINCAR. Mas ao mesmo tempo eu tô com medo de ser oportunidade pra drama e NÃO DAR certo esse trabalho T_T

Todos os comentários (5)
×

Comentários

Você não pode copiar o conteúdo desta página

1
0
Adoraria saber sua opinião, comente.x