Capítulo 9
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Princess chegara em seu endereço pouco tempo depois. Usou a escuridão de sua rua vazia pra entrar em casa rapidamente, trancando o portão em seguida com a quentinha que seria o lanche de sua família e os calçados na mão.
Contou para a mãe e a irmã como fora o show, lhes mostrando fotos e vídeos. Tentou em vão disfarçar sua alegria por receber de Kalisto pela primeira vez em anos um beijo. Elas logo notaram o quão efusiva estava, um pouco mais radiante que o normal. Além disso, a demora em se desmontar também fora questionada entre as duas aos sussurros. Geralmente ia direto ou gravar ou se desmontar para curtir os momentos seguintes na presença delas. Dessa vez foi diferente – e havia motivo para isso.
Apesar de não ter se transformado num beijo, o selinho serviu para tomar uma decisão sem pensar nas consequências. Poderia gerar problemas futuros, mas também poderia ser o primeiro passo significativo em sua concepção para sair daquele limbo onde se colocaram.
Portanto, após estar devidamente alimentada e contar para a mãe e a irmã como fora o show, ainda com sua roupa de dormir no braço, às quase onze horas da noite daquele sábado, desbloqueou o número de Kalisto e lhe enviou uma mensagem em seguida.
“Acho que não terminamos a nossa conversa como ambos desejaríamos. Gostou do meu show hoje?” Não a enviou de imediato. Primeiro retirou a lace, a maquiagem e as unhas antes de se despir. Só então a mandou com o coração acelerado pelo nervosismo e carregado de medo.
Demorou no banho mais que o normal, ansioso com o que poderia ou não encontrar enquanto ouvia músicas latinas tocando no celular.
Só quando se deitou com um conjunto antigo tomou coragem para mexer no aparelho telefônico. Quase perdeu o ar ao senti-lo vibrar e aparecer a notificação da mensagem nova.
“Olha quem apareceu. Ainda bem que me enviou mensagem porque estava cogitando seriamente se te mandava mensagem ou não. kkkk. Bem, eu achei que estava uma gostosa do caralho em cima daquele palco.” “Quer dizer, então, que a minha arte engloba apenas a minha beleza? Chocado! #brincadeiraaaaa “Chocado fiquei eu te vendo ali. Já vinha te acompanhando nas redes sociais, mas não imaginava que era tão bom no palco. Você é ótimo/ótima” “Pensei que o seu namoradinho estivesse por lá.” “Ele nunca me acompanha. Na verdade, não apoia meu trabalho.” “Hum... Definitivamente esse pau no cú não sabe te apreciar. Manda esse filho da puta pra puta que o pariu! Escroto pra porra.” “Como deixar claro que não gosta de uma pessoa em poucas palavras.” “o.0 Será que agora vamos voltar a nos falar? Não me pareceu que tenha ficado desconfortável na minha presença lá na Portela – pelo menos foi o que a Princess demonstrou, principalmente depois de me provocar do jeitinho como só você sabe seduzir.” Agradeceu aos céus pela conversa acontecer por meio de troca de mensagens. A face quente denunciou o quanto ruborizara, além do sorrido bobo que desenhou os lábios rosados.
“Consequência sua, meu bem. Quem mandou me secar daquele jeito? Por enquanto podemos manter as interações por aqui? Facilitaria a minha vida horrores. Até pra evitar de dar explicações pra outras pessoas, vulgo meus amigos. Se bem que, se eu não posso contar pra eles, provavelmente é um sinal claro de que não era pra eu fazer isso. Enfim, você entendeu!” Se sentia mais seguro daquela forma, dialogando virtualmente. Além disso, ajudaria para o outro não saber as suas reais reações e intenções por não vê-lo enquanto digitava. E poderia dissimular caso algo o abalasse.
“Trégua – sabe-se lá Deus quanto tempo isso vai durar” André viajou no dia anterior ao show de Princess, então, embora não tivesse esse conhecimento, o seu afastamento foi primordial para a aproximação de Rafael com Kalisto.
Como a rotina do ruivo era bastante atarefada, quase não tinha tempo para entrar nas redes sociais. Então, não era surpresa que aproveitaria intervalos onde estava no ônibus, no Uber, no almoço e principalmente à noite antes de dormir para trocar mensagens com o ex, quem aguardava ansioso por aqueles momentos.
Era óbvio que acontecia algo com eles, apesar de não revelarem e tentarem disfarçar para quem estava ao redor.
Os amigos do advogado o notaram com o riso mais fácil e as feições mais leves – principalmente após mexer no celular.
Numa noite de sexta-feira, quando o quarteto se encontrou num barzinho, Gustavo indagou após Miguel e Sérgio irem comprar suas respectivas bebidas:
- Continua fazendo merda, meu amigo?
O homem ainda tinha um sorriso no canto dos lábios enquanto baixava o iPhone.
- Se der ruim, estarei aqui pra dar o meu ombro pra chorar e encher a boca pra falar “eu te avisei”. Se der bom, saio pra comemorar.
A família e as amizades de Rafael o perceberam mais alegre que o habitual e até melhor consigo mesmo – nesse caso acharam que era pela distância do namorado devido a viagem.
Se assemelhavam a dois adolescentes e, a despeito de não admitirem, apreciavam a sensação de borboletas no estômago e aquela expectativa pela chegada de mais uma mensagem.
Na tarde de domingo Victor, Débora, Luana, Nichole, Mia e Morgana estavam na casa da loira para uma reunião marcada no final da tarde, o único horário compatível para todos.
Kalisto pegou o número das pessoas presentes através da amiga, onde criou um grupo no Whatsapp para contar seus planos e organizarem uma comemoração de aniversário surpresa para o ruivo.
Nichole aceitou a vídeo-chamada de do moreno – o único quem não pudera ir para agilizar algumas papeladas do trabalho.
- Finalmente o escroto, quero dizer, babac, quero dizer, Kalisto chegou! – reclamou Luana se ajeitando no sofá.
- Também é bom ver você, Luana. – respondeu resignado.
- Hey! – ralhou por receber uma almofadada nas costas da mais nova – Saiba que ele merece os insultos. Só estou aqui porque é pelo bem maior.
- Amém por isso. – a loira deu a língua.
- Gente, uma pergunta. Todo mundo aqui vai participar?
A concordância foi inânime à pergunta do moreno.
- Então, temos umas coisas pra resolver. – Mia retirava da mochila um caderno com algumas anotações importantes levantadas com a mãe – Hã... – folheou até encontrar a página correta – Lugar, horário, valores, bolo, roupa, decorações, Bruno...
- Calma aí. Uma coisa por vez. – Débora pediu – Lugar. Um momentinho porque acho que tenho uma ideia. – pegou o celular entre as pernas e passou a mexer nele – Lá perto de casa abriu um restaurante ótimo com karaokê. É bonito, o rodízio é bem variado e não é caro. Além disso, costuma ser bem animado.
Encontrou um vídeo do lugar e o mostrou para os demais.
- Ah, está ótimo! – Victor aprovou com olhar clínico – Acho que seria o ideal, inclusive pelo valor. Varia entre frios, petiscos, batata frita, salgadinhos, caldos e uns doces. – deslizava o dedo pela tela lendo o texto – Ainda tem mais coisa. Pelo que eles colocaram no cardápio está barato.
- Costumam abrir às seis da noite. Esse horário está bom, né?
- Sem dúvida. – respondeu Luana bebericando um suco de uva batizado com vodca.
- Além disso o Rafa curte karaokê. – Morgana concordou – Vai se esbaldar na certa. Quero ver quem vai tirar o microfone da mão dele.
O comentário gerou risinhos divertidos.
- Débora, você pode passar lá pra pegar as informações? – o advogado indagou.
- Claro. Amanhã, mesmo, já mando no grupo.
- Ok. Lugar a confirmar, assim como o horário. Pensamos às seis da noite, o horário que o restaurante abre. – a responsável pelas anotações escreveu rapidamente – Roupas.
- Isso pode deixar comigo. – Nichole se prontificou – Sei até onde comprar, mas só tenho tempo aos finais de semana. E onde planejo ir é meio longe porque fica beirando à Dutra.
- Posso ir contigo pra resolvermos isso logo. – Kalisto avisou – Será que no sábado teríamos a roupa pra ele usar?
Quanto mais rápido resolvessem as coisas, melhor. Faltava um mês e meio pro aniversário do pisciano e cada um tinha suas respectivas vidas e afazeres antes de fecharem as questões burocráticas para começar a enviar os convites.
- Ornamentação. – a menina disse – Lá dá pra colocar mesa, Débora?
- Por sorte, dei uma pesquisada com antecedência e descobri que sim. Entretanto, só dá pra contratar uma mulher cujo restaurante tem parceria. Só não perguntei os valores...
- Deixa que isso pode sair do meu bolso. – o advogado a interrompeu.
- Sobre a mesa. – Débora prosseguiu – Vi o cardápio e tem o bolo fake, os docinhos, brownie, varrine, cupcake e mais algumas coisinhas. O bolo comestível não tem mais nenhuma data disponível por estar em cima da hora.
- Eu conheço uma pessoa que faria. – Victor ajeitava o fecho da pulseira – A mãe de uma amiga faz uns doces divinos pra aniversário. Ela tem a opção do bolo redondo normal, ele servido em tipo marmitinhas e em fatias enroladas num plástico. Na minha humilde opinião, esses dois últimos são melhores porque não vão dar o trabalho de cortar. Será só distribuir pro pessoal. É bem mimosinho e me falou que tem disponibilidade, sim, pra data.
Discutiram sobre os sabores até chegarem à conclusão de que a escolha de dois sabores seria boa – o primeiro seria de massa de cacau com os recheios de brigadeiro cremoso e ninho com óreo e outro seria massa branca com recheio de morango e creme belga.
- Pode fechar com ela, então?
- Já vou enviar a mensagem. – logo apanhou o celular no bolso.
- Eu fico com os docinhos e os varrines. – Luana avisou – O Rafa adora tons como azul, rosa e roxo, então acho que podemos fechar a mesa com essas cores.
- Eu pago pelo bolo fake. – Débora avisou.
- E eu os cupcakes. – a outra bailarina de Princess falou.
- A minha mãe disse que os pratinhos, talheres e coisas assim a gente pode levar. – a garota avisou enquanto anotava – E o Bruno, gente?
- Falei com ele e não está muito bem de grana nos últimos meses. – contou Nichole – Conseguiu só uma parte da passagem.
- Avisa que eu arcarei com o restante. – o moreno avisou anotando algo num papel – Deb, me passa o endereço desse lugar assim que fechar com eles.
- Amigo... – Débora falou – Não vai ficar pesado pra você, não? Já tem seus gastos, os boletos dos seus pais...
Após pensar por um instante, avisou com um leve sorriso:
- Amiga, a felicidade do Rafael é o mais importante pra mim nesse momento. Não estarei lá, por isso estou me esforçando para que tudo saia perfeito. Ele merece.
No primeiro sábado após aquela reunião Kalisto foi com a equipe de Princess para o lugar onde Nichole indicou.
A Cidade da Moda, beirando à Dutra, na Baixada Fluminense do Rio de Janeiro era conhecida pelas inúmeras lojas de roupas, calçados, bolsas e tudo referente à vestuário. Englobava desde lojas para bebês até adultos, onde qualquer pessoa encontraria roupas adequadas para os mais diversos eventos.
E foi ali onde o quarteto passeava a procura da roupa ideal para Rafael passar seu aniversário.
- O que acha dessa? – Nichole retirava uma calça lilás do cabide para visualizar melhor.
- É linda. – comentou Morgana ao avalia-la.
- O tecido é leve. – Victor tocava a peça – Então o Rafa não vai ter muito problema com calor. Só a acho um pouquinho larga pra ele.
- Posso dar uma apertada básica nela na máquina de costura. Aí ficaria ideal. O que acha? – a direcionou para o moreno.
- Só ia comentar sobre a largura, mas, já que vai apertá-la, está ótimo. Até combinará com as cores da mesa.
- Agora só falta a parte de cima e o calçado. – Morgana avisou após efetuarem a compra segurando a sacola.
- Kalisto, a gente pode vir nessa loja aqui. – apontou para uma loja bem bonita – Chegaram umas novidades ótimas na semana passada.
- Sim. Eu só vou ao banheiro com o Vick e encontro com vocês daqui a pouco.
Morgana deixou a sacola com a amiga antes de se distanciarem.
Os dois entraram na loja, onde pesquisavam entre blusas e camisas para compor o melhor possível com a calça.
- Você tem alguma coisa que não seja completamente fechada? – pediu pra vendedora recebendo um olhar de esguelha da loira – Sei lá, transparente, decotada, com a barriga pra fora... Algo assim.
- Sim. Um minuto que vou buscar.
Aproveitando que ficaram sozinhos para começar:
- Você conhece bem o gosto do Rafa. – comentou olhando as araras.
- Ah, a gente conviveu um tempo junto. Não é nada de demais.
- Não é nada de demais? – desdenhou com uma careta – Você está organizando tudo isso. Poderia agora estar descansando no conforto da sua casa, numa praia ou curtindo um tempo a sua família.
- Ele era um bom amigo pra mim. – deu de ombros.
- É. Amigo tão bom que colocava no cú dele, né?
Por não esperar pela frase caiu na gargalhada.
- Cara, é sério. Tipo, quem deveria estar organizando esse aniversário era o André.
- Se o namoradinho do seu amigo se importasse com ele, sem dúvida.
- Pois é. Já conversei com o Rafa sobre, mas não me escuta.
- Hum... E por que o filho da puta não está por aqui e nem poderá ir?
- Trabalho. Foi viajar a trabalho e só volta dentro de um tempo.
- Ninguém sabe. A praga ruim não sai de casa direito e, de vez em quando, faz umas viagens assim do nada.
O advogado franziu o cenho estranhando aquele cenário.
- Tem certeza que não vai, menino?
- Tenho. Vai ser o melhor. – era notável o leve tom de melancolia.
- Talvez ele fique desconfortável com a minha presença.
- O Rafael não vai sentir falta daquilo que não sabe. – a interrompeu num tom onde encerrava o assunto – E acredito que ele tem ótimos amigos ao ponto de não mencionarem o meu nome, principalmente que estive envolvido na elaboração da festa.
- É claro que jamais contaríamos. – a mentira não poderia soar mais verdadeira.
- Eu só peço que entregue um presente meu como se fosse seu. Já está comprado e na mala do meu carro. Antes de te deixar em casa te entrego. Se assegure que o abra quando estiver, no máximo, em família ou contigo, o Victor e a Morgana.
Ela cumpriria, sim, o acordo – em partes.
Em questão de minutos encontraram a roupa ideal após a vendedora chegar – uma blusa transparente com pedrinhas espalhadas. Para ter certeza, Nichole retirou a calça lilás e a colocou sob a peça. Combinaram perfeitamente.
Victor e Morgana voltaram com um par de brincos discretos enquanto Nichole passava o cartão.
Compraram um par de tênis brancos antes de irem embora.
Ao segurar o presente de Rafael, Nichole teve a mais plena certeza de que burlaria o acordo verbal entre eles sem peso na consciência.
Assim que Débora teve a confirmação do restaurante e fechou o contrato, Kalisto foi no dia seguinte conversar com o responsável pelo estabelecimento. Óbvio, escolhera seu melhor terno e estava mais imponente que o comum para tratar do assunto de extrema seriedade com o dono.
Contou que o aniversariante era gay e que, embora o advogado não estivesse presente no dia, havia amigos dentre os convidados que lhe avisariam com riqueza de detalhes caso houvesse qualquer tipo de desconforto por parte dos funcionários – ou seja, episódios de homofobia.
- Você está me ameaçando? – o loiro estava completamente ultrajado.
- Longe de mim. Apenas sendo cordial o suficiente para lhe deixar de sobreaviso que, caso o meu cliente sofra homofobia no seu estabelecimento, o responsável vai arcar com as consequências, independente de ser você, o cozinheiro ou até mesmo quem limpa esse chão. – o avisou numa voz baixa, transmitindo severidade, imponência e frieza – Tenha uma boa tarde.
Kalisto se levantou para ir embora. Após dar o quinto passo, parou subitamente.
- Ah, já ia esquecendo. – virou-se para o homem, quem estava aborrecido – Mude a escala. Coloque o Said ao invés do Pedro para trabalhar no dia. Já dei uma olhada na ficha do Pedro e não é das melhores, principalmente por ter passagem pela polícia por homofobia. No seu lugar pesquisaria melhor acerca das pessoas quem contrato. Afinal, isso evitaria muitos problemas futuros.
Só então passou pela porta, deixando o outro perplexo.
Citou os dois empregados como forma de demonstrar que sua ameaça era verídica – e o homem a compreendeu perfeitamente.
Rafael passou seu aniversário em família no período diurno.
Foi liberado por Cacá às onze da manhã, o permitindo desfrutar de um almoço maravilhoso na companhia da mãe e da irmã.
Às quatro e meia Victor, Larissa e Nichole passaram em sua casa o chamando para sair. Nichole o presenteou com a roupa comprada com os amigos, Victor o tênis e a outra os brincos discretos. O ruivo não hesitou em estrear o look novo para irem ao lugar indicado junto com a mãe e a irmã.
Passou um brilho discreto nos lábios, rímel, fizera delineado gatinho e passara blush. A maquiagem era natural, realçando a sua beleza e o deixando com feições mais delicadas.
Ao chegar lá, derramou algumas lágrimas de emoção quando viu praticamente todos os amigos e familiares próximos numa mesa para quase cinquenta pessoas. Colegas de trabalho, parentes e até Bruno, quem morava em São Paulo há quase três anos, estavam presentes. Foi parabenizado e abraçado pelos convidados em meio a felicidades, choro de alegria e risos.
A irmã era a responsável por guardar os presentes, porém Nichole não entregou um em especial cuja identidade pela escolha e compra mantinha-se anônima.
Junto a Victor, Débora, Antônio e Morgana conseguiram tira-lo dos braços das pessoas por um momento. O levaram para perto do palco onde uma dupla cantava para terem privacidade.
- Gente, eu não estou acreditando até agora. – os olhos estavam marejados de tão extasiado.
- A gente está vendo, menino. – Débora lhe dava um carinhoso abraço estando atrás do menor, lhe enchendo de beijinhos na bochecha.
- E essa roupa ficou maravilhosa, né? – Victor aprovou com um sorriso – Realmente, ele conhece bem o seu gosto.
- Ele? – pestanejou confuso enquanto a morena se colocava ao seu lado, segurando a mão de Antônio.
- Sim. – o albino usava uma camisa social branca com calça jeans – O Rafael ainda não sabe de nada? – murmurou na orelha de Débora, quem apenas acenou um não antes de encostar a cabeça em seu braço.
- Amigo... Temos mais um presente pra você. – Morgana avisou enquanto a outra lhe entregava a sacola branca e bem sofisticada.
- Gente... – pela embalagem dava pra perceber que o conteúdo era caro – Isso aqui não foi caro demais, não?
- Provavelmente foi, mas não saiu do nosso bolso. – Antônio contou.
- E não foi comprado e nem escolhido por nenhum de nós. – completou Victor.
- Aliás, essa festa não estaria acontecendo sem o ponta pé inicial de uma pessoa. – avisou Nichole ansiosa – Pessoa essa quem concordamos que poderia estar aqui também, mas insistiu em não revelarmos seu nome. Ela só não faz ideia do quanto eu sou uma pequena cara de pau, então estou pouco me fodendo pra essa vontade da criatura.
- Calma aí. De quem estão falando?
- Kalisto. – revelou Débora – Foi ele quem deu a ideia de organizarmos o seu aniversário. Foi o responsável também pelo pagamento de algumas coisas junto com a gente.
- Assim como pela compra desse presente. – Antônio apontou para a sacola.
- E também por trazer o Bruno, já que o B estava apertado de grana. – lembrou o amigo.
A informação demorou para ser processada pelo seu cérebro enquanto pestanejava. Simultaneamente seu coração transbordou de emoções intensas, quase o deixando atordoado.
- O Kalisto? Por que ele faria isso? – indagou num fio de voz.
- O motivo você sabe, Rafa. Há muito tempo, inclusive. – Débora lhe afagou de leve o ombro.
- E eu também acho que falta mais alguém aqui que é tão importante pra você quanto ela é pra você. – Victor o encarava com afeição o rosto carregado de assombro e incompreensão.
Nichole, quem havia pegado o celular do amigo em cima da mesa, o estendeu na direção do ruivo.
Lívido, o apanhou lentamente antes de efetuar uma ligação.
Quando foi atendido ao terceiro toque, se afastou para ter um pouco de privacidade.
- Kalisto? Está ocupado hoje?
Rafael cantava A Flor e o Beija-flor no karaokê, então tinha a plena visão do lugar. As pessoas conversavam, batiam fotos, se serviam ou eram servidas. A noite estava sendo ótima e podia enxergar um possível casal bem promissor se formando quando Antônio puxou Débora para dançar consigo em seus braços a música romântica. Presenciou o primeiro beijo se lembrando de como foi quando transou com Kalisto pela primeira vez.
Era jovem e cheio de vida quando se conheceram. Sua vivacidade, felicidade, alegria e leveza ao lidar com as dificuldades cativaram o futuro advogado de pouco a pouco, à medida que interagiam e conviviam. Com o passar do tempo não deixavam de se falar. Quando não o podia ser presencialmente, trocavam mensagens – inclusive noite afora, independente do sono ou se havia algum compromisso no dia seguinte. A troca era significativa, assim como a disponibilidade oferecida. Não imaginava como a sua relação estava tão profunda – só teria essa concepção quando estivesse em sua cama pela primeira vez. Não era inexperiente. Sabia o que fazer e como tocar para dar prazer, assim como sabia igualmente do que gostava. Porém, com aquele advogado, era diferente. Logo na primeira noite quando transaram, envoltos na escuridão e com o quarto sendo iluminado apenas sob a luz do lar, amoleceu ao vê-lo sem camisa. Por debaixo das roupas era firme, musculoso e de grandes proporções, capaz de proteger quem estivesse ao seu redor. Quando foi puxado para um beijo cuidadoso e exploratório ajoelhado no colchão, mais tarde agradeceu por já estarem na cama. Ali perdeu a firmeza nos joelhos ao ser tomado pelo calor exalado pelo outro quando foi abraçado por debaixo por outro. O toque das mãos, a sensação de pele com pele, a língua e os lábios lhe percorrendo a epiderme era intensa – mais intensa do que jamais experimentara com qualquer pessoa. Kalisto era paciente em demonstrar uma entrega admirável. A lentidão deixava toda a experiência mais pujante, potencializando a união deles. Demorou-se nos pontos mais sensíveis e aprendeu a forma correta de como manuseá-lo com maestria. Se divertiu ao deixa-lo a ponto de se derramar em sua boca diversas vezes. Para a sua frustração, encerrava o estímulo logo em seguida com um sorriso diabolicamente lascivo para, em seguida, prosseguir. Rafael ficou à beira da loucura com a brincadeira e se agarrou ao travesseiro quando finalmente lhe foi permitido gozar. Em seguida o beijou com devoção, a língua invadindo a boca rosada com afeto. De vez em quando, graças a movimentos circulares, o ouvia gemer contra seus lábios o agarrando ainda mais. Separou-se para admirá-lo, ambos sorrindo satisfeitos pelo momento de intimidade – e mais além disso, amor. Rafael afundava os dedos naqueles cachos macios sorrindo com o olhar carregado de um brilho diferente, característico de quem amava. Kalisto, por sua vez, o tocava no rosto. Usou o indicador para traçar o desenho da bela face numa tentativa inconsciente de manter a memória afetiva viva em sua mente. Ao entrar nele, ambos se sentiram pertencentes um do outro. A troca de olhares e carinhos repletos de amor aumentou ainda mais as sensações dos corpos sensíveis e carentes, pela primeira vez os incendiando devido a união. Não só parecia, como também era o certo de acontecer em meio aos gemidos, arranhões e apertos. Não tinha como aquilo resultar em outra coisa além de um relacionamento duradouro carregado de companheirismo, respeito e amabilidade. Kalisto ia e vinha com os quadris, quebrando o contato visual apenas quando o beijava sôfrego. Era arranhado, adorando as lamúrias de prazer e o som produzido do quadril se chocando contra a bunda. Em reação, se agarrava nele já sem controle do próprio corpo. Gozaram abraçados, cada um gemendo e arfando, tomados pela áurea de amor e paixão. Rafael, completamente relaxado, distribuía beijos na testa do moreno e lhe acariciava as costas com as pontas dos dedos por alguns minutos. Quando o homem saiu de dentro dele, experimentou uma estranha sensação de vazio emocional, pedindo para o retorno daquela completude – e foi assim que se assustou ao compreender que se apaixonou quando o mais velho deitou a cabeça no seu peitoral e que Kalisto havia lhe amado ao invés de fodê-lo. Não esperava que fosse se entregar daquela maneira pra alguém. Em consequência da escuridão, o moreno não viu como o rosto tornara-se apreensivo com a inesperada descoberta. Ao retornar para a cama depois de ir ligar o ar condicionado, planejava dormir abraçado com o ruivo. Franziu o cenho por vê-lo se virando encolhido para outro lado. Hesitante, deitou ao lado dele. O comportamento destoava. Desde que começaram a conversar, Rafael não fugia dele. Ao contrário. Buscava ter contato físico e sempre demonstrava estar aberto para essa troca sensorial. Portanto, tomou o devido cuidado ao se reaproximar quando retornou para a cama. - Amor? – naquela noite voltou a se referir ao rapaz assim fora do contexto de minutos atrás. De lado apenas via as costas e a nuca – Qual o problema? O segurou de leve no braço, onde o viu se retrair. Beijou o ombro desnudo algumas vezes com total carinho e paciência. - Vamos. Conversa comigo. – suplicou roçando os lábios na região. Aos poucos se virou apenas para encará-lo Um tinha olhos amedrontados. O outro, amorosos e confusos. - Digamos que... – murmurou acariciando o rosto moreno – Entre me expor e me proteger, sempre escolho me proteger. Voltou a se virar porque não era de sua vontade que Kalisto descobrisse seus sentimentos. Sentiu os dedos dele em seu braço num toque carregado de sutileza e o ouviu sussurrar: - Eu respeito a sua decisão, bebê. Não vou invadir o seu espaço. – Rafael fechou os olhos apreciando o afago na bochecha – Apenas peço para não se afastar de mim quando escolher se proteger. O braço desceu para a cintura. Entreouviu o colchão afundar quando o outro se deitou com o peitoral encostado nas suas costas. - Posso dormir assim contigo, meu menino? O aguardou acenar o sim com um único movimento de cabeça. Rafael segurou a grande mão na sua antes de dormirem juntos e abraçados pela primeira vez de várias. Entrou no restaurante ouvindo a voz de Rafael cantar A Flor e o Beija-flor. Escolheu uma camiseta azul marinho cujos três botões estavam abertos, uma calça bege e sapatos pretos.
Carregava consigo uma pequena sacola na mão, apenas uma lembrança que já havia escolhido quando a festa começou a ser organizada e planejava lhe entregar na faculdade.
Ao adentrar no estabelecimento tinha olhos apenas para o palco – ou melhor, para o cantor.
- Ai, que saudade de um beija-flor. Que me beijou, depois voou pra longe demais. Pra longe de nós. Saudade de um beija-flor. Lembranças de um antigo amor. O dia amanheceu tão lindo. Eu durmo e acordo sorrindo.
Cantava com emoção o observando chegar cada vez mais perto, até parar a poucos passos de distância. O discreto sorriso de deslumbramento combinava com as íris brilhantes por, mais uma vez, ter uma oportunidade de apreciá-lo cantar.
Se orgulhava pelo homem quem estava se tornando e, vê-lo ali, tão feliz, cercado pelos amigos e familiares, apenas serviu para reafirmar a importância daquele momento tão bonito. É claro que proporcionaria aquilo para Rafael.
O seu amor falava mais alto que qualquer questão mal resolvida no passado. E jamais se arrependeria de lhe proporcionar dias especiais como aquele.
Ao final da canção, entregou o microfone para o próximo quem assumiria o seu lugar.
Se encaminhou para o ex, quem o recebeu com um prolongado abraço apertado.
- Parabéns, querido. – beijou a têmpora antes de se afastar – Aqui. – lhe estendeu a sacola – Feliz aniversário.
A apanhou e de lá retirou um colar dourado.
- Imaginei que fosse gostar. Vem, deixa eu colocar em você.
Rafael depositou a sacola numa mesa próxima antes de virar de costas.
Após pôr a peça no pescoço, demorou com os dedos na nuca os deslizando vagarosamente.
- Kalisto... – se virou pra ele buscando conter a emoção – Por que? Por que fez isso tudo? – a voz saiu num sussurro rouco.
- As meninas te contaram?
- Sim. Mas... Eu ainda não entendo. Por que?
Buscou escolher as melhores palavras sem se comprometer.
- Simplesmente porque você merece. – secou uma lágrima que teimou de escorrer pelo rosto do rapaz – Eu não ia permitir que ficasse sem comemorar seu aniversário, independente de estarmos juntos ou não.
Não esperava pela réplica.
Puxou o ar num pesado suspiro desviando o olhar com um punho na cintura pra controlar o choro. Definitivamente estava bem sensível naquele dia, principalmente por ter sido Kalisto o responsável pela organização daquela festa.
O vendo tão emocionado, segurou-lhe a mão.
- Rafael... – quebrou ainda mais a distância – Esquece o passado, pelo menos hoje. É seu dia e merece comemorá-lo da melhor maneira. Por que não dança comigo? Vem.
E assim o levou para o meio de um grupo de pessoas que dançavam ao som de Para tu Amor. Rafael o segurou pelo pescoço e Kalisto descansou as destras na fina cintura, onde puderam desfrutar de uma dança lenta e carregada de sentimentos expressados somente pelo olhar e pelas reações corporais.
- Viado, quem aqui vai me explicar o que caralhos está acontecendo?
Bruno indagou quando Rafael sentou-se ao seu lado e Kalisto foi se acomodar mais na ponta da mesa, na companhia de Débora e Antônio.
- Pois eu sei! – Luana parou atrás dos dois – O Kalisto é um filho da puta completamente apaixonado pela smurffete.
- Não é o caralho! – interrompeu o ator mastigando o cachorro-quente – Queria eu um boy assim na minha vida.
- Seja sincero, Rafa. – Nichole se inclinou na direção deles – Acha que vão voltar?
Antes de abrir a boca, Luana replicou:
- Isso é óbvio. A pergunta certa a se fazer é: quando?
- Lua! – o rapaz virou pra ela – Você não vai me deixar responder, não?
- Não porque conheço a senhorita muito bem e vai dar um jeito de mentir ou sair pela tangente. Duvideodó que queira abordar esse assunto com alguém.
- Vaca. – resmungou por ser verdade.
- Eu também te amo. – beijou o topo da cabeça – E como está a vida, menino? – apanhou algumas batatas fritas com o garfo se dirigindo ao paulista.
- Ótima! Acredita que comecei a conversar com uns caras em aplicativo de idioma? Quero melhorar meu inglês. Ainda tenho esperança de conseguirmos ir numa viagem pra Disney.
- Nem fala. Meu sonho de infância é fazer uma viagem assim com vocês. – admitiu Rafael sonhador.
- Mostra aí as fotos. – pediu Victor enquanto Luana surrupiava as batatas.
- Tem medo de conversar com quem não conhece, não? – Morgana bebericava o refrigerante.
- Nem um pouco, mulher. Tem um aqui que até está me deixando meio apaixonadinho. Dá uma olhada. – estendeu o celular sem imaginar que o homem da foto tinha planos muito diferentes para Bruno.
A festa foi maravilhosa. Rafael se divertia e ria como há muito tempo não o fazia.
Não foi surpresa para os amigos mais antigos quando o viram sempre em contato com Kalisto. Fora inserido na conversa com os amigos do rapaz, sendo muito bem recebido. Não deixava de tocá-lo, geralmente com a mão na perna ou de mãos entrelaçadas sob a mesa, escondidas dos demais. Sorriam, deitavam a cabeça no ombro um do outro e sentiam-se confortáveis, quase como se não tivessem passado anos separados.
A irmã de Rafael, observando a interação com Kalisto, convenceu o irmão a cantar com ela uma música da escolha da mais nova.
Portanto, quando foram chamados, logo se encaminhou para o palco. Por sua vez, a jovem foi até o advogado.
- Kalisto, faz um favor rapidinho? Pode ir cantar com o Rafa? Estou ajudando minha mãe com algumas coisas porque dentro de uma hora cantaremos o parabéns.
Semicerrou o olhar desconfiado pela mente ardilosa.
Quando ouviu o instrumental de Sinônimos compreendeu o pedido. Encarou o outro, quem estava com a face rosada.
- Mia, né? – a pergunta do ruivo não poderia ser mais retórica.
- Quanto tempo o coração leva pra saber – começou a cantar quando o viu rir da situação – que o sinônimo de amar é sofrer?
- Só sofre se ficarem separados. – Micaela falou em frente ao palco batendo fotos com um sorriso orgulhoso no rosto.
A cena fora hilária e adorável. Os dois cantavam em meio a risinhos e trocas de olhares significativos. Aos poucos se aproximaram ficando lado a lado, roçando, de forma hesitante, as mãos na cintura um do outro ou na outra destra.
Sentiu um calafrio ao ver a irmã conversando com Bruno, porém logo voltou a aproveitar o momento na companhia do ex.
Afinal, Mia tinha sequer 15 anos. O que a menina poderia aprontar de demais?
- B, sua coisa linda, fofa, amável, adorável e cute do meu coração. – saltitou parando ao lado dele com um sorriso grande demais.
- Já vou logo avisando que estou sem dinheiro. – mastigava o frango à passarinho.
- Quer fazer uma pequena canalhice comigo?
Logo se interessou pela proposta.
- Chamou a minha atenção. – limpou a gordura nos dedos com um guardanapo – Depende. Vai ser divertido?
- Conta o que tem em mente.
Concordou de imediato assim que a ouviu contar seus planos.
- Mia, você não imagina como te amamos. – a abraçou em meio à risadas cúmplices.
Terminaram de cantar Sinônimos com sorrisos tímidos e desceram do palco de mãos dadas.
Na hora seguinte passou batendo fotos com os convidados. Posava com grupos de amigos, familiares, primos e individualmente. Com a mãe e a irmã emolduraria a foto onde, no meio, recebia beijos em cada bochecha com um largo sorriso no rosto. Futuramente, num apartamento bem diferente de onde morava na residência atual, colocaria na sala a fotografia num porta retrato elegante na sala. De vez em quando reclamaria com uma certa gata branca por cismar em se deitar no móvel com medo de derrubar a imagem tão significativa.
Com Kalisto demoraria um pouco mais incentivados por Micaela, a garota e Débora. A amiga gravava boomerangs, a mãe gravava alguns vídeos e a irmã, mais experiente e conhecedora de ângulos, sombras e afins, fotografava.
Com o homem ao seu lado fazia caretas, sorria, colocava a língua pra fora e até mesmo subira em suas costas. O resultado fora beleza, espontaneidade e alegria a cada click, além de diversas piadas e a química natural. Uma em especial emolduraria também. A deixaria na mesa de cabeceira ao lado cama de casal. A mão esquerda do moreno estava no bolso. O outro braço envolvia o aniversariante num abraço, quem cruzara as próprias destras e as repousaria no ombro musculoso. Carregavam sorrisos enormes nas faces.
Faltando meia hora para o parabéns ser cantado, os dois conversavam alegremente com os amigos sentados lado a lado. Relaxados, não se envergonhavam pelo tratamento mais íntimo cujos toques eram frequentes. Não se importavam, inclusive, em dividir suas respectivas comidas nos pratos. De vez em quando trocavam um olhar cúmplice ou acariciavam o braço do outro – o advogado sequer percebeu quando descansou a palma na coxa coberta pela calça lilás tamanha a naturalidade de suas ações.
Quando a irmã e Bruno se levantaram deveria desconfiar das caras travessas. De esguelha os observou indo ao palco. Ao segurarem o microfone o calafrio tomou conta de sua coluna de novo.
- Que foi? – Kalisto roçou em seu ombro notando a súbita mudança na expressão do mais novo.
- Estou com mau pressentimento.
Ao ouvir o instrumental inicial de Evidências, empalideceu – principalmente quando Mia lhe deu um “tchau” discreto mordendo o lábio inferior. Não poderia estar com um ar mais travesso.
Desesperado, pôs-se de pé e gritou para ser ouvido:
- Vocês não vão fazer isso comigo, né?
- Claro que sim. – Bruno respondeu antes da menina começar a cantoria.
- Quando eu digo que deixei de te amar é porque eu te amo.
Compreendendo a situação o moreno quase cuspiu o refrigerante ao gargalhar.
- Quando eu digo que não quero mais você é porque eu te quero. – Bruno se juntou – Eu tenho medo de te dar meu coração e confessar que eu estou em suas mãos. Mas não posso imaginar o que vai ser de mim se eu te perder um dia.
O ruivo continuava petrificado no lugar sem acreditar, imóvel e de queixo caído.
Pela canção ser extremamente popular no país, o público do restaurante voltou a atenção para o palco sem imaginar o contexto do cenário. Se divertiram com Bruno e Mia gesticulando dramaticamente as frases da música numa interação onde alternava entre se encararem e fitarem o rapaz imóvel.
- E nessa loucura de dizer que não te quero. Vou negando as aparências, disfarçando as evidências. Mas pra que viver fingindo se eu não posso enganar meu coração? Eu sei que te amo. Chega de mentiras, de negar o meu desejo. Eu te quero mais que tudo. Eu preciso do seu beijo.
Os dois cantavam a plenos pulmões segurando o riso pela face do rapaz ficar rosada. Aos poucos as vozes das demais pessoas, inclusive as que estavam em outras mesas, se juntou às da dupla num coro potente.
Kalisto puxou-o para sentar-se ao seu lado se divertindo com a falta de reação do mais novo, quem tampava a boca com as mãos envergonhado. Lhe mordeu o pescoço para tirá-lo daquele estado, quem logo se virou para ele com um olhar perdido, envergonhado e carregado de humor.
- Está tímido, bebê? – tocou a ponta do nariz com o indicador.
Em resposta apenas escondeu o rosto no ombro, recebendo um imediato afago nos cabelos.
- Eu me afasto e me defendo de você, mas depois me entrego. – Bruno desceu do palco se dirigindo aos dois fazendo caras e bocas – Faço tipo, falo coisas que não sou, mas depois eu nego. Mas a verdade é que eu sou louco por você. – chegou atrás deles, onde se posicionou – E tenho medo de pensar em te perder. Eu preciso aceitar que não dá mais pra separar as nossas vidas.
Kalisto, entrando na brincadeira que em sua concepção não era uma simples brincadeira já que continha um fundo de verdade, puxou o microfone de Bruno:
- Foda-se. Sou louco por esse menino, mesmo.
- Tá porra, menor! – Luana berrou com a declaração.
- Está funcionando, carai! O homem está admitindo os sentimentos, galera! – Nichole gritou para ninguém em particular.
- E nessa loucura de dizer que eu não te quero. – Débora se juntou a Mia no palco – Vou negando as aparências, disfarçando as evidências.
- Acreditem, não, porque ele está brincando, gente. – o ruivo ria desesperado sem conseguir sustentar um olhar com Kalisto.
Bruno voltou a colocar o microfone rente aos lábios do moreno após identificar um gesto onde o pedia com os dedos:
- O homem admitiu, porra!! – o amigo berrou com o microfone meio afastado comemorando com as outras duas no palco.
Àquela altura todas as pessoas cantavam e comemoravam juntas a declaração.
- Ele não quer mais mentiras! – comentava Bruno enquanto as outras duas acompanhavam a letra – Ele não vai mais negar o desejo. Ele te quer! Ele precisa do seu beijo. Faça ele hablar, Pai! Alelúida!
- Axé! – falou Débora igualmente entregue.
Confuso, Kalisto perguntou pra Rafael secando as lágrimas de tanto rir:
- O que uma coisa tem a ver com a outra?
- Eu não faço ideia. Já entreguei pra Deus há muito tempo. – afastou as lágrimas do riso intenso do rosto angelical com as costas dos dedos.
Achando adorável a reação do rapaz cuja face ainda estava tomada pela coloração rubra, o puxou para um abraço apertado. Em seguida, mordiscou o lóbulo da orelha. Intimamente se satisfez pelas unhas cravarem em sua carne – sinal dado por Rafael quando sentia prazer
Às onze e meia da noite Rafael estava atrás da mesa com os demais em frente a ele para cantar parabéns.
- Gente, nem sei o que dizer. – emocionado, parecia ter recuperado o brilho de outrora, no período de quando os tempos eram mais fáceis – Muito, muito, muito obrigado, mesmo! – cruzou as mãos no peito – Eu posso agradecer milhares de vezes, mas jamais será o suficiente. E principalmente. Kalisto, vem pra cá. – esticou a mão na direção do homem o chamando com gestos.
Sem esperar por aquilo, foi até o aniversariante com um sorriso tímido.
- Eu sei que a ideia inicial veio de você, então acho justo estar aqui ao meu lado nesse momento. – disse voltado para o moreno, quem o segurava pela cintura – Obrigado por ter tornado o meu dia mais especial ainda.
Recebeu um beijo na têmpora cujo registro fora feito por Victor e Mia nos celulares.
A declaração produziu efeitos diferentes nos convidados. Os amigos mais próximos quase davam pulinhos de alegria e alguns familiares encaravam-se constrangidos por saberem que o advogado era ex.
- E o André? – murmurou Jonathan, um dos primos, para Mia.
- Se minhas preces estão sendo ouvidas, no quinto dos infernos. Amém. – a menina se benzeu.
Micaela registou o momento do futuro casal com mais fotos pelo celular enquanto todos cantavam parabéns.
Rafael acompanhou Kalisto até o estacionamento vazio ao lado do restaurante. Era o último a ir embora e, embora insistisse em dar carona para a família, se recusaram.
Durante o trajeto o cheiro adocicado característico de perfumes femininos os envolvia – embora nenhum deles usarem tal fragrância.
- Escuta. – o ruivo o segurou pela mão o impedindo de entrar no veículo – Obrigado por hoje. É sério. Não tenho uma comemoração como essa há muito tempo. Foi importante pra mim. Demais.
- Não me agradeça por isso. Até porque gosto de te ver assim. – entrelaçou-a na sua enquanto, com a direita, o tocou de leve na bochecha mantendo-a ali durante a conversa – Alegre. Sorridente. Bem. – correu os olhos pelo corpo do rapaz o avaliando de cima abaixo – Bonito.
- Kalisto... Por que? Por que organizou tudo isso? – indagou num sussurro amedrontado após alguns instantes em silêncio onde o outro o aguardou paciente.
Demorou para responder, perdido naquele olhar hesitante, carregado de temor e talvez um pouco de esperança.
- Porque, bebê, eu sou um idiota por colocar a sua felicidade acima da minha. – sentiu a visão embaçada pela formação das lágrimas – E eu não iria permitir que ficasse sem comemorar o seu aniversário. Sei o quanto a data é significativa pra você.
Antes que abrir a boca para a réplica, o advogado pediu:
- Vai. Sua família está te esperado. Nos falamos depois.
Inclinou-se para lhe deixar um beijo casto na testa. De olhos fechados relaxaram nos braços um do outro sem perceber quando e quem fez o primeiro movimento para se abraçarem, envoltos naquela áurea palpável que os cercava quando partilhavam de momentos assim, carregados de afeto não verbalizado onde se permitiam simplesmente sentir as emoções se chocarem, misturando-se de maneira a não quererem se afastar, fechados em seu mundo particular.
Com um último beijo na testa o advogado lhe deu as costas, entrou no carro e foi embora.
Não imaginavam que, na semana seguinte, resolveriam pendências antigas graças à sutil interferência de uma moça quem trajava um vestido rendado.
Imaginavam menos ainda que André, num fuso horário diferente, tinha vontade de jogar o celular no chão graças aos stories que viu de seu amigo onde Kalisto aparecia ao lado de Rafael enquanto cantavam parabéns.