Zero Gravity
Escrito por Beatrice Lachest | Revisado por Pepper
Capítulo 1
Já deviam fazer exatos 30°C e eram apenas 07:47 da manhã. Com certeza esse deve ser um dos dias mais quentes de Los Angeles. Enquanto de dia o calor era inquietante, à noite era o frio quem incomodava. Era isso que eu chamaria de estação bipolar. Desliguei o noticiário enquanto me levantava da poltrona branca que estava ao lado do sofá principal da sala. Meu iPhone apitou uma vez e eu logo o atendi, sem me dar ao trabalho de ver quem era.
- ! - A voz de soou alta do aparelho. - E aí, cara?
- Oi, . O que é que foi? - perguntei, me encaminhando para a cozinha da casa.
- Wow! Isso é jeito de se dar "oi" ao melhor amigo, ? Estou magoado. - rolei os olhos, mesmo sabendo que ele não podia me ver. conseguia ser bem dramático quando queria.
- Olá, meu amor. Como foi sua noite? Dormiu bem? E o seu café da manhã? Foi do seu gosto? Quer que eu te faça uma visita? - falei, fingindo uma voz falsamente feminina, enquanto enchia um copo com suco de laranja.
- Obrigado, mas eu fico satisfeito em dormir ao som de Beethoven. - ele disse rindo. - Enfim, eu estou te ligando pra confirmar a festa.
- Vai ser no domingo mesmo? - perguntei, tomando um longo gole do suco.
- Sim, domingo. Vamos todos de carro. Vai ser menos chamativo do que se pegarmos um avião. A gente vai mais cedo, descansa num hotel e depois continuamos a viagem. A festa vai ser na casa da minha prima que mora no Texas. Vamos hoje, para terminar de resolver as coisas por lá.
- Ok, certo. De que horas vocês vão estar saindo? - perguntei, tomando mais um gole do suco que agora estava pela metade.
- Meio-dia. Vamos no carro do . Sabe o Volvo preto? Bem discreto. - eu ri.
- Bem mais discreto que o Porshe amarelo que é seu sonho de consumo.
- Muito engraçado, . - ele debochou, dando uma gargalhada falsa. - Certo. Então, nós vamos passar na sua casa ao meio-dia. Até mais tarde, dude.
- Tchau, . - desliguei o aparelho e o guardei de volta no bolso, terminando finalmente de tomar o suco. Depois de lavar e guardar o copo, resolvi sair um pouco. Ainda faltavam quatro horas para os garotos chegarem e eu estava afim de relaxar.
A brisa de verão era fraca e não tinha efeito nenhum sobre o calor. A praia não estava tão lotada quanto eu pensava que estaria, mas ainda assim havia uma quantidade razoável de pessoas. Ninguém que me reconhecesse. Ótimo. Observando ao redor, avistei uma cena que me chamou a atenção. Uma garota, que devia estar na fase de seus 20 anos, brincava com duas crianças na parte mais rasa da praia. Ela ria alto, ecoada pelas risadas do casal de crianças. Realmente, era uma cena linda de se ver. Após mais alguns minutos brincando e rindo, ela segurou na mão das crianças e saiu correndo para o lado direito da praia, onde saiu da minha vista. Ao olhar o relógio percebi que o tempo havia passado rápido. Já eram nove horas. Resolvi voltar para casa para organizar algumas coisas e esperar os garotos.
E aqui estou eu, jogando uma mochila no banco de trás do meu carro e me encaminhando para o banco do motorista logo em seguida. Aí perguntam: Mas não era pra você ir junto com os outros? Era sim. Mas acontece que o meu querido amigo Maslow acabou furando o pneu do carro quando ele e os garotos estavam vindo para cá, e, assim, eles tiveram que ir em uma oficina.
me ligou dizendo que eu devia ir sozinho já que assim atrasaria menos as coisas. Fim da história.
- Que lindo. Vou viajar sozinho agora. Obrigado, , muito obrigado. - resmunguei baixo para mim mesmo quando parei num sinal vermelho, batendo os dedos ritmamente no volante. Entrei em um atalho, que ficava entre duas avenidas. A rua estava praticamente deserta, exceto por alguns poucos carros parados. Quando finalmente cheguei ao final da rua, vi uma silhueta entrar em meu campo de visão. Pisei no freio o mais rápido que pude, mas isso não evitou que eu atropelasse o indivíduo que acabou caindo no chão. Abri a porta do carro rapidamente e fui até onde a pessoa estava caída. Era uma garota.
- Ai. - ela gemeu, fechando os olhos enquanto se esforçava para conseguir sentar no asfalto, levando uma mão ao pulso.
- Ei, você tá bem? - perguntei exasperado.
- Não. - ela respondeu enquanto tocava a mão. - Meu pulso tá doendo, ai. - quando terminou de falar, finalmente abriu os olhos, me encarando com uma surpresa indisfarçável no olhar. Ela tinha olhos castanhos. Bem claros. E devo dizer, muito bonitos.
- Você sabe quem eu sou? - perguntei, preocupado.
- Sei. O maluco que me atropelou. - ela riu um pouco, tentando se levantar e arrumando a mochila em suas costas.
- Calma, eu te ajudo. - apoiei sua cintura com uma das mãos e segurei sua mão com a outra, ajudando-a a se levantar com cuidado.
- Ah, droga. Meu pulso tá machucado. - ela murmurou.
- Deve ter deslocado. Deixa eu ver? - pedi enquanto me aproximava dela.
- Não precisa. - murmurou, se afastando de mim.
- Eu posso te levar no hospital, pelo menos? - meu tom era cheio de ironia, mas ainda assim a proposta era séria.
- Não precisa. - repetiu.
- Vamos, pode ter deslocado. - ela suspirou, derrotada.
- Tudo bem, tudo bem. Mas se tiver deslocado, a culpa é sua. - A garota apontou seu dedo para mim enquanto falava em tom de ameaça.
- Não tenho culpa se você não sabe por onde anda.
- Eu sei muito bem por onde eu ando, . Você é quem estava muito distraído. - rebateu. Após um revirar de olhos, me voltei para o carro, caminhando até a porta do carona e a abrindo para que ela entrasse. Assim que ela o fez, fechei a porta e caminhei para o lado do motorista, logo entrando no carro.
- Estou te levando ao hospital porque sou um cavalheiro e gosto de ajudar garotas solitárias e indefesas como você.
- Ah, que engraçado. Mas eu não sou uma garota indefesa. - Sua voz emanava a ironia.
- Mas é solitária. - mordi o lábio inferior para prender o riso enquanto dei a partida no carro.
- Quem você pensa que é pra falar comigo desse jeito? - perguntou seriamente.
- , ao seu dispor, senhorita. E você, é? - perguntei, percebendo finalmente que ainda não sabia o nome dela.
- . . - disse de má-vontade, colocando sua mochila em seu colo.
- Certo, . - Ela fez uma careta, cruzando os braços sobre o peito por um segundo, mas logo desistiu. olhou para a mão machucada, mexendo os dedos devagar para ver aonde estava machucado.
- Está doendo muito? - perguntei.
- Claro. - ela murmurou. É, ela não estava muito afim de trocar mais de duas palavras necessárias comigo.
- Já estamos chegando. - falei, ficando em silêncio logo depois. Eu ouvia o barulho de sua respiração entrecortada, do ar-condicionado ligado, dos carros passando ao nosso lado, mas isso era tudo. Chegamos ao hospital alguns minutos depois e eu a acompanhei até a emergência, que estava, inacreditavelmente, vazia.
- O que houve? - uma enfermeira perguntou, olhando para mim. Não devia ser muito mais velha que . Seus olhos eram verdes, os cabelos em um tom de louro claríssimo, que devia ser natural a julgar por suas sobrancelhas que eram apenas um pouco mais escuras que os cabelos.
- Ela acha que deslocou o pulso. - expliquei, apontando , que observava a sala de recepção da emergência um tanto aturdida.
- Venha, querida. - a garota a chamou, a guiando até uma pequena sala branca enquanto eu as seguia, encostando no batente da porta assim que entrei na sala. Lá havia apenas um balcão com materiais usados na enfermagem, uma cadeira simples, duas poltronas, uma maca e uma pia.
se sentou na cadeira, ainda me parecendo um pouco receosa. - Me deixe olhar sua mão. - pediu. estendeu sua mão direita para a mulher, que fez um exame rápido pois, assim que tocou no pulso de , esta protestou com uma expressão de dor no rosto. - É, parece que deslocou. Você vai ter que usar uma tala por alguns dias, apenas para evitar movimentos bruscos no pulso.
- Tudo bem. - ela respirou fundo, parecendo aliviada.
- Um minuto. - a enfermeira, que se chamava Louise, saiu rapidamente da sala. Me aproximei de , tocando seu ombro.
- Está tudo bem? Você está pálida, . - perguntei. Ela suspirou.
- Estou. - sussurrou.
Capítulo 2
- Tem certeza de que você tá legal? - perguntei pela décima vez. mexia inquieta na tala em sua mão, com o pensamento distante.
- Estou sim. - Essa era a sua resposta automática para minha pergunta sempre que eu fazia. Aquilo já estava tirando a minha paciência.
- Caramba, ! Você tá me deixando nervoso. - reclamei. Mais alguns minutos de um profundo silêncio. Nem sua respiração eu ouvia. Eu já havia desistido de tentar obter uma resposta quando ela voltou a falar.
- O hospital. Eu tenho trauma de hospitais. - Sua voz era só um sussurro mas ainda assim eu pude ouví-la. Encarei-a por um breve momento mas logo voltei meu olhar para a estrada.
- Por quê? Ahn, bom, se não quiser me dizer eu vou entender, e...
- Não sei bem. É tudo tão... doentio. Hospital me lembra doença, fraqueza, tristeza. Isso me deixa mal. - admitiu. Apesar de meu olhar estar direcionado para a frente, senti que ela me observava. - Você... Pode me deixar aqui? - ela pediu.
- Ahn? - a encarei, com as sobrancelhas arqueadas.
- Eu preciso pegar um ônibus. E você vai ter que me deixar em algum lugar, não? - perguntou como se o que ela falasse fosse óbvio. E era. Ou eu ia ficar perambulando com ela por Los Angeles?
- Ah, é... Para... Onde você tá indo? - perguntei.
- Zachary. Na Louisiana. Vou passar um tempo lá com meus avós.
- Eu estou indo para o Texas e a Louisiana fica à 8 horas de lá. Eu te levo.
- Não precisa, . - bufou.
- Então me deixa te levar pelo menos numa rodoviária no Texas? - pedi. suspirou derrotada e eu sorri de modo convencido. - Então, certo. Bom, a gente pode conversar por enquanto, que tal? - perguntei com um tom sugestivo.
- Eu ter te confessado um trauma meu e te deixado me levar a uma rodoviária não quer dizer que eu queira ser sua amiga. - ela disse de maneira irônica, olhando pela janela e depois voltando a me encarar com um meio sorriso cínico nos lábios. Tenho que admitir. Mesmo cheio de cinismo, seu sorriso era lindo. Esse simples levantar de lábios fez meu coração parar. Minha expressão devia estar cômica, porque de repente estava rindo alto. - É brincadeira, . Brincadeira. - sorriu brevemente.
- Ah, tá. - murmurei, sacudindo a cabeça por um momento, tentando organizar meus pensamentos novamente.
- Eu posso começar?
- O que você quer saber da minha vida? - perguntei. Meu olhar se mantinha fixado na estrada à minha frente. Já havíamos saído do centro movimentado de Los Angeles mas, ainda assim, haviam muitos carros na pista, e eu já podia ver um congestionamento se formando adiante. Ótimo. Suspirei.
- Quem são seus melhores amigos? - perguntou.
- Os garotos, é claro. , e são os melhores amigos que alguém pode querer.
- Qual o seu maior sonho? - Tive de parar o carro. O congestionamento já estava tomando conta de toda a estrada e nenhum carro se moveu mais que um centímetro.
- É algo meio impossível. - dei uma risada abafada.
- O quê? - ela perguntou, me parecendo interessada, curiosa.
- Eu queria conhecer todos os meus fãs. Cada um. Independentemente de nacionalidade, idade, ou qualquer outra coisa. Queria conhecer todos. Depois disso, eu poderia morrer feliz. - Ela demorou para responder. Achei estranho, então a olhei pelo rabo do olho e percebi que estava encarando o parabrisa com um sorriso escondido nos lábios.
- O que deixa você mais triste? - perguntou finalmente.
- Pessoas que me odeiam. Porque elas não me conhecem. Eu me sinto triste quando as pessoas me julgam.
- Eu não julgo você. - a encarei, com um sorriso surpreso nos lábios.
- Como? - perguntei, sem conter outro sorriso.
- Eu fui com a sua cara. Você parece ser uma pessoa legal, apesar de ter de rever seus conceitos sobre "cavalheirismo". - ela riu.
- Ah, eu posso tentar. - Percebi que o congestionamento ia se desfazendo aos poucos e logo dei a partida no carro. - Minha vez agora?
- O que quer saber?
- Um pouco sobre a sua vida, quem sabe.
- Hm, meu nome é Anne , como você já sabe. Tenho 21 anos e faço faculdade de engenharia. Eu morava em Zachary até dois anos atrás, quando decidi me mudar para Los Angeles. Minha família inteira ainda mora lá. Minha vida é bem tediosa pra falar a verdade. - suspirou, rindo em seguida.
- Tem algum amigo ou amiga? - perguntei.
- Georgina Howe. Minha melhor amiga e colega de apartamento.
- E a sua família?
- Jared e Susan são meus avós, Josh e Helen meus pais, Justin é meu irmão mais velho e Donna é minha irmãzinha mais nova. Além, é claro, da minha tia Emily e meu tio Travis. Não é uma família muito grande, eu sei. Mas eu a amo demais.
- Sua família parece ser bastante extrovertida.
- É, eu não consigo ficar triste perto deles. Eles são tudo pra mim.
- Que horas são? - perguntei, mudando de assunto repentinamente.
- 16:17h. - respondeu. - Ainda temos 15 horas de viagem pela frente. - comentou.
- Pois é. E já vai escurecer. Precisamos procurar um lugar para dormir.
- Estou com fome. Você também? - perguntou.
- Um pouco. - confessei. Ela abriu sua mochila, tirando de dentro dois sanduíches e me entregando um.
- Não precisa, . Eu me viro.
- Pega logo antes que eu te faça engolir com papel e tudo. - Ela estava brincando, eu sabia disso. Mas ainda assim continuou com o sanduíche estendido para mim. Eu o peguei, ainda que hesitante. - Tem presunto de peru, queijo cheedar, queijo prato, alface e tomate. Não tem cebola porque eu odeio e não tem quem me faça comer isso.
O sanduíche realmente estava bom e saciou minha fome. Continuei dirigindo assim que terminei de comer, mas nós não encontramos nada. A estrada ficava cada vez mais deserta, até chegarmos um ponto onde não havia mais carro algum.
- Já está tarde. - comentou, olhando para os lados. Parei o carro um pouco fora da estrada. Não que fosse preciso, já que não havia mais nenhum carro ali.
- Tem razão. Mas não tem nenhum lugar por aqui onde podemos dormir. - Passei a mão no rosto, segurando meu queixo enquanto tentava pensar em alguma coisa. Olhei para , que me encarava com expectativa, e uma ideia me veio a mente. - Já sei.
- O quê? - ela perguntou.
- Você pode achar que isso vai ser um tanto quanto perigoso, mas dirigir nessa escuridão e a essa hora da noite pode ser mil vezes mais.
- . - ela cantarolou impaciente e eu ri. O nervosismo estava visível em minha risada. Se percebeu isso, ignorou totalmente.
- Vamos dormir aqui. - disparei. me encarou, aflita.
- Você enlouqueceu? Isso é mesmo perigoso. É idiotice!
- Bom, a gente pode acordar cedo e sair daqui rápido. Eu não aguento mais dirigir. - joguei minha cabeça no apoio do banco, me inclinando um pouco na direção dela. me encarou por mais ou menos um minuto com a boca escancarada. Por fim, balançou a cabeça brevemente e ergueu as mãos, murmurando baixo alguma coisa sobre "ser atropelado", "hospitais" e "arrependimento". - Vai pra trás.
- Como? - indagou, me encarando com uma ponta de dúvida no olhar.
- Você dorme atrás e eu durmo na frente. - expliquei. assentiu, ainda que hesitante, e passou com dificuldade para o banco de trás do carro. Entreguei a ela sua mochila e ela a minha. Puxei o banco um pouco para trás, de maneira que ficasse meio inclinado. Deitei a cabeça na mochila e fechei os olhos, dormindo quase que imediatamente.
Não acho que tenha dormido por muito tempo. Minhas costas protestavam contra a posição desconfortável em que eu me encontrava, mas não havia sido isso que me acordara. estava inquieta. Não acho que ela tenha sequer conseguido dormir.
- ? - chamei, virando o rosto em sua direção. Apesar de estar escuro, pude vê-la encolhida, abraçada a sua mochila, me encarando surpresa.
- Ah, , me desculpa. Eu acordei você?
- Não, não. Eu estou bem. O que houve? Você não dormiu? - Seu suspiro foi quase inaudível mesmo naquele lugar silencioso.
- Não consegui.
- Por quê? - perguntei enquanto me acomodava no banco.
- Estou congelando. - riu. - Como aqui pode ser tão frio à noite e tão quente de dia? Acho que prefiro o calor. - estiquei minha mão até a parte que estava visível de seu braço e escorreguei para seus dedos, que estavam extremamente frios, como se ela tivesse acabado de por as mãos em gelo.
- Espera. - me espremi para ir até o banco de trás e sentei ao lado de , começando a tirar meu casaco.
- Não, , não precisa...
- Eu insisto. - a interrompi, erguendo um dedo. pegou o casaco em minha mão sem hesitar mais, o vestindo rapidamente. - Vem cá. - puxei para mim, me encostando na porta direita do carro e apoiando sua cabeça em meu peito. se encolheu um pouco mais, respirando fundo uma vez.
- Obrigada. - sussurrou.
- De nada, . - Meus dedos foram para os seus cabelos e começaram a acariciá-los.
- ? - ela murmurou com a voz sonolenta.
- Hm? - murmurei de volta.
- Você pode me chamar de . - E isso foi a última coisa que ouvi antes de cair no sono.
Capítulo 3
Meus olhos se abriram quando senti o sol forte bater em meu rosto. Fechei os olhos novamente. Estava claro. Muito claro. Quanto tempo havíamos dormido? Peguei o celular no bolso com cuidado, para que não acordasse. Eram 8:00h da manhã. Bom, não estava tão tarde quanto eu havia pensado. Meus olhos se desviaram do visor do aparelho para o rosto de . Dormindo sua beleza conseguia ser ainda mais estonteante. Os cabelos meio bagunçados, feições relaxadas e um sorriso contido no canto dos lábios. Tenho certeza de que eu deveria estar sorrindo como um idiota do senior year quando vê a garota mais bonita do colégio pela primeira vez. Meus dedos foram involuntariamente para seu rosto, acariciando sua bochecha levemente.
- ? - chamei. Minha voz estava um tom abaixo de um sussurro normal. Eu não queria acordá-la. - ? - aumentei um pouco a voz, observando enquanto abria os olhos lentamente, se acostumando com a claridade. Quando percebeu onde estava se sentou exasperada ao meu lado.
- Ah. - arfou. - Que susto, . - Minha gargalhada foi instantânea.
- Nossa, sou tão feio assim? Estou ofendido. - arqueei as sobrancelhas.
- Não, não. Eu não disse isso.
- Então quer dizer que eu sou bonito? - perguntei seriamente.
- Ahn? Eu... Eu não disse isso!
- Ou sou feio ou sou bonito, não posso ser os dois, . Decida-se.
- Mas o quê? Ah, ah. Porque você não volta pro seu lugar e volta a dirigir, hein? - falou finalmente, esticando os braços enquanto arrumava o casaco, observando fixamente a sua frente. Prendi a risada enquanto voltei com facilidade para o banco da frente do carro, observando um pouco o parabrisa antes de dar a partida. continuou lá trás, olhando em algo que julguei ser seu celular. O aparelho fazia breves bipes quando ela apertava os botões. O barulhinho seria agradável. Não fosse por eu estar louco para ouvir a voz dela de novo.
- ? - chamei.
- Hm? - ela murmurou. Pelo retrovisor percebi que seus olhos não haviam se desviado da tela do telefone em sua mão.
- Volta pra frente, por favor. Estou sentindo como se eu estivesse sozinho. Ficar sozinho me deixa nervoso. - meu olhar estava fixado na frente da estrada onde já começavam a surgir outros carros, mas percebi quando se moveu para inclinar a cabeça na minha direção.
- E como é que você ia viajar antes de me atropelar? Com Gato de Cheshire? - sua voz não tinha ironia. Apenas uma pontada de algo que eu pude interpretar apenas como curiosidade. Ou seria outra coisa?
- Não, não. Eu estava irritado por ter de viajar sozinho, por isso acabei de atropelando.
- Ah, entendi. Solidão é uma ótima desculpa para atropelamentos de garotas indefesas. - murmurou enquanto passava custosamente pelo diminuto espaço entre os dois bancos da frente, sentando logo em seu lugar. - Satisfeito? - perguntou com um sorriso, arrumando a mochila em seu colo.
- Sim, obrigado. - minha mão direita foi involuntariamente até sua bochecha e a acariciou brevemente. Tive a impressão de vê-la corar, e esse pensamento me fez rir instantaneamente.
- Isso aqui está um tédio. - comentou, disfarçando a timidez na voz.
- Concordo. Hm, já sei. Vamos voltar as perguntas. O que costuma fazer nos fins de semana?
- Gosto de assistir comédias românticas ou ler um livro esparramada no tapete. Quando não faço nenhum dos dois, vou ao cinema com a Georgina ou visito o Children's Hospital. Gosto de ver as crianças. Mesmo tendo a possibilidade de que algum dia, elas não estejam mais lá.
- Isso é bonito da sua parte. - sorri.
- Obrigada. - ela deu um sorriso triste, mas logo voltou a descontraír o clima pesado, como eu já havia percebido que ela fazia sempre que a conversa tomava um rumo mais sério. - E então, não vai continuar com o questionário?
- Hm... - pensei por um minuto antes de perguntar. - Qual a sua música favorita?
- Qual das? - ela destacou o "das" seguido de uma gargalhada.
- Qual a sua música favorita no momento? - corrigi com uma risada breve.
- Eu diria que é... Irresistible. One Direction. - respondeu após um minuto de reflexão. - E a sua?
- No momento, eu ando escutando muito It's Time.
- Imagine Dragons? - indagou.
- Isso. - estalou a língua uma vez, encarando o rádio do carro.
- Qual CD está no seu rádio nesse momento? - perguntou.
- Não faço a mínima ideia. - liguei o rádio e esperei enquanto o rádio começava a tocar You Need Me, I Don't Need You.
- Meu Deus, Ed Sheeran! - ela exclamou, escancarando a boca.
- Gosta do Ed? - ela assentiu. - Temos um gosto em comum, então. - riu e começou a cantarolar a música num sussurro. Comecei a acompanhá-la, e então estávamos os dois cantando mais alto, rindo como duas crianças. tinha algo que eu não saberia explicar. Eu só a conhecia a menos de um dia e já não estava conseguindo pensar em como esse tempo de viagem teria sido insuportável se ela não estivesse comigo. E eu não quero nem imaginar como vai ser quando eu não estiver mais com ela do meu lado. Espera, porque eu estou pensando isso? , você mal conhece ela! Eu não posso estar... apaixonado? Não, não. Devo estar maluco.
- , ! Cuidado. - me tirou dos meus devaneios com certo desespero, e então eu percebi que não estava me concentrando na direção. - O que foi? Você tá bem?
- Estou. Só estou com um pouco de fome. - Não era mentira. Eu estava mesmo morrendo de fome. E acho que ela também estava. A última coisa que comemos haviam sido aqueles sanduíches.
- É, eu também. - ficamos em silêncio por alguns minutos novamente. Odeio isso. Em algumas horas ela vai entrar numa rodoviária e eu posso nunca mais vê-la. Estávamos desperdiçando minutos preciosos com esse silêncio. Eu ia falar alguma coisa, mas ela acabou me interrompendo. - Olha só, lá tem um posto de gasolina. Que conveniente, não? - sorriu, apontando o pequeno posto que havia um pouco mais à frente.
- Vou completar o tanque, e você vai na loja comprar alguma coisa para nós comermos, ok?
- Certo. - parei o carro no posto e pedi que um dos frentistas completasse o tanque. abriu a porta e saiu do carro, me deixando incrédulo enquanto a observava.
- Ei! - chamei. abaixou-se um pouco ao nível da janela e me encarou com as sobrancelhas arqueadas.
- O quê?
- Não vai pegar o dinheiro? - perguntei.
- Eu tenho dinheiro, . Eu trabalho, sabia?
- É claro que eu sei.
- Então por que está perguntando isso?
- Porque eu acho que eu deveria pagar.
- , . Você vive no século XIX, por acaso? Já ouviu falar da emancipação feminina? Eu pago e ponto final.
- Eu posso pagar pelo menos a metade?
- Você não ouviu nada do que eu disse não é? Eu pago e ponto final! - repetiu enquanto dava as costas para mim, ignorando quando eu a chamei. Abri a porta do carro e a segui, entrando na loja pouco depois dela. A alcancei quando ela estava parada perto de uma estante cheia de biscoitos e bolachas. Apoiei uma das minhas mãos entre seu rosto e a estante, o que a assustou um pouco, fazendo-a se virar para mim. - ...
- Tá, eu já entendi. Só vim perguntar porque tá fazendo isso.
- Você está me dando carona, . Sem eu te pedir isso. Eu ia demorar muito mais para chegar em Zachary se estivesse indo de ônibus. E também... - tive a impressão de que, por trás de sua expressão neutra, ela havia corado. - Duvido que eu teria encontrado uma companhia como você. E não estou me referindo a uma companhia como " ", um dos quatro integrantes do Big Time Rush. Estou me referindo a " ", apenas como um garoto normal, divertido de um jeito que consegue me fazer rir com uma facilidade que ninguém mais consegue. O garoto que, nesse dia inteiro, não tirou esse sorriso brincalhão do rosto em momento nenhum. E esse foi o único jeito que eu encontrei até agora de começar a te agradecer, apesar de saber que isso não é nada. - riu brevemente, ainda corada. Eu estava paralisado. Minha boca estava aberta, meus olhos um tanto quanto arregalados e meu coração parecia querer pular da boca. Como essa garota, com essas simples palavras que ela nem ao menos deve ter pensado em me falar, conseguiu fazer com que eu ficasse desse jeito? Com um sorriso bobo reprimido nos lábios, o coração batendo rápido como as asas de um pássaro e fazendo comparações extremamente idiotas, como um garoto que havia se apaixonado pela primeira vez? - Mas, olha, se você souber de alguma maneira que eu possa te agradecer é só me falar, tá? Eu quero muito saber se... - levei um dedo aos seus lábios e ela se calou.
- Sou eu quem tenho que agradecer você, . Não sei como teria sido essa viagem sem você. Não me arrependo nem um pouco de ter te atropelado.
- É, talvez minha mão machucada tenha valido a pena. - ela riu, erguendo sua mão que ainda estava com a tala.
- Ah, e mais uma coisa. Esquece a rodoviária. Vou te levar até a sua casa. - E com isso eu sorri uma última vez e saí rapidamente de perto dela, antes que fizesse alguma bobagem da qual não iria me arrepender depois, de jeito nenhum.
Capítulo 4
Voltamos para a estrada assim que terminou de fazer suas compras. Achei que ela fosse comprar a loja de conveniência inteira, porque ela trouxe muita comida. Ela não me respondeu, apenas me mandava continuar dirigindo sempre que eu lhe indagava o por quê de ela ter comprado comida suficiente para mais uns dois dias.
- Pode parar o carro? - ela pediu.
- Como é? - perguntei, surpreso. Será que ela decidiu ir sozinha?
- , dá pra parar o carro fora da pista, por favor? - pediu novamente, sem maiores explicações. A obedeci, ainda que hesitante. O lugar onde eu parei não era dos mais interessantes. Parecia um deserto, só que tínhamos a pista bem visível, além de uma pequena árvore seca aguardando ansiosamente o inverno e um cânion há uns dois quilômetros de distância. Estávamos, literalmente, no meio do nada. abriu a porta e desceu do carro, arrumando sua mochila nas costas enquanto batia a porta. Eu esperava que ela fosse ao menos se despedir de mim, mas ela repetiu o gesto que havia feito no posto e me encarou com as sobrancelhas arqueadas. - Você não vem? - perguntou.
- Eu? Para onde?
- Você só vai saber se vir comigo. - aquele sorriso, que havia se tornado meu preferido, se formou em seus lábios. Sem dizer mais nada, peguei minha mochila e saí do carro, batendo a porta com um pouco de força e trancando as portas. - Vamos? - A voz de estava bem mais perto do que eu imaginava e isso me fez pular. - Ei, o que foi? Não confia em mim? - perguntou com desânimo.
- Não é isso. É que eu achei que você fosse embora.
- Bebeu, ? Você não vai se livrar de mim tão fácil assim. - ela me empurrou brincalhona, dando uma gargalhada e segurando minha mão enquanto me arrastava na direção do cânion que eu havia avistado. Não demoramos tanto para chegar até lá e, antes que eu a perguntasse porque havia me arrastado até ali, jogou sua mochila no chão e fechou os olhos, respirando fundo enquanto se balançava levemente acompanhando a brisa, rindo enquanto abria os olhos novamente. E foi quando vi aquele brilho estampado em seu olhar, aquele sorriso extremamente cativante em seus lábios e a infantilidade visivelmente presente em sua gargalhada que eu finalmente consegui convencer a mim mesmo que gostava de bem mais do que deveria.
- O que você vai fazer? - perguntei.
- Um piquenique!
- Um piquenique? No meio do nada?
- E tem lugar melhor pra fazer piquenique? - ela se sentou no chão, abrindo sua mochila e tirando dela um pacote de salgadinhos. Eu continuei em pé, encarando-a com incredulidade. - Senta aí, vai. - puxou minha mão para baixo e eu me sentei de frente para ela, olhando para os lados. - Abre a boca. - obedeci e ela colocou um dos salgadinhos na minha boca, rindo. - É comida, , comida. Vai, deixa de besteira. Daqui a pouco a gente vai embora.
Apesar de hesitar um pouco, acabei aceitando. E não me arrependi. Tivemos uma tarde realmente incrível fazendo uma coisa, mas divertida. Comemos, brincamos, rimos, conversamos. Eu, simplesmente, conseguia me sentir normal ao lado dela. Nesse momento, está com sua cabeça apoiada em meu colo, espatifando um pedaço de folha seca enquanto canta num sussurro uma melodia lenta e calma.
- Just know you're never alone, you can always come back home, home, home, you can always come back. - sua voz sumiu de repente, sendo substituída por um repentino sorriso tímido em seus lábios quando ela percebeu que eu a encarava. - O que foi? - perguntou enquanto eu via suas bochechas corarem.
- Nada. - eu ri. - Você tem um sorriso lindo sabia? - comentei.
- . - murmurou, levantando a cabeça de meu colo.
- O quê? Eu estou falando sério.
- Pode ser, mas isso soa estranho.
- Por quê? Eu não posso elogiar seu sorriso?
- Elogios me deixam envergonhada. - ela explicou, apertando os lábios.
- É só um elogio, calma. - eu ri.
- Então, obrigada. - ela sorriu após morder o lábio brevemente e se levantou, dando um tapinha de leve no meu ombro. - Temos que ir, .
- Sério mesmo? - perguntei desanimado.
- Sim, sim. Vamos logo, seu preguiçoso. - tentou me puxar, mas aconteceu exatamente o contrário do que ela esperava. Eu segurei sua mão e a puxei, fazendo com que caísse em cima de mim. Prendi minha respiração. me encarava com os olhos um tanto arregalados. Nossos lábios entreabertos estavam a pouco mais de um centímetro de distância, e eu tive de segurar meu impulso imediato de querer beijá-la nesse momento. , você não tem ideia do que faz comigo, não é mesmo? Comecei a levantar, levando comigo. Ela passou a mão rapidamente na roupa, tirando os resquícios de areia da blusa branca e do meu casaco que ela ainda vestia. - Então, er... Podemos ir?
- Sim, claro. - respondi, a olhando brevemente de cima a baixo disfarçadamente, colocando uma mão no rosto em seguida. Peguei nossas mochilas no chão e as coloquei em um dos ombros, me aproximando dela e jogando meu braço direito sobre seus ombros. - Vem, .
Caminhamos em direção ao carro e eu voltei a dirigir, um pouco mais rapidamente do que antes. Porque eu estava fazendo isso? Em algumas horas chegaríamos em Zachary e eu nunca mais a veria! Eu deveria estar atrasando a viagem. Só que... isso seria certo? Comigo? E se eu estiver mesmo apaixonado e ela não sentir o mesmo? Isso talvez adiantasse meu sofrimento. É, se apaixonar é mesmo uma droga.
- Você tá quieto. - comentou após alguns minutos de estarmos na autoestrada. Já haviam mais alguns carros na pista, sinal de que estávamos chegando a um parte mais civilizada da estrada.
- Só... pensativo. - respondi simplesmente.
- Sobre o quê?
- Nada demais. - suspirei. Mordi a língua para evitar que eu falasse alguma besteira e senti gosto de sangue em minha boca. - Não acho que vá dar tempo de chegarmos hoje. Talvez a gente deva procurar um lugar pra dormir. - comentei.
- Qualquer lugar, menos o carro! - o desespero na voz de me fez rir.
- Nada de carros.
Tivemos sorte hoje. Encontramos um pequeno, mas elegante hotel na beira da estrada. O único problema: Só havia um quarto vago no hotel. Acabei convencendo a dormir na cama enquanto eu dormiria no chão. Ela custou a aceitar, mas por fim acabou concordando, com a condição de que ela pagasse a estadia. Afinal, ela ainda estava "querendo me pagar por a estar levando até Zachary". Já falei o quanto essa garota é teimosa? Hm? Não? Então, é a garota mais teimosa que eu já conheci em toda a minha vida.
- Até que o lugar é organizado. - comentei, observando o pequeno quarto onde íriamos dormir. Era aconchegante. Havia uma cama de casal no centro do quarto, um pequeno banheiro na parede frontal a entrada, uma pequena poltrona, um armário médio de madeira e um tapete macio no chão. Ótimo, assim eu não teria de dormir na madeira dura que era o piso desse lugar. Joguei minha mochila e a de na poltrona, me virando para encará-la em seguida. - Então, hm...
- Eu vou tomar um banho antes de dormir.
- Eu também. Vou... arrumar uns lençóis aqui.
- Tudo bem. - sorriu brevemente e pegou novamente sua mochila, se direcionando ao banheiro e fechando a porta assim que entrou. Peguei três lençóis no armário. Dobrei dois deles e os coloquei no chão de maneira que servissem como colchão. Peguei um dos travesseiros na cama e o coloquei no topo de meu colchão improvisado, jogando o outro lençól em cima deste. Observei com satisfação meu trabalho terminado e ouvi o barulho da porta se abrindo quando saiu do banheiro, vestindo uma jardineira cinza e uma camiseta preta do Ramones. Ela sorriu para mim e direcionou seu olhar para meu trabalho terminado. - Wow. Depois dessa, você devia larga sua carreira de cantor e virar engenheiro de camas improvisadas. - brincou.
- Pode deixar, vou fazer isso quando me aposentar. - disse rindo, pegando minha mochila e me encaminhando para o banheiro. Após um banho demorado, vesti uma camiseta preta e uma calça jeans – que havia deixado na mochila pouco antes de saímos do carro –, guardei a outra roupa na mochila e saí do banheiro. estava sentada na beira da cama, me parecendo extremamente concentrada enquanto observava um ponto fixo a sua frente. - ? - chamei.
- Ah, oi, . - ela sorriu novamente.
- Você estava muito concentrada. - comentei.
- Ah, besteira. - ela riu. Fui até a poltrona, joguei novamente a minha mochila, apaguei a luz e me sentei no chão onde havia arrumado os lençóis, me cobrindo com o que havia deixado em cima do travesseiro.
- Boa noite, . - Meus olhos se fecharam, mas eu não dormi de imediato. Eu apenas queria evitar outra conversa com ela. Não queria que acabasse aquele clima estranho de novo. Ouvi o barulho da cama se mexendo. Não uma, duas vezes. Milhares de vezes. estava inquieta. De novo. Abri meus olhos e a encontrei deitada, me observando enquanto roía a unha do polegar de uma maneira que eu julguei compulsiva. Me sentei para que pudesse vê-la melhor. - O que foi? Não está conseguindo dormir de novo? - se sentou na cama devagar com um suspiro pesado e me encarou de maneira apreensiva. - ?
- Eu não consigo dormir sozinha. - sussurrou.
- Por quê? - perguntei.
- Eu tenho autofobia. É... medo de ficar sozinha ou sair de perto de ambientes familiares. - explicou. - Desde criança. Eu me tratei, é claro. Fiz terapia, fui à um psiquiatra, tomei remédios. Mas eu não me curei totalmente. Consigo dormir sozinha, por exemplo, se eu estiver com alguém conhecido pelo menos perto de mim. Quando estou na minha casa eu consigo, porque a Georgina dorme numa cama bem perto da minha. E quando estou na casa dos meus avós também. Mas às vezes eu tenho recaídas. Lá eu corria para a cama do meu irmão. Quando eu me mudei pra Los Angeles também achei que isso fosse mudar, e nada. Acho que eu não sou mesmo normal.
- Ei, o que é isso? - me aproximei um pouco mais dela e acariciei sua bochecha com o polegar. - Não é sua culpa. É a vida. - fiquei de pé e a abracei, apoiando sua cabeça em meu peito. - Vem cá. - sentei meio deitado em uma ponta da cama, encostado na cabeceira, enquanto mantinha aninhada a mim. - Dorme um pouquinho agora. - pressionei levemente meus lábios no topo de sua cabeça e puxei o lençól que havia ficado com ela na cama para cobrí-la até o antebraço.
- Posso te pedir uma coisa? - ela perguntou, sem olhar para mim.
- Claro. - sussurrei.
- Fica aqui comigo? - pediu.
- Você tem alguma dúvida disso? - E então dormiu em meus braços novamente pouco antes de eu pegar no sono.
- Vamos lá, . Deixa de ser lerdo. Nós já atrasamos demais essa viagem. - ela deu ênfase ao "demais" com certo exagero.
- Tá bom, . Tá bom. - entrou no carro pouco antes de mim e então seguimos viagem. Nós saímos do hotel pouco depois de acordarmos, tomarmos banho e comermos. insistiu em trazer do hotel um pacotinho de maionese, que agora ela está segurando nas mãos. - Pra quê você trouxe isso? Me explica. - pedi pacientemente.
- Me deixa, . Eu sou viciada em maionese. - ela abriu o pacotinho com os dentes e, com isso, acabou espirrando maionese no próprio rosto. Não consegui evitar uma gargalhada com isso, e tive de me concentrar para parar de rir.
- Vai rindo, . Vai rindo. - ela limpou o canto da boca com a mão e levou sua mão ao meu rosto, sujando minha bochecha de maionese.
- Ei! - exclamei, limpando o rosto com um dedo e levando o dedo a boca em seguida. - Você é uma porquinha.
- Porquinha? Eu? Ah, tá.
Capítulo 5
- Já estamos chegando! - comentou. Já havíamos passado do Texas há algumas horas e, segundo , já estávamos entrando a Zachary. Meu sorriso de resposta não foi tão animado quanto deveria parecer. Eu não queria que ela fosse embora. Não queria que ela me esquecesse, porque eu não iria esquecê-la.
- ?
- Hm? - ela perguntou enquanto observava a paisagem pela janela.
- Me promete uma coisa? - perguntei. Isso fez com que ela voltasse sua atenção para mim. Seu olhar estava cheio de curiosidade.
- O quê? - perguntou após um minuto, me incentivando a falar.
- Me promete que não vai me esquecer?
- Como é? - ela perguntou, confusa.
- Só quero que você não me esqueça. Não esqueça desses dois dias. Porque eles foram dois dos melhores dias da minha vida. E eu nunca vou esquecer você, .
- Mas, , é óbvio que eu nunca vou esquecer você. Nem pense nisso. O problema é se eu vou conseguir te ver de novo depois que você começar a viajar por aí e esquecer que eu existo.
- Eu vou te visitar. - sorri. - E vou te ligar muito. Você vai se cansar de mim.
- Dúvido. - ela riu.
- Só não se esquece que me prometeu isso, tá bom? - pedi.
- E você não esquece que me fez te prometer isso? - apoiou sua cabeça no banco do carro e virou o rosto para mim, sorrindo brevemente. - Olha, é a minha casa ali. - ela apontou uma casa, que se diferenciava da policromia das demais ao seu redor por ser totalmente branca, exceto pela porta de madeira. - É bem simples, não é?
- É rústico. Eu gostei. - parei o carro uma casa antes da sua, suspirando enquanto apoiava a cabeça no banco do carro. - Então, é isso.
- Qual é, ainda vamos ser amigos, . - ela sorriu, segurando a mão que eu havia apoiado em minha perna.
- Amigos, claro. - virei a cabeça para a frente, suspirando.
- Tchau, . - se aproximou de mim e depositou um beijo rápido em minha bochecha, abrindo a porta e saindo em seguida, sem dizer mais nada. E eu fui embora. Talvez para nunca mais voltar.
.
- Ora, vamos lá, irmãzinha. Não vai comer nada? A vovó fez sopa de abóbora. Sua predileta!
- Desculpa, Justin. Estou sem fome. - Meu sorriso não foi tão convincente quanto eu esperava que fosse. Meu querido irmão se sentou à minha frente no sofá jade da sala de estar de nossa avó. Ele me encarou com os olhos verde azulados de maneira inquisitiva, sem falar absolutamente nada. Mas eu sabia que ele queria que eu falasse. Eu não era geralmente do tipo que recusa comida, principalmente se for a sopa de abóbora da Mrs. . - Dude, você não desiste mesmo! - dei uma risada triste, mas logo parei e suspirei antes de começar a falar. - Você acreditaria se eu dissesse que quem me trouxe aqui em casa foi ?
- Explica isso direito, . - ele pediu pacientemente, sem expressar reação alguma. Ele sabe o quanto eu odeio exageros.
- O me atropelou quando eu ainda estava em Los Angeles. Até é por isso que eu estou usando a tala. - ergui a mão machucada rapidamente. - E ele me ofereceu carona. Foi isso.
- Certo, mas o que isso tem a ver com você não querer comer?
- Não sei, Justin. Eu só... não estou me sentindo muito bem. Eu e mal nos conhecemos, mas agora que ele não está junto de mim, me fazendo rir ou sei lá o quê... Parece que está faltando alguma coisa... - Justin sorriu quando terminei de falar e eu esperei.
- Olha aqui, irmãzinha. Eu acho, na minha singela opinião de irmão mais velho e mais bonito, - brincou, me provocando uma risada. - Que você está apaixonada por .
- Como é? Mas... apaixonada? Assim? Tão rápido? Só passamos dois dias juntos. Como isso pode ser possível?
- , tudo, mas tudo mesmo, é possível. Inclusive você se apaixonar por ele.
- Isso é uma droga, sabia?
- Sei que é, babe. Mas a gente não controla os sentimentos, não é?
- Infelizmente, não. - Ah, , olha só o que você faz com a minha vida, garoto.
Eu havia passado a noite inteira pensando numa maneira de esquecê-lo. É óbvio que ele também me esqueceria. Não havia motivos para que ele se lembrasse de mim. Eu era só mais uma garota que ele havia conhecido. Fim. Mas se eu estava tão convencida disso, por que não conseguia quebrar a promessa? Por que parecia que eu iria me quebrar em mil estilhaços, como um pedaço de vidro? Eu só sei que havia dormido pensando nisso, mas apenas para entrar num mundo dos sonhos onde cumpria sua promessa de nunca me esquecer.
Eu não havia tido coragem de contar a ninguém. Só Justin ficara sabendo do que havia acontecido. Minha mãe e minha avó me mimavam o bastante para serem capazes de ir na velha picape enferrujada de meu avô até Los Angeles e ameaçar o por ter "me magoado". E eu falo sério.
- , . O que acha de uma festa de boas-vindas? - Eram 15:30 da tarde quando minha avó veio até meu quarto me chamando um tanto desesperadamente.
- Festa? Mas, vó, não precisa disso. - fechei o livro que lia e o depositei em minha mesa de cabeceira, me sentando na cama.
- Claro que precisa. Vamos, vem me ajudar a fazer a comida. Você quer bolo de morango ou de chocolate?
- Pode ser de limão? - perguntei enquanto me levantava e a seguia para a cozinha.
- Tudo o que você quiser, meu amor.
- Ah, te amo, vó! - estalei um beijo em sua bochecha e comecei a pegar nos armários os materiais que íamos precisar para o bolo.
Fiquei responsável de mexer a massa, já que minha avó teve de ir ao mercado comprar limão e chantily que estavam faltando em casa. Estava distraída, olhando pela janela da cozinha a pequena rua onde crianças brincavam com um filhote de cachorro, quando Justin entrou na cozinha. Justin pegou uma maçã na fruteira e começou a lavá-la na pia enquanto falava.
- Tem visita para você.
- Visita? Pra mim? Tem certeza? - perguntei, tirando uma mecha de cabelo do rosto.
- Aham. Pediram para ver " ".
Isso era estranho. Justin sempre – repito, sempre – me dizia quem eram as minhas visitas. E tudo isso por uma questão de: ele é muito ansioso e fofoqueiro. Mesmo assim, deixei a panela em cima do balcão e saí da cozinha em direção a porta de entrada da casa. Abri hesitante, ainda me perguntando quem estaria ali, e tive a maior surpresa do mundo quando meus olhos avistaram , e atrás de , que estava à mais ou menos um metro da porta.
- ? - sussurrei. - O que você...
- Eu só quis ter certeza de que você ia cumprir sua promessa. - ele sorriu. E antes que eu pudesse sequer pensar em dizer alguma coisa já havia pressionado seus lábios nos meus. Eu não podia acreditar. Isso era mesmo real? estava mesmo aqui? Eu estava mesmo sentindo seus lábios nos meus? Mas mesmo que não fosse, era real demais. Eu já havia perdido minha moral e sanidade. Uma de minhas mãos se apoiou em seu peito, enquanto a outra segurou sua nuca firmemente. Mas só por um momento. Pois tive um choque de realidade instantâneo que me fez afastá-lo de mim.
- , . - sussurrei quando me afastei dele. respirava com um pouco de dificuldade, mas ainda assim sorria de maneira encantadora. - O que é que foi isso?
- Um beijo? - riu, mas logo percebeu minha expressão séria. - Eu não sei o que está acontecendo comigo. Mas assim que eu fui embora eu só pensava em quando ia te ver de novo.
- Eu senti a mesma coisa. - sussurrei.
- Hm, então se eu te pedir uma chance... Você aceita?
- Aceita logo, ! - gritou.
- É, esse cara não deixou a gente dormir direito porque queria te ver. - falou.
- Esse cara é um mala, mas ele está caidinho por você! - gritou, colocando as mãos na boca e dando uma gargalhada em seguida.
- Você tem alguma dúvida disso? - repeti o que ele havia falado para mim. Isso lhe provocou um sorriso e ele juntou nossos lábios novamente. Depois de tanto tempo respeitando inclusive a lei da gravidade, agora eu me sentia mais leve. Flutuando. Como na gravidade zero.
FIM
Wazza, sweetheart! Bom, eu vou dizer aqui que eu sempre, sempre, sempre mesmo, quis escrever uma fanfic de Big Time Rush, mas tinha um problema: Quem leria? É um fandom tão pouco reconhecido no site, infelizmente. Mas aí, com esse especial, eu resolvi fazer essa shortfic! Então, espero que vocês gostem Enjoy :) x