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Escrito por Carmen Garcia | Revisado por Natashia Kitamura

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  “Pelo amor de Deus! Quanto tempo mais temos que ficar nesse carro?” Meu irmão mais velho, , reclamou pela milésima vez. “Ela tá demorando demais só pra comprar um remédio pra cólica.”
  “Talvez tenha fila.” Eu respondi, tentando manter a calma – mas nem dar batidinhas no volante ao ritmo da música estava ajudando.
  “Aposto que ela conseguia superar sem remédio.” bufou, colocando sua cabeça para fora da janela, parecendo um cachorro. Virei os olhos e respondi calmamente.
  “Ei, com cólica não se brinca. Você não sabe como dói.”
  “Não deve doer tanto quanto um chute no- OU!” Calei meu irmão dando um soco nas partes íntimas dele. Não sou malvada, mas ele merecia. Me perturbar por três horas seguidas não foi nada, mas falar que cólica é superável... Isso eu não aceito.
  “Agora supera, sem remédio.” Respondi amargamente, antes de conter um sorriso que surgia no meu rosto.
  “Vocês não acreditam a fila que tava no caixa!” , a mais nova de nós três, finalmente retornou ao carro. “Nossa, o que aconteceu com o ?” Ela perguntou, enquanto entrava no banco de trás.
  “Nada, ele só tá superando algo.”
  “Pelo menos só mais uma hora de estrada até chegarmos em casa!” Ela celebrou, deitando-se no banco.
  Como eram férias de verão, nós três decidimos fazer uma visita para nossa cidade natal. Foi fácil convencer os dois, apenas falar que eu ia pagar toda a gasolina e o pedágio e que eles poderiam ficar com as melhores camas. Minha família era dona de um hotel. O único hotel na nossa pacata cidadezinha – que mais parecia uma vila. Claro que nenhum de nós três queria herdar esse trabalho, então assim que passamos na universidade caímos fora de lá. Pelo menos há quatro anos eu não ia para casa, e muito mais. , como era a mais nova, só não ia para casa fazia um ano – mas ela também não se mostrou resistente em querer ir.
  “Chegamos, gente!” Eu cantarolei, estacionando o carro bem na frente do pequeno hotel. Nada havia mudado, tudo estava como eu imaginava. O pequeno prédio recoberto com pequenas pastilhas verdes, e o letreiro de madeira – que ainda precisava de outra mão de tinta branca – pareciam intactos desde quando deixei a cidade.
   e já desceram correndo do carro, sem se preocupar em tirar as malas. Deixaram tudo para eu fazer, como sempre. , a irmã trouxa faz-tudo. Eram tantas malas grandes para eu mover sozinha – e eu tinha quase certeza que algumas delas pesavam a mesma coisa que eu, sem brincadeira. Quando tirei a segunda mala, tomei uma pequena pausa – que eu merecia – para contar quantas malas faltavam. Três. Meu Deus, será que meus irmãos vão se mudar para cá de novo?
  “Ei, quer uma ajuda?” Alguém chamou. Tentei reconhecer a pessoa, mas – talvez por todo o sol vindo na minha cara – eu não consegui.
  “Por favor.” Eu disse, antes de tentar puxar outra mala. O cara – rapaz, garoto, homem, sei lá quantos anos ele tinha – veio logo em seguida me ajudar a puxar. Pela cor da camisa que usava, eu pude distinguir que ele não era apenas um funcionário do hotel, ele era o gerente. Eu já tinha usado aquela camisa há muito tempo atrás, e era engraçado ver alguém que não era da família vestir ela.
  Então é esse cara – rapaz, garoto, homem – que meu pai escolheu para herdar tudo...   Graças a deus não era um de nós. Nosso plano de fugir finalmente tinha dado certo, e essa pessoa era a prova disso.
  Não demorou muito para tirarmos toda a bagagem, mas foi o suficiente para nós dois já estarmos suando.
  “Obrigada, você realmente veio pro meu resgate.”
  “Não foi nada. Quer que eu chame um carregador para levar suas malas para a recepção?” Ele perguntou, limpando a testa com o antebraço. Ele parecia atraente.   “Não precisa, tenho certeza que meus irmãos são muito capazes de levar isso até o nosso quarto.”
  “A senhorita já está hospedada?” Senhorita? Ele estava ficando mais atraente. Sacudi a cabeça e cocei a cabeça.
  “Na verdade, eu moro aqui.” Ele pareceu se surpreender por alguns segundos, mas depois voltou a postura profissional que tinha.
  “Eu sabia que estava te reconhecendo de algum lugar! Bem-vinda de volta. Seus pais estavam ansiosos pela sua chegada. Eu sou o .” Fui aos poucos começando a dar uns passos – para poder ir até meu quarto – e ele me seguiu.
  “Meu nome é...”
  “. Eu sei...” “Seu pai sempre disse que você era a filha mais bonita, então não tive dúvida.” Retira tudo, ele era o homem mais bonito da galáxia. E ele era galanteador. Tentei não corar, mas isso foi impossível. Ele era tão atraente, e me elogiou... Eu apenas derreti por dentro.
  “Ele fala isso? E você acredita? É porque você não conhece a minha irmã.” Eu brinquei, colocando meu cabelo atrás da orelha.
  “Que colocou fogo na cozinha um ano atrás. Sim eu conheço a …” L deu um suspiro, acho que ele não tinha boas lembranças da minha irmã. “Eu comecei a trabalhar aqui antes dela ir pra faculdade.”
  “Então você sabe como o furacão é.”
  “Na minha opinião furacão é elogio.”
  Fizemos o resto do trajeto em silêncio, mas isso não foi um incomodo. Era estranho me sentir tão confortável com alguém no absoluto silêncio, mas eu gostava disso.
  “Obrigada por me elogiar. Não precisava ter puxado o saco da filha do chefe.” Eu comecei a me despedir, parando na frente da porta do meu quarto.
  “Não tô puxando o saco, só tô falando a verdade.” Ele reafirmou, colocando outra mecha de cabelo atrás da minha orelha. Ele sorriu para mim e eu para ele. “Até mais.”

  
  “Não me venha com essa conversa de menino apaixonado...” Meu amigo disse, sacudindo a cabeça.
  “Eu ainda acho que você tá só querendo puxar o saco do chefe.” disse. Eles não entendiam, e talvez nunca fossem entender. Não conheço muita gente que acredita em amor à primeira vista, e para ser sincero eu não acreditava – até aquele dia.
  Eu, e estávamos na quarto dos funcionários, tomando nosso tempo de almoço. Sempre jogávamos conversa fora naqueles momentos, por isso acho que não conseguiam levar nenhum assunto a sério.
  “Vocês não entendem... Ela é fantástica. Incrível. Linda. Maravilhosa. Engraçada.”
  “Já deu com os elogios para alguém que você acabou de conhecer.” me interrompeu, antes de colocar mais um salgadinho em sua boca.
  “Ou você tá muito apaixonado, ou você realmente quer herdar o hotel.” disse, arcando as sobrancelhas. “Ela pode achar que você gosta dela por interesse.”
  “Claro que não. Eu jamais faria isso, vocês sabem.”
  “É, mas é porque já te conhecemos faz muito tempo. Ela acabou de te conhecer, ela pode não confiar em você.”
  Era verdade, e eu tinha que conquistar ela.

  Após algumas semanas no hotel, eu consegui me aproximar de – e consequentemente de e de . Eles formavam a família dos sonhos, uma que daria inveja para qualquer um. O problema é que com toda minha aproximação com , eu acabei entrando na zona da amizade ao invés de interesse romântico.
  Um cara de 20 anos na zona da amizade. Isso não pega bem.
  Almoçávamos juntos todos os dias, e as vezes ela me ajudava em alguns deveres do hotel. Com o passar do tempo – e durante nossas conversas – percebemos que éramos muito diferentes, mas isso não parecia interferir.
  Era como se nos conhecêssemos há anos.
  Naquela noite estávamos no quarto dela, apenas nós dois, ela deitada em sua cama e eu sentado na mesa. Geralmente não ficávamos muito além do jantar para conversar, mas aquele dia foi diferente. Ela me contava algumas histórias engraçadas sobre a vida na faculdade.
  “Sabe que com cada história você vai parecendo cada vez mais bobinha.” Eu disse, rindo.
  “Bobinha? Não, você não pode tá falando de mim. Sou uma menina esperta.” Ela disse, fingindo que estava machucada.
  “É, esperta com X, só se for.” Eu retruquei, rindo. De repente, uma almofada veio voando em minha direção. “Pra que foi isso?”
  “Você feriu meus sentimentos, então eu te feri fisicamente.” disse, tentando segurar a risada.
  “Vai precisar muito mais que só uma almofada para me machucar.” Eu disse em um tom desafiador.
  “Que tal um soco?”
  “Seus socos são cócegas pra mim.”
  Ela levantou se da cama e veio correndo em minha direção, eu a parei colocando minhas mãos em sua cintura e empurrando-a para o chão.
  “Isso foi seu melhor ataque?”
  “Meio que talvez.” Ela disse, antes de ambos cairmos na gargalhada. Ouvimos uma batida na porta e eu corri para me esconder em seu armário – não que eu precisasse, mas por algum motivo achamos necessário.
  “Oi mãe.” disse, abrindo a porta.
  “Ué, eu jurava que estava aqui.” A mãe dela disse, e eu segurei minha respiração por alguns instantes.
  “Ele foi embora faz uns cinco minutos.” mentiu, e não pareceu nada convincente. Ela era muito bobinha mesmo, mas eu adorava isso. Sorri para mim mesmo, imaginando a expressão de preocupação que ela deveria estar.
  “Enfim, não importa. , eu sei que você já me disse para não falar sobre isso, mas eu acho que preciso. Eu sei que você gosta do , e eu sei que você não quer ficar com ele por algum motivo...” A mãe dela disse. Puxa, eu achava que era impossível mudar de humor tão fácil durante uma única frase.
  “Mãe, não quero falar sobre isso. Já disse pra você.” disse, e escutei a porta da frente bater. “Você me prometeu que não ia falar sobre isso.”
  “Filha, eu entendo o motivo por você não querer dar uma chance a ele.”
  “Qual seria, então? Porque nem eu mesma sei.”
  “Você acha que ele vai te prender aqui.” tentou dizer algo, mas deixou sua mãe prosseguir. Eu estava surpreso com toda a conversa, no fim eu não estava na zona da amizade. “Você acha que, se ficar com ele, todo os seu plano de ir embora vai ter falhado.”
  “Mãe...” disse, em uma voz fraca. Ela parecia meio perdida, e eu também estava. Ele gostava de mim esse tempo todo e nunca me disse nada? “Não é assim mãe. Como tem tanta certeza que ele sente algo por mim?”
  “Só um cego não notaria o jeito que ele olha para você. É como se você fosse a única pessoa com ele, porque você é a única que realmente importa. Além do mais, vira e mexe, eu escuto o e o falando sobre isso. Ele está perdidamente apaixonado por você.”
  “Não... Ele não está. Você tá errada.”
  “Não precisa fazer mentiras para si mesma. , o não te prende aqui. E seria tão ruim assim voltar para cá se fosse para ficar com alguém que você ama? Só se lembre disso.” A porta do quarto se abriu, e eu percebi que a mãe de já tinha saído. Permaneci alguns minutos no armário, sem reação. E quando eu saí do armário, nem fui capaz de olhar para ela. Só saí do quarto.

  
  Ele me evitou o dia seguinte. Nem olhou para mim.
  Minha mãe tinha estragado tudo e eu nem podia dizer isso para ela.
  O motivo que eu não tinha dito nada para L até aquele momento, era que eu sabia que ele não gostava de mim – não do mesmo jeito que eu gostava dele. Tentei me distrair o dia todo – lendo livros, escutando fofocas que a tinha para contar – para evitar pensar nele.
  Mas era impossível.
  Era de madrugada, e todos já estavam na cama. Eu estava acordada, rolando de um lado para o outro na cama, pensando. Eu deveria falar alguma coisa para ele, mas ele poderia me rejeitar.
  Nossa, uma mulher de 20 anos com medo de rejeição. Boa, . Só você mesmo.   “Ei, ?” Me levantei da cama, assustada. “Aqui, na janela.” Abri as cortinas devagar, para descobrir que era quem me chamava.
  “Oi.” Eu disse, minha voz saiu rouca, como se estivesse doída.
  “Posso te levar para um lugar?” Ele perguntou, me entregando uma lanterna pela janela.
  “Eu tô de pijama. É realmente necessário?” Eu perguntei, por um momento me sentindo envergonhada pela minha aparência.
  “Não importa a roupa que você está usando, só venha.”
  Obedeci e sai do quarto. Deveria ter ao menos pego um casaco, o vento frio estava me dando calafrios. já estava à minha espera, e pude ver que ele também estava de pijamas. Pensei em fazer uma piada sobre isso, mas depois do que tinha acontecido no dia anterior, achei melhor não dizer nada.
  “Pra que as lanternas? No hotel tem iluminação.” Eu perguntei, observando que ele também tinha uma lanterna em sua mão.
  “Mas aonde nós vamos não tem.” Ele disse, antes de ascender a própria lanterna – que era totalmente desnecessário. “Venha, me siga.” Obedeci mais uma vez, prestando atenção no caminho, tentando descobrir onde ele estava me levando.
  Passamos pela parte de trás do hotel, e logo estávamos em um amplo campo. Eu conhecia aquele lugar, era uma parte dos laranjais vizinhos. Já podia sentir o cheiro das frutas, o que mostrava que não estávamos longe das árvores.
  “Por que você me trouxe até aqui?” Eu perguntei, parando de andar. “Isso é invasão de propriedade.”
  “Não se não formos pegos.” Ele disse, rindo. “Vamos, falta pouco para chegarmos nas árvores.”
  “Eu não vou dar mais um passo.” Eu disse forte, cruzando meus braços. “Não quero ser presa.”
  “Tudo bem...” Ele disse, antes de caminhar até mim. Já me virava para ir embora, mas ele segurou meu pulso. “Te trouxe até aqui pra te falar uma coisa.”
  “Você já me magoou o bastante, ainda quer me machucar mais?” Eu perguntei, tirando sua mão de meu pulso.
  “Não foi minha intenção. Eu só queria que tudo fosse perfeito.” disse, antes de suspirar e respirar fundo. “Eu gosto de você, muito. E ontem escutar que você não queria ficar comigo porque eu ia te prender aqui... Me fez pensar.”
  “...“
  “Não, deixa eu terminar.” Ele me interrompeu, colocando seu dedo indicador sobre meus lábios. “Eu não preciso ficar aqui, eu posso ir com você. Sabe, tem muita coisa que preciso conhecer. Não quero gastar toda minha vida aqui, e entendo que você também não quis. ... Eu te amo, e qualquer lugar seria o paraíso se eu estivesse com você."
  “, não quero estragar seus planos de vida. Você não precisa sair daqui só por minha causa.” Eu respondi, tentando conter as lágrimas que já se formavam no canto dos meus olhos.
  “Mas eu quero ir com você. Não tenho planos para vida, isso eu te garanto.” Ele disse, se aproximando cada vez mais de mim. “É muito estranho falar que eu acredito em amor à primeira vista?”
  “Não.” Eu respondi rindo, antes de lhe beijar. Era como se tudo ao redor não importasse mais, apenas o que estava acontecendo naquele momento. Não foi estranho ou incomodo – como primeiros beijos geralmente são – foi perfeito. tinha conseguido o que queria. Depois de algum, tempo quando nos separamos para respirar eu disse: “Ah eu também te amo. Mas você não vai me escutar falando isso de novo tão cedo.”

   se demitiu do emprego de gerente do hotel e veio morar comigo na cidade. Não que meu pai tivesse ficado muito contente com a decisão, mas ao menos ele confiava nele. Claro que nossas vidas não foram um conto de fadas, trabalho, faculdade, aluguel para pagar... Mas nós aproveitávamos os pequenos momentos que tínhamos.
  Porque a vida é feita de pequenos momentos.

FIM



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