%Kihara% olhou de relance para o homem ao seu lado, que estava dormindo tão calmamente que parecia ser o melhor sono que teve em meses. Ela soltou um suspiro pesado antes de se levantar, procurando por suas roupas no quarto escuro enquanto cogitava ir embora sem se despedir da sua companhia, mas a mulher sabia que se fizesse isso, se arrependeria no dia seguinte, só que a situação em que estava também não a deixava confortável o suficiente para se despedir. Ao entrar no chuveiro, acreditava que aqueles sentimentos conflitantes desceriam pelo ralo junto da água e ela se veria livre, contudo, ao se olhar no espelho e ver todo o seu colo marcado pela boca deliciosa de %Lee% %Seokmin%, %Kihara% percebeu que não haveria mentira no mundo que a enganasse tão bem a ponto de fazê-la acreditar que ela não sentia falta dele.

  — Péssima hora que sugeri de termos um namoro falso...

  Tudo começou há um pouco mais de um ano, quando eles se conheceram por acaso em uma livraria e acabaram por criar uma pseudo amizade em três dias. Após se abrirem um com o outro, %Kihara% teve a brilhante ideia de eles engatarem em um relacionamento de mentirinha com o prazo de um ano, e durante os 12 meses, ambos se entregaram para aquele romance de corpo e alma, mas sempre com os pés no chão sabendo da data de validade que tinham. O período que ficaram juntos foi incrível, leve e mágico, todavia, como combinado, ao completarem um ano, eles se separaram e o contato aos poucos foi diminuindo por conta de seus trabalhos e fusos horários bem diferentes, e a mulher, assim que entrou no avião, pensou que se um dia eles se esbarrassem, ela saberia lidar muito bem com o reencontro, porém, não foi bem assim que aconteceu.

  Era nítido que os dois acabariam dividindo a mesma cama como no passado, não havia uma única sombra de dúvida de que a química e o encaixe que possuíam eram perfeitos — não foi à toa que enganaram a todos a sua volta com o namoro falso —, mas o que deixava %Kihara% em um limbo conflitante era o fato de que, para uma pessoa desenrolada como si, ela não sabia como agir depois de um ano.

  Alguém que era o seu tudo durante 365 dias, agora não passava de um estranho depois de seis meses longe um do outro. Ela costumava chamá-lo de “querido”, “amor”, e dizia que ele remetia a uma margarida, apesar de saber que %Seokmin% também era a personificação de um girassol, contudo, %Kihara% não tinha mais esse direito, apesar de não saber como chamá-lo agora. Talvez devesse chamá-lo pelo nome, seria mais fácil e o certo a fazer, por mais que não parecesse ser tão fácil assim ao tentar sussurrar para si mesma. A mulher respirou fundo e se deu por vencida, voltando ao quarto e tendo a maravilhosa visão do homem sem camisa com uma toalha enrolada na cintura, sentindo um arrepio correr pelo seu corpo com o pensamento da noite passada, e mais do que nunca, sua cabeça estava uma bagunça, o que a deixava com apenas uma solução.

  — Bom dia — desejou em um tom baixo, desviando o olhar.

  — Bom dia, dormiu bem? — %Seokmin% perguntou ao se aproximar, sorrindo. — O café da manhã está quase pronto.

  — Sim — %Kihara% mordeu o lábio inferior —, e você? Ah, não precisa, eu já estou de saída, e não tem como o café estar quase pronto, nem demorei tanto assim...

  — Você sempre leva meia hora para tomar banho, sabia? — O homem riu, pegando uma muda de roupa em seguida. — E também sei que o seu dia fica incompleto se não comer o seu pão favorito de manhã, então, se junte a mim e depois de comermos, te levo em casa. Tudo bem?

  A mulher concordou silenciosamente com a cabeça ao sentir o cheiro de pão caseiro invadir o quarto, indo para a cozinha sem delongas como se estivesse na própria casa. Parecia que nada havia mudado nesses meses longe, nem mesmo as posições dos talheres ou dos porta-retratos, causando uma sensação nostálgica na mulher que se via de volta ao passado, quando vivia frequentando a casa de %Seokmin% sempre que podia.

  — Você ainda tem esse quadro. — O seu comentário saiu em voz alta, e rapidamente ela levou a mão à boca ao perceber isso.

  — Por que eu jogaria fora? — perguntou em um tom relaxado enquanto arrumava a mesa. — Não é porque terminamos que eu tenho que me livrar dos seus presentes, girassol.

  %Kihara% o olhou quase que instantaneamente, visivelmente surpresa não só com a sua fala, mas com a forma que ele a chamou. Por mais que batesse na tecla que %Seokmin% era a personificação de um girassol muito mais do que ela, ele sempre a chamava assim, já que para si, %Kihara% D’Angelo era tão linda quanto um girassol.

  — Eu pensei muito em como te chamar. — %Lee% riu sem graça, pondo os pães na mesa. — Acredito que esteja sendo tão estranho pra você quanto é pra mim, mas também acredito que se ficarmos pensando demais em tudo, nunca vamos conseguir engatar uma conversa estando sóbrios.

  — Definitivamente é estranho. — A mulher sentiu os seus ombros relaxarem ao escutar a risada do homem. — Mas que bom que não sou a única agonizando com isso.

  — Sempre sentimos demais, né? — %Seokmin% suspirou, a olhando com uma feição tranquila. — Pode me chamar como preferir.

  — Tudo bem — disse ao pegar um pãozinho, o saboreando em uma só mordida. — Nossa, está delicioso!

  — O chef agradece. — Ele limpou a bochecha da mulher com o seu dedão, a achando uma graça. — Pode comer à vontade, são todos seus.

  — Sério? Já que insiste tanto... — %Kihara% estava se sentindo um pouco mais tranquila ao ver que aquela tensão ia se esvaindo, e não podia negar que estava feliz ao poder degustar os pãezinhos de %Lee% mais uma vez.

  — Veio pra cá a trabalho?

  — Sim, vou ficar pelos próximos meses.

  — Aish, é uma pena... — O homem descansou as costas na cadeira, mas sua expressão era de chateação.

  — Por quê?

  — Amanhã eu retorno pro Japão sem data de volta.

  D’Angelo engoliu a seco, quase se engasgando com um pedaço do sonho que estava comendo. Não que achasse que algo mudaria entre eles, sem contar que até agora ela ainda estava no impasse de como chamá-lo, no entanto, saber que não o veria mais depois de reencontrá-lo causava sentimentos conflitantes em seu interior, visto que, até então, ela estava tranquila em relação a ele desde que terminaram.

  — Nosso fuso será o mesmo, dessa vez podemos manter um contato. Quer dizer, eu quero manter um contato com você.

  — É... acho que podemos. — %Kihara% sorriu. A mulher nunca havia visto %Seokmin% ser tão direto com o que realmente queria, o que a impressionou. Ele sempre foi o tipo de pessoa que colocava os desejos dos outros na frente dos próprios, então vê-lo falar sinceramente o que queria a deixava feliz. — Quero ver quais serão as suas próximas aventuras.

  %Seokmin% sorriu de orelha a orelha, alegre com a resposta da mulher. Ele estava um tanto incerto de como o café da manhã seguiria, contudo, ao ver que D’Angelo demonstrava estar mais relaxada, %Lee% também sentia a preocupação ir embora. Desde que acordou bem cedinho para assar os pães sem acordar %Kihara%, o homem ficou martelando em sua mente em como devia agir, principalmente por ser o primeiro encontro deles desde que terminaram o namoro de mentira. Ao perceber que não chegaria a lugar nenhum com o nervosismo, %Seokmin% decidiu agir normalmente, e a todo momento ensaiava o nome da mulher, sussurrando para si para estar preparado ao engatarem uma conversa, no entanto, “girassol” saiu tão naturalmente que o surpreendeu. Assim como ela, %Lee% estava com o seu próprio conflito interno, ainda mais por ser uma situação inesperada, porém, tudo estava fluindo melhor do que imaginava, e aos poucos os dois iam ficando à vontade na presença um do outro.

  — É aqui que nos despedimos.

  Após o café da manhã, %Seokmin% levou %Kihara% para casa, e todo o trajeto foi preenchido por risadas e aleatoriedades, até que estacionaram na frente do apartamento da mulher, dando espaço para um silêncio desconfortável. Ambos saíram do carro e se entreolharam, e mais uma vez, não sabiam como agir. Deveriam apenas se limitarem a acenos com a cabeça? Ou um aperto de mão seria o mais ideal apesar de terem passado a noite nos braços um do outro? Talvez um tchauzinho fosse o suficiente para aquela despedida? Mesmo imersos em dúvidas, quando perceberam, eles estavam dentro de um abraço apertado e quentinho, com resquícios de lembranças de quando namoravam. Ao se afastarem, eles se olharam e riram, achando a situação toda um tanto irônica.

  — Obrigada pela carona. — Se desvencilhou dos braços do rapaz, dando um passo para trás. — E pelo café.

  — Não precisa agradecer. — Abriu um pequeno sorriso. — Espero que dê tudo certo com o seu trabalho, me dê notícias de vez em quando.

  %Kihara% assistiu %Seokmin% retornar ao carro em silêncio, ainda ponderando como devia se referir a ele. Mas, ao vê-lo abrir a porta do veículo, ela correu em sua direção, o fazendo parar ao falar:

  — Em três meses eu vou pro Japão para o aniversário da Yumi, se estiver tudo bem por você, quer se encontrar comigo, meu bem?

  %Seokmin% arregalou os olhos em sinal de surpresa, contudo, logo voltou a sorrir abertamente, sentindo o seu coração acelerar ao ouvir D’Angelo o chamar pela forma carinhosa que costumava usar durante o relacionamento. Ele estava feliz em vê-la sendo sincera também, e por mais que soubesse que os dois não engatariam em um relacionamento de verdade, %Lee% queria ter a amizade dela para si.

  — Eu mal posso esperar pelo nosso encontro. Até daqui três meses, girassol.