West Coast

Escrito por Isy | Editado por Lelen

Tamanho da fonte: |


CAPÍTULO 01

This world is so heavy, oh
Don't know if I'm ready, oh
I can feel it like the waves crashing down
I know I need to reach up not to drown
Heavy – Emblem3

  Encarei toda aquela imensidão azul como se fosse a última vez que veria aquilo. E de certa forma, era. Parecia que eu não veria toda aquela extensão nem tão cedo. Não quando se tem pais beirando ao divórcio e sua única opção é escolher com qual dos dois irá ficar. Os últimos dias estavam sendo difíceis. Não conseguia olhar para minha mãe como antes, muito menos conseguia chamá-la dessa forma, como antes, tão afetivamente. agia da mesma forma, mas com o nosso pai. Ele estava chateado por não ter o cara em quem havia se inspirado desde pequeno. Hector aparentava se sentir culpado por fazer nossa família chegar a esse ponto e sempre estava discutindo com Norah, nossa mãe, mas ela também não cooperava.
  Eu sabia que tinha algo de errado desde então, mas tive certeza quando vi Norah chorando baixinho enquanto via um filme qualquer, no enorme sofá da sala. Eu tinha perdido o sono e até cheguei a perguntar o que tinha acontecido. Ela olhou para mim assustada e me mandou voltar a dormir, dizendo que eu não precisava me preocupar, mas eu me preocupei.
  E também.
  Passamos alguns dias calados, em uma rotina monótona. Hector fazia hora extra a maior parte da semana e sabíamos que era para não ter que ficar em casa. Ele não estava com uma das melhores feições e quando chegava, fazia sua refeição e evitava ao máximo falar com um de nós. até tentava puxar algum papo, mas não funcionava. Já tínhamos desistido de consertar algo que só eles poderiam resolver.
  Eu e meu irmão tínhamos chegado em casa na tarde anterior e Hector estava sentado na sala junto a Norah. Estavam parecendo cansados e nossa mãe tinha olheiras profundas. Já estava se tornando normal. Nos pediram para sentar nas poltronas e começaram um assunto chato sobre viagens e coisas do tipo. Eu não entendi muito bem, então olhei para . Ele parecia ter sacado, sua respiração estava oscilando. Eu queria segurar a mão dele, mas estava longe, então fiquei ali parada, encarando meus pais. Norah olhou para o papai, soltando um longo suspiro. Então ele disse de uma vez. Soltou tão rápido que parecia ter vomitado as palavras. Estavam decididos. Realmente iam seguir rumos diferentes. Já haviam pedido o divórcio. levantou e os encarou, querendo dizer algo, mas apenas se virou e saiu pisando firme até seu quarto. Permaneci parada, com o olhar fixo no vão entre os dois à minha frente.
  — Você entende, querida? — ouvi a voz da minha mãe um pouco longe, quase como um eco. Automaticamente, minha cabeça balançou, afirmando. Era como se eu estivesse no piloto automático. Olhei para Hector, esperando alguma explicação a mais, mas nem um olhar reconfortante eu via nele. Pus-me de pé e segui para longe dali.
  Passei as mãos pelo cabelo molhado e respirei fundo, sentindo a maresia de encontro à minha pele com resquícios da água salgada. Deixei que alguns grãos de areia voassem em meu rosto também, aquilo não me preocupava. Olhei mais uma vez antes de levantar, tirando a prancha, que antes estava fincada na areia, ajeitando-a por debaixo do meu braço e comecei a voltar para casa.
  O fim de tarde estava um pouco quente, deixando à mostra o céu colorido. havia me mostrado a beleza dessas tardes na praia e desde então eu não conseguia voltar para casa nesse horário sem tirar os olhos do céu.
  De onde eu estava, já conseguia avistar minha casa e ouvir o som evidente da vizinhança, que por sinal não era lá tão silenciosa. Os motores dos carros eram a trilha sonora do fim de tarde naquele bairro de São Francisco. Eu já tinha me acostumado.
  Passei pela pequena calçada que separava uma residência da outra e segui até à garagem, depositando a prancha em um canto qualquer. E não demorou muito para que logo estivesse subindo as pequenas escadas, adentrando à casa. Assim que coloquei meus pés descalços no piso frio, assustei em seguida ao ouvir algo quebrando.
  Estreitei meus olhos e olhei para os lados, não encontrando ninguém.
  — Você é uma estúpida! É isso o que você é! — aquele era o meu pai gritando. Olhei para o corredor e minha mãe vinha em direção à sala, com o rosto completamente vermelho.
  — , saia daqui. — Hector disse, em tom autoritário. Franzi o cenho, ainda sem entender ao certo o que acontecia.
  Ele caminhou em minha direção e segurou meu braço com força, o que me fez tentar soltar e assim só apertou ainda mais.
  — Não machuque a garota, Hector. Você vai deixar algum roxo. — olhei para minha mãe, que havia se aproximado. Dessa vez, seu rosto estava imerso em lágrimas e aquilo partiu meu coração. Norah era tão bonita, sempre tinha um sorriso vívido nos lábios. Vê-la daquela forma era como ver um outro lado, sem vida, desmotivado.
  — Cale a boca. Acha que ainda vou te dar ouvidos? Que vou escutar uma vagabunda como você? — puxou meu braço mais uma vez e antes que pudesse voltar sua atenção para mim, ouvi o baque da porta dos fundos. estava com os olhos fixos em Hector e seu olhar transbordava nada além de raiva. Hector soltou meu braço, indo em direção à minha mãe. veio até mim, segurando meus ombros.
  — Você está bem? — assenti, rapidamente. Ele passou uma das mãos pelo cabelo claros, olhando para o lado. — Vai para o quarto, agora.
  Olhei para ele, confusa, e meu irmão apenas sibilou que era para obedecê-lo, antes de voltar em direção à Hector. Fui andando lentamente em direção ao corredor e me virei. estava de frente para Hector, meu pai estava completamente vermelho e assim que meu irmão ousou falar um pouco mais alto, ouvi o barulho do tapa desferido em .  
  Pus a mão na boca, sem acreditar.
  — Você é um imprestávelzinho de merda. — frizou bem a palavra, olhando para meu irmão. — Eu não quero mais olhar para a sua cara. Não quero mais olhar para você e perceber o filho inútil que tenho dentro de casa. Você e ela. — apontou em minha direção.
  — Bêbado maldito. — o ouvi dizer, entre os dentes, enquanto minha mãe estava de pé perto deles, sem saber o que fazer. deus as costas, vindo em minha direção e segurou meu braço delicadamente.
  Com aquele ato, seguimos pelo corredor, ouvindo a discussão que continuava na sala e paramos em frente à porta do meu quarto. Ia entrar, mas me puxou novamente, olhando em meus olhos.
  Observei seu rosto, a bochecha esquerda marcada. O choro começava a forçar um nó em minha garganta.
  — Arrume suas coisas. Pegue tudo o que puder. Nós vamos embora.
  — , não! Não podem...
  Segurou meu rosto com as duas mãos, interrompendo.
  — Não questione, por favor. Eu não quero mais isso para mim e eu sei que você também não. — engoli em seco, tentando controlar as lágrimas. — Vamos sair daqui, de uma vez por todas.
  Balancei a cabeça, assentindo, mesmo com o coração apertado dentro do peito e sem questionar ou pensar muito, adentrei o cômodo olhando para os lados, sem ao menos saber por onde começar. Peguei a mochila escolar e coloquei a maior quantidade de roupas possíveis ali dentro. Assim como ela, resolvi encher a mala branca, não tão grande, com os demais pertences. Não estava conseguindo pensar direito e, como em automático, ia colocando qualquer coisa que eu via pela frente dentro. Tinha que levar pouca coisa.
  De onde eu estava, conseguia ouvir a voz exaltada da minha mãe.
  Fechei os olhos e respirei fundo.
  Fui em direção ao espelho na parede do quarto e olhei minha aparência, suspirando. Assim como Norah, eu tinha grandes olheiras, minha expressão não era a mesma radiante de antes.
  Engoli em seco, tentando não deixar que nenhum daqueles pensamentos ruins tomassem conta de minha mente e caminhei de volta para o centro do quarto.
  Puxei o elástico do pulso e prendi os cabelos em um rabo de cavalo firme.
  Enquanto observava o quarto, tentei me concentrar, mesmo com a briga ao lado de fora, se tinha mais alguma coisa faltando e virei meu rosto em direção ao armário, avistando a caixa colorida.
  Rapidamente, caminhei até ela, a abrindo. Fotografias, um diário velho e uma pequena bolsinha preta onde minhas economias estavam guardadas. Peguei-a e corri em direção à mochila, colocando-a no fundo.
  Voltei para guardar a caixa e me deparei com uma fotografia jogada ao fundo. Quando foquei minha atenção no que ela continha, senti que o choro fraco de antes voltaria. Nela, eu e estávamos sorrindo. Norah me abraçava sorridente e Hector tinha um dos braços em volta do meu irmão, o abraçando. O dia estava bonito e não pareciamos ter nenhum problema para nos preocupar.
  Era só aparência.
  Passei uma das mãos pela bochecha e resolvi me adiantar. não esperaria mais um minuto naquela casa. Eu também não.
  Pus a fotografia dentro do pequeno diário e fechei a mochila, colocando-a do lado da mala branca no chão. Fui até a porta e olhei pelo pequeno vão, a casa agora estava silenciosa. Algo estava errado.
  Não demorou muito para que logo aparecesse. Ele entrou, me encarando.
  — Precisamos sair agora. — comentou. Tinha uma das mãos apoiada na porta. — Conseguiu pegar tudo?
  — Não tudo, mas o necessário. — dei de ombros, me levantando e indo em sua direção. — ?
  Ele abria a porta do quarto quando me ouviu, virou o rosto preocupado.
  — E a mamãe? — minha voz saiu falha. Ele suspirou, passando uma das mãos nos cabelos claros. — Ela não tem culpa...
  — ... — se aproximou, levantando uma das mãos até o meu rosto. Ele me observava, como se eu fosse seu último fio de esperança. Balancei a cabeça minimamente e ele me abraçou, se afastando em seguida. — Pegue as coisas e me espere. Já volto.
  Segui até a mochila e a coloquei nas costas, pegando a mala. Ela estava um pouco pesada, mas aquilo não me preocupava no momento. Caminhei até o corredor e logo veio atrás com sua mochila, a mala e a bolsa de academia, passando por mim e ficando na frente assim que Hector virou o rosto em nossa direção.
  Pude ver sua expressão mudar. Antes entristecido, agora parecia furioso. Eu estava começando a me assustar.
  — Onde vocês pensam que vão? — levantou do banco em que estava, perto da cozinha, e parou em nossa frente. — Acabem com essa palhaçada agora e vão para o quarto. Os dois! — gritou, apontando para o corredor. Norah não estava mais na sala, provavelmente trancada no quarto.
  — Quem você pensa que é? — perguntou, elevando a voz. — Você acha que pode chegar impondo uma ordem que não existe? — se aproximou de Hector. Eu estava estática, sem conseguir acreditar no que via. — Você sequer foi um pai presente. Seu canalha! — gritou a última palavra, recebendo o soco em cheio no rosto. Pus as mãos na boca e tentei correr até , que havia cambaleado para trás. Desviei meu olhar de meu irmão para meu pai, Hector estava desnorteado.
   pôs uma das mãos no rosto e retomou a postura.
  — Espero que sinta orgulho disso. – disse, dando as costas para ele.
  Pegou a mala no chão e olhou para mim, seguindo até a porta. Olhei para meu pai pela última vez, ele tinha os olhos vermelhos e sem pensar muito segui até a porta da frente, alcançando no meio da rua. Ele andava sem olhar para trás, estava decidido.
  — Vamos para o ponto e em seguida para a estação. O próximo trem não vai demorar muito, pela hora. — assenti, mesmo sabendo que ele não veria. Eu caminhava apressadamente, tropeçando vez ou outra. Minha visão estava embaçada pelas lágrimas, sabendo certamente que era demais para suportar àquele ponto.
  Dobramos a esquina e eu já conseguia avistar o ponto de ônibus mais à frente. parou um pouco mais afastado do aglomerado de pessoas que se encontravam ali, colocou a mala no chão e respirou fundo. Eu já não conseguia conter o soluço e abaixei o olhar assim que ele me observou.
  Sem dizer qualquer palavra, veio em minha direção, deixando seus braços ao redor de meu corpo, em um afago que só ele conseguia proporcionar. Eu já não conseguia controlar meu choro mais.
  Passou os dedos por meus cabelos e pude ouvir um suspiro fraco de seus lábios.
  — Não precisa chorar. Estou aqui — afastou meu rosto, olhando em meus olhos. O observei, a lateral de seu rosto machucada, agora sangrava. Não muito, mas sangrava e aquilo era o suficiente para que eu sentisse meu coração apertando ainda mais dentro do peito. Eu sabia que não deixaria transparecer o quão magoado realmente estava e só deixou ainda mais claro quando tentou sorrir minimamente, como se de alguma forma, seu ato pudesse me acalmar.
  Ficamos abraçados um bom tempo com a espera do ônibus, até que o mesmo estacionou próximo a calçada. Já tinha anoitecido e o tempo havia esfriado, indicando que o tempo ficaria mais frio do que estávamos acostumados. Rapidamente subimos no veículo, com algumas pessoas ao redor e observando o quão o mesmo já estava cheio. caminhava procurando por algum espaço vazio para sentarmos e assim que o achou, não demorou para virar para trás, esperando por mim. Ele se sentou ao meu lado.
  O olhei de relance. tinha a expressão preocupado, um vinco se formava em sua testa. Os olhos atentos ao trânsito e a mente, provavelmente, com o mesmo turbilhão de pensamentos que ocupavam a minha. Dava para perceber o quão sobrecarregado ele estava e eu me sentia culpada por, ainda assim, ele ter que cuidar de mim mesmo que por muitas vezes eu não quisesse isso.
  Suspirei, desviando o olhar de minhas mãos para seu rosto outra vez.
  — ? — rapidamente, ele me olhou. Ficou alguns segundos me encarando e deixou um sorriso fraco escapar, endireitando o corpo no banco, tentando demonstrar que tudo ficaria bem.
  — O que foi? — perguntou, com certa delicadeza.
  Encostei a cabeça no apoio e respirei fundo, tentando formular o que queria perguntar desde que havíamos parado ali.
  Ele, agora, me observava atento.
  — Nós vamos ficar bem, não é?
   deixou o ar escapar, pressionando os lábios. Os olhos azuis, naquele finalzinho de tarde, estavam acinzentados, como se tivesse perdido o brilho assim como nós dois. Sua feição demonstrava tamanha preocupação e inquietação. E essa era uma das coisas que raramente conseguia ver em meu irmão; aflição.
  Colocou um dos braços ao redor dos meus ombros, me puxando para perto e depositando um beijo tranquilo na lateral de minha testa. O seu polegar fazia um leve carinho em meu ombro.
  — Eu espero que sim.

CAPÍTULO 02

  Depois de algumas horas de viagem — mais do que o esperado —, paramos no terminal de Santa Ana, tendo sorte por logo o ônibus de Huntington Beach estar saindo.
  Quando saímos do trem, o dia estava clareando, como de se esperar. Já eram quase seis da manhã e ainda não tínhamos chegado a Huntington. Eu deveria estar preocupada? Com toda certeza, mas não me importava. Estava longe de casa, longe das discussões e isso era o suficiente para eu estar aliviada.
   tinha a expressão mais leve e se não fosse impressão minha, poderia até dizer que tinha um sorriso contido no canto dos lábios. Isso me deixava um pouco animada, afinal, se ele estava se sentindo melhor, eu também estava.
  Tínhamos saído de Santa Ana fazia cerca de vinte minutos e como a distância de uma cidade para a outra era pequena, logo conseguia avistar os coqueiros e palmeiras da entrada de Huntington. A paisagem me fez sorrir como uma boba, só de lembrar que nossa infância inteira tinha sido ali. Passamos os melhores nove anos julgando ter uma vida perfeita, até nosso pai decidir que nos mudaríamos para São Francisco.
  Desde então, tem sido esse caos.
  Tirei a atenção da vista para os cutucões que me dava na lateral da barriga. Ele tinha um sorriso ansioso e estava se preparando para se levantar. Pus a mochila nas costas e rapidamente fiquei de pé também, percebendo que desceríamos na avenida.
  — No próximo ponto, nós descemos. — falou, segurando em um dos bancos.
  Em poucos segundos, senti o ônibus freando devagar e segui atrás de até a saída, descendo as escadas. Ficamos exatamente em frente à orla, podendo avistar algumas pessoas caminhando e outras na areia da praia. O ônibus partiu e, no mesmo momento, senti o puxão do meu irmão, seguido por um abraço apertado.
  Não pude deixar de soltar uma risadinha de felicidade. Ele fez o mesmo.
  — Voltamos para o lugar do qual nunca deveríamos ter saído. — disse, sorrindo de forma aliviada. estava contente.
  Começamos a caminhar pelo calçadão e esperamos alguns carros para poder atravessar e seguir pela rua que, antigamente, era a da nossa avó. Olhei para os lados, tentando reconhecer o lugar, mas realmente havia mudado bastante depois desse tempo.
  Com um pouco de dificuldade, consegui trocar a mala de mãos enquanto andava, sem tirar os olhos das casas ao redor. O lugar estava completamente diferente.
  — Você lembra mesmo onde que nossa vó morava? — perguntei, confusa por não estar reconhecendo a rua direito. As calçadas estavam repletas de palmeiras, o que deixava a paisagem bonita de se ver. olhou de relance para mim e sorriu minimamente.
  — Qual é, ! Tudo bem que faz tempo que não viemos aqui, mas isso não significa que esqueci do lugar. Aliás — estreitei os olhos por ele ter me chamado pelo nome. Ele apenas sorriu e voltou a olhar para frente enquanto caminhávamos. — Impossível esquecer aquela cerca branca.
  Olhei para a mesma direção que ele e avistei a casa branca, com telhado verde claro. Ela não tinha mudado e vê-la como antes fez com que a saudade crescesse dentro do meu peito. Eu amava aquele lugar.
  Apressamos o passo, chegando à calçada, onde tinha uma caminhonete branca estacionada. Não me lembrava daquele carro.
  Descansei meus braços, pondo a mala no chão e observei a fachada na casa, tinha mudado pouca coisa. A cerca e o portão pareciam ter sido pintados recentemente, assim como o telhado da casa. O portão estava entreaberto, dando para ver a porta da frente encostada.
  Franzi o cenho, lembrando de algo. Será que a vovó ainda morava ali?
  — Tem certeza que ela ainda mora aqui? — perguntei, baixo, por estarmos em frente à casa e, com certeza, ter alguém nela. — Por que eu não lembro do número e muito menos dessa caminhonete branca.
  Olhei rapidamente para trás, vendo a caminhonete. Também parecia nova. Voltei a olhar para e ele parecia pensativo, mas ainda assim mantinha a feição leve no rosto. E essa feição me tranquilizava.
  — Tenho, . Só precisamos chamá-la. — se aproximou do pequeno portão branco e apertou a campainha pela primeira vez. Ninguém surgiu e eu comecei a me preocupar. Olhei em volta e constatei que a rua estava pouco movimentada. apertou mais uma vez e nada. Percebi o mesmo bufar e me afastei um pouco, indo para a ponta da calçada. Encostei-me à palmeira mais próxima que, por sorte, tinha um pouco de sombra e respirei fundo, olhando para baixo. Marie não estar em casa ou não morar mais ali era o que faltava. Cruzei os braços e ergui o olhar para meu irmão, que ainda insistia em tocar a campainha. Olhei por detrás dele e observei a senhora vir com algumas sacolas nas mãos. Ela andava lentamente e tinha os cabelos grisalhos presos em um rabo de cavalo, assim como o meu.
  — . — chamei o garoto, que não tinha prestado atenção. — ! — falei, mais alto, fazendo-o olhar em minha direção um pouco confuso. — Aquela não é a vovó Marie?
  Apontei com a cabeça para a senhora que se aproximava ainda sem olhar para nós dois e desencostei da árvore, indo até . Desviei meu olhar dele para ela e assim que ela nos viu, arregalou os olhos, andando rápido até nós dois.
  — ? ? — perguntou, incrédula. — O que estão fazendo aqui, queridos? — colocou as sacolas no chão e nos abraçou apertado. — Onde estão Norah e Hector? — olhei para rapidamente e vovó parecia ter captado o que pensávamos. Abaixei o olhar em seguida. — Ah... Venham, vamos entrando.
  Foi em direção às sacolas para pegá-las, mas as pegou rapidamente, fazendo com que Marie desviasse e fosse empurrar o portão que estava aberto. Peguei minha mala e segui pelo pequeno gramado, com meu irmão atrás de mim. Por onde caminhávamos tinha um pequeno filete de pedra e em volta, onde era gramado, tinha uma mesa redonda, com o tampo de vidro e várias flores enfeitavam o lugar. Realmente, estava lindo.
  Assim que adentrei a sala, esperei ao meu lado. Vovó caminhou afobada para a cozinha e não deixei de soltar uma pequena risada com seu ato. Ela não havia mudado. Deixei a mala em um canto e esperei em pé, no meio da sala, assim como meu irmão.
  Marie veio em nossa direção e depositou em cima da pequena mesa, no meio da sala, uma bandeja com alguns biscoitos, um bolo fatiado e uma jarra de suco. Respirei fundo, inalando o cheirinho do bolo de laranja. Eu estava faminta. logo se sentou e não esperou muito para que começasse a comer. Eu estava um pouco tímida, até porque fazia tempos que não a via.
  — Como vocês estão, meus amores? — perguntou, se sentando na poltrona, ela tinha um pequeno sorriso nos lábios. — Ah, ... Você está tão crescida! — alisou o rosto, parecendo não acreditar no que via. Sorri de volta, percebendo que sua presença me trazia conforto. Desviou o olhar para e franziu o cenho. — O que houve com o seu rosto, querido?
  No mesmo instante, parou.
  Passou os olhos por mim e os direcionou para vovó, que ainda estava intrigada o olhando. Mordi o lábio inferior e abaixei minha cabeça, me concentrando no copo com suco em minhas mãos. Aquele era um assunto delicado, estava recente e provavelmente não era a hora certa para discutirmos sobre aquilo.
  — Marie, eu não... — tentou dizer, sem encontrar as palavras certas. Ela se aproximou, colocando suas mãos sobre as dele.
  — Tudo bem, não preciso saber agora. — balançou a cabeça negativamente, deixando um leve sorriso surgir nos lábios. — Vocês estão exaustos. Precisam descansar. Venham, os quartos estão livres.
  Esperou que terminássemos de comer e nos guiou para os dois quartos que eu conhecia bem. Mostrou primeiro o de , estava completamente arrumado e as paredes estavam pintadas, menos a azul claro, que continha os posters do meu irmão. Ele era apaixonado e sempre que alguma banda que ele gostava lançava um poster novo, ele comprava. Do lado oposto da cama, bem do ladinho do guarda roupa, estava repousado o violão, o que tanto tocava. Ele tinha o deixado ali quando fomos para São Francisco.
  Deixamos meu irmão desfrutar um pouco mais do quarto e segui com minha avó para o meu, ficando estática ao abrir a porta. Nada tinha mudado, estava tudo como eu tinha deixado quando fui embora. As paredes ainda em tons marfim, a cama encostada à parede com o fio com lâmpadas em volta dela. Os porta-retratos permaneciam na prateleira ao lado da cama, assim como alguns em cima da penteadeira. Era como voltar a nove anos atrás.
  — Vovó... — falei, sentindo a voz falhar. Ela me olhou, segurando uma das minhas mãos. Olhei em seus olhos e sorri de canto. — Obrigada.
  — Sempre estou aqui por vocês, querida.
  Acariciou meus ombros com uma mão e com a outra puxou a porta, me deixando sozinha ali. Soltei todo o meu ar e passei os olhos por todo o quarto, deixando a mala em um canto qualquer. Era bom estar em um lugar sem brigas, discussões e agressões. Era bom estar com Marie.
  Deixei meu corpo repousar sobre a cama assim que me aproximei dela. Estava exausta, precisando urgentemente de um banho decente, mas meu cansaço não me permitia levantar de onde estava. Fechei os olhos com força e levei uma das mãos ao rosto, passando a mão por ele. À contragosto, pus os cotovelos no colchão macio, dando impulso com eles para me sentar, segui até a mala e peguei uma muda de roupa qualquer. Iria tomar um banho e voltar para a cama, sabendo que não demoraria muito para dormir. Segui rumo ao banheiro no corredor e por sorte ninguém estava o ocupando, assim entrei rapidamente e logo me despi. Deixei a água do jeitinho que eu gostava e entrei no chuveiro, sentindo a água morna cair sobre meu rosto e corpo. Foi, com toda certeza, uma enorme sensação de alívio, era como se eu estivesse limpando minha alma. Resolvi não demorar muito ali, pois meus olhos estavam fechando sozinhos de tanto sono. Enrolei-me na toalha, enxugando o corpo e os cabelos, pondo a roupa rapidamente e segui até o espelho. Precisaria de uma longa noite de sono para repor uma aparência agradável.
  O corredor estava silencioso como antes. provavelmente havia pegado no sono assim que ficou no quarto sozinho. Ouvi o barulho da televisão vindo da sala, vovó estava lá e, de onde eu estava, consegui vê-la com os olhos fixos na tela do aparelho. Adentrei o quarto e segui até minha mala, tirando o caderno que trouxera. De dentro dele, puxei a fotografia, deixando um sorriso torto escapar enquanto ia até o porta retrato, a colocando. Não pensei duas vezes para me jogar na cama e respirar fundo, não contendo a vontade de fechar os olhos.
  E antes que eu pudesse fazer qualquer outra coisa, tudo se transformava em um borrão.

🌴

  Abri os olhos rapidamente, assustada com as batidas na porta e levantei o pescoço, podendo ver entre a porta e o batente. Ele me observava e seu olhar transmitia um pedido de desculpas.
  Espreguicei-me, sentando na cama e o chamei para sentar ao meu lado. Pude sentir suas mãos acariciando meus cabelos e deixei minha cabeça tombar em seus ombros.
  — Como se sente? — perguntou, virando o rosto para mim.
  — Cansada, mas um pouco melhor. — sorri minimamente, virando meu corpo para ele. tinha os cabelos bagunçados, como normalmente usava. Vestia camisa de manga branca e calça jeans escura, o denunciando que iria sair. — Aonde vai?
  Ele abaixou o olhar, encarando suas vestimentas e soltou uma risadinha fraca, voltando a me olhar.
  — Vou resolver algumas coisas. Talvez eu demore a chegar. — comentou, passando o polegar em minha bochecha e se levantando em seguida. O segui com o olhar, o mesmo parou em minha frente. — Fique por perto. — beijou minha testa, saindo do quarto em seguida. Ele realmente sabia que eu não iria ficar em casa e que deixaria a curiosidade tomar conta de mim, saindo para explorar o bairro. Não só o bairro, mas de momento eu não me arriscaria. Fui até a mala ao lado da penteadeira, a puxando para cima da cama. Olhei pela janela e pude observar o céu em tons laranja, anunciando o fim de tarde. Era uma das lembranças mais bonitas que eu tinha do lugar.
  Tirei um short jeans escuro, junto com a blusa preta e branca de manga três quartos que estava logo em cima, rapidamente havia vestido a roupa, tendo sorte por não estar amarrotada. Virei o corpo, encontrando os tênis jogados perto do closet e os calcei. Soltei os cabelos, desembaraçando-os com as mãos, sem me importar muito em penteá-los, estava bom do jeito que estava. Observei bem meu rosto, percebendo que as olheiras haviam sumido um pouco, mas que ainda permaneciam lá.
  Rolei os olhos, dando de ombros. Eu não conhecia ninguém naquele lugar, então não estava ligando em não sair tão arrumada.
  Saí do quarto, encontrando Marie na cozinha preparando o que parecia ser a janta, já que o cheiro de carne assada exalava o local inteiro. Dei um sorrisinho e segui até o balcão, me debruçando nele. Ela pegou a travessa e se virou, tomando um susto ao me ver ali. Colocou uma das mãos no peito e riu fraco com meu ato.
  — Querida, não apareça assim. Quase me mata de susto. — balançou a cabeça, colocando a travessa em cima do balcão.
  — Desculpa. O cheirinho estava tão bom, precisei parar aqui. — dei de ombros, retomando minha postura. — Eu vou sair um pouco, ver o quanto a vizinhança mudou, tudo bem? Se chegar antes, a senhora pode avisar a ele para mim?
  — Claro, querida. Só tome cuidado e não volte muito tarde. — olhou, esboçando um sorriso incrivelmente branco.
  Sorri de volta, saindo da casa e parando na calçada. Olhei para os dois lados, pensando seriamente por onde seguir. Ir em direção à praia ou em direção ao centro da cidade? Virei meu corpo em direção às outras ruas e segui, observando as casas em volta. O bairro não estava tão diferente como eu pensava, apenas as casas haviam passado por uma ótima reforma. Olhei para algumas pessoas que passavam do outro lado da calçada, tentando de uma forma, mesmo que falha, reconhecer alguma. Nem mesmo James, o vizinho com quem eu e costumávamos brincar, parecia morar mais ali. Virei o rosto, precisamente para a casa onde ele costumava morar e isso me fez lembrar os cabelos negros e o sorriso largo no rosto que ele tinha. Ele era um garoto legal, costumávamos ficar sentados na calçada vez ou outra, jogando conversa fora.
  Observei o sol se pôr assim que dobrei a esquina, percebendo que já estava longe de casa. Próximo a mim, estava uma enorme praça e nela muitas pessoas conversavam e se divertiam. Segui meus olhos para vários grupinhos de pessoas que aparentavam ter minha idade. Eles gargalhavam e conversavam entre si e por um momento quis saber do que tanto eles riam. Sorri comigo mesma e balancei a cabeça, seguindo até a calçada da praça, caminhando reto e percebendo que estava me aproximando do que mais parecia o centro da cidade. Já havia anoitecido e as luzes dos postes estavam acesas, iluminando completamente o lugar. Muitas pessoas passavam por mim animadas, me fazendo, mesmo que um pouco, ficar animada também.
  Pus uma das mãos no bolso, a fim de pegar o celular e ver as horas, mas tudo que senti foi o bolso vazio, me fazendo arregalar os olhos.
  Droga! Eu o tinha esquecido em casa.
  Olhei ao redor, tentando reconhecer o lugar onde estava, constatando que havia várias lojas por ali. Hurley, Volcom, Subway, Quicksilver...
  Estreitei os olhos, olhando em volta. Não me lembrava de algum dia ter visto aquelas lojas por ali.
  Olhei para trás, não lembrando do caminho de casa e sentindo um leve pavor crescer dentro de mim.
  Calma, você não deve estar tão longe assim — eu dizia, para mim mesma em uma forma de me acalmar. O que não deu muito certo, já que eu estava parada no meio da calçada, sentindo algumas pessoas esbarrando em meu corpo.
  Olhei para a loja na minha frente, Hurley. Poderia muito bem entrar e perguntar, claro, mas a loja estava lotada  e aquilo só fez com que meu nervosismo aumentasse. Pressionei os olhos brevemente e soltei o ar, olhando para a orla da praia.
  Eu me sentaria em um dos bancos, conseguiria falar com e tudo acabaria bem. Isso! Tudo ficaria bem.
  Atravessei a rua, mesmo sem olhar para os lados e me aproximei do banco vago, me sentando ali. Olhei para um dos lados e observei as pessoas caminhando lentamente, sem muita preocupação.
  Queria estar calma desse jeito — pensei.
  Coloquei as mãos na cabeça e a abaixei lentamente, apoiando meus cotovelos na perna. Mal tinha chegado à cidade e já tinha me perdido. Incrível.
  Enquanto estava concentrada me praguejando mentalmente, ouvi risadas ao meu lado esquerdo. Uma era um pouco escandalosa e as outras mais baixas. Resmunguei, virando meu rosto na direção das pessoas que riam e me deparei com um grupo de garotos alternando o olhar deles para mim. Devia ter uns quatro, cinco garotos em uma rodinha. Alguns estavam em pé e outros sentados.
  Balancei a cabeça em negação, rolando os olhos assim que um deles olhou para mim e riu debochado. Aquilo me irritou, mas não quis transparecer e minha vontade foi de sair dali o mais rápido possível. Não o fiz, pois eu não queria me perder ainda mais do que já estava perdida.
  Deixei minha cabeça tombar para o lado, observando a loja do outro lado da rua. O que eu poderia fazer àquele momento?
  — Ei, está perdida? — ouvi a voz perguntando e olhei para o lado para saber se era comigo mesmo que estava se referindo.
  Assim que virei o rosto, dei de cara com cinco olhares curiosos em minha direção. O moreno do meio, o que provavelmente tinha perguntado, me encarava com uma sobrancelha arqueada. Tinha um boné, vestia uma regata preta, o que fez com que eu observasse seus braços torneados, e uma bermuda creme. Debaixo de seus pés, havia um long. Ele o balançava de um lado para o outro.
  — O que você acha? — rebati, um tanto óbvia. Ele riu, sendo acompanhado por seus amigos. Ao seu lado, tinha outro moreno, mas este estava concentrado em seu celular. Os outros três estavam de pé, o loiro menor parecia um tanto idiota, ria de qualquer coisa que o musculoso falava. O outro tinha os olhos castanhos cravados em mim, junto a um sorriso malicioso nos lábios e, por final, o loiro que estava de pé ao lado do de boné transparecia não estar nem aí para o que o amigo falava.
  Ele olhava na direção oposta, sem focar no que acontecia. Suas mãos estavam no bolso da calça preta. O rapaz tinha o semblante sério e parecia ser o único ali que não estava interessado em olhar para mim.
  — Acho que você está um pouco nervosa. — colocou as mãos para cima, em defesa. O loiro baixinho riu e eu o olhei com a pior cara que pudesse fazer. — Você parece nova demais para ser tão estressada.
  Deixei meu olhar cair sobre ele, arqueando uma sobrancelha.
  — E você parece ser um idiota e nem por isso eu disse alguma coisa. — rebati, os fazendo rir. Já mencionei o quanto aquilo estava me irritando?
  — Fala sério. — o loiro mais alto resmungou, rolando os olhos.
  Passou os olhos do musculoso para mim, parando o olhar no meu rosto, logo desceu para o meu corpo, parecendo me observar com atenção.
  Bufei, levantando e atravessando a rua rapidamente, decidida a achar o caminho de volta para casa. Mesmo estando do outro lado da orla, pude ouvir a risada alta e nítida invadir meus ouvidos, me fazendo resmungar um palavreado baixo.
  — Você é foda, ! — um dos garotos gritou. Rolei os olhos.
  Esse era o tipo de grupinho que eu adorava manter distância, mesmo parecendo um pouco impossível, já que eu parecia ter um ímã em direção a eles.
  Pus as mãos no bolso do short e continuei caminhando, mesmo não sabendo para onde estava indo. Só queria sair dali o mais rápido possível. Não fazia ideia de que horas eram, mas deduzia ser quase sete da noite, o que não parecia, já que a rua parecia ter ainda mais pessoas, agitação era surreal e começava a anoitecer naquele instante.
  Respirei fundo e encolhi os ombros, só então percebendo que alguém andava ao meu lado, os passos sincronizados aos meus.
  — Não precisa fingir que não sabe que estou aqui. — fiquei tensa ao escutar a voz rouca ao meu lado e virei o rosto surpresa, estranhando e o encarando. O loiro mais alto caminhava vagarosamente, tirou o cigarro dos lábios, sem virar sua atenção para mim, e soprou o ar. — Posso não ter prestado atenção, mas você estava visivelmente apavorada, entregando o quão perdida está. O que denuncia também que é nova na cidade.
  Virei o rosto para frente, voltando a observar a rua na qual caminhávamos. O movimento ali era pouco, mas isso não me tranquilizava, só fazia com que eu ficasse mais tensa. Além de perdida, estava sendo acompanhada por um cara que nem conhecia e que parecia, realmente, não ser legal.
  O olhei de relance, focando minha atenção nos carros.
  — Não sou nova na cidade. — murmurei. Ele ficou em silêncio e balançou a cabeça em seguida. Parecia ser exatamente o tipinho dos amigos, só não entendia o porquê de ter saído do seu grupo e estar caminhando comigo. — O que foi? Pode dizer. — virei meu rosto para ele, o encarando. — Qual é a sua? Tenho certeza que não saiu de lá apenas para me acompanhar. — dei ênfase, observando sua expressão calma.
  Ele virou o rosto para mim, com uma das sobrancelhas arqueadas.
  — E quem foi que disse que vim te acompanhar?
  Sua resposta me pegou em cheio,  fazendo com que eu ficasse um pouco sem graça, mas não demonstrei. Os olhos verdes passeavam por toda a rua, provavelmente olhando para as pessoas que passavam em volta.
  Por onde passávamos, o rapaz atraía olhares da maior parte das garotas, fazendo com que elas olhassem para mim também, mas ao invés dos olhos brilharem, nitidamente pareciam se perguntar o que eu fazia ao lado dele. Apesar de ser um tanto arrogante, não podia deixar de perceber que ele era bonito. Seus cabelos loiros estavam bagunçados, os olhos verdes eram opacos, mas ainda assim, bonitos. Seu corpo também parecia definido, não como o musculoso de antes. Não era exagerado e isso o tornava mais normal.
  Poderia até considerá-lo um pedaço de mau caminho, mas seu ar convencido não me deixava achar isso.
  Assim que olhou para frente, virei meu rosto, na tentativa de que ele não percebesse que eu o observava. Talvez tenha dado certo, pois ainda continuava com o semblante calmo, porém sério.
  — Então se não está me acompanhando, por que me segue? — arqueei a sobrancelha. Ele soltou uma risada abafada, dando uma última tragada no cigarro, o jogando no chão.
  — Vamos rever os fatos; você está perdida. Ou seja, não sou eu quem está te seguindo. — olhou, óbvio. Enfiou uma das mãos no bolso da calça. — Aliás, você tem o privilégio de ter minha pessoa ao seu lado. Não devia reclamar tanto assim.
  Rolei os olhos, bufando. Um completo idiota. Ele pressionou os lábios, segurando a risada.
  — Qual o seu problema?
  — O meu problema? — perguntou retórico. — Eu digo algo, você vem com sete pedras e eu que tenho algum problema? Você não devia ser tão esquentadinha, boom.
  Olhei para ele com uma sobrancelha arqueada. Boom? Que droga era aquela?
  Ele me olhava sério, mas seus olhos estampavam um misto de diversão.
  — Boom? Você está falando sério? — balancei a cabeça, achando aquilo ridículo. Olhei em volta e pude perceber o quanto estávamos longe do centro dessa vez. E eu, como de se esperar, não fazia ideia de onde estava.
  Resolvi andar mais rápido. Talvez assim me livrasse do garoto e conseguiria encontrar o caminho de casa.
  — Não é como se andar rápido fosse adiantar alguma coisa. — comentou, atrás de mim. — E cá entre nós, você não faz ideia para onde está indo.
  Se aproximou, olhando para mim. Rolei os olhos, tentando não olhar para ele também. Podia sentir seus olhos cravados em meu rosto e tinha quase certeza que se eu não falasse nada mais, ele continuaria olhando.
  — O que é? — virei o rosto de uma vez, olhando.
  Ele deu um sorrisinho de lado, provavelmente gostando de me irritar.
  — Posso te ajudar. — disse.
  — Não preciso da sua ajuda. — o olhei com desdém. Ele me olhou de soslaio, rolando os olhos.
  — Tudo bem.
  Parou no meio do caminho, me fazendo parar também.
  O ato do garoto me fez entrar em alerta, até então, quando ele estava andando comigo, havia esquecido o quão estava perdida, mas assim que deu para trás, percebi que estaria inteiramente ferrada se ele não continuasse me acompanhando.
  O loiro me olhou com um sorriso vitorioso nos lábios. Ele sabia que eu precisaria da sua ajuda e odiava admitir que era verdade. Engoli em seco, olhando em volta. Não reconhecia o local e só me restava, infelizmente, a ajuda dele.
  Brinquei com meus dedos, um pouco nervosa e olhei para ele, tentando não demonstrar que precisava mesmo da sua ajuda.
  Soltei o ar, rolando os olhos. Ele continuava me encarando.
  — Olha, preciso chegar em casa o mais rápido possível. Provavelmente meu irm— — soltou um pigarro, me interrompendo.
  Franzi o cenho, esperando sua resposta, mas sequer respondeu e, ao invés disso, se aproximou.
  — Eu vou te ajudar, boom.
  — Dá para parar de me chamar assim? — soltei, irritada.
  Ouvi sua risada fraca e logo o vi passando por mim, começando a caminhar. O rapaz estava me tirando do sério com aquele apelido idiota.
  O segui, sem pensar muito. Estávamos, agora, em uma rua repleta de casas, bem longe do centro da cidade. Os postes iluminavam pouca coisa, deixando parte da rua escura.
  Olhei de canto para o garoto e ele olhava para frente, como se estivesse adorando observar ao redor.
  Pude ouvir risadas, virando e vendo algumas pessoas caminhando na calçada oposta.
  — Você poderia me dizer se lembra de alguma coisa, para começar. — disse, quebrando o silêncio.
  — Se eu lembrasse, não precisaria da sua ajuda.
  — Touché. — arqueou a sobrancelha. — Não lembra de algum lugar que tenha passado?
  Olhei em volta, tentando me recordar de algum lugar, mas nada me vinha em mente. A risada escandalosa invadiu meus pensamentos, me fazendo lembrar de seus amigos e logo pude me recordar do grupinho que conversava na praça que tinha passado.
  — Tinha uma praça. Quando saí mais cedo, ela estava bem cheia. — Disse, dando de ombros. Olhei para ele e o mesmo deixou um sorrisinho cúmplice escapar. — O quê?
  — Você é mesmo a garota nova.
  Franzi o cenho ao ouvi-lo. Mal tinha chegado à cidade, não tinha dado nem tempo direito para alguém ter me visto, até porque eu não conhecia ninguém dali. Até iria retrucar, mas assim que viramos a esquina, avistei a casa da minha avó ao final da rua.
  Deixei um grande suspiro escapar, o que fez o garoto me olhar de um jeito engraçado.
  — Graças a Deus. — comentei, aliviada.
  Ele deu de ombros, ignorando.
  Caminhamos um pouco mais e antes de chegarmos em frente à casa, paramos. Ele olhou para minha casa e após, para mim, com o semblante de antes, sério.
  — Está entregue. — disse, colocando as mãos nos bolsos da calça.
  Balancei a cabeça afirmando, e ele deu um pequeno aceno, se virando para ir embora. Confesso que ainda estava um pouco atordoada, mas sem pensar muito, o chamei.
  O rapaz virou o rosto em minha direção, confuso.
  — Bom, não sei como te agradecer direito, mas... — desviei meu olhar do dele. — Obrigada.
  Ele tinha os olhos fixos nos meus naquele momento e me observava. Os cabelos loiros escuros balançavam conforme o vento fraco e os olhos, antes claros, agora também estavam escurecidos pelo breu da noite.
  Dei um sorriso fraco e ele deu de ombros.
  — Por nada, boom.
  Rolei os olhos, quase enfiando o dedo no meio em sua direção. Mas, antes que pudesse fazer qualquer coisa, ele já estava longe, pronto para virar a esquina. Soltei todo o ar que segurava e fechei os olhos, achando mesmo que por um momento não conseguiria voltar para casa e ao lembrar do meu salvador, me praguejei mentalmente, lembrando também que não havia perguntado seu nome.
  Ótimo, . O cara te ajuda e você ao menos pergunta o nome dele — pensei.
  O quão irônico aquilo podia ser?

CAPÍTULO 03

  Meus olhos permaneciam fechados. E mesmo estando a um quarteirão da praia, eu conseguia ouvir o barulho das ondas quebrando. Uma pequena fresta na janela permitia a entrada do sol, que, consequentemente, ia de encontro ao meu rosto, mas aquilo não me incomodava. Era bom. Não conseguia ouvir vozes, o quarto estava imerso em uma paz profunda, apenas os carros que passavam na rua faziam mínimo barulho.
  Espreguicei-me ainda deitada enquanto pensava no que iria fazer, mas meus pensamentos não demoraram muito tempo, já que ouvi as batidas na porta do quarto. Não deu tempo de responder, já que consegui avistar a cabeça de dentro do quarto. O olhei, sorrindo.
  — Bom dia, dorminhoca. — disse, entrando no quarto. — Você sabe que horas são?
  — Não pretendo saber. — ri baixo, me sentando ao seu lado. estava sem camisa, trajando apenas o short azul, nos pés tinha havaianas brancas.
  Meu irmão era bem bonito, isso eu não podia negar. Os olhos azuis eram completamente perceptíveis, isso quando estavam azuis e não verdes. Eu tinha sido a única que herdara a íris castanha de meu pai.
  — Bom, então é melhor ir se levantando. Marie falou que queria fazer compras e que com certeza iria carregar você. Sinto muito, . — riu da minha cara de decepção.
  — Você poderia dizer que, sei lá, iríamos fazer algo juntos. — cruzei meus braços, indignada. Esticou suas mãos, bagunçando meu cabelo.
  — Relaxa. Vai ser legal, vai poder comprar algo novo. Quem sabe, talvez, um par de tênis? — arqueou a sobrancelha, sugestivo. Dei de ombros, começando a achar interessante. Não era todo dia que eu tinha a oportunidade de comprar o que eu quisesse e, como conhecia Marie, ela compraria qualquer coisa que eu achasse interessante.
  — E você vai fazer o que enquanto ficamos fora? — o vi se levantando e indo em direção à porta. Virou o rosto e sorriu, levantando um dos braços, mostrando o muque.
  — O que eu faço de melhor. Você sabe. — piscou e saiu do quarto, me fazendo soltar um grande resmungo e cair deitada novamente na cama. Eu iria fazer compras enquanto ele iria fazer o que eu mais gostava: surfar. Isso só não me deixava mais irritada, pois sabia que ficaríamos ali por bastante tempo.
  Levantei da cama, cambaleando um pouco, já que ainda estava com um pouco de sono, e segui em direção à cozinha enquanto vovó preparava o almoço. Ela me olhou esboçando um sorriso aberto e tirou o avental do corpo.
  — Bom dia, querida. Dormiu bem? — perguntou, saindo da cozinha. Balancei a cabeça, assentindo. — te avisou que vamos sair? Claro, não precisa ir se não quiser.
  E eu não queria, mas não iria fazer uma desfeita logo para minha avó. Balancei a cabeça rapidamente, tentando um entusiasmo e ela sorriu ainda mais.
  — Pode almoçar se quiser, logo sairemos.
  Deixei-a na sala e fui até o banheiro tomar um banho rápido. Decidi não lavar o cabelo, pois já tinha o feito no dia anterior, então não havia necessidade. Assim que acabei o banho, segui direto para o quarto, procurando uma roupa mais arrumadinha, digamos assim. Do jeito que conhecia Marie, sabia que ela não iria me levar só ao centro da cidade.
  Olhei para a janela, observando-a aberta e a cama desarrumada. O sol, provavelmente, estava queimando só pelo tanto que brilhava do lado de fora e isso me fez optar por uma roupa mais levinha. Um short alto claro com uma blusa curta folgadinha branca. E, claro, não podia me esquecer dos tênis, só que, dessa vez, um par branco normal, que já estava um pouco surrado. Segui até a penteadeira e sentei no banquinho, puxando o cabelo para cima.
  Foi logo quando terminei de ajeitar o cabelo que ouvi a leve batida na porta. Olhei para o lado e vovó me observava com um sorriso bobo no rosto.
  — Você está tão linda, . — disse, me observando. Fiquei um pouco envergonhada, até porque não era acostumada com elogios tão diretos assim. — Você não vai almoçar? — perguntou. Neguei com a cabeça. — Então vamos?
  Saí do quarto junto a ela e olhei para os lados, procurando meu irmão, porém ele não estava em lugar algum. Dei de ombros e segui até a calçada com ela, vendo-a ir em direção à caminhonete branca.
  — Gostei da caminhonete. Bem legal. — comentei, me sentando no banco ao lado dela. Era uma caminhonete simples, mas completamente limpa e conservada.
  — Comprei por um preço ótimo. O antigo dono não a queria mais, então logo se desfez. — olhou para mim rapidamente, assim que íamos em direção à cidade. Abaixei o vidro, sentindo a brisa de encontro ao meu rosto e deixei um sorriso escapar, confortável. Observei as pessoas na rua, obviamente indo para a praia, já que estavam com roupa de banho. Olhei de relance para vovó e ela ainda tinha aquele sorriso no canto dos lábios. Como alguém conseguia sorrir tanto assim?
  Passamos por algumas lojinhas até chegar à avenida. Não tinham tantos carros transitando por ali, o que era bom, já que não pegaríamos engarrafamento. Como o carro estava silencioso, resolvi ligar o rádio e os acordes de Levitating invadiram meus ouvidos, me animando. Era o tipo de música que mesmo estando para baixo, instantaneamente, você sentia vontade de sair tentando alguns passos por aí.
  Paramos no sinal e como minha janela estava aberta, pude ver alguns carros parando ao nosso lado. O vento estava mais fraco, mas ainda assim continuava fresco. Encostei minha cabeça no canto da janela e ouvi uma música no estilo Paris Hilton ficando cada vez mais alta. Se não fosse ela cantando, com certeza era alguém com a voz tão irritante quanto.
  Fechei os olhos, soltando um resmungo assim que a música ficou ainda mais alta e pude ouvir o ronco do carro ao meu lado. Virei o rosto vagarosamente e observei aquela visão do inferno. O carro, que com certeza era muito caro, estava com o teto solar abaixado, duas garotas estavam de pé com as mãos para cima e uma loira estava sentada no banco motorista. Segui meu olhar para o capô do carro que brilhava mais que o sol de tanto glitter que ele tinha. Só podia ser brincadeira.
  — I'd let you had I known it, why don't you say so?... — elas cantaram tão alto que eu pude sentir meus neurônios explodindo dentro da cabeça. Respirei fundo e observei a garota que tinha os cabelos loiros claros, quase em um tom de branco. Ela tinha uma sobrancelha arqueada, me encarando.
  — Fala sério — murmurei. No minuto seguinte, arrancou com o carro, já sumindo no final da avenida. Olhei para vovó e ela ria baixinho enquanto dirigia. Só podia ser coisa de Huntington Beach.
  — Não precisa ficar com essa carinha, . Não acredito que você já esqueceu de como a cidade é. — olhou de relance para mim e esticou uma mão, acariciando meu queixo.
  — Não é esquecer. Eu só não me lembro... Disso. — fiz uma careta, olhando na direção que o carro tinha ido. Ela parece entender e continua dirigindo, até pararmos em mais um sinal, o qual não demorou muito.
  Alguns minutos depois, estávamos estacionando em frente a uma espécie de shopping, era bem colorido e próximo ao mar, apesar de apenas ter passagem pelo píer no final da rua. Vovó desceu do carro numa animação anormal, porque apesar de ter para lá dos seus sessenta anos, ela parecia jovem. Tinha uma disposição que até eu ficava com inveja.
  A olhei por alguns segundos antes de entrar no lugar ao seu lado. Tinha a altura mediana, os cabelos grisalhos iam até a altura de seu pescoço, impecável. Ela adorava o tom branco dos seus fios. No rosto havia poucas rugas, mas ela parecia pouco ligar e ainda assim era linda. Pus uma das mãos no bolso do short e observei a fachada do mini shopping. Tinha um enorme letreiro em marrom com o nome Bella Terra. Adentrei o local, sentindo o ar gelado de encontro à minha pele, indicando que o ar condicionado estava ligado. Vovó seguiu na frente, na direção oposta, e fui atrás, observando todo o lugar. Passamos por várias lojas, mas parecia que nenhuma delas a agradou.
  — Normalmente, venho para comprar algumas coisas para a casa. — se virou para mim, explicando. Balancei a cabeça, em sinal de que estava prestando atenção. — Mas essa é uma ocasião especial, minha netinha está morando comigo. É maravilhoso!
  Passou um dos braços em volta do meu pescoço, me fazendo rir fraco. Realmente, fazia muito tempo que eu não via Marie e estava com saudades, mas Hector sempre era o contra de virmos para Huntington. Então, desde que nos mudamos aos nove anos, nunca mais voltamos. vivia dizendo o quanto nossa mudança tinha sido decepcionante. E, cá entre nós, foi a pior coisa que aconteceu.
  Entramos em um departamento. Vovó me acompanhou até o centro da loja e eu não conseguia parar de observar aquele lugar. Além de ser enorme, vendia qualquer tipo de coisa e, claro, a primeira parte que passei era repleta de calçados. Por um instante, achei que minha mandíbula fosse cair, já que desde que entrei no lugar minha boca estava aberta e eu estava surpresa. Bem na minha frente, estavam pares de todas as marcas possíveis. Nike, All Star, Vans, Etnies, Lakai... Observei as duas paredes onde os tênis estavam colocados até escutar Marie e dar um pulo de susto.
  — Vovó! — disse, assustada, soltando uma risadinha.
  Olhei para ela ao perceber que olhava a prateleira. Parecia observar todos os tênis detalhadamente, assim como eu fazia antes. Tinha as sobrancelhas franzidas.
  — Esse vinho é muito bonito. — apontou para um da Nike. — Até porque você tem um azul e um branco. É sempre bom variar, não?
  Deixei um sorrisinho escapar e, pela primeira vez naquele dia, me senti verdadeiramente animada. Não era só porque eu sabia que ela ia comprar o tênis para mim, mas fiquei feliz por ela me ajudar com a escolha e, principalmente, por saber que prestava atenção em mim.

🌴

  Fechei os olhos instantaneamente assim que senti o sol fraco na calçada. Diferente de quando chegamos, a rua estava um pouco mais calma e vovó também. Depois de termos comprado quase o shopping inteiro — e não era exagero —, seguimos em direção ao carro que não estava tão longe assim. Eu tinha algumas sacolas nas mãos, estavam pesadas e vovó havia achado válido deixarmos as coisas no carro para comer algo. Esperei até que Marie o trancasse e segui com ela para a praça de alimentação ao ar livre, quase ao lado do mar. Paramos na entrada e olhei para a extensão do lugar, observando que não estava tão cheio assim. Sentamos em uma mesa ao fundo, tendo uma vista incrivelmente linda daquela paisagem. O mar estava calmo e as gaivotas passavam ao longe.
  Ajeitei-me na cadeira olhando em volta, tentando escolher em qual lugar eu comeria, talvez Burger King, estava morrendo de fome. Esperei um pouco até vovó decidir, até porque quem estava pagando era ela.
  — O que quer comer? Hoje você quem escolhe. — me olhou sorrindo. Encolhi os ombros, tentando não ouvir minha mente que gritava batata frita.
  — Ah, vovó, pode escolher. Estou morrendo de fome, então qualquer coisa para mim está bom.
  — Querida, preste atenção. Estamos rodeadas de ótimas redes de fast food. — olhou em volta, me fazendo olhar também. — O que quer comer? É só me dizer e sairemos daqui cheias.
  Dei uma risadinha e abaixei a cabeça, tornando a olhar em volta. Eu realmente estava indecisa, não sabendo o que escolher ao certo. Entortei os lábios e deixei a cabeça tombar para o lado assim que olhei para o Burger King.
  — Burger King. Qualquer lanche que venha com a maior porção de batata frita. — disse, com os olhos arregalados. Ela riu e se levantou, seguindo até o lugar.
  Observei-a entrar na fila e virei o rosto em direção ao mar, soltando um grande suspiro. Já estávamos em Huntington fazia uma semana, havia passado muito rápido. Tão rápido que logo as aulas começariam. , no dia em que me perdi, havia saído para tentar resolver algumas coisas, como ele disse. E como tínhamos saído de São Francisco, mas não acabamos os estudos, logo resolveu com Marie e ela nos matriculou na escola mais próxima, a Ocean View High. Achei um pouco estranho, claro. Estava e ainda estou receosa com Hector e Norah. Eles podiam nos levar a qualquer momento, aquilo não era definitivo. E apesar de esse ser um dos grandes empecilhos, eu confiava no meu irmão e sabia que, junto dele, poderia fazer aquilo dar certo.
  E eu conhecia vovó Marie muito bem para saber que ela não deixaria que eles nos levassem assim, sem questionar. Isso me deixava mais tranquila.
  Olhei para a fila novamente e Marie agora vinha em minha direção. Tinha uma bandeja com lanches, batatas e dois enormes copos de suco. Meus olhos com certeza brilhavam.
  — Eu não sabia se você ia querer refrigerante e, como eu bebo suco, achei que você poderia querer também. Tudo bem para você? Se quiser, posso pedir um refrigerante separado. — se sentou, pondo a bolsa na cadeira do lado.
  Balancei a cabeça rapidamente, em negação. Eu não tomava refrigerante fazia anos.
  — Não tomo refrigerante. Ótima escolha, vovó. — sorri para ela e dei uma enorme bocada no meu lanche. Sequer havia mastigado direito e já estava dando outra bocada. Esse é o resultado de acordar tarde e não almoçar, você simplesmente sente um buraco crescer na sua barriga.
  Ficamos um tempo comendo em silêncio, até que esse começou a me incomodar. O lanche já tinha acabado e eu comia as batatas lentamente enquanto mexia no canudo do suco e observava as pessoas em volta. Marie percebeu, pois soltou um pigarro e pousou os olhos em mim. Por um segundo, achei que iria levar um sermão, apesar dela não fazer isso, mas sua voz doce me tranquilizou em seguida.
  — Eu não sei ao certo, apesar de saber que vocês vão me contar na hora certa. — engoli em seco, já sabendo do que se tratava. Ah, não... — Norah me ligou.
  Por um segundo, achei que iria começar a chorar, mas pressionei os lábios, focando meu olhar na mesa. Não tínhamos contado para Marie ainda e estava morrendo de medo de que ela tivesse falado com Norah onde estávamos. Isso só colocaria tudo a perder.
  Ergui meu olhar subitamente, a olhando nervosa.
  — Você não falou nada para ela, não é? Ela está vindo para cá? Você não...
  Ela esticou sua mão, segurando a minha por cima da mesa e a acariciou, tentando me acalmar.
  — , querida, fique calma. — olhou em meus olhos, compreensiva. — Sei que vocês não apareceriam de uma hora para a outra em minha casa, ainda mais sozinhos. Mas também sei que, para isso ter acontecido, vocês tiveram um motivo. — respirei fundo. — Estou certa? — balancei a cabeça, assentindo.
  Ela ficou quieta por alguns segundos, ainda com a mão sobre a minha.
  — Ela perguntou se estavam comigo. Eu neguei, e apesar de odiar ter que mentir para a minha própria filha, eu precisei fazer isso. — dei um pequeno sorriso, mas agora era estava séria. Eu sabia que ela estava sendo sincera em tudo que falava. — Ficarão comigo o tempo que precisarem. Um mês, um ano ou o resto da vida. Eu amo vocês, você sabe disso, não é, querida?
  Ergueu sua mão para meu rosto, o acariciando com o polegar. Senti os olhos ficarem marejados, mas logo me recompus, acariciando sua mão também.
  — Obrigada. Você não sabe o quanto isso significa para mim e para .
  Dessa vez, ela sorriu. Um sorriso acolhedor. Pegou sua bolsa e se preparou para levantar, logo fiz o mesmo, percebendo que já estava tarde, pois o céu estava ficando em tons alaranjados. Não pude deixar de sorrir.
  Peguei meu copo, que ainda continha uma boa quantidade de suco, e saí atrás dela, ajeitando minha roupa. Saímos da praça de alimentação desviando de algumas pessoas e paramos na calçada. Marie parou em frente a algumas vitrines, analisando-as e enquanto ela fazia isso, me afastei um pouco, levando o canudo do suco na boca. Estando ali parada, pude me lembrar que quase não mexi no celular e o peguei no bolso, aproveitando para ver as horas. Eram cinco da tarde e assim que iria desligar o display, avistei o alerta de uma nova mensagem.
  Era de .

"Estou preto! Você trouxe algum hidratante?”

  Balancei a cabeça, soltando uma risada alta. Era evidente ele ter ficado preto, já que o mesmo toda vez que ia para a praia esquecia seu protetor.
  Troquei o copo de mão e já começaria a respondê-lo, não fosse por um grupo de garotos passando de bicicleta, aquelas pequenas de manobra. Com isso, tomei um susto, deixando o celular quase cair ao chão e o suco tombar para o lado, abrindo sua tampa e espirrando na minha roupa. Arregalei os olhos, não sabendo para o que olhar no momento. O copo do suco virado em minha mão, o celular espremido contra meu peito ou para o bando de idiotas que haviam parado longe de mim.
  Assim que ergui meu olhar, uma garota passou na mesma velocidade em um long, sorrindo para mim. Ela tinha uma sobrancelha arqueada, como se achasse graça da situação e quisesse dizer um enorme "bem feito!". A morena parou ao lado dos garotos, me fazendo olhá-los. O sorriso aberto no rosto, o boné na cabeça e a risada escandalosa. O mesmo garoto da orla no outro dia. Musculoso. Ele estava em cima da bicicleta, me encarando na maior cara de pau.
  Respirei fundo, sentindo meu sangue borbulhar. Peguei o celular decentemente e fechei as mãos, pronta para ir em direção ao babaca e enfiar todos os meus dedos naquele focinho que ele tinha na cara. Sim, eu queria quebrar seu nariz, mas não faria aquilo. Marie provavelmente me acharia uma louca.
  Desviei meu olhar, observando minha avó se aproximando e, ao parar em minha frente, arregalou os olhos, parecendo não entender nada.
  — Oh, , o que aconteceu? — segurou meu ombro, olhando minhas roupas. Automaticamente, meus olhos seguiram para o garoto de boné e senti minha vista queimar de raiva. Provavelmente, eu estava aniquilando o garoto com o olhar. Marie olhou na mesma direção e estreitou os olhos. — Foram eles? Você o conhece?
  Eu quis dizer que sim. Oh, sim! Só para me aproximar e acabar com o garoto, mas ele estava com quatro pessoas em volta e eu sairia perdendo. Tentei fazer minha respiração se acalmar, o que não adiantou já que senti o suco escorrendo pela minha barriga. Fechei os olhos rapidamente e balancei a cabeça, negando. Eu não poderia fazer nada além de soltar palavrões e resmungar até chegar em casa, então apenas o encarei pela última vez, o vendo soltar uma risadinha para mim.
  — Não. Não conheço.

CAPÍTULO 04

And may the best of your todays,
  be the worst of your tomorrows,
  And may the road less paved,
  be the road that you follow...
  Have It All - Jason Mraz

  Ouvi o barulho da chuva fraca e abri meus olhos vagarosamente, soltando um resmungo por não ver os raios de sol invadindo as paredes do quarto. Tateei o criado mudo, ligando o display do celular que marcava seis da manhã.
  Já havia amanhecido e, naquele dia, aquela era a pior parte.
  Não por simplesmente ter acordado àquela hora e não poder dormir, e sim por ser o primeiro dia de aula dali a pouco tempo.
  Encarei o teto por alguns segundos até que realmente me sentisse pronta para levantar e assim joguei as pernas para fora da cama, me sentando. Senti um leve tremor passar pelo corpo e constatei que aquela manhã estava um pouco fria, o que me deu um pouco mais de preguiça de sair da cama.
  Segui em direção ao banheiro, não demorando muito embaixo do chuveiro, já que a água não estava tão morna assim. Quando saí do cubículo, ouvi o barulho da televisão sendo ligada e ao passar em direção ao quarto pude notar, de relance, Marie acendendo a luz da cozinha.
  Resolvi adentrar o quarto sem muita pressa, já que minha maior vontade era de continuar deitada até voltar a pegar no sono outra vez e, combatendo qualquer outro resquício de moleza, decidi pegar qualquer roupa que fosse quente e confortável para enfrentar aquele dia.
  Puxei a calça jeans do armário, junto a uma blusa de manga branca e peguei o moletom vinho, o colocando. Deixaria para colocar os tênis depois, então só adiantei colocando as meias.
  Saí do quarto bocejando e dei de cara com no corredor. Ele havia parado ao me ver, estava com os olhos estreitos pelo sono.
  Bocejou, passando uma de suas mãos nos cabelos loiros.
  — Bom dia. — passou por mim, bagunçando os meus.
  Dei um sorrisinho e o segui até a cozinha. Ele ainda estava com a calça de moletom.
  — Bom dia, queridos. — Marie se virou, ajeitando a mesa para o café. Respirei fundo e me sentei em uma das cadeiras. — , você vai se atrasar.
  — E que horas são? — perguntou, sonolento, erguendo o olhar até o relógio de parede. Arregalou os olhos ao ver as horas. — Puta merda.
  — Cuidado com a boca. — Marie repreendeu, olhando, mas não deixou de sorrir. Tomei um pouco do café que já estava no copo e comi rapidamente o pedaço de bolo. Ouvi passos rápidos e olhei para trás, vendo puxando as mangas do casaco, já com a mochila preta nas costas. Ele parecia tão animado quanto eu.
  Deixou a mochila em cima do balcão e pegou dois grandes pedaços de bolo, os enfiando na boca.
  Franzi o cenho, rindo de seu ato.
  Marie balançou a cabeça, se virando para lavar o que tinha usado. E, enquanto o mesmo terminava de comer, fui até o quarto, calçando os tênis e logo já estava de volta à sala.
  — Já acabou? Eu sei que é uma cena daquelas chegar atrasado ao primeiro dia de aula, mas podemos deixar para depois, certo? — fez uma careta, pegando as coisas e foi em direção à porta.
  Fiz o mesmo que meu irmão, um pouco devagar, sem pressa. Íamos em direção à calçada, mas paramos assim que ouvimos Marie nos chamar.
  — , tome. — jogou a chave do carro para meu irmão, que a pegou no ar. Ele olhou para vovó sem entender. — Pode levar a caminhonete. Ocean View não é tão perto assim.
  O olhei de lado e pude avistar um breve sorriso se formando em seu rosto, eu sabia o motivo daquela felicidade. Apesar de ter sua carteira há um tempo, nunca teve um carro e Hector nunca dava oportunidade para que ele pudesse dirigir.
  Entrei no carro, jogando minha mochila no banco de trás e fez o mesmo, colocando a chave na ignição.
  Respirou fundo e olhou para mim, deixando uma risadinha mínima escapar.
  A expressão estampada no rosto do meu irmão me animou instantaneamente.
  Mas, só por alguns segundos. Já que em seguida estávamos indo em direção à escola.

🌴

  Desci do carro um pouco assustada com a multidão em frente da escola. Olhei para por alguns segundos e senti meu estômago revirar completamente. Minha maior vontade era de entrar no carro e seguir rumo à casa, aproveitando para voltar a dormir e não ter que olhar para todas aquelas pessoas próximas à mim.
  Relaxei os ombros, tentando não transparecer meu nervosismo e observei meu irmão se aproximando, enquanto colocava um dos braços em volta do meu pescoço. Inalei seu perfume suave e aquilo conseguiu me acalmar um pouco.
  — Você está muito tensa para quem costumava não estar nem aí para começo das aulas. — comentou, brincando, e balançou meu corpo delicadamente.
  — Não dá para estar nem aí quando se é uma escola nova, cheia de pessoas que você nunca viu na vida. — resmunguei.
  — Relaxa. Vai ser tranquilo.
  O olhei de relance e respirei fundo, voltando a olhar para todas as pessoas que conversavam e comentavam sobre o primeiro dia. Era mais do que evidente que a maior parte dos olhares estava sendo direcionada a nós dois e aquilo só conseguia me deixar ainda mais incomodada.
  Apertei a alça da mochila, engolindo seco. estava com um sorriso fraco no rosto e não parecia ligar para os olhares que nos fuzilavam. Claro que boa parte deles eram provocativos e femininos em sua direção.
  Observei o outro lado do estacionamento onde os mais populares pareciam se encontrar. Olhei para todos eles, tentando reconhecer mesmo que inútilmente alguém do grupo.
  Alguns garotos estavam sentados no capô de seus carros, outros encostados e alguns conversavam animadamente. Vestiam um casaco parecido, algo com o símbolo e cor da escola.
  Caminhei com até a entrada do lugar e seguimos até a secretaria que não estava tão vazia assim.
  Duas pessoas esperavam no corredor enquanto uma era atendida.
  Fiz menção de entrar junto a meu irmão querendo evitar ficar sozinha naquele lugar, mas pude sentir sua mão me parar antes que eu pudesse começar a andar.
  — Eu pego seus horários. Fique aqui.
  — Claro. — murmurei, rolando os olhos.
  Sem bater, ele abriu a porta e adentrou o local. Olhei para o lado, vendo um dos garotos que antes esperava me encarar. Ele parecia me analisar vagarosamente. Já disse o quanto estava incomodada com isso?
  O corredor não estava tão barulhento, mas as vozes do lado de fora do local eram altas e claras. Ergui os olhos na direção da porta e ao ver meu irmão sair com alguns papéis em mãos, soltei um enorme suspiro. Ele me olhou e apontou com a cabeça na direção oposta do corredor, para que eu o seguisse.
  — Esses são os seus horários. Eu começo com Matemática e você... — puxou o outro papel, o olhando. — Literatura. Não ficamos juntos por hoje.
  Olhei para ele espantada. Eu não podia ficar longe dele, não conhecia ninguém naquele lugar.
  Puxei o papel da sua mão, constatando que realmente estávamos separados hoje.
  — Droga. — praguejei, baixo. Baixo o suficiente para que o sinal indicando o início das aulas me interrompesse.
  Olhei suplicante para .
  — São só algumas horas. Você consegue. — piscou para mim, ficando em minha frente. Olhou para as pessoas ao redor antes de voltar a me olhar. — Vamos. Eu vou te levar até a sua sala.
  — Muito obrigada. Isso vai adiantar muita coisa. — rolei os olhos.
  Ouvi sua risada fraca enquanto virávamos o corredor, procurando minha sala. Por onde passamos, parecia que o número de pessoas só ia aumentando, fazendo com que os olhares aumentassem também. Paramos em frente à porta branca que estava aberta. Pude ver que poucas pessoas estavam dentro do lugar.
  — Nos vemos depois da aula. Você sabe que pode me ligar a qualquer momento, não é? — arqueou uma sobrancelha. Assenti, balançando a cabeça e senti seu beijo em minha testa. Ele se virou e sumiu no fim do corredor, o que me fez ficar nervosa assim que me virei para entrar na sala.
  Percebi alguns olhares em minha direção e tentei ignorá-los, seguindo até uma fileira no canto que estava vazia até então.
  Pus minha mochila em cima da mesa e deixei meu corpo escorregar na cadeira, respirando fundo. Os olhares ainda continuavam, principalmente pelas pessoas que entravam na sala nesse momento.
  Não demorou muito para que o professor entrasse na sala, segurando sua pequena mala preta e alguns livros no outro braço. Rapidamente, olhou para todos os alunos e começou a ajeitar algumas coisas em cima da cadeira.
  — Bom dia a todos. Sou o professor Daves, de Literatura. Muito dos presentes hoje já vem me acompanhando por um bom tempo, e aos outros, eu desejo as boas-vindas. — encostou o corpo em frente à mesa e lançou um rápido olhar em minha direção. — Espero que se adaptem bem aos horários e ao colégio.
  Rodou novamente a mesa, escrevendo seu nome no quarto. Enquanto ele seguia em direção à sua pasta, olhei de relance para os lados. Observei que algumas pessoas já não prestavam tanta atenção em mim assim e aquilo me deixou um pouco mais aliviada, mas, no fundo da sala, algumas meninas insistiam em olhar e fofocar alguma coisa com as outras. Inclusive, uma entre elas parecia bem a dona do carro cheio de glitter.
  Inferno! — praguejei.
  Risquei algumas coisas no caderno que já estava aberto e ergui meu olhar assim que percebi uma movimentação do outro lado da porta. Prendi o ar no mesmo instante que reconheci o garoto parado atrás do pequeno vidro. Era o loiro que tinha me ajudado quando me perdi. Parecia estar falando com alguém no corredor enquanto ria. Ele passou os olhos pela sala, parecendo não me notar ali. Olhei rapidamente para baixo e percebi a porta se abrindo silenciosamente. O professor continuava concentrado em sua apostila e assim que o garoto entrou completamente dentro da sala, deixei um sorriso fraco escapar, acenando discretamente para ele.
  O mesmo me olhou com o cenho franzido e desviou o olhar ao ouvir a voz do professor.
  — Pelo visto não mudou seu jeito de chegar atrasado aos primeiros dias, .
  Engoli em seco ao ouvir aquele sobrenome e mais ainda quando percebi as pessoas me olhando e ouvi as risadinhas ecoarem.
  Naquele momento, só senti vontade de enfiar minha cabeça em um buraco no chão. Nunca me senti tão envergonhada na vida. Envergonhada e confusa.
  Ele havia me ajudado naquele dia, por que estava fingindo que não me conhecia? Ou pior, tinha me ignorado na frente da sala inteira.
  Ignorado igual como fez com o professor, indo se sentar no lado oposto ao que eu estava. Resolvi não direcionar meu olhar um segundo sequer para ele e tentei prestar a atenção na aula e no pequeno discurso que o professor falava. Queria olhar para o lado quase sempre, de verdade. E toda vez que eu fingia estar procurando algo no chão ou simplesmente estar observando a sala, eu captava os olhares do loiro levemente sobre mim.
  E era muito constrangedor.
  Assim que ouvi o sinal avisando que a segunda aula havia acabado, catei todas as minhas coisas de cima da mesa e segui para o corredor o mais rápido possível. O lugar já estava cheio, o que me fez olhar para os dois lados sem saber para onde ir. Não conseguia achar em canto algum e aquilo me fez ficar um pouco nervosa. Provavelmente, eu estava parecendo uma louca parada no mesmo lugar há um tempinho. Foi então que decidi seguir até o fim do corredor e o virei, olhando para trás e sentindo um baque fraco contra o meu corpo.
  Observei a menina se abaixando em seguida.
  Olhei rapidamente para baixo e observei alguns materiais espalhados pelo chão.
  — Nossa, sinto muito. Estava distraída e acabei não vendo você. — disse, enquanto me abaixava para ajudá-la. Ela sorriu amigavelmente.
  — Não tem problema. Essas coisas quase sempre acontecem. — pegou as últimas folhas e se levantou, ajeitando os materiais que tinha em mãos. Olhou para mim, me analisando. — Você é nova por aqui, não é?
  Balancei a cabeça, afirmando. Ela sorriu mais uma vez e pude perceber que a menina não parecia com as demais garotas que havia visto pelo colégio. Os cabelos loiros ondulados caiam sobre o ombro e os olhos arredondados traziam certo conforto.
  — Cheguei há pouco mais de duas semanas. Hoje é meu primeiro dia e ainda não me situei pela escola, mas espero que não demore muito. — dei de ombros, sorrindo minimamente.
  — Entendo. Com o tempo você acaba pegando o jeito. — disse, começando a caminhar pelo corredor ao meu lado. — Eu sou . Você está com seus horários aí? Posso te ajudar.
  Puxei o caderno de dentro da mochila e peguei a folha dobrada, entregando para ela. Enquanto a garota analisava a folha com atenção, observei o lugar pelo qual estávamos passando. Era um corredor aberto que dava para um grande gramado e ao longe podia avistar a quadra de basquete.
  Parecia ser um ginásio enorme.
  — Nesse momento, você tem um horário de Sociologia. Sua sorte é que a professora pega leve com os alunos novos. — comentou, me entregando o papel. — Eu até ficaria conversando, mas estou completamente atrasada para minha. Sério. E o pior é que vou ter dois horários de Cálculo. Nos falamos na saída, o que acha?
  — Claro. Por mim, tudo bem.
  — Então, nos vemos ao final da aula. Até!.. — franziu o cenho, tentando lembrar meu nome.
  E só então eu percebi que não havia mencionado.
  — . .
  Ela assentiu e se virou, caminhando até sua sala.
  Respirei fundo e olhei para os lados, tentando achar a sala que estava tendo aula. Não demorou muito para que eu a encontrasse e logo a adentrei, segundo até uma cadeira no canto, podendo sentir meu corpo relaxar mais uma vez, ao me sentar, percebendo que quase ninguém havia notado minha presença.
  Passei a aula inteira tentando prestar atenção na professora que falava sobre algum assunto relacionado à matéria como se fosse o mais interessante de todos. Os alunos em volta pareciam estar tão interessados quanto eu, o que chegava a ser loucura da nossa parte, já que era o primeiro dia e estávamos daquela forma.
  Não me importei com os olhares da professora e senti um grande alívio percorrer meu corpo ao perceber que sua aula já tinha acabado e que significava apenas uma coisa; hora do intervalo.
  Deixei que todos saíssem da sala para que eu pudesse me levantar e seguir rumo ao corredor mais uma vez.
  — Não te encontrei no final da primeira aula. — ouvi a voz do meu irmão e me assustei ao sentir suas mãos em meus ombros. — E então, o que tem achado?
  — Se quer mesmo saber, não vejo a hora de chegar para casa. — murmurei.
  Ouvi sua risada fraca enquanto íamos em direção ao refeitório, onde já podia avistar a enorme fila perto da cantina. me guiava para o final da fila com os braços em volta dos meus ombros e agora os olhares estavam ainda mais focados em nós dois.
  Enquanto estava parada ao lado do meu irmão, pude sentir que o mesmo cutucava a lateral da minha barriga, me fazendo olhá-lo com os olhos estreitos.
  — O que foi? — perguntei, quase irritada.
  — Você conhece? — apontou para o final do refeitório, me fazendo olhar na direção.
  Pude ver, em uma mesa ao fundo, sentada com mais três pessoas. Ela tinha um sorriso no rosto enquanto uma das mãos estava para cima, acenando para nós. Ela estava tentando chamar minha atenção. Acenei para a mesma discretamente enquanto sorria.
  — Esbarrei com ela no corredor mais cedo. Parece ser uma garota legal.
  — E por que não vai até lá? Pelo visto, ela está te chamando. — arqueou uma das sobrancelhas, olhando para a garota.
  Olhei novamente para ela, que movimentava a boca, dizendo um senta aqui!, discreto.
  Esperei para pegar alguma coisa para comer, assim como e segui com um copo de suco e uma vasilha com torradas em mãos até onde estava sentada. estava ao meu lado, carregando o sanduíche e um sorriso sapeca nos lábios. Ele, obviamente, estava adorando toda aquela atenção. Nos aproximamos, recebendo olhares das que estavam sentadas com a loira também, as três meninas desviaram o olhar de mim para meu irmão, o olhando de cima a baixo. Reprimi um risinho.
  — ! Pensei que não ia te encontrar no meio de toda essa gente. — disse, fazendo uma careta ao olhar para as outras pessoas.
  — . — disse, dando um meio sorriso. Ela parecia não ter entendido. — Pode me chamar de , acho melhor.
   sorriu, apontando para o banco da frente com o indicador. logo se sentou e aproveitei para ficar do seu lado, enquanto ele já devorava seu sanduíche. Percebi a outra loira cochichar algo com a morena, olhando por trás de mim.
  Não me dei ao trabalho de olhar, já que no minuto seguinte estava chamando minha atenção.
  — Eu acabei esquecendo de apresentar minhas colegas. Essa é a Jenna Ryland. — apontou para a loira que tinha os cabelos claros até a cintura. A mesma sorriu mostrando suas covinhas. — Kristen Olen e Erin Harver. — olhou para as que cochichavam.
  Elas olharam em minha direção, acenando rapidamente.
  — Esse é , meu irmão. — olhei para ele, que ergueu o olhar, sorrindo para as meninas.
  Observei quando Kristen soltou um suspiro, parecendo estar adorando observá-lo e ele sequer voltou a olhá-la, provavelmente não dando a mínima para a garota.
  — Vocês são gêmeos? — perguntou, focando sua atenção em nós dois. — São tão parecidos.
   estava de frente para mim, mas mantinha o olhar em todo o refeitório. Ele se virou e olhou para a loira, sorrindo de canto.
  — Somos sim, gêmeos bivitelinos, com uma pequena diferença de duas horas. — olhou de relance para mim e eu sorri.
  Sim, eu e éramos gêmeos, mas nada idênticos.
  Enquanto parecia um modelo de tão bonito, os cabelos e olhos claros, eu havia puxado totalmente a família do meu pai, com os cabelos e olhos escuros.
   parecia ter ficado surpresa e encantada.
  Observei engatando em uma conversa com sobre o assunto, enquanto eu mexia em qualquer coisa no celular do meu irmão, que antes estava em cima da mesa.
  Desbloqueei a tela que não tinha senha e encarei o papel de parede, sorrindo. Era uma selfie onde sorria minimamente de costas para o mar e tinha quase certeza de que ele havia tirado essa foto aqui em Huntington.
  Havia ficado bonita.
  Ergui meu olhar assim que ouvi se direcionando a mim.
  — Não sabia que vocês eram de São Francisco também. Eu nasci e morei lá até meus doze anos e então minha mãe acabou recebendo uma promoção aqui. Ela é enfermeira. Nunca mais nos mudamos, me apaixonei pela cidade.
  — É. Nós dois decidimos mudar os ares um pouco. — soltei uma risadinha, olhando de relance para que parecia ter entendido o que eu havia dito. — Não tem como não se apaixonar por Huntington. Sou louca por esse lugar.
   balançou a cabeça, concordando.
  — Além de ter uma das melhores praias, em minha opinião.
  — Eu nunca vi alguém tão encantado por surf quanto ele. — apontei para . Ele riu fraco, bagunçando meus cabelos, levemente envergonhado. — Acho que aprendi tudo o que sei com meu irmão.
  — , essa garota manda muito. Sinceramente — cruzou os dedos. estava sério, me fazendo abaixar a cabeça em negação. — Eu a ensinei tudo o que ela sabe, mas, cá entre nós, nunca vi alguém tão focada e destemida quanto ela.
  — Modesto, hein?
   ria de nós dois e eu fazia o mesmo, voltando a olhá-lo.
  Ela era uma garota bem legal e parecia não dar muita bola para as outras amigas. Não era como se dependesse delas.
  — Eu já tentei uma vez, mas não é bem a minha cara ficar de pé em cima de uma prancha, não. Digamos que eu não seja uma pessoa com um bom equilíbrio. — disse, apontando para si mesma.
  — Não é tão difícil quanto parece. Quando você percebe, já está entre as ondas. É incrível. Nem sei te explicar. — dizia, deixando sua imaginação levá-lo para longe. Seu sorriso era estonteante.
  — Ah, não. É difícil demais. Eu tenho um primo que surfa também. Ele estuda aqui, mas ainda não voltou de viagem. Logo vão conhecê-lo. Assim, ele tentou me ensinar muitas vezes, e coloca muitas nisso. — soltou uma risadinha, nos fazendo rir também. — Eu simplesmente não consigo me equilibrar. Acho que o problema sou eu mesma.
  Deu de ombros, fazendo uma careta.
  — Claro que não. Você encontra o seu jeito. Bom, nós sempre vamos à praia — apontou para mim. — Você pode ir conosco da próxima. Tenho certeza de que na primeira você vai dar um show.
  — Pelo menos um de nós é otimista. — sorriu.
  — Até demais — o olhei de lado, mantendo o mesmo sorriso orgulhoso de antes. — O convite está de pé, se quiser. Podemos marcar um dia.
  Observei que as duas amigas de cochichavam o tempo inteiro olhando para alguém do outro lado do refeitório. parecia não ter percebido, muito menos .
  Assim que os olhares das meninas se redirecionaram mais uma vez, virei meu rosto vagarosamente e, no mesmo instante, desejei não ter feito aquilo, já que encontrei os olhos verdes de antes me encarando sem dó.
  Engoli em seco, voltando minha atenção para os dois à minha frente.
  O que aquele garoto tinha, afinal?
  Respirei fundo, percebendo que meu irmão me observava com seu cenho franzido, como se perguntasse o que eu estava fazendo.
  Apenas balancei a cabeça, deixando transparecer que não era nada demais.

🌴

  Deixei a sala um pouco antes dos alunos começarem a sair e assim que pisei no corredor, já conseguia me infiltrar entre a multidão que estava lá. Procurei ou até mesmo com o olhar, mas não encontrei nenhum dos dois.
  Resolvi então, do meu armário, seguir em direção ao estacionamento, já que pelo horário da saída, parecia ser o único lugar que tinha certeza que encontraria meu irmão.
  Caminhei um pouco mais rápido e saí junto a uma multidão pela enorme porta de entrada do colégio e logo já avistava a caminhonete branca do outro lado do pátio. Passei uma das mãos pelo cabelo e andei um pouco mais devagar até o veículo, aproveitando a extensão do lugar e eu não estava com tanta pressa assim.
  No meio do caminho, consegui ouvir algumas risadas e uma entre elas me chamou atenção. Era escandalosa e alta.
  Olhei para o lado, observando aquele sorriso largo no rosto. O garoto musculoso que eu ainda não sabia o nome ria espontaneamente para um ao seu lado e até o acharia bonito, porque ele realmente era, mas era tão irritante quanto.
  E isso o fazia menos atraente, pelo menos para mim.
  O rapaz virou o rosto em minha direção e me encarou, franzindo o cenho como se estivesse lembrando de mim minimamente. Piscou algumas vezes e arqueou uma das sobrancelhas, com um sorriso cínico no canto dos lábios.
  Bufei, virando para frente e assim que cheguei à caminhonete, senti as mãos em meus ombros, achando ser , mas assim que ouvi a voz mais fina, constatei que realmente não podia ser ele.
  — Ei! — disse, ficando ao meu lado. — Você sumiu de vista.
  — Só quis sair da sala logo. Sabe, estou louca para chegar em casa. — rolei os olhos, rindo fraco.
  — É o primeiro dia e você já está assim? — me acompanhou, colocando a mochila que antes ela segurava, nas costas. saiu pelo portão e começou a caminhar em nossa direção. — Boa sorte, só vai piorar.
  — Obrigada. E eu nem imaginava. — Rimos e notei que retomou sua postura assim que meu irmão se aproximou.
  Ele olhou para e voltou seu olhar para mim, sorrindo.
  — Então, vamos?
  — Por favor! — disse, empolgada. — Nos vemos amanhã? — Perguntei para . Ela balançou a cabeça concordando enquanto tinha as mãos na alça de sua mochila.
  — Claro. Temos as primeiras aulas juntas. Até amanhã. — se virou acenando e caminhou até um carro preto na direção oposta.
   me olhou mais uma vez e passou uma das mãos no meu cabelo, dando a volta para entrar no carro. O adentrei rapidamente, soltando todo meu ar ao sentar no banco. Não tinha sido tão ruim assim, tirando o fato de ter sido ignorada e encarada pelo rapaz que eu achava que poderia ser legal comigo.
  É, não tinha sido ruim.
   me olhou mais uma vez, ainda com aquele sorriso no rosto. E estava me deixando curiosa.
  — O que foi? — virei o rosto para ele.
  — Nada. Só estou te olhando.
  — Isso eu percebi. — resmunguei. Ele riu fraco enquanto íamos em direção à avenida. Eu sabia bem que não estava apenas me olhando, tinha algo mais em sua íris.
  Deixei que minha cabeça encostasse na poltrona, tentando relaxar um pouco o corpo e com isso, minha mente foi vagando para um pouco mais cedo, quando vi o olhar confuso e digamos que até um pouco desesperado do meu salvador, que com certeza estava mais para babaca agora.
  Fechei os olhos com força e senti um toque leve em minha bochecha. Olhei rapidamente para o lado e encontrei com os olhos na estrada, porém com uma das mãos acariciando meu rosto.
  Dei um meio sorriso para ele, que fez o mesmo, agora sem olhar para mim.
  — Fico feliz por ter arrumado uma amiga.

CAPÍTULO 05

“Um grande abraço à você ouvinte da rádio local de Huntington Beach, nesta manhã ensolarada, presenciamos...”.

   Desliga isso. — estiquei uma das mãos, apertando todos os botões do rádio da caminhonete. , que ainda batucava os dedos de acordo com a música anterior que tocava, mantinha um sorriso nos lábios.
  Olhou em minha direção, soltando uma risadinha fraca.
  — Bom dia para você também, irmãzinha.
  — Não começa. — resmunguei, cruzando os braços. — Esse seu bom humor me irrita, só para constar.
   adentrou o estacionamento, procurando por uma vaga próxima no mesmo instante que o Elantra também se aproximava. De dentro do carro preto, as duas loiras saíram, chamando atenção de algumas pessoas ao redor, porém a que mais arrancava suspiros de todos era a mais alta, Jenna.
  Jenna Ryland era o exato tipo de garota a qual é simplesmente fácil de chamar a atenção de qualquer ser dessa escola. Tinha os cabelos loiros claros que chegavam até a metade das costas, lisos e volumosos. Os olhos eram de uma cor escura, um azulado, a pele bronzeada exatamente como as pessoas natas de Huntington e, ao contrário do que sua aparência indicava, era uma garota que aparentava ser simpática.
  — Bom dia. — disse, sonolenta, ao se aproximar. Olhei para a mesma, dando um sorriso de canto assim como fez.
  — Pelo visto não teve uma noite muito boa. — meu irmão comentou, humorado. O olhei de relance, não tão rápido, pois pude perceber que ele ainda continha o sorriso nos lábios e a expressão leve. Como sempre. Era o tipo de pessoa que eu realmente não entendia como conseguia acordar animado pela manhã.
  Os glóbulos azuis do garoto foram rapidamente de encontro ao da outra loira, que riu com seu comentário.
  — Hoje tive que arrancar alguém da cama mais cedo. — Jenna olhou de relance para a amiga, sorrindo. — O meu carro não quis ligar de jeito nenhum e acabei ficando sem ter como vir, sorte que consegui falar com ela a tempo.
  — O que aconteceu? — ficou ao lado da garota.
   seguiu para o meu lado, respirando fundo.
  — Ele sempre acorda bem-humorado assim? — a garota o olhou de lado, bocejando. Balancei a cabeça concordando.
  — É bem raro o dia em que acorda mal-humorado. — dei de ombros, seguindo junto a eles até a entrada da escola. — Acho que estamos um pouco atrasadas.
  — Vocês vão pegar o que agora? — perguntou, passando por algumas pessoas e invadindo nossa frente.
  Ele parou no corredor, próximo a uma das pilastras. Jenna parou ao lado do garoto, também sorrindo.
  — História. — comentou, tirando a atenção do celular nas mãos. — E vocês?
  — Literatura agora. — Jenna rolou os olhos.
  — Educação Física. Encontro vocês assim que sair da quadra. Eu vi seus horários e sei que sua próxima aula é a minha agora. — disse, olhando para mim.
  — Certo. — balancei a cabeça afirmando, logo me lembrando de algo. — Ei, mas você tem aula logo depois, gênio.
  — , minha querida irmã, não vou aturar três aulas seguidas de Sociologia. — rolou os olhos, falando naturalmente. Logo, soltou uma pequena risada. — Eu vejo vocês depois.
  Deu as costas, pronto para se afastar, mas se virou para nós três, parecendo esquecer algo.
  — Ah, Jenna, combinamos melhor no final das aulas o conserto do seu carro. — sorriu abertamente, acenando para nós três. Arqueei a sobrancelha, o observando se afastar. poderia ser o que fosse, sempre teve esse lado prestativo e atencioso querendo ajudar todo mundo e, no fundo, sempre me preocupei de que algum dia isso poderia afetá-lo de alguma forma.
  — Ele é sempre tão... Espontâneo? — Jenna perguntou, observando o caminho do garoto até o final do corredor. olhou para a amiga, deixando uma risada escapar.
  — Desencana, garota. É o irmão da .
  A loira mais alta deu de ombros, rindo em seguida junto à . Não pude deixar de acompanhar as duas.
  — Não esquenta, Jenna. — a olhei. — Ele é assim mesmo.
  Ela ainda olhava para o final do corredor, como se ele estivesse lá. a olhava, rindo da expressão da garota. Eu não me importei muito, sabia bem o quanto meu irmão deixava suspiros do tipo escaparem por aí.
  — Vamos para a sala. Temos que sobreviver a dois horários. — me chamou.
  — E eu estou atrasada. — Jenna arregalou os olhos. — Eu vejo vocês depois.
  Dito isso, saiu em disparada no corredor em que íamos seguir. Troquei a mochila de ombro, pedindo licença a algumas pessoas para passar, já que vários grupinhos estavam parados no centro do lugar, atrapalhando a passagem. Assim que nos aproximamos da porta branca, provavelmente onde teríamos aula, ouvi risadas e um pequeno falatório do outro lado do pátio. Deixei que entrasse primeiro na sala, virando o rosto na direção das vozes e engoli em seco ao observar as pessoas ali.
  Encarei aquele sorriso largo mais uma vez. O garoto, que no dia anterior me encarava descaradamente, agora parecia estar mais contido. Tinha o boné virado para trás na cabeça e fazia graça com a garota ao seu lado, que logo reconheci como a que tinha entornado a bebida em mim. Parecia ser próxima dele. Do lado oposto, de costas para mim, estava . Ele parecia entretido em algo, pois não conversava com os outros dois.
  Não demorou muito para que o de boné olhasse em minha direção, um tanto curioso. Inclinou a cabeça levemente para o lado, um sorriso cínico nos lábios. E isso fez com que os outros dois olhassem também.
  Mas ao seguir meu olhar para seu lado, pude constatar que aquele não era o pior. Não quando olhava direto para mim.
  — Vem, . Só tem você aí. — disse, me puxando para dentro da sala. — Não perca seu tempo
  Disse a última frase um pouco mais baixo, fazendo com que eu a olhasse um tanto surpresa. Ela sabia de algo por ali?
  Rapidamente, concordei, virando o corpo e entrando junto da menina. Alguns olhares seguiram em minha direção, como se eu ainda fosse a novidade por ali. E de fato era, mas não sentia mais aquele incômodo como nos primeiros dias. Logo, me sentei com em uma das cadeiras vazias, esperando que a aula iniciasse.

🌴

  — Onde aqueles dois estão? — a garota perguntou, seguindo ao meu lado em direção ao ginásio. Respirou fundo, olhando para o lado.
  — Não sei. — dei de ombros. Os alunos que iriam participar da aula, seguiam no mesmo corredor que nós duas. — disse que iria nos encontrar. Talvez tenha se perdido por aí.
  Ela soltou uma leve risada, concordando com a cabeça. Paramos no armário para colocar o material da aula e aproveitei para deixar minha mochila ali também. fez o mesmo, porém continuou a mexer no celular em mãos.
  — Jenna está reclamando da aula do Sanders. Português. — balançou a cabeça negativamente. — Normalmente, ninguém aguenta as aulas dele.
  — Não tive aula com ele desde que cheguei. Pelo menos estou avisada.
  — Então você pode se preparar. — fez uma careta, seguindo ao meu lado. — Podemos ficar nas arquibancadas do ginásio. O professor sempre começa com os garotos da classe primeiro.
  Caminhamos em direção ao lugar, onde as vozes dos alunos já começavam a ecoar. Os observei espalhados por todo o ginásio, o mesmo era aberto e bem claro.
  Os garotos estavam reunidos no centro da quadra, onde o treinador havia ordenado. Vestiam um uniforme vermelho, devia ser típico das aulas de educação física. Diferente de um grupo de garotas que se reuniam em um canto do ginásio, que trajava uma saia curta vermelha mesclada com amarelo e branco. Era um uniforme bonito, não fosse pelos dois palmos de saia e blusa.
  — Eu não gosto muito de participar dessa aula. O treinador Heiks costuma sempre colocar o basquete e eu não gosto muito desse esporte. — disse, desanimada. — Tem a ver com o time da escola, eles focam demais.
  — Não sabia que Ocean View tinha um time de basquete.
  Ela me olhou, balançando a cabeça com um pequeno sorriso.
  — Em algumas escolas, é o futebol americano. E bom, aqui é o basquete. Go, Seahawks! — levantou os braços, rindo em seguida. — gosta? O time sempre acolhe alunos novos com potencial. James foi o destaque ano passado, e provavelmente ainda é.
  — Ele tem certa influência. — balancei a cabeça. — Hector, nosso pai, gostava do esporte. Sempre nos levava aos jogos em LA. — olhei de relance para ela, sorrindo de lado. — James é seu namorado?
  — Então temos aqui uma jogadora nata. — estreitou os olhos, sorrindo, logo fez uma careta engraçada. — Não! É meu primo. Ele ainda está viajando, talvez chegue essa semana ou a outra. Ele não costuma avisar.
  Balancei a cabeça, concordando com a garota. se concentrou na movimentação da quadra assim que os alunos começaram a jogar. O treinador apitava vez ou outra, pedindo para que recomeçassem e corrigia algumas passadas.
  Percorri todo o lugar com os olhos, até para-los em um ponto no ginásio. Prendi a respiração assim que o vi me olhar no mesmo momento e tentei olhar para outro lugar, o que não deu muito certo já que minha atenção foi voltada para ele. O loiro tinha os olhos pousados em mim e eu tinha a impressão de que ele não pararia de olhar nem tão cedo. Suas mãos estavam no bolso da calça, como de costume, e seu amigo, que tinha um cigarro nos lábios, estava do seu lado conversando com os outros meninos.
  Ouvi um pigarro e olhei para , piscando freneticamente, um pouco desconcertada.
  — Você conhece ? — ela perguntou, olhando para o garoto que ainda olhava em minha direção.
  — ? — a olhei, confusa.
  — É. O loiro te encarando. Engoli em seco, desconversando.
  — Não. Quer dizer... Ele me ajudou um dia desses. Nada importante.
  Ela me olhou e franziu o cenho, parecendo não acreditar na minha resposta, apesar de ser pura verdade.
  Respirou fundo e pousou os olhos nas meninas da torcida.
  — Está vendo aquela garota? De cabelos dourados. — apontou discretamente para a menina que tinha os braços para cima. — É a Debbie. Deve conhecer, é uma das cadelas da April e mais uma das que vivem atrás do . — respirei fundo, assim que ela falava. Eu tentava assimilar tudo, começando por... Quem era April? — Assim que entrou no time da torcida, conseguiu se aproximar do garoto e saiu por aí espalhando que o garoto iria ajudá-la com reconhecimento. E adivinha só? Foi só mais uma da lista, toda a escola ficou sabendo. — soltou uma risadinha parecendo se lembrar. — O cara foi um idiota, mas eu gostei, devo confessar. Deixou a menina com a cara no chão no meio do refeitório. Ela achou que aquilo iria adiante. Bom, achou errado. — deu de ombros, voltando a olhar os alunos que corriam na quadra.
  — Uma lista? Isso é tão...
  — Clichê? — interrompeu, rindo. — É sim, mas é como eles costumam dizer por aí.
  — Eles? Pensei que era só ele.
  — Não. Os outros também. — olhou novamente para o grupo.
  Acompanhei seu olhar e constatei que o loiro não estava mais lá. O que tinha um cigarro nos lábios conversava com os outros dois ao seu lado.
  — O que está com o cigarro é um dos piores. . — arqueou a sobrancelha, o olhando. — April corre atrás do cara sempre que surge uma oportunidade. Eles ficam quase sempre que tem alguma festa, ou algo do tipo. — dizia, gesticulando. Fiquei um pouco intrigada. Como alguém podia saber de tanta coisa assim? — Ou nas salas sem acesso. É, essas são as preferidas. Então, como eu disse, ele é um dos piores e um dos mais babacas. Nada pessoal.
  Arqueei a sobrancelha e ela me olhou, rindo fraco.
  Algo me dizia que aquilo ali era mais do que pessoal.
  — Nossa. Você sabe muita coisa.
  Ela deu de ombros, me olhando.
  — É o que dizem por aí. Eu só absorvo a mensagem.
  Passou o olhar mais uma vez onde estava e virou o rosto, direcionando até onde os alunos se exercitavam dessa vez.
  Só então, pensando em tudo que ela havia falado, pude notar algo no que ela disse.
  A olhei curiosa, com um vinco formado no meio da testa.
  — Eles têm o mesmo sobrenome?
  Olhou para mim, como se não entendesse o porquê daquela pergunta.
  — É claro. — disse, de forma óbvia. — Eles são irmãos.

🌴

  Respirei fundo ao sair da sala com os livros na mão.
  Depois de ouvir o sinal anunciando o intervalo, o corredor ficou completamente cheio. havia pegado uma aula diferente da minha, assim como e Jenna. A diferença foi que os três ficaram juntos na matéria.
  Assim que saímos do ginásio, alguns horários atrás, me avisou que iria procurar Jenna e me encontraria no refeitório. Então, já que estava ali sozinha, poderia procurar por meu irmão. Ele deveria estar tão perdido quanto eu.
  Ou não. Ele sabia bem como socializar por aí.
  Deixei todo o material dentro do armário e o fechei, tomando um susto ao dar de cara com a figura loira de mais cedo.
  .
  — Olha quem está por aqui. — disse, sorrindo minimamente. O observei por alguns segundos, percebendo de perto seus olhos, bem mais claros, fixos em mim. — , você me surpreende.
  — Andou procurando saber sobre mim, ? — arqueei a sobrancelha, fingindo surpresa.
  O garoto riu fraco, endireitando a postura, mas ainda assim com as mãos no bolso e encostado aos armários.
  — Eu diria o mesmo de você. — me olhou de cima a baixo, com os olhos estreitos. — Não me lembro de ter dito meu nome da última vez.
  — O pessoal por aqui sabe falar muito bem de gente metida e idiota.
  Ouvi sua risada nasalada e rolei os olhos, olhando em volta.
  Seria bom se aparecesse por agora.
  — Você é muito afiada, boom.
  — Eu já disse para parar de me chamar assim. — virei o rosto para o encarar. ainda tinha o sorrisinho sacana nos lábios.
  Pareceu pensativo por alguns instantes, olhando em volta, mas voltou os olhos para mim.
  — Não adianta dizer. — inclinou a cabeça, negando veemente. — Eu não vou parar.
  Ignorei sua resposta assim que avistei as costas definidas marcadas pela camisa, do meu irmão. Respirei fundo, pronta para começar a caminhar. Quanto mais longe daquele lugar, melhor.
  — , vem logo! — ouvi a voz gritar e olhei para trás, acompanhando o olhar do garoto também. Observei um de seus amigos com as mãos para cima, olhando em nossa direção.
   fez um sinal e se virou para mim, com a mesma expressão de antes.
  — Pensei que você estaria agradecida pelo ocorrido, mas — fez uma pausa. — Acho que me enganei.
  E se virou, seguindo rumo onde seu grupo estava.
  Pisquei algumas vezes e bufei, caminhando até onde meu irmão estava, porém ele não estava mais no mesmo lugar.
  Respirei fundo, olhando rapidamente para trás. não estava mais lá, o que de certa forma me fez respirar de forma aliviada. Naquele momento, consegui perceber que ele conseguia ser mais ridículo do que eu pensava. O que ele queria, afinal? Só porque havia me ajudado, que eu corresse para seus braços o enchendo de agradecimentos por isso? Bom, ele realmente estava enganado.
  Andei em passos rápidos até o refeitório, passando os olhos rapidamente pelo local, já me praguejando ao encontrar as meninas. Talvez eu tenha demorado demais.
  Pude ver dois braços levantados ao fundo, podendo ver e Jenna.
  Ao lado delas, estava meu irmão comendo seu sanduíche.
  — Eu disse para você não se perder! — falou, fazendo uma careta.
   me olhou sem entender.
  — Você se perdeu? — ele parou de mastigar. — Podia ter me ligado. Onde estava?
  — Eu fui te procurar, para ser sincera. E eu te liguei, pode checar. — apontei para o celular em cima da sua mochila preta. — Não se preocupe, pedi ajuda no caminho. Foi só um contratempo.
  Um enorme contratempo.
   pareceu entender, assim como Jenna, que tirou um sanduíche e um suco de caixinha da sua bandeja.
  — Sorte que salvamos o seu lanche. Iria ficar sem nada. Esse lugar parece até um zoológico faminto. — a loira disse, rindo enquanto me entregava o lanche. Sorri para ela em agradecimento e respirei fundo, digerindo não só o lanche como o que havia acontecido.
  Os três começaram a conversar entre si, às vezes mencionando meu nome ou até mesmo tentando me encaixar na conversa, mas eu ainda estava com o ocorrido em mente. Provavelmente passei todo o intervalo dessa forma, me corroendo, até me sentir levemente estúpida por isso. Ouvi o sinal tocar e permaneci sentada, assim como os outros três. De relance, pude ver o garoto, que antes encontrara no corredor, me olhando descaradamente do outro lado do refeitório, os malditos globos verdes em cima de mim outra vez.
  — Eu tenho um convite. — se pronunciou, me fazendo olhá-lo. — Com o fim de semana se aproximando, achei que podíamos ir à praia. Todos nós. Acho que pode ser divertido.
  — Acho uma ótima ideia. — Jenna bateu palminhas, olhando para . — O que acha?
  — Eu estou mesmo precisando de sombra e água fresca. — arqueou as sobrancelhas, fazendo uma cara dramática.
  Ri fraco com sua expressão e os acompanhei assim que levantaram dos bancos.
   passou os braços em volta do meu pescoço, me dando um beijo leve na lateral do rosto e se virou para mim sorrindo.
  — Então se prepara, praiana, nós vamos surfar.

CAPÍTULO 06

  Observei atentamente toda a extensão da sala, o lugar estava vazio. Percorri os olhos por todo o local a procura de meus pais e até mesmo de . O fato do silencio estar presente na sala da minha antiga casa fez com que um grande vinco se formasse em minha testa.
  — Norah! — ouvi um berro, rouco demais para ser do meu irmão. Era Hector.
  Estremeci no momento seguinte, assim que ouvi o barulho de algo quebrando e a porta do quarto deles batendo contra a parede. Ninguém tinha saído por ela.
  — Mãe? — arrisquei dizer, com a voz trêmula.
  O silêncio havia se instalado outra vez. Dei alguns passos para frente, a fim de saber o que acontecia, porém antes de me aproximar do corredor, observei meu pai sair do quarto segurando em um dos braços de Norah.
  Arregalei os olhos no instante em que vi o rosto da minha mãe com hematomas enormes e o nariz machucado.
  — Mamãe! Não! — gritei como se o ato fosse adiantar algo. Hector se aproximou, me encarando de uma forma completamente estranha. Ele não tinha brilho em seus olhos. Era como a escuridão.
  — Saia agora. Ou eu vou machucar você assim como fiz com ela. — olhou de relance para Norah que chorava baixinho. Pressionei os lábios, tentando segurar as lágrimas que já caíam sem pudor.
  — Deixa a mamãe, por favor... Ela não merece isso, deixa ela ir...
  , olha para mim! ?

  Funguei mais uma vez antes de abrir os olhos e encarar a feição preocupada do meu irmão a centímetros do meu rosto. O encarei mais uma vez e pude sentir seus braços me envolvendo em um abraço apertado. Eu não conseguia conter o choro.
  — O que aconteceu, ? — perguntou visivelmente preocupado. Balancei a cabeça negativamente, encarando minhas mãos enquanto ainda sentia as lágrimas escorrendo. — Por favor, , eu preciso saber. Olha para mim.
  Ergueu meu rosto em direção ao seu com as pontas dos dedos. Só assim pude perceber o quanto ele estava preocupado.
  A única reação que tive foi o abraçar mais uma vez, no ato de tentar me acalmar.
  — Está tudo bem. Eu estou aqui.
  Respirei mais uma vez antes de levantar meu olhar para ele.
  — Você teve um daqueles sonhos ruins, não foi? — passou as mãos pelo meu cabelo, respirando fundo. Balancei a cabeça, concordando. — São só pesadelos, . Enquanto eu estiver com você, eles não se tornarão reais, certo?
  Pisquei algumas vezes, observando os globos azuis me encarando.
  — Eu te prometo isso. Nada vai fazer mal a minha garota. — deu um sorriso de lado, fazendo com que eu sorrisse também, cabisbaixa.
  Fez um carinho de leve em minha bochecha antes de se sentar corretamente, um pouco sonolento. Observei sua roupa, a calça de moletom preta, apenas e virei o rosto para o despertador, eram quase seis da manhã.
  O olhei mais uma vez, percebendo que ele não havia dormido direito.
  — Você dormiu aqui?
  Balançou a cabeça concordando e encostou o corpo na parede.
  — Eu ouvi você resmungar e percebi que não estava tendo um sono muito bom. Resolvi ficar com você até que dormisse melhor. — passou uma das mãos nos cabelos, bocejando.
  — Dorme mais um pouco, . Você ainda está com sono. – bocejei em seguida, deixando meu corpo cair novamente na cama.
  Ele deitou de costas, pousando a cabeça em cima da minha barriga.
  — Eu tive que ficar cuidando de alguém. Sabe como é, não é? — soltou uma risada fraca, fechando os olhos. Balancei a cabeça, soltando uma risadinha junto a ele.
  — Vê se dorme.
  Estiquei minhas mãos em direção aos seus cabelos, fazendo um leve carinho até sentir seu corpo pesando na cama. Respirei fundo e fechei os olhos, sabendo que voltaria a dormir logo, logo.

🌴

  Estiquei os braços para frente ainda de olhos fechados enquanto permanecia deitada na cama. Pude ouvir o som das ondas quebrando, dos pássaros cantando e pude até sentir o sol aquecendo o colchão, mas o que tirou minha atenção de tudo isso foi a voz que vinha do corredor.

Celebrate life and I’ll pay for it
  That Cavalli nice next to my Tom Ford
  Yeah party all night, let’s all aboard
  Let’s all aboard, all aboard…

  Estreitei os olhos e segui até a porta, olhando para o corredor e não vendo ninguém por ali. Esfreguei os olhos antes de sair do quarto e caminhei até a sala, onde o som começava a ficar mais evidente. Foi então que eu percebi que era a mistura da música que saía do rádio com a voz do meu irmão.
  Não era uma voz ruim, longe disso, mas ele cantava com tanta empolgação que chegava a ser engraçado, mais ainda do que a cena que eu estava vendo.
   estava de costas para mim, balançando a cabeça conforme a música que tocava. Vestia uma bermuda branca e o boné estava para trás.

Run away for a few days
  Thinkin’ bout love, baby touche
  Tied up like a shoe lace
  I don’t like it, I don’t like it…

  O olhei por mais algum tempo e assim que ele se virou, não pude conter a risada.
  Tinha uma feição engraçada no rosto, uma espécie de careta e segurava o copo de suco em mãos.
  — Há quanto tempo você está parada me observando? — bebericou um pouco mais do líquido enquanto vinha em minha direção.
  — Tempo suficiente para ver você se remexendo todo.
  Tentei mexer a cabeça da mesma forma que ele fazia há minutos, o que não deu muito certo já que pude ouvir sua risada.
  — Então isso significa que você acordou bem melhor. — sorriu abertamente, bagunçando meus cabelos. — E isso é bom.
  Balancei a cabeça, concordando e olhei em volta procurando por nossa avó. Ela costumava acordar cedo e ficar pela casa ajeitando as coisas, mas não parecia estar por ali.
  Estiquei a mão, pegando o copo das mãos de e segui até a bancada para encher com mais suco.
  — Cadê Marie? — o olhei rapidamente, percebendo o mesmo procurar algo com pressa. — E aonde você vai?
  — Marie foi ao mercado e disse que vai demorar um pouco para chegar. – ajeitou o boné na cabeça, pegando as chaves da caminhonete. — E eu vou buscar a Jenna.
   disse que vai vir direto para cá e que nos encontra na orla assim que você estiver pronta.
  — Jenna, é? — arqueei uma das sobrancelhas. Ele rolou os olhos com uma expressão divertida e beijou minha testa rapidamente. — Você vai levar minha prancha?
  — Ela já está na caminhonete. — piscou, sorrindo de lado. — Qualquer coisa me liga. Vou nessa.
  O olhei sair pela varanda, fechando a porta da sala e segui novamente até meu quarto procurando uma muda de roupa para ir à praia. passaria ali a qualquer momento e era melhor eu estar pronta logo.
  Praticamente corri até o quarto e alvorocei todo o armário, tirando de lá o biquíni e uma muda de roupa levinha. Antes de seguir até o banheiro, pude ouvir o toque do meu celular. O procurei pelo criado mudo e deslizei o dedo pela tela, atendendo a chamada.
  — Alô? — encostei o celular no ombro enquanto desdobrava a regata azul.
  — ! Já está pronta? Dá para abrir a porta para mim? — falou eufórica. Não pude deixar de rir.
  — Espera só um instante.
  Desliguei o celular e o joguei na cama novamente, seguindo até a porta da sala.
   estava parada mexendo em algo no celular. A observei rapidamente com apenas um short jeans e a parte de cima lilás do biquíni.
  — , menina, eu estou tentando falar com você desde manhã, sorte que seu irmão estava acordado.
  — Bom dia para você também, .
  — Bom dia? Você já viu que horas são? — ligou o display do celular e me mostrou. Eram quase duas da tarde. — Vai logo trocar sua roupa e me dá essa regata aqui que está calor demais para você ir com ela.
  Dito isso arrancou a blusinha das minhas mãos e seguiu rumo ao meu quarto. Fiz uma careta mesmo sabendo que ela não veria e entrei no banheiro, mudando a roupa rapidamente.
  — Pronta? — apareceu no corredor assim que saí, com uma empolgação fora do normal. Balancei a cabeça concordando e senti que também estava ficando um pouco animada. Afinal, não tinha motivos para não estar. Estava ao lado de boas pessoas, em um lugar calmo, sem problemas e fazendo o que eu mais gostava de fazer.
  Saímos da casa rapidamente e eu já podia sentir o sol queimando na medida em que caminhávamos até a orla da praia. O lugar estava cheio, um pouco mais do que em dia de semana.
  Pessoas paravam para fotografar a paisagem e até mesmo para tirar fotos de si mesmas. Outras andavam de patins, skates, bicicletas... O lugar estava cheio!
  — Será que eles já chegaram? — a garota ao meu lado perguntou, olhando ao redor.
  — Não sei. disse que iria nos encontrar por aqui.
  Dei de ombros e voltei a observar ao redor. Era tudo tão diferente, era uma paz que eu não conseguia sentir em São Francisco. Ali eu me sentia em casa, o lugar do qual não deveria mesmo ter saído.
  — Olha eles ali! — a voz de me chamou atenção e ergui o olhar podendo ver Jenna acenando do estacionamento enquanto terminava de vestir sua blusa de borracha azul.
  — Oi, meninas! — Jenna se aproximou, me abraçando de lado. Retribui o abraço sorrindo e fez o mesmo.
  — , você vai pegar sua prancha agora? — me aproximei de , assentindo. Ele esticou os braços, tirando a prancha branca florida de cima da dele. — Pega aí.
  A peguei com cuidado e a posicionei de baixo do braço esperando apenas por que terminava de se ajeitar, e de fechar o carro.
  — Vocês surfam há quanto tempo? — Jenna perguntou animada.
   me olhou como se tentasse lembrar e inclinou o rosto enquanto andava junto a nós em direção a areia.
  — Tem um bom tempo... Uns sete anos? — se virou para mim novamente, confuso.
  — Acho que sim, começamos bem cedo. — concordei, sorrindo para ele. — Você sabe? — olhei para Jenna, colocando uma das mãos em cima dos olhos por causa do sol.
  — nós já sabemos que não consegue manter o equilíbrio nem em solo firme. — disse a olhando de soslaio, ela fez uma careta para ele me fazendo rir fraco.
  — Ah... Não. Apesar de já ter tentado, não é algo que eu goste muito.
  Entre conversas, achamos um lugar próximo ao mar e eu finquei a prancha na areia, me sentando junto às meninas. estava agachado passando parafina na borda de sua prancha. Jenna já começava a passar seu protetor solar enquanto conversava aleatoriamente com meu irmão e procurava alguma música para colocar.
  Eles estavam ocupados fazendo algo, então aproveitei para deixar meu olhar cair sobre o mar. O vento estava na medida certa e o calor estava forte, o que me fez sentir falta de um guarda-sol ali. Na parte mais rasa muitas pessoas aproveitavam o dia com crianças e até idosos, a praia estava lotada.
  Passei os olhos por cada uma delas e até nos grupos que caminhavam pela areia com suas pranchas nos braços também, porém uma pessoa entre elas me chamou a atenção.
  — , não é o ali? — perguntei com o cenho franzido e virei para ela em seguida. Observei sua feição mudar, estava levemente incomodada.
  — É. É ele sim. Por quê?
  — Ah, nada, eu só me lembrei dele na escola. — sorri de lado. Ela arqueou a sobrancelha, com certa indiferença e esse ato fez uma pontinha de desconfiança crescer dentro de mim. — , tem algu...
  — Ei, , você pode vir aqui? — ouvi a voz de nos interrompendo.
  Olhou para e sorriu minimamente, se levantando enquanto ajeitava os shorts.
  — O que foi?
  — Um dia desses você me disse que não tinha um equilíbrio muito bom e que até já tinha tentado surfar. — ele sorriu, passando uma das mãos na sua prancha. — Quer tentar mais uma vez?
  Olhei para os dois sorrindo e vi que Jenna fazia o mesmo que eu, tinha seus braços para trás apoiando o corpo.
  — Eu não sei, não...
  — Ah, qual é, ! — falei, jogando areia em seus pés. — Você só vai tentar. Se não der certo, volta para cá e eu te pago uma bebida.
  Ela arqueou a sobrancelha rindo e olhou para de relance.
  — Com bebida não se brinca, . — fez uma careta. — Mas tudo bem, eu vou. Não custa nada, não é?
  — Esse é o espírito, garota! — a empurrou pelo ombro e se virou, tirando a prancha da areia e a pondo de baixo de seu braço. Os dois seguiram em direção ao mar e de onde estava pude ver a loira resmungando ao sentir a água gelada.
  Os observei por mais algum tempo até virar o rosto em direção às outras pessoas próximas a nós e pude sentir que estava sendo observada.
  E não era por Jenna.
  A garota estava concentrada em seu celular enquanto seguia as batidas da música que saía do celular de .
  Era estranho, ninguém mais estava por ali, mas ao virar para trás eu percebi que estava enganada.
   tinha os olhos focados em mim. Parecia estar me observando por um bom tempo.
  — O que você está olhando? — tomei um pequeno susto com a voz de Jenna. Ela virou o rosto um pouco mais e pressionou os lábios. — . Sério?
  — O que foi? — a olhei.
  — Ah, nada. Ele é meio estranho, não acha? Ele sempre fica encarando as pessoas como se soubesse algo sobre elas. — Indagou, dando de ombros em seguida e voltando à atenção ao celular.
  Respirei fundo e esperei um tempo para me virar novamente. Mas dessa vez ele não estava mais lá.
  Pisquei algumas vezes e fiz uma careta, tentando não me esquentar com aquilo.
  — Eu vou ao banheiro. Já volto.
  Jenna levantou ajeitando os cabelos e o short jeans, deu um pequeno sorriso e seguiu para o calçadão. Relaxei os ombros ao me encontrar sozinha ali, vendo e mais ao fundo, ela sentada em cima da prancha e meu irmão rindo.
  Pareciam estar se divertindo mesmo.
  Fechei os olhos e abaixei a cabeça, tendo em mente a única coisa que eu não queria me lembrar.
  Os olhos verdes idênticos aos de .

🌴

  Bati os braços na água contra a onda que vinha e dei impulso com as mãos ficando de pé da prancha. fez o mesmo e assim que viu a sincronia em que estávamos, soltou uma risada fazendo um hang loose no ar.
  Olhei para o lado agachando um pouco mais o corpo e esperei que a onda passasse por mim para poder me sentar na prancha, meu irmão havia se jogado no mar em seguida.
  — Essa vai quebrar, mergulha! — gritou, virando o corpo.
  Olhei para trás e pude ver a onda que já estava se formando, se aproximar. Impulsionei os braços para baixo empurrando a prancha e mergulhei no momento em que ela havia quebrado.
  Emergi sorrindo.
  — Vamos voltar.
  O ver daquela forma, com os cabelos molhados e o sorriso estampado no rosto, só me fez perceber o quanto o garoto estava feliz e o quanto aquele lugar realmente era nosso lugar. A água gelada e salgada de encontro a minha pele, de certa forma era nostálgica, mas naquele momento a única coisa que me trazia era leveza.
  Alívio. Paz.
   se posicionou deitado na prancha e começou a remar em direção à beira da praia, resolvi fazer o mesmo e rapidamente já estávamos seguindo em direção as meninas que diziam coisas animadas para nós dois.
  — E então, qual a nota? — perguntou bagunçando os cabelos.
  — Vocês são ótimos! — Jenna nos olhava sorridente. — parecia uma criança toda vez que vocês conseguiam uma onda.
  — Vocês podiam participar da competição que sempre rola em alta temporada.
  A olhei, curiosa. fez o mesmo.
  — Não sabia que iria ter uma tão cedo. — indagou, fincando sua prancha na areia.
  — Eles levam bem a sério por aqui. No ano passado tiveram alguns problemas com os patrocinadores, mas pelo visto dessa vez vão voltar com tudo. — a loira mais alta disse, dando de ombros enquanto voltava a colocar seus óculos escuros.
  Resolvi deixar minha prancha ao lado da de e respirar um pouco, ainda estava com o coração acelerado pela adrenalina. Precisava urgentemente de algo para beber, uma água geladinha cairia muito bem.
  — Ei, , já que está de pé, não quer comprar uma bebida para mim, não? — perguntou, fazendo uma careta.
  — Eu ia fazer isso agora. Aliás, aproveitando, alguém também quer? Eu vou... — olhei em volta procurando algum quiosque por perto e logo avistei o lugar no píer. — Vou comprar lá. — apontei.
  — Ah, ótimo! Eu adoro o Ruby’s. — Jenna disse, procurando por sua bolsa e tirando de lá uma nota. — Eu vou querer um refrigerante mesmo. E vocês?
  — Eu também acho que vou querer um. — disse balançando a cabeça. — ?
  — Três refrigerantes, por favor!
  Balancei a cabeça concordando e ajeitei os cabelos antes de começar a andar entre todas as pessoas que ali estavam. Caminhei pelo calçadão movimentado até chegar à entrada do píer e andar sobre ele até chegar à lanchonete. O lugar não estava cheio, mas uma quantidade boa de pessoas estava por ali passeando e tirando variadas fotos.
  Assim que me aproximei do lugar, pude ver que ele era bonito e tinha um leve toque antigo, mas alegre. O telhado era vermelho, um vermelho forte e as paredes eram mescladas de azul claro e marfim.
  Entrei no local e o percebi parcialmente cheio, já que a maior parte das pessoas estava concentrada nas mesinhas espalhadas. Era um lugar bem agradável.
  Segui até o balcão, ficando ao lado de um senhor e batuquei os dedos até que alguém se aproximasse para nos atender, mas assim que vi o rapaz saindo por uma pequena porta, o observei surpresa.
  — Ah, não... – disse baixo, me lembrando do garoto. — O que faz aqui?
  Só então percebi que tinha pensado alto.
  Ele me olhou e pareceu tão surpreso quanto eu. Deixou um pequeno sorriso escapar pelos lábios.
  — Eu trabalho aqui. — disse enquanto entregava o pedido do senhor ao meu lado e agradecia gentilmente. Respirou fundo e parou na minha frente, com o mesmo sorriso mínimo de antes nos lábios. — E você, o que faz aqui, ?
  Respirei fundo, o olhando
  — Refrigerantes. Quero três e uma água, por favor. — comentei evitando o contato visual.
  Ele balançou a cabeça, se virando para pegar as latinhas e voltou, colocando-as no balcão. Estendi o dinheiro e o mesmo o colocou no bolso do avental.
  — Não sabia que você surfava. E muito bem, por sinal.
  Engoli em seco, dando de ombros.
  — Há muitas outras coisas que você também não sabe. — o ouvi rir fraco, ainda próximo a mim.
  — Não seja por isso, eu adoraria saber.
  Ergui o rosto no momento e senti o mesmo enrubescer totalmente. estaria me cantando? Oh, , claro que não! Depois de toda aquela implicância, ele não faria isso.
  — O que foi? — perguntou.
  — O que foi de que?
  — Você se calou. — arqueou a sobrancelha. — Achei que rebateria como tem feito.
  E eu realmente faria isso, mas minha mente parecia uma grande folha em branco.
  Então apenas desviei o olhar, observando a paisagem pelas enormes janelas de vidro ao redor.
  — Espere aí. — disse, retirando o avental e seguindo para a pequena porta que havia saído antes. Franzi o cenho tentando entender a atitude do garoto. O que ele iria fazer? A única coisa que eu queria naquele momento era sair dali e ir para o mais longe possível. Não queria lidar com . Já bastava o tanto de problemas que tenho em mente...
  Em seguida, o garoto saiu do lugar trajando apenas as roupas normais: uma camisa de manga azul e uma bermuda creme.
  Rodou o balcão se aproximando.
  — O que está fazendo? — perguntei ainda confusa.
  — Horário de almoço. — passou a mão pelo cabelo. — Vamos andar um pouco.
  Balancei a cabeça em negação, o seguindo até a saída.
  — Não, . Eu tenho que voltar. — comentei olhando em direção às pessoas que estavam na praia. De onde estava, tentava enxergar e as meninas.
  Pude sentir de imediato o vento de encontro a minha pele e por um momento, aquela brisa me arrepiou.
  — Você tem ou quer voltar? — questionou virando o rosto para mim. — Qual é. Qual o problema em tentar conversar um pouco?
  O olhei por alguns segundos, observando aquela expressão divertida em seu rosto.
   tinha os olhos focados em mim e respirava de forma leve. O vento estava um pouco mais forte, o que fez seus cabelos ondulados bagunçarem. Observei um pouco mais o garoto. Ele tinha lá seus traços bonitos, não podia negar.
  — O que você quer? — perguntei quebrando aquele silêncio. — Eu não vejo motivos para você tentar puxar papo comigo. Inclusive, achei até que descobriu um novo hobbie.
  — Um novo hobbie? — perguntou de certa forma, confuso.
  — Sim. Me irritar.
  O garoto comprimiu os lábios em um sorriso e continuou me encarando.
  — Você é nova na cidade. Uma nova amizade nunca faz mal. — deu de ombros.
  O encarei por alguns segundos e rolei os olhos. Aquele papo de “querer ser meu mais novo amigo” não iria colar. Não mesmo.
  — Eu não preciso da amizade de pessoas como você. — disse em um tom sério. — Exatamente por você não parecer o tipo que quer só conversar.
  O garoto piscou algumas vezes e engoliu em seco ao ouvir minhas palavras. Bom, pelo menos aquilo parecia ter o pego em cheio.
  — Qual o seu problema, ? Você é rodeada de arrogância. Isso realmente faz parte de você?
  Perguntou agora sério. Pousei os olhos em seu rosto e percebi o menino me encarando, seus olhos focados nos meus. O silêncio pairou entre nós mais uma vez e aquilo me fez pensar. O baque agora tinha sido em mim e por um instante me perguntei se eu realmente era daquela forma. Eu não era arrogante. Não. Ou pelo menos achava que não.
  Eu só não queria problema. Não naquele ponto.
  E bom, me esquivar dele seria um começo.
  — Eu... Eu tenho que ir.
  Engoli em seco e me virei, apertando as latinhas em minhas mãos. Começaria a andar, não fosse por ouvir a voz de mais uma vez.
  — ? — O olhei de longe sentindo meu corpo formigar. — Isso não combina com você.
  Olhei para baixo por alguns segundos e respirei pesadamente, antes de virar outra vez e voltar para o calçadão o mais rápido que podia.
  O que tinha sido aquilo? Nem eu conseguia explicar. Só conseguia sentir que eu precisava sair do meio de toda aquela multidão da orla, sentia meu peito comprimir e o turbilhão de pensamentos em minha mente.
  Por um instante, quase acreditei que havia me tornado uma pessoa ruim. Eu só estava fazendo o certo. O certo para mim. Me esquivando do que fosse me fazer mal. Era o certo, não era?
  Resolvi não olhar para trás, não queria encarar aqueles olhos de novo nem tão cedo. Desviei de algumas pessoas na frente e senti a areia quentinha de encontro aos meus pés, o que me fez fechar os olhos por alguns instantes.
  A sensação me trouxe de volta a realidade.
  De longe pude avistar os três sentados na canga estendida no chão. com certeza falava algo engraçado já que e Jenna não se aguentavam em rir.
  Assim que me aproximei, ouvi o estalo que meu irmão havia feito com a boca.
  — Você demorou, hein. — comentou. Dei de ombros e estendi as latinhas que tinha em mãos. Cada um pegou a sua.
  — Tinha muita gente por lá. — olhei discretamente para o píer e voltei à atenção aos três na minha frente. me olhava de uma forma diferente, parecia querer descobrir algo só pelo olhar.
  — Eu acho que já podemos ir. — Jenna disse, fazendo um bico engraçado. a olhou e sorriu.
  — Eu concordo. Já estamos aqui por um bom tempo. — olhei para que havia dito ajeitando os cabelos.
  — Tudo bem. — se levantou, fingindo se espreguiçar. — Vamos lá.
  — Vocês podem ir lá para casa. disse que tem uma sessão de filmes e eu acho que vocês vão gostar. — comentei e pude ver batendo palminhas.
  Rapidamente ajudei a pegar todas as coisas junto a minha prancha e logo já estávamos chegando ao estacionamento. Coloquei a prancha na parte detrás da caminhonete, amarrando-a com a cordinha e esperei as meninas subirem, já que haviam decidido ir ali atrás.
   estava cantarolando ao meu lado, como sempre costumava fazer. Tinha suas bochechas rosadas pelo sol e um sorriso radiante no rosto. Eu sabia o que aquilo significava. Felicidade purinha.
  Demoramos pouco tempo para chegar à casa. saiu do carro logo depois de mim e esperou que as meninas descessem do mesmo. Enquanto eu os esperava na calçada, percebi uma grande movimentação na casa ao lado. Um carro prateado estava estacionado em frente a ela e de onde estava, podia ouvir o barulho de pessoas conversando. Foi então que avistei uma pessoa saindo da casa com um sorriso enorme no rosto.
  Eu logo comecei a sorrir também e não pude conter a vontade de ir até ele.
  — James?

CAPÍTULO 07

Could you understand me?

  Eu podia ouvir o canto dos pássaros claramente do lado de fora e isso só fazia com que eu ficasse ainda mais feliz naquela manhã. Não só pelo dia aparentar estar maravilhoso, mas também por eu estar mais animada que o normal.
  Respirei fundo, com um sorriso nos lábios e me sentei na cama no instante em que uma música conhecida começava a ressoar na casa ao lado. Por um instante, quis saltitar pelo quarto por lembrar de algo. Na verdade, alguém.
  James Follmann.
  Quais as possibilidades de encontrá-lo logo ali, sendo meu vizinho e primo de , minha amiga? Não imaginava que iria encontrá-lo tão cedo.
  Ontem, ao vê-lo sair da casa, automaticamente havia chamado seu nome e este olhou em minha direção, confuso. estava exatamente como ele, com uma expressão engraçada no rosto e começou a me bombardear com perguntas. Eu não estava ouvindo nem metade, até porque James vinha em nossa direção parecendo não acreditar na cena. se aproximou, cumprimentando o garoto e dizia que fazia anos que não o via. E era verdade. Não tivemos mais contato com ninguém daqui desde que nos mudamos para São Francisco.
  Eu lembro bem de não ter conseguido me despedir do garoto e me senti mal por isso. James era um grande amigo, não só meu como de também.
  Éramos um trio.
  Depois de muito conversarmos, ele ainda tinha o sorriso enorme no rosto e não conseguia tirar os olhos de mim. Eu me sentia levemente constrangida, ele realmente estava olhando sem parar. E, com isso, não perdia tempo em me abraçar de lado. Era um abraço com gostinho de saudade. Eu sentia isso.
   não conseguia acreditar, para ser sincera. Repetia um “que mundo pequeno!” toda vez que falávamos sobre seu primo e ele parecia estar adorando toda a atenção.
  Jenna se despediu rapidamente, parecia um pouco incomodada desde o começo, já que estava dizendo poucas coisas. Com sua saída, conversamos um pouco mais antes de dar seus sinais de cansaço, logo o segui sentindo que também estava bem cansada.
  Observei a casa ao lado pela última vez e me levantei, caminhando em direção ao corredor. Da cozinha, eu já podia ouvir Marie conversando com meu irmão, os vi assim que parei próximo ao balcão para prender os cabelos. estava jogado no sofá, com o celular posicionado em direção ao rosto, parecia estar se olhando pela câmera.
  — Bom dia, . — Marie tinha um grande sorriso nos lábios. — Como dormiu?
  — Bem, tirando o cansaço da praia. Eu acho que não passei protetor suficiente. — comentei, fazendo uma careta enquanto apontava para minhas costas que ardiam. Ela balançou a cabeça concordando e se virou rapidamente, depositando um copo de leite e um pote de vidro com biscoitos de chocolate.
  — Eu fiquei sabendo que você reencontrou nosso vizinho. É verdade? — comentou, apoiando os braços na bancada. Balancei a cabeça concordando enquanto bebia um pouco do leite. — disse que ele não tirava os olhos de você.
  Engoli em seco, quase engasgando. E no mesmo momento ouvi a gargalhada do meu irmão. Um idiota!
  — Ela sabe que é verdade. — disse, sorrindo para o celular. Rolei os olhos e rodei o corpo no banco.
  — O que é que você está fazendo? — indaguei, curiosa.
  — Ele está assim desde cedo. — Ouvi Marie comentar e a olhei rapidamente, voltando meu olhar para . Ele agora fazia uma espécie de pose para o celular.
  — Vem cá. — disse, ainda com os olhos no aparelho. Franzi o cenho e caminhei em direção ao sofá, me sentando no braço do móvel. terminava de digitar algo e, assim que terminou, virou o rosto em minha direção.
  — Dá para chegar aqui? — bateu no lado vazio do sofá. — Eu estava tirando foto e agora quero tirar uma com você.
  — Eu acabei de acordar. — disse, óbvia, apontando para meu rosto. — Não quero ninguém vendo meu rosto inchado por aí.
  — Vem logo, . É só uma foto.
  E antes que eu pudesse protestar, senti o puxão me fazendo cair de uma forma desastrosa em cima do mesmo. Nós dois rimos e foi o momento certinho em que ouvi o som do celular. Dei um tapa de leve em seu braço e me ajeitei ao seu lado, tentando ver como a foto tinha ficado, mas como estava sendo implicante, tentava tapar a tela do aparelho.
  — Eu tenho uma surpresa. — comentou, rindo do meu desespero para ver a foto. — James vai passar aqui em alguns minutos.
  — O quê? — perguntei, realmente surpresa. — Por quê?
  — Esqueceu que ele é meu amigo, ? Nosso amigo. — disse, me olhando de lado. Respirei fundo e encostei meu corpo no sofá. Pelo visto, a amizade dos dois não tinha mudado. — O que foi? Eu achei que você achava o cara legal...
  — E eu acho. É só que faz anos que não o vejo, , e ele nem me olhava dessa forma que você está falando para a vovó... — ele riu fraco. — É sério!
  — Eu entendi, . Não se preocupe, ele não vai morder você... — deu de ombros. — Só se você quiser.
  Fiz uma careta e joguei a almofada, que estava ao meu lado, em cima dele.
  — Idiota.
  Ele balançou a cabeça rindo e pude sentir seu beijo na lateral da minha cabeça. Marie já não estava mais ali, provavelmente tinha ido cuidar de suas flores no jardim.
  Assim que apoiei minha cabeça em seu ombro, pude sentir seus dedos fazendo um carinho leve em meus cabelos. Se continuasse, provavelmente eu cochilaria, mas pude escutar a campainha tocar e dei um pulo, só então me lembrando que estava completamente descabelada e com roupa de dormir.
  Antes de ouvir o questionamento do meu irmão, corri para o quarto, dando um jeito na minha aparência. Não que eu quisesse impressionar James. Não. Longe disso... Eu só tinha que estar apresentável.
  Pus um short e uma blusinha leve, deixei o cabelo solto e respirei fundo. Não estava tão ruim assim.
  Eu pude ouvir a risada diferente assim que abri a porta e, ao dar alguns passos, o vi de relance. James mostrava algo a meu irmão no celular e os dois pareciam bem entretidos. Os cabelos pretos estavam bagunçados como sempre deixava.
  Resolvi caminhar até onde estavam e pude ver James levantando o olhar em minha direção.
  — Oi, . — disse, abrindo um sorriso. Droga, eu tinha que agir naturalmente. Ele até podia ser meu tipo de garoto, se é que eu tinha um tipo, mas era apenas meu amigo de infância e eu não sentia nada. Talvez só um pouquinho de atração... James era charmoso, tinha que admitir.
  — Hey. — sorri de canto, encostando o corpo no sofá. Ele ainda estava me olhando. — O que estão fazendo?
  — James está planejando uma festa bem bolada, não é, cara? — o cutucou com o cotovelo e o mesmo afirmou. — Vai ser aqui do lado, olha que maneiro!
  Não pude deixar de rir, meu irmão estava animadíssimo. E eu sabia o motivo, seria nossa primeira festa aqui. Não tinha por que não estar animado.
  — Não tem um dia certo ainda, mas é sempre bom ir pensando nos preparativos. é uma das primeiras a se animar, com certeza vai pedir sua ajuda. — disse, soltando uma risada fraca.
  — Então vai ser uma festa das grandes? Uau, não vejo a hora! — olhei para os dois, empolgada. estreitou os olhos.
  — Nada de bebidas, mocinha. — cruzou os braços. — Não vou ser sua babá.
  — Fica quieto. — rolei os olhos, fazendo James rir.
  — Bom, eu sou o dono da festa, tenho que estar sóbrio de certa forma. — o olhei rapidamente, sem entender. — Posso ser a sua babá, se quiser.
   tinha os olhos pousados em mim, parecendo estar segurando a risada e eu quis atirar a primeira coisa em sua cabeça, mas apenas fiquei em silêncio, sentindo o total constrangimento enquanto eles retornavam com o assunto da festa. Marie apareceu poucos segundos depois, perguntando se queríamos algo para comer e negamos, voltando a conversar. Não ficamos ali por muito tempo, já que James parecia atrasado para algum compromisso.
  — Eu tenho que ir, é uma pena. Adoraria ficar um pouco mais. — observei seus olhos pousarem em mim. — Eu volto mais tarde, pode ser? E talvez também venha. Ela estava mesmo pedindo uma carona.
  — Tudo bem, cara. Vamos estar por aqui mesmo, você sabe que pode pular o muro, qualquer coisa. — comentou, fazendo graça. Ele estava impossível hoje. James riu e se despediu do meu irmão, se aproximando e dando um pequeno beijo em minha bochecha. Respirei fundo e o vi se afastar.
  — Já pode respirar, . — comentou, passando os braços por meu ombro. O soquei na costela e ri fraco.
  — Você está uma coisa hoje, hein?

🌴

  Deixei o volume da pequena caixinha de som um pouco mais baixo enquanto ajeitava a toalha no corpo. Baguncei o cabelo molhado como se isso fosse tirar o excesso d’água do banho e rapidamente pus a roupa que tinha separado. Um short jeans escuro e uma blusinha de alça fresca. Observei o céu pela janela e pude perceber que estava alaranjado, mostrando o fim da tarde.
  — But you walk around here like you wanna be someone else... — cantarolei, enquanto passava a escova no cabelo. Ouvi o barulho de um carro estacionando e segui até o corredor, me deparando com próximo à sala. — A chegou?
  — Eu acho que sim. — balançou a cabeça, afirmando. — Você vem?
  — Só um segundo.
  Dei uma última olhada no espelho e segui até o corredor, respirando fundo.
  — Onde eles estão, Marie?
  Parei de andar assim que ouvi a voz. Não era James, muito menos . Aquela voz, era a voz do meu pai. Eu senti que ia colocar todo o almoço para fora, aquilo não podia estar acontecendo. E se fosse um pesadelo, eu necessitava acordar. O que ele estava fazendo ali, logo agora? Eu sabia que viria uma hora ou outra, mas não tão cedo. passou por mim rapidamente, parecendo não ter me visto parada no meio do corredor e pude ver que parou a uma distância considerável de Hector. Marie estava perto dos dois, como se fosse os separar de uma briga a qualquer momento e só então pude perceber uma pessoa ausente. Norah não estava ali.
  — O que é que você está fazendo aqui? — a voz do meu irmão estava carregada de raiva. Engoli em seco e continuei onde estava.
  — , abaixe sua voz perto de mim. — Hector ordenou, tentando se aproximar, mas pude ver o garoto dar alguns passos para trás. — Vocês não podem simplesmente sair sem dar satisfação alguma. Norah está preocupada.
  — Tão preocupada que nem aqui está. — disse, com certa ironia. — E ainda não respondeu minha pergunta. O que você está fazendo aqui?
  — Eu quero levar vocês de volta. E vou levar... Onde está a ? — olhou em volta e, automaticamente, dei alguns passos para trás, tentando me esconder. Escorei o corpo na parede e fechei os olhos, sentindo o coração descompassar.
  — Não interessa. Você já pode ir embora. — ouvi meu irmão dizer e seu tom era repleto de ódio. — Você não é bem-vindo aqui, então agradeceria se você saísse por aquela porta e não voltasse nunca mais.
  — , querido, se acalme. — Marie dizia, ainda calma. — Hector, eu disse que eles ficariam aqui por tempo indeterminado. Eles podem e vão ficar.
  Respirei fundo, em partes aliviada. Eu sabia que Marie nos protegeria de toda maneira possível e faria tudo para que ficássemos bem.
   ainda debatia com Hector e falava mais alto que ele. Estando ali parada comecei a me sentir culpada. Ele estava ali se defendendo, me defendendo e eu estava parada, apenas esperando que tudo acabasse logo. Eu não iria deixar meu irmão sozinho ali. Não dessa vez.
  Puxei todo o ar possível e me aproximei vagarosamente, observando encarando Hector de forma mortal. Os olhos castanhos sem vida de Hector se redirecionaram para mim, analisando-me por alguns instantes.
  — . — pronunciou, ainda parado. me olhou sem entender, como se perguntasse o que eu estava fazendo ali. — Eu vim para...
  — Eu sei. Eu ouvi. E não, nós não vamos voltar com você.
  Eu o olhei, tentando não demonstrar nenhum sinal de fraqueza. Eu não fazia ideia de onde tinha tirado coragem e segurança suficiente para dizer aquilo.
  Pressionei os lábios, sentindo o coração apertar e, por um momento, vi que ele havia ficado sem reação.
  — Não é você quem decide as coisas por aqui. Arrume suas coisas e, , faça o mesmo. — virou o rosto para meu irmão. — Vamos sair em uma hora.
  — Nós não vamos! Não a ouviu? — disse, quase em desespero. — Não vamos mais voltar para aquela casa, não com vocês dois lá. Você só pode ser um louco ao achar que, depois de me agredir, ainda voltaríamos. Eu não vou! E ela também não. Não ouse nos obrigar, Hector . Não ouse.
   apontou para ele e passou as mãos pelos cabelos, descendo pela nuca e virando o rosto para trás. Eu nunca tinha o visto assim.
  — ... — me aproximei dele, tentando acalmá-lo. Ele virou o rosto em minha direção e pude ver seus olhos vermelhos, denunciando que estava se segurando para não chorar.
  Engoli em seco, sentindo meu coração comprimir ao vê-lo assim. Marie se aproximou de nós dois visivelmente preocupada.
  — Eu acho melhor você ir, Hector. Não vê o mal que está fazendo a essas crianças? — observei minha avó dizer, com tamanha autoridade. Tinha o semblante sério.
  — Eu não preciso da sua opinião, Marie. Não nesse momento, então não se pronuncie. — Hector disse, ríspido. O olhei, sentindo minha vista queimar. Como ele podia ser tão estúpido? — Nós vamos embora agora e eu não vou repetir. Vá para o quarto arrumar suas coisas e você — redirecionou seu olhar para mim. — Pare de ser imprestável e vá pegar as suas.
   empurrou meu braço bruscamente, dando alguns passos para avançar em Hector. Eu já podia imaginar que aquilo aconteceria. Marie ficou ainda mais alerta e se aproximou do meu irmão, que estava de frente para Hector.
  — Cale a boca! — rosnou, alto e claro. Eu não sabia o que fazer naquele momento, além de olhar a cena estática. — Você não tem o direito de falar algo assim da minha irmã. Você não tem o direito de estar aqui. Cale a merda da boca e vá embora, seu desgraçado!
  O que aconteceu no instante seguinte seguiu como um déjà vu para mim, porém pior, eu diria. O estalo do tapa no rosto do meu irmão deixou o ambiente em silêncio por poucos segundos. Marie arregalou os olhos, puxando meu irmão para longe quando a única reação que eu tive foi atirar a primeira coisa que estava perto em cima de Hector. Um pequeno vaso de flor. Eu podia sentir meu rosto imerso em lágrimas, mas isso não me incomodava. Eu queria feri-lo. Feri-lo tanto quanto feriu a mim e a meu irmão.
  Hector me olhou de uma forma assustadora. O vaso havia batido em seu ombro, se despedaçando por inteiro e caindo ao chão. Olhei para , que estava assustado e um tanto surpreso com minha reação.
  — Sai daqui. sibilou, ciente do que aconteceria. Hector tentaria fazer algo comigo. Eu não queria deixar meu irmão ali, eu não podia. Mas, de certa forma, se estava falando aquilo, ele sabia que era o certo. Ele sabia o que aconteceria. Não pensei mais e com a pequena brecha que Hector havia dado ao se distanciar um pouco, respirei fundo e tomei todo o fôlego, correndo em direção à rua.
  Naquele momento, eu não me importei de o cabelo estar bagunçado pelo vento, não me importei de estar chorando e não me importei de ter pessoas ao meu redor provavelmente me olhando. Eu só precisava sair dali, só precisava estar longe.
  E foi isso que eu tentei fazer.
  Pedi licença a algumas pessoas, precisei empurrar outras e parei, tomando todo o fôlego que podia. Pude ouvir meu próprio soluço e pus as mãos no peito, como se aquilo de alguma forma fosse me acalmar. O fato era que eu não conseguiria me acalmar assim tão rápido e só tinha um único lugar o qual eu sabia que era capaz de trazer certa paz.
  Balancei a cabeça, respirando fundo e tentando fazer meu choro cessar. Não seria fácil, eu estava desesperada àquele ponto. Eu tinha deixado meu irmão naquela casa, tinha o deixado com Hector e eu não fazia ideia do que estava acontecendo. Eu tinha o deixado e aquilo estava me matando.
  Eu podia voltar. Claro que podia. Mas voltar significava encarar os olhos magoados do meu irmão e eu não estava preparada para aquilo. Não naquele momento.
  Antes de conseguir atravessar a avenida, parei em frente a algumas pessoas na calçada e puxei todo o ar, sentindo meu coração bater acelerado. Ergui o olhar, reparando a grande movimentação. Muitas pessoas passavam por mim, esbarrando e me encarando, mas não me dei ao trabalho de me desculpar ou algo parecido.
  Aquilo não me importava. Eu tinha que sair dali.
  Observei minhas mãos trêmulas e as levei em direção ao rosto, tentando limpar os vestígios de lágrimas que escorriam por ali. Pousei-as em meu rosto e fechei os olhos brevemente, já podendo sentir a maresia do outro lado.
  Eu sabia exatamente aonde teria que ir.
  Estava frenética. Frenética, desesperada e com o coração esmagado. Não podia negar que a minha maior vontade era de voltar e trazer comigo. Era o que eu mais queria, mas eu precisava ficar longe. Precisava entender o que estava acontecendo.
  Enquanto seguia em direção à areia, ao tocá-la, pude sentir meu corpo descansar de imediato. E com aquela maresia do fim de tarde, abracei meu corpo, sentindo o vento gelado, mas reconfortante.
  Eu não sei dizer ao certo quando tudo havia começado. Quando Hector havia se tornado tão bruto e Norah tão insegura. Ela costumava ser uma mulher forte, eu lembrava bem, mas o tempo fez essa armadura cair e assim mostrou uma mulher impotente e esgotada. Sua aparência a entregava.
  Ela amava Hector. Era evidente e eu podia ver no brilho que seu olhar carregava antes. Podia ver que ela queria mudar aquilo para nosso bem, mas não havia conseguido.
  Hector a amava também, mas o tempo havia o mudado. E como. Ele costumava ser um pai presente, engraçado e preocupado, mas tudo isso mudou junto com suas atitudes. Ele nunca tinha sido de beber muito e, quando bebia, seu humor não mudava, mas algo tinha mudado naquele homem. Eu não conseguia entender e muito menos. E, com isso, nós ficávamos a mercê de tudo aquilo.
  Eu adorava Hector e o idolatrava quando pequeno, mas agora... Ah, agora ele era um homem desconhecido. Ele não era mais meu pai e nunca mais seria novamente. o odiava e eu o temia.
  O temia ainda mais pela minha mãe, porque sabia que Norah não merecia nada daquilo. Ela era uma mulher maravilhosa. Uma mãe atenciosa, calma e fazia uma falta enorme.
  Eu queria abraçá-la, queria tirá-la de lá... Queria tanto e não podia.
  Pressionei os lábios, ainda com meus próprios braços ao redor do meu corpo, tentando me aquecer. Era tão difícil e eu só queria que tudo acabasse, nem que para isso Hector sumisse de uma vez por todas. A única coisa que queria era proteger as únicas pessoas que importavam para mim. e Norah.
  E o resto não me importava.
  Fechei os olhos, ouvindo as ondas quebrando ao fundo. Eu não podia negar que aquela praia era meu lugar favorito, aquela cidade era minha casa, realmente. tinha toda a razão em dizer que não deveríamos ter saído dali nunca.
  Eu parei naquele momento. Não porque o vento estava me deixando mais leve ou pelo fato de precisar ter parado, mas sim por ter ouvido meu sobrenome. Eu não queria me virar, não queria nem saber quem era. Eu não precisava dar satisfações a ninguém naquele momento. Eu sequer estava reconhecendo aquela voz.
  — .
  Respirei fundo e continuei andando, dessa vez, mais rápido. Eu queria fugir, eu precisava fugir! E, droga, tinha alguém me chamando! Eu não podia ficar em paz por pelo menos algum tempo?
  Pude sentir meu rosto ainda sendo molhado pelas lágrimas que desciam. Talvez, talvez fosse coisa da minha mente conturbada. Talvez ninguém estivesse me chamando e eu, imaginando. Isso começava a fazer sentido, já que não havia mais alguém me chamando.
  Mas, dessa vez, havia passos. Eu ouvia nitidamente. E assim que tentei me afastar, ouvi bem próximo.
  — !
  — O que é?
  Eu parei outra vez, bruscamente. Gritei com a voz embargada pelo choro. Eu precisava ter feito aquilo. Oh, como precisava. E como se não bastasse, bati meu corpo contra o da pessoa, sentido suas mãos segurarem meu braço, como se isso me impedisse de cair.
  Ao capturar aquele olhar inexpressivo e confuso me encarando, quis correr. Queria tanto ter saído dali e sequer ter dado ouvidos à pessoa, àquela pessoa, mas minhas pernas não me obedeciam. Não conseguia me mover.
  — . — pronunciou. Ele tinha os olhos pousados em mim e respirou pesadamente. — Aconteceu alguma coisa? Eu te vi e te chamei, mas você não pareceu ter ouvido.
  Olhei para trás, desejando que o garoto saísse dali a qualquer momento. Eu não queria que ele me visse assim, afinal, mal me conhecia e eu não sabia suas intenções. E muito menos sabia o porquê de ele estar ali, aparentemente querendo saber o que tinha acontecido.
  Eu estava chorando. É claro que havia acontecido algo. O que é que ele estava pensando, afinal?
  — Não aconteceu nada. — respondi, firme e impaciente. — Eu só tenho mania de ficar chorando por aí.
   não pareceu ter percebido meu sarcasmo, já que ainda tinha os olhos sobre mim e me observava com certa... Pena? Ótimo, era a última coisa que eu precisava no momento.
  — Olha, , por que não vai embora? Eu não preciso da sua ajuda e muito menos do seu olhar de pena.
  Bufei e virei o corpo, andando a passos rápidos em direção ao píer, que não estava tão longe.
  Eu só desejava que o garoto não viesse atrás de mim.
  — Eu vi você atravessar aquela avenida sem nem se importar com os carros, . — o ouvi e fechei os olhos brevemente com o susto. Resolvi não o olhar, mas sabia perfeitamente que ele caminhava logo atrás de mim. — E você não para de chorar desde então. Eu tenho algumas suposições.
  — Não quero saber das suas suposições.
  O olhei significativamente e passei uma das mãos pelo rosto. Virei o mesmo, podendo ver as colunas de madeira do píer. Ele não parou, continuou me seguindo até lá.
  — Talvez você esteja chorando por alguém. Essa pessoa pisou na bola com você, mas... — parou alguns segundos. — Você não parece ser o tipo de pessoa que se deixa abater por alguém, ainda mais se foi essa pessoa quem errou. — continuou. Parecia mais falar consigo mesmo, já que eu o estava ignorando. — Ou, talvez, você esteja com grandes problemas e não consegue solucioná-los. — Engoli em seco. Eu não queria encarar aqueles olhos esverdeados novamente. — Estou chegando perto?
  O garoto soltou uma risada fraca, sem humor algum e eu não soube o que responder. Então apenas dei de ombros e parei embaixo do píer, com ele ao meu lado. De onde estava, eu podia enxergar aquele pôr do sol em tons alaranjados e algumas nuvens.
  Não contive o pequeno suspiro, me arrependendo no instante seguinte, já que redirecionou seu olhar para mim e pareceu ter captado algo.
  — Eu sei que, de alguma forma, você parece me expelir toda vez que me aproximo. — iniciou, virando o rosto para olhar o céu assim como eu. — Mas eu também sei que para alguém chorar daquela forma, tão perdida... É claro que tem alguma coisa. Eu sei que você não vai me dizer, afinal, não sou nem um conhecido. — olhou de relance e sorriu fechado assim que avistou o céu. O olhei, aproveitando, e pude perceber sua tranquilidade. Ele estava tentando me passar um pouco dela.
  Os cabelos eram bagunçados pelo vento que passava por nós e ele sequer se preocupava em arrumá-los.
  Deixei que o silêncio tomasse conta e suspirei mais uma vez. Eu não devia, sabia que não devia falar nada para ninguém, mas eu precisava colocar tudo aquilo para fora, eu precisava me aliviar e tirar todo aquele peso que eu estava sentindo. Eu não sabia se aquilo ia acontecer de novo, muito menos se ia aparecer de novo ou se simplesmente fosse sumir depois. Eu podia aproveitar aquele momento e dizer tudo o que não me cabia mais.
  — Eu acho que as duas suposições se encaixam. — comentei, baixo. Ele virou o rosto, aparentando estar surpreso, mas não sorriu. Parecia querer saber mais.
  Resolvi me sentar ali mesmo na areia, sem me preocupar em sujar o short. Eu tinha a impressão de que aquilo iria demorar.
   logo fez o mesmo e virou o rosto em minha direção, deixando os olhos em cima de mim, como se me incentivasse a continuar.
  Respirei fundo e apoiei os braços no joelho, deixando meu rosto encostado neles.
  — Eu sempre tive uma família incrível, uma mãe maravilhosa e um pai presente... , meu irmão, o adorava e Hector era como uma fonte de inspiração para ele. — desviei meu olhar do seu, procurando qualquer outro lugar para focar. Eu sabia que ia começar a chorar de novo. — Mas o tempo começou a mudar isso e as coisas começaram a ficar... Estranhas e difíceis. Hector nunca foi de beber, nunca. Nunca foi de chegar em casa bêbado atacando todos nós e isso começou a acontecer com frequência. Ele fazia hora extra no trabalho só para não ir pra casa, acredita? — balancei a cabeça, pressionando os lábios. assentiu, totalmente atento. Ele estava mesmo prestando atenção. — Não tínhamos mais a atenção dele e eu sabia que Norah era a que mais sofria. Então, as coisas começaram a ficar mais sérias. — engoli em seco, tentando não relembrar tudo o que tinha acontecido. — Ele nunca foi bruto, , nunca... — senti os olhos arderem e antes que eu pudesse impedir, já estava chorando outra vez. — Ele bateu tanto nela que eu não... Eu não...
  Balancei a cabeça negativamente, tentando continuar. Era impossível com todas as lembranças e sensações ruins à tona. Eu odiava me sentir vulnerável na frente de qualquer pessoa, odiava mostrar que estava sendo fraca, mas não conseguia parar.
  Foi então que senti sua mão pousar em meu braço, aquecendo o local. O olhei por um instante, erguendo metade do rosto já que o mesmo estava enfiado entre os meus braços. Ele assentiu, triste, e retirou a mão de onde estava.
  — Está tudo bem. — disse, em tom ameno. — Você pode fazer isso se te aliviar.
  Pude sentir meu coração palpitar por alguns instantes.
  — Desculpa, pode continuar.
   estava agindo diferente. Parecia realmente querer compreender minha situação e prestar atenção em toda a minha história. De certa forma, eu ainda estava com o pé atrás. Eu não o conhecia, não sabia ao certo se era confiável.
  Respirei fundo, passando uma das mãos pelos olhos, os desviando.
  — Ela ficou mal e com isso fiquei pior. Não por ter sofrido alguma agressão, mas por ter presenciado como Norah ficou. Quebrou meu coração. — suspirei, sentindo um aperto enorme no peito. — não aceitou, ele quis debater. Na medida em que ele batia de frente, ele apanhava também e eu não podia fazer nada... Nada. Ele simplesmente não deixava eu me aproximar, ele não queria que Hector colocasse as mãos em mim.
  — Creio que ele sabia o que estava fazendo. — interrompeu-me. — Eu devo imaginar que... Seu irmão não iria se perdoar caso acontecesse algo com você. Não é isso?
  O olhei concordando e pude me permitir sorrir um pouco ao lembrar do quão protetor conseguia ser.
  — Ele sempre ficou do meu lado, até hoje. Eu não queria deixá-lo lá, eu não podia. foi a única coisa boa que me restou no meio de todo esse caos. — assentiu ao ouvir minhas palavras. — Hoje Hector apareceu querendo nos levar de volta e ele simplesmente o enfrentou. Eu achei injusto vê-lo lá, defendendo nós dois, então eu apareci e ele ainda me olhou como se aquilo fosse errado. — balancei a cabeça negativamente, relembrando.
  — Da forma que diz, realmente são ligados. — disse, simplesmente. — Isso é bom. Não sou dessa forma com meu irmão.
  — Não? — perguntei. concordou e se calou, dando a entender que não comentaria mais sobre o assunto. — Bom, sou muito grata por tê-lo como irmão.
  — Ainda bem que o tem. — comentou, sorrindo de canto. O acompanhei. — É uma situação bem complicada, realmente, . Mas, vendo por outro lado... Você tem boas pessoas a seu redor. Seu irmão, que está te defendendo nesse momento, sua mãe, que apesar de tudo ainda quer o bem de vocês, não é? — continuou a me olhar. — É uma questão de tempo até tudo melhorar de verdade.
  Balancei a cabeça, concordando com ele, porque, bom... Ele tinha razão.
  — Eu sei que não sou bom com conselhos, mas espero ter ajudado. Ao menos um pouco. — virou o rosto em minha direção e sorriu de canto.
  — Não posso concordar mais.
  O garoto respirou fundo e encarou o mar à frente.
  — Você não acha isso incrível?
  Pisquei algumas vezes, sem entender sua pergunta.
  — O quê?
  Ouvi sua risada rouca junto à maresia que passava por nós e, por um momento, achei que aquela combinação seria uma melodia. Balancei a cabeça, espantando os pensamentos.
  — Isso. O jeito como conversou e se expressou. É completamente diferente da em que conversei no píer outro dia.
  — É estranho, . Eu só precisava desabafar um pouco e você acabou me encontrando aqui. — comentei.
  — Eu admito que fui um pouco inconveniente ao te parar. — virou seus olhos em direção aos meus. — Achei que fugiria assim que me aproximei.
  — Bom, se você quer saber, minha vontade foi muita. — continuou me encarando. Fechei os olhos brevemente. — Não me entenda mal, em um momento como esse, eu só queria ficar sozinha.
  — Como você se sente agora? — perguntou, com seu semblante mais sério.
  Desviei o olhar assim que percebi que ele não tiraria os seus de mim até que eu respondesse. Não sabia ao certo o que dizer e ao sentir que aquela força que esmagava meu peito havia sumido, eu me senti... Bem. Eu me sentia muito aliviada.
  — Eu me sinto bem melhor. — mordisquei os lábios.
  Ele balançou a cabeça e percebi seus lábios se curvando em um sorriso.
  — Fico feliz em saber, boom.
  Rolei os olhos com aquele apelido e não rebati. Não rebati porque sabia que aquele momento não precisava daquilo. Precisava só de nosso silêncio e o barulho das ondas quebrando ao longe.
  Observei o sol quase indo embora. O céu não estava tão claro como antes, mas ainda dava para vislumbrar os raios alaranjados no céu.
  — Vou te contar uma coisa. — disse, quebrando o silêncio. Colocou os braços para trás, deixando o corpo apoiado neles, o que, consequentemente, o fez ficar mais perto.
  — O que é?
  Ele olhou de relance para mim e, com o queixo, apontou em direção ao horizonte, onde o sol se punha e o céu ia escurecendo.
  — Cada pôr do sol nasce e se põe de uma forma única. Você pode apreciar quantas vezes quiser, mas sempre é singular. — comentou, como se dissesse mais para si mesmo. — Você não vai ver um igual a esse amanhã e muito menos um igual ao de amanhã nos outros dias. Consegue entender? É excepcional. Como esse momento. Você não vai esquecer. — E assim, olhou em minha direção. Abaixei a cabeça, sem saber como agir.
  — Preciso te agradecer por ter me ouvido. Não precisava ter ficado aqui.
  Endireitou sua postura e assentiu.
  — Pode ser difícil de acreditar, , mas eu realmente quis te procurar. Se lembre que por mais que as coisas estejam ruins e que você ache que nunca dá para aguentar, sempre dá. Você sempre encontra sua âncora. — O encarei repentinamente ao ouvir suas palavras. Aquilo parecia ter sido mais do que sincero. Parecia como se entendesse do que falava e estava certo daquilo. — Você é uma boa pessoa.
  Continuou com seus olhos em mim enquanto dizia.
  — Pode me chamar de . Se quiser. — disse, baixo, como se parte de mim relutasse ao dizer isso. Mas, de certa forma, era o mínimo que eu poderia oferecer pelo que o garoto havia feito naquela tarde.
  — . — disse. — De qualquer forma, eu prefiro boom. E eu não vou parar de te chamar assim.
  — Tudo bem. Você venceu.
   arqueou as sobrancelhas, me fazendo ficar curiosa. O que será que ele estava pensando? Por um instante, a brisa gelada que havia passado por mim fez com que meus pelos arrepiassem, fazendo com que esfregasse os braços levemente. Já havia anoitecido, as estrelas radiavam o céu.
  E eu estava apenas com uma blusinha de alça fina.
  Eu não fazia ideia de que horas eram. Já estávamos ali há um bom tempo, tanto que podia ver aquela enorme constelação no céu.
   se levantou, me fazendo querer questionar seu ato. Ele iria embora? Alertei-me, pois eu deveria ir para casa. Com esse pensamento, meu coração começava a palpitar. Eu pedia silenciosamente para que Hector não estivesse mais lá e para que meu irmão e minha avó estivessem bem.
  Pisquei algumas vezes, olhando para o garoto ao meu lado que já estava sentado, mas segurava uma flanela preta nas mãos e me olhava de forma curiosa. Eu não sabia de onde aquela camisa tinha surgido, provavelmente estava com ele todo esse tempo e eu não tinha percebido.
  — Você está tremendo de frio. — estendeu a camisa. Eu não sabia se aceitava, de fato. Aquilo significava algo? Eu esperava que não.
  — Não precisa, de verdade. Não demora eu vou pra casa e não é tão longe daqui.
  — Pode pegar. Não me faz falta. — interrompeu, dizendo calmo. — Não acho que seja justo ver você dessa forma e não fazer nada.
  Dito isso, se aproximou, depositando a camisa de leve em meus braços. Eu realmente estava com frio, tinha que admitir, então logo puxei a flanela, ajeitando-a em meu corpo. De imediato, senti me aquecer.
  O olhei e ele fez o mesmo, sabendo que eu estava agradecendo daquela forma. Eu não podia imaginar que teria uma tarde daquelas justamente com o cara que eu havia enxotado todo o tempo. Tudo bem, não conversamos o suficiente para que eu agisse dessa forma, mas eu realmente não tinha certeza se poderia confiar em alguém tão cedo.
  — Eu vou embora. — franziu o cenho, como se ainda fosse cedo. — Não sei que horas são e não sei o que pode estar acontecendo.
  — Tudo bem. Vou com você até a orla.
  Balançou a cabeça concordando e se levantou primeiro que eu, ficando de pé em minha frente.
  Passei uma das mãos pelos olhos, lembrando de que só ele sabia de toda aquela situação. Ele estava mais a par da situação do que a própria . E ela era minha amiga.
  — ... — virou o rosto, esperando que eu continuasse. — Não fale nada do que aconteceu aqui pra alguém, certo?
  Ele pareceu me analisar por alguns segundos e balançou a cabeça.
  — Não se preocupe, . Será nosso pequeno segredo.
  O olhei, ecoando suas palavras em minha mente.
  Engoli em seco. Eu queria tentar esconder o fato de estar me sentindo mais leve depois desse fim de tarde um tanto... Inesperado. era um cara agradável. Só conseguia me lembrar perfeitamente de dizendo que ele não valia. Agora parecia um pouco contraditório, mas, de momento, eu não queria pensar naquilo.
  Eu estava bem, mais leve e com o coração menos pesado.
  E eu não podia acreditar que era por conta de um .

CONTINUA...



Comentários da autora