Watching You

Escrito por Fe Camilo | Revisado por Lelen

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  Londres, 15 de Fevereiro de 2017
  Você acredita em amor à primeira vista? Já chegou a encontrar uma pessoa por acaso e instantaneamente ter a certeza de que não foi por mera coincidência, mas sim o destino lhe dando a oportunidade de conhecer o amor da sua vida? Bom, assim foi comigo quando conheci . Assim que avistei seus olhos grandes com cílios alongados que a faziam parecer uma boneca, imediatamente soube que ela seria a única para mim por toda a eternidade, por ela eu viveria meus dias apenas para reverenciá-la e fazê-la feliz como ninguém jamais poderia.
  Era uma manhã chuvosa de inverno em Londres e eu entrei em uma cafeteria qualquer apenas para me esconder da chuva torrencial que ensopava as ruas. Me soquei mentalmente por ter sido idiota o suficiente para sair sem um guarda-chuva naquele tempo estranho que fazia. Eu só pretendia ir até a esquina e buscar os itens que faltavam para a montagem do meu novo laptop, e acreditei ingenuamente que conseguiria o feito rápido o suficiente para aproveitar a trégua que a chuva dera por alguns minutos.
  Então, lá estava eu, com uma sacola de papel na mão e aguardando impaciente que a chuva amainasse o suficiente para que eu pudesse correr os cinco minutos restantes até a entrada do meu prédio. Eu não conseguia me sentir confortável ali, bem como em todos os outros lugares em que precisava estar em meio a pessoas. Pode me chamar de antissocial, esquisito, solitário ou qualquer outro adjetivo que lhe venha à mente, mas o fato é que eu simplesmente não fui programado para conviver com outros seres humanos. Ou ao menos foi o que pensei por toda vida até vê-la caminhando pela chuva como se a água torrencial sobre sua cabeça não a incomodasse nem um pouco, um sorriso doce em seus lábios como se um banho de chuva fosse exatamente o que precisasse naquele momento.
  Antes que ela entrasse na cafeteria nossos olhares se cruzaram e eu pude mergulhar na beleza daquelas órbitas castanhas, um sorriso inusitado dominando meus lábios em resposta ao que ela carregava mesmo que o cabelo volumoso estivesse pingando, as roupas grandes se prendendo em suas curvas. Foi apenas um segundo, ou até menos que isso, e então ela foi se aquecer com uma xícara de chá sem olhar em minha direção novamente. Eu continuei a encarando como se vidrado por cada gesto seu, a delicadeza com que segurava a xícara com o líquido quente, a forma como caminhou com leveza até a lareira, fechando os olhos ao sentir o calor tocar seu corpo.
  Pensei em me aproximar, mas sabia que eu não estava pronto, não ainda. Eu não saberia o que dizer, nem como dizer e ela provavelmente me acharia um perdedor completo, exatamente como todas as outras, e então eu a perderia para sempre. Ignorando a chuva que ainda estava forte lá fora, corri até o meu prédio segurando a sacola junto ao peito para que ela não rasgasse pelo caminho.
  Naquele dia eu voltei para o meu apartamento com uma única convicção: faria tudo ao me alcance para encontrá-la novamente e fazê-la minha.

  Londres, 02 de Abril de 2017.
  Quando criança lembro de minha avó sempre dizendo que “se há uma vontade, há um jeito”. Essa frase nunca fez tanto sentido quanto nos quase dois meses que se seguiram ao dia que encontrei com seu sorriso lindo e olhos cheios de promessa. Não havia um dia que se passasse em que eu não pensasse nela e calculasse cada ação e cada rota que poderia traçar para vê-la novamente.
  A minha falta de hábito em sair de casa me fez acreditar que deveria viver na vizinhança e estar em uma situação parecida com a minha, mas a realidade é que, mesmo lutando contra minha ansiedade de estar perto de outras pessoas por duas semanas seguidas, ela nunca mais apareceu. Tentei todos os dias em diferentes horários e cheguei ao cúmulo de passar um dia completo naquela cafeteria, do momento que ela abriu até o momento de fechar aguardando por ela, e nada.
  Eu realmente queria que as coisas tivessem se desdobrado da forma mais simples possível, eu a veria de novo, a seguiria para descobrir onde ela morava e então poderia entender sua rotina e descobrir o melhor lugar e momento para nos conhecermos de fato. No entanto, precisei recorrer as minhas habilidades e métodos um pouco mais controversos. Primeiro, hackeei o sistema da lanchonete e verifiquei os cartões usados naquele mesmo dia que a encontrei em um horário aproximado até selecionar os possíveis cartões que poderiam ser dela.
  Em seguida, precisei acessar os bancos de dados dos bancos desses cartões para conseguir os nomes de seus respectivos donos, e somente três deles eram mulheres. Então, uma simples pesquisa nas redes sociais me ajudou a identificar a mulher dos meus sonhos: Davies. Quando finalmente consegui seu endereço, percebi que ela morava do outro lado da cidade, portanto não tive outra escolha a não ser mudar de apartamento para estar o mais próximo possível.
  Honestamente, a cada dia que se passava qualquer distância parecia ser grande demais, mas me contentei com um apartamento que encontrei do outro lado da avenida onde ela morava, exatamente no mesmo andar. Ali estava eu, colhendo os frutos do meu esforço incessante, podendo observá-la deitada em seu sofá-cama na sala de estar, adormecendo ao som do que passava na TV. Eu poderia passar o dia todo a observando e – graças ao meu trabalho remoto – eu podia ao menos passar todas as horas que ela estava naquela sala de estar memorizando cada detalhe do seu perfil, e ainda assim não era suficiente.

  Londres, 11 de Junho de 2017
  Tomei o último gole do meu café enquanto a observava finalizar os biscoitos em seu prato lendo um livro que eu não conseguia ler da distância em que estava. O telescópio no qual havia investido era excelente, mas não fazia milagres. Aquela era minha rotina habitual desde que notara que era uma mulher extremamente organizada em sua rotina, assim como eu. Ela acordava sempre no mesmo horário, se arrumava e tomava café da manhã enquanto lia algo antes de sair para o trabalho. Uma vez eu tentei segui-la para saber onde ela trabalhava, mas entrar em um metrô cheio ia além da minha capacidade, portanto precisei recuar.
  Naquele dia, no entanto, planejava descobrir muitas coisas sobre ela, seria o início da nova fase do meu plano que consistia em reunir o máximo de informações possíveis para traçar meu plano de contato. Observei quando ela se levantou e pegou sua mochila e o molho de chaves sobre a estante antes de sair do apartamento e aguardei mais alguns minutos para vê-la cruzando a avenida em direção ao metrô. Luz, câmera, ação.
  Peguei a maleta pesada que precisaria carregar e segui até o seu prédio, entrando sem qualquer dificuldade uma vez que não havia porteiro. Subi as escadas com esforço hercúleo, não havia elevador no prédio apesar dos seus quinze andares. Quando finalmente estava em frente à sua porta tentei ser o mais rápido possível em utilizar o equipamento que havia conseguido para abrir a porta, eu o testara por vezes o suficiente nas semanas anteriores para conseguir abri-la em poucos segundos.
  A primeira coisa que notei quando entrei em seu apartamento foi o cheiro delicioso no ar, um perfume doce e amadeirado ao mesmo tempo que combinava perfeitamente com ela. Caminhei por entre os cômodos observando o tipo de coisa que ela gostava de comer, analisei os títulos e gêneros de seus livros para lê-los depois e até mesmo verifiquei seu histórico no streaming para saber seus filmes favoritos. Mas a minha parte favorita foi definitivamente seu quarto, onde pude me deitar na cama e imaginar como seria quando estivéssemos namorando e eu pudesse finalmente dormir ao seu lado.
  Passei boa parte da manhã tentando colher o máximo de informação possível da minha amada, e quando percebi que já estava próximo do horário de almoço resolvi iniciar minha tarefa oficial do dia: instalar câmeras discretamente por todos os cantos possíveis. Sim, eu sei que passei ligeiramente dos limites ao invadir sua privacidade dessa maneira, mas era o único jeito de entendê-la completamente e me sentir mais próximo dela no processo. Não há nada de errado em querer conhecer melhor a pessoa com quem passarei o resto da minha vida.
  Quando finalmente finalizei a instalação de todas as câmeras e testei uma a uma, ajustei tudo em que havia mexido para que ficasse exatamente como havia deixado, porém antes de ir embora não pude conter a vontade de ter algo que me ajudasse a matar a saudade do seu cheiro e levei comigo um de seus lenços, tomando o cuidado de guardá-lo como uma relíquia. 

  Londres, 15 de Julho de 2017.
  Acordei ao primeiro toque do alarme, ansioso pelo dia que teria a frente. Era um dia importante demais para passar mais tempo do que o necessário na cama. Aquela data marcava cinco meses que havia conhecido o amor da minha vida. Me levantei da cama e corri para ligar a cafeteira e colocar os pães na torradeira, tudo precisava ser coordenado com precisão. Olhei para o monitor ligado do computador, a observando entrar no chuveiro, seu corpo escultural à mostra fazendo com que meu corpo desse sinal de vida. Retirei minhas roupas rapidamente e entrei no banheiro também, apreciando a sensação da água quente sobre minha pele e imaginando como seria se ela estivesse ali comigo. Era um dos momentos mais difíceis do dia, quando a parte mais primitiva de mim implorava por seu toque e eu precisava me controlar para não agir no impulso do meu desejo.
  Terminei de lavar o cabelo e me ensaboar e me preparava para sair do banho quando levei meu olhar à TV minúscula pendurada no banheiro, notando que ela ensaboava os seios em uma massagem que – aos meus olhos – era incrivelmente sensual. Sem conseguir resistir por mais tempo toquei meu pau que latejava de tesão, me masturbando lentamente enquanto a imaginava comigo, usando suas mãos delicadas para me levar ao prazer máximo. Precisei acelerar os movimentos ao notar que ela saía do banho, sentindo a culpa me dominar assim que os jatos de gozo caíram ao chão. Meu autocontrole deveria ser melhor, eu precisava esperar para que ela pudesse ter a experiência comigo, e ainda assim não podia resistir a visão do seu corpo nu.
  Me enrolei no roupão e caminhei até a cozinha, pegando uma xícara de café e as torradas prontas, seguindo na direção da sala e me sentando exatamente em frente à janela, de onde poderia observá-la pelo telescópio – no apartamento do outro lado da avenida – tomando seu café da manhã também. Essa era nossa rotina matinal, e, apesar de ela não saber ainda, eu tinha certeza de que ela logo compartilharia esse momento comigo.

  Londres, 26 de Agosto de 2017.
  Observei com satisfação as fotos do rosto ensanguentado do corpo caído no chão. O corpo pertencia a Jeffrey Oregon, um músico irlandês que levou para casa na semana anterior. Se eu já não soubesse o quão dolorido é ter o coração partido, acho que não teria sobrevivido a ter de assisti-los juntos.
  Imaginei todas as coisas que poderia fazer com o filho da puta desgraçado que teve a coragem de tentar tomar o que era meu, mas no fim sabia que precisava ser cauteloso e jogar minhas cartas da maneira correta. Antes mesmo dele sair do apartamento, já havia dado frame nas imagens da câmera e feito as pesquisas necessárias para descobrir seu vulgo e outras informações pertinentes sobre sua vida. Sequer consegui dormir naquela noite, procurando pela Deep Web pela pessoa certa para fazer o trabalho.
  Eu não o mataria, é claro. Apenas mandaria que o machucassem o suficiente e fizessem com que ele soubesse que o motivo do ataque era por estar mexendo com a mulher errada. Precisei aguardar longos dias pela oportunidade perfeita para que o pegassem, e nesse meio tempo observar enquanto eles se encontraram duas outras vezes, mas eu sabia que depois desse susto ele jamais teria coragem de chegar perto dela novamente.
  “Hey, ! Foi muito divertido te conhecer, mas acho que já deu para mim. Te vejo por aí”. Foi o que ele foi forçado a enviar para ela, uma mensagem de adeus para que ela desencanasse de tentar vê-lo novamente. Eu sabia que ela se chatearia, mas era um passo necessário para sua felicidade futura, ele não seria capaz de entendê-la ou amá-la como eu, ninguém seria.
  No fim, eu até agradecia a existência do babaca do Jeffrey, ele me fez perceber que não havia mais tempo a perder. Eu precisava conquistar antes que aparecesse qualquer outra cara que achasse que poderia tomar o que é meu, e logo a teria só para mim. Estava na hora da próxima fase do meu plano.

EPÍLOGO

  Londres, 07 de Setembro de 2017
  Diversas pessoas caminhavam ao redor do rio Thames apreciando as obras de arte expostas e comprando artesanatos e diferentes quitutes nas feiras que cercavam o local. Era a celebração de um mês do rio, e diferentes eventos gratuitos aconteceriam atraindo milhares de pessoas de diversas partes do mundo.
  Ainda era cedo e frio, portanto, poucas pessoas se aventuravam pelo local, apenas aqueles que estavam ali para observar a vista enquanto ainda era possível caminhar sem ser amassado em meio à multidão. observava com um sorriso enorme a coleção de sua artista favorita, completamente compenetrada em cada traço delineado. Ela não percebeu a companhia ao seu lado até que a voz grave se fez ouvida.
  - Alice é excepcional, não é mesmo? Às vezes eu sinto que seus quadros são como memórias do meu subconsciente, elas me levam para algum tempo e lugar que eu nem sei se vivi.
  Ela olhou para o rapaz com seus olhos de boneca arregalados em surpresa ao ouvir praticamente a materialização do que sempre pensara.
  - Uau, você praticamente leu meus pensamentos! – exclamou, notando que o homem ao seu lado tinha um sorriso tímido apesar da beleza que se destacava na multidão.
  - Então, isso quer dizer que você tem bons olhos para arte – sugeriu o homem como um elogio óbvio.
  - Eu deveria ter, já que sou professora de Artes – respondeu com uma risada leve. precisou se segurar para conter a emoção de vê-la tão de perto, e reagindo de maneira tão agradável às suas investidas.
  - Hum, linda, com ótimo gosto e inteligente – elogiou oferecendo a mão em cumprimento. – Posso saber seu nome?
  - – respondeu com um sorriso ainda maior, percebendo que o estranho parecia mais interessado nela do que nas pinturas. – E o seu?
  - . Você pode me chamar de – replicou enfatizando o “você” para que ela se sentisse especial. Tudo parecia se encaixar ainda melhor do que havia imaginado por tantos meses.
  - Legal, . – Ela deu uma risadinha ao enfatizar o apelido e ele mordeu o lábio em antecipação ao ouvir o som doce e melódico. – E como você se tornou um especialista em artes?
  - Longa história. O que acha de tomarmos um chá? Eu posso te contar de onde veio meu interesse por arte e você me conta como conheceu o trabalho da Alice. – Ele falava de maneira casual, quase como se não houvesse nenhum interesse específico por trás, mas seu coração pulsava mais rápido no peito, o receio de ser rejeitado pela mulher dos seus sonhos sendo maior do que poderia suportar. Mas então ela abriu um sorriso ainda mais lindo, os olhos brilhando com interesse e ele automaticamente o retribuiu.
  - Claro, vamos nessa! Eu conheço um lugar perfeito.
  Ela segurou a mão dele e o guiou pela rua como se não fosse nada demais, e ao sentir o calor da mão dela na sua, seu coração pareceu pausar por um instante. Aquele era o primeiro passo, mas ele já apostava em seu final feliz.

Fim



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