Walking In The Sun
Escrito por Luisa Marcelino
Assim que o quarto começou a clarear, resolveu levantar. Havia passado a noite em claro, diferente de e . O menino de cinco anos ainda dormia tranquilamente ao lado de , os dois na mesma cama pequena. O pai levantou-se devagar, tomando cuidado para não acordar o menino, e atravessou o quarto para checar a outra cama, onde dormia profundamente a menina mais velha.
Saiu do quarto das crianças e caminhou até o seu, vestindo-se no automático. Sentia-se dormente, como era usual naquela época do ano, especialmente naquela data. Não estava pensando em nada enquanto descia as escadas, até que seu olhar foi atraído para a janela da sala, e para o mar logo a frente. Foi tomado pela vontade de andar na areia, apesar de ainda estar escuro, o céu apenas começando a mudar de tom no horizonte. Sem se incomodar com chinelos, abriu a porta que dava para a praia e desceu os degraus de madeira. Ao tocar os pés na areia fria, observou o lugar deserto e começou a andar sem rumo, com o mar a sua direita.
“Estava ventando bem mais no dia do nosso casamento,” lembrou aleatoriamente. Quase uma década antes, em outra época do ano, em outra praia, e se casaram. Era uma tarde ensolarada, tudo estava perfeito, a não ser o vento. As rajadas bagunçavam penteados, levantavam vestidos e toalhas de mesas e pelo menos três taças e um vaso de vidro se despedaçaram ao caírem no chão por causa da ventania. Nada disso, porém, havia apagado o sorriso radiante da noiva, e consequentemente o do noivo. O casal não podia estar mais feliz, oficializando sua união na presença de todas as pessoas que mais amavam no mundo. “Mal sabíamos nós que teríamos tão pouco tempo.”
Foi trazido de volta para a realidade pelo barulho de algumas aves marinhas voando pelo céu e olhou para cima, localizando três delas. O rapaz sorriu para a ironia, pois naquele dia fazia três anos do pior dia de sua vida. Quando atendeu o celular e uma das amigas do trabalho de disse a ele que ela estava no hospital, seu mundo acelerou, e quando uma médica foi encontra-lo do lado de fora da ala de emergência e falou que sofera um ataque cardíaco súbito e não sobreviveu, ele desabou. “Pior. Dia. Da minha. Vida.”
Desde aquele dia, não conseguia pensar direito. As crianças não entendiam o que havia acontecido, no auge dos seus cinco anos e com apenas dois, não compreendiam que a mamãe não ia voltar. também não queria acreditar. Depois do funeral, os três tiraram um ano sabático, que passaram viajando pelo Reino Unido e foi quando compraram aquela casa na praia de Cardiff, um lugar tão bom quanto qualquer outro para recomeçar a vida.
Seguiu as aves com o olhar, a visão ficando turva, mas isso não o impediu de ver o que restava da Lua poente em formato de sorriso, exatamente como estava na noite em que nasceu. A Lua lançava uma luz fraca no quarto do hospital, com todas as luzes apagadas. estava sentado na poltrona ao lado da janela, com o recém-nascido no colo, enquanto dormia agarrada em sua mãe, confortável na cama do hospital. estava exausta, mas observava o marido com um sorriso leve enquanto ele ninava o bebê de poucas horas de vida, aproveitando o silêncio e a paz que reinava no cômodo. Logo levantou o olhar e encontrou o de , que ainda tirava o seu fôlego mesmo depois de tanto tempo, e sorriu para ela, que devolveu o gesto e falou, sem fazer barulho: eu te amo. Apesar do tempo frio, calor se espalhou pelo rapaz, intenso e reconfortante.
O Sol já havia nascido por completo e esquentado a areia quando começou a voltar para casa, sem ter ideia de quanto havia andado, imerso em lembranças.
“Você ia ter adorado esse lugar, ,” ele pensou, olhando a bela paisagem ao seu redor. O Sol pintava o céu e o mar, agora a sua esquerda, em tons de vermelho e laranja, aquecendo a água e a areia. Do outro lado, algumas casas parecidas com a sua se assentavam nas pedras, e o restante da cidade de Cardiff de estendia além delas. Era tudo quase perfeito.
Não muito tempo passou e subiu os degraus de sua casa. Estava fechando a porta atrás de si quando ouviu passos leves descendo as escadas e soube que era antes mesmo de virar-se para ela. A menina, ainda com seu pijama de pequeno príncipe, coçou os olhos, bocejou e andou até o seu pai, que a pegou no colo imediatamente e a deu um abraço apertado, as lágrimas voltando aos olhos.
- Papai, eu to com fome. - a menina murmurou momentos depois, mas não fez menção de soltar o pai, apenas continuou com os braços em volta de seu pescoço.
sorriu e depositou um beijo nos cabelos de , se esforçando para aguentá-la. Afinal, ela já estava com oito anos, e ele também não tinha comido ainda.
- Vou fazer café pra gente. O ainda tá dormindo? – ele perguntou, finalmente soltando a garotinha, que assentiu. – Tudo bem. Coloca as coisas na mesa que eu vou fazer nosso favorito: ovos com bacon! – ele exclamou com uma animação forçada e sorriu, mas ela sabia porque seu pai a estava mimando.
Os dois foram em direção à cozinha e, enquanto a comida era preparada, o silêncio reinou. Não era desconfortável, apenas... melancólico. Aquela hora do dia era sempre a que estava mais presente, quando revezava com entre fazer o café da manhã e arrumar as crianças para a escola. Era comum a trilha sonora das manhãs ser composta de barulho de armários e copos, gritos e correria pela casa, todos tentando não se atrasar para começar o dia. costumava odiar acordar com a voz de sua mãe a chamando do andar de baixo, mas naquele dia era tudo o que ela queria.
- Queria que a mamãe estivesse aqui. - a menina disse, sentada no seu lugar na pequena mesa da cozinha, o olhar baixo e fixado em suas mãos pousadas no colo.
suspirou, sentindo o coração apertar e os olhos marejarem novamente. Apoiou-se no balcão da cozinha, tentando se recompor e não desabar ali mesmo. Respirou fundo outra vez e desligou o fogo para não queimar os ovos, virou-se para a mesa e abaixou-se ao lado da filha, ficando à sua altura.
- Mas ela está, meu amor. Ela está aqui - ele falou, apontando para o coração da criança, e depois para o seu -, e aqui também. Para sempre.