Vincere
Escrito por Hatakesaturn | Revisado por Lelen
Capítulo 1
Alonso Perroni
Sempre gostei da ideia de sermos a continuação da Cosa Nostra, afinal, sempre foi uma facção admirada em muitos países, e ter toda essa fama era bom, ajudou a Vincere a ser o novo símbolo da máfia na Itália e a ter reconhecimento por onde passava, mas isso também atraía muitos inimigos antigos. Meu pai, Otelo Perroni, era um ótimo Don, nunca foi questionado a sua autoridade desde que assumiu quando meu avô morreu.
A Vincere funcionava como qualquer outra máfia, muitos negócios ilegais e muitos outros que à primeira vista eram legais, mas a venda de drogas e a lavagem de dinheiro era feita através deles. Tínhamos também a Victoria Ink, em homenagem à minha Tia Victoria que morreu há alguns anos pelas mãos dos nossos inimigos espanhóis. Essa era a única empresa que era completamente legal, uma fábrica de produtos têxtil e que também tinha suas lojas de roupas exclusivas.
Foi a vingança pela morte da minha tia que enxotamos os Delanteras da Espanha e conquistamos o espaço. Meu pai ainda ficava mais na Itália à frente dos negócios no país, mas lá tudo já era muito bem esquematizado e consolidado, então Otelo queria que os seus filhos dessem continuidade ao legado da Vincere na Espanha, e foi assim que Madri se tornou a nossa casa.
Meu nome é Alonso para o mundo, já que sou dona de uma das boates mais badaladas de Madri, e Perroni dentro da máfia, meu sobrenome de famiglia. Eu sou uma pessoa que gosta de coisas simples e caminhar pelos corredores da mansão de madrugada estava no meu top cinco coisas que eu fazia para driblar a minha insônia.
Morar em um lugar onde você tem tudo pode parecer tentador para muitos, mas a que custo, não é? Ouvir aqueles gritos sofridos que vinham do porão, lugar onde torturavam inimigos quando tinham que ser rápidos em algumas noites, fazia com que eu acordasse no susto, e eu ficava ansiosa até ver os primeiros raios de sol aparecerem no horizonte.
Não que eu não fosse acostumada com isso, mas era incômodo acordar no meio da noite com gritos aterrorizados de homens sendo levados ao limite pela dor extrema. Então, quando isso acontecia, eu colocava meu headphone e saía pelos corredores apenas curtindo a paz que a música me dava, reverberando em minha mente, e mexia meu corpo com a melodia, era divertido e libertador, além de me fazer sair da realidade por algum tempo.
A casa era enorme e eu acreditava que o porão era longe o suficiente dos nossos quartos, mesmo assim, minha audição me traía toda maldita vez. Fechei os olhos e aproveitei o auge da música, que saía alto pelos headphones, para rodopiar no largo corredor, eu amava aquela parte da casa, era o lado onde ficavam os quartos de hóspedes e a parede do lado contrário dos quartos era feita de vidro, dando vista para o jardim.
Eu mexia minhas mãos, ao mesmo tempo que remexia o quadril e sorria aproveitando as batidas que faziam eu me sentir viva. Girei bem no meio do corredor, porém caí no chão ao esbarrar em uma silhueta, fazendo meus fones caírem ao meu lado e desamarrar meus cabelos ruivos, que estavam em um nó frouxo.
— Ai! — Olhei para cima vendo alguém, o que me fez engolir em seco, porém, a aproximação veio, ele lentamente se abaixou e o sorriso ladino que eu conhecia apareceu. — !
— Não deveria estar tão tarde fora de seu quarto. — Ele me pegou pelo braço e pela cintura e me pôs de pé como se eu fosse uma pena. — Podia ser algum homem mau, o que ele faria com você? — Vi seus olhos negros me medirem de cima a baixo. — Ainda mais com esses trajes.
— Primeiro, sei me defender. — Peguei os fones do chão e olhei para ele novamente. — Segundo, não teria nenhum homem mau, a casa é bem protegida, graças a você, suponho. E eu estou de pijama... — Revirei os olhos e quando me dei conta de que ele ainda segurava meu braço, fiz questão de me soltar e me afastar. — E que bom que é só o meu meio irmão idiota! — Estirei o dedo do meio para ele e virei as costas para seguir o caminho de volta ao meu quarto.
— Cariño*… — Escutei aquele apelido que ele usava apenas para me irritar, eu tinha certeza que era pra isso, e virei para encará-lo. mantinha seu ombro escorado na parede, os braços cruzados ressaltavam os músculos definidos dentro da camisa social vinho e os lábios puxados para o lado evidenciavam que vinha uma gracinha. — Esse comportamento não faz jus a uma mulher Perroni. — Resolvi apenas ignorá-lo, não estava muito a fim de continuar com aquela discussão no meio da madrugada, só segui meu caminho até estar em um local seguro: minha cama.
[...]
Levantei naquela manhã ensolarada e troquei de roupa ouvindo as conversas ecoando pelo corredor, sabia que minhas irmãs deveriam estar no nosso "spa", como nós gostávamos de chamar o nosso banheiro compartilhado. Apesar de termos um banheiro individual em nossos quartos, no fim do nosso corredor tínhamos um banheiro imenso, com tudo que tínhamos direito.
Quatro pias em uma ilha central e espelhos suspensos, uma banheira que incendiava a cor vermelha na parte de fora, dois chuveiros dentro de um box grande o suficiente para ter um banco e, finalmente, uma bancada estilo camarim. Era exagero demais, mas a gente amava passar muito tempo ali dentro, cuidando da nossa pele e fofocando sobre os mais variados temas desde a adolescência.
Entrei pela porta e vi Beatrice no chuveiro, Luna estava de roupão em frente ao espelho passando algo no rosto, devia ser algum dos mil cremes que ela tinha, Giulia estava dentro da banheira, que transbordava espuma, mexendo no celular. Fechei a porta atrás de mim e caminhei até a minha pia com uma cara de poucos amigos.
— Bom dia, mal-humorada… — Beatrice sorriu enquanto massageava seu couro cabeludo. — Acordou com o pé esquerdo?
— Tenho motivos para isso…
— Não importa o motivo de estar com essa cara, vai ficar com rugas mais cedo. — Luna pontuou.
— Vocês não ouviram ontem? — As três balançaram a cabeça em negativo e eu apenas revirei os olhos e comecei a escovar os dentes.
— Você tem o sono muito leve, irmã — Giu comentou. — 28 anos e ainda não aprendeu a ignorar os gritos?
— Não deveríamos ter que nos acostumar, nosso pai deveria ter noção. Se quer matar alguém, que mate longe da nossa casa. — Cuspi a pasta e lavei a boca, secando na toalha em seguida. — Sem falar que encontrei no corredor de madrugada, o que já piorou meu humor consideravelmente.
— Ah, ele finalmente voltou? — Luna perguntou.
— Deve ter sido ele que trouxe o… Bom, agora, provavelmente morto. — Beatrice riu, saindo do box e pegando o roupão do gancho para se enrolar. — Vocês dois têm que aprender a conviver.
— Já tenho que morar debaixo do mesmo teto que ele, uma boa convivência seria pedir demais da minha boa vontade. — Virei as costas e fui em direção à porta. — Espero vocês na mesa para tomar café. — Antes de poder fechar a porta ouvi Beatrice rindo, ela adorava tirar sarro da minha inimizade com , se é que eu poderia chamar assim.
era o primogênito do nosso pai, o único de uma mulher que ele passou alguns poucos anos casado, era aquele que ia assumir o grande trono da Vincere. Era cansativo escutar sempre aquele papo, eu era a primogênita antes dele chegar ali do absoluto nada, e desde criança eu achei que iria revolucionar a história da famiglia sendo a primeira mulher no comando da Vincere.
Desci a escada e caminhei pelo hall de entrada, passei pela sala de estar e finalmente cheguei na mesa, que estava vazia; agradeci mentalmente por isso. Sentei em meu lugar de costume e respirei fundo, parecia que seria uma manhã de paz, até o momento em que escutei meu nome soando naquela voz irritantemente grossa e encorpada.
— , bom dia. — sentou do outro lado da mesa em seu lugar, bem em frente a mim.
— Dia. — Era um dia, mas já estava ruim por tê-lo que ver na minha frente pela segunda vez. Um dos empregados apareceu com dois pratos de ovos mexidos, o de tinha algumas tiras de bacon e logo em seguida minha taça com frutas e granola foi deixada a minha frente. — Obrigada, Mario.
O homem deu um sorrisinho tímido em agradecimento, quase que com medo do idiota o assassinar na mesa do café da manhã, e saiu para a cozinha, voltei a olhar para , que me olhava com o cenho franzido, claramente julgando meu comportamento.
— Nosso pai já falou para não ser assim com os empregados — reclamou, e voltou os olhos ao prato dele, continuando a comer, eu odiava esse jeito autoritário e prepotente.
Se já era assim agora, imagine quando fosse o chefe dessa merda toda.
— Assim como? — questionei, e vi ele direcionar os olhos para mim mais uma vez. — Educada? — completei com um sorriso irônico e as sobrancelhas arqueadas, antes que ele pudesse falar algo eu o vi apenas soltar o ar pelo nariz e voltar a comer. — Caso queira ser babaca com os empregados é sua escolha, . — Ele ia me refutar, mas a voz da nossa irmã nos interrompeu.
— Lá estão os dois brigando. — Beatrice sentou ao meu lado, e Luna e Giulia nas próximas cadeiras. — São nem 10 horas da manhã. — Eu e ele bufamos.
— , eu preciso te mostrar algumas filmagens da Rules.
— A boate perto da faculdade? — Ela anuiu com a cabeça. — Irei até sua sala depois, Giu. — Ele sorriu e eu revirei os olhos.
Aparentemente ele só tinha educação com as minhas irmãs.
morava com a mãe no mesmo país que a gente quando ainda morávamos na Itália, e nosso pai não achou que, talvez, seria pertinente mencionar que tinha outro filho, mas tomou o cuidado de enviar um dos seus capitães de confiança para treinar seu primogênito desde os 12 anos. Não sabíamos muito de Aurora, também não falava muito dela, achava que a pedido da mãe. Vi uma foto dela com Otelo uma vez, aparentemente no casamento deles, pareciam felizes. Acreditava que meu pai tivesse amado ela e por isso tenha deixado ela ir embora com o filho.
Papai deixou Aurora criar até ele ter idade suficiente para ser treinado para a parte burocrática e o treinamento mais pesado da Vincere, então nosso pai exigiu que ele viesse morar na mansão quando fizesse 16 anos. Bom, ele veio, e nós 4 ficamos sem entender absolutamente nada, não que não soubéssemos que cada uma de nós éramos filhas de uma mulher diferente e que não conhecíamos nenhuma delas; nem mesmo a mãe de . Entretanto, nosso pai nunca falou que tínhamos outros irmãos, então foi um choque para nós, porém, ele explicou tudo e fomos forçadas a engolir ele como parte da família.
Os primeiros meses foram bem, mas depois que passou pela iniciação ele ficou esquisito. Começou a implicar e ser desprezível comigo. Depois dos dois primeiros anos, não sabia exatamente o porquê, mas comecei a imaginar que seria pelo lugar do prossimo*, isso fez com que o ódio fosse mútuo.
— Tá tudo bem? — Fui atraída pelo som da voz de Luna, que me olhava com o cenho franzido, tirando-me dos meus pensamentos.
— Sim, está — respondi sem mais, peguei a taça de frutas e um croissant para matar a minha fome e saí dali.
Odiava ser ríspida com minhas irmãs, nos amávamos e éramos não só irmãs, mas também melhores amigas. Nós estávamos bem durante esses meses sem por aqui; era ótimo não ter que olhar para a cara arrogante dele todo dia pela manhã, ou esbarrar com ele no corredor, como foi o caso de ontem à noite, ou escutar as gracinhas dele e tentar não me irritar com o jeito que ele fala comigo desde a adolescência. Eu não estava disposta a ceder para uma boa convivência, e ele muito menos, nós sabíamos disso, mesmo que nunca tenha sido dito uma só palavra a respeito.
Caminhei até o jardim e sentei em uma das mesas com guarda-sol, comi na tranquilidade da minha companhia aproveitando a brisa fresca da Espanha naquela época do ano; eu gostava de ficar sozinha.
Entrei pela porta da cozinha para deixar a louça que usei, peguei um copo de água e fui até a biblioteca. Sentei na poltrona me acomodando com as pernas dobradas e abri o livro que estava lendo naquela semana. Apesar de não ter feito faculdade como Luna ou Beatrice, eu adorava ler sobre tudo.
— Bom dia, . — Abri um sorriso ao ouvir a voz grave.
— Papai, bom dia.
— Não estava na mesa do café da manhã, filha. — Senti o beijo no topo da minha cabeça e olhei para cima.
— Queria comer lá fora. — Fechei o livro, mantendo meu dedo na página em que estava, e dei atenção ao meu pai.
— Sabe que precisa avisar aos empregados, eles teriam servido o café no jardim. — Assisti ele sentar à mesa de madeira maciça, que ficava na sala adjacente à biblioteca, onde era seu escritório. — Como está? Não tenho visto você.
— Está sempre viajando e a boate tem me tomado a maior parte do meu tempo — comentei.
— Você quis um negócio, eu lhe dei. Não pode reclamar agora… — ele disse de forma séria enquanto olhava alguns papéis.
— Estou feliz com o trabalho, reclamei da sua ausência.
Ele suspirou e parou o que estava fazendo para olhar pra mim e responder:
— Infelizmente estamos com alguns problemas e preciso resolvê-los, filha. — Ele voltou a escrever em alguns papéis e ler outros.
Acredito que cuidar do cartel de drogas e armas em dois países seja um trabalho exaustivo, além da empresa têxtil que temos em homenagem à minha tia Victoria. No entanto, desde muito nova lembro do meu pai dar importância à família e tentar ao máximo estar presente nas ocasiões importantes como aniversários e datas comemorativas.
— Poderia visitar a Fascino para espairecer um pouco. — Curvei os lábios e pendi a cabeça para o lado, tentando fazer uma expressão pidona. Meu pai não tinha ido na boate desde que eu comecei a administrá-la.
Eu estava sempre lendo, tomei gosto na adolescência, era como um refúgio pra mim e seguia sendo. Um belo dia, ainda na transição de morar na Espanha, eu comecei a ler um livro sobre um romance entre um dono de boate e uma menina da faculdade, eu me interessei mais pela parte da boate do que pelo romance em si. Então, comecei a pesquisar os estabelecimentos do tipo em Madri, e como quem não quer nada, eu pedi pro meu pai uma boate, mas não era qualquer uma, eu queria a Fascino.
A Fascino era uma boate enorme no centro de Madri, ela tinha todo o potencial de se tornar a melhor casa noturna da cidade, porém o administrador era um idiota. No começo meu pai achou que era apenas uma vontade infantil, eu sentia isso dele, e talvez tenha sido essa falta de crédito que me moveu a estudar e fazer tudo pra tornar a Fascino o que ela era hoje. Uma boate renomada, com dançarinas desejadas pelos empresários de todo o país, com darkroom para os mais libertinos e um dos negócios da Vincere que mais faturava.
Ele levantou apenas os olhos até mim antes de dizer:
— Não quero que minha filha veja eu me divertindo com suas empregadas, . — Ele me olhou com uma expressão séria.
O chefe da Vincere tinha uma fraqueza, afinal?
— Papai… Sei que se diverte, afinal, tem 5 filhos. — Sorri, doce. — Que eu saiba, não é mesmo? — debochei.
— Não seja malcriada, mocinha. — Ele torceu os lábios e eu dei uma risada baixa.
— Ela sempre foi malcriada. — Olhei para trás e vi perto da porta de entrada.
Respirei fundo e levantei da poltrona seguindo o caminho para outro lugar. Assim que estava ao lado dele, soltou baixo:
— Pode deixar que vou visitar a boate, .
— O convite era para o papai. — Sorri sonsa. — Não faço questão da sua presença.
— Por favor, os dois podem ser civilizados? — Nosso pai reclamou.
— Ele não sabe ser civilizado, papai. — Virei para Otelo. — Ainda acho que foi criado com lobos. — Meu pai apenas levantou as mãos em rendição e nos ignorou, voltando aos seus papéis, ele já tinha aprendido com os anos que era inútil tentar apaziguar qualquer desentendimento entre mim e .
Então eu virei para encarar com um sorriso debochado, dei alguns passos, mas não fui muito longe ao sentir meu braço ser agarrado, fazendo eu voltar a olhá-lo em surpresa.
— Cuidado para o lobo aqui não te morder… — sussurrou batendo os dentes um no outro e me soltou.
Olhei para ele e entreabri a boca, fiquei tão chocada que nem consegui dizer nada, até porque, ele saiu caminhando até a mesa onde estava nosso pai. Saí pisando duro, mas não pude ignorar o sorriso divertido que estava desenhado nos lábios do idiota que infelizmente dividia metade do sangue comigo.
[...]
Cheguei na boate e Giovanna estava ajudando Vincenzo a organizar as bebidas que tinham sido reabastecidas. Giovanna Coppola, meu braço direito, melhor amiga e gerente da boate, quando eu não estou ela que manda, a loira sabia impor sua autoridade como eu. Crescemos juntas, seus pais eram grandes amigos de Otelo e também fazem parte dos associados da Vincere. Depois de alguns meses em que eu tinha chegado na Espanha, ela me ligou dizendo que não sabia viver sem mim na Itália, pegou o primeiro trem e veio me encontrar.
Vincenzo era nosso melhor amigo, nos conhecemos no ensino médio, já que seu pai foi transferido para capitão direto de Otelo, subiu para consigliere em pouco tempo, ele morreu na mesma operação que o meu tio Lorenzo, que era o sottocapo da Vincere.
Cumprimentei os dois e subi para o escritório. Vi qual seria a atração principal, os lucros da noite anterior, pagamentos a serem feitos e quanto do dinheiro que entrou no caixa eu precisava mandar para o restaurante para ser lavado, bem como as contas de quantas horas eu tinha até a casa estar lotada.
Era uma sexta-feira, com apresentação especial da nossa melhor dançarina, Isabel. Os homens iam à loucura quando aquela mulher subia no palco, era bonito de ver, até eu descia e sentava no bar para vê-la de vez em quando. Fiz meu planejamento do fim de semana, que eram os dias mais caóticos. Precisava pegar as drogas com Beatrice antes da abertura da boate e revisar o livro caixa da semana.
Eu aprendi muita coisa comandando o lugar, fazia apenas 9 meses que estava à frente da Fascino, mas quando temos que nos virar a gente aprende rápido, além de ter tido a minha melhor amiga para ajudar, Giovanna era formada em gestão, isso fez toda a diferença. Eu me dediquei dia e noite para dar o melhor de mim, principalmente porque era isso que meu pai esperava de mim, e isso eu tinha certeza de que fiz e fazia todos os dias naquele lugar.
Fui até o nosso laboratório, onde eram feitas as drogas, minha irmã Beatrice era a que comandava, tudo tinha sido milimetricamente montado por ela, escolheu a dedo os químicos e físicos que trabalhariam ali, tudo tinha que funcionar do jeito dela. Ele se localizava em um ponto estratégico entre o porto, por onde chegavam os carregamentos do material, a minha boate e o nosso restaurante onde ficavam a maioria dos soldados aguardando ordens. Tudo era calculado de forma a facilitar nosso dia a dia e que tudo fosse feito de forma segura e longe do olhar do detetive insuportável que sempre ficava no meu pé.
Eu sabia que algo estava rolando pois quando ela pedia pra eu ir buscar a entrega, como falávamos no telefone, algum motivo tinha. Só conseguia pensar que antes eu tivesse negado o pedido dela e mandado algum dos soldados buscar as drogas, mas a verdade era que eu gostava de fazer eu mesma, do meu jeito.
Só que quando eu cheguei e Beatrice me alugou durante 20 minutos para falar o quanto eu deveria praticamente assinar um tratado de paz com , eu me arrependi amargamente de ter ido até lá. Achei que as minhas irmãs já tinham desistido disso há uns 10 anos, mas pelo visto seguiam tentando dar uma de Estados Unidos e se meter onde não deviam.
— Vocês precisam aprender a conviver, papai espera isso de vocês — ela ralhou comigo. — Precisam trabalhar juntos na famiglia*, sorella*.
— Beatrice, eu faço o que eu tenho que fazer, cumpro meu papel e ponto final. — Alterei meu tom de voz, estava cansada, eu estava perfeitamente amando os meses que passou fora resolvendo seja lá que merda tenha acontecido na Itália.
— Vai chegar o dia que precisará dele. — O tom de sobreaviso me irritou.
— Espero estar morta até lá. — Caminhei rapidamente e abri a porta, dando a entender que a conversa tinha se encerrado, e eu nem precisava virar para vê-la, tinha certeza de que mantinha a boca em uma linha, as mãos na cintura e a irritação evidente em sua testa franzida. — Ciao*.
Assim que coloquei os pés na calçada, respirei fundo. Olhei para o carro estacionado atrás do meu e sorri fazendo um aceno de cabeça discreto, meus dois fiéis escudeiros sempre se mantinham alertas para a minha proteção. Entrei no meu carro e fui em direção à boate, já estava atrasada, faltava apenas 1 hora para abrirmos, e até distribuir aos nossos funcionários demandava um certo tempo.
Corri o máximo que pude, entrei na Fascino e ainda no corredor do hall de entrada, pude ver pela parte envidraçada da parede que estava na porra do bar da minha boate, bebendo e conversando com Gi, claro, ela era caidinha por ele.
Respirei uma, duas, três vezes antes de entrar de vez no salão, caminhei até o bar e dei a bolsa com as drogas para Coppola.
— Já estão nos pacotes, distribua para os funcionários.
— Sim, . — A loira sumiu para dentro da boate.
Olhei para que mantinha um sorriso presunçoso nos lábios, o qual eu queria tirar na base do tapa. Ele me olhou com os olhos baixos e passou a mão nos fios negros, o cabelo curto dava um ar de matador de aluguel, porém ele parecia ter deixado crescer alguns centímetros já que alguns fios pareciam descer um pouco mais até suas orelhas. Logo a mão desceu até a lapela, e ele ajeitou o tecido, o terno preto era recortado exatamente para o corpo dele, era notável quantos euros ele tinha pagado naquela peça.
— O que está fazendo aqui? — Joguei minha bolsa e chaves do carro em cima do balcão, irritada por vê-lo ali tão confortável, como se ele fosse o dono do lugar.
— Disse que vinha te visitar.
— E eu achei que tinha sido clara quando disse que não queria.
— Você não tem escolha, cariño… — Ele bebeu do copo baixo, que, pela cor do líquido e tipo de louça, deveria ser whisky. — Sabia que um dia a boate será minha e você vai ter que me obedecer?
— Só por cima do meu cadáver, seu cretino — aproximei-me dele e olhei bem no fundo daqueles olhos pretos enigmáticos —, papai fez questão de colocar a Fascino no meu nome e se você ousar mexer nisso, eu mato você, . — Aquela boate significava muito para mim, foi nela que descobri o quanto era boa com números, com a logística e administração. Eu transformei ela na boate mais famosa de Madri, e tudo isso me deu confiança e orgulho de mim mesma.
— Não precisa ficar nervosinha — aquele sorriso perverso de quem adora me tirar a paciência brotou em seus lábios —, você pode estar certa quanto a boate ser sua, mas eu ainda tenho direito de entrar nela.
— Ah, definitivamente — falei de modo irônico revirando os olhos. — Fique à vontade… mas não se sinta em casa. — Peguei minhas coisas e subi para o escritório.
queria me foder, era isso, não era possível, ele resolveu vir encher o meu saco no dia que a cidade inteira está eufórica demais para pensar com clareza. Sexta-feira, todo mundo aguarda por ela, o dia mais esperado da semana, as pessoas anseiam tanto pela sexta-feira que acredito que o universo sente a energia que elas emanam e tudo se resume a festa, curtição e caos. A boate fica tão lotada que a fila dá a volta no quarteirão, mas claro, ele pensou exatamente quando seria o melhor dia pra vir me atrapalhar e me tirar do sério.
— Imbecille, figlio di puttana!* — Soquei a mesa com força e Giovanna entrou quase que ao mesmo tempo.
— Você está bem? — Ela me olhou com um certo receio de perguntar.
— Estaria melhor se aquele imbecil focasse na sujeira dele ao invés de vir me encher o saco! — falei alto, para passar a vontade de esganar alguém.
— , ele disse que veio curtir a noite aqui. — Giovanna tinha um péssimo julgamento das intenções de pela paixonite que ela mantinha por ele desde quando consigo lembrar, era claro o seu descontentamento já que ele nunca havia dado um mísero segundo do tempo dele a ela, pelo menos não do jeito que ela esperava. No entanto, seguia tentando cavar uma realidade onde ele era uma boa pessoa e só queria ser gentil e agradável; doce ilusão.
— Ele veio ver se conseguia me tirar do sério, foi isso que ele veio fazer — falei entredentes.
— Nunca entendi a inimizade de vocês, mas não vou me meter, vou apenas fazer o meu trabalho. — Ela caminhou até a mesa e deixou alguns papéis. — Esses são os contratos com os novos fornecedores de bebidas.
— Certo, vou olhar isso… — Peguei os papéis e os folheei. — Já fez a distribuição?
— Si. — Assentiu. — Ajudo em mais alguma coisa?
— Não, pode começar a preparação pra abrir. — Peguei o primeiro contrato para começar a ler, mas tirei os olhos deles um segundo para voltar a encarar a loira. — Isabel já chegou?
— Ainda não, atrasada como sempre.
— Eu vou ter um colapso hoje... — Massageei a testa. — Peça para o Vince me trazer um martini, por favor.
— Pode deixar.
Ela saiu da sala e eu dei continuidade ao que tinha que fazer, analisei os contratos, no meio tempo Vincenzo deixou meu drink e eu agradeci. Assinei o que tinha que assinar, fiz ligações para os fornecedores de alimentos, já que Santiago, chefe da cozinha, tinha me entregado uma lista de alguns ingredientes que estavam faltando na cozinha.
Levantei da minha mesa e fui até a janela fumê que me mantinha sã e salva ali no meu pequeno esconderijo, mas ninguém se escondia de mim, já que eu conseguia ver toda a boate dali. Já estávamos com bastante movimento, o show começava às 23 horas, Isabel sempre chegava atrasada e isso me irritava, porém, enquanto não irritasse os nossos clientes, eu não reclamaria.
Quando voltei a olhar para o salão, vi com três soldados nossos, todos bebendo, parecia realmente que ele estava ali apenas para se divertir. Eu esperava de verdade que Gi estivesse certa, queria acreditar nisso e que a minha sexta-feira fosse tranquila, na medida do possível. Olhei para trás ao ouvir as batidas na porta e liberei a entrada, vi Vincenzo entrar com mais um martini na bandeja e sorri.
— Achei que precisaria de mais um.
Olhei ele de maneira indecente, Vincenzo sempre foi um homem interessante. Os cabelos castanhos presos em um coque, os olhos também castanhos, quase um mel, profundo e soturnos, ele era esguio e ao mesmo tempo ostentava braços fortes, sempre usando um colete de cor diferente e isso era o seu charme, eu era a prova de que ele conseguiria o que quisesse vestido daquele jeito.
Quando eu assumi a Fascino, eu não pensei em mais ninguém a não ser ele para me ajudar, Vince pensou em tudo para a parte do bar, de quantos barmen ele precisaria, de como seria melhor atender e organizar as bebidas, eu só precisei aprovar.
Inteligente e gostoso, não tinha melhor combinação que essa.
— Obrigada, Vince. — Sorri gentil para ele, que colocou a taça em cima da minha mesa.
— Posso ajudar em mais alguma coisa? — perguntou ao se virar com a bandeja cobrindo seu peito.
— Talvez no final do expediente. — Curvei o lábio de maneira libidinosa e ele prontamente entendeu.
— Aguardando suas ordens, senhorita Alonso. — Deixou meu escritório e eu mordi o lábio admirando aquela bunda durinha na calça jeans justa.
Ele era um bom menino.
* Cariño: carinho em Espanhol (forma carinhosa de chamar alguém)
* famiglia: família em italiano
* prossimo: próximo em italiano (o próximo na linhagem para substituir o don)
* Sorella: irmã em italiano
* Ciao: Tchau em italiano
* Imbecille, figlio di puttana: Imbecil, filho da puta
Capítulo 2
Perroni
Eu saí da Fascino por volta das 2:40 e desde o momento que vi antes de abrir o estabelecimento, não a vi mais; era uma pena. Eu gostava de infernizar a vida da indomável. Desde a adolescência tinha uma personalidade explosiva, e eu gostava de vê-la irritada, gritando comigo e me xingando como só uma boa Perroni sabia fazer. Era divertido vê-la inflar as bochechas e aqueles olhos verdes, escuros, quase pegando fogo, eu tinha certeza que em certos momentos ela pensava em arrancar a minha cabeça pelo jeito que me olhava.
Eu não a odiava como ela achava, e sabia que ela pensava assim pela sua cara de desgosto toda vez que me via, pelo ar sendo expulso de seus pulmões quando eu fazia alguma gracinha, ou até mesmo o jeito que ela corria da minha presença.
Era divertido irritá-la, que culpa eu tenho?
No fim das contas eu sabia que o culpado de tudo isso era eu, e precisava continuar, manter o ódio dela por mim era necessário. Deveria mantê-la longe, pois eu sabia o quanto ela abominava o trabalho sujo da Vincere e eu não queria que ela tivesse apenas a visão do carrasco que mata e tortura sem piedade.
Esse era o verdadeiro motivo para mantê-la o mais longe possível de mim.
Aprendi com meu pai que manter as garotas afastadas dessa parte do trabalho era o melhor a se fazer, estávamos poupando elas de saberem demais ou de nos ver como homens sem coração. Elas não eram santas e sabiam de tudo, mas entre saber e ver, sentir e fazer tinha um enorme abismo.
Beatrice tomava conta do laboratório, Giulia ficava na parte da segurança cibernética, e Luna ficavam na parte mais comercial, digamos assim. à frente da boate e Luna na confeitaria onde lavávamos o dinheiro da venda das armas, e como elas trabalhavam mais expostas, não usavam o sobrenome do nosso pai em público.
Elas resolveram escolher o sobrenome que usariam, nenhuma nunca quis conhecer ou ter nada a ver com suas mães, pois mulheres que entregavam as filhas de boa vontade não mereciam que elas usassem os seus sobrenomes. Esse era um pensamento unânime entre as quatro.
[...]
Cheguei em casa naquela madrugada um pouco bêbado já que acabei dispensando dois dos três soldados que estavam fazendo minha segurança para eu não beber sozinho. A verdade era que ser o subchefe de uma máfia não era nada do que as pessoas imaginavam, era maçante, era exaustivo, uma responsabilidade sem tamanho e isso às vezes me deixava sem dormir algumas noites e o álcool resolvia o problema.
Otelo esperava muito de mim, fui o único filho homem que ele gerou antes de descobrir que tinha ficado estéril, infelizmente. Por causa de uma infecção ocasionada por um tiro que sofreu 2 anos depois de Luna e Giulia nascerem, ele não poderia mais gerar filhos.
A família ficou um pouco menor do que ele planejava e agora tudo estava em minhas mãos, pois com apenas um herdeiro homem, Otelo ficava receoso, já que se acontecesse algo comigo tudo ia por água abaixo. E essa responsabilidade pesava toneladas nos meus ombros, tentava amenizar em minha cabeça, mas a grande realidade é que isso me deixava pilhado em certos momentos. Como quando meu pai dizia que eu precisava casar logo e ter no mínimo 4 filhos homens, e esse assunto estava pesando a cada ano que passava. Eu faria 33 anos em alguns meses e para ele, eu já tinha passado da idade de estar casado e com a prole garantida. O herdeiro da Vincere deveria se casar cedo, segundo meu pai.
Não era algo que me chamava muito a atenção, mas eu sabia que ele só estava querendo o melhor para mim. Eu sabia o quanto incomodava ele ter se envolvido com várias mulheres, mas nenhuma o amava de verdade, elas queriam apenas dar um filho e deixar nas mãos dele para que cuidasse e, claro, queriam receber a boa grana que vinha com a proposta de gerar o filho do Don.
Eu sabia que minha mãe tinha sido a única que ele amou e foi recíproco, mas após anos naquele mundo, Aurora não sabia mais como lidar com a vida da famiglia. Então ela me pegou e saiu de casa comigo nos braços, mas não sem antes receber o aviso que eu teria treinamento mesmo em sua casa e que deveria me entregar a ele anos depois, aos 16 para ser mais exato. Essa era a idade de iniciação na máfia e do treinamento mais pesado para assumir o lugar do meu pai quando fosse a hora.
Foi aí que tudo desandou, eu era um garoto normal, tive uma infância tranquila no interior da Itália. Estudava em uma escola comum, jogava bola na rua e tinha amigos no meu bairro. Apesar do treinamento com o capitão do meu pai ser diário, era a única coisa diferente que eu fazia: aprender a lutar. Eu até gostava, era divertido para um garoto de 10 anos saber lutar, porém, quando tudo parecia sério demais eu ficava irredutível e não saía do meu quarto.
Minha mãe sofreu muito por mim e eu não entendia, mas hoje consigo compreender o motivo. Enquanto estava na Itália a visitei, por mais que às vezes ela me olhasse com aquela expressão de desgosto por ter me tornado alguém tão parecido com quem ela tentou ao máximo me manter longe, era minha mãe e eu a amava. Eu tentava entender a recusa dela de ter algum vínculo mais profundo comigo, porém achava que quando ela casou com um Don, ela deveria saber onde estava se metendo e o que vinha com aquele sim.
— Levanta, ! — Ouvi a voz irritada e grossa ecoar pelo quarto, assim como fui cegado pela claridade, que entrou inundando o quarto quando meu pai abriu as cortinas. — Foi farrear ontem, não é? Esqueceu do carregamento que vai chegar hoje?
— Que horas são? — Virei na cama em busca do meu celular na mesa de cabeceira. — Caralho! — berrei levantando em um salto da cama ao ver as horas.
— É, caralho mesmo, ! — Otelo gritou enquanto eu ia até o banheiro. — Você nunca faz esse tipo de coisa, qual o seu problema?
— Perdão, pai, não vai se repetir. — Voltei até o quarto já fechando o zíper da calça jeans e a camisa branca faltando apenas fechar os botões.
— Ah, não vai mesmo. — Vi ele sair do quarto e bater a porta.
— Cacete, já comecei o dia bem…
Peguei meu celular e a chave do carro e saí de casa às pressas com mais dois carros com soldados me seguindo. Chegamos ao porto em cima da hora, mas alguns subordinados já estavam lá à minha espera, desci do carro e Manuel, um dos soldados, cumprimentou-me abaixando levemente a cabeça demonstrando subserviência, passei por ele e fui diretamente falar com o capi, Giovanni.
— Conferiu tudo?
— Sim, senhor Perroni. Está tudo certo, vamos separar em 4 carros.
— Ótimo. — Entrei no container e averiguei a quantidade de caixas, abri uma com a faca que tinha em meu bolso e conferi. — Vou esperar no carro, assim que terminar é para ir direto para o laboratório. — Virei as costas e segui até meu carro, sentei no banco do motorista e abri o vidro.
Fiquei esperando os soldados carregarem os carros com a mercadoria, peguei o maço de cigarro, bati no volante e um cilindro saltou da caixa, coloquei-o na boca e o acendi, pois aquilo parecia que ia demorar. Respirei fundo e tentei apreciar a paisagem além do trabalho ilegal que estava acontecendo há poucos metros de mim, aquele momento era o mais próximo que eu tinha chegado do mar nos últimos 3 anos.
Meu celular vibrou no meu bolso, puxei o aparelho, dei mais um trago no cigarro e então atendi.
— Alô?
— , preciso que assim que finalizar volte imediatamente para casa.
— Aconteceu alguma coisa?
— Falaremos quando chegar.
Meu pai desligou antes que eu pudesse fazer qualquer pergunta, a ligação tinha me deixado preocupado pelo tom de voz que ele utilizou, estava sério demais para ser um problema pequeno. Giovanni chegou na janela do meu carro e avisou que estava tudo pronto, acenei para que fossemos embora, dei um último trago e joguei o cigarro pela janela. Virei a chave e acelerei, acompanhando pelo retrovisor os outros 4 carros que me seguiam.
Chegamos no laboratório e as ações, principalmente quando envolvia carregamentos ilegais, eram feitas rapidamente. Os soldados colocaram todas as caixas no depósito e dispensei seus serviços por aquela hora e fechei o portão, conferi o carregamento e pedi para que um dos químicos conferisse a qualidade.
Por mais que estivesse pensando apenas no que meu pai poderia querer e no que tinha acontecido, não queria enfrentar a fúria da minha irmã caso eu fosse embora sem falar com ela. Abri a porta que dava acesso ao porão e desci a escada, assim que coloquei o pé no último degrau, pude ver o cabelo vermelho chamando atenção naquela sala toda branca, com tubos transparentes e luzes claras demais para o meu gosto.
Beatrice estava concentrada em algo que eu definitivamente não sabia e bem saberia o que era caso ela me explicasse, caminhei devagar entre as mesas, com outros poucos funcionários e encostei em seu braço. Ela olhou por cima do ombro e sorriu:
— …
— Carregamento está no depósito.
— Obrigada, maninho. — Ela tirou os óculos transparentes e me olhou de um jeito estranho.
— Que foi? — perguntei franzindo o cenho.
— Aconteceu alguma coisa?
— Você é curiosa demais, Bee — reclamei, chamando ela pelo apelido que dei quando éramos mais novos devido a sua curiosidade, achava que era por isso que ela era tão boa na química e em suas criações.
— Obrigada. — Ela sorriu empinando o nariz.
— Não foi um elogio. — Pisquei o olho direito com um sorriso arteiro no rosto, dei as costas e fui andando para a escada. — Vou descobrir o que houve quando chegar em casa.
— Quero saber a fofoca depois.
— Não sei se vai querer saber… — Olhei para ela assim que a minha mão alcançou o corrimão e a vi fazer careta, fazendo com que eu risse. — Até o jantar, maninha.
Assim que estacionei meu carro, saí dele com pressa, porém não o suficiente para demonstrar meu nervosismo. Entrei em casa e fui direto até a biblioteca, onde ficava também o escritório de meu pai em uma sala adjacente, separada por portas duplas de madeira. Entrei no ambiente e vi dois Capis em pé, aparentemente esperando apenas a minha presença, meu pai ofereceu a cadeira em frente à sua mesa para mim e sentei.
— Pegamos um dos Delantera, quero que interrogue ele.
— Pai... — Fui advertido pelo olhar do Don. — Don Otelo, temos homens treinados para isso.
— Você é o melhor e sabe disso. — Eu engoli em seco e assenti. — Conto com você.
Levantei da poltrona abrindo dois botões de minha camisa e arregaçando as mangas, sabia que o trabalho sujo começaria e, a partir daquele momento, não teria hora para terminar. Caminhei lentamente com os capitães me acompanhando, passei pelo hall de entrada e cruzei meu olhar com o de , que estava pegando as chaves do seu carro, ela nos acompanhou com os olhos e eu abaixei a cabeça respirando fundo.
Caminhamos pelo corredor extenso no qual ao final tinha a porta onde estava o inimigo, girei a maçaneta e desci os degraus até o porão, que utilizávamos para esses trabalhos de última hora, o homem já estava vendado e amarrado, sentado em uma cadeira.
Filippo, meu primo e capitão, colocou uma cadeira em frente ao homem, então sentei-me também, soltei o ar com força, me preparando para assumir o sanguinário, aquele que só existia ali em circunstâncias como aquela, peguei a carteira do bolso da calça puxando um cigarro e o acendi, fazendo sinal com a mão para que Filippo tirasse a venda e a mordaça.
O homem, assustado, olhou para os lados e finalmente olhou para frente, notando minha presença; levantei o canto dos meus lábios e soprei a fumaça para o alto.
— Então, qual o seu nome? — Apoiei meus cotovelos em meus joelhos.
— Paco… Paco Mendez.
— Vai ser do jeito fácil ou difícil, Paco? — Dei outro trago em meu cigarro, soltei a fumaça esperando uma reação, mas tudo que recebi foi silêncio. Maneei a cabeça para Filippo, que socou o estômago do inimigo, fazendo-o se contorcer de dor até onde as cordas deixavam. — Do jeito difícil então… Me conte, quais são os planos do seu Don?
— Eu não sei, sou apenas um soldado… — Outro soco desferido em seu abdômen, e o homem tossiu.
— Claro que sabe, os soldados são mais bem informados do que pensamos. — Sorri e me ajeitei na cadeira, cruzando as pernas. — Quero saber como ele acha que vai tomar os nossos negócios.
— Senhor, eu juro, eu não sei… — O outro Capitão, Gian, socou o rosto do homem uma, duas, três vezes, vi o sangue saltar e um corte se abrir na maçã do rosto e na boca do nosso interrogado.
Eu suspeitava que os Delantera ainda existiam e que estavam aos poucos se infiltrando onde não deviam em Madri. Acontece que aquele era o nosso território, a Espanha agora nos pertencia, a Vincere comandava o lugar desde que a conquistamos.
Meu pai já vinha em uma guerra que se arrastava durante anos pela morte da minha tia Victoria, porém, ele resolveu enxotar os Delantera da Espanha como punição por um dos capitães deles ter matado o meu tio, que era o sottocapo, e o nosso consegliere, que também estava com ele na emboscada.
Depois de matar mais da metade do que eles chamavam de máfia espanhola - já que aquilo estava mais para gangue de bairro -, eles fugiram com o rabo entre as pernas. Contudo, eu sabia que aquele ser arrogante e ganancioso estava se armando e se preparando para algum dia vir buscar a sua vingança, e claro, conquistar o espaço que um dia foi dele.
Levantei e caminhei a passos lentos, agachei para ver o homem dos cabelos castanhos de perto e ele possuía uma cicatriz que ia do centro da sua testa até o fim do nariz, que era perceptivelmente quebrado, presentes de quem faz parte desse mundo.
— Então, Paco, o chefe vai ficar irritado se eu não conseguir o que ele quer, entende? Preciso voltar com alguma informação importante para ele, algo que o satisfaça… — Dei um trago no cigarro, e assim que ele olhou para mim, apaguei o cigarro em sua bochecha. Só vi ele engolir em seco e fechar os olhos, definitivamente estava segurando o grito que queria sair. — Ele é durão… — Olhei para os meus subordinados e disse: — Peguem o kit de casqueamento bovino.
[...]
Os gritos aterrorizados pela dor ainda ecoavam em minha cabeça, eu precisava de um tempo. Talvez o coitado do soldado não soubesse mesmo de nada, se fosse um capitão seria mais difícil eu acreditar que estivesse no escuro. Respirei fundo assim que saí pelas portas laterais, precisava de ar puro, aquele cheiro de sangue já estava me deixando enjoado.
Acendi um cigarro e olhei para o céu, já era noite fechada, acreditava que tinha ficado lá embaixo por mais ou menos 9 horas. Precisava de uma bebida. Caminhei até a sala íntima e servi o whisky, virei a dose de uma vez, e só então coloquei duas pedras de gelo e mais uma dose para apreciar.
— Papai já disse para não fumar dentro de casa. — Pela voz eu sabia quem era, saberia até de olhos fechados.
Peguei meu copo e me virei, apoiando meu cotovelo no balcão do pequeno bar que tínhamos ali, estava segurando sua bolsa e chaves, parecia que tinha acabado de chegar em casa da boate.
— Não deveria estar na boate, ? — Dei um gole em meu copo e a vi colocar a bolsa em cima do sofá e vir em direção a mim, ela foi até a parte interna do bar e começou a fazer um martini.
— Deixei a Gi cuidando de tudo, não estou me sentindo muito bem. — Ela pegou a taça e deu um gole, fechou os olhos, parecia degustar a bebida, então engoliu e passou a língua pelos lábios de uma forma sensual demais para ela fazer isso em qualquer lugar.
Era intrigante, parecia quase um ritual, ela sempre fazia isso e eu sempre ficava preso em cada mínimo movimento.
— Hm… — murmurei, dando um trago em meu cigarro, que dei pela metade, já que ela tomou dos meus dedos e colocou nos lábios enquanto se afastava de mim. — Se queria um, era só pedir.
Ela tirou os sapatos, segurando a taça nas mãos e o cigarro pendurado nos lábios pintados de vermelho; puta merda, ela era sexy.
Caralho, , cala a boca.
Me censuro em minha mente, apenas caminho novamente até o lado de fora, acendo outro cigarro e sinto a brisa fresca balançar os fios de cabelo em meu rosto. passa por mim e vai em direção à piscina, assisto de longe, encostado em uma das pilastras da varanda, ela sentar na borda da piscina. Às vezes conseguíamos ficar no mesmo espaço sem discutir, acreditava ser mais por minha causa, já que eu não a provocava.
Tirei os sapatos, as meias e andei lentamente, sentindo a grama abraçar meus pés, eu amava essa sensação, sentei na borda do outro lado, ficando ao seu lado esquerdo, mas longe o suficiente. Conseguia vê-la de perfil, os olhos verdes admiravam as estrelas e eu podia notar o quanto estava cansada, baixei mais os olhos e vi seu pulso roxo, franzi o cenho e uma raiva instantânea me tomou.
— Quem fez isso com você? — Minha voz saiu mais autoritária do que eu pretendia.
Ela me olhou sem entender, então viu onde meus olhos estavam vidrados.
— Não foi nada… — Ela acariciou com a outra mão, tentando esconder e desviou os olhos de mim.
— … Quem? — Travei os dentes, sentindo meu corpo esquentar com o pensamento de alguém machucando ela.
— Foi um cliente, bêbado, pedi para os seguranças o tirarem da Fascino — falou como se não fosse nada.
— Coloque mais soldados na boate — ordenei.
— Não precisa.
— Já que você foi agredida… — falei o óbvio —, precisa sim, e você não tem escolha.
— , eu sei me defender, não se meta na minha boate. — Ela jogou o cigarro dentro da taça com o resto da bebida, fazendo o barulho inconfundível da brasa de apagando, e levantou virando-se para entrar.
— Seu braço está…
— Eu sei o que meu braço está, . — Ela me interrompeu, voltando seus olhos para mim. — É o meu braço, e é a porra da minha boate. Não se meta, cazzo! — Vi seus olhos desceram para o meu corpo e ela deu um sorriso seguida de um riso de escárnio. — Vá cuidar de seja lá o que você estava fazendo — ela apontou para a minha camisa —, só me deixe em paz. — Ela seguiu a passos firmes para dentro da mansão.
Desci meus olhos para a camisa que tinha respingos de sangue.
— Merda.
Capítulo 3
Alonso Perroni
Eu tentava ignorar a parte da violência que acontecia dentro da Vincere, afinal, não era eu que comandava esse setor. No entanto, eu sabia, eu não era burra, só tentava me manter afastada disso. Fui treinada para saber lutar e atirar desde os meus 14 anos, eu sei o que é a Vincere, eu sei o que é a minha família e também sei exatamente o que estava indo fazer naquele exato momento.
Acompanhei ele e os dois capitães com o olhar e engoli em seco, respirei fundo antes de sair de casa. Entrei no meu carro e por alguns minutos me permiti respirar devagar, olhei para a mansão imponente que nos pertencia, tudo tinha um preço afinal, liguei o carro e saí dali. Dirigi até o laboratório, precisava pegar as novas drogas e Beatrice me infernizou para eu passar lá de novo.
Passei pela porta da frente e o soldado me recebeu com um aceno de cabeça, cumprimentei-o e desci a escada para encontrar minha irmã. Beatrice era uma mulher inteligente, nossas boates são as únicas que vendem a droga pura, sem nada que vá fazer mal aos nossos clientes. Ela era genial, tinha criado uma droga nova sem maiores efeitos colaterais no dia seguinte e, claro, fazia o maior sucesso.
Assim que cheguei ao subsolo, a ruiva estava concentrada olhando no microscópio e eu dei passos lentos até apertar suas costelas e ela soltar um grito.
— Caralho, sorella, não tem mais idade para isso. — Eu gargalhava e ela me olhava emburrada, ajeitando os cabelos.
— Foi divertido e você teria feito o mesmo… — Cruzei os braços. — Cadê todo mundo?
— Dispensei todos, estavam me irritando. — Ela fez alguma anotação em um bloco e voltou a analisar algo no instrumento científico.
— Hmm… TPM? — Ela me olhou séria, parecia que queria decapitar a minha cabeça. — Ok, TPM. — Constatei. — Quer fazer uma noite de filmes, pipoca, chocolate e tudo mais?
— , não temos mais 15 anos. Você tem trabalho e eu também.
— Meu deus, você tá muito azeda. — Torci os lábios, bufando. — Me dê logo o que preciso que eu vou embora.
— Aqui. — Empurrou o pacote contra meu peito e abanou. — Tchau.
— Também te amo, irmã, até em casa — disse dissimulada e fui caminhando para a escada.
— Não esqueça de fechar a porta.
Beatrice realmente estava de TPM, único motivo plausível para ela estar assim. Ela não tinha o melhor dos humores, mas até que era simpática na maior parte do tempo, então tratei de sair logo de lá. Sentei em frente à direção do meu carro e em poucos minutos estava na boate, entrei e dei o pacote com as drogas a Giovanna, que me olhou sorridente. Subi para o escritório e fui ler alguns contratos, organizar a planilha do mês e fechar as contas do caixa. Eu gostava do que fazia, ficava longe o suficiente de casa para não ouvir o que não queria, sozinha com meu sossego e bem distante de .
Eu não o odiava tanto assim, apenas não nos dávamos bem, era bem óbvio, mas era tudo culpa dele. Ainda lembro de quando chegou em casa, ele me tratava bem, igual às minhas irmãs, porém ele começou com as brincadeiras idiotas, os flertes inadequados, as provocações sem fundamentos e as piadas, tudo me irritava, tudo em me irritava.
Quando notei, as luzes coloridas já piscavam através da minha janela, o que indicava que a boate já estava aberta. Joguei meu corpo para trás na cadeira e respirei fundo, senti minhas costas doerem de ficar horas na mesma posição. Passei a mão pelo pescoço e o apertei, mexendo para um lado e para o outro, tirando a tensão dos meus ombros. Levantei e fui até o bar lá embaixo, pedi um martini para Vincenzo e sentei em um dos bancos, a pista de dança estava relativamente cheia e as mesas vips nos cantos também. Conseguia ver, pela janela da parede que dividia o corredor de entrada e a parte interna, que tinha fila.
Sempre me sentia orgulhosa do trabalho que fazia ali na Fascino, a boate era minha criação, eu levantei aquilo praticamente do zero, com ajuda dos meus funcionários e dos melhores amigos, é claro, e transformei na melhor boate de Madri.
— Olá, senhorita, está sozinha?
— Estou e pretendo continuar. — Nem olhei para o lado para ver a cara do marmanjo.
— Nossa, ela é difícil… — Escutei a gargalhada e revirei os olhos. — Me diz uma coisa: você é a dona do lugar?
— Sim, por quê? — Dessa vez olhei para o homem, ele tinha uma barba espessa, os cabelos grandes e olhos de alguém ruim.
Tive essa impressão por experiência, que você só obtém estando dentro desse mundo, e armei todos os meus muros ao redor de mim; eu estava em alerta. Vasculhei o ambiente com os olhos em questão de segundos, vi onde cada segurança estava, Vincenzo servia três meninas do outro lado do balcão, completamente alheio a mim, claro, elas estavam descaradamente dando em cima dele.
— Me acompanhe em uma bebida, gostaria de conversar com você. — Ele sentou no banco ao meu lado e eu fechei os olhos, raciocinando tudo que eu poderia fazer.
— Não estou a fim de conversar, tenho muito trabalho pela frente, se me der licença. — Levantei do banco pegando meu drink e assim que virei senti meu pulso ser agarrado com força. — Me solte imediatamente!
— Se não o que, senhorita Perroni? — Ele me desafiou, apertando ainda mais meu pulso.
Meu coração acelerou, como diabos ele conhecia meu verdadeiro sobrenome?
Senti o pânico me tomar e tentei puxar meu braço mais uma vez, sem sucesso fiz uma manobra arriscada, já que o cara era duas vezes o meu tamanho, porém eficaz. Passei o braço por cima da minha cabeça, girei meu corpo e coloquei seu braço atrás de suas costas, empurrando sua cabeça contra o balcão, foi tudo muito rápido e eu olhava irritada pela minha taça quebrada no chão.
— Você fez eu desperdiçar meu drink.
— É mesmo uma Perroni.
— Não sei do que está falando — dois seguranças já vinham em nossa direção —, meu nome é Alonso, dona da Fascino e o nome disso é defesa pessoal. — Meus seguranças o pegaram e o levaram.
Eu olhava paralisada para o espelho que tinha atrás das garrafas do bar, apavorada, olhando para mim mesma. A adrenalina tinha me abandonado, me restando apenas o pavor de ter que me esconder em casa e andar armada até os dentes como .
Como ele sabia meu nome?
Era perigoso demais alguém saber a minha verdadeira identidade. Sempre fomos cuidadosos, todos os seguranças são soldados, meus funcionários são de confiança, todos eles.
— ?! — Senti uma mão em meu ombro e olhei para o lado, vendo Vincenzo. Não consegui responder, ele apenas me segurou e me guiou para cima. — Você está bem? — perguntou assim que me colocou sentada no sofá do meu escritório.
— Estou.
— Quer que eu pegue gelo? — Fiquei olhando para ele meio desnorteada e vi seus olhos descerem, então encarei meu pulso, que nem percebi estar massageando. Apenas assenti e o vi deixar o escritório.
— Você está bem?! — Não passou muito tempo e Giovanna entrou feito um furacão, sentou ao meu lado e acariciou meus ombros, balancei a cabeça em positivo e logo vi Pelegrini voltar com gelo enrolado em um pano.
— Obrigada, Vince — foi tudo que disse antes de pegar e colocar em meu braço.
— Vai, Pelegrini, o bar tá cheio! — A loira praticamente enxotou o coitado, que saiu, mas não antes de estirar o dedo do meio para ela. Às vezes parecia que ainda estávamos no ensino médio. — O que aconteceu?
— Um homem, Giovanna… — Tinha conseguido finalmente recobrar todos os meus neurônios. — Ele sabia meu nome…
— Várias pessoas sabem seu nome, , você é a dona da porra toda aqui. — Ela deu de ombros.
— Não, você não entendeu. — Gi arregalou os olhos.
— Você tem que avisar o .
— Pra quê? — Franzi o cenho.
— Se você corre perigo, ele precisa saber…
— Não ouse. — Interrompi ela e levantei jogando o gelo na mesa de centro. — O que acontece dentro da minha boate é responsabilidade minha. — Contornei minha mesa e abri minha gaveta. — Eu sei me defender — peguei minha arma, que ganhei de presente do meu pai assim que finalizei as aulas de tiro, e conferi o pente, colocando-o de volta na minha semiautomática —, fui treinada para isso.
Coloquei a arma na minha cintura, presa ao meu jeans e avisei à minha amiga que desceria até a sala de segurança. Pedi para os meus homens olharem as câmeras, assim que identificaram o suspeito, falei para avisar a todos os seguranças que ele estava proibido de entrar na Fascino. Pedi para que congelassem a melhor imagem do rosto dele e enviassem para Giulia, ela saberia achar quem era esse cara. Agradeci aos seguranças, voltei até meu escritório, peguei minha bolsa e me direcionei à saída. Assim que apareci perto do bar, Vincenzo se aproximou.
— Está mesmo bem?
— Sim, Vince, não se preocupe. — Curvei os lábios. — Eu vou pra casa, preciso resolver algumas coisas.
— Se cuida. Tem algum segurança para te acompanhar?
— Sempre tem, Vince. — Pisquei o olho direito para ele, que entendeu o recado.
Meu verdadeiro sobrenome não podia ter vazado por alguém do bar, todos eram ligados à máfia e confiava neles. Era fácil confiar em pessoas que você conhece por toda a vida, que te ajudaram tantas outras vezes e que faziam parte da famiglia. Vincenzo, além de ser meu fiel barman, também o conhecia desde a escola. Ele e a Coppola namoraram por alguns meses no ensino médio, mas a loira é livre demais para se prender a alguém. Acabamos virando melhores amigos, posso dizer assim… tudo bem, amigos com benefícios. Nos conhecíamos há muito tempo, era fácil satisfazer o carnal com alguém próximo e que é confiável.
Entrei no carro e respirei fundo, tirei a arma e coloquei no banco do passageiro, olhei pelo retrovisor vendo Ettore e Austin, que já estavam no outro carro, apenas esperando eu sair para fazerem minha escolta até em casa. Sorri tranquila, por mais que a cena daquele homem ter surgido do nada falando meu verdadeiro nome ainda estivesse me incomodando.
Cheguei em casa e vi de costas, servindo alguma bebida, apostava ser whisky. Acabei fazendo um martini para mim e roubando seu cigarro. Estava cansada, depois que a adrenalina baixou do meu corpo, ele parecia pesar uma tonelada. Tudo que eu queria era relaxar, mas parecia que meu meio-irmão idiota não tinha entendido isso, no entanto, compreendia que ele ficou preocupado por eu estar machucada.
podia ser insuportável, mas ele se preocupava com a gente, comigo e com suas irmãs. Acabei estourando quando ele falou de uma forma como se eu fosse sua subordinada e eu não queria precisar dele para nada.
Minha boate, meus problemas, minha responsabilidade.
Não sou nenhuma garota indefesa esperando seu príncipe encantado, não preciso disso. Além de já ter perdido meu lugar na máfia, ele queria ditar o que fazer no único lugar em que eu me sentia verdadeiramente feliz e completa? Eu estou cansada dessa pose de sottocapo, tem que entender que estou na mesma posição que ele: filha do Capo da porra da Vincere; eu era a prossima antes dele chegar.
[...]
— Eu acho que a Giovanna tem razão, você já deveria ter contado para o dias atrás.
— Não fode, Luna. — Coloquei mais um pedaço da torta de limão na boca. — Vim aqui justamente porque você me escuta e costuma ser sensata. A boate é minha, acha errado eu querer resolver sozinha?
— Não, não acho, mas essa guerra de vocês dois já deveria ter acabado há anos. — A morena cruzou os braços e revirou os olhos. — Dois adultos se comportando como crianças. Se não fosse essa implicância infantil de vocês, você teria dito.
— Eu quero que ele saiba que eu sou tão competente quanto ele, não preciso de ajuda ou de proteção. — Bufei e torci os lábios, era nítido o controle que ele queria ter e eu odiava esse comportamento de macho alfa dele.
— é responsável pela segurança da famiglia, !
— Eu sei disso, mas fomos treinadas pra que, Luna?! Pra na primeira merda chamar um dos homens? — Revirei os olhos. — Esse assunto está resolvido. Preciso ir, sorella.
— Se cuida, hein, ?! — Levantei dando um beijo no topo da cabeça da caçula, peguei minha bolsa e fui em direção à porta.
— Eu sempre me cuido, Luna. Ciao.
Às vezes eu buscava Luna para conversar já que ela parecia ser a mais sensata de nós, ela me ouvia com o objetivo de me entender e não só para responder. Era sempre bom conversar com ela, mas desde que voltou parecia haver um complô para fazer com que nos déssemos bem. Acelerei o carro com o intuito de chegar mais rápido até a minha boate e poder ocupar minha mente. Assim que cruzei a entrada sentei na banqueta do balcão, vi Pelegrini organizando as bebidas para a abertura e sorri.
— Ei, bonitão — ele virou para mim e deu aquele sorriso de canto sedutor dele —, me serve um martini.
— Agora, patroa. — Ele bateu continência.
— Está tudo sob controle? — perguntei assim que ele colocou a taça em minha frente, em cima do balcão.
— Giovanna estava gritando com alguém na cozinha uns 15 minutos atrás. — Ele riu e eu acompanhei.
— Aquela loira é maluca… — Dei um gole em meu drink.
— Já sabemos disso faz tempo… — Ele veio dar um beijo em minha bochecha e eu virei, selando nossos lábios, fazendo com que Vincenzo se surpreendesse. — Achei que não queria…
— Não tem ninguém aqui, Vince.
— A Giovanna pode aparecer ou… alguém. — Ele limpou a garganta coçando a nuca.
— Tá com vergonha de mim, Pelegrini? — Vi o desespero em sua expressão e comecei a rir. — Ei, a Giovanna sabe. E eu só não quero fazer isso aqui em público porque me preocupo com você. — Saboreei a bebida novamente. — Se alguém descobre, pode te usar como moeda de troca, Vince. Ainda mais depois do que aconteceu…
— Lo so, cuore. — Ele piscou para mim. — Não se preocupe com isso. — Ele se debruçou sobre o balcão e colocou os lábios no meu ouvido. — Mais tarde eu vou lá em cima e te fodo como merece.
— Safadeza já a essa hora? — Ouvi a voz de Giovanna e Vince pigarreou voltando aos seus afazeres. — A cozinha está um caos, Santiago precisa colocar ordem nos assistentes dele e ele não me escuta.
— Giovanna, tempestade em copo d'água, é isso que você faz. — Sorri para ela e finalizei minha bebida. — Mais tarde me leva outro, Vince… — Sorri e pisquei o olho direito para ele, que apenas fez uma continência.
Eu e Giovanna subimos para o meu escritório e repassei com ela tudo que precisávamos para a semana. Já fazia alguns dias que aquele homem tinha aparecido na boate, e depois a Giu o identificou como dono de um bar, então concluímos que tinha sido apenas algum lunático que acreditava que qualquer dono de empreendimento grande fizesse parte da máfia. Ele não precisava saber que isso era parcialmente verdade, afinal, a Vincere está no comando da Espanha há algum tempo.
Quando desliguei o telefone com um dos fornecedores, me veio à memória de quando ainda estávamos expurgando os Delantera da Espanha, fui eu que dei a ordem para os meus homens executarem os Espanhóis que ainda restavam no sul do país. Seria ele um sobrevivente? Franzi o cenho pensando na possibilidade, mas logo neguei com a cabeça, não poderia ser.
Os Delantera foram praticamente dizimados por nós depois que mataram meu tio e o pai de Pelegrini, talvez tenha sobrado meia dúzia, porém, o que fariam com tão pouco? Respirei fundo me jogando na cadeira, estava sendo paranoica. Meu pai tinha sido claro o suficiente com o chefe deles, que foi o único inimigo que teve contato com Otelo e sobreviveu para contar a história.
Olhei a data no meu computador, estávamos em uma quinta-feira, era um dia que já começava a ser movimentado, porém, não tanto quanto o fim de semana, estava até pensando em ir para casa descansar, ter uma noite de spa me parecia uma boa ideia, fazia tempo que não tirava um tempinho para cuidar de mim. Escutei batidas na porta e apenas falei para entrar, abri os olhos e virei, vendo Vincenzo com um martini na bandeja; sorri.
— Você parece estar dentro da minha mente. — Ele fechou a porta e deixou a taça em cima da mesa. — Estava mesmo precisando relaxar…
— Tenho uma ideia melhor para isso. — Sua expressão se tornou a de um perfeito devasso. Ele voltou três passos, sem tirar os olhos de mim, e trancou a porta. Voltou calmamente, largou a bandeja, apoiou as mãos nos braços da cadeira e a girou para si, ajoelhando-se em seguida. — Se me permitir…
Acenei em positivo e seus dedos passaram a acariciar o meu joelho, subiram devagar pelas minhas coxas... seus dedos eram ásperos, de homem. Era gostoso o toque dele na minha pele, os arrepios eram involuntários, assim como meus olhos se fechando e minha língua inquieta dentro da boca. Umedeci os lábios e suas mãos tatuadas se voltaram para o meu quadril, encontrando as laterais da minha calcinha; belo dia para ter vindo de vestido. Levantei o quadril para ajudá-lo a tirar a peça, seus dedos seguiram pela parte interna das minhas coxas até alcançar meus grandes lábios.
— Vince… — falei em um ofego, abrindo ainda mais as pernas em reflexo aos seus toques.
— Shi… relaxa. — Ele lambeu do meu joelho até a minha virilha. Céus, aquela língua fazia maravilhas. Seus polegares abriram a minha boceta e vi seus olhos brilharem ao vê-la. — Tão molhada… — Gemi com o contato do seu músculo quente no meu clitóris, com a pressão certeira para me fazer delirar em segundos, agarrei seus cabelos e rebolei em seu rosto, aproveitando cada sensação.
Joguei a cabeça para trás aproveitando os arrepios que subiam pelo meu corpo, meu baixo ventre incendiava e quando dois dedos me invadiram, puxei ainda mais os fios castanhos.
— Vince! — gemi em um grito, e sua língua me lambia com a habilidade de anos de conhecimento. — Eu vou gozar… eu vou… — Mordi o lábio inferior sufocando o grito do orgasmo que me possuiu e me fez esmaecer na cadeira. Estava ofegante de olhos fechados e ao abri-los, vi a expressão de satisfação de Pelegrini. — Você sempre me surpreende.
— Estou sempre às ordens, senhorita Alonso. — Ele virou, pegando a bandeja.
— Ei, onde pensa que vai?
— Preciso voltar para o bar…
— Não antes de me foder como eu mereço. — Sorri safada e fui correspondida da mesma forma.
Vincenzo jogou a bandeja no chão e me puxou da cadeira pela nuca, reivindicou meus lábios com autoridade, assim como apertava minha cintura contra seu corpo. Nossas línguas se enrolavam, ele sugou meu lábio inferior e o mordeu. Agarrou meus cabelos e me colocou debruçada na mesa com violência, vi ele abrir a calça e pegar o preservativo na minha gaveta, onde ele já sabia que ficava. Ele apertou minha bunda e se enterrou na minha boceta sem aviso prévio, eu ansiava por isso, um sexo gostoso e bruto para tirar toda a tensão.
Agarrei na mesa e gemi sem qualquer controle, a cada investida eu sentia meu corpo mais leve, mais quente e mais perto de sucumbir ao prazer extremo novamente.
— Mais forte, Vince…
Sua pélvis batia contra a minha bunda com força, sua mão subiu até minha cintura e a apertou, definitivamente ficaria a marca. Vincenzo se retirou de dentro de mim e me virou para si, colocando-me sentada na beirada da mesa e voltou a meter com veemência, pegou em meu pescoço e enfiou a língua dentro da minha boca, prendi as coxas em sua cintura e aproveitei o calor que subia das minhas pernas, descia do meu busto e se encontrava no meu baixo ventre.
— Você ainda me mata, … — Pelegrini soprou contra os nossos lábios e eu sorri, jogando a cabeça para trás, dando a ele mais espaço para me enforcar, do jeitinho que eu gostava e ele bem que sabia. — Tão safada… — Senti sua mão massageando meu seio e gemi arrastado, sentindo aquela pressão em minha garganta, eu iria gozar de novo. — Goza no meu pau, bem gostoso, vai… — Ele deu um tapa na minha cara e eu gemi apertando os olhos, minha boceta chegou a piscar com tamanho tesão que estava sentindo. — Você adora isso, não é? — Deu outro tapa e eu me desfiz em fluído e logo o rosnado que Pelegrini soltou deixou claro que ele também tinha atingido o clímax.
Encostei a testa em seu ombro e respirei pesado, tentando recuperar minha respiração normal e falei: — Sempre um prazer ser fodida por você.
— Sabe que é só chamar… — Ele se retirou de dentro de mim e caminhou até o banheiro que eu tinha ali no escritório, jogou o preservativo cheio no lixo, fechou sua calça no caminho. Assim que chegou em minha frente novamente, levantou minha cabeça pelo maxilar e depositou um beijo em minha boca. Pegou a bandeja do chão e saiu, deixando-me completamente relaxada.
Acho que era disso que eu precisava, ri sozinha enquanto descia da mesa, baixei o vestido, fui até o banheiro e ajeitei meu cabelo. Retoquei meu batom e respirei fundo, feliz da vida que tinha tido dois ótimos orgasmos, melhorando minha noite em 200%.
Quem disse que eu precisava de uma noite de spa?
Só precisava ser bem comida, coisa que Pelegrini fazia muito bem, era bom não ter que sair para caçar um homem. Não tinha a mínima paciência, não queria lidar com desconhecidos; era bom assim, amizade com benefícios. Saí do banheiro e fui surpreendida por plantado no meio do meu escritório.
— O que diabos está fazendo aqui? — Franzi o cenho olhando para ele.
— Vim fazer a sua segurança já que você não aceitou colocar mais soldados na boate, mas vejo que já estava sendo bem cuidada. — Seus olhos estavam focados diretamente na porra da minha calcinha em cima da mesa.
Capítulo 4
Perroni
O desgraçado era forte e não abria o bico, já fazia dias que tentava arrancar alguma informação dele e nada. Eu já estava prestes a desistir quando finalmente, em seu último suspiro, ele disse uma coisa que pareceu ter feito meu sangue inteiro congelar em minhas veias. Agradeci por estar sozinho, só eu tinha aquela informação e ninguém teria acesso a ela até que eu achasse necessário falar, pois no momento, eu sabia que eu poderia resolver isso sozinho.
Dei um tiro bem no meio de sua testa – sabe como é, sempre confirme que o inimigo está realmente morto –, chamei Gian e pedi para ele se livrar do corpo. Subi a escada e fui rapidamente ao meu quarto tomar um banho, era quinta-feira, não era o melhor dia da Fascino, porém ela precisava de segurança redobrada agora que eu sabia quem era o próximo alvo dos Delanteras. Como eu sabia que era cabeça dura e orgulhosa demais para aceitar o que aconselhei, eu mesmo iria até lá todos os dias até que a proteção extra fosse aceita.
Coloquei uma calça preta social, meu sapato, camisa cinza chumbo e meu colete. Coloquei meu relógio, pulseira e anéis dourados, entre eles o anel com o brasão da Vincere. Peguei meu carro e meus seguranças me seguiram em outro, qualquer um da família estava sempre muito bem protegido; não era uma escolha, era necessidade.
Estacionei na boate e desci, passei pela recepção com todos os meus seguranças e o grandão da portaria me cumprimentou com um meneio de cabeça, abrindo espaço para eu passar. Entramos, olhei para os lados e não vi e nem os dois amiguinhos dela, escolhi uma mesa e sentei. Um barman me viu e veio rapidamente nos servir, dei um gole em meu whisky e apreciei a vista.
Várias mulheres dançavam na pista ao som de algum DJ que tocava, não fui atrás de saber qual era, mas sabia escolher; ele era bom. Só tinha apresentação de pole dance no fim de semana ou em algum dia específico previamente marcado, no restante era algum DJ da moda.
Corri os olhos e vi Coppola no balcão, estava atendendo algumas pessoas. Levantei e ajeitei meu colete, disse para meus soldados que podiam ficar relaxando, dentro da Fascino eu estava seguro. Fui até o bar e vi a loira abrir o maior sorriso ao me ver, eu sabia que ela tinha uma quedinha por mim desde a adolescência, sempre tomei cuidado para não dar esperanças a ela.
— Ei, loirinha, cadê a ?
— Deve estar trancada no escritório, ela não sai de lá, muito raro ela descer…
— Por isso ela transformou esse lugar no que é. — Sorri orgulhoso. — Me vê mais uma dose de whisky.
— Claro, … — Ela levou a mecha do cabelo loiro para trás da orelha e sorriu de forma sedutora.
Giovanna era muito bonita e gostosa também, principalmente com a saia preta que deixava seu quadril farto em evidência, a blusa vermelha com um decote em v, e deixando metade da sua barriga de fora. Ela usava uma bota de salto grosso e o cabelo cortado retinho, um pouco acima do seu ombro, ficava sexy para caralho. Se ela não tivesse sentimentos por mim, a gente iria se divertir.
— Obrigado, Giovanna. — Pisquei para ela e voltei até a minha mesa.
Mexi em meu celular respondendo algumas mensagens e dando algumas ordens aos soldados que estavam vigiando a movimentação dos Delantera no país. Avisei meu pai que o traste do nosso porão já tinha sido liberado, e liberado era um termo que usávamos em mensagens para resumir: embalado para o enterro. Estava prestes a pedir outra dose de whisky quando olhei para trás e vi Vincenzo descendo do escritório com um sorrisinho nos lábios. Aquilo me deixou possesso, se fosse o que eu estava pensando, não tinha o mínimo de cautela por sua segurança.
Levantei, olhei meus seguranças e disse:
— Fiquem aqui, eu já volto.
— Sim, senhor Perroni — responderam em uníssono.
Passos lentos me levaram até a escada, cumprimentei os seguranças que ficavam ali e subi, percorri o corredor mal iluminado e abri a porta do escritório de devagar. Tudo estava silencioso e não havia nem sinal dela, dei alguns passos para dentro do cômodo e então vi sua calcinha em cima da mesa. Essa filha da puta tava dando pro idiota do Pelegrini, caralho.
— O que diabos você está fazendo aqui? — Ouvi ela perguntar e virei a cabeça olhando para ela que saía do banheiro com o colo vermelho, assim como seu pescoço e rosto.
Respirei fundo tentando manter a calma.
— Vim fazer a sua segurança já que você não aceitou colocar mais soldados na boate, mas vejo que já estava sendo bem cuidada. — Olhei novamente para a calcinha, para que ela entendesse que eu sabia. Ela demorou para responder, mas então caminhou até a mesa, sentando nela, cruzando as pernas e acendendo um cigarro.
— Estava fodendo, . — Ela tragou o cilindro preto e soltou a fumaça. — O que você tem a ver?
— Qualquer um pode ser uma ameaça para você, sabe disso, não é? — Dei alguns passos em direção a ela.
— Não é qualquer um, não se preocupe. — revirou os olhos.
— Claro, o imbecil do Pelegrini que perdeu o pai por culpa do nosso tio, ele deve ser uma ótima companhia. — Revirei os olhos.
Ela levantou as pálpebras lentamente, vi os cílios longos levantarem e os olhos verdes me encararam de baixo, ela levantou da mesa e mirou a janela que dava vista para toda a boate, deu alguns passos em minha direção e curvou os lábios.
— Ele é uma ótima companhia, me come bem para caralho se quer saber. — Ela passou por mim, mas me virei e a peguei pelo maxilar, deixando seu rosto bem próximo do meu, seus olhos arregalados evidenciavam a surpresa dela com meu rompante.
— Você tá brincando comigo, ? — Nossos olhos estavam conectados e nenhum de nós iria ceder, tratando-se de nós dois era sempre assim, um cabo de guerra sem fim.
— Me solta, agora — disse calma, olhando fundo em meus olhos.
— Pare de se comportar como uma garotinha mimada senão… — Engoli o resto das palavras e soltei o ar pelo nariz.
— Senão o que, ?! — ela desafiou. — Diz!
— Vai precisar de uma lição! — Soltei-a de forma brusca, fazendo-a dar dois passos para trás para se equilibrar e caminhei em direção à porta. — Ficarei vindo todos os dias até aceitar colocar a segurança extra. Fique ciente. — Bati a porta atrás de mim e respirei fundo antes de começar a caminhar para o andar de baixo.
estava me tirando do sério.
[...]
— Bom dia. — A voz grossa soou e eu, e minhas irmãs respondemos. Meu pai sentou à cabeceira da mesa e curvou os lábios levemente. — Que bom ter meus filhos juntos no café da manhã pelo menos 1 vez na semana.
— Papai, isso é mais culpa sua do que nossa… — Giulia resmungou.
— Giu tem razão, você está sempre trabalhando ou viajando. — Luna forçou um bico, chateada.
— Estão com saudade do seu velho pai? — Otelo se servia enquanto nós já estávamos comendo.
não tinha nem olhado para mim, não sabia se eu tinha pegado muito pesado com ela no dia anterior ou se era só o jeito normal com que nos tratamos. Passei tempo demais longe de casa, resolver os problemas na Itália quando meu pai estava sem saco para tal era recorrente, porém passar quatro meses lá estava bem fora do normal. Então talvez eu tenha esquecido o quanto a nossa relação era extremamente conturbada.
Talvez minhas irmãs tivessem razão e a gente precisava aprender a conviver de uma maneira mais civilizada, toda essa guerra entre nós estava não só afetando a ambos, mas as garotas também. Meu pai já tinha desistido completamente da gente se dar bem um dia e eu entendia, se eu fosse ele também teria jogado a toalha.
— Claro, pai, sempre sentimos a sua falta — falou pela primeira vez naquela manhã.
— Papai, você lembra que faltam menos de 2 meses para o seu aniversário, não é? — Beatrice comentou.
— Nossa, filha, pior que estou tão atolado no trabalho… — Ele pareceu ponderar algo e eu já sentia que ia sobrar para mim. — … — Soltei o ar, cansado — e , organizem a festa desse ano.
— O quê?! — eu e a Alonso dissemos juntos.
— Eu posso organizar sozinha, pai, só vai me atrasar. — Ela fechou os olhos e balançou a mão em arrogância.
— , é seu irmão.
— Meio-irmão, papai, é sempre bom lembrar. — Revirei os olhos.
— Está decidido. Aprendam a trabalhar juntos, quando assumir tudo você precisará ajudar a continuar meu legado, filha. — Meu pai colocou a mão no ombro de , que sentava ao seu lado esquerdo. — É a mais velha das garotas… Além de ser a mais responsável das suas irmãs.
— Ei! — Beatrice reclamou enquanto ainda mastigava um pedaço de bolo.
— Me senti ofendida, papai. — Luna cruzou os braços.
— Nem vou comentar esse desaforo. — Giulia seguiu impassível comendo e eu só consegui rir.
— Não sejam assim, cada uma tem suas qualidades. — Balançou a mão no ar e voltou a olhar para . — Então, posso contar com você para isso?
Ela bufou e revirou os olhos antes de dizer:
— Sim, papai. — Seus olhos cruzaram com os meus e ela torceu os lábios, pedindo licença da mesa.
— Não sei o que faço com vocês, estão piores do que na adolescência…
— Não se preocupe, pai. Tudo vai ser organizado para o seu aniversário. — Sorri sincero e vi ao longe cruzar o hall de entrada e ir porta afora, olhei para um dos capitães de minha confiança que estava perto da escada e, apenas com os olhos, dei minha ordem para segui-la.
Talvez ela ficasse irritada caso descobrisse, mas Nero era um ótimo capitão, não deixaria que ela percebesse sua movimentação. Assim eu esperava. Em relação ao aniversário do meu pai, também discordava da ideia de ter que trabalhar com , a gente não conseguia passar nem duas horas no mesmo cômodo sem brigar como gato e rato.
A festa de aniversário do meu pai era algo extremamente importante para ele, todos os anos a famiglia inteira e seus associados se reuniam na mansão para um baile de gala, sempre era um de nós que organizava, porém, esse ano ele decidiu colocar dois de nós responsáveis por isso. Confesso que estava tentando entender quais eram os planos do meu pai, talvez ele ainda não tivesse largado a toalha em relação a nós dois.
Após o café da manhã, fui com Giulia até o escritório onde ela trabalhava, diversos monitores na parede e em cima da mesa dela, bem no centro da sala, ela passava a maior parte do tempo ali dentro. Não entendia como conseguia ficar no escuro com toda aquela luminosidade azul banhando todo o ambiente, aquilo era angustiante para mim. Esperei que ela se sentasse na cadeira confortável e mexesse em algumas teclas, até ela pedir para eu olhar algumas imagens específicas.
— O que eu estou olhando exatamente?
— Ali, aquele homem de boné está vendendo drogas nas nossas boates… — Giulia apontou para o homem no canto da tela e eu me aproximei espremendo os olhos para conseguir enxergar.
— Ele é uma ameaça?
— Ainda não sei, mas não consegui achar o rosto dele nos bancos de dados da polícia. — Pressionei a ponte do nariz respirando fundo.
— Ele parece ser estudante, talvez seja só um moleque tentando fazer uma grana extra…
— Existe essa possibilidade — Giu concordou, enquanto mexia em mais alguns códigos que eu não entendia o que era.
— Ele foi até a Fascino?
— Não, apenas… — ela parou o que dizia, pois pareceu pensar em algo. — Tem razão, ele pode ser um estudante. Ele só foi nas boates nos arredores da universidade.
— Vou mandar um dos nossos investigar esse cara. — Dei um beijo no topo da cabeça de Giu e me virei para sair.
— … — Escutei ela murmurar, fazendo com que eu freasse meus pés e me virasse novamente.
— Tenta ser legal com a …
— Eu não fiz nada, Giu. — Cruzei os braços e soltei o ar sabendo que vinha um sermão pela frente.
Ela apenas me encarou torcendo os lábios e disse:
— Assim como não fazia nada quando éramos adolescentes.
— Giu, eu não…
— Não faça isso, , eu via — ela me cortou e levantou da cadeira se aproximando de mim.
— Sempre foi a mais observadora de nós… — Sorri de canto.
— Por isso trabalho aqui…
— Mas tem algo que não sabe. — Virei as costas e fui em direção à saída.
— E o que seria isso? — perguntou incisiva.
Virei uma última vez com a porta já aberta e olhei para ela ao dizer:
— O motivo pelo qual sempre a mantenho longe de mim não é superficial.
Deixei o escritório e fechei a porta atrás de mim respirando fundo. Eu sabia o quanto poderia me detestar por ser um babaca, sempre soube, mas era isso ou ela sentir medo de mim por eu ser um maldito assassino.
Capítulo 5
Alonso Perroni
— Você tá parecendo pronta pra matar alguém… — Giovanna comentou ao me ver cruzar a porta de entrada da boate.
— Se ficar de gracinha pode ser que seja você. — Sorri sem humor e ela fez uma careta.
— Um martini pra dona Alonso, Vince — ela disse assim que o moreno entrou atrás do balcão segurando uma caixa cheia de bebidas.
Ele largou a caixa e olhou para nós franzindo o cenho antes de falar:
— São nem 10 da manhã…
— Ah, Vincenzo, desde quando tem hora para beber?! — disse, irritada. — Já passou do meio dia em algum lugar…
— O que houve? — Coppola debruçou-se no balcão me olhando curiosa.
— Você sabe que todo ano meu pai faz a festa de gala no aniversário dele… — Ela balançou a cabeça em positivo e Vincenzo me entregou a taça na qual dei um gole. — Obrigada, Vince. — Voltei a encarar a loira e continuei: — Você sabe também que um de nós fica responsável em organizar tudo.
— Sim, ano passado foi a Luna, lembro da quantidade de doces deliciosos que ela fez. — Coppola bateu palminhas e sorriu, animada.
— Meu pai pediu para eu e organizarmos a desse ano.
— Quê?! — Não só ela, mas Vincenzo também perguntou ao mesmo tempo.
— O karma deve estar querendo me foder. — Dei mais um gole na minha bebida e levei os olhos até Pelegrini, que mantinha um sorrisinho nos lábios.
— Prazer, Karma. — Não me contive e gargalhei, que amigo atrevido que eu fui arrumar.
— Cala a boca, idiota! — Giovanna jogou um pano de prato nele. — Vá buscar o resto das bebidas. — O moreno sumiu das vistas indo para a parte do estoque e a loira se voltou a mim. — O que vai fazer agora?
— Tentar dividir as tarefas. Vim pensando nisso o caminho inteiro… Se dividirmos, cada um vai fazer algo bem longe um do outro.
— Esperta! — Ela piscou para mim e deu um tapinha no meu ombro.
Virei o restante da bebida e avisei:
— Vou subir para fazer a contabilidade, só me chame se a boate estiver pegando fogo.
— Pode deixar!
— E peça o meu preferido a Santiago para o meu almoço — Vincenzo voltava com outra caixa em mãos, então apontei para ele —, e deixa que o barman atrevido leva para mim. — Peguei minha bolsa e me virei em direção à escada.
— Vocês dois não prestam… — Ouvi a loira dizer e sorri.
Esperto mesmo era Vincenzo: fodia comigo ou com Giovanna entre servir uma bebida e outra.
Larguei minha bolsa e sentei em frente ao computador. Fazer a contabilidade do mês era difícil, eu tinha que contabilizar as drogas, porém, não era como se fosse um negócio legal. A boate dava muito dinheiro, era verdade, mas não tanto quanto os sintéticos que vendíamos. Um estoque cheio de bebidas me ajudava a manter as aparências, porém, fazer duas contabilidades contando com o dinheiro que foi mandado para o restaurante era estressante.
Eu estava na metade da segunda planilha quando comecei a pensar no quanto seria problemático organizar a festa do papai com . Então decidi resolver esse problema de uma vez, abri uma nova planilha e comecei a colocar as tarefas e os nossos nomes ao lado, como disse Júlio César: dividir para conquistar. Assim que terminei me joguei na cadeira suspirando e então ouvi batidas na porta. Vincenzo entrou com o meu almoço na bandeja, ele colocou na mesa e eu agradeci.
— Precisa relaxar?
— Não, tudo bem, Vince… Eu só preciso, sei lá, fazer uma terapia? — Revirei os olhos e ele riu.
— E não precisamos todos? — Ele deu de ombros e eu peguei os talheres para começar a comer, não tinha percebido o quanto estava com fome até sentir o cheiro da comida maravilhosa que Santiago fazia. — Ei… — Olhei para ele que parecia receoso com o que iria dizer. — Desculpa por ter falado aquilo na frente da Giovanna.
— Vincenzo, já falei que tá tudo bem… A gente sabe que você come nós duas, estamos bem com isso.
— Às vezes eu esqueço o quanto pode ser despudorada, Alonso… — Ele riu e foi andando até a porta.
— Problema seu, me conhece desde a adolescência, não aprendeu?
— Você piorou com o tempo…
— Vai se foder, Pelegrini. — Nós dois gargalhamos e ele saiu do escritório. — Atrevido demais…
Antes de começar a comer, fechei a planilha e enviei para , se ele quisesse trabalhar comigo seria do meu jeito.
[...]
Saí da boate mais cedo, vi que estava sentado em uma das mesas da área vip e apenas ignorei, se ele quisesse continuar indo, o problema era dele. Pedi para Giovanna e Vincenzo fecharem a Fascino, eu estava exausta e com dor nas costas de passar o dia no computador. Resolvi que no sábado eu iria para a boate só à noite, deixei avisado à minha melhor amiga e parti para casa para um belo banho de banheira.
Cheguei em casa, peguei um champanhe, alguns aperitivos e subi para o meu quarto, arrumei tudo no meu banheiro, peguei meu livro e entrei na banheira cheia de bolhas, suspirei, aproveitando o meu momento, fazia tempo que não fazia algo para relaxar, eu e eu. Dei um gole em minha taça sentindo as bolhas na minha língua e logo em seguida descer refrescante pela minha garganta, eu adorava martini, era um dos meus drinks favoritos, mas champanhe era especial.
— Eu sei o que está fazendo…
Me engasguei com o segundo gole que eu dava quando vi parado no batente das portas duplas do meu banheiro, olhei para ele com os olhos arregalados.
— E eu gostaria de saber o que está fazendo no meu banheiro?! — falei alto, irritada.
Larguei meu livro na mesinha lateral, assim como a taça que estava na minha outra mão, apesar de ela poder ser útil em caso de querer ou precisar jogar algo naquele idiota.
— Não vamos fazer as tarefas separadas, se Otelo colocou a gente para trabalhar juntos é o que vamos fazer, cariño. — Senti meu sangue fervendo de ódio, tinha passado dos limites.
— Vai se foder, , saia do meu banheiro… Agora! — Alterei meu tom de voz mais uma vez, só ele conseguia fazer com que eu me exaltasse, era impressionante o quanto ele me tirava a sanidade.
— Outra coisa importante… — Ele deu alguns passos em minha direção e eu, por reflexo, me encolhi na banheira, eu estava pelada, caralho. — Vai aceitar os soldados extras que propus na Fascino?
— Por mim você pode enfiar seus…
— Tsc… — Ele estalou a língua cortando minha frase, fazendo eu bufar revirando os olhos. — Por que você insiste em complicar a minha vida, carino? — Ele olhou bem nos meus olhos, fazendo eu engolir em seco, então pegou um queijo do prato que estava ao lado da banheira e virou para sair. — Terei que vigiar você de perto?
— Está fazendo isso por que quer, não pedi proteção… — Arqueei uma sobrancelha.
voltou seus olhos negros até mim novamente e disse com propriedade:
— Eu estou a cargo da segurança da famíglia, então cabe a mim achar quando precisa de segurança, mesmo você não pedindo.
— Você é muito cheio de si, sabia? — Ri completamente sem humor.
Ele sorriu de canto e disse:
— Você não viu nada, .
— Saia… Adesso! — Soltei o ar com força pelo nariz e vi ele sair rindo. — Maledetto…
[...]
Eu tinha tudo planejado para o sábado, seria um dia para descansar. No entanto, as minhas irmãs tinham outros planos quando invadiram o meu quarto e me tiraram da cama às 9 horas para ir para a piscina. Eu adorava passar tempo com elas e, realmente, fazia algum tempo que não ficávamos juntas, além do mais, eu estava mesmo precisando pegar um sol, sentir ele esquentando a minha pele era bom.
Confesso que estava gostando da nossa manhã, até o momento em que elas começaram a falar de algo que eu estava evitando pensar.
— E como fará a festa do papai este ano? — Beatrice perguntou.
— Estou curiosa para ver se vocês dois vão conseguir chegar na parte da festa de fato ou o duelo vai acontecer antes. — Giulia comentou dando um gole em seu suco de laranja.
— Sinceramente, vocês três são piores que ele…
— Ponto positivo para ! — Beatrice gargalhou, levando as minhas irmãs a rirem em comemoração também.
— Claro — baixei os óculos de sol até a ponta do nariz e olhei para elas —, precisou só de três seres humanos para se igualar ao quanto ele é insuportável… Belo ponto positivo.
— Você estraga tudo… — Luna fez bico.
Revirei os olhos e encaixei os óculos em seu lugar novamente, recostando na espreguiçadeira onde tomava sol. Senti meu celular vibrar ao meu lado e o peguei, vendo uma mensagem de dizendo que queria conversar comigo sobre a festa no final da tarde, apenas ignorei, queria relaxar naquele dia e ele não se encaixava na definição de tranquilidade. Não demorou para que os empregados servissem o almoço na mesa perto da piscina, fiquei feliz, afinal, sol e piscina me davam uma fome fora do normal. Sentamos todas juntas e entre risadas, conversas e às vezes alguns xingamentos desnecessários, principalmente vindo de Bea, nos deliciamos com um cordeiro com ervas, batatas ao murro e uma salada primavera.
Depois de passarmos tempo demais bebendo alguns drinks depois do almoço, coloquei meu roupão e entrei em casa, fui até a biblioteca e não vi meu pai, queria perguntar algumas coisas para ele. Ele nunca dizia o que queria exatamente em seu aniversário, mas sempre dava algumas dicas nas entrelinhas e eu gostava de prestar atenção nisso pra fazer uma festa que ele gostasse. Essa festa era uma responsabilidade enorme, até entendia meu pai ter pedido para dois de nós fazermos, até porque, ele faria 60 anos, acho que ele queria que fosse especial, então queria caprichar.
Fui até a cozinha e peguei um pacote de batatinha, eu tinha bebido demais e nem tinha percebido, estava até um pouco tonta, mas nada fora do limite, só que beber me dava fome e era muito tarde para um lanche e muito cedo para o jantar, então um salgadinho iria servir. Precisava colocar algo no meu estômago, era imprescindível que estivesse sóbria pra ser eficiente caso quisesse organizar algumas coisas para a festa de gala. Subi a escada devagar e caminhei pelo corredor, assim que cheguei ao meu quarto vi quem eu estava tentando evitar.
— Vai virar recorrente você invadir meu quarto? — Revirei os olhos e larguei o pacote de salgadinho em cima da minha mesa de cabeceira, junto a garrafa de chá, que também tinha trazido comigo.
— Depende, vou precisar caçar você dentro de casa? — levantou da poltrona e veio em direção ao meio do quarto.
— Eu estava na piscina com as minhas irmãs, não se deu ao trabalho de ir até o lado de fora?
— Não imaginei que estaria lá… — O moreno deu de ombros. — Precisamos conversar… Eu já pedi para o Filippo encomendar os convites, contratei a mesma agência de decoração de sempre e… — ele pareceu pensar — queria ver qual tipo de buffet quer servir.
— Você já fez mais do que eu, parabéns. — Sentei em minha cama e me ajeitei entre meus travesseiros. — Papai gosta de carne de cordeiro, sabe disso.
— Nada cru, nada com molho de tomate e muito menos com azeitonas. — disse em tom de obviedade. — Sei de tudo isso.
— A empresa que cuidava da entrega de bebidas vacilou ano passado, vamos ter que escolher outra.
— Disso você entende… — Ele se apoiou na ponta do colchão para me olhar atentamente e me mantive impassível.
— O que isso quer dizer? — Arqueei uma sobrancelha.
— Que você é dona de uma boate. É isso que quer dizer.
— Verei o que posso fazer. — Abri meu livro para enfim ficar em paz.
— Até que trabalhamos bem juntos. — Baixei o livro apenas o suficiente para olhar para a cara dele de ironia, então ele se mexeu até a porta e a cruzou, mas não antes de falar: — Bela imagem… — A porta fechou e uni as sobrancelhas sem entender nada, porém não fazia questão de entender, então voltei a minha leitura.
[...]
Assim que cheguei na boate na segunda passada, entrei em contato com o nosso fornecedor de bebidas, falei com ele e encomendei tudo que seria necessário para a festa, mas ele não tinha o whisky preferido do meu pai. Sabia que era difícil encontrar, então teria que ir até uma loja especializada para comprar algumas garrafas. Não muitas, já que meu pai não divide o whisky dele com ninguém, a não ser com seu único filho homem: .
Revirei os olhos só de pensar no idiota.
Estava tudo caminhando bem na última semana, todos os membros da famiglia estariam presentes na festa de gala, como em todos os anos, afinal, era a maior festa que dávamos, era o momento de Otelo brilhar e impor o seu poder e lugar dentro da cosa nostra. Ele adorava o dia do aniversário, era tudo sobre ele e não havia nada melhor para o meu pai do que ser o centro das atenções.
Vincenzo entrou em meu escritório, já que a porta estava aberta e colocou um drink em cima da minha mesa, franzi o cenho, pois não era o meu martini de sempre.
— Acho que vai gostar…
— Se você está dizendo… — Sorri pegando a taça e dei um gole, maldito, ele estava certo, era doce e ao mesmo tempo refrescante. — O que é?
— Cosmopolitan, sei que não gosta muito dos americanos, mas temos que admitir que eles sabem fazer um bom drink.
— Em alguma coisa eles tinham que ser bons. — Dei de ombros empinando o nariz e voltei aos meus papeis.
— Você deveria descer e curtir um pouco…
— Não tenho tempo para isso, Vince, além da boate para administrar, tenho uma festa para organizar.
— Não tinha que organizá-la com seu irmão?
— Sim, mas…
— Ele está lá embaixo curtindo enquanto você trabalha. — Vincenzo me cortou fazendo uma expressão de bom moço enquanto ia em direção à porta de costas.
— Como todos os dias na última semana… — Bufei ao me encostar na cadeira.
— Por que não aceita a proposta dele de uma vez?
— De maneira nenhuma… — disse irritada. — Daqui a pouco ele cansa dessa idiotice.
— Se você quiser se ver livre dele, é só ceder dessa vez… — Torci os lábios ao olhar para Vince, deixando claro que aquilo não iria acontecer. Ele deixou a sala e eu apenas ri da audácia do meu amigo, enquanto pegava meu celular e abria o aplicativo de mensagens.
Você poderia achar outra boate para se divertir.
Idiota da familia: Assim que parar de ser orgulhosa.
Sei cuidar do que é meu, obrigada.
Idiota da família: Tenho minhas dúvidas.
Filho da puta, às vezes a vontade de cometer assassinato era maior do que o medo do meu pai me matar por ter acabado com o prossimo. Ouvi barulho na porta e olhei achando que era o Vincenzo, porém eram dois homens que nunca tinha visto na vida e eu franzi o cenho levantando da cadeira.
— Senhores, aqui é área restrita a funcionários. — Entrei em alerta quando o de cabelos grisalhos trancou a porta, baixei os olhos e vi o que estava de capuz girar facas em suas mãos. — Quem são vocês?
— Senhorita Perroni, viemos em paz… — O ruivo sorriu de forma demoníaca antes de vir para cima de mim.
Chutei a cadeira em direção a ele e dei um salto para trás, olhei ao redor estudando minhas saídas, porém o outro veio com as facas em minha direção, desviei das tentativas de me acertar, apoiei-me na mesa e o chutei. O outro me pegou pelos braços, me deitando na mesa, dei um impulso com as pernas e dei uma cambalhota, acertando no meio do peito do de cabelos vermelhos, que bateu na parede e caiu no chão.
— A garotinha sabe lutar…
— Estou notando… — disse ele, levantando-se.
Olhei para trás e para frente, minha respiração já estava ofegante, fazia meses que não treinava, achava que não precisaria mais estar em forma para um combate corpo a corpo. Maldita ideia de que uma arma faria o trabalho que meu corpo não conseguiria mais… A arma! Peguei a pistola encaixada embaixo da mesa e apontei para o que estava atrás de mim, conseguia ver o outro pelo espelho na parede, engoli em seco, eu estava em desvantagem, cansada e quem eu queria enganar? Nunca consegui atirar em ninguém.
Meu celular vibrou em cima da mesa e assim que olhei de soslaio, o ruivo veio para cima de mim, brigamos pela arma até que apertei o gatilho, mas o disparo acertou apenas o teto. Dei uma cabeçada nele, assim que vi o outro se aproximar com aquelas facas pelo espelho. Saí por baixo dos braços do que tentava me segurar enquanto ainda estava tonto, o outro veio em minha direção, enfiei a arma na minha cintura e lutei pela minha vida, eu não tinha muito o que fazer, sabia que não seria capaz de matar alguém. No entanto, eu poderia acertar outros lugares que não fossem mortais, peguei a arma da minha cintura, mas não consegui atirar a tempo.
— Ah! — gritei ao receber um corte perto da minha costela, a arma voou da minha mão e coloquei a palma no ferimento, senti o sangue escorrer. — Merda… — sussurrei.
— Se prometer ficar quietinha, vai ser rápido, docinho. — O ruivo de cabelos compridos sorriu enquanto caminhava até mim.
— ? — Ouvi batidas na porta e arregalei os olhos agradecendo a seja lá que santo que resolveu me poupar.
— Socorro! — berrei.
Os dois vieram para cima e lutei com o resto de energia que tinha enquanto escutava a porta quase sendo colocada abaixo, não sabia quem tinha falado meu nome, eu estava desnorteada, cansada e o homem de capuz me acertou mais 3 vezes, duas nos braços e uma na coxa quando tentei chutá-lo. Finalmente a porta foi arrombada e consegui ver , ele entrou com a arma em punho, deu dois tiros no ruivo como se não fosse nada, aquilo me fez ficar petrificada. Ele começou a lutar com o encapuzado, porém senti que desmaiaria e acreditava que isso tinha feito perder o foco ao olhar para mim e o outro homem conseguiu fugir.
Meu corpo estava mole e meus olhos queriam fechar, apenas me entreguei à fraqueza, mas não senti o chão e sim o corpo de me amparando. Pisquei devagar, olhei para cima e vi os olhos negros me encarando preocupados, sua mão acariciou minha bochecha e eu o abracei.
— Você está segura agora.
— Obrigada… — sussurrei antes de apagar.
Capítulo 6
Perroni
Não obter resposta de depois de uma provocação era a mesma probabilidade de chover canivete.
Mandei mais uma mensagem dizendo: Não conseguiu cuidar nem do seu hamster aos 12 anos. Segui sem resposta, tinha algo errado. Avisei meus soldados que iria subir para falar com , e que se eu não desse sinal verde em 10 minutos, eles subissem. Quando cheguei no corredor, não vi os seguranças que deveriam estar antes da escada conferindo quem sobe para o escritório. Caminhei a passos mais rápidos do que gostaria, bati na porta e ao ouvir ela gritando socorro um turbilhão de pensamentos atingiu minha mente.
Tentei abrir a porta e ela estava trancada, meu sangue ferveu e comecei a tentar derrubar a porta batendo com o ombro. Sem sucesso, fui para trás e chutei com toda a minha força, assim que a vi abrir, peguei a arma do meu coldre enquanto entrava na sala e nem pensei duas vezes; dei dois tiros no homem que estava do lado esquerdo, que caiu morto, vi se apavorar e só de ver aquele terror no rosto dela me quebrou em pedaços. Tentei estudar minhas alternativas, mas eu não podia atirar no que estava encapuzado, apesar da minha mira ser muito boa, ele estava muito perto de , não arriscaria desse jeito.
Fui para cima dele e lutamos corpo a corpo, mas estava difícil, ele estava com arma branca, eu tentava tirar ele de perto de , porém ele parecia entender o que eu estava tentando fazer e sempre recuava. Em um momento que desviei da faca, vi ela ficar branca, seus lábios estavam perdendo a cor e seu corpo parecia perder o equilíbrio. Vê-la daquele jeito me preocupou e foi com a minha distração que o canalha fugiu. Corri até ela e a peguei antes que fosse de encontro ao chão.
Passei a mão pela sua bochecha, estava gelada, o que me deixou ainda mais preocupado, o que eu não esperava era que ela me abraçasse e agradecesse. Aquilo me deixou sem ação, no entanto, quando ela desmaiou em meus braços a minha vontade assassina voltou, minha raiva subiu em níveis estratosféricos, o que eu queria era achar o figlio di puttana que a machucou. Vi meus homens chegarem correndo e eu continuava de joelhos, com ela desmaiada em meus braços.
— Achamos os seguranças em uma das cabines do banheiro, chefe — um dos meus soldados avisou e eu olhei para ele.
— Achem o desgraçado e tragam para mim… vivo. — Travei os dentes, irritado.
— Sim, senhor Perroni.
— Limpem isso aqui… — Indiquei com o queixo o homem morto, caído a poucos metros.
Voltei a olhar para , o corte próximo às costelas era fundo, ela estava perdendo muito sangue. Peguei ela no colo e a deitei no sofá, tirei minha gravata e pressionei no corte para estancar o sangue. Tirei meu celular do bolso e liguei para o nosso médico de emergência e ele me instruiu a ir rapidamente ao hospital. Peguei uma toalha no banheiro adjacente ao escritório de e pressionei o ferimento, coloquei ela no meu colo e a levei. Saí pela porta secreta que dava na rua lateral da boate com a ajuda dos soldados e partimos para o hospital que ficava sob a nossa jurisdição, digamos assim.
Entrei pela porta mais discreta, que sempre usávamos no hospital, afinal, era um hospital comum, apenas comandamos o local. O Doutor Andrea já nos esperava com a sala pronta e esterilizada.
— Deite-a aqui, senhor Perroni. — O médico apontou a maca, eu coloquei deitada e ele foi logo examinando-a.
— O quão grave é, doutor?
— A hemorragia foi controlada, então acredito que não tenha perfurado nenhum órgão. Vamos fazer alguns exames para averiguar melhor.
Doutor Andrea fez os exames necessários e confirmou que nenhum órgão tinha sido perfurado, apesar da quantidade de sangue, o doutor disse que ela teria desmaiado de exaustão. Ele fez os curativos necessários, inclusive deu pontos no corte da costela, além dos remédios intravenosos, ele também me deu receita para alguns remédios em comprimido para ela tomar em casa. Eu respirava aliviado que não tinha sido algo mais grave, caso contrário, meu pai surtaria.
— Assim que a bolsa de soro terminar ela receberá alta, Senhor Perroni.
— Ótimo, não vejo a hora de sair desse hospital. — Eu estava irritado, não tinha sinal de que meus homens tinham conseguido pegar o cretino e estava apagada na cama de hospital.
— Boa noite e que a senhorita Perroni se recupere bem, pode me ligar caso precise de algo mais.
— Obrigado, Andrea.
— Faço apenas meu trabalho. — Ele acenou em sinal de respeito e saiu do quarto.
Passei a mão pelo meu rosto e cabelo, inquieto, eu queria que ela tivesse me escutado. Nossa relação sempre foi difícil, eu sabia, mais por culpa minha do que dela, mas eu cuidava da segurança da famiglia e qualquer coisa que acontecia, eu me sentia culpado. Era ali, desmaiada e ferida, e eu não fui capaz de protegê-la, mesmo estando dentro da merda da boate. Eu ia encher aquele lugar de segurança, ela querendo ou não, nem que eu tivesse que cuidar dela pessoalmente 24 horas por dia, 7 dias por semana.
Não ia deixar ninguém a machucar novamente.
Cheguei próximo dela passando a mão por seu rosto, tirando alguns fios vermelhos do caminho e beijei sua testa. Eu iria caçar esse filho da puta no inferno e torturá-lo da pior maneira possível, não iria permitir que ninguém machucasse alguém da famiglia e saísse impune.
[...]
— ? — Escutei meu nome ao longe e abri meus olhos devagar, situando-me onde estava. — … — Ouvi de novo e sentei no sofá, massageando meu pescoço. Olhei para o lado e vi deitada em sua cama.
— Você está bem? — Cocei os olhos e bocejei, lembrando que eu tinha colocado ela na cama de madrugada e fiquei ali para o caso de ela acordar assustada.
— Acho que… — ela tentou sentar — ai… Minha barriga dói.
— O corte foi fundo, mas não atingiu nenhum órgão. — Olhei o celular vendo que já tinha passado da hora do almoço e levantei, indo até a beira da cama. — Posso trazer algo para você?
— Eu… — Vi ela respirar fundo e acariciar as próprias mãos. — Parece que você tinha razão…
— , não pense nisso agora… — Comecei a andar em direção à porta. — Eu vou pedir para a Marta preparar algo para você.
— … — ela me chamou e então me virei. — Eu não… consegui matá-los, eu tive a chance, mas não pude. — Respirei fundo e voltei até ela, que parecia ter lágrimas prestes a sair de seus olhos, sentei na beirada da cama.
— Você não é assim… — Acariciei seu rosto e olhei bem nos olhos verdes, que me encaravam surpresos, talvez pelo gesto de carinho, mas eu estava tão abalado quanto ela com tudo que aconteceu. — Deixe esse trabalho sujo para mim — disse sorrindo de leve, fazendo menção ao que ela já dissera muitas vezes para mim.
— Eu nunca quis dizer que… — Ela se exaltou e fez careta, segurando a barriga, então voltou a me olhar. — Desculpa.
— Não precisa, estou feliz que esteja bem, mas quase perdi você, . Deve voltar a treinar. — Dei um beijo no topo da cabeça dela e levantei do colchão. — Quando se recuperar, começamos, tudo bem?
— Você vai me treinar? — ela falou espantada e eu apenas continuei andando até a porta.
— Sim, serei sua sombra a partir de agora até aceitar os malditos soldados na boate.
— Pode colocar quantos quiser… — olhei para ela surpreso de que ela aceitou tão rapidamente —, mas aceito o seu treinamento. — Sorri e pisquei o olho direito para ela, concordando antes de sair do quarto e soltar o ar com força.
Desci a escada com um peso em meu peito, tudo pelo que passamos, todas as brigas, provocações, não valia a pena. Meu pai podia estar certo quanto a manter as garotas longe dessa parte da máfia, mas elas já eram adultas e sabiam de tudo. era a mais próxima da parte ilegal que poderia ser descoberta pela polícia, isso não a incomodava, mas a violência sim.
Não posso mantê-la longe de mim por mais nem um dia, quase a perdi e eu me culparia para o resto da vida por não ter sido capaz de protegê-la ou ter sido alguém que ela não queria ter por perto. Tudo que fiz foi tentar proteger ela de mim, do monstro que me tornei desde que entrei para a Vincere, porém, talvez eu estivesse enganado.
Não era de mim que ela precisava ser protegida, era eu que precisava proteger ela do mundo.
Continuei caminhando em direção à cozinha. Naquela hora todos já deviam ter almoçado, esperava que meu pai não estivesse presente. Quando ele não estava, cada um almoçava em uma hora diferente, e ninguém percebia a falta de ninguém, era com isso que eu estava contando.
— Cadê a ? — Virei e vi Giulia parada no meio do hall de entrada.
— Está na cama…
— O que foi aquilo ontem? — Arregalei os olhos e a puxei para um canto.
— Fale baixo…
— Eu vi as câmeras, ! — Giu ralhou comigo e eu bem que merecia, não avisei ninguém do que aconteceu, parecia conveniente todos estarem dormindo na hora que chegamos. — saiu desacordada e ensanguentada da boate pela porta secreta.
— Nada passa despercebido por você, hein, maninha? — Ela deu de ombros. — Giu, deixe isso entre nós.
— Como assim, ?! — Ela se exaltou.
— Nosso pai está com os nervos à flor da pele por causa dos negócios e dos Delantera terem ressurgido — expliquei. — Se ele descobrir, fará uma besteira. — Vi ela bufar e cruzar os braços. — Mas pode me ajudar a descobrir quem foi…
— Dimmelo, lo ucciderò… (Me diga, vou matá-lo) — disse, com o ódio nítido em seus olhos.
— Não vai sujar suas mãos. — Franzi o cenho e ela colocou as mãos na cintura.
— Só você pode?
— Giu! — falei repreendendo-a e minha irmã revirou os olhos. — Só invada as câmeras de segurança públicas e tente achá-lo, ele estava de capuz, saiu da boate por volta da 1:34. Nas câmeras da boate não conseguimos ver o rosto…
— Acharei esse verme nem que seja a última coisa que eu faça!
Alonso Perroni
saiu do quarto me deixando completamente perdida. O que tinha acontecido para ele mudar da água para o vinho em um dia?
Eu franzi o cenho pensando na quantidade de vezes em que se comportou de forma carinhosa comigo e eu podia contar nos dedos de uma só mão. Respirei fundo e olhei meus machucados, curativos nos braços e quando levantei a blusa que eu estava, vi o curativo maior na costela. Percebi também que estava com a mesma calcinha e o mesmo sutiã do dia anterior, então talvez tenha sido a trocar minha roupa.
Joguei a cabeça nos travesseiros e encarei o teto, eu ainda tentava entender se eu ter sido atacada tinha causado tanto efeito assim nele, eu era realmente importante pra ele? Quando foi que… ele disse que quase me perdeu? Aquilo estava fora de cogitação, estava drogado e não sabia o que falava. Eu sabia que éramos famiglia, mas ele ficar tão mexido assim era bem esquisito.
Céus, já podia sentir a dor de cabeça de tanto tentar desmistificar esse enigma. Levei a mão até a testa e me afundei nos travesseiros. Eu tinha acordado em um mundo paralelo onde meu meio-irmão não era um completo idiota; sorte a minha, eu acho.
Marta trouxe meu almoço, e eu comi tudo rapidamente pois estava faminta. Aproveitei para pegar meu celular e estava planejando com Giovanna sobre ela cuidar da Fascino pra mim por alguns dias, quando escutei batidas na porta. Assim que liberei a entrada, Giulia passou pelo arco da porta e correu até mim para me abraçar, sorri e a envolvi com meus braços, correspondendo ao seu carinho.
— Fiquei com tanto medo, sorella… — falou abafado, com o rosto enfiado em meu ombro.
— Tá tudo bem, Giu, eu estou bem. — Ela se afastou, enxugando as lágrimas. — chegou na hora certa.
— Ele pediu para não comentar com ninguém… — ela falou como se fosse absurdo.
— Entendo o pensamento dele. — Dei de ombros. — Papai ficaria louco, Giu, acabaria metendo os pés pelas mãos.
— Mio Dio, vocês pensam igual!
— Estamos longe disso, mas nessa concordo com ele. — Soltei o ar com força. — Ele disse que preciso voltar a treinar…
— Agora sou eu que vou ter que concordar. — Minha irmã levantou e colocou as mãos na cintura. — Você poderia ter morrido, !
— Eu sei…
— Assim que se recuperar, chame Clara e volte aos treinos.
— disse que me treinaria.
— E você aceitou?! — Ela arregalou os olhos como se eu tivesse dito o maior dos absurdos.
Tudo bem, eu e não éramos as duas pessoas que mais se davam bem nesse mundo, porém, acho que conseguiríamos treinar juntos.
— Sim, foi o mais bem treinado de nós, acho que ele não vai ser tão mau assim… — Dei de ombros.
— Sabe que não é por isso que estou surpresa…
Batidas na porta puderam ser ouvidas e logo a abriu, perguntando se poderia entrar, eu assenti. Ele me deu alguns remédios e um copo d'água, tomei todos e agradeci. Ele estava cuidando de mim naquele momento como ele não cuidou durante todos esses anos, acreditava que ele tinha olhado por mim muitas vezes, porém, mais como segurança da família do que como um irmão. Não nos considerávamos assim, nenhum laço fraternal foi criado e esse também foi um dos motivos que nos manteve afastados.
Éramos dois estranhos que moravam sob o mesmo teto, sempre foi assim, e eu não sabia se estava pronta para uma mudança tão drástica.
[...]
— Mais forte! — Soquei o saco de areia mais uma vez. — Vamos, , já faz 2 semanas que estamos treinando…
— E eu estou pior do que o primeiro dia? — Franzi a sobrancelha enquanto desferi alguns socos.
— Não, mas pode melhorar.
— Ah, , vai se foder… — Revirei os olhos e tentei acertar um soco nele, mas ele me pegou pelo braço e, em segundos, eu estava no chão com de joelhos ao lado da minha cintura, ainda segurando meu braço.
Minha respiração estava ofegante pelo susto de ter sido girada no ar e mal ter visto o que ele fez para eu parar no chão.
— Que boquinha suja... — Ele arqueou uma sobrancelha e sorriu travesso. — Vou ter que te ensinar bons modos depois de adulta?
— Os treinos são para você apanhar, ? — perguntei, rindo de forma ácida.
— Você acha mesmo que consegue? — Ele riu, debochado.
— Quer testar a sorte? — Levantei ambas as sobrancelhas para dar ênfase.
Como a guarda dele estava baixa, dobrei meu joelho e o empurrei, fazendo ele cair no chão, deitado, subi em cima dele e então agarrei seu pescoço, forçando-o contra o tatame, ele deu um risinho convencido e me girou, colocando-me no chão novamente. Seu joelho prendia meu braço direito, assim como sua mão segurava meu pulso. Seus olhos focados nos meus, com aquele sorrisinho convencido nos lábios, que sempre me irritava, porém percebi que naquele momento, foi mais motivacional do que irritante; chegava até a ser…
— Então, quer desistir? — perguntou, cortando o silêncio e me trazendo de volta à situação.
— Só por cima do meu cadáver.
Ele realmente levou a sério minha provocação e desferiu um soco na direção do meu rosto, porém, consegui me defender com o antebraço esquerdo, levando seu pulso até minha mão direita, prendendo-o. Impulsionei meu quadril para cima ao mesmo tempo que empurrei ele com toda a minha força pelo cotovelo, conseguindo tirá-lo de cima de mim. Voltei a estar em cima dele, dessa vez, segurando seu braço. Seu olhar em mim estava diferente, eu podia sentir os olhos negros fixos sobre mim, mas o que passava pela cabeça de era indecifrável.
Eu não podia deixar de notar que fazia alguns dias que o idiota estava despertando em mim algo além da raiva rotineira, o que era uma grande novidade, entretanto, ainda não sabia definir bem o que era. Talvez a ligação que devíamos ter criado há anos estivesse sendo construída agora, pedrinha por pedrinha, o que me deixava um pouco receosa era se viria uma tempestade para derrubá-las.
— Estou orgulhoso… — disse, cheio de si.
— Idiota… — Saí de cima dele e me joguei no tatame, respirando fundo, encarando o teto da academia que nós tínhamos na mansão.
— Preciso ir… — ele disse, ainda deitado do mesmo jeito que eu.
— Não estou te segurando, Perroni…
— Não mais... — falou com um sorrisinho provocativo no rosto, levantou e me olhou de cima. — Amanhã às 8 horas. — Ele seguiu para a porta.
— Sim, treinador — respondi com ironia.
— Gosto quando me obedece. — A porta se fechou e eu levantei meu tronco, ficando sentada, com a boca entreaberta.
— Filho da…
[...]
Como em todos os anos, eu e minhas irmãs temos o dia todo de esquenta e arrumações para a festa do papai. A gente se tranca no nosso Spa, faz várias máscaras no rosto, hidratação nos cabelos, chamamos algumas manicures para fazer nossas unhas e, finalmente, maquiadoras para nos deixar prontas para o grande baile. Tínhamos feito nossas unhas antes do almoço e, no momento, já fazíamos uma máscara de argila rosa para acalmar a pele. Todas nós bebíamos champanhe e conversávamos sobre banalidades. Era tão bom ficar com as minhas irmãs, eu sentia falta das festas do pijama que fazíamos há alguns anos, na adolescência.
Nossos assuntos favoritos eram os meninos da escola, as séries que a gente assistia juntas ou então sobre como seria nossa vida adulta e, pelo que conversávamos naquela época, posso dizer que nada foi como imaginávamos. Além das últimas 3 semanas terem sido conturbadas com os preparativos finais da festa de aniversário de Otelo, eu e estávamos treinando juntos e por incrível que pareça, a gente ainda não tinha se matado nesse meio tempo.
Quando contei sobre tudo para Beatrice e Luna, elas ficaram irritadas e disseram que eu devia engolir meu orgulho e concordar com . Isso foi antes de eu dizer que tinha aceitado os seguranças na boate e que ele me treinaria, depois daí foi só ladeira abaixo. Elas ficaram chocadas por eu ter aceitado tudo de bom grado, o que não era tão verdade assim, apenas entendi que ele estava certo, por mais que eu nunca fosse admitir isso em voz alta.
— Faz semanas que estão treinando e ninguém saiu de casa ainda? — Beatrice perguntou, impressionada.
— Estamos fazendo progresso… — Giu comentou.
— Animador… — disse eu, rolando os olhos. — Não faça tempestade em copo d'água.
— Quem? Eu? — Giulia colocou a mão no peito como se estivesse ultrajada. — Imagina, , super comum você e o se dando bem.
— Meninas, não exagerem… — Luna começou, então sorri confiante, achando que a minha irmã sensata iria ficar do meu lado. Ledo engano. — Nos primeiros 6 meses que chegou, foi ótimo.
— Nossa, Lu, obrigada. — Elas começaram a rir e eu levantei, indo em direção à porta.
— Ei, estamos brincando, onde vai? — A ruiva ainda ria ao me perguntar.
— Colocar meu vestido e terminar de me arrumar, é o melhor que faço. — Saí do banheiro bufando.
Coloquei o vestido rosé que tinha escolhido para a ocasião, ele tinha um corpete estruturado tomara que caia, algumas pedrarias enfeitavam meu busto e o tecido fluido descia até meus pés, com uma fenda profunda do lado esquerdo. Coloquei um scarpin nude e a maquiadora fez uma maquiagem leve, iluminada e um delineado preto nas pálpebras, além de um batom vermelho vinho belíssimo. Olhei meu reflexo e gostei do que vi. Eu estava bem bonita com meu cabelo solto, que descia até o meio das minhas costas, havia colocado apenas uma presilha do lado direito.
Saí do meu quarto e vi que a porta do nosso banheiro estava aberta e o andar inteiro estava silencioso, talvez eu tivesse demorado demais. Ouvi a música ambiente e o som das conversas no andar de baixo, caminhei firme sobre meus saltos e desci a escada notando a casa cheia. Um garçom parou na minha frente assim que atingi o último degrau, oferecendo-me champanhe, peguei uma das taças e agradeci. Dei um gole no líquido e fechei os olhos, sentindo cada sensação que as bolhas causavam em minha língua, depois garganta e por fim um certo frescor que acentuava em minha boca.
Caminhei cumprimentando os nossos capitães que não trabalhavam diretamente com o alto posto da família, ou seja: papai, , eu e minhas irmãs. Sorri para os associados, esses não fazem parte direta da máfia, mas ajudam de alguma forma, seja com sua influência ou poder na sociedade. Vi Giulia perto da porta de vidro que ia para o jardim, soltei minha taça já vazia na bandeja de um garçom que passou por mim e fui caminhando até ela, no entanto, um homem bem bonito me parou no caminho.
— Senhorita .
— Olá… — Sorri simpática.
— Meu nome é Simon, é um prazer conhecê-la. — Ele pegou minha mão, depositando um beijo no dorso.
— Prazer, Simon.
— Pensei em… — Ele colocou a mão em minha cintura para falar próximo do meu ouvido devido à música alta. — Conversarmos enquanto bebemos algo…
Não tive tempo nem de pensar o que responder, senti uma mão possessiva do outro lado da minha cintura e aquela presença imponente que eu conhecia. Simon recuou dois passos e olhou mais para cima, então virei meu rosto para o lado e vi o idiota.
— …
— Achei que era a hora para a nossa dança… — Ele sorriu de forma sedutora. Como nunca reparei nisso? Ou será que essa foi a primeira vez? Eu estou perdendo a cabeça, sinceramente. — Com licença, Simon. — Ele me puxou até o meio da pista de dança e juntou nossos corpos. — Faz alguns anos que você evita a dança dos herdeiros.
— Por que será…
— Não se matem… — Beatrice falou ao passar ao nosso lado dançando com meu pai, que sorriu feliz por nos ver próximos sem estarmos discutindo.
Respirei fundo e aceitei que não teria escapatória naquele ano. me afastou segurando minha mão e seus olhos me mediram de baixo para cima, aquele mesmo olhar novamente. Voltei rodopiando, enrolando seu braço em minha cintura até meu quadril encostar em sua perna. Virei o rosto para a esquerda, levando meus olhos até os dele e engoli em seco, que merda estava acontecendo ali? Senti um arrepio em meu corpo assim que ele me girou de novo e senti a ponta de seus dedos nas minhas costas desnudas quando ficamos cara a cara.
— Parece estar aproveitando. — sorriu e senti um de seus dedos descer devagar pela minha pele, até onde a parte de trás do meu vestido permitia. Seus lábios grudaram em meu ouvido e ele ousou dizer as seguintes palavras: — Está muito bonita, cariño. Arrisco a dizer que está mais sexy do que quando te vi em meio às bolhas na banheira. — Meus olhos arregalaram na mesma proporção que meu corpo esquentou de um jeito que eu não esperava.
Ele se afastou, dando-me a visão dos olhos negros mais uma vez e então soltei o ar, que eu nem reparei ter prendido, sem deixar nosso contato visual, contudo, fiz uma besteira de forma involuntária; olhei para boca dele e umedeci meus lábios. Senti sua mão apertar minha cintura e aquilo me deixou ainda mais desorientada.
Eu só podia estar ficando louca!
— Preciso… falar com a Lu. — Saí quase correndo dos braços de .
Cheguei às portas da varanda completamente desorientada, olhei para os lados sentindo minha respiração descompassada, eu sentia minhas pernas perdendo as forças. Olhei para o lado de fora e vi Nero fumando um cigarro próximo à piscina, tudo que eu precisava naquele momento. Dei passos cuidadosos para meu salto não fincar na grama e eu cair, pedi um cigarro ao capitão de confiança de meu pai e sorri agradecendo.
— Caralho… — murmurei assim que me vi sozinha no jardim. Coloquei a mão em meu peito e meu coração batia rápido. Na minha cabeça não tinha explicação para o que tinha acabado de acontecer.
Não quando tudo que eu deveria sentir por era o mais puro ódio.
Capítulo 7
Algumas semanas atrás
Perroni
Giulia tinha conseguido finalmente identificar o maldito que esfaqueou , eu estava com o sangue fervilhando para achar esse puto e acabar com a raça dele. No entanto, não seria tão fácil assim, eu sabia, o verme deveria estar se escondendo depois do que aconteceu na Fascino, mas eu era muito paciente quando precisava, mandei os meus melhores soldados para caçá-lo e tinha certeza que o achariam.
Levantei da cama e coloquei minha roupa de treino, era o primeiro dia que eu e estaríamos juntos, no mesmo ambiente, trabalhando em um só objetivo: manter ela segura. Desci a escada, caminhei até a cozinha e a vi tomando café sentada na banqueta da ilha.
— Bom dia.
— Bom dia…
Passei pela bancada e me servi de café, peguei um prato com ovos e bacon que já estavam me esperando, não sabia se ela tinha pedido para a Marta preparar ou se já fazia parte da percepção da nossa cozinheira. Comi em pé mesmo, em um silêncio ensurdecedor, mexia no celular dela freneticamente. Eu sabia que faziam algumas semanas que ela estava longe da boate e deveria ser bem frustrante, a Fascino era a vida dela.
— Está pronta? — perguntei e os olhos verdes me encararam por segundos, antes de ela assentir e levantar. Minha boca entreabriu quando ela caminhou para fora da cozinha, usava um short de malha curto e um top. — Eu vou para o inferno… — Soltei o ar com força e murchei os ombros antes de fazer o mesmo caminho que ela até nossa academia. — Vamos começar com o básico, acredito que se lembra. — Ela me olhou com os braços cruzados e uma cara de tédio, como se eu estivesse falando besteiras.
Avancei para cima dela sem aviso, desferindo um soco, ela desviou e armou a guarda. Pelo menos os reflexos estavam bons, mas isso eu já sabia, caso contrário, ela teria saído pior do que saiu da luta com aqueles dois. Ela me olhou com atenção, os pulsos na altura do rosto, entretanto, a base das pernas não estava muito bem montada, então dei uma rasteira e ela caiu no chão, soltando um gemido de dor.
— Achei que sabia tudo… — Parei ao lado dela, olhando-a de cima. olhou para mim com raiva, apoiou-se nas mãos, girou o corpo e enfiou as duas pernas entre as minhas canelas, derrubando-me também, fazendo eu soltar uma lufada de ar. — Ok, não está tão ruim assim…
— Não duvide da minha capacidade, . — Ela levantou do chão e me olhou de cima, tive que virar o rosto para vê-la, já que caí com o peito para baixo. — Quando quiser treinar sério, avisa. — Ela saiu da academia pisando duro.
Eu não estava tentando menosprezar a sabedoria ou o treino dela, mas entendia o motivo de ela entender como se eu estivesse a provocando, nossa relação era assim afinal. Respirei fundo e levantei, teria que melhorar nossa comunicação e convivência, prometi a mim mesmo que isso iria mudar e seríamos próximos depois do ataque, mesmo que em troca eu recebesse apenas o desprezo e nojo dela por perceber que eu era um monstro.
[...]
Nossos treinos melhoraram com o passar do tempo, eu comecei a perguntar a ela o que estava em falta na sua luta corpo a corpo e isso ajudou na nossa comunicação, apesar das farpas ainda existirem. Eu estava de acordo em manter uma distância segura na nossa relação, mesmo que esse acordo fosse feito de forma silenciosa.
— ! De novo? — me deu a mão para eu levantar, eu estava especialmente aéreo naquele dia. Meus soldados tinham conseguido uma pista e estavam perseguindo o desgraçado que invadiu a Fascino, eu estava o tempo todo olhando para o meu celular em cima da mesa de canto, esperando notícia. — Você está desligado hoje… Aconteceu alguma coisa?
Ela caminhou até o frigobar e pegou uma garrafa de água. Meus olhos acompanharam toda sua movimentação, mas senti minha garganta secar de repente, quando ela deu um gole e uma gota escapou pelo canto de seus lábios, descendo pelo maxilar, escorregando pelo pescoço e sumindo pelo vale dos seios.
Ma che cazzo! (Que porra é essa!)
Desviei os olhos para qualquer lugar e os fechei, me repreendendo mentalmente. Eu precisava parar de olhar para ela dessa forma, uma péssima ideia ter falado em treiná-la, eu era um filho da puta.
Merda, merda, merda!
Eu estava duro, caralho!
— Ouviu o que eu disse? — Ela virou para me encarar e eu virei de costas o mais rápido que pude. — O que deu em você, hein?
— Nada, só lembrei que preciso encontrar um dos nossos associados em 1 hora. — Peguei meu celular e saí dali o mais rápido possível. Subi a escada, entrei no meu quarto e tranquei a porta. Suspirei aliviado, quer dizer… nem tanto assim, olhei para baixo e vi minha ereção. — Porra.
Dias se passaram e não tinha uma manhã em que eu não desejasse . O que eu estava fazendo? Passei anos conseguindo evitar a tentação do diabo, porém, parecia que tinha caído exatamente onde ele queria.
Entrei na academia mais cedo naquele dia, não consegui dormir direito depois de ter que matar um dos Delantera na madrugada. Coloquei minhas luvas de boxe e comecei a bater no boneco que estava ali apenas para isso, ser saco de pancadas.
O trabalho na Vincere era difícil, algumas coisas me consumiam e eu tinha que guardar para mim, era complicado. Parecia confortável matar a sangue frio na frente dos meus soldados, eu era o grande herói deles, todos queriam aprender as minhas técnicas de tortura e fazer de forma ágil tudo aquilo. A verdade era que fingir que nada me afligia era fácil, os sentimentos humanos eram fáceis de mascarar, pelo menos para mim. Tirei a camiseta, eu já estava pingando de suor, sequei um pouco meu rosto e a joguei no canto da sala.
Respirei fundo e continuei socando e chutando o pobre boneco, toda a minha raiva estava sendo descontada ali. Minha boca estava seca, eu já sentia que iria tossir a qualquer momento pela garganta estar do mesmo jeito. Virei para ir até o frigobar e vi parada, como se tivesse visto um fantasma, no arco da porta, o que me fez frear meus pés e olhá-la surpreso. Vi os olhos verdes descerem pelas minhas contas até meu short e subirem até os meus olhos, e quando ela percebeu ter sido pega por mim, suas bochechas ganharam tons de rosa.
Eu estava mesmo vendo aquilo?
— Bom dia… — Ela entrou e foi em direção à mesa, ficando de costas para mim.
Eu sorri em descrença indo em direção ao frigobar, ela sentia o mesmo que eu? Não, me odiava, não conseguíamos estar no mesmo ambiente sem discutir ou se alfinetar, era impossível. Pensar com a cabeça de baixo estava me fazendo ver coisas, porém, aquilo me colocou uma pulga atrás da orelha. Contudo, até chegar a festa de aniversário do meu pai, eu achava que tinha tudo sob controle; achava…
Eu aproveitava o início da festa do meu pai degustando minha dose dupla de whisky, quando vi descendo a escada principal da nossa casa. Virei o líquido âmbar e assisti ela pegar o champanhe, ela caminhou pelo salão cumprimentando aqueles abutres que a olhavam como um pedaço de carne, aquilo estava me irritando. Olhei para o barman e pedi outra dose de whisky, engolindo tudo assim que ele a colocou no balcão.
Voltei a olhar para o salão e foi nesse momento que vi um grupo de homens comendo-a com os olhos enquanto ela cruzava a pista de dança. Um deles olhou para ela, ajeitou-se e traçou seu caminho para alcançá-la, como se colocasse um alvo sobre sua cabeça. Fiquei ali parado, apenas vendo até onde aquilo ia dar, quando vi Simon, um dos empresários com uma lista longa o suficiente de assédios para ficar preso até seu último dia de vida, colocar a mão na cintura dela e ficar perto demais, minha mão fechou em punho. Dei alguns passos até eles e coloquei a mão na cintura de . Seria bom ele entender que se aproximar da filha do Don estava fora de cogitação.
— …
— Achei que era a hora para a nossa dança… — Sorri para ela de uma forma que nem eu mesmo esperava. — Com licença, Simon. — Puxei pela cintura e a levei para o mais longe possível do homem. — Fazem alguns anos que você evita a dança dos primogênitos.
— Por que será…
— Não se matem… — Beatrice piscou o olho direito ao passar por nós enquanto dançava com meu pai.
Voltei a encarar a indomável arredia e seus olhos não negavam que estava confusa com meu comportamento, mas apenas estava tentando ser um bom protetor e mantendo aqueles homens nojentos longe dela. Ao mesmo tempo, me corroía saber que acabei trazendo ela para perto de mim, eu não era tão diferente assim deles, se não fosse pior, pelo menos aqueles engomadinhos não sujavam as mãos de sangue. Afastei ela de mim segurando sua mão, apenas para poder admirá-la por completo, ela estava sexy para um caralho. Voltamos a unir nossos corpos frente a frente, fazia mesmo alguns anos que não ficávamos tão próximos de uma forma amigável.
— Parece estar aproveitando. — Eu nem mesmo tinha me dado conta de que eu acariciava as costas de , com cautela, como se sentisse cada toque de um jeito único, cada deslize da minha digital em sua pele e vi o quanto ela estava arrepiada. Aquilo me fez sorrir de forma involuntária, olhei o colo dela, que ostentava um colar com uma safira entre suas clavículas, o que me fez lembrar dela na porra daquela banheira, coberta com nada além de bolhas. — Está muito bonita, cariño. — Eu podia ter parado aí, mas não, meu cérebro parecia ter dado defeito ou era a quantidade de álcool que eu tinha ingerido. — Arrisco a dizer que está mais sexy do que quando te vi em meio às bolhas na banheira.
Seus olhos arregalaram e encararam os meus com fixação, e por um breve momento senti a tensão entre nós ficar palpável, minha mão na cintura dela a puxou para mais perto como num reflexo. E quando seus olhos desceram para a minha boca, os meus foram direto para a dela, que estava sendo molhada pela ponta de sua língua.
Filha da puta, ela sabia o que estava fazendo comigo?
— Preciso falar com a Lu… — Ela saiu quase correndo dos meus braços, então pigarreei arrumando meu smoking e olhei para os lados, parecendo alguém suspeito e eu nem sabia exatamente do que.
— Presta atenção em mim antes que pareça ainda mais culpado, . — Fui pego de surpresa por Giulia me puxando para dançar.
— Do que está falando?
— Corta a enrolação, eu sei, ok? — Engoli em seco e meu coração disparou pensando no que exatamente ela sabia. — Exatamente isso que você está pensando. — Preferi ficar em silêncio naquele momento, se fosse a respeito de , contava com a descrição da minha irmã. — estava em apuros e você foi ser o benfeitor. Tá querendo ganhar pontos depois de tudo?
— O que posso dizer? — Dei de ombros pensando no quão aliviado eu estava. — Estou querendo manter a paz.
— Tenta convencer outro, . — Ela revirou os olhos. — Vamos ao que interessa, dois homens e uma mulher tentaram burlar a segurança e entrar na festa. — Franzi o cenho. — Exatamente, estranho e ousado. Eles estão cada dia mais tomando decisões para desestabilizar o nosso pai, .
— Eles não vão querer Otelo descontrolado, maninha.
— Guillermo conhece o nosso pai, , talvez seja exatamente isso que ele queira.
Se Giulia estivesse certa, o plano dele nos deixava ainda mais no escuro, tínhamos que descobrir o que esse homem estava planejando antes do nosso pai se irritar e tomar medidas drásticas.
Capítulo 8
Perroni
— Eu quero ele vivo, Filippo! — gritei no telefone. — Hai capito? (Você entendeu?)
— Si, .
Desliguei o telefone e bati a mão na mesa do meu quarto, fazia duas semanas que esse miserável conseguia sempre dar um jeito de escapar. Coloquei dez homens atrás dele dessa vez, era hoje que eu ia ter o desgraçado nas minhas mãos e iria fazer ele desejar ter morrido com o tiro que o amigo dele levou para encarar o diabo ao invés de mim.
Estava impaciente esperando que Filippo me desse retorno. Duas horas e nada, desci a escada e fui até a frente da mansão. Acendi um cigarro e ali fiquei, esperando que um dos carros entrasse pelos portões. Eu só não esperava que o carro que eu menos queria entrasse por eles. Ela estacionou o carro e desceu com sua bolsa no ombro.
— Estamos com poucos seguranças ou resolveu mudar de cargo? — me perguntou fazendo piada, assim que se aproximou da entrada.
— Apenas fumando… — Não queria que ela notasse meu descontrole devido a situação. — E você? Pouco trabalho na boate?
— Estou com um pouco de dor de cabeça, resolvi vir para casa. — Ela entrou e eu respirei aliviado, ela não precisava encontrar em sua própria casa o homem que tentou matá-la.
Mais alguns minutos depois e três carros entraram em uma velocidade acima do necessário, eram eles. Joguei o segundo cigarro, pela metade, no chão e pisei. Olhei para frente e Filippo e Nero traziam uma pessoa com o capuz vermelho, que normalmente utilizávamos, na cabeça. Sorri satisfeito que a missão tinha finalmente sido cumprida, assenti com a cabeça para meu primo, que entendeu de primeira. Eles entraram pela porta lateral que ficava mais próxima da entrada para o porão.
Menos chance de encontrar se ela ainda estivesse no andar de baixo.
Abri a porta da frente e entrei, passei pelo hall e dei longos passos pelo corredor extenso, minha mão chegava a formigar de ansiedade. Queria ver a cara desse vagabundo e acabar com ele bem devagar, de um jeito bem cruel e, pela primeira vez, eu iria me divertir bastante com isso. Vi através dos vidros Nero abrir a porta que dava para a lateral do jardim no fim do corredor, eu estava indo em direção a eles para descer a escada para o porão.
— Aí, está você…
Quando ouvi a voz dela, o meu corpo inteiro se arrepiou e Filippo arregalou os olhos, eu apenas apontei com o queixo o porão e virei de supetão. Vi os olhos verdes me encarando e logo o vinco nas sobrancelhas, eu deveria estar exalando nervosismo.
— …
— O que houve? — Ela esticou o pescoço para olhar além de mim, então entrei em nervosismo, refiz meus passos rapidamente e a puxei para dentro da primeira porta que vi aberta, causando um susto nela, vi pelos seus olhos arregalados. — O que… está fazendo, ? — disse devagar, pausadamente, soltando a respiração pela boca.
Eu engoli em seco, nossos corpos estavam perto demais, acabei encurralando ela na parede da despensa sem nem mesmo perceber. Desci meu olhar para o seu peito, que subia e descia pesadamente, subi meus olhos e seu rosto estava levemente avermelhado, engoli a saliva que inundou a minha boca e soltei o ar devagar. Assisti seus olhos piscarem lentamente, os verdes foram diretamente para os meus olhos, deveriam estar buscando algum indício do que eu planejava, porém nem eu mesmo sabia.
Estava atento a cada aspecto de sua face, ainda tentava me situar e entender o que seus lábios entreabertos significavam naquele momento. Seu corpo permaneceu imóvel, rente à parede, minha mão ainda queimava na cintura dela e a outra estava espalmada na parede perto do seu rosto; cacete.
— Eu… — Tentei começar alguma frase, mas fiquei hipnotizado pelas esmeraldas brilhantes que me olhavam com uma nuance de segundas intenções.
E de repente, eu me vi encurtando cada vez mais a nossa distância. Eu estava mesmo fazendo aquilo? O que diabos me deu na cabeça? O mais chocante era ela estar tão presa naquela atmosfera quanto eu, ela não desviou os olhos dos meus e muito menos me afastou, seus olhos desceram para minha boca e aquilo me parecia a permissão que eu precisava.
Eu estava em pânico, mas ao mesmo tempo uma sensação gostosa invadia meu estômago, respirei fundo e falhado. Senti a ponta do nariz dela encostar no meu, seus olhos fecharam, apenas esperando meus lábios cobrirem os dela. Por mais que centímetros nos separassem, eu ainda estava incerto, mas foi quando sua mão agarrou minha nuca que nossos lábios finalmente se encontraram.
[...]
— Quando o papai volta, ? — Luna perguntou enquanto comia sua salada de frutas, tirando-me dos meus pensamentos embaralhados.
— Não sei, maninha, talvez semana que vem. — Olhei para a cadeira vazia à minha frente por alguns segundos e então, baixei a cabeça e segui comendo.
Não via desde o dia anterior, depois do nosso encontro na despensa – se é que posso chamar assim –, ela sumiu. Não jantou com a gente e não apareceu para o café da manhã. Eu não tinha conseguido nem sequer torturar o cara, aquele beijo me deixou completamente fora do ar. Onde eu estava com a cabeça quando beijei… Eu a beijei? Mas eu bem lembro que não fiz sozinho, ela me correspondeu, bem até demais. Porra, onde fui me meter?
Preciso aprender a manter meu pau dentro das calças e a minha cabeça pensante no lugar.
Precisava seguir meu dia como planejado, então fui tratar dos meus assuntos, bati um papo com o nosso mais novo convidado e tentei arrancar informações dele, mas nada saía daquela boca, o filho da puta era teimoso. Pela parte da tarde tive uma reunião com alguns dos nossos associados, as informações eram sempre bem pagas, além de que, a proteção que eles tinham da Vincere não era de graça. Segui meu roteiro de programação do dia, e enquanto estava no carro indo para casa, recebi a ligação do meu pai.
Ele precisava que eu o encontrasse na França, não sabia exatamente o que era, mas apenas me deu coordenadas para eu chegar lá em 4 dias. Eu não tinha a mínima escolha, Otelo não pedia, ele ordenava e quem tinha juízo obedecia, até mesmo seu próprio filho.
Com todo o dinheiro que eu recolhi daquela semana, fui até a confeitaria de Lu. Nós fazíamos a lavagem de dinheiro dos passaportes na confeitaria, era prático, fácil e não chamava atenção. Entrei pela porta da frente, enquanto meus soldados tiravam os malotes pelo beco do fundo e entravam por uma porta reservada.
— ! — Luna falou animada e saiu de trás do balcão. — O que posso oferecer hoje?
— O meu favorito, Lu.
— Um pedaço de bolo de morango com coco saindo. — Ela voltou para o seu lugar e sorriu enquanto cortava o bolo, que já estava na metade, e servia em um prato de louça verde claro. — Leo, abra a porta — avisou seu empregado, que era também de extrema confiança da famiglia, já que seu pai também fazia parte da Vincere. — Aqui está. — Luna colocou o prato na minha frente, junto com um copo de água.
— Obrigado, maninha. — Pisquei para ela, que sorriu e voltou ao seu posto. Comi devagar, apreciando aquele bolo que só Luna sabia fazer. Era impressionante como o dom dela para a confeitaria não era apenas fachada, ela realmente amava o que fazia.
Olhei o relógio e decidi ir para casa me arrumar, iria até a Fascino, eu sabia que não precisava mais ir, afinal, enchi o lugar de soldados, porém, eu queria, queria ver sua reação quando me visse depois de ontem. Por mais que tudo isso parecesse errado demais, a minha impulsividade não me deixaria tomar nenhuma decisão racional e eu meio que não queria ser racional, queria descobrir o que merda estava acontecendo e se era só comigo, já que ela me puxou para aquele beijo. Contudo, eu não estava conseguindo controlar a porra do meu corpo perto dela, então, na verdade, a reação que eu mais estava preocupado era a minha.
Alonso Perroni
— Não, já disse. Não temos vagas… Sinto muito. — Ouvi Giovanna ser incisiva, parecia que o homem estava insistindo há algum tempo.
— Por favor, senhorita, eu estou há semanas procurando um emprego, eu preciso muito. — Eu conseguia sentir o desespero na voz dele. — Faço qualquer coisa…
Dei alguns passos me aproximando do balcão e olhei para o homem. Por mais que tivesse uma aparência jovem, era perceptível que já passava dos 30. Os olhos negros, o cabelo loiro e uma cicatriz perto do pescoço, estava arrumado na medida do possível. Dava para ver o seu esforço em parecer apresentável para conseguir o emprego que fosse.
— Qual seu nome? — perguntei, sem nem mesmo me apresentar, Giovanna virou para mim com o cenho franzido.
— Juan, Juan Alvarez, senhorita.
— Meu nome é Alonso, sou a dona da boate.
— Eu estava explicando para ele que não temos vagas de emprego, . — Coppola deu de ombros, torcendo os lábios, então eu respirei fundo e soltei o ar com força.
— Quer lavar os copos no bar?
— Sim, qualquer coisa!
— Giovanna, mostre onde fica o vestiário e dê um uniforme para ele.
— Sim, agora mesmo. — Foi a última coisa que ouvi antes de subir para minha sala.
Giovana podia ter me olhado esquisito, como se não aprovasse o que eu tinha feito, porém, era só um homem em busca de emprego. Os donos das boates de Madri não contratam qualquer um, eles têm um preconceito nítido no jeito que te olham, isso para não dizer te julgam. Eu não ligava, eu estava apenas ajudando alguém, uma esperança para uma pessoa que parecia tão desesperada apenas por qualquer tipo de emprego. Ele deveria estar realmente precisando, nunca sabemos o que os outros estão passando.
Eu amava ficar no meu escritório sozinha, revendo planilhas, organizando o financeiro, decidindo as atrações do mês ou apenas relaxando, porém, depois daquele maldito beijo, era uma tortura ficar sozinha com meus pensamentos. Eu joguei meu corpo para trás na cadeira, olhei para o teto e respirei fundo. Tinha algum jeito de esquecer que aquilo tinha acontecido? Talvez se eu bebesse um pouco. Levantei, passei a mão pela minha saia para alisar o tecido e peguei meu celular antes de deixar o escritório, comecei a descer a escada e a música ficava cada vez mais alta conforme eu ia me aproximando do térreo.
A boate já estava cheia, olhei feliz para o meu empreendimento que batalhei tanto para transformar no que era. Plena quinta-feira e estávamos com a casa cheia, aquilo tudo era fruto do meu trabalho e da minha equipe, sem falar das estratégias de marketing e publicidade. Caminhei até o balcão e pedi para Vincenzo o drink que ele tinha me servido da outra vez, eu tinha gostado e era algo diferente, talvez até mais forte, e isso era importante na situação mental em que me encontrava.
— E o novo rapaz?
— Ele é na dele, mas está fazendo tudo que eu mando…
— Ótimo.
— Mas você — Pelegrini se aproximou para falar próximo ao meu ouvido — não acha um pouco perigoso contratar um estranho?
— Claro que não, Vince, temos vários dos nossos aqui, ninguém ousaria tanto. — Sorri para ele a fim de tranquilizá-lo.
— Se você está dizendo… — Ele deu de ombros e foi atender outro cliente. Dei um gole em meu drink e logo o vi se aproximar novamente. — Falando em dos nossos, seu irmão está aí.
— O quê? — Franzi o cenho e olhei para trás, procurando onde estava. Meus olhos correram as mesas vip, até ver sentado com nosso primo Filippo e o capitão de confiança, Nero. Fechei meu semblante, girei meu corpo para o balcão e aos olhos atentos de Vincenzo, virei o restante do drink e pigarreei.
— Veja bem o que vai fazer, .
— Confia em mim, Vince… — Levantei e caminhei de forma lenta, passei pelo segurança, que me cumprimentou com um meneio de cabeça, entrei na ala vip e parei bem em frente à mesa baixa, de braços cruzados. Os olhos negros de subiram lentamente pelo meu corpo, fazendo arder em cada pedaço meu em que ele colocava aqueles malditos olhos, mordi o interior do meu lábio inferior com certa força e então seus olhos chegaram até os meus, encarando-me com um sorrisinho libertino nos lábios. Idiota. — O que está fazendo aqui?
— Bebendo? — Ele levantou o copo antes de dar um gole em seu whisky e eu arqueei uma sobrancelha. — Qual é, , estou no meu momento de lazer.
— Você pode fazer isso em outra boate, tem milhares pela cidade. — Ele levantou e deu alguns passos, com uma calma irritante, em minha direção. Revirei os olhos e falei: — Achei que já tínhamos resolvido esse problema…
Ele se aproximou ainda mais e sussurrou em meu ouvido:
— Qual dos problemas você fala, cariño? — Senti minha garganta ficar apertada até para respirar, fechei os olhos e puxei o ar pelo nariz, sentindo o perfume intenso que ele usava; que péssima ideia.
Meu corpo automaticamente correspondeu àquilo de uma forma que não deveria, eu precisava ficar longe dele.
Empurrei Perroni mantendo meu indicador no peito dele e ditei:
— Não seja idiota, e que seja a última vez que aparece aqui. — Virei as costas e saí dali. Pedi mais um drink para Vincenzo e dessa vez beberia sozinha, na paz do meu escritório, de onde eu nem deveria ter saído.
[...]
Mais uma noite de insônia, eu teria um colapso. Na manhã seguinte eu faria uma reunião com todos os meus funcionários e precisava estar descansada. Rolei na cama mais uma vez e bufei, joguei o cobertor para o lado e levantei, iria até a cozinha comer alguma coisa, talvez de barriga cheia eu conseguisse dormir. Coloquei meu robe e desci a escada em silêncio, apenas com a lanterna do meu celular, passei pelo hall de entrada e quando cheguei à segunda sala, levei um susto, deixando meu celular cair no chão e a lanterna iluminar Giulia.
— Céus, Giu, o que faz no escuro?! — Respirei fundo e peguei meu celular do chão, enquanto ela acendia o abajur próximo à janela.
— Acabei de me despedir do , só vim pegar um energético antes de voltar para a minha sala. — Ela deu alguns passos em direção ao salão principal da casa, onde ficava a escada.
— Despedir? — Uni as sobrancelhas e olhei confusa para ela, que virou para mim e fez uma expressão de obviedade.
— Sim, ele viajou, foi encontrar o papai.
— Ele não me falou na… — Parei de falar no mesmo instante que Giu me olhou com os olhos semicerrados, desconfiada da frase que eu comecei sem nem mesmo me dar conta do quanto aquilo não fazia sentido. nunca me comunicou nada, nem muito menos dei a mínima para onde ele ia ou quando voltava; por que parecia me incomodar esse fato agora? — Você sabe… nossos treinos. — Dei de ombros, explicando, e ela meneou a cabeça antes de sumir no escuro, virei e continuei o meu caminho para a cozinha.
Que desculpa idiota que eu fui inventar, faz quase 1 semana que não treinamos já que estou evitando estar perto dele, mas Giulia não deve ter percebido isso, pelo menos era o que eu esperava.
Depois de comer uma tigela de cereal, vi o sol nascer através das minhas janelas enquanto lia um livro e depois finalmente consegui pregar os olhos por maravilhosas 3 horas, levantei com um humor horrível, tomei um banho gelado para me acordar por completo; eu gostava, era bom para a pele. Coloquei um vestido tubinho preto, um blazer por cima e meu scarpin preto, queria estar elegante para colocar ordem naquela boate.
Desci para o andar de baixo e minhas irmãs já estavam sentadas almoçando, larguei minha bolsa no aparador do hall de entrada e tomei meu lugar à mesa. Conversamos sobre besteiras do dia a dia e do quanto Giu era maluca: ela não tinha dormido ainda, estava almoçando para finalmente ter o sono que merecia depois de uma madrugada inteira trabalhando. Beatrice me pediu carona, o carro dela estava na oficina, pois, pela terceira vez apenas esse ano, ela tinha batido o carro, ela se irritava no trânsito e acabava batendo em alguém, metade da nossa fortuna ia ser para pagar as loucuras da minha irmã ruiva.
— O cara se negou a sair da minha frente, ele estava esperando alguém sair da vaga para estacionar — Bea explicava a batida de carro enquanto eu dirigia. — O sinal já estava aberto e eu estava atrasada para… um compromisso.
— Eu amo seus compromissos secretos, Beatrice. — Torci os lábios, já fazia alguns meses que eu percebi que ela estava escondendo algo, ela jurava que eu ou a Giu não tínhamos notado. Luna não prestava muito atenção nessas coisas, então não duvidava dela, nem mesmo pensava sobre as saídas escondidas da ruiva de madrugada.
— Não são secretos… — Ela disfarçou.
— ‘Hm… então com quem era esse compromisso? — Olhei para Bea assim que parei no sinal vermelho.
— Era… Era com… — Ela ficando nervosa era novidade, então claramente tinha um homem envolvido na história. — Ah, !
— Eu sei que você fode, Beatrice, pode compartilhar com quem… — Revirei os olhos fazendo pouco caso daquilo.
— Ele é casado, ok?! — soltou em um rompante assim que acelerei o carro novamente.
— Meu deus, Beatrice! — Olhei para ela, abismada.
— Olhos na estrada, sorellina.
— Você ficou louca?! — gritei com ela e voltei minha atenção à avenida. — Você sabe que a máfia não perdoa traição, me diga que ele não faz parte da Vincere, Beatrice…
— Não, ele é um civil comum, ok? — Respirei aliviada, mas mesmo assim, ainda preocupada.
— Você não nasceu para ser amante de ninguém, Bea, não faça isso com você mesma — aconselhei, esperando que ela me ouvisse, mas tinha certeza que ela faria o que bem entendesse. Ninguém controlava Beatrice.
— Eu sei de todo o discursinho que você vai me dar, nem tente. — Avistei a frente do laboratório e sabia que não tinha tempo, ou capacidade, de tentar fazê-la mudar de ideia, então apenas me mantive calada. — Eu sei me cuidar, tá bom?
— Sei que sabe, Beatrice — estacionei o carro e olhei para ela com sinceridade e todo o amor que sentia pela minha irmã —, mas deveria deixar a gente entrar no seu mundo.
— Vocês são o meu mundo, sorella. — Ela sorriu e me abraçou. — Não se preocupe comigo, você já cria problemas demais nessa sua cabecinha. — Ela se afastou e sorriu, eu soltei o ar pelo nariz e ri sem humor. — Ti amo.
— Anch’io ti amo.
Ela saiu do carro e vi ela entrar no laboratório antes de seguir meu caminho até a boate, entrei pela porta vermelha que foi aberta por um dos meus seguranças. Agradeci sorrindo e segui meu caminho até o balcão, onde estava Vincenzo e o novato limpando o bar.
— Boa tarde.
— … — Vincenzo piscou o olho direito para mim.
— Todos já chegaram? — Ele me respondeu com um meneio de cabeça. — Ótimo, vou esperar vocês sentada ali. Leva um martini?
— Claro.
Sentei à uma das mesas e abri minha agenda, anotei algumas tarefas do fim de semana enquanto respondia alguns e-mails no notebook. Eu tinha contratado uma empresa para o marketing e publicidade da boate, e eles estavam fazendo um ótimo trabalho, então eu sempre mandava e-mail com a programação, promoções, horários fixos e mudanças que aconteciam de semana para semana.
Vi a taça ser colocada na minha frente e agradeci:
— Obrigada, Vince. — Peguei a taça e fui dar um gole, quando olhei para o lado, percebi que não era Pelegrini. — Oh, desculpe, sempre é o Vincenzo que traz meus drinks.
— Sem problemas, senhorita .
— Pode me chamar só de , Juan. — Sorri para ele e larguei a minha taça em cima da mesa novamente. — Pode chamar todos para a reunião? Preciso fazer algumas coisas fora da boate hoje.
— Claro, vou chamá-los.
A reunião demorou em torno de 1 hora e meia, repassei todos os afazeres de cada um dentro da Fascino naquela semana devido ao evento de Halloween. Iríamos fazer a festa temática como em todos os anos, aquela comemoração já fazia parte do nosso calendário. Era um ótimo dia, fazíamos promoções para as pessoas que fossem fantasiadas e isso rendia ótimas fotos para o nosso marketing. Encerrei a reunião apresentando o novato a todos da staff, que receberam ele com animação. Eu gostava dos meus funcionários, todo mundo era muito unido e trabalhavam duro para dar o seu melhor.
Todos levantaram e foram assumindo seus postos, eu permaneci sentada e chamei:
— Novato… — Juan olhou para mim. — Segunda traga seus documentos, ok?
— Sim, senh… . Obrigado — ele me agradeceu de forma sincera e eu sorri. Não me custava nada ajudar alguém.
— Vincenzo! — falei mais alto, já que ele já estava mais longe, e levantei a taça vazia, ele apenas sorriu e bateu continência.
Eu tinha um longo fim de tarde, precisava procurar algumas decorações para a boate e encontrar a Lu na confeitaria, ela estava tendo problemas com o financeiro e me pediu ajuda. Avisei à Giovanna que não ficaria na Fascino essa noite, tinha que seguir meu caminho para as lojas de decoração do centro da cidade, aquilo me tomaria tempo. Olhei as horas no celular e vi que estava tarde, juntei minhas coisas rapidamente, coloquei tudo dentro da bolsa e levantei para ir embora, dando de cara com Vincenzo.
— E o drink, ?
— Não vai dar tempo. — Segurei o maxilar dele e dei um selinho em seus lábios, ele arregalou os olhos em surpresa. — Dê pra Giovanna, ou sei lá, beba você… — Saí caminhando rapidamente pelo salão da boate e vi o novato olhando para mim de forma interrogativa. Merda, tinha esquecido dele ali, olhei para trás e fiz uma careta para Pelegrini, que me olhava apreensivo. — Desculpa… — Apenas mexi os lábios para ele entender e o vi virar o martini de uma vez como se aquilo afogasse sua repreensão, me causando uma risada antes de cruzar a porta de saída.
Capítulo 9
Perroni
Otelo nunca colocou a família acima do trabalho. Não que ele tivesse sido um pai ruim, criou as meninas muito bem e fez da minha adolescência a mais traumática possível. Não que fosse culpa dele, crescer como o primogênito da máfia não era assim a melhor das experiências. Entretanto, eu estava ali presenciando que, quando era importante para a Vincere, ele não só colocava a família em segundo lugar, como passava por cima dela. Eu estava incrédulo que ele tinha me feito pegar um avião para me apresentar à filha de um dos nossos associados em Paris.
Puta que pariu; isso tinha ido longe demais até para o meu pai.
Eu nunca tinha ficado tão desconfortável na minha vida, aquele jantar parecia que tinha me transportado para 1940. Antigamente as máfias faziam acordo através de casamentos arranjados, mas isso já não era uma realidade há alguns anos. Tentei ser compreensível com meu pai, afinal, eu sabia da preocupação dele com a minha idade, filhos, herdeiros da família… para ele eu tinha que ter um filho homem com urgência. Depois do jantar eu saí para fumar um cigarro na varanda da casa do nosso associado. Eu tentava manter a calma diante da situação ridícula que meu pai me fez passar e eu esperava de verdade que aquilo não fosse real.
— Desculpe pelo meu pai… — Ouvi a voz feminina, que mal ouvi durante o jantar, e me virei.
— Teria que pedir desculpas pelo meu também.
— Eles estão velhos, pode ser só preocupação. — Ela se aproximou e se encostou no guarda corpo ao meu lado, um pouco distante. — Você aceitou isso?
— Descobri quando cheguei aqui.
— Então você não sabe que voltarei com vocês para Madri. — Olhei para ela incrédulo de que o plano do meu pai poderia ficar ainda mais sem noção. — Pela sua cara, eu estou certa.
— Desculpe, Carolyn… — Soltei a fumaça no ar e suspirei olhando para o horizonte. — Isso é informação demais para assimilar.
— Sinto muito.
— Eu também. — Voltei o olhar para ela com uma certa piedade, pois eu até poderia dizer não e brigar por isso, ela talvez não tivesse escolha.
Eu e Otelo nos despedimos dos anfitriões e entramos no carro com o nosso motorista, um dos seguranças diretor do meu pai. Assim que chegamos no hotel, ele me chamou para ir até o bar, eu já sabia que aquela conversa aconteceria em algum momento, porém, queria evitá-la. Sentamos em uma mesa distante das pessoas, uma mais reservada, e o garçom nos serviu duas doses de whisky. Acendi um cigarro e meu pai começou:
— Ela é uma ótima garota, .
— Que ótimo para ela, não é, pai? — disse, irônico.
— Não se faça de desentendido. — A voz grossa saiu austera. — Ela voltará com a gente para Madri, quero que vocês dois se conheçam melhor e, com sorte, o casamento sai ainda esse ano. — Ele tomou um gole do whisky, calmamente.
— Você está louco… — Soltei uma risada descrente.
— Olhe como fala comigo, moleque — apontou o dedo pra mim —, esqueceu que não sou só seu pai?
Engoli em seco pois eu realmente tinha passado dos limites, mesmo assim, continuei, aquilo estava fora de controle. Meu estômago embrulhou com tamanho desrespeito a mim com essa loucura de casamento arranjado.
— Vai pagar algum dote pela moça? — falei, irritado. — O que o pai dela ofereceu a você?
— Escuta aqui, … — seu tom saiu mais alto do que ele gostaria, eu sabia, conheci meu pai. Então ele baixou a voz e entre dentes continuou: — O seu papel é procriar e dar um futuro para a Vincere. — Ele bateu o copo meda com força. — Sabia disso desde o momento que entrou na minha casa, então aja como a porra do primogênito e herdeiro dessa família!
— Eu tenho irmãs, elas podem casar e ter filhos…
— Sabe que você é o homem da família e é o prossimo! Não me tire do sério, — Otelo disse olhando para mim com fúria em seus olhos.
— Talvez tenha chegado a hora de mudar como as coisas funcionam, Otelo. — Apaguei o cigarro no cinzeiro para me levantar, mas antes que pudesse fazer qualquer movimento para me dirigir ao meu quarto, fui segurado pelo braço de forma agressiva e meu pai me fez ficar estático onde estava.
— Não brinque comigo, , acaso esqueceu com quem está falando? — Meu corpo simplesmente esqueceu como se respirava. Fazia anos que não via esse Otelo, esse homem que me treinou à exaustão, que me fez matar o primeiro homem aos 16 anos e que me manteve em rédea curta para saber bem onde seria o meu lugar. — Se fui capaz de te dar a vida, também sou capaz de tirá-la. Não brinque com a sorte.
[...]
Três dias, três dias longe de casa foram o suficiente para me desestabilizar com essa loucura que o meu pai inventou. Às vezes eu pensava que era melhor pegar uma mulher e pagar para ela engravidar como ele fez com as mães das garotas, contudo, não achava isso uma coisa legal de se fazer com uma criança. Que pelo menos fosse que nem com a minha mãe, um casamento, um amor que durou alguns anos e que ficou pesado demais para a minha mãe aguentar.
Fui direto até o meu quarto, coloquei um short e uma regata, desci para a academia, eu precisava descontar a minha raiva em alguma coisa.
O que eu não esperava era encontrar um ser pequeno batendo no boneco de borracha. Luna parecia estar empenhada no que fazia, eu não sabia que ela ainda treinava.
— Sua base pode ser melhor — falei, ainda encostado no pilar próximo da porta.
— Credo, ! — A morena puxou o ar para recuperar o fôlego e eu ri do susto que ela levou. — Não estava viajando?
Fechei a cara e disse:
— Resolvi encurtar a viagem. — Caminhei até a mesa de canto e larguei meu celular. — Vamos lá, vamos melhorar essa base, maninha.
Ajudei Luna a treinar, o que me ajudou um pouco a esquecer a loucura que foi essa viagem, depois tomei um bom banho e desci para o jantar. Só estávamos eu, Beatrice e Luna, a Giulia e sempre chegavam tarde dos seus afazeres. Bom, não era como se Giu não estivesse fora de casa, mas estava trabalhando. Quando terminei de comer, fui até o deck perto da piscina para fumar um cigarro.
Eu não conseguia manter minha cabeça o tempo inteiro distraída com outras coisas, então sempre acabava pensando no que fazer para impedir que meu pai colocasse esse casamento arranjado em prática. Não sabia ao certo se ele seria capaz de me obrigar a isso, porém, sabia que ele poderia caso quisesse, e isso me preocupava. Aquele Otelo que eu vi em Paris era o mesmo que me obrigou a começar a torturar homens aos 17, e fazia tempo demais que eu não o via, tempo suficiente para esquecer da existência desse lado do meu pai.
— Céus, Otelo…
— Ainda pensando sobre Paris. — Olhei para trás e vi Filippo.
— Apenas com muitas coisas na cabeça, acabei pensando alto. — Vi ele se aproximar e também acender um cigarro.
— As coisas estão se complicando, .
— Como assim? — Olhei para ele com o cenho franzido.
— Enquanto estávamos fora, os Delantera atacaram uma das nossas cargas ao leste.
— Você tá de sacanagem! — Amassei o cigarro no cinzeiro antes de levantar e caminhar para dentro de casa. Fui até a biblioteca e comecei a mexer nos documentos do computador, segundos depois, Filippo entrou. — Qual foi a carga, Filippo? — Vi o pomo de adão do meu capitão subir e descer.
— Os produtos que a Beatrice precisa para o mês.
— Puta que pariu! — Joguei meu corpo na cadeira, abismado com aquilo. — Por que ninguém ligou para mim ou para o Otelo?
— Aconteceu ontem, Nero tentou entrar em contato com a gente, mas acho que estávamos voando.
— E meu pai?
— Sem sinal. — Respirei fundo e apertei meus olhos.
— Caralho! — Joguei a primeira coisa que estava à minha frente e o cinzeiro de vidro se espatifou em mil pedaços. — Fale com o capitão Mattia e peça para ele mandar seus homens para investigar isso. Barcelona está mais próximo do local.
— Sim, .
Era inacreditável, tínhamos perdido o carregamento do mês e não tinha ninguém aqui para ordenar uma resolução por causa dos caprichos do meu pai. Eu precisava espairecer, então liguei para Ettore e Austin, os seguranças pessoais de , e eles disseram que ela ainda estava na boate. Que se fodesse, se ela achasse ruim ver a minha cara por lá, a gente brigaria, sem problemas.
Troquei de roupa e pedi para que Nero fosse de motorista dessa vez, entraria sozinho na Fascino, beberia, veria algumas mulheres dançando, talvez comesse alguma para relaxar e voltaria para casa.
Entrei na boate cumprimentando os seguranças e fui até o balcão, pedi um drink para Vincenzo, que me atendeu solícito como sempre, mas aquela carinha de bom moço nunca me conquistou. Virei para o salão e vi Isabela dançando no pole dance, a mulher era boa no que fazia. Aproveitei o show enquanto bebia minha terceira dose de whisky, era disso que eu precisava: uma distração dos meus problemas. Nada se resolveria tão cedo, a investigação poderia levar dias, e ter esperança de achar a carga roubada era pura perda de tempo.
Virei mais uma vez pedindo que Pelegrini completasse meu copo, foi quando vi um sujeito que eu não conhecia recolhendo os copos do balcão. Uni as sobrancelhas e pensei que talvez eu não pudesse me lembrar dele, então só tinha um jeito de descobrir. Perguntei para o barman, que me contou a história. Era um homem que apareceu ali pedindo emprego, achou uma boa ideia colocar um desconhecido dentro da porra da boate onde ela já foi quase morta uma vez.
— Onde ela está, Vince?
— Lá em cima… — ele disse meio incerto se deveria falar, virei a dose que ele tinha acabado de servir.
— Obrigado. — Levantei, desviei das pessoas andando naquela multidão, cumprimentei os dois soldados que ficavam no corredor que levava até a escada, e subi cada degrau pisando duro.
Onde diabos estava com a cabeça? Talvez não tenha sido o suficiente dois homens terem conseguido driblar a segurança e quase matá-la. Aquilo estava me dando nos nervos, ou ela era muito ingênua ou gostava de se colocar em perigo de graça! Abri a porta e vi os olhos verdes saltarem com o barulho, fechei a porta e a encarei irritado.
— O que tá acontecendo?! — Ela levantou no ímpeto.
— Você tá acontecendo, . — Soltei o ar com força apontando para ela.
— Espera, você não tava viajando? — Ela me olhou confusa.
— Esperou eu sair do país para aceitar um estranho para trabalhar na sua boate? — falei, irritado.
— Ah, não, . — Ela revirou os olhos e olhou para o lado, em puro descaso. — Sério?
— Seríssimo, . Você quase foi morta… morta! — berrei. — Além de transar com o barman, colocou um estranho aqui dentro?
— O que o Vincenzo tem a ver com isso? — Ela cruzou os braços.
— Não gosto dele. — Ela revirou os olhos mais uma vez e eu dei passos até ela. — Pare de fazer pouco caso da sua segurança!
— Pouco caso? — Ela riu sem humor. — Você encheu minha boate de soldados, !
— Você concordou.
— Não quer dizer que esteja confortável com isso. — Ela bufou e eu trinquei os dentes.
— Demita aquele homem.
— Não vou demitir porra nenhuma, — ela falou alto, com raiva e exalando o poder que tinha. — Quem manda nessa boate sou eu — disse baixo, com confiança.
— E quem manda na segurança da famiglia sou eu! — Dei mais alguns passos e a olhei de cima, enquanto ela levantava o máximo de sua cabeça para me alcançar. Nem com os saltos que usava ficávamos da mesma altura, porém ainda perto o suficiente para que eu sentisse o hálito quente dela em meu rosto.
Ela empurrou a cadeira com o pé e puxou a famosa pistola que meu pai tinha dado para ela de aniversário de 18 anos de baixo da mesa, colocando-a em cima da madeira.
— Estou segura, obrigada — disse, ainda me enfrentando; perto demais.
— Não foi capaz de atirar, do que adianta? — ditei as palavras bem próximo do seu rosto.
Eu estava irritado com tudo que aconteceu. A viagem, o casamento, o jeito que meu pai me tratou em Paris, a carga roubada… como se já não bastasse tudo isso, precisava continuar se colocando em perigo e me deixando ainda mais puto.
— Agora eu farei se for preciso.
— Você me tira do sério… — Respirei fundo e fechei os olhos, espalmando a mesa dela.
— É simples. Não se meta no que não deve.
— Ande com essa merda na cintura — ordenei e dei as costas para ela para me retirar dali, meu corpo estava esquentando de um jeito que eu não queria externalizar.
— Não está falando com seus soldados, .
— Não, não estou, ! — Voltei apressado, dessa vez nossos narizes quase encostaram quando cheguei até ela, que arregalou os olhos pela aproximação repentina. Minha voz soou baixa, rouca, quase como se não quisesse sair por conta da raiva que me possuía, agarrei seu braço e a balancei levemente. — Seria mais fácil com eles, meus soldados me obedecem, ao contrário de você.
Nossos olhos estavam conectados por uma raiva insana, que irradiava dos nossos corpos de maneira palpável, sem deixar que nenhum de nós dois cedesse nem vacilasse, fosse mentalmente ou fisicamente. Eu consegui ver nos olhos verdes esmeraldas que algo cada vez mais crescia dentro dela, algo que nenhuma de nós tinha a explicação naquele momento.
— Merda! — ela xingou alto, irritada, se rendendo a aquilo que nós dois estávamos lutando contra.
Senti seus lábios macios nos meus logo em seguida e levei um susto com o ato, porém, desci minhas mãos arrastadas até chegar em sua cintura. Seu corpo estava tão quente quanto o meu, e acreditava ser pelo mesmo motivo. O beijo de estava diferente do da primeira vez, ela reivindicou minha boca com posse. Sua língua deslizava pela minha de uma forma obscena, ao mesmo tempo que ela sugava meu lábio inferior antes de deixar uma mordida provocante. Sua mão me puxou pela nuca com vontade, como se implorasse para eu tocá-la mais, e eu não consegui pensar em mais nada.
Peguei-a pelas coxas e a coloquei em cima da mesa, derrubando o que tinha pela frente. Agarrei sua cintura e a trouxe para a ponta da mesa, colando minha pélvis na dela; puta merda. Acreditava nunca ter ficado tão duro do jeito que eu estava ali, com ela. gemeu abafado quando mordi seu pescoço, minha sanidade já tinha ido para o inferno, que era para onde cada vez mais eu e ela estávamos com passagem garantida.
Meu celular tocou alto no meu bolso.
— Porra! — xinguei, amaldiçoando até a quinta geração do filho da puta que estava me ligando naquele momento. Que pena que a geração nesse caso era a minha, e eu tinha a certeza que já estava amaldiçoado pelo jeito que me olhava. Atendi o telefone e falei: — Oi, pai. — Ela cobriu a boca com as duas mãos e arregalou os olhos, consegui ler a mente dela apenas pelos olhos verdes escuros, ainda exalando tesão e luxúria: nós estávamos fodidos.
[...]
Cheguei em casa com um misto de sensações, eu nem sequer sabia direito o que estava sentindo, minha mente estava embaralhada com tantas perguntas sem respostas. Meu pai tinha ligado para perguntar da carga roubada, claro, para isso ele engoliria o orgulho e falaria com seu primogênito, mesmo depois do terrorismo que ele fez comigo em Paris. Otelo disse que estaria de volta no dia seguinte, pareceu bem irritado, claro, até eu fiquei. Isso foi um golpe e tanto nos nossos negócios, eu queria acabar com os Delantera, de novo. Sentei na poltrona que ficava na varanda do meu quarto, e acendi um cigarro junto ao meu bom e velho companheiro: whisky.
Por mais que eu precisasse pensar no que fazer a respeito do que aconteceu com , eu tentava empurrar essa questão para um lugar obscuro da minha mente. Respirei fundo e olhei para o céu estrelado, sentia que cada vez mais a gente estava se entregando a algo inconcebível. Era para eu ver ela como minha irmã, por que eu não conseguia? A gente se odiava, sempre garanti que ela ficasse longe o suficiente de mim para não termos nenhum laço, nunca tivemos o amor fraternal, minha relação com ela era completamente diferente da que eu tinha com as minhas meias irmãs. Contudo, não deixava de ser completamente errado, e ao mesmo tempo, eu sentia que era tão certo.
— Porra! — xinguei para o silêncio da noite que me engolia devagar.
Bebi o suficiente para apagar, acordei no dia seguinte com a maior dor de cabeça e não vamos esquecer da ressaca moral, que nem sequer poderia colocar a culpa na bebida, quase transei com a e apesar das doses que bebi no bar estava sóbrio. Levantei devagar, com os olhos ainda fechados massageando minha cabeça, que parecia pesar toneladas. Tomei um banho gelado, olhei no relógio constatando que eram quase 13 horas da tarde. Desci, passei pela mesa do almoço que já estava posta, e fui até a cozinha tomar uma aspirina, seria isso e comer muito carboidrato no almoço para curar minha ressaca. A moral nem tanto, ainda teria que olhar aqueles olhos verdes bem em frente a mim.
Voltei à sala de jantar, Beatrice e Giu já estavam sentadas à mesa conversando baixo, ou seja, fofocando sobre alguma coisa. Sentei no meu lugar e aguardei, Luna foi a primeira a aparecer e nem notei que fiquei mais ansioso à medida que os minutos passavam, ou seriam segundos? Eu estava nervoso, tinha saído da boate na noite anterior dizendo para que não esqueceria aquilo, seria impossível ignorar pela segunda vez, precisávamos fazer algo a respeito; seja lá o que fosse aquilo. Ouvi barulho de saltos e olhei para frente vendo a última pessoa que faltava naquela mesa.
— Boa tarde. — sorriu sem olhar para ninguém, estava apenas sendo simpática, era perceptível. — Não precisavam me esperar. — Ela olhou para o empregado à nossa direita e falou: — Pode servir.
— Sim, senhorita Perroni. — O único lugar onde era chamada por Perroni era debaixo daquele teto, e ele a chamar assim me fez encará-la de forma culpada. Ela percebeu em meu semblante o que eu pensava, tinha certeza disso, tanto que apenas desviou seus olhos para seu prato, parecendo tão culpada quanto eu.
Começamos a comer, eu e em absoluto silêncio, enquanto as meninas conversavam e riam vez ou outra. Elas sempre foram assim, e eu gostava da companhia delas, nunca achei ruim uma família com mais mulheres do que homens, apesar de a casa ter soldados por todos os lados. Era bom ter um ar feminino, uma aura que trazia cor e leveza para a casa, que era palco de tantas atrocidades. Eram tantas coisas erradas naquela família que eu chegava a relevar o fato de estar desejando a mulher com a qual dividia metade do sangue.
— Boa tarde, meus filhos. — Olhei para frente e arregalei os olhos.
— Papai, finalmente voltou — Giulia falou e olhou para trás, estranhando a segunda presença na sala.
olhou para mim e estranhou minha expressão, seu rosto se contraiu e ela virou para trás.
— Essa é a Carolyn, futura noiva do irmão de vocês.
Otelo sorriu confiante e eu levantei de supetão, fazendo a cadeira arrastar no chão de mármore, atraindo a atenção de todos para mim. Eu não estava acreditando que ele iria seguir com aquilo, porra! Olhei para , que me olhou sem entender uma vírgula do que estava acontecendo. Ninguém estava. Fechei as mãos em punhos e respirei fundo.
— Carolyn, me desculpe. — Olhei para a moça que, coitada, não tinha nada a ver com as loucuras de dois velhos gagas. — Pai, não vou me casar. Nem com a Carolyn, nem com ninguém.
— , já conversamos sobre isso…
— Sim, conversamos — senti meu estômago embrulhado e meu coração batendo na garganta de tanta raiva que eu sentia —, e achei que tinha deixado bem claro que não concordava com esse insulto. — Era insuportável se sentir incapaz, era assim quando você tinha que seguir ordens sem poder refutar, mas dessa vez eu não aceitaria de bom grado.
— Veja bem, , não faça cena na frente da moça. — Eu vi que meu pai tentava segurar sua raiva, ele sempre tentava ser pacífico em frente as garotas.
— Deveria ter pensado nisso antes de trazê-la. — Saí pisando duro da sala de jantar, caso não saísse, era capaz de fazer uma besteira.
Andei de um lado para o outro no deck da piscina, acendi um cigarro e passei a mão no cabelo, nervoso, enquanto tragava a fumaça. Como era possível, eu sabia, eu sentia que em algum momento a cobrança viria de uma forma mais incisiva, mas nunca imaginei nada disso. Empurrar uma mulher para mim já era demais, fiquei ainda mais preocupado em como Carolyn era pressionada pelo seu pai, de como foi fácil para ele vender a própria filha para um Don.
— … — Virei dando de cara com Beatrice andando a passos rápidos em minha direção. — O que merda tá acontecendo? Você engravidou a mulher?
— Sei fottutamente pazzo?
— Única explicação para o nosso pai querer te casar com uma completa desconhecida. — Ela foi subindo o tom de voz à medida que dizia as palavras.
— Ela é filha do Samuel Pinder, Beatrice, não seja ingênua. — Aquele homem era dono de metade de Paris, e é claro que meu pai sempre queria expandir os negócios. O que eu não achava errado, mas não no meio de uma guerra com nossos inimigos.
— Vai à merda, eu não sou ingênua, estou tentando entender o que tá rolando!
— Nosso pai é um Don e acha que a gente vive no tempo que era normal pagar um dote por uma mulher ou que casamentos eram arranjados, maninha, é isso que tá rolando!
— Ele tem quatro filhas em casa e tá fazendo isso? — A ruiva se irritou ainda mais e eu jurei que ela socaria o primeiro que cruzasse seu caminho. — Papai vai ter que se explicar…
— Não cutuca a onça com vara curta, Bee. — Dei o último trago no cigarro e joguei no chão, amassando a bituca com o pé. — Eu vou resolver isso.
Entrei em casa e perguntei para Giulia onde Otelo estava, então fui até a biblioteca, onde ela disse que ele estaria. Assim que entrei, fechei a porta e dei alguns passos até a mesa de madeira, ficando em frente ao meu pai. Ele tirou os olhos do papel e encostou as costas na cadeira, olhando para mim de forma impaciente. Eu precisava ir com cautela, tinha que manter a calma e conversar como dois adultos, se meu pai conseguisse pensar com a razão.
— Eu sei, eu insisti demais nisso. — Uni as sobrancelhas ouvindo aquilo, o jeito manso de Otelo falar, de como ele mudou seu discurso da água para o vinho. Tinha algo errado. — Só peço que se esforce em conhecê-la, quando a conheci achei que combinaria com você, filho.
— Precisou achar alguém em outro país?
— Não fui com esse intuito para lá, se é isso que está pensando. — Ele levantou e deu a volta na mesa, aproximando-se de mim e colocando a mão em meu ombro. — Estou pensando no seu futuro, olhe o que aconteceu comigo, . Fiquei infértil de repente, não quero que perca algo que nem sequer foi capaz de ter. — Fechei os olhos e entendi onde doía em meu pai, ele queria ter vários filhos e não pôde, ele amava cada um de nós, disso eu tinha certeza.
— Prometo me esforçar em conhecê-la, mas não force nada, foi extremamente desconfortável aquele jantar.
— Desculpe por aquilo, fiquei animado com a ideia.
— Tudo isso não foi só desrespeitoso comigo ou com Carolyn, foi com as suas filhas também, pai. — Ele me olhou sem entender. — Imagine que elas estão pensando que você faria o mesmo que o pai de Carolyn fez com ela.
— Jamais faria isso com suas irmãs. — Ele se afastou, chocado com a possibilidade.
— Então é melhor se desculpar com elas.