Upon Death: The Angel of Crime
Escrito por Cass W. | Revisado por Mariana
Então eu senti a escuridão tomar conta de mim, senti todos os calmantes fazerem efeito, eu senti os primeiros vestígios de morte no meu corpo, estava ali. Era minha sina.
- Não entendo o que leva as pessoas a se suicidarem, se eu fosse um humano, iria aproveitar tanto... – Foi a primeira coisa que eu ouvi ao recobrar meus sentidos. Abri meus olhos e logo eles arderam com uma forte luz. Incomodei-me com meu corpo dormente, tudo doía. – E uma jovem moça como você, tanta vida pela frente, lamentável. – A voz continuou, tentei focar minha visão, porém a única coisa que eu via era a luz. – Às vezes eu odeio meu trabalho. – Foi então que a luz diminuiu e eu vi uma figura alta e máscula na minha frente, mas o que me chamou mais atenção foi... Asas. Grandes asas que ocupavam quase o quarto todo, asas que iam até o teto, douradas que emitiam, agora, uma luz fraca.
- Você é algum tipo de Anjo que veio me buscar? Finalmente encontrarei a paz? – Senti a dormência diminuir, senti apenas pontadas em todo meu corpo.
- Você que acha. Sua jornada só começa agora, querida. – O anjo soltou uma risada sarcástica.
- Como? Não irei para o céu, paraíso, nirvana...?
- Você se suicidou, sua real hora não chegou. O seu espaço não está pronto.
- Então... O que acontece? – Meu corpo se arrepiou, senti uma grande aflição preencher-me.
- Calma, querida, você está morta, não precisa ter pressa. – O anjo ironizou, e comecei a sentir raiva dele. – Tudo bem, deixe-me começar. – Ele encolheu suas asas e se sentou no chão. – Já discursei isso milhões de vezes. Estou ficando enjoado. – Rolei meus olhos e respirei fundo para não me estressar, resolvi tomar a iniciativa.
- Você é algum tipo de anjo da guarda a que vêm conversar dando lição de moral?
- Ei, não me ofenda, anjos da guarda são muito mariquinhas, se eles fizessem o trabalho direito, eu não precisaria trabalhar tanto. Enfim, eu sou o Anjo do Delito, minha função é punir suicidas, como você, mostrando-a tudo que poderia ter acontecido e dar a sua maldição final, que será vagar pela terra até o dia real de sua morte. Mas antes te mostrarei como seria sua vida, apenas amostras do futuro, se você não tivesse desistido.
- Isso é horrível! Não quero ver nada, não quero receber maldição nenhuma. Até mesmo depois de morta eu não tenho direito a ter paz? – Gritei e tentei me levantar, porém, não consegui me mexer, meu corpo estava imóvel.
- Não estou te dando escolhas, estou apenas avisando com antecedência para não ficar tudo confuso. Sua alma ainda está presa ao seu corpo, tem todo um ritual para liberar.
- E que ritual é esse? – Perguntei quase implorando para ser solta.
- Aceitação, aceite sua maldição. – Ele se levantou e foi até a janela, suas asas, agora abertas novamente, já reluziam e passeavam pelo teto do quarto.
- E quais as outras opções? — O anjo riu e me mandou um olhar que me fez acreditar que, naquele momento, ele me achava a maior idiota do século.
- Não tem outras opções, ou aceita, ou viverá para sempre com sua alma presa ao corpo, passará dias e noites dentro do caixão, apenas olhando o estofado, até o dia da sua real morte. É uma opção bem chata, não tem volta, assim como sua vida não tem volta. – Considerei as possibilidades. Na minha vida inteira eu tive claustrofobia, me deixava agoniada só de considerar a segunda possibilidade.
- Tudo bem, tudo bem, eu aceito. – A forte luz invadiu o quarto novamente, fechei os olhos, não ouvi o anjo falar mais nada. O formigamento que até há pouco me incomodava, parou.
Quando voltei a abrir os olhos, percebi que já não estava no meu quarto. Reparei que o anjo estava ao meu lado olhando o cômodo admirado.
- Onde estamos? – Perguntei, reparando na grande sala com vista para uma praia. Era um lugar bem aconchegante.
- Estamos em um futuro paralelo, onde sua morte nunca existiu, estamos em 2018 se não me engano. Aqui é a casa da sua família, onde você, seu marido e seus filhos moram.
- Marido, filhos? – Perguntei confusa não assimilando as notícias.
- Sim, quando você se mudou para Califórnia, conheceu um garoto que estagiava na sua faculdade, se envolveram e casaram, você engravidou um ano depois e deu no que deu. – Ele ficou quieto quando um homem alto, de olhos castanhos claros e cabelos ruivos entrou no cômodo, ele deixou um sorriso brincar em seu rosto e foi até as escadas. Soltei um ofego ao ver sua atraente beleza.
- ? – Ele gritou meu nome do pé das escadas, senti meu corpo tremer com aquela voz doce e aveludada.
Logo uma mulher apareceu correndo pelas escadas com um gato.
- Oi, mozi. – Naquele momento, demorei a perceber que aquela era eu. Meus cabelos castanhos estavam cheios de vidas, meus olhos brilhavam de felicidade, meu corpo estava saudável, não magro e esquelético como esteve até agora. A mulher, eu, soltou o gato que correu até perto de mim e se deitou perto do meu pé. Voltei minha atenção para a eu do futuro e vi que ela abraçava o homem com um sorriso lindo nos lábios. Um sorriso que fez meu estomago se encolher e dar algumas voltas.
Meu olhar se dirigiu até a estante, ali, um porta-retratos me chamou a atenção, na foto havia eu e mais três pessoas, uma delas reconheci como o ruivo que acabara de ver.
- O garoto se chama e a garota é . Seus filhos. – O Anjo informou-me. - E ele se chama , seu marido.
- Eu tenho uma família mesmo? Eu não acabei sozinha. – Falei mais para mim mesma do que para o anjo, os dias nebulosos de minha vida voltaram à minha cabeça e aquela agonia que eu vivia sentindo, achando que eu seria eternamente sozinha evaporaram da minha cabeça. Olhei em volta e sorri admirada para tudo.
- Você teria uma família, pelo que li nos meus relatórios, uma família maravilhosa e unida. E devo dizer que você também se deu muito bem no trabalho, depois de sair da faculdade conseguiu um emprego em uma agência de publicidade, o salário era ruim no início, mas seu chefe te promoveu e foi aí que as coisas começaram a ir de bom a melhor, conseguiu seu casamento dos sonhos, comprou essa casa, teve seus filhos... – Ele olhou seu relógio e arregalou os olhos. – Meu tempo com você já está acabando, temos que voltar. – Foi então que minha ficha caiu... Eu tinha uma maldição a cumprir.
- Espera! – Gritei para o anjo que já estava sumindo e me levando junto. – Não tenho como refazer? Desistir, voltar atrás? – Implorei. – Posso ter uma segunda chance?
O anjo somente riu.
- Não existe segunda chance após a morte, querida. Nunca escutou o ditado? "Só para a morte não há remédio.” Depois de feita sua escolha, não existe conserto. Fim da linha.
Então senti uma tontura e quando voltei a mim, estávamos novamente no quarto.
- Meu trabalho aqui acabou, tenho um garoto marcado para as 22h00min, ele vai se jogar do quinto andar só porque a noiva o traiu. – O anjo se encaminhou para a janela.
- Posso saber mais uma coisa antes de você partir?
- Vá rápido. – Ele disse já abrindo as asas.
- Quanto tempo até a minha real morte? Quanto tempo eu ficarei vagando aqui? – O anjo, pela primeira vez, mostrou-me pena.
- Você teria o que todos desejariam... Anos e anos de felicidade ao lado de pessoas que ama e que amariam você, porém, agora, anos e anos vagando pelas ruas levando a escuridão para onde for.
Então ele partiu, deixando rastros do seu brilho para trás, que aos poucos, foi sumindo até o quarto ficar escuro novamente.
Então era essa minha verdadeira sina: Uma maldição.
Tudo que sobrou em mim era remorso de ter desistido, de ter aberto mão da minha vida, de tantos erros e acertos a serem cometidos.
Não tinha volta, eu havia feito minha escolha e o erro era irreversível, um erro que levaria pelo resto da minha passagem pela terra, até que alguém tenha piedade da minha alma vazia e me dê a paz que eu tanto almejei.
Poderei, então, sonhar pelo resto dos dias e noites com a vida que eu teria, com as metas que eu realizaria, com as pessoas que eu conheceria e amaria, mas que eu nunca conheceria, momentos que nunca virão a acontecer.
Tudo por um simples erro: Eu brincara com a morte.
FIM