CAPÍTULO UM
Tempo estimado de leitura: 11 minutos
Monte Verde, Minas Gerais - Brasil. 11 de Junho de 2026
— Como é que é? — %Lauren% cruzou os braços abaixo dos seios, visivelmente irritada com a informação passada pelo funcionário.
O jovem, provavelmente na casa dos vinte e cinco anos, mantinha as mãos entrelaçadas sobre o balcão, os olhos verdes — pareciam calmos até demais para %Lauren%, que estava começando a perder a paciência, ele começava a ficar vermelho, provavelmente com vergonha da empresa onde trabalhava.
— Você está me dizendo que houve um
“erro no sistema” e agora eu divido quarto com esse
príncipe encantado aqui? — A ironia podia ser sentida ao final da frase, misturada à frustração.
— Ah e somente a senhorita, alecrim dourada, acha que está irritada com a situação? Como se eu também tivesse culpa… — O homem revirou os olhos e também cruzou os braços ao redor do tórax, o tom um tanto quanto mais calmo que o de %Lauren%.
— Eu realmente sinto muito, senhorita %Bladrick% e senhor %Han% — o funcionário disse com um suspiro contido, claramente tentando manter a compostura. — Houve uma falha no sistema durante a última atualização da nossa plataforma de reservas. Infelizmente, isso resultou em uma duplicidade de agendamento para a mesma cabana.
Ele deslizou os dedos nervosamente sobre o balcão.
— No momento, todas as demais cabanas estão ocupadas e não temos nenhuma outra acomodação disponível até o fim do feriado. Entendo o transtorno, de verdade. Por isso, o que posso oferecer é um reembolso total caso um dos senhores deseje cancelar a estadia… ou, se aceitarem compartilhar a cabana, a pousada se responsabiliza por conceder um desconto de 40% no valor total da reserva, além de incluir café da manhã completo e acesso gratuito à área de spa durante todos os dias.
Ele hesitou por um segundo, lançando um olhar conciliador entre os dois.
— A cabana é equipada com
cama queen, lareira e banheiro privativo. É bastante aconchegante, mas… infelizmente, só há uma. De novo, peço desculpas em nome do estabelecimento. A decisão final é de vocês.
%Lauren%, ainda com os braços cruzados abaixo dos seios, bufou alto e então balançou a cabeça em negativa, sem acreditar que já estava tendo problemas numa data em que tudo que ela mais queria era relaxar, se curar de um término horrível e paz. Olhou novamente para o rapaz a seu lado que a encarava de volta, com cara de poucos amigos.
— O que você sugere,
príncipe encantado? Que tal nós comprarmos um colchão inflável para você? — ela ergueu a sobrancelha enquanto descruzava os braços.
— Uma cama
queen é o suficiente para que nós dois nem vejamos a cara um do outro,
alecrim! Eu não vou voltar para São Paulo agora, não depois de passar mais de três horas dirigindo para chegar aqui.
— E com a estrada lotada! Nem pensar! Ou seja, honey… vamos ter que dividir a cabana, porque eu também não vou me destrambelhar três horas para voltar para São Paulo.
%Lauren% piscou de forma quase provocante para ele, mas a ironia continuava ali estampada no rosto e nos gestos teatrais dela.
—
Ô meu querido! — Ela chamou pelo jovem que os havia atendido sem esperar pela resposta do
senhor %Han% — Vamos fazer o check-in? Parece que o destino decidiu que eu precisava de companhia.
🍃🍃🍃
Com %Lauren% na frente, %Jisung% seguiu logo atrás dela até a cabana de número
quatorze. Era óbvio que ele, assim como %Lauren%, não estava nada satisfeito com a situação.
“Tudo o que eu queria era um final de semana de paz.” Ele havia planejado aquela viagem com mais de um mês de antecedência. Reservou a cabana simples, mas aconchegante, com a esperança de passar os três dias longe das cobranças, dos amigos insistindo para que ele
"saísse mais", e — acima de tudo — da lembrança incômoda de que estava sozinho em mais um
Dia dos Namorados. %Jisung% suspirou, ajeitando a alça da mochila no ombro.
“Todo mundo namorando. E eu, dividindo cama com uma mulher que me chamou de príncipe encantado com o veneno de uma serpente.” Não que ela fosse feia — pelo contrário. Era bonita até demais, daquele tipo que provavelmente sabia o efeito que causava nos outros. Mas falava como se estivesse atuando numa peça de comédia dramática, cheia de floreios e sarcasmo. Exaustivo. E ele só queria silêncio.
Tranquilidade. Lareira. Um livro. Talvez vinho.
Agora, no entanto, lá estava ele: arrastando uma mala até a porta da cabana, dividido entre rir do absurdo da situação e considerar dormir no carro.
%Lauren% parou diante da porta e olhou para trás, arqueando a sobrancelha.
— Tá vindo ou quer que eu te busque de carrinho de golfe, majestade?
“Três dias.” — ele pensou, tentando se lembrar das técnicas de respiração que o terapeuta havia ensinado.
“É só aguentar três dias.” Ele respirou fundo, forçando um sorriso tenso.
— Claro. Afinal, o sistema quis assim, né?
E entrou, pronto para sobreviver ao feriado mais romântico do ano... com uma completa desconhecida dividindo a mesma cama.
A cabana de número quatorze era tão aconchegante quanto o site prometia — talvez até mais. O cheiro de madeira recém-polida, misturado ao leve aroma de lavanda no ar, criava uma atmosfera intimista e calma. A lareira de pedra ao fundo estava apagada, mas o cesto com lenha ao lado prometia noites quentes, caso o frio de Monte Verde resolvesse apertar.
%Lauren% entrou primeiro, girando os olhos em uma rápida inspeção do lugar. Tapetes felpudos, uma pequena estante com alguns livros e jogos de tabuleiro, uma cozinha americana charmosa e...
a bendita cama queen, feita com lençois brancos e mantas bege que combinavam com o restante da decoração rústica.
— É... pelo menos a pousada tem bom gosto — comentou ela, largando a bolsa sobre a poltrona que ficava ao lado da cama. — Se você roncar, dorme no sofá.
%Jisung% entrou logo depois, parando por um instante para olhar ao redor. A verdade é que o lugar era exatamente o que ele imaginava quando decidiu fazer aquela reserva:
silêncio, conforto e uma vista decente. O que ele
não esperava era uma mulher que falava como se estivesse apresentando um reality show romântico.
— Eu não ronco. E se você fala dormindo, pode esquecer qualquer tentativa de diálogo noturno — respondeu, já colocando sua mala perto da cômoda.
%Lauren% o encarou de soslaio, cruzando os braços.
— Você é sempre assim? Rabugento com desconhecidas ou só com mulheres que ousam pisar no seu espaço?
Ele deu um meio sorriso, sem humor.
— Só com pessoas que tratam um feriado pacífico como se fosse palco de stand-up.
Ela arqueou as sobrancelhas, como se tivesse sido pega de surpresa com a resposta, mas não disse nada. Apenas se virou e caminhou até a janela, abrindo a cortina para observar a paisagem montanhosa que se estendia do lado de fora. O céu nublado, típico de junho na serra, reforçava a sensação de que aquele era um lugar isolado do resto do mundo.
— Sabe o que é engraçado? — ela murmurou, ainda olhando pela janela. — Eu vim para cá justamente para ficar sozinha. Pra respirar. Pra esquecer. E agora vou ter que dividir minha solidão com um completo estranho.
%Jisung%, do outro lado do quarto, também encarava a vista. Ele não disse nada de imediato. Pela primeira vez desde que se conheceram — ou, melhor, desde que bateram boca na recepção —, havia algo na voz dela que não parecia provocação. Só cansaço.
— Estamos no mesmo barco, alecrim — ele disse, enfim, sua voz mais baixa. — Eu também só queria esquecer.
O silêncio que se instalou a seguir não foi hostil. Foi quase... compreensivo.
Talvez, só talvez, aquela convivência forçada não fosse um completo desastre.
— Podemos pelo menos tentar tornar isso tudo mais fácil então, príncipe encantado?
— E como você sugere que façamos isso,
querida? — Foi a vez dele usar seu lado irônico.
Sentou-se na beirada da cama e a encarou diretamente nos olhos.
%Lauren% sentiu levemente o impacto dos olhos dele, como se eles lhe perfurassem a alma.
Não era um olhar comum. Não era irritado, nem impaciente — o que teria feito sentido, considerando o tom irônico que ele acabara de usar. Era firme, direto... mas havia algo ali, por trás da superfície. Algo que ela não soube nomear de imediato.
Era como se, por um segundo, ele tivesse despido qualquer sarcasmo e estivesse realmente vendo
ela. Não a mulher teatral da recepção. Não a hóspede inconveniente. Mas a mulher cansada, ferida, tentando manter a pose.
%Lauren% desviou o olhar por um instante, o coração batendo um pouco mais rápido do que deveria. Respirou fundo, tentando recuperar o controle da própria postura.
Ela estava ali para se curar, para se reerguer. Não para se perder de novo em olhares bonitos de homens que sabiam como perfurar certezas.
— Só... regras básicas de convivência, talvez — disse, recompondo o tom, como se nada tivesse acontecido. — Cada um respeita o espaço do outro. Sem comentários desnecessários, sem crises, sem atritos. Somos dois adultos civilizados tentando sobreviver ao mesmo feriado. Simples assim.
Ele assentiu devagar, os olhos ainda fixos nela, mas com um leve sorriso no canto dos lábios. Como se tivesse percebido a pequena fissura na armadura dela — e escolhido não explorá-la.
— Fechado,
alecrim dourado. — Fechado,
príncipe encantado. E por um instante, o ambiente não parecia tão apertado. Nem a cama tão pequena.
🍃🍃🍃