Under The Christmas Tree
Escrito por Dana Rocha | Revisado por Natashia Kitamura
Eles eram cinco. Cinco garotinhos, de nada mais do que oito anos e cabelos cortados no estilo tigelinha, todos engomados, com o pomposo uniforme de um dos colégios mais elitistas do país. Brincavam sós entre eles, ignorando as crianças ao redor. Crianças essas que estavam conscientes, mesmo em sua inocência, da falta de tato que aquele grupo em particular possuia em relação aos outros pequenos estudantes do colégio. Havia, no entanto, uma pequena aluna, um ou dois anos mais nova em relação ao quinteto, que quebrava as regras gerais do convívio social entre os cinco e o restante dos alunos.
Usava uma fita de cetim vermelha no cabelos curtos e lisos, e olhava para o grupo, ou para um integrante em especial do grupo, com olhos brilhantes e admirados. Em suas mãos, levava um bolinho que sua mãe colocara em sua lancheira. Seu olhar era tão intenso que acabou por despertar a atenção dos garotos, que, interrompendo a bola de futebol que jogavam uns para os outros, correram até ela.
- Quem é você? - Perguntou um deles, num tom demasiado arrogante para alguém de sua idade.
- Eu... - A garota abaixou o rosto após encontrar com seus olhos, os olhos do garoto a quem quase que perseguia. Este, por sua vez, riu com maldade.
- É só a filha da minha empregada. - Empurrou a garota, fazendo-a cair sentada no chão. Seus olhos lagrimejaram e ela apertou os braços ao redor do próprio corpo, quase esmagando o bolinho em suas mãos. Não ousou encarar o garoto novamente. - Ei você!
Chamou. A garota olhou para ele receosa.
- O que você quer? Vai ficar me seguindo agora? Tem sorte de meus pais serem generosos e aceitarem pagar a mensalidade para você, então não se meta no meu caminho.
- Eu só queria...
- Ei , acho que ela gosta de você! - Riu outro dos garotos.
- É mesmo? - A menina abaixou os olhos, quando ele voltou a encará-la com superioridade. Seus olhos ardiam com lágrimas implorando para sair, mas ela não podia deixá-las ir. Tinha que ser mais forte que aquilo. O garoto percebeu o conteúdo que ela levava em sua mão e o arrancou de lá, jogando-o longe.
- Não! - Ela gritou, sem conseguir mais segurar suas lágrimas. Os outros garotos riam, mas o que atendia pelo sobrenome estava sério. - Por que fez isso?
- Você trouxe para mim, não é? - Ela não respondeu. - Eu não o queria. Como poderia aceitar algo de uma garota como você?
A menina da fita vermelha só conseguia olhar para a direção onde caíra o bolinho e soluçar. Secou as lágrimas do rosto e tentou se levantar do chão, mas foi novamente empurrada.
- Eu nunca poderia aceitar uma garota tão inferior quanto você. Me deixe em paz! - foi embora logo após dizer isso, sendo acompanhado por seus amigos. As risadas deles revertebravam nos ouvidos da garota.
Era tão ensurdecedor!
Ela puxou os cabelos, atormentada. Gritou e, apertando os olhos para poder vê-lo uma última vez, mesmo com os olhos embassados pelas lágrimas, jogou sua fita vermelha no chão e saiu correndo para o lado oposto ao que os garotos haviam tomado.
Acordou com o som do despertador do celular e, após espreguiçar-se, apertou as próprias têmporas por alguns segundos, antes de resolver levantar-se. Tomou seu café da manhã ainda sonolenta, quase despejando água em seu cereal, ao invés de leite. Quando já se sentia mais desperta, olhou para o relógio da cozinha, sorrindo ao vê-lo marcar dez e meia da manhã.
-"Senhorita ?" -Dissera o homem que ligara para ela na noite anterior. - "Surgiu uma vaga na equipe médica do hospital e ficariamos honrados se você pudesse preenchê-la."
sentiu seu coração tentar fugir de seu peito e a adrenalina que tomou conta de si depois disso quase fez com que ela começasse a pular e gritar no telefone, ainda falando com o homem que ela sequer sabia o nome.
- "É sério?" - Ela perguntara, ouvindo o homem rir do outro lado da linha.
- "Sim, senhorita." - Fez silêncio. - "Só há um pequeno problema."
- "Problema?"
- "Sim. A senhorita teria que começar a trabalhar logo amanhã."
- "A... Amanhã?" - Perguntou, engolindo em seco. - "Mas amanhã é..."
- Feliz Natal! - A voz veio do lado de fora da casa. De certo devia ser o seu bem humorado vizinho, que saia em todas as manhãs de natal distribuindo votos e sorrisos às pessoas que cruzavam seu caminho.
sorriu, olhando para a pequena árvore de plástico, enfeitada com algumas luzes e bolas coloridas no canto da sala. Voltou para o seu quarto para tomar um banho e se trocar e dentro de meia hora já estava pronta.
- Depois de todo esse tempo... - Suspirou, olhando para seu reflexo contra o espelho do banheiro. Ela era agora uma mulher de vinte e seis anos, com um diploma em medicina e boas recomendações, uma casa própria, que ela pagava aos poucos com seu próprio dinheiro, cabelos compridos e pesados, que emolduravam seu rosto com leves ondulações , sorriso discreto no canto dos lábios e uma alta confiança em si mesma para compensar a falta de confiança em outras pessoas. - .
Dizer seu nome pela primeira vez em tantos anos fazia a palavra soar como um pecado. O tom de confidência e o suspiro que seguiu a pronuncia só contribuiram para a intimidade daquele momento.
Seus pais diversas vezes a haviam alertado sobre a loucura que suas ações haviam se tornado, uma filha de uma simples empregada cursando medicina era um sonho inalcançável. não fazia ideia de quantas vezes ouvira aquilo, só para aumentar o sorriso em seu rosto quando recebeu o diploma em sua graduação.
- Vamos lá ! - Apertou a mão em punhos, como se para dar coragem a si mesma. Em seguida, colocou seu jaleco branco na bolsa, com outras coisas que ela precisaria para cumprir seu plantão e saiu de casa, caminhando até calçada, onde seu carro estava estacionado.
- Feliz Natal, . - Sorriu-lhe seu vizinho, ao passar por ela. A neve que cobria os jardins e todas as cores das luzes da natal conferiam um clima altamente familiar ao dia. sorriu de volta, retribuindo os votos e logo entrou no carro.
Sentia-se de fato nervosa, mas, acima de tudo, estava ansiosa. Ansiosa para vê-lo de novo, depois de tantos anos.
O hospital em que trabalharia não ficava longe. Custavam aproximadamente quinze minutos de sua casa até ele. já devia estar na metade de seu percurso quando seu celular tocou.
- Alo? - Disse, colocando o fone nos ouvidos. Nem ao menos vira quem era. Mas não precisava olhar um número na tela para reconhecer a voz da melhor -e única- amiga que tinha. -Ah, oi , tudo bom?
- , você acha que isso vai dar certo mesmo? - Ela era assim, nunca fazia rodeios.
- Isso o que?
- Essa sua ideia maluca de encontrá-lo. Você nem ao menos sabe se ele vai trabalhar hoje. Quero dizer, é natal! - sorriu, mesmo que a amiga não pudesse ver.
- E o que é o natal a não ser a galinha de ovos de ouro dos comerciantes?
- Ai , você diz essas coisas porque nunca aceita companhia no natal. Tão cética.
- Ei , estou dirigindo. Nos falamos depois, certo? - Ouviu a amiga suspirar pelo telefone e, por fim, concordar.
- Feliz Natal, amiga.
- Feliz Natal. - desligou, tirou o fone dos ouvidos e balançou a cabeça. Era só uma data comemorativa, nada mais. As pessoas precisavam parar com essa mania de superestimar o Natal.
Aquele dia devia ser um dos dias em que o hospital ficava mais lotado no ano. O Natal não deveria ser o dia para passar com a família? Então por que diabos tantas pessoas iam parar ali?
suspirou, fazendo uma pausa para tomar um café. Soube pelas enfermeiras que receberiam uma médica nova naquele dia e estava ansioso para vê-la. Ela podia ser ao menos bonita, para compensar o dia inteiro atendendo somente pessoas doentes e a beira da morte. Ele estudara numa das melhores faculdades do país e tinha a perfeita capacidade de conseguir emprego em qualquer hospital, fazendo ele mesmo os seus horários. Mas, mesmo assim, escolhera trabalhar num grande pronto socorro, indo contra todas as recomendações de sua família.
Ele trabalhava todos os dias, de domingo à domingo, quase sem descanso. Não tinha namorada, esposa ou filhos, ou sequer um animal de estimação. Sua vida era baseada em trabalho, trabalho e trabalho. Voltava ao apartamento, que ganhara dos pais em sua formatura, quando terminava seu plantão, dormia, tomava um banho e voltava ao hospital. Qualquer um que o conhecece minimamente sabia que era um filho de uma família afortunada, porém viciado em trabalho.
- Ainda aqui, ? - Perguntou um de seus colegas de trabalho, um médico já de meia idade, careca e fora de forma.
- Por que não estaria? - mexeu o café em sua mão, encarando intensamente para o copo de isopor, sem sequer olhar para o outro homem.
- Bom, hoje é Natal e você é jovem. Não deveria estar comemorando com a família? - riu com desdém.
- E o que é o Natal, a não ser a felicidade dos comerciantes? - O mais velho não respondeu. Apenas suspirou e balançando a cabeça, deu as costas para ir embora.
Admirava aquele rapaz, sempre tão dedicado, mas tinha pena dele ao mesmo tempo. O via como um garoto solitário e perdido.
Se ao menos pudesse fazer algo para colocar juízo em sua cabeça.
Foi com esse pensamento que surgiu a ideia que fez o homem parar e voltar a virar-se para .
- Já viu a nova doutora? - Dessa vez levantou a cabeça, fitando o homem com disfarçado interesse.
- Não. - O outro sorriu, com malícia.
- Ela é boa, se é que você me entende.
- Ela tem um nome? - perguntou, um pouco incomodado com o modo com que o outro falava.
- . .
Ele correu com certa dificuldade pelo jardim de sua casa, por conta de toda a neve que cobria o gramado. Na parte de trás da casa havia um pequeno parquinho, com balanço, escorregador e gangorra e ele tinha certeza de que acharia quem procurava ali. Segurava a fita vermelha com força em sua mão direita.
- Ei. -Ele a chamou, sem nenhum resquício da arrogância com a qual a tratara há alguns dias. Ela o olhou triste, como se estivesse chorando a pouco tempo.
- Eu... Me desculpe, já estou saindo. - A garota fez questão de se levantar do balanço.
- Não, espere! - a interrompeu, empurrando-a sutilmente até que ela voltasse a se sentar. Ela o encarou confusa, limpando o rosto com a manga do casaco. - Não precisa ir embora.
Silêncio.
- Eu... Vim para te devolver isso. - O menino estendeu a mão que segurava o laço de cetim da garota, olhando para o próprio sapato com as bochechas coradas. - Você derrubou isso no chão da escola.
- Ah... - Ela o fitou, em dúvida se pegava o laço ou não. Por fim, decidiu por fazê-lo. - Obrigada.
Tentou puxar a fita da mão de sem encostar na mão dele, mas falhou em sua missão. No momento em que seus dedos gelados tocaram a pele de , este apertou sua mão entre a dele, impedindo-a de se soltar.
- Me desculpe por como eu me comportei naquele dia. - Ele pediu, com os olhos sinceros. A garota sentiu os olhos se encherem de água novamente. Só a lembrança daqueles garotos cruéis rindo dela ela torturante demais. Ela não respondeu. - Pode me dizer agora?
- O que? - pareceu ainda mais envergonhado, chutando a neve que se instalava em seus pés.
- O que você tentou me dizer naquele dia.
- Ah, isso. Eu nem me lembro mais. - Deu de ombros. Mas, mesmo para uma criança de seis anos, ela era uma péssima mentirosa.
- Meus amigos me zoariam se eu tratasse bem uma garota. E eles são os únicos amigos que eu tenho, não posso perdê-los. Você me entende, não é, ?
- Eu... - não respondeu de pronto, olhando fixamente nos olhos de . Ela perdoaria sempre, se ele a olhasse com aqueles seus olhos grandes e , como ele estava fazendo naquele momento. Suspirou. - Entendo.
sorriu, um sorriso que ele não conseguia mostrar com tanta facilidade. Na verdade, nunca o vira sorrir daquela forma para as outras pessoas. Isso fez seu pequeno coração dar uma batida mais rápida e a quantidade de sangue em suas bochechas aumentar.
- Obrigado, você é demais!
- ! - elevou a voz, puxando sua mão da dele com força. a encarou assustado.
- O que foi?
- Isso não tem graça. Obrigada por devolver minha fita. Agora já pode ir.
- Quem está na casa de quem? - Sua voz soou arrogante, mesmo que não fosse intencional. engoliu em seco e ele franziu o cenho, se arrependendo da forma como falara. - Desculpa, eu não queria...
- Tudo bem. Eu vou embora então. Eu só estou aqui porque é Natal e minha mãe não queria que eu ficasse sozinha em casa.
- Pelo menos a sua mãe se preocupa. - deixou escapar, recebendo a atenção de , que já se virava para partir. Resolveu continuar, já que ela estava olhando para ele. Pelo menos assim ele atrasaria a sua partida. - A minha mãe não vai poder vir hoje e mandou um presente pelo motorista. Meu pai também.
- Sinto muito. - Disse ela, deixando os ombros caírem. - Eu posso te fazer companhia, se você quiser. A minha mãe está ocupada preparando a sua ceia, de qualquer forma.
- Mesmo? - Ele voltou a sorrir, correndo até ficar próximo a ela novamente. - Isso seria muito legal! Nós poderiamos brincar com as coisas que eu ganhei! Um paciente do meu pai me mandou uma pista de carrinhos de três metros!
sorriu com a animação repentina do garoto, concordando com o que ele dizia só para vê-lo alegre.
- Seria divertido.
Os dois passaram toda a tarde brincando juntos. nunca achara tão divertido brincar com seus brinquedos como naquele dia, e não conseguia entender como alguém podia ter tantos brinquedos assim. Se perguntassem para qualquer um dos dois, descobririam que aquele Natal fora o mais divertido, para ambos.
Eram quase nove horas da noite quando a mãe de entrou no quarto de , mando-lhe se aprontar, porque logo mais seus amigos estariam ali para ceiar com ele.
concordou e a mulher foi embora. estava prestes a sair também, quando a chamou:
- ! - Ele puxou seu braço, fazendo-a olhar para ele.
- Oi. - Respondeu.
- Obrigado por hoje. Eu me diverti muito. - se armou de seu sorriso brilhante novamente. quase que já tinha se acostumado com ele naquela tarde, mas ainda assim não conseguia não se abalar quando o digiria a ela.
- Eu também. - Ficaram em silêncio, mas as atitudes embarassadas de mostravam à garota que ele tinha algo a dizer.
- Podemos fazer isso de novo? - Ele perguntou, por fim. o olhou, incentivando-o a continuar. - Brincarmos juntos? Hoje eu não me senti só.
Ela sorriu.
- Eu também não.
- Viu? Seria legal se nós fizessemos companhia um para o outro, não seria?
- Aham.
- Ótimo. - sorriu, puxando-a para um abraço. - Então, de agora em diante, você não pode mais sair do meu lado, ok?
sentiu suas bochechas corarem e o coração acelerar, mas balançou a cabeça em afirmativa, querendo interromper logo aquele abraço, por sentir-se sufocada. a deixou ir e foi se arrumar. Ela estava no primeiro andar quando os amigos de chegaram.
- Olha só quem está aqui! - Um deles apontou para ela, e os outros começaram a rir. se encolheu, desejando que sua mãe estivesse por perto.
- É a garota que gosta do . Você o seguiu até aqui? Não tem vergonha não?
- Acho que o gato comeu a língua dela.
- Vejam, ela ainda está usando aquela coisa vermelha no cabelo!
- Ei, feiosa! - O mais alto deles se aproximou de , que abraçou o corpo com os braços, encolhendo-se ainda mais contra a parede. Não conseguia sequer respondê-los. - Você fica ainda mais feia com isso, deixa eu te ajudar.
O garoto arrancou a fita do cabelo de , que deu um gritinho de dor por ter seu cabelo puxado. O garoto riu, bagunçando ainda mais seus cabelos e jogando a fita vermelha no chão. Isso foi o suficiente para fazer as lágrimas presas nos olhos da menina cairem insistentemente. Ela saiu correndo, atormentada com as risadas dos garotos.
Quando desceu, não estava mais lá. Seus amigos lhe disseram que não a tinham visto, mas no final da noite o garoto encontrou a fita vermelha, jogada perto da árvore de Natal. Ele o guardou para devolvê-lo quando encontrasse a garota novamente, mas não voltou a aparecer.
Já era noite e ainda não o havia encontrado. Recebera uma porção de pacientes em estados quase terminais e não tivera tempo sequer de tomar um café.
Quando teve uma pequena pausa, resolveu procurar a sala para onde uma enfermeira lhe recomendara fugir quando se sentisse exausta, mas foi impedida por um chamado de emergência de um médico velho e ligeiramente irritante, com quem ela tivera a infelicidade de trabalhar por todo o dia.
- Rápido Dra. , a paciente tem apenas seis anos e foi baleada no tórax. - Ele vinha com uma maca e uma porção de enfermeiras. o acompanhou até a sala de cirurgia, segurando a mão da garota. Uma das enfermeiras ficara encarregada de acalmar a mãe da garota, que tentava se jogar desesperadamente sobre a maca.
Haviam três médicos na sala de cirurgia, incluindo ela. tentava controlar-se, mas aquela garotinha bochechuda a lembrava muito de si mesma para que ela mantesse a calma necessária no momento. O Dr. mais velho pareceu perceber a sua insegurança, porque logo chamou uma enfermeira, pedindo-lhe para chamar um outro médico para ajudar.
ajudava como podia, mas não se arriscou comandar a cirurgia. Sentia-se tonta e tudo só piorou quando o quarto médico entrou na sala.
Ele não mudara muito: ainda não escovava os cabelos direito, apesar de estar mais magro e bem mais alto do que antes. Não sorria, como antigamente e pareceu não notar a sua presença. Pelo menos não enquanto a garota na maca ainda corria risco de vida.
Ela estava ainda mais encantadora do que ele se lembrava. Suas bochechas fofas e sempre rosadas haviam dado lugar à um rosto longo, fino e bastante pálido, seu corpo definitivamente evoluira muito bem e o jaleco branco lhe caira perfeitamente.
Balançando a cabeça, fez de tudo para se concetrar unicamente na garota machucada na maca, o que conseguiu fazer perfeitamente bem ao associar as bochechas da menina com aquelas rosadas bochechas que costumava ter. As da garota na maca começavam a perder a cor e tomou como missão pessoal impedir que isso acontecece. Por toda a uma hora e meia que durou a cirurgia, estava completamente compenetrado em salvar aquela garota. Ele não podia deixá-la ir embora.
Não outra vez.
A cirurgia terminou sendo um sucesso e a garota pode ser levada para um quarto, fora de perigo. saiu da sala logo após certificar-se de que a garota não corria mais perigo, ignorando completamente toda a euforia com que os médicos e as enfermeiras o congratulavam. Ele parecia nervoso com alguma coisa.
- Qual é o problema dele? - O médico mais velho perguntou.
- Ele precisa relaxar. - Respondeu uma das enfermeiras na sala.
- Eu não me importaria em ajudá-lo nisso. - Outra das enfermeiras, uma loira peituda, riu, fazendo o doutor rir junto. rolou os olhos.
- Com licença. - Ela pediu, deixando a sala de cirurgia em seguida. Como eles podiam brincar daquela forma, sabendo que o sangue que manchava suas luvas pertencia à uma menina de seis anos?
andava pelos corredores se apoiando nas paredes, sentindo-se tonta. Era tarde da noite já e, por mais incrível que parecesse, o movimento havia diminuído. Por fim, encontrou a tão famosa sala de descanso e entrou lá, sem nem se preocupar em acender a luz. Era melhor mesmo que estivesse escuro. Se ela não fechasse os olhos por pelo menos meia hora, poderia surtar.
Ela o vira. Ela estivera na mesma sala que ele depois de mais de quinze anos.
E ele sequer olhara para ela.
suspirou, controlando-se para não dar um berro naquela sala silenciosa. Sentia-se terrivelmente frustada, embora sentisse que estivesse exagerando. Afinal, a prioridade naquele momento, até mesmo para ela, era salvar a menina. E se se distraisse um pouquinho sequer, talvez não tivesse sido capaz de realizar uma performasse tão memorável como a que ele tivera.
- Como está indo o primeiro dia? - Uma voz grossa e séria, vinda de algum lugar do escuro se fez ouvir. deu um pulo na cadeira onde se sentara, abrindo os olhos assustada.
Não que ela estivesse com medo, mas porque ela sabia que aquela voz pertencia a ele.
- Foi...
- Ainda não consegue falar direito na minha presença. - O mesmo tom arrogante e debochado de antes.
Ele não tinha mudado em nada.
- Bom, eu nem sequer estou te vendo, então eu tenho direito de ponderar um pouco na minha fala, certo? - correu os olhos pela sala, seguindo a direção da voz. Havia uma árvore de Natal próxima à parede do outro lado da sala, e uma sombra ao seu lado. Aquela sombra era .
- Se você chegasse mais perto, poderia me ver melhor. - Disse ele. riu com isso, lembrando-se da história da Chapeuzinho Vermelho. franziu o cenho. - Do que está rindo.
- De nada. - Recompôs-se, levantando-se da cadeira. - Ok, eu vou até você.
sorriu, acreditando que não poderia ser visto, por conta da escuridão do local. A verdade era que ele nunca se sentira tão nervoso e ansioso antes em sua vida.
Ele tivera muitas garotas ao longo dos anos, mas nenhuma conseguira fazer com que ele não se sentisse sozinho. Nenhuma era como ela fora. Elas eram todas irritantes e ele não conseguia suportá-las por mais do que algumas horas.
- Devo dizer que fiquei surpreso quando o Dr. Kent disse que você estava trabalhando aqui.
- Não acreditou que uma garota como eu pudesse ter se tornado uma médica? - sorriu para ele, sentando-se ao seu lado. Ele sorriu de lado, balançando a cabeça.
- Achei que você tivesse sido abduzida, ou algo assim. - se moveu desconfortável, enquanto ainda conservava seu sorrisinho.
- Eu...
- Sabe, você é uma pessoa muito irresponsável! - Ele praticamente gritou, fazendo com que se assustasse. - Vive perdendo as coisas por aí. Queria saber como você sobreviveu esses anos todos!
- , do que você está falando?
Foi a vez de ficar sem graça. Ele tinha sua mão direita no bolso do jaleco e olhava para baixo, do modo como ele costumava fazer quando se sentia envergonhado.
- ?
- É a última vez que te devolvo isso, da próxima vai ficar sem! - Ele disse tudo muito rápido, jogando algo sobre . Mesmo com seu reflexo meio atrasado, ela conseguiu pegar a coisa pequena e mole, ainda no ar.
Era um tecido fino e vermelho. sentiu o queixo cair quando o reconheceu.
Como era possível que ele ainda o tivesse?
- Você... Guardou isso pra mim?
- É claro que guardei, você não vivia sem isso. É claro que não imaginei que fosse demorar tanto para pegá-lo de volta. Agora você não pode mais usá-lo, ficaria ridículo. - Ele tagarelava, nervoso. Se a luz estivesse acesa, tinha certeza que veria seu rosto tão vermelho quanto um pimentão.
Em suas mãos, ela segurava a fita vermelha que ela usara por tantos anos em sua infância.
Não sabia como reagir àquilo. Quando pensava em reencontrar , chegara a cogitar que ele nem sequer se lembrasse dela. Afinal, ela só fora a filha da empregada, inferior demais para ter qualquer tipo de relação com o garoto. Saber que ele guardara seu acessório favorito por tantos anos era no mínimo tocante.
- ... - Ela chamou sorrindo, tentando fazer com que ele parasse de falar.
- Quando você desapareceu no Natal, eu achei que algo tivesse acontecido, ou que você só tivesse ido dormir. Mas os dias foram passando e sua mãe não me falava sobre você. Depois ela foi embora e você nunca mais foi sequer para a escola. Não foi nada prudente, sabe? Sair de uma escola tão boa quanto aquela. Pra onde você foi afinal?
Você fugiu só por causa do que eu te pedi? Era só ter dito que não queria ser minha amiga, eu iria entender. Talvez eu fosse agir como um idiota com você, mas pelo menos você não teria que deixar a escola, ou a sua mãe o emprego. Eu fiquei preocupado, sabia? Sem saber para onde você tinha ido.
- ...
- Aliás, você não usa a internet não? Quem não tem Facebook hoje em dia? Em que mundo você vive? Tudo isso foi pra eu não te encontrar? Porque se foi, não tem o menor sentido você ter vindo para o mesmo hospital em que eu trabalho. Ou você não sabia disso? É por isso que estava tão pálida durante a cirurgia? Por que eu apareci e você não queria me ver? Bom, desculpa, eu posso tentar fingir que eu não te conheço. Não garanto que será possível, mas se for importante para você, eu posso tentar.
- ! - gritou, finalmente conseguindo que o médico a olhasse. Ele tinha a boca semi-aberta, como se pego de surpresa pelo grito. não conseguia parar de rir. - Caralho, você quer calar a boca? O que aconteceu com aquele garoto caladão que você costumava ser?
- Eu... - olhou para o chão, envergonhado. Grande, havia falado demais! Agora ela o acharia um maluco completo e na certa pediria demissão assim que saísse dali.
- Eu sabia que ia te encontrar aqui. Foi por isso que eu vim. - admitiu, não encontrando dificuldades em fazê-lo. Não sentia mais vergonha em falar com .
Talvez porque agora ela falasse de igual para igual.
- Por... Por que eu estava aqui?
- Os motivos pelos quais eu parti... Não vale a pena falar sobre eles. Mas agora eu me sinto pronta para voltar.
- Quer dizer que você vai ficar?
- Sim. - Ela sorriu.
- Então você... Espera. - tirou a fita que segurava em suas mãos, aproximando seu rosto do dela. prendeu a respiração e sorriu ao perceber isso, aproximando-se ainda mais do que o necessário para fazer o que pretendia. Observou-a fechar os olhos e não conseguiu evitar que seus olhos pousassem nos lábios pequenos e aparentemente macios da doutora. Ele então levantou os braços até a altura da cabeça de , amarrando a fita em seus cabelos. abriu os olhos, fitando-o com os olhos apertados e ele sorriu para ela. - Agora sim. Não ficou ridículo.
- Obrigada, eu acho.
Mesmo após cumprir o objetivo de prender a fita em seu cabelo, não se afastou. Ficou sério novamente e disse:
- Naquele tempo, você prometeu que não sairia mais do meu lado. Tem ideia de quão chato foi ter que brincar sozinho? Até mesmo com os meus amigos, porque eles quebravam todas as minhas coisas. - Ele fez careta. sorriu triste.
- Me desculpe.
- Me desculpe? Você some por quinze anos e acha que só um pedido de desculpas vai resolver tudo? - Embora falasse sério, não parecia bravo. Na verdade, ele parecia somente triste.
- Eu e você... Nós éramos diferentes demais. Eu não poderia ficar ao seu lado, como você me pedira.
suspirou. Mesmo que fosse difícil para ele aceitar aquilo, ele já sabia disso há muito tempo. teria sofrido se tivesse ficado, talvez até por suas próprias mãos.
- E agora?
- Agora? - Seus rostos estavam a apenas alguns centímetros de distância. Quando um não dedicava sua atenção aos olhos do outro, seu olhar caia insistentemente nos lábios do outro. Tão próximos...
- Você ficaria, se eu pedisse? - A voz dele soou sofrida. Seus olhos agora encaravam fixamente os lábios da garota. Ela não respondeu com palavras. Ao invés disso, balançou a cabeça em afirmativa, puxando o rosto dele contra o seu, para acabar de vez com a distância entre eles. Seus lábios se encaixaram com precisão e eles se beijaram com desespero. As luzes da árvore de natal iluminava seus rostos, deixando-os ora verdes, ora vermelhos.
E, pela primeira vez, eles entenderam o que havia de tão especial no Natal. Não eram os presentes, ou a ceia maravilhosa, mas sim a sensação de que todos, duas pessoas ou cem delas, estavam reunidas por uma razão maior do que dinheiro, maior do que interesses: o amor. Elas sorriam umas para as outras e trocavam votos e presentes, que ficariam guardados para sempre nas lembranças. Para sempre, sob a Árvore de Natal.
Bom, não tenho muito o que falar. Desejo a todos um feliz natal e um ano novo maravilhoso. Que muitas coisas boas aconteçam na vida de todos nós, nesse feriado mais do que amado por mim <3
xx - Dana