Unborn

Escrita por Luisa Silva | Revisada por Lyra M.

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Capítulo Único

  21 de agosto

   entrou em casa tentando não fazer muito barulho, o que não foi possível, pois suas chaves caíram no chão, deram-na um susto e fizeram-na derrubar os seus papéis. Quando desceu as escadas, encontrou sua esposa tentando juntar tudo novamente. Sorrindo, ele se aproximou para ajudá-la. O sorriso da mulher tremeu quando o viu, pois em meio àqueles papéis havia uma notícia que mudaria o rumo da vida dos dois, e ela estava completamente apavorada pela incerteza da reação de seu adorado marido.
  — Boa noite, meu amor. — Ele disse quando se abaixou para pegar os documentos do chão.
  — Oi! — Ela disse sem conseguir disfarçar o nervosismo.
  — Está tudo bem? — Ele perguntou quando terminaram o trabalho.
  — Claro. — Ela disse e sorriu amarelo, fazendo desconfiar de alguma coisa. Ele lançou a ela um olhar interrogativo, que logo perdeu a postura e entregou o jogo:
  — Eu... tenho uma coisa para te contar. — Ela disse e começou a procurar algo entre os papéis, agora em cima da mesa. Ele apenas assentiu, sinalizando que ela devia continuar.
  — Eu passei mal algumas vezes essa semana, então hoje resolvi ir ao médico para descobrir o que era...
  — Fala logo, mulher! — disse alto, porém brincalhão, e a pegou pelos ombros.
  — Eu estou grávida! — disse, colocou o papel do exame nas mãos dele e escondeu o rosto nas mãos, com medo da reação do homem.
  Eles haviam se casado há apenas cinco meses e eram muito jovens, ambos com 21 anos, e agora teriam um filho. De início ficou confuso, não sabia como se sentir, mas depois começou a imaginar seu futuro com uma criança, o produto de seu amor, e não conseguiu mais parar de sorrir.
  — Diga alguma coisa antes que eu morra. — ainda estava com o rosto enterrado em suas mãos.
   não pôde evitar a risada que saiu de sua boca. espiou por entre os dedos, apenas para ver seu marido a abraçando com o maior sorriso do mundo. Ela retribuiu o abraço, que logo passou para um beijo, o sorriso de um sendo claramente sentido pelo outro. Logo as lágrimas se juntaram à mistura, dando um toque salgado ao beijo.
  — Quantos meses? — Ele perguntou depois de colocar no chão novamente.
  — Eu não faço ideia, mas já tenho um consulta marcada para semana que vem. Você não precisa ir comigo se não quiser. — Ela respondeu, ainda chorando de alegria.
  — Se eu não quiser? É claro que eu quero! — Ele disse e a levantou novamente. — Eu vou ser o melhor pai que eu puder para essa criança, assim como eu sou o melhor marido que eu consigo para você.
  Se o sorriso de fosse maior, seus lábios rachariam. Ela riu nos braços de e o beijou novamente, encerrando assim aquela noite surpreendente.

  29 de agosto

  Estavam os dois sentados na sala do Doutor Madson esperando o resultado do ultrassom que havia acabado de fazer. A porta se abriu com um barulho suave, e o casal olhou para o homem de meia idade que passava por ela.
  — Trago notícias boas e ruins. — Disse o doutor quando se sentou em sua cadeira de couro. — Qual vocês querem saber primeiro?
  O casal se entreolhou e respondeu:
  — As boas primeiro, por favor.
  — Tudo bem, então. — Disse e arrumou alguns papéis em sua mesa. — A boa é que você, Srta. , está com um bebê de cinco semanas se desenvolvendo perfeitamente saudável em seu útero. A má notícia é que essa gestação pode ser um pouco complicada, pois nós achamos um nódulo maligno em sua parede uterina.
  Os sorrisos que ocupavam os rostos dos dois desapareceram lentamente, sendo substituídos por feições de preocupação.
  — E o que isso quer dizer? — Perguntou , o medo já tomando a sua voz.
  — A senhorita tem que tomar muito cuidado com sustos, estresse ou até mesmo movimentos bruscos demais. Se passar por alguma dessas coisas, você corre o risco de sofrer um aborto.
  A tensão se instalou no ar, o medo e a preocupação estampados nos rostos de e . Depois de alguns momentos de silêncio quase absoluto, o rapaz resolveu quebrar o gelo:
  — Acho que não teremos mais filmes de terror nem montanhas-russas por uns bons nove meses, então. — Ele disse em tom de brincadeira, conseguindo de volta parte do sorriso de sua esposa e uma boa risada do doutor.
  — Definitivamente não. — Concordou Dr. Madson e os dispensou de seu consultório.

  24 de dezembro

   cantarolava baixinho a letra de uma música que tocava no rádio do carro, enquanto dirigia até a casa de sua mãe em uma cidade vizinha.
  — I’ll hold you tightly, give you nothing but truth. If you are not inside me, I’ll put my future in you... – Cantava o rapaz com uma voz quase angelical. sempre o perguntava se ele não queria seguir carreira de cantor, ao que ele sempre respondia da mesma maneira: “Isso de ser famoso é muito inconstante. Além do mais, eu já tenho tudo o que preciso.”
  — Sabe, eu aposto que ele vai ter os meus cabelos ruivos e os seus olhos azuis. — O rapaz falou de repente, atraindo a atenção da garota para ele.
  — Ah é? E o que mais? — Ela perguntou, sorrindo e apoiando a mão em sua barriga protuberante.
  — Ele vai ter o seu sorriso, também. E covinhas nas bochechas. Estou louco para poder pegar ele nos braços, para ele agarrar meu dedo e nunca mais soltar, para fazê-lo dormir na cama ao nosso lado e protegê-lo de tudo. – continuou falando enquanto acariciava a criança e olhava apaixonadamente para o marido.
  — Parece que alguém está bem ansioso, hein? — disse e riu. apenas lançou um sorriso com um “é mesmo?” implícito para ela, e logo voltou sua atenção para a estrada.
  Ao chegarem à casa da mãe de , onde passariam o Natal, foram recebidos com muitos abraços e beijos de toda a família. As duas irmãs mais novas, Sophie e Lizzie, de 16 e 18 anos respectivamente, brincavam na sala com o sobrinho Sammy, de 2 anos, filho de Ryan, o irmão mais velho de , com 28, e Kat, sua esposa.
  — , querida! Como você está? — Perguntou a sua sogra, Sra. , fazendo se sentar em uma poltrona na sala.
  — Estou bem, obrigada! Seu filho está fazendo um ótimo trabalho de enfermeiro particular. — respondeu e fez todos os presentes darem risada.
  Depois de alguns minutos de conversa jogada fora, um cheiro maravilhoso veio da cozinha.
  — A torta para mais tarde deve estar pronta. — Disse Kat, se levantando de indo em direção à cozinha, com as suas cunhadas a seguindo.
  — Vocês precisam de ajuda? Eu posso... — Começou , mas logo foi interrompida.
  — Ah, não, querida! Não precisa, tenho certeza que as meninas podem cuidar de tudo, enquanto eu e você ficamos aqui na sala mesmo. Além do mais, me disse que você precisa fazer o mínimo de esforço possível. — Respondeu a Sra. , colocando a garota de volta em sua poltrona.
  As três meninas foram para a cozinha, Ryan foi cuidar do filho e e Sra. ficaram na sala conversando com .
  — Então, querida, conte-me. Já sabe se estamos esperando um netinho ou uma netinha? — Perguntou a senhora animadamente.
  — O Dr. Madson disse que é um menino. — Respondeu e sorriu para o marido.
  — Você está com quantos meses? — Sra. continuou o interrogatório.
  — Mais ou menos vinte semanas, que são uns cinco meses. — A garota respondeu.
  — Eu não entendo porque os médicos falam tudo em semanas. Quer dizer, quanto tem... — Continuou a Sra. , porém foi interrompida por um enorme estrondo de metais se chocando, vindo da rua.
  O barulho repentino causou um enorme susto em e a fez quase saltar de sua poltrona. A menina começou a sentir dor quase imediatamente, porém não disse nada. saiu da casa apressado, querendo descobrir o que era, e logo o pessoal que estava na cozinha também foi para a sala.
  — Algum imbecil bateu no meu carro e fugiu. — Ele disse quando voltou para dentro de casa, ainda olhando para a destruição do carro. Quando seu olhar se voltou para a sala, encontrou sua esposa agachada no chão com sua mãe tentando acalmá-la.
  — ! — gritou correu para perto da mulher. — O que foi, meu amor? O que... — Ele ia continuar quando seu olhar foi atraído por uma enorme mancha vermelha que se formava aos pés de sua esposa.
  De repente, todo o ar da sala pareceu ir embora e não conseguia mais respirar. O pânico o dominou e ele se levantou com falta de ar, sua cabeça estava girando, seu rosto já lavado de lágrimas e ele não sabia o que fazer.
  — , se acalme. Nós vamos levar para o hospital e ela e o bebê vão ficar perfeitamente bem. — sentiu duas grandes mãos em seus ombros e abriu os olhos, dando de cara com seu irmão mais velho passando-o força.
  — Tudo bem. — respirou fundo. — Certo. Tudo bem. — Repetiu e respirou mais algumas vezes.
  O se recompôs e pegou as chaves do carro do irmão, que estavam em cima da mesa da sala. Ryan ajudou a levar uma quase inconsciente até o carro, com sua mãe e as meninas o seguindo. A divisão de quem iria em cada carro foi feita, ficando , e a Sra. em um carro e Ryan, Sophie e Lizzy em outro. Kat ficara na casa com Sammy, que não entendia o porquê daquele desespero todo de um momento para o outro.
  No carro, lágrimas silenciosas não paravam de correr dos olhos de . O jovem não conseguia para de pensar em como viveria se ou o seu filho não sobrevivessem, mesmo tentando ao máximo afastar essas ideias da mente. Olhou para o espelho retrovisor interno do carro, se deparando com uma cena que só trouxe mais lágrimas aos olhos dele: deitada no banco traseiro, o vestido parcialmente sujo de sangue, a cabeça apoiada no colo da sua mãe, os olhos fechados em uma expressão de dor enquanto apertava as mãos da sua sogra, que sussurrava repetidamente que tudo ia ficar bem.
  — Qual é o hospital mais próximo, mãe? — Perguntou , em uma tentativa desesperada de se distrair.
  — O Children’s Hospital of Cambridge, estamos bem perto. — Respondeu a senhora em um tom estranhamente calmo para a situação.
  Ao parar o carro na porta do hospital, nem se deu ao trabalho de desligá-lo, saltou pela porta, pegou sua amada, praticamente inconsciente, nos braços e entrou na recepção, deixando o carro aos cuidados de sua mãe.
  O barulho da porta de vidro sendo aberta violentamente chamou a atenção de vários paramédicos e enfermeiros que estavam por perto, que logo trouxeram uma maca para que colocasse .
  — O que aconteceu, senhor? — Perguntou uma das enfermeiras com um tubo de oxigênio na mão enquanto praticamente corria atrás da maca, que estava sendo levada para a UTI.
  — Eu... eu não sei. É uma gravidez de risco e ela tomou um susto e... — Respondeu com a voz falhando. Ele sabia que não estava fazendo nenhum sentido, mas a enfermeira entendeu o recado.
  Logo os paramédicos atravessaram rapidamente uma grande porta, e foi barrado. Sob muitos protestos desesperados, o foi deixado para trás. A Sra. chegou alguns momentos depois, encontrando seu filho ainda de pé perto da porta. As lágrimas corriam livremente pelo rosto de , que logo sentiu o abraço de sua mãe e soluçou.
  — Venha, filho. Vamos sentar. Eles vão ficar bem, tenha fé. — Disse a senhora.
  Quando encontraram um lugar na sala de espera, o resto da família chegou, e uma recepcionista entregou um formulário que deveria ser preenchido com os dados da paciente, , e do seu acompanhante.
  O Hospital Infantil de Cambridge estava movimentado, mesmo sendo véspera de Natal. Muitas crianças choravam no colo de suas mães, outras corriam e brincavam alegremente, alheios a todo sofrimento que se passava em volta delas. Ver aquelas crianças só fazia ficar mais triste, mesmo com toda a família o apoiando e dizendo que tudo ficaria bem.

[...]

   não sabia dizer quanto tempo se passou desde que foi levada naquela maca, mas sabia que não conseguiu ficar sentado por um minuto sequer. A cada momento que passava, a cada criança que ele via, sua preocupação aumentava, até chegar ao ponto de ele já ter gasto mais de dez euros na maquina de café da sala. Toda a sua família estava preocupada, tanto com e o bebê quanto com , que andava de um lado para o outro com o quarto copo de café expresso na mão em quinze minutos.
  — , você tem que se acalmar. — Lizzy disse e se levantou. — Ficar andando de um lado para o outro e se entupir de café não vai ajudar em nada, e você está deixando todo mundo inquieto também.
  O homem olhou para o resto de sua família e finalmente sentou em uma cadeira ao lado de Ryan.
  — Desculpa, é que... eu não posso perdê-los, Liz. Nenhum dos dois. — Disse e deixou o café de lado, apoiando a cabeça nas mãos. Sophie sentou do outro lado do irmão e começou a afagar as suas costas.
  — Calma, , tudo vai ficar bem. — Ryan usou um apelido que não ouvia fazia um bom tempo, e isso só o entristeceu mais.
  Olhou em volta à procura de um relógio e quando achou um, esse já marcava 20h. Isso dava um total de mais ou menos quatro horas sem nenhuma notícia de ou do bebê. Alguns minutos e muitas lágrimas depois, um homem com um jaleco branco e uma prancheta na mão veio pelo corredor e chamou:
  — Sr. ?
   se levantou em um pulo e se aproximou do Dr. Jackson, como dizia no jaleco.
  — Como ela está? — Perguntou antes mesmo de cumprimentar o homem.
  — A Sra. está bem, apenas se recuperando da cirurgia de emergência em um dos quartos. — Disse o doutor, olhando em sua prancheta.
   sentiu o alívio percorrer o seu corpo, porém seus olhos marejarem quando percebeu que a cirurgia só poderia ter algo a ver com o bebê.
  — E... e o meu filho? — Perguntou com a voz embargada. Dr. Jackson levantou o olhar da prancheta e encarou o jovem em sua frente, respondendo-o sem palavras.
  Não, não, não, não, não. Era tudo o que pensava enquanto dava passos para longe do doutor, até que finalmente esbarrou em seu irmão, que o abraçou e tentou confortá-lo. A família toda se juntou em um abraço em grupo para tentar dar apoio ao , que só conseguia chorar abertamente.
  — Podemos vê-la? — Sra. perguntou ao Dr. Jackson.
  — Ela está descansando no quarto 221, mas só são permitidos dois visitantes no quarto. — Respondeu ele e apontou para uma das portas.
  , que havia escutado a resposta, se desvencilhou do grupo e foi em direção ao quarto indicado. A cena que viu ao abrir a porta o fez sentir como se alguém tivesse acabado de girar a faca que estava já encravada em seu coração. estava dormindo como um anjo, totalmente fora de seu lugar naquela cama de hospital, porém sua barriga já não estava alta como algumas horas antes. Sra. colocou a mão no ombro de seu filho em um gesto de apoio, enquanto este ainda estava de pé apenas por se apoiar no batente da porta. Entrou no quarto, sentou na poltrona ao lado da cama e segurou uma das mãos de nas suas, que inconscientemente as apertou de volta.
  — Vocês vão ficar bem, filho. — Sra. disse e se aproximou do filho. — Agora que nós já sabemos que está bem, eu vou levar as meninas e o Ryan para casa, mais tarde eu peço para ele trazer comida e algumas roupas para você passar a noite aqui com ela, ok?
  — Ok, mãe. Muito obrigado por ter ficado comigo esse tempo todo. — Ele respondeu e abraçou a mãe, a acompanhando até a porta.
  Lá fora, recebeu abraços de seus irmãos e mais palavras de conforto.
  — Nós viremos no primeiro horário de visitas amanhã, ok? — Disse Sophie enquanto o abraçava.
  — Ok. Obrigado por terem ficado aqui, amo vocês. — Ele disse e deu um último aceno de despedida, voltando ao quarto logo em seguida.
  Sentou-se novamente na poltrona ao lado da cama e apoiou a cabeça no colchão, segurando a mão de novamente:
  — Não sei o que faria se tivesse te perdido. — sussurrou e deixou o cansaço o dominar.

[...]

  “Mas o quê...?” foi o primeiro pensamento de quando acordou em um lugar totalmente desconhecido, sem saber o que estava acontecendo e com a cabeça latejando. Olhou para o lado e viu alguns monitores desfocados, olhou para o outro e viu seu marido dormindo em uma poltrona, o que não ajudou em nada em sua confusão mental. Desviou o olhar para frente, parando em sua barriga, e percebeu que algo estava faltando. A confusão em sua mente só aumentava enquanto tentava lembrar como foi parar naquele quarto e onde estava seu filho, então só percebeu que estava apertando a mão que segurava quando ele acordou em um susto.
  — , . O que aconteceu, o que... — começou, mas foi interrompida por imagens borradas em sua mente. Lembrou-se de estar na casa de sua sogra, depois de uma dor terrível, de ser colocada em um carro e depois em uma maca, então tudo se apagava e virava breu.
  — Calma, meu amor, você precisa ficar...
  — Onde está o meu filho? — Interrompeu a mulher. Os olhos de se encheram de lágrimas novamente enquanto ele tentava explicar.
  — Você se assustou e... — respirou fundo antes de continuar — Eles tiveram que fazer uma cirurgia de emergência para não perder você também... — Lágrimas grossas desciam pelos rostos dos dois quando a compreensão atingiu .
  — Não, não, , não. Não, meu filho não... — começou a se desesperar e a apertar as mãos contra o ventre vazio.
   se apressou em subir na cama e abraçar , tentando passar a ela uma força que nem mesmo ele estava sentindo.
  — É tão injusto, . Eu não entendo. Ele não teve nem a chance de viver, não fez nada para merecer isso. — Chorava , sendo embalada pelo confortante abraço de .
  — Eu sei. Também acho injusto. — Disse ele. — Talvez ele fosse necessário lá em cima, mesmo nós não sabendo o porquê.

FIM!



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