Uma nuvem chamada Loélen
Escrito por Manuela | Revisado por Mariana
Nome: Helena Longbottom
Data de nascimento: 10.07.1994
Idade: 18 anos
Localidade: Londres, Inglaterra
Caso: Encontrada morta nas redondezas do Oceano Atlântico.
1 dia antes
- Doutor. – a menina o chamou
- Sim, querida. Fale – o homem colocou a prancheta de lado e tirou os óculos
- Quais são as chances dessa cirurgia dar certo? – perguntou apreensiva. Pego de surpresa, o médico ficou em silêncio. Nunca havia feito uma cirurgia daquele tipo, eram inumeros riscos, e o médico não tinha certeza se a menina iria sobreviver. Afinal, não sabiam o quanto de profundidade aquela “coisa” estava presa no corpo da moça. Não sabiam se fazia realmente parte dela. Inúmeros exames e nada foi indentificado.
- Eu não sei. – ele respondeu com sinceridade e deu um sorriso terno. A menina ficou mais apreensiva ainda. Odiava não ter a certeza. Não queria estar ali, não queria fazer aquela cirurgia, não queria tirar algo que fazia parte dela. Mas seus pais foram tão incômodos, que ela decidiu ceder a vontade dos dois. Por ela, aquilo não era uma aberração, era algo diferente. Porém, seus pais, muito importantes na mídia não queriam ser alvo de comentários, não agora que as ações de sua empresa terem caído mais de 3,6% só naquela semana.
- Deve ter algum modo de saber... – ela sussurrou baixo
- Vamos, Helena. – sua mãe se pronunciou e abriu a porta – Obrigada, doutor. Até amanhã.
- Até. – ele se levantou e esperou a família sair.
E quando saíram, o médico bufou e retirou os óculos coçando os olhos. Se a menina morresse na cirurgia sua carreira estaria acabada.
x.x.x
Naquele dia, Helena ficou a tarde inteira admirando as nuvens. Se perguntou como seria toca-lás e que gosto elas teriam. Por um instante, subiu no parapeito da janela e tirou a blusa, libertando e expondo seu problema. Pensou em ir até as nuvens, e viver por lá. Será que existe alguém morando lá?
- Que pergunta boba, Helena! – a menina disse pra si – Vamos, você consegue! – ela respirou fundo e sentiu a sensação de liberdade ao expor mais ainda seu “problema”. Helena olhou para as nuvens e novamente a sensação de toca-lás se fez presente. Como queria viver como as nuvens, que rodavam o mundo inteiro, não tinham problemas e ficavam flutuando/voando com tamanha liberdade, e claro adquiriam diversas formas, e que todo sonhador dava atenção a elas.
- Um dia irei me juntar a vocês. – ela sussurrou
- Não se tiver suas asas cortadas! – Longbottom ouviu e logo levantou o rosto procurando pela voz
- Como é? – ela olhou para o quarto e para o chão
- Aqui em cima, menina tola! – Helena olhou e não pode acreditar no que via. Em cima da nuvem com formato de bicicleta havia uma pessoa.
- Eu só posso estar maluca. – balançou a cabeça
- Vai deixar cortarem suas asas? – a tal pessoa ignorou o comentário anterior e foi direto ao ponto
- Por que não deveria? – rebateu – Quem é você? Como vive ai em cima? – ela gritou
- Não grite, não sou surdo!
- É que, poxa, você esta a muitos km de distância de mim.
- Mas consigo lhe escutar. Então fale baixo. – a pessoa revirou os olhos
- Quem é você?
- Sou o espírito dessa nuvem. – Helena franziu o cenho e se perguntou se nuvem tinha espírito. Era a coisa mais maluca que escutara em todos os anos de sua vida.
- E lá nuvem tem espírito? – ela questionou
- Sua tola! Claro que tem, todos tem não é mesmo, porq ue uma nuvem não teria? Por ser um ser inanimado?
- NUVENS NÃO TEM ESPÍRITO, PELO SIMPLES FATO DE SEREM, SEI LÁ, NUVENS! – Helena desceu do parapeito e colocou a blusa
- Tecnicamente você esta falando com uma nuvem. Não foi sempre seu desejo, Helena. Ser uma de nós, poder viajar pelo mundo afora, conhecer e ver pessoas. Poder ser admirada pelo modo como você é. Adquirir formas. É maravilhoso ser uma nuvem! – neste exato momento a nuvem que antes era uma bicicleta se transformou em uma lua
- Então, nuvem. Qual seu nome? – Longbottom mandou a lógica para longe. Estava falando com uma nuvem e estava se sentindo bem com tamanha loucura.
- Eu me chamo de Loélen.
- Você é um homem?
- Posso ser o que eu tiver vontade. Homem. Mulher.
- Não consigo lhe ver.
- Consegue sim. Sou a nuvem, não a pessoa em cima dela – Helena ficou mais confusa ainda. Como assim não era a pessoa e sim a nuvem. Então quem era a pessoa em cima da nuvem? A própia nuvem?
- Não corte suas asas, Helena. Você as ganhou por algum motivo, você é um anjo. - Loélen falou
- Um anjo? Faça me o favor.
- Anjo! Anjos tem asas. Irá sofrer sem suas asas.
- Eu sofro com elas. Eu quero tira-lás.
- Não quer não! – Loélen suspirou
- Ora, não sabes o que eu quero, mau me conhece.
- Te conheço sim, estou sempre aqui. Sempre te observando e você, fica me olhando, não sei se percebe. – a nuvem mudou o formato – Nos conhecemos tão bem.
Helena, pela primeira vez ficou sem saber o que dizer. Foi pega de surpresa, e estava vivendo algo além da realidade e da sua imaginação. Na sua cabeça tudo lhe dizia que a Loélen tinha razão, ela ganhara aquelas asas para voar, para alcançar as nuvens, ou para viver em uma delas.
- Loélen. Você é uma nuvem, certo? – Loélen concordou e mudou de forma novamente – Posso ser um nuvem? – Helena questionou
- Pode viver conosco, mas ser uma de nós, nunca vi. – a nuvem era arrogante, pensou Longbottom. – Só se nascesse de novo.
x.x.x
O dia
- Preparada, Helena? – o médico perguntou enquanto colocava as luvas e a mascara.
- Ela está sim. Não é mesmo, querida? – a voz de seu pai se fez presente na sala
- Não irá doer nada. – o doutor prometeu e pegou a injeção que continha um líquido viscoso e verde.
Helena olhou para a enorme janela que ocupava toda a parede e viu Loélen a olhando, e então teve a certeza do que não queria.
Não queria ser comum, queria voar e viver ou ser uma nuvem. Queria poder dividir o mesmo espaço que Loélen, ó deus. Queria poder tocar nas estrelas, queria sentir o ar lá de cima. Não queria ficar deitada nessa maca com lençóis descartáveis e ter a chance de morrer. Não queria ter seu braço perfurado por um líquido viscoso quem nem sabia o que era. Não queria fazer as vontades de seus pais. Queria ser apenas Helena.
- Eu não quero fazer isso. – Longbottom sussurrou – Eu não posso fazer isso. – ela falou mais alto. – Pai, Mãe, me tirem daqui! – ela tentou inultilmente puxar o braço
- Helena, não vai doer nada. – A Sra Longbottom falou
- ME TIRA DAQUI! – ela puxou o braço e o médico revirou os olhos – ME TIRA DAQUI! – Helena então se soltou e jogou a maca para longe. Quando se admirou no espelho, viu o quanto ficava linda com as suas asas abertas. A nuvem tinha razão. Ela nasceu para isso.
- Não pense em sair daqui, mocinha. – Sr. Longbottom correu até a menina mas era tarde demais. Helena já havia pulado e se jogado da janela. Ele correu a tempo de ver a menina voar enlouquecidamente sendo seguida por uma nuvem.
x.x.x
- LOÉLEN! – Helena gritou enquanto se aproximava da nuvem.
- Chegue mais perto! – a nuvem falou
Helena Longbottom então tirou seus sapatos enquanto chegava mais perto, e quando finalmente enconstou seus pés na nuvem, fechou os olhos e se sentiu no paraíso. A nuvem tinha uma textura incrível, era uma mistura de algodão com pluma. O cheiro era inimaginável, cheiro de grama fresca com avelã. Helena se jogou na nuvem branca e rolou sobre ela.
Não contente com uma só nuvem, Helena pulou de uma a outra, sentindo a textura e os cheiros diferentes. O sorriso do rosto não desaparecia. Tudo estava tão perfeito.
- Helena? – Loélen falou – Venha aqui. – a menina então se sentou lentamente e finalmente observou o espírito da nuvem. Era um homem, loiro e dos olhos azuis. Usava uma túnica branca e descalço. – Como se sente?
- Maravilhada. Isso tudo é perfeito. Vou finalmente fazer o que eu quero, viver aqui contigo, conhecendo os países e as diferentes nuvens.
- Você só pode se comunicar comigo, Helena. Haverá nuvens que tu não poderá tocar. – Loélen respondeu
- Por que não ? – questionou
- Porque umas são passageiras. Irão se transformar em pó. Essas não tem espírito.
- Não tem problema. Eu irei viver aqui
- Não sei se poderá também, Helena. – a nuvem respondeu, decepcionada com as próprias palavras.
- Como não?
- Você é um “anjo”, não uma nuvem. Não irá sobreviver aqui mais do que duas horas, você sentirá falta de oxigênio. Deverás voltar para casa.
- Loélen. Larga de besteira! – Helena reclamou
- Não é besteira, Longbottom. Como eu disse, aqui em cima não a oxigênio suficiente, aqui só a lugar para as nuvens, não para meros mortais. Tu irás estragar toda nossa beleza, tudo o que somos.
Loélen tinha razão. Por mais que Helena fosse diferente, ela não deixava de ser um ser-humano, e sua raça estragava tudo em que suas mãos tocavam, era algo inevitável. Por que com Helena seria diferente?
Helena levantou da nuvem furiosa e bateu com o pé, fazendo com que um pedaço de Loélen virasse pó.
- Viu agora porque não pode viver aqui conosco? Irá nos matar. Vá embora. – a voz grossa de Loélen foi intensa e Helena ficou com medo de desobedecer. Levantou voo e foi embora.
Só então percebeu o quanto estava longe de casa, porque abaixo de si só havia as águas do Oceano Atlântico. Helena ficou desesperada, queria ir para casa, porém, ela só via água e mais água.
O céu para ajudar, ficou preto e começou a chover, uma chuva intensa sem parar. Gotas de água caíam sobre Helena e ela já estava com dificuldade para enxergar quando suas asas começaram a falhar.
- Não, por favor. Eu não sei nadar. – Helena tentou apressar mais o voo, mas estava difícil, a chuva não dava uma trégua. Longbottom olhou para o céu e viu as nuvens pretas e se perguntou se Loélen estava ali, olhando para ela, observando ela se afundar em sonhos.
Com esse pensamento, as asas finalmente pararam de funcionar e Helena caia numa velocidade incrível. Helena fechou os olhos e seu último pensamento se focou nas nuvens brancas e seus formatos, se focou em Loélen, e desejou ser uma nuvem na próxima vida.
Helena Longbottom bateu a cabeça na pedra e logo em seguida foi levada pelas águas furiosas do Oceano Atlântico.
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Um dia depois do acidente, um pescador encontrou o corpo da menina sobre as pedras e a levou para sua casa enquanto chamava a guarda costeira e a polícia.
Os pais de Helena ficaram sabendo do acidente da filha, e não choraram, nem ao menos sentiram remorso. Ficaram com raiva. Raiva porque se Helena tivesse tirado as asas, agora ela não estaria morta.
O que eles não sabiam é que quando a chuva cessou, uma nova nuvem estava no céu fazendo companhia para Loélen.