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Ideia #047

Doada por Natashia Kitamura

// A Ideia

Ela é uma garota ingênua que quer crescer na vida. Faz tudo para todos, vê sempre o lado positivo das situações e é completamente vulnerável a pessoas de gênio forte. Seu propósito é ser a jornalista principal de uma revista de moda/fama. Porém, ela não percebe que é sempre jogada para os piores projetos porque é a única que faz sem reclamar. Pode-se dizer até que ela sofre um tipo de ‘bullying’ no trabalho. Tudo muda quando sua chefe lhe manda fazer uma reportagem sobre a vida de um artista, mandando-a acompanhar um artista (o favorito) que ela assinou contrato para a matéria. Então, a personagem deverá seguir o artista por um prazo (duas semanas – um mês) para criar sua matéria. O problema é que depois de um tempo, ele acaba se preocupando com a garota que era tão sorridente e tenta ajudá-la a sair daquela fria de empresa.


// Sugestões

A garota tem de ser ingênua, não boba. Seria legal se a fanfic fosse narrada na primeira pessoa do feminino, de modo que possamos ver que as pessoas fazem mal à ela propositalmente, mas ao mesmo tempo, ela não percebe e age como se fosse normal.

// Notas

É fundamental que a autora sofra o ‘bullying’ para que possamos ver o quão “boa” e “ingênua” ela é com as pessoas. O fato do favorito querer ajudá-la apenas depois de um tempo de convivência, uma ou duas semanas, se deve ao fato de que é necessário haver um tempo para a garota conquistar a simpatia dele e a confiança também.




The Runes

Escrito por Soldada

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[01] Lado A - 01 Track: She Ain’t no Saint

EMPIRE • DEZEMBRO

  HUGO FONSECA (Cofundador da Alta’s Records e Empresário da The Runes): Tinha algo sobre ele, sabe? Quando bati meus olhos em eu soube que ele seria alguém! Era difícil dizer como, mas eu senti isso ele tinha esse… esse… como eu posso dizer? Esse olhar que dava às pessoas e um jeito de falar que fazia com que você ficasse na dúvida se você realmente o amava ou odiava. Ele é carismático de um jeito assustador, como se tivesse controle sobre você, e acho que ele tinha isso, sabe? Essa nota a mais. Essa coisa… magnetizadora. Acho que fazia você querer ser controlado também. Não parecia humano, mas era, e acho que isso é o mais admirável nele. Com tantas pessoas desejando e detestando você ao mesmo tempo, é bem difícil encontrar um meio termo aceitável, mas se quer saber? é o que a gente, na área corporativa, poderia assimilar com uma alegoria próxima de Rei Midas, sabe? O cara é ouro nas mãos certas, era impossível algo dar errado com no meio.
  OSCAR JAMES (Produtor musical da Alta’s Records): Olha, trabalhei com muita gente na indústria. É algo difícil, sabe? Ou você tem o que é necessário ou não tem, não tem meio termo nisso aí. Eu vejo essa criançada mais nova, e, bem, eles tentam, mas falta algo ali, sabe? Um molho (risos). sempre teve isso, sabe?
  LISA GARRET (Cantora de Blues, Vencedora de 5 Grammys): Tá brincando comigo? O garoto é uma sensação! Oh, querida, deixa eu te dizer uma coisa: aquele menino nasceu pro palco! Não só isso, olha, Hank (Hansen Spade, ator, produtor e diretor de Hollywood, pai de ) tem o talento e o dinheiro, eu sei, eu entendo, todo mundo em Hollywood sabe disso, mas, garota, quando eu digo que nasceu com sorte, eu realmente digo! Cabelos e olhos ? Cheio de tatuagens no corpo e aquele sorriso? Ho (risos), qual é, o garoto é um pedaço de mau caminho, e uma delícia se quer saber, não que eu já tenha provado (risos), ele tem idade para ser meu filho. Mas bem, se homens podem desfilar com garotas de 18 anos recém completos, por que mulheres não poderiam? Girl Power, certo? (risos) Desde que ele tinha uns 12 anos e eu bati meus olhos naquele menino, eu soube na hora: ele viria a ser um destruidor de corações. Ele já tinha aquele charme que sem dúvidas herdou do pai, era um completo galãzinho desde pequeno. Oh, querida, Paris (Paris Vale, socialite) foi a primeira dele, e nem mesmo ela conseguiu esquecê-lo (risos), até hoje tenho para mim que se ele ligasse no meio da noite ela iria na hora.
  ANGELINA LEDGER (Ex-Assistente Pessoal de Hansen Spade): Ele tinha literalmente 12 anos, era uma criança, sabe? Às vezes tenho a sensação que as pessoas em Hollywood passaram a desassociar a realidade como uma maneira de sobreviver à forma com que Hollywood te vende para todos. Veja bem, estamos em um ambiente de trabalho e seu trabalho, a atuação, sua aparência, céus, seja lá o que você for tentar vender, acaba se tornando um produto que as outras pessoas irão consumir. É, literalmente, o que você é treinado para fazer, mas porra, caralho, qual é? O menino tinha só 12 anos! Onde uma criança de 12 anos poderia ser considerada um galã? E que deveria ser admirada dessa forma?
  LISA GARRET: Garota, se eu te contasse (risos). Sabe que Hansen é conhecido por essa festa de Halloween gigante, certo? Pois bem, era uma figurinha presente ali desde pequeno. É claro que não era o lugar para se deixar uma criança andar livremente, mas sejamos honestas, quem diabos não gostaria de estar rodeado por celebridades e famosos na adolescência? É claro que eu desaprovo muitas coisas que haviam acontecido ali, mas, bem, é filho de Hansen, se quer saber, e é igualzinho ao pai, ninguém consegue dizer não para ele. Ninguém quer dizer não para ele.
  HUGO FONSECA: Demos ao mundo o que o mundo queria, e então mais. E virou uma lenda.
  OSCAR JAMES: É uma história meio complicada se quer saber. Eu (pausa longa) olha, muita coisa aconteceu na vida do garoto, em sua maioria foram erros de seus pais que o trouxeram ao ponto que ele está agora. Digo, é claro que nomes importam, mas lembro-me vividamente daquele período. Eu era mais próximo de Alba (Alba , Ex-Top Model Internacional, falecida, mãe de ), a gente cresceu próximo da mesma vizinhança, meus avós eram íntimos dos pais dela, então era bem como visitar um parente distante. Veja, não vou esconder meu privilégio, eu cresci em um ambiente mais do que privilegiado, com acesso a tudo o que eu desejasse e sem ter que me preocupar com o futuro ou o dia de amanhã para perseguir meus sonhos, sabe? Então seguir a carreira de Produtor Musical foi como apenas respirar para mim. Eu já tinha alguns tios dentro da indústria que me ajudaram a trilhar o caminho que eu desejava e o resto veio com esforço e trabalho duro.
  Mas Alba foi por anos uma amiga minha. Para ser honesto, sempre gostei mais dela do que de Hansen. A verdade é que, mesmo naquela época, quando éramos apenas crianças com sonhos maiores do que responsabilidades, eu nunca pensei que Alba quisesse ser algo que usasse sua imagem como base para venda. Não, na verdade, lembro-me vividamente de que ela queria ser advogada mais ou menos como meu avô era. E se quer saber? Me arrependo de nunca a ter incentivado a seguir esse caminho, talvez as coisas tivessem acabado de maneira diferente, suponho (pausa longa). A pior parte da culpa é a certeza de que não há mais nada que você possa fazer.
  VERONICA DELANEY ([REDACTED INFORMATION] Editora Chefe da revista EMPIRE): Alba era uma garota brilhante, com um futuro brilhante, com um futuro marcante pela frente. Ela era aquele tipo de beleza natural que é difícil de se achar hoje em dia. O rosto em formato oval, como porcelana, olhos grandes e expressivos, sobrancelhas bem marcantes, mas eram os olhos que pesavam o componente todo. Carismática e gentil, era impossível não se apaixonar por ela. Quer dizer, havia filas e mais filas de pretendentes quando ela debutou pela primeira vez na indústria. Eu estava também na festa de lançamento, e ela era a grande promessa para as passarelas. Roupas lhe caíam bem, como uma luva, e, céus, era divertido ver como havia especulações sobre como ela era.
  Alba era como uma fantasia. Desejada por muitos, admirada por quase todos, quer dizer, se você a odiasse, certamente haveria alguma coisa errada com você, isso ninguém tinha dúvidas. E, bem, não tinha como não se apaixonar por ela. Mas, sendo honesta, eu nunca imaginei que seria ela a se apaixonar por alguém.
  OSCAR JAMES: Estudamos na mesma escola, a St. Margaret, por alguns anos antes de ela completar 15 anos e estrear nas passarelas. Olha, ela era bem tímida e tão meiga, que era meio difícil sequer achar que ela faria mal a alguém. Uma vez, acho que durante um dos almoços, lembro de ter visto Alba praticamente discutir com duas pessoas para poder retirar uma aranha sem precisar matá-la (pausa). Ela era assim, sabe? Pura e doce. Costumava me ajudar com as matérias mais complexas e falar como ela gostaria de garantir uma vaga na empresa de advocacia de meus pais. Para ser honesto, meus pais a adoravam, viam ela como se fosse a herdeira que haviam desejado aquele tempo todo, e que eu havia falhado em me tornar (risos). Nossa, eu morria de ciúmes. Eu sei, eu sei, culpado, sim eu me arrependo de como eu me sentia na época, mas nós éramos adolescentes, e Alba, mesmo tendo os holofotes nela, parecia querer mais estabilidade do que uma posição de prestígio. Não dá para culpar ela, dá? Às vezes me questionava se ela possuía realmente algum tipo de sonho, ou se ela apenas havia calculado o que poderia lhe oferecer mais estabilidade e estava seguindo à risca uma lista de execuções. Sempre senti que Alba queria apenas a certeza de não ter que se preocupar com futuro ou com alguém para impressionar. Ela estava desesperada por estabilidade, não se importando em onde a encontraria, apenas em tê-la.
  ANGELINA LEDGER: Acho que foi durante uma das gravações de Golden by Silver que Hank Spade soube sobre a existência de Alba e ficou obcecado com ela. A gente estava alocado fazia alguns dias nos Alpes, e o tempo estava até confortável para o inverno lá. Lembro-me que parte da equipe estava ilhada no hotel, então adiamos as gravações externas para focar nas internas, e assim conseguiríamos ter um pouco de tempo a mais para a margem de erro com as externas. E então, lá estava: esse… esse grupo de mulheres altas e deslumbrantes, conversando no saguão em outro idioma e acho que qualquer homem acharia que estava no paraíso. Tipo, elas eram lindas mesmo, lindas que davam inveja (pausa). Estavam ali para participar de algum tipo de desfile de alta costura que aconteceria no fim de semana. Acho que Hansen ficou tão encantado com Alba que não conseguiu deixar a oportunidade passar, sabe? No outro dia, lembro-me de que Hansen havia descartado todas as minhas outras tarefas para convencer Alba a fazer uma pequena participação no filme dele. Foi… foi uma experiência, eu digo a você. Levei três dias insistindo com ela até que, não sei… (pausa longa) ela só aceitou (pausa longa). Às vezes me arrependo de como fui insistente com ela, mas, se quer saber, não posso dizer que me arrependo da amizade que acabei desenvolvendo com ela. Foi uma das melhores coisas que já tive em minha vida. Engraçado como a gente não percebe o que tem na mão até estar completamente fora de alcance.
  VIVIAN DE LA RUE(Estilista da marca Versa): Oh, Alba era magnifique! O perfeito manequim se quiser chamar assim. Muitas modelos podem ter tido inveja dessa mulher, mas poucas poderiam ser como ela, e, Deus, eu queria que fossem! Faria o trabalho ser muito mais fácil.
  OSCAR JAMES: Ela se apaixonou, cara. Se apaixonou feio, sabe? Olha… essa ideia de amor que se vende nos filmes é ridícula, sabe? É uma fantasia, não acontece. Mas Alba não era alguém que amava de maneira saudável e consequente. Não… (pausa longa) Alba era intensa por natureza e raramente se apaixonava, mas quando o fazia? Era avassalador. Então, um dia, ela me liga do nada, no meio da madrugada, a gente iria se encontrar em Milão, uma vez que ela estava na Suíça e eu estava perto da França. Então, ela me ligou do nada, no meio da madrugada, meio rindo, meio chorando, contando todos os detalhes sobre a surpresa que Hansen Spade havia feito para ela no hotel. Um amontoado de rosas, a música preferida dela tocada por alguns violinistas e um colar? Ele era um príncipe que havia acabado de entrar na vida dela. Lembro-me que ficamos por horas conversando sobre. Hansen havia feito tudo aquilo para chama-la apenas para sair, o cara não estava jogando para perder, entende? E é claro, qualquer mulher que visse algo assim ficaria encantada, Hansen, o Hansen em pessoa, convidando você para um encontro, dando flores e lembrando-se de sua música preferida? É claro que qualquer garota ficaria caidinha.
  E então foi isso, sabe? Ela se apaixonou perdidamente por ele e, por um tempo, acho que ele até havia gostado dela, quer dizer, ele não a teria pedido em casamento e se casado com ela se não a amasse, certo? Mas não acho que isso foi o suficiente para ela. Na época, Alba não ouvia ninguém, quer dizer, Ronnie e Angel costumavam avisá-la constantemente de que talvez fosse melhor encontrar uma outra pessoa. Alba teria quem desejasse a seus pés se assim quisesse, ela era bonita, engraçada e doce, lembro-me de inúmeros pretendentes baterem na porta de minha gravadora e questionarem sobre ela, tentando encontrá-la, e até mesmo um dos Príncipes da Noruega havia se dito determinado a tê-la como esposa, até mesmo disse-me que iria pedir para ser desligado da Monarquia se assim ela quisesse (Aksel Von Benzon, Príncipe coroado, Segundo na linha de sucessão), bastava ela pedir. Alba tinha essa caixinha com longas e inúmeras cartas do Príncipe Aksel e ele costumava a chamar de (corte).
  (...) Mesmo com tudo isso, Alba só queria Hansen. Olha eu não sei o que ela via nele, mas certamente era alguma coisa. Então, quando ela completou 18 anos, ela não hesitou em se afastar de sua família e ir morar em Los Angeles com Hansen. Lembro-me de vê-la acompanhando-o em suas viagens e premières, e, deus, eles formavam um casal lindo, sabe? Mas ao mesmo tempo, observar minha melhor amiga ser deixada de lado, usada como um acessório, me doeu profundamente, especialmente quando os escândalos com as traições de Hansen começaram a aparecer.
  ANGELINA LEDGER: Olha, nessa indústria fidelidade não é algo esperado, posso dizer que seja superestimado, mas o mínimo que se pode ter, ao menos com seu parceiro, é respeitar a imagem da pessoa. Hansen nunca o fez. (pausa longa) Ele a traia constantemente, e, de certa forma, me destruía ter que ajuda-lo a acobertar, mas Alba estava sozinha em Los Angeles, sem apoio de sua família e vulnerável, e… (pausa longa) ah, Deus, eu não queria piorar a situação dela! Sabe, ela sempre foi tão doce e gentil, ela era genuinamente uma das melhores pessoas que eu já conheci na minha vida, e, por vezes, tentei convencê-la a simplesmente terminar com Hansen e vir morar comigo (risos). Eu disse a ela que a ajudaria, que seríamos uma pela outra, e cumpri minha palavra. Mas Hansen passou a ficar descuidado e então as manchetes começaram a aparecer junto com os tabloides, e a mídia começou a dar espaço e palco para essas… (pausa longa) para essas amantes que Hansen tinha, e… eu não sei, acho que Alba ainda tinha esperanças de que Hansen pudesse voltar a ser o príncipe que era, até que ela ficou grávida.
  VERONICA DELANEY: Fui eu que liguei para um colega de trabalho antigo (Sean Broderick, advogado e professor em Oxford) para que ele redigisse os papeis de divórcio de Alba e Hansen. É claro, com a humilhação pública dos affairs de Hansen e as suas amantes fazendo declarações bem ousadas para a época, ficou fácil conseguir metade de tudo o que Hank Spade possuía, mas o estrago já estava feito. As pessoas gostam de drama, e Hansen havia entregado o drama perfeito. Lembro-me de ter sempre uma legião de paparazzi na frente de onde quer que Alba fosse, gritos e pedidos de explicações, e, muitas vezes, aconselhei a ela não sair para evitar esses transtornos. É claro, ela não me escutou, Alba nunca me escutava, mesmo quando era algo sensato a se fazer, mas com o divórcio redigido, tudo ficou mais fácil para ela, suponho.
  OSCAR JAMES: Ela estava grávida nessa época. Quando o divórcio foi finalizado completamente, Alba já estava com sete meses, a barriga já estava bem nítida, e eu e meu marido (Michel Andersen-James, publicitário) decidimos nos mudar para perto de Alba e oferecer suporte para ela, sabe? Foi até mesmo bom, Mike costumava ficar de olho em Alba durante o dia, e eu ficava com o turno da noite (pausa longa). Alba entrou em uma depressão profunda após o divórcio com Hansen. Acho que a fantasia que ela tinha do relacionamento com Hansen começou a desmoronar aos poucos, entende? E isso era doloroso para ela, mas ao mesmo tempo, Hansen não conseguia deixá-la em paz.
  Começou primeiro como tentativas “inocentes” de aproximação em prol da criança que ela estava esperando, e então mais flores, mais joias caras, ele nunca havia terminado com ela diretamente, então havia sempre aquela esperança no ar. Alba não conseguia deixá-lo ir, mesmo que tivesse na porta um claro pretendente melhor para ela (corte) (...) e então Hansen assumiu o relacionamento dele com Jacqueline Fontaine (atriz, roteirista) e o fato de Hansen a ter traído com Jacqueline por vezes no passado foi o suficiente para destruir o que havia restado de Alba. Sua única felicidade era , para ser honesto.
  ANGELINA LEDGER: Eu estava lá quando nasceu, meio que me senti um pouco mãe dele também, sabe? Alba estava determinada, tão feliz! Foi lindo. Ele era a luz dela, sabe? E, Deus, era um garotinho tão atencioso, tão gentil, poderia ter a aparência escarrada do pai, mas a personalidade (pausa longa) ah, a personalidade era de Alba, sabe? Lembro-me dele, pequenino, correndo pela casa para pegar a coberta dele, bem velhinha e usada já, acho que ele tinha uns cinco aninhos só, para cobrir Alba que havia dormido na poltrona (risos). Eu vi aquele garotinho de bochechas gigantes e olhinhos brilhantes se esforçando para conseguir cobrir a mãe dele, a expressão mais séria possível, dizendo para eu não fazer barulho porque Alba estava dormindo, e eu sabia, sabe? Eu tinha certeza que ela ficaria bem, ela tinha , e a tinha. era tudo o que ela precisava.
  OSCAR JAMES: (pausa longa)… então Alba se suicidou.
  ANGELINA LEDGER: (pausa longa)… nada foi o mesmo depois da morte dela.
  NORA JAMES (Atriz, Produtora, Compositora, Cantora, atual esposa de Hansen Spade): Ah, o (pausa longa) É, bem… nossa (risos) hm, certo, o (pausa) bom, o é um homem… bem, complexo. Ele é como… céus, ele é como estar em um precipício e ao invés de ter medo de saltar, você está ansiosa para saltar. Ele é como uma aventura maluca de última hora, sabe? Improvisada e inconsequente, e que se torna inesquecível simplesmente porque você não esperava o que iria acontecer. Se torna a melhor viagem que você já poderia ter feito em toda sua vida. Você (pausa longa) você (pausa longa) bem, você não consegue esquecer (risos) hm, (pigarro) por mais que você tente, você não consegue esquecer. é esse tipo de pessoa: te faz sentir única e como se fosse algum tipo de… primeira maravilha do mundo, o bem mais precioso que já existiu (pausa longa) então ele some, e você precisa esquecer ele. Mas como alguém consegue esquecer ?

  MYRA AGORA.
Los Angeles, California.

  — Ah, estávamos pensando em realizar a cerimônia na Padua Hills Theatre mesmo, já que estava pago de qualquer forma. não irá se incomodar, certo? Pode ser seu presente de casamento para nós!
  Ergo meu olhar brevemente do copo de vinho à minha frente, esforçando-me para não engolir em seco quando meus olhos se encontram com os de Rowan. Houve uma época que olhar para ele faria meu coração disparar, e seria tudo o que eu desejava ver após um dia cansativo de correria e gritos. Céus, como eu queria simplesmente acordar desse pesadelo, que ele me abraçasse novamente e me dissesse que não havia passado de um sonho. Que eu estava apenas estressada demais com o trabalho e que nada daquilo era real. Que ele me amava… que ele não havia me traído com minha meia-irmã e agora, o que deveria ter sido o nosso jantar de noivado era o de Maya e Rowan.
  Sei que não deveria culpar nenhum dos dois, como meu pai havia dito, às vezes o amor acontecia, o que nos restava fazer era lutar e se agarrar com todas as nossas forças à nossa felicidade, mas ainda assim era um golpe duro de digerir, especialmente quando todos os outros estavam agindo como se nada tivesse acontecido entre mim e Rowan. Como se fôssemos meros conhecidos e não tivéssemos ficado juntos por mais de 4 anos. Como se ele não tivesse me pedido em casamento um ano atrás com o mesmo anel que agora Maya exibia a todos, como se não tivesse escolhido a localização do casamento porque eu gostava da ideia de um casamento a céu aberto, como se os dois não estivessem utilizando de minhas economias e planejamentos para o casamento dos meus sonhos, mas do qual, agora, eu não seria a noiva. Maya era.
  Parte de mim quer gritar a plenos pulmões a Rowan por me destruir, roubar tudo o que tinha e agora tem um final feliz. Parte de mim quer gritar com Maya por seu cinismo, por ter me traído da maneira mais baixa possível. Parte de mim quer gritar com meu pai, Ravi, por ter me obrigado a aceitar toda essa palhaçada e me silenciar pelo bem de Maya e Indira, minha madrasta — a irmã mais velha de minha mãe, Priya, que, inescrupulosamente havia tido um affair completo com meu pai enquanto minha mãe batalhava e perdia a batalha contra o câncer, mesmo que Indira tivesse sido casada com outro homem na época; talvez a inescrupulosidade fosse de família, mas esse nem era o problema.
  Dane-se a conduta ou comportamento nojento de Indira, e, especialmente de Maya, o problema era Rowan! Rowan havia sido meu parceiro por anos, Rowan havia sido meu porto seguro e meu futuro, Rowan que deveria ter sido melhor do que aquilo! Rowan que deveria ter nos escolhidos. Mas não o havia feito. E enquanto o encaro, sinto minha garganta se apertar ao perceber o quão pouco eu devo ter significado para ele. Odeio que os olhos cinzentos dele, normalmente uma variante entre cinza ou azul suave, bem claro, dependendo da iluminação do local, evidenciaram pena direcionada a mim. Como se fosse eu quem havia perdido algum grande prêmio, mas eles não podiam evitar, o coração queria o que o coração queria. Odeio que os cabelos dele estão desalinhados do jeito que sempre havia achado atraente, e que as sardas suaves que permeiam o nariz e as maçãs do rosto dele o faziam ficar adorável. Odeio que um dia eu o tenha amado e apresentando-o à minha família, à Maya. Odeio que todos ao meu redor pareçam felizes enquanto meu coração está despedaçado.
  Sinto o chute discreto de Isha, minha irmã mais nova, sentada à minha esquerda, e então percebo que estou o encarando por um tempo já, então forço-me a controlar minhas emoções, mascarando-as da melhor forma que consigo, antes de voltar meu olhar para Maya, que espera com curiosidade e uma ponta de satisfação pela minha resposta. Maya está linda no vestido azul, os cabelos perfeitamente alinhados em uma trança lateral elegante, enquanto os brincos e joias de presente pelo noivado dados por meu pai — que havia apenas me mandado um cartão do Walmart parabenizando-me pelo meu aniversário de 18 anos; eu tenho 25 anos. Esforço-me a oferecer um sorriso na direção de Maya e Rowan. A sensação é horrível, angustiante, como se minha pele tivesse se tornado plástico por algum motivo e se estendesse pelo meu rosto de maneira seca e dolorosa. Minha pele coça, de repente estou completamente ciente de cada espaço, cada poro, cada membro meu, e estou desesperada para escapar de mim mesma. Desesperada para rastejar para o mais longe que eu pudesse conseguir. Eu não respondo, mesmo se eu desejasse, sabia que minha voz não sairia, então apenas balanço a cabeça em concordância com Maya.
  Que bela merda de jornalista eu era, huh?
  Maya bate palmas com um sorriso largo e satisfeito, se voltando na direção de Rowan e o abraçando como a personificação da jovem apaixonada e pura — o que destoava completamente da vadia de quatro que estava sendo fodida em minha cama, no apartamento que eu havia pagado para viver com Rowan, que eu havia pegado pelo menos três meses atrás por “acidente” — enquanto Rowan ria consigo mesmo, satisfeito, beijando a têmpora de Maya. O casal perfeito.
  Alço a taça de vinho e viro de uma vez. Puta merda, eu preciso de algo mais forte. Meus olhos percorrem pela mesa novamente, observando o olhar satisfeito e até mesmo superior de Indira, como se ela silenciosamente estivesse zombando de mim, por ser inferior a eles, ou tivesse provado algo com aquele espetáculo todo. Observo como meu pai me lança um olhar severo, como se estivesse tentando deixar claro para mim que ele não toleraria nenhuma “tentativa” de chamar atenção; que ele não toleraria sequer uma emoção minha que não fosse felicidade pelo casal feliz. Porque ninguém poderia estragar o dia feliz de sua preciosa filha — que nem seu sangue possuía.
  — Maravilha! May, já que a gente tinha conversado antes, eu já escolhi algumas paletas de cores para que você dê uma olhada, aqui, olha só, não vai ficar bem mais bonito na sua pele! — diz Summer Kennedy com um sorriso largo e olhos verdes cintilando uma mistura de divertimento e satisfação.
  Eu a encaro silenciosamente, enquanto observo minha suposta melhor amiga de infância — a garota que havia vivido muitas das coisas comigo, que eu achava que sempre teria minhas costas como eu havia tido a dela durante todos aqueles anos — se voltar para Maya com uma familiaridade gritante enquanto assumia rapidamente o posto de Dama de Honra. Como se elas tivessem discutido aquilo há muito tempo. O celular em suas mãos, sendo o mesmo que ela relutantemente havia mostrado para quando eu havia lhe pedido para ser minha Dama de Honra.
  Percebo naquele momento que Summer nunca havia sido minha melhor amiga. Percebo, com um golpe no estômago, que eu estava completamente errada em ter pensado tal coisa. Summer era amiga de Maya. Repasso em minha mente todas as vezes que havia confidenciado segredos a ela, inseguranças e até mesmo as minhas desconfianças em relação a Rowan. Ela sabia. Summer Kennedy e Juniper Dragavei sabiam. Sinto uma mão envolver a minha e um aperto gentil se segue. Volto meu olhar para Isha. Os olhos são parecidos com os meus, embora a cor seja semelhante aos de Indira, sua expressão doce e compreensiva, até mesmo pesarosa, naquele momento, percebo que talvez valha a pena engolir meu orgulho e manter a paz com meu pai e sua família, e o casal de traidores, se eu pudesse continuar tendo Isha em minha vida.
  Vai, Isha sussurra sem dizer palavra alguma, e eu tenho vontade de abraça-la, de desabar em seus braços por ser a única que me enxerga ali. Sussurro um obrigada à minha irmã mais nova, confiando que Isha irá inventar a desculpa perfeita para cobrir minha retirada daquela mesa, enquanto, discretamente, me levanto de lá.
  Não é como se alguém fosse perceber minha saída da mesa. Summer e Juniper, minhas, até então, supostas melhores amigas, estão entretidas com Maya, planejando os detalhes de seu casamento com Rowan, rindo entre si com piadas que eu, tardiamente, percebo que vinham de muito tempo, muito mais tempo do que os meros três meses desde o meu término com Rowan. Estão animadas em finalmente terem uma noiva à altura desta vez. Summer e June deveriam ter sido minhas Damas de Honra, eu havia confiado tanto nelas… céus, como eu pude ser assim tão burra? Suponho que eu tenha merecido isso. Indira tem sua atenção voltada para meu pai, como sempre, reclamando de alguma coisa, provavelmente de minha expressão, pela maneira com que o rosto de meu pai se retrai. Isha está com os olhos fixos no celular, digitando ansiosamente — suponho que para alguns de seus amigos da faculdade, provavelmente planejando seu retorno para Duke. E se o olhar de Rowan me acompanha, não posso dizer que me importo muito. Não mais.
  Toda escolha tinha uma consequência, afinal.
  Adentro o banheiro, indo direto para a pia a fim de respirar o máximo de ar que podia e tentar controlar minhas emoções. Retiro meu celular do bolso da saia que está por baixo de meu saree verde água, desbloqueando a tela e abrindo o chat com Samantha Murray e Lucien Karella. Suspiro pesado, mas com uma ponta de alívio ao observar a discussão dos meus colegas de trabalho, e, agora, colegas de quarto, sobre o ensaio fotográfico que aconteceria amanhã para o editorial da revista de novembro que trabalhávamos, mas, acima de tudo, sobre um tópico bem mais importante: o que iriam comer hoje à noite.
  Luc: Pizza.
  Sam: não.
  Luc: Pizza!
  Sam: ô meu consagrado, você não pode viver de Pizza!
  Sam: @ diz pra ele que ele não pode comer só pizza!
  Luc: Pizza, mulher.
  Sam: Eu odeio você.
  Luc: E estrelinha energético estrelinha.
  Sam: eu quero o divórcio.
  Luc: Dorme que amanhã é outro dia.
  Luc: @, teu pedaço tá dentro do forno elétrico se chegar com forme, ok? Liga quando tiver a caminho ou manda a localização para a gente acompanhar.
  Abro um sorriso, sentindo falta dos dois idiotas que haviam se tornado, de uma hora para outra, meu único suporte além de Isha. Envio apenas um emoji em concordância a Luc, recebendo uma figurinha dele com algum membro de uma banda de K-Pop fazendo coraçãozinho. Então bloqueio a tela do celular, fechando meus olhos. Sinto o peso das lágrimas por trás de meus olhos, e, por um segundo, quase sinto-me quebrar.
  Não posso chorar. Ainda não. Preciso ser forte. Penso em minha mãe e em como sentia sua falta. Em como o buraco que ela havia deixado para trás nunca havia desaparecido, em como eu tinha tanto para dizer a ela, mas sabia que ela jamais ouviria. Não podia. Penso em como queria o abraço dela, em como desejava enterrar meu rosto no pescoço dela e me agarrar a ela como se minha vida dependesse disso, e só chorar, desabar completamente e esperar que ela ao menos me prometesse que tudo ficaria bem, mesmo que não fosse ficar. Penso em como odeio que ela tenha me deixado para trás, em como trocaria tudo para tê-la de volta. Eu não hesitaria em condenar a vida de meu pai para que minha mãe estivesse do meu lado. Em como sinto falta dela. Em como eu só queria mais um minuto, por menor que fosse. E penso em como tudo isso era inútil porque não importava o que eu fizesse, ela não voltaria. As pessoas só são capazes de oferecer o que têm, não seja dura consigo mesma, só porque o mundo é cruel não significa que você o deva ser também, odeio que estas tenham sido suas últimas palavras para mim e odeio em como eu sei que ela estava certa.
  Não posso controlar o que alguém faz a mim, só posso controlar o que eu faço, e como reajo.
  Não havia bem algum em continuar chorando pelo que havia acontecido. O melhor que se poderia fazer era aceitar e seguir em frente da melhor forma que se pode seguir em frente. Respiro fundo, tentando engolir o nó em minha garganta e suprir as lágrimas que ameaçavam escorrer por meu rosto, voltando a abrir meus olhos e me encarando no espelho. Eu posso fazer isso. Eu posso fazer isso. Forço um sorriso e odeio que pareça frágil e pouco convincente. Respiro fundo novamente, com mais força, irritada com a minha incapacidade de oferecer um sorriso genuíno. Forço novamente um sorriso, observando-o meio insatisfeita, mas mais genuíno que o anterior e convenço-me que tudo o que eu preciso fazer é continuar repetindo que estou bem. Se eu continuasse contado essa mentira, então, eventualmente, eu acabaria por acreditar nela.
  Exalo o ar que estou prendendo, tentando limpar as lágrimas rebeldes que haviam escorrido por minhas bochechas, apertando meus lábios em uma linha fina pela maneira com que a máscara de cílios havia manchado consideravelmente, e eu tento concertá-la da forma que dá, torcendo para que pelo menos não fosse visível, antes de dar um passo para trás, ajeitando o saree verde água em meu corpo, observando o tecido delicado e com bordados em dourado nas barras se mover suavemente ao meu redor. Eu giro para o lado, ajeitando-o e verificando se tudo está no lugar, impecavelmente, na parte de trás, enquanto tento me convencer de minha mentira.
  Posso fazer isso. Só mais 30 minutos e então aquele jantar estaria acabado e eu não precisaria pensar em meu pai e sua família pelos próximos meses até o casamento de Maya e Rowan. Até lá, eu sabia que já estaria melhor. Não demorava para que eu superasse as coisas, eu conseguia superá-las e sabia que iria superar Rowan eventualmente, o problema é que era uma ferida constantemente aberta para mim. Certo, certo, eu posso fazer isso! Só mais 30 minutos e tudo acaba. Só mais 30 minutos…
  Assenti para meu reflexo antes de puxar a saia de meu saree recolhendo-a um pouco para que não se molhasse acidentalmente com algumas pequenas poças de água questionáveis no banheiro requintado, enquanto saio do banheiro. Eu lanço um olhar ao meu redor, brevemente na direção da mesa onde meu pai e sua família estão sentados, o semblante de meu pai parece crispado, contido, mas ainda irritado enquanto faz perguntas para Isha que o responde respeitosamente, mas de maneira calma. Essa é minha garota. Mas ao mesmo tempo que meu peito se enche de orgulho pela minha irmã mais nova, sinto-me culpada, a última coisa que eu desejava era que meu pai descontasse sua frustração de mim em Isha. A garota não tinha culpa nenhuma naquela situação. Rowan é o culpado.
  Preparo-me para enfrentar meu pai, para caminhar em direção à mesa outra vez, quando algo — ou melhor dizendo, alguém — esbarra bruscamente em mim, fazendo-me cambalear para o lado, meio desequilibrada enquanto instintivamente seguro os braços da pessoa para que esta não caia no chão.
  Ouço-o rir, murmurando alguma coisa inteligível antes de ver seu rosto. Meu cenho se franze com surpresa, para o quão bêbado ele deve provavelmente estar. Posso sentir o cheiro do álcool a passos de distância dele. O cigarro cai de sua boca no chão, quase queimando a barra de meu saree e eu o puxo bruscamente da melhor forma que consigo, pisando no cigarro para apaga-lo antes de voltar minha atenção para o homem, e…
  Puta merda
  Ele é lindo.
  Puta merda! Não, não, não é simplesmente só lindo ou algum derivado de “oh, ele é bonitinho” ou sequer ordinariamente bonito, sabe? Porra, não! Ele é simplesmente… deslumbrante. Do tipo que está em passarelas da Runway. Do tipo que teria qualquer um a hora que quisesse. Do tipo que Taylor Swift escreveria músicas sobre, e que teria pelo menos milhares de mulheres na internet apaixonadas em algum tipo de relacionamento questionável parassocial. Do tipo que você sabe que iria esmigalhar seu coração no final da noite, e que nunca passaria de uma aventura de uma noite, mas que ainda assim valeria apena, porque você teria seus 70 anos e contaria a seus netos sobre essa noite com o homem deslumbrante e completamente desconhecido como sua melhor experiência. Do tipo que sabia que era de tirar o fôlego. Sinto meu rosto imediatamente queimar, agradecendo mentalmente que minha pele não revelava muito o rubor em minhas bochechas, enquanto congelei no lugar. Muito provavelmente encarando-o, para minha completa humilhação, boquiaberta.
  Os cabelos dele eram perfeitamente estilizados e cortados em um wavy long mullet, parecendo ser macios e sedosos ao toque, mas levemente encaracolados de maneira rebelde, atraente, um pouco maior do que o esperado, dando um ar de desleixo que teria ficado estranho em qualquer outra pessoa, mas nele… céus, nele ficava sexy! Por que diabos ficava sexy?! Alguns fios de seus cabelos grudavam-se em sua pele suada, branca, com um bronzeado bem leve, de fundo amarelado quase, embora tivesse um tom de pêssego suave. O nariz era anguloso e reto, suave em seus traços fortes e marcantes, os lábios eram cheios e avermelhados, e ele tinha a mandíbula bem marcada, cortante como uma navalha, quadrada. Mas não era somente sua aparência que o deixava surpreendentemente atraente, era o composto de tudo.
  Eram os piercings na orelha esquerda, sobre a sobrancelha direita, e no lábio inferior, uma argola discreta mas presente que reluziu suavemente com a luz amarelada do restaurante quando ele sorriu daquela maneira preguiçosa que pessoas alteradas sorriem. Eram as tatuagens que cobriam sua pele como um manto intrínseco de desenhos e padrões que provavelmente contavam inúmeras histórias que eu era leiga demais para sequer considerar imaginar o que significavam, surpreendente se quase deixar espaço para a pele real dele que não fosse o rosto aparentemente. Eram os anéis e colares de prata que ele usava destacando-se em sua roupa all black. Mas acima de tudo, eram os olhos dele. Marcantes, intensos e de tão vívidos que, por um breve momento, eu me esqueço de tudo, pego-me apenas tentando decorar a cor, tentando decifrá-la.
  Sinto um arrepio percorrer meu corpo, sem saber ao certo como categorizá-lo, se é a admiração estética que eu claramente havia sentido pelo desconhecido, ou se é a sensação familiar de alerta causada por um perigo iminente que eu costumava ter todos os dias em situações questionáveis. Talvez fosse apenas minha ansiedade atacando finalmente. Minha respiração se perde em minha garganta enquanto observo-o piscar, primeiro confuso, e então desorientado, e então surpreso. Puta merda, ele me parece tão familiar! Posso jurar que já vi o rosto dele em algum lugar antes! Quer dizer, eu seria incapaz de esquecer o rosto dele se o tivesse visto antes — de modo geral, não apenas porque ele é bonito, mas porque rostos me vinham com facilidade, mas não os nomes. E, todavia, talvez seja a confusão de sons contraditórios no restaurante, talvez sejam as minhas emoções que estão em uma espiral descontrolada há horas, mas eu não sou capaz de puxar ao fundo de minha mente de onde o conheço. Só sei que já o vi antes.
  E puta merda, se ele não está caindo de bêbado!
  — Com licença, o senhor está bem? — Observo-o cambalear para trás algumas vezes, rindo sozinho consigo mesmo enquanto quase derruba um garçom junto, e eu solto um chiado por entre meus dentes. Puta merda! Ele não só deve estar bêbado, ele deve estar drogado também.
  Seguro a frente da jaqueta do desconhecido, tentando ajuda-lo a se equilibrar, e então volto-me na direção do garçom observando-o xingar baixinho pelo desastre com a comida. Aperto meus lábios, verificando o estrago. Dois pratos destruídos, um está no chão, o outro uma completa bagunça na bandeja. Faço uma careta. Eu deveria simplesmente deixar aquele estranho se virar sozinho. Não era problema meu, afinal, mas então… meus olhos se encontram com os do garçom, e eu sinto meu peito se apertar. Se eu não fizer nada, então este garçom levará a culpa. O preço dos pratos sairá de seu salário mesmo que ele alegue que foi um acidente, e os clientes fariam suas reclamações sobre a demora dos pratos a serem servidos. Céus sabiam a ingratidão que era trabalhar como garçom a noite toda para não receber quase nada e ainda ouvir merda. Ah, mas que caralho…
  — Senhor! Espere, por favor, coloque os pratos na conta de . , estou com a mesa 21? Próxima à janela panorâmica, pode debitar o prejuízo, por favor, os dados do meu cartão devem estar junto com a minha reserva aqui. — Tento ser o mais gentil e compreensível em meu tom de voz, desesperadamente tentando desarmar qualquer potencial briga antes de voltar na direção do desconhecido familiar. — Venha, é melhor se sentar, por favor!
  Por favor, aceita sem lutar, por favor aceita sem lutar, por favor
  Mordo meu lábio inferior, fazendo uma careta enquanto seguro os braços do desconhecido familiar, lançando um olhar ao meu redor até encontrar do lado de fora do restaurante, próximo do estacionamento, um banco de ferro vazio. Ótimo, perfeito. Exatamente o que eu precisava! Conveniente até!
  Volto meu olhar na direção da mesa onde meu pai e sua família estão, agradecendo mentalmente ao desconhecido por ter aparecido em meu caminho por dar a desculpa perfeita para não voltar à mesa. Sinto o olhar de Rowan e Maya em mim, por algum motivo, mesmo Indira me lança um olhar insatisfeito, o que me incomoda, afinal, Indira, mais do que ninguém, havia deixado claro que minha presença naquela mesa era um incômodo, e que eu não era bem-vinda ali, apenas um estorvo a ser tolerado, e, no entanto, enquanto tento convencer o desconhecido teimoso a sair do restaurante para se sentar e tomar um ar, posso vê-la se empertigar mais e mais ainda. Gesticulo para Isha que estaria ajudando o desconhecido, e depois nos falaríamos. Sua reação me diverte, primeiro ela parece apenas curiosa e sorrindo consigo mesma, mas então sua expressão se altera para completo choque, e os olhos se arregalam. Seja lá o que tinha dado em Isha, eu não me preocupo em tentar descobrir, quase sendo levada junto pelo desconhecido quando ele abre a porta, rindo baixo.
  Por uma fração de segundos, bem rápido, genuinamente questiono-me o que diabos Indira quer de mim? Ela já havia pegado meu pai para si, a casa de minha mãe para si, já havia dado meu antigo quarto e pertences para Maya, porra, até o genro ela havia entregado e abençoado para sua própria filha, o que diabos mais Indira quer de mim? A porra da minha alma? Balanço a cabeça sufocando meus próprios sentimentos e pensamentos, focando na tarefa em minhas mãos que é encontrar um local seguro para esse desconhecido bêbado e notificar os amigos dele, antes que este se envolvesse em mais problemas.
  Aperto meus lábios, usando toda a minha força para guiar o desconhecido até o banco, e fazendo uma careta quando ele me derruba junto com ele ao tropeçar no degrau da entrada. O vento gélido envia uma onda de alívio e tristeza por meu peito, enquanto minha bunda acerta o ferro com mais força que deveria. Eu solto um gemido irritada, baixo, praguejando, vai ficar a marca, tenho a certeza disso.
  — Aí está, amigão, fica sentado um pouco, certo? Eu vou procurar por algo que você possa tomar ou… sei lá que merda você usou para ter que voltar ao normal… — Uma vez sentado, tento dizer o mais gentilmente para ele, sem resmungar, enquanto o vejo afundar para trás no banco de ferro novamente. Olhos vibrantes presos em meu rosto, por um breve momento nublados com uma mistura de álcool e o que quer que ele havia usado, e eu não tenho certeza se ele realmente está me vendo ou se está alucinando, porque o sorriso que se abre em seu rosto bonito parece estranhamente amortecido. Praguejo baixo, que merda, eu tava fazendo?! Eu não deveria me envolver nisso! Nem o conheço, apesar de ser estranhamente familiar, que diabos eu estava fazendo?! Mas então, se eu não fizesse, quem o faria…?! — Sabe me dizer onde estão seus amigos? Posso ir busca-los, prometo ser rápida, eu realmente acho que você precisa ir para casa, ou o hospital…
  Ele solta um riso nasalado e os olhos vibrantes parecem ficar mais claros, mais… cientes pelo menos. E estão fixos em mim. Puta merda, o instinto que eu tenho de me jogar no primeiro buraco que eu encontrasse é quase gritante, mas o contenho. Aperto meus lábios um pouco mais, unindo minhas sobrancelhas, tensa e ao mesmo tempo preocupada com ele enquanto coloco-me de pé novamente. Será que havia batido a cabeça?
  — Porra… — Uma lufada de ar escapa dos lábios dele, o hálito se condensando com o ar gélido do inverno que se aproxima, enquanto um sotaque, levemente pesado, escapa pela maneira com que ele fala.
  Eu tento obrigar-me a encará-lo, mas a maneira com que ele me observa, como se tivesse, de repente, algo estranho em mim, ou digno de observação mais profunda, me incomoda. Eu dou um passo para trás, instintivamente, discretamente tentando abanar meu rosto para afastar o cheiro pungente de seu hálito de meu rosto. Ele pode ser bonito, mas sua boca está fedendo pra porra com a mistura de bebidas. Sinto o olhar dele fixo em meu rosto, quase vidrado. Lanço um olhar na direção da entrada do restaurante, pronta para gritar por fogo e atrair o máximo de olhares em minha direção se necessário, calculando quanto tempo eu teria para correr se aquele estranho sequer considerasse se aproximar de mim, já que eu não teria ninguém para me defender. Mas então, ouço-o suspirar pesado. Franzo o cenho voltando, dessa vez, meu olhar para o rosto dele confusa. Mas que merda, por que ele estava…
  — Te dizer uma coisa, amor, esse dever ser o sonho mais louco que já tive. — Sua voz é arrastada, lenta e as palavras soam escorregadias de sua boca, irregulares, e o sotaque pesado revela-se britânico, brummie britânico, o que o faz soar estranhamente estiloso? Que diabos, eu devo estar prendendo a cabeça completamente! Mas especialmente com o sotaque e o fato de estar bêbado, é quase impossível de se compreender direito o que ele está dizendo, preciso me esforçar e manter minha total atenção nele para que compreenda o que ele diz. — Puta merda…
  Pisco, pega desprevenida e ainda mais confusa que antes. Pera, o quê? Que porra esse cara está falando?
  Observo-o levantar-se meio atrapalhado do banco, parecendo ter certa dificuldade de encontrar seu ponto de equilíbrio antes de segurar a lapela de sua jaqueta de couro. Por baixo do suor, do cheiro pungente de álcool e cigarros, eu quase posso sentir algo amadeirado, perfume, e pelo cheiro, só deveria ser algo caro. Ele dá um passo em minha direção, os olhos cintilando como os de um gato enquanto o rosto dele parece adquirir por um momento uma expressão maravilhada, quase infantil. Eu exalo por entre os dentes cerrados, me arrependendo do impulso de ajudar aquele desconhecido familiar, mas uma vez no fogo, que ardente, certo? Acho que me fodi. Me fodi feio. Porra…
  — Você… você é mesmo real? — balbucia ele, o sotaque britânico mais carregado dessa vez, e eu dou mais um passo para trás, apenas para tê-lo imitando o gesto. Levo minha mão esquerda em direção ao meu braço direito, coçando-o nervosamente. Não é que o tecido do saree estivesse me incomodando, é que minha própria pele estava desconfortável. Os olhos dele, céus, os olhos dele são demais. — Por favor, me diz algo, qualquer coisa, eu não posso ter perdido a cabeça ainda… — pede ele, e, surpreendentemente, seu pedido tem uma leve conotação vulnerável que soa esperançosa, e eu pisco, ainda mais confusa do que antes. O que diabos era aquela interação?
  — Hm… sim, eu acho… que… é, eu acho que sou sim? — Odeio como minha voz soa incerta, mas há algo nele, na maneira que me encara, que… puta merda…
  Eu pisco, balançando a cabeça comigo mesma, tentando manter meus pensamentos no lugar, centrados. Permito-me analisa-lo de cima a baixo, rapidamente, não usa roupas simples, sequer baratas, a blusa por baixo da jaqueta de couro, preta, com os dois botões superiores abertos, revelando um pouco da clavícula, e peito firme, musculoso dele. Calças jeans de lavagem escura, mas propositalmente desgastadas e botas coturno, que mais pareciam ter saído de um catálogo de loja de grife do que dos pés de um motoqueiro de fato. Bem, ele é algo certamente, parecia ter 1,90 de altura, no mínimo, e era bem vestido, mesmo que seu estilo fosse meio estrela do rock duvidosa. Porra de onde eu o estava reconhecendo? E por que não conseguia lembrar agora?
  — Por que não me diz onde seus amigos estão e eu vou chama-los, huh? Parece uma ótima ideia…
  Ele solta novamente um riso, suave dessa vez, parecendo surpreendentemente aliviado, enquanto balançava a cabeça de maneira negativa. Dá um passo em minha direção e eu dou outro, espelhando-o, para trás.
  — Não acredito que acabei de conhecer a Jasmine em pessoa. Eu tô na porra da Disney — resmunga ele consigo mesmo, e eu aperto meus lábios um pouco mais, encarando-o. Que merda ele havia usado? De onde diabos ele havia tirado Jasmine… pauso por um breve momento, e então encaro meu saree, franzindo o cenho, e em seguida o desconhecido familiar bêbado para caralho. Fala sério
  Só eu poderia encontrar uma maneira de piorar uma noite que já estava sendo péssima. Não, mas não era possível! Primeiro que eu nem queria estar ali! Fui obrigada por meu pai a comparecer no noivado da minha irmã de “consideração” que não havia hesitado em tornar-se a amante de meu ex-noivo mesmo sabendo que estávamos juntos há anos. Meu pai havia dado um excelente ultimato ao dizer que cortaria contato comigo caso eu continuasse com minha “imaturidade” por ficar com raiva de Maya e Rowan — é claro que traidores se defendiam, praticamente se expunham dessa forma. Então eu sou publicamente humilhada pelo meu ex, por Maya, pela família de meu pai e, porra, até pelas mulheres que eu considerava minhas melhores amigas por uma hora e meia, fingindo que estava tudo bem, e que Rowan e eu nunca havíamos acontecido. A única naquela merda de mesa que se salvava era Isha, que era só uma criança — de 18 anos, mas para mim, sempre seria minha criança. Puta merda, e como se não pudesse piorar, aqui estou eu, tentando ajudar um completo maluco, visivelmente drogado e bêbado que havia assumido que eu era alguma propaganda ambulante da Disney só porque eu estava usando um saree!
  Tenho vontade de gritar. Mas não vou.
  Aperto meus lábios um pouco mais, calculando a melhor decisão para aquela situação: larga-lo à sua própria sorte antes que eu me tornasse algum tipo de estatística, o que, sendo bem honesta, seria a minha melhor decisão aquela noite toda, ou… fecho os olhos, praguejando baixo, eu encontrava uma forma de ajuda-lo a pelo menos retornar para casa, são e salvo, e eu iria imediatamente embora dali. Embora tudo em minha mente grite para que eu escolha a primeira opção, pela lógica e por ser o melhor a ser feito, não consigo. A culpa que me atinge é mais pesada do que deveria. Se eu o abandonasse à própria sorte, quem diabos iria ajuda-lo? Certamente alguém se ofereceria, mas… merda, eu não conseguiria parar de pensar nisso pela próxima semana! Certo, certo, foco ! Foco!
  — Vamos lá, amigão, senta de novo, pode ser? Continuar cambaleando só vai resultar em um machucado, ok? E você não me parece o tipo de pessoa que quer ter um galo na cabeça. Não sai daqui, eu volto em alguns minutos, prometo, ok? — Ajudo-o a se sentar novamente no banco, ouvindo-o rir baixo, enquanto erguia as duas mãos para cima e se afundava no banco novamente. Ele apoia a cabeça no encosto do banco enquanto abre as pernas como qualquer homem  folgado faria. Eu tento não fazer uma careta, quem sou eu para julgá-lo? Mas porra se eu não o estava julgando agora. Ele deveria ser bem folgado.
  Assentindo para mim mesma, puxo rapidamente a saia de meu saree e disparo novamente para dentro do restaurante, buscando com o olhar onde o bar estava, lançando olhares periódicos na direção de onde o desconhecido estava sentado, certificando-me de que ele não sairia de onde estava, aproximando-me do bar.
  — , espera! Oi, ! Espera, será que a gente pode conversar por um… — Ouço a voz de Rowan, era Rowan? Partindo de minha direita enquanto passo correndo, e embora meu coração tenha saltado e eu sinta curiosidade, não volto meu olhar para ele. Não tenho tempo para isso!
  Prendo minha respiração enquanto me projeto no bar, pedindo por uma garrafinha de água ou café, o que quer que eles tivessem ali, de preferência café enquanto o bartender sorri para mim. Não faço ideia do que digo quando o bartender me entrega a garrafinha, mas vejo-o retribuir meu sorriso aliviado, surpreendentemente gentil, antes de eu voltar a correr em direção a onde eu havia deixado o desconhecido sentado.
  — Jesus… aqui! Aqui! — Ofego, entregando para ele a garrafa com água gelada, abrindo-a com o máximo de rapidez que tenho e então finalmente me permitindo sentar ao lado dele outra vez. Abano o ar à frente de meu rosto, as pulseiras e braceletes que envolvem meu pulso esquerdo tilintando suavemente antes de eu passar as mãos pelos meus cabelos, enrolando-o para improvisar um coque que tenho certeza que não duraria por muito tempo. — Ouça, vou ligar para alguém que você conheça para vir te buscar, mas preciso que me empreste seu celular, ou me passe um número, certo? Você lembra de alguém que…?
  Mas tudo o que ele faz é me encarar. Por que diabos ele está me encarando assim?
  — Puta merda, você é realmente uma princesa, não é? — As palavras somem de minha boca e, de repente, eu só consigo encará-lo de volta.
  Suponho que suas palavras deveriam ser uma ofensa, que eu muito provavelmente deveria me sentir ofendida, ele não parecia estar dizendo isso com uma conotação positiva, parecia, na verdade, estar estupefato. Mas igualmente não parece que seja uma ofensa. Há uma… céus, que diabos? Uma suavidade na voz dele que me incomoda de imediato. Mas antes que eu sequer possa considerar o que ele diz, vejo-o apontar o indicador em direção ao meu rosto, a ponta de seu indicador deslizando pela lateral de minha bochecha, desenhando um traço suave em minha pele, sem tocá-la diretamente, enquanto eu prendo minha respiração sem saber como reagir a ele. Ele traça com o indicador gentilmente a lateral de minha bochecha até terminar na minha mandíbula, parecendo seguir a trilha onde as minhas lágrimas rebeldes haviam escapado, e eu me pergunto se minha maquiagem estava intacta ou deixava sinais de que havia chorado. Merda, eu deveria ter sido mais cuidadosa!
  — Estava chorando. — Não é uma pergunta, não uma acusação. Uma simples conclusão.
  Percebo, somente agora, que a voz dele é linda. De onde eu a conheço? Posso jurar que já havia ouvido antes. Talvez algum ex-namorado de Summer? Ele parecia bem o tipo de Summer, todo tatuagens e jaqueta de couro.
  Céus, eu estou enlouquecendo apenas.
  Aperto meus lábios outra vez, respirando fundo, antes de me obrigar a forçar um sorriso para ele, balançando a minha cabeça para ao menos diminuir qualquer que fosse a conclusão que ele havia chegado, tentando convir silenciosamente para ele que não importava sua preocupação com o que havia me feito chorar, era desnecessária. Talvez eu tenha chorado por pura futilidade. Observo-o franzir o cenho, parecendo absorver minha ação, antes de seu olhar lentamente se tornar mais sombrio. Eu prendo minha respiração, sentindo-me desconfortável de repente, mas sem conseguir desviar meus olhos do rosto dele, de repente repassando tudo o que eu havia dito até o momento que poderia tê-lo irritado tanto assim. Ele deixa a mão dele repousar novamente em seu colo, fuzilando-me com o olhar com uma fúria contida.
  E eu sequer o conhecia! Mas que merda ele…
  — Pode me emprestar seu celular por um momento, por favor, eu vou ligar para alguém vir te buscar — insisto, e ele não responde. Mordo meu lábio inferior, praguejando mentalmente e me condenando porque aquilo é estúpido, mas ao mesmo tempo, eu não poderia deixá-lo ali, à própria sorte, especialmente quando ele parecia alterado o suficiente para sequer conseguir andar direito. Ergo minhas mãos para cima, para que ele as observe, e acompanhe a movimentação que faço, os olhos dele se estreitam com um pouco mais de irritação, mas ele não se move um centímetro, apenas me observa com aqueles malditos olhos vívidos e sufocantes.
  Aproximo-me com cautela dos bolsos de sua jaqueta, buscando pelo aparelho celular e solto um suspiro de alívio no segundo que encontro no bolso interno do lado direito de sua jaqueta. Puta merda, eu nunca fiquei tão feliz de alguém guardar o celular no bolso interno de uma jaqueta e não no bolso de sua calça! Balanço minha cabeça novamente, como se isso fosse me ajudar a me concentrar de alguma forma — é claro que não funciona —, levantando-me em um salto rápido do banco em que ele estava sentado a fim de colocar o máximo de distância entre mim e o desconhecido familiar completamente bêbado e alterado.
  O aparelho tem senha, e eu duvido muito que consiga convencê-lo de desbloqueá-lo para mim, especialmente porque isso iria levar mais tempo do que eu desejava passar ali com ele, sozinha. Céus, eu estou brincando com o perigo como se fosse a coisa mais normal do mundo. Uma coisa era ajudá-lo e certificar-me de que ele estaria entregue são e salvo a quem quer que viesse busca-lo, outra coisa inteiramente diferente era fazer companhia para um homem desconhecido, esquisito, completamente bêbado em um restaurante caro onde meu único resgate era Isha, a meia-irmã que me odiava menos ali, suponho. Não. Eu poderia ser bem idiota, mas não ao ponto de custar minha vida. Mordo o lábio inferior abrindo a parte de contatos de emergência do celular dele, prendendo a respiração e tocando no primeiro nome que encontro.
  .
  Levo o celular em direção ao meu ouvido, o zunido da chamada ecoando de maneira incômoda enquanto, sem perceber, levo minha mão em direção ao meu lábio inferior, distraidamente arrancando a pele ali. O ato é instintivo, um alívio de estresse, pode-se dizer, mas, sendo honesta, era o único hábito que conseguia me acalmar ultimamente, ninguém iria perceber que o estava fazendo se não estivesse olhando diretamente para meus lábios, além disso, apesar de às vezes arrancar um pouco de sangue ou fazer algum machucado um pouco mais fundo, o batom sempre cobria qualquer vestígio do que eu estava fazendo, o que era mais fácil ocultar do que usar mangas longas outra vez. Considero mentalmente ligar para Sam assim que tivesse certeza que o amigo do homem bêbado estaria a caminho. Pensar em Sam e Luc é o pouco de alívio que eu havia tido aquele dia inteiro.
  É claro que eu sabia que eles iriam fazer um discurso sobre como eu estava sendo ridícula com tudo aquilo, que estava sendo estúpida e conivente com a traição de Rowan, mas bem, ao menos eles entendiam por que eu estava fazendo… eu já havia perdido minha mãe, agora meu noivo, eu não queria perder meu pai também. Eu não podia. Mesmo que, agora, eu não tenha muita certeza se sequer o tive alguma vez na minha vida, para começo de conversa.
  — Oi! Seu punheteiro do inferno! Puta que pariu, ! Que porra você pensa que tá fazendo, cara?! Caralho, toda vez isso! A gente tá te esperando desde as 6 para gravar essa merda de faixa, aonde você tá, porra?! — O grito é alto o suficiente do outro lado da linha quando o tal “” atende a ligação que eu me encolho instintivamente, fechando meus olhos, e afastando o aparelho de meu ouvido um pouco. Meu coração dispara e sinto o instinto de cobrir meu rosto. Céus, eu odiava gritos. Prendo minha respiração, buscando em minha mente o que eu havia ensaiado e me preparado para dizer a esse tal , amigo do bêbado, as informações do lugar e implorar, se necessário, para que esse viesse buscá-lo.
  — Ah, olá, então, você deve ser o ! Desculpa te ligar nessa hora, é que eu estou no… no… — Faço uma careta dando um passo para trás e buscando desesperadamente a logo com o nome do restaurante, praguejando mentalmente de não ter me certificado de descobrir qual era o nome do restaurante em questão antes de ligar para o tal . Onde estava… onde estava… onde estava… ali! Céus, finalmente! — Hm, desculpe, eu estou no Tropical, aquele restaurante italiano que abriu recentemente próximo da Broadway, sabe? Na Spring Street! E acabei de encontrar o seu amigo aqui, ele não parece muito bem, precisa de ajuda, está bem alterado, pode vir buscá-lo, por favor?
  Mordo minha cutícula ansiosamente, enquanto, do outro lado da linha, o homem se silencia por um longo momento. Minha respiração está presa em minha garganta, enquanto espero ansiosamente por uma resposta. Por favor, por favor, venha buscá-lo! Como eu vou conseguir carregar esse homem até a casa dele? Pior, como eu posso ajuda-lo oferecendo um teto pelo menos pela noite, se isso seria a coisa mais estúpida e arriscada que eu poderia fazer?! Além disso, desde que havia terminado com Rowan, estava vivendo no apartamento de Sam e Luc!
  — Há muitas pessoas aí? — Faço uma careta. Que pergunta era aquela?! O que eu respondo, porra?! Puta que pariu, no que eu havia me metido de novo? Volto meu olhar na direção do desconhecido que ainda está me encarando, mas, por algum motivo, não tenho certeza se ele está realmente me vendo desta vez. Seu olhar está fixo em mim, mas seus pensamentos parecem estar a quilômetros de distância. Eu duvido muito que seja eu que ele veja no momento. Parte de mim se questiona o que diabos ele está vendo?
  — Hm, não?
  — Bom. Estarei em cinco minutos aí, ok? Pode ficar de olho nele por mais um pouco, e não o deixar sair de onde vocês estão. Se conseguir ser discreta, prometo que irei encontrar uma maneira de compensar você por… — Mas “” não tem a chance de terminar o que estava dizendo, porque solto um gritinho baixo ao perceber, tardiamente, que o desconhecido havia se levantado, pior, estava a apenas um passo de distância de mim.
  Observo-o segurar meu pulso, afastando o aparelho celular dele do meu rosto, e então clicando para desligar a ligação enquanto terminava de falar alguma coisa. Os olhos permaneciam fixos em meu rosto, intensos e eu ofego baixo, assustada pela situação. O aperto dele é firme, não machuca, mas não é lá amigável igualmente. É silencioso e ameaçador. Eu empurro o celular dele contra seu peito, a fim de convir que não desejava roubá-lo ou coisa do tipo, girando meu pulso para me livrar do aperto dele, mas ele não me solta. Merda, merda, merda…
  — Eu não quero problemas, por favor, só estou…
  — O saree. — É tudo o que ele diz.  Sua voz baixa e até mesmo agressiva, mas contida. O que o havia irritado tanto? Pisco confusa com o que havia acabado de ouvir dele, e então encaro meu saree. Franzo o cenho e volto meu olhar para ele. Quê? — Me dê o saree — ele praticamente ordena e meus olhos se arregalam, encarando-o como se ele tivesse acabado de perder completamente a cabeça. E talvez, realmente o tenha feito.
  Tá vendo, e é por isso que não deveria se ajudar ninguém na vida, você acabava em uma situação como aquela!
  Eu tento formular uma palavra, mas não há nada que eu possa dizer. Ele solta meu pulso bruscamente, retirando a jaqueta de couro dele, e então enterrando-a em minha mão esquerda, antes de alçar meu saree. Tenho o instinto de acertá-lo no meio das pernas e fazer uma corrida com tudo o que tinha, mas aperto meus lábios, seja lá o que ele estivesse pensando, era mais fácil apenas colaborar com o que ele demandava, e fazer uma corrida para valer. Então, eu giro no lugar para que o tecido do saree se desenrosque de meu corpo, o mais rápido que posso, e então retiro a parte do tecido que era dobrada e se prendia na lateral de minha cintura, ficando apenas com o top e a saia longa que se usava por baixo do saree. Agradeço mentalmente por não estarmos na Índia e nem no passado, quando saree eram usados sem nada no corpo, ou, ao menos, sem o top. Nunca pensei que agradeceria aos britânicos por isso, mas porra…
  Ele me observa por um breve momento, antes de recolher o tecido para si, e, por algum motivo, que nem mesmo a pessoa mais racional seria capaz de responder com lógica, ele enrola a merda do tecido ao redor de sua cabeça, improvisando uma balaclava ou capuz ocultando seu rosto, deixando apenas os olhos expostos antes de cambalear pela calçada sabe-se Deus lá para onde.
  Exalo a respiração que estava prendendo, enquanto observava a jaqueta dele em minha mão. Couro original, bem cara. Que porra havia acabado de acontecer? Acabei de ser roubada por um completo maluco? Faço uma careta vestindo a jaqueta dele. É mais pesada do que parecia, cria uma sensação até confortável de pressão em meu corpo, apesar do cheiro pungente de perfume importado e cigarros. Nego com minha cabeça, abraçando-me enquanto sigo na direção do apartamento de Luc e Sam.
  A vantagem de tudo isso? Eu nunca mais teria que ver ele outra vez. Bom. Muito bom.

  NOTA DA AUTORA: eu reescrevi, porque não faço ideia, só não gostei de como ficou o primeiro capítulo daquela outra vez. Ainda não to gostando, mas pelo menos tá do jeitinho que eu tava planejando. Um pedido sincero de desculpas pra Natashia que doou a ideia, e eu sinto que estou destruindo o conceito todo ksksksksk nessa fic não tem certo nem errado, tá? Você tira suas conclusões e decide o que apoia e o que não apoia, eu não to aqui para determinar nada. Lelen, desculpa a quantidade desse capítulo!

[02] Lado A - 02 Track: Breaking Things

EMPIRE  • JANEIRO

   (Baixista e backing-vocal da The Runes): Cara… nossa, que pergunta. Tô ligado que tem um monte de repórter que pergunta isso aí pra gente, mas na maioria das vezes é o quem responde. O cara manja, tá ligado? A gente só segue a liderança dele e fica de boa (pausa) ah, não faço ideia não, na moral. Só lembro de um dia tá tirando umas notas, meio por preguiça mesmo, tá ligado? Testando na loja do Mick Morse (risos) olha, se tu é de Birmingham com certeza tu precisa ir na loja do Mick. Lá tem de tudo, discos de vinil, instrumentos de qualidade, cabines pra você escutar um som bem estilo anos 80, até tabuleiro de xadrez tem lá, tá ligado? Tinha um estúdio no segundo andar também, eu lembro, mas não sei se ainda funciona. A gente deixou bem zoado numa das últimas vezes que a gente foi lá, e o Mick ficou puto pra caralho. Meio que baniu a gente de voltar lá (risos) não que a gente não entre sem ele saber (risos) aí, na moral, corta essa parte, o Mick vai caçar a gente vivo se souber. Ah, onde eu tava mesmo? (pausa) ah, sim, porra eu esqueci! Na loja do Mick Morse, né? Então, eu tava lá, só pra testar uns baixos novos, tá ligado? Passar um som, eu nem tinha dinheiro pra comprar nada lá, e aí, alguém, sei lá, cara, só bateu no meu ombro. Quando eu virei pra ver quem era, porra (risos) era .
  Eu fiquei parado encarando ele, porque era a porra do na minha frente, tá ligado? Olha eu não sou exatamente fã do pai do cara, mas tenho que admitir que cresci vendo os filmes dele, e o , porra é a cara do pai, tá ligado? Olha, muita gente pode falar o que quiser desse otário, e eu vou concordar. Ele é sem noção, desagradável, todas essas palavras chiques que vocês usam, tá ligado? Mas o filho da puta é impressionante, tá ligado? Porra (pausa) olha, eu sei que isso vai soar esquisito, até porque vocês não conhecem o mesmo que a gente conhece, mas sei lá, cara… tem algo nele, tá ligado? Como… como, hm… porra qual é a palavra mesmo? Compete, não, é outra, parecida com essa, ô caralho eu não tô conseguindo lembrar agora (risos seguido de pausa longa) compete, compele, isso! Compele! Então, cara, ele tem algo dentro dele que é surreal, tá ligado? Meio que te compele, não sei, te magnetiza e você não consegue evitar. Quando vai ver, você já tá orbitando ao redor dele, é bizarro.
  A gente se conhecia da escola, mas não era lá muito amigo. Ele era meio caladão, na dele, e eu andava com um pessoal mais descolado, tá ligado? A gente até chamava ele pra ir com a gente nos rolês, mas ele sempre recusava, alguns diziam que ele se achava legal demais para colar com a gente. Eu achava que ele só não curtia rolês undergrounds pela cidade, mas aí lá tava ele, cara, na minha frente, no Mick’s. Eu não tinha ideia que o cara curtia punk e Metalcore, ele sempre pareceu mais um… ah, sabe como é né? Aqueles riquinhos de Hollywood, tá ligado? Qual é, o cara é um Nepobaby (risos) é assim que fala? Eu não sei direito, só vi uma galera chamando algumas pessoas dessa maneira e achei engraçado pra porra. Então, o cara era um Nepobaby, tá ligado?
  A gente meio que assumiu que ele frequentava, sei lá, Chelsea, coisa de esnobe mesmo (risos), porra, o cara era outra pessoa fora da escola, te falar, na moral! É impossível você não amar e odiar , cara, é quase como ar, tá ligado? Meio instintivo, essa porra toda (risos).
   (Guitarrista da The Runes): É um completo idiota (pausa), estou falando sério, é um completo idiota. É a pessoa mais egoísta que eu já conheci em toda a minha vida, e vai assumir isso pra você com orgulho. Às vezes é… (pausa longa) porra, às vezes é insuportável. O cara tem tudo na porra da palma da mão dele. O mundo inteiro, sabe? O que ele quiser! Mas não faz nada de útil para aproveitar isso. Tem ideia de como é assistir tudo isso de canto? Porra… ele é um maluco que deram palco, e a gente não pode fazer nada sobre. A The Runes é muito mais do que , sabe?
   (Baterista da The Runes): O ? Irmão, não sei não, ele é bem caladão, na dele, saca? Não, não, eu não acho que ele seja introvertido, a maioria das pessoas dizem isso e é bem errado, eu só acho que ele não curte muito as pessoas, só isso (risos). Se quer saber, não dá pra culpar muito o cara, irmão (pausa) eu não sei se eu iria curtir muito as pessoas se meu pai fosse Hank Spade (Hansen Spade, ator, produtor e diretor de Hollywood). Essa exposição desde pequeno, ela acaba com a mente, saca?… Olha, eu tenho um também, que eu fiz eu mesmo, saca? (Simon , dois anos, fruto do relacionamento com Crystal Flowers, influencer digital) e eu e a mãe dele temos um acordo bem claro: a gente vai manter ele anônimo. Não interessa se alguns fãs se sintam magoados, podem ficar, meu filho não vai ficar aparecendo por aí. Irmão, é bizarro, saca? Se já é mó bizarro pra gente, que é adulto, imagina pra um pirralho, saca? E você estar exposto desde criança assim, com os olhares de um monte de gente em você, tu não vai ficar legal da cabeça não, saca? O não ficou (risos).
   VON BRANT: Olha, ele nem fazia parte da formação inicial dessa banda, se quer saber, foi coisa do acaso ou dinheiro, chame da forma que você preferir. Eu tava no secundário, acho, não lembro direito, mas conheci primeiro o . Ele morava na mesma rua que eu. A mãe dele, a tia Kate (Katherine , dona de casa), uma mulher adorável, tão gentil e compreensiva, ela sempre usava esse, como eu posso dizer? Não era um avental direito, mas parecia muito com um, amarrado na cintura com o formato de um pavão, ela mesma que fazia e eu achava a coisa mais genial que já tinha visto na vida porque parecia que cabia de tudo ali dentro. Um bolso com o vazio dentro, sabe? Eu achava genial. Então, tia Kate costumava pedir para que meu irmão (Leon , Professor de História Celta e Nórdica em Oxford) ficasse de olho em , então primeiro a gente só ia e voltava junto da escola. Coisa de criança, às vezes, quando meu pai nos dava algumas moedas, a gente parava pra comprar sorvete e ficava discutindo sobre qual sabor era o melhor, e sempre acabava em briga.
   : colou em casa um dia, saca? Acho que foi um sábado, pô não lembro, faz tempo demais (risos) mas era sábado, a gente tava com uns 10 anos, acho que 11 talvez, irmão, uma idade por aí, todo bagunçado, cabelo igual um ninho de rato, com a mochila nas costas, os livros tinham caído no meio do caminho porque o idiota tinha esquecido de fechar a mochila (risos) aí ele me disse: “anda logo, punheteiro, a gente tá atrasado”, e eu fiquei “ué? Atrasado pro que, doente?” e então, com a cara mais estúpida que eu já vi (risos) não, sério, cara, cê tinha que ver (risos) disse “pra escola!” (risos) cara, eu nunca chorei de rir tanto na minha vida! E ele tava real acreditando que a gente tava atrasado, irmão. Minha mãe teve que explicar pra ele duas vezes até a gente descobrir que foi o Leon que tinha mexido no celular do pra fazer uma pegadinha. Mermão, te falar uma coisa, aqueles foram bons tempos (pausa) aí, como o mano já tava em casa, saca? Eu chamei ele pra entrar e a gente passou a tarde inteira na cola do meu pai.
  Sabe (pausa breve), meu pai tinha esse sonho de ser cantor também. Acho que toda criança quer ser alguma coisa importante, saca? Uma coisa que parece impossível, mas que se realiza pra alguns poucos aí. Meu pai era um bom cantor, saca? (George , aposentado, falecido no fim de 2019). Acho que ele teria sido alguém se tivesse tido a sorte que a gente teve, mas então a vida aconteceu pra ele. Minha mãe acabou engravidando e ele entrou pro exército, saca? A gente não era rico como o ou o , mas dava pra viver bem, saca? Mas meu pai passou muito tempo na base militar do que em casa, então crescer foi meio… sei lá, irmão, esquisito? Não é que eu não amasse meu pai, é só que demorou um pouco pra conhecer ele, saca? Mas nesse dia ele tava lá, surpreendentemente.
   : O tio George tinha um espaço de música maneira improvisado no porão. Tinha de tudo lá, sabe? As coisas do exercito dele, medalhas e fotos dos colegas dele, ele contava umas histórias malucas, sem pé nem cabeça, e nunca tinha fim, sabe? (risos) mas a parte mais legal daquele lugar era os instrumentos que ele tinha lá, espuma acústica porque tocar alto fazia a tia Kate ficar com dor de cabeça. Tinha uns discos de vinil antigo, uma vitrola também, era foda, sabe? Lembro que eu e costumávamos inventar esses trabalhos em grupos falsos dizendo que ia estudar lá, e a gente ia sorrateiramente pro canto do tio George depois da meia noite, pra virar a noite lá. É claro que a gente foi pego, mas no fundo, acho que tio George nunca se importou, sabe? Era um bom homem (pausa) Uma vez vi ele tocando a guitarra, e porra, foi naquele momento, sabe? Quando eu ouvi ele explicar como podia tirar diferentes nos, até mesmo imitar uma risada com aquelas linhas, como a música poderia se moldar ao seu próprio desejo, bastava apenas dedicação e coragem, eu soube na hora, eu queria fazer aquilo. Eu tinha nascido pra fazer aquilo. Não importava o que eu precisasse fazer, eu queria me tornar o melhor na guitarra, queria ser como o Vedder ou o Hendrix, sabe? Custasse o que custasse, eu ia me tornar um deles.
   : praticamente passou a morar com a gente depois disso (risos).
  LEON : Meu pai (Klaus Hoffman, aposentado, Coach de Relacionamentos) foi embora quando tinha uns 12 anos, eu estava com 16 na época já. Foi difícil (pausa) a gente vê esses caras como nossos heróis e conforme vai crescendo vai percebendo que na verdade não são essas criaturas invencíveis, na verdade são bem mais decepcionantes, e meu pai (pausa) não foi o melhor pai do mundo, foi? Minha mãe (Sara , aposentada) que trabalhava na época como garçonete no Tom’s Dinner teve que encontrar um segundo emprego, como ajudante de cozinha no Le Claire’s, então ela quase nunca estava em casa depois que o pai foi embora. Eu também trabalhava em um açougue, como ajudante, por meio período, e por causa disso não conseguia ficar de olho em pra ajudar minha mãe, então tio George foi o pai que a gente não teve durante a adolescência, uma ajuda e tanto, se quer saber. Às vezes parecia que era mais irmão de do que meu (risos)… não dá pra culpar, entende? Minha mãe e eu tínhamos a casa e o aluguel para segurar, responsabilidades demais para dividir tempo com , ele era só um garoto na época (pausa longa) me sinto culpado, se quer saber? Por ter falhado como irmão mais velho, por não ter estado lá quando precisou. Ele teve tio George, mas ainda assim, eu não estava lá, né?  A gente se acertou quando ficamos mais velhos, e meus filhos amam o tio deles, mas a verdade é que não dá pra apagar essa parte (pausa longa). Continua se repetindo na minha cabeça, se quer saber. Eu sei que chegou longe, o cara é uma estrela do rock agora, é o maior orgulho da minha mãe, então… tio George foi o melhor tutor que poderia ter tido (risos) cara de sorte. Mas ainda foi uma falha minha, sabe? Não consegui dar pra o mundo que ele merecia quando era pequeno, e isso  é inteiramente culpa minha.
   : Aprendi vendo. Claro, não chegava nem aos pés do tio George, mas comecei de pouquinho a pouquinho. Minha mãe me deu uma guitarra usada, quebrada porque era só o que o nosso dinheiro dava de presente de Natal, e porra (pausa), foi o melhor presente que já ganhei na minha vida. Eu lembro de ter corrido pra casa de para mostrar pro tio George meu presente, e ele me ajudou a consertar. Acho que levou uns seis meses para conseguir deixar ela boa de novo e funcionando. Tio George me ensinou muita coisa.
   : Às vezes acho que era o filho que meu pai sempre quis ter tido (risos seguido de pausa) ah, irmão, que isso, nunca, meu pai era gente boa, ausente por causa do trabalho, sim, mas depois que ele recebeu dispensa por causa da perna dele, ele enchia o saco (risos) tô falando sério, saca? O cara não desgrudava, acho que era o jeito dele de compensar pelo tempo que ele passou fora de casa, então, toda vez que o tava em casa eu e minha mãe podíamos respirar (risos). Acho que em algum momento eu me senti meio de fora e comecei a passar tempo com e meu pai, brincando com os tambores. Eu sei que irritava pra caralho eles (risos) então eu me divertia. A gente cresce ali, irmão, e pode parecer pouco, mas eu não mudaria nada.
   : A gente estudava em um colégio interno, coisa de rico, em Birmingham. Uniforme e tudo, tá ligado? Eu odiava aquele lugar. Nossa, eu odiava pra caralho, a gente tinha uma reitora, a Sra. Vidal, e puta que pariu, ela era como o demônio, saído dos quintos dos infernos, se você respirasse errado, ela sabia. Minha família não ligava muito para o que eu queria fazer, desde que eu estudasse. Estudo era importante pra minha tia, tá ligado? (Ophelia , socialite, Cofundadora da Venom Perfum) eu e meus primos tínhamos uma lista com notas estabelecidas e era reportado pra minha tia, tá ligado? Aí se a gente tivesse com nota baixa, acabava de castigo, mas de resto? A gente podia fazer o que quisesse desde que tivesse responsabilidade. Eu não tive uma fase rebelde, tá ligado? Aí, conseguiu uma bolsa que a escola oferecia e havia passado a estudar comigo. O cara era o que…? Uns, sei lá, dois anos mais novo que eu, e mandava bem pra caralho nas matérias.
  Lembro que inicialmente a gente havia começado só pra melhorar as notas, mas aí, então, ter uma arrecadação de fundos da escola, e bum, lá tava e , com mais uma garotinha bonitinha, que eu não lembro o nome (Holly Jenkins, administradora, empresária da Spice & Dice).
   : Holly Jenkins.
   : A Holly! Porra que saudades da Holly! Era minha vizinha, gente boa pra caralho (risos) ela tinha essa obsessão por Sailor Moon, fez eu e o se fantasiar de Sailor Mars e Sailor Pluto no Halloween uma vez (risos) a minha mãe tem até hoje as fotos.
   : Sem comentários.
  HOLLY JENKINS: Depois que o foi pra aquela escola de riquinhos babacas, o meio que sobrou na escola, tipo, não era que ele não fosse legal, mas tipo, ele era bem estranho, tipo, mesmo estranho. Eu ficava com a turma do teatro, então não era muito esquisito pra gente, aí um dia a galera toda decidiu jogar RPG e tava faltando uma pessoa. Já que o tava lá, a gente chamou ele pra participar. Depois disso, tipo, ele virou presença constante lá. Tipo, enquanto o tava fora, na escola, eu ficava junto com ele e a gente trocava playlists e até mesmo algumas partituras, era legal, tipo, eu gostava bastante, mas não era meu sonho, sabe? e nasceram pra virar estrelas do rock, sabe? Mas eu não, detesto multidões, ugh, só de pensar me dá calafrios (risos).
   : Na época eles se chamavam de Dregs (risos) bem edgy e underground, eu sei, eu sei, meio paia, tá ligado? Mas cara… quando eles começaram a tocar um cover de Talking in your sleep, a galera ficou doida, falo sério, foi uma festa. Não teve uma alma viva ali que não se divertiu com a música naquele dia, depois disso, eu grudei no , e de quebra conheci o e a menina lá. Fui de cara com na hora.
   : Eu odiei o de cara (risos).
  HOLLY JENKINS: Ele parecia um pirata, tipo, sério mesmo, igual Piratas do Caribe, meio tipo Howl de Castelo Animado, bem flamboyant¸ tipo, um Casanova total. Tive uma quedinha, admito.
   : Não é que eu não goste de gente privilegiada, tenho até alguns amigos que são (risos) mas é como falar com pessoas fora da realidade, sabe? Eles simplesmente não entendem as coisas ou veem as coisas da mesma forma que você. Idiotice pura. Mas não era assim tão ruim de se ter por perto, se quer saber. Ele era tolerável.
   : era engraçado pra caralho, dizia umas coisas que fazia até a minha tia rir alto. Olha, é um pau no cu na maior parte do tempo. Tem seu charme, mas é um pau no cu, é o melhor de nós quatro, tá ligado? tem força de vontade, o cara é uma lenda entre a gente, tá ligado? Ele é o cara que faz essa banda funcionar, tá ligado? O pode ser o rosto da banda, mas é o que também faz isso funcionar.
   : Quando a Holly saiu da banda, a gente ficou desfalcado, saca? A gente tinha começado a se arriscar um pouco em alguns pubs por volta da cidade, saca? Não era muita coisa, a gente só fazia alguns covers, às vezes testava uma música que havia composto, mas não era algo que a gente pensava que, pô é o começo (pausa) aí o apareceu.
   : A gente tava pra subir no palco, e não tava com a garganta legal aquele dia. Eu lembro que tinha chamado o pra vir assistir a apresentação, tá ligado? O cara conhecia os melhores lugares da cidade, então não foi lá uma surpresa ele ir até o pub aquele dia. A gente ia cancelar a apresentação, tá ligado? Se estava com a voz ruim, então não dava pra se apresentar, mas aí, cara… (pausa) porra, aí o subiu no palco com a gente, e pegou o microfone. Juro, cara, o bar inteiro parou!
   : Não dá pra negar, sabe? O cara é o melhor no que faz. Quando ele subiu no palco aquela primeira vez, foi como se a gente tivesse assistido alguma coisa acontecer, uma realidade nova, sei lá. A voz do é de outro mundo, não dá pra explicar, quando ele começou a cantar aquele dia eu soube que a gente chegaria longe. Ele tem essa coisa, sabe? Não sei como explicar, ele hipnotiza as pessoas, consegue harmonizar e transacionar por entre as notas como se fosse uma natureza dele, nasceu pra isso, sabe? Só tem um problema nisso tudo.
   (Vocalista e Segundo Guitarrista da The Runes): Eu nunca quis ser famoso.

  • AGORA.
  Los Angeles, California.

  — Sam, cadê minha calça? — Luc grita pela quinta vez, e eu não consigo deixar de sorrir por trás da caneca com café preto forte.
  Todos os dias, sem falta, Luc se levanta questionando onde estavam as calças dele para Sam, e, todos os dias, sem falta, Sam dizia que não tinha ideia de onde estavam, enquanto as usava descaradamente. Volto meu olhar para o tablet em minhas mãos, pensativa, analisando os anúncios de apartamento enquanto caminho entre a cozinha e a sala de estar deles, buscando ao mesmo tempo pelo meu carregador, que deveria estar em algum lugar daquela casa, ou então eu deveria ter esquecido no trabalho, e isso sim seria pior. Repouso a caneca sobre a mesa de centro da sala, em cima de um pequeno porta copos antes que Luc pudesse surtar comigo por manchar sua mesinha de centro de mogno, enquanto retiro as almofadas de formas e cores diferentes, incluindo uma com o rosto de Nicholas Cage que havia dado de presente para Sam, antes de suspirar exasperada. Meu carregador não estava em lugar nenhum, e meu celular estava descarregado desde a noite anterior.
  — Algum de vocês viu meu carregador? — grito da sala, antes de alçar minha caneca e voltar para a cozinha. Do banheiro escuto um sonoro não de Sam antes de ela voltar a cantar desafinadamente She’s a fever da banda The Runes. Apoio o tablet entre meu peito e meu queixo, retirando as duas torradas de dentro da torradeira, e desligando o fogo osbacons que Luc comia todos os dias, antes de equilibrá-los com minhas mãos e repousá-los sobre os guardanapos de tecido, pintados a mão, de Sam. — Café da manhã tá pronto! — aviso, e então, me sento em um dos bancos altos ao lado da bancada da cozinha deles, voltando a ler as informações que Pietro, o corretor de imóveis de Sam e Luc, havia me enviado aquela manhã. Aperto os lábios, analisando as propostas dos apartamentos em potencial, e até mesmo uma casinha, pequena, mas confortável perto de Santa Mônica.
  — Você esqueceu no seu cubículo ontem, a Marlene pegou, mas disse que vai te retornar hoje na reunião das 10. Usa o da Sam enquanto cê tá aqui — avisa Luc, entrando na cozinha e fechando a camisa ridícula com estampa de Ets e naves espaciais que somente ele usava.
  Ah, mas que merda! Eu sabia que tinha esquecido alguma coisa quando estava saindo do trabalho ontem, mas bem, como eu não poderia esquecer, receber um ultimato do meu pai para comparecer ao jantar de anúncio de noivado de Maya e Rowan não era exatamente o tipo de notícia que você recebia de última hora e ficava feliz por isso.
  Me levanto parcialmente do banco para alçar o carregador de Sam, desenrolando-o com cuidado, e tentando não revirar os olhos antes de conectar em meu celular para tentar carrega-lo ao menos parcialmente para aguentar até que Marlene Karmann chegasse no trabalho, já que era, tecnicamente, minha supervisora na revista. Com meu celular no carregador, volto novamente minha atenção para o tablet com um suspiro pesado, pesando os prós e os contras da última proposta que Pietro havia me enviado, tentando ignorar a parte de minha mente que sente que aquilo era completamente injusto, mas bem, era o primeiro passo para seguir em frente, encontrar um outro apartamento para viver, um, de preferência o mais longe possível de Maya e Rowan.
  — Alguma sorte? — Luc passa os braços pelos meus ombros, em um abraço meio desajeitado e típico de Luc, beijando minha têmpora, enquanto se inclinava para a tela do tablet comigo. Suspiro pesado, dando de ombros singelamente, diminuindo o problema, como sempre.
  — Não muita. Alguns anúncios em Santa Mônica, o que é pelo menos umas duas horas da editora, e então uma daquelas mansões velhas de filme de terror em Pasadena, que são caras demais para que eu possa pagar sozinha — resmungo com um tom baixo, mas tentando soar mais animada e determinada do que eu de fato me sentia. Dou um tapinha carinhoso no antebraço de Luc, e então entrego o tablet para que ele possa analisar as propostas de Pietro.
  — Olha, se quiser, Sam e eu podemos te ajudar a pelo menos dar uma entrada legal nessa mansão velha. O preço tá muito mais barato do que aqui se quer saber — Luc, como sempre, oferece, e eu não consigo conter um sorriso com o apoio de meu amigo, especialmente quando sentia que não havia ninguém mais disposto a me apoiar como os dois o faziam, mas, novamente, eu já estava morando com eles naqueles últimos meses, sentia que estava abusando de sua bondade, e não podia o fazer mais ainda. Quer dizer, parte de recomeçar, para mim, era a necessidade de provar a mim mesma que eu conseguia sobreviver sozinha, sem precisar do apoio de ninguém. Aperto meus lábios, pronta para negar, quando Samantha entra na cozinha com uma expressão fingidamente exasperada.
  Vejo Sam me lançar um olhar, antes de revirar os olhos, negando com a cabeça, enquanto secava distraidamente os cabelos recentemente tingidos de azul claro como céu, desalinhados. Ela chuta minha perna direita para que eu tire o pé de cima do banco ao lado do que estou sentada, e eu dou-lhe a língua, enquanto Sam se sentava ali, pronta para acabar com os bacons antes que Luc. Como toda manhã acontecia.
  — Eu não sei por que você tá fazendo todo esse drama, -, eu já disse que você está perdendo tempo aqui — resmunga Sam enquanto alça mais um bacon, mordendo-o com um suspiro de satisfação, e Luc solta um chiado, me soltando e tomando a frigideira para si, lançando um olhar exasperado para Sam, que joga um beijo no ar para ele, rindo baixo.
  Eu suspiro, rindo comigo mesma, mas ao mesmo tempo, tentando não evidenciar a pequena pontada que sinto em meu peito ao perceber que, apesar de já terem se passado três meses, eu ainda sentia falta de Rowan e da intimidade que a gente tinha. Se ele ao menos não estivesse compartilhando a mesma coisa com Maya… Sam acerta um soco leve em meu ombro, me despertando de meus próprios pensamentos antes de agarrar meus ombros e me chacoalhar, como se estivesse tentando colocar algum senso em minha mente. Eu dou risada.
  — Vai. Para. Londres. Caralho!
  Luc solta um estalo com a língua, exasperado.
  — Para de expulsar nossa filha dessa casa, Samantha! — Luc desaprova, e eu dou o dedo do meio para o homem, em resposta ao comentário. Enterro meu rosto em minhas mãos, negando com a cabeça, enquanto Samantha solta um risinho divertida. Ótimo, agora eu era a filha do casal. Deixe para Luc fazer piadas a plena 6 da manhã. — Não se preocupe, querida, você vai achar algo em breve.
  Samantha se levanta do banco que estava sentada, e então vai em direção à geladeira, abrindo-a por um momento antes de alçar o suco de laranja. Ela anota alguma coisa na lista que deixávamos na geladeira para avisar o que havia acabado, e eu faço uma anotação mental de pegar a lista e passar depois do trabalho no supermercado para comprar o que estava faltando.
  — Eu não tô expulsando ela. - sabe que a gente sempre vai ter um quarto para ela onde quer que a gente esteja, mas qual é! , por deus, você tem literalmente um convite de Broderick em pessoa pedindo para se juntar à equipe de pesquisa dele! O cara acompanha seu trabalho, estava encantado com a reportagem investigativa que fez para o Daily CA — diz Sam com um tom de voz afetuosamente exasperado, enquanto me dá um tapa na cabeça e eu repouso a caneca de café, agora quase vazia, sobre o balcão, antes que possa derramar café acidentalmente para o horror de Luc. Eu suspiro pesado, apertando os lábios. Bem, ter um nome importante da advocacia interessado no meu trabalho, não era exatamente algo promissor.
  Levanto-me para pegar de um dos armários a pasta de amendoim que Sam havia comprado para mim como “compensação” por ter tomado o restante das minhas cervejas semana passada, e então passo na torrada com o suspiro dramático de Sam. Luc franze o cenho, voltando seu olhar para a namorada, parecendo surpreso.
  — Além disso, é Londres! A quilômetros do palhaço de Rowan e aquela desculpa de ser humano que você chama de parente. Se estiver se sentindo triste, você pode só pegar uma balsa e ir para qualquer lugar na Europa, não era seu sonho viajar o mundo?
  A descrença de Luc em minhas habilidades é quase semelhante a de meu pai, e isso me faz rir baixo dele, porque, talvez, ele realmente estivesse assumindo o papel paterno em minha vida que estava vago há um bom tempo.
  — Espera, Broderick? O Broderick? O do debate com o Pierce semana passada? Nem fodendo! Quando isso aconteceu, por que nenhuma das duas me contou isso? Que filhas da puta! — Luc se aproxima de Sam em dois passos, como sempre fazia quando Sam chegava para contar alguma fofoca do trabalho ou dos vizinhos, praticamente alçando Sam para cima, a fim de se sentar no banco que Sam estava, e então colocando Sam sentada em seu colo.
  Observo ela digitar no tablet, provavelmente abrindo meu e-mail, e então mostrando a mensagem em questão. Luc solta uma exclamação muda, arregando os olhos, antes de abrir um sorriso largo que deixa suas covinhas expostas, ao encarar Sam com olhos brilhando e voltar-se para mim animado. Uma animação que eu não compartilhava de fato.
  — Tá de brincadeira, ? Você tem que aceitar!
  — Não é? Agora tenta convencer ela disso. — Lanço um olhar na direção de Sam, dando uma mordida na torrada, antes de dar de ombros singelamente.
  — Não é… — começo a dizer, mas me interrompo, tentando engolir o restante da torrada em minha boca, antes de pigarrear para clarear minha garganta, enquanto aponto para o tablet, dando de ombros. — Não é bem assim. Professor Broderick me convidou para fazer parte do time de pesquisadores dele, mas tem condições, ele me deu um ano para desenvolver meu portifólio com matérias investigativas relevantes, criar um nome para mim, entende? Mas eu estou na Empire o quê? Há cinco meses já? Não vai dar tempo, e eu duvido muito que Professor Broderick irá se interessar em ler as últimas fofocas da semana de Hollywood que estão no meu portifólio. — Sam aperta os lábios, me lançando um olhar enquanto passava os braços ao redor dos ombros de Luc. Eu dou de ombros, limpando minhas mãos no guardanapo de Star Wars de Sam, antes de caminhar em direção a onde meu celular está carregando, e minha bolsa. — Além disso, eu não tenho nem dinheiro para pagar uma casa aqui, imagina na Inglaterra. — Limpo minha boca rapidamente, guardando o meu celular no bolso da frente da minha calça de alfaiataria antes de alçar minha bolsa e pegar de volta o tablet da mão de Luc. — Tenho que ir mais cedo, Delaney quer que eu ajude com a reunião das próximas pautas e Marlene precisa de ajuda com o equipamento de fotografia, eu vejo vocês na hora do almoço? — Beijo a testa de Sam, e então dou um tapa de leve na cabeça de Luc que bufa exasperado, caminhando rapidamente para fora do apartamento antes que qualquer um dos dois dissesse mais alguma coisa sobre o convite de Professor Broderick.  
  Não era somente a falta de tempo e dinheiro que me impediam de aceitar a proposta de Professor Broderick. A proposta, na verdade, era excelente, e o trabalho como pesquisadora pagava bem, era algo que eu gostava de fazer embora não fosse exatamente meu sonho de fato, mas a ideia de deixar a Califórnia, de mudar para outro continente, não era apenas assustadora, era desconfortável. Parte de mim, no fundo, sabia que se eu saísse da Califórnia, eu perderia de vez meu pai para sua família. O que quer que restava de nosso relacionamento, se é que ainda havia algo a essa altura, iria desaparecer completamente com a distância, além disso, o que seria de Isha naquele lugar? Talvez eu devesse ser um pouco mais egoísta, talvez já não tivesse mais nada para lutar ali, mas a ideia de Isha assumir o meu papel como o alvo do desprezo de Indira, não era exatamente confortável, especialmente porque ninguém mais poderia assumir o posto de garota de ouro que Indira havia dado a Maya.
  Mas enquanto desço rapidamente as escadas, eu releio o e-mail que a equipe de Professor Broderick havia me enviado com os requerimentos necessários e os prazos estipulados para que eu pudesse competir pela vaga em sua equipe. Tomo uma lufada de ar gélido do inverno, apertando os lábios.
  Eu ainda tinha algo a perder aqui?

•••

  — Finalmente, ! Meu Deus, cara, como pode você ser tão lerda assim? Se fosse para ser uma imprestável nem teria te ligado, que saco!
  Abro minha boca para responder Marlene Karmann, mas não consigo pensar em nada que possa justificar sua explosão comigo, então eu apenas fecho minha boca, assentindo em concordância enquanto lanço um olhar breve na direção do relógio preso em meu pulso esquerdo.
  Não estou atrasada, na verdade, estou no horário combinado com Marlene. Questiono-me, portanto, que diabos eu possa ter feito para ter merecido aquele comentário, mas me impeço em aprofundar muito naquilo. Marlene era assim mesmo: explodia com todos ao seu redor, dizia coisas cruéis e queria apenas sentir-se correta, sem se importar com mais nada, porque estar certa era tudo para ela. Dizia constantemente que ninguém a compreendia, e que ela era desvalorizada por todos ao seu redor, mas sendo bem honesta, a verdade era que se as coisas não fossem do jeito dela, se ela não tivesse o foco de tudo sobre si mesma, e ela não tivesse alguém para descontar suas frustrações e apontar como algum tipo de vilão, então ela iria implodir. Não era que Marlene fosse uma pessoa ruim, ela não era. Às vezes era bem doce, e muitas vezes conseguia iluminar uma sala inteira apenas com uma piada ou um comentário, mas somente se você oferecesse algo para ela. Uma heroína incompreendida de sua própria mente, mas bem, não éramos todos assim?
  Suspiro pesado. História da minha vida, aparentemente: não ter valor algum senão oferecer ou servir para algo. Balanço minha cabeça, tentando usar o movimento para afastar meus próprios pensamentos, concentrando-me na tarefa em mãos e em prestar atenção no que Marlene estava dizendo, embora minha atenção esteja parcialmente dividida. Há muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, Marlene está falando rapidamente alguma coisa à minha direita, gesticulando e provavelmente contando sobre sua noite incrível com Aaron e todo o drama que envolvia a vida de Marlene onde os homens com quem ela saía eram seu foco total. E ao mesmo tempo, o eco distante das conversas de Scott, Trevor e o fotógrafo a alguns passos de distância de onde estamos é alta o suficiente para que eu possa captar poucas palavras por acidente, o ruído dos carros estacionando, a luz do sol nascente começando a se intensificar, a sensação sufocante e desorientadora. Tento disfarçar o desconforto apenas assentindo e oferecendo a Marlene um sorriso em concordância ao que quer que ela estivesse dizendo, enquanto levava minha mão esquerda discretamente em direção ao meu ouvido esquerdo, abaixando minha linha de olhar para o chão, e então, pressionando minha orelha, tentando silenciar, por breves segundos, tudo ao meu redor, sem conseguir focar em nada, e focando em tudo.
  Fecho meus olhos, respirando fundo, uma, duas, três vezes, antes de ouvir Marlene dizer meu sobrenome com impaciência. Tenho vontade de gritar a ela para que cale a boca, mas apenas tenciono minha mandíbula, piscando, e voltando meu olhar para ela com uma expressão séria tensa. Marlene me encara, os cabelos cacheados e volumosos presos em um lenço de seda vermelho escuro, enquanto o castanho escuro de seus olhos pareciam mais claros com o toque do sol, ela revira os olhos, visivelmente incomodada.
  — Desculpe, eu… — começo a dizer, mas Marlene me ignora completamente, como sempre, passando por mim, os saltos dela estalando contra o asfalto do estacionamento, enquanto abria o porta malas de sua Porsche vermelha, revelando as caixas e equipamentos de fotografia que ela havia trazido para o estúdio da revista. Aperto meus lábios, observando a quantidade de coisas e calculando mentalmente o peso que será carregar tudo aquilo para o estúdio, supondo que Marlene deveria pelo menos considerar tirar os saltos se fosse ajudar a carregar o equipamento também, porque acabaria com bolhas.
  — Ai, tá bom, tá bom, , que seja, Delaney não irá chegar até as 3 da tarde, para o fechamento e reunião das próximas pautas, então Fabian, Gustav, e eu estamos no comando de hoje. — Marlene afasta uma mecha de seus cabelos para longe de seu rosto, e então cruza os braços sobre os seios, examinando as unhas impecáveis. Faço uma anotação mental de chamar Sam para ir fazer as unhas novamente em um estúdio de unhas em Downtown. Aperto meus lábios, arregaçando as mangas de minha blusa e começando a empilhar as caixas, tentando encontrar um equilíbrio no peso que não acabasse com minhas costas. — Certo, Fabian está encarregado da sessão de fotos com a The Runes, e Gustav vai ficar com o pessoal do design e fechamento dessa edição, e eu vou monitorar as novas pautas com o restante da equipe, e já que você está aqui, você fica com o Fabian hoje, ok, docinho?
  Pisco, pega desprevenida. Encaro Marlene com seu nariz empinado e os olhos fixos no celular, mascando o maldito chiclete com preguiça que costumava me dar nos nervos — não é exatamente o ato, mas o som da mastigação que incomoda, e eu não faço ideia do motivo, mas costuma me irritar profundamente —, enquanto ela digitava no celular dela rapidamente com um risinho. Marlene poderia ser linda, segura de si, e tudo o que havia de bom para uma mulher, certo? Mas puta merda, às vezes eu realmente considerava perder meu réu primário com ela. Tínhamos apenas alguns meses de disparidade para a época em que ela havia entrado na revista, e a época que eu havia entrado. É claro que Marlene não havia conquistado sua posição como Subeditora da revista Empire por sua habilidades e competência, o fato de a mãe adotiva dela ser amiga próxima de Delaney havia garantido isso, é claro, mas era simplesmente frustrante tê-la me comandando pela revista como se eu fosse nada mais do que sua assistente. Ainda assim, parte de mim sabe que ela não está o fazendo por mal, só está… bem, sendo Marlene, afinal.
  — Espera, Mal, espera um segundo aí. — Ergo minhas mãos para o alto, e volto-me na direção da outra mulher com impaciência. Passo as mãos pelos meus cabelos, tentando tirá-los de meu rosto enquanto o vento gélido nos envolvia. A Califórnia não era conhecida pelo o inverno com neve como alguns outros estados do país possuíam, mas sim pelo tempo mais chuvoso e com vento. Aperto os lábios, praguejando baixo, enquanto tento me certificar que meus cabelos não atinjam meu rosto, ainda encarando Marlene com impaciência. — Olha, agradeço pela sugestão, mas Karmann, eu não sou sua assistente. Sou uma Repórter Junior, sim, mas ainda faço parte da equipe de redação, não da de fotografia ou gráfico, além disso, cinco das sete pautas a serem discutidas foram sugeridas por mim. Você não pode simplesmente me jogar de lado sem sequer ter explicação do que…
  Marlene solta um chiado, exasperado, e então volta a me encarar, guardando o celular no bolso de sua calça de cintura alta, e então apoiando as duas mãos nos quadris dela.
  — Por favor, como se você estivesse fazendo grande coisa também! — Marlene praticamente cospe, e eu prendo a respiração instintivamente surpresa pela resposta dela. Outch, essa tinha doído mais do que eu gostaria de admitir que havia o feito. Sinto meu queixo tremer e minha garganta se apertar, mas mantenho minha expressão o mais calma possível. Posso ver Marlene gaguejar um pouco, tentando encontrar as palavras corretas para continuar com seu rompante, mas não sei exatamente se faz alguma diferença quando a verdade do que ela pensava havia sido exposta tão facilmente. Ela engole em seco, oferecendo-me um sorriso, enquanto dava de ombros. — Ai, para, amiga, olha, vamos ser honestas, você não é lá a melhor para esse trabalho. Vou dar os créditos das suas ideias, e repassar o  que foi conversado na reunião. Mas quer saber? Você como ajudante é bem mais necessário do que nessa matéria — Marlene soa exasperada, impaciente e eu tenho vontade de gritar com ela. De responde-la à altura, mas mesmo se desejasse, não é como se eu conseguisse mesmo gritar, ou que fosse resolver alguma coisa. — Além disso, Aaron vai fazer parte da matéria, e você sabe que eu preciso disso! Vai, , quebra essa para mim, por favor!
  É claro que essa seria a motivação de Marlene. Aaron, da contabilidade, responsável pelo time de administração da empresa, até um bom partido, se você gosta de loiro, branco e típico homem de Wall Street — se bem que, sendo honesta, a persona de alternativa e liberal de Marlene era apenas isso, uma persona que bem lhe convinha quando queria, mas bem, quem sou eu para julgar alguém? —, apesar de uma personalidade questionável, que insistia em participar das reuniões para vetar “gastos” desnecessários, como se o dinheiro não estivesse cotado já. Aperto meus lábios com força, voltando meu olhar para as caixas, coçando ansiosamente a lateral de meu pescoço. Por fim, apenas concordo com a cabeça, respirando fundo e então, forçando um sorriso na direção de Marlene, sem encontrar palavras para retrucar. Eu sabia que deveria dizer algo, mas, honestamente? Do que iria adiantar falar com alguém que não queria escutar?
  Marlene abre um sorriso e tenho dificuldades para descobrir se é falso ou não, quero acreditar que não é, mas sua breve explosão dizia outra coisa completamente diferente. Ela passa por mim, ignorando as caixas, e eu sei que terei que carregar as caixas sozinha, então as retiro do carro, tentando equilibrar o máximo que consigo delas em meus braços, mesmo que meus músculos reclamem posteriormente, era melhor do que esperar pela ajuda de alguém, e eu duvidava que alguém iria vir ao meu resgate. Certo, eu posso fazer isso! Eu consigo! Eu consigo!
  Além disso, bem, Marlene tinha um ponto em suas palavras, eu estava acostumada a auxiliar essas coisas de qualquer forma, então não custava nada, afinal. Toda experiência ainda assim era uma experiência, certo? Suspiro pesado fechando os olhos por um segundo, e ignorando o desejo de simplesmente sumir, desaparecer por completo sem deixar rastros, nem informações de onde estaria, enquanto tentava me concentrar na tarefa em minhas mãos. Arrependo-me de não ter pegado meus fones de ouvido, muitas vezes, quando ficava encarregada de auxiliar com algo prático, fosse na impressão das revistas na gráfica, ou com a parte técnica das fotografias, colocar os fones, mesmo que fosse apenas para deixar sem som, ajudava em muito para me concentrar e trazer conforto.
  Fecho o porta malas do carro de Marlene antes de esforçar-me para carregar os equipamentos para dentro do estúdio, praguejando mentalmente enquanto desvio o mais rápido que consigo dos outros funcionários correndo pelo caminho, calculando mentalmente e tentando projetar para onde eles iriam caminhar, a fim de encontrar uma forma de desviar do caminho, ou não esbarrar em ninguém, como se eu dependesse disso para sobreviver.
  Passo pela entrada do prédio, com um cumprimento que sequer é respondido por alguém da segurança, antes de seguir em direção aos elevadores. Meus braços já estão doloridos e eu vou precisar apoiar logo todo o equipamento se não quisesse derrubá-los por acidente. Praguejo entre dentes, buscando com o olhar algum espaço para me apoiar por alguns segundos, apenas para receber um esbarrão brusco em meu ombro direito. Quase derrubei a caixa de lentes que está com meus dedos enroscados com toda a minha força na alça, e só a ideia de ter que pagá-las quase me faz vomitar — são caras demais para que eu possa pagar sozinha, vou ficar anos pagando se algo acontecer —, enquanto tento ajeitar as caixas e equipamentos em meus braços trêmulos com o esforço, antes de voltar meu olhar, irritado, na direção de quem havia acertado meu ombro.
  Estou pronta para iniciar uma discussão, ou pelo menos xingar, quando meus olhos encontram o responsável, e tudo desaparece. Minha mente fica em branco. Puta que pariu
  Eu congelo no lugar.
  Conheço esse homem! Quer dizer, é claro que sei quem ele é, é literalmente em pessoa! O ! The Runes era uma banda que eu sabia pouco, mas que era estourada ao redor do mundo inteiro, e eu, inclusive, ouvia as músicas frequentemente! Bem, em partes para conseguir ter o que conversar com Isha, que era uma fã ferrenha deles, mas mesmo assim, não era igualmente tão inocente assim para dizer que não os conhecia ou que nunca havia os ouvido antes — sendo honesta, havia algumas que eram muito boas… caso você quisesse um clima para sentar em alguém. Não era como se eu, todavia, esperasse que iria conhece-los pessoalmente ou esbarrar com eles no meio do saguão do prédio. Mas era mais que isso.
  Ontem a noite, o homem bêbado para caralho, o filho da puta que havia roubado meu saree e me deixado com a estranha sensação de que havia sido assaltada por um maluco depois de ter tentado ajuda-lo e, honestamente, a quem eu havia jurado que jamais veria na minha vida, era ninguém mais, ninguém menos que ! Desejo com todas as minhas forças por um buraco, para que eu pudesse me esconder, mas já é tarde demais. Aqueles malditos olhos , vívidos e intensos, já estão voltados para mim, então escapar não era exatamente uma escolha, enquanto ele aperta o botão do elevador. Sua expressão não revela muito, mas o pouco que vejo é pura raiva. Mas que diabos eu poderia ter feito para ter irritado ele?!
  Ele parece bem, pelo menos, não mais bêbado e me confundindo com a princesa Jasmine, mas eu duvido muito que ele sequer lembre-se de mim, considerando o quão alterado ele estava na noite anterior. Ótimo! Perfeito! Suponho então que sua irritação seja por estar o encarando por muito tempo, já que, sendo bem honesta, eu também ficaria incomodada se alguém ficasse me encarando fixamente. Balanço minha cabeça, fazendo uma careta, enquanto tento manter estável as caixas, percebendo que , é claro, não estava desacompanhado. Mais três homens o seguem, conversando entre si, e um deles tem uma gargalhada alta, gostosa de ouvir, enquanto uma mulher, porte de modelo, apesar dos saltos altos finos e roupa de alfaiataria, está digitando rápido em um tablet, enquanto conversa em um celular, parecendo impaciente.
  Os três são figuras distintas, mas as reconheço dos edits de thrist traps que Isha vivia me enviando, fosse no Instagram ou no Tik Tok. O de dreads desalinhados, com as pontas brancas com contas de ouro estilizados estavam puxados todos para o ombro esquerdo, a pele negra destacando duas tatuagens que ele possuía, uma em seus antebraço esquerdo, e a outra sobre o peito largo que parecia algum tipo de aglomerado de flores ou arabescos, exposto com a blusa larga, branca, com os três botões superiores abertos, e os olhos escuros como a noite realçados pelo lápis de olho esfumado ao redor de seus olhos. Aquele deveria ser , assumo. E então, ao lado dele, gargalhando alto, está, alguns centímetros mais baixo que o resto, o que assumo que deve ser : branco como neve, cabelos raspados, rente ao couro cabeludo, descoloridos, tatuagens pelos ombros em padrões geométricos, com uma regata larga, expondo os braços fortes e provavelmente do tamanho de minha mão, com brincos e piercings espalhados pelo rosto e orelhas, incluindo dois que pareciam formar covinhas nas bochechas dele. E então, ao lado de estava .
  ... oh! Oh!
  Nem. Fodendo. Puta merda. A pessoa que eu havia falado no telefone de , era ?! Puta merda! Puta merda! Isha iria me matar quando eu contasse para ela! O tanto que aquela garota havia me enviado de edits e thrist traps de não estava escrito — estava documentado, pelo menos 210 nos últimos 2 meses. Pior de tudo, era que era ainda mais bonito pessoalmente: pele marrom clara, cabelos castanhos escuros parecendo lisos e macios sob o toque, em um corte curtain que adornava seu rosto com ângulos acentuados e elegantes, sobrancelhas grossas e marcantes, olhos de um castanho claro suave, quase esverdeados, dependendo da iluminação do lugar, além de um bigode e cavanhaque que deveria ficar ridículo em qualquer pessoa, mas, surpreendentemente, ficava atraente nele. Considero as possibilidades mais gentis de tentar abordá-lo e pedir um autógrafo para Isha, enquanto aperto meu passo para conseguir alcançar o elevador — já que a ideia de subir as escadas com todas essas caixas seria um completo inferno, além de não ter certeza se eu aguentaria por muito mais tempo o peso das caixas e equipamentos sozinha.
  — Opa! Uma princesa para subir! — Escuto a voz animada de ecoar enquanto aproximo-me do elevador, vendo-o abrir o sorriso mais adorável que eu já havia visto em minha vida. É impossível não sorrir de volta para , mesmo se eu me esforçasse muito para continuar a me manter séria, concentrada em não derrubar o equipamento de fotografia. Ao lado dele, , indica com o queixo na minha direção em um cumprimento silencioso, enquanto esticava o braço direito, para impedir a porta do elevador de se fechar e me dando tempo para alcançá-los. Apresso meu passo para conseguir alcançar o elevador, tomando cuidado para não esbarrar em mais ninguém acidentalmente, ciente que se eu o fizesse, agora, acabaria derrubando tudo no chão. Mas então, entra em ação.
   dá um passo à frente, os olhos intensos fixos no meu rosto com uma expressão impassiva e visivelmente irritada. Ele tenciona a mandíbula bem marcada e cortante, empurrando o braço de para baixo, bruscamente, e então praticamente esmurrando o botão dentro do elevador. A porta se fecha segundos antes de eu alcançá-la, revelando de volta apenas meu reflexo, boquiaberta e frustrada.
  Que grande filho da puta!


  NOTA DA AUTORA:  eu to achando que to fazendo um grande mousse.

[03] Lado B - 01 Track - Please, Beg For Me, Please

EMPIRE  • JANEIRO

   (Vocalista e Segundo Guitarrista da The Runes): Tudo bem, vai em frente, o que você quer saber? Sou todo seu, amor (pausa longa). Eu nasci no começo de Agosto, no dia 11, o que significa que (pausa) sou de leão, seja lá o que isso signifique, e minha mãe (pausa longa) bem, o divórcio da minha mãe (Alba , Ex-Top Model Internacional, falecida) tinha acabado de ser oficializado, ela havia se aposentado das passarelas e se mudou para uma casa Eduardiana no Chelsea, em Londres. Vizinhança rica, torta feita do zero esfriando na janela, aulas com tutores caros, todo o roteiro de uma dona de casa e mãe solo, esse tipo de coisa (pausa longa) olha, amor, eu estou morrendo de vontade de contar toda a minha história para você, mas essa parte é bem entediante, por que simplesmente não pula... (corte)
  (...) puta merda, eu devo ter enlouquecido (pausa longa) certo, como estava dizendo, era como viver em um perfeito sonho americano de uma mãe solo, e para ser honesto, a presença paterna não me fez muita falta (pausa) olha, amor, eu concordei em fazer isso, eu sei, e tudo mais, e vou fazer, mas pelo menos para de me olhar assim.
  JUNIOR REPÓRTER (Revista Empire): Assim como?
   : Como se me quisesse. Eu sei que sou gostoso e tenho um charme irresistível, mas pelo menos se mantenha profissional, sabe? Se continuar me despindo assim com o olhar, vou ficar gripado (risos).
  JUNIOR REPÓRTER: ah, puta que (Corte).
   : {…} Tá bem, tá bem, eu parei! Ei, parei, prometo, tem minha palavra. Qual é [REDACTED INFORMATION] oi, espera, qual é, amor, eu estou falando sério! Olha eu realmente não quero (Corte). Quando quiser (pausa longa) ela era instável, a minha mãe. Era doce e gentil, mas às vezes não conseguia sair da cama, então tínhamos duas empregadas (Rosário da Conceição, falecida, e Daniela Torres, enfermeira aposentada) em casa e um mordomo (Gerald Wallace, aposentado) para compensar pelo trabalho que às vezes ela não se sentia disposta a fazer. Ela tinha esses… esses momentos em que não fazia nada, e simplesmente ficava deitada, ou assistindo algum tipo de filme barato na televisão ou simplesmente lendo algum romance velho que estava no porão. Tinham dedicatórias, mas nenhum nome em si. Ela não me expulsava, se eu quisesse passar tempo com ela. Ela me ajudava a subir na cama, e então lia para mim, ou dava risada quando eu começava a tentar inventar histórias mirabolantes para ter sua atenção. Ela não era cruel, entende? Ela realmente me ouvia, mesmo sendo uma criança pequena fazendo de tudo para ter a atenção dela em mim. Ela gostava muito de arte, então estava sempre disposta a me ensinar a desenhar se eu me comportasse direito. Mas lembro-me de que, por muitas vezes, precisei ajudá-la a tomar banho, ou a comer. E então ela tinha esses momentos em que parecia ser um expresso, radiante, com um sorriso lindo, e determinada a conquistar o mundo e realmente, não havia ninguém que pudesse pará-la (pausa longa) eram meus momentos preferidos.
  GERALD WALLACE: Sr. era uma criança independente, não precisava de muita atenção e tinha essa teimosia que o impedia de querer ajuda. Se recusava mesmo pequeno a ter ajuda, muitas vezes só precisávamos explicar e mostrar a ele o que fazer e então ele nos dispensaria e faria sozinho. Aprendeu a trocar-se sozinho, limpar-se e até mesmo a comer sozinho, sem o auxílio de Rosário ou o meu (pausa) ele era só um garotinho. Em minha vida optei por não ter filhos, eu nunca consegui aceitar a ideia de não poder proteger um filho, de falhar com um filho, mas aquele menino… aquele menino foi o mais próximo de um filho que já tive, e partia-me o coração vê-lo crescer daquela forma. E avançado para sua idade, com 3 anos havia aprendido a ler o básico, e aos 5 já tinha uma fala perfeitamente compreensível, aprendia rápido as coisas, às vezes, por pura observação, era um perfeito homenzinho. Mas não conseguia fazer muita amizade com crianças de sua idade. Acabava ficando sozinho nos parques, ou, se estivesse brincando com as outras crianças, o que era algo raro, ficando para trás, mais assistindo do que participando da brincadeira.
  ELENA TORRES (Souls Chefe do restaurante Le Claire, filha de Daniela Torres): Era um encrenqueiro total. Falava o que pensava e não tinha respeito por ninguém (risos) eu amava isso! Olha, a maioria de nós ficaria com medo de responder de maneira arrogante quando um adulto dizia algo que se contradizia, mas era o único que o fazia e conseguia escapar sem consequências imediatas. A gente tinha o que, uns 6 para 7 anos? (risos) e minha mãe o trazia para casa em festas, casamentos, batizados ou até mesmo às vezes na Páscoa e outros eventos comemorativos. A gente era pelo menos em uns 8 primos, fora alguma criança da vizinhança que se reunia em casa às vezes, então ele ficava emburrado em um canto, assistindo a gente brincar até que um dia, a minha irmã mais velha (Vanessa Figueredo, dona de casa) sugeriu a gente jogar alguns jogos de tabuleiro. praticamente virou meu inimigo número um (risos). Menina, você não tem ideia! Ele era um perdedor terrível! (Risos) ai, jesus, eu não consigo respirar (risos seguidos de pausa longa) ai, ai, eram bons tempos, sabe? chorava quando perdia e eu me divertia tirando sarro dele. Então, quando a gente tinha, não sei, uns 12 anos, eu pedi para que ele me beijasse porque eu queria muito saber como era a sensação, e ele me beijou (pausa) soube nesse dia que eu gostava de meninas (risos seguido de pausa) depois que ele se mudou para Los Angeles, eu perdi completamente o contato com ele.
  Minha esposa (Marien Torres, administradora) o acompanha nas redes sociais, fofocas, e tudo mais, é uma completa fan girl da banda dele, sempre manda ingressos para nós quando está na cidade, e minha esposa costuma ir nos shows com as amigas dela, tiraram uma foto com ele, uma vez, minha esposa ficou nas nuvens (risos) aqui, deixa eu te mostrar (pausa longa), eu não tenho mais contato com ele, ao menos não como quando éramos crianças, sabe? Às vezes recebemos algum dos membros da banda dele aqui no restaurante, o que é sempre animador pela visibilidade, mas não o vejo mais. Às vezes sinto falta, sabe? Ele era meu melhor amigo, um pé no saco, mas ainda assim um amigo, sinto fala de brigar por causa de Batalha Naval e de tirar sarro do bico que ele fazia quando era contrariado ou perdia. Mas crescer é isso, não é? Se tornar adulto, eu acho. Perceber que você está constantemente se despedindo de todos, todos os dias.
   : (pausa longa) eu tive diversas figuras paternas, se quer saber, tudo dependia da forma com que você encarava as situações em si. Wallace foi como um pai para mim quando era criança, e também tinha os tios James, que visitavam sempre, levavam-me para acompanhar algumas exposições e estavam ali para mim, quando minha mãe precisava de uma folga de ser mãe. Mesmo Von Benzon era presente na minha vida, ele havia vindo a maioria dos meus aniversários e sempre [REDACTED INFORMATION] (…) ele nunca fez falta. Era como um fantasma. Tinha uma vaga memória de como ele soava pelo telefone, e de vê-lo às vezes na televisão, mas não me importava. Você não pode sentir falta do que nunca teve, certo? Eu sabia que me parecia muito com meu pai, porque às vezes a minha mãe tinha esse olhar… (pausa longa) esse olhar esquisito no rosto dela, como se estivesse prestes a chorar, mas não era como se meu pai estivesse presente nos meus aniversários e conquistas escolares. Bem, ao menos não até eu completar 9 anos, de repete ele estava em tudo, querendo participar e ser um pai presente. Me levava a lugares legais, exclusivos de Hollywood, e era divertido, se quer saber, mas bem, para mim ele era um estranho, e eu não precisava de mais uma figura paterna na minha vida (pausa longa) ao mesmo tempo eu queria saber quem ele era, eu queria que ele… (pausa longa) eu queria que ele gostasse de mim.
  Eu não sabia que isso estava afetando tanto minha mãe, por consequência. Eu sabia que a história deles era complicada, mas ela não falava muito sobre, eu sabia que ela ainda amava meu pai porque às vezes a pegava lendo ou acompanhando matérias nas revistas sobre ele. Meu pai me chamou para participar de seu casamento com Jacqueline, mas eu não quis ir. E se eu não queria alguma coisa, eu simplesmente não faria. Era aniversário de Elena, e a gente tava planejando essa festa fazia quase dois meses, e eu preferia muito mais participar das festas de Dona Daniela do que viajar para Los Angeles apenas para assistir a merda de um casamento de pessoa que eu sequer gostava (pausa longa). Isso resvalou na imagem do meu pai, se quer saber. A mídia caiu em cima questionando onde eu poderia estar e sobre como Hansen não era assim tão bom como pai, algumas piadas no SNL foram feitas também. Veja, minha mãe sempre respeitou minhas decisões, eu fazia o que eu desejava e ela nunca me impediu de ter um relacionamento com meu pai se eu desejasse (risos) ela mandava mensagens, entrava em contato com a assistente dele. Às vezes Ledger (Angelina Ledger, ex-assistente pessoal de Hansen Spade) aparecia em casa com algum presente e um cartão do meu pai, ou simplesmente para conversar com minha mãe por algumas horas.  Mas esse era o ponto, entende? Eu não queria um relacionamento com um estranho. Mas depois daquele dia, não sei, algo aconteceu, porque tudo mudou.
  Lembro que meu pai surgiu em casa uma noite, alguns meses depois do casamento, parecendo furioso, e lembro de ter os escutado brigando através da porta. Foi uma briga feia, vasos quebrados, gritos por toda a casa, mas nunca consegui entender o que eles estavam falando, e então meu pai foi embora, sem sequer dizer alguma coisa para mim, e alguns minutos depois eu encontro minha mãe chorando, na cozinha, cercada por cacos de vidro e porcelana. Lembro-me dela soluçar alto enquanto eu recolhia os cacos. Lembro-me de ter cortado minha mão, e só perceber depois que havia a colocado na cama para dormir (pausa longa) minha mãe mudou drasticamente depois daquele dia. Ela ficou subitamente mais animada, rindo e se divertindo com as coisas mais simples, ela havia passado a sair com suas amigas com mais frequência, reconectando com alguns contatos de trabalho. Ela havia me dito que iria voltar a trabalhar, e que, em breve nós nos mudaríamos para Pequim, na China, onde ela estava conversando com uma marca de alta costura importante, e que seria um bom recomeço para nós dois, que eu não precisava me preocupar que ela daria um jeito de trazer pelo menos Wallace com a gente para que eu não precisasse ficar com medo de ficar sozinho.
  Lembro-me de vê-la se arrumar para ir a encontros, também, [REDACTED INFORMATION] sei lá, ela passou a sempre encontrar um motivo para passar tempo comigo também, não importava o que fosse, ela acharia uma forma de participar. Me ensinar a cozinhar, a pintar, a costurar casacos, a jogar football e beisebol, (risos) ela até me ensinou a dançar valsa e dança de salão, ela nunca gritava quando eu pisava no pé dela, pelo contrário, ela só… (pausa longa) ela só ria. Eu sentia que não havia nada que eu pudesse fazer que poderia decepcioná-la de fato. Lembro-me dela me ajudar com o dever de casa, e me prometendo passeios, enquanto planejávamos como seria meu futuro, para qual faculdade eu iria, que caminho eu seguiria, ela havia até mesmo me dito que pediria para que tio Oscar entrasse em contato com seus pais, a fim de conseguir um estágio para mim no escritório de advocacia deles quando eu estivesse para acabar com a faculdade de direito, seria advogado, teria uma boa vida no subúrbio, e ela iria adorar ajudar minha esposa ou marido, ela não se importava com quem eu me relacionasse desde que fosse uma boa pessoa, com meus filhos (risos seguido de pausa) foi uma mentirosa desgraçada (pausa longa) ela se suicidou duas semanas antes do dia 11 de Agosto. Sua carta dizia que ela não queria estragar meu aniversário, mas que não conseguia mais continuar (pausa longa) eu deveria saber que iria acontecer. Eu deveria ter notado os sinais. Foi culpa minha.
  GERALD WALLACE: Havíamos sido dispensados durante o fim de semana, a Sra. gostava de ter os fins de semana somente para ela e seu filho. Sem interferências, supomos que deveria ser para simplesmente se conectar com o menino e compensá-lo pelos momentos que sua depressão a debilitava de ter sua atenção total no menino (pausa longa) não havia por que desconfiar de alguma coisa. Exceto que talvez tenha sido descuidado, ou simplesmente preso em meus próprios affairs deixei que isso passasse sem perceber. Havia algo de errado no ar, algo que não percebemos naquele dia (pausa longa). Lembro-me de ter recebido uma ligação posteriormente de Sr. James e seu marido, pedindo-me para retornar imediatamente para a casa porque algo havia acontecido com Sra. (pausa longa) quando cheguei a casa de Sra. , estava tudo um completo caos.
  OSCAR JAMES: Foi quem a encontrou, é claro (pausa longa) ele tinha 12 anos, pobre garoto. Ninguém deveria passar por algo assim, muito menos um garoto (pausa) foi uma das noites mais longas que já tive em toda a minha vida. Quando chegamos, ele estava sentado na escada, quietinho, agarrado a esse… esse ursinho de pelúcia antigo que Alba havia comprado para ele do momento em que soube que ela estava grávida. Era como se fosse seu melhor amigo, eu acho. Lembro-me de ligar para a polícia e então Wallace em seguida, sem ter ideia do que fazer. O banheiro estava uma bagunça, e então, quando a polícia chegou, tudo virou uma completa bagunça. Acho que alguns vizinhos haviam percebido a movimentação porque não demorou muito para que os paparazzi estivessem em todos os cantos, tentando invadir a casa e fotografar tudo o que podia.
  MICHAEL ANDERSEN-JAMES: A casa possuía um labirinto vivo no jardim, um dos tratamentos de Alba consistia na criação e cuidado de um jardim, a ideia de proporcionar consistência e constância era o necessário para oferecer estabilidade, um apoio emocional que ela pudesse usar. Havia esse… bem, esse labirinto vivo gigante que ela havia construído junto com Oscar pouco antes de nós finalizarmos a compra da casa ao lado, então havia uma pequena conexão com o nosso jardim. Então enquanto Oscar lidava com a confusão de paparazzi e os policiais, peguei e o ursinho e o levei para nossa casa, a fim de tentar pelo menos dar alguns minutos para o menino.
  Tentamos recuperar o ursinho de pelúcia, mas (pausa longa) bem, você sabe, manchas são difíceis de serem limpas, especialmente em tecido branco.
  OSCAR JAMES: Pelos meses que seguiram, com a comoção da mídia e das pessoas com a morte de Alba, e a especulação sobre o ocorrido, nós entramos em contato com o advogado que havia ficado responsável pelo divórcio de Alba, Sean, uma vez que ele já tinha conhecimento do caso e outras provas arquivadas, assim poderíamos reaver a custódia de para nós. Nossa intenção era retornar para a Suíça, onde os avós maternos de viviam, e refazer nossa vida por lá. Tentar oferecer o máximo de normalidade possível para que pudesse ter tempo de lidar com tudo o que havia acontecido (pausa longa) deus, ele era só um garoto na época. Nós tínhamos tudo planejado, e uma vez que Hank era um pai ausente, não seria trabalhoso conseguir a guarda para nós, exceto que, como você já deve ter percebido, somos um casal homossexual, há uma… (pausa) bem, há uma certa dificuldade, se posso colocar desta forma, em conseguir a aprovação de juízes, especialmente em estados religiosos, para estes casos. Além disso, Alba não havia deixado nenhum pedido expresso de que desejava que a guarda de fosse repassada para nós. A gente não esperava que Hansen Spade, no fim, iria lutar com tudo o que tinha pela guarda do menino. Foi uma causa ganha.
  HAROLD WALTER (Advogado, Cofundador da Walters & Reyes): Não costumo dar informações sobre meus antigos casos, mesmo que estes tenham prescrevido. Ética, minha cara, é algo extremamente importante para mim, percebe? Mas uma vez que estamos neste assunto, suponho que possa oferecer pequenos pontos que possam facilitar sua… o que você faz mesmo? (corte) Muito bem, meu cliente passou anos lutando pela guarda do menino, a verdade era que a mulher frágil e delicada que pintavam a ex-mulher de meu cliente não passava de uma boa narrativa para vender revistas e alguns tabloides, você sabe como é, estamos em uma indústria, é isso que acontece. Dito isso, temos inúmeras petições de revisões de guarda que foram negadas pelo juiz por vezes. Alegações da falta de presença do pai e descaso eram apresentadas, o que tornava difícil para que meu cliente pudesse conquistar o direito de, ao menos, passar o fim de semana com o filho. Um absurdo, certo? Eu sei, eu sei, a verdade, minha cara, é que este mundo não se importa com a criança, mas apenas com a mãe da criança.
  Em muitos casos, são manipuladoras. Usam os filhos como armas para chantagear emocionalmente homens honestos e trabalhadores, que estão apenas tentando reconstituir sua vida. É claro, havia toda a comoção causada por, bem, indiscrições de meu cliente, mas isso não o torna uma pessoa ruim. Meu cliente estava perdido, e bem, seu filho foi a única motivação que meu cliente possuía para mudar de vida, então, lutar pela custódia do menino foi… bem, uma necessidade para minha honra mais do que tudo (risos). Nós tínhamos tudo, se quer saber, receitas médicas, declarações psicológicas de inabilidade, a periculosidade de ter uma criança próxima de alguém instável com uma criança, e especialmente, meu cliente havia conseguido comprovar que estava pagando pensão há mais de três anos, e com fotos comprovando a proximidade dos dois, ficou bem claro que não havia necessidade de transferir a guarda para ninguém se não para o pai.
  Ouça, minha cara, novamente o que você é? (Corte) ah, sim, muito bem, veja, minha cara, é simplesmente para isso que eu faço meu trabalho, percebe? Reunir famílias, lutar pelo que é certo. Quando Hansen recebeu a guarda de , não foi apenas uma vitória para Hank, mas para mim também. Fizemos a diferença, da maneira que mais importava, e é isso que posso te dizer.
   : (risos seguido por pausa longa) o que você acha que aconteceu, amor? Quer dizer, não é assim tão difícil de adivinhar, vai em frente, dê seu melhor chute, se acertar eu posso até… (corte) (…) ok! Ok! Porra, você tem uma mão pesada (risos) eu estava brincando, parei. Eu parei, eu juro, parei mesmo (pausa) sabe que não precisa saber de tudo isso apenas para explicar por que eu beijei um cara na frente de todo mundo no VMA, certo? É só a porra de um beijo (corte) meu pai ganhou minha guarda, por algum motivo, então tio Oscar entrou com uma petição de emancipação. O pedido foi negado, graças ao meu pai, então eu empacotei minhas coisas e voei de Londres para Los Angeles.
  Olha, amor, eu poderia dizer que foi surreal o novo mundo que meu pai me apresentou. Festas em Hollywood, celebridades, nomes famosos jantando em casa enquanto alguma das minhas madrastas se vestia para impressioná-los. Diretores e roteiristas planejando algum Blockbuster do verão, e porra (risos) algumas merdas bem bizarras, mas eu não passei muito tempo lá. Assim que cheguei, Jacqueline entrou em uma crise, e exigiu que meu pai me enviasse para algum colégio interno no exterior e ele não hesitou. Não vou mentir, eu também não era um adolescente fácil, mas para ser honesto, eu não queria ser um adolescente fácil.
  Eu estudava em um colégio de elite em Aberdeen, na Escócia, cerca de 13 horas e 25 minutos dependendo do tempo de onde meu pai e sua esposa residiam. Era um internato religioso então a gente precisava acordar cedo para fazer as orações matinais, e não havia muita coisa para fazer, já que celulares, televisões, e até mesmo internet eram restringidos no espaço. O bom e velho conservadorismo, amor (pausa longa). Não foi difícil encontrar as lacunas nas normas e aprender como esconder as coisas das freiras, então, ao longo da minha adolescência eu nunca fui, tecnicamente, pego por ninguém lá. Havia-se suspeitas, algumas drogas aqui, algumas bebidas ali, porra, coisa de adolescente, tá ligado? Ou não, você não parece ser exatamente o tipo de garota que se envolvia em problema, você está mais para uma boa garota que nunca (corte) (…) posso continuar ou você vai (corte) (…) certo, se eu soubesse que o que me esperava lá iria foder com a minha cabeça, teria sido mais agradável com Jacqueline, até a teria chamado de mãe, mesmo que fosse a última coisa que eu quisesse fazer. Mas eu nunca fui muito brilhante também, amor, nisso você está certa sobre mim.
  JUNIOR REPÓRTER (Revista Empire): O que, parafraseando você, fodeu com sua cabeça tão ruim assim? E seja honesto, , sem piadas para desviar do assunto dessa vez.
   : Woah, consegue ler meu coração como um livro aberto, impressionante, amor. Continua me tratando mal e eu vou me apaixonar por você, porra, acho que já estou apaixonado (risos seguido por uma longa pausa) ah, certo, a sua pergunta, é claro. Não foi algo que aconteceu, mas alguém que conheci. Você sabe, é sempre uma garota que ferra com a cabeça de um homem, amor(pausa longa). Eu conheci Nora James.

   AGORA.
  Los Angeles, California.

  — Que porra foi essa, cara?! Qual é o seu problema?! — rosna , a voz baixa e controlada, enquanto me empurra para fora do elevador. Solto um riso baixo, nasalado e desprovido de quaisquer traços de humor, apenas uma pequena satisfação de ver o sempre perfeito irritado, enquanto enfiava minhas duas mãos dentro dos bolsos da minha jaqueta. — Precisava fazer aquilo, porra?
  — Oh, tô vendo, então a gente vai fazer isso agora publicamente, é? — O sarcasmo escorre de minhas palavras, e vejo, com satisfação, os olhos castanhos claros meio esverdeados de se acenderem com o prospecto de iniciar uma briga. Sei o quanto ele quer uma chance de arrebentar a minha cara, porque é recíproco e os deuses sabiam o quanto eu estava esperando por aquela chance igualmente, mas diferente de mim, o controle de era impecável, e eu o odiava por isso. — Vai em frente, irmão, me acerta! Tenta a porra da sorte, vai em frente!
  Vejo os olhos de se incendiarem, e eu quase dou risada. Ele vai avançar em minha direção, parte de mim quer que ele o faça.
  — Oi! Oi! Já chega, caralho! Já chega!— É, como sempre, quem entra no meio de e eu, empurrando-me para trás, enquanto agarrava com a mão direita o colarinho de para mantê-lo no lugar. É claro que não o faria, se realmente quiséssemos, e eu nos engalfinharíamos até a morte e não poderia fazer nada se não assistir. Mas, porra, não era qualquer pessoa ali, era , então tudo o que eu faço é abrir um sorriso desdenhoso para , em uma tentativa de entrar novamente por baixo de sua pele, de atormentá-lo, mesmo que fosse só psicologicamente, e pela a expressão que me lança, eu sei que ele está funcionando. — Por Deus, , chega, porra! Qualquer merda que você faz reflete na gente, caralho, qual é?! Aquela merda no elevador? Não foi legal, cara! Cê tá puto, beleza, mas pelo menos finge melhor que é uma pessoa decente, porra — diz com um tom de voz baixo, irritado.
  Não respondo, apenas observo-o tencionando minha mandíbula com força, enquanto se vira para , empurrando-o para trás em um aviso silencioso. cambaleia um pouco para trás, lançando um olhar amargo para mas não diz nada.
  — E você para com a porra das desculpas! Isso já tá velho, irmão! Se algo te incomoda você conversa, como um adulto, não sai na porrada como a merda de um imbecil. Cê é melhor que isso, cara, então para de agir como um merda! — empurra de novo para trás, apontando o indicador na direção do rosto de em um aviso silencioso, antes de marchar em direção onde estava, conversando e cumprimentando a equipe de fotografia como uma boa distração para acobertar o conflito entre mim e , como sempre.
  É um golpe baixo em meu ego, mas não demonstro. Em vez disso, meus olhos se voltam para novamente, e nós apenas nos encaramos por um longo tempo. Não sou capaz de dizer onde foi que eu havia passado a ressenti-lo e odiá-lo, suponho que tenha um motivo para que minha aversão apenas cresça conforme passa o tempo, suponho que deveria ter, mas se devo ser honesto? É que se existe ou não um motivo, eu não sei dizer, apenas sei que uma parte de mim está pedindo para arrebentar a cara de , e a outra estaria feliz em se fazer de cega, consequências para o inferno. Vejo-o trincar os dentes com força, um músculo saltando em sua bochecha, enquanto ele estreita os olhos, não posso deixar de sorrir com isso, talvez a única coisa que nos faça chegar a um entendimento é a consciência mútua que estamos em algum tipo de contagem regressiva pessoal.
  Nós vamos explodir. Cedo ou tarde, isso vai acontecer. Em algum momento, seja amanhã ou daqui alguns meses, nós dois vamos explodir, e quando isso acontecer, tenho certeza que não haverá mais volta. Estávamos adiando aquilo por muito tempo, bem, estava adiando há muito tempo, se controlando para não explodir e colocar as coisas em risco, e em partes, eu sei que eu deveria me sentir culpado por isso. Ao menos me esforçar para fingir que não era o que eu queria que acontecesse, mas bem… eu não sou um poço de virtudes, e tampouco desejo ser um. sustenta meu olhar, como se estivesse genuinamente considerando ou não acatar o que havia dito. Solto um riso seco, desprovido de emoção, enquanto enfio as minhas mãos nos bolsos de minhas calças, propositalmente sem sair do lugar quando passa por mim, esbarrando no ombro dele bruscamente.
  — Covarde prende a respiração, me lançando um olhar, sombrio, um recálculo novamente de nossa situação, onde estávamos e a possibilidade de jogar tudo para o alto e apenas finalmente acabar com aquela merda de atuação, mas, como era de se esperar, apenas segue seu caminho em direção ao camarim improvisado um pouco mais à esquerda do estúdio.
  Puta merda se eu não odiava aquela porra. Era como se você estivesse sendo preparado para ficar disposto em uma merda de vitrine. Olhos em você, é claro, muitos seriam admirados ou interessados, mas puta que pariu, não muito melhor do que ser tratado como um pet por um dono egocêntrico. Colocariam uma coleira um pouco mais elegante, pediriam para que você fizesse alguns truques, e então, você receberia um carinho na cabeça e estaria dispensado. A pior parte? Era ter aqueles malditos olhos voltados para si o tempo todo. Veja bem, não me entenda mal, eu amo ter o olhar das pessoas em mim, amo ver a admiração e como apenas minha presença pode desconcentrar qualquer um se eu souber exatamente como falar com esta pessoa em questão. É um bom jogo, se quer saber, até mesmo divertido às vezes, quando estou no humor para isso. Eu não estava no humor, e muito menos com paciência hoje.
  Meu celular vibra no bolso de minha calça, um lembrete da ligação que eu estava determinado a ignorar completamente, quando minha atenção é bruscamente atraída para uma das portas à esquerda, a uma distancia considerável dos elevadores. Estreito meus olhos, primeiro, surpreso pela quantidade de caixas que a pessoa carrega, considerando se eu deveria fazer alguma coisa — ajudar ou simplesmente torcer para que caísse e quebrasse as coisas — até lembrar-me de quem estava provavelmente carregando as caixas e o motivo de ela ter tido que subir as escadas de o quê? Três andares inteiros? Sozinha e carregando uma quantidade ridícula de caixas pesadas sem ajuda alguma? Tenciono minha mandíbula com um estalo, sentindo a raiva voltar a percorrer por minhas veias como fogo puro. Ela se projeta para dentro do estúdio, meio desequilibrada, meio desalinhada, respirando pesado, mas é surpreendente que, apesar de tudo, ela ainda tem um aperto firme ao redor das caixas e equipamentos.
  Ignoro a parte de minha mente que instintivamente deseja estender o braço e pelo menos arrancar as caixas da mão dela. Trincando minha mandíbula com força enquanto, instintivamente girava o anel no meu dedo indicador, observando-a. Não quero observá-la, é perda de tempo, mas ao mesmo tempo não consigo controlar o desejo de só assisti-la em sua miséria. Puta que pariu, ela é ridícula. Princesa Jasmine é ridícula e sequer percebe que é, e isso é simplesmente frustrante. Não é mais o saree que usa, mas sim, roupas normais, calças de alfaiataria que não marcam muito suas pernas ou os quadris, e uma blusa branca, de botões, formal, arregaçada até a altura dos cotovelos, e com os dois botões superiores abertos, revelando algum tipo de colar pequeno e discreto, de ouro. Não é a visão da noite anterior, com o saree e maquiagem borrada, ou as joias exóticas indianas, embora, surpreendentemente ainda estivesse usando aquele brinco estranho que se conectava com o piercing na lateral de seu nariz. É uma pessoa terrivelmente comum, apenas outra mulher, nem sequer atraente ou memorável. E, todavia, se meu humor já estava ruim, agora, acabava de piorar, e muito.
  É o maldito olhar! Aquela merda de sorriso. O dar de ombros. É insuportável!
  A memória da noite anterior é vívida, e eu detesto que o incômodo apenas cresça enquanto vejo aquele maldito sorriso que ela havia me oferecido noite passada, outra vez, surgir em seu rosto gentil quando o fotógrafo responsável por aquela sessão Fabian Meyer a chama pelo sobrenome com um tom autoritário para que ela fosse pegar alguma coisa que eu sequer me dou ao trabalho de tentar entender. Espero que ela diga que não pode, ou que o mande se foder, honestamente, eu entenderia qualquer um dizer isso para Fabian, especialmente se seus braços estivessem exaustos, trêmulos, e suas mãos estivessem visivelmente manchas roxas de onde veias pequenas deveriam ter estourado pelo esforço que ela havia feito. Mas por que diabos eu deveria me surpreender de vê-la forçar aquele maldito sorriso doce, e assentir para Meyer, como se ele tivesse pedido apenas auxílio com alguma coisa, e não praticamente a comandado ir arrastar alguma coisa de um dos cenários para o outro lado do espaço. Estreito meus olhos, ignorando a voz de me chamando para se preparar, e então cruzo os meus braços sobre meu peito, assistindo-a descaradamente.
  E se eu precisava de um motivo para o fazer, eu simplesmente não me importo o suficiente para encontrá-lo de fato.
  — Eu quero saber que porra você tá fazendo parado aqui ainda, ? — Reviro os olhos ao som da voz de Isla Murphy, mas como sempre, ignoro a pergunta dela. Isla poderia muito bem ir para a casa do caralho e eu não me importaria muito de saber como ela havia ido. Tê-la nos coordenando era como ter um adestrador, exceto que ela tinha 1,76, e usava saltos agulha ao em vez de tênis de corrida, e seus cabelos tinham uma quantidade estranha de gel ao em vez de um boné de time de futebol americano. — .
  Ergo uma sobrancelha, lançando um olhar para Isla de soslaio antes de dar de ombros, retirando a jaqueta, jogando na direção dela. É claro que o ensaio fotográfico seria especialmente só de jeans, as fotografias precisavam ser apelativas para que os fãs tivessem motivos para comprar a revista — ninguém compraria por causa da minha personalidade.
  — Fabian tem uma nova assistente? — Isla me encara com uma sobrancelha erguida, e eu não consigo conter um sorriso torto que surge pelos meus lábios. O aviso é claro ali: “sem gracinhas”, mas não faço questão de explicar meu interesse mais a fundo para Murphy do que ela provavelmente já deveria ter concluído. Deixe que ela pense o que quiser, embora meu interesse não fosse exatamente foder com a Princesa Jasmine.
  Giro em meus calcanhares para encarar Isla parando de andar propositalmente para a fazer colidir comigo. Tento não sorriso com a expressão de irritação que ela exibe, especialmente quando me inclino um pouco mais na direção dela.
  — Descobre o nome e a função dela para mim. — Não um pedido. Não uma pergunta. Uma ordem. Isla Murphy era a assistente pessoal da banda, e eu com certeza sempre encontraria uma forma de me aproveitar das vantagens de tê-la como assistente. Qual é? Escrúpulos, em Hollywood? Superestimado.  
  Isla não se afasta. Ela abre um sorriso, indignado, finalmente tirando os olhos do celular e então encarando-me com uma expressão que parecia divergir entre querer afastar-se e, ao mesmo tempo, me ter por mais perto. Bom. Era sempre conveniente lembrar-me do poder que eu poderia ter sobre alguém se realmente desejasse.
  — Pra que você quer saber, hein? Já não foi o bastante as outras três assistentes que você fodeu e descartou? Quer ferrar com a quarta também? Isso é um novo hobby agora? — Tenho vontade de rir, mas esforço-me para manter-me sério. Isla sempre tão exagerada, porra.
  — Falando assim até parece que você tá com ciúmes.
  — Não! — Aí está, rápido demais. Defensivo demais. Ela está mentindo, e desta vez não consigo conter um riso baixo que borbulha por meu peito. Meus olhos investigam o rosto dela por um breve momento, tentando calcular uma maneira de convencê-la a fazer aquela merda de trabalho para mim sem ter que explicar muito a fundo minhas reais intenções com a outra mulher. Isla inspira por entre os dentes, os olhos se suavizando levemente enquanto repousam em minha boca. Vejo-a morder o lábio inferior, hesitando, e é a confirmação que eu preciso para saber que ela irá fazer o que havia pedido, era parte do trabalho dela.
  — O nome e a função, Murphy. Agora.
  Afasto-me dela, sem conseguir conter um sorriso sarcástico, irritado comigo mesmo, ignorando a parte de minha consciência que tenta retornar para a superfície. Giro novamente em meus calcanhares, voltando a caminhar em direção a onde um verdadeiro irritado maquiador me espera.

•••

   .
  A caligrafia elegante de Isla no guardanapo revela o nome, a função dela e o número dela. Faço uma careta rasgando a parte do número e descartando-a com desinteresse. Repórter Júnior. Interessante, qualquer um que a visse ali não teria exatamente certeza de que era a função dela de fato. Não que eu tenha reparado em alguma coisa. Típico. Trinco meus dentes tentando conter a minha própria raiva enquanto amasso o pedaço de papel e guardo dentro do bolso da calça jeans que o ensaio fotográfico havia me obrigado usar, cintura baixa, lavagem escura, e água para tentar simular suor porque o que mais poderia ser mais atraente do que um cara tatuado, com jeans e suado, não é mesmo? Ossos do ofício, suponho. Ou coisa do tipo.
  Retiro meu celular do bolso de minha calça. Girando-o distraidamente por entre meus dedos enquanto deixo-me cair sobre a cadeira bem cara, confortável e espaçosa de Delaney. Facilmente reclinável, e com estofados mais macios do que meu travesseiro, que conveniente — questiono-me o que precisaria fazer ou prometer para a mais velha, a fim de conseguir essa cadeira para mim, teria utilidade? Nenhuma, mas era boa então, por que não? — de um tecido branco impecável, enquanto inúmeras pastas e fotografias se espalhavam sobre sua mesa. Datas de entrega, fornecedores, nomes de responsáveis de outras filiais, e acima de tudo, envelopes com eventos da revista para o próximo mês em seu típico baile de gala de Halloween, agendas e prova de cores com anotações em uma caligrafia até mesmo elegante, e é claro, a bomboniere de cristal com trufas de limão a qual Verônica Delaney era sempre tão obsessiva. Típico de minha tia.
  Abro a bomboniere, pegando duas trufas de limão e jogando em minha boca com desinteresse, fazendo uma careta enquanto o gosto amargo e pungente se espalha em minha língua; porque os melhores doces eram os amargos, que baboseira do caralho.
  Uma das telas do computador de Verônica ainda estava ligada, revelando uma planilha complexa com dados, números e informações, ao lado de uma aba com e-mails recentemente recebidos, enquanto a tela ao lado revelava apenas a capa da edição da revista que provavelmente seria lançada naquele final de mês. Puta merda, se não era minha sorte… suspiro pesado, apoiando a cabeça no encosto da cadeira de Verônica, enquanto estico os pés sobre a mesa dela, sem me importar muito com a potencial bagunça que provavelmente faria com os testes de cores e impressão. Meus olhos encontram com os de Nora na fotografia, e não posso deixar de pensar que Verônica Delaney, me conhecendo bem como o fazia, havia deixado de propósito a imagem exposta na tela para que eu visse. Não teria sido a primeira vez, tampouco a última, que ela o faria, mas estava começando a se tornar uma piada recorrente da qual eu não achava graça.
  Talvez a piada no fim fosse eu mesmo.
  Trinco minha mandíbula com força, massageando minha têmpora, enquanto observo o rosto de Nora. Parte de mim está ansiosa para encontrar todos os defeitos que puder nela: mentirosa, manipuladora, interesseira, mas percebo que assumir tais adjetivos para categorizá-la de alguma forma, revela apenas a amargura dentro de mim, e o fato que não dá para superar Nora James. E a pior parte? É que Nora continua tão bonita quanto ontem à noite estava, naquela porcaria de restaurante italiano, com aquele maldito vestido rosa claro, com aquele maldito batom vermelho que destacava-se em sua pele, com aqueles malditos olhos castanhos suaves, assim como estava semana passada, sentada naquela porcaria de poltrona, com o cabelo preso e roupas largas da sala de estar da mansão de meu pai, como estava no mês passado, com um maldito vestido vermelho justo, e maquiagem típica de uma perfeita esposa troféu, enquanto estava de braços dados com Hansen Spade, seu marido.
  Era bem fodido pensar que a garota com quem eu dormia no ensino médio se tornou minha madrasta há pouco mais de dois anos. Parte de mim queria apenas odiá-la, seria mais fácil o fazer, mas a outra parte não conseguia, simplesmente porque eu a conhecia e isso complicava tudo.
  Volto meu olhar para a porcaria do meu celular, ouvindo-o e sentindo-o vibrar em minha mão enquanto a tela se acende novamente com mais uma ligação de Hansen. Considero o que diabos ele poderia querer dessa vez, trinta ligações nas últimas vinte e quatro horas? Que pai presente. Espero a ligação cair na caixa postal, e então, disco a caixa postal, observando a quantidade de mensagem de voz acumuladas de Hansen. Em algum momento, no passado, eu teria ficado com raiva, isso teria me tirado do sério, mas agora? Agora apenas me sinto amortecido. O que era odiar alguém que você sequer enxergava como pessoa? Clico na última mensagem de voz que ele havia deixado da ligação de minutos atrás, movendo minha mandíbula, enquanto voltava minha atenção novamente para a tela de Verônica com a capa de Nora James. Alço o mouse e fecho a aba, clicando propositalmente para que nenhuma das alterações fossem salvas, antes de observar outras planilhas surgirem. Programações do mês e distribuições de tarefas, precificação e orçamentos para o baila em questão de Delaney, e mesmo a programação das sessões de fotografia com minha banda e os caras.
  — , por favor… — A voz de Hansen soa entrecortada, arrastada e irregular, e ele está respirando pesado. Está bêbado e parece estar chorando. Tenho vontade de rir. — Filho, por favor… por favor só… olha eu sei que as coisas não estão… que eu não sou bom nisso, eu sei, você tá com raiva de mim, e eu sei disso, mas por favor, filho… por favor, vamos conversar sim? Só dez minutos, é tudo o que eu peço, por favor, filho… , eu não consigo… — Desligo a mensagem de voz, jogando o celular sobre a mesa de Verônica.
  Não à toa tinha um Oscar.
  Volto meu olhar para o computador de Verônica, contemplando minhas opções. Eu poderia mandar mensagem para Nora e tentar especular que diabos poderia ter acontecido com Hansen para que ele estivesse determinado a atormentar-me outra vez, mas a última coisa que eu faria depois de ontem à noite era falar com Nora outra vez. Eu poderia retornar alguma das ligações que Hansen havia feito, mas parte de mim se divertia em ouvir o desespero na voz de uma pessoa que eu não sentia nada mais do que o mais puro desprezo. Ou eu poderia simplesmente usar meu tempo livre e longe de , e especialmente para sanar pelo menos um pouco da minha curiosidade sobre .
  Não que eu tivesse algum interesse na mulher, mas veja bem, eu estava curioso. A mulher era um desastre completo! Ridícula ao extremo: em quase 4 horas naquela maldita sessão de fotos eu havia visto e ouvido chamarem-na por pelo menos 60 vezes consecutivas, e não era porque ela era importante ou essencial para algum trabalho ali que ninguém mais poderia fazer! Não, muito longe disso, ela simplesmente parecia a porra de um cachorrinho, correndo sempre que alguém chamava por seu nome, sempre disposta e prestativa, e então, ela estava em disparada para consertar alguma fiação, reconfigurar algum computador, e até mesmo passar uma hora segurando um rebatedor de iluminação eu havia a visto ser incumbida de cuidar. E puta merda, ela havia o feito tudo aquilo com aquele maldito sorriso!
  Era de enlouquecer vê-la sorrir daquela maneira, como se fosse apenas uma máscara, o típico sorriso que parecia gritar: “não faça perguntas, apenas ignore o que está acontecendo”. O tipo de sorriso que uma pessoa covarde ofereceria para você a fim de evitar algum tipo de confronto. E, honestamente, eu não teria problema algum com uma pessoa sendo covarde, nem todo mundo queria brigar e tudo bem, mas era a personalidade dela que me incomoda. Doce. Gentil. Compreensiva… insuportavelmente compreensiva, sequer havia me acertado com um soco na noite anterior, e eu certamente merecia, especialmente por ela ter saído de seu caminho para me ajudar. Mas eu também não havia pedido por essa ajuda. E ainda assim, ela havia o feito. Porra, ela nem havia gritado ou me chutado quando roubei o saree dela. Tenho quase certeza que eu poderia fazer qualquer coisa que eu quisesse com ela que o máximo de resposta que eu acabaria receber seria um desculpa.
  Igual a Alba.
  Trinco meus dentes com um estalo, estreitando meus  olhos enquanto tentava puxar pelo nome qualquer arquivo que eu consigo encontrar sobre no computador de Delaney. Tenho certeza que Verônica teria pelo menos um registro de informações sobre a mulher em questão porque era a porra de uma paranoica que não confiava nem mesmo na própria sombra, e isso era já o que me bastava, mas o que eu acabo encontrando não é lá muito animador. Matérias recentes assinadas por ela, tópicos estapafúrdios e desinteressantes — quem diabos queria ler sobre uma infestação de percevejos em uma filial da Target? Ou pior, quem realmente lia sobre as dez melhores formas de encontrar Bazares em Downtown? —, puta merda, que porra essa mulher escrevia para Verônica? Ela era supostamente uma repórter júnior não era? Aonde estavam as reportagens reais? A investigação ou seja lá a merda que algum repórter costumava a fazer — para mim era como um bando de urubus tentando pegar alguma palavra que eu teria dito propositalmente para usá-las contra mim e vender algumas manchetes ou acessos. E então, um pouco mais abaixo, finalmente, algo captura minha atenção.
  Uma carta de recomendação. Clico para abrir sem saber o que eu deveria exatamente esperar encontrar ali, mas definitivamente não era a assinatura de Sean Broderick. Aperto meus lábios, me inclinando mais para frente, como se isso fosse provar a veracidade da assinatura ou não, lendo rapidamente o conteúdo da carta. Como era possível que , aquela mulher, pudesse ter recebido tantos elogios pela ética e seu trabalho de Sean Broderick? Pondero as possibilidades, e um sorriso torto quase surge por meus lábios enquanto imagino o que ela poderia ter feito para conseguir a carta de recomendação. Sem julgamentos, as pessoas faziam o que poderiam para melhorar de vida, mas acho genuinamente interessante a ideia de que , aquela criatura estúpida e insipida, poderia ter feito algo ruim para conseguir uma carta como aquela. Mas então percebo as referências surpreendentemente boas — não que eu soubesse alguma coisa sobre esse tipo de merda, mas bem, suponho que uma bolsista em uma Ivy League não poderia ser pouca coisa — e meu divertimento praticamente morre ali. Uma superdotada, muito provavelmente perfeccionista.
  A porra de uma boa garota, que surpreendente.
  E voltamos à estaca zero em relação a . E pensar que por um minuto eu realmente havia acreditado que ela teria personalidade. Estou prestes a abrir o cronograma de , apenas pela curiosidade de saber o que diabos ela realmente era paga para fazer ali, quando uma nova mensagem aparece no topo da caixa de entrada de Delaney. O e-mail não possui assunto, mas reconheço o endereço. Hugo. Unindo as sobrancelhas, retiro os pés de cima da mesa de Verônica, imediatamente abro a mensagem, tentando descobrir o que diabos nosso empresário e produtor poderia ter para falar com Verônica.
  Não era incomum que Hugo fizesse coisas por trás de nossas costas, na verdade, parando para pensar, era mais frequente do que deveria, mas eu estava de boa com isso, uma vez que as conversas e manipulações eram sempre sobre minha reputação. A imagem a ser vendida não era muito diferente de quem eu realmente era, então se Hugo decidia expor alguma merda que eu havia feito apenas para gerar um comentário ou cancelamento e fazer nossos nomes ganharem destaque para que assim conseguíssemos ganhar visibilidade na vitrine de Tops 10, então eu não me importava nem um pouco com o que era feito pelo caminho, desde que o resultado fosse vendas altas e nossos nomes no topo. Mas aquela mensagem não deveria estar ali. A principio considero que tenha sido para o edital que Verônica estava planejando fazer, com alguma merda sobre punk rock ou a nova geração de rockstars que não passava de uma pura desculpa para vender fotografias com a gente sem camisa e firmar o relacionamento parassocial que alguns fãs já possuíam conosco. Alimentar a fantasia rendia dinheiro, e, honestamente, com o dinheiro entrando, a ética não era minha prioridade.
  Meus olhos percorrem rapidamente as linhas, absorvendo o conteúdo da mensagem o mais rápido que consigo, nem um pouco surpreso com as informações propositalmente vazadas sobre nosso próximo álbum em desenvolvimento, meu breve relacionamento com Agnes Moraes, uma modelo brasileira que muito provavelmente seria usada como alavanca para divulgar nosso próximo single sobre “como ela havia partido meu coração” quando a história verdadeira por trás era que havia escrito aquela música inteira por causa de um maldito pedaço de pizza que havia comido antes dele. E até mesmo notas de um pagamento para a não divulgação das fotografias recentes de se pegando com uma atriz A list de Hollywood — essa eu quase dou risada. Mas então, um pouco mais abaixo, enquanto vou clicando nas mensagens mais antigas, meu divertimento se torna em um incômodo, e então raiva ao observar o por que Hugo estava em contato com minha tia.
  Era de se esperar que o sangue falaria mais alto, de certa forma. Era de se esperar que minha tia pelo menos consideraria meu bem estar e dos meus eticamente antes de recusar uma proposta dela. Mas é claro que um Lancaster, sempre Lancaster. Não era surpresa que Hansen e Verônica tivessem saído da porra do mesmo útero, e suponho que esse lugar tenha sido, na verdade, a merda de um lixo, porque leio atentamente o plano e a estratégia de marketing para o próximo álbum a ser lançado, e é simples: expor as fotografias de um “paparazzi” de e seu parceiro atual Serge publicamente. A estratégia é pratica e efetiva, vai atrair comentários, vai atrair a exposição e o burburinho necessário para fazer com que o álbum esteja no topo das pré-vendas, e que nosso nome esteja na boca das pessoas, mas é pior que isso. Havia um motivo para que não tivesse se exposto daquela forma publicamente, havia uma razão para que Serge fosse considerado apenas um “amigo próximo” de , e um dos “técnicos” de som que viajava frequentemente em nossas turnês. Não apenas pela privacidade e segurança de e Serge, afinal, sabíamos qual era nosso público, e sabíamos qual seria a receptividade de parte daquele público para com e Serge. E mesmo que este fosse apenas um empecilho em nosso caminho, o maior problema estava em Crystal.
  Não era apenas um acordo legal que mantinha e Serge na porcaria do armário, era a certeza de que Crystal tomaria a guarda do filho de se todo este relacionamento se tornasse público — porque tudo bem ser traída e levar a fama de corna, mas que céus proíbam que você apenas descubra que seu ex-parceiro é bissexual. Os discursos religiosos e o nicho que Crystal estava inserida era o suficiente para que transformasse a vida de um completo inferno, e suponho que, sendo um bom pai, estaria disposto a tudo menos a perder a guarda de Simon.
  Seja lá por que, eu nunca tive tal experiência então não entendia o fundamento.
  Que maravilha! E quando eu achava que Hugo não poderia foder com a gente um pouco mais… o clic da porta do escritório de Delaney é tudo o que eu preciso ouvir para sair daquela porcaria de mensagens trocadas e voltar para a tela com Nora. Apoio meu cotovelo sobre a mesa, enquanto tento forçar naturalidade, ocultando a raiva e sentimento de traição pela ética de minha tia. Mas bem, era minha tia afinal, o que diabos eu poderia esperar dela? Limito-me a desenhar um bigode e chifres na imagem de Nora no programa de edição, como se eu estivesse o fazendo o tempo todo.
  — Surpreendente que os anos se passam, mas você não muda, garoto — resmunga Delaney caminhando em direção à mesa em que estou sentado, e eu apenas dou de ombros, tentando escrever Vadia sobre a testa de Nora quando os saltos de Verônica param de ecoar, em um aviso silencioso de que ela havia chegado a seu destino. — Que maduro, admirável, já posso comprar um bolo com velas de 8 anos! — Volto meu olhar na direção de Verônica, e uma mistura de emoções me atinge. Meu primeiro impulso é agarrá-la por aqueles malditos ombros magros e chacoalha-la até que ela tivesse vertigem, exigindo que ela pelo menos explicasse de onde aquela maldita ideia de expor a vida privada de havia surgido e por quê! Mas me contenho. Se eu conhecia aquele jogo, e acredite, eu o fazia, força e ética nunca levavam a lugar algum. Então eu apenas me permito observá-la em silêncio, deixando-me cair novamente contra o encosto da cadeira dela sem desviar meu olhar. Vadia — O quê? Tornou-se sensível agora, querido? Eu nunca imaginei que isso seria capaz de acontecer. Anda, saia da minha cadeira e diz logo o que você quer.
  Solto um riso nasalado, desprovido de emoção enquanto volto a esticar meus pés para colocar em cima da mesa dela, ciente de que isso irá a incomodar mais do que ela deixará a mostra.
  — Você me faz sentir tão amado, tia — provoco com um sorriso torto e recebo um olhar em forma de advertência de Delaney. Desta vez, quando dou risada, é genuína. Pego meu celular de cima da mesa dela, girando-o distraidamente por entre meus dedos e bufando comigo mesmo ao ver a mensagem de , como sempre, surgir no topo de minhas notificações antes de mais uma ligação de Hansen acender a tela. — Seu estilista colocou a gente só de calça jeans, eu não faço ideia de quem foi a ideia, mas da próxima você poderia deixar a gente só de cueca, que tal? Competir diretamente com a GQ magazine, para ser honesto eu não tenho problema algum em mostrar o meu…
  — Qual é o nome dela? — Verônica me corta abruptamente, e eu reviro os olhos, fingindo-me de ofendido.
  — Não fala assim, vai me fazer sentir como um cafajeste.
  Verônica lança-me um olhar, e eu abro um sorriso torto, colocando meus pés no chão e levantando-me da cadeira dela, dando espaço para que ela se sentasse. Tento manter meu sorriso enquanto ela me encara, mas sei que, se ela realmente desejasse me olhar, se ela realmente se permitisse observar minha expressão um pouco mais a fundo, então ela facilmente perceberia o cinismo em meus atos. Portanto, eu apenas dou de ombros, dando as costas para ela e decidindo explorar o escritório de Verônica.
  Pouca coisa havia mudado do que eu lembrava de quando adolescente. Os livros continuavam em prateleiras suspensas de vidro ao lado esquerdo da porta dupla cuidadosamente decorada e estilizada com a logo da revista, a janela panorâmica ainda se estendia pelo restante do lado esquerdo, e um pequeno mezanino se encontrava à direita, onde uma escadaria de metal elegante levava a uma espécie de estúdio profissional pessoal, sabe-se lá deus por que Verônica Delaney precisaria de um estúdio pessoal, e abaixo havia um pequeno espaço que se parecia muito com uma sala de estar, exceto que era completamente branca e esterilizada.
  Faço uma careta, espreguiçando-me, sentindo meus músculos doloridos, enquanto paro em frente da janela panorâmica. O melhor daquele lugar sempre seria a vista. Enxergar Los Angeles do topo passava a falsa impressão de que você era invencível; um deus em meio a meros mortais, desesperados e ansiosos por uma fração do que você poderia oferecer. Era fácil, viciante. Toda a adoração, toda a atenção, seja boa ou ruim, ser notado. Ser lembrado. Dá para entender por que tantos se tornavam obcecado por isso. Dava para entender por que tantos fariam o que era necessário para permanecer no topo. Sendo honesto, eu também o faria sem hesitar. Sem importar-me a quem eu teria que empurrar para debaixo do ônibus.
  — . — Não preciso olhar para Verônica para saber que os olhos dela evidenciavam sua mistura de frustração e irritação com meu comportamento.
  — Ela não é seu tipo. — Categórica como sempre. Vadia esperta.
  Umedeço meu lábio inferior com a ponta da minha língua enquanto exageradamente viro-me para encarar Verônica, exagerando um pouco no ato, mas bem, não era preciso de muito para que as pessoas esperassem o pior de mim. Eu também não havia feito muito esforço para demonstrar o contrário.
  — Sou eclético. — Abro um sorriso largo para Verônica, sorrindo para ela do jeito que eu sabia que a incomodaria. Expressamente porque provavelmente a lembrava de Hansen. Ignoro a parte da minha mente que me comanda jogar-me da janela panorâmica por causa disso.  — Você sempre me disse para experimentar coisas novas. — Ergo uma sobrancelha, divertido, observando o rosto de Verônica se tornar ainda mais severo. Bom. Continue focando onde eu aponto, e não onde eu vejo.
  — Corta a baboseira, — diz Verônica por fim, desviando seus olhos de meu rosto, e então voltando sua atenção para a tela do computador, os cabelos curtos, elegantemente estilizados a fazia parecer por algum motivo o que americanos acreditavam que uma francesa deveria ser, e eu questiono-me o quanto daquilo era seu personagem naquele mundo e o quanto não era. Questiono-me se ela ainda se lembrava de quem havia sido, ou se nunca sequer havia tido caráter como praticamente todos da família Lancaster. — Assumo que Isla falou com você sobre o editorial, não? É apenas publicidade, querido, não iremos divulgar nada que você não se sinta confortável, e além disso, é uma parceria, vamos atrair mais leitores para a revista, suas fãs em questão, e você fica mais rico, não parece ser exatamente um sacrifício
  Não, vadia, você nos vender não é o problema, o problema é você foder com pelas nossas costas! Faço uma careta, e para meu completo desprezo, me vejo forçando um sorriso falso para Verônica, que eu, obviamente, não consigo sustentar por muito tempo. Que se dane.
  — Soa bem errado isso.
  Delaney ergue seu olhar para encontrar-se com o meu enquanto uma de suas sobrancelhas curvas se erguem.
  — Criou consciência agora? Isso nunca foi um problema para você antes.
  — Entrei pra igreja. Sou um novo homem. — Meu sorriso sai mais afiado do que deveria. Dou de ombros, passando uma mão por meus cabelos, tentando tirá-los de meu rosto, e então caminho novamente na direção da mesa de Verônica, apoiando minhas duas mãos no encosto da cadeira à frente da dela, antes de observá-la atentamente.
  Não havia como escapar daquele maldito editorial, e fazia tempo que Hugo havia comentado sobre não apenas desenvolver alguma coisa escrita, mas um documentário sobre a banda que pudesse atrair pelo menos curiosos o suficiente para nos assistir. Observo-a clicar algumas vezes, negando com a cabeça com minha arte incrível na capa da revista de Nora, antes de passar a digitar, provavelmente respondendo seus e-mails.
  Tenho vontade de gritar com ela, tenho vontade de questioná-la e tentar obriga-la a dizer suas motivações, mas conhecendo um Lancaster como eu conhecia, era perda de tempo. A resposta nunca valia o esforço. Estou observando o anel no dedo mindinho dela, com a insígnia da família lembrando-me de como Sean Broderick tinha um semelhante, por algum motivo, quando uma ideia me ocorre. Volto a encarar o rosto de minha tia, endireitando-me. Se não se pode contra seu inimigo, junte-se a ele. Puxo a cadeira a frente dela, e então recosto-me novamente, usando meus quadris para ajeitar-me, tentando ficar mais deitado do que sentado. Não era tão confortável quanto a dela, mas servia.
  Verônica não é idiota, ela me conhece, para ser honesto, me conhece muito bem para perceber minha mudança de intenção com um olhar exasperado, mas uma parte de mim está inclinado a tentar puxá-la até seus limites para ver até onde ela vai. Afinal, estava no sangue o apreço por jogos.
  — Não tenho nada contra. Se quer saber até gosto da ideia. Faça como quiser, mas tenho só uma condição. — Cruzo meus braços sobre meu peito, dando de ombros como se o assunto não me importasse muito. E eu poderia dizer que não me importava, que na verdade não dava a mínima para isso, era simples, fácil, e típico de mim, mas se fosse ser honesto, o que eu não seria para ninguém, importava sim, era que estava no meio daquilo tudo, o epicentro daquela merda, Então se eu não poderia evitar de acontecer, eu poderia manipular o que aconteceria. Manipular quem contaria a história, e eu sabia a pessoa perfeita para isso. — Eu escolho quem irá fazer esse editorial, ou seja lá o que seja isso que você e Hugo estão planejando. — Abro um sorriso cínico, largo, apoiando os meus cotovelos sobre a mesa, e então meu queixo sobre minhas mãos, observando o rosto de Verônica se tornar mais rígido, impaciente. Ela sabe o que vou dizer antes que as palavras saiam de minha boca, mas ainda assim as digo, apenas pelo prazer de irritá-la. — Eu quero como responsável. a . É isso ou eu estou fora.

CONTINUA...

  NOTA DA AUTORA: iria MUITO compor uma música: “eu peço respeito pros meus ” e nem é ironicamente.