There Is
Escrito por Alê Santarosa | Revisado por Bella
Do you care if I don't know what to say?
Will you sleep tonight?
Or will you think of me?
Atualmente, Dezembro.
A costa oeste dizia adeus conforme eu dirigia Arizona adentro. As praias e as palmeiras da Califórnia se despediam e os desertos que antecipavam o maravilhoso estado começavam a me acompanhar naquela viagem solitária. Eu jamais pensei que estaria seria capaz de estar ali novamente, dentro de um carro, dirigindo numa estrada rumo ao incerto. Jamais pensei que eu seria capaz de fazer qualquer coisa que implicasse coragem novamente. Jamais pensei que poderia... Recomeçar minha vida.
A verdade? Eu não estava recomeçando ela naquele momento. Eu já havia recomeçado há muito tempo. Eu só não tinha percebido.
Meu nome é . Tenho dezoito anos, um carro do ano de 2008, quarenta e seis dólares na carteira, além de um cartão fidelidade do Walmart, uma carteirinha de estudante que não vale mais e um pacote rasgado de chicletes no bolso da frente dos meus jeans. Não como nada sólido há no mínimo seis horas e eu tenho certeza de que se a polícia estivesse me seguindo, eu já teria sido preso quatro vezes por urinar em público.
Mas não é isso que importa. O que importa é o motivo pelo qual estou aqui, contando essa história. Em pensamentos. Para mim mesmo. Para ela. Para você. O que importa é o que me levou a estar aqui. E para isso, precisamos voltar algum tempo no passado.
Como um flashback.
De um ano atrás. 2013.
Um ano atrás, Abril.
Primeiro as risadas. Muitas risadas. Elas vinham de trás, ecoando como se estivessem no fundo de um túnel.
Depois uma voz.
E mais risadas. Altas, alteradas, em variados tons.
E então um único grito.
As luzes.
As luzes que vieram cegando, inesperadas e assustadoras. E os gritos aumentando.
O estrondo.
O sangue.
O silêncio.
Soquei o volante quanto perdi a entrada que eu deveria ter pego. Mais uma vez minhas memórias me atrapalharam a seguir em frente. Elas eram sempre culpadas pelos meus erros – ou era assim que eu gostava de pensar. Olhei para os dois lados, checando os retrovisores, e ao perceber que ninguém estava por perto, entrei na contramão. Era aquilo ou teria que perder dez quilômetros para encontrar um retorno.
Maldita América.
Veja bem. Meu pai é um advogado. Do tipo bem certinho, que nunca fez nada de errado, do tipo que não aceita suborno, do tipo que não defende ninguém que está errado. Fazer o que eu estava fazendo ia contra qualquer moral que minha família tivesse me ensinado. Especialmente meu pai. Em geral, ele defende as pessoas que não têm chance alguma. Mas de alguma forma, ele consegue se dar bem nisso. E o melhor: ele deve ser o único advogado da Califórnia que é feliz com o que faz.
Sim, Califórnia. Eu moro em São Francisco agora. Antes de São Francisco eu morava em Los Angeles.
A questão é: eu não quero estar em São Francisco, ou em Los Angeles. E é por isso que estou pegando a estrada interestadual direto para o estado do Arizona.
Um ano atrás, Junho.
Aquelas férias eram inúteis, aquela mudança era inútil. Era só o que eu pensava. Não é como se elas fossem capazes de apagar tudo o que aconteceu nos últimos meses. Como se dias de folga e pílulas brancas tivessem algum poder. Elas podiam parecer gentis, mas não seriam capazes de destruir qualquer lembrança que eu não mais desejasse ter. Elas não eram capazes de impedir os pesadelos durante a noite e os gritos de madrugada. Elas não impediam o suor de aparecer na minha testa e o vômito de subir pela minha garganta noite após noite. Elas eram como placebo. Meramente ilustrativas.
- Você deveria estar feliz, sabe? Está tendo a chance de recomeçar. Ter uma vida nova e esquecer o que aconteceu. – Minha mãe começou a falar ao notar que eu estava calado e sem emoções há algum tempo, deitado na minha cama. – São poucos que têm essa oportunidade. – Ela me cutucou no ombro ao se sentar de frente para mim.
Depois do acontecido e depois de pagar a pena, tínhamos decidido nos mudar. Meu pai continuava advogando, mas minha mãe tinha deixado seu emprego. Seu novo trabalho era me observar.
- Mãe, isso não é uma vida nova. – Falei o que estava pensando. Me sentei na cama e a encarei. – É só uma cidade nova. A minha vida vai ser sempre a mesma. Sair de LA não vai apagar nada da minha cabeça milagrosamente. – Suspirei, apertando os olhos, que ainda doíam. Toda a minha cabeça doía.
- Eu sei, querido. Eu sei. – Ela respirou fundo, entristecida com a minha reação. Eu ficava triste de saber que ela ficava triste por eu estar triste. Mas não havia nada que eu pudesse fazer – voltar no tempo não era uma opção ainda. – Mas é pelo menos uma forma de te tirar daquele lugar que vai sempre e sempre te trazer más lembranças. Te assombrar durante a noite. – Ela apertou minha mão que ainda estava enfaixada.
- Eu também tenho boas memórias, mãe. LA não é a culpada pelo que aconteceu. Eu sou. – Murmurei.
Ela sorriu triste e abriu os braços. Nos abraçamos de novo.
Pela quinta vez no dia.
Minha mãe era o melhor ser humano do mundo. Ela sempre sabia o que dizer e quando dizer. Ela sempre sabia a hora certa e quando era a hora errada. Era basicamente ela que mostrava por onde seguir, não só para mim, mas para o meu pai também – a maioria dos casos que ele ganhava tinha sido analisada por ela. Ela era formada em Psicologia na UCLA, mas não era uma daquelas mães que queriam analisar até o que o filho comia de madrugada. Ela era a mãe-psicóloga que mesmo sem fazer a pergunta, já entendia o que você gostaria de responder. E depois que eu aprendi a encontrar o lado bom disso, eu aprendi a amá-la.
Minha mãe não era médica, mas ela curava. Ela curava mais do que arranhões e doenças respiratórias. Ela curava corações partidos e traumas do passado. E talvez eu a tivesse julgado mal e a tivesse subestimado. Talvez ela tivesse sido o fator mais importante da minha recuperação.
E só agora que eu estava indo na direção oposta à que ela estava é que eu percebia isso.
Um ano atrás, Junho.
- , pega aquela caixa menor para mim. Tenho quase certeza de que os copos estão ali. – Minha mãe apontou para uma caixa no pé das escadas ao mesmo tempo em que abria outras cinco ao seu redor numa velocidade impressionante.
- Já não é sem tempo. Copos são úteis para beber água. – Comentei de brincadeira e ela me mostrou a língua. Havíamos chego em São Francisco fazia dois dias, mas as nossas coisas equivaliam à vinte dias de mudança. Apesar de eu ajudar, minha mãe tinha que cuidar da maioria das coisas, já que meu pai estava se estabilizando no escritório novo. O tempo que deveríamos limpar e guardar os objetos, usávamos para conversar e brincar pela casa. Agora nossa sala se resumia a caixas e móveis espalhados.
Assim que coloquei a caixa no chão da cozinha, a campainha tocou, me assustando. Olhei para minha mãe e ela abriu um sorriso.
- Deve ser a nova faxineira! – Exclamou, animada. – Finalmente não vou ter que fazer tudo isso sozinha. – Ela cantarolou. – Abre a porta para mim, . Eu já vou. – Ela acenou para o hall. Dei de ombros e obedeci.
Quando abri a porta, tive certeza de que não era a nova faxineira.
- Olá, vizinho novo! – Uma garota de no máximo 1,63m estava parada na minha soleira. Em mãos ela tinha uma travessa cheia de cupcakes. – Eu sou a vizinha velha! – Ela sorriu tão animada quanto uma criança quando vê o Papai Noel.
- Hey. – Falei, ainda meio embasbacado. Cara, ela era linda. – Eu sou . . – Gaguejei.
- Olá, ! Meu nome é . – . Mas ela não o usava com frequência. Ela apertou a travessa contra o abdômen com um braço e esticou a mão livre para me cumprimentar. – Se importa se eu entrar? Está bem pesado!
Ela definitivamente era a coisa mais bonita que eu tinha visto naquele verão. Eu até me lembro da roupa que ela estava usando. Um short jeans rasgado e uma camiseta do Blink-182. Foi logo de cara que eu soube que ela era fã deles. E que, apesar de não ser a minha intenção, logo eu seria fã dela. Mas eu devo avisar que o que rondava a minha cabeça era apenas um pensamento: Apreciar a beleza de alguém não significa necessariamente que você está sexualmente ou romanticamente atraído. E foi nisso que me mantive durante muito tempo. Porque quando você repete uma mentira várias vezes, ela acaba se tornando verdade. A grande placa que eu esperava ver surgiu no fim da estrada. “Bem-vindo ao Arizona” se destacava contra a paisagem desértica. Eu mal tinha entrado e já me sentia uma visita inesperada.
Da mesma forma que ela fora naquele dia de sol um ano atrás.
Um ano atrás, Junho.
- Mãe! – Gritei ao deixar passar. – Temos visita! – Fechei a porta e parei de frente para ela com as mãos no bolso. A confiança dela me intimidava.
Eu não gostava disso.
- Bela casa! – Ela assobiou, olhando ao redor. Ela era incrivelmente pequena comparada ao meu 1,81m de altura.
- Ainda estamos... Arrumando. – Mostrei ao redor. – Venha, vamos pôr isso na cozinha. – A chamei, indo na frente.
Entramos na cozinha e minha mãe estava tirando o jornal do último copo.
- , você poderia lavar esses copos pra adiantar? – Ela falou ao se virar. Quando viu a garota com doze cupcakes nos braços, arqueou as sobrancelhas. – Ahn, olá! – Ela sorriu, colocando as mãos na cintura.
Tirei a bandeja das mãos da garota e coloquei em cima da pia.
- Olá! Meu nome é . – Ela esticou a mão para minha mãe e a chacoalhou.
- Olá, ... – Minha mãe me olhou de soslaio, claramente confusa.
- Sou a vizinha do lado de vocês. – Ela explicou. – Minha mãe mandou esses cupcakes. Ela gosta de conhecer os novos vizinhos. – Ela deu de ombros. – Espero que gostem.
- Ah, que adorável a sua mãe. – Ela sorriu. – Meu nome é Rebecca, a propósito. Diga a ela que agradecemos muito e assim que tudo estiver sob controle aqui vamos passar por lá para dar um olá. – Se apoiou na pia. – Mas no momento estamos... Numa pequena selva. – Ela riu.
- Pode deixar. – acenou com a cabeça. Parou por um instante, olhando ao redor. – Sabe, se quiserem, eu posso ajudar com as caixas. Não tenho nada para fazer mesmo... – Ela deu de ombros de novo.
- Não precisa, querida. Mas agradeço a oferta. – Minha mãe deu com a mão. – , leve a até a porta. Ou melhor! Vá até a casa dela e agradeça pessoalmente a mãe dela. – Ela pediu.
Olhei para a garota baixinha e com um sorriso que parecia nunca ir embora.
Como eu poderia dizer não para a Sra. ?
Não demorou muito e nossas mães viraram amigas. Era bom para a minha, ela não conhecia muitas pessoas na cidade e eu me sentia mal por isso. Eu me sentia mal por todas as vidas que eu tinha ajudado a estragar. A mãe da se chamava Marie e era divorciada há alguns anos ( disse que ela estava namorando de novo). Ela era legal. Sempre nos mandava comida e perguntava como tinha sido meu dia. Ela era como um plano B para mim.
Sabe, eu não costumava ser assim. Um ser humano tão danado. Eu era um adolescente normal. Eu fazia besteiras, eu era inconsequente e feliz o tempo todo. Mas certas coisas acontecem na nossa vida e passam em branco. E certas coisas passam e deixam uma marca irreversível. A minha foi como uma tatuagem. Exceto que não existia laser ainda para removê-la.
O rádio pegava mal naquele ponto da estrada. Nada sincronizava direito. Tive que desligar antes que ficasse louco com todos os chiados. Minha cabeça já estava doendo de tanta fome e não havia nada, simplesmente nada, por perto que vendesse comida. Eu precisava chegar logo. Mas quando mais eu acelerava, mais o mundo ficava devagar.
Um ano atrás, Junho.
- Eu não quis perguntar antes... Porque sua mãe estava por perto e poderia soar indelicado. – disse assim que saímos no jardim da minha casa. – Mas o que é que houve com a sua cabeça? – Ela indicou na sua própria a localização da faixa que circundava a minha.
Era tão grande e chamativa e mesmo assim eu tinha conseguido me esquecer dela.
- Ah. – Levei a mão à testa. – Foi um... Acidente. – Murmurei, desconfortável.
Ela parou na minha frente e cruzou os braços. O sorriso sumiu e uma ruguinha surgiu entre suas sobrancelhas.
- Acidente tipo caiu da escada ou acidente tipo foi atropelado? – Ela perguntou, curiosa.
- Acidente tipo, eu sobrevivi. – Dei de ombros, respondendo bem mal a pergunta.
- Entendi. – Ela acenou com a cabeça. Pela sua expressão, percebi que ela era mais esperta do que eu pensava. Ela entendia as coisas e guardava. – Então... Onde você vai estudar? Depois que o verão acabar. – Ela mudou de assunto, voltando a andar.
- Mackenzie High? Acho que é esse o nome. – Falei, confuso.
- É lá que eu estudo. – Ela riu.
- Ótimo! Pelo menos alguém que eu conheça. – Soltei um ar de alívio. – Você vai para que ano?
- Serei uma Sênior esse ano. – Ela estufou o peito, orgulhosa.
- Parabéns, colega de classe. – Estiquei a mão para um falso cumprimento. – Nos formaremos juntos. – Cruzei os braços em seguida.
Turma de 2014.
A formatura da turma de 2014 foi uma das mais memoráveis do Mackenzie High School para todos os alunos. Eu não sei o motivo deles, mas o meu foi porque ela encerrou o melhor ano da minha vida. Depois veio o verão. Foi um ótimo verão. Eu tinha amigos e tinha uma nova vida. Foi quase como se tudo fosse normal novamente.
Um ano atrás, Junho.
Agora a mudança já completava quatro dias. Nenhum dos meus velhos amigos tinha me ligado ainda – após dois meses – e eu duvidava que fossem ligar. Talvez Annie, mas ela devia estar ocupada com outras coisas. Coisas que falavam que ela não deveria me ligar.
Estava escuro já, tinha anoitecido. Tínhamos finalmente organizado tudo e tornado aquela casa um lugar habitável. Meus pais estavam na cozinha e eu estava no meu quarto, sentado na janela que dava de frente para a casa da tal , vendo a chuva cair.
Eu não a tinha visto desde a sua visita, e, para ser sincero, eu estava aliviado. A sua presença me pressionava a voltar a ser quem eu era antes. Uma pessoa que não se importa de existir na terra, e que gosta dessa sensação. E eu não sabia se era aquilo que eu queria. Eu estava começando a me acostumar com a solidão e com os pesadelos no meio da noite. Acostumado com o silêncio e com o coração partido.
Foi quando eu a vi.
Ela não estava em seu quarto, lendo ou ouvindo música. Não estava na cozinha escondida comendo alguma porcaria. Não estava fazendo as unhas ou assistindo TV.
De repente, a imagem que eu havia projetado daquela garota se desfez quando ela se mostrou... Humana. Por simplesmente estar dançando na chuva.
Dançando na chuva.
E se tinha uma coisa comum na Califórnia, era chuva de verão.
Mas eu havia me enganado. Apesar de humana, ela não tinha nada de comum. Não tinha nada de uma garota californiana. Seu cabelo não era comprido e queimado de sol, ela não usava roupas que se vê em catálogo de coleção Primavera/Verão da Abercrombie & Fitch e não ouvia Katy Perry enquanto tirava fotos-padrão para o Instagram.
era incomum. Mas não da forma clichê que se descreve o incomum. Ela era única. Talvez a única que alguém poderá conhecer na vida. E quando eu percebi isso, já era tarde demais. Ela já tinha tomado conta da minha cabeça.
Assim que avistei um posto de gasolina decente na beira da estrada, acelerei e só parei quando estava em frente à loja de conveniência. Eu tinha quarenta e seis dólares e mais oito horas de viagem.
Era hora de começar a calcular.
Um ano atrás, Junho.
- Você pensa bastante! – Ela gritou há dez metros de distância. Não me assustou, mas me tirou de uma maré de maus pensamentos.
Estava sentada na sua janela, que era praticamente de frente para a minha, onde eu estive nas últimas duas horas. Suas pernas balançavam e ela estava usando fones de ouvido. A camiseta dessa vez estampava a cara de Bart Simpson.
- Eu tento! – Gritei de volta.
Tentei não ficar apavorado pelo fato de que ela estava me observando. Acho que aquilo nos tornava quites, porque eu passei um bom tempo assistindo-a rodar embaixo da chuva naquela outra noite.
- Tem planos além de pensar para esta tarde? – Ela perguntou.
Era engraçado como conseguíamos manter um diálogo mesmo sem saber nada sobre o outro.
- Eu posso pensar e fazer outras coisas ao mesmo tempo! – Respondi.
- Quase como uma garota! – Ela brincou.
- Eu tenho superpoderes. – Me vangloriei.
- Gostaria de me mostra-los enquanto saímos para tomar um café?! – Ela perguntou.
- Te encontro lá embaixo em cinco minutos! – Gritei antes de pular para dentro do meu quarto e começar a procurar uma camiseta decente para sair.
Encontrei uma perfeitamente adequada.
É melhor eu avisar que essa talvez nem seja uma história de amor. É uma história clichê, com mais idas do que vindas e com mais memórias boas do que memórias ruins. Mas isso não quer dizer que seja uma história de amor. Talvez ela chegue perto de ser, mas pode ser que seu final seja algo inusitado.
Sinceramente, eu não sei como ela acaba. Ainda estou vivendo-a.
Um ano atrás, Junho.
- Você não precisava ter vestido uma camiseta dos Simpsons para me impressionar. – Ela disse enquanto esperávamos a nossa vez na fila.
Eu ainda não tinha saído para explorar minha nova vizinhança, mas não me surpreendi quando avistei um Starbucks na esquina da rua de trás da minha. Estava me rumando para lá quando me puxou para uma cafeteria do lado oposto da cafeteria mais famosa do mundo.
- Sinceramente? O café deles é uma porcaria. – Ela torceu o nariz. – Goodies & Cookies pode ter um nome ruim, mas faz o melhor cappuccino da cidade. – Ela me explicou, abrindo a porta com sininho da loja. – E eles alugam livros também. – Ela bateu palmas, entrando na minha frente.
- Eu não quis te impressionar. – Menti, olhando casualmente para Itchy & Scratchy estampados na minha própria blusa. – Pelo menos descobrimos que temos gostos parecidos. – Dei de ombros.
- Talvez. – Ela me olhou de lado. – Ok, eu admito que amo desenhos da Fox. E cresci vendo Disney. – Ela começou. Então olhou para as unhas e bateu o pé. – Mas não posso negar que sou mais... – Ela começou.
- Cartoon Network? – Palpitei. Ela abriu aquele sorriso de novo.
- Sim. Exatamente. – Ela concordou com a cabeça.
Então deu um passo à frente e, na ponta dos pés, se inclinou no balcão para fazer seu pedido.
“O amor está longe de ser a solução para o fim do sofrimento humano. Pelo menos aquele amor romântico de filmes e novelas. Somos todos fanáticos. Exigimos que nosso sentimento seja eterno e incondicional e camuflamos sua natureza condicional e efêmera.
Nada humano é verdadeiramente incondicional, eterno e completamente bom. Essa é uma forma de amor que só Deus pode ter. Esse entendimento gera expectativas altas, que relacionamentos cotidianos não são capazes de suprir.”
- Simon May.
Um ano atrás, Junho.
Eu tinha acabado de chegar do médico. A faixa na minha cabeça tinha sido substituída por uma gaze colada na testa porque finalmente os pontos tinham sido tirados. Eu me sentia menos alienígena sem aquela coisa me enfeitando como uma placa sinalizadora de Las Vegas. Sentia que estava sendo autorizado a voltar para a normalidade que tinha me abandonado dois meses atrás em Los Angeles.
Minha mãe avisou que faria o jantar e subi para o meu quarto. Depois que tomei banho, me vi parado na janela, vasculhando a minha vista pela presença da minha única amiga.
Annie ainda não tinha ligado.
Encontrei-a num lugar inesperado mais uma vez.
Sentada no muro que separava nossos jardins, estava ouvindo música em um radinho de pilha com um lampião apoiado ao seu lado. Assim que me viu parado, ela gritou.
- Ei, estranho! – Acenou. – Por que não larga essa sua janela amada e vem até aqui?
Concordei sem hesitar e já estava indo para a porta quando ela gritou de novo. Voltei para a janela.
- Traga alguma coisa para comer. Estou faminta! – Ela falou antes de aumentar o som no rádio e Box Car Racer começar a soar pela vizinhança.
“O amor chega devagar, mas ele vai embora tão rápido”. E eu tenho essa mania de amar demais e mergulhar tão profundamente que é difícil encontrar a superfície na hora que o final chega. E você não pode controlar o que acontece com você, mas você pode controlar sua atitude em relação ao que acontece com você. E com isso, você estará dominando a mudança em vez de permitir que ela o domine.
Eu queria ter descoberto isso antes.
Um ano atrás, Junho.
- Hey! – Ela acenou quando me aproximei do muro com duas garrafas de Heineken e um prato de batatas fritas. – Meu Deus, é disso que eu estou falando! – Ela pegou as coisas da minha mão para que eu pudesse pular e me sentar.
- Eu nunca decepciono. – Me gabei.
- Olha, você tirou a faixa da cabeça! – Ela comemorou. Concordei com a cabeça e coloquei duas batatas fritas na boca. Então ela parou por um minuto e se virou de frente para mim. – ? – Ela me chamou. Ergui os olhos para ela e acenei enquanto ainda mastigava. Eu devia ser ridículo mastigando. – Quando é que vai me contar o que realmente aconteceu com a sua cabeça? – Ela disse, séria. – Quer dizer, acho que já somos meio... Amigos pra isso.
Respirei fundo e engoli. Precisei de um segundo pra formular uma resposta. Resolvi dizer a verdade.
- Foi um acidente. – Falei finalmente. – Um acidente de carro.
- Oh. – Ela soltou, surpresa. – Seus pais estavam com você?
- Não. Eu estava com alguns amigos. – Murmurei.
- Foi grave? – Ela se inclinou para afrente, curiosa.
- Sim. – Apertei os olhos e as luzes vieram. O clarão que me cegou. Abri os olhos e ele desapareceu. Eu ainda podia ver os reflexos.
- Alguém morreu? – Ela perguntou baixinho. Seu sorriso tinha desaparecido e aquela ruguinha curiosa tinha voltado.
- Sim. – Olhei para a minha mão pousada no muro. O curativo também tinha saído dali, mas as marcas dos pontos continuaram.
- E quem estava dirigindo? – Ela cobriu a boca com a mão.
- Eu. Eu estava.
Demorei meses para aprender, mas tinha uma maneira engraçada de lidar com a tristeza. Ou ela começava a rir ou ficava repetindo “vai ficar tudo bem” até a pessoa pedir para ela calar a boca. Era um hábito engraçado ao qual me acostumei. Momentos assim eram sempre difíceis de lidar, e eu admito ser péssimo quando se trata de lágrimas e tragédias ou qualquer coisa que demande muitas emoções, então era bom tê-la por perto. Ela sempre iluminava a escuridão que pairava sobre as pessoas.
Mas, naquela vez, exclusivamente, ela não disse nada. Só ficou parada, me olhando, como se não acreditasse no que tinha acabado de ouvir. Então mudei de assunto para como batata frita caseira era muito melhor do que a industrial e o assunto morreu.
Um ano atrás, Junho.
De fato, Goodies & Cookies conseguia bater a Starbucks facilmente. Era a minha quarta vez ali – terceira, com a – e os atendentes já sabiam meu nome e meu pedido favorito. Além disso, agora eu podia ter uma cartela de cliente fidelidade.
Dei a minha para ela no instante em que ganhei.
- Então... – Ela começou, mexendo no canudinho do seu cappuccino gelado. Cappuccino era o seu favorito. – Eu fiquei pensando... Sobre o que você me contou na outra noite. Sobre o seu acidente. – Ela me olhou de baixo, ansiosa.
- Ok. – Acenei para ela continuar falando, mas já com a intenção de cortar o assunto.
Eu podia estar começando a me sentir atraído até pelo jeito que ela mexia sem parar no canudinho e como sua perna balançava debaixo da mesa sem parar, mas não estava pronto ainda para contar algo tão delicado.
- E eu gostaria muito, muito mesmo, de saber toda a história. – Ela mordeu o lábio inferior, com uma expressão culpada.
Abaixei a cabeça. Era o sinal internacional do “não quero falar sobre isso”.
- Ok. Talvez você não queira falar sobre isso... – Ela murmurou. – Mas pelo seu jeito, você não falou com muitas pessoas sobre isso ainda. E eu acho que é importante que você fale. Pra tirar o peso das suas costas. – Ela argumentou. Então se inclinou para frente. – E... Se você me contar, eu te conto algo sobre mim. – Ela deu um sorriso sapeca.
Bufei, me sentindo vencido. A curiosidade era maior do que qualquer trauma.
- O que você quer saber? – Perguntei com um suspiro.
Precisamos de pessoas em nossas vidas com quem podemos ser o mais aberto possível. Ter conversas reais com as pessoas pode parecer uma sugestão tão simples, óbvia, mas envolve coragem e risco. E quando eu percebi isso, eu percebi também que eu não precisava de alguém que me consertasse. Eu só precisava que alguém me amasse enquanto eu mesmo me consertava, porque, como pétalas, eventualmente cairemos. E isso não era algo que Annie poderia me dar. Porque Annie precisava do seu próprio conserto. Annie era uma pétala, Annie era uma alma frágil que quebrou no primeiro impacto. Uma alma frágil que não me amava o suficiente para me ver além de um entulhado de cacos e um atestado de óbito.
Mas eu precisava de alguém tão bela e tão forte quando uma demolição. Alguém que aparecesse como um desastre natural. Inesperada e destruidora. E quando eu notei que havia a encontrado, ouvi-la dizer que não amava alguém e que ninguém a amava me destruía da mesma forma que Annie havia me destruído quando desistiu de mim. Afinal, ela era um capítulo no meu livro. E no dela, eu era meramente uma linha.
Um ano atrás, Maio.
Era um sábado à noite. Tínhamos acabado de sair de uma festa na casa de um conhecido, Charlie Johnson. Era quase três da manhã e não havia uma única alma naquele lugar que não estivesse embriagada. Até eu, que fiquei de ser o motorista da rodada, tinha virado poucas doses. Ainda sim eu me sentia bem. Só estava levemente alterado, alegre. Confiante.
- Depois de deixarmos a galera em casa... Que tal irmos para a minha? – Annie sussurrou no meu ouvido discretamente, enquanto andávamos até onde o meu carro estava estacionado.
Ela era namorada do Sean, meu melhor amigo. Mas ela não gostava mais dele.
Estávamos ficando secretamente há três semanas. Éramos cúmplices de crime. Romeu e Julieta. Companheiros como ela e Sean nunca fora. Eu não sabia como tínhamos acabado ali, creio que foi ela que me arrastou para aquela situação. Ela era boa nisso.
- Eu acho uma ótima ideia. – Respondi no mesmo tom e rimos juntos. Apertei sua cintura antes de nos separarmos e Sean se aproximar e a puxar para um beijo.
Junto com ele estavam Fred, Wendy e Allan. Meus melhores amigos.
Destranquei o carro e pulei para o banco do motorista. Os outros entraram em seguida, aos berros. Davam risadas e não falavam nada com nada.
- Eu aposto vinte pratas que alguém vai vomitar antes de chegarmos em casa! – Fred gritou do banco de trás.
- QUE NOJO! – Wendy falou, mas começou a gargalhar em seguida. – EU APOSTO TRINTA!
- Meu Deus, SEAN, PARA DE ENGOLIR SUA NAMORADA E ENTRA LOGO NO CARRO, PORRA! – Allan berrou para o casal que estava se agarrando do lado de fora há vários minutos.
Assistir aquela cena me dava náuseas, suor e tremelique. Mas eu precisava atuar. Precisava fingir que não me importava, afinal, era só o meu melhor amigo e a namorada dele. Uma garota que não me dava nenhuma reação hormonal. Uma garota que para mim era como homem.
Sean entrou na frente comigo e Annie sentou no banco de trás com os outros. Ninguém se lembrou de colocar o cinto.
Arranquei sem pena e acelerei estrada afora. Aquela parte suburbana de Los Angeles estava morta. Era madrugada, as pessoas estavam em boates, no centro, em mansões em Hollywood Hill, Santa Barbara, Beverly Hills, Burbank. Ninguém ligava para o subúrbio.
Eles continuavam rindo no banco de trás, fazendo piadas. Eu olhava para trás a cada dois minutos. Não para assisti-los rir, mas para, discretamente, ver o olhar que Annie possuía.
Sean tinha adormecido no banco da frente de tão bêbado.
Então entramos na autoestrada e o trânsito intensificou. Eu continuava acelerando.
- Meu Deus, o alcóolatra do Sean desmaiou! – Fred gargalhou. Todo mundo gritou, implicando com o garoto e fazendo brincadeiras.
- Parece que a Annie não vai ser engolida de novo esta noite! – Wendy berrou, cutucando a amiga do lado.
Meu sangue perdeu temperatura e gotículas de suor brotaram na minha testa. Em reação, apertei o pé no acelerador. O nosso plano daria certo e eu estava ansioso. Ainda assim, me senti confiante. Devia ter sido a tequila.
Virei para trás mais uma vez, discretamente, para olhar nos olhos da minha garota. Ela sorria fraco, com o mesmo que eu na cabeça. Sorri de volta, mais feliz do que nunca, até ignorando os tremores na perna e nas mãos. Então seus olhos se desviaram para frente e pularam para fora.
- ! CUIDADO! – Ela berrou.
Fred, Wendy e Allan gargalharam, achando que era uma brincadeira.
Virei para frente na mesma hora.
Mas era tarde demais.
Um caminhão se aproximava e eu nem tive tempo de desviar.
Era tarde demais.
Alguns dizem, “fique perto de tudo que te deixe contente por estar vivo”. E eu poderia dizer que deixar Los Angeles foi uma maneira de fazer isso acontecer. Olhar para cada uma daquelas pessoas todas as manhãs após o acidente me destruía. Porque eu não me sentia contente por estar vivo. Eu me sentia culpado por estar vivo.
Minha mãe me dizia “Se você está tentando fazer jus a todas as expectativas que estão se acumulando em você - você vai acabar se sentindo miserável, porque você não está vivendo a vida que você quer. Tentar agradar a todos é impossível.”. Aquilo ficou claro só quando era tarde demais.
Durante muitas noites eu acordava gritando, de um pesadelo que parecia não ter fim. Como se enquanto aquelas pessoas continuassem me olhando daquela maneira, eu nunca me recuperaria. E a verdade é que eu achava que eu não podia me recuperar, porque a família de Sean nunca iria se recuperar, como Annie nunca iria se recuperar, então eu também não poderia. Mas minha mãe me fez ver que eu precisava deixar de lado a recuperação dos outros e me focar na minha. Porque eu estava tão danado quanto eles. Porque se eu não me recuperasse, eu não perderia apenas Sean. Eu perderia a mim mesmo.
Um ano atrás, Junho.
- Batemos de frente com o caminhão. – Continuei. Os olhos dela estavam vidrados em mim, assustados e curiosos ao mesmo tempo. – Eu não entendo direito o que aconteceu... O carro rodou, batemos numa mureta. É muito confuso ainda. Minha cabeça dói só de pensar. – Apertei os olhos. – Eu e os outros tivemos poucos ferimentos. Concussões, narizes quebrados, inconsciência... Mas saímos bem. – Continuei. Percebi que fazia mais de quinze minutos que eu mexia no meu café com a colher. Ele já devia estar frio. – Mas Sean... Ele estava dormindo. Estava na frente, sem cinto. Ele não conseguiu se segurar e... – Comecei a falar e atropelar as palavras.
- Ai Meu Deus. – Ela deixou escapar.
- Os médicos disseram que ele não sentiu nada. – Gaguejei. Cobri meu rosto antes que começassem a entrar em pânico ali. Era só o tinha feito nas últimas semanas antes de me mudar para São Francisco.
- Wow, . – Ela soltou o ar. – Eu não sei o que falar. Eu sou péssima nisso. Eu... Eu estou muito...
- Chocada. – Concordei. – É assim que todos ficaram.
- E a Annie? – Ela tomou um belo gole do seu café.
- Ela ficou bem. Depois eles descobriram do nosso caso secreto. A pena deles virou ódio, é claro. Como se eu tivesse causado o acidente para matar Sean e ficar com a Annie. – Bebi um gole da minha xícara. E bingo, estava frio.
- Mas que ridículos! – Ela exclamou.
- Não importa, de qualquer forma. Eu não aguentei o fardo e aceitei quando minha mãe propôs que nos mudássemos. Esperamos eu cumprir minha pena e viemos para cá.
- Pena? – Ela arregalou os olhos.
- 120 horas de serviço comunitário até o julgamento com júri popular. – A informei. – Mas como já comentei, meu pai é um advogado dos bons. – Rolei os olhos porque eu não gostava de falar muito sobre isso. Eu sabia que eu era culpado, assim como meu pai. Mas ele ignorou seus princípios para salvar seu filho. – Fui absolvido um mês e meio depois... Desde então nenhum deles me ligou. Até hoje. Nem mesmo ela. – Respirei fundo.
- É tão... É tão injusto. – Ela murmurou. – Que idiotas! – Ela socou a mesa.
- Não é não. Foi minha culpa, no final das contas. – Respondi.
- Mas ela não podia ter te deixado assim! – Ela exclamou.
- . – Peguei sua mão. Quando notei o que fiz, a soltei imediatamente. Meu rosto corou em reflexo. – Eu sei que isso parece não ser o certo. Mas ela fez as escolhas dela e eu fiz as minhas. Temos que aceitar isso.
Ela concordou com a cabeça e colocou o canudinho na boca, bebendo mais do seu café.
Ficamos alguns minutos em silêncio, cada um imerso em conclusões sobre o que tinha acabado de acontecer.
Então ela ergueu a cabeça e sorriu.
- Ainda quer saber meu segredo?
- Claro. – Sorri fraco, tentando esconder a curiosidade.
- Eu ainda corro para a cama depois que apago a luz do quarto... Tenho medo dos monstros que vivem no escuro. – Ela disse, envergonhada, com um sorriso patético.
Comecei a gargalhar.
Freud ensinou que o amor gera a supervalorização. Ou seja, se você visse o objeto amado como realmente é, não seria capaz de amá-lo. Talvez eu concordasse com ele, até quando, certo dia, eu acordei e descobri que o amor não era a supervalorização. O amor era ver e aceitar. O amor era saber cada defeito da pessoa, mas ainda assim ama-la. Porque se você não a amar, quem irá?
Eu já tinha aprendido isso com Jullie, com Angeline, com Annie. Todas cujo término aconteceu não por causa de defeitos, mas por causa de circunstâncias. E se por cada uma delas eu seria capaz de protestar, por , eu seria capaz de bater de frente com Freud.
Se lembram da citação que fiz anteriormente? Exato. Aquela citação é superestimada.
Um ano atrás, 4 de Julho.
Os fogos explodiam no céu. Coloridos, bonitos e resplandecentes. Dava pra ver tudo de cima da colina onde estávamos deitados no capô do carro dela, usando moletons velhos. A vadia tinha uma Range Rover enquanto eu tinha... Um carro prestes a virar sucata no ferro-velho. Não que eu realmente quisesse meu carro de volta. Sentar no banco do motorista ainda me apavorava.
Enfim, estávamos ali sozinhos. Ela disse que precisava de companhia para assistir as luzes no céu e eu não pude dizer não.
Quando eu disse que não havia nada de normal na , eu estava falando sério.
- É tão bonito. – Ela murmurou.
- Nunca fui muito fã de 4 de Julho. Mas confesso que gosto da parte dos fogos de artifício. – Dei de ombros, dando uma mordida em um dos cachorros-quentes que havíamos comprado.
Em pouco tempo tínhamos nos conectado como entrada e cabo USB. Era muita coisa compartilhada. Não tinha mais volta para nenhum de nós.
- Como assim? É o feriado mais maneiro! – Ela se levantou, se sentando de frente para mim.
- Bom, eu sou metade canadense. Então fico só metade patriota. – Expliquei. – Acho tudo muito forçado.
Ela abriu a boca, mas fechou antes de falar. Então abriu de novo.
- Não importa! A sua metade americana deveria amar essa data! É a data mais importante para nós. E não tem nada de forçado, é a nossa independência! – Ela gesticulou, apontando para o céu coberto de cores e para as ruas onde as pessoas comemoravam vestidas de vermelho, azul e branco.
- Certo. – Acenei com a cabeça, dando outra mordida no cachorro-quente. – Mas eu ainda prefiro o Halloween. – Falei de boca cheia.
- HALLOWEEN É O MELHOR! – Ela ergueu os braços e gritou. Então arrancou meu cachorro-quente da minha mão e enfiou na boca. – É como o dia em que todas as garotas têm a chance de ser o que quiserem versão prostituta. – Ela riu.
- Ladra de cachorros-quentes. – A repreendi, pegando o restante de volta.
Aos poucos fui voltando a ser quem eu era na frente dela. Um garoto que não ligava se estava comendo feito um porco e que admitia que tinha ereções de manhã.
Esperava que ela gostasse do velho eu.
É difícil para um cara admitir quando ele gosta de uma garota. Descobrir sentimentos e identifica-los é igual provar açúcar com o nariz tampado. Você sabe o que é, mas não tem certeza. E tem medo de arriscar.
Meu pai sempre fala que, para ter certeza, é preciso se perguntar tudo o que pode mudar o rumo da sua decisão. Essa garota é importante para você? Ela mudou a sua vida? Como você era antes de conhecê-la? Ela pensa o mesmo de você?
E tudo o que eu podia pensar é que essa garota tinha mudado minha vida. Porque ela estava me entregando a oportunidade de poder apagar os erros do meu passado e começar a construir um futuro limpo.
Um ano atrás, Julho.
Era minha primeira vez em seu quarto. Era um lugar maneiro, espaçoso, claro e nem um pouco rosa. Tinha muitas coisas espalhadas: sapatos, roupas e livros. Principalmente livros.
- Você tem muitos livros. – Comentei, correndo o dedo pela prateleira lotada de volumes.
- Hã. Boa piada. – Ela disse num tom sarcástico indo até o armário e pegando uma camiseta para colocar na mochila.
Estava assim desde que eu havia chegado. E eu só estava ali devido a uma ligação urgente requerendo minha presença ali. Eu tinha até largado Breaking Bad para estar ali. E quando cheguei, encontrei-a parada perto da cama, enchendo uma mochila de coisas. “Não ligue para a bagunça”, ela disse. “Por mais que eu arrume meu quarto, ele sempre está bagunçado. É como uma metáfora para a minha vida”. Parecia apressada e nervosa e eu não fazia ideia do motivo. Só esperava que não fosse uma fuga de casa repentina que precisasse de um cúmplice.
- Não e uma piada. Você realmente tem muitos livros. – Falei, apontando para as várias prateleiras lotadas.
- Não é nem metade do quê eu gostaria de ter. – Ela parou de andar de um lado para o outro e ficou de frente para mim. – Mas, você sabe, livros não dão em árvores. – Ela deu de ombros e fez uma cara de “fazer o quê”.
- Na verdade, eles são feitos de árvores. – A corrigi. Ela me olhou e sorri amarelo. – Papel... E tal.
- Certo. Você me entendeu. – Ela passou a mão no rosto. – Eu quis dizer que dinheiro não dá em árvore. – Ela sorriu antes de voltar a procurar objetos aleatórios para colocar na mochila.
- Mas ele dá também... – Murmurei, achando engraçado o quanto ela estava avoada.
- Meu Deus, hoje eu estou no meu ápice de tapada e você continua me constrangendo. – Ela disse, erguendo as mãos para o alto e bufando.
- Desculpa, é engraçado como você se embola toda. – Dei uma risada, me sentando em uma cadeira. – Então o que mais não dá em árvore? Frutas?
- Ok, chega. – Ela riu, escondendo o rosto com uma toalha. – Eu te chamei aqui porque preciso de um super favor. Tipo, um super mega favor. – Ela juntou as mãos numa prece. – Você não vai se arrepender se aceitar, eu prometo! – Ela sorriu e piscou os olhos feito o Gato de Botas do Shrek. Ergui uma sobrancelha, desconfiado, mas a deixei continuar. – Preciso de uma carona até o venue onde vai ser o show do Emblem3. E preciso de companhia para o show. – Ela sorriu mais ainda, deixando o sorriso tomar quase dois terços da sua cara.
- Emblem3? – Perguntei e minhas sobrancelhas arquearam automaticamente.
- A minha amiga, Diana, acabou de me dar um bolo porque vai ter que ir visitar a avó dela no hospital. – Ela disse, como se não tivesse sido interrompida.
- . – A interrompi de novo. – Emblem3? – Perguntei, deixando uma risadinha escapar. – Você nunca me disse que era uma fangirl. – Cruzei os braços com olhar de julgamento. – Mas que vergonha, .
- SIM, EU GOSTO DE EMBLEM3. E DAÍ? – Ela berrou. – É um vício que eu não sei tratar! – Ela bateu o pé que nem uma criança. – Sério, , eu preciso que você vá comigo! Todos os meus amigos que poderiam pelo menos me deixar na porta estão viajando ou morrendo de alguma doença venérea! E eu não posso perder essa chance. Só faltam eles para o meu álbum de fotos com famosos! – Ela argumentou. – Eu pago seu ingresso! E a sua comida e, e... Sei lá, o que você quiser!
Continuei a observando, incrédulo com aquele seu lado. Aquilo era sem dúvida...
- Hilário. – Falei antes de começar a rir. – Mas eu vou com você. – Falei assim que me controlei.
- NÃO. – Ela abriu a boca. – SÉRIO? – Seus olhos brilharam.
- Sério. – Concordei com a cabeça, já arrependido do compromisso assumido.
- Ai meu Deus! – Ela berrou, pulando pelo quarto. – Vamos para o carro! – Ela colocou a mochila nas costas.
Então parei na soleira da porta e abaixei a cabeça. Ela me olhou confusa e perguntou o que era.
Sem dúvida aquilo era um fracasso. Mas eu não pegava um carro fazia meses. Era traumático e pesado para mim. E também porque minha carteira tinha sido suspensa após o julgamento.
- Eu... Não dirijo mais. – Suspirei. – Você sabe disso. – Cruzei os braços.
Ela ficou parada ali. Muda. Sem expressão e sem movimentos. Então ela colocou a mão no queixo e pensou, apertando uma ruguinha entre as sobrancelhas. Deu de ombros e me lançou um sorriso afável.
- Vamos mudar isso. – Ela acenou. – Mas, por hoje, pegamos um ônibus. – Ela pegou minha mão e me puxou porta afora.
Liguei o rádio e ele começou a funcionar. Coloquei no aleatório, na esperança de encontrar uma rádio que não tocasse só country ou música gospel. Enquanto as estações trocavam, fiquei me lembrando de todas as bandas que já tinha seguido pela Califórnia. One Direction, Jonas Brothers, The Wanted, The Maine, McFLY, Boys Like Girls e outras milhares. Ela definitivamente era uma fangirl. Seria ridículo se não fosse engraçado.
E ela tinha um sorriso. Não era o sorriso mais bonito do mundo, como aqueles de propaganda de pasta de dente, mas era bonito. Era verdadeiro e cativava as pessoas. Ela também tinha essa mania de soltar bordões quando estava querendo ser engraçada – que não era difícil para ela.
O aleatório parou e uma rádio entrou em perfeita sintonia. Aumentei o volume e imediatamente reconheci. A nossamúsica.
Do you care if I don't know what to say?
Will you sleep tonight?
Will you think of me?
Will I shake this off?
Pretend it’s all okay?
That there's someone out there who feels just like me?
There is.
Um ano atrás, Agosto.
Era uma noite tempestuosa. As pessoas se trancaram em suas casas com suas famílias e aproveitaram o tempo para interagirem. Lá em casa não foi diferente.
- E ai, filhão? Como estão suas férias? – Meu pai perguntou, se sentando ao meu lado no sofá. Tínhamos acabado de jantar.
- Estão melhores do que eu pensava que seriam. – Falei com sinceridade.
- Isso chegou no correio hoje. – Ele disse pegando um envelope em cima da mesa de centro, chamando minha atenção.
Ele me entregou um envelope com meu boletim final e meu histórico escolar de LA.
Depois de tanto tempo? Ok, deixa eu explicar. Após o acidente, eu parei de ir às aulas. As pessoas continuavam a me olhar como se eu fosse um assassino. Eu já tinha fechado minhas notas, então... Desapareci. Logo depois saímos correndo para São Francisco. É isso que acontece quando se deixa um lugar às pressas. Coisas ficam para trás. Coisas e pessoas.
- Obrigado. – Respondi.
- Eu vi que você tem passado bastante tempo com aquela garota. A nossa vizinha. – Ele comentou.
- Sim, ela é legal. – Murmurei, sabendo o que ele estava querendo. O que todo pai quer.
- Algum sentimento especial…? – Ele continuou e minha previsão se confirmou.
- Hã? Não, pai. Somos só amigos. – Tossi. Consegui facilmente identificar a nota falsa na minha voz. Qualquer um conseguiria.
- A Annie ainda não ligou? – Ele suspirou.
- Não. – Olhei para o envelope fechado no meu colo.
Ele suspirou novamente e pousou a mão no meu ombro.
- Ela vai ligar.
Acabei descobrindo que Annie era apenas uma estranha que eu achava que conhecia. Uma garota cujo poder de enfeitiçar garotos era além do normal. Uma garota cujo feitiço me levou a fazer escolhas erradas. Uma garota que arruinou tantas vidas quanto eu.
E mais tarde descobri que às vezes as pessoas fazem coisas que não gostariam de fazer. Essa regra se aplica a nós dois.
E meu pai teve certa razão. Ele sempre tinha razão. Annie me ligaria, mas não da maneira que eu esperava. E eu responderia. Não da maneira que eu esperava.
Um ano atrás, Setembro.
Apesar de ser meu primeiro dia de aula no Mackenzie High School, eu não estava preocupado. Eu nunca tive problemas com primeiros dias. Na verdade, eu os achava tão tranquilos quanto qualquer outro dia, talvez porque eu não ligava para os que os outros pensavam de mim.
Entrei no corredor e varri os armários em busca do meu. Quando o encontrei, abri e joguei todos os livros novos lá dentro e pesquei um caderno.
- Como está o primeiro dia por enquanto? – perguntou, se apoiando no armário ao meu lado. Parecia estar num ótimo humor.
- Ele começou há dez segundos, então... – Respondi dando de ombros e ela riu.
- Achei que fôssemos vir juntos! Quero te apresentar uns amigos! – Ela saltitou.
Então percebi que ela estava usando um uniforme de líder de torcida. Um uniforme curto e revelador vermelho com branco.
- Não acredito que você é uma líder de torcida. – Falei na mesma hora, sem pensar.
Aquela era a última coisa que eu imaginava que ela fosse. Ela poderia ser Presidente do Comitê Estudantil, poderia ser rainha do baile, líder do Clube da Luta. Mas líder de torcida? A mesma garota que dança sob a chuva e que aluga livros repetidos?
Percebi, sem perceber, então, que eu não sabia nada sobre ela. Quer dizer, eu sabia muita coisa sobre seus gostos e seu jeito. Mas sobre a sua vida escolar? Eu era um mero novato numa escola para dois mil alunos. Como eu poderia saber a história de alguém que teve tanto tempo para construí-la antes da minha chegada?
Ela entortou a cabeça me encarou. Eu não estava rindo.
- Sim... Faz dois anos... – Ela respondeu lentamente. – Algo contra? – Torceu o nariz.
- Se fosse antes, sim. Mas agora eu sei que você é uma líder de torcida com cérebro. Então... – Dei de ombros.
Ela me socou em um deles e cruzou os braços.
- Isso é puro estereótipo. – Ela resmungou.
- É claro que sim. – Bati a porta do armário e apontei para uma garota no final do corredor usando o mesmo uniforme que ela. Ela gritava histericamente com alguém. Então balançou os cabelos e saiu batendo os pés.
- Ok. – Ela rolou os olhos. – O estereótipo é real. Eu sou a exceção à regra. – Ela se balançou em relutância.
- Eu sei que sim. – Gargalhei, colocando a mochila no ombro.
- Então? Podemos ir conhecer meus amigos legais e nada preconceituosos agora? – Ela sorriu, animada, de novo.
- Às ordens. – Fiz continência e a segui.
Saí do carro e bati a porta. Minhas pernas doíam e minha bunda tinha se transformado numa coisa quadrada. Eu ainda tinha alguns longos quilômetros pela frente mesmo que as coisas na minha cabeça estivessem ajudando a tornar a viagem mais suportável. Apesar de ser inverno, um tímido sol se mostrava sobre os desertos do Arizona. Ele me aqueceu enquanto eu rodava pelo estacionamento vazio onde havia parado. Eu precisava filtrar as memórias da minha cabeça. Pois eu poderia passar horas – ou melhor, páginas – contando sobre cada pessoa que eu conheci de Junho do ano passado para cá, mas não é sobre isso que estou falando. Estou contando a nossa história. A história de como nos conhecemos e o que aconteceu com a gente. E apesar de eu não ser um grande fã de spoilers, eu só posso dizer que conhecê-la foi a melhor coisa que poderia ter acontecido em 2013. Ou, quem sabe, em toda a minha vida. Mas isso eu ainda não tenho certeza, porque ainda tenho uma longa estrada pela frente.
Em ambos os sentidos.
Um ano atrás, Outubro.
Pousei minha bandeja de comida na frente da dela e me sentei à mesa. Mais quatro amigos estavam ali, concentrados em uma conversa sobre fantasias de Halloween. Que seria em duas semanas.
Eu estava há um mês naquela escola, mas parecia mais. As pessoas eram legais, engraçadas e simpáticas. Até mesmo as líderes de torcida.
- Recebeu meu bilhete? – perguntou quando sentei. Acenei positivamente com a cabeça.
Aquele era um de muitos bilhetes que eu recebia semanalmente dela. Eram bilhetes bobos, como “Seu cérebro também derreteu na aula de Física?”, “Nos vemos depois da aula?”, “Estou com fome e sem dinheiro. Me arranje comida, pelo amor de Deus”. E ela não fazia ideia, mas eu guardava todos.
- Halloween. – resumiu o assunto em uma palavra para mim quando olhei confuso para os outros. – Melhor feriado...
- ... De todos. – Completei. Erguemos a mão e fizemos um super high-five.
- O que vai vestir? – Ela perguntou, colocando uma colher de gelatina na boca.
- Não faço ideia. E você? – Ri, mastigando minha pizza.
- Não faço ideia. – Ela gargalhou.
- Vamos fazer mesmo fazer aquela festa de Halloween, certo? – Uma das garotas da mesa perguntou para todos. Todos concordaram, inclusive eu.
Era legal me sentir incluído num lugar novo com gente nova. As coisas ficavam mais fáceis assim.
Aqueles bilhetes que ela me escreveu, eu guardei todos eles no fundo do meu armário.
E fiquei pensando muito sobre como escrever de volta esse outono, da mesma forma que ela me escrevia. É claro que eu multiplicaria aquelas poucas linhas. E em cada letra, em cada palavra, haveria uma mensagem escondida sobre um garoto que ama uma garota.
Mas não era tão fácil. Porque cartas não moviam pessoas. Cartas não redefiniam vidas. Cartas não traziam coragem.
Então os papéis ficaram perdidos pelo meu quarto. Sempre em branco.
Um ano atrás, Novembro.
Eram quase nove horas da noite quando olhei para fora da janela do meu quarto e vi uma garota encolhida em seu próprio telhado. Um hábito comum, ao qual eu já havia me acostumado. Mas dessa vez não havia música, não havia dança, não havia livro. Havia apenas uma garota de cabeça baixa, respirando pesado, em silêncio. Relutei em pensamentos por algum tempo, mas quando decidi o que fazer, demorei só cinco minutos para chegar em sua casa.
- Hey. – Sussurrei para ela quando passei pela janela do seu quarto e pisei no telhado.
- Hey. – Ela disse sem se mexer. Estava sentada, abraçada às pernas, toda encolhida. Encarava o céu.
- Sua mãe me deixou subir. – Falei, me sentando ao seu lado. – O que está fazendo aqui fora? Está frio. – Me abracei quando um vento gelado me atingiu.
- Eu… Nem percebi. – Ela murmurou, olhando para baixo. Mentia descaradamente.
- Você está tremendo. – A repreendi. Apesar de estar com frio, tirei meu próprio casaco e cobri suas costas com ele. Ela o puxou para ajeitar.
- Obrigada. – Falou baixo.
- Então. Não vai me dizer o que aconteceu? – Iniciei o assunto.
Eu nunca a tinha visto daquele jeito, então algo sério devia ter acontecido. Talvez na escola? No treino das líderes de torcida? Ou alguma nota ruim? Eu não fazia ideia. Mas queria saber.
Quando você se afeiçoa a uma pessoa, você se importa com cada detalhe da vida dela.
- Não estou afim. – Ela resmungou.
- Até parece. Você é a pessoa que mais fala em toda a Califórnia. – Brinquei. Empurrei seu ombro de leve, incentivando-a a falar. – Vai, fala.
- A nona temporada de Greys Anatomy… - Ela falou e sua voz tremeu na última palavra. Virei meu rosto para ela e a observei, incrédulo.
- Ah, fala sério, ! Achei que fosse algo sério. – Finalmente falei.
- Mas é sério! Eu estou deprimida, você não está vendo? – Ela falou com uma voz fininha.
- Não acredito nisso. – Bufei. – Achei que sua vida tivesse acabado.
- Foi horrível! Eu to jogada! To acabada! – Ela socou as telhas e elas se mexeram em resposta. – Não sei se vou conseguir me recuperar. – Ela limpou uma lágrima solitária no rosto. – Só me abraça, por favor. – Ela fez biquinho.
- Deveríamos entrar. – Olhei para dentro. Eu estava congelando ali fora. E estava puto. Eu tinha saído da minha casa para ouvi-la chorar sobre uma série? Sim, eu ficava deprimido com as minhas séries também, mas eu não fazia todo o drama que ela estava fazendo.
- Por favor. Eu quero ficar mais um pouco. – Ela pediu.
Respirei fundo, pensando. Por fim decidir ficar. Rolei os olhos para ela e ela riu fraquinho.
- Ok. – Murmurei. A abracei de lado, sentindo-a repousar a cabeça no meu ombro.
Permanecemos em silêncio.
era aquariana. Aquarianos não choram por qualquer coisa, por pessoas ou por histórias tristes. Mas derrubam cascatas quando se trata de qualquer coisa fora da realidade. Um filme, uma música, um seriado. É como se, para eles, a ficção fosse mais triste e emocionante do que a vida real. Como se uma história perfeitamente criada e perfeitamente encerrada merecesse mais lágrimas e emoção do que uma história real ainda em curso ou uma história que foi brutalmente encerrada.
Talvez fosse mais fácil. Ignorar a verdadeira história e preferir sofrer por uma que, apesar de te deixar triste, não te afeta diretamente. Porque, eventualmente, você vai esquecê-la e vai superar. Como se nada tivesse acontecido. Mas a outra? Vai permanecer na sua cabeça. E a melhor forma de esquecer é fingir que não se importa.
demorou meses para conseguir assistir Grey’s Anatomy novamente.
Um ano atrás, Novembro.
Joguei o saco de dormir na grama e pousei o lampião ao lado. Tirei a mochila das costas e coloquei do outro lado.
- Quando sua mãe e sua avó voltam? – Perguntei, me sentindo praticamente um fora da lei.
- Amanhã à noite. – Ela deu com a mão quando chegou com suas próprias coisas, logo atrás de mim. – Elas foram visitar meu irmão e o namorado da mamãe. Não pretendem voltar tão cedo.
- Tem certeza de que essa é uma boa ideia? – Perguntei de novo. – Está congelando aqui fora.
- Por que não seria? – Ela perguntou, jogando seu próprio saco de dormir ao lado do meu. – Sempre quis dormir do lado de fora, mas ninguém nunca quis me acompanhar. – Ela fez biquinho. – Meu irmão só fazia bullying comigo e meus amigos são chatos e nada aventureiros. E temos café para nos esquentar.
- Você que é maluca. – Murmurei, me perguntando por que tinha aceitado acampar no quintal de uma garota que eu conhecia há menos de cinco meses. Ah, sim. Porque eu estava enfatuado por ela. – E você não é aventureira. Você vira a noite assistindo Grey’s Anatomy e come mais cookies do que é permitido legalmente no estado da Califórnia. – Apontei.
- Falou o cara que está com congelando com essa brisa da Califórnia e não sabe nem abrir um pote de geleia. – Ela rebateu.
- Ei! Eu fui um escoteiro, me respeita. – Comecei a tirar as coisas da mochila. – E aquele pote em especial estava muito difícil! – Quatro garrafas de cerveja, um pote de Pringles e Kit Kats.
esvaziou sua mochila: uma garrafa térmica de café, sanduíches, um pacote de Oreo, água mineral, repelente para mosquitos e duas canecas.
- Ok, senhor escoteiro. – Ela me olhou torto, tirando os guardanapos no final.
- Achei que íamos passar a noite. Não acampar a semana toda. – Assoviei para todas aquelas coisas.
- Quanto mais, melhor. – Ela reclamou, esticando seu saco de dormir e ajeitando seu travesseiro e seu cobertor. Então pegou seu rádio de pilha e começou a regular a antena.
- Aposto que as formigas se encaixam nessa regra. – Murmurei, me sentando ao seu lado e abrindo a primeira cerveja.
A noite seria longa. Não que eu me importasse.
Os meses se passaram rápido desde que me mudei para São Francisco, e quanto mais próximo eu ficava daquela vizinha chata e maluca, mais Annie desaparecia nos meus pensamentos diários. Eu pensava nela cada vez menos, e cada vez menos eu me sentia triste ao pensar nela. Até tive certeza que ela não iria mais ligar.
Mas ela ligou. E quando a tela acendeu e o seu nome apareceu, foi como se o mundo todo ao meu redor tivesse congelado. Como se o chão tivesse me puxado para baixo, onde, ao invés de quente, é gelado. É gelado e solitário, e faz sua alma arrepiar e seus pensamentos regredirem na escala evolucionária. É como se as palavras saíssem correndo antes que pudessem ser pegas e o gene do mal de Parkinson aparecesse repentinamente, impossibilitando qualquer reação considerada aceitável nos padrões da sociedade. Foi assim que me senti quando Annie ligou. Mas não foi assim que me senti quando atendi o telefone.
Eu não senti nada. Ouvir a sua voz pela primeira vez depois de tanto tempo não causou o efeito que eu esperava e não me fez mais feliz do que eu estava. Por isso, quando desliguei a ligação, o que eu tive vontade de fazer logo em seguida despertou em mim muito mais sentimentos do que eu havia tido ao ouvir o celular tocar. E foi quando eu soube.
Eu estava deixando Annie para trás.
Um ano atrás, Novembro.
Bati na porta com os nós dos dedos e a encontrei, sentada no chão, fazendo algumas colagens em uma cartolina azul. Perguntei o que era e ela disse que era algo para a escola. Estava animada, porém entediada.
Pisei com cautela ao entrar no quarto e me sentei no chão ao seu lado. Encostei-me à cama e fiquei parado, encarando as prateleiras de livros na parede oposta.
- O que houve? – Ela perguntou, quando percebeu o meu raro silêncio.
- Annie me ligou. – Falei.
Ela largou a cola em cima do papel e se virou para mim instantaneamente.
- Ela te ligou? – Ela abriu a boca e a cobriu com a mão em seguida. Quase ri, porque sua mão estava toda riscada de canetinha. Então acenei com a cabeça e fiquei encarando o chão. Ela se ajeitou em cima das duas pernas e ficou mais perto de mim. – E... O que aconteceu? Vocês conversaram? – Estava ansiosa. Dava para ver nas suas expressões e na sua respiração.
- Ela pediu desculpas. Eu mandei ela ir pro inferno. – Dei de ombros.
Ela soltou uma gargalhada.
- Não. Você não mandou. – Ela sorriu.
- Mandei. – Insisti. – Pode perguntar para ela se quiser. – Ofereci o celular que estava na minha mão.
Ela negou com a cabeça, e ficou me encarando. Curiosa.
- Por que você fez isso? – Sussurrou. – Achei que estava esperando ela ligar. – Ela se inclinou num gesto inconsciente.
- Porque eu cansei de esperar. E porque eu não preciso mais dela. – Olhei em seus olhos. Não foi preciso dizer muito. Ela era esperta, tinha entendido o que eu estava falando. Mordeu o lábio e entortou a cabeça, esperando que eu fosse falar mais alguma coisa.
Mas talvez aquilo não fosse o que ela estava esperando, ou talvez aquilo não estivesse tomando o rumo que ela queria que tomasse. Talvez para ela deveríamos ser só amigos. Talvez eu fosse muito fodido para ficar com ela.
Por isso, ao invés de fazer o que eu queria fazer, eu simplesmente acenei para ela e fui embora. Com um sorriso triste que seria difícil de apagar.
Estive pensando muito durante essas 13 horas de viagem. Eu sinto falta do muro onde nós sentávamos até depois das 8 ou 9, ou dos faróis do carro iluminando a nossa vista para a cidade. E quando ela falava e falava sem parar e me fazia rir. E como aos poucos ela foi capaz de passar a sua confiança para mim e me dar coragem de começar a falar sobre o que tanto atormentava a minha cabeça.
Foi assim que Annie foi embora e ela ficou. Foi assim que ela foi capaz de me fazer segui-la até o inferno. E quer saber? Às vezes, você nunca vai saber o verdadeiro valor de um momento até que ele se torne uma lembrança.
Um ano atrás, Dezembro.
Era véspera de Natal. E apesar da falta de neve, a Califórnia fica adorável com luzes e enfeites de Natal para todos os lados. E para, , a sua casa tinha que ser exatamente assim.
Mr. winter, did you miss her?
Three months you were gone
Had her waiting all night long.
- Você poderia parar de ouvir The Maine e vir me ajudar a colocar a estrela na árvore? – Ela gritou para mim. Ergui os olhos lentamente do sofá onde estava jogado, mexendo no celular, e sorri para ela.
- Achei que você quisesse que eu gostasse dos caras. – Dei de ombros, sendo cínico. – Preciso ouvir para gostar.
- Não muito. – Ela torceu o nariz. – Isso seria gay. – Ela colocou a mão no queixo, pensativa.
- Certo. – Me levantei, sem muita coragem, e fui até ela. Antes que ela pudesse ver o que estava acontecendo, peguei suas pernas e a ergui, alto o suficiente para atingir o topo da árvore de Natal de dois metros da sua família.
- MÁ IDEIA! – Ela berrou, começando a se espernear.
- Só coloca a maldita estrela logo! – Gemi.
Assim que ela colocou, a soltei e ela caiu, sendo segurada por mim antes de atingir o chão novamente. Ficamos de frente um para o outro, trocando um olhar que não deveria existir. Eu só queria poder fazer tudo diferente. Eu queria não ter que viver cada um desses momentos do jeito que eu estava vivendo. Seus olhos gritavam palavras que sua boca nunca diria. E eu dizia coisas que meus olhos desmentiam. Mas ambos não éramos capazes de expor isso.
- Feliz Natal, . – Ela sorriu, quebrando o contato visual. Eu agradeci por isso. – Eu tenho outro bilhete para você dentro do seu presente de Natal. – Ela piscou indo buscar a caixa.
Mas quando ela voltou, eu já tinha saído porta afora.
Tivemos um Natal incrível, apesar da minha péssima atuação em relação aos meus sentimentos. Trocamos presentes e nossas famílias almoçaram juntas. Tive a chance de finalmente conhecer seu pai, que morava no Arizona, e seu irmão mais velho, que estudava em Los Angeles.
Eu tinha prometido à naquele dia em que fomos ao show do Emblem3 que eu voltaria a dirigir quando pudesse tirar minha licença de novo. Então, nos dias do recesso da escola, íamos todas as tardes para a mesma planada onde assistimos os fogos de 4 de Julho. Onde eu tentava reaprender a guiar um carro.
Ela foi como uma âncora a qual eu me agarrava toda vez que precisava zarpar oceano afora. Rumo ao desconhecido e ao perigoso.
Sete meses atrás, Abril.
- SPRING BREAK, SEUS OTÁRIOS! – berrou. Ela correu pelo gramado do colégio mostrando o dedo do meio das duas mãos para os alunos que ainda estavam presos em suas salas de aula.
Éramos em cinco. Estávamos andando todos juntos mais à frente, enquanto saltitava pelo gramado. Então ela correu para nos alcançar e pulou nas minhas costas, nos fazendo cair juntos. Rolamos pela grama e ela sorriu para mim quando ficou por cima. Era estranho e eu não sermos um casal se fazíamos tudo de casais juntos, mas não éramos.
- Cara! – Kyle exclamou de repente enquanto nos levantávamos do chão. Sua cara não era das melhores. – Vocês pararam para perceber que depois do Spring Break... Faremos as provas finais e vamos nos formar? – Ele abriu a boca, pensativo. Ele não era do tipo que pensava muito, mas estava bem focado naquele pensamento. – Tipo, nunca mais voltar pra escola. Nunca mais Biologia e a comida horrível do refeitório e...
- E nunca mais vamos nos ver todos os dias pela manhã. – Halle, sua namorada e líder de torcida, continuou.
- Isso é bem fodido. – Derek murmurou.
- Pelo menos já decidiram o que vão fazer? Já enviaram suas aplicações para as universidades, certo? – Perguntei.
- Eu quero Ivy League. Qualquer uma que esteja na lista está bom para mim. – Halle rodou na ponta dos pés.
- Pretendo vender cachorros-quentes na calçada da fama. – Kyle brincou e todos gargalhamos.
- Bom, eu não sou um grande gênio. Mas quero sair da Califórnia. Quero ir para o Arizona. As coisas são selvagens por lá. – disse e seus olhos brilharam instantaneamente.
- Quem te disse isso? – Arqueei a sobrancelha. Por mais que eu não quisesse admitir, saber que ela estava quase de partida me deixava sem chão.
- O The Maine. – Ela abriu os braços no gramado e começou a rodar, gargalhando feito Marilyn Monroe.
- Oh Deus. – Halle disse. Ela riu e puxou Kyle para longe. – Estamos indo na frente! Encontramos vocês lá. – Lá era queria dizer a praia. Queríamos aproveitar cada dia do nosso recesso. Derek acenou e foi junto com eles.
- Posso, ao menos, saber para onde você pretende ir? – Perguntei assim que eles tinham saído. Coloquei as mãos nos bolsos e fiquei esperando. Ela parou de rodar e me olhou de lado.
- Eu já te disse! Arizona. – Ela sorriu. Então o sorriso sumiu e ela suspirou. – Meu pai mora lá. Ele quer que eu fique mais perto dele. – Ela deu de ombros levemente. – E você? – Ela repetiu meu gesto, encaixando as mãos nos quadris.
- California State? UCLA? Não sei se quero voltar para LA... – Murmurei.
- Poderíamos ir juntos para o Arizona! – Ela sugeriu.
- Eu não poderia deixar minha mãe, . – Respirei fundo.
Seus olhos deixaram de refletir alegria e mudaram o brilho para a opacidade que só uma lágrima pode deixar.
- Você sabe o que isso quer dizer, não sabe? – Ela perguntou.
- Temo que sim. – Abaixei a cabeça e a puxei para perto.
Nos abraçamos apertado por muito tempo. Então nos separamos e dirigimos em silêncio para a costa.
Foi difícil aceitar a decisão dela. Não só eu, mas sua mãe também não estava feliz. Mas tinha feito sua própria decisão e tinha bons argumentos para quem fosse contra. Sua mãe estava prestes a casar de novo, seu irmão morava na universidade e sua avó estava planejando se mudar para uma casa de repouso onde teria mais tranquilidade. Era hora de ela seguir seu rumo, e ela acreditava veemente que ele estava nos desertos do Arizona, e não nas palmeiras da Califórnia.
E o que eu poderia fazer? Eu não estava pronto para ir para o Arizona ou qualquer outro lugar. Eu precisava ficar na Califórnia. Eu precisava estar ali. Eu achava que minha mãe precisava de mim e eu precisava dela quando na verdade eu só estava assustado.
Só que eu precisava de também. Uma pena que ela não precisava de mim.
Seis meses atrás, Junho.
Tínhamos nos formado há exatas três horas. Com toda aquela coisa de beca, canudo e família chorando e tirando fotos. Então os alunos do último ano decidiram ir para a praia. Comemorar e dizer um adeus final antes que todos partissem para lugares diferentes.
As garotas estavam afundadas no mar e os garotos na cerveja. Me sentei na areia ao lado de Kyle e Derek. Eles observavam suas namoradas, e eu... Tentava fingir que não observava .
- E então? Quando é que vai dizer pra ela? – Kyle perguntou após beber um gole da sua cerveja.
- Dizer o quê? – Perguntei, soando distraído. Eu não estava nem perto de distraído.
- Que você está apaixonado por ela. – Derek falou pelo amigo.
- Eu não estou apaixonado por ela. – Menti sem pestanejar.
- Você definitivamente está apaixonado por ela. – Kyle riu. – Todo mundo consegue ver.
- Eu não estou. Logo não tenho nada para dizer. – Rebati, ofendido demais para alguém que tinha certeza do que estava dizendo.
- Você tem certeza disso? Cara, ela vai pro Arizona. Porque ela não tem ninguém em que se amarrar. – Derek me olhou.
- Seria diferente se ela tivesse você. – Kyle completou.
- Ela não vai se atar a ninguém. Vocês a conhecem tão bem quanto eu. Ela é vazia, ela mantém as pessoas perto até que decide partir.
- Ela não conheceu a pessoa certa ainda. – Kyle sugeriu.
- Experimenta, cara. Nunca se sabe. – Derek me empurrou de leve com o ombro e sorriu triste. Então levantou e correu para o mar, pegando a namorada no colo e a jogando no ombro.
Eles se beijaram apaixonadamente. E eu? Eu fiquei ali, assistindo-os pateticamente.
, eu estive pensando muito nas noites que nós tivemos durante o verão. Os dias vieram e se foram, nossas vidas passaram tão rápido. Como se um ano tivesse sido um dia só. Eu lembro vagamente de respirar fundo, deitado no chão do seu quarto, onde eu pensei que poderia ter tomado coragem e finalmente ter te dito a verdade.
E você poderia ter jurado que me amava mais.
Três meses atrás, Setembro.
Uma incrível intervenção do destino fez o Blink-182 tocar em um festival de música que estava tendo em São Francisco. Apesar de eu querer ignorar, eu sabia que estava partindo na manhã seguinte. Não me importei com os horários dela e nem a ressaca que teríamos. Comprei dois ingressos sem arrependimento algum.
- Isso é muito foda. – Ela falou no meu ouvido quando o show começou. – Obrigada por me trazer! – Ela gritou e os solos de Tom aumentaram.
“O momento mais solitário da vida de alguém, é quando você assiste seu mundo inteiro desmoronar e tudo o que você pode fazer é olhar para o nada”. – F. Scott Fitzgerald. E eu tinha decidido não fazer nada.
Mas vê-la ali, em seu êxtase total, coberta de suor, gritando, sorrindo como se ela nunca mais pudesse sorrir e rodando ao som da nossa banda favorita, me deu a injeção de adrenalina que eu precisava para fazer aquele verão ser o verão do qual eu nunca esqueceria.
De fato, eu não sei o que deu em mim. Mas eu me encontrava tão perto dela que eu poderia sentir seu hálito. Dançávamos do jeito que dava conforme a música tocava, como se não existisse mais ninguém ali. E eu sabia que poderia estar prestes a cometer um grande erro. Eu sabia que ela iria embora no dia seguinte. Eu sabia que ela não sentia o mesmo que eu. Mas isso não me impediu de agarrar sua cintura, me inclinar mais um pouco e tocar em seus lábios com os meus. Porque aquela era a minha única chance.
E quer saber? Nada daquilo a impediu de corresponder.
Talvez porque fosse a única chance dela também.
Aquela noite foi a melhor noite da minha vida. disse que ao me beijar, estava me libertando. Mas, na verdade, eu estava libertando ela ao mesmo tempo em que ela me prendia. Eu sabia que ela era como pássaro e que precisava voar. Então me senti como um caçador mau quando percebi que eu era a gaiola que a encurralava.
Não importava a minha condição. Deixei a gaiola aberta para que ela voasse. Em troca, ganhei uma corrente cuja chave do cadeado estava pendurada em seu pescoço.
Três meses atrás, Setembro.
Ela bateu o porta-malas do carro e se virou para mim, com pesar nos olhos. Eu me sentia patético, parado ali, assistindo-a ir embora. Mas não havia nada que eu pudesse fazer. Ela tinha tomado essa decisão e eu não seria capaz de muda-la. E eu nem fui capaz de dizê-la como me sinto.
- Eu ligo assim que chegar lá. – Ela murmurou. – E ligarei todos os dias.
- E eu te visitarei no Halloween. – Sorri. Ela riu, porque se lembrou do nosso primeiro Halloween juntos. Foi tão patético, mas tão divertido. Foi feliz.
- Estarei esperando. – Ela engoliu o choro e me olhou feito um gato pedindo carinho.
Abri os braços e a acolhi, apertando seu corpo contra o meu o máximo que eu conseguia. Aproximamos nossas bocas lentamente e trocamos um beijo tão breve quanto nossa história. Sem explicação, ela entrou no carro.
E assim que ela virou a esquina, eu cai no meio-fio. Com a cabeça entre os braços e o coração aos frangalhos.
Era assim que era ter o coração partido, não era? Talvez a falta de despedidas fosse melhor do que um adeus como aquele.
Consegue entender agora o que estou fazendo aqui? Parado mais uma vez em um posto de gasolina no meio de uma estrada deserta, comendo metade de um sanduíche frio e seco? Estou aqui porque não consegui estar lá. São Francisco perdeu seu encanto a partir do momento em que ela fez as malas e partiu. O oceano, as subidas, os prédios, as pessoas, tudo se tornou um borrão. Isso foi há três meses. E há três meses eu perdi meu encanto. É como se todo o progresso que eu havia tido desde o acidente tivesse desaparecido. Porque... Repentinamente... Ela se tornou a minha cura. Eu tinha devaneado de Maio até Junho. Afundado em remédios e em adeus não dados. Mas ela foi o meu perfeito olá. E então foi a vez dela de me dizer adeus. Como se tudo o que eu tinha de bom na minha vida tivesse que ser tomado de mim sem ao menos me dar a chance de me despedir.
Às vezes eu pensava em como eu sou sortudo de ter algo que faz com que se despedir seja tão difícil. Exceto que eu não a tinha mais.
Dois dias atrás, Dezembro.
Entrei no meu quarto e encontrei minha mãe sentada na minha cama, dobrando algumas roupas. Ela parou assim que me viu parado na porta.
- Era a ? – Ela perguntou, apontando para o celular na minha mão. Concordei e joguei o celular em cima da mesa. – E então? Ela vem para o Natal? – Ela perguntou, forçando uma animação.
Nos últimos meses era o que fazíamos. Fingíamos. Eu fingia estar bem e ela fingia não perceber meu estado. Ainda assim, toda noite eu encontrava uma capsula do meu antigo antidepressivo e um copo d’água em cima do meu criado. Prozac, Zoloft, Lexapro, Citalopram. Meu velhos amigos. Eventualmente eu comecei a toma-los. Mas eles não faziam mais efeito.
Eu não tinha certeza se estava depressivo. Eu só sentia que estava cada vez mais afastando as pessoas ao meu redor.
- Ela não vem. – Respondi, indo até o armário pegar um pijama. – A família dela vai para lá.
Minha mãe ficou em silêncio, assistindo meus movimentos.
- . – Ela finalmente me chamou. Enfiei uma camiseta velha sobre a cabeça e me virei para ela. A pior parte não era o tom da sua voz, era o olhar que ela tinha. O mesmo olhar de quando eu fui avisado que Sean tinha morrido. – Você não pode ficar assim.
- Eu vou ficar bem, mãe. – Desviei o olhar. Era demais para mim. – Logo outra Annie aparece. Outra . Elas sempre aparecem. – Falei, fechando a porta do armário.
- Você não precisa de outra . Você precisa dessa . E você precisa admitir isso. – Ela se levantou, indo até mim.
- Tarde demais. Ela não precisa de mim. – Encarei seus olhos. Suas mãos foram até meus ombros e ela me guiou até a cama.
- Você não faz ideia do que ela precisa. E você só vai saber quando ela souber o que você precisa. – Ela passou a mão no meu rosto. – Por isso eu estou te dizendo para começar a arrumar suas malas agora e ir amanhã cedo para o Arizona.
- Mãe. – Falei, surpreso.
- Você já tirou sua licença de novo, você já perdeu o medo. Você vai pegar o seu carro e vai até lá. E no caminho você pensa no que quer dizer. Para saber o que falar quando chegar lá. – Ela foi até o armário e tirou uma mala pequena de lá. Imediatamente começou a colocar as roupas dobradas ali dentro. – E só vai voltar quando tiver tomado uma decisão decente. Não importa qual for, eu e seu pai vamos te apoiar. Mesmo que isso signifique sua transferência para o Arizona. – Ela continuou falando enquanto enchia a minha mala.
Então olhei para ela e comecei a rir. Ela repetiu o gesto e riu também.
Levantei da cama e a puxei para um abraço enquanto ela começava a chorar no meu ombro.
Mas ambos sabíamos que essa era a única saída.
Às vezes é difícil dizer adeus. Não foi difícil dizer adeus para LA no verão passado. Quem sabe para a calçada da fama, para a praia, e para Annie. Mas sair de lá foi como receber um novo tanque de oxigênio, quando você estava sem nenhum, preso há duzentos metros embaixo do mar. Foi difícil dizer adeus para a minha mãe nessa semana de Natal. Foi difícil colocar as malas dentro de um carro e dirigi-lo estrada afora. Porque “é tão difícil partir. Mas quando você parte, é a melhor coisa do mundo”.
Então aqui estou eu, numa viagem de mais de dez horas de carro, lutando contra o cansaço, a fome e o medo para chegar até ela e dizer o que eu preciso dizer. Medo de não ser correspondido ou medo de ela não querer ouvir o que tenho para dizer. Dizer que estou profundamente apaixonado por ela e que seria estupidez deixar isso de lado. Dizer que estou cansado de antidepressivos e de uma vida que não me pertence. Dizer que existe alguém que se sente exatamente como ela quando ouve música, alguém que pensa exatamente como ela quando lê um livro e que pede o mesmo hambúrguer que ela quando vai ao McDonalds. E que esse alguém precisa dela tanto quanto ela precisa dele.
O sol já está se pondo e eu consigo ver as luzes da cidade se aproximando. Falta pouco para eu chegar em Phoenix. Falta pouco para eu vê-la e acabar com todo esse sofrimento. Estou com os olhos presos na estrada movimentada. Então meu celular começa a tocar.
Olho para o banco do passageiro onde ele está jogado e vejo que minha mãe está me ligando. Inclino-me para pegá-lo. Volto a olhar para frente. A menos de vinte metros um carro vem em alta velocidade ultrapassando na contramão.
Minhas mãos agarram o volante e tentam a todo custo tirar o carro da pista. Ele roda e bloqueia o caminho de outros carros.
Mas como da última vez, é tarde demais.
Sinto o impacto de um carro se chocando contra outro e meu corpo sendo jogado para frente.
E dessa vez eu nem mesmo sou o culpado.
Um dia depois, Dezembro.
A luz incomodou meus olhos a ponto de me acordar. Abri-os para ver que já era dia do lado de fora. Quando olhei ao redor, meu coração acelerou a ponto de doer: eu estava mais uma vez em um quarto de hospital. Não sei quanto tempo fiquei apagado, mas era surpreendente e irônico eu estar vivo mais uma vez. Muitas pessoas morriam por menos que isso.
Às vezes quando se está prestes a morrer, o desejo de que tudo acabe logo fica intenso. E é até decepcionante acordar e ver que seu desejo não foi realizado. Meus pulsos estavam enfaixados e havia arranhões pelos meus braços. Minha cabeça estava inteira, mas minha testa tinha um curativo. A sensação era nauseante, para ser sincero. Virei para o lado e encontrei um vaso de flores. Era aquilo ou nada. Joguei as flores no chão e vomitei ali dentro até eu sentir que não havia mais nada para vomitar. Tentei levantar, mas alguns fios me prendiam. Uma tontura me preencheu até que caí na cama, de volta ao sono que eu estava cansado de ter.
Dois dias depois, Dezembro.
Quando acordei de novo, e quando acordei, não havia mais decepção da minha parte. Apenas tédio.
Então encontrei sentada ao lado da minha cama a pessoa menos entediante que possa existir. Ela sorriu e se debruçou sobre as minhas pernas, parecendo cansada e sofrida. Seu sorriso continuava tão bonito quanto na minha memória, e seus olhos refletiam tudo o que eu sabia que ela era e tudo que ela não imaginava que fosse.
- . – Com muito esforço, ergui os cantos da boca num sorriso débil.
- . – Ela pegou minha mão.
- Que dia bonito, não? – Murmurei, apontando com a cabeça para a janela. Do outro lado, um sol se aproximava, afastando a neve que queria tanto aparecer.
Ela sorriu, mas não falou mais nada. Eu queria ouvir sua voz, queria tê-la mais perto. Mas ela achava interessante ficar parada ali, tão distante, me fazendo me corroer por dentro. – Muito bonito para decidir sair da Califórnia para ir atrás de uma garota e quase morrer no caminho. – Continuei.
- Foi muito romântico o que você fez. – Ela finalmente falou em um murmúrio. – Sua mãe me disse. – Ela sorriu, ficando vermelha. – Mas você podia ter morrido, ! Você podia ter sido outra Alasca Young da minha vida! – Ela soltou um suspiro teatral, com os olhos pesarosos.
- O quê? – Perguntei. Meu rosto ainda estava corado, assim como o dela.
- Não importa. – Ela deu com a mão. Então se sentou na cama e ficou de frente para mim. – O que importa é que você quase me matou de susto. Você tem ideia do que é receber uma ligação no meio da noite com uma notícia dessas? Parecia até cena de filme de drama. – Ela fungou.
- A ideia era chegar até você, não o contrário. – Murmurei, irritado com quem quer que tenha quase me matado. Eles não tinham só quase me matado. Tinham dado perda total no meu carro de novo e quase inibido de saber a verdade. – Mas parece que nada na minha vida sai de acordo com o planejado, então eu tive que destruir o meu carro e quase morrer de novo em menos de dois anos. – Dei de ombros, soando conformado.
- Você vai ficar bem. – Ela falou.
- Eu sempre tenho que ficar, não é? Mesmo que isso inclua Fluoxetina no meu café da manhã. – Inspirei e expirei, não querendo imaginar o que o médico diria quando entrasse pela porta branca. Quão destruído eu estava dessa vez? Quão fodido? Quão danado?
- Quer saber algo engraçado? – Ela se empoleirou sobre as pernas. Acenei para ela continuar. – Quando eu era criança, eu era estrábica e tinha sete graus de miopia. Eu andava por aí feito uma patinha batendo nas coisas. – Ela olhou para baixo, rindo de si mesma.
- E como você não tem mais nada disso? – Perguntei sem entender como a visão dela podia ser perfeita.
- Como muitas outras coisas, o tempo curou. – Ela sorriu.
Me recostei na cama e a fiquei observando, em silêncio. Ela colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e ficou esperando, como se soubesse que eu tinha algo para dizer. Essa era ela. Sempre com algo em mente, nem sempre pronto para ser dito.
- Da última vez não foi o tempo que me curou, . Foi você. – Falei. Não foi difícil elaborar a frase, ela já estava pronta na minha cabeça há dias. O difícil foi coloca-la para fora. – Talvez eu seja estúpido demais por ter feito tudo isso e ter conseguido um resultado catastrófico, mas eu não podia passar mais um dia vivendo feito um robô que só vive porque é programado para fazer isso. Eu tinha que tentar colocar a luz de volta na minha vida. A luz que desapareceu quando eu matei meu melhor amigo e que desapareceu quando vi o seu carro virar a esquina e nunca mais voltar. E essa luz era você. – Respirei fundo. – Eu devia ter dito isso antes, no dia do show. Ou quando você entrou no carro. Mas eu fui um otário. Tudo porque eu pensei que a história com a Annie iria se repetir.
- Eu sinto sua falta. – Ela admitiu. – Todos os dias. Sinto falta de olhar pela janela e ver você do outro lado. Sinto falta de sentar no muro entre nossas casas e comer Pringles até minha avó me mandar entrar. Sinto falta das luzes de São Francisco e da quantidade de gays que tem por lá. Sinto falta do Pacífico e das estradas cercadas de palmeiras. Sinto falta do cheiro do seu quarto e dos nossos Vans combinando. E eu nem sabia disso até que descobri esse vazio em mim.
- É mais do que isso. – Olhei em seus olhos. – E esperta como você é, eu nem preciso dizer o que é.
Seus olhos se encheram de lágrimas e ela sorriu até não poder mais.
- Eu estava indo para a Califórnia amanhã. – Ela riu e as lágrimas começaram a cair.
- O quê? – Arregalei os olhos.
- Eu estava voltando para São Francisco amanhã, . Minhas malas estão prontas. Eu não posso continuar aqui. – Sua expressão ficou séria.
- Mas por que você não me contou? – Indaguei.
- Você acha que é o único que quer fazer surpresas? – Ela entortou a cabeça para a esquerda. – Eu falei que iria ficar para te fazer uma surpresa.
- Mas e a sua família, e sua faculdade? – Eu estava incrédulo.
- Eu iria morar no campus de lá. Todos concordaram que eu precisava... Ficar perto de você. – Ela abaixou a cabeça.
- . Você quase me matou para me fazer uma surpresa? – Endureci a voz, aborrecido por descobrir que eu era mais patético do que imaginava. Eu tinha feito todo aquele caminho sendo que ela estava disposta a fazê-lo por conta própria. Eu era o maior otário da Costa Oeste.
- , você quase se matou para me fazer uma surpresa? – Ela respondeu no mesmo tom, enrugando a testa feito um velho de monóculo. A parte da morte era opcional, sinceramente. Não era assim que as coisas deveriam acontecer, mas parece que o efeito colateral foi positivo.
- Eu não entendo. – Admiti.
- O que você não entende? Que a Califórnia é mil vezes melhor do que o Arizona ou que você é dez mil vezes melhor do que qualquer garoto que eu encontre neste estado empoeirado? – Sua serenidade ao tratar um assunto tão complexo me confundia. E me acalmava também. – Não consegui parar de pensar em você desde o show do Blink.
- Por que não me disse? – Era inacreditável.
- Por que você não me disse que voltou pro Prozac? – Ela se remexeu. Ela percebeu que eu não falaria sobre aquilo. Então ela jogou o cabelo para um lado e ficou mais perto de mim. – Eu estou apaixonada por você, . E quando eu me apaixono por algo, você não tem ideia do quanto eu fico perturbada. O quanto eu fico obcecada. Mas também não tem ideia do que eu faço para ter o que eu quero.
- O que isso quer dizer? – Soei cético.
- Isso quer dizer que se você não me beijar agora – Ela se inclinou e pegou o tubo preso à minha veia –, eu vou arrancar esse tubo de soro da sua veia agora mesmo e fazer você sentir a dor que eu senti nesses meses. – Completou sem piscar.
- Pensei que garotas duronas não sentiam dor. – Eu ri, acariciando seu rosto.
- Experimente arrancar o coração de uma delas. – Ela sorriu de volta.
Envolvi sua nuca com minha mão livre e a puxei, finalmente selando nossos lábios em um beijo tão longo quanto a nossa história.
Você já sentiu aquela sensação de estar se desapaixonando por alguém? Como se a queda livre que sempre sentimos quando estamos amando tivesse finalmente chegado ao fim? Foi assim que me senti quando disse adeus para Annie. Mas dessa vez, foi como se o paredão no fundo do abismo não tivesse tempo para me esperar, e ao invés de me deixar bater de frente, ele se foi, deixando espaço para que eu caísse novamente. Mas dessa vez por outra pessoa.
E essa é a história de um garroto que amava uma garota. E diferente do que muitos pensavam, ela teve um final feliz.
se mudou de volta para a Califórnia e começamos a namorar. As coisas não mudaram muito, éramos os mesmos, só que agora havia contato físico. Muito contato físico. Eu joguei todos os meus remédios fora e voltei a dirigir depois de três meses. Eu nunca mais pensei na Annie.
se formou em Publicidade e eu em Economia. Nos casamos seis anos depois e ela me deu três filhos. A cada ano que envelhecíamos juntos, mais juntos ficávamos.
Ela ainda é minha melhor amiga, e mesmo sabendo que eu tenho que disputar seu amor com 3 filhos, 18 seriados, 35 livros, 16 bandas e 1 cachorro, eu sei que ela me ama mais do que qualquer uma poderia me amar.
Há uma citação de Buddha que diz “No final, apenas três coisas importam: o quanto você amou, como delicadamente você viveu, e como você vai deixar para trás as coisas que não significaram para você”.
Eu posso dizer que a minha jornada foi completa.
Obrigado por isso, .
Fim.
E aqui está There Is! Pra quem já leu minhas fics, sabe que essa é um tanto diferente das outras. Dessa vez, eu coloquei um final concreto nela. Eu dei um final completo para os personagens. E estou muito feliz por ter feito isso, porque eu amo quando os filmes/livros têm um final concreto. E eu achei que depois de tanta tragédia, o Dan merecia um final feliz HAHAHAHA. Falando em Dan, ele é um amor não é, gente? Ele não é como os personagens principais geralmente são. Ele é frágil e todo danado psicologicamente (o trauma que ele sofre foi muito inspirado no Charlie de The Perks), mas ainda assim ele tem um coração de ouro. Ele representa a insegurança do amor e a reconstrução de um ser. Ele fala da Abby com tanta paixão e adoração que me lembra muito o Miles falando sobre a Alasca em “Quem É Você, Alasca?”. Felizmente a Abby não morreu antes que fosse tarde demais.
A Abby é a definição de liberdade. De exaltação, alegria e despreocupação. Ela não vê o mundo como um obstáculo, e sim como um desafio. Ela faz o que quer e ri das coisas mais bobas da vida. Ela nunca conheceu o amor e não o reconhece quando encontra o Dan. Até que ela percebe que ele vê algo nela que ninguém jamais veria e decide que existem esforços que devemos fazer em nome do amor. Voltar para a Califórnia não seria um esforço para ela, mas voltar para ele seria. Ela é a minha personagem mais impulsiva e mais livre, e eu amei fazê-la assim. É claro que a Bianca me ajudou nisso HAHAHA. A Abby tem muito dela (da onde mais eu tiraria a fixação por Emblem3?) e eu tentei descrever as partes que eu mais admiro nela. Inclusive o desespero por Grey’s Anatomy.
There Is é recheada de cenas felizes. É composta por flashbacks (Preto de copas (cartas) flashbacks) das partes mais importantes do período de um ano e meio que o Dan esteve com a Abby. Foi baseada na música There Is do Box Car Racer, tanto que a música toda foi transcrita e adaptada na história. Foi escrita em mais ou menos um mês e montada com cenas aleatórias que se formavam na minha cabeça. Foi basicamente, um presente de Deus para mim antes de se tornar um presente pra Bibi. Eu não lembro direito da onde surgiu a ideia pra fazer essa história, mas eu pensei que a Bianca era merecedora de um super presente de aniversário, já que é ela é quase uma beta pessoal HAHAHA. E bem, acho que fiz meu dever de casa direitinho.
Agora que já tive o aval dela, espero ter o de vocês. É isso, espero que tenham gostado da história o suficiente para comentarem aqui embaixo e para indicarem para as amigas! E lembrem-se, o amor não é supervalorização. Ele é ver e aceitar. Até a próxima! Preto de copas (cartas)
Outras fanfics da autora:
Here Comes The Baby (Outras/EmAndamento)
Like You Were Never Gone (Outros/Shortfic)
One Drink Away (McFLY/Shortfic)
You'll Never Know (NãoInterativa/Shortfic)
December 17th (Outros/Finalizada)