The Reindeer

Escrito por Bia J. | Revisado por Natashia Kitamura

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  Eu olhava para discretamente, quase babando. Ela era tão linda! Eu era apaixonado por ela desde pequeno, mas acho que ela nunca notou isso. Eu era bem controlado quando queria, poderia ser até um espião. Eu me daria muito bem na área!
  - Para de babar, cara. – Ouvi falar, tacando um pão em mim.
  Primeiro de tudo, jogar comida fora é um pecado, acho eu. Segundo, como ele tinha notado? Eu era tão discreto... Pelo menos era o que minha mãe dizia para mim.
  - É. – reforçou. – Você parece um babaca olhando para a .
  - Ele é um babaca de qualquer jeito. – falou, rindo.
  Não achei graça. Nem um pouco. Rolei os olhos e resolvi os ignorar, era o melhor a se fazer. Estávamos na aula de matemática, quase morrendo de tédio. Eu, pelo menos. Mesmo minha mãe sendo professora dessa matéria, eu não entendia bulhufas. Parecia que a ironia da vida tinha feito de propósito. Minha mãe tentou me explicar milhões de vezes, mas eu nunca entendia. Até que ela desistiu, assim como eu.
  Isso não é importante, afinal. Voltei a observar , sendo mais discreto ainda. Ela ria com suas amigas sobre qualquer besteira, sem parar. Eu queria muito chegar lá, sendo seu namorado, abraçá-la por trás e participar do assunto.
  Resumindo, eu queria fazer parte da vida de . Era o meu desejo mais profundo.
  , como eu costumo chamá-la, nos conhecíamos faz tempo. Éramos vizinhos quando pequenos, sempre brincávamos juntos, todos os dias. Até que aos doze anos ela se mudou de casa. O ruim é que pareceu que ela tinha deixado tudo para trás quando se mudou, como se quisesse recomeçar a vida do zero.
  Ela tinha abandonado tudo, inclusive eu, sem nem se importar.
  Eu deveria odiá-la. Todavia, isso parecia impossível. Eu sabia que por mais que tentasse, jamais conseguiria. Ela era tão linda, tão carismática...
  Quando percebi, a aula acabou. O bom de estar apaixonado é que a gente se perde no tempo e parece que as aulas passam mais de pressa. Sorri, vendo ela se levantar, ainda rindo de algo que sua amiga falou. Ela passou por mim e acenou.
  Isso mesmo, ela acenou para mim. Certo, pode ter sido para nós quatro, mas isso não importa! Eu estava incluso no pacote.
  - Intervalo, aleluia irmãos! – falou, sorrindo.
  - Eu pensava que essa aula não ia acabar nunca... – falou mal-humorado.
  - Tudo isso é saudades da sua namorada, é? - zoou.
  - É... – Ele confirmou meio tímido, para nossa surpresa.
  Eu e os garotos começamos a fazer piadinhas, dizendo que nosso garoto tinha crescido e todas àquelas coisas manjadas que adolescentes falam.
  Ao chegarmos ao refeitório, à primeira coisa que eu vi foi ela. Era sempre assim. Parecia um imã. Não importa onde eu esteja sempre a encontrarei.
  Ela estava na mesa que sempre costumava sentar, ou seja, a nossa! abriu um sorriso de bobo apaixonado, igual ao meu. Ele foi correndo em direção à mesa que minha garota estava e abraçou forte , melhor amiga de .
   era legal. Tinha aparência de patricinha, mas não se portava como uma. O que era um grande alívio, eu tenho que admitir. No começo, todos pensavam que o romance dos dois não ia dar certo, por eles justamente serem diferentes demais. Mas os dois deram um tapa na cara de todo mundo. Esse ano completarão três anos de namoro. É o que eu digo... Se for para acontecer, acontecerá.
  Eu e os caras chegamos logo depois. ainda estava de chamego com , por isso não tinha a cumprimentado ainda. Sentei-me no último lugar vago, ou seja, na frente de .
  Minha sorte estava prestes a mudar, eu podia sentir isso.
  - Oi . – Ela sorriu.
  Tão linda... usava o cabelo solto, que caía em cascatas sobre seus ombros. Seu cabelo era escuro e cacheado, o que a tornava diferente das demais. Porém, era um diferente bom. Às vezes ela alisava, achando que ficava mais bonito. Muitos concordavam, mas eu a prefiro exatamente como ela é.
  - Terra chamando ... – Ela passou a mão na minha frente, tentando chamar a atenção.
  - Ah... Oi! – Falei, corando.
  Eu era branco como giz, o que tornava tudo mais vergonhoso. Eu corava fácil demais, o que era uma grande merda! riu, carinhosamente. Senti minhas bochechas ficarem mais vermelhas ainda. Holy shit!
  Na mesa além de mim, , e os garotos, estavam e . Eu conversava com elas bem pouco, mas eu as achava gente fina. Eu sabia que já teve um rolo com , mas acho que não deu em nada. E gostava de , mas eu não sabia se ele retribuía o sentimento. Nunca me liguei muito nesse assunto.
  Eu tinha meus problemas já, o que eram suficientes. Fora que homens não conversam sobre emoções, mais um motivo para eu não me intrometer. Porém, se meus amigos pedissem algum conselho ou ajuda claro que eu os ampararia, sem hesitar.
   e voltaram de mãos dadas, sorrindo um para o outro. Eu estava contando os dias imaginando eu assim com . Nós sorrindo um para o outro, nós rindo da nossa piada interna, nós nos beijando...
   era tudo para mim, mas eu não era nada para ela.
  Certo, talvez um amigo, mas nada mais. Eu via os olhares de Jack nela. E ela retribuía. E eu sempre estava observando tudo, às vezes achava que eu era masoquista, era a única explicação razoável.
  Ouvi um berro vindo de , levei um susto tão grande que quase engasguei.
  - O que foi? -Perguntei ainda não recuperado do choque.
  - Oh meu Deus, olhem a mensagem que eu recebi!
  Era uma mensagem do Whatsapp, de uma menina chamada “Clarinha”, quem era eu já não saberia dizer...
  A mensagem tinha a legenda escrita “pode pirar” e em baixo estava à foto de um mural. Ei, aquele era o mural da escola!
  - Esse não é o mural da escola? - Perguntei, só para confirmar.
  - Nossa escola tem mural? - Perguntou , perdido. – Desde quando?
  Ninguém se deu ao trabalho de responder, apenas a santa, mais conhecida como .
  - Desde 1950, amor. Ou seja, desde que a escola foi fundada. – respondeu.
  - Ah. – Ele respondeu, ainda meio perdido. – Nunca reparei.
  São nessas horas que você percebe que não está totalmente perdido. Que existe gente pior que você. Pois é...
   sorriu e o beijou. Todos fizeram um barulho do tipo “Ugh”. Inclusive eu.
  Voltei minha atenção para .
  - Ainda não entendi.
  - Nesse mural está escrito que a peça de final de ano será sobre o natal! Será o conto da princesa perdida. Ela se chama Emily e é uma princesa, obviamente, mas seu castelo foi invadido na noite de natal e ela teve que fugir. Seus pais a mandaram para bem longe, escondendo-a em uma caverna. Foi aí que ela conhece Rudolph, a rena. Para quem não sabe, ele é a rena do Papai Noel. Emily e Rudolph tem uma conexão estranha, como se fossem melhores amigos. Eles ouvem passos e são os ladrões. Rudolph a leva para longe, muito longe mesmo! Quando a princesa vê, ela está no polo norte, no castelo do papai Noel. E é lá que conhece Gring, o filho do Noel. Eles se apaixonam e vivem felizes para sempre!
  Todas as meninas da mesa suspiraram apaixonadas. O conto da princesa perdida era bem famoso, principalmente no nosso país. Fazia um baita sucesso com as meninas. Pelo que parecia, todas elas queriam esse tal de Gring só para elas. Patético.
  - Esse conto é idiota demais. – falou bufando, enquanto comia sua maçã. –
  Todas as garotas olharam ofendidas para ele. Principalmente .
  - Cala a boca, ! – Brigou. – Este é um dos melhores contos que eu já li. Por isso, vou com toda certeza fazer o teste para ser a Emily. E podem apostar que eu vou passar.
   rolou os olhos e continuou a comer sua maçã. engatou uma conversa animada com a amiga, falando sobre a peça. As duas outras logo se juntaram. olhou para mim, franzindo o cenho, como se soubesse o que eu ia fazer. O ruim de ter um melhor amigo é isso, ele sabe tudo sobre você, mesmo as coisas que você quer que ninguém saiba. Parece que eles leem sua mente.
  - Não. sussurrou firme para mim.
  - O que foi? - Fiquei na defensiva.
  - Sei o que está fazendo, . E é uma péssima ideia! Não vai dar certo. Ouviu o que eu disse?
  Claro que eu tinha escutado. Olhei para meu melhor amigo e assenti lentamente. Ele suspirou, balançando a cabeça em negação, como se soubesse que eu não seguiria seu conselho.
   sabia que eu não desistiria da ideia. E quer saber? Ele não podia estar mais certo...

+++

  As inscrições ocorreram no dia seguinte. Eu, obviamente, me inscrevi. Eu nunca fui um bom ator, na realidade, nunca atuei de verdade. Nem nas peças de escola, mas quer saber? E se eu tivesse talento para coisa? Só descobriria tentando. Eu sou o cara, vou arrasar.
  Contudo, toda a minha autoconfiança foi destruída quando eu vi Jack na fila para se inscrever. Adivinha para que papel? Isso mesmo, pessoal, Gring.
  O filho da mãe queria o mesmo papel que eu. Bem, eu sempre gostei de um desafio. Só que ele era Jack Johnson. O capitão do time de basquete, eu não tinha nenhuma chance contra ele. Todas as meninas matariam e morreriam por Jack. E por mim? Bem, não vou nem comentar. Eu sou daqueles meninos com muitas espinhas, o que é uma grande merda. Mas, vou olhar pelo lado bom, eu tenho olhos azuis. As meninas amam olhos claros! Chupa, Jack!
  Tirando o fato que ele também tem olhos claros... A vida não é justa mesmo.   Eu vi no corredor, rindo com uma menina que eu nunca tinha visto na vida. Devia ser a tal da Clarinha. Ela me viu e sorriu. Eu sorri de volta claro. E então ela acenou para mim, toda feliz. Eu estranhei até, quer dizer, ela nunca fora tão carinhosa comigo antes. Minha garota começou a correr em minha direção e eu abri meus braços, pronto para abraçá-la com todo o amor possível.
  Foi como um sonho. Daqueles que nós estamos adorando e aproveitando, mas então ele acaba antes da melhor parte acontecer. Foi exatamente assim que aconteceu a seguir. estava realmente correndo, mas não era para mim e sim para Jack. Ele abraçou-a forte e a rodopiou no ar, igual àquelas comédias românticas (não que eu assista, claro).
  Eu recolhi meus braços, envergonhado. Ninguém pareceu notar, graças a Deus. Porém, acho que isso era o de menos. O meu coração estava machucado, fora a vergonha que eu sentia. Eu era tão tolo...
  Como uma garota como gostaria de um garoto como eu? Esse papo de que opostos se atraem é uma besteira das grandes! Só não é maior do que “a beleza não importa e sim o interior”. Essa é a pior mentira de todas. jamais me amaria... E eu tinha que me conformar com isso.
  Antes de sair dali, me virei novamente e os observei pela uma última vez. Ele tinha as mãos em sua cintura e falava animadamente com ela. ria e sussurrava alguma coisa em seu ouvido. Suspirei fundo e saí dali o mais rápido possível.
  O amor não é algo bonito. Ele é traiçoeiro. Faz-se de seu amigo no começo, te fazendo sentir sentimentos amigáveis, mas quando você menos espera, ele te dá o bote. Quebra seu coração em vários pedaços.
  Vi e sentados em um banco ali na saída. Os dois estavam abraçados e riam de alguma coisa.
  Trinquei os dentes e fui até eles. Joguei minha mochila com raiva e me sentei no chão.
  - O amor é uma merda! Vocês ainda vão se machucar, podem escrever o que eu estou falando! Se eu fosse vocês, acabaria com esse apego antes que seja tarde demais.
   me olhou surpreso. E em sua testa estava escrito “Que merda você está falando?”, já me olhou compreensiva. Ela se soltou de seu namorado e se sentou no chão ao meu lado.
  - O que aconteceu?
  - Nada, é só que eu estava pensando... Por que as pessoas gostam tanto desse negócio chamado amor? Isso é fictício. Amor correspondido... Até parece! Isto é só para os sortudos, como você e .
   deu um sorriso pequeno. Ela me abraçou de lado, como se quisesse me consolar. Acho que ela sabia do que – de quem, mais precisamente- eu estava falando.
  Eu não falei nada, apenas a abracei de volta. Meus olhos estavam cheios de lágrimas, ah, ótimo! Era só o que faltava mesmo. Valeu, vida! Porém, , sem dizer nada, tirou de sua bolça um lenço de papel e me entregou.
  - Como você sabe que não vai te machucar? - Perguntei, de repente.
  - Ei!
  Nós dois o ignoramos. se encolheu e deu de ombros.
  - Eu não sei.
  - Então... Por quê?
  Eu estava machucado, confuso e com raiva. Por que essas pessoas se metiam nessa enrascada chamada amor? Era mais dor do que felicidade.
  - Eu não sei, . É essa a questão. Quando você ama uma pessoa, você não pensa nas consequências. É tudo tão maravilhoso, que nada mais importa. É claro que existe brigas e problemas, eles sempre existirão. Se nós nos magoaremos? É claro que sim. Porém, tudo isso vale a pena, acredite em mim. Eu não sei se irá me machucar no final, espero que não, mas se nós não dermos certo, eu vou ficar muito chateada, sim. Vou ficar como você está agora. Contudo, posso prometer a você que jamais me arrependerei.
  Eu fiquei em silêncio, ainda não conseguia compreender o que ela dizia. A menina riu e me abraçou mais forte, como se tentasse fazer seu irmão mais novo entender algo tão simples.
  - Se você pudesse apagar todas as memórias que viveu com , faria isso?
  Quando abri a boca para responde “sim”, eu a fechei rapidamente. Por que... Não era verdade. Eu jamais abriria mão de todos os momentos que tive com ela, porque no final das contas, é tudo que tenho. Fora que foram os momentos mais incríveis da minha vida. Eu me lembrei de quando nos conhecemos, de quando eu derrubei sorvete em seu vestido novo e ela apenas riu, dizendo que não tinha problema. Lembrei-me que aos onze anos, quando estávamos no jardim à noite, me abraçou forte e disse que tinha medo do escuro, mas que naquele momento ela não estava mais com medo. Ela, na verdade, disse que se sentia mais forte que nunca. Eu nunca entendi o que realmente ela quis dizer com isso, mas aquela memoria ficaria guardada para sempre em meu coração, era uma certeza.
  - Não. – Minha garganta ardia. – Eu não abriria mão delas. Jamais.
  - E por que, ?
  - Porque mesmo que ela me faça sofrer às vezes, ela me faz feliz na maior parte do tempo por simplesmente existir. Porque eu a amo e não me imagino fazendo outra coisa sem ser isto. Eu jamais abriria mão das minhas memorias com porque é o tesouro mais valioso que eu tenho.
   sorriu, me dando uma beijo na testa, enquanto sorria orgulhoso para mim.
  - Bem, , está aí a sua resposta.

+++

  Fiz o teste e adivinhem? Não consegui. Isso mesmo. Fui um horror, tinha gaguejado e esqueci-me das falas. Fora isso, até que arrasei. Mentira, fui mal mesmo. estava linda. Tinha sido sensacional, o papel já era dela. E eu não podia estar mais certo.
  Havia se passado uma semana desde o meu papo sentimental com . Nesse meio tempo eu me aproximei de sem medo, afinal, jamais a conquistaria a olhando como um bocó. Conversávamos em todas as aulas e tínhamos até piadinhas internas! No final dos testes, ela veio até mim e me abraçou.
  - Você arrasou, ! Foi ótimo. Sensacional!
  E depois daquilo, eu não me importei mais se passaria no teste, se os professores tinham gostado ou se meus colegas aprovaram... Percebi, ali, que o tempo todo eu nem sequer me importei com o que todas aquelas pessoas pensavam. Eu me importava apenas com a opinião de uma única pessoa. A dela.
  Depois de todos aqueles elogios, eu não pude ficar mais feliz do que já estava.
  No dia seguinte, tinha saído os resultados. Como o esperado, eu não tinha conseguido o papel de Gring. Porém, também não era uma árvore de natal. Vi que tinha conseguido o papel de Rudolph, a rena. Para quem não sabe, é a rena principal. Existe uma lenda que diz que Rudolph teria entrado para equipe de renas titulares por ter um nariz vermelho e brilhante, que ajuda a guiar as outras renas durante as tempestades. E, a partir daquele ano, a quantidade de renas passou a ser nove, diferente dos trenós tradicionais, puxados por oito renas. Enfim, fiquei feliz, pelo menos participaria da peça. Já era alguma coisa, certo?
  Passou-se mais um mês. Eu e tínhamos muitas cenas juntos, o que nos aproximava mais ainda. Jack estava sempre em algum canto mexendo no cabelo, conversando com algum amigo ou rindo com a minha garota.
  Mas, tudo bem, eu podia lidar com isso. Contudo, uma metralhadora fazia falta às vezes... Brincadeirinha. Ou não.
  A esperada peça seria amanhã. Eu estava nervoso, tinha que admitir. Eu tinha medo de esquecer alguma fala, gaguejar ou pior, desmaiar. O que era bem a minha cara, vamos combinar aqui.
  Meu visual era bem... ridículo. Eu vestia uma fantasia de rena, toda marrom e peluda. Eu tinha chifres e meu nariz seria pintado de vermelho. A fantasia tinha até um rabo. Meus amigos me zoariam pelo resto da vida.
  Eu não conseguia dormir, meu coração estava acelerado e o meu sangue corria rápido nas veias. Ansioso, essa palavra me definia.
  Meu celular vibrou. Eu o peguei rapidamente, esperando ser algo que me distraísse e felizmente era.
  “Sei que está ansioso, . Apenas relaxe. Você irá se sair bem... Nós dois iremos. Vejo você amanhã, sonhe comigo. Xx”
  Como se eu já não sonhasse..., falei para mim mesmo mentalmente. Um sorriso bobo estava em meus lábios e sem pensar direito, anestesiado pela felicidade, eu respondi:
  “Eu nunca quis que o amanhã chegasse tão rápido.”
  Algumas pessoas podiam pensar que é por causa da peça, outras que eu queria que o amanhã chegasse para eu dormir logo ou algo do tipo. Porém, não era nada disso.
  Eu queria que o amanhã chegasse logo para eu vê-la outra vez. Eu tinha estado com ela hoje, mas mesmo assim eu já sentia saudades. Eu sempre sentiria saudades. era uma parte de mim e sem ela ao meu lado, parecia que nada fazia sentido. Parecia que... tudo estava errado.
  Sorri, observando uma foto que eu tinha tirado dela outro dia. Coloquei-a no móvel e me deitei, fechando os olhos.
  Porém, seu rosto continuou em minha mente e principalmente em meus sonhos.

+++

  Eu já estava na coxia, sentado ali apenas esperando a peça começar. Minha mão tremia sem parar. Eu estava nervoso mesmo, porra. O que diabos eu estava pensando quando me inscrevi para isso? Oh, sim, para apenas ficar mais perto de . O que não fazemos por amor, certo?
  A coxia estava um caos. Pessoas corriam de um lado sem parar, eu ficava cansado por elas só de olhar. Tinha outras que estavam chorando. Fiquei com dó. Fui até o grande espelho e fiz uma careta quando me vi no espelho. Seria cômico se não fosse comigo.
  Aquela fantasia era mesmo bem bizarra. E fajuta! Porém, nem liguei. Sentei-me no banco, perto de um grupo de meninas, que seriam duendes. Elas riam e fofocavam sobre algo. Fechei os olhos e apenas fiquei ali relaxando.
  Até que...
  - Vocês souberam? Ouvi dizer que Jack está namorando...
  Sentei-me ereto e olhei diretamente para as meninas. Elas estavam um pouco longe e falavam baixo, o que dificultava a minha vida. Tentei me aproximar, para escutar mais, porém, apenas consegui ouvir alguns fragmentos.
  - Não acredito...
  -... ...
  -... Estão felizes juntos.
  Tudo ficou claro, de repente. Meu coração batia loucamente e a única coisa que eu queria fazer era matar Jack e depois me matar. Aquilo não podia estar acontecendo. Não agora, quando finalmente tinha tomado coragem para me aproximar dela. Não, não, não...
  Minha visão estava turva e meu sangue fervia.
  Aquilo não era justo. Não podia ser. Eu sempre fui um garoto bom. Nunca fiz mal a ninguém, sempre ajudei mamãe em tudo, eu até lavava louça sem reclamar! Certo, talvez eu reclamasse um pouco, mas ninguém é perfeito! E era assim que papai Noel me retribuía?
  Bom saber.
  Saí à procura de Jack e de . Principalmente a dela, afinal, me devia uma explicação das boas. Nesse meio tempo eu pude jurar que ela estava começando a gostar de mim. Eu tinha percebido algo diferente em seu olhar, mas provavelmente tinha sido minha imaginação fértil.
  Encontrei-a facilmente. Ela estava com um vestido todo branco, em um estilo meio medieval. As mangas eram compridas e transparentes, em um estilo meio bufante. A parte de cima era em estilo ‘V’ e a saía do vestido era longa e rodada, que caía como cascata. O vestido era todo branco, lembrando algo angelical. Seu cabelo estava preso em um coque alto e sofisticado. Ela estava linda, ninguém podia negar.
  Por um minuto, me esqueci do que ia dizer. Porém, ao ver seus lábios, que agora pertenciam a Jack, me lembrei.
  Irritado, fui até ela.
  - Posso falar com você?
  - ? - Ela sorriu e a me ver, começou a gargalhar. – Oh, meu Deus! Você está...
  - Agora. – A interrompi, friamente.
  Eu estava bem puto, devo admitir. não podia brincar com os sentimentos das pessoas assim. Era errado. Principalmente com os meus. Eu a amava desde pequeno, poxa, ela podia ter um pouco de consideração. Provavelmente ela sabia. Quem não? tinha sacado faz tempo, assim como toda galera. Até tinha sacado. .
   deve ter percebido o quanto eu estava puto, pois me seguiu sem dizer uma palavra. Nós entramos em um camarim vazio.
  - Como você pôde?
  Sou dramático mesmo! Eu estava me sentindo traído e na minha cabeça, ela me devia explicações.
  - Como é?
  - Você sabe do que eu estou falando. Jack.
  - Jack? O que tem Jack?
  É claro que ela estava na defensiva, quem não ficaria? As pessoas sempre gostam de ter alguém que as ame, mesmo elas não correspondendo o sentimento.
  - Você sabe do que eu estou falando, . Sei que sabe.
  - Você está louco, . Eu não estou entendendo nada.
  - Não precisa se fazer de tonta. Eu já sei de tudo. Sei sobre você e Jack. Sei que estão namorando.
  Eu pensei que ela finalmente fosse concordar, dizendo que foi uma vaca e que tinha errado, mas em vez disso ela riu.
  É, ela simplesmente gargalhou. Na minha cara.
  - Da onde você tirou isso, seu louco?
  - Eu ouvi umas meninas falarem isso. Quer dizer, mais ou menos...
  - Esta é a coisa mais engraçada que eu já ouvi! Céus, eu não estou namorando ninguém. Será que você é tão lerdo assim? Eu sempre gostei de você, ! Desde pequena. Achei que tivesse notado.
  Eu estava em choque. Quer dizer, qual é! gostava de mim? Aquilo era um tipo de sonho bizarro? Só podia ser. Eu sou quem gostava dela desde pequeno. Aquela história estava bem errada.
  Meu coração acelerou e toda minha raiva sumiu. Eu estava apenas surpreso. E tonto... muito tonto.
  - E Jack? - Foi à única coisa que eu consegui dizer.
  - Jack? Jack é gay, ! Por Deus…
  - Gay?
  - Sim, nunca percebeu? Pensei que fosse mais esperto.
  - Gay? - Repeti meio tonto. – Jack é gay?
  - Sim. Nunca percebeu mesmo? Já o viu ficando com uma garota? Ele começou a namorar um cara que eu apresentei, faz algumas semanas, mas só agora eles assumiram.
  Agora sim aqueles fragmentos da conversa faziam sentido! Eu não tinha nada contra gays, longe disso. Era só que esse tempo todo eu via Jack como um rival, mas descobri que ele nunca foi um oponente de verdade. Muito pelo ao contrário.
  - Se ele não fosse gay, aposto que o namoraria.
  - Não, . Porque eu não o amo. A única pessoa que eu amo aqui é você.
  E então a porta se abriu com força, assustando nós dois. Era a diretora da peça, senhora Geisel, que entrou no camarim. Ela parecia bem nervosa.
  - Céus, eu estava quase chamando a polícia! A peça começou, pessoal! Vamos lá!
   sorriu para mim e saiu correndo. Ela parecia normal, como se não tivesse dito nada demais! Já eu estava prestes a desmaiar.
  Quando foi minha hora de entrar, eu paralisei. Vi ali na plateia todos os meus amigos sorrindo para mim. Aquilo, de alguma forma, me deu coragem. Ouvi algumas zoações por causa da minha roupa, mas pouco liguei. Lá estava , no palco. Maravilhosa, como sempre. Eu queria dizer que a amava, queria dizer que ela era tudo para mim, mas isso teria que esperar.
  Graças ao bom Deus, não tinha esquecido nenhuma fala até agora. A peça já estava praticamente no fim. Esta seria a última cena. Era ali que tudo acontecia. Emily, a princesa, se despedia da rena e ia se declarar para Gring. E depois, os dois viveriam felizes para sempre.
  - E então, é aqui que nós nos despedimos. – Ela falou.
   fazia carinho no meu rosto, o que aumentava minha vontade de abraçá-la. O holofote batia no meu rosto, me incomodando. E plateia estava ali, esperando eu responder. Mas... Esqueci-me de tudo. Esqueci que eu era uma rena e as minhas falas. A única coisa que eu via em minha frente era .
  - Eu não quero que você vá para longe de mim, porque eu não suportaria viver sem você.
  Ouvi um gritinho ali na coxia, provavelmente Geisel querendo me matar. pareceu chocada. Aquela parte não estava no roteiro. Porém, apenas nós dois e o pessoal da peça que sabíamos disso, para plateia, estava tudo normal.
  E sim, a rena falava na peça.
  - O que quer dizer?
  - Quero dizer que apesar das nossas diferenças, eu a amo desde a primeira vez que botei meus olhos em você. A partir daí, você nunca deixou meus pensamentos. Sempre deixei isso bem claro.
  Ela sorriu para mim e me abraçou forte.
  - Eu também sempre te amei. Desde pequenos. Nunca falei por que... achei que soubesse.
  Eu a abracei mais forte. Uma parte de mim tinha medo de tudo aquilo ser um sonho. Depois, apenas para me certificar que ela real, eu a beijei. Foi como naqueles filmes de romance. Tudo foi perfeito. Nosso beijo foi lento, cheio de amor. E ao decorrer do tempo, começou a ficar mais intenso.
  A plateia fez um barulho de surpresa. Eu compreendi, afinal, não era todo dia que a gente vê uma rena humana beijando uma princesa. Porém, tudo bem, eu nunca gostei de coisas normais mesmo.
  - Você não devia estar para coxia? -Ela sussurrou, olhando para a senhora Geisel, que parecia estar tendo um ataque do coração.
  Eu apenas a abracei mais forte. Não, eu não ligava mais para nada. Dane-se se eu estava no meio do palco fazendo o que eu não deveria. Dane-se se eu era uma rena beijando a princesa perdida. Dane-se se a Geisel queria me queimar vivo. Dane-se se eu estraguei a peça, dane-se tudo. me amava, assim como eu a amava. Apenas este fato importava para mim.
  - Não. - Eu respondi, com um sorriso do tamanho do mundo. – Eu estou exatamente aonde eu deveria estar.

FIM



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