The light in the dark

Escrito por Nathália Tafner | Revisado por Mariana

Tamanho da fonte: |


  Uma gota de água pingava na pia, a luz pendurada no teto estava tão clara que fazia meus olhos arderem. Como foi que eu vim parar aqui mesmo? Bom, de qualquer forma isso não é tão importante como deveria ser. O cara ao lado me encara com um ar impaciente, como se eu estivesse tomando todo o seu tempo. Talvez eu realmente estivesse, afinal, não era isso que eu sempre fazia? Perturbar as pessoas com meus problemas insignificantes? Já fazia um bom tempo desde que tinha acontecido, mas honestamente? Por mais que as pessoas digam que o tempo pode curar tudo, há feridas que nada pode cicatrizar, nem mesmo o tempo. E o mais irônico disso tudo, e que meu único remédio, e também o meu maior veneno.

  Setembro de 1992

  O vento corria livremente pela grama verde, havia chovido e a campina cheirava a terra molhada. Eu estava sentado no parapeito do muro da casa de hotel observando o céu acima de mim se clarear aos poucos a medida que os raios solares passavam pelas nuvens e reluziam na grama no auge das colinas esverdeadas. Duas borboletas dançavam em círculos perto de uma arvore. O sol parecia sorrir para mim, e o dia estava tão colorido que era até difícil imaginar que daqui a três semanas eu teria que partir. Sorri para mim mesmo e pulei do parapeito para a grama, caminhando pela relva úmida até meu lugar preferido dali. O alto da campina, o auge de tudo. Me sentei na ponta da colina, olhando para a linha continua do horizonte azul a minha frente. Abaixo de mim, uma montanha de pedras guardava restos de uma ponte caída. Me deitei na grama, não me importando se o chão ainda estava molhado ou não, e então fechei meus olhos, sentindo os raios solares contra meu rosto.
  - Você sabia que pode pegar câncer de pele com isso, não sabia? – Alguém disse do meu lado, abri os olhos assustado. Uma garota pálida de olhos mais azuis que o céu estava parada do meu lado com um sorriso estonteante no rosto. trajava um vestido amarelo, o que destacava seu cabelo loiro sobrecaindo sobre os ombros. A encarei, sem conseguir desviar os olhos dela, algo dentro de mim me queimava, e com certeza não era o sol. Ela sorriu timidamente e se sentou ao meu lado na grama.
  - – eu disse sorrindo de orelha a orelha.
  - Eu costumava vir aqui quando era pequena – Ela disse. – e um bom lugar para se pensar, sabe?
  Assenti com a cabeça.
  – Claro, um bom lugar para se pensar.
  - Você não tem momentos? – Ela perguntou me pegando de surpresa, meus olhos se arregalaram. Ninguém jamais havia me perguntando isso antes, o choque da pergunta me deixou abobado. – Momentos, entende? Que te fazem pensar na vida, discutir qual o seu propósito na vida, essas coisas.
  Eu a encarei, ela levantou a sobrancelha e ficou séria.
  - Ah, por favor, , não me faça explicar. Eu sei muito bem que você sabe o que é isso. – Ela disse.
  - Eu não vou te responder isso, Lee – eu disse.
  - Não me chama assim, você sabe o quanto odeio. – Respondeu me encarando sério.
  - Tudo bem. – respondi.
  - Sabe, você ainda não me respondeu. – ela disse arrancando uma margarida da grama e a girando entre os dedos e então se deitou na grama ao meu lado.
  - Talvez eu não queira responder.
  - Ah, não seja acanhado – ela disse – vamos lá, , qual e o problema em me responder a pergunta?
  - Tudo bem, e um ótimo lugar para se pensar, satisfeita?
  - Não pedi que concordasse, pedi que me respondesse. – retrucou olhando para a flor com um sorriso de menina no rosto.
  - Você é tão irritante – eu disse me deitando na grama ao seu lado.
  - Ah, já me disseram isso antes. – disse sorrindo e se virou de lado para mim, seus olhos azuis me encaravam fixamente, como se quisesse me testar. Talvez seja uma comparação clichê, mas seus olhos eram de um azul tão profundo, que aos poucos eu sentia que estava sendo arrastado para dentro deles. Submerso dentro de um oceano misterioso, onde e seu cabelo loiro refletiam a luz do dia, se tornando o único sol daquele novo mundo. e eu havíamos nos conhecido há uma semana atrás, quando cheguei aqui, seu pai e dono do hotel e ela e a mãe o ajudavam a cuidar dos negócios.
  - Sem palavras, eu deixei sem palavras – ela disse rindo enquanto eu a encarava. Eu abri um sorriso e ela riu.
  - Cala a boca tampinha – eu disse a empurrando e ela riu.
  - Uau, que maduro da sua parte – ela disse – me chamar de tampinha, realmente , qual o seu problema?
  - Você – eu disse sorrindo e ela me empurrou, eu adorava aquele jeito dela. Seu ar gracioso, tudo o que ela fazia parecia ser leve. era linda, engraçada sem ser cruel e doce. Ela era tão forte, e ao mesmo tempo tinha uma aparência tão frágil, eu jurava que ela se quebraria a qualquer hora.
  - , – ela cantarolou voltando a olhar para o céu. – é tão estranho te ver assim.
  - Assim como? – perguntei.
  - Mudo, , mudo, entendeu? Na maior parte do tempo você é tão falante que ai meu Deus... meus ouvidos chegam a arder de tanto te aguentarem, sabia?
  - Quem vê acha que eu falo demais.
  - Mas você fala – ela disse – Não é como se as pessoas estivessem tirando conclusões erradas, porque... Deus, , você parece uma maritaca.
  - Maritaca? – perguntei levantando a sobrancelha e reprimindo uma risada. – Claro, depois eu que sou imaturo, com certeza, loira.
  - Ah cale a boca, – ela disse rindo. – Nós dois sabemos que mulheres amadurem mais rápido que homens.
  - Ok, disse a garota que tem uma estante de ursos de pelúcia no quarto.
  - O que foi? Eles são fofos. – ela disse com um olhar infantil e eu ri.
  - Wow, ok tudo bem, ursinhos legais, é isso? Ursinhos carinhosos.
  - Você está falando do desenho? Eu amava aquele desenho.
  - Eu sei que amava, você me diz isso sempre que me mostra o Sr. Caridoso, por Deus, , quem dá um nome desses a um urso? Não séria melhor Pooh, tipo aquele urso amarelo da Disney?
  - O Sr. Caridoso e uma ótima pessoa... hum... quer dizer... urso.
  - Com certeza. – respondi rindo, se virou para mim na grama e mais uma vez me vi preso na armadilha imensa que havia em seus olhos. Ela ficou calada por alguns instantes e subitamente senti uma necessidade enorme de a tocar. Eu queria passar minha mão por seus cabelos dourados, deslizar meus dedos por sua bochecha macia, acariciar seus braços, sentir cada detalhe dela. E mais do que tudo, a apertar em meus braços e jamais a soltar novamente. E então, subitamente eu me peguei fazendo isso, pareceu assustada inicialmente, mas logo senti seu corpo relaxar em meus braços e seu calor penetrar cada poro da minha alma. O sol reluzia seus raios solares no cabelo dela, o que os fazia brilhar ainda mais, talvez fosse meu sol. E de certa forma... ela era. Até que um dia, o sol se apagou e só restou a escuridão. Não havia mais cores nos campos esverdeados, nem brilho no céu claro, o oceano secou, e tudo o que me restou foi um deserto escaldante e escuro. havia morrido. Talvez eu seja um melodramático com sonhos despedaçados, ou talvez eu esteja enlouquecendo, afinal que outro motivo levaria uma pessoa a se consultar com um psiquiatra em plena três horas da manhã? Não é algo muito normal para ser sincero, mas honestamente? Quem se importa? Dois dias atrás eu estava chapado em uma boate no sul de Londres, não era como se eu estivesse tentando afogar as magoas com alguns goles de álcool, mas pelo menos a ressaca do dia seguinte me distraia das minhas memórias por algum tempo. Ainda me lembro de estar sentado na cama dentro de um quarto escondido na boate e chorando as magoas enquanto contava a Loren, uma prostituta da boate, o quão horrível a minha vida estava. Loren bufou e me mandou calar a boca, dizendo que eu estava a deprimindo e tudo isso aconteceu porque Jorge havia me dito que minha paranoia era por falta de sexo.
  - Sabe, , às vezes eu penso se isso tudo não é coisa da sua cabeça. Tome um chá e tente relaxar, você e um bom homem. – Jorge disse se levantando de sua cadeira. Eu havia me esquecido que ainda estava na sala dele. Jorge é meu psiquiatra, meus pais o contrataram para cuidar de mim depois da morte de , ele faz isso. Bom... ou pelo menos tenta.
  - Obrigado – digo me levantando – desculpe qualquer coisa e... você tem certeza que sua mulher não vai... sabe? – gesticulo para ele.
  - Não se preocupe, rapaz, Morgana não morrera por esse atendimento.. hum, inesperado? – Morrer, a palavra ecoa na minha mente fazendo meu estomago queimar.
  - Você está bem? – Ele perguntou.
  - Estou... sim, ótimo. E... bom, tenho que ir. – Eu disso me levantando rapidamente da cadeira. Meus nervos estão a flor da pele, algo dentro de mim pulsa com mais intensidade do que antes. ... morrer, eu estou paranoico, completamente paranoico. Minha vida é um saco, ninguém me entende, faz anos desde que não consigo sorrir sem sentir o peso se acumular dentro de mim, vivo me metendo em bares e em confusões. Nunca sei o que fiz no dia anterior, minha vida escorre pelas minhas mãos e eu não tenho controle de nada. Tenho crises de pânico e na maior parte do tempo se não estou jogado em alguma esquina gritando por , estou trancafiado em meu quarto e me descontrolando devido a essa dor patética. A dor é muitas vezes maior do que aquilo que posso suportar, perder alguém que se ama te parece algo estúpido? Meu amigo, você não sabe o que diz. Quando você perde alguém que ama está perdendo também uma parte sua, e essa parte ninguém pode substituir.
   – Jorge grita e então percebo que estou falando alto. Meu deus, por quanto tempo eu estive assim? O quando ele escutou?
  - Tudo, eu escutei tudo – ele diz – , você tem de se acalmar, não está mais aqui, olhe só, a vida continua, não é fácil, mas... , VOLTE AQUI. – Ele gritou, mas antes que pudesse completar eu já estava correndo para fora de sua casa, tudo estava escuro, tudo estava embaçado, meus olhos queimavam, algo dentro de mim me sufocava, eu me sentia me afogando cada vez mais. Eu estava perdido, completamente desolado e esquecido, correndo pelas ruas escuras de Londres e gritando com o céu. Às vezes eu me assusto com meus pensamentos, às vezes tudo o que quero é fugir, mas então me lembro que não importa o quão longe eu vá, não há como fugir de si mesmo. Não... fugir me parece uma boa opção. Eu me contradigo e então corro. Corro até me cansar, corro até cair no chão arfando por água, corro até sentir minhas pernas bambearem e um clarão cobrir toda a estrada escura. O mundo gira, o vento para de soprar e então... então não há mais nada.
  Então acordo, estou em um quarto claro, mais claro do que o escritório de Jorge. Algo me diz que não vim para cá sozinho. Tento forçar a visão, mas ela ainda esta se acostumando com a claridade nova. Duas mulheres aparecem na porta do quarto. Enfermeiras.
  - Bom dia, senhor – Uma delas disse sorrindo enquanto segurava uma prancheta.
  - O que aconteceu? – Pergunto.
  - Você foi atropelado. – A loira respondeu – não se lembra?
  - Para falar a verdade... não – respondi, elas sorriram.
  - Bom, há alguém que se lembra, e ela esta ai fora há... o quê? Quatro meses?
  - Quatro meses? – Perguntei assustado, o que exatamente eu havia perdido?
  - Ah sim, você dormiu um bom tempo. – A mais baixa respondeu – mas temos certeza que assim que sair daqui terá energia de sobra para recuperar o tempo perdido.
  - Hum... escute... quem está ai fora? – Perguntei.
  - Uma mulher – A loira respondeu dessa vez – como era mesmo seu nome? Bom, não me lembro de qualquer forma. Tudo pronto? – Ela perguntou à outra enfermeira que assentiu concordando.
  - Sim, Sr. , nos devemos deixa–ló descansar ou gostaria de receber sua visita agora? – Perguntou.
  - Eu... acho que já descansei o bastante. Podem chama–la.
  - Ok – elas responderam em uníssono e saíram do quarto. Por alguma razão algo dentro de mim pulsava. Ah ... Como eu sinto a sua falta. Eu ainda me lembrava do clarão, ou da consulta inesperada a Jorge, mas as coisas estavam tão confusas agora. Quer dizer... por que isso estava tão fresco em minha mente? Por que eu sentia como se tudo isso tivesse acontecido ontem e não há quatro meses? De qualquer forma, nada disso importa agora. está morta, nada pode mudar isso. Fechei os olhos tentando controlar a dor que se alastrava dentro de mim novamente e então escutei a porta se abrir. Abri os olhos, uma claridade repentina adentrou para o quarto. Uma garota estava parada na porta sorrindo para mim.
  Ela.
   estava parada na porta sorrindo pra mim. Não. Não, não, não. Isso é impossível. está morta, eu me lembro muito bem, eu havia batido o carro e sobrevivido, mas não suportou. Ela ficou inconsciente por meses, até que finalmente não aguentou mais e morreu. Eu estou louco. Estou vendo coisas onde não há. Fechei os olhos, tentando ignorar aquilo, minha mente não me pregaria peças, não agora.
  - Que ótimo , você fica quatro meses desacordado e já quer voltar a dormir? Abra esses olhos agora – a voz ecoou pelo quarto, uma onda de choque me tomou.
  - – eu disse quase em um sussurro.
  - E quem mais poderia ser? – Ela levantou a sobrancelha.
  - Não... não é isso. – eu disse tentando manter a calma, era muita confusão para minha cabeça entender. Era tudo tão... tão confuso.
  - O que é então? – Ela perguntou.
  - É que... ... você estava morta.
  - Morta? É, com certeza eu estava, mas agora ressuscitei das tumbas e vim aqui te buscar. Francamente, , o que há com você?
  - Desculpe – eu disse sentindo meus olhos se encherem de lágrimas, me olhou preocupada e então correu até mim, me abraçando.
  - Me desculpe – Ela disse – eu estava tão preocupada, , tão preocupada.
  - Eu sonhei que você havia morrido – eu digo, e então ela levanta o rosto até mim, me encarando a espera de uma continuação. – sonhei que você havia morrido, e eu? – eu ri amargamente – eu, ... eu simplesmente não pude suportar esse fardo e então enlouqueci. Você consegue entender o que eu quero dizer? Eu te amo, e posso afirmar com todas minhas forças que se algum dia você partir, não estaria levando embora só sua presença em terra como também toda a minha felicidade.
  - – ela sussurrou, sua testa se encostou na minha e como naquele dia na campina, minhas mãos passearam por seu rosto.
  - Não diga nada – pedi – apenas... não se assuste – eu disse, e então antes que qualquer coisa pudesse acontecer, eu a beijei. E então nada mais importava, porque eu tinha ali. Ela estava ali agora, sempre esteve, tudo não passou de um sonho terrível, mas a realidade era essa. jogada contra meus braços, nossos lábios se tocando calmamente. A realidade era que eu a amava. era mais do que tudo, a minha vida. E eu sei que talvez pesadelos terríveis voltem a me assombrar em algum futuro, mas enquanto eu tiver ao meu lado, nada mais importa.

FIM



Comentários da autora