The Holiday Saga - Thanksgiving

Escrito por Emma S. | Revisado por Natashia Kitamura

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  - Por que ele tem sempre que vir pra cá? - Nora perguntou novamente à sua mãe, enquanto arrumavam suas roupas no armário.
  - Querida, por favor, você sabe o quanto isso é importante para o Ryan. Ele quase não vê o filho… - Sarah respondeu à filha, dobrando mais uma blusa com logo de super herói. - Pra que tantas blusas de menino, querida? - Ela pega a blusa das mãos da mãe.
  - Mãe, o foco aqui não é esse. - Nora guardou sua camisa. - O foco é que eu tenho que aturar o filho do Ryan em todos os meus feriados que deveriam ser meus momentos de diversão. Eu odeio ter que ficar de babá pra ele, mãe.
  - Do jeito que você fala, parece que Gray é um bebê do qual você tem que cuidar. - Sarah revirou os olhos para a filha. Adolescentes eram dramáticos demais. Tinha quase certeza de que Ryan tivera uma conversa parecida com o filho.
  - Não importa se ele é mais novo ou se é mais velho, eu odeio ter que ficar saindo com ele porque ele não tem companhia. - Nora bufou jogando-se na cama e encarando o teto.
  Nora Pebbles morava em São Francisco com sua mãe, Sarah, e seu padrasto, Ryan Johnson, desde que entendia-se por gente. Seus pais se divorciaram quando Nora tinha três anos e desde então sua ligação com o pai nunca foi das melhores. Ryan tem suprido o papel de pai desde que ela tinha por volta de sete ou oito anos e sempre foi incrível. Ele só tem um problema: Gray Johnson, seu filho dois anos mais velho de humor insuportável que mora do outro lado do país, em Nova York. Há uns oito anos, Gray vinha passar todos os feriados em São Francisco com o pai e, consequentemente, com ela e sua mãe. De quatro anos pra cá, foram diversas datas comemorativas nas quais teve de “fazer companhia” ao garoto que “não tinha nenhum amigo na cidade”. Aquilo a desgastava. Era simplesmente idiota ficar andando com alguém por aí, como uma bola de aço presa ao seu pé. O pior é que ele parecia querer estar no inferno ao estar ali e isso acabava com qualquer programação, por mais legal que ela fosse. Até tentou enturmá-lo com seus amigos, mas ele era frio, irônico e estúpido, fazendo com que ninguém quisesse ficar perto dele.
  Gray Johnson era um carma. O carma dos feriados de Nora Pebbles.
  - Prometa que vai se esforçar. Por Ryan. - Sarah pediu à filha, sentando-se ao lado dela na cama. Nora bufou novamente, cerrando os olhos impaciente.
  - Se não fosse pelo Ryan, eu já teria até me mudado de casa. - Levantou impaciente. - Vou tomar banho.
  - Você é uma ótima filha. - A mulher beijou a cabeça da garota, saindo logo em seguida.
  - AINDA BEM QUE VOCÊ SABE! LEMBRE-SE SEMPRE DISSO! - Gritou e ainda conseguiu ouvir a risada da mãe, descendo as escadas.

  - Nora, você pode atender a porta, por favor? - Ryan gritou da cozinha, enquanto ajudava Sarah a guardar as compras para o jantar.
  - Já estava indo! - Ela sorriu e gritou de volta, abandonando seu programa de TV e abrindo a porta, para seu desgosto e surpresa. Gray estava parado na porta, o braço direito apoiado na soleira, cabeça baixa, o óculos pendurado na gola da camisa, com as malas aos pés. Ele estava mais definido? Desde quando Gray ia à academia? Seus cabelos estavam mais curtos do que a última vez que o vira, no quatro de julho. E, espera, aquilo era uma tatuagem escapando pela gola da camisa branca?
  - Pebbles. - Ele endireitou-se na porta, encarando Nora e sua calça de moletom cinza e seus braços cruzados em frente ao peito. Ela tinha pintado o cabelo, estava mais claro.
  - Gray. - Respondeu seca e quase raivosa.
  - O que foi? Não vai me convidar para entrar? Você ganhou dessa vez e eu vou voltar pra Nova Iorque? - Ele perguntou com um sorriso sarcástico.
  - Infelizmente, eu não tenho tanta sorte. - Ela deu espaço e Gray entrou, arrastando sua mala para dentro. - MÃE! RYAN! O EXTERMINADOR DE FERIADOS ESTÁ AQUI. - Gray riu nasalado, enquanto tirava os óculos da camisa e o casaco.
  - Um apelido novo, Pebbles! Conseguiu me surpreender. Bem melhor do que ‘destruidor da diversão’, não acha? - Ele disse irônico.
  - Cala a boca. - Ela respondeu afundando-se no sofá de novo. Seu humor acabara de ficar ruim.
  - Quanta tensão… - Ele rebateu com seu maldito sorriso enviesado e irônico.
  - Filho! - Ryan veio da cozinha para abraçar o garoto, enquanto Nora tentava não deixar a raiva tomar conta de si.
  - Oi, pai. - Gray respondeu com um sorriso leve e espontâneo. Amava o pai. Era incrivelmente bom poder ter alguns momentos com ele. Ryan era calmo, alegre, sensato. Não que ele nunca tenha dados algumas broncas realmente grandes, gritos poderosos e punições severas, ele o fizera, mas Ryan sabia exatamente como fazer Gray reconhecer seus erros, entendia o filho. Gray não poderia desejar um pai melhor e seu coração ficava triste ao saber que não podia falar o mesmo em relação à sua mãe.
  - Como você está? E as coisas na faculdade? Regina? - Ele perguntava animado, enquanto bagunçava o cabelo do filho, como em todas as vezes que eles se encontravam. Gray sentiria falta se ele parasse de fazer aquilo algum dia.
  - Tudo bem, pai. Faculdade também e, bom, quando a senhorita Charles não é enlouquecedora? - Gray soltando um sorriso amarelo. - Acho que você sabe mais disso do que eu.
  - Sua mãe é uma pessoa genial, Gray. Ela só precisa de alguém que consiga acompanhá-la. - Ryan disse enquanto andava até a sala com o filho. Nora revirou os olhos, sabendo que não conseguiria mais ouvir ao seu programa de TV.
  - Pai, genial e geniosa não tem o mesmo significado, você sabe, não é? - Gray disse rindo, enquanto se sentava no mesmo sofá onde Nora estava.
  - Gray, querido, oi! - Sarah veio da cozinha, ainda secando as mãos em um pano de prato. O garoto levantou-se com um sorriso no rosto. Gostava da madrasta. Ela era doce, sensata e amava seu pai, além de fazer o melhor brownie dos Estados Unidos. Seu pai não poderia ter casado com alguém melhor. - Você cortou o cabelo? - Ela passou as mãos pelo cabelos do enteado e ele abriu um enorme sorriso, concordando. Nora bufou novamente. Garoto idiota, sorriso idiota. - Ei, isso é uma tatuagem, garoto? - Ela puxou a gola da camisa dele, encarando a fênix que descia de seu ombro. - Ryan!
  - Ah, Sarah, qual é, não é nada demais. - Ele retrucou, enquanto Ryan ia até o filho para olhar a tatuagem. Nora continuava curiosa no sofá, todos estavam de costas para ela, encarando a tatuagem nova de Gray.
  - Sua mãe deixou você fazer isso? - A madrasta o perguntou parecendo surpresa.
  - Parabéns! Você levou menos tempo do que ela, pra ver isso, Sarah. Nem sei se ela viu, na verdade. - Ele riu irônico, enquanto o pai só o observava. Nora roía o canto da unha, segurando sua curiosidade ao nível máximo.
  - Não é algo tão ruim. É bonita. - Ryan comentou, fazendo a esposa soltar uma expressão surpresa e o filho rir leve.
  - Ficou louco?! - Sarah perguntou uma oitava acima de seu tom de voz comum.
  - Oh, por favor, meu amor. Não me faça lembrá-la da sua tatuagem. - Nora e Gray arregalaram os olhos, surpresos. Sarah? A recatada Sarah?
  - COMO É QUE É? - A garota questionou levantando-se do sofá e ficando ao lado do padrasto com as mãos na cintura. - Como assim a mãe tem uma tatuagem? - Ryan começou a rir, vendo a esposa ficar cada vez mais vermelha.
  - É, Sarah… Conte para nós sobre essa tatuagem que nunca soubemos ou vimos. - Gray cruzou os braços, rindo das feições.
  - Eu sempre quis fazer uma e você nunca deixou!
  - Você é uma menina! Não vou deixar você marcar seu corpo pra sempre. - Reclamou.
  - E quantos anos você tinha quando fez a sua? E onde é, já que eu nunca vi? - Ryan só sorria, com uma das mãos em frente a boca. Sarah estava furiosa com ele.
  - Não importa! Você não vai fazer uma! - Ela gritou, voltando para a cozinha, raivosa.
  - 17 e está em uma área meio restrita. - Ryan disse rindo e dando uma piscadela antes de ir atrás da esposa.
  - Quem diria… E eu achando que a Sarah era o tipo de mulher dos anos 60… - Gray ria, ainda de braços cruzados. Nora o encarou com uma expressão sarcástica, voltando a mergulhar no sofá, raivosa. - Seu humor está muito pior neste feriado, Pebbles. O que houve? TPM? Ou o ‘parasita’ não está dando conta? - Com a menção do apelido que dera ao ex namorado da garota, ela soltou um grito furioso e subiu as escadas até seu quarto, batendo a porta do mesmo. O garoto não entendeu nada, indo até a cozinha.
  - Você mencionou Tom, não mencionou? - A madrasta perguntou ao garoto, enquanto descascava uma batata. Gray deu de ombros, dando uma mordida em uma pera.
  - Ele a traiu com uma líder de torcida, no baile de outono. - O pai completou, enquanto mexia em algo no fogão. - Bem que você disse que ele não prestava.
  - Nenhum dos caras do colégio da Nora prestam pra ela, pai. Acredite em mim. - Ele terminou sua pera, jogando as poucas sementes no lixo. - Vou pro meu quarto. A viagem foi longa. Quando o almoço estiver pronto, me chamem. - Ele disse antes de subir a escada com sua mala. Estar em São Francisco era como um alívio da vida em Nova York. A cidade era mais calma, seu pai era definitivamente mais tranquilo que sua mãe, Sarah cuidava dele como se realmente fosse sua mãe, seu quarto era mais confortável e bom, tinha Nora.
  Eles implicavam um com o outros desde que ele tinha uns… quinze anos? Sim, foi quando Nora passou a ser uma adolescente e não o achava mais engraçado, não queria mais conversar com ele ou qualquer coisa parecida, ficava brava o tempo todo. Ele riu, sentando-se em sua cama e puxando a caixa de biscoitos debaixo da cama. Fotos e mais fotos de quando era criança a preenchiam, fazendo a nostalgia cada vez mais presente. Nora estava em quase todas as fotos, com várias expressões que variavam de raiva à mais estonteante alegria. Sentia falta daquela Nora. Sua paixonite adolescente crescera, estava no primeiro ano da faculdade de Odontologia na UCSF, não o suportava e ficava cada vez mais bonita para os outros caras. Riu de si mesmo por estar tão nostálgico. Pessoas vão e vem o tempo todo. Nora era só a filha de sua madrasta agora. Só uma garota que tinha que aturar nos feriados. Uma garota comum em meio à tantas outras. Infelizmente.
  Jogou a caixa para debaixo da cama novamente e dormiu.

  XX

  - Eu e a Sarah estaremos ajeitando as coisas para o jantar, o que vocês acham de irem comprar a árvore e alguns enfeites de natal? - Ryan disse enquanto almoçavam juntos à mesa.
  - Por que não montaram mais cedo? - Gray perguntou, servindo um pouco de arroz em seu prato.
  - Resolvemos esperar por você. - Sarah respondeu simpática. - E então, o que acham de irem comprar os enfeites?
  - Eu e ele? Juntos? Só se for pra destruir todo o espírito de natal antes que ele sequer comece. - Nora reclamou, dando mais uma garfada em seu almoço.
  - Vocês podiam é aproveitar o espírito natalino e tentar desenvolver uma convivência agradável. - Sarah reclamou, servindo mais purê para o enteado. Gray olhou para Nora e depois para Sarah.
  - Não, obrigada.
  - Vocês eram tão amigos quando mais novos… Agora parece que nem aguentam ficar no mesmo cômodo. O que aconteceu com vocês? - Nora engoliu seu pedaço de carne com certo pesar. Lembrou-se de como era divertido esperar pelos feriados nos quais veria Gray, de como eles conseguiam passar horas e horas juntos. E como, com o tempo, Gray foi ficando cada vez mais insuportável. Ele a ridicularizava na frente de seus amigos, agia como se ainda tivessem dez anos, jogava charme para suas amigas, que simplesmente a ignoravam só para ter mais alguns minutos com ele. Gray se tornara o tipo de pessoa impossível de se conviver.
  - Seu filho se tornou um idiota, Ryan. - Respondeu colérica.
  - E sua filha, uma vadia, Sarah. - Gray rebateu, despertando a surpresa na mesa. Ele jogou seu guardanapo em cima de seu prato e arrastou a cadeira, afastando-se da mesa. - Com licença. Perdi a fome. - E foi em direção ao quintal.
  - Custa ser um pouco gentil, Nora? Gray só vem nos feriados, você sabe o quanto afeta Ryan.
  - Ryan, eu lamento, mas seu filho é intragável. E você, mãe, deveria estar me defendendo, visto que ele me xingou, lembra?!
  - Sim, eu sei, e foi errado da parte dele, mas você também provocou. Os dois estão errados! Completamente errados! E chega! Eu não quero essas discussões idiotas durante os feriados. Você e o Gray vão comprar as coisas e está decidido. Se vocês querem agir como crianças, serão tratados como crianças. - Ela levantou, levando seu prato com ela até a cozinha.
  - Ryan, eu realmente sinto muito. - Nora disse em tom brando. Sabia o quanto o padrasto sentia não poder morar com o filho. Pelos relatos, a mãe de Gray não era nada agradável, sendo o tipo de mulher fútil, que só se preocupa com a próxima ruga que terá de eliminar com o botox.
  - Tudo bem, Nora… - Ele disse com um sorriso triste. - Só é um pouco complicado porque… eu sinto falta do Gray e sei o que ele passa em Nova York com a Regina… Ele tem muita pressão sobre si e eu só quero que vir pra São Francisco seja algo bom pra ele, que o faça sentir-se bem…
  - E eu não estou ajudando, certo? - Ela deu um sorriso amarelo e ele o retribuiu. - Eu sou uma péssima pessoa mesmo.
  - Não, Nora. Gray também não está sendo um cavalheiro com você.
  - Mesmo assim… Vou me esforçar, Ryan. Vou fazer isso porque gostaria que meu pai pensasse em mim só metade do jeito que você pensa no Gray.
  - Obrigado, querida. E tenho certeza de que seu pai te ama, tanto quanto eu amo o Gray. - Ele respondeu com um sorriso amigável, mas seu comentário fez Nora revirar os olhos.
  - Aham, claro. Adoro seu otimismo, mas o mundo não é conto de fadas, Ryan. - Ela levantou-se. - Bom, com licença. Vou tentar chamar o filhinho do papai lá fora porque temos uma árvore de natal para comprar. - Ryan riu, vendo a enteada sair pelas mesmas portas que o filho saíra alguns minutos antes.
  Nora pôde ver Gray sentado à beira da piscina, os pés na água, a cabeça baixa. Se ele não fosse tão idiota, eles poderiam até se dar bem. Talvez mais que bem.
  - Você vai acabar pegando um resfriado nesse frio, com os pés na água quente. - Disse cruzando os braços em frente ao corpo.
  - Por que você não me erra, Pebbles? - Disse baixo e meio raivoso, pelo que a garota percebeu.
  - Porque temos uma árvore de natal pra comprar.
  - E correr o risco de destruir o espírito natalino? Não, obrigado. - Sua voz era cheia de sarcasmo e tristeza.
  - Ah vai, Gray. Eu também não quero fazer isso, acredite, mas minha mãe fez o maior discurso lá dentro comigo e eu estou evitando problemas. - Respondeu impaciente.
  - Eu não dou a mínima. - Ele respondeu sem nem olhá-la.
  - Gray! É sério! Qual é… Se você fizer isso, eu o deixo livre pelo resto deste ano. - Ele a olhou com os olhos semicerrados. - Juro juradinho.
  - “Juro juradinho”? Quantos anos você tem? - Ele perguntou rindo e levantando-se. - Você falava isso quando nós tínhamos uns nove, dez anos… E você nunca cumpria. - Ele reclamou e Nora riu, vendo-o calçar o tênis.
  - Mas é claro que eu cumpria! Quando eu deixei de cumprir?! - Perguntou em tom ofendido.
  - “Oh Gray, eu juro juradinho que dou meus kit kats se você me deixar andar na sua bicicleta nova”, “Juro juradinho que eu te dou minhas figurinhas repetidas do Barney”, “Juro juradinho que você vai ser meu primeiro beijo”... - Ele falava com uma voz afetada, sorrindo e fazendo Nora sorrir enquanto iam pro carro.
  - Hey! Você quebrou esse último primeiro! - Ela o acusou jogando as chaves em seu peito. Ele sempre fora melhor dirigindo.
  - O quê?! Claro que não! Você quem quebrou! Com aquele menino… Espera… Vou lembrar o nome dele… - Ele entrou no carro meio pensativo e Nora o seguiu. - Teddy McMiller, no acampamento, quando tinha uns 12 anos!
  - Nossa! Nem eu lembrava o nome dele! Como você lembra? - Ela gargalhava, enquanto ele saía com o carro.
  - Claro que eu lembro! Fui eu quem ficou traumatizado com a sua quebra de ‘juradinhos’, oras! - Ele disse rindo em seguida.
  - Não, não Johnson! Você quem chegou aqui, no verão de quando eu tinha 11 anos, falando que a loirinha da série acima da sua tinha te beijado no corredor da aula de ciências! - Nora reclamou, dobrando as pernas em cima do banco.
  - Rosie Jones?! Meu Deus, ela me agarrou! Eu era praticamente uma estátua naquela equação, Pebbles. - ele gargalhava. - Não conta, sabia?
  - Claro que conta, seu idiota! - Ela gargalhava. - Enfim, nem foram tantas promessas assim.
  - E quanto à “Juro juradinho que sempre vou ser sua amiga”? - Ele perguntou, ficando sério de repente. Nora congelou, olhando-o de relance e ele não a encarava. - Essa, você definitivamente quebrou. - Ela engoliu em seco, encostando sua cabeça no banco e encarando a janela. Não tinha mais nada a ser dito. Gray bufou, apertando mais o volante, com certa raiva e frustração. Odiava essa situação, simplesmente odiava tê-la tão afastada. Eles já foram melhores amigos, caramba! A conversa de segundos atrás comprovava isso!
  Uma droga.

  Gray dirigiu por uma meia hora até o The Guardsmen Christmas Tree Lot, que tinha aberto mais cedo esse ano, e estacionou. Podia ter ido até a venda de árvores de natal no número duzentos da Dolores Street, mas não era todos os dias que algo assim acontecia. Não custava aproveitar. Ainda podia usar a desculpa de todo o projeto social. Estavam bem perto da Baía, o tempo estava frio e parecia que o inverno viria com tudo esse ano.
  Nora logo saltou do carro, apertando-se em seu casaco e caminhando para o pavilhão, com Gray seguindo-a. O silêncio os acompanhou durante toda a viagem e ele estava distante novamente. Não que ela esperasse que uma simples lembrança mudasse as coisas entre eles, mas… eles estavam em uma trégua, não? Eles continuavam caminhando em silêncio, sem muito entusiasmo. O pavilhão estava cheio, várias pessoas estavam bastante animadas, crianças que gritavam e esperneavam quanto a árvore que queriam.
  - O que você acha daquela ali? Parece ser do tamanho adequado. - Gray disse em um tom de voz calmo, sem qualquer tipo de emoção, próximo ao ouvido dela devido ao barulho. Nora sentiu um arrepio percorrer-lhe o corpo. Desde quando tinha essas sensações ao ouvir a voz de Gray? Estava prestes a virar-se e encontrar os olhos verdes que, ela sabia, fixariam nos seus, quando ouviu seu nome.
  - NORA! HEY, GAROTA! AQUI! - Danny, seu amigo gay, gritava a plenos pulmões ao lado de sua irmã, Mitchie, que acenava sorrindo.
  - Oi! - Ela acenou de volta, vendo seus amigos andarem até ela, sorrindo. - Não consigo me livrar de vocês nem nos feriados? - Ela brincou, rindo sem graça. Os olhos de Danny e Mitchie pararam em Gray e ficaram por lá, deixando-a nervosa.
  - Você não é a única a ter uma árvore de natal em casa, Nora. - Mitchie respondeu sorrindo e logo estendeu a mão para Gray. - Oi, sou Mitchie.
  - Gray. Gray Johnson.
  - Prazer, Gray. Esse é meu irmão, Danny. - Gray apertou a mão de Danny, sorrindo educadamente.
  - Aperto de mão satisfatório. - O amigo comentou encarando Nora sugestivamente. - E então…
  - Gray é filho do meu padrasto. - Nora respondeu sentindo os olhos de Gray sobre si, incisivos.
  - Isso mesmo, só o ‘filho do padrasto’. - Ele confirmou em tom sarcástico e Nora o encarou. Merda, ele ficara chateado… Mas como raios ele queria ser apresentado?
  - Ah sim, olá. Você é bem mais bonito do que nos contaram, Gray. - Mitchie deu uma piscadela para o garoto, deixando-o nitidamente desconfortável.
  - Mitchie… - Nora alertou, envergonhada.
  - Bom, eu vou pagar a árvore. Com licença Mitchie, Danny… - Disse e saiu, sem nem dirigir-se à Nora. Ela o acompanhou com o olhar, soltando um suspiro ao fim.
  - Oh, por Lady Gaga, você está gamada no seu irmão postiço! - Danny deu um tapinha na amiga, que fez uma cara de ofendida.
  - Você ficou louco? Claro que não! - Sua voz subiu uma oitava, assim como sua mãe fazia quando estava surpresa, ou quando mentia.
  - Não, não, Nora. Nem tenta. Tá estampado na sua cara: ‘Eu estou caidinha por Gray’. - Mitchie riu, enquanto Nora revirava os olhos.
  - Vocês são dois idiotas, é claro que não. Gray é só o filho do Ryan, não tem nada rolando entre nós. - Ela respondeu tediosa, saindo do galpão e vendo Gray colocando a árvore em cima do carro, junto a um funcionário. Seu casaco e camisa, subiam um pouco, mostrando alguns centímetros de seu abdômen definido. Quando Gray começou a ter um daqueles?
  - Você está mordendo o lábio inferior, querida Nora. - Danny passou um dos braços por cima do braço da amiga. - Oh, meu anjo, aproveite que você tem um pedaço desses em casa e delicie-se.
  - É Nora. Poxa, esse mundo é muito injusto! Você, tem um irmão postiço gostoso dentro de casa e não aproveita. Eu, tenho um irmão de verdade e gay. INJUSTIÇA! - Mitchie reclamava fazendo a amiga rir. Gray atendeu o telefone e Nora pode vê-lo sorrir, provavelmente falando com algum amigo… Ou amiga. Aquele pensamento a fez tremer.
  - Calem a boca, eu não estou interessada no idiota do Gray. Eu prefiro me jogar na Baía, mesmo com ela suja e fria, do que sequer gostar dele. - Resmungou, dando de ombros.
  - Mesmo? Então tudo bem. - Danny começou, entrando na frente da amiga e bloqueando sua visão. - Eu te desafio, Nora Pebbles. - Ele sabia que a amiga não conseguia deixar de ceder a um desafio. Era competitiva, orgulhosa demais para não deixar-se levar. - Ou você fala que gosta do bonitão e lasca um beijo nele… - Ele apontou discretamente para Gray. - Ou você nada na baía de lingerie. Esse é seu desafio. - Ele cruzou os braços e Mitchie encostou-se no irmão, com um sorriso irônico que concordava com as palavras dele. Nora urrou de raiva e os empurrou, caminhando a passos revoltados até a borda da baía, começando a tirar a roupa. Gray encarou a cena abismado.
  - Paul… Preciso desligar. Não cara, sério, preciso desligar. PAUL, DROGA, TE LIGO DEPOIS! - Desligou e correu até a garota, que estava começando a desabotoar sua calça. Encarou os amigos dela, na porta do galpão, rindo. - Pebbles, o que raios você está fazendo?! - Ele disse raivoso, enquanto Nora se desfazia de sua roupas, encarando a água.
  - Eles me desafiaram, Johnson. Agora, não me atrapalhe. - Ela esfregava os braços, visto que o frio de novembro quase dezembro, já chegava a castigar.
  - Pebbles, me diga que você não está pensando em entrar nessa água! - Ela deu de ombros, como se não tivesse importância. - Garota, essa água é completamente suja! Você estuda saúde, sabe disso! - Ela continuava irredutível.
  - VAI LÁ, NORA! - Mitchie gritou, recebendo um olhar fulminante de Gray.
  - A água está congelante! Você sabe disso?! Meu Deus! Você nem sabe nadar! - Ele passava as mãos pelos cabelos, nervoso. Ela só podia estar louca de tentar fazer algo assim. Os guardas começavam a caminhar até ela, provavelmente seria presa por atentado ao pudor. - Escuta! Você vai se afogar, garota!
  - Ninguém nasce sabendo nadar. Todo mundo aprende um dia não é? E além do mais, não é como se você se importasse, Gray.
  - Eu me importo muito mais do que você imagina, Nora. - Ela o encarou surpresa. Ele dissera seu nome. Depois de anos, ele não a chamara pelo sobrenome. - Por favor, esquece essa droga de desafio. - Ele falava em tom doce, quase implorando. Nora sacudiu seus pensamentos. Não, não. Era por isso que estava ali, prestes a ser presa. Por causa de Gray. Por não gostar dele. Ela deu de ombros novamente, tampando respiração com o polegar e o indicador. - Se você se afogar, eu vou deixar você morrer. - Ele disse entredentes, raivoso. Ela só podia ser maluca. Completamente doida.
  Nora caiu na água, sentindo como se milhões de agulhas estivessem perfurando seu corpo, que só afundava cada vez mais. Seu corpo continuava afundando e o desespero tomou conta de si. Era agora. A hora que morreria afogada. Começou a debater-se, buscando a superfície. O ar estava ficando insuficiente, precisava de mais, precisava respirar, chegar à borda. Algo grudou em seu pé, deixando-a ainda mais nervosa, fazendo-a soltar cada vez mais o ar. Abriu a boca, tentando gritar e a água preencheu o espaço que precisava de oxigênio. Gray sabia que isso ia acontecer. Sabia que ela se desesperaria e se afogaria. Ela não sabia nadar, inferno! Por que ter essa maldita ideia? Virou-se para os amigos dela.
  - SATISFEITOS? - Gritou enquanto tirava os tênis e o casaco, lançando-se contra a água absurdamente fria. Tentou não pensar nas reações de seu corpo e foi nadando até Nora, que ainda debatia-se descontroladamente. Foi tentando segurá-la que, de repente, seu corpo ficou inerte e ele notou a perda de consciência. - MERDA, NORA! - Segurou-a pela cintura e começou a arrastá-la de volta para a borda, já sob o olhar de alguns curiosos.
  Danny estava à beira, ajudando Gray a suspender uma Nora desfalecida e a deitá-la no chão. Logo, uma roda de curiosos formou-se ao redor de Nora, inconsciente, sendo amparada por Danny e Mitchie, meio desesperados. Gray saiu da água e foi direto até ela, empurrando Danny e começando a massagem cardíaca, seguida das respirações boca-a-boca.
  - Vamos, Nora… Vamos! - Ele estava desesperado. Deus, o que ele diria para Sarah? Ela o mataria. Ele teria essa culpa sobre seus ombros durante toda a vida. Seu estômago revirava de ansiedade. Ela precisava acordar, precisava ficar bem… Seus olhos ardiam. Ele não podia perdê-la. - Por favor, Nora… Por favor. - Ele soprava o ar na boca da garota, esperando por alguma reação dela, que não vinha. - Nora, acorda… VAMOS LÁ, NORA! - Ele gritou nervoso, partindo para a próxima sequência de boca-a-boca. Soprou duas vezes e Nora tossiu, vomitando a água de seus pulmões. - Graças a Deus, Nora! - Ele a abraçou. - Você quase me matou, garota. Por favor, por favor, me escute da próxima vez!
  - Gray…
  - Sim, sou eu. Acalme-se. - Ele encarou Micthie com raiva. - Ela precisa de um cobertor, roupas secas, sei lá. Dá um jeito. - Reclamou e a amiga saiu correndo, buscando por algo que pudesse esquentar Nora. Gray agarrava-se ainda mais à ela, sabendo que não estava fazendo um bom trabalho em esquentá-la, até que um estranho ofereceu-lhe uma toalha verde. Agradecido, Gray envolveu Nora e a pegou no colo, seguindo para o carro. Seu corpo reagia ao frio, mas sua prioridade era mantê-la quente, à salvo.
  - Você está com frio… - Nora disse enquanto aninhava-se no peito dele. A pele de Gray estava fria e arrepiada. Ele poderia ter uma hipotermia.
  - Vocês deveriam ir ao médico. - Alguém sugeriu enquanto ele a colocava dentro do carro.
  - Não, obrigada. Estamos bem. Ela não gosta de hospitais. - Nora concordou, fraca. Como ele sabia daquilo mesmo? Gray parecia saber muitas coisas sobre ela. Danny apareceu com uma manta de flanela grossa e Gray arrancou das mãos dele. - Imbecis. - A cobriu e entrou no carro, voltando para casa.

  Nora abriu os olhos devagar, sentindo seus pulmões arderem. Mexeu-se um pouco desconfortável e percebeu que não estava em sua cama. Espreguiçou-se e rapidamente apertou o cobertor contra si, percebendo que estava só de lingerie. Olhou para os bancos da frente e encontrou Gray, em uma postura cansada, com a cabeça encostada em seu banco. Ele estava molhado e parecia devastado. No rádio, a voz de Avril Lavigne ressonava leve, junto a voz suave de Gray.

Why do you have to go and make things so complicated?
I see the way you're
Acting like you're somebody else, it gets me frustrated
And life's like this, you
You fall and you crawl and you break and you take what you get
And you turn it into
Honestly, you promised me I'll never going to find you fake it
No, no, no

  - Gray…
  - Agora que eu estou prestando atenção… - Ele começou, parecendo saber que ela estava acordada há alguns minutos. - Essa música se encaixa muito nessa situação, sabia? O fato de achar que conhece uma pessoa, mas ela ser completamente diferente… Ficar frustrado quando percebe que nada pode voltar a ser como antes… Eu sei como essa garota se sente. - Ele disse apontando para o rádio e, mesmo sabendo que aquilo era sério, teve uma leve vontade de rir. - Por que você não me ouviu, hein? Por que insistiu e se jogou na droga da baía, Pebbles? - Sua voz tornou-se levemente raivosa.
  - Eu… eu lamento, Gray… Eu fui uma idiota… Eu… - Ela se sentou, ainda enrolando-se ao cobertor de flanela.
  - Ainda bem que eu nem preciso te dizer que você é uma idiota. - Ele a cortou. - O que eu diria pra sua mãe? O que a Sarah faria comigo?! COMO VOCÊ ACHA QUE EU ME SENTIRIA SE ALGO ACONTECESSE A VOCÊ, HEIN? - Ele gritou, olhando-a pela primeira vez. Nora simplesmente não conseguia formar palavras. Gray estava… importando-se com ela? Quer dizer… Ele a salvou, não foi? - Que droga, eu nem sei como arranjar uma desculpa por estarmos tão molhados. - Ele bateu a cabeça no volante, bufando.
  - Desculpa… Eu posso arranjar a desculpa, eu só… - Ela encontrou suas roupas nos chão, pegando-as e vestindo-as. - Obrigada… Por, você sabe, me salvar…
  - Só pense em algo pra nos livrar dessa. Estamos a um quarteirão de casa. - Ele deu a partida no carro, ainda meio bravo, só seguindo em direção a casa ainda com o rádio ligado.

Somebody else round everyone else
You're watching your back, like you can't relax
You're trying to be cool, you look like a fool to me
Tell me

  Sim, ela era uma idiota.

  XX
  - Oh meu Deus, o que aconteceu com vocês? - Sarah perguntou abismada ao ver o estado deplorável de Nora e Gray. O garoto bufou e olhou para garota.
  - Eu, desastrada pra variar, caí na baía e Gray teve que mergulhar pra que eu não me afogasse. - Ela disse enquanto Sarah a checava preocupadamente. - Mas estou bem.
  - Muito Obrigada, Gray. - A mãe da garota o abraçou forte, demonstrando sua gratidão.
  - Não foi nada, Sarah. Fiquei tentado ao deixá-la morrer e tornar o mundo um lugar menos rabugento, mas sabia que você me mataria se eu chegasse aqui sem ela. Bom, eu gosto muito de mim mesmo pra morrer. - Ele disse e riu irônico, levando um tapa, na cabeça, de seu pai. Nora teve vontade de retrucar, mas ao mesmo tempo, lembrou-se do quão desesperado Gray parecia ao salvá-la. O abraço apertado que dera nela, logo depois de vomitar.
  - Graças a Deus não aconteceu nada mais grave. Vocês tem certeza de que não precisam ir ao pronto socorro? - Ryan perguntou enquanto checava o filho e, logo depois a enteada, que continuava absorta, olhando para Gray.
  - Não, nada de médicos. Só preciso de um banho e estarei novo. - Gray sacudiu os cabelos. Precisava demonstrar naturalidade, não deixar ninguém ver o quão nervoso estava. Nora tinha sido uma tremenda estúpida se jogando na baía por uma merda de desafio. Algo estúpido que poderia ter custado a vida dela, além da vida daqueles que a amam. Sarah nunca superaria, Ryan ficaria sem a amiga dos jogos de futebol na TV e das danças esquisitas, o pai dela se culparia por não ter sido um pai decente, os amigos ficariam com a culpa e ele… Gray nem conseguia mais imaginar a vida sem a garota chata e deprezível, mesmo que só durante os feriados. Perderia Nora por um mero desafio impensado. Desafio que ele ainda questionaria assim que tivesse a oportunidade.
  - E você, querida? - Ryan perguntou a Nora, que continuava com o pensamento longe. - Nora?
  - Hã? Desculpa. - Ela respondeu voltando a si. - Estou bem sim, Ryan. O banho é realmente a única coisa que eu preciso agora. Nos vemos no jantar? - Deu um sorriso leve e subiu as escadas rumo ao banheiro.

  Ryan terminava de posicionar a árvore na sala de estar, enquanto Gray descia com os enfeites de Natal. Sentia falta de fazer isso com o pai. Na verdade, sentia falta de sequer fazer algo relacionado a qualquer data comemorativa. Os natais em Nova York nunca foram festejados em família depois que seu avô morreu. Sua mãe sempre tinha alguma festa importante para ir, ou algum compromisso inadiável. Era por isso que sempre vinha para os feriados com a nova família do pai. Na maioria dos anos, a árvore já estava montada quando chegava para o Natal, mas neste ano montaria junto a eles. Simples detalhes que o faziam feliz.
  - Seus olhos estão brilhando, querido. - Sarah comentou sorrindo, enquanto via o enteado chegar à sala com os enfeites de Natal. Sabia que Gray não tinha tanto carinho pela parte da mãe e sentia-se completamente responsável por dar a Gray o carinho que ele merecia. Acariciou o rosto do garoto e ele sorriu.
  - Gray sempre gostou dessas coisas. Eu ainda consigo me lembrar de um Natal no qual ele simplesmente não sossegou enquanto não pôs a estrela no topo da árvore. Tivemos que montar a árvore no início de novembro para que ele nos deixasse em paz. - Ryan disse rindo e relembrando os momentos nos quais ainda morava com o filho.
  - O Natal sempre foi uma data feliz pra mim. Era o momento de união que nós quase não tínhamos durante o ano. - Gray disse esvaziando a caixa. Bolas brilhantes de todas as cores, micro luzes e as várias decorações pareciam brilhar ainda mais.
  - Nunca vi a Nora ser tão interessada no Natal. Ao invés disso, o Dia da Independência sempre foi enlouquecedor. Ela sempre adorou os fogos. Sempre foi lindo ver os olhinhos dela brilhando enquanto as cores explodiam no céu. - Sarah disse nostálgica, lembrando da infância da filha, enquanto desembaraçava as micro lâmpadas. - Vocês não deveriam crescer nunca, sabia?
  - Ah, Sarah, que papo mais velho! - Ele atirou um festão nela, de brincadeira.
  - Está vendo? Se você fosse menor, estaria só me abraçando e implorando para que eu fizesse cookies como sempre. - Ela disse, fingindo estar ofendida e Gray foi até ela, abraçando-a.
  - Sarah, meu amor, por favor, faça os seus melhores cookies do mundo para o seu enteado favorito, hein? - Ele enchia a madrasta de beijos, fazendo-a gargalhar.
  - Você é um interesseiro, Gray Johnson! - Ela começou a dar leves tapinhas nele, fazendo-o rir também.
  - Qualidade que eu herdei da minha mãe. O pai pode confirmar só olhando a divisão do divórcio. - Ele gargalhou e Ryan riu nasalado, negando com a cabeça.
  - Você não tem jeito, filho… Já disse que sua mãe…
  - Já sei pai, já sei. - Ele interrompeu o pai. Era sempre a mesma ladainha. - Eu convivo com a mãe o ano todo, lembra? Enfim, Sarah… Meus cookies?
  - Vamos ter cookies depois do jantar? - Nora desceu vestindo um short jeans e uma camisa larga do You Me At Six, sacudindo os cabelos molhados. Gray não conseguia tirar os olhos daquelas pernas descobertas. Por que ela precisava ser linda assim?
  - Acho que vou fazer sim. Falando nisso, tenho que terminar o jantar. Querido, você disse que ficaria responsável pelo peru, eu não vou me atrever a chegar perto dele. - Sarah disse indo em direção à cozinha, depois de ganhar um beijo estalado na bochecha do enteado.
  - Crianças, sejam bonzinhos e montem a árvore, ok? Sei que vocês vão adorar fazer isso juntos. - Ryan disse e saiu da sala, fazendo Nora encarar Gray. Ela adorava quando ele vestia vermelho.
  - Podemos fazer isso sem nos matar, não? - Ele foi em direção à uma das caixas, abrindo-a e tirando alguns enfeites de lá. Nora sentou-se no sofá, continuando o trabalho da mãe em desembaralhar as micro lâmpadas. Seus olhos paravam em Gray com certa frequência. O observava encarar os enfeites com certa adoração e um meio sorriso nos lábios convidativos. Desviou o olhar rápido, repreendendo a si mesma por pensar algo assim sobre Gray ou os lábios dele. - Nossa. Eu nem sabia que meu pai ainda tinha isso! - Ele suspendeu um dos enfeites; um pequeno boneco de neve, feito à mão, meio esquisito. - Eu fiz para ele no último Natal antes do divórcio. Não sabia que isso duraria tanto tempo. - Ele sentou ao lado dela sorrindo e observando o pequeno boneco feito de argila.
  - Você não observa muito a árvore quando vem pra cá, né? - Nora disse sorrindo. - Ryan faz questão de colocar isso todos os anos. Tipo, sem exceção. - Ela disse e ele a encarou surpreso.
  - Mesmo? - Ela confirmou e Gray sorriu, levantando-se e colocando o enfeite na árvore, orgulhoso. Nora não conseguia deixar de sorrir ao vê-lo tão alegre por algo tão simples. Tinha se esquecido de como Gray ficava feliz com detalhes que pareciam tão insignificantes para outras pessoas. - Acho que foi o último presente que dei a ele antes do divórcio… Ele tinha acabado de voltar de uma divulgação na Europa e nossa, tinha me trazido tantos presentes… - Ele suspirou. - A notícia veio logo depois do Dia dos Namorados. Ele quem conversou comigo. Minha mãe nunca teve muito jeito e acho que ela estava meio que surtando. - Ele riu e Nora não conseguiu deixar de sentir-se sensibilizada. - Ele me disse que as coisas já não iam bem desde antes do Natal, mas que eu nunca deixaria de tê-lo… Lembro de que depois, fiquei quase dois anos sem falar com ele porque fiquei furioso pensando que ele tinha me trocado por vocês…
  - Besteira… Ele só falava de você e de como íamos nos dar bem. - Os dois caíram na risada. Quanta ironia.
  - Enfim… Ainda tenho muitas lembranças legais daquele Natal. - Gray recostou no sofá, observando o cabelo de Nora correndo pelas costas dela, seus cotovelos apoiados nas coxas, as mãos cruzadas.
  - Meu último Natal antes do divórcio não foi dos melhores. - Ela confessou rindo nasalado.
  - Por quê?
  - Eu estava com o braço engessado e nós passamos o Natal na minha avó, em Napa Valley. Não foi divertido.
  - Nossa… E você quebrou o braço fazendo o quê? - Nora o encarou por cima do ombro esquerdo, voltando a olhar para suas mãos.
  - Meu pai saiu de casa dias antes do dia de Ação de Graças. Minha mãe disse que ele ia viajar e ficar algum tempo fora de casa. Eu não quis aceitar. Pus algumas roupas dentro da minha mochila do Gato Félix, disposta a fazer com que ele me levasse junto. Quando estava colocando meus gibis completamente necessários dentro da mochila, ouvi o barulho do carro saindo. Desci as escadas correndo, caí, quebrei o braço e ele foi embora. Ele voltaria da “viagem” em alguns dias, mas no dia que estava marcado pra ele voltar, minha mãe sentou comigo e explicou que ele não voltaria. - Ela deu de ombros. Sentira muito nos primeiros anos. O pai sempre se fazia muito ocupado e nunca tinha tempo para visitá-la. Depois que Ryan chegou a necessidade de ter o pai por perto foi ficando cada vez menor.
  - Eu lamento. - Gray disse, segurando a vontade que tinha de abraçá-la e dizer que as coisas ficariam bem.
  - Acontece. - Ela levantou, estendendo o conjunto de lâmpadas de Natal. - E agora, quer continuar chorando as mágoas ou decorar essa árvore de Natal? - Ela sorriu e Gray não pôde evitar sorrir de volta antes de levantar e começar a ajudá-la com as luzes.

  XX
  - Nossa, eu sou talentosa com árvores de Natal! - Nora se gabou encarando a sala que ela e Gray tinham acabado de montar.
  - Você? Sozinha, né? - Gray a empurrou leve com uma mão. - Acho que superou a decoração do ano passado.
  - Sem dúvidas. Ficou genial. - Ela disse, cruzando os braços.
  - Ora, ora… Não é que eles sabem trabalhar em conjunto sem se matar? - Ryan veio da cozinha, passando pelos dois e entrando na sala. - Querida, venha ver isso! Eles montaram toda a sala sem se matar! - Sarah veio da cozinha, segurando a tigela onde mexia uma massa.
  - Nossa! Isso ficou lindo, meus filhos! Parabéns! - Ela beijou o rosto da filha e voltou para a cozinha. - Agora subam e arrumem-se. O jantar está quase pronto! - Ela gritou da cozinha, fazendo Ryan rir.
  - Eu vou ajudar sua mãe a terminar. - Olhou para Nora e Gray parados na porta e riu. - Olhem só. Vocês dois estão debaixo do visco! - Ele riu, com a ironia e saiu da sala, seguindo até a cozinha atrás de Sarah.
  Gray enfiou as mãos nos bolsos, encarando os pés descalços de Nora. Ela batia os dedos no carpete, como se estivesse nervosa, ou ouvindo alguma música com batida muito rápida. Nora só pensava em uma maneira de sair dali. Sair dessa situação sem precisar realizar essa tradição meio idiota. Desde quando duas pessoas, embaixo de uma plantinha minúscula, devem ter o dever de se beijar? Onde está a liberdade de ação? Onde está o país livre, Tio Sam? E o livre arbítrio, Deus? Foi quando os lábios convidativos de Gray voltaram ao seu pensamento. Não faria mal nenhum saber o gosto que eles tinham, não é? Não, não. Ela não podia pensar nisso. Não mesmo.
  - É só uma tradição idiota, Nora. Não precisa ficar nervosa ou criar monólogos em sua cabeça com isso. - Ela despertou em um susto ao ouvir a voz de Gray próxima ao seu ouvido. Ele estava virado para ela, uma expressão indecifrável.
  Gray queria beijá-la. Por Deus, como ele queria! Queria sentir a textura, o gosto dos lábios dela contra os seus, mas não podia. Não deveria também. Encarava Nora nervoso, querendo simplesmente colar seus lábios nos dela, mas precisava se controlar. Auto controle, Gray. Auto controle.
  - Não é como se um beijo fosse grande coisa também. - Nora quis enterrar-se viva depois do que tinha dito. O que ela estava pensando? Seus pensamentos estavam traindo sua racionalidade!
  - Um beijo meu seria grande coisa. - Gray respondeu disposto a provar isso à garota. Deu um passo a frente, fazendo Nora prender a respiração. Ela ia beijar Gray? Oh meu Deus, ela ia beijar Gray.
  - Vocês não vão se arrumar? - Sarah perguntou aparecendo na porta da cozinha. Nora assustou-se, abaixando a cabeça.
  - Estamos subindo, Sarah! - Gray respondeu vendo a madrasta sorrir e voltar à cozinha. Seu coração estava acelerado, estava a ponto de beijar Nora! Droga, Sarah. - Melhor irmos, antes que a sua mãe volte. - Nora concordou, em silêncio. Ela não conseguia recuar. Gray deu um passo a frente, em direção à escada, para arrumar-se, quando Nora segurou seu braço, fazendo-o voltar. - O que houve, Nora? - Ele a chamou pelo nome, fazendo-a sorrir leve. Gostava quando ele fazia isso. Deu um leve impulso com os pés e colou seus lábios nos dele por alguns segundos, sentindo a adrenalina correr mais por seu corpo e sua respiração desregular. Gray não conseguiu ter qualquer tipo de reação. Segurou o rosto dela com as duas mãos, aproveitando o pouco contato dos lábios, antes de Nora também separá-los. Ela passou os dentes pelo lábio inferior e engoliu em seco, antes de dar um passo para trás.
  - Nos vemos no jantar. - Ela disse, subindo as escadas em seguida.

  XX
  Ryan colocou o peru no meio da mesa, sorrindo. Estava orgulhoso de si mesmo por um peru de Natal tão gostoso e macio. Sarah estava orgulhosa de sua mesa farta, de sua família ali, reunida. Gray já estava vestido, parado em frente à janela da sala, olhando a rua e com o pensamento longe. Ela o havia beijado. Não que tenha sido um grande beijo, quer dizer, foi só um encostar de lábios, que se moveram um pouco, mas… Droga, foi ela quem tomou a inciativa! O que ele deveria esperar disso? Quer dizer, foi só a tradição?
  Nora olhava-se no espelho pelo que ela contava ser a milésima vez. Não queria descer e ver Gray de qualquer maneira. Não depois do beijo que dera nele. Ela nem conseguia acreditar ainda. Ela beijara Gray. Foi uma atitude dela. Ela não devia ter feito isso, mas… tinha sido bom. Muito bom. Mal podia esperar para beijá-lo pra valer. Oh Deus! No que estava pensando?! Precisava descer e esquecer aquela cena. Gray era um idiota. Isso não mudara. Passou a mão novamente por seu vestido e desceu obstinada.
  Gray olhava algumas crianças correndo uma atrás das outras na rua, jogando as folhas amarelas e vermelhas para o alto, quando ouviu os passos dela na escada. Virou-se e deu de cara com Nora, que parecia ter se vestido para provocá-lo ainda mais. Foco, Gray. Foco.
  - Eu já estava indo chamar você, querida. Que demora! - Sarah apareceu, puxando a filha pelo braço até a sala de jantar. - Vamos, Gray! - Ela o chamou e Gray riu nasalado, seguindo as duas. Deus, ela estava linda. Como poderia resistir à ela durante toda a noite? Chegou até a sala de jantar tentando concentrar-se em outra coisa que não fosse ela.
  Todos se assentaram à mesa, sorrindo. Nora desviava seu olhar o máximo que podia, enquanto Gray não parava de olhar para ela. Seus olhos esverdeados pareciam querer penetrá-la, devorá-la. Sentia que se olhasse nos olhos dele, Gray poderia ver tudo através dela, até mesmo sua insegurança e sentimentos confusos por aquele beijo. Por isso, o estava evitando.
  - Você ficou muito bem neste vestido, querida. - Sarah elogiou a filha, deixando-a ruborizada.
  - Besteira, mãe. - Ela respondeu encarando a toalha de mesa.
  - Eu estava prestes a fazer o mesmo comentário. - Gray disse, levando a taça de água aos lábios em seguida. Nora desviou o olhar para o rosto dele, que mantinha um sorriso leve.
  Maldito. Maldito sorriso, maldita beleza, malditos lábios macios. Maldito seja, Gray Johnson.
  - Obrigada. - Respondeu voltando a olhar para a mesa.
  - Bom, todos já sabemos que Nora está deslumbrante. Vamos começar? - Ryan disse sorrindo. - Acho que eu começo, certo? Bom, eu agradeço pela vida da minha adorável esposa e dos nossos inacreditáveis filhos. Agradeço por todas as campanhas de sucesso no trabalho. Agradeço também pelo meu peru ter saído exatamente do jeito que estava na receita. - Todos riram e Nora encarou Gray. Os olhos verdes estavam pregados nela. - E agradeço por todas as coisas boas e ruins que passaram ou ainda passarão em minha vida. - Ele disse e todos levantaram seus copos, bebendo um gole em seguida. E então, foi a vez do discurso de Sarah.
  - Eu agradeço pela vida daqueles que eu mais amo. Agradeço por todos as conquistas deste ano e já pelas conquistas que virão. Agradeço por Ryan não ter posto fogo na cozinha e por ter aprendido a usar o facebook esse ano. - Ela terminou e todos riram, bebendo mais um gole de suas bebidas. Gray respirou fundo. Era sua vez.
  - Eu… agradeço pela vida do meus pais. Agradeço pela Sarah e seu absurdo dom na cozinha. Agradeço pelos meus amigos, pelas notas na faculdade e pelas garotas e festas da Alfa Delta Pi. - Ele riu nasalado e Nora não conseguiu deixar sua insatisfação de lado. Ele estava agradecendo pelas garotas da fraternidade? Sério?! Que idiota. - Agradeço por todas as coisas boas que me aconteceram nesse ano e bom, agradeço pela Pebbles e sua completa loucura encantadora. - Ele terminou seu discurso, deixando a garota confusa. Aquilo foi um elogio? Gray observava a expressão confusa de Nora. Será que ela havia percebido que aquilo, apesar de parecer, não tinha sido irônico? Que toda aquela rebeldia e loucura dela eram realmente encantadoras aos seus olhos? Deu mais um gole em sua bebida, vendo os lábios de Nora beijarem sua taça mais uma vez. Queria muito provar daqueles lábios de novo. Nora respirou fundo. Não fazia ideia do que iria falar.
  - É… Eu agradeço pela minha família esquisita. Agradeço pelo primeiro ano na faculdade ter ido bem. Agradeço pelos meus amigos, por todos os meus livros, CDs e pelo meu novo box edição limitada de Harry Potter. - Ryan e Sarah riram da garota, mas Gray continuava com seus olhos nos dela, sem desviar. - E, especialmente esse ano, gostaria de agradecer pela vida de um dos seres mais desprezíveis do mundo, mas ao qual devo minha vida, infelizmente… Eu agradeço pela vida do Gray. - O garoto arregalou os olhos, surpreso.
  - Ai que bonito… Gosto quando vocês se dão bem. Eu agradeço por isso. - Sarah disse sorrindo e bebericando sua taça mais uma vez.
  - Acho que o mundo agradece por isso. - Ryan brincou. Nora e Gray continuavam com os olhares fixos um no outro. Tudo bem que ela o havia xingado, mas… Nora agradeceu por sua vida. Não por ele tê-la salvado, mas por sua vida. Deus, será que… Não, não, não. Seria muita loucura. Nora não estava interessada nele. Ele também não estava interessado nela, era só… atração. Isso mesmo. Atração.
  Nora não podia deixar-se levar. Gray era o filho do seu padrasto, cresceu com ela! Ele não é um cara em potencial. Okay, ele é bonito e tudo o mais, mas… Não. Ele não é uma opção. Johnson é um idiota. Isso mesmo, um idiota. Por que ela estava mesmo considerando algo assim? Estupidez. Pura estupidez..

  XX
  A sexta-feira foi tediosa. Nora passou o dia em sua sacada interna, vendo o vento levar as folhas laranjas para longe, lendo ‘Cidades de Papel’ e apaixonando-se por Quentin. Gray passou o dia no computador, jogando, atualizando suas redes sociais, esperando Paul ou Carrie, seus melhores amigos, ficarem online. Paul foi o primeiro.
  - Hey cara! Como foi seu dia de ação de graças? Logan vomitou toda a torta de abóbora na vovó, foi mega engraçado. - Paul sempre tinha alguma história hilária sobre suas datas comemorativas com a família. Logan, seu irmão mais novo, sempre estava envolvido nas melhores.
  - Eu beijei a Nora. - Gray jogou no amigo, sem enrolações. Paul imediatamente arregalou os olhos e sua boca fez o fomato de um ‘O’ bem redondo. - Paul? Esté me ouvindo? Travou? - No mesmo instante, o anúncio de que Carrie estava online apareceu na tela e ele a colocou na conversa. - Oi Carrie.
  - E aí, Johnson? Por que o Blue tá com essa cara? - Perguntou enquanto folheava algumas coisas.
  - Ficou assim depois que eu disse que beijei a Nora.
  - Isso é sério? Eca, Gray! Nunca pensei que você curtisse incesto! Dá até uns calafrios. Eca. - Ela zoou o amigo, que só rolou os olhos.
  - Eu já disse que a Pebbles não é minha irmã, Carrie.
  - Cara… - Paul pareceu ter destravado. - Você… Você beijou ela? Tipo, como assim? Ela quis te beijar? Achei que vocês se odiavam…
  - Até parecem, Paul. É óbvio que o Gray é ligado na tal filha da madrasta dele. Ele vive falando nela! Só você mesmo pra não notar isso. - Carrie disse enquanto fazia ponta em um lápis de cor azul. A franja ruiva já caía em seus olhos e ela, com certeza, estava pintando algo em seu caderno de desenho. - Mas até eu estou curiosa em como isso pode ter acontecido.
  - Primeiro, eu não sou ligado na Nora. Segundo, não fui bem eu quem a beijou. Foi ao contrário.
  - Ela que beijou você?! WOW, Gray. Arrasou hein, garotão! Esse é meu amigo mesmo! - Paul colocou as duas mãos atrás da cabeça, reclinando na cadeira, mas quase caindo, fazendo os outros dois rirem.
  - Aham, claro Blue. - Carrie disse irônica, enquanto ainda ria. - Mas então explique para mim Johnson: Como uma garota que te odeia e que, por sinal, você também não gosta nem um pouco, simplesmente te beija assim, do nada, huh? - Ela deslizou a cadeira até chegar ao seu pote de pincéis, pegando-o e voltando para frente do computador.
  - O que você está pintando? - Paul perguntou, interrompendo a conversa por alguns instantes.
  - Algumas coisas. Gray?
  - Nós estávamos debaixo do visgo… Meu pai fez essa observação. Daí eu meio que fiquei com vontade, mas não disse nada. Ela me pareceu nervosa e quando me aproximei dela, a Sarah nos chamou. Eu estava prestes a ignorar e subir, mas ela me puxou e me beijou. - Gray deu de ombros, como se não fosse nada demais, mas lembrou-se de como o breve beijo de Nora mexeu com ele.
  - Foi beijo de língua? Daqueles molhados? Ela é feroz? Tirou uma casquinha dela? - Paul perguntou, curioso. Carrie revirou os olhos, frustrada.
  - Cala essa boca, Paul. Só… Cala essa boca. - Ela disse e Gray só soube rir. Era engraçado ver esses dois brigando. Poderia jurar que eles se casariam qualquer dia.
  - Ué, eu quero saber. Eu sou homem. Não quero saber coisas de mulherzinha. - Paul retrucou e Gray pode ver a amiga bufar de raiva.
  - Tá, vocês podem parar de brigar? Eu já aturo isso todos os dias, posso ficar sem durante os meus feriados, por favor? - Ele reclamou.
  - Esqueci que ele só gosta das brigas com a Nora nos feriados. - Carrie disse rindo e Paul a acompanhou.
  - Agora, ele só deve querer saber de brigar e beijar, brigar e beijar. - Ambos caíram na gargalhada, fazendo Gray revirar os olhos.
  - Tantos amigos no mundo e eu tinha que ter logo vocês. Vou mandar uma carta para o responsável disso para reclamar.
  - Ah, para Gray. Você nos ama. - Paul respondeu enquanto Carrie assentia freneticamente. De repente, os três ouviram um barulho alto, seguido de gritos e depois gemidos.
  - FRENCH THE LLAMAS! - Paul gritou, rindo e levantando.
  - Que merda, Paul! Eu me assustei! Que raios foi isso?! - Gray reclamou e Carrie parecia encarar seu desenho meio raivosa. O susto deve tê-la feito errar.
  - Acho que Logan rolou a escada! - Ele ria desesperadamente, procurando por algo. - OIhem, eu preciso gravar isso! Nos falamos depois! Tchau! - E desligou a chamada. Carrie bufou.
  - Eu juro que me pergunto como acabamos amigos desse garoto. - A garota reclamou, parecendo consertar seu desenho.
  - Eu já me pergunto como você se apaixonou por ele… - Gray falou naturalmente.
  - É, eu também. - Ela arregalou os olhos e o amigo caiu na gargalhada. - Quero dizer… Droga. Não estou apaixonada por ele, Johnson. - Reclamou.
  - Claro que está. Eu sei que sim. - Ele cruzou os braços na altura do peito, com uma expressão convencida.
  - Sim, sou tão apaixonada por ele quanto você é pela Nora. - Gray ficou mudo. Não estava apaixonado por Nora. Não, claro que não.
  - Isso… Não…
  - Qual é, Gray. Eu te conheço há tempo demais, lembra? Assim como eu não escondo as coisas de você, você também não esconde de mim. - O garoto permaneceu calado. Não podia dizer que sim, mas também não podia dizer que não. Estava confuso. Não podia sentir nada por Nora. Quer dizer, mesmo se sentisse, não era recíproco e bom, isso é ruim. Muito ruim. - Olha, Gray… Eu sei que é complicado. Acredite, eu sei. - Ela suspirou. - Mas por que você não conversa com ela? A garota te beijou, certo? Pelo menos atração por você ela sente… Eu não sei como ela é, mas pelo que você fala dela, se ela realmente não quisesse nada, teria te dado o fora, não?
  - Eu salvei a vida dela mais cedo. Não deixei que ela se afogasse. Pode ser só gratidão, Carrie Page.
  - Gray, querido… Cartões são por gratidão. Muffins e cestas de fruta são por gratidão. Presentes físicos são por gratidão. Ninguém beija ninguém por estar grato por algo, cara! Não mesmo. - Foi a vez de Gray suspirar derrotado. - Olha, tenta só… conversar com ela. Ver o que tá rolando. Quem sabe o que pode acontecer mesmo? - Ela terminou seu discurso, mordendo a ponta de seu pincel. Gray sabia que a amiga estava certa. Ela sempre estava, por isso a amava. Ela era sua consciência quando sua mente falhava. Concordou com a cabeça, deixando-a cair para trás em seguida. - Ótimo. Se der tudo errado, o máximo que pode acontecer é vê-la todos os feriados ou só não passar mais os feriados com seu pai. - Gray analisou as opções e ambas pareciam dolorosas.
  - Obrigada, Carrie. Você é ótima. - Ele sorriu leve. - Espero que você faça o mesmo por si mesma e fale com Blue. - Ela revirou os olhos irônica.
  - Tá bom, Gray. - Soltou uma risadinha. - Minha mãe está me chamando. Nos falamos amanhã? - Ele concordou. - Ótimo. Até amanhã, Johnson.
  - Até amanhã, Page. - Ele fechou seu notebook e jogou-se na cama, encarando o teto. O rádio, sempre ligado em seu quarto, começou a tocar aquela melodia tão conhecida, com uma voz poderosa. Aquilo só podia ser carma. Não, não mesmo. ‘Can’t Help Falling in Love’ não tinha nada a ver com a situação dele com Nora. Nem de longe. Não estava apaixonando-se por ela. Pebbles era o tipo de garota ‘não-apaixonável’. Deus, ela tinha um mau humor do cão e sempre tinha alguma resposta irônica na ponta da língua. Fazia de tudo para que ele se sentisse mal e sempre parecia querer desafiá-lo e depois, ainda dava aquele sorrisinho debochado e superior que dava vontade de simplesmente esganá-la. Ele não a suportava. Sentia seus nervos reagirem só de lembrar-se disso. Foi quando o beijo passou por sua cabeça novamente. Por suas mãos na pele macia dela, enquanto as dela repousavam em seus antebraços. Gostaria tanto de ter aprofundado aquele beijo… Oh droga. Ele era um imbecil. Um imbecil por ter deixado o beijo acontecer. Um imbecil por ter correspondido. Um completo imbecil por ter gostado. Mas, acima de tudo, um imbecil por estar começando a se apaixonar por Nora.

  Nora estava ouvindo a rádio sem prestar muita atenção na programação. Estava concentrada em pintar as unhas dos pés e não fazer tanta bagunça com isso. Estava com o computador ligado somente por causa de Chloe, sua melhor amiga, que estava no Havaí para o feriado. Mandara uma SMS para ela, dizendo que tinha beijado Gray e ela simplesmente surtara, dizendo que se falariam à noite. Até agora, nenhum sinal da amiga.
  Gray já estava decidido; talvez levasse um fora, mas era melhor falar de uma vez. Cortar o mal pela raiz. Afundar-se em outras garotas para esquecê-la, quem sabe? Sempre era uma solução. Andava de um lado para o outro em seu quarto, tomando coragem para falar com ela sem parecer um completo idiota.
  - Conte-me tudo e não esconda NADA. - Chloe disse à amiga assim que a chamada foi atendida.
  - O que você quer que eu diga? Eu o beijei. Não foi grande coisa. - Nora se fez de desinteressada. Ela sabia que tinha, sim, sido grande coisa. Desde o beijo, Gray simplesmente ficava rondando seus pensamentos. O toque carinhoso de suas mãos em seu rosto e a textura leve dos lábios dele nos dela. Merda.
  - Nora, você beijou o GA-TO do enteado da sua mãe e não foi grande coisa?! - Chloe dava seu chilique habitual enquanto Nora só se segurava para não rir. - Qual é, ele beija mal? Porque, vamos combinar, que com aquela boca, eu duvido que ele beije mal…
  - Chloe!
  - O quê? Está com ciúmes? - Ela zoou a amiga, que só revirou os olhos. Sim, estava. - Ande, Nora! Quero detalhes! Quero saber como, onde, quando, por quê? - Ela contou tudo sem muito entusiasmo, tentando não expressar como aquele beijo havia mexido com ela. - E aí?
  - E aí o quê?
  - Como assim ‘o quê’?! Vai continuar ficando com o gostosão ou não? - Chloe perguntou com um sorriso no rosto.
  - Primeiro: Não chame ele assim. É vergonhoso. - Gray encarou a porta, nervoso. Era isso, era a hora de falar. Qualquer que fosse o resultado. - Segundo: Gray e eu nunca teremos nada. - Ele parou com a mão na maçaneta, atento ao que a garota dizia. - Ele é só o filho do meu padrasto que vem perturbar o meu juízo durante os feriados. Não vejo a hora dele, finalmente, se tocar, ter uma vida e parar de vir visitar o papai. Consequentemente, parar me importunar. Ele é só um garoto mimado, que foge da mamãe nos feriados porque não aguenta a pressão. Como eu poderia me interessar por um cara assim? - Gray sentiu a raiva tomar conta de cada célula de seu corpo. Estava a ponto de entrar naquele quarto e gritar o quão infeliz aquela garota era. Completamente infeliz e imbecil. Maldita.
  - Você não pode negar que ele é bonito, Nono. Não seria nada mal ter algo com ele. - Ouviu a voz de Chloe, uma das amigas da imbecil.
  - Chega disso, não é Chloe? Gray é só mais um cara qualquer e agora, eu preciso ir dormir. Estou cansada.
  - São só onze da noite aí, Nora. São duas horas de fuso. - Chloe conhecia a amiga. Sabia que simplesmente estava mentindo e fugindo do assunto. Do lado de fora, Gray voltou para seu quarto, batendo sua porta o mais forte que pôde e assustando Nora. Como se deixou levar por aquela… aquelazinha… Que garota mais… mais… IDIOTA! ESTÚPIDA, PREPOTENTE, IMBECIL, INFELIZ, MIMADA… Okay, ele precisava respirar. Precisava sair, esvaziar a cabeça. Pegou suas coisas, as colocou nos bolsos, pegou o carro do pai e saiu.
  Nora abriu a porta e só viu Gray, bufante, descendo as escadas o mais rápido que podia. Em seguida, ouviu o barulho da garagem. Ele saiu? À essa hora? Onde ele teria ido? Às onze da noite, com certeza em algum bar ou algo parecido… Talvez encontrar alguma garota?
  - Nora? É você quem está batendo todas as portas da casa? O que está acontecendo? - Sarah saiu de seu quarto envolta em seu roupão, com cara de sono.
  - Foi o Gray, mãe. Ele acabou de sair com o carro.
  - Oh sim. Boa noite. - Ela simplesmente voltou ao seu quarto, fechando a porta sem preocupações. Aquilo era um absurdo! Se fosse ela, com certeza, estariam ligando-a e enlouquecendo-a. Mundo injusto. Fechou sua porta e desligou a luz, deixando a cortina aberta para poder ver os faróis do carro quando Gray voltasse.
  Caiu no sono depois de alguns minutos.

  XX
  Nora enchia seu copo com suco de maçã e encarava o lugar vazio à sua frente. Não viu a hora que ele chegou, mas os pais pareciam despreocupados, servindo a comida normalmente. Já eram quase duas da tarde e Gray ainda estava em seu quarto, sem dar sinais de vida. Deu duas garfadas em seu purê de batatas e tentou prestar atenção na conversa de Ryan e Sarah sobre a festa de Natal que iriam, mas sua mente continuamente voltava ao garoto.
  Gray deu mais uma olhada no espelho. Não havia bebido além de duas cervejas na noite anterior, mas sua cabeça parecia querer explodir a qualquer minuto. Seu pescoço tinha algumas marcas deixadas pela garota que encontrara no bar, mas ninguém podia julgá-lo. Tinha enviado uma SMS para o pai, assim que chegou ao bar e talvez seja por isso que ele não tinha batido em sua porta ainda. Ele desceu as escadas ensaiando seu melhor sorriso. Nora não podia notar o quanto suas palavras imbecis mexeram com ele na noite anterior. Ele precisava estar por cima. Como sempre.
  Chegou até a sala de jantar e abriu seu melhor sorriso. Todos já estavam à mesa, almoçando e Nora foi a primeira a encará-lo com uma expressão questionadora.
  - Bom dia, Sarah. Bom dia, pai. Vá se ferrar, Pebbles. - Ele disse as três frases seguidas, no mesmo tom alegre.
  - Gray! - Ryan o repreendeu duramente, enquanto Nora o olhava surpresa. Quase como se não esperasse aquela reação vinda dele. - Onde foi parar toda a educação e boa convivência de ontem, huh? Peça desculpas à Nora, imediatamente. - Ele reclamava e Nora não conseguia desfazer sua expressão de espanto. O que ela fizera para que ele a tratasse assim? Quer dizer, eles haviam se beijado no dia anterior… Ele a salvara, se importava com ela, não é?
  - Que fique claro que eu não estou arrependido, mas… - Ele abriu um sorriso gigantesco e cheio de ironia. - Desculpe-me, Pebbles. - Nora nem conseguia ter uma reação decente. Simplesmente voltou o olhar para seu prato, tremendo de nervoso.
  - Onde você foi ontem, Gray? - Sarah perguntou em um tom sério. Também parecia estar brava com ele.
  - Fui a um bar. Nada demais. - Ele deu de ombros, virando seu rosto para Sarah e sorrindo. - A comida está maravilhosa como sempre, Sarah. - A madrasta amoleceu um pouco, como sempre e Nora pôde ver algumas marcas roxas no pescoço dele. Aquilo eram… chupões? Nora sentiu a raiva começar a correr por suas veias mais rápido, cortando seu pedaço de frango com mais raiva. Não aguentaria.
  - Aconteceu alguma coisa com o seu pescoço no bar, Gray? Você tem algumas manchas… Será alguma doença? - Ela disse, debochada e Gray riu, parecendo pronto para mais uma de suas tiradas irônicas.
  - Aconteceu. Encontrei uma loirinha, com um corpo maravilhoso e uma boca bem atrevida. - Ele deu uma piscadela para ela, que não conseguiu evitar sua expressão ofendida e surpresa.
  - Como você consegue ser tão idiota, garoto? - Ela cuspiu com toda raiva que conseguiu reunir.
  - Devo estar aprendendo com você, querida. - Ele rebateu sem hesitar, dando mais uma garfada em sua comida.
  - CHEGA! Os dois! - Sarah se posicionou. - Não quero mais ouvir nem a respiração de vocês, ou não importa o que eu tenha que fazer, vocês vão se arrepender de ter sequer olhado um para o outro. Entenderam? - Nora bufou e Gray só continuou seu almoço, sem dizer mais nada.

  - O que raios deu em você?! - Nora questionou enquanto subia as escadas atrás de Gray. - Ficou maluco? Tá achando que pode falar comigo do jeito que bem entende?
  - Eu vou falar com você do jeito que me der na telha, Pebbles. - Ele disse no tom mais calmo que conseguiu.
  - Ah, mas não vai mesmo, seu imbecil. Eu não sou qualquer uma e acho bom você tomar muito cuidado com o que você fala pra mim. - Ela cuspiu colérica, assim que chegaram ao corredor dos quartos. Gray virou-se na direção da garota, ainda mais irado.
  - E o que você vai fazer, Pebbles? Vai contar pra mamãe? Não, não, melhor! Vai contar pro papai?! - Nora arregalou os olhos. Gray já tinha sido rude com ela antes, mas nunca tinha sido tão arrogante, nunca expressara tanta raiva quanto ela podia ver agora. - Escute bem, garota. Eu não vou ficar bancando o idiota. Eu posso ser só um garoto mimado, que foge da mamãe nos feriados, mas eu não vou ficar sendo seu brinquedinho. Coloque-se no seu lugar ou eu farei isso por você. - Ele gritava tão próximo ao seu rosto, que Nora não conseguiu ter qualquer reação.
  - Imbecil. - Sussurrou assim que Gray rumou para o quarto dele, batendo a porta. Ele ouvira sua conversa com Chloe. Como? O que ele estava fazendo na porta de seu quarto? Será que ela estava falando tão alto a ponto dele ouvir o próprio nome no corredor? Todas essas reações foram por causa disso? De um comentário dela?
  Foi direto para seu quarto, jogando-se na cama e encarando o teto. Ela não sabia que o que falava tinha tanto efeito assim sobre Gray. Talvez tivesse exagerado… Quer dizer, ele não era nada do que ela dissera... Nora colocou os dedos sobre a boca, lembrando dos lábios de Gray sobre os seus. Não sabia o que estava sentindo, quer dizer, você odeia uma pessoa e depois de um simples beijo, passa a preocupar-se com ela, querer seu bem, ver seu sorriso… Deus, ela amava o sorriso dele. O que raios era isso? Por que não conseguia mais agir como se Gray fosse só mais um cara? Ela não deveria estar tão preocupada com o que suas palavras causaram nele.
  Ela podia ir até ele, pedir desculpas, não é? Não, não. Seria muito humilhante. Fora que Gray provavelmente, nem queria vê-la. Sentou em sua cama e tentou pensar em algo que pudesse fazer. Não que importasse muito, mas não queria que ele continuasse com o pensamento de que era assim que ela o via, como um covarde. Estava longe disso. Foi quando uma ideia passou por sua cabeça e simplesmente pareceu perfeita. Era exatamente o que faria.

  Gray até perdera a noção das horas, mas o cara na rádio mencionara algo parecido com quase onze da noite. Ele passara o resto do dia em seu quarto, no computador, fazendo nada com coisa nenhuma, tudo para evitar Nora. Seus olhos já estavam cansados e seus ouvidos não aguentavam mais os sons dos jogos. Precisava só descansar. Esquecer um pouco de tudo e dormir. Precisava estar descansado para voltar à Nova York no dia seguinte. Já estava coberto e com os olhos pesados quando ouviu duas batidinhas rápidas em sua porta. Ergueu a cabeça e viu um envelope que deveria ter sido posto pelo vão da porta. Avaliou suas possibilidades e simplesmente desistiu de levantar. Estava tão cansado e tão confortável… O envelope poderia ser lido amanhã.

  XX
  Nora estava sentada na sala com os pés dobrados e roendo o canto das unhas, enquanto Ryan assistia algum programa sobre viagens em um dos canais da tv a cabo. Estava nervosa. Gray tomou café com eles e subiu para seu quarto em seguida, para arrumar as malas, sem dizer nem uma palavra sobre a carta ou qualquer coisa parecida. Será que ele não a tinha nem desculpado? Ela havia dito coisas que nem deveria, ficou a tarde inteira pensando e repensando, passou a limpo três vezes e ele não se deu ao trabalho nem de comentar sobre a carta? Nem para dizer que ela era um idiota (de novo) e rasgar a bendita da carta! Nora abraçou os joelhos e encarou a tv. E se ele nunca mais voltasse para os feriados? Será que ela não o veria mais? Não, impossível. Gray não faria isso com o pai. Oh droga, sua cabeça estava fervendo por causa dele novamente.

  Gray fechou o zíper de sua mala, respirando fundo. Voltaria em alguns dias, então deixou algumas de suas coisas no armário, levando só os itens mais importantes. Sentou-se na cama, revendo se estava esquecendo de algo, quando viu o envelope em cima de seu criado mudo. Tinha pego o mesmo mais cedo, mas não deu muita importância. Agora que analisava, seu nome estava escrito ali, com a letra de Nora, tinha quase certeza. Abriu o envelope e pode confirmar. Era de Nora. Era uma carta dela para ele. Pedindo desculpas?

  “Gray,
  Não rasgue essa carta antes de ler até o fim, por favor. É meio difícil estar fazendo isso (essa é a sexta carta), então, por favor, só leia até o fim antes de rasgar, queimar ou simplesmente jogar fora.
  Então, antes de qualquer coisa, acho que eu devo desculpas a você.
  Eu lamento muito por todas as coisas que você me ouviu dizer. Eu não tinha a intenção de magoá-lo. Eu fui realmente estúpida ao dizer aquelas coisas e você não merecia nenhuma delas. Eu retiro todas. Tá, talvez não a parte na qual você perturba o meu juízo durante os feriados, mas retiro todo o resto. Você é inteligente, às vezes é engraçado (eu disse às vezes!), minhas amigas acham você bonito, você é um ótimo filho e enteado, e… bom, você sempre cuidou de mim. Como naquela vez que o nosso vizinho roubou meu Dino de pelúcia e você não sossegou até ele devolver e me pedir desculpas, lembra? Ou quando você me acalmou no dia em que eu fiquei de recuperação em álgebra e depois ainda falsificou perfeitamente a assinatura da minha mãe. Quando, mesmo com todas as brigas, você não deixou de incentivar minha inscrição pra faculdade. Além, é claro, de não deixar eu me afogar na baía.
  Eu sempre fui uma idiota e você sempre esteve lá por mim. Obrigada por isso. Obrigada por ser tão incrível a esse ponto.
  Espero que você consiga perdoar as minhas idiotices. Eu cometo muitas e não posso dizer que não vou mais cometê-las porque, bom, eu vou, mas espero que você as releve o máximo que puder.
  Estarei esperando por algum sinal de que você me desculpou. Qualquer coisa.
  Só não me faz bem saber que magooei alguém como você. Só gostaria de consertar as coisas.
  Espero que seja válido para você. Eu também vou entender se não for.

Desculpas de novo.
Nora.”

  Gray chegou ao fim da carta e só conseguiu sorrir. Aquilo deve ter absurdamente difícil pra ela. Quem diria… Nora Pebbles estava lhe pedindo desculpas. Aquilo sim era de se admirar. Ele lia e relia, só para confirmar se não estava imaginando coisas ou se aquelas palavras tinham algum sentido oculto. Nada. Todas as palavras ali escritas pareciam sinceras.
  - GRAY! SEU TÁXI CHEGOU! - Ouviu Sarah gritar do andar debaixo. Puxou a lata de biscoitos debaixo da cama e guardou a carta lá, junto com suas fotos. Pegou sua mala e desceu as escadas.
  Nora ainda estava sentada no sofá, aflita. Ele não iria desculpá-la, era evidente. Continuou abraçada aos joelhos, mesmo quando ouviu Sarah despedir-se dele e Ryan fazer o mesmo, logo depois. Ele simplesmente seguiu seu caminho até o lado de fora, sem um insulto, um ‘tchau’ ou qualquer outra coisa. Era como se ela não existisse, como se não fizesse diferença. Aquilo provocou uma sensação infinitamente incômoda nela, fazendo seus olhos arderem, mas ela não choraria. Não mesmo. Não por Gray.
  - Nora. - Sarah chamou a filha, que pareceu despertar de outro mundo. - Gray está chamando você. - Ela arregalou os olhos surpresa, correndo até à porta. Ele estava na porta do táxi, parecendo pronto para entrar, com os braços apoiados no teto do mesmo e com o maior sorriso que ela vira neste feriado ou nos últimos anos. Sorriso que automaticamente a fez abrir o seu sorriso também.
  - Vejo você no próximo feriado, Nora. - Ela suspirou, relaxada. Ele dissera seu nome, sorrira pra ela.
  - Até lá, Gray. - Ele acenou e entrou no táxi, que deu a partida em seguida.
  E por alguma razão, ela já não podia esperar pelo próximo feriado.

FIM



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