The F Word
Escrito por Effy Stanfield | Editado por Lyra M. (Até Capítulo 06) e Mariana
Chapter I — Monday
Muitas pessoas têm algo supersticioso em suas vidas o qual acreditam trazer sorte ou azar, seja um número, uma peça de roupa, um objeto, um dia da semana... Bem, eu tenho uma letra. A letra F.
Não posso afirmar se me trouxe coisas boas ou ruins, talvez um pouco dos dois, mas certamente me presenteou com muita diversão.
Quer um exemplo? Sou membro da família Fletcher, uma das famílias mais ricas da Flórida – estado onde fui nascida e criada –, e atualmente estudo Fotografia. Bizarro, eu sei, parece um trava-línguas.
No entanto, para a minha infelicidade, nenhum dos termos citados é o maior dos meus problemas. Em meio a todas as palavras iniciadas pela letra F, o destino resolveu acabar com a minha vida por intermédio de apenas uma; com somente quatro letras, porém com grandes chances de ser fatal e infelizmente eu não estava falando de fama.
F–U–C–K. Essa é a palavra que sai com maior frequência da minha boca.
Todos sempre me dizem: "você é uma moça tão bela para pronunciar tantas palavras sujas!", mas o que posso fazer se, não importa o quanto eu me esforce para evitar, um palavrão sempre define exatamente como me sinto? Como expressar surpresa sem usar "Fucking Hell"? Como dar intensidade a algo sem aplicar "As Fuck"? Sem esquecer, é claro, o famoso "Fuck You", que resolvia boa parte dos meus problemas.
A questão era que pelo fato de eu ser mulher e membro da alta sociedade, dizer expressões como essas ao longo do meu dia-a-dia era quase considerado um crime.
Principalmente para minha mãe, que precisava manter a imagem de família feliz e muito bem educada. Então ela simplesmente resolveu ameaçar tirar tudo que eu tenho e prezo caso eu não me "comportasse".
Você deve estar pensando: "O que uma garota que provavelmente passou todos os seus aniversários na Disney tem a reclamar?"
E eu, Fletcher, concordo com isso, de verdade. Reclamar por ser privilegiada nunca fora um costume meu. Normalmente eu diria "foda-se" e ignoraria mais um dos caprichos de minha mãe; no entanto, ela havia posto meu curso de Fotografia em jogo e isso eu não poderia admitir. Sendo assim, eu teria de acatar as ordens dela.
E sabia exatamente quem poderia me ajudar com isso.
, mais conhecido como , meu quase — porque temos personalidades diferentes demais para nos darmos bem o tempo todo — melhor amigo. Com seus cabelos ruivos naturais, devido sua descendência irlandesa — enquanto eu quase precisava fazer um pacto e vender minha alma a um demônio para manter o tom dos meus, o filho da puta simplesmente tinha nascido assim. Rostinho de garoto respeitoso que vai à igreja aos domingos e pose de badboy, sempre esbanjando sorrisos encantadores e cavalheirismo por onde passa, conquista qualquer mulher.
Parece que estou fazendo a propaganda do cara, contudo, lamentavelmente, é a mais pura verdade. Por algum motivo que eu não compreendo, ele é o homem que a maioria das garotas que conheço considera perfeito e o genro dos sonhos de muitas mães, inclusive a minha. Por obra desse fato, ela tentou por anos nos juntar e, graças à Afrodite, nunca deu certo. Visto que ela não conseguia fazer isso sentimentalmente, praticamente nos obrigou a viver juntos, comprando um apartamento para dividirmos quando descobriu que ambos estudaríamos na University of Central Florida.
Foi um pouco difícil no começo, pois brigávamos quase todos os dias graças ao intenso passado de rivalidade e provocações, mas, com o tempo, aprendemos a conviver em paz e até descobrimos algumas coisas em comum.
Vislumbro o motivo do meu estresse de quase todas as manhãs sentado à escada do prédio principal da College of Arts and Humanities e marcho apressadamente em sua direção.
— Preciso falar com você, !
— Bom dia, Princesa! — ele exclama com um daqueles sorrisos idiotas.
— Já tenho de olhar para a sua cara todas as manhãs, não sou obrigada a te dar bom dia!
— Uh, a garota do pântano está nervosinha hoje! — um de seus amigos babacas diz.
— Não me lembro de a conversa ter chegado ao circo! — Sorrio irônica. — Preciso falar com você, ... — repito e encaro o idiota que fez a piadinha. — A sós!
O garoto troca olhares com os amigos, como se pedisse desculpas, e eles soltam um muxoxo de protesto antes de se levantarem e seguirem para dentro do edifício.
— Então, ao que devo sua ilustre presença?
— Preciso da sua ajuda!
— Uau! Você deve estar desesperada mesmo! — o rapaz ri, fazendo-me revirar os olhos.
— Estou falando sério, ! — o automaticamente tira o sorriso do rosto ao ouvir seu nome inteiro — o qual ele odiava.
— Diga. O que aconteceu dessa vez?
— Minha mãe aconteceu! — Jogo as mãos para o alto, irritada. — Ela está ameaçando cortar o pagamento da universidade caso eu não pare de dizer palavrões e comece a agir da maneira que ela quer!
— E por que você não arranja um emprego, como qualquer outra pessoa normal faria, ?
— Até parece que você não conhece a Senhora Fletcher! É capaz dela dar um jeito de ligar para todas as pessoas do mundo e ameaçá-las se alguma me oferecer um emprego! E vender as minhas artes não é uma opção!
— E onde eu entro nessa história? — ele questiona com uma sobrancelha arqueada.
— Você é a pessoa mais educada que eu conheço. — Dou de ombros.
— Não deve conhecer muitas pessoas então! — o garoto brinca, fazendo-me lançar um olhar fulminante em sua direção. — Foi mal! O que quer que eu faça?
— Sei lá! Você prestou atenção nas aulas de etiqueta, me ensina a ser mais polida! Preciso me transformar em uma garota fresca e recatada até o Dia de Ação de Graças!
— Sabe que só falta um pouco mais de uma semana, né?
— É claro que sei! É por isso que estou desesperada, porra!
O Dia de Ação de Graças é a data a qual todo ano minha mãe organiza uma festa beneficente para o Lar Sunshine, um abrigo para crianças abandonadas. Engana-se quem pensa que ela faz isso por pura bondade. Na verdade, seu único objetivo é inflar ainda mais seu próprio ego, uma vez que esse evento é considerado um dos mais esperados do ano e é sempre noticiado em diversos jornais e revistas, mantendo sempre sua imagem de boa mãe, boa esposa e grande ativista social. Tudo besteira.
— Vamos fazer um trato: Eu te ajudo com o seu comportamento e você terá um limite de duzentos palavrões de hoje até o final da festa. A cada palavrão dito, terá de me dar um beijo e deve ser no exato momento depois que você disser, não importando o lugar onde estivermos.
— Mesmo se tiver várias pessoas em volta? — questiono, indignada, e o concorda com a cabeça.
— Uma palavra suja, um selinho. Duas palavras, um beijo de verdade. E quando atingir as duzentas palavras... — Um sorriso travesso surge em seus lábios.
— O quê? — pergunto, já não gostando do que estava por vir.
— Você não quer que eu diga em voz alta, não é?
— Ai, meu Deus, você vai mesmo se aproveitar dessa situação? — Rio, incrédula.
— Não existe almoço grátis, Princesa! — o garoto ergue os ombros em sinal de indiferença. — E confesso que no fundo sempre quis saber o que você esconde por trás de toda essa rebeldia então, sim, vou me aproveitar dessa situação.
Bufo, ainda não acreditando que ele estava me propondo aquilo. Mas que opções eu tinha, afinal?
— Tudo bem. Eu aceito.
— Sério? Fácil assim? — eleva uma de suas sobrancelhas e balanço a cabeça, afirmando. — Pensei que você fosse relutar um pouco e deixar as coisas mais interessantes.
— Tempos desesperados exigem medidas desesperadas. — Estendo minha mão direita. — Trato fechado?
O encara meu rosto por alguns segundos, como se esperasse eu voltar atrás, em seguida, os cantos de sua boca se erguem em um sorriso carregado em divertimento e ele cobre minha mão com a sua.
— Trato fechado.
Com o corpo estirado sobre o sofá do nosso apartamento, completamente entediada, eu esperava terminar de montar sua "aula" de etiqueta. Ele tentava atrapalhadamente posicionar o Flip-Chart no centro da sala — eu não fazia a menor ideia de onde ele havia retirado aquilo. Após muita luta, o garoto suspira e se vira em minha direção.
— Ok... Regra número um: Nada de se sentar toda largada assim! — O usa a régua em suas mãos para golpear minhas pernas.
— Caralho, ! Essa porra dói! — queixo-me.
Estranho sua aproximação repentina e só me dou conta do que estava acontecendo quando ele já estava perto demais para que eu pudesse impedir. segura ambos os lados da minha cabeça e pressiona seus lábios sobre os meus. Não sabia como reagir, então simplesmente fiz o óbvio: Correspondi. Embrenhei meus dedos em suas madeixas rubras e acariciei sua língua com a minha.
Agora eu entendia perfeitamente o porquê de o considerarem "molhador de calcinhas". Só aquela porra de beijo já fazia você querer tirar a roupa inteira.
O garoto se afasta com um sorriso travesso estampado em sua face. Provavelmente estava se divertindo com a minha expressão embasbacada. Quando finalmente volto à consciência, uma onda de irritação sobe pelo meu rosto.
— Que merda foi essa!?
— Nosso acordo já está valendo, lembra? — O rapaz ri e volta a se posicionar ao lado do quadro. — Sabe o que me impressiona? Começamos isso não tem nem vinte minutos e você já soltou três palavrões!
— Três o cacete! Merda não é palavrão! — rebato e ele emite uma risada. — E não me agarre desse jeito novamente, espere que eu tome a atitude!
— Tudo bem. Você quem manda! — levanta as mãos em sinal de rendição. O garoto se vira para o quadro e começo a escrever, enumerando as normas. — Regra número dois: Não importa como esteja o seu humor, sempre sorria e cumprimente as pessoas com quem se deparar. Sempre dê bom dia, boa tarde ou boa noite.
— Por que eu mentiria dizendo que algo está bom, quando claramente não está? — pergunto transbordando obviedade em minha voz e o garoto rola seus orbes.
— Você não está dizendo, está desejando! Isso é uma regra básica da educação, nem deveria ser necessário eu lhe dizer isso, !
— Grande parte das pessoas com quem encontro geralmente está indo trabalhar ou estudar em lugares que elas odeiam e provavelmente não terá um dia bom. Mas, claro, a sociedade nos impõe que devemos ignorar como nos sentimos e fingir que está tudo maravilhosamente bem!
— Meu Deus, ! Você está mesmo problematizando um cumprimento?
— Talvez eu esteja! — cruzo os braços sob o peito, provocando uma risada no garoto.
— Continuando... — aponta para o quadro. — Regra número três: Use "por favor" e "obrigada" sempre que necessário e peça desculpas, mesmo quando não foi culpa sua! — Abro a boca, preparando-me para protestar, porém o garoto me corta antes mesmo que eu pudesse concluir a ação. — Você pediu para que eu te ajudasse nisso, então não venha reclamar agora!
Emito uma audível bufada de ar e faço gestos com as mãos para que ele prosseguisse. O garoto volta a escrever na lousa.
— Regra número quatro: Nunca interrompa uma conversa e sempre peça licença ao entrar em um assunto, um lugar ou quando alguém estiver atrapalhando sua passagem. — Balanço a cabeça, demonstrando compreensão. — Regra número cinco: Converse olhando nos olhos das pessoas. Isso passa imagem de segurança e interesse.
— Não consigo fazer isso sem ter vontade de rir! Me dá nervoso! — protesto.
— Você não precisa olhar diretamente nos olhos. Pode focar em outro ponto do rosto e dar impressão de estar olhando para eles.
— E se a pessoa tiver um nariz engraçado ou a sobrancelha falhada? — O rapaz me lança um olhar tão severo que fez meu corpo estremecer. Ergo as mãos, rendendo-me. — Está bem! Não está mais aqui quem falou! Continue!
— Por último e não menos importante, regra número seis: Não falar palavrões! — O faz dois grandes riscos abaixo da frase após escrever — Mas como ambos sabemos que essa tarefa será imensamente dificultosa para você cumprir, principalmente durante a festa, sugiro fingirmos estarmos namorando. Isso vai aliviar um pouco as coisas, sobretudo com a sua mãe, você sabe o quanto ela me ama!
— Meu Deus! Você é um narcisista de merda! Como pode caber tanto ego dentro de uma pessoa?
— Não é ego! Não tenho culpa se as pessoas me amam! — o garoto diz em tom quase ofendido.
— Por favor, pare! Está me deixando nauseada! — cubro a boca com uma mão, fazendo expressão de nojo e ele revira os olhos.
desmonta o cavalete e recolhe todo o material da sua aula, caminhando sentido ao corredor, adentrando seu quarto. Sinto meu estômago reclamar de fome e me levanto, seguindo para a cozinha. Abro a porta do armário, tendo a decepcionante visão de um enorme vazio. Em seguida, abro a geladeira, encontrando apenas garrafas de água e restos de pizza fora da validade. Bufo e jogo-os na lata de lixo.
— Amanhã vou lhe ensinar os modos à mesa. Tenho a impressão de que isso será muito divertido. — O garoto parado à porta sorri maroto. — Não se preocupe, irei deixar lembretes das regras em todos os lugares facilmente visíveis para você, especialmente a porta da geladeira.
— Não tem nada para comer nesse lugar? — questiono irritada.
— Desculpe, não tive tempo de fazer compras essa semana e nós estamos de saída mesmo.
— Saída para onde? — pergunto confusa.
sorri de uma forma que eu já sabia que não gostaria nada do que estava para sair de sua boca.
— Nós vamos praticar o que você aprendeu hoje!
Ao decorrer de todo o trajeto que fizemos pelo Campus até a Cafeteria, me obrigou a sorrir e saudar quase todas as pessoas com quem topamos. A maioria me olhava estranho ao ver aquele simples "bom dia!" escapar por entre meus lábios, como se eu fosse incapaz de pronunciar aquilo. A minha sorte era que os xingamentos mentais não contavam, porém provavelmente sabia o que se passava dentro da minha mente, pois sorria divertido a todo o momento.
Ás vezes me impressionava o quanto podemos ser parecidos e completamente diferentes ao mesmo tempo. Quando chegamos à UCF, éramos conhecidos como "duplo F", devido aos nomes e aparência parecida. Muitas pessoas já chegaram a nos perguntar se éramos irmãos — e, acredite, até eu cheguei duvidar deste fato algumas vezes. Enquanto nossos gostos eram semelhantes, nossas personalidades se divergiam em vários aspectos. é recatado e tem lábia, sabe conquistar as pessoas. Já eu, mal sabia me expressar sem soltar algum tipo de xingamento. Pelo menos tínhamos algo em comum: Ambos eram teimosos e adoravam um desafio.
Ao adentrarmos a Cafeteria, avisto Jake e Summer sentados a uma mesa no canto e arrasto até eles. Jacob Rivers era o único amigo de que prestava. Ele é estudante de Música, assim como Summer; ambos se conheceram através de um trabalho e começaram a namorar desde então. Devido à garota estar constantemente em nosso apartamento e frequentarmos o mesmo pub onde a Atomic Mess, banda de indie rock a qual Jake faz parte, se apresenta, acabamos nos tornando melhores amigas.
— Bom dia! — saúdo-os animadamente e me sento na cadeira vazia. A garota negra me fita com a sobrancelha direita arqueada.
— Está se sentindo bem, ? Não bateu a cabeça ao se levantar da cama hoje? — minha amiga põe uma de umas mãos sobre minha testa.
— E por que eu não estaria? Não posso ser alegre e educada?
— Poder até pode, mas não faz muito o seu feitio! — Summer conclui, provocando risos nos outros dois à mesa.
— Vai se foder, Summer! — exclamo enfurecida.
Só me dou conta do que tinha acabado de fazer quando já era tarde demais.
Porra. Caralho. Puta que pariu!
Encaro e percebo um sorriso presunçoso desenhado em seu rosto. Praticamente imploro com o olhar para ele não me submeter aquilo, pelo menos não antes de eu explicar toda a situação à Summer, porém o garoto balança a cabeça negativamente e dá leves toques sobre os lábios com o dedo indicador.
Suspiro frustrada, levanto parcialmente meu tronco e inclino-me sobre a mesa, pressionando meus lábios rapidamente sobre os dele.
Ao voltar ao meu lugar de origem, noto minha melhor amiga com os olhos castanhos arregalados e a boca aberta em surpresa.
— Vocês estão namorando!? — a garota vocifera.
— Não! — respondo.
— Sim! — diz ao mesmo tempo. Disparo um olhar impetuoso em sua direção. — Estamos só... Nos divertindo.
— Essa juventude de hoje em dia! — Jake brinca, provocando uma rodada de risos em todos à mesa.
Sinto meu estômago roncar novamente e peço licença para me levantar da mesa. Caminho até o balcão de atendimento e peço um frapuccino de chocolate acompanhado de dois donuts. Digo por favor e agradeço, como fui instruída. A atendente me fita como se eu fosse um extraterrestre falando em outra língua.
Qual é? Era tão estranho assim eu usar simples expressões de gentileza!?
Quando volto à companhia de meus amigos, Jacob estava falando sobre suas novas composições, o que eu particularmente não entendia, então opto por basicamente comer e observar a conversa, dando uma risada ou outra. Jake era um cara legal, mas às vezes viajava demais e dizia coisas complexas demais para minha capacidade intelectual. Summer já admitiu que nem sempre o entende também, então não me sentia tão burra.
— , vem ao banheiro comigo? — Summer pergunta e eu assinto, já me levantando.
— Fico imaginando o que as mulheres tanto fazem no banheiro juntas. — Jake comenta.
— Com certeza falar mal de caras idiotas como você! — a menina rebate e segura em meu braço guiando-nos até o banheiro.
Vou direto ao espelho checar minha aparência. Não via como estava o meu rosto desde a primeira vez que saí de casa a procura de . Eu provavelmente estava parecendo uma Nimbus 2000 depois de ser estraçalhada pelo Salgueiro Lutador.
— Agora me conta o que está acontecendo entre você e o !
— Não está acontecendo nada, ué. Só estamos ficando, como ele disse!
— Ah, claro! Você acha que eu nasci ontem, ? Ele seria a última pessoa que você ficaria sem me consultar antes! Vocês estão aprontando alguma coisa!
— Tudo bem! Eu conto! — bufo, apoiando meu corpo sobre a bancada da pia. — Nós fizemos um acordo de ele me ajudar com algumas aulas de etiquetas porque a tão esperada festa está chegando e você sabe como minha mãe é! E uso palavrão quase como vírgula, né? Então toda vez que eu disser um, preciso beijá-lo.
— Meu Deus, então o que dizem é realmente verdade! — a menina cobre a boca com a mão, fingindo espanto. — Pessoas brancas são loucas!
Emito uma risada e dou um leve empurrão no ombro de minha amiga, provocando riso na mesma. Summer se vira para o espelho e afunda os dedos em seus cabelos negros, afagando-os até ficar da forma que desejava e em seguida retira seu pequeno kit de maquiagem da bolsa — o qual ela não saía de casa sem.
— Você e o Jake estão brigados?
— Nah. Só precisei colocá-lo em seu devido lugar! — A garota contorna os lábios com o batom vermelho e sorri para o seu reflexo.
— Vocês são um casal bem inusitado.
— É tudo uma questão de ótica. — Ela dá de ombros.
E foi então que tudo passou como um flash em minha mente.
Ótica. Visão. Visualização. Aula de Visualização Fotográfica!
— Puta merda! — praguejo antes de correr porta afora.
Atravesso o interior da lanchonete como uma bala, resgato minha bolsa sobre a mesa e sem dizer uma palavra sequer, disparo rumo à saída do estabelecimento. Logo ouço meu nome ser chamando e sinto meu braço ser puxado, fazendo-me parar. Era .
— Espera aí! Por que essa pressa toda? O que aconteceu?
— Gostaria muito de poder ficar aqui vagabundeando com vocês, mas estou atrasada pra caralho! — envolvo sua nuca com a mão direita, aproximando seu rosto do meu.
— Espera! — o garoto me impede de concretizar o ato. — Queria te parabenizar por hoje, você se mostrou uma ótima aluna, .
Sorrio e trago seu rosto de volta para perto do meu, finalmente fazendo com que nossos lábios se encontrassem.
— Obrigada! E... Bom, o que posso fazer? Eu aprendo rápido demais!
Lanço-lhe uma piscadela e me viro de costas, voltando a percorrer o caminho que fazia antes.
Chapter II — Tuesday
Após as aulas pela manhã, encontro-me com no estacionamento para irmos ao mercado — porque não dá para viver a vida inteira pedindo delivery. Na verdade, basicamente vivíamos de comida congelada, pois ambos eram preguiçosos demais para tentar preparar algo comível ou saudável. Eram raros os momentos em que eu me dava ao trabalho de ir até o fogão.
Temos o costume de cada um fazer a sua lista de produtos pessoais e itens que consideram necessários para a casa e ao final nos encontramos no caixa, para dividirmos a despesa igualmente.
Apanho meu carrinho e vou diretamente para a seção mais importante do mercado: Os doces. Encho o carrinho com os mais variados tipos de biscoitos e guloseimas repletas de açúcar, glúten e muito chocolate. Em seguida, parto para as massas, que era outro ponto fraco meu. Empilho diversas caixas contendo lasanhas, pizzas, hambúrguers, ou qualquer espécie de alimento que para consumir só era necessário esquentar no microondas.
Summer sempre tentava me alertar de que algum dia eu sentiria os efeitos que uma alimentação não-saudável poderia me causar, seja com aquela gordurinha a mais na barriga ou com alguma doença que futuramente se desenvolveria, porém, eu nunca lhe dava ouvidos. Se todos nós vamos partir um dia, eu preferia ao menos morrer sabendo que aproveitei bem tudo de mais gostoso existente no mundo.
Avisto uma pilha triangular de latinhas de coca-cola entre duas seções e me aproximo. Tento alcançar o topo da pirâmide, porém, mesmo que minha estatura fosse mediana, ainda não era suficiente para alcançar as latas de cima, então opto por simplesmente pegar a que estava ao meu alcance.
E foi neste exato momento que tudo começou a desmoronar como as torres feitas de peças de lego que eu tentava montar quando criança e um idiota sempre derrubava — nesse caso a idiota era eu. Várias latinhas caindo e rolando pelo chão em câmera lenta — na verdade, elas caíam em uma velocidade impressionante, mas como eu estava parada igual uma tonta encarando a cena, boquiaberta, qualquer coisa se tornava lento demais dentro do cérebro em pane.
— Puta que pariu! — As palavras saem por entre meus lábios quase como um sussurro.
Antes que minha mente pudesse pifar novamente, minhas pernas estavam correndo o mais rápido que conseguiam em direção contrária a que vim. De repente avisto ao final de um corredor, provocando a sensação de alívio em meu peito meu peito. Desacelerei o passo ao mesmo tempo em que observava com o cenho franzido a cena à minha frente: O estava recostado à prateleira, ao passo que uma loira vestindo uniforme de líder de torcida praticamente o comia pelos olhos enquanto conversavam. Reviro os olhos nas órbitas e me aproximo.
— Olá, querida, boa tarde! Como vai? Se importa se eu pegar o meu amigo emprestado um pouquinho? Obrigada! — Seguro no braço do garoto e o arrasto para outro corredor, ignorando a feição indignada da loira.
Sem pensar duas vezes, empurro seu corpo contra a primeira coisa sólida que encontro e grudo meus lábios aos seus com ferocidade. Fora mais intenso do que eu planejava, todavia, estava me sentindo desesperada demais para dar importância a isso.
— Agora... Vamos... Embora! — exprimo, ofegante, e volto a agarrar seu braço, guiando-nos em direção à saída.
— Mas eu não peguei nem metade das coisas ainda! — para de andar, desvencilhando-se de mim. — O que você aprontou, !?
O rapaz me lança um olhar acusador, fazendo que meu nervosismo aumentasse. Começo a andar de um lado ao outro, aflita.
— !
— Ok... Vamos usar uma situação hipotética: Digamos que talvez, e só talvez, eu tenha derrubado uma pilha inteira de latinhas de coca-cola!
— Você o quê?
— Não se faça de idiota, eu não vou repetir! — suspira e passeia uma das mãos pelos fios de seus cabelos.
— Sabe se alguém viu?
— Ah, claro que eu iria ficar olhando em volta enquanto faço merda! — respondo, irônica. — Óbvio que não! Saí correndo de lá o mais possível!
— Você deixou seu carrinho de compras lá? — Balanço a cabeça, afirmando. — Certo. Espere aqui enquanto vou buscar e, por favor, não encoste em nada, pois as chances de você fazer outra besteira ainda são grandes!
O garoto some pelo corredor, deixando-me ainda mais apreensiva. Volto a caminhar para lá e para cá, desejando mais do que nunca poder aparatar para o mais longe possível daqui. Alguns minutos — que pareceram horas — e várias unhas roídas depois, ressurge carregando o meu carrinho de compras abandonado. Mesmo estando um tanto distante, pude perceber que ele ria de alguma coisa.
— Como você conseguiu fazer aquilo? Foi um estrago e tanto! — emite mais uma risada.
— Se soubesse que você ia rir da minha cara, eu não teria pedido a droga da sua ajuda! — exclamo, irritada.
— Foi mal! Vamos terminar isso logo para podermos meter o pé daqui! — Concordo com a cabeça e resgato meu carrinho de suas mãos.
A hora que se seguiu pode ser basicamente resumida por: me seguindo por todo o mercado, como se fosse minha sombra. Ele alegou que não poderia me deixar sozinha nem por um segundo, pois eu poderia facilmente fazer alguma outra idiotice. Quase o mandei ir tomar no cu e só não o fiz de fato porque seria obrigada a beijá-lo e eu não estava com paciência para tal.
Ao chegarmos em casa, jogo meu corpo exausto sobre o sofá e suspiro. O dia mal havia começado e eu já estava estressada pra caralho. Minha cabeça estava a mil e tudo que eu mais queria era poder deitar na minha cama quentinha e dormir.
— Pode levantar a bunda daí! Vamos começar nossa aula de modos à mesa agora mesmo! — vocifera e emito um murmuro de insatisfação. — E nem adianta rosnar para mim!
— Olha! Tenho um presentinho para você! — Enfio a mão dentro do bolso da minha calça jeans, simulando pegar algo, e em seguida ergo-a lentamente, exibindo meu dedo médio em riste.
— Ei! Isso foi rude e obsceno!
Levanto-me do sofá, ignorando o semblante falsamente indignado do rapaz.
— Bom, o trato falava sobre limitar palavras obscenas, mas não dizia nada sobre os gestos! — Pisco o olho direito em sua direção e sigo rumo à sala de jantar.
Logo sou acompanhada pelo , que avança até o armário de louças, retira de lá uma pilha de pratos e põe sobre a mesa, logo em seguida, apanha quatro taças de tamanhos diferentes e um conjunto de talheres. Ele faz menção para eu me sentar e eu obedeço. organiza os utensílios de jantar sobre a mesa à minha frente, separando garfos e facas para cada lado e coloca um guardanapo sobre o meu colo.
— Vamos começar! — O garoto diz empolgado. — Essa taça é usada para champanhe — Ele aponta para a mais comprida. —, a mais gordinha é para vinho tinto, a seguinte para vinho branco e a última para água. Não é algo com que você precise se preocupar realmente, pois o garçom irá servir da maneira correta, mas é bom saber. É crucial que você dê goladas leves no vinho e sempre beba um pouco de água entre elas.
— E qual é a graça em tomar vinho com água? — questiono, irônica.
— Bem, graça não tem, porém impede que você fique bêbada no meio da refeição e faça alguma besteira. — O rapaz da de ombros.
Eu odiava admitir — e nunca iria fazê-lo em voz alta —, mas ele tinha razão. Assinto com a cabeça e faço gesto para ele continuar.
— Como estamos em uma época ainda relativamente quente, provavelmente não teremos sopa, o que é uma grande vantagem, já que evita que você cometa alguma gafe. — Lanço-lhe um olhar fulminante. — Ao usar os talheres, sempre comece de fora para dentro. Eles estarão organizados na ordem em que os pratos serão servidos e cada um tem sua função; os um pouco mais curvados são usados para peixe, essa faca que parece uma espátula facilita na hora de retirar a espinha; os outros, você pode usar para a próxima refeição que vier.
“É de extrema importância lembrar que você deve cortar a carne ou o que for servido com a mão direita, descansar a faca e levar o garfo à boca com a mesma mão, uma vez que esta é a qual você tem maior controle. Os talheres acima do prato são para sobremesa, eles são menores então são fáceis de identificar. Sempre mantenha a postura ereta, seu corpo não deve ir até a comida e sim a comida ir até você. Nunca, em hipótese alguma, apóie os cotovelos sobre a mesa.”
— Ei! Devagar! É muita informação para absorver! A droga da minha cabeça está dando nó! — protesto, exasperada.
— Relaxa, você vai pegar o jeito à medida que formos treinando! O que, aliás, começa agora.
— Beleza, então cadê a comida? — questiono e ouço a risada do . — Ah, então você quer que eu coma comida imaginária?
— Isso é só uma simulação de jantar! — o garoto rola suas íris esverdeadas. — Nós vamos treinar em um restaurante de verdade depois, não se preocupe. Neste momento você apenas precisa se preocupar em aprender as técnicas.
— Com comida invisível?
— Você precisa mesmo complicar tudo?
— Ah, sim, é um dos meus maiores hobbies! Depois de irritar você, é claro! — Sorrio.
— Quer comida de verdade? Ok, então! — O garoto caminha irritado até as sacolas do mercado que deixamos no chão da cozinha e retira de lá uma maçã, colocando-a sobre o meu prato em seguida. — Pronto!
— Isso não é uma carne, é uma fruta, aliás, uma que eu nem gosto de comer. Me dá prisão de ventre.
— Puta que pariu, ! — o enterra as mãos nos próprios cabelos, irritado. Aquela era a primeira vez em meses que eu o ouvia xingar.
— Uh, alguém está ficando nervosinho! — provoco.
— Você realmente está testando minha paciência, não é?
— Oh, não! — Cubro a boca com a mão, fingindo espanto. — Você descobriu minha missão na Terra! Agora terei de matá-lo!
— Será que podemos focar aqui? Quanto mais rápido fizermos isso, menos tempo vamos gastar um com outro!
— Tudo bem! Vou cortar essa linda maçã, fingindo ser um belo e suculento pedaço de bife!
Enfio o garfo no meio da maçã e, com a faca posicionada na mão direito, corto um pedaço dela. Tento imediatamente inverter as mãos que seguravam os talheres, porém, falho, deixando-os caírem de volta ao prato. Bufo, frustrada.
— Não dá para fazer isso rápido! Sempre vou me atrapalhar!
— Você não tem de comer rápido! Dê garfadas pequenas e mastigue devagar. A comida não vai fugir do seu prato!
— Você quer que eu me transforme em uma merda de tartaruga agora?
— Não, , quero que você saboreie a comida. Cada pedacinho dela.
— Para isso eu preciso comê-la, não ficar só olhando! — exclamo, indignada.
— Escuta, você não pode comer como uma mulher das cavernas no jantar chique da sua mãe! Não adiantará nada todo o progresso que fizemos até agora se o mais importante for por água abaixo!
Solto uma bufada de ar, irritada, e seguro o garfo com a mão direita, começando a levá-lo até a boca.
— Mantenha a coluna reta. — o garoto usa a régua do outro dia para empurrar meu corpo para trás.
— Encosta essa porra em mim de novo e vou enfiá-la em um lugar que você não vai gostar!
ri, se inclina sobre mim e me rouba um selinho, afastando-se rapidamente, antes que eu fosse capaz de lhe acertar um tapa.
Disposta a acabar logo com aquela merda, volto minha atenção ao garfo e finalmente o introduzo em minha boca, saboreando o pedaço de maçã como se fosse o último no planeta Terra.
— Agora beba um pouco do vinho.
— Não dá para colocar algo de verdade ali dentro também?
— ...
— Tudo bem! — apanho a taça vazia e levo-a até os lábios.
— Enxuguem os lábios com o guardanapo em seu colo. — Ele ordena e eu o faço. — Parabéns! Agora você só precisa repetir todo esse processo durante todo o jantar, a noite inteira! — o diz em falso tom de animação e eu reviro os olhos.
O rapaz pega a maçã, que tinha seu pequeno pedaço faltando, e segue em direção à porta do cômodo.
— Ei, ! — chamo, fazendo-o se virar para mim. — Obrigada pela paciência para me ensinar e desculpa ter atrapalhado seu flerte hoje cedo.
— Eu não estava realmente flertando. Ela estava me convidando para uma festa que vai acontecer na fraternidade do namorado dela hoje à noite.
— Ela tem namorado e estava quase te devorando daquele jeito? Uau! — finjo surpresa.
— Sabe que a maioria dos relacionamentos aqui só serve para aumentar popularidade. Ninguém é realmente de ninguém. — Ele ergue os ombros.
— Sorte a minha que a gente não namora de verdade, então!
— Não sou esse tipo de cara. Quando firmo um compromisso, eu cumpro.
Ele lança uma piscadela para mim, antes de dar uma mordida na fruta e sair da sala.
Depois de passar quase a porra do dia inteiro decorando as regras idiotas que havia estabelecido, resolvi tirar meu tempo de descanso. E por “descanso” eu me referia a “me divertir noite adentro com jogos extremamente violentos, sanguinários e repletos de tiroteios e mortes”.
Não que eu seja uma psicopata ou algo do tipo, porém, por ser a única menina entre todos os primos — e consequentemente a mais paparicada. — eu aprendi que jogar videogame, futebol, basebol, bola de gude e soltar pipa eram mais divertidos do que brincar de boneca. Foi aí que minha história com o começou, eu sempre tentava me enturmar entre as brincadeiras dele com meus primos e ele me odiava por isso, mas nunca foi um motivo que me fizesse desistir, na verdade, sempre achei muito divertido provocá-lo e irritá-lo.
Eu jogava tranquilamente — se considerarmos pular, gritar e xingar a televisão uma forma de tranquilidade.— meu recém adquirido Call of Duty: Infinite Warfare e durante toda a minha agitação acabei deixando meu celular cair e rolar pelo chão e automaticamente tive o impulso de resgatá-lo. Quando volto minha atenção para a tela, já era tarde demais; uma granada havia sido jogada em minha direção e eu não tinha tempo de fugir.
— FILHO DA PUTA! ENFIA ESSA PORRA DE GRANADA NO CU, SEU BOSTA! — grito contra a tela ao ver as palavras “gameover” estampadas nela.
Arremesso o controle do aparelho sobre o assento do sofá e cruzo os braços, exasperada. Levanto-me, ainda mais irritada por lembrar que, graças àquele maldito trato, agora eu deveria ir atrás daquele desgraçado e ser obrigada a trocar saliva com ele.
Caminho até seu quarto e bato na porta. Ao obter nenhuma resposta, resolvo simplesmente abri-la — torcendo para que ele não estivesse pelado ou fazendo algo que eu não gostaria de ver — e encontro o cômodo completamente vazio. Procuro-o no escritório, no estúdio, no banheiro, na varanda e nada.
Ah, ótimo, agora você vai ter de procurá-lo por aí ás uma e pouca da manhã, no escuro e sozinha, correndo o risco de ser espancada, assaltada, estuprada ou assassinada! Parabéns, !
Marcho até a cozinha, em busca da minha última refeição, e encontro um bilhete colado à porta da geladeira que dizia:
“Fui a uma festa na KS e não sei que horas volto.
Tem lasanha no microondas, use as regras quando for comê-la.
Não faça nenhuma besteira até eu voltar.
Xx ”
Reviro os olhos, liberando uma gargalhada em seguida. Quem, em pleno século XXI, ainda deixa bilhetes? Qual é! Uma mensagem de texto teria me poupado bastante tempo! Pensando bem, existia grande probabilidade de eu ignorar por pura preguiça.
Retiro um pedaço da lasanha, coloco em um prato e me posto a comer, seguindo as devidas regras de etiqueta. Me enrolei um pouco de início, mas depois me saí bem. Nunca pensei que me sentiria tão realizada de novo em conseguir cortar uma lasanha desde quando eu tinha quatro anos e fiz isso pela primeira vez.
Ponho uma calça jeans e um cardigan, devido à brisa fria da madrugada e dou uma ajeitada em meus cabelos — apesar de não planejar ficar na festa, eu precisava estar ao menos apresentável. Resgato minha chave — a qual eu sempre mantinha um spray de pimenta atado para o caso de algum idiota tentar alguma gracinha para cima de mim — sobre a bancada da cozinha e deixo o apartamento.
Atravesso o estacionamento do prédio, seguindo pela rua Aquarium Agora, rumo à Greek Park, onde são localizadas as casas das fraternidades e irmandades. Eram aproximadamente nove minutos de caminhada, mas ainda assim eu estava com o cu na mão, uma vez que a rua estava completamente escura e deserta. Se eu nunca havia manifestado qualquer comportamento religioso antes, naquele momento eu estava rezando para todos os deuses que poderiam existir.
Suspiro ao me ver parada frente à mansão em arquitetura grega da Kappa Sigma — mas não foi necessariamente de alivio. Eu odiava ir às festas em fraternidades. Todos aqueles machos brancos e ricos, carregados em testosterona e ego, que não conseguem ouvir um “não” e acham que todo ser humano do sexo feminino está à sua disposição não são pessoas com o qual tenho muita paciência.
Antes de adentrar a casa, já era possível perceber o que encontraria lá dentro: Gente bêbada passando vergonha e casais se pegando pelos cantos sem nenhum pudor. Eu nem havia entrado e já queria dar o fora dali.
Abro a porta, sendo recebida pelo som de uma música eletrônica exageradamente alta e gritos vindos de quem estava perto da porta. Um rapaz com jaqueta dos Knights põe um cordão de lírios do vale ao redor do meu pescoço — aquela era a forma deles de dar boas vindas.— e me entrega um copo vermelho com líquido suspeito.
— Você viu o por aí!? — praticamente berro em seu ouvido.
O moreno aponta para a parede ao lado da porta da cozinha, onde o era prensado pela mesma loira de hoje cedo. O garoto tinha um copo parecido com o meu em mãos e sorria sedutor para a menina à sua frente, que tinha o rosto a poucos centímetros do seu. Levo o copo em minha mão à boca, virando todo o conteúdo garganta abaixo e entrego-o de volta ao rapaz.
— Obrigada! — vocifero antes de marchar a passos firmes em direção ao meu amigo.
— Com licença, querida! — Seguro no ombro da loira, afastando-a do , que me encara surpreso.
Antes que pudesse dizer alguma coisa, envolto sua nuca com a mão e junto minha boca a dele. O envolve minha cintura com o braço direito, pressionando meu corpo contra o seu, e pede passagem para sua língua por entre meus lábios. A boca dele tinha o gosto da mistura perfeita de frutas vermelhas.
Caralho! Era ainda melhor do que da primeira vez!
Afasto-me lentamente do garoto, em busca de ar. Um sorriso enviesado se forma em seu rosto, fazendo com que seus lábios avermelhados se tornassem ainda mais atrativos.
— Uau! Essas aulas estão dando certo mesmo! Estou me sentindo orgulhoso!
Como sempre ele tinha que fazer alguma piada e estragar o momento. Reviro os olhos, impaciente, pego o copo em sua mão esquerda e tomo todo o seu conteúdo, sentindo o líquido queimar minha garganta.
— Cala a porra da boca! — ordeno e volto a colar nossos lábios, impedindo-o de proferir qualquer tipo de protesto.
Exploro o interior de sua boca com minha língua, sugando o máximo que consigo do seu sabor. Eu não sabia se era aquela porra de bebida ou a essência daquele maldito garoto, mas alguma coisa fazia aquele beijo se tornar cada vez mais gostoso e viciante.
— Vai buscar mais bebida para mim! — ordeno-o assim que nos separamos.
— Como é? Não foi assim que eu te ensinei!
— Você poderia, por favor, ir buscar mais bebida para mim?
— Essa é a minha garota! — O garoto sorri e me rouba um selinho. — Já volto!
Viro-me de costas e constato que a loira ainda continuava ali parada, com os braços cruzados e o olhar carregado em um misto de raiva e indignação, provavelmente esperando que eu me explicasse.
— Desculpe! Foi ele quem me obrigou a fazer isso! — Dou de ombros e sigo para a área externa da casa, onde não tinha tanta gente e nem música alta.
Encontro algumas pessoas desmaiadas pela grama, enquanto outras brincavam do que parecia o jogo da garrafa em um canto. Encaro a piscina, com sua água cristalina refletindo a imagem da lua. Não entendia o porquê de ninguém estar dentro dela. Fazia uns vinte e poucos graus, o que era típico para essa época do ano, além disso, gente bêbada sempre gosta de fazer idiotice.
Sorrio com a ideia que se passava em minha cabeça e retiro os sapatos, a calça e o casaco, pulando na piscina em seguida. Meu corpo reage à mudança de temperatura por alguns segundos, mas logo depois a sensação da água gelada contra minha pele se torna imensamente agradável. Relaxo o corpo até que ele estivesse completamente flutuando, me posto a observar o céu parcialmente estrelado e sorrio.
Talvez esse tipo de ambiente não fosse tão ruim, afinal de contas.
Chapter III — Wednesday
Eu caminhava pelo campus ao lado em direção ao prédio da College of Arts and Humanities para minha aula de Técnicas de Iluminação Fotográfica e reparo que alguns alunos olhavam em nossa direção enquanto conversavam. Para ser sincera, eu havia percebido pessoas me olhando estranho desde que havia saído de casa, mas não dei real importância; eu não tinha muita paciência para aquele bando de gente fútil às oito da manhã — ou em qualquer outra hora do dia —, ainda mais quando estava em uma semi-ressaca.
Avisto Summer conversando com Jake frente ao edifício e sorrio, cumprimentando-a e lhe envolvendo em um abraço. Minha melhor amiga é um dos raros seres humanos capazes de me tirar um sorriso sem nem ao menos precisar fazer qualquer tipo de esforço. — depois de Jesse Rutherford, é claro. Ela entende o meu jeito revoltado de ser e não me julga por isso.
— Por favor, me diz que eu não estou ficando paranoica e realmente tem gente olhando para cá e cochichando! — praticamente imploro.
— Então ainda não estão sabendo?
— Sabendo de quê? — encaro-a com o cenho franzido.
— Vocês se tornaram o novo assunto do campus inteiro depois do show que deram naquela festa ontem à noite! — Jake responde.
— Está todo mundo comentando sobre o possível namoro de vocês. Estão até criando nomes de ship, acredita?
A negra resgata seu celular da bolsa, revira o seu conteúdo e me entrega o aparelho em seguida. Nele era possível ver um tweet de uma conta de fofocas — sim, em pleno 2016 e em meio à graduação, as pessoas ainda acham que a vida é um episódio de Gossip Girl. —, com uma foto minha beijando, dizendo:
“Que nome de ship daremos ao casal duplo F mais querido da universidade? Dêem suas sugestões!”
Rolo meus olhos esverdeados nas órbitas, não acreditando naquela merda.
— Só podem estar zoando com a porra da minha cara! — vocifero, furiosa.
Marcho com passos firmes em direção à escadaria do prédio e subo-a mais rápido do que eu achei que fosse capaz.
— O que está fazendo? — pergunta atrás de mim. Ignoro-o e sigo para a sacada, virando-me de frente para a área externa.
— Todos vocês prestem atenção porque direi isso apenas uma vez: Eu e o não estamos namorando! Sim, nos beijamos às vezes, mas é daí? Isso é normal! Pessoas se beijam o tempo todo e isso não quer dizer que elas estejam em um relacionamento! Você! — Aponto para o garoto que estava encostado à parede. — Estava beijando ela — Indico a garota mais atrás. — ontem à noite e ninguém está fazendo grande caso disso! Então se alguém aqui tem algum interesse em mim ou no , é só dizer! O restante pode calar a porra da boca e cuidar da própria vida! Agradeço pela atenção! — Viro-me, ignorando as faces que me olhava surpresa.
— Você é louca! A gente tinha combin...
Envolvo sua nuca com a mão esquerda e puxo seu rosto para mim, calando-o com um beijo.
Caralho. Calar alguém nunca foi tão prático e ao mesmo tempo tão gostoso.
Nota mental: Utilizar esse recurso com maior frequência.
— Você achou mesmo que seria o único privilegiado a beijar esses belos lábios? Oh, querido! Você ainda tem muito que aprender sobre mim! — dou dois leves tapinhas em sua bochecha e lanço uma piscadela em sua direção.
Summer me encarava do topo da escada com o olhar carregado em orgulho e admiração. Sorrio para minha melhor amiga, encaixando meu braço ao seu e finalmente adentramos o edifício.
Eu havia acabado de sair da última aula da parte da manhã — infelizmente quartas-feiras são os dias que eu também tenho aula à tarde — e caminhava em direção à Students Union, onde são localizadas as lanchonetes e restaurantes do campus; marquei com Summer de almoçarmos juntas.
Ouço uma voz masculina clamar pelo meu nome ao longe e me viro para descobrir quem era. Avisto uma figura alta e forte caminhando em minha direção e acenando; franzo o cenho em estranhamento.
Espera aquele era... Scott McKibben? O líder dos Knights?
— Ei, ! — o rapaz chama mais uma vez, deixando-me surpresa ao constatar que ele realmente falava comigo.
— Scott! Oi!
— Uau! Você corre rápido, garota! Deveria considerar entrar para o time!
— Só se for para um time de maratonistas correndo em direção à lanchonete mais próxima! — ironizo e o moreno ri.
— Você é realmente tão engraçada quanto dizem! — Ele comenta, fazendo-me erguer uma sobrancelha, desconfiada. — Então... Ouvi dizer que você está solteira de novo...
— Na verdade, nunca deixei de estar!
— Sim, claro. Desculpe, é que... — O homem passa as mãos pelos cabelos, demonstrando nervosismo. — Venho observando-a de longe, . Você não liga para o que as pessoas pensam, tem personalidade forte, é engraçada... Gosto de você.
Meu queixo provavelmente atravessava o concreto do chão naquele momento de tão surpresa que eu estava. Que porra estava acontecendo?
— Estão eu estava pensando se você quer sair comigo ou sei lá...
— Está me convidando para um encontro!? — questiono, ainda incrédula.
— Sim, quer dizer, se não tiver nenhum problema, é claro.
— Não, não! Problema nenhum! — sorrio.
— Ótimo! Que tal cinema hoje à noite?
— Eu adoraria!
— Beleza! Me passa seu número e endereço? Às oito horas está bom para você?
Espanto a cara de babaca que eu fazia e retiro um pedaço de papel da bolsa, tentando escrever da forma mais legível possível e lhe entrego.
— Às oito está ótimo!
— Excelente! Então... — o rapaz segura minha mão direita, levantando até a altura de seus lábios e depositando um beijo no dorso. — Nos vemos à noite, .
Assisto Scott se afastar até estar fora do meu campo de visão e permaneço estática, tentando assimilar o que havia acabado de acontecer.
O cara mais desejado da universidade e o melhor jogador de futebol americano da Flórida realmente tinha acabado de dizer que gosta de mim e me chamou para um encontro!?
Em um estalo, meu cérebro acorda do transe em que estava e envia comandos às minhas pernas, que automaticamente começando a correr em rumo ao prédio central da instituição. Avisto Summer sentada à mesa no canto e acelero o passo sentido à minha melhor amiga.
— Advinha quem me convidou para sair! — exclamo, arfante.
— Aquele esquisito da sua aula de Videografia? — Summer faz careta, provocando meu revirar de olhos. — Esqueci minha bola de cristal em casa, então não faço a menor ideia!
— Scott Fucking McKibben! — respondo animada e me sento na cadeira a sua frente.
— Tipo O Scott McKibben? O Quarterback?
— A não ser que você conheça outro. — Dou de ombros. — Óbvio que sim!
— Caramba! Ele é gostoso, tipo, muito, muito gostoso.
— Eu sei! Mas não vou sair com ele só por isso, você sabe!
— Sei, sei. Você é louca por aquele time e acha ele o Deus do futebol! — minha amiga diz com desdém.
— Não é bem assim! — protesto, indignada. — Eu só o acho um ótimo jogador!
— Claro! E passaria um dia inteiro falando de suas incríveis habilidade, se fosse possível! — Summer ironiza, fazendo-me revirar os olhos novamente. — Mas, tudo bem, ainda é um encontro e você precisa estar estonteante! Sabe o que isso significa, não é?
Summer sorri para mim de uma forma que apenas nós duas entendíamos o significado. Sorrio de volta da mesma maneira, sabendo exatamente o que se passava dentro da cabeça da minha melhor amiga.
— COMPRAS! — gritamos juntas.
— Mas, espera... ambas temos aula à tarde hoje, então vamos simplesmente matar aula como duas adolescentes inconsequentes?
— Não é como se você ligasse muito para isso, .
— Essa é uma coisa muito ofensiva a se dizer! — finjo indignação. — Eu dou muito importância à minha educação! Mas como é uma situação de emergência, posso abrir essa exceção. — Minha melhor amiga rola os olhos castanhos. — E já vou logo avisando: Nada de vestidos! Essa porra me deixa toda assada e não vou usar algo em que fico desconfortável só porque um macho acha bonito!
— Tudo bem! Mas não vou perder a oportunidade de te fazer usar cropped e exibir essa barriga maravilhosa!
— Barriga maravilhosa que eu vou encher de gordura nesse exato momento porque estou com uma fome do caralho!
— Eu não entendo como você consegue comer tanta porcaria e mesmo assim continuar em forma! — A garota joga as mãos para cima, exasperada.
— Pelo menos para alguma merda os genes da minha mãe serviram. — Dou de ombros. Summer abre a boca para retrucar, porém a interrompo. — E nem venha me dar sermões, Senhorita Eu-Sou-Saudável-Mas-Adoro-Sanduíche-do-Subway!
— Mas é saudável! — ela responde com indignação. — E tem salada!
— Claro, continue se iludindo achando que todo aquele queijo e molho são saudáveis. Pelo menos eu não minto sobre o que gosto e, amiga, até cheeseburger tem salada!
Levanto-me da mesa e caminho em direção ao Nathan's Famous. Peço uma porção grande de batata-frita coberta de bastante queijo e bacon e uma latinha de coca-cola — como já havia dito, eu estava com muita fome. Uso mais uma vez o máximo de educação que consigo me lembrar (eu estava ficando boa nessa coisa). Apanho a bandeja com o lanche e volto à mesa. Fui forçada a ouvir pelos próximos dez minutos os argumentos de Summer sobre a diferença calórica entre o sanduíche do Subway e as outras redes de fast-food; eu apenas ri e lhe disse que aquilo tudo era besteira e voltei a saborear minhas batatas. Ela ficou um pouco irritada, mas não durou muito, pois logo em seguida partimos em direção ao Mall at Millenia, cantando A Thousand Miles o mais alto que conseguíamos como duas idiotas.
Summer me obrigou a entrar em praticamente todas as lojas — mesmo aquelas que não tinham nada do que eu precisava, mas acabamos parando na Forever 21. Após algumas — milhares — trocas de roupas, acabei optando por um top cropped tomara-que-caia branco e de manga longa, uma calça jeans de cintura alta e uma ankle boot, que estava em liquidação — bendita seja a Black Friday!
Minha melhor amiga tentou me convencer a levar saia, porém, me recusei até o último segundo; sabia que não me sentiria bem e como minha mãe sempre dizia, eu não tinha “modos” para usar esse tipo de roupa. E então ela insistiu que eu comprasse novas lingeries, pois de acordo com ela “nunca se sabe como sua noite vai terminar”. Revirei os olhos e lhe disse que não pretendia ir além de alguns beijos, mas isso não foi o suficiente para convencê-la.
Chego em casa por volta das seis da tarde e encontro tão concentrado em algo que passava na televisão que nem ao menos percebeu minha presença ali. Largo as sacolas no chão e corro em sua direção, pulando em seu colo e grudando meus lábios aos seus. O garoto ficou sem reação por alguns instantes, mas não demorou a envolver meu corpo e retribuir o beijo com intensidade.
— Ok... Acho que preciso te ensinar a regra sobre avisar quando você chega a algum lugar.
— Não seja dramático, porque eu sei que você gostou!
— É, isso eu não posso negar. — O ri. — Quantos foram?
— Uns cinco ou seis no máximo.
— Uau! Que evolução!
— Eu sei! Sou uma ótima aluna, hum? Acho que mereço uma recompensa.
Sorrio maliciosa e o rapaz retribui sorrindo da mesma maneira. Ele passeia os dedos pelos fios acobreados de minha cabeça, afastando-os do meu pescoço e percorre vagarosamente seus lábios úmidos pela minha pele cálida, provocando arrepios na região. Cerro os olhos em satisfação e embrenho meus dedos em suas madeixas rubras. De repente cessa a carícia, fazendo com que um suspiro frustrado escapasse por entre meus lábios. Merda! Estava tão bom!
— O que é tudo aquilo? — Desvio o olhar para onde o garoto apontava.
— Ah, fiz algumas compras no shopping com a Summer. — Ergo os ombros em indiferença. —Tenho um encontro hoje à noite.
— Um encontro? — eleva uma de suas sobrancelhas. — Com quem?
— Scott McKibben.
— Scott? Do time? — balanço a cabeça, afirmando. — Não sabia que ele fazia o seu tipo.
— Eu não tenho um tipo, . Gosto de beijar bocas e você está seriamente atrapalhando isso enquanto fica fazendo pergunta idiota ao invés de me beijar!
— Está admitindo que gosta de me beijar? — um sorriso presunçoso se forma em seus lábios.
— Puta que pariu! Lá vem você com essa porra de ego de novo! — exclamo, irritada, e começo a me afastar, porém segura em minha cintura, mantendo-me na mesma posição.
— Ei, calma! Eu estava só brincando!
— Que tal menos brincadeiras estúpidas e mais beijos, hum?
O garoto emite uma risada e leva sua mão esquerda até minha nuca, realizando um leve afago no local.
— É pra já, senhorita! — aproxima meu rosto do seu, finalmente unindo nossos lábios novamente.
Às oito horas em ponto, desço até a portaria do prédio para esperar Scott e felizmente descubro que ele já estava lá. Ele é pontual. Um ponto positivo.
O rapaz tinha o corpo encostado ao seu Porsche e vestia uma camisa pólo branca — que transparecia perfeitamente os músculos sob o tecido. —, jaqueta e jeans. Ótimo, vamos ficar combinando igual um casal de héteros retardados.
Scott se aproxima de mim, deposita um beijo em minha bochecha e segura em minha mão.
— Você está absolutamente linda, !
— Obrigada! Você também não está de se jogar fora! — brinco, arrancando uma risada dele.
O jogador me conduz até o carro e abre a porta do carona para que eu me sentasse e eu o faço, esperando o rapaz entrar e dar partida no carro.
— Então, o que gostaria de assistir? — Scott pergunta assim que o carro começa a se movimentar. — A escolha é toda sua!
Hum. Deixa a mulher decidir. Mais um ponto.
— Ah, bom, tem um filme em cartaz que eu queria muito assistir. Se chama Animais Fantásticos e Onde Habitam.
— Ah, aquele novo do garoto com raio na testa? Pensei que essa babaquice tinha acabado há anos atrás!
Encaro-o boquiaberta. Que porra ele acabou de dizer!??
— Não é sobre o Harry, é sobre uma geração setenta anos antes de ele nascer! O universo mágico é infinito e ainda há milhares de histórias que precisam ser exploradas!
— Sei lá! Essa coisa toda de bruxo é pra criancinha!
— Não é pra criança! Não existe idade para gostar e admirar o mundo da magia!
— Tudo bem, foi mal! Nós vamos assistir ao filme.
Bufo, ainda indignada com suas palavras, mas no fundo feliz por sua decisão.
É um trouxa. Menos cem pontos para a Babacanória!
Seguimos o resto do caminho em silêncio. Não fiz questão de trocar mais nenhuma palavra com Scott; felizmente ele parece perceber o desconforto da situação e liga o rádio, deixando que uma playlist de músicas de estilos variados tocasse.
Quando enfim chegamos ao cinema, saio do carro, sem nenhuma delicadeza, e marcho em direção à entrada do local. Nem ao menos espero meu “par”. Prometi a mim mesma que não iria me estressar hoje.
Finalmente entro no imenso e luxuoso cinema, que percebo estar relativamente vazio, mesmo sendo pré-estreia — provavelmente por estarmos no meio da semana — e isso me deixa um pouco mais satisfeita, uma vez que não suporto lugares muito cheios — com exceção de bares e shows — e sessões lotadas onde as pessoas conversam o tempo todo.
— Baby, por que você não vai comprar algo para comermos enquanto eu cuido os ingressos?
Baby!? Quem diabos esse projeto de Justin Bieber pensa que eu sou?
— Claro! — respondo brevemente e sigo para o Snack Bar.
Compro o maior balde de pipoca caramelada com pedaços de KitKat, pois sabia que precisaria de muito chocolate e muita energia para aguentar a noite que ainda estava por vir.
— Ingressos para última fileira! — o rapaz diz sorridente assim que me aproximo.
Última fileira é onde os casais normalmente se sentam para... PUTA QUE PARIU!
Apenas pego um dos ingressos e caminho até a entrada da sessão. O filme nem havia começado e eu já sabia que teria dor de cabeça — e infelizmente não era por causa dos óculos 3D. Nos sentamos e esperamos o filme começar. Poucos minutos depois sinto a respiração de Scott perto demais da pele exporta de meu ombro esquerdo e seus lábios são pressionados na região. Não, não era a mesma coisa.
— Scott, eu quero ver o filme! — reclamo.
— Esse filme é chato, tenho algo bem melhor a te oferecer.
— Mas acontece que nós viemos ao cinema assistir ao filme! É para isso que ele é feito!
O rapaz bufa e se afasta, contudo, poucos instantes depois, sinto sua mão percorrer a área exposta de minha barriga, causando-me ira.
— Você vai parar ou vou precisar gritar?
O jogador parece entender o recado e não volta a me perturbar. Porém as duas horas que se seguiram foram resumidas em eu tentando prestar o máximo de atenção no filme enquanto Scott praticamente dormia — lê-se roncava — em cima de mim. Foi necessário muito autocontrole para que eu não o derrubasse no chão e saísse daquele lugar o mais rápido possível; só não o fiz porque queria demais assistir àquele filme; esperei cinco longos anos para poder voltar ao cinema e assistir algo relacionado ao mundo da magia e homem nenhum iria me impedir!
Após o final do filme, Scott sugere irmos a um restaurante comer algo — até que enfim uma ideia boa! — e me leva até o Duffy's Sports Grill, lugar onde os homens normalmente vão para assistir jogos e conversar “coisas de macho”. Tinha capacetes e imagens de jogadores que marcaram o futebol americano e televisões de plasma espalhados por todo o lugar. O ambiente era até agradável, mas não sei se poderia dizer o mesmo da companhia.
Scott pede uma grande porção de asinhas de frango e batata doce frita e uma cerveja, eu peço anéis de cebola fritos — queria mantê-lo o mais longe possível da minha boca.
— Fiquei surpreso quando você aceitou o meu convite. A maioria dos caras da universidade quer você, mas tem medo de te chamar para sair.
— E por quê?
— Você tem gênio forte e é bem difícil de se aproximar. Antes de você beijar o publicamente, todo mundo pensava que você fosse lésbica ou sei lá. Nunca a vimos com ninguém e você tem um jeito meio... não-feminino.
Abro a boca em uma mistura de surpresa e exasperação. Eu não conseguia acreditar no que estava ouvindo.
— Não que minha sexualidade seja da conta de alguém, mas, não, eu não sou lésbica e mesmo se fosse, não teria absolutamente nada a ver a minha forma de agir. Isso é só um estereótipo estúpido que a sociedade ainda insiste em acreditar! — rebato, furiosa.
— Foi mal! Não quis ofender! — Scott levanta as mãos em sua própria defesa.
— Você não me ofende me chamando de lésbica, o que me ofende é a sua ignorância! — rebato e ele me fita surpreso.
Os nossos pedidos chegam e o rapaz muda de assunto, falando sobre sua incrível performance no último jogo. Eu estava a ponto de explodir, não conseguia aguentar nem mais um segundo ali. Já estava me sentindo nauseando assistindo o jogador devorar aquelas asinhas daquela forma grotesca, sem contar que ele só abria a boca para falar merda, o que só deixava a imagem ainda pior.
— Preciso ir ao banheiro. — levanto-me dá mesa, interrompendo um dos seus discursos narcisista e caminho em direção à porta do cômodo sem esperar por uma resposta do jogador.
Adentro o banheiro em uma velocidade tão grande quanto a de alguém em meio a um apocalipse zumbi quando encontra um lugar seguro. Caminho até a pia e apoio minhas mãos sobre o mármore, tentando controlar a respiração.
Inspira. Expira. Inspira. Expira.
Mantenha a calma. Vai ficar tudo bem. Não pira. Não pira. NÃO PIRA, PORRA!
Retiro meu celular do bolso traseiro da calça e disco com um tanto de dificuldade — devido às mãos trêmulas — o número da única pessoa que poderia me salvar naquele momento — por mais que eu odiasse admitir.
— Alô? — a voz rouca, indicando que provavelmente estava dormindo, do indaga do outro lado da linha.
— , vem me buscar, pelo amor de Deus! — imploro, desesperada.
— ?
— É claro que sou eu, idiota! Venha me buscar!
— Agora?
— Não, amanhã! Claro que é agora, porra! — retruco, exasperada, e ouço um suspiro vindo do rapaz.
— Onde você está?
— No Duffy's da Waterford Lakes!
— Certo. Chego aí em... — um breve silêncio se faz do outro lado. — Dez minutos. Não faça nenhuma besteira.
A ligação é encerrada e suspiro de alívio atravessa meus lábios. Sabia que mesmo sendo um completo idiota a maior parte do tempo, não me deixaria na mão.
Encaro meu reflexo no espelho, constatando que eu estava parecendo bem demais para alguém que interpretaria a cena que eu estava prestes a fazer. Jogo água no rosto e esfrego os olhos para simular choro — quem disse que eu também não poderia ser uma boa atriz?
Saio do banheiro com uma feição triste totalmente fingida e caminho até a mesa onde Scott ainda estava sentado. O moreno arregala seus olhos em minha direção e se levanta da cadeira.
— O que aconteceu?
— Minha melhor amiga acabou de me ligar dizendo que a avó dela faleceu. Eu tenho de ir, ela precisa de mim.
— Claro, só vou pedir a conta e te levo lá.
— Não! — praticamente berro. — Já estão vindo me buscar. Obrigada por se importar e pelo encontro de hoje. Foi bem... Incomum.
— Também gostei de sair com você e gostaria muito de repetir. — O rapaz enfia a mão no bolso e retira de lá dois tickets. — Esses são ingressos para o jogo de sábado. Vai lá me ver e quem sabe animar um pouco sua amiga.
Babaca narcisista!
— Claro! Estarei lá! — Sorrio falsamente, pego os ingressos de sua mão e me inclino sobre a mesa, depositando um beijo em seu rosto. — Tchau, Scott!
Quase me senti mal por fingir tanto daquela maneira — eu disse quase —, porém no exato momento em que ele sorriu para mim, exibindo um pedaço de alguma coisa que ele havia comido grudado em seu dente, eu desisti.
Saio correndo do restaurante como se minha vida dependesse disso — talvez realmente fosse verdade — e espero impacientemente aparecer.
— Puta que pariu, ! Cadê você? — praguejo.
Como uma prece sendo atendida, avisto o SUV branco do estacionar frente a porta do estabelecimento e rapidamente corro até o veículo, abro sua porta com brutalidade e me jogo dentro dele.
— O que está acont—
Antes que pudesse terminar sua frase, lanço meu corpo sobre o dele, agarrando sua nuca e silenciando-o com um beijo ardente. Estranhamente aquele beijo agressivo me transmitiu um pouco de calma.
— Por favor, só dirige e eu conto no caminho!
O garoto bufa, no entanto atende ao meu pedido, dando partida no carro. A cada metro de distância percorrido, maior era o sentimento de alivio em meu peito.
— Vai contar que merda está acontecendo agora?
— Eu não acredito que fui a um encontro com aquele babaca! Estou decepcionada e traumatizada!
— Espera aí... Eu saí igual louco pelas ruas dirigindo a mais de cem quilômetros por hora e ultrapassando todos os sinais vermelhos porque achei que você estava, sei lá, sendo assaltada, espancada ou estuprada e você está simplesmente fugindo de uma porra de encontro!?
— Mas aquilo não era um encontro, era uma forma de tortura psicológica moderna! — respondo com indignação. — E foi você quem tirou conclusões precipitadas, eu não disse nada!
— Puta que pariu, !
Uau. Presenciei xingar por três vezes em menos de uma semana e ainda por minha causa; eu deveria ganhar um prêmio por ser capaz de irritá-lo a tal ponto.
— Não acredito que caí naquele truquezinho de merda do cara educado e sorridente! Me sinto uma otária! — exclamo, revoltada, e ouço a risada do . — Do que está rindo, imbecil?
— Eu sabia que seria assim. Ele é a exata representação de tudo que você despreza.
— E por que não me avisou antes, idiota!?
— Você não pediu minha opinião. — O dá de ombros, como se não fosse nada.
Fulmino-o com os olhos, sentindo uma intensa onda de ódio subir pelo meu corpo e antes que algo pudesse me parar, eu já havia partido para cima do garoto, estapeando-o em todos os lugares possíveis.
— Pare com isso! Estou dirigindo, você vai acabar me fazendo bater o carro!
— Você é um cuzão, !
O se inclina em minha direção, como se esperasse que eu lhe desse um beijo, porém empurro seu corpo para longe.
— Nem vem! Você está dirigindo, lembra? Presta atenção na merda da estrada!
volta a rir, provocando ainda mais minha ira. Cruzo os braços sobre o peito, controlando-me para não xingá-lo de todos os nomes existentes. Fecho os olhos na tentativa de conseguir relaxar, mas tudo que vinha a cabeça eram as cenas de todo aquele desastre que aconteceu mais cedo.
— Merda, não consigo ao menos fechar os olhos sem ver flashes daquele ogro atacando um prato enorme de asinhas de frango. Meu estômago chega embrulhar.
— Você o beijou? — Balanço a cabeça em negação. — Ótimo! Provavelmente tem gosto de frango com batata doce! — o brinca, provocando inevitavelmente a minha risada. — Mas pensa pelo lado bom, pelo menos você assistiu ao filme.
— Acredita que ele disse que Harry Potter é coisa de criança!?
— Então ele é bem mais idiota do que eu imaginava.
— É isso que estou tentando dizer! Mas o filme foi incrível, ! Vale cada segundo! A personalidade do Newt é adorável e a relação entre ele é os animais é tão pura! Eles são tão extraordinário, coloridos e vivos, e a ligação de amizade que os personagens têm em tão pouco tempo é inacreditável! Fantástico! Não existe palavra melhor para descrever!
Quando retorno minha atenção ao , ele me fitava com um sorriso estampado no rosto.
— Por que está me olhando assim? — pergunto com o cenho franzido.
— Sei lá, é legal te ver animada com alguma coisa uma vez na vida. — o garoto dá de ombros.
— Eu fico animada com as coisas, só não demonstro muito!
— Você passa a maior parte do tempo reclamando e problematizando! — rola seus olhos verdes.
— Não é culpa minha se o mundo está todo errado! Alguém tem de dizer alguma coisa!
— Mas não cabe a você tentar mudá-lo sozinha!
— Não, cabe a todos nós, mas cada um deve exercer sua parte. Imagine se tivessem desistido toda vez que algumas pessoas não contribuíssem? Nada teria evoluído!
— Tudo bem. Acho que vou calar minha boca.
— Essa é a melhor coisa que você disse até agora! — Jogo as mãos para o alto em exasperação.
não diz mais nenhuma palavra e eu também opto por ficar em silêncio, até eu me inclinar para ligar o rádio e sentir minha barriga roncar.
— Estou com fome! — queixo-me.
— Pensei ter dito que estava com o estômago embrulhado...
— Eu estava enquanto assistia aquele ogro comer, agora que estou longe daquele babaca me deu fome de novo!
— Que tal comida japonesa? — o sugere.
— Sim, por favor! — Respondo animada.
Começo a procurar o endereço do restaurante mais próximo no GPS e o aproveita minha distração para segurar meu rosto entre o polegar e o indicador, virá-lo para si e me roubar um beijo.
— Eca! Você tem gosto de cebola! — reclama.
Abro a boca para protestar e tento fazer cara de brava, mas acabo caindo na gargalha, sendo acompanhada por ele.
Se esse já não for o começo, juro que algum dia esse garoto ainda vai me enlouquecer.
Chapter IV — Thursday
O som estridente do despertador invade meus ouvidos, provocando um resmungo de minha parte. Tento tampá-los com o travesseiro, porém era uma atitude inútil. Emito uma bufada de ar e desligo o maldito aparelho. Levanto da cama, ainda um pouco zonza devido ao sono, prendo os cabelos e arrasto meu corpo lentamente em direção a cozinha — foda-se a porra da higiene matinal, eu estava com uma fome do caralho!
Antes de atingir o meio do corredor, ouço a voz de vindo do cômodo em que eu me dirigia e ele parecia estar... Cantando? Enrugo o cenho em estranhamento e me aproximo mais.
— Hakuna Matata! É lindo dizer! Hakuna Matata! Sim, vai entender!
Profiro uma risada ao constatar o que ele estava “cantando”. Adentro a cozinha e encontro o dançando desengonçadamente enquanto... Prepara um sanduíche?
— Os seus problemas! Você deve esquecer! Isso é viver! É aprender! Hakuna Matata!
Começo a bater palmas,como se estivesse assistindo a um espetáculo, e o garoto finalmente percebe que foi pego no flagra e me encara surpreso.
— Uau! Que belo show! Faria qualquer ator da Broadway sentir inveja! — ironizo. — Você tem mesmo vinte anos? Não parece muito.
— Bom dia para você também, ! E olha só quem fala, a menina que chora toda vez que assiste Up e Toy Story 3 e fez questão de ir na pré-estreia de Procurando Dory!
— Ei, a cena em que o Andy dá seus brinquedos é triste pra caralho, ok? — defendo-me.
— Nem vou fazer questão de te beijar dessa vez, porque, pelo seu estado, você provavelmente nem escovou os dentes ainda! — diz com expressão de nojo, fazendo-me revirar os olhos.
— Vou fingir que esse foi só o seu ego falando. E eu não vejo sentido algum em escovar os dentes antes de tomar café, já que irei sujá-los depois. — Caminho até a bancada e me sento em um das cadeiras.
— Não precisa ter sentido! É questão de higiene!
— Oh, assim como mulheres serem obrigadas a andarem depiladas enquanto homens exibem pernas e peitos cabeludos por aí também é “questão de higiene”? — Faço aspas com os dedos e o garoto rola os olhos.
— Sério? Problematização a essa hora da manhã? — ele questiona.
— Sério? Você me irritando a essa hora da manhã? — reviro.
bufa e volta sua atenção ao lanche que preparava, demonstrando desistir da discussão. Sorrio, satisfeita por ter a palavra final.
Levanto-me da bancada e caminho até o armário, retirando de lá uma caneca e enchendo-a na cafeteira em seguida. Aproveito a distração do procurando algo na geladeira para surrupiar seu sanduíche recém preparado.
— Ei! Isso é meu! — o garoto protesta com indignação.
— Você preparou esse, pode preparar outro... Simba. — Lanço-lhe uma piscadela e deixo o cômodo com um sorriso travesso estampado no rosto.
Pode-se dizer que minha manhã foi bastante agitada, mas nãopor causa das aulas ou algo do tipo. Basicamente passei a manhã inteira me escondendo de Scott — sabia que estudávamos em prédios diferentes, porém a probabilidade de ele estar por aí cercando alguma de suas peguetes ou querendo me cercar ainda era grande —, eu corria de uma sala à outra como se minha vida dependesse disso e me escorava nas paredes em lugares escuros quando via alguém se aproximar, em uma imitação ridícula das Três Espiãs Demais.
Quando o sinal anunciando o fim da aula de Fotografia Contemporânea tocou, juntei minhas coisas com a maior agilidade possível e disparei como o Flash rumo ao meu apartamento — nem pode desconfiar que esbarrei em várias pessoas sem ao menos pedir desculpas.
Adentro o apartamento e bato rapidamente a porta, recostando-me nela.Tento controlar minha respiração ofegante, todavia, uma repentina crise de risos me atinge, agravando ainda mais minha situação e provocando que minhas pernas, já enfraquecidas, cedessem, derrubando-me ao chão.
surge na entrada entre a sala e a cozinha, fitando-me com o cenho franzido.
— O que aconteceu? Você estava correndo?
— Correndo, não! Fugindo!
— Scott? — O pergunta com uma sobrancelha arqueado e eu balanço a cabeça, afirmando.
— Não quero correr o risco de ele me encontrar e me chamar para sair de novo.
— Por que você não simplesmente recusa? — ele diz como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Como se macho fosse capaz de aceitar algum tipo de rejeição, né? Ainda mais alguém como ele, que provavelmente nunca ouviu um “não” na vida!
Faço gestos para que ele segurasse minhas mãos e me ajudasse a levar e solta uma bufada antes de se aproximar e erguer meu corpo do chão.
—Você não pode fugir para sempre, sabe disso, não é?
— Não precisa ser para sempre, só até ele me esquecer e achar outra “garota especial”. — finjo uma voz aguda. — Não duvido que vá demorar no máximo um dia.
Recolho minhas coisas e sigo para o meu quarto, onde largo meu material. Decido tomar um banho, pois toda aquela correria me fez suar pra caralho e eu precisava relaxar um pouco. Posteriormente, visto uma calcinha boxer e uma camiseta confortável — se pode perambular por aí exibindo aquele abdômen branquelo e perfeitamente definido, eu posso andar de calcinha em minha própria casa.
Parto para a cozinha em busca de algo para saciar minha fome e encontro o preparando algo que parecia ser macarrão com bastante queijo — ele raramente preparava algo com as próprias mãos, mas quando o fazia, não decepcionava —, que automaticamente fez meu estômago roncar. Apanho um garfo na gaveta do armário, giro-o sobre seu prato, filando a maior quantidade da massa possível, e enfio-o na boca.
— Ei! Você nunca vai parar de roubar minha comida!?
— Nós compartilhamos a casa e as despesas, portanto, a comida também deve ser compartilhada! — aponto.
— Isso quer dizer que posso comer sua Nutella quando eu quiser?
— Se também quiser morrer depois. — ergo os ombros em indiferença. — Não vejo problema algum!
O garoto emite uma risada e empurra o prato em minha direção, iniciando a preparação de outro logo em seguida. Sento-me no banco e começo a comer.
— Esqueci de avisar que nós iremos jantar fora hoje — anuncia enquanto se sentava na cadeira à minha frente.
— Está me chamando para um encontro? — questiono, incrédula.
— Hum, eu chamaria de “teste das suas habilidades comportamentais”, mas levando em consideração o encontro desastroso que você teve na noite passada, pode chamar do que quiser.
— Haha, muito engraçado!
— Enfim, marquei a reserva para às nove horas e não podemos nos atrasar, pois é um restaurante caro e muito requisitado. Terá de usar vestido.
— Não! — protesto.
—Vai ter de se acostumar, . Vai me agradecer por isso depois.
Bufo, não gostando nada da ideia, porém sabendo que estava sem opções. Termino de comer, já sem a mesma vontade de antes. Levanto-me e ponho o prato dentro da pia, seguindo para a saída da cozinha, contudo, antes de deixar o cômodo, viro-me e digo:
— E, ah, se eu pegar você olhando para os meus seios, da forma que fez quando achou que eu não prestava atenção, mais uma vez, não hesitarei em arrancar seu pênis fora e fazer churrasquinho!
Vejo a expressão de espanto se formar no rosto do e sorrio satisfeita, finalmente deixando o local.
A primeira coisa que fiz após descansar o almoço foi terminar os exercícios do professor Warren, uma vez que tinha certeza de que, se deixasse para depois, a preguiça iria tomar conta de mim e a procrastinação seria inevitável.
Para relaxar, comecei uma maratona mais do que merecida de Sense8, minha mais nova série favorita, até uma pessoa chata e inconveniente — também conhecida por — desligar a televisão de repente. Merda, bem na hora da suruba!
Encaro-o indignada e abro a boca para protestar, porém o me cala antes que eu pudesse argumentar:
— Acabou a diversão. Vou começar a me arrumar e sugiro que você faça o mesmo ou vamos nos atrasar!
Contrariada, levanto-me marcho a passos firmes até meu quarto, caminho irritada em direção ao closet, no entanto, acabo topando o dedo mindinho na quina de minha penteadeira.
— Puta que pariu! — grito, furiosa. — Quem foi que deixou essa porra aqui no meio do caminho!?
Era uma pergunta retórica, obviamente. Eu tinha plena consciência de que o móvel era meu, o quarto era meu, então a culpa daquela estupidez também era minha.
Sento-me em minha cama, segurando o pé machucado, cujo dedo menor latejava, enquanto praguejava — mentalmente — todos os nomes possíveis. Volto mancando para a sala a procura de , contudo, ele não se encontrava mais lá. Adentro seu quarto e também não o encontro, então escuto um barulho vindo do banheiro e sorrio maliciosa devido o pensamento que havia acabado de passar por minha mente.
Caminho em direção ao banheiro e escancaro a porta. O garoto nu me olha surpreso e tenta inutilmente cobrir seu corpo com a toalha.
— Você é louca!? Não pode simplesmente invadir o ban—
Empurro seu corpo contra o vidro externo do box e o calo com um beijo. O me pressiona contra si, fazendo-me sentir sua ereção crescente. Hum, alguém está ficando animadinho. Levo minha mão direita até sua excitação, dando um leve aperto e arrancando-lhe um gemido abafado contra a minha boca. Ah, , queria tanto poder terminar isso devidamente, mas você precisa aprender que não deve tentar me controlar. Afasto-me, provocando um suspiro insatisfeito no .
— Não tem nada aí que eu já não tenha visto antes, aliás, já vi maiores, mas você não fica muito na desvantagem! Está de parabéns!
Dou dois leves tapinhas em sua bochecha e sorrio enquanto o me encarava com indignação. Deixo o cômodo, emitindo uma gargalhada logo após a porta se fechar atrás de mim.
Depois de passar quase uma hora e meia tomando banho, escovando o cabelo e fazendo a maquiagem — o dobro do tempo que levo usualmente —, eu finalmente estava pronta. Encaro meu reflexo no espelho pela última vez e sorrio, seguindo para a sala ao encontro de em seguida. Apesar de estar espalhafatosa demais comparada à maneira que me arrumo normalmente, eu havia gostado do resultado.
— Finalmente! Pensei que você não fo—
, que agora tinha o semblante embasbacado, se levanta e caminha em minha direção. Ele segura em minha mão e faz gesto para que eu girasse o corpo, e eu o faço.
— Uau! — o garoto exclama, abismado, enquanto admirava meu corpo coberto pelo vestido branco rendado.
—Sem piadinhas! Já estou a ponto de te matar por me fazer usar vestido!
— Você está... Eu nunca a vi tão... Elegante.
— Eu estou linda pra caralho, você quer dizer! — digo em tom pomposo.
O garoto sorri e enlaça a minha cintura, observando meu rosto por alguns instantes. O cheiro de seu perfume amadeirado rapidamente me atinge, deixando-me entorpecida. Seus cabelos penteados para o lado e o traje social lhe dava um ar sofisticado e sedutor. E aquele maldito sorriso o deixava ainda mais irresistível.
Merda, por que ele não podia ser feio e ignorante e facilitar minha vida?
Em um súbito momento de lucidez, ponho minhas mãos sobre o peito de quando seu rosto estava a milímetros do meu e afasto-o.
— Eu levei quase uma hora para acertar esse delineador e deixar a cor do batom uniforme, você não vai borrar minha maquiagem, não!
— Agora sim você está parecendo uma garota rica e mimada! — o provoca, fazendo-me revirar os olhos.
— Vamos logo, já estou ficando com fome!
— E quando é que você não está com fome, ?
— Quando estou dormindo! — exclamo com obviedade.
O garoto balança a cabeça, como forma de repreensão, apanha seus pertences pessoais e finalmente deixamos o apartamento.
Durante todo o caminho até o restaurante, perturbei para me dizer aonde diabosestávamosindo. Ele apenas ria e dizia que em breve eu saberia, o que só me deixava ainda mais curiosa e irritada.
Menos de trinta minutos de sofrimento depois, finalmente estaciona frente ao tal restaurante. Na fachadado lugar — que era tão simples que cheguei cogitar estarmos no lugar errado — pude ler os dizeres “Le Coq Au Vin”.
O manobrista abre a porta e me oferece ajuda, que aceito por educação — se fosse em outra ocasião, o mandaria para o quinto dos infernos. Não sou inválida, posso muito bem sair de um carro sozinha. entrega a chave nas mãos do homem e adentramos o estabelecimento. O diz nossos nomes à recepcionista, que confirma a reserva e rapidamente chama um dos funcionários para nos guiar até uma mesa ao canto, um pouco afastada e ao ar livre.
— Só tem gente velha aqui, ! — reclamo após observar ao nosso redor.
— É um restaurante requintado, , acha que gente da nossa idade o frequentaria?
— Então o que diabos estamos fazendo aqui!? — questiono, exasperada.
ignora a minha pergunta, puxa uma cadeira e faz menção para que eu me sentasse. Emito uma bufada de ar e obedeço, puxando a cadeira furiosamente para frente, quando minha real vontade era mandá-lo ir se foder, porém, infelizmente teriam consequências se eu o fizesse.
— Acho que vou tentar umas vagas de emprego como manobrista — comento depois de um tempo. — Deve ser legal passear por aí com o carro dos outros e depois entregar como se nada tivesse acontecido.
— Você acha que eles fazem isso? — o garoto questiona com a sobrancelha arqueada em desconfiança.
— Não sei, mas seestivesse no lugar deles, eu faria. —dou de ombros.
O ri e concorda com a cabeça. Decido enfim abrir o cardápio e ver o que eles têm a oferecer. O menu estava totalmente em francês.
— Pelo menos é algo que eu consigo ler.
— Você fala francês? — questiona com o cenho franzido.
— É uma das poucas coisas que minha mãe me obrigou a fazer que realmente possa me ser útil. Se ela encher muito minha paciência, posso fugir para a França a qualquer momento.
— Você diz como se ela fosse um monstro.
— Ela é um monstro. — rebato.
— Boa noite, meu nome é Sarah e eu irei servi-los essa noite. — Uma garçonete loira para frente a nossa mesa. — Os senhores já têm algum pedido em mente?
— Hum... Eu vou querer Tarte a L'Oignon e peça ao sommelier para mandar uma garrafa do melhor vinho francês que vocês tiverem.
A garota assente, anota o pedido de e se vira para mim, esperando que eu dissesse algo. Sua expressão não era mais tão convidativa como antes.
Por que ela está me olhando assim? Por acaso andou chupando limão ou algo do tipo?
— Não tem Ratatouille aqui? Mas que tipo de restaurante francês é esse que não tem um dos pratos mais famosos da culinária francesa? — me lança um olhar repressor. — Está bem! Vou querer Tournedos e Gateau de Crabe!
A loira volta a anotar em seu bloquinho e pede licença para se retirar.
— Você tem noção de que pediu torta de cebola, certo? — questiono.
— É sempre bom experimentar coisas novas. — O dá de ombros. — Algum problema para você?
— Não, nenhum! Eu definitivamente não direi mais nenhum palavrão hoje. — Afirmo, provocando uma risada em .
— Pensei que você gostasse de cebola, afinal, vocês têm algo em comum: fazem pessoas chorarem. — o garoto brinca e eu reviro os olhos.
— Gosto de usar como repelente para idiotas!
— E eu gosto de usar para evitar que você diga palavrões.
— Meu Deus! — Jogo as mãos para o alto, irritada. — Por que você é sempre tão perfeito!? Sabe se comportar à mesa, não fala palavrões e não fuma! Aliás, que tipo de badboy não fuma!? — exclamo com indignação e o ri.
— Eu não sou um badboy, !
— É claro que é! Você está sempre andando por aí com os seus amiguinhos populares, indo à festinhas e todas as meninas ficam cochichando e suspirando quando vocês passam, o que, particularmente, me dá náuseas. Sem esquecer esse seu topete que não sai do lugar e a jaqueta de couro sempre a espera de uma donzela indefesa precisando ser aquecida! — refuto, irônica.
— Para alguém que odeia estereótipo, você se baseia demais neles. Não fumo porque quero aproveitar minha vida e não acho que me matar lentamente faça parte disso. Quando saio para festas, vou para curtir e não para competir ou apostar quantas garotas consigo ficar em uma noite. Meus amigos fazem estupidez às vezes, mas isso não quer dizer que eu devo agir como eles. Pensei que me conhecesse melhor.
Não posso negar que por um segundo — e só por um segundo — eu tenha me sentido estúpida por tê-lo acusado daquela maneira.
— Tudo bem, me desculpe. Talvez eu tenha exagerado um pouco.
— Como é? Eu ouvi direito? Você acabou de admitir que está errada?
— Não abuse, ! — lanço-lhe um olhar furioso.
— Já falei para não me chamar assim, é feio! — o protesta.
— Minha mãe te chama assim.
— Sua mãe não me dá suéter estampado com uma rena do nariz vermelho de presente de Natal!
— Ei, aquele era um suéter muito fofo e confortável e ficou ótimo em você! — respondo, ultrajada.
— Claro e agora eu sou zoado de Rudolph em todo maldito Natal por causa dele!
— Ops...?
— Ops? Você vai ver o ops quando eu...
automaticamente para de falar quando vê o garçom se aproximar carregando nossos pratos e sorrio divertida. O homem põe os pratos sobre a mesa e nos deseja “bon appétit!” e apenas sorrio em agradecimento. Encaro o pedaço de bife em meu prato e os variados talheres em sua volta sem saber por onde começar. Merda, qual faca usa para o que mesmo?
Consigo sentir o olhar de sobre mim, esperando uma atitude minha. Eu me sentia um daqueles caras do esquadrão antibombas, um corte errado e seria fatal — na verdade eu só teria de deixar meu orgulho de lado, o que, para mim, seria fatal.
Agarro os talheres mais próximos ao prato e opto por começar pelo mais fácil: O bolo de siri.
— , você não precisa cortar o bolo com garfo e faca, ele é como pão, então você pode fazer com a mão mesmo.
Involuntariamente largo os talheres sobre o prato, provocando um barulho alto, e sinto meu rosto esquenta. Fazia tempo que eu não me sentia tão envergonhada. Será que alguma dessas facas está afiada o suficiente para eu cortar o meu pescoço e acabar logo com isso?
— Eu deveria tê-la avisado antes. Desculpa.
— Não, tudo bem, eu só... Como você consegue se lembrar de tudo isso e seguir sem dificuldade? Quer dizer, você me ensinou tudo faz dois dias e eu não lembro mais nada! Acho que sofro de perda de memória recente!
— É uma questão de prática, com o tempo vai se tornar algo tão comum que você nem vai perceber. Eu pratico bastante desde criança, minha mãe costumava me dar prêmios por cada coisa que eu decorava ou fazia certo.
— Uau! Pelo menos você era reconhecido! Uma vez, quando tinha cinco anos, decorei todas as falas de uma história infantil em francês e minha mãe apenas riu e disse “Que fofa!”
Volto minha atenção para o pedaço de carne em meu prato, cortando-o e enfiando em minha boca. Falar sobre Eleanor Fletcher sempre me deixa nervosa — e ficar nervosa me deixa faminta.
—Talvez realmente tenha sido fofo. — o ergue os ombros.
— Ela me odeia, !
— Ela não te odeia! Ela é sua mãe, só quer o melhor para você!
— Você sabe quão frustrante é a pessoa que te pôs no mundo estar constantemente tentando te mudar só para manter as aparências e seguir um padrão estúpido? Acho que não! — solto os talheres sobre o prato novamente, exasperada.
— Você precisa conversar com ela! Diga como se sente e como isso afeta o laço de vocês!
— E você acha que eu nunca tentei!?
— Já tentou uma conversa sem gritaria, palavrões e dedos apontados? — questiona e permaneço em silêncio. — Por favor, promete que vai tentar ter uma conversa civilizada com sua mãe no dia do jantar de Ação de Graças?
Sinto a mão de tocar a minha sobre a mesa, porém não me afasto ou demonstro qualquer reação. Eu apenas conseguia fitar o prato quase intocado à minha frente. Iria mesmo valera pena ter essa conversa?
— ... — O faz uma leve carícia sobre o dorso de minha mão e finalmente ergo os olhos para encarar a imensidão esverdeada em seus olhos e suspiro.
— Tudo bem, vou tentar! — Um sorriso satisfeito se forma em seus lábios.
— Quero te ajudar, , mas você é a única que realmente pode fazer isso.
Concordo com a cabeça e sorrio levemente. Logo depois voltamos a comer e engatamos em uma conversa sobre nosso progresso na faculdade. conta que não foi bem na prova de Cena e Dramaturgia, por conta do excesso de matéria para estudar, e não pude deixar de rir e zoá-lo por não ser mais o aluno exemplar, o que o deixou bastante chateado.
Para sobremesa, pedimos torta de maçã e terminamos a garrafa de vinho enquanto o estraga prazeres do constantemente me mandava beber água depois. Apesar de tudo, o jantar fora divertido — ou talvez era eu quem estava alegre demais.
Chegamos em casa por voltar de meia-noite. Assim que abro a porta, trato de correr para o sofá e me livrar da sandália que apertava e machucava meus dedos — quem diz que ser mulher é fácil, nunca teve de usar salto alto — e suspiro aliviada. logo se junta a mim e também larga seu corpo sobre o móvel.
— Você se saiu bem hoje, soub...
Subitamente ponho uma mão em cada lado do rosto de e, antes que meu cérebro pudesse me impedir, grudo meus lábios aos seus. Involuntariamente o corpo do garoto responde, abraçando o meu com firmeza. Ainda era possível sentir o gosto adocicado do vinho e da maçã em sua boca.
Mas que merda, será que beijar esse maldito nunca se tornará ruim?
Afasto-me lentamente, sentindo meus lábios formigarem e sorrio satisfeita. Confesso que estava tentada a fazer isso desde que o vi vestindo aquele smoking. me encara com total confusão estampada em seu rosto.
— Por que você me beijou sem ter dito palavrão?
— Primeiro: Porque você fala demais. Segundo: Para agradecer por hoje e terceiro: Estávamos devendo beijo um ao outro, então agora estamos quites. — Dou dois tapinhas sobre seu peito e me levanto do sofá. — Boa noite, !
Recolho os sapatos largados no chão da sala e caminho cambaleante em direção ao meu quarto, ignorando o rapaz confuso atrás de mim.
Chapter V — Friday
Sou acordada aquela manhã por mensagens de Summer praticamente me intimando a encontrá-la na cafeteria do campus. Deixo meu apartamento com o pensamento de que o que estava por vir não seria algo bom. Até eu, Fletcher, uma pessoa que nunca esteve em um relacionamento, tenho plena consciência de que quando você recebe uma mensagem dizendo “precisamos conversar”, é algo sério.
Inúmeras possibilidades circulam por minha mente enquanto eu caminho rumo ao prédio principal da UCF.Cogito ela ter terminado com Jake ou talvez estivesse grávida dele. Chego a temer que ela tenha descoberto que peguei seu delineador emprestado há mais de um mês e ainda não havia devolvido — e talvez nunca vá — ou que eu manchei com ketchup uma de suas blusas favoritas.
Adentro o estabelecimento, avisto minha melhor amiga sentada à habitual mesa no canto e vou ao seu encontro.
— Bom dia, Summer! – cumprimento-a e me sento na cadeira à sua frente.
— Por que você está tão feliz a essa hora da manhã? – a negra questiona com uma sobrancelha arqueada.
— Porque é sexta-feira! Noite das garotas, lembra?
— É, lembro.
— Qual é! Você adora as noites em que passamos juntas, bebendo, dançando ou assistindo filmes e nos divertindo até o dia amanhecer. Vou comprar algo para comer e espero ter minha melhor amiga de volta quando voltar.
Levanto-me, vou até o balcão, peço um latte e dois croissants. Solicito também garfo e faca, o que fez a atendente me olhar estranho, mas atender ao pedido. Quando volto a mesa, Summer continuava com a mesma cara de quem comeu presunto estragado e agora estava com dor de barriga — falo por experiência própria.
— Da para explicar o porquê de você estar com essa cara?— questiono, irritada, enquanto me sentava à mesa. — Hoje supostamente é para ser nosso dia!
— Encontrei com Scott quando vinha para cá hoje — Minha melhor amiga diz,calmamente. Agradeço a todos os deuses existentes por não estar tomando meu café ainda, pois provavelmente teria cuspido tudo em cima dela. – Ele disse que sentia muito pela minha avó, o que me deixou bastante confusa, já que ela morreu há dois anos!
Bebo um pouco do meu café, na intenção de manter minha boca ocupada para que eu não tenha como responde-la, e Summer cruza os braços, me encarando com uma expressão nada boa.
— Você não vai dizer nada sobre isso?
— Foi mal? — Tento a primeira desculpa que me vêm à mente.
— Foi mal!? Você sai matando meus parentes por aí e tudo que tem a dizer é isso!? — minha melhor amiga vocifera, transbordando indignação.
— Ela já está morta, não achei que teria algum problema! Foi a única desculpa que consegui pensar para fugir daquele encontro!
— Fugir? Você parecia animada em sair com Scott, por que fugiria?
Corto um pedaço do croissant, enfiando-o na boca logo em seguida.
— Pare de comer para não ter de me responder, ! — Summer puxa meu prato para si.
Merda. A pior parte de ter uma melhor amiga, é ela conhecer todos os seus truques.
— Ele é um completo babaca narcisista!
— Ah, não, ...
— Juro que não estou exagerando ou problematizando demais, eu realmente pensei que fosse ser diferente. Tentei não julgá-lo pelo estereótipo de que, por ser um homem branco, rico, famoso e heterossexual, ele só pensa com a cabeça de baixo, mas é a mais pura verdade! Scott só pensa em si mesmo e só sabe falar sobre suas incríveis habilidades em campo e prêmios que ganhou por isso e como é um homem forte, bonito, desejado e macho alfa, mas duvido que saiba encontrar um clitóris! — digo, revoltada, e Summer ri.
— Então você resolveu simplesmente matar minha avó e sair correndo?
— Falando dessa forma parece ser algo muito cruel, porém, sim, foi exatamente isso. Liguei para o ir me buscar e...
— Você ligou para o ao invés de mim!? — ela grita, indignada.
— Porque sabia que se ligasse para você, iria receber sermões, como está acontecendo agora!
— Tudo bem, desculpa, acho que me alterei um pouco. Você sabe o quanto eu odeio mentiras.
— Eu sei. Juro que foi por uma boa causa.
— Foi tão ruim assim?
— Foi quase tão ruim quanto o Mike, a única diferença é que eu não deu tempo de eu vomitar nele. — Faço uma careta ao relembrar o momento.
Mike foi um cara com quem saí no primeiro ano da faculdade e que não era muito adepto à higiene e ainda beijava mal.
— Meu Deus, não dá para imaginar quão ruim deve ser reviver o episódio do Mike. Melhor mudarmos de assunto, o que você fez ontem? Não a vi o dia inteiro.
— Eu, hum, tive um dia bem corrido.
— E à noite? Você não estava online para fazermos FaceTime.
— Eu saí para jantar com o ... — digo em um quase sussurro.
— Vocês tiveram um encontro!? — a garota praticamente berra.
— Não foi um encontro, foi um treinamento!
— Treinamento só se for para o futuro relacionamento de vocês, né? — Abro a boca para protestar, porém ela me interrompe. — Não venha com desculpas, porque isso que está acontecendo entre vocês não é amizade. Amigos não fazem acordos em que precisam beijar a boca um do outro!
— Você 'tá exagerando. Eu preciso da ajuda dele e essa foi a única condição. Falta menos de uma semana para o Dia de Ação de Graças e eu preciso desesperadamente aprender essa merda de etiqueta.
— Você está comendo pão com garfo e faca, , acho que já aprendeu o suficiente!
— Eu preciso praticar! Assim como o jantar de ontem foi exatamente pra isso: praticar.
— Ok, não vamos mais discutir sobre isso,você é adulta e sabe o que está fazendo, só não diga que não avisei. O que vamos fazer hoje?
— Sei lá, entraram alguns filmes novos na Netflix e...
— Netflix? Quem é você e o que fez com minha melhor amiga? — Summer me fita com o cenho franzido.
— Não posso sair hoje, preciso poupar energia para o jogo de amanhã, você sabe quão intensa eu posso ser.
— Você vai ao jogo? Pensei que não gostasse mais do Scott.
— Ele pode ser um idiota, mas ainda é um bom jogador, seria desperdício não usar os ingressos que ele me deu e você sabe o quanto eu odeio desperdício. Além do mais, tem o show do Jake amanhã e a comemoração pós-jogo, então não perderemos nada se não sairmos hoje. — dou de ombros. — Agora vamos comer, por favor, porque essa conversa me deixou faminta eu tenho aula em vinte minutos.
Summer concorda e voltamos a comer enquanto discutimos quais serão os filmes que assistiremos à noite. Fico feliz por finalmente estar em uma conversa pacífica, sem estresse, e, principalmente, sem .
Durante a aula de Visualização Fotográfica, Professor Alderson nos deu a tarefa de literalmente observar o campus. Cada aluno deveria escolher um local e fazer relatório sobre ângulo, iluminação, efeitos e filtros que seriam usados, para só então tirar a foto. Escolho o prédio da Student Union, pois o acho bonito e é o segundo lugar em que mais frequento dentro da Universidade.
Para a minha surpresa, estava parado exatamente na entrada do edifício, então procuro manter uma boa distância – não que eu estivesse fugindo dele, porém passar um dia inteiro sem e esse impulso idiota de querer beijá-lo seria muito bom, obrigada. Ignoro sua presença e mantenho o foco no trabalho. Anoto o que acho necessário no bloco de notas do celular, ajusto a sensibilidade ISO aproveito a própria luz do Sol e abertura do diafragma da câmera para dar profundidade ao fundo e destacar o prédio.
Após registrar a fotografia, vou direto para casa aproveitar o tempo que me resta sozinha. Tomo um longo banho de banheira, para me livrar do estresse acumulado durante a semana – e talvez tenha cantado Sweater Weather um pouco mais alto que o recomendado – e peço delivery de Yakisoba. Termino o relatório e logo envio para o professor, porque eu definitivamente não queria perder ponto por atraso, e aproveito o tempo livre para tirar um cochilo.
Por volta das oito da noite, o interfone toca e o porteiro anuncia que Summer havia chegado, permito sua entrada e coloco a pipoca para estourar no microondas. Logo ela bate à porta e vou direto atende-la. A negra vestia seu pijama de coração — que me fez rir. — e carregava uma sacola em uma das mãos.
— Pronta para mais uma noite das garotas?
— Não acredito que você andou na rua vestida assim — Dou espaço para que ela pudesse entrar.
— O corpo é meu, se quiser andar pelada por aí, ninguém tem nada a ver com isso. — ela dá de ombros.
— É, você realmente é minha melhor amiga — digo, arrancando-lhe uma risada. — 'Tô fazendo pipoca!
Viro-me para a cozinha e faço menção para que ela me acompanhe. Summer põe a sacola sobre a bancada e retira de lá uma garrafa de vinho e algumas barras de chocolate.
— Diga que me ama.
— Estou te amando tanto agora que poderia te beijar. — Praticamente pulo em cima dela, envolvendo-a em um abraço e minha melhor amiga me empurra, com a expressão enojada.
— Não, obrigada, guarde sua saliva para o . Aliás, cadê ele?
— Não sei, não o vi o dia inteiro e gostaria que continuasse assim. — o microondas apita e eu caminho até o aparelho, retirando o pacote com a pipoca de lá.
— Isso é por causa do que conversamos hoje cedo? — Summer pergunta com uma sobrancelha arqueada.
— Podemos não falar sobre isso? É noite das garotas, vamos falar sobre nós. Homens. Não. São. Permitidos!
— Está bem! Vou derreter o chocolate, porque essa pipoca está muito sem graça.
Summer vai até o armário, pega uma panela e depois leva ao fogo. Não me intrometo, pois cozinhar nunca fora uma especialidade minha, então apenas observo enquanto me servia de uma taça do vinho.
Poucos minutos depois já estávamos acomodadas em minha cama king-size, cercadas por comida. E então começamos novamente a discussão sobre qual filme seria o primeiro e a saga se repete: consideramos milhares de filmes, no entanto, sempre acabamos assistindo o velho e clássico Mean Girls – cujo assistimos tantas vezes que já havíamos decorado todas as falas e, inclusive, dividimos em: Summer dublar as falas de Regina e Karen e eu dublo Cady e Gretchen — que, na minha opinião, sempre foi a melhor personagem. Contudo, nada se compara ao momento mais esperado: A dança do Jingle Bell Rock – tínhamos os passos todos ensaiados, obviamente.
— What a bright time! it's the right time! To rock the night away! — começo, imitando a coreografia.
— Jingle bell time is a swell time! To go gliding in a one-horse sleigh! — Summer completa.
— Giddy-up jingle horse, pick up your feet! Jingle around the clock! — cantamos juntas. — Mix and a-mingle in the jingling feet! That's the jingle bell, that's the jingle bell, that's the jingle bell rock! – Finalizamos e caímos na gargalhada.
— A gente precisa parar com essa merda! Não temos mais dezessete anos! – digo, voltando a rir.
— E acabar com meu sonho adolescente de ser Regina George? – Summer fala em falso tom ofendido. — De jeito nenhum!
— O que você acha que minha mãe faria se eu chegasse na casa dela no Natal dançando essa música e vestindo apenas um gorro?
— Ela iria ter um ataque do coração ou te matar, mas com certeza você já teria morrido devido ao frio.
— Droga, era uma ideia fantástica! – reclamo, realmente aborrecida, e volto a deitar em minha cama. Summer me acompanha e pausa o filme.
— Por que toda essa implicância com a sua mãe? Ela não é tão ruim quanto você diz.
— Não é ruim com você e com todas as outras pessoas, menos comigo!
— ...
— Quer saber o porquê de eu não ter um carro próprio? — questiono e ela assente. — Todos os meus amigos ganharam um quando completaram seus dezesseis anos, e eu estava tão esperançosa em também conseguir um que pedi um jipe, porque sabia que se pedisse uma moto ela iria surtar. Dona Eleanor virou para mim e disse: “isso não é um automóvel para uma moça de família. Não é feminino”, então ela proibiu meu pai em cogitar me dar um carro até que eu quisesse algo mais feminino. Comecei a juntar dinheiro por conta própria e ela simplesmente bloqueou minha conta! Ela quer que eu tenha, sei lá, um conversível rosa! - Seria legal ter em um conversível rosa... — Summer murmura, fazendo-me fita-la, enfurecida.
— Ela só me deixou fazer esse curso e estudar aqui porque o também veio pra cá estudar Teatro e tudo que ele faz é perfeito! Eu sei que todas essas coisas que eu disse são totalmente white girl problems, mas eu juro que parece que ela me odeia e faz de tudo me irritar!
— Olha, Fee, eu nunca tive uma mãe, então não sei como é passar por essas, mas sei que o único jeito de você conseguir se livrar da sua mãe pegando no pé será arrumando um emprego.
— Eu tento, mas ninguém quer contratar uma garota universitária que só sabe tirar fotos e lutar contra o patriarcado! E estamos no meio do semestre, não há possibilidade de conseguir um estágio agora!
— Você pode começar a vender maconha. — Minha melhor amiga dá de ombros. Encaramo-nos por alguns segundos até que subitamente começamos a rir de novo. Abraço-a, feliz por saber que poderia contar com ela em qualquer momento.
— Vamos continuar nossa noite das garotas. Que tal As Branquelas? — sugiro.
— Sim, por favor!
Seleciono o filme e dou play, iniciamos mais uma sessão de dublagens, danças de coradas e muitas risadas.
Acordo por voltadas três da manhã, sentindo minha garganta seca, e após alguns minutos de batalha interna entre me levantar e ir tomar um copo d'água — aproveitando para comer alguma coisa — ou simplesmente continuar no conforto da minha cama e voltar a dormir, decido por fim deixar a preguiça de lado e arrastar meu corpo até a cozinha. Abro a geladeira, retiro de lá uma garrafa com água e sigo para o armário, retirando um copo do seu interior — normalmente eu beberia direto da garrafa mesmo, mas como estou em fase de treinamento para ser educada, preciso de um copo. Ponho-o sobre a bancada, porém o objeto acaba balançando e rolando sobre a superfície de mármore, espatifando-se no chão.
— Que barulho foi esse? — A voz de surge da entrada da cozinha.
Devido ao susto, dou um passo para trás e sinto uma leve ardência sob meu pé direito. Um gemido escapa pelos meus lábios, direciono o olhar para o chão e vejo uma trilha de gotas de sangue; apoio-me na bancada, sentindo minhas pernas amolecerem, e uma onda de desespero subir pelo meu corpo, junto à sensação de que uma pedra enorme se instalara em meu peito, esmagando meus pulmões.
— Você está bem? – o se pronuncia mais uma vez, porém minha angústia era grande demais para lhe dar devida atenção. — ?
— Não... Consigo... Respirar! — digo, arfante.
Sem hesitar, o garoto segura em minhas mãos e me auxilia a me sentar sobre um das cadeiras rente à bancada, afastada dos cacos de vidro.
— Está tudo bem, provavelmente foi só um susto.
— Você não entende! Eu não... — Minha voz falha e sinto lágrimas se acumularem em meus olhos.
— , olhe para mim. — o ordena e eu obedeço. — Quero que tente respirar fundo, prenda a respiração por alguns segundos e solte, depois repita mais quatro vezes, ok? Não se preocupe, estarei aqui, contando com você.
Concordo com a cabeça e sorri encorajador, apertando minhas mãos com as suas. Inspiro profundamente, seguro a respiração por cinco segundo e inspiro vagarosamente.
— Um... — O garoto inicia.
Encaro o mar esverdeado de seus olhos e repito o processo anterior.
— Dois... — eu mesma anuncio. Respiro fundo mais uma vez.
— Três... — continua.
A medida que o ar entrava e saía por minhas narinas, as batidas do descompassadas do meu coração iam se acalmando e voltando ao normal. O sentimento de que eu iria morrer sufocada a qualquer instante também se dissipava.
— Quatro...
Repito os movimentos respiratórios pela última vez, sentindo a tranquilidade tomar meu corpo.
— Cinco! — O garoto retira um copo do armário e preenche com água que eu havia retirado da geladeira. — Toma. Copo de plástico, só por precaução. Sente-se melhor?
— Sim, obrigada — respondo com um sorriso e pego o copo de sua mão, dando um generoso gole.
— Posso dar uma olhada? — aponta para o meu pé e eu apenas assinto.
O se ajoelha no chão à minha frente e segura cuidadosamente em meu calcanhar, elevando um pouco minha perna para que pudesse analisar melhor. O movimento faz com que eu sinta uma pequena pontada de dor, porém não demonstro e apenas mordo o lábio inferior.
— Foi um corte superficial, não precisa se preocupar, mas vamos precisar limpar e desinfetar.
Antes que eu pudesse abrir a boca para lhe responder algo, já estava de pé e tinha um de seus braços posicionado atrás de meus joelhos e o outro apoiava minhas costas enquanto ele tentava erguer meu corpo.
— ! — exclamo, irritada.
— Que foi? Você não vai conseguir ir andando mesmo!
Emito uma bufada de ar, em desaprovação, contudo, permito o sustentar e conduzir o meu corpo corredor adentro, até o banheiro de seu quarto, onde ele me assenta sobre o mármore da pia. Observo-o procurar por algo dentro do armarinho – para evitar qualquer contato, mesmo que acidental, com meu pé ensanguentado. Só em pensar naquele líquido vermelho escorrendo pela minha pele, o sentimento de pleno pavor voltava a se apossar de meu corpo, então decido distrair a mente iniciando uma conversa:
— Eu tenho hemofobia. — explico.
— Você tem medo de pessoas emos? — questiona com a expressão confusa.
— Não, idiota, de sangue! Quer dizer, não somente de sangue, mas de qualquer coisa que posso machucar ou fazer sangrar, incluindo agulhas.
O garoto parece finalmente ter achado o que procurava e põe uma pequena maleta vermelha sobre a pia, erguendo seu corpo em seguida. Ele me encarava como se tivesse acabado de descobrir a coisa mais incrível do mundo.
— Então é por isso que você não tem tatuagem! Sempre achei estranho você nunca ter feito uma para provocar sua mãe. - Acredite, eu gostaria muito de poder.
ri e balança a cabeça, desaprovando minha atitude, lava as mãos na água corrente da torneira e pega um pedaço de gaze. Em seguida, ele se senta sobre a tampa da privada, apoia meu pé sobre seu colo e pressiona sobre o corte, fazendo com que um leve gemido de dor escapasse por entre meus lábios. Escoro meu corpo na parede e direciono o olhar para o teto, tentando espairecer.
— Começou quando eu quebrei a perna andando de skate. Acabei com todo o sonho da minha em me ver cursando Medicina.
— Eu me lembro desse dia! Foi louco, sua perna parecia o braço do Harry depois do feitiço Brancchium Emendo!
— Você não deveria me provocar quando posso facilmente acertar um chute bem no meio da sua cara! — ameaço, arrancando uma risada do garoto.
O pede para eu molhar um pedaço de algodão e lhe entregar e eu obedeço. Sinto o matéria gélido e úmido contra minha pele, o que, de certa forma, me acalma.
— Dormi no hospital aquele dia — admite, deixando-me surpresa. – Eu e seu primo Noah, nos sentimos culpados porque você estava na pista de skate por nossa causa e eu até deixei um pluto de pelúcia de presente para você.
— Meu Deus, eu ainda tenho aquele pluto! Minha mãe disse que foi Steve Miller! — exclamo, incrédula. — Bem que eu estranhei ela estar feliz demais por causa de um bicho de pelúcia!
— É, eu pedi para ela não dizer que fui eu.
— Steve foi meu primeiro beijo por causa daquele bichinho de pelúcia.
— Droga, preciso ir à casa daqueles bastardo e pedir meu dinheiro de volta! — reclama e eu rio.
— Pensei que você me odiasse quando éramos crianças.
— Nunca te odiei de verdade. Eu tinha dez anos, garotas não eram algo muito interessante naquela época. Você também não facilitava, sempre se intrometendo nas nossas brincadeiras.
— Eu não tinha com quem brincar! Todas as garotas do quarteirão preferiam brincar de boneca e idealizar uma vida de contos de fadas! Além disso, te irritar sempre foi algo muito divertido, aliás, continua sendo. – sorrio.
— Você não deveria me provocar quando posso facilmente deixá-la aqui sangrando. — o revida e cruzo os braços, emitindo uma bufada de ar.
Permaneço calada pelos próximos minutos, esperando ele terminar seja lá o que estivesse fazendo com meu pé. Para me livrar do tédio, agarro a pequena bolsinha de primeiros-socorros e começo a revirar seu conteúdo, até encontrar algo que me faz gargalhar.
— Você usa band-aid do Homem-Aranha!? – questiono, entre risadas.
— Foi o mais barato que encontrei, ok? O que eu acho uma grande injustiça, já que ele é um dos poucos super-heróis que realmente tem problemas e contas a pagar.
— Olha, vou ter de concordar com você!
O se levanta e arranca o kit de minhas mãos, retirando de lá um pequeno frasco de spray. Meus olhos automaticamente se arregalam em pavor.
— Não! — protesto. — Essa porra arde pra cacete! - Se eu não aplicar isso, existe uma grande chance do corte infeccionar, a dor será maior e você terá de enfrentar um hospital cheio de pessoas feridas e agulhas de todos os tamanhos. É isso que quer? - Balanço a cabeça negativamente. – Então seja uma boa menina e fique quietinha. Bufo, impaciente, e permito que volte a apoiar meu pé sobre sua perna. Ele borrifa o antisséptico sobre o machucado, provocando uma intensa ardência no local. Seguro fortemente a beirada da pia, descontando ali minha dor.
— Ai! Caralho, ! – reclamo, lutando contra o impulso de puxar o pé.
— Estou fazendo o melhor que posso! Fique parada!
— Onde você aprendeu tudo isso, afinal? — questiono enquanto ele cobria o corte com o curativo.
— Acampamento de verão. — o da de ombro. — Tinha de servir para alguma coisa.
recolhe todo o material usado, jogando fora o que não servia mais, e guarda o Kit, em seguida se posiciona entre minhas pernas.
— Agora você vai fazer o mínimo esforço possível para não correr o risco de abrir o machucado, não é, princesa desastrada? – assinto com a cabeça e aperta meu nariz entre seus dedos indicador e médio, fazendo-me enrugar o rosto.
— Então... — agarro a barra de sua camisa, puxando-o para mais perto. — Não vou ganhar um pirulito por ser uma boa paciente?
— Não devia pedir isso no mesmo lugar onde você simplesmente agarrou meu pênis, . — O garoto diz após emitir uma risada.
— Aquilo foi acidente! – exprimo em falso tom indignado.
— Oh, é mesmo? – Murmuro “uhum” e circulo seu pescoço com meus braços. — Então se eu fizer isso aqui também será um acidente?
O segura em ambos os lados do meu rosto e pressiona seus lábios contra os meus. Agarro os fios acobreados de seus cabelos e afasto os lábios, permitindo a passagem de sua língua, que não demora a se encontrar com a minha. Apesar de intenso, o beijo também é carinhoso, suas mãos não deixaram de acariciar meu rosto nem por um segundo. Era quase como se ele tivesse medo de que eu fosse desaparecer a qualquer momento.
Afastamo-nos lentamente – só porque ainda somos seres humanos que necessitam de oxigênio para viver -, porém continuamos a poucos centímetros um do outro.
— Essa coisa fica melhor a cada dia – sussurra exatamente o que se passava em minha mente, e eu solto uma risada, concordando com a cabeça.
Ponho as mãos sobre seu peito, afastando-o um pouco mais, pois estava ficando quase impossível raciocinar àquela distância — e o cheiro de cerveja emanando de seu hálito também estava um tanto forte. Só então percebo o que ele vestia: Calça jeans, camisa gola V — que agora talvez estivesse um pouco suja com meu sangue — e jaqueta, e chego a conclusão de que ele estava em algum lugar bebendo com os babacas dos amigos dele.
Só para ficar claro, isso não é uma crise de ciúmes ou algo do tipo, eu apenas sou muito perceptiva e curiosa.
— Como foi sua noite de sexta-feira? — pergunto.
— Foi legal. Fomos ao bar, bebemos algumas cervejas e jogamos sinuca... Até o Greg brigar com um cara e nós sermos expulsos. Eles queriam continuar a bebedeira na casa do Alex, mas eu preferi vir embora.
— Nunca agradeci tanto por aquele garoto ser um idiota. — confesso, provocando uma risada em .
— Posso te fazer uma pergunta? Promete que não vai me bater?
— Tenho uma leve impressão de que não vou gostar nada dessa pergunta, mas vou me esforçar ao máximo.
— Se você tem fobia de sangue, como faz quando está menstruada?
Fito-o por alguns segundos, esperando ele admitir estar brincando, porém o também me olhava à espera de resposta. Minha expressão muda de séria para revoltada.
— Você 'tá brincando, né?
— Não, é uma curiosidade. — o garoto ergue os ombros em indiferença.
— Cala a porra boca antes que eu volte à cozinha, pegue um daqueles cacos de vidro e enfie no seu cu! — ameaço, furiosa. — E para a sua informação, os ataques só acontecem quando representa algum perigo e não quando é algo natural do corpo. Mas confesso que fiquei apavorada quando aconteceu pela primeira vez, nenhuma criança acha normal começar a sangrar pela vagina de repente. Fazia tempo que eu não tinha um ataque, fiz anos de terapia, eu realmente achava que tinha superado essa merda.
— Todo mundo tem seus medos, . É o que nos torna humanos.
— Não é um medo racional, ! É agonizante, te deixa frágil e impotente!
— Se você quiser voltar a fazer terapia, tenho amigos da área de Psicologia que podem te ajudar. Só não deixe isso te definir, ok? Você é Fletcher, lembra? Nada pode te derrubar.
— É, você tem razão — sorrio. -, porém tem uma coisa que ainda pode me derrubar: O sono.
ri e concorda com a cabeça.
— Vou levá-la de volta ao seu quarto. Ainda preciso limpar aquela bagunça na cozinha, tomar um banho e tirar esse cheiro de cerveja de mim.
Me contive para não soltar um “não me importaria de ficar mais um pouco e assistir”.
O novamente ampara meu corpo com seus braços e círculo seu pedaço com os meus — não vou mentir e dizer que não me aproveitei do momento para aspirar seu cheiro. Atravessamos o corredor em silêncio e me põe de pé frente a minha porta.
— A princesa está entregue aos seus aposentos. — brinca, fazendo-me rir. — Quer que eu a leve lá dentro?
— Não precisa, eu me viro. Se Summer acordar e te ver aqui ou descobrir o que aconteceu hoje, não vai me deixar em paz por um bom tempo.
— Tudo bem, acho que vou voltar pro meu quarto. Qualquer coisa estou do outro lado do corredor. — Ele aponta para a própria porta. — Boa noite, .
— Boa noite, . — respondo.
Viro-mede frente para o meu quarto e seguro a maçaneta, porém hesito por alguns segundos. Por algum motivo, eu não queria entrar. Sinto meu braço ser puxado e meu corpo é prensado contra a porta e só percebo realmente o que estava acontecendo quando encontro os olhos verdes de . Brilhantes. Luxuriosos. Sedentos.
Sem dizer palavra alguma, no instante seguinte sua boca já estava sobre a minha em um beijo ardente e desesperado. Não importa as vezes que repetimos aquilo, nunca parecia suficiente. Nunca era suficiente. Nos separamos, ofegantes.
— Você disse... Um palavrão a mais.
— Sério? Porque... Acho que... Foram dois. Melhor não... Deixar... Dúvidas. — Sorrio maliciosa e retribui, logo iniciando outro beijo.
— Ok... Eu realmente preciso de um banho frio. — conclui e ambos rimos. - Agora é sério. Até amanhã, .
volta a caminhar em direção ao seu quarto, contudo, novamente algo me impedia de entrar no meu.
— Obrigada — digo, de repente. – Não pelo beijo, mas por tudo que tem feito até agora. Provavelmente eu já teria enlouquecido se não fosse por você. E não estou dizendo isso só para ser educada.
— Dessa vez você não precisa agradecer. É para isso que os amigos servem, certo?
— Certo. — Sorrio levemente. — Até amanhã, .
Finalmente adentro meu quarto, caminho mancando até a cama, me deito ao lado de Summer – que ainda roncava -, fecho os olhos e aos poucos meu corpo relaxa até que, por fim, caio no sono com um sorriso no rosto.
Chapter VI (Part I) — Saturday
Sinto meu corpo balançar como se o colchão abaixo de mim fosse feito d’água. Abro os olhos lentamente, me arrependendo no segundo em que eles encontram minha melhor amiga literalmente pulando sobre a minha cama. Emito uma bufada de ar e cubro minha cabeça com o edredom, protegendo-me da claridade.
— Me deixa dormir! — resmungo enquanto tentava impedir que Summer retirasse o edredom sobre mim.
— Nada disso! Nós temos um jogo para ir! Tem um time inteiro de caras usando roupas coladas, prontos para se matarem atrás de uma bola oval, esperando por você! — Permaneço imóvel. — !
Minha melhor amiga puxa o pedaço de pano para si, descobrindo meu corpo, e eu agarro um travesseiro, escondendo minha cabeça embaixo dele.
— Meu Deus! O que houve com o seu pé?
Automaticamente após ouvir aquelas palavras, meu corpo inteiro entrou em alerta, fazendo com que meus olhos se arregalassem e eu pulasse sobre a cama, sentando-me em posição de índio e tentando a todo custo esconder meus pés sob mim.
—N-nada! Não ouve nada!
— Como nada? Tem um curativo enorme aí! — ela aponta para mim, exalando indignação.
— Eu acabei me cortando de madrugada quando fui beber água. Foi superficial, nada demais. — dou de ombros, tentando soar o mais natural possível — o que obviamente não deu certo.
— Mesmo sendo um corte pequeno, você não conseguiria fazer o curativo sozinha. —Summer me encara com os olhos semicerrados e eu praguejo mentalmente. — te ajudou, não foi?
Abro a boca para inventar alguma desculpa, porém, antes que eu pudesse formular uma frase, alguém bate na porta. Summer me lança um sorriso malicioso e corre até ela para abri-la.
— Eu vim trocar o curativo — enuncia, erguendo a caixa de primeiros-socorros.
Summer dá espaço para que ele pudesse entrar, lançando-me um olhar sugestivo em seguida.
— Vou tomar banho e deixar os pombinhos da madrugada a sós! — ela sorri, provocando o meu revirar de olhos, e segue para o banheiro.
— Você tem um timing perfeito — debocho.
— Não precisa me agradecer! — o ruivo diz, antes de se sentar ao meu lado, puxar meu pé para o seu colo e retirar o curativo. — Como está o pé? Dói? — ele questiona, pressionando a região ao redor do corte.
— Ai! Um pouco! — reclamo.
— Consegue apoiar no chão? — coloco metade do pé sobre o chão, que faz meu rosto se contorcer em dor, não era forte, mais parecia uma fisgada incomoda.
— Puta que pariu! — exclamo. me encara alarmado, procurando o que havia de errado. — Não posso ir ao jogo assim!
— E por que não? — ele pergunta visivelmente confuso.
— Tá brincando? Olha o estado do meu pé! — digo, indignada.
— E desde quando isso te impede de alguma coisa? — questiona como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Está me incentivando a fazer algo imprudente? — questiono com uma das sobrancelhas arqueadas em desconfiança. — Quem é você e o que fez com Foster?
— Só estou dizendo que talvez a gente possa se divertir um pouco depois... — ele ergue os ombros e um sorriso começa a se formar em meu rosto. — Mas não se preocupe porque estarei lá para garantir que você não seja tão... você!
Meu sorriso automaticamente se desmanchou, dando lugar a uma expressão entediada, enquanto eu cruzava os braços abaixo do peito em indignação. Ele tinha mesmo que ter sugerido aquilo e acabar com todas as minhas expectativas segundos depois?
— E por um segundo achei que você finalmente tinha se tornado uma pessoa divertida!
— Você me ama desse jeito e sabe disso! — O ruivo lança um sorriso em minha direção, que me fez querer bater nele por ser tão ridiculamente bonito.
Aguardei impacientemente enquanto limpava o corte, aplicava a pomada e o cobria novamente com outro curativo.
— Você realmente vai ao jogo só para me supervisionar?
— Não, serei obrigado a ir de qualquer jeito porque me inscrevi para o time reserva — ele responde, fazendo-me olha-lo surpresa.
— Você tá no time? Desde quando? — pergunto com o cenho franzido.
— Desde que conta como atividade extracurricular. Eu só fui a dois treinos, não há chance alguma de eu entrar em campo, só preciso vestir aquele uniforme ridículo, e ficar no canto esperando o jogo acabar. — O garoto retira meu pé de seu colo. — Aliás, já estou atrasado para a apresentação do time!
Sem que eu esperasse, o ruivo segura meu queixo entre o polegar e o indicador, se inclina em minha direção e cola seus lábios aos meus. se levanta e caminha até a porta ao passo que eu ainda tentava digerir os últimos segundos.
— Ei, espera aí! — chamo e o garoto se vira em minha direção. — Você realmente me beijou sem eu ter escovado os dentes? — questiono e sorrio assim que vejo a expressão incrédula em seu rosto.
— Sério, ? Você tinha que dizer isso agora?
— Eu disse para não sair me agarrando! — Ergo os ombros.
— Você é inacreditável! — ele joga as mãos para o alto.
— E você me ama desse jeito e sabe disso! — Lanço-o uma piscadela, emitindo uma gargalhada enquanto assistia o ruivo sair do quarto.
Após tomar banho, vestir minha camisa preta e dourada estampada com número vinte e quatro — que felizmente não era mais o da camisa de Scott —, o boné da mesma cor, o short jeans, o tênis e ouvir muita zombaria vinda de Summer, finalmente saímos de casa.
Chegamos ao The Bounce House por volta das duas e quarenta. Nossos lugares eram frente à linha de cinco jardas, que era um pouco melhor do que os assentos reservados para estudantes.
— Que lugar péssimo! — Summer comenta ao olhar em volta e ver um bando de caras sem camisas formando “GO, KNIGHTS!” de tinta preta em seus tórax. — Pensei que por ser quarterback Scott conseguiria lugares VIPs ou algo assim!
— Nada diferente do que eu esperava daquele idiota! — respondo irritada.
— Nossa, você está mesmo muito irritada com ele! Parece que todo o encanto do superjogador realmente passou! — ela debocha.
— Superjogador é o caralho! Ele é um cuzão!
— Ei, , alguém acabou de dizer dois palavrões! — Summer grita.
Viro-me para frente e avisto o ruivo dentro do campo caminhando em nossa direção. Ele me chama com um aceno de mão e eu volto minha atenção para minha melhor amiga, lançando-a um olhar furioso.
— Mas que merda!? Isso é um complô contra mim!?
— Você fez o acordo, só estou garantindo que você o cumpra! — Ela dá de ombros. — Pode me agradecer depois!
Emito uma bufada de ar e mesmo contrariada desço os três degraus até a barreira que separa a arquibancada e o campo, tendo de ouvir um alerta para ter cuidado com meu pé, vindo do ruivo. O garoto sorri e segura ambos os lados de minha cabeça, grudando sua boca na minha. Eu estava tão irritada que fiz daquele beijo algo bem violento e grotesco de se ver.
— Você não consegue ficar mais de meia hora sem me beijar, né? — diz, pomposo.
— Não consigo ficar mais de meia hora sem te mandar ir pro inferno! — respondo, exasperada. — Eu vou matar a Summer, essa Judas do caralho!
emite uma risada e me dá um rápido selinho.
— Não aja como se não gostasse! — ele debocha e eu o empurro para longe.
—Você não deveria estar no vestiário ou sei lá?
— Prefiro ficar aqui a ter de ver um bando de caras nus. Minha presença não faz falta de qualquer maneira. — ergue de ombros.
Abro a boca para zombar de sua frágil masculinidade, porém sou interrompida pela voz do treinador:
— Foster, vestiário! Agora! Você vai entrar em campo hoje!
O garoto automaticamente se vira para o homem com a expressão assustada.
— O quê? — ele berra. — Treinador, eu nem participei dos treinos! Eu nã...
— Você sabe como chutar a porra de uma bola? — balança a cabeça, meio incerto. — Ótimo! Então pode substituir o Rogers como kicker! Vá se preparar, agora!
O ruivo se direciona novamente para mim, com o semblante mais branco que papel e completamente carregado em pavor. Não consegui evitar a forte onda de gargalhadas que explodiu pela minha garganta.
—Você deveria ver a sua cara! — comento apontando para seu rosto, entre risadas. — Tá hilária! Se eu pudesse tiraria uma foto, daria um ótimo meme!
— Isso não é engraçado, ! — ele rebate, enfurecido. — Não jogo futebol desde, sei lá, meus doze anos! Se eu fizer merda hoje, todos vão me odiar ou zoar com a minha cara!
—Pense pelo lado bom: Se você for bem, todas as líderes de torcida vão querer você! — ironizo.
— Quem disse que quero as líderes de torcida? Só a sua boca já é o suficiente pra mim.
Dou uma risada nasalada e dois tapas levemente em seu peito.
— Continue sonhando, bebê, quem sabe não se realiza! — lanço lhe uma picadela.
Mais uma vez a voz do treinador se faz presente, mandando parar de "flertar" e ir para o vestiário antes que ele mesmo o carregasse. O ruivo emite uma bufada de ar em descontentamento.
— Um beijo de boa sorte? — sugere.
— Nem fodendo! — respondo, fazendo o garoto ri e colar sua boca rapidamente na minha. — Lembre-se: Você é um ator, pode ser quem caralhos você quiser, então ponha seu uniforme, vá para o meio daquele campo, finja ser Stephen Gostkowski e chute as bundas daqueles filhos da puta!
concorda com a cabeça e sorri abertamente, antes de segurar em minha nuca e puxar meu rosto para si, unindo novamente nossos lábios em um beijo ardente. Em seguida, ele se despede e segue rumo ao vestiário.
— Quebre a perna! — vocifero e depois lembro de que não estávamos no teatro e ele poderia realmente sair dali com uma perna quebrada. — Não literalmente!
— Vou tentar o meu melhor! — ele responde.
Emito uma risada e me viro de volta para a arquibancada, encontrando Summer com o celular levantado em minha direção. Subo novamente a escada e paro ao seu lado, arrancando o aparelho de suas mãos e descobrindo que ela havia tirado fotos minhas com .
— Que porra é essa!? — questiono, irritada.
— Estava tirando fotos do meu OTP! — Ela ergue os ombros e ri.
— É mesmo, engraçadinha? Então agora você vai ficar responsável por contar quantos palavrões eu disser e também tirar as fotos do jogo! — digo e me jogo na cadeira ao lado dela.
— Ah, não, ! Minha especialidade é tocar piano e não fotografia! Essa é a sua praia!
— Estarei muito focada no jogo para conseguir fazer isso. Você posta boas fotos de paisagens no instagram, vai conseguir se virar! — dou de ombros, roubando o pacote de salgadinhos do colo de minha melhor amiga enquanto ela me encara indignada.
Summer aproveita minha distração e resgata seu telefone, postando em seu instagram e facebook uma foto em que me beijava com a legenda "Duplo F <3". Quase parti para cima dela, mas a desgraçada conseguiu fugir, rindo da minha cara por estar impossibilitada de correr atrás dela.
Aproximadamente quarenta minutos depois, uma música animada começa a tocar e as lideres de torcida entram em campo dando suas estrelinhas e cambalhotas. Elas continuam a performance com movimentos que me davam preguiça só em pensar em reproduzir. Ao final elas montam duas pirâmides e levantam plaquinha representando as cores do time: preto e dourado. Em seguida o nosso mascote — um cara vestido de cavaleiro medieval — entra acompanhado de dois garotos carregando a bandeira com a sigla "UCF" e começa a dançar de forma bizarra, arrancando gritos da plateia.
Kernkraft 400 começa a tocar enquanto o time entrava em campo e, como manda a tradição, todos começam a pular — menos eu por estar com a porra do pé machucado —, fazendo o estádio inteiro tremer enquanto batem palmas e gritam para os jogadores — alguns para jogadores em particular.
Os lideres dos times se reúnem no centro do estádio, é tirado no cara e coroa quem ficará com a bola e os Tulsa Golden Hurricane acabam ganhando, o que quer dizer que os Knights, mais especificamente , deveriam dar o chute inicial. Não pude deixar de pensar no quão fodido ele estava e ao mesmo tempo me sentir como uma mãe orgulhosa ao ver seu filho jogar pela primeira vez.
Os jogadores se posicionam em seus lugares e se prepara para chutar a bola. Eu poderia jurar que antes de dar o chute ele olhou diretamente para mim, todavia, digo a mim mesma que era só mais uma paranoia da minha cabeça. O kickoff é dado e a bola é agarrada pelo retornador dos Tulsa, que começa a correr e é derrubado logo na linha de 15 jardas, porém se recupera e avança mais 10 jardas, passando a bola para o quarterback e esse por sua vez lança a bola no ar para um Wide Receiver que estava à 20 jardas da Endzone.
— Esses cornerbacks estão dormindo, caralho? Interceptem essa porra! — vocifero, irritada.
Mas como eu previa, o corredor consegue agarrar a bola e correr a distância que faltava para marcar o Touchdown, abrindo o placar dos Tulsa e a torcida deles comemora.
— Vão se foder, seus filhos da puta! Eu defenderia essa porra de campo melhor do que vocês!
— Vai pra casa lavar louça! Aqui não é lugar de mulher! — um idiota, que estava algumas fileiras atrás, diz.
Viro-me bruscamente em direção ao babaca que havia dito aquele monte de merda e fuzilo-o com os olhos — só não voei em cima dele porque senti meu pé doer e Summer não permitiu que eu saísse do lugar.
— É mesmo, imbecil? Então porque você não vai, sei lá, trocar um pneu, carregar sacos de cimento, morrer na guerra...? Ah, lembrei! Têm mulheres que fazem isso bem melhor do que você, né? Lugar de mulher é onde ela quiser, seu cuzão! — replico e outras mulheres em volta me apoiam, então ele não volta a dizer nada.
Perco a conversão de dois pontos por estar discutindo com aquele idiota e volto minha atenção ao jogo, Scott está com posse da bola e mesmo estando cercado se recusa a passar a bola e por um milagre — ou talvez seja só o ego inflado dele — consegue desviar e marcar um TD.
— TOUCHDOWN, PORRA! — grito abraçando Summer, que não entendia muita coisa, mas comemora junto.
Após a marcação do Ponto Extra, o primeiro quarter termina com os Tulsa em vantagem de um ponto. No segundo quarter conseguimos mais um Touchdown, todavia as três descidas para o próximo TD falham e um Field Goal é necessário. Meu corpo inteiro se tenciona quando me dou conta de que quem terá de chutar a bola é . Eu nunca fui uma pessoa religiosa, porém naquele exato momento peço para todos deuses possíveis para que fizesse ele acertar a bola no meio das traves. Ele consegue e eu vibro como se minha vida dependesse disso. O time adversário consegue marcar um Touchdown e o primeiro tempo termina com o placar Knight 18 x Tulsa 16.
Penso em ir até parabenizá-lo pelo chute e Summer me impede, dizendo que eu não deveria distrai-lo por prazeres sexuais, o que me deixou bastante ofendida porque a minha intenção era puramente apoiá-lo. A fome me atinge e minha melhor amiga me proíbe de me levantar para buscar algo para comer, então assim que avisto o vendedor de cachorro-quente minha única opção foi:
— Ei, você, moço do cachorro-quente! — grito. — Ei, moço!
— , pare com isso! — Summer me repreende.
— Você não me deixa levanta, então preciso gritar! — retruco e volto a atenção ao homem. — Tá surdo, porra?
O rapaz me olha feio, porém caminha em minha direção. Compro dois sanduiches para mim e Summer me olha com expressão de nojo, dizendo que havia muita gordura saturada ali e eu ergo os ombros em indiferença.
O terceiro quarter se inicia e logo de início Scott sofre um fumble após o snap e os Tulsa marcam um Touchdown de defesa. Os Knights logo recuperam a bola através de uma interceptação e o Running Back marca mais um TD, empatando o jogo. Os próximos trinta minutos que se seguiram foram intensos, houve três faltas, dois pedidos de tempo de cada time e por fim Touchdown, que deixa o placar Knights 32 x Tulsa 24, garantindo a nossa vitória.
Toda a arquibancada vibra em urros de comemoração e cantam em uníssono UCF Fight Song. Vejo o ruivo retirar o capacete e ser parabenizado, até mesmo por Scott e me senti orgulhosa não somente por e sim por todo o time, pois mesmo sendo um babaca, Scott ainda é nosso principal jogador.
— Pelas minhas contas você disse dez palavrões, mas não posso afirmar nada porque sou péssima em cálculo — Summer declara e eu me viro de costa, começando a me afastar. — Aonde você vai? !
Ignoro os chamados de minha melhor amiga porque olhava fixamente para o ruivo que se movia em minha direção. Desço os degraus restantes até o local que nos encontramos mais cedo, tento ultrapassar a pequena cerca, no entanto falho vergonhosamente e me ajuda. Ele sorri, fazendo-me retribuir e me preparo para elogiar sua performance, no entanto o ruivo me interrompe:
— Como está o pé? — ele questiona e eu reviro os olhos.
— Foda-se a porra do meu pé! Você foi foda pra caralho hoje e... ah, só cala a boca! — Seguro o rosto do ruivo entre as mãos e sem hesitar colo meus lábios aos dele.
abraça meu corpo e me suspende no ar, obrigando-me a circular seu tronco com as pernas e agarrar em seus cabelos molhados de suor. Afasto-me e encaro seu rosto por alguns segundos. Suas bochechas estão coradas e pintadas por duas listras pretas e douradas, os cabelos alaranjados completamente desgrenhado e colados ao rosto e me senti na obrigação de afasta-los, fazendo o garoto sorrir.
Filho da puta lindo do caralho!
Não resisto e colo novamente a minha boca a dele, bagunçando ainda mais os seus fios com os dedos, mas o garoto também não ficou para trás, puxando os fios em minha nuca. Separamos após alguns minutos e rimos do estado deplorável em que nos encontrávamos.
— Quantos foram? — ele indaga.
— Summer disse dez, mas eu aposto que foram mais. — Empurro o peito do ruivo e ele me põe de volta ao chão. — Acho que alguém merece um prêmio por ter representado tão bem o nosso time...
Sorrio marota e seguro o pulso do garoto, na intenção de carrega-lo para fora dali, no entanto me impede.
— Você não pode andar estando assim! — ele exclama e se vira de costas. — Sobe aí!
Dou de ombros e pulo sobre seu dorso, apoiando-me nas ombreiras. O ruivo agarra minhas pernas e começa a correr em direção à abertura onde os atletas entravam e saíam de campo. Indico um corredor à direita que tem uma porta ao fundo, ele segue minhas instruções e acabamos frente a um banheiro feminino. A porta mal havia sido aberta e meu corpo já estava prensado contra ela. Os lábios de atacam os meus com ferocidade e nossas línguas dançam com volúpia. As mãos do ruivo avançam até minhas coxas, apertando-as e suspendendo-as até a altura de sua cintura, que não demoro a circular com minhas pernas, agravando a proximidade de nossos corpos.
Levo minhas mãos à barra da camisa de e ergo-a até a estatura do tórax, interrompendo o beijo para poder retirá-la, e o garoto logo trata de se livrar das ombreiras e camiseta abaixo dela. Percorro os dedos sobre sua barriga, contemplando seu abdômen perfeitamente definido e mordo o lábio inferior, cogitando quão maravilhoso seria arranhá-lo enquanto rebolo sem pudor algum sobre o seu pau.
Porra, , por que você tem que ser tão gostoso?
— Sinto como se tivesse literalmente tirado o mundo das costas — o ruivo brinca, e eu solto uma risada, balançando a cabeça negativamente.
Ponho os pés de volta ao chão, giro a chave na porta — para o caso de algum inconveniente tentar entrar — e pouso as mãos sobre seu peito, afastando-o. me olha confuso, porém continuo empurrando-o até adentrarmos a cabine mais próxima e ele cair sentado sobre a tampa da privada.
Acomodo-me sobre seu colo e impulsiono meu quadril de encontro ao dele. Percebo que teve o exato efeito desejado quando ouço um gemido escapar por entre seus lábios, e sorrio, grudando minha boca na dele. Repito o movimento, com um pouco mais de força, e embrenha seus dedos em meus cabelos, puxando-os levemente. Continuo rebolando com os olhos fechados, indo para frente e para trás e algumas vezes em sentido circular, enquanto distribui lambidas, beijos e chupões por toda a extensão do meu pescoço.
O atrito contra o pano do meu short jeans e o volume na calça de fazia minha buceta latejar cada vez mais, provocando o aumento da intensidade de minhas reboladas e gemidos sôfregos saírem por minha garganta. Subitamente se afasta, fazendo-me suspirar em reprovação e abrir os olhos, mas logo constato que algo estava errado ao ver sua expressão de dor.
— O que foi? Eu fiz algo errado? — questiono, olhando preocupada para onde nossos corpos se encontravam. Nunca tinha ouvido sobre isso, mas e se eu tivesse machucado o amiguinho dele?
— Não, não tem nada a ver com você, aliás, você estava ótima! São essas roupas apertadas que machucam! Não dá para... — o ruivo passeia as mãos pelo rosto em frustração e seu rosto fica mais vermelho.
Sério que ele está com vergonha de dizer que o pau dele precisa respirar?
— Ok, já entendi! Vou te dar uma mãozinha!
Levanto-me de seu colo e me ajoelho ao chão — que felizmente estava razoavelmente limpo. Agarro a barra da calça e tento puxá-la, porém, além de muito justa, também é um tanto quanto pesada devido aos protetores nos bolso. me auxilia e juntos conseguimos retirá-la até abaixo do joelho, repetindo o mesmo processo com a calça elástica em seguida. Finalmente, apenas uma cueca boxer branca cobria seu corpo e eu faço questão de tirar sozinha, revelando seu pênis duro.
— Awn, você é ruivo aqui embaixo também! Que fofo!
— ! — O garoto me censura. — Sério que, no meio de toda essa situação que estamos agora, você diz que meu pau ruivo é fofo!?
— Relaxa, estava apenas tentando descontrair! E sou quem está ajoelhada no chão de um banheiro público com limpeza de caráter duvidoso, encarando essa coisa esquisita que você tem no meio das pernas, e não estou reclamando! Então cale a porra da boca e curte o momento! — vocifero.
não se pronuncia novamente, então deduzo que ele havia sido convencido — não é como se ele tivesse muitas opções, ou calava a boca e me deixava fazer as coisas do meu jeito, ou iria para casa de pau duro, e eu tenho certeza absoluta de que ele não quer a segunda opção.
Prendo meus cabelos atrás das orelhas e jogo-os para trás dos ombros, de maneira que não me atrapalharia. Agarro a base do pênis dele e faço movimento de vai e vem lentamente, ouvindo um suspiro vindo do ruivo. Passeio a língua por toda a sua extensão até que ele estivesse inteiramente umedecido.
Levo meu olhar ao rosto do ruivo e ele aparentava não estar satisfeito com a minha lentidão proposital e sorrio antes de abocanhá-lo quase por completo. Início o processo de subida e descida, sugando as bochechas enquanto arrastava os lábios sobre sua pele. Sinto seus dedos agarrarem fortemente os fios em minha nuca e me empurrarem contra ele. Interrompo imediatamente o que estava fazendo e retiro sua mão de minha cabeça, encarando furiosamente.
— Tira a porra da mão de mim! Eu sei muito bem o que estou fazendo, não preciso de ajuda! — esbravejo e o ruivo me fita confuso.
Eu bem sabia que sua atitude era uma consequência do extinto de macho alfa querendo ter controle sobre tudo. Mas aqui macho alfa não tem vez. Não comigo.
— Só... Continua... Por favor! — suplica, provocando um sorriso satisfeito em meu rosto.
Volto minha atenção ao seu pau e introduzo somente a cabeça em minha boca, sugando-o com veemência e fazendo movimentos circulares com a língua. Vejo que obtive sucesso quando um grunhido de prazer invade meus ouvidos, servindo de estímulo para que eu repetisse o ato e aumentasse a velocidade. Continuo chupando-o com afinco e meu nome escapar da maneira mais rouca e erótica possível por entre seus lábios, em um aviso de que ele estava chegando ao seu limite. Dou mais algumas chupadas e sinto seu gozo invadir minha boca, que eu saboreio até a última gota.
Levanto-me do chão e saio da cabine, parando frente ao espelho; começo a ajustar minhas roupas de volta ao corpo, penteio os cabelos rapidamente com os dedos e jogo uma água em meu rosto corado. Não posso andar por aí com cara de quem acabou de pagar um boquete.
Volto para onde estava e ele continuava da mesma maneira que o deixei: Nu, com os cabelos bagunçados, a respiração ofegante e o rosto completamente vermelho. Sorrio em satisfação com meu trabalho muito bem feito.
— Levanta logo daí! — ordeno. — Temos um show a ir e ainda há muito que comemorar! Vou te esperar lá fora, Cenourinha! — aviso e me viro, seguindo para fora do cômodo.
Chapter VI (Part II) — Saturday
N/A: Antes de seguirmos em frente, queria avisar que essa é a música oficial do capítulo e seria bom ouvir quando ela é mencionada, porém também temos uma playlist no Spotify onde estão todas as músicas citadas nesse capítulo. Enfim, sem mais delongas, enjoy it!
Chegamos ao Knight Library faltava pouco para a Atomic Mess começar a se apresentar, Jake e seus companheiros de banda montavam o equipamento no palco ao fundo do local, enquanto You Only Live Once saía pelas caixas de som. O lugar estava um pouco cheio e tinha uma fila quilométrica do lado de fora, porém, como somos praticamente de casa, conseguimos entrar sem dificuldade.
Arrasto até uma mesa perto do bar, onde Summer estava sentada com cara de que comeu pizza estragada e agora estava com dor de barriga.
— Que cara é essa? — questiono.
— Cara de quem foi abandonada pela melhor amiga sem explicação! — a garota responde, irritada. — Eu fiquei mais de meia hora te esperando e nem pude te ligar para saber onde estava, já que você simplesmente largou o seu celular comigo!
Merda, bem que eu achei estranho ele não ter tocado o dia inteiro...
— Ah, eu estive ajudando o com... uma... coisa.
— Sei bem o tipo de “ajuda” que você estava dando! — Ela olha desconfiada de mim para o ruivo e ele solta uma risada, fazendo-me lançar um olhar feio em sua direção. — E toma as suas coisas, não sou sua empregada para ficar carregando elas! — Summer empurra o celular e câmera em minha direção.
— Jesus, quanto estresse! Você não costuma ficar assim por coisa boba, tem mais alguma coisa acontecendo.
— Bem, talvez o fato de que meu namorado não me dá atenção há semanas e vive em função de uma banda esteja irritando um pouco — a negra ironiza.
— Ah, não! Você não vai ficar aí sofrendo por macho, hoje é dia de comemoração! — Pego a bolsa de suas mãos, voltando a guardar minhas coisas dentro, agarro no pulso de minha melhor amiga e puxo-a para fora da mesa, guiando-a até o bar. — Hoje vamos nos divertir como se não houvesse amanhã e beber até dar PT!
Paro frente ao balcão do bar e peço dois shots de tequila, que o barman prontamente atende. Depositamos juntas o sal entre o polegar e indicador, lambendo-o em seguida. Brindamos com um sorriso, viramos os shots da bebida e sem demora chupamos o limão que estava sobre o balcão. Ambas fazemos caretas e soltamos uma risada; emito um grito em comemoração, fazendo minha melhor amiga rir ainda mais. A música que tocava cessa e um barulho de microfonia vem do palco, chamando nossa atenção. Jake estava frente ao pedestal, segurando sua guitarra.
— Boa noite, galera! — todos respondem com um grito. — Meu nome é Jake, nós somos a Atomic Mess e iremos tocar para vocês hoje! Espero que gostem!
Ele faz sinal de contagem com a mão para os amigos e sem demora os primeiros acordes, que constato serem de Naive dos The Kooks, são ouvidos.
— I'm not saying it was your fault, Although you could have done more! — Canto junto. — Oh, you’re so naïve yet so!
Seguro as mãos de Summer e puxo-a para uma dança desengonçada bem estilo anos oitenta. Ouço uma risada vinda do meu lado direito e encontro segurando uma garrafa de Heineken e se divertindo com nossa cena. Pego a bolsa das mãos de minha melhor amiga e lanço sobre o peitoral do ruivo, ignorando sua face indignada e conduzindo Summer até a pista de dança frente ao palco. Dançamos como duas lunáticas que acabaram de fugir de um hospício e não damos a mínima se alguém estava olhando; havia uma boa quantidade de pessoas na pista, então não era um mico completo. Além disso, pagar mico com a sua melhor amiga sempre fora melhor do que sozinha.
Voltamos ao bar e peço para que o bartender nos surpreendesse, ele sorri abertamente — se fosse uma outra ocasião e eu estivesse um pouco mais alterada, flertaria com ele sem dúvida alguma — e recomendou A Fada Azul, um shot feito de absinto, tequila e licor azul. Topamos, mas quando ele disse que deveria ser ingerido flamejante Summer desistiu, então tive que assumir o shot dela. O liquido desce queimando minha garganta, no entanto, não hesito em tomar a segunda dose. Minha melhor amiga diz que iria cumprimentar suas colegas de classe, que estavam sentadas em uma mesa próxima e eu apenas anui a cabeça.
Bad Habit — uma das minhas músicas favoritas — começa a tocar e eu obviamente não perderia a oportunidade de voltar à pista de dança e balançar a minha bunda ao som daquela batida maravilhosa.
Eu caminhava de volta à área do bar para tomar mais uma bebida e procurar por Summer quando de repente dou de cara com algo corpulento. Quase xinguei por subitamente uma pilastra ter se materializado no meio do pub, porém, no momento seguinte ao que ouço a tal pilastra chamar meu nome e levanto a cabeça para atender, arrependo-me profundamente. Parado à minha frente, trajando uma camisa tão apertada que transparecia perfeitamente cada músculo do seu peitoral, estava ninguém mais, ninguém menos que Scott Babaca Narcisista McKibben!
Contenho-me para não soltar um “puta que pariu!”, mas depois me repreendo por não ter feito, pois pelo menos eu poderia ter usado como desculpa para sair correndo dali. Engulo em seco tentando formular uma frase que não fosse idiota demais, porém falho vergonhosamente.
— S-Scott! O-Oi! Nossa, que surpresa! — tento soar mais animada possível.
Esse é um pub dedicado ao time em que ele joga, sua idiota, é claro, que não é uma surpresa ele estar aqui!
— Faz tempo que não te vejo e você não respondeu nenhuma das minhas mensagens... — ele diz em tom de desconfiança.
— Ah, foi mal, meu carregador quebrou! É uma merda vivermos nesse mundo capitalista onde as coisas não duram! — Dou de ombros. — E, bem, eu ando bastante ocupada com trabalhos e provas, sabe como é, né?
— Sei, sei. Mas você não está ocupada agora, não é? — ele diz em tom de malicia e agarra minha cintura com brutalidade, puxando meu corpo de encontro ao seu tronco.
Uma onda de irritação se apossa do meu corpo, fazendo com que eu reúna toda a minha força para afastá-lo de mim. Eu preciso pôr um ponto final nessa situação e terá de ser agora!
— Ok, precisamos conversar! — exclamo, exasperada, e agarro o braço de Scott, arrastando-o para um canto mais afastado, onde a música não era alta.
O babaca entende errado a minha atitude e assim que paramos de andar, ele mais uma vez tenta me agarrar, porém impeço pousando as mãos sobre o seu peito.
— Olha, vou ser bem clara e direta: Eu não quero mais sair com você!
O moreno me encara como se eu tivesse acabado de dizer a coisa mais absurda do mundo.
— O quê? Por quê? — ele questiona. — É por causa do ? Gata, eu não me importo se você quiser ficar com ele também, não sou ciumento!
— Isso não tem nada a ver com o ! Eu não tenho nada com ele, nós apenas nos beijamos de vez em quando por causa de um acordo idiota que fizemos, aliás, isso não vem ao caso e muito menos é da sua conta! — exprimo, enraivecida. — A questão aqui sou eu e você, eu não quero mais ter qualquer tipo de envolvimento com você! Você não faz meu tipo, eu não gosto de você dessa maneira e não te quero na minha vida e muito menos na minha cama!
— Você é louca! — Scott grita.
Cruzo os braços sob o peito, não contendo a alta gargalhada sarcástica que automaticamente saiu pela minha garganta.
— Vocês homens são tão patéticos! Sempre acusando mulheres de loucas quando não concordam ou não fazem o que vocês querem! — emito mais uma risada. — Sei que deve ser difícil para você ser rejeitado quando vivemos em uma sociedade machista e patriarcal que o faz acreditar que, por ser um homem branco, rico e famoso, todas as mulheres do mundo o desejam, mas advinha só, baby? O mundo não gira em torno da porra do seu pau! Quando uma mulher diz NÃO, ela não está confusa ou quer que você insista, ela realmente quer dizer não! Seu cérebrozinho de merda precisa entender que isso significa que você deve deixá-la em paz! Agora, se me der licença, eu tenho uma festa para aproveitar e não será um macho egocêntrico como você que irá me impedir! — termino o meu discurso enquanto tocava Mr Brightside e saio marchando novamente em direção ao bar.
Antes de atingir metade do caminho, sinto meu pulso esquerdo ser segurado e já estava me preparando para acertar o babaca bem no meio do rosto com a outra mão, quando me assusto ao constatar que quem havia me a agarrado era .
— Mas que porra, ! Pensei que fosse o idiota do Scott, já ia lhe dar uma porrada na cara! — praticamente berro.
— Ei, calma! Eu vi vocês discutindo e vim saber se tá tudo bem! — ele se defende após largar meu braço.
— Agora tá, coloquei aquele babaca em seu devido lugar! — digo, orgulhosa.
— Ele não parecia feliz com o que você disse. Eu estava pensando seriamente em interromper se ele chegasse um pouquinho mais perto de você!
— Obrigada, mas sua ajuda não seria de grande ajuda. Ele precisa me respeitar porque sou uma mulher que tem o direito de não querer ficar com ele, e não porque tem um cara o intimidando! — aproximo-me, envolvendo seu pescoço com os braços. — Mas você pode me ajudar em outra coisa...
Sorrio maldosa e retribui, colando seus lábios aos meus em seguida. Seu braço direito circula minha cintura, puxando-me para perto com rapidez, mas sem aplicar muita força.
Ah, sim, esse é o jeito certo de pegar uma mulher: ágil, preciso e não violento. Algumas pessoas precisam aprender o que é ter pegada.
Enterro as mãos em seus cabelos e peço passagem com língua, aprofundando o beijo. Hum... Eu poderia fazer isso por um dia inteiro...
— Porra, ! Estava te procurado por todos os cantos e você está aqui trocando saliva com o ! — ouço a voz da minha melhor amiga atrás de mim.
Afasto-me do ruivo e me giro meu corpo, encontrando Summer com os braços cruzados abaixo do peito e uma expressão bastante medonha.
— Foi mal! Eu ia te procurar, mas o Scott apareceu e...
— Ok, já entendi! Vocês combinaram um ménage e agora estão fazendo um esquenta, poupe-me dos detalhes! — ela me corta, fazendo-me fita-la com indignação.
— Nem se eu tivesse louca faria uma coisa dessas! Prefiro virar freira a ter qualquer coisa com aquele bosta! Vamos logo conhecer essas suas novas amigas pelas quais você sempre me troca, se elas não forem tão maravilhosas quanto eu, vou ficar ofendida!
Agarro o pulso de e arrasto-o junto comigo enquanto seguia Summer pelo canto menos movimento, até chegarmos a uma mesa onde estavam sentadas quatro mulheres e um homem: a primeira garota tinha os cabelos blackpower e conversava animadamente com o cara ao seu lado, a segunda tinha um sidecut maravilhoso, bebia um liquido azul pelo canudo e parecia entediada, a terceira usava dreads e falava algo no ouvido da garota ao seu lado, que carregava madeixas cor de rosa. Todos negros.
Jogo meu corpo sobre uma das cadeiras disponíveis e consequentemente obrigo a se sentar na que estava ao lado.
— E ai, galera! — cumprimento e todos à mesa param o que estavam fazendo para olhar em minha direção.
— Meninas, essa é a , a amiga louca de quem eu falei! , essas são, Serena, Luna, Mylene e Alessia, elas são parte do coral Black Soul! — Summer aponta para cada uma na ordem em que estavam sentadas.
— Ei, você esqueceu de mim! — o rapaz entre as duas mulheres reclama.
— Ah, e esse é o Jeff — a garota diz com desdém.
— Ele é insignificante. — Alessia dá de ombros.
— Insignificante!? — Jeff exprime, indignado. — Eu sou muito importante! Eu...
— Você toca bateria, ajuda na batida da música e blábláblá, a gente já sabe! — Mylene se pronuncia. — Que macho chato do caralho!
Emito uma risada. Em menos de cinco minutos de conversa eu já as adorava mais do que noventa e nove porcento das pessoas com quem convivo diariamente.
— Esse outro ser insignificante aqui é o , mas ele gosta que o chamem de — anuncio e círculo os ombros do ruivo com um. — E ele vai fazer a gentileza de ir buscar umas bebidas pra gente junto com o Jeff.
— Eu não sou o seu capacho, ! — ele vocifera com irritação.
— Você me interrompeu enquanto eu ia para o bar, então estou pedindo, com muita educação que você sabe que eu não tenho, para que use seu cavalheirismo e faça a gentileza de buscar uma bebida para mim e minhas amigas.
me encara por alguns segundos, analisando-me com uma das sobrancelhas arqueadas.
— Vamos, cara, não somos bem-vindo aqui mesmo. — Jeff sugere.
O ruivo bufa e se levanta, seguindo o mais alto até o bar.
— Garota, você é das minhas! — Serena diz. — Definitivamente pode sentar com a gente!
— Nas quartas usamos lágrimas de macho! — Mylene debocha e todas riem.
Elas engatam em uma discussão sobre qual música da Aretha Franklin iriam cantar na próxima apresentação e eu obviamente fiquei deslocada por não entender absolutamente nada de Soul, então a única coisa que realmente estava me entretendo era balançar a cabeça no ritmo de Ruby. Finalmente o ruivo retorna a mesa, depositando um copo de Long Island Iced Tea — que na verdade é só uma mistura bem louca de várias bebidas — em minha frente e se acomoda ao meu lado.
— Há quanto tempo vocês namoram? — Luna questiona e quase me faz engasgar com o drink.
— NÓS!? — indago apontando de mim para e a garota maneia a cabeça.
— Não somos namorados, só... — paro de falar, sem saber o que responder.
— Se beijam “casualmente”.— Summer responde, fazendo aspas com os dedos.
— Mas só quando eu digo um palavrão! — defendo-me e elas me fitam como se eu fosse um ET.
— Pessoas brancas são loucas! — Serena comenta.
— Pessoas brancas e héteros são mais loucas ainda! — Alessia complementa, provocando risada nas amigas. Why'd You Only Call Me When You're High? começa a tocar e a uso de pretexto para sair dali e voltar para a pista de dança. Não sei se foi em homenagem a música, porém sinto um forte cheiro de erva e uma garota da minha turma de Videografia me oferece um baseado, que acabo aceitando. Rapidamente o efeito se fez presente, pois sinto a leveza tomar meu corpo e uma extrema sensação de alegria me preencher, fazendo-me gargalhar.
Caminho cambaleante e um pouco grogue rumo à mesa em que meus amigos estavam sentados, jogando-me sobre a primeira superfície solida que vejo — que coincidentemente acabou sendo o colo de .
— Eu tô feliz pra caralhoooo! — anuncio.
— Garota, você tá muito chapada! — Luna diz.
Viro o copo que estava sobre a mesa goela abaixo, sem me de quem era ou o que tinha dentro, e aproveito para roubar o que seria o milionésimo beijo do ruivo apenas no dia de hoje. Se tem algum recorde no Guinners Book sobre a maior quantidade de vezes uma pessoa beijou outra em menos de vinte e quatro horas, eu com certeza já tinha ganhado. De repente Left Hand Free se inicia, provocando minha empolgação e me fazendo levantar novamente.
— Preciso dançar essa música! Vamos, Sum! — seguro em sua mão, tentando puxá-la e falhando miseravelmente.
— Você não acha que deveria pegar leve e descansar um pouco? — minha melhor amiga pergunta. — Por causa do seu pé e tal.
— E beber um pouco d’água... — sugere.
— Puta que pariu, vocês são chatos pra cacete! — Volto a sentar no colo do garoto. — Você precisa parar de assistir Grey’s Anatomy, Summer! Eu não vou morrer ou pegar uma infecção e ter que amputar a porra do meu pé! É só um cortezinho de nada, nem tá doendo mais!
— Eu paro se você admitir que tá dizendo um palavrão atrás do outro de propósito só para beijar o ! — ela debocha, fazendo-me revirar os olhos.
— Tô porra nenhuma! Foi ele que inventou essa merda de acordo, então vai ter que me aguentar!
— Ei, se você não percebeu, eu ainda estou bem aqui... Embaixo de você... Servindo de cadeira! — o ruivo reclama.
— Eu já percebi pelo seu pau duro encostando bem no meio da minha bunda — remexo-me no lugar e viro-me de lado para encarar o rosto do ruivo — assim como todos à mesa faziam — e o encontro sem reação. — Caralho, você fica tão lindo de boca calada, vamos mantê-la assim!
Seguro em sua nuca, puxando seu rosto de encontro ao meu e selando nossos lábios. Minha língua procura desesperadamente por contato com a de e logo elas se encontraram e iniciaram um ritmo lento e gostoso. Interrompo rapidamente o beijo apenas para me sentar devidamente, de frente para o ruivo com seu tronco entre minhas pernas, e sem demora retorno a grudar minha boca na dele. Recebemos vaias e comentários do tipo: “arrumem um quarto!” e "eu odeio casal hétero!", no entanto, estávamos envolvidos demais para dar atenção. Porém, o que ouvi depois disso foi impossível ignorar:
— Olha só o se dando bem com a nervosinha!
— Ele tá quase estuprando ela!
— Mas aposto que ela tá gostando!
Automaticamente empurro o ruivo e me ponho de pé, encarando furiosamente os idiotas que haviam acabado de dizer aquele monte de merda — que sem surpresa alguma eram os amiguinhos de que eu sempre desprezei.
— Que porra você disse!? — indago.
— Calma aí, a gente só tava brincando! — Greg se defende.
— ... — tenta segurar minha mão, porém puxo-a de volta.
— é o caralho! Eu não vou ficar quieta ouvindo esses filhos da puta fazerem piadas escrotas! — rebato, enfurecida. — Então você gosta de fazer piada sobre estupro? Também acha engraçado o fato de que uma em cada cinco mulheres universitárias é estuprada por um babaca como você no nosso país?
— Mas caras também são estuprados! — outro imbecil — que nem faço questão de lembrar o nome — diz.
Não pude conter a intensa gargalhada que insistia em sair por minha garganta.
— É claro que não iriam perder a oportunidade de fazer com que isso também seja sobre vocês, né? — Solto mais uma risada. — Bem, sim, homens também são vitimas de estupro, mas o percentual é tão pequeno quanto o seu cérebro de ervilha!
— Homens não saem na rua com medo de qualquer homem que encontram. Homens não são julgados pelo tamanho da roupa que vestem. Homens não são questionados com “Você provocou?” “O que estava fazendo fora de casa sozinho àquela hora?” “Tem certeza que você não está confuso?” quando denunciam um abuso. Homens não são chamados de vadios por saírem com mais de uma pessoa. Homens não são ditos que devem se dar ao respeito. — Summer se manifesta, fazendo-me fitá-la surpresa. — Homens não são tratados como objetos cuja única função é proporcionar prazer. Essa é a porra da diferença!
Todos que estavam presenciando ou participando da discussão ficaram boquiabertos — inclusive eu. Summer sempre fora tão feminista quanto eu, porém raramente tomava frente de uma discussão. Questões que envolvem assédios e estupro sempre a abalavam, principalmente pelo fato dela quase ter sido estuprada durante um trote idiota em uma fraternidade no seu primeiro ano. Ela denunciou para a polícia do campus, porém eles disseram que não poderiam fazer nada a respeito sem provas.
Agiram como se a palavra dela valesse nada, tudo para proteger um bando de marmanjos filhinhos de papai que enchem o cu da universidade de dinheiro e patrocínio para acobertar as merdas que eles fazem. Ainda não nos conhecíamos na época, quando Summer me contou a história eu chorei de ódio e quis pôr fogo naquele lugar — e só não o fiz realmente porque ela não permitiu. Desde então temos organizado campanhas para ajudar mulheres a não andarem sozinhas à noite pelo campus ou saírem de uma festa desacompanhadas e só pegarem carona, Táxi ou Uber se for dirigido por uma mulher. Já que — por enquanto — não conseguimos derrubar o sistema patriarcal que nos oprime, precisamos nos unir e nos defender dele. Isso se chama sororidade.
— Você não sabe quão desesperador é ter uma pessoa invadindo o seu corpo e a sua privacidade sem a sua permissão e não poder fazer nada sobre isso, então cale a sua boca! — Summer continua. — No dia em que souber como é se sentir assim, o que eu acho quase impossível, pode fazer piada o quanto quiser, mas acho que não é tão engraçado quando você é a piada, não é?
— A gente não queria arrumar confusão. — Alex toma a frente quando o amigo fez menção de abrir a caçamba de lixo que tinha no lugar da boca. — Vamos embora, Greg. Foi mal aí, .
— Por que está pedindo desculpas a ele se você me ofendeu!? — indago em indignação. — De qualquer jeito, não quero suas desculpas. Quero que calem a boca quando não for seu lugar de fala, não faça piadinhas sobre coisas que não sabem e reconheçam seus privilégios. Não é tão difícil assim, só é preciso usar um pouquinho o cérebro!
Alex balança a cabeça em concordância e impede Greg de avançar em minha direção, dizendo “vamos embora, cara”. Mesmo relutante, ele acaba cedendo e seguindo o amigo e sua trupe, recebendo vaias das outras meninas à mesa. Suspiro e me viro para minha melhor amiga, sorrindo abertamente e caminhando em sua direção para abraçá-la.
— Ai meu Deus, Sum! Você foi maravilhosa! — digo em meio ao abraço.
— Alguém tinha que dizer a verdade àqueles idiotas! — ela responde.
— Eu tô tão orgulhosa! Te criei direitinho! — exclamo, fazendo a garota rir.
Girls do The 1975 começa a tocar e eu não contive o grito em comemoração.
— Essa é a nossa música! Vamos dançar! — agarro a mão de minha melhor amiga e me viro para suas amigas. — Venham, meninas!
Guio todas as mulheres do grupo até o meio da pista de dança e juntas começamos a dançar. Embalo meu corpo no ritmo da música, ondulando o corpo e jogando o quadril de um lado para o outro. Eu estava tão envolvida com a música que mal percebi quando eu e minha melhor amiga havíamos trocado de pares. Agora em minha frente se localizava Luna.
Aproximo-me da garota e começamos balançar nossos corpos em sintonia. Não sei se era devido à bebida ou a agitação com a música, mas meu corpo parecia pegar fogo. Levo os olhos em encontro aos caramelados de Luna e em seguida eles descem até a boca carnuda e avermelhada dela. Os lábios de uma garota nunca me pareceram tão atraente antes.
Eu já estava bem alta e não tinha nada a perder, então não hesitei em segurar os dois lados da cabeça da menina e colar minha boca à dela. Uma intensa explosão de sensações se formou dentro de mim. Eu não sabia definir muito bem o que estava sentindo, mas gostava da nova sensação. Eu nunca havia beijado uma garota antes e muito menos tinha a curiosidade de fazê-lo, porém, naquele momento eu descobri que queria sentir o gosto de seus lábios mais uma vez. Então eu o fiz de novo e de novo, até a música acabar e o sabor de morango de sua língua estar impregnado na minha.
Sorrio para Luna e a convido a tomar alguma coisa no bar — de morango é claro. Após tomarmos uma dose de caipirinha de morango, ela pergunta se eu já tinha experiência com garotas e eu explico que foi minha primeira vez, mas que tinha gostado bastante. A menina sorri, diz que não tinha problema e me chama para acompanhá-la até o banheiro, que eu aceito de prontidão. Antes que eu pudesse concluir o trajeto, meu braço é puxado e meu corpo prensado à parede mais próxima. Não demoro a perceber quem era quando meus olhos fitam os verdes intensos do ruivo.
— Você tá me devendo uma coisa e eu vim cobrar!
— Pede ao seu amigo Gregory, ele sabe abrir a boca para defecar, deve saber fazer outras coisas também. — Dou de ombros.
— Eu não acredito que você tá brava comigo por isso! — ele passa as mãos no cabelo em sinal de impaciência. — Eu não disse nada porque você vive dizendo para eu não falar por você e tirar a sua voz!
— Mas você tentou me impedir para defender seus amiguinhos! — rebato.
— É claro que não! Eu fiz isso porque sabia que seria uma total perda de tempo discutir com eles! — posiciona sua mão direita entre meu pescoço e nuca. — Eles são só caras com quem ando, não são importantes pra mim. Não como você.
— Não vem com esse papo de macho manipulador pra eu ceder e te beijar porque não vai rolar! — retruco com firmeza.
— Tem certeza disso? — ele sorri maroto, acariciando a região em que sua mão estava, fazendo meus pelos se eriçarem.
percorre seus lábios úmidos por minhas bochechas e vai descendo até o pescoço, onde ele deixa várias lambidas e chupadas, chegando até o decote de minha blusa e repetindo o mesmo processo. Meus dedos agarram em seus cabelos, puxando-os com impetuosidade enquanto suspiros sôfregos escapavam por entre meus lábios. Ter de ouvir a letra de Sex on Fire enquanto tudo aquilo acontecia não melhorava em nada minha situação. Droga de ruivo maldito!
Os beijos começam a ascender ao longo de minha garganta, chegando até o queixo, porém, felizmente eu ainda não estava totalmente entregue para permitir que seus lábios tomassem os meus — por mais que eu quisesse muito que isso acontecesse —, então cubro a boca dele com minha mão.
— Se quer mesmo provar essa boquinha de novo, terá de dançar conforme minha música! — aviso e o garoto bufa.
— Tudo bem, vamos dançar a sua música então!
O ruivo agarra em minha mão e me arrasta pela multidão sentido ao palco novamente. No meio do caminho encontro Luna, que me fita com um misto de raiva e confusão, e apenas movimento os lábios com um pedido de desculpas. finalmente me solta e caminha até o palco, trocando algumas palavras com Jake, que olha para mim, balança a cabeça em concordância e sorri. O ruivo se afasta do palco e caminha em minha direção.
— O que está aprontando? — pergunto com os olhos semicerrados.
— Espere e verá, ou melhor, ouvirá! — ele sorri.
Eu estava quase indo até o Jake e arrancando dele o que merda estava acontecendo, quando ele pega o microfone e diz:
— Essa próxima música foi pedida por um grande amigo meu, em dedicatória à garota perfeita!
No momento em que eles começaram a tocar, minha boca se abriu em um perfeito “O”. Eu conheço essa introdução! É a minha música! É a porra da minha música favorita!
She planned ahead for a year, he said, "Let's play it by ear"
Viro-me para o ruivo e ele tinha um perfeito sorriso cafajeste desenhado em seu rosto. Filho da puta! Canalha! Trapaceiro! Ele quer provocação? Ele vai ter provocação! Apanho o pulso esquerdo de , carregando-o até o meio da pista da dança. Viro-me de costas e rebolo minha bunda bem em cima do pau dele. Se o que ele queria era chamar atenção, então agora seremos atração principal.
I fell in love today,
There aren't any words that you can say
That could ever get my mind to change
She's enough for me, she's in love with me
— Você não deveria brincar com fogo quando sabe que eu posso ser a própria Daenarys!
O ruivo ri e afasta meu cabelo do ombro direito, jogando-o para o outro lado. Sua respiração quente bate em minha pele, fazendo todo o meu corpo se arrepiar.
— Você não sabe o quanto eu tô louco pra te foder, Khaleesi — ele diz bem ao pé da minha orelha. Sorrio, balançando meu quadril de um lado ao outro.
You're a doll, you are flawless
But I just can't wait for love to destroy us
I just can't wait for love
— Uau, quem diria! Foster é bom no dirtytalk! — debocho.
— São as coisas que você faz comigo! Meu pau lateja toda vez que você está por perto. Não aguento mais isso! — o garoto confessa.
— Pelo menos você se aliviou. Minha buceta tá chorando por atenção desde hoje à tarde! — reclamo.
— Podemos dar um jeito nisso... — sugere, subindo sua mão direita pela minha coxa e em seguida adentrando o short.
— Você me surpreende mais a cada dia — admito e o ruivo emite uma risada.
— Você ainda não viu nada!
The only flaw – you are flawless
But I just can't wait for love to destroy us
I just can't wait for love
Dois de seus dedos afastam minha calcinha e separam meus grandes lábios, encontrando-me completamente encharcada. Pude sentir os cantos da boca do ruivo se curvarem em um sorriso de tão próximos que estava do meu ouvido.
— Bom saber que tenho o mesmo efeito sobre você!
So, she put his heart in a bag, he wouldn't ask for it back
impulsiona a mão, indo mais fundo e brincando com a minha entrada em um lento movimento de vai e vem, fazendo-me arfar em resposta e agarrar seu pulso, em uma tentativa de fazê-lo ir mais rápido.
Meu pedido é prontamente atendido e para me provocar ainda mais, o ruivo começa a passear os beiços úmidos por toda a pele cálida do meu pescoço e reveza entre se afundar em minha entrada e estimular em círculos o carocinho duro no topo da vulva. Mordo fortemente o lábio inferior para que nenhum som escapasse de minha boca e rebolo contra sua mão em busca de maior fricção.
This shit'll be fucked for days and weeks and months, but...
O sangue em minhas veias parecia correr como lava e meu corpo inteiro prestes a entrar em erupção a qualquer momento. Precisei apoiar praticamente todo meu peso sobre para evitar que os espasmos fizessem com que minhas pernas fraquejassem e eu caísse ajoelhada sobre o chão. Estava pouco me fodendo se tinha alguém em volta nos assistindo, tudo que eu queria naquele momento era que meu corpo parasse de tremer e a tensão abaixo do meu ventre se desfizesse.
Quando senti que já estava no meu limite, cravei as unhas na nuca de e puxei seu rosto de encontro ao meu, abafando meu gemido de prazer em sua boca e me desfazendo em seus dedos. Esse foi potencialmente um dos melhores orgasmos que eu tive na vida. Viro-me para o ruivo e assisto-o levar os dedos lambuzados com meu gozo até a boca e chupá-los enquanto suas íris verdes escuras e luxuriosos miravam as minhas.
— Você é deliciosa — declara e um sorriso lascivo brota em seus lábios. — Estamos quites agora?
Não digo uma palavra, pois a minha resposta vem no minuto seguinte, quando minhas mãos se entranham em suas madeixas e tomo seus lábios com os meus, sentindo meu próprio gosto em sua boca.
Add it all up, I can find it
The problem with love is I'm blinded by
It rattles my lungs, but my mind is
Tangled between your little flaws
Mesmo com tudo que havia acontecido nos últimos minutos, meu corpo queimava por completo em desejo por mais de seu toque e calor. É como se ele fosse o combustível que alimenta o fogo dentro de mim e quanto maior for o contato, maior será o desejo. Como uma droga.
Your flaws, your flaws, your flaws
Empurro bruscamente o ruivo para longe de mim e ele me fita com o cenho franzido, sem entender minha atitude, porém, antes que ele abrisse a boca para dizer algo, explico:
— Preciso de álcool!
Viro-me e começo a me esgueirar entre a multidão de pessoas em direção ao bar, não me importando em checar se estava sendo seguida por ou não. Logo após atingir a área menos movimentada, o ruivo segura em minha mão e me vira para si, todavia, novamente não teve tempo de me questionar, pois fomos interrompidos:
— Ei, duplo F, querem jogar beerpong com a gente? — um dos garotos do time pergunta.
Agradeço mentalmente a todos os deuses existentes por ter minhas preces atendidas e logo a animação tomou meu corpo. Mais uma desculpa para beber e ainda acabar com o orgulho do ao mesmo tempo!
— Vaaaamos!? — pergunto, empolgada.
— Não acho que seja uma boa ideia... — diz incerto.
— A sua frágil masculinidade está com medo de ter a bunda chutada por uma garota, Foster? — finjo cara triste em deboche.
— Não é isso...
— Medrooooso! — cantarolo em provocação. — Foster é um frouxo!
— Ah, agora você vai se arrepender de ter dito isso! — o ruivo agarra meu pulso e nos guia até a mesa que era simulada o jogo de pingpong. — Pode mandar ver!
Os garotos ali presentes comemoram e enchem dois grupo de dez copos vermelhos com cerveja pela metade, posicionando-os em formato triangular em cada extremidade da mesa.
— Qual é o prêmio? — questiono.
— Nós estamos deixando o ganhador decidir, mas se quiserem podemos arrumar um quarto e vocês entram em acordo lá! — o rapaz dá de ombros e sorri ladino. — Só queria deixar claro que estou torcendo por você!
Olho para o jogador, exalando irritação. Ele está mesmo me cantando assim na cara de pau?
— Não precisa, obrigada, confio na minha capacidade! — respondo, direta, arrancando gritos de zoação dos outros rapazes em volta.
Tiramos cara ou coroa para decidir quem começaria, escolho coroa e acabo ganhando. Sorrio marota para o ruivo e arremesso a pequena bola, acertando em cheio um copo no meio e solto um grito em comemoração, sendo acompanhada por um bando de garotos. resgata a bolinha de dentro do copo e bebe o conteúdo dele.
— Prepare-se para perder, meu querido ! — aviso.
— Eu não teria tanta certeza, minha querida ! — ele rebate e sorri, antes de lançar a bola em minha direção e acertar um dos meus copos.
Ouço urros de comemoração e repito o mesmo processo que o ruivo. Lanço novamente a bola, porém erro dessa vez e o garoto comemora. acerta a próxima, deixando-o em vantagem e fazendo-me revirar os olhos. Não fiquei para trás, na investida seguinte, atinjo certeiramente o copo na ponta direita do triângulo, empatando o jogo.
— Drink, motherfucker! — berro, vibrante.
engole a cerveja do copo sem se lamentar. O sorriso convencido desenhavam seus lábios, mas logo ele se desfez quando o ruivo errou sua tacada. Continuamos a brincadeira até restar apenas um copo para cada e a decisão estava praticamente em minhas mãos: Eu acertava e vencia ou errava e dava a vitória de mãos beijadas ao ruivo, e a segunda opção estava completamente fora de questão para mim.
Fecho um dos olhos, na tentativa de tornar minha mira mais precisa, e arremesso o objeto esférico. Tudo ao meu redor parece parar enquanto a bolinha se movia em câmera lenta, até por fim atingir uma superfície, que para a minha alegria foi o interior do copo de . Emito um grito de comemoração junto a minha “torcida” e vejo o ruivo sorrir enquanto bate palmas pra mim em congratulação. Foi simplesmente espetacular acabar com o ego dele ao som de Lonely Boy.
Caminho vagarosamente em direção ao garoto do outro lado da mesa e afasto os copos vários, sentando-me sobre o objeto de madeira.
— Eu disse que iria vencer! — declaro em tom pomposo.
— O que vai querer? — ele questiona, provocador.
Analiso o ruivo desde a ponto do pé até o ultimo fio de cabelo, e prendo o lábio entre os dentes no exato momento em que Do I Wanna Know? se inicia. Agarro o cinto de sua calça e puxo-o para perto, encaixando-o perfeitamente entre minhas pernas.
— Acho que você sabe exatamente que eu quero.
Os cantos dos lábios do ruivo se curvam em um sorriso carregado de segundas intenções e ele leva uma de suas mãos até minha nuca, aproximando-se, e sem demora gruda sua boca a minha.
Chapter VI BONUS — The Puss In Boots Trick
Às duas horas da manhã em ponto, todos que ainda se encontravam presentes dentro do Pub foram postos para fora e o local foi fechado. Diversas pessoas inconformadas continuaram por ali, combinando com os amigos onde continuariam a festa ou se pegando em algum canto sem pudor algum. Alguns estavam jogados na calçada e arrisco dizer que nem forças para levantar tinham de tão bêbados que estavam. Jake terminava de guardar seus equipamentos na van junto com Thomas, Dave e Jonas e eu estava à espera do Uber para levar para casa — ela estava tão bêbada que se eu não estivesse segurando-a pela cintura, provavelmente ela seria mais um daqueles miseráveis desmaiados no chão. Summer tinha os braços cruzados e parecia nada feliz e lembrei de que Jake havia me dito que a situação entre eles não estava muito boa e era bastante provável que eles iriam terminar. O carro do Uber chega, buzina para nós e Summer se aproxima para tirar a amiga dos meus braços. Jacob me lança um daqueles olhares do gato de botas e meu instinto de bom amigo não me deixou ignorá-lo.
— Escuta, Summer, acho que posso cuidar dela dessa vez... — sugiro e a garota me encara como se eu tivesse dito a coisa mais bizarra do mundo. — Vocês dois claramente têm coisas a resolver e tenho certeza que não quer atrapalhar isso. Eu me responsabilizo por ela.
— Não sei se é uma boa ideia. — ela olha de mim para a amiga. — Você sabe que pelo estado em que ela está vai ter que dar banho e tudo mais, né?
— Hum... Finnzinho vai tomar banho comigo! — diz e se vira para mim, circulando minha nuca com os braços e me fazendo rir.
— Ainda não acho uma boa ideia... — Summer volta a dizer.
— Não confia em mim? Acha que vou abusar dela ou algo assim!? — questiono com indignação. — Nós moramos juntos por quase três anos, se eu fosse realmente fazer algo, já teria feito!
A garota olha para a melhor amiga, que agora tinha o rosto enterrado em meu pescoço e sua respiração estava provocando arrepios em minha pele.
— Tudo bem pra você, ? — a garota pergunta.
se desprende de mim e gira o corpo para atender à amiga.
— Siiiim! Podem ir pra casa e trepar muuuuito! — ela responde e ri. — E você! — aponta para Jake. — Trate de dar um orgasmo maravilhoso pra minha amiga, ok? Brincar bastaaaaante com o clitóris! CLI-TÓ-RIS! Sabe o que é isso? O sabe, el-
Cubro sua boca com a minha mão antes que ela pudesse falar mais alguma besteira e piorar a situação.
— A gente se vira, né, ? — A garota concorda com a cabeça e morde a palma da minha mão, provocando um reclamar de dor da minha parte e afasto-a de seu rosto.
O som da buzina se fez presente mais uma vez e aponto para o automóvel, indicando que deveríamos partir logo. Summer fita novamente o meu rosto, depois o da melhor amiga e então o do namorado.
— Ela mesma concordou! — Jake se pronuncia, erguendo os ombros em indiferença e a garota suspira.
— Ok, tudo bem! Mas me avise quando chegarem em casa!
— Vou fazer isso. Vamos, — Começo a arrastá-la em direção ao carro.
— Tchau, Jake! Tchau, Sum! Usem camisinha! — ela berra.
Abro a porta traseira do veículo e auxílio a entrar. Logo após a porta ser fechada ao meu lado e a motorista dar partida, a garota praticamente pula sobre o meu colo e gruda seus lábios aos meus. Não pude pará-la e muito menos iria afastá-la, então simplesmente prendo seu rosto entre as mãos e correspondo com veemência. Eu nunca iria me cansar de beijá-la.
— Já imaginou como seria transar no banco de trás de um carro? — ela sussurra no meu ouvido.
começa a distribuir beijos pelo meu pescoço e levo minhas mãos até sua cintura, mordendo o lábio inferior e tentando me controlar. A cada novo centímetro que o rastro molhado de seus lábios atingia, meus dedos eram pressionados com mais intensidade em sua pele.
Puta que pariu, essa garota vai me enlouquecer!
Controle-se, ! Ela está bêbada e você também, não vá fazer algo que possa se arrepender depois, são apenas hormônios!
— Ei, nada de agarração dentro do meu carro! — a motorista vocifera, tirando-me dos meus devaneios.
Reúno o pouquíssimo autocontrole que ainda me restava e afasto o corpo dela do meu, sentando-a sobre o banco ao meu lado. Mas é claro que é de Fletcher quem estamos falando e ela nunca desistiria tão facilmente, então a garota leva suas mãos até a barra da minha calça, tentando abrir o cinto, no entanto, consigo impedi-la.
— Você 'tá possuída, garota!? — indago e ela emite uma risada. — Comporte-se ou seremos jogados no meio da rua!
— Não vou expulsá-los nem dar nota ruim porque você parece ser legal e já a conheço de outras viagens e sei que não é fácil de lidar — a mulher diz. — Mas, por favor, não fodam no meu banco de trás, troquei o estofado essa semana!
— Chatoooo! — reclama e cruza os braços sob o peito.
Subitamente o rosto dela adquire um tom demasiadamente pálido, seus olhos verdes se arregalam e ela cobre a boca com uma das mãos.
— Eu vou vomitar! — ela avisa e meu corpo é tomado pelo desespero.
— Pare o carro, por favor! — peço à motorista.
— Tenho horário a cumprir, não posso ficar parando!
— Dane-se, eu pago o dobro! Só para a droga do carro, por favor!
A mulher emite uma bufada de ar em descontentamento, porém atende o meu pedido e diminui a velocidade do veículo até ele ficar inerte. Abro a porta do lado de e ela inclina o corpo para fora, despejando sobre o asfalto todo o conteúdo que ansiava sair por sua garganta, antes que eu ao menos tivesse tempo de segurar seus cabelos e impedi-los de serem atingidos pela onda de vômito.
— Eca! — a garota exclama ao voltar para dentro do veículo e constatar que estava com as madeixas e roupas cobertas pelo líquido estranho que saíra de sua boca e em seguida explode em gargalhadas como se toda aquela situação fosse hilária.
— Sua namorada está realmente muito mal — a motorista comenta ao dar partida novamente no carro.
Rio ironicamente ao ouvir aquela palavra. Namorada. Quem me dera.
— Ela não é minha namorada — respondo enquanto tentava limpar o rosto de com a barra da minha camisa.
— Não é o que parece... — a mulher me entrega uma caixa de lenços e me olha de maneira sugestiva. Decido entrar na brincadeira.
— E o que parece? — questiono.
— Que você gosta dela mais do que deveria.
Não nego ou afirmo, apenas permaneço calado, voltando minha atenção a limpar ao máximo enquanto ela resmungava e a mulher sorri como se eu tivesse dado a exata resposta que ela queria.
— Ele não gosta de mim, ele só quer me comeeeer! — enuncia. — Maaaas não me importo se ele fizer!
Ela sorri marota e volta a gargalhar, arrancando uma risada da motorista.
— Dê um desses chocolates que estão entre os bancos pra ela comer, o açúcar ajuda a cortar o efeito do álcool. — A mulher sugere. — Espero que ela não se lembre de tudo isso amanhã.
— Eu também — respondo e suspiro.
Durante todo o caminho restante até em casa, precisei insistir para que comesse o maldito chocolate e bebesse água, além de ter de sacudi-la para que não caísse no sono — e é claro que ela me xingou de todos os nomes possíveis. Ajudo-a a sair do automóvel e pago a motorista — agradeço pela assistência e ela me diz em tom zombeteiro para eu cuidar bem da minha "não-namorada" — enquanto a garota vomitava entre as plantas do edifício.
Pego a garota no colo, ignorando todos xingamentos e “eu posso andar sozinha, filho da puta, tenho duas pernas!” e seguindo para o nosso apartamento. Ao chegarmos na porta do banheiro do quarto dela, coloca-a no chão e a garota dispara desesperadamente para dentro do cômodo e enfia sua cabeça dentro do vaso sanitário, expulsando mais uma golfada de seu corpo. Avanço em sua direção e coloco seus cabelos para trás, na tentativa de evitar que algum estrago maior fosse feito. Estico-me até a banheira, tampando o ralo e abrindo ambas as torneiras, de modo que a água ficaria nem muito quente, nem muito fria.
— Por que você bebeu tanto desse jeito? Que droga, ! — indago com irritação.
— Porque eu quis, porra! — ela rebate. — E você me desafiou!
Passeio as mãos pelo meu rosto e cabelo em nervosismo, sentindo vontade de colidir incessantemente minha cabeça contra a parede mais próxima ao lembrar que caso eu não tivesse aceitado participar daquele jogo idiota, ela não estaria desse jeito e eu não teria todo esse trabalho. A garota fecha a tampa da privada e aperta o botão de descarga, apoiando-se sobre o objeto e reunindo toda sua escassa energia — e me impedindo de prestar qualquer auxílio — para se levantar e ir até a pia lavar a boca. Volto meu olhar à banheira e observo que ela já havia enchido o suficiente, então desligo o registro, derramando os sais que estavam sobre a bancada ao lado e espalhando com as mãos.
— Vamos, , tire as roupas e entre na banheira — ordeno.
Os cantos de seus lábios se curvam em um sorriso libidinoso e a garota agarra a barra da camisa em seu corpo, erguendo-a vagarosamente e exibindo sua barriga, em uma tentativa de dança sensual.
— Você quer me ver peladinha, ? — ela demanda em tom de malícia.
— Não, , eu quero que tire suas roupas e entre na banheira! — replico com rigidez e ela bufa.
— Estraga prazeres! — a garota resmunga.
Ela termina de retirar a peça de roupa que segurava e se apoia em mim para desamarrar e chutar os sapatos em um canto qualquer, prontamente também se livra dos shorts e quando chega a vez da lingerie, preciso desviar o olhar para outra direção, porque por mais que esteja tentando conter meus pensamentos sujos, eu ainda sou um cara com uma generosa quantidade de álcool correndo nas veias, trancafiado dentro de um banheiro com a garota que eu mais desejo desde o início da minha adolescência sem um misero pedaço de pano cobrindo seu corpo.
Ouço o barulho da água e uma reclamação sobre a temperatura vinda de e me sento sobre a borda de mármore ao redor do recipiente oval, resgato a esponja que se encontravam ao outro lado e entrego-a.
— Entra aqui comigoooo! — suplica, puxando meu braço para si e fazendo biquinho.
— Não! — tomo minha mão de volta. — Vamos acabar logo com isso, se esfrega aí, anda!
Obviamente ela não perderia a oportunidade de me irritar mais uma vez e eu tive certeza de que estava tramando algo quando ela sorri marota, no entanto, antes que eu pudesse repreendê-la ou impedi-la, sinto uma onda de água fria atingir meu tronco.
— Puta que pariu, ! — vocifero, enraivecido.
Sim, eu havia acabado de pronunciar um palavrão. Não é um dos meus hobbies favoritos dizer palavras de baixo calão, aliás, nunca fora do meu feitio. Desde criança sempre segui à risca as regras de bom comportamento e isso já me fez ser alvo de chacota diversas vezes, meus amigos me acusavam de ser "marica" e "filhinho de mamãe" e me perguntavam se eu era gay. Nunca dei importância a esse tipo de comentário, pois ao contrário do que sempre me acusa, não tenho uma "masculinidade frágil", sei que independente do meu comportamento minha sexualidade continuará a mesma, mas se pelo senso comum agir como um completo idiota é ser "macho" e ter educação é ser gay, que me considerem gay então.
Volto minha atenção à garota e ela se divertia do estado ensopado em que eu me encontrava, gargalhando como uma garotinha. Naquele momento eu realmente me senti uma babá cuidando de uma criança arteira, mas toda aquela situação estava me exigindo muito mais paciência do eu normalmente tinha, tinha uma incrível capacidade de acabar inteiramente com a minha sanidade — e digo isso no sentido bom e também no ruim. Ah, as coisas que nos obrigamos a aguentar por quem gostamos.
Seguro a beira da minha camisa encharcada e a arranco do meu corpo em somente um impulso. As risadas da garota cessam e em seu lugar surge um sorriso lascivo. A garota se ajoelha dentro da banheira, expondo grande parte do seu tronco; dessa vez não tive a capacidade de olhar para longe porque estava hipnotizado pela visão do seu corpo, principalmente os seios redondos parcialmente cobertos pela espuma. Puta merda.
prende o lábio inferior entre os dentes, encarando-me como se fosse um suculento pedaço de bife coberto por molho barbecue, e estica as mãos em minha direção com a intenção de tocar meu abdômen.
— Você é gostoso pra caralho, sabia? — ela anuncia me examinando com os dedos. — Não vejo a hora de finalmente foder com você!
A garota prende a barra da minha calça entre os dedos e permito que ela me aproximasse de si. Para provocá-la, aprisiono seus cabelos entre os dedos e inclino o rosto em sua direção até que a proximidade fosse tanta que poderíamos sentir perfeitamente a respiração um do outro.
— Você pode dizer o que quiser e xingar o quanto quiser... — afasto uma mecha grudada em sua bochecha e roço nossos lábios. — Eu não vou te beijar até você terminar esse banho!
A garota me fita com um misto de indignação e fúria e me empurra para longe, voltando a se sentar na banheira. Ela apanha a esponja de novo e começa a fricciona-la com exuberância sobre o próprio braço.
— Assim você vai se machucar... — aviso.
— Foda-se! — ela responde, sua voz carregada em raiva.
Respiro fundo e balanço a cabeça, reprovando sua atitude, porém me contenho para não falar mais nada e piorar seu comportamento. Alcanço o vidro de shampoo e deposito uma pequena porção na palma de minha mão e esfrego-a na outra, levando-as até as madeixas de , espalhando por todas as mechas e iniciando uma massagem com os dedos. Isso parece acalma-la e a garota permite seu corpo relaxar, recostando-se contra a borda da banheira.
— Quero meu patinho! — ela pronuncia de repente.
— Que patinho, ? — questiono entediado e ela aponta para o pequeno armário abaixo da pia.
Para não travar uma discussão e gerar mais um episódio de irritação da garota, suspiro e me levanto e agacho frente ao bendito armário. Escancaro ambas as portas e encontro o que seria normal em um banheiro feminino: Sabonetes, sais de banho, pasta de dente, hidratante, produtos para cabelo, produtos para depilação, absorventes... E então meus olhos bateram sobre o patinho e eu por pouco não caí sentado no chão quando constatei o que era.
ERA A PORRA DE UM VIBRADOR EM FORMATO DE PATO!
Ela pretendia... Se masturbar? NA MINHA FRENTE!?
Levanto-me prontamente e giro meu corpo, sentindo completo pavor me consumir e pronto para começar a gritar, todavia, desisto no momento em que meus olhos se deparam com a cena de se divertindo com os próprios cabelos e fazendo um penteado bem esquisito que se assemelhava a um moicano.
Foi inevitável sorrir. Uma das coisas que eu admiro e me faz gostar tanto de é a forma como ela consegue conquistar qualquer um com detalhes simples. Ela pode ser um pé no saco boa parte do tempo, mas tem certas coisas que ela faz que a torna impossível de odiar.
Ah, merda! Eu não deveria estar pensando nela! Não desse jeito. Não de novo.
Chacoalho a cabeça, espantando meus pensamentos e me aproximo lentamente da garota, agarro ambos os lados de seu rosto e uno minha boca à dela sem pensar duas vezes.
Ótima tática, ! Tentar parar de pensar nela beijando ela!
A garota me fita sem entender, porém, antes que ela questionasse minha atitude, digo:
— Isso foi um estimulo para que seja uma boa menina, então nada de patinho para você!
ri e concorda, me convidando para terminar de cuidar de suas madeixas. Ajudo-a a se livrar do shampoo e quando percebo que estava ficando relaxada demais e provavelmente acabaria dormindo, sugiro dar o banho por encerrado. Entrego uma toalha para ela se enxugar e auxilio-a a secar e pentear os cabelos enquanto ela cantava uma música que viu em um desenho animado o qual jurava que os faria brilhar. Cubro-a com o roupão e deixo-a fora do banheiro, para que ela pudesse se vestir e eu arrumar a bagunça que havia ficado. Esvazio e limpo a banheira, recolho as roupas sujas e enxugo o máximo que consigo do chão, além de ter que remover rastros de vomito que ela havia deixado. Quando volto ao quarto, estava literalmente pulando sobre a própria cama, completamente nua.
Puta merda, eu não sei de onde essa garota tira tanta energia!
— Mas que merda, ? Por que não se vestiu ainda!?
A garota para de pular e se joga entre os lençóis, gargalhando em seguida.
— Hoje vou dormir do jeitinho que vim ao mundo! — ela me fita com um sorriso travesso. — Quer dormir comigo?
— Não, obrigado, você já me deu trabalho demais por hoje! — pego o edredom que havia caído no chão e estiro-o sobre o corpo dela.
— Você não fez mais do que sua obrigação como amigo! — ela rebate.
— Ok, então agora que cumpri com minha obrigação, vou dar o fora daqui e tomar o meu banho — digo e me viro para a porta.
— Nãaaao! — protesta. — Eu não consigo dormir!
— E o que diabos você quer que eu faça!? — indago, exasperado.
— Cafuné!
Encaro-a por alguns segundos, esperando-a admitir que estava brincando, no entanto o que eu recebo são grandes olhos brilhantes em expectativa.
Merda, preciso parar de cair nesse maldito truque do gato de botas!
Suspiro profundamente e faço gesto para que ela me desse espaço na cama. tenta afastar o cobertor de seu corpo, todavia, impeço-a. Não preciso de mais dor de cabeça — e infelizmente não estou falando da que está sobre do meu pescoço. Deito-me ao seu lado, por cima do pano, e ela se aconchega em meu peito. Percorro os dedos ligeiramente por entre os fios de seus cabelos e ela sorri em deleite e cerra os olhos. Permaneço assim por mais alguns instantes, em silêncio, até que a respiração dela se acalmasse ao ponto de eu saber que havia pegado no sono. Afasto-me cautelosamente e deposito um rápido selinho em seus lábio; ela se mexe no lugar, resmunga algo ininteligível e cobre a cabeça. Sorrio e deixo o quarto com a certeza de que eu estava muito mais encantado por essa maldita ogra do que eu imaginava.
Chapter VII — Sunday
Acordo ouvindo um barulho de batida ao longe, tento abrir os olhos, no entanto minhas pálpebras pareciam estar coladas uma a outra. Minha cabeça zunia e parecia pesar mais do que um bloco de concreto, meu corpo inteiro doía como se eu tivesse sido atropelada por um caminhão de lixo, minha boca estava seca e um gosto horrível tomava conta da minha língua. Ah, a tão desprezível e já muito bem conhecida ressaca.
Mais sons de batidas entram por meus ouvidos, dessa vez, mais altos que antes. Volto a tentar abrir os olhos lentamente e sinto a claridade vinda da fresta da janela cegar minhas vistas. Novamente ouço batidas e dessa vez estou consciente o bastante para adivinhar que vinham da porta do meu quarto.
— Que foi, caralho? — vocifero com a voz rouca.
— Posso entrar? — pede do outro.
— Entra! — respondo com irritação.
Apoio minhas mãos sobre o colchão, arrasto meu tronco molenga para trás, na tentativa de me apoiar na cabeceira da cama, e assisto em câmera lenta abrir a porta e adentrar o quarto com uma bandeja carregada em comida nas mãos. Meus olhos automaticamente se arregalam e meu corpo treme em sobressalto. Eu não conseguia me mexer ou dizer uma palavra porque o encarava atônita.
— Bom dia, Princesa! Nossa, você está parecendo que foi atropelada por um caminhão — O comenta enquanto colocava a bandeja sobre o criado mudo ao meu lado e ri. — Ainda não se vestiu?
Meu cérebro dá um estalo ao ouvir suas ultimas palavras. Levo o olhar até meu tronco e constato que eu estava completamente nua, meus olhos ficam alarmados novamente e meu coração dispara. Puta que pariu!
— Que porra é essa? — grito, exasperada. — Por que eu tô pelada? A gente transou? Merda, por que não me lembro disso? Por que tá me trazendo café na cama?
O dá risadas, se divertindo com a minha irritação, o que só faz meu sangue ferver. Olho para a bandeja ao meu lado e analiso toda a situação, que se assimilava bastante com os filmes de comédia romântica que eu já havia visto, e pra aquilo tudo estar acontecendo só existia uma explicação...
— A gente se casou? Puta que pariu, ! Você deixou eu me casar com você bêbada? — digo, histérica, e começo a acertar tapas no garoto. — Pensei que você fosse mais responsável, seu imbecil!
O tenta de todas as formas se livrar das minhas mãos que colidiam com fúria sobre o seu tronco, até que ele consegue segurar em meus pulsos e me afastar de seu corpo.
— Calma, porra! — grita e paro de tentar avançar em sua direção. — Não, a gente não transou e muito menos se casou, ! Você está nua porque eu tive que te dar banho ontem à noite e tentei fazê-la se vestir, mas você disse que queria dormir do jeito que veio ao mundo! E eu trouxe café pra você porque sabia que acordaria com uma ressaca horrível, sua mal agradecida!
Minha boca se abre em descrença e meu rosto começa a esquentar de vergonha, fazendo-me ter vontade de me jogar pela janela.
Puta merda, ele fez tudo aquilo por mim!?
— Desculpa! É que você me assustou com essa coisa de café na cama e eu acordei completamente nua e sem me lembrar de nada! Quando essas coisas acontecem nos filmes nunca é coisa boa!
— Nós não estamos num filme, ! — O rebate, exasperado. — Da próxima vez tente esperar eu responder antes de me agredir!
— Eu já pedi desculpas, porra! Quer que eu faça outro boquete em você pra compensar? — sugiro e o me fita como se eu fosse uma alienígena.
— Não! Pelo amor de Deus, por que você tem que transformar tudo em sexo?
— Culpa do meu ascendente em Escorpião. — Dou de ombros e o garoto balança a cabeça, reprovando minha atitude. — Vou escovar os dentes antes de comer, minha boca ta podre.
— Ah, agora você quer escovar os dentes? — ele ironiza e eu rio.
— Cale a boca antes que eu enfie a minha língua nojenta nela — respondo e me levanto, seguindo em direção ao banheiro. — E pare de olhar para minha bunda!
Viro-me rapidamente para ver a expressão culpada no rosto no e emito uma risada antes de adentrar o cômodo. Caminho até o espelho e encaro meu reflexo, meus olhos se encontravam avermelhados e cheios de remela e os cabelos mais bagunçados que os da Hermione no filme de A Pedra Filosofal. Passo uma água rápida no rosto e prendo os fios em um rabo de cavalo, de maneira que os deixassem apresentáveis. Escovo os dentes três vezes para tentar tirar o gosto ruim da minha boca, no entanto preciso recorrer ao enxaguante bucal. Penso em cobrir meu corpo com a camisola atrás da porta, porém o diabinho dentro da minha mente insistia para eu não fazer isso, então volto para o quarto e avisto admirando a minha foto de formatura, quando eu ainda usava aparelho e tinha umas mechas estranhas nos cabelos, sobre o criado mudo. Aproximo-me vagarosamente e ele se assusta ao perceber minha presença.
— Merda, , você vai ficar andando nua por aí agora?
— Eu estou dentro do meu quarto e você já viu tudo mesmo — Ergo os ombros em sinal de indiferença. —, não vejo problema algum.
O se prepara para me responder, contudo é interrompido pelo barulho do toque do meu celular. Deito-me novamente na cama, cubro parcialmente meu corpo e ponho a bandeja de comida sobre o meu colo, agindo como se não tivesse ouvido nada.
— Não vai atender? É a Summer — ele questiona, apontando para o aparelho.
Balanço a cabeça negativamente e tomo o anestésico que estava dentro da bandeja, enfiando um pedaço de bolo na boca em seguida.
— Cadê o café? — indago ao analisar o objeto que continha frutas, bolo, suco natural e um sanduíche.
— Cafeína não é boa pro estômago, o suco e as frutas ajudam a repor a glicose — ele diz como um perfeito professor, reviro os olhos e volto a atenção para uma banana que descascava. — Ela está perguntou se você está bem e se não abusei de você, se ela soubesse da historia tod...
Subitamente ele para de falar e quando olho para o seu rosto ele tinha os olhos verdes arregalados e a face carregada em descrença enquanto olhava para a tela do meu celular. Franzo o cenho tentando me lembrar se havia enviado nude para alguém enquanto estava bêbada ou se passei por algum momento vergonhoso em que pudesse ter sido pega, entretanto tudo na minha cabeça depois do beerpong era um borrão.
— Puta merda! — vocifera. — Caralho!
Minha curiosidade duplica, sobretudo porque para ele ter dito dois palavrões seguidos e só poderia ser algo muito sério. Afasto a bandeja de mim e me levanto, avançando sobre o e retirando o aparelho de suas mãos.
— Que merda tá acontecendo pra voc... PUTA MERDA!
Não pude conter as palavras de saírem pela minha boca quando meus olhos bateram sobre a tela do celular e pude constatar que estava lendo nada mais nada menos do que um email do professor Alderson me convidando para ser uma das alunas a participar da exposição de fotos que ele promoveria na próxima semana.
— Caralho, Não acredito! — grito em euforia. — Puta que pariu!
— Parabéns! Você merece!
Devido ao momento de euforia, lanço meu corpo sobre o de , circulando seu pescoço com meus braços, e ele tenta me segurar, porém ambos acabamos caindo sobre a minha cama, comigo por cima dele. Rimos juntos e ele leva uma de suas mãos até a minha nuca, puxando meu rosto de encontro ao dele e colando seus lábios aos meus.
Agarro em seus cabelos e puxo seu lábio inferior com os dentes, sugando-o em seguida e intensificando o beijo. se afasta primeiro, pois não havia mais fôlego para que pudesse continuar, no entanto não me contento com o tão pouco contato que tivemos e começo a distribuir rastros molhados e sucções ao longo da pele que marcava a linha perfeita de seu maxilar. Sinto-o cravar seus dedos na carne de minha cintura e ele começa a se animar abaixo de mim, então impulsiono meu corpo sobre o dele, fazendo-o arfar.
O embrenha os dedos em meu rabo de cavalo e os puxa levemente minha cabeça até estar na altura da dele novamente e meus olhos encarando os seus.
— Como você consegue ter tanta energia mesmo estando de ressaca? — ele questiona e eu emito uma risada.
— É simples: Eu consigo facilmente transformar cada padacinho de energia do meu corpo em desejo — rebato e ele balança a cabeça em reprovação antes de grudar mais uma vez seus lábios aos meus.
No entanto, minha diversão não dura muito, pois em poucos minutos o garoto me afasta e me lança sobre o outro lado cama, fazendo-me fitá-lo confusa.
— Eu preciso dar o fora daqui antes que eu esqueça esse maldito acordo e faça algo não deveria — responde antes que eu pudesse abrir a boca para perguntar. — E você, por favor, termine o seu café da manhã e se vista. Faça isso pelo bem da minha sanidade, eu te imploro!
deixa o quarto enquanto passeava as mãos pelos fios dos cabelos, em nervosismo, e eu solto uma risada. Volto a comer da bandeja preparada pelo enquanto respondo o email do professor, confirmando minha presença, enviando meus dados e agradecendo pelo convite e depois respondo as mensagens de Summer com surtos carregados em palavrões, emojis, exclamações e capslock. Visto o primeiro par de camiseta e calcinha que encontro e aproveito para tirar um cochilo, pois minha cabeça latejava.
Acordo por volta das oito da noite, sentindo-me um pouco zonza, porém preciso correr para o banheiro porque minha bexiga parecia estar prestes a explodir. Sabendo que não conseguiria voltar a dormir, saio do quarto e arrasto meu corpo até a sala de TV, onde assistia alguma coisa na Netflix. Jogo meu corpo sobre o sofá, roubo o pote de pipoca do colo do e me surpreendo ao levar meu olhar à televisão.
— Orphan Black? — questiono com uma sobrancelha arqueada. — Não sabia que é o seu tipo de série.
— Alguém da minha turma de cenografia disse que a atuação era muito boa e fiquei curioso. Cara, uma única atriz fazer vários personagens de uma só vez e conseguir dar personalidade a cada um deles é foda demais! Espero conseguir chegar nesse nível algum dia.
— Como eu sempre digo: O mundo é de Tatiana Maslany e nós só vivemos nele! — Dou de ombros e o ri.
De repente uma cena em que Delphine beija Cosima se inicia, ativando lembranças da noite passada em minha mente e fazendo meu corpo esquentar. Cruzo as pernas, comprimindo-as uma na outra, e abraço o pote de pipoca contra meu tórax enquanto fito hipnotizada a televisão.
— Está tudo bem? Você parece desconfortável. — me tira de minha conjuntura e desvio os olhos para encarar seu rosto.
— Está tudo ótimo! Por que eu estaria desconfortável? Sou Cophine shipper! — Tento disfarçar.
— Eu sou ator, , sei como ler o corpo de alguém e você está inquieta, posso arriscar dizer até... Excitada.
— Mas que merda, você virou meu psicólogo agora? — indago, exasperada. — Quer saber o que está acontecendo? Tudo bem! Sim, eu estou excitada porque me lembrei do beijo que dei na Luna ontem, satisfeito?
— E qual é o problema? Você nunca tinha beijado uma garota antes? — Maneio a cabeça em negação. — Sério? Nem em jogo da garrafa?
— Eu não sei! Não me lembro de oitenta por cento das festas que fui! — jogo as mãos para o alto em irritação. — E só porque não tenho problema em falar de sexo preciso sair beijando todo mundo? Você por acaso já beijou um cara?
— É claro que sim e por isso sei que não é o meu lance. — Encaro-o surpresa. se levanta, desliga a TV e retira o pote das minhas mãos. — Vá se vestir, quero te levar a um lugar.
— Que lugar? Onde? — pergunto em desconfiança.
— Confie em mim, você vai gostar. — O sorri antes de se virar e sumir pelo corredor.
●●●
Tomo banho, visto uma calça jeans, uma regata cavada e tento esconder a cara de acabada com a pouca maquiagem que tenho. se recusa até o ultimo segundo da viagem a me dizer para onde estávamos indo e quando eu já estava quase desistindo de saber e mandando-o ir tomar no meio do cu, ele finalmente para o veículo e avisa que havíamos chegado. Assim que saio do carro vejo uma placa enorme de neon escrito “FREEDOM”, com cada letra em uma cor do arco-íris. Do lado de fora havia diversas pessoas, que em sua maioria estavam vestidas em estilo punk, hipster ou eram dragqueens.
— Você me trouxe a um clube gay? — indago com uma sobrancelha levantada.
— É um clube LGBT e eu te trouxe aqui porque quero que conheça uma pessoa — responde e segura em minha mão, guiando-me até a entrada de luzes coloridas.
O cumprimenta o segurança como se fossem amigos de longa data e o homem nos permite entrar. Logo que a porta é aberta, o volume elevado de um Remix de Born This Way invade meus ouvidos. me arrasta por entre a multidão de pessoas balançando seus corpos ou se beijando, até estarmos frente uma escada que guia até a cabine da DJ. Ele acena para a garota de cabelos azuis que mantinha um headphone contra o ouvido, que acaba não percebendo, no entanto é avisada pelo cara ao seu lado. Ela sorri e acena de volta, em seguida deixa a pick-up sobre a responsabilidade do homem e desce os degraus até nós.
— Ronald Weasley! — ela grita enquanto joga o corpo sobre o do .
— Ramona Flowers! — ele responde quando envolve o corpo dela com os braços.
Assisto a cena com a sobrancelha arqueada e um imenso sinal de interrogação na testa. Que porra? Eles têm até apelidos fofos?
Espero impacientemente eles terminarem seu momento de ternura para pedir explicação, entretanto, a garota de cabelos de sereia nos convida com um movimento de mão para segui-la até a área do bar.
— Aqui é melhor para conversar. — ela ri. — Não vai me apresentar essa gata ao seu lado, ?
— Skye, essa é . — Ele aponta para a garota e depois para mim e em seguida para ela de novo. — , essa é a Skye.
Os olhos cor de avelã de Skye se arregalam e sua boca fica semi-aberta em surpresa, porém, sem demora ela volta a sorrir e me estende a mão.
— Skye Healy. E antes que pergunte, não tenho nenhum parentesco com Matty Healy, apesar de que tivemos um rolo há uns dois anos.
— Fletcher — respondo enquanto cobria sua mão com a minha. — E também não tenho nenhuma ligação com Tom Fletcher, o que é uma pena, pois eu já o teria torturado por destruir uma das minhas bandas favoritas na adolescência.
A garota emite uma risada e balança a cabeça em concordância.
— Já senti que seremos grandes amigas!
— Já que agora vocês estão devidamente apresentadas, vou deixá-las conversando e ir lá em cima falar com o Tony — o anuncia.
sussurra algo no ouvido de Skye e ela sorri e concorda com a cabeça; ambas assistimos o garoto se afastar e sumir no meio do mar de pessoa.
— É legal finalmente te conhecer — Skye profere subitamente, fazendo-me fita-la com o cenho franzido.
— Finalmente? já falou sobre mim? — questiono e ela maneia a cabeça. — Tem certeza de que era eu?
— Eu não acho que vocês dois vivem em um apartamento cheio de garotas chamadas , seria estranho se isso acontecesse. — A garota ri e se senta sobre um banco do bar e eu a acompanho. — Vai beber o quê?
— Não posso beber hoje, ainda tô meio zonza e de ressaca.
— Certo. Uma Piña Colada pra mim e um Virgin on The Beach pra ela — Skye diz ao bartender. — É a mesma coisa que o Sex on The Beach, mas sem álcool — ela explica antes que eu pudesse perguntar.
— Como você conheceu o ? — indago, curiosa.
— Eu estava trabalhando como DJ em uma dessas festas de fraternidade e meio que estávamos no mesmo lugar, na mesma hora, com bastante álcool correndo pelas veias e hormônios a flor da pele e... Você sabe...
— Vocês transaram. Não precisa evitar a palavra, não é como se estivéssemos falando do Lord Voldemort — digo e a garota ri.
— Uau! Você é mesmo bem rápida e objetiva, e ainda faz referências de Harry Potter! Acho que realmente não dá pra não gostar de você.
Nossos drinks chegam e dou uma golada no meu. Não tinha o gosto levemente amargo e nem a conhecida ardência na garganta, todavia não era de se jogar fora. Skye faz o mesmo com seu copo.
— Bem, sim, nós transamos e foi legal, trocamos telefones e repetimos umas três ou quatro vezes, mas na época eu estava mais a fim de uma garota e ele também estava gostando de outra pessoa, então resolvemos que seria melhor continuarmos só amigos. E foi isso. — ela dá de ombros. — Agora quero saber a sua história, por que está aqui?
Bebo novamente meu drink, sentindo-me um pouco tonta e tentando absorver o fato de que uma garota que eu mal conheço sabia que gostava de alguém e eu não. Também não é como se eu pudesse cobrar algum tipo de confidência dele, não somos melhores amigos de verdade, não como sou com Summer e ele com Jake, passei minha vida inteira tentando afastá-lo e agora não podia reclamar de não termos proximidade. Suspiro.
— Bem, eu beijei uma garota ontem em uma festa e foi bom pra caralho, mas não fizemos nada além disso. Eu acordei hoje e vi uma cena na TV de duas personagens se beijando e eu senti como se um vulcão tivesse acordado dentro de mim, sabe? Fiquei com uma vontade louca de repetir, percebeu isso e disse que eu precisava conhecer você.
— quer que eu ajude você a descobrir sua sexualidade. Ele tem essa mania de achar que sou o Mestre Yoda só porque curso Psicologia — ela comenta e ambas rimos. — Você nunca tinha se sentiu atraída por uma mulher antes?
— Eu não sei, sempre admirei mulheres e as achei lindas, mas nunca tinha sentido todo esse desejo, e eu estou tão irritada comigo mesma por nunca ter pensado nisso antes! Quer dizer, é hipocrisia minha dizer que não sigo padrões e odeio rótulos se estou seguindo essa maldita regra heteronormativa durante minha vida inteira — respondo, contento-me para não lançar minha taça no chão em busca de alivio à minha frustração.
— Isso é completamente normal! — Skye declara. — Somos impostos durante a vida inteira a seguir regras heteronormativas e até para uma pessoa desconstruída sair de sua zona de conforto pode ser assustador. A desconstrução é um processo para vida inteira, você sempre irá encontrar algo do qual precisa pensar melhor, se informar mais ou sentir de forma diferente. No entanto, há certos rótulos que são precisos para definir quem somos, como por exemplo, você é uma mulher branca de cabelos ruivos, esses não são apenas rótulos, são quem você é! Assim também é a sua sexualidade, é parte da sua identidade e ninguém pode mudar isso. Você pode se considerar Bi ou não, é escolha sua, mas quando você consegue definir quem você é e qual é o seu lugar no mundo, é libertador! Eu sou uma mulher Bissexual e tenho orgulho disso!
As palavras de Skye adentram meus ouvidos e com uma intensidade tão descomunal que fico atordoada, tudo que consigo fazer é mirar sua boca rosada em movimento enquanto todos os meus neurônios tentavam absorver tudo o que ela disse. Após o me recuperar do choque, tento formular alguma frase que fosse coerente, porém falho miseravelmente, então tudo o que consigo dizer é:
— Você tem lábios maravilhosos e dizer um discurso como esse fez eles se tornarem um milhão de vezes mais bonitos e atraentes.
A garota de cabelos azuis ri e se levanta, posicionando-se em minha frente. Ela separa minhas pernas, se encaixa no meio delas e afasta a mecha da minha franja que caía sobre o meu rosto, levantando meu queixo em sua direção antes de grudar os lábios aos meus. Sua boca é macia assim como eu havia imaginado e sua língua tem um sabor agridoce entre abacaxi e rum. É uma sensação totalmente nova e diferente de tudo eu já havia sentido na vida, que faz meu corpo se encher de luxúria.
Skye começa se afastar, porém mergulho os dedos em seus fios turquesa, prendo seu lábio inferior entre os dentes e inicio um novo beijo. Eu não queria parar agora, ainda não tinha conseguido o suficiente de sua essência, no entanto o ar estava escasso para ambas, então permito que ela se distancie.
— Uau! Você... Se empolga... rápido! — Skye pronuncia ofegante e eu rio. — É uma pena que... Não pode ir... além de... alguns beijos...
Meu rosto automaticamente se contorce em uma expressão carregada em indignação.
— O quê? Por que não? — questiono.
A garota fica em silêncio por alguns instantes e aprisiona o lábio entre os dentes, parecendo estar insegura sobre o que deveria falar.
— Olha, não cabia a mim te dizer isso, mas já que chegamos a esse ponto: gosta de você, eu não posso te dizer o quanto, mas ele gosta. E se ele não te disse isso até agora é porque ele não quer te pressionar como todo mundo faz. Pelo tanto que conheço dele, sei que tem um coração enorme e sempre coloca as necessidades dos outros a frente das dele, então só vai te dizer a verdade quando souber que é o que você precisa ouvir.
Fito-a com a boca aberta em perplexidade, sem saber como reagir ou o que falar.
apaixonado por mim? Isso não é possível!
— Não, você deve ter se confundido...
— Eu estou me baseando nas coisas que ele me contou, se quiser mesmo saber terá de perguntar você mesma.
— Eu não sei como lidar com isso! — suspiro, derrotada. — é ótimo comigo, mas ficar com ele é exatamente o que todos esperam de mim, então algo em meu interior sempre bloqueia qualquer proximidade.
— Olha, eu sei que se conselho fosse bom a gente venderia pra pagar os livros da faculdade e isso pode soar confuso, mas não faça algo porque é o que as pessoas esperam de você e também não deixe de fazer porque é o que elas querem, permita-se ouvir o que você quer.
Meu cérebro parecia que iria pifar a qualquer momento, era muita informação para um único dia. Percorro meu olho em meu redor a procura do e o encontro se engolindo com uma morena que ele prensava contra a parede. Gosta de mim é o caralho!
— Podemos só curtir o momento? É muito coisa pra absorver e eu não quero pensar nisso agora.
Skye sorri travessa e segura em minha mão, puxando-me para fora do banco.
— Acho que sei como esvaziar sua mente.
A garota me conduz, desviando da massa de pessoas e seguindo pelo canto até atingirmos a escada onde havíamos nos encontrado mais cedo. Adentramos a cabine de DJ e Skye faz gestos para o homem que havia tomado seu lugar antes, que graças ao agora eu sabia que se chamava Tony, ele transfere o headphone para ela e deixa o local. A garota interrompe a música Break Free da Ariana Grande que tocava e um uníssono murmúrio de reprovação vem do aglomerado de gente. Skye seleciona uma nova música, me indica qual botão eu deveria apertar para solta-la, agarra o microfone e diz:
— Essa é para as garotas que gostam de garotas!
Pressiono o botão e Girls Like Girls começa a tocar, arrancando um grito de comemorações da plateia. Skye me entrega o headphone e me ensina quais botões devo apertar e como devo girar o disco para fazer a mixagem e repito os mesmos movimentos que ela até pegar o jeito. Eu me sentia extasiada por estar experimentando mais uma nova sensação, controlar a música enquanto as pessoas balançam seus corpos ao seu ritmo era bem mais divertido do que estar na pista propriamente dita.
Enquanto eu me deleitava agitando a galera, Skye afasta o cabelo de minha nuca e começa a distribuir beijos pela região do pescoço e ombro, provocando arrepios em minha pele. Olho para a pista de dança, observo que diversos casais de mulheres se beijavam e sorrio contente.
Deixo a música tocando como estava e me viro para a garota de cabelos turquesa, afundando os dedos em suas madeixas e aproximando seu rosto do meu até que nossas bocas se chocassem. Skye leva as mãos até minha nuca e corresponde com o mesmo fervor. Nos separamos instantes depois, porém mantendo a proximidade.
— Quer se jogar no meio da galera? — Skye pergunta e meus olhos se arregalam.
— Eu posso fazer isso? Não vou me estatelar no chão? — Indago e ela ri.
— Não, eles são legais, não vão te deixar cair.
Concordo com a cabeça e caminhamos até a beirada da cabine, onde existia uma curta parede de vidro com luzes neon que mudavam de cor de acordo com a batida da música. Skye anuncia que eu iria pular e todos viram a atenção para mim enquanto eu ultrapassava o vidro e criava coragem. Finalmente me jogo de costas e sou recebida por diversas mãos, que me empurram e me guiam para trás, enquanto eu gargalho em divertimento. Um sentimento imenso de tranquilidade e alegria tomam meu peito e então eu soube que Skye estava certa, aquilo era liberdade.
Finalmente atinjo o final do mar de pessoas e os dois últimos rapazes me ajudam a descer. Agradeço-os e corro sumo ao bar, encontrando sentado rente ao balcão e não hesitei em disparar em sua direção e me jogar sobre o seu corpo, colando minha boca a dele. O fora pego de surpresa, porém não demorou a me envolver com seus braços retribuir.
— Obrigada, obrigada, obrigada! — digo enquanto distribuía beijos por todo o seu rosto e ele ri. — Hoje foi um dos melhores dias da minha vida!
— Você está bêbada, ? — ele pergunta em tom divertido.
— Não! Eu estou completamente sóbria e feliz!
— Você pulou no meio da galera, né? Lembro como foi minha primeira vez, foi uma sensação incrível.
Subitamente o diabinho dentro de mim teve a brilhante ideia de provocá-lo e eu sorrio marota.
— Eu e a Skye temos uma proposta pra você... — digo como quem não quer nada, brincadeira com a gola de sua camisa, e os olhos do se sobressaltam.
— Proposta? Que proposta?
— Ah, você sabe, nós três em um quarto... Nenhuma peça de roupa... Gemidos de prazer e corpos suados se chocando...
O engole em seco, a linha de seu maxilar trava rigidamente e seu rosto adquiriu uma tonalidade tão avermelhada que não consegui conter a gargalhada, e ele logo percebe que eu estava de gozação com sua cara.
— Isso não tem graça, ! — ele pronuncia, irritado.
— O que não tem graça? — A voz de Skye se faz presente atrás de mim.
— Propus um ménage e o ficou igual um tomatinho — respondo e em seguida dou mais uma risada, sendo acompanhada pela garota.
— Por que eu fiz a burrice de juntar vocês duas, hein? Agora vão ficar tramando contra mim!
— Ah, tadinho do bebê oprimido e seu fetiche de homem hétero não realizado — Skye debocha, imitando voz infantil.
— Acho que alguém vai ficar com calos nas mãos hoje imaginando certas cenas... — debocho, fazendo-o bufar. — Mas apesar da brincadeira acho que não deve ser uma ideia descartada.
— Pra mim é uma ideia maravilhosa, é só dizer quando — Skye responde.
— Infelizmente não será hoje porque eu tenho uma aula chata pra cacete amanhã e não posso faltar mais ou serei reprovada, não adianta eu me esforçar pra continuar no curso e ser reprovada — digo após conferir as horas e constatar que já passava da meia-noite.
— Uau, Fletcher sendo responsável? O que você fez com ela, Skye? Isso é um milagre acontecendo — ironiza. A garota ri e eu acerto um forte tapa no braço do .
— Vamos embora, idiota, antes que eu te de uma surra aqui na frente de todo mundo. — Puxo para fora do banco e começo a arrastá-lo em direção a saída.
— Esperem! — O chamado de Skye faz com que nós dois paramos nos viramos para ela.
A garota de cabelos azuis retira uma caneta de seu bolso e escreve algo números na palma da minha mão, fechando-a com a sua. Ela segura ambos os lados do meu rosto e me dá um longo selinho, repetindo o mesmo processo com .
— Me liguem quando pensarem bem sobre aquele ménage. — Ela dá uma piscadela e se vira de costas pra nós, sumindo por entre as luzes coloridas e corpos dançantes. Fito o nada por alguns segundo, ainda sem acreditar em tudo que havia acontecido essa noite.
— Essa garota não pode ser real. — murmuro, provocando uma risada em .
— Eu disse que você gostaria dela. — O circula meus ombros.
Enquanto caminho até o carro, percebo que Skye é exatamente como seu nome sugeria: Bonita e encantadora como um céu azul, mas quando você menos espera, ela se transforma em uma tempestade ou, até mesmo, um furacão.
Chapter VIII — Monday
Acordo extremamente estressada essa manhã, meu despertador não tocou e acabo me atrasando para a aula, justo a do professor o qual eu precisava impressionar, se eu perdesse minha vaga na exposição por isso, não iria me perdoar. E para completar, a única coisa que fiz depois de me arrumar apressadamente foi tomar duas canecas de café, o que me deixou ainda mais agitada. Ao final da aula, Professor Alderson diz que não tem problema eu ter me atrasado, porém avisa para eu tomar cuidado para não haver próximas vezes. Meu corpo automaticamente fica tenso e concordo veemente com a cabeça e então acertamos os detalhes para a exposição, que acontecerá no dia seguinte, às dez horas da manhã. O homem diz que havia gostado da minha fotografia devido à iluminação natural e que tenho talento, no entanto eu deveria me atentar mais sobre as linhas verticais. Concordo novamente e agradeço a oportunidade, deixando a sala. Entretanto, suas palavras não saem da minha cabeça e meu nível de paranoia estava tão alto que começo a pedir às pessoas com quem encontro no caminho para tirar fotos dela para testar minhas habilidades. O resultado não foi como eu esperava, todavia, eu tinha a entediante aula de Imagem, Cultura e Sociedade e não poderia faltar, pois já havia feito muito isso durante o semestre.
Revivo minha infância desenhando coisas aleatórias no paint enquanto o professor Stark faz seu discurso chato sobre como a Fotografia é importante para o nosso desenvolvimento como indivíduos e sociedade e blábláblá.
Levo o olhar para o relógio, constatando que ainda restam uma hora e meia de aula ouvindo a voz irritante daquele homem e bufo, deitando meu corpo sobre a mesa.
— Puta que pariu!
Subitamente a voz que vinha da frente da sala cessa e um silêncio enorme se faz presente dentro do recinto. Estranhando o ocorrido, levanto minha cabeça e encontro todos me olhando surpresos ou com sorriso divertido nos lábios. Olho para o professor e ele me lança um olhar furioso.
Merda, eu disse em voz alta?!
— Senhorita Fletcher, eu estou atrapalhando você? — Stark questiona.
Caralho, eu disse em voz alta!
Endireito minha postura na cadeira e limpo a garganta em um pigarro.
— Não, de maneira alguma. Eu apenas estava pensando... Alto... — defendo-me e algumas pessoas riem. — Desculpe-me, pode continuar a aula!
— Continuarei, sim, porém a senhorita irá “pensar alto” no OSC*! — ele vocifera e meus olhos se sobressaltam.
— Não precisa, não vou dizer mais nada!
— Não pedirei outra vez, Senhorita Fletcher! Saia da minha sala, agora!
— Foda-se essa merda! — grito, irritada.
Levanto-me, recolhendo meus pertences e deixando a sala à pisadas firmes. Sigo em direção ao corredor leste, onde sabia que estava tendo aula de Teatro Americano. Se for para ir ao escritório do OSC mais uma vez, que seja por um bom motivo!
Escancaro a porta larga de madeira e o barulho de sua abertura chama a atenção dos presentes no recinto.
— Com licença, professora Andrews? — peço, no entanto não espero a resposta da mulher e adentro o cômodo, caminhando até a mesa do .
Estaciono de frente para e ele me fita com uma sobrancelha arqueada, porém com os cantos dos lábios curvados em um sorriso, sabendo exatamente o motivo de eu estar ali. Largo minha bolsa no chão e me sento sobre a mesa, ignorando um grito de repreensão da professora, e afasto a cadeira do com os pés. Abro as pernas e posiciono-as uma em cada lado do tronco do garoto, sentando em seu colo e sem demora seguro ambos os lados de seu rosto e grudo meus lábios aos deles.
Ouço urros de comemoração vindos de todos os lados do cômodo e isso só serve de estimulo para que eu afunde os dedos em seus cabelos, intensificando o beijo, e o abraça meu corpo, correspondendo na mesma proporção. Todavia, somos interrompidos pelos gritos da mulher mais velha:
— Vocês dois! Para o OSC, agora!
Finalizo o beijo com um selinho, sorrio e me levanto, resgatando minha bolsa do chão, contudo, antes de caminhar para fora do cômodo, viro-me para a mulher e digo:
— Muito obrigada pela recepção calorosa — Lanço-lhe uma piscadela e finalmente saio.
Saio do prédio e percorro o caminho já muito bem conhecido até o escritório e me sento em uma das cadeiras ao lado de fora, sendo acompanhada por , enquanto a professora dispara porta adentro.
— Você sabe que seremos suspensos por isso, não é? — indaga e eu ergo os ombros.
— Eu já estava vindo pra cá de qualquer jeito, preferi que fosse por um bom motivo. Mas fique tranquilo porque seus privilégios de homem branco, rico e bem educado não vão deixar você se dar mal!
— Não foi isso que eu quis dizer. Você... — O é interrompido pela voz da Diretora chamando por nossos nomes, nos levantamos e adentramos a imensa sala. A mulher faz sinal com a mão para nos aproximarmos e caminho até ela, sentando-me na cadeira à sua frente e faz o mesmo.
Com sua postura curvada sobre a grande cadeira de couro e os braços apoiados sobre a mesa de mármore, a mulher me fita fixamente.
Diana Howard é uma das mulheres que eu mais admiro no mundo, mesmo sendo negra e de origem pobre, nunca deixou de correr atrás de seus sonhos. É formada em Harvard, PhD, fluente em seis línguas e uma das professoras de Direito mais disputadas no país. No ano retrasado ela se tornou Diretora do OSC, substituindo um nojento que encobria abusos que aconteciam dentro do Campus, e posso até dizer que nos tornamos grandes amigas.
— Bom dia, Diana! — cumprimento-a.
— Bom dia, ! — ela responde. — Quando foi a última vez que nos vimos? Mês passado?
— Hum... — Olho para o quadro com um poema de Maya Angelou pendurado em sua parede, fingindo estar pensativa. — Um mês e meio atrás, quando dei um chute no saco de um babaca que me chamou de vadia. Cara, que chute certeiro foi aquele! — digo, orgulhosa.
— Ah, sim, o Senhor Stevens! Ainda estou tentando impedir que sua família processe a universidade por eu não ter expulsado você — a mulher diz em falso tom de alegria e se vira para . — Não esperava vê-lo aqui, Senhor .
— É claro que ele não vem aqui, não sofre Slut-shaming dentro do campus. — ironizo.
— E também não desrespeita professores e invade salas alheias — Diana rebate. — Você sabe o quanto eu adoro o seu espírito livre, , porém o seu comportamento está passando dos limites. Essa é a terceira ocorrência apenas nesse semestre, se acontecer mais uma vez, serei obrigada a passar isso tudo para o Conselho e você será expulsa! Isso não é bom para o seu histórico ou para sua carreira, se você não consegue ter disciplina e seguir uma única regra, acha que alguém irá contratá-la? Estou dizendo isso para o seu próprio bem, , e por esse motivo vou suspendê-la de qualquer atividade dentro da Universidade.
Meus olhos automaticamente entram em alarde e meu coração acelera, enquanto uma onda descomunal de desespero toma meu corpo. Isso não pode estar acontecendo!
— Não! Você não pode fazer isso comigo! Eu preciso participar da exposição amanhã, é uma oportunidade única! — vocifero.
— Não foi culpa dela, eu a desafiei e não pensei que ela fosse realmente fazer isso — se pronuncia pela primeira vez. — Peço desculpas pelo ocorrido, não voltará a acontecer.
Encaro o com as sobrancelhas arqueadas e a boca aberta em surpresa. Ele estava me defendendo e tentando levar culpa por mim?!
Diana olha de mim para , analisando ambos os nossos rostos por alguns segundos, e em seguida suspira, balançando a cabeça positivamente.
— Tudo bem, já que não há tempo para substituição, você poderá participar da exposição, — a mulher declara e eu solto um grito em comemoração. — No entanto, vocês ficarão suspensos pelo resto do dia e a semana após o feriado, e irei notificar isso no histórico!
Balanço a cabeça em concordância e me levanto, indo abraçá-la.
— Muito obrigada, Diana!
— Não se anime muito, estarei de olho em você a partir de agora. Se houver mais uma ocorrência não poderei ajudá-la.
— Não haverá, vou me comportar! Você não vai se arrepender, eu prometo! — afirmo com animação.
— Assim espero. Vocês podem ir.
Abraço-a mais uma vez e caminho para fora da sala, suspirando aliviada.
— Essa foi por pouco — comento.
— Que merda deu na sua cabeça pra fazer aquilo, ? Se não fosse por mim você teria perdido a exposição! — diz com irritação.
— Foda-se, eu não pedi para você dizer nada, fez porque quis! — rebato, exasperada, e o me fita indignado.
— Ah, me desculpe por levar a culpa no seu lugar e evitar que você fosse expulsa! — ele berra.
Meu cérebro parece dar um estalo e a realidade me atinge com uma força tão colossal que precisei me apoiar na parede. As engrenagens em meu cérebro começam a trabalhar e aquela palavra ecoa em minha mente.
Expulsa.
Eu poderia ter sido expulsa.
Subitamente uma impetuosa onda de gargalhadas explode pela minha garganta e a intensidade é tamanha que faz minhas pernas fraquejarem e meu corpo aos poucos se arrasta pela parede até atingir o chão e de repente lágrimas começam a escorrer por minhas bochechas.
— , você tá bem? — questiona. — Está rindo ou chorando? Não consigo diferenciar!
Eu queria responder que eu mesma não sabia, que meu corpo estava tomado por uma mistura de sentimentos que eu não era capaz de diferenciar, no entanto, eu não conseguia interromper o choro e os soluços que saiam pela minha garganta.
E então sinto meu corpo ser puxado para cima novamente e sou sustentada por braços que me envolvem com veemência, um calor acolhedor me cobre e o cheiro amadeirado do perfume de invade minhas narinas. Reúno a pouca energia que me resta para retribuir o abraço e permanecemos assim até meu corpo parar de tremer e as lágrimas cessarem. se afasta primeiro, retira o cabelo grudado em meu rosto e passeia os polegares por minhas bochechas, sorrindo em seguida.
— Você tem passado por muito estresse ultimamente, vamos para casa comer pizza e sorvete e fazer maratona de Harry Potter.
Sorrio largamente, não acreditando que esse garoto realmente fosse real.
— Você é o melhor amigo colorido do mundo. — admito e o ri, dando-me um selinho e envolvendo meu pescoço com seu braço.
— Eu sei disso — ele anuncia em tom pomposo e eu dou um leve empurrão em seu peito.
— Convencido!
— Mas foi você quem disse, eu apenas concordei — se defende e eu reviro os olhos.
— Cale a boca antes que eu seja obrigada a fazer isso por você! — ordeno e o garoto ri.
— Ah, aí está a boa e velha de novo!
Emito uma risada, dessa vez de felicidade. Felicidade por saber que, não importa o que aconteça, eu sempre terei alguém com quem posso contar e me fazer sorrir de novo.
*OSC: Office of Student Conduct (em tradução literal: Secretaria de Conduta do Estudante) é o lugar dentro da Universidade onde os alunos são enviados para receber “punição” quando descumprem alguma das Golden Rules (regras de politica e conduta que devem ser seguidas dentro do Campus)
●●●
Deitada no sofá, com os pés sobre o colo de e meu sexto pedaço de pizza entre os dedos, eu assistia ao filme Harry Potter e O Prisioneiro de Azkaban, meu favorito da saga — Tanto pelo Sirius quanto por aquele soco muito bem dado pela Hermione no Draco. Lembro-me de quando o assisti pela primeira vez, aos oito anos, com meu primo Oliver e saí do cinema dizendo que queria um hipogrifo de presente de Natal — e acabei ganhando uma Calopsita, que morreu um mês depois porque me esqueci de alimentá-la.
— Eu odeio a imagem estereotipada e ruim que os filmes passam sobre a Sonserina. Quer dizer, sim, a maioria dos vilões veio de lá, mas isso aconteceu porque eles eram homens brancos mal-amados e não porque a Casa é ruim! — protesto. — O Voldemort era órfão e nunca foi amado, Draco era um babaca porque foi influenciado pela família bosta dele e o Snape... Bem, o Snape era só um idiota egoísta e obsessivo que não sabia aceitar amor não correspondido!
— Mas eles têm desprezo por quem não é puro-sangue... — rebate.
— Essa é uma característica ruim, porém acredito que depois da derrota de Voldemort e dos Comensais da Morte isso tenha melhorado. Não podemos esquecer que a Sonserina também tem várias qualidades maravilhosas, como ambição, destreza, astúcia, determinação, liderança e como o próprio Dumbledore disse, Salazar Slytherin tinha um certo desprezo pelas regras, além de ser ofidioglota! Sou da Sonserina, sim, e tenho orgulho disso!
— Agora em entendo porque brigamos tanto, você é da Sonserina e eu sou da Grifinória — declara e eu o encaro com o cenho franzido.
— Grifinória!? Ficou louco, garoto? Você obviamente é da Corvinal! — refuto.
— Eu não sou tão inteligente quanto você pensa, sou apenas cavalheiro e essa é uma das características da Grifinória. Os grifinórios são cheios de vigor, bravura, cavalheirismo, além de deterem um forte espirito de aventura!
— Espirito de aventura?! Você?! — emito uma risada. — Faça-me rir, , o máximo de rebeldia que você já fez foi uma identidade falsa.
— Você não me conhece tão bem quanto pensa, , há muito sobre mim que você não sabe — O diz olhando diretamente em meus olhos e fazendo um arrepio percorrer minha espinha.
Permaneço calada por alguns instantes, contudo, logo volto a sorrir com a ideia que se passa em minha mente.
— Tudo bem então, Senhor Eu-sou-grifinório-e-tenho-espirito-aventureiro, quero te propor um desafio.
Levanto-me e caminho até a cozinha, tirando do armário um recipiente repleto de pimenta jalapeña e volto, abrindo-o em sua frente. automaticamente fica alarmado.
— Por que diabos você tem pimenta em casa!? — ele praticamente grita.
— Summer disse que é bom pra saúde e me ensinou a fazer molho chipotle. — Dou de ombros. — Eu te desafio a comer uma pimenta a cada vez que Hermione usar o Vira-Tempo. — O me fita com uma expressão tão apavorada que quase cai na gargalhada. — O que foi, Senhor Bravura? Tá com medinho? — provoco.
— Eu aceito! — declara de prontidão, deixando-me realmente surpresa. Eu sinceramente não acreditava que ele tinha colhões pra isso.
Volto a me sentar ao seu lado e ofereço-o uma pimenta quando Hermione aparece repentinamente na aula de Adivinhação:
— Já pode começar!
— Nem aparece o Vira-Tempo! — ele protesta.
— Não aparece, mas você sabe que ela usou! Trato é trato! — rebato.
O me olha feio antes de enfiar uma pimenta na boca. Ele morde e começa a fazer caretas e seu rosto adquire uma tonalidade assustadoramente avermelhada.
— Isso arde pra caralho! — exclama, abanando o rosto.
— Que boca suja, senhor ! Toma mais uma! — ironizo e coloco mais uma pimenta em sua boca no momento em que Hermione surge na aula de Defesa Contra Arte das Trevas.
mastiga ao passo que sua face se contorce e fica cada vez mais ruborizada e seus olhos verdes se enchem de lágrimas. Eu sentia pena dele, de verdade, porém o meu lado ariano não permitiu que eu evitasse a gargalhada que escapou pela minha garganta quando o se levantou e saiu correndo e xingando em direção à cozinha.
Alguns minutos depois retorna, com rosto e cabelos molhados e uma garrafa d'agua na mão.
— Não consigo sentir minha língua. — O garoto se senta ao meu lado e bebe um pouco d'agua. — Lembre-me de nunca mais concordar com suas maluquices e aceitar os seus desafios!
— Você falhou! Menos cem pontos para a Grifinória! — zombeteio. — Aliás, você provou que não tem nada de Grifinória.
— Tudo bem, eu admito que não sou da Grifinória. — Ele joga as mãos para o alto, rendido. — Tá feliz agora?
— Muito! — respondo e emito uma risada. — Mandei uma mensagem para a Skye contando sobre o que desafio, ela riu da sua cara e mandou um beijo na sua boca apimentada.
— Vocês realmente estão se aproximando, hum? Sabia que não deveria ter juntado vocês duas! — ele resmunga.
— É claro que estou me aproximando dela, como eu faria Ménage com uma pessoa que não conheço? — rebato com obviedade e me encara com a sobrancelha arqueada.
— Então está mesmo considerando o Ménage? Não era só uma brincadeira?
— Sim, eu estou curiosa e realmente quero fazer, mas não se anime muito porque ainda estamos pensando se vamos deixar você participar. Talvez convidaremos outra pessoa, quem sabe o Tony? Ele é um puta gostoso! — provoco e o me fita furiosamente.
Eu estava mentindo, obviamente. É claro que eu não estava cogitando fazer aquilo sem , afinal, ele foi um dos pilares principais que me ajudou a descobrir minha sexualidade e nada do que eu fizesse seria o suficiente para agradecer, no entanto ainda não havia me esquecido da cena que presenciei dele se atracando com outra garota. Sei que não posso cobrar nada, pois sequer temos um relacionamento, porém, se ele gosta de mim como Skye disse que gosta, se atracar com uma desconhecida não demonstra isso nem um pouco. É hipocrisia minha pensar assim, mas meu lado escorpiano não me deixa simplesmente ficar numa boa.
Meus pensamentos são interrompidos pelo barulho de notificação do meu celular e quando abro a mensagem, minha expressão automaticamente se fecha.
— O que foi? — questiona.
— Convidei meu pai para vir a exposição e ele disse que não será possível porque está na Europa resolvendo alguns "problemas" e só voltará no Dia de Ação de Graças. — Rio ironicamente.
— Eu sinto muito por isso...
— Não sinta, não é como se eu tivesse esperança de ele realmente vir. — Dou de ombros, fingindo indiferença. — Vou chamar a Summer para dormir aqui.
Levanto-me e sigo para o meu quarto, jogando-me sobre a cama, abro o FaceTime e faço a chamada para minha melhor amiga.
— Ei, Sum! — digo assim que ela atende, segundo depois. — Quer vir para cá para fazermos uma festa do pijama?
— Oi, . Desculpa, mas não vai dar, estou na casa da família do Jake — ela responde e eu a encaro com o cenho franzido.
— Mas e a exposição? Você vai, certo? — indago e seus olhos se arregalam.
— Droga, eu esqueci! Me desculpa mesmo, , mas eu finalmente estou me dando bem com os pais do Jake e...
— Espera aí, você vai perder um dos momentos mais importantes da minha vida por causa de homem!? — demando, exalando indignação.
— Eu sinto muito, mas estou tentando viver a minha vida também! E você não precisa de mim, vai estar lá por você!
— Eu não quero o , quero minha melhor amiga! — protesto.
— Ele é seu melhor amigo também, aliás, é bem mais do que isso, você só não quer admitir para si mesma! — Summer exclama. — Eu te amo, mas não posso viver sendo seu apoio emocional pra sempre! O mundo não gira em torno de você, !
Suas palavras me atingem com tanta força que acabo por deixar o celular cair no chão. Fico estática por alguns segundos enquanto sua voz ecoa em minha cabeça.
O mundo não gira em torno de você, !
Ao me recuperar do baque, a única coisa que consigo fazer é correr de volta à sala e arremessar meu corpo sobre o de , envolvendo-o apertadamente com meus braços.
— Ei, calma, o que houve? — ele questiona, afastando-me um pouco de si.
— Você acha que eu sou egoísta? Summer disse que eu acho que o mundo gira em torno de mim. — indago e o garoto permanece calado. — Ai, meu Deus, você hesitou! Eu sou uma vadia egoísta igual minha mãe!
— Ei, olha pra mim, ! — O segura em ambos os lados de minhas bochechas, obrigando-me a encará-lo. — Você não é egoísta e muito menos igual a sua mãe, é apenas impulsiva. Você faz as coisas sem pensar e por isso acaba chamando atenção, não é proposital, é o seu jeito! Se você fosse egoísta não seria feminista e defenderia e ajudaria tantas mulheres. Você é incrível!
Antes que algo pudesse me parar, agarro seu rosto entre as mãos e avanço eu sua direção, colando minha boca a dele. Naquele beijo descontei toda a minha frustração, raiva e tristeza acumuladas. Assim que nos separamos e ele faz menção de abrir a boca, cubro seus lábios com os dedos, impedindo-o de me questionar.
— Não me pergunte nada, só me beija de novo, por favor! — suplico e o balança a cabeça, grudando seus lábios aos meus.
acaricia as maçãs de minha face com as pontas dos dedos, beijando-me vagarosamente e enchendo meu corpo de tranquilidade e segurança. Afasto-me devagar e sorrio abertamente para o , sendo retribuída na mesma dimensão. Um súbito pensamento de perguntá-lo o que sente por mim paira sobre minha mente, porém não o faço porque tenho medo. Medo de saber sua resposta, medo da minha reação e, principalmente, medo de como isso afetaria o que temos agora, então simplesmente lhe dou um selinho e me deito em seu colo, voltando a assistir ao filme enquanto seus dedos percorrem por entre meus cabelos.
Chapter IX — Tuesday
Mal consegui dormir durante a noite devido à ansiedade. Rolei pela cama, contei carneirinho, tentei relaxar ouvindo aqueles barulhos estranhos de pessoas batendo e arranhado superfícies, tomei um banho morno — e recorri à masturbação —, porém nada adiantou; quando finalmente peguei no sono, os passarinhos já cantavam ao lado de fora da janela e os raios de Sol começavam a invadir o quarto.
Após dormir precariamente por pouco mais de três horas e acordar mais cansada do que já estava, desisto de tentar relaxar e resolvo usar a energia que me resta para arrumar a casa, já que não conseguia por em ordem o meu próprio cérebro.
Ponho minha casa 10 em Virgem para trabalhar e organizo meu quarto de uma maneira que nunca havia feito em todos os meus vinte anos e sete meses de vida. Sigo em direção à sala, passando o aspirador de pó e rebolando a bunda ao som de Hands To Myself, até sentir algo atingir em cheio o machucado parcialmente cicatrizado embaixo do meu pé. Solto um grito — seguido de um “puta que pariu” —, e me sento sobre o sofá, segurando o pé entre as mãos.
Depois de xingar mentalmente todos os palavrões existente, levo o olhar ao chão, em busca do causador da minha angústia, e encontro a porra de um funko do Dobby sobre o tapete. Resgato-o do chão, sabendo exatamente a quem ele pertencia, e caminho furiosamente — e um tanto manca — sentido ao quarto de . Escancaro a porta sem aviso prévio e arremesso o boneco sobre o , que estava em sua escrivaninha fazendo algo em seu notebook. Por reflexo, o garoto consegue desviar e me encara com os olhos arregalados.
— Mas que merda?!
— Seu filho da puta! Pare de deixar as merdas dos seus brinquedinhos jogados pela casa!
— Ei, calma aí! Isso custou caro, é edição de colecionador! — responde com indignação.
— Você vai ver a edição de colecionador quando eu enfiar essa porra no seu cu! — Apanho mais um boneco, agora do Chewbacca, sobre a estante e lanço em direção ao .
— Pare com isso, ! — o garoto ordena após impedir que o objeto atinja seu corpo e se levanta, caminhando até mim.
— Não chega perto de mim, caralho! Eu estou tão puta com você agora que não consigo pensar na possibilidade de te beijar!
— Não vai me beijar, é? Então deixa que eu resolvo isso pra você!
acaba com a distância entre nós, dando dois passos largos, segura os dois lados de meu rosto e gruda seus lábios aos meus. Meu cérebro gritava para eu estapeá-lo, porém meu corpo imediatamente responde ao seu toque, então levo minhas mãos aos cabelos deles, bagunçando-os entre os dedos. O garoto me prensa contra a parede, ajudando-me a envolver seu quadril com minhas pernas, prontamente me carregando até a cama e ambos caímos sobre ela. distribui beijos pelo meu pescoço e impulsiona o corpo em direção ao meu, fazendo-me arfar.
O percorre as mãos pela minha barriga, movendo-as para cima e levando junto a camiseta do meu pijama estampada com o brasão de Hogwarts.
— O que está fazendo? — questiono, ofegante.
— Te ajudando a relaxar — ele responde com um sorriso ladino.
Auxilio-o a retirar a peça do meu corpo e o sorri mais uma vez ao constatar minha pele arrepiada, abocanhando meu seio direito em seguida. Um gemido escapa pela minha garganta quando o começa a sugar minha carne para dentro da boca e depois prende o bico entre os dentes, repetindo o mesmo processo do lado esquerdo. Desço as mãos pelo meu corpo, na intenção de aliviar um pouco da tensão que se instalá-la em minhas partes baixas, no entanto o me impede, levando ambas as minhas mãos para cima de minha cabeça e sem que eu tivesse tempo de contestá-lo, seus lábios se arrastam pela minha pele, deixando rastros molhados e beijos pelo meu tronco até atingir a barra da minha calcinha, que ele arranca sem cerimônia e joga pelo chão do quarto.
afasta minhas pernas uma da outra e lança um olhar tão carregado em luxúria para o meio delas que me deixou ainda mais molhada, os cantos de sua boca se curvam e sem demora ele separa meus grandes lábios, dando uma generosa lambida em minha buceta e me fazendo perder o ar.
O me arreganha mais para si e chupa com afinco o pequeno carocinho sobressalente, aprisionando-o com os dentes e tornando inevitável o grunhido de prazer que sai por minha boca. Sua língua começa a se movimentar sobre o meu clitóris, sugando-o e lambendo-o freneticamente, enviando ondas de calor e prazer por todo o meu corpo. Agarro os fios de seus cabelos, puxando-os enquanto meus quadris se movimentam involuntariamente de encontro ao rosto dele, em busca de maior fricção. me penetra com um dedo, brincando com a minha entrada em sentido de vai-e-vem, e gemidos, palavrões e pedidos de velocidade escapam pela minha boca.
Meu corpo parecia pegar fogo e se arqueava mais a cada segundo, eu tentava não esmagar a cabeça de entre minhas pernas e descontava toda a minha excitação mordendo o lábio inferior e espremendo com veemência meu seio direito — o que com certeza deixaria marcas mais tarde.
— ... — choramingo, avisando-o que estava no meu limite, o dá uma última sugada sobre o clitóris e então me desmancho em sua boca.
Ele continua a me chupar e lamber enquanto eu espero os espasmos cessarem e os batimentos do meu coração se acalmarem, sorrindo em deleite. Esse foi potencialmente um dos melhores orgasmos que eu tive na vida.
cobre meu corpo com o dele, leva uma mão até meu rosto e junta seus lábios aos meus, compartilhando comigo meu próprio gosto.
— Melhorou? — ele questiona, balanço a cabeça positivamente e sorrio. — Ótimo, agora vai tomar um banho e se arrumar, temos uma exposição a ir. O garoto me dá um selinho, se levanta e, sem dizer mais uma palavra, desaparece atrás da porta do banheiro.
●●●
Eu estava andando de um lado para o outro, frente à moldura onde minha fotografia se encontrava, esperando que o professor Alderson e seus convidados cheguem. Fazia meia hora que a galeria estava aberta e algumas pessoas já haviam passado por ali, porém nenhuma das que eu realmente queria. Assim que cheguei, Chelsea, uma das alunas que também fora convidada para participar da exposição, me informou que os tais convidados do professor na realidade eram representantes de grandes Universidades do país e estariam ali para avaliar nosso trabalho para futuras bolsas de estudos e estágios. Talvez ela tenha dito isso apenas para me amedrontar e confesso que funcionou muito bem, porque o meu pânico dobrou de tamanho.
— Fique calma, ! — exclama. — Ficar zanzando de um lado para o outro não vai melhorar nada.
— Você não sabe que pedir para uma pessoa nervosa ficar calma só deixa ela ainda mais nervosa!? — vocifero.
— Foi mal, eu só queria ajudar.
— Claramente não está funcionando, eu continuo suando igual a droga de um porco, aliás, de onde tiraram essa porra de expressão? Eu nunca vi um porco suar! — exclamo e ri. — Pare de rir, isso não é engraçado, !
— O que diabos você quer que eu faça então?
— Faça alguma coisa para me distrair, sei lá, me conte algo interessante.
— Hum, ok... — Ele parece pensar um pouco. — Ah, o treinador me convidou para ser oficialmente do time especial... — diz e encaro-o surpresa. — Mas não sei se vou aceitar, não quero ser mais um desses caras babacas e prepotente que acham que usar uma jaqueta como se fosse a única coisa que tem no armário os torna melhores do que os outros.
Caminho até o , parando a poucos centímetros do rosto dele, e seus olhos verdes me fitam em expectativa.
— Escute o que eu vou dizer porque só farei isso uma única vez! — exclamo, apontando o dedo para ele. — Você não é nada parecido com aqueles idiotas! É uma ótima oportunidade e se eu estivesse no seu lugar com certeza aceitaria, mas não faça porque eu estou te dizendo isso, faça se for o que você quer! Foda-se o que os outros vão dizer ou pensar.
O sorri abertamente e se inclina para me beijar, porém ponho uma mão sobre seu peito, afastando-o.
— Não me beije agora, vai borrar meu batom e não tenho tempo de retocar, preciso estar apresentável para quando o professor chegar.
— Uau. As aulas estão funcionando melhor do que eu imaginada. Você oficialmente se tornou uma patricinha! — zomba.
— Cala a porra da boca e cai fora daqui! Não consigo olhar pra você sem imaginar a sua cara no meio das minhas pernas, você 'tá me deixando ainda mais nervosa!
— Tudo bem, vou comprar alguma coisa pra você comer.
— Sim! — exclamo, porém no segundo seguinte um pensamento me vem a mente. — Não! Não posso ficar com bafo!
ri e balança a cabeça em reprovação.
— Você tá ficando paranoica, sabia?
— Só vai logo comprar a porra do meu Capuccino — ordeno.
Sem que eu tivesse tempo de reagir e impedi-lo, agarra em minha cintura e cola sua boca na minha. É impossível não retribuir, o finaliza o beijo com um selinho e rapidamente ele se afasta quando constata que eu estava prestes a começar a estapeá-lo. Praguejo mentalmente todos os xingamentos possíveis enquanto assisto o garoto caminhar em direção à saída.
Ouço uma gargalhada e quando me viro encontro Skye cobrindo a boca, tentando conter suas risadas.
— Você tá parecendo que acabou de sair daquele abdutor de gritos de Monstros S.A — ela comenta.
— Foi o , aquele filho da puta! Eu disse para ele não me beijar! — respondo, irritada.
— Deixa eu dar um jeito nisso.
Skye retira um pacote de lenço umedecido de sua bolsa a tira colo e começa a limpar ao redor da minha boca, em seguida ela pega um batom e aplica sobre meus lábios.
— Pronto, agora vocês podem se pegar o quanto quiserem, esse batom é de longa duração.
— Skye! — repreendo-a, exalando indignação.
— O quê? Não adianta se fazer de sonsa, , porque ambas sabemos que você não é! Vocês já conversaram sobre aquilo?
— Não... — murmuro e a garota me lança um olhar de reprovação. — Eu sei! Eu entro em pânico toda vez que penso sobre estar apaixonado por mim! Está tudo tão bem do jeito em que estamos e não quero estragar ou complicar mais as coisas. Tem acontecido tantas coisas ultimamente, minha cabeça 'tá uma bagunça, então prefiro que permaneça como está. Acha que estou sendo egoísta demais por isso?
— É claro que não, é normal ter medo e insegurança. Acho até melhor que você tenha mais tempo para pensar e digerir tudo isso, irá entender. Falando nisso, cadê ele?
— Foi comprar café pra mim... — replico. Skye sorri, balançando a cabeça.
— Esse garoto é um anjo, não sei como ele consegue!
— Eu acordei estressada e comecei a jogar um monte de coisa nele e em troca ele me deu um oral, dá pra acreditar nisso? — indago e a garota ri.
— Adoraria saber os detalhes, mas não tenho tempo. Passei só para dar um oi e te parabenizar, tenho uma entrevista de estágio em uma hora, por isso estou vestida como secretária de filme pornô. — Emito uma risada e envolto Skye em um abraço.
— Boa sorte, tenho certeza de que você vai arrasar!
A garota segura em ambos os lados do meu rosto junta sua boca à minha, dando-me um selinho.
— É assim que desejamos sorte na minha terra, se você não sair daqui com no mínimo uma proposta muito boa de trabalho, esses idiotas não merecem o seu talento. — sorrio, concordando com a cabeça. — Cara, esse batom é muito bom, foi o meu melhor investimento nos últimos dois meses e custou só dez dólares!
— Não quer testar de novo? Pode ser uma propaganda enganosa — sugiro com um sorriso arteiro e ela maneia a cabeça em repreensão.
— Jesus, , eu me achava safada, mas você consegue me superar! — Skye exclama e eu solto uma gargalhada. — Teste com o , ele vai gostar, aliás, é só falar no santo que ele aparece.
Viro-me e encontro o à alguns metros de distância de nós duas. Skye caminha até ele, abraçando-o, e o garoto tenta retribuir da maneira que pode, uma vez que tinha sacolas nas mãos.
— Ei, não sabia que você estava por aqui! — diz.
— Passei só para falar com a e já estou indo embora. Sabe como é, sou uma mulher muito atarefada.
— Só veio falar com a , é? Eu fui substituído, é isso? — ele indaga em tom de indignação.
— Ah, pelo amor de Deus, , não venha bancar o dramático. Esperava que ficássemos brigando pela sua atenção? Faça-me o favor! Agora preciso ir ou vou me atrasar. — Skye dá um beijo no e começa a andar para longe, porém se vira em seguida. — Ah, tem uma festa hoje à noite, se quiserem ir é só me avisar que eu passo o endereço e deixo os nomes de vocês na entrada.
— Com certeza estarei lá, preciso me aliviar de todo esse estresse e ainda temos aquele assunto pendente — respondo, fazendo a menina rir.
— Ei, vocês não estão mesmo pensando em me deixar de fora dessa, né? — pergunta.
— Você só vai saber se estiver lá! — a garota lança uma piscadela para o e volta a caminhar.
— Me arrependo a cada dia mais por ter apresentado você duas — o diz, emburrado. — Aqui o seu Capuccino, também comprei macarons de menta pra você não ficar com “bafo”.
— Minha gratidão é tão grande nesse momento que eu poderia te chupar aqui na frente de todo mundo! — digo um pouco mais alto que o recomendando e uma velha que andava próximo de nós me encara assustada, fazendo rir.
— Falando assim fico até tentado a aceitar...
— Meu Deus, o que eu fiz com você? Era pra você negar e dizer que é errado, como sempre faz. Estou criando um monstro!
emite uma risada e enfia um dos macarons que estava dentro da sacola de papel na boca e eu dou uma golada no meu Capuccino, também comendo um dos doces.
— É aqui que encontro a melhor fotógrafa da Flórida?
De repente uma corrente elétrica parece passar pelo meu corpo, deixando-me completamente estática. Eu conhecia bem aquela voz, era a voz que me impediu diversas vezes de fazer merda e me aconselhou a não sair com caras babacas, a voz que cantou Wannabe comigo quando eu estava tão bêbada que nem ao menos conseguia me manter em pé, era a voz da minha melhor amiga.
Giro meu corpo e avisto a garota negra parada à alguns metros de mim, parecendo sorrir sem jeito.
— Sum!?
— Oi, . — Summer caminha até mim e me abraça. — Me desculpa por todas aquelas coisas que eu disse, fui uma idiota e descontei coisas que não devia em você.
— Não vou mentir, fiquei um pouco magoada com o que você disse. Esse momento é importante para mim e eu queria que minha melhor amiga estivesse aqui comigo, mas você não estava totalmente errada — confesso.
— Eu me senti horrível depois que disse tudo aquilo, me ligou dizendo que você estava super nervosa e iria precisar de mim e Jake logo se prontificou a me trazer de volta, mas tô vendo que o já fez um ótimo por aqui, hum?
— Ah, sim, ele sabe trabalhar a língua muito bem... — mordo o lábio inferior, olhando para o , que conversava com Jake, e minha melhor amiga faz expressão de nojo.
— Poupe-me dos detalhes sórdidos, por favor, não quero ter pesadelos durante à noite! — Summer diz, horrorizada, fazendo-me rir. Ela sorri e me abraça novamente. — Ai, , estou tão orgulhosa de você! Olha só para essa foto, se me dissessem que foi tirada por Annie Leibovitz, eu acreditaria!
— Não exagera, Summer, pelo amor de Deus. Annie Leibovitz fotografa gente famosa e bonita e não um Campus velho de Universidade.
— Mas tem gente bonita, olha, aquele ali não é o ? Ei, , não é você aqui na foto?
Ao ouvir ser chamado pela minha melhor amiga, o se aproxima e fita com olhos semicerrados a fotografia, em seguida abre um largo sorriso.
— Ei, sou eu mesmo! tirou uma foto minha!
— Não é sua, idiota, é do Campus. Você é só um elemento bem pequeno e insignificante nela!
— Tenho certeza de que ela não teria sido escolhida se não tivesse algo muito bonito nela, o que com certeza sou eu — anuncia, pomposo.
— Ah, vai se f...
Antes que eu pudesse completar a frase, ouço um pigarro atrás e automaticamente giro o corpo na direção do som, encontrando o professor e mais quatro pessoas — três homens e uma mulher — parados a minha frente.
— Bom dia, senhorita Fletcher.
— B-bom dia, professor Alderson.
— Quero lhe apresentar professor Benjamin Stowell da UFL, professor Nicholas Walsworth da UCLA, professor Charles Wilburn da NYU e Marian Weiner, diretora da Escola de Artes de Yale. Professores, esta é Fletcher, nossa aluna do curso de Fotografia.
— Prazer em conhecê-los! — sorrio e estendo a mão, apertando a de cada um.
— Fletcher? Como Eleanor Fletcher? — a mulher questiona.
Meu sorriso automaticamente se desfaz. Sabia que estava tudo bom demais pra ser verdade.
— Sim, ela é minha mãe — respondo.
— Que coincidência, nós estudamos juntas no colegial! Como ela está?
— Bem, eu acho. Provavelmente em alguma loja de grife, comprando uma bolsa cara demais do qual ela não precisa — rebato.
Os professores dão risadas, o que deixa o momento um pouco menos constrangedor, porém a mulher me fita como expressão de descontentamento.
— Senhorita Fletcher, conte-nos um pouco sobre esta fotografia, por que a escolha deste edifício em particular? — Professor Stowell pede.
Respiro fundo, tentando me lembrar de todas as palavras que venho ensaiando desde o dia anterior.
— Bem, é um prédio chamativo e se localiza no centro do Campus, então é considerado o coração da Universidade. É onde os estudantes gastam a maior parte de seu tempo, além das salas de aula, nele podemos estudar, socializar, nos alimentar e promover eventos, então acredito que seja algo muito importante para a comunidade estudantil como um todo.
O homem balança a cabeça e sorri, como se estivesse gostado da minha resposta.
— E a iluminação? — Professor Wilburn indaga. — Utilizou algum efeito específico?
— Apenas ajustei a sensibilidade ISO e aproveitei a luz natural — respondo.
— Muito bem, é uma bela imagem, senhorita Fletcher. Parabéns!
— Muito obrigada, Professor Wilburn, sinto-me lisonjeada!
— Bem, precisamos continuar observando as outras fotografias, os senhores podem seguir em frente, preciso conversar com nossa aluna — Professor Alderson diz e os professores concordam, despedindo-se.
O homem se vira para mim e sinto todo o meu corpo congelar. Merda.
— Eu falei besteira, não foi? — pergunto, apreensiva.
— Não, de maneira alguma! Você soube responder muito e tem talento, acho que eles gostaram de você.
— Puta m... — cubro a boca antes de ter tempo de terminar a frase, arregalando os olhos. — Desculpe, força do hábito!
O professor ri do meu desespero e maneia a cabeça.
— Haverá um jantar de comemoração para alunos e professores em minha casa hoje à noite, então gostaria de convidá-la. — ele anuncia e encaro-o boquiaberta por alguns instantes.
Direciono meu olhar rapidamente até o canto onde se encontrava , Summer e Jake conversando entre si e em seguida volto minha atenção ao homem.
— Eu posso...
— Levar seu namorado? É claro! Será às nove horas, enviarei o endereço por e-mail. Espero vê-la por lá.
Balanço a cabeça em concordância e o professor se afasta. Caminho até onde meu amigos estavam.
— O que aconteceu? Foi muito ruim? — Summer pergunta.
— Não, na verdade ele estava me convidando para um jantar entre alunos e professores hoje à noite. Quer ir comigo, ?
O me fitou com expressão surpresa, erguendo uma das sobrancelhas.
— Você tá me convidando para um encontro? — ele indaga e reviro os olhos. — Não, idiota, estou te convidando para me ajudar a me comportar a mesa, você é o único aqui que sabe etiqueta!
— Ok, já que você claramente não precisa mais de mim porque tem o seu amigo colorido e professor de etiqueta, estou indo embora. Preciso pegar o avião para São Francisco em menos de uma hora, vou passar o Dia de Ação de Graças na casa dos avós de Jake. — minha melhor amiga anuncia e se vira para . — Você é a pessoa mais equilibrada que eu conheço, por favor, não deixe ela fazer nenhuma loucura!
O ri e concorda e garota me abraça apertadamente, dando-me um beijo no rosto, se despedindo e caminhando para longe, sem que eu tivesse tempo de dizer alguma coisa.
se aproxima de mim, envolvendo meus ombros com um braço e me puxando-me para perto.
— Nós vamos ter muito trabalho hoje repassando todas as regras — ele anuncia e um pensamento me vem a mente, fazendo-me bater a mão sobre a testa.
— Puta que pariu, a festa! Não acredito que vou ter que cancelar com a Skye para ir a um jantar sem graça cheio de gente velha! — resmungo.
O ri, trás traz rosto para perto do seu, dando-me um selinho, e diz:
— Bem-vinda à vida adulta!
●●●
Faltando pouco mais de dez minutos pra completar nove horas, chegamos à casa do professor Alderson. Como eu já previa, precisei tirar um vestido preto de magas longa nunca usado de dentro do armário e com a maquiagem acabei levando mais tempo do que gostaria, mas felizmente tive o batom da Skye para me ajudar.
Aparentemente todos já se encontravam reunidos na sala, comendo aperitivos e bebendo vinho enquanto esperavam o jantar. Cumprimentei a todos educadamente e me obriguei a me sentar com as pernas cruzadas — mesmo que eu estivesse ficando irritada com o fato de elas estarem ficando suadas e pegajosas. Felizmente não demorou muito para o jantar ser servido, começando por uma salada de camarão.
Certifico-me em por o guardanapo sobre o colo e evitar por os cotovelos sobre a mesa, como havia treinado mais cedo com .
— Então, , posso te chamar assim, não é? — Marian questiona e maneio a cabeça positivamente. — Fiquei muito impressionada em saber que é filha de Eleanor, você não se parece em nada com ela.
— Bem, nem todos os filhos são como seus pais — replico.
— Eu sei, porém imaginei que uma Fletcher seria estudante de Moda ou Arquitetura como o seu pai, aliás, como está Robert?
Largo os talheres sobre a mesa e respiro profundamente, tentando pensar em palavras educadas para responder.
— Desculpe-me, senhora Weiner, eu não quero ser rude, mas não gosto muito de falar sobre minha família, então agradeceria muito caso não pergunte sobre. Se quiser conversar com minha mãe, ela fará uma festa beneficente na quinta-feira e tenho certeza de que ela adoraria vê-la e será muito bem recebida, mas, nesse momento, eu só quero falar sobre meu curso ou minhas habilidades como fotógrafa.
Subitamente um silêncio extremamente constrangedor se instala e todos param de comer para me fitar boquiabertos. Merda, às vezes eu odeio ser impulsiva demais.
— Então... Senhorita Fletcher, quando descobriu seu interesse pela fotografia? — Professor Walsworth pergunta.
Suspiro em alívio, agradecendo-o mentalmente.
— Bem, é uma história engraçada, quando eu tinha oito anos e estava procurando coisas para brincar no sótão, encontrei uma câmera Polaroid por acaso, sempre fui muito esperta, então logo descobri como funcionava. A casa onde fui criada em Miami é perto de um lago e eu adorava ir lá para ver os patos, comecei a fotografar eles e gostei tanto que passei a tirar fotos de tudo que via pela frente, inclusive, uma vez foi atacado por abelhas e o rosto dele ficou tão inchado que parecia uma abóbora, eu obviamente eternizei esse momento e o infernizei por meses! — respondo e solto uma risada. — Acho que desde então me dei conta de que era o que eu queria fazer por toda a minha vida.
Algumas pessoas à mesa riram e eu observo o com canto de olhos, seu rosto estava ruborizado, porém ele também ria.
O prato principal — que consistia em um mísero medalhão de filé mignon ao molho mostarda que mal cobria o centro do prato — é servido. Sinto minha boca arder assim que ponho um pedaço de carne dentro dela e resolvo tomar um pouco de vinho para suavizar, no entanto, o inesperado acontece e sem que eu pudesse me impedir, um arroto escapa pela minha garganta. Puta que pariu!
Toda a atenção se volta para mim mais uma vez, todos os rostos horrorizados, automaticamente levo as mãos até a boca, sentindo meu rosto esquentar. — Ai, meu Deus, me perdoem! Eu não sei o que dizer, vou ao toalete, me desculpem mesmo.
— Está tudo bem, , isso pode acontecer com qualquer pessoa. — professor Alderson me impede de levantar. — Termine o seu jantar.
Maneio a cabeça positivamente e agradeço-o com o olhar, voltando a comer em silêncio. Até, é claro, aquela mulher inconveniente abrir a boca novamente:
— Conversei com seu professor, , e apesar do seu comportamento inadequado, você tem uma ótima recomendação e seu histórico familiar deve ser considerado, então concordamos em lhe dar uma bolsa em nossa Universidade — Marian diz.
Fico estática por alguns tentando digerir o que a mulher havia dito, porém não demorou muito até meu cérebro voltar a funcionar e a irritação tomar conta do meu corpo.
— Você está dizendo que eu só ganhei essa bolsa por causa do minha família? — questiono em uma mistura de descrença e raiva. — Desculpe-me, mas eu não quero.
A loira me fita com a boca aberta em surpresa e os olhos arregalados como se eu tivesse tido a coisa mais absurda do mundo.
— , é uma grande oportunidade, acho que você deveria pensar melhor antes de recusar — professor Alderson pronúncia.
— Eu sei disso e agradeço, porém não quero algo que venha dos privilégios que meu sobrenome carrega — rebato e dou de ombros. — Eu nunca sonhei em ir para Yale, Harvard, Princeton, ou qualquer uma das Universidades mais prestigiadas do país. Eu escolhi a UCF porque tem muito mais a ver comigo, não é tão conhecida como as grandes Universidades, mas tem o ensino tão bom quanto, é próxima de onde nasci e fui criada e das pessoas que amo, além de eu poder ir à Disney toda semana! — rio irônica. — Eu adorei fazer parte do seu projeto hoje, professor, palavras não podem descrever o tamanho da minha gratidão por ter vivenciado essa experiência. Você é um dos meus professores preferidos, eu admiro muito o seu trabalho e ficaria muito feliz em trabalhar com você, na verdade vim aqui com a esperança de um estágio e não uma bolsa em outro Estado. — viro-me para Marian, que agora parecia recuperada do choque. — Se você quer mesmo ter uma estudante que mereça estar na sua Universidade, dê essa bolsa à Chelsea, ela é uma excelente aluna, tem ótimas notas, trabalha duro para ter o que tem e provavelmente quer muito isso.
Levanto-me da mesa, com todos os olhares sobre mim, e antes de deixar a sala digo:
— Vocês podem pensar que estou sendo apenas mais uma garota mimada, birrenta e rebelde sem causa, e talvez eu realmente seja, porém prefiro descobrir isso sozinha. Quero conquistar coisas por meu próprio mérito e não tirando o lugar de alguém que trabalhou por isso. Sei que posso estar parecendo uma louca por ser contra um sistema que me beneficia, no entanto, tenho a esperança de que no futuro isso aqui — aponto para mim e depois para mesa. — Não seja mais necessário. Agradeço mais uma vez e peço para que me deem licença para me retirar, não estou me sentido muito bem. Boa noite a todos.
Viro-me e tento andar o mais rápido que consigo com aqueles malditos saltos, procurando pela porta de saído daquela casa imensa. Ao chegar ao lado de fora, sinto a brisa fresca em meu rosto e então percebo que lágrimas escorriam por minha bochecha, eu não conseguia distinguir muito bem o porquê delas, mas sentia um alívio enorme em meu peito, como se eu estivesse me libertado de alguma corrente.
— ... — a voz de vem da porta.
— Por favor, não me dê sermões agora, eu sei que fiz merda, mas não quero ouvir nada agora.
— Eu não ia te dar sermão. — ele segura minha mão, me vira para si e sorri. — Na verdade, queria dizer que você foi incrível, deveria ter visto as caras deles depois que você saiu.
Sorrio e envolvo-o apertadamente em um abraço, recostando a cabeça no ombro dele. Ficamos assim por alguns segundo, apenas aproveitando o silêncio e o calor do corpo um do outro.
— Professor Alderson nunca mais vai olhar na minha cara — exprimo.
— Eu não teria tanta certeza, ele estava sorrindo quando saí de lá, acho que gostou ainda mais de você — responde e eu suspiro.
— Eu só quero ir para casa e dormir por um dia inteiro, eu tô tão cansada que provavelmente só vou conseguir digerir tudo isso amanhã.
— Realmente era uma ótima oportunidade... — o enuncia, lanço-lhe um olhar feio e começo a me afastar dele. — Porém não tinha nada a ver com você, foi certo o que fez, eles vão dar a bolsa à Chelsea.
— Pelo menos aquela mulher vai fazer algo bom, ela provavelmente é uma das pessoas estúpidas que elegeram aquele lixo fascista do Trump como presidente!
— Do jeito que ela te olhava parecia estar prestes a construir um muro no meio mesa e depois derrubá-lo em cima de você — zomba, fazendo-me rir. — Vamos embora, faltam apenas dois dias para o grande dia, você precisa descansar.
— Sério? Você tinha que me lembrar disso agora? — resmungo.
— Bem, não tem como fugir. — Ele dá de ombros. — Você foi excepcional hoje, até cogitei que tivesse sido substituída por outra pessoa.
Reviro os olhos, empurrando-o pelo ombro.
— Para não perder o costume e provar que sou eu mesma: Vai se foder, !
O emite uma risada e se reaproxima de mim, segurando em meu queixo e colando seus lábios aos meus. Em seguida circula meu pescoço com o braço e me conduz até o carro.
Chapter X — Wednesday
Como eu havia previsto, dormi por quase metade do dia, e só acordei realmente devido ao despertador. Eu me sentia um tanto animada essa manhã, então não foi tão difícil me levantar da cama; tomei banho enquanto cantarolava Habits a todos pulmões, pus uma roupa casual e fui até a cozinha em busca de algo para comer, encontrando o último Hot Pockets na geladeira.
Após saciar minha fome, caminho de volta ao meu quarto e quando passo frente à porta do quarto de , avisto-o em sua cama com um violão nas mãos. Paro e observo-o dedilhar o instrumento e rabiscar alguma coisa em um caderno.
— Decidiu tentar a carreira de músico agora? — ironizo e o me encara surpreso.
— Ah... Não, eu só estou ajudando o Jake em uma nova composição. — ele dá de ombros. — Não sou um bom cantor.
Emito uma risada e adentro o quarto, caminhando até o . Sento-me ao seu lado e retiro o caderno de seu colo, ele tenta pegá-lo de minhas mãos, porém sou mais rápida e me afasto o suficiente para que ele não consiga alcançar. Percorro os olhos sobre a página, sentindo um arrepio atravessar meu corpo ao ler seu conteúdo.
"Os lábios dela e o mau comportamento..."
— Bad Behavior?! — praticamente grito e em seguida pigarro. — Gostei, é inspirada em alguém em especial?
Fito o rosto de em expectativa, no entanto, ele continua brincando com as cordas do violão, ignorando a minha presença. Nem olhar para mim ele consegue.
— Não, foi só algo que... Surgiu na minha cabeça de repente.
Respiro fundo, contendo-me para não dizer algo mal-educado. Se ele não quer me contar a verdade, foda-se, eu é que não vou ficar insistindo.
— Tanto faz, na verdade vim aqui te chamar para ir ao orfanato comigo, já que normalmente vou com Summer e ela não está aqui e vocês são os únicos que tem carro...
— Você pode pegar o carro emprestado se quiser. — ele ergue os ombros. — As chaves estão na cozinha.
— Eu sei, mas se eu estou convidando você é porque quero que vá comigo — respondo, irritada.
O garoto suspira, retira o instrumento do colo, depositando-o ao seu lado na cama, e finalmente olha para mim.
— Tudo bem, eu vou, só me dá meia hora para tomar banho e me arrumar.
Concordo com a cabeça e me levanto, caminhando sentido à saída do quarto. — Cuzão — murmuro antes de atravessar a porta.
— Disse alguma coisa? — questiona, fazendo-me girar o corpo em sua direção.
— Disse que seu travesseiro tá no chão. Vou te esperar lá na sala.
O garoto balança a cabeça e volta a atenção para o que fazia antes. Finalmente deixo o cômodo, sentindo tamanha irritação que a primeira coisa que fiz ao chegar à sala foi me enfiar entre as almofadas e gritar contra elas.
●●●
No caminho para o orfanato, pedi para que parasse em uma loja de brinquedos e gastamos nela boa parte de nossas mesadas — precisava aproveitar meu muito provável último dia como uma garota rica e privilegiada com um cartão platinum de cinco mil dólares.
Chegamos ao Lar Sunshine por volta das duas da tarde, assim que saio do veículo, percebo um pequeno pingo de gente correndo em minha direção com os braços abertos, um largo sorriso se forma em meu rosto e me agacho para recebê-la.
— Tia ! — a garotinha grita enquanto se joga entre os meus braços e rodeia meu pescoço em um abraço apertado.
— Oi, Iza! — respondo, retribuindo o carinho com mesma intensidade. — Ai, que abraço gostoso!
— Saudade!
— Eu também tava com saudade. — Deposito um beijo na bochecha da menina e ela sorri. — Trouxe um montão de brinquedos pra vocês brincarem, quer ver?
— Eba! — Iza exclama, jogando os bracinhos para cima em comemoração e me fazendo rir.
Ponho a menina de volta ao chão e abro a porta do veículo, ajudando-a a subir. Sento-me ao seu lado e apanho a caixa embrulhada que eu havia guardado ali, depositando-a em seu colo.
— Esse é um presente especial que eu comprei só pra você, mas, shh, não conte pra ninguém, ok? — digo, levando o dedo indicador em riste até os lábios, em sinal de silêncio, e ela faz o mesmo, gargalhando em seguida.
Faizah começa a rasgar o embrulho da caixa apressadamente, os olhos brilhando em expectativa e a feição carregada em felicidade, no entanto, quando ela avista o conteúdo da caixa, seu sorriso se desfaz e o rosto adquire uma expressão tristonha. Meu corpo automaticamente se enche de desespero
— O que foi? Você não gostou? Pensei que gostasse de carrinhos, você me disse que gosta!
— Eu gosto, mas a Kate disse que é coisa de menino e eu não posso bincar com brinquedo de menino!
Suspiro, tentando encontrar em minha mente as palavras apropriadas para respondê-la.
— Iza, não existe isso de coisa e menina e de menino, você pode gostar do que quiser — respondo e ela sorri.
— Vedade? — a menina pergunta com animação e eu afirmo com a cabeça.
— Quando eu era da sua idade, eu também adorava carrinhos e nunca tive um, mas você tem um, isso não é demais?
Iza solta um grito de animação e concorda com a cabeça, saímos do carro, com ela carregando seu presente, e me viro para , que havia acabado de retirar as sacolas com os outros presentes da mala.
— Você pode levar isso lá para dentro, por favor? Preciso conversar com as crianças. O assente, tranca o carro e aciona o alarme, agarrando as sacolas no chão em seguida.
— Quem é ele? É seu namolado? — a menina questiona.
— Ele é o e não é meu namorado, é meu amigo — aponto.
— Ele é bonito — ela sussurra e eu emito uma risada.
— É, mas não diga isso em voz alta, ele é facilmente convencido.
Começamos a caminhar em direção ao casarão. Apesar de ser uma construção bem antiga, sua estrutura está sempre intacta, a manutenção é feita anualmente e todos os apoiadores do projeto tentam ajudar ao máximo, pois queremos preservar a imagem de um lugar seguro e de confiança para as crianças. No ano passado, quando inventei de ajudar a pintar os quartos, acabei com tinta azul por todo o rosto e cabelo.
Eu sempre me dei bem com crianças — talvez pelo fato de ser eternamente uma —, porém a conexão que tive com Iza, desde o dia em que a vi pela primeira vez, foi algo único. Faizah foi deixada no abrigo quando ainda estava para completar dois anos, junto com sua irmã Falala, que tinha apenas alguns dias. A mãe delas era uma moradora de rua que fugiu de casa por ser abusada do padrasto — o que provavelmente fez Faizah ser fruto de estupro — e acabou se afundando nas drogas, ela foi encontrada em trabalho de parto nos fundos de um beco sujo e conseguiram levá-la a tempo para o hospital e salvar o bebê, no entanto, a mãe não conseguiu sobreviver, devido às condições de sua saúde e a perda de sangue. Quando tudo aconteceu, ela tinha apenas dezoito anos, às vezes me pego pensando nas inúmeras oportunidades que ela teria tido se não o machismo, as famílias abusivas e a desigualdade social não existissem, prometi a mim mesma que faria tudo o que estivesse ao meu alcance para que essas meninas tenham um futuro melhor.
Era difícil conseguir alguém que quisesse adotá-las, primeiro pelo fato de serem negras, infelizmente o padrão procurado pela maioria dos casais ainda era pele e olhos claros e cabelo liso. Segundo por elas serem inseparáveis, quando tentaram adotar Falala enquanto ela ainda era um bebê, Faizah chorou durante dias e até chegou a adoecer, a psicóloga recomendou que elas não fossem separadas devido aos traumas que a mais velha havia passado, então ficou determinado que elas só seriam adotadas se fossem juntas. Com o passar do tempo surgiu o terceiro motivo: a idade. Casais que pretendem adotar uma criança geralmente preferem as mais novas, até no máximo dois anos, para poderem criá-las da forma que quiserem, desconsiderando completamente o passado e histórico familiar delas.
Tentei convencer meus pais a adotá-las, porém minha mãe alegou que não tinha mais idade nem energia para criar mais duas crianças. Como se ela tivesse participado efetivamente da minha educação de alguma maneira além de mandar empregados cuidarem de mim e me ensinarem alguma coisa.
Adentramos a casa e não demorou muito para uma multidão de crianças correndo entrar em meu campo de visão, coloco Iza de volta ao chão e faço gestos para que eles parassem.
— Esperem, esperem! Antes dos presentes, a tia quer conversar com vocês — anuncio e recebo um coro de reclamação.
— Crianças, obedeçam a ! — Karen, uma das responsáveis por cuidar das crianças, os adverte e aponta para a sala de recreação, onde todos se dirigem em silêncio.
Eles se sentam nos tapetes de borracha coloridos no chão e eu os acompanho. Suspiro.
— Quando eu era da idade da maioria de vocês, eu detestava brincar de boneca porque achava muito chato. Quer dizer, qual é a graça em dar banho, trocar a roupa e pentear os cabelos de um brinquedo? Eu faço isso comigo mesma todos os dias e não acho divertido — digo, arrancando risadas das crianças. — Eu queria os brinquedos legais que meus primos tinham, eles podiam brincar com carrinhos, helicópteros, jogar futebol, soltar pipa, andar de skate, e por que eu também não podia? Por que só eles podiam se divertir? Então eu comecei a tentar me enturmar no meio deles e eles me odiaram porque não queria uma garota brincando com eles, porém isso nunca me fez desistir. Por um tempo eu achei que tivesse algo errado comigo, eu não gostava de nada que era considerado “coisa de menina”, mas então eu fui crescendo e me dei conta de que não existe “coisa de menina” e “coisa de menino”, são apenas brinquedos, eles não têm gênero, foram feitos pra brincar! Esses brinquedos que eu trouxe são para todos vocês brincarem, ok? Sendo menina ou menino. Se você é menina e gosta de carrinhos, futebol, ou qualquer outro esporte, não tem problema, pode brincar do mesmo jeito. Existem várias mulheres que praticam esportes e são muito boas no que fazem.
— Como a Serena! — Megan grita.
— Sim, exatamente como a Serena! Ela é maravilhosa, não é? — A garota concorda com a cabeça. — Você pode ser como ela se quiser, mas para isso terá de esquecer o que dizem sobre esporte ser coisa de menino e praticar muito.
A menina sorri e balança cabeça animadamente.
— E meninos também brincar com boneca ou de casinha. Você gosta de cozinhar, não é, Ben?
— Gosto, mas meus amigos sempre me zoam por ser coisa de menina — o garoto responde, tristonho.
— Quando era da sua idade, eu adorava ajudar minha mãe na cozinha. — ouço a voz de ao meu lado. — Eu aprendi tudo e hoje sei como preparar minha própria comida.
— É verdade, ele cozinha bem pra car... amba — repreendo-me antes de dizer algo que não deveria e o ri, balançando a cabeça em desaprovação. — Enfim, o que eu queria dizer é: Não deixem ninguém tentar impedir vocês de serem como são ou fazerem o que gostam, ok? A não ser que seja contra a lei, aí não façam mesmo! — brinco e as crianças riem. — Agora que tal um abraço coletivo na tia ?
Sorrio e estico os braços como um convite. A primeira a se jogar neles mais uma vez é Faizah, seguida de sua irmã e Ben, e quando menos espero, estou jogada no chão com dezenas de crianças em cima de mim enquanto dou gargalhadas.
— Preciso respirar! — grito e as crianças se afastar. — Vamos fazer uma coisa diferente hoje: Vocês vão pegar os brinquedos que eu trouxe e vamos todos lá para fora brincarmos juntos, nada de separar menino e menina, ok?
Elas balançam a cabeça e vão até às sacolas que estão aos pés de . Ben emite um grito de felicidade ao ver uma máquina de fazer sorvete, fazendo-me rir. Quando vejo que todas as crianças já estavam com seus brinquedos, digo:
— Estão todos prontos? — pergunto e as eles assentem. — Então vamos lá pra fora! Quem chegar por último é um ovo podre! — anuncio e começo a correr em direção à saída para o quintal.
Ouço gritos e barulhos de passos sendo firmemente pisados no chão atrás de mim e alguns garotos até conseguem me passar. Finalmente atinjo a área externa da casa e paro de correr, apoio as mãos sobre os joelhos e tento controlar a respiração. Eu mal corri três metros e já estou me sentindo acabada, sempre soube que sou sedentária demais para ser uma boa maratonista.
O restando das crianças passam correndo por mim, gritando, e se espalham pelos cantos do jardim, por último aparece , andando normalmente e com uma expressão de divertimento com o meu estado caótico estampada em seu rosto.
— Parece que temos um ovo podre aqui. — provoco.
— Pelo menos eu sou um ovo podre que ainda está em forma. — Ele dá de ombros e lanço-lhe um olhar fulminante.
Vejo alguns meninos brincando com uma bola de futebol ao nosso lado e sorrio travessa com a ideia que me vem à mente.
— Que tal um bom e velho jogo de futebol? Será que eu ainda sou melhor do que você? — sugiro e o ri.
— Você nunca foi melhor do que eu, , só sabia trapacear muito bem, vivia chutando minha canela e me dando carrinho, ainda bem que naquela época você ainda não conhecia os efeitos que pode ter um chute no meio das pernas! — exclama e eu emito uma gargalhada, sabendo que ele está falando a mais pura verdade.
— Algo me diz que você só está com medo de perder... — desafio, sorrindo marota. se vira para os meninos e faz gesto para que se aproximem, eles obedecem e o pega a bola, passando-a de uma mão para a outra.
— Você sabe que nunca recuso um desafio — ele responde, sorrindo em provocação. Sorrio confiante e me aproximo dele, tirando a bola de suas mãos.
— Quem quer jogar futebol? — pergunto para o resto das crianças e ouço diversos “eu”.
Fico feliz e surpresa por quase metade dos interessados serem meninas, o que me fez imaginar há quanto tempo elas queriam participar, porém tinham medo de tentar por ser algo considerado masculino. Sorrio mais uma vez, satisfeita por ter dado a elas a chance de saírem de suas bolhas e tentarem algo diferente do padrão que lhes é imposto desde que nasceram.
Dividimos os times, distribuindo bem meninos e meninas para os dois lados e fazer algo justo. Colocamos Karen para ser a juíza do jogo, mesmo com ela dizendo que não entendia muito das regras. Eu e tiramos no cara e coroa o time que ficaria com a bola e obviamente eu ganho e solto um grito de felicidade.
Começamos bem, logo de início, Lauren, uma das meninas do meu time, faz um gol e comemoramos juntas batendo um high-five. Poucos minutos depois, um garoto do time de também consegue marcar um gol, porém Lauren não nos deixa na desvantagem, fazendo um gol de cabeça. Essa menina é realmente muito boa, consegue fazer diversos lances como nunca vi uma criança de dez anos fazer, preciso conversar com ela sobre uma possível carreira profissional depois.
Seguimos o jogo e consegue empatar o placar, lançando-me um olhar provocativo e um sorriso pomposo. Furiosa, avanço em sua direção, decidida a literalmente derrubá-lo de seu pedestal. Quando ele está prestes a marcar mais um gol, jogo meu corpo no chão e as pernas por trás das dele, derrubando ambos no chão. Sorrio satisfeita ao ver a expressão indignada estampada no rosto do .
— Sua trapaceira, isso foi falta! — ele protesta.
— Falta é o car...
Antes que eu pudesse terminar a frase, o rola o corpo para cima do meu e tampa minha boca com a mão. Arregalo os olhos ao constatar o que eu quase fiz, no entanto, a raiva logo se faz presente novamente e espalmo as mãos sobre seu peito, empurrando-o para longe.
— Sai de cima de mim!
se levanta e em seguida oferece a mão para me ajudar a levantar. Lanço-lhe um olhar de desconfiança, contudo, agarro sua mão e aceito a sua ajuda. Com uma única puxada, o ergue meu corpo do chão e, devido à velocidade, acabo batendo de encontro ao peito dele. Um de seus braços rodeia minha cintura e ele usa a mão livre para afastar o cabelo do meu rosto, agravando ainda mais a nossa proximidade. Puta que pariu!
— , as crianças... — aviso e o garoto sorri, roçando os lábios nos meus. — É sério!
Empurro-o para longe e ele solta uma risada, pegando a bola do chão para cobrar o Tiro Livre, todavia, ao passar ao meu lado, ele se vira e diz bem perto do meu ouvido:
— Não pense que está livre de mim só porque a impedir de dizer um palavrão, eu ouvi o que disse antes de sair do meu quarto.
Tento conter a expressão de surpresa, porém provavelmente não deu muito certo, pois ele sorri e me lança uma piscadela, voltando a se juntar ao seu time.
●●●
Após o jogo de futebol, o qual houve um empate e tivemos que resolver nos pênaltis até o meu time finalmente vencer por 4x3, nos separamos para brincar de coisas diferentes. As meninas, encantadas pelo , convidam-no para participar do "Salão de Beleza" delas, que ele aceita de prontidão. Assisto divertidamente elas encherem os cabelos rubros dele de pregadeirinhas e maquiar o rosto de uma maneira muito melhor do que eu conseguia.
Qual é, meninas de oito anos saberem fazer um delineador gatinho melhor do que uma de vinte é uma bela humilhação!
Solto um pouco de pipa com os meninos e depois vou ajudar Ben a preparar sorvetes para as crianças na máquina de brinquedo. Ele realmente estava feliz com aquilo e me explicou o passo-a-passo de como a máquina funciona de forma tão empolgada que também me deixou contente.
Decidimos ir embora um pouco antes do anoitecer porque precisamos nos preparar para o dia seguinte, as crianças não ficaram muito felizes com isso, contudo, garantimos que nos veríamos novamente no dia seguinte, no jantar de Ação de Graças. me deixou dirigir no caminho de volta, disse que estava cansado demais devido às brincadeiras, mas eu sabia que havia feito isso só para me agradar. Assim que nos despedimos e entramos no carro, o vira meu rosto para si e gruda seus lábios as meus, eu não tive outra reação senão embrenhar os dedos em seus cabelos e retribuir.
— Esperei o dia inteiro para fazer isso — ele confessa, provocando a minha risada e um balançar de cabeça.
— Tem uma coisa no seu cabelo — notifico e retiro a pequena pregadeira de suas madeixas, depositando-a em sua mão.
O garoto ri e bagunça os fios com as mãos para se certificar de que não havia mais nada. Finalmente dou partida no carro e pegamos a estrada de volta para casa.
— Agora eu entendo — diz depois de alguns minutos e encaro-o confusa. — Agora eu entendo o porquê de você problematizar tanto. O que fez por aquelas crianças hoje foi incrível, vê-las brincando e se divertindo livremente, juntas e sem se preocuparem com gênero, foi demais. Eu até me sinto culpado por sempre ter tentado afastar você das nossas brincadeiras, se eu soubesse o quanto essa interação é importante, talvez muitas coisas teriam sido diferentes. Eu nunca parei para analisar realmente como a nossa sociedade funciona e agora não consigo parar de pensar em quão frustrante deve ser para uma garota querer um brinquedo legal para se divertir e só achar utensílios relacionados a trabalho doméstico. Quer dizer, são só crianças, não deveriam se preocupar em aprender como preparar comida ou cuidar de um bebê, deveriam estar correndo na rua, pulando, jogando bola, ralando o joelho ou, sei lá, sendo criança!
Eu não sei por quanto tempo fiquei olhando para ele boquiaberta, só lembro que acordei do transe quando ouvi uma alta buzina atrás de mim, porque eu estava tão estática que tinha parado o carro no meio da pista sem perceber.
Eu sempre ouvi falar sobre a lenda do "Homem Que Reconhece Seus Privilégios", porém nunca realmente cheguei a conhecer um. Todos os poucos caras com quem já discuti questões de gênero olharam para mim como se eu fosse uma completa lunática e tentaram deturpar o que eu disse para se defenderem e se beneficiarem.
Mas não fez isso, ele não distorceu uma palavra do que eu disse e não invalidou o meu discurso, ele simplesmente reconheceu que estava errado.
Eu estar tão chocada quanto estou agora não deveria ser algo normal, essa vontade descomunal que estou agora de pular no colo dele e beijá-lo até morrer sem ar, por simplesmente ter aceitado o meu ponto de vista, não deveria ser algo normal, o que acabou de fazer deveria ser uma regra e não uma exceção. Infelizmente essa não é a realidade, mas estou feliz por saber que pelo menos posso contar com ele para discutir assuntos sério sem me sentir falando com uma porta.
Fecho os olhos e respiro fundo, aproveitando a energia boa que se apossou do meu corpo.
— ? Você tá bem? Quer trocar de lugar? — o questiona com preocupação e eu nego com a cabeça.
— Eu acabei de ter um eargasm — anuncio e o levanta uma sobrancelha. — É quando você ouve algo tão bom que sente um imenso prazer, é até capaz de gozar. Deveria ouvir The Neighbourhood, você vai entender do que estou falando.
O garoto emite uma risada e balança a cabeça, reprovando minha fala. Apanho meu celular e conecto ao aparelho de som do carro via bluetooth, abro o Spotify, seleciono minha playlist e do play. Poucos segundos depois Alleyways se inicia, começo a cantar junto com Jesse e vejo sorrir ladino — provavelmente porque estava entendendo a letra — e sacodir a cabeça ao ritmo da música. Por fim, dou partida no carro de novo e seguimos o caminho de volta para casa.
●●●
Não consigo dormir, então decido ligar a televisão. Começo a procurar no meio das categorias da Netflix algo que me agrade e, por algum motivo ainda desconheço, acabo parando em terror e selecionando Invocação do Mal. Só vou assistir realmente por curiosidade, ouço falarem muito sobre e quero saber se é tão bom quanto dizem — além de exaltar a sempre tão impecável atuação de Vera Farmiga —, porque na realidade eu detesto filme de terror, todo esse suspense para no final a família inteira morrer e o espírito ir assombra outra família e começar um círculo vicioso sem fim, gerando vários filmes com a mesma história repetitiva, não é algo que me chama atenção, no entanto, já que estou sem sono e preciso me distrair, por que não dar uma chance?
Está tudo correndo bem, eu até estou gostando do filme, preciso admitir que a fotografia e o cenário dos anos setenta estão muito bons. Subitamente uma das filhas da família decide checar algum barulho dentro do guarda-roupa.
— Não abre isso aí, sua burra, você vai morrer! — digo, mesmo sabendo que ela não pode me ouvir. — Por que pessoas em filmes de terror são tão estúpidas? É óbvio que se você ouve um barulho estranho, o certo é correr pra longe!
E falar sozinha enquanto grita com a televisão também é bastante normal, né, ?
A menina abre o guarda-roupas, não encontrando nada, porém, antes que ela pudesse se afastar, um espírito, ou sei lá que porra é aquela, surge do além e pula em cima dela, fazendo-a gritar.
— Filha da puta, vai assustar a puta que pariu! — vocifero, irritada, pulando do sofá e desligando a televisão.
Com o coração quase saindo pela boca, marcho apressadamente em direção ao corredor, parando frente à porta do quarto de e escancarando-a. O garoto está deitado em sua cama, dormindo de barriga pra cima e com a postura totalmente ereta, como um defunto. Mas que porra, até pra dormir ele é certinho?
Aproximo-me da cama, subo no colchão e me sento sobre o colo do , posicionando uma perna de cada lado do tronco dele e me certificando de fazer bastante movimento no processo. Seus olhos se abrem e me encaram surpresos, todavia, não dou tempo para que ele diga algo ou me questione e uno minha boca à dele. O garoto não demonstra reação por alguns segundos, porém não demora a segurar meu rosto com ambas as mãos e movimentar os lábios sobre os meus. Levo minhas mãos até seus cabelos, bagunçando-os ainda mais, e involuntariamente impulsiono meu quadril de encontro ao dele, fazendo-o gemer contra minha boca. Após o que para mim pareceu um tempo curto demais, afasto-me dele e volto à posição inicial.
pisca algumas vezes e esfrega os olhos, como se ainda estivesse assimilando se o que acabou de acontecer foi real ou ele ainda estava sonhando.
— Que horas são? — ele questiona.
Olho para o relógio esquisito de lego do Darth Vader sobre o criado mudo e mordo o lábio inferior, sentindo-me culpada.
— Uma e vinte e seis — respondo.
O esfrega as mãos sobre o rosto e cabelo, parecendo irritando.
— Mas que merda, , por que diabos você estaria xingando uma hora dessas!?
— Eu não conseguia dormir, então fui ver um filme de terror por curiosidade e aí me assustei e acabei soltando palavrão. Desculpa!
O garoto fecha os olhos e respira fundo, balançando a cabeça positivamente em seguida, como se estivesse me desculpando. Mesmo com o assunto dado por encerrado, não saio do lugar; não quero voltar para o meu quarto, não sei se consigo dormir. Desde criança sempre fui um tanto medrosa com relação a filmes de terror, pois meus primos sempre tentavam me colocar medo dizendo que por trás de toda história de terror existe uma história real no qual ela foi baseada e nunca consegui tirar isso da cabeça.
— ? — chamo.
— Hum? — ele murmura alguns segundos depois.
— Posso dormir aqui? Eu tô assustada pra caralho.
abre novamente os olhos, me fita por alguns instantes e depois suspira, puxando o edredom, em um convite mudo para que eu me junte a ele. Engatinho até o espaço vazio da cama e me aconchego ao seu lado. Ele me cobre com o edredom e seu braço direito envolve minha cintura, aproximando-me de si, entrelaço minha perna às dele e nossos corpos se encaixam perfeitamente, como um quebra-cabeça.
— ?
— Hum?
— Obrigada e... Boa noite.
Olho para o rosto do e vejo-o sorrir, ele se inclina em minha direção e une rapidamente nossos lábios em um selinho.
— Boa noite, .
Apoio minha cabeça no ombro dele e ponho uma mão sobre seu peito, sentindo as batidas fortes de seu coração aos poucos se acalmarem, assim como a respiração, que se torna pesada. Afundo o rosto no vão do pescoço dele e fecho os olhos, respirando profundamente e me permitindo ser entorpecida pelo seu cheiro até finalmente cair no sono.
Chapter XI (Part I) — Thursday
Às seis horas da manhã em ponto sou acordada pelas não-tão-carinhosas-assim mãos de . Confesso que se ele tivesse usado elas em um lugar bem mais ao sul do meu corpo ao invés dos meus ombros, talvez eu tivesse acordado um pouquinho mais bem-humorada. Eu tinha dormido um pouco mais de quatro horas e meia, então meu ritmo estava bem lento, e se não fossem os gritos do para eu me apressar, eu provavelmente não teria nem saído da cama. Eu odeio acordar cedo, principalmente em dias que foram feitos exatamente para não acordar cedo, como os feriados, mas o problema é que sempre que vamos para Miami em Dia de Ação de Graças — ou qualquer outro feriado —, optamos por ir de carro, o que dura aproximadamente quatro horas, porque os aeroportos geralmente estão um inferno devido à quantidade estrondosa de pessoas que vão visitar suas famílias em outras cidades, Estados ou até países, então podemos dizer que, apesar do transito e maior duração, a viagem de carro é menos exaustiva, pelo menos para mim que sempre tenho a oportunidade de dar uma cochilada durante o caminho.
Para ser sincera, eu daria tudo para poder ficar em casa, comendo pizza de pepperoni, postando nas redes sociais que não há nada a ser grato por um feriado construído através de genocídio de nativo-americanos e assistindo àquele desfile ridículo com bonecos infláveis que acontece todo ano. Aliás, minha mãe é tão desesperada por atenção que até a parada do Dia de Ação de Graças ela quer sabotar, sempre começa o evento entre a manhã e a tarde — que os ricos gostam de chamar de brunch — para todos, até mesmo o prefeito, preferirem ir à festa dela ao invés do desfile. Felizmente conseguimos chegar a tempo. Descemos do carro, dá a chave ao manobrista e começamos a caminhar pelo imenso jardim da mansão da família Fletcher. Minha cabeça parece girar e o sentimento de pânico dentro de mim aumenta a cada passo dado.
— Você parece nervosa — o comenta.
— É claro que estou nervosa, tenho grandes chances de fazer merda e estragar tudo — rebato.
— Ei, relaxa, nós trabalhamos e ensaiamos muito para isso, você está pronta e vai se sair bem, .
Ao ouvir as últimas palavras saírem por sua boca, paro de andar para encarar o rosto do garoto com a sobrancelha arqueada.
— Você acabou de me chamar de ? — questiono, para ter certeza de que não estava ouvindo coisas, e balança a cabeça, afirmando. — Por quê?
— Porque é o seu apelido? — ele diz como se fosse a coisa mais óbvia do mundo.
— Não, é o apelido que Summer me deu e ninguém além dela usa. Você só me chama de "princesa", o que eu odeio, por deboche, nem é um apelido fofo.
— Olha, se vamos fingir que estamos namorando, precisamos fazer direito, e isso inclui fazer coisas que namorado fazem, como chamar por apelido e andar de mãos dadas. Se quer realmente fazer isso, vai ter ser uma boa atriz por um dia e entrar no personagem. Ainda quer fazer isso?
Emito uma bufada de ar e balanço a cabeça em concordância, permitindo que ele entrelace seus dedos aos meus, o que estranhamente me dá uma sensação de segurança.
— Sua mão tá gelada e suando — conclui.
— Não existe um lugar no meu corpo que não esteja suando nesse momento, até a porra da minha vagina tá suada e não é pelos motivos certos! Eu não acredito que você me fez colocar um vestido rosa! — exclamo, indignada.
O emite uma risada e me puxa mais perto pela mão, dando-me um rápido selinho.
— Se eu não tivesse feito isso, sua mãe faria, e seria bem pior porque ela provavelmente faria você usar algo bem mais extravagante. — O dá de ombros.
É, tenho de admitir que ele está certo.
— E falando no diabo...
Aponto com o queixo em direção a entrada da casa, de onde minha mãe vinha correndo desesperadamente, como se tudo atrás dela estivesse pegando fogo. Não demorou mais do que alguns segundos até a mulher estar em nossa frente, saltitando como uma criança que acaba de ganhar o presente que queria de Natal.
— Me diga que eu não estou sonhando e vocês realmente estão de mãos dadas!
— Oi, mãe. — Sorrio levemente. — Não, você não está sonhando.
Subitamente ela nos envolve em um abraço triplo, extremamente bizarro e desconfortável.
— Ah, minha filha, eu estou tão orgulhosa que você finalmente colocou um pouco de juízo nessa sua cabecinha oca!
— Hum... Mãe, será que a senhora poderia...
Antes de eu conseguir completar a frase, a mulher se afasta, nos olhando com os olhos arregalados.
— Claro, me desculpem, é que eu estou tão feliz por vocês dois finalmente terem se acertados!
— Obrigado, senhora Fletcher, nós também estamos muito felizes. — leva nossas mãos unidas até a boca, depositando um beijo no dorso da minha. — Não faz ideia do quanto eu amo a sua filha.
Um arrepio percorre todo o meu corpo e não consigo desviar os olhos dos dele. Cada palavra que sai de sua boca e cada gesto que ele faz é tão intenso que me faz automaticamente perder o ar.
Calma, isso é só uma cena, é ele está só fingindo.
Certo?
Certo.
Mas e se o que a Skye disse for verdade...
Pelo amor de Deus, , você está parecendo uma adolescente de filme de comédia romântica Hollywoodiano! Recomponha-se!
Respiro profundamente, recuperando minha total consciência.
— Meu Deus, eu não consigo acreditar que isso esteja acontecendo. Sua mãe precisa ver isso. — Ela se vira para a casa e volta a correr. — Colleen! Você precisa ver isso, eles estão de mãos dadas!
Continuamos caminhando em direção à casa, acompanhando minha progenitora. Meu coração continua acelerando a cada centímetro de distância que era vencido. É possível uma jovem de vinte anos ter um ataque cardíaco? Bem que tentaram me avisar que eu não deveria comer tanta besteira.
Antes que eu pudesse entrar na casa, me puxa pela mão, obrigando-me a parar de andar e encará-lo nos olhos.
— Se você não se sentir bem e quiser ir embora, tudo bem, a gente arruma uma desculpa, mas quero que saiba que eu acredito em você, sei que é capaz de fazer isso. Você é a melhor e mais rebelde aluna que eu já tive. Não que eu tenha tido outra — Ele dá de ombros e ambos rimos. —, mas independente de qualquer coisa, você sempre será a melhor, ok?
— Ora, por favor, não me venha com frases motivacionais de biscoito da sorte. Eu sou Fucking Fletcher, eu sou a melhor em qualquer coisa! — digo em tom pomposo e o garoto ri.
segura em ambos os lados do meu rosto e me dá um selinho.
— Então é verdade. — A voz da senhora se faz presente. — Vocês estão mesmo juntos.
Nos separamos e viramos na direção da mulher. Com os cabelos cacheados e s e os olhos intensos, características as quais herdara muito bem, ela está parada na entrada da casa nos observando. sorri e caminha até ela, abraçando-a.
Eu sempre tive certa inveja da relação dos dois.
Colleen sempre foi uma mulher muito carismática e carinhosa, nunca, em toda a minha vida, eu a vi destratar alguém, por mais socialmente inferior que a pessoa fosse. Ela sempre foi como uma segunda mãe para mim, e muita das vezes desejei que fosse a primeira, em todos os momentos que fiz alguma besteira ou algo pelo qual precisei de conselho de uma mulher mais velha, era a ela que eu recorria, pois sabia que minha mãe provavelmente faria um escândalo e não me apoiaria, principalmente quando perdi minha virgindade aos dezesseis anos.
— E você, não vai me dar um abraço? — ela diz em um tom de indignação.
Sorrio e também vou até ela, sentindo seus braços me acolherem carinhosamente.
— Vocês dois, hein? Confesso que sempre esperei que isso fosse acontecer, mas não assim tão de repente.
Agarro a mão de , entrelaçando meus dedos aos dele, o que inicialmente o faz me olhar surpreso, porém ele consegue disfarçar.
— Sabe, Senhora , às vezes levamos tempo para perceber que o que realmente precisamos estava bem debaixo do nosso nariz. — Sorrio para o , sabendo que aquela frase não era totalmente uma mentira, e ele logo retribui.
— Ah, como é lindo o amor jovem... — Colleen suspira, nos fazendo rir. — Vamos, entrem, tem um banquete maravilhoso lá no jardim, vocês devem estar com fome.
Ah, claro, o famoso Jardim da mansão dos Fletcher. Se tem uma coisa da qual minha mãe se orgulha mais do que sua falsa imagem de Filantropia, é o seu falso jardim — falso porque ela nunca se deu o trabalho de cuidar de uma rosa sequer para não sujar suas delicadas e femininas mãos com terra e por isso sempre paga os melhores jardineiros da região para fazer por ela.
Caminhamos em silêncio até a parte de trás da casa, não demorando a nos deparar com uma enorme mesa repleta de diversos tipos de aperitivos, pães, bolos e frutas que automaticamente fizeram minha boca salivar, mas é claro que não permitiria que eu atacasse aquela mesa sem antes cumprimentar a todos presentes.
É engraçada a distribuição de pessoas ricas em uma festa, os homens normalmente ficam em pé, em um círculo com três ou quatro homens, com um copo de whisky em mãos — se as pessoas acham que adolescentes rebeldes bebem demais pela manhã é porque nunca viram como são os homens ricos. Já as mulheres, sentadas nas mesas, com as pernas cruzadas, roupas extravagantes e os leques abanando os rostos — o que é um tanto desnecessário, já que estamos no outono.
Minha mãe caminha até o que parecia ser um mini-palco com um banner enorme atrás de uma foto dela e os dizeres “Feliz dia de Ação de Graças!”, ela pega o microfone, provocando um barulho horrível e chamando a atenção de todos.
— Olá! Bom dia a todos, quero dar as boas-vindas a cada um de vocês e dizer que é uma honra estar aqui promovendo mais uma vez A Festa Beneficente de Ação de Graças de Eleanor Fletcher! — ela diz e todos aplaudem. — Em primeiro lugar, gostaria de informar que temos aqui duas caixas, uma contém folhas de cheques com os nomes de cada uma dessas pobres crianças carentes aqui presentes, vocês podem vir aqui, retirar um papel, doar a quantia que quiserem e depositar na outra caixa. Por favor, sejam generosos! Damas, façam seus cavaleiros abrirem os bolsos! — ela ri, fazendo os outros a acompanharem.
Cerro os punhos e sinto meu rosto esquentar devido à raiva. Era óbvio que ela iria usar as crianças como se fossem mercadorias, mas eu não imaginava que ela iria literalmente vendê-los com talões de cheque. Eu sei que esse dinheiro será bom para eles, mas esse bando de mesquinhos nem conhecem as crianças para quais estão doando, não sabem quais são os seus sonhos ou medos, tudo que elas irão saber será os seus nomes para julgar se são boas ou não e oferecer uma quantia em dinheiro.
Eleanor acena para um garçom que estava passando com bebidas e pega uma taça de sua bandeja.
— Também gostaria de dizer que estou muito feliz que minha filha, , e nosso querido estão finalmente namorando, então, por favor, um brinde ao mais novo casal da família!
Ela ergue sua taça e todos fazem o mesmo, dizendo “Saúde!” em uníssono. Olho em volta, sorrindo desconcertada em agradecimento a todos que nos cumprimentam. Sinto a mão de apertar minha cintura, como em uma forma de conforto, ele me guia até nos aproximarmos de uma mesa, felizmente a maioria das mulheres ali são da família . puxa uma cadeira para mim, que aceito sem reclamar, e diz que irá buscar algo para eu comer. Me animo com a ideia, pensando que ele traria um prato recheado de canapés, porém tudo que ele me oferece são dois quiches de salmão e três microtorradas com ovos benedict. Encaro-o furiosa.
— Tá brincando como a porra da minha cara? — sussurro para que só ele pudesse ouvir. — Você quer me fazer morrer de fome?
— Você precisa seguir a etiqueta, pessoas ricas não comem muito.
— E qual é o sentido de ter uma mesa com cinquenta tipos diferentes de comida se você não pode comer? — rebato, indignada, e o ri, dando-me um selinho.
— Eu vou trazer mais depois, prometo.
sorri, ignorando meu olhar feio, e caminha em direção onde o pai está. Bufo e enfio uma torrada na boca, sentindo-a se despedaçar em minha boca segundos depois e não fazer efeito algum no meu estômago faminto.
— Não coma muitos desses aperitivos, querida — tia Margaret diz. — Parece que você ganhou alguns quilinhos, se ficar gorda demais seu namorado não irá querer mais você.
— Deixe-a em paz, Margaret, não é porque seu ex-marido trocou você pela secretária que todos farão o mesmo — tia Charlotte rebate.
— Bem, pelo menos o meu marido não perdeu a nossa casa apostando — ela revida.
Horrorizada com o conteúdo da conversa e sem poder dizer nada problematizador, tento me distrair olhando as crianças brincarem. Normalmente estaria junto com elas, correndo por todo o jardim como se ainda tivesse oito anos, todavia, a primeira regra que ditou quando entramos no carro para vir aqui foi não brincar com as crianças.
Faizah percebe o meu olhar e sorri, correndo em minha direção. Ela se joga em meu colo, circulando meu pescoço e me dando um abraço apertado. Dou uma risada, sentindo meu corpo se encher de alegria.
— Tia , vem bincar com a gente! — ela pede, puxando a minha mão.
Levanto o olhar, encontrando o de a alguns metros de distância. Ele balança a cabeça negativamente e eu suspiro, frustrada.
— Eu não posso, Iza.
— Você tá dodói? — Iza pergunta e eu minto, concordando com a cabeça.
Ela se estica, ficando praticamente na ponta dos pés, e gruda seus lábios na minha bochecha.
— Beijinho pra sarar. Você vai ficar boa logo, logo.
— Obrigada, meu amor.
Ela sorri e em seguida sai correndo para se juntar às outras crianças. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas e meu coração se quebra em pedacinhos por ter mentido para ela. Faizah é uma criança tão maravilhosa, tão pura. Eu queria tanto fazer mais por ela...
Suspiro, tristonha, e levo o olhar às mãos. De repente um prato é posto à minha frente por um garçom e logo constato ser um petit gateau com sorvete. Ele aponta para um canto e sigo-o com os olhos, encontrando o , que ergue seu copo em minha direção. Sorrio, dando uma colherada no doce e erguendo-a para ele, provocando sua risada.
●●●
Enquanto os homens se reúnem na sala de jogos para assistir ao tão esperado jogo dos Cowboys X Redskins, as mulheres foram obrigadas a irem para a sala de visitas tomar chá com bolo e “colocar o papo em dia” — lê-se se gabar de seus patéticos avanços na pirâmide social com intenção de humilhar as outras. Fala sério, tomar chá com bolo? Em que século estamos? XVIII? Eu nunca desejei tanto ter nascido com pênis entre as pernas.
Assisto, entediada, todas elas comentarem animadamente sobre os preparativos para o tão esperado e magnífico casamento do meu primo Oliver com sua noiva, a qual ele conheceu tem basicamente dois meses, Amber, e aproveito que elas estavam distraídas conversando para comer grande parte dos macarons que estavam sobre a mesa.
— Então, , conte-nos: Como você e começaram a namorar? Queremos saber tudo!
Nem tive tempo de prestar atenção em quem havia dito isso porque estava ocupada demais tentando não cuspir em alguém o chá que estava na minha boca.
Como não pensei nisso? É óbvio que iam perguntar sobre isso e eu nem ao menos considerei inventar uma mentira convincente.
Puta que que pariu, !
Tomo mais um pouco daquele chá horrível, na tentativa de continuar agindo naturalmente e ganhar tempo para pensar mais um pouco em uma mentira plausível, porém todos aqueles olharem julgadores me olhando em expectativa estavam me fazendo querer sair correndo dali. Deposito a xícara com calma sobre a mesa e limpo a garganta.
— Hum... Bom... Como vocês sabem, nós moramos juntos faz um tempo, mas nunca fomos muito próximos. Precisei de ajuda em um trabalho, ele foi super fofo comigo e isso me fez pensar: Por que não tentar alguma coisa? Ele sempre esteve ao meu lado e parecia tudo tão óbvio de repente, então começamos a nos aproximar e sair juntos... — dou de ombros. — E foi isso.
Observo o rosto de cada uma para ver se elas estavam realmente acreditando na história, minha mãe parecia que iria rasgar o rosto a qualquer momento de tanto que sorria e a mãe de apenas me encarava com uma expressão indecifrável, mas o que realmente estava me assustando naquele momento era o fato de que grande parte do que eu tinha acabado de dizer não era mentira.
— E como foi o pedido? Ele fez algo romântico?
— Nós fomos a um restaurante francês e...
— Qual restaurante? — Amber pergunta.
— Le Coq au Vin.
— Oliver me levou ao Le Bernardin, o melhor restaurante de Nova York. Ele reservou o restaurante inteirinho só para nós dois, foi tão mágico! — A garota suspira, levando as outras a fazer o mesmo, e preciso me controlar para não revirar os olhos. — Mas o Le Coq au Vin é bom também, é um quatro estrelas, né? Continue, queremos saber mais!
— Como eu estava dizendo, nós fomos ao restaurante e tivemos um jantar muito divertido, ele pediu para colocar um anel dentro da torta como surpresa na sobremesa e eu quase morri engasgada, mas foi fofo — dou uma risada, sendo acompanhada pelas outras.
— E onde está o anel? — Amber questiona e a minha vontade foi de quebrar aquele bule de chá na cabeça dela.
Merda. Como não pensei nisso também?
Sinto o desespero começar a subir pelo meu corpo. Que caralhos eu vou dizer agora?
— Que pena, acabou o chá! Vou à cozinha fazer mais, quer me acompanhar, ? — Colleen diz e respiro aliviada, balançando a cabeça veemente.
— Oh, não se preocupe, Colleen, temos empregados para isso — minha mãe diz.
— Eu sei, mas gosto de fazer meu próprio chá, além disso, quero passar um pouco de tempo com a minha nora. — Ela sorri para mim e retribuo, acanhada. — Podem continuar sem mim, conte tudo a elas sobre o casamento, Amber.
Ela se vira e começa a caminhar em direção à cozinha, e eu a acompanho, em silêncio. Colleen pega a chaleira em cima da bancada e vai até a torneira para enchê-la e eu me sento sobre um dos bancos rente à ilha da cozinha, saboreando um dos macarons que estava em uma bandeja em formato de pirâmide.
— Eu sei o que você e estão fazendo — a mulher diz ainda de costas pra mim e frente a pia.
Devido à surpresa, acabo engolindo e me engasgando com o pedaço do doce que estava na boca e começo a tossir desesperadamente, sentindo os olhos lacrimejarem e meu rosto inteiro ficar quente. Colleen calmamente pega um copo no armário e o enche com água, oferecendo-o para mim em seguida. Pego o copo da mão dela, bebendo a água como se minha vida dependesse disso — e talvez realmente fosse verdade, já que eu estava sufocando segundos antes.
— Você está bem? — ela questiona, franzindo o cenho em preocupação e eu balanço a cabeça freneticamente. — Desculpa, não imaginei que fosse te assustar assim.
— O-o que você quis dizer com “eu sei o que vocês estão fazendo?” — pergunto, fingindo ingenuidade.
— Ora, , eu não sou boba, sua mãe pode ser um pouco aérea às vezes, mas eu não sou. Conheço vocês dois bem demais para saber quando estão mentindo e, apesar de meu filho ser um ótimo ator e eu saber que nem tudo nessa história é mentira, sei que seria praticamente impossível vocês começarem a namorar assim tão de repente.
Olho para baixo, sentindo-me envergonhada por ter sido descoberta assim tão facilmente, e suspiro.
— Eu não sabia o que fazer, minha mãe ameaçou tirar tudo de mim caso eu não seguisse as regras dela, pedi ajuda para sobre etiqueta e a gente acabou fazendo um acordo idiota toda vez que eu xingar — reviro os olhos e ela sorri. — Ele sugeriu fingirmos estar namorando pra melhorar um pouco as coisas, pelo jeito deu certo porque ela está saltitando de felicidade.
É estranha e ao mesmo tempo acolhedora a forma que me sinto livre para contar o que quer que seja para Colleen, sem medo de julgamentos. Ela enche uma xícara com a água quente e mergulha um sache de chá algumas vezes.
— , eu sei que é difícil para você compreender, mas não seja tão dura com a sua mãe.
— Eu sou dura com ela? — questiono, indignada. — É ela quem está tentando me obrigar a ser alguém que eu não sou!
— Eu sei, mas Eleanor nem sempre foi assim, aliás, ela era exatamente como você — Colleen diz e arqueio a sobrancelha arqueada. — Sua mãe era um espírito livre, ela tinha atitude e não levava desaforo para casa, vivia fugindo de noite para ir a shows de bandas de rock, e eu tinha que compactuar com as ideias malucas que ela tinha e confirmar as mentiras que inventava para os pais. Ela até chegou a namorar meu irmão Charles.
— Minha mãe namorou o Chuck Doido?! — pergunto, incrédula, e ela concorda com a cabeça.
“Chuck Doido” é o apelido dado ao irmão mais velho de Colleen, desde que me conheço por gente ele é chamado assim porque é rockeiro e tem uma banda de Heavy Metal. É praticamente impossível imaginar minha mãe namorando aquele cara.
— Isso até ela conhecer o seu pai na faculdade e tudo mudar drasticamente. Ela sofreu uma lavagem cerebral dos Fletchers, começou a fazer aulas de etiqueta a mando da sua avó, deixou de frequentar os lugares que íamos antes e desfez amizade com a maioria dos amigos, não sei como fui a única que sobrou. Ela passou a só andar com roupa de grife e só falar de moda e maquiagem, foi triste vê-la se perder daquele jeito.
Fico boquiaberta com tudo que acabei de ouvir e me sinto culpada por nunca ter tentado compreender o ponto de vista da minha mãe. Ela é tão vítima do sistema sexista e patriarcal quanto eu, mas que infelizmente não conseguiu resistir. De todas as mulheres do mundo, a minha mãe foi a única a qual nunca tentei ter empatia.
Sinto a mão de Colleen sobre a minha no balcão e levo os olhos até os dela, eles estão carregados em ternura e sua boca se curva em um sorriso, o mesmo sorriso que me dá quando quer me consolar.
— Não se sinta culpada por nada do que eu disse, ok? Essas coisas aconteceram antes mesmo de você nascer e não há nada que eu ou você possa fazer, e acredite, eu tentei.
Aperto sua mão entre a minha e sorrio. Alguns segundos se passam enquanto tento absorver tudo e Colleen degusta seu chá.
— E sobre o , eu sei como se sente, já estive no seu lugar. Eu e Chadwick éramos amigos desde sempre, nossas famílias não viam a hora de nós começarmos a namorar. Eu morria de medo do que poderia acontecer, então o ignorei por muitos anos, até o dia em que ele se declarou para mim e resolvi dar uma chance. Não me arrependi, como você pode ver, hoje estamos felizes e temos uma família incrível juntos, então não tenha medo de fazer o que o seu coração mandar, ok? Não é porque ele é meu filho e me orgulho muito da educação que lhe dei, mas é um homem maravilhoso e é louco por você, tenho certeza de que não vai se arrepender em entregar seu coração nas mãos dele. E se ele magoar você uma vezinha só, eu mesma darei um jeito de socar a cara dele.
Emito uma risada, sendo acompanhada pela mulher, e balanço a cabeça em concordância.
— Obrigada por tudo, nunca tinha me sentido tão livre pra falar sobre essas coisas, ainda mais com alguém que entenda exatamente como me sinto.
— Não precisa me agradecer, , namorando meu filho ou não, você sempre será parte da família.
Sorrio, cobrindo nossas mãos unidas com a minha outra, em uma forma de dizer que sentia o mesmo.
— ! — Hunter entra na cozinha, assustando nós duas. — Os Cowboys venceram!
— O quê? — questiono, confusa.
— Os Redskins perderam! Você ganhou a aposta!
Alguns segundos se passam até que as engrenagens do meu cérebro comecem a trabalhar e uma luz finalmente ilumina a minha mente, fazendo com que eu pule do banco e saia correndo em disparado até a sala de TV. Encaro a televisão, embasbacada, enquanto o placar Cowboys 38 x Redskins 14 brilha na tela.
— Puta que pariu! Eu ganhei! Eu ganhei, caralho! — grito, jogando meu corpo sobre a primeira pessoa que vejo, começando a pular em seguida. — Chupa essa, Caleb!
— Você ganhou o quê? E quem diabos é Caleb? — A voz abafada de vem debaixo de mim e só então percebo que estava quase sufocando o garoto naquele abraço um tanto animado demais.
Afasto-me do e tento voltar a minha postura decente, uma vez que todos na sala me encaravam com expressões de estranhamento.
— Caleb é um idiota amigo do Hunter que apostou comigo que o Redskins ganhariam no jogo de hoje — digo, revirando os olhos.
— Um idiota que você não hesitou em ficar — meu primo provoca, fazendo-me lançar um olhar furioso em sua direção.
— Você quer mesmo que eu comece a falar sobre a sua relação um tanto estranha e próxima demais com a irmãzinha adolescente dele? — revido, sorrindo quando vejo sua expressão indignada.
— Nós somos só amigos, ok? E ela já tem quase dezoito!
— 9-1-1 também é quase um dezoito — replico e ele me lança um olhar feio.
— Esse Caleb é o Wide Receiver dos EWE? — pergunta e eu balanço a cabeça, confirmando. — Sério? Você ficou com aquele cara?
— Ei, não me julgue, todo mundo tem um passado condenante do qual não gosta de lembrar. — Dou de ombros.
— Parece que você tem um fraco por jogadores, hum? — sorri enquanto envolve minha cintura.
— O que posso dizer? Eu acho tão sexy e másculo homens suados correndo por um campo e agarrando uns aos outros por uma bola oval, não consigo evitar! — brinco, circulando seu pescoço com meus braços e trazendo-o para mais perto.
— , seu pai está bem ali... — ele murmura, me fazendo rir.
— O quê? Tá com medinho agora, senhor ? Não foi você que ditou a regra de que deveríamos nos beijar mesmo na frente de todo mundo? — debocho e desvio o olhar para o homem, que falava ao celular do outro lado da sala. — Não se preocupe, ele não dá a mínima pra qualquer coisa que eu faça.
Sinto as palavras ásperas saírem da minha boca e um bolo se formar em minha garganta.
É engraçado como, ao contrário do que acontece com a minha mãe, eu sempre busquei a aprovação do meu pai. Quando eu era criança, nós éramos muito próximos, ele adorava me ajudar no dever de casa e me ensinar coisas novas, principalmente as relacionadas à Matemática. Por boa parte da minha infância sonhei em ser exatamente como ele: Um Arquiteto de grande renome, mas então ele começou a passar muito tempo fora de casa, viajar toda semana e não ter mais tempo para mim e minhas “bobeiras”, ele sempre dizia que precisava trabalhar pra bancar a minha “vida de princesa”. Meu pai perdeu a maioria dos momentos importantes da minha vida, inclusive a formatura do Colegial, e não duvido que vá perder a da faculdade também. Passei vinte anos tentando ter um mínimo de atenção desse homem e não será agora que irei conseguir.
vira meu rosto para si, apoiando sua mão no vão do meu pescoço e acariciando minha bochecha. Ele sorri em conformo, me fazendo sorrir de volta, e traz meu rosto de encontro ao dele. Ouço vaias, barulhos de beijos e frases do tipo “Awn, tô apaixonado!” “Que lindo o OTP!” vindas dos meus primos, porém não damos a mínima. Tem algo na forma que me beija que me faz não ligar para mais nada além disso, e quando sinto-o sorrir em meio ao beijo, parece que o mundo inteiro para e a única coisa que importa são seus lábios sobre os meus.
●●●
Faltava pouco para a hora do jantar e todos estavam reunidos na sala de estar, bebendo champanhe e esperando até que o jantar seja servido. Um garçom passa perto de mim e pego uma taça, porém antes que eu pudesse levá-la a boca, tenho o objeto arrancado com violência de minhas mãos.
— Mas que p-
— Você não pode beber — minha mãe diz. — O que as pessoas vão pensar vendo minha filha, que ainda não tem idade, bebendo?
— Mas está todo mundo bebendo! Até o está bebendo! — rebato, indignada.
— Bem, não é inconsequente e irresponsável como você, não é?
Ela dá a taça para um dos funcionários e agarra meu pulso com força, puxando-me em direção ao corredor, abre a porta da adega e me empurra para dentro.
— Você ficou louca?! Como se atreve a recusar a oportunidade que Marian ofereceu a você?!
— Não era o que eu queria, nunca quis ir para Yale e você sabe disso — digo, massageando meu pulso dolorido. — Eu nem tenho um bom perfil pra entrar lá, nunca fui uma boa aluna, nunca fiz atividades extracurriculares e tenho várias advertências, minha nota no SAT foi horrível e eu nem fiz inscrição!
— Claro que você não entraria lá com esse histórico horrendo! Eu paguei quinhentos mil dólares para ela colocar você lá dentro, sua imbecil! — minha mãe vocifera e meus olhos se arregalam.
— Você subornou ela?! Ficou maluca?! Você pode ser presa por isso!
— Não, não vou porque já estava tudo muito bem planejado, mas você tinha que ser egoísta e estragar tudo, não é, ? Você arruinou o nosso sonho!
— Não, mãe, eu arruinei o SEU sonho! Eu nunca quis ir pra Yale, você é quem quer. Esse é o seu sonho e você quer me obrigar a segui-lo!
De repente sinto algo quente contra minha bochecha e demoro alguns segundos devido ao choque para perceber que o que havia causado aquilo foi a palma da mão dela. Ela volta a agarrar meu pulso e aponta o dedo para o meu rosto.
— Escute o que eu vou dizer, e escute muito bem, depois do jantar você vai pedir desculpa à Marian e dizer que você mudou de ideia e vai aceitar a proposta que ela lhe fez, ou eu juro por Deus, , que vou tirar tudo que você tem e fazer da sua vida um inferno.
Ela me empurra para trás e em virtude do impacto de tudo que acabou de acontecer, perco todas as minhas forças e caio no chão. A mulher, sem um pingo de remorso, se vira e caminha até a porta, no entanto, antes de sair, ela diz:
— Recomponha-se, o jantar será servido em dez minutos e você fará um discurso.
Ela deixa o cômodo e então o primeiro soluço sai pela minha garganta, o próximo em seguida, e em poucos segundos as lágrimas estão escorrendo pelo meu rosto como se fosse uma cachoeira. Levo a mão até a bochecha, onde ainda ardia devido ao tapa.
Como ela pode fazer isso comigo? Como minha própria mãe pode me tratar assim, como se eu fosse nada? Eu estava mesmo considerando tentar ter uma boa relação com ela?
Fui estúpida, estúpida em achar que ela realmente me entenderia, estúpida em pensar que em algum momento poderíamos ser amigas.
Não sei quanto tempo fico ali, jogada no chão, chorando copiosamente e me sentindo um lixo, mas ouço um barulho de batida na porta e uma voz abafada, porém muito bem conhecida, vir do outro lado:
— ? Você está aí?
Me levanto com dificuldade e abro a porta, jogando-me nos braços do sem hesitar. Mesmo assustado, ele me envolve com seus braços e me puxa para dentro para que pudesse fechar a porta.
— Ei, o que houve? Sua mãe me disse que você estava aqui e que não estava se sentindo bem.
Ao ouvir a menção da mulher, afundo o rosto no peito dele em busca do seu cheiro reconfortante. O garoto afrouxa o abraço e ergue meu rosto em sua direção, passeando os dedos pela minha bochecha machucada.
— Quem fez isso com você?
Não respondo, apenas seguro seu rosto entre as mãos e puxo-o de encontro ao meu, colando nossos lábios. Busco naquele beijo a calmaria que sempre me preenche quando sua boca está contra a minha, porém não tenho tempo para aproveitar, pois ele me afasta segundos depois.
— , o que aconteceu?
— E-eu não consigo fazer isso, . Por favor, me leva pra casa — suplico e seus olhos se arregalam.
— O quê? Como assim? O jantar será servido em cinco minutos!
— Eu desisto! Por favor, me leva pra longe daqui! — digo, desesperada.
— Não, , eu não vou deixar você desistir! — Ele se afasta de mim. — Você não pode desistir depois do tanto que a gente trabalhou, depois de tudo que você aprendeu!
— Eu não consigo mais! Por favor, ... — Tento me reaproximar, mas ele se esquiva de mim.
— Não! Essa não é você, ! A que eu conheço não desiste facilmente das coisas, ela não foge, ela luta pelo o que quer, luta pelo o que acredita. Ela não deixa ninguém impedi-la de conseguir o que quer ou dizê-la o que fazer. Essa não é a que eu conheço, não é a pela qual me apaixonei.
O silêncio paira pelo cômodo, minha boca se abre em surpresa e parece perceber o que acabou de dizer e seus olhos se alargam, ele passeia as mãos pelo rosto e pelos cabelos e em seguida se vira, saindo da adega.
Continuo estática, embasbacada com as palavras que acabei de ouvir. Por mais que já tivesse uma noção dos sentimentos de por mim, ouvir aquilo saindo de sua própria boca tem um efeito estrondoso. Torna tudo real, torna tudo que disseram algo verdadeiro, torna as atitudes dele, e até mesmo o nosso acordo, algo que faça sentido.
Tudo parece tão claro e ao mesmo tempo tão confuso, minha cabeça está girando, meus olhos enchem de lágrimas novamente e sinto que posso vomitar a qualquer momento, mas não faço isso. Não faço porque está certo, essa não sou eu, eu não fico chorando pelos cantos. Eu não fujo e não posso me deixar abater por qualquer merda que acontece, não posso desistir.
Limpo o rosto e olho meu reflexo em um dos armários, não está dos melhores, mas parece apresentável pelo menos até eu chegar ao quarto. Caminho apressadamente pelo corredor, de cabeça baixa, até a escada dupla que dá acesso ao segundo andar. Entro no meu antigo quarto e uma onda de memórias me atinge. Ele está exatamente do jeito que deixei quando saí de casa, aos dezessete anos, os pôsteres das minhas bandas favoritas continuam espalhados pelas paredes e o edredom brega da Sonserina que eu tanto amava continua forrando a cama.
Vou até a penteadeira, na intenção de encontrar algum resquício de maquiagem, cubro a marca vermelha em minha bochecha e tento consertar da melhor forma possível a cara de choro. Coloco o vestido mais caro e extravagante que vejo no meu closet e sorrio satisfeita para o meu reflexo. Abro a porta e saio do quarto, com um sorriso no rosto e a cabeça erguida.
Chapter XI (Part II) — Thursday
N/A: Só queria avisar que essa é a música oficial do capítulo e lembrar também temos uma playlist no Spotify.
Todos haviam tomado seus lugares na enorme mesa, esperando as ordens para se servirem com o prato de entrada. Minha mãe, que está à ponta direita, se levanta, todos os olhares se viraram em sua direção quando ela diz:
— Boa noite, quero agradecer a presença e o apoio de todos nesta causa em benefício a estas pobres crianças carentes. — Ela aponta para a mesa das crianças e me contenho para não revirar os olhos. — Antes de iniciarmos o jantar, gostaria de convidar minha querida filha para dar as graças.
Automaticamente todos os olhares estão sobre mim e uma onda de desespero começa a subir pelo corpo.
Puta que pariu, eu não tinha pensado direito nessa parte.
Sinto o toque quente e acolhedor sobre a mão em meu colo e não demoro a constatar que é tentando me acalmar. Permito seus dedos se entrelaçarem aos meus e levo meu olhar ao seu rosto, em busca de alguma segurança para a loucura que eu estou prestes a cometer. O garoto sorri e algo no intenso tom de seus olhos me faz ter certeza de que independente do que eu disser ou fizer, ele estará ali ao meu lado. Sorrio de volta, respiro fundo e balanço a cabeça, levantando-me da mesa em seguida. Percorro o olhar rapidamente por todos à mesa até parar sobre a figura esguia da mulher que — infelizmente — me trouxe ao mundo.
— Bem, eu gostaria de começar dizendo o quanto eu sou grata a você, mãe, por promover esse magnífico evento, me agredir e ameaçar de diversas formas a comparecer nesta merda — digo, vendo os olhos da mulher se arregalar. — Sou grata também por essa festa ser anual e eu só precisar ser obrigada a presenciar toda essa palhaçada de causa beneficente uma vez por ano, todavia, o fato pelo qual tenho maior gratidão é a certeza de que eu nunca serei como nenhum de vocês que estão sentados a essa mesa. — Sorrio para o restante das pessoas, que olham indignadas. — Não me levem a mal, não estou querendo dizer que sou superior ou algo do tipo, nesse caso eu me igualaria a vocês, apenas não nasci para essa vida. E eu tentei, juro que tentei. Por duas semanas, pedi para que me ensinasse todas as regras possíveis de etiqueta, para que assim eu pudesse agir exatamente como uma pessoa da alta sociedade, porém, quanto mais eu tentava, mais eu percebia que esse não é o meu lugar. — Suspiro. — Eu não quero estar sentada aqui, tomando champanhe, sorrindo e fingindo que esse jantar é de alguma forma caridade. Não quero falar sobre como Noah está construindo sua carreira promissora de Medicina em Harvard, ou como Oliver vai se casar com uma garota podre de rica que conheceu há um mês, eu quero me sentar nessa mesa e discutir sobre o que podemos fazer que realmente traga benefício para essas crianças. Vocês acham que isso aqui é ser beneficente? — abro os braços, apontando para a mesa, e rio ironicamente. — Benefício para quem? Para os seus egos? Para as imagens sorridentes que aparecerão nos jornais amanhã, dizendo que são pessoas ricas que pensam nos pobres? Já tentaram pelo menos uma vez conversar com alguma dessas crianças e perguntar o que elas realmente precisam ao invés de tratarem elas como talões de cheque e darem apenas um prato de comida chique e um brinquedo, como se fossem bichinhos de estimação? — encaro cada rosto ao meu redor e, como eu esperava, não obtive respostas, apenas expressões atônitas. — Bem, eu já, e posso afirmar com toda certeza que dentre essas crianças que vocês julgam como miseráveis e dignas de pena, existem pessoas maravilhosas com mentes brilhantes e muito potencial para serem futuros cientistas, chefes de cozinha, esportistas ou até mesmo, quem sabe, o próximo presidente dos Estados Unidos. — Ergo os ombros. —, mas sabem o que essas crianças realmente precisam? Oportunidades! Pessoas que acreditem e invistam nelas, que lhes dê uma família, um lar, esperança, amor e carinho. Elas não são só crianças pobres e sem família, são o futuro do nosso país, o futuro da humanidade, e nós somos responsáveis por fazer delas pessoas boas que irão transformar o mundo. Já pensaram em adoção ou se acham superiores demais para ter uma criança não biológica de origem humilde dentro de suas casas? Essa é uma questão que todos nós, como sociedade, deveríamos pensar melhor sobre, porque ser beneficente é muito mais do que riscar números em um cheque e oferecer um prato de comida.
Sinto a garganta seca e dou um longo gole no copo.
Todos ainda me encaravam atônitos, incluindo minha mãe, que parecia a beira de ter um colapso, porém, como já estou aqui, vou até o final. Respiro fundo e me viro para minha progenitora.
— Mãe, sinto muito se eu não sou a pessoa que você gostaria que eu fosse, mas eu não me arrependo ou me envergonho de ser quem eu sou. Eu passei grande parte da minha vida tentando provar para mim mesma que eu não sou igual a você, eu pintei meu cabelo para não parecer com você, fiz milhares de coisas inconsequentes e tentei afastar da minha vida uma pessoa que sempre foi incrível comigo só por causa da sua estúpida obsessão pela minha vida amorosa. Mas agora eu sei que não preciso provar nada, porque eu nunca serei como você quer e não serão vestidos, maquiagem, ou aulas de etiquetas que mudarão isso. Essa bem aqui na sua frente é a verdadeira , e eu não vou mudar para me encaixar nos seus padrões, então você pode me aceitar do jeito que eu sou e me deixar tomar minhas próprias decisões sozinha ou vamos continuar brigando e perdendo a oportunidade de realmente ter uma relação decente de mãe e filha.
Agarro a mão de , que também me olhava um tanto maravilhado, e puxo-o para fora da mesa, obrigando-o a se levantar. Pego novamente a taça de champanhe sobre a mesa e viro o seu conteúdo goela abaixo de uma só vez e digo:
— Agora, se nos dão licença, temos um assunto inacabado para resolver.
E sem dizer mais uma palavra, arrasto o em direção ao corredor que dá acesso o segundo andar, no entanto, antes de deixar a sala um estalo me vem à cabeça, me viro novamente e digo:
— Ah, e da próxima vez que quiser me arranjar alguém para namorar, tente uma garota, porque, caso você não saiba, eu sou bissexual e gosto delas também.
Lanço uma piscadela e volto a conduzir para fora da sala. Subimos as escadas apressadamente e caminhamos até a última porta a esquerda do corredor, que não demoro a abrir. Empurro o garoto bruscamente contra a parede e giro a chave na porta.
— O que foi aquilo? Você foi incrível! — ele exclama.
— Por favor, só cala a porra da boca e me beija logo, sinto que vou explodir se esperar mais um minuto!
sorri e não demora a segurar meu rosto com ambas as mãos e colar seus lábios aos meus. Sua língua se encontra com a minha e juntas elas se encarregam de explorar o sabor da boca um do outro, todo o meu corpo começa a pinicar, pedindo mais contato da minha pele com a dele, então afasto-o rapidamente e vê viro de costas, fazendo gestos para ele abrir o zíper traseiro e me ajudar a retirar o vestido enquanto eu trato de me livrar dos sapatos. Mas é claro que ele não perderia a oportunidade de me provocar e descer o fecho com uma lentidão tão descomunal que quase me faz gritar de frustração, e só não faço porque minha boca é calada no momento em que afasta meu cabelo e começa a distribuir vagarosamente beijos por todo o meu pescoço.
— Você tava gostosa pra cacete enfrentando sua mãe daquele jeito, sabia? Me deixou duro igual pedra — ele murmura ao pé da minha orelha e deixa uma pequena mordida no lóbulo, fazendo os pelos da minha nuca se arrepiarem.
Suspiro, sentindo uma mistura de raiva e descontentamento com toda a demora em que as mãos dele escorregam pelos meus ombros enquanto retira o vestido do meu corpo e continua a acariciar minha pele com seus lábios. Reúno todas as forças do meu corpo para me afastar dele e com uma única puxada removo o vestido, viro-me de frente para o e seguro em sua gravata, puxando-o em minha direção ao passo que eu caminhava para trás, em busca da cama. Assim que sinto algo bater atrás da minha perna, jogo meu corpo sobre a superfície macia, levando o garoto junto comigo, e não demoro a afundar os dedos em seus cabelos, colando os lábios aos dele.
percorre suas mãos pelo meu tronco, indo até as costas, com a intenção de tirar meu sutiã, porém afasto-o antes de conseguir concretizar o ato.
— Eu já estou em muita desvantagem aqui, tá na hora de mostrar um pouco de pele também, senhor . — digo enquanto desamarro sua gravata e depois a jogo ao chão.
O garoto emite uma bufada de ar, retira o paletó e logo em seguida começa a desabotoar a camisa. Sorrio com o pensamento que me vem a cabeça e estico o braço até o criado mudo, abrindo a primeira gaveta.
— Não precisa se preocupar, eu tenho camisinha aqui — diz enquanto desafivela o cinto.
Emito uma risada porque pela primeira vez eu estava muito agradecida pela obsessão de em ser certinho, já que eu nem havia cogitado sobre a camisinha, pois estava ocupada demais imaginando o pau dele saindo e entrando de dentro de mim em um ritmo frenético.
— Não é isso.
Tiro o meu antigo iPod de dentro da gaveta e o coloco no suporte sobre o móvel. Seleciono minha playlist, que eu carinhosamente apelidei de “The F Word”, e dou play na exata música perfeita para aquele momento.
Vacancy was lit
The guests were checking in
The concierge was cold,
The water pipes had mold all over them
— Sério, ? Isso não é hora de ser fangirl. — O revira os olhos.
— Eu não estou sendo fangirl, essa música é boa pra caralho pra transar, ok? São poucas as pessoas com quem eu já transei ao som de The Neighbourhood, você deveria se orgulhar! — digo em claro tom de indignação. — E você não quer que todo mundo lá embaixo ouça a gente, não é? — questiono e ele fica em silêncio. — Foi o que pensei. Agora cala a boca e me beija.
The room was fit for two,
The bed was left in ruins
The neighbor was knocking, yeah
But no one would let him in
sorri e cobre meu corpo com o dele, não demorando a unir nossos lábios em um beijo ardente. Levo minhas mãos aos seus cabelos, bagunçando-os, enquanto ele passeia os dedos pela minha barriga, sentido ao meio das minhas pernas. Ele se livra da minha calcinha e seus dedos começam a estimular o clitóris, fazendo-me gemer contra sua boca.
Touch me, yeah
I want you to touch me there
Make me feel like I am breathing
Feel like I am human
Para mostrar que eu também posso entrar no jogo, desço as mãos pelo abdômen do até invadir sua cueca boxer e percorro os dedos por toda a extensão de seu pênis. Ele solta um suspiro e sorrio satisfeita.
Dancing through the night
A vodka and a sprite
A glimpse of the silhouettes
A night that they never forget
aumenta a velocidade de seus movimentos, agora me penetrando com os dedos vez ou outra, e eu também aproveito estimular a glande e atacar seu pescoço estupidamente cheiroso — e agora suado.
— Você vai estragar a brincadeira se continuar assim — avisa.
Emito uma risada, e sussurro próximo ao seu ouvido:
— Eu tô pouco me fodendo.
Touch me, yeah
I want you to touch me there
Make me feel like I am breathing
Feel like I am human
Subitamente o se afasta de mim e agarra ambas as minhas mãos, distanciando-as de si e levando-as até a altura da minha cabeça. Ele vai até a calça jogada ao chão e pega a camisinha, rasgando o pacote e vestindo-a em seu membro em seguida. Vê-lo ali, duro e pronto para entrar em mim me excita de uma maneira que eu não imaginava, então desço as mãos pelo meu corpo, na intenção de terminar o trabalho que havia começado.
Touch me, yeah
I want you to touch me there
Make me feel like I am breathing
Feel like I am human
Quando meus dedos penetram minha buceta e gemidos começam a escapar pela minha garganta, se posiciona entre as minhas pernas e retira minha mão de lá, fazendo-me resmungar em resposta, porém logo meus dedos foram substituídos pelo pau dele, roçando em meu clitóris e provocando a minha entrada. Contorço-me embaixo dele, gemendo em frustração e rebolando o quadril em sua direção, na esperança de ele acabar logo com essa palhaçada e me foder logo de uma vez.
— ... — choramingo.
— Fala, princesa — ele diz com um maldito sorriso no rosto.
O filho da puta estava gostando de me provocar!
— Me fode logo, caralho! — rebato, irritada, e o ri.
— Que falta de educação. Não foi assim que eu te ensinei.
— Que porra você quer que eu diga? “Por favor, introduza veemente o seu pênis no meu canal vaginal”?
emite uma risada e eu bufo, espalmando as mãos sobre seu peito e empurrando-o até ele cair ao meu lado na cama.
— Não tenho mais tempo para joguinhos.
She sought death on a queen-sized bed
And he had said, "Darling, your looks can kill,
So now you’re dead."
Subo no colo do , posicionando uma perna em cada lado de seu tronco e sustentando meu peso pelos joelhos, seguro na base de seu pau e encaixo-o na minha entrada, descendo lentamente e sentindo cada centímetro dele me preencher, e um suspiro sôfrego escapa de ambos os nossos lábios.
— Não acredito que isso finalmente tá acontecendo — o admite.
— É, nem eu. Acho que já esperamos tempo demais por esse momento. — Sorrio.
Espalmo as mãos no peito de e começo a subir e descer sobre o colo dele, o garoto emite um gemido e agarra minha cintura, porém não tenta controlar a situação. Passeio as mãos sobre seu abdômen, deixando algumas marcas com minhas unhas e o desce as mãos até a minha bunda, enterrando os dedos em minha carne e soltando um grunhido.
— Porra, ! — Ele exclama, jogando a cabeça para trás. — Caralho! — sorrio, movimentando minha pélvis de encontro à dele, fazendo-o urrar. — Ah, que delícia!
— Tá gostoso? — questiono, provocadora.
— Eu tô quase me sentindo no paraíso, só falta uma coisinha...
sobe as mãos sobre o meu corpo, até alcançar o fecho do meu sutiã, o qual ele não demora a arrancar do meu tronco. Seus dedos se arrastam pela minha pele, o toque suave e lento, e seus olhos escuros e brilhando estão vidrados no meu corpo, como se quisesse acompanhar e gravar cada movimento.
Eu nunca havia presenciado alguém me olhar com tanta devoção.
— Você é perfeita — o sussurra, acariciando ao redor dos meus peitos. — Simplesmente perfeita.
Suas mãos envolvem meus seios em uma prisão ardente, massageando a carne e friccionando suas palmas contra os mamilos e um gemido escapa por entre meus lábios. Sorrio em deleite, sentindo a temperatura do meu corpo aumentar cada vez mais e um lugar em especial latejar, pedindo por um pouco de atenção. Inclino meu tronco e percorro as mãos pela minha barriga, até atingir o ponto onde meu corpo e o de se encontravam e começo a esfregar os dedos sobre o meu clitóris.
Jogo a cabeça para trás e fecho os olhos, deixando meu corpo ser tomado pelas ondas de prazer e gemidos saírem pela minha garganta. Sinto os braços de me envolverem e o calor de seu tronco contra o meu, os lábios deixarem rastros úmidos pela pele cálida do meu pescoço, descendo pelo colo até abocanhar meu seio direito. Solto um grunhido e agarro os fios ruivos e embebidos de suor em seus cabelos, puxando-os levemente como forma de estímulo. Aumento a velocidade das minhas investidas, jogando meu quadril de encontro ao dele em um frenesi delicioso. Meu corpo inteiro parece pegar fogo e minhas costas começam a se arquear cada vez mais, e em poucos minutos todo o meu corpo explode em prazer.
O abraça meu corpo molengo e pós extasiado e o deposita sobre o lençol, invertendo nossas posições e tomando o controle. Ele inicia um ritmo lento, respeitando o momento de recuperação do meu corpo, porém, sinto pela pressão da palma de sua mão contra a minha no alto de minha cabeça o quanto ele estava se esforçando para não ir mais rápido, então assim que retorno a total consciência, abraço o corpo dele e desço as mãos pelo seu torso, arranhando-o com minhas unhas até chegar a bunda, que não hesito em agarrar com vontade cada lado — coisa que estava morrendo de vontade de fazer desde que o vi pelado no banheiro na semana passada —, puxando-o ainda mais para dentro de mim. Um grito sai pela minha garganta e envolvo a lombar de com as minhas pernas, impedindo que ele se afaste.
— Mais... Rápido...
Ele atende o meu pedido e aumenta a velocidade de suas estocadas enquanto minhas unhas continuavam a se arrastar por sua pele — o que com certeza deixaria marcas. Quanto mais o pau dele entrava em atrito com meu clitóris, mais eu sentia meu orgasmo próximo e sabia que o dele também estava devido a tensão em que os músculos das costas se encontrava. Seguro em sua nuca, aproximo os lábios do ouvido dele e sussurro:
— Goza comigo, .
Arrasto mais uma vez as unhas pelas costas dele e o dá as últimas estocadas antes de eu atingir o êxtase, e logo em seguida ele também se deixa ser dominado pelo prazer.
La petite mort
É uma expressão francesa designada ao orgasmo, pois acreditam que a sensação ao atingir ao ápice de prazer é semelhante a ter sua alma retirada do corpo.
Fecho os olhos, sorrindo e sentindo aos poucos os espasmos do meu corpo cessarem e as batidas do meu coração começarem a se acalmar, até deixar meu corpo se entregar a inconsciência com apenas um pensamento em mente:
Se a sensação de morte for gostosa pra caralho assim, eu quero morrer todos os dias.
●●●
Acordo sentindo forte clarão em meu rosto. Resmungo, cobrindo a cabeça com o lençol, e ouço uma risada, porém ignoro e volto a fechar os olhos. O lençol é puxado do meu corpo e a luz me incomoda novamente. Bufo, abrindo os olhos e me virando em direção a maldita luz, apenas para descobrir parado ao pé da cama com o celular em mãos, tirando fotos minhas. Emito um grunhido e pego o travesseiro ao meu lado, arremessando-o sentido ao , que ri novamente e desvia seu corpo.
— Filho da puta! Não é assim que se acorda uma mulher! Se eu ver nude minha na internet, vou arrancar seu pau fora e fazer você comer, seu cuzão!
O garoto emite uma risada e deixa o celular de lado, caminhando até a cama. Observo cada passo que ele dá como se fosse câmera lenta. O sorriso presunçoso no rosto, os olhos brilhando em divertimento, o abdômen perfeitamente definido e um tanto avermelhado devido às marcas que as minhas unhas deixaram na noite passada.
Puta que pariu, porque ele tem que ser tão gostoso?
sobe na cama, puxando minhas pernas de forma que meu corpo fique embaixo do dele.
O entrelaça os dedos aos meus, mantendo nossas mãos unidas acima da minha cabeça.
— Por que você sempre acorda tão nervosinha, hein?
— Porque você é um filho da puta e não me acorda do jeito certo! — grito em irritação e tento me soltar dele, fazendo apenas o sorriso em rosto aumentar ainda mais.
O começa a distribuir beijos pelo meu pescoço e inevitavelmente paro de lutar, cedendo às carícias e deixando que algumas arfadas escapem pela minha boca, até um pensamento aleatório surgir em minha cabeça:
— Sabe, eu acabei de constatar que “filho da puta” é uma expressão machista pra caralho. Quer dizer, se eu quero xingar você, por que eu chamaria a sua mãe de puta? Ela é maravilhosa!
se afasta, encarando-me com a boca aberta em descrença.
— Sério que você quer problematizar agora?
— É uma questão muito séria a se pensar, ok? São os pequenos detalhes do dia-a-dia que contribuem para que a nossa sociedade continue sendo machista e misógina. — o revira os olhos e volta a atenção ao meu pescoço, deixando algumas mordidinhas. — Têm tantos outros nomes os quais eu posso te chamar, como: Babaca, idiota, imbecil, estúpido, escroto, palerma, energúmeno, frouxo, cuzão...
— Ok, já entendi que tem muitos xingamentos dos quais você pode me chamar, mas que tal a gente esquecer isso um pouquinho e você me mostrar o jeito certo que eu deveria te acordar, hum? — o sorriso volta a preencher os lábios do garoto e não demoro a retribuir.
desprende suas mãos das minhas, deixando claro que eu poderia comandar e fazer o que bem entendesse. Espalmo as mãos sobre o peito do , derrubando-o sobre a cama, e engatinho até meu corpo ficar bem próximo do rosto dele.
— Sabe, hoje eu acordei com uma puta vontade de calar a sua boca com os meus lábios... Só não disse quais.
O garoto sorri ao entender o que eu quis dizer e não demoro a passar uma perna em volta da cabeça dele, de forma que seu rosto fique bem abaixo da minha buceta. Ele segura em ambas as minhas coxas e começa a distribuir beijos e mordidas pela minha virilha, fazendo-me todo o meu corpo estremecer. Quando ele suga meus lábios para dentro de sua boca, tenho que me controlar para não gritar. Sua língua começa a se movimentar sobre o meu clitóris e eu vejo estrelas, precisando usar um travesseiro para abafar os gemidos que saíam pela boca. Apoio uma das mãos sobre a cabeceira da cama e com a outra agarro seus cabelos e começo a rebolar sobre o rosto dele, buscando maior fricção. Mesmo que sua língua estivesse fazendo um trabalho maravilhoso em me chupar, eu queria mais, meu corpo inteiro pedia pelo dele e parecia entrar em combustão a qualquer minuto. Quando o orgasmo finalmente vem após alguns minutos, jogo meu corpo sobre a cama, exausta e ofegante, mas completamente satisfeita.
— Você deveria ganhar um prêmio pelas coisas que faz com a língua — digo, fazendo o rir. — ah, merda esqueci que não posso te elogiar porque só vou inflar mais o seu ego.
— Eu já te disse que não sou egocêntrico, eu só sei apreciar e reconhecer meu talento no que eu sou bom. — o garoto dá de ombros.
— Isso é exatamente o que uma pessoa egocêntrica diria — rebato, fazendo o garoto rir e consequentemente me levando a rir também.
Ficamos em silêncio por um tempo e em seguida encaro o rosto de , sem saber exatamente o que dizer, minha cabeça está tão cheia de perguntas que não sei por onde começar. É estranho porque ao mesmo tempo em que as coisas estão mais claras na minha cabeça agora, eu me sinto mais perdida do que nunca.
— Então, sobre aquele lance de você ter se apaixonado... — começo, e o garoto suspira.
— Sabia que você iria acabar perguntando sobre isso.
— Claro que eu iria perguntar sobre isso, não dá para fingir que não aconteceu — digo um tanto indignada e ele suspira novamente.
— Sim, , eu estou apaixonado por você, já faz um tempo, na verdade.
— Quanto tempo é “um tempo”?
— Desde que eu tinha quinze anos, eu acho. — Ele dá de ombro e encaro-o com olhos arregalados. — Você se lembra daquela peça de Sonhos de uma Noite de Verão que eu fiz no segundo ano do Colegial e antes da apresentação eu comecei a entrar em pânico e aí você disse que...
— Se você não subisse naquele palco e fizesse a melhor apresentação da sua vida, eu iria te dar um chute no saco tão forte que você se tornaria incapaz de gozar ou de ter filhos — completo, rindo em seguida.
— Aquilo foi uma coisa tão você de se fazer! Quer dizer, quem no mundo diria isso para um garoto adolescente sofrendo com uma crise de ansiedade? — ele diz, exalando indignação, o que só me fez rir mais. — Eu não sei o porquê, mas me senti tão sortudo em ter você na minha vida naquele momento que passei a peça inteira pensando no quanto eu queria te deixar orgulhosa de mim muito mais do que queria manter meu aparelho reprodutor intacto. Foi naquele momento que eu descobri que estava apaixonado por você.
Abro a boca algumas vezes, porém nada sai dela. Meu corpo inteiro está em choque e meu cérebro parece que vai explodir de tantos pensamentos que o rondavam. Como ele conseguiu saber que estava apaixonado por mim através de uma estúpida brincadeira? Como e por que ele manteve isso em segredo por cinco anos? CINCO ANOS! Como eu fui idiota o suficiente para não ter percebido?
— Por que você nunca me contou? — pergunto, ainda um tanto zonza, e ele ergue os ombros.
— Eu não sei, por medo de te afastar, eu acho. Quer dizer, nunca fomos muito próximos, já que parece que você tinha algum tipo de repelente contra mim, mas eu prefiro ser seu amigo, mesmo que distante, do que ser nada. — Ele passeia uma mão pelo cabelo, em sinal de nervosismo, e suspira. — Quando você veio me pedir ajuda com o lance da etiqueta, eu vi um brecha para me aproximar de você, eu sabia que era errado e totalmente mau-caráter, mas a única forma que eu encontrei de fazer isso era sexualmente. Eu não me arrependo de ter feito aquele acordo com você, , nessas últimas duas semanas eu me senti mais próximo de você do que jamais senti na vida. Poder te beijar e abraçar sem ter medo de rejeição foi uma das melhores experiências que já tive, eu não consigo descrever quão incrível para mim foram esses últimos dias com você.
Ouvir falar tão abertamente sobre seus sentimentos por mim me deixa apavorada e encantada, estou tão abarrotada por sentimentos conflitantes que quero correr para o mais longe possível ao mesmo tempo em que quero continuar ali, admirando o brilho apaixonado em seus olhos e o sorriso bobo em seus lábios. Eu nunca havia recebido uma declaração dessas antes, aliás, nunca havia recebido declaração alguma, todos os pseudo-relacionamentos que tive foram puramente físicos, apenas para satisfazer desejos sexuais, então tudo isso é algo completamente novo para mim, e acho que algo em meu rosto denuncia o nível de pânico que estou sentindo porque o automaticamente para de sorrir e suspira, levando uma de suas mãos até o meu rosto, o que, de certa forma, me acalma um pouco.
— Eu sei que tudo o que eu acabei de dizer deve estar soando confuso, apavorante e inacreditável, eu nunca demonstrei nenhum interesse romântico por você e agora estou aqui vomitando um amontoado de palavras sobre como sou apaixonado por você desde a minha adolescência, mas, em minha defesa, precisamos concordar que tudo isso só foi possível porque eu sou um ator bom pra caralho — ele declara, pomposo, me fazendo rir e acariciando minha bochecha com o dedão. — Eu só quero deixar claro que não tenho intenção alguma de te fazer se sentir obrigada a retribuir qualquer sentimento por mim, ok? Eu nunca quis e nem nunca vou querer te pressionar sobre isso. Se você não quiser nada comigo, tá tudo bem para mim, podemos voltar ao que éramos antes, ou continuar como estamos agora, é escolha exclusivamente sua. Eu só peço, por favor, não me tire da sua vida, seria doloroso demais ter que me afastar de você depois de tudo isso. Você é importante demais para mim, .
A angústia presente em sua voz e o medo transparecendo em seus olhos faz meu coração se apertar, e de repente tudo fica tão claro quanto água quando a realidade me atinge como um soco: Eu nunca havia percebido os sentimentos dele por mim porque estava ocupada demais tentando bloquear os meus. Eu me preocupava tanto em construir uma imagem desprezível dele, para me certificar de que nunca sentiria nada romântico e não faria o que os outros esperam de mim, que acabei desperdiçando a chance de conhecer o verdadeiro . No final das contas, a egocêntrica sempre fui eu.
Retiro a mão dele do meu rosto e entrelaço nossos dedos, comprimindo-os em uma tentativa me desculpar de alguma forma. Suspiro.
— Olhe, , vou ser sincera com você: Eu sempre tentei me manter distante de você porque você representa exatamente tudo que eu nunca pude e muito menos quis ser, tudo o que minha família sempre quis que eu fosse. Quando minha mãe começou com essa obsessão de querer nós dois juntos, eu comecei a bloquear qualquer sentimento bom em relação a você e criei uma imagem sua totalmente distorcida na minha mente como um lembrete do porquê eu não deveria me aproximar de você. É estúpido, eu sei, mas sempre fez sentido na minha cabeça. Durante essas duas semanas que começamos a nos aproximar de verdade, toda aquela imagem ruim que eu construí começou a desmoronar e os sentimentos bloqueados começaram a surgir e, não vou mentir, isso me assustou pra caralho. Eu não sei definir ainda o que eu sinto por você, mas sei que com toda certeza está bem longe de ser ódio e também não é amizade. Desde o meu momento de epifania durante o jantar, eu decidi que a partir de agora farei apenas o que o meu coração mandar, sem me importar com o que as outras pessoas acham, e o meu coração diz que eu estou pronta para tentar algo novo com você, então acho que a gente pode tentar um relacionamento monogâmico, entediante e heterossexual, se você quiser. — Ergo os ombros e o garoto ri, me puxando para um beijo.
— Já que está tudo resolvido ente nós e estamos sendo sinceros um com o outro, preciso te dizer o verdadeiro motivo de eu ter ficado na Flórida — se pronuncia e encaro-o com o cenho franzido. — Eu ia para a UCLA, já estava com tudo pronto para me matricular, estava com dormitório quase garantido, até que eu ouvi uma conversa da sua mãe com a minha. Ela estava reclamando sobre o quanto você é irresponsável e que ela gostaria que você fosse mais como eu. Criticou você não querer ir para uma “boa Universidade” e disse que iria arranjar um jeito de te mandar para a Europa. Eu me senti muito mal porque sabia o quanto você queria continuar na Flórida, por mais que não soubesse o motivo, então eu meio que me intrometi na conversa e tentei convencer sua mãe a deixar você ficar, mas ela não quis, então como eu sabia o tanto que ela gosta de mim, me ofereci para ir a UCF com você e dei a ideia de morarmos juntos para que eu ficasse de olho em você.
Encaro o rosto do garoto com uma sobrancelha arqueada e paro para pensar por alguns instantes. Ele tinha desistido da UCLA por mim?!
Antes que algo pudesse me parar, acerto um tapa em cheio no braço do garoto, fazendo-o me encarar assustado.
— Mas que merda? Por que você tá me batendo?
— Porque você é um idiota! Não acredito que você desistiu da UCLA por minha causa!
— Hum... De nada?
— Você é um imbecil! A UCLA era o seu sonho, você poderia estar em uma mansão em Beverly Hills agora, tomando mojito no café da manhã e atuando em uma série de sucesso ou um filme Hollywoodiano vencedor do Oscar! Você poderia ter a porra de um Oscar nas mãos agora! — Grito, furiosa, e acerto-o com outro tapa.
— Pare com isso, ! — ele rola sobre mim e prende meus braços, impedindo-me de acertá-lo outra vez. — Eu fiquei porque quis, só tenho vinte anos, ainda terei várias oportunidades pela frente. Além disso, gosto daqui, gosto das amizades que fiz, gosto de estar com você. Minha vida não seria a mesma na Califórnia e nós não estaríamos bem agora se eu tivesse ido.
Suspiro, balançando a cabeça e me dando por vencida. percebe que me acalmei e solta meus braços, saindo de cima de mim.
— Você se lembra daquelas irmãs que conhecemos no orfanato? — pergunto e ele concorda com a cabeça. — Elas são o motivo de eu querer tanto continuar na Flórida. Eu estava lá quando elas chegaram ao orfanato, estavam tão maltratadas e fragilizadas, , que tudo que consegui fazer quando as vi foi chorar. Eu ajudei a cuidar delas e acabei me apegando muito, principalmente à Iza, ela é uma garota muito especial. — Sorrio ao me lembrar da menina. — Eu sou o que elas têm de mais próximo de uma figura maternal, então eu não queria me mudar para outro estado e me afastar delas depois de todo o laço que criamos.
— Uau, eu nunca iria imaginar que esse era o motivo, mas é linda a forma que você fala dessas meninas, deve gostar realmente delas.
— Eu amo essas meninas com todo o meu coração. Queria tanto poder fazer mais por elas, sabe? Mas agora, mais do que nunca, estou de mãos atadas. Minha mãe provavelmente vai me deserdar, cortar todo o meu dinheiro e me jogar no olho da rua, eu não sei o que fazer — digo, sentindo o desespero começar a me atingir e lágrimas se acumularem em meus olhos.
— Ei — ele chama, segurando meu rosto entre as mãos e me fazendo encará-lo. — Você não tá nessa sozinha e não vai ser jogada na rua. Eu sempre estarei aqui e tenho certeza de que minha família não vai se importar em te ajudar também, podemos procurar vagas nos dormitórios e trabalhar nesses empregos de meio período.
— O professor Alderson me ofereceu uma vaga de estágio. Não é muito, mas pode ajudar em alguma coisa. — Ergo os ombros. — E eu sei fazer umas bebidas boas pra caralho, posso trabalhar como bartender. — concluo e o garoto ri, envolvendo-me com seus braços.
— Viu? Não tem com o que se preocupar, nós vamos resolver isso juntos.
Suspiro, recostando a cabeça sobre seu peito, aliviada. segura em meu queixo, levantando meu rosto para si, e passeia os dedos pela minha bochecha.
— Essa marca, foi a sua mãe quem fez?
— Ela surtou quando soube que eu rejeitei a proposta de ir para Yale, você acredita que ela subornou a Marian para me oferecer aquela vaga? — Os olhos de se arregalam e a boca se abre em descrença. — Ela tentou me obrigar a pedir desculpas e quando recusei ela me deu um tapa e me ameaçou.
— Então isso quer dizer que quando encontrei você... — Balanço a cabeça, afirmando. — Meu Deus, , me desculpe, eu... Eu não deveria ter dito aquelas coisas.
— Não precisa se desculpar, eu precisava ouvir aquilo, precisava de um empurrãozinho. Se não fosse por você, eu nunca teria feito aquilo no jantar ontem, então obrigada, obrigada por tudo. Durante todos esses anos eu fui uma escrota com você e você sempre foi maravilhoso comigo, obrigada pela paciência.
— Bem, são as coisas que um cara precisa se submeter quando se apaixona por uma garota rebelde, desbocada e mal-educada como você. — dá de ombros, fazendo-me rir.
me puxa para um beijo e em seguida me abraça, e assim ficamos por alguns minutos, apenas apreciando a companhia um do outro, até algo curioso surgir em minha mente:
— Posso te fazer uma pergunta? — questiono e o balança a cabeça em concordância. — Se você é apaixonado por mim desde os quinze anos, então isso quer dizer que todas as vezes que você bateu punheta foi pensando em mim?
me encara com a expressão carregada em espanto, sua boca abre e fecha algumas vezes e seu rosto adquire uma tonalidade extremamente avermelhada.
— Sério? De todas as coisas que você poderia ter me perguntado, você escolheu isso? — ele diz, exalando indignação.
— Preciso saber quantas vezes fui objetificada por você. — Ergo os ombros em indiferença.
passeia as mãos pelo rosto e depois esfrega o pescoço em sinal de nervosismo.
— Sim, . Na maioria das vezes, sim.
— A maioria? Então quer dizer que você também fez isso pensando em outras pessoas? — pergunto, surpreendentemente me sentindo ofendida.
— Você tá com ciúme do meu pênis? — ele questiona, incrédulo.
— Claro que não, é só... Se você diz que é tão apaixonado por mim, achei que não desejasse outra pessoa. — Dou de ombro.
— Eu não podia permanecer um virgem pra sempre esperando por você, , tenho desejos e necessidades como todo mundo! — ele rebate, visivelmente irritado.
— Ok, não precisa se estressar, foi só uma pergunta! — Defendo-me, erguendo as mãos. — Ugh, eu preciso tomar um banho, meu cabelo tá nojento e eu tô fedendo a sexo.
Começo a me levantar, porém sou impedida pelas mãos do , que me puxam de volta para a cama e me prendem abaixo dele.
— O que você acha de fazermos isso juntos, hein? Sabe, economizar água, salvar o planeta e tal — ele sugere, sorrindo com malicia.
— Hum, sabe que não é má ideia? Eu adoraria ter um par extra de mãos para me lavar, principalmente... Aqui — Guio uma mão dele até o meio das minhas pernas. — Mas você vai ter que me levar. Sou uma dama, sou frágil e não posso me esforçar muito, preciso dos braços de um forte cavalheiro para me conduzir.
— Neste caso, será uma honra servi-la... Princesa.
me arranca da cama com uma só puxada e joga meu corpo sobre os ombros como se eu fosse uma boneca. Solto um grito, batendo em suas costas e dando risadas enquanto ele caminha em direção ao banheiro.
Epilogue
Eu gostaria de poder dizer que os seis anos da minha vida que se seguiram desde o Dia de Ação de Graças foram fáceis, mas sabemos bem que a vida adulta é igual homem machista: A tendência é só piorar. Depois de ser deserdada pela minha família por ter feito aquele discurso, que foi parar em todas as capas de jornais e revistas do país e fez meus pais perderem vários “aliados”, tive que trabalhar em dois empregos para pagar os estudos e manter uma vida razoável. Durante o dia, eu fazia o estágio que o professor Alderson me ofereceu — e apesar de ser incrível e me ensinar muitas coisas, não dava pra bancar tudo — e à noite eu trabalhava como bartender no FREEDOM.
Foi uma boa experiência trabalhar em um bar, apesar de já ser desconstruída na época, eu nunca havia realmente saído da bolha de menina rica privilegiada que tem tudo que quer, no entanto, não foi difícil me acostumar com a nova vida. Não vou mentir e dizer que não ouvi bastantes comentários desnecessários, mesmo trabalhando em um bar gay, porque, pasmem, homens gays continuam sendo homens e isso não os isentam de machismo, porém também conheci várias histórias incríveis e inspiradoras, então para mim isso vale mais a pena do que as caras que eu quis socar.
e os s se ofereceram para me ajudar, todavia, recusei. Não por orgulho ou algo do tipo, e sim porque eu realmente não achava necessário, mas era óbvio que eles não desistiram tão facilmente, então concordei que pelo menos o aluguel do nosso novo apartamento ficaria por conta deles, já que o antigo era custeado pela minha “família”.
Os fins de semana, reservei para ir ao orfanato e sempre ia comigo quando podia, as crianças sempre pulavam de alegria quando nos viam. Foi engraçado quando voltamos lá pela primeira desde que começamos a namorar de verdade, Debby, uma menina de seis anos, começou a chorar quando viu o e se recusou a falar com ele, pois segundo ela ele tinha prometido ser seu namorado e a havia traído comigo. Eu obviamente não perdi a oportunidade de zoá-lo por meses.
A minha relação com continuou praticamente a mesma, só deixamos um pouco mais apimentada. As provocações continuaram, as pequenas brigas — que geralmente terminavam em um bom sexo de reconciliação — continuaram, os beijos depois dos palavrões, que agora valia para ambos os lados, também continuaram. Nós basicamente passamos de colegas-de-quarto-não-tão-íntimos-assim para colegas-de-quarto-que-transam-em-qualquer-lugar-da-casa — e quando digo qualquer um é qualquer um mesmo, acho que não tinha um canto daquele apartamento que não foi batizado.
Claro que nem tudo giravam e torno de sexo, a gente fodia violento, mas também dormia fofinho. Tive alguns momentos românticos, inclusive uma vez tentei cozinhar o jantar, mas quase coloquei fogo na cozinha e acabamos pedindo uma pizza.
Todavia, infelizmente, nem tudo são flores. Durante a minha Pós-Graduação, recebi uma proposta irrecusável para fazer trabalho voluntário na Tailândia e também precisava fazer algumas audições em Los Angeles, então conversamos e como dois adultos decidimos que o melhor era darmos um tempo para que cada um pudesse resolver seus interesses.
Quando retornei, seis meses depois, estava lá — com o cabelo um pouco maior e a barba por fazer, devido ao novo personagem que estava interpretando —, sorrindo como sempre e pronto para me acolher em seus braços. Não preciso entrar em detalhes, mas podemos dizer tiramos todo o atraso e matamos qualquer resquício de saudade aquela noite.
Aos vinte e quatro anos consegui finalmente montar meu estúdio e começar a lecionar, como já tinha uma vida estabilizada, decidi dar o pontapé inicial e por em prática o meu maior sonho desde os dezesseis anos: A adoção.
Não era segredo para ninguém que minha primeira opção seria adotar Faizah e Falala, elas eram o bem mais precioso que eu tinha na minha vida, mas era claro que não seria um processo fácil. Primeiro me disseram que eu não tinha renda o suficiente para sustentar duas crianças sozinha, o que logo me fez entrar em desespero, então decidiu entrar nessa comigo. Infelizmente — ou felizmente — ele tinha um salário, literalmente, milhões de vezes maior do que o meu, a nova série de TV da qual ele fazia parte do elenco principal estava fazendo sucesso por todo o mundo, inclusive ele concorrerá ao Emmy esse ano.
Como eu fujo de casamento na mesma intensidade que homens fogem de assumir paternidade, decidimos então optar por uma União Estável, o que basicamente é a mesma coisa que um casamento, mas sem toda aquela de papagaiada de véu e grinalda. Precisei adotar o sobrenome porque meus pais me proibiram de usar o deles para qualquer coisa, não que eu achasse isso ruim, mas foi um saco ter que trocar todos os meus documentos.
Com a renda resolvida, o problema passou a ser a família delas. Mesmo que a mãe esteja morta, elas ainda tinham outros familiares mais distantes que, pela lei, precisam aprovar a adoção. Além disso, eram necessárias audiências, avaliações dos nossos comportamentos — nem preciso dizer que tive que passar por aulas de etiqueta de novo —, perfis psicológicos e nossa relação como casal. Fora o período de adaptação, o que eu achei um absurdo, uma vez que elas já nos conheciam muito bem. Todo o processo durou dois anos, três meses e cinco dias, até o dia de hoje, quando finalmente recebemos os papéis definitivos para adoção das nossas filhas.
Giro a chave na porta da nossa mais nova casa e ela se abre, revelando os móveis novinhos que havíamos acabado de comprar. Apesar de eu sempre ter preferido viver em apartamento, decidimos que seria mais adequado termos uma casa, para as meninas poderem aproveitar melhor e correr por todos os cantos, então mandamos construir uma casa na beira da praia com um quintal enorme, piscina, casa na árvore, balanço e até campo de futebol. Acordo dos meus devaneios quando Faizah e Falala passam por mim, correndo em direção às escadas.
— Ei, não corram, vocês vão se machucar! — advirto, porém sou ignorada.
Suspiro, olhando em volta, ainda sem acreditar que aquele sonho tinha virado realidade. Sinto lágrimas se acumularem nos meus olhos e nem tento conter a emoção. Os braços de rodeiam a minha cintura e eu sorrio, apoiando a cabeça em seu peito.
— A gente conseguiu, .
Ele me vira si, segura meu rosto entre as mãos e com os polegares limpa as lágrimas que escorriam pelas minhas bochechas.
— Não, , você conseguiu. Foi você quem amou essas meninas desde o início, foi você quem prometeu e se certificou de que elas tivessem alguém cuidando delas por todos esses anos, foi você quem lutou por elas com todas as suas forças. É graças a você que elas têm um lar e uma família agora.
— Mas eu não teria conseguido sem você — digo em meio às lágrimas.
— Eu tô aqui mais pra apoio emocional e financeiro, mas, tudo bem, vou aceitar um pouquinho do mérito dessa vez.
Dou uma risada, tentando empurrá-lo para longe, porém ele me puxa de encontro ao seu peito e me envolvem em seus braços.
— Sabe o que deixaria tudo ainda mais perfeito?
— O quê?
— Você se casar comigo.
Bufo, afastando-me dele e cruzando os braços abaixo do peito.
— , a gente já conversou sobre isso, você sabe que eu acho que casamento é...
— Só mais uma ferramenta do patriarcado para perpetuar a dominação dos homens sobre as mulheres — ele completa, em tom entediado.
— Que bom que você já decorou, agora só falta aceitar. — Dou dois tapinhas em seu peito e ele revira os olhos. — , nós moramos juntos desde os dezessete anos, e transamos desde os vinte, estamos estavelmente unidos pela lei e temos duas filhas. Eu tenho até a porra do seu sobrenome! Nós já somos casados! — Jogo as mãos para o alto em irritação.
— Eu quero algo real, . Igreja, festa, padrinhos, damas e todas essas coisas. Quero ter uma memória e fotos para um dia poder contar aos meus netos ou bisnetos. Só achei que valia a pena tentar. — Ele ergue os ombros, parecendo tristonho.
— Amor... — Circulo seu pescoço com meus braços, fazendo-o olhar em meus olhos. — Eu prometo que quando eu me sentir pronta para um casamento de verdade a gente vai reunir todos os nossos amigos, pegar o primeiro avião para Las Vegas, comprar roupas de grife pra todo mundo, ir a uma daquelas igrejinhas lindas e nos tornar oficialmente casados pelo Elvis. Depois vamos dar a maior festa de todos os tempos, ficar bêbados pra caralho, ir a um daqueles hotéis luxuosos e ter vinte e quatro horas de puro sexo. Tá bom pra você?
— Hum... Não é exatamente o que eu imaginei, mas é melhor do que nada. Parece uma boa ideia, eu topo.
— Ótimo, agora podemos parar de falar sobre isso. — digo e ele bufa. — E eu ainda acho que não vai mudar nada, eu amo você e não preciso de um pedaço de papel, uma igreja decorada ou até um sósia do Elvis Presley pra me dizer isso.
— Eu também amo você, — ele diz, dando-me um selinho.
— Ugh, é tão estranho ter o seu sobrenome, parece que aquela piada da adolescência sobre sermos irmãos só ficou mais reforçada agora. — desdenho e ri. — Nós precisamos de um bom apelido para essa família.
— Que tal Quarteto Fantástico? — sugere e Frank, nosso cachorro, passa correndo por nós. — Quinteto Fantástico, então.
De repente ouço barulhos altos de sapatos batendo contra o chão e em poucos segundos duas figuras pequenas estão pulando na nossa frente e puxando nossas mãos.
— Mamãe, vem ver o nosso quarto! — Falala grita.
O tempo parece parar e tudo a minha volta fica em câmera, a única coisa que consigo ouvir são as palavras dela ecoando na minha mente.
Ela me chamou de mamãe? Eu sou uma mãe? Meu Deus, tudo isso parece tão surreal.
Abaixo-me na frente dela, ainda maravilhada, e seguro em suas mãos.
— Você me chamou de mamãe?
— Não pode? Desculpa — ela diz, parecendo amedrontada.
— Não se desculpe, meu amor, é claro que pode. Eu só fiquei surpresa. — Abro os braços para ela. — Me dá um abraço?
Lala concorda com a cabeça e me envolve com seus bracinhos. Circulo os meus em volta dela, apertando-a contra meu peito. Iza nos observa parecendo chateada e eu sei que ela está com ciúmes. Normalmente eu mimo ela e, consequentemente, o mima a Lala, não que eu tenha preferência por uma delas, amo as duas igualmente, porém sempre tem aquilo dos pais se darem melhor com um filho. Meu Deus, eu sou mesmo uma mãe!
— Vem você também, Iza. — Abro os braços novamente.
Faizah corre em minha direção, se juntando à irmã no abraço, e eu suspiro, sentindo meu peito se encher de alegria.
— Vocês podem me chamar de mamãe se quiserem, não tenham medo. E o é o papai de vocês agora, então podem chamar ele assim também. Vocês são nossas filhas e ninguém vai mudar isso, ok? — digo e elas balançam a cabeça. — Agora vamos lá ver esse quarto.
Elas saem correndo novamente, sem esperar por nós dois. me estende a mão e eu aceito, deixando-o me conduzir escada acima, no entanto, quando estou prestes a subir o último degrau, acabo tropeçando.
— Ai, porra! — exclamo, tampando a boca em seguida quando constato o que acabei de dizer.
me lança um olhar repreendedor e acabo dando uma risada, as meninas aparecem, me olhando confusas.
— Mamãe, o que é porra? — Lala pergunta.
Olho para , pedindo ajuda, porém ele permanece com o olhar sério, como que diz “você fez a merda, agora se vira”. Suspiro.
— É uma palavra feia que os adultos usam quando estão muito, muito zangados e vocês não devem usá-la, ok?
Tento falar em um tom que pareça muito sério, no entanto, também tenho vontade de rir pela situação. Elas dizem um “ah” em uníssono e voltam para dentro do quarto. balança a cabeça, reprovando minha atitude.
— Não me olhe assim, você não quis me ajudar. — Ergo os ombros em indiferença e sigo para o quarto.
Observo as meninas brincarem e sinto as lágrimas encherem meus olhos de novo — essa coisa de ser mãe anda me deixando muito emotiva. Sinto os braços do ao meu redor novamente e suspiro, sentindo meu coração saltitar de felicidade.
— Nós somos pais, ! Dá pra acreditar nisso? Dá pra acreditar que aquela inconsequente de vinte anos agora é mãe?
— Estou muito orgulhoso de você, amor.
Sorrio, inclinando-me para beijá-lo, no entanto, antes que eu pudesse concretizar a ação, ouço:
— Porra, Lala!
Meus olhos se arregalam e viro-me novamente para frente, encontrando o abajur de Faizah aos pedaços no chão, ela com olhar furioso sobre a irmã e Lala parecendo prestes a chorar. cruza os braços, me encarando com a mesma expressão severa de alguns minutos atrás. Dou de ombros e digo:
— O que eu posso dizer? Tal mãe, tal filha!
FIM
NOTA DA AUTORA: Finalmente chegamos ao final! Peço desculpas pela demora, eu acabei ficando um pouco desanimada em continuar postando a fic aqui no site porque não tive nenhum retorno. Por favor, gente, comentem o que vocês acharam, ok? Esse feedback é muito importante pra mim. Queria deixar um muito obrigada a Maria Eduarda por ter se importado de perguntar sobre a fic, esse final só saiu por sua causa, viu hahaha. Enfim, espero que tenham gostado desse final, não foi o melhor do mundo, mas foi o que consegui escrever até agora, quem sabe no futuro eu consiga melhorar. Espero que vocês me acompanhem em outras histórias, pretendo em breve começar a postar um Spin-Off de The F Word. É isto, beijinhos e até mais.