That Moment

Escrito por Let | Revisado por Especial Criativo

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  Brasil. Sábado à noite.

  Caramba.
  Dá para acreditar que FINALMENTE essa pandemia acabou?
  E que estou prestes a vivenciar o momento mais esperado da minha vida?
  Meus olhos não acreditavam no que liam. Meses depois que recebemos a notícia que a pandemia do Covid-19 teve seu fim mais esperado que... sei-la-o-quê, os sites de músicas mais famosos do Brasil e do mundo não demoraram para anunciar a volta dos festivais mais aguardados de todos os tempos.
  O Rock In Rio estava de volta, senhoras e senhores! E um dos meus sonhos, consequentemente, também estava.
  Nunca havia saído do estado de São Paulo. Nunca mesmo. Principalmente com apenas uma única companhia, o qual eu nutria um amor intensamente incondicional e que eu não sabia se era correspondido ou não, mesmo que tivessem pouquíssimos sinais.
  Ok, falando assim pareço exagerada, mas é a verdade, leitor. E mais adiante vou abordar esse mérito, como costumo falar com .
  Nos conhecemos no segundo ano da faculdade, e segundo ele, havia uma espécie de encontro emocional naquele instante. Mas eu ainda não tinha o conhecimento disso. Então... decidi optar pela amizade, para não assustar de primeira, e foi aí que eu me enganei.
  Meses depois, acabei me apaixonando por ele. E acho que ele percebeu, pois em algumas semanas, sem mais nem menos, resolveu me bloquear no WhatsApp. Depois disso, foram idas e vindas, principalmente da minha parte, em voltar a nos falar. Enfrentei diversos problemas principalmente em casa, por conta de nossas conversas no aplicativo, mas eu sempre insistia em falar com ele, mesmo que virtualmente, já que pessoalmente mal nos falávamos. A questão era (não, era não; ainda é, na verdade) que havia timidez em ambas as partes, e ele era do tipo que aguardava pelo primeiro passo, até que nas nossas conversações eu sempre era aquela pessoa a mandar mensagem primeiro. E estamos assim até quando poderíamos estar, porque ainda que houvesse objeções contrárias aos nossos encontros pessoais, eu não conseguia deixar de falar com ele. E agora ele estava aqui, do meu lado, em pleno Rio de Janeiro, me acompanhando para o festival que já havia começado na quinta-feira.
  Confesso que eu custei acreditar que ele aceitasse meu convite repentino. Acabávamos de nos formar na mesma faculdade, no litoral de São Paulo, onde morávamos, e agora, isso simplesmente acontece. Estávamos no Palco Mundo, destinado principalmente para artistas internacionais. Era minha primeira vez naquele festival, e eu queria muito que fosse algo marcante e inesquecível. Mais até do que a Where We Are Tour de 2014. Chequei minhas roupas novamente, para ver se não estava faltando nada, e percebi que estava tudo nos conformes, enquanto o meu acompanhante vestia uma de suas blusas preferidas da Marvel. Mesmo que, certa vez, ele tenha me dito que havia parado com os rocks porque “isso estava afetando o seu comportamento”, acabou aceitando o meu convite.
  ─ É sério, , estou tão empolgada para esses shows... ainda mais agora que a novidade do momento é os Killers, cara! Isso é o máximo, porque eles nunca tocaram neste festival, só no Lolla mesmo. ─ comentei, dando uma pausa enquanto bebia um pouco da água em minha garrafinha. ─ The Killers, na minha frente, no sábado a noite! Se eu desmaiar você sabe como me acudir.
  ─ Claro que sei, . ─ ele não estava blefando. Eu havia contado para ele que fui diagnosticada com hipoglicemia aos 18 anos, e esse problema perdurou até o momento. Coisa que o fez comentar sobre sua mãe, Wanessa, que sofre do mesmo problema. Por um lado, senti alívio por saber que ele convivia com alguém que tinha esse problema, e por outro, bem, eu odiava me sentir tão vulnerável e dependente, sabe? Com aquela sensação de te deixar incapacitada para fazer qualquer coisa. ─ , você me escutou?
  Onde foi que eu errei, Senhor?
  ─ Ah, foi mal. ─ me redimi, o fazendo repetir seja lá o que fosse que ele tenha dito antes, já que acabei me perdendo em breves pensamentos enquanto admirava em volta. E esse era o meu maior defeito: distrações.
  ─ Estava dizendo que a fila andou e que tem gente esperando entrarmos no local. ─ não sabia muitas vezes como me tratar, ou falar comigo, mas eu tinha conhecimento de que aquilo não era culpa dele. Ele sempre foi alguém muito retraído, então eu sabia exatamente como se sentia quando estava perto de uma garota. Principalmente se ela fosse eu. De repente, meu organismo ameaçou me deixar um pouco tonta, e eu não fazia ideia do porquê. ─ Você está bem?
  Olhei para ele de soslaio, tentando entender o que estava acontecendo, já que eu parecia voltar ao normal, aos poucos.
  ─ Estou, . Estou.
  ─ Ah ‘tá, porque eu achei que você ia desmaiar agora mesmo. ─ acusa vendo minha reação se normalizando aos poucos. Realmente, eu precisava comer alguma coisa, já que minha teimosia insistia em me fazer perder a fome nas horas erradas. Como no almoço, que se resumia a apenas um lanche do Burguer King e um sorvete de sobremesa. Ah, organismo, se comporte. Hoje é meu dia! ─ Vem, chegou a nossa vez. ─ deu a mão grande e quente para mim, e me conduziu ao local em que ficaríamos.

  E os minutos que se passaram foram... como poderia dizer: mágicos? Só pode ser, porque acabamos de entrar na área onde nos disponibilizava o local que ocorreria o show, dali a uma hora, e ainda bem que eu estava com a minha bolsa de suprimentos. Lembra quando comentei sobre a hipoglicemia? Bom, isso consiste em um resumo simples: nunca deixar de comer de 3 em 3 horas, porque senão sua pressão não cai; despenca, te fazendo perder a força em se manter de pé em questão de segundos e, bem, não é uma coisa muito agradável de se ver, pois em alguns casos a pessoa chega a entrar em coma e... ser fatal, até.
  Enfim, rapidamente escolhemos um lugar bem perto do palco que estava montado e uns músicos tocavam alguma música para animar a galera, ansiosa como eu estava, me senti naquele momento, já que o aguardado show mesmo só começaria dali uns 50 minutos. Aproveitei esse tempo para comer meu sanduíche natural que fizera na casa da prima dele, que era carioca e morava aqui desde 2019, creio, porque ele não tinha me contado todos os detalhes e afins. me observava curioso, como se estivesse guardando todos os detalhes do meu rosto, que parece mais de quem ainda está na adolescência do que uma adulta propriamente dita, aos recentes 25 anos. Comia meu sanduba em silêncio, ainda tentando entender o que se passava na mente dele, que talvez, só talvez, sentia algo profundo por mim, mas não sabia como demonstrar. E isso, caro leitor, era uma coisa que eu sempre admirei no público masculino, mesmo que a pessoa em questão não fosse o tipo clichê de garoto. Ele era lindo, para mim, que evitava se importar com beleza física, já que o que mais importava para mim, de verdade, era o nível de intelecto que ela possuía. E sim, o garoto que me acompanhava tinha esse perfil. O perfil mais inusitado que eu jamais me imaginei me apaixonar, um dia, ainda que eu compartilhasse do prazer nos games e coisas do tipo. , para mim, era um verdadeiro mistério enigmático que, um dia, adoraria conviver por toda a minha vida.
  Voltei a realidade quando o vi rindo de mim, com seus olhos de um castanho quase verde se fechando, e eu não sabia o motivo, até ele chegar muito perto de mim estendendo a mão em direção ao meu rosto.
  ─ Você se sujou todinha. ─ e assim, o deixei limpar o local, um tanto aturdida apenas o observando calmamente. Era impressionante o quanto às vezes ele era paciente. Até demais, eu diria. ─ Se eu não limpasse o pessoal rapidinho iria te zoar.
  ─ Ah, eu já imaginava. ─ eu e minha boca grande, que nunca sabia receber um gesto de gentileza ou... elogio. Era a Martins de sempre. Preciso aprender a aceitar mais as coisas. ─ Obrigada, eu acho.
  Sorri, muito, mas muito sem graça. Isso não costumava acontecer sempre, confesso.
  ─ De nada. ─ por fim, se limitou a dizer, enquanto me ajudava a levantar, já que eu havia terminado meu sanduba, e sem querer querendo, me esquecendo de o oferecer, mas sabendo que ele tinha um estômago de ferro, e aguentaria por um bom tempo sem se alimentar com nada, já que seu lanche era o triplo do meu, no nosso almoço.
  Deixando os pensamentos sórdidos de lado, decidi admirar mais o espaço incrivelmente animado ao meu redor, percebendo que havia muito mais pessoas do que imaginava, antes, apesar de estar fresco naquele horário da noite. Mais alguns minutos, e a verdadeira euforia iria começar.
  De repente, as luzes se apagaram, criando um suspense maravilhosamente empolgante, e eu ficava cada vez mais ansiosa para ver meus homens de Las Vegas, que por um milagre, voltaram a se reunir depois de uns belos anos. Mesmo que houvesse brigas, discussões, eu acreditei que um dia eu os veria reunidos novamente. Afinal, The Killers não seria os mesmos só com o Brandon Richard Flowers e o Ronnie Vannuci Jr. na formação. Era necessário que Mark August Stoemer e Dave Brandt Keuning, mesmo com o seu grande orgulho ferido, se arriscassem a tocar para os fãs, principalmente se fossem nós, brasileiros.
  Logo se ouvia a melodia de uma das músicas recentes deles, My Own Soul’s Warning, bem de leve, o que fazia a plateia ir à loucura naquele instante, e isso me incluía nesse meio.
  Não resisti, e gritei ao garoto ao meu lado, que parecia também se empolgar com a iluminação voltando aos poucos, com uma luz esbranquiçada, ou seria lilás? Iluminando o palco novamente.
  ─ Esse está sendo o melhor dia da minha vida. E sou muito grata por isso. ─ comentei em seu ouvido direito, deixando as palavras no ar enquanto não tirava os olhos do palco, revelando quatro silhuetas conhecidas por nós todos, fazendo o público gritar ainda mais alto. Decidi economizar meu fôlego, porque provavelmente iria precisar dele posteriormente.

“I tried going against my own soul's warning...”

  A voz de Flowers invadia o palco com sua calmaria ambulante, nos deixando todos eufóricos, fazendo meu coração palpitar com um pouco mais de força enquanto escutava aquela frase tão conhecia pelos meus ouvidos, depois de exatos dois anos ouvindo pelo YouTube.
  Olhei de soslaio para , que parecia impressionado com a banda surgindo a sua frente, tanto quanto eu. Era surreal que aquilo realmente estivesse acontecendo, e me permiti sorrir, com esse pequeno gesto compartilhado por nós dois. Eu realmente amava aquele garoto.

“But in the end, something just didn't feel right
Oh, I tried diving even though the sky was storming
I just wanted to get back to where you are...”

  E os acordes tão conhecidos daquela canção se fizeram presentes exatamente como acontecia na gravação da música, permitindo que uma lágrima escapasse de meus olhos. Aquela música era uma das minhas favoritas do Imploding The Mirage, e ouvi-la ao vivo e a cores me fazia ter uma paz indescritível.
  Eu ainda não acreditava que aquilo realmente estava acontecendo. , o garoto que eu amava, do meu lado, curtindo àquele momento surreal comigo, em outro estado que não fosse o nosso, e que, em breve, iríamos sair juntos do país, para um mochilão na Europa e outros países em que haveríamos de passar, porque simplesmente era o meu sonho de infância.
  Mas naquele momento, caro leitor, tudo o que eu fiz foi fechar os olhos e deixar me levar pelas músicas durante o show inteiro.

FIM



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