Swing
Escrito por Danielle | Revisado por Natashia Kitamura
Parte 1 – Swing
A única iluminação do local consistia de luzes nas cores azul, vermelha e verde dançando freneticamente em movimentos aleatórios pelo enorme e amplo salão escuro. As paredes eram pintadas de preto e neons vermelhos e azuis as rodeavam de fora a fora, como se formassem uma corda que abraçava as paredes do espaço por completo. No extremo sul da pista de dança, havia um bar onde os responsáveis por preparar os drinks trajavam uma calça social preta, camiseta branca rasgada em vários pontos aleatórios propositalmente e uma gravata borboleta. Esses mesmos barmans eram responsáveis não só por atender àqueles que pediam por bebidas, como também jogavam garrafas para o alto o tempo todo, brincando com os itens utilizados para preparar as mercadorias vendidas ali cinco vezes mais caras que em qualquer lugar que respeitasse o preço de mercado. Mas o que mais chamava a atenção em todo o cenário, eram as quatro colunas que formavam um palquinho redondo e eram dois metros mais altas que a pista de dança e estavam posicionadas nos pontos principais da boate. Dali provavelmente seria possível observar todo o movimento do local, todas as pessoas se movendo em ritmos variados. Aqueles locais destacados, no entanto, só eram ocupados na última hora antes do fechamento da Swing – ou seja, às três da manhã – quando funcionários da boate escolhiam um casal que mais havia dançado a noite toda e outro que menos houvesse feito isso para se exibirem para os demais. Esses escolhidos deveriam vestir um traje especial selecionado pela administração do local previamente. E esse “diferencial” da Swing era o que a destacava das demais boates quando um grupo de jovens a escolhia como cenário para um noitada. Esse fato era o que tornava aquele lugar apaixonante para e ainda mais horrível para mim.
- Não acredito ainda que você está mesmo me obrigando a isso. – reclamei quando eu, , , e finalmente alcançamos o bar da boate; eu mal havia entrado naquele lugar claustrofóbico e já estava morrendo de sede.
- Ai, , para de reclamar. Cara, você devia estar feliz porque podemos sair para qualquer lugar sem nos preocuparmos com a idade. Desfilar no Brasil é tudo de bom!
- A está coberta de razão. Além do mais, você não prefere comemorar seu aniversário de 19 anos assim, sem estar cercada de familiares e amigos, com um bolo enorme e cheio de velas te esperando para o “parabéns pra você”? Então, agradeça à ideia da . – disse passando um braço ao meu redor enquanto pedia uma batida para cada uma de nós.
Rolei os olhos e suspirei alto. Como se meus aniversários normalmente fossem agitados! Desde os 16 anos de idade, eu sequer via meus pais e minha irmã mais nova direito. A cada mês estava em um país diferente, em uma passarela diferente, vendo pessoas diferentes, mas, ao mesmo tempo bem semelhantes – preocupadas com sua aparência e condição social. Não que eu não me preocupasse com o estado do meu cabelo e das minhas unhas também ou detestasse o meu salário e o fato de ser observada onde quer que fosse. Mas o fato é que meus aniversários sempre me faziam pensar que eu havia passado mais um ano sem fazer porcaria nenhuma da minha vida. Pelo menos, nada se transformava além da minha conta bancária e o corte de cabelo, assim como as roupas da estação. Eu continuava brigada com a minha mãe por ela não apoiar minha carreira, mas viver ocupada em seu escritório; continuava sendo evitada pelo meu pai que estava atarefado demais procurando outra namorada já que os namoros dele nunca duravam; e continuava sentindo a inveja de Summer em cada frase que ela me dizia quando eu telefonava. Mas, apesar de tudo e de todos, eu tinha as minhas amigas que viviam tentando me colocar pra cima e sempre me escutavam quando eu tinha problemas. E, felizmente, nós quase sempre estávamos desfilando no mesmo evento.
Parte 2 – Manual do que não fazer durante uma balada na Swing
Lição 01: se não quiser aturar bêbados, também encha a cara.
dançava com um cara que com certeza nunca havia visto na vida antes daquele dia em um canto qualquer do salão; agarrava um louro bem vestido próximo ao balcão do barzinho; conversava tristonha com o barman que provavelmente não escutava uma palavra sequer do que ela dizia, dado o número de clientes que tinha para atender; e bebia direto da garrafa um líquido transparente que, quando perguntei ao cara do bar o que era, ele identificou como “pinga”, e o nome não indicava boa coisa.
- Vem, . Vamos dançaaaar! – disse me puxando pelo braço e eu desejei não ser a modelo mais baixinha que conhecia ou pelo menos ter um pouco mais de força. A garota me arrastou para o meio do salão e começou a se remexer como uma louca.
- Você vai parar de beber isso agora, ! – gritei para ela na tentativa de falar mais alto que a música Techno que tocava e tentei tirar a garrafa das mãos delas.
- Me deixa, ! Cara, se você não quer aproveitar que pode beber, então não me torra a paciência também, ok? – gritou de volta pra mim quase me jogando no chão quando puxou a garrafa de pinga de volta para si.
- Eu estou falando pro seu próprio bem, sua tonta! Você vai passar mal, . Você não é acostumada a beber assim. – tentei fazer a garota recobrar o pouco juízo que tinha quando sã, mas ela só balançou a cabeça de um lado para o outro em negativa.
- Eu. Sei. Me. Cuidar. Ok? – ela ditou a frase para mim e voltou a se remexer; como ela dançava mal, meu Deus! Levei uma mão à testa perguntando-me o que eu havia feito para merecer aquilo no que supostamente deveria ser o meu dia quando parou de “dançar” e caiu no chão, largando a garrafa de pinga por um lado e quase derrubando algumas pessoas ao redor. Agora sim a situação estava feia.
Felizmente, não teve nada de grave – seu desmaio só serviu mesmo para me dar dor de cabeça. A pressão da garota sofreu uma queda brusca provavelmente porque ela não havia colocado nada no estômago além de bebida alcóolica. agradeceu ao seu médico recém-formado e filho do cirurgião plástico mais famoso do país, que havia nos ajudado com , dando-lhe vários beijinhos e abraços ao longo do resto da noite. Assim, colocamos nossa amiga cachaceira para comer alguns salgadinhos – a única coisa além de bebida que era vendida na boate –, e eu decidi seguir a linha de raciocínio daquela louca, mas com mais moderação. Afinal, se eu tivesse bebido um pouco talvez não tivesse virado babá de ninguém.
Lição 02: não permita que qualquer cara te beije – nem mesmo se ele for rico e famoso.
Depois de duas cervejas e quatro Dry Martines, eu já me sentia diferente – estava mais animada, leve, feliz. Por isso, fui até a pista de dança e me acabei dançando uma das minhas músicas favoritas. Eu voltava para o bar com o objetivo de pedir uma vodca ou algo parecido, quando ele surgiu no meu caminho.
- Ei, gatinha. – só entendi o “ei” dito pelo rapaz. A música estava alta demais e eu bêbada o suficiente para que esquecesse o pouco português que conhecia.
- Oi. – devolvi o cumprimento analisando o material. Até que o garoto não era de se jogar fora... Ok, ele era lindo.
- Ah, você também fala inglês. Que bom porque meu português é uma droga. – ele disse e eu ri alto, achando graça demais de uma frase tão normal.
- Você não é brasileiro? – perguntei depois de gaguejar cinco vezes antes de sair a palavra “você”.
- Não. Você não está me reconhecendo? Eu sou o , da banda . Estou no Brasil em turnê.
- Ah, sim. Eu estou aqui a trabalho também. Sou modelo e estou desfilando no São Paulo Fashion Week.
- Então está explicado. Uma pessoa com a sua beleza é exatamente do que as revistas e as passarelas gostam.
- Obrigada. – agradeci corando e dei outra risada histérica contra a minha vontade.
- Quer ver uma coisa? – perguntou e pela cara dele não era nada inocente. Minha resposta foi um sorriso e ele se sentiu incentivado o bastante para me puxar pelo braço e me levar até um canto escuro da boate.
Eu e nos beijávamos animadamente – minhas mãos agarravam seus cabelos perfeitos, as mãos dele apertavam minha cintura com força – quando uma garota gritou o nome dele perto de nós fazendo-nos interromper o beijo.
- Liza? – disse assustado e seu rosto ficou vermelho como um tomate maduro.
- O que você estava fazendo aos beijos com essa vadia?
- Peraí. Quem é vadia aqui? – perguntei apesar de a garota ter apontado para mim.
- Você, é óbvio. Que outro nome eu daria a uma... Garota que estivesse beijando o meu namorado? – a tal Liza respondeu tão nervosa quanto antes.
- Seu... Namorado? – questionei chocada. Ai meu Deus, eu estava ficando com um cara comprometido!
- Ai, não tenho paciência pra conversar com gente tão lesada. – a garota disse e pegou pela mão. Ele sibilou um “me desculpe” para mim e seguiu a garota para longe do meu campo de visão. Assim, recolhi o resto da minha dignidade e me arrastei para o balcão de bebidas.
Lição 03: dance com moderação, mas DANCE!
Passei o resto da noite debruçada no balcão do barzinho repudiando minha própria sorte. havia sido meu primeiro beijo depois de vários meses sem ficar com ninguém, ele era norte-americano e eu havia sentido uma química interessante no contato que tivemos. E, provavelmente, era exatamente porque eu havia gostado dele que o garoto já era comprometido. Não só essa frustração me deprimia, mas o fato de eu me sentir culpada por aquele beijo também me chateava. A pior parte, contudo, era que eu ainda era obrigada a permanecer naquele lugar até o anúncio dos casais dançarinos da noite, pelo menos. era a única que sabia se virar no Brasil, então se eu quisesse chegar inteira ao hotel em que estávamos ficando, precisaria esperar por ela.
Felizmente, depois de quase duas longas horas sem fazer nada e só reclamar comigo mesma da vida, a administração da Swing parou a música e anunciou que as fantasias do dia seriam de festa junina, já que o mês de Junho contava com essa data comemorativa. A próxima coisa que escutei depois disso foi uma moça me puxando para um lugar e várias pessoas assoviando.
- O que está acontecendo? – perguntei totalmente perdida.
- Você ganhou como menina que menos dançou, querida. Estou te levando pra um camarim onde você poderá se arrumar.
- Não! Não, não, não, não, não, não! Eu não quero dançar pra todo mundo ver! – gritei e estaquei no meio do caminho, impedindo que a desconhecida continuasse me puxando.
- Se você não dançar, nem você, nem suas amigas que estão te acompanhando hoje poderão entrar na Swing mais. Nunca mais. – a moça informou e cruzou os braços sobre o busto. – E então? Dança ou não dança?
Parte 3 - Tudo acaba mal quando tudo vai mal
Meus pés imploravam por socorro. Minha cabeça latejava de dor. E eu ainda era obrigada a ouvir reclamando porque nunca mais veria seu médico bonitão, chorando porque estava com saudades de casa, murmurando coisas incoerentes porque estava completamente chapada e resmungando alguma coisa sobre seu namorado ter visto uma foto do twitter em que ela dançava com um cara.
- Vamos embora do Brasil daqui dois dias. Eu simplesmente nunca mais vou vê-lo! – disse pela enésima vez desde que tivemos que sair da boate e aguardávamos o táxi na calçada.
- Eu preciso de férias. – disse tristonha com os olhos inchados.
- Cara, se o Spencer terminar comigo também, que seja! Eu não vou ficar trancada em um hotel a cada vez que viajarmos a trabalho. Ele também se diverte com os amigos dele, poxa! – falou para si mesma enquanto andava de um lado para o outro da calçada.
Afastei-me alguns passos de minhas amigas e apanhei meu celular dentro da bolsa. Havia uma mensagem de texto da minha irmã, que dizia: Feliz aniversário, ! Beijos da Summer! <3 Mais ninguém havia me contatado para dar os parabéns, e considerando o fato de que eu odiava receber esse tipo de atenção, isso não deveria me chatear. No entanto, eu estava chateada e precisava admitir isso para mi mesma, pelo menos.
Eu encarava o chão preto da calçada sem o carpete vermelho que recepcionava os ricos e bem-sucedidos clientes da Swing, quando vi o quadrado de couro jogado na sarjeta. Se meus olhos não me engavam, devia ser uma carteira. Apanhei o objeto do chão e estava prestes a conferir o que havia dentro quando ouvi chamarem o meu nome. Guardei a carteira dentro de minha bolsa rapidamente e virei-me para conferir quem queria falar comigo.
- ! Graças a Deus está viva. – Brian, meu assessor que viajava comigo para onde quer que eu fosse e tomava conta da minha publicidade ou qualquer outra coisa que afetasse a minha carreira, disse preocupado.
- Aconteceu alguma coisa, Brian? – perguntei confusa.
- Aconteceu. O Paul está furioso com as fotos e vídeos de vocês que acabaram de ser postadas na internet.
Joguei meus cabelos para trás e repudiei de todas as formas possíveis a alma que havia feito aquilo comigo. Nos Estados Unidos, eu e minhas amigas éramos jovens demais para beber, e ninguém pensaria que já tínhamos idade para isso no Brasil quando aparecesse bêbada nas revistas. Eu já podia ouvir o que minha mãe diria – “isso que você chama de ‘profissão’?” -, mas isso viria depois que levássemos um belo sermão de Paul, o empresário da grife que representávamos naquele evento.
Aquela noite parecia infinita e aquele definitivamente fora meu pior aniversário.
Parte 4 – After Party
- Chegamos, moça. – o taxista anunciou parando o carro adjacente à calçada de uma casa de muro verde claro. O portão era branco, de grades, e por ele dava para ver que uma das janelas da fachada estava aberta.
- Obrigada. – respondi e desci do veículo passando uma nota para o taxista. Tirei a carteira encontrada na madrugada anterior de dentro da bolsa e voltei a olhar a carteira de motorista dele. Li de novo as informações ali contidas. Nome: . Idade: 20 anos. Estado civil: solteiro. E o restante do que era informado no documento não me importava. Na verdade, a foto dele já dizia tudo o que eu precisava saber. Aquela foto era suficiente para que eu soubesse que precisava entregar a carteira dele em mãos, e era isso que eu estava fazendo. Eu sabia que no dia seguinte pegaria um avião retornando para Los Angeles, mas eu precisava ver aquela pessoa ao vivo primeiro. Antes que minha coragem desaparecesse, portanto, andei a passos firmes até o portão e bati o interfone da casa.
- Oi. – uma moça atendeu.
- Oi. Eu gostaria de falar com . Ele se encontra? – perguntei casualmente tentando, provavelmente inutilmente, eliminar o sotaque da minha voz.
- Sim. Vou pedir pra ele te atender. Só um instante. – ela completou. Aguardei por alguns minutos até que o rapaz trajando uma bermuda azul, uma camiseta branca e chinelos de dedo veio me atender. Ele destrancou o portão ruidosamente e me encarou por um segundo antes de me cumprimentar.
- Oi. – ele disse inseguro. E sua voz era ainda mais linda que os cabelos louros bagunçados e os olhos azuis sinceros.
- Oi. Hã... Meu nome é ...
- Muito prazer, . – estendeu a mão para mim e eu a apertei odiando o tremor claramente evidente no meu cumprimento.
- Bom, eu encontrei sua carteira ontem na entrada da boate. Tinha seu endereço, então eu vim trazer. – falei e sorri estendendo a carteira para ele.
sorriu e vincou a testa - com certeza estava se perguntando por que eu não liguei e marquei um lugar para nos encontrarmos onde eu pudesse fazer a devolução do objeto. No entanto, ele não verbalizou a pergunta e fiquei extremamente grata uma vez que não teria resposta para aquilo. Pelo menos, não uma justificativa melhor do que “Eu me apaixonei pela sua foto e queria desesperadamente conferir se você era real”.
- Se eu te dissesse que não notei a falta da carteira até agora, você acreditaria?
Ri alto para a pergunta dele e me acompanhou na risada.
- Homens! Sempre tão distraídos... – falei e remexi meus cabelos nervosamente.
- Você não é brasileira. – não era uma pergunta.
- Sou de Los Angeles. Estou no Brasil a desfile. Pelo São Paulo Fashion Week.
- Claro. Bom, me deixe agradecer sua gentileza em trazer isso pra mim de volta. – ele indicou a carteira que ainda estava em sua mão direita e abriu espaço pelo caminho para o interior da propriedade. – Vamos distrair o calor com um suco. Entre.
Eu deveria ter negado. Deveria ter dito que ele estava me afetando demais para um desconhecido, que eu voltaria para o meu país logo e provavelmente viajaria de novo dentro de dias, porque os desfiles e eventos de moda nunca acabavam. Contudo, eu aceitei a limonada e foi aí que tudo começou.