Stray
Escrito por Julia Nakamoto | Revisado por Especial Criativo
Eu encaro a folha de papel na qual eu estive escrevendo nas últimas horas e respiro fundo. Como eu queria que aquilo fosse só uma história qualquer contada numa canção… Pego meu celular e verifico algumas redes sociais. Milhares de comentários de fãs nas últimas fotos que postei tanto no meu perfil quanto no perfil oficial do grupo, mas é claro que o que me chama a atenção é a primeira foto que aparece na timeline do meu perfil. Uma foto de sorrindo e se divertindo com as amigas…
Depois que te deixei ir, doeu
Eu que te deixei ir, então por que estou ferido?
Sublinho essa frase na música com certa força na caneta. A decisão tinha sido minha, certo? Então por que parecia que eu estava muito mais infeliz do que a garota que eu parti o coração?
@ Get Cool! Como se eu pudesse voar sem me preocupar com o amanhã oneul nan fly into the sky, fly into the sky, fly, fly, fly
Refreei meus dedos antes que eu pudesse dar um like naquela foto. A verdade é que ver ela seguindo em frente com tanta facilidade machucava. Mais do que eu podia ter imaginado que machucaria.
Nós dissemos tudo que queríamos dizer
E eu disse que não combinávamos mais
Não vou dizer que culpo por seguir seu caminho de cabeça erguida e um sorriso nos lábios. Não depois de todo o drama que foi nosso término…
— , eu tava pensando que poderíamos ir até aqueles chalés nas montanhas no seu próximo dia de folga… — Ela murmurou enquanto eu trocava mensagens aqui e ali no celular. Apenas balancei a cabeça, mas na verdade eu não tinha escutado nem metade do que ela dissera. — Hei, . — me cutucou, quando ergui os olhos ela me encarava fixamente. — Você escutou o que eu disse? — perguntou erguendo a sobrancelha.
Bocejei e massageei a base do nariz enquanto concordava, mesmo sendo mentira.
baixou o olhar e por um bom tempo ficamos em silêncio. Eu nem sequer me dei ao trabalho de ver o que ela estava fazendo, embora ficar quieta não fosse o usual dela. Estávamos na cozinha do dormitório que eu dividia com os garotos e de repente ela estava batendo o copo com água que segurava sobre a mesa à minha frente com estrondo.
— Mas que merda, , o que tá acontecendo? — exclamei encarando-a quase indignado. Ela estava com a expressão fechada e eu larguei meu celular para massagear as têmporas. Conhecia bem para saber que teríamos uma longa conversa.
— Me diz você o que está acontecendo, . — Ela disse séria.
— Ah, não começa, . — Retruquei pegando meu celular, tentando fugir daquela conversa.
— Eu nunca começo nada, , mas já tô cansada desse seu jeito de agir ultimamente, então vou começar sim. — se aproximou tirando o celular das minhas mãos para deixá-lo em cima da mesa, o que me irritou. — O que tá acontecendo? Qual é o problema?
Respirei fundo tentando juntar a paciência e a calma que eu tinha e me levantei para poder encarar melhor. Naquela época eu não percebi, mas pensando agora, ela tinha uma expressão de agonia, preocupada e suplicante. Ela queria tentar salvar aquele relacionamento…
— Não tem problema nenhum, . — Suspirei passando por ela e indo pegar um copo de água.
Houve um instante mínimo de silêncio até ela soltar uma risada sarcástica.
— Sério mesmo, ? — ouvi o tom desacreditado dela, mas não me virei para encará-la. — Faz semanas que você não conversa comigo, fica o tempo todo com a cara enfiada nesse celular e…
— E…? — Finalmente me virei, por algum motivo me sentindo irritado.
— As coisas não eram assim, … — murmurou parecendo realmente chateada. Mas naquele instante eu não tava me importando muito com os sentimentos dela. Eu estava irritado por ela querer ter uma D.R quando eu só queria poder me desligar do mundo.
— Bom, coisas mudam.
Eu pude vê-la vacilar por um momento enquanto, de forma nervosa, passava a mão pelo rosto e respirava fundo tentando manter a calma.
— , eu quero tentar resolver o que quer que esteja acontecendo aqui…
— Não tem nada acontecendo.
E talvez aquele fosse exatamente o problema. Ela queria que eu dissesse algo para que algo pudesse acontecer. Mas eu sempre me negava a deixar que acontecesse. E aquilo machucou a nós dois.
— Talvez a gente só não combine mais. — Completei terminando de beber minha água.
O silêncio que reinou naquele instante, agora, me dói ainda mais. Aquele dia eu agradeci por não ter havido mais perguntas, mais insistência… Mas agora? Me machuca pensar no quanto sequer relutou em tentar rebater aquela minha afirmação. Ela apenas balançou a cabeça e aparentemente se segurando muito para não deixar as emoções a traírem. Antes dela sair, meu celular vibrou e ela o pegou.
— Acho que a Hyeri tá com saudades. — Murmurou me entregando o aparelho e rumando para fora do apartamento que usávamos como dormitório.
Hyeri era uma artista solo com a qual o Stray Kids havia feito uma parceria. Houve uma troca de interesses entre nós e eu pensei que talvez eu e realmente não combinássemos mais. Mas a verdade é que eu mal sabia o que queria da vida quando as responsabilidades da vida de um idol caíram sobre minhas costas e apesar de ter estado ali nos melhores e piores momentos de toda a minha vida, eu queria poder ter a liberdade de um cara jovem que mal tinha acabado de sair da adolescência.
Eu não sabia o meu lugar e te deixei partir
Eu me odeio por apenas ser capaz de me arrepender
Não consigo controlar, sinto a sua falta, sim
Você se afastou tanto de mim, não consigo te alcançar
E agora vivo na dor de não ser capaz de te esquecer
Leio aquela estrofe e solto um riso sem humor. Eu posso desenhar com clareza a imagem de com um pequeno sorriso triste e olhar de pena ouvindo aquela parte da música um dia. “Você foi babaca e perdeu, idiota” não é o que ela me diria, mas é o que eu queria que dissesse. Ao menos com isso eu perceberia alguma emoção e não só a indiferença que tinha tomado lugar do ressentimento e raiva nos últimos tempos.
Fazia pouco mais de seis meses que terminamos nosso relacionamento. No começo eu me senti aliviado, eu estava livre e podia me divertir. Mas não era a mesma coisa sem e suas brincadeiras, sua gargalhada, seu sorriso. O alívio não durou mais do que dois meses, e enquanto eu pensava que tinha tomado a melhor decisão da minha vida, estava se recompondo e se adaptando à nova vida sem mim. Depois de quatro meses ela já era capaz de frequentar os mesmos lugares que eu sem se sentir incomodada. E com pouco mais de cinco meses, ela já conseguia olhar para mim e até me cumprimentar. Indiferente. E isso está me matando.
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Eu finalmente consegui vir ao chalé nas montanhas que tinha planejado visitar com e, apesar de não estar com ele, a experiência está sendo divertida com minhas amigas. Eu estava sentindo falta disso. O término não foi fácil, é claro que não. Eu chorei por dias até conseguir ouvir o nome dele de novo. E odiei com todo o meu ser por um bom tempo. Mas nada como as melhores amigas do mundo para me fazer superar um término.
— Anda, ! — gritou tentando me arrastar em direção ao meu guarda-roupas. — Vamos para a praia, eu, você e as meninas. Só a gente. Sem garotos.
— Ah, . Eu não quero… — Resmunguei me jogando de volta na cama.
— Para de palhaçada, . — cruzou os braços. — O bobão do meu irmão não merece a sua tristeza.
Eu ri, mas não com humor.
— Eu só queria saber o que eu fiz de errado pra tudo ter terminado assim… — Murmurei. Eu estava um tanto entorpecida.
suspirou profundamente e sentou-se ao meu lado.
— Não foi você, . Ele é que é o perdedor por te deixar ir. Mas sorte a sua… — Ela murmurou a última parte dando de ombros e eu a encarei confusa. — Ué, melhor terminar logo do que prolongar as coisas pra algo pior. E agora você é livre pra procurar a sua felicidade, seja com outra pessoa ou sozinha.
é mais velha que por três anos e um ano mais velha que eu. É a melhor amiga que eu poderia ter. Embora fale algumas verdades sem muito pudor, ela costuma fazer isso nos momentos certos… Ou ao menos sabe muito bem como te convencer de que é o momento. E depois de várias semanas comigo xingando ou chorando por , para ela, aquele era o meu momento.
— Anda, arruma as suas coisas, vamos passar o resto da semana na praia. — avisou, ela mesma já pegando uma de minhas malas e abrindo o meu guarda-roupas.
Naquele dia eu fui arrastada até a casa de praia de Hana, uma de nossas amigas, e tinha quase certeza de que a semana seria péssima, mas como deveria saber, foi um dos melhores momentos com minhas amigas.
Ficamos na praia até tarde da noite conversando sobre qualquer coisa e até realizamos uma "cerimônia" de desapego em volta da fogueira, jogando objetos e frases em papel significativos no fogo. Eu joguei uma pulseira de macramé que tinha um certo significado para mim sobre . Na hora, doeu. Mas agora, eu sinto como se um laço que cada vez ficava mais apertado tivesse se desfeito.
Faz quase sete meses desde que eu me afastei de . Nenhum de nós quis realmente botar um ponto final no relacionamento. Só… Paramos de ser. E as coisas no final ficaram tão estranhas que eu não tive a coragem de voltar até ele para perguntar qualquer coisa. E tampouco ele parecia estar disposto a reverter a situação. Então eu simplesmente desisti. Desisti porque já não era a primeira vez que eu tentava entender o que estava havendo. Porque todas as vezes que tentava conversar parecia entediado. Ele não parecia disposto a tentar fazer funcionar. Mesmo que eu não tenha percebido a mudança nas necessidades do nosso relacionamento, eu não podia me desgastar muito mais sozinha.
— ! — berra se jogando ao meu lado no tapete grosso e fofinho em frente à lareira do chalé na montanha que tínhamos alugado para passar o fim de semana das garotas da vez. — Você tá maravilhosa, sabia? — murmura me estendendo uma taça de vinho.
— Você já tá bêbada, ? — pergunto erguendo a sobrancelha e olhando ao redor. A garrafa de vinho ainda está bem cheia.
— Pff. É preciso muito mais do que um gole de vinho pra me derrubar. — Ela ri. — É só que agora podemos dizer oficialmente que você está curada.
— Curada?
— Curada de , claro.
Eu não consigo segurar a gargalhada e quase me engasgo com o vinho.
— Mas eu não posso dizer o mesmo do meu bobão. — dá de ombros enquanto mordisca um chocolate. — Vou dizer uma coisa, mas só porque sei que você está ótima. — Ela se endireita para me encarar. — Ele não te superou nem um pouco. — Praticamente cochicha.
Eu dou um suspiro e sorrio um pouco triste.
— Talvez ele só esteja com aqueles complexos machistas de negação por eu ter seguido em frente e ele esperasse que eu fosse correr de volta para ele. — Dou de ombros. Embora aquela atitude não combinasse com o que eu conhecia, a verdade é que eu não o conheço mais.
abana o ar e nega veementemente.
— Não, aquilo lá é pura ficha caindo. — Ela diz deixando a taça no chão e mexendo no celular. — Olha só quem acabou de curtir a sua foto… — ergue a sobrancelha. — E fazer um comentário. — Sua expressão foi tão espantada que me faz gargalhar. — Aaah, , seu boboca.
Eu saco meu celular também, curiosa para saber o que foi que o irmão mais novo da minha melhor amiga comentou na minha foto para tê-la feito reagir daquela forma.
“(:”
— Sério, ? Foi só um emoji! — Reclamo dando-lhe um tapa no braço.
— Não é só um emoji. — Ela se endireita e devolve o tapa. — Você também tá lerda, amiga? — Retruca fazendo uma expressão indignada. — Quando ele começou a perceber que gostava de você, ! — Me cutuca esperando alguma reação além da minha erguida de sobrancelha. — Amiga! — praticamente está com cara de quem quer desistir do mundo. — Você superou tanto assim o meu irmão que nem lembra como tudo começou? — Perguntou indignada.
Ah. Claro. e eu sempre fomos amigos. Nossas famílias se conheciam e nós sempre nos encontrávamos aos fins de semana. Por ser menina, nos entendemos melhor e mais rápido, mas estava sempre lá também, então foi inevitável não nos aproximarmos. Quando ele começou a me ver além da melhor amiga da irmã, foi com emojis nas minhas postagens nas redes sociais que ele começou a se expressar.
Solto um risinho quase nostálgico.
— Ele era fofo naquela época. — Comento deixando escapar um sorriso. — Só fazem três anos…
— Um bobão fofo. — concorda. — Agora é só um bobão… — Diz em tom decepcionado. Eu rio.
— Vamos esquecer os bobões das nossas vidas e vamos assistir a um bom filme para ficarmos nos iludindo com os personagens perfeitos. — Digo me levantando para pegar o controle da TV.
— Ai, sim! — levanta num pulo, animada. — Pelo menos eles nós sabemos que não vão nos decepcionar. Até porque não existem.
Concordo e dou uma última olhada no meu celular me lembrando dos primeiros comentários de nas minhas postagens. Eu tenho saudades daquela época. Mas o que passou não podia mais voltar, certo?