Starting Again

Escrito por Iara Geisa | Revisado por Debbie

Tamanho da fonte: |


  - Como foi na escola hoje, querida? – perguntei ajudando-a a fechar o cinto do carro.
  - Foi ótimo, papai. – ela deu aquele sorriso que me fazia sentir ser o pai mais sortudo do mundo. - Você vai dormir lá em casa hoje? – ela perguntou enquanto eu arrancava.
  - Acho que já conversamos sobre isso, não é mesmo?
  - Não, eu não considero uma conversa quando apenas você a mamãe falam e eu fico calada.
  - Você tá muito rebelde pra sua idade, sabia? Sua mãe não está te dando educação?
  - Eu já tenho 6 anos, papai.
  - Você tem 6 anos, Alice.
  - Quase 7! – argumentou ela.
  - Faltam 363 dias para você completar sete anos. Eu não consideraria isso como um quase!
  - Não enche pai.
  - É cada coisa que eu vejo...
  - Olha, hoje eu tenho aula de ballet, não esquece.
  - Eu não vou esquecer.
  - Você sempre esquece.
  - Não, eu sempre te levo.
  - É... Eu gosto mais quando você esquece de me levar.
  - Por que querida?
  - A aula acaba às 15h, não às 23h!
  - Eu estava trabalhando!
  - Se não fosse a mamãe não sei o que seria de mim.
  - Por falar em sua mãe, como ela está?
  - Ela me proibiu de falar sobre ela.
  - Tudo bem então, sua mãe te proibiu de assistir TV essa semana, não é mesmo? Nada de TV lá em casa!
  - Isso não é justo! – falou ela fazendo birra e descendo do carro.
  - Então, vai me contar?
  - Se quiser saber pergunta a ela. – ela entrou em casa e se jogou no sofá, eu a acompanhei.
  - Muito bonitinha você.
  - Eu sei, puxei a mamãe. – nisso eu era obrigado a concordar plenamente, a Alice é linda como a , os mesmos cabelos castanhos ondulados, os mesmos olhos verdes, e o mesmo jeito de agir, sempre doce. Tirando hoje.
  - Já decidiu o que fazer para o projeto de ciências? – mudei de assunto tentando afastar aquelas lembranças nostálgicas.
  - Já sim. Eu vou mostrar que uma folha de papel molhada derrete.
  - Uau! Que impressionante! – falei sarcasticamente.
  - É sério papai, ela derrete.
  - Eu acredito em você.
  - A tia disse que era para a mamãe e o papai ir.
  - Diz a sua mãe que ela pode ir, depois você me mostra sua experiência em casa tudo bem?
  - Eu não gosto disso papai. Eu não gosto nenhum pouco disso. – os olhinhos dela começaram a se encher de lágrimas – Você e a mamãe nunca mais se falaram, não andam mais juntos, não se beijam mais... Eu queria ter você e a mamãe juntinhos, igual naquela foto ali. – ela apontou para a única foto que eu ainda mantinha da . Ela foi tirada nas férias de verão de 2010 na Califórnia. Nos três riamos feito idiotas.

  10 de abril de 2010 – Califórnia (USA)

  - Olha a Alice, . – gritou de dentro de casa, enquanto eu estava sentado na calçada e a Alice corria para perto do lago.
  - Desculpa, amor. – me levantei e fui atrás da minha filha.
  - Onde estava com a cabeça em deixar ela sozinha? – gritou ela novamente.
  - Devia ser nas nuvens, por que eu estava pensando em um anjo. – gritei pegando a Liz no braço e voltando para casa.
  - Posso saber quem seria esse anjo? – ela se esforçou para parecer enciumada, mas não teve muito êxito.
  - Em você né, bobinha! – dei um beijo em sua bochecha e a Alice desceu dos meus braços, alguns segundos depois voltou com uma câmera na mão.
  - Foto! Foto! – falava ela.
  - Você quer tirar uma foto é, meu amor? – a pegou nos braços.
  - É! – exclamou ela, metendo o dedo na massa do bolo que preparava e melando seu nariz e os nossos em seguida. Depois riu do que havia feito. – Meió assim.
  Peguei a câmera e posicionei a Liz entre a gente batendo a foto, a Liz ria olhando para nossos rostos e nós riamos da risada dela.

  Dias atuais – Londres (Inglaterra)

  - Você sabe que isso não é possível, não é, meu amor? – a abracei com firmeza.
  - Por que não?
  - Nós já conversamos sobre isso antes, não é mesmo?
  - Ei, você já disse essa frase hoje. – ela enxugou as lágrimas e deu uma risada.
  - E o que é que tem?
  - Eu pensei que você fosse o senhor-não-vou-repetir-o-que-já-falei. – ela fez uma vozinha engraçada.
  - Não, eu não sou assim.
  - Tá bom, então por que você a mamãe se separam? – ela arqueou as sobrancelhas ao me perguntar.
  - Eu já te falei sobre isso Alice, não vou repetir de novo! – ri ao perceber o que acabara da falar.
  - Tá vendo só!
  - Desculpa, amor. A gente se separou por que não éramos tão felizes quanto pensamos que seriamos...
  - Sabe de uma coisa? A tia Debbie disse que você e a mamãe pareciam as pessoas mais felizes do mundo quando eu nasci.
  - Era diferente.
  - Não! Não era! Vocês estavam felizes juntos.

  24 de setembro de 2007 – Maternidade

  - Calma amor! Vai dar tudo certo! – falei acompanhando a maca, que ia em direção a sala de parto com , que estava nervosa.
  - Me promete isso? – ela me encarou.
  - Prometo.
  - Como você pode garantir? – ela acabou de me fazer prometer isso e ainda me pergunta como eu garanto? É... Deixa eu pensar em alguma coisa.
  - Bom... A lua hoje está em fase minguante e... Segundo os astrólogos isso faz bem.
  - Você é um idiota, ! – ela riu.
  - Eu sei! Sou o idiota que te ama! – falei sendo obrigado a parar quando as portas da sala se abriram.
  - Eu também amo você, babe. – as portas se fecharam e aos poucos a vi sumir.

  Dias atuais

  - Não vamos falar sobre isso, tá legal?
  - Você tá mudando de assunto porque não quer admitir que tá errado. – provocou ela.
  - Claro que não, Alice, mas precisamos comer!
  - Tá, então repete comigo: Eu não amo a mamãe!
  - Acho que a comida vai esfriar, é melhor a gente comer logo. Vem. – a peguei no colo e a levei até a cozinha. – Você engordou mocinha.
  - Eu gosto quando você me chama de mocinha, eu me sinto mais velha.
  - Então a partir de agora vou te chamar de bebê. – falei colocando comida nos pratos e os colocando na mesa.
  - O que é isso? – ela olhou pra comida com nojo.
  - Tacos.
  - Seus tacos estão horríveis. Eu não vou comer isso não.
  - Nem estão tão ruins.
  - Não papai, só estão duros a ponto de quebrar uma parede. – ela pegou nos tacos como se estivesse se preparando para ver se a parede quebraria.
  - Olha, eles estão deliciosos. – colei um pedaço na boca e cuspi em seguida. Estavam horríveis!
  - Tá vendo? Vou ligar pra mamãe.
  - Não, eu não quero que a sua mãe pense que não sabemos nos virar. – ela me olhou com os olhos de quem dizia “E nós sabemos?” – Olha, está tudo bem. Eu vou ligar pro Nando’s e pedir alguma coisa.
  - Ei, acabei de lembrar que você ainda não disse que não ama a mamãe.
  - Eu não vou falar nada, Alice.
  - Vamos, estou esperando.
  - Vai tomar um banho enquanto a comida não chega. – tentei mudar de assunto.
  - Não! Eu não vou sair daqui enquanto você não falar.
  - Tudo bem. Eu amo a mamãe. – falei já estressado e ela deu uma risadinha – O que foi?
  - Você ouviu o que você disse?
  - Que não amo a sua mãe?!
  - Não, você disse que ama ela. E eu sempre soube disso.
  - Vai tomar um banho, Alice. É melhor.
  Peguei o telefone e liguei para o Nando’s, pedi dois X-Burguers e uma Coca, desliguei e percebi que enquanto a Alice arrastava sua bolsa pela casa um papel caiu dela.
  - Alice! – gritei por ela enquanto apanhava o papel.
  - O que foi? – perguntou ela que e ao ver o que segurava correu em minha direção. – Me dá aqui, papai.
  - O que tem nesse papel?
  - Nada.
  - Tem certeza?
  - Am-ham.
  Reconheci a folha quando ia entrega-la de volta a Alice.

  12 de janeiro de 2005 – Sidney (Austrália)

  - O que você tá escondendo aí, ? – perguntou andando em minha direção.
  - Não é nada, meu amor. – escondi o papel no bolso do jeans.
  - Deia eu ver, por favor! – ela fazia biquinho, eu não resistia aos biquinhos daquela mulher!
  - Você acabou de estragar minha surpresa, sabia? – entreguei o papel a ela.
  Ela deu um sorriso bobo assim que terminou de ler.
  - O que foi? Você sempre disse que queria ser pedida em casamento em um jardim na Austrália, e que um canguru trouxesse as alianças e o pedido.
  - Por isso que você me trouxe para a Austrália? – ela sorriu novamente.
  - É. Eu só não consegui arrumar um canguru. Mas tenho certeza que o Bob faria um bom trabalho.
  - Ah. Entendi.
  - Entendeu o quê?
  - Eu estava olhando as coisas do seu cachorro e achei uma roupinha de canguru pelo meio.
  - Eu tive que improvisar.
  - Aquela roupa é horrível!
  - Para de reclamar. Eu só estava tentando te agradar.
  - Tudo bem, mas você não quer saber a resposta?
  - Que resposta?
  - Que resposta, ? – lembrei do que havia perguntado.
  - Você já estragou a surpresa, então acho que agora vai ser da forma tradicional.
  - Ãm?
  - Quer casar comigo? – falei me ajoelhando e pegando sua mão com carinho.
  - Claro que eu quero! – falou ela me puxando e me enchendo de beijos.

  Dias atuais

  - Onde você encontrou isso? – abri o papel e o ‘quer casar comigo?’ estava intacto, exatamente do jeito que me lembrava.
  - Nas coisas da mamãe.
  - Você estava mexendo nas coisas da sua mãe?
  - Não... Quer dizer, sim. Eu estava procurando alguma coisa que me fizesse lembrar de vocês dois. Aí eu achei isso.
  - Onde estava? – perguntei, eu não via aquele papel há anos.
  - Na primeira gaveta da cômoda da mamãe, você sabe, onde ela guarda as coisas importantes.
  - Então isso é importante para ela? – pensei alto.
  - Claro que é.
  - Também é importante para mim.
  - É, disso eu já sei, agora não custa nada você me ajudar a levar a bolsa até o quarto. Não é mesmo papai?   - Claro, querida. – peguei a sacola de suas mãos e guardei o papel nela.
  - Você vai deixar comigo?
  - Claro. O que foi isso? – falei apontando para o corte na sua perna direita.
  - Ah, eu cai na minha festa de aniversário. – ela falava como se aquele machucado não tivesse a mínima importância.
  - E como foi o seu aniversário?
  - Horrível. Você não estava lá.
  - Foi pior que sua festa de 5 anos?
  - Minha festa de 5 anos não foi ruim. Pelo contrário, foi meu melhor aniversário.

  24 de setembro de 2012 – Residência dos

  - Quem era? – perguntei quando desligou o telefone com uma cara péssima. Eu estava ajudando a Alice a encher alguns balões para sua festa.
  - A moça do buffet ligou, não vai ser possível entregar o bolo a tempo da festa da Alice.
  Liz se assustou ao ouvir aquilo.
  - Podemos ligar para seus coleguinhas, Alice, e adiar a festa para amanhã. – foi o único jeito que encontrei.
  - Meu aniversário é hoje, não amanhã! – protestou ela.
  - Não vai ser possível adiar a festa , eu cancelei o bolo.
  - O que nós vamos fazer? – perguntou Liz com os olhos cheios de lágrimas.
  - Eu posso ir atrás de uma confeitaria ver se encontro um bolo.
  - Você não vai encontrar um bolo em cima da hora. – falou desanimada.
  - Eu já sei. Nós podemos fazer um bolo. – sugeriu Liz.
  - Não! Não! – falamos em coro, a era uma ótima cozinheira, mas os seus bolos nunca davam certo.
  - Por favor! Por favor! – insistiu ela.
  - Nós podemos tentar. – se deu por convencida e eu a encarei – Mas eu vou logo avisando que se der algo de errado com o bolo o jeito vai ser cancelar sua festa.
  - Tudo bem. – falou Alice crente que isso não aconteceria.

  Dias atuais

  - Como você pode dizer isso? O bolo queimou!
  - É, mas eu botei tanto chocolate por cima que eu tenho certeza que ninguém nem percebeu. – ela deu uma risadinha se lembrando do seu plano engenhoso de meter chocolate no bolo.
  - É, eu sei. Todo mundo falou que o bolo estava ótimo.
  - Realmente estava! – falou ela lambendo os lábios como se ainda sentisse o gosto do bolo.
  - Mas e quanto ao seu corte, como está?
  - Tudo bem, a mamãe deu um jeito. – claro que tinha dado um jeito, a melhor médica do mundo não deixaria a filha se reclamando de dor e com uma perna cortada.
  - Ah... Eu acho que você estava indo até seu quarto, não é mesmo?
  - Era sim. – ela pegou a bolsa.
  - Eu pensei que eu que iria levar.
  - Não, você fica pensando em uma desculpa melhor pra você e a mamãe terem se separado enquanto eu tomo um banho.
  - Não são desculpas, Alice. Você sabe que a gente não estava feliz.
  - Eu não sei de nada disso. Tchau. – ela subiu alguns degraus, parou e olhou pra mim – Eu quero uma resposta. – ela continuou a subir.
  Eu fiquei pensando, mas não consegui encontrar nenhum motivo suficiente para a separação.

  1 de fevereiro de 2013 – Green Park

  - Aconteceu alguma coisa, ? – perguntou , se sentando ao meu lado.
  - A gente precisa conversar. – falei friamente.
  - O que aconteceu?
  - Eu quero me separar de você.
  - Você tá com febre? – ela esticou a mão para por em minha bochecha, eu a segurei.
  - Não, , eu não estou. Eu apenas acho que a gente não tá dando certo.
  - O que houve? – perguntou ela ainda descrente do que eu falava.
  - Nós temos interesses diferentes, é isso.
  - Não, nós não temos. É outra não é? – pela sua voz soube que ela estava chorando, continuei de cabeça baixa, eu não conseguiria vê-la chorar.
  - Não, não tem mais ninguém. Eu apenas quero passar um tempo sozinho.
  - Você tem certeza disso?
  Não!
  - Tenho. Essa rotina de casado está me cansando. Eu quero curtir um pouco a vida.
  - Vai curtir sua vida então. E vê se esquece de mim e da minha filha. – ela se levantou.
  - A Alice também é minha.
  - As responsabilidades de pai irão te impedir de curtir a vida.
  Ela foi embora, e essa foi a nossa última conversa de verdade. Todas as outras foram acompanhadas por um advogado. Eu me odiava toda vez que a via, toda vez que via ela sofrer, mas me odiava mais ainda quando via ela sorrir, me odiava demais em pensar que ela tinha se recuperado, que tinha outra pessoa, ou sei lá, simplesmente me esquecido.

  Dias atuais

  - Eu tenho sua resposta. – falei ao ouvir os barulhos dos degraus da escada.
  - Tem?
  - Sim, tenho. Eu e sua mãe nos separamos porque eu fui idiota o suficiente para acreditar que seria mais feliz sozinho, que poderia curtir a vida e fazer coisas pensando apenas em mim. Eu fui imaturo para acabar com o nosso relacionamento de anos simplesmente porque meus amigos comentavam sobre a liberdade da vida de solteiro e hipócrita o suficiente para dizer que o nosso relacionamento não estava dando certo.
  - Então, o que você está esperando papai?
  - Esperando?!
  - Sim, para ir atrás da mamãe.
  - Ela não vai me aceitar.
  - Ela conversou no telefone com a tia Debbie ontem à noite, enquanto eu deveria estar dormindo, ela disse que te ama, papai. – sorri ao ouvir aquelas palavras.
  - Você tem certeza disso?
  - Claro, você é a segunda pessoa mais importante na vida da mamãe.
  - Segunda, é?
  - Claro, a primeira sou eu.
  - Por isso que você estava me falando sobre sua mãe o tempo todo?
  - É, eu sei que você também ama a mamãe, só precisava que você admitisse isso.
  - Você sabe onde a mamãe tá?
  - Ela tá... Na casa da tia Debbie.
  - Na casa da Debbie? – perguntei assustado.
  - Eu tinha esquecido, a mamãe disse que iria para a casa da tia Debbie em Wembley, mas ela disse que não vai demorar.
  - Eu realmente estava com vontade de fazer uma visita a Wembley. Pegue um casaco enquanto eu tiro o carro da garagem.
  - Nós vamos pra casa da Tia Debbie?
  - Claro que vamos.
  A viagem não foi muito longa e logo avistei sentada em um balanço, em frente a casa da Debbie, que mora em um sitio.
  - Mamãe, mamãe! – gritou Alice descendo do carro e correndo em direção a mãe, o que a assustou.
  - Aconteceu alguma coisa? – perguntou ela olhando para mim, que descia do carro.
  - O papai quer falar com você, então eu vou lá dentro falar com a Tia Debbie. – ela correu em direção a porta da casa. – Eu amo vocês.
  - A Alice tá bem? – perguntou sem olhar nos meus olhos.
  - Ela está ótima.
  - O que foi então? – ela mexia os pés.
  - Olha para mim. – ela me encarou. Pelo seu sorriso soube que ela já sabia qual seria nosso assunto. – Eu amo você, sabia?
  - Claro que eu sei. E você não sabe o quanto sofri nesses sete meses esperando você dizer isso.
  - Você sabe que eu sou um idiota...
  - O idiota que eu amo. – falou ela me beijando.

FIM



Comentários da autora