Stairs

Escrito por Mare-ana | Revisado por Mariana

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  Dia 1
  E
la acordou muito cedo naquela sexta. Havia acabado de largar o trabalho que odiava e era uma desempregada feliz; porém uma desempregada que ainda acordava às sete horas da manhã.
  Maldito corpo acostumado ao maldito horário.
  Decidiu que aquele era um bom momento para ir à padaria comprar seu café da manhã.
  Trocou o pijama de flanela surrado, passou o pente pelo cabelo - era curto demais para tentar amarrar ou se preocupar - e escovou os dentes.
  Abriu a porta de casa e viu o céu azul e o sol começar a apontar, indicando que teriam um dia de calor.
  Quando foi descer os degraus, deparou-se com um garoto sentado, olhando para o céu tão azul. Levantou as sobrancelhas. Quem era aquele garoto e por que ele estava sentado nos degraus na porta de sua casa? Decidiu apenas ignorar e seguir seu caminho para a padaria.

  Dia 2
  N
ovamente de pé às sete.
  Não queria que aquilo virasse rotina.
  Na realidade, queria apenas colocar seu sono em dia. Seria pedir muito?
  Decidiu estabelecer uma rotina em sua parte da manhã. Acordar, ir à padaria, tomar café, assistir Friends na Warner. Parecia bom para ela.
  Abriu a porta de casa e deparou-se com o mesmo garoto sentado nos degraus de sua casa. Lançou-lhe um olhar crítico, mas ele sequer olhou em sua direção. Encarava o céu azul, deixando a fria brisa de outono bater em seu rosto. Seus cabelos estavam protegidos por uma simples touca cinza.
  Novamente o ignorou em seguiu em direção a padaria.

  Dia 4
  S
ete e dez. Estava começando a acordar mais tarde.
  Não que dez minutos fosse um grande indicativo, claro, mas dez minutos de sono eram dez minutos de sono. Todos prezavam por dez minutos a mais na cama.
  Seguiu a rotina de todas as manhãs, e estava preparada para ver o garoto na escada. Se ele estivesse lá, seria o quarto dia em que ele ficava sentado, encarando o céu, ignorando-a de volta.
  E ele estava lá. Talvez ele se tornasse parte da rotina.

  Dia 7
  S
ete horas, e era um mau sinal. Não estava dando certo, seu corpo não estava voltando ao normal. Continuava acordando cedo sem a ajuda de despertadores.
  Abriu a porta e viu o garoto lá, pelo sétimo dia seguido. Ele já era parte da rotina.
  – Bom dia. – foi surpreendida pela voz dele enquanto fechava a porta.
  – Bom dia. – respondeu sem emoção.
  – Voltou a acordar às sete? – ele a encarou pela primeira vez.
  Pela primeira vez ela viu os olhos absurdamente dele, a boca de lábios finos-mas-bem-desenhados, o nariz avermelhado pelo frio.
  – Sim. – deu de ombros, trancando a porta e descendo as escadas, passando pelo garoto.
  – Pensei que seu corpo já estivesse desacostumando.
  Ela parou de andar e encarou o rapaz. O que ele queria, afinal?
  – Eu também.

  Dia 8
  A
ntes de sair para comprar pão, ela espiou pela janela.
  Ele estava lá.
  Será que ele voltava para a casa? Claro que sim; não tinha cara de sem teto ou alguém que passava fome. Por que ele estava ali todos os dias? E por que ela não tinha coragem de fazer todas essas perguntas a ele?
  Suspirou.
  Seria melhor se ela não saísse de casa. Havia sobrado um pão do dia anterior, poderia ficar apenas ali, observando-o pela janela.
  Talvez fosse uma boa ideia.
  Ela já estava se cansando de ter palpitações apenas por vê-lo.

  Dia 12
  E
le não havia aparecido no dia anterior, nem naquele. Ela tentava não se importar.

  Dia 14
  Q
uatro dias sem aparecer.
  Ela dizia a si mesma que estava tudo bem, que não tinha problemas. Seu corpo estava começando parar de querer acordar tão cedo. Mas agora o problema era com sua mente. Ela não sabia por quanto tempo o garoto ficava lá fora. Sua única certeza geralmente era de que ele estaria sentado às sete da manhã.
  Porém já fazia quatro dias que o despertador tocava e ela se sentia decepcionada.

  Dia 17
  U
ma semana sem sinal dele.
  Ela parou de fingir que não se importava. O despertador não deixava que fingisse, programado às sete da manhã apenas para vê-lo. Comprava apenas um pão por dia, querendo manter o pretexto de sair para ir à padaria.
  Mas aquilo estava apenas sendo inútil.

  Dia 19
  Q
uase jogou o relógio na parede quando ele despertou às sete.
  Nem se preocupou em se arrumar. Apenas pegou as chaves e abriu a porta da casa.
  Parado, sentado nas escadas, estava ele.
  No mesmo segundo, ela sorriu.
  – Bom dia. – ele a olhou e, ao ver o sorriso bobo no rosto da garota, não pôde segurar o próprio sorriso.
  Ele não usava touca naquele dia. Seu cabelo estava livre e levemente bagunçado pelo fraco vento. Um sol tímido fingia querer sair de trás das nuvens, deixando os olhos dele ainda mais iluminados.
  – Você sumiu. – foi o que ela disse bobamente.
  – Eu sei. Apareceram alguns contratempos. – ele deu de ombros, ainda sorrindo.
  – Fiquei preocupada. – ela murmurou, na vã esperança de que ele não fosse ouvir.
  – Desculpe, não pretendia causar preocupação.
  – Tudo bem. Eu... – ela suspirou, sem saber exatamente o que dizer.
  Ela apenas sorriu e levou a mão ao cabelo dele, ajeitando-o. Ele fechou os olhos, aproveitando o carinho, até ela se afastar em direção à padaria.

  Dia 23
  N
a nova rotina, eles conversavam um pouco todos os dias. Nem que fosse apenas uma troca de “bom dia”, eles se falavam. Ele havia se apresentado, . Ela havia se apresentado, .
  Ele sempre reparava no sorriso dela. Na primeira semana ela o olhava estranho, a boca apertada, reprovando um desconhecido sentado bem na porta da entrada de sua casa. Agora ela sempre sorria quando o via, um sorriso tão naturalmente bobo que fazia ele se sentir exatamente da mesma maneira.
  Ela sempre reparava nos olhos dele. Como aquelas orbes possuíam um brilho hipnotizante, e como sua boca fina sempre abria o sorriso mais doce quando seus olhos se encontravam, e faziam o coração dela acelerar.

  Dia 34
  E
la tinha um novo plano.
  Saiu correndo, vendo-o sentado ali, como o esperado. Sorriu e disse o costumeiro “bom dia”, ouvindo a resposta de sempre. Mal olhou para ele. Correu em direção à padaria e comprou dois pões e um pouco de queijo. Voltou o mais rápido possível, e continuava na escada.
  Aproximou-se lentamente e, pela primeira vez, sentou-se ao lado do garoto. Ele virou a cabeça e encarou.
  – Esteve com pressa hoje. Quase não a vi passar correndo.
  – Pois é. – ela se sentia meio sem graça. Estava perto demais. – Precisava fazer algo.
  – Espero que tenha conseguido.
  Ela o encarou e sorriu por alguns segundos, completamente em silêncio. Era bom apenas olhá-lo.
  – Vou conseguir. – respondeu enfim, e então suspirou. – Posso perguntar uma coisa?
  – Com toda certeza.
  – Por que você sempre está aqui?
  – Na rua de trás tem uma escola infantil. Eu trago minha irmã para a aula todos os dias. E depois ficava aqui esperando um amigo passar e me dar carona para o trabalho.
  – Ficava?
  – Era mais um bico, sabe? – ele sorriu docemente. – Mas acabou.
  – Mas e agora? Por que você fica aqui?
  – Achei que fosse meio óbvio.
   aumentou o sorriso e timidamente repousou sua mão sobre a da garota. Ela olhou para as mãos se tocando, sentindo o calor que ele emanava, tentando conter a festa em sua cabeça e a escola de samba em seu coração. então entrelaçou os dedos nos de .
  – O que você acha de entrar para tomar o café da manhã e assistir Friends comigo? – ela perguntou timidamente.
  – Eu adoraria.

FIM



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