Spouses (Brothers - Parte 2)

Escrito por Danielle | Revisado por Lelen

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“O que foi bonito fica com toda a força. Mesmo que a gente tente apagar com outras coisas bonitas ou leves, certos momentos nem o tempo apaga.”
  – Caio Fernando de Abreu

- Prólogo

  Eu já havia cometido milhares de erros na minha vida. Como quando tatuei uma borboleta nas costas e, pouco tempo depois, já havia enjoado da imagem aparecendo a cada regata que eu vestia; ou todas as vezes estúpidas em que acordara meu irmão de madrugada para me buscar em tantas festas barra-pesada depois de algum idiota ter passado a mão na minha bunda; e até mesmo a ocasião em que bebera litros de vinho sozinha, na casa de , e acordara, no dia seguinte, deitada ao lado de um cara cujo nome eu nem sabia. Quando eu era adolescente, costumava culpar a necessidade de liberdade e o fato de eu gostar de fazer o que me viesse à mente pelas besteiras que praticava. Eu mudava de opinião todos os dias sobre tudo o que existia no mundo, e isso não importava na época. Mas trocar de ideias agora, aos meus 26 anos de idade, parecia ser a pior catástrofe do universo. Pelo menos, me arrepender de tudo o que havia feito há cinco meses não era simples como voltar atrás com respeito a alguns acontecimentos da minha juventude. E o que eu faria para mudar a situação ou viver em paz com as minhas decisões? Não sabia sequer imaginar como conseguir isso.
  – Bom dia, minha linda. – meu marido sussurrou as palavras no meu ouvido enquanto me abraçava por trás.
  – Bom dia. – respondi séria despejando o café dentro da garrafa térmica, e com os mesmos pensamentos de segundos atrás.
  – Mau humor matinal? – ele perguntou com uma risada.
  – Uhum... – menti automaticamente.
  – Seria abusar da sua paciência lhe pedir para fazer torradas?
  – Não, eu faço.
  – Obrigado. Vou tomar um banho.
  – Ok. – falei e suspirei longamente depois que Lucas saiu da cozinha.
  Caminhei até o armário e peguei o pacote de pães. Liguei a torradeira e comecei a passar manteiga dos dois lados de cada fatia. E as recordações dos últimos tempos vieram aos poucos, como sempre acontecia todas as manhãs. Acariciei minha barriga – eu estava no quinto mês de gestação – e senti Elena me cutucar repetidamente ao passo que as lágrimas desciam pelo meu rosto.
  – Zack, eu sinto sua falta... – murmurei baixinho para mim mesma.

- Um

   - Bom dia... – ele sussurrou as palavras no meu ouvido.
  Senti um arrepio percorrer todo o meu corpo quando o hálito quente de Zachary acariciou meu pescoço. Ele beijou levemente meu ombro e aumentou a intensidade do gesto, bem como juntou a ele algumas mordidas. Prendi a respiração para curtir a sensação de tê-lo me abraçando de costas sobre a cama e gemi baixinho quando meu irmão de criação apertou minha perna na região da virilha. Virei meu corpo sobre o colchão de modo a ficar de frente para ele, e, segundos depois, Zack já estava por cima de mim, me beijando como se o mundo fosse acabar dentro de instantes e só tivéssemos aquele momento para ficarmos juntos. Observei Zachary tirar sua camisa e deixei que ele jogasse a minha de lado também. O amasso prosseguiu com minhas mãos percorrendo o corpo dele e os beijos ficando cada vez mais intensos e desesperados.
  – Você vai se atrasar para o trabalho, . – Lucas disse as palavras em um tom alto demais perto de mim despertando-me com um susto. – Me desculpe, amor. – ele pediu rindo e beijou minha testa.
  Cobri minha cabeça com o edredom enquanto processava lentamente as informações. Eu estava sonhando que quase transava com meu irmão de criação, sendo que meu noivo vestia suas roupas para ir trabalhar a poucos metros de distância de mim. E o pior de tudo era a frequência assustadora com que aqueles sonhos estavam acontecendo. Era sexta-feira, mas eu já havia acordado cinco dias seguidos com Zachary nos meus pensamentos. Ok, eu pensava em Zack o tempo todo desde sempre. Ele era meu irmão de criação – eu havia sido adotada pela família dele quando só tinha três anos de idade -, mas eu costumava pensar nele me dando dinheiro para ir ao cinema ou implicando comigo por causa das minhas roupas. Nos últimos meses, no entanto, as coisas haviam mudado lentamente.

  Desde que Zachary me dissera, sete anos atrás, que era apaixonado por mim, nosso relacionamento havia ficado diferente. Ele não me falava mais das pessoas com quem saía e, para falar a verdade, eu não queria saber também. Na tentativa de deixar as coisas mais fáceis para ele, eu acabara me afastando e sempre ficava constrangedor quando ele aparecia no meu apartamento e não havia ninguém lá além de mim e ele; e depois de algumas ocasiões assim, ele parou de me visitar. Com o tempo, nossa amizade enfraqueceu, e, por mais que eu quisesse negar, precisava admitir isso. Claro que eu ainda contava com meu irmão para tudo – se eu precisasse de alguma coisa tinha certeza de que poderia ligar para ele pedindo socorro. Contudo, eu sabia que, no fundo, não via Zachary só como meu irmão também mais.
  Levantei-me e me enfiei debaixo do chuveiro, deixando a água tomar conta do meu corpo e da minha mente.
  – Amor, nós vamos pra casa dos seus pais hoje à noite, então não se esqueça de terminar suas malas na hora do almoço! – Lucas gritou do lado de fora do box, dentro do banheiro.
  – Tá, Za... Lucas. – corrigi o nome assim que percebi o que estava falando. Não que Lucas se importasse com isso – para ele, Zack era só meu irmão e pronto, então não importava se eu confundia o nome dos dois frequentemente.
  – Eu vou indo então. Bom trabalho!
  – Pra você também! Cuide bem dos seus pacientes.
  – Sim, senhora.

  Rezei durante o percurso até o escritório para que meu dia estivesse cheio – de preferência, repleto de causas difíceis e algum desafio na audiência daquela tarde. Mas aquele não era meu dia de sorte. Às três horas da tarde eu já tinha terminado de resolver todas as tarefas daquela sexta-feira e tinha mais uma defesa bem feita no meu currículo. Assim, cheguei no meu apartamento bem antes que meu noivo e passei as três horas até a chegada dele para irmos para o aeroporto pensando em besteiras e inventado problemas.
  Eu imaginava que a razão para estar sonhando tanto com Zachary fora a ligação que havia recebido na semana anterior da minha amiga de Baltimore, , falando sobre estar correndo o boato de que meu irmão estava namorando Kate – uma solteirona amiga dele há muitos anos com quem eu sabia que Zack dormia sempre que seu organismo pedia por sexo e ele estava desanimado demais para conquistar alguma garota na balada. Então, minha mente se encheu de comentários irônicos, maldosos e que não deveria nem mesmo passar perto do meu cérebro. Qual era o meu problema, afinal? Eu havia dispensando Zachary há tantos anos e agora estava arrependida? Eu estava noiva, meu Deus do céu! Me casaria dali a cinco meses! Mas não estava conseguindo tirar aquela história da cabeça. Eu precisava ver Zack de novo e descobrir o que havia acontecido na realidade. Assim, uma viagem à minha cidade pareceu mais oportuna do que nunca.

- Dois

  - Olá, minha querida! Como está minha filhotinha? – minha mãe perguntou sufocando-me com um abraço.
  – Estou bem, mãe. Onde está o papai e o Zack?
  Antes que minha mãe respondesse a minha pergunta, meu pai adentrou a sala com uma garrafa de vinho nas mãos e cumprimentou Lucas. Trocamos um abraço, e eu estava prestes a perguntar de novo onde diabos meu irmão havia se metido, quando ele desceu as escadas de mãos dadas com Kate. Precisei conter um palavrão.
  – ! Até que enfim vocês chegaram, hein? – Zachary disse apressando-se para me abraçar.
  Normalmente eu teria afagado sua nuca e feito com que o abraço durasse pouco. Mas eu queria provocar. Não à Kate – ela com certeza não perceberia nada; eu queria atingir a Zack. Queria que ele detestasse estar com aquela vaca ou que notasse qualquer sugestão de que eu não era tão fraternal com relação a ele mais. Assim, colei meu corpo contra todas as partes possíveis do dele e respirei provocantemente em sua orelha. Senti a mão de Zachary que tocou as minhas costas me apertar um pouco mais forte e sorri de prazer.
  – Como você está? – perguntei-lhe.
  – Be-bem. – meu irmão gaguejou.
  – E a vida em New York, ? – Kate interveio fazendo-se de simpática.
  – Tudo está muito bem.
  – O casamento de vocês é daqui a poucos meses, não é mesmo? – a vadia prosseguiu para me irritar de vez.
  – Cinco meses e treze dias. – Lucas respondeu por mim. - E vocês? Estão pensando em subir ao altar também? – meu noivo perguntou passando o braço em volta da minha cintura.
  – Fala sério, Lucas. Os dois mal devem estar namorando... – eu ri mais nervosa com aquela possibilidade do que incrédula com relação a sua execução.
  – Na verdade eu conheço a Kate há tanto tempo que poderíamos ir direto para o matrimônio. – Zack falou. Arregalei os olhos automaticamente. Kate sorriu encantada. – Mas vamos deixar para daqui algum tempo ainda.
  – O jantar está na mesa, crianças! – minha mãe apareceu na sala anunciando depois de ter nos abandonado por alguns minutos. Pelo visto, o final de semana seria mais longo do que eu imaginara.

  Depois do tapa na cara que aquele encontro representou para a minha vida, eu desejei me teleportar para New York de novo. Pensei em perguntar ao meu irmão, quando estivéssemos a sós, o que ele estava pensando. Por que ficar com a Kate se ele sempre dizia que só a queria como amiga, que não a amava de outra forma? Será que ele pensava que estava ficando velho – 31 anos é alguma coisa – e que precisava se casar ou terminaria sem ninguém? Ou o objetivo dele era me provocar? Eu era mesmo muito presunçosa em acreditar que ele não havia superado seus sentimentos por mim e estava em outra há muito tempo – eu só não havia percebido isso ainda porque estava preocupada demais com meu próprio mundo.
  A reunião social em família pareceu durar uma eternidade. Quando Kate disse que estava indo embora, eu agradeci a todos os santos mentalmente e subi para o meu quarto com Lucas em meu encalço. E minhas perguntas aquela noite transformaram-se em preocupações quanto ao meu casamento, quando, depois de transar com meu noivo, percebi que eu havia pensado mais em Zack e nos problemas a cerca dele do que no ato em si. Como eu havia conseguido bagunçar tanto a minha mente, afinal?

- Três

  Abri meus olhos para uma manhã ensolarada. Tateei ao meu redor e não encontrei ninguém. Onde Lucas teria se metido, eu não sabia dizer, mas tinha certeza de que havia algum recado pelo quarto ou na cozinha referentes à saída dele. Eu estava certa – na porta da geladeira um bilhete dizia:

   e Zack,
  Eu, seu pai e Lucas fomos ao jogo beneficente que aconteceria no bairro esta manhã. A partida termina às 11, então, até as 11h30 estaremos de volta. Tem bolo e café no armário – se alimentem! Beijos.

Mamãe

  Conferi as horas no relógio de parede da cozinha – ainda não eram nem dez horas. Então, meu estômago roncou alto e decidi obedecer às ordens de minha mãe e comer. Já estava no meu terceiro pedaço de bolo quando Zachary entrou na cozinha sem camisa e esfregando os olhos.
  – Bom dia. – ele me cumprimentou com a voz rouca de sono. Sorri involuntariamente. Como eu havia demorado tanto tempo para enxergar o quanto ele era lindo?
  – Bom dia. – respondi.
  – Cadê o resto do povo?
  – Foram num jogo beneficente no bairro. O bilhete da mamãe diz que eles voltam até às onze e meia.
  – Hum... Sobrou bolo pra mim? – ele perguntou sentando-se ao meu lado. Apontei para a forma quase cheia e mordi o meu pedaço.
  – Você e a Kate, hein? Quem diria... – comentei depois de vários minutos de silêncio enquanto mastigávamos.
  – Todo mundo diria, . Eu enrolo a Kate há mais de dez anos. Você sabe bem disso.
  – Exatamente porque sei que eu não diria que você ficaria com ela a essa altura do campeonato. Quero dizer, e aquele papo de que vocês só servem pra serem amigos e se pegar de vez em quando?
  – E não é isso que um relacionamento deve ser? Amizade a maior parte do tempo e um pouco de pegação às vezes?
  – Zack, você não pode desistir assim de encontrar aquela pessoa que te faça suspirar! – dei minha opinião elevando a voz algumas oitavas ao dizer as palavras. - Seu namoro com a Kate está parecendo mais uma resignação sua com a vida.
  – , eu não quero falar sobre esse assunto com você. – ele disse depois de respirar fundo uma vez.
  – Bom, você não tem muita opção. Fugir do assunto não resolve nada. – falei decidida a conversar sobre a besteira que ele estava fazendo com a própria vida.
  – Fugir do assunto foi exatamente o que nós fizemos durante sete anos, ! É muito fácil pra você chegar pra mim e falar: “Zack, não desista de achar a pessoa que te faça suspirar”. – meu irmão adotivo fez uma imitação boba da minha voz, mas, quando continuou falando, sua voz estava tão séria quanto quando disse a primeira frase. – Porque você já está com a pessoa que te faz suspirar! Você é a pessoa que me faz suspirar, lembra? E eu estou cansado de falar pra mim mesmo que existe outra de você pelo mundo. Porque é claro que não existe! Existem outras Kates, várias outras. E não faz sentido eu rodar o planeta para acabar com outra Kate, se tem uma aqui, há algumas quadras de distância, que já é apaixonada por mim.

  Quando percebi onde nossa conversa havia parado, Zack estava de pé me encarando com uma expressão dolorida e eu correspondia ao seu olhar assustada. Não sei de onde saiu a motivação, a coragem ou a loucura que me fez executar o gesto seguinte, mas minha atitude foi mais fácil de compreender do que meus pensamentos ao praticá-la – eu beijei Zachary. Passei as duas mãos por trás de seu pescoço e colei meus lábios nos dele. E quando nossas bocas se encontraram, o instante foi análogo a colocar uma centelha de fogo em um fio de pólvora – nós explodimos juntos. Zachary correspondeu ao beijo como se esperasse por aquilo há muito tempo e apertou minha cintura tão forte que eu pensei que suas mãos fossem atravessar minha pele. Ele então me levantou de modo a me colocar sentada no balcão e foi minha vez de afundar as unhas em seus ombros largos e definidos. Nós nos beijamos durante alguns minutos até que meu irmão me ergueu de novo e eu passei as pernas em volta de sua cintura. Ele caminhou comigo, com suas mãos apertando minha bunda, até alcançarmos seu quarto no andar de cima. Durante o percurso, nenhum de nós falou nada, embora eu soubesse o que estávamos pensando – onde havia parado nossa sanidade?

  Como se já conhecesse cada milímetro do meu corpo, Zack tirou minha blusa e meu short e me beijou do pescoço até o umbigo, acariciou cada pedaço das minhas pernas e das minhas costas. E, embora eu já tivesse visto meu irmão de cueca várias vezes e, quando tinha uns 12 anos, sem querer, o havia visto nu também – o primeiro homem que eu vira assim na vida -, foi completamente diferente daquela vez. Instantes antes de iniciarmos o que poderia nos afastar ou nos unir de uma vez por todas, eu pensei nisso – pensei que estava traindo meu noivo, pensei que nossos pais surtariam se vissem aquilo, pensei que eu poderia magoar não só a Zack, mas a mim mesma com aquela atitude. Mas eu não tive força de vontade suficiente para parar nada. E, quando me dei conta, eu estava completamente suada e com Zachary deitado, com a cabeça recostada sobre o meu tórax.

- Quatro

  - Uau. Super uau. – Zack disse depois de alguns minutos em silêncio. – Ainda conseguiu ser milhões de vezes melhor do que eu imaginei.
  – Ai, Zai, eu não quero saber o que você pensa quando está no chuveiro. – eu disse e ri alto.
  – Mas eu vou lhe contar mesmo assim. – ele respondeu posicionando-se sobre mim novamente. - Eu penso em você quando estou no chuveiro... – meu irmão sussurrou na minha orelha. Um arrepio percorreu todo o meu corpo.
  – Vou lhe contar um segredo: eu também penso em quando você está no chuveiro. – confessei e recebi um beijo demorado em troca.
  Zachary parou de me beijar e disse que precisava ir ao banheiro. E quando o perfume dele ficou mais fraco e minha mente voltou a trabalhar com mais normalidade, eu senti a culpa me esmagando. Lucas se mataria se soubesse de uma coisa daquelas. Ele havia saído com meus pais e eu havia lhe traído com meu irmão de criação. Nosso casamento dali a cinco meses que significava tudo sobre o que ele falava e pensava desde que havia me pedido para unir minha vida à dele, um ano atrás, seria jogado pela janela. Eu não via como fazer aquilo com Lucas. Não via como excluí-lo da minha vida daquele jeito – escorraçar seria a palavra mais adequada, na realidade. O que eu sentia por Zack também, afinal de contas? Um desejo incontrolável sim, um amor tão forte que eu daria a minha vida pela dele sem pestanejar, mas será que eu o queria para mim como ele me queria?
  – ? – Zack estralou os dedos diante dos meus olhos chamando a minha atenção.
  – Zachary, isso não devia ter acontecido. – eu disse e me levantei da cama dele. – Nada que começa errado termina certo. E isso está completamente errado. Eu sou noiva! Você tem uma namorada! Nós somos irmãos de criação!
  – Eu sei... – ele respondeu sentando-se na poltrona em frente à cama e colocando as mãos no rosto. – Mas o que nós vamos fazer? – perguntou me encarando depois de alguns segundos de reflexão. – Fingir que isso nunca aconteceu? Eu não sei fingir que isso nunca aconteceu, !
  – Você vai ter que tentar por enquanto. Eu preciso sair de perto de você um pouco. Preciso pensar. – falei catando minhas roupas pelo chão do quarto de Zack e indo para o meu às pressas.

  Tomei o banho mais demorado da minha vida depois de deixar Zachary sozinho em seu quarto chamando o meu nome e dizendo que precisávamos conversar. Pensei em tudo o que havia acabado de acontecer, em tudo o que havia vivido com Lucas, em como eu o destruiria se ele descobrisse uma coisa daquelas... Pensei se era uma possibilidade apagar da minha memória o que acontecera entre mim e Zack, e, por mais que eu quisesse reviver momentos como aquele outras milhares de vezes na minha vida, eu também sabia que seria impossível conseguir algo assim. Zachary sempre foi fora de alcance. Imaginá-lo ao meu lado como namorado ou marido parecia o mesmo que idealizar ser a rainha da Inglaterra. Mesmo que eu fosse ciente dos sentimentos do meu irmão por mim, ele nunca havia deixado de ser meu irmão – nem mesmo quando comecei a imaginá-lo na minha cama comigo eu conseguira eliminar totalmente aquela imagem já tão formado dentro de mim. Era incestuoso, errado e estranho como eu via Zack na minha vida, mas as duas formas – de homem e de meu irmão – coexistiam de algum modo dentro do meu coração.
  – ? – Lucas chamou meu nome do lado de fora do banheiro enquanto eu me enxugava.
  – Oi? – respondi sem emoção alguma na voz.
  – Sua mãe está chamando pra almoçar, amor. – meu noivo disse e girou a maçaneta da porta que não se abriu porque estava trancada. – Por que trancou a porta? – ele perguntou confuso.
  – Eu tranquei? – me fiz de boba; Lucas certamente não entenderia se eu dissesse que precisava de privacidade naquele momento. – Já estou saindo, amor. – emendei sem vontade alguma de abandonar a paz do banheiro, mas sabendo que, se o almoço já estava pronto, eu não tinha alternativas.

  Quando fui realmente obrigada a ir até meu quarto, deparei-me com Lucas sorrindo e dizendo que estava com saudades. Ele me abraçou carinhosamente e me cobriu de elogios, como sempre. Assim, “lixo” tornou-se apelido para o modo como estava me sentindo. Vesti a primeira roupa que encontrei na minha mala e desci para o almoço com a minha alma pesando mais de cem quilos – ou, pelo menos, era a sensação que eu tinha.
  Kate estava presente para a refeição e paparicou Zachary o tempo todo, como de costume. Meu irmão estava frio com ela do mesmo modo que eu estava com Lucas, embora nós dois tentássemos reprimir isso e olhar o mínimo possível um para o outro.
  – Você e o Zack não brigaram de novo, né? – minha mãe me perguntou aos sussurros enquanto nós duas pegávamos os pratinhos e colherezinhas de sobremesa no armário da cozinha e o restante da família (e Kate) esperavam na sala de jantar.
  – Não, mãe. Está tudo bem entre mim e o Zack. – menti.
  – Então porque não se falaram diretamente desde que nos reunimos para almoçar?
  – Eu nem percebi que isso tinha acontecido. Mas não se preocupe. Nós estamos muito bem. – minha mãe não teria se contentado com minhas respostas mal feitas, mas foi obrigada a isso já que havia pessoas nos aguardando para comerem.
Passamos a tarde toda daquele sábado jogando jogos de tabuleiro e, no final do dia, haveria um jogo de basquete na TV, ao qual os homens da casa assistiriam juntos. Assim, minha mãe propôs que ela, Kate e eu fôssemos juntas ao teatro da cidade prestigiar a peça de uma vizinha que estava em cartaz. E como o objetivo principal dos meus finais de semana em Baltimore era passar tempo com a minha família, eu não pude negar o convite.

  - Então vocês não vão à pizzaria conosco... – minha mãe lamentou quando Kate disse que ela e Zack tinham o aniversário da irmã dela para comparecer aquela noite.
  – Desculpe, Sra. Merrick. Nós precisamos ir à festinha que a Tanya está dando para a família. Ela não me perdoaria nunca se eu perdesse seu aniversário. – Kate desculpou-se com a voz chorosa. Reprimi o impulso de rolar os olhos.
  – Tudo bem, querida. Vão, deem meus parabéns à Tanya e divirtam-se! Amanhã nós vamos dar um churrasco junto com a família Barakat. Aguardamos você na casa deles para esse almoço, está certo? – minha mãe convidou abraçando a namorada de Zack.
  – Eu estarei lá, com certeza.
  Depois disso, eu e Lucas subimos para o meu quarto e só escutei minha mãe perguntando a Zack se ele voltaria pra casa aquela noite. A reposta dele foi suficiente para que eu concluísse que ele havia decidido me obedecer quando eu pedi que esquecesse o que havíamos feito mais cedo – Zachary disse que dormiria na casa de Kate.

- Epílogo

  O churrasco na casa de Jack teria sido ótimo se não fosse por duas coisas: eu estava noiva de uma pessoa que não amava por completo e meu coração estava divido entre o cara que eu chamaria de marido em poucos meses e o meu irmão de criação.
  – Quer dizer que você vai se amarrar em Setembro, Barakat? Quem diria, hein? – brinquei com Jack quando sua noiva se afastou de nós.
  – E vocês se enforcam em Agosto, ! Está nervosa para subir ao altar? – ele devolveu sorrindo de orelha a orelha. Tentei imitar seu sorriso, mas eu sabia que soava tão forçado quanto realmente era.
  – Nem acredito que está tão perto. – admiti mais melancolicamente do que realmente ansiosa pelo evento.
  O assunto do almoço girava em torno dos casamentos que estavam por vir, e ouvi mais de uma vez as pessoas perguntando a Zachary e Kate quando marcariam a data do deles. Em uma das ocasiões que alguém questionou isso, eu pude escutar claramente a resposta do meu irmão: “não sabemos ainda, mas deve ser logo também”. E mesmo que, no fundo, eu soubesse que não desistiria do meu casamento com Lucas, ainda me senti magoada por Zack não ter lutado por mim, por nós. Como eu, ele apenas decidira esquecer que poderíamos ser mais que amigos e irmãos... E eu poderia mesmo culpá-lo por isso, afinal?

  - Nosso voo está marcado para as seis e quarenta e cinco. – Lucas respondeu ao meu pai enquanto voltávamos para casa depois de passar a tarde toda na casa dos Barakat aproveitando a companhia dos amigos.
  – Então vocês tem uma hora para se ajeitarem. Seis horas saímos daqui para ir para o aeroporto. O trânsito domingo é tranquilo, então vamos chegar com tempo de folga. – meu pai disse e Lucas assentiu.
  Fui direto para o meu quarto quando chegamos em casa. Organizei todas as coisas que levaria embora dentro da minha mala, tomei um banho rápido e me troquei. Ainda assim, faltavam quase trinta minutos para voltarmos para New York, de onde eu não deveria ter saído naquele final de semana. Deixei Lucas no banheiro tomando seu banho e fui para o jardim dos fundos da casa respirar um pouco de ar fresco. Eu mal havia alcançado a varanda quando Zack tocou meu ombro com uma mão.
  – Então vamos mesmo simplesmente ignorar o que houve. – não era uma pergunta.
  – Você gostou da ideia, não fale como se eu fosse a única culpada.
  – Eu tive que aceitar essa ideia assim como tive que aceitar que éramos só irmãos e não passaria disso quando você decidiu que assim seria há sete anos, . – a voz de Zack trazia toda a revolta que ele sentia por ambos os fatos.
  – Quer dizer o que com isso? Você acha que eu menti quando te disse antes que só te queria como irmão? – perguntei ultrajada.
  – Não acho que você tenha mentido. Eu só acho que você me deu a resposta que achava mais óbvia e mais fácil de dar naquela época. Quando nos afastamos o bastante para que entrasse na sua cabeça que eu não tenho seu próprio sangue, então é possível sim sentir algo a mais por mim, você mudou de ideia. E por mais que você tente negar para si mesma que eu significo mais do que você reconhece, isso não vai mudar seus sentimentos por mim. Enterrar os fatos e o que você quer de verdade não vai mudar os seus desejos, . Quando você vai enxergar isso? – Zack falou essas palavras tão próximo a mim que eu me perguntei se era tudo o que ele havia dito mesmo; eu estava tão embriagada pelo seu cheiro e tão envolvida pela sua presença que podia apostar que não me recordava mais sequer qual era meu próprio nome.
  – Eu preciso me casar com o Lucas, Zack. Por mais idiota que isso pareça ou por mais estúpido que realmente seja, é o que eu preciso fazer agora. Me desculpe. – sussurrei as palavras depois de refletir no que ele disse por alguns segundos e deixei o silêncio pairar sobre nós de novo. Instantes depois, Lucas chamou meu nome de algum lugar de dentro da casa, e eu parti sem sequer dar um abraço de despedida no meu irmão.

***

  Positivo. Uma palavra tão curta, tão clara, tão simples... E, ao mesmo tempo, tão cheia de complicações, implicações, dúvidas e medo.
  – Parabéns, vocês terão um bebê. – depois que a médica disse isso e Lucas me abraçou emocionado, eu não escutei sequer uma palavra do que ela disse. Havia alguma coisa relacionada à pré-natal... Foi apenas horas depois de ter saído da consulta que a minha fixa caiu: eu seria mãe.
  – Acho que devíamos adiantar o casamento, . Já está tudo resolvido mesmo. Só vamos precisar pedir um adiantamento das coisas. – Lucas sugeriu assim que chegamos em casa depois de passarmos em uma padaria para tomarmos um refrigerante e comemorarmos a novidade.
  – É, podemos adiantar. – concordei sem ter certeza do que estava dizendo.
  – É impressão minha ou você não está feliz? – meu noivo questionou preocupado sentando-se de frente para mim sobre a cama.
  – Não, Lucas, eu estou super feliz, é claro. Só estou... com medo. Casamento, um bebê... É muita coisa acontecendo ao mesmo tempo. – confessei sinceramente. Ter um filho era um dos meus planos, é claro, mas era uma das coisas que eu idealizava para dali a muitos anos, quando já estivesse bem resolvida financeira e emocionalmente. Mas, embora financeiramente a situação estivesse sob controle, eu não estava nada bem na parte emocional.

  A confusão só aumentou quando fiz meu primeiro ultrassom na semana seguinte e a data do casamento foi transferida do dia 13 de Agosto de 2011 para o dia 11 de Junho de 2011. De acordo com a ultrassonografia e informações que forneci para a médica, minha gravidez tinha pouco mais de dois meses. Portanto, eu provavelmente havia engravidado no final de semana que fora para a casa dos meus pais em Baltimore. O final de semana que transei com Zack. Como eu havia chegado num ponto de ser absurda o bastante para não ter certeza nem sobre a paternidade do meu filho? Pensando ou falando assim eu soava a mais vadia das vadias! O que eu faria com mais essa dúvida agora?

***

  O meu pior erro não foi ficar com Zachary naquele dia, nem mentir para Lucas sobre o que havia de fato acontecido. O meu maior erro foi seguir com aquela situação fingindo que nada estava acontecendo – fingindo para todos, inclusive para mim mesma. Percebi isso quando a festa do meu casamento terminou e tudo o que eu queria era dar um abraço em Zack antes de viajar em lua de mel para o Brasil, mas não encontrei meu irmão em lugar algum, embora eu o tivesse visto entre os convidados mais de uma vez durante a noite. E tive certeza absoluta disso conforme o tempo passava e as mentiras pareciam cada vez mais excruciantes e sem sentido – a sensação que eu tinha era de estar sofrendo sem razão, nem objetivo.

  O tempo passou, é claro. Por mais que pareça que você está parada no mesmo lugar, que o mundo não gira há muitos dias, que o relógio está parado na mesma hora, a verdade é que os minutos correm e a vida continua. Quando acordei para este fato, eu já estava completando meu quinto mês de gestação com uma descoberta fantástica: meu bebê era uma menina.
  Acordei no dia seguinte ao ultrassom que havia me informado que eu esperava Elena e não Edward – os nomes que havia escolhido para caso estivesse esperando um filho ou uma filha -, e fui para a cozinha da casa que eu e Lucas havíamos comprado juntos no Central Park West. Como sempre, dirigi-me até o fogão e preparei o café puro sem o qual eu não sabia viver– eu tinha certeza que a cafeína era tão parte da minha corrente sanguínea quanto as hemácias. Pensei nas besteiras que havia cometido em minha adolescência e em como era tudo tão insignificante perto das que havia conseguido aos meus 26 anos de idade, quando supostamente deveria ter um pouco mais de juízo e responsabilidade. A verdade é que eu sabia bem qual rumo dar a um caso quando estava num tribunal, mas nunca aprendera qual destino dar à minha própria vida. E o que eu faria para mudar a minha situação ou viver em paz com as minhas decisões? Não sabia sequer imaginar como conseguir isso.

   - Bom dia, minha linda. – meu marido sussurrou as palavras no meu ouvido enquanto me abraçava por trás.
  – Bom dia. – respondi séria despejando o café dentro da garrafa térmica, e com os mesmos pensamentos de segundos atrás.
  – Mau humor matinal? – ele perguntou com uma risada.
  – Uhum... – menti automaticamente.
  – Seria abusar da sua paciência lhe pedir para fazer torradas?
  – Não, eu faço.
  – Obrigado. Vou tomar um banho.
  – Ok. – falei e suspirei longamente depois que Lucas saiu da cozinha.

  Caminhei até o armário e peguei o pacote de pães. Liguei a torradeira e comecei a passar manteiga dos dois lados de cada fatia. E as recordações dos últimos tempos vieram aos poucos, como sempre acontecia todas as manhãs. Acariciei minha barriga e senti Elena me cutucar repetidamente ao passo que as lágrimas desciam pelo meu rosto.
  – Zack, eu sinto sua falta... – murmurei baixinho para mim mesma.
  Eu mal havia sussurrado aquelas palavras e meu celular vibrou no meu bolso. Quando vi quem era na tela antes de apertar o botão verde para atender, eu não pude acreditar.
  – Alô. – atendi cautelosa ainda me perguntando se era verdade que Zachary estava me telefonando depois de três meses sem responder minhas mensagens, e-mails ou qualquer outra coisa que eu lhe enviara tentando contato.
  – Oi, . – ele disse com um sorriso na voz. O mesmo sorriso do qual eu me lembrava tão bem e que surgiu em cores lindas na minha mente quando imaginei.
  – Oi, Zack. – respondi sentindo as lágrimas escorrendo pelo meu rosto. – Pensei que nunca mais fosse falar com você.
  – Nunca mais é muito tempo, não acha?
  – É verdade. – concordei e ri nervosa.
  – Está tudo bem? Com você, com o Lucas e com o bebê? – ele perguntou receoso.
  – Sim, estamos todos bem. E você? Como está?
  – Eu estou bem também. Tenho uma novidade. – Zachary disse depois de pausar ao dizer que também estava bem.
  – O que é? – incentivei-o. Por mim não importava se Zack me dissesse que iria ter trigêmeos com Kate ou que iria para algum país árabe para poder se casar com cinco mulheres diferentes. Desde que ele estivesse saudável e feliz com sua decisão, para mim estava tudo bem.
  – Eu pedi a Kate em casamento ontem à noite e ela disse sim.
  – É claro que ela disse. Que louca recusaria se casar com você? – brinquei feliz porque ele parecia feliz. Parte de mim odiava aquela notícia e ainda não compreendia porque Zachary estava fazendo aquilo. Mas eu já esperava por um anúncio como aquele há tanto tempo que nem chegou a me surpreender de verdade. Além disso, eu era a última pessoa do mundo que poderia questionar as decisões que meu irmão tomasse depois das besteiras que eu fizera com a minha própria vida.
  – Você recusaria. – Zack falou e riu. Eu ri em resposta. – Eu só queria que você fosse a primeira a saber. Acho que me cansei de tentar te tirar totalmente da minha vida. Sempre fomos bons como irmãos, então eu quero que isso continue existindo entre nós.
  – Isso vai existir pra sempre, Zai. Mesmo que a gente ignore e tente fingir que não existe, isso continuará sendo um fato. – falei a constatação mais certa disso do que jamais estivera antes.
  – É verdade. Você sempre será a minha .
  A nossa conversa aquela manhã terminou aí, mas eu esperava sinceramente que muitas outras ainda acontecessem. Eu havia passado tempo o bastante longe de Zack para aprender a valorizar tê-lo na minha vida, ainda que eu não pudesse tê-lo de todas as formas que desejava. Por mais que tivesse que limitar nosso contato dali para frente, de uma coisa eu sempre teria certeza e isso me dava forças para seguir em frente: Zachary Merrick e eu podíamos estar casados com pessoas diferentes que continuaríamos a nos amar como os bons irmãos que éramos.

FIM



Comentários da autora

  Oi, girls! Não me matem por ter demorado tanto tempo para terminar a parte 2, e não me matem de novo por não ter casado vocês com o Zachary! A vida de vocês é bem mais complicada do que parece, né? Maaas vejam o lado bom: a parte 3 é a última, então não haverá muita tortura para saberem o final das confusões de vocês dois. Espero ser mais ágil na escrita do final e enviá-lo para o ATF logo. A culpa da demora para terminar Spouses foi o fato de eu ter travado no meio da fanfic e não saber como escrever a continuação que eu queria dar à história. Mas aqui está o resultado e espero que agrade!
  Ah, e a continuação ainda não tem nome definidíssimo, por isso não vou dizer a vocês qual é.
  Beijos, e obrigada por lerem <3