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Temporada #011

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John Mayer



Só Uma Chance

Escrito por Khloe Petit

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  – O que você acha?
  Olhei para o lado, vendo-a entrar em um vestido preto que realçava as curvas de seu corpo. sempre teve um belo corpo e, mais que isso, sempre soube exatamente as roupas que valorizavam sua beleza. Era por isso que todo mundo se apaixonava por ela.
  Inclusive eu.
  – Bonito.
  – Hum… não senti muita firmeza. - ela olhou para o próprio reflexo no espelho embutido à porta do meu armário. Virou de um lado para o outro, fez diversas poses. – Acho que vou tentar outro.
  Observei, pacientemente, ela ir e vir vestindo peças diferentes, sempre me pedindo opinião, como se eu fosse um guru da moda.
  Acreditem, eu não sou.
  Muito pelo contrário. A maior parte das roupas do meu armário são compostas por moletons e jeans surrados. Gosto da praticidade e as poucas peças realmente bonitas que possuo, foram presentes de .
  Não somos irmãos, mas sim, melhores amigos.
  Esse papo de que não existe amizade entre um homem e uma mulher não parece fazer sentido para , mas para mim, fazia todo sentido.
   e eu crescemos juntos. Fomos para a mesma escola, fizemos os mesmos cursos extracurriculares – que na época era somente “escola de inglês”, “escola de karate", “escola de jazz”... é, eu sei dançar jazz. E apesar de termos cursado diferente na universidade – eu, engenharia da computação; ela, publicidade e propaganda – acabamos trabalhando na mesma empresa de tecnologia. O fato de eu ganhar bem mais que ela fez com que tivesse a brilhante ideia de dividir um apartamento. Como ambos somos do interior, foi um alívio para os pais dela saberem que ela estava morando com alguém que eles conhecem e confiam, ao invés de vê-la em uma república.
  Só que ninguém nunca perguntou o que eu achava.
  É claro que ter sempre do meu lado é uma coisa boa. O ruim é ter de vê-la se arrumar para diversos encontros, e nenhum deles ser comigo. Tudo porque sou “seu irmão”.
  Não sou uma beldade. Estou acima do peso – mas nem taaanto –, não sou nada vaidoso, mas não gosto de brincar com os sentimentos de ninguém e sei muito bem lidar com mulheres – morar com uma nos dá um know-how que poderia ser incluso em nossos currículos. Namorei uma garota por anos e, ao contrário do que imaginam, ela era tão linda quanto , mas com uma baixa autoestima, que culminou no nosso término quando ela soube que iríamos morar juntos – amigos em primeiro lugar sempre, certo?
  Desde então, as coisas andam difíceis para meu coração.
  Ver ser legal comigo e não confundir as coisas era doloroso.
  Mais ainda, ouvi-la falar sobre seus encontros e não poder falar sobre meus sentimentos era ainda pior.
  O pior de tudo, é imaginar centenas de cenários de mim fazendo diversos tipos de declaração para ela, e em todas eu me dar mal. Vale a pena desistir da nossa amizade?
  E então, alguns anos se passaram e nós completamos 35 anos. continua se divertindo com suas diversas paqueras, mas reclamando que nenhum deles tinha potencial para se tornar um marido. Eu, por outro lado, ia a alguns encontros arranjados com amigas delas, e perdia a maior parte do tempo comparando-as.
  – Esse está ótimo. Melhor que as outras. - disse o que sempre digo quando canso de vê-la entrar e sair do meu quarto perguntando sobre a melhor roupa, e então sair sem perguntar se eu tenho alguma programação para a noite.
  Tudo bem. Sou um nerd. Gosto de passar o tempo todo em casa, jogando RPG com meus amigos e bolando algum plano para criarmos um app que irá estourar no mundo e nos tornará milionários. Faz sentido, a partir de meu histórico, não se importar com o que eu vá fazer.
  Mas o que custa perguntar? Fingir que se importa?
  Assim, quem sabe, abriria a oportunidade que eu preciso para mostrar um novo .

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  – E aí, companheiro? – se aproxima enquanto bebo um copo de água na cozinha. – Qual a programação de sua sexta à noite?
  Olho para ela e então para cima.
  – O que acha de fazermos um passeio sem rumo?
  – Uau! - ela ri. – E você é de fazer esse tipo de programação? Achei que tudo devesse ser minimamente elaborado, senhor certinho.
  – Separar as roupas brancas, das coloridas, não me faz uma pessoa certinha, mas sim, sensata. Você deveria me agradecer.
  – Obrigada, obrigada. - ela diz em deboche, rindo da minha cara. – Mas bem, para onde iríamos primeiro?
  – Entrar no carro é um bom passo. E aí eu verificaria se o combustível está cheio, e então só Deus sabe.
   olhou para mim admirada e então gargalhou.
  – Feito! Fico pronta em 10 minutos.
  Não acreditei que ela poderia topar. Ela geralmente tinha dezenas de programação para sexta-feira à noite, e não imaginaria que pudesse trocar qualquer uma delas, para passear sem rumo comigo.
  Fizemos o que eu havia sugerido e então, dentro do carro, acabamos decidindo ir em um restaurante drive-thru de lanches, e então comer pegando a estrada para o litoral norte. disse estar afim de sentir o cheiro da maresia e, bem, estarmos aqui já era um grande benefício para mim, então o que ela quisesse fazer, por mim tudo bem.
  – O que você geralmente faz nas festas? - pergunto para ela durante o caminho. Ouvíamos um pop antigo, da nossa época adolescente, e era quem cantava mais animada, enquanto eu apenas ria com sua empolgação. Vejo-a apoiar as pernas no painel à frente e inclinar mais seu encosto para trás, ficando mais confortável.
  – Bebo, ouço as pessoas falarem merda e então elogiarem minha roupa para disfarçar. Então encontro com algum cara e, se ele beija mal, eu só finjo estar passando mal.
  – Sou muito bom em fingir ânsia.
  – Para! - ela exclama, rindo.
  – Nerds também precisam fugir de encontros errados.
  – Quem diria, hein, ? Como é uma garota de encontro errado para você?
  Olhei em direção à estrada escura, mas com alguns carros, e pensei nos encontros terríveis que tive.
  – Primeiro, ela só fala sobre ela.
  – Ah - fez um som de desaprovação –, odeio homens que só falam de si também.
  – Segundo, minha profissão importa mais do que eu.
  Dessa vez, apenas deu uma risadinha, pois ela mesma gostava dos homens que tinham uma carreira. A diferença era que entre ter uma carreira e ter um cara de T.I ganhando horrores, o segundo era muito bem melhor visto pelas mulheres.
  – Também não gosto das que não tem educação à mesa.
  – Do tipo, mastigar de boca aberta?
  – E falar com boca cheia. Não quero beijar aquela boca, depois que vejo como ela mastiga a comida que come.
  – Eeew! - ri. – Pensarei nisso em meus próximos encontros também!
  Durante todo o caminho, falamos sobre nossos tipos ideais de parceiros e parceiras. Nós dois nos surpreendemos em ver que buscamos praticamente a mesma coisa, e que era muito difícil encontrar nos dias atuais.
  Chegamos a uma praia aberta para carros. Decidi estacionar em um lugar onde a lua iluminava melhor, e por isso o breu não era grande. Afastamos os bancos e abrimos as janelas; imediatamente o cheiro do mar tomou conta do interior do carro, assim como o som das ondas quebrando.
  – Qual a maior aventura que você já passou na vida? - perguntei a . Ela riu.
  – Várias… talvez a maior foi ter viajado sozinha para a Índia. Me disseram que lá é um país extremamente machista, então fiquei com medo, mas foi a experiência mais incrível da minha vida. A liberdade que senti foi de outro mundo. E você?
  Honestamente, eu nunca havia parado para pensar no assunto. Não sou uma pessoa que gosta de se arriscar. Talvez a única coisa de risco que eu tenha feito foi o meu perfil de investidor. Gosto muito de tentar coisas diferentes, que acabam me trazendo um lucro.
  – Morar com você.
   olhou para mim, surpresa.
  – Achei que fosse preferir morar com alguma amiga. Eu, por outro lado, não imaginava dividir a casa com uma mulher que não sou casado.
  – Bem - ela riu –, foi mesmo uma coisa inusitada. Você se arrepende?
  – Não. Gosto de você.
  – Que bom. - ela sorri. – Porque também gosto de você, .
  Ficamos calados, trocando um olhar como nunca havíamos feito antes. Destravei as portas do carro e disse:
  – Vamos.
  – Aonde?
  – Onde mais? Entrar no mar!
  – Você está louco?
  – Esse não é um passeio sem rumo? - grito para ela, já que estava fora do carro, indo em direção à água.
  – Você está louco, ! Me espera!
  Fiz o que ela me pediu, mas ao invés de acompanhá-la até a água, peguei-a no colo e, sob seus gritos, corri para dentro do mar, mergulhando com ela. No início, recebi tapas e ouvi palavrões, então, fui empurrado para dentro da água diversas vezes, até estarmos nós dois rindo na beirada.
  – Eu te odeio! Não trouxemos toalha!
  – Ué. Podemos parar em algum mercado e comprar.
  – Você não quer voltar para casa?
  – Estamos a uma hora de casa, . Além do mais, você quer voltar?
  Ela olhou para mim e então para o seu redor. No fim, decidiu deitar-se de costas e olhar para o céu.
  – Não. Quero ficar aqui. Com você.
  Sorri e me deitei ao lado dela.
  – Por que você acha que não consigo me fixar em um relacionamento?
  – Por que eu seria a pessoa ideal para responder a essa pergunta?
  – Oras, porque você é alguém que namorou por anos.
  Sorri.
  – Talvez você esteja procurando a pessoa errada. - disse. – Os homens com quem sai são sempre muito parecidos uns com os outros. Se você procurar alguém diferente, talvez encontre uma pessoa disposta a ter um relacionamento de verdade com você.
  – Mas quem? Eu achava, até então, que namorava caras diferentes.
  Dessa vez, não pude evitar soltar um riso de deboche.
  – Engomadinhos, com carro importado e roupas de marca. A aparência é sempre a de modelo.
  – O que tem gostar de caras bonitos?
  – Você quer namorar caras bonitos ou caras para a vida?
  – Não dá para ter os dois?
  – Você achou algum?
   me deu um tapa como resposta.
  – E vou procurar quem, então? Você?
  – E por que não?
  Ela olhou para mim e se afastou.
  – , pára, estou falando sério.
  Virei meu corpo para ela.
  – Eu também, . - suspiro. – Você quer apostar quanto que se eu comprar roupas caras e ir para academia, em 2 meses me torno o seu tipo de cara?
  Ela não me respondeu. Manteve-se séria e pensativa.
  – A questão é que você não quer um cara para a vida. Você só quer um cara para mostrar para suas amigas metidinhas. - voltei a olhar para o céu. – Eu só acho que você vale mais do que isso. E merece mais do que esses caras. Não precisa ser eu. Só precisa ser um cara que saiba dos seus valores, e não da sua aparência.
  Senti a brisa com partículas de areia e também as ondas baterem de leve em meus pés. O céu estava absurdamente estrelado e o silêncio era praticamente inexistente, com o som que o mar reproduzia.
  – Eu não achava que você era assim, . - a voz de soou.
  Olhei para ela, sério.
  – Assim como?
  – Tão… homem.
  Senti minhas bochechas corarem. Era a primeira vez que dizia me enxergar como homem. Até então, eu era sempre o amigo, o companheiro de apartamento, o colega de infância, a divisão de gastos. Ser homem era ser promovido ao topo.
  – Você só precisava me dar uma chance de te mostrar esse lado meu. - murmurei, vendo-a se aproximar de mim. –
  – Shh… continue sendo esse homem. - ela sussurrou muito perto. MUITO perto. Eu podia ver os poros de seu rosto. E também a pequena pinta que ela tinha escondida entre suas pálpebras. Os lábios carnudos estavam muito próximos e absurdamente tentadores. – Agora, me bei...

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  – Ei, ! - ouço a voz de gritando em meu ouvido. – Está me ouvindo?
  – Desculpe. - desencostei da minha cadeira e olhei para ela. – O que disse?
  – Falei que estou saindo. O Dudu está passando aqui para me pegar, você quer alguma coisa?
  Olhei para seu lindo rosto. Ela havia escolhido o vestido preto. O primeiro. Seu perfume de jasmin havia sido impregnado em todo meu quarto e eu provavelmente sonharia com ela.
  Como sempre.
  – Não. - respondo, colocando meus fones de gamer de volta. – Tô de boa.
  Vejo através do reflexo da janela, seus ombros se erguerem como um “então tá” e sair do meu quarto. Ouço, em seguida, o som da porta da frente batendo e sendo trancado logo em seguida.
  Suspiro, olhando para meu próprio reflexo na tela em modo soneca do computador.
  Se eu tivesse uma chance...

FIM