Só Por Nós
Escrita por lostanny | Revisada por Songfics
Três horas da manhã. Não era aquele um horário admirável para se observar notas no celular? Entretanto… Leila estava pensando seriamente. Eram três da manhã e várias mensagens em seu celular, contavam agora sete. Esse rapaz realmente devia ter muito tempo livre para aquelas bobagens. Ela não conseguiria ignorá-las, todavia. Era do procedimento natural de Leila colocar o celular no mudo, para que mantivesse seu sono impecável. Mas agora estava tudo arruinado, sabia. Ela entendia bem aqueles sinais.
Impecável, organizada, perfeccionista em seu trabalho, empenhada em suas tarefas. A moça em seus vinte e poucos anos teria tudo para que fosse considerada uma boa funcionária em seu emprego de escritório e o era. Talvez empenhada demais em comparação aos seus colegas de trabalho. O mais próximo, a qual poderia considerar seu amigo, Marcelo, lhe dizia constantemente para que pegasse mais leve em seus esforços. Não era como ela precisasse provar a sua posição para ninguém. Todos reconheciam a importância da família Marques na sociedade.
Quem tinha que trabalhar duro e o dobro para serem reconhecidos eram Marcelo e os outros colegas de Leila, ela não. Afinal, a moça era uma alfa, apesar de que tivesse todo um comportamento de uma beta. Entretanto, diferente das famílias alfas em geral, a família Marques pertencia a um grupo que aos poucos se fazia mais presente na sociedade, de alfas que não se importavam com os genes que lhe eram designados e que determinavam status no convívio social, e trabalhavam mesmo assim para que conseguissem prosperidade para si mesmos e a outros. Um grupo cada vez maior se condensava em apoio às iniciativas das famílias, assim como também inimigos. Não que Leila não soubesse cuidar de si mesma.
Quanto a seu trabalho atual, não tinha queixas. Os colegas lhe tinham estima, apesar de não serem próximos, com exceção de Marcelo que de alguma forma se adaptou surpreendentemente ao seu jeito distraído para relações sociais. Além de seus status, a própria personalidade de Leila não ajudava na conquista de amizades mais profundas. Focada em seus deveres a ponto de estar alheia a tudo mais, muito séria e dedicada, ela estava apenas muito concentrada a coisas diferentes para que direcionasse qualquer atenção a mais a qualquer outra coisa. Ou era o que julgava com relação a si mesma desde que poderia se lembrar.
O que teria acontecido então para motivá-la a sair de madrugada de sua cama para encontrar certa pessoa? Quer dizer, ela não precisou chegar ao ponto de sair de casa, visto que o rapaz teria chegado à residência de Leila entre os intervalos que mandava as mensagens para o celular dela. Seu nome era Ítalo. Ele não estava carregando o violão que sempre levava com ele em suas costas, mas, claro, quem pensaria em tocar algo àquela hora? Ainda, a própria presença do rapaz e as mensagens que despertaram Leila de seu sono já eram suficientemente incômodas para a moça. Não conseguiu evitar uma careta se formar em seu rosto. Todavia, se afastou de sua porta para que o visitante inesperado pudesse colocar os pés em seu apartamento.
Ele tinha uma expressão meio culpada nos olhos junto ao seu sorriso. Ao entrar ele não esboçou nenhuma surpresa já que não era a primeira vez que tinha estado ali, mas com certeza era a primeira vez tão tarde. Dessa forma era Leila quem estava surpresa, seus braços estavam cruzados em uma pergunta muda que não deixou os lábios dela.
— Hum… Sei que é pedir muito, mas você poderia me deixar ficar aqui só por essa noite?
— Eu não me importo. — Leila disse sem descruzar os braços — Mas posso pelo menos saber o motivo? Você informou o seu agente?
— Humm, não podemos ter essa conversa amanhã? — Ítalo a abraçou acima dos ombros provavelmente com o melhor sorriso brilhoso que tinha a disposição no momento — Olha como está tarde! Eu queria poder dormir um pouco se possível.
Ítalo tinha um cheiro doce que a agradava muito, mesmo sem qualquer perfume, coisa difícil de ver com aquele rapaz quando o tipo de trabalho que tinha lhe exigia estar sempre em seu alto quanto a arrumação na aparência. Mas tinha tido uma vez sim em que ele se apresentou como estava naquele momento, muito simples, muito simples. E era como se ele brilhasse a seus olhos de alguma forma, como uma lua brilhante. O rapaz sabia bem jogar o seu charme para conseguir o que queria. As más línguas diziam que era uma conduta muito comum a qualquer ômega como ele.
Mesmo sendo um cantor famoso de uma banda de garotos de destaque nos últimos anos, Ítalo sofria com certa frequência com ataques por conta de ter nascido ômega, classificação destinada à posição social mais baixa para a sociedade, sendo reservados a essas pessoas trabalhos com pouca remuneração ou até mesmo duvidosos. Quem estava em posições melhores como Ítalo tendia a causar suspeita aos demais. Ele provavelmente, para chegar ali…
Isso chegava a incomodar a Leila sim, apesar de sentir hipocrisia na boca quanto esse tipo de questão tomava lugar em sua mente. Era algo que vinha súbito, quando menos estava esperando, nos poucos momentos em que não estava concentrada. Mesmo que estivesse tentando seu melhor com as conexões que possuía, era algo que ainda não conseguia dizer com confiança: “acredite em mim, porque eu sou diferente”. Sua alienação e de seus familiares, e de outros de posição semelhante a ela, provavelmente tinha permitido a manutenção daquela situação com os ômegas, mesmo que de certa forma diferente. Mesmo que não os insultassem ou os vissem como inferiores aos alfas e aos betas, também acabavam por não enxergarem os próprios privilégios e os problemas que muitos estavam enfrentando. Leila não poderia dizer, como antes imaginava, que sua família estava trazendo progresso para o mundo. Não ainda, daquela forma.
Se Ítalo não queria dizer a ela o que o tinha feito ir até sua casa tão tarde, provavelmente era algo relacionado a sua situação de ômega, e mesmo que não fosse o caso não gostaria de arriscar, só seria cruel. Ela não tinha qualquer direito de insistir. Se limitou a suspirar, ainda com Ítalo abraçando seu pescoço. Ao dizer um pequeno “tá”, Ítalo se afastou de Leila com um sorriso mais genuíno. Um sorriso bem melhor para ela com toda certeza. O anterior era lindo, mas aquele possuía um afeto que ela não trocaria. Se sentia uma boba pensando daquela forma.
A moça segurou sua vontade de bagunçar os cabelos de Ítalo e devolveu o abraço que o outro tinha lhe dado antes, desajeitadamente, quando Ítalo tinha lhe dado as costas. Provavelmente eram abraços diferentes, o rapaz a abraçou para conseguir um consentimento para que ficasse ali, possivelmente uma necessidade. Porém, ela se sentiu um pouco grata por ele dar aquele pouco de confiança a ela, mesmo que soubesse que não merecia. Se sentia embaraçada, se sentia grata, confusa, sentia seu rosto esquentar pela ação que realizou. Isso não era o tipo de coisa que ela faria. Ítalo parecia congelado onde estava. Era engraçado de certa forma que estivessem agindo daquela maneira, quando já tinham dormido juntos antes.
Mas aquela fora uma situação diferente. Da última vez que Ítalo esteve no apartamento de Leila, o que houve não tinha sido uma ação tão consciente quanto aquele momento em que estavam abraçados. Quando Ítalo beijou Leila e pediu para que transassem, seus corpos tinham falado mais alto. Em algum momento, os pensamentos perderam o caminho em que se encontravam, e só havia calor. Leila, sem entender muito sobre aquele tipo de relação além de conhecimentos técnicos, mas sentindo seus efeitos, deixou que Ítalo fizesse a maior parte dos movimentos ativos ao sentar em seu colo.
Será que Ítalo tinha se lembrado como Leila tinha? Seria com tristeza que se lembrava daquilo? Ou confusão, como a moça? Apesar de que seria mais exato dizer que ela estava ainda tendo problemas em decifrar com clareza as conclusões dos fatos, ainda que tivesse a sensação de que não seriam sentimentos ruins.
— Hum… te incomodei muito? Desculpe… — Leila disse, fazendo um movimento para se afastar.
—… pode continuar assim. — Ítalo disse, baixando um pouco cabeça, para que escondesse o rosto da visão da moça.
Leila acomodou melhor Ítalo em seu abraço, depois ela o convenceu a se sentarem para que ficassem mais confortáveis. Eles ficaram assim por um bom tempo até Ítalo acabar adormecendo nos braços da moça.
“De alguma forma, você tem um cheiro bom, acaba me acalmando” Era o que Ítalo tinha dito a ela um pouco antes de realmente acabar dormindo.
Leila olhou para Ítalo surpresa, mas não teria respostas a respeito daquela fala tão cedo. Ítalo, como a moça poderia esperar, estava escondendo mais uma vez o seu jogo na manhã seguinte. E ela tinha que ir trabalhar cedo, então não poderia se demorar naquela questão. Quando Leila deu por si, já estavam coabitando há semanas.
E mesmo que suas dúvidas só fizessem aumentar ao invés de diminuir, Leila continuou naquele jogo que os dois estavam jogando. E via que estava cada vez mais afeiçoada: na rotina, em ver aquele rosto sorrindo para ela, fosse para provocá-la, ou então um sorriso mais misterioso, geralmente quando estava mais distraído, falando sobre música.
Havia outro momento também em que Ítalo acabava esboçando aquele sorriso pequeno, e isso era quando ele conseguia ver o rosto de Leila dormindo próxima a ele. A moça ainda estava por saber sobre esse fato, pois geralmente acabava dormindo antes de Ítalo para que acordasse bem disposta no dia seguinte. Por enquanto, os dois estavam dividindo a cama de Leila enquanto estavam coabitando. Estranhamente, engraçadamente, apesar de no início ser embaraçoso para eles, a dupla tinha conseguido se arranjar em como dormirem no espaço limitado. Por isso, quando via que Leila tinha dormido de fato, Ítalo geralmente colocava seus fones de ouvidos, que tinha trazido no bolso da calça junto ao celular sem chip, e escutava uma de suas bandas favoritas enquanto a observava.
“Ainda não” Ítalo pensava consigo, sabendo bem que estavam se condenando um ao outro a cada dia que passava.
Quando se conheceram, Ítalo não estava esperando nada. Leila provavelmente também não. O rapaz se perguntava o que teria acontecido para que estivessem daquela forma. Antes de coabitarem, antes de dormirem juntos. Não acreditava em almas gêmeas, mas quando Marcelo, seu agente, apresentou sua colega de trabalho, que estava acompanhando outro grupo de entretenimento, Ítalo se questionou porque tinha aceitado as palavras do outro rapaz de que talvez se dessem bem.
Como Marcelo tinha previsto, se deram e muito, apesar do primeiro encontro ter sido um desastre. Leila, uma incorrigível minimalista, direta, não entendia os lugares supostamente românticos que era levada. Achava tudo uma extravagância sem fundamento, o que não deixava de ser verdade, sendo que eles mal tinham se conhecido para aquele tipo de coisa. Entretanto, não deixava de ser engraçada para Ítalo a forma como ela dizia aquilo.
E então foi caindo. As barreiras.
Caindo.
Caindo.
Ele queria saber se Leila estava tão envolvida a ele quanto ele estava a ela. E ele estava deslizando, sabia, mesmo que ainda não tivesse formado sua mente a respeito.
As barreiras que ele tinha construído para que lhe oferecessem proteção tinham ruído por meio de seu relacionamento com Leila. Apenas com ela, apenas com ela…
Era desesperador até. “Ainda não”, ele pensou mais uma vez, mas não conseguiu segurar sua vontade de dar um beijo no pescoço da moça.
E ele não podia mexer em Leila, Ítalo sabia, pois a moça tinha um sono leve. Se mexesse nela seria o bastante para que ela acordasse… e ela acordou muito surpresa.
Leila não sabia o que dizer quanto ao que tinha acontecido, ela sentiu o beijo, e entendeu olhando para o rosto de Ítalo, que não teve tempo de se recompor, ele mesmo imobilizado com seu próprio ato. O olhar dela pareceu quebrar essa imobilidade que Ítalo estava sentindo e ele acabou por se direcionar para a porta. Não estava pensando direito, a solução no cérebro do rapaz era simples: só tinha que sumir de vista. Era o tipo de procedimento que tinha sido acostumado desde pequeno. Um jovem garoto ômega, quando surgisse seu primeiro período de cio e em diante, tinha que ficar fora da vista de todos, tomar medicamentos, cuidar de si para que ninguém se aproveitasse de sua condição.
Era isso o que tinha que fazer, era o que tinha feito para que acabasse por chegar na casa de Leila e pedisse para morar com ela por algum tempo. Não aparecia aprender. Como iria aprender? Estava perto da porta, Leila segura o seu braço…
E então as barreiras caem de uma só vez.
Só por ela…
Só por ele.