Somewhere in Brooklin

Escrito por Vanessa | Revisado por Marii Luck

Tamanho da fonte: |


  Férias. Depois de longos meses na estrada e longe de casa, essa pequena mas deliciosa palavra saía, finalmente, dos meus lábios.
  Adoro aquilo que faço, que fique registado, mas ser vocalista de uma banda mundialmente famosa, que faz concertos em vários cantos do mundo, não é tarefa fácil. Assim, sabe sempre bem termos um tempo só para nós, longe de tudo e de todos.

  Mesmo antes de voltar a casa, eu e a minha irmã combinámos passar algum tempo juntos. Ela é apenas um ano mais velha, por isso sempre fomos muito próximos. Mas com a banda, não estávamos juntos tantas vezes quanto gostaríamos.
  Assim, ao segundo dia de férias, percorria a apinhada estação de comboios em busca de um lugar onde me pudesse sentar até ela chegar.
  Porque combinámos encontrar-nos ao fim da tarde? Os bancos estavam practicamente cheios àquela hora e seria muito difícil encontrar um lugar para me sentar. Mas ao percorrer, rapidamente, o local com os olhos, deparei-me com um lugar vazio.
  Mas antes de me mover e caminhar até lá, reparei na pessoa ao lado da qual me poderia sentar. À pouca luz que iluminava a estação, a sua pele parecia relativamente clara, o rosto meio escondido pelos cabelos escuros e compridos. Usava calças de ganga, ténis vermelhos e um casaco de cabedal que apertava contra o peito devido ao frio que se fazia sentir. À primeira vista aparentava estar na casa dos vinte e um anos. Nunca fui bom a adivinhar a idade de uma pessoa. Percebi que ouvia música pois agitava, ligeiramente, a cabeça ao som da mesma e os fones surgiam por entre os seus cabelos. Não consegui deixar de pensar que ela era simplesmente perfeita.
  Não pensei duas vezes e caminhei para me sentar a seu lado.

  Senti o seu olhar percorrer o meu corpo enquanto passei à sua frente e me sentei a seu lado. Senti uma sensação estranha. Olhei para ela e sorri, recebendo um sorriso tímido, mas encantador, de volta.
  Estava decidido a falar com ela, ouvir a sua voz. Mas estava tão nervoso que não conseguia articular uma palavra que fosse. Não era normal em mim. Sou tímido quanto baste, mas nada que me impeça de falar com raparigas desconhecidas. Mesmo que essas raparigas sejam giras.
  Enquanto eu me debatia para puxar um assunto qualquer, mesmo insignificante, ela chamou a minha atenção.
  - Huh... desculpa. – O seu tom era um pouco tímido.
  - Sim? – Virei o meu rosto na sua direcção. Ela encarava-me.
  - Sabes-me dizer que horas são? – Sim, podíamos começar a falar a partir de algo banal, mas as horas? Havia um relógio na estação.
  Como eu me mantive calado, ela continuou:
  - Por incrível que pareça, o relógio da estação está parado. – Olhei na direcção do relógio e ela estava certa.
  - São seis e quinze. – Disse depois de consultar o meu relógio.
  - Obrigado! – Ela sorriu. – Queria saber quanto tempo falta até o meu comboio chegar, mas hoje esqueci-me do relógio em casa e para piorar também não tenho horas no telemóvel.
  - Não faz mal. Não custa nada ajudar. – Sorri. – Então e estás à espera do comboio para casa?
  - Sim. Moro noutra cidade mas estudo aqui. E tu, também vais para casa?
  - Não, eu vivo aqui. Estou à espera de uma pessoa.
  Ela olhou para o lado contrário ao que eu me encontrava e ficou calada. Tínhamos acabado de nos conhecer e nem sabíamos o nome um do outro, impossível ela ter ciúmes. Mesmo assim senti necessidade de acrescentar:
  - Estou à espera da minha irmã. – Ela voltou a olhar para mim. – Finalmente consegui umas férias e como não nos vemos há algum tempo, ela vai ficar na minha casa por uns dias.
  A partir dali a conversa fluiu naturalmente. Falámos sobre vários assuntos e percebemos que tínhamos muita coisa em comum.

  Olhei para o relógio por acaso e eram quase seis e quarenta e cinco. O comboio em que a minha irmã vinha estava quase a chegar.
  - Volto já! – Disse, levantando-me.
  - Aconteceu alguma coisa?
  - O comboio da minha irmã está mesmo a chegar. Vou esperar por ela e já volto.
  - Não demores, o meu comboio também está quase a chegar.
  - Vou tentar!
  Afastei-me dela e caminhei até ao local onde o comboio iria parar. Vi-o aproximar-se e senti o telemóvel vibrar no bolso das calças. Ao tirá-lo vi que tinha recebido uma mensagem da minha irmã. Apenas dizia “terceira carruagem”.
  Instantes depois de o comboio chegar, estava parado à frente da carruagem que ela me tinha indicado. Também não demorou muito para os seus braços rodearem o meu pescoço, ou pelo menos tentarem, visto ela ser mais baixa que eu.
  - Que saudades! – tinha um enorme sorriso nos lábios quando se afastou de mim.
  - Vais chamar as atenções todas para nós. – Repreendi-a devido ao seu entusiasmo em excesso.
  - Insensível! – Mostrou-me a língua. – Isso significa que não tinhas saudades minhas?
  - Claro que tinha saudades tuas, sua tonta! – Desta vez fui eu quem a abraçou.
  - Estou convencida! – Sorriu.
  - Anda! – Lembrei-me da rapariga com quem tinha passado os últimos trinta minutos e puxei pela mão.
  - Onde vamos?
  - Tenho que me despedir de uma pessoa.
  Ela insistiu, querendo saber mais e expliquei-lhe rapidamente o que tinha acontecido.
  Quando chegámos ao local onde tinha deixado a rapariga, ela não estava lá. Teria o seu comboio chegado? Teria ela ido embora? Olhei à volta, tentando encontrá-la e ouvi alguém gritar “John”. Estaria alguém a chamar por mim? Olhei mais uma vez à volta, mas sem resultado.
  - Ali! – apontou para uma janela do comboio de onde tinha saído há pouco e lá estava ela!
  Sorri automaticamente e ela imitou-me. Tentei aproximar-me para conseguir falar com ela mas era impossível devido ao número de pessoas que tentava entrar no comboio.
  Pouco depois o comboio iniciou o seu percurso e consegui ler nos seus lábios um simples “desculpa”. Limitei-me a acenar e sorrir, demonstrando que estava tudo bem.
  Quando já não a conseguia ver, voltei para junto da minha irmã.
  - Vamos? Quero levar-te a jantar fora.
  - Não disfarces, O’Callaghan! – tratava-me sempre pelo último nome quando eu tentava fugir a algo. – Sei que ficaste triste por ela ter ido assim, sem se despedirem.
  - Eu nem sei o nome dela.
  - Mas ela sabe o teu! – Sorriu.
  - Como? Eu nem lho disse!
  - Não deve ser muito difícil. És mundialmente famoso e moras nesta cidade. Provavelmente ela é tua fã, só não te disse. – Piscou-me o olho.
  - Como é que não pensei nisso?
  - Estavas demasiado interessado nela para pensares noutra coisa. Agora, leva-me lá a jantar fora.
  É, devia ter razão. Pelo menos eu nunca me tinha sentido assim, tão interessado em alguém que mal conhecia.
  Deixámos então a estação, mas o meu pensamento não deixava a rapariga que ali tinha conhecido e perdido num dia frio, sem mesmo saber o seu nome.

  ***

  Passaram-se dois dias e, por mais que tentasse, não a conseguia tirar da cabeça. Deitava-me a pensar nela, acordava a pensar nela. E apenas tínhamos falado durante trinta minutos.
  Incapaz de continuar assim, decidi ir até Brooklyn. Durante a nossa conversa ela contou-me que era lá que vivia. E que aos fins-de-semana costumava passear pela baixa da cidade.
  E foi para lá que me dirigi. Era Sábado e as ruas estavam apinhadas de gente. Mesmo assim não deixei de percorrer os bairros mais conhecidos na esperança de a ver por lá.
  Sem resultado, caminhei para a baixa da cidade. Chutava pedras enquanto caminhava. Podiam-me dar alguma ideia brilhante.
  Entrei em todas as lojas possíveis e imaginárias e nunca a encontrei. Abordei várias pessoas que vi de costas, pensando ser ela. Toquei nos ombros de tantas pessoas que lhes perdi a conta, fazendo a descrição da rapariga que me tirava o sono, mas ignoravam-me, diziam-me que não me podiam ajudar ou olhavam-me pensando que eu era maluco.
  Acabei por desistir quando começava a escurecer. estava sozinha em casa e tinha-lhe prometido não voltar muito tarde.
  Caminhei cabisbaixo até ao local onde, mais cedo, tinha estacionado o carro. Um dia passado sem resultados positivos não era nada animador.
  Ia perdido nos meus pensamentos, quando senti um perfume familiar no ar. Era o mesmo perfume que ela usava naquele dia. Levantei a cabeça mas não estava ali ninguém. Olhei para trás e nesse exacto momento, uma rapariga que seguia o caminho contrário ao meu, fez o mesmo.
  Primeiro só reparei no seu sorriso. Depois vi aqueles cabelos escuros e compridos, o seu rosto perfeito. Era ela. Ali bem à minha frente e a poucos metros de mim.
  Quando me ia aproximar dela, um grupo de seis pessoas rodeou-a. Depois de se cumprimentarem, percebi que ela tentava afastar-se para poder falar comigo, mas o seu grupo puxou-a e seguiram caminho.
  Ela olhou para trás uma última vez e os seus lábios pronunciaram um novo “desculpa”.
  Continuei o caminho que me levava até ao meu carro pensando que a tinha voltado a perder num dia frio. Mas desta vez tinha um nome. Nome esse dito pelos seus amigos enquanto a cumprimentavam.
  Não vou desistir de ti assim tão facilmente, .

FIM



Comentários da autora