Só de Estar ao Seu Lado

Escrito por Annelise Stengel | Revisado por Pepper

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Parte do Projeto Sorteio Surpresa - 2ª Temporada // Tema: Pesadelo

   não estava tendo uma boa noite de sono. Na verdade, ela não sabia bem o que era uma boa noite de sono havia mais ou menos três anos, desde que seu marido, , havia ido para a guerra. Não havia nada na época que eles pudessem fazer à respeito disso, então ele apenas se foi, envolto em lágrimas e abraços. A partida não fora só dolorosa por conta da dúvida de ele voltar ou não, mas também pois o segundo filho deles, , havia nascido há apenas 3 meses. A mais velha, , tinha dois anos e meio. Ela não chorou na hora que o pai embarcou no trem, nem chorou quando viu o rosto da mãe encharcado de lágrimas, porque não tinha entendido a situação. Mas depois de uma semana, passou a ter pesadelos e chorava muito, sentindo a falta do pai. voltara a viver com os pais inicialmente, porque não se sentia forte o suficiente para apoiar aquelas duas crianças.
  Já havia voltado a viver sozinha, com seus filhos, mas ainda assim não estava bem. Como poderia estar? Três anos haviam se passado, e apesar de uma ou outra carta, era quase como se seu marido estivesse morto. E ele não estava. Ou estava? Ela não sabia. Ela tinha medo por não saber. E também tinha medo de descobrir e ser o pior. Mesmo assim, mesmo não tendo nenhuma memória exata do pai, ela não deixava de lhes contar sobre ele, e mostrar fotos do casamento e de antes de ele ir para a guerra, para que soubessem quem ele era. tinha esperanças que ele voltasse, e queria que os dois filhos sentissem orgulho daquele homem praticamente desconhecido para eles. Se garotinhas poderiam surtar por ídolos pop que apenas dançavam e lançavam músicas e nem as conheciam direito, seus filhos tinham o direito de admirar um homem que também mal conheciam.
  Sentiu o peito apertar. Sempre que ficava com muita insônia, começava a pensar demais e aquilo lhe doía. Tinha sido assim há três anos, e ela não conseguia se livrar desses sentimentos. Muitas pessoas diziam para que buscasse um novo marido, um novo apoio, mas ela sabia que não poderia e nem conseguiria.
  Naquela noite, estava dormindo um pouco melhor do que costumava dormir, mas ainda não era a mesma coisa do que dormir nos braços de , sentindo-o apertá-la contra si, o que basicamente a entorpecia e só poderia ser acordada novamente caso ele lhe beijasse ou a luz do sol alcançasse seus olhos. Ultimamente conseguia algumas horas de sono, mas um sono leve, que qualquer ruído estranho a acordava. Ficava na expectativa que talvez fosse voltando subitamente, apesar de saber que aquilo era praticamente impossível.
  Por não estar dormindo bem, como de costume, percebeu com facilidade que não era a única com insônia na casa assim que sentiu mãozinhas e pézinhos pequenos subirem pelos seus lençóis e se dirigirem até seu rosto.
  - Mamãe? - a voz fininha chamou e ela finalmente abriu os olhos, encarando . Ela arrumou-se para que pudesse enxergá-lo melhor, e percebeu que o rostinho delicado dele estava um pouco umedecido.
  - Oi meu amor... O que houve? - perguntou, sua voz falhando, enquanto esticava a mão para tocar e limpar a face do filho.
  - Pesadelo... - ele murmurou, fazendo um biquinho e deitando a cabeça no travesseiro vazio próximo à cabeça da mãe. Ela, ainda com a mão levantada, pousou-a no cabelo macio da criança e acariciou de leve.
  - É...? O que você sonhou? - ela perguntou, tentando tirar a aflição de sua criança. O garoto bocejou.
  - Guerra. - falou, numa voz bem baixinha. - Um monte de gente morreu. Morreu mesmo. Com sangue. - ele parecia assustado e novamente fez um bico, os olhos lacrimejando.
   sentiu o coração apertar ao ver o rosto de daquele jeito. Ela evitava que ele e vissem cenas fortes, mas o mundo em que viviam não permitia essas limitações a todo momento. Eles tinham algum tipo de contato com aquilo, afinal, apesar de ela querer, não poderia enrolar seus filhos em uma bola de plástico e contar a eles que o mundo era belo e nada havia de errado. Ela detestava que eles tivessem nascido naquela época e que sofressem tanto. Por sorte ou qualquer outra coisa maior, eles nunca haviam presenciado um bombardeio ou passaram perigo, apenas pelo medo de que isso acontecesse. Não era fácil, de qualquer forma.
  - Ah ... - ela o puxou para perto e aninhou-o em seu peito, de forma que ele pudesse ouvir seu coração. - Foi só um pesadelo, ta? Não tem que se preocupar... - ela queria dizer que não era real, mas como poderia afirmar aquilo?! Tentou consolá-lo de outra forma. - Às vezes, coisas ruins que sonhamos nem sempre significam coisas ruins, sabia? Na vida também. De vez em quando pode acontecer alguma coisa ruim, mas nem sempre quer dizer que o significado desse acontecimento na nossa vida seja ruim ao todo.
  - Não entendi. - ele foi bem direto e arrancou um riso fraco da mãe, que apenas continuou acariciando seu cabelo. Ele já bocejava e tinha os olhos fechados, acalmado e aquecido pelo carinho de sua mãe.
  - Não precisa entender, querido... só fique tranquilo, ta bem? Fique tranquilo porque mamãe está aqui com você, e vou sempre te proteger... - sussurrou, e em alguns segundos já estava adormecido novamente.
   ficou com ele mais um tempo, mas completamente desperta, sabia que não adiantaria tentar fechar os olhos e adormecer. Seria mais uma noite de insônia. Com movimentos cuidadosos, saiu da cama e dirigiu-se à escrivaninha que havia em seu quarto, acendendo a vela que mantinha ali. Logo à sua frente estava o que buscava, a última carta que havia enviado, ou pelo menos, a última que havia recebido. Tinha sido há cinco meses atrás. Ela perdera a conta de quantas vezes relera aquele pedaço de papel. Não era muito longo. Ela amassara, chorara, alisara e acariciara toda a extensão daquele último resquício que a pessoa que ela amava tocara. Se algo acontecesse à carta, ela provavelmente saberia tudo de cor.
  { Sugestão da autora: Boa parte da carta foi inspirada nessa música, caso você queira ouvir enquanto lê. Ela é linda, e apesar de ser em japonês, no vídeo tem a legenda em inglês - se você quiser saber o significado depois. }

  "Querida ,

  Ela amava o jeito que ele escrevia seu nome. Cada letra, cada sílaba. Era lindo.

  Já faz tanto tempo. Às vezes parece que vou me esquecer de seu rosto, mas então antes que enlouqueça, num lampejo visualizo seu sorriso perfeitamente. Não posso te esquecer. Pensar em você e nas crianças é o que me faz ser forte para continuar. Eu não vou descrever cenas para você, porque quero que você leia essa carta com um sorriso.
  Por enquanto está tudo bem. Chegamos em uma cidade logo depois da chuva, e o sol brilhava na rua. As crianças apertavam seus olhos, e eu sabia que porque eu te conheci, essa visão também deveria ser algo especial pra mim.
  São tempos que me fazem lembrar de algo que pareço ter esquecido. E é algo muito importante para mim. Nós dois, sorrindo juntos. Todas aquelas vezes que sorrimos juntos na nossa vida, isso é muito especial. É de verdade um milagre. Só de pensar que isso é praticamente impossível agora...

   sempre começava a chorar nessa parte. Ela sentia o aperto na garganta desde as duas primeiras palavras, mas é quando ele mencionava os tempos que sorriram juntos que ela não conseguiria aguentar mais nem um segundo, por mais que tentasse.

  Para não ser muito pessimista, tento focar em algo bom. Muitos caras se deixam perder. Eu não posso. Eu tenho que voltar para você, e para e . Quero ver minhas mulheres e meu menino. Ele deve estar tão grande. Quero muito vê-los. Penso que, ao menos, enquanto estou aqui, estou protegendo a todos vocês. Eu sempre vou proteger vocês, não importa onde eu estiver.
  Aqui, quando se está sozinho, parece que vamos ser esmagados. Uma parede inquebrável está bem na sua frente e você não consegue avançar mais nenhum passo. Então eu penso em sua mão segurando a minha, seu calor e seu sorriso. E eu sei que posso passar por ela.

  Mais uma vez, a escrivaninha estava umedecida por diversas gotas, e tentava não soluçar alto para não acordar . Ela acariciava a carta, um mero pedaço de papel se tornando gasto, desejando que fosse e que ela pudesse tocá-lo. A falta que ele fazia quase destruía seu coração, e se ela não tivesse os filhos, não tinha certeza se aguentaria. Ela já sabia o que o último parágrafo dizia, e poderia repetir de olhos fechados, mas prosseguiu a leitura com olhos úmidos de saudade.

  Acho que não teria como eu te ter dito antes. Eu me sinto estúpido que não tenha dito quando pude. É ridículo que tenha que escrever essas palavras. Mas eu preciso dizer. Só de estar ao seu lado, eu posso dizer "eu estou feliz" agora. Por isso espero para estar ao seu lado o mais rápido possível. Eu vou te proteger, eu quero te proteger. E quero te dizer "estou feliz" por ter você ao meu lado.
  Ter você ao meu lado... é só o que eu preciso.
  Com muito amor,
  

  A assinatura dele era linda, também. queria encarar mais a carta, analisar mais uma vez cada ponto e cada vírgula, mas seus olhos não conseguiam ver nada através da barreira de água que surgira neles. Dobrou cuidadosamente sua preciosidade e foi até o banheiro, lavar o rosto. Antes de voltar para a cama, parou na janela e olhou as estrelas.
  - Estar ao seu lado... - murmurou, para si mesma. - Também é só o que eu preciso...
  Arrastou-se para a cama, ao lado do filho adormecido, e abraçou-o, mantendo-o bem perto de seu peito dolorido.

  A manhã chegou rapidamente, com notícias inesperadas. O sol brilhava, não muito forte, e a pequena cidade estava em polvorosa. ouviu tudo de uma vizinha. Parece que um trem ia chegar trazendo um grupo de soldados da guerra, que acabaram sendo dispensados. Ela não quis se animar demais. Falaram que foram cerca de 20 soldados, e aquele não era um número grande. Ela não havia tido notícias nenhuma sobre isso, era uma completa surpresa. E se não estivesse lá? Ela arrumaria seus filhos, criaria uma esperança de algo que talvez nem fosse se concretizar.
  Ainda assim, se estivesse entre os 20...
  Falou para os filhos que ia para o mercado. Colocou um vestido azul e meio florido, bastante bonito, e arrumou o cabelo. Sentia um aperto na barriga, uma sensação desconfortável. Talvez no mínimo algum dos soldados poderia trazer notícias de seu marido. Pediu para a filha da vizinha ficar de olho nas crianças e prometeu ser rápida. Seria melhor se fosse sozinha. Mesmo se ele não estivesse lá, ela conseguiria aguentar a dor sozinha. Só pioraria se seus filhos estivessem lá e visualizassem a cena de reencontros, sem que pudessem participar. Ela não aguentaria ver o desapontamento nos olhos deles.
  Suas pernas tremiam conforme a guiavam para a estação de trem. O mesmo havia acabado de chegar, a fumaça baixando e o burburinho das vozes das pessoas aumentando aos poucos. Ela chegou lá e já ouvia gritos e choros de alegria. Começou a se sentir mal. Deveria ter vindo?
  Contou os soldados que foi encontrando. Reconheceu brevemente um ou outro, mais magros, mais cansados, mais velhos. Contou treze. Faltavam sete e ela não havia visto ainda. estava começando a achar que seria impossível vê-lo naquela confusão de pessoas e sentimentos. Subitamente, pensou em algo. Se chegasse, mesmo que ela não o recepcionasse na estação, ele iria até a casa deles. Seria mais fácil encontrá-lo lá. Queria ter a emoção de vê-lo descer do trem, mas não conseguiria de jeito nenhum ali. Deu alguns passos se afastando da multidão, sentindo o coração batendo forte. Suas pernas ainda tremiam. Refez o caminho de volta, olhando para cada rosto, cada homem, cada não- que encontrava. Chegou na porta de casa.
   e brincavam lá dentro, fazendo barulho. A casa de , apesar de simples, era muito aconchegante. Havia cerca de dois metros de grama antes da soleira da porta, e uma árvore plantada na lateral, que causava uma sombra agradável na rua. nunca soube que árvore era aquela, mas dava flores rosas, como estava agora. Mas só havia a porta e a árvore. Não havia ninguém.
  Não havia .
   quase não se aguentou de pé. Detestou aquelas pessoas que contaram sobre a chegada dos soldados e que esquentaram uma chama de esperança em seu coração. Agora aquela chama se tornara um incêndio fora de controle, consumindo-a por dentro e queimando-a. Então era isso. 20 homens haviam tido a chance de voltarem para casa, para suas famílias, para suas vidas, mas não era nenhum deles. Ela se perguntou por que não ele. O que os outros tinham que não tinha, por que eles mereciam voltar e não? Por que aquilo tinha que ser tão difícil para eles?
  Ela soltou um soluço, ainda parada encarando a árvore, desejando-o ver ali. Cobriu a boca com a mão e fechou os olhos, deixando as lágrimas rolarem livres e começando a chorar mais forte. A dor no peito devia ir embora dessa forma. Ela esperava que fosse. Torcia para que as crianças não passassem na janela e a vissem ali. Não havia ninguém na rua. Suas pernas já não aguentavam muito mais e ela se ajoelhou no chão, seus sentimentos vazando pelos olhos e fazendo-a apertar a barriga para tentar controlar-se.
  Tentou pensar em qualquer outra coisa e sua mente a levou para a noite, quando entrara no quarto contando-lhe do pesadelo. Ela lhe dissera que às vezes as coisas ruins que aconteciam na vida não queriam dizer exatamente algo ruim ao todo. ponderou se aquilo acontecia mesmo. Qual seria o significado de não voltar? Qual seria o significado de ele ter que ir, em primeiro lugar? Qual seria a coisa boa que ressurgiria daquilo?
  Ouviu passos atrás de si e segurou um soluço, imediatamente levantando-se. Não quis virar para ver quem era, nenhum vizinho tinha que ver o seu rosto de dor. Deu um passo em direção a casa, começando a discretamente limpar as lágrimas que lhe amargavam a boca. Não foi muito longe, porém, impedida por dois braços grandes.   Dois braços conhecidos.
   sentiu o coração parar por alguns segundos. Ela nem soube como pôde ficar viva depois daquilo. Sentia-se petrificada ao ter aqueles dois braços segurando-a contra um peito largo, e baixou os olhos para as mãos que agora seguravam as suas. Mãos maiores que a dela, mãos um pouco castigadas, mas...
  Mãos de .
  - Estou em casa. - o sussurro, a voz dele, atingiu seu ouvido e ela arrepiou-se da cabeça aos pés. Imediatamente virou-se para confirmar aquilo, ver seu rosto, viu seu rosto, beijou seus lábios e chorou tudo de novo, dessa vez sentindo a dor realmente se aliviar, conforme lhe acariciava os cabelos e chorava com ela, as duas dores se encontrando, todas as dores vazando e indo embora.
   não sabia qual era o significado bom da coisa ruim que acontecera na sua vida, exatamente, mas sabia que tudo aquilo tinha sido compensado porque, mesmo tendo partido e ficado fora por tanto tempo, ele voltara, e era aquilo que mais importava para ela.

  Ima naraba ieru yo boku wa shiawase dato
  Anata ga anata ga tonari ni iru dake de

  Eu posso dizer "sou feliz" agora
  Só de estar, só de estar ao seu lado

  Sonhar com muitas pessoas mortas: O sonho em que você vê muitas pessoas mortas pode parecer uma tragédia, mas na verdade ele indica abundância de boas notícias e felicidade. { Fonte }



Comentários da autora


N/A: Bom, essa fanfic é para o Projeto Sorteio Surpresa do All Time Fics! O tema, como vocês viram lá no começo, é pesadelo. Eu quis abordar um pouco diferente do clichê de pesadelo, espero não ter fugido muito xD
Espero que tenham gostado (eu chorei escrevendo porque essa música::::: ♥ ♥ ♥ ♥ ♥ eternos) (é sério, confiram a música e a letra)!
Até a próxima ^^
xxx ~anne