Snow Globe

Escrito por Annelise Stengel | Editado por Lelen

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  Entrei na loja apressadamente e cocei a cabeça. Não era possível que só faltasse um presente pra comprar, e era justo o da minha namorada. Eu acabei deixando-o por último porque não consegui pensar em nada que ela pudesse gostar, e não porque ela não fosse importante. Ally é importante pra mim, muito. Mas não estamos juntos há tanto tempo assim, e eu não sei lá o que dar pra ela. Mulheres. Elas vivem mudando de ideia dia a dia, e eu tenho que acompanhar.
  Rodei as prateleiras, sem ver algo que ela pudesse realmente gostar. Pelo menos ainda era de manhã. Ok, isso não é muito tranquilizante, digo, é manhã do dia 24 de dezembro, eu não consigo dar um passo na loja sem esbarrar em alguns retardatários idiotas que nem eu. Mas ao contrario dos idiotas, eu estava sem ideia do que comprar, então eu era um idiota ainda maior.
  ― Posso ajudar? ― uma voz doce chegou aos meus ouvidos e lá estava ela, uma moça com avental da loja, que pareceu ter surgido do céu. ― Você parece meio perdido. ― ela exibiu um sorriso de lado que me pareceu sincero e bonito e eu cocei a cabeça.
  ― E eu estou. Você está salvando minha vida nesse momento. ― ela riu, um riso leve como o som de guizos e meio abafado pela agitação da loja, mas eu pude ouvi-la. Porque eu sou foda.
  ― Certo, vamos para um lugar mais calmo. ― ela falou e pegou na minha mão. Cara, ela não é daqui. Aqui as pessoas nunca pegam na mão das outras para levá-las a outro lugar. Exceto namorados pervertidos arrastando suas namoradas para o banheiro feminino do restaurante. Nenhum motivo para eu ter citado isso. Voltando ao assunto, ela provavelmente não é daqui, sério, garotas daqui não são bonitas assim, nem a Ally. Ok, a Ally é bonita sim, o que você está pensando ? Acorda, babaca. Ah, e ela tem sotaque. Não a Ally, a... . É, esse é o nome da atendente que está me puxando até um canto da loja. Eu li no crachá dela. . Um nome bonito. Diferente.
  ― Pronto, agora eu posso te escutar e te ajudar. ― ela voltou a sorrir pra mim e eu sorri de volta.
  ― Você não é daqui, é? ― perguntei, isso, seu babaca, agora ela vai achar que você está se preocupando com detalhes sobre ela. Digo, quem repara no sotaque da atendente? Eu sou um mamão mesmo.
  ― Ahn, não. ―ela pareceu confusa com a pergunta. Qualquer um ficaria, , seja gente uma vez na vida vai. ― Eu sou do Brasil. ― isso explicava muita coisa, e eu fiquei refletindo sobre como o Brasil era realmente uma terra abençoada. Eu devo ter ficado com um sorriso meio idiota durante essa reflexão, porque ela deu novamente um sorrisinho de lado.
  ― Ahn, legal. ― soltei. Ela riu de leve e colocou o cabelo atrás da orelha direita, e eu pude ver um piercing de argolinha. Não era muito surpreendente e era um fato comum, mas Ally só usava brincões e nada de piercings, apesar de eu achar muito legal.
  ― Então, o que está procurando? ― ela perguntou e eu me lembrei o motivo de estarmos isolados (ou numa tentativa de isolamento) ali.
  ― Ah, um presente de Natal pra minha namorada. ― falei, me sentindo idiota depois de pensar todas aquelas coisas e ainda estar atrasado para comprar o presente da minha namorada, e ela olhou em sua volta.
  ― Você tem uma ideia do que ela pode querer? ― ela me perguntou, fixando os olhos em algum ponto atrás de mim.
  ― Hmmm... não.  ― puxei os cantos da minha boca para baixo e devo ter ficado com uma cara engraçada, porque ela riu novamente. E eu gostei disso, de fazê-la rir. Não de puxar os cantos da boca pra baixo. Se bem que isso é até que legal. ― Você não pode me ajudar?
  ― Como, se eu não conheço sua namorada? ― disse de um jeito engraçado e riu, me fazendo rir.
  ― Sei lá... ― falei e olhei bem pra ela. ― O que você gostaria de ganhar? Mas algo diferente, que você nunca tenha ganhado? ― indaguei e os olhos dela brilharam.
  ― Isso é fácil. ― ela me respondeu logo, o que me surpreendeu. Pegou minha mão de novo e me puxou por entre as prateleiras. Eu não conseguia ver pra onde estávamos indo, porque encarava nossas mãos juntas e achava bonitinho o fato que a mão dela era bem menor que a minha. Não beeeeem menor, mas bem mais delicada, uma mão de mulher mesmo, bonita, bem tratada. Se Allison estivesse aqui agora, diria “ , só tem uma mão com qual você tem que se preocupar, e é a minha. Apaga esse fogo, moleque”. Espera, essa última parte seria minha mãe que falaria. Enfim, elas estão certas, porque diabos eu estou encarando a mão de uma garota que não é minha namorada? Er, elas não me disseram nada, céus, são dez horas da manhã e eu já estou assim, o que está acontecendo comigo?
  Nós paramos em frente a uma estante e sorriu pra mim. Eu sorri de volta – retardado – e olhei para a prateleira. Fiquei meio embasbacado por um tempo, até perceber o que eu realmente estava vendo. Variedades de globos de neve, aqueles que têm água e coisinhas brancas dentro, que você chacoalha e fica observando. Eu fiquei besta, sério. Olhei para com uma sobrancelha arqueada e ela fez uma cara inocente.
  ― Você me perguntou, só estou tentando ajudar. ― deu ombros e pegou um da prateleira, que tinha um casal abraçado com um boneco de neve ao lado. Chacoalhou e sorriu. Tentei segurar meu sorriso ao ver o dela, mas não deu muito certo. ― Eu adoro eles, são presentes simples e fofos.
  ― Você comprou algum pra alguém da sua família esse ano? ― perguntei, e pareceu triste com a pergunta. Recolocou o globo na estante e ficou olhando para ele, enquanto a neve baixava.
  ― Não. Minha família toda está no Brasil. É o primeiro ano que passo o Natal longe deles. ― ela contou e suspirou. ― Enfim, o que achou do presente? Posso te mostrar mais coisas, se quiser. ― mudou de assunto, parecendo incomodada. Eu ainda a encarava e me perguntava como seria ir morar num país completamente diferente, e longe de toda sua família ainda.
  ― Eu... eu gostei da ideia. ― falei, com um sorriso. Ela sorriu de leve, ainda parecendo magoada pelo que eu perguntei. ― Olha... desculpa, eu fui intrometido... desculpa. ― pedi, embaraçado, eu não estava muito contente comigo por ter deixado ela triste. Ela sorriu um pouco mais e deu ombros.
  ― Não tem problema. A escolha foi minha. A gente perde algumas coisas, mas ganha outras em troca. ― respondeu e suspirou. ― Vai levar então?
  ― Vou. ― confirmei com um sorriso, me sentindo meio retardado por ficar encarando os olhos dela enquanto ela falava, e em como os tons de deles eram bonitos. Na verdade, eu estava me sentindo retardado de tanto ficar sorrindo sem parar. Ela também sorria muito, mas ela era paga para isso, não é mesmo?
  ― Qual? ― ela virou-se para a estante e pegou uns mais no fundo, mas eu abanei a cabeça e peguei o que ela havia chacoalhado, dos namorados. Ela sorriu novamente pra mim e eu sorri de volta, novidade. ― Bom, vamos lá pra eu passar no caixa, então.
  Sendo sufocados, após um tempo chegamos no caixa e ela me adiantou muito, abrindo um caixa que não estava funcionando e passando meu globo rapidamente. Não foi muito caro, e ela o embalou com habilidade.
  ― Prontinho. ― ela sorriu e eu peguei a sacola, respirando fundo.
  ― Com quem você vai passar o Natal? ― perguntei. , acorde cara. O que você está fazendo? Ela me olhou confusa, porque, na real, eu sou um cara estranho que solto perguntas sobre a vida pessoal dela a torto e direito. não deveria me olhar confusa, ela deveria me dar um tapa e falar “Cala sua boca, intrometido”. Mas no Brasil não deve ser assim, porque ela deu um sorriso leve e baixou os olhos.
  ― Sozinha. Todas as pessoas que eu conheço daqui – que não são muitas – vão passar com suas famílias, e eu não sou próxima de nenhuma a ponto de ser convidada. ― falou com naturalidade e deu ombros. Não que eu fosse convidá-la também, mas eu fiquei com muita pena dela naquele momento. Não, pena não. Sentir pena de outro ser humano é puro egoísmo. Mas eu fiquei realmente triste por ela.
  ― . ― falei de repente e ela me olhou confusa. Eu tinha esquecido totalmente de me apresentar. Mas pensando bem, pessoas normais não se apresentam para atendentes de loja. Por mais brasileiras, lindas e legais elas sejam.
  ― Quem? ― franziu as sobrancelhas e ficou super bonitinha, uma cara confusa totalmente fofa.
  ― Eu. Sou . Eu esqueci de me apresentar. ― ri um pouco e ela sorriu.
  ― Ah. Pessoas não costumam se apresentar assim. ― eu falei que era coisa de retardado, seu babaca. ― Enfim, sou , como você deve ter percebido, ― apontou para o crachá ― mas pode me chamar só de .
  ― Muito prazer. ― eu disse, sem querer sorrindo sedutoramente. Po, não é minha culpa se eu tenho esse sorriso. Reparei que estava embromando demais ali, e que havia pessoas querendo pagar. Mas eu não queria deixá-la, principalmente sabendo que ela iria passar o Natal sozinha. ― Bom, é melhor eu ir indo. ― melhor não né, mas eu quero sair vivo daqui.
  ― Ok . Feliz Natal. ― me sorriu sinceramente e acenou.
  ― Feliz Natal, . ― acenei de volta e me afastei. Porém, quando ela me chamou novamente, meu corpo todo arrepiou ao ouvir meu nome no som da voz dela.
  ― ! ― fiquei feliz de virar e vê-la novamente. Ela estava inclinada no balcão e me olhava sorrindo. ― Espero que sua namorada goste do presente. ― disse sincera e eu suspirei.
  ― Eu também. ― fiz uma careta e ela riu. Eu ri também. ― To brincando, tenho certeza que ela vai adorar.
  Despedi-me novamente e saí da loja, indo para o frio da rua. Apertei o casaco contra o corpo e sorri sozinho. Olhei a sacola e suspirei, começando a andar até o carro. A neve caía lentamente, e eu senti um pouco de frio. Não liguei e entrei logo no carro, ligando o aquecedor e rumando para casa.

  A festa estava bem animada, eu não parava de conversar e rir com Zack. Ally estava vagando pelo local, às vezes aparecia e me dava um beijo, nós conversávamos um pouco, ela ficava ao meu lado... mas nada por muito tempo. Ela conversava bastante com o Elliot, o amigo de infância dela que estava estudando na França e voltou esse mês para o Natal. Eu não sou um cara ciumento, e esses dois cresceram juntos, então não me importava com isso. Eles realmente passaram muito tempo longe um do outro então deviam ter muito que conversar.
  Antes da festa, logo que havia chegado em casa, entrei no computador e fui no Santo Google. Pesquisei sobre a , mas não consegui muita coisa, porque ela era uma pessoa comum e não há informações sobre pessoas comuns disponíveis na internet dessa forma. Eu sei que foi uma atitude muito creepy, mas eu não conseguia parar de pensar onde ela poderia morar. Eu sabia que a loja fecharia às 15h, porque minha mãe disse. Quando saí da loja, pensei em comprar um presente pra ela, mas sei lá, ia ser muito estranho. Eu acabei de conhecer a menina, e já iria comprar um presente de Natal para ela? Eu estava pedindo para ser preso, a essa altura.
  Bom, voltando à festa, eu comecei a ficar entediado. Eu queria mesmo que chegasse a hora de abrir os presentes! Estava doido para ver o que ia ganhar, e se Ally ia gostar do globo de neve. Em um certo momento, ela chegou perto de mim – que estava me excluindo e estava afastado de todos – e me deu um beijo na bochecha.
  ― Você comprou alguma coisa pra mim? ― ela perguntou em sua voz doce e eu fingi uma cara de espanto. Ela riu e bateu de leve no meu braço, me fazendo rir também. Abracei-a pela cintura e beijei seu rosto.
  ― Lógico que comprei, Ally. ― beijei sua testa e apoiei meu queixo no topo de sua cabeça. Ela me abraçou e ficamos no momento casal fofo por tipo, cinco segundos, até o Elliot acenar pra ela com um sorriso e ela se afastar.
  ― Deixa eu ver o que o El quer. ― concordei e ela se afastou sem nem um beijo, magoei. Logo Zack se juntou a mim e engatamos em um papo animado sobre futebol.
  Observando as pessoas a minha volta, reparei em uma garota de cabelos longos de costas, e senti meu coração dar um pulo. Não é possível que a esteja aqui. Deixei Zack falando com o nada e fui até a garota, cutucando-a no ombro. Esperançoso, a vi se virar e quase não consegui esconder meu desapontamento ao ver que nem de longe a era a . Enfim, dei um sorriso sem graça e me afastei. Idiota. Ela disse que ia passar o Natal sozinha. E porque você esperava a ver aqui? , você é um homem estranho.
  Decidi dar mais atenção à minha namorada para esquecer – que vinha de 5 em 5 segundos em minha mente. Procurei Ally com os olhos e não encontrei, daqui a pouco iríamos entregar os presentes, precisava estar perto dela. O meu presente ainda estava no carro, para o caso de minha namorada dar um ataque curioso e abrir antes da hora. Comecei a ficar preocupado, eu não conseguia encontrá-la em lugar nenhum. Fui até Jenn, melhor amiga da Ally.
  ― Jenn, cadê a Ally? ― ela pareceu nervosa com a pergunta, o que não ajudou meu humor, e eu comecei a ficar neurótico.
  ― Hm, ela não está com você? Hm, isso é ruim né... hehe... eu... eu não sei... ― Jenn estava toda enrolada e não parava de olhar para cima, para as escadas. Segui seus olhos e sem pensar duas vezes subi, com Jenn atrás de mim.
  ― , não... espera! Ela não está ai... ! ― para alguém que era péssima mentirosa, Jenn era bastante insistente. Mesmo assim, eu não a escutava e continuava subindo.
  O primeiro quarto estava vazio. Fechei a porta com força, querendo e não querendo achar Ally. O segundo quarto, eu desejei que estivesse vazio. Não estava. Assim que eu abri, Elliot e Allison se separaram do beijo e ele saiu de cima dela, me olhando assustado. Sem ouvir o grito dela, e o que quer que seja que ela estava falando para mim, dei as costas e desci as escadas com pressa. Ally me seguia, e atrás dela Jenn e Elliot. As pessoas olharam, mas eu saí porta afora e entrei no carro com pressa.
  ― ! ― o rosto de Ally, vermelho e com uma expressão de pânico, não me causou nenhum sentimento, eu simplesmente não acreditava que esse típico clichê estava acontecendo comigo. Então a garota que eu gostava era apaixonada pelo seu melhor amigo, e na primeira oportunidade se pega com ele. Na mesma festa em que eu, seu namorado, estava. Que tipo de piada sem graça era aquela? Em pleno Natal, ainda por cima.
  ― Só pra deixar claro, se você ainda não entendeu, ― falei, com os dentes trincados, olhando nos olhos dela pela última vez. ― acabou.
  Com essa última palavra, ela pareceu que ia chorar, o que eu não entendi já que foi ela que fez as escolhas dela. Eu pisei fundo no acelerador, sem saber direito pra onde ir, mas qualquer lugar longe dela iria me fazer melhor. Pensei em passar na loja devolver o globo de neve, mas olhando-o melhor, pensei em e em seus olhos . Parei o carro num parque qualquer, que estava praticamente vazio, a não ser por um cachorro solitário, um casal num banco e uma silhueta de alguém solitário, que fazia um boneco de neve sozinho. Aparentemente era uma garota. Encostei a cabeça no encosto do banco e deixei uma lágrima escorrer. Eu não costumo chorar, mas sei lá, eu realmente gostava da Ally. Mais uma vez, minha mente vagou para , não sei por quê. Ela tinha sido extremamente simpática, mas era só uma atendente. Eu já vi milhares de atendentes na minha vida, por que ela teria me chamado a atenção? Cansado de pensar, saí do carro e comecei a andar pelo parque. O casal se beijava, o cachorro fugira do frio e a pessoa que fazia o boneco de neve havia terminado ele e agora observava o nada. Andei na direção da pessoa, e cada passo eu começava a identificar um novo detalhe. Mulher, jovem, cabelos longos e... . Eu já havia cometido aquele erro nessa noite, mas dessa vez meu coração batia diferente. Eu pensava comigo mesmo se isso era normal, ficar obcecado com alguém, e querer, querer mesmo que seja ela a cada característica familiar.
  ― ? ― arrisquei, não pude resistir. A garota se virou rapidamente e eu senti meu coração dar um pulo quando seus olhos e quentes me encararam.
  ― ? ― ela me perguntou confusa, levantando-se. Eu ainda não conseguia acreditar direito na minha sorte. Sorte? Do que eu estava falando?
  ― O que... ta fazendo aqui? ― perguntei, e ela sorriu de lado, aquele sorriso perfeito.
  ― Pergunto o mesmo. Você não está com sua família, namorada, comemorando o Natal? ― ela perguntou, se abraçando para evitar o frio. Quando respirávamos saía fumacinha de nossas bocas, eu sempre achei isso legal. Como ela sorria, eu sorri também, não porque eu quisesse, mas sim porque eu já disse que não consigo não sorrir quando ela sorri.
  ― Eu perguntei antes. ― falei e ela riu, sentando-se no banco próximo ao boneco de neve que ela montara. Eu me sentei ao seu lado.
  ― Bom, eu não tinha com quem passar o Natal, pensei em dar uma caminhada. – Deu ombros. ― Cheguei aqui no parque, vi a neve, e não consegui resistir em fazer um boneco de neve. Lembra das coisas que você ganha e das coisas que você perde? Esse é o meu primeiro Natal com neve. ― ela sorriu de uma forma quase infantil, mas um sorriso lindo. E adivinha? Eu sorri de volta, babacamente. Eu sou um mamão mesmo. ― Sua vez.
  Sabia que íamos chegar a esse ponto, então suspirei e encarei minhas mãos, depois o boneco dela. Tinha ficado realmente bonitinho. Ela devia estar com a intenção de fazer um boneco de neve, porque tinha enfeites e tudo o mais. Percebi que o boneco tinha um cachecol, e olhei para ela, que estava sem. Franzi as sobrancelhas.
  ― Você tirou seu cachecol. Não está com frio? ― perguntei, preocupado. Céus, que pescoço lindo. Nossa, essa foi uma frase vampiresca. Ela riu e empurrou meu ombro de leve.
  ― Não muda de assunto, . ― Nossa, ela lembra meu sobrenome?! ― Mas respondendo sua pergunta, o que seria um boneco de neve sem cachecol?
  ― Isso não foi uma resposta, foi outra pergunta! ― falei indignado e ela riu, jogando a cabeça para trás.
  ― Responda então! As duas! ― ela disse com um sorriso. Eu me aproximei dela e tirei o meu cachecol, colocando em seu pescoço.
  ― Pronto. Você não me respondeu se estava com frio ou não, mas está frio e eu não aguento ver alguém com frio. ― falei, muito rápido e ela riu, o hálito batendo em minha face.
  ― Mas aí você vai ficar com frio.
  ― Não, não. To bem. ― suspirei, depois de conferir se ela estava aquecida. ― Agora, quanto às suas perguntas. me sentei melhor no banco. ― Você tem razão, um boneco de neve sem cachecol é sem graça, mas isso significa uma garota linda com frio. ― ela corou levemente e sorriu de lado. Pela primeira vez eu consegui não sorrir com o sorriso dela, porque o que estava por vir era muito pior. ― E o motivo de eu não estar na festa com minha namorada... é que eu acabei de terminar com ela. ― soprei, baixo, e senti uma dor forte no peito. Olhei para ela e ela me encarava com tristeza nos olhos, e mordia o lábio inferior.
  ― Desculpa eu... eu devia ter percebido que você não queria falar sobre isso. ― ela falou baixo.
  ― Não precisa se preocupar. ― me apressei em dizer. Não queria que ela sentisse pena de mim, talvez eu só precisasse contar pra alguém. ― Só estou te respondendo. ―sorri de leve, mas ela não.
  ― Você entregou o presente pra ela? ― me perguntou e eu neguei com a cabeça.
  ― Não tive chance. Tá lá no carro, do jeitinho que você embrulhou.
  Ficamos um tempo em silêncio, a noite estava silenciosa e fria, e o boneco de neve me encarava com um sorriso brincalhão nos olhos, me desafiando sobre o que fazer agora.
  ― Ela estava me traindo. ― soltei, não sei porque. Senti me olhar, mas continuei olhando o boneco de neve. O mais estranho de tudo, é que eu confiava na . Eu mal a conhecia, mas sabia que podia contar para ela qualquer coisa, que ela me entenderia. Virei-me para ela. ― Você tem certeza que a gente nunca se viu antes?
  ― Tenho. ― ela franziu as sobrancelhas. ― Você também tem a impressão de que a gente se conhece há muito tempo?
  ― Sim. ― cocei a cabeça. ― Eu não sei, eu tenho certeza que te conheci hoje, naquela loja... mas o jeito que eu acabei pensando em você o dia inteiro, o jeito que eu confio em você o suficiente para estar contando isso tudo agora... é como se eu te conhecesse por toda a minha vida. ― olhei para ela, e ela agora sorria de leve. Eu sorri também e fiquei encarando seus olhos , que estavam ainda mais lindos de noite, com a luz do luar e do poste próximo a nós.
  ― Quando, na verdade, você não sabe nada sobre mim. ― ela falou numa voz suave que arrepiou meus cabelos da nuca. Não uma sensação ruim. Uma sensação boa, muito boa, que se espalhou pelo meu corpo.
  ― Eu sei que você é brasileira. Trabalha numa loja de presentes. E... sei que se chama . ― falei rindo e ela riu também. Ela tinha razão, eu não sabia nada sobre ela.
  ― Uau. Você cometeu um erro. ― arregalei os olhos e ela riu fraco. ― Eu não trabalho na loja de presentes, eu na verdade trabalho numa loja de CD’s, no mesmo shopping. Mas em época de Natal, as lojas precisam de mais atendentes, então eu trabalhei nos dois.
  ― Aaah. ― disse, pensativo e ela riu de novo, e sentou-se melhor. ― Bem, de qualquer forma, você tá certa. Eu não sei nada sobre você. ― suspirei e olhei minhas mãos. voltou a rir baixo e colocou a mão no bolso, tirando algo de lá. Eu, que estava observando tudo pelo canto do olho, virei meu rosto para ver melhor. Ela escrevia algo num papel, com um sorriso. Depois que terminou, levantou-se, tirou meu cachecol e me entregou, foi até o boneco de neve e tirou seu próprio cachecol e colocou em volta do pescoço. Tudo isso em silêncio, enquanto eu a observava, sem entender. sorriu de novo, um sorriso meio zombeteiro, e chegou perto de mim.
  ― Nada que não possamos resolver, certo? ― ela falou, ainda sobre o fato de eu não saber nada sobre ela, e me estendeu o papel. Assim que eu peguei, sem desviar meus olhos dos dela, ela piscou pra mim, alargou o sorriso e deu as costas, me deixando sozinho.
  Observei-a até a curiosidade ser maior, então encarei o papel que segurava.
  Ocean Avenue, 1402, Edifício St James. Apt 363
  Ah, ela está de brincadeira comigo. Um endereço? E Ocean Avenue, o nome da música do Yellowcard? Eu nem sabia que existia uma rua de verdade com esse nome, ela era muito sortuda de morar em tal lugar. Como é o trecho que eu gosto... ah sim! “I know somewhere, somehow we’ll be together.” lembrei com um sorriso, e este só alargou. Olhei para onde ela havia seguido e dei um tempo, apenas encarando o papel que ela me entregara. Eu não sentia que estava brincando comigo, e eu sabia o que fazer e o que ela queria que eu fizesse. Na verdade, eu estava irradiando felicidade, na noite que eu descobri que minha namorada me traía.
  Depois de esperar vários minutos, levantei-me e entrei no meu carro, dirigindo até o endereço que estava em minhas mãos. Não demorei muito tempo, não era longe. Ela já havia chegado, então subi pelas escadas. Senti que subir pelo elevador não ia ser emocionante. Quando estava nos primeiros degraus, lembrei-me de uma coisa e voltei para o carro correndo. Mais alguns minutos e eu estava ofegante na frente do apartamento 363, batendo na porta. Não demorou muito e a abriu com um sorriso enorme. Eu sorri.
  ― Esqueci uma coisa. ― falei. ― Eu sei mais uma coisa sobre você. ― ela riu baixo e encostou no batente da porta.
  ― É mesmo? O que é? ― ela perguntou, arqueando as sobrancelhas. Estendi-lhe o que segurava nas mãos e ela manteve seu sorriso, ao mesmo tempo em que suas bochechas enchiam-se de uma tonalidade avermelhada.
  ― Sei que esse é o presente ideal pra você. E agora eu sei que fui naquela loja, e comprei justamente isso, para dar pra você. Minha namorada nunca iria entender o significado lindo de um globo de neve como você entenderia. ― discursei, e ela soltou uma risadinha.
  ― É... você já está ficando bom nisso. ― ela riu e eu sorri. Ela mordeu o lábio. ― Vamos confirmar. O que você acha que eu quero nesse momento? ― me perguntou e eu sorri mais, envolvendo seu rosto com minhas mãos.
  ― Fácil, porque eu também quero isso. ― sussurrei, antes de colar nossos lábios em um beijo intenso. Quando eu a beijava, eu sentia choques passarem pelo meu corpo de um jeito que não sentia há muito tempo. Eram choques bons, faziam me sentir bem. Quebrei o beijo com vários selinhos e deixei nossos rostos próximos. Baixei minhas mãos e uma passei por sua cintura, e outra entrelacei com sua mão livre.
  ― O que acha de me dar uma chance para descobrir muitas coisas sobre você hoje? ― murmurei, beijando sua bochecha de leve. Ela riu baixo.
Sem dizer nada, só olhou nos meus olhos e deu uns passos para dentro, me levando junto. Eu voltei a sorrir como um retardado e fechei a porta com o pé, voltando a colar nossos lábios.

  E esse foi o primeiro de muitos Natais incríveis que passamos juntos, Natais tão felizes do jeito que eu nunca imaginara que poderia passar. E o crédito de toda a felicidade vai à garota de olhos e sorriso que me fazia sorrir, a atendente que eu conheci numa manhã de natal. A garota que agora tinha uma coleção de diferentes globos de neve em cima da nossa lareira, e que nunca se cansava de recebê-los. A cada embrulho aberto, seu sorriso de criança estampava-se em seu rosto lindo e ela pulava em cima de mim, me beijando e me agradecendo. Por um globo de neve.
  E, diga-se de passagem, eu também era muito grato a um deles.



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