Snow Flake
Escrito por Li Santos | Editado por Natashia Kitamura
Capítulo Único
Neve e frio.
Esse é bem o resumo de como está o clima aqui na cidade. É inverno e faz um frio extremo por aqui, como sempre. Estou em casa, aquecido, mas logo terei que sair. Acabo de me lembrar que combinei com minha namorada de acamparmos. O tempo melhorou, comparado ao que estava ontem, então vou ter que ir. Não que eu não queira ir, não me levem a mal, mas é que eu estou tão cansado. Sei que acabarei brigando com a , minha querida e estressada namorada. Ok, ela não é nenhum monstro. O caso é que o nosso relacionamento está abalado, passamos por uma crise intensa recentemente, acho que ainda estamos dentro dela. Um verdadeiro caos. Essa viagem até as montanhas, para nós acamparmos, é justamente uma tentativa desesperada de salvar nosso namoro. Eu espero que dê certo, apesar de tudo, eu a amo muito.
Conferi pela enésima vez os itens de dentro da mochila e olhei a tela do celular, o mesmo vibrava loucamente. Na tela, o nome e a foto da . Uma linda foto, assim como minha amada é.
— Oi, ! — falei num tom carinhoso, mas infelizmente não recebi o mesmo carinho de volta.
— Onde você está, ?! — odeio quando ela me chama pelo nome. Me dá arrepios de raiva.
— Já estou a caminho — respondi de maneira seca.
— Se estivesse a caminho realmente, você já estaria aqui. Eu estou literalmente congelando, venha logo! — reclamou gritando. Tive que afastar o telefone do ouvido ou ficaria surdo.
— Ok, já chego aí — falei e desliguei logo, antes que ela falasse mais alguma coisa.
Suspirei pesadamente, coloquei a mochila de viagem nas costas e saí do meu apartamento. Já estou no caminho para buscar , dentro do carro, sozinho, estou pensando: como farei para que a gente pare de brigar dessa forma tão destrutiva? e eu namoramos há quase seis anos, nos conhecemos no último ano do ensino médio, quando ela se transferiu para minha antiga escola. Sempre nos demos bem, fazíamos tudo juntos. Desde atividades corriqueiras da escola, até mesmo trabalhos de meio período que arrumamos no mesmo lugar, só para não ficarmos longe um do outro. A única coisa que não fazemos juntos, até então, é acampar. não gosta de acampar, já eu, se pudesse, moraria num acampamento. Essa é uma das poucas diferenças que temos.
Brigar com a me deixa tão triste, tão destroçado, que sinto como se os flocos de neve, que caem intensamente neste inverno, se acumulassem em meu coração. Me sufocando, me angustiando. O dançar dos flocos de neve, caindo suavemente, despreocupadamente, e se acumulando dentro de mim, sem derreter, apenas se juntando a formar uma grande e pesada bola. Tão impotente eu me sinto. Sinto que somente o calor dela pode derreter todo esse gelo que se juntou e que me deixa assim. Mesmo ao lado dela, eu me sinto longe. Eu quero estar com você, meu amor. Queria poder voltar no tempo e ter de volta os bons tempos que tínhamos juntos.
[❄️]
Cheguei ao prédio da e lá estava ela visível e obviamente irritada com o meu atraso. Ela atravessou, jogou a mochila no banco de trás e sentou-se no banco da frente, sem dizer uma palavra. Eu até tentei, mas ela não quis conversar. Fomos num completo silêncio até chegarmos no pé da montanha. Estacionei e descarreguei o carro com nossas coisas. Cada um levou as suas, apesar de eu ter oferecido carregar a mochila dela.
— Não vai me ajudar com o jantar? — perguntei para ela, que estava sentada na cadeira à minha frente. levantou o olhar e me encarou.
— Você sabe se virar bem — respondeu e voltou sua atenção ao maldito celular, do qual ela não tirou os olhos desde que saímos da casa dela.
Resolvi ignorar esse imenso desinteresse dela e terminei o jantar sozinho. Como ela disse: eu sei me virar bem. Comemos e eu fiz um chá quente para nós, não estava nevando, mas o vento gelado castigava bastante. O suspiro frio afundou profundamente em minha mente, congelando os sinos de eco da esperança, que já está quase enterrada pelo gelo, de melhorar minha relação com a . Mesmo na mesma barraca, e eu dormimos longe um do outro. Fui dormir totalmente frustrado.
Na manhã seguinte, acordei cedo e fui logo preparando nosso café. Planejei uma trilha, caso o tempo não mude, pela região que é muito deslumbrante. Durante o café da manhã, e eu discutimos. E a novidade cadê, não é? Ela colocou seu casaco mais grosso e ajeitou o gorro na cabeça, saindo andando por dentro da floresta que há ao lado da montanha. Floresta é um modo de dizer, há muitas árvores, porém todas sem folhas. Uma visão muito bonita, mesmo sem a deslumbrante visão das folhas e flores.
[❄️]
Faz quase três horas que a teimosa da saiu e ainda não voltou. O tempo mudou bruscamente e começou a nevar forte. Estou preocupado. Incomodado com a demora dela, resolvi sair para procurar por aquela cabeça dura. Vesti meu casaco, coloquei as botas e saí atrás dela. O vento frio sussurrava ao bater em minha pele. Parecia me atrair para onde ela estava. Chamei por ela várias vezes, sem sucesso, até que ouvi ela gritar por mim, me chamar pelo apelido. Corri na direção de seu grito, sem olhar onde pisava, foi aí que eu pisei num vão e saí rolando para dentro de uma irregularidade que havia ali. Tinha muitos galhos de árvores soltos no chão, raízes delas saíam para fora do chão, algumas bem pontiagudas. Uma delas rasgou minha calça, na altura da canela, levando consigo minha pele e sangue. Finalmente eu parei de rolar, sentindo muita dor. Eu gritei desesperado, dói tanto…
— !! — ouvi ela me chamar e levantei a cabeça para ver. estava na parte alta da irregularidade, apoiada numa árvore. Vi que ela já ia descendo.
— Espera! — gritei, chamando sua atenção. Ela parou — Trás o kit de primeiros-socorros, tá na barraca. Minha perna está sangrando e, ai… — parei, gemendo.
— Eu já volto, . Já volto! — ela saiu correndo e eu fiquei aguardando ela voltar, gemendo feito uma criança que se machuca ao cair de bicicleta. Eu não consigo ver direito, mas tenho certeza de que está feio esse ferimento. Meu maior medo é ter farpas de madeira nele… — Voltei! Estou descendo! — a voz de me distraiu de meus pensamentos trágicos. A vi descer rápido o suficiente para se desequilibrar e cair, mas ela descia extremamente concentrada. Nervosa, mas concentrada. — Ai, meu Deus!
— Está feio, não é? — mal conseguia tocar na minha perna. Suas mãos tremiam e ela chorava muito.
— Isso é culpa minha. Meu Deus, , me perdoe! — o choro dela estava doendo mais em mim do que a minha canela lascada e com possíveis farpas de árvore.
— Amor… — segurei sua mão, tremia bastante — está tudo bem, não é culpa sua — sorri para ela e logo depois fiz uma careta de dor. — Você consegue fazer esse curativo, amor?
— Vou tentar — tentando não tremer tanto, começou a rasgar minha calça, que tem um material mole, mas é bem aquecida por dentro, e limpou meu ferimento. Fui ao inferno incontáveis vezes. Minha suspeita de haver farpas nele se confirmaram. as retirou com uma pinça e enfaixou minha canela. Ardeu muito! — Consegue levantar? Temos que voltar, está nevando muito. — não parou de nevar um só instante desde que ela saiu há três horas.
— Me ajuda aqui — ela estendeu a mão e me puxou, apoiando meu braço em seu ombro. Fui mancando com a ajuda dela, mas eu estava mais escorregando do que andando.
— Não está dando certo, — reclamou ela e tirou meu braço de seus ombros, parou na minha frente e agachou. — Sobe — deu a ordem e aguardou que eu subisse nas costas dela.
— Eu sou pesado, , vamos acabar caindo — alertei ela, mas se manteve na mesma posição.
— Sobe ou eu vou te carregar, ! — bradou .
— Como você é teimosa, …
— Sobe logo! — impaciente, passou os braços pelas minhas pernas e me alçou.
— Calma, eu vou cair! Eu subo, eu subo sozinho! — falei desesperado, pois esse movimento esticou o ferimento, fazendo ele doer mais. Subi nas costas dela e então ela me carregou e foi andando. — Se estiver pesado demais, avisa, . Não se esforce tanto — ela acenou com a cabeça e foi subindo a rampa de neve, apoiando-se nas árvores próximas.
— Estamos quase lá, amor… — falou ela ofegante e continuou subindo.
Não demorou e estávamos no topo. Eu ia descer, mas me deu um grito e mandou eu ficar nas costas dela. Obedeci e ela continuou andando até a trilha principal que levava até nossa barraca. A neve caía incansável e acumulava, dificultando a caminhada. Chegamos à barraca e finalmente me deixou descer. Minha perna inteira latejava e a atadura que colocou já estava manchada de sangue. Ela quis me levar até o hospital mais próximo, mas a estrada também está coberta de neve, seria perigoso sair nessas condições. me ajudou a entrar na barraca e trocou meu curativo. Mais uma vez, sentiu-se culpada por ter me ferido.
— Amor, não é sua culpa — ratifiquei o que havia dito antes. — Acidentes acontecem.
— Eu sei, mas se eu não tivesse saído daquela forma irresponsável, você não teria ido atrás de mim e se machucado.
— Hey — me arrastei para mais perto dela e segurei seu queixo. me encarou com os olhos marejados —, eu te amo, sabia? — disse algo que meu coração quis que eu dissesse desde que a vi parada na porta do prédio dela.
— Eu tenho sido displicente ultimamente. Não ando merecendo seu amor…
— Não se culpe sozinha! Parte dessa culpa é toda minha, tenho consciência disso. Mas, eu quero reparar nossa relação, . Eu te amo tanto… — eu disse e a beijei. Um beijo quente, pelo café que acabamos de tomar, que se contrapunha com a frieza das nossas bochechas frias por causa do vento frio que invadia a barraca.
— Eu te amo, . Eu te amo muito… eu...
Ela não precisa dizer mais nada. Não era necessário. A beijei docemente, e logo essa doçura esquentou, tornando aquele beijo em algo mais intenso. Fazia muito tempo que não trocamos carícias assim. E como eu senti falta disso.
Apesar de não ter acontecido nada além de carícias, foi um momento bom que tivemos nessa viagem. Combinamos que vamos reatar nossa relação, concretizá-la, na verdade, após minha perna melhorar. Isso foi um dos motivos por eu ter pedido para parar. Eu sabia que se continuássemos, não iríamos parar até o ápice. E, com certeza, eu iria me machucar muito nesse ato.
Eu demorei para dormir. estava cansada e, assim que se deitou ao meu lado, dormiu aconchegada. Me virei tanto durante a madrugada, procurando uma posição boa para dormir sem machucar minha canela, que latejava muito, que não sei como não acordou. Inconscientemente, eu comecei a gemer, não sabia que horas eram, só sabia que era muito tarde e ventava muito lá fora.
— Ah… ah… — gemendo, eu me virei ainda mais, eu suava e sentia meu corpo ferver.
— Amor? — suspendeu o corpo e sentou-se — Está tudo bem? ? — sua mão fria encostou em meu rosto e senti um calafrio percorrer meu corpo.
— Ah… gelado… — eu estava ofegante, cansado e minha perna machucada só fazia latejar.
— Você está com febre. Ah, amor, consegue levantar a cabeça um pouco? — já estava com um comprimido de um remédio contra febre em mãos e um copo d'água próximo a ela. Obedeci e tomei o remédio, voltando a me deitar em seguida. — Vou ficar olhando você dormir. Assim que amanhecer, vamos voltar para a cidade.
— Ah, … tem… a trilha… para fazermos… — em pausas, eu gemia enquanto falava. Eu não vi, mas tenho certeza de que revirou os olhos ao me ouvir falar.
— Já caminhamos demais por hoje, . Sossega! — reclamou ela e riu um pouco.
— Sou um azarado mesmo — eu disse, de repente. me encarou confusa.
— Por quê?
— Porque era para termos transado. Se eu morresse agora, teria morrido feliz por ter transado com você uma última vez. — confessei meu desejo louco e ri ao fim da frase.
— ! — repreendeu-me ela — Você está com febre, sossega!! Caramba, que insaciável você!
— Tudo culpa sua, meu amor — rolei a cabeça para o lado e pude ver seu rosto ficar rubro, mesmo com a pouca iluminação da barraca. — Me dá um beijo? — encarei seus olhos sempre tão vívidos. Ela se aproximou e me deu um beijo, antes dela sair, eu puxei sua nuca intensificando o beijo. — Te amo — sussurrei, ao final e sorri.
— Eu te amo, seu bobinho tarado — rimos e ela me deu um selinho. — Seus lábios estão muito quentes. Beijos só depois que você melhorar, mocinho.
Decretou ela e eu fiz um beicinho de chateação. Fechei meus olhos e senti o efeito do remédio bater em mim. O cansaço de ficar horas tentando dormir com a perna latejando me venceu. Adormeci sentindo o calor das mãos de tocando meu corpo. Apesar de tudo, adormeci feliz e confortável.
Na manhã seguinte, acordei com um pouco de febre ainda. Assim que terminamos o café da manhã, preparado por , ela me ajudou a ir até o carro. Amanheceu sem neve hoje, o céu nublado, porém sem chuva ou sinal de que a neve cairia. Ainda havia muita dela acumulada na estrada, eu não tenho como dirigir, então é claro que é quem conduzirá o carro até o hospital.
No caminho, pela estrada, ia bastante concentrada na direção. Eu a observava, pensando em toda nossa trajetória juntos. Imaginando o porquê de tanta briga, tanta discussão e mágoa criada por nós nos últimos meses. Tudo que causou o meu definhamento, atolado na neve da tristeza que se acumulava em mim. Me afogava, atormentava e cegava. Não via solução para resolver nada entre nós, apesar de no fundo saber como resolver.
No final, nosso amor era o único capaz de nos salvar.
No final, só nós mesmos poderíamos sair desse caos.
No final, uma pequena gota de amor, o amor da minha , saiu de dentro de nossas memórias e começou a mover o relógio que há em mim, o relógio da minha vida, o relógio que me move para a felicidade. Balançando lentamente, balançando e girando os ponteiros.
"Agora eu sinto isso mais que qualquer um, eu te amo"
Snow Flake, FLOW