Sirena del Atlantis
Escrito por Hels | Revisado por Natashia Kitamura
O INÍCIO: LA CANCIÓN DE SIRENA
Os ventos sopravam suavemente como uma canção que se espalhava por toda orla, enquanto alguns grãos de areia sobrevoavam o chão, formando círculos baixos de poeira.
Tudo era calmo e relaxante, um deleite de fim de tarde com luzes alaranjadas que se punham no horizonte, sumindo por entre a imensidão de águas calmas e brilhantes.
A suave canção do vento ganhou seu primeiro acompanhante, latidos agudos e incessantes de um pequeno animalzinho de pelos brancos e encharcados. Em suas quatro patas, o cãozinho corria descontroladamente, saindo da orla da praia e indo até um casal que caminhava por entre as duas pequenas colinas que separavam o mar da cidade.
— Veja, Zac, é um cachorrinho. — Agness solta o braço de seu marido para se abaixar na altura do cãozinho que parecia cada vez mais afobado. — Ei, amiguinho, o que foi? Você está todo molhado. — A mulher de longos cabelos negros passa a mão por todo pelo molhado do animal de pequeno porte.
O maltês se afasta das mãos de Agness, correndo em círculos agitadamente, enquanto não parava de latir. A mulher o encara confusa, perguntado internamente para si mesma se o animalzinho queria apenas brincar.
O cãozinho para de correr em círculos e usa suas duas patas dianteiras para pular sobre os pés de Agness, antes de se afastar um pouco e fazer tudo de novo.
— Eu acho que ele quer nos mostrar alguma coisa. — Zac, que se manteve parado ao lado de sua esposa, com as mãos para dentro dos bolsos de suas calças desbotadas, diz depois de observar com atenção o pequeno maltês.
Agness olha para seu marido com curiosidade, e resolve segurar sua mão, antes que ambos começassem a seguir o cãozinho, que parecia um pouco mais satisfeito ao ver que o casal finalmente havia o entendido.
Como um pequeno amontoado de pelos molhados, o cãozinho guiou Agness e Zac até à orla da praia, onde o vento soprava sua canção.
Os olhos escuros de Zac se fecham um pouco mais, enquanto ele força sua visão, tentando ver com clareza o que era a pequena figura jogada sobre a areia clara.
— É uma garotinha. — Os olhos - antes curiosos - de Agness, ganham um brilho de surpresa e, outra vez, ela se desvencilha de seu marido, correndo para perto da figura desacordada sobre a areia.
O cãozinho para do lado da pequena garotinha de cabelos loiros, encarando o corpo desacordado de uma maneira que muitos até julgariam como preocupada.
Agness faz menção de se abaixar, mas seu corpo paralisa quando seus olhos observam a garotinha com mais atenção.
A mulher dá alguns passos para trás, esbarrando em Zac. Assustada, Agness se vira, encarando seu marido com espanto.
— Zac... aquilo azul nas pernas e nos braços dela... — As íris escuras de Agness corriam por cada parte do rosto de seu marido, completamente atordoadas com o que acabaram de ver.
O cãozinho late e o semblante de Zac se torna sério, tão sério como nunca se viu antes.
— Vamos tirá-la daqui.
PRÓLOGO
— É tanta água que às vezes eu me pergunto se tem fim. — Suspiro, encarando o enorme mar, da janela do meu quarto.
Coloco meu cotovelo em cima da madeira da janela, e apoio meu rosto na minha mão.
Acho que eu podia passar o dia todinho olhando o mar, ele é tão grandão e bonito. Eu gosto disso, realmente gosto. Eu não sei, talvez eu tenha gostado do mar depois que a mamãe e papai me encontraram lá... sim, eu acho que foi nesse dia. Ah, mas já tem tanto tempo, dois anos é muito tempo.
As pequenas colinas verdes não me deixam ver o mar direito, e isso é tão irritante.
— Serena!
Meu rosto escorrega da minha mão, e eu quase me machuco. A voz da mamãe me assustou agora.
— Serena!
— Já tô indo! — Grito de volta, saltando da cadeira velha que eu usava para ficar na altura da janela.
Antes de sair do meu quarto, olho para minha cama arrumada, vendo Duque deitado em cima do meu travesseiro, dormindo como um urso.
— Vamos, Duque. Você é muito preguiçoso. — Pego meu cachorrinho, que acorda um pouco tonto.
Duque precisa aprender alguns modos.
Com Duque nos braços, corro para fora do meu quarto e procuro a mamãe por todos os cômodos, mesmo que eu soubesse que ela estava na cozinha, porque eu podia sentir o cheiro gostoso que vinha de lá.
— Serena, eu quero que você leve esses pães para o seu pai, ele já deve estar esperando. — Mamãe coloca um montão de pães dentro de uma cesta de palha, e depois ela cobre com um pano de prato.
— Eu posso ver o mar depois?
Mamãe ia me entregar a cesta com os pães, mas ela fica pensativa um pouco, e isso me faz soltar o Duque no chão e colocar as mãos na cintura.
— Eu já sou grande, tenho nove anos.
Os olhos da mamãe ficam grandões, e depois ela ri.
— Tudo bem, garotinha crescida. Mas eu não quero que você entre no mar, já está ficando tarde e a água deve estar gelada.
Sorrio para mamãe, e ela me entrega a cesta de pães, e depois dá um beijo na minha testa.
— Vamos, Duque! Bem rápido! — Quando eu pego a cesta da mamãe, corro para fora da cozinha, abrindo a porta da entrada.
Estava um calorzão do lado de fora, mas o sol já estava indo embora. Então eu corri o mais rápido que pude, tentando chegar na loja do papai antes do sol se despedir.
Duque vinha correndo atrás de mim, latindo como um cachorrinho barulhento. Às vezes ele tropeçava pelas coisas no caminho, mas nada parava ele, porque mesmo sendo pequeno, Duque era corajoso assim como eu.
— Duuuuque! — Olho para trás e grito, rindo do Duque, que tentava acompanhar os meus passos que eram bem rápidos.
Nós dois demoramos um pouco, mas chegamos na loja do papai antes do sol ir embora. Nós vencemos.
Minha respiração estava acelerada, e a de Duque também, por isso, nós dois precisamos descansar um pouco do lado de fora. E só depois de nos recuperarmos é que eu abri a porta da loja.
— Pai! Eu cheguei! Pai!
— Pare de gritar, Serena, eu estou aqui. Assim os meus tímpanos vão estourar. — Papai resmunga como um velho, enquanto arruma alguns pães doces que estavam do lado direito da loja.
— Pai, eu trouxe pra você. — Saltito até onde o papai estava, e Duque vem atrás de mim, tentando me imitar.
Ele era engraçado.
Papai pega a cesta que eu trouxe, espiando debaixo do pano de prato.
— Sua mãe fez agora? A cesta ainda está quente.
Confirmo com a cabeça.
— Você vai ficar para comer alguns? — Papai pergunta, colocando os pães que eu trouxe, junto com os pães doces.
— Não, eu preciso sair. — Me afasto do papai, que me olha com as sobrancelhas levantadas.
— E eu posso saber aonde a senhorita vai?
Sorrio para o papai, e corro até à porta com Duque.
— Te vejo no jantar! — Grito, e saio da loja de pães.
O sol ainda estava aqui, ele não queria ir embora e, por isso, tudo estava laranja.
Espero Duque parar do meu lado, e começo a correr de novo, e agora nós dois estávamos indo até à orla. Nós precisamos pegar o mesmo caminho, mas em vez de voltarmos para casa, corremos até as pequenas colinas, onde descemos elas rolando e rindo... hm, acho que só eu ri, Duque latiu.
Ele era tão preguiçoso, já estava cansado, acho que vou ter que carregá-lo.
— O que eu deveria fazer com você, seu nanico? — Pergunto para a bolinha de pelos nos meus braços, correndo com ela.
O mar estava ficando cada vez maior, eu podia ver, e o Duque também. Os meus pés pisaram na areia fofinha, nós estávamos quase lá.
— Chegamos! — Paro um pouco longe do mar, admirando o tanto de água que balançava de um lado para o outro.
A bolinha de pelos começa a se mexer muito no meu colo, ela queria ir para o chão.
— Fique quieto, Duque. Eu sei que você quer ir pra água, mas nós não podemos, você sabe. Dá última vez que você entrou na água, eu tive que ir atrás de você, e nós dois chegamos molhados em casa e a mamãe nos proibiu de vir aqui por uma semana. — Olho brava para o Duque, mas ele faz aqueles olhos de cachorro arrependido, mas não iria funcionar.
Ele não desiste e continua se mexendo no meu colo até conseguir pular para a areia. E como eu já sabia, ele sai correndo, mas não na direção da água.
— Duque, seu patife! Volta aqui agora! — Começo a correr atrás do Duque, eu até estendo as minhas mãos para tentar pegá-lo, mas ele ficou muito rápido agora.
Acho que nós corremos por muitos minutos, ele não queria parar, na verdade, o Duque só parou de correr quando um par de botas apareceram na nossa frente.
— Botas? — Com as mãos esticadas para pegar o Duque, eu encaro as botas escuras e sujas de areia.
Olho um pouquinho para cima e vejo duas pernas dentro das botas. Olho mais um pouquinho, e agora eu vejo um corpo que usava roupas estranhas.
Pego Duque, e olho de uma vez para cima, encontrando um homem alto e barbudo parado na minha frente. Ele usava um chapéu grande e muitos colares no pescoço, e também usava um brinco igual ao da mamãe. Os cabelos dele também eram grandes, e ele parecia que não tomava banho faz tempo, a pele dele estava toda suja.
O homem barbudo fica me encarando sem dizer nada, e isso deixa ele mais estranho do que já era.
Olho para os lados, vendo se não encontrava ninguém por perto, mas eu só consigo ver mesmo, era o grande navio que estava na água, bem perto da gente.
— Uma bandeira preta? — Fico confusa, mas logo lembro do que a mamãe e o papai me disseram uma vez.
Eu abro bem os meus olhos, e tento dar alguns passos para trás, querendo fugir.
— Pirata... você é um pirata. — Abraço o Duque bem forte para que ele não fuja de novo.
— Parece que sim. — O homem barbudo sorri, mostrando alguns dentes de ouro, eu sabia porque papai me contou.
Duque começa a latir no meu colo, e eu peço que ele fique quieto ou será o nosso fim.
— Se me dá licença, mocinha, meus negócios já acabaram por aqui. Nós podemos manter isso em segredo? — O homem barbudo pergunta, e eu aceno com a cabeça, mas não digo nada, eu não sou doidinha.
— Obrigado. — O homem barbudo sorri de novo.
— Capitão, precisamos ir! — Alguém grita lá de cima do navio, era um homem com um pano amarrado na cabeça. Eu não conseguia ver direito, ele estava bem pequenininho.
— Mocinha. Cachorro. — O homem barbudo tira seu chapéu e depois coloca ele de volta.
Eu aceno, e o homem barbudo começa a andar como se estivesse bêbado, mas ele para e depois enfia a mão dentro do bolso do seu casaco, puxando uma moeda brilhante para fora. O homem barbudo joga a moeda para mim, e depois caminha até o navio, subindo por uma corda.
Fico parada no meu lugar com o Duque, e nós dois vemos o grande navio ir embora junto com o sol.
***
Ela era tão brilhante e bonita, eu só vi uma dessas uma vez, quando a guarda do rei apareceu aqui. Na loja do papai e da mamãe, eles só costumam ganhar moedas de prata que não brilhavam, nunca as de ouro.
O desenho na moeda era diferente. Uma vez o papai me disse que cada lugar tem sua própria moeda, então eu acho que essa moeda não é daqui, porque o desenho não era igual.
Eu ganhei uma moeda de um pirata, e se a mamãe descobrir ela vai ficar tão brava, por isso eu não posso contar, só o Duque vai saber porque ele estava lá comigo.
— Serena, vem jantar! — Mamãe grita da cozinha e então eu guardo minha moeda de ouro no meu baú de bonecas, bem lá no fundo dele.
Duque aparece na porta do meu quarto, latindo algumas vezes.
— Eu já estou indo. — Mostro a língua para o Duque, que não sai da porta do meu quarto até que eu vá com ele.
— Zac, parece que encontraram o corpo de um homem perto da orla. A boca dele estava cheia de moedas de ouro. Você sabe, isso é coisa daqueles piratas. — Mamãe conversava com o papai lá da cozinha, enquanto Duque e eu saltitávamos pelo corredor.
CAPÍTULO 1
— Terminei, pai. Essa mesa foi a última. — Afasto o pano da mesa redonda de madeira, e levo as mãos até minha cintura.
— Obrigado, minha filha. — Papai surge do meu lado, colocando uma de suas mãos sobre o meu ombro.
— Acabamos por hoje? — Pergunto, ao mesmo tempo que minha mãe atravessava a porta que levava para uma pequena cozinha escondida. Ela carregava uma cesta com pães.
— Acho que sim. — Mamãe coloca a cesta sobre a mesa, enquanto papai e eu nos sentamos nas cadeiras ao redor. — Comam um pouco, quero todos muito fortes e atentos para o turno da noite. — Ela limpa suas pequenas mãos no avental em torno da cintura.
— Mal posso esperar para passar um tempo com aqueles malditos bêbados. — Papai resmunga sem humor, enquanto pega um dos pães doces da cesta.
— A ideia foi sua, Zac. — Mamãe se senta do meu lado.
— Eu sei. Não tínhamos muitas escolhas, só os pães não estavam nos dando um bom lucro. — Papai dá uma grande mordida no pão, falando de boca cheia, o que faz com que mamãe o olhe com reprovação.
— Uma padaria que serve rum de noite. — Mamãe nega com a cabeça, rindo.
— Eu gosto de conversar com os bêbados, eles são mais simpáticos quando não estão sóbrios. — Dou de ombros, pegando um dos pães da cesta.
Encaro a massa salpicada com coco e depois dou uma mordida, sentindo o gosto da banana. Minha mãe era a melhor quando se tratava de pães, principalmente os pães doces.
— Não gosto que fique aqui de noite. Não é bom para uma moça solteira andar no meio dos bêbados.
— Mas eu estou trabalhando, pai. — Arqueio uma sobrancelha, enquanto mordo o pão outra vez.
— Mesmo assim, se continuar como está, você nunca vai se casar. — Papai suspira alto, pegando outro pão.
— Como nós chegamos nesse assunto? Eu só tenho dezenove anos. — Encaro minha mãe, que dá de ombros.
— Já está na idade, Serena. A filha do vizinho se casou a pouco.
— Eu não sou a filha do vizinho. — Bato minhas mãos, limpando as migalhas de pão.
Papai suspira outra vez.
— Por mais que eu adore a ideia de ter a minha garotinha comigo, eu não quero que você passe o resto da sua vida trabalhando nesse lugar. Você merece muito mais do que eu e sua mãe te damos.
Encaro a expressão preocupada de meu pai, e seguro em sua mão que estava sobre a mesa, apertando-a de leve.
— Eu estou feliz em passar o resto da minha vida ajudando vocês dois aqui. — Sorrio para ele, que mesmo não aprovando minhas palavras, sorri de volta.
— E o Adam? — Mamãe pergunta e eu a encaro com o cenho franzido, enquanto solto a mão de meu pai.
— O que tem ele?
— Adam é um rapaz muito bonito. — Mamãe solta seus longos cabelos negros, me olhando com inocência.
— Adam é meu amigo e não gosta de mim dessa forma, mãe.
Ela levanta as mãos em frente ao corpo.
— Tudo bem, não está mais aqui quem falou.
— Adam é pobre como nós. Serena precisa arrumar um marido rico. — Papai interrompe.
— Você está certo. — Suspiro falsamente, olhando de forma significativa para minha mãe; ela já sabia o que eu estava prestes a fazer. — Talvez eu devesse arrumar um marido com dinheiro e mais velho, alguém que já tenha passado por alguns casamentos. Um homem rico que quando posar ao meu lado, todos pensem que sou sua filha, mesmo que sejamos casados.
O semblante de meu pai se contorço em desgosto.
— Você só tem dezenove anos. — Ele bate sua mão contra a mesa, de forma frustrada.
Espio minha mãe, de canto de olho, e ela me lança uma piscadela antes de rir.
— Independente de sua idade, Serena já é uma mulher adulta, e eu tenho certeza que na hora certa ela vai encontrar alguém que a ame, da mesma maneira como nós a amamos. — Mamãe se levanta e beija entre meus cabelos e, em seguida, vai até à cadeira de meu pai, o pegando pelo braço. — Agora, deixe de chateá-la e me ajude a limpar a cozinha.
Contra sua vontade, papai se levanta da cadeira, mas é salvo no último segundo, quando Mony abre a porta da loja, tão exasperado quanto um furacão.
O homem com poucos fios de cabelos e roupas simples, corre aos tropeços até meu pai, o segurando pelos ombros, enquanto o encara com olhos amedrontados.
— Zac... — Mesmo que eu ainda esteja sentada, posso ver os dedos de Mony tremerem sobre os ombros de papai.
— O que foi, homem? Parece que vai tirar o pai da forca.
Tento segurar o riso, em respeito ao exaspero do nosso vizinho.
— Você não ficou sabendo? Outro corpo foi encontrado morto perto da orla, e esse também tinha a boca cheia de moedas de ouro. — Suas íris tremiam.
Mamãe se afasta dos dois e caminha com tranquilidade até à porta da cozinha.
— Já avisaram a guarda? — Sem ser rude, meu pai retira as mãos de Mony de seus ombros.
Mony acena freneticamente.
— Sim, Jose já avisou.
— Então se acalme, homem. Sente-se aqui um pouco. — Papai puxa uma das cadeiras da mesa, e Mony se senta e, em seguida, retira seu pequeno chapéu de pano sujo, o apertando entre os dedos.
— Como eu posso ficar calmo? Os piratas estavam atacando as cidades vizinhas e, de repente, mais um corpo aparece aqui. Eles estão chegando, Zac. O que será de nossos filhos? — Mony passa a mão nervosa pelo rosto, quase chorando.
Desvio minha atenção da sua cena e procuro com os olhos, o pequeno cachorrinho que deixei deitado em um canto da loja. E como sempre, lá estava Duque, sendo um preguiçoso, nem mesmo a algazarra de Mony foi capaz de acordá-lo.
Rio baixo comigo mesma.
— Aqui, tome um pouco de água, Mony. Se continuar nervoso desse jeito vai ter um ataque.
Quando volto a prestar atenção nas pessoas ao redor da mesa, vejo que minha mãe voltou da cozinha com um pequeno copo d'água nas mãos.
— Obrigado, Agness. — Eu nunca pensei na hipótese de que alguém poderia se afogar com um copo d'água, mas vendo Mony beber com tanta pressa, essa ideia não me parece tão louca agora.
Ele bate o copo de vidro contra a mesa de madeira e arrasta a cadeira para trás, se levantando.
— Eu preciso ir, tenho que avisar os outros vizinhos. — Mony coloca seu chapéu de volta. — Serena, tome cuidado.
Aceno para seu alerta e, assim, Mony deixa nossa loja de pães e rum.
— Isso é uma grande besteira. Já tem mais de um mês que o rei mandou sua guarda para esse lugar, eles estão cuidando de todos nós. — Papai nega com a cabeça.
— Isso não é desculpa para não nos cuidarmos. — Mamãe coloca as mãos na cintura, encarando papai com seriedade. — Serena, não quero você perto da orla por enquanto.
Penso em responder, mas seria apenas uma perda de tempo, por isso assinto, e depois jogo minha cabeça para trás, pensando em como os meus dias seriam chatos ser poder visitar o mar.
***
Depois de convencer mamãe de que eu não iria para a orla, ela me deixou sair um pouco, antes que o turno da noite começasse.
Duque havia acordado e resolveu caminhar comigo. Ele ainda parecia meio sonolento, então tive que andar devagar; mas, no final, tive que pegá-lo no colo, onde ele fez questão de dormir outra vez.
Acabei optando por perder algum tempo nas colinas opostas às colinas da orla, onde a única coisa que se podia ver eram mais colinas, tudo verde, sem o azul do mar. Não é uma vista desagradável, pelo contrário, era muito bonita, mas nada se comparava a imensidão do mar. Nós temos essa ligação, onde eu me sinto completamente calma e relaxada apenas por ver as pequenas ondas se quebrando na orla, enquanto o vento traz a maresia e o som do mar.
Paro debaixo de uma grande árvore, aproveitando a sombra que ela me oferecia nesse momento. A brisa era gentil, tocando com suavidade meu vestido e meus cabelos, os balançando como um só.
— Você viu isso?
Salto para o lado, deixando um pequeno grito escapar, o que acorda Duque, que fica um pouco irritado.
— Já disse para não chegar desse jeito, Adam. — Bufo, irritada, segurando Duque com uma mão, enquanto levo a outra até meu peito, tentando acalmar meu pequeno momento de susto.
— Me desculpe, Serena. Mas você viu isso? — Adam estende um cartaz de "procura-se", bem próximo ao meu rosto.
"Capitão Hanna"
Eu já havia visto isso tantas vezes que já perdeu a graça.
— Você pode, por favor, tirar isso da minha cara!? — Empurro a mão de Adam para o lado, e ele encolhe os ombros.
O garoto de cabelos escuros e sardas no rosto expira frustradamente.
— Como você pode ser tão calma? Se eu mostrar esse cartaz pra qualquer um aqui, todos vão morrer de medo.
Me sento no chão de grama e encosto as costas contra a árvore que projetava a refrescante sombra. Cruzo as pernas e deixo um espaço vago entre elas, colocando Duque nele, que não já conseguia mais dormir.
— Essa não é a primeira vez que vejo um pirata. E isso é só um cartaz. — Dou de ombros, e Adam se senta do meu lado, desajeitadamente.
Ele dobra o cartaz e o deixa sobre suas pernas esticadas, e depois apoia as mãos na grama, se inclinando em minha direção com os olhos grandes.
— Está falando daquela vez na praia, não é? Como é que você não ficou com medo? — Adam me encara sem piscar.
Rio de sua expressão. Era sempre engraçado como ele ficava interessado em histórias de piratas.
— Eu fiquei com medo, sim, já te disse isso. Eu era muito pequena, acho que por isso ele não fez nada comigo. — Respondo, enquanto começo a afagar o pelo branco de Duque que, por um momento, fecha os olhos.
— Eu acho que teria chorado se estivesse no seu lugar. — Ele nega com a cabeça, com os olhos ainda arregalados.
Rio de novo.
— E como estão as coisas? E a Maria? — Decido mudar de assunto, querendo aproveitar esse tempo com meu amigo de uma maneira menos dramática.
O cartaz sobre as pernas de Adam, voa para longe, mas ele não se importa, pois a simples menção do nome "Maria" o faz desviar o olhar e coçar a parte detrás da cabeça.
— B-Bem... — Ele gagueja e depois limpa a garganta. — Eu estava querendo falar com você sobre ela.
— Imaginei que sim. — Continuo afagando os pelos de Duque, que agora estava de olhos abertos e admirava as belas colinas a nossa frente.
Adam respira fundo, ficando com as bochechas levemente avermelhadas. Eu até poderia dizer que se tratava do sol, mas o sol já havia ido embora.
— Fala logo, Adam, antes que eu mande o Duque te morder. — Brinco, e ele faz uma careta.
— Acho que vou pedir ela em casamento. — A confissão faz suas bochechas ficarem ainda mais vermelhas, quase camuflando suas sardas.
— Finalmente. — Paro de afagar Duque e ergo as mãos para cima, encarando o céu de fim de tarde.
— Você acha que ela vai aceitar? — Ele me olha receosamente.
— É claro que vai. Eu já te disse que conversei com ela, e ela me disse que também gosta de você. — Sorrio para o meu amigo, tentando tranquilizá-lo um pouco.
— M-Mas e se ela só tiver te falando aquilo porque sabe que você é minha amiga e iria me contar depois, e não queria me magoar? — Ele fala tão rápido que quase preciso pedir para que repita tudo com calma.
— Deixa de ser besta. Ela gosta de você. E se você não pedir ela em casamento, eu peço no seu lugar.
— Você não faria isso. — Adam se inclina para trás, arregalando os olhos de novo.
— Faria sim. — Ele sabe que eu estou falando sério, por isso, engole em seco.
Adam fica alguns segundos em silêncio, antes de suspirar e assumir uma expressão mais confiante.
— Eu vou pedir ela em casamento.
— É assim que se fala. — Bato palmas, animada por ele.
— Ano que vem.
— Adam... — Suspiro, rindo derrotada. — Diga a ele o quanto ele é um frouxo, Duque. — Pego o cachorrinho no colo e estico em direção a Adam.
Como se nos entendesse, Duque late para Adam, que encolhe os ombros e abaixa o olhar, como se tivesse acabado de levar uma bronca.
— Está vendo, o Duque nunca mente. — Sento o cachorrinho nas minhas pernas, e abraço Adam de lado. — Não se preocupe tanto, quando você tiver coragem, ela vai aceitar. Só não demore muito, ou alguém vai roubá-la de você.
Adam levanta a cabeça, me encarando espantadamente.
— Vou pedi-la em casamento agora. — Ele se levanta em um pulo e, com calma, faço o mesmo.
— Não era bem isso que eu estava falando, Adam, mas... — Sou interrompida por gritos, que reconheço como sendo os de Maria.
Adam me fita desesperadamente, e eu o encaro de volta como se dissesse "calma, ela não sabe do que estávamos falando".
A garota de cabelos curtos sobe a pequena colina correndo, e quando se aproxima o suficiente, coloca as mãos nos joelhos, tentando recuperar o fôlego.
— Ma-M-Maria, eu gostaria de te perguntar uma coisa... — Mais uma vez, Adam me encara, e enquanto me abaixo para pegar Duque, faço um sinal de positivo para o meu amigo.
— Os piratas estão aqui!
— ...casar comigo?
Os dois dizem ao mesmo tempo.
Meu corpo fica tenso.
— O quê?! — Adam grita tão alto quanto Maria gritou antes.
O tronco de Maria subia e descia com rapidez. Ela passa a mão sobre a testa suada, onde alguns fios de cabelo estavam grudados.
— Os piratas! Eles acabaram de invadir e estão destruindo tudo! Eu fiquei desesperada, estava no mercado quando aconteceu! — Ela engole em seco, e agarra na barra do seu vestido florido de algodão. — Antes, encontrei Adam e ele me disse que viria te encontrar! Por isso, vim aqui avisar!
Por um segundo, era como se todo barulho ao meu redor sumisse, enquanto as batidas do meu coração, preenchiam tudo.
— Os meus pais. — Sussurro, antes de apertar Duque nos meus braços e começar a descer a pequena colina correndo.
Exasperado, Adam começa a gritar, mas não olho para trás, pois tudo que eu consigo pensar são nos meus pais e no que pode acontecer com eles.
As colinas onde estávamo ficava na direção contrária do mar, e esse foi o motivo de não vermos nada. Mas conforme começo a me aproximar das casas e do comércio, consigo escutar os gritos de desespero.
Me apresso e me escondo com Duque atrás de uma árvore, espiando com cuidado. A poucos metros, havia uma pequena feira de frutas montadas com caixotes, onde alguns piratas chutavam a madeira, derrubando laranjas para todos os lados. Eles também estavam arrombando algumas portas e invadindo casas.
De maneira nervosa, passo a língua sobre os lábios e encaro Duque, que me encara de volta sem entender. Olho para o topo da colina, vendo dois pequenos pontos descendo-a correndo, mas não espero por Adam e Maria, pois assim que percebo mais piratas invadindo algumas casas, aproveito desse momento para correr, passando por entre as frutas no chão.
Duque tentar saltar do meu colo, mas o aperto com força, caso contrário, poderíamos nos perder.
Em meio a gritaria, me escondo atrás de um barril quando dois piratas com espadas atravessam a poucos passos de mim. Tento controlar minha respiração e torço para que eles saiam logo, e quando isso acontece, me ponho a correr mais uma vez, indo em direção à loja dos meus pais.
Percebo que as luzes estavam acessas, então tenho cautela ao me aproximar, espiando por uma das janelas retangulares. Mais piratas estavam do lado de dentro, comendo todos os pães que minha mãe havia preparado para vender. Um deles, baixinho e gordo, sai da cozinha arrastando um tonel de rum.
Com Duque agitado, permaneço ali por mais algum tempo, e só quando tenho certeza de que meus pais não estão na loja, me afasto sem que me vejam.
A noite começa a dar seus primeiros sinais, e isso, de certa forma, me ajudou a me camuflar por onde eu passava. Mas meu corpo tremia toda vez que eu via algum conhecido sendo atacado por um dos piratas, tendo suas casas ou comércios invadidos. Eu queria ajudar, mas precisava encontrar os meus pais primeiro.
Atenta a tudo ao meu redor, sigo exatamente da mesma forma até que eu consiga chegar na minha casa. E a primeira coisa que vejo, é a porta da frente aberta e torta, com alguns pitos soltos, e isso é o bastante para fazer meu coração saltar dentro do peito.
Torcendo internamente para que o pior não tenha acontecido, corro até à porta arrombada e coloco Duque no chão, que vem correndo atrás de mim. O interior da casa estava escuro e tudo estava revirado, deixando que os piores cenários possíveis se formassem na minha cabeça.
Sem conseguir me controlar, começo a chamar por meus pais, enquanto passo pela sala e vou em direção ao corredor dos quartos.
— Ahoy! O que temos aqui? — Um homem alto e careca sai do meu quarto, me fazendo parar de andar. — Jason, acho que encontramos uma. E essa aqui é uma belezinha. — Ele sorri em minha direção, antes que outro homem, esse menor, também saia do meu quarto.
Dizem que os cachorros conseguem sentir nossas emoções, e acho que Duque sentiu as minhas agora, pois entra no corredor latindo para os dois homens.
— Vamos, Duque. — Rapidamente me abaixo e pego o cachorrinho, me virando e correndo por onde vim. E assim que saio do corredor, além de escutar as botas pesadas dos dois piratas atrás de mim, um terceiro surge na entrada, me obrigando a correr na direção contrária, indo para à cozinha.
Desesperada, olho em volta, pegando a primeira coisa que vejo: uma chaleira vazia sobre a pia.
Duque late ainda mais alto no meu colo, quando os três piratas me cercam na cozinha.
— É melhor vocês não se aproximarem. — Tento ameaçá-los, mas uma chaleira de metal amassado e um pequeno maltês de pouco mais de dez anos não assustam ninguém, muito menos piratas.
O pirata alto e careca anda calmamente até onde eu estou, enquanto ri. Ele ergue as mãos no ar e simula garras, gritando para Duque, que se encolhe no meu braço, com medo.
À medida que ele se aproxima, eu ando para trás, até me encontrar sem saída, pois havia o terceiro pirata desse lado. Sem saber o que fazer, acerto a chaleira na testa do pirata careca que, por um segundo fica tonto, chacoalhando a cabeça rapidamente para os lados, fazendo suas bochechas chacoalharem, enquanto ele faz um barulho com a boca.
O pirata menor ri alto, o irritando e o fazendo partir para cima de mim, me agarrando. Duque tenta mordê-lo, mas o pirata o assusta de novo. Começo a gritar e me debater, mas o terceiro pirata vem por trás e cobre minha cabeça com um saco de linho. E sou jogada no chão, mas não solto Duque, que começa a resmungar como em um choro baixo.
— Ela não solta o vira-lata. Eu vou matar.
Encolho meu corpo, tentando aprisionar Duque em um casulo para protegê-lo.
— Não temos tempo. Vim avisar que os guardas do rei estão chegando. Precisamos voltar para o navio agora, portanto, levo o maldito pulguento junto, lá nós damos um jeito nele.
Sinto meu corpo ser levantado, antes que um deles me pego no colo, me carregando. Aperto Duque, que para de choramingar e fica quieto nos meus braços.
Sinto o vente fraco da noite nos atingir quando sei que eles me levaram para fora da minha casa.
— Não! Não! Me solta! — Começo a me debater de novo, mas sou jogada sobre os ombros de alguém, fazendo Duque e eu ficarmos pendurados de cabeça para baixo.
— Não pense que só porque é uma belezinha, que não posso te comprar um belo caixão. É melhor ficar quietinha.
Meu corpo fica tenso, e minha respiração começa a ficar abafada, batendo contra o saco de linho e voltando para o meu rosto. O som da maneira como eu respirava, preenchia os meus ouvidos dentro do saco, enquanto eu tentava enxergar alguma coisa por entre os milhares de buracos costurados do saco. Eu só conseguia ver sombras e, mesmo assim, de um jeito muito ruim, mas definitivamente eu podia escutar com clareza os gritos e até mesmo tiros.
Os pelos do meu corpo se arrepiam e tudo que eu posso pensar são nos meus pais, e como eu torcia para que não seja eles na frente desses tiros disparados. O meu coração apertava, estava descontrolado. Eu precisava saber sobre os meus pais.
Por favor, que eles tenham se escondido. É tudo que eu peço.
Quem me carregava, parecia estar subindo uma inclinação, fazendo meu corpo balançar com seus passos.
Mesmo estando em uma posição ruim, tentar afagar sutilmente Duque, para tranquilizá-lo. Esse cachorrinho é tudo que eu tenho agora.
Os vestígios das sombras somem quando tudo se torna mais escuro, e logo depois quem me carrega começa a descer escadas de madeira, pois eu escutava o ranger.
Meu corpo é jogado no chão outra vez, e acabo batendo meu braço em Duque, que choraminga.
— Pega o pulguento. — Alguém diz, e Duque é puxado com força dos meus braços. Me desespero quando o cachorrinho começa a latir. — Quietinha ou ele morre. — A mesma voz sussurra perto do meu ouvido, me obrigando a obedecê-la.
O saco de linho é retirado da minha cabeça. Pisco os olhos algumas vezes, percebendo que estava em um lugar feito de madeira e completamente escuro.
— Anda, de joelhos. — A mesma voz masculina, fala.
Olho para os lados, vendo mais pessoas onde eu estava, mais reféns. Todos estavam lado a lado, de joelhos e com as mãos para trás.
Uma luz fraca vinha do alçapão que nos escondia.
Ainda sentada, alguém segura meu rosto pelo queixo e o ergue.
— Ora, ora, parece que vocês trouxeram um peixão. — A mão áspera se aperta em meu queixo, mas não consigo ver o dono dela.
Todos que estavam de pé tinham seus rostos sombreados pela falta de luz, então eu não sabia para quem estava olhando, mas conseguia reconhecer as vozes, vez ou outra quando os piratas que me sequestraram falavam.
— Uma maravilha, não é? Vejo só esses olhos, azuis como o oceano. — Reconheci a voz do pirata careca que acertei com a chaleira. Ele tenta tocar meu rosto, mas desvio. — Tome cuidado, porque esse peixe está mais para piranha. E ela morde.
— Sabe, piranha, o Capitão adora alimentar os tubarões com quem se revolta. — O pirata que segurou meu queixo, diz entre um riso alto.
Ele solta meu queixo e eu fico em silêncio.
Mais pessoas são trazidas para onde estávamos e, aos poucos, eu conseguia sentir tudo se movimentando em um balanço sutil. As batidas do meu coração ficam descompassadas quando percebo que fui trazida para um navio que estava começando a zarpar.
— Escutem bem, seus cães do mar. Vocês estão a bordo do Vingança de la Rainha Hanna, e a partir de agora precisam tomar uma decisão muito importante. — Um dos piratas começa a andar em frente a fileira de reféns.
Não querendo qualquer tipo de retaliação, fico de joelhos também, imitando a posição dos demais.
— É simples e eu só vou perguntar uma vez: ou vocês aceitam fazer parte da tripulação, ou irão para prancha, alimentar os tubarões e as piranhas. — Mesmo longe e sem conseguir enxergar seu rosto, noto sua cabeça se virando em minha direção, e sei que ele sorria.
— Você aí. — Ele para em frente ao primeiro da fila, e logo outro pirata se aproxima, dando para ele, uma longa espada. — Está com a gente? — A ponta da espada é colocada perto do pescoço do garoto encolhido, que chorava silenciosamente. — Não vou perguntar de novo.
— N-Não. — Com a voz trêmula, ele responde.
Os piratas ficam em silêncio por segundos torturantes, antes da espada ser afastada do pescoço do garoto.
— Certo. Levem-no para a prancha. — E dada essa ordem, o garoto é puxado com brutalidade, obrigando a se levantar e subir a curta escada de madeira do alçapão.
Todos ficam em silêncio, sem saber o destino do garoto.
— Como viram, o companheiro de vocês fez uma infeliz escolha, e agora ele vai alimentar alguns peixinhos. — Os piratas riem. — Não estamos brincando, as coisas aqui são sérias. E estamos dando-lhes a chance de uma nova vida, uma no mar.
Engulo em seco e passo a língua entre os lábios, tentando me manter quieta entre as pessoas que choravam e tremiam.
O pirata vai para o segundo da fileira e faz a mesma pergunta e, dessa vez esse aceita, sendo "saudado" com a resposta de que fez uma boa escolha. Os piratas se preparam para o próximo, o terceiro, e percebo o quanto este está nervoso; ele tenta não encarar a cena que acontecia do seu lado, por isso, acaba colocando sua atenção nos demais reféns, fazendo seu olhar encontrar o meu. Pela má iluminação, vejo suas sobrancelhas se movimentarem lentamente e seus olhos se arregalarem de surpresa ao me ver.
— Ei, é sua vez. — Um dos piratas o cutuca com a ponta da bota, o fazendo quebrar nosso contato visual. — Está com a gente ou não?
A boca dele se abre, mas não diz nada. Eu o conhecia de vista, da nossa cidade, sabia que ele estava completamente apavorado agora, mas precisava responder que sim, ou acabaria como o primeiro da fila.
Seus olhos castanhos me procuram e, sutilmente, aceno com a cabeça para que ele aceite.
— Anda, não temos a noite toda. — O pirata o cutuca com mais força, agora, encostando sua espada no peito dele.
— S-Sim. — Ele responde, e meu corpo "relaxa" por um momento.
Os piratas seguem fazendo a mesma pergunta, e quase todos dizem sim, exceto por um senhor que acabou surtando por conta de toda essa situação, e foi levado para cima como o primeiro da fila.
— Sua vez, piranha. Mas já aviso que seria um desperdício ver esse rostinho lindo ser desfigurado pelos tubarões. — A ponta da espada gelada toca a parte inferior do meu queixo, o erguendo para cima lentamente. — Então, o que vai ser? Vai se juntar ao Vingança de la Rainha Hanna?
A sombra dos três piratas permanecem na minha frente.
— Sim. — E aqui estava a minha condenação, assinada e selada dentro desse navio pirata.
Após separarem as maças podres da cesta, como disseram, os três piratas nos fizeram ficar de pé em uma fila. Depois nos fizeram caminhar na direção contrária do alçapão. E assim, fomos guiados para outra direção do navio - que balançava de forma lenta -, entrando em um ambiente ainda mais escuros, dando em uma bifurcação, onde havia um homem e uma mulher, ambos um de cada lado.
— As mulheres, venham comigo! — A mulher, que mais se assemelhava a uma garota, por ser bem jovem, grita, antes de se virar e entrar na bifurcação da esquerda. E após fazermos uma pequena virada, entramos em um longo corredor de portas. — A partir de hoje, vocês viverão aqui. E vão dividir os quartos com outras tripulantes. — Ela se vira de novo para começar a abrir as portas, mas para e nos olha. — Quase me esqueci: sejam bem-vindas ao Vingança. — Ela sorri, como se nos desse a melhor notícia.
Por ordem da fila que formamos, a garota de cabelos loiros-escuros e botas marrons começa a nos distribuir em quartos, dando instruções. E enquanto via a fila diminuir, começo a pensar no Duque, o que faz meu coração doer igualmente ao pensar em meus pais.
Que eles estejam bem, por favor.
— Esse é o seu quarto. — A garota de cabelos loiros-escuros diz, me encarando enquanto abre a penúltima porta do lado direito.
Em poucos segundos, a imagem de um pequeno quarto se materializa: havia uma cama de solteiro e um beliche, com uma janela pequena e redonda entre eles, uma pequena cômoda com cinco gavetas largas e um pequeno guarda-roupas, e isso era tudo.
— Dana, Jack, cuidem da novata aqui. Ela é a nova colega de quarto de vocês. — A garota loira diz, apontando em minha direção com a cabeça.
A mulher de cabelos curtos e vermelhos sentada sobre a cama de solteiro, se levanta, e a garota escondida no beliche debaixo, coloca sua cabeça para fora da sombra.
— Pode entrar. — A pirata fala, e eu respiro fundo.
Em silêncio, entro no quarto com quatro passos e escuto a porta ser fechada atrás de mim.
— Oi. Sou Dana, você é? — A mulher de olhos verdes, se aproxima de mim, sorrindo simpática.
— Serena.
Ela abre bem os olhos, levantando as sobrancelhas.
— Você não parece muito animada.
— E quem é que fica animada depois de ser forçada a fazer parte de uma tripulação pirata? — A garota de cabelos pretos e olhos castanhos sai do beliche e também se aproxima. — Eu sou Jack.
Assinto, em silêncio.
As duas se entreolham.
— Você pode ficar com o beliche de cima. — Jack aponta para trás. — Tem bastante espaço no guarda-roupas, e também deve ter uma gaveta sobrando na cômoda. Pode ficar à vontade.
— Obrigada.
Dana suspira.
— Vamos, não fique assim. Não é tão ruim quanto parece.
— Eu não sei se os meus pais estão vivos, e eles levaram o meu cachorrinho. — Pisco os olhos algumas vezes quando eles fazem menção de marejarem.
— É ruim, sim. — Jack suspira, me fitando com pesar. — Eu sinto muito. Nós também passamos por isso.
— Você trouxe um cachorro? — Dana pergunta, e eu assinto.
— Eles costumam dar ou vender os animais trazidos para o navio. Sinto muito. — Jack segura as próprias mãos na frente do corpo, compadecida com a minha dor.
— Se isso colocar um sorriso no seu rostinho, nós te ajudamos a recuperar o seu cachorro. Mas ele precisa ser pequeno. — Dana diz, e meus olhos se arregalam minimamente.
— Isso é sério? Ele é pequeno sim. Um maltês bem pequeninho. — Com dois passos, me aproximo de Dana, que ri.
— O quê? Do que você está falando, Dana? Nós não podemos trazer um animal para o quarto. Se eles descobrirem, estamos ferradas. — Jack fala apressada.
— O Duque é quietinho, eu prometo. Estou dando a minha palavra. Ele é um cachorrinho que não faz bagunça e nem barulho.
— Olha para ela, Jack. Como você pode dizer não para esses olhinhos azuis? Ela parece um peixinho. — Dana segura minhas mãos. — Chegou aqui completamente triste, e só de mencionarmos seu cachorrinho, já virou outra pessoa. Precisamos ajudá-la.
— Nós acabamos de a conhecer. Não podemos nos meter em confusão por ela. — Jack nos fita de uma para a outra.
— E isso importa? Ela é como nós agora. E sabemos muito bem como os primeiros dias são difíceis. Também perdemos nossas famílias, mas ela tem, ao menos, um animalzinho para ajudá-la a passar por esse momento. Falo isso porque meu neto tinha uma gata que tratava melhor que seus pais, era um membro da família. — Dana aperta minhas mãos, mas sem desviar seu olhar de Jack, que fica em silêncio, pensando.
A garota de cabelos pretos até os ombros, solta um longo suspiro.
— Se nos pegarem, você vai ter que assumir a responsabilidade.
Sinto uma pontada de esperança dentro de mim.
— Não se preocupe. Eu sei muito bem como lidar com esses piratas. Estou aqui por quatro anos. — Dana sorri confiante. — E quanto aos seus pais, pense positivo.
Pela primeira vez, sorrio para a mulher de cabelos vermelhos, me sentindo um pouco melhor dentro desse navio pirata.
Capítulo 2
Quase não dormi durante a noite. Dana e Jack ficaram grande parte da madrugada acordadas comigo, me contando como acabaram prisioneiras. Assim, descobri que a história de Jack é um pouco similar à minha: os piratas invadiram sua cidade e a levaram, deixando seu irmão mais novo e pais para trás. A garota de cabelos pretos está a três meses presa nesse navio, e apesar de não gostar, ela diz que se sente aliviada por ter sido a única de sua família a passar por isso. Jack também disse que, com frequência, consegue enviar para sua família algumas moedas de ouro que ela recebe por seus serviços aqui no navio; e que isso é a única boa de toda essa grande bagunça, pois, segundo ela, sua família não tinha uma condição financeira muito boa, e agora com todas essas moedas de outro, ela sabia que estava os ajudando muito.
Já Dana - a adorável -, como falou noite passada, está presa nesse navio por quatro anos. A mulher de cabelos curtos e vermelhos revelou sentir muito a falta de seus filhos e, principalmente, do neto. Entretanto, de alguma forma, percebi durante a nossa conversa que Dana não odeia os piratas ou qualquer coisa do tipo, ela, na verdade, parece se dar muito bem com eles, pelo que diz. Ela também confessou que estando há tantos anos cativa, teve tempo o suficiente para entender os piratas, passando, assim, a desenvolver uma espécie de afeto por eles.
Acabei sendo a última a dizer alguma coisa, sendo breve. As duas me escutaram sem intromissões, e tentaram me consolar todas às vezes em que fiquei triste ao pensar que daqui a alguns meses, talvez seja eu a consolar outra prisioneira, enquanto me conformo com o meu novo destino nos mares. E para me animar, Dana acabou me dando um apelido: peixinho, pois, segundo ela, os meus olhos azuis lembravam a imensidão azul dos oceanos.
Após muita conversa, nós finalmente fomos dormir um pouco, e depois fomos acordadas pela mesma garota de cabelos loiros-escuros que me trouxe para o quarto ontem. Dana e Jack me disseram que ela se chama Inez, uma fiel pirata do Capitão Hanna. As duas disseram que eu não deveria me preocupar com Inez, pois, ela era legal, contanto que eu seguisse as regras do navio.
Inez nos levou até um banheiro comunitário só para mulheres, que era nada além de grandes tonéis de água, algumas barras duras de sabão, pequenas folhas de hortelã e alguns barris que usaríamos para fazer nossas necessidades, e que quando ancorássemos em terra, esses barris seriam esvaziados para novo uso. Depois de voltarmos para nosso quarto, Inez pediu que nos preparássemos para uma manhã limpando a cozinha do navio. Dana aproveitou desse nosso tempo para repassar um rápido plano sobre como resgataríamos Duque: segundo ela, geralmente um tal de Namjoon supervisionava a limpeza da cozinha, pois ela era feita por pequenos grupos, que nos caso, dessa vez seríamos só nós três. Dana disse que uma de nós precisaria distrair o pirata, enquanto as outras se encarregam de roubar o molho de chaves que o pirata sempre carregava preso no seu cinto. Parece que esse tal de Namjoon era o guia do capitão, o homem encarregado da bússola e mapas, então era alguém de confiança e, por isso, tinha acesso ao molho de chaves que abria todas as portas e celas do navio.
Dana se voluntariou para ir até às celas onde mantinham presos os animais. E depois de fazer uma breve descrição de como era Duque, pedi para ir com a Dana, alegando que Duque poderia estranhá-la caso ela fosse sozinha, e isso estragaria nosso plano. Jack estaria responsável por vigiar e nos alertar para que não fossemos descobertas.
Pacientemente e sentadas na parte debaixo do boliche, esperamos até que Inez voltasse para nos buscar. Nós saímos do corredor de quarto das mulheres e voltamos parar o mesmo lugar onde, noite passada, nos ameaçaram lançar aos tubarões caso não entrássemos para a tripulação. Hoje, por estar de dia, eu conseguia enxergar com mais clareza alguns detalhes do navio, vendo pequenas janelas redondas em algumas partes, algumas redes penduradas e coisas escondidas por grandes panos.
Perto da primeira entrada, a dos quartos, havia uma segunda entrada que dava para mais uma bifurcação, onde o lado esquerdo nos levou para uma cozinha completamente improvisada com caixotes, um fogão mais velho que Dana, utensílios de cozinha e uma mesa retangular cortada de qualquer jeito.
— São todas suas. — Inez diz para o homem alto parado na entrada da cozinha.
Sua pele era levemente bronzeada, provavelmente efeito das suas viagens debaixo do sol forte. Ele não parecia velho, na verdade, diria que tinha apenas poucos anos a mais do que eu e Jack. Ele vestia um grande casaco escuro, botas, um cinto de couro ao redor de suas calças e um pano amarrado na sua cabeça.
— Certo. — Ele diz para Inez e acena com a cabeça, antes dela se virar e sair.
— Bom dia, Namjoon. — Dana o cumprimenta assim que passa do seu lado.
— Bom dia, Dana. — Ele acena com a cabeça para ela também.
— Namjoon. — A próxima é Jack.
— Jack. — O pirata a acompanha com os olhos entrando na cozinha, antes de me encarar.
Suas sobrancelhas se arqueiam levemente e ele me encara com uma expressão surpresa, ao mesmo tempo que mede todo o meu corpo coberto pelas roupas que recebi de Inez essa manhã.
— Deve ser a novata. — Ele sorri sem-vergonha. — Você foi o assunto favorito dos piratas ontem de noite. Mas já falaram para tomar cuidado, parece que você morde como as piranhas. — Namjoon coloca sua mão esquerda sobre o cinto de couro, perto de um pequeno molho de chaves que faz barulho. — Vocês acreditam que ela acertou uma chaleira bem no meio da fuça do Stu? — Ele se vira parcialmente, fitando sobre seus ombros Dana e Jack.
— Uma chaleira? Deveria ter usado algo mais pesado. — Dana se abaixa perto de alguns caixotes empilhados, onde havia baldes, panos, esfregões e pedras de sabão. — Aquele maldito velho pervertido mexendo com uma garotinha.
— Ao menos já sabemos que a Serena sabe se defender muito bem. Eu pagaria dez moedas de ouro pra ver você acertando uma chaleira na fuça dele. — Segurando um pano rasgado, Jack simula uma batida no ar.
— Vou me certificar de te deixar longe das chaleiras. — Enquanto ri, Namjoon mexe seus dedos sobre o cinto, fazendo o molho de chaves penduradas em uma argola, balançar.
Sem saber direito o que deveria responder, assinto para Namjoon, antes de me juntar com minhas duas novas companheiras.
— Vamos limpar primeiro e depois pegamos seu cachorrinho. Assim, não levantamos suspeitas. — Dana sussurra para mim, e eu assinto para ela.
***
Esfregamos cada pedaço do chão da cozinha, lavamos todos os utensílios e organizamos as comidas de todos os caixotes, e confesso que nunca vi tanta farinha, manteiga, carne, peixe, sal, azeite, sebo e vinagre estocados em um lugar só. Não sou uma pirata e muito menos uma navegadora experiente, mas acho que tanta comida assim logo estragará em alto-mar, nessas condições abafadas e úmidas, fora a falta de luminosidade nesse lugar, tendo apenas uma pequena janela redonda do tamanho de um rosto. Dana me contou que as bebidas que não são água, como vinho e rum, ficam guardadas em outro lugar, e só o Capitão e seus homens de confiança têm acesso.
Escoro meu braço dobrado no topo de um dos esfregões, e solto o ar de uma vez pela boca, fazendo um barulho alto. Essa limpeza toda me cansou, e eu ainda nem tomei o meu café.
Discretamente, Jack me cutuca. Dana olha significativamente para nós duas, falando sem voz "se preparem". Quase que imperceptivelmente, assinto para ela e Jack faz o mesmo.
— Hã... hum... Namjoon, não é? — Entrego o esfregão para Dana, antes de começar a caminhar para perto do pirata que estava de costas para nós e de frente para a entrada/saída da cozinha.
Ele me olha sobre os ombros.
— Algum problema, piranha?
— Não me chame assim. — Falo séria.
— Tá bom. Não precisa ficar nervosa. Eu não quero levar uma chaleira nas fuças também. — Ele ergue suas mãos sujas, em sinal de rendimento.
Respiro fundo, e coloco as mãos na cintura.
— Você pode nos trazer mais um balde com água?
— Vocês não terminaram ainda? Dana, usaram toda a água? — Namjoon olha por cima da minha cabeça.
— Desculpe, mas a água já era, está cheia de sabão, e nós precisamos de água limpa.
— Ora, estão gastando água à toa. Nós não vamos ancorar tão cedo. A água boa do navio precisa durar. — Namjoon solta o ar pelo nariz, de forma frustrada.
Retiro minhas mãos da cintura e as levo para frente do rosto, juntando-as como se fosse rezar.
— Por favor, nos traga a água limpa. Eu sei que você pode fazer isso. — Me coloco na ponta dos pés e me esforço na minha melhor feição amável, uma que aprendi com Duque toda vez que eu o negava mais comida.
Namjoon me encara por alguns segundos, antes de suspirar alto.
— Certo. Certo. Eu não iria conseguir dizer não pra uma belezinha como você, mesmo. — Pela segunda vez, ele me lança um sorriso sem-vergonha.
— Ah, sério? Muito obrigada. — Com falsa animação, o abraço, escutando as chaves penduradas em seu cinto, balançarem de novo e de novo.
— Ei, é melhor você se afastar, Serena. Ou eu não responderei por minhas ações. — Sua voz era apavorada, e isso realmente me faz rir.
Ele cheirava a bebida destilada.
— Me desculpe. — Solto Namjoon e me afasto, encolhendo os ombros com falsa timidez.
Ele segura na ponta do pano amarrado em sua cabeça, e acena com ela, antes de se virar e sair da cozinha.
— Isso é sempre tão fácil. — Coloco a cabeça para fora da cozinha para me certificar de que Namjoon estava longe o bastante para não me ouvir.
— Piratas ou não, os homens são todos iguais. — Dana comenta, e Jack, ao seu lado, assente.
— Tudo que você precisa é de um rosto bonito como o de Serena, ou um belo par de peitos, ou pernas. — Jack debocha e nós três rimos.
— Você também tem um belo rosto. — Dana bagunça os cabelos de Jack, que faz uma careta.
— Mas eu não me pareço com um peixinho como Serena. — Mais uma vez, nós rimos.
— Certo. Fiquem atentas agora, ele vai voltar a qualquer momento. Já sabemos o que fazer, certo? — Dana nos encara, e assentimos.
Conversando sobre qualquer assunto para não levantar suspeitas, esperamos até que Namjoon voltasse, o que não demorou. Logo o pirata surgiu na entrada da cozinha, carregando um grande balde nos braços, junto ao seu tronco.
— Pode deixar que eu te ajudo. — Jack vai até Namjoon.
— Não. Tudo bem, eu posso... — Namjoon nem tem tempo de terminar sua fala, pois Jack escorrega no chão que ainda secava, fingindo uma falsa queda, enquanto se apoia no cinto do pirata para não cair. Segurando o balde com apenas um braço, Namjoon agarra o braço direito de Jack, a puxando para cima e fazendo com que alguma quantidade de água saia do balde e o molhe parcialmente.
— Você está bem, Jack? — Namjoon coloca o balde com água no chão, e encara Jack com preocupação.
— Sim. Acho que essa porcaria de chão ainda não secou. — Jack bufa, enquanto esconde a mão esquerda atrás do próprio corpo. — Me desculpe por ter te molhado. Foi culpa minha.
— Tudo bem. — Namjoon suspira, sorrindo em seguida. — Vou tirar esse casaco, vocês podem ficar sozinhas por um tempo?
— Claro. Vai lá, garoto. Eu cuidarei dessas duas pestinhas aqui. — Dana sorri para o pirata, que acena com a cabeça e sai da cozinha de novo.
Esperamos alguns segundos, em silêncio, e quando tudo parece seguro, Jack mostra sua mão esquerda que estava escondida atrás do corpo.
— Menos uma moeda de ouro para os piratas malvados. — Jack balança o molho de chaves no ar, enquanto sorri vitoriosa.
Meu interior vibra, e meu coração se agita ao pensar que vou ter Duque de volta.
— Certo. Agora fique aqui e distraia o Namjoon quando ele voltar. Logo ele perceberá que suas chaves sumiram. — Dana pega o molho de chaves das mãos de Jack. — Diga a ele que fui levar Serena no banheiro, porque ela ainda não sabe encontrá-lo sozinha.
— Ok. Boa sorte. — Jack segura minhas mãos por um segundo e acena com a cabeça.
— Obrigada. — Sorrio fechado para ela, e me junto a Dana, que já estava na saída da cozinha.
Dana sempre toma a frente, espiando por todo corredor que passássemos. Depois ela faz o mesmo quando saímos de um deles e entramos no mesmo espaço com janelas, de antes. Atentas e escutando os passos que vinham da parte de cima do navio, nós duas passamos por entre algumas redes penduradas e coisas tampadas por panos, até que encontrássemos um alçapão igual ao que levava para o andar superior. Por cima do ranger das escadas do alçapão, demos em uma parte escura e sem janelas, e se não fossem por algumas lamparinas sobre alguns amontoados de caixotes e gaiolas, e tochas nas paredes, não seria possível enxergar quase nada.
— Aqui ficam os prisioneiros e os animais. — Dana pega uma das lamparinas e anda na minha frente. — Tente não fazer barulho, os prisioneiros ainda devem estar dormindo e não queremos acordá-los.
Assinto para Dana, andando atrás e bem próxima a ela.
Na ponta dos pés, passamos por um corredor de celas velhas com, no máximo, uma pequena janela redonda na parte de dentro. Não havia cama ou qualquer coisa do tipo, os prisioneiros, mulheres e homens, dormiam sobre um pouco de feno amassado e escasso. Eu até podia sentir o desconforto deles. Isso era realmente maldoso.
Quando estávamos prestes a passar em frente a última cela, um dos prisioneiros adormecidos se mexe, nos fazendo parar no lugar. Engulo em seco e meus olhos se abrem bem. Uma sensação gelada atinge a boca do meu estômago quando o prisioneiro se vira para o outro lado, voltando a dormir. Automaticamente, meus ombros caem, ficando menos tensos. Solto o ar pela boca sem fazer barulho, e Dana faz um gesto para que continuemos andando.
Após passarmos as celas, demos de frente com uma grande jaula onde ficavam os cachorros e gatos, todos juntos; e outras pequenas, abrigando pássaros. Grande parte dos animais também dormiam, acho que o balanço do navio deve os acalmar um pouco. Um dos pássaros ameaça se exaltar, mas Dana pega um dos muitos panos velhos e sujos espalhados pelo chão, e cobre a gaiola onde ele estava preso.
— Seja rápida. — Dana sussurra, e eu assinto.
Me aproximo da grande jaula e me abaixo nos joelhos, observando cada um dos animaizinhos, do quais queria libertar, mas, infelizmente, não podia.
Mesmo que Dana tentasse me ajudar ao iluminar a jaula com a lamparina, ainda era bem escuro aqui, e como todos os animaizinhos estavam aglomerados, foi um pouco difícil encontrar Duque. Mas meu coração o conhecia bem, isso era um fato, e quando o sinto saltar em meu peito, eu sabia que havia visto a pequena bolinha branca de pelos que eu tanto amava.
Os meus olhos marejam só de vê-lo, mas engulo qualquer vontade de chorar.
Respiro fundo.
— Duque. — O chamo de forma baixa, mas ele permanece deitado ao lado de um gato listrado. — Duque, você precisa acordar agora. — Ele nem se mexe.
O meu coração salta mais uma vez.
— Vamos lá, seu pequeno preguiçoso. — Seguro nas barras da jaula, pisco os olhos repetidas vezes, enquanto eles ardem. — Por favor, Duque, acorda.
Seu pequeno focinho se mexe e, de forma lenta, ele abre seus olhos pretos.
— Isso. Duque, aqui. Olhe pra mim, Duque. — O chamo um pouco mais alto, e ele não demora ao reconhecer minha voz.
Ele late uma vez.
— Calado, sua bola de pelos. Não faça barulho. — Obedecendo minhas ordens, Duque não late mais. Ele corre para perto das barras da jaula, e Dana se apressa ao abri-la, tentando ao menos umas quatro chaves antes de acertar. Espio sobre os ombros, me certificando de que todos os prisioneiros continuam dormindo.
Dana abre uma pequena brecha na jaula, o suficiente para Duque passar. Da maneira como fizemos, não acordamos os animais com o barulho da jaula, e muito menos os deixamos escapar, esse era o plano.
Quando sai da jaula, Duque pula em meu colo. O abraço com força, enquanto ele lambe meu rosto.
— Foi só por uma noite, mas eu quase morri de saudades. — Encaro meu melhor amigo da vida, sentindo meu coração quente por tê-lo comigo de novo.
Dana tranca a jaula, e pega um dos panos sujos do chão e joga para mim.
— Cubra ele com isso. Vamos dar o fora antes que nos peguem.
— Continue quietinho, Duque. — Falo para o meu cachorro, antes de cobri-lo com o pano sujo, embolando-o em um pequeno casulo.
Do mesmo jeito que entramos, Dana e eu saímos. Passamos por todos os prisioneiros, e Dana deixou a lamparina no mesmo lugar que pegou. Depois subimos pelo alçapão, e Dana colocou sua cabeça para fora, e quando viu que estava tudo certo, voltamos para o segundo andar do navio. Nos apressamos para a primeira entrada.
— Me dê o cachorrinho, vou levá-lo para o quarto e escondê-lo. Diga a Namjoon que voltei para o quarto porque meus joelhos estavam doendo por conta da faxina. — Assinto, entregando Duque para Dana.
Tiro o pano sujo de cima do Duque.
— Não se preocupe, ela vai cuidar bem de você. Espere só mais um pouquinho por mim, Duque. — Beijo o topo de sua cabeça peluda e o tapo com o pano de novo.
Dana me estende o molho de chaves.
— Deixe isso no chão para que Namjoon o encontre e pense que perdeu quando Jack caiu em cima dele. — Pego o molho de chaves da sua mão, e guardo no bolso das minhas calças de pano.
— Obrigada, Dana.
— Deu tudo certo. — Ela sorri. — Agora vá de uma vez.
Suas palavras são ordens. Me viro e saio da primeira entrada, indo para a segunda. Entro na bifurcação da esquerda que me levaria para a cozinha, mas quando estou no meio do caminho, escuto uma voz masculina desconhecida, seguido por passos pesados.
— Droga! Droga! Droga! — Resmungo baixo, e me viro, correndo por onde vim. Paro no centro da bifurcação da segunda entrada, e olho para todos os lados, sem saber o que fazer, mas quando os passos ficam mais altos e próximos, sou obrigada a correr para o lado direito da bifurcação.
Eu estou ferrada. Eu realmente estou ferrada. Aqui é escuro para um inferno. Eu não consigo enxergar nada. Não tem lamparinas e muito menos tochas.
Estendo as mãos e começo a abanar elas até sentir uma parede, e apoiada a ela, começo a andar para frente e de lado, como um caranguejo, com os olhos bem abertos na esperança de enxergar algo, o que parecia impossível.
Escuto os passos voltarem a ficar altos, e isso me faz pensar que quem quer que seja, também entrou onde eu estou.
Eu estou ferrada. Eles vão me jogar para os tubarões.
As batidas nervosas do meu coração, pareciam que ecoavam por todo o corredor escuro, tamanho era o meu nervosismo.
Continuo andando de lado, tateando a parede. Sinto a lateral da minha canela topar com alguma coisa.
Essa porcaria doeu.
Como se pudesse enxergar na falta de luz, encaro o corredor escuro, não vendo nada, apenas escutando os passos.
Passo as mãos sobre o que bateu contra minha canela e sinto degraus, dos quais, não penso duas vezes ao subir, usando pés e mãos para isso. Minha cabeça encosta no teto. Toco minha mão nele, e percebo ser mais um alçapão. O forço para cima e, para minha sorte, ele estava aberto. Subo para o primeiro andar do navio e trato de fechar o alçapão antes que o dono dos passos me encontre. Olho em volto e percebo estar em um corredor pequeno, com apenas duas opções de portas. E desesperada para me esconder, tento abrir a porta com maçaneta dourada. Assim como o alçapão, essa porta também estava aberta. O lado de dentro também era escuro, e eu só conseguia enxergar a silhueta das coisas, e foi dessa maneira que optei por me esconder dentro de um pequeno armário, ao invés da mesa. Puxo a porta dupla, que range, depois me enfio dentro do armário. Meu corpo esbarra em algumas coisas penduradas, que sinto balançarem. Tateio o que fez um baixo barulho metálico, e sinto uma fisgada na palma da minha mão.
— Uma espada? — Sussurro baixo, espantada. — Onde você foi se enfiar, Serena? — Suspiro baixo, e fecho minha mão que ardia, a sentindo sangrar.
O meu coração se agita mais uma vez quando escuto a porta da sala se abrir. Os mesmos passos pesados ecoam por perto, e prende até mesmo minha respiração para não ser descoberta.
O dono ou dona dos passos, anda para lá e para cá, parecendo mexer e algumas coisas.
— Inferno! Devo ter deixado essa porcaria em outro lugar. — Uma voz masculina, grave e imponente, resmunga do outro lado do armário, seguido por mais passos e o barulho da porta batendo.
Acho que foi embora.
Permaneço por mais alguns segundos em meu esconderijo, para ter certeza que estava sozinha de novo. E quando as batidas do meu coração se acalmam, cuidadosamente começo a abrir a porta dupla do armário. Coloco meus pés para fora, e uso minha mão não machucada para fechar um lado da porta dupla. Meu corpo inteiro paralisa quando o outro lado da porta fecha sozinho, ou melhor, é fechado com força.
— Parece que eu encontrei um pequeno rato no meu navio. — A mesma voz de antes, diz.
Lentamente, viro minha cabeça para o lado, enxergando uma grande silhueta masculina escorada perto do armário onde eu me escondi.
Me levanto em um pulo, e a silhueta se desencosta da parede, abrindo de novo o armário e puxando uma das espadas guardadas lá dentro.
Aflita, corro para perto da mesa, ficando atrás de uma das pontas, de modo que essa mesa ficasse entre mim e a silhueta que empunhava uma espada.
— Quem é você? — A silhueta bate de novo a porta do armário, e se aproxima da outra extremidade da mesa.
— Eu?... Eu me juntei a tripulação ontem. Você deve ser o Capitão, não é? — De maneira nervosa, seguro nas bordas da mesa, apertando-as, fazendo o corte na palma da minha mão pulsar.
— É, você está certa. E estará mais certa ainda quando eu alimentar os tubarões com o seu corpo morto. — Suas palavras fazem um arrepio ruim subir pela minha espinha.
A silhueta do Capitão contorna a mesa, me fazendo correr para direção aposta.
— Você não pode me matar. Eu sou parte da tripulação agora. Isso não é errado? — Quase solto um grito quando ele avança para o lado, me fazendo correr.
— Eu posso fazer o que eu quiser com a minha tripulação. — A silhueta do Capitão empurra a mesa, a jogando no chão, e isso é o bastante para que ele consiga me prender perto da parede, colocando sua espada no meu pescoço.
— Espera! Não me mate! Não faça isso!
— Me dê um bom motivo pra isso. — Ele rosna, empurrando um pouco a lâmina de sua espada contra minha pele, não ao ponto de cortar, mas não era lá a melhor sensação do mundo ter uma espada no pescoço.
— P-Porque... porque... porque se você fizer isso, nunca vai encontrar Atlantis. — Completamente tomada pelo desespero, falo sem nem pensar direito.
Com ele perto o suficiente para que eu sinta sua respiração quente, consigo vislumbrar apenas seus olhos escuros e alguns contornos do seu rosto.
— O que você sabe sobre Atlantis? — Sua voz ainda era cheia de irritação.
— Eu sei que você tem três partes do mapa, e que outro pirata possui mais duas. Esse tipo de notícia corre como o vento. — Engulo em seco, relembrando de todas as coisas que Adam me contava. Ele era um grande entusiasta das histórias dos piratas, por isso, sempre acabava me forçando a ouvir tudo que escutava ou descobria. — Se não me matar, eu te ajudo a encontrar as últimas duas partes do mapa.
O contorno de seus olhos, se estreitam, e a espada se afrouxa em meu pescoço.
— Você sabe onde estão? — Sua respiração quente bate outra vez contra o meu rosto, me deixando mais tensa a cada segundo.
— Sim. — Eu não faço a menor ideia de onde estão as outras partes dessa porcaria de mapa. Mas era mentir ou morrer.
Em um movimento rápido, ele afasta sua espada do meu pescoço, e eu respiro aliviada.
— É bom que você saiba mesmo onde estão, ou eu juro que arranco suas tripas com minhas próprias mãos e depois dou para os peixes. — Ele bufa alto.
— Você tem a minha palavra. — Com isso, eu acabo de afundar o meu próprio barco.
— Qual o seu nome? — Ele se afasta, jogando sua espada no chão.
— Serena.
Ele fica em silêncio por alguns segundos.
— Fora da minha sala agora, Serena. — Não penso muito ao correr em direção à porta, deixando aquela sala escuro o mais rápido que posso. E sem nem olhar para trás, abro o alçapão e desço por ele, voltando para a cozinha.
Agora eu não tinha escolha, eu precisava fugir desse navio o mais rápido possível.
Capítulo 3
Esta é minha segunda manhã presa no navio pirata. Assim que fugi da sala do Capitão, escondi todo o meu nervosismo e fiz como Dana me instruiu. Namjoon encontrou seu molho de chaves e não suspeitou de nada. Acabei tendo que inventar uma desculpa qualquer para o corte em minha mão, mas Jack estava atenta e permaneceu me encarando com desconfiança. Quando nossa tarefa acabou e voltamos para o quarto, contei para ela e Dana sobre o que aconteceu. Jack se desesperou tanto por mim que tive que acalmá-la. Dana, que havia ajeitado uma cama improvisada para Duque na última gaveta da cômoda, suspirou com pesar quando contei sobre o que pretendia fazer. O meu plano era enrolar o Capitão até que ancorássemos, e quando isso acontecesse, eu iria fugir com Duque e me esconder.
Ontem, após os nervos se acalmarem em nosso quarto, nós três fomos tomar café. E assim seguiu o dia. Ficamos grande parte dele trancadas no quarto, apesar de Dana explicar que não somos prisioneiras no navio, e sim parte da tripulação, e que por isso tínhamos acesso livre por todo o navio, exceto a cabine do Capitão, a ala dos prisioneiros e o lugar onde o vinho e o rum eram estocados. De qualquer forma, não tive vontade alguma de conhecer o navio, pois estava preocupada demais pensando em como enrolaria o Capitão com essa história de Atlantis.
As horas pareciam que não passavam nesse navio. Não tinha absolutamente nada para fazer, fora limpar e comer. Durante as refeições foram os únicos momentos em que me reuni com os demais membros da tripulação, reconhecendo um rosto ou outro que também havia sido sequestrado de Marlli, minha cidade. O Capitão, Namjoon ou Inez, não se juntaram a nós para as refeições, e Dana explicou que eles comiam em outro lugar. Até mesmo dentro de um navio pirata haviam leis e hierarquias, que separavam o Capitão e seus homens do resto da tripulação.
Agora, aqui estava eu, sentada no beliche debaixo, do lado de Jack, enquanto encarávamos Duque que dormia em meio a um amontoado de lençóis que serviam como uma cama improvisada.
— Onde eles conseguem essas roupas horríveis? — Pergunto para Jack, sem tirar os olhos da pequena bolinha de pelos que respirava de forma lenta, fazendo seu pequeno corpo se movimentar para cima e para baixo.
— Eles roubam, provavelmente. — É claro que eles faziam isso.
Lembro-me de ter que trocar de roupa quando cheguei nesse quarto, guardando as roupas que usava no meu espaço do guarda-roupas.
Escuto algumas vozes vindas do outro lado do quarto e, involuntariamente, olho para a porta fechada. Dana que estava com um pé apoiando em sua cama, ajeitando a meia, me encara alarmante. Rapidamente, mas cuidadosa, empurro a gaveta onde Duque dormia, para dentro. Ele não parece ter acordado, e isso era bom. Volto a me sentar do lado de Jack, que me fita atenta.
Em instantes, a porta do nosso quarto é aberta por Inez.
— Você do cabelo de sereia, seu nome é Serena, não é? — A pirata de chapéu, me encara.
— Sim.
— O Capitão quer te ver.
Meu corpo fica tenso sobre a cama. Fecho as mãos em nervosismo, sentindo o pedaço de pano que amarrei em torno do meu machucado.
Dana termina de ajeitar a meia e se vira para Inez.
— O que ele quer com ela?
— Não sei. Só estou seguindo ordens. — Inez faz um gesto de cabeça para que eu a siga.
Enquanto me levanto da cama, Jack segura minha mão, fitando-me com preocupação. Sorrio minimamente para ela, tentando acalmá-la.
Solto o ar de forma pesada pelo nariz, e caminho até à porta, saindo com Inez.
— Você fez alguma coisa, novata? — Inez me encara de rabo de olho.
— Não. — Nego com a cabeça, sorrindo para ela.
Em silêncio, saímos do corredor dos quartos e fomos para a segunda entrada, na bifurcação da direita, o mesmo lugar onde passei para me esconder ontem. Com uma lamparina que pegou nos espaços das janelas e redes, Inez iluminou todo nosso caminho. Subimos pelo pequeno alçapão e acabamos no corredor com duas portas.
Inez vai até à porta que ficava do lado da sala do Capitão, e dá leves batidas na madeira marrom.
— Capitão Hanna, ela está aqui. — Inez avisa, com a boca perto da porta.
Antes mesmo que ela possa se afastar, a porta é aberta e uma mulher de cabelos loiros e cacheados sai do quarto carregando um enorme sorriso no rosto. Ela faz questão de ajeitar seu vestido ao passar por nós duas e seguir pela direção contrária do pequeno corredor.
— Mande-a entrar. — A voz grave diz de dentro do quarto, fazendo meu corpo ficar tenso outra vez.
— Pode ir. — Inez abre a porta para mim, revelando parcialmente um quarto.
Por mais alguns segundos, fico parada em meu lugar. Respiro fundo, olho para Inez e depois para porta, tomando coragem para entrar no quarto. Quando meus pés tocam o lado de dentro, Inez fecha a porta, fazendo meu corpo ter um pequeno sobressalto.
Sentado na ponta da grande cama com lençóis bagunçados, o Capitão Hanna tinha seu corpo curvado para frente e para baixo, enquanto arrumava suas botas que estavam por fora das calças pretas que vestia. Eu não conseguia enxergar seu rosto devido à forma como ele estava, e o cabelo preto também atrapalhava, pois ficava em frente ao seu rosto.
Seguro nos próprios dedos, olhando nervosamente para os lados.
— Hm... me chamou... Capitão? — Minha voz sai um pouco tremida, e quase suspiro por conta disso.
Você precisa ser confiante, Serena. Não estrague tudo.
Ele termina de arrumar suas botas pretas e endireita seu corpo, batendo as mãos sobre as coxas, me fazendo sobressaltar pela segunda vez.
Os meus olhos quase se arregalam quando o enxergo com clareza, na luminosidade que vinha da janela redonda do quarto. De certo, eu já havia visto alguns retratos desenhados do Capitão Hanna, mas todos eram sempre tão velhos, ou estavam rasgados. Vê-lo com nitidez, em carne e osso, bem na minha frente, era completamente diferente.
A primeira coisa que chamava a atenção, era o fato de o Capitão Hanna parecer ser tão jovem. O seu rosto, ao mesmo tempo em que carregava traços delicados, os fazia de forma marcante, como a linha bem feita do seu maxilar. Ao redor dos seus olhos que emitiam um olhar intenso e ameaçador, haviam algumas linhas pretas, provavelmente, pintadas com carvão ou carbono. Seus cabelos eram maiores que de costume dos homens da cidade, porém, não tão longos quanto os de outros piratas; os fios pretos estavam espalhados por toda sua testa, caindo de frente aos olhos castanhos e pegando alguma parte detrás do seu pescoço. As orelhas eram furadas e carregavam longos brincos, assim como as mãos carregavam muitos anéis. Em meio a pele do seu tronco relevada pelos botões abertos da blusa branca, havia um longo colar de fio preto com uma pedra de mesma cor amarrada na ponta.
Ele se levanta da cama. A blusa estava para dentro das calças pretas, dobradas para fora, por cima do cinto também preto. Seus olhos me examinam por segundos que me faziam querer correr, antes que ele se vire e vá até o grande guarda-roupas de madeira, tirando de lá duas pistolas que ele prende no cinto.
— Ontem você disse que sabia como encontrar as duas partes que faltam do mapa de Atlantis. Hoje, você vai me mostrar isso. — Ele me encara sobre os ombros, fechando as portas do guarda-roupas.
Assinto. Apertando os dedos, enquanto sinto o pano amarrado em minha mão direita.
— Vamos. — Sem me encarar, ele passa na minha frente, abrindo a porta e saindo.
Me apresso ao segui-lo.
O Capitão Hanna começar a caminhar pelo corredor pequeno, indo na mesma direção onde aquela garota foi antes. Aqui era escuro e difícil de enxergar, por isso, tentei seguir o barulho que suas botas faziam. Reto, andamos pouco, até que ele parasse e abrisse uma porta que faz uma imensidão de luz iluminar o corredor, trazendo junto uma tremenda barulheira.
Ao passar por essa porta, entro diretamente no convés, onde vários homens e mulheres andavam por todos os lados, conversando, limpando ou fazendo qualquer outra coisa.
— Capitão no convés! — Alguém grita, fazendo os demais pararem o que fazem para saudarem o Capitão Hanna com gritos que diziam algo como "Yo-ho-yo-ho!".
O Capitão ergue a mão direita, balançando apenas as pontas dos dedos cobertos de anéis, para sua tripulação.
Ele vira para o lado, indo em direção a uma pequena escada que levava para o convés superior, mas, antes que eu tenha a oportunidade de segui-lo, um garoto de cabelos escuros e olhos grandes surge na minha frente, de ponta cabeça, pendurado por uma das cordas do navio.
O grito de surpresa que solto faz com que alguns marujos me encarem, do mesmo jeito que o Capitão, que para de subir as escadas e me fita sobre seus ombros largos.
— Você é novata, não é? Nunca te vi antes. — Com uma tremenda facilidade, o garoto solta seus pés da corda que usava para se pendurar. — Eu sou Jungkook. — Ele me estende sua mão coberta por uma luva preta cortada nos dedos.
— Serena. — Receosa, aperto sua mão.
Por que esse maluco estava pendurado nas cordas? Isso não era normal. Mas ele é um pirata, então eu não deveria estar surpresa.
— O que você está fazendo com o Capitão?
O encaro com o cenho franzido quando ele começa a me seguir enquanto subo as escadas.
— Bom dia, Serena. — Namjoon, que estava diante do leme, me saúda assim que me vê.
— Bom dia. — Aceno com a cabeça.
Ela manuseava o leme do navio, enquanto encarava o horizonte.
Aqui no convés de cima, era possível ter uma boa vista da parte da frente do navio, assim como da imensidão de água que nos cercava, debaixo do céu limpo e ensolarado.
Capitão Hanna, que foi para o lado de uma tábua que servia como uma pequena mesa, joga em minha direção um objeto. Preciso segurá-lo com as duas mãos, mas não o deixo cair.
Era uma bússola.
— Namjoon, deixe ela assumir. — Capitão Hanna se escorra contra baixas pilastras de madeira do convés superior e cruza os braços.
— Ela? Serena? — Namjoon aponta em minha direção, enquanto arqueia as sobrancelhas.
— Você sabe o que está fazendo? — Jungkook surge do meu lado, com a cabeça próxima da curva do meu pescoço quando tento abrir a bússola fechada, mas falho.
— É claro que eu sei. — Dou um passo para o lado, me afastando dele, conseguindo abrir a bússola.
O ponteiro da bússola gira para todos os lados, até parar. Encaro o objeto e depois o horizonte, sem saber o que fazer.
Sinto os três me observando, e isso só me deixa mais nervosa.
— Você quer? — Namjoon me oferece uma pequena luneta.
— Obrigada. — Forço um sorriso fechado para ele.
Expiro baixo e me aproximo do leme. Seguro a bússola com a mão esquerda e a luneta com a direita. Fecho um dos olhos e espio através da luneta. Vejo água e mais água, não importava para onde eu olhasse.
Encaro mais uma vez a bússola. E todos continuam me observando.
— Por ali. — Aponto em uma direção qualquer, me sentindo pressionada.
— Mas nós viemos de lá tem pouco tempo. — A voz de Namjoon tinha um tom confuso, enquanto ele coçava a cabeça por cima do pano amarrado nela.
— Você sabe onde fica Atlantis? — Pergunto para ele.
— Não. — Namjoon responde.
— Então não me atrapalhe.
Ele arregala os olhos.
— Tá bem. Você que manda. Mas não quer dar uma olhada nas partes do mapa que já temos? — Ele pergunta, enquanto Capitão Hanna me encarava estreitamente, pronto para me pegar em um pequeno deslize.
— Ok, vou ver o que vocês têm. — Falo indiferente, tentando disfarçar meu nervosismo.
Namjoon desprende de seu cinto, um longo canudo. Ele abre sua tampa e despeja sobre a tábua de madeira, três pedaços de papel velho. Namjoon ajeita as três partes do mapa, de modo que duas delas se encaixem e uma não. Tendo um espaço de mais ou menos uns quinze centímetros entre as duas partes que se encaixavam para a que estava avulsa, vejo alguns traços iluminados surgirem sobre a tábua, traçando um caminho com linhas brilhantes. Pisco os olhos algumas vezes e afasto minha cabeça para trás, não entendendo o que estava acontecendo.
— Vocês estão vendo isso? — Pergunto, completamente atordoada, colocando a luneta e a bússola na mesa.
Namjoon se inclina do meu lado direito.
— Vendo o quê? — Jungkook surge do meu lado esquerdo, me encarando tão de perto que sinto sua respiração bater na minha bochecha. Ele já havia bebido hoje.
— As linhas brilhantes.
— Que linhas brilhantes? — Namjoon me fitava com as sobrancelhas franzidas.
Eles não estão vendo isso? Como eles não estão vendo?
— Para onde nós devemos ir, Serena? — Namjoon se afasta, e o Capitão Hanna toma seu lugar, ficando do meu lado, com o rosto próximo ao meu, como Jungkook fez antes.
Por um segundo, prendo a respiração, me sentindo extremamente nervosa. De rabo de olho, o encaro, e percebo que seus olhos não saem de cima de mim. Limpo a garganta, e volto a olhar as partes do mapa que eles tinham, ainda enxergando as linhas brilhantes que desenhavam uma localização. Era como se alguém tivessem desenhado um novo mapa sobre esse, um completamente diferente.
— Papel e caneta. Eu preciso de um papel e uma caneta. — Peço, sem desviar meus olhos do mapa brilhante.
Capitão Hanna estala seus dedos três vezes, e percebo a sombra de Namjoon se afastar com rapidez. Sem demorar, após alguns segundos, ele volta com pedaço rasgado de papel amarelado, e uma caneta de tinta.
Concentrada, desenho no papel o que eu enxergava no mapa brilhante. Quando termino, o examino bem.
— Aqui está. Esse é o lugar que você precisa ir agora. Bem aqui, no X que eu fiz você vai encontrar a sexta parte do mapa para Atlantis. — Entrego o papel para o Capitão, que olha dele para o meu rosto.
Seus olhos pintados de preto se apertam levemente, com um sutil toque de desconfiança.
— É bom que essa localização esteja certa, ou você já sabe o que vai acontecer. — Seu tom de voz era sério e alarmante.
— Você irá arrancar as minhas tripas e alimentar os peixes... Capitão. — Forço um sorriso, mas ele não retribui.
— Pegue, Namjoon. Vamos navegar sob a direção da Serena. — Ele estende o mapa improvisado que fiz, para o pirata com o pano na cabeça, mas sem desviar seus olhos dos meus.
— Isso aqui passa perto de Tortuga? — Jungkook se esgueira do lado de Namjoon, tentando ver o que eu desenhei.
O garoto de olhos grandes me encara e sorri, antes de vir em minha direção e passar um dos braços sobre os meus ombros.
— Bem-vinda à tripulação, Serena! — Ele diz, animado.
Já escutei sobre Tortuga, é a terra dos piratas. Por lá acontece todo tido de depravação que se pode imaginar, por isso, Jungkook está tão contente.
— Essas coordenadas são bem diferentes da direção que você apontou. — Namjoon levanta seus olhos do mapa.
Desvio o olhar, sabendo que o Capitão estava me observando como se eu fosse um filhote indefeso que ele iria atacar a qualquer momento.
— Me desculpe, eu estava confusa. Deve ser porque ainda não tomei o meu café. — Encolho os ombros debaixo do braço de Jungkook.
— Não seja por isso. Venha comer com a gente. — Sem esperar por minha resposta, Jungkook começa a me levar para a escada, me forçando a descer para o convés inferior com ele. Namjoon vem logo atrás de nós, dizendo que iria buscar a comida.
Jungkook e eu passamos por entre alguns marujos, e acabamos perto de barris vazios que eram usados como cadeiras. Não demorou para que Namjoon voltasse e se juntasse a nós, trazendo um saco com biscoitos de milho. E diferente do que imaginei, até que tive uma conversa agradável com esses dois, que me contavam um pouco sobre a vida no mar, porém, confesso que nem sempre prestei atenção no que diziam, já que havia um certo par de olhos ameaçadores que não paravam de observar do convés superior; eu os sentia queimando sob minha pele.
***
A noite chegou mais rápido do que ontem e, como sempre, passei o dia junto de Dana e Jack no nosso quarto, mas hoje Dana insistiu que saíssemos da escuridão desse cômodo iluminado por lamparinas de azeite. No início, tentei relutar, já que teria que deixar Duque sozinho aqui no quarto, mas Dana não perdeu tempo ao dizer que eu sempre estou com o cachorrinho e que não morreria se o deixasse por algum tempo aqui. Acabei cedendo ao seu pedido quando percebi que Duque passava grande parte do tempo dormindo, como está agora.
Me aproximo da cômoda e abaixo para ficar próxima da última gaveta. Ajeito a cama de lençóis do Duque, e faço um leve afago na pequena bolinha de pelos, antes de depositar um beijo no topo de sua cabeça.
— Tenha bons sonhos, seu preguiçoso. — Sorrio para o cachorrinho desacordado e me levanto, indo até à porta.
— Quer que deixemos uma lamparina acessa? — Dana pergunta.
Nego com a cabeça.
— Duque não tem medo do escuro. E é melhor deixar tudo apagado caso alguém entre aqui, não podemos correr o risco de alguém encontrá-lo.
Dana assente, assoprando a chama da última lamparina acessa, deixando o quarto mergulhar na completa escuridão.
Juntas, nós três saímos do quarto e andamos pelo corredor, deixando a primeira entrada. Passamos pelo espaço de janelas e redes, com alguns objetos cobertos por panos, e depois subimos pelo pequeno alçapão, entrando no convés inferior.
Não sei se toda tripulação está aqui, mas tanto o convés inferior, quanto o convés superior, estavam cheios. Até mesmo com alguns marujos pendurados nas cordas do navio, como era o caso de Jungkook, e no mastro principal, espiando tudo com a ajuda de lunetas.
O Capitão estava no convés superior, manuseando o leme, enquanto, ao menos, umas quatro mulheres o rodeavam, segurando em seus braços e penduradas em seus ombros; e pelo sorriso que ele tinha, dava para ver que gostava disso. Namjoon estava um pouco mais afastado, no convés inferior, ele estava sentado em um barril e tinha os pés apoiados em outro barril, enquanto uma garota que logo reconheço como sendo uma das sequestradas da minha cidade, estava sentada em seu colo, rindo de alguma coisa que ele dizia em seu ouvido.
— Resolveram sair da toca?
Olho para a esquerda, vendo Inez de pé em uma das bordas do navio, se equilibrando apenas pela corda que segurava com uma mão.
— Às vezes é bom sentir o ar fresco. — Dana sorri para Inez, que hoje estava sem seu chapéu.
A pirata pula para dentro do navio, batendo seus pés no chão com força.
— Aproveitem, hoje está uma noite muito bonita. — Inez sorri e acena com a cabeça, antes de se afastar.
— Vamos ali. Você vai adorar a vista. — Dana aponta para frente, me encarando animada.
E assim, nós três caminhamos até à proa do navio, onde não havia mais que dois marujos. Lado a lado, nos sentamos no chão do convés.
Definitivamente, a vista daqui era maravilhosa. Estando na proa, não havia nada à nossa frente, e era como se estivéssemos sentadas sobre a água, pois tudo que víamos era a imensidão azul que ganhou um brilho escuro por conta da noite estrelada. A imagem da lua refletia com maestria no mar, assim como os pequenos pontinhos brilhantes que a acompanhavam. A brisa fresca da noite balança com suavidade o barco e a água, que parecia nem se movimentar direito.
— Quando ficamos bem perto, às vezes conseguimos enxergar alguns peixes saltando pra fora da água.
— Sério? — Levanto as sobrancelhas em surpresa.
— Sim. Vem ver. — Jack segura em minha mão e me puxa para frente. Ela fica de joelhos e se apoia na borda da proa.
— Tomem cuidado, vocês duas. — Dana alerta, atrás de nós.
Imito Jack e começo a prestar mais atenção no mar, enquanto vejo a frente do navio cortar a água.
— As laterais, encare elas. Os peixes costumam saltar do lado. — Com uma mão segurando a borda, Jack aponta para onde olhar, com a outra.
Aperto os olhos, tentando enxergar com mais nitidez a água escura. Ela balançava vez ou outra, com leves ondulações, mas nada além disso.
— Será que estão dormindo? — Encaro Jack.
— Peixes dormem? — Ela pergunta e dou de ombros, voltando a encarar o mar.
Continuo prestando atenção, mesmo que não veja nada. Acho que essa não é a minha noite de sorte, quem sabe, amanhã.
Subitamente a brisa fresta começa a se tornar um vento mais forte, que uiva em um pequeno assobio, dançando no meio da noite. Escuto as velas balançarem, e o navio ganhar um pouco mais de velocidade, sendo impulsionado para frente. Sorrio, sentindo o vento empurrar meus cabelos para trás no ar, mas paro de sorrir em segundos, quando vejo um pequeno borrão passar do meu lado. A cena parece acontecer de forma mais lenta que a realidade, onde o corpo de Jack cai da proa do navio e despenca. Observo tudo parada em meu lugar, e só desperto quando escuto o som do seu corpo se chocando contra a água.
— Marujo ao mar! — Alguém grita, fazendo todos correrem para as bordas do navio.
— Ela não sabe nadar! — Dana surge do meu lado.
A encaro com assombro.
— O quê?!
— Jack não sabe nadar! — Sua voz era completamente apavorada.
Volto a encarar o mar, vendo Jack se debater, antes de sumir da superfície, afundando.
Meus olhos se arregalam e meu corpo se movimenta sozinho, sendo tomado por uma onda de aflição. Por isso, quando percebo já estou de pé na proa do navio, saltando em direção ao mar. Minha queda dura menos que instantes, e logo sinto a água gelada engolir todo o meu corpo. Prendo a respiração enquanto olho em todas as direções, debaixo da água, a procura de Jack. Pisco os olhos algumas vezes, e minha visão, antes desfocada, começa a se tornar mais nítida, como se eu estivesse fora do mar.
O som da água preenche os meus ouvidos, em um ritmo calmo, e flutuando imersa, olho para baixo, vendo pequenas cores afundarem. Movimento meu corpo e empurro minhas pernas para cima em direção à superfície, antes de começar a nadar para o fundo do mar, me aproximando com rapidez das cores que afundavam. As cores vinham Jack, que tinha uma expressão completamente desesperada ao tentar respirar. Passo meu braço esquerdo ao redor da sua cintura, e ela me agarra com desespero. Uso o braço direito para nadar, nos impulsionando para cima com muita rapidez.
Cercada pela água e pelo som do mar, enxergo alguns peixes próximos de nós, mas não me permito prestar muita atenção nisso, pois tenho algo mais importante a fazer agora.
O aperto de Jack se torna fraco, e eu sabia que ela estava prestes a desmaiar quando nos joguei para a superfície. Ela tosse incessantemente quando a noite e as estralas suspiram de alívio quando encontramos o ar.
— Calma, está tudo bem agora. — A fito com preocupação, a segurando com força para que ela não afunde de novo.
— Jack! Serena!
Escuto a voz de Dana nos gritar, e quando olho para cima, a vejo escorada na proa do navio, assim como todos que estavam no convés.
— Lançar âncora! — Um objeto reluzente é jogado do navio, caindo perto de nós.
Nado até à corda esticada, levando Jack comigo.
— Segure na corda e tente apoiar seus pés na âncora. — Peço para Jack, que assente com um pouco de dificuldade.
Depois de a colocar com segurança em nossa carruagem, me junto a ela, abraçando seu corpo como fiz na água, enquanto uso a mão esquerda para me segurar na corda da âncora onde nossos pés estavam apoiados.
Aos poucos, a corda começa a ser puxada, nos levando para cima. O corpo de Jack tremia contra o meu, e sei que não era só por conta do vento gelado que acertava nossos corpos molhados, e sim, pelo medo que ainda percorria sua espinha.
Encaro a água silenciosa do mar, antes que nossos corpos sejam puxando para dentro do navio, junto da âncora.
Jack cai de joelhos, apoiando as mãos no convés, enquanto a água pintava de suas roupas e cabelos.
— Santo Deus, vocês estão bem?! — Dana se aproxima com afobação. — Jack, como você está?
Antes que Jack tenha a oportunidade de responder, a tripulação começa a gritar e bater palmas. Com rapidez, vejo alguém pendurado em uma corda vir em nossa direção, se balançando.
— Uma dose de rum para a Serena! Yo-ho-yo-ho! — Jungkook pula do meu lado, soltando da corda, e todos no navio gritam de volta "Yo-ho-yo-ho!", enquanto erguem suas mãos.
— Serena, vou levá-la para o quarto. Você também deveria ir e trocar essas roupas molhadas. — Dana ajuda Jack a se levantar.
— Já estou indo.
— Serena, obrigada. Você salvou a minha vida. — Tremendo de frio nos braços de Dana, Jack agradece.
— Sem problemas. — Sorrio para ela, que retribui em um pequeno sorriso, antes de sair com Dana.
— Já acabou! Todos saiam de cima dela! — Namjoon grita de algum lugar.
Ainda sentada no convés, torço meu cabelo molhado e a barra do vestido que usava.
— Bom trabalho. — Um pesado casaco preto é jogado sobre os meus ombros, e quando olho para cima, vejo o Capitão parado na minha frente.
Ele me estende sua mão coberta por anéis coloridos, e a encaro por alguns segundos, antes de aceitar sua ajuda. O calor da sua pele contrasta com a frieza molhada da minha. E quando me levanto, sinto meus pés afundarem na água que encharcava minhas botas.
— Nós piratas, somos leais à nossa tripulação. Não deixamos ninguém para trás, a menos que seja um traidor ou amotinado. — Me encarando daquele jeito de sempre, o Capitão diz, enquanto os marujos ao nosso redor voltavam a sua rotina anterior.
Assinto, e abraço meu próprio corpo por debaixo do seu casaco que me aquecia um pouco.
O Capitão me encara em silêncio e dá um passo para frente, em minha direção.
— Me leve até Atlantis e terá minha gratidão eterna. — Sua voz soa um pouco mais baixa e grave, fazendo meu corpo se arrepiar. Com sua mão direita, ele toca meu rosto, segurando meu queixo por entre seus dedos, de forma cuidadosa e suave. — Eu também te recompensarei muito bem, Serena. — O som do meu nome saindo de sua boca, parecia uma maldição. Seus dedos escorregam para longe da minha pele molhada, enquanto um pequeno sorriso surge em seus lábios.
Um pouco nervosa, engulo de uma vez toda a saliva. Seguro seu casaco por dentro, o apertando em minhas mãos, ao mesmo tempo que, seu cheiro de pirata se impregnava na minha pele.
— Vou te levar para Atlantis… Capitão Hanna.
Capítulo 4
— Ele é bem bonzinho. — Jack diz, de pé em frente ao beliche. E com o braço esticado, ela afagava Duque que estava deitado a observando de forma tranquila.
— Sim. Esse nanico nunca me deu trabalho. — Sorrio, fitando o pequeno cachorrinho sobre o beliche de cima.
Jack me encara, enquanto continua afagando Duque.
— Há quanto tempo você o tem?
— Já tem uns doze anos que ele me encontrou. — Cruzo minhas pernas, deixando o pé direito sobre o esquerdo.
As sobrancelhas de Jack se enrugam.
— Ele te encontrou? — Assinto para sua pergunta.
— Eu não sou filha de sangue. Os meus pais me encontraram desacordada na orla da minha cidade, Marlli. Minha mãe me contou que foi esse nanico — Encaro Duque sorrindo e, em seguida, passo lentamente minha mão por seu pequeno corpo, fazendo um carinho — que me encontrou. Depois disso, ele correu pra buscar ajuda e acabou achando os meus pais. Foi o Duque que os levou até onde eu estava.
Os olhos escuros de Jack se arregalam.
— Essa pequena bola de pelos é o seu salvador? — Ela encara Duque com espanto, me fazendo rir.
— Sim, foi essa pequena bolinha de pelos que me salvou. — O pego do colchão, deitando-o em meus braços para que eu consiga abraçá-lo.
Jack fica em silêncio por alguns segundos, nos encarando. Eu conseguia perceber a curiosidade em seus olhos.
— Posso te perguntar uma coisa?
Eu já podia imaginar o que era, mas assinto do mesmo jeito.
Ela aperta seus lábios por um momento, parecendo ponderar antes de falar.
— Por que você estava desacordada em uma orla?
— Os meus pais me contaram que talvez eu fosse sobrevivente de um naufrágio.
— Mas se fosse, eles não teriam encontrado partes de barcos ou outros sobreviventes por perto?
Dou de ombros.
— Não sei. — Suspiro. — Nunca tive muita curiosidade em saber o que aconteceu antes disso. Eu realmente sou feliz com a minha família... ou, pelo menos, era. — Suspiro outra vez, ao pensar onde eu estava agora.
— E não se lembra de nada desse suposto naufrágio?
Rio para mim mesma, achando graça da bisbilhotice de Jack. Provavelmente, qualquer coisa que não estivesse relacionada a vida pirata, com certeza, a animaria.
Fito Duque, em meus braços, que me olha de volta.
— Eu não consigo me lembrar de nada antes de acordar na casa dos meus pais. O meu nome foi a única coisa que pude lembrar naquele dia. — Confesso, tendo uma sensação nostálgica, como se pudesse voltar naquela tarde fresca, onde, através da janela do que passaria a ser o meu quarto, enxerguei as grandes colinas verdes e senti o cheiro da maresia trazida pelo vento.
— Uau, isso é uma bela história misteriosa, daquelas que a plebeia no final descobre que é uma princesa.
Não me aguento e começo a rir, fazendo Jack me acompanhar, enquanto Duque nos encara sem entender.
— Eu tenho certeza que não sou uma princesa perdida, pois, se fosse, acho que teriam alguns cartazes com a minha cara espalhados por aí. — Entro em sua brincadeira.
— Bom, talvez você seja uma sereia então, ao menos, se parece com uma. — Jack dá de ombros.
— Uma sereia? Você já viu uma? Isso não é uma lenda de pescador?! — Rio de novo.
— Eu nunca vi uma, mas Dana disse que já e, pelo que dizem, acho que devem se parecer com você. — Ela aponta para mim, abanando sua mão. — Com esse cabelo bonito e grande, e esses olhos azuis iguais a água.
— Bem, eu nunca vi uma, então não posso dizer se são reais. — Levanto Duque e o seguro em frente ao meu rosto. — Duque, você acha que eu me pareço com uma sereia? — Encaro o cachorrinho, que late uma vez. — Viu, ele disse que não me pareço com uma.
— Quem sabe não damos sorte de encontrarmos uma pelo caminho, e assim vemos se você se parece ou não.
Encaro Jack.
— Acho melhor não. Pelas histórias que contam sobre sereias, não sei se gostaria de ver uma de perto.
A porta do quarto é aberta, interrompendo nossa conversa e me fazendo jogar Duque para debaixo do cobertor.
— Eh, pensei que era a Inez. — Jack suspira alto, enquanto Dana entra no quarto com duas pequenas caixas de madeira e alguns papéis rasgados
— O que é isso? — Pergunto, enquanto descubro Duque, que resmunga com um barulho baixo.
— Entre amanhã ou depois, haverá revista. E como não tenho certeza do dia, é melhor esconder Duque hoje, assim, não corremos o risco de alguém encontrá-lo aqui. — Dana explica, colocando com cuidado as duas caixas sobre sua cama. — Vamos escondê-lo lá embaixo com os outros animais. — A mulher de cabelos vermelhos, toca uma das caixas. — Uma tem água, a outra comida e os papéis servem para ele fazer as necessidades. Depois nós recolhemos tudo e colocamos as fezes dele nos tambores, junto das fezes da tripulação, como fizemos durante essa semana.
— O que tem sobre essa revista? — Pergunto.
Jack se vira para mim de novo.
— Toda vez que o Capitão Hanna "recruta" novos tripulantes, todos passam por uma espécie de etapa de segurança, que dura um ano. — Ela começa a explicar. — Durante esse um ano, todos os novatos são supervisionados enquanto fazem suas tarefas, de modo que, toda semana, uma vez, seus quartos são revistados pra ver se ninguém está escondendo armas ou coisa do tipo.
— É um protocolo de segurança para evitar motins ou traição. É como se todos fossem analisados durante esse tempo. Se após completar um ano, o Capitão e seus homens te julgarem de confiança, você se torna oficialmente um pirata nesse navio. Caso contrário, vai morrer. — Dana completa a fala de Jack.
— Você só ganha uma arma e para de ser vigiado como uma criança depois de um ano, isso, se se tornar um pirata. — Jack apoia os braços no topo do beliche de cima, onde eu e Duque estávamos.
— Quero que preste atenção no que direi agora, Serena. — Dana se aproxima do beliche, ficando do lado de Jack. — Sei que você quer fugir, mas peço que espere um pouco mais. Hoje, enquanto descascava algumas batatas, conversei com alguns piratas e eles me contaram que em um ou dois dias, nós estaremos ancorando. O Capitão precisa despejar os barris inúteis com fezes e sujeira, precisa se livrar dos animais e, talvez, de alguns prisioneiros. E também precisa se preparar para essa busca por Atlantis que você está guiando.
Dana faz uma pausa e encara Jack. Ela não tinha um olhar muito bom.
— Mas não é só isso. O Capitão costuma fazer algumas paradas que servem como testes para os novatos. Ele deixa que todos saiam do navio por algum tempo, o tempo que ele leva para fazer seus negócios, mas, sem que os novatos saibam, ele também manda alguns de seus piratas os segui-los e vigiá-los, para saber se tentarão fugir ou pedir ajuda. Isso o faz descobrir quem são os possíveis futuros traidores e, assim, o Capitão já os elimina antes que o prejudiquem. E, desta forma, ele faz até dar um ano e restar apenas os que se tornarão de confiança.
Arregalo os olhos, minimamente, mas assinto.
— Eu estive pensando, de qualquer forma. Você disse que já estou aqui há uma semana, certo? — Dana acena um "sim" com a cabeça. — Pois bem, se vou fugir, farei isso da forma correta. Antes pensei em escapar quando ancorássemos, mas isso que você me contou, muda tudo. Nesse momento, acho que o melhor a se fazer, é ficar aqui até encontrarmos o primeiro local que coordenei para o Capitão. Eu tenho certeza que ele me levará junto pra saber se o lugar que indiquei é real ou não, provavelmente, se não for, ele tentará me matar ali mesmo.
Engulo em seco e as duas mulheres em frente ao beliche, me encaram com preocupação. Até mesmo Duque parecia fazer isso.
— Mas, também sei que esse será o momento que o Capitão e quem for com ele, estarão mais concentrados, tentando achar esse lugar do mapa. E penso que esse é o momento perfeito pra me aproveitar da distração e fugir. O que vale mais, ir atrás de uma fugitiva ou encontrar o sexto pedaço do mapa para Atlantis?
As duas ficam em silêncio, ainda me encarando com preocupação.
— Até lá, farei de tudo pra conquistar a confiança do Capitão e dos piratas dele, tornando mais fácil a minha fuga, de modo que eles não estarão tão preocupados com uma traição minha.
Dana suspira alto e profundamente.
— Eu, sinceramente, espero que isso dê certo. Estou rezando por você, meu pequeno peixinho. — Ela sorri terna, e eu retribuo. — Agora que estamos todas conversadas, é melhor levar Duque. Aproveite que a maioria está no convés. Ficarei aqui no quarto vigiando.
Assinto, saindo do beliche de cima, puxando Duque comigo.
— Vou com você. — Jack se voluntaria, pegando as duas caixas e os papéis que Dana trouxe.
— O cubra com isso. — Dana joga um lençol sobre Duque, que estava nos meus braços. — Vocês deveriam ir ao convés também, depois. Já disse para saírem desse quarto um pouco. Aqui mal entra luz, e se não quiserem ficar doentes, é melhor respirarem um pouco de ar puro às vezes. Escutem o que eu digo.
— Sim, mamãezinha. Pode deixar. — Jack diz, e Dana coloca as mãos na cintura, a fitando com os olhos apertados.
— Mas não vão para a borda do navio. Estou falando sério. Não quero ter outro susto daqueles, ou terei um piripaque e vocês carregarão o peso da minha morte para sempre.
— Nossa. — Arregalo os olhos e rio alto. Jack me acompanha e Duque late debaixo do lençol.
— Fique quieto, seu nanico. Não faça barulhos agora e nem se mexa.
— Vão logo. Irei me deitar um pouco.
Jack e eu assentimos, antes de sairmos do quarto.
— Você disse que após um ano quem ficar tem direito a ganhar armas. — Começo a falar, quando nós duas começamos a andar pelo corredor dos quartos. Jack assente. — A Dana tem uma? — A encaro com curiosidade.
Jack ajeita as duas caixas nos braços, segurando os papéis para não caírem.
— Tem, mas ela nunca usou. Uma vez me contou que jogou as balas no mar, pois não queria usar aquilo nunca na sua vida.
Assinto, em silêncio.
Mesmo que meu plano seja ganhar a confiança e fugir quando chegarmos no local do mapa, penso que ter com o que me defender, caso aconteça alguma coisa, seria o mais seguro a se fazer. Mas sei que não posso contar com a arma da Dana, já que não tem munição.
Quando estávamos quase alcançando o final do corredor, duas garotas entram nele. Ambas estavam conversando, mas nos encaram com desconfiança quando nos veem, principalmente, pelo montinho embalado em meus braços.
— Eh, quanta roupa suja você tem, Serena. Isso é muita coisa. — Jack diz, e cutuca o montinho e, graças aos céus, Duque não se mexe.
As duas garotas parecem acreditar no que Jack diz. Elas voltam a conversar e passam do nosso lado, indo em direção aos quartos.
Relaxo meus ombros que, por um momento, ficaram tensos.
— Obrigada. — Sorrio para Jack, que me oferece uma piscadela em resposta.
Sem mais surpresas pelo caminho, Jack e eu conseguimos chegar até o terceiro andar do navio com tranquilidade. Para nossa sorte, os presos estavam dormindo. Não acho que tenha muito o que se fazer ficando enjaulados como animais o dia todo, provavelmente, também comem como animais e devem estar com os corpos fracos.
Era realmente desconfortante estar aqui, a energia no ar era pesada, quase como se a tristeza fosse palpável. E, confesso, que o cheiro também não é nada agradável. Toda vez que o vento entrava pelas pequenas janelas redondas, o odor das fezes e xixi se tornava insuportável, agradando apenas as muitas moscas que zanzavam por todos os lados.
Com o auxílio de uma das lamparinas, Jack deixou nosso caminho mais claro até onde os animais estavam mantidos. Alguns dormiam e outros estavam acordados. Tentamos acalmá-los para não fazerem barulho.
Em um canto afastado e escuro, coloquei uma jaula vazia e quadrada. Ela não era muito grande, mas o bastante para caber Duque e as duas caixas.
Meu coração doeu ao deixá-lo ali, mas era preciso.
— Eu não posso trancar isso. Então, por favor, não saia daí, Duque. Eu prometo que logo volto pra te buscar, tá bom? — Abro a jaula para dar-lhe um último beijo.
— Ei, ei, quietinho, passarinho. Não faça barulho. — Jack sussurra para uma gaiola, onde o mesmo pássaro que fez barulho quando estive aqui com Dana, chilreava agora.
— Q-Quem está aí?
Ainda agachada de frente para a jaula onde deixei Duque, sinto meu corpo paralisar. Pelo canto de olho, encaro Jack, que estava tão surpresa quanto eu.
Sibilo para Jack "Precisamos sair daqui", e ela me responde com um "Agora não".
— Por favor, tem alguém aí? — A mesma voz masculina de antes, volta a perguntar.
"Ele não vai dormir até saber quem está aqui" sibilo para Jack, antes de me levantar e ir receosamente até as celas.
— Serena, volta aqui. — Jack sussurra atrás de mim.
Contando de onde eu estava, na segunda cela, havia um velho magro e de joelhos, segurando as grades da sua cela. Os seus olhos cansados, se arregalam.
— Vocês não são piratas. — Com a voz falha e baixa, ele diz assim que Jack acaba se juntando a mim depois de um suspiro derrotado. — Foram sequestradas? Nunca as vi antes.
— Nós só não costumamos vir aqui. — Digo, tentando soar natural.
— Não. — O senhor da barba longa, nega com a cabeça. — Não têm cara de piratas.
Com os joelhos no chão, o homem os arrastam para frente, trazendo o feno junto.
— Por favor, nos tirem daqui. Eu não aguento mais passar meus dias nessa cela miserável. — Seus dedos sujos apertam as barras da cela com um pouco mais de força. — Sei que não são piratas como eles. Vocês foram sequestradas e me entendem, sabem como é estar refém desses malditos vagabundos do mar.
Uma mulher, a da cela ao lado, começa a se mexer sobre o feno, parecendo acordar com a voz do velho senhor.
Jack me encara tensa, e segura minha mão antes de me puxar pelo correr com rapidez, nos afastando do prisioneiro, que gritou uma última vez para que o ajudássemos.
Assim que passamos pelo alçapão, nos encostamos perto de algumas das redes.
— Por um segundo, nos imaginei andando na prancha. — Jack diz, com uma das mãos sobre o peito.
— Não seria um pouco demais?
Jack me encara de canto de olho.
— Se eles contarem que estivemos lá, os piratas vão querer saber o motivo disso.
Fico em silêncio, e encaro o chão de madeira do navio.
— Você não se sente mal por vê-los vivendo daquele jeito? — Pergunto.
Jack encolhe os ombros, com uma expressão desconfortável.
— É claro que eu me sinto, mas o que eu posso fazer? Do mesmo jeito que eles, também sou uma prisioneira aqui, mas tento não quebrar as regras pra não acabar em celas.
Assinto, sem dizer nada.
Jack desvia seu olhar, ficando um pouco mais desanimada. Ela segura uma das redes, passando seus dedos pelos buracos trançados, antes de expirar bem alto.
— Serena, eu gostaria de fugir com você.
Abro mais meus olhos, me sentindo surpresa.
— Desde que você começou com essa ideia de fugir por se meter com o Capitão, eu pensei em como gostaria de fazer isso também. Nunca tinha ido lá para baixo onde os prisioneiros ficam. Eu realmente não me agrado com isso, mas não quero terminar como eles, por isso, tento obedecer a tudo, mas não quer dizer que eu goste dessa vida como a Dana.
Olho ao nosso redor, não vendo ninguém, apenas escutando os barulhos de passos no convés.
Com cuidado, seguro na mão livre de Jack, a deixando entre as minhas duas.
— Por que não vem comigo então? Se não gosta dessa vida, deveria ter a liberdade de escolher ficar ou não. — Digo, fitando-a bem nos olhos.
Jack respira fundo e engole em seco. Em silêncio, ela assente de forma quase que imperceptível.
Aperto levemente sua mão, de forma terna, tentando a confortá-la um pouco.
— Se vamos fazer isso, nós precisamos ganhar a confiança dos piratas certos. — Ela diz, e aponta para o teto do segundo andar, indicando o convés.
— Você tem razão. — Concordo com ela, sabendo exatamente a quem ela se referia. — E sabe o que mais?! Penso que nessa saída que teremos em um ou dois dias, será a oportunidade perfeita pra conseguirmos armas ou algo do tipo.
Jack aperta um pouco seus olhos, franzindo as sobrancelhas.
— Não podemos, Serena. Você não escutou quando Dana disse que eles no vigiam durantes as saídas? E ainda tem a revista.
— Nós escondemos tudo lá embaixo, como estamos fazendo com o Duque. — Falo com um pouco mais de fervor, mas de forma baixa. — Se formos vigiadas pelos piratas certos, nós podemos conseguir algumas armas, Jack. Não podemos fugir desprotegidas, precisamos nos preparar pra qualquer tipo de situação.
Ela pensa por alguns segundos, mas, no final, entende que não havia jeito fácil ou seguro de fugir desse navio, e que precisaríamos correr alguns riscos se quisermos encontrar nossa liberdade outra vez.
Logo após conversarmos mais um pouco sobre como faríamos em nossa saída, acabamos indo em direção ao alçapão que nos levou para o convés, que estava lotado. Se vamos fazer isso e se quisermos ganhar a confiança dos piratas, precisaremos sair mais daquele quarto, por isso, começaremos agora, com o conselho de Dana.
Além das conversas altas, uma música também preenchia todo o convés, e quando a procuro, vejo alguns homens na proa no navio, bem onde Jack caiu. Eles estavam tocando alguns instrumentos, enquanto os outras cantavam e uma parte da tripulação dançava e bebia.
— O que é isso? — Pergunto, de pé ao lado do alçapão.
— Esses são os músicos. Os piratas acreditam que eles espantam alguns males, por isso, os trazem pra navegar. Além do que, eles também animam a tripulação. — Jack explica.
— Garotas! — Alguém grita atrás de mim, antes de passar seu braço por meu pescoço e pelo de Jack também.
— Urgh! Você está fedendo a rum, Jungkook! — Jack empurra o braço dele para longe.
— Isso é um elogio para um pirata. — O garoto passa por nós duas, ficando na nossa frente. — Venham, vamos aproveitar. Música e bebida pra todos. — Ele ri alto, antes de nos agarrar pelos pulsos e nos puxar, guiando-nos por entre a tripulação até o outro lado do navio, onde Namjoon estava sentado em um barril, segurando uma garrafa vazia.
— Belezuras! — Namjoon ergue os braços para cima, parecendo animado ao nos ver.
Parada em meio a toda essa bagunça agitada, olho em volta, procurando por alguém específico.
— Onde está o Capitão? Já tem alguns dias que não o vejo.
Jungkook me encara e sorri.
— Na cabine dele. O Capitão está estudando aquele mapa que você desenhou. Isso é importante. — Jungkook se inclina em minha direção, fazendo-me sentir o forte odor de rum que vinha dele.
— Uff! Dá pra botar fogo em um navio com todo esse rum que está em você. — Me inclino para trás e o afasto, empurrando-o sutilmente pelo peito.
Jungkook ri como se eu tivesse contado uma piada, e dá um tapa nas costas de Namjoon, que é impulsionado um pouco para frente, acabando por derrubar sua garrafa.
Namjoon o encara com severidade.
— Sua sorte é que essa garrafa estava vazia, ou eu te mandaria para o armário de Davy Jones agora mesmo.
— O que é um armário de Davy Jones? — Os interrompo antes que briguem.
— O purgatório dos piratas que morrem no fundo do mar. — Namjoon responde, se levantando.
O encaro descrente.
— Isso não é um pouco exagerado?
Namjoon estreita os olhos e fica bem próximo a mim, me sobrepondo ao seu alto tamanho.
— Regra número um em um navio pirata: nunca derrube o rum. Isso não é visto com bons olhos. — Ele realmente estava sério para isso.
— Ok. — Digo, achando uma tremenda bobagem.
— Vamos buscar mais, Jungkook. Acho que tenho umas garrafas no meu quarto. — Namjoon faz um gesto de mão para que Jungkook o siga.
— Você conhece o navio todo? — Sussurro para Jack, que nega com a cabeça. — Então não sabe onde é o quarto deles?
— Não.
— Regra número um: conheça bem o lugar do qual vai fugir. — Seguro na mão de Jack e começo a arrastá-la por entre os marujos.
— O que vai fazer? — Jack sussurra para mim.
— Ei! E quem é Davy Jones? — Pergunto, tentando alcançar os dois piratas que iam em direção ao alçapão.
Sem parar de andar, Namjoon nos olha sobre os ombros.
— Você ainda tem muito o que aprender sobre a vida pirata.
— Eu adoraria que vocês me ensinassem tudo. — Digo, e Namjoon para de andar, quase nos fazendo trombar com suas costas.
— Onde vocês vão? — Namjoon pergunta com suspeita.
Solto a mão de Jack, e coloco as mãos na cintura.
— Pensei que estivéssemos nos tornando amigos. Não podemos tomar um pouco de rum com vocês? — Inclino minha cabeça para o lado, e estreito os olhos.
Namjoon e Jungkook se entreolham por um momento, antes de pirata de pano amarrado na cabeça, se curvar.
— Senhoritas! — Ela faz um gesto de mão elegante para que passemos antes.
Olho para Jack, que mesmo não parecendo muito certa disso, desce o alçapão comigo.
Nós caminhamos em direção aos quartos, mas entramos do lado direito, onde ficava o quarto dos homens. Depois, andamos até à última porta do corredor.
— Esse é o meu quarto. — Namjoon para em frente a última porta.
— E esse é o meu. — Jungkook aponta para a porta de frente para a de Namjoon, do outro lado do corredor.
Como fez como o alçapão, Namjoon pede que estremos primeiro.
— Você tem um belo quarto aqui. Nada parecido com a caixa apertada em que dormimos. — Jack comenta, observando tudo.
— Um dos privilégios de ser um homem de confiança do Capitão. — O pirata de pano amarrado na cabeça, diz, antes de caminhar até um grande baú ao lado da cama.
Jungkook se joga na enorme cama de Namjoon.
— Ei, seu maldito pirata sujo, se a minha cama ficar fedendo a merda, você vai se ver comigo. — Namjoon, que estava agachado, ameaça, sem desviar seus olhos do baú.
— Ela já fede porque você dorme nela. — Seriamente, Jungkook encara Namjoon, que devolve o olhar, antes que ambos caiam no riso.
Troco um olhar com Jack, que dá de ombros e se senta na cama, perto de onde Namjoon estava.
— Tome. — Ele entrega uma carrega para Jack.
— Hm... obrigada. — Ela encara a garrafa, não parecendo saber o que fazer.
Me sento do lado dela, e pego a garrafa de sua mão, a abrindo e tomando um gole. Quando termino, percebo que Jungkook e Namjoon me observavam.
— O que foi?
— Nada. — Namjoon levanta as sobrancelhas e ri, se sentando na cama também, do lado de Jack.
— Não é muito comum ver garotinhas como você bebendo como um pirata. — Ainda deitado, Jungkook passa seu braço ao redor da minha cintura e da de Jack, que encara o braço dele com desgosto.
— Você é muito atrevido. — Jack dá um tapa na mão de Jungkook.
Jungkook resmunga de dor, mas afasta seus braços de nós, segurando sua mão como uma criança machucada.
— Meus pais têm uma loja de pães e rum, então não é algo incomum pra mim. Já tomei isso algumas vezes.
— Devemos beber juntos algum dia na loja dos seus pais. — Namjoon sugere, antes de dar um longo gole em sua garrafa e passar para Jungkook, que derrama algumas gotas no colchão, o fazendo ganhar um olhar ameaçador do pirata de pano amarrado na cabeça.
— É, quem sabe. Mas já aviso que sou muito boa em beber. Não fico bêbada com facilidade.
Jungkook se senta na cama, arqueando uma sobrancelha.
— Isso é uma provocação?
Dou de ombros.
— Me mostrem suas habilidades. — Sorrio para eles, e Jack me encara sem entender.
— Passa essa garrafa pra cá, Jungkook. — Namjoon entende a mão para o amigo, mas sem desviar seu olhar do meu.
Se quer insultar um pirata, duvide da sua capacidade de beber. Isso foi fácil. Em todos os meus anos trabalhando na loja dos meus pais e convivendo com bêbados, aprendi que quanto menos sóbrio você está, mais sincero fica. E o que um pirata bêbado poderia me contar? Com certeza, tudo o que precisava saber para fugir com sucesso.
A porta do quarto de Namjoon é aberta de uma só vez, batendo na parede de dentro, fazendo algumas coisas balançarem.
— Bata antes, seu maldito. — Namjoon resmunga para o homem alto e careca parado na entrada da porta, era Stu, o pirata posteriormente conhecido como "o pirata que levou uma chaleira nas fuças".
— Sail Ho! — É tudo que Stu diz, mas o suficiente para fazer Namjoon se levantar e Jungkook saltar da cama.
— O que é isso? — Encaro Jack, sem entender.
Jack me fita apreensiva.
— Essa é uma expressão usada quando outro navio pirata é avistado em alto mar.
Meu corpo inteiro se arrepia, antes que eu também me levante e siga os três. Jack e eu estávamos um pouco atrás, compartilhando o mesmo nervosismo.
Ao voltarmos para o convés, todos estavam em silêncio e os músicos haviam parado de tocar e cantar. A tripulação estava perto da borda do navio, todos encarando algo a nossa frente.
No meio de duas rochas pontiagudas na água, lentamente, vinha um navio de bandeira preta. Ele saia de dentro de uma leve neblina que rodeava as duas rochas.
— Capitão no convés! Saiam da frente! — Alguém grita, e todos olham para trás, vendo o Capitão Hanna sair da porta do lado esquerdo do convés, onde eu sabia que ficava sua cabine e seu escritório.
Com um semblante sério, ele caminha em direção ao aglomerado de marujos, que abrem espaço para que ele vá até à borda do navio, apoiando suas mãos ali.
Em silêncio, ele observa o outro barco pirata se aproximar cada vez mais de nós, e nós dele.
— Preparem os ganchos e pranchas. Nós vamos entrar.
O convés virou um caos. Todos iam de um lado para o outro.
— Inez!
— Sim, Capitão. — A garota de cabelos loiros, surge do lado dele.
— Você vai ficar aqui comigo. — O Capitão fala e ela assente. — Namjoon e Jungkook, vocês vão entrar.
Os dois piratas concordam sem nem pensar duas vezes.
A cada segundo que eu via a água trazendo aquele barco para perto desse, eu me sentia mais nervosa, e algo dentro de mim me fazia querer tomar uma decisão idiota, mas que poderia me ajudar futuramente a ganhar a confiança do Capitão.
Depois que entreguei o mapa, não o vi mais e ele também não me procurou. Passei os dias pensando se fiz algo errado, ou se ele descobriu algo naquele mapa. De qualquer forma, uma coisa era certa em tudo isso, não posso simplesmente ficar de braços cruzados esperando que ele me desmascare, ou eu nunca iria fugir.
— Capitão! — O chamo, e ele me olha, assim como os pouco marujos que ficaram por perto.
Ele não diz nada, apenas me fita daquele seu jeito mal-encarado.
— Eu gostaria de ir também. Quero ajudar.
— O quê? — Jack segura meu braço e me puxa um pouco para trás. — Ficou louca, Serena? É um navio pirata. Você sabe o que os piratas fazem? Saqueiam e matam. — Ela sussurra perto do meu ouvido com a voz completamente exasperada.
— Não se preocupe, vai ficar tudo bem. Estou apenas ganhando a confiança dele. — Sussurro de volta, e me solto dela, me aproximando do Capitão de novo. — Capitão, por favor, me deixe ir.
— Você por acaso tem experiência no mar? — Inez pergunta.
— Não. Mas estou presa em um navio pirata e acho que preciso aprender.
— Pelas barbas de Davy Jones! Isso não é brincadeira, garota, você pode morrer, só está no navio há uma semana! — Inez se exalta um pouco, e todos os outros ao seu redor ficam em silêncio.
Capitão Hanna estreita seus olhos para mim, antes de enfiar a mão dentro do seu casaco preto e puxar uma pistola, jogando-a em minha direção.
— Levem ela com vocês. — Ele dá a ordem aos outros piratas, enquanto me encara.
— Meu Deus, Serena, fique aqui. — Jack se aproxima outra vez.
— Vai ficar tudo bem, confie em mim. — Seguro em seu ombro. — Vá e fique com a Dana.
Os marujos começam a voltar para o convés, carregando cordas com ganchos na ponta e tábuas de madeira. E, atentos, assim que o outro navio pirata se aproxima o suficiente, eles lançam os ganchos, que prendem da borda do outro navio. Em seguida, os marujos começam a puxar as cordas, fazendo o navio se aproximar o bastante para que conseguissem fazer uma pequena ponte entre os navios com as tábuas de madeira.
— Mas... não tem ninguém no navio. — Inez fala, segurando-se na borda.
— Vão lá e descubram o que está acontecendo. — Capitão Hanna manda, com um olhar sério para o outro navio.
— Serena, vamos. — Namjoon faz um gesto de cabeça, logo depois subindo em uma das pranchas e correndo por ela até o outro navio.
Abro um pouco a boca e respiro fundo. Encaro a pistola em minha mão e depois o outro navio, que agora estava muito perto.
— Serena! — Jungkook grita.
Lanço um último olhar para Jack, que estava completamente aflita, antes de me aproximar de Jungkook, que estava sobre uma das pranchas. Ele me estende sua mão e me ajuda a subir e, uma vez de pé, ele começa a andar sobre a tábua de madeira que ligava os dois navios. E sabendo que estava sendo observada, também começo a andar, sendo cautelosa para que a tábua não balance e eu caia no mar. Por sorte, o outro navio foi puxado para bem perto e não demorei ao atravessar a ponte improvisada.
Salto para dentro do convés do outro navio, e observo tudo ao meu redor, vendo os piratas selecionados, correrem de um lado para o outro em busca de algo.
— Serena, venha comigo! — Jungkook grita de novo, e quando o procuro, o vejo perto de um alçapão que levava para o andar debaixo do navio.
Corro até ele e nós dois descemos.
— Por que o Capitão não vem junto? — Pergunto, quando mergulhamos na escuridão que estava no andar debaixo.
— Porque ele é o Capitão. E se nosso navio for invadido, alguém precisa estar lá pra lutar com os inimigos. — Jungkook responde, andando com cautela no ambiente escuro.
Todas as tochas pregadas nas paredes estavam apagadas, e não haviam lamparinas, eram apenas as pequenas janelas nas paredes do navio que iluminavam alguma coisa.
— Vai por ali, que eu vou por aqui. Qualquer coisa, você atira, eu vou escutar. — Jungkook fala, correndo para uma das entradas que tinha aqui, me deixando para trás.
Tensa, encaro a pistola mais uma vez e a tento segurá-la da maneira que eu julgava como a certa. Com as mãos suadas, seguro a arma com força quando começo a caminhar em direção à outra entrada.
Meu corpo sobressalta e me viro com rapidez quando escuto passos, mas se tratava de mais um pirata. Este que desceu também e correu na direção contrária para procurar.
Respiro fundo e volto a me virar em direção a entrada diferente da de Jungkook. Tento mascarar os meus passos ao entrar no completo escuro, e tento aguçar minha audição para qualquer barulho.
Ao virar em uma pequena dobra, dou de cara com um corredor repleto de celas, como havia no Vingança de la Rainha Hanna. Meu corpo se arrepia de novo e se torna mais tenso ainda quando um cheiro podre preenche todo o corredor. A arma em minhas mãos tremia pelo meu nervosismo, mas eu precisava fazer isso, esse era o meu passe de fuga.
Dou o primeiro passo em direção às celas, caminhando com cautela. Engulo em seco e paro perto das duas primeiras, uma de cada lado. Estavam vazias, não havia nada.
Respiro fundo e continuo andando, indo em direção ao próximo par de celas. Elas também estavam vazias, e isso deixava o meu coração mais agitado.
Vou em direção ao próximo par de celas, e o cheiro de podre fica ainda mais forte, assim, como, ao longe, surge um baixo zumbido. Paro de andar e tendo me concentrar no barulho que percebo ser de moscas, similares as que zanzavam na prisão do Capitão Hanna.
Apresso meus passos, passando em frente ao terceiro par de celas. Estavam vazias. Passo em frente ao quarto. Também estavam vazias. Vou em direção ao quinto, mas paro ao ver botas escuras para fora da cela que pertencia ao sexto par.
Seguro a pistola com força, e passo a língua pelos lábios, os molhando. Respiro fundo e me aproximo de uma vez, mirando a pistola em direção ao dono das botas.
Meus olhos se arregalam e meu corpo começa a se mover para trás, até que eu bata as costas contra as barras da cela contrária, fazendo algo pesado cair no chão. Meu corpo sobressalta no lugar e me viro com exaspero, vendo o que havia caído no chão.
Com a respiração descompassada, ergo meu braço, apontando a pistola para cima. Minha mão treme quando aperto o gatilho, fazendo a bala acertar o teto do navio e subir. Encolho meu corpo involuntariamente pelo barulho, enquanto sinto alguns farelos de madeira caírem sobre mim.
Abro a boca, tentando respirar melhor, querendo que mais ar entre para os meus pulmões, mas parecia que a única coisa que me preenchia agora, era o horrível cheiro de podridão.
— Serena! Você atirou! — Jungkook surge no final do corredor segundos depois, vindo tão rápido que quase bateu na parede. Ele começa a correr até onde estou. — Você achou algu... puta merda! — Ele para abruptamente ao ver o que encontrei.
— Ei! Escutei um tiro! — Namjoon é o próximo que aparece no corredor. — Pedi que eles ficassem vasculhando as outras partes. O que aconteceu? — Ele se aproxima, segurando duas pistolas.
— Dá uma olhada nessa merda. — Jungkook aponta para a cela onde o dono das botas escuras as deixava para fora, entre as barras.
Namjoon coloca o antebraço em frente ao nariz, tentando tapar o fedor.
— Desgraçado! — Namjoon para entre as duas celas. — Você sabe quem fez isso, não é?! — Ele olha para Jungkook, que assente antes de abrir a cela e se abaixar do lado do corpo estripado.
— Só um maldito pirata faz isso. — Jungkook cutuca o corpo sem cabeça, com a ponta de sua pistola. — Capitão Infâmia.
— Capitão Infâmia? — Os encaro, de olhos arregalados. — Eu já ouvi sobre ele antes.
— É claro que ouviu. Ele e o Taehyung estão entre os piratas mais procurados dos setes mares. — Namjoon abre a outra cela, empurrando o corpo sem cabeça que estava apoiado nas barras, fazendo-o cair para frente, de modo que suas tripas soltas saltem para fora do corpo, mostrando as inúmeras larvas brancas e moscas que se deleitavam com o apodrecido.
— Sabe por que o navio e a tripulação do Capitão Infâmia se chamam Tripa de Sangue, Serena? — Jungkook pergunta, enganchando sua arma debaixo de uma das tripas, a levantando com o auxílio da arma, enquanto aponta isso em minha direção.
Meu estômago reclama, me fazendo começar a ficar enjoada. Tapo o nariz com a mão que não segurava a pistola.
— Namjoon, você disse Taehyung. Quem é esse? — Pergunto, enquanto o vejo vasculhar a cela.
— Eu disse? — Ele me fita sobre os ombros.
— É o Capitão Hanna. — Jungkook responde, saindo de dentro da cela e indo checar as que faltavam.
— Cale a boca, pirata fedorento. — Namjoon o repreende.
— Você falou primeiro. — Jungkook dá de ombros, saindo e entrando em mais uma cela.
Namjoon suspira.
— Nunca chame o Capitão assim, Serena. Só os seus amigos mais próximos o podem chamar pelo verdadeiro nome.
— Eu pensei que Hanna fosse o nome dele. — Digo, me aproximando da cela que ele estava.
— Hanna é só um título. Todo pirata que passa a ser o capitão do Vingança, é nomeado Capitão Hanna.
— E por que o navio se chama Hanna?
Namjoon suspira de novo.
— História longa. Outra hora te conto.
— Olha isso aqui! — Jungkook grita, e quando o fito, ele me mostra mais um corpo estripado. — Dessa vez a briga de família será grande.
Retiro a mão da frente do nariz, encarando Jungkook com desconfiança.
— Família?
— Não diga nada, Jungkook. — Namjoon sai da cela.
— O Capitão Infâmia é o irmão mais velho do Capitão Hanna.
— Maldito linguarudo! Você por acaso é uma velha alcoviteira?
— Qual o problema? Serena é parte da tripulação agora, uma hora iria descobrir mesmo. Nos mares, não é segredo pra ninguém que Taehyung e Jin sejam irmãos. — Jungkook solta o corpo estripado, fazendo as triplas e larvas mancharem o chão de madeira.
— Não se preocupe, não irei contar nada. — Tapo o rosto outro vez, e falo atrás da minha mão, deixando minha voz abafada.
— Vamos voltar e relatar tudo ao Capitão. Não deve ter uma alma penada nesse navio pra nos contar uma história. — Namjoon avisa, antes de se virar e caminhar pelo corredor.
Jungkook e eu o seguimos.
— Onde estão as cabeças?
— Capitão Infâmia as arranca e joga no fundo do mar para que os mortos não consigam encontrar sua paz, pois passam a eternidade de suas mortes, atrás de suas cabeças que foram mandadas diretamente para Davy Jones.
Fico em silêncio, não sabendo o que falar. Quer dizer, isso é o tipo de história que avôs pescadores contariam, mas não acho que seja uma boa ideia questionar as crendices de um pirata.
Quando voltamos para a parte escura do navio, Namjoon pediu que um dos piratas fosse até as celas e pegasse um dos corpos. Depois, subimos para o convés e foi dado a ordem para que todos voltassem para o Vingança.
Em fileira, subimos e andamos nas pontes improvisadas de tábuas, voltando para o navio que pertencíamos. Capitão Hanna logo se aproximou, e Namjoon e Jungkook esperaram pacientes e em silêncio até que dois piratas trouxessem o cadáver.
O corpo sem vida foi lançado no chão do convés, perto dos pés do Capitão, fazendo muitos marujos ao redor se afastarem por estarem horrorizados, esses provavelmente eram os novatos, já que os piratas experientes não se comoveram com o que viram.
— Capitão Hanna, isso só pode ser coisa dele. — Inez se vira para o Capitão, o encarando com preocupação.
Os olhos do Capitão nem piscavam enquanto ele observava o cadáver sem cabeça.
— Capitão... — Namjoon chama com cautela, fazendo o Capitão olhá-la sério, antes de se virar e subir para o convés superior, ficando na frente do leme.
— Escutem todos vocês! — O Capitão grita, atraindo toda a atenção. — Isso que vocês estão vendo — Ele aponta para o cadáver podre. — foi feito pelo pirata conhecido como Capitão Infâmia! E se encontramos essas carcaças estripadas, então quer dizer que ele está perto! Por isso, a partir de hoje, se preparem e estejam atentos, porque se o acharmos, nós iremos lutar até que ele morra ou nos mate!
***
Me remexo sobre a cama, ficando de barriga para cima, enquanto encaro o teto do navio. Agora, possivelmente, quase ao amanhecer, com tudo escuro e silencioso, eu conseguia sentir o balanço do navio e o som do mar. A pequena janela redonda deixava luz fraca da lua entrar, mas não iluminava muito.
Já havia algum tempo desde que Jack e Dana dormiram, mas eu ainda não consegui, mesmo depois do dia agitado que tivemos. Talvez esse seja o motivo pelo qual eu não consigo dormir.
Suspiro alto e me sento no beliche. Retiro minha coberta e, com cuidado, desço do beliche, tentando não fazer barulho. Checo se Dana e Jack ainda estavam dormindo, e quando percebo que sim, na ponta dos pés descalços, deixo o quarto, caminhando como o vento pelo corredor escuro. Quando saio da bifurcação de quartos, passo pela área de objetos cobertos e redes, indo até o alçapão, do qual uso para subir para o convés. E assim que meus pés tocam a parte descoberta do navio, sinto o vento atingir minha camisola branca de gola, mangas longas e de comprimento longo, rente aos meus pés, a balançando suavemente. O alaranjado misturado ao azul-escuro, iluminava tudo ao meu redor, enquanto o barco flutuava calmamente.
Caminho até uma das bordas do navio e apoio os meus braços ali, enquanto observo o reflexo da lua que se despedia, logo dando lugar ao sol, brilhando na água calma do mar.
Realmente era uma bela vista, até mais bela da do que via na praia de Marlli.
— O que faz acordada essa hora? — Meu corpo sobressalta, quando uma voz masculina quebra o silêncio do amanhecer.
Olho sobre os ombros, vendo Capitão Hanna no convés superior.
— Estou sem sono. — Respondo. — E você?
Sem dificuldade, o Capitão salta do convés superior e vem até onde estou. Ele se senta na borda do navio, apoiando uma de suas pernas nela, enquanto a outra ficava para dentro do navio.
— Costumo acordar cedo.
Assinto, em silêncio.
Ele cheirava a rum, mas não como Jungkook, o cheiro estava mais suave. Ele não havia bebido tanto, mas, ainda sim, era muito cedo para isso.
Os fios de seus cabelos escuros, se esvoaçavam toda vez que o vento nos atingia, soprando baixo ao nosso redor.
O Capitão estava usando sua típica blusa branca com quase todos os botões abertos, o suficiente para que eu visse a cicatriz que ele carregava em uma parte do seu peito e abdômen. Ela parecia ser fruto de um machucado bem sério. Penso em perguntar, mas sei que ele não me contaria.
— Alguns marujos me disseram que você anda estudando o mapa que te dei. — Volto a apoiar os meus braços na borda do navio.
Ele desvia seu olhar do horizonte, onde, a qualquer momento, o sol nasceria por completo.
— Preciso saber se não está me levando para uma emboscada.
Arqueio as sobrancelhas e rio baixo.
— Você me sequestrou, então o que eu poderia ser? Uma ajudante do rei?
Ele me fita por alguns segundos, com olhos que pareciam esconder mais que o próprio mar.
— Eu não sei. Quem sabe uma bruxa que vê coisas que mais ninguém vê. — Ele arqueia apenas uma sobrancelha.
Solto o ar pelo nariz em uma risada contida.
— Já me chamaram de coisa pior, Taehyung. — Olho para o horizonte, em direção ao alaranjado bonito.
— Me chamou do quê? — Franzo o cenho, demorando alguns segundos para entender sua pergunta.
Meu corpo inteiro se arrepia, e não era por conta do vento.
— Capitão Hanna. — Tamborilo meus dedos sobre a borda do navio, fitando a água.
Mesmo sem ter coragem de encará-lo, escuto quando ele bate os dois pés no convés e se mexe. Logo, sinto sua presença parada atrás de mim, e nem a beleza do amanhecer era capaz de me acalmar agora.
Engulo em seco e, lentamente, me viro até ficar de frente para ele. O Capitão segura nas bordas do navio, uma em cada lado do meu corpo, enquanto se curva um pouco para frente, deixando seu rosto próximo ao meu, me fazendo sentir o leve cheiro do rum em seu hálito.
— Você pode estar me levando pra Atlantis, mas se me chamar mais uma vez assim, eu te lanço no mar. — Ele ameaça, calmamente, enquanto me encara bem nos olhos.
Respiro fundo, de forma discreta.
— Você me chamou de bruxa, então acho que estamos quites. — Passo a língua pelos lábios, me sentindo nervosa.
Ele me observa em silêncio por alguns segundos, antes de se inclinar para frente e beijar a ponto do meu nariz, sorrindo de um jeito que me causa calafrios.
— Me chame assim de novo e você morre, sirena. — Ele diz, antes de se afastar e ir em direção à porta do convés que levava para os seus aposentos.
Engulo em seco de novo e de novo, sentindo meu corpo inteiro arrepiado e meu coração acelerado, como se eu tivesse acabado de cair em um encanto do mar.
FEITICEIRO DO MAR: EXILIADO
O homem pálido e cabelos tão claros quanto sua pele, caminha pela pequena ponte de madeira que passava sobre um pequeno pântano esverdeado e borbulhante. O céu do amanhecer parecia mais escuro nessa parte do oceano.
As unhas tingidas por um tom escuro e consideravelmente longas, se mexiam junto com os dedos, batendo contra as laterais de suas pernas, acompanhando o som do baixo assovio que entoava de seus lábios cheios.
Calmamente, após atravessar a pequena ponte, ele caminha até à velha cabana de madeira com uma mata alta na parte detrás e dos lados. Sua mão vai até à porta, a empurrando para dentro, sem antes bater ou esperar ser convidado.
— Darcy! Estou entrando. — Ele anuncia já dentro da cabana.
O lugar conseguia ser ainda mais escuro que do lado de fora, com poucas velas iluminando algumas partes. O cheiro forte de fumaça misturado a incensos naturais rodeava cada canto da cabana que rangia toda vez que alguém caminhava dentro dela. Frascos com os mais variados tipos de líquidos coloridos estavam espalhados por todos os lados, assim como insetos e pequenos bichos mortos; mas alguns ainda estavam vivos, visto que sapos saltitavam e coaxavam em um canto onde havia um pequeno buraco no chão, cheio com a água que ficava debaixo da cabana.
— Feiticeiro do mar, o que faz aqui? — A mulher parada atrás de uma bola de vidro, pergunta.
O vestido encardido e sujo como sua pele, deixava a amostra todas as escritas em tinta preta que cobriam seus braços, mas escondiam as que estavam nas pernas e no seu torço. Os cabelos avermelhados e soltos estavam completamente emaranhados em bolos de enroscos. E seus pulsos e tornozelos, estavam completamente adornados por quinquilharias que faziam barulho quando ela se mexia.
— Só passei para visitar uma velha amiga. — O feiticeiro sorri, enquanto apoia os braços sobre o balcão de madeira que os separava.
Por trás da venda que tapava sua visão, as sobrancelhas de Darcy se franzem, enquanto um sorriso manchado e sujo surgia em seus lábios tingidos de vermelho.
— Não minta para mim, feiticeiro. Você já se esqueceu quem eu sou? — Darcy apoia seu cotovelo no balcão e o rosto no punho fechado, ficando de frente para o feiticeiro, como se estivesse o encarando.
O feiticeiro de cabelos loiros, levemente acinzentados, toca a venda sobre os olhos de Darcy, enganchando seu dedo indicador no pano, para depois o puxar um pouco para frente.
— Eu me pergunto por que você nunca tira isso. Mesmo com uma venda, você sempre sabe quando sou eu atravessando aquela porta.
Darcy afasta a mão do feiticeiro, o impedindo de arrancar sua venda.
— Eu sinto o seu cheiro. — Ainda segurando a mão do feiticeiro, ela o aperta entre suas unhas longas e pontiagudas, fazendo leves cortes na pele dele. — O cheiro podre do mal dos mares.
O feiticeiro sorri, e Darcy o solta. O feiticeiro encara sua própria mão, e basta que ele passe a outra por cima desta, para que os pequenos cortes comecem a sumir.
— Eu pensei que gostasse de mim.
Darcy faz um barulho de desprezo que sai por seu nariz, enquanto se vira de forma brusca, fazendo os cabelos emaranhados balançarem.
— Eu não gosto de ninguém.
O feiticeiro inclina minimamente sua cabeça para o lado.
— Mas fiquei sabendo que você pode ser amigável com alguns piratas.
O rosto de Darcy se contorce, enquanto os sapos no canto da cabana continuam saltando e coaxando.
O feiticeiro mete a mão dentro do longo casaco escuro que usava, e puxa de lá um saco marrom que, ao jogar sobre o balcão de madeira, faz com que algumas moedas de ouro saltem para fora, como os sapos.
— Talvez isso te faça me tratar bem como se eu fosse um dos vagabundos do mar.
Ao escutar o tilintar de uma moeda batendo na outra, Darcy volta a se virar em direção ao feiticeiro, puxando com rapidez o saco marrom para perto de si. Ela pega uma das moedas e leva até à boca, mordendo a ponta da mesma para se certificar que eram verdadeiras.
Ágil, ela fecha o saco marrom e o esconde na parte debaixo do balcão.
— Diga o que deseja, feiticeiro. Não sei por que precisa dos meus serviços, sendo que é alguém extremamente poderoso.
O feiticeiro suspira falsamente.
— Não, eu ainda não sou. Mas serei depois que colocar minhas mãos no que é meu por direito. — Um sorriso sórdido surge imperceptivelmente em seus lábios.
Por alguns segundos, sua mente volta ao passado e toda sua vida passa diante dos seus olhos como se fosse mágica, fazendo seu sangue borbulhar como o pântano. Mais do que todos, ele queria aquilo, e faria de tudo para se tornar o grande Senhor de um dos sete mares.
— Me fale sobre Atlantis. Aqueles piratas imundos já encontraram mais alguma coisa sobre o meu mapa?
Darcy ri pelo nariz, fazendo seu tronco balançar por um segundo.
A bruxa do pântano volta a ficar atrás da bola de vidro, e começa a passar suas mãos ao redor dela até que o interior da mesma comece a ser invadido por uma fumaça avermelhada como seu cabelo.
O feiticeiro não consegue enxergar nada além da fumaça, e mesmo com os olhos fechados atrás da venda, Darcy podia enxergar muito mais que ele.
Muito mais.
Ela riu, riu alto com se alguém tivesse lhe contato a coisa mais engraçada deste mundo. E isso deixou o feiticeiro levemente apreensivo e ansioso.
— Veja bem, meu grande amor. — Darcy bate as mãos no balcão de madeira, uma de cada lado da bola de vidro, a fazendo chacoalhar. Depois, ela aproxima seu rosto do objeto, quase encostando seu nariz nele.
— O que há de tão engraçado, bruxa?
Darcy ergue sua cabeça, o encarando.
— Aquela que um dia você exilou por também ser exilado, retornou.
A expressão do feiticeiro se torna séria, enquanto suas pupilas se dilatam mais do que parecia ser humanamente possível.
— Ela está mais perto do mar do que você imagina. Veja. — Darcy volta a passar suas mãos ao redor da bola de vidro, fazendo, aos poucos, uma imagem surgir em meio a fumaça avermelhada: um enorme navio e duas pessoas, um pirata de cicatriz e uma jovem de cabelos longos e dourados, e olhos azuis como o oceano.
O sangue que antes borbulhava, passa a vibrar nas veias do feiticeiro. Essa é a sensação que temos ao rever alguém querido depois de longos anos, não é?!
— Serena... — Havia se livrado dela há muito tempo, por isso, ela nunca foi uma ameaça para ele, pelo menos, não até aquele momento.
O feiticeiro desejou que tivesse a matado, ao invés do que fez.
Darcy bate a ponta de sua unha na bola de vidro.
— Ela está o levando até à sexta parte do mapa, e depois o levará até à última. — A bruxa se afasta da bola de vidro e respira fundo, inflando seu peito como se fosse um pombo. — Sua doce sobrinha vai levar o Capitão Hanna até Atlantis. Ela tem o dom dos mares, por isso, pode ver mais que você. Ela o levará até Atlantis. — Darcy sorri abertamente, parecendo tão feliz como nunca antes.
Escondidas pelo balcão, as mãos do feiticeiro se fecham em punhos, e agora, eram suas próprias unhas que faziam cortes em sua pele.
— Era inevitável, não? Você sabia o que esses piratas faziam. — Darcy encosta seu rosto na bola de vidro, e começa a passar sua mão pelo objeto mágico como se fizesse carinho nele. — A pequena Serena foi uma das vítimas do Vingança de la Rainha Hanna, e isso pode te custar muito, feiticeiro. — Seu tom de voz muda, como se ela falasse com uma criança.
— Nenhum pirata imundo vai atrapalhar os meus planos. Muito menos essa maldita sereia. — O feiticeiro se vira, cheio de ódio, deixando a cabana.
Darcy ri uma última vez e vai para onde os sapos se aglomeravam. Eles se agitam quando ela se aproxima, pegando um deles com facilidade. A bruxa volta para trás do balcão, e apoia seus cotovelos sobre ele, enquanto o sapo coaxava em suas mãos, tentando se libertar do aperto. Suas unhas logo atravessam a pequena barriga gorda do animalzinho, fazendo sangue esguichar para fora, manchando seus dedos. Darcy aproxima sua boca do animal morto, dando uma grande mordida em sua cabeça.
— O seu futuro já está traçado, feiticeiro. Lhe desejo boa sorte... meu Jimin. — Darcy fala enquanto mastiga a carne crua da cabeça do sapo, fazendo o sangue escorrer pelos cantos de sua boca, antes de engolir tudo de uma só vez.
Capítulo 5
— Você tem certeza? — Sussurro para Jack, que estava sentada na minha frente, de pernas cruzadas.
Ela encara o pequeno saco de pano cheio de moedas de ouro, que estava entre nós duas sobre o colchão do beliche de cima.
Jack assente, em silêncio.
Nós já havíamos planejado tudo, ficaríamos perto de Namjoon ou Jungkook durante a saída, visto que, dessa forma, seria muito mais fácil despistá-los para que pudéssemos arrumar um jeito de comprar, ao menos, uma arma. Jack sugeriu que usássemos as moedas que ela ganhou no navio por seu trabalho. Eu realmente estava receosa quanto a isso, pois sabia que Jack costumava enviar suas economias para sua família, e se ela usasse as moedas para comprar uma arma, esse mês sua família se viraria por conta própria. Mas ela insistiu tanto e, de qualquer forma, nós não tínhamos muitas opções.
— Você não acha que devemos contar pra ela? — Jack sussurra e aponta com a cabeça para Dana, que estava mexendo no guarda-roupas.
— Contamos depois que conseguirmos a arma. Ela pode implicar se souber o que pretendemos fazer. — Sussurro de volta, sabendo que Dana era do tipo superprotetora e não apoiaria nosso plano, pois ele é um pouco arriscado.
— O que tanto vocês duas cochicham aí em cima, posso saber? — Olho assustada para Jack, quando a voz de Dana nos pega de surpresa.
A mulher de cabelos vermelhos e presos não nos olhava, continuava concentrada em buscar algo dentro do móvel de madeira, enquanto Duque corria ao redor dos seus pés.
A revista aconteceu hoje cedo e, por sorte, deu tudo certo. Não havia nada suspeito em nosso quarto, que foi examinado em cada canto. Eu gostaria de deixar Duque lá embaixo até que eu voltasse, mas como Dana e Jack me alertaram, é comum que os piratas se livrarem dos animais e prisioneiros durante as ancoradas, por isso, tive que trazer Duque de volta para o quarto.
— Só estamos falando bobagens, mamãezinha. Não se preocupe. — Jack diz, de um jeito descontraído, amenizando as suspeitas.
— Pois vão falar bobagens lá fora, porque já estou pronta. — Dana puxa uma pequena bolsinha de pano de dentro do guarda-roupas e a coloca sobre o ombro esquerdo. Em seguida, ela fecha as portas de madeira e ajeita Duque em sua gaveta/cama.
Jack pega seu saco de moedas e desce do beliche, e eu a sigo. Depois, me aproximo de Duque, agachando-me nos joelhos.
— Seja bonzinho e não faça barulho, certo? — Beijo o topo da sua cabeça peluda e ele me lambe animado. — Prometo que dessa vez, nós dormiremos juntos. — Faço um rápido carinho na parte debaixo do seu focinho, e me levanto, juntando-me a Jack e Dana, que me esperavam perto da porta.
— Tchau, floquinho de neve peludo. — Jack acena para Duque, e Dana ri, antes de abrir a porta para que saíssemos do quarto.
Já haviam algumas mulheres no corredor, todas prontas para pisarem em um chão de terra depois de uma semana navegando em um navio pirata.
De manhã, durante o café, Inez fez um comunicado geral, pedindo que todos se arrumassem, pois iriamos ancorar e a tripulação toda poderia sair por algumas horas do navio.
Os murmurinhos pelo navio pareciam ansiosos e felizes, e me pergunto o que essas pessoas fariam ao pisarem em terra firme.
Após fazermos o nosso caminho em uma pequena fila, subimos para o convés, onde grande parte da tripulação já se reunia, desde nós, os novatos, os músicos e piratas experientes, como, o Capitão, que estava no convés superior ao lado de Namjoon, que manuseava o leme.
Pela primeira vez, Namjoon não estava com um pano na cabeça, por isso, vi pela primeira vez seu cabelo preto, que era um pouco baixo nas laterais e maior em cima.
Todos estavam agitados e olhavam para uma única direção: o pequeno montinho que a cada minuto se tornava maior. Nossa primeira visão que não fosse água. Era uma pequena cidade que se materializava no horizonte.
Jack me cutuca sutilmente e eu a encaro, sabendo exatamente o que deveríamos fazer. De forma rápida, passo os olhos por todo o navio até encontrar Jungkook. Se Namjoon estava com o Capitão agora, então o pirata de pé na borda do navio seria o nosso escape.
Pedindo licença a todos que estavam no caminho, passo por entre o aglomerado de tripulantes, até chegar do outro lado do navio.
— Ei! — Chamo, enquanto faço uma careta ao tentar passar por entre dois homens que estavam ocupados demais deslumbrando a cidade que se aproximava.
— Serena. — Jungkook diz, afastando a mão esquerda do rosto, cuja ele usava para tampar o sol e enxergar melhor o nosso destino.
— Pra onde estamos indo?
Segurando uma das cordas do navio com a mão direita, Jungkook se balança nela e pula da borda, para o chão do convés.
— Ilha Suli.
— E você já foi nesse lugar antes? — Pergunto, tentando soar despreocupada.
— Sim. — Ele assente, enquanto me encara. — Por quê?
— Então me fará companhia, certo? — Seguro em um dos seus braços e sorrio para ele. — Você poderia nos mostrar alguns lugares legais, o que acha?
— Dana já foi em Suli também, ela pode te ajudar.
— Dana tem as coisas dela para fazer. Disse mais cedo que gostaria de comprar algumas roupas novas, porque essas que vocês nos dão, não são nada bonitas. — Digo, e Jungkook ri.
— Tudo bem. Então fique comigo e eu te mostro tudo que você quiser. — Ele sorri, mas não percebo nenhuma intenção mascarada nisso.
— Obrigada, pirata. — Aperto meus braços ao redor do seu, devolvendo o sorriso.
— O que você pensa que está fazendo com ela? — Dana surge com Jack por entre a tripulação.
Dana encara Jungkook com os olhos estreitos, e ele arregala os olhos castanho-escuros.
— Eu não fiz nada. É ela que não me larga. — Jungkook me encara atordoado, como se pedisse ajuda, fazendo Dana rir, enquanto solto seu braço.
— Só estou brincando, garoto. Eu fico feliz por ver o meu peixinho se dando bem com outras pessoas. — Dana sorri gentil para mim.
Jungkook respira aliviado, enquanto bagunça os cabelos escuros que estavam amontoados debaixo e em cima de um pano amarrado em sua cabeça. E acabo o achando adorável por isso.
— Atenção, piratas malcheirosos! Estamos prestes a ancorar! — Namjoon grita do convés superior, fazendo todos ficarem agitados enquanto conversam.
Ilha Suli estava muito próxima agora, se alguém pulasse na água, conseguiria chegar na cidade em questão de segundos, e isso me faz ficar ansiosa um pouco, o momento estava chegando.
Discretamente, olho para Jack, e a vejo apertar o topo do seu saco de moedas, com força. Ela também estava nervosa.
Os meus olhos se fixam na cidade, enquanto vejo o navio cada vez mais perto da arreia. Alguns tripulantes correm para perto da borda, para observarem mais de perto seu pequeno momento de liberdade.
Os murmurinhos estavam muito altos nesse momento, a tripulação realmente era grande.
Um alto assobio corta cada uma das conversas agitadas, fazendo todos se calarem e olharem para trás.
O Capitão Hanna afastava os dedos da boca e havia ido para frente do leme, cobrindo Namjoon.
— Escutem, todos! — Taehyung grita, ao mesmo tempo em que o navio bate na areia, criando um pequeno tranco que nos impulsiona para frente. Ele segura no batente das pilastras de madeira do convés superior, enquanto passa seus olhos por toda tripulação. — Nós estamos ancorando agora! E darei a vocês algum tempo livre! Mas, estejam cientes de que aqueles que não retornarem para o navio antes do entardecer, serão caçados e colocados nas celas do navio!
Um alto barulho me faz desviar o olhar, e vejo quanto alguns piratas abrem e descem a porta do navio, deixando-a em forma de rampa. Me sinto ansiosa quando encaro a saída para a cidade. Era como se eu pudesse tocar a minha liberdade, mesmo sabendo que teria que voltar para navio ainda hoje.
— Senhoras! Senhores! — Os dedos cobertos de anéis coloridos do Taehyung deslizam sobre o batente das pilastras de forma lenta. — Aproveitem a saída de vocês! — Ele sorri e, com isso, todos começam a andar apressados até à rampa improvisada, sem perceberem que por trás daquele sorriso do Capitão, ele estava apenas esperando ansiosamente para que algum dos novatos cometesse um mísero erro para que ele pudesse agir com toda sua crueldade de pirata. Essa era a sua emboscada.
— Vamos? — Dana olha para mim e Jack.
Respiro fundo e assinto para ela. Assim, com isso, nós quatro também fomos em direção à rampa, descendo por ela lentamente.
No momento em que os meus pés pisam na areia, me sinto livre por um segundo, mas quando os dedos de Jack tocam de leve minha mão, percebo que preciso me concentrar no que viemos fazer.
Juntos, nós atravessamos a praia, que era menor da que havia em Marlli. E, progressivamente, o som da cidade começa a encher os meus ouvidos, e isso me deixa um pouco reconfortada, pois me fazia sentir mais perto de casa.
— Aqui tem uma loja que vende roupas bem baratas. Eu conheço a dona, já conversamos algumas vezes. Acho que posso melhorar ainda mais o preço. — Dana comenta, animada, enquanto entramos em uma rua de pedra, onde pessoas passeavam com seus familiares.
Quando nos percebem, mais especificamente, a Jungkook, alguns moradores se afastam, ou têm olhares de medo ou desaprovação, mas o pirata conosco não parece se importar com isso.
O sol era agradável e nos atingia enquanto virávamos em uma nova rua completamente coberta por caixotes, tendas e pessoas gritando. E, assim, começamos a caminhar pelo meio da feira, que vendia desde frutas até legumes e algumas quinquilharias.
Ao passarmos em frente a uma tenda que vendia belas maçãs vermelhas e verdes, percebo Jungkook se abaixar por um momento, retirando de dentro da sua bota, uma pequena faca, cuja ele usa para espetar uma das maçãs vermelhas.
Despreocupadamente, ele morde a fruta, enquanto o dono da tenda o encara com descrença.
— Ei, seu maldito pirata! Você vai ter que pagar por isso! — Cheio de irritação, o homem de cabelos castanhos, esbraveja, levantando seu punho no ar.
Sem pressa, Jungkook se vira para ele e aponta sua faca em direção ao homem, que se inclina para trás e arregala os olhos.
— Se continuar falando, vou arrancar sua língua. — Jungkook o encara por alguns segundos, antes de manusear sua pequena faca, que gira algumas vezes em sua mão e volta para dentro de sua bota marrom.
O vendedor de maçãs fica imóvel, visivelmente assustado com a ameaça. E com os olhos atentos, ele permanece fitando Jungkook que, ainda despreocupado, começa a se afastar da tenda, como se nada tivesse acontecido.
— Senhor, me desculpe. Tome isso. — Dana se apressa a meter a mão dentro de sua bolsa de pano, pegando duas moedas de outro e entregando para o dono da tenda.
Dana agiliza seus passos, indo atrás de Jungkook, que já estava quase terminando de comer a maçã que ele roubou.
— Garotinho, você não pode sair por aí surrupiando o que não é seu. — Dana encara seriamente Jungkook que, ao terminar sua maçã, joga o que sobrou no chão.
— Você já me viu fazendo isso muitas vezes, não é novidade. Eu sou um pirata. — Ele se inclina em direção a Dana com um olhar ameaçador, tentando fazê-la se acuar como fez com o vendedor de maçãs.
Dana estreita seus olhos, sustentando o olhar de Jungkook, antes de o segurar por uma das orelhas, apertando-a com força.
— Não é porque você é um pirata que isso quer dizer que está certo roubar dos outros. — Ela torce a orelha de Jungkook, que começa a reclamar de dor, enquanto pende seu corpo para o lado. — Diga que não vai mais fazer isso, Jungkook.
— Ai! Ai! Tá bom! Tá bom! Eu nunca mais vou fazer isso! Agora solta a minha orelha!
Algumas crianças que corriam pela feira, começavam a rir de Jungkook.
Ainda séria, Dana larga a orelha de Jungkook, que a tapa com as duas mãos, enquanto faz uma careta emburrada.
— Você quase a arrancou. — Ele resmunga como se fosse uma criança também.
— Eu deveria ter arrancado mesmo, assim você aprenderia. — Dana ajeita sua bolsa sobre o ombro e depois cruza os braços.
— Eu não ia mostrar a cidade pra vocês? — Jungkook encara Jack e eu. — Não quero mais ficar perto dessa velha rabugenta. — Jungkook solta sua orelha, que havia ficado um pouco vermelha.
— Veja só, nem parece mais um pirata. — Dana caçoa de Jungkook, rindo logo em seguida, e isso o deixa ainda mais carrancudo.
Jack me olha de maneira significativa. Esse era o momento, e para que ele dê certo, Dana não pode estar perto, ou, caso contrário, ela poderia intervir.
— Dana, tudo bem se formos com ele? Jungkook prometeu nos levar em alguns lugares legais. — Digo, e Jack agarra o braço da mulher de cabelos vermelhos.
— Não sei se os lugares legais dos piratas são adequados para vocês duas.
— Não se preocupe, se for algo muito libertino, nós o deixamos para trás. — Jack tenta tranquilizá-la.
Dana fica em silêncio por alguns segundos, pensando.
— Não se preocupe, mamãezinha.
— Certo, mas tomem cuidado e me encontrem na entrada do navio antes do entardecer. E você, Jungkook, se comporte viu. — Ela encara o pirata, que finge não a ter escutado.
Nos despedimos brevemente de Dana, antes de voltarmos pelo caminho da feira, seguindo em uma direção diferente.
— Então, aonde vai nos levar? — Pergunto, me colocando do lado de Jungkook.
— Cabaré.
Encaro Jack, que estava do lado esquerdo do pirata.
— Jungkook, você quer nos levar ao Cabaré? — Incrédula, Jack encara Jungkook com desaprovação.
Ele dá de ombros.
— Vocês me pediram pra mostrar lugares legais. E o Cabaré é o lugar mais legal que eu conheço nessa cidade.
Os meus planos para essa ancorada, definitivamente não eram acabar em um Cabaré com um pirata e uma sequestrada. Mas já escutei boatos sobre esse tipo de lugar, e sei que todo tipo de gente costuma frequentar essas casas de shows, por isso, talvez eu encontre o que quero por lá.
***
Levamos algum tempo para chegar até o lugar, ele não ficava escondido como pensei, na verdade, estava bem localizado. A fachada chamava a atenção com suas cores escuras e que combinavam com perfeição: preto e vinho.
— Hanna's Cabaret? — Me viro para Jungkook, surpresa e curiosa.
Ele dá de ombros, caminhando até à entrada.
Jack e eu nos apressamos para segui-lo.
Em meio as placas que anunciavam os shows, Jungkook sobe os dois pequenos degraus e abre a porta pintada de preto, sem nem se dar ao trabalho de bater antes.
— Estou entrando. — Ele anuncia, de forma alta.
Jack fica um pouco receosa, e acabo tendo que segurar sua mão, puxando-a para dentro, em um ambiente muito bem iluminado e com cores escuras e sensuais. Havia um grande palco com a borda circular, muitas cortinas elegantes e várias mesas espalhadas por todos os lados, assim como muitas mulheres usando apenas lingeries e roupas pomposas andando de um lado para o outro.
— Bonitinho! — Uma das mulheres fala alto, fazendo as outras olharem em nossa direção.
A mulher usando apenas um espartilho, uma calcinha vermelha e meias pretas corre para perto, recebendo Jungkook com um abraço.
— Há quanto tempo. O que faz aqui?
— Ancoramos em Suli e pensei em visitar. Fiz mal?
A mulher sorri abertamente para ele.
— Claro que não. Você sabe que são mais que bem-vindos aqui.
— Quem são? — Uma outra mulher, essa usando um vestido com uma enorme fenda, pergunta, depois de se aproximar também.
Jungkook nos encara sobre os ombros, e faz um gesto de mão para que nos aproximássemos mais.
— São parte da tripulação agora. Elas me pediram para mostrar um lugar legal, então as trouxe aqui.
Mais duas mulheres se aproximam e uma delas aperta a bochecha de Jungkook.
— Oras, obrigada então. — Ela ri. — Você continua uma gracinha. Na próxima vez que vier, me procure e eu farei um show particular para você, como agradecimento. — Seus lábios pintados de rubro sorriem para Jungkook, que ri.
— Jule está por aqui? — Ele pergunta.
— Não. Ela ainda não chegou, mas já estamos nos ajeitando para o show dessa noite. — Uma das mulheres, responde. — E o Capitão, onde está?
— Resolvendo alguns assuntos dele.
— Oras, ele é sempre tão ocupado. Eu adoraria vê-lo agora. — A mulher de lábios rubro, suspira, fazendo uma feição desapontada.
— Bem, mas venham, se acomodem um pouco. — Duas das mulheres seguram Jungkook pelos braços, o levando para uma das mesas.
— Não sejam tímidas, vocês também. Toda a tripulação do Capitão Hanna é bem-vinda no nosso Cabaré. — Outras se aproximam de nós, nos levando junto.
— Alguém já te disse o quanto você é linda? — Uma mulher de cabelos bem curtos segura meus ombros enquanto me encara. — Adorei o seu cabelo. Se um dia você resolver largar os piratas, nos procure, posso te arrumar um emprego aqui. Com certeza, você atrairia muitos clientes novos. — Suavemente, ela me empurra para baixo para que eu me sente em uma das cadeiras ao redor da mesa onde Jungkook estava.
— Certo, tudo bem. Obrigada. — Sorrio para ela, que retribui.
— Quem é? — Jungkook pergunta para as mulheres que nos rodeavam, enquanto aponta com a cabeça para algo em sua direção, mas um pouco longe.
Em uma mesa afastada, havia um único homem muito magro e de olhos fundos. E nos braços da sua cadeira, estavam sentadas mais duas mulheres.
— É um viajante. Ele apareceu aqui hoje cedo, tentamos dizer que estava fechado e que só abriria de noite, mas ele insistiu, disse que só queria companhia e nos mostrou um saco de joias. Bem, Ingrid e Sofi não se importaram, elas conseguiram muitos anéis e colares.
— Jule não vai gostar disso, tenho certeza. — Jungkook apoia os cotovelos no alto da sua cadeira.
— De qualquer forma, ele já vai ter que ir. Está aqui faz tempo e já bebeu duas garrafas de licor, sozinho.
— Quem é Jule? — Jack pergunta, do meu lado.
— A dona do Cabaré. Ela é um pouco estabanada, sempre se atrasa, mas é rígida e não gosta de ninguém fuxicando o Cabaré antes das apresentações, exceto pela tripulação do Capitão Hanna. — A mulher que nos recebeu, responde.
— Vocês gostam mesmo dos piratas. — Comento.
— Mais do que você pode imaginar. — Uma delas diz, fazendo todas rirem.
— Bonitinho, você vai ter que nos desculpar agora, mas precisamos nos preparar para o show dessa noite. Mas fiquem à vontade.
Jungkook assente para a mulher de espartilho.
— Drika guardou uma garrafa daquele licor que você tanto gosta. Ela estava esperando você voltar para te entregar.
Essas palavras são o suficiente para fazer Jungkook se levantar.
— Me esperam por um segundo? Vou buscar a garrafa e já volto. — Jungkook nos fita com os olhos grandes, quase brilhando.
— Não demore. — Jack diz seriamente, fazendo algumas das mulheres rirem de novo.
— Eu não vou. — Ele sorri, antes de começar a se afastar com elas.
Eles passam perto do homem das joias e, sutilmente, a mulher de espartilho toca o braço de uma das que estava sentada com o homem, e ela logo entende que precisava encerrar seu tempo. Então, ela e a outra se levantam dos braços da cadeira e se despedem do homem magro, levando consigo o saco de joias.
O homem de olhos fundos nem prestou atenção nas duas, pois ele passou a nos encarar.
— Que estranho. — Jack comenta comigo e eu assinto.
Quando as duas mulheres se vão de vez, o homem se levanta e começa a caminhar em direção à nossa mesa, puxando uma das cadeiras e se sentando conosco, mesmo sem ser convidado.
Jack e eu o olhamos sem entender. O homem passa, ao menos, uns dois minutos apenas nos encarando do outro lado da mesa.
— Vocês não são novinhas demais para estarem andando com piratas? — Ele pergunta com uma voz falhada, fazendo o cheiro do seu hálito carregado, chegar até as minhas narinas. Fedia a álcool puro.
— Ele só estava sendo gentil e nos mostrando alguns lugares da cidade. — Jack responde.
O homem aperta seus olhos.
— E o que há de interessante em um Cabaré?
— Eu poderia fazer a mesma pergunta para o senhor. — Rebato, e o homem ri, jogando seu corpo para trás, na cadeira, fazendo com que o longo casaco que usava, balançasse com seu movimento, revelando uma pequena parte da pistola enterrada no seu cinto de couro.
De canto de olho, fito Jack, que devolve o olhar, tão atenta quanto eu.
— O senhor é um viajante? Foi o que as dançarinas nos disseram. — Pergunto.
O homem sorri de lado, mostrando alguns dentes de ouro que ele tinha em meio aos dentes amarelados.
— Estou por aqui e por ali. — Ele apoia as mãos atrás da cabeça escassa de cabelos.
— Então presumo que não conheça muito dessa cidade. — Continuo, sabendo exatamente o que deveria fazer.
Ele arqueia as sobrancelhas.
— Por que a pergunta? — Seu olhar se revezava de Jack para mim e vice-versa.
Suspiro falsamente.
— É difícil ser uma mulher nos dias de hoje, a todo momento alguém tenta tirar proveito de nós. — Me inclino sobre a mesa e abaixo meu tom de voz para continuar. — Nós estamos atrás de algo como o seu. — Desvio meu olhar até o seu cinto, e o homem acompanha, arqueando as sobrancelhas de novo.
— Uma arma? Vocês querem uma arma?
Jack puxa o pequeno saco que havia escondido debaixo do seu agasalho, e as moedas dentro dele fazem barulho quando o saco é colocado sobre a mesa.
— Cinquenta moedas de outro por uma pistola. — Ela diz, também baixo.
O homem de olhos fundos, observa o saco amarrado com um barbante de cipó.
— Não posso vender a minha pistola, ou ficarei sem. Mas posso levá-las até um lugar que vende aqui em Suli. Se quiserem, venham comigo. — Ele sorri.
Troco um olhar com Jack, antes de puxar o saco de moedas e guardá-lo dentro da minha bota.
— Tudo bem, eu vou com você. Jack, você fica aqui e distrai o Jungkook, qualquer coisa, diga que fui atrás de Dana. Não vou demorar.
Jack parece meio incerta, mas sabendo que precisávamos de uma arma, ela acaba assentindo.
— Tome cuidado. — Ela encara o homem que já se levantava.
— Não se preocupe. Estou de olhos bem abertos. Estou indo. — Toco o ombro de Jack, antes de começar a me afastar com o homem que era um pouco menor do que eu.
***
Após sairmos do Cabaré, o segui, sempre mantenho uma distância segura, ficando atrás do homem, enquanto mantinha os meus olhos atentos.
Eu não conheço Suli, mas, com certeza, esse homem me levou para longe do Cabaré, e sei disso porque andei ainda mais do que antes. Eu estava em alerta com ele, mas também sei que lugares que vendem armas não ficam expostos em todo canto, pois se a guarda encontrasse, poderia fechar o lugar para sempre e prender seu dono.
O vento suave e levemente gelado do dia ensolarado, balançava a barra do meu vestido azul a um palmo e meio acima das minhas botas marrons.
— Fica logo ali. — O homem se vira para me olhar e aponta para uma virada que ficava entre duas construções velhas e, aparentemente, abandonadas.
Assinto, em silêncio.
Ele entra na virada antes de mim, e quando o sigo, percebo se tratar de um beco sem saída, repleto de caixotes velhos de feira.
— Não tem nada aqui. — Digo, parando atrás dele, que estava de costas para mim.
— Acho que já estamos longe o suficiente dos seus amigos. — O homem se vira, e seu olhar parecia mais fundo do que antes. Ele me olha da cabeça aos pés. — Que tal me deixar brincar um pouco com você e, no final, você me entrega essas moedinhas de ouro que tem aí?
Em seguida, ele sorri com seus dentes amarelados e tenta me agarrar, beijando meu pescoço. Meu corpo se arrepia em nojo e o empurro para trás, com força, o fazendo cair em cima de alguns caixotes que se partem.
— Fique longe de mim. Estou falando sério, seu porco. — Asperamente, passo a mão no lugar onde ele beijou, sentindo ainda mais nojo. — Eu deveria te bater.
— Bater? — Ele ri fraco, sem me olhar, enquanto afasta as madeiras quebradas, percebendo que a palma de sua mão havia sido cortada e estava sangrando. — Eu não queria usar a violência, mas você não está me dando escolhas.
O homem leva a mão machucada até seu cinto, e sei exatamente que ele procurava por sua pistola.
Ligeira, me viro para correr, mas acabo esbarrando em algo, ou melhor, alguém.
— Nem pense em fazer isso. — A voz grave ecoa por todo o beco, enquanto um dos braços do Capitão Hanna, rodeia meu tronco, me mantendo perto dele.
O encaro surpresa, sem nem o ter percebido se aproximar.
O homem magro volta a me encarar após escutar a voz do Capitão, e sua expressão muda no mesmo segundo. Seus olhos se arregalam e qualquer vestígio do seu sorriso nojento, some.
— Você é o Capitão Hanna? — O homem pergunta, visivelmente tenso.
Ainda me segurando, Taehyung me gira, colocando meu corpo atrás do seu.
— Pegue as suas coisas e dê o fora de Suli, porque se eu o ver aqui de novo, vou te matar, entendeu? — Até mesmo eu, sou capaz de ficar tensa com suas palavras.
Inclino minimamente minha cabeça para o lado, vendo por trás de suas costas, o homem assentir e se levantar com rapidez do chão.
— M-Me desculpe, Capitão. Eu não sabia que ela estava com você. — Ele abaixa sua cabeça rapidamente e sai correndo para fora do beco.
— Como sabia que eu estava aqui? — Pergunto assim que o homem amedrontado some de vista.
Taehyung se vira para mim com uma expressão séria.
— Estava por perto, resolvendo algumas coisas, e vi quando você o seguiu para dentro do beco. Por que fez isso?
— Eu me perdi dos outros e ele disse que me ajudaria. — Encolho os ombros e sorrio sem graça, torcendo para que ele acredite na minha mentira.
Ele suspira alto, fazendo seu peito inflar, marcando levemente a blusa branca que usava.
— Não confie em homens que não sejam o seu pai.
Assinto.
— Pode deixar, não vou. — Forço outro sorriso.
Ele me encara por alguns segundos e nega com a cabeça.
— Vamos. — Taehyung passa por mim e começa a caminhar pelo beco.
— Vamos? Para onde? — Corro para alcançá-lo.
— Você virá comigo e depois voltaremos para o navio.
Fico em silêncio, enquanto sinto vontade de suspirar, sabendo que enganar ele era muito mais difícil do que os outros piratas. Eu havia perdido a minha chance e nem ao menos sabia quando seria a próxima ancorada.
***
Lado a lado com o maior empecilho para o meu plano, caminhei por Suli até voltar para ruas movimentadas. Ele não me disse para onde iriamos, mesmo que eu perguntasse isso ao menos umas cinco vezes. Seu semblante não mudou, continuo sério e ele em silêncio.
Taehyung parecia chamar mais atenção do que Jungkook, provavelmente porque seu rosto está em cartazes espalhados por todos os cantos dos sete mares. Alguém capaz de amedrontar sem nem fazer algo, como aconteceu com o homem no beco.
Distraída nos meus próprios pensamentos, preciso virar com rapidez quando ele deixa de andar reto, quase me fazendo trombar com suas costas. Taehyung havia parado em frente a uma taverna chamada "Pó de Osso".
Assim que entramos no estabelecimento, o barulho de conversa alta, gargalhadas e música, nos recebe. Muitos homens e poucas mulheres bebiam e jogavam cartas.
A dois passos na frente, Taehyung começa a caminhar para o fundo da taverna, em direção a uma mesa mais escondida, onde Namjoon ocupava uma das cadeiras.
— Até que enfim você voltou. O que ela faz aqui? — Namjoon me encara confuso quando me sento do lado de Taehyung.
— Encontrei no caminho. — Ele apoia seu braço no topo da minha cadeira.
Namjoon me observa, mas acaba deixando de lado.
— E descobriu alguma coisa?
— Reno está em Suli. Vai estar aqui no horário de sempre. — Taehyung responde.
— O que vocês vão fazer? — Pergunto, fazendo os dois me olharem.
— Essa será sua segunda aventura como tripulante do Vingança, Serena. Primeiro, participou da invasão ao navio atacado pelo Capitão Infâmia, e agora participará de um acerto de contas. — Namjoon sorri.
— Acerto de contas? — Franzo meu cenho e ele assente.
— Um maldito porco está com algo que é meu, e agora irei pegar de volta. — Taehyung diz ao meu lado.
— O que é?
— Uma bússola. — Ele me encara.
— Uma bússola? Mas vocês já não têm uma?
— Essa é especial. Mas ele a perdeu após apostá-la em um jogo de cartas. — Namjoon ri, fazendo Taehyung o fitá-lo sério.
— Eu estava bêbado e ele se aproveitou.
— Se ele ganhou sua bússola nas cartas, então foi de forma justa. Você não pode roubá-la. — Taehyung me encara de novo e aperta os olhos, antes de inclinar seu rosto em direção ao meu.
— Não é roubo se a bússola é minha. — Ele fala tão próximo que sinto sua respiração atingir meu rosto.
Levanto as sobrancelhas.
— Isso é uma besteira.
Ele ri nasalado, de forma sarcástica, e se afasta.
A taverna se torna mais barulhenta e grito animados cumprimentam alguém que havia chegado.
— Bem na hora. — Namjoon fala e aponta com a cabeça para perto da porta, onde um homem alto e gordo entrava.
O homem estava acompanhado de mais dois, e começava a caminhar em direção ao único balcão do lugar, cujo o provável dono servia bebidas. E conforme andava e cumprimentava algumas pessoas pelo caminho, a bússola dourada e fechada balançava presa no seu cinto preto.
Espio Taehyung e o vejo estreitar os olhos enquanto observava com atenção o objeto.
— É agora. — Ele avisa, batendo as mãos na mesa e se levantando de supetão, fazendo Namjoon o seguir de forma desajeitada.
Permaneço sentada em meu lugar, vendo os dois se aproximarem do balcão. Algumas pessoas os acompanham com os olhares e Taehyung para atrás do tal Reno, cutucando seu ombro para que ele o olhe.
O homem que segurava um grande copo vira parcialmente, e quando percebe ser Taehyung, ele se vira por completo em sua direção. A taverna inteira fica em silêncio, até mesmo os músicos que param para observar a cena.
— Ora, ora, se não é o temido Capitão Hanna. O que quer comigo? Veio perder nas cartas de novo? — Reno provoca, fazendo seus dois companheiros rirem, assim como algumas pessoas por perto.
Noto as mãos de Taehyung se fecharem em punhos, ao lado do seu corpo.
— Devolva a minha bússola. — Taehyung estava de costas para mim, mas sei que sua expressão deve estar tão intimidante quanto sua voz.
Reno ri alto, jogando a cabeça para trás, e depois encara seus companheiros, antes de dar um gole em sua cerveja, batendo o copo de vidro no balcão.
— Todos aqui viram quando eu te ganhei nas cartas. A bússola não é mais sua. — Ele dá um passo em direção a Taehyung, deixando seu rosto bem próximo do dele. — Mas se faz tanta questão assim, por que não tenta pegá-la de mim? — Reno também deixa sua voz intimidante e, com isso, bastam apenas milésimos de segundos para que Taehyung acerte em cheio seu rosto com um soco, o fazendo cair no balcão e derrubar alguns copos, que quebram.
— Na minha taverna de novo não! — O homem atrás do balcão grita, fazendo assim, uma onda de gritos surgirem dentro do estabelecimento quando Reno parte para cima de Taehyung.
Os músicos voltam a tocar como se quisessem fazer uma trilha sonora para a briga.
Reno consegue acertar Taehyung com um soco também, o fazendo cair sobre uma mesa. Mas quando Reno tenta golpeá-lo de novo, Taehyung chuta sua barriga com a sola da bota, fazendo-o se curvar de dor.
Os dois companheiros de Reno tentam partir para cima de Taehyung, que consegue acertar um deles com uma cadeira de madeira, enquanto Namjoon cuida do outro, batendo tanto no homem que em questão de segundos ele já estava nocauteado no chão.
Me sinto um pouco nervosa por ver essa briga, e os gritos eufóricos de todos na taverna só deixavam as coisas piores.
Namjoon parte para cima do outro companheiro de Reno, enquanto ele volta a atacar Taehyung, o segurando e jogando seu corpo no balcão. Taehyung cambaleia um pouco e depois chacoalha a cabeça, quase pulando em cima do homem que tinha o dobro do seu tamanho, o derrubando no chão e acertando seu rosto com vários socos.
De onde eu estava, conseguia ver com perfeição sua mão fechada ser manchada com o sangue de Reno. Taehyung estava batendo no homem mais do que deveria.
Involuntariamente, me levanto da cadeira e tento me aproximar da briga, enquanto empurro para o lado algumas pessoas pelo caminho.
— Taehyung, chega! Assim você vai matá-lo! Pegue a porcaria da bússola e vamos embora! — Grito, no mesmo instante em que Namjoon e o outro homem quebram uma mesa quando caem sobre ela.
Paro de andar quando Taehyung me encara, e percebo o que acabei de fazer. Meu corpo gela por um momento e engulo em seco diante do seu olhar.
Ele para de bater em Reno e sai de cima do corpo dele, se levantando com raiva.
Ainda consciente e com dificuldade, Reno tenta se levantar do chão, apoiando-se em uma mesa que estava por perto; e é nesse momento que posso vê-lo aproximar sua mão da parte detrás de suas calças, debaixo do seu casaco. Os meus olhos se arregalam quando ele toca no cabo da pistola.
De forma exasperada, olho ao meu redor, temente pelo que podia acontecer e, assim, acabo pegando uma das muitas garrafas vazias distribuídas pelas mesas. Em seguida, corro em direção ao tumulto, acertando a cabeça de Reno com a garrafa, no instante em que ele saca sua pistola e aponta para Taehyung. A garrafa se parte e seu corpo fica mole antes de cair desacordado no chão, fazendo todos ao nosso redor vibrarem alto.
Fecho os olhos e respiro aliviada, soltando o gargalo quebrado que eu ainda segurava.
— Serena, isso foi demais. — Namjoon se aproxima, ofegante, após finalizar sua briga.
O encaro com desaprovação enquanto suspiro, pensando no tipo de vida que eu estava tendo agora. Antes, tudo que eu fazia era servir pães e rum na loja dos meus pais, e hoje, além de invadir navios, já me meti em uma briga de bar.
Taehyung se aproxima de Reno e puxa a bússola presa no corpo desmaiado.
***
Eu me pergunto, o que acontecerá? Se em uma semana eu já tive mais agito do que em dezenove anos, tenho medo do que possa me acontecer antes que eu fuja daquele navio.
— Aqui. Uma boa dose de rum cura qualquer coisa. — O dono na taverna surge atrás do balcão, entregando um copo cheio para Taehyung, que estava sentado na minha frente, enquanto eu tentava limpar o corte em seu supercílio. Isso parecia doloroso, mas ele não reclamou nenhuma vez.
— Desculpe pelo bar. — Taehyung fala, antes de beber o rum em apenas um gole, como se fosse água.
— Não se preocupe, Namjoon já cuidou de tudo. — O dono da taverna mostra o grande saco cheio de moedas.
A maneira contente como ele sorria, me fazia pensar que ele adorava as brigas do Taehyung, contanto que pagasse pelos prejuízos no final.
— Se você tinha tanto dinheiro, por que simplesmente não comprou a bússola do Reno? — Pergunto, enquanto passo delicadamente a parte molhada do pano sobre o seu corte.
— Você pode ficar quieta um pouco? — Ele ergue seu olhar para me encarar, já que eu estava de pé entre as suas pernas abertas na cadeira.
— Não, não posso. Ele ia te dar um tiro, sabia?
Taehyung dá de ombro, fazendo um som nasalado de deboche.
— Não é como se eu nunca tivesse levado um antes.
Paro de limpar seu machucado e o fito séria.
— E se você tivesse morrido?
Ele arqueia as sobrancelhas, fazendo seu machucado voltar a sangrar.
— Se eu tivesse morrido, essa seria sua chance de fugir. — Ele sorri fechado, de forma provocativa.
Sem saber o que dizer, volto a encostar o pano úmido no seu machucado, limpando-o com mais força, de forma proposital. Taehyung deixa um baixo suspiro de dor escapar e segura meu pulso, me impedindo de continuar.
— A bússola era do meu pai. — Ele expira com força, e eu arregalo os olhos sutilmente.
— A bússola era do seu pai e você a apostou em um jogo de cartas? É ainda mais idiota do que roubá-la depois de perdê-la. — Falo, incrédula.
Taehyung desvia o olhar e bufa alto.
Isso era inacreditável. Os piratas são tão irresponsáveis quanto dizem; eles invadem navios, roubam mercadores, se metem em brigas por qualquer motivo e ainda apostam coisas importantes em jogos de cartas.
— Taehyung! Serena! Hora de irmos! — Namjoon nos grita da entrada da taverna, acenando com a mão que segurava a bússola dourada.
— Acho que agora vai parar de sangrar. — Afasto o pano do seu machucado, o colocando sobre o balcão.
Taehyung se levanta sem pressa e, de forma inesperada, me prende no balcão entre ele, antes de aproximar seu rosto da curva do meu pescoço.
— Eu escutei quando me chamou pelo nome. Não pense que esqueci. Você pode ter me ajudado nessa briga, mas ainda terá o seu castigo quando voltarmos para o navio. — Ele diz perto da minha orelha, fazendo o meu corpo se arrepiar.
Taehyung se afasta lentamente e eu engulo em seco, paralisada no lugar. Ele ri nasalado e sai, indo para à saída da taverna.
Capítulo 6
Enquanto voltávamos para o navio, eu pensava em inúmeras tentativas de fuga, mas todas elas terminavam comigo morta. Mas, confesso que a morte não me pareceu tão ruim quando começamos a subir a rampa do navio.
Espio Taehyung algumas vezes pelo canto do olho, mas ele não estava prestando atenção em mim, e Namjoon parecia não saber o que estava acontecendo.
Quando terminamos de subir a rampa, Inez surge na nossa frente.
— Capitão, já fiz a contagem e está faltando cerca de treze tripulantes. O que houve? Andou brigando? — Ela pergunta assim que nota o corte no supercílio de Taehyung.
— Reúna alguns piratas e vão atrás deles. — Taehyung dá a ordem ao entrar no navio, sem responder à pergunta de Inez, que apenas assente e vai fazer o que ele pediu.
Quando vejo Taehyung e Namjoon irem em direção à porta da esquerda, no convés, onde eu sabia que dava para o seu quarto, me apresso a correr até o alçapão, dando de cara com Jack, que estava prestes a subir para o convés.
— Oh, meu Deus, você voltou! Pensei que estivesse morta, ou que foi vendida pra algum pervertido dono de algum prostíbulo. — Segurando nos degraus de madeira da escada, e com um saco de pano debaixo do braço, ela suspira aliviada.
— Desça. — Peço e olho ao redor, vendo os tripulantes se espalharem pelo convés. — Era enganação. Aquele cara queria me molestar, mas eu teria dado uma surra nele se o Taehyung não tivesse aparecido. — Confesso, assim que piso no chão do segundo andar do navio.
— Você encontrou o Capitão? — Jack me fita surpresa.
— Ele me encontrou. — Digo, e meto a mão dentro da minha bota, puxando o pequeno saco de moedas. — Acho que você vai enviar isso pra sua família. De qualquer jeito, não conseguimos mesmo. — Suspiro e entrego o saco de volta para ela.
— Nada disso. — Jack sorri para mim e coloca seu saco de moedas na bota, antes de abrir o saco que ela apoiava debaixo do seu braço, fazendo os meus olhos se arregalarem.
— Como você conseguiu isso? — Pergunto espantada, fechando o saco em suas mãos, enquanto olho ao redor para me certificar de que ninguém nos veria.
— As mulheres do cabaré. Você estava demorando demais pra voltar, então pensei que alguma coisa havia acontecido e, por isso, tentei me virar. Conversei com uma tal de Cayo, e ela acabou me dando essa pistola. Ela disse que todas as dançarinas e cantoras do cabaré têm pistolas para se defenderem, porque o cabaré é atacado por pervertidos com frequência. Lá, elas são daquele tipo de pessoas querem igualdade entre homens e mulheres, então quando eu disse que queria apenas me defender dos piratas, ela me ajudou.
— Eu não posso acreditar nisso! Nós conseguimos! — Completamente animada, abraço Jack, que ri. — Ficamos com a arma e com o dinheiro. — Sorrio abertamente para ela.
— Sim. Mas é melhor a escondermos logo. Dana está lá no quarto e já me perguntou ao menos umas duas vezes o que havia dentro desse saco. Eu disse que eram as minhas moedas e então ela falou que eu deveria guardá-las ao invés de andar com isso como se fosse o meu filho.
— Certo. Vamos levar lá pra baixo e esconder em alguma gaiola velha. — Digo e Jack assente.
Posterior a darmos uma checada no ambiente, corremos em direção ao alçapão que levava para o terceiro andar do navio e prisão.
Como já estava entardecendo, a prisão estava um pouco mais escura e, por isso, precisamos da ajuda de uma das lamparinas para iluminar o caminho.
Quando começamos a passar em frente as celas, onde algumas estavam abertas, me sinto surpresa ao ver que ainda haviam cinco prisioneiros aqui, pois pensei que todos ancorariam também.
Ignorando os olhares curiosos daqueles que estavam deitados e sentados sobre o feno que cobria o chão das celas, Jack e eu passamos em frente a todas até estarmos na parte das gaiolas e jaulas. Ao contrário dos cinco prisioneiros, não havia mais nenhum animalzinho no navio, eles levaram todos.
— Ali é bom. — Jack aponta em direção ao lado que eu estava, em um canto bem escuro e escondido.
Assinto para ela e pego o saco de sua mão, o ajeitando atrás de uma gaiola, que cubro com um pano velho.
— É tão escuro que nem dá para ver. — Digo, e Jack concorda.
— O que estão fazendo? — Uma voz feminina vinda das celas, pergunta.
Jack me olha alerta, e eu faço um gesto silencioso para que ela fique calma.
— Só estamos checando se todos os animais foram levados. — Saio de perto das gaiolas e me aproximo das celas.
Reconheço a mulher magra que se aproxima das barras da cela. Era a mesma que acordou com a voz alta daquele antigo prisioneiro que não estava mais aqui.
— O Capitão nunca mandou que checassem nada aqui. — Ela segura nas barras com seus dedos finos, fazendo assim, os outros prisioneiros se tornarem curiosos para nossa conversa.
— Bem, só estamos seguindo ordens. — Jack se junta a mim, parecendo um pouco mais tranquila agora.
A mulher aperta um pouco os olhos, como se quisesse nos enxergar melhor.
— Billy estava mesmo certo. Vocês não são piratas, são novatas. — Ela diz, e ficamos em silêncio. — Ele foi levado hoje. Nós nunca sabemos o que acontece com os prisioneiros que saem do navio. — Ela suspira de forma pesarosa, encarando o chão no mesmo momento em que o navio começa a se mexer.
— Sinto muito pelo seu amigo. — Falo, sincera.
— Esse é o preço de não seguir as ordens dessa porcaria de navio. — Ela diz de forma irônica. — Mas isso poderia mudar se vocês nos ajudassem a escapar daqui. — Ela nos encara com os olhos bem abertos, e os demais prisioneiros fazem o mesmo.
— É melhor irmos. — Jack segura no meu pulso e começa a me puxar para frente.
Encaro a senhora e depois os outros prisioneiros.
— Sinto muito. — Falo, antes de me afastar deles e ir em direção ao alçapão.
Paramos em frente aos degraus de madeira e Jack os ilumina com a lamparina.
— Deve ser horrível estar no lugar deles. — Suspiro pesadamente.
— É. E se você não quiser se juntar as eles, então é melhor subir isso rápido. — Jack aponta para os degraus do alçapão.
Assim que passamos pelo alçapão e voltamos para o segundo andar, nós duas escutamos passos pesados e vozes altas demais vindas do convés de cima.
Jack me olha desconfiança e, com isso, nós acabamos não voltando para o quarto, mas indo para o alçapão, que nos levou para a bagunça do convés.
Havia uma roda de piratas no centro do convés, onde alguns tripulantes estavam ajoelhados no meio.
Vejo Jungkook por perto, então me aproximo dele.
— Serena! Você sumiu. — Ele diz assim que Jack e eu paramos do seu lado.
— O que está acontecendo? — Pergunto, sem desviar meu olhar da cena.
— Esses novatos foram pegos tentando fugir e pedindo ajuda para os moradores de Suli.
Arregalo um pouco os olhos.
— E agora? — Jack pergunta.
— Agora eles serão levados para a prisão e ficarão lá até a próxima ancorada, ou até o Capitão resolver que eles andarão na prancha. Depende do seu humor nos próximos dias.
Os piratas que cercavam os tripulantes, os seguram pelos braços e os forçam a se levantarem. Em seguida, organizam eles em uma fila e os fazem descer o alçapão até que todos sumam de vista. Os poucos tripulantes e piratas que restaram no convés, ficam em silêncio.
Escuto um baixo assobio, e quando procuro por ele, vejo Taehyung parado no convés superior, manuseando o leme. Seus olhos estavam em mim.
Meu corpo fica tenso no lugar quando ele cochicha alguma coisa para Inez, que estava do seu lado, assim a fazendo descer para o convés debaixo e vir em minha direção.
— Venha comigo. — Ela segura no meu braço.
— Para onde? — Permaneço no mesmo lugar, tentando puxar meu braço para mim.
— O que está acontecendo? — Jack nos encara confusa.
— Por favor, não dificulte as coisas, Serena. — Ela diz, mas eu não me mexo.
Inez suspira alto e puxa o meu braço com força, fazendo meu corpo ir para frente em um tranco. Ela me arrasta para perto de um pirata que logo reconheço pelo tamanho e por sua careca.
— Stu, o Capitão pediu para amarrá-la no mastro.
— O quê?! — Olho assustada para a mulher de cabelos loiros e chapéu.
O mesmo pirata que já acertei com uma chaleira sorri de forma sórdida para mim, antes de me pegar pelas pernas e me jogar nos ombros.
— Me solta, seu idiota! Me solta agora! — Começo a me debater e acertar suas costas com socos e tapas, mas isso não o impede de caminhar para perto de um dos grandes mastros do navio, desenrolando uma corda presa que havia ali, antes de a segurar com uma mão só.
— Pode soltar a outra corda. — Ele diz para Inez que se aproximou. Em seguida, com isso, sinto o seu corpo deixar o chão e subir para cima com brutalidade e rapidez, como se fosse um tiro de canhão.
Completamente desesperada, grito quando somos lançados no ar em uma altura aterrorizante, fazendo todos embaixo ficarem pequenos. Tomada pelo exaspero de que cairíamos e morreríamos, fechos os olhos posteriormente a ver Jack correr para perto do mastro.
Sinto o impacto do corpo de Stu quando seus pés batem em algo que faz um alto barulho. E quando tomo coragem para abrir os olhos, percebo que estávamos dentro de um pequeno abrigo redondo que havia no topo do mastro, o ponto mais alto do navio. Segundos depois, Inez surge no ar, subindo da mesma maneira que nós. Seus pés também batem dentro no pequeno abrigo, enquanto ela apoiava um rolo de cordas nos ombros.
— Eu não sei o que você fez, mas agradeça que não está indo para prancha. — Inez joga o rolo de cordas no chão do abrigo e começa a desenrolar.
— Eu não vou ficar aqui! Me coloca no chão agora!
— Tem certeza? — Stu ri alto e faz menção de me jogar do mastro. Solto um grito e seguro com força em suas roupas sujas.
— Para com isso, Stu. — Inez o repreende, ao mesmo tempo em que se levantava do espaço apertado do abrigo. — Coloca ela aqui.
Stu me tira dos seus ombros e empurra meu corpo contra a larga coluna arredondada de madeira, enquanto Inez começa a passar a corda pelo meu redor, prendendo os meus braços e o meu tronco no mastro.
— Quietinha agora e obedeça às ordens do Capitão, piranha. — Stu sorri próximo ao meu rosto, me enchendo de raiva. Por isso, sem pensar duas vezes e antes que Inez termine de me amarrar, uso meu joelho para chutar bem no meio das pernas de Stu, fazendo ele se apoiar no abrigo, enquanto segura suas bolas amaçadas e geme de dor.
— Bem feito. Você mereceu. — Inez diz, começando a amarrar as minhas pernas, me deixando completamente imóvel. Ela podia ser uma mulher, mas conseguia apertar esses nós como um marinheiro velho. — Pronto, está feito. Vamos descer agora. — Ela se afasta o quanto pode de mim, checando se eu estava bem presa.
Stu me encara raivoso, com a rosto vermelho e olhos lacrimejados.
— Foi merecido, não tente revidar. Vamos logo. — Inez pega uma das cordas presas nas velas do mastro e entrega para Stu, enquanto ela mesma segura a outra.
— Por favor, não me deixa aqui sozinha. — Peço exasperadamente para Inez que, com um suspiro, pula do mastro, acompanhada de Stu.
Tendo a companhia apenas do forte vento daqui de cima e da chegada da noite, olho para baixo, vendo que Jack trouxe Dana e ambas estavam perto do mastro olhando para cima, e próximo a elas, estava Jungkook. No convés superior ainda estava Taehyung que, mesmo não podendo ver seu rosto, eu sabia que ele sorria.
Eu não posso acreditar no que esse maldito cretino fez.
— Aproveite a vista! Vai ficar aí até o café de amanhã! — Ele grita, em sua voz soa bem ao longe, quase baixa, me fazendo mergulhar fundo em uma grande onda de raiva.
Eu odeio piratas!
***
Meu estômago ronca pela sétima vez. Eu estava com tanta fome que até comeria aquela gordura pura que tem na cozinha.
Olho para baixo, vendo um pequeno pontinho acesso em meio a escuridão do navio. Era a lamparina daquele maldito pirata, ele havia trazido um barril para se sentar e me observar. Já estava ali a horas, só saiu para buscar o barril e, mesmo assim, foi rápido. Taehyung realmente estava disposto a tornar isso mais ruim do que já era.
O vento gelado me atinge mais uma vez, fazendo os meus cabelos loiros voarem para frente do rosto, atrapalhando minha visão, enquanto pinicam e coçam minha pele. Suspiro uma, duas, três, quatro vezes, e a cada suspiro eu ficava mais irritada.
Estava tudo planejado, enquanto estive presa aqui, eu pude pensar em como me livrar de cada um desses malditos piratas, começando pelo Capitão. Assim que essa porcaria de castigo acabar, eu organizarei um motim. Isso! Um motim! Vou me juntar com os prisioneiros do navio e os convencerei. Não vai ser difícil, os que estão presos há mais tempo já querem fugir, e os que foram mandados para lá hoje, devem estar tão furiosos quanto eu. E com o nosso motim, aqueles que também foram forçados a se juntar à tripulação, ficarão do nosso lado e, assim, seremos mais numerosos que os piratas.
Provavelmente vai fazer um mês que estou nesse navio, e já tive as piores experiências da minha vida. Não vou aguentar por mais tempo esses piratas me tratando como um vassalo. Vou embebedar Namjoon e roubar a chave da prisão e algumas armas, e as darei para os prisioneiros e, juntos, nós iniciaremos um motim e será o fim desse sequestro dos piratas, do quais farei questão de entregar à guarda do rei.
CAPITÃO INFÂMIA: EL ACUERDO
O Capitão estava com uma lamparina de óleo estendida bem perto do seu rosto, iluminando a porta que ele trancava. Ali dentro ficava a sua sala dos tesouros, abrigando as joias daqueles que ele matava e depois jogava no mar.
Quando deu a última volta da chave na fechadura, Jin sentiu o ar ficar mais denso e frio, como um rápido vento que passou por ele. Seus sentidos estavam atentos agora e, com calma, ele guardou a chave no bolso detrás das calças, antes de arrastar a mão para frente, puxando de dentro do cós, sua pistola.
Ágil como só ele era, Jin destrava sua pistola com apenas uma mão e se vira, apontando-a a arma para o ilustre visitante sentado em uma das cadeiras ao redor da mesa retangular.
— Quem é você? — Ele pergunta calmamente, sem medo.
O homem de cabelos loiros e lábios levemente rosados sorri abertamente, enquanto cruza suas pernas e apoia suas mãos na mesa da cabine.
— Capitão Infâmia... — O feiticeiro aperta os olhos em um olhar estreito. — Foi difícil te encontrar. O mar é gigante.
— Como entrou no meu navio? — Jin pergunta, enquanto coloca a lamparina sobre a mesa, mas mantém a pistola apontada em direção a Jimin.
— Eu sou um feiticeiro. — Jimin sorri de novo e movimenta seus dedos, fazendo a lamparina deslizar sobre a mesa até que esteja na sua frente.
Jin arqueia as sobrancelhas, acompanhando a lamparina deslizar por toda mesma.
— E o que está fazendo no meu navio, feiticeiro? Você precisa começar a responder as minhas perguntas antes que eu perca a paciência. — Jin puxa a cadeira da ponta, que ficava frente para Jimin, mas do outro lado da mesa. Ele se senta, apoiando o cotovelo na madeira e mantendo seu alvo na mira.
— Estou aqui para propor um acordo. — Jimin entrelaça os dedos e apoia o rosto nas mãos unidas.
— Pois então proponha. — Jin estava começando a se interessar pela conversa.
— Sei que você está procurando Atlantis.
— Todos estão. — Ele interrompe o feiticeiro, que sorri.
— Sim, todos estão. Entretanto, apenas você e outro pirata têm partes do mapa. — Jimin ri nasalado, fazendo o ar sair por seu nariz. — O seu irmão, Capitão Hanna, não estou certo?
Jin se recosta contra a cadeira.
— Sim, o meu irmão. — Um pequeno sorriso que não passa desapercebido pelo feiticeiro surge nos lábios de Jin.
— Bom, vou direto ao ponto. A minha querida sobrinha está a bordo do navio do seu irmão, e ela é... especial, assim como eu. — Era impossível não notar o desdém em seu tom de voz. — Mesmo sem perceber, ela está levando seu irmão até a sexta parte do mapa de Atlantis e depois levará até à sétima.
Jin inclina sutilmente a cabeça para o lado, enquanto aperta os olhos.
— Eu não quero que ela o faça, por isso, me ajude a impedir essa tragédia e, no final, você terá as sete partes do mapa.
— E o que te faz acreditar que confiarei em você? Por que me entregaria as partes do mapa que faltam? — Jin é filho de um pirata, ele foi ensinado desde cedo a desconfiar de tudo e todos, e não confiar em nada que não fossem suas moedas de ouro.
— Porque estamos firmando um acordo. O tesouro de Atlantis é grande o suficiente para nós dois. Eu te ajudo a chegar lá e nós dividimos tudo, meio a meio. O que me diz, Capitão? — Jin percebeu no sorriso de Jimin que ele estava mentindo, mas não importava, porque ele também mentiria. Deixaria o feiticeiro do mar lhe mostrar o caminho, e quando ele menos esperasse, mandaria sua cabeça direto para Davy Jones, e ficaria com o tesouro de Atlantis só para ele.
Antes de responder, os olhos de Jin captam a figura silenciosa se aproximando de Jimin. Ela vinha do convés, chegando cada vez mais perto das portas abertas da cabine.
O olhar de Jimin desvia do de Jin, assim que ele escuta o "click" da pistola e sente o cano da mesma encostar na parte detrás de sua cabeça.
— Só os ratos entram de forma silenciosa em um navio. — O pirata de expressão séria, diz com sua voz arrastada e grave.
— Tudo bem, Yoongi. Nós só estamos fechando um acordo. — Jin tranquiliza seu contramestre, seu pirata de maior confiança que, mesmo após abaixar sua pistola, o fita mal-encarado.
— Que tipo de acordo? — Yoongi escora seu braço na cadeira em que Jimin estava sentado, o encarando com desconfiança. O feiticeiro sabia que esse pirata era do tipo problema, um leal ao Capitão e que estaria de olho em tudo. Jimin precisaria ser cuidadoso com Yoongi.
— Depois te explico tudo. — Jin volta a fitar Jimin. — Vai ficar?
— Se não for muito incômodo. — Jimin sorri para Jin, e se fosse qualquer outro a receber esse sorriso, talvez diria que era um sorriso gentil e agradecido, mas isso não funcionaria com o Capitão Infâmia.
— Yoongi, por favor, prepare um quarto para o nosso mais novo convidado.
O pirata assente e guarda sua pistola no cinto.
Jimin se levanta e procura dentro do seu grande casaco preto, algo no bolso escondido.
— Essa aqui é Serena. Fique com esse retrato dela. É bom que saiba quem é ela quando a encontrarmos. — Apenas com o balançar dos dedos, Jimin faz o retrato flutuar até Jin. Yoongi fica surpreso com o que vê, mas não deixa que isso transpareça em sua feição.
Jin segura o papel dobrado, mas não o encara até que Yoongi leve Jimin para fora da sua cabine. O feiticeiro havia roubado aquele retrato de sua sobrinha após fazer uma pequena visita ao seu quarto, enquanto os pais dela dormiam e sonhavam angustiados com o paradeiro da filha desaparecida durante a invasão dos piratas a Marlli.
Assim que Yoongi fecha as portas da cabine, Jin desdobra o papel e encara o retrato da bela garota de longos cabelos ondulados e levemente texturizados como os das sereias que ele já encontrou pelos mares.
— Pois será você que me levará para Atlantis, Serena? — Jin sorri para o retrato, antes de guardá-lo junto às suas joias em sua sala dos tesouros, como o bem mais valioso que ele tinha a partir daquele momento.
Capítulo 7
— Serena, acorda!
A voz alta em meu ouvido faz meu corpo sobressaltar, enquanto abro os olhos de uma vez.
— O quê? — Olho assustada para os lados até que eu entenda o que estava acontecendo.
— Estou aqui pra te soltar. — Jungkook, parado do meu lado esquerdo com a mão apoiada no mastro, explica.
Pela boca solto o ar com força, fechando os olhos por um segundo.
— Já estava na hora. — Digo, enquanto sinto o sol da manhã me atingir e aquecer o meu corpo.
Algumas gaivotas sobrevoavam perto, fazendo barulho e acabando com a calmaria do novo dia.
— Fique quieta aí, vou arrebentar as cordas. — Jungkook puxa uma faca de dentro da sua bota e se agacha, começando a passar a lâmina nas tiras de linho até que se arrebentem.
— Por que aquele maldito fez isso comigo? Só por conta de uma droga de nome? O que tem de tão especial nisso? — Pergunto, e Jungkook me encara sobre os amontoados castanhos de seus cabelos. — Eu passei a noite inteira amarrada nisso aqui. O meu corpo está doendo e eu estou morrendo de fome. Você sabia que os pássaros podem te confundir com insetos quando tudo está escuro? — Encaro o pirata de forma incrédula, completamente irritada pela situação.
— Não é só por conta de um nome. O Taehyung tem uma posição dentro desse navio e por aonde navega, é a reputação dele e ela precisa ser respeitada. Todos têm que se lembrar que ele é o Capitão. Então, se passam a chamá-lo pelo primeiro nome, com o tempo, também perdem o respeito e começam a tratá-lo como se fosse alguém qualquer da tripulação. E é por isso que você não deve chamar ele de Taehyung, e sim, de Capitão Hanna.
— Mas você acabou de chamá-lo de Taehyung, e na taverna em que estivemos, me lembro de o Namjoon gritar o nome dele bem alto e claro. Tenho certeza que todos escutaram. — Rebato sua explicação, assim que ele liberta as minhas pernas.
— O nome dele não é um segredo, as pessoas sabem que o Capitão se chama Taehyung. Esse não é o problema, Serena. Você por acaso prestou atenção no que eu acabei de dizer? — Jungkook se levanta e me encara, antes de começar a cortar as cordas ao redor do meu tronco. — Você precisa respeitá-lo. Apenas aqueles que são muito íntimos podem chamá-lo de Taehyung e, mesmo assim, ainda precisa haver respeito. Namjoon e eu o chamamos pelo primeiro nome porque conhecemos Taehyung desde quando ele era pequeno, nós três crescemos juntos nesse navio. Essa é a diferença entre nós e você, entendeu?
Ele finalmente termina de me soltar, fazendo os pedaços cortados de corda caírem no chão do pequeno abrigo.
— Isso é uma besteira. Nunca escutei tamanha idiotice antes. — Bufo, ainda irritada, enquanto esfrego minhas mãos pelas partes do meu corpo que estavam doloridas pelo aperto das cordas.
— Você não entende porque não é uma pirata. Nossas leis são diferentes no mar. — Jungkook guarda a faca de volta na bota.
— E não estou nenhum pouco interessada em entender. Só quero sair daqui de cima. — Resmungo e me aproximo da borda do abrigo, olhando para baixo e vendo o convés vazio. — Como vamos descer? — Encaro Jungkook sobre os ombros.
Em um instante, ele pula para a borda do abrigo, agarrando uma das cordas das velas.
— Do jeito mais divertido. — Jungkook estende uma mão para mim, me fazendo recuar até bater as costas de volta no mastro.
Estou nesse navio por volta de um mês, mas já foi tempo suficiente para aprender o quanto Jungkook gosta de fazer coisas perigosas enquanto se pendura em uma corda.
— Não vou fazer isso. E se a corda arrebentar? — O encaro com descrença, e ele fazendo o cenho, assumindo uma careta.
— Eu já fiz isso milhares de vezes. A corda não vai arrebentar. — Sua mão continua estendida em minha direção, mas eu permaneço no mesmo lugar. Jungkook suspira. — Tudo bem, se quer continuar aí, então fique. — Ele segura a corda com as duas mãos e faz menção de saltar para fora do abrigo.
— Não! Espera! — Grito, me sentindo apavorada com a ideia de continuar aqui.
Jungkook me encara de canto de olho, e percebo o sorriso esperto que surge em seus lábios.
Fecho os olhos e expiro profundamente, antes de me aproximar da borda do abrigo.
Jungkook estende sua mão de novo para mim e, relutantemente, a pego, e com um puxão forte e ágil, ele me coloca sobre a borda do abrigo também. Os meus pés bambeiam sobre a fina linha circular, me dando a impressão de que eu iria perder o equilíbrio e cair, por isso, acabo abraçando Jungkook com exaspero, tentando não despencar. Ele ri e passa um dos braços ao redor das minhas costas, me segurando com firmeza contra ele, antes de saltar para fora do abrigo, me obrigando a fechar os olhos enquanto grito tão alto que posso acordar o navio inteiro. O vento passa rápido e forte ao nosso redor, ao mesmo tempo que o meu vestido levanta sutilmente e os meus cabelos voam para cima.
Quando nossos pés tocam o chão, sinto minhas pernas mais moles do que mingau. E assim que Jungkook me solta, faço questão de me jogar sentada no convés, suspirando de aliviada por estar inteira.
— Não foi tão ruim assim, não é? Com o tempo você acostuma. — Jungkook começa a prender a corda que usou para nos trazer para baixo, no final do mastro, no reforço cilíndrico.
Não digo nada, mas o encaro furiosamente, e ele ergue as mãos como se se rendesse.
— Certo. Vou avisar o Capitão que já te soltei. Você pode voltar para o seu quarto agora. — Ele diz, antes de se afastar e ir em direção a porta do lado esquerdo do convés.
Com um respirar cansado, me levanto do chão e caminho até o alçapão, sentindo as minhas pernas e outras partes do corpo arderem. Eu ainda podia sentir as cordas me apertando.
Entre muitos resmungos, finalmente consigo chegar na porta do meu quarto, a abrindo de uma vez, fazendo meu corpo cair para frente em um tropo nos pés.
Jack, que estava sentada sobre a cama vazia de Dana, salta sentada, quase derrubando tudo que havia na pequena bandeja na sua frente.
— Meu Deus, Serena! — Ela pula da cama, também tropeçando nos próprios pés. E Duque que antes estava na cama com ela, vem animado em minha direção, latindo.
— Fique quieto, você! — Fecho a porta e faço um gesto de silêncio para Duque, que para de balançar o rabo e abaixa as pequenas orelhas.
— Como você está? Está inteira? — Jack começa a me rodear, levantando as mangas do meu vestido e depois espiando por debaixo dele. — Olhe só os seus tornozelos! — Ela diz um pouco alto demais, erguendo a barra do meu vestido e depois abaixando as minhas meias, assim revelando algumas marcas avermelhadas na minha pele.
Me afasto Jack e me sento com força no colchão da cama de Dana, fazendo o leito dentro da pequena jarra sobre a bandeja, balançar. Pego o pão seco que já estava comido, e mordo um pedaço.
— Eu estou irritada. — Respondo, de boca cheia. — Cadê a Dana? — Olho cada canto do quarto, mas não encontro nenhum vestígio da mulher de cabelos vermelhos.
— Ela teve que ir preparar o café com outros tripulantes. Mas deixou essa bandeja para você, caso você voltasse antes dela retornar. Ela está muito preocupada. — Jack se aproxima e apoia a mão no balaústre da cama.
Enfio o restante do pão seco na boca, e depois tiro as minhas botas e meias de forma ruge, ficando descalça.
— Você parece bem irritada. Tenho certeza que foi horrível passar a noite lá em cima.
Duque se aproxima e começa a cheirar os meus pés, antes de lambê-los.
— Mas nada vai se comparar ao que eu pretendo fazer. — Respondo, de forma baixa e maquiavélica. Em seguida, pego a pequena jarra com leite e a viro em minha boca, bebendo praticamente tudo.
— E o que você pretende fazer? — Jack pergunta, me encarando desconfiada.
— Um motim. — Me levanto da cama de Dana e pego Duque do chão, antes de me aproximar do beliche.
— Um motim? — Jack quase grita. — Ficou louca? Isso não vai dar certo, Serena.
— É claro que vai. Eu já pensei tudo. Nós roubaremos algumas armas no quarto do Namjoon e depois nos juntaremos com os prisioneiros. E quando o motim começar, tenho certeza que outros sequestrados se juntaram a nós. — Começo a subir o beliche com Duque nos braços, e Jack vem atrás.
— Oh, meu Deus! Isso é loucura demais. — Sua voz era um pouco desesperada demais.
— Vai dar certo. Você só precisa se acalmar um pouco. — A encaro, vendo-a parada de pé em frente ao beliche.
— Mas nós já tínhamos um plano, se lembra? Pegamos a arma no cabaré e a usaríamos quando ancorássemos para procurar a próxima parte do mapa. Você mesma disse que os piratas estariam tão concentrados em procurar essa parte do mapa, que isso seria uma vantagem pra fugir.
— Isso foi antes do meu castigo. — Digo a palavra de forma debochada, ao mesmo tempo que, puxo o cobertor para cima enquanto me deito no beliche. — Vai dar tudo certo, eu só preciso descansar um pouco. Nos falamos mais tarde. Esteja pronta. — Cubro minha cabeça e Duque se ajeita perto de mim.
***
— Eu estou nervosa. — Jack sussurra do meu lado, enquanto saíamos do nosso quarto, deixando Dana e Duque dormindo para trás.
— Mas sou eu que vou embebedar ele. — Sussurro de volta assim que começamos a caminhar pelo corredor.
— Eu estou nervosa por você. — Jack me fita tensa.
— Eu já disse que vamos conseguir. Só quero nos tirar logo desse navio. Um dia eles nos amarram em um mastro e no outro fazem o quê?
— Eu nunca fui amarrada em um mastro, Serena.
— Você entendeu o que eu quiser dizer. — Seguro em sua mão e a faço andar com mais rapidez.
Quando saímos do corredor dos quartos femininos, trocamos alguns olhares sérios e nos separamos. Jack iria para a prisão conversar e preparar os prisioneiros para o que viria, enquanto eu iria até o quarto de Namjoon atrás da chave das celas e de algumas armas.
Respiro fundo me sentindo extremamente nervosa, enquanto ando na ponta dos pés, passando em frente a cada uma das portas do corredor. Eu estava tão tensa quanto Jack, mas não iria desmontar isso, ou ela poderia ficar ainda mais agitada e receosa.
Assim que paro em frente à porta do quarto que procurava, espio o corredor, me certificando de que ainda estava vazio. Como às oito horas todas as luzes do navio são apagadas e todos precisam se recolher, essa seria a hora perfeita para pôr meu plano em prática.
Dou leves batidas na porta e espero alguns segundos, mas nada acontece, então bato de novo e agora com mais força. E quando estava prestes a bater pela terceira vez, Namjoon finalmente abre a porta.
— Serena? O que faz aqui? — Ele coloca sua cabeça para fora do quarto, olhando para o corredor. — Eu estava prestes a tirar as minhas roupas para dormir.
Levanto as sobrancelhas.
— Você dorme tarde?
Ele coça a cabeça.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
Solto um falso suspiro.
— Eu passei por maus bocados e gostaria de beber um pouco para desestressar. O que acha? — Tento soar ingênua como se não tivesse uma segunda intenção.
Namjoon me encara surpreso e, logo em seguida, seus olhos passam por todo meu corpo, antes que, em silêncio, ele pense por alguns segundos.
— Claro. Acho que posso te ajudar nisso. — Ele sorri de forma libertina, antes de dar algum espaço para que eu entre no seu quarto iluminado pelas lamparinas de óleo.
Era sempre tão fácil, porque os homens não mudam nunca.
Caminho até à sua cama e me sento no colchão macio, olhando de forma discreta para o baú a pouco mais de um metro de distância de onde eu estava. Havia uma chave pendurada em um molho de chaves, enfiada dentro da fechadura do baú, e isso era tudo que eu precisava hoje.
— Eu, particularmente, não achei muito legal o que o Taehyung fez. — Namjoon diz depois de fechar a porta, me fazendo desviar a atenção do baú para ele.
O pirata caminha até o baú velho e reforçado, o abrindo e puxando duas garrafas de rum para fora. Ele as abre e me entrega uma.
— Você, por acaso, pensa que me engana? — O encaro com falsa severidade. — Todos vocês são piratas, e eu aposto essa garrafa de rum, que você também já fez coisas tão ruins como amarrar alguém no mastro.
Namjoon ri, antes de dar um longo gole em sua garrafa.
— Você me pegou, eu já fiz coisas ruins, mas poderia abrir uma exceção para uma belezura como você. — Ele me lança uma piscadela.
— Oh, por favor! Eu não vou cair nos seus "encantos" de pirata. — Falo de forma debochada, antes de fingir beber o rum.
Ele ri de novo, bebendo quase metade da garrafa. Acho que isso pode ser mais rápido do que eu pensava.
— Mas não custa nada tentar, não é mesmo? — Ele ergue sua garrafa no ar e dá mais um longo gole.
— Vai tentar para sempre então. — Finjo, de novo, tomar o rum.
Namjoon termina a primeira garrafa e logo está puxando a segunda para fora do baú.
— Estou começando a achar que aquele apelido de piranha vai além da sua aparência. Sua personalidade azeda pode ser como a de uma piranha mal-humorada.
— Só porque eu não cheguei aqui dando em cima de vocês? Sugiro que pare de me comparar com uma piranha se não quiser levar uma garrafada na cabeça.
Ele engasga com o próprio rum enquanto bebia.
— É disso que eu estou falando, belezura. — E lá se vai a segunda garrafa de rum, fazendo a terceira surgir logo em seguida. — Você bateu em Stu duas vezes, acertou Reno com uma garrafa e chamou o Capitão de Taehyung. Talvez você seja a mais perigosa nesse navio.
— Sou tão perigosa que passei uma noite inteira amarrada no mastro do navio. — Bufo, me sentindo um pouco irritada com a memória.
— Não leve para o lado pessoal. Um capitão precisa fazer aquilo que é necessário. — Namjoon dá mais um gole no rum, deixando a terceira garrafa pela metade.
Solto um som de desdém, mas não continuo com essa conversa, pois não precisava me irritar mais.
***
Após nove garrafas e meia de rum, Namjoon já falava de forma embolada e estava jogado contra os travesseiros da sua cama.
— Só eu... — Ele soluça. — Estou bebendo.
— Eu também estou. Mas você é muito melhor nisso do que eu. — Rio para ele, que ri ainda mais alto.
Namjoon balança suas mãos, fazendo um pouco do rum voar de sua garrafa, molhando o lençol branco e alguns travesseiros.
— Ops! — Ele soluça de novo, rindo de si mesmo.
— Esse navio está balançando muito agora, você não acha? — Pergunto, olhando ao redor de forma fingida. — Ele fica indo para os lados e depois para frente e para trás. — Começo a imitar os movimentos com os meus dedos, e Namjoon os acompanha com o olhar. — Às vezes, ele me faz ficar um pouco enjoada com tantos balanços. Você se sente assim também? — Encaro Namjoon, e ele tinha uma expressão de olhos bem abertos e a boca comprimida.
O vejo engolir a própria saliva.
— É... você está ficando enjoado agora? — Pergunto com falsa confusão, e ele assente. — Então, por que não dorme um pouco? Dormir sempre ajuda nos enjoos. Tenho certeza que quando você acordar, vai estar se sentindo bem melhor.
Me inclino em sua direção e puxo a garrafa de rum da sua mão. Namjoon ainda lutava contra uma feição contorcida e a vontade de vomitar, mas acaba fazendo o que eu sugiro. Ele agarra um dos travesseiros molhados de rum e fecha os olhos.
Coloco a minha garrava e a sua no chão, antes de cantarolar sem letra, uma música qualquer, o escutando resmungar de forma inaudível, enquanto se aconchega mais nos travesseiros. E, para minha sorte, minha voz parecia ter ajudado Namjoon a dormir mais rápido, pois logo o seu ronco de bêbado preenche o quarto.
Sorrio triunfante e me levanto da cama, indo até o baú. Me abaixo diante dele e espio Namjoon, antes de puxar a chave da fechadura e levantar a tampa velha, vendo entre mais garrafas de rum, algumas pistolas e punhais.
Meu sorriso fica ainda maior, por isso, me levanto empolgada e corro até porta, fazendo um pouco de barulho que logo me arrependo. De forma preocupada, encaro Namjoon, mas ele nem havia se mexido.
Abro a porta, encontrando Jack do lado de fora como combinamos. Checo o corredor vazio e faço um gesto de mão para que ela entre. Tensa e segurando um saco marrom, ela passa para dentro do quarto, e nos aproximamos do baú, na qual começo a retirar todas as pistolas e punhais, e a jogar dentro do saco nas mãos de Jack. Quando terminamos, fechamos o baú e nos apressamos a sair do quarto.
— Obrigada pelo rum, senhor pirata. — Falo para um Namjoon desacordado, antes de fechar a porta.
Jack e eu atravessamos o correr de quartos masculinos e fomos direto para o alçapão da prisão.
— Você conversou com eles? — Pergunto enquanto desço os degraus do alçapão.
Ela assente e pega uma das lamparinas ali, iluminando o caminho que fazíamos até que estivéssemos de frente para as celas, onde, todos seguravam nas grades e nos olhavam com expectativa.
Com um sorriso espero nos lábios, ergo o molho de chaves, deixando que eles vejam.
— Santo Deus! Vocês conseguiram mesmo. Eu não estava botando muita fé, mas vocês conseguiram. — A mesma mulher magra que conversou conosco da última vez em que estivemos aqui, coloca seu rosto fino entre as barradas enferrujadas, parecendo não acreditar no que via.
— Antes, preciso avisar que só soltaremos aqueles que se juntarem ao nosso motim. — Alerto e praticamente todos assentem.
— Eu estive esperando muito por esse momento. Vou adorar ver a cara do Capitão quando iniciarmos o motim. — Um dos prisioneiros diz, sorrindo como se tivesse encontrado um tesouro.
— Eu fui um dos que tentou fugir quando ancoramos. Pedi ajuda, mas os moradores daquela ilha tinham muito medo dos piratas para fazerem algo. — Um segundo prisioneiro fala, e alguns concordam com ele.
— Não sei dizer se isso dará certo. — Uma prisioneira interrompe, e logo a reconheço como sendo uma antiga moradora da minha cidade natal, Marlli. Também me lembro de a ver se oferecendo para Taehyung.
— Você não foi uma das que tentaram ficar com o Capitão? — Pergunto, franzindo o cenho.
Ela desvia o olhar, parecendo um pouco irritada.
— Esse é um jeito de se manter bem aqui nesse navio.
— Mas, pelo jeito, não deu muito certo, não é? — Ela me encara ainda mais irritada. — Não estou te julgando, só estou tentando mostrar que essa é sua chance de se livrar disso. — Aponto para a cela que a prendia.
Ela suspira pesarosa e assente.
— Certo, então vamos fazer isso logo antes que alguém acorde e nos pegue aqui. — Com a voz coberta pelo nervosismo, Jack coloca o saco marrom no chão e pega o molho de chaves da minha mão, começando a tentar abrir uma das celas.
Ela demora alguns segundos até encontrar a chave certa, escolhendo sete erradas antes, mas, assim que a cela se abre, Jack me encara com assombro, pois no segundo em que o primeiro prisioneiro foi solto, isso indicava que o nosso motim havia começado e não teria mais volta.
Capítulo 8
Quando uma grande parte já estava armada, combinamos que começaríamos a render todos, invadindo os quartos e emboscando os piratas de surpresa para que não tivessem a oportunidade de se armarem contra nós.
Já havíamos nos dividimos, uma parte no corredor das mulheres e a outra no corredor dos homens. Eu, como líder do motim, estava encarregada de ir atrás do Capitão. Todos me dariam algum tempo, e após exatos cinco minutos, o motim começaria, já que se rendêssemos Taehyung antes de todos, isso não o daria chance de fugir.
Eu estava nervosa enquanto caminhava pelo corredor escuro em busca do alçapão. Minha mão suava um pouco ao redor do cabo da pistola, enquanto carregava uma lamparina com a outra. Quando vejo o alçapão, acabo deixando a lamparina sobre um dos degraus, os iluminando para que eu conseguisse subir até dar no pequeno corredor de duas portas que eu conhecia muito bem.
Coragem, Serena. Nós vamos conseguir.
Repito como um mantra em minha cabeça, antes de apoiar minha mão na maçaneta reluzente. Por debaixo da fresta da porta, eu conseguia vislumbrar uma fraca claridade, então, talvez, ele ainda esteja acordado.
Completamente nervosa, giro a maçaneta, escutando o barulho da porta se abrindo. No fundo, eu esperava que ela estivesse fechada. Engulo toda a saliva e me obrigo a ter um pouco mais de coragem, assim, abrindo a porta de vez.
O quarto estava minimamente iluminado por apenas uma lamparina, mas eu ainda podia ver com perfeição o seu corpo encostado na cabeceira da cama, enquanto ele tinha as mãos atrás da cabeça de cabelos bagunçados. Ele não se importava com as botas sujas sobre a cama limpa, e muito menos com a camisa branca que estava completamente aberta, deixando a vista os músculos de seu tronco e a grande cicatriz que ia do começo do seu peito até quase o final do abdômen. Sua pele, levemente bronzeada pelo sol de todas as suas viagens no mar, parecia brilhar diante a luz vinda da lamparina, assim como o intenso olhar que ele sustentava em minha direção.
Respiro fundo e miro a pistola em sua direção com confiança, mesmo que eu estive completamente nervosa por dentro. Eu só precisava não deixar ele perceber isso.
— Estamos fazendo um motim, por isso, se levante da cama e venha comigo. E é melhor você não tentar nada ou eu atiro. Estou falando sério.
Mantendo seus olhos em mim, calmamente ele se levanta da cama e começa a caminhar para perto e, por um segundo, recuo um passo. E isso o faz rir sem humor e de forma nasalada.
Ele passa por mim como se eu não estivesse com uma pistola apontada em sua direção, e quando sai do quarto, a porta no final do corredor é aberta.
— Capitão! — Inez grita, e quando ela me vê, seus olhos se arregalam.
Jack surge amedrontada atrás dela, com uma pistola apontada para sua nuca.
Inez encara Taehyung e ele assente para ela, assim a fazendo sair com Jack.
Encosto o cano da pistola em suas costas largas, empurrando sutilmente seu corpo para frente.
— Ande e não tente nenhuma gracinha. — Falo, alto e firme.
Minhas botas batem no chão, fazendo barulho e acompanhando as suas, e o barulho se mistura ao amontoado de vozes altas que vinha do outro lado do corredor, seguido por alguns disparos e gritos.
Aos poucos, a luz da lua começa a nos receber, e logo entramos no convés, fazendo todos nos olharem.
Com força, seguro em um dos braços de Taehyung, enquanto aponto a pistola para sua cabeça.
— Se tentarem alguma coisa, eu atiro! — Aviso para todos os piratas que lutavam com os prisioneiros do motim.
Éramos em um número menor que os piratas, mas eu reconheci alguns rostos diferentes que pareciam terem se juntado a nós. Mas, grande parte da tripulação parecia apenas assustada no meio da grande confusão de socos, chutes, gritos e disparos.
Tendo Inez como refém, Jack me encara sem saber o que fazer, então, aponto com a cabeça para o convés superior, antes de puxar Taehyung até os degraus de madeira, quais, subo de costas para ter certeza de que não seria atacada.
— Eu preciso de uma corda! — Grito, e a prisioneira extremamente magra e de cabelos presos, faz menção de ir atrás, mas Stu a imobiliza. — É melhor deixar ela fazer isso! — Grito para ele, indicando Taehyung na minha mira.
Stu me encara enfurecido, mas solta a mulher, que corre entre todos no convés.
— Vem, aqui. — Chamo Jack, que começa a subir com Inez.
— O que vocês duas estão fazendo? — Uma voz familiar grita muito alto, e quando procuro por sua dona, vejo Dana atravessar o alçapão dos quartos.
Jack me encara com desespero, soltado Inez por um momento.
— Não! — Digo para ela, antes de encarar Dana. — Nos desculpe, mas precisávamos fazer isso. — Meus dedos se apertam ao redor do braço de Taehyung, enquanto minha voz sai mais baixa.
A prisioneira magra logo volta, e sobe para o convés superior com rapidez.
— Me ajude a amarrá-los aqui. — Indico as pilastras de madeira da barreira que havia no convés.
Empurro Taehyung para o lado e mando que ele se sente, e, sem pestanejar, ele me obedece; Inez acaba fazendo o mesmo.
Pego a corda que a prisioneira me entrega e começo a passá-la ao redor de Taehyung, enquanto ainda seguro a pistola.
O vento da noite rodopia, balançando sua camisa aberta, deixando seu tronco ainda mais exposto. Os meus olhos se perdem em sua pele descoberta por um segundo, antes que eu chacoalhe sutilmente a cabeça e comece a contornar seu corpo com a corda, dando alguns nós para prendê-lo.
Taehyung me encara de perto, com o rosto próximo ao meu, e quando o fito, ele sorri de lado, me fazendo afastar abruptamente.
Enquanto Jack e a prisioneira amarravam Inez, me levanto do chão. Me aproximo das pilastras do convés, ficando na frente do leme, de modo que, todos possam me ver.
— Estamos tomando o navio agora e o Capitão de vocês, está sob nossa posse! Então, é melhor que se rendam e nos obedeçam, caso contrário, ele vai morrer! — Por um momento, entre o aglomerado de pessoas, os meus olhos encontram os de Jungkook, que está sério, o que não era habitual em sua expressão sempre animada e descontraída. — Todos os tripulantes que se juntarem a nós, também terão sua liberdade de volta. E o resto... — Engulo em seco, ainda sentindo Jungkook me encarar, quase me fazendo sentir mal. — prendam todos os piratas. — Sem coragem de encará-lo, dou a ordem, suspirando de forma pesada.
A prisioneira conosco, desce para o convés inferior para ajudar.
— Vocês duas! Parem com isso agora! — Escuto a voz de Dana gritar de novo, e logo ela vem apressada para as escadas do convés superior.
Contorno o leme para tentar me aproximar dela, mas acabo tropeçando em algo, percebendo que Taehyung esticou sua perna propositalmente, me fazendo cair de joelhos enquanto solto a pistola que escorrega para o lado.
Olho da pistola para ele, antes de o ver forçar seus braços para frente, conseguindo se soltar de todos os nós que eu pensando estarem fortes o bastante para ele.
Tento me jogar para frente, mas Taehyung segura meu tornozelo, me puxando para trás.
— Jack, a pistola! — Grito, a encarando com exaspero.
Ela tenta correr até a pistola, mas Inez chuta a arma para longe, perto dos degraus onde Dana havia parado na metade, nos observando com choque.
— Dana, a pistola! Pega a pistola! — Grito assim que Taehyung me prende debaixo do seu corpo e ajuda Inez a se soltar, a fazendo ir agilmente para cima de Jack, que grita assustada.
— Te peguei. — Taehyung prende os meus pulsos contra o chão, enquanto sorri.
Me debato debaixo dele até conseguir nos rolar para o lado, ficando por cima.
— Parece que não. — Sentada sobre suas ancas, sorrio também, me levantando antes que ele me atrapalhe mais uma vez.
Escorrego para perto da pistola, vendo Dana ainda paralisada em seu lugar. E assim que os meus dedos tocam a arma, os braços de Taehyung passam ao redor da minha cintura, fazendo vários piratas gritarem no convés debaixo, enquanto se rebelavam contra os prisioneiros ao verem o seu Capitão solto.
Taehyung ergue meu corpo do chão, me levando para trás enquanto sacudo as pernas no ar.
Com apenas um braço ao redor da minha cintura, ele tenta arrancar a pistola da minha mão. Mas, assim que ele me coloca de volta no chão para me virar e tentar pegar a arma, vejo um dos piratas afastando Dana dos degraus, enquanto Inez fazia Jack de refém agora.
— Você já perdeu, então é melhor se render logo. — Taehyung rosna entre um sorriso de escárnio, me encurralando entre seu corpo e as pilastras do convés.
Me inclino para trás, sentindo as minhas costas penderem no ar e, por um segundo, quase o agarro quando penso que vou cair.
— Eu vou sair desse navio! — Grito, irritada, afastando sua mão da minha, conseguindo apontar a pistola em direção ao seu rosto, mas ele era muito mais forte que eu, e quando eu aperto o gatilho, ele empurra meu braço para cima, fazendo o tiro voar para as alturas.
Alguns tripulantes gritam.
— Você não pode fazer isso comigo! Não tem o direito de me manter aqui! — Grito quando ele consegue segurar o cano da pistola, a puxando rudemente da minha mão.
Taehyung me vira, passando um braço ao redor da minha cintura, enquanto encosta a saída da pistola no meu pescoço. Depois ele me obriga a andar para frente do leme.
— Meus queridos piratas, vocês sabem o que não pode ser tolerado de jeito nenhum em um navio pirata?! — Taehyung pergunta, encarando a confusão no convés de baixo.
Seu tronco descoberto encosta em minhas costas, deixando o meu corpo tenso, e seu braço se aperta ainda mais ao redor da minha cintura.
— Um motim! — Os piratas, que levavam a melhor nas brigas no convés, gritam em uníssono.
— Sim, um motim. — Taehyung aproxima seu rosto da minha orelha, falando as palavras perto demais.
O meu corpo inteiro se arrepia de forma ruim, enquanto engulo em seco, sentindo o gelado da pistola contra minha pele.
— E o que fazemos com amotinados?! — Taehyung pergunta, e logo um borrão rápido se balança na nossa frente, antes que Jungkook salte para dentro do convés superior.
— Mandamos para a prancha. — O garoto de olhos grandes e de cabelos castanhos, responde, enquanto me encara.
Taehyung ri atrás de mim.
— Preparem a prancha! — Ele grita e os piratas no convés inferior comecem a se mexerem para todos os lados.
Taehyung me arrasta em direção aos degraus, me obrigando a descer com ele, enquanto Inez trazia Jack atrás de nós.
— Todos aqueles que participarem do motim, também andarão na prancha! — Ele avisa, ao mesmo tempo que, começamos a passar pelo aglomerado de pessoas. — Tragam todos!
— Não! Por favor, Capitão, não faça nada com elas! Serena e Jack não fizeram por mal! — Dana grita de algum lugar, mas Taehyung não me deixar virar para vê-la.
Em uma das bordas do navio, uma prancha longa foi estendida, sendo segurada por dois piratas, e um deles era Stu, que sorria de forma desprezível para mim.
— Eu preciso de uma faca. — Taehyung fala, e logo um de seus piratas lhe entrega o objeto reluzente e afiado. — A segure por um instante. — Ele me empurra para Jungkook, que me prende com mãos fortes.
Calmamente, Taehyung sobe na prancha, parando no meio dela. Ele retira sua camisa aberta e, em seguida, usa a faca para fazer um corte em sua mão, não expressão qualquer feição de dor.
— O erro de vocês, além de terem iniciado esse motim — Taehyung encara a longa fila de prisioneiros presos por piratas que estava atrás da prancha. — foi terem feito um motim antes mesmo de saberem em que águas estão. — Ele sorri, enxugando o sangue que escorria de sua mão com a camisa branca, depois, a soltando em direção ao mar. — Nós estamos em Tiroy, um lugar conhecido pelos seus amigáveis moradores... — Seu olhar encontra o meu e era como se suas íris estivessem mais escuras agora, em um sombreado maligno. — Tubarões.
Bastam alguns segundos para que escutemos uma agitação vindo da água, e quando o olhar de Taehyung vai para baixo, Jungkook me leva até à borda do navio, me fazendo ver o alvoroço de bolhas ao redor da camisa manchada de Taehyung. As barbatanas acinzentadas saem para fora da água, seguidas por grandes bocas com dentes afiados que rasgaram o tecido em questão de segundos.
— Como Serena parece ter sido a responsável pelo motim, ela será a primeira. E que ela sirva de lição para qualquer um que pensar em me desafiar outra vez. — Taehyung caminha pela prancha, voltando para o convés.
Ele para na minha frente, sorrindo de um jeito que me fazia querer estapeá-lo muitas vezes.
— Se você fizer isso, nunca vai encontrar Atlantis. — Aproximo meu rosto do seu, falando entre os dentes.
— Acho que vou correr esse risco. — Como fez da primeira vez que me ameaçou, ele dá um rápido beijo na ponta do meu nariz, tentando me amedrontar. — Para a prancha!
Jungkook me empurra até que eu estivesse de frente para a tábua longa de madeira.
— Capitão, por favor, me deixe fazer isso. — Stu fala entusiasmado, quando me aproximo. E então, Taehyung joga sua pistola em direção a Stu e ele troca de lugar com Jungkook que passa a segurar a prancha.
Engolindo em seco, olho sobre os ombros, vendo a fila de prisioneiros assustados - contando com Jack - que me encaravam de forma apavorada.
— Anda, suba! — Stu me cutuca rudemente com a pistola, me obrigando a subir.
O meu coração acelera quando me coloco de pé na prancha, já não vendo mais os tubarões na água.
— Agora caminhe! — Stu dispara para cima, me assustando desprevenidamente.
Com as pernas medrosas, começo a dar curtos passos pela tábua de madeira, sentindo o vento da noite me atingir, assoviando ao meu ouvido como um aviso da minha derrota.
Escuto os passos de Stu atrás de mim antes que ele encoste o cano da arma nas minhas costas, me empurrando para frente até que eu estivesse na beirada da prancha. Metade dos meus pés pendem para fora, fazendo o suor gelado molhar minha nuca e as mãos.
As batidas do meu coração se aceleram, e o medo me abocanha por completo. Espio pelos cantos dos olhos, tentando encontrar uma saída. Mas, mesmo se eu conseguir contornar Stu, ainda haverá vários piratas armados prontos para acertarem, antes mesmo que eu consiga voltar para o convés.
Quando penso em pedir desculpar e implorar pelo perdão daquele maldito pirata que se diz Capitão do navio, escuto o barulho de mais um tiro, e uma dor extremamente forte e ardente surge na minha perna, que falha, fazendo o meu corpo cambalear para o lado e cair da prancha, enquanto escuto os gritos de Jack.
Os gemidos de dor nem têm tempo de saírem da minha boca, pois logo o meu corpo se choca contra a água gelada, me afundo na imensidão do mar. O vermelho do meu sangue mancha tudo ao meu redor, trazendo de volta os tubarões que nadavam por perto.
Em uma mistura de dor e desespero, tento nadar para cima, tendo dificuldades por conta do tiro em minha perna. Quanto mais eu me debatia mais eu afundava.
Um tubarão vem rápido em minha direção, me fazendo abrir a boca para gritar, mas apenas uma grande quantidade de água a enche, seguido por bolhas. O animal vai para baixo, encostando seu corpo nos meus pés, antes de começar a me empurrar para cima até que eu alcance a superfície.
Tusso incessantemente, engasgada, ao mesmo tempo que tentava puxar o ar para os pulmões. O tubarão permanece embaixo dos meus pés, como um suporte para que eu não afunde, e mais dois surgem do meu lado, mas eles não me atacam, apenas ficam parados na minha frente, como se me encarassem como humanos.
Cinco novo tubarões acinzentados emergem atrás dos que me encaravam, nadando com rapidez em direção ao navio, chocando seus corpos grandes contra o casco de madeira do navio até que ele começasse a balançar.
Com o peito subindo e descendo rápido, arregalo os olhos, não entendendo o que estava acontecendo.
— B-Bruxa! — Alguém grita do alto do navio, e quando olho, vejo todos me encarando com espanto.
— Ela é uma bruxa e está controlando os tubarões para que derrubem o navio e nos matem! Vejam, eles não a atacam! — Mais gritos vindos do alto.
— Capitão, a traga de volta para o navio antes que ela nos rogue uma praga! Um navio amaldiçoado por uma bruxa tem como destino o fundo do mar! — Inez surge do lado do Taehyung. Eu não podia ver com perfeição suas expressões, mas sabia que ela estava assombrada apenas por seu tom de voz.
Taehyung estava olhando em minha direção e, em mais um baque dos tubarões no casco, ele ergue sua mão em um gesto que seus piratas logo entendem, correndo para longe da borda.
— Lançar âncora! — Alguém grita, e todos se afastam, abrindo caminho para que o objeto reluzente seja jogado no mar, não muito perto de onde eu estava.
Tento me mexer e nadar até a âncora, mas minha perna dói agudamente.
— Droga! — Resmungo baixo, antes de sentir o tubarão embaixo de mim, nadar para frente, me levando com ele, assim me deixando de frente para a âncora.
Através da transparência limpa da água, observo o tubarão em forma de borrões tremeliquentos, enquanto ainda me sinto completamente surpresa e confusa sobre tudo que aconteceu.
Com um impulso para frente, seguro na corrente da âncora, me sentando de lado sobre ela, ficando com o corpo bem espremido. E, quando faço isso, os cinco tubarões param de atacar o casco de navio - que ganhou algumas rachaduras - e se afastam, nadando para longe. O tubarão debaixo da água também vai embora, e os dois que me encararam antes, o seguem.
A âncora começa a ser puxada para cima e, em segundos, já estou sendo colocada de volta no convés do navio. Uma grande roda se formou ao meu redor, acompanhada por olhares assombrados.
Jack estava de pé no começo da prancha, com certeza seria a próxima. Ela salta para o convés e corre em minha direção.
— Você está bem? — Ela me encara com tanta preocupação que me fazia sentir culpada.
Jack segura minha perna que ainda sangrava, a esticando com cuidado, enquanto sinto muita dor.
— Foi um tiro de raspão. — Um pouco aliviada, ela solta o ar pesadamente pela boca.
Encaro o corte pequeno, mas fundo em minha panturrilha, vendo a carne vermelha me saltar os olhos.
— Me ajude a levantar. — Peço e Jack assente.
Passo um braço ao redor do seu pescoço e, assim, nos levantamos juntas. Piso a perna esquerda no chão, sentindo todos os músculos dela arderem, mas isso não me impedia de andar, apesar de ser bem doloroso.
— Não! Não! Devolva ele!
— Capitão, veja o que eu encontrei!
A algazarra de vozes faz todos os olhares se desviarem de mim, indo até Dana, que subia pelo alçapão, tentando perseguir um pirata que estava com Duque em seus braços.
Os meus olhos se arregalam, e sem pensar muito, tento correr até o pirata, sentindo muita dor e sangue escorrendo na panturrilha.
— Me dê! Ele é meu! — Puxo Duque do colo do pirata sem um dos dentes da frente, quando Duque estava prestes a mordê-lo.
— Animais são proibidos no navio.
— Então todos vocês piratas sujos deveriam sair do navio. — Rebato, nervosa e com dor. E a minha expressão faz o homem se afastar.
— Bruxa. — Ele fala baixo, me encarando como se eu fosse algo estranho.
— O que você é?! — Sinto uma mão segurar meu ombro, me virando de um jeito rude. Era Inez e ela me encarava da mesma forma que o outro pirata.
Meu olhar vai dela para o de Taehyung, que estava a alguns passos atrás, me encarando de forma séria, completamente diferente de antes de me mandar para a prancha.
— Vocês todos já disseram, não é? Acho que sou uma bruxa. — Rio nervosa e sem humor, pelo nariz.
— O quê? Do que você está falando? — Dana se aproxima, me encarando confusa e preocupada.
Nesse momento, a ignoro e caminho para perto de Taehyung, parando na sua frente, enquanto o fito com todo ódio que tenho.
— Se você não quiser que eu amaldiçoe essa porcaria de navio, é melhor não mandar mais ninguém para a prancha. Estou falando sério. Você viu o que eu fiz lá na água. — Falo firme, impondo a minha voz sobre ele.
O maxilar de Taehyung fica rígido, assim como seu tronco despido.
— O cachorro vai ficar comigo e você não fará com ele, e nem com ela. — Aponto para Jack.
Taehyung estreita seu olhar.
— Tudo bem. — Ele dá um passo para frente e curva seu corpo, quase fazendo nossos rostos se tocarem. — Eu não farei nada com a sua amiga ou com o cachorro, mas nós estamos mudando a rota agora. Vou te levar até Darcy, a bruxa do pântano, e ela saberá me dizer a verdade. Então, eu espero mesmo que você seja uma bruxa, porque se estiver mentindo enquanto ameaça o meu navio e os meus piratas, eu mesmo me encarregarei do próximo tiro. — Sua voz sai baixa e grave, mas não me permito intimidar.
Aperto Duque em meus braços quando ele se encolhe, se sentindo intimidado por Taehyung.
— Levem o restante dos amotinados para a prisão. — Sem desviar o seu olhar do meu, ele dá a ordem.
— Não! Você não pode prendê-los mais! — Me apresso, enquanto vejo os piratas puxando os prisioneiros em direção ao alçapão.
— Meu acordo é com você. Além do mais, já prometi não machucar dois dos seus e isso é mais do que você merece. — Sua respiração quente acerta o meu rosto molhado, em um contrataste que me arrepia.
— Eu poderia trazer o próprio Davy Jones para esse navio agora.
— Você não consegue fazer isso. — Jungkook se aproxima, me encarando com desconfiança.
— Não me tente. — Ralho para ele, antes de me virar e me afastar, sabendo que Taehyung não cederia. Eu não tenho qualquer poder de bruxa para cumprir a minha ameaça, por isso, é melhor ir enquanto eles ainda acreditam na minha mentira.
Dana e Jack me ajudam a descer o alçapão, e depois me ajudam a chegar no quarto.
Quando estamos em segurança, Dana sai por um momento e depois volta com bandagem velha e uma garrafa de rum. Ela se agacha na minha frente e segura na minha perna, derramando o rum em cima do meu machucado, e um grito agudo de dor escapa da minha boca.
— Você estava naquela água com essa ferida, é preciso desinfetar. — Ela diz, antes de começar a enrolar a bandagem ao redor do machucado.
Duque vem para o meu colo, choramingando quando percebe minha expressão de dor. Ao menos agora não vou mais precisar escondê-lo aqui vinte quatro horas por dia.
Assim que termina, Dana se levanta e fica de pé na minha frente e de Jack, que estava sentada do meu lado.
— Qual o problema de vocês duas?! Um motim, é?! Meu Deus, eu acho que vou enlouquecer! — Dana grita abruptamente, nos assustando por um momento.
— Eu passei a noite inteira amarrada naquele mastro, eles mereciam e eu queria fugir desse navio. — Respondo, me sentindo chateada com seu tom de voz.
Dana suspira, antes de apoiar as mãos na cintura.
— Eu sei que deve ter sido horrível, mas você não pode esquecer que esse é um navio pirata, Serena. Você poderia ter morrido hoje. E se isso acontecesse, como você acha que os seus pais ficariam?
Desvio meu olhar do seu e encaro o chão. Duque choraminga mais uma vez.
— Eles já devem pensar que estou morta mesmo.
— Mas não está, e ainda pode vê-los algum dia.
— Nos desculpe. — Jack fala baixo e Dana suspira outra vez.
— E que história era aquela de bruxa?
Meu corpo molhado fica tenso, e de canto de olho, procuro o olhar de Jack.
— Quando a Serena caiu do mar... — Sua voz vacila, em um tom ambíguo. — ao invés de a atacarem, os tubarões a ajudaram. Se não fosse por eles, a Serena provavelmente teria morrido.
— O quê? — Dana arregala os olhos e enruga as sobrancelhas. — Do que ela está falando, Serena? Isso é verdade? Eu fui trazida para cá quando tentei impedir que levassem vocês para a prancha. Não vi nada disso.
Assinto fracamente, emburrando minha expressão como a de uma criança culpada.
Dana inclina levemente a cabeça para trás, tendo o mesmo olhar surpreso da tripulação.
— Mas... como?
Expiro alto e profundamente.
— Eu não sei. — Respondo, sincera, me sentindo completamente perturbada com o que aconteceu no mar.
LAÇOS DE SANGUE: EL PLANO
— Finalmente! — O feiticeiro exclamou um pouco alto demais, quando a imagem da bruxa do pântano surgiu dentro do pequeno espelho com bordas de ouro.
— O que você quer? — Ela pergunta, rispidamente, de dentro do espelho.
Este artefato mágico era um dos muitos que Darcy já havia feito. O espelho de ouro, em especial, permitia a qualquer um conversar com a bruxa, independente do lugar que estivesse. E, às vezes, Darcy se arrependia de ter dado o espelho para Jimin.
— Por favor, me trate com um pouco mais de carinho. — Jimin desdenha, apoiando os pés sobre a pequena mesa de madeira coberta por suas quinquilharias de feiticeiro.
— Diga logo o que você quer, estou ocupada.
— Ocupada devorando sapos e outros insetos asquerosos?
O rosto de Darcy se contorce atrás da venda, e se ela não fosse tão perdidamente apaixonada pelo feiticeiro, ela, com certeza, já teria o matado.
Percebendo que a bruxa não daria uma resposta, Jimin espia a porta fechada de seu quarto no navio do Capitão Infâmia, antes de fazer sua próxima pergunta.
— Onde ela está? — Jimin pergunta, enquanto rola um anel de pedra roxa pelos dedos.
— Mais perto do que você imagina.
Ele arqueia as sobrancelhas, sorrindo com a resposta.
— Então não vai demorar para que os navios se cruzem? — O feiticeiro ri baixo.
— Não. — A resposta de Darcy vem junto de um coaxar de sapo ao fundo.
— Isso é bom. Muito bom, na verdade.
— Por que você não vai até ela sozinho? — Darcy pergunta sem paciência.
Jimin encara o pequeno espelho, fitando a venda de Darcy.
— Serena não me ajudaria, ela não se lembra de mim e sei como pode ser difícil ganhar sua confiança, afinal, sou seu tio e sei como ela herdou essa característica irritante do meu irmão. — O desdém escorria do seu tom de voz, o fazendo sorrir logo em seguida ao pensar em como seu irmão estava agora: morto.
— É mais simples do que parece, Darcy. — Jimin lança o anel no ar, antes de pegá-lo de volta. — Só estou nesse navio imundo, porque preciso do Capitão Infâmia para encontrar as partes do mapa de Atlantis. Quando elas estiverem reunidas, vou fazer com que ele e seu irmão digladiem pelo que não terão, lutando até a morte. E então, nesse momento, eu coloco meu terceiro soldadinho em jogo. — Um sorriso completamente perverso pinta os lábios cheios do feiticeiro. — Como você sabe, antes de vir para essa ratoeira flutuante, eu fui atrás do rei e convenci a sua guarda a se juntar ao meu plano. Confesso que não foi fácil, o comodoro Jung tem um grande senso de justiça e não queria se unir ao Capitão Infâmia. Mas, quando eu prometi que tudo isso era apenas um plano para atrair o Capitão Hanna e, assim, prender os dois piratas mais procurados de uma só vez, o comodoro não pôde recusar a minha oferta.
Os olhos do feiticeiro vagam para longe, em pensamentos onde ele conseguia imaginar todo o seu plano perfeito se concretizando.
— Quando o comodoro entrar na briga com os piratas, ele com certeza vai tentar prender a Serena também, porque ela faz parte da tripulação do Capitão Hanna. E será nesse momento que eu a salvarei e contarei toda a triste história de como seu pai morreu por mãos humanas, enquanto tentava encontrar Atlantis. E como sendo o último desejo de seu pai, minha doce sobrinha vai me ajudar a encontrar Atlantis antes que eu a mate de vez.
— Árie não morreu por mãos humanas, você foi a causa da morte dele. — Darcy cospe as palavras através do espelho mágico.
— Isso é só um detalhe, minha querida. Não acho que Serena precise saber disso. — O feiticeiro fala de forma despreocupada.
Na mesma intensidade que o amava, Darcy também odiava Jimin, pois em todos os seus longos anos de vida, ela nunca conheceu ninguém tão cruel como o feiticeiro exilado dos confins do mar.
Capítulo 9
Já era a terceira vez que Inez esmurrava a porta do nosso quarto. Aparentemente, ela nos levaria para algum serviço matinal. Dana havia ido preparar o café, por isso, Duque ficaria sozinho aqui.
Mais alguns murros na porta e eu bufo, enquanto tento calçar minha bota marrom.
Jack passa do meu lado e dá duas batidinhas em meu ombro, antes de ir até à porta.
Amarro a bota de qualquer jeito e me abaixo para dar um beijo no topo da cabeça de Duque, que estava dormindo em sua gaveta/cama.
— Prontas. — Jack abre a porta, nos mostrando a imagem séria do Inez do outro lado.
A pirata faz um gesto de cabeça e se vira, começando a andar pelo corredor pouco movimentado. Ao segui-la, sinto uma leve fisgada em minha panturrilha machucada e enfaixada. Apesar de o corte do tiro de raspão doer bem menos hoje, ele ainda doía, mas, ao menos, eu conseguia andar normalmente.
Jack me encara, parecendo desconfortável. Seus ombros caem um pouco e sua expressão era pesarosa.
Ela dá um passo para frente.
— Inez... hm, me desculpe por ontem... por ter apontado aquela pistola pra você. — Jack diz baixo, segurando as próprias mãos e encolhendo os ombros de novo.
O corpo de Inez balança quando ela respira fundo, antes de parar e se virar para nós, nos fazendo parar também. Sob o seu olhar sério, Jack volta o passo para trás, ficando do meu lado.
— Eu não estou com raiva... — Ela expira forte, desviando o olhar sério. — Acho que posso entender o porquê de terem feito aquilo, apesar de achar uma ideia bem estúpida. — Ela nega fracamente com a cabeça. — Apenas fiquem na linha de agora em diante.
Assentimos silenciosamente e Inez se vira de novo, voltando a andar.
A pirata de chapéu nos leva para o corredor de quartos masculinos, onde, ao passarmos por alguns tripulantes e piratas, todos nos encaram com feições de desaprovação, como se fossemos uma praga. Bem, não os julgo por isso, eu já esperava esse tipo de reação.
Logo conseguimos avistar Namjoon parado em frente a uma porta velha e aberta.
Me sinto levemente nervosa ao vê-lo, mas, assim que seu olhar vai até o corredor e encontra o meu, eu fico completamente nervosa.
— Pronto. — Inez para em frente a Namjoon e aponta para nós duas. Ele assente para ela que, com isso, se afasta.
— Bom dia, Namjoon. — Jack cumprimenta, mas ele não responde, então ela fica um pouco sem jeito e acaba passando do lado dele, entrando.
Penso em cumprimentá-lo também, mas seus olhos castanhos que me encaravam tão seriamente agora, me diziam que era melhor continuar de boca fechada. Por isso, apenas sigo os passos de Jack e acabo entrando em um banheiro improvisado com muitos barris, penicos, panos, varais improvisados e vasilhas de aço.
Enrugo o nariz e minha cabeça se inclina um pouco para trás quando o forte odor me atinge como uma lufada fedorenta acompanhada de moscas barulhentas.
— Quanto tempo faz que não lavam isso aqui? — Jack fala com a voz estranha devido a estar tapando o nariz.
— É por isso que vocês estão aqui. — Namjoon continua de costas para nós, mas não tem como não perceber o desprezo em seu tom.
Encaro Jack, que me olha de volta. Ela afasta a mão do nariz e sorri minimamente fechado, antes de andar para onde estavam amontoados alguns utensílios de limpeza.
Com um longo suspiro pesaroso, me junto a ela para começarmos uma faxina nesse banheiro nojento.
***
Definitivamente essa estava sendo uma das limpezas mais demoradas que já realizei na vida. Parecia que não importava o que Jack e eu fizéssemos, o mau cheiro não ia embora.
Expiro alto, passando o antebraço na testa para afastar o cabelo loiro.
— Não aguento mais. Até parece que sujaram esse lugar de propósito. — Jack resmunga, agachada do meu lado, enquanto esfregávamos o chão de madeira, que cheirava a urina. — A água também já está acabando. Pensei em roubar um pouco daqueles barris ali, mas eles a usam para tomarem banho.
Encaro a pouca água que ainda tínhamos no balde e depois os barris, antes de me levantar e ir até à porta aberta.
— Namjoon, será que você poderia nos arrumar um pouco de água? — Pergunto, parada atrás do seu corpo alto.
— Não. — Ele me fita sobre os ombros apenas para responder isso e voltar a encarar o outro lado do corredor.
Suspiro, sentindo cada parte do meu corpo, cansada.
— Por favor, nós precisamos da água.
Ele finalmente se vira para mim.
— Isso não é problema meu. Apenas termine de limpar o banheiro.
— Tudo bem, Serena. — Jack diz atrás, ainda agachada onde limpava. Sua voz era um pouco suave, mostrando sua vontade de manter as coisas calmas e era uma pena eu não ser como ela.
— Não tiro o seu direito de me odiar pelo que fiz ontem com você, mas nós só estamos pedindo um pouco de água para terminar de limpar o banheiro.
As sobrancelhas de Namjoon se levantam e um sorriso debochado surge no canto de sua boca.
— Amotinados não merecem nada além do pior. Você deveria agradecer por estar viva depois de ter me roubado. — Ele praticamente cospe as palavras, antes de me dar as costas.
Eu realmente gostaria de ser como a Jack, mas já estou começando a perder a paciência.
— Eu também deveria agradecer por ter sido sequestrada e levada para longe da minha família que provavelmente pensa que eu morri? Deveria agradecer por ser forçada a me juntar a uma tripulação pirata? Deveria agradecer por ter ficado uma noite inteira presa em um mastro de navio? Eu nunca pedi pra estar aqui em primeiro lugar. Então você não pode me condenar quando eu tento fugir, mesmo que através de um motim idiota. Eu estava irritada.
O banheiro cai em um completo silêncio e eu percebo as costas de Namjoon ficarem tensas. Ele não se vira para me olhar ou retrucar, apenas se afasta da porta e some pelo corredor.
Aperto os dentes uns nos outros e volto para perto de Jack, que me encara com um semblante triste.
***
Quando finalmente terminamos de limpar o banheiro imundo, eu é que precisei ser limpada, em um “banho” feito de água em um barril e uma barra dura de sabão amarelado. Mas me senti muito melhor depois de limpar todos os vestígios nojentos daquele banheiro do meu corpo.
Sentada na cama de Dana e com Duque no meu colo, mexo os ombros em movimentos circulares para trás, ainda sentindo meu corpo doer pela faxina.
— O que acha que irmos lá fora? Fiquei tanto tempo presa naquele banheiro fedido, que preciso de ar puro agora. — Pergunto para Jack, que terminava de vestir sua roupa limpa.
— Tudo bem. Vamos fazer isso já que Dana ainda não voltou para o quarto.
Assinto e me levando com Duque nos braços.
— Vai levar ele?
— Todos já sabem que ele está no navio e o Taehyung prometeu não fazer nada, então vou levá-lo, sim. Duque, mais que ninguém, merece respirar um pouco de ar, passou todos os dias trancado aqui ou na prisão.
Com um olhar incerto, Jack me acompanha até à porta.
— Por favor, comece a falar “Capitão" ao invés de “Taehyung”. Nós não precisamos de mais uma confusão. — Jack me adverte antes que saíssemos.
Eu sei que preciso fazer isso, mas chamar alguém de Capitão é um pouco estranho para mim, uma vez que já sei seu nome verdadeiro. Por isso, sai de forma automática, pois minha cabeça já atrelou sua imagem ao nome.
Em meio a todos os olhares, Jack e eu fomos para o convés superior, onde havia muitos piratas com mais olhares desconfortáveis, ao menos para Jack, visto que eu apenas decidi ignorar. Embora, os olhares direcionados a mim eram mais dos tipos amedrontados, devido toda a história de ser uma bruxa. E tais olhares pareciam se intensificar ao verem Duque em meus braços e, contanto que não digam nada a respeito do meu cachorro, então todos poderemos ficar bem.
Caminhamos para perto da proa e nos escoramos contra a borda do navio, enquanto passávamos a observar a imensidão de água abaixo de nós.
Já era quase fim de tarde, com um vento fraco que apenas balançava nossos cabelos ao rodopiar pelo ar puro e fresco, cheirando a maresia, quase me fazendo sentir o gosto do sal. Isso me lembrava Marlli.
Duque fecha seus olhos, parecendo relaxado com a sensação, então aproveito para afagar seu pelo branco.
— Jack, eu queria me desculpar por ter te metido naquela confusão toda. Eu sei que você está chateada com a maneira como Namjoon nos tratou, ou os olhares da tripulação. — Digo, escutando minhas palavras se misturarem ao som do vento.
Jack suspira e me encara, antes de apoiar os braços na borda do navio, se inclinando.
— Está tudo bem, não precisa pedir desculpas. Você não me obrigou a nada, Serena. Eu estava tão desesperada quanto você para sair desse navio. — Ela confessa, rindo baixo pelo nariz, enquanto seus cabelos balançam. — Na verdade, acho que deveríamos continuar com o plano.
— O quê? — A fito de forma espantada.
— Deveríamos tentar fugir quando ancorássemos para procurar a parte do mapa, como combinamos a princípio. Não quero passar o resto da vida presa nesse navio. Já pensou ter que lavar banheiros como aquele todos os dias? — Ela faz uma careta de desgosto.
— Isso se sobrevivermos depois da visita até a tal da bruxa do pântano. — Lembro, e Jack arregala os olhos.
— Eu já tinha me esquecido. Acho que morreremos antes mesmo de fugirmos. — Rio de seu exagero para descontrair, mesmo que, no fundo, eu temesse exatamente por isso.
Capítulo 10
— Então — Cruzo os braços, observando os baldes cheios de água, os escovões, os panos e o sabão em pedra, postos no começo do corredor feminino —, o que vamos limpar hoje?
— Os quartos. — A pirata parada de frente para Jack e eu, responde.
— Os quartos? Todos? — Jack pergunta, com os olhos levemente arregalados.
— Sim.
Uma risada nasalada me escapa.
— É sério? Deve ter mais de dez quartos nesse corredor. É muita coisa. — Digo.
— Só estou seguindo ordens. — Inez responde e se vira, saindo sem nos dar tempo de retrucar.
Fecho os olhos e respiro fundo, tentando me acalmar, o que parecia impossível.
— Aquele maldito canalha de uma figa. — As palavras me saem entre os dentes, enquanto sinto minha paciência ir para o espaço.
— Serena, se acalme. Apenas vamos fazer isso logo, ou ficaremos aqui o dia todo. — Jack suspira, se agachando para juntar alguns panos e escovões.
Me acalmar? Me acalmar uma ova. Eu estou possessa e só queria poder jogar aquele maldito da prancha direto para todos aqueles tubarões. Ele nem faz questão de esconder que tudo isso não passa de uma retaliação por conta do motim.
Como um literal balde de água fria para acalmar os meus nervos, vários esguichos de água me saltam o rosto e as roupas de forma completamente desprevenida.
Com surpresa, encaro Jack, que ainda estava agachada e também estava molhada, parecendo tão espantada quanto eu.
— O que foi isso? — Pergunto.
— Não sei. A água simplesmente saltou do balde como se tivesse ganhado vida. — Ela passa a mão pelo rosto, tirando o excesso de água.
Isso é completamente estranho.
— Acho que já estamos enlouquecendo nesse navio. — Suspiro alto e pego na alça de um dos baldes, agarrando dois esfregões e os arrastando para perto da primeira porta.
Juntando o resto, Jack vem atrás de mim. E assim que abro a porta, me deparo com uma gloriosa bagunça de roupas e lençóis espalhados por toda parte.
— Nem a cama elas arrumaram. — Resmungo enquanto coloco um dos baldes para dentro do quarto.
— Acho que arrumar uma cama é a última das suas preocupações em um navio pirata. — Jack suspira também, entrando no quarto.
***
Me jogo no chão, ao lado de Jack, me sentando.
— Nunca pensei que poderia me sentir mais cansada do que ontem. — Dobro as pernas, trazendo os joelhos para perto do tronco, enquanto checo a atadura na minha panturrilha. Ela estava um pouco manchada de sangue e o corte ardia. Eu realmente não vejo a hora desse machucado se curar.
— Pense pelo lado positivo, ao menos não estava cheirando a urina de pirata. — Jack estica um dos braços e usa o outro para alongá-lo, ao mesmo tempo que faz uma careta de dor.
Rio baixo e sem humor.
— Eu daria tudo pra estar trabalhando na padaria dos meus pais agora. Pelo menos lá as companhias eram agradáveis, ao invés de te jogarem de um navio ou de atirarem em você.
— Se um dia conseguirmos mesmo fugir desse navio, me arrume um emprego na padaria dos seus pais. — Ela fala de forma sôfrega e cansada.
Apenas assinto, antes de ficarmos em silêncio por alguns minutos.
— Vocês duas, já terminaram? — Inez surge como um fantasma, assuntando Jack, que se inclina para o lado.
— Sim, já acabamos. — Jack responde, levando uma mão até o peito, tentando se acalmar.
Inez balança a cabeça de forma positiva.
— Certo. Vou avisar ao Capitão então. — Dessa forma, ela se vai tão rápido quanto veio.
Jack joga a cabeça para trás, encostando o topo dela na parede do corredor e suspirando uma, duas, várias vezes.
— Sabe sobre o que estive pensando desde ontem? — Jack pergunta, sem me encarar.
— O quê? — Viro minha cabeça para o lado, de modo que pudesse fitá-la.
— Dos prisioneiros. — Ela faz uma pequena pausa. — Nós fomos as únicas que se safaram. E ainda fizemos alguns tripulantes irem presos também por nos ajudarem no motim.
Desvio meu olhar para o chão, sentindo o peso da culpa.
Isso definitivamente foi algo que estivesse pensando também.
— Se vamos manter o plano de fugirmos quando ancorarmos, talvez pudéssemos tentar levar os prisioneiros conosco. O que acha?
Jack me encara.
— Você acha que daria certo? — Ela pergunta.
— Nós não sabemos nem se o nosso plano de fuga dará certo. Mas podemos tentar. Devemos isso a eles.
Jack assente.
— Você está certa. — Ela faz uma pausa e encara o final do corredor. — Você acha que conseguiríamos ir lá agora? Eu me sentiria um pouco melhor se conversássemos com eles. Talvez pensem que os jogamos lá e depois os esquecemos, quando, na verdade, somos as culpadas de tudo isso.
— Podemos tentar. Já terminamos tudo mesmo. — Digo, já me levantando.
Jack se levanta também, e depois organizarmos tudo que usamos para limpar os quartos, antes de deixarmos o corredor e, de forma escondida e atenta, vamos para o alçapão da prisão.
Como de costume, Jack pegou uma das lamparinas e usou para iluminar nosso caminho até que estivéssemos em frente as cenas, onde poucos prisioneiros ainda estavam acordados. E, em uma conversa baixa, nós nos desculpamos com os eles, que não pareciam nos odiar, mas estavam confusos quanto ao que aconteceu no mar. Jack tentou mudar de assunto, sabendo que isso era algo confuso até para mim, e foi dessa forma que nós dissemos, sem prometer, que iriamos tentar ajudar cada um deles a sair dessa prisão.
Fomos breves e não nos estendemos, pois não poderíamos nos descuidar tanto, por isso, logo estávamos voltando para o andar de cima, se não fosse por Jungkook, que surgiu no outro lado do alçapão assim que começamos a subir os poucos degraus de madeira.
— O que estavam fazendo lá embaixo? — Ele pergunta assim que passamos pelo alçapão.
— Nada. — Respondo.
Seu semblante endurece e ele franze as sobrancelhas.
— É proibido zanzar pela prisão sem permissão. — Seus olhos se estreitam para nós duas. — Talvez eu devesse falar com o Capitão sobre isso, quem garante que não estão tentando planejar mais um motim?
— Não estávamos planejando outro motim. — Jack se apressa a dizer, abanando as mãos em frente ao corpo.
— Então o que estavam fazendo lá embaixo? — Seu tom de voz aumenta, tentando soar mais intimidador.
— Se continuar falando desse jeito, já sabe o que eu faço com esse navio. — Também deixo meu tom de voz intimidante.
Jungkook fica extremamente sério, enquanto suas sobrancelhas mudam de franzidas para levemente levantadas.
— Venham comigo. — Ele se vira e começa a andar.
— Para onde? — Pergunto.
— Para a próxima tarefa de vocês. — Sem nos olhar, ele vai até o outro alçapão.
— Mais uma tarefa? — Jack me encara descrente e com os ombros caídos de cansaço.
Acabamos por seguir Jungkook para a parte de cima do navio, onde pudemos ver Taehyung no convés superior, manuseando o leme e tendo duas mulheres agarradas aos seus braços, enquanto Namjoon estava escorado entre uma das pilastras de madeira do navio, bebendo uma garrafa de rum.
Não haviam tantos marujos aqui, mas os poucos que tinham, estavam arrumando as cordas e as velas do navio.
Jungkook já nos esperava de pé do lado do alçapão.
— Vão limpar o convés. As coisas estão ali. — Ele aponta na direção da única porta do convés, onde mais instrumentos de limpeza estavam apoiados.
Enrugo as sobrancelhas.
— Alguém por acaso vai nos ajudar? — Jack pergunta, de forma descrente.
Jungkook nega, em silêncio e com uma feição séria.
— Você está louco? Olha só o tamanho desse navio. — Eu realmente estava incrédula.
Jungkook se inclina levemente em minha direção.
— São ordens do Capitão, então é melhor obedecer. — Ele fala entre os dentes.
Bufo como se fosse um dragão prestes a incendiar tudo e olho em direção ao convés superior, antes de passar por Jungkook, indo até à escada de madeira.
— Serena! Serena, espera! — Jack grita e eu a escuto vindo atrás de mim.
Quando começo a subir a escada, Jungkook agarra meu braço.
— Me solta. — Puxo meu braço, mas ele não solta, então começo a arrastá-lo para cima comigo, criando um pequeno tumulto que logo chama a atenção de todos no convés superior.
— Serena! Serena! Calma! — Jack entra no pequeno bolo quando consigo me aproximar de Taehyung.
— Eu já falei pra me soltar! — Grito para Jungkook, que não se abala.
Taehyung se afasta do leme e se solta das duas mulheres, se virando para mim. Namjoon, atrás dele, para de beber seu rum e fica atento.
— Poder soltar ela. — Taehyung diz para Jungkook, que o obedece.
Taehyung me encara, esperando que eu fale o motivo da baderna.
Dou alguns passos firmes em sua direção até que esteja tão perto dele que quase o toco.
— Capitão — Descarrego o tom de voz cheio de desdém. — até quando vai ficar agindo feito um maldito cretino?
Taehyung arqueia as sobrancelhas.
— Por favor, seja um pouco mais específica, Serena. — Ele sorri fechado, de forma tão cretina quanto ele, o que me deixa ainda mais irritada.
— Acha que não percebi que tudo isso que você vem nos mandando fazer, não passa de uma vingança?
Seu sorriso fica maior que antes.
— Se está reclamando das tarefas, saiba que todos aqui têm suas obrigações. Você já dorme e come de graça no meu navio. — Ele maneia a cabeça levemente para o lado, me encarando como se isso fosse divertido.
Aperto os meus dentes, assumindo uma expressão tão irritada que faz com que as duas mulheres se afastam mais de Taehyung, ficando para trás.
— Eu não pedi para estar aqui com você! — Falo um pouco alto demais.
Taehyung se curva, inclinando seu rosto em direção ao meu.
— Mas você está, por isso, é melhor seguir as minhas ordens. — Sua respiração acerta o meu rosto.
— Eu não vou limpar o convés. — Rebato, firme, ao mesmo tempo que um barulhento trovão eco pelo céu.
— Você vai sim. — Seu rosto se aproxima mais e uma ventania nos rodeia de forma forte.
— Capitão, não acho que seja uma boa ideia para ninguém ficar aqui no convés. — Namjoon vem para perto, tocando Taehyung no ombro. — Parece que um temporal se aproxima.
Namjoon faz com que todos nós encaremos o céu por um segundo, vendo as nuvens cinzas e carregadas, iluminadas vez ou outra por alguns clarões.
— Estava um belo dia até pouco tempo. Que estranho. — Uma das mulheres comenta, enquanto segura o braço da outra que estava do seu lado.
Mais um trovão sacoleja o céu e mais vento sacoleja nossos corpos.
— Aproveite a água da chuva e lave você mesmo a porcaria do seu convés. — Esbravejo, sem esperar por uma resposta de Taehyung, pois, no segundo seguinte, me viro e seguro na mão de Jack, a puxando para longe comigo, enquanto esbarramos em Jungkook.
Espero que esse temporal seja tão raivoso quanto as minhas emoções, e afunde essa porcaria de navio e acabe com todos nós de uma vez por todas.
O PÂNTANO
O navio havia acabado de ancorar e a porta foi abaixada, servindo de rampa. Namjoon, Jungkook e Inez estavam logo atrás de Serena, enquanto Dana e Jack estavam no quarto, lá embaixo, provavelmente se corroendo de nervosismo pelo que aconteceria a garota de olhos azuis como o oceano.
Serena também estava nervosa, ela não podia negar. Sua mentira estava prestes a ser descoberta e ela não tinha um plano para isso, mas, talvez, se perdurasse em sua falsa confiança, ela conseguiria convencer a tal bruxa do pântano que era com ela. Pelo menos, era nisso que Serena acreditava.
— Cuidem do navio. Não iremos demorar. — Taehyung diz para os três atrás, antes de começar a descer pela rampa, sendo esse o sinal para que Serena o acompanhasse.
Com o estômago ansioso e o corpo nervoso, ela começa a seguir o Capitão e eles descem a rampa do navio, saindo no cais que estremece com o peso dos corpos. Taehyung não se importa e continua andando sobre o balançar das madeiras, enquanto Serena se mantinha atenta e com medo da estrutura lascada desmoronar a qualquer segundo.
Quando atravessam todo o cais, ambos dão em frente a uma ponte ainda menos confiável que o cais. Ela parecia estar ali por anos e era a única maneira de passar por cima do pântano esverdeado que borbulhava, ao mesmo tempo que cheirava a coisas mortas.
O céu estava tão cinzento quanto nos dias anteriores de temporal, e o vento frio trazia consigo o barulho dos sapos e insetos que surgiram quando os dois saíram da ponta e começaram a se aproximar da velha cabana cercada de mato alto.
Serena coloca as mãos sobre os próprios braços, por cima das mangas do vestido azul, na intenção de se proteger da ventania desagradável. Por outro lado, Taehyung, que estava a alguns passos na frente, não parecia se importar com a camisa aberta em quatro botões, ou com os cabelos que se bagunçavam debaixo do pano amarrado na sua cabeça.
O pirata toca a porta de madeira e, no mesmo segundo, do lado de dentro, Darcy ergue sua cabeça em direção à porta fechada, mesmo que soubesse que eles haviam chegado assim que o navio ancorou no cais. Taehyung empurra a porta sem dificuldades, entrando na cabana escura e mal iluminada por velas. Serena entra logo depois, sentindo todos os pelos do seu corpo se eriçarem. Ela achou tudo tão estranho, mas nada se comparou com a bruxa atrás do balcão, pois Serena a achou especialmente estranha, enquanto se perguntava como enganaria aquela mulher, já que elas não se pareciam em nada.
— Meu querido! Há quanto tempo não vem me visitar! — Darcy fala de forma animada, sorrindo para o pirata que se aproximou do balcão de madeira rachada.
— Preciso de um favor, Darcy. — Taehyung apoia os cotovelos no balcão.
— Só assim mesmo para me visitar.
— Me desculpe. — Taehyung ri baixo e Darcy o acompanha.
— Tudo bem, mesmo que esteja aqui por um favor, sua presença já me agrada bastante. — A bruxa não mentiu, ela realmente gostava dos piratas, porque eles eram pessoas tão detestadas quanto ela. — Mas me diga, no que posso te ajudar dessa vez?
Os olhos de Taehyung desviam da bruxa e vão para o canto, como se ele pudesse ver Serena, que se manteve parada perto da porta, se perguntando se conseguiria sair correndo e se esconder em algum lugar do lado de fora.
— Trouxe uma alguém comigo. Ela tem feito um grande caos no meu navio e se diz uma bruxa agora, mas eu tenho minhas dúvidas sobre ela estar mentindo. Ela não é do tipo confiável. — Taehyung debocha, enquanto sorri.
— E você a trouxe para que eu lhe diga a verdade? — As sobrancelhas da bruxa se arqueiam atrás da venda suja.
— Sim.
A cabeça de Darcy se movimenta, e se ela não estivesse de venda, seria como se desviasse o olhar de Taehyung para Serena.
— Venha aqui, minha querida, se aproxime. Eu posso sentir o cheiro doce e suave que emana de você. — Darcy faz um gesto de mão.
Incerta, mas sabendo que não tinha outra opção, Serena começa a andar sobre o chão que range, acompanhando o coaxar dos sapos que saltavam em uma poça de água dentro da cabana.
Quando Serena para ao lado de Taehyung, Darcy espalma suas mãos no balcão, deixando a amostra suas unhas longas e sujas.
— Você tem uma bela prisioneira dessa vez, Capitão. — Darcy sorri para Serena, que quase dá um passo para trás, mas se mantém no lugar, pois precisava fingir confiança.
— Como pode dizer isso se nem está me vendo? — Serena pergunta com tom de voz não tão confiança, na verdade, a presença da bruxa a causava calafrios.
— Não preciso te ver para saber o quão linda você é, querida. — Darcy estica sua mão e toca o rosto de Serena, encostando a ponta de sua unha debaixo do queixo dela.
— E então? — Taehyung encara Darcy.
— Ela não é uma bruxa. — Darcy responde sem pestanejar.
O corpo de Serena se eriça mais uma vez e ela sente o desespero surgindo dentro de si, assim, como também sentia o olhar de Taehyung queimando sua pele.
— Contudo, não a mate, como planeja. — Darcy arrasta seu corpo o lado, fazendo seus cabelos emaranhados balançarem. Ela se agacha para ficar perto de Taehyung que estava inclinado no balcão. — O que você tem aqui, é algo muito mais poderoso que uma bruxa. — Lentamente sua cabeça se inclina e a venda está virada em direção a Serena como se a encarasse. — Essa garota é sua passagem de ida para Atlantis, Capitão.
— O quê?! — A palavra sai dos lábios de Serena antes mesmo que ela possa se conter. Apesar de estar fingindo por todo esse tempo sobre saber a localização das partes do mapa de Atlantis, tudo não passava de uma mentira.
— Não se espante, minha querida. — Darcy se arrasta para perto de Serena agora. — Você é alguém muito especial e logo descobrirá isso. Na verdade, eu acho que já está descobrindo, não é mesmo?
A bruxa não precisava falar muito mais para que Serena a entendesse e que momentos como o dos tubarões no mar, a atingissem em cheio, fazendo seu corpo se eriçar pela terceira vez.
— O destino de vocês não se cruzou à toa. Ambos ainda descobrirão muitas coisas juntos. Apenas tomem cuidado.
As palavras rodeavam a cabeça do Capitão e de Serena que, apesar de não entenderem o que a bruxa dizia agora, podiam sentir uma estranha sensação os correndo por dentro. E foi dessa forma que eles deixaram a cabana de madeira de Darcy, a bruxa do pântano.
No segundo em que a porta da cabana se fechou e eles pisaram no chão úmido do lado de fora, debaixo do céu cinza, Taehyung segurou Serena pelo pulso, a puxando para perto até que seu nariz tocasse no dele por um momento, antes que ela se afastasse.
— Parece que ainda teremos algum tempo juntos. Mas não se preocupe, porque eu tornarei nossos dias bem mais divertidos a partir de hoje. — Taehyung diz baixo para que apenas Serena escute.
— Pirata cretino. — Ela ralha, o empurrando para trás, querendo se afastar dele, mas o Capitão apenas sorri tentado ainda mais a provocá-la.
— Minha bela sirena del atlantis. — Ele ri traiçoeiro, antes de deixá-la sozinha para trás com o coração acelerado e a pele arrepiada como a de uma garota que estava prestes a se apaixonar por quem não deveria.
Do lado de dentro da cabana, Darcy sorria, quase rindo, sabendo que não havia como mudar o porvindouro. Nem os planos de Jimin, nem os planos dos piratas, e nem os planos de Serena mudariam o que aconteceria em um futuro que se aproximava rápido como um corcel.
Capítulo 11
Sinto o corpo pequeno e peludo de Duque rolar por cima do meu rosto quando um forte tranco faz tudo balançar, derrubando as coisas dentro do quarto, que se partem em baques altos, ao mesmo tempo que quase caio de cima do beliche.
Abro os olhos de uma vez e me sento, olhando de maneira assustada ao meu redor.
— O que foi isso? — Pergunto quando vejo Dana sair de sua cama. Ela tinha os olhos arregalados e uma expressão assustada.
Sinto o beliche se movimentar quando Jack acorda, mas assim que ela coloca sua cabeça e uma perna para fora do beliche debaixo, o navio balança fortemente de novo, seguido de um barulho extremamente alto. Jack se desequilibra e cai para fora do beliche e algumas lamparinas desligadas também caem no chão, se partindo em vários pedaços. Dana precisou se segurar no balaústre da cama e eu tive que agarrar Duque para que ele não rolasse pelo colchão.
Gritos começam a ressoar do lado de fora do quarto, junto de passos apressados e pesados, para segundos depois a porta ser aberta por Inez, que parecia ter se arrumado correndo, pois ainda usava uma blusa de pijama.
— O navio está sendo atacado! — Ela avisa, e eu posso ver algumas mulheres correndo atrás dela, pelo corredor.
— O quê?! — Jack salta do chão. — Isso de novo não, por favor! Só vivi um ataque ao Vingança, mas não gostaria de revivê-lo! — Ela leva as mãos até à cabeça de forma completamente exasperada, assim como seu olhar arregalado.
Dana estava estática com as mãos ainda agarrando o balaústre, ela parecia ter virado uma estátua assustada.
Outro barulho alto acerta o navio, fazendo Jack cair outra vez e todos termos que nos segurar em nossos lugares para não irmos ao chão.
— Serena e Jack, venham comigo! Dana, vá para a prisão e se esconda, lá é o lugar mais seguro do navio agora!
— Por que elas irão com você? — Dana finalmente tem alguma reação. Ela se levanta da cama, falando de forma apressada.
— O navio está sendo atacado! Nós vamos precisar de toda ajuda necessária! Os mais fracos irão para a prisão! — Inez falava e olhava para o corredor repetidas vezes, como se esperasse uma carruagem passar.
— Não! Não! É muito perigoso! Serena ainda está se recuperando de um ferimento! — Dana quase gritava.
O semblante de Inez fica sério e ela olha mais uma vez para o corredor.
— Eu sinto muito, Dana! Mas, nesse momento, vamos precisar de toda ajuda possível! Te prometo que elas ficarão na retaguarda, nada da linha de frente! Agora, vamos! — Ela grita sua última fala tão alto que me faz pular do beliche de cima com Duque nos braços.
Apesar do meu machucado na panturrilha já estar secando, ainda sinto um leve incômodo com o impacto do pulo.
— Cuide do Duque por mim, por favor! Nós voltaremos a salvo! — Deixo meu cachorrinho nos braços de Dana, antes de beijar-lhe a testa, me sentindo agradecida por ter alguém como ela se preocupando comigo nesse navio.
Jack se aproxima incerta, mas eu a seguro pela mão e corro com ela até à porta, fazendo Inez sair.
O lado de fora era um verdadeiro caos com muitas mulheres correndo pelo corredor. Mas o pior veio depois, já que assim que saímos da ala feminina e entramos no espaço ocupado por redes e coisas cobertas por panos, eu finalmente descobri o que havia debaixo daqueles tecidos brancos encardidos. Enormes canhões estavam sendo disparados a todo momento por piratas e tripulantes distribuídos por ali.
— Fogo! — Namjoon grita atrás da fileira de piratas e tripulantes que manuseavam os canhões com bocas apontadas para pequenas aberturas na parede do navio, como se fossem janelinhas escondidas.
Os disparos faziam o navio tremelicar e os estrondos eram bem altos.
— Preparar canhões! — Namjoon grita mais um comando e logo todos começam a repetir o processo de inserirem as grandes bolas de munição e ajeitar as pólvoras.
Mas, antes mesmo que eles tenham a oportunidade de dispararem mais uma vez, o lado esquerdo é atingido por um tiro de canhão que deixa um buraco no navio, quase acertando alguns piratas por perto, os fazendo soltarem as bolas de munição que acabam por rolarem pelo chão.
— Vamos! — Inez grita, já perto do alçapão.
Jack e eu corremos atrás dela até o convés superior que conseguia estar em um maior estado de caos que o andar debaixo.
Todos aqui corriam de um lado para o outro, segurando armas e empurrando alguns canhões. Disparos de todos os lados em meio aos tripulantes que foram recrutados.
Entre a névoa da noite escura, era possível vislumbrar um navio bem perto do Vingança, sendo iluminado apenas quando as pólvoras dos canhões e armas eram estouradas, nos permitindo enxergar nada além de sombras agitadas do outro lado.
No convés superior, Taehyung, com as roupas amassadas e a camisa completamente aberta, deixando a grande cicatriz em seu tronco a amostra, segurava firme no leme, tentando levar o Vingança para longe do navio que nos atacava.
— Aqui! Peguem todos! — Inez surge com mais três piratas que começavam a distribuir armas.
— O quê?! Pra que eu preciso disso?! — Quando uma pistola é entregue para Jack, ela se desespera como se fosse a primeira vez ao segurar uma.
— Para se defender. Não é porque irá ficar aqui atrás, que não precisa de proteção. Dessa vez, nós estamos dando e você não precisa roubar. — Inez diz apressada e me entregue uma pistola também, antes de continuar distribuindo o restante das armas.
Jack salta para trás quando alguns piratas e tripulantes do nosso lado são acertados por tiros, e as bolas de canhão chacoalham o navio de novo e de novo, fazendo todos cambalearem.
Taehyung forçava todo seu corpo no leme, mostrando que era um trabalho difícil conduzir o navio para longe. E no mesmo instante em que o Vingança faz uma pequena curva, ganchos afiados engancham nas bodas dele, fazendo assim, o navio inimigo se aproximar com mais rapidez para perto de nós, exatamente como Taehyung fez da vez em que invadimos o navio supostamente fantasma.
— Hanna! Apareça, seu pirata miserável! Ou eu afundarei seu navio e matarei todos os seus vagabundos do mar! — Alguém grita do navio inimigo, mas não consigo ver nada além das sobras dentro do nevoeiro. Assim como penso que eles também não conseguiam nos ver direito.
Não demora até que algumas tábuas, servindo de pontes, sejam apoiadas nas bordas do Vingança, interligando os navios. Então, logo homens fardados, segurando mosquetes, surgem correndo pelas tábuas.
Os piratas do Vingança disparam desenfreadamente e acertam alguns dos homens que vão para o mar, mas eles também são acertados, fazendo com que alguns inimigos consigam entrar no Vingança.
Os meus olhos se arregalam assim que reconheço a farda dos inimigos.
— Por saquear, matar e sujar os mares com sua imundícia de pirata! A mando do rei Dominique XI, estou aqui para prender aquele conhecido como Capitão Hanna! E levarei toda sua tripulação de vagabundos do mar junto! — Fardado de preto e verde-escuro, um homem de roupas bem alinhadas e limpas surge por entre o nevoeiro, caminhando de forma calma pela tábua entre os navios. Com suas mãos cobertas por luvas brancas, ele segurava uma pistola e uma espada.
O navio fica em silêncio e todos param de atirar.
— Comodoro, Jung Hoseok! É uma honra recebê-lo em meu navio! — Taehyung salta do convés superior para o convés em que estávamos.
Havia um grande sorriso em seu rosto de olhos cobertos por cabelos desalinhados.
Ele caminha de forma calma - também - por entre os piratas e tripulantes, e o comodoro do rei pula para dentro do Vingança em um contraste enorme de aparência e roupas entre os dois, como da realeza para a ralé.
— Estou aqui na sua frente agora. — Taehyung leva a mão até o canto da cintura em busca de sua pistola, ao mesmo tempo que uma espada é jogada em sua direção por Jungkook, deixando Taehyung armado de igual para igual com o comodoro.
Taehyung dá dois passos para trás e abre os braços.
— Prenda-me se for capaz, comodoro! Tem tentado por todos esses anos e nunca conseguiu! — Taehyung sorri desprezível, antes de se curvar em um gesto zombeteiro e exagerado de boas maneiras, o que desperta toda a fúria do comodoro que parte para cima dele, fazendo todo o navio imergir em uma guerra.
Os tripulantes gritavam de pavor, enquanto os piratas e soldados do rei gritavam de euforia.
As espadas de Taehyung e do comodoro se chocavam muitas vezes, fazendo o barulho das lâminas em atrito, acompanharem o som dos tiros dos mosquetes e pistolas.
Jungkook atirava em todos que tentavam se aproximar Taehyung, impedindo que atrapalhassem sua luta. Inez, do outro lado do navio, jogava no mar a maior quantidade de soldados que conseguia, tendo a ajuda de alguns piratas por perto.
Namjoon sobe para o convés, olhando atento para todos os lados, parecendo analisar o que acontecia antes de atacar.
Os soldados começam a atirar em nossa direção, acertando quem estava na frente e, assim, os tripulantes começam a correr para o alçapão, quase derrubando Jack e eu, que não conseguíamos ficar paradas. Estico meu braço para ela e com esforço ela consegue segurar minha mão. Então a puxo para perto de mim, passando seu corpo por entre os tripulantes amedrontados.
— Serena...! — Jack arregala os olhos e aponta sobre meus ombros, com o dedo tremendo.
Tento me virar no meio do aglomerado de tripulantes e quando consigo fazer isso os meus olhos também se arregalam ao verem um soldado apontando um mosquete para Namjoon sem que ele perceba, devido ao grande caos.
Penso em gritar, mas se eu fizer isso, então, com certeza, o soldado atiraria logo em seguida. Por isso, solto a mão de Jack e começo a andar apressada por entre os tripulantes que me empurram para trás. Me desespero quando percebo que o soldado leva o dedo até o gatilho e, em uma medida aflita, jogo minha pistola em direção à cabeça de Namjoon, fazendo o cabo acertar sua testa e impulsionar seu corpo para trás, ao mesmo tempo que, a bala passa rente ao seu rosto, tão perto que deixa uma pequena risca de sangue em sua bochecha bronzeada. Desta forma, no segundo seguinte, alguns piratas atiram no soldado quando percebem o que aconteceu.
Me desvinculo dos últimos tripulantes que me prendiam e corro até Namjoon. Ele estava com uma marca vermelha na testa e com sangue manchando sua bochecha.
Namjoon me encara com espanto e eu o encaro com medo de toda essa confusão no navio, sem conseguir acreditar no que quase acabou de acontecer.
— Obrigado. — Ele pisca os olhos algumas vezes e sua voz sai baixa e assombrada.
Não tenho tempo de respondê-lo, já que ele passa seu braço ao redor da minha cintura e me vira com rapidez, cobrindo meu corpo com o seu, enquanto atira para trás, acertando dois soldados que se aproximavam de nós com mosquetes prontos para nos matarem.
Minha respiração falha, enquanto meus braços ficam prensados contra o tronco de Namjoon. Meu coração dispara de forma incômoda e meu sangue parecia gelado nas veias, efeito de todo o medo e ansiedade que começam a me despertar.
Namjoon não me solta e eu inclino sutilmente a cabeça para o lado, a tempo de ver a briga que se desenrolava a poucos metros de nós, do outro lado do navio. O comodoro acerta a lateral do abdômen de Taehyung com sua espada, o fazendo cambalear para o lado e levar a mão até o corte que pinga muito sangue.
Taehyung dispara algumas vezes contra o comodoro, tentando afastá-lo, mas ele era como uma peste que cortava o vento em movimentos rápidos e habilidosos. O sangue no corte de Taehyung escorria por entre seus dedos e sujava sua espada, fazendo as gotas deslizarem por toda a lâmina até pingarem no chão do navio.
Ver isso me deixa em um estado caótico de exaspero, que se intensifica quando o comodoro consegue se aproximar de Taehyung. Jungkook percebe e tenta ir ajudar seu Capitão, mas ele é apanhado por alguns soldados e isso é o bastante para fazer Namjoon me soltar e ir correndo libertá-lo.
Com mais alguns passos para trás, o corpo de Taehyung encosta na parede de madeira do convés superior. Seu peito desnudo subia e descia com rapidez, e o sangue não parava de escorrer de sua ferida, da qual ele apertava com muita força.
Hoseok sorri de forma vil, como se sentisse o gosto da vitória e então se aproxima ainda mais de Taehyung de forma extremamente perigosa que faz meu coração e corpo temerem pelo pirata.
Minha respiração fica surpreendentemente alta e desregular, e a pistola em minha mão tremia tanto que escorrega por meus dedos suados e cai no chão. O navio começa a balançar para os lados de forma sutil e ninguém parece perceber além de mim. Um arrepio ruim corre minha espinha e o navio balança com mais força, fazendo alguns piratas e soldados pararem e olharem espantados para o mar assim que gotas de água começam a invadir o Vingança.
O navio parece começar a navegar sozinho, em movimentos fortes, mesmo que ninguém esteja manuseado o leme. Mais água pinga para dentro dele, agora em quantidades grandes. Um tranco abrupto faz muitos caírem para frente e para trás, como Taehyung e o comodoro. Era como se o Vingança estivesse sendo empurrado igual a um navio de brinquedo, por uma criança.
Soldados e piratas rolam pelo convés, mas isso não acontece comigo, não sinto o meu corpo perdendo o equilíbrio; a única no meio de todos.
O Vingança continua indo para frente e leva o navio do comodoro junto, por estarem presos através de ganchos.
Taehyung, ainda caído no chão, aproveita da surpresa e espanto de todos, e dispara em direção ao comodoro, acertando sua coxa. O comodoro grita de dor e imediatamente sangue suja sua farda real.
O nevoeiro começa a se dissipar, desta forma, fazendo todos verem as pequenas ondas que atingiam o navio inimigo, de forma completamente estranha.
— Precisamos voltar! — Alguém grita, logo fazendo soldados correrem até o comodoro e o levantarem do chão. Taehyung acerta e mata dois deles, os fazendo derrubarem o comodoro já machucado.
Mais soldados surgem e vão para cima de Taehyung para impedi-lo de continuar, porém, piratas também se aproximam e começam uma pequena confusão naquele lado. E, no meio de tudo isso, o comodoro é arrastado até à única tábua que permaneceu interligando os navios, enquanto deixava um rastro de sangue no chão. Apressados, alguns soldados atravessam a ponte improvisada com ele, em um amontoado confuso, o levando para o navio que ainda era atingido por pequenas ondas. Os demais soldados tentam voltar para seu navio também e poucos conseguem usar a tábua que sobrou, já que os piratas a jogam no mar feroz. Então, desesperados, os soldados tentam atravessar agarrados nas cordas dos ganchos, mas muitos acabam na água devido aos piratas começarem a se livrar dos ganchos também.
Com um número muito reduzido de sobreviventes, o navio do comodoro começa a zarpar para longe, brigando com as pequenas ondas que, aos poucos, se acalmam até desaparecerem.
Inesperadamente, sinto minhas pernas fraquejarem, me derrubando de joelhos. Minha respiração ainda estava descompassada como se eu estivesse muito cansada, o que não era mentira, pois eu sentia cada parte do meu corpo pesando.
Minha pele é surpreendida por gotas geladas de água e quando ergo minha cabeça, vejo a forte chuva que aparece silenciosa como um bandido espreitando na noite. E, em questão de segundos, o meu corpo é complemente encharcado.
Em meio aos piratas lançando os corpos mortos dos soldados no mar, a tripulação se acalmando enquanto tenta ajudar os feridos, verificando se havia mortos entres os piratas, minhas pálpebras começam a ficar cansadas e minha audição se torna um pouco afetada.
Com um olhar preguiçoso, olho para frente e encontro um par de íris castanhas em minha direção. Taehyung estava sentado e encostado na parede do convés superior, a água da chuva que encharcava seu corpo, levava embora o sangue que manchava sua pele, deixando para trás apenas o corte da espada em seu abdômen. Sua boca estava entreaberta, e seu peito ainda subia e descia com rapidez, mas, mesmo em seu jeito esgotado, ele não deixava de me encarar como atenção e intensidade, como se estivesse me observando esse tempo todo.
Em seguida, os meus joelhos cedem e não aguentam mais meu peso, assim, fazendo a parte superior do meu corpo despencar e cair, enquanto os meus olhos se fecham, me entregando completamente para essa sensação avassaladora de cansaço.
— Eles pegaram o Jungkook! Ele não está no navio!
O COMODORO DO REI
O comodoro estava parado em frente ao polido toucador, de onde ele havia acabado de pegar o pequeno e frágil frasco de vidro preenchido pelo conteúdo verde florescente, a qual lhe foi dado pelo feiticeiro do mar após uma proposta perigosa, mas tentadora.
Há mais ou menos um mês, Jimin foi até as terras do rei Dominique XI fazer pessoalmente uma proposta de aliança. Ele procurou especificamente o comodoro do rei, Jung Hoseok, oferecendo a este, dois dos piratas mais procurados dos sete mares em troca de ajuda, em uma proposta que consistia em fingir uma falsa união com o Capitão Infâmia, que, no final, resultaria não só em sua prisão, como na de seu irmão também, o Capitão Hanna. Em primeiro momento, o comodoro recusou, dizendo que jamais poderia se unir a escória do mar, mas, depois de uma longa conversa com Jimin enfatizando que tudo não passava de um truque para colocar os dois piratas juntos em um mesmo lugar, Hoseok se sentiu atraído. Por anos ele vem perseguindo piratas e, mais do que qualquer outro pirata, ele ansiava capturar Hanna e Infâmia para matá-los sem quaisquer resquícios de dignidade que eles já não tinham. Portanto, foi desta forma que o comodoro acabou participando do plano de Jimin, sem saber que seria apenas mais uma peça descartável para o feiticeiro.
De todo jeito, de fato Jimin estava disposto a entregar Hanna e Infâmia para Hoseok, porém, de uma forma diferente. A reputação do comodoro era muito conhecida por todos os lados e claro que não passaria desapercebida por Jimin, que gostaria de usar todo o ódio de Hoseok pelos piratas, a favor do seu plano.
Em suas palavras, ele disse a Hoseok que iria atrás do Capitão Infâmia enquanto o comodoro deveria ir até Hanna, assim, com cada um de um lado, Hanna nunca suspeitaria de uma aliança entre eles, ao mesmo tempo que isso também faria Infâmia acreditar nas palavras de Jimin.
Hoseok não estava nenhum pouco interessado em Atlantis e Jimin sabia, por isso, tudo que ele precisava era enrolar o comodoro por tempo suficiente para que Hanna e Infâmia reunissem todas as partes do mapa. Logo quando isso acontecesse, Jimin deixaria os dois piratas entrarem em uma briga e ainda empurraria o comodoro para o olho do furacão, ocupando ainda mais a atenção dos piratas e impedindo que fossem atrás do feiticeiro. Hoseok se sentiria satisfeito e acharia que Jimin cumpriu sua parte no plano. Já Hanna e Infâmia... bem, o feiticeiro não se importava se eles descobrissem a verdade depois, pois estariam mais ocupados tentando se livrar da guarda do rei - isso se não fossem mortos, que era o que Jimin desejava.
Durante sua longa conversa com o comodoro, Jimin entregou a Hoseok um pequeno frasco com um conteúdo suspeito, mas que aparentemente era mágico, fazendo que quem o bebesse fosse incapaz de mentir por exatos dez minutos. Ou seja, a invasão ao navio do Capitão Hanna nada mais era do que uma manobra para sequestrar alguns piratas que, após serem encarcerados e obrigados a ingerirem o líquido mágico, responderiam a qualquer coisa que o comodoro perguntasse. Tudo, também, parte do plano de Jimin, que arquitetou cada mísero detalhe.
Era simples, Hoseok precisava apenas de uma única resposta. Seria rápido e fácil para Jungkook. O pirata precisava dizer as coordenadas que Hanna iria seguir para encontrar as partes que faltavam do mapa de Atlantis. Assim, após o feiticeiro saber exatamente aonde deveria ir, o restante do plano era manter Jungkook e os outros piratas nas terras do rei, pois Jimin e Hoseok sabiam que Hanna não deixaria ninguém para trás. E uma vez que ele tentasse resgatar seus piratas, os soldados do rei atacariam seu navio e roubariam as partes do mapa que ele já havia encontrado. Desta forma, Jimin teria as partes do mapa de Hanna, saberia as coordenadas das partes escondidas e ainda daria um jeito de roubar as partes guardadas com Infâmia. Ele ficaria com tudo no final, já que havia convencido Hoseok que o momento perfeito para juntar e atacar os dois piratas, seria quando ambos fossem para o primeiro local das partes perdidas do mapa.
E uma vez que tivesse tudo que precisava em mãos, nada mais estaria entre o feiticeiro e sua querida Atlantis, aquela que ele tanto almejava, provando a todos que era o único que deveria governar a misteriosa cidade perdida que prometia muitas riquezas e poder a quem a encontrasse. Isso tornaria Jimin maior do que Árie um dia foi, pois se ele não pôde ser nomeado um dos reis dos setes mares por ser considerado inferior a seu irmão mais velho, então ele se tornaria o rei de Atlantis e depois assumiria o comando de todos os mares à força.
Hoseok aperta o frasco com cuidado, antes de se virar e sair do enorme quarto que ele tinha no gigantesco castelo do rei Dominique. Ele sente algum desconforto em sua coxa enfaixada, porém, durante sua vida servindo ao rei, ele já havia levado tantos tiros que com o passar do tempo, isso deixou de ser tão doloroso como foi na primeira vez.
Imponentemente, o comodoro atravessa todos os corredores protegidos por guardas e cobertos por quadros de todas as famílias reais que já passaram pelo lugar. Ele desce as luxuosas escadas com corrimões revestidos em ouro e caminha para os fundos do castelo até entrar em uma área mais escura; em seguida, descendo mais um lance de escadas, essas, sujas e feitas de concreto. Sendo assim, logo o comodoro estava no porão do castelo, onde escondia muitas e muitas celas, algumas abrigando prisioneiros e outras apenas restos moribundos de ossos apodrecidos.
Mas o que de fato chamava a atenção do comodoro muito bem alinhado em sua farda elegante, era a pequena fileira de cinco piratas amarradas à cadeiras velhas de madeira, no final do corredor das celas. E bem no centro da fileira, Jungkook encarava Hoseok com um olhar carregado de fúria, mas isso apenas faz o comodoro sorrir.
Quando invadiu o Vingança de la Rainha Hanna, o comodoro sabia quem precisava sequestrar, ao menos, um dos piratas mais importantes de Hanna, alguém que conseguiria responder o que ele queria saber. E esse garoto de cabelos escuros, olhos grandes e pele suja de sangue seco, era não só um dos de confiança de Hanna, como também fazia parte da escória de piratas mais procurados pelos sete mares.
Com passos mais lentos que o normal devido a seu ferimento de três dias atrás, Hoseok leva alguns arrastados segundos até estar de pé em frente a Jungkook. Os piratas do lado dele estavam todos amordaçados, então, tudo que podiam fazer como protesto era tentarem chacoalhar seus corpos sobre as cadeiras.
— Parece que suas habilidades de pirata falharam um pouco. — Hoseok provoca, encarando bem Jungkook.
— Você acha mesmo que eu ficarei aqui por muito tempo? — Jungkook balança sutilmente a cabeça e solta uma fraca risada sem humor.
— Está esperando um resgate? — Hoseok finge pensar, deixando seu rosto sombrio ao ser iluminado pelas precárias tochas da prisão. — Pois espero que venham atrás de você, assim posso prender todos de uma só vez. Isso me poupará trabalho.
A feição de Jungkook se endurece e se estivesse solto, ele com certeza bateria no comodoro até que este chamasse por sua mãe.
— De qualquer forma — Hoseok levanta as sobrancelhas e expira alto —, não tenho muito tempo para perder com você. — Ele mostra o pequeno frasco que escondia em sua mão, antes de destampá-lo para, em seguida, segurar o rosto do jovem pirata e forçar o frasco contra sua machucada. — Apenas beba isso depressa.
Jungkook tenta balançar a cabeça para os lados, mas Hoseok aperta seus dedos no maxilar dele, imobilizando sua cabeça no lugar, a erguendo, de modo que o líquido deslizasse pela garganta do jovem pirata que não tinha escolhas a não ser engolir ou se engasgar.
O gosto do líquido verde florescente era amargo igual ao mijo de Namjoon, da qual Jungkook bebeu uma vez por engano, quando seu amigo bêbado urinou em sua garrafa de rum.
Rudemente, Hoseok solta o rosto de Jungkook, o fazendo tossir algumas vez e depois cuspir no chão da prisão, tentando se livrar de qualquer vestígio do líquido amargo em sua boca. A saliva espeça e esverdeada atinge uma das botas elegantes do comodoro, que a fita por alguns segundos com uma expressão mal-encarada, antes de se limpar nas calças de um dos piratas amarrados.
O comodoro joga o frasco vazio no chão, o fazendo estourar em vários pequenos pedaços.
— Me diga, vagabundo do mar, para onde Hanna está indo? Quero saber as coordenadas exatas das localizações das partes do mapa para Atlantis. — Hoseok cruza os braços e encara Jungkook, que ri alto, achando extremamente idiota a pergunta do comodoro, pois ele jamais entregaria o seu Capitão.
Pronto para cuspir de novo nas botas do comodoro, Jungkook abre sua boca com a resposta pronta, sabendo que conseguiria tirar Hoseok do sério com apenas três palavras: vá se foder!
— Ele está indo para o sul do Atlântico, em direção a uma ilha solitária e escondida, onde nenhum outro mapa a não ser o que ele tem, revela sua localização. — Os olhos de Jungkook se arregalam, não entendendo como tais palavras saíram de sua boca, mas ele apenas não conseguia selar os lábios ou se conter. — A próxima coordenada só será revelada depois que Taehyung encontrar mais uma parte do mapa, é assim que as coisas funcionam. E se tudo der certo, iremos ancorar nessa ilha nos próximos dias. Ela não está muito longe.
Um sorrio extremamente grande surge no rosto de Hoseok.
— O que você fez comigo, maldito rato do rei! O que era aquilo que me forçou a beber? — Jungkook grita a plenos pulmões, fazendo sua voz ecoar pela prisão, quase chacoalhando as cenas, enquanto seus colegas piratas o encaravam descrentes por ele ter revelado as coordenadas do próprio Capitão.
— Creio que nossa conversa acaba aqui. Foi muito esclarecedora. Espero que aproveite a estadia no castelo do meu rei. — Hoseok se curva educadamente para Jungkook e lhe dá as costas, afastando-se do pirata, ao mesmo tempo que escutava cada um de seus gritos, das quais ele jurava arrancar as tripas do comodoro para usá-las como enfeites de pescoço.
Sem se importar com as ameaças ou com o desconforto em sua coxa ferida, o comodoro faz todo o caminho de volta para o seu quarto, indo diretamente até o toucador. Ele abre uma das gavetas e retira de lá uma pequena e delicada concha de cor salmão, que também havia sido dada pelo feiticeiro do mar.
Assim como Jimin usava um espelho mágico para se comunicar com Darcy, a bruxa do pântano, essa pequena concha que serviria como meio de comunicação entre ele e o comodoro. Foi a própria bruxa quem presenteou Jimin com o objeto mágico, dando-lhe um par, em que ele não poderia ver a pessoa com quem se comunicaria, mas conseguiria escutá-la com perfeição. Então, é desta forma que Hoseok informa a Jimin sobre o que descobriu na prisão do castelo, através de Jungkook. E se o comodoro pudesse ver o sorrio tenebroso que surgiu nos lábios cheios do feiticeiro do mar, talvez ele repensasse sobre essa aliança entre ambos.
HANNA'S CABARET
Uma respiração mais alta vinda de Serena, faz com que Taehyung a encare enquanto limpa e checa todas as suas pistolas guardadas em seu guarda-roupas; ele precisaria delas nos próximos dias. O pirata já estava a observando por, pelo menos, umas duas horas desde que toda confusão no navio acabou. Ele pediu que levassem Serena para o seu quarto após ela ter desmaiado no convés, e assim, ela permaneceu deitada na grande cama do Capitão, enquanto ele a esperava acordar.
Taehyung se sentia cansado e irritado, havia acabado de perder piratas e alguns tripulantes, e Jungkook ainda foi sequestrado pelo comodoro. Ele poderia facilmente arrebentar as madeiras do navio, se não estivesse intrigado demais pelo que viu no convés, que nesse exato momento terminava de ser limpo, assim como o restante do navio atacado.
Serena franze o cenho e mexe sutilmente o rosto, antes de começar a abrir seus belos olhos azuis como o oceano. Quando encara o teto do quarto, demora alguns segundos até a sonolência abandonar seu corpo e ela se sentir despertada de fato.
Em movimentos meio vagarosos, ela se senta na cama e olha ao redor, mas, antes mesmo de reconhecer o quarto em que estava, ela encara Taehyung. No mesmo instante, seu corpo fica tenso e de forma involuntária ela agarra o lençol debaixo do seu corpo. Seus olhos varrem o pirata por completo, em especial seu torso livre de qualquer camisa, apenas com uma faixa - com a lateral manchada de sangue - ao redor do abdômen definido e bronzeado.
— Jungkook e mais quatro dos meus piratas foram levados pelo comodoro. E você vai me ajudar a resgatá-los. — Ele destrava a pistola em sua mão, antes de girar o tambor e retirar a munição de dentro. O barulho espanta Serena por um momento.
Serena pensa em questioná-lo, mas logo uma voz ecoa no fundo de sua cabeça e ela se lembra de ter escutado algo sobre Jungkook desaparecer do navio, antes de perder a consciência.
— Jack e Dana...
— Estão bem. — Taehyung responde antes mesmo que Serena tenha a oportunidade de terminar sua pergunta.
Ele encara a garota de longas cabelos texturizados e loiros, antes de largar a pistola dentro do guarda-roupas e se aproximar de Serena, sentando-se do seu lado na cama, deixando-a em total estado de alerta.
— Você sabe que fez aquilo no convés, não é? — Seus olhos encaram cada ponto do rosto delicado de Serena mais perto do que ela gostaria.
Ela engole em seco.
— Do que você está falando? — Sua voz quase falha, mas ela respira fundo e tenta se recompor.
Taehyung sorri fechado, de forma esperta, e estreita os olhos, antes de inclinar seu rosto em direção ao de Serena, a fazendo se inclinar para trás.
— Mais poderosa que uma bruxa. Se lembra disso? Tenho certeza que sim. — Ele volta a sua posição anterior e Serena respira aliviada. — Darcy falou sobre você já estar percebendo que é diferente, então não tente me enganar. Sei que toda aquela confusão no mar foi sua culpa. Não posso dizer com clareza o que você é, porque eu ainda não vi o principal... embora eu tenha as minhas suspeitas. Estive navegando tempo o suficiente para estar quase certo sobre o que você é.
Serena sente os pelos dos seus braços - descobertos pela longa camisola branca ainda um pouco úmida, como seus cabelos - se arrepiarem. Ela não sabia o que dizer para Taehyung, pois realmente não conseguia explicar o que aconteceu com o mapa que ela viu, com os tubarões, ou como se sentiu estranha a ponto de desmaiar durante a invasão ao navio.
Se tinha alguém confusão em toda essa história, esse alguém era Serena.
— Nós estamos voltando para Suli para buscar as mulheres do cabaré. Elas irão nos ajudar no resgate.
— E como você pretende fazer isso? — Serena pergunta, sentindo sua voz adquirir o tom normal outra vez.
— Jule, a dona do cabaré, irá levar você e outras tripulantes até a corte do rei. Lá ela oferecerá ao comodoro e seus soldados um show particular, e enquanto as dançarinas os distraem, você e as tripulantes precisam roubar a chave da prisão e resgatar os meus piratas. Conheço o estilo do Hoseok, sei muito bem que ele manterá todos naquele buraco escondido no castelo.
Taehyung se tornou Capitão do Vingança aos dezoito anos, após a morte do seu pai. Ele comanda o navio há sete anos, então já enfrentou quase tudo o que os mares lhe enviaram, por isso, ele pôde pensar com rapidez em um plano para o resgate.
As sobrancelhas de Serena se levantam e seus olhos correm por todos os lados, enquanto ela se sente cética e incrédula.
— Por que não envia os seus piratas para fazerem isso? Tenho certeza que alguém como Inez se sairia muito melhor. Você ainda nem sabe se as mulheres do cabaré irão concordar. — Serena fala um pouco apressada demais, ainda achando um absurdo a ideia de Taehyung.
— Elas vão, pode ter certeza. — Ele ri sem humor e sem paciência, pelo nariz. — Não posso mandar os meus piratas porque todos estão com as fuças espalhadas em cartazes de recompensas. Hoseok conhece cada um deles, mas você e as novas tripulantes, não. E mesmo se ele tiver visto alguma durante a invasão, duvido que se lembre, ele estava mais preocupado em me matar.
De novo os olhos de Serena vão até o abdômen de Taehyung, encarando a faixa manchada de vermelho. Por um segundo, ela se sente tentada a perguntar se Taehyung estava bem, mas ela desiste, pois ele não deveria ser motivo de suas preocupações.
— Mesmo que você esteja certo, como é que nós iremos chegar na prisão? Eu não conheço o castelo do rei e também aposto que haverá muitos guardas de prontidão por todos os lados. — Serena cruza os braços, encarando Taehyung de forma séria que o faz querer rir, mas ele apenas se contém, achando encantadoramente atraente a expressão de Serena.
— Deixe essa parte com as mulheres do cabaré, elas se encarregarão da distração para facilitar a passagem de vocês, como já falei. Apenas roubem a chave da prisão e libertem os meus piratas. — Taehyung passa a mão por seus cabelos escuros, deslizando os dedos pelos fios lisos e bagunçados, enquanto repassava o plano mentalmente para não ter erros.
— E o que é que você vai fazer? — Ainda de braços cruzados, Serena arqueia uma sobrancelha, pensando em como Taehyung podia ser um maldito folgado que só sabia dar ordens, e isso era algo que ela só podia aceitar de seus pais.
— Estarei esperando por vocês no navio que ficará escondido no ancoradouro abandonado da corte. Nem eu, nem os meus piratas podemos zanzar pelas ruas, ou o povo vai avisar ao rei que estamos ali. Se está com medo, não se preocupe, assim que você aparecer no ancoradouro, eu te protegerei. — Taehyung sorri cínico e Serena enruga o nariz em desgosto.
— Eu não preciso da sua proteção. — Ela resmunga.
— Mas precisa da minha confiança, porque mentiu para mim e iniciou um motim no meu navio. Eu te prometi dias mais divertidos e irei cumprir isso. Primeiro uma invasão e depois um resgate. — O sorriso cínico não abandona seus lábios levemente rosados, o deixando ainda mais sedutor e sem-vergonha do que habitualmente já era. — Se conseguir resgatar os meus piratas e se me levar até as partes que faltam do mapa para Atlantis, não só terá minha confiança, como terá sua liberdade de volta.
Os olhos de Serene se arregalam mais uma vez e de novo os pelos dos seus braços se arrepiam.
— O quê?
— Faça isso por mim e eu pessoalmente te levo de volta para sua casa e ainda liberto quem mais você quiser. — Apesar do sorriso, as palavras de Taehyung soavam verdadeiras.
Serena não entendia por que as pessoas eram tão obcecadas por Atlantis, algo que provavelmente era só uma lenda de marinheiro. Entretanto, de toda forma, ela não poderia desperdiçar uma oportunidade dessas. Jack e ela decidiram manter o plano de tentarem fugir quando ancorassem no primeiro local para procurar o mapa, mas até mesmo Serena tinha suas dúvidas se obteria sucesso nisso, tendo em vista que falhou em um motim.
Serena ainda não enxergava com clareza o que estava acontecendo com ela mesma, mas, de alguma forma, ela acreditava nas palavras da bruxa do pântano. E já teve algumas provas de que existe algo estranho dentro dela, então talvez pudesse aceitar a proposta de Taehyung, e se ele estiver mentindo no final, ela simplesmente continuará tentando fugir, como vem fazendo. Nessa altura de sua situação, sequestrada e presa em um navio pirata, ela não tinha nada a perder a não ser sua vida, mas Taehyung não tentaria nada até ter todas as partes do mapa de Atlantis, e até lá, Serena já teria pensando em mil planos mirabolantes para escapar, se fosse preciso.
— Então, temos um acordo, sirena? — Taehyung estende sua mão para Serena.
Ela encara os dedos dele, cobertos por anéis coloridos, antes de estender sua mão também.
— Temos um acordo, Capitão. — E assim, ambos apertam as mãos, selando uma nova união, enquanto trocam olhares desconfiados e sorrisos trapaceiros.
Capítulo 12
— Não gosto nada disso. — Dana morde o dedo dobrado, nos fitando de forma nervosa.
— Ele prometeu que se eu conseguir resgatar Jungkook e o ajudar a encontrar Atlantis, irá me libertar e a quem mais eu quiser. Essa pode ser a nossa chance, porque se eu sair, com certeza levo vocês comigo. — Argumento, tentando tranquilizá-la.
— Como você pode estar tão calma em relação a isso? — Dana pergunta, incrédula.
— Para alguém que planejou e executou um motim, não acho que isso seja problema. — Jack fala, rindo baixo, mas Dana não parece menos tensa, por isso, Jack encolhe um pouco os ombros e para de rir.
— Mesmo que consigam resgatar Jungkook e os outros piratas, você por acaso sabe como chegar em Atlantis, Serena? — Duque salta do beliche de baixo em um latido e corre ao redor das pernas de Dana.
— Não. Mas sei que vou conseguir encontrar esse lugar. — Respondo.
— Como? — Dana abre mais os olhos.
Franzo as sobrancelhas e fito o chão de madeira.
— Eu não entendo o que está acontecendo comigo, mas desde que fui trazida para esse navio, tudo de estranho me aconteceu. Quando olhei pela primeira vez para as partes do mapa que Taehyung tinha, eu consegui enxergar linhas brilhantes que pareciam outro mapa. — Volto a encarar Dana, que tinha uma expressão incerta. — E quando fomos até aquela bruxa do pântano, ela me disse coisas como se soubesse o que estava acontecendo comigo, mesmo sem me conhecer. Então, acho que posso chegar até Atlantis.
— Não duvido dela, Dana. — Jack diz, do meu lado. — Não se esqueça que quando caiu no mar, ao invés de ser devorada pelos tubarões, eles a ajudaram. Eu já te contei isso. Eu realmente não acho que Serena seja normal.
Olho para Jack, enrugando minha feição e ela sorri amarelo, encolhendo os ombros de novo como se, se desculpasse por praticamente me chamar de “anormal”.
— Se ela não é normal, pois, o que é? — Dana expira alto, nervosa, e Duque salta nos seus pés calçados.
— Talvez uma sereia? Você a apelidou de peixinho porque disse uma vez que Serena se parecia com as sereias. E ainda tem o incidente com os tubarões. — Jack sugere, olhando para nós duas.
— Como eu posso ser uma sereia, se nunca vi uma?
— Você também nunca viu seu coração, mas sabe que tem um. — Dana diz.
— Mas eu já o senti. Isso é diferente. — falo. — Também não me lembro de ter uma cauda e as sereias têm caudas, não é?
Dana expira alto de novo.
— Sereia ou não, só não queria ver as minhas meninas metidas em mais confusões.
— Tarde demais. — Jack tenta amenizar o clima outra vez com um tom brincalhão.
Em seguida, após alguns segundos de silêncio, alguém dá leves batidas na porta antes de abri-la.
— Ah! Finalmente o quarto certo! — Sofi enfia sua cabeleira preta e curta para dentro do quarto, seguida por Laila que vem atrás.
— Algum problema? — Pergunto.
— Gostaríamos de falar com você por um minutinho. Podemos? — Sofi sorri para mim e depois olha para Dana e Jack.
— Ah... tudo bem. Jack, vamos deixá-las a sós. — Dana fala meio avoada, ainda com uma expressão preocupada.
Jack assente e acaba saindo do quarto com Dana.
Me abaixo e pego Duque do chão, já que ele não parava quieto. Depois, aponto para cama de Dana em um gesto para que as duas mulheres se sentassem comigo.
— Ele é seu? É uma gracinha. — Sofi alisa Duque quando se senta do meu lado e Laila do seu.
— Então, sobre o que vamos conversar?
Hoje de manhã, o Vingança ancorou em Suli - alguns dias após o meu acordo com Taehyung. Uma parte das mulheres do cabaré, juntamente com a dona, embarcaram no navio e, logo que isso aconteceu, uma reunião foi feita. Eu, Jack e duas tripulantes nos reunimos com as mulheres do cabaré, Taehyung e Namjoon para que o plano de resgate fosse traçado detalhadamente.
— Quando vocês saíram, Taehyung quis conversar a sós conosco, pedindo que ficamos de olhos atentos em você. Logo depois ele nos contou tudo que você tem feito aqui no Vingança, incluindo o motim. — Sofi responde e acaba rindo sozinha. — Você realmente é incrível, sobreviveu a um motim e ainda mantém seu cachorrinho no navio. Isso é praticamente impossível.
— Eu tenho os meus truques. — Falo e ela ri de novo. — Vocês não parecem desconfiadas.
— Porque não estamos. Tenho certeza que qualquer uma de nós, no seu lugar, faria o mesmo ou até pior. As mulheres não devem se subordinar aos homens, mesmo que eles sejam piratas. — Laila diz, com um sorriso faceiro nos lábios pintados de roxo. — Aliás, falando em subordinar, você e sua amiga usaram a pistola que demos a ela?
— Não. — Nego com a cabeça antes que Duque pule do meu colo para o de Sofi, que o recebe com entusiasmo. — Eu só fiz o motim porquê fiquei irritada com o Taehyung. Tudo ocorreu às presas e eu acabei mantendo a pistola escondida.
— Então você ainda a tem? — Laila pergunta e eu assinto. — Ótimo. Leve-a com você quando formos até a corte. Isso não quer dizer que você atirará em alguém, mas é sempre bom estar prevenida, como fazemos lá no cabaré.
Assinto de novo e encaro as duas por algum tempo.
— Eu realmente não entendo como mulheres como vocês, se unem com esses piratas. — Confesso, pensando vagamente sobre como elas são tão seguras de si, mas, ainda assim, amigam com pessoas como Taehyung e seus piratas.
— Essa é uma longa história. — Sofi suspira falsamente, sorrindo. Ela segurava Duque como se ele fosse um bebê. — Você já deve ter percebido que o lugar onde trabalhamos se chama Hanna’s Cabaret, certo?
— Sim. Isso tem a ver com o Taehyung?
— Não só com ele, mas com seu pai, avô e bisavô. — Sofi responde e eu levanto as sobrancelhas, curiosa.
— Quem fundou o nosso cabaré, foi a avó de Jule, uma mulher chamada Hanna que abrigava e empregava jovens sem lar, que foram expulsas de casa, fugiram e coisas desse tipo. Ela realmente era uma mulher muito admirável. — Laila começa a explicar. — Não é novidade que piratas costumam frequentar estabelecimentos como o nosso. E, bem, teve uma vez que Hanna escondeu o bisavô de Taehyung e seus piratas no cabaré enquanto eles fugiam da guarda do rei. E como agradecimento, o bisavô de Taehyung espantou todos os trapaceiros que tentaram se aproveitar no cabaré. Com o passar do tempo, isso virou um hábito, Hanna ajudava os piratas e eles a ajudavam também.
Laila faz uma pequena pausa e ajeita seus cabelos na altura dos ombros, para trás da orelha furada.
— Isso continuou até que um dia, quando os piratas estavam longe, a guarda do rei foi até o cabaré e matou Hanna, condenando-a como cúmplice deles. Quando o bisavô do Taehyung descobriu, além de ir atrás dos soldados, ele acabou mudando o nome do seu navio para “Vingança de la Rainha Hanna” e passou a usar Hanna como título também, desse modo, fazendo todo Capitão que veio depois dele, assumir esse nome.
Me sinto surpresa e mais curiosa que antes.
— Isso, na verdade, é mais que uma homenagem para Hanna, já que significa tudo que ela foi enquanto viva, uma verdadeira rainha em Suli, ajudando todas as jovens desamparadas que podia, além, claro, os piratas. E a partir disso, surgiu essa ligação forte entre as dançarinas do cabaré e os piratas do Vingança. Mesmo quando o bisavô de Taehyung morreu, nada mudou, nós ainda os ajudamos e eles nos ajudam.
— Sabemos das coisas que um pirata faz, mas procuramos não nos envolver nas erradas. — Sofi continua a explicação de Laila, enquanto balança Duque em seus braços. — Mesmo sendo vistos como ordinários, os piratas do Vingança nunca nos faltaram com respeito, ao contrário de muitos clientes que passam dos limites ao nos tocarem ou acharem que fazemos mais que dançar. Os piratas nos enxergam e nos tratam como iguais, não nos julgando por nossas roupas escandalosas ou jeito de ganhar a vida, porque eles são tão desclassificados quanto nós, apesar de darem motivos para tal, eu reconheço. Quando estão lá no cabaré, são eles quem expulsam a pontapés todos que tentam passar dos limites conosco, então, por isso, nos damos tão bem como eles. Somos todos como uma grande família que se ajudou por gerações e que ainda vai se ajudar por muitas outras.
— Soubemos o que o Taehyung te fez por chamá-lo pelo verdadeiro nome. Sei que talvez pareça indesculpável para você, mas chamá-lo por seu título, "Capitão Hanna", vai muito além de apenas ter intimidade com ele. Esse nome carrega um significado muito forte para os seus antepassados, é um lembrete do porquê eles odeiam tanto a corte real, principalmente Taehyung, que não tem boas experiências acerca disso. — Laila finaliza com um sorriso pequeno e sincero.
Suspiro, me sentindo muito espantada com o que acabei de escutar.
— Eu gostaria de poder dizer que isso me faz enxergar o Taehyung como alguém melhor, mas ele nunca me mostrou esse lado, por isso, é difícil para mim. Se vocês têm o lado bom, então eu tenho o lado ruim de um pirata que me sequestrou e me forçou a ficar nesse navio.
— É totalmente compreensível. — Sofi sorri e me entrega Duque, levantando logo em seguida, e Laila faz o mesmo. — Sendo pirata ou não, Taehyung é alguém de palavra, logo, se você não o trair, definitivamente pode contar com sua liberdade. Ele fará isso. — Sua voz era convicta, mostrando que ela tinha total confiança no que dizia e no seu amigo pirata.
— Nos reuniremos outra hora para orientar você e as tripulantes sobre como devem se portar, para que ninguém desconfie que não são uma das nossas. — Laila avisa e eu assinto. — Não importa o que aconteça quando chegarmos na corte, nós precisamos resgatar aqueles piratas. — Seu semblante fica um pouco mais sério agora, e eu entendo que isso era um aviso para que eu siga o plano sem falhas.
— Eu também posso ser alguém de palavra. — Falo, verdadeira, deixando ambas aparentemente satisfeitas.
Sendo assim, elas se despedem e deixam o quarto.
CORTE DO REI – LA FUGA
— Todas prontas? — Jule, a cabaretier, entra no quarto do Capitão - cedido temporariamente para que as mulheres se arrumassem. Ela anda da porta até o outro lado do quarto infestado por roupas chamativas e maquiagem.
Jule para de frente para a lateral da cama, onde Serena, Jack e uma terceira garota estavam sentadas. Elas foram as escolhidas para o plano de resgate. Taehyung decidiu que o melhor era que apenas poucas tripulantes participassem, pois, desta forma, as chances de as coisas saírem do controle e darem erradas, eram menores.
As três estavam muito bem arrumadas e bem parecidas com as dançarinas do Hanna’s Cabaret, por isso, se seguissem à risca todas as instruções dadas, elas facilmente passariam despercebidas.
Duas batidas na porta do quarto fazem com que Sofi afaste o pincel de pena dourada do rosto de Serena, que ainda resmungava de dor nas orelhas que tiveram de ser furadas para que brincos bonitos ocupassem os pequenos furos, uma vez que as joias eram itens marcantes das dançarinas do cabaré.
— Está na hora. Acabamos de ancorar. — Inez avisa do lado de fora.
— Sairemos em um minuto. — Jule responde, assim, fazendo Inez se afastar da porta e sumir pelo corredor.
Jule apoia as mãos na cintura e sorri para as três ainda sentadas.
— Hora do show, meninas.
Gritos e risadas animadas vindas das dançarinas preenchem o quarto do Capitão.
Com a ansiedade e o nervosismo corroendo a boca do estômago, as três se levantam. Serena e Jack bambeiam em cima dos saltos das quais não estavam tão acostumadas ainda, apesar de terem praticado nos últimos dias.
As dançarinas riem e engancham seus braços nos delas, ajudando-as a andarem melhor e, desta forma, todas começam a sair do quarto, deixando a bagunça de roupas e maquiagem para trás. Elas entram no pequeno corredor mal iluminado e vão em direção à porta no final dele, e quando Jule a abre, logo a claridade do convés as ilumina conforme elas atravessam.
O Capitão já estava esperando no convés, perto da borda do navio, acompanhado por seu contramestre, Namjoon, e Inez. Os piratas e a tripulação, espalhados pelo convés, observam com atenções as mulheres que pareciam desfilar sobre o chão de madeira do navio. Empolgadas e com sorrisos ardilosos - ao menos, as dançarinas - elas se aproximam de Taehyung, que tinha toda sua atenção voltada especialmente para uma das tripulantes.
— Estamos prontas para partir. — Jule, na frente de todas, diz para Taehyung, que, por esse segundo, desvia seu olhar e a encara.
— Ótima. Vocês já sabem o que fazer. Nós estaremos esperando aqui no porto, venham direto para cá e tudo estará feito. — Ele fala e Jule assente.
Todos ficam em silêncio por alguns segundos, e os olhos de Namjoon não sabiam para onde fitar, e apesar do momento ser importante, ele se sentia no paraíso ao ver tantas mulheres bonitas juntas.
Taehyung volta a encarar a tripulante que lhe chamou atenção, e ela, sem pestanejar, o encara de volta.
Seus olhos espiam por debaixo da capa preta com capuz e longas mangas largas, assim observando com muita atenção cada detalhe do vestido em tom de azul-turquesa que cintilava grudado ao corpo de Serena. Brilho e pedras bonitas - e reluzentes - enfeitavam o espartilho bem apertado, marcando sua cintura como se fosse uma ampulheta, de modo que seus seios se espremessem contra o topo, saltando levemente para fora do espartilho, perigosa e tentadoramente. O saiote longo era colado no seu quadril estreito e nas pernas esguias, descendo como se fosse uma cauda de sereia, chegando até os pés cobertos por saltos tão finos que facilmente poderiam ser usados como armas, caso fosse necessário.
Bonitos brincos de pérolas adornavam suas orelhas recém furadas, harmonizando graciosamente ao tom de azul-oceano dos seus olhos e com a maquiagem marcante feita por Sofi. Mesmo que não desse para ver, as pulseiras e os anéis brancos escondidos debaixo da capa eram tão brilhantes quanto o colar - também - de pérolas em seu pescoço.
Os cabelos continuaram intactos, sendo os únicos intocados pelas mulheres do cabaré, pois, segundo elas, a texturização nos longos fios loiros dava a impressão de alguém que saiu do mar e deixou os cabelos secarem naturalmente em uma aparência, ao mesmo tempo, selvagem e deslumbrante. E isso combinava com perfeição a todo o resto, desta forma, fazendo jus ao nome de Serena nessa missão de resgate: Sirena del Atlantis.
Taehyung havia dado esse apelido para Serena e, nesse momento, ele percebeu que nunca foi algo tão oportuno. Ela parecia ainda mais bonita do que todas as sereias que ele já havia encontrado em seus anos de navegação, e era por esse motivo que ele a encarava de forma descarada, sem se importar, demorando um pouco mais seu olhar em pontos específicos do corpo de Serena, como seios e quadril.
Capitão Hanna podia ser um maldito vagabundo do mar, mas ele sabia apreciar uma bela mulher quando a encontrava.
Serena definitivamente notou o olhar sem-vergonha dele, mas isso não seria o suficiente para fazê-la se sentir envergonhada, pois ela pensava que os homens eram todos iguais, ainda mais quando se tratava de um pirata tão cretino igual Taehyung. Por isso, Serena apenas deu um passo para frente, se afastando das demais mulheres e ficando próximo a ele, quase fazendo seus seios esmagados dentro do espartilho tocarem o tronco do pirata.
— Espero por mim, Capitão — Sua língua se enrola propositalmente, fazendo a última palavra soar como provocação. — Irei resgatar Jungkook e garantir minha liberdade para bem longe de você — Ela fala firme e convicta, movimentando seus lábios pintados fortemente de rubro. E Taehyung não tarda a sorrir de um jeito tão canalha, que fez algumas das mulheres por perto suspirarem.
Após os demais sentirem a tensão entre o Capitão Hanna e Serena, Inez conduz as mulheres para a rampa já abaixada. E, sem dizer mais uma palavra sequer, todas começam a sair do navio, enquanto, em seu quarto, Dana rezava para todos os deuses dos mares para que protegessem suas meninas.
Jule dá uma última olhada para o navio e acena com a cabeça para Taehyung. Depois disso, ela toma a frente e guia o caminho até que todas saíssem do porto escondido e entrassem na região movimentada da corte do rei.
Por onde passavam, todos olhavam. As mulheres e os mais velhos julgavam a aparência e as roupas das dançarinas, e os homens, apesar de tentarem parecer descentes, pensavam todo tipo de fantasia pervertida.
E foi desse jeito, ignorando os olhares e cochichos, que elas chegaram em frente ao castelo murado e fortemente protegido por guardas.
Jule se aproximou de um dos homens de pé que segurava uma lança e pediu para ver o grandioso comodoro do rei. O guarda a encarou por alguns segundos, a enxergando como inferior, mas, sabendo da fama e reputação que sua casa de shows tinha, ele acabou se virando e entrando no castelo. Então, não demorou até que ele retornasse com um homem impecavelmente fardado, que andava com toda sua confiança, apesar de ainda ter uma perna machucada se recuperando.
— Senhora Laurent, soube que gostaria de falar comigo. A que devo a honra de sua adorável presença? — Hoseok pergunta assim que para diante a cabaretier, que sorri gentilmente para ele.
— Ora, sem formalidades. O senhor já frequentou muitos de nossos shows, comodoro — A mulher coloca as mãos na cintura e tenta soar amigável.
— Isso quando a senhora não está em Suli, aquela cidadezinha muito visitada por piratas — Ainda em sua postura alinhada, o comodoro estreita os olhos para a mulher que era bem mais baixa que ele.
Jule suspira falsamente.
— O senhor sabe que o cabaré é um negócio de família, e eu não posso e nem irei desrespeitar os desejos de minhas ancestrais.
— E por isso vai continuar escondendo os piratas em sua casa de shows — Uma risada irônica escapa pelo nariz do comodoro.
Jule levanta as sobrancelhas.
— Ora, se estão pagando pelos meus shows, então trato bem todos os meus clientes. Não se trata de esconder piratas no cabaré, e sim, de não deixar que vocês acabem com o meu estabelecimento, brigando até a morte e arruinando a reputação do meu ganha-pão — Fitando o comodoro, Jule aponta para trás onde todas às dançarinas permaneceram paradas, apenas assistindo a cena de longe.
O olhar de Hoseok cai sobre as belas mulheres, as quais ele já conhecia a grande maioria. E apesar de se deslumbrar com a beleza extraordinária de Serena, cuja ele se lembra vagamente de já ter visto algo similar no mar, o que, de fato, lhe chamou a atenção, foi a jovem de cabelos curtos e pretos, com uma delicada franjinha reta sobre a testa. Jack logo nota a intensidade das íris do comodoro sobre ela, e isso a deixa desconfortável e sem saber como se portar. Parecia que agora até mesmo sua respiração ficou suspeita.
— Bem, eu estava de passagem por esses lados e decidi ancorar aqui na corte, pois pensei que o senhor gostaria de conhecer as minhas novas dançarinas. Até mesmo estava disposta a oferecer um show de graça para mostrar o apreço que tenho por um cliente de longa data. Mas se o comodoro ainda está tão incomodado por eu ter clientes piratas também, então pegarei minhas meninas e irei embora — Jule se curva educadamente e se vira. As três tripulantes disfarçadas a encaram com nervosismo, pensando que tudo havia dado errado.
— Espere — O comodoro diz, alto e apressado, fazendo Jule sorrir para as dançarinas, sabendo desde o início que isso daria certo. Em seus lugares, as três tripulantes suspiram - discretamente - aliviadas.
Desfazendo o sorriso e assumindo uma falsa expressão de confusão, Jule se vira para o comodoro.
— Perdoe minha grosseria.
— Tudo bem. Sei como o senhor pode se sentir em relação aos piratas — Jule soa compreensível, apesar de apenas aceitar clientes como o comodoro, para lhes arrancar todo o dinheiro e manter os piratas informados todas as vezes que as dançarinas extraíam das bocas bêbadas da guarda do rei, segredos e missões. Jule nunca se esqueceria de quem matou sua avó, por isso, ela sempre tentou arrancar tudo que podia desse tipo, na qualidade de uma vingança.
Hoseok olha mais uma vez para Jack, antes de se voltar para Jule.
— Seria de imenso prazer aceitar a companhia das senhoritas essa noite. Pela tarde, eu e meus homens estaremos ocupados, mas se aceitarem uma estadia nos luxuosos aposentos do castelo, converso com o meu rei e sei que ele será bondoso o bastante para acomodá-las durante esse tempo. E à noite, poderemos todos nos reunir com um ótimo vinho e música boa — Mesmo que falasse com a mulher baixa e robusta, seus olhos, vez ou outra, iam até a jovem de cabelos curtos que se agarrava a Serena por estar mais que nervosa.
— Proposta tentadora. Mas acho que seria melhor ficarmos longe do castelo até a noite, o senhor não tem noção de como nos olham nesse lugar, é de dar arrepios. Também gostaria de pedir que nos encontremos nos fundos do castelo, naquele lugarzinho sem guardas, ao menos lá nos sentiremos menos intimidadas e não nos verão entrando.
— Por que liga tanto para o modo que os moradores da corte a encaram? Apenas ignore — Hoseok parecia um pouco irritado com isso.
— Para o senhor é fácil falar dessa maneira, é o comodoro do rei e tem muito respeito, diferente de nós. As pessoas, principalmente as mulheres, nos enxergam como promíscuas e indecentes, e sei que muitas delas se matariam apenas para porem os pés nesse castelo. Por isso, acho que é melhor evitar brigas, elas já nos odeiam o suficiente, não quero dar motivos para que tentem arranjar confusão com as minhas meninas. Meu trabalho é proteger e cuidar muito bem delas — Jule sorri amigavelmente. — O senhor não precisa se preocupar, nós ficaremos em algum lugar barato pela tarde e de noite nos encontraremos nos fundos do castelo.
Apesar de querer que elas ficassem no castelo, Hoseok entende o que Jule diz, por isso, acaba por concordar.
— Me deixe pagar pela estadia de vocês então — Sem esperar por uma resposta da cabaretier, Hoseok se vira para um dos guardas perto do muro do castelo e o manda buscar dois sacos com moedas de ouro em seu quarto.
— Ah! O senhor é sempre tão gentil conosco — Jule junta as mãos como se rezasse e se curva de novo.
— Isso é para mostrar que a senhora e suas dançarinas são tão respeitosas e decentes como qualquer outra mulher da corte — Ele sorri cortês e olha mais uma vez para Jack.
Na realidade, sempre foi mais fácil conseguir todo tipo de regalia quando se trabalha em um cabaré. Por ter uma vida mais liberal e menos regida por homens, as dançarinas eram companhias muito mais interessantes e perspicazes para se passar o tempo conversando sobre todo o tipo de coisa, desde como conquistar alguém, até em como manusear uma arma. Além de que, a desenvoltura e as roupas provocativas ajudavam muito, pois, para um homem, meio centímetro de pele aparecendo já era o suficiente para entregar até o último centavo de suas economias.
Quando o guarda trouxe os dois sacos com moedas de ouro, Hoseok as entregou para Jule, que agradeceu antes de se despedir, fazendo, assim, o comodoro olhar uma última vez para Jack, se permitindo sorrir. E apesar de estar nervosa, Jack sorri de volta para ele, desta maneira, seguindo com perfeição o plano.
***
Ficar no castelo aumentaria os riscos de que fossem descobertas caso alguém escutasse algo, e, de toda forma, seria muito melhor se aprontar em um lugar longe o bastante para mantê-las em segurança. E foi por isso que Jule escolheu uma pequena pousada barata com apenas um quarto, já que dessa forma sobrariam mais moedas de ouro e elas poderiam ser divididas entre as dançarinas.
A noite já havia chegado, não demorou, elas ancoraram quase no fim da tarde. Então aproveitaram as poucas horas para repassar todo o plano e garantir que as pistolas trazidas do cabaré estivessem muito bem escondidas debaixo dos saiotes dos vestidos deslumbrantes.
Quando deixaram a pousada, apenas homens estavam nas ruas, pois as mulheres precisavam se recolher cedo e cuidar da comida para quando seus maridos chegassem em casa depois de um dia de trabalho. De qualquer forma, também não eram muitos os que zanzavam pelas ruas da corte, mas, mesmo assim, os presentes ainda olhavam pervertidos e assobiavam para as dançarinas.
Como combinado, Jule vai até os fundos do castelo, o lugar onde a guarda do rei costumava se reunir quando queria beber até cair, ou quando queria levar garotas jovens e desesperadas por uma vida de riquezas, assim, traindo suas esposas que ficavam em casa cuidando dos filhos.
Este local não foi escolhido por acaso, Jule sabia que além de não ter a segurança dos guardas principais, ainda era perto da prisão do castelo, então, tudo se tornaria muito mais fácil.
Agarrada ao braço de Serena, Jack estava quase tremendo de nervosismo, pois para ela foi incumbida a missão de distrair o comodoro, já que a maioria das dançarinas percebera os olhares dele para a jovem de cabelos curtos. Todas sabiam que Hoseok seria o mais difícil, por isso, se ele tivesse um grande interesse em alguém a ponto de abaixar sua guarda, as chances de a missão ser um sucesso eram ainda maiores.
— Lembre-se, você não estará sozinha e pode pedir ajudar se sentir que ele está passando dos limites, ok? Se acalme agora e não deixe que percebam nada — Serena diz para Jack, que assente e respira fundo.
— E você, tome cuidado quando estiver na prisão, por favor — Jack encara Serena, apesar de saber que sua mais nova amiga não era do tipo cuidadosa.
— Estejam prontas — Jule olha para todas sobre seu ombro, antes de parar em frente à pequena porta velha de madeira com alguns feixes de luz escapando pelas frestas.
Jule ajeita as próprias roupas e bate na porta, que demora algum tempo até ser aberta por Hoseok, que apesar de ainda estar usando sua farda, havia se livrado do casaco.
— Pensei que não viriam — Hoseok sorri abertamente, mostrando que já havia bebido um pouco.
— O atraso é um charme — Jule sorri para ele, que ri.
Hoseok vai para o lado e dá espaço para que a cabaretier e as dançarinas entrem.
— Homens, nossas convidadas chegaram! Tratem todas muito bem! — Hoseok avisa todos os que estavam do lado de dentro, sentados pelos sofás de veludo, jogando cartas ou de pé nos cantos, bebendo.
Assim que Serena e Jack passam pela porta, Hoseok segura a mão de Jack.
— Espero um segundo, por favor — As duas param perto da porta que foi fechada. — Será que eu poderia ser agraciado com a sua companhia essa noite, senhorita? — Ele sorri de forma galante para Jack e, embora o comodoro realmente fosse um homem bonito, a garota escolhida por ele se sentiu extremamente nervosa.
Ela encara sua amiga, que sorri exageradamente.
— Acho que estou sobrando aqui — Serena se solta de Jack. — Aproveitem a noite. — Ela lança uma piscadela para os dois e Hoseok quase ri de animação, acenando educadamente com a cabeça.
Serena se afasta, indo atrás de Frida - a terceira tripulante. Jack acompanha com o olhar sua amiga indo embora e quando Serena já está camuflada no meio de todos, Jack se vira para o comodoro sorridente.
— Vamos? — Ele diz de forma amistosa e a oferece o braço.
Jack respira fundo sutilmente e retribui o sorriso de Hoseok antes de segurar em seu braço. E, desta forma, eles vão até um dos sofás vazios.
— Estava te procurando — Serena coloca as mãos sobre os ombros de Frida quando a encontra perto de uma mesa onde alguns soldados jogavam cartas apostando dinheiro.
— Estou observando esses belos cavaleiros — Frida sorri para Serena.
— Quem vencer fica com a belezura aqui. O que acham? — Um dos homens ao redor da mesa, diz.
Frida arqueia as sobrancelhas e o encara.
— Está me apostando, soldado? Não sou uma das suas moedas de ouro — Ela responde, embora usasse todo o charme em sua voz.
O homem não se acanha.
— É apenas para incentivá-los, já que sua presença aqui nos distrai — Ele sopra um beijo no ar.
— Quer que eu saia então? — Frida cruza os braços e todos os demais ao redor da mesa gritam “não”.
— Não faça isso, você será meu amuleto da sorte — O soldado fala e Frida ri.
E aproveitando o momento, um dos homens, o que segurava cinco cartas, passa seu braço ao redor do quadril de Serena, que o encara.
— É melhor tirar sua mão daí se quiser ficar sem ela — Serena diz e o homem afasta seu braço e ergue sua mão em sinal de rendimento.
— Não estamos aqui para nos divertir? — Ele pergunta para ela, enquanto prende um cigarro entre seus lábios finos.
— Me deixe ficar bêbada primeiro — Serena estreita seus olhos, mas sorri esperta.
— Então, não seja por isso — Ele pega uma das garrafas postas na mesa e entrega para Serena, que aceita de bom grado e dá um longo gole no vinho real, fazendo todos os soldados ao redor da mesa sorrirem, animados.
— Você é a garota mais bonita que eu já vi em toda a minha vida, e olha que eu já vi muitas garotas bonitas — Um outro soldado fala. — Ela não lembra as sereias? — Enquanto aponta para Serena, ele encara seus colegas de jogo.
— Qual seu nome, boneca? — O soldado que tentou agarrar Serena pelos quadris, pergunta.
Serena sorri fechado, de forma completamente astuta.
— Essa noite, Sirena del Atlantis.
— Está vendo, não estou tão bêbado assim. Essa belezura é bonita como uma sereia.
Serena ri e Frida a acompanha.
— Chega de cantadas baratas e joguem, queremos ver se vocês são bons — Serena bate uma palma, animando e fazendo com que os soldados comecem uma nova partida.
Quando os homens se distraem nas cartas, elas espiam ao redor, se certificando que as dançarinas estavam ocupando todos os demais soldados.
Na direção oposta, perto dos sofás, Hoseok e Jack se isolavam de todos. Ele estava sentado a três palmos de distância dela e tinha o braço escorado no topo do sofá.
O comodoro não tentou beijá-la ou tocá-la, pelo contrário, foi um perfeito cavaleiro em todos os aspetos e isso fez Jack se sentir mais tranquila. Ele perguntou sobre sua família e como ela acabou no cabaré. E após responder as perguntas do comodoro, ele contou a Jack um pouco de sua vida também, e embora ela soubesse que estava em uma missão de resgate, Jack não pôde deixar de achar a companhia dele agradável, especialmente porque podia encarar seu rosto bonito e sorriso alegre - efeito do vinho real.
— Vamos, Sam, você já perdeu três rodadas, estamos atrás deles — Serena aperta os ombros do soldado que tinha uma expressão frustrada enquanto fumava seu oitavo cigarro.
— Desista, Sirena. Nós iremos ganhar, não é bonitão? — Frida provoca, rindo. Ela estava agarrada ao pescoço daquele soldado que tentou apostá-la.
— Pode apostar — Ele sorri vitorioso, antes de lançar sua carta ao centro da mesa, fazendo os outros soldados resmungarem derrotados.
— Jogue essa — Serena diz perto do ouvido de Sam, tocando o topo de um valete de paus. O soldado a encara sobre um dos ombros. — Confie em mim. — Serena fala firme e ele assenta, lançando a carta que ela escolheu e, em segundos, a feição vitoriosa do outro soldado, some.
Serena se afasta de Sam e salta animada, comemorando com gritos empolgados.
Com os braços fortes, Sam rodeia três sacos com moedas de ouro e os puxa para perto.
— Boneca, como você sabia que era a carta certa? — Completamente extasiado, Sam olha para Serena.
— Meus pais têm uma loja de rum. Eu costumava passar muito tempo com os bêbados e eles me ensinaram muitas coisas — Serena responde e se aproxima dele, o abraçando pelo pescoço como Frida fez com o outro soldado. Sam, apesar de ser um homem de quase dois metros, com muitos músculos e tatuagens estranhas feitas nas índias, fica vermelho nas bochechas.
Frida ri baixo e encara Serena de forma significativa, avisando que agora que elas já conquistaram a confiança dos soldados, e as dançarinas já distraíram os outros, era hora do resgate.
— Tem um banheiro por aqui? — Serena pergunta quando os soldados começavam mais uma partida.
— Atrás daquela cortina você encontrará um homem feio e baixinho, peça que ele te leve ao banheiro, mas, se ele tentar algo, o acerte na cabeça com isso — Sem olhar para Serena, Sam entrega para ela outra garrafa de vinho.
— Obrigada.
— Não demore muito, você se tornou o meu amuleto da sorte.
— Pode deixar — Ela toca sua careca com o fundo da garrafa e ri.
— Vou com você — Frida fala sorrindo, e se afasta do seu soldado, que resmunga algo do qual ela não presta atenção.
Frida engancha seu braço no de Serena, e assim, elas caminham para longe da mesa de apostas, passando pelos outros soldados e pelas dançarinas que, com olhares discretos, as observam, entendendo que o momento do resgate estava se aproximando. Serena busca Jack com os olhos, a vendo com comodoro, e ambos conversavam entre sorrisos, alheios demais a tudo.
— Ela realmente está indo bem em distrai-lo — Serena comenta baixo e Frida assente.
Quando chegam perto de uma longa cortina vinho com detalhes dourados, Serena a afasta para o lado e as duas passam para uma virada escura que dava em um corredor.
Ao verem um homem baixo de prontidão, perto de uma escada ainda mais escura, as duas trocam olhares atentos.
— Ei, bonitão, o que faz aqui sozinho? — Frida pergunta alto, revelando sua presença, enquanto Serena se esconde na virada antes de corredor, esperando seu momento. — A festa é do outro lado. — Ela se aproxima do soldado com passos sedutores, mexendo bastante seus quadris marcados pelo vestido.
O soldado encara descaradamente seu corpo.
— Preciso vigiar os prisioneiros. Logo alguém virá me substituir e eu poderei aproveitar também — O soldado responde, embora não tivesse certeza que algum dos seus colegas sairia da farra para substituí-lo em um trabalho.
— Já entendi tudo. Eles ficam com a parte boa e te colocam para trabalhar — Frida encosta o dedo indicador nos lábios em uma expressão de quem havia acabado de deduzir algo grandioso. — Isso não é legal. Você está aqui sozinho. — Ela toca o rosto do homem que era um pouco mais baixo que ela.
O soldado se arrepia e se sente nervoso. Ele queria tanto estar aproveitando.
— Estava pensando aqui com os meus botões... — Ela arrasta sua mão para baixo, passando pelo pescoço do soldado e indo até o ombro. Lentamente ela anda para o lado, fazendo o soldado se virar de costas para onde Serena estava escondida, como se fizesse apenas charme. — o que acha de fazermos uma festinha aqui no corredor? — Ela sorri de forma maliciosa e o soldado quase revira os olhos.
Na ponta dos pés, Serena sai de seu esconderijo e começa a se aproximar dos dois. Discretamente sobre os ombros do soldado, Frida olha para sua companheira.
— Não precisa perguntar duas vezes — O homem logo envolve seus braços ao redor da cintura de Fria, a trazendo para perto, mas, antes mesmo que tenha a oportunidade de beijá-la, Serena para atrás do soldado e o acerta na cabeça com a garrafa de vinho, fazendo o líquido escuro saltar para fora dos cacos de vidro quebrados.
Os braços do soldado ficam moles e ele larga Frida antes de cair desacordado.
— Me desculpe, mas foi Sam quem mandou — Serena diz para o corpo estatelado no chão, enquanto se abaixa e procura em sua farda qualquer molho de chaves, que ela encontra enganchado no cinto do homem.
Frida faz uma careta de desgosto e passa as mãos pelo vestido como se tentasse se livrar dos vestígios do soldado.
— Vamos, antes que ele acorde — Serena logo caminha em direção às escadas e Frida a segue.
Os saltos que usavam, ecoavam toda vez que elas pisavam em um degrau. Ambas se apoiaram nas paredes para não caírem, devido à falta de luz, e Serena agradeceu por seu machucado estar melhor e não doer mais.
Tropeçando no último degrau, Serena pisa no chão da prisão fria e iluminada por tochas.
Enquanto esteve na pousada infestada por ratos e baratas, com as dançarinas, Serena pensou muitas vezes sobre como todos poderiam fugir após libertarem os piratas; definitivamente ela não gostaria de participar de um tiroteio ou perseguição até o porto. Logo, foi que então um plano lhe surgiu, mas, para isso, ela precisaria de mais prisioneiros e a prisão de um rei sempre está cheia. Portanto, quando Serena passou em frente as primeiras celas e viu os homens de roupas esfarrapadas e peles sujas, ela sorriu satisfeita.
Os prisioneiros se aproximaram das grades e observaram com curiosidades as duas jovens que olhavam para todos os cantos em busca de algo.
E foi apenas nas últimas celas, as mais escuras e úmidas, que elas finalmente encontraram o motivo que as colocou em tamanha confusão.
— Serena? — Com os olhos arregalados e uma expressão desacreditada, Jungkook, que estava sentado, se levanta e se aproxima das grades enferrujadas, as segurando. — O que está fazendo aqui?
Seus cabelos estavam cobertos por suor e grudavam em sua testa. Suas roupas estavam imundas demais até para um pirata, e seu rosto tinha alguns hematomas, assim como seus pulsos e tornozelos avermelhados.
— Te resgatando — Ela sorri para ele, que franze o cenho.
— O Capitão te obrigou, não foi? — Sua expressão fica séria, liberando o ressentimento.
— Sei que não estou a tanto tempo no navio, mas você já deve me conhecer o suficiente para saber que eu não estaria aqui se não fosse algo do meu interesse — Serena cruza os braços, fazendo o molho de chaves em sua mão chacoalhar, atraindo a atenção não só de Jungkook, mas dos prisioneiros que conseguiam a enxergar de onde ela estava.
A expressão dura de Jungkook, não suaviza.
— O que ele te ofereceu? — O pirata quase enfia seu rosto entre as grades.
— Se não está feliz em me ver, eu liberto os outros piratas e te deixo aí. Então você pode sentar e esperar o seu admirável Capitão mexer o traseiro e vir te resgatar — Serena se vira para Frida e lhe entrega o molho de chaves, pedindo para ela abrir as celas.
Serena caminha até o centro do corredor iluminado por tochas, se tornando o centro de toda a atenção.
— Você vai nos libertar também? — Um dos prisioneiros pergunta.
— Eu vou fazer uma proposta antes — Serena responde e começa a andar pelo corredor, batendo em toda cela onde havia um prisioneiro dormindo, e quando todos estão acordados, ela volta para o centro do corredor. — Nesse momento, lá em cima, há uma pequena festinha entre os soldados e algumas amigas minhas. Se vocês aceitarem nos ajudar, então libertaremos todos.
— O quê? — Frida para de abrir uma das celas e encara Serena.
— E o que é? Diga! — Outro prisioneiro fala de forma rápida, desesperado por sua liberdade.
— A maioria dos soldados estão bêbados agora, então não será tão difícil — Serena comenta um pouco mais baixo. — Queremos que vocês criem um tumulto lá em cima, assim, será mais fácil para que todos saiam.
— Mas eles não estão armados? Nós não temos nada aqui.
— Não se preocupe, minhas amigas estão cuidando disso. Como eu falei, a maioria dos soldados estão tão bêbados que nem perceberam que suas armas foram roubadas, mas, de qualquer jeito, mesmo que soltemos vocês, todos terão que passar por onde eles estão agora.
— Eu aceito — Um dos prisioneiros responde, sem pestanejar. — Estou louco de ódio para acertar as contas com aquele comodoro de meia tigela.
Era exatamente esse tipo de reação que Serena precisava.
— Os que não concordarem, continuarão presos aqui. Se decidam agora, não temos muito tempo até que deem falta de nós duas — Serena cruza os braços de novo, e os piratas libertos se aproximam dela, com Frida, incluindo Jungkook que ainda estava surpreso com tudo.
Sem escolhas e com a possibilidade de conseguirem a liberdade outra vez, os prisioneiros aceitam, e assim, acabam sendo soltos. Frida entrega sua pistola escondida no vestido para um deles, dizendo que havia um soldado desmaiado no corredor e que eles podiam roubar a arma dele também.
Serena vai para perto de Jungkook, se abaixa e enfia a mão debaixo do saiote do vestido, e puxa a pistola escondida dentro de uma meia.
— Você sabe usar isso melhor que eu — Ela estende a pistola para Jungkook, que encara a arma por alguns segundos, antes de pegá-la, assentindo firmemente.
O pirata de roupas sujas vai para frente de todos.
— Hora do acerto de contas, meus camaradas de cela — A expressão de Jungkook era afiada, despertando o sentimento de confiança em todos os outros prisioneiros.
Todos juntos, eles vão até à escada da prisão e, ao passarem no corredor, a arma do soldado - ainda desmaiado - é roubada, posterior a ele ser jogado e preso em uma das celas.
Quando param atrás da cortina vinho com detalhes dourados, escutando as risadas altas e música do outro lado, todos se entreolham para em seguida iniciarem uma grande rebelião ao atravessarem a cortina, como se fosse um motim em um navio.
Os soldados bêbados se levantam de imediato e as dançarinas gritam falsamente assustadas. Rapidamente o caos se instaura, enquanto os prisioneiros iam para cima dos soldados que se espantavam ao não acharem suas armas presas nas suas fardas. No meio do tumulto, as dançarinas entregam as armas para os prisioneiros livres e correm para fora do lugar, ainda gritando.
Serena passa por todos atrás de Jack, e quando a acha ainda sentada no mesmo lugar, ela corre em direção à sua amiga, pegando-a pela mão e puxando-a para longe assim que vê Hoseok sacar sua pistola e começar a disparar em direção a alguns prisioneiros.
Jack estava em choque e atordoada demais, então apenas deixou Serena a arrastar para fora.
— Pronto, elas estão aqui! Agora vamos dar o fora! — Jule fala assim que Serena e Jack aparecem. Todas as dançarinas e piratas soltos já estavam do lado de fora do castelo.
Eles correm juntos, sempre olhando para trás para conferirem se não eram seguidos, e, por sorte, os prisioneiros estavam fazendo um ótimo trabalho, embora alguns aproveitassem da confusão para fugirem também.
Debaixo do céu estrelado e das ruas desertas e escuras, eles correram por toda corte do rei. Às vezes, Jack, Serena e Frida tropeçavam nos saltos, e Jack chegou até a cair e machucar o joelho, sendo carregada nas costas por um dos piratas. Por isso, antes mesmo de chegar no meio do caminho, Serena tirou os saltos e os deixou para trás, na rua, correndo descalça enquanto erguia o saiote do vestido.
Agora, a apenas poucos metros, alguns piratas estavam sobre os batentes do navio, vigiando o porto com lunetas, enquanto os outros piratas estavam a postos dentro do Vingança, preparados para qualquer coisa. Namjoon estava posicinado atrás do leme, com as mãos nas hastes de madeira. Taehyung estava no convés, com sua espada presa na cintura e uma pistola na mão. E os tripulantes foram mandados para os quartos, já que na última invasão, muitos deles morreram, porém, Dana insistiu e conseguiu ficar no convés também, preocupada demais com suas meninas.
— Eles voltaram! — Um dos piratas de pé no batente, grita, fazendo os outros dentro do Vingança se agitarem.
A rampa do navio foi abaixada a pouco tempo, então, os piratas e as dançarinas só precisaram subir.
— Obrigado por me resgatar. Não vou me esquecer disso — Jungkook surge do lado de Serena e fala enquanto eles correm rampa a cima.
Apesar de ser pega de surpresa, ela sorri para ele.
Quando todos entram no navio, os piratas gritam pela vitória, e sobem a rampa e a âncora.
— Zarpar navio! — Taehyung dá a ordem e Namjoon manuseia o leme, fazendo o Vingança se mexer e começar a se afastar do porto.
Os piratas resgatados foram recebidos com abraços e saudações estranhas.
Serena estava do lado de Jack, a segurando depois que ela foi posta no chão. Dana corre até elas e as abraça tão abruptamente que quase derruba as duas.
— Mamãezinha, você está apertando demais — Jack resmunga entre um sorriso e Dana interrompe o abraço.
— Você se machucou? — A mulher de cabelos vermelhos, pergunta, encarando o sangue que manchava a parte rasgada do vestido de Jack.
— Caí enquanto voltava para o navio. A culpa é desses saltos que não sei usar direito. — Jack ri, mas Dana ainda continua preocupada.
— Vamos cuidar desse machucado — Dana a pega como se ela fosse uma criança, apoiando o braço de Jack sobre seus ombros. — Serena, você vem conosco?
— Vou em um minuto — Serena responde e se joga sentada no convés, apoiando suas costas contra a parede de uma das bordas.
Dana assente e leva Jack até o alçapão do andar debaixo.
Serena queria mais que tudo ver Duque e relaxar, mas ela precisava de tempo para fazer seus pés descansarem, pois além de sujos, eles estavam doloridos pela corrida descalça nas ruas da corte.
Ela dobra as pernas e começa a massagear a sola dos pés, enquanto resmunga vez ou outro, mas isso não era escutado devido a toda empolgação no convés. E então, sem que Serena percebesse, alguém se senta do seu lado, a fazendo espiar debaixo dos cabelos loiros que cobriam seu rosto inclinado.
— Você fez como combinamos — Taehyung a fita.
— Eu disse que faria — Serena volta a prestar atenção nos pés doloridos.
— Mas eu não acreditei que faria — Ele sorri provocativo mesmo que ela não esteja o olhando. — Pelo jeito, você realmente quer se livrar de mim.
Serena solta seu pé e o encara.
— E você também não quer se livrar de mim? — Sua voz tinha uma pitada de sarcasmo.
— Você tem razão — Ele sorri de novo, ao mesmo tempo que o vento dos mares passa por eles, balançando os cabelos e a camisa aberta em dois botões do Capitão.
Os interrompendo, Jungkook se aproxima.
— Como nenhum de vocês levou um tiro? Estou surpreso — Taehyung comenta.
— Agradeça a Serena. Ela é mais astuta que um pirata — Jungkook olha para Serena e acaba sorrindo. E antes que ela o responda, um outro pirata surge e pega Jungkook pelo pescoço, o puxando para beber em comemoração à sua volta.
— Talvez não seja tão ruim ter você no navio — Taehyung comenta quando Jungkook é arrastado para longe deles.
Serena encara Taehyung por alguns segundos e se levanta, pronta para sair.
— Eu não sou tão fácil assim, Capitão. Primeiro você vai precisar se esforçar um pouco mais. — Serena sorri como um verdadeiro pirata e se afasta, indo até o alçapão, enquanto os olhos de Taehyung a acompanham com interesse.
Ódio: El Comienzo de La Emboscada
Quando atravessou os corredores do castelo e entrou em seu quarto, o comodoro quase soltava fogo pelas ventas. Ele estava mais que irado, não podia acreditar que foi enganado de uma maneira tão fácil. Mas ele não deixaria as coisas como estavam, porque assim que recuperasse seus piratas prisioneiros e prendesse o restante, ele caçaria Jule e suas dançarinas até nos confins dos mares, fazendo com que elas pagassem caro pelo que fizeram.
Hoseok sempre soube que não poderia confiar em alguém que escondia piratas em seu estabelecimento e, mesmo assim, ele se deixou levar pelo papo furado de Jule. Entretanto, talvez a bela dançarina de cabelos pretos, na qual ele passou algum tempo conversando, tenha sido um atrativo a mais para que ele caísse nessa emboscada medíocre. E pensar que por um segundo, o comodoro cogitou em convidá-la para um encontro. Ele se sentia completamente ridículo agora por ter tido esse pensamento.
Com os nervosos fervendo, ele procurou em suas coisas pela concha mágica que o feiticeiro do mar havia lhe dado, e assim, logo tratou de contatá-lo. Então, logo não demorou para que a voz de Jimin soasse de dentro da concha de cor salmão. O feiticeiro sempre estava com ela, pois sabia que a qualquer momento poderia ter notícias sobre o andamento de seu plano.
Rapidamente, com a voz embargada pela fúria, Hoseok conta a Jimin o que havia acontecido, e tudo que o feiticeiro fez foi rir alto. O comodoro não entendeu, mas se sentiu ainda mais irritado com a reação de seu aliado.
Jimin realmente achava Hoseok patético por ter sigo engano por dançarinas de um cabaré, porém, não se sentia irritado com isso, pois tudo que importava era que eles já tinham a localização da próxima coordenada até o mapa para Atlantis. O feiticeiro explicou que eles não deveriam se preocupar, visto que já conseguiram o mais importante e que agora seria sua vez de executar uma parte do plano. Jimin pediu que o comodoro se acalmasse e esperasse, e que quando tudo estivesse pronto, ele voltaria a contatar Hoseok, e, por este motivo, o comodoro já poderia começar os próximos preparativos pelo que viria a seguir.
Quando terminaram de se falar, Jimin saiu de seu quarto no navio Tripa de Sangue e foi atrás do Capitão, que estava em sua cabine limpando as espadas postas sobre a mesa retangular.
— Capitão, como previsto, seu irmão deu um jeito que resgatar os prisioneiros — Jimin se escorra contra o batente da porta, deixando, assim, a luz da lua entrar na cabine iluminada por lamparinas.
Jin segurava um pano que usava para passar por toda extensão da lâmina da espada e, sem interromper seu trabalho, desvia seu olhar até Jimin; não diz nada, apenas ri baixo, enquanto tem uma expressão zombeteira.
— Isso significa que estamos indo para a próxima parte do plano, feiticeiro?
— Sim — Jimin sorri e assente.
O Capitão para de limpar a lâmina e coloca a espada junto das outras. Seus pés continuam apoiados na superfície da mesa.
Ele suspira.
— Seu irmão deve estar saindo da corte agora, então temos a vantagem. Chagaremos na ilha ao sul do Atlântico primeiro que ele. Então podemos nos esconder e preparar a emboscada.
Jin observa Jimin por alguns segundos.
— Que assim seja feito então. Irei repassar as informações para os meus piratas e todos nós nos prepararemos — O Capitão fala, enquanto, internamente, um sentimento de anseio surge correndo em suas veias, desejando inquietamente esse momento que se aproximava. — Eu mal posso esperar para conhecer sua sobrinha, feiticeiro.
O sorriso de Jimin se torna ainda mais largo, e Jin percebe que não se tratava de felicidade, pois ele enxergava nos olhos do feiticeiro que ele odiava Serena.
— Acho natural estar ansioso para conhecer sua futura noiva morta, Capitão. E posso lhe garantir que ela deve estar tão bela quanto uma sereia agora.
Fundo do Mar - El Reino de Árie
Nas profundezas do oceano, escondidos em uma cidade submersa, no reino de Árie, os moradores áqueos estavam vivendo um grande momento de perturbação. Há poucas horas, cerca de cinco tubarões cinzentos vindos de algum lugar perto do Atlântico, nadaram por dias e noites até encontrarem um dos sete reinos dos sete mares.
A seguinte mensagem foi entregue para o povo do Pacífico Sul: a princesa estava viva e navegava pelos mares a bordo de um navio pirata.
Há muitos e muitos anos atrás, quando dois irmãos brigaram pelo reino, como vingança, o mais novo lançou um feitiço em uma de suas sobrinhas, a condenando a uma vida humana, sem o direito de se lembrar do seu verdadeiro lar. Contudo, apesar de acertar a princesa errada, o sofrimento de Árie seria o mesmo, e era exatamente isso o que Jimin desejava. Ele faria seu irmão afligir-se tanto com a dor da perda, que, no momento em que estivesse arruinado, completamente abatido e desolado, Jimin o mataria da forma mais suja e desonesta possível.
E ele conseguiu, fugindo logo em seguida, se tornando um exilado dos mares, sabendo que se voltasse, seria caçado até sua morte. E esse é o motivo pelo qual Jimin se abrigou na terra, ganhando o direito de viver entre os seres terrestres após ser ajudado pela bruxa do pântano. Porém, em terra, seus poderes são restritos e mais fracos, por isso, ele queria se tornar tão forte ao ponto de retornar para o mar e escravizar todos, assim, assumindo de uma vez o comando não só do Pacífico Sul, como de todos os outros mares.
Para aqueles que permaneceram por anos, angustiados não só pela perda do rei, mas também com a suposta perda de uma das princesas, essa notícia assombrosa era como encontrar o mais precioso dos tesouros.
Uma criatura áquea, da espécie das sereias e tritões, não pode ficar em terra firme por mais de uma hora - em forma humana, por isso, nunca foi possível ir longe demais para procurar pela princesa.
Após a morte de Árie, o reino do Pacífico Sul passou a ser regido pelas duas filhas mais velhas e pelos conselheiros, embora esse não fosse o correto, por isso, encontrar a princesa mais nova não era apenas algo sentimental, e sim um dever para com os habitantes áqueos. Quando as três filhas estivessem juntas, a mais forte deveria ser aquela que lideraria um dos sete mares, logo, a princesa mais nova precisava retornar ao mar para que isso fosse feito.
Nos corredores revestidos de ouro do palácio, todos corriam de um lado para o outro, convocando criaturas marinhas e soldados áqueos para irem atrás daquela que foi exilada. Uma reunião entre os reis e rainhas dos sete mares estava prestes a ser requisitada, enquanto uma busca pelo oceano se aproximava mais rápido que os sentidos dos tubarões cinzentos ao reconhecerem o cheiro do sangue real da princesa.
— Será que ela está mesmo bem? — Uiara pergunta mais para si mesma, enquanto apertava entre as mãos fechadas, um delicado colar de ouro.
Sua cauda roxa com detalhes verde-água, balançava em movimentos automáticos, mesmo que ela estivesse parada. E os cabelos loiros-ondulados efeitos por uma coroa de pedras preciosas, estavam como se se esvoaçando no vente, mas era apenas o efeito do mar.
— Você escutou a mensagem dos tubarões, ela parecia bem, apenas um ferimento na perna — Maressa abraça sua irmã de lado, aproximando sua cauda rosada da dela, tentando acalmá-la.
A única peça de roupa que usavam, na parte superior de seus troncos, lembrava muito um bustiê feito por milhares de pedras coloridas que brilhavam mais que suas caudas deslumbrantes.
— O que me preocupa mesmo é saber que ela está em um navio pirata — Os olhos azuis-escuros de Uiara, encaram a irmã com angústia. — Nossa irmã deve ter passado por tanto, Maressa. Aposto que nem se lembra dos seus poderes, você sabe que quando foi exilada ela ainda estava treinando e aprendendo a lidar com eles.
Maressa suspira, fazendo o barulho ecoar pelo som calma da água ao redor delas.
— Não se esqueça que ela é uma de nós, uma filha de Árie, rei de um dos sete mares. Tenho certeza que ela ficará bem até a encontrarmos de novo — Maressa encosta os fios curtos e loiros de sua cabeça, contra os de sua irmã. — De qualquer forma, você sabe que Królios está com ela. Ele é o seu guardião e a protegerá.
Mesmo com a recordação do sirénio, a criatura aquática protetora de sua irmã desde o nascimento, Uiara não consegue acalmar seu coração, pois ela sabia que no dia em que seu tio exilou sua irmã, era para ser ela em seu lugar, mas a pequena princesa, sempre destemida e inconsequente, acabou se jogando na frente - juntamente com Królios, que tentou impedi-la, assim, ganhando a maldição.
Uiara expira pesadamente e separa as mãos que pareciam rezar, fitando o pequeno colar redondo, antes de, com cuidado, o abrir e revelar o desenho de uma criança alegre e sorridente, um presente de seu pai para sua irmã mais nova. O último vestígio de Serena, a princesa perdida do reino de Árie.
Capítulo 16
Com o pé, empurro a porta que deixei encostada quando sai e, desta forma, entro no quarto enquanto equilibro dois pratos, um em cada mão.
— Dana mandou a comida — Anuncio após entrar no quarto e fechar a porta com o pé, de novo.
Jack estava sentada na cama da Dana, encarando a pequena janela redonda no alto da parede de madeira, mesmo que não dê para ver nada além de uma parte do céu. Duque estava deitado em suas pernas dobradas, parecendo bem confortável.
— Você está com essa cara de novo — Digo e me aproximo, sentando perto dela.
Duque ergue sua cabeça peluda e me encara, mas não sai do colo de Jack.
— Que cara? — Lentamente, Jack vira seu rosto em minha direção. Sua feição era desanimada.
— Essa cara que você vem fazendo desde que conheceu o comodoro — Respondo e instantaneamente suas bochechas ruborizam.
— Do que você está falando? — Tentando disfarçar o nervosismo, Jack segura Duque e começa a afagá-lo de um jeito brusco, fazendo Duque resmungar com alguns sons. Acho que ele estava me pedindo ajuda.
Cuidadosamente, coloco os dois pratos com pedaços de carne e pão na cama, depois cruzo os braços.
— Não minta para mim. Foi você mesma que me disse todas aquelas coisas sobre ele. Como alguém se apaixona em apenas uma noite?
Jack para de afagar Duque, paralisando sobre a cama. Suas bochechas ficam ainda mais rubras e sua boca se abre para me responder, mas ela desiste, provavelmente sabendo que seria tolice continuar mentindo.
Ela suspira alto.
— Se você tivesse conversado com ele em meu lugar, ia entender — Sua voz soa um pouco mais baixa, enquanto seus olhos desviam dos meus. — Você acha que ele ficaria contente em me ver outra vez? — Em seguida, ela volta a me encara, cheia de esperanças.
— Se ele te ver outra vez, vai querer te matar — Falo, sincera, sabendo que depois do que fizemos, não só o comodoro, mas toda a guarda do rei devem nos odiar agora.
Seus olhos vão até Duque, em uma expressão completamente tristonha que me deixa um pouco arrependida pelas palavras.
— Se você gosta tanto dele, quando eu nos tirar desse navio, te acompanho até a corte e você poderá se declarar para ele ou qualquer coisa do tipo. Vou te proteger e garantir que ninguém faça nada. E se ele não aceitar seus sentimentos, então eu encontrarei alguém bem melhor para você.
— Está falando sério? — Seus olhos voltam a brilhar instantaneamente.
Assinto e ela sorri por alguns segundos, antes de desviar o olhar mais uma vez, enquanto volta a ficar envergonhada.
— Me diga, Serena, você já se apaixonou antes?
Acho sua expressão engraçada e fofa.
— Não — Respondo, casualmente, e pego um dos pães no prato. O parto no meio e ofereço uma metade para Duque, que vem para o meu colo de bom grado.
— Então nunca beijou ninguém?
Entrego a metade toda de pão para Duque, e encaro Jack.
— Eu já beijei alguém, mas apenas uma vez.
Os olhos de Jack se arregalam e ela se inclina para frente.
— Quem?
— Um amigo meu, o Adam. Não foi nada de mais, eu apenas fiquei curiosa para saber como era, já que a maioria das meninas de onde eu morava, suspiravam pelos cantos todas as vezes que eram beijadas. Então eu apenas pedi para o Adam me beijar.
— E ele te beijou assim?
Assinto de novo.
— O Adam é meio bobo, ele costuma fazer tudo que eu peço. De qualquer forma, ele também estava curioso quanto a isso.
— E como foi? — A voz de Jack se torna tão animada que até Duque a olha, enquanto termina de comer seu pão.
— Estranho — Dou de ombros, me lembrando desse momento. — Talvez eu ache isso porque Adam e eu éramos inexperientes, não sei.
— E você nunca mais teve vontade de repetir?
Aperto os olhos, fitando Jack com bom humor.
— Você está bem empolgada com esse assunto, não é? Aposto que se imagina fazendo isso com o comodoro.
Ela ruboriza, inclinando seu corpo para trás e encolhendo os ombros.
Rio com graça, e enquanto ela se recompunha de sua vergonha, Dana entra pela porta do quarto.
— Ainda não comeram? — Ela pergunta com as mãos na cintura, usando o mesmo tom de voz que uma mãe usa para repreender seus filhos.
— Estávamos conversando e acabamos nos distraindo — Digo.
— E sobre o que estavam conversando? — Dana se senta do meu lado e passa um dos braços por meus ombros, o puxando para perto.
— Nada — Jack responde rápido demais, nervosa e envergonhada.
Rio baixo e encosto minha cabeça no ombro de Dana.
— Sobre como odiamos estar nesse navio infestado de piratas.
— Você deve ser a pessoa que mais abomina isso — Dana comenta e eu balanço minha cabeça em seu ombro, confirmando.
Ela ri nasalada.
— Não sei como você pode ser tão tranquila. Mesmo eu, que estou aqui a alguns meses a mais que Serena, nunca te vi reclamando dos piratas — Jack diz.
— Isso porque estou aqui a tempo o suficiente para entender como um pirata pensa e leva sua vida. Não digo que é certo forçar as pessoas a fazerem parte de sua tripulação, mas eles não são de todo mal, como dizem por aí. Aqueles soldados do rei também fazem coisas abomináveis, a diferença é que eles escondem isso, os piratas não.
Por um segundo, olho para Jack, que desvia o olhar parecendo um pouco sem jeito pelo que escutou.
— Deixe-me pensar... em tripulações piratas, não é permitido mulheres porque dizem que dá azar, mas o Capitão não se importa, mesmo que isso o faça ser mal visto por outros, já que navegar com mulheres ou crianças é contra as regras piratas, tendo como consequência, a morte.
— Ele também costuma dar os animais que são trazidos para famílias de outras cidades, pessoas que irão cuidar realmente deles — Dana faz uma pequena pausa para expirar profundamente. — E o Capitão sempre está ajudando famílias pobres, principalmente as da cidade onde ele cresceu, porque ele também já foi um deles e sabe como é estar na miséria. Mas ninguém fala sobre isso, só dizem que ele é um vagabundo do mar perigoso em um navio pirata.
— Então ele ajuda os pobres para se redimir por matar e saquear? — Comento, sem humor.
— Não é isso que eu estou dizendo, peixinho — Dana ri baixo. — Só entenda que essa é a vida do Capitão, seu pai e seus ancestrais também foram piratas e isso seria inevitável. Se ele tivesse nascido na sua família, por exemplo, teria um futuro diferente, e o mesmo seria com você, caso tivesse nascido em uma família de piratas.
— Você precisa parar de me fazer gostar dos piratas — Resmungo baixo, brincando com as orelhas de Duque, que tentava pegar o outro pão no prato de Jack.
— Tudo bem — Dana ri de novo.
— Toda essa história de vida pirata, me fez lembrar das mulheres do cabaré — Jack fala. — Será que elas estão bem?
Quando retornamos ao navio, depois de resgatarmos os piratas, Jule nos contou que iria se mudar para a França com suas dançarias, já que, com certeza, o comodoro iria caçá-las. Me surpreendi quando Taehyung se desculpou por tê-la metido nessa confusão, mas a mulher apenas riu e disse que era isso que uma família fazia, e que, de qualquer forma, havia algum tempo que ela estava juntando dinheiro e pretendia ir embora da Ilha Suli. Segundo Jule, ela estava cansada de viver perto de pessoas que julgavam e maltratavam suas dançarinas e, aparentemente, na França era muito mais comum e apreciado esse tipo de trabalho.
Jule estava animada, falou que a vida delas, nesse país, mudaria, e assim, suas dançarinas finalmente receberiam o reconhecimento que mereciam. Por isso, Taehyung voltou para Suli e as deixou lá para que pudessem arrumar suas coisas e partir rumo à França.
— Com certeza estão melhores que nós. Elas irão construir uma vida boa em um novo lugar, enquanto nós estamos atrás de um mapa que nem sabemos se existe ou se é apenas uma história de pescador — Respondo, em meio a um suspiro, imaginando como seria quando o navio ancorasse em nossa próxima parada.
Capítulo 17
— Vou pedir aos mares que te protejam — Dana aperta firmemente minha mão, enquanto me encara com preocupação, da mesma forma que Jack, que estava do lado, segurando Duque.
Suspiro alto, porém, forço um sorriso. Não é como se eu não estivesse temente pelo que aconteceria, mas eu também não queria deixá-las ainda mais preocupadas do que já estavam.
Inez bate pela quinta vez na porta, gritando do outro lado.
— Preciso ir — Suspiro de novo e dou um abraço rápido em Dana. — Não se aflijam muito, e não se esqueçam da minha promessa de nos tirar daqui, não vou morrer enquanto não a cumprir. E, também, eu ainda não consegui libertar os prisioneiros, mas penso que eles já não têm muitas esperanças em mim, de qualquer forma. — Rio baixo e sem jeito.
Me viro para o lado e encaro Jack. Suas sobrancelhas se modelam de um jeito triste, moldando os olhos preocupados. Ela balançava Duque igual a um bebê, efeito de seu nervosismo.
Minha pequena bolinha de pelos late para mim como se soubesse o que me aguardava, e depois se agita nos braços de Jack, pulando para os meus. Abraço Duque com todo carinho e ele lambe a ponta de meu nariz, ficando completamente impaciente nos meus braços, mas não era um agito de felicidade.
— Estarei de volta mais tarde, agora fique com a Jack, tudo bem? — Falo para Duque depois de o levantar na altura do meu rosto.
Entrego o cachorro para Jack e me despeço das minhas duas companheiras de quarto com um sorriso pequeno. Caminho até à porta e Duque volta a latir. Ele foge do colo de Jack, pois logo surge correndo ao redor dos meus pés até parar em frente à porta, latindo para mim.
— Saia daí agora, nanico, eu preciso passar — Olho para baixo e ele continua latindo, tentando me impedir. — Duque. — Alerto em um tom de voz sério e ele não se mexe, então, com cuidado, o afasto para o lado com o pé, conseguindo sair do quarto, enquanto escuto seus latidos finos.
Inez me esperava do outro lado, com sua típica expressão fechada.
— Ele está barulhento — Ela comenta assim que começamos a andar pelo corredor.
— Ele só deve estar um pouco carente. Não preocupe, Dana e Jack cuidarão dele — Digo e Inez assente, ficando em silêncio pelo resto do caminho.
Deste modo, ela me leva até o convés, onde, perto da rampa abaixada, Taehyung, Namjoon, Jungkook, Stu e Jason - os dois piratas que me trouxeram para esse navio no dia do ataque em Marlli - já me esperavam.
O nervosismo surge na boca de meu estômago, mas tento contê-lo.
Alguns piratas e tripulantes também estavam no convés. A maioria mais preocupada em espiar, do batente, a ilha onde o navio ancorou.
— Cuide do navio enquanto eu estiver fora e não se esqueça das minhas instruções: se algo muito preocupante acontecer em minha ausência, zarpe com o Vingança e volte depois para nos buscar, ficaremos escondidos na ilha — Taehyung fala para Inez no segundo em que paramos na sua frente.
— Sim, Capitão. Não se preocupe, eu farei isso — Respeitosamente ela diz, mantendo uma postura ereta e firme.
O vento do dia ensolarado passa por cima do navio, balançando os cabelos loiros-escuros de Inez, debaixo do seu chapéu de pano.
— Ótimo. Estamos indo agora — Taehyung acena para ela e se vira, me encarando. — Vamos? — Ele sorri ardiloso como se me perguntasse: estou pronto para te matar nessa ilha se descobrir que você mentiu para mim sobre o mapa.
— Vamos — Respondo, forçando minha expressão a continuar impassível.
Por mais que a bruxa do pântano, Darcy, tenha dito todas aquelas coisas para nós, não me sinto confiante sobre ajudar Taehyung a encontrar Atlantis. Na verdade, eu estou surpresa que aquele mapa que desenhei, deu em algum lugar que não fosse água.
— Todos prontos? — Taehyung pergunta para os quatro piratas conosco e eles assentem.
Stu e Jason carregavam pás, enquanto Namjoon e Jungkook tinham as armas. Taehyung segurava um longo tubo fino, do qual me lembro de já ter o visto guardando as partes do mapa que achou. Ele também estava com sua bússola e duas pistolas presas em seu cinto.
Eu gostaria de ter, ao menos, a pistola que Jack ganhou das mulheres do cabaré, mas tive que entregá-la a Jungkook no dia do resgate, ou seja, estou completamente desprotegida hoje.
Por fim, Taehyung dá alguns passos e fica na frente de todos, e, assim, ele começa a descer a rampa, enquanto nós cinco o seguimos até nossos pés tocarem a areia úmida da ilha.
O cheiro de maresia parecia mais forte do que estando no basco, e o sol também parecia mais quente aqui. Ao fundo, em nossa vista, o vento balançava a folhagem das árvores e do mato alto, criando um barulho calmo e relaxante.
Antes de ir, Taehyung se vira sobre os ombros e lança um olhar para Inez, posterior a se virar, pegar o mapa que desenhei e examiná-lo. Em seguida, ele checa sua bússola e aponta reto.
— Por ali, vamos.
Começamos a caminhar pela areia da ilha, e sinto os meus pés afundando algumas vezes como se fossem sugados pelos grãos úmidos. Levanto a barra do meu vestido marrom-escuro para que nada além das minhas botas se sujem. O tecido fino e simples era constantemente balançado pelo vento, do mesmo jeito que os longos fios dos meus cabelos loiros.
Quando a areia fica seca, nós começamos a nos aproximar das árvores altas. Logo, Namjoon e Jungkook se apressam e puxam os facões presos em seus cintos para cortarem o mato e abrirem caminho.
— Namjoon e Jungkook limparão o caminho. Stu e Jason vigiarão a retaguarda. E você — Em um ato totalmente desprevenido, Taehyung segura suavemente minha mão e me puxa para perto dele. —... ficará do meu lado. Esse é o seu mapa, por isso, é mais que justo, não acha? — Ele sorri uma segunda vez, enquanto eu afasto meu pulso dos seus dedos cobertos por anéis coloridos, fingindo o ignorar.
Ele ri baixo e dá algumas coordenadas para Namjoon e Jungkook seguirem.
Caminhamos reto por minutos, passando por cima de troncos caídos, e desviando de insetos e pequenos animais rastejadores. O sol estava agradável e alguns de seus raios iluminavam o caminho quando atravessavam as grandes folhas penduradas. Os pássaros piavam e voavam por todos os lados, e algumas lagartas escalavam os troncos de cascalhos das árvores.
— Cuidado aí atrás! — Jungkook grita, e quando desvio meu olhar das largatas verdes, vejo apenas um borrão esguio e cinza voando em minha direção após ser lançado pelo facão do pirata.
Grito de forma aguda, assustada, e me jogo para o lado, agarrando o braço de Taehyung de forma automática. Com os olhos arregalados, vejo a cobra rastejar rapidamente para trás, passando perto do meu pé, ao mesmo tempo que sibila. E meu olhar não para de a acompanhar até que ela suma de vista, me fazendo respirar aliviada.
Escuto um pigarreio do meu lado e então meus olhos se arregalam de novo quando percebo que ainda estava segurando o braço de Taehyung. Espio de canto de olho e o vejo me fitar de forma zombeteira, pronto para me irritar por conta disso.
Rapidamente me afasto dele e continuo caminhando; indo para mais perto de Namjoon e Jungkook. Por alguma razão, sinto meu rosto esquentar nas bochechas, por isso, trato de acelerar meus passos, a fim de andar até que essa sensação suma, pois, em nenhuma hipótese, eu deixaria Taehyung me ver assim. Eu apenas segurei no seu braço porque me assustei e ele estava por perto, não era minha intenção me agarrar nele e sentir seus músculos de pirata debaixo da blusa branca... e por que eu estou tendo esse pensamento? Acho que não tem problemas admitir que o acho um pouquinho atraente dessa forma, certo? Isso não muda o fato de que eu o odeio e quero me livrar dele, portanto, eu não deveria me preocupar com isso.
A frente da minha bota chuta um pequeno galho no chão e eu me abaixo para pegá-lo. Depois uso a ponta para cutucar – com muita força - as costas de Jungkook, o fazendo se curvar e soltar um resmungo de dor, antes de me olhar com uma carranca.
— Não saia jogando essas coisas para trás — O repreendo seriamente, enquanto ele tenta tocar o lugar que cutuquei.
Ele não me responde, apenas me mostra a língua como se fosse uma criança.
— Opa...! Problema à vista — Namjoon para de andar abruptamente.
— O que é? — Jungkook se esgueira do lado dele.
— Um javali selvagem.
Ao me aproximar também, consigo ver o enorme e gordo animal com presas saindo para fora de sua boca e algumas cicatrizes pela barriga pendurada, a poucos metros de nós, cheirando alguma coisa que estava escondida no chão. No mesmo instante, meu corpo fica em alerta, e como o javali não nos viu, dou alguns passos para trás.
— Vamos contornar. É só não fazer barulho que ele não vai nos atacar — Taehyung diz, mas Namjoon logo puxa sua pistola do cinto.
— Só precisamos matá-lo, Capitão — Logo após sua fala, ele dispara.
O barulho ecoa pela ilha, assustando muitos pássaros, sendo seguido pelo som alto e estridente do javali.
— Você errou, seu cego! — Jungkook grita e, apesar de não conseguir ver, consigo escutar o javali correndo em nossa direção.
Taehyung vai rapidamente para perto dos dois, já pegando sua pistola.
Me desespero outra vez e corro para trás, esbarrando em Stu, e quando javali está muito perto, ele e Jason começam a correr para longe comigo.
— Vocês não são piratas?! — Pergunto alto, enquanto olho para trás.
— Você não sabe como é um ataque de um javali selvagem, não é? — Stu me encara carrancudo.
— Por acaso está nos vendo com armas além dessas pás? — Jason resmunga, antes de tropeçar em uma raiz e cair, me levando com ele.
Quando meu corpo bate na terra áspera, escuto Jungkook gritar como uma garotinha e, a seguir, mais disparos e um grunhido do javali.
— Seu idiota! Me solta! — Chuto a mão de Jason que ainda segurava meu tornozelo.
Cauteloso, Stu se aproxima enquanto ri de mim, e minha vontade é de acertá-lo com aquela pá em suas mãos, pois ainda não me esqueci do tiro que ele deu em minha perna.
— Ei, vocês! Parem de gracinha e vamos. O javali já está morto. — Namjoon aparece quando ainda estou sentada no chão.
Com um olhar mal-encarado, fito Stu e Jason antes de me levantar e ir atrás de Namjoon.
Jungkook e Taehyung estavam mais à frente, parados ao lado do corpo morto e ensanguentado do javali selvagem.
— Eu devo estar com os piores piratas do mundo, já que vocês fizeram toda essa confusão só para matar um javali — Resmungo quando me aproximo, mantendo distância do animal morto, que logo seria rodeado por pequenos insetos.
— A culpa foi do Namjoon que errou o tiro — Jungkook aponta para seu amigo, que o acerta na parte detrás da cabeça com o cabo do facão.
— Ele estava muito longe.
— Eu disse para contornar o caminho — Taehyung interrompe e suspira.
Namjoon coça a cabeça coberta pelo pano preto, parecendo frustrado.
— Capitão, está tudo bem? — Stu vem para perto.
Taehyung encara ele e Jason.
— Está, mas não pela ajuda de vocês — Ele nega a cabeça em reprovação. — Eu teria muito mais vantagem se tivesse trazido a Inez, ela, sim, é um pirata de coragem — Taehyung passa uma das mãos pelos cabelos e volta a caminhar, deixando todos para trás.
Jungkook resmunga mais uma vez com Namjoon, antes de seguir Taehyung.
Seguimos o resto do caminho sem mais problemas, pelo menos, não até encontrarmos um pequeno barranco, do qual tivemos que subir. A terra estava em um formato íngreme demais, fazendo meus pés deslizarem algumas vezes, enquanto desbarrancava certos amontoados de terra.
Eu estava quase alcançando o topo quando senti uma mão agarrar meu antebraço, me puxando para cima de uma vez só, com facilidade. Então, em segundos, eu estava de frente para Taehyung. Ele me fita de maneira cínica, provavelmente esperando que eu o agradeça, mas tudo que faço é limpar meu vestido, afastando a terra e algumas pequenas folhinhas.
Deixando Stu e Jason de lado, ele indica a grande caverna atrás de nós. E, sendo assim, juntamente com Namjoon e Jungkook, entramos nela. O lado de dentro era um pouco gelado e bastante silencioso, e no final escuro haviam grandes pedras pontiagudas das quais não nos aproximamos tanto assim. A caverna não era funda, por isso, a luz do sol conseguia clarear grande parte do interior rochoso.
Taehyung encara o mapa em suas mãos e anda em círculos pela caverna até parar em um ponto no meio. Ele olha para a saída da caverna e faz um gesto rápido para que Stu e Jason se aproximem.
— Podem começar a cavar aqui — Taehyung desenha uma marcação no chão usando o solado da bota e depois se afasta, dando espaço para que os dois piratas comecem seu serviço.
Me escoro do lado esquerdo da caverna, enquanto Taehyung, Jungkook e Namjoon ficam próximos a Stu e Jason, acompanhando cada monte de terra que era arrancado do chão.
A ansiedade encontra meu estômago outra vez, pois quanto mais fundo aquele buraco ficava, maior se aproximava da verdade. Discretamente, espio a saída da caverna, pensando se eu conseguiria correr até lá sem ser acertada por um tiro.
Sinceramente, pela primeira vez, eu não tinha nenhuma ideia mirabolante e não sabia o que fazer. Eu realmente estava encurralada, em todos os sentidos.
— Achei, Capitão! — Stu avisa, antes de levantar sua pá com terra e um objeto no meio. Ele despeja tudo no chão, e Taehyung se agacha, afastando a terra para os lados até ver um longo tubo fino semelhante ao que ele usava para guardar seus mapas.
Quando seus dedos enfeitados pelos anéis, puxam a tampa do tubo, meu coração bate um pouco mais rápido.
Taehyung fecha um dos olhos pintados de preto e encara o interior do tubo. Ele vira o objeto para baixo esperando algo cair, mas nada acontece. Por isso, não só ele, mas todos os piratas me encaram.
— Sem mapa... — Taehyung se levanta.
Meu corpo fica rígido e eu me desencosto da parede.
— Não me culpe. Eu prometi que te traria nesse lugar e eu fiz isso. Se nós achamos esse tubo, é porque realmente havia alguma coisa dentro dele, mas parece que você chegou um pouco tarde demais, Capitão — Me defendo, tentando conter o sorriso zombeteiro que ameaça surgir em meus lábios, por ele não conseguir o que queria.
Em vez da voz de Taehyung, a minha resposta vem do som de uma arma sendo destrava e engatilhada.
— Ela está certa, você chegou tarde, irmão — Detrás das grandes pedras no fundo da caverna, sete piratas se levantam, apontando armas em nossas direções. — Estava me perguntando quando você chegaria. Já estou aqui nesse lugar faz dois dias.
O mais alto e que estava no meio, contorna uma das pedras, caminhando para perto de Taehyung, enquanto seus piratas o seguem.
A expressão de Taehyung muda instantemente: olhos cerrados, maxilar apertado e postura rígida. Não só ele, mas Namjoon, Jungkook, Stu e Jason também ficam tensos.
Ainda surpresa, encaro o pirata de brincos longos e cabelos pretos, e depois Taehyung, notando uma leve semelhança entre eles, logo entendendo o jeito pelo qual ele chamou Taehyung.
Esse só podia ser o Capitão Infâmia, o irmão mais velho do Capitão Hanna.
— Eu queria agradecer ao seu pirata, Jungkook, por ter me ajudado a encontrar esse lugar. Além de me fornecer as coordenadas, o seu plano para resgatá-lo apenas me deu vantagem para chegar aqui primeiro — Capitão Infâmia sorri para Taehyung.
Os olhos castanhos de Taehyung encaram todos os piratas, e ele parecia analisar quais seriam suas chances, porém, eram sete contra três armados e dois sem nada.
— Agora que você chegou, eu finalmente posso ir. Meu navio está escondido na parte detrás da ilha, pelo lado que eu sabia que você não viria — Capitão Infâmia guarda sua pistola no cinto e passa por Taehyung, que o segue com o olhar cheio de fúria.
— Se já havia conseguido a parte do mapa, por que me esperou? Você nunca faz isso — A voz grave de Taehyung ecoa por toda a caverna, de forma completamente severa.
Capitão Infâmia não o encara, mas sorri, e, nesse momento, percebo quando ele me olha.
— Porque o mapa não era a única coisa da qual eu estava atrás — Ele responde e começa a caminhar em minha direção.
Os meus olhos se arregalam e eu encosto as costas na parede gelada da caverna. Encaro a saída e me sinto extremamente tentada a correr, mas havia muitos piratas armados aqui dentro e isso poderia me custar a vida.
— Está pensando em fugir? — Meus olhos se arregalam ainda mais quando escuto sua voz perto de mim, e quando viro lentamente a cabeça, Capitão Infâmia já está parado na minha frente. — Você não faz ideia de como eu queria te conhecer, Serena. E a vendo agora, me permita dizer que é ainda mais bonita pessoalmente.
Engulo em seco, sentindo meu coração acelerar de puro temor. Eu não podia explicar, mas eu não tinha um bom pressentimento estando perto dele.
— Estou aqui para levá-la comigo. Pode ter certeza que eu te trarei muito melhor que meu irmão — Ele sorri e depois segura meu pulso.
Com um olhar alarmante, encaro seus dedos ao redor do tecido do meu vestido, antes de puxar meu pulso, mas ele o segura de novo, e depois me vira de costas e me prende pela cintura, me levantando do chão.
Completamente apavorada, fito os piratas que estavam comigo e todos continuavam imóveis, reféns das armas apontadas em suas direções. Portanto, sabendo que não teria ajuda, começo a me debater nos braços do Capitão Infâmia, enquanto ele nos leva até à saída, o que era completamente inútil.
Em um breve instante, meu olhar encontra o de Taehyung e, naquele momento, eu nunca preferi tanto estar com ele em todos esses meses. Seus olhos não piscavam enquanto me assistiam ser arrastada para longe. E, no segundo em que Taehyung se mexe e tenta vir ao meu encontro, o Capitão Infâmia me tira da caverna que, logo depois, é preenchida pelo barulho de tiros. O meu coração parece parar e os meus olhos se abrem bem, ao mesmo tempo que um grito desespero me escapa.
Capítulo 18
Não importava o quanto eu gritava, me debatia ou tentava acertá-lo, no final das contas, Capitão Infâmia conseguiu me arrastar até o seu navio escondido dentro de uma caverna com chão de água e teto de pedras, nos fundos da ilha. Em meio às pequenas ondas do mar que atingiam o casco do navio, após se levantarem pela força do vento que ficou subitamente mais forte, vindo do céu que se tornou cinza como em dias de tempestade, ele deu o comando para zarparem com o navio. E foi dessa forma que, pela segunda vez, eu havia sido sequestrada por piratas.
Minhas mãos seguravam com força no batente da borda do navio, enquanto meus olhos observavam a ilha ficando cada vez mais longe, à medida que o navio balança sobre as águas rebeldes de um dia calmo que se transformou. Eu queria poder pular na água e nadar de volta até à ilha, depois correr para aquela caverna e ver o que havia acontecido. Taehyung e os outros estavam rendidos, mas eu escutei o som de um tiro, e os meus pensamentos só imaginam as piores coisas. Apesar de odiar estar presa em um navio pirata, eu preferia muito mais ficar com aqueles idiotas, do que com esses, porque, de alguma forma, talvez eu entenda um pouco o que Dana me disse em nossa última conversa sobre piratas.
Eu definitivamente não queria me importar com eles, mas acho que isso está em mim, de alguma forma, em uma quantidade bem pequena. Eu me arrisquei para salvar Jungkook, e sim, eu fiz aquilo por conta do meu acordo com Taehyung, mas confesso que também queria resgatar Jungkook. Isso é estranho, me sentir dessa forma em relação àqueles piratas, mas posso me lembrar como alguns deles sempre foram legais comigo desde o começo. E ainda tem Duque, Dana e Jack... eles precisam de mim e eu deles.
O vento forte e gelado arrepia todo meu corpo, ao mesmo tempo que o Capitão afasta suas mãos da minha cintura, me soltando de vez.
— Sinto muito, mas isso precisava ser feito, Serena. — Ele diz, atrás de mim.
Uma forte onda de irritação surge dentro de mim, então me vira de frente para o Capitão Infâmia.
— Como você sabe o meu nome? — Pergunto em um tom de voz tão ríspido quanto o vento.
Ele respira fundo e apoia uma das mãos na cintura, enquanto seus piratas andavam de um lado para o outro, atrás, cuidando do navio como se não estivéssemos aqui.
— Sei, porque alguém da sua família me contou. Ele está aqui no navio, esperando por você. Com certeza, era o mais ansioso por isso. — Ele responde em um semblante sério, tentando me passar veracidade.
Meu cenho se franze, confuso.
— Do que você está falando? — Uma forte rajada de vento nos abraça, me obrigando a fechar os olhos por alguns segundos, sentindo fortemente meus cabelos e vestido balançarem.
— É melhor conversar pessoalmente com ele, que saberá te explicar isso. Mas, antes, quero te fazer uma proposta, explicar o motivo pela qual está aqui.
Volto a abrir os olhos, o fitando bem. Seus cabelos escuros balançam também, assim como sua blusa branca - muito parecida com a de Taehyung - e seu longo casaco preto.
— O que é? — Pergunto, desconfiada.
— Tenho certeza que não teve bons momentos com o meu irmão, sei muito bem o tipo que ele é, mas eu fui sincero quanto disse que te trataria melhor do que ele vem tratando. Não se veja como uma prisioneira aqui no meu navio, e sim como uma de nós.
Tento controlar minhas expressões ao me perceber vacilando diante de seu tom de voz calmo e feição que parecia verdadeira.
— Da mesma forma que Taehyung, eu também quero encontrar Atlantis — Ele faz uma pequena pausa, ponderando por um momento — e eu sei que você é alguém que pode me levar até lá. — Capitão Infâmia dá um passo em minha direção e segura minhas mãos, me fazendo enrugar as sobrancelhas e encarar seu gesto. — Me ajude a achar a última parte do mapa e eu te libertarei. Te dou a minha palavra que você poderá voltar para sua casa e nunca mais vai precisar ver o meu irmão ou eu. Se quiser, também posso te arrumar alguns sacos com moedas de ouro, eu tenho muitos aqui, porque, assim, você e sua família podem se mudam para algum lugar escondido e calmo, longe de todos os piratas.
Sinto os meus ombros caírem um pouco, junto do vento que se torna mais fraco. O vislumbre dos meus pais vivendo em um lugar calmo e seguro surge como se fosse uma visão preciosa. Era tudo que eu queria, mas também sei que não posso confiar em piratas e ele pode muito bem estar me enganando.
Fico em silêncio e não o respondo.
— Não acredita em mim? — Ele maneia a cabeça sutilmente para o lado.
— Ficou tão óbvio, é? — Falo de forma sarcástica.
— Tudo bem, tire um tempo para pensar. — Ele se vira e encara o convés, antes de assobiar e chamar um dos piratas, que vem do convés superior, onde ficava o leme do navio.
Ele era mais baixo que o Capitão Infâmia, porém, mais alto que eu. Seus cabelos pretos estavam em embaixo de um chapéu também preto. Sua feição era fechada e carrancuda, do tipo que intimidaria qualquer um, apesar de seus traços serem suaves.
— Yoongi, leve Serena até seu novo quarto, depois procure Jimin e avise que ela já está aqui. Eles precisam conversar. — Ele dá a ordem e o outro assente. — Espero que o quarto seja de seu agrado. Se precisar de mais alguma coisa, apenas diga ao Yoongi, ele estará encarregado de você.
— Venha comigo. — Yoongi chama logo após o Capitão Infâmia falar, mas seu tom de voz não era nada gentil.
Eu não tinha muitas opções aqui nesse navio, e eu também queria conhecer essa pessoa misteriosa que estava esperando pela minha chegada, por isso, acabo seguindo o pirata com uma espada presa no seu cinto de couro marrom.
Sou guiada até uma porta no convés, onde dava em um corredor com apenas três portas. Yoongi me leva até o final, parando na última porta do lado direito.
— Pode entrar. Vou chamar o Jimin. — Sem esperar por uma resposta minha, Yoongi dá as costas e se vai pelo pequeno corredor.
Sendo assim, abro a porta que estava destrancada e entro no quarto iluminado pela claridade que atravessava a pequena janela redonda. Completamente surpresa, largo a maçaneta e a porta se fecha sozinha. Esse quarto era completamente diferente do que eu tinha no Vingança; aqui havia mais espaço e mais conforto, com uma cama grande, lençol elegante e um pequeno guarda-roupas, do qual, quando abro, fico ainda mais espantada ao ver os inúmeros vestidos bonitos pendurados dentro dele. Eu jamais diria que um quarto como esses ficava dentro de um navio pirata; eu nem sabia que haviam quartos assim em navios piratas.
Isso tudo já estava aqui antes ou foi preparado para mim? De qualquer forma, estou surpresa demais, contudo, ainda me manterei atenta.
Me aproximo da cama e me sento na ponta, quase caindo para trás ao sentir a maciez do colchão. Se todos os quartos desse navio forem assim, até posso entender o que leva alguém a se tornar pirata. Aqui nesse navio existia mais luxo do que em qualquer outro navio pirata, como, por exemplo, o Vingança, que tinha uma aparência rude e selvagem como a de seu Capitão.
Pelo visto, o Capitão Infâmia era diferente dos demais, porque, apesar de ser um pirata, ele não vivia em condições de vida parecidas com o de um. Era alguém que realmente usufruía de toda riqueza que saqueou.
Duas batidas leves na porta me fazem levantar da cama, encarando a madeira com atenção.
— Serena? — Uma voz abafada e masculina me chama do outro lado da porta, e meu corpo se arrepia por completo, de uma forma não muito boa, como se recordasse de uma memória ruim.
Me sinto tensa, mas tento soar normal quando peço que a pessoa entre.
Em segundos, a porta é aberta por um homem bem jovem e não muito alto, de cabelos loiros em um tom bem similar ao meu, lábios cheios e rosados, e olhos pequenos e puxados. Ele também parecia ser da altura daquele pirata, o Yoongi.
Sua expressão se torna espantada assim que me vê e seus pequenos olhos se arregalam, antes que, incerto, ele se aproxime.
Seus olhos azulados me fitam dos pés à cabeça, enquanto brilhavam como se vissem um tesouro.
— Eu não consigo acreditar que você já está desse tamanho. É uma mulher agora. — Ele junta suas mãos como uma reza e as leva até os lábios cheios, que sorriam.
Permaneço em silêncio, o analisando, e apesar de conseguir enxergar alguns pontos de semelhança entre nós, não o reconheço.
— Não se lembra de mim? — Ele pergunta com expectativa.
Nego.
— Entendo, acho que seus pais não te contaram sobre mim, mesmo que tenha sido eu a te encontrar na orla. — Ele ri, nasalado, sem jeito.
— O quê? — Minha voz sai complemente surpresa e espantada. — Quem me encontrou na orla foi o meu cachorro, Duque. Ele levou os meus pais até onde eu estava.
— Eu realmente compreendo o fato de seus pais preferiram manter isso em segredo, considerando que eu sou um feiticeiro.
Me sinto tonta de imediato, pior ainda do que a vez em que conversei com a bruxa do pântano, ou durante o incidente com os tubarões.
— Do que é que você falando? — Dou dois passos involuntários para frente.
Ele desvia o olhar e suspira, antes de segurar minha mão e me levar até à cama, onde nos sentamos.
— Eu não sei se Jin já te contou, mas eu faço parte da sua família, a de sangue. — Ele faz uma pausa e eu posso vê-lo engolir a saliva. — Sou seu tio, irmão mais novo do seu pai de sangue... eu tenho muitas coisas para te contar, e elas podem soar como histórias inventadas, mas não são, por isso, queria te perguntar, antes, se você já se sentiu especial alguma vez, Serena? Diferente das outras pessoas.
Lentamente, afasto minha mão da sua, enquanto começo a relembrar de tudo que aconteceu nos últimos meses.
— Você não precisa dizer mais nada, sua expressão já me respondeu o que queria saber. — Ele sorri, minimamente. — E acredite, Serena, existe um motivo para isso. Seu pai, na verdade, era um tritão e isso faz de você uma sereia.
Me sinto tonta pela segunda vez.
Jack me falou sobre essa possibilidade antes, mas ela parecia sem sentido demais a meu ver.
— Sereias existem? — Pergunto, descrente.
— É claro que sim. Olhe só para nós. — Seu sorriso fica um pouco maior.
— Como isso é possível? Pelo que dizem sobre as sereias, eu não acho que me pareço com uma. Eu tenho pernas. — Falo aquilo que mais me perturbava em relação a essa história toda.
— Sim, você tem... — Jimin desvia seu olhar. — Serena, as coisas no mar não funcionam como na terra. Seu pai era um tritão muito poderoso que estava atrás de Atlantis, porque dizem que aquele que a achar, será detentor de uma riqueza e poder imensurável. Como os piratas, muitas criaturas no mar buscam por Atlantis, mas Árie foi o único que conseguiu encontrar a cidade perdida.
Árie... esse era o nome do meu pai? Árie...
— Então esse lugar é realmente real? — Pergunto, cada vez mais atônita.
— Sim. — Jimin assente. — Árie encontrou Atlantis, mas quando voltou para o nosso reino, alguém acabou espalhando essa notícia, e como consequência, ele passou a ser caçado por outras criaturas do mar que almejavam tanto a cidade perdida. E estando sem escolhas, seu pai decidiu levar você para a terra, queria te manter segura, já que podiam te usar contra ele. Naquela época, movido pelo desespero de ajudar a minha família e a pedido de meu irmão, eu te transformei em humana. O plano era que nós três passássemos a viver na terra até que tudo se acalmasse, antes de irmos nos esconder em Atlantis, mas as coisas não saíram da maneira que esperávamos. — Ele encara o colchão, em uma expressão que quase me fazia sentir sua tristeza. — Assim que te deixamos em terra firme, fomos atacados por humanos. Eu consegui escapar, Serena, porque sou um feiticeiro, mas Árie acabou morrendo.
Sinto uma única batida do meu coração bater de forma tão forte que quase se torna dolorida.
— Sinto muito. Eu realmente queria ter ajudado o meu irmão, mas não pude, e isso vem me assombrando por todos estes anos.
Sua dor me deixava ainda mais comovida, enquanto despertava sensações dentro de mim, iguais a recordações.
— Após a morte de Árie, as criaturas do mar continuaram a me perseguir, até mesmo outros membros de nossa família, mas eu já não estava mais com o mapa de Atlantis. Quando lutei para escapar dos humanos, minha magia dividiu o mapa em sete partes e as espalhou pelos sete mares. Então, sem o mapa e sem o meu irmão, eu fui atrás de você, ajudei seus novos pais a te levarem para casa e pedi ajuda, mas eles ficaram assustados demais com o que eu contei, por isso, resolvi me afastar. Eu percebi que você estaria em boas mãos e merecia viver uma vida diferente, porque, do meu lado, estaria sempre fugindo, mas com eles, poderia ter uma segunda chance, longe de todos aqueles traiçoeiros do mar.
"Eu tentei me manter longe de você nos últimos anos, mas as memórias de Árie me atormentavam mais a cada dia. E foi por isso que eu decidi reunir todas as partes do mapa e encontrar Atlantis de novo. Por ele. Eu nunca pensei em te envolver nisso, Serena, mas quando os boatos se espelharam pelo oceano, que havia alguém velejando em um navio pirata e ajudando a encontrar Atlantis, eu logo pensei em você." Ele vem um pouco mais para frente sobre o colchão e volta a segurar minha mão.
— Você seria a única capaz de encontrar esse lugar, porque ele é uma herança de Árie para você, o lugar na qual ele queria te criar. Então, quando essa informação chegou aos meus ouvidos, eu voltei para Marlli e fui atrás de você, mas seus pais me contaram que você havia sumido desde que os piratas atacaram o lugar.
— Os meus pais estão vivos? — Minha voz quase falha, enquanto me sinto sendo enchida por um sentimento que doía: saudade.
— Sim, eles estão vivos e muito preocupados, mas eu prometi que te encontraria, Serena. E esse foi o motivo pelo qual me juntei a tripulação do Capitão Infâmia, não só porque ele é irmão do pirata que te roubou, mas porque só existe um jeito de explorar os sete mares e é dentro de um navio pirata.
Tudo que eu podia pensar agora, era sobre os meus pais estarem vivos, a minha maior força de vontade para voltar para casa.
— Eu fiz um acordo com Jin, se ele me ajudasse a tirar você do navio do Capitão Hanna, eu prometeria que nós dois o ajudaríamos a encontrar Atlantis. E quando isso fosse feito, repartiríamos todos os tesouros da cidade, entretanto, ela deveria ficar unicamente com você.
— E você acreditou em um pirata? — Pergunto, descrente, ainda sentindo meu peito vibrar por uma pequena felicidade sobre a notícia de meus pais.
Jimin suspira profundamente.
— Esse foi o único jeito que encontrei de te resgatar.
— Se você é um feiticeiro como diz, poderia ter feito tudo sozinho. Por que é tão difícil assim?
— Eu não nasci um feiticeiro, eu me tornei um. Antes de tudo, sou uma criatura do mar, como você, por isso os meus poderes enfraquecem quando estou em terra, mas eu não posso voltar para o mar, ou serei caçado. — Sua expressão se torna tão lamentável ao ponto de me fazer sentir mal por ter falado dessa maneira. Apesar de aparentemente estar na mesma situação que ele, eu não me lembro de nada, ao contrário de Jimin, que parece ter vivido com esse peso e dor por todos esses anos.
Ficamos em silêncio por alguns segundos, até ele me encarar bem nos olhos, com um olhar esperançoso.
— Não posso dizer que confio nesses piratas, mas eles são meu único caminho para encontrar Atlantis e você. E agora que estamos juntos, nós podemos deixá-los nos levar até à cidade perdida, e quando chegarmos lá, damos um jeito nesses piratas.
Enrugo as sobrancelhas e mexo a cabeça para o lado.
— Você está falando em enganar os piratas? — Pergunto e ele assente, me fazendo quase ter certeza que ele realmente era da minha família.
— Vamos nos juntar, encontraremos Atlantis, realizamos o último desejo de Árie e depois você pode usar tudo que conseguir para dar uma vida melhor aos seus pais. Mesmo se você não aceitar, eu continuarei fazendo isso, porque nunca ficarei em paz se não cumprir a vontade do meu irmão. Os seres do mar e os piratas são gananciosos demais para porem as mãos em Atlantis, e isso pode ser ruim e gerar consequências irremediáveis para todos no mar e da terra.
Volto a me sentir tensa. Não consigo pensar em algo pior do que piratas sequestrando e forçando pessoas a se juntarem à sua tripulação. Se havia algo ainda mais ruim do que ser saqueado ou morto, eu realmente não quero viver nessa realidade.
— E como faríamos isso? Você é um feiticeiro fraco na terra e eu sou uma sereia com pernas. — Falo o óbvio.
Sei que sempre estive tentando fugir do Vingança, mas, ao menos, eu pensava que todos eram humanos e meu único empecilho eram aqueles piratas do navio. Agora, isso aqui está indo muito além do que eu compreendo.
— Acredite quando eu digo, não sou alguém capaz de reverter esse feitiço que lancei em você, estou fraco demais para isso. Mas, com toda a certeza dos sete mares, aquela cidade é poderosa o suficiente para despertar de vez todos os seus poderes, Serena. Do mesmo jeito que será capaz de restaurar os meus, pois eu sei que mesmo se voltar ao mar, eles não serão os mesmos, considerando que já tem doze anos que venho me enfraquecendo na terra.
— Eu não sei o que te falar, tudo isso ainda parece história de pescador para mim. Não estou dizendo que seja mentira, porque eu realmente consigo ligar todos os fatos com as coisas estranhas que me aconteceram desde que fui encontrada naquela orla. Mas... mas eu ainda preciso de tempo para digerir e entender tudo que você acabou de me falar. Entenda, eu passei doze anos da minha vida vivendo como uma humana, os meus pais me ensinaram conforme as suas leis e crenças, por isso, não é fácil mudar tudo.
— Claro, você tem toda razão. — Ele aperta ternamente minha mão. — Posso imaginar como tudo isso não é confuso para você e não quero ser aquele que te colocará em uma situação de pressão. Pense sobre tudo, mas, por favor, não se esqueça que não temos tanto tempo assim. Estamos presos nesse navio e acho que você já sabe que piratas não são pessoas cordiais, afinal, foram eles que matam Árie.
O meu pai de sangue foi morto por piratas? Eu poderia me sentir ainda mais surpresa se já não tivesse presenciado como eles podem ser cruéis.
Jimin se levanta.
— Se precisar de alguma coisa ou quiser conversar, apenas me procure. Enquanto isso, mantenha tudo em segredo, não queremos ser descobertos pelos piratas. — Ele sorri contido e pequeno, antes de se virar e sair do quarto, me deixando com a cabeça fervendo.
Jogo meu corpo para trás e deito no colchão, depois cubro os olhos com o antebraço, ao mesmo tempo que expiro alto e profundamente.
Não posso mentir e dizer que nunca tive curiosidade para saber sobre os meus pais de sangue, mas, com o tempo, isso foi se dispersando, afinal, eu tinha uma vida feliz com os meus pais e era muito grata por eles terem me acolhido. E agora que sei toda a verdade, ou pelo menos o que parece ser a verdade, não tenho vontade se chorar pela morte de Árie, meu pai de sangue, apesar de poder me sentir estranha em relação a isso. Talvez eu esteja assim unicamente por não conseguir me recordar, mesmo considerando o fato de meu corpo parecer se lembrar de tempos apagados da minha memória.
Afasto o antebraço do rosto e ergo minhas duas pernas - juntas - no ar, fazendo meu vestido escorregar para baixo, depois as encaro por alguns segundos, tentando imaginar um rabo de peixe no lugar e parecia ridículo demais.
— Sereia... eu sou uma sereia? — Divago baixo e sozinha. — Uma sereia que virou humana. Uma sereia que, de alguma forma, consegue encontrar Atlantis. A sereia de Atlantis... Sirena del Atlantis. — Arregalo os olhos e me sento abruptamente.
Eu não sou alguém tão sábia como os ricos, mas meus pais me ensinaram tudo que podiam, por isso, penso que esse apelido dado por Taehyung, e que eu nunca entendi muito bem, estava em espanhol. Antes eu achava que tinha alguma coisa a ver com o meu nome, Serena, uma provocação, algo bem previsível se tratando daquele pirata. Mas, agora, depois de escutar tudo isso, tenho certeza que o cretino tinha percebido o que eu realmente era. Mesmo estando longe, ele consegue me irritar de um jeito inimaginável e eu adoraria que ele estivesse aqui agora para que eu pudesse chamá-lo de Taehyung, apenas para ver sua fuça irritada... isso se ele estiver vivo.
Não. Ele não morreu. Aquele pirata não morreria assim, ele é ruim demais para isso... pelo menos, era pelo que eu torcia internamente e em segredo.
— Taehyung...
Capítulo 19
Repetidos barulhos de batidas altas me fazem abrir os olhos, assustada, e levantar abruptamente. Sentada sobre o colchão macio, olho ao meu redor, demorando alguns segundos para entender que eu realmente estava em um quarto dentro do navio do Capitão Infâmia. Por um segundo, pensei que pudesse ser coisa da minha cabeça.
Após aquela conversa estranha e reveladora com Jimin, meu suposto tio feiticeiro e tritão, eu permaneci trancada nesse quarto, refletindo sobre tudo que descobri, e claro, também pensei sobre como podia estar o Vingança agora, se aqueles piratas estavam a salvo após o incidente na caverna. Depois de muito criar cenários paranoicos, acabei pegando no sono, antes de ser acordada por alguém que parecia que iria derrubar a porta do quarto a qualquer momento.
Ainda me sentindo um pouco atordoada, me levanto e caminho até à porta, a abrindo apenas para ver aquele tal de Yoongi parado do outro lado, com uma feição de poucos amigos.
— Hora do café da manhã. — Ele diz, em um tom de voz curto e seco.
— Posso usar o banheiro antes? — Pergunto e ele assente, apontando para uma porta à direita, a mais ou menos um metro da porta do quarto em que eu estava.
Tendo seu olhar me acompanhando, vou para a porta indicada. Já do lado de dentro, respiro pesadamente, com o corpo encostado na porta fechada. Observo cada detalhe do banheiro que não parecia muito diferente do Vingança. Acho que barris, penicos e panos velhos deviam ser um padrão em banheiros dentro de navios piratas, apesar desse aqui ser muito mais limpo e organizado, como se quase ninguém o usasse.
Enrolo algum tempo aqui dentro depois de lavar meu rosto e boca com a água dentro de um dos barris. Quando saio, Yoongi parece ainda menos amigável. Ele definitivamente era um estereótipo completo de um pirata: cara amarrada, possível péssimo humor, intimidador e parecia pronto para matar qualquer um a qualquer momento. E por algum motivo, isso me fazia ter um pouquinho de saudades do Vingança. Não que lá não tivesse piratas carrancudos, mas, ao menos, o clima não era tão tenso o tempo todo. No Vingança, os músicos estavam sempre cantando e tocando seus instrumentos - menos quando se tinha um nevoeiro anormal, já que eles acreditavam que cantar dentro de um nevoeiro não dava sorte; os piratas quase sempre estavam bêbados, por isso, tinham muito bom humor; haviam algumas pessoas realmente legais ali; e eu sempre estava me metendo em confusões, das quais, conseguia me safar porque Taehyung nunca pôde me fazer mal, além de me amarrar naquela porcaria de mastro, mas um dia eu teria minha vingança.
Reprimo outra respiração pesada e sigo Yoongi quando ele começa a andar pelo corredor. Quando saímos no convés, alguns homens transitavam ali, ocupados demais com seus afazeres piratas.
Não andamos muito, pois Yoongi abriu uma porta dupla ao lado da porta que saímos, ao centro e debaixo do suporte do convés superior, onde, do outro lado, estava o Capitão Infâmia sentado atrás de uma mesa retangular, aproveitando todas as comidas postas sobre a mesa.
— Bom dia, Serena. — Ele saúda assim que me vê. — Estava esperando que se juntasse a mim. — Jin indica a cadeira perto da sua, antes que Yoongi feche a porta dupla e nos deixe a sós.
— Estava? — Levanto as sobrancelhas, desconfiada, e permaneço parada no mesmo lugar.
— Mas é claro, você é minha mais nova convidada especial. Sua companhia é o meu maior tesouro no momento. — Ele apoia os cotovelos na mesa e o rosto nas mãos entrelaçadas.
Levanto as sobrancelhas outra vez, mas agora, me sentindo curiosa com suas palavras.
— Tudo isso porque eu sei como achar Atlantis? — Pergunto desdenhosa, e começo a me aproximar, sentando não na cadeira que ele indicou, e sim em uma mais longe.
Jin arqueia uma sobrancelha, mas não diz nada sobre isso.
— Então... você pensou sobre a minha proposta? — Ele pergunta assim que eu pego a primeira comida que parecia apetitosa.
— Eu não acho que tenha escolha. Ao menos, você não me deu nenhuma. — Respondo após engolir o que tinha gosto de milho e farinha.
Jin ri baixo, de forma nasalada.
— Você não vai se arrepender se me ajudar, isso eu posso garantir.
O encaro bem, percebendo como ele me fitava excessivamente, quase nunca piscando quando fazia isso.
— Está bem. Eu irei te ajudar a encontrar Atlantis. — Já que eu não tenho escolha alguma, e já que os piratas querem me usar de novo, então eu também posso usar eles, como já fiz várias vezes.
Ainda com o rosto apoiado nas mãos, ele sorri abertamente.
— E como fará isso?
Após terminar de comer, bato uma mão na outra, afastando as migalhas.
— Me deixe ver todas as partes do mapa que você tem agora. Também preciso de papel e caneta. — Digo e ele logo já está se levantando.
O vejo enfiar a mão dentro do bolso das calças marrons, puxando para fora um pequeno molho de chaves. Ele empurra três para trás e para em uma longa e dourada, cuja ele enfia na fechadura da outra porta que havia dentro dessa cabine. Ele a abre e entra para onde quer que seja, enquanto eu espero sentada por alguns minutos, até me sentir curiosa o suficiente para me levantar e me aproximar.
Jin logo surge na porta, barrando minha entrada, e mesmo que por segundos, ainda consegui ver o vislumbre de muitos sacos com moedas de ouro e algo muito interessante que me chamou atenção, eu reconheceria aquilo em qualquer lugar: era o meu retrato preso entre suas garrafas de rum. Aquele retrato ficava no meu quarto, em Marlli, portanto, o que estava fazendo aqui nesse navio?
Meus pais pediram para um velho senhor fazer esse desenho, quando o mesmo estava de passagem em nossa cidade, meu pai descobriu seu talento após uma conversa e resolveu me presentear com isso.
Será que Jimin havia pegado o desenho quando visitou os meus pais como ele disse que fez? De toda forma, ele é quem deveria estar com o retrato e não Jin.
— Você tem muitas moedas de ouro aqui. — Falo, fingindo que não encontrei nada demais. Tenho certeza que ele pensará que me deslumbrei com as moedas e não vi o retrato.
— Eu sou um pirata, não sou? — Ele sorri e fecha a porta.
Jin passa do meu lado e caminha até à mesa retangular, ele afasta algumas comidas para o lado e começa a montar o mapa.
Completamente desconfiada, percebo que não posso confiar nesse pirata, mesmo que ele me diga todas essas palavras amigáveis, com seu jeito aparentemente gentil. Alguma coisa não estava certa nisso tudo.
— Aqui está. — Ele me encara sobre os ombros.
Finjo não suspeitar de nada e me aproximo dele, examinando o mapa quase completo, faltando apenas uma parte.
Encaro os pedaços divididos e sujos por alguns segundos até conseguir enxergar algumas linhas brilhantes saltarem sobre o mapa. E mesmo que essa não seja a primeira vez, ainda me sinto um pouco espantada, por isso, me afasto do mapa por um instante. Apesar de realmente ficar comovida pelas reações de Jimin ao me revelar tudo, eu queria poder duvidar, mas cada vez que penso nessas coisas estranhas que eu consigo fazer - involuntariamente -, mais sua história parece fazer sentido.
Pego o papel rasgado e a caneta de pena que Jin trouxe, e começo a rabiscar um novo mapa, o último.
— Como sabe que está certo? — Jin pergunta, se inclinando do meu lado.
O espio de canto de olho e sorrio.
— Pensei que confiasse em mim para isso, Capitão. — Arrumo minha postura e viro para ele, e assim, ficamos bem próximos. — Eu apenas sei. — Sorrindo de forma desdenhosa, estico em sua direção o mapa que eu acabei de desenhar.
— Me chame de Jin, não de Capitão. — Ele pede, sem desviar seu olhar do meu.
— Você não vai me amarrar em um mastro se eu fizer isso? — Pergunto sem humor e Jin arqueia a sobrancelha.
— Ele fez isso com você? — Jin ri nasalado e pega o papel da minha mão. Em seguida, ele se inclina para perto do meu rosto. — Eu não sou como o meu irmão, Serena. Somos bem diferentes.
Sorrindo completamente malandro e sabendo que era um pirata bonito que podia conseguir as coisas com facilidade, Jin se afasta, pega todas as partes do mapa e volta a guardá-la em sua sala de tesouros, enquanto eu permaneço em meu lugar, apenas imaginando e repassando o meu novo plano que não poderia ter falhas...
Não há com o que se preocupar. Eu irei te levar até à última parte, mas você não terá a oportunidade de conhecer Atlantis, porque antes disso, eu irei fugir com todas as partes do mapa, Capitão Infâmia.
Capítulo 20
Um dia havia se passado desde que disse ao Capitão Infâmia que o ajudaria. E, neste momento, estou parada perto da grande porta/rampa do navio, enquanto ela é abaixada por alguns piratas. Hoje iriamos ancorar em uma cidadezinha qualquer, pois Jin precisava se preparar para ir até à última parte do mapa.
Para minha surpresa, todos no navio podiam sair ser qualquer armadilha por trás, tendo em vista que todos os homens no navio se juntaram à tripulação por vontade própria, por isso, não era um problema para Jin deixá-los sair quando ancorassem. Também sou a única mulher no navio, e isso se torna desconfortante muita das vezes, embora os piratas quase sempre fingem não me notar.
Como foi aconselhado, além de me trocar, pegando um dos vestidos à disposição no guarda-roupas do quarto em que fico, estou usando uma longa capa com capuz similar à que vesti no dia do resgate na corte do rei. Jin contou que não é bom chamar atenção nessas cidadezinhas, pois eles podem acionar a guarda do rei local se nos virem, já que ele e sua tripulação são bem procurados.
Jin estava na frente, com Yoongi do seu lado, e os dois são os primeiros a saírem quando a rampa é posicionada no ancoradouro. Em seguida, outros piratas começam a descer, e logo atrás, Jimin e eu também seguimos.
Meu suposto tio disse que deveríamos aproveitar um pouco essa saída antes que passássemos mais dias presos dentro do navio. Ele falou que me levaria em algum lugar com comida boa, visto que, apesar do Tripa de Sangue parecer um pouco mais refinado que o Vingança, comidas de navios piratas ainda não são as melhores.
Atravessamos todo o ancoradouro, escutando as tábuas de madeira estalarem e chacoalharem levemente. Passamos por entre os mercadores que desembarcavam grandes caixotes, e seguimos até o fluxo da cidade, onde, muitas pessoas andavam de um lado para o outro, apesar do dia nublado e frio. Aos poucos, os piratas começam a se separar, cada um indo para uma direção. Jimin aponta para a esquerda e assim viramos entre alguns comerciantes. Pouco tempo depois, atravessamos uma feira improvisada de joias baratas feitas à mão e outras quinquilharias das quais eu não fazia a menor ideia para que servia.
Ao passarmos em frente a um pequeno amontoado de caixotes que formavam uma barraquinha, um dos muitos colares penduras no teto dos caixotes, me chama a atenção: ele tinha o cordão preto e amarrava uma pedra azul-turquesa cintilante na ponta. Era realmente muito bonito.
Uma trombada contra meu ombro me faz voltar a prestar atenção no caminho que preciso seguir. Jimin até chega a segurar minha mão, enquanto me guia por todas as pessoas que passavam por nós. Em silêncio, caminhamos por mais alguns minutos até encontrarmos uma pequena e simples bodega.
— Eu já estive nessa cidade uma vez, mas não pude esquecer desse lugar. Aqui eles servem comidas com todos os tipos de molhos e caldas que você imaginar, um melhor que o outro. — Ele olha para mim e sorri, antes de abrir a porta para que eu entre.
Quando entramos, o ar quente e o cheiro delicioso de comida nos recebem. Jimin volta a ficar do meu lado e me leva até uma das mesas vazias. Logo alguém surge para anotar nossos pedidos, e Jimin pergunta se pode escolher por mim e eu acabo dando de ombros, então ele pede duas massas de trigo com calda de amoras.
Em silêncio, o percebo me fitando enquanto ainda mantém seu sorriso, mas tudo que faço é prestar atenção nas pessoas dentro da bodega, observando os detalhes, pois, apesar de tudo, eu ainda não me sentia familiarmente ligada a Jimin.
Não demora até que nossos pedidos cheguem, fumegantes e aparentemente apetitosos.
— Pedi especificadamente calda de amoras, porque me lembro que você costumava gostar muito dessa frutinha quando era criança. Com frequência sua mãe saia do mar só para pegar alguns ramos para você.
— Onde ela está agora? — Pergunto, após usar os meus talheres para corta a massa de trigo coberta de calda vermelha-arroxeada.
Jimin repete meus gestos, enquanto sorri de forma pequena e triste.
— Desde que nasceu, sua mãe tinha uma saúde muito frágil e isso nunca melhorou, então, quando você tinha quatro anos, ela acabou morrendo. — Ele explica e logo depois come um pouco de sua massa de trigo, como se quisesse ocupar a boca para não se aprofundar mais nesse assunto.
Me sinto estranha, porém, não posso dizer que chegava a ser tristeza. Aparentemente, os meus pais de sangue morreram, mas por não ter nenhuma lembrança deles, não consigo ficar devidamente triste com essas revelações. Na verdade, quando penso na palavra “pais” os que me vem em mente são Agness e Zac, aqueles que me criaram e me deram todo seu amor; os únicos em minhas lembranças. E só de pensar neles o meu coração se aperta de forma verdadeiramente triste, pois eles eram tudo que eu tinha.
— Você pode me contar como é a vida... lá embaixo? — Pergunto, me sentindo completamente boba, já que toda essa história de sereia ainda soava como conto de pescador.
Jimin se anima um pouco.
— É bem similar à vida aqui na terra. No mar também existem os reis e rainhas, a hierarquia é algo muito respeitado lá. Há um povo fiel que segue seus soberanos, mas ninguém precisa trabalhar como aqui, por exemplo. Os áqueos são ricos em riquezas naturais e nós não precisamos de ouro no mar, embora tenhamos muitas pedras preciosas das quais os humanos nem sonham da existência. Tudo no mar é dividido, inclusive o dever de proteger nossos reinos, povos e animais aquáticos.
— Parece muito melhor do que aqui. Aposto que lá ninguém precisa se preocupar com piratas te sequestrando. — Comento, enquanto deslizo meu garfo pela calda de amoras.
Jimin ri baixo.
— Realmente, a relação dos humanos e dos áqueos não é das melhores, e pode parecer loucura, mas acredite quando digo que os piratas ainda nos entendem melhor que os outros humanos. — Ele diz e eu arqueio uma sobrancelha, desdenhosa, o que o faz rir de novo. — Diferente dos outros, eles têm uma consideração maior com o mar e com as criaturas que vivem nele. Existe uma regra pirata que diz: “se os do mar não mexerem conosco, não mexemos com eles. Devemos respeito, pois estamos velejando sobre suas casas”. Piratas são uma ameaça maior para quem vive na terra.
— Acho que sei bem disso. — Falo, sem humor.
Jimin ri de novo e finaliza sua pequena refeição. E confesso que apesar de ainda não me sentir completamente intima, o clima entre nós parece cada vez menos tenso.
Seus talheres batem no prato vazio e manchado com resquícios de calda. Seus olhos me fitam com um pouco mais de seriedade, enquanto percebo algumas mulheres ao nosso redor o admirando. Não sei ao certo sua idade, mas ele parecia jovem como eu, o que já era um pouco estranho, mas, de qualquer forma, fisicamente essas mulheres eram velhas demais para estarem tão interessadas nele. Não nego que seus traços são chamativos e bonitos, sempre me parecendo familiares.
Suspiro alto, deixando o resto da massa de trigo no prato. A calda está muito doce e se tornou enjoativa demais.
— Posso perguntar como foi seu último dia?
— Acabei dizendo para o Capitão que o ajudaria, mas eu não tive outra escolha. — Dou de ombros.
Jimin assente sutilmente.
— E pensou sobre o que conversamos? — Seus olhos pequenos brilham com expectativa.
— Ainda estou pensando. Desculpa, mas tudo isso ainda está rodando na minha cabeça. É difícil demais assimilar tudo que você me contou, porque parece como se fosse outra vida que tive, uma passada. — Confesso.
— E é exatamente isso, Serena. — Ele fala com firmeza, mas sem deixar de ser cuidadoso. — Essa é sua vida passada, a do fundo do mar. Sei que você se agarrou a vida na terra, mas, por favor, não tente apagar o seu passado... o seu pai.
Tenho vontade de suspirar de novo quando um grande pesar surge, como se uma tonelada fosse jogada nos meus ombros. Mais que tudo, eu gostaria de me lembrar do que Jimin me contou, mas eu simplesmente não conseguia e isso já estava começando a me fazer sentir culpada.
Capítulo 21
Olho por cima dos ombros, vendo Jimin me fitando do batente do navio. Seus olhos estavam sérios e eu sabia exatamente qual era o motivo de sua apreensão. Ele quase não piscava. Suas sobrancelhas estavam franzidas e o vento gelado balançava ferozmente seus cabelos loiros, enquanto um brilho diferente reluzia em suas íris, algo que me fazia ter calafrios, era totalmente diferente de sua habitual expressão suave.
— Vamos? — Jin apoia uma das mãos nas minhas costas, me fazendo encará-lo.
Assinto em silêncio, e olho para frente, começando a acompanhar ele e Yoongi pela ilha de areia marrom.
Alguns dias se passaram e nós finalmente chegamos no último lugar que escondia parte do mapa.
Nesses últimos dias, me arrisquei mais fora do quarto, sempre tentando captar algo de estranho pelo navio, tentando entender como Jin fazia suas coisas, para que no dia da minha fuga, nada desse errado. E no meio disso tudo, me surpreendi ao perceber que Jimin conseguia se aproximar cada vez mais de mim. Ele me contava diversas histórias do reino de Árie, tenta estimular minha memória e me ajudar a lembrar de pelo menos alguma coisa. E embora eu não tenha tido nenhum progresso, ele não parecia cansado ou irritado, pelo contrário, continuava com sua delicadeza e paciência, e, definitivamente, agora posso dizer que estou mais ligada a ele do que antes.
Com o passar dos dias, o céu foi ficando cada vez mais nublado, indicando uma possível tempestade, por isso, deveríamos ser rápidos aqui nessa ilha.
Me encolho dentro do meu vestido fino de mangas longas, devido ao vento gelado e forte que não parava de soprar.
Percebo Jin me fitar de canto de olho, antes de tirar seu grande casaco marrom e jogar nos meus ombros. O encaro atordoada, pronta para devolver seu casaco, mesmo que ele esteja completamente quentinho e confortável.
— Não se preocupe. — Ele sorri sem mostrar os dentes, de um jeito gentil que me conforta.
Sinceramente, eu já estava decidida em meu plano, mas, às vezes, me pego pensando em como estar no Tripa de Sangue era diferente de como estar no Vingança. Aqui ninguém brigava comigo ou tentar me castigar, eu não me irritei nenhuma vez, todos tentam ser agradáveis, e até mesmo Yoongi não era tão ruim quanto eu achava, pelo contrário, era eu quem o irritava de vez em quando, só para ver sua carranca, que eu achava engraçada.
Falando nele, Yoongi estava na frente limpando todo o caminho de matos, enquanto contornávamos a ilha.
O vento levantava a areia marrom, formando uma nuvem no ar que era um pouco densa e incomoda, e às vezes voava em direção ao meu rosto, atingindo os olhos. Tusso um pouco e aperto os braços debaixo do casaco longo.
— Tem um lago aqui, vamos passar um de cada vez. — Yoongi para de andar e nos encara.
Assim que nos aproximamos de um pequeno lago com pedras como caminho, Yoongi é o primeiro a saltar sobre elas, andando com facilidade para o outro lado.
Jin passa na minha frente, para de lado e me estende sua mão.
— Vamos juntos? Eu te ajudo. — O vento balança seus cabelos que vão para frente dos olhos, deixando seu olhar tentador.
Sem dizer nada, seguro em sua mão e ele sorri de novo. E desta forma, ele me puxa para pular na primeira pedra, depois na segunda, terceira e quarta até que estivemos no chão firme de novo. Seu braço passa ao redor da minha cintura quando salto a última pedra e ele me segura.
Me sentindo sem jeito, solto sua mão e me afasto dele. Jin não diz nada, apenas respeita o meu espaço quando voltamos a andar. E não demora muito até que estivéssemos em nosso próximo obstáculo, uma ponte que parecia velha ao ponto de cair quando alguém tocasse nela.
Como da vez anterior, Yoongi vai antes, sem medo. Jin pede que eu vá na sua frente assim ele ficaria atrás caso algo acontecesse, então, com muito medo, acabo fazendo o que ele sugere.
Quando meu pé pisa na primeira tira de madeira da ponta suspensa no topo de um penhasco cheio de árvores no final, logo trato de me agarrar nas cordas que serviam como suporte. Por um instante, meu corpo paralisa no lugar, mas logo sinto a presença de Jin atrás de mim, bem próxima do meu corpo, ele coloca suas mãos na frente das minhas e diz que está tudo bem. Respiro fundo e começo a andar de forma lenta, sempre tomando cuidado, mas acabo parando toda vez que a ponte balança por conta do vento.
Yoongi já havia atravessado e nos esperava do outro lado. E assim que alcançamos o meio da ponte, um pingo grosso e gelado cai na minha testa, seguido de outro e mais outro, posterior a uma forte chuva que nos pega de uma vez. Por conta disso, sou obrigada a acelerar meus passos, quase correndo pelas tiras de madeira.
Dou um salto quando estava próxima do fim, pisando firme na terra que estava um pouco escorregadia agora.
— Pensei que fosse mais corajosa que isso. — Yoongi caçoa. Apesar da chuva grossa atrapalhar a visão, consigo enxergar seu sorriso zombeteiro.
— Ainda sou corajosa o suficiente para te jogar daqui de cima. — Digo e ele ri.
— Vamos nos apressar mais um pouco para voltarmos logo. — Jin avisa, nos colocando em rota mais uma vez.
Tentamos ser rápidos pelo resto do caminho, mas a lamaçal que se formou, dificultou muito a caminhada. Minhas botas e barra do vestido estavam completamente sujas, e o casaco de Jin já não esquentava meu corpo encharcado que tremia de frio.
Quando parecia que nunca iriamos chegar, nós finalmente encontramos o lugar indicado no mapa que desenhei para Jin. O papel estava quase derretendo em suas mãos assim que Yoongi começou a cavar debaixo de uma palmeira, onde as gotas da chuva deslizavam pelas folhas verdes e longas, pingando em seus cabelos molhados. Jin ficou perto dele, tentando ajudar como podia, e logo eles encontraram um canudo similar ao que vi na ilha anterior. Jin apenas o chacoalhou perto do ouvido, não arriscando tirar a tampa no meio desse temporal e estragar a última para do mapa para Atlantis.
A chuva estava tão forte e alta que já encobria nossas vozes, tornando quase impossível de se ouvir, por isso, Jin apenas fez um sinal para que voltássemos. E assim seguimos de volta ao navio, correndo na chuva e escorregando na lama. Eu estava tão desesperada para me secar que nem tive medo de atravessar a ponte de novo, porém, fiquei apreensiva ao passar pelas pedras do lago, já que ele se tornou mais agitado pelo temporal.
Quando retornamos ao navio, haviam apenas quatro piratas no convés, estes, a postos para fecharem a rampa após nossa chegada. Já os demais deveriam estar abrigados, incluindo Jimin.
Nós três seguimos para a porta do convés e atravessamos o corredor onde ficava o meu quarto e o de Jin, que, dias atrás, vim a descobrir ser perto do meu.
Quando paro em frente à porta, Jin entrega o canudo com o mapa para Yoongi e pede que ele troque de roupas e o espere em sua cabine, pois eles precisavam organizar os próximos cursos do navio.
— Posso conversar com você? — Jin pergunta, e eu o escuto entrar no meu quarto e fechar a porta.
Quando me viro para olhá-lo, ele me abraça de forma inesperada. Os meus olhos se arregalam e eu fico imóvel de surpresa.
— Obrigado por me ajudar. — Aos poucos, ele afrouxa seu corpo molhado e gelado do meu, me fazendo dar um passo para trás, desconcertada.
Não digo nada.
Jin coça a nuca e desvia o olhar, rindo baixo e nasalado, parecendo um pouco sem jeito.
— Se lembra do nosso acordo? — Ele me fita de canto de olho. Assinto, sentindo as gotas de água escorrendo por todo meu corpo, formando uma pequena poça no chão. — Acho que eu ainda preciso da sua ajuda.
Enrugo as sobrancelhas e maneio a cabeça sutilmente.
— Você disse que eu só tinha que te levar até à última parte do mapa e eu já fiz isso, Jin. — Falo e ele suspira.
— Eu sei. — Seus olhos eram como os de um cachorrinho arrependido. — Mas... mas eu ainda preciso das partes do mapa que estão com o meu irmão.
Taehyung.
Minha atenção se acende.
— Eu meio que já tinha um plano para isso desde o começo, mas não te contei porque não sabia se você aceitaria. — Ele desvia o olhar de novo.
— O que é, Jin? Me fala. Eu já estou presa nesse navio de qualquer forma.
Ele ri sem graça.
— Eu preciso atrair o meu irmão para perto e assim posso roubar suas partes do mapa.
Estreito os olhos.
— E como você quer fazer isso?
Seus olhos encontram os meus e ele fica em silêncio por alguns segundos.
— Com um casamento falso. — Ele responde e dá um passo para frente, segurando minhas mãos. — Finja ser minha noiva, isso certamente vai atraí-lo.
Os meus olhos se arregalam mais uma vez, enquanto seus dedos gelados se apertam ao redor das minhas mãos.
— Não é de verdade, Serena, só precisamos fingir. Passamos um tempo em um lugar qualquer, enquanto espalhamos boatos desse casamento. Nós daremos uma data, mas já estaremos com uma emboscada esperando por ele.
— Como esses boatos chegarão até ele? E se Taehyung não conseguir chegar no dia? — Pergunto, fervendo com essa ideia que quase me faz parar de ter frio dentro da roupa molhada.
— As notícias no mar navegam mais rápido que os navios. E ele com certeza dará um jeito de estar aqui na data prevista.
Escorrego minhas mãos para longe das suas.
— Eu não sei. Não acho que Taehyung voltaria por mim. — Confesso, sincera.
Se ele sobreviveu ao ataque na caverna, tenho certeza que eu sou sua última preocupação.
— Taehyung tem muito a perder, Serena. Ele virá. — Seu tom de vez era completamente confiante.
— Se eu aceitar, então depois disso estarei livre?
Ele assente.
— Completamente livre. A menos que queira continuar aqui comigo, eu não me importaria. — Ele volta a assumir seu sorriso galante costumeiro.
— Uma coisa de cada vez. — Forço um sorriso e ele ri. — Sendo assim, irei te ajudar.
Ele sorri ainda maior e pega uma das minhas mãos de novo, a beijando rápido.
— Obrigado. — Jin solta ela e eu a recolho, tapando o lugar que seus lábios tocaram. — Vista roupas quentes agora e descanse. Vou para o meu quarto fazer o mesmo.
Forço outro sorriso e assinto, o fazendo sair do quarto e me deixar sozinha.
Quando a porta se fecha, meu sorriso some.
Essa história toda era louca. Um casamento falso? Uma emboscada para Taehyung? Não parece certo, não importa o quanto eu pense de outro jeito. E alguma coisa dentro de mim diz que nada acabará bem.
Com esse forte sentimento de desconfiança, arranco meu vestido e coloco a primeira coisa seca que encontro pelo caminho, depois tiro as botas e caminho até à porta. A abro com cuidado e espio o corredor. Vazio. Encaro a porta do quarto de Jin. Fechada. Escuto um barulho vindo de lá e respiro aliviada por perceber que ele ainda estava aqui. Saio do meu quarto e fecho a porta com cuidado, caminho silenciosa pelo corredor e saio dali. Espio o convés e não encontro mais ninguém. Atenta e sempre olhando para todos os lados, caminho para o lado, debaixo do suporte para não me molhar. Paro em frente à cabine de Jin e encosto minha orelha na porta dupla. Tudo estava silencioso. Pronta, entro na cabine e fecho a porta. Tudo estava escuro do lado de dentro. Observo todos os cantos até encontrar um lugar onde eu poderia me esconder.
Entre os armários baixo de chão e uma espécie de cômoda com duas garrafas de rum abertas em cima, percebo que aquele seria o lugar perfeito. Me aproximo da cômoda e arrasto um pouco para frente, antes de me enfiar atrás dela, encolhendo todo meu corpo ali. Se eu ficasse de cabeça baixa, com ela quase entre as pernas dobradas, então ninguém me veria.
Fico naquela posição desconfortável até escutar a porta dupla da cabine ser aberta. Não posso espiar para ver quem é, mas consigo notar uma claridade que provavelmente vinha de uma lamparina que foi acessa, e agradeço pelo dia nublado do lado de fora deixar tudo bem escuro aqui do lado de dentro, me camuflando ainda mais.
Alguns minutos depois, descobri que quem estava na cabine era Yoongi, já que Jin surge depois, falando alto.
Escuto o barulho dos passos dos dois mesclados à chuva abafada do lado de fora, e depois cadeiras são arrastadas.
— Conversou com ela? — Yoongi pergunta com a voz casual e despreocupada.
— Sim, ela disse que vai ajudar. — Escuto a risada de Jin. — Foi fácil como da primeira vez.
— Então seguiremos com o plano? — Yoongi fala, seguido de um arrastar de cadeira novamente.
Um pequeno silêncio se perpétuo por segundos perigosos.
— Sim. Assim que o meu irmão morder a isca do casamento e aparecer, eu cuido dele e você dela... A mate como combinamos. — Seu tom de voz era completamente diferente da maneira que ele sempre conversava comigo. Parecia até outra pessoa falando.
— Vou estripar aquele pirata e depois mandarei sua cabeça para Davi Jones, e usarei suas tripas como colar, enquanto rio em Atlantis. — Ouve uma pausa. — Você pode fazer o mesmo com ela, na verdade, não me importo, faça o que quiser com a Serena. Talvez se divertir um pouco antes de matá-la. — Sua risada era como a de um louco.
Engulo em seco, sentindo meu corpo inteiramente tenso à medida que meu peito parecia se apertar. A sensação era horrível.
Com suas palavras ecoando dentro da minha cabeça sem parar, fico escondida com o corpo dolorido até que os dois deixem a cabine após Jin guardar a última parte do mapa na sala dos tesouros. E mesmo quando se vão, permaneço escondida por mais algum tempo para ter certeza.
Empurro a cômoda para frente e levanto, me jogando na parede. Fecho os olhos e respiro pesadamente.
Esse pirata imundo e nojento... Por um momento eu quase acreditei nele. Mas agora, não vou deixar que ele tenha nada. Vou roubar o mapa e fugir quando ancorarmos no lugar que ele quer embocar Taehyung.
Serei o seu pior arrependimento. Ele não perde por esperar.
Capítulo 22
Olho para a janela redonda no alto da parede de madeira e enxergo o céu escuro da noite. Tudo parecia silencioso, logo, já deveria ter passado das oito, a hora que as velas são apagadas e o momento perfeito para pôr meu plano em prática.
Passo as mãos por cima do longo robe de cetim com mangas longas, que escondia a camisola branca que eu vestia. Com os pés descalços mesmo, vou para fora do quarto, encarando a escuridão do corredor quieto.
Puxo uma grande quantidade de ar para dentro e me sinto pronta. Caminho até à porta do quarto de Jin e dou algumas batidas, esperando do lado de fora. Ele não demora muito ao abrir a porta e, para minha sorte, ainda estava vestido.
Sua expressão fica um pouco surpresa ao me ver, mas também noto seu olhar discreto sobre meu corpo, e finjo não perceber.
Como quem não quer nada, enfio a cabeça para dentro de seu quarto e espio o lugar.
— Fiquei sabendo que todo pirata esconde algumas garrafas de rum em seus quartos? — Comento, já entrando no quarto.
Jin arqueia uma sobrancelha e fecha a porta.
— Não está um pouco tarde para beber?
— Não quando você é o Capitão do navio. — Coloco as mãos na cintura e sorrio esperta.
Ele maneia sua cabeça e me fita por alguns segundos, antes de sorrir intencionado.
Não importa se você é só um pirata comum ou o Capitão do navio, algumas garrafas de rum e uma bela mulher são capazes de te arruinar completamente.
— Acho que podemos abrir uma exceção essa noite. — Ele diz e eu sorrio abertamente.
Ele se afasta de mim e caminha por seu quarto grande, indo até o guarda-roupa, do qual, de dentro dele, Jin retira duas garrafas transparentes.
Me sento em sua cama, apoiando os braços para trás do corpo, enquanto cruzo as pernas.
— Já estou avisando que uma garrafa é muito pouco para mim. — Falo, séria, e ele ri, antes de me entregar um dos recipientes de vidro com o líquido meio marrom-claro.
Jin se senta do meu lado e abre a garrafa.
— Fico feliz que esteja mais calma em relação ao meu plano. — Ele diz.
— É a minha liberdade que estamos negociando. — Falo e ele ri baixo.
— Então não está pensando na minha proposta de ficar? — Com os lábios molhados pelo rum, ele sorri de seu jeito galante.
— Para quantas mulheres você já fez essa proposta? — Aperto os olhos.
— Você é a primeira. — Ah! Ele era bom, realmente muito bom em mentir.
— Não acredito, você é um pirata, mentir está no seu sangue. — Dou um pequeno gole no meu rum para manter as aparências do meu plano.
— Acho que você me pegou. — Ele aponta para mim com a mão que segurava a garrafa e dá outro gole.
— Como você se tornou pirata? — Pergunto descontraída e descruzo as pernas, repetindo a ação com a outra. Discretamente, Jin acompanha os meus movimentos.
Seu olhar desvia do meu e ele encara o guarda-roupa, do qual ele pega mais uma garrafa.
— Meu pai era um pirata e me criou assim. — Ele responde, enquanto abre a outra garrafa.
— Ele costumava arrancar a cabeça dos inimigos também? Por isso você faz isso? — Jin me fita com os olhos estreitos e eu encolho os ombros. — Os boatos no mar navegam mais rápido que os navios. — Repito sua fala e ele ri nasalado, sem humor.
— Meu pai costumava encher a boca dos mortos com ouro, é alguma coisa sobre um tipo de protesto contra as realezas que possuem muito, enquanto deixam seu povo morrer na miséria, alguma idiotice assim. Todos os capitães daquele navio fazem isso, mas eu nunca desperdiçaria moedas de ouro em cadáveres que irão apodrecer, prefiro jogá-los no mar.
Tento conter o meu espanto quanto suas palavras despertam uma memória muito antiga: o dia em que Duque e eu vimos um pirata pela primeira vez. Logo depois me recordo que surgiu uma notícia em Marlli de que o corpo de um guarda do rei foi encontrado morto na orla, no mesmo lugar que vimos o pirata, e ele estava com a boca cheia de moedas de ouro. E julgando pelo tempo que isso aconteceu, esse pirata só poderia ser o pai de Jin e Taehyung.
Isso é realmente uma grande descoberta para mim. Me lembro de prometer guardar aquela moeda como um tesouro, mas eu acabei perdendo-a na semana seguinte.
— E você, qual sua história com Jimin? — Jin pergunta, me puxando de volta para o presente.
— Tenho uma família que não é de sangue, então mesmo que ele diga me conhecer, não consigo lembrar. — Finjo beber mais.
— Igual um feitiço. — Suas palavras se arrastam no final, de forma baixa.
Dou de ombros.
— Desde os meus sete anos não lembro de nada que não seja meu nome e minha idade.
***
Após tantas garrafas de rum quanto eu poderia contar, Jin finalmente estava começando a ficar bêbado, mas parecia que isso ainda levaria um longo tempo, o que não era bom, pois me obrigava a começar a beber também e eu já estava um pouco tonta.
Sem paciência, começo a cantarolar de boca fechada, enquanto balanço o pé de uma das pernas cruzadas.
Respiro fundo e continuo assim até ver o vulto do corpo de Jin despencar do meu lado. Olho surpresa para ele e o vejo dormindo instantemente, levando pouco tempo para começar a roncar.
Permaneço parada, o encarando espantada, pensando se eu havia feito isso, porque me lembro do mesmo acontecer com Namjoon no dia do motim.
Bendito sejam os deuses do mar! Pela primeira vez me sinto feliz por ser estranha.
Tiro a garrafa de rum da sua mão quando o líquido escorre para o colchão. Guardo ela e a minha garrafa de volta no guarda-roupa e deixo tudo arrumado para que ele não desconfie.
Volto a me aproximar de Jin e encaro os bolsos de suas calças, vendo o volume que percebi desde que cheguei. Com cuidado, enfio minha mão para dentro do bolso esquerdo, tentando alcançar o montinho. Meus olhos ficam sempre em Jin, atenta às suas reações. Deslizo meu dedo pelo objeto e mesmo sem retirá-lo do bolso, percebo ser uma bússola.
Bufo e me sento do outro lado da cama. Volto a enfiar minha mão nos seus bolsos, agora, no direito. E minha irritação vai embora assim que sinto o molho de chaves gelado. Cuidadosa, começo a puxar o molho para fora do bolso, e as chaves batem uma na outra e tilintam quando saem. Paraliso meus movimentos e fito Jin, mas ele permanece tão imóvel quanto uma pedra.
Encaro todas as chaves e logo procuro pela longa e dourada, sabendo que era ela que abriria a sala dos tesouros.
Na ponta dos pés, caminho até à porta, saindo dali e a deixando fechada. Depois, ainda na ponta dos pés, me apresso pelo corredor escuro. Abro a porta devagar para que ela não faça barulho, e espio o convés vazio e silencioso. Entro nele e dou mais uma observada, e quando tenho certeza que todos estão mesmo dormindo, vou até à porta dupla da cabine, entrando de forma sorrateira.
Enxergando apenas a sombra das coisas, me aproximo da porta da sala dos tesouros, só conseguindo enfiar a chave dourada na fechadura após três tentativas. Quando a porta destranca, minhas mãos gelam e meu corpo vibra de ansiedade. Me arrasto para dentro e não perco tempo ao sair olhando para todos os lados.
Primeiro, busco por um papel e uma caneta de pena, escrevendo um breve bilhete para Jin. Em seguida, pego o meu retrato - escondido - preso entre duas garrafas de rum e o enrolo junto do bilhete. Por fim, procuro pelo canudo onde Jin guardava as partes do mapa. Roubo todas com cuidado e as enfio dentro da minha camisola, colocando o bilhete e o meu retrato no lugar como substitutos para enganar.
Sei que Jin não costuma mexer nas coisas dessa sala, por serem tesouros que precisam permanecer bem guardados. Desde que cheguei nesse navio, ele só pegou as partes do mapa quando precisou me mostrá-las, por isso, sei que ele não checará nada até a emboscada, principalmente, na emboscada da qual ele com certeza vai reforçar a segurança dessa sala, pedindo que seus piratas a vigiem.
Me certifico de que tudo estava como antes e, desta forma, deixo a sala dos tesouros com um enorme sorriso nos lábios. Tendo como testemunha e cúmplice do que fiz, apenas a lua da noite.
"Olá, Capitão.
Assim que ler isso, eu já estarei bem longe desta porcaria de navio. Estou levando umas coisinhas comigo, espero que não se importe. E lembre-se: quando for planejar a morte de alguém, certifique-se de que essa pessoa não está escondida, escutando tudo.
Me recordo de você dizer que não era como o seu irmão. E agora penso que tinha razão, porque apesar de ser um vagabundo do mar que me irrita até as tripas, Taehyung é alguém de palavra, ao contrário de você. Então se orgulhe, Capitão, você é verdadeiramente um pirata desprezível. E digo mais, apenas um dos dois irá chegar em Atlantis e eu posso garantir que não será você, seu grandíssimo canalha.
Estou deixando meu retrato de recordação, porque quero que toda vez que o ver, você saiba que foi saqueado pela Sirena del Atlantis."
NOIVA EM FUGA: PACTO DE SANGRE
Desde que chegaram na cidade chamada Cumbra, Serena esteve trancada em seu quarto onde ela passou os últimos cinco dias, tendo uma única e mesma vista: algumas casas, uma rua de pedra e uma carroça.
Vez ou outra ela podia ir até o térreo da pousada com Jimin fazer suas refeições com os outros hóspedes, embora a grande maioria era feita em seu quarto mesmo. Capitão Infâmia havia dito a ela que deveria se manter escondida até o dia do casamento, desta forma, evitaria problemas, mas a verdade é que ele apenas queria mantê-la longe de sua emboscada.
Durantes os dias que se passaram, Jimin mais ficou no quarto de Serena do que no seu próprio, sempre a fazendo companhia e contando inúmeras histórias para animá-la. E ela se sentiu agradecida por isso, pois ele era o único a distrair seus pensamentos.
Mais cedo, logo após o café, Jin levou até o quarto de Serena um belo vestido de noiva. Aparentemente, eles montariam uma comemoração falsa para conseguir camuflar os piratas entre os convidados, e assim pegar Taehyung de surpresa.
Já era de tarde e Serena já estava pronta, se arrumou como Jin pediu.
Sentada em uma cadeira de madeira, Serena balançava as pernas em nervosismo. Ela estava esperando Jimin vir buscá-la para que eles fossem até à emboscada. Ela passou os últimos dias pensando se deveria ou não contar para ele sobre sua fuga. Serena sabia que quando fugisse, Jimin ficaria sozinho no navio e o Capitão poderia matá-lo.
Ela segurou no decote de seu vestido e o puxou para cima, ajeitando-o em um gesto nervoso. O tecido se mexeu, fazendo ela sentir o papel escondido dentro do decote arranhar sua pele.
Serena suspirou alto e esfregou as mãos cobertas por luvas curtas e brancas, quase transparentes.
A porta do seu quarto se abre devagar, fazendo Serena olhá-la com nervosismo. Jimin surge sorrindo, bem-arrumado e elegante. Ele estava belíssimo.
— Pronta?
— Feche a porta e venha aqui. Precisamos conversar. — Ela abana a mão rapidamente.
Jimin se sente confuso, mas faz o que ela pede. E quando ele se senta na ponta da cama, de frente para ela, Serena suspira de novo.
— Antes de chegarmos aqui, escutei Jin mandando Yoongi me matar assim que eles conseguirem as partes do mapa que estão com Taehyung. Ele vai fazer isso hoje.
— O quê? — Os olhos de Jimin se arregalam, enquanto ele parece pasmo com o que escuta. — Mas nós temos um acordo. Ele não pode fazer isso.
— Eu te disse que não deveria confiar em um pirata. — Serena o repreende, embora ela mesma já tenha acredito em alguns piratas.
Ambos ficam em silêncio, ela nervosa e ele preocupado.
— Escute, Jimin — Em um gesto exasperado, Serena agarra as mãos do feiticeiro. —, eu pretendo fugir hoje. Então venha comigo. Depois nós podemos encontrar Atlantis, assim, eu recupero as minhas memórias, e caso isso não aconteça, nós também podemos ir até à mulher que vive no pântano. A conheci certa vez, ela é uma bruxa, talvez possa trazer minhas memórias de volta.
Embora seu rosto estivesse chocado, internamente Jimin ria de Serena. O feiticeiro não achava que ela conseguiria fugir, por isso, ele poderia enganá-la, a fazendo acreditar que eles fariam isso. De todo modo, ela morreria hoje assim que eles pegassem as partes do mapa que estavam no Vingança, portanto, não faria mal algum brincar com sua ingênua sobrinha um pouco, já que suas horas estavam contadas.
— Você acha que podemos fazer isso? — Jimin aperta suas mãos de forma preocupada e Serena assente.
— É tentar ou morrer.
Jimin balança a cabeça lentamente, de forma positiva.
— Tudo bem. Então faremos isso. Mas vamos fugir em uma hora conveniente, não podemos dar nas vistas, por isso, vamos esperar um pouco, certo? — Ele sugere e seus olhos pareciam tão verdadeiros que conseguiriam enganar qualquer um.
— Irei esperar e pedirei para ir no banheiro, essa será a deixa para fugirmos. Você vem atrás de mim e nos encontramos nos fundos dessa pousada. — Serena completa e Jimin concorda.
Ele solta as mãos dela e enfia a mão dentro do bolso interno de seu longo e bonito casaco marrom. Em seguida, ele puxa o mesmo colar azul-turquesa que Serena admirara na pequena feira da cidade onde eles já passaram.
— Percebi que você estava olhando isso, então discretamente eu o comprei. Queria te dar de presente porque é muito bonito e combina com você. Azul sempre foi sua cor favorita, não é? — Ele pergunta, enquanto passa o colar pela cabeça de fios loiros de Serena, que estava adornada por um véu pequeno. Ela assente, admirada com o presente.
Jimin desliza suas mãos até os ombros descobertos dela, a encarando bem nos olhos.
— Se alguma coisa acontecer, esse colar sempre fará com que eu te encontre. — Ele diz seriamente e Serena fita a pedra azul-turquesa cintilante.
Embora o plano fosse matar Serena hoje, Jimin se preparou para todas as possibilidades, portanto, logo que comprou esse colar para sua sobrinha, o feiticeiro o enfeitiçou com um encantamento ensinado por Darcy, que o faria sempre saber onde Serena estava, desde que ela usasse o colar.
— Obrigada. — Serena agradece sincera, verdadeiramente acreditando que Jimin queria o seu bem. Ele vem se aproveitando da culpa que ela sente por não lembrar dos pais de sangue, sempre entrando em sua cabeça com histórias maravilhosas de sua vida passada no mar e, aos poucos, ele estava conseguindo tocar o interior de Serena.
— Vamos indo agora. Temos muito o que fazer hoje. — Ele se levanta da cama e a ajuda a se levantar da cadeira.
Serena resmunga devido aos saltos que estava sendo obrigada a usar de novo, mas, agora, ela já estava mais familiarizada com eles.
Jimin oferece seu braço para Serena, e quando ela engancha o seu ali, eles saem do quarto, atravessando os poucos andares da pousada. E quando vão para a rua, todos os encaram curiosos; as mulheres encantadas com a suposta noiva que estava indo para o dia mais feliz de sua vida; e os homens, invejando secretamente quem seria o noivo.
O local da emboscada não era muito longe, por isso, eles foram a pé. O lugar escolhido foi uma grande praça pública que estava vazia e foi interditada para o casamento - com ajuda de alguém muito importante. Havia um cadafalso no centro e ao fundo, onde costumavam enforcar e decapitar os ladrões e piratas, mas hoje estava sendo usado como altar improvisado.
Fileiras de cadeiras alinhadas estavam embaixo e em frente ao cadafalso, onde toda a tripulação de piratas do Capitão Infâmia se passava por convidados, embora, embaixo de suas roupas mais refinadas, haviam espadas e pistolas. E não só isso, ao redor da praça, escondidos atrás de barris e em casas esvaziadas com a permissão do rei local, o outro lado da aliança se escondia, prontos para atacarem o inimigo no momento em que ele chegasse.
Capitão Infâmia estava em cima do cadafalso, trajado em elegantemente como um noivo, nada parecido com sua aparência anterior. Nesse momento, ele aparentava ser da realeza, com toda sua beleza de pirata escondida debaixo da roupa de cerimônia. Seu contramestre, Yoongi, estava parado do seu lado, também vestido de forma elegante, da qual ele odiou.
Serena e Jimin entram na praça, e enquanto todos os observam, o feiticeiro conduz sua sobrinha até o cadafalso, a ajudando a subir as escadas de madeira.
— Acho que estou tentado a tornar esse casamento real. — Jin fala para Serena quando ela se aproxima, baixo para que apenas ela escute.
Fervendo de raiva por dentro, Serena força um sorriso para o pirata.
— E agora? — Ela pergunta, querendo desviar o foco daquela rápida conversa.
— Esperamos. — Yoongi responde, em sua feição séria. Mais que qualquer outro ali, ele estava odiando parecer um nobre pomposo.
Serena assente e fica em silêncio, sempre tentando ficar perto de Jimin e se manter afastada de Jin.
Nos últimos dias, ela não conseguia olhar para as fuças dele sem ter vontade de jogá-lo do navio. Serena já sabia da reputação do pirata, mas ele foi tão gentil com ela no começo, e esse foi o motivo dela se sentir extremamente chocado ao escutá-lo dizer aquelas coisas nojentas. Mas isso iria mudar, porque era ele quem estava prestes a ser feito de besta agora.
***
Duas horas e meia já haviam se passado, o sol já estava se pondo, deixando tudo alaranjado. Todos estavam cansados de esperar, principalmente os convidados escondidos atrás de barris e nas casas esvaziadas.
A cada segundo deixado para trás, Serena ficava mais nervosa. Ela sempre soube que se Taehyung estivesse vivo, ele nunca voltaria por ela, portanto, isso não a surpreendeu, embora a deixasse, de certa forma, uma pouco chateada. De qualquer forma, Serena sabia que precisava agir logo, aproveitar antes que todos desistam de continuarem aqui nessa praça.
— Será que eu posso ir no banheiro? — Ela pergunta, fazendo os três ali com ela, a fitarem.
Jin pensa por alguns segundos, antes de bufar, um pouco irritado. Não só ele, como os outros piratas, já estavam começando a pensar como Serena, e a paciência estava quase se esgotando.
— Tudo bem. Eu também preciso fazer isso. — Ele diz, e suas palavras fazem o estômago de Serena vibrar de ansiedade.
Jin passa por ela, indo em direção às escadas do cadafalso, e Yoongi o segue. Serena lança um olhar discreto para Jimin, que assente de forma sutil, apesar de pensar que isso seria mais divertido com um pouco mais de agito.
O feiticeiro segue os dois piratas, enquanto Serena tenta enrolar em cima do cadafalso, planejando descer por último para não levantar suspeitas de que eles estavam juntos.
Assim que os três descem, Serena se prepara para fazer o mesmo, ela segura no saiote do vestido branco de noiva e o ergue, de modo que não atrapalhasse quando ela fosse descer. Mas, o que ela não esperava, é que não muito longe, escondidos entre os telhados e dentro de casas especificamente seguras, alguns intrusos estiveram espionando tudo por dois dias. Logo, durante a madrugada, eles tiveram tempo o suficiente para organizarem seu contra-ataque dentro da própria emboscada.
Quando Serena começa a descer os degraus da escada, um borrão de cores salta de um dos telhados, agarrado a uma corda estrategicamente amarrada aos postes de lamparinas do lado das casas. O vulto de camisa branca e calças pretas, surge tão rapidamente quanto se podia entender o que estava acontecendo.
Em questão de segundos, Serena tem sua cintura presa por um braço. Assustada e sem entender, ela é balançada até o cento do cadafalso, onde é posta no chão de novo. Seus olhos se arregalam em puro espanto quando ela encara aquele sorriso que tanto a irritava. Seu corpo estava colado ao dela e seu braço permaneceu ao redor da cintura. Ele a observava tão de perto que Serena até podia contar os longos cílios em seus olhos castanhos, se quisesse.
— Cavaleiros, estou aqui para impedir esse casamento! — Taehyung grita em alto e bom som, fazendo os piratas saltarem de suas cadeiras, já puxando suas armas. E diferente do que se imaginava que ele poderia fazer, o Capitão simplesmente inclina seu rosto para frente e junta seus lábios aos de Serena, em um selar roubado e rápido. — Porque essa senhorita já é minha prisioneira! — Serena estava em choque com os olhos ainda mais arregalados e os lábios formigando após o toque. Sua descrença era sem tamanho, ela simplesmente não conseguia entender o que estava acontecendo, mas, mesmo assim, seu coração estava acelerado de um jeito da qual nunca ficou antes.
Quando os soldados do rei saem de trás dos barris e das casas esvaziadas, e quando os piratas estão prestes a disparar, Taehyung tira os pés de Serena do chão e corre com ela. E quando ela percebe o que ele está prestes a fazer, Serena passa seus braços ao redor do pescoço dele e grita, poucos segundos antes de Taehyung saltar do cadafalso, os balando no ar. Os primeiros tiros são disparados em direção a eles, mas a corda traçada entre os postes, os fazem deslizar pelo ar com rapidez, antes que Taehyung os joguem contra uma das janelas das casas.
Os dois caem no chão, junto com os cacos de vidro que arranham.
— Serena! — Jack sai de seu esconderijo e corre até à amiga, que se levantava com rapidez.
— O que você está fazendo aqui? — Serena pergunta, assustada.
— Agora é a nossa vez de te salvar. — Jungkook é o próximo a surgir. Ele sorri para Serena, antes de correr em direção à janela quebrada, começando a disparar para todos os lados.
— Pegue ela e saia pelos fundos. Inez já está esperando vocês. — Taehyung fala para Jack, que assente.
Mesmo que Serena não conseguisse desviar seus olhos de Taehyung, ele não devolve o olhar, estava mais preocupado em conter a possível invasão que já deveria estar acontecendo nessa casa.
Jack segura a mão de Serena e a puxa para fora do que era um sótão. Taehyung e Jungkook as seguem, e quando os primeiros soldados surgem dentro da casa, os dois disparam contra eles.
As duas amigas gritam em meio ao tiroteio, se abaixando enquanto andam. Os três soldados caem no chão, mortos na escada. Os quatro descem correndo e passam pelos corpos cheios de buracos com sangue. Serena encara a cena de forma espantada, enquanto Jack evitava olhar.
Mais soldados surgem, invadindo a casa, então Jungkook empurra as duas para dentro de um cômodo e fecha a porta. O barulho dos tiros, do outro lado, era alto e o cheiro da pólvora chegava até elas.
— Aqui! Vamos sair por essa janela, ela dá para os fundos da casa! — Seguindo o plano, Jack instrui.
Ela pega uma cadeira propositalmente deixada ali por eles e a coloca debaixo da janela, em seguida, ela sobe na mesma e passa sua pena pelo batente. Serena se aproxima e fica atrás, esperando que a amiga saia. Jack pula para o outro lado e Serena sobe na cadeira. Um de seus pés vira para o lado, por conta do sapato de salto, então ela tira o par, jogando no chão do cômodo, para depois, repetir os mesmos gestos de Jack que a segura do outro lado.
— Jack, eu preciso levar alguém comigo. — Serena diz quando elas começam a andar por entre plantas altas no fundo da casa.
— O quê? Levar quem? — Por um instante, Jack encara Serena sobre os ombros, mas sem parar de andar.
— O meu tio. — Serena responde baixo.
— Como assim seu tio? — Jack a olha de novo, com o cenho franzido.
Elas saem dos fundos da casa e correm em direção à rua de pedra, mas, na primeira entrada, ambas dão de cara com um pirata, que quando as nota, começa a correr atrás delas.
De mãos dadas, elas vão na direção contrária, se jogando em uma virada a esquerda quando o pirata ameaça atirar.
Debaixo do seu vestido, Jack puxa uma pistola e joga para Serena.
— Atira você! — Exasperada, Jack diz para Serena, que, com os olhos arregalados, tenta segurar da forma correta na arma.
Elas escutam os passos do pirata se aproximando, então se abaixam. Com as mãos nervosas, Serena mira para baixo, e quando a sombra do pirata aponta, ela dispara em seu pé. O pirata grita e tira o pé do chão, soltando sua arma para segurar o lugar atingido.
As duas se levantam e Serena vai até o pirata, o empurrando para trás, derrubando-o. Depois ela pega a arma dele e entrega para Jack que, contragosto, a segura.
Logo elas voltam a correr e Jack vai mostrando o caminho, mas nada parecia fácil no meio desse caos, pois logo, dois soldados do rei surgem. Eles seguravam mosquetes, dos quais, não hesitaram em apontar para elas, porém, antes mesmo que seus dedos se aproximem dos gatilhos, os dois vão para o chão após serem atingidos por disparos. E entre uma pequena fumaça de pólvora, Inez surge de pé em dois barris postos na calçada.
— Vamos! — Ela grita e salta dos barris, fazendo elas a seguirem.
Agora em três, Inez se livrava de todo mundo que se aproximava delas. Não havia um arranhão sequer no pirata, ela era como uma praga, exterminando qualquer um que surgisse.
Jack e Serena se sentiam mais tranquilas com Inez, imaginando que a mulher jovem e de cabelos loiros escuros era imbatível, isso, até ser derrubada por uma tábua de madeira que a acerta na barriga. Inez cai no chão, com dor, e quem elas menos esperavam, aparece.
Em sua farda muito bem alinhada, o comodoro Jung surge em uma das ruas de pedra. Ele encara a pirata caída com desprezo, mas quando seus olhos se erguem e ele vê as duas meninas, seus olhos se abrem um pouco mais.
Sem se importar, Serena corre até Inez, tentando ajudar ela a se levantar. Enquanto isso, Jack estava estagnada no lugar, encarando Hoseok com espanto. Era a primeira vez que eles se encontravam após a fuga na corte, e apesar de Hoseok ter ficado imensamente irritado na ocasião, se sentindo usado, nesse momento, ele não conseguia fazer simplesmente nada. Sua mão permaneceu em volta da espada que segurava, mas ele não sabia se conseguiria apontá-la para a jovem.
— Jack! — Serena grita, fazendo a amiga a encarar de supetão.
Jack sai de seu transe e se aproxima cautelosamente delas, voltando a fitar o comodoro.
— Se você se mexer, eu atiro! — Inez ameaça, apontando suas duas pistolas para ele, e Serena faz o mesmo.
A mão de Jack treme, mas ela consegue erguer sua arma para o comodoro, mesmo que odiasse fazer contra ele. Ela caminha de lado, devagar e atenta. Seus olhos ardem um pouco, então ela pisca várias vezes, tentando afastar essa sensação. E, desta forma, após se aproximar de Inez e Serena, as três conseguem correr para longe.
Com um último olhar, Jack olha para trás, fitando o comodoro que a via ir embora. Ele nem sequer tentou fazer alguma coisa. Hoseok sempre pensou que quando encontrasse Jack outra vez, ele a faria pagar por tudo, mas ele não contava com esse sentimento que o impedi de machucá-la.
Com o som dos tiros parecendo se aproximar, elas correm mais rápido, tentando ir por lugares mais escondidos, entretanto, foi inevitável para Serena não ver Jimin quando elas contornaram a pousada.
O feiticeiro estava prestes a entrar na pousada, pronto para ir até o seu quarto e usar seu espelho mágico para descobrir onde Serena estava.
Ao ver o tio, ela se afasta de Jack e Inez e corre para ele, mesmo sendo gritada pelas duas.
— Serena, você está bem?! — Jimin a segura pelos braços, com falsa expressão aflita.
— Estou voltando para o Vingança! Venha comigo! — Serena diz e Jimin arregala os olhos, sabendo que, naquele momento, ele havia perdido, mas ainda não havia acabado.
Apesar de ser um feiticeiro, ele era fraco na terra, e seus poderes se limitavam a encantamento de objetos mágicos e ajuda na cura de suas feridas, nada comparado ao que ele era quando estava no mar.
Seu olhar vai até Inez e Jack - de olhos em Serena, e ele sabia que a pirata que estava com elas poderia ser um problema, assim como sabia que ainda precisaria de Jin e do comodoro para encontrar Atlantis. Seu novo plano era se recolher e preparar uma nova emboscada para roubar as partes do mapa de Taehyung, porém, o que ele não sabia e o que Serena não contou, é que ela havia roubado as partes de Jin, ou seja, eles não tinham nada agora.
— Vá você, Serena! Eu ficarei!
— O quê? — Serena o encara com exaspero.
— Alguém vai precisar controlar o Jin após isso! Vá e fuja! Não se preocupe comigo, eu ficarei bem, prometo! — Serena pensa em insistir de novo, mas Jimin a solta e entra na pousada onde vários hóspedes corriam desesperados para se trancarem em seus quartos.
Frustrada, mas sem tempo, Serena acaba voltando para perto de Jack e Inez, que após perguntarem quem era Jimin e Serena responder que depois explicava, voltam a correr. E, dessa vez, elas conseguem chegar na praia de Cumbra, o lugar mais afastado e escondido para esconder o Vingança.
— Elas estão voltando! — Alguém grita do navio, fazendo a tripulação do lado de dentro se apressar a preparar tudo para a partida.
Enquanto corriam pela areia da orla, na outra direção, vindo do centro da cidadezinha, Taehyung, Jungkook e alguns piratas surgem, fugindo de soldados e da tripulação de Jin.
Com as pernas já doendo, as três meninas não se permitem parar. E Jack e Serena foram colocadas na frente, enquanto Taehyung e seus piratas ficavam atrás delas, protegendo-as dos tiros.
Com a ajuda da tripulação, eles começam a correr pela rampa do Vingança e, ao final dela, dentro do navio, Dana aparece como uma miragem. Com os braços abertos, ela recebe Serena quando essa se joga em sua direção. Dana segura seu peixinho com força, não acreditando que ela havia retornado em segurança.
Antes mesmo que Taehyung gritasse “Zarpar navio!”, Namjoon já manuseava o leme, afastando o Vingança da orla, ao mesmo tempo que a tripulação subia a rampa, fechando a porta do navio.
Os soldados e a tripulação Jin permanecem atirando da orla, e alguns até se jogam no mar e tentam nadar para perto do navio, que se afastava com rapidez.
Quando os tiros já não alcançam mais o navio, todos dentro do Vingança gritam vitoriosos, apesar de que nem todos que foram ao resgate, voltaram. Mas, quando se faz parte de uma tripulação pirata, isso é comum, é o risco a se correr, portanto, não é nada de novo para eles quando, de fato, as mortes acontecem.
Jungkook e outros piratas sentados no chão do convés, respirando ofegantes, sorriem, apreciando a vitória.
Serena se afasta de Dana após perguntar por Duque e descobrir que ele a esperava no quarto. Em seguida, ela anda até a grande roda ao redor de Taehyung, onde todos o aplaudiam pelo resgate bem-sucedido.
Ela para na frente do Capitão. Então, sem dizer nada, Serena enfia sua mão dentro do decote do vestido apertado e puxa alguns pedaços de papéis rasgados, velhos e sujos para fora, os erguendo.
— O que é isso? — Jungkook pergunta, ao mesmo tempo que se levanta do chão.
Serena sorri como uma verdadeira pirata, antes de responder.
— Todas as outras partes do mapa para Atlantis que faltavam. — O navio inteiro fica em silêncio, desacreditados com a revelação de Serena.
— O quê? — Namjoon grita do convés, quase soltando o leme do navio.
— Serena, como você conseguiu isso? — Jack pergunta, ao se aproximar com Dana.
— Vocês me conhecem. — Serena dá de ombros, cheia de si. — Eu embebedei o Capitão Infâmia e roubei tudo isso da sua sala dos tesouros.
— Eu acredito nisso. — O tom de Dana era reprovador, até um pouco bravo com a falta de prudência do seu peixinho.
Jungkook ri alto e Namjoon o acompanha do convés superior. Ele se aproxima de Serena e passa seu braço pelos ombros dela.
— Viu só, Capitão. Agora nós iremos para Atlantis. — Jungkook diz para Taehyung, que nem por um segundo deixou de encarar Serena.
Ele tinha um sorriso faceiro em seus lábios que lhe roubaram o selar que ela não podia esquecer. Era quase como se estivesse orgulhoso dela.
— Eu posso te entregar as partes que faltam, Capitão. Mas, antes, eu tenho um acordo a propor. — Serena revela, atraindo ainda mais a atenção de todos ao redor.
Taehyung arqueia as sobrancelhas, curioso e interessado no que viria a seguir.
— Pois então diga. — O Capitão cruza os braços abaixo do peito levemente revelado pela camisa manchada com respingos de sangue.
— Primeiro de tudo, quero que você liberte os prisioneiros e quem mais não quiser fazer parte da tripulação. Se é tão difícil encontrar os mapas de Atlantis, chegar lá será pior, e apenas os que verdadeiramente querem fazer isso, devem ir.
Uma onda de descrença paira sobre grande parte da tripulação, e alguns se sentiam esperançosos e apreensivos pelas palavras de Serena, pois não sabiam se o Capitão aceitaria o acordo.
— E segundo — Serena faz uma breve pausa e sorri de novo, animada com a própria ideia que teve dias atrás. —, você encontrou sozinho três partes do mapa, eu encontrei duas e roubei as outras duas que faltavam. Então, quando encontrarmos Atlantis, nada mais justo que dividirmos tudo meio a meio.
Taehyung levanta as sobrancelhas, achando a situação divertida e, ao mesmo tempo, apreciando a audácia de Serena.
— Caso você aceite, quero que me dê sua palavra em frente a todos os seus piratas. E que eles sejam testemunhas desse acordo.
Jungkook, que ainda estava com braço passado pelos ombros de Serena, a observa com admiração, como se visse o maior dos piratas.
Taehyung encara Serena por mais alguns segundos, antes de puxar a espada suja de sangue presa em seu cinto. Com a ponta da lâmina, ele faz um corte na palma da própria mão e a estende em direção a menina de olhos azuis como o oceano.
— Diante da minha tripulação pirata, eu te dou a minha palavra. E caso eu a descumpra, então já não serei mais digno de ser o Capitão desse navio, e qualquer um poderá ficar no meu lugar.
Apesar de estar surpreso pelas palavras do amigo, Namjoon sorri, sabendo que essa aliança, apesar de complicada, era a mais certa.
Satisfeita por ter conseguido executar seu plano secreto, Serena se afasta de Jungkook e pega a espada que ele também prendia no cinto. Da mesma forma que o Capitão, ela também faz um corte em sua mão, ignorando a ardência na pele. Em seguida, selando o acordo através de um pacto de sangue, Taehyung e Serena apertam as mãos, dando início ao que seria o começo de tempos tempestuosos nos setes mares.
Capítulo 24
O Vingança era um completo caos nesse momento, uma bagunça sem tamanho. Os músicos estavam tocando e cantando horas a fio, enquanto todos bebiam e dançavam pelo convés, embora grande parte dos piratas estavam meio desmaiados no chão de madeira. Como forma de comemorar a posse do mapa para Atlantis, Taehyung decidiu nos levar para Tortuga, o porto pirata que só pode ser encontrado por aqueles que verdadeiramente sabem aonde fica. Apesar de já ter escutado boatos sobre Tortuga, quando Jungkook, animadamente, me contou mais, percebi que esse lugar era muito pior do que eu imaginava. A ilha - que ficava no Caribe, era conhecida por ser mergulhada em sangue, onde a violência era constante, não haviam regras para as rixas, pirataria e pilhagens. Lá, também, os piratas tinham inúmeros esconderijos e vendiam seus tesouros ou os gastavam em álcool.
— Yo-ho, yo-ho! Uma vida de pirata pra mim! — Os músicos cantam alto, debaixo do céu escuro, batendo seus pés no chão e manuseando os instrumentos velhos. — Nós pilhamos, esfoliamos e roubamos! Bebei amigos, Yo-ho! — A tripulação grita em coro, erguendo garrafas de rum para cima. — Nós sequestramos e arruinamos sem nos importar! Bebei amigos, Yo-ho!
— Yo-ho, yo-ho! Uma vida de pirata pra mim! — Jungkook surge de surpresa, passando seus braços pelos meus ombros e os de Jack, chegando a derrubar um pouco de rum nela. — Nós extorquimos e roubamos e até saqueamos! Bebei amigos, Yo-ho! — Ele canta, completamente empolgado, enquanto olha de mim, para Jack e vice-versa. — Pilhamos e fraudamos e até liquidamos os altos-soldados! Bebei amigos, Yo-ho!
Fito Jack, que encolhe os ombros e ri baixo, achando toda a situação engraçada. Fingindo dançar, ela tira o braço de Jungkook dos seus ombros, o rodopia e pega sua garrafa de rum. O pirata cambaleia um pouco, chacoalha a cabeça afastando a tontura e sorri, voltando a se meter no meio da tripulação bêbada.
Jack dá um pequeno gole no rum e depois passa a garrafa para mim. Faço o mesmo que ela, ao mesmo tempo que, olho em volta, admirando toda a felicidade desse navio pirata e, por um momento, meus olhos acabam indo até o convés superior, onde, Taehyung assumia o leme, guindo todos para o seu pote de ouro. Havia algumas mulheres ao redor dele, todas tentando arranjar um lugar para estar do lado do Capitão. Ele não parecia se importar muito, estava mais concentrado em navegar o navio e cantar a música.
— Yo-ho, yo-ho! Uma vida de pirata pra mim! Nós colocamos fogo e incendiamos! Bebei amigos, Yo-ho! — Namjoon, também no convés superior, praticamente gritava, segurando no batente. — Nós queimamos cidades, somos realmente medonhos! Bebei amigos, Yo-ho! — Ele ergue sua garrafa com tanta empolgação que grande parte do rum cai no convés debaixo.
— Nós somos saqueadores, bandidos e ladrões! Bebei amigos, Yo-ho! Nós somos perversos, malvados demais! Bebei amigos, Yo-ho! — Os músicos aceleram o ritmo dos instrumentos, para segundos depois, o tornarem lentos até que a música acabe. — Yo-ho, yo-ho! Uma vida de pirata pra mim! Yo-ho, yo-ho! Uma vida de pirata pra mim!
A tripulação aplaude, mas logo os músicos já iniciavam outra cantiga pirata, não deixando que a animação acabasse no Vingança.
Embora o navio ainda parecesse bem cheio, grande parte da tripulação já não se fazia mais presente. Após o meu acordo com Taehyung, paramos em uma cidadezinha qualquer, onde, naquele lugar, ele despejou todos aqueles que queriam ter suas antigas vidas de volta, a liberdade. Confesso que apesar de o ver me dar sua palavra, ainda foi uma surpresa vê-lo cumprir isso sem nenhuma pilantragem, mostrando, assim, que quando queriam, os piratas poderiam ser honestos, levando em conta que a mentira era uma de suas maiores artimanhas.
E junto dos prisioneiros - que ficaram tão descrentes por Jack e eu realmente termos nos redimido - e parte da tripulação, Dana também se foi. Ela já estava aqui há muitos anos - bem mais do que os nossos poucos meses, assim como também já tinha mais idade. E se bem me lembro, Dana já havia comentado sobre o seu desejo de voltar para a família, especialmente o neto. Não foi uma tarefa fácil, a nossa mamãezinha era muito teimosa e não queria nos deixar aqui no navio, ela temia que nos afundássemos em mais confusões, o que não era difícil. Mas como eu já havia dito em minha proposta, a partir de agora, as coisas ficariam mais sérias e perigosas, por isso, ninguém que não estive verdadeiramente disposto, deveria continuar nesse navio.
Quando nós prometemos muitas vezes para Dana que ficaríamos bem e que a visitaríamos quando tudo isso acabasse, ela finalmente concordou em abandonar o Vingança. E não foi um momento nada fácil, porque além de Jack chorar muito, Dana também chorou, e não só por nós, mas pelos piratas, das quais ela compartilhou seus últimos anos. Ela disse que sentiria falta das aventuras em alto mar, mas que já não tinha mais idade para isso.
No momento em que ancoramos na cidadezinha, tentei fazer com que Jack fosse com Dana, mas, aparentemente, apesar de ser uma medrosa, ela não queria me abandonar, porém, alguma coisa dentro de mim me dizia que ela queria mesmo era permanecer no Vingança porque essa seria sua maior oportunidade de ver o comodoro mais vezes, mesmo que fosse em meio a sangue e tiros. De qualquer forma, Jack disse que eu preciso de uma companheira de confusões e que ela era a única com parafusos soltos, disposta a me acompanhar sempre.
Sabendo que não conseguiria fazê-la mudar de ideia, ao menos tentei manter Duque a salvo. Como favor, pedi que Dana o levasse com ela, dizendo que eu o buscaria após encontrar Atlantis, mas esse nanico fez o maior escândalo de sua vida canina e eu fui incapaz de deixá-lo ir. Por isso, no final, somos ele, Jack e eu.
Nos últimos dias, pensei muito sobre tudo que poderia acontecer daqui para frente, mas depois do que descobri, eu precisava encontrar Atlantis de um jeito ou de outro. Meu interesse naquele lugar era diferente dos piratas, não era o ouro ou qualquer riqueza que me interessava, tudo que eu queria era comprovar a veracidade do que Jimin me contou.
— O que é isso? — Jack segura meu braço quando o navio entra dentro de uma densa neblina que o rodeia por completo. O ar fica mais frio, fazendo Jack se encolher do meu lado, porém, nada do que acontece para os músicos ou a tripulação.
No mesmo minuto, espio sobre os ombros, em direção ao convés superior. Se houvesse algum problema, Taehyung estaria sério, porém, ele estava sorrindo de forma ainda mais larga que antes.
Leva apenas poucos segundos para que a neblina comece a sumir na dianteira, mostrando um horizonte iluminado e um ancoradouro. Era como se a neblina camuflasse o lugar, já que ela permanecia só atrás, sumindo apenas na frente para dar vista a uma ilha.
— Senhoras! Senhores! — Taehyung grita do convés superior, fazendo os músicos pararem e toda tripulação se virar para ele.
Ele manuseia mais um pouco o leme até o navio bater no ancoradouro, em um tranco que derruba muitos bêbados. Os piratas em melhor estado logo se apressam a soltar a ancorar do navio.
Taehyung afasta suas mãos do leme, enquanto passa os olhos por todos nós.
— Deixe-me ser o primeiro a dizer: bem-vindos à Tortuga, a ilha dos piratas! — A tripulação grita animada. — Iremos passar nossos próximos dias nesse lugar, portanto, todos estarão por conta própria. — Ele se afasta do leme e caminha para a escada do convés, sendo seguido pelas mulheres que o rodeavam antes. — Então, tentem não morrer, porque logo iremos para Atlantis. — Assim que ele termina de dizer, a porta do navio é aberta, fazendo com que toda a tripulação corresse para fora como se estivesse caminhando para o final do arco-íris em direção ao pote de ouro.
— Tudo pronto? — Olho para Jack, que ainda segurava o meu braço.
Ela sorri e dá dois tapinhas no saco de pano transpassada pelo seu tronco com o auxílio de um cordão. Dentro dele, colocamos algumas de nossas moedas de outro que ganhamos aqui, assim como, também colocamos uma faca que roubei da cozinha. Essa ilha tem todo tipo de gente, por isso, devemos estar prevenidas.
Duque surge correndo pelo convés, parecendo contente. Mais cedo, eu o soltei já que ele passa tanto tempo no quarto. Tendo se apegado a ele, Jack logo se abaixa e o segura nos braços. E agora, tínhamos tudo que precisávamos.
Sendo assim, começo a andar lado a lado com Jack.
— Se estamos nesse lugar para aproveitar os próximos dias, talvez ele te ajude a curar esse seu coração partido. — Digo e Jack me olha de supetão.
— Que coração partido? — De olhos arregalados, ela tenta disfarçar, mas suas bochechas coradas entregam tudo.
— Se você já ficava se lamentando pelos cantos antes, quando conheceu o comodoro, após o encontrarmos naquele dia, quando me resgataram, você só faltava se jogar no mar e nadar de volta para ele.
O tom em suas bochechas fica ainda mais forte e ela desvia o olhar para Duque.
Rio pelo nariz.
— Eu sei que deve ter sido difícil para você, Jack. Mas vamos tentar esquecer isso, ao menos, pelos próximos dias, certo? Diversão das meninas. — Sorrio para ela, que assente timidamente.
Em meio ao desespero da tripulação, no ancoradouro, para entrar na ilha, Namjoon e Jungkook acabaram nos fazendo companhia. Como era a nossa primeira vez em Tortuga, eles decidiram nos acompanhar até à pousada, da qual os piratas do Vingança costumavam ficar, embora eles disseram que alguma parte da tripulação teria que voltar para o navio e passar a noite lá, evitando roubos. E isso seria feito em revezamento entre eles. Aparentemente, todos os piratas que vinham para esse lugar e fossem ficar mais de um dia, usavam essa estratégia.
A pousada repleta de piratas e cheirando a álcool, custou dez moedas de ouro, e como Jack e eu ficaríamos no mesmo quarto, saiu mais barato. Após escondermos uma parte de nossas moedas debaixo de uma tábua solta no chão, nós trancamos nosso quarto e nos juntamos a Namjoon e Jungkook de novo, e assim, eles nos levaram até uma das tavernas mais lotadas da ilha.
O lugar cheirava a álcool, tabaco, sangue, vômito e colônia barata. Torço o nariz e até mesmo Duque resmunga no colo de Jack. Por outro lado, Namjoon e Jungkook não parecem incomodados com nada disso. Como no navio, aqui também tinha música alta e eu até pude ver alguns dos músicos do Vingança indo se juntar aos músicos da taverna. Pessoas dançavam de um lado, brigavam em outro, eram lançadas pela janela logo ali, jogavam cartas aqui, bebiam, desmaiavam e vendiam todo tipo de coisa. Se a igreja visse esse lugar, certamente diria que era o inferno descrito na bíblia católica.
— Eu amo Tortuga. — Jungkook diz, e seus olhos brilhavam como se visse a coisa mais linda do mundo.
— Eu também. — Já Namjoon, observava descaradamente todas as dançarinas, piratas e mulheres comuns espalhadas pelo lugar.
— Que tal começarmos bebendo alguma coisa? — Pergunto, tentando atrai-los de volta.
Eles concordam e todos nós vamos até o balcão mais próximo.
— Quatro grogs. — Namjoon pede ao homem parado atrás do balcão.
— Vocês pagam. — Jack diz para o pirata, que ria e assente.
— O que é grog? — Pergunto.
Namjoon se vira de costas para o balcão, apoiando seu corpo ali.
— É uma bebida dos piratas. Ela ajuda a prevenir algumas doenças do mar e como acabamos de vir de lá, nada melhor do que nos purificarmos com um belo grog. — O homem do balcão logo volta com quatro copos e uma garrafa.
— E não podemos esquecer que essa maravilha aqui — Jungkook pega um dos copos que é cheio pelo homem do balcão. —, vale por cinco goles de álcool. — Ele vira a bebida de uma só vez, batendo o copo no balcão para logo em seguida enchê-lo de novo.
Jack me olha um pouco assustada. Rio de sua expressão e pego um dos copos cheios, experimentando a bebida com gosto de rum, limão e açúcar.
Jack coloca Duque em um dos bancos de madeira e pega o último copo, pronta para beber também.
— Merda! — Namjoon resmunga e nós três o encaramos. E mesmo sem nos olhar, ele aponta em direção a uma das mesas, onde um amontoado de pessoas jogavam cartas, e Taehyung era um deles. Ele havia acabado de chegar e se juntar a outros homens. — Dá última vez, ele quase apostou o navio. — Namjoon suspira pesadamente.
— É melhor irmos lá. — Jungkook coça a cabeça e Namjoon concorda.
O pirata de olhos grandes e redondos, e aparência mais jovem, tenta pegar a garrafa de grog antes de ir, mas eu a puxo para longe.
— Aposto que naquela mesa tem muitas dessas garrafas. — Digo para Jungkook, que ri e nega com a cabeça, antes de ir com Namjoon.
— O que fazemos agora? — Jack pergunta, enquanto enche mais uma dose de grog.
Dou de ombros.
— Quer ir conhecer a ilha? — Pergunto e ela assente.
Pego Duque no colo e Jack pega a garrafa, e assim saímos da taverna.
A noite era agradável e estrelada, com uma brisa refrescante. Todos pelas ruas de pedras pareciam animados demais, provavelmente bêbados.
Três piratas abraçados vêm cantando e cambaleando para o nosso lado, me fazendo rir. Um deles tropeça e cai nos pés que Jack, que faz uma careta. Em meio aos soluços, o pirata enrola suas palavras ao se desculpar e tirar seu chapéu para Jack.
Enquanto passávamos a garrafa de grog de uma mão para outra, acabamos vendo, de longe, uma placa iluminada por lamparinas, que dizia “Cabaret da Madame Lamur”.
— Quer ir lá ver? — Jack me olha animada e eu assinto.
Tirando a vez que fomos até o Hanna’s Cabaret, eu nunca tinha ido em um e, definitivamente, nunca assisti a um show, portanto, acho que seria legal fazer isso.
— Será que eles nos deixarão entrar com o Duque? — Jack pergunta, quando viramos à esquerda e começamos a caminhar para dentro de uma rua estreita que mais se parecia com um beco. O cabaré ficava no final dela.
— Se não deixarem, nós os subornamos. — Falo e Jack ri.
— Espero que elas usem aquelas roupas bonitas. Estou curiosa para saber como é uma apresentação. — Ela realmente estava empolgada.
Apesar de a placa estar iluminada, o beco do cabaré era bem escuro, por isso, tivemos que andar devagar e com calma para não tropeçar nos ladrilhos mais altos.
Quando paramos em frente à porta pintada de vermelho vibrante, encontramos outra placa e ela dizia “entrada permitida apenas para homens”.
— Como assim só para homens? — Me inclino para frente com Duque, a fim de ler melhor.
— Só porque as dançarinas são mulheres, nós não podemos entrar. — Jack bufa, um pouco desapontada.
A fito por alguns segundos, me sentindo tão frustrada quanto ela.
— Mas nós vamos entrar, sim, você vai ver. — Falo, já pegando na maçaneta da porta, me preparando para arrumar uma grande confusão do lado de dentro, se fosse necessário.
— Posso ajudar as duas donzelas? — Uma voz masculina e estranha pergunta atrás de nós.
Meu corpo salta no lugar e Jack solta um pequeno grito, levando a mão até o peito.
Me viro rapidamente, enxergando do outro lado da rua, encostado em um poste de lamparina apagada, uma silhueta alta que se mexe lentamente e começa a caminhar para perto.
Quando atravessa a rua, conseguimos ver melhor o homem que usava um tapa-olho e tinha as roupas mais sujas que a de um pirata.
— Nós só queremos entrar. — Jack responde, apontando para o cabaré.
— Esse lugar não é para jovenzinhas. — Ele diz, sorrindo e nos encarando de uma forma estranha.
— Não se preocupe. Nós podemos cuidar disso sozinhas. — Falo, na tentativa de me livrar dele, por isso, logo me viro e tento abrir a porta de novo, mas o sinto segurar meu pulso, me impedindo.
Seguindo seus instintos, Duque rosna e ameaça morder a mão do homem estranho, o obrigando a afastá-la de mim.
— Bravo ele, não é? — O homem ri.
Não respondemos e Duque continua rosnando. O homem permanece parado na nossa frente, nos examinando como se quisesse algo.
— O que tem no saco? — Ele pergunta e aponta com a cabeça para Jack.
— Nada. — Automaticamente, com a mão livre, Jack segura o saco.
— O que tem no seu? — Pergunto logo em seguida, indo para perto de Jack e tentando mudar a atenção dessa conversa.
— No meu? — Ele percebe meu olhar sobre o pequeno saco preso no seu cinto, e o pega com uma mão, sem desprendê-lo do cinto. — Algumas moedas de ouro, mas elas já estão acabando. Preciso arranjar mais. — Ele suspira de forma falsa e fica em silêncio.
Tensa, Jack me encara pelo canto de olho, e estou pronta para dizer ao homem que estamos indo embora, quando, abruptamente, ele avança em direção a Jack, tentando pegar o saco com ela.
Jack grita e tenta afastá-lo, acertando-o com a garrafa de grog cheia. O baque faz o homem ficar tonto e cair para trás, enquanto puxa o saco de Jack que se desprende do cordão.
Apesar de estar caído, o homem não estava inconsciente, por isso, logo tenta levantar.
Duque salta do meu colo e corre até o homem, o mordendo na canela. O homem grita e começa a chacoalhar a perna.
— Vou matar esse pano de chão sujo! — Ele grita, se sentando nos ladrilhos, e quando percebo que ele tenta segurar Duque pelo pescoço, me desespero e me aproximo, o chutando no rosto.
O homem cai deitado de novo e seu nariz começa a sangrar. Ele tampa o lugar com a mão, mas o sangue escorria por entre os dedos.
— O saco, Jack! Pega o saco! — Grito para ela, enquanto puxo Duque que não queria soltar as calças do homem, que acabaram rasgadas na barra.
Jack abre o saco e pega a faca dentro dele.
— Se tentar alguma coisa, vamos arrancar sua fuça com isso. — Ela aponta a faca para ele - ainda deitado e tapando o nariz.
— Vem aqui. — Faço um gesto de cabeça para Jack para nos aproximarmos do homem que nos observa com apenas um olho cheio de raiva.
Jack me olha um pouco aflita, mas faz o que eu peço. Em passos cautelosos, nos aproximamos de novo dele e Jack não deixa de apontar a faca para o homem.
Com Duque nos braços, rosnando, me abaixo, sem tirar os olhos do estranho e puxo o saco preso em seu cinto, e isso o faz se mexer e tentar me pegar, mas Duque late, quase avançando nele de novo, então o homem acaba não completando sua ação.
Balanço o saco de pano que roubei dele e sorrio.
— Obrigada pelas moedas. — Agradeço, antes de olhar para Jack e fazer um gesto de mão. E assim, no segundo seguinte, estamos correndo para longe, enquanto rimos e Duque permanece latindo, espiando tudo apoiando no meu ombro.
— Você iria mesmo atacar ele com essa faca? — Pergunto para Jack, ao mesmo tempo que corremos pelo caminho que fizemos posteriormente.
— Se ele tentasse algo, acho que sim. — Ela ri, nervosamente. — E se ele vir atrás de nós?
— Vamos voltar para a taverna e ficar com Namjoon e Jungkook, se ele for atrás de nós, pelo menos teremos ajuda. De todo modo, ele não deveria reclamar, estamos em Tortuga e aqui não há regras. — Sorrio esperta para Jack.
Quando retornamos para a Taverna, estávamos ofegantes e Duque mais tranquilo. Nos entreolhamos por segundos e acabamos rindo da situação, mas não acho que faríamos isso se fosse alguns meses atrás. Mal colocamos os pés nessa ilha e já estamos sendo afetadas por ela.
Procuramos pelos piratas conhecidos e logo os encontramos. Como haviam dito, Namjoon e Jungkook foram para perto de Taehyung e estavam de pé atrás dele, o observando jogar cartas. Bem, ao menos, Jungkook, pois Namjoon estava agarrado na cintura de uma mulher, enquanto ela dizia alguma coisa no ouvido dele, que o fazia sorrir muito.
Jungkook estava abraçado em uma garrafa e ignorava qualquer mulher que tentasse chamar sua atenção, nesse momento, ele estava realmente concentrado em impedir que Taehyung fizesse alguma aposta que se arrependesse. E esse, por sinal, tinha duas mulheres sentadas uma de cada lado seu, e ele dividia sua atenção entre elas e as cartas em suas mãos.
Observo toda a cena por alguns segundos, até ter uma ideia.
Olho para Jack e sorrio.
— O que foi? — Ela pergunta, desconfiada.
— Segura. — Entrego Duque para ela e pego o nosso saco de moedas que ela segurava, ficando com os dois sacos. — Vamos nos divertir um pouco. — Sinto aquela familiar ansiedade surgir toda vez que eu estava prestes a fazer algo no navio.
Antes mesmo que Jack tenha oportunidade, começo a caminhar em direção à mesa de apostas.
— O que você vai fazer? — Jack pergunta, atrás de mim, tentando me alcançar.
Quando paro perto da mesa, atrás de um dos homens que apostavam, todos me olham.
— Será que eu poderia jogar também? — Pergunto, sorrindo.
Jungkook me encara confuso, e Namjoon até deixa de prestar atenção na mulher pendurada em seu pescoço.
Com os olhos desconfiados, Taehyung me fita e eu faço o mesmo.
— Sabe jogar, boneca? — O homem sentado na minha, pergunta, e eu posso ver, de relance, que ele ergue sua cabeça para me olhar.
Assinto.
— Certo. Então fique no meu lugar, já perdi moedas de ouro demais para uma noite. — Ele se levanta e me cede sua cadeira. — Jonas vai ser seu parceiro. — Ele aponta para o homem sentado à esquerda.
Assinto de novo e, discretamente, lanço uma piscadela para Jack, que ficou parada atrás da minha cadeira.
Haviam apenas quatro pessoas no jogo: eu, Taehyung na minha frente, Jonas à minha esquerda, e outro homem a direita, provavelmente o parceiro do Taehyung.
— Vamos recomeçar o jogo. — Jonas diz, pegando as cartas de todos e começando a embaralhar. — Boneca, estamos perdendo feio, já não tenho um tostão furado para apostar.
— Não seja por isso, eu aposto por nós dois. — Coloco os dois sacos de pano sobre a mesa.
— Você vai apostar tudo? — Jack enfia sua cabeça do meu lado, me encarando descrente.
Espio os três jogadores antes de sussurrar para Jack.
— Não tem como eu perder isso aqui. — Falo, mas isso não parece acalmá-la.
***
Depois de mais ou menos trinta minutos jogando, ninguém prestava atenção em outra coisa que não fosse nossas apostas. Nenhuma das mulheres que nos rodeavam conseguiam sequer um pingo de atenção, principalmente aquelas que estavam completamente frustradas por Taehyung ter seus olhos apenas nas cartas e em mim.
Jonas e eu ganhamos todas as partidas seguintes e conseguíamos o dobro de moedas de ouro. E nada era mais maravilhoso do que ver a carranca irritada de Taehyung, enquanto eu ganhava cada uma das suas moedas, da quais eu já pensava em como gastaria.
As moedas do Capitão pagarão todas as minhas regalias em Tortuga e eu faria questão que ele visse tudo, apenas para irritá-lo ainda mais.
Jogo as cartas no centro da mesa, mostrando mais uma vitória. Jonas solta suas cartas e grita animado, antes de nós dois batermos as mãos em comemoração. Taehyung e seu parceiro bufam estressados.
— Estou fora, Capitão. Ela levou todo ouro que eu tinha. — O homem careca e magro me encara. — Você é melhor que um cão do mar.
Percebo Taehyung apertar a mandíbula, rangendo os dentes. Ele também não tinha mais nada.
Os clientes bêbados da loja dos meus pais me ensinaram muitas coisas, e uma delas foi a jogar cartas como uma trapaceira. E apesar de eu conhecer todos os truques sujos, eu não os usava com frequência, pois sou boa o suficiente para ganhar de todos aqui nessa mesa.
— Você deveria parar. Vai apostar todas as suas moedas também? — Namjoon diz em tom de repreensão. — Se quer apostar, procure outra coisa, menos o navio. — Ele dá ênfase. — Aposte um de seus anéis. Um colar, sei lá, só não aposte o navio ou sua bússola.
— Colar... — Taehyung diz baixo e, no mesmo instante, sua feição se acende. Seus olhos vão parar em meu pescoço e um sorriso surge em seus lábios.
Involuntariamente, levo a mão até o meu pescoço, não sentindo nada no lugar.
— Eu já volto. — Taehyung fala e se levanta, saindo de perto de nós.
Desconfiada, encaro Jack.
— Acho que perdi meu colar. — Isso era péssimo.
Jack franze o cenho, balançando Duque nos braços.
— Aposte o cachorro. — Alguém sugere.
— No dia do seu resgate, quando tirou aquele vestido e pediu para Dana tacar fogo. Você também tirou o colar. Me lembro de o Capitão ter pego ele com Dana quando ela entregou tudo para Inez, dizendo que ela podia se livrar daquilo. — Jack explica e os meus olhos se arregalam.
Não é possível que ao tirar o vestido de noiva, eu tirei o colar também. Eu nem senti falta dele nos últimos dias. Com a saída dos prisioneiros e da tripulação, e a viagem para Tortuga, nem ao menos me dei conta de que não estava mais com o colar.
De uma vez, volto a olhar para a cadeira vazia de Taehyung, e toda a irritação que eu pretendia fazer ele passar, ele me entregou como uma vingança mais rápida.
Me levanto da cadeira.
— Vigie nossas moedas. — Peço para Jack, enquanto todos me encaram. — E não, ninguém vai apostar o meu cachorro. — Me viro para Jonas, antes de sair de perto da mesa de apostas.
Pergunto para todos pelo caminho, para onde é que o maldito cretino tinha ido. E no final, acabo o seguindo até à pousada onde todos nós estávamos ficando.
Capítulo 25
Logo após perguntar ao dono da pousada qual era o quarto de Taehyung, segui como um furacão por todos os corredores, passando por todo tipo de gente que não me interessavam nem um pouco agora.
O quarto dele era longe do meu e ficava no final de um corredor ligado a uma bifurcação. Nos meus passos pesados, vou até à porta indicada e começo a bater na madeira listrada.
— Abra essa porta, seu pirata cretino! Eu sei que esse é o seu quarto! — Esmurro tanto a porta, que até mesmo os bêbados que zanzavam pelo corredor me encaravam como se eu fosse uma doida varrida.
Permaneço fazendo escândalo do lado de fora até que a porta seja aberta.
Taehyung surge do outro lado, segurando a maçaneta, enquanto me encarava como se não entendesse, mas eu sabia que apenas fazia parte do seu cinismo habitual.
Sem esperar por um convite, passo para dentro do quarto e fecho a porta, a trancando com a chave que ainda estava na fechadura.
— Não vamos sair desse quarto até você devolver o meu colar. — Falo entre os dentes, puxo a chave da fechadura e jogo dentro do decote do meu vestido azul.
Taehyung arqueia as sobrancelhas e me fita por alguns segundos, antes de sorrir cínico.
— Por que está tão interessada naquele colar? Quem te deu? Por acaso foi algum namorado? — Sua voz carregava provocação.
Enrugo as sobrancelhas.
— Não é da sua conta. Agora, me devolva o colar. — Exijo, batendo um pé com força no chão.
Com tranquilidade, Taehyung se afasta de mim e se senta na beirada da grande cama forrada com um lençol branco. Ele cruza as pernas e apoia as mãos atrás do corpo.
— E se eu não quiser? — O sorriso cínico não abandonava seu rosto, o que me irritava ainda mais.
Aperto os dentes, respirando pesado e sem paciência.
— Se você não quiser, é? — Falo baixo, enquanto estreito os olhos e observo todo o quarto. — Se você não quiser... — Caminho firmemente em direção a um tambor grande com uma lamparina em cima, da qual a pego e jogo no chão, estraçalhando todo o vidro em volta da vela apagada. — então eu acabo com todas as coisas que você tem aqui. E não serei eu a pagar por elas.
Evitando apenas as poucas lamparinas acessas que iluminavam o quarto, começo a jogar tudo pelos ares, derrubando qualquer coisa que fizesse barulho, deixando o quarto em um completo estado de caos, mas Taehyung observava tudo sem fazer nada, quando minha intenção era justamente tirá-lo do sério como ele fez comigo.
Com a respiração desregulada, meu peito enchia o decote reto do vestido, fazendo o movimento descer e subir. E em uma tentativa drástica, vou em direção a uma lamparina acessa e a seguro pela alça de ferro.
— Me dê a porcaria do colar ou eu colocarei fogo no quarto. — Ameaço, olhando dele para a vela acessa dentro da lamparina.
Ainda com sua irritante tranquilidade, Taehyung se levanta da cama e caminha até a cadeira que eu derrubei, ele se agacha e enfia a mão dentro do casaco que antes estava pendurado na cadeira. Ele puxa um cordão preto para fora do casaco e depois consigo ver a pedra azul cintilante brilhar do lado de fora. Os meus olhos se abrem um pouco mais.
— Você fez um belo estrago aqui. — Ele diz, normalmente, enquanto se aproxima de mim.
Quando Taehyung para na minha frente, estico minha mão livre e faço menção de pegar o colar, mas ele afasta o objeto de mim e faz um gesto de cabeça indicando a lamparina na minha mão.
Com um expirar alto, coloco a lamparina de volta no lugar.
— Por que você pegou o meu colar? — Pergunto, com a mão esticada, esperando ele me devolver.
— Pensei que tivesse pedido para se livrar de tudo. — Taehyung enruga as sobrancelhas, tentando soar confuso, mas ele estava fazendo de propósito.
— Não o colar. Eu o tirei por engano. Era para se livrar apenas do vestido. — Digo, impaciente.
Taehyung estreita os olhos de novo e me encara por segundos.
— Mas acho que isso agora é meu. — Ele sorri de lado, em seus lábios levemente avermelhados por todas as bebidas que ele tomou hoje.
Enquanto meu tronco subia e descia em uma respirar pesado, o seu, revelado sutilmente pela habitual camisa branca aberta por alguns botões - às vezes, parecendo a única roupa que ele tinha, estava tranquilo com movimentos quase imperceptíveis.
— Por que você continua fazendo isso comigo? Realmente é divertido me provocar dessa maneira?
— Sim. — Ele responde sem pestanejar. — Mas, de toda forma, você pode perceber como eu ando sendo legal com você nos últimos tempos.
— Legal? — Cruzo os braços e pergunto descrente.
— Sim, legal. Eu até mesmo fui te resgatar, não fui? E fiz isso pessoalmente. — Mesmo já conhecendo esse seu lado, eu ainda estava surpresa com seu descaramento.
— Você pensa que me engana? Eu sei que fez aquilo apenas porque sou a única que pode te levar para Atlantis, seu cretino. — Digo, cruzando os braços e olhando para o lado, irritada.
— Não diga isso. Eu não voltei apenas por Atlantis. — Ele balança sutilmente sua cabeça, fazendo seus cabelos escuros balançarem também. Os fios deslizam por sua testa e sobrancelhas, também, balançando na parte detrás de seu pescoço enfeitado por alguns colares. — Acreditaria se eu dissesse que é importante para mim? — Ele pergunta e eu enrugo as sobrancelhas. — Você já me irritou muitas vezes, se isso a faz se sentir melhor. Descumpriu todas as minhas regras e ainda fez um motim no meu navio. Mas eu posso admitir que sua coragem passou a me surpreender. Essa é uma das maiores qualidade que nós admiramos em um pirata.
Taehyung joga o colar no chão, para longe de nós, mas não desvia seus olhos de mim. Ele até mesmo se aproxima um pouco mais, me fazendo ficar atenta, pronta para pegar a lamparina acessa atrás de mim e incendiar tudo, se ele tentasse algo.
— Desde muito cedo, eu estive navegando no Vingança, sou um pirata de berço. E em todos as vezes que roubei pessoas de suas cidades, ninguém nunca tentou se voltar contra mim, você foi a primeira. E mesmo após fracassar, não desistiu de continuar com suas teimosias. — Ele ri, nasalado. — Serena, você é uma verdadeira pirata.
— Eu não sou. — Rebato, rapidamente.
— Ah, com certeza você é. Pode não admitir, mas mente como um pirata, tem a coragem de um pirata e pode ser trapaceira como um também. Pense só no caos que você deve ter causado no navio do meu irmão quando ele descobriu que foi saqueado. — Sua próxima risada era tão autêntica, quase contagiante. Mas ele deveria apenas estar feliz por saber que o irmão se deu mal.
— Por que está falando todas essas coisas? — Pergunto, confusa e um pouco sem paciência. Tudo que eu queria era pegar o colar e sair daqui.
— Nós estamos sempre estamos brigando, achei que você gostaria de escutar isso também. — Ele sorri de novo e se aproxima mais uma pouco. E eu sinto meu coração saltar nervoso dentro do peito.
— Eu te odeio e você me odeia, lembra? — Sinto o desespero e ansiedade passar como uma corrente elétrica quando suas mãos enfeitadas pelos anéis coloridos se apoiam uma em cada lado do tambor atrás de mim, que servia de mesa para a lamparina acesa.
Ele inclina sutilmente a cabeça e estreita os olhos mais uma vez, antes de rir baixo.
— Eu nunca disse que te odiava, Serena. — Seus olhos me fitam por mais alguns segundos, antes que sua mão escorregue do tambor e vá parar ao redor da minha cintura, trazendo meu corpo sutilmente para frente. Os meus olhos se arregalam e meu coração parece que para por um momento, quando seu rosto se aproxima do meu. Com o corpo paralisado e nervoso, sem saber o que fazer, sinto seus lábios encostarem nos meus, do mesmo jeito que ele fez no dia do meu resgate.
Fiquei com os olhos abertos, pela surpresa, por mais alguns segundos, até sentir a ponta de sua língua pelos meus lábios fechados que, involuntariamente, se abrem em curiosidade para recebê-lo. Em toda minha vida, eu só havia feito isso uma vez, e na ocasião, não senti nada de especial, apenas achei estranho. Mas, me trazendo uma sensação completamente nova e criando uma alta expectativa em mim, quando sua língua toca a minha, sinto todo o meu corpo amolecer, se rendendo, ao invés, por agora.
Talvez eu ainda esteja um pouco irritada por perceber que quando ele me abraçou e deixou seus dedos deslizarem pelo meu pescoço, se emaranhando nos fios loiros dos meus cabelos, eu vibrei de um jeito único pela primeira vez. A irritação por todas as provocações que ele adorava fazer comigo, me tirar do sério; a irritação por admitir no meu interior, que talvez eu já tenha pensando em como poderia ser estar no lugar de todas aquelas mulheres que sempre tentavam chamar sua atenção; mas eu nunca poderia admitir isso para mim ou para ele, porque parecia ridículo demais, então tudo que eu podia fazer, era me convencer de que o odiava mais e mais.
Esse maldito pirata cretino de uma figa, era desprezível, não posso negar, mas ele também era atraente como o mar, e o pior, ele sabia disso e usava como se fosse uma de suas armas. Eu não sei por quanto tempo essa sensação vai durar, se estará aqui amanhã, quando eu acordar, mas, nesse momento, não quero lutar e nem me arrepender ao pensar no que poderia acontecer, porque eu não conseguiria mandar embora o que controlar o meu corpo agora.
Por já ter feito isso diversas vezes, apenas deixo que os movimentos de Taehyung me guiem, enquanto tento acompanhá-los da melhor maneira que posso. E não sei por ele, mas se todos os beijos fossem assim, então eu definitivamente poderia entender porque as meninas suspiravam sozinhas.
Seguro em seus ombros quando o sinto começar a andar, sem separar nossas bocas. Meus pés tropeçavam vez ou outra, e foi assim até que eu sentisse a cama bater contra as minhas panturrilhas. Em seguida, sinto meu corpo ser sutilmente empurrado para trás e deitado no colchão da grande cama. Taehyung deita seu corpo sobre o meu e suas mãos se apoiam uma em cada parte do meu corpo: a esquerda segura a lateral da minha barriga, a um palmo acima do umbigo, enquanto a direita foi parar em minha perna. Seus dedos se arrastam ali, fazendo o meu vestido e a chemise embaixo dele começarem a subir até que eu sentisse seus dedos deslizando pela pele da minha coxa, fazendo meu corpo se arrepiar com o contraste gelado.
Lentamente, seus lábios vão parando de se movimentar nos meus e Taehyung afasta seu rosto. Ele me fita por alguns segundos e sorri, antes de se inclinar para baixo e beijar o meu pescoço, me causando mais um arrepio. Conforme seus beijos molhados iam descendo, suas mãos subiam, arrastado toda minha roupa, até que elas ficassem no começo das minhas cochas, e isso torna as minhas bochechas quentes, pois isso deixaria ele a um levantar de ver o meu corpo de forma íntima, da qual ninguém além da minha mãe já viu antes.
Suas mãos passam pelo tecido e deslizam por minha barriga coberta e vão para as laterais do meu busto quando seus lábios param rente ao decote reto do meu vestido. Nesse ponto, eu já temia que ele poderia escutar as batidas fortes do meu coração.
Quando seus dedos escorregam para dentro dos cantos do decote, o puxando para baixo e deixando os meus seios livres, suspiro baixo, tentando me manter calma ao sentir a chave que escondi ali, escorregar e cair no colchão.
Tudo era novo para mim e eu não sabia como reagir.
Seus olhos observam a minha pele descoberta, apenas aumentando a minha vergonha, por isso, fecho os olhos, o que não me impede de sentir sua boca encostando em um dos meus seios. Mais uma vez me arrepio, e meu corpo se mexe sozinho quando sua língua molhada rodeia no ponto mais sensível daquele lugar, enquanto uma de suas mãos apalpa o meu outro seio, me fazendo pressionar bem os lábios para conter alguns suspiros que ameaçavam surgir. Contudo, não sou capaz de me conter por muito tempo, visto que eram tantas sensações novas, que eu estava perto de perder o controle.
Ainda de olhos fechos, levo minhas mãos até os seus cabelos, os apertando com força, e ele continua me provocando nos pontos sensíveis, fazendo meu tronco se curvar vez ou outra, empurrando mais os meus seios em direção à sua boca e mãos.
Taehyung permanece assim por mais algum tempo, e então escorrega uma mão para baixo e a mete dentro do meu vestido. Quando sua mão desliza por minhas coxas, indo para o interior delas, automaticamente as fecho, em nervosismo.
Seus lábios, roçando minha pele, se afasta dos meus seios e vão em direção ao meu pescoço de novo, lugar em que começa a beijar lentamente, me relaxando de modo que eu fosse cedendo aos poucos e ele conseguisse tocar onde queria.
Assim que seus dedos encostam em minha intimidade, sinto-o se contrair e formigar; eu também sentia o lugar começar a ficar molhado de um jeito que nunca aconteceu antes. Toda a ansiedade se instala dentro de mim quando seus dedos começam a se movimentar nos pontos molhados. Minhas pernas já dobradas, se encolhem ainda mais, e quando sinto um de seus dedos entrando em mim, mordo o lábio inferior para continuar prendendo qualquer som que quisesse sair da minha boca.
Ele continua beijando o meu pescoço e fazendo alguns movimentos com seu dedo, e só para quando eu sinto minha intimidade doer e formigar, como se esperasse por algo a mais.
Taehyung pressiona seu corpo conta o meu, e eu sinto algo duro dentro de suas calças me cutucando na barriga coberta. O meu coração dispara, pois me lembro de uma conversa que tive com minha mãe uma vez, em que ela me explicava o que acontecia entre um homem e uma mulher em sua noite de núpcias.
Não demora até que ele afaste suas mãos de mim e comece a abrir seu cinto, e depois as calças. E isso me faz sentir ainda mais envergonhada, mas, percebendo isso, Taehyung empurra delicadamente minhas pernas para os lados, as abrindo bem. Ele fica entre elas, sem me deixar ver o que puxaria de dentro de suas calças. De novo, deitado sobre mim, ele aproxima seu rosto do meu, mas não me beija, apenas fica me encarando, enquanto sinto alto me tocar lá embaixo, e eu já sabia muito bem o que era.
Seguro em seus ombros e espero até que, com a ajuda de sua mão, ele empurre o começo de seu membro duro e molhado para dentro de mim. Ele faz isso de forma lenta e bem devagar, observando cada uma das minhas reações.
Aperto com força seus ombros e fechos os olhos quando sinto uma ardência incômoda no meio das pernas. Isso doía mais do que a minha mãe me contou, e era totalmente diferente do que ter o seu dedo dentro de mim - o que não era nada dolorido.
Ainda lento, meu corpo é sutilmente empurrado para cima quando ele se coloca por inteiro dentro de mim. Abro os olhos lentamente e suspiro, e ao fitar Taehyung, ao invés de ficar mais envergonhada por nossa situação, me sinto um pouco mais confortável, já que ele tinha uma expressão calma em relação a isso.
— Tudo bem? — Ele pergunta, porque sei que desde o começo ele já deveria saber que eu era uma virgem.
Mesmo que ainda fosse um pouco incômodo tê-lo dentro de mim e que ainda doesse, assinto fracamente, e isso o faz me dar um selar longe e molhado.
Em seguida, Taehyung começar a mexer seu quadril, entrando e saindo de dentro de mim, continuando lento. E mesmo com esse desconforto novo, alguns gemidos insistem em começar a escapar por minha boca, e, dessa vez, não consigo contê-los.
Os meus seios para fora do decote, balançavam com os movimentos. E meu vestido e o chemise estavam completamente embolados em minha cintura, me permitindo ver algumas vezes o seu membro entrando e saindo de dentro de mim.
Conforme ia aumentando a velocidade em que nossos corpos balançavam para cima e para baixo, o incômodo foi começando a sumir, e os beijos de Taehyung ajudaram a tornar tudo mais prazeroso.
Dentro do quarto iluminado pelas lamparinas, tudo que se podia escutar agora era um barulho molhado que vinha de nossas intimidades, acompanhando o barulho das nossas bocas desajeitadas em beijos difíceis de sincronizar. E quando a boca de Taehyung se afastou um pouco da minha e um gemido lhe escapou, aquilo soou como se fosse o que faltava para me tirar do sério, por isso, não consegui segurar minhas mãos quando elas foram até sua camisa e abriram cada um dos botões presos. Eu não a tirei de seu corpo, mãos deslizei minhas mãos por seu tronco bronzeado e definido, com os dedos correndo por cada parte, principalmente pela grande cicatriz que ele tinha do começo do peito, atravessando o abdômen todo.
Os seus gemidos se tornaram mais frequentes e altos, e isso deixava meu corpo literalmente mais quente, como se eu estivesse com febre. E quando começamos a suar, era realmente como se estivéssemos doentes.
Com as mãos afundadas no colchão, ele se impulsionava com mais rapidez para dentro de mim, sempre tomando cuidado para não me machucar, já que essa era a minha primeira vez. Eu sabia que ele estava se contendo e era algo que nunca imaginaria que ele faria, era completamente diferente do pirata cretino que conhecia. E eu pensei dessa forma até suas mãos apalparem minha bunda, os meus seios de novo e até mesmo a parte livre da minha intimidade, me tocando das formas que parecias as mais sujas e erradas possíveis.
Com as unhas apertando suas costas, um gemido muito alto sai da minha boca e meu corpo inteiro esquenta ferozmente, enquanto me curvo para cima, apreciando o arrepio, seguido por um tremelicar que me corre dos pés à cabeça. O meu corpo relaxa em seguida, e vejo Taehyung morder o lábio inferior, abafando um gemido quando ele retira seu membro de dentro de mim, despejando no colchão um líquido branco e viscoso.
Nossas respirações altas entoavam pelo quarto e eu sentia o meu corpo voltando ao normal, aos poucos, enquanto observava o pirata mais cretino e mais bonito que eu já havia visto em toda minha vida, sorrindo sem vergonha alguma para mim.
ISLA TORTUGA – LA SIRENA EN LA NIEBLA
Quando sente um leve desconforto no interior das pernas ao se mexer, Serena acaba abrindo os olhos. Ela fica encarando a parede de madeira na sua frente, por alguns segundos, esperando sua consciência acordar de vez. E quando isso finalmente acontece, ela se levanta abruptamente, se sentando na cama, enquanto cobre o corpo nu com o lençol. Ela o aperta com força sobre as clavículas e encara o pano, vendo uma grande mancha de sangue nele.
Seus olhos se arregalam e seus bochechas ficam tão vermelhas quanto o sangue no lençol. Ela estava tendo lembranças da noite passada e isso parecia extremamente vergonhoso agora. Quando ela pensava que o Capitão havia a visto de forma tão íntima, e pior, que eles haviam transado duas vezes, ela queria fugir e se esconder.
Mas sua vergonha estava prestes a piorar, porque, escorado do lado da porta fechada, a observando, estava o Capitão Hanna. Ele tinha um sorriso de lado, se deleitando ao ver toda a vergonha de uma mulher que sempre parecia tão segura de si e pronta para arrumar uma briga.
Esse pirata estava perdidamente enfeitiçado por essa sereia e nada poderia mudar isso, principalmente, não depois da noite passada, quando ele viu como ela era ainda mais linda do que sempre parecia.
— Bom dia. — Finalmente relevando sua presença, Taehyung diz.
Serena olha rapidamente para ele, se sentindo o dobro de envergonha ao perceber que ele estava ali esse tempo todo.
Ela fica em silêncio por alguns segundos e tenta controlar seus olhos que teimavam em observar aquele corpo que ela conheceu muito bem. A camisa branca estava toda aberta, deixando o tronco chamativo do pirata à mostra especialmente para ela.
— Onde está o meu colar? — Serena pergunta, tentando evitar uma conversa sobre a noite passada - e toda sua vergonha - surja.
Permanecendo escorado ao lado da porta, Taehyung puxa o colar escondido dentro de um dos bolsos das calças.
— Esse aqui? — Ele balança a pedra azul-cintilante de um lado para o outro.
Serena até pensa em sair da cama e ir pegar o colar, mas ela estava sem roupas e não queria que Taehyung a visse nua, embora ele já tivesse visto antes.
— Você vai me devolver? — Ela pergunta.
Taehyung fita o colar por alguns segundos e depois encara Serena.
— Primeiro, precisamos conversar sobre ele. Mas não aqui. Em Tortuga até as paredes têm ouvidos. Vamos até o ancoradouro e lá pegaremos uma das canoas.
Serena franze o cenho, não entendendo o porquê de Taehyung parecer um pouco sério ao falar sobre o colar, mas ela acaba assentindo.
Em silêncio, ela procura com os olhos, seu vestido e a chemise, e os encontra jogados no chão, sujos de sangue como o lençol - em uma quantidade menor.
— Eu preciso de roupas novas. — Ela diz, sem jeito, se encolhendo dentro do lençol.
— Por quê? — Taehyung pergunta apenas para provocá-la, e em resposta, ele recebe uma carranca e uma bota jogada em sua direção, da qual Serena se inclinou para pegar perto da cama.
Taehyung desvia com facilidade da bota e ri ao perceber que Serena já havia voltado ao seu espirito briguento habitual.
— Vá até o meu quarto e pegue alguma roupa limpa para eu usar, mas não deixe a Jack te ver. — Ela fala, séria.
— Por que ela não pode me ver? Você não quer que ela saiba que nós dois... — Sua fala é cortada quando o outro par da bota voa pelo quarto.
— É melhor você fazer o que eu falei se não quiser que eu te rogue uma praga, Taehyung. — Apesar de o chamar pelo nome verdadeiro, o Capitão não parece nada irritado agora, pelo contrário, ele apenas ri da expressão carrancuda de Serena.
Noite passada, ela o chamou várias vezes pelo nome e talvez ele tinha passado a gostar de como o seu nome soava quando era dito por ela, especialmente quando eles estavam intimamente juntos.
— Você não é uma bruxa, Sirena. — Ele continua em sua provocação e Serena já estava começando a se irritar.
— Vai logo, seu cretino! — Ela grita, ao mesmo tempo que joga o próprio lençol que cobria seu corpo. E entre risos e em uma escapada ligeira, Taehyung sai do quarto e vai fazer o que ela pediu.
Quando voltou com um vestido verde-escuro, Serena exigiu que ele ficasse no quarto, enquanto ela usava o banheiro que havia ali dentro. Ela se limpou e trocou de roupa, e quando saiu do quarto, ele estava lá, a esperando.
Sem se importar, Taehyung a segurou pela mão e a levou para fora do quarto, mesmo com Serena dizendo que não era uma criança para estar de mãos dadas com ele. Durante o caminho todo até o ancoradouro, embora estivesse com uma feição irritada, Serena não queria que ele soltasse sua mão, mas ela não admitiria isso.
E assim que eles escolheram uma pequena canoa e estavam prontos para entrarem nela, ambos acabam sendo surpreendidos por alguns visitantes de Tortuga.
— Oi! Onde vocês vão? — Jack se aproxima correndo pelo ancoradouro, segurando Duque no colo. Namjoon e Jungkook vêm logo atrás.
Taehyung bufa, se arrependendo de não ter sido discreto como Serena pediu. Ao ir buscar o vestido, Jack estava acordada e ficou completamente espantada por ver o Capitão em seu quarto. Na noite anterior, após muito esperar por sua amiga, Jack começou a pensar que algo havia acontecido e se desesperou, mas, ao pensar um pouco melhor, logo deduziu que se algo ruim realmente tivesse acontecido com Serena e Taehyung, todos já saberiam. E foi assim que Jack chegou na conclusão de que eles não voltaram porque não quiseram e que ela não deveria atrapalhar, pois já imaginava coisas. E a presença do pirata no quarto, pela manhã, só reafirmou tudo que sua cabeça imaginou antes, por isso, curiosa, ela foi atrás de Namjoon e Jungkook para que eles seguissem Serena e Taehyung.
— Vamos dar uma volta de canoa. — Taehyung responde quando os três e o cachorro param em sua frente.
Serena sorri ao ver Duque e faz um leve afago no animalzinho.
— Por quê? Nós acabamos de sair de um navio. — Namjoon pergunta e Taehyung bufa outra vez.
— Porque eles sumiram juntos a noite toda e agora estão indo para um encontro no mar. — Jungkook responde, malicioso, sorrindo cúmplice para Jack.
Serena para de afagar Duque e arregala os olhos.
— Isso não é um encontro. Nós vamos apenas conversar. — Ela fala, apressada, enquanto Taehyung já entrava na canoa e a puxava junto.
O pirata pensou que havia se livrado dos três mexeriqueiros, mas quando eles também entraram em uma outra canoa e começaram a remar do outro lado, mantendo uma certa distância, ele acabou desistindo de enxotá-los.
— Então, o que você queria me dizer? Eles não vão escutar nada, estão ocupados demais fazendo fofoca. — Serena abana sua mão em direção à canoa do outro lado, onde os três cochichavam entre si.
Taehyung para de remar quando eles se afastam do ancoradouro, e pega de novo o colar guardado em seu corpo e o estende entre eles.
— Existe feitiçaria nesse colar. Veja como ele brilha. Eu já havia visto algo parecido na cabana da Darcy. — Taehyung revela, encarando Serena que olhava para o colar que parecia brilhar muito mais do que ela se lembrava.
O objeto sempre fora bonito aos seus olhos, mas, nesse momento, o azul cintilava muito mais.
Serena suspira, decidida a contar a verdade. Ela sabia que mentir não ajudaria em nada agora.
— Eu sei que existe feitiçaria nele. A pessoa que me deu fez isso para poder me encontrar sempre. — Ela confessa e Taehyung enruga as sobrancelhas.
Enquanto isso, as águas de Tortuga ao redor deles, se tornavam mais frias e uma densa nevoa começa a rodear as duas canoas que boiavam.
— Isso não é magia boa, Serena. Seja quem for que te entregou o colar, não é alguém confiável. — Ela fica sério e fita o objeto cintilante. — Apesar de usar a magia de Darcy algumas vezes, eu sei que ela pode ser alguém extremamente ruim, tanto quanto um pirata. E isso é o tipo de magia que ela faria, mas, tenho certeza que não foi ela quem te deu isso.
As águas de Tortuga ficam mais agitadas, fazendo as duas canoas começarem a balançar um pouco, mas não ao ponto de alertar quem estavam dentro delas, a não ser por Duque, que, no colo de Jack, começa a latir para a água.
O cenho de Serena se franze de novo e ela parecia um pouco cética, não conseguindo acreditar que Jimin tinha alguma intensão ruim ao dar-lhe esse colar. Ele era sua família de sangue, não era?
Os latidos de Duque se tornam ainda mais altos agora, fazendo os três com ele ficarem confusos a respeito do comportamento do cachorro.
Serena permanece encarando o colar, tentando assimilar tudo, quando seu corpo é atingido por respingos de água quando algo salta da água e agarra Taehyung, o puxando para baixo.
Com os latidos de Duque de fundo, os três em sua canoa se desesperam, e os dois piratas já sacam suas pistolas e apontam para água, acompanhando algumas sombras que rodeavam as canoas e que as balançavam com força.
Sentindo um exaspero por não ver Taehyung emergir, Serena salta da canoa e mergulha atrás dele, e o que ela vê debaixo da água faz seu corpo inteiro gelar mais que a temperatura da água.
Caudas coloridas estavam por todos os lados, e figuras estranhas com escamas, membranas grudadas entre os dedos e dentes afiados que surgiam toda vez que as sereias chiavam como um animal arisco.
Taehyung lutava para se soltar dos braços de uma sereia que o puxava para o fundo, e com algumas cotoveladas e um chute, ele consegue se libertar. Serena nada até ele e oferece sua mão, e quando ele a pega, os dois começam a nadar para cima com rapidez.
O pirata consegue voltar para dentro da canoa e tenta ajudar Serena a fazer o mesmo, mas uma das sereias a segura pelo tornozelo, a puxando de volta para a água. E, logo em seguida, um canto parece vir do mar, e isso faz com que todos nas canoas fiquem paralisados, hipnotizados pelas belas vozes, desta forma, não conseguindo ajudar Serena. Duque parecia o único imune ao canto e continuava latindo para a água, enquanto, no ancoradouro, ninguém podia os ver, porque a nevoa camuflava e eles já estavam longe demais para serem ouvidos.
Imersa no mar mais uma vez, ao contrário do que pensou, Serena não é atacada. Ela acaba ficando de frente com uma das sereias, e ao observar seus olhos azuis e cabelos loiros, mesmo debaixo da água, ela sente seu corpo inteiro se arrepiar. Por um segundo, ao manter contato visual com aquela criatura do mar, um pequeno filete de luz ameaça surgir em sua mente, uma memória perdida que acaba não voltando, mas desperta uma sensação angustiante dentro de Serena, a nostalgia de algo que ela não sabia explicar.
As mãos da sereia vão até o seu rosto, e Serena podia jurar que a criatura parecia desacreditava ao vê-la, mas isso não foi o suficiente para impedir Serena de se afastar quando o ar lhe faltou e apressou-se a nadar para a superfície. E, dessa vez, ela consegue voltar para a canoa, ficando completamente assombrada ao ver que não só Taehyung, mas os três na outra canoa, pareciam estátuas.
Em questão de segundos, a mesma sereia que a puxou para o mar, surge na borda da canoa, acompanhada por mais uma sereia que desperta o mesmo sentimento em Serena.
— Foram vocês que fizeram isso com eles? — Serena rapidamente senta do lado de Taehyung, pegando um dos remos como arma, já que Taehyung não havia trazido nenhuma.
Duque late e Serena o encara de sua canoa. Algumas outras sereias surgem, acompanhadas por tritões.
— Não machuquem ele! Duque, saia da borda! — Serena grita, completamente desesperada com o que acontecia.
— Nós nunca o machucaríamos e nem a você, irmã. — Uma das sereias diz, a que tinha os cabelos curtos e cauda rosada.
— Irmã? — Serena a encara assustada.
As duas sereias se encaram, trocando olhares felizes por finalmente encontrarem sua irmã mais nova, e pesarosos por ela ainda não se lembrar de nada.
— Serena... — A de cauda verde-água era a que parecia mais preocupada, se arrasta para o lado, na água, se aproximando. —, nós gostaríamos de conversar. Viemos até aqui por você.
Serena parecia cada vez mais assustada com tudo isso. Ela estava vendo diante de si, sereias reais, das quais ela sempre duvidou da existência.
— Como você sabe o meu nome? — Com o remo posicionado em direção à sereia, Serena pergunta, mas não obtém resposta. Ela não sabia dizer se era a água, mas os olhos azuis das criaturas pareciam lacrimejar. — Eu só converso com vocês se fizerem todos voltarem ao normal. — Ela engole em seco.
— Mas eles são piratas, Serena, só querem te machucar. — A sereia de cabelos longo, tenta se aproximar mais, porém, Serena ergue seu remo, temente, a fazendo recuar para perto da outra sereia.
Serena olha para a outra canoa, encarando o único que podia lhe olhar, seu cachorrinho. E ele nunca pareceu tão preocupado.
— Eles são meus amigos. Se não os fazerem voltar ao normal, então terá que me matar, porque eu não conversarei com ninguém. — Mesmo que estivesse um pouco amedrontada, Serena consegue falar com firmeza, espantando as duas sereias, que não esperavam por isso.
Logo, sem escolhas, outro canto ecoa pelo mar, mas agora, é visível que vinha das criaturas. E assim, todos voltam ao normal, e a primeira reação dos dois piratas na outra canoa, é mirar nas sereias e tritões que estavam por perto, mas Serena grita para que eles não façam nada. E embora todos naquela canoa fiquem confusos, Taehyung estava sério e já conseguia imaginar o que estava acontecendo.
Desde que viu Serena pela primeira vez, ele percebeu a semelhança que ela tinha com as sereias, a beleza que parecia ter vindo do mar. Mas Serena sempre agiu como se nunca soubesse disso e, com o tempo, Taehyung passou a se convencer de que ela realmente não sabia nada sobre a sua própria origem, o que foi confirmado no dia do motim, com os tubarões. Ele sempre pensou sobre Serena ser uma sereia, e o que poderia ter acontecido para ela não se lembrar do fato. Mas, de uma coisa ele tinha certeza, um dia, a verdade nadaria até ela.
Após as coisas se acalmarem um pouco, Taehyung conseguiu convencer Serena a acompanhar as sereias até uma parte mais afastada da ilha. Ele sabia que esse era o momento de ela descobrir a verdade.
Sendo assim, as duas canoas remaram até uma das orlas de Tortuga, um lugar onde ninguém os interromperiam. Lá, todos foram para a areia, incluindo as sereias que enquanto saiam da água, tinham suas caudas transformadas em pernas cobertas por vestidos das mesmas cores que as caudas. Aquilo foi espantosamente bonito, algo que nenhum deles, nem mesmo os piratas - que já viram esse tipo de coisa acontecer antes - esqueceriam.
E enquanto todos as outras sereias e tritões permaneceram na água, Uiara e Maressa tiveram uma longa conversa com todos, onde foi revelada a Serena, sua verdadeira origem. A princípio, ela estava incrédula quanto a ser uma princesa perdida, porém, logo foi encaixando tudo com a história de Jimin, da qual ela acabou contando para todos também.
Ao escutarem tudo, Uiara e Maressa se transformaram, pareciam cheias de ira, iguais às criaturas de dentes afiados que atacaram Taehyung. Por isso, em meio a lágrimas de alívio e ira, elas contaram toda a verdade para Serena, que sentiu como se tudo tivesse parado ao seu redor, semelhante ao efeito do canto das sereias.
Ela não podia acreditar que havia sido enganada desse jeito, que aquele maldito feiticeiro era tão desprezível quanto o pirata que navegava com ele. E diferente da vez em que Jimin lhe contou suas mentiras, ao escutar Uiara e Maressa, Serena teve sentimentos mais fortes que transbordaram em formato de lágrimas furiosas de raiva.
Sentado nas pernas de Serena, Duque choramingava ao ver a tristeza dela, enquanto Jack abraçava sua amiga de lado, tentando consolá-la, e não só elas, mas os piratas também estavam visivelmente preocupados. E ao observarem tudo isso, as duas sereias viram, pela primeira vez, qual era a verdadeira realidade de Serena: ela parecia tão humana quanto qualquer um deles, e isso doeu bem dentro das esperanças de Uiara e Maressa, pois elas sabiam que havia perdido sua irmã.
Engolindo o resto de choro, Serena limpa o rosto de forma rude, se sentindo patética por chorar por um maldito feiticeiro, o único culpado por tudo que aconteceu a ela e sua família de sangue.
— Se ele fez isso para poder me seguir e acabar com tudo, então usaremos a porcaria do colar contra ele. — Serena diz, decidida, enquanto segura o colar.
Taehyung a observa em silêncio por alguns segundos, antes de sorrir fechado. Ele conhecia essa feição e essa determinação, conhecia muito bem.
— E o que você quer fazer? — Ele pergunta para sua sereia, ansioso pela resposta.
Serena o encara de volta e devolve o sorriso digno de um pirata vingativo.
— Nós vamos nos meter em uma confusão bem grande, não é? — Jack suspira, já se sentindo ansiosa mesmo antes de saber qual seria a ideia mirabolante de Serena dessa vez.
— Vocês me conhecem... — Serena fala, fazendo Namjoon e Jungkook se animarem, pois uma nova emboscada estava prestes a ser armada.
IRMANDADE PIRATA – REUNIÓN
— Silêncio, suas carcaças podres do mar! Calem a boca de uma vez! — Um dos piratas ao redor da grande mesa retangular, grita.
Em uma sala fechada, mal iluminada e abarrotada de ouro e tripulantes, sentados ao redor da grande mesa de madeira estavam os piratas mais procurados dos sete mares.
Depois dos últimos acontecidos, uma reunião de urgência foi convocada entre os piratas, e mensageiros foram enviados para as águas com o intuito de entregarem o chamado.
— Hanna. — Um dos piratas, o primeiro do lado esquerdo, faz um gesto para que Taehyung fale quando todos fazem se calam.
Calmamente, Taehyung se levanta de sua cadeira.
— Eu encontrei o mapa para Atlantis. — Ele revela sem mais nem menos, e um grande coro de surpresa escapa da boca de todos que não faziam parte da tripulação do Capitão Hanna.
— Nós encontramos. — Serena também se levanta de sua cadeira - ao lado da de Taehyung.
— Sim, nós. — Ele faz um gesto como se espantasse um mosquito, e isso faz Serena querer o xingar.
— Mentira. Eu não acredito. — Outro dos piratas, exclama.
Taehyung puxa o amontoado de papéis de dentro de seu casaco, os erguendo no ar. Um outro pirata, esse de pé, parte de outra tripulação, faz menção de tocar no mapa, mas toda a tripulação do Capitão Hanna ergue suas pistolas em direção a ele, que recua.
— Como não saberemos que é um blefe? Se qualquer um de nós encontrasse Atlantis, com certeza não contaríamos a ninguém até pormos as mãos nas riquezas do lugar. — Um pirata tão jovem quanto Taehyung fala, fazendo todos rirem ao redor da mesa e concordarem.
— Não minto. Estou contando porque tenho uma proposta a fazer aos senhores.
Todos voltam a se calar, encarando Taehyung com curiosidade.
— Eu e minha prisioneira...
— Sócia. — Serena o interrompe.
Taehyung fita ela, que o encara com severidade. Ele adoraria provocá-la, mas não era o momento apropriado para isso.
— Eu e minha sócia, encontramos o mapa. Todos aqui sabem que eu já possuía três das sete partes.
— E seu irmão tinha as outras duas.
— Falou bem, Barcus, tinha. — Taehyung aponta para o homem gordo e barbudo, sorrindo.
— O que quer dizer com isso? — Barcus pergunta.
— Isso quer dizer que eu roubei todas as partes que ele tinha e a que achou depois também. — Serena toma as partes do mapa das mãos de Taehyung.
— Roubou? Quem é ela? — Liceu, o homem macho e de pele escura, pergunta.
— Uma sereia. — Jungkook responde, se intrometendo na conversa.
Tudo volta a ficar barulhento, com mais burburinhos.
— Uma sereia com pernas? — Shia, uma das piratas, pergunta enquanto olha Serena da cabeça aos pés.
Taehyung suspira falsamente e coloca as mãos na cintura.
— Ela é uma sereia que foi enfeitiçada, por isso tem pernas. Mas ela está diretamente ligada a Atlantis e me ajudou a encontrar todas as outras partes do mapa. — Por cima do pano amarrado no final de sua testa, Taehyung passa a mão pelos cabelos, fazendo algumas das tripulantes suspirarem.
— Se vocês já têm tudo, por que querem fazer-nos uma proposta? — Jackson, o pirata que mandou todos se calarem no início da reunião, pergunta.
— Recentemente, o meu irmão bolou uma emboscada para mim.
— Infâmia não iria se casar? Esses eram os boatos. Por isso ele é o único a não participar da reunião? — Barbus pergunta, olhando ao redor.
— Ele não está na reunião porque é um maldito traidor. — Serena responde com desprezo.
— Ela não é a única sereia com pernas. — Taehyung aponta para Serena. — Minha sócia tem um tio que além de ser uma criatura do mar, também é um feiticeiro, e foi ele quem a amaldiçoou.
— E o que isso tem a ver com o seu irmão? Não estou entendendo. — Tina fala e todos concordam com ela.
— Se vocês me deixarem explicar tudo, sem interrupções, então saberão. — Taehyung responde, sem paciência. Ele não se animava quando precisava participar das reuniões da irmandade, pois, até mesmo para ele, isso era uma bagunça que dava dor de cabeça.
— O pai de Serena era Árie, o rei do Pacífico Sul, o único a encontrar Atlantis, como todos já conhecem a história. — O mesmo coro de surpresa de antes, surge de novo. — O tio dela, irmão de Árie, tentou assumir o trono e conquistar Atlantis, mas falhou, e como vingança, amaldiçoou uma das filhas de Árie. — Taehyung aponta mais uma vez para Serena. — Agora, ele se juntou ao meu irmão e ao Comodoro Jung, do rei Dominique, para tentar encontrar Atlantis. O que, claramente, é uma aliança traiçoeira, eu conheço muito bem o Jin para saber que ele nunca dividiria Atlantis, e nem o tio dela.
Todos os piratas presentes ficaram tão sérios que chegavam a assustar.
— Vocês sabem que a maior das traições é quando um pirata se junta aos porcos do rei. Não há perdão para isso, mesmo que ele tenha intenção de enganá-los. E esse é o motivo que nos levou a fazer essa proposta. — Taehyung faz um gesto para que Serena tome a frente.
— Meu tio me deu esse colar que serve para me encontrar sempre. — Serena ergue o colar enrolado em sua mão. — Ele usará isso para nos seguir até Atlantis, mas como já descobrimos suas verdadeiras intenções, queremos usar o colar contra ele. — Serena troca um olhar cúmplice com Taehyung.
— Vamos emboscar o meu tio, a tripulação do Capitão Infâmia e os soldados do rei em Atlantis. Depois acabaremos com eles e dividiremos tudo que encontrarmos em Atlantis. As lendas dizem que lá existem riquezas para enriquecer mil gerações, portanto, penso que todos os senhores e senhoras presentes aqui teriam moedas de outro transbordando de seus navios.
Os olhos de todos os piratas se tornam grandes e fantasias começam a surgir em seus pensamentos.
— Não sei se posso confiar, ela é uma mulher e mulheres piratas trazem azar. — Rilly diz, coçando sua barba.
— Eu sou mulher e sou Capitã de um dos navios mais procurados, seu velho de bolas murchas. — Shia bate suas mãos na mesa de madeira, e Tina a acompanha, seguida por todas as tripulantes mulheres.
— Se piratas mulheres forem um problema para você, então dê o fora, velhote. — Inez para atrás de Taehyung, encarando Rilly de um jeito que lhe meteu medo.
— Foi só uma observação. Não fui eu quem inventou isso. — Ele pigarreia, tentando disfarçar.
Em meio à confusão, Liceu se levanta, atraindo a atenção de todos.
— Nós, como piratas, em primeiro lugar devemos expulsar Infâmia da irmandade por se juntar ao rei. E em segundo — Ele se vira para encarar Serena. —, apesar de dividirmos os tesouros de Atlantis, digo que essa sereia com pernas deve ser a única a possuir Atlantis. Seu pai, um dos reis dos sete mares, muito conhecido por todos que se arriscam nas águas, foi aquele que, de fato, encontrou a cidade perdida, e isso a faz herdeira.
Os ombros de Serena caem, enquanto ela se sente surpresa.
— Nós somos piratas, mas somos justos. O que é certo entre nós, é certo. — Liceu fala quando percebe o espanto de Serena.
— Nossas regras são diferentes e é por isso que matamos e saqueamos. — Tina completa. — Mas o que Liceu disse é certo. Entre nós, aquele que acha o tesouro, é o único dono e deve guardá-lo para que não seja saqueado por outro pirata. Mas também somos respeitosos com as criaturas do mar, se elas não nos atacam, então não as atacamos. E se Atlantis pertence a uma delas, portanto, que seja. Mas cuide bem de sua herança, nem todos pensam como nós. — Tina sorri trapaceira para Serena, que sorri agradecida.
— Eu ainda não posso acreditar que Infâmia se aliou ao rei. — Jackson expira alto, parecendo um pouco perturbado.
De fato, algo presente e forte entre os piratas, era o desprezo pelo rei e a forma como regia tudo, por isso, não existia desgosto maior que um pirata unir-se à realeza.
Com um olhar sombreado a seriedade, Taehyung puxa a espada presa em seu cinto, depois abre a camisa de botões e passa a ponta da espada por toda a cicatriz que marcava sua pele, algo que ele ganhou quando ainda era novo, através da espada de um soldado do rei.
— Jin irá se arrepender de ter cometido a maior das traições, não só com os piratas, mas com a nossa família também. — Taehyung fala, enquanto o sangue escorria por seu tronco.
Todos já conheciam sua história e o peso daquela cicatriz, por isso, eles apenas observam em silêncio, respeitando a história que o jovem pirata carregava em sua pele. Com exceção de Serena, que fitava Taehyung de forma atenta, querendo descobrir o que havia por trás desse gesto.
***
— Por que você sempre está se machucando de propósito? — Com as mãos na cintura, segurando o pano manchado de sangue que usou para limpar a cicatriz em Taehyung, Serena o repreende.
No quarto do pirata, já arrumado pelo dono da pousada, Taehyung estava sem camisa e sentado em uma cadeira, de pernas abertas, enquanto Serena tentava limpar seu machucado.
Ela nega com a cabeça, séria, e Taehyung a acha adorável, então sorri, mas ela se irrita com essa irresponsabilidade. Serena até mesmo não consegue conter ao olhar para a palma da própria mão, vendo o pequeno corte que ela fez ali, em seu pacto de sangue com ele, já cicatrizando.
E a pegando desprevenida, Taehyung segura seu pulso e a puxa para baixo, fazendo Serena se sentar em uma de suas pernas abertas. Ela arregala os olhos, surpresa, envergonhada e tentada a levantar.
— Minha mãe era uma estrangeira clandestina vinda da Coréia. Ela queria tentar uma vida melhor e acabou vindo para o Caribe, onde conheceu o meu pai, um pirata rico. — Taehyung começa a falar, captando a atenção de Serena, assim, impedindo que ela se afastasse dele. — Talvez, no começo, ela só quisesse viver bem, mas em algum momento, eles se apaixonaram e, com o tempo, ela acabou engravidando. Primeiro foi o meu irmão e depois eu. — Ele suspira e seu olhar se perde no chão de madeira do quarto. — As coisas mudaram depois que meu irmão e eu nascemos, as brigas entre os meus pais se tornaram frequentes porque a minha mãe começou a achar a vida pirata muito perigoso para os filhos.
Ele faz uma pequena pausa, e Serena nota como sua mandíbula se aperta.
— Por conta disso, um dia minha mãe ameaçou entregar o paradeiro do meu pai para o rei se ele não acabasse com a vida de pirata. E como consequência, meu pai teve que fugir, mas levou Jin com ele. — Taehyung ri, nasalado e sem humor. — Com o tempo, todo o ouro que meu pai deixou para trás foi acabando, e foi quando eu e minha mãe passamos por tempos difíceis, até mesmo sem ter o que comer.
Serena se sente tensa, por isso, involuntariamente, ela aperta o pano sujo de sangue que segurava.
— Eu nunca tive raiva do meu pai, ele precisou fugir. A vida miserável que tive com a minha mãe foi culpa do governo tirano do rei, que sempre favoreceu aos ricos. Todos naquele lugar onde eu morava tinham vidas tão ruins quanto a minha. Então, era comum que roubassem para sobreviver. — Ele respira pesadamente, tentando conter todas as memórias. — Um dia, quando eu tinha sete anos, minha mãe tentou roubar um pão para nos alimentar, mas foi pega por um soldado do rei. Ele iria matá-la e, por causa disso, eu me meti no meio e foi quando eu consegui essa cicatriz. No final, ela foi tudo que eu tive, porque a minha mãe foi morta por um desses malditos ricos.
Serena sente seu coração apertar ao imaginar um Taehyung de sete anos tentando impedir que sua mãe fosse morta por tentar alimentá-lo.
— Eu também só não fui morto naquele dia porque alguns vizinhos viram e imploraram para que o soldado me poupasse. Logo depois, as notícias se espalharam e quando meu pai soube, voltou para a nossa cidade e me levou com ele. — Taehyung ainda encarava o chão de madeira, enquanto Serena observava cada expressão de seu rosto. — Ele se arrependeu até seu último dia de vida por ter fugido, porque ele a amou até seu último dia de vida.
Taehyung pisca algumas vezes e finalmente encara Serena.
— E desde então, eu nunca deixo essa cicatriz sumir, estou sempre a abrindo com uma espada para que eu nunca me esqueça de onde eu vim e o que fizeram com a minha mãe. Essa cicatriz — Ele leva sua mão até o lugar machucado. — é o lembrete do porquê eu odeio tanto o rei e os da sua laia.
Serena não conseguia desviar seu olhar do de Taehyung, pois, assim como ela, aos sete anos ele teve sua vida completamente mudada. Algo lhe fora arrancado do mesmo jeito que aconteceu com ela.
— Não faça essa carinha. — Taehyung ri e segura o queixo de Serena, o balançando devagar. — Cada dia foi melhor que o outro. A minha vida no mar foi maravilhosa e o meu pai me ensinou tudo que sei hoje.
— E o que aconteceu com ele? — Serena pergunta, ansiando descobrir cada segredo do pirata que a fitava.
— Quando se navega, os piratas ou as criaturas do mar não são seus únicos inimigos. Houve tempos em que as águas do mar pareciam veneno e meu pai acabou adoecendo após beber dela.
Oh sim, os tempos em que Árie, o rei de um dos sete mares, também adoeceu, entretanto, de tristeza, por perder uma de suas filhas. E, como consequências, as águas de seu reino também adoeceram, assim matando muitos áqueos e humanos.
— Eu sinto muito. — Serena fala, verdadeira.
— Não sinta. Eu tenho uma nova família agora, a minha tripulação.
Em instantes, suas palavras têm a capacidade de trazer todos os momentos que apenas esses dois tinham.
— Então você sequestra pessoas para obrigá-las a fazer parte da sua família? — Serena estreita os olhos, não perdendo a oportunidade de cutucá-lo.
Taehyung ri, antes de segurar Serena pela cintura e incliná-la para trás, aproximando seu rosto do dela.
— Não, eu faço isso porque sou um pirata, e você sabe, piratas são cretinos. Mas se eu não tivesse feito isso, então não estaríamos nos divertindo agora. — E sem esperar por uma resposta afiada de Serena, ele a beija, e embora a reação dela sempre fosse lutar contra ele, ela não faria isso, não quando sentia seu coração acelerar toda vez que os lábios do pirata tocavam os seus.
O CAMINHO PARA ATLANTIS – LA DESPEDIDA
A poucas horas atrás, não só o Vingança, mas mais outros cinco navios piratas zarparam da Ilha Tortuga. Todos os piratas da irmandade, os mais procurados nos sete mares, haviam se juntado e estavam indo em direção à cidade perdida de Atlantis, a lenda e o paraíso, o lugar das riquezas e do poder.
Após selarem uma união, além de concordarem em repartir o que fosse encontrar em Atlantis, a irmandade tinha um acerto de contas a prestar com aquele que os traiu, se juntando com os piores de seus piores inimigos.
Debaixo do céu estrelado, Serena e Jack se aproximam de uma das bordas do navio, depois de deixarem Duque dormindo no quarto. As duas amigas se escoram na madeira do navio, enquanto passam a observar a água calma do mar abaixo delas. Ambas mergulhadas em seus próprios nervosismos particulares.
Jack suspira alto, fazendo Serena a encarar.
— Isso não parece loucura? — Ela pergunta e Serena franze as sobrancelhas. — Digo, você ser mesmo uma sereia, ser herdeira de um reino no mar. E como se já não fosse maluquice demais, ainda estamos indo para Atlantis. Isso soa como uma bela história de pescador.
Serena ri, concordando com Jack, pois pensava da mesma forma. Apesar dos últimos acontecidos, tudo ainda era muito inacreditável para Serena. Nem mesmo quando ela ficou cara a cara com uma sereia, sua irmã, ela pôde deixar de se sentir assim.
— Eu não estive nesse navio por muito mais tempo que você. E antes de você chegar, eu não me metia em nenhuma confusão, principalmente porque Dana sempre me protegia. Você sabe como a nossa mamãezinha por ser. — Jack ri e Serena a acompanha, concordando com a cabeça.
Jack respira fundo.
— O que eu quero dizer é que você tem esse seu jeito, e consegue influenciar e encorajar as pessoas ao seu redor, basta pensar em como conseguiu executar um motim estando a tão pouco tempo no navio. — Jack ri de novo, antes de sorrir pequeno para Serena. — Antes, eu tinha medo de fazer qualquer coisa, embora ninguém nunca tenha feito nada comigo, mas após a sua chegada, eu apenas estava metida em uma confusão atrás da outra, porque esse seu jeito descontrolado e inconsequente me dava coragem para te acompanhar. Eu nunca tive tanta emoção na minha vida antes de você aparecer.
Serena ri nasalada, fitando a garota que, ao longo dos meses, se tornou uma grande amiga, da qual ela gostaria de levar para o resto da vida.
— Você pode pensar que estou aqui apenas pelo comodoro, mas não é verdade, estou aqui principalmente por você. Já te disse uma vez e repito de novo: não quero te deixar sozinha. Sinto que não posso mais viver longe das suas confusões, porque eu meio que comecei a gostar delas. — Jack ri de novo e desvia o olhar, passando a encarar as estrelas. — Todas as histórias que contam sobre piratas sempre assustam, mas agora eu posso entender Dana. As pessoas falam sobre eles da pior maneira, mas quando você está em um navio pirata e passa a viver como um pirata, então você pode entender o que ele fazem, mesmo que não concorde, embora eu pense que não estamos tão distantes deles assim, já que em menos de um ano, nós participamos de um motim, saqueamos um homem, e ameaçamos pessoas com pistolas e facas. — O rosto de Jack se contorce em uma careta engraçada, fazendo Serena rir, enquanto admirava sua amiga.
"Eu conheci muitas pessoas legais nesse navio e, sinceramente, nos últimos dias eu venho pensando em como será a minha vida depois que tudo isso acabar." Mais um suspiro alto. "Eu retornarei para casa e terei minha vida medíocre de volta, e a única coisa que mudará será o fato de eu levar alguns sacos de moedas de ouro comigo. É ótimo poder dar uma vida melhor para a minha família, mas também sei que ao longo do tempo, minha família vai me pressionar a casar, embora eu ache muito difícil alguém querer casar com uma ex-tripulante de um navio pirata." Jack faz uma pausa e engole um pequeno amargor que se forma em sua garganta. "Você irá para um lado diferente do meu, do mesmo jeito que os piratas desse navio. Então eu sinto que esses serão nossos últimos momentos juntos no Vingança. Uma despedida."
Serena aperta os lábios em um sorriso triste e também acaba suspirando. Ela estava evitando pensar nisso nos últimos dias, já que esse sentimento de despedida estava a rondando. Tudo que ela sempre quis era ter sua antiga vida de volta, não era? Talvez esse fosse o plano antes de toda essa bagunça aparecer: piratas, feiticeiro, sereia... a verdade era que Serena não fazia ideia do que aconteceria depois.
Com mais um suspiro, Serena se desencosta da borda do navio e se vira para Jack, a segurando pelos ombros.
— Não importa o que acontecer depois de Atlantis, estou te prometendo que nós não teremos uma vida medíocre de novo. — Serena fala confiante e os olhos de Jack brilham ao encará-la, pois ela já convivia a tempo o suficiente com a sua amiga para confiar em suas palavras, já que quando Serena prometia, ela cumpria.
Jack se sente emocionada, mas não chora, então ela apenas abraça sua amiga por alguns segundos, até ver alguém entrando no convés.
— Estou cansada. Vou voltar para o quarto e fazer companhia para o Duque, mas você deveria continuar aqui. — No escuro, ela sorri e se afasta de Serena.
Serena não entende muito bem, mas acompanha sua amiga com o olhar, e então seus olhos encontram os dele e ela entende.
Assim que Jack passa pelo alçapão, o pirata se aproxima e acaba se escorando contra o mastro perto de Serena.
— Não deveria estar descansando? Já passou das oito e todas as velas do navio já foram apagadas. — O Capitão diz.
— Eu poderia dizer o mesmo para você.
Ele ri nasalado, enquanto ela se sente agitada por dentro. Nos últimos dias isso se tornou muito comum em Serena toda vez que ele se aproximava. Ela se sentia boba, mas não podia controlar.
Taehyung agarra uma das cordas presas do mastro e então estende uma de suas mãos para Serena. Ela encara os dedos cobertos pelos anéis coloridos e já podia imaginar o que viria, e embora tivesse péssimas recordações em relação a isso, ela queria.
Serena se aproxima para segurar sua mão, mas ele acaba passando seu braço ao redor da cintura dela, a mantendo contra seu corpo e, por isso, ela precisa segurá-lo pelo pescoço. E então, Taehyung solta a corda presa, fazendo assim com que, em segundos, o corpo de ambos sejam lançados para cima como um tiro de canhão. Serena se segura fortemente contra ele, apertando bem seus braços ao redor do pescoço de Taehyung, enquanto tem seus olhos fechados, apenas os abrindo quando sente seus pés pousarem em algo sólido.
Quando ela abre os olhos, se vê dentro do pequeno abrigo no alto do mastro, lugar onde conhecia muito bem. Suas mãos vão até à borda do mastro e seus olhos se perdem na vista. Quando esteve ali da primeira vez, ela não teve tempo ou vontade de admirar a visão, pois suas circunstâncias não eram das melhores, mas agora ela realmente podia enxergar isso de forma diferente. O mar parecia muito maior dali de cima, e a água era como um grande lençol amarrotado pintado de azul-escuro, com pequenos pontinhos que saltavam da água vez ou outra, escondendo todos os outros segredos debaixo das camadas molhadas. O céu parecia a parte de cima de uma pintura que completava o mar, e as estrelas aparentavam estar mais perto e brilhantes, quase como se tocasse sua cabeça. Ela também podia ver os cinco navios que vinham logo atrás do Vingança, que guiava o caminho.
Taehyung estava parado atrás dela e suas mãos também vão para até à borda do abrigo, prendendo Serena ali por aquele momento.
— O que você vai fazer depois que tudo acabar? — Serena pergunta, enquanto se sente completamente deslumbrada pela vista.
Mesmo que ela estive de costas para ele, Taehyung a encara, vendo os longos fios loiros balançarem sutilmente com a brisa fresca da noite.
— Irei enriquecer os meus piratas. — Ele responde e ela sorri contidamente. — Mas sei que isso não vai durar muito tempo, porque esses piratas gastarão suas moedas de ouro com todas as porcarias que encontrarem pela frente. Então eu vou continuar navegando. O oceano é gigante e esconde muitos outros tesouros e segredos, e eu quero ser aquele que será lembrado por desvendar cada um deles.
Ele definitivamente é um pirata e pretende morrer sendo um, foi o que Serena pensou naquele momento.
— Por que me perguntou isso?
Os seus olhos azuis com o oceano, vão para baixo e ela encara o convés, observando cada pecado do navio.
— Apenas queria saber se você manteria sua palavra. — Ela responde e ele ri baixo.
— Você sempre foi parte da tripulação, Serena. Se tivesse conseguido fugir, eu não teria ido atrás de você. — Ele confessa.
Ela arqueia uma sobrancelha e o encara sobre os ombros.
— Não é o que dizem no navio.
— Esses boatos servem apenas para amedrontar e impedir que fujam, mas se alguém o fizer, então está livre.
— Mas e aqueles que você mandou para a prancha quando tentaram fugir ou pedir ajuda em Suli.
— Eu jogo todos no mar, em lugares aonde sei que não há perigo, então eles nadam até algum lugar e estão livres.
— E os que não sabem nadar?
Ele a encara por alguns segundos.
— Então morrerão na água. Eu ainda sou um pirata, então não acho que posso ser tão bonzinho.
— Isso é realmente reconfortante. — Serena fala sarcasticamente e ele ri. — Não é muito mais fácil soltá-los ou simplesmente não os trazer para o navio?
— Eu ainda sou um pirata. — Ele levanta suas sobrancelhas para ela.
— Eu sei, não me esqueci dos prisioneiros. — Ela ri nasalado e sem humor.
— Eu solto todos os prisioneiros quando ancoramos.
Serena o fita em silêncio.
— Depois de mantê-los presos por dias lá embaixo. Muito nobre da sua parte, Capitão.
Ele inclina seu rosto em direção a ela.
— Capitão Hanna, um dos piratas mais procurados dos sete mares. O que você esperava?
Eles se encaram por alguns segundos e depois ela volta a se virar para frente.
— De qualquer forma, não acho que você possa me julgar, não depois de todas as coisas que fez nesse navio e fora dele. — Taehyung fala provocador e Serena se vira para ele no mesmo instante.
— Se fiz, a culpa é sua. — Ela fala, séria.
Ele volta a levantar as sobrancelhas.
— Tem certeza? — Ele a encara bem e ela desvia os olhos, sabendo que nem tudo foi culpa dele, como, por exemplo, o homem saqueado em Tortuga.
— A culpa é desse navio. Eu estive vivendo como pirata nos últimos meses, não estive? — Ela cruza os braços e ele ri.
Já não era mais um segredo que ele estava completamente encantado por essa sereia.
— Você tem razão. E, por isso, eu até poderia te fazer a proposta de continuar como uma pirata no Vingança, seria muito mais fácil encontrar novos tesouros com você por aqui. Mas não sei se quero mais um motim no meu navio. — Ele caçoa e ela tenta conter um sorriso.
— E dessa vez eu teria muito mais habilidades para tomar esse navio de você. — Ela fala cheia de si e ele ri.
— Acho que você terá coisas mais importantes para fazer do que iniciar um segundo motim. — Ele diz, e o vestígio de um sorriso nos lábios de Serena some.
Ela suspira de novo.
Ao mesmo tempo que Serena queria encontrar Atlantis para recuperar o seu passado, ela não tinha certeza se estaria feliz com o que viria após isso.
TRIPA DE SANGUE – MUERTE O TRAICIÓN
As coisas estavam agitadas no navio Tripa de Sangue. Nunca antes se viu o Capitão Infâmia tão enfurecido. Após seu plano falho, além de perder sua prisioneira, ele ainda descobriu que ela o saqueou. Quando leu o bilhete deixado por Serena, Jin simplesmente destruiu tudo dentro da sua sala dos tesouros. Garrafas de rum foram para o chão e moedas de ouro foram jogadas para todos os lados. E até mesmo um dos seus piratas foi esfaqueado até as tripas saltarem para fora, e depois lançado no mar.
Na ocasião, ele estava prestes a descontar sua raiva em todos que encontrasse pelo navio, mas o feiticeiro ardiloso conseguiu acalmá-lo quando disse que as coisas ainda não estavam perdidas.
Jimin também se sentiu irritado ao perceber que Jin havia falhado em absolutamente tudo, mas ele não deixaria as coisas terminarem tão facilmente. E mesmo que não contasse com a pilhagem de Serena, ele havia dado a ela um colar, apenas por precaução, que entregaria sua localização. E, até este ponto, tudo estava ocorrendo como o planejado, mesmo tendo algumas falhas ao decorrer.
Após perceberem que o rastro da sereia ia até Tortuga, Jin disse que eles não deveriam ancorar na ilha, pois, depois de tudo que aconteceu, isso se tornaria muito arriscado. Portanto, estando a apenas um dia de distância, o navio em que Serena estava zarpou de Tortuga e, com certeza, sua próxima ancorada seria em Atlantis. Por não estarem tão longes assim, já que a parada em Tortuga deu tempo o suficiente para que eles se aproximassem do Vingança, Capitão Infâmia e o feiticeiro sabiam que podiam chegar ao mesmo tempo que eles em Atlantis.
Logo, tudo já havia sido organizado.
Uma pequena frota de dez navios, todos liderados pelo comodoro Jung, seguiam o Tripa de Sangue, e eles seriam o reforço e a ajuda na hora que as coisas acontecessem em Atlantis. A aliança que tornou o Capitão Infâmia desprezado até mesmo pelos piratas.
Tudo que o Capitão mais desejava nesse momento, era por suas mãos em Serena e matá-la da pior forma possível. E se ela fazia tanta questão de estar com seu irmão, pois então ele mandaria os cadáveres dos dois para Davy Jones, e assim ambos poderiam ser escravos juntos pela eternidade.
Com o feiticeiro, as coisas não eram tão diferentes. Ele também deseja matar Serena, mas, ao contrário de Jin - que sabia que havia sido descoberto, Jimin ainda pensava que Serena acreditava nele e em suas mentiras. O feiticeiro tinha o plano de enganá-la mais uma vez quando a encontrasse.
Já um pouco mais atrás, no imponente navio entalhado com o símbolo do rei, o comodoro Jung se sentia inquieto em sua cabine. Desde que se juntou a guarda do rei, ele viveu para limpar os mares, e tudo o que mais queria era capturar todos aqueles piratas desenhados em cartazes de “procura-se”, mas, tudo isso parecia ter mudado na noite em que ele foi enganado por uma bela jovem de cabelos pretos e curtos.
Hoseok não pôde parar de pensar em Jack. Ela assombrava cada um dos seus pensamentos e sonhos. E por longos dias, ele teve raiva dela quando percebeu que havia sido enganado, e, por esse motivo, pensou que poderia acertar as coisas quando a visse outra vez. Mas quando isso aconteceu, ele foi incapaz de machucá-la; não poderia fazer isso, pois, mesmo tendo ficado do seu lado por apenas uma única noite, ela faceiramente conseguiu roubar o seu coração como um pirata que rouba ouro.
Apesar de descobrir que ela faz parte da tripulação de um dos piratas que ele mais queria capturar, Hoseok ainda teimava em achar que Jack foi sincera com ele na noite em que eles conversaram. E então ele se lembrava do seu olhar assustado e triste quando teve que apontar aquela pistola em direção a ele, para fugir e ajudar suas companheiras de tripulação.
Ele ainda estava dentro dessa aliança, havia dado sua palavra ao rei de que se infiltraria nessa união apenas para prender dois piratas de uma vez. Mas, nesse ponto das coisas, Hoseok se sentia incerto. Ele ainda abominava a vida pirata, mas sabia que dentro de um navio pirata estava aquela que enchia o seu coração de ódio e paixão.
Jack era uma pirata, e Hoseok já percebeu que não poderia machucá-la, portanto, como seria quando eles chegassem em Atlantis? Se ela estava navegando no Vingança de la Rainha Hanna, logo, ela criou laços com os piratas daquele navio, e se Hoseok machucasse qualquer um deles, então ele perderia Jack para sempre?
Sua mão escorrega pela pequena mesinha de madeira dentro do quarto, derrubando tudo no chão de forma rude. Ele estava farto desses pensamentos e sentia que podia enlouquecer a qualquer momento por conta deles.
Hoseok deveria ser um aliado do feiticeiro, um servo do rei e a lei que prenderia os piratas. Mas, agora, ele já não tinha certeza do que feria quando finalmente chegasse em Atlantis.
Capítulo 30
— Vocês já estão dormindo? — A voz do Jungkook soa do lado de fora da porta fechada do nosso quarto, seguida por algumas batidas suaves.
Da cama de Dana, da qual passei a usar, encaro Jack que estava deitada de lado no beliche debaixo. Ela enruga suas sobrancelhas e eu dou de ombro, enquanto continuo afagando os pelos brancos de Duque, que já dormia.
— Não. — Respondo alto, fazendo assim, Jungkook abrir a porta.
Jack se senta.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa? — Ela coloca as pernas para fora do beliche.
— Não. — Jungkook sorri e nega com a cabeça. — Namjoon e eu estamos bebendo no quarto dele, não querem se juntar?
Encaro Jack mais uma vez e dou de ombros de novo.
— Toda hora é uma boa hora para beber. — Digo, já me levantando da cama.
— Só espero não acabarmos em problemas dessa vez. — Jack se junta, e nós rimos dela.
Ajeito Duque sobre a cama e me certifico que ele estava dormindo tranquilamente. Em seguida, saio do quarto com Jack e Jungkook.
— Por que vamos beber? — Jack pergunta, enquanto andamos pelo corredor.
— Nenhum motivo especial, apenas vamos beber. — Jungkook sorri para ela e isso o deixava mais jovem.
Fizemos todo o caminho e saímos do corredor feminino, depois entramos no corredor masculino e caminhamos até o final, onde a porta do quarto de Namjoon já estava entreaberta.
— Belezuras! — Namjoon nos recebe um pouco alto demais e ergue os braços, já segurando uma garrafa de rum.
Haviam várias garrafas postas no chão, em frente ao seu baú de armas.
Após fechar a porta, nós três nos sentamos com ele em sua cama, e Namjoon logo vai nos entregando garrafas de rum.
— Como nos velhos tempos. — Ele ergue sua garrafa em direção às nossas e brindamos.
— Se for como nos velhos tempos, então terei que enganar vocês. — Provoco e dou um gole na bebida.
— Você é tão pirata quanto nós, Serena. Antes mesmo de se juntar, já trapaceava como uma loba do mar.
Todos rimos.
— As coisas vão ficar complicadas daqui para frente, por isso, precisamos ficar bêbados enquanto ainda podemos. — Jungkook diz e Jack para de beber para encará-lo.
— Se vocês não forem mortos, provavelmente2 morrerão de tanto beber. — Ela diz e Namjoon ri alto.
— Então será uma boa morte. — Ele fala, me fazendo fitá-lo de forma desacreditada.
Acho que a relação dos piratas com a bebida é ainda mais forte do que com o ouro.
— E então... — Jungkook alonga a última letra, enrolando a língua. — O que vocês farão depois que encontrarmos Atlantis? Dizem que há tantas riquezas lá que nem sei o que farei.
— Vocês poderiam continuar aqui no navio. Não temos tantas amigas piratas, sempre são mulheres como a Inez ou elas tentarão ficar conosco. — Namjoon diz.
— Tentador. — Brinco, piscando para ele.
— E isso por acaso é ruim? Você é um safado sem-vergonha, não sei por que está reclamando. — Jack responde.
— Não estou reclamando. — Namjoon balança os ombros, parecendo meio atordoado. — Mas às vezes é bom passar um tempo com pessoas que não falam só de peitos, merda ou bolas.
— Entendo o que você quer dizer. — Finjo uma pausa pensativa. — Nós, por exemplo, podemos passar muito tempo falando mal dos piratas.
Jack ri.
— Acho que prefiro falar sobre merda. — Jungkook diz, com uma feição estranha.
— Mas agora vocês também são piratas. Então, portanto, se estivessem falando mal de piratas, vocês também estariam falando mal de vocês mesmas, porque vocês já são piratas antes mesmo de estarem nesse navio pirata. — Namjoon se enrola, devido à bebida, nos fazendo rir.
— Ok, senhor bebum. Não iremos falar mal dos piratas. — Digo entre minha risada.
— Quanto tempo faz que vocês são piratas? — Jack pergunta, mudando o clima e se deitando de lado na cama, apoiando o rosto na mão fechada.
— A vida toda. — Jungkook responde. — Não conheci a minha mãe, mas meu pai fazia parte da tripulação do pai do Taehyung. Então cresci pelos navios.
— E você, Namjoon? — Pergunto.
Ele faz uma pausa e aperta os olhos em uma feição pensante.
— O meu pai também era um pirata. Minha história não é tão diferente.
— Eu esperava um pouco mais de emoção. — Brinco, fingindo uma feição entediada.
Namjoon ri.
— Converse com os outros piratas do Vingança e você escutará todo tipo de história. A Inez, por exemplo, Taehyung a encontrou na rua e a trouxe para esse navio. Ele ensinou tudo que ela sabe hoje, inclusive, como a matar duas pessoas com um tiro só.
— Isso não é tão difícil. Você precisa ver o que ele faz com uma faca e um corpo morto. — Jungkook completa.
Jack me fita, sem saber o que dizer.
— A Jack ameaçou um homem em Tortuga com uma faca. — Revelo.
— O quê? É sério? — Jungkook se joga na frente dela, a encarando de forma encantada. — Isso é tão legal, Jack.
Ela sorri sem graça, parecendo atordoada por ele achar esse tipo de coisa interessante.
— Bem... sim, mas a Serena roubou todas as moedas de ouro que ele tinha.
Namjoon ri alto de novo.
— Vocês, definitivamente, são piratas da mais baixa qualidade. E esse é o melhor tipo. — Ele ergue sua garrafa de novo e propõe outro brinde.
***
— E se jogássemos água nas suas pernas, será que elas virariam uma cauda de sereia? — Jungkook pergunta, com os olhos bem abertos.
— Eu tomo banho, sabia? — Debocho, me sentindo levemente tonta.
— É verdade. — Ele parece um pouco desapontado.
— Mas você nunca viu nada estranho nas suas pernas, Serena? E se sua cauda só aparece enquanto você está dormindo? — Jack pergunta, segurando uma garrafa vazia.
— Por que diabos ela apareceria enquanto eu estou dormindo? — Pergunto e ela dá de ombros.
— Piratas sujos, o rum acabou. — Deitado no chão, entre as garrafas vazias, Namjoon avisa. — Jungkook, você não tem mais no seu quarto?
— Não. Todas que eu tinha eu trouxe para cá. — Ele fala entre um soluço.
— Então será que devemos parar de beber? — Jack pergunta, enquanto fita a garrafa vazia em sua mão.
— Não! — Namjoon se senta rapidamente no chão. — Vamos pegar mais.
— Onde? — Jungkook pergunta.
— Na cabine do Capitão. Ele guarda algumas garrafas lá. — Namjoon responde.
— Vamos. — Repondo animada e sorrio.
— Será que nós devemos ir lá mesmo? — Jungkook pergunta, fitando todos nós.
— Qual o problema? Pensei que você fosse um pirata. — Provoco e Jungkook me encara por alguns segundos, antes de se levantar, pronto para invadir qualquer lugar agora.
Entre os resmungos enrolados de Jack, nós quatro deixamos o quarto de Namjoon e fomos até o corredor que tinha apenas um único alçapão que levava para outro corredor, esse, em que ficava o quarto do Taehyung e sua cabine também.
Namjoon pede que fiquemos em silêncio, quando, no escuro, Jungkook, Jack e eu tropeçamos nos degraus do alçapão e quase caímos.
Uma claridade bem fraca vinha da fresta da porta do quarto de Taehyung, indicando que ele estava lá. Portanto, quando Namjoon abriu a cabine do Capitão - usando um molho de chaves que apenas ele, o contramestre, tinha, optamos por não trazer uma lamparina ou algo do tipo para que a luminosidade não nos entregasse. E, de qualquer forma, Namjoon disse que conhecia a cabine bem o suficiente para encontrar as garrafas mesmo no escuro.
Quando demos os primeiros passos em direção à escuridão da cabine, o cheiro forte de álcool nos rondou. Eu só estive nessa cabine uma única vez, mas, na ocasião, eu não acho que tive tempo para me preocupar com o cheiro.
Atrás de mim, Jack esbarra em algo e Jungkook a repreende com um “Shh”, antes de esbarrar em algo também. Nem mesmo a porta aberta era capaz de nos ajudar a enxergar, uma vez que, o corredor de fora também estava escuro. Tudo que víamos aqui, enquanto tateávamos para não cair, eram silhuetas e nada mais.
— Achei! — Namjoon sussurra e eu posso ver sua sombra se abaixar. Eu não sei ao certo, mas ele parecia estar em frente a um armário ou algo do tipo, talvez, o mesmo em que eu me escondi quanto estive aqui.
Namjoon mexe em alguma coisa, demora alguns segundos e abre o armário, que, em questão de segundos, é fechado por uma silhueta muito fina e esguia, em um baque alto que nos pega desprevenidos.
— Uma vez, um pequeno rato entrou na minha cabine, mas agora parece que tem quatro deles aqui. — A claridade vinda de uma lamparina, sobe atrás da mesa da cabine, escondida embaixo dela. Taehyung estava sentado em sua cadeira, com as pernas apoiadas sobre a mesa ocupada por algumas garrafas vazias. Ele segurava uma espada e foi isso que usou para fechar a porta do armário.
Namjoon cai sentado para trás, surpreso.
— Posso saber por que vocês, ratos, estão invadindo a minha cabine no meio da noite? — Ele pergunta, calmamente.
— Capitão, a culpa é do Namjoon. Estávamos bebendo e o rum acabou, então ele disse que deveríamos vir aqui pegar mais. — Jungkook responde sem pensar duas vezes e Jack aponta para o Namjoon também.
— Seu maldito pirata da língua solta, eu deveria costurar sua boca. — Namjoon se levanta e lança um olhar mal-encarado para o amigo.
— Eu é que deveria fazer isso com vocês. — Taehyung interrompe. — Iriam me roubar dentro do meu próprio navio.
— Você não pode nos culpar por agir como piratas. — Digo, o encarando.
Em seu rosto sombreado pela lamparina, ele arqueia as sobrancelhas.
— Espera. Você também estava bebendo? — Namjoon pergunta quando nota as garrafas na mesa. — Poxa, cara, deveria ter se juntado a nós. Enchemos a cara lá no meu quarto. — Parecendo animado demais, Namjoon se aproxima de Taehyung e o abraça pelos ombros.
— Só estávamos tentando nos embebedar um pouco. — Jungkook também se junta a eles.
— É bom ter um pouco de diversão às vezes, já que estamos presos nesse navio. — Digo.
— Diversão, é? — Taehyung sorri e afasta Namjoon e Jungkook de perto. Em seguida, ele se levanta e pega todas as garrafas vazias que pode, e as que não consegue, pede que Namjoon e Jungkook o façam.
Depois ele diz para todos nós sairmos de sua cabine e então nos guia pelo corredor, indo diretamente para o convés.
Com passos um pouco desajeitados, mostrando que ele havia bebido mais que nós, Taehyung caminha até uma das bordas do navio e coloca todas as garrafas vazias ali, pedindo que Namjoon e Jungkook façam o mesmo com o resto.
Após isso, ele desprende de seu cinto, duas pistolas, entregando uma para mim e outra para Jack.
— Nós, piratas, costumamos nos divertir assim fora do navio, cada garrafa acertada vale um saco de moedas de ouro. — Ele explica.
— Isso dificulta quando estamos bêbados. — Jungkook diz.
— E essa é a graça. — Namjoon ri, animado.
— Para cada garrafa que elas acertarem, eu darei um saco de moedas de ouro para cada um de vocês. — Taehyung sorri e cruza os braços.
Jack me encara surpresa, mas é a primeira a tentar a tirar, com certeza, fazendo isso por conta do rum em seu sangue. O disparo passa longe das garrafas, acertando o navio que navegava ao lado do Vingança.
— Atire direito, Jack. Você escutou o que o Capitão disse? Um saco de moedas para cada um de nós. — Jungkook resmunga.
Jack assente e se prepara para atirar de novo, quando alguém surge correndo no convés do outro navio. Jack atira mais uma vez e erra, e, de novo, o tiro acerta o outro navio.
— O que vocês pesam que estão fazendo, seus malditos malucos?! — Um dos tripulantes dos piratas da irmandade que estavam indo para Atlantis conosco, grita.
— Acerte a garrafa! — Namjoon grita para ele, rindo, enquanto Jungkook se aproxima de Jack e tenta ensiná-la como mirar da forma correta.
Acabo rindo da cena e levanto a pistola que segurava, pronta para tentar também. Mas um dos braços de Taehyung passa ao redor da minha cintura, enquanto sua mão abaixa a arma.
— Se ainda não ficou claro, isso é apenas um pretexto. — Ele sussurra perto da minha orelha.
O espio sobre os ombros.
— Pretexto exatamente para quê? — Estreito os olhos e ele sorri.
— Para nos deixarem sozinhos. — E com isso, pela cintura, ele me arrasta em direção à porta do convés, enquanto Jack, Namjoon e Jungkook atiravam e discutiam com o tripulante do outro navio sem nem ao menos perceberem a nossa pequena fuga.
Sinto meu coração se agitar quando começamos a caminhar pelo corredor escuro e pequeno, até estarmos em frente à porta do seu quarto. Taehyung a abre e quando entramos, ele logo trata de trancá-la.
Eu não tenho tempo para observar o quarto fracamente iluminado por duas lamparinas e pequena janela redonda, pois logo o sinto me jogando na cama. Então, deitada e com os cotovelos apoiados no colchão, o vejo tirar sua própria camisa antes de subir na cama e vir em minha direção. E, em instante, seu corpo está sobre o meu e suas mãos afundadas ao lado do meu corpo.
Quando seus lábios gelados e com sabor de rum tocam os meus, fecho os olhos e inspiro fundo, absorvendo todo o aroma de álcool que balançava pelo ar do quarto.
Seguro seu rosto quando ele arrasta seu beijo para o meu pescoço, deixando minha pele quente onde seus lábios tocavam. Logo, também já sinto uma das mãos de Taehyung tocar minha perna, deslizando por deixado do meu vestido enquanto o levanta lentamente, me causando arrepios.
Inspiro profundamente e tento aproveitar as sensações que ele me dava, mas, isso dura pouco, pois, os lábios de Taehyung se afastam do meu pescoço e seu corpo despenca sobre o meu. Sua mão, antes em minha coxa, cai no colchão, assim como a outra também.
— Taehyung? — O chamo, mas ele não responde. E minha única resposta é sua respiração profunda. — Eu não acredito nisso. — Rio, sem humor e empurro seu corpo para o lado, o jogando no colchão.
Ele havia dormido. Bebeu tanto que literalmente desmaiou de sono.
Seu rosto estava com uma expressão suave, e seu peito desnudo descia e subia com tranquilidade.
Suspiro e nego com a cabeça, antes de apoiar uma das minhas mãos no seu tronco e sobre sua cicatriz, me inclinando para frente e dando-lhe um breve selar de boa noite.
Encaro seu belo rosto de pirata por alguns segundos, e depois me deito em seu tronco. Fecho os meus olhos e tento adormecer com esse bebum, enquanto escuto as batidas calmas de seu coração. Ao menos era o que eu pretendia fazer até ele começar a roncar por conta de todo o rum que bebeu, me fazendo ter vontade de sufocá-lo com um dos travesseiros.
VINGANÇA DE LA RAINHA HANNA – EL PASAJE A LA ATLANTIS
Taehyung passa a luneta para Serena, que espia o horizonte, em meio à densa névoa que rodeava os seis navios da irmandade pirata. As águas que guiavam cada um dos navios estava tão fria quanto o gelo, e a névoa quase os impedia de ver o caminho que seguiam. E tudo isso se dava ao fato deles estarem cada vez mais perto do seu destino final. Ao atravessarem os Atlânticos, indo em várias direções, eles entraram em uma zona perigosa, a trilha certeira para Atlantis. E o Capitão Hanna não poderia estar mais tenso agora, pois eles descobriram que, aparentemente, para se chegar em Atlantis, era preciso lidar com um redemoinho antes.
O mapa para Atlantis terminava em um pequeno desenho de um redemoinho, e os piratas sabiam como um desses poderia ser incrivelmente perigoso. Por outro lado, não apenas Taehyung, mas os outros Capitães da irmandade pirata, tiveram tempo suficiente - de viagem - para analisarem as possibilidades e pensarem no que fariam, pois o redemoinho poderia ser apenas uma armadilha e, no final, Atlantis poderia ser uma grande farsa, atraindo e matando pessoas no grande buraco de água. Mas, entre piratas, eles preferiam morrer em uma grande aventura, do que apenas imaginar se era uma lenda ou realidade, por isso, Capitão Hanna já sabia o que deveria fazer assim que estivesse cara a cara com o redemoinho, embora Serena detestasse sua ideia por ser perigosa demais.
O vento gelado balança com força os cabelos e o vestido de Serena, a fazendo estremecer de frio. Ela afasta a luneta do rosto e suspira, em seguida, entrega o objeto de volta para Taehyung, que estava sério, do mesmo jeito que Namjoon e Jungkook, no convés superior. Apesar dos músicos do Vingança cantarem e tocarem, isso já não era mais capaz de distrair ou amenizar a tensão que flutuava por todo o navio. Os piratas liderados por Inez, no convés inferior, estavam com os olhos fixos no horizonte, apertando os olhos para que pudessem enxergar a pequena agitação na água que se aproximava conforme Taehyung manuseava o leme do navio.
— Temos só mais alguns minutos até chegarmos lá. — Taehyung avisa, e seus cabelos atrás do pano amarrado entre a testa e o começo da cabeça, balançam ferozmente. — Jungkook, vá avisar os outros navios. — O pirata de grandes olhos escuros assente, antes de ir para perto das pilastras do convés superior, segurar em uma das cordas soltas e saltar, se balançando pelo navio até uma das bordas traseiras.
O Vingança era o navio que guiava os outros, por isso, estava na frente, tendo em vista que o mapa estava com Taehyung.
Jungkook se esforça para vislumbrar os outros navios e, com isso, grita uma mensagem, avisando sobre eles estarem mais pertos a cada navegada.
— Namjoon, peça que todos comecem a se preparar para unir os navios. — Taehyung dá outra ordem, fazendo mais uma de seus piratas se mexerem.
Serena suspira de novo e encara Taehyung, que estava concentrado em guiar o Vingança até o redemoinho.
— Taehyung, eu ainda acho que não devemos fazer isso. É muito perigoso. — Serena diz, temente e séria como nunca se viu antes.
Por um segundo, ele desvia seu olhar do horizonte e a encara como um verdadeiro pirata.
— Você tem alguma ideia melhor? — Ele arqueia uma sobrancelha.
Serena comprime os lábios, sabendo que não tinha ideia alguma.
Após o encontro com suas irmãs, Serena contou todas as coisas estranhas que sentia e que vinham acontecendo, e, com expressões surpresas, Uiara e Maressa disseram que quando Serena foi transformada em humana, ela ainda era muito pequena e passava por um treinamento e, por isso, seus poderes de sereia ainda eram muito confusos. Mas, depois de suas confissões, suas irmãs deduziram que, provavelmente, Serena pudesse controlar a água. E, embora parecesse algo a ser esperado de uma sereia, nem todas tinham a capacidade de moldar a forma da água ou até mesmo criar tempestades - que era a base da água. Os poderes de uma sereia podiam variar conforme os elementos da natureza, e o único poder em comum entre essas criaturas, era a habilidade de se comunicar com quase todos os tipos de criaturas do mar. O poder da água é considerado um dos mais importantes, uma vez que a água está em quase tudo, logo, assim, dando fácil acesso para o seu usuário poder invocá-la independentemente de onde esteja.
Os poderes de uma sereia têm grande ligação com suas emoções, e isso fez Serena entender como todas aquelas coisas estranhas aconteceram em situações onde suas emoções e sentimentos estavam completamente em desordem. Uiara e Maressa também disserem que após doze anos de seu exílio do mar, seus poderes estavam começando a se manifestar, mesmo que minimamente, e esse seria o motivo dela ter tido longos anos sendo apenas uma humana. Ser levada para o Vingança, tendo um contato constante e intenso com o mar, literalmente, pode ter despertado seus poderes adormecidos de sereia. E como Serena não sabia como controlá-los ainda e, principalmente, por ter vivido como uma humana por tantos anos de sua vida, a incapacitava de ajudar Taehyung com o redemoinho ou qualquer coisa em relação ao mar, considerando que nem sempre os seus poderes se manifestam, mesmo quando suas emoções e sentimentos estão desordenados. Mas hoje, ela torcia com todas as suas forças para que todas aquelas coisas acontecessem de novo, porque os piratas precisariam de toda ajuda possível.
— Eu não tenho uma ideia, mas essa sua pode matar a todos nós. — Serena insiste.
— Então todos nós morreremos. — Taehyung responde, como se não fosse nada demais para ele e, talvez, não seja mesmo.
Serena o encara incrédula, já que ela sabia que ele poderia muito bem fazer isso mesmo.
— Você não pode fazer isso. — Ela bate seu pé na madeira do convés.
Ele a encara de novo.
— Eu posso e vou, porque eu ainda sou o Capitão desse navio. — Ele responde, firme, a deixando irritada de imediato.
Não querendo arranjar uma briga antes de um momento tão crucial, Serena se controla e vira seu corpo de uma vez, caminhando em direção as escadas do convés, ao mesmo tempo que Namjoon subia. Ele até dá um pouco mais de espaço para ela, ao perceber sua feição completamente irritada, já sabendo o que havia acontecido.
De pé em uma das bordas do navio, Jungkook percebe Serena passando feito um furacão de água pelo convés inferior, indo em direção a Jack, que estava do outro lado, perto de onde Inez checava o armamento da tripulação. Ele segura em uma corda e se balança até à garota de cabelos texturizados e loiros, saltado na frente dela, que acaba se assustando sutilmente.
— Acho que seria uma boa hora para chamar suas irmãs. Talvez perguntar como estão as coisas lá embaixo. — Ele sorri minimamente para ela, tentando acalmar seus nervosos.
Serena respira fundo, realmente se sentindo um pouco melhor. Ela assente e passa por ele, continuando seu caminho. Quando se junta com Jack, as duas se aproximam da proa no navio e Serena pede que os músicos cantem outra música, pois suas irmãs haviam dito que quando Serena quisesse falar com elas, precisava apenas cantar e, dessa forma, seu canto de sereia seria escutado debaixo da água. Mas ela não faria isso de modo que todos no navio a escutassem, por isso, queria que os músicos continuassem e, assim, sua voz não estaria em destaque.
Em Tortuga, antes da reunião com a irmandade, o plano já havia sido montado durante seu encontro com suas irmãs. E não só elas, como outros seres áqueos, ajudariam na caçada a Atlantis, portanto, nesse momento, navegando debaixo do navio, cortando as águas geladas, sereias, tritões e outros tipos de criaturas marinhas, estavam acompanhando o Vingança e a irmandade. E mesmo que soubessem que as intenções dos piratas eram outras, o que os áqueos queriam era o mesmo que Serena: recuperar as memórias da princesa perdida e exilada.
Serena e Jack se sentam na proa, perto da borda e compartilham um olhar. Serena respira fundo de novo e começa a acompanhar os músicos em uma canção.
— Yo-ho... O rei despertou a rainha do mar, num barco a acorrentou. Por onde andares, são teus os mares, quem ouviu, remou. — Ela começa a cantar não muito alto, sabendo que sua voz de sereia encontraria os ouvidos de suas irmãs.
Os músicos continuavam, mas estavam tensos, pois não se deveria cantar em meio a um nevoeiro anormal, era uma das crenças piratas para se evitar a má sorte. Porém, desde que Atlantis se tornou cada vez alcançável, muitas regras piratas foram quebradas.
— Yo-ho... Uns morrerão, outros vivos estão. Outros navegam no mar com as chaves da prisão e o inimigo de prontidão, remando sem parar. — Jack observa em silêncio, completamente encantada pela bela voz de Serena. E se ela soubesse o quão bem sua amiga cantava, já teria a feito cantar antes.
As águas geladas ao redor do Vingança se agitam timidamente até que borrões esguios e coloridos comessem a surgir. A voz que atravessou as camadas de água, trouxe para a superfície, duas belas sereias com feições preocupadas. De toda forma, mesmo que Serena não as chamassem agora, elas estavam prestes a alertar o Vingança, em razão de que tubarões cinzentos avisaram: algo está se aproximando de dentro do nevoeiro.
Bastam alguns segundos observando a feição das sereias para que Serena se torne ainda mais tensa. Palavras não eram necessárias nesse momento, considerando que ela já imaginava, tenebrosamente, o que se aproximava na névoa.
Serena leva a mão até o pescoço e a enfia dentro do decote do vestido, em seguida, ela puxa com força o colar de pedra azul. Depois, se levanta, joga o colar no chão e pisa sobre a pedra cintilante, a estraçalhando em vários pedaços pequenos.
Jack se levanta também e corre em direção a Inez para avisá-la. Ainda de pé na proa, Serena se vira de frente para a extensão do navio, olha em direção ao convés superior e grita por Taehyung. E, no segundo em que seus olhares se cruzam, ele abre um pouco os olhos e puxa sua pistola da cintura, mas já era tarde demais, pois um tiro rápido e certeiro corta a névoa, atingindo no ombro, o pirata que estava parado ao lado do Capitão, era Namjoon.
Serena leva a mão até à boca e arregala os olhos.
Em instantes, o convés vira um caos quando mais disparos começam a surgir de dentro da névoa. Inez corre e começa a dar ordens para os piratas: os mais experientes ficariam no convés inferior, em um confronto direto; enquanto os menos experientes, como Jack, iriam para parte debaixo do navio cuidar os canhões, onde poderiam ficar mais protegidos, embora o mais seguro nesse momento fosse Duque, trancado no quarto do Capitão.
De dentro da névoa, onze navios atravessam a fumaça branca, enquanto dois deles lideravam, o Tripa de Sangue e o navio do comodoro Jung. Uma guerra de disparos entre a irmandade pirata e a aliança do Capitão Infâmia rasgava agressivamente o céu da tarde, derrubando piratas e soldados de todos os lados. Sangue respigava no ar e o cheiro de pólvora que saísse dos canhões, ardiam as narinas. Os navios eram balançados por criaturas do mar. O vento cortava como uma lâmina, sendo comandado por algumas sereias que encantavam homens com suas vozes, os fazendo saltar dos navios apenas serem arrastados para as profundezas ou para serem devorados pelos tubarões.
Braços, pernas, cabeças e tripas boiavam no mar, enquanto manchavam a água de vermelho, apenas esperando o momento certo para serem comidos.
Uma briga íntima entre o Vingança e o Tripa de Sangue parecia ser maior que todas as outras ao redor. De pé na borda de seu navio, Jin atirava, tentando exterminar toda a tripulação de seu irmão; e este, por sua vez, desviava com habilidade das investidas do inimigo. E tudo isso acontecia, enquanto, escondido nas sombras do Tripa de Sangue para não ser visto ou descoberto, o feiticeiro exilado manipulava a névoa para que ela se tornasse cada vez mais densa, assim sabotando a irmandade pirata e permitindo que apenas a aliança do Capitão Infâmia pudesse enxergar com perfeição, seus alvos.
Mesmo com o ombro machucado, dor e com as roupas sujas de sangue, Namjoon assume o lugar de Taehyung no leme, enquanto este salta do convés superior e corre em direção à garota de cabelos loiros que tentava correr por entre os corpos estirados no convés inferior e a bagunça de piratas contra-atacando. Jungkook e Inez, ao mesmo tempo em que tentavam não ser acertados, gritavam para os piratas do navio à esquerda, liderados por Jackson. As ordens eram claras, O Vingança e o Peste Asiática seriam interligados por ganchos e âncoras, para que quando entrassem no redemoinho, ambos os navios fossem o suporte um do outro, se equilibrando e, assim, passando juntos para o outro lado do buraco de água. Porém, como Serena temia, existia uma grande chance de um dos navios tombar e acabar levando o outro consigo, desta forma, afundando os dois navios.
As chances de dar errado eram maiores, mas a vida de um pirata era viver sem saber qual seria o seu último momento, pois o que corria em suas veias não era sangue, e sim o perigo.
As batidas do coração de Serena estavam descompassadas, e seu corpo inteiro estava frio como a água do mar. Ela corre em direção a Taehyung, e quando este a segura em suas mãos grandes e cobertas pelos anéis coloridos, ele contorce o rosto em uma feição estranha, soltando um baixo gemido.
Taehyung não diz nada, apenas se abaixa e abraça as pernas de Serena, a levantando do chão.
— O que você está fazendo, Taehyung?! — Ela pergunta quando ele a joga sobre um dos ombros, a deixando de ponta cabeça e, assim, a fazendo ver o buraco vermelho em sua camisa, do qual minava sangue. — Você foi atingido?! — Exasperada, ela encosta seus dedos no buraco da camisa branca.
— Não toque! — Ele pede entre os dentes, contendo mais um gemido de dor. — Vou te levar para o meu quarto. Você ficará lá até atravessarmos o redemoinho. — Ele avisa assim que chuta a porta do convés, entrando no corredor escuro.
Ele corre pela extensão pequena, fazendo o corpo de Serena balançar e seus cabelos pendidos para baixo irem de um lado para o outro.
— Não, Taehyung! Não me deixe aqui! Você não pode fazer isso, o redemoinho é muito perigoso! — Ela quase grita, tentando se libertar dos braços fortes dele, mas, em mais um chute, Taehyung abre a porta do seu quarto. O pirata joga Serena em sua grande cama, onde Duque estava esperando.
Taehyung a fita uma última vez, um olhar sério e que dizia “Eu sou o Capitão desse navio!”, e então, em seguida, fecha a porta e tranca sua sereia no quarto.
Duque, que pulou em Serena, é jogado para o lado quando ela se levanta e corre até à porta, girando a maçaneta e batendo na madeira.
— Seu cretino! — Ela grita, sentindo seu coração se desesperar. — É bom você conseguir fazer isso! — Com a respiração desregulada, ela acaba se jogando no cão do quarto, sentando com as costas encostadas na porta trancada.
Duque salta da cama e vai para o colo de Serena, choramingando quando percebe a preocupação de sua dona. Ela abraça o cachorrinho com força e fecha os olhos, enquanto pede para todos os deuses do mar para protegerem o Vingança de la Rainha Hanna.
SOB A JOLLY ROGER – EL PASAJE A LA ATLANTIS
Taehyung corre pelo convés inferior e sobe a pequena escada para o convés superior, rapidamente assumindo o lugar de Namjoon no leme, e guiando o Vingança por entre os balanços do mar agitado e dos disparos de canhões que acertavam o navio a todo tempo. Piratas cambaleavam e caiam no convés com os tremores, enquanto outros despencavam mortos para fora do navio. A fumaça da pólvora se misturava à névoa, e o cheiro no ar passou a ser de sangue e morte.
Nem sequer por um minuto, Jin parou de disparar de seu navio. E com o comodoro Jung não era diferente, pois ele já havia conseguido afundar um dos navios da irmandade pirata, que além de estar em menor número, também tinha uma maior quantidade de mortos. Mas já era tarde demais, não dava para contornar o caminho e voltar para casa. Aqui e agora, um dos dois lados iria naufragar.
Com o intuito de proteger seu Capitão - o deixando seguro para que continuasse conduzindo o navio em direção ao redemoinho cada vez mais perto e que já engolia algumas das criaturas que nadavam por perto, Jungkook e Inez saltam para o convés superior e se juntam a Namjoon, disparando como verdadeiros cães do mar em direção a seus inimigos, impedindo que Taehyung fosse atingido.
O vento controlado por algumas sereias, ao mesmo tempo, que impulsionava com rapidez os navios para frente, também balançava demais as cascas de madeira, deixando a direção dos navios mais duras na hora de manusear o leme.
Taehyung e Namjoon lutavam contra a dor latejante em suas carnes, que, vez ou outra, tornava seus movimentos mais lentos e restritos, porém, em momento algum eles deixaram se abater ou de lutar. Verdadeiros piratas que, mesmo sagrando, não se rendem.
Toda a névoa que Jimin controlava, estava se tornando cada vez mais fraca, pois o grande redemoinho de água parecia sugar tudo ao seu redor, inclusive a fumaça branca e densa.
— Os navios estão unidos? — Taehyung grita em meio ao barulho infernal.
— Sim, Capitão. O Vingança e o Peste já estão unidos. — Jungkook grita sua resposta entre dois tiros.
Com os cabelos e as roupas balançando de forma feroz, Taehyung olha para sua direita e vê o navio do Capitão Jackson se aproximando do Vingança.
— Jackson! — Ele grita, e o pirata que também manuseava o leme de seu navio, o encara entre a fumaça de pólvora.
E basta essa firme troca de olhares para que Jackson entenda que o momento havia chegado.
— Estamos zarpando para o redemoinho! — Taehyung alerta sua tripulação, que mesmo estando no meio de um grande confronto, se torna extremamente tensa.
— Hanna, seu miserável! É bom você meter a mão em todo aquele ouro de Atlantis, porque eu quero a minha parte! — Shia grita ao escutar Taehyung. Seu navio estava por perto, um pouco para trás, do lado esquerdo, e por lá eles tentavam ancorar do mar todos os piratas que afundaram com o navio do Capitão Rilly.
— Você terá todo ouro que quiser, rata do mar! — Ele grita de volta e ela sorri, ao mesmo tempo, que se pendura em uma corda e se balança por seu navio enquanto atira em uma das frotas do comodoro.
Desde o início, o plano era que apenas o Vingança e o Peste fossem em direção ao redemoinho. Os piratas sabiam que se Jin estava com o comodoro, eles teriam muito mais navios que eles, por isso, o restante da irmandade deveria ficar para trás e impedir que o inimigo seguisse ou atrapalhasse o Capitão Hanna e o Capitão Jackson.
Talvez isso soe como um grande sacrifício vindo da irmandade, mas as histórias de todas as riquezas que poderiam estar escondidas em Atlantis, faziam esse sacrifício valer a pena. Tudo que a irmandade tinha que fazer, era se manter viva até que o Capitão Hanna retornasse com a glória.
Sincronizados, Taehyung e Jackson manuseiam seus lemes, avançando seus navios avante. O redemoinho estava tão perto agora que já começava a puxar rapidamente o Vingança e o Peste para mais perto.
Mais abaixo, Uiara e Maressa mergulham, deixando de atacar a aliança inimiga. Elas vislumbravam o redemoinho e como sombras do mar nadam rapidamente em direção a ele com o intuito de se jogarem no grande buraco de água. Haviam alguns tritões e criaturas marinhas que as acompanhavam, fora os tubarões que já haviam sido sugados pelo redemoinho antes.
O redemoinho estava tão bruto que algumas gotículas de água já acertavam o Vingança e o Peste. Ambas as tripulações se dividem: mais da metade desce para o andar debaixo, se abrigando perto dos canhões para que não caiam no mar, e assim, na hora que chegarem em Atlantis, ainda terão piratas vivos; enquanto a outra parte, uma bem pequena, permanece no convés inferior para ajudar o Capitão durante a travessia, cuidando das velas e do restante.
O coração de Taehyung acelera e ele logo sente aquele famoso sentimento correndo em suas veias, era como se todo o seu sangue fosse substituído por adrenalina. O Capitão sempre ficava assim quando estava prestes a encontrar um grande tesouro, ou antes de atacar um navio inimigo. E essa era melhor sensação do mundo para ele.
— Levantar âncora, içar as velas! Navegando por espólios em trilhas aquáticas! Nossos canhões disparam até seu navio afundar! — Taehyung desvia seu olhar do buraco de água e encara seus piratas no convés inferior. Eles seguravam firmemente nas cordas do navio e ela teria que mantê-los firmes quando encarassem no redemoinho.
O forte vento infla as velas e o redemoinho puxa com força, desta forma, fazendo o Vingança e o Peste navegarem rapidamente em um impulso que quase faz os piratas caírem. Os navios se distanciam de seus inimigos, que ficam para trás quando o restante da irmandade os atrapalha a seguir em frente.
Os piratas no convés inferior encaram o Capitão Hanna, enquanto Namjoon, Jungkook e Inez se aproximam dele. Todos no navio estivam apreensivos.
— Atravessando as ondas como sereias! A bordo do navio, nós conhecemos todas as táticas! Nós somos a ameaça, a maldição do mar! Nós pulverizamos os navios de guerra! Paguem ou fujam! — Do Peste, Jackson grita a próxima parte da canção que Taehyung iniciou.
A bandeira preta com uma caveira no centro, balança como se fosse o próprio vento, imponente; enquanto as vozes dos Capitães fazem com que as almas piratas de suas tripulações, se acendam fortemente mesmo em meio ao temor.
— Voe nossa bandeira, nós lhes incutimos medo! Capture-os, o fim está próximo! Disparem as armas, eles queimarão! Renda-se ou lute, porque não há volta! Estamos sob a bandeira pirata! — Em uníssono as duas tripulações cantam. E até mesmo os que se abrigaram nos andares de baixo, perto dos canhões, ao escutarem as vozes destemidas, acabam cantando também em um alto coro que poderia ser escutado até debaixo das ondas violentas.
Os piratas não param de cantar e suas vozes vão ficando cada vez mais altas. Taehyung sorri como o vagabundo do mar que era e prega seus olhos no redemoinho que se torna gigante quando o Vingança o alcança.
— Está pronto, Hanna?! — Jack grita em meio ao coro dos piratas.
Esse era o momento.
Taehyung não o encara, mas alarga seu sorriso, enquanto seus cabelos atrás do pano vermelho, sacodem por todas as direções e sua camiseta branca quase é aberta.
Capitão Hanna sempre estava pronto. Ele nasceu como um pirata, e se fosse morrer agora, morreria como um pirata.
— Yo-ho-yo-ho! — Taehyung grita a plenos pulmões e joga o Vingança em direção ao redemoinho, arrastando o Peste consigo.
Se o mapa terminava com o desenho de um redemoinho, então, só havia um jeito de encontrar a cidade perdida de Atlantis...
CAVERNA: A UN PASO DE ATLANTIS
Sentada no chão do quarto, o corpo se Serena se inclina um pouco para o lado, mas ela apoia suas mãos na madeira para não cair, embora Duque tenha rolado de seu colo e caído.
As ondas violentas estavam balançando o navio com muita força e estava cada vez mais difícil manter o equilíbrio.
Serena resmunga e apanha Duque, o sentando no seu colo outra vez. Ela expira com força, ainda irritada com a teimosia pirata de Taehyung, e então, ela escuta a voz dele gritar muito alto do lado de fora. Apesar de se esforçar, não consegue entender o que ele gritava, mas bastam mais alguns minutos para que ela escute outras vozes que vão se unindo até formar um forte coro.
Os piratas estavam cantando.
Serena se levanta com Duque nos braços e tenta - falhamente - abrir a porta outra vez. Irritada e frustrada, ela chuta a madeira, que faz barulho e continua em perfeito estado.
A sereia de olhos azuis como o oceano pensa em gritar por Taehyung mais uma vez, mas seu corpo é brutalmente jogado para o lado quando o Vingança entra no grande redemoinho. Serena bate o braço esquerdo no chão e se encolhe de dor, fechando os olhos. Duque late e lambe a ponta do nariz de sua dona, tentando ver se ela estava bem.
Entre um gemido de dor, Serena tenta se levantar, mas o navio balança de novo e ela volta para o chão antes que seu corpo role para o outro lado do quarto. Duque choraminga, mas Serena não o solta. Ela tenta segurar nos puxadores do guarda-roupas de Taehyung e com isso consegue se levantar, mas a porta de madeira se abre e ela cambaleia para o lado, batendo no guarda-roupas.
Uma pancada bruta atinge a pequena janela redonda que havia no quarto, trincando o vidro sujo. Alguns filetes de água começam a vazar e escorrer pelas rachaduras, que não resistem mais que segundos, assim, estilhaçando a janela e fazendo uma pequena cachoeira de água entrar no quarto.
Ainda segurando no puxador e em posição torta, Serena tenta equilibrar Duque com apenas um braço, ao mesmo tempo que seus olhos se arregalam quando ela vê toda aquela água inundando o quarto.
Serena solta o puxador, segura firmemente Duque com os dois braços e tenta se aproximar da porta, simultaneamente, tentando se equilibrar toda vez que o navio balançava. Ela estava prestes a esmurrar a porta e pedir ajuda, mas seus ouvidos captam um barulho molhado, e quando Serena olha para baixo, ela vê uma grande poça de água passando pela fresta da porta, vinda do lado de fora. Então, entra em desespero, pois, em instantes, todo o chão do quarto é coberto pela água que dominava todas as partes do Vingança.
A pequena cachoeira que entrava pela janela se torna mais furiosa, e a água já atinge as canelas de Serena. Duque se encolhe nos braços da dona, enquanto late para a água que os ilhava.
Serena é jogada para o chão de novo, batendo na água que molha ela e Duque. Seu corpo rola com rapidez, de um lado para o outro, quando o Vingança começa a dar voltas dentro do redemoinho.
Ela não conseguia mais ficar de pé, não conseguia nem se sentar. Serena e Duque iam de um lado para o outro como se fossem um dos objetos que boiavam dentro do quarto. Em alguns momentos, a água entrava pela boca de Serena, a fazendo se engasgar e tossir, estando completamente encharcada e sem controle.
Vingança e Peste continuam rodando dentro do redemoinho, um navio puxando o outro, ambos indo para o interior do buraco de água. E quanto mais fundo eram empurrados, mais água invadia os navios, fazendo com que Capitães e tripulações ficassem em uma situação feroz e perigosa.
Em meio a água que continuava subindo e subindo, Serena tenta se arrastar por ela até à cama. Ela aperta Duque debaixo do braço esquerdo e usa sua mão direita para agarrar o lençol da cama. Ela o puxa, tentando impulsionar seu corpo para frente, mas o Vingança cambaleia e tomba dentro do redemoinho, lançando o corpo de Serena contra o guarda-roupas.
Serena e Duque estavam caídos em cima do guarda-roupas agora, e precisavam ser rápidos ao tentarem desviar da cama e dos outros objetos que caem em direção a eles, acompanhados da água.
Tombado, o Vingança puxa e faz com que o Peste tombe também e, dessa forma, eles caem diretamente no centro do redemoinho, assim sendo sugados para o final, ambos afundando de vez no mar.
Em um baque que não faz barulho, a porta do quarto é aberta quando uma grande quantidade de água arranca a porta das dobradiças. Serena não tem nem mesmo tempo de respirar, pois, em milésimos de segundos, todo o quarto é abraçado pelo mar.
Seu corpo rodopia dentro da água devido à força e pressão, mas ela logo consegue dar seu jeito. Mais uma vez, ela segura Duque com apenas um braço e uso o outro para nadar em direção à saída.
Serena nada para fora do quarto, indo para o pequeno corredor escuro. Ela queria ser rápida, pois Duque já se debatia em seus braços, sem ar. E enquanto cruzava o pequeno corredor cheio até o teto, ela torcia para que seus poderes aparecessem a qualquer momento, já que até agora ela não pôde fazer nada.
Quando consegue nadar até à metade do corredor, já vendo a porta para o convés, o navio balança de novo, virando rapidamente e voltando a ficar em sua posição normal. E com isso, tão rápida quanto invadiu, os níveis de água começam a baixar.
Serena nada para cima e ergue seus braços, conseguindo colocar a cabeça de Duque para fora da água. O cachorro ainda estava inquieto, tentando recuperar seu fôlego. O corpo dos dois começa a ser levado lentamente para baixo conforme a água vai saindo.
Quando as solas de suas botas tocam o chão, Serena tenta andar pelo corredor, mas era uma tarefa difícil, pois havia água até o começo de suas coxas ainda. Ela força seus passos, caminhando devagar até à porta no final do corredor. Tosse algumas vezes e passa a mão pelo rosto para tirar o excesso de água. Duque se chacoalha e espirra água para todos os cantos, Serena vira o rosto e fecha os olhos, esperando-o terminar.
Ela agarra a maçaneta e abre a porta, fazendo a água de dentro ir para o convés que estava menos inundado. Raios de sol bem claros e fortes a recebem, e Serena precisa usar uma das mãos como chapéu. Ela vê um belo céu azul pintando de nuvens e um brilhante sol no céu, que era diferente daquele céu cinzento que ela viu antes de ser trancada no quarto.
— Nós conseguimos?
Serena escuta uma voz e procura por seu dono, vendo que vinha de um dos piratas caídos no convés em meio as poças de água.
— Nós conseguimos! — Uma voz grita a resposta, mas ela parecia mais distante. Vinha de outro navio.
Tudo fica em silêncio, e, logo depois, gritos que fazem os que estavam escondidos nos andares debaixo, subirem curiosos para os conveses. Então, não demora para que um novo coro de piratas surja, esse, regado a gritos de comemoração e chapéus molhados sendo jogados para o alto.
Serena se afasta da porta quando vê Jack passando pelo alçapão junto de um pequeno grupo de outros piratas. Serena corre em direção a sua amiga, e quando Jack a percebe, também corre. As duas se reúnem em um abraço, deixando Duque esmagado no meio, ele resmunga alguns barulhos, mas elas permanecem abraçadas por tempo suficiente para que sentissem que, uma a outra, estava bem.
— Estamos vivas. — Jack fala quando elas desfazem o abraço.
— Estamos vivas. — Serena sorri para a amiga, ainda sem conseguir acreditar no que havia acabado de acontecer.
Com expressões aliviadas, elas se encaram por mais um tempo, e Jack desvia o olhar para algo além de Serena.
Jack maneia a cabeça apontando para algo, Serena espia sobre os ombros e vê Taehyung escorado no batente do convés superior, a fitando. Ele estava completamente encharcado, igual a todos, o pano vermelho em sua cabeça havia sumido e alguns botões de sua camisa branca se abriram, enquanto ele respirava de forma descompassada e água pingava por todo seu corpo.
— Acho que você deve ir lá. — Jack mexe as sobrancelhas e sorri, antes de pegar Duque dos braços de Serena, que assente.
— Não sabemos o que vamos encontrar agora, então você pode escondê-lo no nosso quarto? — Serena olha para seu cachorro e faz um rápido afago no pelo molhado. — Duque precisa estar seguro.
— Eu vou escondê-lo. — Jack afirma com a cabeça.
Serena dá um rápido beijo em Duque, mas não tem tempo de se afastar, pois um pirata vem em sua direção se balançando em uma corda. Jungkook salta no chão e abraça as duas de uma só vez, as levantando do chão. Duque late por ser esmagado de novo.
— Estamos vivos! — Jungkook fala um pouco alto demais, e as coloca no chão.
As duas riem e Serena acaba deixando o jovem pirata com Jack, já que ela precisava acertar as coisas com um certo Capitão.
Com os pés afundando na água que encharcava suas botas, entre as comemorações de alívio, Serena caminha até à escada do convés e sobe para onde Taehyung, Namjoon e Inez estavam.
Taehyung deixa de se apoiar no batente e se vira para Serena quando esta se aproxima. Ela para em sua frente e cruza os braços.
— Veio me felicitar? — Ele pergunta e sorri de lado, em seu jeito provocador.
Serena estreita os olhos.
— Te felicitar por quase nos matar? Você jogou o navio dentro de um redemoinho. — Suas palavras soam sarcásticas.
Taehyung arqueia as sobrancelhas.
— Não acho que você esteja em posição de me questionar. — Ele ri baixo e provocador, e Serena arqueia uma sobrancelha. — Posso listar todas às vezes que você fez coisas idiotas e perigosas no meu navio.
Os olhos de Serena se arregalam levemente, mas ela não diz nada. Ele havia a pegado de jeito.
Ele ri de novo, enquanto alguns de seus piratas, os que não caíram no mar e se perderam para sempre, recolhiam os ganchos e âncoras que uniam o Vingança e o Peste.
Após tentar abraçar Inez para comemorar e ser rejeitado, Namjoon se aproxima de Taehyung e Serena.
— Você conseguiu, nós sobrevivemos. — Ele dá alguns tapas no ombro de seu Capitão e depois fita o convés inferior, onde um número reduzido de piratas se aglomerava. — Pelo menos a maioria de nós.
Taehyung sorri para seu amigo e assente.
— Mas, onde estamos? Nós atravessamos o redemoinho, e agora? — Namjoon pergunta e os três olham ao redor.
Era possível ver os dois navios, o céu azulado e o sol, no entanto, uma fumaça branca estranha e sem cheiro rodeava tudo, impossibilitando que qualquer um visse o caminho detrás e o da frente.
Antes que Taehyung tente responder, algumas sereias e tritões saltam do mar e agarram os batentes do Vingança, entrando no navio com suas roupas feitas de água corrente.
Todos no convés superior descem para receber seus convidados, enquanto uma ponte improvisada com tábuas de madeira era feita entre o Vingança e o Peste para que o Capitão Jackson atravessasse.
Quando todos se reúnem no centro do convés, ao lado do mastro onde Serena já teve boas e péssimas lembranças, Uiara encara a fumaça.
— Entramos no redemoinho um pouco antes de vocês, então nadamos até que essa fumaça sumisse. E encontramos lá na frente — Ela aponta para o horizonte de fumaça — uma caverna. Não entramos, achamos melhor esperar pelos navios, porque podia ser perigoso, não sabemos o que há lá dentro.
— Nós sabemos, sim, o que pode haver lá dentro. — Capitão Jackson interrompe e todos o olham. — Existem muitas lendas sobre Atlantis e uma delas é que o lugar é protegido pelo Kraken.
— Kraken? Isso não é apenas uma lenda? — Serena pergunta.
— Você achava que sereias eram uma lenda e, no final, descobriu que é uma. — Jack responde, enquanto se aproxima após esconder Duque em um lugar seguro.
Serena respira pesadamente. Jack tinha razão.
— De qualquer forma, não sabemos se existe ou não um Kraken lá dentro, mas acho melhor irmos de uma vez, as coisas não estavam nada fáceis para quem ficou. — Maressa explica, se referindo à guerra entre a irmandade pirata, os seres áqueos e a aliança inimiga do outro lado do redemoinho.
Após conversarem brevemente sobre como fariam, as sereias e tritões voltam para o mar, o Capitão Jackson retorna para o Peste e os navios começam a seguir avante.
Por minutos, os dois navios navegam dentro da fumaça branca enquanto são guiados pelos seres do mar, sem saberem que não eram os únicos ali. Olhos mágicos os observavam de longe, escondidos traiçoeiramente, seguindo-os e esperando o momento certo para atacar.
Quanto mais navegavam dentro da fumaça, mais ela ia sumindo, porém, apenas no horizonte, já que a parte traseira ainda continuava densa, camuflando o inimigo. Assim, aos poucos, a imagem de uma grande caverna surge a frente, escura o bastante para não deixar que vejam o que havia dentro dela.
Enquanto manuseia o leme, Taehyung olha para o lado e troca um olhar com o Capitão Jackson, que assente, desta forma, dando a confirmação para que eles continuassem.
Capitão Hanna pede que seus piratas avisassem as sereias, que, em instantes, criam uma pequena lufada de vento, que impulsiona o Vingança para frente do Peste. Os navios precisavam entrar um de cada vez na caverna.
Quando está perto o suficiente, a caverna parece engolir tudo, e todos os piratas correm para a proa a fim de observarem o que havia do lado de dentro das paredes de pedra.
O sol quente e bonito do lado de fora some quando o Vingança navega para dentro da caverna. Tudo fica escuro e, logo em seguida, uma fraca luz surge no final da caverna. O vento que até agora não havia aparecido sem a ajuda das sereias, uiva dentro da caverna, voando e dançando como um lobo solitário.
— Capitão, há uma irregularidade à frente! — Um dos piratas escorados na proa, grita. — Pare em dois minutos!
— Avisem o Jackson. — Taehyung pede para Namjoon e Jungkook.
Serena e Jack, que estavam no convés inferior, acabam se enfiando entre a tripulação para ver o pequeno degrau à frente, de, mais ou menos, um metro de altura. A água despencava por ele, caindo dentro de uma continuidade do mar, da qual não se sabia se era funda. Era um outro espaço onde tudo ainda estava cercado por paredes de pedras, porém, sem um teto, assim, fazendo os raios de sol iluminarem a água abaixo do degrau.
— Lançar âncoras e ajeitar velas! — Taehyung grita para sua tripulação, sabendo que era o momento de parar o navio.
As pressas, os piratas obedecem às ordens, enquanto no Peste, Capitão Jackson pede que façam o mesmo, e assim, os dois navios param.
As sereias e tritões não tinham muita água para nadar, logo, tiverem que se esgueirar pelas laterais do Vingança em um espaço consideravelmente largo. Taehyung deixa o convés superior e vai para perto da proa, sendo seguido pelos seus piratas de maior confiança. Ele para ao lado de Serena e Jack, e perde alguns segundos observando o que havia ali.
No outro lado da irregularidade - que mais se assemelhava a um lago - havia uma passagem aberta, e como na da caverna, nada se podia ver. Essa passagem era menor e não caberia um navio, e mesmo que coubesse, não havia como chegar lá com um, pois o degrau que despencava para o lago improvisado não permitia isso.
— Faremos como combinamos. — Taehyung avisa e se vira. — Inez, cuide do Vingança. Jackson também ficará aqui para ajudar. Não podemos enviar muitos piratas para o outro lado e correr o risco de sermos atacados e termos nossas tripulações estraçalhadas. Já perdermos muitos piratas naquele confronto e no redemoinho, por isso, um pequeno grupo irá comigo para verificar o que há naquela passagem e, se for seguro do outro lado, então voltaremos e buscaremos o restante de vocês.
Toda a tripulação concorda, e assim um pequeno grupo de piratas é escolhido e armado. Maressa iria com os piratas, enquanto Uiara ficaria para trás com os demais, comandando os áqueos e os poucos tubarões que também conseguiram sobreviver ao redemoinho e ficaram do lado de fora da caverna.
— Não seria melhor checarmos se há alguma coisa nessas águas? — Maressa pergunta de fora do barco, apontando para o pequeno lago.
— Ela tem razão, vamos precisar atravessá-lo, então é bom checar se é seguro. — Serena reforça, encarando Taehyung.
— Certo. Stu, salte na água e veja se é segura. — O Capitão pede para o pirata que estava parado próximo a ele.
— Mas, Capitão, e se o Kraken estiver ali? — Apesar de grande, o pirata se tremia de medo apenas ao imaginar a lula gigante. — Por que não manda ela? — O pirata alto e careca, aponta para Serena, que estava prestes a respondê-lo, quando Taehyung se aproxima de Stu.
— Porque eu mandei você. — Como se catasse um saco de batatas, Taehyung o segura pelas calças e camisa, e o lança para fora do navio.
O pirata afunda na água e se engasga, mas consegue se levantar ao perceber que o lago improvisado não era fundo, com água batendo na altura de sua cintura. Ele se agita e pisca algumas vezes, cuspindo água e tentando respirar sem dificuldade após ter as narinas invadidas. Stu olha ao seu redor, tentando encontrar algo, mas não vê nada.
— Capitão, está tudo limpo! — O pirata grita do meio do lago.
— Vamos descer então. — Taehyung avisa aqueles que iriam com ele, desta forma, fazendo um por vez saltar para fora do navio, ficando perto das sereias.
Taehyung, Serena, Jack, Namjoon, Jungkook e mais dois piratas se juntam a Maressa, prontos para saltarem dentro do pequeno lago quando bolhas fervorosas começam a surgir ao redor do corpo de Stu, antes que ele seja sugado para baixo, sumindo. Momentos depois, uma grande mancha vermelha emerge na água, acompanhada por ossos.
Todos ficam em silêncio apenas observando. Capitão Jackson grita de seu navio, perguntando o que tinha acontecido.
Taehyung decide se aproximar da beirada, deixando Serena apreensiva. Ela segura em sua camisa molhada, tentando puxá-lo para trás. O pirata apenas se inclina e olha para os dois lados.
— Vamos contornar. — Ele avisa, tranquilamente, como se todos não tivessem acabado de ver um de seus piratas morrendo por algo que eles não podiam explicar.
“Mais uma ideia perigosa”, pensou Serena, porém, quando ela fitava a passagem do outro lado, sentia seu estômago se agitar de ansiedade, pois estava cada vez mais perto de suas memórias, por isso, dessa vez, ela não contestou, apesar de pensar que era uma péssima ideia contornar o caminho. Mas, como eles não tinham outra oportunidade e muito menos conheciam esse lugar, então esse era o único jeito.
— Joguem uma corda! — Taehyung se afasta da beirada e pede para os tripulantes do Vingança.
Uma das cordas presas no mastro é lançada na água rasa. Taehyung a pega, passa em torno de sua cintura e estende o restante para Namjoon, que faz o mesmo e passa a corda para Jungkook até que todos do pequeno grupo estivessem presos. Maressa foi a última a amarrar a corda, e Jack estava entre ela e Serena.
— Você tem certeza que não prefere ficar no navio? — Serena pergunta para sua amiga, temendo que ela pudesse se ferir durante essa pequena expedição.
Jack sorri calma, e segura uma das mãos de Serena.
— Não sou a melhor das piratas ou a mais experiente, na verdade, sei pouco ainda, mas não posso te abandonar nesse momento importante. Eu cheguei nesse navio como uma covarde medrosa, mas, por sua causa, posso morrer sendo um pouco mais corajosa e trapaceira. — Suas palavras sinceras fazem os olhos de Serena brilharem, encantados ao verem a mulher valente e destemida que Jack se tornou.
Então Serena apenas assente e aperta com força sua mão.
— Vamos. — Taehyung chama e todos os amarrados por uma única corda, se preparam.
Cauteloso, mas corajoso, na frente de todos, Taehyung caminha até à beirada e sobe para a borda da parede, um pequeno espaço que contornava o lago. Suas costas ficam coladas na parede e metade dos seus pés estavam para fora da borda de pedra. Ele espalma suas mãos na parede áspera e caminha de lado em passos arrastados e lentos para não cair.
Um de cada vez, o pequeno grupo sobe na borda e imita os gestos de Taehyung. Todos precisam se arrastar de forma sincronizada para que a corda não puxe ninguém e consiga manter todos unidos como uma grande corrente humana.
Serena e Jack não soltam suas mãos nem por um segundo, e seus olhos estavam fixos na água calma e silenciosa. Ninguém sabia o que era aquilo que acabou com a raça de Stu, mas era difícil deduzir que poderia ser um animal, pois a água era extremamente transparente e ninguém via absolutamente nada.
Algumas lascas de pedras esfarelavam das bordas conforme eles andavam, e uma fina camada de poeira sujava suas botas e os pés descalços de Maressa. Não parecia tão difícil assim e Taehyung logo saltou para a parte de cima do degrau onde estava a outra passagem. Namjoon foi o segundo e Jungkook o terceiro, os dois piratas foram em seguida e então foi a vez de Serena, que por estar de mãos dadas com Jack, a puxa sem intenção, dando um pequeno tranco na corda e fazendo um dos pés de Maressa escorregar. Mas, por sorte, Serena consegue ser rápida e segurar o braço de sua irmã, a ajudando.
Maressa se segurou em Serena e a encara espantada por pensar que poderia ter caído.
— Obrigada. — A de cabelos curtos agradece e Serena sorri, fazendo sua irmã se sentir um pouco mais conectada com ela. Desde que a encontrou, Maressa percebeu que sua ligação com os humanos era extremamente forte e, por isso, ela sentia que não havia espaço para seres do mar na vida de Serena, embora ela nunca pensasse em desistir de sua irmãzinha. Maressa torcia com todas as suas forças para que hoje, quando eles encontrassem Atlantis, Serena pudesse se lembrar da vida que elas tiveram juntas.
Todos se livram da corda e a deixam sobre o degrau em que estavam. Serena olha para o outro lado do lago, observando os piratas e os áqueos. Tudo ainda parecia inacreditável demais aos seus olhos, mas ela sabia que era muito real.
E então, todos entram na passagem.
A CIDADE PERDIDA DE ATLANTIS – EL CRISTAL
O lado de dentro era gelado e, por todos estarem molhados, a sensação era intensificada. Não dava para ver nada, portanto, eles apenas andavam reto, um próximo ao outro, escutando seus próprios passos que ecoavam.
Taehyung já empunhava uma arma, enquanto a outra estava presa em sua cintura, junto de uma espada. Seus olhos estavam atentos a qualquer armadilha, mas tudo que eles veem após alguns minutos caminhando, é um brilho diferente e atrativo. E logo não demora para que um suave e sutil barulho atinja os ouvidos.
Serena franze o cenho quando escuta o barulho. Ele parecia familiar.
— O que é isso? Soa como o mar. — Maressa comenta e sua voz ecoa por toda a passagem escura.
— Nós já estamos no mar. — Um dos piratas responde.
Serena para de andar por um momento.
— Esse é o som da praia. — Ela passou longos doze anos vivendo em Marlli. Muitas de suas boas lembranças são da orla da cidade e como sua mãe vivia brigando com ela por sempre acabar molhada.
Toda a ansiedade dentro de Serena aumenta, atingindo cada parte do seu corpo. Seu coração acelera sem motivos e suas pernas se mexem antes mesmo que ela possa perceber. E, no segundo seguinte, ela está correndo pela passagem.
— Serena! — Alguém grita quando a percebe passar por todos, mas ela não para. Tudo que Serena podia escutar agora era o som das ondas se quebrando, do balanço suave do mar, da água chacoalhando calmamente.
Com os olhos fixos no brilho do final da passagem, Serena sente o cheiro salgado da maresia e isso nunca pareceu tão nostálgico. Embora tenha passado seus últimos meses navegando em navio pirata, a sensação que ela tinha agora era completamente intensa.
O brilho atrativo vai se tornando cada vez mais forte e maior até que abraça o corpo de Serena.
Ela para de andar e encara o que estava bem na sua frente.
O sol iluminava a água que mais parecia um gigantesco lençol de cristal de tão brilhante e transparente que era, podendo até mesmo contar cada um dos peixinhos coloridos que nadavam ali. A espuma branca em cima das ondas - que se quebravam na orla, parecia ainda mais macia que a neve. E a areia da orla parecia pequenas pepitas de ouro salpicadas no chão.
Enfeitiçada com a bela paisagem, Serena permanece encarando cada detalhe até que seu grupo chegue no final da passagem e se junte a ela. E todos, sem exceção, ficam tão maravilhados quanto Serena. Nenhuma orla parecia tão bonita quanto isso, nada se comparava com os detalhes de Atlantis.
A passagem em que eles estavam mais se assemelhava com um portal para outro mundo, pois, uma vez que se olhava para trás, não se via nada além de uma abertura retangular e escura, apenas isso, nenhuma caverna. Era como o molde de uma porta que não foi finalizada.
Distribuída entre a areia de pepitas e a água de cristal, haviam construções antigas com algumas partes afundadas na areia e outras na água. Ramos de plantas e flores delicadas cobriam partes das construções lascadas. Uma bonita e cheia floresta estava ao fundo da praia, com o vento balançando as folhas de palmeiras e criando um agradável som. E apesar de serem altas, dava para ver perfeitamente mais alguns pedaços de construções sobrepondo as árvores.
Dentre todas as lendas de Atlantis, a mais famosa é que a muitos e muitos anos atrás, a cidade era habitada por um povo mágico e muito evoluído. Atlantis era um lugar muito rico e de muitas belezas naturais. A cidade dos sonhos para se viver, onde ninguém nunca ficava doente ou envelhecia, porém, a ganância do mundo de fora encontrou Atlantis, e como castigo, os deuses amaldiçoaram o povo que nela vivia, assim afundando a cidade e dizimando todos os Atlantis. Por fim, colocando um enorme monstro para vigiar o que viria a se tornar uma das maiores lendas dos sete mares.
Maressa é a primeira a saltar na água transparente.
— Serena? — Os olhos azuis como o oceano, desviam da paisagem e vão para baixo, vendo que todos já estavam na água e a fitavam.
Serena estava extremamente enfeitiçada pelo lugar, ela não conseguia explicar, mas sentia uma incrível ligação com Atlantis.
Jack, pendurada nas costas de Jungkook por não saber nadar, observa atentamente sua amiga.
— Vamos? — Da água, Taehyung oferece sua mão para ela. Ainda calada, Serena se agacha, segura na mão do pirata e entra o mar, sentindo seu corpo inteiro se arrepiar com a sensação de ser abraçada pela água de cristal.
Então, juntos, Taehyung e Serena mergulham de mãos dadas, e ela se sente ainda mais enfeitiçada ao ver enormes construções debaixo da água. Era exatamente como uma cidade submersa.
Todos começam a nadar em direção à orla, sem notar que mais alguém se aproximava pela passagem de pedra.
De canto de olho, em meio a água limpa, Taehyung observa as reações de Serena, e ele sabia que esse momento era completamente único e especial para ela.
Quando o pequeno grupo alcança a orla, se arrastando para a areia, um disparo ecoa pelo ar, assustando alguns pássaros-azuis e vermelhos que estavam nos troncos das árvores. Um dos piratas cai na areia, sujando os grãos amarelos com sangue.
Pingando água e recobrando o fôlego, os sete que sobraram olham para trás, vendo o Capitão Infâmia, o feiticeiro, o comodoro e mais alguns soldados parados no degrau de pedra. Eles haviam conseguido passar pela irmandade e atravessaram o redemoinho, se esconderam entre a fumaça branca e esperaram para atacar de surpresa, deixando mais da metade de sua tripulação e soldados para trás com a tarefa de impedir que o Capitão Jackson e os áqueos os seguissem.
Os olhos de Serena encontram os de Jimin, e ele parecia extremamente preocupado ao vê-la. Mas, dessa vez, Serena não se deixaria enganar, porque ela já sabia que era parte da farsa do feiticeiro exilado.
Taehyung ainda segurava sua pistola, então saca a outra e começa a atirar em direção a eles, logo, recebendo a ajuda de Jungkook e do outro pirata.
— Corram para dentro da floresta! — Taehyung grita. — Nos encontraremos em alguns minutos!
Serena o encara aflita.
— Eu não posso te deixar aqui, você já está machucado. — Serena diz e olha para o furo na parte detrás da camisa dele. O machucado não sangrava mais, mas, com certeza, ainda deveria doer.
Percebendo que sua irmã ainda poderia ser teimosa como a garotinha de sete anos que se lembrava, Maressa segura na mão dela e na de Jack, e arrasta as duas em direção à floresta.
Jin tenta acertá-las, mas Namjoon encobre as três fugitivas. E apesar de estar com sua arma apontada em direção à orla, o comodoro não consegue atirar nelas, pois sua querida e odiada Jack estava entre as três.
Ao passarem pelas grandes palmeiras, o coração de Serena acelera muito mais e ela não conseguia parar e olhar para trás, esperando ver Taehyung, porém, ela apenas se afastava mais e mais da orla, sem vê-lo a seguindo.
Os pés de Maressa doíam enquanto ela tentava se afastar do tiroteio, na esperança de levar Serena e Jack para um lugar seguro. A sereia pensava como era ruim ter pés e pernas humanas, e que ela podia ser muito mais rápida quando estava com sua cauda.
Preocupada com seu pirata e desatenta ao caminho, Serena quase esbarra em uma árvore, mas sua irmã a puxa para perto, assim fazendo com que o braço de Serena tocasse na roupa de água corrente presa ao corpo de Maressa. Como esperado, o braço de Serena se molha e, por aquele momento, ela pensa em como isso era incrível, uma roupa moldada com a própria água.
Correndo pelo chão coberto de folhas bem verdes e flores, quando Maressa tenta virar em um outro caminho de árvores que se aproximavam de uma das construções gigantes, as três simplesmente acabam desbarrancando em uma pequena descida que estava escondida. Maressa solta as mãos das duas e cada uma delas rola em uma direção.
As costas de Serena batem em um tronco, causando-lhe uma dor aguda que a obriga a fechar os olhos e também para seu corpo.
Ela leva uma das mãos até as costas e se senta no chão de folhas, olha ao redor, mas não vê Maressa ou Jack. Ela olha para cima e vê com clareza o lugar de onde elas despencaram, e não entende como acabou separada das duas.
Serena fica de pé, tenta limpar a roupa molhada e enfeitada com folhas, flores e barro, e acaba percebendo que perdeu sua pistola durante a queda. Ela resmunga e começa a procurar pela arma por entre tudo que estava no chão. Suas costas doíam cada vez que ela se abaixava, mas ela precisou ignorar isso.
Serena não encontra sua pistola e nem as duas que estavam com ela, portanto, precisou acabar seguindo caminho sozinha, porém, ela não era a única, já que Maressa e Jack estavam em situações semelhantes. Atlantis era um lugar grande, cheio de segredos e apenas os que já viveram ali conheciam cada buraco, caminho ou truque da cidade.
Sabendo que não conseguiria subir a descida, e sem conseguir escutar os barulhos dos tiros, Serena acaba indo para o lado esquerdo, em um caminho com folhagem baixa, em que precisou afastar com as mãos para enxergar o que estava mais adiante.
Ela para em frente a uma grande poça de água cristalina e encara seu reflexo. Dizem que as sereias são os seres mais belos do mar, mas, nesse momento, nem de longe ela se parecia com uma. Seus cabelos além de molhados, estavam desgrenhados, suas roupas estavam sujas e seus olhos azuis nunca pareceram tão desesperados.
Ela fecha os olhos e respira fundo, tentando se acalmar um pouco para conseguir fazer o que era preciso. Um sentimento quente enche seu peito, se arrastando lentamente pelas veias, aquecendo sua pele molhada e fria. Serena abre os olhos e sua respiração fica um pouco mais alta. Ela estava daquele jeito de novo, se sentindo enfeitiçada pela atmosfera de Atlantis, portanto, logo seus pés começam a se mover antes que ela dê os comandos.
Serena não entendia, mas algo dentro dela dizia que ela seria guiada até o lugar certo.
Sem se importar em molhar mais seu vestido, Serena entra na poça e a atravessa indo para um caminho limpo de terra. Era parecido com uma trilha e subia lisamente.
Entre sangue, tiros e encanto, Serena não era a única sendo atraída para o mesmo lugar, definitivamente não era. Mas, dentre todos, ela era a única com uma ligação tão extraordinária com a cidade perdida.
Soldados e piratas foram deixados mortos para trás. Taehyung, Namjoon e Jungkook correram para dentro da floresta para se abrigarem dos tiros. Enquanto Jin, Jimin, o comodoro e mais dois soldados atravessaram o mar e também entraram na floresta. Todos se perderam nos truques de Atlantis, cada um por um caminho, mas que no final daria no mesmo lugar.
Concentrada nos sons dos pássaros, do vento e tudo que Atlantis entoava, Serena sobe a longa rampa de terra. Seus olhos eram curiosos para cada folha que caia das árvores, pois tudo nesse lugar parecia fascinante.
Quando termina de subir a rampa, Serena se vê ao lado de uma construção que parece tocar o sol, de tão grande. As paredes cinzas de pedras foram entalhadas com desenhos bonitos, dos quais Serena desliza seus dedos ao passar por ali.
Caminha reto até o final da parede e se vira na direção que ela continua. Mais diferentes tipos de desenho surgem, deixando Serena cada vez mais curiosa para saber qual seria a história deles. Ela devia ter saído na parte detrás da construção, pois ainda havia uma virada para completar, porém, antes que chegasse no final da mesma, ela escuta um barulho à sua esquerda, eram folhas se mexendo no meio floresta.
Serena pensou que pudesse ser algum animal de Atlantis, mas quando vê os cabelos loiros, os olhos azuis e os lábios cheios, seu corpo fica imediatamente tenso.
— Eu não acredito que te encontrei. — Como se estivesse feliz em vê-la, Jimin se aproxima apressadamente, saindo de perto das folhagens altas.
Serena dá um passo para o lado e se afasta automaticamente, fazendo Jimin parar e enrugar as sobrancelhas.
— O que foi? Você pensa que estou do lado deles? Eu usei aquele colar para te encontrar, Serena, estou aqui por você. Essa é a nossa chance. — Ele dá um passo grande em direção a ela, que, dessa vez, não recua.
— Você pensa que ainda pode me enganar? — Serena estreita os olhos e Jimin levanta as sobrancelhas. — Não viu que estou aqui com Maressa e Uiara? Elas já me contaram tudo.
Nem por um segundo, Jimin deixa sua farsa sumir.
— Nós já conversamos sobre o povo do mar, Serena. Eles e esses piratas são os únicos gananciosos. Suas irmãs provavelmente estão te engando apenas para conseguirem assumir o lugar do meu irmão.
Serena realmente não podia acreditar que ele ainda estava tentando insistir nisso, mas ela sabia muito bem com desmascará-lo.
— Se você está mesmo dizendo a verdade, se veio apenas por mim, não se preocupe, estou bem. — Ela cruza os braços. — Eu já realizei o que Árie começou, encontrei Atlantis. Então você pode dar meia volta e ir embora agora. Fuja e se proteja, e deixe todo o resto comigo, titio. — Serena sorri, cheia de escárnio.
Jimin aperta seus olhos, a encarando bem; fica assim por segundos bem longos, estava pensando se valia a pena manter sua farsa. Ele fez isso uma vez e, como resultado, Serena acabou fugindo com todas as partes do mapa, portanto, ele não poderia deixar que tudo se repetisse, não quando ele estava - finalmente - em Atlantis.
Serena percebe como o olhar do feiticeiro muda, por isso, sabe que não deveria perder mais tempo com ele, então, antes que ele diga algo, ela, astutamente, corre para o lado, tentando contornar a parede de pedra. Apesar disso, ela não vai muito longe, pois sente algo se enrolando ao redor do seu tronco e puxando seu corpo para trás, a fazendo tropeçar e cair sentada.
Jimin havia lançado um fio de magia em sua direção, como se fosse uma corda a prendendo. Darcy havia ensinado o feiticeiro a manipular sua magia como se ela fosse uma matéria viva.
— Já que você não quer acreditar em mim, então acho que devo agir como o único adulto responsável e maduro entre nós dois. — Ele a puxa para trás e quando ela está perto, a levanta, a prendendo bem com o fio de magia ao redor do tronco de Serena, deixando seus braços imobilizados.
Serena se sacode, mas o fio era mais firme que uma corda, e nem ao menos se afrouxa um pouco.
— Agora, minha adorável sobrinha, seja boazinha e obedeça ao seu amável tio. — Jimin apoia uma mão no ombro de Serena e fala perto da sua orelha. Ela se esquiva em repudia e irritação. — Me mostre o caminho, porque sei que você sabe. E antes que tente qualquer uma de suas gracinhas, já aviso que a qualquer momento eu posso dar um comando para o Capitão Infâmia ou o Comodoro para acabarem com os seus amiguinhos.
Serena range os dentes.
Nem se pudesse, conseguiria fazer algo presa entre o fio de magia. E ela também sabia que não podia colocar os outros em risco, porque ela finalmente entendeu como o feiticeiro era perigoso e que tudo isso foi parte do seu plano, portanto, ele realmente poderia ter o controle do Capitão Infâmia e do Comodoro.
Mais uma vez suas pernas andam sem sua permissão. Serena gostaria de poder levar Jimin para o lugar errado, de ficar dando voltas e mais voltas até encontrar ajuda, mas ela não conseguia controlar esse impulso que a puxava como um imã.
Segurando a ponta do fio de magia, Jimin anda atrás dela, muito atento a cada um de seus movimentos, sabendo que sua sobrinha era trapaceira como um pirata.
Em silêncio, eles contornam quase todas as paredes de pedra até verem a entrada da construção. Era imponente e gloriosa, parecia um templo muito, muito grande. Não havia uma porta, apenas uma grande abertura, e mesmo de fora já dava para ver o que havia do lado de dentro. Muitos objetos de ouro estavam espalhados pelo templo, enquanto a água de cristal brilhava após um breve pedaço de chão cimentado; e encostado do outro lado, com um pouco de água o cobrindo, havia algo que não dava para reconhecer muito bem o que era, e mesmo sem saber o que era aquilo na água, Serena estava fascinada, não podia desviar seus olhos.
Jimin empurra o corpo de Serena para frente para que ela ande, e por estar nesse estado que visto de fora parecia um transe, Serena não se importa com a atitude rude do feiticeiro - o que não acontecia em seu estado normal. Ela caminha templo adentro, e assim que Jimin entra, logo depois, Maressa surge correndo por entre a folhagem. Ela vê os dois e tenta se aproximar sorrateiramente, então, sem que Jimin a perceba, Maressa o acerta com uma forte rajada de vento que lança o corpo do feiticeiro contra uma das paredes do templo, fazendo lascas de pedras e farelos caírem do alto. O templo quase treme e um alto barulho ecoa pela floresta, atraindo a atenção e direcionando aqueles que estavam por perto.
Com isso, não demora até que Taehyung, Jack e Jin estejam correndo em direção ao templo. Namjoon, Jungkook, o Comodoro e apenas um soldado sobrevivente surgem por último, transformando o templo em um completo caos, enquanto se sentem tentados, ao verem tantos objetos de ouro por todos os lados.
Ao tentar atacar Serena, que caminhava de forma lenta e hipnotizada em direção ao pequeno lago dentro do templo, Taehyung disparada em seu irmão, arranhando a mão dele e o fazendo largar a espada. O Comodoro atira em direção a Taehyung, e Namjoon e Jungkook acabam atirando contra ele.
Jin gastou todas as suas balas durante o tiroteio na orla, por isso, precisa se abaixar para pegar sua espada de volta, mas Taehyung a chuta para longe e acerta sua nuca com uma coronhada. Jin cai no chão e Taehyung aproveita para atirar em seu pé direito.
Jin grunhe de dor ao ver seu sangue manchar o chão cimentado. Taehyung sorri com escárnio e se abaixa para encarar bem seu irmão, querendo aproveitar cada pedaço da sua vitória. Mas Jin é rápido como uma cobra ao acertar um soco em seu rosto, fazendo Taehyung cair para trás e soltar sua arma, que escorrega para dentro do lago.
Observando tudo isso, Jack se desespera e tenta correr em direção a Taehyung.
— Capitão! — Ela grita e saca sua arma, querendo jogá-la para ele.
Desviando de outro ataque de Maressa, Jimin lança seu fio de magia e tenta puxar Jack para longe, mas Maressa consegue contê-lo outra vez.
A atenção de Hoseok é capturada e, quando ele percebe que seu soldado vai disparar em Jack, para impedi-lo, o Comodoro atira no braço do soldado, mas era tarde demais e ele já havia apertado o gatilho. O tiro passa de raspão no ombro de Jack.
Taehyung corre até Jack.
— Você está bem? — Ele a encara seriamente.
— Sim, estou. — Ela responde entre um gemido de dor. — Tome, pegue a minha arma. — Ela entrega a pistola quando Hoseok corre até eles, deixando para trás seu soldado ferido e que estava incrédulo pelo que o Comodoro havia feito.
Taehyung aponta a pistola para Hoseok, que não se importa, ele apenas queria saber como Jack estava.
— Não era para ele atirar em você. — O Comodoro a segura em seus braços. Nesse momento, ele não pensava em mais nada, todas as suas dúvidas se dissiparam, tudo que ele queria era ver Jack bem.
— Por favor, você precisa nos ajudar. — Jack pede e logo em seguida fecha um dos olhos quando sente um latejar. — Por favor, faça isso por mim, Hoseok.
Aproveitando o momento, Jin se aproxima sorrateiramente e puxa a espada do cinto de Taehyung, enquanto Jimin tenta atacar Serena.
— Protejam a Serena! — Taehyung grita, ao mesmo tempo que se vira e desvia de um golpe de espada.
Namjoon e Jungkook correm para perto de Serena, que havia entrado no lago e caminhava em direção ao que estava do outro lado, sem se importar com o que acontecia ao seu redor. Ela não via, nem ouvia mais nada, era como se estivesse sozinha no templo.
Maressa tenta acertar Jimin com uma rajada de vento, mas dessa vez ele se esquiva e a prende em seu fio de magia, lançando Maressa para fora do templo. Namjoon e Jungkook disparam contra o feiticeiro, mas ele consegue se curar quando era atingido.
O soldado ferido parte para cima de Namjoon e Jungkook, disparando contra eles, enquanto tenta se esconder entre os objetos de ouro. Mas quando Jimin ataca os piratas, o soldado percebe que não tem muitas chances nas condições em que estava, então, sem a atenção de todos, com a mão não ferida, o soldado pega alguns objetos de ouro e corre para fora do templo.
Maressa vê o soldado fugindo e ela até poderia pará-lo, mas, nesse momento, estava mais preocupada com o feiticeiro, por isso, corre de volta para o templo, nem ao menos imaginando que quando o soldado ferido cruzasse a orla carregando os objetos roubados, ele iria despertar o guardião de Atlantis.
Jin tenta acertar Taehyung uma, duas, três vezes, que parecia conseguir desviar de todas as investidas de seu irmão, apesar de não ter tempo de atirar contra ele, pois o Capitão Infâmia era verdadeiramente rápido.
E enquanto todos tentavam derrubar seus oponentes, Serena finalmente atravessou todo o lago dentro do templo, percebendo que o que havia daquele lado era um meio esqueleto humano - da cintura para baixo os ossos estavam quebrados. Não haviam mais resquícios de carne, porém, tinham ralos e secos cabelos longos e brancos ainda presos no crânio do esqueleto, assim como uma longa barba no rosto de ossos. Também havia uma empoeirada e, ao mesmo tempo, brilhante coroa no topo do crânio, e Serena não precisava de mais nada para saber de quem havia sido esse esqueleto.
Árie.
O primeiro, mas não o único a encontrar Atlantis, considerando que outros navegadores já encontraram a cidade perdida por acaso. Embora ninguém nunca tenha conseguido sair com vida, pois, ao se tentar fugir de Atlantis com um dos tesouros, o guardião adormecido despertava.
Serena nota que o esqueleto tem as mãos fechadas, unidas contra o peito. Tentando ser cuidadosa, ela separa as mãos ossudas, fazendo um dos dedos quebrar e cair na água. Dentro das mãos havia um pequeno, delicado e brilhante cristal em tom de ciano.
Quando descobriu Atlantis, Árie estava fraco, quase morrendo, mas, mesmo assim, ainda conseguiu encontrar o último vestígio do cristal de Atlantis. Um cristal muito poderoso e valioso que existia em abundância quando a cidade ainda vivia em paz, porém, quando Atlantis afundou, todo o cristal foi dizimado junto de seu povo, exceto por um pequeno pedacinho que restou. Ao tocar no cristal de Atlantis, Árie não precisou nem mesmo fugir da cidade para despertar o guardião que terminou de matá-lo, arrancando metade do seu corpo. Quando viu o tenebroso guardião em seus momentos finais, Árie segurou o belo cristal contra seu peito e depositou todos os seus sentimentos nele: a dor de ser lançado para a morte por seu irmão e a dor da perder sua filha mais nova. Ele desejou de todo seu coração que Serena pudesse encontrar esse cristal um dia, porque a magia de Atlantis, misturada ao seu sofrimento, com certeza levariam Serena de volta ao mar.
Os dedos de Serena tocam o cristal antes mesmo que o soldado conseguisse fugir com os objetos de roubados. E, naquele instante, adormecido debaixo de Atlantis, o guardião abriu seus olhos, e em seu primeiro movimento, tudo tremeu, anunciando a sua chegada.
Jin estava muito ferido, mas ainda se mantinha firmemente de pé, mancando. Ele havia conseguido acertar Taehyung no abdômen, fazendo um grande e sangrento corte. Jimin tentou ajudá-lo, mas, para sua surpresa, o Comodoro atirou três vezes contra ele. Quando o feiticeiro observou Jack atrás de Hoseok, ele pensou em como o Comodoro era ainda mais idiota do que parecia.
O templo treme de novo e, dessa vez, uma grande parte do teto despenca no chão, quase os acertando. Todos olham ao redor e percebem que há algo de errado, por isso, na primeira oportunidade, Jin corre para fora do templo, sabendo que precisava se juntar com o restante de sua tripulação se quisesse sobreviver e sair vitorioso. Ele ainda não havia desistido.
Ao ver seu último aliado fugindo como um rato, Jimin se enche de raiva e desaparece com ele. Maressa queria ir atrás, mas ela não podia deixar sua irmã nesse lugar.
— Serena, vamos! — Maressa grita, sem conseguir enxergar em frente ao quê Serena estava parada.
Os três piratas se agrupam e checam seus ferimentos, ambos se ajudando. Jack agradece o Comodoro por ter ajudado, e Maressa corre para perto do lago, gritando por sua irmã mais uma vez.
O templo treme de novo, tão poderosamente que até os pássaros do lado de fora voam assustados.
Taehyung se afasta de Namjoon e Jungkook, e vai para perto de Maressa.
— Sirena! — Ele grita pelo apelido que havia dado a ela.
E então, Serena vira apenas sua cabeça para encará-los com olhos esbranquiçados e brilhantes. Suas mãos unidas em formato de concha carregavam o cristal que brigava mais que seus olhos.
— Fujam. — Isso é tudo que ela diz, fazendo todos ali se arrepiarem, antes que Serena afunde no lago, sumindo.
Taehyung e Maressa estão prestes a mergulhar no lago, quando são impedidos por Namjoon e Jungkook. Mais outra lasca do teto cai e os piratas precisam arrastar os dois para fora antes que todos morram. Hoseok joga Jack em um dos seus ombros e corre com ela para fora também, enquanto Serena fica para trás, no templo que desmorona.
Capítulo 35
Os meus olhos estavam fixos e o meu corpo não se mexia. Eu sentia o cheiro da maresia e escutava o mar, mas não o via. Na verdade, tudo era branco, parecia que eu estava presa em uma grande caixa branca.
Muitos sentimentos me atingiam, enquanto flashes rondavam a minha mente de uma só vez. Eu via tudo, mas não parecia estar no meu próprio corpo. Eu não podia entender o que estava acontecendo, mas tudo acontecia de um jeito único. Era como se eu estivesse assistindo a minha vida e a vida de outra pessoa, coisas das quais eu não me lembrava.
Eu via dias brilhantes, o oceano vasto e bonito. Eu via sofrimento e dor, sangue e morte. Eu escutava o canto das sereias e os gritos agoniantes. Eu ia da paz ao caos. Da vida, à morte.
O meu corpo inteiro formigava, obrigando-me a trazer de volta o que um dia eu perdi. Meus braços e pernas pinicavam de forma que coçava, mas eu não conseguia me mexer para coçar.
Os flashes continuam passando cada vez mais rápidos até que algumas lágrimas sem permissão escorreram por meu rosto. Antes, eu não podia sentir ou entender o sofrimento dessa história triste, mas agora tudo era diferente. Cada pedaço meu que foi roubado estava voltando ao lugar, se encaixando como se eu fosse um quebra cabeça.
Os meus olhos se fecham e eu finalmente sinto que encontrei a Serena adormecida na orla de Marlli.
— Atlantis esteve esse tempo todo esperando por alguém como você. — Uma voz doce e melodiosa entoa dentro da caixa branca, se misturando ao som do mar e cheiro da maresia.
Me viro lentamente e vejo um forte brilho em um dos lados da caixa, a voz vinha de lá, mas eu não via quem era.
— Aceite Atlantis e Atlantis aceitará você.
Sem medo ou receio, começo a caminhar em direção ao brilho, e um par de braços saem de dentro dele, enquanto uma mão segura o mesmo cristal que achei com o esqueleto do meu pai do mar.
— Erga e reconstrua o que um dia ruiu.
Sinto o meu corpo leve e uma atração muito forte pelo brilho. E conforme eu chegava mais perto, mais alto o som do mar e o cheiro de maresia ficavam.
— A partir de hoje, você irá controlar essa cidade e tudo que nela há, Sirena del Atlantis.
Respiro fundo e fecho os olhos, me entregando ao brilho que me envolve em seus braços quentes.
KRAKEN – EL GUARDIÁN DE ATLANTIS
Atlantis parou de tremer quando o grupo sobrevivente chegou na orla. Jin e Jimin já haviam fugido e retornado ao navio.
Todos corriam pela areia, mas param quando veem a água de cristal borbulhar agitadamente. O sol estava mais fraco e os tons de laranja refletiam por todos os lados. O vento do final de tarde soprava em direção ao pequeno grupo, balançando seus cabelos e roupas úmidas.
Com poucas armas restantes, eles empunham pistolas e espadas em direção à água, esperando o que sairia dela conforme o borbulhar se tornava mais alto e intenso.
Aquele familiar brilho reluz dentro da água, até que uma figura vestida em roupas azuis como o oceano esteja de pé na água. Seus olhos ainda estavam brancos e brilhantes, e seus longos cabelos se esvoaçavam perfeitamente alinhados e secos. Em seus braços e pernas, algumas escamas azuis-brilhantes enfeitavam sua pele, combinando perfeitamente com o cristal que reluzia pouco acima entre o vão de seus seios. O cristal estava dentro da sua pele, preso entre seus ossos, mas brilhava tão majestosamente que se podia ver através da pele como um belo colar.
Todos os pelos dos braços de Taehyung se arrepiam com a cena, enquanto Maressa sente suas pernas humanas fracas, ela sentia como se estivesse vendo alguém tão majestoso quanto seu pai um dia foi.
Serena se vira e faz um gesto para que todos a sigam quando ela caminha sobre o mar. Espantados e maravilhados, todos a seguem e se surpreendem ao perceber que também conseguiam caminhar sobre a água. Os pés descalços de Serena eram tranquilos e espiravam um pouco de água quando ela caminhava, mas, logo eles estavam passando pela passagem que os trouxe até Atlantis.
Dentro do caminho escuro, Serena perecia com a luz, guiando e direcionando todos. Quando param em frente ao pequeno lago que matou Stu, eles não veem mais os navios do outro lado, por isso, sabiam que precisavam ser rápidos. E então, em mais um gesto de mão simples vindo de Serena, uma corrente de água atravesse toda a entrada, passando ao lado deles e formando uma ponte de água por cima do lago ácido.
O grupo, e até mesmo Maressa, ficam ainda mais espantados, mas, sem contestar, continuam seguindo Serena, caminhando pela ponte de água que era tão firme quanto o concreto.
Eles chegam em segurança do outro lado e Serena os encara por um momento, avisando através de seus olhos brancos e brilhantes, que as coisas ainda não acabaram.
Os piratas, mesmos machucados, se atentam às suas armas e o Comodoro também. Jack e Maressa ficam um pouco mais atrás, em segurança, enquanto Serena vai na frente.
O som dos passos na água ecoa até à saída da caverna, alertando quem esperava do lado de fora. E estes, ao verem as sombras se aproximando, começam a atirar em uma emboscada pronta, tendo cada uma das balas repelidas por um grande escudo de água que se forma em frente ao grupo. Quando os tiros cessam, o escudo de água cai finalmente, revelando os sobreviventes de Atlantis. Do alto do navio, os olhos de Jimin se arregalam e seu lábio inferior treme, ele não podia acreditar no que estava presenciando.
Por estarem em maior número, a tripulação do Capitão Infâmia e os dois navios do Comodoro conseguiram render o Vingança e o Peste. E esse era o motivo de as tripulações piratas e dos áqueos estarem mortos ou presos pelos fios de magia do feiticeiro que, por sinal, rendia Inez e o Capitão Jackson da mesma forma que fez com Serena.
Jin, mesmo machucado, estava de pé ao lado de Jimin, e segurava pelo pescoço um corpo morto e estripado as tripas saltadas para fora da barriga.
Maressa corre por entre seu pequeno grupo e para do lado de Serena, completamente desolada com o que estava diante dos seus olhos marejados.
Sentindo a maldade fluir por suas veias, Jimin rapidamente molda um fio de magia duro e afiado, e, em um movimento rápido e violento, ele usa o fio de magia para cortar a cabeça de Uiara, separando-a do resto do corpo estripado.
O corpo despenca para fora do navio e Jin faz questão de lançar a cabeça ensanguentada em direção ao grupo de sobreviventes.
Maressa observa a cabeça rolar e bater nos pés de Serena, fazendo, neste momento, a sua ira despertar. Um forte vendaval surge abruptamente, balançando os navios e até mesmo derrubando alguns soldados. O corpo de Maressa é levantado no ar e, em um piscar de olhos chorosos, ela se lança como um tiro de canhão em direção ao feiticeiro, derrubando seu corpo no chão e atravessando todo o Tripa de Sangue.
Assustados, a tripulação do Capitão Infâmia e os soldados do Comodoro começam a atirar em direção ao grupo novamente, mas, outra vez, o escudo de água os protege.
Taehyung se aproxima de Serena.
— Será que você pode nos dar uma forcinha? — Ele ergue sua pistola. — Tenho negócios a tratar com o meu irmão. — Taehyung sorri como um pirata.
— Você acha que consegue libertar os presos? — Serena se vira para Jack - assombrada pelo olhar branco e brilhante da amiga.
Jack expira seu assombro e arranca a espada presa do cinto do Comodoro.
— Sim. — Ela responde, fazendo Hoseok a enxergar como uma verdadeira pirata naquele momento.
O escudo de água empurra todos os tiros para trás, pegando a aliança inimiga de surpresa. Eles param de atirar. Em seguida, Serena faz outro gesto de mão, e assim, pequenos pedestais de água levantam Taehyung, Namjoon, Jungkook, Jack e o Comodoro, os levando diretamente para o navio inimigo.
Os soldados encaram seu Comodoro, mas já foram avisados da traição, por isso, engolem em seco e se preparam para lutarem contra aquele que sabiam que era o melhor.
Quando os cinco saltam para a borda do Tripa de Sangue, Serena pula em direção ao mar fora da caverna, e quando seu corpo submerge, suas pernas rapidamente desaparecem, dando lugar a uma cauda azul-turquesa brilhantemente linda. Seus pulmões respiram normalmente quando ela começa a nadar mais rápido que o vento E, com mais uma grande guerra acontecendo na superfície, Serena cruza todos os navios, passando pelos poucos tubarões que sobreviveram, e volta para a superfície apenas quando reconhece o Vingança.
Outro pedestal de água a ergue de dentro do mar e suas pernas humanas retornam. O Vingança estava vazio, todos foram rendidos no Tripa de Sangue. Serena senta na borda da proa e espia a briga que acontecia nos navios da frente. Alguns piratas inimigos a veem, mas temem atacá-la depois do que viram, por isso, correm para o outro lado.
Serena olha sobre os ombros e fica encarando o convés vazio. Sem separar os lábios, ela começa a cantarolar baixo, mas sua voz de sereia é capaz de alcançar quem ela queria. Ela espera por poucos minutos e logo vê um pequeno animalzinho peludo atravessar o alçapão do convés.
Serena sorri para Duque, e o cachorrinho vem correndo e abanando o rabo em sua direção. Quando se aproxima da proa, ele se afasta, balança o traseiro e salta em direção os braços de sua dona que o recebe com um abraço.
— Está na hora de voltar, Królios. — Ela sussurra e beija o topo de sua cabeça peluda, antes de o colocar de pé na borda da proa.
O pequeno Duque encara a água e salta bravamente para fora do navio, e no instante em que suas patas pequenas e peludas tocam a água, o pequeno cachorrinho se transforma em uma grande e suntuosa criatura do mar. Suas patas possuíam unhas afiadas, iguais aos seus longos dentes de serra. A cauda era de peixe, mas o rosto parecia de um felino assustador com guelras.
Serena salta do navio e monta em Królios como se ele fosse um cavalo. O seu poderoso corcel do mar.
Silencioso como um tubarão, Królios começa a correr por cima da água e salta para o Tripa de Sangue, abocanhando dois piratas inimigos de uma só vez. Ambos morrem instantaneamente ao serem mordidos e os que estavam ao redor, saltam do navio, sendo surpreendidos pelos tubarões comandados por Serena.
Królios começa a correr pelo navio, atacando todos os piratas inimigos e soldados, enquanto Serena começa a cantarolar, fazendo com que um a um da aliança inimiga caia em sono, deixando de pé apenas Jin, que lutava contra Taehyung, e Jimin que tentava se libertar da fúria de Maressa.
O canto de uma sereia consegue adormecer ou paralisar um humano, porém, sua eficácia dependerá muito do poder que aquela sereia ou tritão possui. Da mesma forma, isso só é feito em pequenas quantidades, já que em um grande número de humanos, nem todos podem acabar encantados. Mas para Serena, nesse momento, isso não era um problema.
Quando a aliança inimiga adormece, todos param de lutar, mas sendo o feiticeiro trapaceiro que era, Jimin aproveita para acertar Maressa na barriga com um fio de magia, atravessando sua carne. A sereia cambaleia para o lado e tapa o ferimento, se afastando. Jin também tenta atacar seu irmão, mas Taehyung consegue disparar em seu único pé bom, assim, imobilizando Jin de vez. Os poucos piratas da irmandade e os áqueos libertos por Jack, começam a soltar os que ainda estavam presos.
Hoseok tenta atacar Jimin, que se lança no chão. Jack corre ao socorro do Comodoro, enquanto Namjoon e Jungkook disparam no feiticeiro, que desvia de todos os tiros. Mas, preocupado demais com os dois piratas, Jimin não percebe quando Jack pega a arma do Comodoro e atira, acertando em cheio o seu pescoço, que fica com um buraco no centro. Jimin toca o furo, do qual escorria muito sangue. Sua magia logo começa a curar o ferimento e ele se vira irritado para Jack, já imaginando como a mataria, mas é surpreendido por Inez e Capitão Jackson, que surgem sorrateiramente quando são libertos.
Królios se aproxima da confusão e Serena desce de cima dele. Em passos calmos, ela caminha até onde o feiticeiro ferido e caído de joelhos estava.
— Levante, feiticeiro. — Ela ordena e Jimin aperta os dentes.
Dominado por sua fúria, ele faz outro fio de magia e tenta acertar Serena, mas o fio nem mesmo consegue tocá-la. Então, ela o pega pela gola do casaco verde-escuro e o ergue com força, encarando bem seus olhos azuis malignos.
— Eu devo deixar que você escolha sua própria morte? — Ela pergunta, sem quebrar o intenso e carregado contato visual entre eles.
Era como encarar um espelho, tão igual e tão diferentes ao mesmo tempo.
— Não! Não o mate. — Maressa interrompe, se aproximando da irmã. — A morte é muito pouco para esse exilado. Ele merece algo pior, o sofrimento de viver sabendo que não passa de um prisioneiro sem poderes. Ele merece passar o resto de sua vida vendo a nossa vitória atrás de grades sujas, sem poder fazer nada. Se corroendo e remoendo até que não aguente mais e tire a própria vida como o miserável que é.
Enquanto Serena encara sua irmã, prestando bem atenção no que ela diz, Jimin amargamente percebe que não poderia mais fugir, ele havia perdido, estava cercado e sem aliados, por isso, quando Serena voltá-la a fitá-lo, pronta para cumprir o desejo de Maressa, ele a segura pela cabeça, fitando perigosamente os seus olhos brancos e brilhantes.
O feiticeiro sussurra algumas palavras que ninguém entende.
Rapidamente Serena o afasta e Maressa o desacorda com um golpe vento, o fazendo bater a cabeça na borda do navio. Inconsciente, Maressa pede que os áqueos libertos prendam Jimin.
— Antes de nosso pai vir para Atlantis, ele mandou fazer algemas especiais para Jimin. Ele sempre pensou que pegaria seu irmão, e pretendia usar essas algemas, porque elas inibem todos os poderes de feiticeiro que ele tem. E então, Jimin seria jogado no fundo de uma cela e definharia até seus últimos dias. — Maressa revela.
Serena assente, relembrando de todas os flashes que viu quando estava naquela caixa branca.
— Todos vocês, saiam desse navio agora! Precisamos voltar! — Serena grita para a irmandade e os áqueos.
— Devemos matar Infâmia rapidamente então? — Jungkook pergunta para Taehyung que estava perto de Jin, observando-o atentamente para que ele não tentasse mais nada.
— Não. Deixe-o para trás. A derrota dele ainda não acabou. — Serena responde.
Taehyung a fita e enxerga uma nova Serena, portanto, ele apenas faz o que ela pede e, assim, o que restou da tripulação do Vingança e do Peste voltam para seus navios. Os áqueos saltam no mar e nadam para longe com os navios, deixando para trás a tripulação adormecida do Tripa de Sangue e os soldados do Comodoro.
Navegando em direção à fumaça branca, Serena se aproxima da proa do Vingança e se senta nela como fez antes. Ela fecha os olhos e começa a cantarolar novamente e, dessa vez, ninguém além do guardião a escuta.
Curiosos, os piratas sobreviventes do Vingança a observam de longe, antes de terem suas atenções roubadas por agitações no mar e vários tentáculos gigantes que saem da água e abraçam os navios inimigos deixados para trás. Sendo o único acordado, Jin se desespera e tenta se arrastar pelo convés que é partido ao meio. Seus pés estavam machucados e, com isso, ele não pode fazer nada além de gritar exasperadamente, tornando sua voz o som de sua própria derrota quando ele e sua aliança inimiga são levados pelo monstruoso Kraken, o guardião de Atlantis.
Do convés superior, perto do leme, Taehyung assiste a morte de seu irmão, sentindo um peso e, ao mesmo tempo, um alívio em seu peito. Ele sabia do motivo pelo qual Jin se transformou nesse pirata desprezível, mas não se culpava por isso, as coisas foram como tinham que ser. Entretanto, o Capitão Infâmia ainda era seu irmão mais velho e Taehyung sabia que seus pais, aonde quer que estivessem agora, estavam chorando pela morte de um filho.
Quando já não havia mais nada sob a água, Taehyung devia seus olhos até Serena, observando o balanço dos belos cabelos loiros. E essa é a última coisa que ele consegue ver antes que seu corpo bastante ferido desmaie de exaustão e dor. Por sorte, Namjoon, que estava manuseando o leme, consegue segurar o Capitão, gritando por ajuda. Enquanto outros piratas se aproximam para ajudar, Serena olha sobre seus ombros e, nesse momento, ao ver o corpo desacordado de Taehyung, seus olhos voltam a ganhar o tom de azul-oceano de novo e ela sente seu coração disparar.
A SEREIA E O PIRATA – ADIÓS
Os ventos sopravam suavemente como uma canção que se espalhava por toda orla, enquanto alguns grãos de areia sobrevoavam o chão, formando círculos baixos de poeira.
Tudo era calmo e relaxante, um deleite de fim de tarde com luzes alaranjadas que se punham no horizonte, sumindo por entre a imensidão de águas calmas e brilhantes.
Se sentindo completamente diferente do pacífico dia, Serena engole em seco o bolo que ardia em sua garganta. O vento balançava calmamente seus cabelos e vestido branco, de forma agradável.
— Então... acho que é isso. — Ela começa, segurando as próprias mãos na frente do corpo, segurando um cordão preto com uma pequena pedra esverdeada na ponta.
Ele sorri, observando todos os detalhes do seu belo rosto, da qual ele não queria esquecer.
— Eu sou um pirata de palavra. — Taehyung fala, calmamente. — Você está livre agora, Sirena.
Serena respira fundo.
Após saírem de Atlantis, Taehyung e outros piratas precisavam de cuidados urgentemente. Então, após passarem pelo que havia restado da guerra entre a irmandade e os soldados - do outro lado do redemoinho, apenas os piratas sobreviventes estavam esperando algum retorno, já que os soldados seguiram as ordens do Comodoro: “se perceberem que muitos de nossos homens estão morrendo, deem meia volta e retornem à corte”. A verdade era que Hoseok, no fundo, já sabia que ficaria do lado de Jack, por isso, em um último gesto, tentou retirar seus soldados do meio dessa grande confusão que ele os meteu.
Uma boa parte da irmandade foi morta e os que sobreviveram quase não acreditaram quando viram o Vingança e o Peste retornando. Portanto, após o reencontro, todos zarparam para sua vitória. Primeiro foram cuidar dos feridos e depois se reuniram em Tortuga com áqueos para conversarem sobre os tesouros. Serena, como nova guardiã da cidade perdida, sabia que agora tudo estava em suas mãos e que, se fosse de sua vontade, os piratas conseguiriam sua parte do acordo sem que o Kraken os atacassem. Sendo assim, posterior a melhora dos feridos, os piratas e os áqueos voltaram a Atlantis e os tesouros foram repartidos igualmente, considerando, mesmo assim, que ainda sobraram muitas riquezas, pois eram tantas que seria impossível levar tudo.
Ricos e vitoriosos, todos navegaram para comemorar sua glória por serem aqueles a desbravarem um lugar do qual ninguém nunca havia saído com vida.
Se os piratas ficaram com o ouro, os áqueos foram presenteados com a própria Atlantis. Depois de voltar para sua casa em Marlli, Serena levou Maressa para conhecer seus pais, e os quatro tiveram uma longa conversa. Antes de mais nada, Serena agradeceu aos deuses do mar por seus pais estarem vivos; e, naquele momento, mais nada foi um segredo, pois eles contaram o que verdadeiramente viram quando encontraram Serena na orla e ela contou sobre sua verdadeira história. E embora se lembrasse de tudo agora, Serena não sabia se conseguiria abandonar sua vida humana, por isso, eis que todos chagaram em um acordo: Serena se mudaria para Atlantis com seus pais, a cidade estava dividida entre o mar e à terra, desta forma, as duas espécies poderiam viver juntas. E isso não seria tudo, porque Serena também levaria outras pessoas com ela, como sua melhor amiga Jack e a família dela, e, claro, a mamãezinha Dana, que foi encontrada e visitada quando toda a confusão finalmente acabou.
Serena tinha um dever com os áqueos e com sua família da terra, e apenas em Atlantis ela iria conseguir unir suas duas vidas. Atlantis era uma cidade rica e tranquila, e agora que Serena a conquistou, ela sabia que o lugar seria muito bem protegido pelo Kraken enquanto essa fosse sua vontade. As lendas sobre Atlantis já estavam se espalhando pelos sete mares e todos sabiam sobre a Sirena del Atlantis, e se mesmo assim alguém tentasse invadir o lugar, não só os áqueos, mas o monstruoso Kraken se encarregariam de expulsar os intrusos.
O clima era de comemoração para muitos e despedida para outros. Durante o caminho de volta, Jack tentou convencer Hoseok a se juntar aos piratas ou a fugir com ela. Ele recusou se tornar um pirata, sua alma de comodoro não permitia, e por mais que sua maior vontade fosse, de fato, fugir com Jack, ele não podia fazer isso também, ainda precisava pagar suas dívidas para com o rei, os soldados mortos e os feridos que fugiram. O Comodoro poderia fingir que também havia morrido e, desta forma, estaria livre para viver uma vida com Jack, porém, a palavra livre não lhe parecia a melhor, porque ele se sentia preso, sua consciência pesava por todos os colegas que ele matou e que morreram durante a guerra no mar. E, por este motivo, Hoseok decidiu que iria se entregar ao rei como um traidor e aceitaria qual fosse sua punição, mas, antes que chegasse na corte, ele declarou seu amor por Jack e finalmente roubou seus lábios, sabendo que se fosse condenado à morte, o gosto doce da boca de sua amada seria seu último pensamento.
O vento balança o casaco e a camisa do pirata, revelando alguns pedaços das ataduras enroladas em seu tronco, cuidando dos machucados que ainda se curavam e doíam um pouco, mas nada que incomodasse.
Serena finalmente estava livre.
Enquanto esteve navegando no Vingança, Serena pensou várias vezes sobre como seria ter sua antiga vida de volta, mas após tudo que aconteceu, ela sabia que não poderia ter essa vida de volta. Ela iria para Atlantis, teria que encarar sua responsabilidade com o povo áqueo e nunca mais veria um pirata sequer, a menos que algum tentasse invadir Atlantis.
Ela deveria estar aliviada, ao menos ficaria longe de problemas daqui para frente. Não precisaria se preocupar em bolar um plano mirabolante para escapar de um navio pirata, ou procurar um tesouro lendário.
— Hora de ir! — Namjoon grita do navio que estava ancorado na orla da praia.
Os piratas não podiam ficar muito tempo ali ou os moradores poderiam chamar a guarda do rei.
Namjoon e Jungkook - do seu lado - acenam para Serena, que já havia se despedido dos amigos piratas.
Serena respira fundo pela segunda vez e estende o colar que segurava.
Taehyung encara o bonito objeto e arqueia uma sobrancelha.
— Eu sei que agora você tem muitos tesouros, mas eu quis te comprar isso... bem, é apenas para que você nunca diga que eu não te dei nada além de confusão. — Ela explica, timidamente.
Ele ri baixo, encantado com cada expressão de sua eterna sereia.
Taehyung pega o colar e o coloca no pescoço, sem saber que aquela pedra esverdeada foi levada secretamente - por Serena - até à cabana de Darcy, onde a sereia pediu um favor para a bruxa do pântano. E assim, Darcy fez o mesmo feitiço que Jimin já havia usado. Enquanto Taehyung usasse aquele colar, Serena sempre saberia onde encontrá-lo, e mesmo que ela nunca mais o visse, ela o acompanharia de Atlantis, através da pequena concha mágica que tinha.
— Adeus, Sirena. — Taehyung se despede, antes que fosse gritado mais uma vez.
— Adeus, Capitão. — Serena sente seu coração se apertar dolorosamente.
Taehyung se vira e começa a caminhar em direção ao navio, mas acaba parando na metade do caminho. Ele enfia a mão dentro do casaco e puxa uma moeda de ouro, ele se vira e a lança em direção a Serena. Depois disso, segue seu caminho e se pendura na corda da âncora, que é içada, fazendo o navio zarpar de Marlli.
De dentro do navio, Taehyung faz um gesto de adeus e sorri pela última vez para a sereia na praia. Serena permanece na orla até ver o Vingança de la Rainha Hanna sumir no horizonte.
Ela encara a moeda de ouro e sorri, antes de se virar e ir embora.
A RAINHA DE ATLANTIS – EL FIN
A brisa fresca entra em pela janela de pedra e balança os longos fios texturizados dos cabelos de Serena. Ela estava sentada em frente a uma bonita penteadeira antiga, encarando seu reflexo, mais especificamente, a coroa posta no topo de sua cabeça; ao que parece, ela havia sido de sua mãe do mar.
Sem que Serena percebesse, Maressa a observava da porta entreaberta. Ela estava preocupada com a irmã mais nova. Agora que Uiara estava morta, Serena era sua única família, e após ver Uiara se culpando por anos pelo que aconteceu a Serena, ela não queria que mais uma de suas irmãs fosse infeliz. Maressa sabia que Serena tinha criado uma espécie estranha de ligação com os piratas e a todo momento ela se perguntava se Serena não deveria estar com eles.
— Você não parece feliz. — Maressa releva sua presença e Serena olha sobressaltadamente para trás.
Ela pisca algumas vezes e suspira.
— Só estou nervosa mesmo, não sei se posso ser uma boa líder.
— Pelo que escutei, você liderou inúmeras confusões enquanto esteve navegando. — Maressa comenta, rindo, enquanto se aproxima.
Serena desvia o olhar e ri fracamente.
— Não se lembra de tudo que fez quando estivemos aqui pela primeira vez? — Maressa repousa sua mão no ombro da irmã.
— Só fiz aquilo porque estava dominada por Atlantis. Se eu estivesse em meu estado normal, com certeza poderia ter morrido.
— Você se subestima muito, Serena. Aposto que não pensou assim quando liderou o motim ou o resgate. — Delicadamente Maressa aperta o ombro da irmã mais nova e depois segura em sua mão, a puxando suavemente para que ela levante. — Eu tenho certeza que você será uma ótima líder, esse é o seu destino desde que nasceu. — Maressa segura o rosto delicado daquela que ela tanto amava. — Atlantis te escolheu, você entende isso?
Serena desvia o olhar de novo e não responde.
Maressa suspira.
— Independente do que eu acho, você deve ser a única a fazer essa escolha Serena. — Surpresa, ela volta a fitar Maressa, que sorri ternamente. — Isso é o que você quer?
Serena pensa por alguns segundos e... assente.
Ela sabia que esse era o seu destino, como sua irmã falou. Esse era o sonho do seu pai do mar, o seu dever com o povo áqueo que passou anos e anos a procurando. Muitos morreram apenas para que Serena recuperasse suas memórias, inclusive, uma de suas queridas irmãs, por isso, ela não poderia ser egoísta e virar as costas para todos agora.
Serena assente com mais convicção e Maressa sorri orgulhosa.
Ela volta a segurar a mão da irmã e a conduz para fora do quarto, elas não precisam andar muito, apenas dão alguns passos e param perto de uma grande abertura que dava para uma sacada gigantesca. E ao passar por essas portas abertas de vidro com detalhes em ouro, a vida de Serena mudaria para sempre.
Maressa encara sua irmã, solta sua mão e entra na sacada, ela olha além do batente e depois se vira para Serena, esperando com ansiedade que ela a siga.
Serena fecha os olhos e as mãos, e respira fundo antes de dar o primeiro passo adiante. Ela hesita, mas dá o segundo passo e assim consecutivamente até escutar uma salva de palmas direcionada a ela. Embaixo da alta sacada, sua família e amigos da terra a observavam, juntamente dos áqueos e animais do mar que estavam dentro de um dos inúmeros lagos de Atlantis. No colo de Jack, o pequeno Duque - que agora mantinha suas duas formas - se agita e late ao ver Serena.
Apesar de estar nervosa, Serena estufa o peito e se aproxima de vez do batente da sacada, ficando do lado de Maressa, enquanto é coroada e proclamada como a mais nova rainha de Atlantis.
Sirena del Atlantis, a sereia mais poderosa dos sete mares.