Semiapagados

Escrito por Ray Dias | Revisado por Mariana

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Capítulo 1

Tempo Presente

  Eu havia acordado às seis horas da manhã, e às oito e meia da manhã, Lucas não parava de falar sobre quais coisas Miguel gostaria de colocar em sua malinha. Miguel mal dormira de tanta ansiedade, e no meio da noite foi para o meu quarto pedindo para dormir comigo. Eu estava acabada de cansaço, pois além do meu filho se mexendo a noite toda na cama, meu sono também havia sido roubado por inquietudes desconhecidas.
  Às sete da manhã, ainda preparava o café quando vi Miguel pulando em seu padrinho – Lucas – e implorando para que ele ligasse o aparelho de som. Lucas me olhou como se pedisse permissão, e eu apenas assenti com um meio sorriso. Lucas colocou o CD para tocar e Miguel cantava as músicas apaixonadas do pai, estava eufórico e sorridente. O maior fã de Luan, era, sem dúvida, o seu filho. Apressei Miguel para o café da manhã e sentamos os três: eu, meu filho, meu melhor amigo e também padrinho de Miguel. Miguel conversava animado com Lucas sobre os planos que teria com o pai e eu, embora feliz por meu filho, também estava preocupada. Às oito da manhã eu já estava vestindo e penteando os cabelos de Miguel. E como dito, às oito e meia da manhã Lucas organizava os últimos itens na malinha do afilhado.
  — Pronto, filho, agora é só aguardar o seu pai chegar.
  — Já está na hora?
  — Não, filho, seu pai chegará às dez. E agora são oito e quarenta.
  — Campeão, por que você não assiste aos desenhos? Ajuda a passar rápido a hora. – disse Lucas como se contasse um grande segredo.
  Miguel correu para a sala de tevê.
  — Eu nunca o vi tão ansioso para ver o pai. – disse Lucas.
  — Ele tem sentido muita falta do Luan e eu estou muito preocupada com isso.
  — O que você pretende fazer?
  — Eu não sei, Luke, não posso cobrar mais do Luan. É o trabalho dele.
  — Tenho certeza que assim que você conversar com Luan, ele fará o esforço necessário para o melhor do Miguel.
  — É, é o que eu espero.
  — Eu quero te dizer que eu estou muito feliz de estar aqui com vocês dois. E eu sempre farei o que eu puder e não puder, por você e pelo Miguel.
  — Ah irmão, você sabe que eu também sempre estarei contigo. Mas, embora minha intuição me diga o contrário, eu tenho certeza de que é só uma fase. Miguel está começando a entender as coisas, e essa turnê do Luan foi uma surpresa para ele.
  Luke havia ido morar comigo e com Miguel, assim que eu e Luan nos separamos. Nós resolvemos dar um tempo, e ainda não tínhamos nos divorciado legalmente. Luke também havia rompido o namoro com Marcos. Os dois estavam juntos há muito tempo, quando ainda estávamos na faculdade. Eles eram o tipo de casal que eu sempre achei que não fosse dar certo. Tão diferentes um do outro. E foi Marcos chegar nas nossas vidas, para eu sair. Eu amava o Marcos, por ele amar Lucas e aos poucos ele também foi conquistando o meu coração. Depois que Lucas e eu terminamos a faculdade, a minha vida sofreu uma grande reviravolta: eu trabalhava numa clínica da zona sul do Rio de Janeiro e recebi proposta em Minas Gerais, não pensei duas vezes em me mudar. Cerca de dois meses depois eu estava em minha nova casa em Belo Horizonte. A minha mudança trouxe muitas dificuldades para nós no começo, mais que um amigo, Lucas era um irmão. Morávamos juntos há anos.
  Eu comecei a morar sozinha na capital Belo Horizonte de aluguel. Trabalhava em três clínicas, uma delas eu gerenciava – pois fora a proposta que me fez ir embora do Rio – e não demorou muito para que eu alcançasse uma posição confortável no trabalho. Antes de conhecer o Luan, eu já havia proposto ao Lucas vir morar comigo, assim que eu financiei meu apartamento. Não tinha ainda pagado nem a terceira parcela do financiamento, e estava quebrada financeiramente. Comecei a trabalhar o dobro para recuperar meu conforto, mas estava feliz pela conquista do próprio imóvel. Se não fosse a ajuda dos meus pais, eu também não teria conseguido tão rápido. Lucas e Marcos estavam vivendo um suposto pré casamento na relação e tudo caminhava bem para eles. No dia em que Lucas me telefonou contando da separação, eu não pensei duas vezes antes de dizer para ele vir embora. E ele veio e comigo estava desde então.
  Terminamos de arrumar a cozinha e enquanto Luke fazia companhia ao Miguel na sala de tevê, eu fui tomar banho. Ao acabar de pentear meu cabelo, eu voltei para a sala e pegava o telefone para ligar ao Luan. O relógio marcava dez horas e, embora eu devesse esperar mais um pouco, já me preocupava com um possível atraso.
  — Mamãe, quantas horas?
  — Eu já estou ligando para o seu pai.
  Assim que terminei de falar, a campainha do apartamento tocou. Miguel pulava sorrindo e eu o sorri de volta. Fui em direção à porta, e ao abrir lá estava o sorriso mais lindo do mundo. O sorriso tão idêntico ao de Miguel. E os mesmos olhos castanhos, tão profundos e pacíficos mal tiveram tempo de me encarar. Miguel pulou no colo do pai. Sorri com a cena, como eu sempre sorria ao ver os dois. Miguel desceu do colo do pai, e veio me abraçar. Agachei à altura de meu filho, e olhando em seus olhos disse:
  — Filho, a mamãe quer que você aproveite todos os momentos com o papai, tá bem?
  — Pode deixar. – ele sorria largo e eu o olhava, com os mesmos olhos preocupados da noite anterior.
  — Eu te amo muito.
  Miguel respondeu um “eu também” e novamente nos abraçamos apertado. Luke cumprimentava Luan. E ao me separar de Miguel, finalmente pude cumprimentar meu ex.
  — Bom dia, . – ele disse me abraçando.
  — Bom dia, Luan, como vai?
  — Eu vou bem, e você?
  — Também. – sorri amigável.
  — Luke, se importa de esperar com Miguel na porta do elevador? – Luan perguntou ao Lucas quando viu que Miguel já estava na porta do elevador ansioso.
  — Algum problema? – perguntei.
  — Você quem vai me dizer. Por que está tão preocupada? Tem alguma coisa acontecendo com o Miguel?
  — Tem sim, Luan. – suspirei cansada — Ele tem sentido muito a sua falta. Mal dormiu esta noite se mexendo na cama, acordou eufórico, colocou o seu CD e está te aguardando desde as seis horas da manhã. E eu não estou te cobrando nada, mas eu me sinto muito culpada por tê-lo feito passar por tudo isto.
  Assim que terminei de falar suspirando pesadamente, abaixei a cabeça. Luan pegou meu queixo me fazendo olhá-lo.
  — A culpa não é sua. Não seja tão dura com você. O único culpado nisso tudo fui eu, que acabei negligenciando a nossa família. Pode ficar tranquila porque eu também sinto muita falta dele e eu estarei o tempo inteiro com o Miguel. Eu vou aproveitar cada minuto, e ele vai se divertir muito. Eu vou dar o meu melhor, porque eu também sinto falta de…
  Antes que ele pudesse terminar de falar, Pedro surgiu ao lado dele me cumprimentando e me beijando.
  — Oi amor. Bem, você já conhece o Luan – sorri fraquinho — Luan, este é o Pedro.
  — Finalmente eu pude conhecer o papai do Miguel.
  Pedro disse cumprimentando Luan, tentando soar simpático e após Luan respondê-lo, meu namorado voltou-se a mim:
  — Querida, eu trouxe as coisas para fazer seu prato favorito: bife à parmegiana.
  Sorri sem graça. Aquele não era o meu prato favorito. Pedro deu as costas em direção à cozinha e eu voltei a encarar Luan.
  — Acho que precisa contar para ele que o seu prato favorito é bobó de camarão, ou na falta, qualquer tipo de massa. Ou não é mais?
  — Pode ficar contente em saber que você ainda tem razão sobre isso. – eu sorri.
  — , no próximo fim de semana é o aniversário da minha mãe. E eu sei que é o seu fim de semana com o Miguel, mas eu queria saber se você se importa se eu levá-lo para o sítio. Mamãe está com saudades dele e de você, e do Luke também. O convite é extensivo.
  — Eu tinha planejado algumas coisas com Miguel, mas se ele quiser ir não tem problema. Eu passo os outros dois fins de semana seguidos com ele. Tudo bem?
  — Certo, mas pensa direitinho sobre você e Luke também irem. Mamãe está realmente com saudades.
  — Eu vou pensar. – sorri e ele beijou meu rosto saindo.
  Lucas voltou para casa após se despedir de Miguel, e Luan acenou no elevador. Meu ex e meu filho entraram no elevador e eu fechei a porta, com uma angústia diferente no peito.

CONTINUA...



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