Screaming A Lullaby

Escrito por Stelah | Revisado por Lelen

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“Fecha-te os olhos e não ouse abri-los outra vez. Pois o medo que te assombra voltará para comer suas entranhas e fazer de ti morto.”

  Todas as noites, depois que eu me deitava por sobre a cama e apagava a luz. Ele aparecia diante da porta, parado entre ela e o corredor escuro.  Era como se sorrisse, um daqueles sorrisos de canto, maliciosos, não sei se posso afirmar. O garoto se apoiava na parede ao lado da cabeceira, cruzando seus braços e deixando que a franja de seu cabelo preto cobrisse seu rosto enquanto eu discutia comigo mesma se fechava ou não os olhos, se me cobria ou não até a cabeça.
  Finalmente decidida, com o lençol no rosto numa tentativa de fuga. Eu tentava fechar os olhos e dormir, mas me parecia impossível. Senti seu peso por sobre o colchão e o leve do seu toque em meu rosto a me acariciar, protetor como um anjo.
  Agora ele se deitava ao meu lado, apoiando seu braço por meu corpo, como num abraço, deixando-me um tanto desconfortável. E de repente eu ouvia soar gritos baixos de desespero, perdidos naquele cubículo pequeno. Era como uma canção de ninar que não tinha a intenção de me fazer dormir.  Mas depois de um tempo eu contrariava seus desejos e adormecia, esquecendo-me de todo o pesadelo. Olhos fechados em busca de um sonho bom que nem sempre vinha.
  Ao abrir os olhos num novo dia, algumas memórias vinham à tona, fossem reais ou sonhadas, elas vinham. Mas nunca eram compartilhadas, fugiam de qualquer tentativa minha de não as manter apenas para mim. E então, na maioria das vezes eu o esquecia e esquecia de suas canções.
  Um pouco de tensão, tentativas de adivinhação, eu tentava e tento de tudo. Porque num corredor escuro, trajando um jeans velho e regata branca, chamaste meu nome, querias me domar. Porque acompanhado de uma garota, encaraste-me de forma tentadora e uma dessas jovens, um dia, de um orfanato qualquer, questionou-me quanto a ti.
  Você se lembra, quando estávamos lado a lado e gritavam-nos com desespero? Quando sua imagem era um símbolo de ironia daqueles que não podem ver? Ela se foi, implorando sua ajuda.
  E eu temi ir para de onde vieste, . Eu temi estar presa à sua escuridão. Porque cada segundo que passa, eu conto, é menos um segundo para quando irás me buscar. É menos um segundo para eu te encontrar.
  Agora eu fujo, fujo do que estive procurando. Você me acalenta enquanto és meu maior tormento. Você me ensinou a ter medo da morte, quando meu maior medo era viver.  Silenciou meus ouvidos com o doce som de sua voz e assombrou minha mente quando o vazio a penetrou. E eu te desejei dentro de mim. E você esteve dentro de mim. Fomos um só solitário, um só partido coração.
  Quando se foi, eu pude sentir. A última visita, a última canção, a despedida. E eu chorei, como nunca havia feito antes. Mas eu deixei, mesmo doendo eu deixei você partir. Em pedaços eu também fui partida, ainda sangro, ainda choro, porque ainda dói.
  A noite vem quieta, escura, não te ouço. Então o ciclo recomeça e eu volto a te procurar. Eu volto a temer a vida. E a parte mais difícil é que sei, sei que tudo pode voltar, menos você.



Comentários da autora


  Eu me sinto assim, como se a qualquer momento eu pudesse abrir os olhos e ser fisgada pelo meu próprio medo. Medo de sofrer, de ser julgada. Medo de amar, de ser amada. Medo de perder alguém que amo, medo de partir e fazer alguém que me ama arder em dor. Complexo medo que eu tenho, difícil de escapar. Tenho medo da vida e do que ela pode nos reservar...