Royalty In Wonderland

Escrito por Camille Carboni | Revisado por Pepper

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  - Por que não podemos sair daqui? – suspirei com a cabeça apoiada no ombro de minha irmã, Emma, que estava sentada ao meu lado. O relógio mostrava que há algumas horas já não era meio dia, porém os raios de sol mantiveram sua intensidade, e ao mesmo tempo, um pouquinho de felicidade para mim. Atípica e incrível, aquela tarde deveria ser mais agradável do que fugir da Holanda em Dezembro, para qualquer país do hemisfério sul que me fizesse ver praias ao invés de neve: o brilho do sol iluminava cada canto do jardim, seja para deixar as tulipas mais rosadas, a água do nosso pequeno lago a reluzir ou adicionar um pouco de magia aos pássaros, que entoavam uma desorganizada sinfonia em alguma árvore ao meu redor. O céu adquirira o mais incrível tom de azul, aquele que mamãe costumava comparar aos meus olhos quando eu era pequena; nem mesmo uma nuvem era empecilho ao imponente sol, tão raro à minha pele, e bom, eu apenas adicionaria algumas bicicletas e duas ou três amigas à paisagem, talvez chocolates e waffles também, para que nada fosse capaz de estragar as gargalhadas a irromperem os animados pássaros. Esta seria a tarde perfeita. Até que mamãe, com seu tom de voz frio e severo, repetiu as palavras como se houvesse um gravador instalado em suas cordas vocais.
  - Não, Alice, já disse que você não pode sair com aqueles seus amigos! A companhia de Emma não é o suficiente? Ela não reclamou nem mesmo por um segundo quando anunciei a agenda do dia. – seus grandes olhos não deixaram de observar os relatórios em suas mãos nem por um instante. Como se eu não fizesse diferença, ela apenas pronunciou o discurso de sempre, que incluía uma ácida comparação entre minha irmã e eu. Emma, a filha perfeita, princesa queridinha, dona de classe e elegância inigualáveis, o exemplo que toda a Holanda quer que suas filhas sigam. Emma só fala quando deve, só anda quando deve, só dorme quando deve. Será que ela também só respira quando “A etiqueta real permite”? Eu não duvido. Um ano mais nova que eu, ela enche a sala de sorrisos quando adentra o cômodo, uma reação inversa ao que eu vejo expresso no rosto de todos quando meu corpo magro desajeitado passa pela soleira. Eu vejo olhos arregalados, como se todos entrassem em estado de alerta, aguardando o momento em que a toda opiniões abriria a boca para nunca mais fechar nem parar de questionar, sibilar, ironizar e satirizar. Mas o que eu poderia fazer? A asfixia está bem além dos espartilhos que minha mãe insiste que eu e minha irmã usemos, ela está em todas as paredes e afrescos desse palácio, escondida entre os fios de meus lençóis, confundida com açúcar em meu suco de framboesa e infiltrada em cada olhar que me lançam.
  - Mãe! Eu quero saber o que é ser uma adolescente de 17 anos, por que eu não posso? Por que eu preciso passar horas de uma tarde incrível ironicamente trancada no jardim, apenas com a companhia de um livro que você escolheu? Por que você precisa me comparar à Emma durante todas as nossas conversas? Por que eu não posso ser apenas Alice, filha de Sophie e Thomas, pelo menos uma vez na vida? Por que eu preciso ser Alice, princesa e filha de Sophie, rainha, e Thomas, rei, e sem esquecer de irmã de Emma, a princesa feita de porcelana? – eu perdi o controle de minhas palavras, para variar, e acabei expressando minha raiva por meio de um tom de voz elevado, o que não agradou a minha mãe e era visível em seus olhos, que agora resolveram me encarar.
  - Volte para o jardim, Alice, não quero mais ouvir suas perguntas. – sem perder a elegância e nem mesmo a frieza, Sophie voltou para seus relatórios no instante seguinte, como se nada tivesse acontecido.

  - Alice, pare de reclamar! – Emma suspirou ao meu lado e virou mais uma página do exemplar de “Os Miseráveis” em seu colo. – Você deveria agradecer pela vida que temos, mas prefere encontrar defeitos em cada centímetro desse lugar.
  - Você não entende... – resmunguei e voltei às páginas de “O Príncipe”. Estaria mamãe tentando entrar no meu jogo de indiretas?

  A tarde passou como uma ida de bicicleta até a Sibéria, longa, cansativa, dolorosa e fria. Lamentava mentalmente não poder sair às ruas para passear com minhas cadelas, Lola e Charlotte, lamentava não poder subir na amoreira que avistei há poucos metros de mim, e lamentava não poder saborear minha fruta favorita enquanto me equilibrava nos galhos, e claro, fazia manobras para manter a postura e o vestido no lugar. Mas não havia mais nada legal a se fazer, apenas preencher meus pensamentos com Maquiavel por mais algumas horas, enquanto eu teria que ignorar a atmosfera impecável que me cercava. E tentava não me frustrar com o sorriso que não hesitaria em sair, caso eu pudesse aproveitar cada centímetro do jardim.

  O leve tecido do meu vestido lilás já não era o suficiente para me proteger do vento e da queda de temperatura, que logo denunciou a noite e significava adentrar o palácio e permanecer lá até a próxima tarde. Droga. Só então percebi que ficar no jardim, apenas com meu livro e Emma, era o máximo de liberdade que eu conseguiria. Meus pensamentos não eram perturbados pelas vozes de minhas criadas, nem pelas ordens de meus pais, e muito menos pelos professores insuportáveis que ocupavam minhas manhãs, ao me dar aulas sobre tudo o que você puder imaginar. Era bom ter horas só para mim e para meus pensamentos sedentos pela curiosidade de encontrar novas ruas. Era bom ser livre de pelo menos algumas coisas, mesmo que por poucas horas.
  Conformada com o fim de minha limitada liberdade, dei um último suspiro, deixei meus olhos memorizarem o início do pôr-do-sol sobre o lago e me preparei para encarar Sophie e Thomas dentro de poucos minutos. Sem mais delongas e irritada com as possibilidades que meus pensamentos formaram, fechei o livro em minhas mãos e deixei as sapatilhas caminharem sobre a grama, rumo ao meu martírio. Mas durante minhas perspicazes observações da arquitetura do palácio, encontrei uma janela do primeiro andar livre de cortinas, e a desfocada imagem formada pelos meus olhos paralisou minhas sapatilhas no mesmo instante.
  - Julian? – a voz escapou quando o homem elegante e dono de cabelos louros impecavelmente penteados, foi reconhecido pela minha memória. Julian é um primo distante, mas é provável que apenas nossas famílias saibam disso, já que não me recordo de nenhuma menção pública ao nosso parentesco. Eu, Julian, Emma e Tessa, sua irmã mais nova, passamos boa parte de nossa infância juntos, correndo por este mesmo jardim e descobrindo o que há por trás de todas as estantes do palácio – nada de passagens secretas, devo adiantar. São as memórias mais vívidas e felizes que guardo de minha infância, por mais que os vestidos sempre colocassem as meninas em desvantagem quando as brincadeiras envolviam corridas. Até mesmo as lágrimas que surgiam após uma derrota para Julian hoje me fazem sorrir.
  Ele sempre foi dono de uma beleza magnífica. Apesar dos olhos azuis e cabelos louros típicos, ele se destacava com uma elegância intrínseca, chamava a atenção com os olhares calmos, e arrancava suspiros de suas colegas de classe quando concentrava todo seu charme em sua voz, apenas para declamar algum poema de Gerrit Kouwenaar, seu poeta favorito, durante as aulas de Literatura. Mas ele era mais do que postura impecável e dentes alinhados em um sorriso perfeito, Julian sabia ser um príncipe, literalmente, e também sabia ser normal. Sabia das cordialidades que lhe cercavam e sabia me jogar no lago, só para rir do meu stress, e depois fazer milagres para que eu entrasse no palácio sem deixar marcas d’água pelo mármore.
  Quando ele e sua família ainda moravam na Holanda, nossa amizade era simples e fácil, mas há quatro anos eles se mudaram para a Bélgica, e eu tive que me contentar com a condescendência irritante de Emma durante repetidas tardes. Nós nunca mantivemos contato, e as formais conversas durante encontros reais eram tão falsas, que hoje seu nome é citado em discussões aleatórias e bem, infelizmente sinto que não sei mais quem ele é. Mas uma fagulha de otimismo me faz acreditar que ele ainda me irritará ao me chamar de Lili, apelido que eu sempre odiei, e claro, ele não perdia a oportunidade de gargalhar quando minha reação ao apelido era a mesma: cruzar os braços e murmurar em voz de choro que meu nome era Alice. Sem apelidos. Sem diminutivos. Apenas Alice.
  Livrei-me de tais devaneios e tornei a caminhar novamente, desta vez analisando cada movimento vindo de janelas e portas, porque eu já começara a planejar como minha chegada ao escritório de meu pai no primeiro andar, onde certamente ele e Julian conversavam agradavelmente. Pelo menos, até minha ilustre presença abrir a enorme porta de madeira e interromper sua incrível discussão sobre a onda de calor que atingia o país.

  - Princesa Alice, que honra poder encontrá-la! – Julian me lançou seu melhor olhar e sorriso logo que apareci em seu campo de visão.
  - Príncipe Julian, devo dizer que nossos sentimentos são recíprocos. – respondi enquanto me esforçava para manter a postura e as mãos paradas. Passar boa parte de meus verões e feriados na Itália me deixou uma herança nada condizente com a etiqueta.
  - Temo que sua conduta não tenha sido apropriada, Alice, e garanto que Julian e vossa alteza poderão se encontrar mais tarde. No jantar que será servido daqui alguns minutos. – meu pai focou seus grandes olhos verdes em mim e, depois de 17 anos convivendo com a mesma reprovação em sua íris, nem mesmo um arrepio corre minha espinha quando percebo que o gesto vem junto de seu maxilar cerrado. Apenas preciso conter o riso que adoraria escapar pelo canto de minha boca.
  - Peço desculpas por atrapalhar a importante conversa que vossa majestade e vossa alteza mantinham antes de minha chegada, garanto que minha questionável etiqueta não será um comportamento corrente. Deixarei os dois a sós, com licença. – adicionei todo meu sarcasmo à minha fala e me sai da sala, deixando um Julian boquiaberto, e certamente louco para rir da situação, e um Thomas ainda mais irritado - e provavelmente questionando onde havia errado em minha educação. Tarde demais, papai.

  Aos meus olhos, minha família era patética. Sinceramente, qual era a necessidade em manter a formalidade exagerada em uma conversa como aquela? Eu estava lidando com meu pai e meu primo e melhor amigo por anos, ou com a família real da Noruega? Nada explica as loucuras que Thomas e Sophie instalaram nesse palácio. Ontem mesmo me questionei se era possível passar a coroa à Emma logo que ela completasse os tais 20 anos, já que eu serei a rainha dentro de três anos e bem, imagino que Emma teria ganho de votos absoluto, caso essa decisão fosse feita pelo povo. Deixando-a como rainha, eu poderia sair dessa máquina de tortura, fugir para a América Central com um cara engraçado e normal, montar uma pequena escola voluntária e passar o resto da minha vida fazendo o que eu realmente gosto: lecionar. E surfar de vez em quando em países vizinhos.
  Suspirei com minha antiga ilusão e voltei a triste realidade na qual me encontro: me arrumar para o jantar. Segui o enorme tapete alaranjado e finalmente cheguei ao meu quarto, lá dentro eu teria paz por pelo menos mais vinte minutos. Abri a porta e me deparei com minhas criadas, Pauline e Esmee, em pé a minha frente.

  - Boa noite, vossa alteza. - as duas falaram em coro e me reverenciaram.
  - Boa noite, Pauline, boa noite Esmee. - comecei - Mas eu já disse para vocês pararem com essas reverências! Pelo menos enquanto estivermos só nós três, porque não quero nenhuma das duas demitida. - as repreendi enquanto andava até minha cama, onde afundei em travesseiros e lençóis e seu aroma de lavanda.
  - Pedimos desculpas, Alice, mas como somos apenas cria... - interrompi Esmee antes que ela terminasse sua desculpa usual.
  - Vocês me conhecem desde que eu nasci, como ousam se autodenominarem alguma coisa além de minhas melhores amigas? - apoiei-me em meus cotovelos, para encará-las com sobrancelhas arqueadas.
  - Tudo bem. - Pauline balbuciou enquanto alisava seu uniforme, apenas para disfarçar o rubor em seu rosto.
  - Bem, eu gostaria de saber quando a Lynn e o Sven virão me visitar, sabe... - cantarolei analisando minhas unhas, curtas, coloridas com rosa bebê e sem graça.
  - Posso trazê-los no próximo final de semana, se seus pais permitirem. - Esmee sorriu ao me responder.
  Lynn e Sven são gêmeos de quatro anos, filhos de Esmee, e as crianças mais adoráveis do mundo! Eles são animados, curiosos e não hesitam antes de perguntar o porquê de alguma coisa, seja o motivo para o céu ser azul ou por que eu nunca uso brincos grandes.
  - Alice, Sua Majestade deixou claro que você precisa estar pronta para o jantar em meia hora, então nós já preparamos seu banho e separamos o vestido que foi solicitado. - Pauline foi a responsável por me apressar, mas ao invés de torcer o nariz e reclamar da minha falta de autonomia até para me vestir, eu me lembrei de um pequeno detalhe: Julian estaria nesse jantar. E se minhas expectativas estivessem corretas, a noite seria mais divertida do que o restante do dia.

  - Então, duque Erik e duquesa Laura, o que aconteceu para que resolvessem passar uma temporada conosco? - perguntei e dei uma última garfada no meu arenque.
  - Bem, princesa Alice, não visitamos a minha parte da família há anos, e quando anunciamos nossos planos para o verão, vossa majestade nos ofereceu o palácio para a estadia de uma semana. Depois disso, visitarei minha família em Amsterdã. - Erik explicou toda a situação um tanto quanto envergonhado, já que meu questionamento poderia insinuar certo incômodo de minha parte. Era a intenção, mas passava longe de ser o que eu realmente sentia.
  - Ora, fico feliz que poderei contar com a companhia de Julian e Tessa durante esta semana, soa como um pouco de diversão e liberdade para nós, não é mesmo, Emma?! - disse entusiasmada, desta vez, encarando diretamente mamãe, que nem mesmo precisava dizer ou demonstrar como reprovava meu comportamento.
  - Ah sim, claro, estamos muito felizes com a presença de Julian e Tessa, não nos vemos há algum tempo. - Emma engoliu em seco e fez diversas pausas durante sua breve fala. Como eu adorava me divertir as custas da robô programada que é minha irmã.
  - Nós também ficamos felizes com a estadia, e pretendemos passar mais tempo na Holanda depois do verão. - Laura anunciou sorridente e tomou mais um gole de seu vinho.
  - E nós contaremos com a presença de toda a família em mais eventos, correto? - Sophie iniciou logo que a sobremesa foi servida. - Os velhos tempos fazem falta à todos, gostaria que nossos filhos voltassem à antiga e excelente amizade que possuíam, não concordam?
  - Ah, vossa majestade, fico feliz em dizer que esta vontade também tem sido pauta de conversas entre eu e Erik, a companhia de Alice e Emma sempre foi saudável a Julian e Tessa! - Laura endireitou a coluna na cadeira e lançou um olhar misterioso aos meus pais.
  - Então espero que nós quatro possamos passar a tarde juntos amanhã, vossa majestade. - Julian se pronunciou pela primeira vez, com o olhar intercalado entre meus olhos e os de meu pai.
  - Tenho certeza que será uma tarde extremamente agradável a todos. - ele assentiu enquanto ajustava suas abotoaduras.
  Então, mamãe e Erik começaram a deixar o jantar chato com suas opiniões sobre a crise europeia, e logo Laura e papai falavam tantos números, que eu me questionei se não era mais uma daquelas entediantes aulas de economia, que me tiram da cama às 07h todas as terças-feiras.
  Emma parecia interessada na discussão, mas eu sabia que ela só queria agradar. Como sempre. Seu olhar poderia ser indício da sua extrema preocupação com a situação que a Espanha enfrentava, mas eu sabia que ele apenas fitava o retrato real bem atrás do assento de papai.
  No fundo, eu sentia dó da minha irmã. Ela nunca tivera a beleza que eu sempre tive, modéstia à parte, nem mesmo era a primeira da turma, título que sempre foi sinônimo de princesa Alice. Não vou citar todas as outras comparações, mas essas duas deixam claro que Emma precisava encontrar um jeito de ser notada, certo? E foi quando ela resolveu mergulhar nos livros da biblioteca, se inscrever no maior número de aulas possíveis e aprender, milagrosamente, a se portar do mais ilustre modo. E ora, quando se tem uma irmã curiosa, que não sabe manter a boca calada e tem sarcasmo como a segunda língua oficial, ser a filha comportada é o melhor a oferecer.
  - Eu vou ficar louca... - pensei alto enquanto meus pais, Laura e Erik continuavam a falar sobre economia. Dentre tantos assuntos divertidos e polêmicos, eles preferem passar o fim de suas noites discutindo o que acontecia na bolsa de valores de cada um dos países da União Europeia! Eles já tinham descrito a situação de, no mínimo, dez países na última meia hora, enquanto eu só conseguia sonhar com minha casa, que teria uma vista esplêndida para o mar do Caribe se um dia eu pudesse tê-la.
  - Você não é a única. - ouvi Julian murmurar do outro lado da mesa, e só então percebi que meus pensamentos estavam altos demais.
  Subi o olhar para ele, que carregava a melhor expressão de tédio no rosto, e não pude conter uma risada a sair de meus lábios.
  - É reconfortante saber disso, Julian, pelo menos eu não sofro sozinha. - medi o tom de minha voz, para que meus pais não a escutassem.
  - Acho que eles nem mesmo perceberiam se nós saíssemos daqui. - ele pontuou e ergueu as sobrancelhas.
  - Eles não, mas algum criado ou guarda perceberia, e com exceção das minhas criadas, nenhum deles quer se arriscar nos acobertando. - expliquei a situação enquanto moldava patos no meu guardanapo. Nem mesmo tenho palavras para descrever como me emociono ao passar o tempo assim. Ha-Ha.
  - Eu queria conve... - Julian foi interrompido e, apesar de suspirar de alívio quando mamãe nos liberou para irmos aos nossos respectivos quartos, eu estava morta de curiosidade para escutar o que Julian tinha a dizer, mas agora ele já estaria dormindo em um dos vinte quartos de hóspedes, do outro lado do primeiro andar do palácio.

  Já em minha cama, respondi todas as mensagens de Celine, Kristel e Nadine, minhas melhores amigas e detentoras de uma liberdade incrível, já que todos os dias elas postam novas fotos, juntas, em vários lugares diferentes. Alguns eu conhecia de nossas saídas escondidas, resultados de mentiras como “mamãe, Kristel está com dificuldades no Alemão, será que eu poderia ficar até mais tarde aqui para ajudá-la? Imaginei que seria um gesto muito louvável, já que temos prova amanhã e ela depende de uma boa nota para passar de ano”. Certo, a parte da atitude louvável foi ironia, mas Sophie já estava farta de ouvir minha voz naquela altura, então ela apenas murmurou um Sim e desligou o telefone.
  Cansada demais para qualquer outra coisa, apenas desliguei o celular e deixei as pálpebras fazerem seu papel.

  Toc toc toc. Toc toc toc.

  Meus olhos já estavam fechados e saboreando o início do que seria um sonho quando escutei as batidas na porta. Xinguei mentalmente a criatura que atrapalhara meu precioso sono, mas como estar estressada não faria a pessoa ir embora, levantei-me, vesti meu robe de seda, calcei as sandálias de dedo aos pés da cama e caminhei até a porta, decidida a demorar o dobro do tempo necessário no percurso.
  - Quer alguns pacotes de Nerds, Lili? - Julian me surpreendeu com três caixinhas roxas e verdes e, inexplicavelmente, toda a minha raiva pela interrupção do meu sono esvaeceu - e eu nem mesmo me importei pelo apelido insuportável. Seja pelo fato de ser Julian na minha porta ou pelas balas que me faziam salivar, eu já tinha me esquecido de como o meu futuro sonho seria.
  - Entra logo! - em um lampejo de sanidade, puxei Julian para dentro do quarto antes que algum guarda percebesse sua presença.
  Tratei de trancar a porta, me certificar que as cortinas estava devidamente fechadas e, obviamente, acender as luzes secundárias para não chamar a atenção. Depois de ter certeza de que ninguém apareceria para questionar o que Julian estaria fazendo em meu quarto de madrugada, arranquei as balas de suas mãos e devorei a primeira caixa em segundos.
  - Ei, eu também quero! - ele me repreendeu e então, recordou-me que ainda estava ali, sentado do meu lado na beirada da cama, enquanto eu só queria saber das balas que ele trouxera.
  - Claro, toma. - envergonhada, lhe entreguei um pacote e voltei ao mundo real. Ele cruzara o palácio apenas para me dar caixas da minha bala favorita? Obviamente, não.
  - Mas então, veio fazer o que aqui? - perguntei e franzi o cenho.
  - Contrabandear balas? - Julian ironizou e passou a mão na nuca.
  - Seu idiota, fala logo! - revirei os olhos e me levantei para me livrar do tédio que aquela conversa se tornaria, caso eu continuasse sentada.
  - Você cresceu, hein! - ele disse com um sorriso torto, após me secar de cima a baixo.
  Meus punhos se fecharam e meu olhar deveria passar a mesma sensação de ser fuzilado. Sem acreditar no que ele tinha acabado de dizer, destranquei a porta decidida a colocá-lo para fora, pelo menos antes que eu fizesse alguma besteira. (Seja esta besteira deixar a marca perfeita de minha mão em seu rosto, ou agarrá-lo no minuto seguinte, as duas opções eram perfeitamente cabíveis).
  - Desculpas Alice, desculpas mesmo, eu não sei como ousei falar uma coisa dessas, não quis dizer o que você está... - ao perceber minha mão na maçaneta, ele imediatamente se levantou e começou a despejar aquelas desculpas, enquanto seu rosto adquiria um tom avermelhado e bem, eu queria muito rir da ridícula situação que ele estava interpretando, mas precisava manter a seriedade.
  - Cala a boca, tá desculpado. - grossa e mal educada, falei enquanto voltava a trancar a porta.
  - Eu só queria conversar com você, e é meio impossível com os seus pais, e os meus pais, e todos aqueles empregados lá em baixo. - Julian se explicou e eu apenas assenti com a cabeça. - E aí, como anda a vida?
  - A compararia com as infinitas formas de suicídio. Sabe aquele filme, em que a menina escreve todas as formas de suicídio que ela usaria em um caderno? - cruzei os braços e me apoiei em uma das colunas da cama de dossel.
  - Sei, uma vez a Tessa me fez assistir com ela. - ele resmungou com uma careta e se jogou na cama.
  - Então, às vezes eu sinceramente penso em copiá-la. Mas seria pouco original para Alice van Enck. - zombei e o imitei, me jogando ao seu lado na cama.
  - Desde quando usa o nome da família do seu pai?
  - Desde nunca, e se ele ou minha mãe ficam sabendo que eu o citei, estou morta. - revirei os olhos e em seguida me apoiei nos cotovelos, para assim poder encarar o par de safiras que me olhava de volta. - E a sua vida, como vai?
  - Bom, meus pais ameaçam um duplo suicídio se eu realmente me formar em biologia; a Tessa começou a andar com gente errada e eu, como irmão mais velho, tenho que cuidar da imagem dela; minha ex-namorada terminou comigo há três meses, e eu ainda não acredito que ela me trocou pelo jardineiro da avó dela; meus pais querem me casar. - ele enumerou os fatos com voz de tédio e eu tive que rir da última frase. Os pais querendo casar os filhos? No século XXI? É ridículo demais, até mesmo para monarquias.
  - Pelo menos seus pais não podem mais te prender dentro de um palácio.
  - Ahh é verdade, seu pai me contou do seu último namoradinho, é por causa dele que eles te deixam em cárcere privado. - Julian mencionou o David e eu fiquei pasma ao ponto de me desequilibrar e cair no travesseiro.
  David foi o responsável pelas minhas dez escapadas para beijá-lo nos arredores de Haia. Foram incríveis dez dias de David e seus lábios desenhados e olhos castanhos, até que eu me esqueci de inventar um trabalho a ser feito na casa da Nadine, não desliguei o celular e pronto, foi o suficiente para mamãe usar o rastreador e me encontrar aos beijos no meio de um pequeno bosque. Atônito e boquiaberto, David quase teve um ataque cardíaco quando percebeu que a rainha de seu país o assistia, enquanto sua língua estava na boca da filha dela. Até eu teria um enfarte! Depois disso, fiquei um mês sem celular, e também um mês escutando broncas e mais broncas de Sophie e Thomas.
  O problema disso tudo? Foi em setembro. Estamos em julho. E eles ainda não se esqueceram.
  - O QUE? ISSO FOI HÁ QUASE UM ANO!
  - Pois é, Lili, acho que a memória dos seus pais é boa... - ele ergueu as sobrancelhas.
  - Para de me chamar assim! - disse entredentes e bati de leve em seu braço.
  - Você fica tão linda estressada... - Julian cantarolou e, sem opções, afundei minha cabeça em um dos travesseiros para esconder o sorriso que já escancarava meus lábios de orelha a orelha. Droga. Por que ele precisava mexer assim com os meus hormônios? Por que ele tinha que me lembrar que sempre foi minha paixãozinha de pré-adolescente?
  - Eu sinto a sua falta, Julian. - balbuciei ao, em um simples movimento involuntário, o abraçar e acomodar minha cabeça em seu ombro.
  - Também sinto a sua falta. E amanhã eu pretendo de jogar no lago. - ele passou seus braços ao meu redor e logo eu já estava com os olhos fechados.

  - Eu tenho que ir, Alice. - Julian me despertou com um sussurro que fez cócegas em minha orelha direita.
  - Hmmmm, não vai, fica mais um pouco, por favoooor! - implorei ridícula e estupidamente. O que eu estava fazendo?
  - Só fico até você dormir, então. - suas palavras relaxaram todos os músculos de meu corpo, e depois disso, só me lembro de pensar em coisas aleatórias e dormir alguns minutos depois.

  Dormi em seus braços e fingi não perceber quando, com todo o cuidado do mundo, Julian me colocou debaixo das cobertas e saiu do quarto fazendo o mínimo de barulho, mas não demorou muito para que minhas pálpebras voltassem a se fechar.
  Algumas horas depois, acordei com os sussurros de Esmee e Pauline em meu quarto, que conversavam sobre a presença de Laura, Erik, Julian e Tessa no palácio. Com preguiça de conversar com as duas e implorando por mais cinco minutos de sono, fingi estar em meio aos meus sonhos até que Pauline foi chamada por um dos guardas e Esmee foi auxiliar Emma, já que uma de suas criadas está doente e ela não admite mais nenhuma, só se for Pauline ou Esmee.

  - Pode parar de fingir que está dormindo, Alice, você é péssima nisso. - Tessa preencheu meus ouvidos com sua voz e, morta de susto, dei um pulo para sentar na cama.
  - Tessa, oi! - suspirei com um sorriso nos lábios, tentando disfarçar minha vontade crescente de voar em seus cabelos encaracolados.
  - Sua mãe está histérica lá em baixo, porque você deveria ter adivinhado, magicamente, que ela resolveu mudar sua aula de latim das 08h para às 07h durante os sonhos dela. Aí eu resolvi te avisar antes dela. - Tessa se explicou, apoiada na porta e com os braços cruzados. Ela deixava claro em seu rosto que eu não era a única a achar mamãe louca, e toda a minha vontade de deixá-la careca desapareceu.
  - É a terceira vez no mês que ela faz isso! - voltei a me deitar na cama, dessa vez pensando qual doença seria capaz de convencer Sophie a me deixar dormir como uma pessoa normal, pelo menos nas férias.
  - E se eu fosse você, já estaria lá embaixo agora.
  - Obrigada por me avisar. - agradeci com um sorriso e a observei descer as escadas de mármore.
  Revoltada e irritada, me levantei, tranquei as portas, abri as cortinas e percebi que o dia estava tão lindo e com o céu tão límpido e poético quanto a pintura do dia anterior. Mas algo mudou em meu rosto. Ao invés de respirar fundo e lamentar horas de tédio, Emma e mais algumas páginas de Maquiavel, eu sorri e previ que o dia de hoje poderia ser melhor, bem melhor. Mesmo que eu acabe toda suja e molhada pelas águas do lago.

  Me livrei das aulas de Latim com apenas um pequeno monólogo, que convenceu a nova professora de que eu não preciso de aulas, e Julie – ou seria Julia? Já marcou meu teste de proficiência para amanhã. Problema resolvido, agora eu só precisava descobrir onde meus pais estavam, fugir deles e, enfim, encontrar Julian.
  Apressei o passo para sair da biblioteca e descer as escadas sem ser vista pelos afetados mentais, digo, meus pais, enquanto buscava por Julian e suas covinhas em todas as portas entreabertas que eu avistava.
  - Receio que não conseguiremos manter Alice em rédeas curtas, ela é impossível! Amanhã temos uma importantíssima reunião, ela deve estar presente mas eu não sei como reagirei se ela começar com suas ironias, perguntas indelicadas e todos aqueles por quês! Não sei mais o que fazer... - reconheci a voz de mamãe e parei na frente da porta, trancada, que deixara sua fala escapar.
  - Imagino o que ela será capaz de fazer quando assumir o seu lugar, Sophie. Mas o treinamento já não começou? - agora era a vez de Laura aterrorizar os problemáticos neurônios de Sophie. Ai ai, aquela poderia ser uma excelente oportunidade de risadas se…
  - Desculpem pela intromissão, mas acredito que há um certo exagero quanto às atitudes e etiqueta da princesa Alice. Aos meus olhos, ela será uma ótima rainha. - Julian interrompeu meus pensamentos com aquelas palavras maravilhosas, e eu me controlei para não arrancar um grampo da minha cabeça e abrir a porta, apenas para abraçar o dono do voto de confiança.
  - Ora, Julian, não seja tão ingênuo, você sabe seu papel aqui. - Laura riu irônica e, em menos de 24 horas, me fez curiosa pelo o que disse.
  Voltando ao foco principal, ignorei as vozes do outro lado da porta e comecei a arquitetar um plano para tirar Julian daquela sala. Entrar lá não era uma possibilidade, aparecer na janela muito menos, então só me restava ativar o alarme de incêndio e fazer com que todos evacuassem o palácio.
  Como se Deus quisesse colocar meu juízo nos eixos, a porta se abriu no exato momento em que eu começara a abaixar a alavanca vermelha, e foi quando eu vi louros cabelos, olhos azuis e covinhas que eu suspirei aliviada e soltei a barra.
  - Você é maluca! - Julian riu enquanto me puxava para o outro lado do corredor.
  - O que você está fazendo? - perguntei intrigada, vendo Julian observar a estante de mogno a nossa frente.
  - Não lembra que atrás disso aqui tem uma sala? - ele resmungou ao empurrar a estante para a esquerda, e depois afastá-la para que pudemos passar pela pequena fresta.
  - A gente já descobriu tantas salas assim... - passamos pela fresta e o ambiente era escuro, úmido, apertado e abarrotado com livros antigos. Sem opção a não ser ficar a poucos centímetros de Julian, eu já estava começando a questionar suas boas intenções. Ou puras intenções?
  - Então, o que quer comigo? - me esforcei para cruzar os braços enquanto perguntei.
  - Preciso te contar uma coisa antes que você descubra sozinha, senhora curiosidade e inteligência.
  - Senhorita, por favor. - Adverti e tentei me afastar um pouco mais, aquele tipo de proximidade não me faria bem.
  - A verdade é que meus pais não são os únicos a quererem casar os filhos. Os seus também querem. Sua mãe não para de repetir que você não conseguirá ser rainha sozinha, que precisa de um marido, de alguém sensato e que entenda as necessidades do país. - ele despejou as palavras e, literalmente, teve que me segurar pra eu não cair.
  Meus pais. Querendo me casar. Eu. Casada. Entrando na igreja vestida de branco. CASANDO. TENDO FILHO. EU SÓ TENHO 17 ANOS E SOU VIRGEM. Demorei alguns segundos para me recompor, mas ainda atônita com a informação, perguntei.
  - Querem me casar com quem, então? - com a voz mole, torci para que a resposta fosse: 'qualquer um que você quiser.' Mas as coisas não funcionam assim para esta família.
  - Comigo. - ele me respondeu e agora sim, eu estava crente de que desfaleceria ali mesmo.
  - Nós dois. Casados. Tendo filhos. Formando uma família. - desta vez pensei em voz alta e torci para que tudo fosse algum tipo de brincadeira infame. Uma nova piada para tirar com a minha cara. Mas a expressão de Julian desmentiria qualquer brincadeira. Aquilo era sério.
  Bom, preciso admitir que nunca fui contra ficar com o Julian ou ir pra cama com ele, até porque qualquer mulher em sã consciência pensaria a mesma coisa ao se deparar com aquele deus em seu caminho. Mas casamento não é só isso e a ideia me atormenta a cada vez que eu penso na palavra. Argh! Por que eu não nasci em uma família normal?
  - Então é por isso que você e sua família vieram pra cá? - falei quando admiti meu normal estado de consciência, encostada na pilha de livros ao meu redor.
  - Sim, para que eu me aproximasse de você. Mas não achei justo não te contar, e aí estou aqui agora, te propondo escapar dessa corja de loucos. - ele me explicou a situação enquanto olhava diretamente nos meus olhos. Deus, se já era difícil conviver com Julian me encarando, agora que eu sei que há uma grande possibilidade de nós dois casarmos em poucos anos, isso se tornou impossível!
  - Ir pra onde, Julian? Você quer fugir daqui como? - questionei cética.
  - Não é exatamente fora daqui... - ele esboçou um sorriso e, como eu me calei, ele entendeu que eu estava de acordo com o maluco e esquisito plano dele.

  - Para onde você está me levando? – impaciente, repeti pela décima vez durante nosso trajeto até um local afastado no jardim. Depois do lago e das amoreiras, havia um bosque rodeado por tuias, tão fechado que rejeitava até mesmo os fortíssimos raios de sol daquela manhã.
  - Se você perguntar mais uma vez, eu convenço seus pais de te casarem com qualquer outro primo distante. – Julian ameaçou, demonstrando estar tão impaciente quanto eu no momento em que girou os calcanhares para me encarar, com o cenho franzido.
  - Se você responder, eu paro de perguntar. – rebati. A questão era simples e olha, eu podia garantir que os galhos ao nosso redor não possuíam câmeras nem microfones de segurança, e os guardas estavam em troca de turno, pelo que observei há poucos metros. Bem, Julian deveria responder logo, ou eu faria questão de enraizar aquelas sapatilhas desconfortáveis na grama que elas deformavam.
  - Qual o seu problema, hein? – ele explodiu em palavras e um rosto ruborizado. – Aprende logo que você não vai poder controlar tudo sempre, e principalmente, pode ser curiosa demais, mas NUNCA vai saber de tudo. Coloca isso na sua cabeça, Alice, antes que eu dê razão aos seus pais. – despejou aquelas palavras sobre mim, como se fossem capazes de me atingir. Nem mesmo uma pontada de culpa por estressá-lo. Nem mesmo o ímpeto de rever minhas atitudes e a consciência. Daquele tipo de discurso minha memória já estava farta.
  - E você deveria aprender que nenhuma dessas palavras me afeta. – cruzei os braços e o observei andar alguns passos para trás.
  - Você venceu, Lili! – Julian jogou os braços para cima e soltou uma risada irônica. – Eu quero te levar para um lugar que, eu juro que apostaria minha vida, você vai amar.
  - Dentro do jard... – e foi quando meus olhos capturaram a figura de um coelho branco por entre as árvores. Coelhos? Não temos coelhos por aqui. Eu saberia se eles andassem pra lá e pra cá em busca de cenouras e alface. Mas não há coelhos. Nenhum, disso eu tenho certeza absoluta. – Por que tem um coelho aqui?
  Intrigada e com a ponta dos dedos formigando de tanta curiosidade, afastei algumas folhas e me enfiei entre as árvores, o que resultou em um pequeno rasgo no tecido de meu vestido azul.
  - Droga, mamãe vai me matar. – resmunguei ao observar que além do rasgo, meu vestido estava coberto de manchas e marcas esverdeadas.
  - Que coelho, Alice? – Julian me perguntou, enquanto se esforçava para passar pela mesma fresta que eu.
  Tirei a atenção do meu vestido e voltei a procurar pelo coelho. Vasculhei a base de todas as árvores ali e não vi nem mesmo um vulto que pudesse ser o coelho. Mas ele estava ali, eu não poderia estar alucinando!
  - Ali! – avistei o animal parado atrás do tronco de uma árvore e apontei para o local. – Mas o que é aquilo? Um coelho de paletó? – agora duvidando da minha própria sanidade, puxei o braço de Julian e disparei até o coelho.
  Assustado com meus gritos e o farfalhar das folhas que nós dois estávamos causando, o coelho saltitou até a fileira de arbustos alguns metros dali. Sem perder tempo, continuei a segui-lo com Julian a tiracolo, e por mais que os arranhões em meus braços me fizessem xingar aquelas árvores a cada arrepio e ardência, eu não estava disposta a desistir daquele maldito coelho.

  O ser alto e loiro ao meu lado não parava de argumentar e enumerar motivos, razoavelmente lógicos, para que eu consultasse um neurologista ao invés de perseguir um imaginário coelho que usa paletó. Mas eu não me importava se era insanidade, sonho ou realidade, eu só queria encontrá-lo!
  Após alguns segundos sem observar nenhuma movimentação, o coelho finalmente correu até uma árvore e, pelo que meus olhos puderam ver, entrou em uma toca. Porém eu ainda não estava satisfeita, e só descobri instantes depois que deveria ter escutado Julian.
  Eternamente despencando pelo buraco da toca até, provavelmente, o infernal centro da terra, meu desespero e a gravidade só me permitiram agarrar Julian, como se seu corpo junto ao meu fosse capaz de desenvolver asas em minhas escápulas. E também gritar, com todo o fôlego de meus pulmões, para aliviar a adrenalina e fazê-la voltar no segundo seguinte, quando eu percebesse que não era capaz de escutar minha própria voz acabando com a saúde das cordas vocais. Fechei os olhos e senti meus cabelos contra meu rosto; o frio na barriga estava se tornando insuportável e, aquela sensação incrível de estar em uma montanha russa agora era meu maior pesadelo. Onde eu estava? Aonde iria? Por que a toca de um coelho que usa paletó era tão profunda? O que eram aqueles clarões que minhas pálpebras fechadas deixavam passar? POR QUE EU CONTINUAVA CAINDO?
  Minha lista de perguntas estaria bem mais extensa, se o chão não tivesse sido nocauteado pelo peso de Julian, que, por sua vez, teve que aguentar pouco mais de 50kg sobre ele quando seu corpo amorteceu minha queda, e essa foi a única coisa boa dos últimos minutos: não sentir minhas costas contra o chão quadriculado, que se estendia por poucos metros.
  - Meu Deus, onde nós estamos? – perguntei depois de me levantar e analisar cada espaço daquele lugar estranho: paredes que se assemelhavam ao tronco de uma árvore, iluminação fraca proveniente das frestas de cinco pequenas portas, que se enfileiravam em uma das paredes a minha frente. No centro, havia uma mesa com um grande molho de chaves aparentemente antigas e enferrujadas, uma garrafa transparente e um prato de porcelana, que servia um minúsculo cupcake de chocolate.
  - Agora não basta ter que seguir as ordens dos meus pais, mas uma garrafa e um cupcake querem me obrigar a isto também? – ironizei ao ler os imperativos “Beba-me” e “Coma-me” impressos ao lado de cada um dos objetos. – Julian, isso é um sonho? – virei-me para encará-lo boquiaberta.
  - Se fosse, eu já teria acordado com os seus berros. – sem dar muita atenção, ele balbuciou enquanto tentava encontrar algum padrão entre uma das cinco fechaduras, e as centenas que chaves agora em suas mãos. Evidentemente cansado, Julian tirou o paletó e arregaçou as mangas da camisa cheia de marcas e amassados. Meu Deus, a cada segundo a ideia de me casar com ele parecia mais interessante.
  - Engraçadinho! Você tem alguma noção de onde a gente está? – perguntei um tanto quanto desesperada. Afinal, cair em queda livre na toca de um coelho que veste paletó, encontrar cinco portas minúsculas, e um cupcake mandão não costumavam ser parte da minha rotina. E eu já percebi que estou bem longe dos sonhos que rodeiam meus confortáveis travesseiros.
  - Descubra você mesma. – ele anunciou depois de, finalmente, conseguir abrir a porta do meio. Ela não tinha mais de trinta centímetros, e sua pintura amarela já apresentava indícios de que há décadas não via um pincel e aquele cheiro ácido de tinta. Sentei-me no chão para observar o que havia de tão incrível depois da soleira, e meus olhos encontraram o mais encantador jardim que poderia existir. Meu primeiro impulso foi o de querer sair daquele salão escuro e passear entre aqueles canteiros de flores radiantes e aquelas fontes de água fresca! Os grandes bancos de pedra emolduravam arbustos e incríveis ramos de flores que eu nunca vira antes, de cores vibrantes e, com toda a certeza, o aroma mais agradável do mundo. Mas eu não podia sair dali. Meus ombros ficariam presos e eu não queria cenas embaraçosas que incluíssem o Julian, que aliás, analisava o conteúdo líquido e de aspecto claro dentro da garrafa.
  - Eu não vou tomar isso, e muito menos você! – tirei a garrafa de suas mãos e voltei a deixá-la na mesa de vidro.
  - Se eu fosse você, eu tomaria... Quem sabe isso não tira a gente daqui. – ele pontuou e deu de ombros.
  - Como essa coisa e um bolo podem nos tirar daqui, Julian? E aonde o coelho foi parar? – enquanto caminhava de um lado para o outro, corroída pelos pensamentos acelerados e a já conhecida ansiedade, eu não sabia mais distinguir se estava vivendo alucinações ou um filme nonsense. – E se isso aí for veneno e eu morrer?
  - Tomamos metade cada um, aí se você morrer, eu também morro. – Julian sugeriu e, tendo em vista o ponto que minha cabeça chegou, decidi aceitar sua ideia e tomei metade do conteúdo da garrafa. Uma espécie de suco de abacaxi, cereja e maçã invadiu minha garganta e imediatamente, tudo ao meu redor começou a ficar grande demais. Julian agora era um gigante, da mesa, só conseguia ver atrás de seu tampo de vidro, e as portas, agora possuíam o tamanho ideal. Ele me encarava como se eu fosse uma formiga irritante, entendendo tanto quanto eu daquele maluquice de encolher. Pelo menos minhas roupas encolheram também.
  - Calma! – com um grito, impedi meu futuro marido de tomar um gole do suco. – Pega esse cupcake aí antes, segundo a sua lógica, ele ainda vai servir pra alguma coisa.
  Logo éramos como duas formigas perdidas naquele jardim, e mais uma vez seguindo as sugestões de Julian, dividimos o cupcake e este nos fez voltar ao tamanho real, o que foi uma experiência nova e estranha a minha altura de 1,57 metros.
  - É possível cair em uma toca, tomar um suco que te deixa com 20 centímetros de altura, achar um jardim por trás de umas portas e depois, comer um cupcake e voltar ao tamanho normal? – as interrogações tomaram cada esquina de minha mente e conseguiram me deixar um pouco tonta.
  - Aparentemente sim, Lili, e eu acho que esse jardim aqui é bem mais bonito do que o seu lá em cima. – descontraído e sem nenhuma dúvida estampada em seus olhos, Julian observava um grande portão de metal a nossa frente.
  Quanto mais eu andava pela estreita trilha entre os gramados, mais eu queria descobrir onde eu estava e o que mais aquele lugar poderia me mostrar. Cada vez mais minha curiosidade aumentava e eu não conseguia mais capturar todos os detalhes do jardim, eu só queria ver tudo o que havia além da grama e das flores. E tentar reencontrar aquele coelho estranho.
  - Me diz que você tem alguma ideia de onde a gente está. – enrosquei meu braço no braço de Julian e, com a melhor cara de cachorro abandonado, quase supliquei para que ele me desse alguma informação. Ele sabia mais do que eu e isso era claro, seja na tranquilidade de sua voz ou nos olhos que pareciam reconhecer aquele lugar. O problema agora era conseguir arrancar respostas daquela boca desenhada.
  - Por que você não descobre sozinha? – ele olhou direto em meus olhos e eu quase perdi o equilíbrio. Certo, agora ele deixara claro que sabia onde estávamos. E deixou entrelinhas um possível flerte que eu, apesar de adorar este tipo de jogo, não continuaria por questões de sanidade (e gaguejos que eu gostaria de evitar).
  - Alice! Alice! Será que é ela mesmo? – uma fina voz gritou meu nome, e eu nunca esperaria ser um camundongo o dono daquela animação.
  - Como você sabe meu nome? E como você pode falar? – cheguei mais perto do pequeno animal e perguntei ainda embasbacada. Ele vestia um macacão vermelho surrado e possuía pelos branquíssimos.
  - Olhem, é a Alice! A famosa Alice! – ignorando completamente minhas questões, ele continuou com sua empolgação quando outros animais chegaram: um pássaro dodô – que no meu mundo já foi extinto e o conhecido coelho.
  - VOCÊ! – apontei para o coelho. – O que estava fazendo no meu jardim? E você também pode falar? E por que usa esse paletó?
  - Ora, por que eu não usaria um paletó, cara Alice? – ofendido, o coelho me respondeu.
  - Acho melhor você se acalmar, ou quer assustar a todos eles? – Julian passou um braço pelo meu ombro em uma tentativa de espantar minha ansiedade. Mal sabia que só acabara de aumentá-la.
  - Ohh Julian, há quanto tempo não nos vemos! - o pássaro dodô, que possuía pelagem azul celeste, mostrou a mesma animação do camundongo alguns segundos atrás. Julian assentiu com a cabeça e eu continuei sem entender nada. - E Alice, como é incrível poder te conhecer!
  - Esperamos tanto por esse dia... – o camundongo suspirou e, depois de observar seus olhos com cautela, percebi que estes estavam marejados.
  - Julian, Julian, Julian. – com um tom desesperado, chamei-o logo que algumas memórias vieram à tona. – Minha bisavó teve um tumor no cérebro e ela vivia tendo alucinações. Eu assisto House e vários episódios mostram pessoas assim. Eu estou morrendo, Julian! – choraminguei quando uma onda de desespero me atingiu. Eu era muito nova para morrer ou ter que raspar parte do meu cabelo para uma cirurgia! Mas se eu poderia jurar minha vida que não estava sonhando, o que mais explicaria animais falantes e um dodô bem ali na minha frente, longe de ser parte de um museu?
  - Eu te garanto que não há tumor nenhum dentro dessa sua cabeça. – ele abraçou minha cintura e estalou um beijo no topo da minha cabeça.
  Com o coração de volta ao seu ritmo normal, porém ainda com mãos trêmulas, ignorei quaisquer vozes de animais que não deveriam falar e me concentrei no jardim: os arbustos e canteiros floridos ficaram para trás, agora árvores de grande porte cresciam a minha frente, e a dificuldade em enxergar o que havia por entre aquela escuridão despertou minha curiosidade inerente, e eu só queria arrastar Julian comigo, para descobrir o que copas altas e raízes ressaltadas no solo poderiam esconder.
  - É tarde! É tarde! É tarde! – disse rapidamente o coelho, tirando-me do pequeno transe. Em apressados pulos, ele adentrou o que eu resolvi chamar de floresta, e em poucos segundos sua sombra não poderia mais ser vista.
  - Mas para onde ele vai? E tarde para o que? – cansada de tanto perguntar e pouco entender, minha voz saiu fraca e eu me rendi ao banco atrás de mim.
  - A rainha... – os animais que sobraram, o camundongo e o dodô, suspiraram em coro, cabisbaixos.
  - Foi bom reencontrar vocês, mas agora nós precisamos ir. – Julian anunciou para os animais, que imersos em uma conversa de lamentações, mal deram atenção à nossa partida, e apenas balbuciaram um ‘tchau’ desanimado.
  - Você venceu. – me rendi e coloquei uma mecha de cabelo atrás da orelha. – Eu não posso entender tudo e esse mar de interrogações já me esgotou por hoje. Só quero saber mais sobre essa tal rainha.
  - Eu poderia erradicar a fome na África, se ganhasse um euro toda a vez que você ignora meus conselhos. – ele brincou e ignorou minha menção à rainha, enquanto seguíamos a trilha ‘floresta’ a dentro, em busca do coelho e da tal rainha. Já não bastava minha mãe de rainha em minha vida?
  A mata era densa e eu preferi ignorar a surpresa ao me deparar com cogumelos gigantes, pequenos cavalos alados voando entre meus cabelos, flores que possuíam um rosto perfeitamente delineado e outras criaturas que cruzaram meu caminho. E depois de ver o que nunca deveria sair de um livro de fantasia, decidi que era inútil tentar entender o que acontecia naquele lugar. Decidi que minha curiosidade agora cairia pela metade. Decidi que ficaria louca se tentasse compreender cada fala de um animal extinto, cada cogumelo gigante e porcos verdes que passeavam ao meu lado.
  - Era daqui que você estava falando mais cedo, não é? – agarrei-me no braço de Julian e perguntei.
  - Hm... Era.
  - E por algum motivo você não pode me contar, pelo menos agora, onde estamos? – continuei minha busca por confirmações de algumas teorias.
  - Uma hora você vai descobrir. – ele suspirou e afrouxou a gravata. – Mas então, temos esse lugar todo só para nós dois, sem Sophie, Thomas ou tudo o que você odeia no palácio.
  - Parece incrível! – fingi entusiasmo com um sorriso. Por mais que a ideia fosse tentadora, eu ainda não estava convencida de que aquele lugar não era uma alucinação. – Mas preciso de um tempo para assimilar isso aqui. – anunciei, sentando-me na base de um cogumelo rosa.
  - Sabe, se nós realmente nos casarmos e depois, eu resolver renunciar, você se muda comigo pra alguma ilha no mar do Caribe? – após alguns minutos de silencio entre nós dois, resolvi perguntar, mesmo que tivesse medo da resposta.
  - Mudar pro Caribe, Lili? – Julian questionou, boquiaberto e com as sobrancelhas arqueadas.
  - Sim, ué, não seria incrível, morar em uma casa litorânea, abrir a janela pela manhã e ver o sol nascer, sobre aquelas águas esplêndidas... Sem contar a energia das pessoas que moram lá, e poder dar aulas para crianças que não têm escolas, e tirar férias só para aprender a surfar... – suspirei ao, finalmente, poder descrever meu sonho em voz alta. Aquela idealização era tão perfeita, que eu trocaria todos os meus diamantes por uma casa de madeira à beira mar.
  - Tá. – ele assentiu enquanto digeria toda aquela informação. – Bom, eu poderia trabalhar em pesquisas de Biologia Marinha, ou até descobrindo novas espécies de plantas.
  - Você é o melhor! – demorei algum tempo para perceber que ele havia MESMO dito aquilo. Agora sim eu poderia dizer que era um sonho.
  - Mas você realmente pensa em fazer isso? Quer dizer, o que seus pais diriam se você renunciasse? – de volta ao assunto chato, Julian me perguntou com o cenho franzido.
  - Eu acho que eles iam ficar putos no começo, mas depois, quando Emma começasse a deixar claro que quem nasceu pra ser rainha foi ela, e não eu, eles vão nos mandar uma fortuna toda semana, só para garantir que a sua querida Alice não repensaria seu ato. – expliquei com um sorriso no rosto. Aquela seria a vida perfeita.
  - Ahhhh, mas não se pode mais descansar tranquilamente neste lugar, sempre há alguém para me incomodar. – me assustei com a voz e vasculhei todo o perímetro para encontrar seu dono, mas não havia mais ninguém ali! Nos levantamos, ainda com a expressão confusa, até que seja lá o que for o dono da voz, se pronunciou novamente. – Seus tolos, estou aqui em cima!
  Estiquei-me na ponta dos pés, enquanto Julian nem mesmo precisava levantar o pescoço, e espiei sobre o cogumelo. Uma lagarta, que devia ser apenas 10 centímetros menor que eu, nos encarava nervosa. Julian e eu nos entreolhamos, e ao mesmo tempo que eu não sabia mais o que deveria ser real e o que não deveria, ele se divertia com a situação.
  - Uma lagarta? Eu achava que já tinha visto de tudo... – reclamei entediada e apoiei os cotovelos no cogumelo.
  - Ora ora, vejo que você é a superestimada Alice... Já ouvi muito sobre você, queridinha. – a lagarta vermelha pontuou, enquanto fumava tranquilamente um comprido narguilé.
  - Superestimada? Você nem me conhece! – rebati ofendida. Quem ela pensava que era para falar comigo daquele jeito? E por que eu estava discutindo com uma lagarta?
  - Sei mais do que você pode imaginar... – fechou os olhos e continuou a fumar seu narguilé.
  - Se sabe tanto assim, diga-me se viu um coelho de paletó correndo por aqui, e quem é a tal rainha.
  - É a Rainha de Copas, quem mais seria? – a lagarta disse, irritada. – E o coelho, bem, ninguém nunca sabe. Agora vão, já cansei das perguntas de Alice, e foi bom te ver, Julian.
  Imediatamente virei as costas e puxei Julian pelo braço. Aquela lagarta já estava deixando minha paciência no limite, e nem mesmo um “obrigada” por sua informação (inútil, até o momento) ela mereceu.
  - Sério que você se irritou com aquela lagarta? – rindo, Julian zombou enquanto seguíamos na trilha.
  - Ela disse que sou superestimada! – exclamei com uma careta.

  - Ah, era só o que me faltava! – disse ao me deparar com uma enorme árvore no meio do caminho, que possuía dezenas de placas, todas desgastadas pelo tempo e caindo aos pedaços. Cada uma apontava para um lugar, mas nada de concreto era explicado por elas. – “Por aqui”, “Este caminho”, “Volte”. Desisto, Julian, vou fechar os olhos, começar a rodar e aí quando eu começar a ficar tonta, paro e sigo a placa que estiver na minha frente!
  - Wow, para com isso, sua maluca! – ele me puxou para perto de si após minha primeira volta. – Você não muda, hein!
  - Não compare minha infantil vontade de me sentir tonta, com um ato inteligente para tomar uma decisão. – brinquei, lembrando-me de quando adorava a sensação de estar tonta e ver o mundo girar a minha volta.
  - Bom saber que a Alice que eu conheci há mais de 10 anos, ainda está aqui. – suas palavras arrancaram um suspiro de meus lábios, aceleraram meu coração e transformaram meus ossos das pernas em pura gelatina!
  - Você também continua o mesmo, Julian. – consegui sussurrar, depois de me recompor de sua última fala.
  Ele sorriu e aproximou ainda mais meu corpo do seu. Inclinou sua cabeça em minha direção e eu podia jurar que ele estava prestes a me beijar. Meu desespero de antes voltou, minhas mãos estavam trêmulas e eu não responderia mais pelos meus atos.
  - Que cena mais bonitinha entre vocês dois! – levantei o olhar para descobrir o que era dessa vez, e encontrei um gato sorridente. Gato de Cheshire.
  - Mais um pra minha lista de “animais que não deveriam falar, mas falam?” – perguntei sarcástica, ainda nos braços de Julian.
  - Julian, vejo que esta é Alice, certo? – ainda com aquele sorriso enorme e assustador estampado no rosto, o gato direcionou a pergunta ao Julian. E o fato de todos aqui o conhecerem – e saberem de mim, é irritante!
  - É, gato... – ele suspirou e revirou os olhos.
  - Bom, já que você resolveu aparecer, poderia nos dizer qual placa devemos seguir? – perguntei e apoiei a cabeça no peito dele.
  - Isso depende do lugar aonde quer ir... – ele cantarolou enquanto fazia todo o seu corpo, listrado de roxo e lilás, desaparecer, sobrando apenas o rabo. É oficial, eu não preciso de nenhum relatório médico para alegar minha loucura.
  - E quando não se sabe aonde ir? – rebati, já impaciente.
  - Então já não importa qual caminho seguir, queridos. – agora sem nenhuma parte do corpo aparente, ele voltou a tagarelar e, dessa vez, resolveu deixar marcas de suas patas pelo chão. – Pode ir para lá, para cá, direita ou esquerda tanto faz, reto ou para trás, ou por aqui continuar.
  - Mas e o coelho branco, aquele que usa paletó, por onde ele foi? – insisti.
  - O coelho atrasado correu para aquele lado... – o gato voltou a aparecer pendurado nos galhos, e apontou para a esquerda. – Espere um pouco, estou enganado, acho que o caminho estava errado! Voltou e pulou para lá, depois virou para cá... Agora confuso estou, não sei para onde pulou!
  - Melhor a gente não dar atenção a ele, vamos pra esquerda. – Julian se pronunciou e eu me desvencilhei de seus braços, triste e dramaticamente.
  - Vamos. – soltei um suspiro. – Tchau, gato, sua ajuda foi de total frivolidade! – olhei para trás uma última vez e disse com um sorriso amarelo.
  - O chapeleiro e a lebre irão encontrar, e um belo chá poderão tomar! – o gato cantou sua última rima, enquanto Julian e eu já estávamos procurando o tal chapeleiro.
  - Ótimo, chá, estou morrendo de fome mesmo! – disse entusiasmada e levei a mão ao estômago.
  - Não crie muitas expectativas... – Julian me advertiu e esboçou um sorriso torto.
  - Não crio expectativas, apenas estaria satisfeita com um copo d’água... – falei e joguei os braços para cima. – Aquele cupcake e o suco não vão me manter em pé por muito mais tempo, temo desmaiar daqui a pouco!
  - Boba, e se você desmaiar eu faço o que? Peço ajuda ao gato de Cheshire?
  - Se eu desmaiar, você me beija e eu acordo rapidinho! – apressei o passo para ficar a sua frente e me virei, encarando-o. Não pensei duas vezes antes de responde-lo daquela forma, por mais que Julian estivesse sendo o mais fofo possível comigo, sei que ele não se encaixa na categoria “santo” de forma alguma, e eu estava certa ao imaginar que me divertiria com a sua reação.
  - Annn... – ele balbuciou, enquanto mantinha-se boquiaberto e espantado com a minha fala. – Tudo bem, então. – deu de ombros.
  - Sei que gostou da ideia! – continuei e voltei a andar do lado dele.
  - Você não existe! – Julian riu e deu um beijo na minha bochecha. – Agora vamos, ou alguém aqui vai desmaiar.

  Uma pequena e baixa porta rosa se destacava em meio a todos os arbustos a sua volta, e como estávamos andando há mais de cinco minutos, imaginei que o chapeleiro e a lebre seriam encontrados em algum lugar depois daqueles arbustos.
  Julian e eu entramos e logo escutamos barulhos característicos de talheres, era claro que o chá era ali mesmo.
  - Mas eu pedi a manteiga, não a geleia, lebre! – avistamos a comprida mesa ao mesmo tempo que o chapeleiro, dono de cabelos ruivos e algumas rugas ao redor dos olhos, repreendeu a lebre por confundir os dois itens.
  A mesa se estendia por uns três metros, e coberta por centenas de xícaras e alguns potes, todos de porcelana chinesa, eu não entendi por que só duas pessoas desfrutavam de toda aquela comida. As doze cadeiras de madeira rústica estavam simetricamente dispostas, com seis de um lado da mesa, e seis do outro. O chapeleiro encontrava- se na última cadeira da esquerda, e a lebre, de frente para ele.
  - Olhe quem está aqui! – a lebre nos viu e anunciou, enquanto entregava o pote de manteiga ao chapeleiro.
  - Julian! Alice! Gostariam de tomar uma xícara de chá? – o chapeleiro abriu um enorme sorriso e preencheu mais duas xícaras com o chá, que pelo aroma, deveria ser de jasmim.
  - Pelo amor de Deus ou de qualquer outra divindade que você acredite, tem torradas em algum desses potes? – antes de agradecer pelo chá ou pelo convite, quis saber onde eu encontraria torradas, ou bolachas, ou qualquer outra coisa!
  - Mas é claro, senhorita Alice, pegue quantas quiser! – ele abriu o pote lilás e deixou as torradas a mostra. – E Julian, há quanto tempo não nos vemos... Será que ainda lembra por que um corvo se parece com uma escrivaninha?
  - Charadas novamente, chapeleiro? – Julian suspirou e bebericou um pouco de seu chá.
  - Oba, adoro charadas! – falei depois de tomar todo o meu chá. Mas por que um corvo se pareceria com uma escrivaninha?
  - Mas essa você não vai adivinhar... – a lebre falou, desanimada.
  - Por favor, não pergunte o porquê. – logo que abri a boca para questionar o motivo, Julian sussurrou em meu ouvido e, por mais que eu quisesse perguntar, achei melhor seguir o seu conselho.
  - Alice! Alice! Nem posso acreditar que finalmente te conheci, é uma honra! – o chapeleiro, que não parava de caminhar ao redor da mesa, deixou- me saber de seu entusiasmo.
  - Por que todos aqui me dizem isso? - perguntei intrigada, depois de mordiscar uma torrada.
  - Ahh querida, tenho certeza que, na hora certa, você descobrirá! – o homem dos cabelos ruivos me explicou, olhando diretamente para Julian.
  - E quando seria a hora certa? – continuei a perguntar. Pelo menos, ele parecia o mais sensato de todas as criaturas com as quais conversei hoje.
  - O tempo dirá. – respondeu com um sorriso e preencheu sua xícara com mais chá.
  - Para onde estão indo? – a lebre perguntou.
  - Não sabemos. – nós dois respondemos em coro.
  - Então deveriam se apressar, logo já vai escurecer! – o chapeleiro nos alertou. – Deveriam seguir na mesma trilha que os trouxe aqui, acho que vão gostar do que irão encontrar…

  - Um labirinto, que incrível! – ironizei quando percebi o que aquelas paredes representavam. – Não tenho mais condições para descobrir a saída desse lugar, e muito menos encarar o que nos espera fora daqui. – falei enquanto me sentava, apoiada em uma das paredes.
  - Você não deve se lembrar, mas costumava imaginar um lugar igual a este aqui, quando era criança. – Julian começou. – Todos os dias, me entretinha descrevendo gatos que desapareciam, malucos que tomavam chá como ingleses e um labirinto gigante. Foram meses e meses escutando a mesma história, até que eu segui um coelho até sua toca a vim parar aqui, mas isso já faz 10 anos.
  - HÁ, sabia que você já tinha vindo pra cá! – disse animada. Agora ele começaria a me explicar todos os mistérios daquele lugar. – Continue.
  - Mas não esperavam por mim, e sim por você. Porque você Alice, criou esse lugar. Você queria escapar de regras então desafiou até as leis da natureza, e aqui animais falam. Você queria coisas que despertassem a sua curiosidade, então criou um labirinto enorme. Você queria mostrar a sua mãe que podia fazer bem mais do que ela supunha, e conseguiu ficar com 20cm de altura para depois, voltar ao tamanho normal com um suco e um bolo. Você queria fugir de toda aquela pressão, e criou o País das Maravilhas. Por isso todos sabem de você e ficam felizes em te conhecer, porque você criou tudo isso aqui! Porque é tudo sobre você.
  - Espere... – disse depois de absorver metade de toda aquela informação. Eu realmente imaginava lugares incríveis e surreais como aquele, mas isso foi há tanto tempo, que nem mesmo me recordava! – Isso é demais!
  - E foi por isso que eu te trouxe aqui, nada mais justo do que deixá-la conhecer esse lugar. – Julian me puxou para perto de si. – Não sei se eu estava sonhando há dez anos e se estamos sonhando agora, mas nada disso me parece um sonho.
  - Então vamos sair desse labirinto, de repente quero descobrir o que eu imaginei... – levantei-me e coloquei as mãos na cintura. – E inclusive, você é incrível, obrigada por me trazer aqui.
  - Não quero agradecimentos, quero que você aceite o que eu tenho a te propor. – ele falou, já de pé a minha frente.
  - O que? – perguntei curiosa. Minha cabeça já tinha criado mil possibilidades e imaginado diálogos completos naquele instante.
  - Casa comigo. Mas não por obrigação, e sim pra gente morar em uma casa com vista pro mar em alguma ilha no Caribe. – olhando nos meus olhos, ele basicamente me pediu em casamento e meu coração explodiria de felicidade, se isso fosse possível.
  Atônita e boquiaberta, encarei o par de olhos azuis a minha frente por minutos até conseguir controlar minhas emoções. Não conseguia acreditar que Julian queria mesmo ser meu marido, e que eu estava a uma palavra de ter minha paixonite de infância ao meu lado, para o resto da vida (ou até ele cansar de mim e eu me cansar dele).
  - Claro que eu caso! – finalmente recomposta, respondi e o abracei.
  - Eu só não tenho um anel de noivado aqui... – ele brincou e me puxou pela cintura.
  - Não importa. – sussurrei, meu rosto a poucos centímetros do seu. Podia sentir sua respiração batendo em meu rosto e cada vez mais, seu corpo estava mais próximo do meu. Minha cabeça girava e eu só queria sentir seus lábios nos meus, tão próximos e ao mesmo tempo tão distantes, queria algo concreto, que me fizesse acreditar que ele seria meu. E eu estava a poucos segundos de tê-lo.
  - Por que essas flores ainda não foram pintadas? – um grito nos assustou e droga, era a segunda vez no mesmo dia que eu tinha a oportunidade de beijá-lo, mas algo (ou alguém) nos interrompia.
  - Mas que inferno! – exclamei passando as mãos pelo meu cabelo. – O que é dessa vez?
  Continuamos no mesmo corredor e, seguindo as vozes que cada vez estavam mais altas, viramos a direita e nos deparamos com o que deveriam ser soldados, vestidos como cartas de um baralho, pintando um canteiro de rosas brancas com tinta spray vermelha!
  - ASSIM VOCÊS VÃO MATAR AS POBRES ROSAS! – gritei em um impulso e fiz todos pararem a pintura para nos encararem. – São tão lindas assim, brancas... – suspirei e ainda até o canteiro, para poder tocar aquelas flores, tão raras aos meus olhos e ao meu olfato.
  - A rainha nos matará se perceber que ao invés de rosas vermelhas, plantamos rosas brancas! – desesperado, um dos soldados se explicou enquanto todos voltavam a pintar, desesperadamente, as rosas.
  - A rainha de copas? – deduzi e cruzei os braços.
  - Quem mais seria? – outro soldado me respondeu. – Ela mandaria cortar nossas cabeças, caso visse uma rosa branca sequer!
  - Vocês vivem em que século? – perguntei, e antes que qualquer um deles pudesse me responder, Julian me puxou para trás.
  - Por que só tem gente, e animais, doidos por aqui? – Julian e eu já estávamos longe dos soldados e suas rosas, quando questionei.
  - Não sei, a imaginação é sua! – ele deu de ombros. – Mas vamos achar a saída desse labirinto logo.
  - E tentar voltar para o palácio, porque aquele chá não matou minha fome... – reclamei e entrelacei seus dedos nos meus.
  Passamos um bom tempo entre as paredes e corredores do labirinto, tentamos espiar por cima das paredes, para supor qual caminho deveríamos tomar, mas a linha do horizonte poderia estar mais próxima do que a saída. Tudo o que conseguimos ver foi um enorme palácio, vermelho da mais alta torre até os rodapés do porão, a casa da famosa Rainha de Copas. O tempo passava e não havia nenhum fato a nos deixar otimista, nenhuma movimentação que indicasse a saída, e nem mesmo outros soldados, ou cartas de baralho, que pudessem nos ajudar. O sol estava quase se pondo quando Julian tentou, mais uma vez, mensurar quanto faltava para a saída, e desta vez só precisamos virar em alguns corredores, para nos livrarmos daquele infinito de paredes!
  - CONSEGUIMOS! – gritei e pulei no pescoço de Julian, que me girou no ar. – Eu estava quase morrendo de claustrofobia.
  - Eu não ia te deixar desmaiar lá dentro, ia ser impossível achar a saída tendo que te carregar nos braços.
  - Acho que eu não ia me importar... – brinquei enrolando uma mecha de cabelo. – Você tá sentindo esse cheiro? – perguntei depois que o aroma de cerejas invadiu o ar ao meu redor. Alguém tinha acabado de tirar tortas de cereja do forno, e eu estava pronta para devorá-las.
  - Torta de cereja. – ele concordou comigo.
  Encontramos três tortas enfileiradas no batente da janela do que deveria ser a cozinha, e não pensamos duas vezes antes de pegarmos duas delas, e fugirmos para um jardim ali perto.
  - Essas são, as tortas, de cereja, mais deliciosas, de todo, o mundo! – disse pausadamente, enquanto comia os restos de geleia em meus dedos.
  - Você precisa experimentar as que a cozinheira lá de casa faz, são bem mais incríveis. – Julian disse.
  - Duvido que são melhores que estas, ou melhores que a torta de framboesa que a Lydia faz!
  - QUEM COMEU MINHAS TORTAS? – uma voz estridente gritou de algum lugar dentro do palácio e eu senti minha pressão ir ao inferno e voltar. Meus instintos apontavam que a dona da voz era a Rainha de Copas, e se ela era capaz de enlouquecer um pobre coelho e decapitar soldados que trocaram a cor das rosas em seu labirinto, posso dizer que meu estômago revirou todos os pedaços de torta que eu comi, quando fantasiei o que ela poderia fazer comigo e com o Julian.
  - É a rainha. – dissemos ao mesmo tempo e começamos a limpar a bagunça que fizemos no jardim: resquícios da torta desapareceram nas lixeiras ao redor, deixamos nossas roupas livres de qualquer farelo ou mancha avermelhada e, por fim, entramos em uma porta estreita, que deveria esconder uma escada de séculos passados para o porão. Mas era apenas mais uma porta para o salão principal do palácio.
  Rainha e centenas de soldados redirecionaram seus olhares quando captaram o barulho da porta. Fomos vistos. Terei que explicar o que estava fazendo ali. Terei que suplicar para sair dali com a cabeça grudada no pescoço. E terei que rezar para não começar a chorar no meio do processo.
  A Rainha de Copas era robusta, não possuía traços atraentes e nem mesmo um olhar calmo, muito pelo contrário. Tentei prender minha atenção em sua coroa dourada reluzente, para não tremer de medo ao lado de Julian, mas ela estava andando em nossa direção, e era cada vez mais impossível ignorar o ser amedrontador a minha frente. Abracei o Julian e torci para que ela não desconfiasse de nós dois, que se lembrasse de Julian e que ele tivesse deixado uma boa lembrança de sua primeira visita ao País das Maravilhas. Mas todas as minhas esperanças foram para o espaço.
  - Eu reconheço estes olhos azuis em qualquer lugar, Julian. – ela começou logo que chegou perto de nós. Perto demais para eu não sentir medo. – E lembro bem que mandei cortar sua cabeça uma vez, mas você fugiu.
  - Olá, vossa majestade, gostaria de ressaltar que tudo o que houve da última vez foi um tremendo engano. – Julian tentou reverter a situação.
  - Eu nunca me engano. – ela rosnou em sua direção. – E você é a Alice, como estava curiosa para conhecê-la. – a rainha se dirigiu a mim e eu só consegui sorrir de volta.
  - VEJO GELÉIA DE CEREJA EM SUAS BOCAS, CORTEM AS CABEÇAS! – ela ordenou e, pela primeira vez na vida, senti medo de morrer. Mas eu realmente morreria? Ou sentiria dor? – Os dois para o porão, mas não vou demorar para tirá-los de lá.
  Dois soldados não demoraram a prender nossas mãos com algemas, e nos levaram até uma cela no porão. Eu poderia ter observado cada detalhe da arquitetura do palácio durante o trajeto, poderia ter analisado cada traço das pinturas, mas meu nervosismo só me deixava encarar o chão, quadriculado igual ao da toca, horas mais cedo. Quando finalmente chegamos, não troquei nenhuma palavra com o Julian nos poucos minutos que ficamos lá dentro, apenas arquitetei um simples e excelente plano para sair dali.
  - Mas o que você está fazendo? – sua voz ecoou pelas paredes do grande porão.
  - Tirando a gente daqui. – resmunguei enquanto tirava um grampo do meu cabelo, para encaixar no buraco da fechadura. Depois de inúmeras tentativas, girei o grampo mais uma vez para a esquerda e as grades instantaneamente mexeram- se para frente. Abrir portas com grampos de cabelo é uma tática antiga e eficiente, nenhuma fechadura escapa! – Vamos. – anunciei, com a cela já aberta.
  - Você é um gênio! – Julian beijou-me na testa e, sem perder tempo, corremos para a primeira escada que avistamos e, por sorte, não possuía nenhum soldado vigiando a porta. Por fim, pudemos ver o jardim novamente. – Vem, eu sei de uma porta que vai nos levar de volta pro seu palácio.
  Corremos pelo jardim, tão florido e bonito quanto o qual observei pela pequenina porta da toca do coelho, e o pôr do sol deixava a cena ainda mais perfeita (não fosse o fato de que éramos dois fugitivos). No meio de algumas árvores, que eu nunca tinha visto antes, Julian me mostrou uma enorme parede de pedra, que mais me lembrava ruínas de castelos medievais, com uma grande porta de madeira no meio. Olhei por trás da muralha, e não havia nada. Como aquilo poderia me levar para casa?
  - Vamos. – ele segurou minha mão e, logo que passamos pela porta, um lugar familiar foi reconhecido pelos meus olhos. – Voltamos...
  Era o bosque de tuias novamente, minhas tulipas novamente, meu lago novamente. Não questionei como eu poderia estar de volta, como não havia nenhuma porta atrás de mim, nem como tudo aquilo tinha acontecido. A única coisa que me importava era o homem alto, loiro e dono do mais lindo sorriso, que estava me esperando a minha frente.
  - É bom estar em casa... Mas o País das Maravilhas também é incrível. – pontuei e joguei meus braços ao redor de seu pescoço.
  Ele não precisou responder, apenas colou seu corpo no meu, me segurou pela cintura e, finalmente juntou seus lábios aos meus.
  - Ainda quer se casar comigo e mudar pro Caribe depois? – ele interrompeu o beijo, depois de alguns minutos.
  - Me casar com você vai ser a única exigência de minha mãe, em 17 anos, que vai me fazer feliz, Julian.



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