Revive

Escrito por Danielle | Revisado por Jaqueline

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  "Você deve desistir da vida que planejou para poder ter a vida que o aguarda." - Joseph Campbell

Prologue

  Abri meus olhos e senti a claridade machucar minhas vistas. Fechei-os imediatamente e fiquei mergulhada na escuridão. Minha mãe apertou minha mão de leve.
  - ? Você está me ouvindo, querida?
  - Estou sim, mãe. Dá pra fechar as cortinas, alguma coisa do tipo? A claridade está incomodando.
  - Claro, meu bem. - ela disse depois de alguns segundos de reflexão com uma voz de choro.
  Quando senti que a luz dentro do quarto reduziu o suficiente para que eu me sentisse melhor, abri meus olhos novamente.
  - Mãe, eu não consigo enxergar. - eu disse piscando freneticamente. - O que aconteceu? Por que eu não estou conseguindo enxergar? - perguntei desesperada. Minha mãe colocou a mão sobre o meu ombro e pediu que eu me acalmasse por algumas vezes. Tentei obedecer esperando que ela me dissesse que aquilo era temporário e que ficaria tudo bem.
  - Você teve as córneas comprometidas no acidente... E por isso...
  - Eu estou cega? - quase engasguei ao pronunciar as palavras.
  - Através de um transplante você pode voltar a enxergar... - ela disse e começou a chorar mais alto.
  Afundei minha cabeça no travesseiro. Ao passo que as palavras e os soluços de minha mãe se fixavam na minha mente e eu encarava a realidade, pensei nas últimas besteiras que havia feito. Pensei na garrafa de vodka que havia consumido sozinha, pensei no carro do meu pai que eu havia pegado sem autorização, pensei na música que tocava ensurdecedoramente dentro do veículo, pensei no vidro se estilhaçando em mil pedaços sobre mim. Depois daquilo, eu não me lembrava de mais nada. E, no fim, aquelas atitudes idiotas me custaram a capacidade de ver.
  Fechei os olhos novamente - não faria diferença ficar com eles abertos ou fechados mesmo - e senti as lágrimas rolarem lentamente pela minha face. Meu coração parecia pesar cem quilos dentro do peito. Ouvi, instantes depois, o barulho de uma porta se abrindo e a voz perfeita dele preencheu o espaço. estava ali. E eu me senti aliviada, finalmente.

  ***

  Dizem que a vida é feita de erros, não de acertos. Que os pecados lhe ensinam a encarar o mundo e a aprender o que faz bem e o que não faz. Dizem que tudo o que você realiza durante sua existência tem uma razão e sempre serve para alguma coisa - mesmo que essa coisa seja simplesmente saber que não se deve repetir a ação mais. Dizem que você é capaz de se acostumar com qualquer coisa, capaz de lidar com qualquer coisa; que Deus não dá o frio mais intenso do que seu cobertor. E foi da forma mais difícil que eu descobri que poderia conviver com todas essas informações e que elas acabavam se aplicando ao meu caso. É claro que eu reclamei muito antes, chorei muito antes, odiei minha própria sorte de todas as formas possíveis antes. E talvez eu ainda estivesse fazendo isso hoje se não o tivesse para me lembrar que eu estava viva afinal, e tinha muitas coisas ainda para realizar pela frente.

Capítulo 1

  Tempe, Arizona. 17 de outubro de 2011

  - Bom dia, meu amor! - minha mãe disse entrando no meu quarto e abrindo as cortinas.
  - Ah não, mãe. Está muito cedo ainda... - resmunguei cobrindo minha cabeça com o edredom.
  - Está na hora de se arrumar para ir para o colégio.
  - Graças a Deus esse é meu último ano! - Eu disse saindo do meu ninho quente e feliz, mesmo que ele estivesse implorando que eu passasse o resto da manhã ali.
  - Mas aí vem a faculdade e você vai descobrir o que é responsabilidade mesmo.
  - Pode, por favor, apenas me lembrar que depois do ano letivo tem as férias de verão e só depois das férias de verão tem a faculdade? - resmunguei tateando a parede para alcançar o guardarroupa.
  - Está certo. - minha mãe respondeu rindo. - Eu deixei a água para o café fervendo. Vou lá olhar e já volto. Se precisar de ajuda, me grita!
  Eu conhecia meu quarto como a palma da minha mão. E, desde que perdera o sentido da visão - pouco mais de quatro anos atrás -, havia aprendido a me virar. Meu 'recanto feliz' era sempre muito organizado - eu costumava dizer que tinha coordenadas geográficas para tudo ali dentro -, então sabia onde ficava cada objeto. Abri a segunda porta do roupeiro e retirei uma calça jeans. Pela textura do tecido e pelos bolsos, eu sabia que ela era preta e sem strass. Peguei uma blusa de material leve - minha regata rosa preferida - e caminhei devagar até a porta do quarto, a fim de fechá-la. Tirei a blusa larga e o short de malha que estava usando, e me vesti cuidadosamente.
  - Está ótimo, querida. - minha mãe disse assim que coloquei a escova de cabelo encima da pia do meu banheiro.
  - O café está pronto? - perguntei posicionando meus óculos escuros no rosto.
  - Está sim.
  Peguei minha mochila que repousava na mesinha que abrigava meu laptop, apanhei minha vara 'guiadora' e deixei minha mãe me levar para a cozinha.
  - E então, já pensou no que vai querer de aniversário? - Lauren Masen, a matriarca da minha família de três pessoas, perguntou.
  Meu aniversário de 19 anos seria dali a uma semana. Eu sabia exatamente o que queria - um rapaz lindo e juvenil que estava em turnê pelo norte dos Estados Unidos naquele exato momento. Não, eu não era do tipo de garota iludida, que sonha todos os dias em viver um conto de fadas com um rockstar. Eu era - ou costumava ser - a melhor amiga de um garoto simples, que trazia um grande sorriso no rosto e na voz sempre, que havia estudado comigo no colégio e fora meu vizinho um dia. Esse mesmo garoto havia conseguido a fama que tinha até então depois de muita batalha e de correr bastante atrás de seu sonho.
  - Não, ainda não pensei. - menti.
  - Pois trate de pensar logo. Está chegando.
  Fingi estar empolgada com aquilo e falei em roupas e sapatos legais, para disfarçar meu desinteresse, até minha mãe anunciar que estava na hora de sair de casa.
  - Nossa, esse ano está puxado, viu... - minha melhor amiga, , reclamou colocando sua bandeja sobre a mesa.

  - Tomara que compense e a gente seja aceita em alguma faculdade legal.
  - Vamos sim, amiga. Não se preocupe com isso. - ela pausou para mastigar e continuou: - Você devia estar pensando agora é no seu aniversário de 19 anos!
  - Para quê? Para me lembrar que eu deveria ter me formado no colégio um ano atrás?
  - A culpa não foi sua, ... - disse automaticamente.
  - Foi sim, flor. Eu quem peguei a porcaria do carro, enchi a cara e saí por aí batendo em árvores.
  - Sabe do que você precisa?
  - Hum... - respondi mordiscando o pedaço de pizza servido no almoço pela Tempe High School naquele dia.
  - Distrair-se pra ver se para de ficar se culpando e perdoe-se pelo menos um pouco. Não vai adiantar ficar o resto da vida atirando na sua própria cara os erros estúpidos que você já cometeu, mano!
  - Talvez você tenha razão... Mas e então? Alguma ideia pra hoje?
  - Ideia pra quê? - Ian puxou uma cadeira ao meu lado enquanto fazia a pergunta.
  - Pra distrair a cabeçona dessa doida aí. - respondeu.
  - Ah, a gente pode ir ao cinema. Tá passando um filme massa lá.
  - É mesmo? Qual é o nome?
  - E eu que sei?! Eu não trabalho no cinema... - o garoto me respondeu. Quase pude vê-lo dar de ombros.
  Eu conhecia Ian e desde o útero. Eles eram incríveis - inteligentes, engraçados, animados do tipo que sempre estão prontos para festejar. havia perdido o pai pouco tempo depois que eu havia sofrido o acidente que me tornou 'deficiente', então nós sempre apoiamos uma a outra em tudo.
  - Como é que tu sabes que tá passando um filme massa lá então? - perguntou com a voz entediada e irritada ao mesmo tempo.
  - Porque sempre está, ué.
  Segundos depois, Ian gritou 'ai'. Eu pensei em protestar porque estava bem ao lado dele e minha audição era boa até demais, mas fiquei muito ocupada rindo daquilo.
  As últimas aulas no colégio passaram rápido. Meu último tempo foi educação física, então passei todo o horário fazendo esculturas com pecinhas de montar e pessoas com massinhas de modelar. Como a matéria era obrigatória para todos os anos do Ensino Médio, era tudo o que eu podia fazer para me distrair. E eu até gostava. Era muito boa em fazer artesanatos de cerâmica, esculpir em argila e montar castelos de cartas. Não era exatamente ser uma atleta, como eu já havia sonhado quando era criança - eu havia feito ginástica olímpica por um tempo. Mas eu me sentia útil quando o que eu construía podia ser vendido na feira e o dinheiro era doado para crianças cegas, como eu.
  Fui ao cinema com e Ian aquela tarde. Dei boas risadas com eles e minha melhor amiga me levou para casa depois.
  - E aí? Tem notícias do ? - me perguntou quando parou o carro próximo à calçada da minha casa.
  - Ele me ligou uns três dias atrás. Ele e todos os meninos estão bem. Exaustos por causa da turnê, mas bem...
  - E você, amiga? Como você está?
  - Aguentando as pontas, né? O tempo não pára, e essas coisas...
   me abraçou ternamente e disse que, se eu precisasse de alguma, já sabia: o celular dela estaria ligado 24 horas ao dia, sete dias por semana, e ela sairia correndo de onde quer que fosse para me socorrer. Agradeci sinceramente e entrei em casa.
  Deixei que a água relaxasse meu corpo e, depois do jantar, fiz meu dever do colégio. Eu já estava indo me deitar quando meu iPhone tocou 'Into Your Arms', minha música preferida da minha banda preferida.
  - Oi. - atendi e bocejei.
  - Oi, linda! - a voz dele fez meu coração disparar, embora eu já soubesse pelo toque do celular que era .
  - E aí, como é que tá?
  - Tô bem. Morto, mas bem. E você?
  - Melhor agora que você disse que está morto. Quero dizer, pelo menos você pode falar, né?
  Ele riu e conversamos por algum tempo.
   fazia as melhores descrições dos lugares. Dizia que cheiro cada cidade tinha, como cada fã de cada região reagia, brigava com e todo o tempo arrancando-me risadas até mesmo quando eu estava sozinha depois, pensando na conversa que havíamos tido. adaptava o mundo a mim, sem fazer com que eu me sentisse diferente ou incapacitada. E, quando ele falava, o mundo sempre parecia mais colorido, mais vivo - mesmo sob os meus olhos apagados.
  Adormeci aquela noite imaginando a histeria das fãs quando The Maine subia no palco. Eu conhecia aqueles garotos desde sempre e sabia que eles mereciam tanto sucesso...
  Aquela noite, eu quis com todas as forças do meu ser, ver o sorriso brincalhão dele na minha frente outra vez. Felizmente, eu o vi - durante o que pareceu um longo tempo, nos meus mais lindos sonhos.

Capítulo 2

  Tempe, Arizona. 24 de outubro de 2011

  Meu aniversário de 19 anos. Acordei naquela manhã me perguntando quando, afinal, realmente sentimos que mudamos de idade. No dia em que fiz 18 anos passei algum tempo refletindo se eu me sentiria realmente independente algum momento da minha vida. Acabei concluindo que isso só aconteceria no dia em que eu recebesse um transplante de córneas.
  - Feliz aniversário! - minha melhor amiga gritou e me abraçou forte, quase me fazendo derrubar Sra. Maggie, minha vareta 'guiadora'.
  - Obrigada. - agradeci sorrindo.
  - Depois do colégio, eu passo na sua casa para te entregar o presente. Sabe como é, não dava para trazê-lo para cá. - disse pegando minha mão e colocando-a sobre o seu ombro esquerdo.
  - Não precisa me dar nada.
  - Eu sei que não precisa. Comprei porque quis mesmo.
  - Ok. - eu disse indicando pelo tom de voz que me rendia. - Mas podemos ir para a sua casa depois da aula? Minha mãe vai ao supermercado e pediu que eu voltasse com você hoje. E eu também não quero ficar sozinha.
  - Tudo bem, amiga. - assentiu.
  Todos os meus professores me deram os parabéns pelo meu aniversário. Eu sabia que eles só faziam isso comigo, e não gostava de receber tanta atenção. Será que eles não percebiam que tanta gentileza só fazia com que eu me sentisse mais esquisita e diferente? Ser absolutamente ignorada pelas pessoas na minha escola era algo que eu desejava. Mas, invariavelmente, todos os que faziam aulas comigo vinham se apresentar e dizer que estavam à disposição caso eu precisasse de alguma coisa. Eu sempre reprimia a vontade de responder: 'eu sou cega, mas sei me virar, obrigada'.
  - Feliz aniversário! - Ian disse depois de me dar um beijo leve no rosto. - Minha mãe quem escolheu, então a culpa é dela se você não gostar. - disse colocando minha mão sobre a caixa que repousava encima da mesa a nossa frente.
  - Obrigada, Ian. - agradeci e tateei o objeto, puxando delicadamente o papel que o cobria.
  Levantei a caixa e fechei meus olhos tampados pelos óculos escuros - uma mania que eu tinha quando queria me concentrar nos meus outros sentidos. Cheirei o embrulho em vários pontos; o odor era de lilases e papoulas.
  Apalpei as beiradas da caixa e encontrei onde ela se abria. Senti o material frio que lembrava vidro. Era um perfume.
  - Diga a sua mãe que ela tem um ótimo gosto. Eu amei o perfume.
  - Vou dizer. - meu amigo respondeu-me com um sorriso na voz.
  Abri Sra. Maggie e me levantei; eu ainda não havia comprado minha comida naquele dia. Caminhei até o balcão que conhecia há anos e pedi um hambúrguer.
  - Ei, você não olha por onde anda? - um garoto perguntou quando esbarrou em mim e derrubou sua bandeja no chão; pelo menos foi o que deduzi por causa do barulho inconfundível de vidro se estilhaçando e de líquido sendo derramado.
  - Eu bem que gostaria. - respondi com calma. Minha mãe sempre dizia que manter a serenidade é a única forma de acalmar pessoas grossas, então foi o que tentei fazer.
  - Desculpe. - o menino falou e imaginei que estava catando os restos do seu almoço.
  - Você é retardado ou o quê? - falou com a voz afetada pela raiva.
  - Eu sou novo aqui nessa escola e não sabia... dela. Já pedi desculpas.
  - Tudo bem... - comecei a falar.
  - Tudo bem uma ova! - me interrompeu. - O problema maior não é você ter esbarrado nela e falado com tanta estupidez 'você não olha por onde anda' - ela imitou a voz do garoto quando citou as palavras dele. - O problema é que você pelo visto não sabe viver em sociedade. Ninguém tem culpa se você é imbecil e anda apressadinho por aí.
  - Certo. E você quer que eu faça o quê agora? Volte no tempo e evite essa bagunça? Bom, eu vou te contar uma novidade: não dá. O máximo que eu posso fazer já fiz. Eu pedi desculpas. - o garoto respondeu no mesmo nível de estresse.
  - E que isso não se repita. - disse em seu tom firme de 'não se fala mais nisso' e me entregou minha bandeja.
  - Não precisava brigar assim, . - sussurrei para ela enquanto voltávamos de braços dados a nossa mesa.
  - É claro que precisava. Que menino idiota! - ela falou para mim e propôs que mudássemos de assunto.

   havia me comprado o livro 'A última música' de Nicholas Sparks em áudio como presente de aniversário. Ela me contou que a história era sobre uma garota ressentida com o pai que acabava sendo obrigada a passar o verão com ele. Juntos eles compunham sua última música, depois de enfim se reconciliarem.
  Passamos a tarde toda conversando sobre assuntos aleatórios. estava preocupada se Alex, o garoto mais lindo do time de futebol do colégio, lhe chamaria para o baile beneficente dali a três semanas.
  - Se ele não te convidar, é porque é muito burro. - eu disse depois de bebericar o suco que ela havia me entregado.
  - Se ele não me convidar, eu vou acabar indo sozinha ou nem indo. Já recusei três convites esperando o Alex tomar uma atitude. Mas sabe... Estou pensando em dar uma mãozinha pra ele.
  - O que você está planejando? - perguntei rindo.
  - Ué, eu pensei em convidá-lo eu mesma, mas isso parece desesperado demais... Então imaginei se uma amiga minha que faz as aulas de laboratório com ele não poderia dar uma mãozinha...
  - Na verdade eu faço as aulas de laboratório com o Eric.
  - O Eric e o Alex são tão amigos que nem dá pra diferenciar um do outro, ! Ah, qual é! Não custa nada tocar no assunto.
  - Certo, eu vou te ajudar. - bateu palmas de felicidade.
  - Eu soube que o Andrew te convidou também. - ela disse alegre.
  - É, mas eu não aceitei.
  - E posso saber por quê? Ele é inteligente, bonito, bom de papo...
  - Eu não vou estragar o baile do garoto. Ele consegue levar alguém mais digno.
  - Lá vem você com esse papo...
  - Flor, eu não estou reclamando da minha vida ou tendo piedade de mim mesma. Eu sei o que implica me levar a um baile e eu também não vou aceitar uma proposta porque alguém teve compaixão por mim. O Andrew só me chamou por isso.
  - Você devia ver como ele te olha antes de chegar a esse tipo de conclusão.
  - Nessas ocasiões eu fico é feliz por não ver. Seria horrível observar as pessoas tendo dó de mim o tempo todo.
  O telefone da casa de tocou então, colocando um ponto final na nossa conversa. Minha melhor amiga foi atendê-lo, e, quando voltou, disse que já estava na hora de me levar embora.

   parou o carro em frente a minha casa. Eu morava há quatro quadras de distância dela, no subúrbio mais aconchegante de Tempe, no Arizona. Todas as residências ali se pareciam muito - as construções pintadas de branco, um gramado na parte da frente, a garagem do lado direito, grandes quintais nos fundos e, em alguns casos, piscinas também. Tudo era daquela forma desde a minha infância, e minha mãe garantia, quando eu perguntava, que nada havia mudado nos últimos quatro anos.
  Minha melhor amiga pegou minha mão e me acompanhou até a porta. Fez questão de abri-la para mim e, quando passamos pela soleira, escutei o barulho de balões sendo estourados e o que pareceu uma multidão gritou 'feliz aniversário', em uníssono. Reprimi uma gargalhada e senti minhas bochechas esquentarem.
  - Parabéns! - minha mãe disse me abraçando. Várias pessoas repetiram o mesmo gesto, e então a música foi ligada e a comida começou a ser servida.
  Eu estava na varanda dos fundos de nossa propriedade, sentada em uma das cadeiras de plástico que meus pais haviam alugado para a festa, quando alguém tirou meus óculos escuros e tampou meus olhos. Levei minhas mãos ao rosto e os pêlos dos meus braços ouriçaram automaticamente.
  - Eu não acredito! - quase gritei e me levantei num rompante. Escutei algumas risadas e ele me abraçou forte.
  - É claro que eu não perderia seu aniversário por nada nesse mundo! - o garoto disse no meu ouvido.
  Lágrimas escaparam sem permissão dos meus olhos azuis. Prendi naquele abraço por um bom tempo, até que reclamou:
  - Cara, desse jeito não vai sobrar pra nós!
  Eu e meu melhor amigo nos separamos e recebi um abraço saudoso de cada um dos membros da banda.
   disse que eu estava linda; falou que eu tinha o melhor cheiro do mundo, fazendo-me corar completamente com a observação; e perguntou se eu queria casar com ele, recebendo um tapa na cabeça de cada um dos integrantes de The Maine.
  Mais alguns minutos se passaram, e me chamou para uma volta pela rua da minha casa.
  - Eu sinto falta desse lugar. - ele disse e apertou de leve minha mão.
  - Esse lugar também sente sua falta. - respondi um tanto melancólica. Ele riu baixinho.
  - Mas me diga... Como estão as coisas na escola?
  - O mesmo de sempre. Vamos ter um baile para arrecadar fundos para crianças carentes no mês que vem.
  - É, eles sempre dão essas festas no fim do ano, com a chegada do natal e tudo mais.
  - Você deve ter coisas mais interessantes para me contar.
  - Bom, eu tenho uma novidade boa: vamos ficar aqui em Tempe pelo próximo mês. Como depois disso só vamos folgar no Natal, fomos alforriados por enquanto.
  - Isso é ótimo, ! Seus pais sempre reclamam que nunca te vêem.
  - É... - Ficamos calados pelos próximos segundos até que ele rompeu o silêncio: - Ah, eu já ia me esquecendo! Tenho uma surpresa pra você! - disse animado.
  - Mais surpresas?
  - Está lá na sua casa. - ele fez uma pausa. - Vem, sobe aí!
  - Subir aonde?
  - Nas minhas costas. Como nos velhos tempos! - pegou minha mão e colocou-a sobre o seu ombro. Tateei suas costas e senti seus braços passarem em minhas pernas por trás. E, enquanto ele corria e fazia barulhos de galopes, as lembranças me assaltaram. Eu tinha 14 anos então - ele 15 -, e estávamos num parque diversões, em Phoenix.

Capítulo 3

  Phoenix, Arizona. 22 de outubro de 2006

  Flashback on xx

  - Me coloca no chão, ! - repeti a frase pelo que pareceu ser a enésima vez. Ele não me escutou. Continuou me balançando de um lado para o outro como se eu fosse uma boneca de trapos.
  - Aquela montanha russa é muito foda! - gritou de trás de nós. - Vocês têm que ir lá!
  Atraído pelas palavras dela, me colocou no chão e fitou o brinquedo. Vi seu queixo despencar quando ele olhou o loop e a quantidade de voltas que aquilo dava.
  - Vamos lá! - ele pegou minha mão e me puxou em direção à montanha russa.
  - Não estou a fim de morrer hoje... - resmunguei tentando ir na direção contrária ao brinquedo e fracassando totalmente quando ele me puxou com mais força.
  - Ah, não, ! Mano é pra isso, cara!
  Aquilo e o bico que ele fez foi suficiente para me convencer a ir ao tal brinquedo.
  Saímos de lá tontos e fomos até a barraca de pipoca comprar alguma coisa com sal, na esperança de que pelo menos a pressão do corpo voltasse ao normal.
  Pegamos e se agarrando atrás da tenda de pescaria, minutos depois, e eu ainda me lembrava de que eles negaram que tinham alguma coisa pelos próximos meses após aquele dia. Também me recordava claramente de que a ida ao parque em Phoenix foi definitiva para que eu soubesse que não era apenas meu amigo - quero dizer, eu pelo menos nunca havia sentido apenas amor fraternal por ele.
  - O Ben é louco por você, . E o cara é bacana! Por que você não dá uma chance pra ele?
  - , fala sério! Ele é muito feio pra . - se manifestou.
  - Eu gosto do cabelo dele... - confessei.
  - Aquele ninho de passarinho? - disse com o choque atravessando sua face. - Você não pode estar falando sério!
  - O seu cabelo também parece um ninho de passarinho! - falei bagunçando ainda mais os cabelos despenteados do meu melhor amigo e fazendo meu estômago revirar-se mais do que quando eu estava na montanha russa.
  - Não, não parece. - ele respondeu num tom de voz duro e tirou minha mão de seu cabelo. Abaixei os olhos para minha pipoca, sem graça com a grosseria dele.
  - Não liga pra ele, . O nome disso é ciúme! - colocou o braço em torno do meu ombro e sussurrou a frase um pouco alto demais.
   não negou as palavras do amigo e não falou comigo até voltarmos para Tempe naquele dia.
  - Obrigada, Mellory! - minha mãe agradeceu a mãe de quando os s me deixaram em casa.
  - Por nada! - ela respondeu de dentro do carro e seguiu para a sua própria residência.
  - Como foi lá?
  - Bom. - foi só o que comentei sobre o passeio. Minha mãe tentou tirar mais informações de mim, mas eu disse que estava cansada e fui para o meu quarto.
   tocou de novo no assunto 'Ben Miller' quando nos sentamos juntos na aula de ciências, no dia seguinte.
  - Você vai ficar com ele? - perguntou sacolejando a garrafa plástica a nossa frente e prestando muito mais atenção do que era necessário àquilo.
  - Não, não vou. - respondi casualmente cutucando o canto da minha unha.
  - Eu acho que seu primeiro beijo precisa ser com uma pessoa mais digna... - ele falou, enfim, me encarando.
  - Me dê um exemplo de pessoa 'mais digna'. - eu nunca adivinharia que cinco anos depois usaria aquela expressão para me referir a mim mesma.
  - Sei lá. Pode ser um amigo que não vai se importar em te ensinar a beijar.
  Depois da aula naquele mesmo dia, nos sentamos embaixo de uma mangueira, numa praça perto da escola, e ele me ensinou a beijar. Nunca mais tocamos no assunto. Nunca mais nos beijamos depois daquilo. E, embora eu soubesse que a única pessoa quem havia saltado de apenas uma amizade de infância para 'o amor da minha vida' com o acontecimento houvesse sido eu, ainda me perguntava se ele não confundira as coisas em algum momento da sua vida.

  Flashback off xx

  Tempe, Arizona. 24 de outubro de 2011

  - Eu tenho certeza que você vai adorar! - disse me colocando delicadamente no chão. Entrelaçou seus dedos nos meus e começamos a caminhar.
  - Uma pista...? - perguntei sorrindo.
  - Já estamos na entrada da sua casa. Você já vai saber o que é.
  Nem se eu tivesse usado toda a minha criatividade teria imaginado um presente daqueles.
  - Ele é amarelo-claro. Parecido com aquele que os Smith tinham, lembra? - descreveu o cachorro para mim.
  - Então é um labrador retriever?
  - Exato! Ele tem dois meses, então ainda é pequeno. Eu pensei em trazer um adulto já adestrado para te levar aos lugares, mas me lembrei que você adora filhotes, e ele vai ficar grande logo também...
  O cachorrinho me lambeu o rosto e deixou que eu fizesse carinho em seu pêlo por um bom tempo.
  - Qual nome você dará a ele? - perguntou.
  - Luke. - respondi decidida.
  - Gostei do nome!
  - E eu amei o presente! Muito obrigada! - falei e me aproximei indicando que queria dar-lhe um abraço em agradecimento.
   cheirava a Coca-cola e colônia pós-barba importada. O cheiro era tão envolvente que eu não queria soltá-lo daquele abraço nunca. Felizmente ele me chamou para dançar, então ficamos perto um do outro daquele jeito por um bom tempo.
  - Quem vai te levar ao baile de caridade? - ele perguntou enquanto dançávamos um single romântico de All Time Low.
  - Eu não vou.
  - E por que não? Ninguém te convidou?
  - Andrew Stinson me convidou, mas eu não aceitei.
  - Por quê?
  - Porque eu tenha certeza que os garotos do time de futebol da escola sortearam um infeliz para me convidar ou tiraram no palitinho. E eu não vou simplesmente estragar o baile do garoto.
  - Caramba, . Você não costumava se depreciar tanto.
  - Eu não estou me depreciando. Essa é a mais pura verdade...
  - Eu vou te levar a esse baile e fim de papo.
  - Eu não tenho direito a aceitar ou não o convite?
  - Eu não estou convidando. Você vai comigo e pronto.
  - Abusado... - murmurei e rimos juntos sobre o assunto.
  Não, quando eu não aceitei o pedido de Andrew não estava planejando obrigar a ir comigo. Na verdade, eu nunca poderia imaginar que ele e o restante da banda tirariam algumas semanas de férias no fim do ano. E até me senti culpada por ter 'forçado a barra'. Mas eu era obrigada a confessar para mim mesma que as coisas haviam saído muito melhor do que eu poderia imaginar.

  Aquela noite, quando todos os meus visinhos e amigos do colégio, junto com seus parentes foram embora, e depois que eu me despedi de com a garantia de que ele estaria dormindo a duas casas dali, então eu poderia gritar literalmente que ele escutaria, deitei-me para dormir. Meu sonho trouxe todas as recordações mais fúteis que eu tinha da minha adolescência.
  Lembrei-me da minha preocupação em escolher o vestido mais perfeito que meus pais poderiam comprar para o baile de caridade no fim do último ano em que eu me importara de verdade com o evento. Pude escutar a mim mesma dizer para minha mãe que não dava para comprar nada descente com apenas quinhentos dólares.
  Também me recordei de como havia planejado minha festa de quinze anos que teria acontecido pouco mais de um mês depois do acidente de carro que custou as minhas córneas. Acordei no meio da noite quando a lembrança do impacto da lataria de nossa caminhonete contra a árvore foi forte demais e me fez despertar abafando um grito. Acendi o abajur que morava em minha mesinha de cabeceira e me levantei. Abri a porta do quarto e Luke alcançou meu pé; ele mordeu meu dedão e chorou baixinho. Coloquei meu cachorro para dentro do quarto e afaguei seu pêlo até que o sono fosse suficiente para que eu quisesse voltar a me deitar.
  Era bom ser adolescente. Era bom me preocupar em não repetir a roupa para ir à escola todos os dias, em deixar o meu cabelo cheiroso o bastante para que os atletas do colégio se interessassem por mim, embora eu fosse muito nova pra eles e não quisesse ficar com nenhum realmente. Mas as coisas haviam mudado. Eu bem que gostaria de dizer que havia crescido e descoberto que a vida é muito mais do que maquiagem e saber quem são os artistas sensações do momento. A verdade era que eu havia aprendido da maneira mais difícil que existem problemas maiores no mundo do que moda e cinema.

  - Depois da aula? - minha mãe me perguntou quando eu disse que levaria Luke para passear na companhia de aquela tarde.
  - Uhum... - respondi com a boca cheia de torrada doce.
  - Ele vai te trazer pra casa? - foi a vez de meu pai questionar.
  - Vai. - assenti. - Acho que não posso culpar vocês por não me tratarem como a garota grande de 19 anos, né?
  Nenhum dos dois me respondeu. Era o que sempre faziam quando eu jogava indiretas ou falava sobre minha deficiência visual.
  Depois do acidente, assim que voltei para casa, minha mãe só faltou me carregar no colo para os cômodos. Eu não sabia o que pensar daquilo, afinal, foi difícil mesmo me acostumar a não ter a visão. Minha mãe tinha que me explicar exatamente como eram as roupas quando ia me vestir; nos primeiros dias ela me ajudou a tomar banho também. Eu havia dito coisas horríveis como "eu sou uma imprestável agora" e "teria sido melhor morrer de uma vez". E sabia que meus pais nem conseguiam imaginar ter aqueles tempos de volta. Bom, aquela época nunca voltaria, eu poderia garantir a todos isso. Mas não significava que eu estava feliz.
  Minha mãe me entregou uma nota dobrada ao meio.
  - Dez? - perguntei para me certificar de que ela havia se lembrado que as notas dobradas ao meio eram as de dez dólares.
  - Uhum. Almoce direito! - ela disse por sobre o ombro.
  - Está bem! - respondi e caminhei em direção à porta verificando o caminho com a ajuda de Sra. Maggie.
  - Anda, ! Já estamos atrasadas! - gritou do lado de fora.
  Dobrei a vareta e corri até a porta. Desci as escadas conhecidas o mais rápido que pude e pulei para dentro do carro de minha melhor amiga - a porta já estava aberta para mim.
  - Temos uma operação "ida ao baile com o Alex hoje. Preparada" - me perguntou.
  Fiz que sim com a cabeça e deixei que ela me explicasse o plano infalível.

Capítulo 4

  Tempe, Arizona. 25 de outubro de 2011

  - Pelo amor de Deus, se esforce! - implorou quando finalmente estacionou seu carro na escola.
  - Relaxa, amiga. Você está falando com uma profissional.
  - É bom mesmo a senhorita não ter perdido o jeito.
  Minha primeira aula na terça-feira era de Química - o bendito horário em que eu me sentava com Eric e ele fazia quase todo o trabalho por nós no laboratório. Assim que entrei na sala - o cheiro forte de produtos químicos permitia que eu encontrasse o local sem se quer precisar de ajuda -, Eric Marin me cumprimentou e pegou minha mão, a fim de me levar até a mesa onde costumávamos sentar - apesar de que eu sabia fazer isso sozinha.
  - E então, animado para o baile? - perguntei a meu companheiro de Química depois de o professor ter dito que faríamos uma experiência relacionada a pH naquela aula; ele pediu alguns voluntários para ajudá-lo a buscar alguns repolhos e havia se retirado da sala há alguns minutos.
  - É, um pouco. Normalmente as meninas que ficam surtando por causa dessas coisas, né? Você vai com quem? - ele respondeu educado como sempre.
  - Não vou. - menti. Eu não estava muito segura sobre sair espalhando pela escola que levaria o membro da banda mais bem sucedida da cidade ao baile de caridade do colégio.
  - Por quê? O Andrew não te convidou? - Eric bateu na mesa 'sem querer' depois de fazer a pergunta. Ele deveria ter feito uma careta também, mas isso eu não poderia afirmar com certeza. Imaginei que estava se odiando por ter cometido um deslize tão ridículo - me fazer perceber que eles tinham tirado no palitinho sobre qual dos garotos do time de futebol iria fazer a caridade de me levar ao baile daquela vez.
  No início de Dezembro de 2007, o ano em que eu havia perdido a visão, Michael Weber me convidou para o baile comunitário. Ele havia sido impecavelmente educado o tempo todo, e eu estava encantada com a idéia de ter passado a noite toda com o zagueiro mais gostoso do time. No entanto, quando ele me levou para casa de volta aquela noite, seu celular tocou e ele pediu licença para atender, saindo do carro logo em seguida. Michael provavelmente não sabia que os outros quatro sentidos de uma pessoa são bastante aprimorados quando ela já não tem um, de modo que a minha audição era excelente. Escutei ele dizer com uma voz dura e desesperada, ao mesmo tempo, que já estava na porta da casa da 'garota cega' e a caminho do baile para pegar Jessica Adams. 'Eu não tive escolha, e você sabe disso. Que culpa eu tenho se a sorte não esteve a meu favor e eu fui sorteado para convidá-la? O treinador admira esse tipo de atitude, Jessica. E não depende só de mim - isso é com o time todo. Ok. Eu te pego em dez minutos.' Não falei com Michael qualquer palavra sobre o assunto e apenas agradeci por sua gentileza em me levar para a festa. Passei o resto da noite gastando minhas lágrimas com aquele acontecimento, e, depois do episódio, os bailes definitivamente deixaram de ser sinônimo de coisa boa no meu dicionário.
  - Sim, ele convidou. Mas eu não aceitei. - falei despertando-me das lembranças. - Eu estava me perguntando, Eric... Com quem o Alex vai ao baile dessa vez?
  - Acho que ele ainda não convidou ninguém. Está na dúvida sobre chamar Melyssa Morgan e , se não me engano.
  - Ele está na dúvida entre a jornalista mais bonita da escola, cotada a ser rainha do baile de formatura, e a garota que até ontem faltava de aula quando tinha uma espinha? Eu não entendo vocês homens! - eu ri realmente divertida com o 'dilema' de Alex.
  - Eu teria convidado a se o Alex não estivesse de olho nela. - Eric disse rindo também.
  - Bom, se eu fosse amiga do Alex, diria a ele para parar de perder tempo. A é minha melhor amiga, e eu sei que ela já recebeu uns três convites.
  - E não aceitou nenhum ainda por quê?
  - Porque talvez ela queira ir com o Alex...
  - Sabe, , - Eric disse depois de alguns segundos de reflexão - devíamos falar mais sobre garotas. Por exemplo, a Kate que senta com você na aula de História Geral. Ela tem namorado?
  Falamos mais um pouco sobre as garotas que eu conhecia na escola e então o Sr. Hastings entrou na sala pedindo silêncio e nos orientando quanto à aula daquele dia. Sorri para mim mesma, feliz por ter conseguido tão fácil o que tanto desejava.

  - Você é definitivamente meu anjo da guarda! - disse e me abraçou assim que nos encontramos no almoço.
  - Foi a coisa mais fácil do mundo. Você nem precisa me agradecer. Mas me conte: como foi que o Alex te convidou?
  - Eu tenho aula de Biologia II com ele, no horário antes do almoço. Daí, entrei na sala, né, como quem não quer nada e o cumprimentei, perguntei como ele estava e tudo mais... Aí, ele perguntou se eu já tinha acompanhante para o baile. Eu falei que o Jack, o Ryan e o Colin até tinham me convidado, mas eu não tinha aceitado o convite de nenhum deles. E então o Alex disse com a voz mais sedutora do mundo: 'Se eu te convidasse você também rejeitaria meu pedido?' Eu respondi: 'Por quê? Isso é um convite?' Ele disse que era e eu falei que aceitava ir com ele. Nós flertamos mais uns minutinhos, até que a Sra. Carter mandou a turma ficar quieta que ela explicaria a matéria.
  - Que bom que deu certo, flor! - bati palmas de empolgação. Foi então que me lembrei que nosso amigo mais irritante e engraçado ainda não havia se manifestado. - Peraí, cadê o Ian?
  - Ele faltou hoje. Foi ao oftalmologista. - respondeu casualmente e se levantou, fazendo sua cadeira emitir alguns rangidos quando a empurrou. - Vamos comprar a comida?
  - Deixa só eu te contar uma coisa antes.
  - Diga. - ela falou curiosa e sentou-se novamente.
  - Sabe quem vai me levar ao baile?
  - Ué, decidiu aceitar o convite do Andrew?
  - Que mané Andrew, menina. quem será meu acompanhante.
  - O QUÊ?
  - Fala baixo, eu não vou espalhar isso pela cidade, né? Vai que não dá, no final das contas. Mas enfim. Ontem à noite ele me intimou a ir ao baile com ele.
  - Você tem que aproveitar essa oportunidade pra falar com ele o que você sente de verdade, .
  - Não sei se é uma boa ideia... - falei depois que meu estômago fez barulhos de ansiedade e de fome.
  - Não é boa mesmo, é ótima. As coisas podem ficar estranhas entre vocês, ou podem ficar perfeitas. Você só vai saber a reação dele quando finalmente parar de guardar pra si própria o que você quer de verdade com o garoto.
  - Vou pensar a respeito disso...
  - Mas e quanto aos outros Maines? Vão ficar em Tempe por quanto tempo ainda? - minha amiga tentou tornar a pergunta sem importância, mas eu sabia que ela estava desconfortável com a presença de um dos membros da banda, em especial.
  - Todos vão ficar por aqui até o início de Dezembro.
  - Hum... - murmurou pensativa.
  - Você nunca vai esquecer o , não é?
  - Não pronuncie este nome, por favor. Não vou esquecer mesmo se a gente ficar falando da criatura. Vamos comprar nosso almoço!

  Eu não podia ver isso acontecendo, mas se eu bem conhecia os estudantes da minha escola, todos haviam parado para encarar quando me cumprimentou com um beijo no rosto e abriu a porta de sua BMW para mim.
  - Como foi a aula? - ele perguntou colocando Luke no meu colo.
  - Chata, como sempre. Como foi seu dia até agora?
  - Passei a manhã toda no shopping autografando CDs e camisetas. Pensei em dizer para as pessoas que eu estou de férias, mas eu devo tudo aos fãs.
  - Relaxa, daqui alguns dias eles se acostumam com você por aqui.
  Conversamos sobre assuntos bobos, como sobre o Sr. McBee ainda vender pipoca na entrada da Tempe High School, sobre os Smith regarem suas plantas todos os dias de manhã e te falarem sempre que te vêem 'acho que hoje vai chover', mesmo quando o sol estava a todo vapor e o céu não contava com uma nuvem se quer, e ainda outros fatos inúteis que tornavam Tempe tão acolhedora.
   tentou ensinar Luke a pegar o disco no ar quando chegamos ao gramado de um parquinho onde crianças podiam correr livremente e brincar de gangorra.
  - Esse cachorro é muito preguiçoso pra um labrador! Será que veio com defeito? - meu melhor amigo reclamou.
  - ! Ele só tem 60 e poucos dias de idade! É claro que não vai aprender a pegar disco no ar hoje ou pelos próximos meses até ficar maior, né?
  - É, deve ser isso mesmo. Bom, vamos tomar sorvete então e deixar ele correr um pouco atrás dos pombos.
  Dividimos um sorvete no cascão de morango de chocolate, nosso preferido desde que nos entendíamos por gente.
  - vai ao baile com quem?
  - Alex Mack.
  - tá lascado. - ele deu uma gargalhada tão gostosa que tive que rir também.
  - Por quê?
  - Ele tinha intenção de pedir a ela para ir com ele. Mas eu duvido que ela aceite tendo o Alex como acompanhante. Quero dizer, o cara é bom partido.
  - deveria ter pensado duas vezes antes de ferir os sentimentos dela.
  - Ele tinha 15 anos e ela 14, . Ele não sabia que ela ficaria chateada por ele ter negado que os dois tinham ficado daquela vez no parque.
  - Meninos de 11 anos sabem que não devem fazer isso, .
  - Mas também negou, na época.
  - É claro! Ela ia fazer o quê? Insistir que os dois ficaram sim se o que pareceu foi que o teve vergonha dela?
  - Ele pediu desculpas a ela depois.
  - Ele conhece a e sabe que não seria perdoado só com um 'ah, desculpa aê, '.
   então começou a rir e iniciou uma história sobre como o havia pisado na bola com uma garota que conheceu em Chicago, alguns dias antes deles voltarem para nossa cidade.
  Eu não podia vê-lo imitar a cara dos amigos e encenar os gestos deles quando os descrevia bêbados, mas eu sabia exatamente como ele devia estar fazendo aquilo. Essa era uma das grandes vantagens de ser apaixonada pelo melhor amigo - eu o conhecia tão bem que não enxergar nunca significou que eu não soubesse descrever suas ações, e recordá-las, ou imaginá-las o tempo todo na minha mente.
  Quando anunciou que já estava anoitecendo e era hora de me levar para casa, lamentei mentalmente por o dia ter passado tão depressa. Felizmente, ele jantou comigo e com meus pais, e me ajudou a alimentar Luke.
  Aquela noite, eu fiz planos para o baile - imaginei meu vestido, pensei em qual cabeleleiro contratar e em como faria minha maquiagem -, e pedi a Deus, em minha oração antes de dormir, que me desse coragem para me declarar ao meu melhor amigo. E foi nesse momento que percebi que a decisão já estava tomada.

Capítulo 5

  Tempe, Arizona. 12 de Novembro de 2011

  - Você está linda. - disse assim que apareci na sala de estar da minha casa.
  - Como você está vestido? - perguntei corando.
  - Terno azul escuro com risca de giz que eu chamaria de preto, mas a vendedora da loja insistiu em dizer que era azul mesmo... Gravata azul claro, sapato social preto que está machucando meu dedão... O cabelo a mesma zona de sempre... E aqui eu tenho uma pulseirinha de flor para você. - ele pegou minha mão e encaixou a pulseira no meu pulso esquerdo.
  - Você também está lindo. E obrigada pela pulseira. Minha mãe quem disse que meu vestido era azul para você combinar a gravata?
  - Não, foi sincronia nossa mesmo.
  Segundo , meu vestido era incrível - dez centímetros acima dos joelhos, com uma alça só, justo até a cintura e soltinho dali para baixo. Meus cabelos estavam soltos, caindo em ondas pelos ombros e eu havia feito californianas de um tom avermelhado, o que destacou bastante minha pele clara, de acordo com Ramon, meu cabeleleiro predileto. era a melhor maquiadora que eu conhecia - ela sabia esfumaçar a sombra nos olhos como ninguém - e, sendo minha amiga, não cobrou pelo serviço. Minha mãe havia feito francesinhas nas minhas unhas e me dado os sapatos que eu estava usando - pretos com saltos de nove centímetros. Mas, mesmo se eu não estivesse exatamente deslumbrante, aquela noite a única coisa que me importava de verdade era curtir e todo o tempo que eu passasse com ele.
  - Você vai dormir na casa da , ? - minha mãe perguntou.
  - Vou sim.
  - Não se preocupe, Sra. . Eu vou cuidar dela. - disse em seu tom de voz mais responsável.
  - Boa festa, crianças. - meu pai gritou de dentro da sala de televisão e minha mãe repetiu a mesma frase. Agradecemos e saímos da minha casa de mãos dadas.

  O baile estava sendo realizado no salão de festas da escola, que, até onde eu me lembrava, contava com janelas grandes nas laterais, um bar onde vendiam bebidas sem álcool nos fundos e um grande palco à frente onde imaginei que o DJ estaria posicionado. A festa tinha cheiro de coquetel de frutas e hortelã - um aroma que eu julguei agradável e reconfortante.
  Eu e cumprimentamos e Alex, Ian e Sammanta - sua acompanhante -, e outros conhecidos. Ele me contou que o lugar estava muito bem decorado, com jogos de luzes animadores e elogiou o trabalho do DJ.
  Depois que o diretor se pronunciou e agradeceu pelos quilos de alimento não-perecível que todos haviam levado - incluindo doações que excederam o pedido e o esperado -, a música foi ligada bem alto e começamos a dançar. Meu coração bateu agitado dentro do peito a noite toda e minhas mãos começaram a suar quando propôs uma volta pelo campus da Tempe High para tomarmos um pouco de ar.
  - Eu quero te contar um segredo. - falei depois de alguns longos minutos de caminhada e silêncio constrangedor.
  - Hum. - ele murmurou me encorajando.
  - Você se lembra do meu primeiro beijo?
  - É claro. Eu tirei a virgindade da sua boca. - ele falou e riu.
  - Bom... - eu disse e suspirei antes de continuar: - As coisas mudaram na minha cabeça depois daquele dia.
  - Como assim?
  - Eu não vejo você só como amigo mais, . E já tentei fazer meus pensamentos e meu coração voltarem a ver tudo da forma inocente como era antes, mas mesmo depois de quatro anos, eu não consegui.
  Ele ficou em silêncio de novo. E, embora eu o conhecesse tão bem que saberia prever muitas das suas reações, não consegui imaginar como deveria estar a cara dele naquele instante.
  Parei de andar e me virei para ficar de frente para ele. Nossa altura estava quase igualada por causa dos saltos dos meus sapatos, então foi fácil levar minhas mãos ao seu rosto. Passei os dedos pela testa, toquei delicadamente seus olhos, depois seu nariz e ele separou os lábios quando passei o dedo indicador delicadamente sobre eles.
  - Você não vai falar nada? - perguntei baixinho começando a me arrepender de ter tomado aquela atitude. Mas meu arrependimento virou pó quando ele me beijou.
  Todas as coisas clichês e que eu não havia sentido com os garotos que havia beijado depois dele apareceram no segundo em que nossos lábios se encontraram. As borboletas no meu estômago, a emoção misturando-se com a ansiedade e a vontade de prolongar aquele momento pelos próximos anos da minha vida - estava tudo ali. Depois de alguns segundos, ele mordeu meu lábio inferior e eu retribuí o gesto.
  - O Hotel Deluxe fica a alguns minutos de carro daqui. Quer ir até lá? - ele perguntou para minha surpresa.
  - Eu...
  - Eu também amo você, . As coisas mudaram pra mim também. E...
  - Vamos logo ao Deluxe.
   riu e me pegou no colo, correndo comigo para o seu carro.

  Entramos na suíte do hotel nos beijando. empurrou a porta com o pé e ela encostou no batente fazendo um barulho quando a trinca travou. Ele parou de me beijar para tirar os seus sapatos e jogou os meus de lado também logo que me deitei na cama. Dentro de instantes, eu já estava desabotoando a camisa dele e senti suas mãos lutarem contra o zíper do meu vestido.
  - Nossa, você é muito linda. - ofegou quando eu já estava só de calcinha e com ele deitado por cima de mim, entre as minhas pernas.
  - E você é muito mais gostoso do que eu lembrava... - respondi rindo e ganhando uma mordida no pescoço.
  Não sei quanto tempo mais passamos nos beijando nem como nos lembramos de usar preservativo. A única coisa em que eu conseguia pensar quando ele deitou-se ao meu lado e sussurrou junto comigo que me amava, era em como qualquer dor na minha primeira vez havia valido em pena, e em como ele havia sido muito mais carinhoso e gentil do que eu poderia imaginar.
  - Você se importa se eu for ao banheiro? - ele perguntou e depositou um beijo na minha testa.
  - Me empresta seu celular antes? Eu tenho que avisar a que só vou chegar na casa dela de manhã.
  - É claro.
   me passou o celular e me deu um selinho antes de ir até o banheiro.
  - Oi! - atendeu no quarto toque.
  - Oi, flor. Aqui é a .
  - Deixa eu adivinhar: você não vai dormir no meu colchão de ar hoje?
  - Acertou. Peça a sua mãe aquela cobertura básica?
  - Relaxa, ela não vai contar aos seus pais que você passou a noite com o seu acompanhante do baile.
  - Obrigada, amiga. Por isso que eu te amo.
  - Chegue na minha casa até às nove da manhã, ok? E eu quero detalhes!
  - Combinado. Você está com o Alex ainda?
  - Ele está me esperando no carro. Eu saí pra falar com você.
  - Vai lá então. Divirta-se.
  - Divirta-se mais. Beijo.
  - Beijo. - respondi depois de uma risada.
  É, os bailes haviam voltado a ter a mesma graça de antes, afinal.

  - Essa foi a melhor noite da minha vida. Obrigado. - disse assim que parou o carro e acariciou meu rosto.
  - Foi a melhor noite da minha vida também. - respondi e recebi um beijo demorado.
  - Você vai almoçar na minha casa hoje? - ele perguntou assim que nos afastamos.
  - Claro.
  - Eu te pego às onze e meia e aproveitamos para contar aos seus pais sobre o nosso namoro, ok?
  - Combinado.
   me acompanhou até a porta da casa de e ela me atendeu cheias de comentários maldosos. Depois que tomei um banho rápido e troquei de roupa, nós nos sentamos na cama dela e conversamos sobre a noite passada.
   havia beijado Alex e já havia combinado de saírem juntos aquela noite. Ela disse que ele se comportou como um perfeito cavalheiro e estava empolgada com o 'lance' dos dois. Contei como havia ido parar no hotel mais bem frequentado da cidade e como a noite fora perfeita.
  - Caramba, você podia ter se declarado pra ele antes, hein?
  - Sabe, eu ainda não acredito que ele recebeu a notícia tão bem...
  - Ele devia estar esperando por isso, amiga. E aposto que não disse antes porque você fica com esse papo de não ser digna pra namorar ninguém ou ser levada ao baile por um atleta...
  - Bom, valeu a pena ter negado o convite do jogador de futebol dessa vez.
   me levou embora depois de mais alguns minutos de conversa. Minha mãe me recebeu feliz da vida e deu vários pulos de alegria quando contei que eu e estávamos namorando. Meu pai não estava em casa - havia ido jogar futebol com os amigos ali mesmo no bairro -, mas a Sra. Lauren me prometeu que o faria chegar a tempo de receber o novo 'genro'.
  Eu ainda não conseguia acreditar que aquilo estava mesmo acontecendo. Quantas vezes eu havia sonhado com aquele dia? Parte da minha mente dizia que eu devia estar imaginando coisas; a outra parte me lembrava da noite anterior e em como eu era incapaz de produzir por mim mesma tudo aquilo. E, mesmo que a vida houvesse me dado tantas pancadas e eu esperasse de certa forma o momento em que minha felicidade fosse acabar, eu estava decidida a aproveitar aqueles momentos e torná-los eternos na minha memória.

Capítulo 6

  Tempe, Arizona. 30 de Novembro de 2011

  O mês havia sido simplesmente perfeito. Até meu desempenho na escola estava melhor com uma pessoa muito boa em Inglês, História e Geografia me ajudando com a lição de casa e lendo para mim todos os dias. era o melhor professor do mundo, sem dúvidas. Mas, como 'tudo que é bom dura pouco', no dia 1º de Dezembro ele iria embora, e eu me levantei no dia anterior tentando conter as lágrimas.
  Era quarta-feira, mas eu não fui à escola; queria aproveitar todas as horas possíveis com meu namorado porque, afinal, ele só voltaria no Natal e ficaria poucos dias na cidade para a ocasião. Então, me pegou em casa por volta das oito e meia da manhã e fomos para seu 'lar, doce lar', onde ficamos conversando no quarto dele sobre assuntos aleatórios.
  - Você deve estar empolgado com essa turnê na América do Sul, hein? - perguntei abrindo meu maior sorriso. Não foi exatamente verdadeiro, mas eu estava me esforçando para tornar as coisas mais fáceis para nós.
  - Eu discuti durante esses últimos dias com o Matt sobre a possibilidade de adiarmos a turnê por uma ou duas semanas, sabe? Mas agora já está tão encima da hora que será impossível mesmo.
  - E você fez isso porque não quer deixar sua namorada incapacitada aqui. - As palavras pesaram quilos dentro de mim. Senti as lágrimas encherem meus olhos.
  - Quando foi que eu te chamei de incapacitada? - ele perguntou em um tom duro.
  - Você não disse as palavras, mas duvido que consiga negar que o motivo para tentar fazer isso fui eu.
  - Foi você sim. Mas foi porque eu quero ficar mais tempo com você...
  - , eu sei quando você está atenuando a verdade. Eu não posso te enxergar fazendo isso, mas eu percebo pelo seu tom de voz, pela forma como você muda o peso de um lado para o outro do corpo... Então, não tente mentir pra mim.
  - Eu não estou mentindo, ! - senti o ar balançar ao redor de nós, e imaginei que ele devia estar jogando os braços para o alto. - Eu quero ficar porque não quero sair de perto de você também!
  - Também. - repeti as palavras dele e suspirei longamente. - De todas as pessoas, eu pensei que você soubesse como eu sou forte, como eu aguento bem as coisas. Eu consegui me recuperar daquela droga de acidente, as minhas notas podem não ser todas 'A', mas eu não tirei nenhum 'C' desde que aprendi a usar braile e essas coisas. Eu sei me virar muito melhor do que muita gente consegue em anos...
  - Eu sei disso...
  - Então não me trate como se eu não fosse normal! Como se eu não conseguisse sobreviver por mim mesma! Me responda uma pergunta com toda a sinceridade: você estaria nesse dilema todo se eu enxergasse?
  - Não. - ele disse depois um longo tempo de reflexão.
  As lágrimas rolaram pela minha face livremente, uma após a outra. Como meu amigo, nunca havia me feito sentir como se eu fosse uma inútil sozinha. Como meu namorado, ele estava fazendo isso pela primeira vez. Parte de mim alegou que ele só queria me proteger; a outra parte se sentiu tão profundamente ofendida que eu só queria sumir dali.
  - Amor... - ele começou a falar e tocou meu rosto. Segurei sua mão delicadamente com a minha e a retirei da minha face.
  - Eu não vou atrapalhar a sua vida desse jeito. - eu disse calmamente.
  - O quê? Você não atrapalha a minha...
  - Não minta pra mim. - eu o interrompi e me levantei.
  - Aonde você vai?
  - Embora.
  - ...
  - , você não está pronto pra esse relacionamento. Eu pensei que estivesse... Eu gostaria tanto que estivesse... Mas enquanto você não querer ficar aqui por mim pelas razões que eu quero e mereço, pelas razões que não envolvam minha deficiência visual... Enquanto isso não acontecer, nós não vamos dar certo. Só vamos magoar um ao outro, e eu te amo demais pra deixar isso acontecer.
  - , eu juro que vou a essa turnê e que vou mudar isso. Você tem que concordar comigo que não é fácil e...
  - Eu vou esperar esse dia chegar, não se preocupe. Eu esperei cinco anos.
  Mesmo que aquilo estivesse me doendo tanto que eu mal conseguia respirar, eu sabia que estava tomando a decisão certa. Às vezes, a pessoa que você ama precisa crescer sozinha antes que vocês sejam mesmo perfeitos juntos. Às vezes, você também não está preparada para a felicidade quando ela bate a sua porta. Às vezes, tudo o que você deseja é ficar com sua 'alma gêmea', mas, se você sabe que não é o momento para vocês dois, deve aprender a sobreviver com essa ideia. E o mundo dá voltas - literal e simbolicamente falando. Minha única esperança desde aquele dia foi que, em uma dessas voltas, nós acabássemos juntos de novo.

  ***

  Tempe, Arizona. 09 de Dezembro de 2011

  - Então, o trabalho semestral será o seguinte. - o professor Gordon, de Sociologia, disse e se interrompeu por alguns segundos; imaginei que estava organizando alguma coisa antes de continuar a explicação.
   tinha essa aula comigo e sentava-se ao meu lado para ditar algum conteúdo que fosse transcrito no quadro e me auxiliar nas lições; todas as aulas, eu tinha um acompanhante com os mesmos fins.
  - Então, prosseguindo. - Sr. Gordon voltou a falar. - Eu vou sortear casais. Isso mesmo, galera, o trabalho acontecerá entre menino e menina. Sobrarão três meninas nessa turma, então eu vou colocá-las para trabalhar com os garotos de outra turma. Nesse trabalho, cada casal irá administrar o dinheiro da família. Cada dupla receberá um roteiro em que é especificado o patrimônio do casal, o número de filhos, até a data do matrimônio eu sumulei pra vocês. - algumas pessoas, incluindo eu, riram da forma como o professor disse aquilo. se revirou na cadeira e imaginei que foi porque Alex estava naquela turma também e ela devia estar doida de vontade de ser sorteada com ele. - Então, vocês deverão basicamente seguir esse roteiro, e eu achei a proposta interessante também porque assim vocês terão a oportunidade de se conhecerem melhor, já que a escolha será aleatória. , você pode me ajudar no sorteio? - o professor me perguntou e afagou meu braço.
  - É claro. - respondi com um sorriso e me levantei. também foi convocada a ajudar; ela anotaria o nome das duplas e eu tiraria o papel do saquinho.
   reclamou o resto do dia porque não teve a sorte de ficar com Alex no trabalho.
  - Você ficou com o Eric, flor. E eles são tão amigos que parecem até a mesma pessoa, certo? - fiz eco das palavras dela de mais de um mês trás. me deu uma cotovelada em resposta.
  Eu não conhecia o garoto que era meu par - seu nome era Zachary Jones - e também não sabia quem era pelo nome. O garoto não estava presente naquela aula, mas o professor garantiu que ele me procuraria no dia seguinte.
  Ian estava empolgado com a ideia do trabalho porque havia sido sorteado para trabalhar com Alice Paxton, uma das animadoras de torcida loura e muito bonita.
  - Ele está feliz agora porque ainda não teve que virar a noite fazendo a lição sozinho. - disse e começou a rir. - Ou você acha mesmo que a Alice vai querer ficar a tarde toda fazendo trabalho do colégio com você, Ian?
  - Você está despeitada porque não saiu com seu namoradinho. - Ian devolveu a provocação. - Quer dizer, a não ser que esteja planejando incluir o Eric na sua longa lista de 'atletas já pegados'.
  - Me respeita, garoto! Tá me chamando de piriguete? - gritou.
  - Caramba, vocês dois podem discutir mais baixo? - protestei quando meu ouvido zumbiu por causa do barulho.
  Eu estava distraída com o brownie que havia comprado e tentando ignorar a discussão de e Ian, quando alguém tocou meu ombro e perguntou se eu era Aquino.
  - Sim, sou eu. - respondi tentando me lembrar de onde eu já havia escutado aquela voz.
  - Eu sou Zachary Jones. O seu parceiro para o trabalho de Sociologia.
  - Ah, sim.
  - Apressadinho? - perguntou. - Você não é o garoto com quem eu bati boca tempos atrás?
  - Acho que sou. Aquele foi meu primeiro dia na escola e eu estava com uns problemas. Não justifica a minha grosseria, mas eu peço desculpas de novo...
  - Tudo bem, cara. Relaxa. - Ian manifestou-se. - A nem se lembra disso mais, provavelmente, e a só é marrenta assim por esporte.
  - Desculpas aceitas, Zachary. - disse ignorando as palavras do amigo.
  - Obrigado. E então, , onde você prefere fazer o trabalho? Na sua casa, na minha ou na biblioteca da escola?
  - Hum... Pode ser na minha casa. Minha mãe é professora, então não trabalha aos sábados e sempre chega às três da tarde, como a gente.
  - Amanhã eu estou disponível depois do almoço. Pode ser esse horário pra você?
  - Combinado, Zachary.
  - Pode me chamar de Zach.
  - Então, me chame de .
  - Certo, até amanhã. E tchau, e Ian.
  - Tchau - respondemos em uníssono.
   perguntou de onde Ian conhecia Zach e ele contou que o 'novato' fazia parte da equipe de natação. murmurou alguma coisa sobre o garoto ser bonito e fazer uma matéria sobre ele para o jornal da escola. Eu, por minha vez, voltei a revirar meu brownie com o garfinho de plástico e comecei a cantarolar alguma música inocente, embora minha atenção voltasse, de instantes em instantes, para e em qual lugar da Europa ele deveria estar naquele instante.

Capítulo 7

  Los Angeles, California. 25 de Dezembro de 2011 (Feliz Natal!)

  Sempre me disseram que eu tenho dificuldades para incluir as pessoas na minha vida, que eu tenho os mesmos amigos desde o berço porque não permito 'intrusos' no meu dia-a-dia. Bom, Zach me mostrou que eu talvez fosse assim, mas, dependendo da pessoa, ela se infiltraria na minha 'bolha' sem que eu sequer me desse conta disso. Pelo menos foi isso o que Zachary Jones conseguiu realizar.
  Desde o dia em que ele foi a minha casa para fazermos o trabalho do colégio, nós não deixamos mais de nos ver. Zach me procurava na escola sempre, até voltou a me visitar depois que finalizamos o projeto do Sr. Gordon, e eu me peguei ligando para ele à noite simplesmente para contar que Luke havia estragado o tapete do meu quarto com sua mania de morder tudo pela casa. Nós havíamos nos tornado amigos, mais do que eu poderia imaginar até, e eu estava satisfeita com isso; ele era uma pessoa agradável e simples, e fazia com que eu me sentisse bem quando estava por perto. Não bem como me fazia sentir, mas bem como e Ian sempre me fizeram.
  Então, quando os pais de Zach anunciaram que teriam que viajar a trabalho para Washington D.C durante as festas de fim de ano, minha mãe o convidou no mesmo instante para ficar conosco pelas semanas em que o senhor e a senhora Jones estivessem fora. Ele perguntou se estava tudo bem por mim - eu respondi que seria ótimo ter um irmão 'gêmeo' por alguns dias.
  Eu e minha família quase nunca passávamos o Natal em Tempe. A maioria das vezes, nós íamos para a casa dos meus avós maternos em Los Angeles, na California. Louise Patterson era a melhor cozinheira do mundo, e, apesar de ter ensinado minha mãe a maioria de suas receitas, a comida da minha avó ainda tinha um sabor especial. E, não, não era impressão minha - meu paladar era muito bom.
  - Olá, meu amor! - cada um dos meus avós disse assim que me viu. Minha avó perguntou como eu conseguia continuar tão pálida mesmo com o sol do Arizona e meu avô disse que eu estava linda como sempre.
  - Esse é o seu namorado? - meu avô, Patrick Patterson, perguntou maliciosamente cumprimentando Zach com um caloroso abraço também.
  - Não, papai, ele é filho de um casal de amigos nossos e amigo da . - minha mãe interveio a meu favor.
  - É isso mesmo, James! Mantenha os gaviões longe da nossa menina! - corei até a sola do pé quando meu avô disse isso e meu pai resmungou alguma coisa sobre sua espingarda estar sempre carregada.
  O dia com a minha família foi, no geral, bastante agradável. Meus avós ostentavam uma piscina que era tudo de bom, próxima a uma churrasqueira, nos fundos de sua propriedade. Apesar de minha primeira lembrança ao sentir a brisa naquele lugar fosse o Natal em que eu, , , e Ian passamos juntos ali, e aquelas recordações fossem um pouco dolorosas, ainda era bom saber onde eu estava.
  - Sua família é incrível! - Zach disse me ajudando a sentar na orla na piscina e colocar meus pés descalços dentro da água.
  - Né? - concordei. - Sabia que meu pai sempre foi tão carente de filho homem que ele me convencia a jogar futebol, pescar, acampar no terreiro... Enfim, todas essas coisas que, para mim, eram super tediosas?
  - Mas quando você fez 12 anos resolveu se rebelar. Acertei?
  - Na verdade, eu me rebelei com 11 anos.
  Eu ri ao me lembrar de como meu pai tentou me subornar na ocasião em que eu disse que já era uma mocinha e não pegava bem para uma mulher andar cercada de marmanjos, com os pés esfolados e toda picada por insetos. E me deprimi um pouco quando me veio à mente que ele ficou magoado quando eu falei que estava cansada de fazer as coisas só para agradá-lo e que eu odiava passatempos de homem.
  - Eu não era muito boazinha antes de perder a visão... - murmurei para mim mesma.
  - É mesmo? Não consigo te imaginar sendo uma filha problemática. - Zach comentou.
  - Eu não era problemática do tipo que arranjava um namorado novo e estranho toda semana, ou que bebia muito e se drogava... Mas veja. - abaixei minha blusa no meu ombro direito para revelar a tatuagem de flores e borboletas.
  - Uma tatoo? - pela voz de Zach ele estava erguendo as sobrancelhas ou arregalando os olhos de surpresa.
  - Eu fiz quando tinha 14 anos, alguns dias antes do acidente. e eu fomos num cara que ela conhecia num bairro muito perigoso em Tempe e ela fez uma tribal nas costas, no rumo da cintura, e eu fiz esses desenhos no ombro.
  - Sua mãe deve ter pirado.
  - É, ela ainda estava com raiva de mim quando eu sofri o acidente.
  - Você me disse que bateu o carro do seu pai numa árvore depois de beber bastante... Você ainda não tinha idade para dirigir também, não é?
  - Sim, foi uma das besteiras que eu fazia às vezes. Quero dizer, meus pais tinham saído juntos no carro da minha mãe. Eles foram para um casamento em Phoenix, e eu sabia que ficariam fora até bem tarde da noite. Então, chamei alguns amigos para uma festa. Eu não me lembro direito porque fiz isso, mas sei que eu peguei o carro do meu pai e saí dirigindo para qualquer lugar... E então bati na tal da árvore e só me lembro de ter acordado num hospital depois de alguns dias.
  Contei a maior parte da história sobre a pior noite da minha vida para Zachary. Eu não via razão para dizer às pessoas que o verdadeiro motivo para eu ter pegado a porcaria do carro e saído dirigindo como uma louca fora o fato de eu ter pegado meu melhor amigo e amor da minha vida se agarrando com uma garota que costumava ser minha amiga na época, nos fundos da minha casa. Ninguém sabia daquilo, nem mesmo .
  Quando você é muito jovem e pensa que entende do mundo e dos sentimentos, como eu era, acredita que sofre demais, que ama demais, que não vale a pena viver sem determinada pessoa. Mas mesmo que, quando você cresce o bastante para ver que existem muitas variáveis incluídas na questão além de você mesma e seu amado, e ainda tem certeza de que a vida é uma droga sem aquela pessoa, você descobre que está disposta a viver apesar de as coisas não serem exatamente aquilo que você gostaria que fossem. Ser excessivamente dramática e extrema custou as minhas córneas em um acidente horrível que eu nunca poderia apagar da minha memória, mas eu ainda estava viva, afinal.
  Foi então a vez de Zach me contar sobre suas maiores rebeldias; ele me disse que tinha um piercing na língua até pouco tempo atrás e só não havia feito uma tatuagem também porque desmaiava quando via agulhas. Nós rimos bastante quando ele narrou uma história em que uma garota quis processá-lo quando sua boca encheu de feridas depois de tê-lo beijado.

  A ceia de Natal foi fantástica. A comida estava sensacional e eu ganhei vários presentes - um CD da banda Boys Like Girls de Zachary, uma bolsa Prada de mão do meu avô, uma camiseta azul para Luke da minha avó e uma gargantilha de ouro escrita 'Danielle' dos meus pais.
  - Pensei que vocês não sabiam que Zach viria por causa da brincadeira 'ele é seu namorado, ?' de hoje mais cedo, vovô. - questionei quando meus avós entregaram um livro e um jogo de PC para Zachary.
  - Ah, eu só fiz aquilo para irritar você. Sua mãe nos disse no início da semana que traria um garoto da sua idade. - todos riram de mim e eu bufei de raiva.
  Pouco depois de trocarmos presentes, meu iPhone vibrou no meu bolso. Pedi licença para atender e caminhei, com a ajuda de minha vareta, Sra. Maggie, para a varanda.
  - Oi.
  - Oi, . - disse em um tom de voz ansioso.
  - Como você está? - perguntei depois de puxar um bocado de ar.
  - Bem... E você? Está em Los Angeles?
  - Sim. Você está em Tempe?
  - Uhum. Mas amanhã eu vou para o Chile. Nós vamos ter um show lá, continuando a turnê. Voltaremos para o Arizona dia 18 de janeiro e já estamos organizando a festa de cinco anos de The Maine. Por sorte o dia 21 vai cair num sábado. Você vai, né?
  - É claro! Eu não perderia por nada no mundo.
  - Mas e então? Ganhou muitos presentes?
  - Mais do que esperava... E você? te entregou o meu?
  - Sim. O livro 'Persuasão' de Jane Austen. Eu deixei o seu com ela, ok?
  - E o que é?
  - Você descobre quando voltar...
  - Certo, é justo.
  Ficamos em silêncio então. Revirei meu cérebro em busca de algum assunto que não tornasse a ligação constrangedora ou dolorosa para nós dois, mas não consegui nenhum.
  - , nós já vamos servir! - escutei a voz de Mellory no fundo. Minha mãe me gritou a mesma coisa, segundos depois.
  - Até mês que vem então. Feliz Natal, . - eu disse lutando contra as lágrimas. Por que era tão difícil desligar? Por que eu estava me sentindo tão bem escutando a voz dele?
  - Feliz Natal para você também, . Eu te amo, viu?
  - Eu também te amo. - respondi e desliguei depressa, quando não consegui mais conter o choro.

Capítulo 8

  Tempe, Arizona. 06 de Janeiro de 2012

  - Oi amiga! - me abraçou apertado quando passei na casa dela depois da escola.
  - Como foi a viagem? - perguntei sorrindo.
   havia viajado no dia 26 de Dezembro para Dallas, no Texas. Os pais de eram divorciados e o pai dela, Henry , havia lhe enviado uma passagem aérea para que ela passasse o ano novo e alguns dias com a família dele - sim, o pai de havia se casado novamente e tinha uma filha de três anos. Assim, minha melhor amiga só havia chegado em Tempe naquela manhã e não pôde ir às aulas.
  - Chata. Um tédio, no geral. - respondeu. - Exceto por vizinho do meu pai que eu conheci.
  - É mesmo? - perguntei maliciosamente.
  - É, mas ele é gay. Fiz amizade com o garoto e ele me levou a algumas boates bacanas com as amigas dele. Mas o babado mesmo foi aqui em Tempe, antes de eu viajar.
  - Conta tudo. - sentei-me no sofá da sala de televisão de minha amiga e ela se acomodou ao meu lado.
  - Adivinha quem veio me procurar no dia do Natal?
  - Eric Marin? - chutei depois de um instante de reflexão.
  - O quê? Você bebeu hoje, ? O que diabos Eric Marin ia querer comigo?
  - Bom, ele me disse que te chamaria pro baile de caridade se o Alex já não te quisesse e vocês passaram um bom tempo juntos por causa do projeto de Sociologia... Então, sei lá...
  - Aham, Ian. - disse em seu tom 'ninguém merece' arrancando-me uma risada. - Vamos focar, amiga. Os homens da minha vida são Alex Mack e , certo?
  - Desde quando o é 'homem da sua vida?'
  - Desde que ele me procurou no dia do Natal, assim que chegou em Tempe, e veio conversar comigo todo carinhoso e com um buquê de tulipas na mão.
  - EU NÃO ACREDITO!
  - Pois acredite porque é verdade. Ele disse que eu provavelmente não acreditaria em nada do que ele dissesse, mas ele tinha que tentar. Daí falou que sempre me amou, e desde o dia em que ficamos naquele parque em Phoenix, séculos atrás, ele não consegue mais me tirar da cabeça.
  - E então você jogou na cara dele que foi ele quem te afastou quando negou a ficada de vocês.
  - Exatamente. Ele falou que sabia que tinha sido ridículo e um tremendo idiota, e que sabia que não tinha feito nada esse tempo todo para se desculpar, e também que não ia justificar mais aquela atitude idiota dele com 'eu era muito imaturo e agi sem pensar' porque eu não só tinha isso como irrelevante como estava coberta de razão por odiá-lo tanto.
  - Uau. Parece que nosso está crescendo... O que você fez?
  - Bom, eu falei que não o odeio. Que até tentei e ainda tentava até aquele dia, mas ele estava me dando uma razão para mudar de opinião, até. Mas eu disse também que estava com uma pessoa, de certa forma, que não era bem um namoro, mas era um relacionamento, e eu sabia que ele sabia daquilo, só não estava entendendo qual era o propósito dele em chegar em mim com minhas flores preferidas me falando tudo aquilo.
  - E o que ele respondeu?
  - Ele disse que não importava se eu estivesse com Edward Cullen ou qualquer outro cara perfeito. Que eu sei exatamente como ele é - idiota, impetuoso, infantil e cheio de mais um monte de defeitos. Mas que ele queria que eu soubesse que aquele cara todo errado era meu e isso não ia mudar nunca.
  - Awwwwnnnnnnn! - eu suspirei longamente.
  - Pois é! E foi aí que eu o beijei e chifrei o Alex! - disse e começou a rir.
  - Você disse que não era um namoro, certo?
  - Sim, mas sei lá, cara. Ainda era alguma coisa... Anyway! Eu disse pro que ia resolver minha situação com o Alex e combinamos de resolver a nossa situação quando ele voltar de turnê dia 18.
  - E você resolveu mesmo com o Alex?
  - Sim. Eu o procurei no dia seguinte, antes de ir para o aeroporto, e disse que eu gostava dele, mas que eu gosto mais de outra pessoa e isso não era justo pra nenhum de nós. Ele foi um fofo como sempre, né, ? Mas ele entendeu e até me disse que desconfiava e por isso que ainda não tinha me pedido em namoro.
  - Então, o único homem da sua vida agora é !
  - Sim... E agora você e têm que se resolver!
  - Isso vai acontecer um dia se tiver mesmo que acontecer, flor. - murmurei melancólica e comecei a falar sobre as lições de casa de que havia trazido para ela.

  Eu havia combinado com Zach de fazermos o dever de Trigonometria na casa dele à noite - assim ele, o especialista no assunto, poderia me ensinar a matéria.
  Zachary era um excelente professor de exatas, portanto, não demorou muito e já estávamos com a lição pronta e eu já me sentia um pouco mais segura com respeito ao conteúdo. Ele pediu uma pizza para nosso jantar e ligou a TV em um canal de filmes enquanto esperávamos a comida chegar.
  - Você não se sente solitário por ficar em casa sozinho quase sempre? - perguntei um pouco triste pelo meu amigo. Os pais dele eram gerentes em uma empresa que crescia mais a cada dia e quase nunca estavam por perto.
  - Me sentia antes... Mas acho que já me acostumei.
  - Quando o Luke tiver seus filhotinhos, eu vou lhe dar um, ok?
  - Mas aí nós vamos pra faculdade e eu não vou poder levá-lo.
  - Hum, é verdade. Eu vou tentar encontrar alguma casa perto do campus para poder levar meu cachorro comigo. Você quer ir para qual universidade?
  - Eu não sei ainda... Depende das que me aceitarem.
  - Essa é uma preocupação que você não precisa ter com as notas que tira, Zach.
  A resposta dele foi uma risada. Ficamos em silêncio nos próximos instantes e eu estava tentando acompanhar o diálogo de duas moças no filme quando a campainha tocou e fomos comer.

  O locutor do rádio disse que eram vinte e uma horas e trinta e sete minutos quando Zach desligou o motor do carro e depois o som também. Estávamos então na porta da minha casa.
  - Seria muito estranho se eu lhe chamasse para sair? - Zachary me perguntou quando eu soltei o sinto de segurança e segurei minha mochila indicando que estava prestes a sair do carro.
  - Como é? - o choque foi tamanho que a pergunta saiu pela minha boca por reflexo.
  - , eu quero lhe chamar para um encontro, mas eu sei que você provavelmente vai recusar dizendo que somos amigos e ficaria estranho...
  Eu não respondi. Fiquei pensando em como ele era sincero em dizer o que estava passando por sua cabeça até quando chamava uma garota para sair.
  - Eu estou fazendo isso errado, não estou? Eu só deveria te chamar pra sair e esperar que você responda mesmo que eu tome um toco, né?
  - Eu não sei. - falei e comecei a rir. - Quero dizer, eu não costumo ter encontros. Eu tinha muitos antes de ficar cega, mas eu acho que enferrujei nos últimos anos, sabe?
  - Eu nunca chamei uma garota pra sair antes também, então acho que justifica esse desastre.
  - Você era do tipo pegador de festas, então?
  - Por aí...
  O silêncio voltou a pairar sobre nós quando ambos paramos de rir da nossa falta de jeito com o sexo oposto.
  - Mas e então? Você quer sair comigo? - ele voltou a perguntar, por fim.
  - Posso pensar? Eu te ligo com a resposta amanhã.
  - É claro que pode. Vou te acompanhar até a porta.
  Zach saiu do carro e me desejou 'bons sonhos' quando alçamos o topo da escada de entrada da minha casa. E aquela noite eu tive um sonho bom - eu e meu novo amigo caminhávamos por um lindo parque à noite e eu podia enxergar o céu estrelado acima de mim. Na minha mente, as pessoas eram tão lindas quanto sua personalidade, e Zachary era tão perfeito quanto um anjo na minha imaginação - meu anjo da guarda.

Capítulo 9

  Tempe, Arizona. 08 de Janeiro de 2012

  - Aonde vocês vão? - minha mãe perguntou-me quando avisei que sairia com Zach à noite.
  - Eu não sei. Imagino que ao cinema ou algum restaurante... - respondi casualmente enquanto cortava a panqueca com o garfo.
  - Está certo. Bom, seu pai foi ao santo futebol dos domingos e só deve chegar na hora do almoço. E eu preciso lavar a roupa. Então, termine logo o seu café e procure alguma coisa pra fazer.
  - Não se preocupe comigo, mãe. Pode ir lá fazer as suas coisas.
  Luke latiu e chorou pedindo por um pedaço de panqueca, e minha mãe o repreendeu dizendo que a ração dele era boa demais para que reclamasse tanto pedindo comida de seres humanos. Eu ri da forma como ela tratava o cachorro - parecia que Luke era meu irmão mais novo e não meu animal de estimação.
  Depois do café da manhã, subi até meu quarto e procurei organizá-lo da melhor maneira que podia. Minha escrivaninha estava cheia de papeis do colégio e me deu certo trabalho identificar tudo o que eu precisaria e tudo o que poderia ser descartado. Um dos objetos que repousava sobre a mesa também era um CD com minhas composições prediletas de Carter Burwell e, junto com ele, o cartão de Natal que havia escrito para mim e deixado junto com um livro todo transcrito em braille - 'Razão e Sensibilidade', de Jane Austen. Era incrível como conseguíamos dar presentes semelhantes um para o outro todos os anos. E mais incrível ainda fora ter feito o cartão de Natal em braille para mim também. Reli o que ele dizia sibilando as palavras ao passo que passava os dedos sobre elas:
  'Minha linda,
  Todos os anos de amizade que vivemos juntos, todas as horas de amor que compartilhamos um com o outro - cada momento preenchido pelo som da sua voz ficará para sempre na minha memória. Alguns escreveram sobre sentimentos eternos, outros viveram coisas assim tão profundas; eu devo a você tudo o de mais puro e verdadeiro que já experimentei. Obrigado por ser tão especial. E feliz Natal!
  P.S: Sim, eu demorei semanas para conseguir escrever essas poucas palavras. E esse exercício me mostrou o quão forte e guerreira você de fato é. Eu te amo.'

  As lágrimas jorraram fartas pelo meu rosto quando terminei de ler o cartão. Perguntei-me por que, afinal, eu estava pretendendo sair com Zachary aquela noite. Não fazia sentido alimentar dentro dele sentimentos e esperanças que eu não conseguia corresponder naquele momento, e talvez não conseguisse retribuir nunca. Ele tinha razão quando disse que imaginava que eu negaria o pedido alegando que seria estranho, já que éramos amigos e tudo mais. No final, eu só acabaria estragando outra amizade, uma vez que, pelo visto, eu era ótima em fazer coisas desse tipo.
  Peguei meu celular para ligar para meu amigo e desmarcar o tal encontro, mas não fiz isso. Talvez eu precisasse daquele momento com outra pessoa, talvez fosse uma boa oportunidade de dizer a Zach que não deveria nem poderia haver algo além de amizade entre nós. Talvez eu fosse egoísta demais para me afastar dele, e fazer aquela ligação naquele momento parecia significar perdê-lo...
  Larguei meu iPhone sobre a cama, como a covarde que era, e fui até meu guardarroupa escolher o que usar aquela noite.

  Vesti uma calça jeans justa, uma blusa um pouco folgada de renda branca e calcei sandálias. Meu cabelo estava em seu estado natural - liso na raiz e ondulado nas pontas - e ainda um pouco úmido. Minha maquiagem aquela noite resumiu-se a brilho labial.
  - A não vai chegar tarde. Nós vamos a um restaurante japonês no shopping e até as onze eu prometo que a trarei de volta. - Zach disse aos meus pais logo que nos cumprimentamos.
  - Tudo bem. Tenham uma boa noite, crianças. - meu pai respondeu. Minha mãe me deu um beijo na testa e outro em Zach e nos desejou um bom jantar.
  Comida japonesa não era a minha preferida, mas a companhia de Zach foi tão agradável que, quando percebi o que estava mastigando, meu estômago - ou meu cérebro - acusou que eu já estava satisfeita.
  - Estamos nos aproximando das finais do campeonato de natação. - meu amigo comentou depois que eu respondi que não queria mais nada e ele pôde pedir a conta.
  - Você deve estar nervoso com isso, hein?
  - Um pouco. Eu estou mesmo é curioso. Quero dizer, a me entrevistou essa semana e ela deixou escapar que você também nadava no time da escola quando era mais nova...
  - É, mas não foi nada demais não. Eu fiquei alguns meses na equipe, mas tive que sair quando os treinos ficaram muito intensos e precisei escolher entre nadar e fazer ginástica olímpica.
  - Você era ginasta?
  - Era. Mas meu equilíbrio foi embora junto com as minhas córneas e as duas coisas nem se despediram de mim.
  - Eu sinto muito, .
  - Não se preocupe. Eu não sinto mais falta dessas coisas.
  Não foi a última vez aquela noite em que Zach começou algum assunto e, quando eu ia responder as suas perguntas, acabava citando o acidente como ponto final à atividade ou algo do gênero. Assim, o passeio me fez desejar ter no lugar de Zachary. Odiei-me por pensar desse modo quando Zach descreveu perfeitamente as casas ao redor e fez vários elogios a Tempe, mas a sensação de que algo estava errado não desapareceu de dentro de mim durante todo o tempo.
  - Eu adoro o Arizona. E essa cidade foi, sem dúvidas, a melhor em que já morei.
  - Fico muito feliz por isso, Zach. - eu disse em resposta ao comentário dele.
  - Sabe, logo que eu saí de Chicago e vim pra cá, eu pensei que estava apaixonado por uma garota lá e amaldiçoei cada metro quadrado desse lugar. Mas quando eu conheci você e vi como eu era infantil quanto aos meus sentimentos por aquela menina... Sei lá, eu me senti até idiota.
  Eu não soube o que responder e o silêncio estava tão desconfortável que eu quase xinguei alto por não conseguir pensar em nada para dizer. Foi então que Zachary parou de caminhar e sua respiração ficou tão próxima de mim que ele só poderia estar parado na minha frente.
  - Eu acho que vou te beijar. - ele sussurrou no meu ouvido.
  Um arrepio percorreu todo o meu corpo e eu permaneci imóvel quando os lábios dele tocaram os meus. Não fechei os olhos e apenas dei um passo para trás. Zach afastou-se de mim e pediu desculpas baixinho.
  - Eu quem tenho que me desculpar, Zach. Eu não devia ter aceitado o seu convite. Não sabendo que você provavelmente está gostando de mim de um jeito diferente do que eu gosto de você. - eu disse e me perguntei se ele ainda estava ali quando não houve nenhuma resposta.
  - Você ainda ama seu ex-namorado, certo? - ele perguntou, por fim.
  - Amo. E não conheço um jeito de mudar isso nem vou te dizer que quero. A forma como terminamos não pareceu mesmo um término e eu simplesmente não saberia ficar com você se, na minha cabeça, isso seria traí-lo. Você entende?
  - Tudo bem, . Eu compreendo. Peço desculpas de novo.
  - Certo. Acho melhor você me levar embora...

  A partir desse dia, eu praticamente não passei nenhum tempo com Zach mais. E, apesar de e Ian continuarem indo a minha casa depois da escola e arranjado coisas para fazermos nos finais de semana, eu comecei a afundar na solidão.
  Assim, para me distrair, eu me matriculei em aulas de cerâmica e piano, passei a estudar matemática o triplo que costumava antes e pesquisei mais do que o necessário sobre 'acampamentos de adestramento de cães'. Dessa forma, os dias passaram mais rápido do que eu pude notar.
  Eu estava ensopada e com sabão da cabeça aos pés quando minha mãe levou o telefone até mim na varanda.
  - Deixe o Luke aí um pouquinho e vem aqui atender, meu bem.
  - Cuidado para ele não te molhar toda também. Até agora eu tomei mais banho do que esse cachorro. - falei entre risadas. Luke latiu. - Alô. - eu disse pegando o telefone da minha mãe.
  - Oi, flor. Adivinha quem acabou de estacionar na sua rua? - parecia tão animada que tudo saiu como se fosse uma única palavra.
  - Hã? - perguntei completamente confusa.
  - Hoje é dia 18, ! Os Maines estão em Tempe.

Capítulo 10

  Tempe, Arizona. 21 de Janeiro de 2012

  'THE MAINE: CINCO ANOS!' - era o que dizia em letras grandes numa tela enorme no fundo de um pequeno palco, de acordo com . Estávamos no maior e melhor salão de festas da cidade, na festa de aniversário da banda de nossos amigos de infância.
  - Oi, meu amor. - cumprimentou com um beijo rápido nos lábios e eu ganhei um na testa. - Vocês estão lindas! - ele acrescentou com um sorriso na voz.
  - Então quer dizer que nossa caiu mesmo nas garras do . - comentou.
  - Quem diria que o deixaria de ser gay algum dia, hein? - disse depois de me abraçar.
  - Se tem algum viado aqui, essa pessoa é você, . O até pega uma menina ou outra às vezes, mas tu é virgem até hoje, manezão. - defendeu-se.
  - Não. Viado aqui é outro amiguinho de vocês. Ou pelo menos vai ser a única opção dele depois que eu acabar de... - murmurou.
  - Como é, ? - perguntei tentando acompanhar a conversa.
  - Nada, flor. Estão servindo vinho. Eu sei que você gosta, então vou pegar pra você. A festa é particular mesmo e ninguém aqui sabe que não temos 21 anos... Aliás, nem os meninos de The Maine têm 21 ainda! Bom, eu já volto! - mudou completamente o assunto e afagou meu braço antes de se retirar.
  Eu odiava quando as pessoas me tratavam como se eu fosse burra porque não enxergava. Era óbvio que estava acontecendo alguma coisa que nenhum deles quis me contar no momento e minha deficiência me limitou o bastante para não perceber de imediato.
  - ! Você é um colírio para os meus olhos, princesa. - falou arrancando-me um sorriso, embora eu não estivesse para muitos amigos aquela noite. Não mais.
  - Como você está, ? - perguntei enquanto ele me abraçava.
  - Bem. Mas vou ficar melhor depois que você dançar comigo.
  - Então vamos deixar você melhor. - respondi e deixei que ele me guiasse para onde imaginei ser a parte do salão reservada para as danças.
  Estava tocando 'Into Your Arms' - minha música predileta - e eu e dançamos abraçados. Depois do primeiro refrão deixei de conter minha curiosidade e perguntei se ele sabia onde estava.
  - Ele chegou agora há pouco. Está cumprimentando as pessoas importantes de gravadoras e coisa e tal. Ele é quem mais faz esse tipo de tratamento diplomático com esse povo chato e rico.
  - É, eu me lembro de ele ter falado mais sobre isso no início de The Maine, sabe? Acho que agora ele já está acostumado com essa parte.
  - E com os jornais e revistas também. Quero dizer, a gente tem fofocas publicadas toda semana, no mínimo, e o ainda morre de raiva quando sai em algum lugar sobre algum relacionamento dele, incluindo fotos e tudo mais. O não costuma se importar com isso. Por exemplo, o país inteiro soube sobre o início e o término do namoro de vocês pelas revistas, mas, pro , isso só significou que as pessoas sabiam quando ele estava feliz e quando não estava. O cara é muito maduro com essas coisas, sabe?
  - É, com outras coisas também... - murmurei pensativa.
  - Bom, eu pensei que você tivesse terminado com ele por isso. Digo, porque ele ainda não estava maduro pra namorar você...
  - É mais complicado do que parece, . E se pudermos não falar disso, eu agradeço.
  - Está certo. E, mano, tá tocando 'Everything Ask' agora. Nada a ver a gente dançar desse jeito. - nós rimos juntos da situação por alguns segundos e ele me levou até onde estava.

  Terminei de beber minha terceira taça de vinho e pedi a minha mãe que me acompanhasse até o banheiro. Ela disse onde as coisas estavam - lavabo, vaso, papel higiênico, sabonete líquido e papel toalha - e ficou me esperando do lado de fora. Mas quando saí, ela não estava lá. Tateei a parede até certo ponto e fiquei escorada ali, esperando que ela chegasse de onde quer que estivesse ido. E foi então que escutei vozes vindas dali de perto. Caminhei mais alguns passos em direção aos ruídos e estacionei quando fiquei a uma distância suficiente para que fosse possível escutar - e ninguém me visse, eu esperava.
  - Como é que você traz Jane Tate a uma festa em que a também vai estar? Você não sabe que a odeia essa garota, ? - perguntou em seu tom de voz mais nervoso. Arregalei os olhos automaticamente quando ouvi o nome da 'amiga' que ficou com na minha casa no dia em que eu perdi a visão no acidente.
  - Ela não é mais do jeito que era antes, ... - respondeu calmo.
  - Não importa! Você não pode fazer isso com a , ...
  - Eu não estou fazendo nada com a !
  - Ah, é claro, 'o que os olhos não vêem o coração não sente', né? - falou ironicamente.
  - Eu não estou com a Jane, ok? Ela perdeu a mãe semana passada e eu esbarrei com ela no shopping. Daí ela comentou sobre a nossa festa e eu não consegui não convidá-la. Eu fiquei com pena da garota.
  - Poderia ter perdido a família inteira que ainda não seria motivo de compaixão no caso daquela vadia...
  - ! Você por acaso sabe por que as duas não se gostam?
  - Não, mas eu sei imaginar... E quer saber? Faça a merda que você quiser da sua vida. Mas se você estiver dormindo com essa putinha, tente guardar isso pros dois. Se minha amiga ficar magoada por sua causa, eu juro, , você e a Jane vão passar o resto da vida de vocês pagando. - cuspiu a ameaça e, assim que ela terminou de falar, dei meia volta o mais rápido que pude.
  - Ei! - disse quando nos esbarramos. - O que você tá fazendo por aqui, ?
  - Hum... Nada. Eu tinha ido ao banheiro, mas minha mãe não estava aqui fora quando saí.
  - Ah, ela e seu pai estão dando conselhos amorosos ao . E isso pode demorar...
  - É, acho que sim. - eu disse e ri alto.
  - ! - falou surpreso. - Como você está? - ele perguntou dando-me um abraço.
  - Vou deixá-los a sós. - disse e gritou .
  - Bem... E você? - devolvi a pergunta sem saber exatamente o que estava pensando do fato dele estar acompanhado àquela noite. E acompanhado da garota com quem havia perdido sua virgindade.
  - Também. E o Luke? Como nosso garotão está?
  - Maior a cada dia e mais difícil de dar banho também... - respondi depois de pigarrear algumas vezes quando a palavra 'nosso' doeu dentro de mim.
  - Se você precisar de ajuda... Vou ficar na cidade até segunda-feira à noite.
  - Por onde será sua próxima turnê?
  - Vamos para o Canadá.
  - ! Estava procurando por você. - Matt Squire, o produtor de The Maine, disse e me cumprimentou com um breve 'oi, tudo bem?' logo em seguida. - Que tal juntar os meninos e tocarem um pouco pra nós, hein?
  - Certo. - respondeu e Matt pediu licença ao retirar-se. - Quer ir passear com o Luke amanhã?
  - Acho que Jane Tate está precisando mais da sua atenção nesse final de semana. Ouvi dizer que ela perdeu a mãe recentemente. - respondi por reflexo.
  - , eu... - começou a se justificar.
  - ! Palco! - gritou de longe.
  - É melhor você ir. - falei e caminhei em direção ao bar, ou, pelo menos, era o que eu pensei estar fazendo.

  Em momento algum, durante toda a festa, Jane veio falar comigo. Lembrei-me da última conversa que tivera com ela, quatro anos e alguns meses atrás. Jane havia ido me visitar no hospital.

  Flashback on xx

  Tempe, Arizona. 21 de setembro de 2007

  - Oi . - Jane disse logo depois que ouvi o barulho da porta do quarto se fechando. Estava no fim da tarde do segundo dia em que eu estivera acordada desde o acidente. Meus olhos estavam fechados até então, mas eu os abri por reflexo ao som da voz dela.
  - O que você está fazendo aqui? - perguntei e bufei.
  - Eu vim ver como você está...
  - Veio sapatear encima da minha desgraça? Não ficou satisfeita em ouvir dizer que eu fiquei cega e quis ver com seus próprios olhos?
  - ... - ela tocou meu braço com os dedos; todos os músculos do meu corpo contraíram no mesmo instante.
  - Não toque em mim!
  - Olha, eu sei que eu errei em... Ficar com o ... Que você já é apaixonada por ele e nós somos amigas... Mas eu sempre gostei dele também e se você não tomava uma atitude com respeito a vocês dois, eu tinha que tomar com respeito a mim.
  - Três coisas, Jane. - eu disse e respirei fundo antes de continuar: - Primeira: nós não somos amigas; nós éramos amigas. Segunda: você poderia engolir o inteiro se quisesse, mas deveria pelo menos ter a decência de falar comigo antes. Eu não estava nem cega na ocasião, que dirá surda! E terceira: se você queria fazer sexo com ele ou que sacanagem fosse, deveria tê-lo levado a sua própria casa, à praça da esquina, não me interessa! Mas nos fundos da minha casa? Sério, eu ofenderia as putas se te chamasse assim!
  - Me perdoe...
  - Vá pedir perdão ao diabo que te carregue! - eu a interrompi. - Agora, some daqui! Eu não vou deixar você me prejudicar ainda mais.
  - ...
  - ENFERMEIRA! - gritei e apertei freneticamente o botão ao meu lado pedindo por ajuda. - Você não vai me prejudicar mais, Jane. SOME DAQUI!

  Flashback off xx

  Pensei em como eu estava falhando na promessa naquele momento. Eu queria ter aceitado o convite de e pelo menos tentado fingir que nossa amizade de infância continuava intacta. Mas, embora eu já o tivesse perdoado por ter ficado com Jane e tudo mais, eu sabia que não só aquele fato ainda me machucava como, no fundo, eu sentia que ele não estava se esforçando por nós. Zach, naquele momento, fez uma falta enorme. No entanto, eu já o havia perdido também.

Capítulo 11

  Tempe, Arizona. 07 de Julho de 2012

  Sábado, o dia da formatura. Adeus Ensino Médio, adeus Tempe High School! Olá Arizona State University, olá graduação em Direito!
  A maioria das pessoas sente falta do colegial - quando já estão com mais de 30 anos e se perguntam como sua adolescência passou tão rápido. Definitivamente, não era o meu caso; principalmente porque todas as pessoas com quem eu havia estudado por anos haviam ido para a faculdade no ano anterior, e eu tinha perdido um ano da minha vida acadêmica quando, no início do semestre, perdi minhas córneas. Contudo, quando eu recebi a carta de admissão da Universidade do Estado do Arizona - exatamente onde eu gostaria de estudar, uma vez que o maior campus da faculdade fica em Tempe -, o tempo gasto em aprender braille e me adaptando a minha nova vida pareceu valer a pena.
  A cerimônia de entrega dos diplomas e com o discurso dos oradores das turmas do último ano começaria às duas tarde, portanto, passou na minha casa uma hora antes segurando sua beca azul e dizendo que não me deixaria ir desarrumada para o dia da nossa formatura. Assim, minha melhor amiga alisou meu cabelo na chapinha e me fez uma maquiagem básica - lápis, blush e gloss.
  - Os últimos anos não foram fáceis para muitos de nós. - disse como primeira frase de seu discurso. Ela fora convidada pelos professores para ser a primeira oradora, representando todas as turmas, como mérito por todas as horas que dedicou ao jornal da escola. - Tivemos de aprender a organizar melhor nosso tempo, a descobrir o que é priorizar algumas coisas e ter de se despedir de outras, a adquirir uma nova habilidade, talvez, ou a redefinir toda a nossa vida em nome de mudanças que não prevíamos nem desejávamos. Tivemos de aprender Trigonometria, pelo amor de Deus! - todos os formandos riram. continuou: - Mas, bom, aqui estamos nós! Alcançamos a formatura! Recebemos recompensas pelos nossos esforços, como ser aceito na universidade que gostaria, descobrir que adora determinado esporte, e até simplesmente ter certeza de que aproveitou o Ensino Médito - e aproveitou muito! Valeu a pena! E esse é só o primeiro passo, só a primeira conquista para a vida de todos nós! É como um autor brasileiro chamado Caio Augusto Leite escreveu uma vez: 'A tristeza é a semente da alegria. É preciso passar pelas lágrimas pra chegar nos sorrisos... Deixa a vida seguir seu curso; acredita na felicidade - ela é possível, sim.'   E então todos aplaudiram. Alguns assuviaram, e muitos meninos gritaram 'linda!'. O diretor pediu silêncio e convidou Melyssa Morgan, oradora escolhida por votação pelos formandos, para que ela desse sua palavra com todos os presentes.
  Em ordem alfabética, cada aluno foi chamado ao palco para receber seu diploma. E, antes disso, enquanto fazíamos a fila, o professor Gordon perguntou quem me acompanharia. Várias pessoas se ofereceram, mas ele escolheu Zachary. Assim, eu e meu amigo de outrora pegamos nossos diplomas juntos e fiquei muito feliz quando escutei a Sra. Jones gritanto da plateia para o filho.
  - Seus pais estão aqui! Isso é demais! - eu disse assim que Zach e eu descemos do palco.
  - Sim, é! E estão segurando uma placa escrito 'Ivy Legue'. - ele falou e riu alto.
  - Você é incrível, Zach! Foi aceito em Dartmouth! Eu ainda vou escutar sobre você coisas do tipo: 'o melhor engenheiro do século XXI'! Tenho certeza disso. - falei sinceramente.
  - E eu também vou ler no jornal: 'A melhor advogada do mundo. E (pasme, sociedade) ela leu todos os livros de mil páginas repletos de leis em braille!'
  - Obrigada, Zach. Você foi uma das melhores coisas que me aconteceu este ano. - murmurei incapaz de segurar as lágrimas.
  - Você foi a melhor coisa que já aconteceu na minha vida, ! Eu nunca vou esquecê-la. Você foi meu primeiro amor. Ainda é, mas vamos pular essa parte depressiva. - ele respondeu e me abraçou longamente.

  Eu e minha família, Zach e os pais dele, e sua mãe saímos todos juntos aquela noite. Fomos à melhor churrascaria da cidade e eu comi como se estivesse me despedindo do mundo.
  - Você já tem acompanhante para o baile de formatura? - Zach me perguntou baixinho em dado momento do jantar.
  - Lucas Rivers me convidou, é claro. - eu ri.
  - Caramba. Ele é o melhor zagueiro que aquela escola já teve. E, se eu fosse gay, com certeza teria uma queda pelo cara. - ele emendou.
  - É. Os jogadores de futebol daquela escola têm uma espécie de queda por mim, sabe? Todo baile um deles me convida. Mas enfim... Eu não aceitei e não sei se vou também.
  - Eu não sei dançar e detesto bailes, mas meus pais me convenceram a ir no de formatura porque, afinal, é o último baile de nossas vidas. E eu não tenho acompanhante. Você quer ir comigo? Eu sei que já é amanhã e está encima da hora, mas prometo não te beijar dessa vez!
  - É claro que eu vou, Zach! - respondi rindo. - Minha mãe me comprou um vestido pro caso de eu decidir ir assim encima da hora. Você me pega às sete?
  - Combinado.

  Cheguei em casa aquela noite pouco depois das onze, mas eu não estava com sono. Por isso, fui até a varanda dos fundos e fiquei ali acariciando o pêlo de Luke. Não havia muitos minutos que me encontrava lá e o IPhone vibrou no meu bolso.
  - Oi. - atendi rapidamente.
  - , eu estou de frente para sua casa, dentro do meu carro. Você pode vir até aqui?
  - ? Eu pensei que você nem estava na cidade!
  - Eu acabei de chegar. Nem fui em casa ainda. Você pode vir até aqui?
  - É claro. - respondi prontamente e desliguei.
  O caminho até a entrada da minha casa já era tão conhecido por mim que nem precisei da ajuda de Sra. Maggie para encontrá-lo. Assim que saí pela porta, aproximou-se de mim e beijou minha testa.
  - Nossa, que saudade de você. - ele murmurou no meu ouvido enquanto me abraçava.
  - Também senti sua falta. - respondi sinceramente.
  - Eu vim lhe dar os parabéns pela formatura. O resto da banda só chega amanhã de manhã, mas como estávamos em Phoenix mesmo eu tive que dar um pulo aqui.
  - Você não existe, !
  - E seu baile de formatura? disse que é amanhã. Ele chorou o dia todo porque não pôde vir para ver o discurso da . Está lá na casa dela a essa altura...
  - Acho que filmaram. A arrasou.
  - Você já tem companhia para a festa?
  - Eu vou com um amigo da escola. Ele me convidou hoje à noite.
  - Hum... Então eu posso vir aqui te ver na segunda?
  - Desde quando você precisa de permissão para me visitar?
  - Então, até segunda. - ele completou depois de uma risada.
  - Boa noite, . E obrigada por vir. Eu amo você, ok?
  - Também amo você, minha princesa! - ele respondeu me dando outro abraço apertado. Foi bom dizer aquelas palavras sem sentir vontade de chorar ou como se fossem uma despedida. Os últimos meses longe de haviam sido uma tortura, mas pareciam ter significado alguma coisa, afinal. Lembrei-me das palavras do autor brasileiro que citara na escola mais cedo: 'É preciso passar pelas lágrimas pra chegar nos sorrisos... Deixa a vida seguir seu curso; acredita na felicidade - ela é possível, sim.' Ela pareciam resumir os últimos tempos da minha vida, e eu me senti otimista aquela noite, como não me sentia há muito tempo.

  O baile com Zach, no dia seguinte, foi muito divertido. Demos boas risadas, tiramos fotos numa cabine, dançamos muito e eu me sentia leve no final do dia - apesar de que não havia bebido nada com álcool.
  Eu e meu amigo conversamos um pouco sobre os meses que passamos afastados um do outro e ele disse que não se arrependeu de nada naquele ano. Agradeceu várias vezes por eu ser quem era e por tudo o que lhe transmitia. Eu, por minha vez, agradeci por ele acreditar tanto em mim e me devotar sentimentos tão puros. Nós nos despedimos aquela noite com a promessa de que, dali a cinco anos, quando estivéssemos formados na faculdade, nos encontraríamos de novo e contaríamos tudo o que vivemos ao longo do tempo que ficássemos separados.

  Segunda-feira de manhã, eu me sentia com a sensação de dever cumprido. Acordei às dez com Luke latindo na porta do meu quarto.
  - O está na sala, ! - minha mãe gritou do andar de baixo de nossa casa.
  - Eu já vou indo. - respondi gritando também. Escovei os dentes rapidamente, passei uma escova pelos cabelos e troquei a blusa que estava vestindo.
  - Ei! - me cumprimentou com um abraço.
  - Bom dia! - respondi feliz da vida. - Mãe, o café ainda está na mesa? Estou com fome...
  - Tem bolo de cenoura. E você coma também, . Vou até o mercado e volto logo.
   me levou até a cozinha e sentou-se ao meu lado. Mastigamos o bolo e bebemos café por um instante em silêncio.
  - Você vai mudar daqui alguns dias então, é? - meu amigo perguntou-me casualmente.
  - Sim, eu e encontramos uma casa perto da universidade. Tem dois quartos pequenos, sala e cozinha, e um quintal enorme pro Luke ficar. Nós conseguimos uma ajudante, amiga da mãe de , que vai me levar até as minhas aulas e essas coisas. Ela também vai fazer Direito e precisava de dinheiro pra pagar seu próprio alojamento e tudo mais.
  - Isso é ótimo, ! É tão bom ver as coisas dando certo pra nós. Quero dizer, The Maine está na melhor fase possível com novo álbum pela frente e tudo, e você vai se formar em Direito pela Arizona State University! Agora a única coisa que falta pras nossas vidas ficarem do jeito certo mesmo é a gente voltar a juntá-las...
  - E Jane Tate?
  - Eu só a convidei para a festa...
  - Porque ela perdeu a mãe recentemente, eu sei. O que ela tem feito da vida, hein?
  - Ela tem uma loja de roupas no centro. E um filho de um ano.
  - O quê?
  - Ela saiu do colégio quando engravidou, pelo que me disse. Acho que ter o filho e tudo a ensinou bastante.
  - É, você pode ter razão... - refleti impressionada com o rumo que a vida de Jane havia tomado.
  - A questão é que eu não tenho nada com ela. Eu só quero você, só quis você esse tempo todo. E eu acho que posso conviver melhor com o fato de que você é uma garota grande e pode se defender do mundo sozinha. Ficar sem você me mostrou que quem precisa mesmo do seu apoio pra tudo sempre fui eu e não o contrário.
  Depois dessas palavras tudo o que eu pude fazer foi diminuir a distância entre nós e beijá-lo - como eu gostaria de fazer há tanto tempo.
  - Eu não vou deixar você ir embora mais, . Eu prometo. - falei no breve instante em que nos afastamos e depois voltamos a nos beijar, com toda a vontade que reprimimos por todos aqueles meses.

Capítulo 12

  Tempe, Arizona. 16 de Setembro de 2012

  Desde que eu e havíamos, enfim, nos acertado, os domingos passaram a significar algo melhor na minha vida. Quando ele estava em alguma cidade por perto, sempre arranjava um jeito de ir até Tempe e passar o máximo de tempo possível comigo. E também acabava beneficiada - acomapanhava nessas ocasiões, para a felicidade de nós duas.
  The Maine estava fazendo shows três ou quatro vezes por semana durante o mês de Setembro em algumas cidades do Arizona mesmo, então, meu primeiro mês de aula parecia um verdadeiro paraíso. Meu namorado passava todas as nossas horas livre - não ocupadas com minhas aulas ou com seus ensaios e shows - fazendo as minhas vontades, e eu com certeza havia encontrado meu pedacinho de céu no meio da Terra.
  Acordei as nove da manhã com Luke arranhando minha porta - eu ainda não havia conferido o relógio, mas meu cachorro era mais pontual que o Big Ban, o relógio mais famoso do mundo situado na capital inglesa. Pensei em enrolar mais um pouco ali, confortavelmente abraçada a , mas meu estômago roncou por causa da fome, portanto decidi me levantar.
   e ainda estavam dormindo - ou fazendo alguma coisa mais divertida que isso na cama, se eu bem os conhecia -, por isso, eu e comemos sozinhos. Fomos até o sofá e ligamos a TV. Não precisou que meu namorado dissesse que Bob Esponja era o programa que estava passando - a voz do Patrick era algo inconfundível -, mas, poucos minutos depois de estarmos acomodados ali, eu adormeci.

  - ! Você está roubando! - acordei com gritando as palavras.
  - O que aconteceu? - perguntei desorientada.
  - ! Fala mais baixo aí, porra! Você acordou a , viado! - xingou o amigo.
  - Você deve ter acabado com a essa noite, hein mano? Nunca vi essa menina dormindo tanto! - respondeu. riu alto.
  - Por que vocês não param de moleza e vem jogar com a gente? Duvido que ganham de mim e do na purrinha! - disse da cozinha.
  - Eu sou a melhor jogadora de purrinha da América do Norte, minha amiga! - falei levantando-me e ignorando as dores musculares adquiridas por dormir esprimida num sofá para duas pessoas.
  Purrinha é um jogo simples - e 'purrinha' é um nome que costuma variar muito de região para região também. É basicamente assim: cada jogador ganha três grãos de feijão, e a cada rodada cada um dos participantes diz um número - que é o que acredita que a soma dos feijões que todo mundo colocou em jogo irá dar; cada jogador escolhe quantos feijões colocará em jogo - pode ser zero, um, dois ou três - e depois que todos revelam seu número, é feita a contagem entre todos os jogadores; o jogador que citou o número certo, desce um feijão, e quem ficar com a mão limpa - descer todos os feijões primeiro - vence!
  - Pode abrir a mão agora, amor. - me disse com um sorriso na voz. Estávamos jogando há alguns minutos, e eu já podia colocar no máximo um feijão porque havia descido todos os outros, o que me colocava empatada com .
  - Quatro! A DANI GANHOU! - anunciou aos gritos.
  - Isso só pode ser bruxaria, cara! - resmungou enquanto me jogava para o alto.
  - A é boa nessa parada. Lembra quando ela ganhou 70 dólares no truco naquele clube que a gente foi em Los Angeles? - desenterrou o acontecimento de meus 13 anos de idade.
  - Quando você voltar a enxergar, , vamos te levar para Las Vegas! E vamos voltar ricos de lá! - sugeriu como se fosse um plano perfeito para dominar o mundo.
  - Mais ricos você quer dizer, né amor? - comentou. A resposta de todos nós foram risadas, e Luke também manifestou-se latindo.

  Os dias seguintes passaram muito rápido, e minhas tardes ficavam ainda mais lotadas à medida que sugeria aulas de algum hobbie que eu poderia gostar. Ele sempre dizia que eu precisava cuidar da alma também para ser boa mesmo na minha profissão, e eu era obrigada a concordar com ele já que todos os meus professores diziam sempre essa mesma frase todos os dias. Portanto, quando parei para analisar minha vida, eu estava fazendo ioga duas vezes por semana, artesanato todas as sextas-feiras e aulas de piano aos sábados. ia comigo a essas atividades sempre que podia, mas eu estava gostando tanto de fazer tudo isso que não me importava realmente quando precisava ir sozinha.
  Certa noite, quando acordei no meio da madrugada com um pesadelo, fui para a sala da pequena casa em que eu, , e estávamos praticamente morando juntos - embora fosse, oficialmente, o meu lar e de minha melhor amiga - e sentei-me no sofá praticando uma respiração do ioga para me acalmar do sonho. Pensei em como minha vida havia entrado nos eixos, em como eu sabia que confiava mais em mim mesma e no meu potencial naquele momento... O pesadelo daquela noite não se tratava do acidente de carro - o carro do meu pai batendo na árvore não me aterrorizava como antes mais. Na verdade, há tempos que eu dormia tão tranquilamente que sempre acordava com a sensação de ter passado a noite toda pensando no mar e no céu estrelado. Aquela noite, o sonho havia sido com uma criança de colo que chorava porque podia ver os jovens pais, mas não podia tocá-los. Eu nem mesmo havia entendido o porquê de acordar chorando; há muitos anos que eu não chorava sem ter muitos motivos.
  - ? O que foi? Teve um pesadelo? - perguntou preocupado sentando-se ao meu lado e pegando minha mão.
  - Não sei se pode ser chamado de pesadelo. Foi estranho... Mas eu acabei perdendo o sono.
  - Do que se tratava? - ele questionou depois de um bocejo.
  - Tinha uma criança de um ano, mais ou menos, muito fofa... E ela chorava porque os pais dela estavam na sua frente, mas sempre que ela tentava tocá-los com a mão gordinha, não conseguia. Eles pareciam espíritos, sabe? Almas... Mas eu não entendi mesmo porque acordei tão assustada, pesarosa e triste por isso. - minha voz falhou nas últimas palavras quando o choro tomou conta de mim.
  - Amor, não fique assim. - enxugou minhas lágrimas com os dedos e me abraçou ternamente.
  - Eu estou bem, não se preocupe. - falei tentando me controlar. O que estava acontecendo comigo, afinal?
  - Vem, eu vou fazer um chazinho de camomila pra você e depois vou cantar no seu ouvido até que você adormeça.

  ***

  Tempe, Arizona. 15 de Outubro de 2012

  - Quarta-feira nós vamos para a turnê pela América do Sul de novo. - Escutei falando para quando alcancei a soleira da porta do banheiro.
  - Juízo, Sr. . Muito juízo! Você sabe que, como futura jornalista pela Arizona State University, eu tenho meus contatos pelo mundo inteiro... - minha amiga lembrou seu namorado.
  - , e não são seus contatos exatamente porque você é jornalista, meu amor.
  - Vai nessa que eu só tenho eles pra te vigiar, rapaz.
  - Que isso, ! Você sabe que o te ama e nunca te trairia, né? - eu dei minha opinião quando entrei na cozinha.
  - Eu sei, mas -
  Não escutei mais nada do que disse então. Minha cabeça começou a rodar, senti suor brotar da minha testa e a náusea foi tão forte que não sei como não caí no chão naquele instante. Senti o cheiro de omeletes invadindo meus pulmões, e corri para o banheiro. Agradeci a Deus por conhecer bem aquela casa quando comecei a vomitar até as tripas dentro do vaso sanitário.
  - O que tá acontecendo, gente? - escutei perguntando.
  - Podia ter vestido as calças primeiro, né ? - comentou.
  - ? - falou alarmado. - Minha namorada tá vomitando e você pensa é nas minhas calças, ? Deixa de ser tarado, velho!
  - Eu não entendi essa. A sempre adorou as minhas omeletes. - comentou amuada.
  - Ô, amor. A sua comida é perfeita. Aposto que a culpa disso foi aquela lasanha que nós pedimos ontem à noite. - opinou.
  - Você está melhor, ? - perguntou-me enxugando minha testa e colocando meu cabelo para trás. Eu estava então sentada sobre a tampa do vaso.
  - Estou sim. E não precisa ficar todo mundo aqui no banheiro, né gente? - Falei desconfortável com tanta atenção. e mumuraram palavras em concordância e me deixaram a sós com meu namorado.
  - Acho melhor irmos a um médico... - ele sugeriu preocupado.
  - Procure um ginecologista. Isso está com cara de gravidez... - gritou da cozinha e riu, acompanhada de .
  - Muito engraçado, ! - respondeu-lhe depois de imitar a risada de nossa amiga.
  Pensei nas palavras de e, de repente, lembrei-me da minha menstruação que não se fazia presente há certo tempo.
  - Amor, você pode pegar minha agenda para mim? Está na primeira gaveta do guardarroupas. - pedi a carinhosamente.
  - Para que você precisa dela?
  - Nela eu anotei o último dia da minha última menstruação. Eu não tenho certeza ainda, mas acho que estou atrasada.

  Eu estava com três dias de atraso, em meu ciclo perfeito de 28 dias, regulado desde os meus 15 anos de idade. Eu costumava me orgulhar por ser tão perfeita fisicamente, até que perdi a visão e essas coisas pararam de ter muito significado na minha vida. Os sonhos passaram a fazer certo sentido, a chorareira e algumas tonturas que eu havia sentido poucos dias atrás, mas que havia considerado oscilações de pressão, também ganharam outro significado. Eu e nos lembramos então que havíamos esquecido de usar preservativo algumas vezes desde que reatamos o namoro, e as cosias pareciam tão óbvias que eu já estava me sentindo burra por não ter notado a verdade antes. Lembrei-me da minha consulta marcada com a ginecologista para dia 1º de Novembro, mas, depois de conversar sobre os 'sintomas' de gravidez que eu estava sentindo com , decidimos simplesmente descobrir se era o caso ou não e procuramos um laboratório.
  Meu sangue foi coletado às onze e meia da manhã, e eu precisei faltar às aulas naquele dia. A recepcionista do laboratório garantiu que o resultado sairia até às quatro da tarde e aceitou antecipar um pouco as coisas depois de um suborno singelo de trezentos dólares.
  - Eu abro ou você abre? - perguntou-me segurando o papel lacrado do exame nas mãos.
  - Vai adiantar eu abrir? Eu só leio braille! - respondi e comecei a rir de nervoso.
  - Ok. - O barulho de papel sendo rasgado pareceu pairar sobre nós na lanchonete, mesmo com o rádio tocando uma música que eu não havia reconhecido e algumas pessoas conversando em volta. - Deu positivo. - disse, por fim, e me abraçou imediatamente. Senti meus cabelos serem molhados pelas lágrimas dele e correspondi ao beijo que ele me deu em seguida ainda sem saber exatamente como reagir.
  Eu faria 20 anos dali alguns dias, e seria mãe dali a alguns meses.

Capítulo 13

  Tempe, Arizona. 19 de Janeiro de 2013

  Acordei no sábado de manhã faminta. Minha gravidez estava em seu quarto mês, mas eu tinha certeza que a fome se devia não apenas a esse fato - devia-se também ao nervosismo. Às sete horas da noite eu estaria entrando pelo tapete vermelho no salão de festas alugado e preparado para meu casamento.
  Havia sido difícil terminar meu primeiro semestre na faculdade tendo que arranjar tempo para decidir preparativos para um casamento com três meses de prazo. Felizmente, e minha mãe me ajudaram com todos os detalhes possíveis. Fizeram listas de decorações, baseando-se em meu gosto, e descreveram tudo para mim antes que eu tomasse uma decisão. sempre aprovava cada detalhe, mas acho que não poderia ser diferente - um homem não sabe organizar um casamento, com certeza. Meu noivo, porém, tomou à frente no quesito 'nossa casa' e me deixou apenas com a responsabilidade de decidir quem seria nossa empregada, nosso motorista e jardineiro. Havia tanto o que resolver que eu me perguntei quem estaria mais cansado de minha rotina - eu ou , meu bebê.   Depois do Natal, eu e fechamos nossa pequena casa perto da Arizona State University, e fomos para o lar de nossas lindas mamães. Eu e só nos mudaríamos para nossa bela residência no melhor condomínio de Tempe, que já estava mobiliada e perfeitamente pronta para nos receber, depois da formalização de nossa união. Na verdade, ainda viajaríamos por 10 dias para o Havaí, para curtir nossa lua de mel e descansar de toda aquela correria. E nada melhor do que o único estado tropical do Estados Unidos para isso, uma vez que preferimos não viajar para muito longe na ocasião.
  - Bom dia, filha! - minha mãe me cumprimentou com um abraço quando apareci na cozinha. Ainda usava meu baby doll folgado e nem mesmo havia lavado o rosto.
  - Bom dia... Eu preciso comer! - respondi com um sorriso.
  - Alimente mesmo nosso garotão! - meu pai incentivou alegremente. Ele era o mais feliz da família com o resultado do ultrassom que fiz naquela semana mesmo e que indicou que eu e teríamos um menino. Toda a carência de meu pai de um filho homem que gostasse de futebol e pescaria poderia ser suprida com seu primeiro neto, afinal.
  Meus pais receberam a notícia bem porque sabiam que, apesar de nova e limitada, eu seria capaz de lidar com aquela situação. E também gostaram do acontecimento porque o pai do meu filho era alguém que eles haviam ajudado a criar e, portanto, sabiam que eu teria a melhor assistência possível, sempre. Mas eles incentivaram nosso casamento falando da importância de nosso bebê nascer em um família bem estruturada. E tanto eu como respiramos aliviados porque estávamos temerosos de meus pais acharem essa decisão precipitada quando pensamos em anunciá-la - melhor ter o filho fora do casamento do que começar um matrimônio sem a menor ideia de como continuá-lo, certo? No entanto, o senhor e a senhora pareciam nos julgar preparados para tudo aquilo.
  Eu mal havia terminado de devorar quatro fatias de bolo de chocolate, meia dúzia de torradas doces e quase um litro de leite, quando chegou na minha casa acompanhada de .
  - Onde está nossa noiva gravidíssima? - ela perguntou da sala.
  - Devorando comida para cinco pessoas na cozinha, querida. Pode ir até lá. Fiquem à vontade! - minha mãe respondeu.
  - ! Meu Deus como você está radiante! - disse com uma voz de choro quando me viu.
  - , você drogou minha melhor amiga e madrinha no dia do meu casamento?! - perguntei com uma voz de acusação ao meu padrinho.
  - Quê? - ele respondeu-me confuso.
  - Sim, porque eu estou um lixo! Nem lavei o rosto ainda e essa doida está falando que eu estou 'radiante'?
   e seu namorado famoso riram juntos.
  - Deixa eu pegar nessa barriga, vem cá! - levantou a blusa do meu baby doll revelando minha pequena barriga. revirou-se no meu útero ao toque de ; ele sempre se agitava quando ela me tocava, e ao som da voz de .
  - Ele se mexeu! - gritou feliz.
  - Amor, ele sempre se mexe quando você toca a . - lembrou minha amiga pela milésima vez desde que começara a me dar cutucões.
  - Eu sei, mas é sempre emocionante! Aaaah, eu quero um neném também! - disse amuada.
  - , você empresta seu quarto pra gente ir ali fazer? - perguntou-me.
  - Não, seus tarados! É o dia do meu casamento! - respondi rindo.
  - Verdade! Eu estou com seu vestido de noiva ali no carro e com toda a minha parafernália de salão de beleza. Vamos lá buscar, amor! Eu tenho que depilar essa garota, pulir a pele dela... - e continuou a lista enquanto saía da minha casa, rumo ao carro de .

  Depois de muito sofrer com a cera quente, de adormecer enquanto tratava da minha pele e massageava minhas costas - o curso que ela havia feito durante o verão passado fora dos bons mesmo -, e de ficar horas com Ramon modelando meu cabelo, foi a hora de colocar meu vestido de noiva e calçar os sapatos.
   descrevera cada parte do vestido para mim - ele não era exatamente branco, mas de um tom amarelado claro, justo no busto, onde era borbado e enfeitado com algumas pedras de strass bem posicionadas, e solto do busto para baixo, de modo que era leve e não muito volumoso. Precisei fazer ajustes até a semana do casamento, com meu corpo mudando tão rápido e meus seios crescendo, mas eu sentia que havia compensado. Calcei as sandálias brancas de seis centímetros de salto, e escutei Ramon declarando que eu estava pronta e absolutamente divina.
  - Quantas horas são, Ramon? - perguntei sentindo minhas mãos tremerem.
  - Seis e vinte e dois. - ele respondeu prontamente.
  - Onde será que a se me...
  - Cheguei! - disse me interrompendo. - Aqui está o seu buquê de rosas brancas. E eu estou usando rosa e só não mais perfeita que você. - ela falou segurando o choro.
  - Acalme-se, amiga. - eu disse dando-lhe um abraço rápido.
  - Ok. Estou calma. Sua mãe está nos esperando no salão. Vamos? - ela disse com a voz trêmula.
  - Vamos. - respondi depois de respirar fundo.

  Eu caminhei pelo tapete vermelho de braços dados com meu pai e ao som de Into Your Arms cantada por e acompanhado de apenas o violão, tocado por .
  Prometemos diante do padre, de Deus e de nossos convidados, nos amar e respeitar, na saúde e na doença, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, até que a morte nos separasse. Trocamos as alianças e nos beijamos ternamente - sendo que, em seguida, beijou minha barriga também. Todos os nossos amigos e família aplaudiram então, e recebemos um abraço em cumprimento de cada um dos presentes.
  - A festa está linda. - sussurrou para mim quando pudemos nos sentar, acompanhados de e . - A decoração azul e lilás está divina, todos os convidados estão lindos, o povo parece estar encantado com a boate e tem comida e bebida boa pra uma semana de comemoração.
  - Daqui uma semana ainda estaremos no Havaí curtindo nossa lua de mel, hein? - comentei com uma piscadela.
  - A melhor parte do casamento: a lua de mel!
  Também dançamos muito aquela noite. Cada Maine teve uma música comigo, e dançou até com minhas priminhas de nove anos. O bolo estava maravilhoso e meus pais haviam exagerado tanto no tamanho que os últimos convidados a irem embora até levaram pedaços para casa.
  - Aproveitem a noite, hein? - disse assim que descemos do carro dele na porta do Hotel Deluxe. Só iríamos para o Havaí na segunda à noite por causa das fotos para o álbum que faríamos de manhã.
  - É, divirtam-se! Nós vamos! - incentivou-nos maliciosamente.
  - Podem deixar. E obrigada por tudo, gente. Vocês são os melhores amigos e padrinhos do mundo. - disse.
  Recebemos um abraço de nosso casal predileto e eu fui carregada até o elevador, rumo à suíte presidencial.
  - Estou gorda, pode falar! - Eu disse quando me colocou no chão.
  - Não está mesmo. Eu que preciso malhar. - ele respondeu-me com um risada.
  - Eu nem estou mais com o vestido de noiva para colocar a culpa nele do peso... - Como chamaria muita atenção ir vestida de noiva ao hotel, havia escolhido um vestidinho azul claro de alças para mim, o qual eu havia vestido antes de entrar no carro, ao sair da festa.
  - A culpa é do , Sra. . Então, só relaxe...- murmurou no meu ouvido, provando-me arrepios, e me beijou.
  Meu marido voltou a me carregar depois de entrarmos no quarto e me colocou na cama. Fechou a porta da suíte com um chute - como costumava fazer - e me beijou animadamente. Recebi várias mordidas leves no pescoço e nos ombros antes que ele desabotoasse a minha roupa revelando minha langerie preta. Não foi uma tarefa fácil tirar o terno de , principalmente porque fazer isso sem enxergar e nervosa como eu estava tornava tudo mais complicado. Mas com certeza valeu a pena quando eu me sentei no colo dele, com as pernas abertas e de modo que ficasse entre as pernas dele - eu pude sentir todo o volume de embaixo de mim quando só minha calcinha e sua cueca separava-nos realmente.
  Depois de muitos outros beijos, arranhões e gemidos, nós nos deitamos um do lado do outro e rimos juntos.
  - Você está melhor a cada dia. - murmuramos em uníssono, acompanhando a frase de outra risada sincronizada. - Eu te amo. - compartilhamos de novo das mesmas palavras e eu me aninhei no peito dele, completamente exausta.

  Segunda-feira de manhã eu me vesti de noiva novamente, refiz maquiagem e penteado, e tirei dezenas de fotos, orientadas pelo fotógrafo, junto de meu marido. Passamos a tarde toda na companhia de nossas famílias, depois de um almoço que reuniu a todos, e entramos no avião, rumo a nossa lua de mel, às oito horas da noite, aproximadamente.
  Se eu pudesse imaginar uma vida perfeita para mim, tinha certeza de que não conseguiria fazer melhor do que já estava de fato acontecendo. Eu havia me casado com o amor da minha vida - meu amigo e companheiro de longa data -, estava grávida de um menino que eu tinha certeza de que nasceria perfeito como o pai, e cercada de amigos e parentes que me amavam e me apoiavam. Pedi a Deus quando o avião decolou que continuasse protejendo minha felicidade daquela forma e agradeci sinceramente por ser uma pessoa tão abençoada.

Capítulo 14

  Tempe, Arizona. 05 de Novembro de 2013

  - Bom dia. - sussurrou as palavras no meu ouvido. Senti os cabelos de minha nuca se ouriçarem.
  Já havia quase um ano desde que eu e ele havíamos nos casado, mas meu coração continuava batendo descompaçado dentro do peito ao som de sua voz, minhas mãos ainda suavam quando ele me tocava e eu ainda ria de cada besteira - por mais estúpida que fosse - que ele dizia. Acho que isso poderia resumir minha vida de casada em um eterno namoro, e era exatamente assim que eu me sentia todas as manhãs.
   posicionou-se por cima de mim na cama, mas apoiando-se com o braço para não colocar seu peso sobre o meu corpo. Ele me beijou animadamente, de modo que eu sabia que ele não queria ficar apenas nos beijos, e então a babá eletrônica soou no quarto avisando que estava acordado e pedia por atenção.
  - Ok. Você vai ou eu vou? - meu jovem marido perguntou deitando-se ao meu lado.
  - Nós dois. Ele quer mamar, o que só eu posso fazer, mas deve precisar ser trocado primeiro, o que você pode fazer...
   tomou seu café da manhã e foi colocado pelo papai mais lindo do mundo em seu 'chiqueirinho' cheio de brinquedos. Enquanto ele se distraía com um teclado que tinha teclas que faziam barulhos de animais, eu e tomamos nosso café.
  - Ele tem talento pra membro de banda, amor. - disse alegre servindo leite para nós dois. - Acho incrível como esse garotão adora os brinquedos de instrumento!
  - Sim, ele herdou do pai esse amor pela música.
  - E os olhos e a cor do cabelo também, não se esqueça. O nariz e o tom de pele são seus.
  - É verdade.
  - Bom, então recordando a agenda do dia: vamos levar o à casa da para que ela e o brinquem com ele e depois vamos para a casa da sua mãe.
  - E no caminho vamos deixar o Luke no banho e tosa.
  - Uhum, eu já ia me esquecendo. - disse e riu de leve.
  A maior parte do restante do café foi fazendo caretas para - eu sabia que era o que ele estava fazendo porque ele tinha uma voz especial apenas para isso - e nosso bebê rindo do pai como se aquilo fosse a coisa mais engraçada do planeta. Depois disso, fomos todos nos preparar para sair. me ajudou a dar banho e a vestir nosso filho, e a babá dele, Liza, lhe fez companhia enquanto eu e meu marido tomávamos um banho juntos.

  - Cadê a coisinha mais fofinha da tia? - perguntou fazendo aquela voz boba que a maioria das pessoas usa com nenéns.
  - Nossa, mas ele está ainda maior do que na semana passada! - comentou em um tom meloso. E ele estava certo - crescia mais a cada dia. Estava com cinco meses e um pouco maior do que o normal para sua idade, o que o médico atribuiu a uma genética que o levaria a cerca de 1,80 metros de altura na fase adulta. Eu e cuidávamos para que não engordasse mais do que o correto, e concordávamos mais do que nunca que crianças naquela fase crescem muito depressa.
  - Está mesmo. - assentiu todo bobão. - Bom, nós vamos indo pra casa dos pais da , galera. Passamos aqui à tardinha pra pegar o , ok?
  - Certo. Tchau, papai! - disse numa imitação de voz de bebê cômica. Imaginei que estava levantando o bracinho de para fazê-lo acenar também. Sorri largamente e voltei para dentro do carro - nosso Mercedez sedan, espaçoso o bastante para a cadeira de e mais duas pessoas bem acomodadas no banco de trás - e reprimi a vontade idiota de chorar que me dava todas as vezes que me afastava do meu filhote.

  - Boa tarde, meus amores! - minha mãe disse calorosamente quando eu e passamos pela soleira da porta da frente da casa, o que me lembrou meus avós maternos.
  - Oi, mãe. - eu respondi retribuindo o abraço. - Como estão as coisas?
  - Tudo bem, minha filha. - meu pai falou alegre. - Está cuidando bem da minha princesa e do meu neto, ?
  - Sim, senhor James. Sempre.
  - Onde está o nosso meninão agora, hein?
  - e vão passar o dia com ele hoje. - respondeu com um sorriso na voz.
  - Ah, sim. Vocês estão certos em fazer isso. - minha mãe comentou. - Não faz bem para uma criança ficar sempre só com os pais. Deixá-la crescer mais livremente incentiva a independência. Foi assim que nós agimos com a .
  - É claro que quando ele chegar na adolescência a independência vai ser o oposto do que vocês querem, mas... - meu pai acrescentou. Eu e rimos.
  - Mas a é a melhor pessoa do mundo, então esse deve ser mesmo o caminho certo. - falou beijando minha testa.
  - E a ainda não se sente confortável com as pessoas falando dela, então vamos logo mudar de assunto. - falei com o rosto em brasa.
  - Vamos almoçar! A lasanha já deve estar pronta. - minha mãe anunciou e fomos para a sala de jantar sentar à mesa.
  Eu ainda não havia comido nem metade do conteúdo do meu prato - o que não era muita coisa porque desde o nascimento de eu estava de dieta para reconstruir meu corpo esbelto, o que se perdeu um pouco com a gravidez - quando minha mãe iniciou o assunto.
  - , a Jane me procurou aqui em casa esses dias atrás.
  Revirei-me desconfortavelmente na cadeira e senti meu apetite se esvaindo quando minha mãe pronunciou o nome da garota.
  - O que ela queria? - tentei manter meu tom de voz indiferente, mas eu podia sentir os olhos de sobre o meu semblante, o que deveria significar que eu não estava aparentando tanta indiferença assim.
  - Falar com você.
  - Ela disse sobre o que queria falar comigo?
  - Falou que queria se desculpar por um desentendimento que vocês tiveram uns anos atrás. Eu não entendi muito bem e ela também não explicou direito. Ela não te ligou? Eu dei seu telefone a ela.
  Respirei fundo para não soltar algo como 'você está ficando louca?' ou 'eu dei autorização pra isso?'.
  - Não, mãe, ela não me ligou. - foi tudo o que eu disse.
  - Eu ainda não entendo como a amizade de vocês duas acabou... Você, ela e era inseparáveis!
  - Coisas de adolescente, mãe. Não dá pra ficar ressucitando todas as amizades da minha adolescência também, né?
  - Por falar em amizade de infância... Quando será sua próxima turnê, ? - meu pai disse. Agradeci mentalmente pela iniciativa do Sr. . Minha mãe adorava insistir em qualquer assunto por mais que eu me mostrasse indisposta em falar sobre ele. Meu pai, por outro lado, sabia exatamente quando salvar as pessoas dessas situações e dificilmente as colocava nisso. Talvez essa fosse uma das razões para que os dois fossem tão bons juntos e felizes em sua união - eles sabiam ser o completo oposto em diversas cirscunstâncias.

  Depois do almoço, e meu pai foram assistir a um jogo de baseball na TV, enquanto eu e minha mãe arrumávamos a cozinha e depois fomos até o atelier da Sra. Lauren para conversar. Minha mãe tinha que terminar uma pintura para a exposição daquele final de semana na escola onde dava aulas de História e Artes e eu não achava a coisa mais interessante do mundo ficar escutando jogos, então decidi acompanhá-la. Não estava exatamente de bem da minha mãe ainda, mas havia algumas semanas que eu não passava tempo com ela, então prefiri esquecer o episódio do almoço.
  - Sabe, a Jane pediu que eu fizesse a decoração do aniversário de três anos do filho dela. O que você sugeriria?
  - Mãe, eu e a Jane brigamos há alguns anos e eu realmente não estou interessada nem na vida dela, nem em nada que a envolva. Caramba, vamos procurar algum assunto que não diga respeito a essa... pessoa? - falei sem paciência. Eu sabia que era o que minha mãe queria - tirar informações sobre minha richa com Jane de mim a todo custo -, mas não consegui evitar a reação.
  - Ela é uma boa pessoa, . Você deveria esquecer as besteiras da sua adolescência um pouco e aprender a perdoar o próximo. Você já conseguiu se perdoar, minha filha, esse agora é o próximo passo!
  - Eu não vou dar esse passo pressionada, mãe. Eu me perdoei naturalmente, e vai ser assim também com respeito às pessoas. Agora, podemos por favor falar de outra coisa? Quais são as novidades do bairro?
  - A filha dos Smith vai se casar. - minha mãe disse depois de murmurar alguma coisa sobre eu ser mais cabeça dura que meu pai.
  - É mesmo? Com o Travor?
  - Não, com um rapaz chamado Antony que ela conheceu na Europa quando foi estudar lá.
  - Mas ela ficou noiva do Travor há uns três meses, não?
  - E aí está a parte interessante da história! - minha mãe disse suficientemente incentivada para falar sobre toda a vida dos visinhos que eu perdera até então.
  Sra. Lauren passou um longo tempo explicando como Mary Smith terminou um relacionamento de quatro anos e começou o que ela chamou de 'fogo de palha' com um alemão rico e vinte anos mais velho. Minha mãe falava sobre estar na cara que aquilo era 'golpe do baú' e citava uma lista de motivos para isso, quando o telefone da casa tocou. Ela pediu um instante para atender e enquanto fazia isso fui até a sala de televisão e sentei-me ao lado de .
  - Como está o jogo? - perguntei baixinho ao meu marido porque sabia que meu pai estava super concentrado na partida e brigaria comigo se eu falasse muito alto.
  - ? - minha mãe me chamou da porta da salinha antes que pudesse responder minha pergunta.
  - Oi?
  - É do Banco de Olhos, filha. Temos um doador de córneas. - minha mãe disse as palavras pausadamente como se ela mesma não acreditasse no que estava falava. Minha ficha levou o que pareceu um longo tempo para cair, mas, enfim, eu me dei conta do que aquilo significava. Aquilo significava que eu voltaria a enxergar.

Capítulo 15

  Tempe, Arizona. 07 de Outubro de 2023

  - E É GOOOOOOOOOOOOOOOL! DE ! CAMISA NOVE, MINHA GENTE! - o locutor do jogo anunciou aos gritos no microfone e várias pessoas pularam e berraram de alegria ao mesmo tempo. Eu, como mãe do artilheiro do time, fui uma delas.
   havia entrado para o time de futebol de campo mirim aos nove anos de idade - ou seja, pouco mais de um ano atrás -, e estava se saindo muito bem na atividade. Aquele jogo era a final do campeonato estadual, e, embora todas as crianças fossem incrivelmente boas, o time do meu filhote já havia marcado dois gols e os adversários nenhum ainda. Minhas mãos suavam de ansiedade, mas eu tinha certeza que estava ainda mais nervoso - ele não havia se sentado nem por um instante se quer desde que havíamos entrado no estádio.
  - Você quer mais água, amor? - meu marido perguntou enquanto a partida recomeçava.
  - Não, não, eu estou bem. - respondi enquanto o pai do meu bebê que viria ao mundo dali a seis meses beijava minha barriga, ainda quase imperceptível.
  O jogo terminou com o mesmo placar - dois para Tempe e zero para os visitantes - e, depois que os homens da minha família, todos os maines e minhas amigas parabenizaram , seguimos para uma pizzaria para almoçar.
  - Menina, eu não sabia que uma barriga de cinco meses podia pesar tanto! - reclamou para mim colocando as mãos nos quadris enquanto esperávamos os garçons juntarem algumas mesas.
  - Flor, sua barriga parece de sete porque são gêmeos. Por isso está pesando tanto.
  - O Marcus nasceu com mais de quatro quilos. No sétimo mês eu já não aguentava mais. - Jane comentou.
  Há três anos, eu havia ido ao supermercado com quando encontrei Jane no setor de congelados. Ela me cumprimentou e perguntou se podíamos conversar. Deixei se distraindo com o filho dela, um pouco mais velho, e concordei em esclarecermos as coisas. Na ocasião, eu já podia perdoá-la pelas besteiras que fizera, afinal, isso era o mínimo que eu devia à vida por tudo o que havia adquirido. Eu tinha uma família linda, havia conseguido recuperar a capacidade de enxergar e estava atuando como uma promotora de grande relevância no estado do Arizona, embora eu houvesse me formado recentemente na faculdade de Direito. The Maine continuava sendo um sucesso - os fãs permaneciam calorosos e receptivos, de modo que os garotos diminuíram o ritmo por opção e não por falta de trabalho -, e era diretora da unidade da Vogue do estado, com se mostrando um excelente investidor da fortuna que adquiriu sendo um rockstar de talento, e sendo um marido maravilhoso também. Tudo estava indo muito bem, e eu sabia que deixar aquela história de outra vida realmente no passado era tudo o que faltava para que minha felicidade fosse completa. Por isso, deixei que Jane apresentasse suas desculpas e as aceitei. Conforme o tempo passou, nós voltamos a nos ver, e, mesmo que eu soubesse que nossa amizade nunca mais seria aquela dos meus 14 anos, era bom tê-la por perto de novo.
  - Você e o Steve não pretendem ter o de vocês, Jane? - perguntou.
  - Ele adora o Marcus, mas quer ter o seu próprio, claro. Estamos pensando em encomendar outro filho no ano que vem, que é quando vamos terminar de pagar nosso apartamento. - Jane respondeu com um sorriso.
  - Eu acho tão difícil ter outro bebê quando o primeiro filho já está assim crescido. Se eu não tivesse tanta vontade de ver mesmo toda a gestação acontecendo, acho que teria parado no . - comentei.
  - Todo mundo diz que eu tenho sorte porque a menina e o menino vão vir de uma vez. Mas como eu vou amamentar, trocar, dar banho, dar atenção... Enfim! Como vou ser dedicada por igual aos dois? - questionou um pouco desesperada.
  - Nem se eles viessem separados isso aconteceria, amiga. E relaxa. Você e serão os melhores pais do mundo. E eu e seremos os tios mais chatos do mundo! - e Jane riram do meu comentário, e fomos convidadas pelos nossos homens a sentar à mesa e beber refrigerante.

  - ...O duende perguntou ao cavalo por que ele havia parado de correr... - escutei falando e o observei da porta do quarto de a ler a história enquanto afagava o cabelo de nosso filho.
  Caminhei até o fim do corredor e entrei no meu quarto. Sentei-me na cama e olhei para Sra. Maggie na mesinha de cabeceira. Eu gostava de manter minha vareta que me acompanhou por mais de cinco anos ali para que eu pudesse olhar para ela todos os dias e me lembrar de como Deus havia sido generoso comigo. Eu sempre pensava em como as coisas haviam acontecido exatamente no momento certo na minha vida, em como o acidente e tudo o que eu havia passado haviam me ensinado a viver. Perguntava-me constantemente em qual pessoa eu teria me transformado se não tivesse enfrentado tantos problemas... E agradecia todas as vezes pelo rumo que as coisas haviam tomado.
  - Prontinho. - falou entrando no quarto. - Ele dormiu. - meu marido murmurou fitando-me.
  - O que foi? - perguntei quando meu rosto ficou vermelho por causa do longo tempo que ele passou me encarando.
  - Você fica muito mais linda do que realmente é quando está grávida. - sorriu largamente para mim; meu coração disparou instantamente.
  - É mesmo? - falei caminhando em sua direção e tirando meu roupão, revelando minha langerie vermelha. - Sabe como você fica ainda mais lindo? - sussurrei em seu ouvido com uma mão em sua nuca e a outra levantando sua blusa. - Sem... - não deixou que eu terminasse a frase interrompendo minhas palavras com um beijo quente e demorado.
  Ainda me beijando, meu marido desceu as mãos pelas minhas costas apertando minha bunda e segurando minhas pernas de modo a me pegar no colo. Ele me colocou na cama e começou a beijar e mordiscar meu pescoço, enquanto abria meu sutiã por trás com uma mão e apertava minha cintura com a outra. Cravei minhas unhas nas costas dele e gemeu no mesmo instante.
  - Desculpe... - eu disse com a voz afetada.
  - Você sabe que eu gosto. - ele respondeu, me olhou maliciosamente e voltou a me beijar.
  Pensei brevemente enquanto nos apertávamos um contra o outro e nos despíamos em como a falta de visão nunca tornara nosso contato físico limitado, embora fosse maravilhoso poder olhar para o sorriso dele e vê-lo ofegar, além de escutá-lo fazer isso, a cada coisa que eu fazia.
  Nós dois murmuramos, depois de atingirmos o ápice do prazer juntos, 'eu te amo', sincronizadamente, como de costume, e então fechei os olhos. começou a cantarolar fazendo-me mergulhar no sono. Não sonhei com acidentes de carro, não me lembrei da época da minha vida em que passei me adptando ao mundo sem imagens; aquela noite eu sonhei com o momento em que abri os olhos na primeira vez em que enxergara de novo e vi e sorrindo para mim com os olhos verdes brilhando de excitação. Eu devia a eles tudo, e seria eternamente grata a meu marido, em especial, por ter conseguido mudar minha forma de encarar o mundo, por ter conseguido me fazer reviver.



Comentários da autora


Então, gente, Revive agora é uma fanfic finalizada! Foi minha segunda long, e eu espero de coração que todas que leram tenham gostado dela pelo menos um pouco do que eu gostei de escrever.
Gostaria de agradecer a minha beta, Jaque, que teve paciência comigo e me incentivou a cada capítulo da fanfic.
Eu considero esta a minha primeira história "adulta" e acho que evoluí muito como autora ao escrevê-la. Obrigada de coração a quem ler Revive, e comentem, por favor! Um beijo enorme! <3