Redemption

Escrito por Hels | Revisado por Natashia Kitamura

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Capítulo 1

  Em tempos atuais...

  – Até que enfim, liberdade! - Lana quase gritou saltando para fora do carro e encarando o enorme prédio à nossa frente. Não consigo conter a empolgação e animação ao seu encontro.
  Eu realmente não podia estar mais feliz! Depois de vinte e um longos anos, agora eu tenho a minha própria casa, ou no nosso caso apartamento, mas isso não diminui nossa felicidade.
  – Depois de tantos anos vivendo sobre as regras dos nossos pais... - faço uma pausa e passo um braço por cima do ombro de Lana, que me olha animada.
  – ...agora criamos as nossas-próprias-regras! - ela completa minha frase e dá ênfase para deixar claro que agora as coisas seriam do nosso jeito.
  Dou outra olhada para o enorme prédio antigo à minha frente. Era realmente grande, havia trinta andares nele e, bom, ficamos com o trigésimo, já que Lana ficou choramingando no meu ouvido que queria ficar no ponto mais alto, onde poderíamos ter a vista perfeita da cidade de Hazelwood. Para mim o andar não era tão importante, eu só queria mesmo ter o meu espaço, o espaço que eu poderia dizer que era meu e que paguei por ele, por isso ficar no trigésimo andar não seria um problema para mim.
  Acabamos achando Hazelwood na internet quando procurávamos alguns apartamentos, Lana e meus pais insistiram especialmente para que nos mudássemos para cá. Foi até engraçado quando começamos a pesquisar sobre a cidade, acho que foi o fato de dizerem que ela era assombrada e que continha um passado escuro, eu gosto desse tipo de coisa.
  O barulho de algo metálico sendo arrastado me fez sair dos meus pensamentos, e acabo olhando por cima dos meus ombros, vendo que o caminhão da mudança havia chegado pouco tempo depois de nós, e os encarregados em nos ajudar já haviam começado a descarregar as inúmeras caixas de papelão pela calçada.
  – Agora chega de sonhar e vamos ao trabalho. - Lana diz ao meu lado, e a olho, vendo que ainda mantinha a empolgação em seu semblante. Depois desvio meu olhar por um segundo de minha amiga, para aquela montanha de caixas. Se fosse em outra ocasião eu certamente reclamaria, mas não hoje. Hoje eu estava feliz por apenas carregar caixas.
  Fomos até a calçada e pegamos algumas caixas, para em seguida caminharmos para o edifício Hazelhills. Passamos pela portaria, onde havia um simpático porteiro que nos ofereceu ajuda, e acabamos aceitando, já que iríamos levar um bom tempo até conseguirmos acabar com tudo.

***

  Quase uma hora depois eu praticamente não sentia mais minhas pernas; minha respiração já estava ofegante, meus braços estavam doendo e eu estava completamente suada e grudenta. Acabei prendendo meu cabelo em um rabo de cavalo para tentar amenizar o calor que eu sentia, e como haviam muitas pessoas ajudando, nem sempre deu para pegar o elevador; subir vários lances de escadas acaba com qualquer pessoa, mas felizmente já estávamos no final. Os encarregados da mudança já haviam ido embora, e o porteiro simpático já havia voltado para o seu posto. Agora restavam apenas duas caixas, uma que estava comigo e a outra com Lana.
  – Graças a Deus nós acabamos! Não aguentava mais! - a loira ao meu lado resmungou, enquanto esperávamos o elevador parar no nosso andar.
  – Sim, minhas pernas estão queimando. - falo e dou uma olhada no espelho do elevador, fazendo uma careta ao notar o meu estado. Meu cabelo estava todo bagunçado com alguns fios do meu rabo de cavalo grudandos em torno do meu pescoço, minha regata branca estava um pouco suja e a única coisa que se manteve no lugar foram os meus shorts e minhas botas de cano curto. Lana não estava muito diferente de mim.
  Solto um suspiro de alívio assim que vejo a porta do elevador se abrir, olho para o fundo do corredor, vendo duas senhoras já de idade espreitando sobre suas portas; elas estavam nos observando desde que começamos a subir as caixas. Só espero que não sejam aquele tipo de senhoras fofoqueiras.
  Ignorando os olhares delas continuamos nossa caminhada até a nossa porta, parando em frente ao número 218. Empurro a porta com o pé e finalmente entramos, colocando as últimas duas caixas no chão da sala e nos jogando no sofá logo em seguida.
  – Eu estou morta. - Lana suspira ao meu lado. – E com fome. - olho para o lado a vendo fazer uma careta.
  – Vamos tomar um banho e depois pedimos alguma coisa. - me levanto já pronta para ir ao meu quarto. – Amanhã arrumamos essa bagunça. - falo e ela apenas assente.
  Quando estávamos quase fazendo o caminho para nossos quartos, a campainha toca, me fazendo olhar confusa para Lana, que dá os ombros. Caminho até a porta e a abro, vendo as duas senhoras que nos vigiavam há pouco, elas tinham em mãos algum tipo bolo e algo que eu julgava ser chá ou café em uma grande garrafa térmica.
  – Boa tarde, querida! - a mais baixinha e com os cabelos curtos me saudou.
  – Hum, boa tarde. - respondo com meu cenho franzido.
  – Nós apenas queremos dar as boas-vindas. - a outra senhora, essa com os cabelos até os ombros, mas igualmente brancos, disse: - Trouxemos bolo e chá. - ela dá um sorriso simpático, confirmando a minha teoria sobre o chá.
  – Oh, claro, entrem! - dou espaço para que elas entrassem. Lana me olhou e franziu o cenho, e eu apenas dei de ombros. - Por favor, não reparem na bagunça, ainda não tivemos tempo de arrumar. - falo e continuo encarando Lana sem saber o que fazer, a mesma logo entra em modo automático e dá um sorriso forçado para as senhoras.
  – Imagina, querida, está ótimo. - a mais baixinha diz calmamente.
  Talvez elas não sejam de todo mal.
  – Eu sou , e essa é Alana. - aponto para minha amiga que logo se juntou a mim.
  – São muito bonitas. - a senhora de cabelo curto nos elogia e sorri. - Sou Margaret e essa é minha vizinha Margot. - ela faz um pequeno gesto para a que estava ao seu lado.
  – Prazer em conhecê-las. - dou um sorriso um pouco mais relaxado. - Vamos até a mesa então? - indico a cozinha.
  – Claro. - Margot responde, e por fim caminhamos até a cozinha.
  As senhoras ajeitaram as coisas sobre a mesa, depois  ficamos uns bons minutos apenas jogando conversa fora e cheguei à conclusão de que talvez elas poderiam ser boas vizinhas no fim das contas.
  Descobrimos que Margaret se mudou para cá dois anos depois da inauguração do edifício, e que Margot veio no ano seguinte, sendo sua vizinha e se tornando uma amiga de longa data. Elas eram umas figuras, com seus cabelos brancos, sorrisos acolhedores e seus doces maravilhosos, já que esse bolo de chocolate que trouxeram estava ótimo. Lana e eu quase o comemos todo, mas as duas senhoras não pareciam se incomodar com isso.
  – O que duas jovens moças como vocês vieram fazer aqui em Hazelwood? - Margaret pergunta ajeitando suas mãos enrugas sobre a mesa.
  – Estávamos procurando algum apartamento e acabamos gostando desse aqui. - Lana responde, enquanto colocava um último pedaço de bolo na boca.
  – São de Londres, certo? - agora foi a vez de Margot perguntar, e apenas assentimos em resposta. – Hazelwood não é lugar para duas jovens como vocês. - franzo o cenho com sua fala, e troco um olhar confuso com Lana.
  – Por quê? - pergunto curiosa.
  – Nunca ouviram as histórias sobre essa cidade e o sanatório Waverly Hills? - eu podia identificar a tensão na fala de Margot.
  – Já ouvimos alguns boatos sobre a cidade, mas nada relacionado a esse tal sanatório. - encaro bem as senhoras a minha frente. Eu já podia sentir a curiosidade tomando conta de mim.
  – Bom, tudo que vocês já ouviram sobre a cidade provavelmente é verdade. - Margaret começa a dizer, e quase faço uma careta de deboche, mas me controlo.
  Até parece que essa cidade era assombrada por criaturas ruins. Eu apenas gostei da história que eles venderam sobre o lugar, mas isso não significa que de fato eu acredite nela.
  – E sobre o sanatório Waverly Hills... dá para vê-lo daqui, ele fica em cima de uma alta colina dentro da floresta. Foi abandonado a muitos anos atrás, e dizem que coisas horrorosas aconteceram lá antes do sanatório fechar. Hoje ninguém se atreve a colocar os pés lá, já que quem vai lá não sai vivo. - minha primeira reação ao ouvir isso seria rir, mas, mais uma vez eu me contive. Essas senhoras já deveriam estar caducando.
  Olhei para o lado encontrando uma Lana totalmente estática e com os olhos arregalados. Eu não creio que ela acreditou nessa baboseira toda.
  – Chega! Não diga mais nada, Margaret. Você não deveria nem ter contado essas coisas para elas, as duas mal chegaram e já vão querer ir embora. - Margot repreende séria, se levantando em seguida. – Temos que ir agora. Meninas, obrigada pela adorável tarde, se precisarem de alguma coisa é só falar conosco. - assinto, vendo as duas saírem apressadas e tensas da cozinha, me deixando sem entender nada. Até pensei em ir levá-las até a porta, mas não me deram oportunidade.
  – "Já que quem vai lá não sai vivo." - imito a fala de Margaret, soltando uma gargalhada alta.
  – Isso não tem graça, . - Lana me repreende com uma carranca séria.
  – Claro que tem, Lana, isso não passa de uma história para assustar crianças e para atrair pessoas para esse lugar. Você sabe, vender uma boa história atrai grandes lucros. - me levanto calmamente. – Agora vamos tomar um banho. - falo, me virando e indo até a saída da cozinha, mas paro no meio do caminho e olho sobre meu ombros. – E cuidado para as assombrações não te pegarem no banho. - finalizo minha fala para Lana, saindo da cozinha ainda gargalhando.
  Era só o que me faltava. Eu já passei dessa fase de acreditar em monstros e em fantasmas, mas essas duas senhoras ainda pareciam acreditar.
  Balanço a cabeça negativamente enquanto entrava no meu quarto, procuro meu pijama e produtos de higiene dentro das inúmeras caixas espalhadas pelo chão do quarto, e quando finalmente acho tudo que preciso, coloco meu pijama sobre a cama e vou até o banheiro. Começo a tirar minhas roupas, as deixando sobre a tampa do vaso, para em seguida ir até o boxe e ligar o registro, deixando que a água quente escorresse sobre a minha pele e relaxasse meu corpo por um momento. Fecho os olhos apenas aproveitando a maravilhosa sensação da água quente contra o meu corpo; pego o shampoo que trouxe comigo, colocando uma quantidade significativa na mão e levando até a cabeça, lavando meus cabelos enquanto sentia o aroma doce de ervas.
  Depois que lavo meu cabelo e corpo, desligo o registro e me enrolo em uma toalha. Saio do banheiro indo para o meu quarto, seco meu corpo, passo algum creme nele e por fim visto meu pijama. Jogo meus cabelos para frente e começo a secá-lo com a toalha, até escutar a porta do meu quarto ser aberta.
  – Vou pedir uma pizza, certo?! - Lana perguntou da porta, já com um telefone em mãos. Ela também estava de pijama e com os cabelos molhados.
  – Ok, só vou ajeitar meu cabelo. - ela assente, fechando a porta em seguida.
  Pego minha escova de cabelo e começo a desembaraçar os fios emaranhados. Depois que termino, dou uma rápida ajeitada nas coisas e saio do quarto. Dou uma breve olhada pelo o corredor e nele havia quatro portas; uma do meu quarto, outra do quarto de Lana, a do quarto de hóspedes e banheiro extra, e ao fundo do corredor havia uma parede totalmente de madeira dando um destaque.
  Fecho a porta atrás de mim e vou até a sala, vendo Lana fazendo o nosso pedido, e por isso acabo por me sentar no sofá.
  – Daqui dez minutos eles entregam. - ela anuncia e se senta ao meu lado.
  – Ok, eu posso esperar dez minutos. - falo pegando o controle e ligando a televisão.
  A nossa sorte era que já tínhamos montado as coisas grandes, apenas faltava organizar as roupas, utensílios de cozinha e esse tipo de coisa fácil.
  Coloquei em um canal qualquer apenas para deixar o tempo passar até que a pizza chegasse.

***

  – Eles estão atrasados. - Lana resmungou pela milésima vez ao meu lado.
  – Quanto tempo já se passou? - suspiro, também já cansada pela demora.
  – Trinta minutos. - ela diz se levanta indo até a janela.
  – Vamos esperar mais um pouco. - falo, me juntando a ela na janela.
  Lana realmente fez uma bela escolha, daqui de cima dava para ver quase a cidade toda. Era uma visão muito bonita.
  – Olha só aquilo, ! - ela diz enquanto apontando para floresta da cidade.
  Abro mais a janela avistando entre as árvores e em cima de uma alta colina, uma enorme e antiga construção, o sanatório Waverly Hills. Até parecia aquelas coisas de filme de terror, ele ficava um pouco afastado da civilização, não havia nada o iluminando e a única coisa que o fazia companhia eram as inúmeras árvores.
  – Esse negócio me assusta. - Lana fala ao meu lado.
  – Deixa de ser besta, você não ouviu Margaret dizendo que está abandonado há anos?! - volto para o sofá procurando pelo telefone, pronta para ligar para pizzaria.
  – , a-a Margaret n-não disse que ele estava abandonado há anos? - Lana pergunta com uma voz estranha.
  – Sim. Eu acabei de falar isso. - respondo sem interesse enquanto começo a digitar os números da pizzaria, que estava anotado em um pequeno caderninho jogado sobre o sofá.
  – Então por que as luzes se acenderam? - sua voz se torna ainda mais estranha, me fazendo parar de digitar os números para olhá-la. A mesma tinha os olhos arregalados, e segurava com força as cortinas.
  – O quê? Do que você está falando? - me levanto e vou até a janela de novo.
  Procuro pelo sanatório, vendo que, realmente, todas as luzes haviam  acendido em questão de segundos, me fazendo pensar que se ele estava abandonado há anos, por que estava com as luzes acesas?
  Aquilo só fez uma enorme curiosidade despertar em mim. Eu sempre fui do tipo de garota que prefere um bom terror ao romance, não que eu não gostasse de romances, eu até gosto, só que prefiro terror. Esse tipo de coisa sempre foi mais atrativo para mim e foram poucas as vezes que essas coisas me deixaram com medo. Eu tenho um pé na realidade, vivo em um mundo onde não existe monstros, fantasmas ou qualquer outro tipo de coisa que desafiasse a lógica humana.
  – Eu não sei, quer ir lá investigar? - pergunto, vendo Lana saltar para trás.
  – O quê?! Está louca?! Claro que não! - sabia que ela ficaria histérica, eu estava apenas brincando, não iria lá, mesmo que o meu lado curioso morresse de vontade de saber por que as luzes de um antigo sanatório abandonado estavam acesas.
  Quando eu penso em provocar mais Lana o interfone toca, era o porteiro avisando que a nossa pizza havia chego.
  – A pizza chegou, vamos! - anunciei, voltando para sala. Lana me olhou meio incerta me fazendo revirar os olhos – Vem logo. - falo sem paciência, e enfim saímos, indo até o elevador.
  Não demorou muito para que chegássemos na portaria. Pagamos pela pizza e o refrigerante, e quando estava pronta para voltar, olho além do portão do edifício, vendo a rua totalmente deserta e coberta por uma camada de neblina. Era sinistro, mas nada que fosse anormal.
  Fizemos o mesmo caminho de volta, e quando o elevador abriu no nosso andar, começamos a caminhar pelo corredor novamente.
  – , você ouviu isso? - Lana pergunta, e paro de andar para olhá-la, que mais uma vez estava com medo.
  – Ouviu o quê, Alana? - reviro os olhos. Eu já estava começando a me irritar com isso.
  – Esse barulho de passos atrás da gente. - ela responde e olho em volta não vendo nada.
  – Não tem ninguém aqui, Lana, estamos sozinhas. - falo e volto a caminhar.
  – Por isso mesmo, estamos sozinhas. Então de quem eram os passos? - ela me olha assustada.
  – Deve ser do fantasma da cidade. - respondo sem paciência.
  Ela já estava ficando paranoica com isso.

***

  Comemos quase a pizza toda e agora estávamos mais do que satisfeitas. Amanhã teríamos que ir ao mercado, já que eu não queria comer porcarias todos os dias.
  – É melhor irmos dormir agora. Amanhã temos que ir ao mercado e procurar por algum emprego, afinal, as contas não se pagas sozinhas. - falo, pegando os pratos e copos e os levando até a cozinha. – Mas se tivermos sorte, talvez o fantasma as pague para nós. - debocho, ouvindo Lana bufar atrás de mim.
  – Você devia parar de brincar com essas coisas. - me viro encontrando uma Lana séria e de braços cruzados.
  – E você deveria parar de acreditar em historinhas para crianças. Isso não existe, Lana. - também a encaro séria. – Vamos dormir logo. - dou as costas para minha amiga e vou caminhando em passos calmos até meu quarto.
  Nos despedimos e cada uma foi para o seu quarto. Quando adentro o novo cômodo, vou até o banheiro para poder escovar meus dentes e fazer o resto de minhas higienes. Quando termino volto para o quarto, arrumando minha cama e logo deito nela.
  – Boa noite, Sr. fantasma. - falo debochadamente, antes de deitar minha cabeça no travesseiro e cair em um sono profundo e tranquilo.

Capítulo 2

  Desperto de meu sono quando sou invadida por um maravilhoso aroma de café que faz meu estômago dar sinal de vida.
  Esfrego meus olhos e me estico toda para acordar. Com um suspiro, me levanto da cama. Caminho no escuro à procura da janela e tropeço em algumas coisas até conseguir alcançá-la, rio comigo mesma e quando finalmente consigo abri-la, um vento forte e gelado me atinge e estremeço. Coloco meus braços ao redor de meu corpo na tentativa de me aquecer enquanto olho através da janela. Sou privilegiada com uma vista linda, mas me sinto um pouco desanimada por não conseguir ver a construção do sanatório daqui, pois tudo o que se pode ver é uma densa floresta que se estende sobre uma alta colina.
  Respiro fundo apreciando a vista e sorrio ao pensar onde estamos. Nosso apartamento. Ainda não consigo acreditar que chegamos até aqui, mas realmente precisamos encontrar um emprego, quem sabe hoje é o nosso dia de sorte.
  Pego um moletom mais quente sobre uma caixa de papelão aberta e o visto enquanto caminho para a cozinha, onde sou recebida com um sorriso de Lana.
  – Bom dia. - saúdo depois de passar minha cabeça pela gola apertada do moletom.
  – Bom dia, Bela Adormecida. - Lana brinca - Fiz café. - ela anuncia e eu bato palmas animada. Encho quase toda a xícara branca com o líquido preto e me sento ao seu lado no balcão.
  – Quais são os planos para hoje? - tomo um longo gole da bebida quente e me sinto aquecida de imediato.
  – Comprar mais café? - ela responde com uma pergunta e eu rio. - Não, sério, a gente precisa de mais café e de bolachinhas, aquelas em formato de coala, sabe? E um pouco de açúcar também. Nossa, a gente não tem quase nada aqui. - ela diz frustrada.
  – A gente pode sair para conhecer melhor a cidade e quem sabe procurar por vagas de emprego, e na volta para casa passamos no mercado, o que acha? - pergunto enquanto levo minha xícara até a pia, passo ela por baixo da água e deixo ao lado para secar.
  – Pode ser, vou me trocar. - minha amiga diz e some do meu campo de visão.
  Volto para o meu quarto e decido vestir algo mais quente, hoje o tempo não está dos melhores, então opto por jeans, blusa branca com mangas, minhas botas de cano curto e um casaco caramelo. Penso na possibilidade de levar um cachecol, mas desisto na hora em que Lana me chama.
  – Estou com fome, vamos! - pego uma bolsa, e dentro de minutos estamos caminhando pelo saguão do prédio.
  O simpático porteiro sorri e nos deseja bom dia quando passamos por ele, retribuo a gentileza e Lana desce até a garagem para pegar o carro. Atravesso a porta de vidro e me arrependo de não ter pego o cachecol, aqui fora está um gelo.
  Aperto o casaco em volta do meu corpo e atravesso o portão de grades de ferro, chegando à calçada. Desço os poucos degraus da entrada e vejo Margot vindo com um saco de papel nos braços.
  – Bom dia. - cumprimento.
  – Bom dia, menina. - ela sorri. - O que está fazendo aqui fora nesse frio? - a senhora pergunta enquanto ajeita o saco de papel em um de seus braços.
  – Vou conhecer melhor a cidade, fazer algumas compras e procurar um emprego. - respondo dando de ombros.
  – Emprego? - ela pergunta e eu assinto. – Sei de uma vaga na biblioteca da cidade, se você tiver interesse, é logo na rua principal. Procure por um rapaz muito simpático, não me recordo seu nome, mas ele tem olhos verdes e um sorriso acolhedor, ele irá te ajudar. - ela informa e faz menção de entrar no prédio, mas volta. – Você não vai sozinha, não é? - ela parece preocupada agora.
  – Não, Lana também vai. - avisto o carro preto de Lana dobrando a esquina.
  – Não me parece muito seguro duas jovens meninas como vocês andarem sozinhas por aí. - a encaro confusa.
  – Por quê? Nós só vamos ao centro. - respondo um pouco irritada por ouvir isso. O que pode haver demais na cidade?
  – Apenas tome cuidado e volte antes do escurecer. - ela aconselha e antes que eu poça argumentar, ela se vai.
  Entro no carro depois que Lana buzina impaciente, e ela logo acelera.
  – Croissants, aí vamos nós! - ela diz animada enquanto bate suas mãos no volante.

***

  Percebo que estamos chegando ao centro quando as casas começam a ser substituídas por pequenas lojas, e foi exatamente essas pequenas coisas que mais me encantaram em Hazelwood, casas simples, ruas estreitas, pequenas lojinhas que vendem de tudo, a floresta enorme e encantadora, e claro, Waverly Hills, o sanatório. Não vejo a hora de descobrir mais sobre esse lugar misterioso que todos parecem temer.
  Descemos do carro e optamos por um café menos lotado, já que temos muito pelo resto do dia. Fazemos nossos pedidos no balcão e logo uma simpática senhora vem até nossa mesa para entregá-los. Pergunto à ela o caminho para a biblioteca da cidade e ela me dá as coordenadas. É bem perto de onde estamos.
  Terminamos nosso café e seguimos o caminho que a senhora nos disse, chegando à biblioteca em minutos. Olho para a construção admirada com sua beleza e tamanho; quatro altas colunas em mármore claro sustentam o teto com várias gravuras em cinza escuro. Não consigo distinguir o que são, mas imagino que sejam esculturas de pessoas que fizeram parte da história da cidade.
  – ! - volto à realidade quando ouço Lana chamar meu nome. – Vamos entrar. - ela diz choramingando.
  Subo os poucos degraus da entrada e empurro a pesada porta de madeira escura, revelando o paraíso. Centenas de milhares de livros ocupam estantes que vão do chão ao teto, de lado a lado das paredes, formando inúmeros corredores, algumas mesas estão enfileiradas no centro do salão, dando um ar bem mais sério ao local.
  Deixo Lana admirando tudo e me dirijo para um balcão ao canto esquerdo onde se lê em uma placa "posso ajudar?" em letras douradas.
  – Com licença? - digo para um rapaz concentrado nos papéis em sua mão. Quando capto sua atenção, vejo que ele se encaixa nas descrições de Margot, jovem, de olhos verdes...
  – Posso ajudar, senhorita? - e aí está o sorrio encantador.
  – Ahm, sim. - digo um pouco atrapalhada devido a seu sorriso - Gostaria de saber sobre a vaga de emprego, tenho interesse. - ele me olha por alguns segundos antes de responder.
  – Ah, certo... Bom, ahm... Meu chefe não está aqui agora e bom... Não seria educado da minha parte te deixar esperando ou fazê-la voltar mais tarde então.... Ahm... Eu sou o Connor, prazer! - ele se atrapalha todo para falar e eu sorrio pelo jeito envergonhado que ele estende a mão para mim.
  – ! - o cumprimento e olho em volta à procura de Lana e a vejo perdida em seu próprio mundo enquanto passa o polegar nas capas dos livros.
  Connor sorri.
  – Bom, sobre a vaga... - ele clareia a garganta. –... você basicamente teria que recolocar os livros em seus devidos lugares e organizar os arquivos. - Connor diz e eu sorrio animada. Parece fácil, muito fácil. – Parece fácil, não é? - ele diz como se tivesse acabado de ler minha mente e, por alguns segundos, realmente penso que ele possa fazer isso, mas fala sério, ninguém consegue fazer isso, seria surreal, não é? – Bom, o trabalho é bem fácil na maioria das vezes, mas não conta para ninguém. - ele diz essa parte um pouco mais baixo, como se estivesse contando um segredo e o acho adorável por isso. – Mas espere até ver esse lugar na semana de provas finais. - o garoto de olhos verdes respira fundo. - É um caos! - Connor diz um pouco apavorado, me fazendo rir.
  Gostei dele.
  – Então nós podemos ficar com o emprego? - pergunto esperançosa.
  – Nós? - ele arqueia uma sobrancelha de maneira confusa.
  Cacete, esqueci da Lana.
  – Sim, nós! Eu e minha amiga Lana – rapidamente corro em direção à loira e a trago arrastada pelo braço, não ligando para seus protestos.
  – Ai, ! - ela reclama enquanto esfrega o antebraço, mas pára quando vê Connor a observando com um sorriso.
  – Connor, está é Alana. - ela acena envergonhada - Lana, este é Connor, o simpático rapaz de olhos verdes e sorriso acolhedor que vai nos dar um emprego. - brinco e Connor ri ficando levemente vermelho nas bochechas, logo percebendo a referência, e Lana parece confusa.
  – Margot? - ele pergunta mesmo já sabendo a resposta.
  – Sim, nós somos vizinhas. Ela quem te indicou. - sorrio para ele.
  Ele parece surpreso e envergonhado.
  – Sério? - ele pigarreia para disfarçar seu espanto. - Bom, se Margot indicou vocês, fico muito feliz em dizer que conseguiram a vaga. - ele anuncia e eu grito. Sim, eu gritei em uma biblioteca, recendo alguns "shh" em resposta e me desculpo silenciosamente.
  – Não acredito! - Lana me abraça fortemente e nós duas soltamos alguns gritinhos, mas desta vez mais silenciosos.
  – Olha, vocês ainda têm que preencher toda a papelada e talvez meu chefe me mate, mas eu realmente preciso de ajuda aqui e... - Connor começa a divagar, mas eu o interrompo:
  – Muito obrigada, Connor. - sorrio e ele cora.
  – Quando começamos? - Lana pergunta.
  – Amanhã? - ele meio que pergunta para si mesmo.
  – Amanhã? - eu pergunto para Lana.
  – Amanhã! - ela responde animada.
  – Amanhã, então! - Connor dá o veredit.o – Ahn, será que eu... Eu poderia pegar seu telefone? - Lana me olha quando a perguntada é lançada para mim. – Para vocês sabem... Manter contato? - Connor se embaralha com as palavras mais uma vez e Lana resmunga do meu lado algo que não consigo entender o que é.
  Passo meu número e o de Lana para ele e nos despedimos, mas antes que pudéssemos ir embora, pergunto para Connor onde fica o mercado mais próximo e ele não exagerou quando disse que ficava logo ali. O edifício realmente ficava apenas a um quarteirão de distância.

Capítulo 3

  Para minha surpresa, o mercado não era como eu imaginava. Eu também não esperava por algo gigante, já que sei o tipo de cidade pequena que Hazelwood é, mas também imaginava isso, já que na minha frente estava uma pequena construção antiga, mais parecida com uma lojinha de conveniências.
  Caminhamos até a porta de vidro, escutando um tilintar de sino soar pelo local assim que empurramos a mesma. Por dentro ela era bem maior do que apenas encarando de fora. Uma jovem senhora estava ao caixa com uma revista em mãos, ela não fez questão de erguer seu olhar e ver qual era o tipo de pessoa que entrava em sua loja. Bom, se ela não liga, eu também não vou ligar.
  Para minha sorte, mesmo sendo um mercado simples, encontramos tudo que precisávamos, por isso pegamos todas as coisas e fomos até o caixa para pagarmos por elas, e depois juntamos tudo e levamos até o porta-malas do carro, para enfim voltar para nosso apartamento.

***

  Algumas horas depois, Lana e eu estávamos paradas no meio da sala, apenas admirando nosso belo trabalho. Assim que chegamos abastecemos a cozinha com as compras e começamos uma grande revolução no apartamento, desempacotando todas as caixas e arrumando cada coisa em seu devido lugar.
  – Estou mais cansada do que ontem. - Lana resmunga, levando uma de suas mãos até as costas.
  – Acho melhor ir se acostumando. - me viro em sua direção lançando um olhar divertido. – Essa será nossa rotina de agora em diante. - minha amiga contorcer o rosto em uma careta, me fazendo rir.
  – Não ligo, estou feliz demais para isso. - ela sorri. – É tão bom saber que agora temos o nosso próprio espaço. - ela diz animada, enquanto encara ao redor com admiração nos olhos.
  – Sim, nós... - sou interrompida pelo barulho de meu celular vibrando em algum canto. Rapidamente procuro eles com os olhos o vendo vibrar em cima da mesinha de centro .– É uma mensagem do Connor. - falo, encarando o visor do aparelho de forma confusa.
  – Hum, do Connor, huh? - Lana diz divertida, me fazendo levantar meu olhar até ela, a vendo sorrir maliciosa, e em resposta eu apenas reviro os olhos. – O que ele mandou? - ela perguntou, vindo em minha direção e espreitando sobre meus ombros.
  – Ele quer saber se vamos para o trabalho amanhã mesmo. - falo, enquanto digito uma resposta para Connor.
  – Por que não chama ele para jantar aqui hoje? - levanto meu olhar até a loira. – Apenas para nos conhecermos melhor, afinal, ele vai ser nosso colega de trabalho. - ela arruma uma boa explicação e eu apenas dou de ombros.
  Fiz o convite e ele aceitou, passei nosso endereço e mais tarde Connor estaria aqui. Acho que vai ser bom, ele parece ser uma pessoa incrível e vai ser legal passar algum momento com alguém da nossa idade. Não que não gostamos da presença de Margaret e Margot, mas eu já estava ficando de saco cheio de toda essa besteira de lenda da cidade.
  – Ele vai vir. - aviso Lana, que sorri em resposta.
  – Acho que ele gostou de você. - ela me lança outro olhar malicioso.
  – Por favor, não comece. Nós acabamos de nos conhecer, então a menos que ele já me conheça de um passado do qual eu não lembre, isso seria impossível. - reviro os olhos de novo, e Lana desvia o olhar, parecendo um pouco apreensiva com o que eu disse.
  – É sério, ele ficou todo sem graça quando te viu. Muito fofo. - ela solta um falso suspiro, tentando se recompor.
  – Vamos tomar banho e depois fazer o jantar. - mudo se assunto tentando sair dessa situação chata.
  Lana é maluca, não acho que Connor tenha gostado de mim, pelo menos não da maneira que ela insinuou, só deve ter ficado sem jeito porque parece ser um garoto tímido, apenas isso. Até porque nós acabamos de nos conhecer, acho que seria meio impossível.

***

  Apenas algumas horas depois, eu já havia tomado meu banho e o jantar já estava quase pronto, apenas checava os detalhes finais e esperava pela chegada de Connor.
  – Meu Deus! Que cheiro delicioso, ! - Lana fala exasperada surgindo na cozinha. Logo se apressando e vindo em direção ao fogão. - Sua comida é a melhor. - apenas sorrio em resposta ao seu elogio.
  Havíamos dividido as tarefas. Eu fiquei com o jantar e ela encarregada da sobremesa, estamos tendo um trabalhão apenas para dar o nosso melhor ao nosso primeiro convidado de verdade. Eu até que estou um pouco animada com isso.
  Ignorando isso por ora, volto a mexer o conteúdo da panela, sentindo uma pequena quantidade de fumaça quente atingir meu rosto, o que me faz tombar a cabeça para o lado, na intenção de desviar disso.
  – Será que as luzes do sanatório estão acesas? - a pergunta repentina de Lana me fez olhá-la confusa. Eu realmente não entendo ela, uma hora está brigando comigo sobre todo esse assunto ser chato e no outro momento está me perguntando, mas sei como acabar com isso.
  – Não sei, vamos ver. - falo, na esperança de que ela me olhe assustada e mude de assunto, mas para minha surpresa ela toma a frente saindo da cozinha e indo até a sala, me fazendo apenas segui-la.
  Vamos até a janela, afastando a cortina para o lado, e me sinto cada vez mais surpresa por Lana querer ver isso; e um tanto confusa também. Procuro pelo enorme edifício, logo o localizando, grande do jeito que era seria muito difícil de não notá-lo, Lana se posiciona ao meu lado e eu a encaro tentando entender o que ela quer com tudo isso, mas seus olhos se arregalando não me deixam perguntar, e quando volto a procurar pela construção velha do sanatório, vejo que todas as luzes estão acesas, como se fosse mágica.
  – Isso foi estranho. - falo, ainda encarando a construção.
  Isso foi realmente estranho, até parecia que sabiam que estávamos olhando, bastou que Lana e eu procurássemos pelo sanatório para que o mesmo respondesse com suas luzes acesas. Estou começando a cogitar a hipótese de estar delirando junto com minha amiga, e que talvez todo esse papo de lenda esteja nos afetando de fato.
  O som da campainha soando pelo apartamento nos faz dar um pequeno pulo para trás, e nos encararmos assustadas por um segundo, mas depois a realidade volta e eu me acalmo.
  – Vou atender a porta. - Lana se voluntaria, indo em direção a mesma, enquanto eu tento esquecer o que aconteceu.
  – Eu vou ver com estão as coisas na cozinha. - volto em passos rápidos até a cozinha, ainda achando estranho o acontecido de segundos atrás, mas agora não é hora para isso.
  Verifico o frango xadrez, vendo que estava pronto, depois olho a panela do lado, consequentemente sinto o delicioso aroma do espaguete. Vendo que tudo estava pronto, desligo as bocas do fogão e tapo todas as panelas, para poder ir até a sala e receber o convidado da noite, e quando faço isso, me deparando com um Connor extremamente adorável, ele usava uma blusa de mangas compridas da cor cinza, calça jeans de lavagem clara e tênis. Estava simples, mas muito bonito.
  Vou em sua direção com um sorriso no rosto, recebendo outro maior em resposta.
  – Essa é a segunda vez que nos vemos hoje, acho que podemos nos tornar bons amigos de trabalho. - falo divertida, tentando ser descontraída e fazer com que ele se sinta à vontade.
  – Acho que sim. - Connor dá um sorriso tímido. – Obrigado, pelo convite. - assim que agradece seu rosto ganha um pequeno tom avermelhado.
  – Não agradeça a mim, a ideia foi da Lana. - aponto para minha amiga, e assim que o faço, noto um pequeno desapontamento no rosto de Connor, o que me deixa confusa, mas prefiro manter apenas para mim.
  – Vamos jantar? - Lana pergunta de supetão quando todos ficamos em silêncio, nos fazendo ir até a cozinha e preparar a mesa com todos os utensílios para que possamos ter um ótimo e agravável jantar.

***

  – Espero que tenha gostado, dei o meu melhor no jantar. - falo para Connor assim que terminamos de comer.
  – Estava ótimo, você cozinha muito bem. - ele elogia, me fazendo dar um grande sorriso.
  – Agora é a minha vez, também quero um elogio. - Lana brinca, enquanto vai até a geladeira retirando de lá um lindo e aparentemente saboroso triple berry cake.
  Enquanto ela ajeita sobre a mesa seu bolo, me levanto e vou até o armário atrás de pratos limpos, depois entrego um para cada e por fim nos servimos com uma fatia do bolo.
  – Hmm!!! Isso está maravilhoso! - comento com a boca cheia de bolo.
  – Está mesmo. - Connor também comenta, deixando Lana satisfeita.
  Comemos mais alguns pedaços, até que algo me veio em mente, o Waverly Hills. Eu não sei motivo especifico, mas depois de todo esse estresse que passamos por conta disso eu gostaria de saber a opinião de outra pessoa sobre essa suposta lenda, assim poderíamos acabar com isso de uma vez, e bom, Connor trabalha em uma biblioteca, se essa lenda tiver mesmo algum fundo de verdade, ele provavelmente deve saber sobre.
  – Connor, você mora quanto tempo aqui? - começo com uma pergunta simples, para poder introduzir esse assunto.
  – Moro aqui desde que nasci. - ele responde.
  – Então você deve conhecer todas as antigas histórias da cidade... - começo a falar e faço uma pequena pausa. – Do sanatório Waverly Hills, por exemplo. - ele franze o cenho por um momento, mas acaba assentindo.
  – Esse assunto de novo?! - Lana pergunta, tentando parecer irritada, mas a sua voz não transparece isso, talvez ela queira saber disso tanto quanto eu.
  – O que aconteceu lá? - pergunto, e apoio os meus cotovelos sobre a mesa, mas antes que Connor responda alguma coisa, vejo Connor e Lana trocarem um olhar totalmente estranho, como se compartilhassem algo que eu não sei.
  – Não sei muita coisa sobre isso, mas... - ele começa e faz um apequena faz uma pausa, apertando os olhos, como se quisesse lembrar de algo. - O que ouvi a respeito disso é que o Waverly Hills foi construído para abrigar pessoas com tuberculose. Naquela época teve um surto muito grande de pessoas com a doença, a maioria acabou morrendo no sanatório e o restante acabou se matando, mas o estranho mesmo, era que ninguém encontrava os corpos dessas pessoas, nem mesmo os familiares quando iam atrás para fazer um enterro ou coisa do tipo. - ele finaliza sua explicação.
  – Mas só para pessoas com tuberculose? - pergunto, ainda mais curiosa sobre isso.
  – Na verdade, dizem que essa história de tuberculose era verdadeira apenas no começo, mas que depois de algum tempo foi usada para encobrir o que realmente acontecia lá dentro. - quando Connor disse isso,  senti uma pequena movimentação embaixo da mesa, como se alguém tivesse chutado algo.
  – Curioso o fato de ninguém saber o que aconteceu com os corpos. - comento, tentando ignorar o comportamento estranho de Connor e Lana.
  – Vamos parar com essa conversa! Connor vem jantar aqui e você fica importunando ele com essa idiotice de sanatório. - Lana tenta bruscamente mudar de assunto, me deixando confusa pela forma que ela vem agindo durante o dia.
  – Idiotice, mas até pouco tempo atrás você queria saber o porquê das luzes de lá estarem acesas. - rebato debochadamente, não entendo suas mudanças de humor em relação a isso.
  – Meninas... - Connor tenta falar, mas Lana interrompe ele:
  – Mas agora isso já deu, ok? - ela fecha a cara.
  – Meninas, eu...
  – Por favor, sem drama. Apenas para de agir com se a cada segundo você fosse uma pessoa diferente. - reviro os olhos não acreditando que nossa primeira briga aqui seria por uma coisa tão besta.
  – Meninas...
  – O que foi, Connor?! - um pouco exaltadas pelo estresse, perguntamos juntas para Connor fica vermelho no mesmo instante.
  – Me desculpe por isso. - começo, meio sem jeito. – Não era bem isso que a gente havia planejado quando te convidamos. - tento arrumar uma explicação descente para o rumo que nossa conversa tomou.
  – Sim, nos desculpe. - Lana também se desculpa, mesmo que eu perceba que suas palavras soem falsas. Afinal, o que deu nela? Desde que chegamos nesse lugar ela está estranha.
  – Não se preocupem. - Connor diz suavemente, tentando amantizar o clima, e no final apenas ficamos em um silêncio horrível até ele anunciar que precisava ir embora.
  Por fim o levamos até a porta e nos despedimos de Connor, que disse estar ansioso para o nosso primeiro dia juntos na biblioteca. E assim que o mesmo vai embora, sou surpreendida pelas palavras de Lana:
  – Me desculpe, eu não devia ter sido tão dramática. - minha amiga se vira para mim com arrependimento.
  Olho em sua direção a vendo suspirar cansada.
  – Tudo bem, eu apenas tenho que parar com toda essa chatice. - dou um fraco sorriso tentando amenizar tudo.
  Depois disso seguimos para o corredor e cada uma foi para o seu quarto. Quando atravesso porta adentro, logo procuro pelo meu pijama, rapidamente trocando minhas roupas por ele, e depois indo até minha cama e me deitando, mas sem o intuito de dormir. Eu sei que havia dito para Lana que devia parar com isso, mas algo sobre aquele antigo sanatório e toda essa lenda mal contada despertava minha curiosidade.
  Quando dou por mim, já estava caminhando pelo corredor outra vez em passos silenciosos e indo até a sala, depois caminhando até a janela e afastando a cortina para procurar pelo sanatório, e mais uma vez, assim que meus olhos se encontraram a enorme construção, as luzes são acesas. Dou um pequeno passo para trás em resposta, mas logo volto a me aproximar da janela, arrastando o vidro para o lado e colocando a cabeça e braços para fora da mesmo, deixo meus braços apoiados contra o batente da janela, sentindo o vento me atingir fazendo com que meus cabelos voassem em diversas direções.
  Waverly Hills, o antigo sanatório supostamente abandonado que acende suas luzes durante a noite, e que tem uma lenda que ninguém sabe explicar, o lugar onde foi marcado por muitas mortes, mas nenhum corpo encontrado, o local assombrado por alguma coisa, mas o quê?
  Por mais que eu queira esquecer isso, alguma coisa dentro de mim não deixava, era como uma conexão que no fundo eu não sabia se era para acabar com toda essa história de lenda ou para saber o que habitava nas paredes daquele lugar. Eu tinha que saber a verdade sobre o sanatório, e tentarei isso amanhã quando for trabalhar na biblioteca. Quando surgir a oportunidade certa e eu estiver sozinha, não vou pensar duas vezes antes de procurar algum artigo, notícia ou até mesmo algum jornal antigo da época que falasse sobre esse assunto. Eu não sei o que se passa nesse sanatório e nessa cidade, mas uma coisa é certa, eu vou descobrir.
  Coloco meu rosto e braços para dentro da sala novamente e fecho a janela, seguro a ponta da cortina pronta para arrastá-la, mas não sem antes dar uma última olhada no sanatório vendo as luzes se apagarem juntamente com minhas ações. Isso era muito estranho, quando eu chego a luzes se acendem e quando eu saio, elas se apagam.
  Ignorando isso pelo menos por hoje, arrasto a cortina e me viro pronta para voltar para o meu quarto. Caminho pelo corredor escuro, mas tenho a sensação de algo passando atrás de mim, e por isso olho por cima dos ombros, não encontrando nada além da escuridão.
  Eu apenas preciso deixar isso para amanhã.

***

  Acordo antes do despertador tocar, logo levantando e pegando o necessário para poder tomar um banho rápido antes de sairmos para a biblioteca. Tenho que admitir que estou muito ansiosa para meu primeiro dia no emprego novo, e o fato de estar o dia todo rodeada por livros e poder falar sobre eles com outras pessoas é incrível, realmente não vejo a hora. Também quero procurar mais informações sobre Warvely Hills hoje, espero que consiga.
  Deslizo o pijama pelo meu corpo e entro na água morna, me sentindo mais relaxada. Fico mais tempo que o necessário no banho, saindo apenas quando ouço Lana resmungar algo sobre eu acabar atrasando a gente. Me seco e visto uma roupa casual, mas arrumada, levando em conta que não temos um uniforme de trabalho. Saio do banheiro e vou para a cozinha com o intuito de fazer algo para comermos, acabando por preparar apenas algumas panquecas, e enquanto deixo a máquina de café trabalhando, resolvo dar uma olhada no sanatório. Abro as cortinas e olho para o prédio distante, tudo parece estar normal e olhando assim, ninguém poderia dizer que esse lugar alguma vez foi palco das atrocidades que todos com quem já conversei disseram. E é exatamente isso que me intriga, ninguém sabe ao certo o que ocorreu no local, ou sabem, mas não falam. O que pode ter acontecido de tão horrível para que tenham tanto medo de tocar no assunto?
  – As panquecas vão esfriar, . - a voz de Lana me traz de volta ao mundo real e me sinto estúpida por não ter percebido ela entrar no mesmo cômodo que eu.
  Me sento no lugar à sua frente na bancada e permaneço em silêncio durante toda a refeição, não conseguindo pensar em mais nada a não ser o sanatório.

***

  Descemos no saguão e o simpático porteiro, que vim a descobrir que se chamava Harvey, nos cumprimenta. Depois caminhamos em direção ao centro em silêncio, e me sinto na obrigação de preencher o vazio entre a gente, mas não quero aborrecê-la com mais "papo sanatório", então simplesmente respeito seu silêncio e permanecemos caladas por todo o caminho.
  Cumprimentamos Connor assim que chegamos, e ele logo distribui várias tarefas para realizarmos durante o dia. Vou até a fileira de clássicos com um carrinho cheio de livros empilhados e organizo títulos como "Orgulho e Preconceito" e "Romeu e Julieta" de volta nas prateleiras.
  Me dirijo à sessão de terror e fico espantada com a quantidade de exemplares sobre esse assunto, e sei que vou passar muito tempo por aqui, visto que esse é meu gênero favorito. Me abaixo para pegar mais livros e quando volto na minha posição original, vejo, por entre frestas de livros tombados, Connor na fileira seguinte conversando com Lana, eles parecem ter algum tipo de conversa séria e por isso resolvo não atrapalhar.
  Reorganizo livros e mais livros em seus devidos lugares e isso é basicamente o que faço durante todo o dia, apenas parando algumas vezes para dar informações sobre onde achar tais autores ou tais títulos. E ao final do expediente nos encontramos perto da mesa onde Connor trabalha, e vejo Lana apenas pela segunda vez que entramos aqui. Quero acreditar que não nos encontramos apenas pela biblioteca ser gigantesca e não pelo fato dela estar chateada comigo devido ao jantar da noite passada.
  – Vocês foram fantásticas hoje, meninas. - Connor elogia quando nosso horário termina, talvez desejando não ter dito isso em voz alta, já que ele se encolhe no lugar.
  – Obrigada, Connor, você é muito gentil. - tento deixar a situação melhor para ele.
  – Obrigada. - Lana diz rapidamente.
  Connor apaga algumas luzes mais para o fundo da biblioteca e se despede de nós antes de se dirigir para uma das várias prateleiras, dizendo que tem mais algum trabalho pra terminar.

***

  Assim que saímos da biblioteca, fomos recebidas por uma agradável noite. O céu estava bem estrelado com uma lua brilhante o destacando. Olho para Lana, que parecia perdida olhando para o enorme número de estrelas que rasgavam o céu.
  – A cidade fica adorável à noite. - comento, olhando a estreita rua de pedra com alguns postes iluminando o caminho, assim como as inúmeras casinhas enfeitadas com algumas lamparinas.
  – Sim, aqui é realmente bem acolhedor. - ela concorda, mas não vejo verdade em sua fala.
  Algumas pessoas transitavam por aqui, outras andavam de bicicleta e por fim, haviam alguns poucos carros pelas ruas. Continuamos nosso caminho cumprimentando algumas pessoas que passavam e nos acenavam educadamente. Hazelwood foi definitivamente uma ótima escolha. Era uma cidade bem tranquila ao contrário do que diziam, as pessoas eram muito simpáticas e sempre estavam de bom humor, era como se ajudar ao próximo fosse um dever aqui. Todos parecem querer ajudar alguém e com nós não foi muito diferente, Margot, Margaret, o porteiro simpático e Connor são exemplos disso.
  Atravessamos o pequeno vilarejo de casas, logo avistando a floresta da cidade. Para fazer o caminho de volta para casa, tínhamos que passar em frente a floresta que eventualmente leva até o sanatório Waverly Hills.
  Uma densa neblina parecia sair da floresta e o ar mudou drasticamente, era como se estive mais carregado. Percebi Lana ficar um pouco mais rígida ao meu lado. Eu sabia que ela tinha medo e não gostava da ideia de ter que passar por este caminho todos os dias, mas a ideia de usar um carro e gastar tanta gasolina não era muito inteligente.
  A essa altura já passávamos em frente à extensa e larga floresta, e diminuo o ritmo dos meus passos para que pudesse analisá-la melhor, encaro ao longe a neblina tomar conta da floresta que era iluminada apenas pela luz da lua. As árvores chegavam a ser monstruosas de tão grandes que eram, mas não me deixei intimidar por isso, pelo contrário, isso só fez uma enorme curiosidade despertar em mim. Eu precisava saber o que se passava entre essas enormes árvores que no final me levariam até Waverly Hills.
  – O que está olhando? Anda, ! Vamos embora. - olhei para Lana a vendo um pouco aflita, mas andando em passos lentos, contradizendo sua fala.
  – Eu estava pensando...
  – Não! - ela me interrompe: – Eu sei o que você está pensando e a resposta é não. - ela para de andar.
  – Por favor! - junto as mãos e faço minha melhor cara.
  – É melhor irmos embora. - Lana cruza os braços.
  – Se você for lá comigo e a gente não achar nada, eu juro que nunca mais falo sobre o sanatório. Eu só quero acabar com toda essa história de uma vez. - falo, apontando para construção atrás de mim que podia ser vista daqui.
  Lana olhou da construção para mim soltando um suspiro, ela parece pensar um pouco antes de responder.
  – É sério isso? - ela pergunta com tédio.
   – Sim! - respondo firme.
  – Vamos acabar com isso de uma vez. - e outra vez me surpreendendo. Ela toma a frente e vai em direção à entrada da floresta, e eu nem sequer tive muito trabalho para convencê-la, o que eu acabo achando estranho.
  Entramos na floresta e depois de caminhar por alguns minutos, tudo o que podíamos ouvir era o som que nossos pés faziam sob o solo de terra batida. O silêncio era quase absoluto, e devido à luz da lua, o mais inofensivo galho projetava sombras enormes que pareciam nos seguir para onde quer que fôssemos.
  – ? - Lana pergunta com certa urgência. – Você ouviu isso? - ela soa amedrontada, mas quando olho em volta, apenas encontro árvores e mais árvores.
  – Nós estamos sozinhas, Lana. Fique tranquila. - sorrio na intenção de acalmá-la.
  Subimos o que antes era uma escada de pedra e ficamos a poucos metros da lateral do prédio mais temido dessa cidade, e estamos prestes a descobrir o porquê.
  – O que é isso? - escuto a voz de Lana pergunta outra vez, e olho em sua direção a vendo um pouco mais afastada.
  Acabo indo até onde minha amiga está.
  – Acho que é um túnel – falo em dúvida, enquanto analiso o grande buraco escuro à minha frente, onde havia uma pequena escadinha e ao lado uma rampa.
  Dou alguns passos, mas sinto Lana agarrar meu braço.
  – Não vamos por aí, é perigoso. Acredite em mim, esse é o último lugar que você quer ir. - ela fala séria, e dá um riso sem humor.
  – Mas... - tento contra argumentar sua estranha fala.
  – Mas nada, eu já não estou afim de entrar nesse lugar agora. - a loira me puxa para longe do túnel. – Ou vamos pela frente ou não vamos. - ela finaliza e eu bufo irritada, puxando meu braço para mim e caminhando ao seu lado.
  Continuamos subindo a grande colina, até que finalmente chegamos em frente ao famoso sanatório assombrado, Waverly Hills.

Capítulo 4

Sugestão: escutem a música sugerida na mídia junto a leitura do capítulo abaixo.
Música


  Ele parecia dez vezes maior agora do que olhando da janela do apartamento, sua pintura vermelha e branca já era gasta, mas mesmo assim a parte de fora estava em sua mais perfeita conservação.
  – ... eu vi alguém na janela do terceiro andar. - olho para o lado vendo Lana estreitar os olhos.
  – Vamos entrar. - ignoro seu comentário e começo a andar até a entrada do sanatório.
  Passamos por pilastras brancas e fomos até a grande porta de madeira. Olho uma última vez para Lana, mas ela não estava tão nervosa quanto eu achei que estaria, na verdade parecia mais calma do que eu.
  Respiro fundo e começo a empurrar a porta que para minha sorte não estava trancada. Quando finalmente já tinha empurrado o suficiente para criar uma abertura, olho para dentro vendo apenas escuridão.
  – Está vendo alguma coisa? - Lana pergunta enquanto tenta olhar por cima dos meus ombros.
  – Não dá para enxergar. - respondo sem olhá-la, apenas tentando ver algo do lado de dentro. – Vamos ligar a lanterna do celular - sugiro, e assim fazemos, pegamos nossos celulares e logo as lanternas estavam fazendo um bom trabalho. – Vem! - por último sussurrei, e finalmente começamos a entrar.
  – Por que está sussurrando? - Lana sussurra de volta.
  – Eu não sei - sussurrei outra vez. – Eu não sei - repito minha resposta mas dessa vez usando meu tom de voz normal. Acho que por tudo estar escuro aqui dentro e eu não conhecer o lugar, acabei sussurrando, como se estivesse entrando em um lugar que não era meu, o que de fato é verdade.
  Solto a porta na esperança de que Lana a segure e encoste a mesma, mas o que escuto é um alto estrondo da porta batendo.
  – Era pra você ter segurado a porta. - repreendo a mesma, que dá de ombros.
  – Vamos logo! - ela me ignora antes de começar a caminhar, e eu acabo por apenas a seguir. E não demora muito para darmos em uma recepção velha; notando que não havia muitas coisas por aqui, apenas passamos por ela.
  Quando saímos da recepção, nos deparamos com uma bifurcação, dou uma rápida iluminada com a lanterna do celular, vendo que uma das entradas era para algum tipo de sala de espera, e a outra entrada era para um enorme corredor mais escuro.
  – Você vai escolher essa entrada, certo?! - Lana pergunta enquanto estreita os olhos para mim. E ela estava mesmo certa, já que eu acabo entrando no corredor.
  Caminhando pelo enorme corredor escuro, tentávamos iluminar tudo ao mesmo tempo. Mas a única coisa que víamos era a pintura descascada e as paredes velhas. Também haviam muitas entradas sem portas, apenas espaços abertos.
  Atravessamos o enorme corredor e viramos à esquerda dando de cara com uma escadaria.
  – Vem! - chamo Lana, já subindo os degraus com pressa.
  – , é melhor esperar. Não me deixe sozinha. - minha amiga resmunga atrás de mim.
  – Tá. - respondo mas continuo subindo até chegar no topo da escada.
  – , estou falando sério. - a voz de Lana se torna mais severa, como um aviso.
  Ela vem agindo dessa forma estranha desde que Margot e Magaret nos contaram sobre o Waverly Hills. Fica com essas expressões e avisos, como se soubesse de algo.
  – Eu entendi. - respondo seriamente, e ela revira os olhos. – Para de ser chata – falo já de saco cheio.
  – Chata? - ela dá uma risada sem humor. – Eu entrei na porcaria de um sanatório abandonado só porque você me pediu, e eu ainda sou chata? - ela me olha totalmente incrédula.
  – Sim. Sua atitude já está me dando nos nervos. - falo a verdade e ela nega com a cabeça.
  – Quer saber, que se foda sozinha aqui. Eu vou embora. - ela diz com sua voz carregada e passa por mim, mas logo para encarando em volta. – Que parte do sanatório é essa? - agora sou em quem olha em volta vendo que estávamos em um corredor totalmente diferente, talvez tenhamos começado a andar durante nossa pequena discussão e nem percebemos.
  – Não sei – dou de ombros, ainda irritada com ela.
  Lana dá uma risada sem humor.
  – Eu encontro a saída. - e falando isso ela some em meio a escuridão, indo embora.
  – Vá com Deus, ou melhor, com a assombração que mora aqui. - respondo mesmo que seja algo idiota. E se Lana ainda estivesse aqui, com certeza me xingaria
  Respirei fundo antes de continuar minha caminhada pelo sanatório, tentando esquecer Lana, já que não posso deixar as atitudes estranhas dela me atrapalharem, eu preciso acabar com isso.
  Volto a caminhar em meio a escuridão, mas não acho absolutamente nada a não ser por coisas velhas e quebradas, e isso me faz questionar quem seria que acendia as luzes desse lugar? Ele parece meio vazio.
  – Preciso encontrar alguma coisa. - falo para mim mesma com um último pingo de esperança.
  Passo por mais um corredor vazio. Nada.
  – Qualquer coisa. - falo já um pouco frustrada.
  Subo outra escadaria.
  Dou de cara em outro corredor, mas este é inteiramente composto de janelas, ou melhor, o que um dia foram janelas, mas que hoje são apenas grandes aberturas na parede de pintura descascada, e por um momento me encanto com a vista daqui de cima, e penso que qualquer um que uma vez já esteve nesse lugar nos tempos que ele ainda funcionava, deveria ter esse corredor como uma de suas válvulas de escape.
  A vista é realmente fascinante, e por se localizar sobre uma colina, o sanatório é mais alto do que a maioria das coisas da cidade, fazendo com que se possa ter a visão de toda pequena Hazelwood. E me pego procurando pelo meu apartamento, talvez o encontrando eu consiga saber exatamente o local onde as luzes acendem e apagam misteriosamente, e talvez esse seja um bom ponto de partida.
  Me aproximo mais do parapeito da grande abertura, mas um barulho à minha direita capta minha atenção antes que pudesse localizar meu prédio. Aponto minha lanterna para a direção do barulho, mas não encontro nada, Lana deve estar longe já, então, o que poderá ser?
  Com cuidado começo a me aproximar de onde o barulho veio, e resmungo frustrada por mais uma vez cair em um corredor como qualquer outro que já passei. Resolvo voltar para o corredor das janelas já que foi de lá que eu vim, mas usei o corredor da direita ou o da esquerda para chegar até aqui?
  Encaro a bifurcação à minha frente e opto pelo corredor da esquerda, passo por vários cômodos vazios e começo a ter a sensação de já ter passado por esse mesmo lugar mais de uma vez. Paro no meio do corredor e olho para os dois lados. Nada. Absolutamente nada. Nenhum som ou sinal de alguém. Quem me dera ter encontrado alguém, assim poderia provar para Lana que quem acende as luzes é apenas algum morador de rua ou arruaceiro que usa o lugar para suas pichações, e não alguma assombração maligna que se esconde nas sombras para puxar seu pé de noite.
  Rio sem humor com a ideia idiota, e meu riso ecoa pelo corredor vazio, me fazendo repetir o som uma e outra vez, faço vários sons e, conforme vou passando pelos corredores, eles adquirem sons diferentes, como pessoas falando ao mesmo tempo. A intensidade da luz que sai da lanterna do meu celular diminui, me obrigando a parar, olho para o visor do celular e o símbolo de bateria fraca pisca.
  Droga! Não tenho muito tempo aqui, tenho que achar a saída antes que eu fique sem bateria.
  Começo a olhar em todas as direções procurando por uma saída, antes que a luz da lanterna se apague de vez. Tento lembrar do caminho que fiz até chegar aqui para poder refazê-lo. Me viro e tento voltar o caminho em passos rápidos, mas um chiado estranho me faz parar, era algo baixo que foi se intensificando até que o som ficasse nítido, me dando a impressão de ser um conjunto de vozes falando ao mesmo tempo.
  – Mas que merda é essa? - pergunto para mim mesma.
  "Você não deveria ter vindo aqui."
  "Corra, antes que ele te pegue."
  "Ela está perdida."
  Consigo identificar algumas frases em meio aquele enorme chiado de vozes e, para piorar minha situação, a lanterna do meu celular apaga de vez, me fazendo imergir em total escuridão.
  "Corra garota estúpida, ele está vindo."
  Uma voz fina e infantil ecoa sozinha quando o chiado para, e logo ao finalizar sua fala, passos pesados são ouvidos pelo corredor que eu estava. Olho para frente tentando enxergar alguma saída, mas apenas a escuridão era minha única companhia. Os passos começaram a ganhar mais força e agora vinham correndo, e por isso sem pensar duas vezes, saio correndo pelo corredor, mesmo que não enxergasse absolutamente nada. Eu realmente queria descobrir o que havia aqui, mas de alguma forma ficou estranho, então é melhor que eu me esconda e descubra o que é isso.
  Continuo correndo, já sentindo meus pulmões em brasas, na esperança de achar algum lugar. Solto um grito de surpresa assim que os passos pareceram me alcançar.
  Silêncio. Novamente o corredor fica em silêncio, mas isso não me impedia de continuar a correr em uma direção qualquer em busca de uma saída. Acabei entrando em uma das inúmeras portas, dando de cara com uma sala com duas entradas. Uma pela qual eu passei e a outra que dava acesso por onde eu ainda não havia ido.
  Um brilho estranho a baixo de mim me chama a atenção, e quando olho para baixo vejo que a lanterna do meu celular está ligada. Franzo o cenho e verifico ele, vendo que agora a bateria estava totalmente carregada.
  – Mas o quê? Como isso aconteceu? - pergunto totalmente confusa.
  Enquanto eu prestava atenção no celular sinto uma forte corrente de vento passar por mim, ergo meu olhar apontando a lanterna para frente e não encontrando nada a não ser por uma parede gasta e uma velha televisão sobre algum suporte de madeira. Clareio o cômodo, encontrando uma enferrujada cama de molas com uma camisa de forças sobre ela. Com certeza algum quarto de paciente.
  Novamente senti uma forte corrente de vento, só que agora atrás de mim, me virei abruptamente não vendo nada.
  Suspiro cansada.
  – Relaxa , deve ser só alguma corrente de ar que entrou. - falo para mim mesma na tentativa de me acalmar. O que durou poucos segundos já que o barulho de alguém respirando pesadamente era ouvido atrás de mim, e com ele um ar quente que me acertava na nuca.
  Meu corpo inteiro se arrepiou de forma involuntária, me fazendo fechar os olhos e as mãos de maneira forte.
  – Calma. Calma. - começo a repetir como se fosse algum tipo de mantra, na falha tentativa de afastar o que quer que seja, mas a respiração fica mais alta.
  "Você sabe que é real, ."
  "Fuja."
  "Ele vai te pegar outra vez."
  Aquele chiado de vozes volta a repetir frases, me fazendo fraquejar por um segundo. E de maneira lenta vou virando meu corpo, ainda com os olhos fechados. E quando eu fico de frente para a suposta respiração alta, um por um eu abro meus olhos, não encontrando nada, e me fazendo soltar um suspiro aliviado.
  É a minha imaginação, só pode ser ela, não tem outra explicação. Eu provavelmente deixei que o drama de todos me afetasse agora, com todo aquele papo de assombração.
  Deixo que meu corpo relaxar por um instante. É melhor eu sair daqui logo.
  Viro meu corpo para a outra direção a fim de ir por outro caminho e ver se achava a saída, mas o que eu encontro me faz estremecer no lugar e paralisar sem acreditar.
  Parado a centímetros de mim, estava um homem. Ele era alto, muito mais alto do que eu, seus cabelos caiam em cachos indo até seus ombros, mas o que me fez arrepiar foi o seu rosto; seus olhos eram duas órbitas negras, e embaixo deles olheiras extremamente vermelhas davam um contraste horripilante, assim como as inúmeras veias pretas saltando sobre as olheiras.
  Meu corpo inteiro entrou em estado de alerta, e eu não conseguia me mexer. O pânico tomava conta de cada célula do meu corpo, e minha respiração se tornou algo irregular. Eu nunca havia me sentindo assim antes, era uma sensação estranha e ruim que pairava sobre esse lugar assim que esse homem apareceu.
  Então era isso? Eu simplesmente iria ficar aqui parada vendo essa coisa que eu ainda não sabia o que era, fazer algo comigo?
  Um sorriso surgiu em seu rosto demoníaco, mas não era um sorriso gentil igual à que Connor costumava me dar, mas sim um sorriso doentio e maligno que passada uma sensação pesada. Um grito de pavor rasgou minha garganta automaticamente, e em poucos segundos já me encontrava correndo novamente. A droga da lanterna desligou mais uma vez e só o barulho de seus passos correndo atrás de mim eram nítidos.
  A essa altura o suor já rolava por todo meu rosto. Olhei algumas vezes para trás vendo se ele vinha atrás de mim, mas eu não conseguia enxergar nada além do escuro, por isso volto a olhar para frente e avisto a escadaria que subi, e em passos rápidos desço ela correndo, quase caindo no final por não conseguir ver nada.
  Seus passos alcançaram a escadaria, e meu corpo se torna mais rígido. Sem parar de correr olhei para trás a procura dele, mas outra vez nada. A única coisa que consegui foi sentir meu corpo se chocando contra alguma coisa que me levou para o chão no mesmo instante. Coloco minha mão até a parte de trás da minha cabeça, que havia batido contra o chão na queda. Rapidamente me sentei, já pronta para correr de novo caso fosse necessário.
  – Lana?! - pergunto um pouco alto assim que vi seu corpo se levantar também. Sem pensar muito ela veio até mim. – Você não tinha ido embora? - pergunto confusa, me esquecendo por um segundo aquele homem que estava atrás de mim.
  – E-Eu tentei – ela faz uma pausa, e respira fundo antes de continuar. – Eu tentei, mas não achava a saída. Então vozes... - fechou os olhos e levou as mãos até a cabeça. – Muitas vozes, aquelas malditas vozes. - ela fala com misto de pavor e irritação.
  – Me desculpe, agora eu entendo o que você queria dizer. - digo, a olhando um pouco arrependia. – Mas precisamos sair daqui logo, antes que ele nos ache. - falo e ela me olha confusa por um segundo, mas apenas assente, ela sabe que agora não é o melhor momento para conversar.
  Encaro nossos celulares caídos no chão com as lanternas para cima devido à queda, e quando noto o que eles iluminavam me encontro duvidando de tudo o que acreditei até hoje. Dezenas de pares de olhos negros formavam um círculo ao nosso redor enquanto nos encaravam na escuridão. Não haviam rostos, ou simplesmente não se dava para ver, mas já era suficiente para fazer com que eu entrasse em pânico.
  Como isso pode ser real? Eu achei que podia ser apenas um cara louco que vivia aqui e atacava todos que entrassem, mas como explicar o que eu vejo agora?
  Repetia isso mentalmente para mim mesma na intenção de me acalmar, e fazer com que tudo em minha volta sumisse e eu acordasse em meu apartamento segura em baixo dos cobertores, mas quando ouvi o grito estridente de Lana, sabia que isso era real e não importa quantas vezes eu tentasse me convencer do contrário, estava realmente acontecendo e eu não podia fazer nada para reverter a situação, a não ser correr o mais rápido que minhas pernas conseguissem alcançar e o mais longe que meus pulmões suportassem. E foi exatamente o que eu fiz.
  Agarrei o braço de Lana e a puxei comigo com a maior força que eu poderia encontrar. Nos levantei em um ápice e foquei em um só ponto onde poderíamos sair, e corri até ele. Esperei o baque devido ao encontro dos nossos corpos com as criaturas que nos cercavam, mas esse impacto nunca veio, apenas uma brisa gelada atravessou meu corpo como uma faca rasgando todo o meu interior de fora para dentro. Suas vozes aterrorizantes não paravam de repetir várias frases de uma vez só, fazendo com que fosse impossível pensar claramente no que eu estava fazendo, restando apenas o instinto me guiava para fora dali o mais rápido possível.
  Saí de dentro daquele lugar arrastando Lana e me vi no topo da escadaria principal, desci correndo pulando os degraus de dois em dois e quando olhei para trás, sombras negras se misturavam com a escuridão da noite logo atrás de nós, podendo apenas ser vistas devido à luz da lua. Passamos pelo pátio central até chegar a um ponto que não tinha mais saída a não ser o túnel que avistamos quando chegamos aqui, e mesmo sem saber onde ele daria ou até mesmo se ele tinha um fim, acreditei que ele era a nossa única e última chance de sobrevivência e puxei Lana até sua entrada. Ela recua meu toque quando eu entro na total escuridão do túnel fechado e malcheiroso.
  – LANA, RÁPIDO! - faço gestos para que me siga, mas ela parece estar em algum estado de pânico, não saindo do lugar não importando quantas vezes eu a chamasse pelo nome e nesse momento eu vi que não teríamos mais chances.
  Minha vida acabaria aqui. Nesse lugar. Eu veria minha melhor amiga ser morta de algum jeito cruel e doloroso bem na minha frente por criaturas que nem sei ao certo o que são. E a próxima seria eu e tudo acabaria. Perguntas ficariam sem respostas e nós nos tornaríamos mais uma prova de que esse lugar é perigoso. Contariam nossa história para cada pessoa que ousasse perguntar sobre Waverly Hills e seríamos as pessoas que estavam no lugar errado na hora errada. Mas algo dentro de mim não queria desistir tão fácil. Algo dentro de mim dizia que eu precisava tentar, ainda tínhamos uma chance, afinal, tínhamos um túnel bem a nossa frente, só precisávamos entrar para descobrir para onde ele nos levaria.
  – LANA, PELO AMOR DE DEUS! VEM! - gritei para ver se conseguia tirar ela do seu estado de pânico, mas nada aconteceu, ela continuou parada no mesmo lugar.
  Olhei por cima dos seus ombros vendo aquele homem se aproximar de nós enquanto ainda tinha aquele sorriso doentio. Meus olhos voltaram para Lana, eu já conseguia sentir a dolorosa morte que teríamos. Pensa , pensa. Foi ai que uma ideia me veio em mente. Sei que não seria o ideal, mas na situação que nos encontramos, não teríamos muitas escolhas. Voltei em passos rápidos até Lana, a agarrando pelos braços e virando seu corpo na mesma direção que aquela coisa demoníaca.
  – Olhe bem! - falo a segurando pelos ombros – Está vendo ele? - pergunto, inclinando minha cabeça só para ver seus olhos arregalados piscando de forma frenética – Ele está nos alcançando. E quando isso acontecer... - engulo em seco. – ...provavelmente ele irá nos matar. - senti o corpo de Lana reagir as minhas palavras.
  Ele estava a poucos passos de nós e eu torcia com todas as minhas forças para que essa ideia tivesse funcionado. Para minha sorte, quando aquele homem esticou os braços para tentar agarrar Lana, seu corpo pareceu finalmente sair do encantamento de pânico, e sem pensar muito, agarrei sua mão e arrastei ela para dentro do túnel.
  Ele conseguia ser mais escuro que o sanatório. Se antes eu mal conseguia enxergar, agora era que eu não enxergava nada mesmo. E para piorar, aquelas malditas vozes voltaram, trazendo junto com elas os vários pares de olhos negros brilhantes. O mal cheiro aqui dentro era insuportável também.
  – Eu não acredito que isso está acontecendo depois de tanto tempo. - Lana fala baixo, e minha primeira reação foi olhar para ela, mas como estava muito escuro eu não conseguia enxergar. Apenas sentia o aperto da sua mão contra a minha.
  – Calma! - tento acalmar o pânico, mas solto um grito assim que sinto alguém tentar me puxar pelo braço.
  Aperto mais a mão de Lana, e juntando todas as minhas forças acelero os passos, puxando ela que acabou tropeçando e me levando junto para o chão. Senti uma grande ardência em meus joelhos e em um dos cotovelos. Passo a mão pelos locais percebendo que minha calça e minha blusa haviam rasgado.
  Uma mistura de barulhos começava a ecoar pelo túnel: passos correndo, risadas e alguns tipos de rosnados animais, que não havíamos escutado antes.
  "Ele está bem atrás de vocês!"
  Quando identifico essa frase agarro novamente a mão de Lana. Meus olhos estavam arregalados e agora mais do nunca meu coração parecia que iria rasgar meu peito.
  "Fujam!"
  Uma fina voz sussurrou, dando uma pequena risada no final. Olho para frente já conseguindo avistar uma pequena ponta de luz. O fim do túnel. Literalmente, havia uma luz no fim do túnel. Viro minha cabeça para Lana, agora conseguindo a enxergar, mesmo que minimamente. Lanço um olhar para ela que logo entendeu. Escutei os passos ficarem mais lentos e se aproximando de nós.
  – No três. - sussurro para Lana que assente de uma maneira quase inexistente.
  – Um. - outro passo do homem demoníaco em nossa direção.
  – Dois. - mais outro passo.
  – Três! - ele parou atrás de nós.
  Como dois furacões nós duas levantamos com uma rapidez sobrenatural e voltamos a correr. Senti um dos meus joelhos fraquejarem devido ao machucado, mas aguentei firme e continuei a correr. Outro rosnado alto foi ouvido, mas já estávamos perto do fim. Eu até já conseguia me enxergar longe daqui e ao pensar nisso foi impossível de sorrir em alívio.
  O túnel ficou silencioso e apenas os meus passos e os de Lana ecoavam aqui dentro, mas não paramos de correr. Eu é que não olharia para trás para ver o que havia acontecido. Um barulho de algo escorrendo foi soando aos poucos, parecia alguma coisa como água. E confirmei isso assim que escutei o barulho dos nossos pés contra algo molhado. Estava escorrendo água pela rampa do túnel.
  Mais alguns passos e eu estaria fora daqui. Soltei a mão de Lana e lançando um sorriso para ela que retribuiu, mas isso durou pouco, já que assim que ela saiu do túnel eu acabei escorregando na água e caindo no chão de novo.
  Gemi de dor.
  – Você se machucou? - Lana perguntou um pouco aflita – Está sangrando! - ela aponta para mim.
  Olho para meu corpo me vendo encharcada de sangue, mas era muito sangue, então não poderia ser meu. Inclinei minha cabeça para trás vendo que não era água que escorria pelo túnel, era sangue.
  – Merda! Esse sangue não é meu, Lana! - ela que estava prestes a me estender uma mão para seus movimentos.
  – Nós precisamos sair daqui agora. - sua voz sai exasperada.
  Me coloquei de joelhos pronta para levantar, mas senti alguém agarrar meu tornozelo, me fazendo cair de cara no chão, literalmente. Sinto uma leve tontura me atingir, e com dificuldade olho por cima dos ombros vendo aquele homem com as mãos em volta do meu tornozelo. As veias pretas que estavam em baixo dos seus olhos pareciam que iam estourar a qualquer momento, e para o meu desespero ele começou a me puxar para dentro do túnel.
  – LANA! - gritei desesperada por ajuda, vendo que uma barreira de criaturas demoníacas se formava na entrada do túnel impedindo Lana de me ajudar.
  Eu não conseguia parar de gritar em pânico, eu iria mesmo morrer. Comecei a me debater e a tentar agarrar qualquer coisa, mas eram todas tentativas falhas, ele era muito forte. A única coisa que eu sentia era meu corpo sendo arrastado pelo chão, fazendo com que minhas roupas rasgassem e minha pele queimasse. Em uma atitude desesperada chutei a criatura, que para minha surpresa, meu pé não atravessou ele e sim o acertou em cheio, fazendo ele me soltar por um instante.
  Aproveitei seu descuido eu levante e puxei Lana, voltado a correr pelo túnel, sentindo meu corpo pegar fogo de dentro para fora. Estávamos quase alcançando a saída de novo. Ainda vendo aquelas criaturas estranhas, levei meus braços até meu rosto na intenção de proteger ele, e fui contra a barreira de criaturas, sentindo novamente aquela estranha brisa e a sensação de uma faca me rasgando de dentro para fora. Quando abri os olhos vi que já tinha saído do túnel, procurei Lana com os olhos, a vendo parada à poucos passos de mim, me olhando totalmente assustada.
  – Você está bem? - ela pergunta ainda mais aflita que antes.
  – Sim. - minha voz sai ofegante – Vamos embora de uma vez. - falo exasperada, querendo ir embora logo.
  Agora começamos a correr em direção as árvores da floresta. Dou uma última olhada para trás, vendo ele parado no final do túnel com aquele arrepiante sorriso, e seu corpo coberto de sangue, enquanto as outras criaturas estavam atrás dele nos dando acenos. Senti meu corpo se arrepiar e continuei correndo com Lana. 
  Finalmente saímos da floresta e para nossa sorte não havia mais ninguém nas ruas a essa hora. Assim é melhor, sei que com certeza questionariam nosso estado caótico e não teríamos condições de responder.

***

  Quando eu estava sentindo que ia desmaiar de exaustão e dor, consegui enxergar no nosso edifício. Corremos para o portão, agarrando as grades e chamando freneticamente por Harvey, que logo apareceu e saiu do seu posto vindo desesperado em nossa direção.
  – O que aconteceu com vocês? - Harvey perguntou com os olhos arregalados.
  – Só nos deixe entrar, por favor. - Lana falou rapidamente, e Harvey se apresou para abrir o portão.
  – Meninas, vocês precisam me contar o que aconteceu. - ele disse preocupado.
  Apresamos nossos passos indo até a grande porta de vidro, tendo Harvey atrás de nós fazendo várias perguntas. No elevador foi uma tremenda bagunça. Ele tentando saber o que aconteceu e nós duas tentando dar uma desculpa. O elevador logo se abriu e nossa pequena discussão ainda rolava. Acho que estávamos falando muito alto, já que duas portas foram abertas, revelando Margot e Margaret vestidas com hobbys de dormir, e em segundos seus olhares ficaram iguais ao de Harvey.
  – Meu Deus! O que aconteceu com vocês duas? - Margot perguntou, vindo desesperada em nossa direção com Margaret ao seu encalce.
  Nenhuma de nós duas ousou responder, talvez porque não saberíamos como explicar tudo que nos aconteceu hoje.
  – Obrigada, Harvey. Pode voltar para seu posto de trabalho, nós cuidaremos delas. - Margaret fala, dando um pequeno sorriso para o porteiro, que mesmo relutante assentiu.
  – Venham! - Margot nos levando em direção ao nosso apartamento.

***

  Algum tempo depois, tomamos banhos, também fizemos alguns curativos, em mim, mais do que em Lana. Margot e Margaret fizeram algum tipo de chá para nos acalmar e acabamos contando tudo para elas. Esperamos alguns sermões, mas tudo que ouvimos foram suspiros cansados e palavras de conforto. Margarte levou Lana ao seu quarto e Margot me levou ao meu. Eu realmente me sentia uma criança assustada deitada com a cabeça em seu colo, enquanto ela dizia palavras de conforto e fazia um leve afago. Eu não queria dormir. Não queria, porque eu sabia que assim que eu fechasse os olhos eu iria sonhar com aquelas criaturas, e com ele.
  Algum tempo depois eu consigo escutar bem fracamente um barulho ao fundo, me fazendo perceber que eu estava naquele tipo de transe do sono que temos antes de nos desligarmos por completo, eu estava quase apagando, mas ainda conseguia ter alguma noção das coisas ao meu redor, ou melhor, os barulhos.
  – Nós não podemos deixar que isso aconteça novamente. - escuto uma baixa voz, que reconheço sendo de Margaret. – Quase que tudo vai por água abaixo, Margot. - sobre o que ela pode estar falando? O que foi por água abaixo?
  – Eu sei, eu sei. - agora era a voz de Margot. – Não deixaremos que isso se repita. Afinal, esse não é plano, não era assim que ela deveria ser mandada para lá. - agora eu posso escutar ela suspirando.
  Eu queria poder me levantar e perguntar sobre o que elas estão falando, mas o sono me vence de vez, fazendo com que mais uma vez a escuridão me engolisse.

Capítulo 5

  Acordo assustada com o som estridente que soa do rádio despertador e gemo em desaprovação. Tento chegar até o aparelho para desligá-lo, mas uma forte dor em minha cabeça me faz parar e respirar fundo. Aperto meus olhos quando a dor parece aumentar mais e mais, o que me faz recordar da noite de ontem.
  Ontem.
  Tremo ao relembrar o par de olhos negros e sombrios que me encaravam de tão perto, e me levanto na tentativa de encontrar algo para que possa me ocupar e esquecer o ocorrido. Me escoro na parede quando uma tontura me atinge e sigo assim até o banheiro onde sou obrigada à me apoiar no box para não cair. Abro o chuveiro e sinto a temperatura da água, esperando que ela fique ideal para que eu possa entrar.
  Tomo um banho demorado para ter certeza que todo e qualquer vestígio da noite passada possa ser lavado e levado embora no ralo junto com todo o pânico que senti. Me seco e coloco uma roupa simples. Encaro a parede cor gelo à minha frente e tento pensar no que fazer agora. Preciso ir até a biblioteca, preciso conversar com Connor, e preciso de café. Não vou aguentar um dia todo em pé sem a bebida quente.
  Caminho até a cozinha e coloco o café para fazer. Me contenho para não olhar o sanatório pela janela. Então acabo por ficar sentada no balcão à espera de Lana.
  – Oi. - ouço sua voz fraca soar atrás de mim e dou um pulo.
  – Quanto tempo você está aí? - pergunto e bocejo.
  – Alguns segundos? Não sei. Seu café. - ela me passa uma xícara e vai para a sala.
  – Lana! - a chamo. Precisamos falar sobre o ocorrido mais cedo ou mais tarde. Ela se vira e vejo que seus olhos estão cansados. Talvez devesse deixar para mais tarde, não quero sobrecarregá-la – Ahn, acho que é melhor irmos. - resolvo dizer, termino meu café em um gole e pego em minha bolsa logo saindo do apartamento.
  Esperamos o elevador em silêncio e quando entramos, resolvo começar alguma conversa.
  – Dormiu bem? - pergunto e me viro para ela a espera da resposta. Ela assente sem dizer nada e levo isso como uma dica para eu ficar quieta. – Certo. - falo simplesmente.
  As portas do elevador se abrem e caminhamos para fora do edifício, e depois lado a lado até a biblioteca.
  Conforme vamos recebendo cumprimentos das poucas pessoas que passam por nós na rua, pareço voltar à realidade e começo a pensar em todo o trabalho que vou ter para hoje.
  Empurro a pesada porta de madeira da biblioteca, mas ela não se mexe. Encaro Lana com uma sobrancelha levantada e ela dá de ombros.
  – Desculpe, estamos fechados! - ouço a voz de Connor vindo do interior.
  – Connor, somos nós, Alana e ! - digo mais alto para que ele possa ouvir e rapidamente a porta é aberta por um Connor segurando alguns papéis em mãos.
  – Oh, desculpe, desculpe. - ele diz atrapalhado quando derruba aos meus pés alguns dos papéis que segurava.
  – Tudo bem. - ofereço um sorriso e me abaixo para ajudá-lo a recolher os papéis e algo escrito em uma das folhas me chama atenção. – Waverly Hills Sanatorium? - leio o título em voz alta.
  – S-Sim, eu estava organizando os arquivos. - entrego algumas folhas para ele – Hoje não vamos abrir, eu cheguei a te mandar uma mensagem para avisar. - Connor abre mais a porta para que possamos entrar e a fecha atrás de si.
  – Eu estava sem celular. - digo.
  – Esqueceu de carregar, não foi? - ele pergunta bem-humorado.
  – Não exatamente... eu deixei no sanatório. - revelo e vejo Lana se contorcer ao meu lado. Ela anda muito calada.
  – Sa-sanatório? - Connor se engasga. – Você foi até lá? Sozinha? - ele parece apavorado.
  – Não, a Lana também foi. - esclareço.
  – Por isso você está com um curativo no canto da testa? - ele pergunta incrédulo
  – Já que estamos aqui, o que eu posso fazer? - Lana pergunta, mudando de assunto.
  – Ahn, acho que não tem muito o que fazer por aqui. - ele olha em volta, e reparo em várias caixas de papelão espalhadas pelo chão – Vocês podem ir embora se quiserem. Eu dou conta. - ela sorri gentilmente.
  A ideia de poder ir para casa e descansar parece ótima, mas não posso dispensar a oportunidade de descobrir sobre o que acontecia nos tempos em que Waverly Hills funcionava, ainda mais depois de tudo que passei lá.
  – Eu fico! - falo ao mesmo tempo em que Lana diz "tudo bem". Cruzamos o olhar e ela dá de ombros. – Você vai para casa? - pergunto.
  – Sim, estou muito cansada. - ela responde, e acena rapidamente para Connor e se vai fechando a porta em um baque.
  Connor me encara de um jeito curioso e sei que ele está se contendo para não fazer perguntas e perecer intrometido.
  – Onde posso começar? - pergunto e ele me dá instruções do que fazer.
  Vou até o depósito que se localiza nos fundos da biblioteca e trago mais alguns arquivos dentro de uma caixa de plástico e coloco tudo ao centro do saguão onde Connor está sentado de pernas cruzadas enquanto lê algo concentrado. Me sento ao seu lado e espio sobre seu ombro para ver o que ele tanto lê.
  – Waverly Hills, huh?! - pergunto e empurro de leve o seu ombro.
  – Sim, e-eu... - ele cora – Eu pensei em dar uma olhada aqui já que você estava tão curiosa sobre o local. - se explica.
  – Estava mesmo, ainda estou, na verdade, mas depois da noite de ontem, fiquei em dúvida se devo ou não. - confesso e ele me olha preocupado – Pode perguntar o que aconteceu. - falo, notando seu olhar curioso.
  – Oh, eu não queria parecer importuno, mas eu realmente fiquei preocupado quando você disse que foi até lá. Então, como foi? - ele coloca os papéis sobre seu colo e foca sua atenção em mim.
  – Tudo bem, Connor, pode ficar a vontade para me perguntar o que quiser. - sorrio para ele, e ele devolve com um sorriso maior ainda – Bom, sobre o sanatório... - pego alguns dos arquivos de dentro da grande caixa e começo a analisar, e Connor faz o mesmo – Nós fomos lá ontem à noite. - conto tudo para ele, realmente tudo, desde Lana ter dito que viu alguém na janela, até as criaturas e aquela pessoa de olhos negros, bom, não sei se aquilo era uma pessoa, mas não sei como chamá-lo então que seja pessoa mesmo.
  Termino meu relato detalhado e Connor pisca algumas vezes seus olhos arregalados e antes de falar, abre e fecha a boca três vezes.
  – Eu, eu não sei o que dizer. Eu... Eu não sabia que você tinha tanta coragem. - ele me olhe com uma expressão estranha.
  – Eu não diria isso, pelo menos não depois de ontem. - dou uma risada sem humor. Pelo menos até ontem de tarde eu pensava como Connor, mas agora isso já mudou.
  – Eu te admiro muito por isso, mesmo. - ele diz me olhando sério, e eu franzo o cenho.
  – Obrigada, eu acho. - quebro o olhar abaixando a cabeça, e ele se levanta para levar uma das caixas de volta ao depósito.

***

  – Connor, você encontrou alguma novidade sobre o sanatório? - pergunto mais alto e minha voz faz eco pela biblioteca vazia.
  Passo os olhos sobre as folhas de sulfite esparramadas pelo chão e uma foto me chama atenção. A fachada do sanatório. Pego o que pensei ser uma folha, mas quando a puxo, várias outras folhas se desprendem dela e caem sobre o chão. As recolho rapidamente e depois de organizá-las como um livro, consigo ver que o que tenho em mãos são relatos de métodos de tortura horríveis que eram aplicados em pacientes nomeados "doentes mentais". Pego em uma folha que parece ser o começo de um relato de experimento.

  10 de maio
  O paciente , apresenta temperamento agressivo e perigoso para o convívio social, sendo a terapia do quarto branco a única solução cabível para seu tratamento, uma vez que ele pareceu responder bem a terapia de choque.

- A.W.

  25 de maio
  O paciente , está em tratamento há 15 dias no quarto branco, ainda apresentando temperamento agressivo. Se nota vestígios de automutilação em seus braços.

- A.W.

  2 de junho
  O paciente , apesenta traços de confusão mental, não sabendo informar o dia, hora ou até mesmo o seu nome. Apresenta cortes por todo o corpo e principalmente rosto, causado por suas próprias mãos.

- A.W.

  Leio todas as linhas uma a uma enquanto tento assimilar o que acabei de tomar conhecimento.
  – ? - ouço a voz de Connor – Tudo bem? Você não está com uma expressão muito boa. - ela se agacha na minha altura.
  – Sim. Você já leu algo dessas caixas? - pergunto me abaixando para procurar mais relatos.
  – Não, eu ainda não tive tempo. Por quê? O que tem aí? - ele pergunta.
  – Eu encontrei relatos de tortura que eram praticadas em Waverly Hills, e o que eu li é horrível, Connor. Horrível - fecho meus olhos por um instante na tentativa de parar as imagens desse paciente sendo torturado, e Connor desvia ao olhar parecendo incomodado com isso. Não sei por que, mas às vezes sinto que ele quer me contar algo, mas não tem coragem.
  – Eu li sobre um paciente, um tal de , e se ele estiver lá, Connor? E se ele ainda estiver no quarto branco dentro do sanatório? Nós precisamos encontrá-lo, precisamos salvá-lo. - digo fora de mim.
  – Salvar quem? - me viro para a origem da voz, e vejo Lana parada na porta com duas sacolas em mãos.
  – Precisamos salvar um antigo paciente do Waverly Hills, Lana. Ele deve estar preso em algum quarto. - explico.
  – Ah, é? E quem te contou isso? Seu amigo fantasma? - ela cruza os braços sobre o peito, fazendo as sacolas fazerem barulho, e me encara com uma sobrancelha levantada a espera da resposta.
  – Não, Lana. Está tudo escrito nesses papéis. - levanto os registros para provar meu ponto.
  – Posso ver isso? - ela estende a mão e pega os papéis – Isso aconteceu em 1935, esse paciente deve ter uns 80 anos ou até mais agora, . E ninguém sobrevive sem água e comida durante todos esses anos, pelo amor de Deus! - ela abana a cabeça em sinal de descrença e me devolve as folhas.
  Eu definitivamente estava bem fora de mim por não pensar nisso, não faria menor sentido salvar alguém preso lá por 80 anos ou mais.
  – Lana, mas e o homem que vimos? - decido perguntar, e ela franze o cenho – Aquele que era bem alto. - ela não parece entender – Nós conseguimos atravessar todas aquelas criaturas, mas ele não, quando eu tentei me livrar dele lhe dando um chute, meu pé não atravessou seu corpo, o que quer dizer que ele está vivo, certo? - me levanto exasperada.
  Ela volta a abanar a cabeça.
  – , me escuta. - ela pega minhas mãos e as segura firme enquanto olha fixamente para os meus olhos – Eu não sei do que você está falando. - ela me olha seriamente, e eu franzo o cenho.
  – Por que você está agindo assim? - pergunto incrédula.
  – Espera. Eu lembro da grande altura dele, lembro que ele tentou te puxar para dentro do túnel, lembro dele nos perseguindo. - assinto sem entender aonde ela quer chegar – Mas sabe do que me lembro também? Das veias pretas que saltavam de suas órbitas negras, , nenhum ser humano tem isso, você realmente acha que aquilo era uma pessoa? - ela pergunta, mas não me dá a chance de responde – E de qualquer jeito, como você pensava em salvar ele? Ligando para a polícia? - ela debocha.
  – Não. Talvez eu devesse voltar lá. - digo confiante. Eu sei que parece maluquice, mas eu preciso voltar.
  – O quê?! - ela pergunta incrédula e começa à andar de um lado para o outro.
  – Eu vou voltar para o Waverly Hills, Lana. Hoje! - esclareço e vejo pelo conto do olho Connor abanar a cabeça e encarar Lana de um jeito sugestivo.
  – Você... Você só pode estar brincando comigo! - ela vocifera - Depois de tudo o que a gente passou você ainda quer voltar para aquele lugar? - ela estreita seus olhos para mim.
  – Eu... - começo a falar, mas ela me interrompe.
  – Eu até trouxe o almoço para pedir desculpas por ter sido estranha com você hoje, e agora me vem com essa história? Você está obcecada com esse lugar, . Está virando um problema. - ela diz com uma voz de desgosto, deixando as sacolas no chão e se virando para ir embora depois de bater a porta.
  Olho para Connor em busca de conforto.
  – Olha, eu não acho certo você voltar para lá e não acho certo vocês brigarem por causa disso. - abaixo a cabeça – Mas se é isso que você quer, eu posso te acompanhar. - levanto minha cabeça de imediato, corro em sua direção, o envolvo em um abraço apertado e ele ri – Mas com uma condição. - olho para ele – Nós temos que voltar antes de escurecer. - ele diz e eu apenas assinto.
  Ajudo Connor a terminar o trabalho e durante esse tempo penso nas palavras de Lana e vejo que minha teoria realmente não faz sentido, mas nada me tira da cabeça que aquele homem pode precisar de ajuda, e, apesar de tudo, ele é uma pessoa, afinal, o que ele poderia ser? Um fantasma? Um demônio? Essas coisas não existem e me sinto idiota por ter acreditado nisso ontem, quando fui tomada pelo pânico.

***

  – Acho que acabamos por hoje, . - Connor diz, fazendo com que eu vire meu corpo para encará-lo. Ele tinha um olhar sério em seu rosto, e eu sabia que com essa de "acabamos por hoje" na verdade queria se referir que finalmente chegou a hora. Iríamos para o sanatório.
  Respiro fundo e apenas assinto. Fico mais alguns segundos sentada apenas pensando no que iria acontecer dessa vez. Levanto meu olhar até meu braço direito, erguendo a manga da minha blusa e vendo alguns arranhões e machucados distribuídos pelo local. Outra vez respirei fundo e automaticamente levanto minha mão até o canto da minha cabeça, sentindo o pequeno curativo que eu havia feito essa manhã. Lembranças da noite passada invadem minha mente, fazendo-me fechar os olhos com força. Agora eu podia sentir exatamente tudo que eu senti na noite passada. A curiosidade, ansiedade, surpresa, incredulidade, pânico, desespero, dor; eu conseguia sentir cada dor, conseguia lembrar da sensação da minha pele sendo arrastada pelo chão grosso do túnel, conseguia sentir a ardência e queimação.
  Meu corpo perecia pegar fogo e até o cheiro do sangue que inundava o túnel eu conseguia sentir e foi automático não lembrar dele. E se Lana estivesse certa e ele não fosse humano? Mas isso seria tecnicamente impossível, não? Fantasmas não existem, mas então por que seu rosto era daquela maneira? Por que ele parecia tão... sobrenatural? Eu definitivamente não sei. Também não posso esquecer o fato de que também havia algumas "almas", assim por dizer. As "almas" pareciam flutuar, eram como fumaça no ar e tinha aquela horrível sensação de algo me cortando de dentro para fora toda vez que eu passava por elas, mais uma vez, isso seria tecnicamente impossível. Eu vivo em um mundo onde não existem monstros ou fantasmas, eu vivo na realidade onde tudo isso não passa de historinhas e ficções, não tem essa de almas que vagam por um antigo sanatório assombrado, não tem essa de cidade assombrada. Tudo isso deve ter uma explicação plausível.
  Bom, devem ter inventado essa história de sanatório assombrado para atrair turistas idiotas e terem um comércio melhor, afinal, querendo ou não, Hazelwood é uma cidadezinha do interior quase como um pequeno vilarejo. E o que vi lá dentro podia muito bem ser uma encenação, ou até mesmo algum perturbado que tomou o sanatório como casa e quer manter as pessoas afastadas de lá. Não existe outra explicação pra isso. Eu não posso e nem vou acreditar em uma besteira dessas. E parando para pensar agora, eu me sinto tão estúpida por ter sentido tanto medo, medo de uma coisa que nem sequer é real.
  Logo eu, que sempre fui pé no chão, uma garota que sempre adorou terror, fui me deixar levar por uma estúpida brincadeira. Nem o mais horripilante dos filmes foi capaz de me tirar um olhar assustado se quer. Aquele homem claramente precisa de ajuda e seria por ele, e apenas por ele, que eu voltaria lá, monstros não existem, isso não passa de uma ficção.
  – , você está pronta? - escuto Connor e chacoalho a cabeça afastando toda essa baboseira. Ele ainda mantém seu olhar sobre mim esperando minha resposta. Me levanto mais do que decidida e lhe lanço um olhar confiante.
  – Sim. - dou uma rápida resposta o vendo assentir.
  Vou até uma das inúmeras mesas da biblioteca pegando meu casaco vermelho que deixei sobre a mesa. Coloco ele rapidamente e vou até a saída da biblioteca vendo Connor na porta me esperando. Assim que saímos um poderoso trovão ecoa pela cidade, encaro o céu o vendo totalmente escuro e nublado.
  – Huh, acho que vai chover. - aperto mais o grande casaco vermelho ao meu redor assim que sinto uma rajada de vendo congelante me atingir.
  – Parece que sim. Vamos? - Connor se posiciona ao meu lado e começamos a caminhar para fora da biblioteca.
  O caminho até a floresta foi silencioso, cada um de nós dois mergulhados nos seus devidos pensamentos. Assim que paramos na entrada da extensa floresta uma ansiedade sem tamanho tomou conta de mim. Eu já estava mais do que convencida de que não deveria ter medo, não havia do que ter medo.
  Confiante, dou o primeiro passo para dentro da floresta vendo Connor logo atrás de mim. Começamos a caminhar entre as enormes e numerosas árvores, e logo já estávamos alcançando o túnel.
  – Então este é o famoso túnel da morte? - Connor tentou fazer uma piada para descontrair, mas logo parou de rir assim que percebeu o que havia dito. Seu rosto corou.
  – Acho que sim. - dou uma risadinha, a fim de amenizar o seu constrangimento.
  Continuamos subindo a enorme colina, finalmente chegando na frente do sanatório. Caminhamos calmamente até a porta, pelo menos eu, já que Connor não parava de olhar para os lados e mexer as mãos de forma frenética. Balancei a cabeça em negação. Não havia o porquê de ele estar assim.
  Passamos pelas enormes pilastras e vamos até a grande porta de madeira, já pronta para empurrá-la.
  – Você tem certeza que quer fazer isso? - sinto a mão de Connor repousar sobre meu ombro direito, fazendo-me olhá-lo.
  – Sim e você? Se quiser desistir eu entendo. - falo o vendo encarar o chão de uma maneira pensativa e depois me olhar.
  – Não, eu vou com você. - disse confiante. Assenti de novo e lhe lancei um pequeno sorriso antes de voltar minha atenção para porta.
  Com um pouco de esforço eu empurro a grande porta que vai se abrindo de forma lenta. Olho outra vez para Connor que assentiu. Em passos lentos vou entrando novamente no sanatório. Olho para trás, vendo Connor encostar a porta de forma cuidadosa. Espero até que ele se posicionasse ao meu lado.
  Damos uma boa olhada no local, nos possibilitando ver bastante coisas já que estava de dia. Na nossa frente havia um enorme corredor, e nas paredes estavam pendurados alguns quadros onde tinham alguns pacientes, mas aparentemente nenhum deles parecia feliz, ao contrário dos funcionários, que sempre sorriam nas fotos. Eram sorrisos largos e grandes, chegava até ser sinistro, todos com o mesmo sorriso, mas o que me chamou atenção mesmo, foi que em alguns desses quadros, haviam um homem alto e de terno, mas seu rosto estava rabiscado em todos eles, apenas o seu corpo era visível. Pode ser até impressão minha, mas nas antigas fotos que ele estava, os pacientes pareciam ter medo, dava para ver isso em seus olhos. Poderia ser apenas impressão já que as fotos estão antigas e de má qualidade.
  Ignorando esse fato começo a dar alguns passos pelo corredor, puxando Connor junto, que parecia perdido nos inúmeros quadros. Ficamos alguns minutos caminhando pelo grande corredor. O barulho dos saltos de minha bota contra o velho piso de madeira era a única coisa a se ouvir. Quando chegamos ao final do corredor nos deparamos com a recepção. Havia uma grande mesa curva de madeira com alguns papéis velhos sobre ela. Atrás da mesa havia uma espécie de estante com vários quadrados abertos, neles havia algumas pastas.
  Connor passou por mim e foi em direção à grande mesa e tentou pegar um dos muitos papéis ali espalhados, mas assim que ele tentou pegar o papel o mesmo voou para o chão. Connor se virou e olhou para mim, apenas dei os ombros. Ele caminhou até o papel e se abaixou para poder pegá-lo novamente, mas outra vez, o papel pareceu voar para longe. Connor ficou ali agachado com uma mão estendida, olhando confuso para o chão. Rolei os olhos e fui caminhando em sua direção o puxando pela mão. Eu praticamente o arrastei dali.
  Olhei para o lado e vendo Connor encarando nossas mãos juntas, foi apenas um ato involuntário da minha parte, mas mesmo assim ele está completamente vermelho. Por isso decido manter meu olhar no sanatório, a fim de não o deixar mais envergonhado.
  Paramos de andar assim que damos de cara com aquela familiar bifurcação. Na nossa frente estavam duas opções de caminho, uma para a sala de visitação e o outro para o corredor que nos levaria até a noite passada. Fiquei alguns segundos analisando por qual dessas entradas iríamos. Mas algo me fez sair dessa dúvida. Como um furacão, duas crianças passaram correndo por nós, elas haviam saído no corredor e ido até a sala de visitação. Troquei um olhar confuso com Connor e me virei até a sala de visitação. Em poucos segundos, Connor e eu nos encontrávamos dentro da enorme sala, procurando pelas crianças que brincavam em um canto do enorme cômodo.
  – ? - uma voz calma soou atrás de nós.
  Virei meu corpo encontrando uma garota que parecia ter mais ou menos a minha idade parada a poucos centímetros de nós, com um enorme sorriso no rosto.
  Me parecia um sorriso feliz?
  Trocando um olhar confuso com Connor que não parecia tão confuso quanto eu. Afinal, quem era essa mulher?

Capítulo 6

  A menina sorri docemente, mas isso não me deixa mais confortável.
  – Sou Gemma. Eu estou tão feliz em te ver novamente depois de tanto tempo. - ela faz menção de segurar minhas mãos, mas logo para assim que me vê dando um pequeno passo para trás.
  – O quê? Do que você está falando? - pergunto mais confusa do que antes. Olho para Connor e ele está encarando fixamente para Gemma.
  – Não há muitas pessoas por aqui, tudo é sempre muito quieto e monótono, então quando alguém entra aqui e resolve voltar, é simplesmente incrível. - ela sorri outra vez.
  – Não há muitas pessoas? E as crianças que vimos? Quem são? - pergunto.
  – São apenas crianças, oras. - ela ri fraco e logo muda de assunto – E a Lana, sua amiga, onde está? - Gemma pergunta, mas seu sorriso some.
  – Ela não gosta muito de vir aqui. - tendo dar uma resposta vaga – Como você sabe o nome dela? - cruzo os braços sobre o peito – E o meu nome? - levanto a sobrancelha.
  Ela suspira.
  – Isso é uma história para outra hora, e eu estava por aqui ontem e ouvi a voz de vocês. - ela responde, me deixando mais confusa ainda. Eu não estou entendendo.
  – Você estava aqui ontem? - pergunto surpresa. Então ela fazia parte daquela encenação.
  – Sim. Escondida, mas estava. - ela desvia o olhar.
  – Você estava escondida o tempo todo? Até quando aquele homem alto começou a nos perseguir? - pergunto com a voz um pouco alterada, afinal, se ela estava aqui, poderia ter nos ajudado – Você o conhece? - dou um passo em sua direção.
  Vejo seu semblante se tornar triste.
  – Eu não poderia ter feito algo contra ele, não à noite, eu... - sua fala é interrompida por risadas.
  As mesmas crianças passam correndo por nós, fazendo com que a espécie de camisola branca e comprida que Gemma está usando voasse para todos os cantos.
  – Crianças! Crianças! - ela os chama e eles param no meio do caminho – Sem barulho, lembram? - ela pergunta autoritariamente e eles confirmam com a cabeça.
  – Vem brincar com a gente. - o menor dos meninos pede.
  – Sim, por favor. - outro diz.
  – Por favor, tia Gemma. - uma menininha ruiva pede com seus olhos suplicantes enquanto puxa a barra da camisola de Gemma para baixo.
  Ela nos olha e dou de ombros.
  – Tudo bem, crianças. - ela diz depois de um suspiro – Mas só se meus novos amigos puderem ir também. - dito isso, as crianças começam a pular e à bater palmas.
  Gemma é puxada por pequenos pares de mãos e seguimos atrás deles sem ao menos saber onde vamos parar.
  – Novos amigos? - Connor pergunta baixo ao meu lado.
  Permanecemos em silêncio por todo o trajeto até chegarmos em uma espécie de parquinho com dois balanços e uma gangorra bem enferrujada. Do alpendre descascado, observo as crianças correrem no meio da grama alta e reparo melhor em suas roupas, algo que me estranha. Elas estão vestindo uma espécie de camisola branca, estão descalças e têm a pele muito pálida, igual a Gemma.
  – Talvez elas não saiam muito daqui de dentro. - Connor nota meu olhar e diz.
  Chuto uma pedrinha e ela para ao pé de alguém, levanto meu olhar e vejo uma senhora parada a poucos metros nos olhando fixamente.
  – Sra. Campbell? - Gemma corre em sua direção – A senhora veio tomar um ar fresco? Que ótimo, faz muito bem. - ela segura nos ombros da senhora e ajuda a levá-la para o outro lado do pátio.
  Franzo a sobrancelha. Estranho. Gemma para ao meu lado e mexe nos dedos da mão de um jeito frenético me deixando impaciente.
  – Então, Gemma, vocês moram aqui? - pergunto e ela confirma – Todos vocês? - ela assente – Por quê? Um sanatório abandonado não é um lugar muito comum para se morar. - encaro ela, esperando por uma resposta.
  – Sim, é bem estranho, não é? - ela ri fraco e tira uma casca da porta.
  – Sim, isso é estranho, mas você ainda não respondeu nenhuma de nossas perguntas. - escuto a voz de Connor soar ao meu lado, fazendo com que a tal Gemma e eu olhássemos para ele juntas. Connor tinha um misto de expressões em seu rosto, algo como impaciência e seriedade. Voltei meu olhar para Gemma que durante alguns segundos ficou apenas analisando Connor, antes de sorrir.
  – Estão juntos? - ela pergunta apontando de Connor para mim. Agora foi a minha vez de suspirar. Eu sei o que ela esta tentando fazer. Olho rápido para Connor que está mais vermelho que um tomate.
  – Não, não estamos juntos. Somos apenas amigos. - respondo sem muita paciência. Gemma pareceu notar, já que se calou e apenas assentiu - Agora você...
  – Que tal conhecermos melhor o sanatório? - ela me interrompe, levantando abruptamente, sem nos dar a chance de questionar. Troco um olhar cansado com Connor, que sorri fracamente para mim e dá os ombros.
  Eu já estava cansada de toda essa enrolação. Por que essa garota não podia simplesmente responder as nossas perguntas? Se ela viu tudo o que aconteceu com a gente noite passada, então certamente ela tinha as respostas que precisamos. E de uma maneira ou outra eu iria descobrir, nem que para isso eu tenha que sequestrar ela e a torturar até que diga tudo o que eu preciso saber. Ok, talvez essa não seja uma opção viável, mas eu ainda iria descobrir o que estava acontecendo.
  – É melhor irmos. - a voz de Connor me puxa de volta para realidade – Quem sabe não damos sorte e conseguimos algumas respostas. - me lançou um sorriso encorajador e eu apenas assenti.
  Me coloquei ao lado de Connor enquanto andávamos para dentro do sanatório a procura de Gemma. Alguns segundos e lá estávamos nós, passando por uma enorme porta de vidro trincado que nos levaria para dentro do sanatório outra vez. Connor correu a porta para o lado nos dando passagem, primeiro eu entrei e depois ele.
  Eu olhava para cada detalhe deste lugar, e ele não parecia o palco de horrores da noite passada. Apenas parecia como uma velha construção abandonada e nada mais. Era como se de dia fosse outro lugar totalmente diferente.
  Conforme Connor e eu íamos andando dávamos de cara com várias outras pessoas, o que me fez olhar confusa para ele, já que Gemma falou que poucas pessoas vivem aqui. Havia crianças, jovens, adultos e idosos, todos usando a mesma camisola branca. Todos pareciam pálidos demais, estranhos demais e felizes demais. Todos por quem passávamos nos lançava um sorriso ou um aceno amigável, alguns até nos saudavam, sabendo o meu nome e o de Connor. Isso é estranho, muito estranho.
  Fui para mais perto de Connor, agarrando seu braço com certa urgência. Ele pareceu notar, já que levou sua mão sobre a minha e me lançou um olhar tranquilizador. Continuamos nosso trajeto até retornamos a sala de visitação, tendo agora ela consideravelmente cheia de pessoas. Procurei Gemma com os olhos entre o grande número de pessoas, mas não a vi.
  Uma cena me chamou a atenção, em alguns cantos do cômodo havia algumas mulheres e homens vestidos com um uniforme. Franzi o cenho, enquanto assistia eles auxiliarem algumas pessoas.
  – Vocês estão ai! - uma voz soou atrás de nós, me fazendo dar um pequeno pulo. Me virei para trás vendo Gemma nos encarando com um sorriso. Essa garota sorri demais – Estava esperando por vocês. - ela diz.
  – Gemma! - uma outra voz chamou – Então ela realmente veio até aqui? - uma ruiva com os olhos verdes, parou ao lado de Gemma e nos encarou sorrindo também. Gemma apenas assentiu – Olá, sou Katherine. - mesmo estando a nossa frente, ela deu um exagerado aceno com sua mão. E foi aí que eu percebi, ela usava um uniforme também.
  – Então... - a ruiva juntou a mãos e nos olhou empolgada – Quer conhecer a nossa casa? - ela nos olhou com expectativa e eu apenas dei os ombros, dando um passo na direção delas.
  As duas começaram a andar e Connor e eu apenas as seguimos.
  – , não esqueça que temos que voltar antes do anoitecer. - Connor sussurrou ao meu lado.
  – Tudo bem, Connor. Só algumas perguntas e nós vamos embora. - falo, apertando mais meus passos para alcançar as duas – Então, Katherine... - começo a falar, mas sou interrompida.
  – Kat. Me chama de Kat, por favor. - virou sua cabeça em minha direção sorrindo.
  – Kat... Por que você esta usando esse uniforme? - apertei mais ainda meus passos, andando agora lado a lado com elas.
  – É óbvio, não? - ela arqueia as duas sobrancelhas – Eu trabalho aqui. - ela dá de ombros.
  – Trabalha aqui? - parei meus passos assim que escutei sua resposta. Procurei por Connor, não o vendo em lugar nenhum – Connor? Cadê o Connor?! - um desespero sem tamanho tomou conta de mim.
  E se alguma coisa aconteceu com um ele? Onde ele está? Como sumiu assim do nada? Eu preciso achar ele!
  – Não se preocupe, ele vai ficar bem. - parecendo ler meus pensamentos, Gemma respondeu.
  – Como você sabe? Eu preciso achar ele! - falo, já me virando para ir embora, mas sinto sua mão agarrar meu pulso. Viro minha cabeça para encará-la – Me solta, eu preciso achar ele. - tento me soltar de seu aperto, mas ela era mais forte do que parecia.
  – Skyler esta com ele, não se preocupe. Connor vai ficar bem, não é a primeira vez. - agora foi a vez da tal Kat falar.
  – Skyler? Quem é Skyler? Não tinha ninguém aqui com a gente. - disse impaciente, ainda tentando me soltar de Gemma.
  – É apenas um amigo nosso. Agora vem! - dizendo isso, elas me arrastaram para dentro de algum cômodo e fecham a porta, me impedindo de sair e saber onde Connor estava.

Capítulo 7

  Olho em volta vendo que era um quarto exatamente igual ao que eu vi noite passada quando encontrei aquele homem.
  – Esse é o meu quarto. - Gemma diz.
  – Não quero saber. - ando até a porta tentando abrir ela, mas estava trancada – Eu preciso achar o Connor. - comecei a esmurrar a porta, até sentir Kat me puxar pelos ombros e me virar, levando suas mãos até meu rosto.
  – Calma, , nós não somos iguais a eles. Ninguém aqui vai machucar vocês. - ela disse me olhando séria.
  – Eles? - perguntei confusa, a vendo suspirar e assentir.
  – Sim, eles são... - Kat estava prestes a responde quando é interrompida.
  – Acho que isso é seu, . - e pela milésima vez Gemma tenta mudar de assunto.
  Eu tiro as mãos de Kat do meu rosto já prepara para confrontar Gemma quando dois objetos em suas mãos me chamam a atenção.
  – Meu celular? - pergunto surpresa. Vou em sua direção e logo pego o aparelho de sua mão, vendo que realmente era o meu celular, e que ele estava em funcionando normalmente. Gemma também tinha o celular de Lana em mãos – Como? - pergunto, ainda encarando o aparelho.
  – Kat os achou ontem e pediu que eu os guardasse. - me viro encarando Kat que sorria docemente.
  – Obrigada. - agradeço.
  – Tudo bem, . - ela diz sorrindo. Aqui todo mundo sorri demais, não gosto disso.
  – Vocês podem me deixar sair agora? - pergunto, e Gemma troca um breve olhar com Kat e a ruiva assente.
  – Primeiro temos que conversar. - Gemma começa e acho irônico que logo ela queira conversar agora, já que desde que nos encontramos ela não responde nenhuma de minhas perguntas.
  – Sim. Precisamos te contar algumas coisas. - Kat emenda.
  – Podem começar então. - incentivo, pronta para ter as minhas respostas.
  – Eu tenho que pedir desculpas por ontem, eu realmente não podia ter feito nada. - Gemma fala cabisbaixa.
  – Tudo bem, eu nem sei o que era tudo aquilo, parecia um sonho, aconteceu tudo tão rápido que eu nem consegui processar ainda. - mudo meu cabelo de lado, e flashes de vultos negros com olhos brilhantes, alguém nos perseguindo e sangue por todo o lado invadem minha cabeça.
  – Preciso que você fique ciente que apenas parecia um sonho, mas não era. - Kat enfatiza com um olhar firme.
  – O quê? Como assim? Você quer dizer que aquelas sombras pretas flutuantes eram reais? - elas assentem – Vocês só podem estar de brincadeira comigo. - seguro minha cabeça com ambas as mãos e começo a andar de um lado para o outro – Não. Não era real, não faz o menor sentido. - repito para tentar convencer a mim mesma que essa é a verdade.
  – , querida - Gemma se aproxima de mim que coloca suas mãos sobre meus ombros – Você precisa acreditar em nós, só queremos te ajudar, lembre-se de tudo. - ela diz de modo condescendente e eu solto uma risada seca.
  – Vocês querem tanto me ajudar que não disseram nada que seja importante até agora. - cruzo meus braços e encaro as duas garotas à minha frente.
  – Eu vou contar sobre o . - Kat diz baixo.
  – Não, Kat! Não acho que ela deva saber dele de novo. Explique como tudo funciona, sabe, de dia e de noite. - Gemma tenta argumentar, mas Kat nega com a cabeça.
  – ? Quem é ? – pergunto, antes que a ruiva possa falar e um nome me vem à cabeça - ? - Gemma me olha totalmente espantada e levanto uma sobrancelha a espera que elas comecem a falar.
  – Bom, sim... - elas trocam olhares nervosos – Ele é... hm... ele é... - Kat interrompe Gemma.
  – Ele é aquele cara assustador que perseguiu vocês. - Kat fala tão rápido que demoro alguns segundos para processar.
  – O quê? Não fale dela para ela, você sabe tudo que aconteceu. - Gemma diz em um guincho e a encaro, confusa.
  – ? O cara que deve ter uns 80 anos ou mais agora? - pergunto incrédula, mas não recebo uma resposta – Vocês são muito engraçadas, meninas. - falo irônica.
  – Ahn? Por quê? - Gemma pergunta, cruzando os braços e arqueando uma sobrancelha.
  – Eu trabalho na biblioteca da cidade e acabei encontrando algumas fichas de pacientes daqui. Eu li apenas uma que era desse tal de e a data era de 1935. Então suponho que ele tenha uns 80 anos ou mais agora. - foi minha vez de cruzar os braços e arquear uma sobrancelha – Não tem como vocês me fazerem acreditar que o cara de ontem é esse tal de . - falo, lembrando do que Lana me disse na biblioteca sobre ninguém conseguir sobreviver tanto tempo sem água ou comida.
  – Fichas... é bem a cara dele fazer isso. - Gemma fala descontente – Sobre o que eram essas fichas? - ela pergunta.
  – Castigos. - faço uma careta ao lembrar das coisas horríveis que eu li – Tratamentos com choques e coisas do tipo. - dou os ombros e olho para as duas a minha frente.
  – Foi nesse tipo de coisa que ele pensou então. - Kat para si mesma, mas sou capaz de escutar. Afinal de quem elas estão falando?
  – da ficha era apenas um paciente que teve a infelicidade de parar aqui e sofrer esses tratamentos horríveis, e o cara que eu vi ontem devia ser só um perturbado que não tem o que fazer. Por isso voltei, para ver se ele precisava de ajuda. - e como um furacão, Gemma saiu de perto de Kat e veio em passos firmes até mim.
  – Não ajude ele, ! Me escute! Não faça isso! - ela diz totalmente nervosa e descontrolada e Kat logo se apressou e veio até nós duas, se pondo ao meio.
  Senti meu sangue ferver, quem ela pensa que é pra falar assim comigo? Ela não sabe o que eu passei e o que eu vi, se aquele cara não for um perturbado eu sinceramente não sei mais o que é.
  – E por que eu não posso ajudá-lo? Você vai me dizer ou só vai inventar mais alguma desculpa idiota? - tomada pela raiva, tentei dar mais alguns passos, mas Kat se manteve entre nós.
  – Eu estou fazendo isso por você. Não quero que passe por tudo aquilo de novo, você já sofreu demais por conta disso. - Gemma fala exasperada, mas seu semblante muda para triste.
  – Fazendo isso por mim? - pergunto de maneira irônica – Sabe o que você poderia ter feito por mim? - encaro bem seus olhos claros – Me ajudado ontem à noite. - solto de uma vez e ela parece afeta por minhas palavras.
  – Você não entende, eu não podia fazer nada. - ela diz de maneira cansada enquanto passava a mão pelos cabelos de forma raivosa.
  – Não. Eu realmente não entendo, por favor, me explique. - falo sarcástica, mas ela não responde, o que me faz rir sem humor – Está vendo, você quer que eu acredite em você, mas não é capaz de responder nenhuma das minhas perguntas. Você consegue pelo menos me falar o que é aquele homem? - pergunto séria.
  – Ele é o meu...
  – Chega disso vocês duas! - Kat interrompe Gemma com uma voz carregada – Você quer respostas, certo?! - ela pergunta olhando para mim, e eu apenas assinto – Você vai ter suas respostas, mas eu não quero discussões aqui, ouviram? - ela ainda mantem o seu tom de voz carregado.
  – Tá. - Gemma diz descontente.
  – Vou responder algumas de suas perguntas agora, - Kat diz – Eu preciso que você preste muita atenção no que eu vou falar agora. - apenas assinto – Presumo que você já ouviu alguma história ou boato relacionado à cidade ou o sanatório? - ela pergunta e eu reviro os olhos.
  Ah, não! Essas lendas de novo não.
  – Já ouvi sim e já estou de saco cheio disso. – bufo, irritada, e sinto os olhos de Kat sobre mim.
  – As histórias, ou boatos, são todos reais. - ela diz simplesmente como alguém que arranca um curativo de uma vez só, me fazendo revirar os olhos outra vez – Vou fingir que não vi isso. Continuando, o sanatório Waverly Hills foi inaugurado há muitos anos, e muitas coisas ruins aconteceram aqui. - ela faz uma breve pausa – Eu sei que o que eu vou dizer agora parece mentira. - agora ela dá uma risada sem humor – Todo tipo de pessoa já passou por esse lugar e também houve muitas mortes, dando início a separação de almas depois de um incidente. - ela explica.
  – Separação de almas? - pergunto confusa já não ligando.
  – Sim, separação de almas. - as duas a minha frente tinham expressões sérias – Depois desse incidente ouve uma separação de almas para que as coisas ficassem mais fáceis de serem controladas, e para evitar que os pacientes desse lugar se juntassem. Onde as almas de pessoas boas ficam presas de dia, sem poder aparecer durante a noite, e as almas de pessoas ruins ficam presas de noite, sem poder aparecer de dia. - meu cérebro da uma volta com sua explicação – Foi por isso que a Gemma não pode te ajudar. Nós que vivemos na luz não podemos andar sobre as trevas, assim como as criaturas que vivem nas trevas não podem vagar pela luz. - a ruiva finaliza.
  – Você não pode estar falando sério, está? - pergunto incrédula, mas ela se mantém séria – Você está mesmo falando sério? - meu tom de voz fica alto.
  – Sim, . Você queria que te contássemos a verdade e é o que eu estou tentando fazer agora. - Kat arqueia as sobrancelhas.
  Wow! Isso é... Wow! Essas duas garotas só podem estar loucas se acham que eu vou acreditar nisso. De fato são loucas só de inventarem um absurdo desses, não responderam nada do que eu queria saber e ainda por cima me vêm com uma dessas. Se antes eu já achava que o tal de era algum sem teto ou perturbado, agora de fato eu comprovo isso. Ele é um perturbado, assim como as duas garotas a minha frente que insistem que eu acredite em uma mentira sem tamanho.
  – Então você está querendo dizer que todas as pessoas que eu vi hoje são almas boas de pessoas mortas? - pergunto.
  – Pessoas, eu não usaria esse termo, mas mortos todos estão. - Kat responde.
  – Então vocês... - digo apontando para elas vendo Gemma assentir.
  – Também estamos mortas. - a loira fala.
  – Eu vou embora agora, isso aqui está ficando estranho. - digo dando alguns passos cegos para trás, mas assim que me viro dou de cara com Gemma – Ahn?!... Mas... Mas você não estava lá? - aponto para trás de forma confusa.
  Olho por cima dos ombros não vendo mais Kat. Outra vez me viro para frente agora vendo sua figura ao lado de Gemma. Franzo meu cenho achando tudo isso muito confuso. Sem pensar muito vou em direção a elas para poder chegar até a porta, mas para minha surpresa meu corpo atravessa o delas assim como vez na noite anterior com aquelas coisas escuras.
  O quê? Mas o que está acontecendo aqui?
  – Que tipo de truque idiota é esse? Não tem graça. - vou até a porta e volto a bater ela nela, tentando abrir.
  – , não tem truque nenhum. - Gemma diz, dando alguns passos em minha direção, mas barro seus movimentos quando levanto minha mão pedindo que ela fique onde está.
  – Eu quero sair daqui agora. - falo séria.
  – , por favor, nos escute. - Kat suplica.
  – Não! - respondo, virando meu corpo para elas, mas me mantendo colada a porta – Eu quero sair daqui. - repito.
  Gemma faz um movimento estranho com uma de suas mãos e eu escuto um "click" vindo da porta, e em seguida a porta se abre me fazendo cair no chão de costas. Faço uma cara de dor assim que sinto o impacto do meu corpo no chão.

Capítulo 8

  Quando abro os olhos vejo a mesma cena da noite anterior se repetir. Vários pares de olhos me cercavam, mas ao contrário da noite anterior, não eram olhos maldosos e demoníacos, mas sim olhos bondosos e brilhantes. Era como se houvesse luz em cada par de olhos que me analisava, mas isso não muda o fato de tudo isso ser estranho. Esse lugar não é normal, assim como essas pessoas também não são. Eu preciso achar Connor e sair daqui.
  Sem dificuldade, me levanto recusando a oferta de algumas mãos entendidas para mim. Passo por entre essas estranhas pessoas e vou caminhando pelos corredores, ouvindo alguns murmúrios.
  Chacoalho minha cabeça tentando afastar as vozes de todas essas pessoas. Esse era definitivamente o momento mais estranho que eu já passei na minha vida, junto dessas pessoas que acreditam estarem mortas e presas em um sanatório com divisão de almas boas e ruins. Não tenho medo deles, mas essas pessoas precisam de tratamento médico e não é uma boa ideia ficar preso com um bando de gente louca em um sanatório abandonado.
  Refaço todo o caminho de volta já avistando Connor parado a alguns metros da porta de entrada do lugar, que por sinal estava aberta. Ele conversava com um rapaz de sua altura, cabelos negros e olhos azuis, Skyler presumo eu. Aperto meus passos fazendo com que eles logo notassem minha presença.
  – Connor, vamos sair daqui agora. - Agarro seu braço assim que os alcanço.
  – Calma, . - Ele diz apontando para o rapaz à sua frente.
  – Eu quero ir embora agora. - Falo séria vendo Connor franzir o cenho pra mim.
  Eu sei que estou sendo contraditória agora, mas eu sinceramente não quero ficar cercada por pessoas loucas.
  – Por favor! – digo, desta vez de uma maneira mais descente. Connor suspira alto e assente.
  – Tudo bem. - Ele diz derrotado, logo pegando em minha mão e dando um último aceno para Skyler.
  Como eu sou uma pessoa de muita sorte, assim que me viro vejo Gemma e Kat paradas à nossa frente.
  – , por favor, nos escute. - Gemma suplica.
  – Só nos deixem ir. Eu preciso ir. - Digo, já sentindo meus olhos arderem. Eu sei que é bobeira querer chorar agora, mas eu só quero ir embora.
  Eles finalmente pareceram entender já que Gemma nos deu passagem, mas antes que pudéssemos dar um passo sequer em direção à porta aberta, as luzes do sanatório começam a falhar e gargalhadas soam, ganhando intensidade. Era como se estivessem longe, mas já nos alcançando.
  – Droga! Que horas são? - Kat pergunta com certa tensão na voz. De maneira rápida olho no visor do meu celular que guardei no bolso de meu casaco.
  – Sete da noite. - Digo surpresa, já que não parecia que ficamos tanto tempo aqui. Connor e eu saímos às 16h da biblioteca.
  – Vocês têm que ir embora agora. - Gemma diz exasperada, já nos puxando em direção a porta de saída.
  Agora ela nos empurrava de forma desesperada até a porta, mas quando estávamos a centímetros dela, a mesma se fecha em um estrondo alto nos fazendo parar.
  – Ele está vindo. - Uma voz soa atrás de nós. Connor e eu nos viramos e vi que a Sra. Campbell foi quem disse isso. Ela está a alguns metros de nós com um olhar assustado. Agarro mais ainda a mão de Connor, que com intenção de me proteger passa seus braços por mim, me aprisionando em um abraço.
  – Nós temos que fazer alguma coisa. - Skyler diz de maneira nervosa.
  – Sim, nós temos. - Kat completa, igualmente nervosa.
  – Agora é tarde demais. - Gemma diz com um semblante tenso – ele já está aqui. Connor, proteja a . - Dizendo isso uma corrente de vento muito forte passa por nós, levando consigo as quatro pessoas a nossa frente, a última coisa que eu vi antes das luzes se apagarem foi o olhar triste e carregado por lágrimas de Gemma.
  Agora Connor e eu estávamos parados em meio a escuridão, sem saber o que fazer. Connor aperta mais ainda seus braços ao meu redor, e logo eu sinto como se alguém alisasse meu cabelo e eu sabia que não era Connor, já que eu sentia suas mãos em minhas costas.
  "Ela finalmente voltou."
  Uma voz sussurrou pela sala, e nessa hora eu soube que Kat e Gemma não eram loucas, porque talvez eu seja a única louca aqui.
  Os dedos gélidos tocaram meu rosto fazendo com que todo o meu corpo se arrepiasse. Me agarrei mais a Connor quando senti uma pressão que ia aumentando cada vez mais sobre meu pescoço me deixando sem ar.
  – R-Res... N-Não consigo... - tento falar, mas não consigo, por isso puxo a camiseta de Connor quando senti meus pulmões falharem.
  Ele parece escutar minhas súplicas e consegue me libertar do que quer que seja a coisa que estava me impedindo de respirar.
  – , você está bem?! ?! - conseguia escutar precariamente a voz de Connor por entre minha respiração ofegante.
  – E-Eu não sei. - Respondo com alguma dificuldade. Tento colocar minhas mãos sobre meu pescoço, mas Connor está segurando-as forte demais, tenho até medo que ele possa quebrá-las.
  Sinto uma forte corrente de vento me atingir e cambaleio para trás, mas antes de conseguir encontrar sua origem, me deparo com a mesma cena da primeira vez que aqui estive. Estávamos cercados de olhos brilhantes, mas algo estava diferente. As criaturas não estavam apenas nos observando, eu conseguia senti-las. Elas estavam por todo o lugar, seja sussurrando frases desconexas em meus ouvidos ou tocando meu corpo.
  – Fique perto de mim, . - Connor sussurra.
  Me sinto culpada agora. Ter ficado até escurecer foi um descuido muito estúpido, ainda mais depois do que aconteceu na primeira vez que Lana e eu colocamos os pés aqui. Mesmo não sabendo o que realmente são, essas coisas são cruéis e sei que se algo acontecer com Connor eu nunca vou conseguir me perdoar, então tenho que nos tirar daqui o mais rápido possível. Só que ainda não sei como.
  – Connor, nós temos que sair daqui agora e o único jeito é correndo o mais rápido possível, então vamos no três. - Falo e ele assente – Um... Dois... - sinto que Connor começou a correr antes do combinado e entro em pânico – CONNOR! - grito ao ver que ele corria para dentro do sanatório em um corredor sem fim. Ele não vai conseguir se esconder dessas coisas que foram atrás dele.
  – Ótimo. - Bufo exasperada, e por um instante eu acabo esquecendo que haviam essas coisas me observando. – Agora vou ter que correr por esse lugar estranho procurando pelo Connor. - Solto um suspiro pesado.
  Assim que tento dar alguns passos para poder iniciar a minha "caça ao Connor" sinto um par de mãos geladas repousarem na minha cintura. Primeiro eu penso que poderia ser ele apenas pregando alguma peça em mim, mas assim que escuto aquela familiar respiração pesada e algumas gargalhadas soarem, eu sei que essas mãos não são de Connor. Meu corpo fica tenso no mesmo instante e o aperto em minha cintura aumenta. Quem quer que seja está me segurando como se quisesse atravessar seus dedos contra a pele da minha cintura.
  Pense, . Pensa. Eu preciso fazer alguma coisa, preciso fazer antes que essa pessoa faça primeiro, mas para minha infelicidade meu corpo parece não querer colaborar. Acho que estou em um daqueles momentos onde você escuta algum barulho estranho de madrugada e deixa seu corpo totalmente imóvel sobre a cama com medo de se mexer e o dono do barulho estranho te atacar. Era exatamente isso que se passava comigo agora. Eu tinha que travar essa batalha interna entre meu corpo e minha mente, onde meu corpo se recusava a obedecer minha mente por puro pânico, e minha mente tentava enviar mensagens lhe dizendo que não havia o que temer, afinal, monstros não existem, certo? Eu realmente espero que não.
  Em um ato bruto, sinto meu corpo ser puxado para trás e colado a outro corpo. Fecho os olhos e aperto as mãos, o corpo desconhecido era duas vezes maior que o meu, o que me fez pensar no que eu faria para sair daqui. Sem ter muitas opções eu começo a me debater contra o corpo desconhecido, mas obviamente que a pessoa é bem mais forte que eu, já que ela sem muita dificuldade, passa uma mão pela minha cintura e leva a outra até minha boca tentando abafar os grunhidos histéricos que eu solto enquanto tento me libertar.
  Sinto seu aperto ficar mais forte sobre mim e aos poucos a atmosfera do lugar foi ficando estranha. O sanatório que já estava escuro conseguiu ficar ainda mais, não me possibilitando ver nem uma mísera sombra. Meu corpo parece estar se agitando por dentro, minhas células parecem estar em desordem, era uma sensação estranha, como se meu corpo fosse removido de um lugar para o outro. Definitivamente uma sensação estranha.
  Eu estou tão concentrada nessa estranha sensação no meu corpo que quase não senti as duas mãos que me aprisionavam deixarem meu corpo. Respiro um pouco aliviada, mas foi coisa de segundos já que um poderoso trovão rasga a atmosfera, trazendo com ele um enorme clarão que atravessa a janela iluminando por instantes o extenso corredor.
  Espera, janela? Corredor? Mas eu não estava em um corredor e também não haviam janelas. O que está acontecendo? Será que aquela estranha sensação de ter meu corpo sendo removido de um lugar para o outro era mesmo verdade?
  As luzes do sanatório se ascenderam do nada, me fazendo arregalar minimamente meus olhos assim que constato que eu realmente estava em outra parte do sanatório. Mas como isso é possível?
  – Olá. - Uma voz fina e infantil soa me fazendo rapidamente abaixar meu olhar e encontrar uma linda garotinha loira usando um macacão cinza. Ela tinha os cabelos longos e com alguns cachinhos nas pontas, seus olhos eram incrivelmente verdes. Ela matinha um largo sorriso para mim, enquanto segurava um velho e gasto urso de pelúcia. E tenho a estranha sensação de ter algo familiar sobre essa garotinha – Você não fala? - ela tomba a cabeça para o lado e me encara de forma confusa.
  – A sua voz... - estreito olhos. – Foi a sua voz que eu ouvi ontem quando estava aqui. - Ela endireita a cabeça de forma lenta enquanto volta a sorrir.
  – Sim, foi a minha voz. Eu gosto de brincar. - Ela diz, batendo palmas de maneira empolgada.
  – Eu não acho que isso é o tipo de brincadeira que se deva fazer com as pessoas. - Falo ironicamente, não acreditando que esta linda garotinha com cara de anjo esteja envolvida nessa merda toda. – Cadê os seus pais? Eles sabem que você está aqui sozinha? - pergunto procurando com o olhar por algum sinal de um adulto.
  – Eu não sei quem são os meus pais. Eu acho que não tenho. - Ela contorce o rosto em uma careta. – Mas tenho amigos. Você quer conhecê-los? - o sorriso em seu rosto logo ressurge e ela agarra uma de minhas mãos.
  – Obrigada pelo convite, mas eu não posso, tenho que achar uma pessoa. - Quando tento soltar minha mão da sua ela aperta. Olho confusa para seu rosto angelical que agora não parecia tão angelical. Seus lindos olhos verdes agora eram pretos, duas órbitas vazias. Seu lindo rosto, foi transformado em alguma coisa ruim com veias pretas e olheiras vermelhas embaixo dos olhos, igual a ele.
  – Você vai conhecer os meus amigos! - a garotinha praticamente ruge para mim, fazendo com que os pelos do meu corpo se arrepiem. Totalmente tensa concordo freneticamente, vendo seu rosto voltar ao normal e um sorriso preencher seus lábios – Ótimo. - Ela se vira e começa a me arrastar pelos corredores – Ah, meu nome é Madeleine. - Ela inclina rapidamente a cabeça para trás, me lançando um sorriso e depois volta a saltitar, enquanto que sem escolha deixo que a garotinha me leve pelos corredores.
  Começo a pensar no seu rosto e em como ele foi de angelical para demoníaco. Como ela fez isso? Será que eu estou sonhando ou ficando louca? Isso tudo não pode ser real.

***

  – Ali estão eles! - sua voz me puxa para realidade. A garota apontava para um casal a poucos passos de distância de nós. Havia uma garota muito bonita de cabelos castanhos escuros assim como seus olhos, e um rapaz igualmente bonito de cabelos loiros e olhos azuis. – OLHEM O QUE EU ACHEI! - Madeleine grita empolgada atraindo a atenção do casal para nós.
  O olhar da garota sobre mim não foi um dos melhores, poderia dizer que existia até um fundo de hostilidade ali, já o garoto me olhou com um sorriso esperto nos lábios.
  – Olhem só o que a Mad nos trouxe. - O rapaz loiro cruza os braços sorrindo.
  – É a... - a garotinha tenta falar, mas percebe que não sabe o meu nome, por isso me olha confusa.
  – . - Respondo apenas.
  – É, a gente já sabe. - A garota alta responde rispidamente, fazendo com que a garotinha mostrasse a língua e fosse junto do rapaz loiro.
  – Elas são assim mesmo. - O loiro dá uma leve risadinha. – Sou , e essa é Brooklyn. - Escutei a tal Brooklyn bufar ao meu lado. Qual o problema dessa garota?
  – Ahn... vocês viram um rapaz mais alto que eu, cabelo castanho e olhos verdes? - resolvo me concentrar em alguma coisa mais importante que no caso é achar Connor.
  – Você é idiota ou o que, garota? - Brooklyn diz rudemente e eu a olho confusa. Por que essa está sendo tão estúpida comigo? – O já deve tê-lo matado. - Ela responde ainda mais rude.
  – O quê?! - pergunto perplexa. – Parem de brincadeiras. - Agora quem fala rudemente sou eu.
  – E você acha o quê? Que ele e todo o resto dessa merda é uma alucinação da sua cabeça? - ela me olha – Não seja ridícula. Você melhor do que ninguém deveria saber disso, afinal, tudo isso é por sua culpa. - Olho mais uma vez indignada para ela, e depois para o tal que nos observava com divertimento.
  – A única ridícula aqui é você. Pare de falar sobre coisas que não fazem sentido. - A vi apertar os olhos com raiva, enquanto eu me viro para ir embora – Eu não vou perder mais meu tempo com vocês. - Começo a andar para longe deles.
  – Bem-vinda de volta ao inferno, . - E quando já estou me afastando deles, escuto a voz de Brooklyn seguida de uma risada.
  Garota estúpida. Vou me concentrar em achar o Connor que é mais importante.

Capítulo 9

  – Bem-vinda de volta ao inferno, . - Imito sua voz esganiçada. Não gostei dessa Brooklyn. Quem ela pensa que é para falar comigo daquele jeito?
  Dou um pulo assustada quando tropeço em alguma coisa, mas quando reparo melhor é apenas o primeiro degrau da escada que leva ao segundo andar. Respiro fundo e começo a subir os degraus de madeira que rangem a cada passo dado, e quando finalmente chego ao segundo andar solto um suspiro de desânimo. Tudo aqui é completamente igual ao andar de baixo. Vários corredores com as paredes descascadas, piso sujo, portas quebradas e janelas sem vidro. E, claro, sem falar no silêncio ensurdecedor. Não ouço mais as vozes, o que é muito estranho.
  Olho em cada cômodo conforme caminho pelo corredor, mas não encontro nada, absolutamente nada. Estou prestes a desistir da minha busca nesse andar quando uma porta fechada me chama a atenção, o que acho um pouco estranho, pois essa é a primeira porta fechada que vejo nesse andar, ao contrário do primeiro, onde tudo parece um pouco mais organizado. Decido ver o que há por trás da tal porta, mas quando tento abri-la, nada.
  Está trancada.
  – Que ótimo. - Reviro os olhos.
  Não sei o que aconteceu comigo, mas realmente preciso ir embora daqui o mais rápido possível. Algo me deixou irritada de uma hora para outra e sinceramente se eu não encontrar Connor logo, vou deixá-lo aqui. Algo nesse lugar está me dando nos nervos.
  Empurro mais a porta e ela cede um pouco mostrando que não estava trancada, apenas emperrada. Aplico mais força e finalmente ela se abre revelando um quarto, e posso dizer isso pelo fato de haver uma cama, mas duvido que alguém durma aqui, afinal, não há colchão ou travesseiros na cama de ferro, e as molas que a sustentam não parecem ser nada confortáveis. Aos pés dela há também uma mesa de madeira escura e uma cadeira do mesmo material.
  Me viro para, definitivamente, sair desse lugar e terminar minha busca por Connor, quando uma forte corrente de vento me atinge fazendo com que meu cabelo voe por todo o meu rosto, me impossibilitando de enxergar direito, e quando me viro tenho a certeza de que não foi pela janela quebrada que entrou o vento. E para concretizar a minha afirmação, assim que me viro totalmente vejo uma figura loira encostada no batente da porta, me fazendo dar um pequeno pulo.
  – Você me assustou. - Resmungo, levando uma de minhas mãos até o peito, na tentativa de acalmar meus batimentos cardíacos que por segundos se alteraram.
  – Desculpe, essa era a minha intenção. - O tal solta uma curta risada enquanto eu reviro os olhos.
  – Nossa, como você é engraçado. - Imito uma falsa risada e cruzo os braços. – Por acaso a sua amiguinha não está com você, certo? - pergunto, tentando olhar por cima de seus ombros a procura de algum sinal da garota ridícula.
  – Quem? Brook? Não. Ela está cuidando da Mad. - Agora foi sua vez de cruzar os braços, ainda mantendo seu sorriso. – Vocês pareceram se dar tão bem. - Nessa hora minha vontade foi de pegar a cadeira que estava ao canto do quarto e jogar em sua cabeça.
  Ele acha que é engraçado? Pois não é. E por que ele fica rindo de tudo? Até parece um perturbado. Bom, talvez ele seja, porque para viver em um lugar desses, só sendo perturbado mesmo.
  Decidindo ignorar a vontade louca de socar ele até que esse estúpido sorriso sumisse do seu rosto, me colocando de costas encaro a parede velha e gasta a minha frente, pensando em que lugar do sanatório Connor deve estar.
  – Pensando onde seu namoradinho está agora? - a voz debochada de soa atrás de mim.
  – Ele não é meu namoradinho, é meu amigo – me viro em sua direção outra vez.
  – Não foi muito legal da parte dele deixar você sozinha no escuro. Acho que você deveria arrumar um namorado melhor. - Eu já estava mais do que pronta para lhe devolver uma bela resposta quando notei algo em sua frase.
  – Espera, como você sabe que ele me deixou sozinha? - arqueio uma sobrancelha, confusa e desconfiada.
  – Eu vi, estava lá na hora. - Ele responde simples, cruzando seus braços outra vez e ainda se mantendo escorado ao batente da porta.
  – Você estava lá? - dou alguns passos apressados em sua direção.
  – É óbvio que eu estava lá. - E lá vai outra resposta esperta.
  – Como você sabe do Connor? - meu semblante transparecia todas as dúvidas que pairavam em minha mente.
  – Eu e o pegamos. - E pela milésima vez no dia escuto esse maldito nome que faz meu sangue ferver.
  – Isso já está perdendo a graça. - Começo a andar de um lado para o outro passando a mão no rosto de forma nervosa. Assim vou acabar virando uma pessoa bipolar. – está morto. - Digo, parando e encarando o loiro que me olha com divertimento.
  – De fato ele está morto, todos aqui dentro estão. - Nessa hora eu não me contive e soltei um grito agudo de frustração.
  – Dá pra vocês pararem com essa merda de pessoas mortas presas em um sanatório abandonado? - endireita sua postura e se desencosta do batente da porta.
  – E você acha que tudo isso é o que? Um grande sonho louco projetado pela sua mente? - ele me olha curioso e eu apenas dou os ombros, talvez eu esteja louca. – Não. Você não está louca, . - Arregalo meus olhos em espanto. – O que mais vai ter que acontecer para você perceber que tudo isso é real? Que tudo isso é pra você. - Ele dá um passo em minha direção, e em questão de segundos seu rosto vira aquela coisa demoníaca com veias e órbitas vazias.
  – E-Eu... - tento falar, mas minha voz não sai.
  – Está com medo, ? Pensei que não tivesse medo de nada. - Ele continua dando passos em minha direção, e eu dando passos cegos para trás até sentir meu corpo se chocar contra a parede.
  Agora ele estava a três passos de mim e quando eu penso que ele vai me atacar, ele solta uma risada com humor e seu rosto volta ao normal.
  – Eu não vou te machucar, - solto um curto suspiro aliviado. – Pelo menos não eu. - Meu corpo logo volta a ficar tenso.
  – V-Você sabe onde Connor está? - tento mudar o foco da conversa. Vejo ele acenar com a cabeça um “não”.
  – Eu só ajudei a pegar ele, mas não sei pra onde ele o levou. - Dizendo isso ele se virou e começou a dar passos em direção a porta. – Se eu fosse você, eu iria procurar seu namoradinho o mais rápido possível, tem uma grande chance dele estar morto agora. - Sinto meu coração saltar no meu peito e meus olhos se arregalarem. Olho para porta vendo atravessar ela, mas parar logo em seguida, apenas me olhando por cima dos ombros – Sugiro que leve alguma coisa para se defender, ou vai acabar igual noite passada. - Ele pisca pra mim.
  Assim que ele termina sua frase dramática, some feito fumaça em uma grande corrente de ar. Meu coração volta a bater com uma intensidade tão elevada que eu tenho medo que ele rasgue meu peito.
  Tenho que achar Connor. Desesperada vou em direção à porta, mas paro assim que lembro do conselho de para pegar alguma coisa para me defender. Olho em volta procurando algo útil no quarto. Meus olhos se voltam novamente para cadeira de madeira. Sem pensar muito vou até ela e a pego. De maneira desajeitada começo a tacar a cadeira contra o chão a fim de arrancar uma de suas pernas e usar como um bastão improvisado.
  Depois de algumas falhas tentativas vejo a madeira rachar. Apoio meu pé direito sobre a cadeira e agarro uma de suas pernas, começo a puxar na esperança da madeira rachar mais. Agora depositando toda minha força, faço uma careta e puxo de uma vez só, vendo a madeira se desprender do resto da cadeira. Tomei tanto impulso na hora de puxar que me desequilibrei e fui parar na velha cama de molas sem colchão. Meus cabelos caíram sobre o meu rosto, tampando minha visão. Dou uma forte soprada tentando tirar alguns fios do meu rosto, quando consigo, encaro o teto, depois levanto da cama e saio apressada do quarto a procura de Connor.
  Passo correndo pelos corredores a fim de encontrar a escada para o terceiro andar, o único que ainda não foi vasculhado por mim e quando a encontro subo rapidamente ela. Não tenho tempo a perder, o sol já está se pondo e a escuridão não é uma boa companheira.
  Quando chego ao último andar quase perco as esperanças. Esse andar é penas um salão aberto. Sem corredores, sem portas, e por tanto, sem cômodos onde Connor possa estar. Suspiro desanimada, mas não posso desistir, já que se aquele loiro estiver falando a verdade, mesmo que não seja o tal morto há décadas que tenha pego o meu amigo, outro alguém pode ter feito isso e ele pode estar realmente em perigo. E é assim que tenho uma ideia.
  Esse lugar enorme deve ter uma construção afastada, um anexo ou até um porão. Tenho vontade de dar um tapinha em minhas costas por pensar nisso. Corro escada a baixo em busca de qualquer espaço que eu não tenha vasculhado ainda e quando volto ao primeiro andar, não vejo as criaturas flutuantes, então continuo correndo ao avistar um corredor que leva para os fundos do sanatório, e ao atravessá-lo tenho a impressão de que a temperatura cai uns dez graus, não sei se pelo fato das paredes serem de azulejos ou pelo fato desse corredor ficar na parte de trás do sanatório onde não há nenhum resquício de luz, mas por um motivo ou outro, passar por aqui faz todo o meu corpo se arrepiar.
  Reparo nas paredes e elas sustentam quadros com fotografias do que parecem ser enfermeiros, mas não consigo dizer ao certo devido aos vários cortes presentes por todo o lugar, mas principalmente nos rostos fotografados. Sinto uma sensação estranha ao olhá-los, então simplesmente tento ignorá-los e me concentro nos cômodos, onde não encontro muita coisa, pois muitos deles estão vazios e nos que não estão, encontro macas velhas, cadeiras empilhadas nos cantos e panos pendurados nas janelas.
  Abro algumas das portas fechadas, mas muitas vezes, apenas espio pelo vidro sobre elas e vejo que cada sala com seus azulejos brancos sujos guarda diferentes tipos de aparelhos hospitalares velhos e enferrujados, o que me assusta de princípio, pois me faz lembrar do relato que li na biblioteca e só de imaginar que onde estou foi palco de crueldades no passado, me faz entrar em pânico e temer mais do que qualquer coisa pela vida de Connor.

Capítulo 10

  Passo por todo o corredor frio até que chego na última porta, mas antes de abri-la respiro profundamente, pois Connor só pode estar aqui, não há nenhum outro lugar para servir de esconderijo. Ele tem que estar aqui.
  Empurro a porta branca de ferro que se abre com um rangido, e a imagem que vejo dentro do cômodo escuro apenas iluminado por uma lâmpada que pende no teto, me faz arfar. As mãos de Connor estavam presas ao teto por meio de correntes enormes e seus pés quase pendiam sobre o chão sujo. Sua face representava dor e cansaço por baixo das machas de um líquido escuro que estava presente por todo o seu corpo, mas não conseguia afirmar o que de fato era devido à escuridão do local, mas só o pensamento do que poderia ser me deixava sem ar. Suas roupas estavam sujas do mesmo líquido fazendo com que minha imaginação criasse cenários horríveis para explicar sua origem.
  Corro ao seu encontro temendo por sua vida, mas antes que pudesse alcançá-lo, tudo ao meu redor fica escuro.
  – Connor? - tento chamá-lo, mas não obtenho resposta. – Connor? - tento mais uma vez, porém mais alto, e em um piscar de olhos as luzes se acendem.
  Entro em pânico ao ver que Connor não está mais no centro do cômodo. As correntes que o prendiam estão soltas e balançam de um lado para o outro como se ele tivesse acabado de se desprender dali. Não se encontra em lugar algum dessa sala.
  Em questão de segundos a luz volta a se apagar.
  – Que droga! - resmungo alto já, farta de todos esses acontecimentos estranhos de hoje, e decido ir em busca daquela maldita cordinha que faz a luz acender, mas antes que possa dar o primeiro passo, sinto uma brisa fria na altura da nuca que faz meu corpo todo se arrepiar.
  – Sentiu minha falta? Veio por mim, não foi? - alguém fala perto do meu ouvido, tão perto que consigo sentir sua respiração contra minha pele. – Você não desiste mesmo, não é? - ouço sua risada sem humor e sinto algo frio deslizando sobre minha pele. A escuridão me impede de saber o que é. – Menina estúpida. - Vocifera e sinto como se sua voz pudesse me derrubar, mas de quem é essa voz? – A corajosa não me reconhece? - diz como se tivesse lido meus pensamentos. – Vou te dar uma pista então. - Dizendo isso a luz volta a se acender, mas antes que eu possa me virar para ver de quem se trata, meus pés são puxados me fazendo cair no chão.
  Gemo de dor e aperto meus olhos na tentativa de amenizá-la, mas sou obrigada a abri-los rapidamente quando começo a ser puxada pelos pés, da mesa forma que foi na noite anterior.
  – ME SOLTA! - grito ao mesmo tempo que tento me segurar no chão fazendo com que meus dedos deixem uma trilha branca no piso sujo.
  Continuo tentando me agarrar a tudo que eu encontro pelo caminho enquanto ainda sou arrastada pelo chão sujo. Quando eu estava prestes a agarrar uma maca ao canto da sala, sinto meus tornozelos serem libertados e, sem pensar duas vezes, me levanto de forma rápida, mas uma forte tontura me atinge fazendo meu corpo cambalear para o lado, onde sou obrigada a me escorar na velha maca para não voltar para o chão outra vez. Fecho os olhos com força assim que sinto uma dor aguda no canto da minha cabeça, no exato local onde eu havia machucado noite passada.
  Algo quente começa a escorrer por toda lateral do meu rosto. Meu machucado mal cicatrizado da noite passada foi aberto outra vez, que ótimo. De forma ríspida passo a palma da mão por cima do machucado, não me importando de ter sujado mais ainda meu rosto de sangue. Eu só quero sair daqui, mas eu ainda preciso achar o Connor.
  Solto um curto suspiro e deixo meu olhar cair sobre a maca. Meus olhos se arregalam e eu dou um pequeno pulo para trás assim que vejo alguns instrumentos cirúrgicos ensanguentados sobre a maca, mas o que me deixou com arrepios pelo corpo foi que em meio a eles estava o casaco de Connor, este também todo sujo de sangue. Agora a minha infeliz teoria estava concretizada, era mesmo sangue que estava em Connor.
  Me viro rapidamente e começo a correr em direção à enorme porta enferrujada, mas pela segunda vez no mesmo dia outra porta é fechada na minha frente. Já sentindo meus olhos arderem, junto todas as minhas forças restantes e dou um forte chute na porta que faz um estrondo por ela ser de metal, e junto com o estrondo da porta, um poderoso trovão ruge do lado de fora. Encosto minha cabeça na grande porta tentando pensar em uma solução.
  – Não sabe o que fazer? - aquela voz volta e me pergunta de maneira debochada. – Eu tenho a solução pra isso. Você pode ficar aqui comigo. - Escuto a voz sussurrar agora ao pé do meu ouvido, me fazendo ter calafrios horríveis.
  Era uma voz grave, grave e muito rouca. Se fosse em outras circunstâncias e em outro lugar, eu poderia arriscar dizer que é o tipo de voz que uma mulher certamente adoraria ouvir.
  – Obrigado pelo elogio, mas vamos com um pouco mais de calma, querida. - Dessa vez seu tom de voz é normal, e eu me pergunto como ele pode responder coisas que eu nem sequer falei.
  Tomando um pouco mais de coragem, finalmente viro meu corpo para ver o dono dessa voz e para minha surpresa, era ele. Eu nunca iria esquecer desse rosto; mas seus olhos, seus olhos não estavam mais pretos. Seus olhos estavam incrivelmente verdes. Na sua pele não havia sinal algum de veias ou olheiras estranhas.
  – Quem é você? - ainda espantada, faço a pergunta que no fundo eu já sabia a resposta.
  Vejo um sorriso de canto surgir em seus lábios, antes dele dar os últimos passos para que nossos corpos ficassem totalmente colados. Agora eu me encontrava presa entre a grande porta de metal e ele. Sem aviso prévio ele levou suas mãos até a porta de metal, uma em cada lado da minha cabeça. De maneira lenta ele foi aproximando seu rosto do meu e eu sentia como se meu coração fosse rasgar meu peito, que eu poderia morrer a qualquer momento.
  – Você não sabe? Ultimamente você tem falado muito sobre mim. - Ele disse a centímetros do meu rosto.
  – Eu não te conheço. - Falo baixo, com o cenho franzido.
  Ele analisa meu rosto por alguns segundos, antes de voltar a sorrir.
  – Já faz um bom tempo desde a última vez. - O estranho homem diz me deixando ainda mais confusa e cautelosa sobre ele.
  O mesmo leva sua mão direita até meu rosto e passa a ponta do seu dedo indicador no machucado na lateral da minha cabeça, e foi traçando o mesmo caminho que o sangue fez pelo meu rosto. Ele continuou fazendo seu caminho com o indicador agora descendo para o meu pescoço, e meu corpo começou a ficar tenso. Quando seu indicador estava quase chegando na região do meu colo, onde uma fina linha de sangue foi traçada, ele parou seus movimentos e ergueu seu olhar na direção do meu. Em instantes seu rosto mudou, se transformando no monstro da noite passada.
  – Sou . - Assim que ele me diz seu nome, outro poderoso trovão rasgou o céu, me fazendo encolher entre a porta.
  – ? ? - questionei a mim mesma enquanto deslizava pela parede até o chão encolhendo os joelhos junto ao peito.
  Não. Não pode ser. ? está morto, não está? Mortos não falam. Meus pensamentos gritavam em minha mente e o som da chuva forte batendo contra a janela me impedia de pensar com clareza, mas de uma coisa eu não tinha dúvida; eu estava ficando maluca.
  – Eu só posso estar louca. - Sussurro para mim mesma enquanto sinto todo o meu corpo tremer. Outro trovão ruge junto de vários clarões, e me encolho mais.
  Sinto a presença de ao meu lado, mas me recuso a encará-lo.
  – Você é mais estúpida do que eu me lembro. - Ele diz calmamente. – Estúpida! Estúpida! Estúpida! - sua voz ecoa pelo cômodo mal iluminado e sinto as lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas. – E garotas estúpidas merecem morrer. - O encaro de imediato e um sorriso doentio cresce em seu rosto de olhos negros.
  Algo dentro de mim grita para que eu fuja e corra o mais rápido e longe possível desse homem assustador. Quando me levanto do chão, as luzes se apagam. Tomo impulso e em questão de segundos e seguindo apenas meus instintos, corro para a escuridão total do lado de fora da sala, já que dessa vez consigo abrir a porta de metal.
  Ouço risadas agudas e perversas se aproximando. Atravesso o corredor vazio de novo e com ajuda da luz da lua vejo que são aquelas coisas sombrias que me perseguem, elas se aproximam em uma velocidade ameaçadora, mas quando me viro prestes a começar a correr na direção oposta, vejo parado no final do corredor e entro em pânico. Em seguida ele desaparece feito fumaça e tenho que piscar meus olhos rapidamente uma e outra vez para tentar entender o que acabou de acontecer, dentro de segundos, ele volta a aparecer, mas não, não completamente, consigo ver apenas seus olhos negros que me encaram de forma assustadora, mas seu rosto não está formado, tudo em sua volta é apenas escuridão.
  Ouço um grito fino e quase ensurdecedor que parece ecoar pelos quatro cantos do sanatório, me obrigando a tapar os ouvidos com ambas as mãos. Aperto meus olhos fechados quando o som aumenta e sinto meus sentidos falharem, quase me levando ao chão, mas sei que se eu me render agora, vai ser meu fim e isso não está certo, pois eu mereço saber o que diabos acontece nesse sanatório. Eu mereço saber quem são essas pessoas de fato. Eu mereço saber toda a verdade, e Connor merece sair daqui ileso.
  Connor.
  Eu preciso achá-lo, mas eu nem ao menos sei onde ele está, se está vivo. Não pense bobeiras , é claro que Connor está vivo, você só precisa achar ele. Mas antes eu tenho que me manter viva.
  Olho em volta e percebo que o corredor agora está silencioso e sem sinal de sua presença. Passo as mãos pelos cabelos de forma nervosa olhando para diversas direções à procura de alguma saída. O corredor agora iluminado dá mais medo do que quando está escuro. É uma sensação horrível ficar olhando para esse lugar horroroso pensando que a qualquer instante alguma coisa vai surgir e me atacar. São tantos corredores aqui que até parece um grande labirinto.
  Escuto algumas batidas fortes e já desesperada procuro com os olhos de onde vem o som, percebo que vem de uma das inúmeras portas que tem no corredor. Era a última porta, a que estava mais longe de mim. As batidas se tornaram estrondos. De maneira automática fui dando passos involuntários para trás sem tirar meus olhos da porta que parecia que iria quebrar ao meio, tamanha era a força dos estrondos.
  – Eu tenho que sair daqui. - Sussurro para mim mesma, e outro estrondo e a madeira racha. – E-Eu tenho que sair daqui. - Outro passo para trás, e outro estrondo. A porta é partida ao meio e pedaços de madeira atingem a parede a sua frente.
  Sem parar para ver o que iria sair daquela porta me obrigo a correr pelo corredor outra vez. Meu corpo já queimava de dentro para fora, ele estava muito fraco, não aguentava mais correr, mas eu não posso me render e morrer aqui e agora. Por puro instinto dou uma rápida olhada para trás a fim de ver se alguma coisa me perseguia, mas assim que o fiz, uma das lâmpadas se apagou e isso se repetiu como um efeito dominó à medida que eu corria. Uma a uma as lâmpadas foram se apagando e outra vez me encontrava no escuro.
  Eu preciso de luz, preciso ir para onde tem luz. E foi o que eu fiz, olhei para todos os lados avistando outro corredor que estava aceso e comecei a correr até ele. Algumas risadas começaram a soar ao longe o que me fez olhar para trás outra vez, vi que um pequeno grupo de coisas flutuantes vinham rapidamente ao meu encontro. Corri mais rápido para dentro do corredor, mas acabei trombando com alguma coisa que me levou para o chão.
  – Te achei. - disse tombando a cabeça para o lado enquanto sorria. Meus olhos se arregalaram e eu engatinhei para fora do corredor vendo que aquelas coisas já se aproximavam. Me coloco de pé pronta para correr para o outro lado, mas escuto um longo suspiro atrás de mim – Você sabe que eu vou te achar, certo? - diz como se estivesse entediado, mas foda-se, eu volto a correr outra vez.
  Dessa vez eu fui em direção a um pequeno corredor que era a divisa de outros dois. Ele não estava iluminado, apenas suas pontas. Corro e paro no centro dele, analisando em qual direção eu iria. Assim que olho para esquerda eu vejo três pessoas pararem na entrada do corredor, eram três pessoas que usavam o mesmo uniforme das fotografias, dois homens e uma mulher. Seus uniformes brancos estavam totalmente sujos e rasgados, um saco marrom estava em torno de suas cabeças me impossibilitando de ver suas fisionomias. Aperto um pouco mais os olhos e percebo que em uma de suas mãos pingavam sangue. Arregalo os olhos e me viro.
  Definitivamente esse não é o lado que eu vou. De maneira cautelosa eu começo a dar pequenos passos para o lado direito do corredor, mas o arrastar de algo me fez parar. Olho para trás vendo as três pessoas ainda paradas na entrada do corredor apenas me observando. Volto meu olhar outra vez para frente vendo uma pequena sombra na ponta do corredor, era a sombra de uma pessoa que vinha caminhando de forma lenta; a pequena sombra foi ganhando tamanho, o que significa que estava se aproximando. O barulho de algo arrastando ficava cada vez mais alto e eu não tinha para onde ir. A sombra parou por alguns segundos, mas logo voltou a se mexer e em instantes a figura alta de surgiu, em uma de suas mãos havia um enorme machado que ele arrastava pelo chão.
  Meu coração salta e quase que o sinto rasgar meu peito. De forma lenta leva o machado até um de seus ombros, deixando o objeto apoiado ali. Ele me lança uma rápida piscadela antes de dar o primeiro passo para dentro do corredor. Nesse instante o desespero se alastra pelo meu corpo todo. Em um lado, haviam três pessoas entranhas cobertas de sangue, e do outro um possível psicopata louco segurando um machado.
  Sem saber o que fazer me pus contra a parede, e para minha sorte senti uma porta atrás de mim. Como é que eu não notei isso antes? E por que esse lugar tem tantas portas e corredores? Mas por ora estou agradecida por isso. De maneira rápida me viro e abro a porta, agradecendo por ela não estar trancada.
  Acabo por entrar em uma sala, já procurando uma saída, acho outra porta e vou em direção a ela dando em outra sala com mais uma porta. Sem tempo para pensar no quão estranho era isso passo por essa porta repetindo a ação mais duas vezes. Assim que abro a última porta dou de cara com uma escadaria de madeira. Subo ela em passos rápidos e entro no primeiro corredor que vejo, corro em direção a uma enorme porta de duas entradas dando no que parecia ser a antiga e velha cozinha. Sem pensar muito vou e me escondo embaixo do grande balcão que tinha ali, me encosto na parede e agarro meus joelhos.
  O que é tudo isso? Por que essas coisas estranhas estão acontecendo logo comigo? E onde está Connor? Eu preciso achar ele, mas é praticamente impossível, esse lugar é gigante e cheio de portas e corredores. Fico encolhida por mais alguns minutos no mais absoluto silêncio, apenas eu e minhas dúvidas.
  Será que eles foram embora?
  Minha pergunta mental é respondida assim que escuto alguém atravessar a porta da cozinha. Congelo meus movimentos tentando fazer o mínimo de barulho possível.
  Mais alguns passos e a pessoa para em algum lugar que eu não consigo ver.
  – Eu sei que você está aqui, querida. - Aquela voz.
  Por alguns segundos eu chego a ter raiva de como ele sempre consegue me achar.
  – Não precisa ter medo, eu não vou te machucar... - ele dá mais alguns passos e agora eu conseguia ver suas pernas. Ele continua andando na minha direção e para em frente ao balcão, seus pés a centímetros de mim. – ...na verdade, eu vou te matar. - Dizendo isso eu consigo ouvir um arrastar metálico sobre a pia e inúmeras coisas surgem em minha cabeça.
  Ele deixa sua mão pender ao lado do corpo mostrando a enorme e afiada faca que ele tinha em mãos. Meus olhos se arregalam e meu corpo volta a entrar em alerta. Sem saber o que fazer eu fecho os olhos com força. Então era isso, eu vou morrer agora.
  Mesmo com os olhos fechados eu os sinto marejarem e algumas lágrimas escaparem. Segundos depois sinto dedos gélidos tocarem meu rosto, limpando algumas de minhas lágrimas.
  – Não chore ainda, querida. Eu nem fiz nada. - Abro os olhos encontrando agachado a minha frente, me encarando com aqueles profundos olhos verdes. Mesmo assustada eu tratei de tirar sua mão do meu rosto, o que fez ele negar com a cabeça. – Vem aqui! - ele me arrasta para fora do balcão, e em espanto me coloco de pé, outra vez sendo encurralada.
  – Você não pode me matar. - Minha voz sai falha e eu agarro na borda do balcão.
  – Não? - ele me olha confuso, e depois se aproxima, levantando a faca e colocando a ponta dela na minha barriga, passeando por ali.
  Agarro com mais força na borda do balcão e uma sensação ruim corre todo o meu corpo, não era apenas pela faca pressionada sobre a minha barriga. Meu corpo começa a ficar muito fraco e minhas pernas começam a fraquejar, minha visão vai ficando turva e pontos pretos surgem por toda parte.
  – Tenha bons sonhos, querida. - As últimas coisas que ouço antes de imergir na escuridão foram as palavras gélidas de .

Capítulo 11

  Sinto uma ardência nos meus pulsos e solto um curto gemido de dor antes de abrir os olhos. Aos poucos vou abrindo eles e tentando ver onde eu estava. Minha visão demora alguns segundos antes de ficar totalmente nítida, e percebo que estou na velha sala onde vi Connor. Solto um curto suspiro e tento mexer os braços, mas percebo que eles estão presos às mesmas correntes. Entro em desespero e começo a balançar os braços freneticamente, mas sem obter resultados.
  Corro meus olhos pela sala encontrando meu casaco vermelho sobre a velha maca, olho para o meu corpo e percebo que só estou usando minha fina blusa preta de mangas longas. Uma corrente de ar passa pelo meu corpo e minha primeira reação é tentar me encolher, o que não dá pelo fato de estar presa nas correntes.
  Analiso outra vez a sala que é iluminada apenas por uma velha lâmpada que pendia do teto e por uma pequena janela onde se podia ver alguns clarões vindo do lado de fora. Volto meu olhar percebendo que estava sozinha na sala.
  Agora só preciso arrumar alguma coisa que possa me ajudar.
  Encaro o chão vendo um velho pedaço de arame perto de mim. Isso terá que servir. Com o auxílio do salto da minha bota tento arrastar o pequeno arame para perto de mim, obtendo sucesso. Quando o arame está perto o suficiente lembro de um pequeno detalhe: como eu vou pegá-lo com as mãos atadas?
  – Ótimo! - bufo de irritação. – Como é que eu vou sair daqui agora? - resmungo para mim mesma.
  – Não vai. - responde calmamente minha pergunta enquanto entra pela porta.
  – Você tem que me deixar ir embora ou eu...
  – Ou você o quê? - ele me interrompe, vindo em passos rápidos e parando na minha frente. Seu humor é algo peculiar. – Você vai ficar calada, entendeu? - seus olhos incrivelmente verdes me olham com irritação.
  – Você não manda em mim. - Eu sei que na situação que me encontro isso não é o mais inteligente a se falar, mas eu não posso ficar aqui simplesmente morrendo de medo e deixar ele fazer comigo, seja lá o que imagina.
  – EU MANDEI VOCÊ CALAR A PORRA DA BOCA! - ele grita e seu rosto muda outra vez me fazendo arregalar os olhos. Tá, eu acho que posso ficar calada – Ótimo. - Ele diz, fazendo com que seu rosto volte ao normal.
  Ele se vira de costas pra mim e vai caminhando em direção a velha maca.
  – Por que você simplesmente não pode me deixar ir? - sinto a raiva me invadir de novo, e minha promessa de ficar calada dura menos que meio segundo.
  Ele se vira pra mim me olhando sério.
  – Você é muito chata. - Ele rosna e eu abro a boca em indignação.
  – Eu não sou chata, e onde está o Connor? - escuto ele bufar irritado.
  – Pare de falar um pouco.
  – Eu não falo demais.
  – Olha, ainda falando. - Ele ironiza se virando em minha direção.
  – Não vou ficar quieta até você dizer onde o Connor está. - Digo firme.
  – Oh, isso foi uma chantagem? - ele faz falsa cara de surpreso, mas ao invés de respondê-lo, apenas ergo uma sobrancelha o desafiando, e ele se aproxima de mim em passos calmos. – Parece que você não está em posição de exigir qualquer coisa. - Ele sorri de lado e empurra meu corpo para trás, fazendo com que meus pulsos doam ainda mais, gemo de dor. Sinto que a qualquer minuto eles vão começar a sangrar.
  – I-Idiota. - Falo com alguma dificuldade devido a dor.
  – O que você disse? - os olhos de começam a escurecer.
  – Nada. - Engulo em seco.
  – Por favor, repita o que acabou de dizer. - Ele ironiza outra vez, mas nego com a cabeça. – Onde foi parar toda a sua coragem, querida ? - ele diz de forma condescendente e até inclina a cabeça um pouco para o lado, e só de olhar essa imagem tenho vontade de chutá-lo.
  – Você não teria coragem. - Ele diz sorrindo como se tivesse lido meus pensamentos. – Ou melhor, você não tem coragem. - Ele me desafia chegando mais perto, quase colando seu corpo ao meu.
  – Você não sabe do que eu sou capaz. - Respondo firme enquanto olho diretamente em seus olhos verdes que estão cada vez mais pretos.
  – Faça. - Ele volta a desafiar e sinto a raiva me consumir. – Faça, ! - ele dá mais um passo para perto de mim, colando nossos corpos. – Você não quer me chutar? Então faça isso. - Ele fala com um tom de voz sombrio e seus olhos se tornam duas órbitas negras. – Você não tem coragem, não é? - ele debocha e se afasta indo em direção à maca.
  Meu casaco é jogado no chão e ele começa a mexer em algo que não consigo ver, mas soa como metal. Tento enxergar sobre seus ombros me colocando nas pontas dos pés, mas ele é muito alto.
  Eu tenho que pensar em um jeito de escapar daqui, senão ele vai me matar.
  – Eu tenho que concordar com você em uma coisa. - Ele se vira com uma faca em mãos, e dou um passo para trás. passa um pano por toda a faca como se estivesse lustrando-a. – Eu vou te matar. - Ele continua sem me olhar. Toda sua atenção está voltada para o objeto prata reluzente em suas mãos. – Só não decidi como... - ele para suas ações e olha diretamente para mim – ...ainda. - Tento dar mais um passo para trás, mas as correntes me impedem e acabo sendo projetada para frente e todo meu cabelo cai sobre o meu rosto.
  Tento soprar os fios dos meus olhos para que possa enxergar, mas qualquer tentativa é em vão. Então acabo desistindo e suspiro cansada. Meu corpo está todo dolorido. Quase não sinto minhas pernas por ter corrido tanto por esses corredores. Minha cabeça dói devido ao impacto com o chão. Minha garganta está seca, e agora parece que meus braços vão se desmembrar do meu corpo.
  Salto quando sinto algo frio sobre meu rosto e quando vejo que é uma faca tento me afastar, mas ele segura firmemente meu rosto no lugar. usa a ponta afiada do objeto para retirar as mechas de cabelo do meu rosto e as coloca atrás de minha orelha.
  – Deve ser frustrante saber que seu namoradinho corre perigo e você não pode fazer nada para ajudá-lo porque está aqui presa. - Ele fala enquanto passa a faca vagarosamente sobre meu pescoço.
  – O que você fez com ele? Onde ele está? - tento falar o mais calma possível. Tudo o que eu não preciso agora é que esse maluco com uma faca em mãos fique irritado. – Ele não é meu namorado. - Completo.
  – Você realmente quer saber o que eu fiz com ele? - pergunta, e sem pensar duas vezes eu faço que sim com a cabeça e ele sorri antes de acariciar minha bochecha.
  – O que você está fazendo, seu maluco? - tento me afastar, mas ele segura minha cintura.
  – Shh! - ele coloca sua mão sobre minha boca.
  – Me solta. - Falo abafada pela sua mão.
  – Fique quieta. - Ele fala sério e eu nego com a cabeça, sem conseguir falar.
  Ele dá mais um passo em minha direção ficando à milímetros do meu rosto e logo me arrependo de ter falado qualquer coisa, pois em seguida, segura meu pescoço com as mãos e o aperta tanto que minha respiração falha, tento clamar por ajuda quando sinto meus pés saírem do chão. Sou traída por meus pulmões que lutam por ar, antes de perder a consciência novamente.

***

  Minha cabeça dói, meu pescoço dói, meu corpo inteiro dói. É como se um caminhão tivesse passado por cima de mim, um cansaço sem tamanho corria pelo meu corpo todo e não era apenas um cansaço físico, mas também era um cansaço mental. Eu me sentia mentalmente cansada, cansada de uma forma que eu nunca me senti antes.
  Ainda mantendo meus olhos fechados eu consegui me lembrar, me lembrar da sensação de ter meu pescoço apertado até que eu desmaiasse. Da sensação de tentar a todo custo puxar o ar até meus pulmões de forma desesperada. Da sensação de ter minha consciência arrancada de mim aos poucos. Da sensação de ter as mãos dele em torno de mim, me causando tudo isso.
  Era sempre ele. Ele era o culpado de tudo isso, era tudo culpa dele. Por que simplesmente não podia me deixar ir embora? Qual o problema desse maluco?
  Depois de algum tempo, meu corpo finalmente resolve obedecer aos meus comandos. De uma forma preguiçosa levo minhas mãos até o rosto e solto um longo suspiro frustrado... Espera, minhas mãos estão soltas? Abro os olhos no mesmo instante e percebo que estou deitada no gasto e sujo chão da sala de cirurgia.
  Então ele resolveu me soltar? Não posso perder essa oportunidade. Acabo por me levantar do chão pronta para ir embora desse lugar quando uma figura ao canto da sala me chama a atenção.
  – Connor? - pergunto surpresa.
  Sim, era Connor. Agora ele estava preso outra vez àquelas malditas correntes. Deixo um pequeno sorriso de alívio moldar meu rosto, mas foi algo temporário já que ao notar seu estado um aperto se alastrou em meu peito. Ele estava machucado, mais machucado do que antes. Em seu rosto havia alguns cortes e sangue seco por todo lado, suas roupas estavam completamente rasgadas dando vista a algumas feridas que pareciam profundas, sua testa brilhava de puro suor escorrendo pelo seu rosto desacordado, e sua respiração era descompensada, mostrando que lutava para respirar.
  – Meu Deus, Connor! - corro em sua direção e tomo seu rosto entre as minhas mãos. – Connor! Connor! - chamo seu nome enquanto tento a todo custo acorda-lo. A culpa era minha, exclusivamente minha, eu nunca deveria ter voltado aqui com ele. – Por favor, Connor. Acorde! - passo minhas mãos pelo seu rosto tentando remover um pouco do suor e do sangue seco.
  Para minha felicidade ele começou a resmungar.
  – ...? - ele pergunta de maneira falha, ainda mantendo seus olhos fechados.
  – Sim, sou eu. - Falo exasperada. – Me desculpa, isso tudo é culpa minha. Eu nunca deveria ter te envolvido nessa situação.
  – Não... não é culpa sua. Eu não podia deixar nada acontecer com você dessa vez. - Com um pouco de esforço ele foi abrindo os olhos e tentando levantar a cabeça para me olhar. – Não é culpa sua. - Sua voz saiu um pouco mais audível dessa vez.
  – Eu vou nos tirar daqui. Eu prometo. - Tento passar um pouco de confiança para Connor que assente de forma lenta.
  – Que cena mais linda. - Escuto a voz de e me viro o vendo encostado na parede de braços cruzados nos encarando com divertimento. – Suponho que eu seja o vilão da história. - Diz, se desencostando da parede e vindo em passos calmos em nossa direção.
  – Fique longe dele. - Me coloco na frente de Connor, tentando fazer uma barreira. – Eu estou falando sério, fique longe dele. - Repito quando percebo que ele continua se aproximando.
  – Quando você vai parar de ser tão estúpida? - Ele tomba a cabeça para o lado e me analisa com curiosidade.
  Sinto uma raiva sem tamanho me consumir.
  – Quem você pensa que é? - falo firme dando passos em sua direção e parando a sua frente. – Você não pode fazer isso com as pessoas. - Fecho minhas mãos em punhos.
  – Eu acho que posso sim. - Dizendo isso ele agarra minha cintura e me tira do seu caminho indo até Connor.
  – O que você vai fazer com ele? - me desespero assim que vejo ele soltar um dos braços de Connor. – Não! - corro em sua direção e tento impedi-lo, agarrando seu braço.
  – Seja uma boa garota ou eu vou ter que te prender outra vez, querida. - Ele apenas me lança um olhar em alerta, mas não deixo isso me intimidar, continuo tentando impedi-lo. – Eu avisei. - Solta um suspiro e agarra minhas pernas me jogando por cima dos seus ombros, me fazendo gritar em espanto.
  Me debato de todas as maneiras tentando me soltar, o que é falho. Fico assim até sentir ele me sentar em uma velha cadeira de madeira, amarrando meus braços a ela.
  – Você precisa aprender a obedecer às pessoas, . - Diz amarrando firmemente meus braços.
  – Eu não vou te obedecer. - Falo entredentes e tento me soltar outra vez, mas logo paro assim que sinto as cordas machucarem meus pulsos. – Me solta ou eu vou gritar. - Ameaço encarando que se levanta.
  Começo a gritar, mas isso não parece surtir efeito sobre . Ele apenas caminha até o meu casaco vermelho jogado no chão, arranca uma de suas mangas e volta em minha direção. Ele passa o pedaço de pano rasgado ao redor da minha cabeça, tampando minha boca.
  – Bem melhor. - Ele dá um falso sorriso e volta a se virar de novo e vai até Connor. – Se você se comportar direito e só assistir o que eu vou fazer com o seu namoradinho, eu te solto. - Ele diz ainda de costas pra mim.
  Ele solta o outro braço de Connor e passa um de seus braços sobre o seu ombro, dessa maneira ele vai arrastando Connor até a velha maca, derrubando tudo que tinha ali e depois coloca Connor sobre ela. agacha e pega um pequeno bisturi e depois leva até Connor, não sem antes me lançar um sorriso.
  Ele rapidamente amarra os braços e pernas de Connor com uma corda antes de pegar o bisturi novamente e começar a furá-lo com toda a brutalidade. Tento gritar ao ver essa cena perturbadora, mas o pano que cobre minha boca abafa quase todo o som. Sinto meus olhos arderem enquanto Connor grunhe de dor.
  Eu não posso acreditar que isso está realmente acontecendo. Connor, o garoto gentil, simpático e doce que conheci está sendo brutalmente torturado em frente aos meus olhos e não tem nada que eu possa fazer a não ser me debater sobre essa cadeira velha e nojenta na qual estou.
  Espera! Velha?
  Começo a me debater freneticamente não ligando se com cada movimento eu acabo ficando mais machucada, e com um último impulso o encosto da cadeira se parte e meus braços são libertados. Solto meus pés e tiro o pano da minha boca. E com um súbito ataque de coragem pego em uma das partes quebradas da cadeira e corro em direção a o acertando bem na cabeça. Ele se vira de imediato e posso ver as veias pretas crescendo sob seus olhos. Dou um passo para trás pronta para atacá-lo de novo, mas em questão de segundos, ele segura meus pulsos e me empurra para trás com uma velocidade sobrenatural e acabo indo de encontro com uma parede. me encara profundamente e depois sinto uma dor aguda no centro da minha barriga.
  A visão que tenho quando abaixo meu olhar é desesperadora, sinto minhas pernas perderem a força. tinha me esfaqueado e mantinha a faca lá como forma de tortura, tornando impossível cada movimento meu, e principalmente, tornando impossível que eu respirasse sem dificuldades.
  Sinto a faca se movendo para dentro de mim e grito com todas as minhas forças.
  – Nos encontraremos outra vez no inferno, querida. - Essas são as últimas palavras que escuto de antes de ser brutalmente puxada para um lugar escuro onde eu perderia minha consciência aos poucos e, consequentemente, a minha alma.
  Agora tudo estava voltando outra vez para mim.

Capítulo 12

  POV ALANA

  – Nos conte de uma vez o que aconteceu com ela, Alana. - pela terceira vez Margot pede impaciente para que eu explique o que aconteceu.
  Eu sabia no segundo que ela veio com aquela ideia maluca de "salvar" aquela coisa, que não era uma boa ideia voltar no Waverly Hills, pelo menos não agora, isso apenas apressou as coisas. Mas só o fato de escutar ela dizer que queria voltar naquele lugar depois de tudo o que passamos, foi o suficiente pra fazer meu sangue ferver. Claro, sendo a Alana que sou, me arrependi algumas horas depois, quando de 5 em 5, muitos 'eu's' encaravam o relógio esperando ela voltar, isso não estava no plano.
  Eu vi as horas passando e nada da voltar. Eu ainda tinha a esperança de ver ela entrar pela porta do nosso apartamento dizendo que eu estava certa de que isso tudo era uma grande idiotice, era o que ela precisava acreditar. Mas as horas continuaram passando, o sol já estava se pondo e ela não voltava. Então a aflição me invadiu e eu fui atrás dela, a encontrando em um estado deplorável, boiando no seu próprio sangue. E como se isso não fosse o bastante, eu ainda vi Connor a poucos metros dela em uma maca velha, totalmente machucado.
  – Escute, minha jovem! - Margaret tenta capitar minha atenção, mas ainda continuo com a mesma expressão vazia. – Eu sei que deve ser difícil, mas você precisa nos contar o que aconteceu com ela. - as duas senhoras me encaram de forma piedosa, me fazendo soltar um longo suspiro antes de finalmente contar o que aconteceu:
  – Depois daquela noite, a achou alguns papéis sobre o e resolveu voltar para "salvá-lo". - faço aspas com os dedos, e bufo ao lembrar da sua teimosia. – Eu tentei colocar em sua cabeça que isso era idiotice, mas ela tinha que ser teimosa e voltar lá. - fecho as mãos em punhos e me virei encarando deitada sobre a branca cama de hospital.
  Vou caminhando em sua direção e paro ao lado de sua cama. Ela estava desacordada desde que chegou aqui. Respirava com a ajuda de aparelhos. Fios e mais fios estavam ao seu redor. No seu dedo havia um pequeno oxímetro marcando seus fracos batimentos cardíacos. Uma agulha estava enterrada em seu braço esquerdo, levando o que eu julgava ser remédio ou algum soro, na verdade não sei.
  – Você os trouxe sozinha? - escuto a voz de Margaret perguntar.
  – Não exatamente. Gemma me ajudou até onde podia. - respondo rápido querendo acabar com o assunto logo, e dispensar essas velhas daqui.
  – Gemma? Essa garota continua a mesma de sempre. - Margaret deu mais alguns passos se pondo ao meu lado.
  – Não quero falar sobre isso agora. - falo, pegando na mão de . – Por que você tem que ser tão teimosa? - pergunto mesmo que ela não possa me responder.
  – Tudo bem. - sinto a mão de Margot repousar no meu ombro.
  A porta do quarto se abrindo nos interrompeu. Era o médico da .
  – Alana Evans? - o médico pergunta enquanto olha para uma planilha em suas mãos.
  – Sou eu, doutor. - respondo, indo em sua direção.
  – A senhorita é a responsável pela paciente Green? - apenas assinto. – E os pais dela? Já os avisou? - ele me olha seriamente.
  – Ainda não, doutor, primeiro eu gostaria de saber a gravidade da situação dela. - respondo e solto um suspiro. Tudo que eu não precisava agora era ouvir aqueles dois no meu ouvido dizendo que não era bem isso que eles estavam planejando. Sim, não era realmente o que eles estavam planejando, mas ainda sim sinto que isso pode dar certo para mim.
  – Então eu sugiro que ligue o mais breve possível para eles. - essas palavras foram o bastante para fazer estremecer.
  – A situação dela é tão grave assim? - pergunto.
  – Infelizmente sim. - ele me dá um olhar triste. – Deixe-me tentar te explicar de uma forma fácil. - o médico suspira pesadamente antes de continuar. – Em nosso corpo existe uma artéria chamada aorta, ela é a artéria principal e é ligada diretamente ao coração e ao pulmão esquerdo, chegando três dedos acima do umbigo e se dividindo pelo corpo todo. Ela é responsável por enviar sangue, oxigênio e nutrientes para o corpo humano e, uma vez que ela é rompida, as consequências são graves. - ele explica.
  – O que você quer dizer com isso, doutor? - a essa altura a tensão me dominava por completo.
  – Infelizmente, teve essa artéria rompida. - ele colocou uma mão sobre meu ombro – Uma artéria é como uma mangueira, quando é for rompida nós cortamos o lugar do furo, pegamos um pedaço de outra artéria e "emendamos". - fez aspas com os dedos – Fazemos esse processo para garantir que o sangue e o oxigênio continuem circulando normalmente, sem haver desvios ou vazamentos. E nós já fizemos isso em . - ele suspira outra vez.
  – Ela perdeu muito sangue. Essa artéria que foi atingida ficou algum tempo sem receber oxigênio no cérebro, e quando isso acontece por mais de cinco minutos os danos são irreversíveis. Por isso, por mais que acorde do coma, ela terá sequelas para o resto de sua vida. - ele finaliza e sinto um pesar enorme sobre de mim.
  – Quais tipos de sequelas ela pode ter?
  – Não há como saber especificamente, mas em casos como o dela pode-se perder a fala, a visão, os movimentos e, em casos extremos, entrar em estado vegetativo.
  Como ela pode ter esse tipo de sequelas? Logo ela, isso é impossível, a menos que o que fizeram com ela no passado tenha sido algo realmente poderoso.
  – Não tem mais nada que possa ser feito? - pergunto para o médico, que nega.
  – Eu sinto muito, senhorita Evans, mas na nossa oxigenação cerebral há um grande consumo de oxigênio e glicose pela parte do encéfalo, o que exige grande fluxo sanguíneo para o abastecimento, e quando esse fluxo é interrompido por um tempo maior que cinco minutos, os danos podem se tornar irreversíveis, já que as células não se regeneram nesse caso. - ele volta a usar todo seus termos médicos que começavam a me irritar.
  Depois de toda essa explicação ficamos em absoluto silêncio no quarto até o médico pedir licença e se retirar.
  – O que vamos fazer? Isso não faz sentido, não, quando se trata da . - Margaret resmunga quando o médico fecha a porta.
  – Eu não sei. - respondo e solto um suspiro.
  Como eu poderia imaginar que tudo isso acabaria assim? Eu deveria ter amarrado ela dentro daquele apartamento, já que era meio óbvio que ela faria algo estúpido. Ela sempre faz isso, sempre nos põe nesse tipo de situação.
  – Nós vamos pensar em algo, está bem? - a voz de Margot soa como um eco distante em minha cabeça.
  – Margot, ela precisa de um tempo. Vamos. - ouço uma movimentação no quarto, mas logo os bips das máquinas são tudo o que se pode ouvir.
  Caminho de volta até a cama de e me sento ao seu lado.
  – Você sempre ferrando com tudo, não é?! É melhor que você acorde para que possamos continuar com as coisas, você sabe, eu preciso fazer isso por ele. - falo com minha amiga desacordada na esperança de que ela abra os olhos para que possamos voltar para o nosso apartamento.

***

  POV

  Ouço vozes que aparentam estar bem longe de mim, uma delas parece ser a de Lana, mas não tenho certeza. Meus olhos estão muito pesados para conseguir abri-los agora. Tenho a sensação de ter dormido por uma eternidade, mas mesmo assim me sinto muito cansada. Meu corpo está tão pesado que não consigo nem me mexer.
  – A situação dela é tão grave assim? - ouço Lana dizer ao longe como se fosse um eco.
  Dela? De quem ela está falando?
  – Infelizmente sim. - alguém diz e pela voz é um homem.
  Quero perguntar de quem eles estão falando e o que é grave, mas minha voz não sai, meus olhos não abrem, não consigo mover um músculo sequer do meu corpo.
  O que está acontecendo comigo?
  Sinto um lado do colchão se abaixar e me assusto. Quero muito abrir meus olhos para ver de quem se trata ou para pelo menos saber onde eu estou e por que estou deitada sobre um colchão, mas meu corpo parece não responder.
  – Você sempre ferrando com tudo, não é? É melhor que você acorde para que possamos continuar com as coisas, você sabe, eu preciso fazer isso por ele. - reconheço a voz sendo de Lana, mas sobre o que ela está falando? E quem é "ele" pra quem ela precisa fazer algo?
  Do que ela está falando? Eu estou bem, certo? Claro que sim, estou apenas tendo um pesadelo ruim e daqui a pouco vou acordar. Eu sei que sim.
  – Como ele está? - escuto outra vez a voz de Lana, e já não sinto mais seu peso sobre o colchão que estou deitada.
  – O senhor Lee está bem, estranhamente, todos os seus machucados já estão melhores. - escuto a voz daquele mesmo homem de antes. – Ele vai ter que ficar em observação por alguns dias, mas Connor é um garoto forte. Logo poderá ir para casa. - o mesmo homem diz de novo.
  Connor? Machucados? O que aconteceu com ele?
  Flashes invadem minha mente e as cenas de apunhalando Connor com aquele bisturi respondem minha pergunta. Quero mais que tudo ir até ele e ver como ele está, mas está acontecendo algo muito errado comigo, eu não consigo me mover, mas tenho certeza que vou acordar daqui a pouco e tudo voltará ao normal. Quem sabe eu consiga me levantar de onde estou se eu tentar me mover com mais vontade.
  Tento a todo custo abrir os olhos ou mexer qualquer músculo do meu corpo que seja, mas paro assim que escuto vários bips e uma movimentação ao meu redor, e por isso penso estar em um hospital, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, sinto minha cabeça pesar, me fazendo dormir outra vez.

***

  Uma suave brisa percorre meu corpo, me fazendo encolher sobre a superfície macia. Espera, eu posso me mexer?
  Em questão de segundos abro meus olhos e me coloco sentada sobre a superfície macia. Ergo minhas mãos em frente ao meu rosto e começo a mexer elas para ter a certeza que agora eu tenho domínio total do meu corpo.
  – Eu consigo me mexer. - sorrio ainda encarando minha mãos. – Eu sabia que era apenas um sonho. - respiro aliviada.
  – Não, querida. Isso aqui é um sonho. - escuto aquela familiar voz e começo a olhar em todas as direções em busca do seu dono.
  Primeiro analiso o ambiente que eu estou, um hospital. Em seguida, procuro e logo acho o dono da voz, encostado na parede na frente da cama em que eu estava.
  – Você está dizendo que isso é um sonho? - o encaro confusa enquanto colocava os pés para fora da cama.
  – Sim, mas eu não sou uma ilusão da sua cabeça. Eu estou aqui porque quero. - ele responde indiferente com um olhar tedioso.
  Me levanto de vez da cama e o vejo caminhar em minha direção.
  – Então você está tentando me dizer que entrou na minha cabeça? - pergunto debochadamente, mas isso não o afeta.
  – Exatamente. Essa foi a única forma de falar com você, já que está em coma. - assim que essas palavras sem emoções saem de sua boca, franzo meu cenho em confusão. Ele faz um gesto com a cabeça apontando para alguma coisa atrás de mim e assim que me viro para ver o que era meus olhos se arregalam.
  Era a minha imagem que eu via deitada sobre a cama de hospital, cercadas de fios e aparelhos, mostrando que o meu estado não era bom e foi que ai vários flashes da noite passada outra vez.
  – Agora você acredita, querida? - ele pergunta, logo atrás de mim. – Vê agora como tudo isso sempre foi real? - fecho os olhos com força e deixo que uma enorme onda de ódio surgir em mim.
  Então era tudo culpa dele. Culpa dele eu estar assim. Culpa dele Connor ter se machucado. Culpa dele a minha vida estar essa bagunça.
  – Isso é tudo culpa sua. - me viro em sua direção e esmurro seu tronco, e seus olhos se enchem de raiva e, sem muita dificuldade, ele agarrou meus pulsos, me prendendo.
  – Não pense que só porque isso aqui é um sonho, eu não posso te machucar. - ele falou entre os dentes. – Eu não te matei porque temos planos para você. - ele finaliza e me solta de forma rude, deixando marcas vermelhas em meus pulsos.
  Começo a esfregar eles para tentar amenizar a ardência, era tão real essa dor.
  – Não me matou, mas me esfaqueou! – rosno, devolvendo o mesmo olhar de ódio. – Muito obrigada. - falo sarcástica, indo em direção à porta.
  Saio do quarto batendo a porta com força, e depois começo a vagar pelos corredores em busca de alguém que pudesse me ajudar, mas depois de andar quase pelo hospital inteiro, eu me encontrava parada no meio da recepção sem um sinal sequer de uma mísera alma.
  – Nós estamos sozinhos aqui, sua estúpida. - para minha infelicidade, aparece na entrada da recepção.
  – Por que você não vai assombrar outra pessoa e me deixa em paz? - pergunto cansada e já irritada com toda essa merda.
  Seu semblante se tornou duro.
  – Chata. Você é chata demais. - seu olhar era de pura irritação.
  – Eu não tenho medo de você. - falo firme, apenas para que ele fique ciente. Eu simplesmente não posso deixar que ele me intimide sempre que quiser ou controle minhas ações.
  Ao contrário do que eu pensei, ele sorri de lado para mim, o que me confunde. Em seguida ele desce seu olhar por mim e para em algum ponto específico. Acabo por acompanhar seu olhar que parou sobre minha barriga e assim que analiso o local vejo uma enorme macha de sangue sujar a camisola branca que eu usava, seguida daquela familiar dor aguda. Era a mesma dor, parecia que a faca ainda estava ali me furando novamente, o que me fez levar a mão até o local e curvar meu corpo em dor.
  – V-Você não pode fazer isso comigo. - minha voz sai falha.
  – Eu posso fazer o que eu quiser com você. - rebate. – Você deveria ter pensado bem antes de voltar para mim. - ele vem outra vez em minha direção se inclinando e me obrigando a encarar aquelas duas orbitas negras. – Agora não tem mais volta.

Capítulo 13

  POV

  – Você precisa acordar logo, . - Lana pega minha mão.
  Gostaria que ela soubesse que eu posso ouvi-la e senti-la, e gostaria de dizer que senti muito sua falta. Ela não vem me visitar a alguns dias, pelo menos é o que acho, já que não tenho noção das horas ou dos dias que passam.
  – Muitas coisas estão acontecendo enquanto você está aqui, por isso trate de acordar logo. - Lana diz.
  – Como ela está? - a voz de Margaret soa ao longe – Ela está bem? - sua voz começa a ficar cada vez mais distante.
  Isso não pode estar acontecendo de novo. Não agora que Lana veio me visitar. Eu não posso perder mais uma de suas visitas. Eu não posso apagar agora.
  – Ela está bem, eu acho. Os médicos disseram que... - e isso é tudo o que escuto antes de me desligar do mundo.

***

  A claridade me incomoda e quando abro os olhos demoro alguns segundos para me acostumar com ela. Me sento na cama e olho em volta para encontrar tudo exatamente igual aos outros dias. Bufo irritada, já farta de viver sempre a mesma coisa.
  Saio da cama e do quarto, e meus pés descalços caminham pelo chão frio do corredor enquanto olho para todos os cantos com a esperança de encontrar alguém, mas tudo o que vejo são salas e mais salas pintadas de azul claro, como todos os dias.
  Atravesso uma porta dupla e entro em uma divisão enorme. Com um olhar mais atento, vejo que se trata do refeitório. Avisto a máquina de chocolates do outro lado da divisão e meus olhos brilham. Passo apressada pelas mesas cor chumbo quando uma vontade enorme de devorar todos os sabores me atinge, mas não sinto a menor fome, afinal, isso aqui é um sonho.
  Aperto alguns números e logo uma barra de chocolate desliza para fora da máquina, e acho engraçado o fato de não precisar usar dinheiro nela. Antes mesmo que eu tenha a chance de pegar o doce, sou empurrada para o lado e alguém pega meu chocolate.
  – Ei! - protesto, mas me calo quando vejo de quem se trata de .
  Me questiono sem conseguir acreditar que é realmente ele que está parado bem na minha frente, enquanto come meu chocolate.
  – Isso é meu. - dou um passo em sua direção, mas logo recuo quando ele me encara.
  – Ah, você. - ele diz sem emoção e se vira para seguir outra direção.
  – Como assim "ah, você"? - faço aspas, mas ele não pode ver. – Devolve meu chocolate e sai da minha cabeça. - ordeno enquanto aperto o passo para alcançá-lo, e quando faço me ponho na sua frente. – Você não é um demônio ou algo assim? - ele levanta uma sobrancelha. – Não sabia que você podia comer esse tipo de coisa. - cruzo os braços esperando uma resposta.
  – Tem muitas coisas que você não sabe sobre mim. - ele diz as primeiras palavras em séculos e permaneço parada, enquanto ele continua caminhando.
  – Então é isso? Você resolve aparecer pela primeira vez depois de quase me matar de novo e agora vai agir como se nada tivesse acontecido? - tento controlar minha voz para não gritar, eu não posso correr o risco dele desaparecer e me deixar sem respostas, mas ele simplesmente me tira do sério.
   respira fundo com os olhos fechados e me tranquilizo ao ver que não o deixei irritado, mas quando ele volta a abrir os olhos, vejo que falei cedo demais. Seus olhos estão negros e as veias embaixo deles parecem estar ao ponto de estourar. Dou um passo para trás quando ele me encara com raiva.
  – Você se acha muito espertinha, não é? - ele dá mais um passo em minha direção. Cada passo dado por ele é um recuado por mim.
  – O que quer dizer? - pergunto, mas o que obtenho em resposta me pega desprevenida.
   pega em uma mesa e a arremessa com força contra a parede atrás de mim fazendo com que eu me encolha.
  – Se você continuar me irritando, eu vou te matar agora mesmo. - ele diz antes de desaparecer.
  – IDIOTA! - grito quando não o vejo mais. – Vai fugir outra vez? Você não cansa disso? - resmungo mesmo que ele não possa me ouvir.
  Bufo irritada e me preparo para volta ao meu quarto, mas sou agarrada por trás e meu pescoço é preso, me impedindo de fazer qualquer movimento.
  – ME LARGA! - grito em desespero, mas perco a voz quando sinto algo atravessar meu peito de baixo para cima. Minha cabeça tomba para trás quando sinto que estou perdendo a consciência.
  – Eu avisei, garota estúpida... você não deveria ter voltado pra minha vida. - ouço sussurrar antes de sentir minha vida sendo tirada de mim.

***

  POV ALANA

  – Os médicos disseram que... - sou interrompida quando escuto um bip alto e continuo. – O que foi isso? O que foi esse barulho? - pergunto assustada para Margaret que me olha de olhos arregalados. Me aproximo da máquina, que mostra os batimentos cardíacos de , mas tudo o que vejo é uma linha fina.
  – O que está acontecendo, Margaret? - pergunto em meio ao desespero. - ? - tento mexer seu corpo na tentativa de obter alguma resposta, mas ela continua imóvel, o que me deixa mais desesperada do que antes. – Não. Isso não pode estar acontecendo. - tento apertar alguns botões da máquina que emite o bip, mas sou empurrada.
  Analiso o quarto a minha volta e tudo parece acontecer em câmera lenta. Várias pessoas estão ao redor da cama de enquanto um médico pressiona um desfibrilador em seu peito. Ele grita alguma coisa para o resto das pessoas, mas a única coisa que consigo ouvir é Margot chamando meu nome repetidas vezes. Sinto meus braços serem puxados e antes que eu pudesse protestar, a porta do quarto é fechada na minha cara, o que me faz acordar do choque.
  –ME DEIXA ENTRAR! ME DEIXA ENTRAR! - grito dando socos na porta. Eu não posso deixar ela morrer ou tudo estará acabado.
  – Ei, ei, ei, mocinha, você não pode gritar. Isso aqui é um hospital. - alguma enfermeira tenta segurar meus braços me impedindo de quebrar a porta no meio, e quando me solto dela, outros dois enfermeiros enormes chegam e conseguem me sentar em uma das cadeiras de espera no corredor.
  – Pode deixar que eu assumo daqui. - Margot diz para os enfermeiros que somem pelo corredor.
  – Ela não pode morrer. - falo baixo, ainda não acreditando nisso. Eu realmente não sei como me sentir, não era para isso acontecer dessa forma.
  – Tudo vai ficar bem, você vai ver. - Margot tenta me acalmar, mas como ela pode dizer que tudo vai ficar bem, se eu vi com meus próprios olhos os batimentos cardíacos da minha melhor amiga chegarem ao zero?
  – Não vai ficar tudo bem, está tudo acabo. - respondo rudemente. – Você viu, ela se foi, Margot. Ela se foi. - minha voz sai em um sussurro.
  Antes que Margot pudesse dizer mais alguma coisa, a porta do quarto de é aberta, revelando o doutor Smith e alguns enfermeiros que logo se dividem entre os corredores do hospital. Tento olhar por cima de seu ombro mantendo um fio de esperança, mas ele fecha a porta me impedindo de saber ou não se está bem.
  – Fale uma vez. - Margot pede e o doutor Smith dá um longo suspiro.
  – Eu sinto muito. - sua expressão é um misto de tristeza e pena. – Paciente Green, horário da morte, 14h30. - quando essas palavras saem de sua boca eu sinto um enorme peso me atingir em cheio.
  Minha mente começa a dar voltas, e sinto todo meu corpo relaxar em um estado nenhum pouco bom. Por um segundo meu mundo parou e eu não sabia o que fazer.
  – Nós fizemos tudo que podíamos, Alana. E sinto muito. - ergo minha cabeça vendo o olhar ainda triste do médico.
  – Posso vê-la?
  – Infelizmente agora não. Ela será levada até o necrotério, houveram muitas hemorragias internas, precisamos lidar com isso antes que você possa vê-la. - apenas assinto.

***

  Algum tempo já havia se passado e eu continuava no hospital para cuidar de toda papelada, e esperar a liberação do corpo de . Eu ainda não falei com seus pais sobre isso, eles iriam surtar ou até mesmo me matar, não estou com cabeça para isso agora. Eu mal posso acreditar que ela se foi de verdade, isso não estava nos planos por agora, ela não deveria morrer aqui. Não faço a menor ideia do que posso fazer, e pela primeira vez na minha vida eu não tenho um plano sobre isso.
  – Lana? - escuto uma voz chamando por mim, e acabo saindo de dentro dos meus próprios pensamentos. Ergo meu olhar para cima vendo Connor parado à minha frente.
  – Oi. - dou uma resposta curta. – Você parece bem. - comento, enquanto olho para ele que agora não tinha vestígios nenhum de machucados.
  – Eu estou bem. - ele responde, depois se senta ao meu lado soltando um longo suspiro e só agora noto que seus olhos estão extremamente vermelhos. Como eu o conheço bem, sei que estava chorando. – No final não conseguimos. Ela passou por tudo aquilo. foi a que mais sofreu e mesmo assim esse foi o fim dela. - Connor comenta, encarando as próprias mãos enquanto seus olhos brilham.
  Ele ama ela, isso sempre foi óbvio, por isso não posso imaginar a sua dor. Mas eu também perdi a minha melhor amiga, ainda não sei como agir, eu sequer chorei, talvez eu esteja passando pela fase de negação.
  – Eu nem sei como agir nessa situação. - solto um riso sem humor. – Minha ficha ainda não caiu. - falo a verdade, enquanto observo os vários funcionários transitarem pelo hospital.
  – O que nós vamos fazer agora? Você sabe, ainda existe ela, não podemos deixar que ela continue presa naquele lugar, mas agora que a se foi não sei como podemos fazer isso. - Connor suspira profundamente ao meu lado.
  – Eu não sei o que vamos fazer, Connor. Na verdade, nesse momento eu não sei mais de nada. - respondo sincera, e ficamos em silêncio.
  – Alana! - Margaret me chama enquanto se aproxima com Margot.
  – O que foi? - pergunto sem interesse de fato.
  – Vamos até o necrotério do hospital. - Margaret diz.
  – Eles já liberaram o corpo da para vistas? Ninguém veio me falar nada. - fico completamente confusa.
  – Eu apenas disse que tudo iria ficar bem. Venham conosco! - Margot diz e indica o corredor.
  Encaro Connor por um segundo, mas ele parece tão confuso quanto eu. Apenas nos levantamos e seguimos as duas. E de forma discreta andamos pelo corredor, e milagrosamente conseguimos ir até o andar mais baixo do hospital onde se localizava o necrotério.
  Quando chegamos de frente para a porta de metal, eu já podia sentir o clima ficar drasticamente mais pesado, e quando Margaret abre a grande porta, o ar gélido de dentro nos atinge e por isso eu abraço meu próprio corpo para tentar me aquecer.
  – Entrem, você dois. Nós iremos ficar aqui fora e vigiar a porta. - Margot diz e eu apenas assinto, mesmo que esteja confusa.
  Primeiro Connor entra, e depois eu o sigo, sentindo o frio do necrotério nos atingir em cheio. O clima era pesado e frio, e o forte cheiro de formol irritava meu nariz. Faço uma careta e tapo o nariz com uma de minhas mãos.
  A sala era extremamente clara, organizada e limpa. Várias gavetas estavam fechadas ao fundo, guardando possivelmente alguns cadáveres, uma pequena mesa com instrumentos cirúrgicos estava no meio da sala e ao lado dela uma maca com um enorme lençol branco. Olho para Connor sugestivamente e depois começo a me aproximar da maca, paro ao seu lado e seguro a ponta do lençol, visivelmente vendo que havia um corpo debaixo dele. Respiro fundo e puxo o lençol, revelando o corpo nu e sem vida de .
  Encaro ela por alguns segundos, notando que minha amiga estava exatamente igual, ela nem sequer tinha a pele pálida ou lábios roxos, típicos de um cadáver, mas a enorme cicatriz que rasgava seu tronco mostrava que uma autopsia já havia sido feita em seu corpo.
  Nesse momento minha ficha de que ela estava mesmo morta começou a cair, seu corpo sem vida sobre essa maca, e ainda essa enorme cicatriz eram provas de que tudo estava acabado. Olho para o lado vendo que Connor encarava sem piscar, ele estava visivelmente atordoado em vê-la nesse estado, e não sei se posso confortá-lo, afinal, estávamos de frente para o corpo sem vida dela.
  Meio receosa levo minha mão até a de e a seguro delicadamente, sentindo a frieza de seu pele, agora sem o calor da vida. Fico algum tempo apenas assim até sentir um pequeno aperto nos meus dedos, olho de solavanco para o corpo de , mas ele continua intacto, por isso penso que pode ser apenas um espasmo, o que é normal. Mas o aperto logo se repete e eu tiro minha mão da sua com pressa.
  – O que foi? - Connor pergunta.
  – Ela apertou a minha mão. - respondo, ainda encarando o corpo sem vida de .
  – O quê? - Connor me olha espantado.
  – Eu não sei. Ela apertou minha mão e eu achei que podia ser um espasmo, mas ela fez isso de novo. - olho para ele com o mesmo olhar espantado.
  Em seguida ficamos em silêncio e olhamos para o corpo de , que era o mesmo, se não fosse pelo fato de seu rosto se contorcer em uma leve careta. Meus olhos se arregalam e eu dou um passo para trás. agora contorce o rosto outra vez e mexe os braços, e eu quase saio correndo dessa sala.
  Connor vem para o meu lado se mostrando igualmente espantado, e ficamos de longe olhando para ela, até que por alguma razão ela abre os olhos lentamente. Ela demora alguns segundos até que abra eles por completo, depois disso ela respira fundo e com calma se senta sobre a maca, depois ela encara o próprio corpo ficando totalmente surpresa ao notar sua falta de roupas, e quando percebe a cicatriz em seu tronco ela leva uma de suas mãos até o local, tocando nela. Depois disso ela finalmente ergue seu rosto e seu olhar se encontra com o meu, e ela se mostra visivelmente confusa e atordoada.
  – O que está acontecendo? - aquela voz.

Capítulo 14

  POV

  Já se passaram muitas horas desde que estou presa nesse quarto, rodeada por médicos e enfermeiros que me encaram como se eu fosse uma aberração. Eu nunca fui tão picada por agulhas e submetida a tantos exames como hoje. Eu só quero ir embora.
  Doutor Smith me encarava com uma expressão cansada, enquanto Lana estava sentada ao lado da minha cama, encarando a parede à nossa frente, ela não havia falado nada desde a hora que eu acordei.
  – De acordo com os exames, você nunca esteve mais saudável. Sem nenhum machucado ou sequelas, está na sua mais perfeita condição. Eu não sei como isso aconteceu, mas vou te dar alta. - o médico explicou, visivelmente atordoado. – , não hesite em voltar aqui caso sinta qualquer coisa e, por favor, fique em repouso, não sabemos se isso é passageiro. Aliás, não sabemos como isso aconteceu. - depois de me explicar tudo, o médico deixa o quarto e eu temo que depois de hoje sua cabeça fique mais branca ainda.
  – Você não vai falar comigo? - me viro em direção a Lana, que depois de muito tempo solta um longo suspiro:
  – Estou feliz que você esteja bem agora. - ela dá os ombros, e agora foi a minha vez de suspirar.
  – Vou trocar de roupa para podermos ir embora. - coloco meus pés fora da cama, mas antes que eu possa me levantar sinto Lana agarrar uma de minhas mãos.
  – Tudo vai ficar bem de novo. - olho para ela e mesma dá um fraco sorriso para mim.

***

  – Finalmente estou em casa. - falo em meio a um suspiro assim que paro em frente à porta do meu apartamento.
  – Tem certeza que não quer ajuda, querida? - Margaret pergunta e eu apenas nego com a cabeça. E tão rápido quanto veio, sinto um leve arrepio assim que a senhora fala comigo.
  – Qualquer coisa nos chamem. - ela termina, e nos despedimos das senhoras.
  Lana destranca a porta e eu não tardo ao entrar.
  – Como é bom me livrar daquele hospital. - me jogo sobre o sofá da sala e agarro algumas almofadas.
  – , o doutor falou pra você ter cuidado. - Lana me repreende.
  – Eu já disse que estou bem, mamãe. - brinco, a vendo negar com a cabeça.
  – Droga! - ela resmunga fazendo uma careta, e depois se senta no sofá ao meu lado.
  – O que foi? - pergunto.
  – Passei mais tempo no hospital do que aqui, já faz um tempo que não vou ao mercado e você deve estar com fome. - tenho vontade de rir quando ela me responde, já que eu achei que poderia ser algo mais sério.
  – Tudo bem, podemos ir agora. - me levanto do sofá mas Lana leva sua mão para frente do meu tronco me impedindo.
  – Não. Eu vou, mas você fica. - reviro meus olhos me sentindo como uma criança doente.
  – Eu estou bem. - tento argumentar.
  – Você fica e eu vou. - ela enfitava, pegando novamente as chaves do carro e indo até a porta. – Não vou demorar. - reviro os olhos pela segunda vez e decido ir até o meu quarto tomar um banho.
  Assim que entro nele vou logo pegando uma muda de roupas e deixando sobre a minha cama, depois vou em direção ao banheiro querendo tirar essa sensação de hospital do meu corpo. Coloco minhas roupas no cesto de roupa suja e vou até o chuveiro, ligo o registro e deixo a água quente escorrer por todo meu corpo.
  Encaro aquela enorme cicatriz que marcava meu tronco e fico pensando em como isso era possível, eles me abriram, constataram minha morte e mesmo assim estou aqui agora. Tem tanta coisa estranha acontecendo, eu preciso conversar com Lana sobre o que eu ouvi e o que aconteceu comigo quando eu estava “morta”.
  Passo um bom tempo debaixo da água, antes de finalmente desligar o chuveiro. Me enrolo em uma toalha e volto para meu quarto. Pego minha escova de cabelos e caminho até a penteadeira, desembaraçando os fios emaranhados.
  – Fica muito bem de toalha, querida. - meu coração para por alguns segundos ao escutar aquela voz. Olho através do espelho, vendo a figura de escorado no batente da parede de braços cruzados.
  – O que você está fazendo aqui?! - me viro para ele totalmente surpresa. – Está me perseguindo agora? Não vai me deixar em paz? - me sentindo irritada com a sua aparição repentina, atiro minha escova de cabelo em sua direção, mas seu reflexo é ágil, ele apenas pega a escova no ar e a joga no chão.
  – Por que você tem que ser teimosa até para morrer? - sei que ele não quer uma resposta para essa pergunta.
  – Acho que você não pode me me matar. - fomos dando passos em direções ao outro, parando frente a frente, e deixo um sorriso presunçoso surgir em meu rosto.
  – Eu não contaria tanto com a sorte, querida. - ele estreita seus olhos.
  – Você já tentou duas vezes, e nas duas vezes você apenas falhou. - mal tenho tempo parar respirar depois que falo, já que ele me lança sobre minha cama e segundos depois está em cima de mim segurando meus pulsos na altura de minha cabeça.
  – É melhor ficar de boquinha fechada se não quiser perder a língua. - tento me soltar, mas ele é muito forte.
  – O que você quer de mim? - pergunto entre os dentes – Você não pode fazer isso comigo pra sempre. - começo a me debater e ele aplica mais força sobre meus pulsos.
  – Você é minha, esqueceu? Eu posso fazer o que eu quiser. - ele dá um sorriso de lado.
  – Me solta! - rosno, e vejo o seu sorriso aumentar. – Me mata de uma vez então! - movida pela raiva deixo que tais palavras saiam de minha boca.
  – Parece que você não quer morrer. - ele diz sarcasticamente. – Não vou te matar agora. - ele aproxima seu rosto do meu me obrigando a encarar seus olhos verdes. – Tenho planos para nós dois, amor. - ele sorri de novo, e antes que possa questioná-lo some igual fumaça, me deixando sozinha.
  Amor? Ele nunca me chamou assim antes, provavelmente está fazendo isso para me irritar, e parabéns, ele conseguiu.
  Suspiro, passando a mão sobre o meu rosto, eu realmente estou irritada. Ouço a porta de entrada ser destrancando e levanto da cama rapidamente indo em direção a sala, pensando na possibilidade de ainda ser ele.
  Quando apareço no final de corredor, Lana e Connor me olham com diferentes expressões. Lana confusa e Connor com os olhos arregalados.
  – Precisamos conversar. - falo séria.
  – Você está bem? Aconteceu alguma coisa? - Lana larga as sacolas no chão e vem até onde estou. – Eu sabia que não deveria ter deixado você sozinha. - ela segura meu rosto com as duas mãos e me olha preocupada.
  – Eu estou bem. - falo e ela me olha desconfiada – Mesmo. - reforço, e por fim ela parece acreditar.
  – Então talvez agora você possa colocar uma roupa para que possamos conversar. - ela olha discretamente para a porta e quando sigo seu olhar, vendo Connor ainda me encarando de olhos arregalados, e me dou conta que estou apenas de toalha.
  Não sei como ele ainda tem esse tipo de reação; quando eu acordei estava em uma mesa de necrotério totalmente sem vestígios de roupas, e Connor estava lá também. Depois daquilo uma toalha não é nada sério, mas como sei como ele é, então é melhor que eu me apresse antes que ele desmaie de vergonha.
  – Ta bom. - seguro a toalha com força e volto para o meu quarto.
  Apressadamente visto as roupas que deixei sobre minha cama, e quando termino, ajeito meu cabelo e volto para o corredor indo atrás deles. Acabo encontrando Lana e Connor na cozinha guardando tudo que foi comprado.
  – Precisam de ajuda? - vou em direção de Connor para ajudar com os pratos.
  – Não precisamos, . - Lana intervém e devolve os pratos para ele. – Você vai sentar aqui e descansar. - ela literalmente me senta na cadeira.
  – Lana, pela milésima vez, eu não estou doente. - tento me levantar, mas ela empurra meus ombros para baixo me obrigando a sentar de novo.
  – Eu cuido dela, pode deixar. - Connor se oferece, e se senta ao meu lado.
  – Com toda essa confusão eu não tive tempo de perguntar se você está bem. Me desculpe, eu não deveria ter deixado tudo isso acontecer com você... - sou interrompida quando Connor me abraça.
  – Estou aliviado que você esteja bem. - ele baixo.
  – Eu também. - retribuo o abraço.
  – Eu estou bem, e não precisa se desculpar. - ele se apressa a dizer.
  – Eu nunca vou me perdoar por ter colocado você em risco, Connor. - pego em sua mão que estava sobre a mesa.
  – O que importa é que estamos bem agora, você não me obrigou a ir, eu fui porque  quis. - ele sorri timidamente.
  Connor é realmente muito bonito, e o fato de ser sempre tão doce faz com que ele seja quase perfeito. Tenho muita sorte em tê-lo na minha vida como um grande amigo.
  – Pronto! - Lana coloca uma travessa de lasanha sobre a mesa e meu estômago da sinal de vida. – Vamos comer! - ela exclama com entusiasmo, e decido que agora não é a melhor hora para trazer à tona. Tudo o que eu mais quero é ter um momento de paz com meus amigos.

***

  – Terminei. - Lana informa assim que coloca o último prato limpo no armário.
  Eu ainda não havia conversado com eles sobre e todo o resto,  apenas resolvi aproveitar nossa refeição com coisas fúteis de amigos, nada que levasse ao sanatório.
  – O que você tinha de tão importante para conversar com a gente? - Lana pergunta, voltando a se sentar em uma das cadeiras.
  Solto um curto suspiro.
  – Precisamos conversar sobre esse último mês. - vejo os dois à minha frente concordarem. – Tenho tanta coisa pra contar pra vocês. - falo séria.
  – Nós também. Muitas coisas aconteceram enquanto você esteve no hospital, . - Connor diz e eu apenas concordo.
  – Poderíamos ter essa conversa na biblioteca? Acho que de qualquer maneira, lá é o melhor lugar pra ter essa conversa. - sugiro e por um momento eles ficam confusos. Eu só não queria ter essa conversa aqui e correr o risco do aparecer.
  – Claro, até porque eu preciso mostrar algumas coisas pra vocês. - Connor fala.
  – Só esperem um pouco, eu preciso trocar de roupa antes. Fiquei com um pouco de frio. - anuncio, me levanto da cadeira sentindo uma leve tontura me atingir, fazendo com que eu tenha que me escorar na mesa.
  – , você está bem? - Lana logo vem até mim usando seu tom de preocupação.
  – Estou, foi só uma tontura. - respondo, já voltando a me endireitar.
  – Você tem certeza? Se quiser podemos passar no hospital. - a voz de Connor era igualmente preocupado.
  – Eu estou bem. - dou um fraco sorriso tentando convencer eles. – Tudo que eu não preciso agora é voltar para o hospital. - dizendo isso, me viro indo para fora da cozinha querendo acabar com isso, eu sabia que se continuasse ali eles acabariam me levando ao hospital.
  Escuto um longo suspiro de Lana antes de passar pela sala. Olho por alguns segundos para a janela sentindo uma imensa vontade de ir espiar o sanatório, mas acabo desistindo. Continuo meu caminho, agora passando pelo corredor e indo até meu quarto. Assim que entro nele, automaticamente me lembro de . Eu preciso achar um jeito de mantê-lo o mais longe possível daqui.
  Vou até o meu guarda-roupas e retiro uma calça jeans, uma blusa de frio e por fim pego meus sapatos de salto. Rapidamente me troco e vou até o banheiro, entro nele e caminho até o espelho a fim de dar um jeito no meu cabelo úmido. Acabo por decidir prender ele. Com a ponta dos dedos dou uma rápida ajeitada e prendo os fios em um rabo de cavalo.
  Assim que termino sinto uma fraca dor de cabeça que me faz dar uma leve contorcida no rosto, mas a dor começa a se alastrar e acaba ficando insuportável. Fecho os olhos com força e levo minhas mãos até a borda da pia, a apertando numa tentativa de amenizar a dor. Pendo minha cabeça para baixo tamanha dor, era como se tudo dentro dela pegasse fogo.
  Eu já podia sentir as lágrimas se formando no canto de meus olhos enquanto alguns grunhidos de dor saírem sem permissão de minha boca. Quando eu estava a ponto de gritar por ajuda, sinto a dor ir embora tão rápido quanto veio. Levo minha mão direita até meu rosto limpando os cantos dos olhos. Ergo minha cabeça e abro os olhos encarando meu reflexo no espelho. Os meus olhos estavam brilhando pelas lágrimas, e meu nariz e bochechas estavam levemente vermelhos.
  Abro a torneira e levo as mãos até a água formando uma pequena conchinha, com cuidado vou levando em direção ao meu rosto.
  – O quê?! - espantada, deixo a água cair. Meu olhar corria pela pia trincada abaixo de mim. As rachaduras se dividiam bem onde eu havia aplicado força segundos atrás. – Eu não posso ter feito isso. - continuo olhando de maneira espantada para a pia e decido sair dali.
  Saio o mas rápido possível do quarto e vou até a sala encontrando Connor e Lana conversando.
  –Você está bem? - Lana pergunta desconfiada.
  – Sim. Vamos logo. - minto, indo até a porta.
  Descemos até o carro de Connor em silêncio. Sei que Lana desconfia de alguma coisa, ela sabe que algo de errado está acontecendo comigo, sei disso pelo jeito preocupado que me olha por canto de olho enquanto estamos no elevador, ou pelos olhares discretos que me lançava pelo retrovisor do carro no caminho da biblioteca. Ela não comenta nada, certeza que não queria criar uma cena na frente do Connor.
  Me perco em meus próprios pensamentos que giram em torno do acontecimento de pouco tempo atrás, e quando menos espero estamos em frente da biblioteca.
  – Senhorita! - Connor brinca e oferece sua mão gentilmente me ajudando a sair do carro. Agradeço com um sorriso e encaro o prédio à minha frente.
  Sinto como se não viesse para esse lugar há séculos. Sei que faz pouco mais de um mês, porém, a sensação de nostalgia continua. Connor abre a grande porta dupla de madeira e nos deixa entrar primeiro. Lana acende apenas as luzes do meio do salão, fazendo com que o ambiente ganhe um ar mais sério, o que me faz lembrar do motivo pelo qual pedi para virmos até aqui.
  .
  – ! - Connor aparece em meio as estantes de livros. – Encontrei alguns arquivos que talvez sejam de seu interesse. - ele caminha em minha direção focado nos papéis, mas antes que ele possa entregá-los para mim, Lana o para:
  – Não precisamos trazer esse assunto à tona agora, não é? - ela sorri forçadamente e Connor segura a pasta amarela contra seu peito. – tem algo importante para nos dizer. - os dois me encaram e sinto minhas mãos suarem de nervosismo, por isso começo a caminhar para longe.
  – O que tenho a dizer não é algo muito fácil de se digerir, então vou entender perfeitamente se vocês acharem que estou perdendo a cabeça. - solto uma risada sem humor e me viro para ver suas reações. Eles se entreolham brevemente e voltam a me encarar. – Eu ando tendo sonhos, quer dizer, eu tive sonhos. - me embaralho com as palavras e tenho que parar para respirar fundo mais uma vez antes de continuar: – Eu tive uma espécie de sonho contínuo enquanto estava no hospital. - explico.
  – O quê? Como assim? - Lana questiona e ouço seus passos apressados atrás de mim. Me viro para encontrar seu rosto em pura confusão, já Connor continua parado em pé perto da porta.
  – Eu tenho sonhado com o . - revelo e uma expressão de choque estampa seu rosto.
  – Você o quê? - ela pergunta em descrença, mas não me deixa continuar. – Eu disse que era melhor você ter ficado no hospital, . Você claramente não está recuperada. Os remédios que foram dados para você eram muito fortes. - ela diz séria.
  – Eu estou bem. - tento acalmá-la.
  – Não parece. - ela tenta pegar em meu braço, mas me esquivo.
  – Lana, me escute. - peço e ela tenta chegar até mim novamente e acabo me irritando. Em um movimento rápido seguro seus braços contra seu peito. – Eu estou perfeitamente bem, Alana. - digo firme olhando fundo em seus olhos.
  – Tá. - ela levanta as mãos em sinal de rendição e puxa uma cadeira de uma das mesas. Me sento à sua frente e segundos depois Connor se junta a nós.
  – O que você estava dizendo sobre os sonhos, ? - Connor pergunta e antes de responder dou uma olhada para Lana, mas ela não retribui.
  – Para falar a verdade tudo era muito confuso, a única coisa que está vívida em minha mente é o . - bufo em frustração.
  – esse que está morto. - Lana murmura, mas decido ignorar.
  – Eu imagino como deve ser confuso, mas você sabe dizer como eles começavam? - Connor pergunta paciente.
  – Lembro que eu sempre acordava em uma cama de hospital. Na primeira vez pensei que não fosse um sonho, mas quando consegui me mexer e levantar da cama vi que algo estava errado. - divago sendo invadida pelas lembranças ruins de estar presa em uma espécie de inferno pessoal no qual eu não conseguia sair, onde eu fui obrigada a reviver várias vezes o pior momento da minha vida.
  – Então você sabia quais eram suas condições? - ele pergunta, totalmente concentrado em mim.
  – Sim, eu consegui ouvir quando o médico disse meu estado para Lana. - cruzo meu olhar com o dela e agora ela retribui. – Eu conseguia ouvir algumas das coisas que vocês me diziam. - confesso.
  – Entendo. - Connor assente para mim.
  – Eu não tinha qualquer controle sobre os sonhos, se eu tivesse, não teria me matado. - revelo, e os dois comigo trocam olhares.
  – Matado? - Lana pergunta.
  – Você está querendo dizer que o te matou? - Lana apontou para mim. – Afirmar tudo isso seria tão doido quanto eu dizer que as luzes ficam ascendendo e apagando, e que o fato das coisas caírem no chão mesmo quando a janela do apartamento está fechada, é que o famoso estava querendo me assustar. - ela ri sem humor.
  – Como ele pode fazer esse tipo de coisa? Ele pode sair do sanatório? - Connor pergunta.
  – Eu não faço a menor ideia, mas se ele foi capaz de controlar a mente da ao ponto de conseguir matá-la, imagina do que ele ainda é capaz. - Lana suspira pesadamente.
  – Agora vocês entendem o quão importante é descobrirmos mais sobre a história daquele lugar? - pergunto e eles assentem. – Connor, posso ver o que você encontrou? - ele rapidamente me entrega a pasta amarela e a primeira coisa que vejo quando a tenho em mãos é Waverly Hills Sanatorium escrito em letra cursiva no topo da primeira página.

***

  Não sei a quanto tempo estamos sentados nesse mesmo lugar procurando sobre o sanatório, mas tudo o que conseguimos encontrar até agora foram recortes de jornais com propagandas sobre os tratamentos revolucionários que o Weverly Hills proporcionava para seus pacientes.
  – Dá pra acreditar na quantidade de pessoas que morreram naquele lugar? - Connor diz sem tirar os olhos do papel.
  – Eu li que quase todos tinham tuberculose, mas esse jornal aqui diz que alguns corpos nunca foram encontrados, assim como Connor nos disse. - Lana completa e mostra a página para ele. – Mas o estranho mesmo era que pessoas com doenças mentais também eram tratadas lá, curioso, sanatórios geralmente são para pessoas com doenças que necessitam de isolamento. - ela divaga.
  – Estranho. - Connor corre os olhos sobre a mesa com pilhas e mais pilhas de papéis. – Talvez o antigo dono quisesse revolucionar - ele dá de ombros. – Juntar as duas coisas. Acho que o Waverly Hills é uma mistura de sanatório com asylum. Não é a toa que dizem que lá é assombrado. - ele nos encara por um segundos, antes de voltar sua atenção para os papéis.
  – Desse jeito alguém pode te mandar pra lá. - Lana fala sarcástica.
  – Como assim "mandar pra lá"? - pergunto confusa.
  – Sobre isso, ... - Lana endireita sua postura e chega mais perto da mesa – Algumas coisas mudaram nesse último mês. - ela me olha séria, e me sinto ansiosa com isso.
  – Nós deveríamos ter te contado antes, mas não tivemos oportunidade. - Connor comenta.
  – Vocês estão me deixando preocupada. - confesso nervosa.
  Connor olha de relance para Lana e ela respira fundo.
  – O sanatório reabriu. - assim que as palavras saem da boca da Lana meus olhos se arregalam mais do que eu achava humanamente possível.
  – O QUÊ?! - pergunto mesmo tendo escutado perfeitamente.
  – Waverly Hills Sanatorium está aberto e em pleno funcionamento. - as palavras de Connor me fazem sentir algo estranho por dentro.
  – Mas como? - me sinto totalmente atordoada enquanto tento absorver o que escutei.
  – Também queríamos saber, . - Connor solta um longo suspiro.
  – Dois dias depois da sua entrada no hospital alguém comprou a casa de loucos, e tão rápido quanto compraram, eles o reformaram. - Lana mira seu olhar na parede à frente, olhando de forma fixa como se estivesse perdida em memórias. – Trabalharam no Waverly Hills dia e noite, foi uma incessante obra que não teve pausa. Poucas semanas depois o lugar já estava pronto para receber pacientes. - ela desvia seu olhar da parede para mim. – Pessoas chegavam todos os dias. Parece que os métodos usados lá chamam bastante atenção. - ela explica.
  – Ainda assim é um fato muito curioso como isso aconteceu em tão pouco tempo, e logo que você deu entrada no hospital. - Connor me olha.
  – Se pensarmos bem, depois de tudo que passamos, qualquer coisa é possível agora. - Lana comenta.
  Continuo em silêncio sem saber o que falar ou pensar, eu ainda estou em total choque de informações. Mas isso é interrompido quando batidas soam na porta da biblioteca.
  – Quem será? Eu deixei um aviso do lado de fora dizendo que estamos fechados hoje. - Connor diz, e eu os encaro por alguns segundos, mas eu acabo dando os ombros, me levantando na intenção de abrir a porta.
  Alguns passos depois eu já estava em frente à enorme porta de madeira. Não tardo ao abrir o trinco dela, fazendo com que o barulho escoasse pela sala, com um pouco de esforço empurro a porta, já que a mesma era um pouco pesada.
  Para minha surpresa haviam homens parados a minha frente trajando uniformes brancos.
  – Green? - um deles pergunta. Era o que se mantinha à frente dos outros.
  – Sou eu. - respondo confusa, e sem demorar, o policial ergue um papel sobe à altura do meu rosto.
  – Isso é uma intimação de internação. - ele fala e retira do bolso um par algemas. – Você está sendo internada pela indicação do Dr. Smith, que alega ter uma paciente com um tipo de doença rara para convívio em sociedade, que não pode ser tratada por ele. E por esse motivo ele indicou que você tivesse uma estadia forçada no Waverly Hills Sanatoruim por tempo indeterminado. - ele avança em minha direção e tenta agarrar uma de minhas mãos.
  – O quê? - pergunto ainda mais confusa. – Isso está errado. - falo já sentindo o desespero tomar conta de mim.
  – O que está acontecendo ai? - escuto a voz de Connor vindo de dentro da biblioteca.
  – Nós podemos fazer isso do jeito fácil ou do difícil, senhorita. - o homem alto avisa, mas a única coisa que eu consigo fazer é os encarar com espanto. Outro deles puxa meu braço de forma brusca, me virando e me jogando contra a parede, e ainda mais violento,  me algema.
  – Você não podem me obrigar a fazer isso! - falo exasperada, e tento me debater de todas as maneiras.
  Connor e Lana chegam até a porta, mas dois dos homens os barram, e o que me algemou me puxa pelo braço me arrastando até uma ambulância. Vejo algumas pessoas espreitando nas janelas de suas casas e até algumas se atreveram a sair na calçada. Certamente pensam que eu sou louca.
  Eu me debato, grito e até xingo, mas nada disso me ajudou. Sou lançada na parte de trás da ambulância e logo os outros homens entram também, um deles ao meu lado. Através do pequeno vidro na parte de trás vejo Lana gritar e Connor tentando correr atrás da ambulância.
  – Uma pessoa como você não pode ficar solta. - o homem que estava na parte de trás comigo, diz.
  – VOCÊ NÃO PODE FAZER ISSO! - me desespero e grito, mas o homem tenta tapar a minha boca com sua mão. – NÃO! - grito o mais alto que posso e no mesmo instante todos os vidros da ambulância se partem e voam para todos os lados fazendo com que freiem o veículo de forma brusca.
  O homem que estava comigo me olha em espanto sem entender o que aconteceu, e eu mesma não sei explicar o que foi isso. O que está acontecendo comigo?
  – V-Você é um daqueles demônios, não é? - o homem pergunta com dificuldade e eu fico calada. Eu estou tão surpresa quanto ele.
  Fico em total estado de choque que nem percebo o homem se aproximar de mim, apenas sinto uma leve picada no meu braço direito e segundos depois meu corpo fica totalmente mole, e meus sentidos vão sumindo. Poucos segundos após eu já não tinha mais controle sobre meu corpo, e o fato de estar algemada só piorava, então não demorou muito até que meus olhos pesassem e meu corpo se desligasse.

Capítulo 15

  Acordo sendo brutalmente chacoalhada. Demoro alguns segundos para conseguir abrir os olhos e tomar consciência de onde estou.
  – Acorda, garota! Não tenho o dia todo. - não consigo processar logo de primeira de onde vem a voz, e quando minha visão se foca, vejo os mesmos três homens vestidos de branco.
  O que aconteceu? Me pergunto, mas antes de conseguir colocar meus pensamentos em ordem, sou puxada para fora da parte de trás da ambulância.
  – Não encostem em mim. - tento me esquivar deles, mas não consigo ir longe devido minhas mãos estarem algemadas. Eles pegam meus braços e me empurram em direção a entrada. - ME SOLTA! - grito enquanto me debato.
  A medida que eles me levam para dentro, os meus gritos aumentam, atraindo a atenção de enfermeiros, e o que penso serem novos pacientes com suas famílias.
  Me viro para frente encontrando um par de sapatos brancos e quando subo meu olhar vejo uma enfermeira que aparenta estar na casa dos cinquenta anos, me examinando como se eu fosse uma espécie de aberração.
  – Está olhando o quê? - pergunto já irritada por todos me tratarem como se eu fosse um deles.
  – Fique quieta. - ela ordena severamente, me pegando desprevenida.
  Encaro a senhora a minha frente sem saber o que fazer, de certa forma ela é um tanto quanto intimidante.
  – A Srta. claramente não tem conhecimento das regras do Waverly Hills Sanatorium, mas não se preocupe, terá muito tempo para aprender. - ela diz ainda mais severa do que antes – Então, qual se nome? - ela cruza os braços e pondero não responder, mas na situação em que estou não seria muito bom.
  – . – a contragosto, respondo.
  – Certo. Me acompanhe, Srta. , vou lhe mostrar suas novas acomodações. - ela fala empolgada e uma vontade enorme de esmagar sua cabeça por conta disso me atinge.
  Um dos homens que me trouxe até aqui segura em meus braços me fazendo andar atrás da velha senhora que começa a subir a escadaria, e com isso percebo o quanto esse lugar mudou. As paredes e pisos têm cores mais claras, e a madeira velha da escadaria foi substituída por uma nova; eu nunca diria que esse é o mesmo lugar de um mês atrás, realmente fizeram um bom trabalho por aqui.
  Subimos a escadaria e chegamos em um corredor que parece não ter fim. Sua extensão é coberta de portas de ferro dos dois lados, e quando passo em frente a uma delas me esforço para ver o que há do outro lado, mas antes de conseguir identificar o homem que segura em meu braço me empurra para frente me obrigando a caminhar rápido.
  Sra. Morrice para em frente a uma das portas e tira do bolso um molho de chaves, e com uma abre a porta.
  – Aqui está seu novo quarto. - ela segura a porta aberta para mim e paro em frente a ela.
  O homem solta meus braços e depois retira as algemas de meus pulsos, e antes que ele possa me colocar para dentro passo por Morrice e começo a correr para o outro lado do corredor.
  – ATRÁS DELA! - Morrice grita e olho para trás ao mesmo tempo em que dois homens começam a correr atrás de mim.
  Viro para direita em um outro corredor com a esperança de despistá-los, mas para meu azar ele tem um fim. Olho rapidamente para os dois lados em busca de uma saída, mas tudo o que encontro são janelas com grades de ferro.
  – Ali está ela! - me viro ao ouvir uma voz e vejo dois enfermeiros correndo na minha direção.
  Dou alguns passos para trás na tentativa de me distanciar o máximo dos dois, mas acabo indo de encontro com a parede, e em segundos eles me alcançam. Um deles pega em minhas pernas e o outro me levanta pelo tronco.
  – ME SOLTEM! - tento me soltar, mas eles são obviamente mais fortes do que eu.
  Sem muitas dificuldades os dois enfermeiros me carregam pelo corredor criando uma grande cena para todos os funcionários que transitavam por ali, e para minha infelicidade eles não demoram ao chegar onde Morrice estava, me jogando cela adentro e fechando a porta de metal em seguida.
  – O jantar é servido às sete horas em ponto. - Morrice diz do outro lado da porta com um tom sério.
  Me apoio nas pontas dos pés para alcançar as barras de ferro da porta, e quando consigo vejo Morrice e os dois enfermeiros indo embora, então me viro na direção da cela e deixo meu corpo escorregar pela porta até o chão.
  Bufo ao ver uma cama que não parecia nada confortável, uma cadeira de ferro e uma janela com grades. Quando foi que eu virei um personagem de ficção onde eu pareço me meter em vários problemas? Já estou farta disso.
  Me levanto do chão, ainda mais irritada por estar presa nesse lugar, e caminho até janela para tentar separar as duas partes dela na esperança de conseguir clarear um pouco esse lugar, mas como sempre minhas tentativas foram todas falhas.
  – Essa porcaria! - resmungo alto, enquanto passo a mão de forma nervosa pelo meu cabelo e coloco a outra na minha cintura sentindo o áspero e grosso tecido do horrível macacão cinza que eu estou usando. O que me faz questionar como ele veio parar no meu corpo já que eu não me lembro de ter o colocado.
  Viro o meu corpo e volto a analisar meu novo quarto temporário, exato, temporário, já que eu pretendo sair daqui o mais breve possível. Durante minha pequena análise percebo que algo está escrito na parede escura, pelo menos é o que parece, já que aqui é muito mal iluminado.
  Dou passos apressados até o local e me agacho, forçando minha vista para poder entender o que de fato estava escrito ali.
  "Você vê? É como uma espécie de jogo. Todos estão a procura de pessoas que possam jogar com demônios, e você é uma delas."
  Arregalo os olhos sem entender o motivo disso estar escrito aqui. Será que essa frase era pra mim ou foi simplesmente um antigo paciente dessa cela que escreveu? Eu realmente não sei, mas sendo ou não para mim ela representava bem o que eu estava passando agora.
  Mesmo que minha vontade fosse estar bem longe daqui não posso negar que agora faço parte de um jogo doentio onde eu sou um simples peão esperando para ser derrubado para fora do tabuleiro pelas demais peças. E era exatamente por isso que preciso bolar uma estratégia, eu não posso deixar que essas pessoas que vivem aqui brinquem comigo.
  Continuei por mais algum tempo apenas encarando aquela frase até perceber que ela era escrita por um vermelho escuro. Forcei outra vez a vista e percebi que realmente era vermelho. Aos poucos fui aproximando minha mão da parede e deixei que ela escorregasse por algumas letras, borrando a frase. O que quer que seja que foi usado ainda estava fresco. Levo minha mão suja em direção ao meu rosto e sinto o forte cheiro tão conhecido. A frase estava escrita com sangue.
  Um barulho de metal pesado sendo arrastado me faz dar um pulo para trás.
  – Hora da janta, garota. - um dos enfermeiros que me trouxe até aqui estava agora parado na porta me encarando.
  Dou uma rápida olhada para minha mão e depois para a parede vendo que não havia mais nada escrito nela, assim como nada em minha mão. Eu até penso em relatar o acontecido, mas certamente ele me acharia louca, aliás, já acha. O que é uma idiotice.
  Me levanto e vou caminhando até a porta de forma lenta.
  – Vamos, garota! Eu não tenho o dia todo. - ele ameaça me puxar pelo braço, mas sou mais rápida e agarro sua mão o lançando um olhar sério enquanto aplico força em meu aperto.
  Estou tão concentrada na minha irritação que mal escuto um estalar de ossos vindo da mão do enfermeiro, que começava a fazer uma careta de dor. Rapidamente solto sua mão e passo para fora da cela ainda tentando assimilar as coisas. Quando já estou do lado de fora vejo uma pequena multidão de pacientes vestidos igualmente a mim sendo guiados por outros enfermeiros.
  O "meu" enfermeiro tranca a porta atrás de nós e agarra meu braço com violência, me olhando como se pudesse me matar. Olho para sua outra mão que está um pouco roxa.
  – EU VOU MATAR TODOS VOCÊS! - uma gritaria infernal se instala em meio aos pacientes. Busco o dono da voz vendo um velho com cabelos na altura dos ombros gritando com alguns enfermeiros que tentavam o conter – ME DEIXEM IR OU EU MATO VOCÊS! - ele se debatia nos braços dos enfermeiros assustando os outros pacientes que começaram a gritar junto com ele e outros.
  Um desespero sem fim me atinge. Eu não posso ficar aqui, eu não posso ficar junto desses loucos ou eu vou acabar me tornando um deles. Aproveito o descuido do enfermeiro que me segura e saio correndo entre os pacientes, já ouvindo um apito ressoar atrás de mim.
  Dou uma rápida olhada para trás vendo que o enfermeiro vinha correndo atrás de mim.
  – Merda! - resmungo assim que vejo ele me alcançar. Volto a olhar para frente vendo três opções de caminho, opto por virar a direita, mas acabo trombando com alguém que me segura fortemente. Olho para o rosto da pessoa vendo que era outro enfermeiro. Bufo irritada sem ter o que fazer agora.
  O enfermeiro responsável por mim vem correndo com um olhar nada agradável.
  – Obrigado. - ele diz me arrancando dos braços do outro e me jogando contra a parede. Ele me vira e algema minhas mãos, depois se agacha algemando meus tornozelos com algemas específicas – Agora tente correr outra vez. - ele me lança um sorriso sarcástico.
  – Você tem sorte das minhas mãos estarem algemadas. - rosno, não sabendo de onde vem toda essa irritação que venho sentindo ultimamente.
  Ele apenas dá uma risada exagerada e agarra meu braço me arrastando pelos corredores. Mal tenho tempo para assimilar o caminho que estamos fazendo já que passo o tempo todo pensando em formas de matar esse imbecil.
  Paramos em frente a uma grande porta de madeira com dois enfermeiros parados um em cada lado. Ele apenas acena para um deles que logo libera a porta dando passagem para nós.
  – Aproveite o jantar, e não demore muito. - meu enfermeiro diz, me jogando para dentro da sala.
  Analiso o grande refeitório lotado de pacientes a minha frente, eles estavam espalhados, alguns nas mesas, outros na fila da comida, uns perambulando, e, por incrível que pareça, até mesmo dançando pelos cantos do refeitório. Porém, não era só muitos pacientes que havia aqui, também se mostrava em grande número de guardas que vigiavam cada movimento de todos.
  Alguns pacientes que passavam me encaravam com certo medo pelo fato de eu estar totalmente algemada, já que só deveria ter eu e mais outros três ou quatro pacientes dessa forma. Obviamente eles deveriam achar que eu era perigosa.
  Solto um longo suspiro e decido sentar, não estava com fome de qualquer maneira. Vou até uma mesa vazia, puxo uma cadeira e me sento. Abaixo a cabeça contra a mesa fazendo um pequeno barulho.
  – Eu sabia que você iria voltar, só não pensei que seria como paciente. - escuto uma familiar voz e levanto minha cabeça vendo uma cabeleira loira. Era .
  Ele sorri em minha direção, ao contrário da pessoa ao seu lado.
  – Como veio parar aqui? - ele pergunta e a sua amiga revira os olhos.
  – Não sei. - respondo irritada.
  – Não sabe? - ele pergunta e ri, dando uma leve cotovelada em Brooklyn que pela primeira vez me olha, e como eu esperava, seu olhar era frio.
  Antes que qualquer um de nós pudesse dizer mais alguma coisa a porta do refeitório é aberta outra vez, captando a atenção de quase todas as pessoas aqui, incluindo os dois que estavam na minha frente.
  Igualmente algemado, é empurrado refeitório a dentro fazendo com que alguns pacientes rapidamente se afastem. Os guardas deixassem suas posturas mais duras como se estivessem prontos para atacar a qualquer momento.
  Seu olhar tedioso corre pelo refeitório até parar em mim. Ele me encara por alguns segundos antes de dar o seu costumeiro sorriso de lado e vir em passos calmos em minha direção. Tenho vontade de bater minha cabeça continuamente contra a mesa ao ver que ele se aproxima, mas isso só faria com que pensassem o pior de mim, então apenas volto a encostá-la contra a mesa.
  – Então você veio parar aqui?! - ouço sua voz sussurrando em meu ouvido e meu corpo todo se arrepia de forma ruim. Levanto minha cabeça de imediato olhando para frente assustada, e vejo que me encara sério enquanto Brooklyn revira os olhos novamente – O que foi que eu perdi? - pergunta com um sorrisinho no rosto, claramente querendo saber o que eu fazia aqui.
  Percebo que alguns pacientes a nossa volta começam à se levantar assustados quando puxa uma cadeira para sentar ao meu lado e acho um pouco estranho.
  – Eu sou perigoso, . Esqueceu? - ele responde minha pergunta mental.
  – Não tem como esquecer. - murmuro baixo.
  – Se você está aqui também é perigosa. - Brooklyn diz – O que você fez, ? Matou alguém? - ela sussurra de maneira provocativa, mas dá risada no final.
  – Eu não matei ninguém. - respondo entre os dentes, totalmente irritada, e vejo que alguns guardas estão com as atenções voltadas para mim.
   troca um olhar rápido com , e depois se levanta.
  – Ei, Brook, é melhor a gente ir. - o loiro se vira para a amiga.
  – O quê? A gente acabou de chegar. - ela franze o cenho.
  – Vem logo, garota. - ele insiste e a puxa pelo braço. Ela logo se apressa a tirar o braço das mãos de e sai na frente batendo o pé.
  Fico tão concentrada nos dois que mal noto me encarando.
  – O que foi? Você não tem nada melhor para fazer não? - pergunto ainda um pouco irritada.
  Eu nem ao menos sei o porquê ando me sentindo assim. Sei que a situação em que estou é uma ótima justificativa para isso, mas mesmo assim essa não parece a minha personalidade.
  – Na verdade não. - ele responde tediosamente.
  – Por que está aqui, afinal? Você não está morto, e é sei lá o que com aqueles olhos pretos. - solto de uma vez a curiosidade que surgiu em mim assim que vi ele aqui.
  – Você se esqueceu que eu era um paciente desse lugar? - ele ergue uma sobrancelha.
  – Está querendo dizer que não importa se o sanatório está funcionando ou não você sempre será um paciente desse lugar? - pergunto confusa e ele assente. – E como dá pra sair desse lugar? - pergunto em seguida.
  – Não dá. - ele responde e levanta minhas mãos mostrando suas algemas.
  – Então como você conseguiu ir até o meu apartamento? - franzo meu cenho.
   solta uma risada sem humor antes de responde.
  – Não acho que seja normal ter uma conversa tão tranquila com o cara que tentou te matar tantas vezes. - ele se inclina para frente e coloca as mãos sobre a mesa, fazendo com que as algemas tilintem assim que encostam no metal da mesa – Falando nisso, da última vez eu me certifiquei de te matar de verdade, como você ainda está aqui? - ele me olha de canto de olho.   – Não sei. - falo sincera já que todo aquele papo dos enfermeiros não me convenceram – Eu não fiz nada. - suspiro.
  Ele ri sem humor outra vez.
  – Então somos inocentes.
  – Claro. Como você quiser. - falo de forma debochada, e me levanto.
  – Aonde você vai? - ele pergunta.
  – Não interessa. - respondo e vou até um dos enfermeiros – Preciso ir ao banheiro. - informo e ele assente, me levando para fora. Na verdade, eu só queria me livrar dessas pessoas, e principalmente do .
  O enfermeiro me leva para fora, e nós dois caminhamos pelo corredor, virando em outros. Andamos por mais algum tempo, até que pararmos em frente a uma placa que indicava o banheiro feminino. O enfermeiro tira as algemas dos meus pulsos e tornozelos, e logo depois vou indo em passos lentos até a porta, mas ele agarra meu braço me forçando a olhá-lo.
  – É bom que você não tente mais nada. - ele alerta seriamente.
  – Tudo bem... - encaro seu uniforme com o nome Ethan Stone escrito em um pequeno crachá – Ethan. Eu não vou tentar nada. - forço um falso sorriso e entro no banheiro.
  Espero ele fechar a porta para que eu possa analisar o ambiente, e percebo que até que era um banheiro grande. Na parte da frente havia algumas cabines, e um grande espelho na frente delas, logo no fundo estavam os chuveiros e mais alguma coisa que eu não conseguia enxergar daqui.
  Solto um curto suspiro e me viro em direção ao espelho, vou até ele parando a sua frente para poder encarar o meu reflexo. Meu rosto estava totalmente limpo e livre de qualquer maquiagem, meu cabelo estava preso em um rabo de cavalo, e para ainda tinha esse macacão horrível que eu era obrigada a usar. Me olhando dessa forma eu até que parecia uma louca de verdade.
  Apoio minhas mãos sobre a pia de mármore marrom e fico encarando ela enquanto penso em uma maneira de sair desse lugar. Eu não posso ficar aqui, eu não quero ficar aqui e é por isso que eu vou sair o mais breve possível.
  A porta do banheiro é aberta e segundos depois, fechada, ouço o som de passos vindo em minha direção. A pessoa para atrás de mim e permanece em silêncio esperando meu primeiro movimento. Sem muito interesse ergo minha cabeça vendo Brooklyn parada atrás de mim me encarando através do reflexo do espelho. Solto um longo suspiro e me viro em sua direção. Com uma rapidez incrível ela agarra na gola do meu macacão e me joga contra a parede do outro lado, e seus olhos escurecem na mesma hora.
  – Eu vou te avisar apenas uma vez. - sua voz era grave e emanava raiva, assim como seu olhar – Eu não quero você perto do , entendeu? Não vou deixar você ferrar com ele outra vez. - ergo as sobrancelhas quando escuto sua ameaça.
  Então era por causa do que ela não gostava de mim, será que eu voltei para o ensino médio?
  – E se eu não quiser? - pergunto apenas para provocá-la. Se ela soubesse como eu quero ficar longe dele ela nem se daria a todo esse trabalho.
  Ela cerra os olhos e leva sua mão direita até meu pescoço o apertando sem piedade.
  – Eu não estou pedindo, eu estou mandando. - ela aperta mais meu pescoço, mas não tem o efeito que eu achei que teria – Eu não vou pensar duas vezes em te matar. - ela tenta colocar mais pressão em seu aperto, mas ele parece mais fraco do que imaginei.
  Levanto uma de minhas mãos e levo até seu pescoço, da mesma forma que ela fez comigo, e ao colocar pressão eu mesmo me espanto com o tamanho da minha força nesse momento. Os olhos de Brooklyn se arregalam, e eu viro nossos corpos invertendo nossas posições e a deixando contra parede agora. Estou tão surpresa quanto ela, eu nem sei como fiz isso, apenas parece ser meu instinto.
  – Se você não ficar no meu caminho eu não fico no seu. - alerto, deixando de lado por um segundo toda minha surpresa com o que estava acontecendo. No momento apenas quero me livrar dela.
  Apenas alguns segundos depois a porta do banheiro é aberta rudemente.
  – O que está acontecendo aqui? - viro minha cabeça vendo Ethan parado na entrada.
  – Nada. - respondo, e solto Brooklyn que vai ao chão. Lanço um último olhar sério em direção à garota sentada no chão para que ela veja a veracidade de minhas palavras.
  Depois me viro e vou indo até Ethan que estreita seus olhos sobre mim visivelmente irritado comigo.
  – Você está se tornando um problema outra vez. - o guarda diz assim que passo por ele e saio do banheiro.

Capítulo 16

  Já faz algum tempo que Ethan me trouxe de volta para minha cela desde o incidente no banheiro. Eu não sei o que deu em mim para agir daquela maneira, aliás, eu não sei o que vem acontecendo comigo ultimamente. Minhas emoções estão muito confusas, muito exaltadas e todas misturadas.
  Pelo menos acho que Brooklyn não irá mais se meter comigo outra vez. Eu realmente não sei, ela parece do tipo que é capaz de qualquer coisa, tenho que me manter em alerta. E também tem o fato dela parecer nutrir algum tipo de sentimento pelo , eu realmente não sei qual é problema dela, como alguém pode gostar dele? Ele só faz coisas ruins e não liga para outra coisa a não ser ele mesmo.
  Se ela soubesse que a única coisa que eu sinto quando eu o vejo é uma imensa vontade de fazer ele sentir tudo o que eu senti nesse último mês, talvez ela deixasse de ser tão odiosa em relação a mim.
  Solto um longo suspiro já cansada de todo esse tédio, não tem nada para fazer aqui e eu simplesmente não consigo sair. Eu até pensei que agora que eu pareço ter um pouco mais de força eu conseguiria escapar, mas eu nem consigo abrir a janela dessa merda de cela. Esse lugar deve ter algum tipo de "feitiço" ou algo do gênero.
  Encaro a dura cama de molas que estou sentada e resolvo que o melhor a se fazer agora é dormir, não tenho muitas escolhas de qualquer maneira, e quem sabe descansar um pouco não me ajude a ter algumas ideias de como fugir desse lugar.
  Me inclino para o lado e repouso minha cabeça sobre o travesseiro, e assim que minha cabeça encosta no forro fino aquela mesma dor de cabeça que senti hoje cedo volta ainda mais forte. Levo minhas mãos até cabeça e fecho os olhos com força, segundos depois eu sinto meu corpo inteiro pegar arder por dentro, cada parte dele doía como se eu fosse pisoteada, a dor estava insuportável.
  Meus olhos logo marejaram, e encolho meu corpo sobre a cama deitando de barriga para baixo, agarro a borda da cama e a aperto. Sento as lágrimas molharem o travesseiro, e mordo o mesmo tentando abafar meus gemidos de dor. Decidida a procurar por ajuda me levanto com dificuldade e minha visão fica turva por um momento. Olho para um dos cantos do quarto e vejo duas silhuetas se formarem em meio a escuridão, mas não posso identificar o que são, eu mal consigo enxergar alguma coisa, quem não garante de são apenas alucinações devido a dor que sinto agora.
  Penso em gritar por ajuda, mas as silhuetas logo tomam forma de duas mulheres completamente desconhecidas por mim.
  – Quem são vocês? - pergunto, e dou um passo para trás encostando na cama e me apoiando nela para conseguir me sentar.
  – , você está bem? - a mais baixa pergunta em tom preocupado, mas quando ela faz menção de se aproximar me arrasto para trás encostando na parede e criando um pouco mais de distância entre nós.
  – Como sabe meu nome? - pergunto desconfiada.
  Parece que todos aqui nesse lugar me conhecem de alguma forma, isso é muito estranho.
  – Você não nos reconhece, minha jovem? - a de cabelos curtos diz, e enfatiza a última parte de sua frase, me fazendo arregalar os olhos apesar de ainda não conseguir acreditar no que está acontecendo.
  – Margaret?! Margot?! - estou completamente transtornada nesse momento.
  – Sim. - Margaret sorri e me sinto extremamente aliviada por não ter que enfrentar nenhuma criatura estranha. Estou fraca demais para isso.
  – O que vocês fazem aqui? - me levanto da cama sentindo que posso desmaiar a qualquer momento.
  – Precisamos conversar com você, . - Margaret responde.
  – Caso de vida ou morte, literalmente. - Margot completa.
  Endireito minha postura a espera da tal conversa, e quando levo minha mão até a testa percebo que estou quente demais.
  – Talvez eu esteja delirando por conta da febre ou algo assim, já que estou vendo vocês uns trinta anos mais novas. - solto um riso seco e elas trocam um olhar tensos.
  – Esse é um dos assuntos que queremos tratar com você. - Margaret vem até onde estou e faz com que eu me sente de volta na cama. Ela se senta ao meu lado e logo Margot se junta a nós, me deixando no meio de ambas.
  – Precisamos que você preste atenção no que vamos dizer agora, . Não temos muito tempo aqui dentro. - Margot diz, e eu a encaro, confusa.
  – O que você quer dizer? - a de cabelos longos e vermelhos solta um longo suspiro. Eu ainda estou confusa em relação a elas, e quando penso em perguntar levo minhas mãos até minha barriga assim que uma forte pontada se faz presente no canto dela.
  – Margot. - a loira de cabelos curtos aponta para si mesma, e depois para a ruiva ao seu lado – Margaret. - ela me mostra e agora me sinto um pouco menos confusa em relação a aparência delas.
  – S-Sim... - não aguentando terminar minha fala já que a dor fica mais intensa.
  – , venha aqui! - Margot me puxa para perto dela e depois faz com que nos levantemos da cama. Ela coloca suas mãos sobre o meu rosto e eu tenho impressão de duas dela estarem me olhando de forma preocupada, apenas o efeito da minha tontura e visão turva – Olha só para ela, Margaret. Precisamos fazer algo urgentemente. - Margot diz em um tom sério.
  – Vamos ser rápidas, ela não tem muito tempo - Margaret me olha aflita.
  Mas afinal, do que diabos elas estão falando?
  – , nossa missão sempre foi ficar de olho em você. Pode se dizer que somos quase como anjos da guarda na sua vida. - Margot explica exasperada para não perder muito tempo – Existem mais algumas coisas, mas por hora você só precisa saber disso, tem que descobrir por conta própria todo o resto. - ela me olha firmemente.
  – O que ela quer dizer é que você morreu lá naquela cama de hospital, mas nós demos um jeito de trazer você de volta. Isso não estava nos nossos planos, apenas apressamos as coisas, mas não poderíamos te deixar morrer naquele hospital. - o mesmo instante e um flash de memórias me atinge.
  Eu lembro do sonho onde me matava, lembro da dor que era e depois a escuridão. Tudo ficou preto e eu estava sozinha e perdida, eu fiquei presa ali no que parecia um longo tempo, e em um determinado momento eu comecei a escutar vozes, vozes conhecidas, mas que demorei algum tempo para reconhecer como sendo de Margot e Magaret. Elas pareciam entoar coisas que eu não podia entender, por isso apenas gritei por seus nomes, mas elas não apareceram, depois disso as vozes delas desapareceram e todo o preto ao meu redor foi sumindo até que eu acordasse na mesa do necrotério com Lana e Connor me encarando.
  – Você se lembra, certo? - Margaret me pergunta, e eu apenas assinto em meio a minha dor.
  – Nós não deveríamos ter feito aquilo, é como uma regra proibida que quebramos. As coisas foram feitas de forma totalmente diferente do que deveria ser e por esse motivo todas nós teremos que arcar com as consequências disso. - Margot explica coisas que não fazem o maior sentido para mim e, por um segundo, sou obrigada a me agarrar em seus braços para não cair.
  – Logo você vai entender que a sua consequência é uma conexão com a noite. - Margaret encara o chão enquanto fala, ela parece totalmente perdida em pensamentos – Já a nossa consequência por "criar" essa conexão entre você e a noite ainda não sabemos ao certo que vai ser. - ela suspira – Apenas entenda que você voltou a ser uma de nós. - ela tira seus olhos do chão e me encara.
  – E-Eu me tornei um anjo? - mal consigo fazer uma pergunta com tanta dor que sinto, isso está fazendo meus pensamentos ficarem em desordem.
  – Não um anjo normal, mas um anjo caçador. - faço uma pequena careta – Digamos que nós não somos como os anjinhos de asas brancas que voam e sim anjos feitos entre a luz e a escuridão. - cambaleio para o lado com sua explicação sem nexo.
  – Vamos rápido com isso, Margaret. Ela não vai aguenta por muito tempo. - Margot repreende, fazendo Margaret sair apressada da cela, e assim que ela desaparece Margot me encara com certo desespero – Escute, agora você voltou a ser uma de nós, e isso que está acontecendo com você é uma forma do seu corpo te informar que ele precisa ser alimentado. - ela explica calmamente, e cogito a hipótese de já estar louca, tudo que elas me dizem não faz sentido nenhum para mim.
  – Eu não comi nada hoje. - falo baixo.
  – Não, . Você não está entendendo, os anjos caçadores se alimentam de almas de humanos. - agora eu tenho certeza que estou completamente louca.
  Antes que eu fale qualquer coisa sobre toda essa loucura Margaret volta a aparecer no quarto, mas agora com um enfermeiro ao seu encalce.
  – Aqui! - Margaret coloca o enfermeiro a minha frente e noto que ele tinha um olhar totalmente vidrado, nem sequer piscava. Encaro as duas sem entender muito bem.
  – Ou é ele, ou é você. - Margot diz olhando fixamente em meus olhos.
  Engulo em seco sem saber o que fazer, e ela pega em minha mão direita e leva para perto do enfermeiro, depois levanta ela e põe sobre o peito dele. – Vai dar tudo certo. - Margot diz baixo para mim, e depois começa a pressionar minha mão contra o peito do homem parado a minha frente.
  – Você está indo bem. - Margaret incentiva mesmo que eu não esteja fazendo nada.
  Margot pressionar mais ainda minha mão e agora começo a sentir meus dedos atravessara o uniforme do enfermeiro e logo sua carne, em questão de segundos toda minha mão atravessa seu peito, me fazendo ter uma horrível sensação. Sua carne apertava minha mão, e seu sangue molhava cada centímetro dela, era extremamente quente e desconfortável.
  – O coração, . - dou uma rápida olhada para elas, que assentem.
  A mão de Margot me guia e não demoro ao sentir algo pulsante encostar em meus dedos, minha primeira reação é afastá-la, mas Margot empurra ela para frente me obrigando a segura o coração. Ele era macio, mais do que pensei. Cada extensão sua estava envolta de sangue e veias em relevo.
  Eu podia sentir cada batida, o ritmo descondensado que ia diminuindo a cada segundo. Sinto minha mão tremer e Margot dá um leve aperto sobre ela para tentar me acalmar, e depois disso ela vai afastando sua mão da minha até que apenas minha mão esteja sobre o peito do enfermeiro.
  – Agora olhe em nos olhos dele e se concentre. - Margot instrui, e atordoada eu apenas assinto.
  Levanto meu olhar em direção ao do homem, encarando profundamente seus olhos. Era como se eu pudesse enxergar através de sua alma, toda sua vida passou como um filme dentro de minha cabeça, e aos poucos, com cada imagem, eu podia sentir o coração frágil em minhas mãos diminuir seu ritmo até que pare de vez, com o seu permanente silêncio toda minha dor desaparece, dando lugar a um vigor e vitalidade extremos sobre mim; eu podia sentir isso correndo por todo meu corpo.
  O corpo vazio e sem sinal de vida escorrega para o chão em um baque, deixando apenas o coração em minhas mãos. Olho em volta e me vejo completamente sozinha, Margot e Margaret não estavam mais aqui. Encaro o corpo estendido aos meus pés e sinto minha respiração ficar extremamente descompensada, depois olho para minha mão direita vendo aquele frágil coração, deixo que ele escorre por meus dedos caindo sobre o corpo do enfermeiro.
  Eu matei alguém.
  A realidade me atinge como um tapa na cara me fazendo cair de joelhos em frente ao corpo sem vida. O sentimento de remorso era tão grande que até respirar se tornava algo difícil agora. Ajoelhada ao lado de um desconhecido levo minhas duas mãos até meu rosto me perguntando o motivo para eu ter feito uma coisa tão desumana como essa.
  O que eu me tornei? Como eu posso aceitar o fato de ter que matar alguém? E por que um anjo caçador? Eu não poderia ser um anjo daqueles de asas brancas e vestidos longos que protegem as pessoas? Ou melhor, por que elas não me deixaram morrer? Afinal, esse era meu destino: morrer nas mãos daquele demônio de olhos negros que fez com que minha vida virasse de cabeça para baixo.
  Mas infelizmente não foi bem assim que as coisas terminaram, e aqui estou eu ao lado da minha primeira vítima. Essa frase faz com que meu coração dispare, mas ao mesmo tempo lança correntes elétricas por todo meu corpo.
  Um grito ecoa pelo corredor me fazendo despertar do meu remorso, e sinto que os olhos vidrados e sem vida do corpo a minha frente me encaram de forma assustada, então levo minhas mãos trêmulas ao seu rosto e faço com que eles se fechem, amenizando minha angústia.
  Ouço mais barulhos vindos do lado de fora e entro em desespero. Já deve estar na hora do toque de recolher, o que quer dizer que algum guarda vai vir checar minha cela e consequentemente ver o corpo, o que não pode acontecer de maneira alguma.
  Arrasto o corpo para um canto longe da porta e me deito na cama pensando que qualquer um que passar e me ver dormindo não precisará entrar. Ouço uma movimentação no corredor e barulhos de portas de metal, e em seguida por meus olhos entre abertos vejo um guarda dar uma rápida checada no interior da minha cela pela abertura das barras de ferro.
  Respiro aliviada quando ele se vai e depois de alguns minutos, tudo volta ao completo silêncio. Espero alguns instantes para me levantar da cama, começando a andar de um lado para o outro enquanto tento encontrar um jeito de me livrar desse corpo, e não demoro para perceber que só há um jeito para isso. Tenho que levar o corpo para fora do sanatório e de preferência para um lugar onde ninguém o encontre, mas que seja perto e fácil de chegar, pois não tenho muito tempo.
  Penso mais um pouco e tenho uma ideia: o famoso túnel da morte. Parece loucura, mas tudo se encaixa perfeitamente, ele é fora do sanatório, relativamente perto, sei como chegar e ninguém entraria lá, pelo menos não em sã consciência. E é exatamente isso que eu vou fazer, apenas tenho que tomar cuidado para não ser vista.
  Puxo o corpo do enfermeiro até a porta e tento empurrá-la, mas ela não abre.
  – Droga! Está trancada. - resmungo, e tento puxar a maçaneta novamente só que desta vez aplicando mais força e ela acaba saindo na minha mão. Encaro a porta abrindo devagar e jogo o pedaço de ferro no chão. Não posso perder tempo.
  Olho para os dois lados do corredor que está completamente vazio e puxo o corpo para fora, encostando a porta da cela. Volto a pegar o corpo e quando o puxo para trás esbarro em algo que faz meu corpo congelando na hora.
  Droga! Droga! Droga!
  Repito em minha cabeça a medida que viro meu corpo preparada para encontrar um guarda, mas o que encontro me pega desprevenida.
  – ? O que você está fazendo aqui? - pergunto de forma confusa, mas ele não responde, apenas encara o corpo atrás de mim com uma expressão estranha – Quer saber, não importa. - volto a puxar o corpo pelo corredor e me acompanha andando ao meu lado.
  – O que é isso? - ele olha o corpo.
  – Não é meio óbvio? - pergunto sem paciência.
  – Por que você está carregando um corpo morto? - ele me olha com curiosidade.
  – Não te interessa. - respondo baixo.
  – Eu não acredito que você matou um dos enfermeiros. - ele aponta para mim e ri.
  – Isso não é problema seu. - levanto minha voz, mas o eco que se forma depois faz com que eu deseje não ter feito isso - Eu estava morrendo. - completo, e ele estreita os olhos.
  – Você o quê? - ele para de rir no mesmo momento.
  – Morrendo, . Mor-ren-do. - paro um pouco, e enxugo o suor da minha testa – Por que você não me ajuda e para de fazer perguntas, hein? - volto a puxar o corpo, mas logo tenho que parar novamente quando chego às escadas.
  – Você não parece estar morrendo agora. - ele observa.
  – Eu já fiz o que tinha de ser feito. Agora licença me deixe em paz. - me abaixo para continuar meu plano, mas antes que eu pudesse ao menos encostar no guarda me empurra para longe dele.
  – Do que você está falando, garota? - esbraveja.
  – E-Eu... - fico desnorteada por um momento sem saber como explicar isso.
  – Responde logo. - ele diz sério e apesar de não entender o porquê dessa mudança de humor repentina acabo respondendo.
  – Eu sou um anjo caçador. - ele dá um passo para trás.
  – Pra onde você vai levar ele? - pergunta mudando completamente de assunto.
  – Para o túnel. - respondo – Você vai me ajudar? - pergunto, curiosa pela sua reação.
  – Como você disse, isso não é problema meu. - ele responde sério e desaparecer em uma cortina de fumaça negra.
  Cretino.
  Encaro a escadaria por algum tempo tentando entender o que diabos acabou de acontecer, mas logo volto a minha pequena missão e com menos esforço do que achei que precisaria, empurro o homem escadaria a baixo.
  Chego ao salão principal e estranho o fato de tudo estar deserto, não posso reclamar, então não perco tempo ao ir até uma saída lateral e arrastar o corpo até a parte de fora do sanatório. Quando chego ao exterior, me sinto aliviada por ver o túnel a poucos passos de distância. Faço meu caminho até lá e quando piso no começo dele sinto uma atmosfera totalmente diferente, a temperatura parece ter caído dez graus e o ar parece denso, difícil de respirar, mas mesmo assim caminho ainda mais para dentro, enfrentando a completa escuridão a fim de deixar o corpo o mais escondido possível.
  Dou mais alguns passos e decido deixá-lo ali. Respiro fundo e quando me viro para sair, me deparo com a silhueta de uma pessoa parada no começo do túnel, mas a luz que vem do lado de fora contrasta com a escuridão total do túnel, sendo impossível identificar de quem se trata. Por isso, resolvo não enfrentar quem quer que seja e esperar aqui mesmo.
  Dou um passo para trás quando a pessoa se mexe e me encosto mais na parede com medo de ser vista e logo um rosnado ecoa por todo o túnel me dando certeza que aquilo que está do outro lado não é um humano, então me afasto indo cada vez mais para o outro lado, mas a medida que caminho o barulho aumenta, então paro. Ouço os rosnados se aproximando e sem pensar duas vezes começo a correr na direção contrária. O quer que seja, está vindo de dentro do túnel e não dá pessoa parada na entrada dele. Eu preciso sair logo daqui.

Capítulo 17

  Continuo correndo, olhando toda hora para trás na esperança de ver o que estava fazendo esses barulhos, mas está escuro demais aqui. Olho para frente ainda vendo a silhueta parada na grande entrada do túnel, da qual eu já estava perto. Corro ainda mais rápido e solto um grito estridente assim que me assusto quando um poderoso rosnado ecoa pelo túnel. Olho outra vez para trás, mas ainda não vejo nada.
  Quando volto a virar meu corpo, ele se choca com algo maior do que eu, me fazendo ir direto para o chão. E ao contrário de mim, a pessoa com quem trombei se manteve de pé. E a pessoa no caso era , que apenas me olhava sem emoção, sem a intenção de me ajudar.
  – Por quê? Perdeu a capacidade de levantar sozinha? - ele pergunta de maneira fria e eu o encaro raivosamente. Eu já estou farta desses nossos encontros repentinos. – Como se eu gostasse disso. - Ele completa e eu não perco tempo ao me levantar e sair do túnel, que agora estava estranhamente silencioso.
  – Por que voltou? Se arrependeu e veio me ajudar? - pergunto irônica. – Você não tem o direito de ficar entrando na minha cabeça. - Me coloco a sua frente. – Pode ir parando com isso. - Aponto o dedo em sua direção e seu olhar vaga de meu dedo para meu rosto.
  – Já se livrou do corpo? - uma careta se forma em meu rosto devido a sua súbita mudança de assunto.
  – Já disse que não é como se isso fosse da sua conta. - Cruzo os braços e solto uma risada sem humor.
  Ele me analisa por alguns segundos e passa ao meu lado indo para algum lugar atrás de mim. Permaneço parada no mesmo lugar encarando a entrada para dentro do sanatório.
  – Como isso aconteceu com você, pequeno anjo? - escuto sua voz soar um pouco afastada e me viro, o vendo encostado na parede ao lado do túnel, de braços cruzados.
  Arqueio minhas sobrancelhas pela maneira como ele se referiu a mim.
  – Depois de tudo que você me fez passar, você não acha que eu vou simplesmente me sentar aqui e trocar confidências com você, certo? - uso toda a ironia que posso agora.
  Ele apenas sorri de lado.
  – Irritante como sempre. Você nunca muda. - Minhas mãos se fecham em punho e minha vontade é de socar sua cara. – De novo com isso? - ele me olha com tédio. – Da última vez você não fez nada. O seu problema é que você fala demais. - Ele provoca fazendo meu sangue ferver.
  Vou marchando em sua direção, analisando bem qual parte do seu rosto eu iria socar primeiro.
  – Vai ser um prazer tirar esse sorriso estúpido do seu rosto. - Falo entredentes parando logo à sua frente. Ele permanece parado esperando por algum movimento meu.
  Sem pensar muito ergo minha mão direita fechando ela em punho. Juntando toda força que eu tenho miro um ponto em seu rosto, levo minha mão com rapidez até o local, mas antes que eu possa acerta-lo ele segura minha mão. Ainda mais irritada, forço minha mão contra a sua, ainda na tentativa de acertá-lo. aplica pressão sobre o meu punho fechado e vai abaixando minha mão. Solto um curto gemido de dor assim que ouço um estalar de ossos.
  Aproveito que ele está concentrado olhando para o meu rosto que está contorcido em uma careta, e tento chutar bem no meio de suas pernas, mas outra vez ele é ágil, agora agarrando minha perna e a deixando parada ao lado do seu corpo. Em seguida ele puxa minha perna para a lateral da sua cintura, fazendo com que o meu corpo seja impulsionado para frente e fique próximo ao seu, sua mão repousa na parte de baixo da minha coxa.
  Ele soltou meu punho fechado e eu levo minhas mãos sobre o seu tronco tentando não ficar tão próxima dele. sorri e se aproxima do meu rosto, me fazendo arregalar os olhos por puro espanto enquanto ele ainda continua aproximando seu rosto do meu.
  O que diabos ele pensa que está fazendo?
  Agora seu rosto estava a centímetros do meu e eu sentia meu coração pulsar em um ritmo frenético dentro do meu peito. Ele se aproximou mais um pouco e quando sua testa encostou na minha, ele leva suas mãos até a minha cintura segurando firmemente, em um ato bruto me vira colocando meu corpo contra a parede. Meu rosto estava pressionado no concreto duro enquanto ele usava sua mão para prender as minhas contra as minhas costas.
  – Não foi dessa vez que você conseguiu, meu pequeno anjo. - Ele sussurrou ao meu ouvido e eu literalmente rosno de raiva, me debatendo para conseguir sair.
  – Me solta, seu idiota! - tento me virar, mas ele aplica mais força, fazendo com que meu rosto seja esmagado contra a parede. Escuto seu riso e minha raiva aumenta. – Eu vou começar a gritar. - Alerto.
  – Os guardas vão aparecer e você também estará encrencada, estúpida. - Ele fala debochado.
  – Vamos ver em quem eles vão acreditar. - Sorrio vitoriosa quando sinto o aperto diminuindo em minhas mãos, mas minha felicidade não dura muito, pois logo pressiona seu corpo ao meu, me esmagando na parede.
  – Shh! - exclama, de forma baixa, em meu ouvido. estava tão perto que eu conseguia sentir sua respiração em minha nuca e fico confusa por um momento em como eu consigo sentir sua respiração sendo que ele já está morto.
  Tento me livrar de seu aperto, mas com uma das mãos ele segura minha cintura no lugar e com a outra tapa minha boca.
  – Fique quieta. - Ele manda, mas não o obedeço.
  – Sai de perto de mim. - Falo abafado e ele pressiona mais a mão na minha boca, começo a me mexer impacientemente.
  – Ora, ora, ora. O que temos aqui? - congelo no lugar ao ouvir uma terceira voz e se afasta de mim tão rápido quanto me prendeu.
  Respiro fundo me preparando para encontrar algum funcionário do sanatório pronto para nos punir, mas quem realmente vejo quando viro me faz revirar os olhos.
  – Era só o que me faltava. - Resmungo quando vejo Brooklyn.
  – Eu realmente pensava que você tinha algum problema auditivo, sabe, já que nunca escuta o conselho dos outros, mas hoje cheguei à conclusão que você é só burra mesmo. - Ela fala olhando as unhas e nos encara com uma expressão curiosa no rosto.
  – Por favor, não enche o saco. - Falo entre um suspiro e antes dela me responder um rosnado cobre nossas vozes.
  Olho diretamente para o túnel que é de onde veio o rosnado e logo outros são ouvidos. Encaro e Brooklyn esperando alguma reação, mas eles apenas olham para o lugar escuro.
  – Que porra! É melhor vocês se mandarem daqui. - começa a dizer, mas quando vejo o que sai do túnel, não ouço mais nenhuma palavra sequer.
  Seres com feições humanas correm em nossa direção, usando mãos e pés como se fossem animais. Olho assustada para , mas ele se foi e pela primeira vez invejo sua capacidade de sumir do nada. Desvio meu olhar para Brooklyn e ela começa a correr em minha direção. Encaro os bichos e depois ela e noto que estou no meio do caminho e entro em desespero, então começo a correr para longe deles, com o vento frio da noite cortando minha face.
  Olho para trás e vejo ela quase me alcançado e os bichos logo atrás dela, quando volto a olhar para frente, Brookyn simplesmente surge e acabo indo de encontro com ela e caindo no chão. Pisco algumas vezes um pouco atordoada com o impacto e antes que minha visão possa se firmar ela está sobre mim com suas mãos pressionadas em volta do meu pescoço.
  – Eu te avisei que não ia pensar duas vezes em te matar. - Ela faz mais pressão. Tento desesperadamente tirar suas mãos, mas seu aperto é forte, muito mais forte do que da última vez. Seus olhos se tornam negros como a noite e sinto que seus dedos podem perfurar minha pele. Meus pulmões começam a queimar por dentro em busca de ar e com um último impulso pela sobrevivência, pego uma pedra no chão que ia até o túnel e quando vou acertá-la, ela levanta a cabeça para olhar para algo atrás de mim. – Parece que não vou precisar sujar minhas mãos hoje. Adeus, . - Ela sorri e desaparece logo em seguida.
  Inclino minha cabeça para trás e vejo aquelas "pessoas" virem em minha direção numa velocidade sobre-humana. Eles rosnam quando se aproximam de mim, e em pânico levanto rápido do chão pronta para correr. Não tardo a começar a correr até a porta dos fundos do túnel que ligava com o sanatório, que por sorte eu havia deixado aberta. Continuo correndo em direção a ela escutando mais e mais rosnados. Coloco mais força em minhas pernas tentando correr o mais rápido que meus pulmões aguentam.
  Alguns passos da porta uma dessas pessoas salta de dentro do sanatório em minha direção. Ele agarra meu pescoço enquanto grita bem no meu rosto, fazendo alguns respingos de sangue voarem de sua boca para o meu rosto. Agarro suas mãos na tentativa de tirar do meu pescoço, eu podia sentir suas enormes garras começarem a penetrar minha pele enquanto ele ou ela tentava me morder a todo custo.
  Solto um leve grunhido de dor e sinto meu corpo pegar fogo de dentro para fora, e eu sabia muito bem o que era. Agarro essa coisa pelos ombros e a lanço contra a parede vendo seu corpo voar e se chocar contra ela de mau jeito. Dou uma rápida olhada para trás vendo que não tinha mais nenhuma criatura atrás de mim. Não vou ser ingênua, com certeza eles estão escondidos em algum lugar.
  Limpo o pouco sangue que escorre por meu pescoço e sinto uma mão no meu pé. Olho para baixo vendo a criatura tentando se apoiar em mim, procuro em volta algo que me ajudasse e vejo algumas colunas de madeira.
  – Só espero que tudo não desabe em mim. - Falo para mim mesma tentando a sorte. Encaro os pontos que eu acho que não aconteceria nada se eu arrancasse uma tora de madeira. E por sorte, assim que forço, a madeira se desgruda do resto e nada acontece.
  Escuto outro rosnado atrás de mim e não penso duas vezes em virar meu corpo e acertar a madeira na criatura atrás de mim. Seu corpo vai mais uma vez para o chão e dessa vez eu não a pouparia. Vou até ela e atravesso a madeira contra o seu peito a deixando cravada lá. Em um grito ensurdecedor, a criatura morre.
  Me sinto um pouco estranha já que essa é minha segunda vítima, mas de qualquer forma isso não era um humano e estava prestes a me matar.
  Olho outra vez para os lados vendo que ainda não tinha sinal de vida por aqui. Vou até a porta e entro de volta no sanatório vendo tudo ainda calmo e silencioso. Vou andando pelo corredor sempre em alerta para ver se não estava sendo seguida. Dobro a esquerda avistando um corredor com duas entradas. Esse lugar é definitivamente um enorme labirinto. Caminho para a ponta das duas entradas pronta para pegar o caminho que me levaria de volta à minha cela, mas como eu não tenho sorte, da entrada ao lado cinco dessas coisas saem das sombras.
  São muitas, melhor correr. Entro no corredor contrário e começo a correr ouvindo seus rosnados e passos atrás de mim. Saio no salão principal e olho para todos os lados. Corro para fora do salão virando à esquerda e entrando na recepção, assim que o faço sinto uma forte corrente de vento me puxar para a esquerda me fazendo cair atrás do balcão da recepção.
  O que foi isso?
  – Não se assuste, . Sou eu. - Uma voz fina sussurra, e eu olho para o lado vendo a linda e não tão doce garotinha loira.
  – Madeline? O que está fazendo aqui? - pergunto confusa e ela faz um sinal com suas pequenas mãos para que eu fale baixo.
  – A mesma coisa que você. - Ela sorri agarrando seu ursinho.
  Passos ecoam na entrada da recepção e Madeline faz outra vez um sinal para que eu fique quieta. Através de uma pequena fresta entre o balcão e a estante de fichas eu consigo ver aquelas coisas. Suas mãos e bocas estavam completamente ensanguentadas, suas roupas estavam sujas e rasgadas, os seus rostos eram diferentes de tudo que eu já tinha visto aqui, era até mesmo diferente das vezes em que vi com raiva. Eram monstruosos com dentes afiados e garras enormes, os pés eram descalços com algumas manchas de sangue seco em algumas partes. E foi aí que notei que uma dessas coisas segurava um uniforme sujo de sangue e com alguns pedaços de carne pendurados por ele, era o uniforme do guarda que matei. Reconheci pelo nome bordado nele.
  Meus olhos se arregalam quando eu vejo uma dessas coisas levar o uniforme até a boca e comer um desses pedaços de carne. Não me mexo tentando fazer o mínimo de barulho possível. Eles rosnam mais algumas coisas, mas acabam seguindo pelo corredor. Me viro para Madeline que encara o balcão com o cenho franzido.
  – Eu gosto de você, não sei o porquê. - Ela diz me pegando de surpresa. – É por isso que você tem que voltar para a sua cela e fechar a porta, assim eles não podem te pegar. - Eu pude notar seriedade no seu tom de voz. Falando assim até parecia um adulto.
  – Mas e você? - a encaro igualmente preocupada, afinal ela é apenas uma criança.
  – Eu vou ficar bem, . - Ela sorri antes de sumir.
  Volto a espreitar as tais criaturas, mas não encontro nada, então me levanto e corro os olhos ao redor vendo que tudo estava calmo, silencioso, e o mais importante, sem nem sinal de algo estranho e sem explicação.
  Abandono a sala e caminho rapidamente pelos corredores sempre tomando cuidado redobrado para não ser vista. Isso está muito estranho. Onde estão os funcionários daqui? Como podem não ter ouvido ou visto nada?
  Subo as escadas silenciosamente e quando chego no grande corredor que dá para minha cela, vejo que duas pessoas conversam logo à frente da minha porta, então rapidamente volto para trás e me encosto na parede para me esconder. Espreito em segredo avisto um cabelo escuro muito familiar.
  – Brooklyn. - Digo entredentes e caminho em passos largos até lá. Ela parece perceber minha presença, pois quando os alcanço ela se joga nos braços de .
  Reviro os olhos diante da cena exagerada e para a minha surpresa retira os braços de Brooklyn que estavam ao redor do seu pescoço, fazendo com que a morena lance um olhar de irritação para ele. Aproveito o momento de distração e empurro ela contra a parede.
  – Você me jogou para aqueles bichos medonhos! - rosno raivosa. – EU IA MORRER! - grito contra seu rosto. E como consequência do meu grito as portas começam a sacolejar, e gritos de palavras desconexas são ouvidos, o que me faz perceber que acabei despertando alguns pacientes.
  – Deveria ter morrido, não ia fazer a menor falta. - Ela diz com uma expressão desafiadora enquanto cruza os braços, e não dou chance para que ela faça outro movimento pois dou um tapa em seu rosto.
  Brooklyn tropeça para trás com o impacto e quando se recupera ela me encara com seus olhos negros, enquanto uma de suas mãos está sobre a bochecha.
  – Você não fez isso. - Ela respira pesadamente e já posso imaginar o que está por vir, mas não ligo, eu estou preparada.
  – Ouviram isso? - se coloca entre nós e só agora me lembro que ele estava aqui o tempo todo.
  – Ouviu o quê? - pergunto impaciente sem tirar os olhos da maluca que me encara com ódio.
  – Merda! - ele resmunga e quando olho para o final do corredor vejo os mesmos bichos do túnel fazendo a curva para onde estávamos, não penso duas vezes antes de correr para a minha cela.
  Antes de entrar olho para trás e vejo Brooklyn puxar para uma cela em frente à minha. Fecho a porta e me encosto nela para que nada entre sem minha permissão. Olho para o ambiente escuro um pouco confusa. Por que ela entraria no quarto de outro paciente? E principalmente com o . Por que ela puxou ele? Talvez por que seja o quarto dela, concluo.
  – Como eu tenho sorte. - Digo para mim mesma. E pensar em ter essa descontrolada tão perto me deixa louca.
  Os barulhos continuam e quando espio o corredor pela fresta da porta vejo que alguns enfermeiros correm para acalmar os pacientes, respiro um pouco mais aliviada, mas não deixo de me questionar: para onde foram aqueles bichos?
  Isso está muito estranho, eu preciso saber o que são aquelas coisas e o que aconteceu aqui hoje, mas acho melhor deixar isso para mais tarde. Meu corpo está muito cansado e um repentino sono me atinge, certamente muito agito para o meu primeiro dia aqui.
  Antes de me virar e ir até minha cama olho outra vez pela fresta da porta encarando a suposta cela de Brooklyn à frente da minha, na tentativa de ver ou ouvir qualquer coisa, mas não obtenho sucesso. Depois disso desisto e acabo por ir até a velha e dura cama de molas na esperança de ter um pouco de paz e descanso.

***

  – Vamos, garota! Acorde de uma vez! - escuto uma voz soar distante e meu corpo ser chacoalhado diversas vezes. Resmungo qualquer coisa e me viro para o outro lado. – É melhor acordar ou eu vou usar minha arma de choque em você. - Ethan. Ninguém mais seria tão gentil dessa maneira.
  – Pronto, já acordei. - Digo sonolenta com a voz rouca e baixa, finalmente me virando para ele e abrindo os olhos.
  – Nós temos horários aqui, garota. - Ele me encara sério parado ao pé da minha cama. – Já faz uns 10 minutos que eu estou te chamando do lado de fora da cela. E não pense que isso se repetirá outra vez, eu não sou sua mãe para vir lhe acordar na cama, da próxima vez vou usar minha arma de choque. - Ele fala irritado.
  Acabo dando um pequeno sorriso em resposta, o que faz ele fechar mais ainda a cara. Acho que eu gosto de irritar ele.
  – Não precisamos usar a força bruta aqui. - Levanto minhas mãos em sinal de rendição.
  – Anda, vou te levar ao banheiro para fazer o que tiver que fazer, e depois você vai tomar café ou dar uma volta. - Me levanto da cama.
  – Como assim dar uma volta? - pergunto confusa indo até a porta com ele.
  – Durante o dia os pacientes têm permissão para ficarem no jardim. - Ele responde assim que saímos da minha cela, e automaticamente olho para cela da frente vendo se achava algum sinal de Brooklyn, mas a cela dela e mais outras poucas eram as únicas fechadas.
  – A paciente dessa cela já saiu? - pergunto apontando para cela de Brooklyn, mas Ethan me ignora e segue pelo corredor. Solto um suspiro e o acompanho.
  Ele me levou até o banheiro onde fiz minhas higienes matinais, e agora estávamos quase chegando ao refeitório outra vez. A primeira coisa que eu fiz quando entrei foi procurar por algum sinal de , Brooklyn ou , mas não vi nenhum deles.
  – Que bom te ver outra vez, . - Uma voz suave me saúda, e quando procuro por ela vejo uma Gemma sorridente me encarando.
  – Ahn... Oi Gemma. - Franzo o cenho.
  – Algum problema? - ela tomba a cabeça para o lado.
  – É que ainda é muito confuso ver vocês aqui comigo. - Respondo e depois solto um curto suspiro.
  – Acho que posso te ajudar nisso. - Ela sorri outra vez.
  – Ótimo, porque eu tenho muitas perguntas. - Cruzo os braços me sentindo um pouco mais aliviada por finalmente saber que terei algumas respostas.
  – Certo, mas primeiro vamos tomar café. Vem! - ela praticamente me arrasta até a enorme fila de pacientes. E foi aí que eu percebi, eu era a única entre eles usando um macacão cinza, o restante dos pacientes usava aquela mesma camisola branca.

Capítulo 18

  Escolho um lugar vazio e coloco a bandeja na mesa para poder me sentar, e logo Gemma se acomoda a minha frente. Ela parece muito feliz para alguém que está prestes a comer uma coisa nojenta.
  Olho para o meu prato e torço o nariz ao ver o que tenho nele.
  – É mais gostoso do que parece. - A loira ao meu lado comenta descontraída e leva uma porção até a boca.
  Encaro o prato mais uma vez e sinto que vou vomitar, então empurro a bandeja para longe e me encosto na cadeira.
  – Eu não consigo comer isso. - Coloco as mãos sobre minha barriga sentindo um enorme desconforto. Gemma me encara confusa com o garfo no meio do caminho entre sua boca e a bandeja, mas não diz nenhuma palavra.
  Um arrepio corre pela minha espinha ao lembrar do que terei de fazer na próxima vez que me sentir fraca, mas acabo deixando esses pensamentos de lado ao ouvir Gemma chamando meu nome.
  – ? - ela chama novamente e vejo que ela está em pé com sua mão estendida para mim. Sem pensar muito aceito e no segundo em que nossas mãos se tocam Gemma paralisa e me solta.
  – Está tudo bem? - toco em seu ombro e ela parece despertar.
  – Sim. - Ela se vira com um sorriso nervoso. – Vamos dar uma volta. - Ela convida e a sigo até a porta. Ethan me para e pergunta onde estamos indo e rapidamente Gemma diz que vamos apenas dar uma volta e ele libera nossa passagem.
  Passamos por um corredor paralelo ao refeitório e seguimos reto até a parte de trás do prédio, chegamos no mesmo local que encontrei algumas crianças brincando daquela vez, mas hoje estava tudo calmo e apesar do dia bonito que fazia, não havia ninguém do lado de fora.
  Gemma se senta em um balanço e indica com o olhar para que me sente ao seu lado.
  – Aqui é muito bonito, não é? - ela pergunta sorridente e começa a balançar sem tirar os pés do chão. – Aqui fora, quero dizer. - Ela conserta sua fala quando me vê fazendo uma careta. – Você parece triste. - Ela comenta me encarando. – E eu sei exatamente o motivo disso. - Ela sorri tristemente.
  – Sabe? - arqueio uma sobrancelha.
  – Você não está nem um pouco contente por ter sido mandada para cá e não vai medir esforços para fugir. - Ela diz concentrada em um ponto qualquer à sua frente.
  – Você está certa, não gosto desse lugar. Desde que coloquei meus pés aqui perdi as contas de quantas vezes vi a morte, até que ela finalmente chegou até mim graças a aquele idiota do . - Falo irritada.
  – O quê? Como assim, ? Você está querendo dizer que o tentou te matar? - ela parece surpresa e tensa ao mesmo tempo.
  – Sim, Gemma, é exatamente isso que eu estou querendo dizer. Não sei como, mas de alguma forma ele realmente conseguiu me matar enquanto eu estava em coma, ele entrava na minha cabeça sempre que podia, até que um dia, bem... Você já sabe. - Movo meus ombros para baixo.
  Ela me encara com uma expressão de puro terror.
  – Como você está viva? - ela encosta levemente a ponta do dedo indicador em meu braço e dou risada quando ela se assusta ao conseguir me tocar.
  – Sim, Gemma, eu estou viva e você já conseguiu segurar minha mão antes, lembra? - inclino a cabeça para o lado.
  – Então você voltou a ser não um de nós agora? - nego com a cabeça quando me lembro de toda a história que ela e a Katherine me contaram sobre a separação de almas.
  – Eu nunca fui um de vocês, e essa é uma longa história. - Suspiro cansada.
  – Tudo bem, eu tenho toda a eternidade, literalmente. - Ela me encara à espera de uma resposta.
  – Tudo bem, acho que não tem problema te contar. - Digo e conto tudo para ela, desde quando vim pela última vez acompanhada por Connor até o episódio horrível que envolveu o enfermeiro e consequentemente o que me tornei.
  Gemma parece ficar um pouco incomodada quando narro as partes que envolviam o que já me fez passar, mas ela não comentou nada sobre isso, então deixei de lado, ela só deve ter ficado abalada. Afinal, quem não ficaria?
  – Eu sinto muito, . Isso tudo é horrível. - Ela segura minhas mãos. – Eu sabia que deveria ter te procurado antes, mas pode ficar tranquila porque a partir de hoje eu estarei sempre aqui e pronta para te ajudar no que for, tudo bem? Você pode pedir qualquer coisa ou perguntar qualquer coisa. - Ela olha fundo em meus olhos e posso ver a sinceridade que transborda dos seus, então concordo com a cabeça e ela me abraça. – , eu... Ahn, posso te perguntar uma coisa? Mas você tem todo o direito de escolher não responder. - Ela diz ao quebrar o abraço.
  – O que é? - pergunto curiosa.
  – Você contou a história sobre o guarda, mas não disse o que fez com o corpo dele. - Ela diz sem me encarar.
  – Oh, eu... - imagens das criaturas meio humanas invadem minha memória e engulo em seco. – Eu levei até o túnel. - Confesso.
  – Para o túnel? Alguém pode achá-lo. - Ela diz preocupada e me lembro de ver os restos mortais do guarda sendo devorados.
  – Acho que não vai ser mais possível. - Me encolho no lugar.
  – Como assim? - ela pergunta confusa.
  – As criaturas do túnel deram um jeito. - Respondo, e ela arregala os olhos.
  Ela agarra com força as correntes que prendiam o balanço, tomando impulso para se levantar. Gemma abraçou seu próprio corpo e deu alguns passos para frente. Me levanto do balanço e vou em sua direção, levando uma de minhas mãos até o seu ombro.
  – Você está bem? - pergunto, e ela se vira agarrando meus braços fazendo com que eu fosse forçada a encarar seus olhos aflitos.
  – Me escute, . – Franzo o cenho. – Você tem que ficar longe dessas criaturas. - Sua voz era súplica pura.
  – Eu não estou te entendo, Gemma. - Mantive minha feição de confusão, realmente não entendendo.
  – É complicado. - Por alguns segundos ela desvia seu olhar do meu e encara o chão.
  – Bom, eu também tenho tempo. - Afirmo com seriedade e ela me olha antes de refazer seu caminho e voltar a se sentar no balanço. Faço o mesmo e me sento outra vez ao seu lado esperando pacientemente até que ela comece a falar.
  – O Waverly Hills tem um dono... - ela encara o chão. – ...que sai todas as noites para fazer... coisas. - Ela retorce o rosto em uma careta. – Mas ele deixa essas criaturas tomando conta daqui, com ordem clara para matar qualquer um que esteja fora de sua cela. - Meus olhos se arregalam ligeiramente com a sua confissão, e uma dúvida me atinge na hora.
  – Então por que eu ainda não o conheci? - sinto uma leve brisa atingir meu rosto fazendo com que meus cabelos voem para trás.
  – Acredite em mim, você não vai querer conhecê-lo. - Ela dá uma risada nervosa, encarando a grama verde.
  – Mas me diga, que tipo de "coisas" ele sai para fazer? E quem são essas criaturas? - faço aspas com os dedos enquanto falo.
  – Eu não sei que tipo de coisas são essas. - Ela responde, mas não me convence muito, aposto que ela sabe e não quer me contar. Preciso parar de pensar nessas coisas, vai que ela tem o mesmo poder do e está lendo a minha mente agora? – Não sabemos quem são essas criaturas, mas o que sei é que elas só aparecem quando ele sai, o que me faz pensar que durante o dia elas podem ser qualquer um daqui de dentro. - Pela seriedade da sua resposta acho que ela não pode ler a minha mente, ou pode e me ignorou.
  – Isso tudo é muito confuso e estranho. - Resmungo, olhando brevemente para o gramado.
  – Mais alguma pergunta? - ela dá um fraco sorriso acabando com esse assunto.
  – Por que criaturas como você e o ainda vivem aqui? - me lembro da resposta de sobre essa pergunta, mas quero saber o que Gemma dirá, sei que não posso confiar em nada do que ele diz. – Vocês têm poderes, então por que simplesmente não vão embora? E os pacientes daqui, estão todos mortos? - ela arregala os olhos quanto termino.
  – Uau, quantas perguntas! - ela dá uma curta risada. – Vamos à primeira. - Ela se ajeita sobre o balanço antes de falar. – Não é tão simples assim, . Um dia fomos pacientes desse lugar, morremos e consequentemente nossas almas ficaram presas aqui. E na nossa "vida pós morte" ainda somos obrigados a viver como pacientes, e ironicamente, ninguém aqui é tão louco a ponto de desafiar o dono desse lugar. - Ela se mostra tensa.
  – Entendo. - Dou uma resposta curta, notando que estava mesmo falando a verdade.
  – Nem todos aqui estão mortos, boa parte dos pacientes são humanos. – Suspiro. – Ele os trouxe para cá quando de uma hora para outra resolveu reabrir o lugar. Como se não bastasse, ainda nos obriga a reviver tudo que já passamos como pacientes um dia. - Ela volta a agarrar as correntes. – Com certeza está tramando alguma coisa. Não faz sentido, vivemos anos escondidos nesse lugar e agora somos forçados a reviver tudo outra vez. - Ela diz mais para ela do que para mim, certo que acabou pensando alto demais.
  – Eu achei que conversando com você as coisas ficariam mais claras, mas só piorou minha situação. - Me levanto do balanço já farta de não entender as coisas.
  – Um dia você vai entender tudo isso, . - Ela diz, mas não me viro para olhá-la. – Escute, vou te dar um aviso, tenha cuidado com o . - Dessa vez me viro para olhá-la. Ela muda muito de assunto, não consigo acompanhar isso.
  – é como qualquer um de nós, aparentemente também é "refém" de seja lá quem for. - Cruzo os braços.
  – Não. Pelo menos não é assim que ele o vê. - Gemma se levanta vindo em minha direção com um olhar triste. – é como se fosse um filho para ele. - Meu cenho se franze outra vez.
  – Você já falou tantas vezes "ele", mas não me diz quem é. - a encaro séria esperando por uma resposta.
  – O pode ser muito perigoso. - Seus olhos e mãos se fecham por alguns segundos.
  – Você pode parar de mudar de assunto por um segundo? - acabo sendo mais grossa do que eu queria, mas eu já estou farta desse mistério todo.
  – Gemma! - alguém chama antes que ela pudesse responder. Me viro e vejo Kat na porta de entrada para dentro do sanatório. – Temos que ir agora. - Ela acena sorrindo em minha direção.
  – Eu estou indo, mas por favor, tome cuidado. - A loira diz e depois se vai junto com a Kat.
  Fico mais algum tempo no jardim tentando entender os fatos, mas é tudo uma grande confusão na minha cabeça, e por isso acabo indo atrás de Ethan e pedindo para que ele me leve para minha cela. Ethan alega que eu tenho que fazer algumas atividades obrigatórias, mas eu consigo convence-lo fingindo uma falsa dor de estômago causada pela comida nojenta daqui.
  Agora já estávamos em frente à minha cela enquanto ele tentava abrir a porta que agora tinha uma nova maçaneta. Espero por mais alguns segundos até ouvir um estalo e Ethan empurrar a porta para que eu pudesse entrar.
  – Garota, tem certeza que não quer ir para a enfermaria? - ele me olha de maneira duvidosa.
  – Não, eu apenas preciso descansar um pouco. - Respondo, e entro no quarto escutando ele trancar a porta em seguida.
  Olho tediosamente para minha cela tediosa. Não tem nada para fazer aqui, se bem que fazer nada é melhor do que qualquer coisa que eu tenha que fazer com um bando de gente louca.
  Caminho até minha velha cama de molas e me sento sobre ela encarando a parede à minha frente. Meu rosto se franze assim que eu vejo outra frase escrita nela, como na noite anterior.
  "Cuidado em quem você confia. Lembre-se que o diabo era um anjo."
  Releio a frase inúmeras vezes, mas ela continua como uma incógnita para mim. Me deito de costas na cama encarando o teto com os braços cruzados sobre o peito e penso em quem pode ser a pessoa que está escrevendo essas frases. De certo ela está tentando me alertar de algo, mas o quê?
  Respiro fundo, irritada por nunca encontrar respostas para minhas perguntas e me acomodo o máximo na cama, mas nada que eu faça a torna menos confortável. Viro de lado e com o silêncio quase ensurdecedor que cobre o sanatório, acabo caindo no sono.

***

  Acordo sobressaltada ao ouvir barulhos de passos seguidos de portas rangendo e de imediato olho para minha porta. Raios de luz escapam pela porta entreaberta iluminando a cela escura; as palavras de Gemma invadem minha mente. O dono do sanatório deve ter saído e essa é a hora que aquelas criaturas estão rondando por aí, o que significa que já está de noite e dormi a tarde inteira. Estranho o fato de Ethan não ter me acordado para o jantar, mas logo lembro das minhas queixas de mais cedo e uso isso como justificativa.
  Caminho até a porta e quando passo por ela dou de cara com Brooklyn também saindo de sua cela. Ela me encara, mas logo nossa atenção é virada para os sons que vem do outro lado do corredor. Brooklyn olha para os lados em alerta quando os barulhos aumentam indicando que seja o que for, está se aproximando e quando me viro para voltar para minha cela, as luzes do corredor se apagam e todos os barulhos cessam restando apenas o som de passos pesados que ecoam pelo corredor.
  Rosnados baixos são ouvidos ao redor e tento me mover para entrar na minha cela e fugir dos monstros porque sei que apenas lá estou segura, mas assim que sinto uma respiração quente e pesada contra meu rosto congelo no lugar, em seguida fecho meus olhos com força ao sentir a língua da criatura passar da lateral do meu queixo até minha testa, e sem pensar duas vezes grito aterrorizada e espero para um ataque que não vem, então volto a abrir os olhos e devido às luzes já estarem acesas, vejo rindo de mim.
  – Caramba, ! - coloco as mãos sobre meu coração acelerado e ele ri ainda mais.
  – Gostou? Esse truque da respiração é ótimo. - Ele fala em meio ao riso.
  – O que eu perdi? - surge no corredor ao mesmo tempo em que Brooklyn sai de sua cela.
  – Você é um idiota, . - A morena diz nem um pouco contente com a brincadeira dele, e acho irônico ao ver que ela também se assustou.
  – Você perdeu a cara da . - diz para . – Ela fez tipo... - ele começa a imitar, mas paro de prestar atenção nele quando uma paciente sai de uma das celas dançando sozinha.
  Ela passa na minha frente com um rodopio e segue dançando até onde os dois estão, enquanto Brooklyn observa tudo de maneira tediosa. A mulher faz alguns gestos coreografados entre os dois e começa a puxar o braço de como se o chamasse para a dança imaginária. Ele tenta tirar seu braço das mãos da mulher, mas toda vez que o faz ela puxa outra vez, e como previsto, seus olhos começam a escurecer.
  – Ei, cara. - tenta acalmá-lo desviando sua atenção para ele, mas não adianta, pois a próxima coisa que faz é gritar com a mulher e mandá-la sumir, e como resposta ela começa a falar coisas desconexas enquanto pressiona as mãos nos ouvidos.
  A mulher balança seu corpo para frente e para trás perturbada pelo grito de , e vejo arregalar os olhos.
  – Merda! - ele xinga quando a paciente abre os olhos e eles estão pretos, e com uma última palavra estranha um vento muito forte sopra pelo corredor nos empurrando em direção ao outro lado.
  Luto contra o vento, mas meus pés são arrastados para trás. Vejo que Brooklyn tenta se segurar no batente da porta, mas ela é arrastada para trás e depois desaparece seguida de e . Olho para frente lutando para poder enxergar em meio a tanto vento, e a última coisa que vejo é a mulher pressionando as mãos juntas fazendo uma forte luz branca me cegar, me fazendo fechar os olhos.
  Quando sinto o vento cessar abro os olhos me vendo em um lugar totalmente estranho, olho assustada para todos os lados tentando identificar onde estou. Vejo árvores e mais árvores, mato e uma enorme lua cheia no céu. Me parece uma floresta e constato isso assim que vejo a grande construção do sanatório bem afastada de nós.
  Olho ao redor e vejo que não estou sozinha, já que os três de antes estão aqui também, cada um deles com uma expressão diferente; preocupado, Brooklyn irritada, e como sempre mantinha sua expressão raivosa.
  – Nós não devíamos estar aqui. - diz aflito, e eu me viro em sua direção.
  – Por quê? - pergunto curiosa, mas ninguém diz nada. Eu volto a repetir, mas eles ainda se mantêm calados. – Dá pra alguém me responder? - pergunto irritada recebendo os olhares deles.
  – Ninguém pode sair do sanatório, . - O loiro finalmente me responde, e eu logo me lembro da conversa que tive com Gemma.
  – Todo mundo aqui tem poderes, certo?! - faço uma careta ao falar, ainda era estranho o fato de ter poderes. – É só darmos um jeito que estaremos lá da mesma maneira que fomos mandados para cá. - Dou de ombros.
  – Não é tão simples assim, querida. - diz e eu vejo Brooklyn o fuzilar. Faço outra vez uma careta não entendendo. suspira irritado pronto para me responder, mas percebe e o interrompe.
  – Quando alguém sai do sanatório os seus poderes são automaticamente “desligados”. - Ele faz aspas com os dedos. – Os poderes só funcionaram fora daqui com a permissão dele. - Vejo todos ficarem tensos, e mais uma vez eu fico por fora não sabendo quem era "ele".
  – Então vamos voltar antes que ele nos encontre. - Dou alguns passos, mas vejo que nenhum deles me acompanha.
  – Você não acha que vai ser tão fácil assim, não é? - Brooklyn me olha com deboche.
  Um silêncio se instala entre nós e por isso conseguimos ouvir rosnados de forma poderosa, fazendo com que todos nós tomássemos posições de defesa.
  – Isso responde a sua pergunta? - me olha brevemente.
  – Eu acho que deveríamos nos separar, assim ficaria mais difícil deles nos acharem. - Brooklyn sugere, atraindo a nossa atenção para ela. – Eu vou com o e ela vai com o . - Reviro os olhos quando intendo a sua intenção e vejo a encarar por alguns segundos.
  – E eu acho que você devia calar a boca. - Ele diz rispidamente e vejo que está ao meu lado segurar o riso.
  Não deixo de ficar contente ao ver Brooklyn fechar a cara na mesma hora. Como ela pode ser tão estúpida assim? sempre faz questão de fingir que não a está vendo, e mesmo assim ela insiste nele.
  Saio dos meus devaneios assim que escuto barulhos de galhos quebrando, como passos na floresta. Não demora muito para que aquelas estranhas criaturas do túnel surgissem uma a uma em cada ponta, nos cercando. Agora estávamos aqui, nós quatro em meio a várias criaturas loucas para nos devorar, e ainda por cima sem ter como nos defender. Acho que nunca me senti tão inútil e indefesa ao mesmo tempo. Eu estou apavorada.

Capítulo 19

  As criaturas se aproximam em passos lentos, nos torturando psicologicamente, e nós quatro somos obrigados a nos juntar no centro do círculo que começa a se formar ao nosso redor.
  – O que a gente faz agora? - pergunta aflito.
  – Temos que nos separar - informo.
  – Você está maluca? Eles vão nos comer vivos. - Brooklyn surta, e sinto que ela se encosta em mim. O círculo está se fechando e essas coisas famintas estão se aproximando cada vez mais.
  – Não se você for o mais rápido. - diz antes de sair em disparada para uma direção qualquer, e sem pensar duas vezes disparo para outra direção. Alguns bichos se dispersam atrás de e quando olho para trás, vejo que e Brooklyn sumiram.
  Corro por entre as árvores altas e esguias e quando olho para trás não enxergo mais nada devido à densa neblina que cobre a noite, mas decido continuar correndo para tomar grande distância de onde fomos encurralados, e quando vou pular um grande tronco de árvore caído no caminho a madeira se parte e acabo caindo dentro da árvore oca.
  Bato as costas no fundo da madeira e quando vou me levantar uma daquelas criaturas surge e tenta passar pelo buraco feito por mim no tronco me fazendo voltar com tudo para trás. Mais criaturas tentam me alcançar com suas unhas afiadas e tento encontrar um lugar para escapar, quando inclino a cabeça para trás vejo uma saída e me arrasto para lá.
  Passo pelo final da árvore tomando o maior cuidado para não fazer barulho e atrair a atenção daqueles monstros e logo que estou fora da árvore começo a correr para longe novamente, e seus rosnados são ouvidos atrás de mim me fazendo aumentar a velocidade. Sou obrigada a pular grandes pedras pelo caminho, passar por baixo de galhos caídos e desviar de árvores com a esperança de despistá-los.
  Quando finalmente avisto o sanatório sou puxada para o lado no mesmo segundo que uma criatura ia pular sobre mim. Faço menção de começar a gritar, mas minha boca é tapada antes que eu pudesse emitir qualquer som.
  – Shh! - meu corpo é envolvido por dois braços e tento me debater para conseguir me libertar - Calma, . - a tal pessoa fala e quando reconheço a voz me acalmo um pouco.
  .
  Vejo as criaturas passarem reto e deixo meu corpo relaxar por um momento enquanto vai afrouxando seus braços que me envolviam. De forma lenta como se tivesse medo do que eu podia fazer ele foi tirando seus braços de perto de mim.
  – VOCÊ É LOUCO?! QUER ME MATAR DE SUSTO?! - grito irritada e o vejo me empurrar contra a árvore tapando minha boca.
  – Dá para calar a porra da sua boca, garota estúpida. - ele diz entre os dentes e suas íris verdes transbordavam frustração.
  – Não me chame de estúpida. - tiro sua mão que está sobre a minha boca de forma ríspida.
  – Então pare de agir feito uma. - ele fala irritado, me deixando mais irritada ainda. Bufo e me viro, dando as costas para ele e seguindo por outro caminho.
  – Aonde você vai? - ele pergunta vindo atrás de mim.
  – Por que quer saber? Eu sou uma garota estúpida de qualquer maneira. - cruzo os braços e vou batendo os pés como uma verdadeira criança birrenta.
  – Escuta aqui, . - agarra meu braço de maneira rude me obrigando a virar e ficar de frente para ele – Pare de agir feito um bebezinho pelo menos uma vez na sua vida. Você quer morrer? - suas palavras eram ásperas e pesadas.
  – E desde quando você se importa comigo? - encaro seus olhos que me analisam de maneira intensa.
  – Eu não me importo. - ele diz naturalmente provando o que eu já sabia.
  – Foi o que eu pensei. - dou uma risada sem humor e me virei voltando a andar.
  Escuto seus passos atrás de mim, mas se ele não se importa comigo, por que é que ele está me seguindo? Isso é tão frustrante, o é frustrante. Por que ele tem que ser assim tão bipolar? Eu não consigo acompanhar suas mudanças de humor. E por que ele não deixou aquela coisa pular em mim? Ele não se importa mesmo. Isso é frustrante. E a minha vontade é de socá-lo até que ele pare de ser assim.
  – DÁ PARA PARAR COM ISSO?! - berra atrás de mim, fazendo com que eu dê um pequeno pulo.
  – Por que você está gritando, seu idiota? - me viro furiosa encarando seu rosto raivoso. Seus punhos estavam cerrados, sua mandíbula travada e algumas veias do seu pescoço estavam saltadas.
  – Só para... para pôr um segundo com essas perguntas estúpidas. - ele diz frustrado, passando a mão pelo cabelo de maneira nervosa.
  Meu cenho se franze em confusão.
  – Do que você está falando, ? - dou passos até ele, cruzando meus braços na espera de uma resposta.
  – Seus pensamentos, eles estão enchendo a minha cabeça. - ele parecia muito irritado e fazia gestos exagerados com as mãos. Primeiro meu rosto faz uma careta de confusão e depois de surpresa.
  – Espera, você está lendo os meus pensamentos? - baixo meu tom de voz voltando ele ao normal.
  – Sim, e não me venha com aquela chatice de invadir a sua privacidade. - ele bufa irritado.
  – Não é isso, idiota. - respondo e o vejo me olhar feio, mas ignoro – Se todos os poderes são desligados quando somos mandados para floresta, como é que você está lendo meus pensamentos? - seu olhar muda de raivoso para confuso. Ele fica em silêncio e não fala nada – Ahn? Me responde, ! - insisto e o vejo fechar os olhos de forma irritada – Como você consegue fazer isso? - insisto.
  – EU NÃO SEI! - ele grita irritado e soca uma árvore que está ao seu lado fazendo com que um pedaço de galho pendurado faça um considerável corte no seu antebraço.
  – AI! - solto um grito esganiçado assim que grunhe de dor.
  Desço meu olhar vendo minha mão vermelha e um corte no meu antebraço exatamente igual ao de . Arregalo meus olhos de maneira assustada e me viro para o moreno que me encara com a mesma expressão.
  – C-Como? - pergunto ainda espantada – Como isso pode ser possível? - eu só conseguia olhar do seu antebraço para o meu, vendo o mesmo corte e a mesma vermelhidão.
  Antes que o falasse alguma coisa os rosnados voltam. Certo que essa gritaria toda atraiu a atenção deles. E confirmando isso segundos depois as criaturas aparecem nos cercando outra vez. Por instinto eu vou dando pequenos passos para trás até esbarrar no . Dou uma rápida olhada vendo que estávamos um de costas para o outro.
  Uma dessas criaturas vem lentamente até nós e para a centímetros de distância, ele parecia inalar fortemente algum odor. Foi aí que eu senti o sangue quente escorrer pelo meu antebraço, e consequentemente eu sabia que estava acontecendo com também.
  Ele estava farejando nosso sangue. Cubro a ferida com a mão apertando fortemente para fazer com que o sangue pare de escorrer, e ouço resmungar atrás de mim.
  – O que você está fazendo? - ele sussurra rispidamente e ao invés de responder e acabar criando uma confusão, apenas penso na resposta – Merda, ! - ele se queixa depois que aplico mais pressão sobre o corte.
  A criatura parece ficar desnorteada com a súbita perda do cheiro para guiá-la, então começa a farejar ao nosso redor. Encaro a cena de maneira confusa, mas não me deixo perder tempo com suposições, pois antes que eu pudesse me defender ela pula sobre mim fazendo com que eu caia de costas no chão.
  Solto um grito e tento afastá-la do meu rosto enquanto ela tenta mordê-lo incessantemente. Sustento seu corpo coberto de manchas e sujeira com meus braços para que ela não consiga chegar até mim, sua atenção é voltada para o meu braço e ela tenta morder o machucado, então com um pouco mais de força a empurro para trás.
  Rapidamente me levanto e vou em busca de que se defende dos ataques das outras criaturas com um pedaço de madeira. Uma por uma, ele as acerta em cheio com a madeira e com um guincho todas são arremessadas para longe.
  Olho para seu rosto cansado e depois em volta e percebo que estamos novamente sozinhos nessa floresta amaldiçoada. Consigo ver o sanatório de onde estamos, mas seria muito arriscado enfrentar de novo toda a floresta para chegar até lá.
  – Então... O que fazemos agora? - se apoia nos joelhos e depois me encara.
  – Temos que chegar até o sanatório. - aponto para a construção.
  – E como vamos fazer para chegar até lá, dona sabe tudo? - ele debocha, e eu reviro os olhos.
  – Eu vou entrar pelo túnel, já você eu não sei. Não me interessa. - respondo do mesmo jeito que ele, passando pelo mesmo e o ouço bufar irritado.
  Escuto seus passos atrás de mim mostrando que ele está tão perdido e desesperado quanto eu. Acho graça ao vê-lo mostrar um lado totalmente diferente da sua típica postura de macho alfa.
  Seguimos uma espécie de trilha e logo estamos em frente ao túnel, mas, ao invés de entrar nele de uma vez, sou obrigada a parar ao ver uma pessoa em frente a uma daqueles bichos, e o estranho é que o homem não está sendo atacado.
  – O que está acontecendo ali? - pergunto para e quando seus olhos encontram os dois a nossa frente ele me empurra para trás de uma árvore. Solto um guincho com o impacto do seu corpo no meu – Sai de perto de mim. - resmungo incomodada com toda essa proximidade e empurro seu peito, mas ele não se mexe, apenas tapa minha boca como sempre.
  Bufo irritada e cruzo os braços impacientemente enquanto espero que ele volte a prestar atenção em mim para que possa gritar com ele, mas algo atrás da árvore parece ser bem mais interessante, o que acaba despertando minha curiosidade. Faço algum esforço para conseguir me mexer e quando sigo seu olhar vejo a cena mais bizarra da minha vida. O homem que antes estava em frente ao bicho, parece estar bravo com ele agora, fazendo com que a criatura abaixe a cabeça a cada palavra proferida pelo humano. Observo tudo com uma expressão confusa, afinal, como ele consegue estar tão próximo de um monstro daqueles sem ser atacado? E como ele pode estar dando ordens para aquilo e ser obedecido? O que ele fez para conseguir mandar naquilo assim?
  – Você está fazendo de novo. - sussurra, se referindo aos meus pensamentos. Ele está com o rosto muito próximo ao meu.
  – Não consigo evitar. - falo encarando seus olhos que nunca estiveram mais verdes.
  Era algo magnético, como se fosse hipnótico. Quando mais você encarava seus extremos olhos verdes, mais você se perdia. Uma vez que seu olhar mirava neles era quase impossível desviar. Havia algo neles, algo que me dava mais e mais vontade de desvendar.
  Dizem que os olhos são as janelas da alma, bom, as de certamente estavam trancadas. Era realmente difícil decifrar o que se passava ali, ele não era do tipo que dava qualquer pista. Eu sei que ele vacilou um pouco hoje demonstrando ter emoções além da raiva como: preocupação, frustração e eu até me arriscou a dizer medo. está longe de ser uma pessoa fácil.
  – ! - sua voz sai em um tom de alerta, e acabo por cair na realidade sentindo meu rosto esquentar por alguns segundos.
  – Desculpe. - para minha surpresa, um pedido de desculpas escapa entre meus lábios e em momento algum ele desvia seu olhar do meu, me fazendo ficar desconfortável.
  Agradeço quando algo como um assovio ecoa pela floresta fazendo com que a atenção de se desvie de mim. Solto um quase imperceptível suspiro e volto a olhar em volta procurando pelo barulho. Vejo que o homem misterioso ainda está com aquela criatura, mas agora ele já não dizia mais nada, apenas encara a criatura que se mostra cada vez mais amedrontada. Aperto meus olhos forçando minha visão na falha tentativa de ver alguma fisionomia do homem, mas ele está em uma parte muito escura do túnel não me possibilitado ver muita coisa.
  Segundos depois como se fosse o estouro de uma manada, várias daquelas criaturas passam correndo do outro lado em direção ao túnel. Eles correm até a entrada do local e param na frente do homem, julgo eu, esperando algum tipo de ordem. O homem fala alguma coisa que eu não consigo escutar e as criaturas entram para escuridão do túnel.
  Quem será esse homem? E o que ele está fazendo aqui? E por que ele tem que falar tão baixo?
  Escuto o suspiro irritado do atrás de mim e reviro os meus olhos.
  Está lendo os meus pensamentos outra vez? Então leia isso... vá se ferrar, e dê o fora da minha cabeça.
  Sinto seu corpo ficar tenso atrás de mim e continuo o ignorando.
  – Sr. Waverly! - escuto alguém gritando e logo vejo um guarda surgir em meio ao escuro do túnel com uma expressão amedrontada – Desculpe incomodá-lo, mas alguns pacientes estão incontroláveis. - o medo era claro no rosto do guarda, e duvido muito que seja por causa da pequena "rebelião" de pacientes.
  O homem alto e misterioso passa a mão pelos cabelos de forma agressiva e fala uma última coisa para criatura que some túnel a dentro com o guarda. Outra criatura então se vira para floresta assumindo um posto de vigia na frente do túnel.
  – Droga! - exclama antes de puxar meu braço e me arrastar para lateral do túnel de maneira cuidadosa para que a criatura não nós veja. Depois de nos afastarmos um pouco do túnel ele senta, encostando-se em uma árvore. O encaro confusa e ele revira os olhos – Vamos ficar aqui e esperar que ele entre... ou você pode ir lá e morrer? Pra mim tanto faz. - ele dá os ombros.
  De madeira irritada eu me sento ao seu lado trombando de propósito nele, quase o fazendo cair.
  – Quando você vai deixar de ser tão infantil? - ele resmunga com uma carranca em seu rosto.
  – Não fale comigo. - digo, encarando as folhas caídas na minha frente.

***

  Não sei quanto tempo estamos sentados aqui em silêncio esperando aquela criatura entrar outra vez, mas eu já estava ficando irritada.
  – Quanto tempo ainda vamos ter que ficar aqui? - pergunto de maneira arrastada.
  – Pensei que não quisesse falar comigo. - ele diz debochadamente e eu bufo ainda mais irritada.
  – Eu já estou começando a ficar com sono. - reclamo, mas ele me ignora.
  Tento achar alguma coisa para me entreter e acabo vendo uma pedra ao meu lado, e isso me da uma ideia. Estico meu braço para pegá-la e quando finalizo o ato abro a palma da minha mão e pressiono a pedra sobre ela, tentando fazer um corte.
  Logo sinto a ardência e o sangue escorrer por ela. Olho para o lado e vejo me olhar com fúria, sua mão também estava sangrando.
  – Ha! Ha! Ha! - ele ri sem humor – Muito engraçado, . - sorrio vitoriosa para ele – Agora é minha vez de brincar. - ele dá seu típico sorriso de lado antes de envolver seu pescoço com ambas as mãos. Começo a sentir um desconforto no meu pescoço e logo começo a ter dificuldade em respirar.
  – O-O que v-você está fazendo? - coloco minhas mãos no meu pescoço quando sinto meus pulmões falharem. Arregalo os olhos ao ver um sorriso presunçoso estampado em seu rosto – E-Eu estava brincando. - falo com dificuldade, lutando por ar e começo a ver pontos pretos cobrindo a face de , já sabendo o que vinha a seguir, mas antes que eu pudesse perder a consciência ele solta seu pescoço e sinto um alívio enorme ao conseguir respirar uma grande lufada de ar. Me apoio no chão de terra, respirando profundamente e escuto rir.
  – Sua vez. - ele sorri de modo sarcástico e estreito os olhos. Ignoro sua provocação e viro para o lado oposto, cruzando os braços irritada, cansada de seus joguinhos, e mesmo que me custe admitir, um pouco decepcionada.
  Realmente cheguei a pensar que estava mudando, realmente pensei ver um vislumbre de humanidade dentro dele mas parece que estava enganada. Ele é apenas um monstro sem coração, e agora que temos essa estranha e repentina espécie de ligação, tenho certeza que ele fará questão de tornar minha vida em um inferno ainda maior do que já é, por isso tenho que redobrar minha atenção sobre ele.
  Ouço uma tosse forçada e sei que ele está lendo meus pensamentos de novo, mas não me importo, afinal não tenho medo algum que ele descubra o que realmente acho de suas ações inconsequentes.
  Me ajeito, a fim de ficar mais confortável encostada na árvore gelada, abraço meu corpo para tentar me aquecer na noite fria, apoio minha cabeça sobre os joelhos e encaro a floresta à minha frente. Tudo está tão calmo ao nosso redor que não consigo impedir meus olhos de se fecharem.
  Sinto algo pequeno bater na lateral da minha cabeça e abro os olhos de imediato. Olho em volta e finalmente encaro no mesmo instante em que ele se prepara para jogar mais alguma coisa em minha direção, mas desiste ao ver que me virei, e joga a pedra longe em direção da floresta.
  – O que foi? - pergunto cansada. Meus olhos ardem de sono e não tinha notado o quanto estava cansada até ter alguns segundos de paz.
  O encaro por algum tempo, mas ele não responde, então me viro para o outro lado novamente.
  – Se eu fosse você, não dormiria aqui. - ele alerta quando volto a fechar os olhos.
  – Mas não é. Ainda bem. - respondo sem me virar e ouço ele bufar.
  O barulho de vento balançando as folhas das árvores ao meu redor é acolhedor e rapidamente sinto que o sono chega.

Capítulo 20

  Sinto algo deslizar sobre o tecido do meu macacão e acabo por me remexer um pouco. Sei que peguei no sono. Minha mente parece acordada, mas meu corpo não, e tenho plena consciência quando sinto algo gelado deslizar sobre a minha perna, mas meu corpo parece estar em uma daquelas paralisias do sono, já que não obedeça aos meus comandos.
  Juntando o último vislumbre de energia que me restava consigo aos poucos sair desse transe quando solto um curto suspiro antes de levantar minha cabeça que estava apoiada em meus braços. Sou rapidamente recebida por vários raios de sol, por isso forço minha vista ainda não acostumada com a claridade enquanto olho para cima vendo um possível dia ensolarado. Outra vez volto a sentir algo gelado sobre a minha perna, olho de uma vez para baixo vendo uma pequena cobra tentando se esgueirar em mim.
  Solto um grito agudo de pavor e levanto de uma vez do chão, fazendo com que alguns pássaros que estavam por perto voassem com o barulho que faço. Chacoalho a perna até que me livrasse da cobra, e depois dou passos para o lado suspirando aliviada.
  Rapidamente me lembro da noite passada e acabo olhando em volta em busca de algum sinal de , mas como já era de se imaginar, o cretino me deixou sozinha. Bufo irritada e encaro o túnel mais ao lado de onde estou atualmente; ele vai ser minha única chance de voltar, só espero não ser pega. Penso na hipótese de fugir floresta a dentro, mas sei que não seria assim tão fácil. Imagino o que "ele" poderia fazer comigo. Tenho que ter uma estratégia antes de tentar fazer algo tão arriscado.
  Caminho até o túnel e não fraquejo ao entrar, começando a andar calmamente, podendo agora observar alguns detalhes do túnel devido aos feixes de luz que entram. Tudo era gasto e sujo, com mal cheiro bem forte e por algumas manchas de sangue na parede; fora isso ele é bem mais "normal" do que eu pensei que seria.
  Começo a lembrar do homem misterioso de ontem, e algo dentro da minha cabeça começa a fazer sentido. Ele se chama Sr. Waverly, fala com as criaturas sem um pingo de receio, então só pode ser o dono desse lugar. Eu realmente estava muito cansada, e essa era a única explicação para eu não ter juntado os fatos antes.
  Termino minha caminhada pelo túnel e faço aquele já conhecido caminho até a porta que me levaria para dentro do sanatório, mas antes que eu a alcançasse, ela é aberta e um Ethan com uma expressão extremamente furiosa sai de lá.
  – Garota, você está muito encrencada. - ele vem em passos pesados em minha direção - Eu estou te procurando a manhã toda. Como veio parar aqui? - ele me encara sério e por um instante penso em lhe contar a verdade, mas lembro sobre Gemma dizer que nem todos aqui são sobrenaturais, e se Ethan não for um deles, certamente vai pensar que sou mais louca do que já acha.
  – Se eu contar você não vai acreditar em mim de qualquer maneira. - falo derrotada e vejo sua carranca ir embora assim que ele suspira cansado.
  – Vamos logo, você tem que tomar um banho. Hoje é dia de visita. - ele algema minhas mãos como de costume e agarra meu braço me guiando para dentro. Ignoro qualquer desconforto das algemas ao ouvir que hoje finalmente vou ver alguém que não seja esses loucos.

***

  Fizemos um longo caminho até o banheiro.
  – Não demore, e não me faça ter que entrar aí. - Ethan alerta, e eu acabo por apenas assentir.
  Escolho uma cabine e levo comigo todas as coisas que Ethan me entregou. Entro na cabine fechada apenas por uma clara cortina azul, e vou me despindo. Coloco minhas roupas sobre um pequeno banquinho que tinha aqui. Ligo o registro e sinto a água não tão quente atingir minha pele; Certamente eu preferia o chuveiro do meu apartamento, mas como não tenho muitas opções, esse deve servir. Fecho os olhos e tento não pensar em nada que não seja a água quase quente escorrendo por mim. Pego a pequena pedra de sabão branca para me lavar e o faço, tentando tirar qualquer vestígio daquela floresta. Depois pego a embalagem do que parecia ser um shampoo e condicionador dois em um e lavo meus cabelos, procuro fazer tudo rápido para não irritar Ethan.
  Quando termino fecho o registro e seco meu corpo, depois coloco novas roupas íntimas e um novo macacão limpo, por fim calço os horríveis sapatos de pano e saio da cabine. Vou até o espelho e tento dar uma ajeitada no meu cabelo usando as pontas dos dedos já que eles não nos deixavam usar escova.
  Me viro de costas para o espelho e caminho até a porta.
  – Estou pronta. - procuro por Ethan depois lhe entregando minhas roupas sujas, o mesmo assente e seguimos pelo corredor.
  Ele me guia por um caminho diferente e começo a me sentir apreensiva, penso que talvez ele poderia ter mentido para mim, mas essa preocupação logo desaparece quando uma porta dupla se abre e por trás dela vejo uma ampla sala com algumas pessoas espalhadas.
  Me apresso a entrar na divisão mas sou parada pela mão de Ethan em meu ombro.
  – Calma aí. - volto para seu lado e o encaro - Você precisa tomar conhecimento das regras antes de entrar. - reviro os olhos disfarçadamente - Um: nada de gritos ou agressão. Ao primeiro ato de violência você será tirada da sala imediatamente e perderá o direito de receber visitas. Dois... - ele enumera com os dedos - Regra dos dois toques. - ele diz.
  – Dois toques? - pergunto confusa.
  – Não me interrompa. - ele repreende e cruzo os braços como uma criança emburrada - Você tem direito a dois abraços de seu visitante, um na entrada e outro na hora de sair, sem exceções. - quase reviro os olhos com essa regra idiota.
  – Tá. - resmungo entediada e me viro para sair, mas ele me puxa novamente.
  – Eu não acabei, mocinha. - Ethan diz, e eu suspiro cansada - E três: nada de beijos ou troca de pertences. - apenas assinto querendo acabar logo com isso.
  – Posso ir agora? - pergunto derrotada e ele confirma com a cabeça.
  – Você tem duas horas. - ele informa e assinto me dirigindo a uma mesa vazia.
  Me sento na cadeira de plástico cinza e observo tudo ao meu redor. Alguns pacientes desenham nas paredes, outros assistiam televisão e um grupo de senhores jogava xadrez em uma mesa próxima a minha. Tento me entreter com alguma atividade, mas tudo parece ser aborrecedor demais para captar minha atenção, e acabo ficando mais e mais impaciente a cada visitante ou familiar que entra pela porta.
  Um senhor que aparenta ter sessenta anos se levanta bruscamente da mesa de xadrez e começa a gritar com um outro homem. Ele acusa o outro de trapacear e exige que eles comecem o jogo novamente, mas nenhum dos outros jogadores parece concordar, o que o enfurece. Noto que os guardas começam a se mover em direção ao louco, mas tudo acontece muito rápido e antes que pudessem alcançá-lo, ele joga a mesa no chão e derruba o acusado de trapaça da cadeira, subindo sobre ele para socá-lo.
  Observo toda a cena espantada enquanto alguns pacientes formam uma roda para ver os dois brigando, acabando por dificultar a passagem dos guardas.
  – SAIAM DA FRENTE! - um guarda grita e empurra uma mulher para conseguir passar. Vários outros guardas entram pela porta e conseguem controlar todos os pacientes que com o alvoroço acabaram ficando agitados, e no mesmo instante em que o doido que gerou toda a confusão é levado para fora Lana e Connor aparecem na porta com feições assustadas.
  Um sorriso aliviado estampa meu rosto ao vê-los novamente, e antes que eles pudessem me encontrar no meio de tantos uniformes cinzas corro até eles e quase me jogo sobre Lana.
  – Como é bom ver vocês de novo. Foi pouco tempo, mas eu já estava ficando louca. - falo tão rápido que eu mesma quase não entendo minhas palavras.
  – Calma, . - Lana pede enquanto segura minhas mãos.
  – Olá, . - Connor acena tímido e eu sorrio em resposta.
  – Venham aqui! - me coloco entre os dois e puxo eles pelas mãos indo até a mesa, onde me sento outra vez na cadeira de plástico esperando para que eles façam o mesmo.
  Eles se acomodam em outras cadeiras de plástico e apenas ficam em silêncio, nenhuma deles se atreve a dizer nada, apenas me encaram, e isso começa a me deixar nervosa.
  – Aconteceu alguma coisa? - pergunto receosa sobre o que pode ter acontecido.
  – Não é nada demais, . - Lana responde depois de um suspiro.
  – Está tudo bem com a gente. - Connor se esforça para sorrir, mas falha.
  – Falem agora o que está acontecendo, eu não estou entendendo essa reação de vocês. - falo séria.
  Encaro meus dois amigos com um olhar de desconfiança. Eles parecem estar incomodados com alguma coisa, mas sou eu que fui mandada injustamente para cá e estou presa em um sanatório. Então porque eles estão agindo de forma tão indiferente? Será que eles acham que eu sou realmente louca por estar aqui?
  – Vocês acham que eu sou louca, não é? - quebro o silêncio.
  – Não, . Nós sabemos da verdade, e acreditamos em você acima de tudo. - Lana responde.
  – Você não precisa se preocupar com isso. - Connor diz.
  – Vocês acreditam em mim? - pergunto e eles assentem em resposta - Então por que estão agindo tão estranhamente? - coloco minhas mãos sobre a mesa que também era de plástico, e começo a mexer nos dedos de forma nervosa.
  Eles se entreolham por alguns instantes e Connor suspira.
  – Nós vamos entender se você... - ele começa, mas é interrompido por Lana.
  – Você acredita que tudo isso aqui é real? - a pergunta de Lana me pega desprevenida - Você entende que tudo o que você viu até agora é de verdade, certo? - suas palavras me atropelam. Pisco rapidamente tomando tempo para minhas ideias entrarem em ordem antes de respondê-la.
  – Sim, eu entendo. Não é como se tudo o que me cerca pudesse ter a menor chance de ser mentira, Lana. - me encosto na cadeira - Eu tive a maior prova disso: fui morta e voltei a vida, tudo isso pelas mãos de duas criaturas sobrenaturais. - explico.
  – Nós sabemos, . - Lana abre um sorriso amigo.
  – Então vocês já sabem do...
  – ? - Connor pergunta e eu assinto - Eu ainda darei uma surra nele. - completa.
  Não sei se é o modo que ele diz ou o que ele diz, mas sinto uma enorme vontade de rir ao pensar no desastre que seria se Connor e se envolvessem em uma briga. Com certeza meu amigo sairia em desvantagem e acabaria muito machucado, mas não posso deixar de achar a hipótese engraçada.
  Tenho de comprimir meus lábios juntos para que o riso não escape e Connor acabe achando que estou duvidando dele.
  – Ei, eu estou vendo isso, . Você está duvidando de mim? - ele tenta fazer uma pose séria que não dá muito certo.
  – Me desculpe, Connor. - rapidamente me recomponho - Você não é o tipo de pessoa que eu imagino em uma briga. - pego em uma de suas mãos que estava sobre a mesa.
  – As pessoas podem te surpreender. - ele diz com determinação e meu cenho se franze, mas antes que pudesse pensar em algo, ouço uma falsa tosse e olho para o lado vejo que Ethan me encara nervoso. Só aí percebo que se deve ao motivo de estar segurando a mão de Connor.
  Reviro os olhos antes de soltar sua mão. Volto a me ajeitar na cadeira e encaro os dois a minha frente antes de soltar um suspiro.
  – Bom, o que exatamente elas contaram para vocês sobre mim? - mudo de assunto, interessada em saber o grau de conhecimento que eles tinham sobre os fatos ocorridos nos últimos dias.
  Lana coloca suas mãos sobre a mesa e as encara antes de voltar seu olhar em mim.
  – Nós já sabemos de tudo. - seus olhos não desviavam um minuto sequer dos meus, me analisando ceticamente, cada mísero movimento - A única coisa que não entendi foi sobre uma possível consequência. - agora não só Lana como Connor me analisava milimetricamente, o que de fato me deixa desconfortável.
  – Eu não sei, também não entendi sobre isso. - suspiro, encarando as minhas mãos com um olhar vago e vazio.
  Lana suspira alto.
  – , você tem que nos contar o que está acontecendo. - minha amiga diz com um tom severo e firme. Ergo meu olhar vendo o seu preocupado em minha direção.
  – O que tem feito aqui? - Connor muda de assunto tentando deixar o clima mais leve - Se é que tem alguma coisa para se fazer nesse lugar. - ele olha em volta com uma careta engraçada, enquanto procura algo dentro de seu casaco.
  – O que é isso? - pergunto apontando para o que parecia ser uma espécie de livro marrom. Ele me olha confuso e depois nota ao que eu me referia e trata de fechar o casaco.
  – Eu falei para deixar isso lá na biblioteca. - Lana o repreende.
  – Me mostra, eu quero ver. - me debruço sobre a mesa. Connor me olha de maneira vidrada e eu encaro Lana com uma careta, não entendo, ela me olha como se quisesse me falar alguma coisa, mas desiste com um revirar de olhos enquanto nega com a cabeça. - Ahn... vai me mostrar? - pergunto enquanto volto a me sentar direito.
  Connor parece sair do seu "transe", chacoalhando a cabeça. Ele abre o casaco e retira de lá o que eu deduzi. Sou mais rápida ao arrastar a cadeira para o lado tapando a visão de qualquer guarda sobre o objeto.
  – É proibido. - explico quando eles me olham confusos.
  – Eu trouxe isso porque queria te mostrar, mas acabei mudando de ideia quando cheguei aqui. Não quero te chatear com isso, . - ele dá os ombros.
  – O que é isso? - pergunto de novo quando pego o caderno marrom de suas mãos, e folheio o mesmo.
  – Eu encontrei isso do lado de fora da biblioteca hoje, estava junto de alguns recortes de jornais que ainda não tive tempo de ver com calma. - ergo meu olhar por um segundo vendo Connor dar sua explicação - Parece ser um diário do antigo dono do sanatório. - meus olhos se arregalam - Mas algumas folhas que estão arrancadas. - ele finaliza.
  – Posso ficar com ele? Eu quero ler. - pergunto encarando os dois.
  – Não vai ser preciso. - Lana diz e eu a olho, confusa. Ela troca um olhar carregado com Connor que apenas assente a cabeça em concordância como se a incentivasse a continuar. Ela volta a olhar para mim e solta um longo suspiro antes de começar - Nós vamos te tirar daqui hoje mesmo. - meus olhos se arregalam.
  – O quê? - não entendo nada.
  – Vamos te levar para casa. Precisamos fazer isso. - agora foi a vez de Connor dizer.
  – Precisam? Por quê? Como? Eles me liberaram daqui? - sinto uma euforia sem tamanho me atingir assim que penso que vou embora desse lugar, mas tão rápido quando veio, minha euforia vai por água abaixo quando vejo Lana negar com a cabeça.
  – Só precisamos te tirar daqui hoje. - ela me olha de maneira fixa - Você acha que consegue chegar até a floresta, ? Nós vamos estar te esperando lá essa noite com um carro. - meus olhos se arregalam em surpresa.
  Certamente não era um plano bem bolado ou sequer podia chamar isso de plano, mas era um vislumbre de esperança que eu tinha que me agarrar.
  – Acho que consigo. - falo determinada e vejo Lana assentir.

***

  Ethan destrancou a cela e me deu passagem, entro na mesma e espero até ouvir ela sendo trancada para poder retirar o diário de couro que eu havia escondido dentro do meu macacão. O estanho era que todos os guardas revistaram os seus respectivos pacientes, menos Ethan. Ele não se deu ao trabalho de fazer isso comigo, o que era estranho.
  Ignorando esse detalhe por hora, vou até a cama de molas me sentando sobre ela, e não demoro ao abrir o diário lendo a primeira página:
  “Você entende a sua própria mente? Entende o mundo? Sabe me dizer se está ou não vivendo uma mentira? Você pode controlar isso? Quantas vezes uma pessoa pode ser enganada? Quantas vezes uma pessoa pode viver a mesma mentira de várias formas diferentes?
  Esse é o tipo de pergunta que você deveria se fazer todos os dias. Mas alguém tão bom com você não pensaria nisso, alguém tão bom não deixaria nem sequer uma brecha para que as perturbadoras e agonizantes vozes entrassem. Você sabe, o mal pode contra romper facilmente qualquer coisa, até mesmo um lindo anjinho. Não tem como acabar com ele, isso é um ciclo infinito; para que exista o bem é preciso ter o mau, para que você possa ver a luz do dia precisa passar pela escuridão da noite.
  Uma alma tão facilmente corrompida como a sua, você foi atrás da única coisa que lhe foi proibida e hoje arca com as consequências disso, mesmo que você não se lembre. Mas não se preocupe, eu já estou cuidado de tudo, logo você se lembrará, e irá entender como sua vida é uma mentira em cima da outra. Talvez você não aguente escutar a verdade, mas será preciso que você abra a pequena porta e me deixe entrar com a escuridão, eu estou batendo nela há muito tempo, mas ainda está trancada, apenas abra, resistir é inútil. Eu posso te mostrar a verdade por meio da dor.
  Você não é uma criatura digna do céu, e seu "lar" te rejeita e te usa para seu próprio bel-prazer, mas agora eu estou aqui te estendendo uma mão.
  O que eu sou? Um ser? Uma criatura? Um demônio? Muito mais do que isso. Eu não tenho formas e não me encaixo em uma imagem humana, eu não sou palpável, mas estou por todo lado. Eu sou algo que não pode ser destruído, eu sou um ciclo infinito, e é apenas isso que eu quero, não me importo com uma imagem e nem com um corpo, apenas preciso lavar adiante isso. Eu sou a escuridão que pinta a noite.
  Preciso de você, por isso vou colocar todas as peças de xadrez no tabuleiro, eu tenho uma ótima estratégia montada que usarei com você, mas antes que o grande dia chegue, eu preciso te lembrar sobre quem você realmente é. Tenho ótimos planos para nós dois, podemos fazer tantas coisas juntos, podemos continuar com nossa escuridão para que todos possam ver a luz do dia na manhã seguinte. Não vou te deixar escapar tão fácil, na verdade você já é meu, eu te escolhi, você será o novo eu, e não pretendo de deixar partir até seu último suspiro nessa terra miserável.

  – Arthur Waverly"

  Fico em silêncio tentando absorver cada palavra de uma mente claramente perturbada. Quem escreveu isso estava falando com outra pessoa ou consigo mesma? Eu não entendo, acho que isso é demais para mim, essas palavras são demais para mim, elas me trazem uma sensação agoniante.
  Deixo meus olhos correram pelas palavras até o nome final.
  – Arthur Waverly. - leio baixo para mim mesmo - Que tipo de pessoa você foi? Com certeza alguém com sérios problemas na cabeça. - comento enquanto penso nas palavras dele, e só nesse momento me dou conta de algo importante.
  Algumas fichas que li sobre pacientes do Waverly Hills eram assinadas com "A.W", o homem do túnel e possivelmente Arthur Waverly, dono do sanatório.
  Suspiro alto e me levando da cama de molas, querendo buscar por um pouco de ar, tudo isso de uma vez me deixou atordoada. Caminho até a velha janela e tento abri-la, falhando.
  Um barulho de metal sendo destrancado faz com que eu corra até a cama e esconda o diário debaixo do colchão duro, me deitando sobre ele. Apenas fico quieta esperando, e devagar a porta é aberta e uma fresta de luz entra no quarto escuro.
  – Hora da sua janta. - Ethan anuncia e respiro fundo antes de me sentar sobre a cama.
  Era agora, a minha redenção estava cada vez mais perto.

Capítulo 21

  Me levanto de uma vez da cama reunindo todos os resquícios de coragem que eu tinha, e novamente aquela euforia já familiar por mim me atingiu em cheio. A hora havia chegado e mesmo não tendo um bom plano eu iria me agarrar a qualquer vislumbre de esperança que me levasse o mais longe possível desse lugar.
  Caminho até a porta tentando passar uma imagem calma para que Ethan não suspeite de nada, e depois saio de meu quarto, logo tendo minhas mãos algemadas.
  – Espere aqui. - ele pede antes de caminhara até a cela que ficava de frente para minha.
  Ethan abre a cela e como previsto, Brooklyn sai de lá com a sua típica cara de superioridade. Ele também algema ela e a trás para perto de mim.
  – Vou cuidar das duas. - ele explica pegando em meu braço e no dela e nos guiando pela multidão de pacientes - Houve algumas baixas por aqui. - ele diz e eu sinto uma pitada de ironia em sua voz, o que me faz pensar que ele pode saber de algo.
  De qualquer maneira eu estou dando o fora daqui hoje mesmo, por isso não me importo com que ele possa saber.
  Começamos a andar em silêncio pelo caminho que nos levaria até o refeitório, e seu que preciso ser rápida agora.
  – Ahn... Ethan, será que você poderia me levar ao banheiro? - pergunto, cessando meus passos e fazendo com que ele e Brooklyn parassem também. Ele me analisa por alguns segundos - Eu realmente estou apertada. - faço uma careta tentando dar o meu melhor para convencê-lo.
  Ele suspira antes de assentir.
  – Tudo bem, mas isso vai ser rápido. - ele diz, mantendo seu tom formal.
  – Eu estou com fome, vamos para o refeitório agora. - Brooklyn bate o pé do outro lado.
  Eu a encaro vendo um pequeno sorriso surgir em seu rosto.
  – Nós vamos ao banheiro. - retruco.
  – Vamos para o refeitório. - ela endurece seu semblante e dá um passo em minha direção.
  – Ao banheiro. - repito a ação, dando um passo até ela também.
  – Refeitório! - outro passo dela.
  – Banheiro! - estávamos uma de frente para outra.
  – Calem a boca, vocês duas! - Ethan aumenta sua voz, atraindo nossa atenção sobre ele - Eu não sabia que estava na ala infantil do sanatório. - sua voz transborda deboche.
  – Foi ela quem começou. - Brooklyn aponta o dedo em minha direção e a minha vontade é de quebrá-lo.
  – Eu mandei calar a boca. - Ethan repreende ela, me fazendo abrir um sorriso - E você! - ele aponta para mim - Pode tirar esse sorriso do rosto, não tem nada de engraçado aqui. - meu sorriso some dando lugar a uma careta emburrada, e ele nos olha negando com a cabeça.
  – O que vamos fazer? - pergunto, tentando amenizar o clima.
  Ethan suspira antes de chamar um guarda que passava por ali. Ele pede para que ele me leve até o banheiro, enquanto o mesmo iria acompanhar Brooklyn até o refeitório.
  – Eu já volto. Não tente nada idiota. - ele me adverte.
  O outro guarda me leva até o banheiro, que por sinal não demoramos ao chegar. Ele solta meus pulsos das algemas e deixe que eu entre.
  Já dentro do banheiro eu verifico se estou sozinha, e quando felizmente constato isso corro até a última cabine já sabendo o que fazer. Abro a porta com certa urgência vendo o grande painel de metal atrás do vaso sanitário. Tranco a porta atrás de mim e me viro para o painel. Agarro suas grades aplicando pressão nelas, que, sem dificuldades se desprendem da parede.
  Até que minhas novas habilidades serviram para alguma coisa afinal.
  Subo em cima do vaso sanitário e não tardo ao entrar no duto de ar. Me viro recolocando o painel no lugar e suspiro um pouco aliviada. Agora era só seguir o caminho certo. Eu sabia que o banheiro ficava ao lado da floreta, pela grande janela soldada que tinha lá, então era só seguir a parte iluminada pelo duto de ar que logo eu seria uma mulher livre.
  Fico uns bons e agonizantes minutos apenas seguindo as partes iluminadas. Aqui dentro era apertado, quente e cheio de insetos, mas eu sabia que isso tinha um bom motivo assim que vi uma pequena janelinha de vidro. Engatinho até ela com rapidez e com um chute quebro o vidro, o que foi uma tarefa difícil por ser bem apertado aqui.
  Me arrasto até o lado de fora sentindo a terra batida da floresta sobre mim. Eu havia consigo e tinha que ser rápida antes que dessem falta de mim. Por isso, me levanto o mais rápido e disparo a correr entre as enormes árvores na busca de algum sinal de Connor e Lana.
  Para minha sorte, vejo o familiar carro preto de Lana parado não muito longe da grande construção do sanatório. Corro até lá batendo contra o vidro e depois escutando o som da porta sendo destravada. Me apresso ao entrar no carro vendo os dois me olharem com um misto de alívio e aflição.
  – Você conseguiu. - Connor me dá um enorme sorriso.
  – Sim, eu consegui. - respondo ofegante.
  – Vamos tentar dar o fora daqui então. - Lana gira a chave do carro.
  Olho através da janela do meu lado esquerdo, apenas para garantir que não havia ninguém no seguindo.
  – MAS QUE PORRA É ESSA?! - alguém grita ao meu lado e meu corpo congela na hora. Eu conhecia essa voz.
  Viro para o lado direito vendo sentado ao meu lado.
  – O que você está fazendo aqui? - minha voz sai esganiçada.
  – Que merda é essa, ? Você vai fugir? - vejo algumas veias de seu pescoço saltarem.
  – Como você entrou aqui? - pergunto, já sentindo a familiar raiva que me causava.
  – Me responda, ! Está tentando fugir? - ele rosna inclinando sua cabeça para frente, ficando mais perto de mim.
  – Não é da sua conta o que eu ia fazer, . - falo entre os dentes.
  – ? - ouço de Lana e lembro que não estou sozinha. Olho para frente vendo Connor nos encarar de maneira paralisada - O que ele faz aqui? - Lana me olha apreensiva.
  Em um estalo algo em minha cabeça parece fazer sentido, me viro e encaro que me olhava da mesma forma, acho que ele também já sabe a resposta.
  Solto um suspiro.
  – Eu posso ter esquecido de mencionar o fato de que estamos ligados um ao outro. - falo baixo.
  – VOCÊS ESTÃO LIGADOS?! - Lana berra dentro do carro me fazendo encará-la de maneira reprovadora.
  – De todas as pessoas no mundo você tinha que ter uma ligação justamente com ele? - e pela primeira vez vejo Connor usar um tom debochado, o que me espanta.
  Sinto ficar tenso ao meu lado e o encaro, vendo que ele olha para Connor como se o pudesse o matar, e o fato de Connor devolver o olhar raivoso não estava ajudando.
  – Você não vai fazer nada com ele. - agarro o pulso de atraindo sua atenção para mim, e ele dá uma risada sem humor.
  Já estava pronta para fazer um belo discurso de como eu não deixaria ele encostar um dedo em Connor, quando escuto algo do lado de fora. Solto o pulso de e me viro procurando por algum sinal de onde tenha vindo o barulho. Rosnados ganham intensidade e sinto meu corpo se arrepiar todo.
  – Trave todas as portas! Temos que sair daqui agora! - falo aflita para Lana.
  – O que está acontecendo? - ela pergunta.
  – Só faz o que eu disse. - ela concorda e aciona as travas do carro, mas antes que pudesse acelerar, uma daquelas coisas pula em frente ao carro fazendo com que ela solte um grito e pise no acelerador de uma vez.
  O carro acelera e aquela coisa acaba por rolar sobre o teto. Olho para trás e vejo a criatura imóvel e estendida no chão; suspiro, aliviada, mas meu alívio logo é substituído por terror quando outras quatro criaturas começam a correr atrás do carro com uma velocidade fora do normal.
  – MAIS RÁPIDO, LANA! - grito em desespero ao ver aquelas coisas já nos alcançando.
  Me viro para Lana a tempo de ver a criatura saltar em nossa frente, mas ela é rápida em tirar o carro para o lado, e com o movimento brusco as rodas do lado esquerdo saem do chão, e antes que ela pudesse fazer algo o carro capota colina a baixo.

***

  Acordo assustada, e quando me mexo alguns cacos de vidro caem no meu rosto, me dando conta que estou presa de cabeça para baixo pelo cinto de segurança. Quero sair da posição que faz o sangue descer até minha cabeça e que causa um desconforto enorme em mim, mas meu corpo parece não obedecer aos meus comandos, então apenas me limito a procurar outro meio de me soltar.
  Olho em volta e a primeira coisa que vejo são as duas Lanas desacordadas ainda no lugar do motorista. Tenho que piscar algumas vezes para que minha visão se afirme e eu consiga enxergar a linha de sangue que marca seu rosto de cima a baixo. Sua cabeça está apoiada em uma posição muito estranha sobre o ombro de Connor.
  Meu coração dispara quando penso no quão grave eles podem estar feridos, e junto minhas forças para poder me mover e se possível, tirá-los daqui antes que o pior aconteça. E como se meus pensamentos pudessem ser ouvidos por alguém superior, ouço rosnados se aproximando. Puxo o encaixe do cinto com toda a minha força, mas logo meus movimentos vão ficando lentos e minha cabeça dói, me deixando atordoada.
  Sinto alguém me puxar, mas não consigo identificar quem é devido minha visão embaçada, me seguro com o máximo de força que eu consigo aplicar no cinto, só que todo meu esforço é perdido quando sou tirada do carro com brutalidade.
  – SAI DE CIMA DE MIM! - me assusto com um grito em meio ao silêncio da floresta, e por mais que eu não consiga localizar quem disse isso, eu não precisaria, a voz de é inconfundível.
  Me esforço para abrir os olhos para ver o que está acontecendo e após minha visão se firmar, vejo lutando contra duas criaturas, mas o estranho é que elas não o atacam, apenas tentam puxá-lo pela perna.
  Sinto que estou me movendo, mas não consigo fazer qualquer coisa para impedir que isso ocorra, então me deixo ser arrastada pelo chão de terra até que minha visão se escureça e tudo ao meu redor fica silencioso demais.
  – ! - meu nome sendo chamado de modo aflito é a última coisa que escuto antes de perder a consciência.

***

  Desperto devido ao imenso desconforto no meu pescoço e quando abro os olhos, sou obrigada a fechá-los rapidamente devido à forte luz que os atinge. Aos poucos vou acostumando com a claridade, e um chão de azulejos brancos aparece em meu campo de visão. Estranho o fato de meus pulsos estarem doendo tanto e quando olho para cima minhas dúvidas são esclarecidas. Estou presa por correntes de ferro.
  Faço força para tentar me livrar delas, mas meu corpo ainda está muito fraco.
  – Não vai adiantar nada. - me assusto com uma segunda voz e rapidamente olho para o canto vendo relativamente perto de mim e preso do mesmo jeito que eu - Eu já tentei. - ele completa e bufo irritada, mas sem antes tentar me soltar uma última vez. E como era de se esperar, sem sucesso.
  – Você é tão estúpida. - no momento que a vozinha irritante fala, sinto minhas mãos se juntarem em punhos, já sabendo de quem se tratava. Brooklyn.
  A encaro irritada e ela revira os olhos.
  – Você também é estúpida já que está presa do mesmo jeito que eu. - rebato.
  – Boa. - uma quarta voz fala e só agora percebo que estava o tempo todo na minha frente, também preso pelas correntes.
  Espera. Se todos nós estamos presos do mesmo jeito e no mesmo lugar, quem nos prendeu?
  E como resposta a minha pergunta mental, a porta se abre revelando um homem de cabelo castanhos escuros, e no momento em que ele entra na pequena sala, vejo pelo canto do olho que fica tenso e incrivelmente sério. O homem atravessa a sala com passos calmos enquanto nos analisa, tendo suas mãos escondidas nas costas.
  – . Brooklyn. - ele cumprimenta com um simples aceno de cabeça sem demonstrar emoção alguma quando passa na frente de cada um, mas eles não respondem. Percebo que nem sequer olham na direção do homem, era como se fosse algo proibido.
  Alguns guardas adentram a sala segundos depois se colocando aos cantos dela com o mesmo olhar de medo ao homem.
  – Eu esperava isso de todos, menos de você... Filho. - meus seus se arregalam assim que ouço o modo como ele se refere ao . De imediato lembro de Gemma dizer que era como um filho para o tal dono do sanatório.
   solta uma risada sem humor antes de falar.
  – Você sabe que não deve confiar em pessoas como eu, Arthur. - ele chacoalha os pulsos em fúria tentando a todo custo se libertar das correntes.
  Arthur nega com a cabeça, mantendo seu olhar duro.
  – Eu sei que isso não é culpa sua, filho, mas não quer dizer que não vai ser castigado. - ele encara de uma maneira que o deixa vulnerável por alguns segundos, coisa que eu nunca vi antes - Você conhece as regras melhor que ninguém, . Sabe como eu me sinto quando não me obedecem. - os punhos e olhos de se fecham de maneira raivosa, ele parecia estar tentando se controlar.
  Segundos depois seus olhos voltam a se abrir e estão mais negros do que uma noite chuvosa, e estavam me encarando. Meu corpo fica tenso na mesma hora e eu já podia sentir o suor frio escorrer por meu rosto.
  – . - ele vem em passos calmos, porém firmes, em minha direção - Só está aqui há quatro dias e já causou tanta confusão. - ele para a minha frente - Garota, não brinque comigo ou eu te jogo para os meus cãezinhos do túnel. - e ali estava o familiar sorriso de lado do em seu rosto. Definitivamente ele era pai de .
  – Me solta! - digo entre os dentes, mesmo me sentindo um pouco amedrontada.
  – Ela é realmente pior do que você me disse, . - meu cenho se franze e olho por cima de seus ombros vendo encarar a parede com um olhar vago - Você não acha que está muito teimosa para um anjinho tolo que vive cercada de demônios? - ele desliza sua mão pela lateral do meu rosto, mas me esquivo o fazendo sorrir outra vez - Ethan! - ele chama e só agora me dou conta de que Ethan estava no meio dos guardas que entraram aqui.
  Ethan vem até nós com um olhar sério em seu rosto. Tento procurar seus olhos em um pedido de ajuda, mas quando ele me encara apenas decepção e raiva transbordavam deles. Me sinto culpada por ter feito isso outra vez, e tento me desculpar, mas ele logo desvia o olhar.
  Arthur estende a mão para ele que não tarda ao colocar uma brilhante e afiada faca em sua mão. Ethan dá as costas e volta ao seu posto. Meu corpo volta a ficar tenso assim que Arthur leva a faca até a lateral da minha cabeça colocando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha, utilizando o objeto cortante.
  – Vai ser um prazer te ensinar as minhas regras, anjinho. - ele dá um demoníaco sorriso antes de deslizar a ponta da faca sobre o canto do meu rosto.
  Sinto uma ardente dor aguda se alastrar pelo local me fazendo fechar os olhos por alguns segundos. Um grunhido de dor preenche a sala, mas não era o meu. Todos olham confusos para , não entendendo absolutamente nada. Todos menos eu e Arthur, já que primeiro ele olha de mim para .
  – Levem eles dois daqui. - Arthur anuncia aos guardas que não tardam a retirar e eu das correntes - Nós temos negócios para resolver, mas vou deixar que meus homens cuidem de vocês dois. - ele sorri para Brooklyn e antes de sumir com nós dois.
  Fomos arrastados por inúmeros corredores e subimos algumas escadas indo para uma sala que eu nunca tinha visto antes. Assim que chegamos, Arthur pediu que apenas Ethan ficasse com a gente na sala.
  – Abra o macacão dele. - Arthur ordena para Ethan assim que os demais guardas saem.
  Ethan anda até que o olha com raiva, e com brutalidade ele faz com que se ajoelhe de costas para mim. Ele abre seu macacão me dando vista das suas largas costas. Arthur anda até , com um açoite em uma de suas mãos.
  Onde ele conseguiu isso?
  Não tenho tempo de pensar em muitas perguntas quando vejo ele se abaixar para falar com .
  – Não é nada pessoal, filho, mas você sabe que eu preciso fazer isso. - dizendo isso, ele ergue o chicote no ar o levando de encontro com a pele clara de , que logo ganha um grande e profundo corte vermelho. E assim que isso acontece um grito de pura dor rasga minha garganta se misturando aos grunhidos de .
  Me jogo no chão sentindo algo quente e molhado escorrer pelas minhas costas. Apoio as duas mãos no chão sentindo meus olhos marejarem.
  – Que irônico. - Artur debocha - Um anjo que foi ligado a um demônio. - escuto seus passos se aproximarem de mim, seguida da sua mão que ergue minha cabeça pelo queixo.
  – Uma vez no inferno, querida, só o diabo pode te salvar. - ele diz olhando no fundos dos meus olhos como se pudesse ver através da minha alma - Você não tem mais salvação aqui dentro. - ele levanta e volta a andar em direção a - Você foi ligada a uma das almas mais escuras que eu já conheci, então ou você se rende de uma vez ou sofre pela eternidade. - ele sorri olhando o enorme rasgo nas costas do filho, como se tivesse orgulho de suas palavras.
  Sem aviso prévio ele volta a chicotear , fazendo com que as lágrimas presas em meus olhos agora se libertassem e deslizassem livremente pelo meu rosto. Meus braços fraquejaram e meu rosto vai de encontro com o chão, minhas costas queimam e cada vez que o tecido áspero encostava nas feridas era como se arrancasse a minha carne.
  – Levem eles para terapia de choque. Hoje eu irei despertar o lado escuro desse anjinho. - essa é a última coisa que Arthur diz antes de sumir em uma fumaça negra pelo ar.

Capítulo 22

Sugestão: escutem a música sugerida (Clique aqui) junto a leitura do capítulo abaixo.

  Cada célula do meu corpo parceria pegar fogo a cada choque dado, não consigo ter certeza de quantos foram, mas aumentavam de intensidade a cada nova descarga elétrica.
  – Aumente para o sete. - A voz de Arthur ecoa ao longe. Meus olhos cansados se abrem para revelar as lâmpadas brancas de teto. Serão duas? Três? Não posso afirmar ao certo.
  – Tem certeza, senhor? Nós nunca usamos um grau tão elevado. - Ethan pergunta no meu lado direito. Viro meu rosto para ele e o vejo ao lado da máquina de choque. Ele estava todo o tempo controlando os choques aplicados em mim?
  – Não interessa. Agora faça o que eu mandei antes que o castigado seja você.
  Ethan me olha por um instante e se minha visão não estivesse tão embaçada e meus pensamentos tão fora de ordem, eu diria que vi ele hesitar antes de puxar a alavanca para baixo.
  Meu corpo é inundado por uma nova onda de choque, mas desta vez é muito mais forte do que as anteriores, fazendo com que meu corpo balance sobre a maca de ferro como em uma convulsão frenética apenas sendo limitada pelas tiras de couro que prendem minhas mãos e pés. Sinto cada músculo do meu corpo queimar a medida que o choque se alastra pelo meu corpo. Meu coração acelera de tal maneira que parece rasgar meu peito e sinto que os fios ligados à minha cabeça perfuram minha pele devido à alta temperatura.
  Tento lutar contra as sucessivas perdas de consciência, porém não tenho mais o controle do meu corpo. Cansada de resistir, deixo que meus sentidos se desliguem aos poucos a fim de acabar com todo o meu sofrimento.

***

  Desperto assustada como se acordasse de um pesadelo e quando finalmente retomo minha consciência, como que por instinto, levo minha mão para as laterais da minha cabeça e quando toco a pele sensível me lembro da horrível sensação dos choques elétricos percorrendo meu corpo e me queimando por dentro.
  Sento na cama e olho em volta esperando encontrar a habitual escuridão do meu quarto, mas o que vejo é completamente o oposto. Tudo ao meu redor é de um branco tão claro e luminoso que tenho de semicerrar os olhos.
  Encaro as quatro paredes que me cercam e meus olhos param em uma maçaneta cinza que se destaca em meio a tanta luz, e sem demora caminho até ela. Olho toda sua extensão enquanto rodo a maçaneta e quando ela finalmente se abre, espio com apreensão, mas acima de tudo, muito curiosa pelo que posso encontrar do outro lado.
  Várias pessoas transitavam pelo corredor que se escondia do outro lado da porta. Pessoas devidamente uniformizadas levando seus pacientes e trabalhando em meio a correria do local.
  Em passos incertos saio de uma vez do quarto branco onde estava, fechando a porta atrás de mim. Me coloco ao meio do extenso corredor e começo a olhar em volta, porém nada me vem à cabeça. Começo a andar pelo corredor saindo em uma recepção e só aí me dou conta de onde estou. Eu ainda estava no Waverly Hills, mas ele estava um tanto quanto diferente. As paredes e decorações mais rústicas, os aparelhos eletrônicos mais antigos, as roupas que pareciam não serem da minha época. Era como se eu estivesse na primeira versão do sanatório.
  Ainda parada vendo a movimentação ao meu redor vejo que uma enfermeira vem correndo em minha direção, mas antes que eu pudesse dar passagem a ela, seu corpo atravessa o meu, como se eu não estivesse ali. Minha primeira reação é o espanto, mas logo a confusão. Me viro vendo um paciente encostado na parede e caminho até ele abanando minha mão na frente do seu rosto, mas como previsto, ele não demonstra nenhum sinal de que está vendo algo. Solto um longo suspiro já sabendo que eu deveria estar dentro de algum sonho estranho.
  Deixo o paciente de lado e continuo meu caminho pelo que parecia ser a primeira versão do Waverly Hills. Sigo um caminho já conhecido e saio na sala de visitação, vendo alguns dos pacientes fazendo atividades e outros recebendo visitas. Em meio ao grande bolo de gente avisto uma cabeleira ruiva familiar, e a reconheço como Kat. Ela estava com os cabelos mais claros e aparência mais jovial, ela sorria para uma menina de cabelos longos que logo se vira e posso ver que se trata de uma versão, também mais jovial de Gemma. As duas pareciam bem animadas em algum tipo de conversa.
  Penso em ir até elas, mas lembro que elas não poderiam me ver, então acabo ficando no mesmo lugar. Vejo dois enfermeiros vindo em minha direção, mas me mantenho imóvel sabendo que eles iriam passar por mim como fumaça. Mas o estranho é que eles pareciam mesmo estarem me olhando. Continuo imóvel, mas o que vem a seguir me surpreende, eles me agarram pelos braços e me obrigam a irem com eles pelo corredor. Mesmo estando um tanto confusa, tento me soltar de seus apertos, o que é inútil. Um desespero sem fim me atinge assim que reconheço o caminho pelo qual estamos indo. Me debato de maneira frenética, mas não adianta, tento usar dos meus dons especiais mas pareço não ter eles no momento.
  Um dos homens solta meu braço e abre a grande porta dupla enquanto o outro me empurra para dentro. Ele me leva até uma cadeira e me força a sentar nela atando meus pés e mãos com tiras de couro. Meu olhar amedrontado corre pela sala onde passei os piores minutos da minha vida na eletroterapia. Olho em volta e vejo dois homens altos de costas para mim no canto da sala. De forma lenta eles se viram e meus olhos se arregalam em espanto; Arthur sorri ao me ver e Ethan mantem um olhar sério com uma pitada de culpa no fundo.
  – Anjinho! - Arthur junta as mãos e sorri. – Por favor, tragam o nosso paciente. - Ele diz para um dos enfermeiros que me trouxe até aqui, sem tirar os olhos de mim.
  Ele assente antes de sair da sala, voltando segundos depois com um paciente em uma maca. Ainda não consigo ver seu rosto. O enfermeiro para a maca na minha frente um arrepio corre minha espinha. Desacordado sobre a maca estava uma versão mais jovem de ; seus cabelos estavam mais curtos, suas características mais joviais, porém seu semblante era o mesmo: raivoso, seus intensos olhos verdes estavam fechados com força.
  Noto através da camisola branca que seus braços e pernas estavam repletos de cortes e marcas roxas.
  – Temos que acordar ele. - A voz de Arthur atrai minha atenção e vejo Ethan caminhar até com um pequeno pote na mão. Ele molha um pano e depois passa nas extremidades da cabeça do garoto desacordado sobre a maca.
  Meus olhos se arregalam já sabendo o que vinha.
  – Não. - Minha voz sai baixa em horror. Ignorando meu pedid,o Arthur vai até colocando o horripilante aparelho em sua cabeça e logo em seguida assente para Ethan que não tarda a abaixar a alavanca.
  – NÃO! - eu grito me debatendo na cadeira, mas os dois enfermeiros vem para me conter. O corpo de se enverga e seus olhos abrem de uma vez. Ethan desliga a máquina e o corpo de volta violentamente para a maca, entre espasmos e tremedeira.
  – O que você está fazendo?! - pergunto apavorada ao ver que sofre alguns espasmos sobre a maca mesmo estando desacordado.
  – Estou apenas tentando trazer seu lado escuro, anjinho. Um dia você vai entender. - Arthur sorri para mim, me fazendo virar o rosto de forma brusca para o lado, devido ao tremendo desconforto que senti.
  Minha atenção é captada quando vejo que se remexe sobre a maca e se esforça para abrir os olhos, puxo meus braços para cima a fim de me soltar da cadeira quando vejo seus olhos verdes me encararem como sendo a primeira coisa que ele me vê.
  – Olhem só quem despertou. - Arthur dá meia volta e se vira para . – Dormiu bem, filho? Eu preciso que você me ajude com uma coisinha aqui, você só precisa ficar acordado. - Ele diz para , mas acena sua cabeça em minha direção.
  – Está na hora da hidroterapia. - Ele esfrega uma mão na outra e empurra a maca de até o outro lado da sala. Um arrepio atravessa minha espinha de cima a baixo ao notar que mesmo transbordando cansaço, não desgrudou seus olhos de mim desde que acordou.
  Acompanho com os olhos ele ser levado até a frente de uma cortina que por acaso só tomei conhecimento que existia nesse momento. Arthur a empurra toda para um lado me dando completa visão da banheira que estava escondida. Franzo o cenho confusa com qual poderia ser a função da banheira, e quando a palavra hidroterapia aparece em minha mente juntamente com o barulho dos gelos martelando nos meus ouvidos, tive a certeza que não ia tomar um simples banho, ele iria ser torturado em frente aos meus olhos.
  – Não faça isso com ele. - Apenas tenho a consciência das minhas palavras quando elas saem pela minha boca de forma apressada. O que eu disse? Estou tão ferrada.
  – O que você disse? - Arthur vira lentamente para mim sustentando um sorriso assustador.
  – Nada. - Respondo rapidamente de forma assustada enquanto tento minhas palavras.
  – Não se preocupe, anjo. Sua vez também irá chegar. - Ele diz antes de se virar.
  Arthur pega pelo tronco e quando o coloca na banheira de maneira um tanto bruta, um pouco da água com gelo transborda para o chão, abafando os grunhidos de ao entrar em contato com a água congelante. Fecho os olhos com força quando seu corpo encosta na banheira e sua cabeça pende para trás.
  – , você consegue me ouvir? - a voz de Arthur me faz apertar ainda mais meus olhos fechados. – , responda! - ele diz autoritário, mas não obtém nada em resposta.
  Ouço o barulho de um chuveiro e volto a abrir os olhos. grita de dor quando a água fervente que sai do chuveiro encontra seu corpo gelado.
  – VOCÊ VAI MATAR ELE! - grito exasperada. Mesmo que não seja o melhor tipo de criatura, presenciar uma tortura assim não é fácil.
  Arthur para no meio do caminho pronto para despejar um novo balde de gelo sobre o corpo de .
  – Todas as técnicas usadas em são medicinais e totalmente recomendadas para pacientes. Nunca faria nada para matá-lo, ele é meu filho. - O mais velho olha para antes de despejar o balde.
   envolve seu corpo com os braços e de onde estou, posso ver que suas unhas e lábios estão ficando roxos.
  – Logo isso irá acabar, filho. Você sabe que isso precisa ser feito. - Ele empurra para trás a franja molhada que estava caída sobre os olhos de e levanta a cabeça dele obrigando o a encará-lo, tudo o que faz é começar a bater os dentes de frio.
  Por algum motivo Arthur desiste de despejar o balde de gelo sobre e acaba indo até a porta, me deixando completamente atordoada e sem entender.
  – Você vai me deixar aqui? - pergunto rápido antes que ele deixe a sala, e o mesmo faz um gesto com a mão fazendo as tiras decouroque me prendem se abrirem, e sou liberada.
  Passo as mãos ao redor dos meus pulsos esperando que ele deixe a sala por completo e quando ele e seus ajudantes se vão, não penso duas vezes antes de correr em direção a . Me agacho na borda da banheira com um olhar doloroso em direção a ele. Mesmo sendo desprezível, arrogante e estúpido na maior parte do tempo, ninguém deveria passar por tais atrocidades. E é irônico pensar que eu estou aqui procurando alguma maneira de ajudar meu assassino, mas que culpa tenho eu? Ainda tenho um coração, eu ainda sinto empatia pelas pessoas, por mais desprezíveis que sejam.
  – Eu vou te tirar daqui. - Digo para que vira a cabeça em minha direção com o mesmo olhar vazio. Ele não diz nada, ou melhor, acho que não consegue dizer nada.
  Com um pouco de dificuldade me levanto e tento erguer o corpo de junto. Com muita dificuldade ele vai se levantando e apoia o braço ao redor dos meus ombros, me agarro à sua cintura e espero pacientemente ele sair da banheira. Seu corpo inteiro tremia, eu podia sentir. Então com calma e passos lentos fui levando-o até a cadeira onde eu estava presa segundos atrás. Faço com que ele se sente nela, e volto a me agachar em minhas roupas molhadas. Fico analisando a versão mais nova de procurando por algum vislumbre daquele que eu conhecia.
  – V-Vo... - sua voz sai falha e baixa, quase inaudível. – S-Sempre por... v-você... - ele agarra minhas mãos e me olha de maneira aflita. Seus olhos desesperados me penetram de maneira tão profunda que sinto vontade de chorar por um momento.
  Antes que eu pudesse questionar sobre o que ele está tentando me dizer, Arthur volta para a sala com os seus ajudantes, e alguns objetos diferentes. Ele segurava dois baldes de metal e Ethan um bisturi.
  – Hora da sangria. Terei de apressar as coisas. - Arthur arqueia suas sobrancelhas enquanto vêm até onde estamos me tirando de perto de .
  – Tem certeza disso, senhor? - Ethan pergunta.
  – Não me faça repetir. - Aquele monstro ordena, e vai até prendendo seus braços um em cada lado da cadeira pelas tiras de couro. Em seguida ele posiciona os baldes, cada um deles embaixo de um braço de .
  Agora foi a vez de Ethan ir até , se agachando e levando o bisturi até a parte superior do antebraço dele, fazendo um grande corte lá, repetindo a ação no outro braço. Eu ainda tenho a impressão de ver grande desconforto no rosto de Ethan enquanto ele faz isso.
   grunhe de dor enquanto seu sangue escorria para dentro dos baldes, seus olhos e mãos estavam fechados e eu consigo notar algumas lágrimas escorrerem pelo seu rosto.
  O barulho que o sangue fazia quando pingava no balde de metal era algo ainda mais torturante.
  – PAREM COM ISSO! - grito desesperada, tentando me soltar dos guardas a todo custo.
  – Isso não vai matá-lo, agora pare com toda essa gritaria. - Arthur se vira para mim e cruza os braços. – Sabe anjo, a técnica da sangria consiste em tirar parte do sangue dele, levando consigo todas as suas doenças. Talvez ela ajude a levar um pouco da escuridão do . - Sua voz soava com naturalidade.
  – Pare de falar besteiras. - Brado entredentes, percebendo que Arthur era a única criatura que eu nunca conseguiria sentirempatia.
  – Besteiras? Se você o fizesse um pouco mais rápido ele não precisaria passar por isso. - Arthur aponta para o filho com um sorriso irônico no rosto.
  – Do que você está falando? - pergunto irritada, mas ele apenas ri sem humor e não me responde.
   deixa a cabeça tombar para o outro lado fechando seus olhos.
  – Vamos parar por hoje. - Arthur fala e solta os braços de , deixando a sala logo em seguida com seus ajudantes. Ele sabia que seu filho estava chegando no limite, e mais um pouco ele poderia morrer.
  Outra vez corro até que está desacordado, levando minhas mãos até seu rosto.
  ! - chamo seu nome, mas ele não reage. – , por favor, acorda. - Falo exasperada, e sinto algo quente pingar em minha perna, olho para baixo vendo que era o sangue dele.
  Me levanto outra vez e começo a procurar pela sala por alguma coisa que estancasse a grande quantidade de sangue que ele está perdendo. Abro um pequeno armário achando algumas ataduras; volto até que continua desacordado, e com cuidado enrolo as ataduras em torno dos cortes, vendo o tecido claro logo ganhar um tom escuro. Tento acordá-lo durante esse processo, mas ele não reage. A essa altura eu já estava desesperada, tão desesperada que vou até o eletrochoque pegando o aparelho e indo até o painel ligar ele.
  Corro até outra vez.
  – Me desculpe. - Sussurro antes de levar o aparelho de encontro ao seu corpo, fazendo com que ele se envergue e seus olhos se abram. ainda com alguns espasmos olha para mim e depois para o aparelho em minhas mãos. Seus olhos se arregalam e ele bate em minha mão fazendo com que o aparelho voe longe.
  – NÃO! - ele grita antes de me empurrar e se jogar no chão em seguida. – POR QUE VOCÊ CONTINUA FAZENDO ISSO COMIGO?! - ele grita e começa a puxar as ataduras que estancavam o sangue de seus braços. Ele as arranca e começa a se arranhar todo, igual Arthur descreveu em uma das fichas que eu lembro de ter lido. Ele estava tendo um surto e não me admiro, depois de tudo que ele passou aqui esse é o mais plausível.
  Vou em sua direção o mais rápido possível.
  , para! - me abaixo até ele e levou suas mãos até os ouvidos.
  – Não. - Ele sussurra em resposta.
  – Calma, eu estou aqui. Eu vou te ajudar. - Levo minhas mãos até seu rosto e seus olhos me encaram em um grito de socorro.
  – Me ajude. - Agora ele quem levou suas mãos até meu rosto. – Por favor, . Me ajude. - Meus olhos se arregalaram em surpresa.
  – Eu vou te ajudar. - Respondo, e ele se forçou a dar um pequeno, quase imperceptível, sorriso antes de juntar nossas testas e fechar os olhos deixando que as lágrimas deslizassem por seu rosto.
  – Eu não posso mais me sentir assim. - Ele sussurra outra vez, e uma ventania entra na sala começando a me arrastar para longe de . Eu era empurrada para trás enquanto ele se mantinha imóvel no mesmo lugar, de olhos fechados. E essa foi a última coisa que vi antes de sumir.

***

  Abro meus olhos de imediato ouvindo a pulsação acelerada de meu coração martelando em meus ouvidos. Sem demora me sento na cama e olho em volta com os olhos arregalados, e não sei dizer se fico aliviada ou preocupada com o que vejo; estou de volta ao quarto branco, mas não por muito tempo, pois logo me levanto indo para a porta e girando a maçaneta. Meus olhos curiosos espiam para os dois lados do corredor e meu cenho se franze ao notar que ele está vazio. Não há funcionários ou um único paciente transitando pelo local.
  Deslizo para fora do cômodo e me apresso ao procurar por , meu real objetivo. Mas antes que eu possa dar o primeiro passo, meus olhos captam uma figura alta no final do corredor, vejo pela sua sombra que a pessoa tem um de seus pés apoiado na parede. Pondero antes de seguir em frente, porém tenho de ir para este lado se quero encontrar . Então, em passos lentos e com atenção redobrada, me aproximo.
  Diminuo meus passos a medida em que vou chegando mais perto do tal homem, agora consigo ver melhor suas características físicas: ele é bastante alto, com cabelos de um loiro um pouco escuro e olhos incrivelmente azuis. Ele era lindo, mas não posso perder muito tempo com isso pois algo dentro de minha mente grita o que realmente tenho de fazer, e rapidamente vou em direção ao corredor que me levaria até a porta da sala que foi plateia das piores cenas da minha vida. Porém, paro ao ouvir meu nome ser pronunciado por uma voz doce, mas ao mesmo tempo firme. Rodo em meus calcanhares e encaro o desconhecido.
  – Como você sabe meu nome? - pergunto receosa e ele retira as mãos dos bolsos apenas para cruzar os braços logo depois.
  – Eu já te conheço há mais tempo do que imagina. - Ele responde de forma pretensiosa, e reviro os olhos extremamente cansada de ter que lidar com esse tipo de gente o tempo todo.
  – Que seja. - Respondo após respirar fundo e me viro novamente para fazer o caminho já conhecido por mim, mas paro outra vez quando escuto o desconhecido falar de . – O que você disse? - me volto para ele. O homem arqueia uma sobrancelha em um sinal claro de confusão. – Você disse o nome . - Esclareço um pouco aflita e ele dá um breve sorriso antes de responder.
  – Você está procurando por ele. - O homem afirma e eu cruzo os braços sem ter o intuito de cair em seu joguinho, afinal, apenas quero saber o que ele disse sobre . – Porra, você é pior do que dizem. - Ele fala quando não recebe uma resposta.
  – Se você não me contar eu vou embora. - Espero alguns segundos por uma resposta e como não obtenho o que quero me viro para cumprir o que eu disse.
  – Isso, vá embora. Corra antes que seja tarde demais. Quer dizer, já é tarde demais pra você. - Ignoro suas palavras sem sentido, alegando que só deve se tratar de algum outro louco, mas mesmo assim uma parte de mim não deixa de se preocupar com suas palavras.
  Ignoro isso por um momento e dobro um corredor, vendo a temida porta. Corro os últimos metros que me separam dela e respiro profundamente antes de entrar.
  – Você demorou. - Mal cruzo a porta e a voz nada agradável de Arthur me saúda. – Só estávamos esperando por você. - Ele sorri e aponta para maca abaixo dele, onde um , outra vez inconsciente, se encontrava.
  – Você não vai fazer mais nada. - Vou em passos firmes parando do outro lado da maca. – Não vou deixar que você o machuque. - Olho para baixo vendo o garoto de olhos verdes, tão diferente do que eu conhecia. Pego em sua mão e logo sinto um leve aperto de sua parte, encaro seu rosto ainda desacordado e percebo que ele deve estar sonhando. O que é irônico, ter um sonho dentro de outro sonho.
  – Você não vai deixar? - a voz debochada de Arthur atrai minha atenção outra vez. – Você só precisa fazer isso de uma vez e tudo estará acabado. - Ele apoia suas mãos sobre a maca e se inclina em minha direção.
  – Fazer o quê? Por que não para de falar coisas sem sentidos para mim? - pergunto indignada.
  – Já estou ficando farto disso. - Ele faz um sinal para que os tão conhecidos dois enfermeiros me imobilizem outra vez.
  – Ethan, não faça isso! - suplico quando vejo ele ir de encontro à maca. – Você não é assim! Eu sei que não é! - por segundos ele me lança um olhar como se pedisse desculpas e depois ajuda Arthur a pegar .
  Eles colocam em uma cadeira onde havia um encosto para sua cabeça a deixando inclinada para trás. Logo em seguida Ethan coloca um capacete no jovem desacordado, onde o intuito era deixar suas pálpebras separadas dando vista para seus olhos verdes.
  – Não se preocupe, ele não pode acordar. - Arthur diz enquanto pega uma espécie de quebra gelo. – Pelo menos não agora. - Ele também pega um martelo.
  – Por favor não faça isso. - Me debato freneticamente quando vejo Arthur levar o quebra gelo até o canto de um dos olhos de .
  – NÃO! - grito em desespero ao ver que ele introduziu a ponta do instrumento no globo ocular de . – SEU DESGRAÇADO! - as lágrimas acumuladas faziam meus olhos arderem, no mesmo instante em que, já cansados, os enfermeiros me atiram ao chão, mas ainda me impedindo de chegar perto de .
  Arthur usa o pequeno martelo para introduzir o quebra gelo de vez no globo ocular de . O tilintar dos instrumentos médicos me fazem fechar os olhos por um segundo, e quando volto a abri-los vejo Arthur girar o quebra gelo finalizando o castigo.
  – Uma lobotomia feita com perfeição. - Arthur sorri vitorioso enquanto Ethan vai até o eletrochoque para reanimar . O corpo de se enverga e depois volta para a cadeira, ele demora alguns segundos para finalmente abrir os olhos, mas quando o faz, seu olhar é vago. Ele encarava o chão e não mexia um músculo sequer, era praticamente um zumbi agora.
  – O que você fez com ele? - sussurro aterrorizada não acreditando no que via.
  – A pergunta é: o que você fez com ele? - Arthur dá ênfase tentando me incriminar.
  – VOCÊ É UM DOENTE! VOCÊ QUEM FEZ ISSO! - berro, totalmente descontrolada e sou contida pelos enfermeiros.
  Arthur suspira antes de falar.
  – Parece que o já não é mais o bastante pra você. Vou ter que tomar novas providências. - Ele encara o chão por alguns segundos, parecendo pensar em algo. Levem ele daqui, já não serve mais. - Poucos segundos depois Arthur ordena, e Ethan vai até o pegando e arrastando para fora da sala.
  – Pra onde vão levar ele? - me levanto e tento ir até ele, mas sou barrada, vendo os dois sumirem.
  – Deveria ter se preocupado com isso antes, já que agora é a sua vez. - Meus olhos se arregalam e meu coração acelera assim que ouço suas palavras.
  Sou arrastada pelos dois enfermeiros até a cadeira onde estava.
  – Não, me solta! - tento a todo custo lutar contra eles, mas não tenho nenhuma chance, e com brutalidade sou jogada na cadeira.
  Um dos enfermeiros não tarda ao usar o eletrochoque em mim, fazendo com que eu sinta aquela familiar sensação de ter o corpo inteiro pegando fogo. Em poucos segundos perco quase por completo meus sentidos, nada mais parecia ter uma explicação, eu já não era eu mesma.
  Arthur vem em minha direção com os mesmos instrumentos de antes, posicionando o quebrador de gelo no conto do meu olho assim como fez com .
  – Faça uma boa viagem até a escuridão, anjinho. - Arthur sorri para mim, e nesse momento sei que ele tem total controle sobre a minha sanidade. Sei que através desse sorriso, ele está me mostrando que depois de hoje nunca mais me permitiriam ser eu mesma.
  – Preciso de você, por isso vou colocar todas as peças de xadrez no tabuleiro, eu tenho uma ótima estratégia montada que usarei com você, mas antes que o grande dia chegue, eu preciso te lembrar sobre quem você realmente é. Tenho ótimos planos para nós dois, podemos fazer tantas coisas juntos, podemos continuar com nossa escuridão para que todos possam ver a luz do dia na manhã seguinte. Não vou te deixar escapar tão fácil, na verdade você já é meu, eu te escolhi, você será o novo eu, e não pretendo te deixar partir até seu último suspiro nessa terra miserável. - Ele recita cada palavra do texto que tão recentemente eu li. Nem sequer por um segundo ele desviou seu olhar do meu, para que eu pudesse ver a veracidade em cada palavra proferida, e nesse momento, nesse exato momento eu soube que não tinha outra saída para mim.
  Olho para o fundo da sala vendo o mesmo homem alto e loiro me observando entre as sombras, ele sorri e acena para mim antes de sumir. O que escuto em seguida é o barulho do martelo se chocando contra o quebrador de gelo que é inserido em meu globo ocular. O barulho ecoa em minha cabeça como se dissesse: está tudo acabado agora.

***

  Levanto meu tronco de maneira rápida enquanto escuto o barulho da minha respiração alta e descompensada. Meu corpo inteiro tremia.
  O que acabou de acontecer?
  – Ela acordou!

"Wake up it's time little girl wake up
(Acorde chegou a hora, garotinha, acorde)
All the bad stuff that we've done has yet to have come
(Todas as coisas ruins que fizemos ainda irão voltar)
Wake up it's time little girl wake up
(Acorde chegou a hora, garotinha, acorde)
Just remember who I am in the morning
(Apenas lembre-se quem eu sou de manhã)
You're losing your memory now
(Você está perdendo sua memória agora)"

Capítulo 23

  – Ela acordou! - a voz meiga e infantil de Madeline soa a minha direita. Ela está sentada em uma cadeira de metal balançando os pés enquanto segura firmemente seu inseparável ursinho de pelúcia.
  – Onde eu estou? - pergunto depois de olhar em volta e não encontrar minha habitual cela, aqui tudo era mais claro, as paredes muito brancas e as portas de vidro.
  – No isolamento. - a de cachinhos loiros responde.
  – Como assim? O que é isso? - fico confusa e pressiono a ponta dos dedos ao lado da minha cabeça quando sinto uma pontada, fecho os olhos com força e só volto a abri-los novamente quando a sensação ruim passa.
  – Você quebrou as regras. - se desencosta de uma parede um pouco atrás de mim e apenas agora noto sua presença. Ele analisa os quatro cantos do meu rosto quando passa na minha frente.
  – Regras? Que regras?
  – Não era suposto estarmos na floresta naquele dia, quer dizer, nunca. É proibido. - ele esclarece.
  – Nós não estávamos lá porque queríamos. Aquela doida que nos mandou. - explico o óbvio, de cenho franzido. Estou cada vez mais confusa e o fato de ter acabado de acordar e essas dores estranhas terem surgido, não estão ajudando no meu raciocínio. – Isso não faz sentido nenhum. - completo.
  – Fala isso para o Arthur então. - rebate, e ouvir aquele nome causa arrepios em mim – O cara é louco, . Não vale à pena. - ele aconselha.
  – Certo. - falo compreensiva.
  Sei muito bem que discutir com o Arthur não é uma boa ideia, não quero ter que encontrá-lo tão cedo e já tenho memórias ruins suficientes para me impedir disso, mas isso não quer dizer que vou deixar para lá. O que ele fez está errado, não posso simplesmente ignorar isso, ainda mais com ele falando coisas estranhas para mim como se eu entendesse algo; e quando a hora chegar, espero estar em melhores condições do que agora.
  – Mad não estava lá com a gente, então por que ela está aqui? - resolvo voltar ao assunto para tentar ignorar as dores crescentes na minha cabeça.
  – Ela quase matou uma amiguinha dela. - responde enquanto tenta segurar seu riso, ele parece achar a situação engraçada.
  – O quê?! - quase grito ao ouvir as palavras dele, e ao mesmo tempo que falo Mad sussurra que ela não era sua amiga.
  Apesar de Madeline ser uma criatura da noite, ela parece ser apenas uma garotinha muito doce, não consigo imaginar ela fazendo mal para alguém, deve ter algo errado.
  – Ela tentou roubar meu ursinho. - a loirinha se explica com a cabeça abaixada e os olhos grudados ao chão, parecendo arrependida por um momento.
  – Não, ela só queria brincar. - rebate.
  – NÃO! ELA ROUBOU! - Mad grita ao mesmo tempo em que se levanta da cadeira, e logo seus olhos se tornam negros com veias saltando abaixo deles, criando um contraste com sua pele pálida – Agora ela não vai roubar mais nada de ninguém. - ela fala baixinho.
  – O que você fez? - pergunto com receio de qual seria sua resposta.
  – Eu pedi pra ela não fazer mais isso. - ela me olha com seus enormes olhos verdes e continuo perdida ao tentar descobrir se ela está ou não arrependida.
  – Você jogou ela da escada, Madeline. - desmente a garotinha, que faz uma careta emburrada.
  Tudo bem, talvez ela não esteja tão arrependida como eu pensei. E agora pensando sobre isso, esse seu apelido “Mad'”, já diz tudo por si só.
  Depois da sua confissão começo a me sentir muito mal, não só por ter escutado o que ela fez, mas principalmente por ter encarado minha realidade apenas agora. Estou presa com criaturas que machucam outras sem remorso algum, e o fato de no momento ser a mais frágil delas me faz entrar em pânico. Sei muito bem que preciso de forças para encarar os dias confinada com eles, e também sei perfeitamente como conseguir essa força, mas eu simplesmente não posso, isso parece errado demais.
  Tento a todo custo empurrar essa ideia para longe, mas não posso negar que me alimentar de almas faz parte do pacote de ser um anjo caçador, algo que, por sinal, eu não pedi. Então talvez agora só me reste aceitá-las ou pelo menos aprender a conviver com elas se eu quiser me manter viva.
  E como uma grande e complicada ironia do destino zombando de mim, eu começo a sentir algumas daquelas familiares e malditas dores pelo meu corpo, um aviso claro do que eu teria que fazer. São as mesmas dores que senti desde que acordei, mas agora elas parecem estar mais profundas e não sei como perdi tantas forças de forma tão rápida, talvez o sonho que tive tenha sugado cada gota de energia que eu tinha, já que sei que mentalmente eu realmente estou esgotada.
  Encolho meus pés trazendo-os para perto do meu tronco e abraço os joelhos, fecho os olhos com força e tentando de alguma maneira amenizar um pouco dessa dor.
  – O que a tem? - escuto a voz fina de Madeline, e abro meus olhos vendo ela encarar com os olhos arregalados.
   me lança um olhar sério e me analisa por alguns segundos.
  – Mad, fique aqui com ela. - não tenho tempo para questionar quando uma forte pontada surge em minha cabeça.
  – , você tá doente? - sinto a pequena mãozinha de Madeline tocar meu braço. Seus olhos ainda estavam arregalados e ela me encara com certa preocupação, e por um momento eu apenas a enxergo como uma criança normal.
  – Não se preocupe, eu vou ficar bem. - me forço a respondê-la para tentar tranquilizar as coisas um pouco.
  Alguns minutos depois entra correndo no quarto em que estou, com um guarda ao seu encalce.
  – Quem está passando mal? - o guarda, nunca visto por mim antes, pergunta.
  – É ela! - aponta para mim, e quanto o guarda dá seus primeiros passos em minha direção ele o imobiliza.
  – O que é isso? - o guarda pergunta espantando e tenta se livrar de – Vou chamar reforços. - ele ameaça, apenas para em seguida escutarmos um estalar de ossos. leva sua mão até as costas do guarda e um barulho agoniante de sua carne rasgando é ouvido; o guarda abre a boca sem conseguir dizer nada e algumas gotas de sangue pingam para o chão.
  – Vamos, ! - fala exasperado – Temos que ser rápidos. Mad, fique vigiando a porta. - a garotinha loira assente e corre até a porta.
  Olho preocupada para grande porta de vidro à minha frente, temendo que alguém nos veja.
  – Anda, ! Você precisa fazer isso, certo?! Então seja rápida! - adverte apontando para a grande poça de sangue que se formava no chão.
  Olho para o guarda que perdia os sentidos aos poucos e penso em negar, mas minhas dores estão fortes demais, e mesmo que eu me sentisse horrível por isso, era ele ou eu. Empatia e escrúpulos vão embora quando ficamos em situações onde estamos potencialmente em perigo e temos que decidir se vale mesmo a pena toda a ideologia que criamos durante nossa vida.
  Eu havia pensando as piores coisas sobre todos nesse lugar, mas a verdade é que eu não sou tão diferente deles, minha atual situação diz tudo. Eu não pedi por isso, mas infelizmente essa é minha realidade, e o que eu posso fazer agora é apenas pisar na minha hipocrisia e encarar as coisas como elas são, eu não quero morrer e isso pra mim basta por um momento.
  Controlando todos os meus sentimentos que fervilham dentro de mim, eu respiro fundo antes levar mão até o tronco do guarda quase já sem consciência, sentindo meus dedos atravessarem sua carne de forma lenta. Um choque de correntes elétricas que corriam por meu corpo de forma boa e estranha me fazendo afundar de uma vez minha mão contra sua carne frágil e molhada por sangue. Estabilizo todos os meus sentimentos enquanto encaro diretamente em seus olhos quase sem vida, me concentrando apenas na estranha sensação que corro por meu corpo, que aos poucos vai levando de mim todo mal-estar e dores horríveis. Quando sinto que estou mais do que satisfeita eu apenas tomo seu coração para mim, literalmente, deixando que ele caia no chão junto com toda minha ideologia humana, deixando apenas um corpo vazio nos braços de .
  – Como você sabia sobre isso? - pergunto para , o pegando de surpresa. Minhas ideias estão confusas, talvez eu demore um pouco para voltar ao normal.
  – As notícias correm por esse lugar. E isso é algo que eu já sabia bem antes do que você possa imaginar. - dá simplesmente de ombros, enquanto encara o corpo sem vida do guarda – Precisamos sumir com ele. - o loiro avisa e eu apenas assinto.
  – Eu sei de um lugar. - Mad informa e só agora olho a pequena garotinha que estava na porta. E mesmo que seja sutil, eu posso ver como ela agarra seu ursinho de uma maneira forte, como se quisesse que ele a protegesse, e mesmo que sendo esse tipo de criatura, ela ainda é uma criança, não acho que seja muito normal para ela ver esse tipo de coisa.
  Depois que ela nos informou sobre um possível lugar, nós juntamos alguns forros de cama para limpar o chão e depois enrolar o corpo com eles. Madeline foi distrair os guardas para que eu e pudéssemos ir até o local planejado. Esperamos algum tempo até ir para porta de vidro se certificar de que não havia ninguém no corredor e assim que ele me dá carta branca, arrasto o corpo até a porta recebendo o seu auxílio, depois seguimos pela direção contrária do corredor, dobrando a direita e depois a esquerda, paramos e ficamos ali esperando por Madeline.
  – Ali fica a nossa cantina! - apontou para uma grande porta dupla, desconversando enquanto a pequena não chegava – E ali o banheiro. - ele termina de explicar e eu apenas assinto.
  – Onde o está? - mudo de assunto, assim que lembro dele; Depois de todo aquele sonho eu gostaria de conversar com ele. E isso faz um pequeno sorriso surgir nos lábios de .
  – Deve estar na enfermaria. - dá os ombros.
  – Enfermaria? O que ele está fazendo lá? - pergunto curiosa.
  – Pouco tempo antes de você acordar ele também acordou, e quando viu Ethan... - ele fez uma careta –... Ele simplesmente começou a socar sua cara. - termina e eu o encaro totalmente perplexa.
  – Eu tenho que vê-lo. - solto o corpo e já me preparo para ir atrás de , mas agarra meu braço.
  – Não, , agora você tem que se livrar disso. - ele aponta para o guarda morto abaixo de nós – Depois você vai atrás dele. - seu tom de voz é sério, e por isso suspiro sabendo que ele tem razão.
  – Cheguei! - Madeline aparece, e logo toma a frente enquanto ia saltitando para nos levar em a algum lugar.
  Alguns minutos andando nos levaram até uma velha porta de madeira. 
  – Acho que é um porão, porque é bem escuro lá. - Mad explica e aponta para a porta.
  – E como você descobriu isso? - pergunta enquanto abre a velha porta que range.
  – Eles me trazem muito aqui. - ela responde baixo enquanto aperta seus dedos ao redor do seu ursinho – Nunca tem nada pra fazer aqui, aí um dia encontrei esse lugar. - ela continua dizendo quando começamos a descer as escadas.
  Era muito escuro. 
  – Meu amiguinho vive aqui em baixo. - a loirinha vira sua cabeça para nos olhar.
  – Amiguinho? - paro de andar e a encaro, vendo ela assentir freneticamente.
  – Deve ser algum amigo imaginário. - desconversa de forma nervosa e continuamos a descer a escada de madeira.
  – Não, . Ele existe sim, conversa comigo, ele diz que é meu amiguinho e que tem muitos planos pra mim. - ela gesticula com seus pequenos bracinhos, sinalizando algo grande.
  Depois que terminamos de descer, ficamos analisando o ambiente escuro, sujo e mal iluminado até eu ter a impressão de que alguém passou atrás de mim, me fazendo virar abruptamente não vendo nada além de instrumentos e aparelhos antigos sem utilidades.
  – Ali! - a voz de chama minha atenção e o vejo apontar para uma janela – Aposto que essa janela dá para floresta, vamos jogar o corpo aqui e aquelas coisas que vivem lá se encarregam do resto. - ele diz, e, é o que fazemos.
  Nós jogamos o corpo através da janela e saímos o mais rápido possível dali. E assim que fui fechar a porta eu tenho a certeza que vi algum vulto passar correndo lá em baixo, me fazendo fechar a porta de uma vez pela estranha sensação que tenho outra vez com isso.
  – O que foi? - pergunta.
  – Nada. - deixo isso para lá, afinal pode ser apenas minha imaginação fervilhando depois de tudo que passei – Agora você pode me mostrar onde é a enfermaria? - pergunto e ele assente.
  Refizemos o mesmo caminho de antes e me falou onde era a enfermaria, sigo todas as suas instruções até parar em frente a porta onde havia uma placa indicando que era mesmo ali.
  Respirei fundo antes de girar a maçaneta e abrir a porta. E sentado sobre uma maca estava , seu macacão estava aberto em um amontoado em torno de sua cintura, me dando vista de todo seu tronco, musculoso e... tatuado?
  Como assim tatuado? Como ele pode ter tatuagens se vive aqui dentro?
  Ele nota minha presença, já que vira seu olhar para mim, mas não diz nada. 
  – Pronto, já acabamos por aqui. - a enfermeira que fazia um pequeno curativo no seu peitoral informa.
  – Eu já disse que não preciso disso. - diz rudemente, mas a enfermeira o ignora passando por mim e saindo da sala. Ele bufa e começa a vestir o macacão, mas o estranho é que ele não se queixa de dor apesar de ter alguns curativos pelo corpo.
  – Não dói? - pergunto acompanhando com os olhos cada movimento que ele faz para colocar os braços de volta no macacão. Ele coloca o direto, depois o esquerdo e lentamente, quase como se estivesse fazendo de propósito, ele abotoa botão por botão começando pelos de baixo e assim vai subindo, cobrindo todas as tatuagens. E percebo que estou o encarando tempo demais quando ele chega ao topo, abotoando o último e me encarando com aqueles irritantes olhos verdes.
  Limpo a garganta e cruzo os braços, tentando esconder minha vergonha. 
  – Então...? - o incentivo.
  – O quê? - ele pergunta como se não tivesse me ouvido, mas sei muito bem que ele está apenas me provocando e seu típico sorriso de lado está ali, servindo como prova.
  – Os machucados. Eles não doem?
  – Na verdade não.
  – Por quê? - pergunto de cenho franzido. Ele pode estar apenas querendo passar uma imagem valente, mas dizer que não dói é ridículo. Certamente ser açoitado e se envolver numa briga logo depois deixa machucados bem doloridos.
  E como reposta ele tira um dos curativos e no momento em que me aproximo para examinar mais de perto, vejo que não há nada além de gaze sobre pele, nenhum sinal de machucado ou cicatriz.
  – Uma das vantagens de ser um demônio, amor. - ele diz e não sei se fico mais atordoada pela confissão ou pela volta do apelido que penso ser "carinhoso" – Você também tem esse privilégio. - ele me encara.
  Abano minha cabeça para me livrar dessas distrações e volto a focar no real motivo que me trouxe até aqui. 
  – A gente precisa conversar. - digo a primeira coisa que me vem a mente. Certo, eu realmente preciso conversar com ele, mas tantas coisas aconteceram que eu nem sei por onde começar.
  Ele se levanta da maca e me encara por alguns segundos com uma expressão cínica esperando que eu começasse. Eu esperava que ele falasse alguma coisa, mas está tudo bem. Por que eu estou tão nervosa agora? É só o .
  – Preciso que você me explique sobre o sonho, eu não consigo entender. - digo de uma vez.
  – O quê? - ele pergunta, talvez eu tenha falado rápido demais, mas ele logo continua – E por que você acha que eu consigo explicar? O sonho é seu, se vira. - reponde rudemente e estreito os olhos.
   caminha até a janela que se localiza atrás da maca e olha para a escuridão lá fora.  
  – Você também estava lá e com a nossa mais nova ligação, eu tenho certeza que sentiu tudo que eu senti. - ele me olha por alguns segundos e dá de ombros, voltando a olhar para fora, o suficiente para que eu fique irritada, mas me contenho, afinal, preciso de respostas. – Você sonhou aquilo tudo também, pode negar o quanto quiser, mas eu sei o que vi e senti naquele sonho. Você passou por tudo aquilo de verdade, não é? – pergunto, mas ele não responde, sequer se vira – E por que o Arthur ficava falando sobre eu ser a culpada de tudo aquilo com você? - tento outra vez, mas nada, nenhuma reação – Escuta, , eu preciso de respostas para o que eu vi. Estou cansada de todos falarem coisas que eu não entendo, como se existisse algo alguém do que eu vejo. E agora tem isso entre a gente, eu posso tentar te ajudar se você me contar a verdade. - digo enquanto vou me aproximando dele.
  – Eu não preciso de ajuda. Nem sua, nem de ninguém. Vai embora! - ele levanta o tom de voz e acabo me assustando devido à proximidade em que me encontrava. Eu podia sentir a raiva em suas palavras na medida em que eram direcionadas para mim e, como uma medida protetiva, dou passos para trás, a fim de manter uma distância segura.
  – Certo, você tem todo o direito de não confiar em mim, mas esse assunto não diz respeito apenas a você, eu também estou envolvida agora. - tento me controlar para manter o tom de voz baixo e evitar uma discussão desnecessária, mas as últimas palavras acabam saindo um pouco mais alto. Espero por uma resposta que não vem, então continuo, não me importando se estou irritando ele, eu tenho o direito de saber – Por que o Arthur te chama de filho? - tento mudar o rumo de minhas perguntas para ver se ele responde de uma vez.
  – Não quero falar sobre isso. - resmunga entre os dentes.
  – Você não tem que querer nada. Apenas responda de uma vez. - falo já irritada e vejo suas mãos se juntarem em punhos, conseguindo ouvir sua respiração pesada daqui.
  – Cala a boca, ! Não me faça perguntas que eu não posso responder! - ele se vira para mim, e seus olhos escurecendo.
  Vejo pelo canto do olho que a mesma enfermeira de antes volta a sala e faz menção de entrar, mas quando seus olhos encontram o , ela rapidamente se vai.
  – Você me pediu ajuda no sonho, disse que era sempre por mim. O que você quer de mim, ? Eu preciso entender isso. - me mantenho firme em minhas palavras.
  Ele caminha em minha direção com passos pesados e pela sua expressão sei que algo ruim está prestes a acontecer, mas não me importo, se ele tentar qualquer coisa contra mim, irei me defender.
   segura meu rosto com ambas as mãos, e eu acabo fechando os olhos temendo o que poderia vir, pelo contrário, sinto seus lábios se chocarem contra os meus com uma enorme brutalidade e arregalo os olhos vendo que os seus estão fechados. Seus lábios se movimentam sobre os meus que continuam selados, e pela tamanha proximidade consigo sentir sua respiração pesada contra meu rosto, me deixando totalmente surpresa pelo que está acontecendo.
  Abro minha boca para tentar gritar com ele, mas vê isso como uma oportunidade perfeita para aprofundar mais o beijo, e no momento em que nossas línguas se tocam, uma corrente elétrica atravessa meu corpo me causando uma estranha sensação familiar e uma certa nostalgia do que eu não sabia o que era; era algo como se meu corpo soubesse, mas minhas mente não.
  "Você me pediu ajuda no sonho, disse que era sempre por mim. O que você quer de mim ? Eu preciso entender isso", minha fala de segundos atrás volta a minha cabeça me fazendo ficar confusa em possíveis pensamentos sobre a sua suposta "resposta", e por um momento eu me pego vacilando por conta disso. E quando me dou conta, a voz que tenta me parar a todo custo vai embora aos poucos quando eu me pego correspondendo ao beijo dele.
  Seu beijo era bruto, mas seus lábios eram macios, criando um contraste totalmente oposto do que eu esperava. Nossas bocas pareciam se encaixar com sincronia, enquanto eu deixava que sua língua invadisse cada centímetro de minha boca, fazendo a sensação nostálgica se aflorar ainda mais em mim, consequentemente eu acabo soltando um suspiro.
  Sinto suas mãos subitem para minha nuca e logo ele enlaça meu cabelo entre seus dedos trazendo minha cabeça para mais perto, e o sinto sorrir satisfeito entre o beijo. E nesse momento piso em minha hipocrisia outra vez, percebendo que não tenho como fugir, mas mesmo se tivesse, eu não iria; Estou presa a ele e nesse momento.
  Meu corpo corresponde a cada toque seu como se conhecesse suas mãos há muito tempo. E cada vez que pressionava mais e mais seu corpo ao meu, eu sentia esse sentimento se intensificado em mim, eu estava totalmente a mercê dele naquele momento, seu maldito beijo, suas ações, seus lábios, seus toques, seu corpo, suas mãos; eu havia afundado no inferno.
  Sem aviso prévio desce suas mãos pela lateral do meu corpo de forma lenta me causando alguns arrepios, chegando até minhas coxas e com um impulso ele me ergue na altura de sua cintura e aproveito para enlaçar minhas pernas em volta dela. Passo meus braços em volta de seu pescoço e enterro meus dedos em seu cabelo liso.
  Logo sinto uma superfície macia embaixo de mim e me dou conta que estou sentada sob a maca. volta a puxar meus cabelos, fazendo minha cabeça pender para trás, depois ele separa nossos lábios por alguns segundos apenas para poder beijar meu maxilar. Fecho os olhos aproveitando aquela maravilhosa sensação, minha boca entre aberta deixa vários suspiros escaparem enquanto ele vai descendo seus beijos por meu pescoço, fazendo cada centímetro de pele tocada queimar desejo.
  É tão errado eu me sentir assim de forma tão rápida? Eu não sei como ele me causa isso apenas através de beijos, mas meu corpo parece responder com maestria tudo que ele faz, eu até poderia dizer que ele conhece cada parte de mim perfeitamente, o que me desperta desejo e usa isso contra mim nesse momento. Isso é estranho, na verdade muito estranho, ele está indo nos pontos certos, mas não acho que esse seja o melhor momento para questionar isso ou minha hipocrisia vai sumir e eu vou o empurrar para longe.
  Solto um gemido sôfrego e me remexo criando uma fricção entre nós quando sinto seu seus lábios úmidos percorrerem cada parte do meu pescoço me causando arrepios intermináveis, e isso o faz parar abruptamente apenas para me provocar, eu sei. Mas aproveito o momento para agarrar seus cabelos e trazer sua boca de volta a minha, levando minhas mãos até sua nuca arranhando o local suavemente, tentando fazer com ele se sinta como eu.
   tira suas mãos de mim e as apoia sobre a maca, inclinando seu tronco para frente e fazendo com que eu seja obrigada a levar o meu para trás e a apoiar na maca também. Ele separa nossas bocas, mas continua extremamente perto de mim, ele encara meus olhos e por um momento me perto nos seus que estavam extremamente verdes, depois ele passa um braço ao redor de minha cintura me puxando para perto, depois ele deixa seu olhar cair sobre minha boca e se aproxima lentamente mas não me beija, apenas roça seus lábios no meu.
  Agarro na gola do seu macacão me remexendo outra vez contra ele que aperta minha cintura e me beija outra vez, para depois morder o meu lábio inferior e termina o beijo com um longo selinho. Nossas respirações descontroladas eram as únicas coisas que se ouviam na pequena enfermaria e me sinto tonta quando tento pensar em como terminamos assim.
   junta sua testa contra a minha e abre os olhos de forma lenta, encontrando os meus já abertos e totalmente perdidos em suas órbitas verdes tão enigmáticas. Seus olhos parecem conseguir enxergar através de mim o que acaba sendo intimidante, mas ao mesmo tempo desafiador, como se eles dessem carta branca para descobrir o que há além deles, e sem dúvidas, é o que eu irei fazer.
  Penso em quebrar o silêncio, mas inesperadamente se desmaterializa em uma cortina de fumaça negra em frente aos meus olhos, e antes que eu possa entender tudo isso, me vejo sozinha outra vez, com várias perguntas rondam minha cabeça e isso de certa forma me irrita.
  Me deito para trás na maca e esfrego meu rosto com as mãos de forma frustrada e encaro a noite lá fora através da janela.
  Eu me rendi a ele?

Capítulo 24

  Fico um bom tempo deitada ainda sobre a maca tentando entender como deixei que as coisas tomassem esse rumo, justo com a pessoa que eu mais deveria odiar nesse mundo. E isso me faz pensar em como a minha vida poderia ser agora se não fosse por toda essa confusão; talvez uma garota normal morando com a melhor amiga e trabalhado em uma biblioteca.
  E essa simples menção me atinge como um raio certeiro em um dia chuvoso e trovejante. Como estariam Lana e Connor? Com toda essa confusão que vem me acontecendo desde a floresta, acabei momentaneamente me esquecendo deles e me sinto péssima por isso. Será que eles estão bem? Será que estão vivos? Essa pergunta faz meu coração acelerar. Eu não posso perdê-los, eles são tudo o que tenho aqui, são as únicas razões que não me fazem sucumbir à loucura desse lugar.
  Solto um longo suspiro cansado, e fico em silêncio até escutar uma voz fina, me fazendo levantar da maca rapidamente.
  – Madeline? - me coloco de pé ao lado da maca, e como resposta para minha pergunta vejo uma cascata de cachinhos loiros se inclinar para o lado, apenas colocando sua cabeça para dentro da sala.
  – Oi, . - Mad me olha de forma estranha – Eu e o sr. Fuffly não entendemos o que você e o estavam fazendo. - ela ergue o ursinho em minha direção, fazendo com que meus olhos se arregalem.
  – Há quanto tempo você está aqui? - pergunto tentando conter o desespero em minha voz.
  – Eu acabei de chegar, . - ela me olha tímida e aperta seu ursinho.
  – Você tem que me prometer que não vai falar para ninguém. - vou em sua direção e me inclino na sua altura.
  – Igual um segredo só nosso? - seus grandes olhos verdes brilham, e sua voz saí em surpresa.  Eu apenas assinto. – Eu não vou contar, . Vai ser o nosso segredo porque somos amigas agora. - ela se joga de maneira empolgada nos meus braços, e eu não tardo ao retribuir o seu abraço.
  Logo nos afastamos e eu passo a mão pelos seus encantadores cachinhos. Essa garotinha pode ser um pequeno demônio e pode ter empurrado alguém de uma escada, mas eu não consigo ver maldade nela, eu apenas a enxergo como uma criança que foi jogada nesse lugar e teve que se moldar a essa realidade. Crianças muita das vezes absorvem o que elas vêm, ainda mais se forem pequenas, elas estão se moldando, por isso não posso a culpar por ter certas atitudes, afinal ela não vive no céu para ser um anjinho.
  E parando para refletir sobre tudo isso, eu me sinto bem quando estou com ela, eu sinto uma enorme conexão entre nós, e não acho que seja apenas da minha parte. Ela sempre se mostrou como uma criança que quer ficar perto de mim e isso começou quando ela me obrigou a ir com ela a conhecer e Brooklyn, ela também já demostrou preocupação; por isso definitivamente temos uma ligação especial dentro desse inferno.
  – Agora você e o vão se casar? - ela me pergunta inocentemente e meus olhos quase saltam das órbitas.
  – O quê?! Claro que não! - minha voz sai aguda – Apenas esqueça aquilo, Mad. - dou um suspiro, e ela assente para minha alegria.
  – Madeline! - escutamos alguém chamar do corredor e nos interromper. Logo Brooklyn aparece na porta, e seu semblante endurece assim que me vê – Você acordou. - me olha com desdém.
  – Parece que sim. - dou de ombros.
  – Onde está ? Ele não estava aqui agora pouco? - ela procura com os olhos por algum sinal dele. E vejo nisso a oportunidade perfeita.
  – Não sei. - dou de ombros outra vez. Por mais que eu gostaria de ver sua reação ao contra a verdade, é melhor evitar brigas.
  – Hm... - Brooklyn não parece ter engolido muito bem isso, mas acaba ignorando – Estão nos chamando, temos que limpar a cozinha. - ela avisa.
  – Limpar a cozinha? - pergunto, caminhando em sua direção com Mad em meu encalce.
  – Você não acha que ficar no isolamento vai ser nosso único "castigo", certo? - ela faz aspas com os dedos – Não seja estúpida. - ela diz e se vira pegando na mão de Mad e indo pelo corredor.
  Tenho que me controlar muito para não jogar sua cabeça repetidas vezes contra a parede, porque tudo que eu não preciso agora é passar por toda aquela merda outra vez. Respiro fundo vezes suficientes para sentir minha pulsação desacelerar e só depois faço o mesmo caminho que as duas, recebendo um olhar de reprovação de Ethan ao passar pela porta do que veio a ser uma pequena cozinha. Tento não o encarar, com receio do que as memórias não me deixam esquecer, e passo direto por ele que se encosta no batente da porta.
  – O que eu tenho que fazer? - pergunto perdida no meio da cozinha.
  Há uma pilha enorme de louças sobre a pia e a mesa que separa a cozinha ao meio está lotada de temperos e outros utensílios usados para cozinhar. Vejo que também há uma dispensa à minha direita.
  – O chão. - Brook empurra uma vassoura bruscamente contra mim e a encaro de olhos semicerrados enquanto ela solta uma risadinha.
  Olho para cima a fim de retomar minha calma e começo meu trabalho, enquanto Brooklyn lava a louça e Mad seca. Não deixo de sentir pena da loirinha por estar fazendo o trabalho pesado, poderiam colocá-la em algo mais fácil, ou não colocá-la em nada, afinal, ela é apenas uma criança, tem que brincar e não ficar presa em uma cozinha. Suas pequenas mãos quase não conseguem segurar as grandes panelas que ela tem de secar e sem poder mais ver ela fazer caretas ao pegar outra coisa pesada, vou até ela.
  – Mad, que tal se nós trocássemos de tarefa? Tenho certeza que você vai se sair melhor nessa. - sorrio e estendo a vassoura em sua direção. Ela olha de Brooklyn para mim e depois encara o que tenho em mãos.
  – Tudo bem! - ela diz empolgada e salta do banco em que estava de pé.
  – O que vocês estão fazendo? - a voz de Ethan soa atrás de mim, me viro e vejo que ele tem uma expressão irritada estampada no rosto.
  – Estamos apenas trocando de tarefas. - respondo calmamente e observo seu semblante mudar de extremamente sério para neutro.
  – Tudo bem. - ele diz simplesmente antes de voltar para seu posto ao lado da porta.
  Respiro aliviada por não ter criado mais uma confusão para o meu lado e olho para Madeline que sorri para Ethan em agradecimento. Ele parece surpreso com a atitude dela, por isso apenas assente com a cabeça como se dissesse "sem problemas".
  Me posiciono ao lado de Brooklyn e volto ao trabalho.

***

  Depois de algum tempo toda a louça está limpa e me encarrego de levá-la até a dispensa. Coloco a última pilha de pratos sobre o mármore do armário que vai até o teto, e quando me viro para ir embora dali vejo Brooklyn em frente a porta fechada e de braços cruzados.
  – O quê... - tento questionar, mas ela me interrompe.
  – Não me interessa quem você seja, mas alguma coisa dentro dessa sua cabeça oca não funciona, e disso eu tenho certeza. - ela rosna dando passos calmos em minha direção.
  – Mas do que você está falando, garota? - dou passos em sua direção também, não entendo nada.
  Ela dá uma risada irônica antes de continuar.
  – Você pensa que eu sou burra? - ela pergunta e eu continuo sem entender – Eu sei que você estava na enfermaria com o , quando eu claramente mandei você ficar longe dele. - ela diz entre os dentes parando a minha frente.
  Fico estática e sem acreditar na prepotência dela.
  - É, eu estava mesmo. - arqueio as sobrancelhas, e finalmente falo a verdade. Mal processo o que vem a seguir quando sinto seu punho em forma de soco se chocar contra o meu rosto. Pendo a cabeça para o lado pelo efeito do impacto e levo a mão até o canto da boca sentindo o gosto metálico do sangue. Me viro olhando indignada. – Você é louca? - vou pra cima dela a agarrando e jogando contra a parede de concreto no final da dispensa.
  Ela rapidamente se levanta e pula em cima de mim nos fazendo cair no chão. Estando por cima, ela leva as mãos até meu pescoço na intenção de me sufocar. 
  – Eu vou fazer com você o que eu deveria ter feito anos atrás. - ela rosna enquanto me debato quando o ar para de chegar aos meus pulmões.
  Acabo por dar, desesperadamente, uma cabeçada nela fazendo com que a mesma tire suas mãos do meu pescoço. Me levanto com rapidez e ela também, logo vindo em minha direção. Sentindo a raiva borbulhar por meu sangue, levanto a perna chutando seu rosto em cheio, fazendo ela cair no chão e por um segundo me espanto com minhas habilidades; eu não sabia que podia fazer tal coisa, mas meu corpo está apenas no automático como se soubesse bem o que faz.
  Em seguida fico por cima do seu corpo para imobilizá-la e ela me olha com raiva levando suas mãos sobre as minhas e torcendo meus pulsos. Solto um gemido de dor quanto escuto os ossos estalarem, e ela se aproveita para jogar meu corpo com uma força sobrenatural no ar. Sinto o impacto das minhas costas contra a pequena mesa de madeira que tinha na dispensa e fecho os olhos por alguns segundos por conta da dor, quando volto a abri-los vejo Brooklyn vir em minha direção me obrigando a levantar rápido e correr para o outro lado.
  Ela me olha cheia de ódio e pega do chão um pedaço do que era uma mesa de madeira e joga em minha direção. Com uma agilidade desconhecida por mim pego a estaca improvisada no ar e jogo de volta contra ela acertando seu ombro a fazendo gemer de dor.
  Aproveito o momento e vou para cima dela que arranca a estaca de madeira do ombro e bate contra o meu rosto me levando para o chão outra vez. Me sinto tonta de imediato não tento coordenação alguma e, se aproveitando disso, Brooklyn enfia a longa estaca de madeira contra a minha barriga, fazendo minha boca se abrir em pura dor.
  – Você acha que é melhor do que eu? - ela empurra mais a madeira contra a minha carne – Fui eu quem estive do lado dele quando você deixou toda aquela merda. E fui eu que continuou do lado dele mesmo depois da sua morte. - ela torce a madeira contra minha barriga me fazendo fechar os olhos de dor – Você não merece ele, nem sequer o conhece como eu. - ela pressiona outra vez a madeira fazendo meu corpo pegar fogo – E sou eu quem vai ficar com ele de agora em diante. - ela arranca a madeira da minha barriga e a ergue no ar pronta para estocar ela outra vez em mim, mas juntando os últimos resquícios de força que ainda me restam, eu a empurro para trás com o auxílio do pé.
  Ela cai sentada soltando a madeira, eu aproveito para me levantar. Coloco a mão sobre o lugar atingido já o sentindo cicatrizar e com a respiração ofegante encaro Brooklyn com muita raiva, algo desconhecido por mim.
  – Você tem razão. - vou em sua direção e dou um belo chute em seu rosto a fazendo virar para o outro lado – Eu não conheço ele como você. - agarro seus cabelos a lançando com toda força outra vez contra a parede de concreto, deixando que toda essa raiva me consuma – Mas qualquer um com um pouquinho de bom senso pode perceber que ele está pouco se fodendo para você. - cuspo as palavras banhadas por raiva e desdém.
  Agarro seu macacão, a levantando do chão. Ergo meu pé na altura do seu pescoço fazendo pressão no local, ela tenta a todo custo tirar meu pé de seu o pescoço, mas falha; pressiono mais até ouvir um estalar.
  – Você é patética. - digo no mesmo segundo em que as luzes da dispensa começam a piscar.
  – MADELINE! - escuto a voz de Ethan gritar do lado de fora, seguido por um grito alto e estridente de Madeline.
  Encaro Brooklyn enquanto afrouxo meu pé contra seu pescoço, ela dá um tapa na minha perna finalmente se livrando do aperto. As luzes voltam a piscar até que se apagam de vez, em seguida a porta da dispensa se abre sozinha, revelando a escuridão do outro lado.
  Silêncio. Não havia mais barulho algum.
  Dou o primeiro passo para fora da dispensa e ao mesmo tempo em que eu firmava meu pé no chão, algo cai a minha direita fazendo com que eu recue para trás.
  – O que foi isso? - ouço a voz de Ethan, mas não consigo identificar ao certo onde ele se encontra devido à escuridão. 
  Logo um feixe de luz se direciona ao meu rosto e sou obrigada a cobrir meus olhos com o braço. 
  – . Brooklyn. Madeline. - ele aponta para cada uma certificando que todas estão bem, mas a calmaria é interrompida pelo som de várias coisas caindo bem ao meu lado.
  O grito de Madeline se mistura com o som alto de metal voando ao chão e me abaixo na tentativa de me proteger contra os objetos que começam a ser lançados contra a parede do outro lado.
  – Mantenham a calma, garotas! Mantenham a calma! - Ethan fala em meio à confusão, mas sua voz aguda e apressada mostra o contrário do que ele quer passar; Ethan está com medo? Mas medo do quê?
  Os feixes de luz produzidos pelo o que vim a perceber ser uma lanterna passam rapidamente pelo cômodo escuro nos dando dimensão da bagunça que se formava a cada novo barulho, e com um olhar mais atento posso ver que um vulto preto lidera a confusão como se fosse responsável por aquilo tudo. Ethan aponta a luz para Madeline e vejo que ela está encolhida em um canto enquanto tampa os ouvidos com ambas as mãos e não penso duas vezes antes de correr até ela.
  A envolvo em meus braços e sinto que ela está chorando. A cena toda é estranha e um tanto assustadora, mas mesmo assim não entendo o que isso significa, o sanatório em si já é algo a se temer, mas panelas e objetos voadores? O que isso significa?
  – É ele, . - Madeline sussurra de forma quase inaudível e tenho que me curvar sobre ela para escutar melhor.
  – Quem, querida? - pergunto de forma suave, enquanto aliso seu cabelo tentando acalmá-la em meio ao tumulto de objetos voadores.
  – Meu amiguinho, . Eu acho que ele é mau. - a pequena diz antes de praticamente se jogar sobre meu colo quando uma rajada de vento nos atravessa.
  Sem ter tempo de questionar suas palavras a confusão termina tão rápido quanto começou, e de repente as luzes voltam ao normal revelando o caos que a cozinha tinha se transformado. Ethan se mostra apavorado ao tomar sua posição em pé depois de sair de baixo da mesa. Brooklyn observa toda a cena com ar sério, o que me deixa mais confusa em relação ao que acabou de acontecer.
  – Voltem para o isolamento agora! - Ethan brada.
  Me coloco de pé e estendo minha mão para Madeline, e quando olho para a parede onde estávamos encostadas vejo uma faca enfincada logo acima da altura da minha cabeça. 
  – Vem, Madeline. - me apresso a levantá-la pela mão e rapidamente ela me puxa para fora da cozinha, me guiando pelo grande corredor que nos levaria até uma espécie de sala de recreação.
  Olho para trás e encontro Ethan correndo para o lado oposto de onde estamos. 
  – Onde você vai? - pergunto sem entender.
  – O senhor Arthur precisa saber disso. - Ethan responde de volta e ouço as portas sendo destrancadas e logo ele some do meu campo de visão.
  – Mad?! O que aconteceu? - a voz de me faz olhar para frente. O loiro vem correndo em nossa direção com uma expressão preocupada e se abaixa para ficar na altura de Madeline, lhe dando um abraço apertado, me pegando de surpresa – Você está bem? - ele pergunta e obtém uma fungada como resposta.
  "O que aconteceu?" ele sibila para mim e dou de ombros. Realmente não faço a menor ideia do que acabou de acontecer.
  Acompanho com os olhos quando ele segura Madeline nos braços e a leva até onde ele estava sentado anteriormente, e obrigo meus olhos a vagarem pela sala tendo aquela estranha sensação de estar sendo observada e, no momento em eles param em , confirmo minhas suspeitas.
  Ele me olha descaradamente sem nem ao menos piscar, não posso deixar de ficar um pouco sem graça, já que é a primeira vez que o vejo depois do beijo e bom, depois dele ter desaparecido como um covarde. se remexe na cadeira ao lado de uma mesa que sustenta algum tipo de jogo e percebo que fiquei todo esse tempo o encarando e sem saber como reagir desvio o olhar para Brooklyn, que desde que chegamos está parada ao meu lado e como a estranha que é, ela está olhando com o cenho franzido entre e eu.
  Reviro os olhos bufando alto para sinalizar o quanto ela está sendo inconveniente e ela parece despertar do seu transe. Ela vira seu olhar em minha direção, mas não dou tempo para outra briga, pois me viro seguindo pelo corredor.

***

  Vou atrás de uma das enfermeiras, já que não vi Ethan, para pedir roupas novas, a fim de tomar um banho. Depois de receber tudo o que precisava, sigo rumo ao banheiro, passando outra vez em frente as grandes portas duplas da cantina, que no final me levariam à cozinha. Paro por alguns segundos em frente a ela, mas acabo seguindo meu caminho e antes de chegar ao banheiro vejo ao final do corredor a velha porta de madeira do porão. Instantaneamente um calafrio percorre meu corpo ao lembrar do vulto que vi ali.
  Será o mesmo vulto que vi na cozinha?
  Chacoalho a cabeça na tentativa de espantar tais pensamentos e sigo de uma vez para o banheiro, já com tudo que preciso em mãos. Eu só quero me livrar dessa sensação ruim pelo meu corpo e tirar todo sangue seco que cobre minha pele.
  Não tardo ao escolher um dos chuveiros e ajeitar minhas coisas por ali. Tiro toda minha roupa e vou até o registro o girando e deixando que a água quente entre em contato com o meu corpo, a fim de levar todas as minhas preocupações ralo abaixo.
  Minha vida tem estado muito tumultuada e cheia perigos eminentes dos quais eu venho buscando por soluções que nunca acho. Solto um longo suspiro enquanto despejo o produto em meus cabelos os lavando, fecho os olhos sentindo a espuma ir embora, e eu espero que magicamente ela leve meus problemas junto, mas quando torno a abrir os olhos, a realidade volta a me atingir, e eu sei que quando terminar esse banho tenho que fazer algo. Não posso simplesmente sucumbir a tudo o que vem me cercando.
  Aproveito meu único momento de paz para terminar de me lavar e com uma ironia pronta para rir da minha cara, vejo, através da cortina azul um vulto do que parece ser uma pessoa, passando correndo do outro lado. Desligo o registro e me enrolo na toalha abrindo a cortina e não vendo ninguém. Dou passos para fora da cabine de banho e olho em volta do banheiro, mas não vejo nada.
  – Quem está ai? - pergunto, dando passos enquanto verifico as outras cabines de banho – Ethan? ? - chamo pelos dois mais não obtenho respostas. Suspiro, cansada e volto até onde estava – Madeline? É você outra vez? - franzo o cenho pensando na ideia de ser a loirinha outra vez.
  E como previsto, não tenho resposta alguma. Bufo irritada, mirando o olhar para o grande espelho a minha frente vendo um furacão de olhos azuis parado atrás de mim me fazendo soltar um grito alto e agudo de puro susto.
  – QUE PORRA É ESSA?! - a voz grave de soa assim que ele abre a porta em um baque alto, enquanto olha para todos os lados. Encaro ele ainda com meus batimentos descompensados pelo susto de segundos atrás – Que merda, ! O que aconteceu? - ele vem de cenho franzido em minha direção.
  – Eu achei ter visto alguém aqui comigo. - explico e ele me olha confuso – Eu vi alguém atrás de mim através do espelho. - aponto para o objeto que reflete nossas imagens.
  – E quem era? - ele ainda tem o semblante confuso.
  – Eu não sei, não consegui ver muita coisa, mas vi a cor dos seus olhos, eram azuis. - respondo, agora com a minha respiração normal outra vez.
  – Deve estar vendo coisas, só tem nós dois aqui. - ele debocha – Acho que está ficando louca. - ele muda drasticamente e sinto que ele está escondendo algo de mim.
  – Eu não estou louca. Eu vi, . - aumento meu tom de voz – Estava bem aqui atrás de mim. - me mantenho firme.
  – Hm. E onde está ele agora? - olha em volta buscando por alguma coisa.
  – Você é um idiota. - falo irritada, o vendo me olhar sem emoção.
  Um silêncio constrangedor se instala no banheiro e eu percebo o olhar de cair sobre meu corpo, que só agora lembro estar coberto por uma toalha.
  – Acho que já disse o quanto você fica bem em toalhas de banho. - ele muda de assunto e sorri minimamente sacana para mim.
  – Cale a boca, . - levo minhas mãos até o topo da toalha, na tentativa de manter ela mais firme contra meu corpo.
  – Você pode me ajudar com isso, amor? - ele sobe seu olhar do meu corpo até meu rosto, me encarando com aqueles olhos verdes.
  – Eu... Ahn... - me perco na sua pouca vergonha, não sabendo o que dizer – Fica aqui que eu já volto. - falo e praticamente corro de volta à cabine de banho.
  Fecho a cortina azul e tento normalizar meus pensamentos. Por que diabos eu tenho que ficar assim? Agora toda vez que eu o ver vou ter essas sensações estranhas? Bufo irritada e pego minhas roupas, me trocando. Quando acabo volto a abrir a cortina com minhas roupas sujas e rasgadas em mãos.
  – Prefiro a toalha. - ignoro o comentário desnecessário de e vou até o espelho, colocando minhas roupas sujas sobre a pia, com o intuito de ajeitar meu cabelo ao menos um pouco.
  Com as pontas dos dedos dou o meu melhor, vendo que não para de me encarar através do espelho. Ele estava escorado no batente da porta de braços cruzados com seu macacão aberto nos três primeiros botões dando vista a um pedaço de suas tatuagens e... você está encarando demais, .
  Desvio o olhar e limpo a garganta antes de me virar para ele e dizer. 
  – Podemos conversar agora? - revira os olhos e se desencosta do batente da porta, saindo do banheiro. Bufo irritada, o seguindo – , volta aqui! - falo assim que saio do banheiro também, agora o seguindo pelo corredor.
  – Eu não quero conversar, . - ele rosna sem olhar para trás.
  – Engraçado como pouco tempo atrás você não queria que eu te deixasse em paz. - praticamente corro para alcançá-lo. – Pare de agir feito um covarde e me encare como um homem de verdade. - falo irritada fazendo com que seu corpo pare no mesmo instante, e consequentemente eu paro também.
  Ele vira seu corpo de forma lenta e me encara como se pudesse lançar chamas dos olhos.
  – O que você disse? - ele pergunta entre os dentes, mas eu não me deixo intimidar.
  – Eu falei para me encarar como um homem de verdade... Ou você não é um? - arqueio uma sobrancelha em provocação, o vendo rosnar, literalmente. Ele começa a dar passos pesados em minha direção, com seus punhos cerrados.
  Me mantenho parada apenas esperando o que viria a seguir, mas antes que possa chegar até mim, uma espécie de parede de vidro barra a sua passagem.
  – O que é isso? - pergunto confusa e surpresa.
  – Toque de recolher. Eles fecham todas as passagens dos corredores para não ter risco de fuga. - responde do outro lado da parede de vidro enquanto sorri.
  – E como eu saio daqui? - pergunto aflita.
  – Não sai. Até amanhã, amor. - sorri, me dando as costas em seguida.
  – Não se atreva a me deixar aqui sozinha. - corro até a parede de vidro a socando enquanto vejo sumir pelo corredor – IDIOTA! - grito e volto a socar a parede que não faz se quer um arranhão. Deve ter sido projetada para essa finalidade.
  Encosto a cabeça no vidro e fecho os olhos, suspirando. Logo escuto um ranger de porta e abro os olhos, atenta. Me viro e vejo que no final do corredor a porta do porão está aberta. Meu corpo fica tenso no mesmo instante e minha respiração acelera assim que escuto passos pesados vindo da escada.
  Eu não estava sozinha.
  Me apresso ao sair o mais rápido dali procurando por algum lugar para me esconder. Vejo a grande porta dupla da cozinha e corro até ela, dando na cantina. Escuto passos no corredor, percebendo que não tenho muito tempo, por isso vou até uma das mesas me escondendo em baixo dela. Fico em silêncio ali, até ouvir alguém passar pela porta. Ouço alguns rosnados, mas não eram iguais aos das criaturas do túnel, eram mais horripilantes.
  Um silêncio se instala antes da mesa onde eu me escondia voar pelos ares revelando a horripilante criatura que me perseguia; era negra como a escuridão, com dentes mais afiados que facas e asas prontas para me envolverem. Meu coração salta em meu peito quando a criatura grita abrindo suas enormes asas negras.
  Me levanto o mais rápido, começando a correr escurando seus gritos atrás de mim. Atravesso a porta da cozinha e uma ventania surge fazendo facas e objetos pontiagudos voarem em minha direção, tenho que ser ágil ao me desviar deles. Ouço a criatura entrar na cozinha e me viro, vendo-a me encarar, pego uma das facas que voavam em minha direção no intuito de me proteger. Apenas com o olhar, a criatura me lança do outro lado da cozinha e meu corpo se bate com várias prateleiras e depois vai ao chão.
  Solto um gemido de dor ao sentir uma pontada no canto da barriga, olho para baixo e vejo uma faca fincada no local, com a mão trêmula retiro o objeto cortante, sentindo o sangue quente escorrer. Mal me recomponho quando a criatura voa em minha direção, fecho os olhos e levo as mãos na frente do rosto tentando me proteger do pior, mas nada vem.
  Quando abro os olhos para checar a situação, me vejo só. Acho estranho, mas não fico perdendo tempo, apenas me levanto e procuro outro lugar para me esconder, mas tudo parece apenas uma brincadeira já que escuto a criatura outra vez; ela está brincando comigo, me deixando achar que tenho uma chance para segundos depois voltar.
  – Merda! - corro agora para o banheiro.
  Entro correndo e me escondo na última cabine vazia, ficando sobre o vaso sanitário, fico ali parada em silêncio até escutar a criatura entrar no banheiro outra vez. Uma a uma, escuto todas as cabines serem abertas e quando sei que ele está ao lado seguro minha respiração, eu estava perdida, não tinha o que fazer, apenas vou ficar aqui e esperar pelo pior.
  Em um baque alto ele abre minha cabine, sorrindo ao me ver e mostrando seus dentes afiados e escuros, a criatura dá alguns passos e leva suas garras até meu rosto, mas eu me esquivo me jogando para o lado e isso parece o irritar.
  Meu grito de pavor é a última coisa que pode ser ouvida no banheiro.

Capítulo 25

  ’s POV
  – Garota! - o monstro diz mostrando seus dentes afiados, perto demais do meu rosto – ACORDA! - esbraveja e levanto assustada vendo que estava em minha cela, sã e salva.
  Coloco minhas mãos sobre meu coração acelerado e sinto o suor frio sobre minha testa. Tudo isso não passou de um sonho?
  – Vamos, garota! Eu não tenho o dia todo! - Ethan diz de braços cruzados, em pé ao lado da porta.
  – O que está acontecendo? - pergunto confusa enquanto me levanto da cama.
  – Você precisa vir comigo. - diz sério.
  – Pra onde você vai me levar? - minha voz sai um pouco descontrolada quando ele pega meu braço e me puxa para fora, e ele me lança um olhar reprovador e paro de lutar contra ele, mesmo estando com medo do que poderia acontecer a seguir.
  Ainda estou muito confusa sobre o que aconteceu.
  Ethan me guia pelo corredor e depois de andar por alguns minutos paramos em frente a uma sala. Ele bate e logo ouço um "entre".
  Essa voz.
  – Não! - puxo meu braço de sua mão, me afastando dele e recuando para trás – Não, eu não vou entrar aí. - minhas mãos tremem ao lembrar da última vez em que estive em uma sala com ele.
  – Me obedeça ou eu vou ser obrigado a usar medidas drásticas. - ele alerta, com a mão em uma espécie de arma de choque dentro de seu bolso – Ele só quer conversar, entre e tudo vai ficar bem. - não acredito em suas palavras. Eu não confio nele e muito menos no monstro atrás dessa porta.
  – Agora, ! - diz por entre os dentes, e com um suspiro resolvo obedecer. Não vou adiar o inevitável. Respiro fundo entrando na sala após Ethan abrir a porta para mim.
  Arthur está sentado atrás de uma mesa de mogno escura, suas mãos estão juntas e sua expressão é séria, como se estivesse prestes a dizer algo muito importante. Ele está tão concentrado em que nem nota minha presença.
  – Tem certeza que ela tem que ir também? - Arthur pergunta para Ethan que limpa a garganta antes de responder.
  – Absoluta, senhor.
  – Péssima hora para se ter uma ligação. - Arthur diz por baixo da respiração, mas tenho certeza que todos ouviram.
  Abaixo a cabeça quando Arthur e Ethan começam a conversar sobre detalhes de algo que me envolve, mas ainda não sei o que é, me deixando incomodada com a situação. E no momento seguinte meus olhos encontram os de que me encaram de forma intensa, me fazendo perder a compostura por alguns segundos e, por isso, desvio o olhar.
  – Certo, já que não tem outro jeito, ela irá com você, . - dirijo meu olhar para Arthur de imediato.
  Eu vou para onde? Com o ? Por quê?
  Várias perguntas surgem em minha cabeça, mas não digo nada, tenho receio de piorar o que quer que seja. – E você! - ele se vira para mim – Se você tentar qualquer coisa, garota, eu te mato! - a verdade atrás de sua voz me arrepia – Ethan, se assegure que ela esteja pronta na hora marcada. Dispensados! - diz e levanta indo em direção ao , mas este apenas se esquiva e passa por mim, caminhando para fora da sala.
  – Vamos, . Você ainda tem que se arrumar. - Ethan puxa meu braço me levando de volta para o isolamento.

***

  – Aqui estão suas coisas. - Ethan me entrega uma pilha de roupas dobradas, com um sapato no topo, e logo reconheço como sendo as roupas que eu vestia no dia que vim parar nesse lugar.
  – O que é isso?
  – Roupas, . - reviro os olhos para sua reposta, e só agora vejo que nos observando de longe.
  – Eu quero saber para que isso. - esclareço – Tem algo a ver com o fato de eu ter que ir para algum lugar com o ? Eu vou sair daqui? - pergunto.
  – Apenas tome um banho e se troque.
  – Mas...
  – Mas nada. Apenas faça o que eu mandei. - diz e caminha na direção de um outro guarda.
  Aproveito sua distração e chamo com um aceno de mão, ele se faz de desentendido no começo, mas lanço um olhar mostrando que eu não estava para brincadeiras e ele vem até mim como quem não quer nada.
  – E aí, ! - diz descontraído e puxo ele para dentro do banheiro, olhando em volta para constatar que éramos as únicas pessoas aqui – Wow, o que é isso?! - ele levanta as mãos em sinal de rendição e me seguro para não rir de suas bochechas que adquiriram um tom avermelhado.
  – Eu preciso te perguntar uma coisa. - sussurro como se alguém pudesse nos ouvir, e ele assente – Você sabe o que o vai fazer hoje? - pergunto e ele franze o cenho.
  – Não. - sua voz sai diferente. Ele está mentindo.
  – Você está mentindo.
  – Para com isso, . Eu não sei. - se defende, sem me olhar nos olhos.
  – Por favor, , eu preciso saber. - imploro e ele nega com a cabeça, se virando para ir embora – Não, não, não! - seguro seu braço, o obrigando a virar para mim – Eu não vou deixar você ir embora antes de me dizer o que ele faz e para onde ele vai.
  – Você sabe que eu posso desaparecer a qualquer minuto, não é? - o loiro arqueia uma sobrancelha para mim.
  Droga, eu tinha me esquecido disso.
  – Poxa, , eu pensei que fôssemos amigos. - sim, eu estou apelando, mas de que outro jeito eu conseguiria as respostas que eu tanto quero?
  Ele me olha desconfortável por alguns minutos antes de ceder. – Tudo bem. - ele suspira derrotado.
  Mesmo que seja esse tipo de criatura, ele e Madeline se mostraram os mais flexíveis aqui dentro, e se por algum motivo eu tivesse que confiar em algum aqui dentro, seriam neles.
  – O que o faz? Pra onde ele vai? O Arthur falou que eu tenho ir junto. E como assim sair? Nós podemos sair? - solto as perguntas de uma vez, querendo acabar com isso logo.
  – Calma, . - levanta as mãos e depois faz um gesto para que eu respire – Uma pergunta de cada vez, certo?! - ele ri fracamente – O ...
  – , se apresse! - Ethan bate na porta enquanto grita do outro lado.
  Bufo, irritada.
  – Eu preciso tomar um banho, mas você fica aqui. - arrasto ele para perto da pia que ficava em frente as cabines de banho.
  Me apresso ao pegar minhas coisas e entrar na primeira cabine que vejo, fechando a cortina, assim podendo ver a sombra do apoiado sobre a pia. Me dispo, faço um coque no cabelo para de não molhá-lo, e ligo o registro.
  – Pode continuar. - incentivo, falando através da cortina azul.
  – Arthur é uma criatura muito poderosa entre os sobrenaturais, ele também é muito temido, por isso é uma ameaça para todos. - ele faz uma pequena pausa na sua fala – Muitas criaturas estão atrás dele, todos querem derrubar ele, por isso ele enfeitiçou a floresta fazendo com que qualquer um que atravessasse ela ficasse sem os poderes.
  – Isso foi uma medida de segurança? - pergunto, e vejo sua sombra assentir atrás da cortina espeça e azul – Ele só fez apenas isso? - faço outra pergunta, enquanto começo a lavar meu corpo com uma pequena pedra de sabão branca que tinha ali.
  – É ai que o entra na jogada. - ele responde – Desde então vem capturando essas outras criaturas; Uma vez por semana Arthur libera ele para que possa matar todas essas criaturas, e fazer com que suas almas fiquem aprisionadas aqui dentro, onde Arthur pode ter total controle sobre todas essas elas. - sua voz transmite uma serenidade que me faz repensar se ele seria mesmo uma boa pessoa.
  – Como os captura? Se Arthur colocou esse feitiço na floresta como pode ter seus poderes lá fora? - desligo o registro e pego a toalha para me secar.
  – Exatamente, todos ainda têm seus poderes, mas se o Arthur permitir que saia com seus poderes ligados, assim por se dizer, ele pode. - rio ironicamente.
  Era claro que o Arthur comandava toda essa merda. – E presumo que por conta dessa ligação aí de vocês, a senhorita tenha que ir também. - vejo a sombra de se remexer outra vez.
  – Arthur não gostou nenhum pouco disso. - confesso, enquanto coloco minhas roupas.
  – Imagino. - responde, mas sinto sua voz diferente. Não sei o motivo, mas ultimamente eu sinto que todos aqui estão escondendo as coisas de mim, por isso se torna difícil saber se o que eles me contam é verdade mesmo.
  Me sento no pequeno banco que tinha dentro cabine de banho, e calço minhas botas de salto, e enquanto faço isso penso na possibilidade de sair desse lugar nem que seja por um tempo. Eu finalmente vou poder saber o que de fato aconteceu com Lana e Connor, saber se estão vivos.
  Apenas esse pensamento me faz engolir em seco. Certo que minha cabeça anda bem cheia aqui dentro, mas isso não diminui minha preocupação ou me faz esquecer deles, eu preciso saber como aqueles dois estão.
  – , eu sei que você quer muito saber o que aconteceu com seus amigos, mas eu sugiro que não provoque o Arthur ou ele não vai pensar duas vezes em retaliação. - abro a cortina azul vendo a expressão séria de . Ele leu minha mente. Sei que não foi por mal, mas não deixa de ser um ato evasivo – Desculpe. - o mesmo encolhe os ombros.
  – Tudo bem. - suspiro – É que eu só estou cansada de tudo isso. Eu só queira minha velha vida de volta. - caminho até o espelho e tento dar uma ajeitada na minha aparência cansada.
  – Eu te entendo. - me olhando através do espelho, e por segundos enxergo nele a mesma angústia que venho sentindo desde que vim parar aqui.
  Qual será a sua história? Será que esse sentimento é verdadeiro ou estou apenas sendo usada outra vez?
  – Todos estamos sendo constantemente usados aqui dentro. - ele lê minha mente outra vez, e se auto repreende quando percebe o que fez, mas eu apenas ignoro, já que achei curioso o que ele confessou.
  – O que você quer dizer com isso? - pergunto, enquanto me viro para ele. Cruzo os braços e presto total atenção no loiro de cabelos bagunçados, que por um momento se torna sombrio como eu nunca vi antes. Nem mesmo seus olhos negros se comparam a sua atual expressão.
  – Liberdade, autocontrole, escolhas; tudo isso não passa de uma ilusão aqui dentro, na verdade o livre arbitrário que escutamos ao longe de nossas vidas é algo ilusório por si, uma vez que o que eu faço afeta você, e o que você faz afeta outra pessoa. Apenas vivemos nesse ciclo, e criamos uma falsa ilusão de que podemos controlar nossa própria vida, quando na verdade não podemos. - ele divaga de uma vez, e me sinto levemente chocada com suas palavras, eu nunca o vi falando dessa forma antes.
  Apenas continuo calada, e deixo que as palavras que parecem estar guardadas dentro dele, fluam para fora.
  – A questão é que tudo isso é muito mais intensificado aqui nesse lugar. No mundo lá fora todos nós influenciamos as escolhas de outras pessoas, nós controlamos mesmo que indiretamente a vida dos outros, mas aqui no sanatório Waverly Hills, apenas o Arthur faz isso. - seu semblante se torna cada vez mais profundo, assim como suas palavras.
  – Ninguém se quer dá um passo se Arthur não quiser. É até mesmo difícil para mim te falar tudo, e tem muito mais coisas que eu queria poder te contar, mas eu simplesmente não posso e nem consigo, nós simplesmente não podemos fazer isso. Por esse motivo, , você vai ter que dar ainda mais de si para descobrir ou lembrar de tudo. - fico totalmente absorvida em suas palavras enquanto tendo entender toda sua mensagem para mim. Falando dessa forma até parece outra pessoa, e não .
  Ele parece ficar um pouco incomodado, mudando rapidamente de assunto. – Arthur está bem irritado com que aconteceu noite passada. - chacoalho minha cabeça, tentando voltar para o lugar em que estou. Ele disse que não pode e não consegue me contar tudo, por isso, por hora eu vou respeitar.
  – Eu achei que havia sido tudo um sonho. Eu me lembro, mas acordei na minha cama e isso me deixou bem confusa. - explico.
  – Na verdade ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Ethan apenas te encontrou hoje de madrugada dormindo no corredor, mas o que deixou todo mundo confuso foi que a cozinha e outros lugares estavam completamente bagunçados, como se fosse sinais de luta ou coisa do tipo. - por fim o loiro dá de ombros.
  – Foi tudo bem estranho. Eu lembro de ter algumas alucinações não sabendo distinguir se era ou não real, enquanto eu fugia de uma criatura que eu nunca tinha visto antes. - ele me olha atento – Eu me escondi dentro do banheiro, depois disso a criatura me achou e me atacou, ai acordei na minha cela. - solto um suspiro, notando o quão confuso tudo isso estava.
  – , já está pronta? - Ethan volta a gritar.
  – Eu tenho que ir agora. - aviso , que assente.
  – Boa sorte, e não tente nada idiota. - ele alerta, e eu reviro os olhos enquanto assinto, o fazendo rir antes de sumir em meio a familiar cortina de fumaça negra.
  – Estou pronta, Ethan. - anuncio assim que abro a porta do banheiro.
  – Certo. - ele diz sério e pega minhas roupas sujas – Vamos! - apenas assinto, sentindo minhas mãos suarem, estou começando a ficar mais nervosa do que pensei que estaria.
  Começamos a caminhar. Ele deixa minhas roupas sujas com um outro funcionário e me guia para o salão de entrada, fazendo meu coração saltar em meu peito.
  Isso está realmente acontecendo? Eu vou sair daqui?
  Ethan faz um gesto para os dois guardas parados ao lado da porta principal, e um deles a abre revelando o céu mais lindo que eu já vi em toda mina vida; estava mesclado entre um azul claro e o laranja do por do sol, o que me trás um sentimento revigorante, e talvez, só talvez por ser o primeiro céu claro que vejo desde que fui jogada aqui, faz tudo mais lindo.
  No isolamento não tínhamos noção de dias e muito menos horas, o céu estava sempre escuro pela noite.
  Escuto um assobio baixo e meus olhos procuram o barulho, caindo sobre ; o mesmo estava vestindo botas pretas, uma calça de mesma cor, justa que molda suas pernas de cima abaixo. Seu tronco está coberto por uma jaqueta de couro e blusa preta, o que me deixa um pouco decepcionada, já que não consigo ver suas enigmáticas tatuagens.
  As palavras fogem da minha cabeça quando ele solta a fumaça de seu cigarro vagarosamente, mas ainda sim me observando. Eu mal havia notado que ele segurava um cigarro, e fico ainda mais confusa e surpresa por saber que ele fuma, achei que apenas vê-lo em roupas casuais já era um choque grande.
  – Vá logo, . - Ethan puxa meu braço na direção das escadas e volto para a realidade, e me atrapalhando com meus pés.
   não deixe de acompanhar cada movimento meu, enquanto me examina através de sua enigmática feição fria, me fazendo notar como o alaranjado do céu reflete no verde dos seus olhos de forma ainda mais misteriosa.
  – Está pronta? - sua voz soa calma ao se direcionar para mim, e nesse momento sinto como se um convite para a perdição fosse feito para mim.

Capítulo 26

   parece notar meu nervosismo já que seu sorriso de lado, ou sua marca registrada, surge em seu rosto. Escuto o barulho da porta se fechar atrás de mim, e olho por cima dos ombros vendo que Ethan havia entrado, ou seja, eram apenas nós dois a partir de agora.
  Solto um curto suspiro e volto a me virar, vendo lançar seu olhar contra o meu corpo, me analisando. Não posso deixar de ficar incomoda com sua ação, então opto por tirar o foco de mim.
  – Não sabia que fumava. - encaro o cigarro que leva até os lábios de forma graciosa, o que me faz quase esquecer como eu odeio cigarros. Ele coloca entre os lábios, dando uma longa tragada antes de soltar a fumaça toxica.
  – Tem muitas coisas sobre mim que você não sabe. - ele diz assim que termina de soltar a fumaça, lançando o cigarro ao chão e pisando nele com suas botas pretas.
  Ele dá uma curta risada sem humor antes de estender sua mão para mim, que fico apenas encarando ela, enquanto espera por alguma reação minha. Suspiro outra vez e pego em sua mão, fazendo com que um longo arrepio corra por meu corpo apenas por esse simples contato de nossas mãos. Trato de afastar tais sensações e dou alguns passos parando ao seu lado.
   olha para frente de maneira concentrada e eu vou vendo vagarosamente as coisas se tornarem borrões ao nosso redor. A familiar sensação de que todas as células do meu corpo se agitando sobre humanamente se fazem presente e em instantes estamos em outro lugar totalmente diferente. solta a minha mão e eu faço uma careta ainda não acostumada com essa sensação estranha de 'teletransporte'.
  O moreno ao meu lado agarrar meu braço, atraindo minha atenção para ele. – Vou falar apenas uma vez. - seu semblante é sério – Não tente nenhuma gracinha ou o Arthur será apenas um maldito bastardo perto de mim. Se tentar fugir, , vai se arrepender. - ele grunhi, e espero que o mesmo vire para frente, para que eu possa revirar meus olhos.
  Olho em volta vendo que estávamos no estacionamento de algum bar. Havia um grande letreiro com fortes luzes de néon piscando em formato de um taco, um barril de cerveja, e ao centro deles o nome do lugar: REDEMPTION.
  Que nome mais estranho para um bar. 
  – Ainda estamos na cidade? - vou até que começa à caminhar em direção a um grupo de motoqueiros.
  – Sim.
  Aperto meus passos para acompanhá-lo, de qualquer maneira eu não cheguei a conhecer Hazelwood direito. – E quem exatamente estamos procurando? - escuto o bufar ao meu lado, mas ignoro.
  – Um homem e uma mulher. - continuamos andando até os caras barbudos e tatuados.
  – E por que estamos indo falar com eles? - pergunto um pouco mais baixo para que o grupo não nos escute.
  – Você fala demais. - ele bufa outra vez, lançando um olhar reprovador para mim.
  – Não é só chegar lá e... Matá-los? - faço uma careta e o vejo me olhar outra vez, rindo sarcasticamente.
  – Não, . Não é só chegar lá e matar eles. Temos que ser discretos, pode haver mais deles por aqui. - respondo com um simples "ah".
  – Eu posso ir procurar lá dentro, assim acabamos mais rápido com isso. - lanço a sugestão o fazendo parar de andar. se vira para mim com um sorriso no rosto.
  – Eu não sei se percebeu, mas esse não é o seu tipo de lugar. Esses caras podem acabar com você facilmente. - ele diz cheio de sarcasmo.
  – Eu sei me defender. - minha voz sai afetada, com todo meu ultraje.
  – Sabe? - ele cruza os braços, e tomba a cabeça para o lado – Só por que brigou com a Brooklyn não significa que sabe se defender. - meus olhos se arregalam.
  – Como você sabe? - eu chego mais perto dele.
  – Estamos ligados, amor. - ele responde como se fosse óbvio, e na verdade é mesmo – Eu vi quando Ethan levou vocês para limpar a cozinha. - ele sorri ao falar, me fazendo ficar desconfortável. Estava fazendo de propósito.
  – Bom, poderia ter sido qualquer outra pessoa. - rebato.
  – Claro, com você e Brooklyn presas dentro de uma cozinha. - ele fala sarcástico, e dou os ombros.
  – E por que não foi até lá? Quer dizer, estamos ligados, você também sentiu.
  – Preferi deixar vocês se resolverem sozinhas. - dá os ombros – Só espero que tenha dado uma surra nela, porque se me disser que eu senti tudo aquilo atoa, eu terei que acabar com você. - meus olhos voltam a se arregalar, e tenho que segurar a vontade de rir ao imaginar a cara de Brooklyn se ouvisse isso.
  – Mas me diga de uma vez o nome desse casal. - volto ao foco principal da nossa "missão".
  – Nathália e Tom. - diz os nomes mais como um desafio. Aposto que acha que eu vou vir correndo pedir sua ajuda porque me meti em problemas.
  E depois disso seguimos caminhos diferentes, ele até os motoqueiros e eu rumo ao bar.
  Empurro a porta de madeira e o cheiro de fumo me atinge de imediato. Olho ao redor me deparando com um ambiente mal iluminado, o som de algum rock ecoa bem alto por todo o local, na minha esquerda há um balcão onde alguns homens com suas jaquetas de couro, calças rasgadas e botas de cano alto bebem cerveja, e na direita há algumas mesas onde homens e mulheres jogam cartas ou apenas bebem e mais ao fundo há uma mesa de sinuca lotada por homens mal encarados.
  Não vou negar que me sinto um pouco intimidada ao ver as pessoas que vou ter que encarar, mas eu nunca admitiria em voz alta. Não vou dar esse gostinho para .
  Sabendo exatamente o que vim fazer, respiro fundo passando pelas mesas. – O que uma boneca como você está fazendo sozinha por aqui? Está perdida? - paro ao ouvir um comentário direcionado para mim, e vejo que quem fala é um homem alto que esconde sua falta de cabelo com uma bandana vermelha – Eu posso te ajudar a achar sua turma. - ele sorri e faço cara de nojo ao entender quais são suas intenções.
  – Deixe a garotinha em paz, L.J. - uma senhora de cabelo vermelho tingido, diz enquanto senta no colo do homem e levo isso como uma oportunidade de me afastar e vou direto ao bar, me sentando em um dos bancos altos posicionados em frente ao balcão.
  – O que você deseja, boneca? - mal sento no banco e um outro cara vem em minha direção enquanto enxuga um copo com o guardanapo perdurado em seu ombro coberto apenas pelo fino tecido da sua regata branca surrada.
  – Uma água? - minha afirmação acaba soando mais como uma pergunta e tenho vontade de me bater por isso. O homem sorri fraco e assente com a cabeça e logo vai para o outro lado.
  – Então você quer dizer que eles vão dar as caras hoje? - não consigo deixar de ouvir a conversa entre os dois caras sentados ao meu lado.
  – É cara, Nathália e Tom estão de volta na cidade, parece que eles têm um novo plano para derrubar aquele maldito diabo. - me apoio mais ao balcão na tentativa de ouvir melhor o que eles estão dizendo sobre os nomes que me interessam.
  – Quanto tempo eles vão ficar?
  – Eu sei lá. - o outro dá de ombros e a conversa acaba.
  Preciso contar para o .
  Pulo do banco alto e me apresso em direção a porta. – Ei boneca, sua água! - ignoro a voz do homem do bar e saio no estacionamento olhando em volta à procura de .
  Meus olhos varrem toda a extensão do local, mas não o encontro e quando estou prestes a voltar para dentro, ouço sua voz inconfundível e no momento em que meus olhos caem em um beco mais afastado e escuro, vejo e uma mulher próximos demais para estarem apenas conversando.
   está com um braço estendido sobre a cabeça dela e tem um sorriso de lado estampado em seu rosto. Eles estão perto demais, seus narizes estão quase se tocando. A falsa loira puxa para baixo seu vestido que mal chega no meio das coxas, acabando por acentuar ainda mais seus seios esmagados pelo tecido apertado, e parece gostar da ação, já que sussurra alguma coisa em seu ouvido a fazendo rir.
  Sinto minhas mãos se fecharem em punhos e minha respiração se tornar curta ao ver a cena nojenta a minha frente, e decido que não vou servir de plateia para a pouca vergonha desses dois, então me dirijo de passos rápidos até eles.
  – Eu não sabia que tínhamos vindo aqui para isso, . - falo e só agora os dois pombinhos notam minha presença.
  – Você não me disse que tinha uma irmã mais nova. - a loira diz enrolando uma mecha de cabelo com os dedos e a encaro de imediato.
  – Irmã mais nova? - pergunto irritada.
  – Isso tudo é ciúmes, ? - provoca, e eu cerro os olhos.
  – Você é um idiota. - digo por entre os dentes.
  – Eu não quero confusão pro meu lado. - a loira começa a se afastar, mas a segura pela cintura, trazendo para mais perto.
  – Não. Se alguém tem que ir embora, esse alguém é ela. - ele diz me encarando e sinto como se um balde de água fria tivesse sido jogado sobre mim.
  – O quê?! - fico totalmente em choque.
  – Isso mesmo que você ouviu. Vai dar uma voltinha, . - ele me despacha e vejo a loira sorrir vitoriosa.
  – Cretino! - xingo antes de dar meia volta e sair pisando alto sobre meus saltos.
  Ele quer que eu dê uma voltinha? Então é exatamente o que vou fazer. Olho outra vez para entrada do bar, e não penso duas vezes antes de refazer meu caminho até lá.
  Eu realmente estava disposta a ajudá-lo, pensando que talvez se fizesse isso ele poderia ceder e me deixar ir ver Lana e Connor sem muitos problemas, mas como sempre, ele foi um maldito credito. E agora estou queimando em ódio por dentro, eu sequer consigo entender por que estou tão irritada com isso, prefiro acreditar que seja por ele ter estragado os meus planos.
   é um verdadeiro cretino, não sei por que eu ainda tento me convencer que ele pode sequer mudar em alguma mísera coisa. Eu não deveria estar assim, com quem se relaciona ou deixa de se relacionar não é problema meu.
  Volto a atravessar a pesada porta de madeira já com um intuito em mente. Já que ele queria que eu desse uma voltinha era o que eu iria fazer, mas também não posso correr o risco de ser vista pelas ruas de Hazelwood. Afinal, uma garota que acabou de se mudar para cidade, e foi diagnosticada e mandada para um sanatório, não será esquecida tão facilmente.
  Olho em volta vendo o que poderia me ajudar. Meus olhos logo caem no balcão onde o já conhecido barman ainda estava fazendo seu trabalho, noto a poucos metros dele um cabideiro contendo uma jaqueta de couro e um boné. Isso vai ser útil.
Caminho com mais confiança até o balcão recebendo um sorriso do barman quando me nota.
  – Se não é a garota da água. - ele fala enquanto termina de servir outro cara – Você sumiu. - ele dá uma rápida olhada para mim antes de voltar sua atenção para o copo de cerveja que enchia.
  – Achei ter visto alguém. - dou de ombros, voltando a me sentar no banco alto.
  – E o que vai ser agora, boneca? Uma água com gás? - ele sorri, esperando minha resposta. E involuntariamente a imagem de com aquele projeto de loira enche minha cabeça.
  – Na verdade eu vou querer um Bourbon puro. - completo, o vendo o barman arregalar os olhos.
  – Acho que esse Bourbon deve ter um nome. - ele caçoa, dando as costas para mim e indo em direção a grande prateleira de bebidas atrás dele. Dou uma rápida olhada para o cabideiro pensando em como vou pegar os itens – Me conte o nome dele. - volto a realidade assim que escuto o barulho do copo bater contra a madeira do balcão. O vejo despejar o líquido escuro no meu copo.
  – Ninguém que mereça ser mencionado. - pego o copo e viro de uma vez, sentindo aquela familiar queimação descer por minha garganta, e faço uma careta em resposta, dando algumas tossidas em seguida.
  – Pelo jeito o Bourbon pisou feio na bola. Então essa é por conta da casa. - ele diz, enquanto me encara. Estendo o copo para ele que despeja o fundo da garrafa em meu copo, a deixando vazia.
  – Para todos os cretinos e as garotas boas... como eu. - levanto meu copo fazendo um brinde, e o barman dá risada.
  – Então quer dizer que você é uma garota boa? - ele pergunta, enquanto eu bebo meu segundo copo. Limpo a boca com as costas da mão e noto um par de óculos escuros no topo da cabeça do barman.
  Me inclino sobre o balcão ouvindo alguns assobios e retiro o óculos de sua cabeça, colocando em meu rosto. – Depende da situação. - dou um sorriso mais corajoso devido ao álcool, e volto a me sentar – Não estou vendo o meu copo cheio. - divago olhando para o fundo do meu copo vazio, com uma careta. Talvez um Bourbon não seja tão leve para mim.
  – Vou buscar mais no estoque. - o barman ri, e logo se vira atravessando uma porta de madeira.
  Não perco tempo e me levanto indo até o cabideiro. Olho em volta me certificando de que ninguém me olhava. Assim que percebo que todos estão mais preocupados em fazer outras coisas, sorrateiramente pego a jaqueta de couro e o boné, saindo em seguida o mais rápido possível do bar.
  Já do lado de fora, visto a jaqueta, coloco o boné e arrumo os óculos escuros em meu rosto. Mas antes de dar um passo se quer lembro que não conheço essa parte da cidade. Como eu vou sair daqui?
  Avisto um alto motoqueiro pronto para partir, e movida pelo álcool, vou até ele. – Ei, você! - chamo, e ele procura em volta.
  – Posso ajudar, boneca? - ele pergunta com um sorriso cínico assim que me vê.
  – Eu preciso de uma carona até o edifício Hazelwills.
  – Que coincidência, estou indo por aquelas bandas ver a minha garota. - o cara barbudo diz, cruzando os braços.
  – Poderia me levar com você? - pergunto, tentando dar o meu melhor sorriso simpático, mas deve ter saído algo misturado com o álcool.
  – E o que eu ganho com isso? - seu sorriso cresce.
  – Você me leva e eu não conto para sua garota que você estava dando em cima de mim. - tento mudar nossos papéis, mesmo que a chance de eu conhecer a garota dele seja mínima.
  – Gosto do seu estilo. - ele ri e me entrega um capacete. Tiro o boné e jogo no chão – Sou Carl. - ele diz assim que liga sua motocicleta. Subo na garupa passando os braços por seu tronco.
  – . - digo meu nome mais alto devido ao ronco do motor da máquina, e em questão de segundos a motocicleta estava em movimento.
  Não acredito que estou pegando carona com um desconhecido, eu só posso estar louca ou, no caso, levemente bêbada. 

***

  Par minha surpresa não demora tanto e logo me vejo em frente ao grande edifício em que morava cerca de um mês atrás. Desço da motocicleta entregando o capacete para Carl.
  – Obrigada, Carl. Sua garota não ficará sabendo de nada. - digo e ele dá risada.
  – Casa do namorado? - ele pergunta ainda com sua motocicleta ligada.
  – Amiga. - faço uma careta – Não vou demorar. - explico.
  – Eu também não. Vou ver minha garota, fazer o que tenho que fazer e cair fora. - volto a retorcer o rosto em uma careta, e ele ri – Volto para te buscar mais tarde? - parecendo ainda mais absurdo, eu acabo concordando.
  Depois disso vejo Carl sumir em sua motocicleta e atravesso a rua, mas logo tenho que parar no momento em que uma adolescente entra no prédio, me apresso a segurar o portão e entro. Sorrio para mim mesma ao ver que meu pequeno plano deu certo e atravesso o saguão para o elevador.
  – ? ? - uma voz diferente chama meu nome e congelo no lugar, viro lentamente em meus calcanhares para encarar a pessoa à minha frente.
  – Harvey. - digo em um suspiro, aliviada por não ser algum policial ou uma pessoa que me reconheceu.
  – O que a senhorita está fazendo aqui? - faço menção de responder, mas ele continua – A senhorita saiu do sanatório? Já está livre? - ele realmente sorri, transbordando felicidade por mim.
  – Não é bem assim. - caminho até ele.
  – Você não fugiu, certo?! - ele pergunta meio incerto, e devido ao meu silêncio seus olhos se arregalam – Mas isso é errado.
  – Só é errado se alguém descobrir. - falo, mas ele nega com a cabeça, se afastando.
  – Eu não posso fazer parte disso, não quero ser cúmplice.
  – Cúmplice do quê? Eu nunca estive aqui. - sorrio de lado e ele me encara surpreso.
  – Tudo bem. - suspira – Mas vá pelas escadas, há uma câmera no elevador.
  – Obrigada, Harvey. - ele assente e volta para trás do balcão.
  Me dirijo para as escadas e abro a porta contrafogo. 
  Minutos depois estou na frente do 218, respiro fundo antes de bater na porta e logo ouço um "já vai", era a voz da Lana. 
  Meu coração começa a bater de pressa ao ouvir sua voz. Ela está bem.
  – Quem é? - a frase fica no ar quando Lana abre a porta e me encara. Sorrio abertamente para ela e quando me reconhece, seus olhos se arregalam – ?! - assinto sendo envolvida por um abraço caloroso e apertado – Eu não acredito que você está aqui. - consigo sentir a surpresa em sua voz.
  – Eu estou tão feliz de saber que você está bem. - aperto minha amiga mais em meus braços.
  – Sim, nós ficamos bem. - quebramos o abraço.
  – ? - meu coração dispara ao reconhecer uma segunda voz.
  – Connor! - corro em sua direção me jogando em seus braços.
  – O que você está fazendo aqui? Quer dizer... Como? - encaro seus olhos e sinto minhas bochechas doerem de tanto que estou sorrindo.
  – É uma longa história, mas vou contar tudo para vocês, só que antes preciso que Margot e Margaret estejam aqui, você pode chamá-las? - pergunto para Connor e ele assente, se apressando para fora do apartamento.
  No curto espaço de tempo antes das senhoras chegarem, Lana me atualizou dos acontecimentos enquanto eu estava fora, o que não foi muito; ela e Connor não encontraram mais nada relevante sobre o sanatório, apenas disse que ambos tinham se recuperado muito bem do acidente, já que tudo não passou de um susto.
  – Minha jovem! - Margaret parece muito surpresa em me ver – Não acreditei quando o menino Connor disse que você estava aqui. - ela me cumprimenta com dois beijos e logo Margot faz o mesmo.
  Fico um pouco confusa em ver que elas ainda mantêm essa forma velha, já que Connor e Lana já sabem de tudo, mas deduzo que deve ser por conta dos demais moradores do prédio.
  – Ainda estou presa naquele lugar, mas pode sair uma vez por semana e...
  –... Como vocês têm uma ligação, você também sai. - Margot completa minha frase interrompida, e franzo o cenho em confusão.
  – Você sabe?
  – Sim, nós sabemos. - encaro as duas senhoras a minha frente de forma confusa.
  – Como sabem?
  – Quando você pode sair? Tipo, com qual frequência? - Lana interrompe também, tentando mudar de assunto.
  – Eu ainda não sei, mas...
  – Uma vez por semana. - agora é a vez de Margaret me interromper, e a encaro de imediato.
  Como elas podem saber de tudo isso antes de mim? E por que não me contaram? Estou deixando passar alguma coisa aqui.
  – Eu posso sair do sanatório uma vez por semana, então podemos tentar algumas coisas. - Lana e Connor assentem, mas Margot e Margaret apenas trocam olhares rápidos.
  – Seria ótimo se você conseguisse fugir de lá, mas não é tão fácil assim, por isso precisa de aliados. - Margot diz.
  – Aliados? - Connor pergunta totalmente espantado.
  – Sim, você precisa de alguém, tanto fora quanto dentro, que você confie plenamente e que te ajude. - elas esclarecem e penso por alguns instantes.
  – Não acho que ela precise de aliados, ela já tem a gente. - Connor discorda.
  – Querido, ela está no pior lugar, vai precisar de todo tipo de ajuda. Você sabe que ela precisa conviver com esse tipo de pessoa. - Margot repreende Connor tanto em sua forma de falar quanto no seu olhar, algo totalmente novo para mim.
  – Bom, vocês podem procurar algumas informações que me ajudem aqui do lado de fora. - mudo de o rumo de tudo isso tentando amenizar a tensão que se formou aqui.
  – Você só precisa trazer o diário para a gente, ele é muito importante. - Margot diz quebrando o silêncio que se formou.
  – O diário? Mas... - minha cabeça faz de volta todo o percurso até o momento em que o vi pela última vez – Eu o deixei na minha cela embaixo da cama. - lembro de como precisei escondê-lo antes que Ethan visse.
  – Esse será seu próximo passo. - Margaret diz como se já tivesse todo um plano pré-programado em sua cabeça, e isso me deixa intrigada.
  – Só tem um problema, eu não estou mais naquela cela, eu fui mandada para outro lugar. - explico.
  – , você realmente precisa encontrá-lo, ele é de extrema importância. - Margot vem em minha direção, pegando em minhas mãos e encarando meus olhos profundamente.
  Como ele pode ser tão importante se faltam tantas páginas? Aquele monde de devaneios de uma mente louca vai ajudar no quê? Tenho muitas perguntas sem resposta em minha cabeça e isso está começando a me irritar.
  – Os demônios de lá têm o poder de ler minha mente, e quando descobrirem meu plano não vão pensar duas vezes antes de me matar. - Lana e Connor se entreolham quando eu explico minha atual situação.
  – Você tem como bloquear isso, . - Margaret explica, e me viro interessada.
  – Como? - pergunto curiosa pela resposta.
  – Esse "poder", ele é como um botão que você pode ligar ou desligar, quando não quiser deixar sua mente aberta para eles é só "desligar". - ela esclarece como se fosse a coisa mais fácil e simples que existe.
  – O mesmo vale para o ? - pergunto.
  – Não sabemos, a ligação é o elo mais forte que pode existir entre duas criaturas e por ser muito difícil de quebrar, não sabemos até que ponto você pode se proteger dele. - o pensamento de estar eternamente ligada ao faz com que todos os pelos do meu corpo de arrepiem em desgosto.
  – Você precisa apenas se concentrar e pronto. - Margaret diz e estala os dedos para simbolizar como é algo simples.
  Eu realmente espero conseguir fazer isso.
  – , eu preciso ir agora. Hoje é minha vez de fechar a biblioteca. - Connor vem em minha direção depois de checar seu relógio de pulso. –  Boa sorte! Vamos trabalhar duro aqui do lado de fora. - ele segura em meus ombros e me olha diretamente nos olhos e agradeço com um sorriso.
  – Que horas são? - pergunto quando me lembro que também não posso demorar.
  – 19h00. - Connor me responde.
  – Eu preciso ir também. - esclareço – Você pode me acompanhar até lá embaixo, Lana? - pergunto e ela assente, sendo que desço pelas escadas e ela pelo elevador como medida de segurança.
  Quando chego no saguão, Lana já está olhando pela porta de vidro que nos separa do exterior. Nunca estive tão nervosa para contar algo para ela, por isso me apresso ao caminhar até onde ela está e quando chego até minha amiga fico alguns segundos em silêncio até finalmente falar alguma coisa.
  – Sabe o ? - pergunto como quem não quer nada. Na verdade, estou bem perdida, mas quero contar o que aconteceu para ela, Lana é minha melhor amiga e tenho certeza que ela poderá dizer alguma coisa que me ajude com toda essa situação com ele.
  – Aquele que te matou? - ela indaga e faço uma careta, começamos mal.
  – Sim, esse mesmo. - respondo sarcástica – Nós nos beijamos. - falo em meio a um longo suspiro pesado.
  - Você o quê?! - ela me olha totalmente chocada – Como isso foi acontecer? - ela não parece tão surpresa, mas sim chocada por eu ter feito isso.
  Conto tudo para ela, desde os castigos, do sonho real que tive com o e como isso me deixou confusa a respeito dele, até o isolamento e finalmente o beijo. Lana escuta toda a história sem me interromper uma única vez, me deixando apreensiva quando termino de falar.
  – Eu não sei o que dizer sobre isso tudo, . - ela suspira – Talvez isso seja apenas você tentando se apegar a alguma coisa, já que está cercada por aquele tipo de criatura. - ela me olha com pesar – Seus sentimento estão confusos, essa ligação com ele deve ter mexido com você... - ela faz uma pequena pausa e respira fundo – Peço que tenha cuidado. Você sabe exatamente o tipo de criatura que ele é. - ela me olha séria e eu apenas assinto.
  Me sinto reconfortada com suas palavras, elas apenas reforçam tudo que eu já venho pensando. Desde essa ligação tudo entre nós se intensificou, e não digo que foi de forma positiva, Lana tem razão, vivendo em um lugar como aquele eu devo estar tentando me apagar a alguma coisa, mas a realidade é que não tem nada de bom ali dentro para que eu possa fazer isso.
  – Pelo menos ele beija bem? - minha amiga pergunta me fazendo sair rudemente dos meus devaneios para olhá-la com incredulidade.
  – Você não está me perguntando isso, está? - minha voz soa desacreditada e ela dá uma risada.
  – Não adianta disfarçar. Me responde logo, . - ela insiste com um sorriso esperto no rosto, e a única coisa que eu consigo fazer é me calar – Isso é um sim? - ela provoca e eu reviro os olhos.
  – Você deveria me dar um sermão. - digo.
  – Pra que servem os sermões? - ela cruza os braços e arqueias suas sobrancelhas – Você não tem mais doze anos, sabe muito bem o que faz. Eu só quero que tome cuidado com ele e com todos os outros, faça o que você achar melhor, só não ferre com tudo de novo, gracinha. - ela se inclina em minha direção e segura meu queixo entre seus dedos.
  – Não vou. - sorrio de lado para ela.
  – ELLISE! - escutamos alguém gritando do lado de fora do prédio.
  Quando procuramos pelo dono do grito, encontro Carl com sua motocicleta do lado de fora, e faço um gesto através do vidro para sinalizar que eu já estava indo.
  – Quem é ele? - Lana pergunta olhando confusa para o motoqueiro.
  – Vocês não queriam que eu arrumasse aliados? - não posso negar que Carl foi um dos que me veio à cabeça quando as senhoras mencionaram isso. Ele está do lado de fora, isso pode ser bem útil.
  Lana cerra seus olhos em minha direção e depois nega com a cabeça, e solta uma fraca risada. Ela reforça para que eu tome cuidado, e depois disso nos despedimos, e eu vou até Carl.
  – Ellise? - pergunto assim que chego perto do motoqueiro barbudo, que me entrega um capacete.
  – Não era Ellise? - ele me olha confuso, enquanto sento na garupa de sua motocicleta.
  – , Carl! - o repreendo, e ele ri antes de acelerar a máquina de volta para o bar.

Capítulo 27

  Como na ida, a viagem de volta não demorou, e quando menos esperei, Carl já estacionava em frente ao bar outra vez.
  – Obrigada de novo, Carl. - agradeço, enquanto desço da motocicleta e lhe entrego o capacete.
  Ele apenas sorri e assente.
  – Nos vemos por aí, Ellise. - dou uma risada e aceno, vendo sua motocicleta sumir.
  Solto o ar pesadamente antes de me virar e fazer caminho até o bar. O céu já estava escuro e não havia nenhum sinal de movimentação agora, por isso não demoro do lado de fora, e logo estou empurrando a grande porta de madeira, dando de cara com o bar totalmente deserto, nem mesmo o barman estava em seu posto de trabalho.
  E não demora para que um com uma carranca saia de umas das inúmeras portas do bar. Seu olhar cai sobre mim e vejo algumas veias saltarem em seu pescoço, e ele fecha as mãos em punhos.
  – Onde você estava? - eu podia sentir a raiva transbordando em suas palavras.
  Caminho pelo bar ignorando ele, e me inclino sobre o balcão para pegar uma garrafa de uma bebida qualquer, eu já estava cansada disso. 
  – Estou falando com você, . - ele vem em passos apressados até onde estou.
  – Pensei que tivesse me dito para dar uma voltinha. - sorrio sem emoção, antes de levar a garrafa até a boca, tomando um gole da bebida e sentindo a ardência em minha garganta. Isso é realmente amargo, mas para aguentar o temperamento ainda mais amargo, de , só estando de cara cheia mesmo.
  O escuto bufar irritado.
  – Quando você vai parar de ser tão idiota? Você ao menos sabe o que eu estava fazendo aqui?! - ele praticamente cospe suas palavras em mim, enquanto transbordava raiva, o que me deixa em um estado de humor pior do que o dele.
  Eu não ligo para qualquer merda que ele andou fazendo aqui, a única coisa que me lembro foi da maneira estupida como  ele falou comigo.
  – Quer saber de uma coisa?! - eu pergunto irônica. – Você é um maldito cretino que não liga para os sentimentos dos outros. Está tão ocupado com sua cabeça enfiada no seu maldito traseiro que não se importa de pisar ou até mesmo matar quem entrar no seu caminho só para conseguir o que quer. - minhas palavras parecem ter algum efeito nele, mesmo que de forma negativa.
  Minha respiração começa a ficar descontrolada devido a toda minha raiva, algo que vim reprimindo por todo esse tempo com ele, mas que agora sou incapaz de ficar quieta; já estava na hora do ouvir algumas verdades. Não sei qual é o tipo de garota com que ele está acostumado a lidar, mas eu definitivamente não vou deixar um cretino falar assim comigo.
  – Eu já estou cansada da maldita maneira que você me trata, . - o encarando profundamente para que ele veja a veracidade em minhas palavras. – Estou cansada de você sempre fazer esses joguinhos comigo. Eu não sou a porra de uma boneca que você usa só quando lhe convém! - faço gestos exagerados com as mãos, fazendo com que o conteúdo da garrafa caia sobre o chão. – E o pior é que eu não posso fazer nada porque eu tenho a porcaria de uma ligação com você, e eu odeio isso. Eu odeio estar aqui, eu odeio ter que ficar do seu lado. - vejo seu maxilar trincar de raiva. – Fui estúpida o suficiente por achar que em algum momento você, o meu assassino, poderia demonstrar nem que fosse um pingo de empatia por alguém. - ele se mantinha quieto, não ousava dizer nada. – Eu estava errada, você não tem jeito. Arruinou a sua a vida e depois fez o mesmo com a minha, e até hoje eu me pergunto o porquê. - movida pela comoção de minha raiva jogo a garrafa de vidro no chão, escutando ela se quebrar em vários pedaços. – E sabe o que eu mais odeio? - dou uma risada sem humor. – Odeio o fato de que toda vez que eu estou perto de você, eu me sinto estranha. - me aproximo dele parando a sua frente, não me deixando intimidar por seu tamanho sobre mim. – E isso é tudo culpa sua. Eu te odeio, ! - digo com toda a minha raiva.
  A expressão de pegava fogo, e eu podia até arriscar a dizer que nunca o vi com tanta raiva assim. Constato minha hipótese quando ele agarra meu braço de maneira rude e me puxa para perto dele, mas não deixo que ele se imponha sobre mim, já que puxo meu braço  de forma ainda mais rude, para depois agarrar na gola de sua jaqueta e o puxar para mim.
  – Não. - falo entre os dentes, enquanto encaro profundamente seus olhos verdes.
  – Já que você falou, acho que também tenho o direito, certo?! - ele tira minhas mãos da gola de sua jaqueta, e dá um sorriso sem humor. – Aquela que estava comigo era Nathália. - mesmo estando com raiva, não deixo de arregalar os olhos minimamente. – Eu sabia que você poderia ferrar tudo com toda essa sua benevolência e humanidade de merda. - ele dá outro sorriso sem humor.
  – E a melhor solução que você achou foi me tratar daquela forma? - pergunto sarcástica.
  – E o que você queria? Flores e elogios? - ele leva suas mãos até os cabelos, passando os dedos pelos fios de forma irritada.
  – Você é um idiota, não adianta tentar conversar com você. - nego com a cabeça e me viro para sair do bar, mas ele me barra, agarrando meu pulso e me impedindo.
  O escuto suspirar pesadamente, mas não olho para .
  – ... - ele fala com pesar na voz, mas ainda sei que ele está irritado. –... me desculpe. - meu corpo paralisa, e até minha raiva entra em estado de paralisia quando escuto essas palavras.
  Como assim? está me pedindo desculpas? O que está acontecendo aqui?
  Antes que eu possa questionar ele sobre esse comportamento estranho, o barulho da porta do bar sendo empurrada me distrai.
  – Eu pensei que era especial pra você, docinho. - a voz feminina daquela que eu menos queria ver agora oscila entre as paredes de madeira do bar.
  – Nathália. - diz ríspido e solta meu pulso.
  A loira estava parada na entrada do bar, e ao seu lado estava um homem não muito mal alto que ela
  – Que decepção, , achei que gostasse de mulheres, não de garotinhas do ensino médio. - ela me olha cinicamente. – Essa garotinha parece sua irmã mais nova. - sinto toda minha raiva estabilizada voltar em meros segundos. 
  Aperto os olhos para a loira, pronta para revidar suas ofensas, mas minha atenção é virada para o cara ao seu lado, provavelmente Tom, que pega em um dos tacos de sinuca e o quebra ao meio com o auxílio de sua perna, jogando a outra metade para Nathália.
  Os dois começam a andar em nossa direção.
  – Para trás, . - manda, e eu encaro seu rosto de perfil. – Agora, . - sua voz se torna mais baixa e ríspida, mas não o obedeço, me posicionando ao lado de ; ele respira fundo com os olhos fechados, claramente irritado por não o obedecer.
  – Nós poderíamos resolver isso da forma pacífica, mas acho que não sou muito pacífico. Você é, Nath? - Tom pergunta para a loira, sem tirar os olhos de nós.
  – Não mesmo.
  – Você não gostaria de se livrar do maldito Arthur, e de se vingar por ser trocada por uma garotinha do ensino médio? - ele faz um movimento estranho com o pescoço.
  – Ah, com certeza. - ela responde, e ouço a respiração pesada de ao meu lado.
  – ENTÃO MATE ELES! - Tom grita e Nathália corre em minha direção com a ponta do taco pronta para me atingir, mas sou mais rápida ao desviar e ela acaba acertando o chão.
  – Vamos, docinho, não dificulte as coisas. - ela diz entre um sorriso, enquanto se levanta e se vira para mim. – Eu não costumo brigar com garotinhas do ensino médio, então me deixe fazer isso de forma rápida para nós duas. - ela finaliza e tenta me acertar mais uma vez, mas meu extinto parece afiado hoje, e por pouco o taco não acerta meu rosto. 
  Seu rosto fica surpreso e aproveito para puxar o taco e acertar um soco em seu maxilar a fazendo cair de costas no chão. Encaro meu punho fechado com certa surpresa, eu nem ao menos sabia que podia ser tão forte, ainda não me acostumei com isso, mas meu corpo continua agindo em modo automático.
  Um barulho alto chama minha atenção, e quando olho em volta pelo bar, vejo que Tom joga sobre uma mesa de madeira, quebrando-a.
  – ! - chamo por ele, mas sou empurrada para trás com força e quando recupero minha atenção, vejo que Nathália segura meu pescoço contra a parede apenas com o antebraço e usa sua outra mão para pegar um dos tacos encostados na parede ao meu lado.
  – Foi ótimo conhecer você, garotinha do ensino médio. - a loira sorri antes de tentar pressionar o objeto em meu peito, mas reverto a situação dando uma cabeçada em seu rosto, fazendo com que ela cambaleie para trás, deixando o taco cair. 
  Fico tonta por alguns segundos, antes de pegar no fino objeto de madeira, e empurro Nathália contra a parede, pronta para acertar ela, mas no último segundo a mesma desvia, fazendo com que o taco atinja seu ombro.
  – Droga! - ela grunhiu de dor, e deslizou até o chão com as mãos sobre a área atingida, deixando um rastro de sangue pela parede. Ela retira o taco de sua pele, mas não espero que ela se recupere e chuto seu corpo para longe de mim.
  Me assusto quando o corpo de Tom é arremessado e dou alguns passos para trás vendo aparecer, ele apenas tem alguns cortes em seu rosto. O mesmo levanta Tom pela gola de sua jaqueta de couro e o arremessa contra o chão com grande brutalidade. A cabeça de Tom tomba para o lado em que estou e vejo que seus olhos estão quase se fechando, mas não parece se importar, pois começa a chutar a cabeça do homem já desacordado, formando uma poça de sangue ao redor.
  Desvio meu olhar incomodado com a cena e meus olhos param em Nathália no momento em que ela se prepara para atingir com uma cadeira.
  – ! - grito, e corro para tentar impedir, mas ele se vira para a loira antes que a cadeira o atinja.
  Ele segura o objeto de madeira e o joga para o outro lado, pegando Natháia pelo pescoço e levantando-a acima de sua cabeça com apenas uma mão. Ela o encara assustada e tenta tirar as mãos dele, mas o aperto de aumenta e seu rosto se torna roxo; ele a joga contra a parede ao meu lado, e o olho sem saber o que fazer.
   volto sua atenção para Tom, e chuta seu estomago fazendo com que ele cuspa uma grande quantidade de sangue.
  – Você vai matá-lo? - pergunto com receio de qual poderia ser a resposta.
  – Sim, e você vai fazer o mesmo com ela. - o moreno olha para Nathália com desprezo, e joga um taco para mim. Pego com as mãos trêmulas, e antes que eu pudesse perguntar qualquer coisa, esmaga o crânio de Tom contra o chão.
  Levo minhas mãos a boca, totalmente chocada e assustada com que acabei de ver, e me encara com seus olhos negros e a respiração ofegante.
  – Mate-a. - sua voz está muito mais rouca que o habitual e sinto um arrepio correr pela minha espinha. – Agora! - diz entre os dentes e assinto, mas sem ter muita convicção no que estou prestes a fazer.
  Nathália se revira no chão tentando se levantar, e coloco um pé sobre seu peito, a imobilizando. Seus olhos assustados encontram os meus e vacilo por um segundo, quase voltando para minha posição inicial, mas a voz de me dizendo para seguir em frente, me faz continuar.
  – Por favor... - ela suplica e eu vacilo outra vez. Por mais que tenha matado antes para me alimentar, eu não posso me acostumar com isso.
  Fecho os olhos e levanto o taco no ar, ficando algum tempo daquele jeito, tentando criar coragem, até sentir um par de mãos grandes sobre as minhas, impulsionando as minhas para baixo. Quando volto a abrir os olhos vejo o taco atravessado contra o peito de Nathália, que agora estava morta. Me viro, vendo que as mãos que estavam sobre as minhas eram as de , como eu já sabia.
  A realidade me corrói por dentro, me fazendo ficar doente, e por isso abaixo minha cabeça sentindo meus olhos arderem. E uma das piores coisas sobre isso é a maneira como me sinto, a satisfação de ter conseguido sobreviver a mais um inimigo é muito maior do que a dor que sinto, e isso só faz a culpa dentro de mim ficar ainda maior.
  – . - escuto a voz de e levanto meu olhar até ele. – Você está bem? - ele fica ali parado me encarando, e única coisa que sou capaz de fazer é assentir. – Não precisar ficar se remoendo em culpa, as coisas são assim, a vida é assim, todo mundo nasce e morre. - fico em silêncio. – Isso é besteira, apenas vamos embora. - ele pega em minha mão.
  Ele aperta firmemente minha mão e se contra para poder nos levar de volta até o sanatório, e no exato momento em que as coisas ao nosso redor começam a se desmaterializar eu posso escutar com clareza sua última frase no bar "não formamos uma boa dupla", eu apenas sorrio sem humor já sabendo que isso era verdade.

***

  Não demora muito para que retornemos até Waverly Hills. Tinha me esquecido de como esse lugar é assustador à noite, já que é iluminado por apenas algumas pequenas luzes nas laterais.
   empurra a grande porta de madeira e entramos no edifício, alguns enfermeiros transitam pelo saguão principal, mas nenhum deles parece nos notar. Fico esperando que um dos guardas que vigiam a porta chame Ethan ou algum outro guarda para nos levar de volta ao isolamento, mas isso também não acontece.
  – Quando se tem um bom comportamento por tanto tempo, as coisas ficam bem favoráveis para você aqui dentro. - diz, e tenho vontade de me bater por ter esquecido do que Margaret e Margot me disseram sobre bloquear meus pensamentos.
  Fecho os olhos inspirando e expirando profundamente, e quando volto a abri-los, está me olhando de forma confusa. Acho que pode ter dado certo, mas de qualquer forma ele nega com a cabeça antes de me puxar pela mão escada acima.
  Atravessamos o corredor de celas e algo em minha cabeça estala, me lembrando que tenho de arranjar um jeito para pegar o diário de volta na minha antiga cela.
  Viramos esquerdas e direitas até chegar em frente à uma porta automática, que só precisou de um aceno de para ser aberta; e lá estávamos, isolamento, mais precisamente na sala de recreação, onde , Mad e Brooklyn estavam reunidos jogando alguma coisa. Contudo, no momento em que pisamos para dentro da divisão, todas as atenções foram voltadas para nós dois e não pude deixar de notar a forma que Brooklyn encara minha mão e a de .
  – , você voltou! - Mad diz animada e corre em minha direção com um grande sorriso, me fazendo soltar a de e me abaixar para ficar da sua altura, ela me abraça.
  – Brook, onde você vai? - olho para ao ouvir sua voz e vejo que Brooklyn empurrar a cadeira com força antes de se levantar e sair da recreação.
  – Acho que ela está com ciúmes do seu namoradinho. - Mad sussurra e ri, cobrindo a boca com mão.
  – Mad! - a repreendo, e ela encolhe os ombros, ainda tapando sua boca com a mão.
  – Vem jogar com a gente, . - ela me puxa e percebo que ficou nos observando o tempo todo sem sair do lugar. – Você também, . - ela dá a outra mão para ele, também o puxando.
  Ela me leva até onde está concentrado em um jogo de tabuleiro. – Oi. - cumprimento e ele sorri, voltando sua atenção ao jogo.
  Mal tenho tempo de sentar, quando vejo alguns guardas entrarem pelo isolamento seguidos de Arthur. fica tenso ao meu lado e Mad se esconde atrás da mesa.
  – . . - ele cumprimenta e dispensa os guardas. – Preciso falar com vocês, o restante pode sair. - Arthur ordena, e troca um olhar aflito com , mas o mesmo assente como se dissesse que está tudo bem, e o loiro leva Mad para fora.
  – , meu filho, tenho que lhe parabenizar por ter se mostrado tão eficaz novamente. Aprecio muito tudo o que você faz por mim, e não pense que não será recompensado. - Arthur fala, mas sequer parece estar prestando atenção. – E quando a você, ... - fico tensa ao notar que sua atenção está voltada para mim agora, e quando sinto a mão de sobre a minha embaixo da mesa fico ainda mais tensa. –... também aprecio muito o fato de você não ter fugido ou  não ter tentado qualquer outra medida suicida enquanto esteve fora, isso mostra que sair uma vez por semana não vai ser um problema tão grande quanto pensei. - fico sem saber o que responder.
  Isso foi uma tentativa de elogio? Eu realmente não entendo esse cara.
  – Agora vão tomar um banho, vocês estão imundos. - Arthur fala sério, e não deixo de notar que ele muda de humor tão facilmente quanto o , me fazendo duvidar cada vez menos que eles são pai e filho de verdade.
  E está aí outra coisa que nunca entendi, lembro de Gemma dizer que era como um filho para Arthur, mas por quê? Talvez seja uma das muitas coisas que eu não consigo achar uma resposta.
Logo Arthur vai embora, e troco um olhar rápido com que estranhamente está muito calado, mas deixo passar, ele só deve estar cansado ou qualquer outra coisa. Por isso vou para minha cela pegar um novo macacão limpo, e depois vou até o banheiro.

***

  Durante o curto caminho entre a minha cela e o banheiro, começo a pensar em tudo o que vem me acontecendo. Quando eu finalmente vou me acostumar com tudo isso? A resposta parece meio óbvia, nunca; como se o fato de viver uma vida sobre humana e ter que matar pessoas pelo caminho fosse algo fácil de se digerir. Minha cabeça anda muito abarrotada ultimamente.
  Eu sempre fui uma pessoa que achava o silêncio no barulho, a calmaria na correria, a paz no agitado. O barulho era o meu silêncio, ele me tranquilizava, mas os meus pensamentos estão esmagando minha sanidade e me deixando desnorteada, quanto mais eu penso sobre tudo isso, mais instável eu me sinto aqui dentro.
  Suspiro derrotada antes de empurrar a porta do banheiro, vendo que lavava suas mãos na pia. Quando sou notada, ele apenas me observa por alguns segundos.
  Caminho até a pia também, colocando meu macacão sobre o balcão dela.
  – Qual o problema? - a voz de capta minha atenção e me faz encará-lo. Ele enxugava as mãos em sua toalha.
  – Nada. - dou de ombros.
  Ele solta uma risada sem humor e nega com a cabeça.
  – Sabe, . - ele começa a dizer e mantenho o foco nele, querendo saber onde isso iria dar. – O seu problema é que você se preocupada demais, dá importância demais para tudo. - me remexo desconfortável dentro da minha própria pele.
  – O que você quer dizer com isso? - o questiono sobre tudo essa conversa estranha.
  – Eu estou dizendo que você precisa relaxar um pouco. - ele apoia uma de suas mãos sobre a pia, me fazendo encolher em resposta. Logo em seguida ele se inclina para perto de mim. – E eu posso te ajudar a relaxar. - me inclino para trás, totalmente pega de surpresa.
   levanta sua outra mão e a leva até o meu cabelo, colocando ele para o lado e deixando meu pescoço exposto, depois ele passa a ponta dos dedos pelo local me fazendo encolher no lugar. Em seguida ele sorri e se aproxima mais de mim, enquanto eu me inclino para trás; como resposta ele tira sua mão da pia e a outra do meu pescoço, endireita sua posição e dá alguns passos para perto de mim, sinto minhas costas se encontrarem contra a pia assim que ele para em minha frente. Seus dedos passeiam pela lateral do meu rosto, enquanto seus olhos cobrem cada parte do meu rosto;  leva seus dedos até meu queixo e segura o local suavemente antes de aproximar seu rosto do meu e selar meus lábios com os seus, mas apenas em um selinho demorado.
  Depois ele afasta seu rosto do meu.
  – Acho que eu não te relaxei. - diz e se afasta de mim, indo até a porta do banheiro, enquanto me deixa totalmente paralisada no lugar ainda surpresa com o que acabou de acontecer.
  Quando abre a porta do banheiro posso ver a figura de do lado de fora, com a mão levantada pronto para abrir a porta. O loiro olha para e depois para dentro do banheiro, e sua expressão se torna confusa quando me vê.
  – O que vocês estão fazendo em um banheiro sozinhos? - ele olha totalmente desconfiado para .
  – Nada. - responde.
  – Você acha que eu sou besta, ?! - estreita seus olhos para o mais velho, que em resposta passa para fora do banheiro, sumindo pelo corredor, mas o loiro vai atrás, enquanto continua falando. – Você não faz nada indecente com ela não, viu, ? Eu estou de olho em você. - escuto falar do corredor e responder um "cale a boca".
  Fico ali parada no mesmo lugar, e quase rio do que disse, ele era estranho e engraçado ao mesmo tempo, quase me fazendo acreditar que posso confiar nele.
  Suspiro alto quando volto a pensar no . Como as coisas vão ser a partir de agora?
  E como uma resposta para minha pergunta mental, as luzes do banheiro começam a piscar. Me endireito não sabendo o que estava acontecendo e, para minha infelicidade, as luzes se apagam de vez e quando tornam a se acender, vejo aquela criatura do meu sonho me encarando.
  Meus olhos se arregalam e meu coração salta em meu peito, mas antes que eu possa fazer alguma coisa, as luzes voltam a se apagar, se acendendo segundos depois.
  – O quê?! Então era você?! - minha voz sai em espanto, enquanto aqueles inesquecíveis olhos azuis me encaram.

Capítulo 28

  Bem diante dos meus olhos, vejo aquela criatura se transformar no cara alto, loiro e de olhos azuis que estava no meu 'sonho'.
  – . - ele sorri enquanto seus olhos vidrados não desviam de mim.
  – Quem é você? - pergunto enquanto desço da pia e vou para o lado em direção porta, pronta para correr caso fosse necessário.
  – Sean. - ele dá passos em minha direção, mas ergo uma das mãos o impedindo de se aproximar enquanto recuo. – Não vou fazer nada com você. - o homem misterioso revira os olhos.
  – Sério? - uso um tom irônico ao lembrar da noite passada.
  – Apenas foi uma forma peculiar de chamar sua atenção, eu estive esperando por muito tempo para conseguir me encontrar a sós com você. Estou aqui para te ajudar. - um pequeno sorriso pinta seu rosto.
  – Você poderia ter sido menos estúpido, não concorda? - cruzo os braços, o vendo tentar se aproximar outra vez. Agora não recuo.
  – Eu tentei ser menos estúpido - ele sorri de lado e leva sua mão até meu rosto, deslizando a ponta dos dedos pela lateral. Seu olhar se abaixa em meu rosto, e não sei ao certo para o que ele está olhando. – Seu sonho, lembra? - sua voz sai mais baixa enquanto seu olhar se ergue e encontra o meu.
  Apenas assinto, não conseguindo dizer nada. Era estranho e hipnotizante ao mesmo tempo.
  – Você é continua incrivelmente linda. - seu olhar fissurado me causa extremo desconforto.
  – Ahn... Você quer me ajudar exatamente no quê? - dou passos para o lado saindo de perto dele, e me viro de costas tomando fôlego. Apoio minhas mãos sobre a pia e encaro o mármore cinza.
  – Acabar com o Arthur. - seu tom de voz muda, se tornando mais severo e frio. Meu olhar logo se ergue, encontrando o seu através do grande espelho à minha frente, e posso ver um brilho estranho surgir em suas írises. – Eu vou te ajudar a acabar com aquele maldito, . - rapidamente me viro, o encarando confusa.
  – Me ajudar? Eu nem conheço você. - meu cenho se franze. – Acabei de descobrir que você estava me perturbando e invadindo os meus sonhos, e agora aparece do nada para dizer que vai me ajudar a acabar com o Arthur? Como vou saber se posso confiar em você? - sei que meu olhar está severo enquanto vou até ele, parando rente a sua alta imagem. – Que eu saiba, você pode muito bem ser uma das marionetes dele querendo me enganar. - não vejo um pingo de emoção em suas feições, nada que possa me dar uma pista sobre suas reais intenções.
  Fico parada esperando por uma resposta que não vem, o que acaba me irritando em um embotamento de ansiedade, por isso acabo bufando alto e me virando para ir embora.
  – Sou um antigo paciente do Waverly Hills. Já passei por coisas horríveis aqui dentro. - o sinto agarrar meu braço na tentativa de me parar, mas seu tom sério e suas palavras chocantes fazem isso antes. – Fui um dos que tentaram se virar contra Arthur. - um dos que tentaram se virar contra o Arthur? Mas do que ele está falando? - E depois de toda essa merda, eu voltei diferente deles. Arthur sabia que eu era o único capaz de acabar com a sua 'segunda vida', e por isso me trancou em uma cela especial debaixo do porão. O mesmo lugar onde você teve a impressão de ter me visto pela primeira vez. - sua mão em meu braço é um auxílio para me virar de frente para ele.
  Sean solta um longo e pesado suspiro.
  – Mas eu escapei, foi fácil para mim. Então eu soube que você estava de volta, . - e aqui estava outra vez seu olhar penetrante que me causa desconforto. – Vi o que ele está tentando fazer com você, e a maneira baixa com que Arthur está jogando. - ele para de falar por um momento e leva suas duas mãos até os meus ombros. – Por isso você precisa se juntar a mim. - ele aperta de leve meus ombros.
  – Mas por que eu? - a cada segundo que passa me sinto ainda mais tonta por toda essa confusão.
  – Você é o centro de tudo, uma das chaves importantes... - ele faz uma pequena pausa ocultando sua próxima fala. –... por favor, apenas confie em mim. Existem coisas das quais você precisa descobrir sozinha ou tudo saíra do controle. - mesmo que eu esteja cada vez mais imersa em conflitos internos, eu consigo ver a sinceridade transbordando em seus olhos.
  – Arthur faz o mesmo que você, apenas me joga um monte de charadas, mas não explica nada. - levo minhas mãos até as suas, e as retiro de meus ombros, – Estou cansada disso. - falo exasperada.
  – Eu sei que está, , mas não podemos te contar nada, e nem conseguimos. Apenas existem coisas que vão além da nossa compreensão, e tentar segui-las da maneira errada só trará mais caos. - nesse ponto sua voz já se tornará desesperada. – Imagino como é frustrante não ter uma resposta concreta, mas eu acho que posso te ajudar a seguir o caminho das suas respostas, assim vocês as têm, e não quebramos nenhuma regra no final.
  – Por que você faria tudo isso por mim? - por mais que seus olhares e palavras soassem sinceros, eu ainda me sentia receosa.
  – Porque nós somos iguais e acho que os anjos caçadores devem se ajudar. - meus olhos arregalam junto com suas palavras.
  – Você também é um anjo? Como? - pergunto totalmente incrédula.
  – Sou a única pessoa que sabe como acabar com Arthur, isso é algo predestinado. Eu simplesmente não poderia ser igual a eles, e por isso aquele maldito me prendeu por tanto tempo. - Sean passa a mão pelos fios loiros de forma nervosa, exatamente como costuma fazer nesse tipo de situação conflitosa.
  Por um momento cogito a hipótese de que ele esteja falando mesmo a verdade, já que posso sentir o ódio cada vez que ele menciona o Arthur.
  – Como eu vou saber se posso confiar mesmo em você? - a hipótese de ter alguém igual a mim aqui dentro era tentadora, porém tenho que me manter cautelosa até o fim.
  – Não vai. - Sean fala mais suavemente agora, muito diferente de segundos atrás. – Você nunca vai saber se pode confiar em mim, , é um risco que você tem que correr... mas a vida é feita de riscos. - ele se recompõe, arrumando a postura.
  – Você nunca vai saber se pode, de fato, confiar em mim; pelo menos não até tentar fazer isso. - outra vez sua mão volta a tocar meu rosto, e dessa vez não o rejeito. – Eu preciso muito de você, sempre precisei. - seus olhos correm por cada centímetro do meu rosto. – Mas não se preocupe, você não precisa me dar uma resposta agora. - seu polegar desliza sobre meu queixo, para que, em seguida, ele se afastasse de mim, indo em direção à porta.
  – O quê?! - franzo o cenho, não entendendo o que aconteceu.
  – Vamos. - ele diz da porta. – Acho que você tem ordens claras para ir até o refeitório. - Sean, o misterioso, estende uma mão para mim, e vejo isso como algo mais simbólico do que um simples gesto.
  Era o seu convite para me juntar a ele de uma vez.
  – Você não pode ir, eles vão ver que escapou. - momentaneamente um estalo surge em minha mente, me fazendo dizer o que era óbvio.
  – Não se preocupe com isso, apenas venha comigo. - ele mantém sua mão entendia para mim, da qual eu passo algum tempo encarando.
  Será que seria um equívoco confiar nele? Sean não me parece muito confiável, mas algo dentro de mim insiste em pular de cabeça nessa ideia e ver até onde iria dar. Eu preciso de aliados, realmente preciso, e Sean está aqui na frente, disposto a me dar a liberdade que eu tanto quero.
  Eu me sinto perdida, me sinto impotente e sem saber o que fazer, cheia de dúvidas e coisas dais quais aparentemente preciso descobrir sozinha, não posso ficar nesse lugar para o resto da minha vida, não posso ficar com essas pessoas, eu tenho uma vida, uma família e amigos. Seria de extremo egoísmo os manter comigo nessa situação, por isso eu preciso sair dela o mais rápido possível.
  . A pessoa da qual me colocou nessa situação, e a primeira que surge em minha mente quando penso em fugir de tudo isso: eu quero ficar longe dele? Essa é a pergunta. Eu realmente quero? Eu não sei. Não tenho certeza, apesar de saber que devo ter. Ele trouxe tudo isso para minha vida, a culpa era dele, não posso ser burra e deixar que uma oportunidade como essa passe por mim apenas por ter sentimentos confusos por quem não deveria.
  Com um longo e cansado suspiro, eu afasto essas dúvidas e pensamentos de minha mente enquanto caminho em direção à minha possível passagem de ida para longe do inferno. Pego na mão de Sean, que abre um sorriso satisfeito. Depois ele me puxa delicadamente para fora do banheiro e começa a nos guiar pelos corredores, fazendo o conhecido caminho até o refeitório, e logo que pisamos para dentro do mesmo, encontramos uma mesa repleta de rostos conhecidos.
  O primeiro a nos notar é , que se mostra totalmente espantado, literalmente quase caindo da cadeira em que estava sentado. Brooklyn é a segunda, e essa me olha estranhamente, mas não perco meu tempo tentado entender essa garota. Por fim, temos ele. Quando meu olhar encontra o de , sua expressão se torna um misto de surpresa e ira, e não demoro muito ao perceber que esse olhar tenebroso na verdade era para Sean.
  Espio de canto de olho a figura loira ao meu lado, que devolve o olhar de na mesma intensidade. E de repente me vejo no meio de um fogo cruzado. Azul contra verde.
  Os dois mantêm olhares pesados, nenhum dando o braço a torcer, deixando todo o ambiente tenso, e por isso tento buscar ajuda de alguma forma. Meus olhos logo procuram por , e o vejo amparando Mad que estava escondida debaixo da grande mesa de metal, e só agora fui capaz de notar sua pequena presença.
  Faço menção de chamá-los, mas um barulho estridente me interrompe, e assim que procuro pelo potencial barulho, percebo que se trata de um extremamente enfurecido caminhando em direção a Sean.
  – O que você pensa que está fazendo, seu merda!? - já chega empurrando Sean para trás, mas o loiro sequer cambaleia, fazendo meus olhos se arregalam quando tenho a impressão de ver um vislumbre de escuridão em suas íris azuis. - Me responde, porra! - levanta a voz, e busco os guardas com o olhar, esperando que eles intervenham, mas todos parecem amedrontados demais para isso.
  Minha respiração trava na garganta quando pega Sean pela gola do macacão e o empurra contra a parede mais próxima em um movimento tão rápido que quase não consigo acompanhar.
  – O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI!? - a voz autoritária de Arthur ecoa pelo refeitório instantaneamente, fazendo um silêncio encobrir tudo.
  Sean aproveita a deixa para se desvencilhar do mais alto, enquanto Arthur encara à espera de uma resposta. E seus olhos precisam apenas de mais alguns segundos para notarem Sean, o fazendo pela primeira vez em todo esse tempo que estive aqui, perder sua compostura:
  – O que diabos você está fazendo aqui?! - nunca vi Arthur tão irritado antes.
  Vejo uma pequena movimentação do outro lado, e quando me viro vejo fechar as mãos em punhos, e me direciono para seu lado afim de acalmá-lo de alguma forma. Eu não sei que situação é essa, mas tentar amenizar de alguma forma parece a melhor escolha.
  – Eu, por acaso, falei que você podia sair daquela maldita cela? - o tom de voz de Arthur se torna baixo e ameaçador.
  – O que foi Arthur? Está com medo de me deixar solto porque sabe que eu posso acabar com o seu planinho? - Sean fala com convicção, desafiando Arthur.
  Ele deve ter ficado muito tempo naquela, já que, ao contrário de todos, parece não temer ou Arthur, ou simplesmente é um idiota mesmo. Considero a segunda hipótese, o admirando por se impor contra eles, já que minhas tentativas foram todas falhas, principalmente contra Arthur.
  – Isso basta. - Arthur rosna entre os dentes. – Você. - aponta para Sean – Na minha sala agora! - ele ordena e some em uma cortina de fumaça negra.
  Fico totalmente chocada com o que aconteceu, e decido por ir até as celas, na tentativa de ficar um pouco sozinha e assimilar tudo o que aconteceu para que eu possa fazer algo.
  – Onde você pensa que vai? - pergunta rispidamente, me fazendo encará-lo, vendo sua cara de poucos amigos.
  Ele segura em meu pulso e me leva até um lugar mais afastado dentro do refeitório. Não faço a mínima ideia do que existe entre ele e Sean, ou se realmente existe alguma coisa. De qualquer forma, eu não tenho nada a ver com isso.
  – HEIN!? - volto a realidade notando que não prestei atenção em nada do que ele disse.
  – Ahn? - resmungo, o vendo respirar fundo.
  – O que você estava fazendo com aquele cara?
  – Por que quer saber? - respondo com outra pergunta e ele bufa, fechando os olhos. Ele está se controlando.
  – Fique longe dele. - diz baixo para que apenas eu escute.
  – Você não pode dizer com quem eu devo ou não conversar. - falo e ele me dá as costas, caminhando para o lado oposto, mas depois de alguns passos ele volta de novo.
  – Apenas faça isso, tudo bem? Apenas faça. Fique longe dele, é para o seu bem. – diz, olhando fundo em meus olhos enquanto segura meu rosto com ambas as mãos, trazendo-o para perto do seu.
  Eu escolhi confiar em Sean e ver se ele está mesmo falando a verdade, então é melhor não contar nada para .
  – Não posso prometer isso. - dou de ombros tentando soar natural.
  – Porra, ! - suas mãos caem de volta ao lado de seu corpo e ele me olha derrotado, negando com a cabeça. E observo quando ele passa pelas mesas e some porta afora sem olhar para trás, me fazendo encostar na parede atrás de mim, suspirando.
  Caramba, . Nós damos um passo para frente e dois para trás.
  Fecho os olhos e conto até dez, frustrada, pois quando acho que minha vida estava entrando nos eixos, tudo vira de cabeça para baixo outra vez e o pouco que consegui construir, desaba aos meus pés. Abro meus olhos e a primeira coisa que vejo são pequenos cachinhos loiros me encarando de forma curiosa do outro lado do refeitório.
  Sorrio e me dirijo até lá sendo recebida por um grande sorriso de Madeline.
  – Oi, Mad - saúdo-a – o que você estava fazendo embaixo da mesa? - pergunto e seu sorriso some instantaneamente.
  – E aí, . - cumprimenta, desviando minha atenção.
  – Oi - sorrio para ele, mas não sou retribuída – o que está acontecendo? - pergunto olhando para todos, até para Brooklyn, que encara suas unhas como se estivesse cansada de estar ali.
  – Vocês viram o que aconteceu entre o e Sean? - parece que vi Mad estremecer quando pronunciei "Sean", mas pode ter sido apenas impressão minha. – Vocês sabem o que há entre eles? - mais uma vez não obtenho resposta alguma – Certo... Ahn... pelo menos vocês conhecem o Sean? - olha para Brooklyn, mas ela não está prestando atenção.
  – Antes de todos nós voltarmos à vida, e Sean já não se davam bem, viviam se estranhando e antes de você perguntar o porquê, já vou deixar bem claro que eu não sei, tá legal? - assinto, faminta por mais informações e um tanto surpresa por ele estar realmente me contando – E logo depois que o morreu, acho que um ou dois dias depois, não sei direito, Sean morreu também. - sinto um arrepio ao ouvir sobre a morte de – Sean não tinha dado as caras até agora, por isso todos ficaram surpresos. - em nenhum momento me encarou, ele parecia desconfortável, quase me fazendo não acreditar em nada do que ele disse.
  – Certo, mas o que isso tem a ver? Eles não se gostavam, morreram por dias de diferença e agora continuam se estranhando? - pergunto desconfiada.
  – Escute, o está exagerando completamente. Sean não é um cara ruim, ele só o trata assim por birra do passado. - para minha surpresa, quem responde é Brooklyn.
  Algo está diferente, todos estão agindo de maneira suspeita; está extremamente irritado, mas de alguma forma parece que está se controlando para não explodir comigo, está nervoso demais e parece estar mentindo, Brooklyn ficou um pouco mais amigável respondendo uma pergunta minha, e sem falar em Madeline, que ficou totalmente amedrontada com tudo isso.
  – Você está bem? - por ora me contento com o que Brooklyn diz, e volto minha atenção para Madeline, colocando minhas mãos sobre seus pequenos ombros a fazendo saltar assustada. – O que está te deixando assim? - passo a mão pelos seus fios loiros de sua cabeça.
  – Nada. - sussurra.
  – VOLTEM PARA AS CELAS! - um dos guardas grita em meio à confusão que se formou e Madeline rapidamente levanta, sumindo, sem me dar a chance de questioná-la outra vez.
  , Brooklyn e eu nos levantamos e caminhamos em direção à grande porta dupla do refeitório, notando que os guardas seguiam pelo corredor, passando pela porta de metal e nos deixando completamente sozinhos no isolamento. Rapidamente passo pelas celas não achando nenhum sinal de . Eu realmente preciso falar com ele, não podemos ficar nessa situação, por isso tento procurá-lo na recriação, sem sucesso.
  – Ele deve estar na segunda sala depois da enfermaria. - sinto a mão de sobre meu ombro. Me viro o vendo dar um pequeno sorriso. Agradeço e vou até onde ele disse.
  Me apresso pelos corredores outra vez e não demoro muito para chegar no local indicado. Respiro fundo antes de girar a maçaneta, e assim que abro a porta, vejo em frente a uma enorme janela de vidro que ia do teto ao chão, dando vista para floresta escura à sua frente. A sala era vazia e não havia vestígio de nada ali.
  Com cuidado, fecho a porta atrás de mim fazendo com que olhe por cima dos ombros para depois voltar sua atenção para a grande janela.
  – ? - chamo, dando passos incertos até ele, que não responde. Paro ao seu lado encarando a densa e extensa floresta através do vidro – Você está irritado comigo? - encaro seu perfil.
  – Estou. - ele dá uma breve olhada para mim.
  – Por quê? - pergunto, atraindo sua atenção de vez para mim – Por que, ? Só porque eu não vou fazer o que disse? Você sabe que não tem esse direito. - suspiro, o vendo me analisar de maneira indecifrável – Eu não quero ficar assim com você, não quero que toda essa situação ruim fique ainda pior. - mesmo tendo que ficar longe dele tudo nesse lugar me prende em , por isso ficar em uma situação ruim só vai tornar tudo mais difícil.
  – Você quer saber o motivo por eu estar irritado? - ele se vira para mim - Porque você me desafia, e isso me irrita. - ele passa a mão pelos cabelos de forma exasperada – Por que não pode simplesmente fazer o que eu digo? Isso é uma merda frustrante. Você é frustrante. Essa situação que estamos é frustrante. - ele solta o ar pesadamente.
  Ultimamente ele vem se abrindo mais para mim, será que isso é uma coisa boa?
  – Se soubesse como eu me sinto toda vez que fico perto de você. - sinto meu estômago dar uma volta com sua súbita confissão. – É sempre assim, mesmo depois de tanto tempo, eu ainda me sinto desse jeito. Por isso eu quero que você fique longe daquele cara. Você pode fazer isso? - ele me encara sério esperando uma resposta.
  Eu o respondo com o um olhar incerto que ele logo entende.
  – Porra, ! - ele bate contra a janela de vidro.
  Respiro fundo antes de me aproximar dele novamente, colocando minha mão sobre seu braço o obrigando a se virar para mim. Paro a centímetros de distância de e encaro profundamente seus olhos, para que ele note a sinceridade no que estou prestes a dizer:
  – Eu posso tentar. - falo sincera, mesmo que ainda queira saber das intenções de Sean. Isso não é uma garantia de que eu vou me manter longe, é apenas uma incerteza de que eu vou tentar, eu apenas quero achar um jeito de ficar "bem" com todos, já que eu preciso das minhas respostas, e pra isso vou precisar mergulhar em toda essa escuridão.
   mantém seu olhar fixo no meu, e acho que ele entende o que eu quis dizer, já que fica mais tranquilo. Com cuidado, ele retira minhas mãos de seu rosto, apenas para se aproximar ainda mais de mim, se curvando e juntando nossos lábios em um rápido beijo que me pegou totalmente de surpresa.
  Ele se afasta logo em seguida, me deixando totalmente perdida naqueles olhos verdes, enquanto tento assimilar o que ele fez.
  – Acho que as coisas sempre serão assim entre nós, não importa quanto tempo passe. - ele dá um pequeno sorriso de lado e afasta suas mãos das minhas.
  Escutamos uma voz soar no alto falante do lado de fora do corredor, interrompendo qualquer que seja o momento que estávamos tendo. Se tratava de um aviso para que todos os pacientes se direcionem para a recriação.
  Como sempre, não perde muito tempo comigo, logo indo até a porta, onde eu apenas o sigo. Fazemos todo o caminho até a recriação vendo que todos já estavam presentes, inclusive Sean. se torna tenso ao meu lado, e de maneira discreta pego em sua mão, dando um leve aperto para o tranquilizar.
  – Vocês têm tarefas a fazer. - Ethan anuncia quando nota que todos já estavam aqui – Vamos! - ele manda e faz um gesto para que todos ali o acompanhem.
  Seguimos até a porta de metal, e Ethan dá um aceno fazendo a porta de abrir, mas antes que eu possa passar, sinto alguém segurar meu braço, me virando e vendo que era Sean.
  – O que foi? - pergunto.
  – O que ele disse? - sua voz sai ríspida, e ele aperta meu braço.
  – Você está me machucando. - tiro meu braço de sua mão.
  – Está tudo bem por aqui? - a voz de nos chama a atenção enquanto ele olha preocupado. Procuro com os olhos vendo que ele estava mais à frente, e agradeço por ele não ter visto isso.
  – Sim. - pego no braço de o puxando para longe, mas não sem antes dar um olhar de alerta para Sean.
  Qual o problema dele? Eu ainda tenho minhas dúvidas, não posso confiar cem por cento, e ele ainda vem com esse comportamento estranho por conta do .

***

  Depois disso alcançamos o restante do pequeno grupo, e continuamos nossa caminhada pelo sanatório. Ethan nos leva até a parte de trás onde saímos em um antigo e velho parquinho.
  – Vão trabalhar na restauração do lugar. - Ethan explica.
  Já haviam alguns pacientes no local, e mais algumas ferramentas para ajudar, o que não era muito inteligente. Ferramentas para psicopatas sobrenaturais e loucos? Ethan realmente deve ser muito confiante.
  – Como vamos fazer isso? Está muito escuro aqui. - pergunto, olhando a escuridão da noite em volta do lugar, que era iluminado apenas por lâmpadas penduradas estrategicamente.
  – Eu não sei se você sabe, mas somos criaturas da noite, . - Brooklyn responde debochada.
  – Ignora. - diz baixo ao meu lado, e Ethan faz um gesto, logo em seguida, para que comecemos nosso trabalho.
  Cada um pega em uma ferramenta e se concentra em fazer seu trabalho. Madeline pega em um martelo, mas eu tiro de sua mão.
  – Por que você não vai brincar? - pergunto e ela indica Ethan com a cabeça. – Pode ir brincar, Mad. Confia em mim. - ela parece insegura e a encorajo com um sorriso, e ela olha uma última vez para Ethan antes de ir em direção aos balanços velhos.
  Mesmo que ela seja uma criatura sobrenatural, apenas a enxergo como uma frágil criança, e ainda tem essa estranha ligação que eu sinto ter com ela.
  Encaro Ethan que assente para mim, permitindo que ela brinque. Talvez ele não seja tão ruim quanto eu pensava.
  Deixo o martelo de lado pronta para levantar as tábuas do que um dia foi uma gangorra, porém uma conversa em especial captura minha atenção.
  – Dá última vez que estivemos todos reunidos assim, acabou daquela forma. - um dos pacientes desconhecidos por mim, comenta, e quando levanto meu olhar para o grupo de pessoas à minha frente, todos estão olhando, tentando ser discretos, e faço o mesmo.
  – A culpa foi toda sua. SUA! - uma das pacientes aponta para o nada e depois começa a bater com as mãos na cabeça de maneira frenética, se tornando a única descontrolada. Ethan logo vai até ela e a acalma com uma conversa, levando-a para dentro.
  – Todos sabemos de quem foi a real culpa, não é? - Sean pergunta e ri seco, fazendo com que jogue no chão a serra que segurava e parta para cima dele, o empurrando contra o esqueleto do que um dia foram balanços.
  – Ou você cala essa sua boca maldita, ou eu te arrasto de volta para o inferno de onde você nunca deveria ter saído. - diz entre os dentes e Sean ri abertamente como se tivesse acabado de escutar uma boa piada. É surpreendente a maneia como um consegue irritar o outro em níveis extremos em questão de segundos.
  – Você é um merda, não vou te deixar ferrar com tudo de novo. - Sean provoca e eu realmente gostaria que ele não tivesse feito isso, já que acerta um soco em seu rosto, fazendo ele cair no chão.
  Sean se levanta e segura o local atingido sustentando um sorriso, mas algo em seu olhar está diferente, mais sombrio. Não tenho tanto tempo para pegar outras pistas quando vejo Sean tentando revidar o golpe de , que sem dificuldades desvia e o alveja com mais um soco. Dois pacientes e tentam a todo custo separar os dois. Madeline corre em minha direção e envolve seus braços entorno da minha cintura, se escondendo atrás de mim.
  – Está tudo bem. - sussurro para ela, e abraço seu pequeno corpo na tentativa de acalmá-la.
   grita palavras de ódio para Sean, que quer a todo custo se soltar dos dois homens que o seguram para partir para cima de , que está sendo acalmado por .
  – Não se meta nisso outra vez ou eu acabo com você! - ameaça apontando para Sean, que sorri mais uma vez antes de ser empurrado para dentro.

Capítulo 29

  O que foi isso? Nunca vi tão irritado antes.
  Sinto os bracinhos de Madeline se afrouxarem ao redor de minha cintura, e aproveito do momento para me aproximar de e tentar entender toda essa confusão.
  Lentamente caminho até ele e , que se mantém  distante, porém com um olhar atento. Com cuidado, toco o braço de e o mesmo fica tenso, relaxando assim que nota que sou eu. Seus intensos olhos verdes não desgrudam um segundo sequer de mim, como se me pedissem ajuda, mas como eu poderia fazer tal coisa? Eu sequer entendo toda essa grande confusão.
  – Venha comigo! - a voz rispidamente de Ethan volta a surgir, enquanto o guarda marcha em passos pesados até onde estávamos.
  O guarda estava visivelmente irritado com a situação, e demonstra isso quando tenta rudemente segurar no braço de , que se esquiva; Ethan o repreende com um severo olhar que é apenas ignorado, enquanto o mais alto caminha para dentro do sanatório, fazendo som que Ethan o siga.
  – O resto de vocês, voltem ao trabalho. - Ethan some, mas um outro guarda toma seu posto, alertando todos nós que restamos no velho parquinho.
  Aos poucos os pacientes voltam a se mexer e tentar, de alguma forma, focar sua atenção em outra coisa. Neste momento eu sou um dos que não tem sua atenção em nada, apenas quero saber o que vai acontecer com , mas se eu não quiser ser punida,  terei que dar o meu melhor e fingir que estou concentrada em algo.
  Acabo caminhando para o outro lado do parquinho com o intuito de pegar algumas toras de madeira para tentar arrumar os velhos balanços.
  – Você viu? - escuto duas pacientes conversarem não muito longe de mim. – Vai começar tudo de novo, sempre por ela. - sua voz era tensa e amedrontada.
  – Eu sei. Não é boa ideia eles dois juntos de novo. - agora era vez da paciente que aparentava ser mais velha, dizer, fazendo a outra assentir freneticamente.
  O que será que elas querem dizer com isso? Tem alguma coisa que eu não estou sabendo? E quem é 'ela'?
  – Não ligue, elas são loucas. Estão delirando por conta de toda essa agitação. - sinto uma mão repousar em meu ombro, me fazendo dar um pequeno sobressalto, mas me acalmo assim que vejo que era .
  – E quem não é louco aqui dentro? - a garota mais nova pergunta um tanto quanto transtornada.
  – Vamos nos afastar delas. - encerra o assunto, e me leva para longe das duas pacientes.
  – Todos de volta para suas celas, o trabalho acaba aqui. - a voz do Ethan me desperta, onde ele retorna para o jardim outra vez.
  – Nós nem começamos nada ainda. - uma voz masculina se destaca entre os pacientes, mas não o procuro.
  – São ordens. - Ethan soa ainda mais ríspido, mostrando que sua raiva anterior ainda estava presente.
  Em meio ao burburinho de vozes que se formou naquele momento, todos nós tentávamos voltar para o interior do sanatório.
  – Você é ? - alguém para na minha frente. Eu estava tão perdida que mal pude me dar conta disso, um jovem garoto me perguntando com uma expressão assustada.
  – Sim. - respondo, e franzo o cenho um pouco confusa e curiosa sobre isso.
  – Sean pediu que eu lhe desse um recado... - ele faz uma pausa e começa a mexer suas mãos de maneira frenética, sempre olhando para baixo –... ele pediu para você o encontrasse na recriação depois que todos dormirem... - ele faz outra pausa, e agora olha em todas as direções para checar que ninguém escutaria nada -... ele vai te devolver o diário. - o jovem garoto sussurra a última parte antes de sair correndo pelos pacientes, me deixando totalmente atônita.
  Agora estou mais curiosa do que nunca para descobrir como ele sabe sobre o diário. De fato é algo que eu preciso pegar, Margot e Magareth insistem naquela coisa velha e com páginas faltando, mas a pergunta aqui é se Sean tem alguma ligação com elas. Isso está me corroendo por dentro, e com certeza  vou procurar respostas, mesmo que fique irritado comigo. Na verdade, ele não tem esse direito, eu apenas disse que tentaria me manter longe de Sean, e não que ficaria.
  Eu gostaria de ficar bem com , mas tem muitas coisas das quais preciso de respostas.

***

  Outra vez que sou levada para o isolamento, vou logo atrás do centro de todas as brigas desse lugar, não os encontrando em lugar nenhum, por isso presumo que os dois devem estar se evolvendo com Arthur.
  Sem muitas opções por agora, acabo decidindo  tomar um banho, apenas faria coisas para que o tempo passe rápido e eu possa me encontrar com Sean logo para questioná-lo sobre todas essas dúvidas.
  Procuro por algum guarda, pedindo por um novo macacão, e uma vez que o tenho em mãos levo tudo para o banheiro do isolamento. Escolho uma cabine e arrumo todas as coisas ali dentro, ligo o registro e deixo a água morna cair sobre todo meu corpo, tentando relaxar um pouco.
  Dessa vez tomo um rápido banho, já que depois de pensar um pouco decidi esperar pela chegada de para obter alguma coisa dele. Mesmo que seja importante me encontrar com Sean, também quero estar a par do outro lado, no caso; acho que tentar ver dos dois ângulos me ajudará nisso tudo.

  Depois de desligar o registro, seco todo meu corpo e visto um novo macacão limpo, ajeito tudo que trouxe em meus braços e deslizo a cortina de plástico azul para o lado, liberando minha passagem para fora da cabine. Sou totalmente pega de surpresa ao ver a figura alta de Sean escorado em uma das pias do banheiro, aparentemente me esperando.
  – Robert entregou meu recado? - o loiro se desencosta da pia e começa a caminhar em minha direção com os braços cruzados fazendo com que seus músculos sobressaltem mesmo por baixo do tecido grosso do macacão.
  – Sim. - tento soar firme. – Ainda estou pensando sobre isso. - mesmo que  já esteja certa sobre minha decisão, não quero deixá-lo achar que tem toda a minha confiança.
  – Por que você deixa ele fazer isso com você? - ele se aproxima mais de mim.
  – Ele quem? Do que está falando? - o encaro confusa. Sean leva sua mão até meu rosto, colocando uma mecha de meu cabelo atrás da orelha.
  – . – Sean responde.
  – não tem nada a ver com as minhas decisões. Ele não manda em mim. - bato em sua mão de forma irritada, afastando-a do meu rosto.
  Por que essa implicância com ? Eu não iria deixar ele interferir em minhas escolhas.
  – Eu não falei isso, . - ele fica sério. – Só estou dizendo que eu percebi a importância que ele tem pra você, e se tratando de um cara como ele, você deveria ficar esperta. - seu tom é de alerta.
  – O que você quer dizer com "cara como ele"? - me mantenho firme.
  – Eu conheço o há muito mais tempo que você, na verdade, o conheço como se fosse um irmão, e posso garantir que ele está apenas te usando, já que não se importa com ninguém. - o mais alto estreita seus olhos sobre mim. – Mas você já sabe disse, certo? é ruim, não tem sentimentos, essa é a natureza dele. Dele e do pai. - suas palavras me atingem.
  – Por que você está tentando me jogar contra ele? - pergunto um pouco irritada com toda essa conversa estranha.
  – Não estou tentando te jogar contra ele, apenas quero te mostrar a verdade para que nada se repita outra vez. Você apenas precisa acreditar em mim, . - sua voz é firme, e em momento nenhum ele vacila, deixando tudo parecer ainda mais verídico para mim.
  – Eu não sei. - se ele não vacila em sua fala, eu vacilo. Estou totalmente atordoada.
  A verdade é que estou com receio sobre tudo isso. Eu deveria odiar , e de fato odeio, mas ainda assim tenho outros sentimentos confusos em relação a ele, e mesmo querendo achar respostas para todas as coisas que vêm me acontecendo, eu também queria poder ficar bem com ele. Talvez eu seja muito idiota por isso, afinal, estou nessa situação por conta dele.
  – Você tem todo o direito de duvidar... mas se realmente se importasse com você, ele estaria aqui e não na enfermaria com a Brooklyn, você não acha? - ele lança a pergunta que faz com que um arrepio ruim suba por minha espinha, mesmo que eu não saiba o motivo.
  – Do que você está falando? - mesmo que eu tente não consigo controlar o desapontamento em minha fala. – Por que ele estaria lá com ela? - pergunto mais para mim mesma do que para Sean. Isso não faz sentido, mostrou várias vezes que não suporta ela.
  – Eu não sei, talvez você devesse ir lá e descobrir. - Sean dá de ombros, enquanto me olha atentamente esperando por minha reação.
  Por alguns poucos minutos eu me mantenho no mesmo lugar tentando assimilar tudo. Como a minha curiosidade sempre me vence, logo começo a me afastar de Sean, deixando tudo que tinha em mãos sobre a pia do banheiro para ir em direção à porta. Totalmente receosa,  deixo o banheiro e começo a caminhar pelo corredor do isolamento, fazendo um caminho que aprendi muito bem, e indo para o lugar onde tudo começou, o maldito lugar que me trouxe esses pensamentos estranhos e confusos em relação ao .
  Passo rapidamente pela sala de recriação sentindo os olhos de sobre mim, e atravesso o extenso corredor, agora diminuindo meus passos conforme vou me aproximando da tão esperada sala. Mais alguns passos e posso escutar a voz de Brooklyn vindo de umas das salas, e isso faz com que uma sensação ruim cresça na boca de meu estômago. Torço mentalmente para que ela esteja tendo um monólogo, mas quando paro em frente à porta e vejo através de uma pequena brecha a figura alta de , eu me sinto derrotada.
  – Vocês já tentaram isso uma vez e não deu certo, então pra que insistir? - ela faz uma pergunta para que se mostra um pouco tens.o – Ela sempre foi uma distração pra você, sei que nem sequer gosta dela, você mesmo já me disse isso antes. - sinto todo o desconforto na boca de meu estômago se aflorar, mesmo que Brooklyn não esteja citando nomes, sei que está falando de mim.
  – Se essa garota lembrasse quem você é de verdade e o que você fez, ela não iria te perdoar, iria te odiar para sempre. - o corpo de fica ainda mais tenso do que antes, e ele abaixa sua cabeça fitando o chão.
  Se ela está falando de mim, então tem algo que eu preciso me lembrar sobre o ? Isso não faz sentido para mim.
  – Ela não conseguiria te aceitar, mas eu gosto de você de verdade, não tenho problemas com quem você verdadeiramente é, . - Brooklyn levanta o rosto dele com a ponta de seus dedos, e ele a encara profundamente, ambos trocando olhares pesados, como se compartilhassem uma história.
  Ela se aproxima ainda mais dele, selando os lábios de , que acaba por corresponder. Neste momento todos os sentimentos confusos que eu tinha em relação a ele explodem dentro de mim, e antes que eu me dê conta já estou dando passos apressados pelo corredor, tentando ficar o mais longe possível daquela maldita sala onde nos beijamos pela primeira vez.
  Sean estava certo e, por mais que custe admitir, Brooklyn também estava. não se importa comigo e nunca se importou, ele estava apenas me usando da forma como achava melhor.
  Refaço meu caminho pelo corredor enquanto sinto meus olhos arderem.
  – Droga! Por que eu quero chorar? Você é idiota, , por que está assim por conta daquele cretino? - me auto-repreendo por estar desta forma.
  A verdade é que em algum momento eu achei que ele tinha algumas boas intenções, e que poderia me ajudar nisso tudo, apesar do que aconteceu antes. Talvez eu tenha me deixado levar demais depois daquele maldito sonho, talvez eu tenha aceitado aquela  desculpa idiota por ter beijado Nathália também. Quando foi que eu me tornei tão idiota por alguém que não merece?
  Feito um furacão de emoções, volto para a recriação, passando totalmente fragmentada por lá. Procuro por Ethan, logo o encontrando perto da grande porta de metal.
  – Ethan! - me aproximo. – Preciso tomar um pouco de ar. - acabo falando rápido demais. Ele franze o cenho e descruza os braços.
  – Você está bem? Precisa ir à enfermaria? - pergunta preocupado. – Vou te levar. - ele pega em meu braço, mas me esquivo.
  – Estou bem, só preciso de um pouco de ar. - tento dar o meu melhor para convencer ele.
  – Isso é contra as regras. Eu não posso permitir, . - e ali estava de volta seu tom frio de trabalho. – Volte para sua cela. - ordena.
  Não, não, não! Você não entende, eu não posso ficar aqui... não agora.
  – Por favor! - suplico, fazendo minha voz embargar enquanto tento segurar todos esses sentimentos ruins. Ethan parece notar meu desespero, já que sua expressão vacila por segundos antes que ele solte um longo suspiro.
  – Isso será rápido. - o guarda explica seriamente e depois se vira para a cabine, dando um aceno para o outro guarda que estava ali dentro liberar nossa passagem.
  – Obrigada. - meu agradecimento soa baixo.
  Para a minha surpresa Ethan não me algema, apenas me guia por um caminho diferente do que conheço. Talvez uma passagem não convencional para não sermos vistos.
  Depois de andar por algum tempo seguimos por um extenso e escuro corredor - como quase tudo nesse lugar. Começo a pensar que talvez seja algum tipo de emboscada, mas assim que Ethan abre uma velha e enferrujada porta de metal no final do corredor, minha desconfiança some assim que sinto os raios de sol trocarem minha pele.
  Sorrio minimamente, e dou passos para fora sendo barrada pelo guarda, que me olha severamente.
  – Tudo bem, eu não vou tentar nada. - falo verdadeiramente, tentando passar confiança.
  O mais alto me analisa por alguns segundos, e por fim acena, me soltando. Dou mais alguns passos porta afora, admirando a paisagem verde pintada à minha frente, assim como a imensidão azul do céu. 
  Verde e azul. Cores tão diferentes, mas tão significativas para mim.
  Por um segundo tento esquecer sobre isso, e me sinto um pouco grata por poder admirar a natureza nem que seja por minutos. Esses pequenos detalhes coloridos são como bálsamos para meus olhos acostumados com a escuridão e tons escuros do sanatório. Quando você passa muito tempo privado do mundo, coisas simples que não notamos no dia a dia corriqueiro fazem toda a diferença, ganhando uma beleza única; por isso me sinto grata, isso está me fazendo, nem que seja por meros minutos, esquecer a realidade dura em que estou inserida.
  – Sabe... eu sinto falta disso. - me viro para Ethan, mostrando tudo ao meu redor com os braços. – Lá dentro é tão escuro, como se a luz não pudesse estar lá. - solto meus devaneios sobre ele.
  – E não pode. É sempre noite. - ele usa deboche em sua fala, mas ignoro.
  Isso chega a ser clichê, mas um clichê do tipo necessário. Eu estou no núcleo dos demônios, escuridão vem acoplada a tudo isso.
  – Você já sentiu que não deveria se deixar afetar por quem não merecia? - pergunto de supetão para Ethan, lançando no ar tudo que me vem à mente. Talvez toda a beleza da natureza não seja capaz de me fazer esquecer.
  Não obtenho uma resposta, por isso apenas continuo:
  – Eu não esperava que me desse uma resposta. - sou totalmente sincera, enquanto encaro seu rosto sempre sério. – Sabe, por um momento eu achei que poderia ser diferente. E talvez esse foi meu maior erro, sempre fui esse tipo de pessoa que tenta ter fé nos outros, mas no final isso me torna apenas estúpida. - rio sem humor. – Eu estava tão desesperada para sair desse pesadelo que me agarrei em tudo, até mesmo em quem  não deveria. E agora isso me consome até a alma. Eu me sinto estranha, reprimo sentimentos que eu sei que não deveria ter, e isso me torna ainda mais idiota. Afinal, se eu sei que não devo me sentir assim, por que ainda assim me sinto? - talvez minhas palavras tenham sido um pouco aflitas.
  Eu preciso falar sobre isso, preciso tirar de dentro de mim, e talvez falando em voz alta eu possa entender de uma vez como são as coisas.
  Instantaneamente um turbilhão de emoções me arrebata, fazendo uma enorme ansiedade fluir dentro de mim. Me sinto péssima.
  – Me agarrei ao último vislumbre de luz que eu achei ter encontrado nesse lugar escuro, mas o problema era que não era luz. - volto a procurar pelo rosto de Ethan, pronta para ver uma expressão reprovadora em sua face, e me espanto ao notar que ele estava prestando atenção em cada palavra minha, despertando minha vontade de continuar com meus devaneios internos. – É até irônico, meu humor é exatamente como este lugar, deprimente e escuro. Por isso se torna cada vez mais difícil não afundar em toda essa bagunça. - suspiro pesadamente, torcendo para que ele carregue todas as sensações ruins. – Queria não me sentir assim em relação a um maldito demônio. - mantenho contato visual com Ethan, que a princípio fica sem reação quando nota que estou esperando por uma resposta sua.
  – Vai ficar tudo bem. - depois de alguns segundos sua voz soa com certo pesar e incerteza. 
  – Isso é o que todos dizem quando escutam histórias tristes. - uso um pouco de sarcasmo.
  – Você vai ficar bem. - dessa vez a voz de Ethan transborda confiança. – Apenas confie em minhas palavras. - por um segundo penso em questioná-lo sobre isso, mas sei que deve estar apenas querendo acabar com todo o meu drama, por isso assinto.
  – Podemos voltar agora. - acabo de vez com o clima dramático. Tudo acabou se tornando melancólico, e essa paisagem está me entristecendo.
  O guarda assente e me dá passagem para atravessar a porta, e assim o faço. Quando estou do lado de dentro, ele fecha a porta de metal atrás de nós e depois toma sua posição à minha frente, nos guiando de volta para o isolamento.
  Já de volta ao meu inferno pessoal, vejo se espreguiçando enquanto caminha em direção às celas, ele me nota e acena brevemente antes de desaparecer pelo corredor.
  Estando sozinha, acabo por deixar minha mente vagar até as memórias de mais cedo. Lembro-me de Sean pedir para se encontrar comigo, e acabou que pensei pouco sobre isso, devido a tudo que aconteceu. Não sei se o toque de recolher vai demorar, então preciso me decidir logo.
  Por fim decido ir para minha cela e pensar melhor quando estiver nela.

***

  Esperei até que todas as luzes se apagassem para que eu me levantasse e fosse sorrateiramente até a recreação, encontrando Sean em pé, no canto escuro da sala.
  Pensei muito em minha cela, e eu não deveria me importar com o que esperam de mim, se estão apenas me usando aqui dentro, não tenho motivos para ter fé em alguém. Se Sean está disposto a me oferecer ajuda eu vou agarrar isso com todas as forças, minha liberdade é tudo que eu quero nesse momento. 
  – Fico feliz que tenha vindo. - a voz de Sean soa arrastada, pela recriação, me fazendo acompanhar seus movimentos com os olhos. Aos poucos ele sai da escuridão se revelando a mim.
  – Você vai mesmo me ajudar? - vou direto ao assunto que importa.
  – Claro. - ele sorri. – Fique aqui por um segundo. - o loiro diz, depois indo até uma cabine do outro lado da divisão. Ele para em frente a um guarda que dorme sentado em sua cadeira de vigia, depois olha para os dois lados e entra na cabine.
  – O que você está fazendo? - pergunto confusa e aflita ao ver que Sean segura a cabeça do guarda com as duas mãos, apenas para depois torcê-la para o lado. – Você matou ele? - pergunto um pouco alto. – Você matou ele! - em seguida eu mesma respondo minha própria pergunta, enquanto caminho rapidamente até a cabine.
  – Como se você nunca tivesse feito isso antes. - ele sorri me provocando, mas não digo nada, me sinto muito incomodada com isso. – Vamos. - ele me puxa pela mão depois de abrir a porta de metal.
  – Ir aonde? - puxo meu braço para mim quando passamos para fora do isolamento.
  – Você não quer que eu te ajude? - ele pergunta arqueando as duas sobrancelhas, e a única coisa que sou capaz de fazer é assentir. – Então vem logo. Precisamos ser rápidos e discretos. - o loiro faz um gesto com as mãos para que eu o acompanhe.
  Mirando apenas em minha liberdade, eu acabo o seguindo. E apenas poucos passos depois Sean para bruscamente de andar, me fazendo trombar com suas costas.
  – O que foi? - questiono, mas ele se vira para mim e tampa minha boca com sua mão direita, me puxando para um canto escuro.
  – Shhh!! - ele exclama baixo, para logo depois eu ver dois guardas passando por onde estávamos. – Para fugirmos daqui temos que passar por aqueles dois guardas, atravessar esse corredor sem sermos vistos, virar à direita e entrar naquela sala. - ele instruí enquanto voltamos a andar novamente, depois aponta para uma sala com sua porta aberta, revelando alguns guardas sentados envolta de uma mesa.
  – Como vamos fazer isso?
  – Temos que esperar a segunda troca de turnos, que é onde os números de guardas diminuem. - Sean explica.
  – E vamos conseguir passar pelos guardas? - a cada vez que paro para pensar em sua ideia, ela se torna mais idiota. É impossível fazer isso, nenhum de nós dois é invisível.
  O loiro de olho azuis faz uma arma imaginaria com a mão esquerda e aponta para a própria cabeça como se estivesse atirando. Franzo meu cenho em descrença e ele ri.
  – Eu vou voltar. - dou meia volta.
  – E o diário, ? - sua pergunta me faz congelar no lugar.
  Droga! Eu realmente preciso dele.
  Giro em meus calcanhares, suspirando derrotada.
  – Você sabe mesmo como pegá-lo? - estreito meus olhos.
  – Você vai precisar vir comigo para descobrir. - ele sorri de lado e estende uma mão para mim, que não hesito em pegar. Isso é loucura, mas a ideia de ficar sem a minha liberdade é pior ainda.
  Ele me guia por mais alguns minutos até chegarmos em um corredor familiar. Sean toma a minha frente e eu apenas o sigo.
  – Vinte e três. - falo o número de minha cela antiga, e ele olha para cada plaquinha antes de parar.
  Sean abre a porta sem esforço algum e desaparece lá dentro apenas para reaparecer segundos depois.
  – Aqui está. - me entrega o pequeno objeto retangular coberto pelo couro marrom.
  – Isso não foi fácil demais? - folheio algumas páginas apenas para conferir. – Se o diário estava tão fácil para você, por que não o pegou antes? - o encaro.
  – Eu não preciso dele. - dá de ombros, se virando e voltando a caminhar pelo corredor, me fazendo acompanhá-lo.

***

  Tão incrivelmente fácil, voltamos para o isolamento, e me pergunto como conseguimos fazer isso sem empecilhos. Sean realmente conhece como as coisas funcionam por aqui.
  Passamos pela porta de metal, e quando vou fechá-la ouço um barulho vindo da pequena cabine de comando. Me inclino sobre o balcão para checar, vendo o guarda "morto" ter um espasmo em sua perna, me assustando e me fazendo bater em algo atrás de mim.
  – Vai com calma, . - Sean caçoa.
  – Ele se mexeu. - aponto para cabine, e depois me viro para Sean, percebendo que ele estava perto demais.
  – Ele vai acordar daqui a pouco. - franzo o cenho. – Aquela historinha, sabe?! Morreu aqui, ficou aqui. - ele dá um sorriso de lado. – Gostei de passar um tempo com você. - ele muda de assunto, e me sinto desconfortável, dando um passo para trás, na tentativa de criar um espaço entre nós.
  – Ahn... Melhor eu ir. Obrigada pela ajuda. - olho para o chão e depois para ele, sorrindo forçadamente.
  – É. Acho melhor mesmo. - seu sorriso de lado continua ali, nem um pouco afetado por eu tê-lo rejeitado.
  Sem dizer mais nada ele acena para mim e depois passa ao meu lado, fazendo meu corpo se arrepiar com a sua presença, mas não posso dizer se foi algo bom ou ruim. Fico parada no mesmo lugar até ter certeza de que ele se foi.
  Totalmente conturbada por todos os acontecimentos de hoje, me viro querendo ir para minha cela descansar um pouco. 
  – Será que eu também posso passar um tempo com você? - sem aviso prévio, uma voz rouca e grave ressoa entre a escuridão da recriação. Uma voz que eu conhecia tão bem, talvez mais do que eu gostaria.
  Me viro em direção ao som, vendo uma alta silhueta caminhar em minha direção aos poucos, revelando a figura imponente de . Seu olhar carregava uma escuridão ainda pior do que seus olhos de demônios, nunca transparecendo suas emoções.
  – Mesmo depois de tudo que eu disse, você ainda se encontra com ele. - seus frios olhos verdes penetram nos meus.
  – Eu nunca disse que faria as suas vontades. Isso não tem nada a ver com você, . - não me deixo intimidar.
  Ele solta uma curta risada sem humor.
  – Pode passar o tempo que for, você continua sendo a porra de uma idiota. - suas palavras me acertam em cheio, fazendo meu sangue ferver.
  Sem pensar duas vezes agarro a cadeira de madeira da recriação mais próxima a mim, a quebrando sem me importando com o barulho, arranco uma de suas pernas, e antes que possa fazer alguma coisa, enfio à estaca de madeira improvisada em sua barriga, o fazendo se curvar, aproveitando o momento para empurrar ainda mais a madeira contra sua pele.
  Sinto a mesma dor aguda queimando minha pele, mas não incomodo, apenas de ver a expressão de dor no rosto de já me sinto satisfeita.
  Levo a mão esquerda até minha barriga, sentindo o sangue quente vazar.
  – Não haja como se não estivesse aos beijos com Brooklyn na enfermaria. - solto a madeira, e ele ergue o rosto em minha direção com um sorriso perverso nos lábios.
  – Então é isso... você apenas está com ciúmes. - ele retira a madeira de sua barriga, me fazendo sentir a mesma sensação. – Pare de ser patética. Isso nunca daria certo. - ele aponto entre mim e ele. - por algum motivo essas palavras me afetam ainda mais, por isso pego outro pedaço de madeira tentando acertá-lo, mas dessa vez ele me para.
  – Foda-se você, . Espero que morra logo. - digo rapidamente, e de maneira bruta puxo meu pulso que ele agarrou para me barrar. Me xviro e começo a caminhar o mais longe possível dele.
  Eu o odeio tanto nesse momento que a morte seria pouco para ele.

Capítulo 30

  Uma semana depois...

  Me posiciono à sua frente enquanto tenciono meus músculos e mantenho a concentração, pego seu braço com a intenção de impulsioná-lo para frente e jogá-lo no chão exatamente como me ensinou, mas ele sequer se move quando tento, então acabo desistindo e rapidamente ele me vira para si, invertendo a situação para si.
  – Você tem a força de uma mulherzinha. - ele me provoca, fazendo meu sangue bombear mais arduamente por minhas veias.
  – Cale a boca, Sean. - falo emburrada e o empurro para o lado, vendo o loiro cambalear enquanto dá risada.
  Acredito que tive um bom progresso durante essa última. Sean me ensinou técnicas básicas de como me proteger e atacar em diversas situações diferentes durante uma briga, e apesar de achar que estou me saindo bem ele nunca parece estar satisfeito. É sempre como se quisesse despertar algo dentro de mim, algo que não tenho conhecimento. Por este motivo venho me encontrar com ele nessa sala e treinando cada vez mais por todos os longos dias dentro desse inferno.
  De certa forma isso acabou nos aproximando um pouco. 
  – Sem pegar leve agora. Vamos de novo. - Sean fala com certa animação, e respiro fundo antes de seguir até ele, ficando na sua frente novamente. – Pés fixos no chão. - ele força meus tornozelos no chão e sinto suas mãos se arrastam pela lateral do meu corpo até a cintura, me fazendo dar um passo mínimo para trás. Ele sempre fica com esses joguinhos de me provocar.
  – Postura firme. - o mais alto aperta cada lado de minha cintura e envolve meu pescoço com o braço. Sinto sua respiração contra minha nuca e todo o meu corpo se arrepia involuntariamente. - Pronta? - sua pergunta soa em um tom extremamente baixo, mas não vou me deixar distrair por isso. Meu foco é outro.
  Com as duas mãos, seguro seu braço que envolve meu pescoço, e dobro minha perna direita para o lado, fazendo com que seu corpo dobre sobre o meu e caia no chão em minha frente. Ainda segurando seu braço o mantenho erguido para cima, mas como ele tenta escapar, subo em cima dele, mantendo um joelho em cada lado enquanto abaixo até seu rosto.
  – Igual uma mulherzinha, huh? - rebato sua provocação, e ele morde o lábio para esconder o sorriso.
  – Atrapalhando o casalzinho? - me assusto com a voz grave de que entoa pelo ambiente em formato de surpresa. Levanto meu olhar e o vejo de pé na porta enquanto nos encara.
  Saio de cima de Sean e o ouço bufar. Estendo uma mão para ajudá-lo a levantar, mas ele nega e se levanta sozinho, retribuindo o olhar de , me fazendo revirar os olhos cansada de toda essa confusão – que eu ainda não sei – sobre eles.
  Ver tão distante de mim é um pouco estranho, já que mesmo em situações inoportunas, era sempre ele que estava ao meu lado aqui dentro. Na verdade, nunca pensei que eu fosse chegar nesse ponto por ele, alguém que é arrogante e frio, que parece odiar todos à sua volta e que não respeita a vida de ninguém, egocêntrico, e claro, um perfeito babaca.
  Eu deveria odiá-lo, e de fato odeio, mas infelizmente meu cérebro não raciocina direito e está com uma fixa ideia de que existe uma linha tênue nesse 'odeio' todo. Linha da qual não quero cruzar e da qual tenho medo de descobrir o que tem do outro lado, ou mais especificamente, o que eu sinto do outro lado da linha do ódio.
  – O que você quer? - Sean pergunta rude enquanto ajeita sua postura, como se estivesse irritado, o que não é de se espantar, ele sempre parece estar irritado.
   e eu não trocamos nenhuma palavra sequer durante essa última semana, por isso acredito que qualquer coisa que tivemos antes acabou de vez. Tenho a impressão de que ele está me ignorando, não nos encontramos mais pelos corredores, no refeitório ou nas tarefas diárias, eu pareço não existir para ele, exatamente igual quando nos conhecemos. Basicamente voltamos à estaca zero, e isso deveria ser algo bom para mim.
  – Vá se arrumar de uma vez, temos que ir logo. - se direciona para mim.
  – Ir para? - pergunto, mas logo lembro que hoje deve ser o dia em que temos permissão para sair do sanatório. – Certo. - dou de ombros.
  Ethan entra na sala em seguida e nos encara por alguns instantes antes de seguir em frente e entregar uma pequena pilha de roupas para mim.
  – Que porra é essa? - pergunta alteradamente quando Ethan entrega outra pilha de roupas para Sean.
  – Ordens do seu pai. Se não está contente, tire satisfações com ele. - Ethan diz, fazendo sair feito um furacão.
  – Parece que vamos dar uma voltinha. - Sean parece animado com a ideia, ao contrário de mim, que penso no desastre que pode ser sair com esses dois juntos.
  – Preciso entregar o diário para os meus amigos. - me recordo de minha pequena missão.
  – Sobre isso... não é melhor que o diário fique comigo? - o loiro de olhos azuis pergunta, me fazendo levantar as duas sobrancelhas. – Se desconfiar que o diário está com você, e que seus amigos pretendem usá-lo para acabar com o pai dele, acho que ele não vai ficar muito feliz. - estreito os olhos por alguns segundos, enquanto penso nas possibilidades.
  – Aqui. - tiro o pequeno objeto do bolso da frente do meu macacão e entrego para Sean, pensando que era, de fato, a coisa mais sensata a se fazer.
  – No bolso do macacão? Sério, ? - ele rapidamente o guarda na parte de dentro de seu macacão.
  – Achei que escondendo em um lugar tão óbvio ninguém iria desconfiar. 
  – Garota esperta. - lança uma piscadela para mim antes de sair.
  Faço o meu caminho até o banheiro e não demoro a chegar. Entro em uma das cabines de banho e ajeito minhas roupas ali dentro. Todas as peças, incluindo as botas, são em tons de preto. Será que é algum tipo de código de vestimenta?
  Ignoro e logo retiro o horrível macacão e sapatos cinzas. Visto a calça jeans preta e as botas, e por último coloco a regata de alças finas e a jaqueta de couro. Onde será que eles arrumaram essas roupas?
  Pego o macacão e o sapatos e saio da cabine de banho, dou uma rápida olhada no espelho, e depois saio do banheiro. Faço meu caminho até a recriação, vendo que todos já me esperavam. Vou até Ethan, entregando meu uniforme para ele.
  De maneira discreta avalio os dois homens à poucos metros de mim, que não disfarçam ao meu encarar. Sean usava uma camiseta branca lisa, assim como seus sapatos e uma calça jeans preta. Agora mudando um pouco a direção do meu olhar, eu podia ver , que estava semelhante a mim, todo de preto, com uma camisa de botões dobrada até os cotovelos, e seus primeiros quatro botões abertos, dando vista para suas tatuagens, ele usava uma calça jeans apertada e botas. Seus cabelos jogados para o lado caíam sobre seus ombros, e não posso negar que ele estava perfeito assim.
  Estranho toda a atualidade de nossas roupas. Mas no fim penso que Arthur quer nos enturmar e misturar aos demais, não  chamar atenção, então roupas "normais" são o mais válido.
  – ! - a voz autoritária de Arthur me arranca do transe.
  – Sim? - limpo a garganta, e coloco toda minha atenção sobre ele. O mesmo estreita os olhos para mim, antes de voltar a falar.
  – Eu estava dizendo que hoje vocês apenas vão buscar informações. - ele diz e eu assinto. – John Star. - ele retira uma foto de dentro de seu enorme casaco preto. – Esse é o cara. Fiquei sabendo que ele vai estar no Redemption hoje, e que ele pode ter algumas informações bem úteis. - um sorriso de escárnio se abre em seu rosto, me lembrando que é sempre bom tomar cuidado com ele.
  – Senhor, se me permite dizer... - Ethan começa a falar, e encara Arthur esperando sua permissão, que logo lhe é dada. – e Sean são bem intimidantes. Eu certamente não contaria nada para eles, ainda mais pelo fato deles serem novatos no bar.
  Arthur bufa, mas logo leva a mão até o queixo de maneira pensativa.
  – Mas ninguém suspeitaria de um anjinho lindo. - ele diz olhando diretamente para mim, o que me faz arregalar os olhos. – , consiga essas informações para mim. Eu sei que você pode. - ele me dá outro de seus sinistros sorrisos.
  – M-Mas eu não sei sobre o que você quer saber. Como vou buscar essas informações? - dou alguns passos para o lado, me afastando dele.
  – Você não precisa saber, apenas me traga as malditas informações. - sua voz sai rude.
  – Certo. - sem ter muitas escolhas eu acabo aceitando.
  Eles não querem me dizer sobre o que se trata, mas eu não ligo, agora tenho Sean ao meu lado e vou descobrir tudo sozinha. Começando por hoje.
  – Filho, já pode levar eles. - Arthur se direciona à . – . - ele estende uma mão mostrando Sean, e eu sei exatamente o que ele quer dizer com esse gesto.
   é um demônio e pode se teletransportar, Sean é um anjo igual a mim e não pode. E como sempre, eu fico no meio dessa confusão, literalmente no meio.
  Os dois à minha frente me encaram de maneira significativa, suspiro e caminho até eles parando ao centro. Como um rapaz que tira sua senhorita para uma dança, ergo minhas mãos no ar para cada um, como se fizesse um contive.
  – Senhores! Me dão o prazer desse passeio? - minha voz sai de maneira debochada e vejo um vislumbre de sorriso no rosto de Ethan.
  Ainda encarando os dois ao meu lado, vejo cada um olhar para um canto, com uma carranca no rosto.
  – Vamos lá, não se façam de difíceis. Vai ser divertido. - e tento a sorte que muitos rapazes não têm ao tirar suas senhoritas para uma dança, eu recebo dois sins.
  Cada um pega em uma mão minha, me fazendo ter vontade de rir por estar nessa situação ridícula, mas também tenho vontade de gritar por isso ser estupidamente desconfortável.
  E aqui estava eu, bem ao meio dos dois homens que bagunçaram minha cabeça. O destino adora caçoar de mim.
  E sem delongas, nos teletransporta. E não demora para que eu possa ver a fachada iluminada do bar se materializar diante dos meus olhos. De maneira rude, solta minha mão, sendo o oposto de Sean, que solta minha mão de maneira delicada, dois contrastes totalmente diferentes.
  Não querendo prolongar essa situação começamos a andar até entrada do bar. abre a porta de madeira e entra, a soltando e fazendo com que ela se feche antes que eu pudesse entrar também. Suspiro, e Sean passa a minha frente abrindo a porta para mim, agradeço com um sorriso e entro no bar, ouvido o costumeiro rock e vendo o lugar lotado. Sean para ao meu lado e vamos até , que se vira e começa a caminhar em direção a um grande sofá vermelho cheio de mulheres.
  – Onde você vai? - pergunto alto devido a música.
  Um forte cheiro de tabaco se faz presente no ar.
  – Hoje o trabalho é todo seu, amor. Ordens são ordens. - ele pisca para mim, e continua indo até o sofá vermelho.
  Bufo irritada e sinto a mão de Sean repousar sobre meu ombro. Foda-se o . Olho em volta parando meu olhar sobre o balcão, vendo a tão familiar cabeleira longa de Carl. Dou um sorriso e começo caminhar até o balcão, onde Carl e várias outras pessoas estão.
  – Olha só quem voltou! - o já conhecido barman anuncia, me cumprimentando com um sorriso caloroso .– Achei que não te veria mais por aqui, boneca. - ele dá um breve aceno de cabeça.
  – Tenho a impressão que vou começar a frequentar muito esse bar. - sorrio, e vejo Carl se virar me olhando através dos óculos escuros.
  – Ellise! - ele se levanta para me dar um abraço, e rio da maneira que ele me chama. – Senta aí, vamos beber juntos. Ross, por minha conta. - ele fala para o barman que acena e sai.
  Me sento no banco ao seu lado e faço um gesto para que Sean se sente também.
  – Galera, essa é Ellise. Ellise essa é a galera. - Carl me apresenta para um grupo de homens e mulheres que estavam com ele. Todos me cumprimentam com sorrisos ou erguendo seus grandes copos de cerveja.
  O barman não demora ao voltar com uma garrafa de Bourbon, me fazendo revirar os olhos enquanto dou risada. Ele nota e me acompanha. É tão estranho a maneira como meu humor melhora apenas por estar longe do sanatório, aquele lugar não me faz bem.
  Ross coloca dois copos sobre o balcão e começa a enchê-los, olhando de mim para Sean.
  – Esse é o Bourbon? - Ross pergunta apontando para Sean, que nos encara sem entender.
  – Não. - Carl responde por mim. – Aquele é o Bourbon. - ele aponto ao longe onde estava sentado, no sofá vermelho rodeado por mulheres.
  – Quer que eu deixe a garrafa? - Ross pergunta depois de olhar para .
  – Sim. - respondo convicta, antes de tomar o conteúdo do copo em um gole só, pronta para enchê-lo novamente.
  – Ei! , vai devagar. - Sean afasta o pequeno copo da minha mão, mas protesto, pegando de volta.
  – Relaxa, está tudo sobre controle. - tento o tranquilizar.
  – Como quiser. - ele dá de ombros e vira seu copo, também de uma vez. Arregalo os olhos e ele ri.
  Sinto que alguém toma o lugar ao meu lado e olho de soslaio para checar quem é. Um homem alto, de cabelo grisalho e óculos escuros batuca seus dedos de modo descontraído sobre o balcão enquanto aguarda ser atendido, mas o que chama mais atenção, é uma cicatriz em seu rosto. Ela traça um caminho sinuoso que parte da orelha e se esconde atrás dos óculos escuros.
  – E aí, John! O de sempre? - Ross se dirige ao cara do meu lado e este confirma com um gesto, fazendo com que o barman vá em busca do seu pedido.
  John.
  – Feia, não é? - o homem grisalho pergunta descontraído, e só agora percebo que estava o encarando esse tempo todo.
  – Como? - tentando esconder meu embaraço, ele ri sem humor, balançando em sua mão o copo de uísque recém trazido, fazendo com que o gelo tilintasse.
  – Sabe, você não é a primeira à ficar encarando. - ele sorri.
  – Eu não estava encarando. - minto, mas na verdade eu estava encarando sim. – Desculpe... - resolvo me redimir e viro para o outro lado, percebendo os olhos azuis de Sean focados em John. – O que foi?
  – É ele. - Sean responde, e engulo em seco, me virando para o lado oposto.
  – John, certo? - pergunto para ele mesmo sabendo a resposta.
  – Me chame do que quiser, querida. - ele sorri novamente, me encarando pela primeira vez e engulo em seco, encarando meu reflexo em seus óculos, que de repente se tornaram uma barreira para conseguir o que eu quero.
  – Certo, John... essa é a galera, galera, esse é o John. - resolvo mudar minha estratégia ao ver que não chegaria muito longe. E como previsto, a maioria apenas levanta ou ao menos tenta, seus copos cheios de cerveja, e antes que eu possa me impedir, estou virando o segundo copo.
  Parecendo notar meu constrangimento, Carl começa a contar sobre como conheceu uma garota, e o que deveria ser apenas uma aventura qualquer no Texas, acabou se tornando a história mais engraçada que eu já ouvi, mas pode ter sido apenas o efeito do álcool que já queimava em minhas veias.
  Não sei porque cheguei a beber tanto, mas posso adivinhar que algo tem a ver com os olhos verdes que não cruzaram uma vez com os meus desde que chegamos, já que estavam ocupados demais com as mulheres que o rodeavam. John, que a princípio era pra ser meu alvo, mais estava para um parceiro de bebidas e ouvintes das histórias de Carl.
  Eu me perdi totalmente nisso.
  E como se soubesse que estava sendo observado, leva as mãos até a coxa descoberta de uma das suas amiguinhas e temendo por minha sanidade, desvio o olhar a tempo de não ver o que veria a seguir. O álcool está fazendo tudo dentro de mim se aflorar ao limite, me fazendo se importar com o que não deveria, principalmente com as sensações estranhas que tenho por , já que para começo de conversa, eu bebi uma garrafa inteira de Bourbon por causa dele.
  Mas quer saber? Se ele tem o direito de se divertir, eu também tenho, eu já ferrei com tudo mesmo, estou longe da sobriedade nesse momento, e coletar informações nesse estado é impossível.
  – Onde você está indo? - Sean pergunta quando me vê levantar de meu banco. 
  – Vou me divertir um pouco. - sopro um beijo desleixado para ele, mas não fico para ver sua reação, já que a jukebox no canto do bar parece muito mais interessante.
  Caminho até a máquina, demorando um pouco para entender como ela funcionava, e cinco fichas e duas músicas ruins depois, um título muito sugestivo me salta aos olhos: 
  Love Made Me - Vixen
  – Isso deve ser bom. - sorrio animada ao pressionar o play e aumentar o som, deixando com que a batida marcante soasse por todo o bar, mas vejo que o ambiente está lotado demais para servir de pista de dança e mesmo se não estivesse, o que tenho em mente parece ser muito mais divertido.
  Quando me dou conta, já era tarde demais para desistir. Caminho acompanhado as batidas fortes da música até o balcão. Sean me olha confuso, e eu apenas sorrio para ele. Passo ao seu lado e me debruço sobre a extensão de madeira.
  – Você pode me ajudar? - pergunto para Carl enquanto aponto para o balcão. Ele sorri e nega com cabeça.
  Carl se levanta do seu banco e me pega no colo me colocando sentada sobre o balcão. Ouço um coro de gritos assim que me levanto, ficando de pé sobre a extensão de madeira.
  Meu corpo segue a batida marcante, balançando meu quadril conforme a música pedia e fazendo com que assovios e comentários indecentes fossem direcionados a mim, mas nesse momento eu não me importo.
  Não me importo se estou dançando bêbada sobre um balcão de bar. Não me importo se todos estão olhando para mim. Não me importo se vou me arrepender disso depois. A única coisa que importa é que eu me sinto viva, mais viva do que me senti nos últimos dias dentro daquele inferno. E essa sensação é maravilhosa.

Our conversation ends too soon
(Nossa conversa termina muito cedo)
You grab your coat and you leave the room
(Você agarra seu casaco e você deixa o quarto)
My heart dissolves on to the floor
(Meu coração dissolve sobre o chão)
Our world divides, we don't talk anymore
(Nosso mundo se divide, nós não falamos mais)

  Meus braços se elevam sobre minha cabeça à medida que a melodia invade meu corpo, me dominando. Olho para toda aquela gente, eu era a atração principal, todos aclamavam empolgados em minha direção, até mesmo as mulheres. Talvez eu arrisque dizer que elas estavam tão empolgadas quanto os homens.

An' I still remember when we first met
(E eu ainda me lembro do nosso primeiro encontro)
It was on a night like this
(Estava em uma noite assim)
The moon was shining for you and me
(A lua estava brilhando para você e para mim)
I should have known I'd be betrayed by a kiss
(Eu deveria saber que eu seria traído por um beijo)

  – "Love made me blind to the truth..." - o refrão irônico para mim, não me impede de cantar tão alto quanto meus pulmões permitirem.

Love made me blind to the truth
(O amor me fez encobrir à verdade)
Love made me crawl, I should've stood up to you
(O amor me fez rastejar, eu deveria ter resistido a você)
Love made me cry out your name
(O amor me fez gritar seu nome)
So what's so good about love when it hurts you this way?
(Então o que é tão bom sobre o amor quando ele te machuca desta forma?)

  Olho para baixo vendo um Sean estático sentado em seu banco, ele mal piscava ao me olhar. Depois ergo meu olhar vendo ao longe um par de olhos verdes que acompanhavam cada movimento que meu corpo fazia. As morenas, loiras e ruivas ao seu redor faziam de tudo para ter sua atenção, que estava direcionada apenas para mim naquele momento.
  Não sabendo se ele conseguiria ver, lanço uma piscadela em sua direção, e o seu sorriso de lado é a prova que ele viu. Fechos os olhos e deixo meu corpo imergir de vez na batida e acordes de guitarra. Abaixo os braços passando as mãos pelo cabelo e vou mexendo o quadril.

These broken nights and the taste of our tears
(Estas noites quebradas e o gosto de nossas lágrimas)
They held us captive and chained to our fears
(Eles nos mantiveram em cativeiro, e acorrentados aos nossos medos)
Is this the dream we've been searching for
(É este o sonho que nós temos procurado)
If this is love, then I don't want any more
(Se isso é amor, então eu não quero mais)

  Dou uma risada com o verso seguinte, talvez rindo da minha miséria por ter escolhido essa música.
  Ainda mexendo o corpo, me viro de costas para o meu público recebendo vários elogios indecentes e assovios em resposta. Encaro o barman que olha a cena encostado na prateleira enquanto ri do meu show, logo depois me aplaudindo.

Somewhere in a dream, you were holding me
(Em algum lugar em um sonho, você estava me segurando)
We both felt the same
(Ambos sentiam o mesmo)
But the war resounds, on the battleground
(Mas a guerra ressoa, no campo de batalha)
Nothing's gonna change
(Nada irá mudar)

  Vou abrindo minha jaqueta de maneira lenta, voltando a me virar para o público. Tiro a jaqueta de vez enquanto danço, depois girando ela no ar vendo todos ficarem empolgados, e por fim atiro a peça de roupa para a pequena multidão que se aglomera para pegar a jaqueta.
  – "Love made me blind to the truth..." - canto o mesmo trecho de antes com toda empolgação que tenho.

Love made me blind to the truth
(O amor me fez encobrir à verdade)
Love made me crawl, I should've stood up to you
(O amor me fez rastejar, eu deveria ter resistido a você)
Love made me cry out your name
(O amor me fez gritar seu nome)
So what's so good about love when it hurts you this way?
(Então o que é tão bom sobre o amor quando ele te machuca desta forma?)

  Os acordes e batidas vão ficando cada vez mais baixos. Para finalizar, abaixo e jogo o cabelo para trás. Sou ovacionada por aplausos, assovios e gracejos. Agradeço me curvando em meio aos risos.
  Carl me ajuda a descer outra vez.
  – Mandou bem, garota. - uma mulher não muito velha com os cabelos pretos diz, e sorrio em resposta.
  – Mais uma rodada! E por conta do Carl! - falo animada para o pequeno grupo de rostos conhecidos e vejo que Carl apenas nega com a cabeça enquanto ri. – Vou ao banheiro, não se divirtam sem mim. - pisco para eles e vou dançando até o banheiro. Deixando Sean estático em seu banco.
  Empurro a porta e me olho no grande espelho sujo à minha frente. Meus olhos estão levemente avermelhados, e quando vejo a situação do meu cabelo, começo a rir.
  – Ei, cadê a privacidade? - resmungo quando a porta do banheiro é aberta de repente.
  Quando me viro levo um susto, mas não um susto ruim, um susto bom. Tem como um susto ser bom? , você está pensando demais. Rio dos meus pensamentos.
  – Você vai embora. - o invasor resmunga para mim.
  – Não vou. - protesto, mudando de humor.
  – Não foi uma pergunta, . - tenta pegar em meu braço, mas dou um passo para trás antes que ele consiga, e acabo tropeçando sobre os calcanhares.
  – Não foi uma pergunta, . - faço meu melhor para imitar sua voz, mas acabo soando como uma criancinha, e isso definitivamente é muito engraçado.
  – Você está bêbada. - ele parece chocado, mas nego com o indicador. 
  – Não estou.
  – Está sim! - ele dá um passo em minha direção.
  – Não estou. - levanto o queixo para encará-lo.
  – Está sim!
  – Não... - ele me interrompe.
  – Foda-se. - agarra meu braço e tudo a nossa volta começa a se desmaterializar.
  Qual é problema dele? Achei que estava se divertindo também, ele até sorriu antes.
  – Isso foi muito desnecessário. - falo irritada, olhando em volta. Ele estragou meu humor.
  – Espera, isso é uma sala? É a minha sala! - o encaro sem entender. – Por que você me trouxe aqui? Me sinto tonta e confusa.
  – Você precisa de um banho frio, não vai voltar pra lá desse jeito. - responde, mas continuo parada. Ele esfrega as mãos no rosto parecendo frustrado. – Escuta aqui. - aponta o dedo em meu rosto, mas não recuo, pelo contrário, pareço ganhar mais coragem e coloco ambas as mãos em minha cintura para enfrentá-lo. – Eu não vou me ferrar por causa de você, entendeu? - ele tenta me intimidar, mas algo em sua expressão séria, sobrancelha franzida e lábios pressionados juntos em uma linha fina e reta, me faz querer rir, mas me contenho, apenas imitando sua expressão.
  – Eu não me importo, . Foda-se você e foda-se todo mundo. - gesticulo. – Eu não vou te obedecer porque quero mais é que você se ferre mesmo. - minha voz se altera no final e sua expressão endurece, mas não fico para ouvir mais ordens. – Eu vou procurar minha amiga. E não me siga. - alerto, porém, no momento em que dou o primeiro passo, o ouço atrás de mim.
  – Lana?! - dou uma rápida olhada pela cozinha. Ela está vazia. – Alana? - verifico no seu quarto e no banheiro. Nada. Resta apenas meu quarto. Abro a porta e encontro tudo exatamente como deixei, me fazendo sorrir por um momento.
  Mas ele também está vazio, o que me faz questionar onde é que ela está a essa hora. Será que ela está bem? Está sozinha? Provavelmente o Connor está junto.
  – O que você está fazendo aqui? Eu disse para não me seguir. - me viro para encontrar olhando em volta, quando noto sua presença. Cruzo os braços à espera de uma resposta.
  – Você é insuportável bêbada. - ele faz uma careta.
  – Pensei que eu fosse sempre insuportável.
  – Acredite, você é, mas bêbada, de algum jeito, fica pior. - sinto meu orgulho levemente ferido.
  – Eu não estou bêbada. - rebato
  – Ah, claro. E agora você vai dizer também que aquele showzinho ridículo no bar não foi por ciúmes. - ele debocha e senta na ponta da minha cama.
  – Ciúmes? Ciúmes de quem? - pergunto retoricamente porque sei que vou irritá-lo. – Oh, espera. Você realmente acha que eu tenho ciúmes de você? - continuo tentando irritá-lo.
  – Você brigou com a Brooklyn. - ele sorri cínico.
  – Eu não briguei com ela por você. Aquela vadia só tinha que aprender onde é o lugar dela. - cruzo os braços.
  – Certo. - ele ri.
  – Eu nem gosto de você, esqueceu? - tento soar indiferente.
  – Você é uma péssima mentirosa. - ele se levanta, caminhando na minha direção, mas vou para o outro lado do quarto.
  – E você é um péssimo demônio. - rebato.
  – O que é isso agora? - ele soa irritado. Parece que o grande não gosta de ser rejeitado.
  – Eu vi você e a Brooklyn. - solto o que vem me incomodando por uma semana. Mas ele apenas finge não se lembrar. – Ela falou um monte de merda sobre mim e você não disse nada. - resolvo despejar de uma vez o que estava entalado.
  – O que você acha que existe aqui? - ele sinaliza entre nós. – Você é realmente estúpida se chegou a pensar que eu teria algum tipo de relacionamento com você. - suas palavras me atingem mais duramente do que pensei que poderiam. – Brooklyn tem razão, nós nunca daríamos certo. Vê se entende isso de uma vez por todas. - ela fala duramente.
  Respiro fundo até me acalmar, já tendo em mente que não ficaria quieta sobre essas coisas.
  – Desde quando você escuta a Brooklyn? Por acaso você é o cachorrinho dela? - consigo irritá-lo.
  – Desde que percebi que ela estava certa. Ela lida com as minhas merdas por muito mais tempo do que você pode imaginar, sabe o quão fodido eu sou. - começa a vir em minha direção. – Ela me fez enxergar que eu estava perdendo meu tempo com você. Isso nunca vai dar certo, não deu no passado e não vai dar agora. - seu corpo se torna tenso.
  – Por que você continua fazendo isso comigo? - pergunto, olhando em seus olhos, mas logo me arrependo. Não sei se quero ouvir a resposta, então continuo, não dando oportunidade para ele me atacar novamente com suas palavras: – O pior de tudo é que eu sei que você tem razão. E isso é tão ruim porque eu não posso controlar as porcarias que eu sinto. - fecho meus olhos com força tentando conter a tontura que me atinge.
  Escuto ele respirar profundamente sem dizer nada.
  – Ainda bem que isso terminou antes mesmo de começar. - reúno todas as forças que me restam, falando em voz alta o que nós dois precisávamos ouvir de uma vez por todas.

Capítulo 31

  Me surpreendo quanto ele leva sua mão direita até o meu rosto, repousando-a na lateral, para segundos depois abrir a boca como se quisesse me falar alguma coisa, porém sendo tão enigmático e bipolar, apenas retira sua mão de meu rosto e se vira de costas, respirando fundo e alto.
  – Por que essa merda tem que ser assim? - ele diz, ainda de costas para mim. – Estou cansado disso já. - ele parece responder sua própria pergunta.
  – Porque isso nunca daria certo. Já se esqueceu que não existe nada entre nós? É por isso que isso é assim. - não perco a oportunidade de ser sarcástica, mesmo que no fundo eu sinta uma pequena pitada de dor. 
   pode ter razão em tudo que ele disse antes, mas isso não lhe dá o direito de ser um verdadeiro babaca comigo. Suas palavras foram rudes, mas bem, eu também posso usá-las.
  Parecendo afetado com o que eu disse, ele volta a se virar de frente para mim, mirando objetivamente em meus olhos e, pela primeira vez, deixando algo transparecer entre suas íris verdes. Pode apenas parecer algo psicológico devido ao estado que estou, mas eu consigo enxergar a mesma dor que sinto, em seus olhos.
   solta uma pequena risada nasalada, abaixando seus olhos para o chão de madeira do quarto.
  – Você tem razão, nós não daríamos certos. Mas por que mesmo assim eu sinto uma enorme vontade de ter você pra mim? - seu olhar voltar a levantar outra vez, se encontrando com os meus e me afetando de uma forma não muito boa.
  Fico estática com sua pergunta, não sabendo o que responder. Certamente porque me sinto da mesma forma. Mesmo que eu sabia que nunca daríamos certo, e que eu tenho todos os motivos do mundo para me afastar dele, eu o quero por perto. É estranho, mas eu sinto uma conexão com , e não digo isso porquê de fato temos uma, mas sim algo que parece vir de muito tempos atrás, talvez algo que nos una. Mas o quê?
  – Estou muito bêbada para responder sua pergunta. - levemente incomodada com essa situação eu acabo contradizendo minhas próprias palavras anteriores, na busca de mudar o rumo dessa conversa.
  – Pensei que não estive bêbada. - ele arqueia uma de suas sobrancelhas.
  – São oscilações de embriagues. - dou uma desculpa ainda mais esfarrapada, que o faz sorrir.
  – Isso não dará certo, nós sempre seremos essa merda de bagunça... - ele começa a dizer, mas faz uma pequena pausa, como se precisa de ar para continuar. –... mas podemos fazer o que sabemos de melhor. - ele continua, me obrigando a franzir o cenho, tentando entender aonde ele queria chegar.
  – Do que você está falando, ? - pergunto, um pouco impaciente com essa situação.
  – Certo, você não se lembra disso. - ele dá uma curta risada. – Vamos fazer como antes, e apenas tirar proveito da situação de merda que estamos agora. - ele termina sua fala de maneira tão profunda que me sinto tocada, mesmo sem entender o que ele disse.
  Fico longos segundos em silêncio na mira de seus olhos, tentando entender tudo que ele me disse, mas parece ser algo muito vago, não faço ideia do que possa ser. Talvez eu realmente esteja bêbada e não consiga pensar com clareza, me sentindo totalmente perdida.
   acaba desviando seu olhar do meu, encarando um pouco qualquer ao seu lado, de canto de olho. Ele parece um pouco impaciente com o meu silêncio, e por isso o vejo me olhar uma última vez antes de começar a dar passos rápidos em minha direção.
   envolve minha cintura com seus braços para me trazer mais para perto de si mesmo. Tomando proveito da situação, levo minhas mãos até sua nuca, sentindo seus cabelos entre meus dedos.
  Sinto a perda de seu toque em meu corpo, me fazendo abrir os olhos a tempo de ver ele rasgar minha fina regata preta em uma única puxada, deixando meu tronco totalmente exposto, apenas com um sutiã que cobria a parte do busto. Penso em repreende-lo, mas no momento que vejo o desejo transbordado dos olhos de , esqueço qualquer peça rasgada.
  Em seguida, parte direto para o meu pescoço. Seus lábios quentes passando por cada parte da minha pele exposta, que aos poucos se arrepia com seu toque. Ele usa seu corpo para me prensar contra a parede, e acabo suspiro com a sensação de ter seu corpo tão colado ao meu.
  Seus beijos em meu pescoço são urgentes, enquanto ele alterna entre alguns lentos, apenas para me provocar, deixando cada vez mais meu corpo quente. começa a traçar um caminho certeiro em meu pescoço com destino final até o meu busto, passando por entre os meus seios cobertos pelo sutiã, e descendo por minha barriga. A imagem que tenho dele nesse ângulo me faz soltar outro suspiro.
  Ele coloca suas enormes mãos, uma em cada lado do meu quadril, e continua descendo seus beijos por minha barriga, da forma mais torturante possível, me fazendo contrair o local e fechar os olhos em resposta. Volto a abri-los segundos depois que deixo de sentir seus lábios contra minha pele. Quando checo, percebo que ele parou apenas para me encarar, e nesse momento suas íris verdes estavam tão sedentes a ponto de me causarem arrepios múltiplos.
  Abaixado e com a cabeça rente ao cós de minha calça, ele me dá um pequeno sorriso sacana antes de desabotoá-la, botão por botão, sem nenhuma pressa. Ele desliza o tecido áspero por minhas pernas, passando seus dedos pela nova pele exposta, me fazendo remexer em meu lugar. Por fim tiro minha calça, a chutando para longe, aproveito e faço o mesmo com minhas botas. 
  Ele volta para cima deslizando as pontas dos dedos pela lateral do meu corpo, agora coberto apenas por uma fina roupa íntima. para suas mãos atrás de minhas coxas, as impulsionando para cima, e com uma ajuda, logo enlaço minhas pernas ao redor de sua cintura. Rodeio seu pescoço com os braços, enquanto ele apoia meu corpo contra a parede, me fazendo sentir um certo volume em sua calça jeans, me fazendo morder os lábios subitamente.
  Ele arruma meus cabelos para trás e volta a atacar meu pescoço, dessa vez com leves mordidas e chupões. Aperto seus ombros, enquanto, mais uma vez, mordo os lábios para reprimir alguns gemidos que insistem em sair, mas que eu nego.
  Enterro minha mão direita em seus cabelos, os puxando com cuidado para trás, tirando de perto do meu pescoço, apenas para beijá-lo. Ele não demora para retribuir o beijo, apertando a parte de fora de minhas coxas, e pressionando mais ainda meu corpo contra a parede, e consequentemente contra o seu corpo também.
  Logo depois posso perceber que ele começa a se movimentar, sem quebrar no beijo. Sinto meu corpo ser colocado contra uma superfície macia, e sei que agora estávamos em minha cama. me deita sobre ela e fica por cima de mim, colocando uma mão em cada lado de minha cabeça, sem deixar o peso do seu corpo cair sobre o meu.
  Sem perder tempo, inverto nossas posições, ficando por cima dele. Me sento sobre seu quadril, tento como plateia seus olhos que queimavam em desejo. Apoio minhas mãos sobre seu tronco pensando se deveria tirar sua camisa de forma lenta e torturante, da mesma forma que ele fez comigo, porém a necessidade que sinto agora é maior do que qualquer vingança. Por isso seguro os extremos de sua camisa e as puxo de uma vez, vendo os botões saltarem, revelando seu abdômen totalmente tatuado.
  Um pequeno sorriso satisfeito surge em meus lábios pela visão que tenho, me deixando ainda mais excitada. apenas me observa, esperando por minha próxima ação. Ainda com as mãos apoiadas em seu tronco, agora descoberto, me inclino em direção à sua boca, mordendo o seu lábio inferior de maneira leve enquanto sinto sua ereção ficar maior embaixo de mim. Como resposta, mexo meu quadril sutilmente, escutando arfar.
  – Acho que estou no comando agora. - minha voz soa baixa e arrastada, a centímetros de sua boca.
  Mexo meu quadril outra vez.
  – . - praticamente rosna em forma de aviso. Mas estou pagando para ver qual será o meu castigo. – Não provoque se não está pronta para aguentar. - ele me desafia, e posso sentir a lascívia transbordando em sua fala.
  – Estou mais do que pronta, amor. - rebato sua provocação, usando o mesmo nome pelo qual ele vem me chamando.
  Isso é o bastante para fazer os olhos de ganharem aquele famoso tom escuro como a noite. Sua postura muda totalmente, e antes que eu possa imaginar o que vem a seguir, ele segura em minha cintura, me virando e voltando a ficar por cima. Quando acho que acabou, ele torna a me virar, fazendo com que  fique de costas para ele, depois erguendo meu corpo e fazendo com que eu fique apoiada apenas pelos joelhos e mãos. me puxa para trás, erguendo mais um pouco meu quadril de modo que eu ficasse voltada em sua direção.
  Seus dedos começam a deslizar de minha cintura até meu quadril.
   – Eu adoraria te foder assim. - sua voz se torna ainda mais grave do que o de costume, tornando suas palavras sujas ainda mais excitantes.
  Fecho os olhos quando sinto meu corpo inteiro formigar em desejo, enquanto ele continua deslizando seus dedos por mim, até parar na barra da minha calcinha.
  – Vamos deixar para uma próxima vez. - não posso ver seu rosto, mas aposto que ele está sorrindo.
  Agarro os lençóis da cama com força quando sinto que ele começa a deslizar minha calcinha por minhas coxas, parando na metade delas.
  – . - agora era eu que emitia um alerta com seu nome para ele.
  Ele continua a deixar a pequena peça de roupa no meio de minhas coxas sem dizer nada, o que me deixa totalmente impaciente. volta a subir seus dedos por minhas coxas, até chegar em minha bunda, depois ele arrasta a ponta dos dedos para o interior de minhas coxas, ficando a centímetros de minha intimidade que começa a pulsar de excitação.
  Seguindo, sua mão livre agarra um punhado de meus cabelos os puxando para trás, fazendo meu corpo ficar ainda mais curvado. Ele inclina seu corpo sobre o meu, pressionando bem sua enorme ereção em minha bunda. Depois aproxima sua boca de minha orelha, mas não diz nada, ao contrário, ele volta a deslizar seus dedos pelo interior de minhas coxas, agora indo em direção à minha intimidade molhada. desliga a ponta do dedo por toda a extensão, me fazendo fechar os olhos e soltar um gemido sôfrego.
  – Isso tudo é para mim, amor? - ele sussurra em minha orelha, me fazendo arrepiar por inteira.
  Ele retira o dedo de minha intimidade e gemo em protesto. Pela posição em que estou, posso ver quando ele leva o dedo molhado por minha excitação até sua boca, o chupando. E só essa imagem me deixa ainda mais excitada, me fazendo mexer a bunda contra sua ereção, querendo ter mais contato.
  Ele solta de imediato meu cabelo para me empurrar para trás, e caio na cama de costas, aproveitando para me livrar da calcinha, empurrando-a para baixo com os pés. sobe sobre meu corpo, sustentando seu corpo com ambas as mãos.
  Seus olhos descem por todo a extensão corpo, e voltam a subir parando em meus seios cobertos pelo sutiã.
  – Acho que você não precisa disso. - diz, antes de se livrar da última peça de roupa que cobria meu corpo. 
  E sentindo meus seios livres, não perco tempo ao inverter nossas posições, encarando sua calça jeans preta.
  – Acho que você não precisa disso. - repito suas palavras, enquanto, sem cerimônia, começo a retirar sua calça e cueca de uma vez.
  Meus olhos ficam sedentos quando vejo seu pau para fora da cueca. Penso em algumas brincadeiras que poderíamos fazer, mas me impede, me puxando para cima e me beijando de forma urgente.
  Seus beijos são urgentes contra a minha boca, transmitindo o desejo que existe entre nós. E percebo enfim que isso é tudo o que nos une: o desejo físico um pelo outro. Nesse momento não existe outra coisa que ambos queiram mais, e estou bem com isso. me deseja tanto quanto eu o desejo e isso é tudo. Eu entendo.
  Em um movimento rápido, ele inverte nossas posições novamente, e com o joelho separa minhas pernas, se colocando entre elas. interrompe o beijo para me olhar de forma sugestiva, mas minha atenção está apenas em seus lábios vermelhos e levemente inchados por nossos beijos.
  Sinto seu pau duro contra a minha barriga, me fazendo arfar, para segundos depois com uma rapidez e brutalidade sobrehumana sentir ele me penetrar de uma vez só. Minha boca se abre em prazer e dor, mas logo é tomada pela de em um beijo rápido, abafando meu gemido.
  Seu corpo se junta ao meu e gemo outra vez. Ele começa a se movimentar dentro de mim, entrando e saindo de forma bruta e prazerosa. Minhas costas se retraem com mais uma investida e minhas unhas cravam na pele de suas costas, fazendo com que um gemido rouco saia dos lábios inchados de .
  Sinto um leve desconforto em minhas costas, o que me faz lembrar da nossa ligação, a qual pensei que seria um fardo que teria de carregar pelo resto da vida, mas nesse momento, não acho que ela seja tão ruim assim.
  Meus dedos correm por suas costas enquanto escuto seus gemidos roucos. Eu estava no paraíso com um demônio.
  Sua testa começa a ser coberta por uma fina camada de suor que fazia com que alguns fios de cabelos ficassem grudados ali, seus olhos se fechavam por alguns segundos, e seus músculos ficavam tensos enquanto acelerava os movimentos dos quadris, quase me fazendo gritar entre o prazer e a dor.
  – H-... - pronuncio seu nome em forma de um gemido arrastado, que o estimula a estocar com força em mim, me fazendo fechar os olhos.
  – Abra os olhos. - ele rosna. E assim o faço, encontrando seus olhos verdes com um leve tom negro.
   leva suas mãos até o alto da minha cabeça, uma em cada lado, apenas para se posicionar e tirar toda a extensão do seu pau de dentro de mim, para me penetrar outra vez com mais força. Solto um grito de prazer misturado com dor, inclinando meu corpo em direção ao dele. Ele vê isso com um convite para ir beijando meu pescoço e descer até os meus seios, onde  distribui vários beijos, logo depois abocanhando meu seio direito.
  Solto outro gemido quando sinto sua língua rodear meu mamilo já enrijecido. Ele fica um tempo ali, quase não me fazendo aguentar seu prazer, me obrigando a puxar seus cabelos com força, arrancando um gemido de se parte, antes de voltarmos a nos beijar.
  Voltamos a nos beijar enquanto enlaço minhas pernas ao redor de sua cintura, obrigando seu corpo a ficar mais perto do meu. Começo a mexer meus quadris tentando acompanhar seu ritmo, arrancando vários gemidos de ambos. Volto a fincar minhas unhas em suas costas quando ele acelera os movimentos do seu quadril, fazendo com que a cama comece a ranger alto.
  – Tão gostosa quanto eu consigo me lembrar. - fala de forma arrastada, diminuindo seus movimentos, tornando-os lentos e torturantes.
  – ... - minha voz sai manhosa e em súplica, fazendo ele sorrir sacana.
  Seus movimentos estavam quase cessando, ele queria me provocar de propósito. E agora quem quase rosnava era eu. Ergo meu quadril de encontro contra seu pau e finco minhas unhas tão fortemente nas suas costas que eu podia sentir o sangue escorrendo entre meus dedos.
   geme alto de prazer e dor, voltando a acelerar os movimentos, me fazendo suspirar de alívio. Sinto o desconforto em minha pele também, mas no momento não ligo.
  Seus movimentos rápidos me fazem sentir que estamos quase lá. A cama começa a estalar e ranger, e no segundo seguinte me agarro com força contra seu corpo, assim que a cama vai ao chão em um baque alto. Mas isso não nos impede de continuarmos, mantém seus movimentos. Eu estava tão perto do melhor orgasmo da minha vida, e sei que ele também, por isso não podemos perder tempo com uma cama quebrada.
  Encaro seu maravilhoso corpo coberto por suor, uma visão excitante que me empurrava cada vez mais perto do meu limite.
   aproxima seu rosto do meu para um beijo enquanto dá suas últimas estocadas rápidas e fortes. E com nossos gemidos misturados e abafados pelos beijos, finalmente chegamos ao orgasmo juntos.
  Como se não fosse o suficiente, os gemidos roucos de contribuem para essa sensação ser ainda melhor. Meu corpo inteiro tremia da cabeça aos pés, e sei que fui e voltei ao paraíso. Ou talvez fui ao inferno e voltei.
   arrasta seu pau para fora de mim me fazendo tremer, desabando seu corpo ao lado do meu. Nossas respirações descompensadas e altas eram as únicas coisas que se ouviam no meu quarto.
  Ainda tendo alguns espasmos de prazer, me viro para encarar o lindo homem ao meu lado. Ele percebe e me olha de volta. Estava deslumbrante, seu corpo brilhando pelo suor, seus cabelos desgrenhados com alguns fios grudados por seu rosto e pescoço, e sua boca vermelha entreaberta enquanto respirava pesadamente.
  Vou para mais perto dele, me deitando sobre seu tronco. puxa o lençol para nos cobrir e preciso apenas de segundos até sentir meus olhos pesarem. Eu não quero dormir agora, mas eu estou tão cansada que não sei se conseguiria resistir, foi instantâneo.
  Ele passa seu braço por minha cintura me mantendo perto.
  – Espero que isso tenha trazido algumas boas recordações. - ele passa a mão por meus cabelos, e acabo fechando os olhos involuntariamente.
  – Agora durma. - com um suspiro cansado acabo adormecendo com um possível sorriso no rosto.

***

  Sinto um vento gelado passar por meu corpo e me encolho, puxando o lençol para me cobrir antes de virar. Abro os olhos não encontrando ninguém ao meu lado. Me sento sobre a cama e começo a olhar em volta, buscando por algum vestígio de . Logo o encontro em frente à janela aberta, usando apenas sua calça jeans com o primeiro botão aberto. O vento que vinha de fora bagunçava levemente seus cabelos, o deixando ainda mais charmoso.
  – Bom dia, amor. - ele diz depois de um tempo.
  Acompanho com os olhos quando ele leva o cigarro até a boca e inala a fumaça vagarosamente com os olhos fechados. Eu nem havia percebido que entre seus dedos tinha um cigarro. Talvez eu estivesse mais preocupada com outras coisas.
  – Bom dia. - respondo de forma baixa, e me levanto da cama quebrada. Olho rapidamente para , mas o mesmo encarava algo além da janela.
  Aproveito seu momento de distração e retiro o lençol que cobria meu corpo nu, logo buscando por minhas roupas íntimas. Não demoro ao achá-las jogadas em um canto qualquer do meu quarto. Caminho até elas e me abaixo para pegar o sutiã jogado, sentindo agora um par de olhos sobre mim acompanhando todos os meus movimentos seguintes. Passo os braços pelas alças do tecido e o fecho, depois indo em busca de uma calcinha nova dentro do meu guarda-roupas.
  Quando levanto meu olhar para ele desvia no mesmo segundo, me fazendo revirar os olhos com sua atitude.
  Me aproximo dele e me encosto na janela, imitando sua posição.
  – E agora, como fica? - pergunto.
  – Como fica o quê? - ele me olha de rabo de olho.
  – Nós dois. - esclareço, e roubo seu cigarro antes que ele possa levar até a boca novamente. 
  Seguro-o entre os dedos e agora tenho toda à atenção de , que se vira pra mim cruzando os braços
   – Continuamos não dando certo. - ele tenta pegar o cigarro da minha mão, mas não deixo, levando-o até minha boca. 
  Trago uma vez e tenho que me controlar para não tossir, sentindo lágrimas se formando nos cantos dos meus olhos, e agora entendo o porquê de nunca ter gostado de cigarros, além do cheiro, eles têm um gosto horrível.
   solta uma curta risada seca antes de roubar o cigarro de minhas mãos, fazendo com que eu tolere que ele fume perto de mim.
  – Eu sei. - digo e reviro os olhos outras vez – Mas nós poderíamos brigar menos. - ele estreita seus olhos com minhas palavras.
  – Como quiser, amor. - dá de ombros, e apaga o cigarro no batente da janela, jogando para fora.
  Fico estática por alguns segundos. Isso foi muito fácil, ele apenas concordou com o que eu disse. Será que eu deveria desconfiar sobre isso? Acho que não. Nossa situação é extremamente chata, e diminuir as brigas já seria algo aliviador, então é melhor não abusar da sorte que estou tendo agora.
  É inevitável depois disso não pensar em Brooklyn e Sean, eles surtariam se soubessem. Tenho certeza que Sean ficaria decepcionado comigo, principalmente depois de tudo que aconteceu. Mas no final nós não vamos ser muito mais do que éramos antes, já que a única diferença é que não tentaríamos nos matar a todo momento.
  – Está pensando demais outra vez. - a voz de me puxa de volta para realidade, onde ele me olha fixamente tentando desvendar o que se passa em minha cabeça.
  – Não faço de propósito. - sou sincera.
  – Talvez devêssemos fazer algo que não te deixasse pensar muito. - ele sorri de lado e me puxa para perto dele. Reviro os olhos e dou uma curta risada entendendo seu jogo.
  – Acho que não. Me sinto muito cansada agora. - digo falsamente, o vendo arquear uma sobrancelha.
  – Ok, vou tomar um banho então. - ele se rende, antes de me dar um rápido selinho e se afastar de mim.
  Ele caminha pelo quarto indo em direção à porta, me dando uma visão dos músculos de suas costas que se movem conforme ele anda. para de andar quando alcança a porta, para me olhar sobre os olhos.
  – Não vou trancar a porta. - ele sorri sacana antes de sair do quarto.
  Se ficasse mais um segundo eu acabaria cedendo ao seu convite descarado.

Capítulo 32

  Quando escuto fechar a porta do meu quarto, solto um longo suspiro e começo a pensar em tudo que aconteceu até agora. De fato, é uma loucura se comparado à toda nossa história desde o dia em que nos conhecemos. Talvez eu devesse colocar a culpa na estranha ligação que sinto ter com ele.
  Depois de ficar um tempo tentando compreender tudo isso, deixo toda essa situação de lado quando percebo que preciso de roupas novas, não há como voltar para o sanatório aos farrapos. Por isso caminho até o meu antigo guarda-roupas e sou atingida por uma onda de nostalgia assim que o abro e encontro todas as minhas roupas da mesma maneira da qual eu havia deixado.
  Fico um tempo ali perdida, apenas encarando cada peça de roupa, até que de fato eu pegue alguma. Opto por escolher algo que se pareça com a regata que usei antes, já que ela foi a única danificada.
  Depois de me vestir devidamente, escuto algumas batidas na porta, seguidas de um rangido onde ela se abriu.
  – Já tomou banho? - questiono mesmo antes de me virar.
  – ? - meu corpo paralisa assim que escuto uma voz feminina e suave, sendo totalmente o oposto da de .
  Me viro rapidamente apenas para encontrar minha melhor amiga parada na porta do quarto, segurando a maçaneta enquanto me olha com um semblante totalmente surpreso e confuso.
  – Oi. - é a única coisa que sou capaz de falar no momento. Eu havia me esquecido completamente dela.
  – Eu não sabia que você viria hoje. - a loira confessa, provavelmente associando as minhas saídas do sanatório.
  – Nem eu.
  – Como entrou aqui? - ela começa a dar pequenos para dentro do quarto.
  – É uma longa história. - suspiro, passando a mão pelos braços.
  – Você pode me contar depois. - ela diz, e eu apenas assinto. – Passei a noite na biblioteca com Connor, estávamos atrás de alguma coisa que pudesse ajudar. - ela suspira.
  – E acharam? - por um segundo esqueço toda a situação constrangedora.
  – Infelizmente não, . - seu olhar era como um pedido de desculpas, e mesmo me sentindo frustrada com sua informação, sei que ambos estão dando o seu melhor nisso.
  – Tudo bem. - tendo a consolar. Ela dá um sorriso triste e deixa o seu olhar vagar pelo meu quarto, de forma perdida.
  – Sei que esse apartamento também é seu, e eu não me importo, mas o que aconteceu nesse quarto? Parece que um furacão passou por aqui. - Lana arqueia as duas sobrancelhas tendo seu olhar fixo na cama quebrada.
  Respiro fundo sabendo que não existe maneira de esconder alguma coisa dela, não existe e eu também não quero esconder, ela é minha melhor amiga. Mas estragando qualquer conversa íntima que poderíamos ter, entra pela porta do quarto, totalmente alheio a tudo, não se importando com a presença de Alana. Ele era uma resposta pronta para sua pergunta.
  Lana o encara por alguns segundos, repara em seus cabelos molhados, e com certeza ela também podia sentir o cheiro de sabonete exalando dele. Não precisa ser um gênio para ligar os pontos.
  Seu olhar corre de para mim, antes que ela finalmente lançasse ao vento o que eu queria contar:
  – Não me diga que vocês dois transaram? - sua voz transparece certa surpresa, mas não tanto quanto eu achei.
  – Sim. - é direto e objetivo, me deixando totalmente sem graça. Para ele não era grande coisa, mas para mim era o contrário.
  – Eu já imaginava que isso iria acontecer em algum momento. - Lana dá uma curta risada, totalmente conformada com a situação. Ela está lidando com isso melhor do que eu imaginei.
  – Eu queria te contar. - enfatizo bem minha fala para que percebesse que se meteu nos meus assuntos com a minha melhor amiga. Ele apenas me olha e dá de ombros.
  – Sempre cometendo o mesmo erro duas vezes. - Lana divaga em tom baixo, encarando fixamente.
  – Você deveria ser a última pessoa a me falar isso. - retruca para minha amiga, enquanto mantém um sorriso sínico no rosto.
  – Eu perdi alguma coisa? - pergunto totalmente confusa com a conversa deles. Isso era estranho.
  – Não. - responde, ainda mantendo seu olhar sobre Lana. – Vou estar te esperando na sala. Seja rápida, precisamos voltar. - ele alerta e depois sai do quarto.
  – O que foi isso Lana? - questiono diretamente minha amiga.
  – Nada. - ela suspira. – Me referia ao fato de você ter se envolvido com ele mesmo depois de tudo. - a loira encolhe seus ombros.
  – E por que ele falou aquilo para você? - me mantenho firme, tentando entender a situação.
  – Eu não sei, . - ela me olha sincera, e no final apenas acredito.
  Ela me apoiou mesmo quando eu contei como me sentia em relação a ele, e agora demostra preocupação, isso sempre foi típico dela. Lana é minha melhor amiga, apenas quer me alertar sobre .
  – Mas me conta, como foi? - ela muda de assunto e dá um pequeno sorriso. – Eu posso até não aprovar, mas você continua sendo minha melhor amiga. - Lana caminha diretamente para onde estou, e segura minhas mãos, me fazendo sentir segura pelo menos naquele instante.
  Suspiro de forma cansada, e depois conto cada detalhe para minha amiga, que escuta atentamente tudo, sem me julgar ou fazer caretas. Lana era a melhor pessoa que eu conhecia.
  – Você dançou em cima de um balcão de bar? - ela pergunta em meio aos risos.
  – Sim, mas só porque eu estava bêbada. - encaro o chão vergonhosamente, contendo meu riso.
  – Isso me fez lembrar dos nossos tempos de colegial. - ela suspira, como se pudesse reviver aquele momento. – Principalmente de Logan. - ela me olha de canto de olho, reprimindo um sorriso esperto.
  Faço uma careta ao escutar o nome do meu ex namorado.
  – Quem? Não conheço nenhum Logan. - minha voz sai em desdém, mas mesmo assim posso sentir seu olhar desafiador sobre mim.
  – Seu ex-namorado, lembra? Aquele que te deixou pra rodar o mundo em um Camaro 1968 preto. - quando volto a encará-la posso ver o cinismo em sua feição.
  – Eu te odeio. - falo incrédula, e ela me abraça de lado, dando boas gargalhadas.
  – Será que vocês ainda estariam juntos se ele não tivesse ido embora? - ela me solta e começa a divagar.
  – Não sei. - reviro os olhos.
  – Acho que vocês teriam se casado. - Lana faz uma cara pensativa. – E teriam três filhos. Duas meninas e um menino, talvez. - ela sorri.
  – Vamos mudar de assunto. - me sinto incomodada. – O que você acha? - mudo drasticamente o rumo de nossa conversa, tentando deixar meu passado de colegial e Logan para trás.
  – Sobre você e ? - ela pergunta e eu assinto, me sentindo receosa. – Você já sabe o que eu acho, . - o tom descontraído que ela usava segundos atrás agora havia sumido. – Eu mantenho minha posição de te apoiar sempre, só tome cuidado. Não quero que saia ainda mais machucada. - ela segura em minhas mãos, enquanto solta um curto suspiro.
  – Eu vou tomar cuidado. - aperto de leve suas mãos. E ficamos assim por algum tempo até que eu me lembre de algo.
  – Ah, quase me esqueci. Consegui pegar o diário. - revelo, e ela me olha espantada, mas depois sorri.
  – Que ótimo, . E onde está? - ela olha em volta como se procurasse o objeto.
  – Deixei com Sean no bar. - faço uma careta.
  – Não tem problema, hoje é dia de visita. Eu irei ao sanatório mais tarde e você pode me dar. - apenas assinto.
  – A propósito, Connor tem algo muito importante para te contar hoje, mas nem tente me perguntar o que é porque ele insiste em te dizer pessoalmente. - ela releva, e concordo, mesmo estando curiosa sobre o que poderia ser.
  – Eu preciso que ir agora. Não quero um mal-humorado me irritando. - confesso, e ela assente.
  Em seguida começamos a caminhar até a porta, mas Lana para no meio do caminho para pegar do chão um pedaço de pano preto rasgado, minha regata. Depois ela olha em volta e seu olhar para especificamente na cama bagunçada.
  – A noite foi mesmo boa, hein? Vocês quebraram o quarto todo. - ela dá risada, e eu reviro os olhos, a arrastando para fora do quarto.
  Caminhamos até a sala, onde encontramos com uma carranca em seu rosto, sentado no sofá.
  – Já podemos ir. - falo antes que possa resmungar. O mesmo bufa e se levanta do sofá pegando em minha mão.
  – . - Lana o chama, captando nossa atenção. – Eu não ligo para o que aconteceu no passado ou se você é um demônio. Se fizer alguma coisa com ela vai se ver comigo. - por um segundo fico chocada com sua atitude.
  – Vá pro inferno, Alana. - ele rebate. – Você sabe que sou eu quem deveria dizer. - sorri deixando Lana visivelmente irritada com suas palavras.
  E com essa curta conversa intrigante que me deixou totalmente perdida entre farpas, nos tira dali mais rápido do que eu possa questionar. Eu realmente preciso descobrir o que é tudo isso, essa sensação de que todos parecem esconder coisas de mim, me deixando totalmente perdida e sem saber o que é todo esse mistério.
  Por alguns segundos tudo fica escuro ao meu redor, me impossibilitando de enxergar. Mas essa sensação ruim termina rápido, quando sinto meus pés firmes no chão de pavimento.
  Olho em volta percebendo que estava de volta ao bar, que agora estava fechado. A rua era completamente deserta, e se não fosse pela presença de Sean sentado na calçada, isso até poderia parecer abandonado.
  O loiro mexe em algo ao lado de seus pés e parece entediado, me fazendo sentir culpada por ter deixado ele aqui.
  – Sean? - o chamo e ele olha para cima com o cenho franzido, mas sua expressão se neutraliza ao me ver.
  – Você sumiu! - ele rapidamente se levanta, e vem ao meu encontro – Onde estava?! - sua pergunta não era nada mais que curiosidade e vejo pelo canto do olho, que se mexe desconfortável.
  – Eu estava... - tento achar as palavras certas para dizer, já que "na cama com o " não parece uma boa resposta.
  – Não interessa, cara. - dá um passo na direção de Sean, ameaçando-o, mas este não recua.
  – Tem certeza que você vai querer bancar o idiota na frente dela, ? Ah, quase me esqueci. Você já faz isso. - Sean provoca, e fecha as mãos em punhos ao lado do corpo.
  – Para com isso, Sean! - tento entrar na frente dos dois, mas me olha com raiva.
  – Saí, Ellinora! - a voz de emana raiva, e tenho vontade de gritar com ele por ser tão idiota.
  – Isso aí, Ellinora! Faz o que seu dono manda! - as palavras de Sean atingem diretamente o meu orgulho.
   parte pra cima de Sean, ficando ainda mais irritado. Toda essa confusão faz meu sangue ferver, eu não posso deixar eles se matarem aqui.
  – , para! - seguro seus braços, tentando afastá-lo de Sean.
   me empurra para o lado, me tirando de seu caminho e partindo outra vez para cima de Sean, que é atingido no rosto. O mesmo leva a mão até o corte que se formou no canto da sua boca, parecendo ficar muito irritado. E como resposta, ele devolve o soco em , o machucando também.
  Tento repreendê-los mais algumas vezes para que parem, mas eles apenas me ignoram, e isso vai fazendo com que meu sangue ferva cada vez mais, onde posso sentir uma incontrolável raiva pairar sobre mim.
  – ! Sean! - tento chamá-los uma última vez, com um tom de voz calmo, porém duro. O que me espanta por um momento.
  – Fique quieta e não se meta nisso. - Sean resmunga enquanto está envolvida em sua briga com .
  – Primeiro o me empurra, depois o Sean me mandar ficar quieta. - falo em tom baixo, apenas para que eu possa escutar. Em seguida solto uma curta risada sem humor, ficando completamente cega de raiva, era como se meu corpo só emanasse isso agora.
  De onde estou dou alguns passos em direção à briga, parando a poucos centímetros dos dois idiotas que se socavam.
  – EU JÁ FALEI PARA PARAREM COM ESSA MERDA! - grito tão alto que chega a me assustar. E junto com o meu grito escuto um alto barulho de vidro sendo quebrado. E ao olhar em volta posso ver que todas as janelas do bar estavam totalmente destruídas.
  Dou mais alguns passos em direção aos dois idiotas e os separo de uma vez com uma força totalmente desconhecida por mim. Agarro ambos por suas camisas, os puxando agressivamente pra mim, ainda, completamente tomada por essa raiva estranha.
  – Vocês vão parar com isso agora e nós iremos embora. E é bom que  não me irritem. - falo entre os dentes, encarando cada um dos dois, ambos me olhando com expressões espantadas.
  Solto suas camisas e me coloco no meio dos dois, segurando suas mãos de força rude. E sem mais nenhuma palavra da parte deles, eu começo a sentir tudo se desmaterializando ao nosso redor, não demorando para que voltássemos para o centro de tudo.
  Nossa chegada até a recriação do sanatório é rápida e eu já estava pronta para ir embora e ficar longe desses dois, mas sei que precisamos falar com Arthur antes disso. E por via das dúvidas, nenhum deles ousou me direcionar a palavra, assim como eu também não fiz questão de conversar com eles.
  Eu ainda sentia raiva por tudo que aconteceu, mesmo que eu tenha certa parcela de culpa nisso. Mas foi algo que eu não pude controlar, apenas aconteceu, eu mesma me senti estranha, a raiva me controlou e quando me dei conta, já havia acontecido. Até mesmo agora eu ainda me sinto assustada com o que pude fazer apenas por gritar.
  , Madeline e Brooklyn não demoram ao surgirem no recreamento, claramente notando a tensão pairando sobre nós três.
  – O que descobriram? - apenas quando a voz imponente de Arthur soa na sala quieta, percebo que ele se encontrava em um canto mais afastado, apenas nos observando.
  Engulo em seco ao perceber que eu não tinha informação alguma que fosse de interesse para ele, fazendo com que o real objetivo da nossa pequena saída não fosse atingido.
  – Eu descobri algumas informações. - a voz de Sean quebra o clima tenso que se formou após a pergunta de Arthur.
  – Oh, e o que seria? - o tom de voz de Arthur é de deboche, mas seu rosto não demostra nenhuma emoção.
  – Sim. - Sean endireita a postura ao meu lado e Arthur faz o mesmo logo depois. Olho para os dois e tenho a certeza de que há muita história por trás do ódio que os envolve.
  – O que você está esperando para falar? - Arthur o apareça, e Sean solta um riso seco.
  – Tem certeza que você quer que todos ouçam? - Sean pergunta e olho para os três que chegaram na recriação.
   parece um pouco aflito agora, se vendo no meio da linha de fogo. E com um olhar de Arthur, os três se retiram da sala rapidamente. Penso em fazer o mesmo, mas Arthur faz um gesto para que eu fique.
  – Quero que os dois fiquem por dentro das grandes novidades que Sean tem para me contar. - Arthur está sendo extremamente sarcástico ao se referir a Sean, reforçando a ideia que tenho, de que os dois devem ter uma longa história mal resolvida.
  Ignorando os comentários de Arthur, Sean continuou:
  – Conversei com o tal John, mas o cara estava muito bêbado para dar qualquer informação realmente válida, mas deixou escapar que ele estava à espera de um amigo que traria mais informações. - a expressão de deboche de Arthur some quando escuta as palavras de Sean.
  – Informações sobre o quê? - Arthur parece ansioso agora.
  – Eles desconfiam que existem alguns espiões no bar. - o semblante de Arthur endurece. – Mas não sabem quem são... ainda. - Sean complet, e a feição de Arthur relaxa por alguns instantes.
  – E você, Ellinora? - levo meu olhar rapidamente para Arthur, me sentindo como se estivesse de volta na escola quando o professor escolhe exatamente você para responder, sendo que existem tantos outros alunos que realmente sabem a maldita resposta.
  – Eu... - tento pensar rapidamente em algo, mas nada me vem à cabeça.
  – A até tentou se aproximar de John, mas ele levou para o lado errado, então ela não conseguiu nada. - Sean responde antes que eu conseguisse me atrapalhar. E preciso controlar minha feição de surpresa.
  – Certo. - Arthur não parece se convencer por completo, mas deixa essa passar. – Espero que na próxima vez que eu lhe perguntar algo, Ellinora, você mesma responda. - Arthur me repreende, e eu apenas assinto.
  Ele se vira e sinto meus ombros relaxarem.
  – Só mais um aviso. - mas o maldito, claro, tinha que voltar e criar uma tensão. – É melhor que tragam algo que seja importante ou não terá uma próxima vez. - seu aviso soa mais como uma ameaça, e assinto rapidamente, não querendo pensar nas possíveis consequências por desobedecê-lo.
  Solto um suspiro aliviado quando sua figura intimidadora some através da grande porta de metal. E assim como Arthur, Sean também faz seu caminho, só que em direção às celas do isolamento.
  Encaro sua figura por alguns segundos e sei que tenho que ir falar com ele, eu devo um belo pedido de desculpas para Sean.
  – Você vai atrás dele? - fecho os olhos por alguns segundos e respiro fundo quando escuto a voz de .
  Tudo que eu não preciso agora é de outra briga.
  – Vou. Você tem algum problema com isso?
  – Eu? Eu preciso ter algum problema com isso? - sua voz sai debochada.
  – Eu não quero brigar. Nós concordamos em brigar menos. - dou alguns passos ficando bem perto dele. – Mas Sean se tornou um amigo para mim, você gostando ou não. E eu não vou deixar de falar com ele porque vocês não se dão bem. - cruza os braços e faz uma carranca, encarando a janela ao lado.
  Reviro os olhos, quase achando que estou lidando com uma criança.
  – Eu e você não damos certo. - quando repito sua própria fala, ele volta a me olhar. – Essas são suas palavras, então não tem motivo para você ficar assim. - sorrio, devolvendo seu desdém. E não fico para escutar sua resposta, vou saindo enquanto estou ganhando, e enquanto nós não brigamos.
  Faço meu caminho até as celas de vidros, passando em frente a cada uma, procurando por Sean, logo encontrando dentro de sua própria cela. Ele estava sentado na cama e encarava o chão com uma expressão neutra.
  – Posso entrar? - pergunto da porta, atraindo sua atenção. Ele me encara por alguns segundos e depois assente, indo para o lado me dando algum espaço para sentar, e assim o faço. Solto um longo suspiro antes de falar – Me desculpe, nós não deveríamos ter deixo você lá. Me sinto péssima por isso. - encaro seu rosto, e ele levanta seu olhar até o meu.
  – Se sente péssima? - ele pergunta e eu assinto. – Ótimo. - seu semblante assim como suas palavras são duras, o que me deixa ainda mais culpada, mas ele logo se desfaz dele e sorri para mim. – Eu não estou bravo com você... estou decepcionado. Não sou idiota, eu sei o que vocês foram fazer. - apenas me mantenho calada, sabendo que precisava escutar isso. – Tudo bem, . Nós não precisamos falar sobre isso, mas eu não quero que o babaca do te faça sofrer. - seu corpo fica tenso ao lado do meu, enquanto sua voz transborda frustração.
  – Não se preocupe comigo, eu vou ficar bem. - pego em sua mão direita, tentando passar confiança. – Muito obrigada por me ajudar com o Arthur.
  – Não precisa agradecer, você sabe que eu não deixaria ele fazer qualquer coisa com você. - ele soa sincero, e eu apenas assinto. – Me desculpe também por ter sido um babaca com você mais cedo. - Sean suspira.
  – Tudo bem, não se preocupe com isso. - sorrio para o loiro e começo a pensar por que com o não podia ser tão fácil assim.
  – ... - Sean capta minha atenção, com uma expressão um pouco mais séria agora. – Eu não contei tudo para o Arthur. - ele confessa.
  – Não contou tudo? Do que você está falando? - pergunto, com o cenho franzido.
  – John me contou mais uma coisa. - ele faz uma leve pressão de sua mão sobre a minha, demonstrando nervosismo.
  – O que era? Por que não contou pro Arthur? - minha voz transbordava curiosidade.
  – Eu não podia contar ou nosso plano de acabar com ele iria por água a baixo. - apenas assinto. Ele me olha intensamente por alguns segundos antes de continuar. – O cara bebeu demais e acabou deixando escapar que ele e alguns caras do bar estão planejando outro ataque surpresa. - meus olhos se arregalam.
  – Fugiram do sanatório? Como assim outro ataque? Já teve outro antes? - pergunto, mas Sean não responde, fazendo nesse momento toda a paciência reprimida que venho tentando ter com tudo isso, voasse para longe.
  Estou cansada de perguntas sem respostas, de coisas que são escondidas de mim constantemente, estou cansada de sempre ficar no escuro, sendo guiada a fazer coisas dais quais não sei as consequências no final.
  – Já estou de saco cheio disso, Sean. - minha voz se altera por um momento. – Quando vocês vão parar de esconder as coisas de mim e vão me contar a verdade?! - outra pergunta sem resposta. – Eu não posso ajudar em algo que eu não sei o que é! - minhas palavras erram desesperadas. – No que eu estou ajudando?! - olho exasperadamente para Sean, que tem uma feição de culpa em seu rosto.
  – ...
  – Não! - falo firmemente e me levanto de sua cama. – Eu não quero escutar nenhuma outra desculpa, Sean. Se você não vai me contar verdade, eu não vou ouvir. - lanço todas as palavras entaladas em minha garganta e me viro, pronta para ir embora dali. Mas minhas duras palavras parecem ter surtido algum efeito sobre Sean, já que ele se apresa ao barrar minha saída.
  – Eu vou te contar. - Sean desvia seu olhar do meu, enquanto solta um longo suspiro, mantendo sua mão ao redor do meu pulso; recurso que ele usou para não me deixar sair.
  – Eu estou ouvindo. - minhas palavras ainda soam firmes, para que Sean entenda que eu não estou brincando.
  – Aqui não. Vem! - ele me puxa de volta para sua cama, e quando me sento outra vez sobre ela, o mesmo corre até a entrada de sua cela e checa os dois lados para conferir se estávamos sozinhos.
  Depois de fazer isso ele volta para perto de mim, se sentando ao meu lado, enquanto respira fundo tomando coragem para começar.
  – Você se lembra que quando nos conhecemos eu te falei que você tinha que descobrir as coisas por si só? - apenas assinto em resposta à sua pergunta. – Eu não estava brincando quando disse aquilo, . - reviro meus olhos e tento me levantar para ir embora, mas ele estende um braço em frente ao meu tronco. – Espera. Deixar eu terminar. - lentamente ele retira seu braço da minha frente. – Eu não falei aquilo porque queria que você descobrisse sozinha. Falei porque não consigo te contar a verdade por completo.
  – Não consegue por que, Sean? - pergunto, perdendo a paciência outra vez.
  – , presta atenção. - Sean procura por minha mãos, as segurando firmemente, e me obrigando a voltar toda atenção para os seus olhos, que pareciam desesperados. – Pode parecer loucura, mas você tem uma longa história com esse lugar e com todos nós, você apenas não consegue se lembrar disso. - meu cenho logo se franze em pura confusão; eu estou a ponto de dar risada dessa confissão idiota, se não fosse por alguns pequenos detalhes que me atingiram de uma vez só.
  Já faz um tempo desde que venho tendo a sensação de que todos escondem coisas de mim e, de fato, escondem mesmo. Mas a forma como deixam as coisas nas entrelinhas, principalmente Arthur, ele fala como se algo do meu passado estive interligado aos acontecimentos de hoje. Mas eu me lembro bem do meu passado, e nele não havia ninguém desse lugar, muito menos o sanatório.
  – Arthur não é simplesmente um demônio, ele é o próprio mal, , e por mais que tentemos, o mal não acaba nunca. - sinto as mãos de Sean ficarem suadas. – Você tem uma ligação muito grande com esse lugar, mas aconteceram coisas que não te permitem lembrar. Eu queria poder te contar, mas eu não consigo, ele não deixa. Arthur não permite que qualquer um te conte sobre isso, posso dizer que é com uma espécie de feitiço sobre todos aqui dentro. Não é que nós não queremos te contar, nós não conseguirmos. Eu mesmo estou tendo o maior esforço agora para tentar te passar alguma informação de forma indireta, já que sendo um paciente desse lugar, eu não consigo falar nada que o Arthur não queira. - Sean solta o ar depois de sua confissão.
  – Então Arthur controla o que vocês falam? - pergunto totalmente atordoada com o que acabei de ouvir.
  – Ele controla o que falamos sobre esse assunto especifico. Por mais que tentemos, as palavras simplesmente não vão sair. - ele suspira. – Eu venho tentando pensar em uma forma de conversar com você sobre isso sem falar sobre os detalhes. Na verdade, estou tentando fazer isso agora mesmo, e é bem mais difícil do que parece. - eu realmente podia ver o esforço de Sean. Parecia que ele lutava contra ele mesmo para conseguir me contar tudo isso.
  – Tudo bem. - falo, agora, de maneira calma, tentando incentivá-lo.
  Ele respira fundo outra vez.
  – Você tem uma ligação com esse lugar. Mas conseguiu quebrá-la, e como consequência não se lembra de nada e nem de ninguém. Pra você é como se nos conhecessemos pela primeira vez. Você não acha que voltou aqui por coincidência, não é? - Sean me pergunta em meio à um riso nervoso. – , você está aqui porque Arthur quer que você esteja aqui. Ele tem algo preparado para você,  vai te colocar em situações que despertem o seu limite,  quer que você se lembre de tudo sozinha, já que quando isso acontecer,  atingirá o objetivo dele. - meus batimentos cardíacos já começavam a se descontrolar a medida que uma sensação ruim toma cada parte do meu corpo.
  – E por que ele quer isso? - mesmo temente pela resposta, eu pergunto.
  – Eu não sei. Arthur não vai nos contar seus planos. O que sabemos é que ele quer que você atinja seu limite, mas para quê,  é o que todo mundo aqui quer saber.
  – Eu acho que estou ficando louca. - puxo minhas mãos das de Sean, e encaro o chão de maneira assustada, tentando assimilar.
  – Mas eu tenho uma teoria do que possa ser tudo isso. - rapidamente meu olhar se volta para Sean, e com certeza ele podia ver o meu desespero. – Acredite quando eu digo, você já nasceu um anjo caçador. Encontrar tudo isso de novo apenas acordou o que você havia esquecido. - minha cabeça da voltas com suas palavras. – Eu acho que Arthur quer te levar ao limite para que você desperte todo seu poder outra vez, assim ele pode roubá-lo. Mas eu ainda não sei para quê ele quer fazer isso. - nesse momento era como se o mundo tivesse parado ou estivesse em câmera lenta. Eu simplesmente não podia acreditar nisso.
  – Eu não posso acreditar em tudo isso. - apoio os cotovelos sobre meus joelhos e enterro a cabeça entre minhas mãos.
  – E-Eu estou te contando a verdade, . - a voz de Sean falha, eu podia sentir o pesar. Ele teme que eu ache que ele está inventando tudo isso, mas eu acredito nele, apenas não consigo assimilar tudo isso. – Agora você entende? Eu não te contei praticamente nada. Na verdade, estou jogando entrelinhas, não te falei nada tão relevante e isso já te deixou dessa forma. Agora imagina como você não ficaria ao saber de tudo. - retiro uma de minhas mãos do rosto, e olho de canto de olho para Sean. – É isso que ele quer, que você saiba tudo de uma vez e se descontrole. Eu quero você se lembre de tudo, mas não dessa forma. Um pouquinho de cada vez, talvez. Acho que assim as coisas seriam mais fáceis para você. Então apenas confie em mim, eu vou te ajudar, mas da maneira que eu posso. - ele solta outro suspiro, mas este era de puro cansaço em relação a tudo isso. – Eu sei que você tem muita coisa para assimilar, mas apenas escute essa última coisa. - sua voz ganha um tom mais sério, mas continuo da mesma forma, eu já estou bastante abalada com isso. –  não é alguém em quem você pode confiar. - rapidamente endireito minha postura ao escutar o nome de . – Ele também fez parte do seu passado, . fez algo que é imperdoável, ele tirou o que é de mais valioso pra você. O que ele fez foi tão fodido a ponto de sua irmã ter parado de falar com ele por sete anos.
  – Gemma?! - pergunto surpresa, e ele assente – O que o tirou de mim?! - minhas perguntas eram desesperadas.
  – Eu não consigo falar, . – seu olhar era de culpa, mas sei que isso está além do seu querer, era com Arthur. – Por isso confie em mim  todas as vezes que digo que não é uma boa pessoa, e que ele só se preocupa com sigo mesmo. - talvez de tudo que foi me dito até agora, isso parecia o pior.
  Mesmo que eu negue, eu tenho esses sentimentos confusos por , e saber que de alguma forma já nos conhecíamos e que ele pode ter feito algo ruim para mim... eu não posso lidar com isso.
  – Eu preciso de um tempo. - me levanto rapidamente da cama e saio apressada da cela de Sean. Desta vez ele não tenta me parar, sabe que eu preciso disso.

***

  Sem ter muitos lugares para onde eu pudesse ir, me encontro na enfermaria para tentar clarear meus pensamentos. E já nem sei quanto tempo faz que estou aqui dentro, parada em frente à janela olhando para as árvores da floresta do sanatório.
  Tentei colocar meus pensamentos no lugar, mas a cada segundo que passava tudo parecia ficar mais confuso, e eu me via em um verdadeiro labirinto sem saber para onde ir, ou no caso, em quem eu poderia, de fato, confiar.
  Não posso mentir e dizer que não estou levando em consideração Sean, no final das contas ele foi o único que teve a coragem de me contar sobre alguma coisa.
  Descobrir uma parte de quem foi no passado mexeu comigo, mas também não quero julgá-lo sem provas. Na verdade, parece que as provas foram apagadas da minha cabeça, e aí está o problema: como acreditar em alguma coisa que não me lembro? Como julgar alguém desta forma?
  Eu estou à beira da loucura.
  Sean disse que me fez algo tão ruim a ponto de Gemma passar sete anos sem falar com ele. Então ela será a minha peça chave, só ela pode me contra sobre isso. E mesmo que Arthur controle o que eles falam para mim, sei que assim que ver Gemma vou saber se isso é verdade ou não.
  Decidida a tomar alguma atitude em relação a isso, deixo a enfermaria, mas sou surpreendida por Ethan parado ao lado de fora da sala, pronto para abrir a porta.
  – Você tem visitas. - ele indica o corredor, e eu apenas assinto. Saindo de vez da enfermaria e o seguindo.
  Andamos pelos corredores e passamos pelas celas de vidro, mas não me obrigo a olhar para elas, eu realmente não quero ver nenhum deles nesse momento, ainda preciso esvaziar minha cabeça de tudo isso.
  Depois de passarmos por ali, Ethan me leva para fora do isolamento e me guia pelo sanatório até a sala de visitas que ficava no primeiro andar. Logo vejo Lana parada no meio do ambiente. Ela está visivelmente desconfortável e olha para os lados constantemente enquanto agarra na alça de sua bolça, provavelmente com receio de algum paciente.
  Sua expressão se suaviza assim que ela ame vê.
  – Oi, de novo. - ela sorri para mim assim que me aproximo e faço o máximo para retribuir, mesmo que seja difícil. – Aconteceu alguma coisa? - Lana é minha melhor amiga desde que me conheço por gente, com certeza ela iria notar. Mas, mesmo assim, eu apenas nego, não quero contar para ela sobre isso agora, e também, eu preciso falar com Gemma antes de acreditar no que Sean me disse.
  – Só estou cansada desse lugar. - falo sincera, já que não estava mentindo, sabendo que essa resposta a convenceria.
  – Logo nós vamos te tirar daqui. - ela fala de maneira baixa para que apenas eu a escute, mas isso não impede sua voz de ser determinada. E eu apenas assinto em resposta. – Hm, onde está o diário? - ela muda de assunto.
  Faço uma careta, e ela recua.
  – O que foi? - Lana pergunta, e aponto para trás dela em resposta, onde posso ver a figura de Connor surgir através da entrada da sala de visitas, me assustando por um momento.
  – Desculpe, . Não quis te assustar. - ele dá uma cursa risada, e eu apenas assinto outra vez. – E então, onde está o diário? - agora foi a vez de Connor perguntar.
  Fecho os olhos por um segundo, e suspiro antes de responder.
  – O diário ficou com Sean no isolamento. - faço outra careta.
  Minha cabeça ficou tão cheia que eu me esqueci de pegar o diário para dar a eles.
  – O que vamos fazer agora? - Connor pergunta e olha de Lana para mim.
  – Já sei. - Lana parece ter uma ideia. – Só sigam o que eu disser. - ela diz séria, e nós apenas assentimos, depois de trocar olhares confusos.
  A loira dá passos determinados até o guarda mais próximo, que por coincidência era Ethan. Ela começa a dizer algumas coisas para ele, mas o semblante de Ethan continua sério, ignorando-a por completo.
  – Eu tenho o direito de saber como minha amiga está sendo tratada aqui dentro. Quero ver onde ela está sendo mantida presa. - seu tom de voz aumenta significativamente, chamando a atenção de várias pessoas ao redor e temo por ela.
  – Ela não está sendo mantida presa, isso é um equívoco. - Ethan rebate, tentando manter a voz calma.
  – Se eu estou tão equivocada assim, me leve até esse tal de isolamento. Me mostre onde ela fica. - Lana deixa sua postura intimidante, e encara firmemente Ethan, mostrando que ela estava longe de ceder.
  Por fim, e provavelmente temendo alguma retaliação de Arthur em consequência ao escândalo, Ethan cede ao capricho de Lana, o que me faz olhar de forma espantada para Connor, que também estava surpreso.
  Rudemente e visivelmente irritado, Ethan pede para que nós três o seguíssemos. Lana não se deixa abater por seu tom de voz e caminha lado a lado com o guarda.
  Minha amiga se vira discretamente para Connor e eu, que andávamos mais para trás, apenas para nos dar um sinal de positivo com o dedo, quase me fazendo rir de incredulidade.
  Ethan nos guia pelo corredor tão conhecido por mim, e Connor observa tudo como se estivesse em outro planeta. Seus olhos estavam levemente arregalados, e sua boca um pouco aberta.
  – Por aqui! - Ethan abre um pouco mais a porta de ferro que marca a entrada para o isolamento, e Connor e Lana entram primeiro.
  Ethan pede para que eu espere na entrada do isolamento com outro guarda, enquanto leva Connor e Lana até as celas de vidro. Fico estática no lugar, sendo remoída por uma ansiedade por não poder ir com eles.
  Porém não é algo que dura muito, já que logo eles estão de volta, e Lana segura sua bolsa bem firme contra o peito enquanto caminha até mim.
  – Vocês têm só mais alguns minutos. - Ethan alerta, ainda irritado, e depois sai de perto de nós três.
  – E aí?! - pergunto ansiosa para eles. Em resposta Lana abre uma pequena parte de sua bolsa, onde posso espiar e ver uma capa velha e marrom de couro ali dentro.
  – Como vocês conseguiram?
  – Lana ficou irritando o guarda para que eu pudesse procurar Sean. Não tem muitos pacientes aqui, então foi fácil. Ele apenas me deu o diário. Mas provavelmente esse guarda odeia a Lana agora. - Connor coça a nuca e Lana dá de ombros. E por um segundo eu dou risada.
  Só eles mesmo para me animarem em uma situação como está.
  – Hm, eu vou ali irritar um pouco mais ele. - Lana diz. – Acho que Connor tem algo importante para te contar agora. - a loira olha significativa para o de olhos verdes, e depois sai, nos deixando sozinhos.
  Neste momento é impossível não lembrar sobre o que ela me contou mais cedo, sobre o Connor ter algo para me dizer.
  – Ela é maluca. - Connor comenta entre um curto riso, que eu acompanho.
  – E como você está, Connor? Nunca mais tivemos tempo de conversar depois de tudo o que aconteceu. - falo sincera antes que ele me conte seja lá o que for.
  Connor fica sem graça com minha confissão, e no mesmo instante me sinto nostálgica e com saudades de suas reações.
  – Ahn, eu estou bem. Trabalhando sempre. - ele tenta soar descontraído, mas noto que está nervoso e ansioso com algo.
  – Tem algum problema? - minha expressão fica séria, e começo a imaginar mil e uma hipóteses para o que pode ter acontecido.
  – Sim. - eu definitivamente não espera essa resposta. Posso sentir meu corpo começar a ficar tenso – Na verdade, não. - ele muda sua resposta, me deixando ainda mais tensa. – Eu só preciso te contar uma coisa, mas preciso que você apenas me escute para que eu possa dizer de uma vez, porque se não for assim, não vou ter coragem suficiente para repetir. - ok, eu definitivamente estou tendo um ataque de tensão agora.
  Seu tom é extremamente sério e tento imaginar qual pode ser o assunto da conversa, mas nada me vem em mente.
  – Eu conheci uma garota... - ele confessa e faz uma pequena pausa, fazendo todo meu corpo desencadear uma onda alívio instantâneo. Eu quase surtei por um segundo. – Na verdade, eu já conheço ela há muitos anos, mas talvez ela não se lembre muito bem de mim agora. - ele sorri timidamente.
  Será que é alguma garota da época de escola dele? É normal esquecermos alguns rostos dessa época.
  Mesmo antes dele continuar eu me sinto grata por ter esse tipo de conversa, ela retira um pouco de toda a tensão que eu estava sentindo, e desse lugar.
  – Ela tem o sorriso mais lindo que eu já vi, é como se tivesse luz própria. E eu acho que sou completamente louco por esse sorriso, porque quando ela sorri para mim não consigo negar nada à ela. - seu rosto começa a ficar vermelho. – Quando tive a oportunidade de conhecê-la melhor, vi que não era bela apenas por fora, sua generosidade e simpatia me cativaram, e foi inevitável não me apaixonar por ela. - um sorriso voluntaria surge em meus lábios. As palavras de Connor eram tão bonitas. – Ela teve momentos ruins, e o que eu pude fazer para ajudá-la parece sempre tão pouco. - o seu sorriso tímido começa a sumir aos poucos. – Mas isso não importa, eu sempre vou estar do lado dela, a ajudando de todas as maneiras que eu posso, mesmo que parece pouco. - seu olhar começa a ganhar um pouco mais de intensidade à medida que ele falava.
  Eu nunca vi Connor falar desta forma, e me sinto tocada por suas palavras, como se ele falasse isso para mim.
  – Todo mundo para fora! - uma voz grave interrompe o meu momento com Connor. Nos fazendo olhar em volta vendo o guarda que esteve comigo antes, indicar a porta de metal para nós.
  Não sei o que está acontecendo, mas sinto que preciso ouvir tudo que Connor tem para me dizer agora. Por isso pego em sua mão e o puxo em direção a saída da porta de metal. Ele parece extremamente confuso, e explico rapidamente que fiz isso para que a gente tenha mais tempo.
  Os barulhos cessam quando atravessamos a porta, indicando que estamos sozinhos, me viro procurando por Lana, mas não tenho sinal nenhum dela agora. Então acabo indicando que Connor continue o que tem para me contar, antes que nosso tempo acabe.
  – Ahn... certo. - vejo que ele luta para encontrar as palavras certas. – Eu sempre estive apaixonado por ela, mas nunca tive coragem de dizer. E esse foi um dos grandes arrependimentos da minha vida, porque  quase perdi ela uma vez, sem conseguir me declarar.
  – Então você vai fazer isso agora? - pergunto e ele assente, se aproximando de mim mais do que o necessário e me encarando profundamente, o que me faz franzir o cenho por um momento.
  Estranhamente meu coração começa à bater forte contra meu peito, me causando uma sensação de que algo não muito bom estava por vir.
  – Eu gosto muito de você, . - se antes meu coração estava batendo rapidamente, agora ele parece que parou de vez. Eu estou totalmente chocada com sua revelação, não sei como reagir a isso.
  Eu não esperava. Foi muito repentino.
  Connor pega em minhas mãos, enquanto meus olhos arregalados continuam focados nele. Estou sem reação e sem saber o que dizer.
  – Eu sei que esse sentimento não é recíproco, mas eu não me importo. - ele dá o sorriso mais bonito que já vi em seu rosto, fazendo meu peito apertar. – Eu apenas precisava te contar isso dessa vez. - seus olhos ternos encontram os meus e o desespero que eu sinto aumenta.
  – E-Eu... E-Eu não sabia. - ainda chocada com sua confissão, tento falar alguma coisa. Minha boca se abre outra vez, mas não consigo formular nada decente para falar agora, então, guiada por um impulso eu o abraço fortemente. – Me desculpe. - falo de forma embargada, sentindo meus olhos arderem. Sua confissão mexeu muito comigo, me despertou sentimentos muito fortes, como se fosse algo guardado em mim, algo que eu só pude acessar depois de sua confissão.
  – Por que está se desculpando? Eu falei que está tudo bem. – ele passa delicadamente suas mãos por meu cabelo. E decido me separar dele antes que eu comece a chorar de verdade. – Eu nunca vou me arrepender de ter te amado, . - ele me dá outro sorriso incrível, me fazendo sentir a melhor e pior pessoa ao mesmo tempo.
  – Obrigada por me amar. - fungo, evitando chorar.
  Sou totalmente sincera, mesmo que eu me sinta mal por não corresponder aos seus sentimentos. Mas em meio a tudo que venho passando, saber que existe alguém que me ama de uma forma tão bonita, já vale uma vida toda.
  – Eu preciso ir agora, . - Connor diz, e eu assinto.
  – Obrigada por isso. - agradeço outra vez, querendo que ele pereça a minha sinceridade. – Você está me ajudando outra vez. - sorrio. – Mas merece uma pessoa melhor do que eu. - ainda mantenho a pequena vontade de chorar presa em minha garganta.
  Connor apenas sorri e leva uma mão para dentro de seu casaco, retirando de lá uma linda e um pouco amarrotada, rosa vermelha.
  – Você é a melhor pessoa do mundo. - ele oferece a bela flor para mim, e vejo seu rosto ficar quase do mesmo tom que a rosa. Demoro alguns segundos até pegá-la de suas mãos. – Eu serei feliz apenas por ter você perto de mim como uma amiga. - Connor se inclina e dá um beijo no topo de minha cabeça, me pegando de surpresa. Para depois se afastar lentamente de mim, me deixando estagnada e com uma vontade enorme de chorar.
  Encaro a rosa vermelha em minha mão e ainda não consigo acreditar em tudo que ele me disse. Como eu nunca notei isso antes?
  Solto um suspiro alto e encaro a parede branda que estava na minha frente, sorrindo involuntariamente, me sentindo feliz pelas palavras de Connor.
  "Eu vou cuidar dela, . Farei isso com a minha vida."
  Escuto novamente a voz de Connor, e olho em volta procurando por ele, mas não o vejo. Não havia ninguém comigo.

Capítulo 33

  Continuo o olhando em volta e procurando por Connor. Não é possível que eu esteja sozinha nesse momento, eu realmente ouvi a voz dele.
  Caminho um pouco pelo corredor, sempre atenta a todos os cantos, tentando achar algum vestígio dele. Talvez Connor tenha se esquecido de me falar alguma coisa, por isso voltou.
  – ?! - dou um pequeno sobressalto quando sinto alguém chamar por mim. Estava tão concentrada em tentar entender o que acabou de acontecer, que nem senti que alguém se aproximava.
  Me viro, soltando um suspiro de alívio ao ver que era .
  – O que foi? - olho ao redor percebendo que andei até a entrada do isolamento, e que ainda segurava a rosa vermelha que Connor havia me dado. – Aconteceu alguma coisa? - depois de checar ao meu redor deposito minha atenção sobre o loiro.
  – Eu é que pergunto: aconteceu alguma coisa? - ele me olha desconfiado. – Eu cheguei aqui e você estava andando e olhando para todos os lados com uma expressão estranha no rosto. - posso perceber na expressão de que ele me julgava como se eu fosse louca. E talvez eu seja mesmo, estou presa em um sanatório, afinal das contas, isso deve estar me afetando agora. É a única explicação plausível pra eu ter escutado a voz de Connor depois que ele foi embora.
  – Hm... me responda uma coisa . - ele apenas assente para que eu continue. – Você já escutou vozes? - a expressão descrente em sua feição me faz suspirar. – Não desse jeito. Digo, escutar a voz de alguém que você conhece falando com você, quando na verdade está sozinho? - olho com expectativa para que faz uma careta pensante.
  – Eu acho que você realmente está ficando louca. - ele debocha, me fazendo revirar os olhos. – Desculpe, , mas eu nunca escutei vozes, eu sou um demônio, não um louco. - o loiro começa a dar risada.
  Eu até penso em acompanhar sua risada idiota, porém algo muito importante em sua fala me chamou atenção. disse que era um demônio e não louco. Isso é curioso, já que todos estamos presos em um lugar para doentes e loucos, e também posso me lembrar das fichas que achei sobre antes mesmo de vir para cá. Tudo que Arthur descreveu sobre nas fichas me fez crer que ele era realmente alguém perturbado.
  Ultimamente tudo que andam me dizendo parece não condizer com a realidade em que vivemos, eu sei que há muitas coisas escondidas de mim, Sean me alertou sobre isso, e também sei que ele não pode me contar diretamente sobre elas, mas eu também não posso ficar de braços cruzados. Se essas coisas realmente estão esperando que eu as encontre, então é isso que eu irei fazer.
  – Nós podemos ter uma conversa depois? - lanço a pergunta, vendo cessar seus risos.
  – Me desculpe se isso não foi engraçado, . - leva uma mão até sua nuca, coçando o cabelo de forma constrangida.
  – Não é sobre isso, idiota. Eu realmente preciso conversar com você, . É importante. - uso um tom sério para que ele perceba e em troca recebo um aceno de cabeça.
  – Agora eu estou curioso sobre isso. - ele franze o cenho, enrugando seu nariz.
  – Ei! Vocês dois! - somos interrompidos quando escutamos um dos guardas gritar em nossa direção. – Vamos depressa com isso. Sr. Arthur quer conversar com todos vocês. - o guarda engole em seco e não consegue esconder o receio em sua fala.
  – Depois conversamos sobre isso. É melhor a gente ir agora. - toco no ombro de , que assente, antes de nos virarmos e começarmos a seguir o guarda.
  Não posso negar que toda vez que Arthur quer ter algum tipo de conversa com a gente eu me sinto extremamente nervosa. Ele não é nem de longe a melhor das companhias, e torço mentalmente para que não seja algo ruim.
  Acho que já era tarde demais, a essa altura minha cabeça já criava várias paranoias do que poderia ter acontecido. Será que isso tem a ver com o fato de o guarda ter pedido para todos nós saímos do isolamento?

  Alguma coisa aconteceu enquanto estive fora daquele lugar.
  E confirmo minhas infelizes paranoias quando percebo que o guarda não está nos levando de volta para o isolamento, mas sim para outro lugar, onde terminamos parados em frente a uma enorme porta de madeira escura.
  – É a sala do Sr. Arthur. - o guarda que parecia mais apavorado que nós dois, explica. – Vocês precisam entrar, ele está esperando. - o guarda olha de para mim.
  O loiro ao meu lado troca um olhar tenso comigo, e sei que estou na mesma situação que ele. De fato, alguma coisa aconteceu, e sei que atrás dessa porta algo ruim nos espera.
   respira fundo ao meu lado e toma coragem paga segurar a maçaneta da porta, mas não sem antes olhar para o guardar pedindo a permissão para abri-la, que o mesmo concede através de um falho aceno de cabeça.
   demora alguns segundos para finalmente abrir a porta de madeira escura, e quando o faz, nos revela a imagem de Ethan parado em um canto da sala. O mesmo tinha uma expressão receosa, enquanto olhava para baixo, e mesmo quando e eu passamos por ele, nosso guarda sequer nos encarou.
  Assim como eu, também se mostra extremamente surpreso ao notar que não seriam apenas nós dois, já que estava no lado direito da sala, encostado na parede com seus braços cruzados, e Brooklyn sentada em um sofá que havia ali, com Madeline sentada em seu colo, me lançando um pequeno sorriso assim que me vê.
   caminha até o sofá e se senta com as duas; apenas nesse momento eu noto que do lado em que ele sentou, o esquerdo, havia mais alguém ali: Sean. Assim como , ele também estava escorado contra a parede, mas do lado esquerdo da sala. E no fim das contas, apenas eu estava ali parada no meio daquele lugar sem entender ou saber o que fazer.
  Escuto alguém pigarrear, fazendo com que Ethan caminhe até a porta e a feche. Logo identifico ser Arthur, que estava um pouco longe de mim, sentado atrás de sua imponente mesa, com uma expressão nada amigável para todos nós.
  Arthur limpa a garganta, se inclinando sobre a grande mesa enquanto indica com as mãos que ele tem algo importante para dizer.
  – Vocês devem estar se perguntando o que os trouxe aqui, ou não, realmente não me interessa. - ele cerra os olhos parecendo realmente estar irritado. – Espero que todos vocês tenham vindo dispostos a falar, porque hoje temos muito o que confessar aqui nessa sala. - Arthur bate sua mão contra a mesa, me fazendo saltar no lugar.
  Confessar? O que ele quer dizer com isso?
  Sinto pequenas mãozinhas agarrarem minhas pernas, e quando olho para baixo, vejo que Madeline veio de Brooklyn até mim.
  – Eu to com medo, . - a pequena garotinha sussurra para mim, enterrando seu rosto na parte de trás de minhas pernas, me deixando por um momento sem reação.
  Por um segundo desvio meu olhar para os outros, vendo e Brooklyn me olharem de forma estranha, e não entendo o motivo disso. e Sean parecem ter se aproximado mais da mesa de Arthur, enquanto o de olhos verdes tenta olhar para Madeline e eu de canto de olho.
  Passo a mão sobre os cabelos de Mad, tentando acalmá-la.
  – Vai ficar tudo bem. - sussurro de volta para ela.
  Volto a prestar atenção em Arthur, o vendo abrir uma gaveta qualquer de sua mesa e retirar de lá alguns papéis, dos quais ele joga sobre o objeto de madeira, empurrando para frente e mostrando que queria que víssemos o que era.
  Com cautela todos parecem se aproximar da mesa de Arthur, menos Madeline, que fica parada no mesmo lugar em que a deixei.
  – O que é isso? - pergunto desconcertada ao notar que os papéis na verdade eram fotos.
  Era uma mulher em todas as fotos, ela tinha uma corda ao redor de seu pescoço, enquanto seu rosto sem vida pendia junto ao corpo ensanguentado. As fotos mostravam a pobre senhora morta em diversos ângulos. Ela estava pendurada em alguma viga bem no meio do corredor principal do sanatório, aquele por onde diversas pessoas, pacientes, guardas e enfermeiros transitavam a todo momento.
  Pego uma das fotos onde seu rosto toma toda a superfície, logo reconhecendo aquela mulher. Era a Sra. Morrice, a mesma que me recebeu quando fui jogada nesse lugar. Eu já nem me recordava mais dela.
  – Sra. Morrice. - sussurro surpresa, largando a foto de volta sobre a mesa, enquanto me afasto.
  – O quê? O que você disse? - Arthur pergunta.
  – Ela disse “Sra. Morrice". - Brooklyn responde por mim, e ao invés de brigar com ela e dizer o quanto ela é enxerida, a agradeço mentalmente por ter feito isso.
  A enfermeira não foi exatamente uma boa pessoa para mim quando cheguei, mas isso não é motivo para ficar feliz com a morte dela.
  – Então o anjinho conhece a vítima. - Arthur divaga, me olhando de forma acusadora.
  – Vítima? - pergunto surpresa.
  – Oh, não soube? - ele pergunta retoricamente, regado de sarcasmo, seguido por , que bufa irritado. – A Sra. Morrice foi assassinada. - Arthur sorri ao nos contar a verdade.
  – E quem fez isso? - pergunta receoso.
  – É por isso que estão aqui. - Arthur cruza os braços e nos encara como se fossemos réus de um tribunal.
  – Você acha que foi um de nós? - indago desacreditada.
  – Não se faça de inocente, anjo. - ele arqueia as sobrancelhas. – Eu sei que o culpado está nessa sala. - seus olhos acusadores passam por cada um de nós, inclusive por Ethan. – Mas parece que estamos com um pequeno impasse no quesito confissões. Por isso ninguém sai até que o culpado se entregue. - ele endireita sua postura sobre a enorme cadeira de couro preto.
  – Como pode ter tanta certeza que foi algum de nós? - não consigo ficar quieta nesse momento, e pareço ser a única.
  – Intuição, anjo. - Arthur abre um sorriso digno de dar arrepios a qualquer um.
  – E o que te leva a confiar tanto na sua simples intuição? - sei que estou indo por um caminho estreito, mas eu preciso entender tudo isso.
  – Fique quieta, . - a voz de me assusta, logo me fazendo encará-lo, o vendo levar as mãos até as temperas, claramente perdendo a paciência
  – Se você não liga de ser acusado injustamente, o problema é seu. - rebato, vendo ele me lançar um olhar sério. Ele está ficando irritado, muito irritado.
  – Você é tão culpada quanto todos aqui, então vê se fica na sua. - seu tom de voz aumenta, e posso jurar que vi Arthur sorrir.
  – Ei, ficar brigando não vai adiantar. - Sean se intromete na conversa, vindo até onde estou. – É melhor poupar sua energia porque parece que não vamos ser liberados tão cedo. - ele sussurra para mim, que apenas respondo com um aceno de cabeça.

***

  Não sei há quanto tempo estamos aqui, mas Arthur realmente não estava brincando quando disse que não sairíamos até que alguém se confessasse. Já deve fazer pelo menos uma hora que estávamos todos presos dentro dessa sala com ele, todos em completo silêncio, tanto da nossa parte, quanto da dele.
  E no final aqui estou eu contando as placas de isopor que haviam no teto pela milésima vez. Essa situação toda me deixava extremamente irritada, já que apesar de não sermos as melhores criaturas desse sanatório, se ele ainda não percebeu que ninguém aqui parece ter cometido o tal crime em questão, então estamos apenas perdendo tempo, mas não vou discutir mais sobre isso, porque Arthur é esperto e sabe que um confinamento como esse mexe com a cabeça de qualquer um.
  Eu entendi o jogo dele e não vou cair nessa. Preciso ser mais esperta que qualquer um aqui dentro dessa sala.

***

  Dez, vinte, trinta minutos. Uma hora...
  Mais uma hora havia se passado, e nós continuamos presos dentro dessa sala no mais absoluto silêncio. Eu já não aguentava mais encarar os ponteiros do relógio acoplado na parede.
  Fiquei tão cansada e entediada que acabei me sentando no chão, e veio para o meu lado, com sua cabeça repousada em meu ombro. Jjulgo dizer que pelo baixo ressonar que ele faz, que acabou dormindo.
  Do meu lado esquerdo ainda estava Sean de pé na mesma posição, com seu olhar em direção ao , que se encontrava na direção oposta. Eles são tão idiotas. Passaram uma hora se encarando, me fazendo revirar os olhos constantemente.
  No meio disso, para minha surpresa, Mad se encontrava ao lado de , espantosamente agarrada a sua perna direita, enquanto não soltava seu fiel ursinho, Sr. Fluffy. Eu até cheguei a estranhar quando ela foi se juntar ao , demonstrando um enorme carinho por ele. Eu nunca poderia imaginar esse tipo de coisa.
  Brooklyn se manteve sentada no sofá se distraindo com as próprias unhas, enquanto Ethan estava na parede de trás com os braços cruzados e olhos fechados. Será que também dormiu?
  E por fim, Arthur, esse manteve sua posse intimidadora, enquanto de tempos em tempos encarava cada um de nós como se pudesse ver através de nossos corpos. Ele estava mesmo empenhado em descobrir quem matou a Sra. Morrice, se é que o assassino está mesmo aqui.
  – Chega! - a voz imponente de Arthur acompanhada de um soco contra a mesa de madeira, faz todos, sem exceções, saltarem em seus lugares. Acho que o mais assustado foi , pelo fato de estar dormindo. – Eu já perdi muito tempo com essa palhaçada de vocês. Se não confessarem por bem, eu farei vocês confessarem por mal. - suas palavras eram duras, mostrando que ele não estava brincando – Ethan! Traga todos os guardas do isolamento aqui. Agora! - Ethan se apressa ao sair da sala.
  , Brooklyn e eu acabamos nos levantando, visivelmente tensos demais para ficarmos sentados.
  Alguns minutos depois a sala de Arthur é inundada por guardas que estavam apenas a espera de alguma ordem.
  – Levem eles para a minha sala especial de espelhos. - o humor de Arthur muda drasticamente, mostrando o quão animado ele ficou ao dar essa ordem.
  Os guardas começam a se dividir dentro da sala, indo em direção a cada um de nós. Mad começa a ficar assustada e agarra com mais força a perna de , que parece incomodado com o que estava acontecendo.
  – Você vai nos castigar, Arthur? - pergunta, e antes mesmo de Arthur responder ele continua. – Foda-se essa merda que você quer fazer! Pode nos levar, mas deixe Madeline fora disso. - meus olhos se arregalam ao escutar tais palavras saindo da boca de .
  – Você sabe tão bem quanto eu que ela é a chave principal para esse despertar, meu filho. - Arthur sorri para a garotinha de cabelos loiros que se esconde atrás de .
  Um dos guardas a puxa para longe dele, e se não fosse por outro guarda que conteve , ele certamente teria entrado em uma bela briga. Outro guarda vem em minha direção, mas não tento resistência, sei que se fizer isso só vai piorar a minha situação. Ethan caminha até Brooklyn, mas Arthur faz algum tipo de sinal para que um outro guarda imobilize Ethan.
  – Ethan, você sabe que é o subordinado em quem tenho mais confiança, mas também é o que menos confio. Você sabe que tenho meus motivos para isso. - ele sorri para Ethan, me fazendo ver pela primeira vez um guarda lançar um olhar raivoso em direção ao Arthur.
  Eu preciso entender isso. Preciso me livrar dessa bagunça e conversar com , preciso entender o que está acontecendo nesse lugar.
  As palavras de Sean martelavam em minha cabeça, ele havia me dito que tenho uma ligação com esse lugar e que Arthur quer despertar alguma coisa dentro de mim, me levar ao limite. E agora ele solta esse papo justamente para , dizendo que Madeline é uma chave importante para o despertar de algo. Será que isso tem a ver com o que Sean me disse? Ou Arthur está tramando outra coisa? Já que ele também está arrastando Ethan para toda essa bagunça, isso pode ter relação com ele. De qualquer forma eu vou descobrir.
  Mas não agora. Agora estou sendo empurrada para fora da sala de Arthur junto de todos os outros. Os guardas nos levam por vários corredores, um caminho novo para mim já que não me recordo de ter feito ele antes. No final, paramos em frente a outra porta, essa sendo bem velha.
  – Bem-vindos à sala dos espelhos. - um dos guardas debocha antes de abrir a porta e nos empurrar para dentro.
  Sinto algo debaixo de meus pés acompanho por um barulho estranho. Encaro o chão vendo toda a sua extensão coberta por cacos de vidros moídos.
  Para minha surpresa, Arthur apenas surge na sala em uma grande cortina de fumaça. Ele caminha até um pequeno armário no canto da sala, do qual eu não tinha conhecimento até aquele momento. Seus passos são acompanhados pelo barulho dos cacos de vidro, assim, em seguida, ele abre o armário, retirando de lá algumas cordas e vendas de pano, jogando tudo para os guardas, que não tardam em nos imobilizarem.
  Primeiro vejo que nossos braços são amarrados contra nossas costas, depois somos obrigados a nos ajoelhar sobre os vidros moídos, um em cada ponta da sala, de costas para o outro. Escuto alguns resmungos de dor e um fraco choro que identifico sendo de Madeline.
  A dor que sinto é dobrada por estar ligada ao , mas tenho que ser firme, mesmo que tenha que sentir cada parte da minha perna ajoelhada sobre o vidro ardendo intensamente, enquanto sinto os pequenos fragmentos entrarem e cortarem minha pele. Mesmo o tecido grosso do macacão não pode me ajudar agora, e para piorar ainda mais, uma venda de pano é colocado sobre os meus olhos.
  A sala fica em silêncio por alguns segundos até novos passos rosearem, eles transitam pela sala, seguidos de um ranger de metal semelhante ao de quando Arthur abriu o armário que tinha na sala. Alguma coisa é retirada de lá.
  – Eu sou o juiz, o júri e o carrasco. Vocês estão prestes a serem julgados, então se preparem para confessar todos os seus pecados, e talvez, só talvez, eu absolva vocês. - junto de novos passos, a voz Arthur entra em sintonia, causando alguns calafrios em mim.
  Estamos atados sem poder fazer nada ou ver nada, a única coisa que temos disponível é nossa audição, o que torna isso ainda mais agoniante. Ter que ouvir os suspiros e gemidos de dor de todos sem poder ajudar ou ver se estão bem. Ter que ouvir, em meio ao silêncio, os passos de Arthur sem saber em que direção ele está vindo e quem será a primeira vítima. Ter que usar a audição como única arma, mas tendo a dor ardente dos cortes para nos atrapalhar, sendo que a concentração era crucial nesse momento, mas sentindo tanta dor que dificultava essa tarefa.
  Isso é mais que um castigo físico, é um castigo psicólogo.
  Em instantes a sala volta a cair no silêncio, e com isso tento me concentrar apenas nos passos de Arthur. Eles parecem se afastar de onde estou, mas logo ficam mais perto, eu conseguia ouvir a maneira como o som dos cacos de vidros ficavam mais intensos. Meu corpo fica tenso com tudo isso, ainda mais quando eu tenho a plena certeza que ele está atrás de mim em silêncio. Um silêncio mortal temente por sua próxima ação.
  Um grunhido de dor sai de minha garganta assim que sinto o peso do seu pé sobre um de meus joelhos, afundando mais minha carne contra o vidro moído.
  – Hora de confessar seus pecados, anjo. - Arthur fala, enquanto coloca mais pressão sobre meu joelho, até ouvir grunhir de dor também. – O que foi? - Arthur envolve sua mão no meu cabelo, puxando minha cabeça fortemente para trás. – O anjinho cansou de ser corajoso? - sua voz era próxima de minha orelha, me fazendo engolir em seco.
  Meus grunhidos de dor misturados com os de , o choro baixo e cansado de Madeline, a respiração forte de Arthur sobre meu rosto, tudo isso junto era a verdadeira orquestra do sofrimento e poder.
  – Eu não fiz nada. Me solta! - protesto, e ouço sua risada seguido de uma pressão forte em minha nuca. E a próxima coisa que sinto é uma dor forte que lateja na lateral de minha cabeça, me fazendo perder o equilíbrio e cair de lado sobre os cacos de vidro que rasgam a pele de meu braço direito.
  Resmungo entre os dentes, tentando me reerguer, mas quanto mais me mexo, mais fundo os cacos entram em meu braço, causando uma dor aguda.
  Arthur parece gostar da cena de desespero que protagonizo.
  – Isso é realmente ótimo, mas eu tenho outras coisas para fazer agora. Ethan e eu precisamos conversar um pouco a sós. - os passos de Arthur começam a se afastar de mim. – Guardas, tragam ele até a minha sala outra vez. Acho que ele já se divertiu bastante por aqui. - sua voz está longe, então suponho que ele esteja perto da porta. – Vamos deixar que os pequenos rebeldes tomem um tempo para pensar... - ele diz, mas nada acontece – sozinhos. - uma movimentação acontece dentro da sala, seguida por um ranger de porta, onde logo posso escutar ela sendo trancada.
  Torço minhas mãos para tentar tirar a corda em volta delas, mas acabo machucando meu braço e pulsos ainda mais.
  – Para de se mexer, porra! - a voz e quebra o silêncio da sala. Eu apenas o ignoro, tentando mais uma vez soltar minhas mãos. – Estou falando com você, ! - ele resmunga, e dessa vez paro de me mexer.
  – Ei! - chama. – Estamos sozinhos aqui? - ele pergunta e todos ficam em silêncio novamente para tentar captar qualquer som que nos indique o contrário.
  – Acho que sim. - Brooklyn responde.
  – Não acredito que aquele merda fez isso com a gente! - se irrita, e preciso conter o riso em um momento como esse. Agora todo a sua coragem parece ter voltado.
  – Como vocês podem ter certeza que estamos mesmo sozinhos? - por um momento a dúvida paira sobre mim.
  – Porque eu estou vendo. - franzo meu cenho debaixo da venda de pano. – Nem todo mundo é burro igual a você, . - queria poder revirar os olhos para Brooklyn nesse momento.
  – Você se soltou? - parece surpreso, mas os xingamentos de Brooklyn mostram que era apenas ela tentando se soltar.
  – Se você é tão esperta assim, por que ainda não se soltou? - pergunto diretamente para ela, escutando um suspiro em resposta.
  Sendo apenas ignorada por ela, tento me concentrar em me soltar, e de alguma forma consigo tomar impulso suficiente para pelo menos voltar à minha posição inicial, onde acabo batendo em algo. Tento identificar o que é que está encostado em meu ombro e obtenho um risinho em resposta.
  – Isso faz cócegas. - Madeline diz ao meu lado, mas sua voz está diferente, embargada por conta do choro.
  – Ei, Mad, é você? - pergunto.
  – V-Você consegue me ver? Consegue me soltar? - sua voz fina e fraca transbordava aflição.
  – Ainda não, mas prometo que vou conseguir. - digo confiante, e tomo o sofrimento dessa pequena criança como incentivo para forçar meus joelhos a se arrastarem pelo chão em busca de uma parede próxima, e mesmo com a imensa dor, e resmungos de , não tenho sorte ao ficar de pé. Não quero nem imaginar a tragédia que seria tropeçar e cair nesse chão.
  – Merda! Merda! Merda! - alguém diz, talvez , não sei. A dor em meu corpo é tanta que não consigo prestar atenção em mais nada ao meu redor. Apenas foco na dor e na esperança de que ela acabe logo.
  – Mais para a esquerda. - Brooklyn diz para alguém. – Vai mais para a esquerda, . - me mecho quando escuto meu nome, mas logo paro pensando que poderia ser alguma de suas brincadeiras idiotas. – Se você não fizer o que eu estou te dizendo agora, nunca vai sair daqui. Confia em mim pelo menos uma vez. - ela suspira, e eu respiro fundo.
  Eu não tenho nada a perder, eu acho.
  – Tudo bem. - com ajuda dos joelhos vou para esquerda, mesmo sem ter certeza do que vou encontrar. – O que eu faço agora? - pergunto.
  – Reto. Devagar... Pronto! - Brooklyn me guia e finalmente chego à parede, me apoiando nela para ficar em pé, sentindo um alívio enorme quando consigo. Uma vez de pé me abaixo novamente até a altura dos meus joelhos e coloco minha cabeça entre eles, retirando a venda.
  A sala era escura, mas não o suficiente para bloquear a visão, por isso conseguir ver que Madeline estava quase junto a mim. estava junto à parede tentando cortar as cordas que prendiam sua mão, em uma espécie de gancho preso a parede, enquanto Sean já tinha conseguido se soltar e agora ajudava .
  Brooklyn vinha em minha direção, ainda com as mãos atadas, ela indica a parede atrás de mim, onde também havia um gancho. Caminho até lá e rapidamente me vejo livre das cordas. Ajudo Madeline a se soltar, e quando estamos todos brevemente recuperados, nos encaramos nessa espécie de círculo que se formou.
  – Por que vocês não conseguiram se soltar? Não são demônios? - questiono alguns deles.
  – Você também não conseguiu. - sorri esperto em meio a uma careta de dor.
  – Tudo que é usado aqui dentro é diferente, . Você não acha mesmo que Arthur nos amarraria com cordas comum, não é? - a pergunto de Brooklyn soa tão óbvia que desejo não ter feito ela.
  – O que vamos fazer agora? - tento mudar de assunto.
  – Não sei porquê ele teve todo esse trabalho de nos prender aqui se sabia que iriamos nos soltar de um jeito ou de outro. - Brooklyn fala debochadamente, e tenho que concordar com ela pela primeira vez.
  Arthur nos deixou trancados e sem a presença de guardas, mesmo sabendo que não iriamos simplesmente ficar parados esperando uma segunda ordem.
  – Esse cara está tramando alguma. - divaga baixo, talvez com medo de que Arthur pudesse nos ouvir.
  – Ficar supondo coisas não vai adiantar nada, melhor agirmos. - Sean sugeri, fazendo o outro loiro concordar.
  – Que se foda essa merda! - , que até agora estava em silêncio, caminha apressado até a porta a abrindo com um chute violento, fazendo a mesma cair no chão para o lado de fora. Em seguida ele atravessa a porta sem olhar para trás.
  – Vamos, Mad. Vou te levar para a enfermaria. - querendo sair de uma vez por todas dessa sala, me viro para Madeline e faço menção de pegá-la nos braços, mas Sean a pega antes.
  – Eu te ajudo. - ele sorri para mim, antes que todos nós deixássemos aquela sala horripilante.

Capítulo 34

  – A senhora acha que ela vai ficar bem? - pergunto para a enfermeira que faz curativos em Madeline. Era tão estranho ver que demônios precisavam fazer curativos, já que têm alto poder de regeneração. Mas no final, é como Brooklyn disse, Arthur não usa coisas normais, e sim o que sabe que pode realmente nos machucar.
  Espero por uma resposta da enfermaria, porém ela apenas se mantém calada.
  – Ela vai precisar de algum remédio? - a enfermaria apenas nega com a cabeça. – A senhora não sabe falar, não? - pergunto um pouco irritada por não ter obtido nenhuma resposta descente.
  Reconheço que a enfermeira me ajudou muito ao retirar alguns cacos de vidro de minha pele que a impediam de cicatrizar, e que ela ajudou Sean também, fazendo curativos, mas preciso que ela me olhe e me afirme com toda a certeza que a pequena garota sentada na maca com os olhos cheios de lágrimas vai ficar bem, pelo menos fisicamente.
  – Ela não tem permissão pra falar com você. - Sean sussurra para mim, me fazendo olhá-lo sobre os ombros de forma confusa. – Ou com nenhum outro paciente. É proibido. - ele explica, enquanto espera no outro lado da sala.
  Mais alguns minutos e ela finalmente nos libera, onde voltamos para isolamento outra vez, acompanhados por três guardas. Mas quando pisamos para dentro do isolamento, encontramos Arthur de pé no meio da recriação, e só de lembrar em como Madeline ficou por conta dele, sinto uma raiva sem tamanho dentro de mim.
  – Você é louco? - antes mesmo que eu possa me controlar, as palavras escapam por minha boca.
  – É melhor você ter cuidado com o que fala, anjinho. - Arthur me responder seriamente. – Estava agora mesmo explicando as novas regras. - seu olhar era desafiador.
  – Novas regras? - Sean se mostra totalmente confuso.
  – Exato. - ele assente. – Vocês realmente acharam que podiam me desafiar, não é? - Arthur solta uma risada seca, e , que estava sentado sobre o sofá da recriação, se remexe desconfortavelmente. – Pensaram que podiam me atingir usando um dos meus funcionários. - Arthur aponta ao longe para Ethan que estava de costas para nós, e de frente para porta de metal do isolamento.
  Do que esse maluco está falando?
  – Espero que vocês tenham aproveitado bastante suas férias no Waverly Hills, porque isso acaba hoje. - ele encara cada um de nós para ter certeza de que todos estavam ouvindo, e ninguém se atreve a dizer nada. – E eu vou garantir que a vida de vocês se torne um inferno. - e com essas últimas palavras, ele some em uma cortina de fumaça negra.
  Madeline estremece ao meu lado, e corre para as celas vidro, se levanta fazendo o mesmo caminho, e corro atrás dele. Ainda precisamos resolver algumas coisas.
  Sigo o caminho para as celas indo em direção a de – já deixando claro que precisamos resolver algumas coisas – assim que encontro a entrada de vidro.
  – Eu queria conversar com você. - , que estava sentado sobre sua cama, faz um gesto para que eu continue: – Sean me contou algumas coisas... - posso ver claramente seu corpo ficar tenso outra vez. – Ele me disse que eu estou ligada a esse lugar e que conheço todos vocês, mas não consigo me lembrar. Também falou que Arthur tem alguma coisa planejando para mim, isso é verdade? - julgando pela forma com que está nervoso agora, ele nem precisa me responder para eu saber que isso é mesmo verdade.
  – S-Sim. - apesar de confirmar, sua voz é falha.
  Eu realmente sinto que conheço há mais tempo do que posso me lembrar, e foi justamente por isso que resolvi perguntar para ele, porque sei que mesmo com qualquer feitiço idiota, ou seja lá o que for, ele tentaria me contar a verdade.
  – Sean também me contou que tirou algo muito importante de mim no passado, e que isso fez com que ele e Gemma ficassem sete anos sem se falar. Isso também é verdade, ? - sinto que as batidas do meu coração vão começar a se acelerar a qualquer momento, eu estava especialmente nervosa por essa resposta.
   olha para o chão, enquanto segura as próprias mãos, mexendo os dedos de forma nervosa e frenética.
  – ... - ele levanta seu olhar até o meu, me olhando de forma culpada.
  – Isso é verdade ou não, ? - insisto na pergunta, sentindo as batidas do meu coração acelerarem.
  – Sim, é verdade. - sua voz soa tão baixa que eu mal posso escutá-la.
  – E-E o que ele tirou de mim? - sinto minhas mãos suarem de nervosismo.
  – Eu não consigo te contar, . - outro olhar culpado de sua parte.
  Respiro fundo, sabendo que não devo ficar nervosa com ele, não tinha culpa alguma, na verdade, ninguém tinha. E sinceramente, não vou culpar até que eu descubra o que foi que ele tirou de mim. Eu não vou começar uma briga em que eu não tenho argumentos. Como eu poderia questioná-lo se eu nem sei sobre que estamos falando?
  Eu não posso culpá-lo sem saber, mas me manterei muito mais atenta e alerta sobre ele. Todos estão me contando coisas que eu nem mesmo lembro, por isso sinto que é injusto que eu tome alguma atitude sem ter certeza. Quem não me garante que Arthur não está controlando eles para me contarem alguma mentira?
  Se há mesmo coisas dais quais eu não me lembro, vou esperar até que, de fato, eu me lembre delas para poder tomar alguma atitude drástica. Enquanto isso, eu apenas vou me manter alerta, e achar um jeito de dar o fora desse lugar.
  – Tudo bem, não se preocupe, não estou brava com você. - confesso em um suspiro, vedo me olhar surpreso. – Sei que vocês não fazem por mal. E eu não vou culpar ninguém até que eu me lembre das coisas, mas vou começar a me manter mais alerta sobre vocês. - explico, vendo assentir. – Eu quero sair desse lugar e também quero me lembrar do que esqueci. Se você se sente culpado por não poder me contar a verdade, então me ajude a lembrar dela. - falo determinada.
  – E-Eu ajudo! Eu ajudo, ! - fica um pouco mais aliviado e eufórico. Eu sabia que isso poderia amenizar sua culpa.
  – Eu vou começar a buscar por algumas respostas, mesmo que elas não sejam concretas, já que vocês não podem me contar sobre elas. Mas mesmo assim, talvez saber sobre algumas entrelinhas me ajude de alguma forma a pelo menos começar a recordar das coisas. - dou um sorriso confiante para .
  – Eu gosto disso, . Pode dar certo. - ele retribui o sorriso.
  – Ok, então vamos começar a concertar algumas coisas do meu passado. - coloco as mãos sobre a cintura. – Você pode me encontrar na recriação com Madeline? Eu vou chamar o Sean. Tive uma pequena ideia de como começar isso. - o loiro sentado, apenas assente, me fazendo sorrir outra vez, antes de virar as costas e sair de sua cela.
  Arthur está disposto a transformar nossas vidas em um inferno, como ele mesmo disse, e eu estou disposta a impedir que isso aconteça. Mas vou precisar de toda a ajuda que conseguir.

***

  Não demoro muito para achar Sean, e logo estou o levando para a recriação, onde e Madeline já nos esperam sentados no sofá. Sean se acomoda em uma das poltronas e eu procuro um lugar onde possa ser o centro da visão de todos, preciso que prestem atenção em mim.
  – Eu conversei com o , Sean. Ele me confirmou tudo que você disse. - encaro o loiro de olhos azuis, que assente. – Eu precisava disso, espero que entenda. - suspiro.
  – Não se preocupe, . - ele sorri compreensivo.
  – Nós dois já conversamos sobre acabar com o Arthur, e dar o fora daqui. - Sean assente outra vez. – E ... - volto minha atenção para o outro loiro de olhos azuis. – Mesmo não lembrando do meu passado, e independente do que aconteceu, sei que você também não aguenta mais o Arthur te controlando, certo? - ele confirma com um aceno. – Por isso acho que seria bom se todos nós nos juntássemos para tentar fazer alguma coisa. Toda a ajuda é bem-vinda.
  – com um plano... isso é novo. - brinca e eu reviro os olhos enquanto sorrio para ele. Eu gosto da forma como sempre tenta deixar as coisas mais leves.
  – O que está acontecendo? - somos interrompidos quando Brooklyn entra na recriação, nos olhando de forma desconfiada.
  – Ei, Brook! Senta aí, a vai contar sobre um plano. - faz um gesto para que ela se junte.
  – Plano, é? - ela parece interessada no que disse, e por isso se senta ao lado dele e de Madeline.
  Encaro moralmente como se falasse "ela não!". Mas ele apenas desvia o olhar como se não tivesse dito nada.
  – Você não disse que toda ajuda era bem-vinda? - ainda sem me olhar, ele divaga de forma sínica.
  – Eu não disse isso. - me faço de desentendida.
  – Qual é, ?! Para de ser chata. Essa briguinha de vocês já está na hora de acabar. - e surpreendentemente sou repreendida justamente por .
   tinha razão. Eu estive brava com ela porque beijou o , mas nós não temos nada, e isso se torna tão patético pensando por esse lado. É ridículo levar isso adiante, ainda mais se quero ajuda para sair daqui.
  – Tudo bem. - tocada por seu momento de seriedade que nunca aparece, eu acabo cedendo.
  – Por que o não está aqui? - Brooklyn pergunta, enquanto olha em volta procurando por ele.
  – Não. Ele não. - Sean protesta, parecendo uma versão masculina da minha birra com Brooklyn.
  E no meio disso temos Madeline, que assiste tudo em silêncio com seus olhinhos curiosos, provavelmente não entendendo como adultos agem mais infantilmente que ela.
  – Ele vai ficar implicando comigo toda hora, e pior... - Sean se inclina para frente como se fosse nos contar um segredo, e em resposta todos nós no inclinamos para frente também para escutar o que ele iria dizer – ...ele é filho do Arthur. - Sean sussurra, me fazendo revirar os olhos enquanto ele recebe olhares de desgosto de todos.
  – Na verdade, eu não acho que ele iria querer participar disso. - comenta.
  – Eu posso tentar convencer ele. - Brooklyn e eu falamos juntas.
  Ela me olha surpresa e depois arqueia suas sobrancelhas.
  – Eu tenho uma carta na manga. - digo, vendo Brooklyn dar de ombros e ceder ao que eu digo, me fazendo ficar complemente chocada por ela não insistir no .
  Seria esse o começo de uma trégua entre nós duas? É tão estúpido pensar nisso, Arthur é tão fodido a ponto de fazer com que Brooklyn e eu entrássemos em um acordo.
  – Certo. Certo. Então nós somos uma espécie de esquadrão contra o Arthur? - pergunta animado com a ideia.
  – Isso parece divertido! - Madeline pela primeira vez ali se manifesta, mostrando estar, também, animada com a ideia. E me sinto aliviada por vê-la melhor. Acho que criei uma pequena ligação com essa garotinha de cachinhos loiros e olhos verdes.
  – Estamos mais para um esquadrão de idiotas. - Sean debocha e Brooklyn concorda com ele.
  Era oficial. Os pacientes do Waverly Hills Sanatoruim iriam começar uma rebelião.
  – Já que agora parecemos ser algum tipo de esquadrão idiota, eu tenho que contar algumas informações que descobri. - Sean fala descontraído, atraindo toda atenção para ele.
  – Então fala de uma vez. - Brook diz, impaciente, e Sean revira os olhos antes de começar.
  – Vocês sabem que Arthur me manteve um longo tempo preso em uma solitária, certo! Então eu tive muito tempo para pensar em algum plan, e para tentar arrumar algumas informações úteis, já que sair daquela merda de cela não era um problema pra mim. - sua voz soava frustrada. – Eu preciso que vocês prestem muita atenção em tudo que eu vou dizer agora. - Sean se torna extremamente sério e todos nós trocamos olhares decididos, antes de assentirmos para Sean. – A primeira coisa que vocês precisam saber é que Arthur não é simplesmente um demônio... nós podemos defini-lo como a personificação do mal, e eu não estou falando isso metaforicamente. - meus olhos se arregalam minimamente, pois eu já escutei isso antes a respeito de Arthur.
  – Você quer dizer que Arthur é como se fosse uma versão "humana" do mal? - pergunto receosa, e quando Sean assente confirmando, posso sentir todo meu corpo se arrepiar.
  – Isso faz sentido. Todos nós somos "crias" do Arthur: nascemos, crescemos e morremos pensando que somos apenas demônios, mas quando você diz que ele é o próprio mal, eu não posso duvidar disso. Arthur realmente faz todo tipo de coisa ruim. - comenta, se mostrando receoso assim como eu.
  – Se o Arthur é realmente uma personificação do mal... então não tem como derrotar ele. - Brook nos olha aflita, e essa é a primeira vez que a vejo ter esse tipo de reação. – Qual é gente, todo mundo sabe que é impossível dizimar todo o mal que existe no mundo. Até porque, se não existir o mal, então não existe o bem. Sem um demônio, não tem um anjo. - ela mantém seu olhar aflito sobre nós, na busca de que alguém dê alguma resposta confortante para ela.
  Sean suspira antes de responder ela.
  – Eu sei. Como falei antes, eu tive muito tempo pra pensar enquanto estive preso na solitária daquele porão sujo. Mas como você disse antes, Brooklyn, sem um demônio não existe um anjo, e penso que é o mesmo vice-versa... - ele assente para ela. – mas e se uma criatura que habita dos dois lados fizer isso? - ao terminar sua frase, não só ele, mas todos ali olham para mim.
  – O-O quê? Do que vocês estão falando? - mesmo que no fundo eu soubesse, eu ainda questiono.
  – Você tem razão, isso pode dar certo. não fica do lado do bem e nem do lado do mal, ela está bem no meio dos dois. - um sorriso esperto surge no rosto de Brooklyn.
  – Você também é um anjo caçador, Sean. - falo exasperada, vendo olhar de maneira estranha para Sean.
  – Mas eu sou diferente, . Arthur me manteve preso aqui sobre seu olhar por muito tempo, ele também fez coisas terríveis para mim. Na verdade, ele pode ter feito até mais do que eu me lembro, já que ele controla todo mundo, então isso é um risco. Já você entrou aqui faz pouco tempo, e pela forma como ele tem um enorme interesse em você, e por todo seu passado que conhecemos, eu tenho certeza que você é a pessoa certa para isso. - ele me olha esperançoso, esperando por minha resposta.
  Engulo em seco, enquanto penso na possibilidade de que eu serei a única usada contra Arthur. Na verdade, eu não pareço ter muitas escolhas, apenas quero dar o fora daqui e descobrir o que aconteceu comigo no passado, e para isso vou ter que arriscar.
  – Ok, qual seu plano? - mesmo que eu ainda esteja receosa, lhe ou uma resposta positiva.
  – Eu pensei sobre o mal não poder acabar, então os anjos caçadores me vieram à cabeça como primeira opção, já que somos criaturas que habitam os dois lado, mas como falei, por tudo que passei, não sei se eu conseguiria fazer isso. Por sorte, você foi jogada aqui, . - ele me olha por um segundo. – Eu realmente não sei quais as consequências do que pode acontecer quando Arthur morrer, mas eu penso que se um anjo caçador extremamente forte fizer isso, talvez as coisas não fiquem tão ruins no final.
  – Você não acha que está pedindo algo muito grande para ela? - interrompe Sean, parecendo não estar tão contente com a ideia.
  – E você tem uma ideia melhor? - Sean rebate, e eu resolvo interromper antes que uma possível briga aconteça.
  – Tudo bem, . Eu posso fazer isso. - tento acalmá-lo.
  – , isso não é brincadeira. Esse plano é o mesmo que pedir para que você se sacrifique em prol de todos aqui sem saber o que pode te acontecer. Você está indo contra o próprio mal, não é tão simples assim. - eu nunca vi ficar tão sério como agora. Era mais do que nítido a preocupação em seu tom de voz, mas ele precisa entender que algo tem que ser feito ou coisas muito piores podem acontecer aqui dentro desse lugar.
  – Não se preocupe, . Eu vou ficar bem, todos nós vamos. - sorrio, e dessa vez consigo o tranquilizar, pelo menos um pouco.
  – Quando saímos para o bar Redemption, eu consegui colher algumas informações com John. Informações que eu não contei para o Arthur e nem para vocês, estava esperando o momento certo. - Sean volta a falar e automaticamente minha cabeça voa para esse momento, não consigo deixar de me sentir culpada por um segundo, pois sei que ele coletou todas as informações sozinho porque eu saí com o .
  – Eu já havia falado para que os caras do bar estão planejando outro ataque contra o sanatório, todos querem acabar com Arthur. - e Brooklyn ficam completamente surpresos com a revelação de Sean, e Mad apenas tenta entender toda essa conversa estranha para uma criança. – Eu perguntei como eles pretendiam fazer isso, já que estamos falando do Arthur. E foi aí que ele me contou sobre uma tal faca "encantada". - ele faz aspas com os dedos.
  – Faca? - se inclina para frente de forma curiosa.
  – , há muitos anos atrás muitas coisas aconteceram aqui, acho que isso tem mais haver com o nosso passado do que com o seu, mas ainda sim tem uma ligação. - Sean se direciona para mim. – Você sabe que os motivos nós não conseguiríamos te contar, como foi quando nós conversamos pouco tempo atrás. - apenas assinto. – Mas entrelinhas, já tentaram um ataque contra o Arthur antes, e para surpresa de todos, alguém conseguiu "machucar" ele com uma faca que era usada nas salas de castigos.
  – Isso não foi o suficiente para acabar com Arthur, mas alguns desses rebeldes que tentaram contra ele conseguiram escapar e levaram essa faca junto. Essa faca tinha o sangue do Arthur, e durante todo esse tempo eles guardaram ela, alegando que se algo poderia matar o Arthur, isso teria de ser que através de sua própria maldade, algo que ele usava para fazer mal para os outros.
  – Isso não faz sentido, porque senão, poderíamos atacar o Arthur com qualquer coisa que existe dentro desse sanatório, já que ele usava tudo aqui. - interrompe Sean pela segunda vez.
  – Eu também pensei isso, mas eu não sei, essa faca foi levada com o sangue do Arthur em sua forma "humana", nós não conseguiríamos mesurar o real poder do Arthur, ou quão grandioso pode ser o seu sangue em um corpo "humano". Talvez essa faca guardada durante esse tempo todo com o sangue dele realmente tenha virado algo extremamente poderoso. - Sean se mostra muito ardiloso e meticuloso em cada palavra, ele era notavelmente inteligente e tentava amarrar todas as pontas soltas no meio desse mistério.
  – Eu posso acreditar nisso. - Brooklyn volta a se manifestar. – Se o Arthur é mesmo o mal e nenhum demônio ou anjo pode ir contra ele, já pararam para imaginar o que uma criatura que habita dos dois lados pode fazer usando algo que ele utilizava para coisas sórdidas, ainda por cima com o próprio sangue dele? - os olhos dela brilhavam de excitação, era como encontrar um pote de ouro. – Esses caras do bar foram geniais, guardaram algo que conseguiu ferir o Arthur, e deixaram aquilo marinando por anos em seu próprio sangue. Essa faca se tornou algo realmente valioso. - eu podia jurar que a qualquer momento ela iria suspirar de alegria. – No começo essa faca poderia até ser só um objeto qualquer que foi usado contra o Arthur como um modo de defesa, mas o fato dela ter conseguido ferir ele e ainda por cima estar com o sangue dele por anos, é como uma bomba.
  – Sim. Eu também pensei sobre isso, e quando paro para ligar os pontos faz mais sentido ainda. - Sean confirma a hipótese de Brooklyn. – Arthur nos manda para esse bar para poder colher supostas informações que podem prejudicá-lo, mas ele não nos dá um motivo real. O porquê das pessoas querem fazer isso ou qual a história por trás. Mas parece que agora encontramos a resposta. - Sean abre os braços em um gesto de finalização e sorri satisfeito.
  – Então quer dizer que ele provavelmente está querendo saber se vão tentar algo contra ele porque os caras do bar têm essa faca? - pergunto surpresa, e Sean assente. – Se o Arthur quer tanto pegar essa faca, então ela realmente se tornou uma bomba contra ele. - e nesse momento tudo parece se iluminar na minha cabeça.
  Nós tínhamos o motivo, tínhamos as pessoas, montamos um grupo, e agora só precisamos de um plano. Tudo estava ao nosso favor.
  – E você acha que essa faca pode estar lá no bar? - pergunta.
  – Eu não sei se está dentro do bar ou se alguém esconde ela. Mas eu acho que se estivesse no bar, o Arthur já teria pegado faz tempo, era só entrar lá e pronto. - Sean suspira, fazendo seu sorriso de antes sumir.
  – Ou ele não pode entrar lá.
  – Do que você está falando? - pergunto para Brook.
  – Pensem comigo, por que o Arthur mandaria vocês colherem informações para ele, se é muito mais fácil entrar lá e só pegar essa faca? A única explicação é que ele não pode entrar lá, e por isso vocês vão no lugar dele.
  – Isso faz sentido. - assente, enquanto aponta para Brook.
  – Mas por que ele não pode entrar lá? - pergunto outra vez, mas todos ficam em silêncio parecendo pensar em uma resposta.
  – Acho que essa é a única ponta solta. - Sean divaga, coçando a cabeça. – Mas podemos tentar descobrir isso nas nossas saídas. A fez muito amigos por lá, nós poderíamos fingir que queremos acabar com o Arthur também, o que não é mentira.
  – Uma aliança, você quer dizer? - Sean assente para minha pergunta, e no mesmo segundo me recordo de Margot e Margaret que me pediram por aliados, e logo pensei em Carl quando elas me falaram aquilo.
  No final, vai ser como juntar o útil ao agradável. Eu estou em dois planos, um com os meus amigos e outros com eles aqui dentro, talvez se eu der um jeito de juntar tudo isso, as coisas deem ainda mais certo, já que temos basicamente os mesmos objetivos. Mas antes de selar essa aliança, eu preciso saber se meus amigos estão de acordo com isso.
  – Será que conseguiríamos achar mais algumas informações naquele diário do Arthur que eu encontrei? - questiono, já que falar de Margot e Magaret me fez lembrar desse pequeno detalhe. – Haviam muitas folhas faltando naquele diário, e provavelmente deviam conter informações importantes ali, ou ninguém teria arrancado elas. - todos ali concordam com minhas palavras, até mesmo Madeline, que não está entendendo nada.
  – Mas aposto que ninguém aqui sabe onde estão essas folhas. - suspira.
  – , onde você achou aquele diário? - Sean pergunta.
  – Na biblioteca que meu amigo trabalha, por quê?
  – Um suposto diário do Arthur em uma biblioteca comum, isso não é estranho pra vocês? - seus olhos correm por todos nós. – Eu tenho certeza que não foi parar lá por acaso, isso devia ser parte do plano dele para atrair a pro sanatório.
  – Faz sentido, já que junto do diário também haviam algumas fichas de pacientes, do , por exemplo. Foi isso o que me fez voltar aqui.
  – Deve ter sido tudo uma isca do Arthur pra te trazer para esse lugar de novo. Então com certeza ele está com as páginas mais importantes. - Sean leva sua mão até o queixo, de forma pensativa.
  – Mesmo que esteja com ele, nós não sabemos como pegar e nem onde ele pode ter guardado. - Brook fala o óbvio.
  – Eu tenho um palpite e um plano. - Sean não perde tempo.
  – Cara, você é demais. - fala impressionado com a capacidade do Sean de arrumar soluções e respostas rápidas.
  – Arthur, assim como nós, vive nesse sanatório, então provavelmente deve estar aqui dentro, já que esse lugar é a fortaleza dele, protegido por todo tipo de criatura. Meu palpite é que essas páginas soltas estão na sala dele. - o loiro junta suas mãos na frente do corpo. – Ninguém entra naquela sala sem a permissão dele, fora que é o lugar em que ele mais fica.
  – Mas como vamos entrar naquela sala, se ele vive lá dentro? - por um momento fica frustrado.
  – Vamos ao meu plano... - Sean sorri. – e Booklyn, eu vou precisar que vocês briguem. - Sean diz.
  – O quê? - os dois exclamam chocados em uníssono. E até mesmo eu que estou de fora, olho totalmente confusa para Sean. – Para entramos na sala do Arthur e procurarmos essas páginas perdidas, Arthur vai precisar se distrair com alguma coisa. - Sean explica.
  – Mas tudo isso por umas páginas de um diário velho que ele usou pra atrair a Ellinore até aqui? - pergunta, sem entender.
  – E é exatamente por isso que temos que pegar essas páginas. Se isso foi uma isca para trazer a até aqui, com certeza tem algo relevante escrito nelas. - Sean rebate.
  – Ele tem razão. - Brooklyn concorda.
  – Tudo bem. Vamos fazer isso então. - suspira.
  – Certo, mais alguma coisa? - pergunto.
  – , eu preciso que você convença Arthur a nos deixar sair mais de uma vez por semana. Diga que fez algumas amizades e que está quase descobrindo alguma coisa. - minha expressão nesse momento certamente era de incredulidade.
  – Sean, o Arthur quer a nossa cabeça agora. Eu duvido que ele vá aceitar isso. Ele acha que fizemos aquilo com a sra. Morrice, e que aparentemente levamos Ethan para o lado rebelde junto. - rebato.
  – Confie em mim, ele vai deixar. Arthur está mais desesperado do que nós para colocar as mãos naquela faca. É o reinado dele que está em jogo.
  – E não sei se vocês perceberam, mas isso faz parte do plano dele. Por que vocês acham que ele nos deixa tão juntos? Ele quer que nós façamos o trabalho pesado para depois simplesmente pegar a recompensa e nos eliminar. - Sean arqueias as duas sobrancelhas em uma expressão sínica.
  – Aquele maldito! - soca a própria perna em um ataque de raiva momentâneo.
  – E é por esse motivo que temos que ser mais espertos e deixar ele pensar que está no controle de toda essa situação.
  – Mas por que você quer sair mais de uma vez? - pergunto.
  – Nossas chances aqui dentro são menores, ele sempre vai ficar nos vigiando. Do lado de fora podemos pegar informações com os seus amigos. - Sean explica.
  Ele é realmente inteligente.
  – E você, o que vai fazer? - Brooklyn questiona Sean, enquanto cruza os braços.
  – Eu vou me encarregar de tentar conseguir algumas armas e qualquer coisa que nos ajude a nos defender. - fala determinado. – Apesar de sermos criaturas sobrenaturais, estamos no terreno do Arthur, completamente restritos. Temos que contar com a possibilidade de algo dar errado, e se isso acontecer, Arthur não vai pensar duas vezes antes de tirar nossos poderes de vez aqui dentro, e não podemos ficar de mãos atadas. - todo assentem.
  – Seria uma boa que se contássemos com a ajuda de criaturas da parte da manhã, não é? - atraio a atenção de todos, que me olham de forma curiosa. – Eu conheci Gemma um tempo atrás e ela parece ser alguém bem inteligente, acho que pode nos ajudar. Na verdade, é uma vantagem termos ajuda das criaturas da noite, do dia e dos que estão do lado de fora. - explico.
  – Concordo com a . - me apoia e o restante acaba consentindo.
  – Você realmente pensou em tudo, hein? - Brook comenta diretamente para Sean.
  – Nós estamos nessa por cento e três anos. Acho que isso é tempo suficiente para que eu pensasse em um bom plano depois de ver tantas criaturas falhando em tentar derrotar o Arthur. - ele fala sarcástico.
  – Touché! Você é bom. - Brook retribui o sorriso dele, parecendo animada com nosso plano aparentemente "perfeito".
  E foi inevitável que todos nós caíssemos em risadas. Realmente, essa poderia ser a nossa chance, e todos estão eufóricos com a ideia de nos livrarmos desse inferno na terra.
  – O que vocês estão fazendo? - uma sexta voz, diferente de todas ali, ecoa pelo isolamento assustando a todos nós.
  – ? - Brooklyn é a primeira a se pronunciar, transbordando surpresa. – O que você...
  – O que é isso? - o de olhos verdes interrompe Brooklyn, parecendo um tanto incomodado com nossa reunião. Sua expressão é carregada, mas não sei dizer se ele está bravo ou apenas sendo o de sempre.
  – Hum... eu posso falar com você por um instante? - tento soar o mais tranquila possível, pois sei muito bem que ele não iria sentar aqui e bater um longo papo com todos nós. É do ranzinza que estamos falando, afinal.
   não responde e acabo tomando isso como um 'sim', já me levantando e indo em sua direção, mas não sem antes me virar para os demais e dar um sorriso confiante como se eu dissesse "deixem isso comigo".
  – Espere, . - interrompe antes que eu possa sair dali com . – Deixe essa tarefa comigo. - o loiro vem em minha direção e coloca uma das mãos em meu ombro. – Eu sou ótimo em lidar com o senhor mau humor. - ele dá uma curta risada, antes de olhar para .
  Eu apenas assinto, vendo os dois sumirem pelo isolamento, me fazendo pensar no tipo de amizade que eles poderiam ter, ou pelo menos a amizade que eu acho que eles tem.
  Pouco tempo depois que e saem de onde estávamos, a tranca do isolamento faz um alto barulho, indicando que alguém estava entrando. A imagem de Ethan e outro guarda surgem segundos depois, ambos trazendo novas mudas de uniformes para todos nós. Era hora do banho.
  Eles nos entregam os novos uniformes limpos. E todos seguimos para o banheiro. Diferente das outras vezes em que tomei banho aqui, agora tenho a companhia de Madeline e Brooklyn, que seguiam comigo.

Capítulo 35

  POV
  – O que foi? - mal pisamos em minha cela e já despeja todo seu típico mau humor, me fazendo soltar um riso frouxo. – Está rindo do quê, ? - ele cruza os braços e mantém sua expressão carrancuda, enquanto fica encostado do lado aposto da parede.
  – De você, cara. - respondo, ele me olha torto. – Para de bancar o machão perto de mim. Você sabe que não tenho medo disso. - minhas palavras não modificam em nada em sua carranca.
  Esse cara é difícil.
  – Vai falar o que era aquilo ou não? - ele ameaça sair de minha cela, o que me faz revirar os olhos.
  – Esse seu mau humor é um saco. - suspiro. – E eu aqui achava que a estava dando um jeito nisso. - ele apenas me ignora, como eu esperava. – Senta aí que eu vou te contar tudo. - como previsto, ele me ignora outra vez, e se mantém perto da parede. – Foda-se, fique de pé, então. - dou de ombros, já acostumado com as merdas dele.
  Sem mais enrolações conto tudo o que conversamos no isolamento, sem deixar de fora nenhum detalhe. Se queremos esse cara dentro do plano, vou ter que ser sincero. Mas pelas expressões de desgosto que ele fez enquanto eu contava todo nosso plano, não sei se isso será uma tarefa fácil. Na verdade, nunca é, quando se trata do .
  – Vocês são um bando de idiotas. - sua voz não era boa. – Qual o seu problema, ? Já esqueceu que estamos lidando com o bastardo do Arthur? Você sabe muito bem do que ele é capaz. Estamos todos presos aqui por conta das merdas do passado. - ele passa a mão pelo rosto ainda mais irritado.
  Isso não é bom.
  – É exatamente por isso que vamos tentar, cara. - me aproximo dele, o encaro sério. Definitivamente não era hora para gracinhas, e ele precisa entender isso. – Cara, eu estou nessa com você há muito tempo. Eu sou a porra do seu melhor amigo, , e é por isso que eu estou aqui te contando toda essa merda. - coloco minhas mãos sobre os seus ombros. – Agora temos a chance de dar o fora daqui e acertar as merdas que fizemos, mas eu não posso fazer isso sem você. - o maldito parado na minha frente finalmente parece se desarmar dessa pose irritante e demonstrar alguma emoção além da raiva.
  – Você sabe tudo que eu já fiz, . Não acho que tenha alguma coisa que possa me dar uma segunda chance de acertar essas merdas. - tira minhas mãos de seus ombros e sai de perto de mim, se virando de costas.
  – , eu te conheço melhor do que ninguém. E sei que você foi o que mais sofreu com tudo isso. - solto um longo suspiro. – Não vou passar a mão da sua cabeça, porque você sabe que fez muita merda errada. Mas eu também sei que isso te afeta pra cacete, mesmo você negando. Eu sei a merda fodida que aconteceu com todos nós, eu também estava lá. Mas agora temos a chance de nos redimir por tudo. Você tem essa chance. - caminho até onde ele está, e outra vez, coloca minhas mãos sobre seus ombros. – Agora você tem a chance de se acertar com a Gemma. - falo convicto, sentindo seu corpo se enrijecer com a menção do nome de sua irmã. – Apesar de tudo, eu tenho certeza que Gemma não ficaria feliz em saber que o irmão dela está vivendo nessa merda. Se ela estivesse aqui, com certeza, iria te apoiar nisso. - tiro minhas mãos de seus ombros, escutando sua respiração ficar um pouco mais alta.
  Sei que é difícil para esse cara falar sobre sua irmã e as coisas que ele fez no passado. Também sei que ele pensa que nunca irá perdoá-lo, e talvez esteja certo. Mas já está na hora de tentar alguma coisa, viver anos e anos sofrendo, repetindo erros do passado, não dá. Não posso ver meu melhor amigo 'morrer' bem diante de meus olhos. Ele nega até a morte, mas sei que viver todos esses anos aqui dentro com ela, e reencontrar depois de muito tempo, o abalou de verdade. Não posso ser hipócrita e dizer que me sinto mal, na verdade eu gosto disso, pois prova que ele não é quem finge ser. é totalmente o oposto, mas ficou tão atolado nas merdas que Arthur colocou sobre ele, que acha que ser assim é sua única saída.
  – ! - profere meu sobrenome como um alerta para que eu pare de falar.
  Não vou deixar esse maldito fugir.
  – Corta essa de "", cara. - me mantenho firme, já esgotado de toda essa situação. – Porra, , eu sou seu amigo e não vou te deixar sozinho aqui. Então seu maldito bastardo de merda, tire sua cabeça do rabo e pare de bancar o durão. - dou a volta por seu corpo, parando outra vez de frente para meu melhor amigo. – Não seja idiota, apenas perceba que ironicamente a vida está te dando outra chance... - sinto um mínimo sorriso começar a surgir em meu rosto. – , cara. Essa garota é tão fodida quanto você, tão fodida que vai fazer de tudo para te tirar dessa merda, mesmo que você não mereça. Ela é a sua segunda chance. Elas são. - presta atentamente atenção em todas as minhas palavras, parecendo refletir por um momento em tudo que eu disse.
  – Você é um maldito filho da puta, você sabe disso, certo? - negando com a cabeça, ele deixa, quase, um imperceptível sorriso pintar seu rosto carrancudo.
  – Então vamos ser dois malditos filhos da puta bem longe desse inferno. - levo minha mão direita até seus rosto, dando dois leves tapinhas. – Acho que você não vai ter escolha, já que se eu não te convencer, não vai parar até você entrar nessa.
  – Essa maldita garota irritante. - ele suspira, me fazendo rir.
  – A garoto irritante que roubou o coração do maior bastardo que eu conheço. - não êxito em provocá-lo, o vendo estreitar os olhos para mim.
  – Não me faça te socar aqui mesmo. - ele rebate, na defensiva.
  – Como quiser. - dou de ombros encerrando o assunto, pois sei que ele não vai admitir que gosta dela, mas eu sei que gosta. está caidinho pela espertinha de língua afiada.
  Sempre esteve.
  – Hm... e o Sean? - desvia o assunto, voltando a assumir sua postura tensa de antes.
  – O que tem ele, cara?
  – Você sabe que ele é um otário, . - ele diz, me fazendo revirar os olhos.
  Merda, tenho que ficar longe da . Suas manias irritantes são contagiosas.
  – Todo mundo é otário pra você, . - solto um riso seco, e ele bufa irritado.
  E lá vai e toda a sua paciência.
  – Ele também vai participar?
  – Você sabe que vai. - tento soar o mais calmo possível, não quero uma briga, tudo estava indo bem até agora.
  – Esse cara é pior que o Arthur, ele vai ferrar com tudo. - ele me olha seriamente.
  Suspiro antes de responder.
  – As coisas mudam, cara. Você mudou. Por que ele também não pode ter mudado? - pergunto, e não obtenho resposta alguma, por isso apenas continuo: – Precisamos nos unir se quisermos dar o fora daqui. E de qualquer forma, vocês têm alguma coisa juntos que eu sei, então pode observá-lo de perto se estiver no plano.
  – Eu tenho o meu próprio plano. E sei que ele vai dar certo, não preciso disso. - parece que o senhor mau humor voltou, e trouxe junto com ele o senhor arrogância.
  Às vezes não sei como consigo lidar com o .
  – O planinho suicida de vocês não vai dar certo, mas o meu vai. - ele dá de ombros. – Não se preocupe, , no final, todo mundo vai ter o que quer. - ele finaliza sorrindo de maneira estranha.
  – Eu vou continuar nessa, . Não posso confiar nas suas palavras se você não me contar o que está planejando. Pelo menos a é sincera. - falo rudemente, já um pouco irritado.
  – Ela é. - ele sorri debochadamente. – Não se preocupe, eu sei o que estou fazendo. - e sem me dar a oportunidade de contestá-lo, some no ar, fazendo o que ele sabe de melhor: fugir.
  Existem coisas das quais não me conta, e isso me incomoda pra cacete. Não sei o que ele está planejando, e vindo dele, só pode ser alguma coisa bem idiota. E esse é o meu maior medo, dele ferrar as coisas ainda mais.
  Ele acha que jogar tudo pra cima de si é algum tipo de redenção por tudo que fez, mas isso só vai piorar as coisas. Ele só vai piorar a própria situação. precisa parar de fazer de sua vida um grande limbo, isso é um saco.
  No final, eu apenas seguirei o plano de , quero ver até onde isso vai. Ficarei de olho no , e qualquer coisa sei onde buscar por ajuda.
  – ! - logo reconheço a voz de Brooklyn, soando um tanto desesperada.
  Que merda está acontecendo nesse lugar agora?

***

  POV
  Uma vez que todas nós já está vamos no banheiro feminino, me apresso ao arrumar minhas coisas em uma das cabines de banho, mas sou surpreendida quando Brooklyn resolve vir falar comigo.
  – Escute bem... - ela começa a falar meio sem jeito, o que é totalmente novo para mim. – Eu sei que não nos demos bem até agora, mas eu vou fazer de tudo para que seu plano dê certo. - apenas assinto, esperando que ela continuasse. Esse era um momento único em nosso "relacionamento" conturbado. – Tudo o que eu mais quero é dar o fora desse lugar de uma vez por todas... - ela faz uma segunda pausa antes de continuar –... então pode contar comigo. - ela apoia sua mão direita em meu ombro, dando um leve aperto.
  Meus olhos se arregalam, enquanto fico em total silêncio sem saber como reagir a isso. Eu não esperava por essas palavras. Eu nem ao menos sei dizer se ela realmente está sendo sincera agora. Mas por via das dúvidas apenas vou aceitar, não acho que seja bom para o nosso plano que eu fique com brigas idiotas com ela. Precisamos fazer de tudo para dar certo.
  – Tudo bem. Não se preocupe com isso. - sorrio minimamente, e ela assente, se afastando de mim.
  Ainda atordoada com suas palavras, entro na cabine de banho que escolhi anteriormente, retirando todas as minhas roupas e ligando o registro. Respiro fundo tentando afastar qualquer pensamento idiota da minha mente. Deixando que o som da água caindo sobre o chão me relaxe. Fecho os olhos por alguns segundos sentindo o líquido quente escorrer por todo meu corpo, aliviando a tensão dos músculos.
  "Você precisa me entregar ela. Eu irei fugir. Não se preocupe, eu vou cuidar dela pra você."
  Volto a abrir meus olhos quando escuto uma frase soar dentro da minha própria cabeça, como se alguém falasse comigo.
  – O que foi isso? - questiono de forma baixa, a mim mesma.
  "Eles estão vindo atrás de nós."
  Outra vez escuto a mesma voz soar dentro da minha cabeça, me assuntando no mesmo instante, me fazendo trombar com todas as minhas coisas dentro da cabine de banho, fazendo uma pequena confusão.
  – ? - escuto a fina voz de Madeline soar do lado de fora de minha cabine, e posso ver sua pequena silhueta parada em frente à cortina azul.
  – Já estou saindo. - respondo rapidamente, tentando amenizar a situação.
  Essa é a segunda vez que isso me acontece. Eu não entendo, será que estou ficando louca? Ou será que isso pode fazer parte das minhas lembranças perdidas?
  Meu coração acelera minimamente com meu pensamento. Todos aqui dizem que não podem me contar sobre meu passado, mas que preciso lembrar dele por conta própria... será que eu finalmente estou lembrando?
  Isso é uma possibilidade, e vou lidar com e` mais tarde. Preciso conversar com alguém sobre isso para ter certeza, não vou criar falsas esperanças.
  Enquanto tento organizar todas a minhas ideias, começo a me secar, para em seguida, colocar meu uniforme novo, logo saindo da cabine de banho e encontrando Madeline ainda parada em frente à cortina azul, me olhando de forma curiosa com seus grandes olhos verdes.
  – Não se preocupe, eu estou bem. - sorrio gentilmente para a pequena, não querendo que ela se preocupe à toa.
  Depois de acalmá-la, começo a caminhar até o espelho para ver o meu estado, mas um reflexo específico faz com que meu corpo todo paralise no lugar. Através do reflexo no vidro eu podia enxergar a mesma criatura estranha que vi em meu suposto "sonho" quando discuti com . O mesmo sorriso, o mesmo olhar horripilante, ali, parado dentro da cabine que acabei de sair.
  Por um segundo desvio meu olhar daquele reflexo, e encaro a pequena garotinha parada perto de mim.
  – Mad, precisamos sair daqui agora! - de forma desesperada pego Madeline no colo, pronta para correr daquele banheiro. Mas espiando outra vez através do espelho, vejo a criatura fazer menção de nos atacar, me fazendo fechar os olhos e gritar, enquanto aperto a criança em meus braços.
  – O que está acontecendo? - ainda de olhos fechados, escuto Brooklyn sair de dentro de umas das cabines, seguido do barulho da porta do banheiro sendo aberta.
  – O que foi isso? - a próxima voz que escuto é a de Sean, me fazendo finalmente abrir os olhos. Para encontrar ele, Brooklyn, e até mesmo - que havia voltado - me encarando preocupados.
  – O que você está fazendo, ? - Sean pergunta, se aproximando de mim.
  Afrouxo meu aperto em Madeline, e me afasto para encarar a criança assustada e confusa em meu colo.
  – Você também viu, Mad? - pergunto esperançosa, mas a pequena apenas nega com a cabeça, enquanto eu a coloco no chão.
  – Viu o quê? - pergunta para Brooklyn.
  – Eu não sei. Estava terminando de me vestir quando escutei ela gritar. - Brooklyn reponde confusa.
  – O que aconteceu, ? - Sean volta a perguntar.
  – Eu vi uma criatura estranha pelo reflexo do espelho. Ela estava dentro da cabine que eu tomei banho. - meio atordoada aponto para a cabine de cortina azul. – Eu já tinha visto ela outra vez, mas achei que era apenas um sonho. - respiro fundo, tentando entender o que era tudo isso.
  – E como ela era? - se aproxima para escutar.
  – Grande. Escura e tinha umas garras e dentes afiados. - acabo por responder de qualquer jeito. – Eu nunca vi nenhuma criatura assim antes aqui no sanatório. - todos ali se tornam tão atordoados quanto eu.
  Era só o que faltava, eu estou mesmo ficando louca. Até a ideia das vozes serem parte das minhas memórias parecem estúpidas agora. Eu estou delirando e alucinando.
  – Onde o está agora? - caindo na realidade outra vez, tento mudar o assunto.
  Antes que alguém me responda, uma sexta pessoa entra no banheiro, e era justamente quem eu menos queria ver agora.
  – Que merda está acontecendo aqui? - a voz imponente de Arthur ocupa cada canto do banheiro. – Acabei de receber um chamado de que vocês estão gritando no banheiro. Então é bom que alguém esteja morrendo. - ele não parecia estar no seu melhor humor. Como sempre.
  Fico um pouco surpresa por ele estar aqui, e não nenhum dos guardas. Isso apenas me faz pensar que sua promessa de tornar nossas vidas um inferno, é bem real, já que parece que ele quem irá cuidar de tudo relacionado a nós pessoalmente.
  – Eu perguntei que merda está acontecendo aqui? - Arthur repete sua pergunta com mais voracidade, enquanto nos encara um a um.
  – E-Eu acho que tem alguém aqui. - respondo quase inaudível, vendo uma expressão descrente pintar o rosto de Arthur.
  – Do que você está falando? - ele cruza os braços.
  – Eu vi uma criatura estranha aqui no banheiro, e não é a primeira vez que ela aparece pra mim. Eu nunca vi nada parecido com isso aqui no sanatório antes. - explico.
  – Criatura estranha? - ele pergunta, e eu apenas assinto em resposta. – E como ela era? - ele se torna tenso.
  – Grande. Escura e tinha umas garras e dentes afiados. - repito minha resposta anterior.
  – Era só o que me faltava nessa merda. Um maldito bastardo vagando pelo meu sanatório. - ele bufa irritado, e passa a mão de maneira nervosa por seus cabelos cumpridos, me fazendo automaticamente lembrar de .
  Em seguida, Arthur se vira e aponta para Sean.
  – É bom que dessa vez não seja você, ou eu vou te dar o pior dos castigos. - ele ameaça o mais novo de forma intimidante. Não sei o que há sobre esses dois, mas boa coisa não é.
  – Não sei se você notou, mas o único que não está aqui é o querido seu filho. - Sean rebate no mesmo nível de raiva que Arthur. – Todos nós estávamos aqui quando essa merda aconteceu. Todos ,menos o .
  – O que você está fazendo? - pergunto descrente, mas ele nem sequer me olha.
  – . - Arthur diz entre os dentes, e fecha as mãos em punhos. – Ethan! - sua poderosa voz grita, e não demora minutos até que o seu fiel guarda surja na porta do banheiro. – Vamos atrás do agora. - o guarda assente, seguindo Arthur para fora do banheiro.
  Um silêncio se instala entre todos nós. Até que eu resolvo me virar para .
  – Você conversou com ? - ele assente. – O que ele disse? E onde ele está agora? - fico esperançosa de que ele me dê uma boa responde sobre , não quero deixar as acusações indiretas de Sean inundarem minha cabeça.
  – Ele não me deu uma resposta concreta. Depois disso ele sumiu como sempre. - dá um longo suspiro derrotado. Eu apenas aceno com a cabeça, encerrando esse assunto por hora.
  – Eu queria contar uma coisa pra vocês. - falo no mesmo instante em que sinto Madeline segurar na calça de meu uniforme, ficando próxima a mim. Em resposta, levo minha mão até o topo de sua cabeça, passando a mãos pelos fios loiros de sua cabeça.
  – O que é? - Brooklyn pergunta curiosa.
  – Eu não sei se tem alguma ligação com a criatura que eu vi, mas eu também ando escutando umas vozes dentro da minha cabeça. São apenas algumas frases de coisas desconexas que nunca ouvi antes. - todos parecem prestar muita atenção em minhas palavras. – Eu comecei a pensar na possibilidade de ser algumas das minhas memórias voltando, mas tem essa criatura que só eu vejo, e agora acho que estou ficando louca. - suspiro pesadamente.
  – Talvez sejam suas memórias mesmo. - tenta me animar.
  – Você já tentou conversar com essa criatura? Talvez ela tenha algo a ver com seu passado. - Sean dá seu ponto de vista.
  – Não acho que ela saiba falar. E mesmo se souber, ela sempre tenta me atacar todas as vezes que aparece. - explico.
  – Isso é estranho. Acho melhor esperarmos por Arthur, porque se essa criatura for mesmo um intruso aqui dentro ele logo irá acabar com ela. - Brooklyn diz. – Talvez essa criatura esteja fazendo isso apenas para assustar, essas vozes podem ser coisas dela. Se Arthur acabar com ela, talvez as vozes também sumam.
  – Você pode ter razão. - aceno para ela que sorri minimamente.
  – Mas também não podemos descartar a possibilidade disso ser coisa de alguém daqui de dentro. - Sean contra-argumenta. Ele sempre tem uma resposta na ponta da língua.
  – Estamos juntos nessa agora, teremos que confiar uns nos outros, ou isso não vai dar certo. - , como sempre, tenta amenizando o clima.
  Ele estava certo, mesmo que arriscado, temos que nos unir e confiar uns nos outros agora. Mas também não podemos descartar a hipótese de que qualquer um pode ser suspeito, e no momento, mesmo que eu odeie admitir, é o maior deles.
  Me sinto extremamente cansada, de dentro para fora. Passamos por muitas coisas e tomamos decisões importantes do que iremos fazer daqui para frente. Agora existem muitos perigos que iremos correr, e muitas suspeitas pelo caminhos, suspeitas estas que, inclusive, nos rondam. Eu realmente preciso descansar antes de começar a colocar tudo para funcionar, já sei o que tenho que fazer como próximo passo, mas irei torar um tempo para mim antes.
  Depois de toda essa agitação no banheiro, cada um seguiu para sua cela. Antes de fazer o caminho até a minha, resolvi passar na de , mas ele não estava lá, e provavelmente Arthur o detinha neste momento, por isso apenas sigo para minha cela e deixo para procurá-lo, de novo, mais tarde.

Capítulo 36

  Acabei dormindo mais do que pretendia. Estava tão cansada que acordei apenas no dia seguinte. Com toda a loucura desse lugar, eu mal tenho tempo para respirar, então foi bom poder descansar por algum tempo. Ir atrás de foi a primeira coisa que fiz depois que acordei, preciso começar a colocar as coisas em ação em por aqui.
  O procurei por todos os cantos possíveis do isolamento, mas parece que ele simplesmente havia desaparecido. Perguntei a todos, mas ninguém sabe dizer onde ele possa estar neste momento.
  – Como eu te falei antes, não tive muitos resultados com o . - suspira. – Você sabe, ele só despareceu. - dá de ombros, visivelmente desapontado.
  Isso é realmente um saco.
  Eu preciso ir atrás de para convencê-lo a participar. Ele é um suspeito em potencial, e existem muitos mistérios envolta do passado de que aparentemente estão relacionados a mim. E por isso vou dar um jeito de juntá-lo com todos nós, quero vigiar cada um deles de perto, e só assim descobrirei a verdade por trás de tudo isso.
  – Você realmente não sabe para onde ele foi depois da conversa? - insisto.
  – Não, . - ele respira fundo parecendo frustrado.
  Isso está ficando cada vez mais estranho. sumiu desde do nosso encontro no isolamento e toda a confusão no banheiro. Eu realmente não quero julgá-lo sem antes recuperar minhas memórias, mas está cada vez mais difícil.
  – não é alguém fácil, mas isso você já sabe. - continua. – Parece que nada do que eu falei entrou naquela cabeça fodida dele, mas talvez ele te escute. Realmente espero que você consiga convencê-lo. - o loiro sorri brevemente, e olha para um ponto atrás de mim antes de me dar as costas e entrar em sua cela.
  – Estava me procurando? - a voz grave de soando atrás de mim de surpresa, realmente me assusta, me fazendo gira em meus calcanhares de imediato.
  – Sim. Podemos ir para algum lugar com mais privacidade? - pergunto suave, não querendo criar um clima tenso antes do que viria.
  – Vem comigo. - ele passa por mim, e inesperadamente pega em minha mão, me puxando pelo isolamento.
  Não digo nada, apenas deixo que ele me conduza até a enfermaria, onde não havia sinal nenhum de outras pessoas para nos atrapalhar.
   fecha a porta da enfermaria atrás de si, e sinto uma onda de nostalgia invadir meu corpo. Foi aqui que nos beijamos pela primeira vez, e parando para pensar em tudo o que nos aconteceu desde então, parece que se passaram anos desde esse dia.
  – Você disse que queria falar comigo? - me assusta pela segunda vez. Ele havia se escorado sobre a velha maca de curativos, e acabo por acompanhá-lo, me sentando perto dele.
  – Sim... - apenas dou a mesma resposta de antes, tentando achar as palavras certas. – O plano... Sean teve algumas ideias, e gostaria que você soubesse...
  – já me contou tudo. Eu não vou participar. - ele me interrompe, enquanto cruza seus braços naquela típica pose irritante dele.
  – Esse plano é muito importante, . Algumas pessoas estão depositando toda a sua confiança nele. - falo de forma mais calma possível, com a intenção de que ele realmente me ouça e tome a decisão certa.
  – Vocês não sabem onde estão se metendo, e muito menos em quem estão confiando. - ele rebate em tom de alerta, quase me fazendo revirar os olhos por conta dessa sua briga idiota com Sean. Se até Brooklyn e eu demos uma trégua, por que eles também não podem?
  – O que te preocupa? - percebo que se quero chegar a algum acordo com Irritante , tenho que mudar minha abordagem. – O que te deixa tão receoso sobre o plano? É o Sean, não é? - coloco minha mão sobre sua perna, e sua expressão suaviza por alguns segundos.
  – Não tenho receio nenhum sobre aquele cara. - e pela primeira vez o vejo usar um tom de ultraje. – Eu apenas sei que ele não é coisa boa. - suas palavras são duras.
  – E você é? - perco totalmente o intuito inicial de manter a calma, lançando a pergunta para , que se mantém calado com uma carranca em seu rosto, nada feliz com minhas palavras.
  Observo quando ele se desencosta da maca de curativos e caminha até o outro lado da sala, parando em frente à grande janela que dava vista para a floresta.
  Fico algum tempo apenas o observando de costas para mim, e pensando no que ele esconde. Será que existe algum outro motivo para que ele não queira participar do plano? Talvez assuntos não resolvidos com Sean?
  Eu realmente não faço a menor ideia, e começo a ficar totalmente aflita por ser deixada de fora. Tenho muitas perguntas sem respostas, e sei que não vai me ajudar a respondê-las, por isso preciso recuperar minhas memórias de uma vez.
  – Eu já te disse tantas vezes para ficar longe desse cara, , mas você não me escuta. Nunca me escuta. - ainda de costas para mim, ele gesticula agressivamente mostrando o quão irritado estava.
  – Mas você nunca me disse o porquê, . - elevo meu tom de voz, deixando toda minha frustração transparecer.
  – Até parece que você não sabe sobre o nosso passado, que não foi atrás de respostas para todas as perguntas que você forma nessa sua cabeça. - ele me olha sobre os ombros, se virando depois, e voltando para peto de mim. – Você sabe que coisas ruins aconteceram, apenas não se lembra. Isso não é algo que alguém possa te explicar, e mesmo assim eu estou tentando te alertar sobre esse cara. - ele para na minha frente, e posso notar toda a tensão emanar de seu corpo.
  – Sim, eu realmente fui atrás. Porque se existe um passado do qual eu não me lembro, onde aparentemente muitos de vocês me fizeram mal, principalmente você, eu quero me lembrar. - me levanto da maca, ficando frente a frente com .
  – E aposto que quem te deu essas “respostas” foi ele, não foi? - o de olhos verdes soa extremamente debochado, me olhando com ar de julgamento.
  – Foi sim. Sean, a única pessoa que teve a decência de me mostrar as coisas. - totalmente irritada, não contenho mais minhas palavras.
  – E quem te garante que ele não inventou um monte de merda? - igualmente irritado não fica para trás em nossa discussão.
  – E em quem eu devo acreditar? Em você, que nunca me conta nada? - foco diretamente em seus olhos verdes, para que que ele sinta o peso de minhas palavras.
  Em um movimento rápido e ágil ele soca a parede ao lado da maca.
  – POR QUE VOCÊ NÃO CONFIA EM MIM?! - grita exasperado, com sua respiração descompassada em irritação.
  – Como eu posso confiar em alguém que vive escondendo as coisas de mim e que sempre me empurra para longe? - não deixo me intimidar por seu momento de raiva, e me aproximo ainda mais dele. – Alguém que, mesmo que eu não queira, se tornou o maior suspeito de toda essa bagunça na minha vida! - sinto meus olhos e garganta arderem a medida que a confusão em minha mente aponta apenas para ele – Eu preciso saber a verdade, !
  – Você está chorando. - ele leva as mãos até meu rosto, mas me esquivo, indo para o outro lado da sala.
  Ele está fazendo o mesmo joguinho de antes, está tentando me distrair, mas não vou deixar.
  – Você realmente não vai nem tentar se defender? - pergunto com a voz embargada, o escutando suspirar profundamente.
  – Eu não preciso me defender. Quando você recuperar suas memórias, irá tomar suas próprias decisões. - sua voz é calma, e eu o agradeço por isso, não sei por quanto tempo ainda aguentaria gritando comigo.
  Meus pensamentos criam uma batalha tão barulhenta dentro da minha cabeça que acabo deixando o principal passar: se ele não vai se defender, então ele está com a consciência limpa de seus atos? Ele está tentando dizer indiretamente que talvez seja um pouco inocente?
  Talvez isso seja apenas eu tentando arrumar desculpas para livrar o . A verdade é que eu me envolvi com ele em tantos sentidos, que isso está me afetando demais.
  – Me diz que você vai entrar no plano. - volto ao ponto de partida, totalmente desesperada para que ele apenas aceite isso.
  – O quê? - ele pergunta indignado, e confuso com minha dualidade repentina.
  – Por favor, . - o encaro profundamente, mas ele desvia o olhar.
  – Eu não posso fazer isso, . - ele responde em um tom mais baixo, se apressando ao ir até a porta para deixar a enfermaria.
  Ah, não! Isso outra vez não! Dessa vez você não me escapa!
  Seco o canto dos meus olhos antes de me apressar atrás dele, decidida a não deixá-lo fugir como sempre faz. Aperto meus passos, quase correndo até onde ele estava, agarrando seu pulso antes de usar um pouco mais de força para empurrá-lo contra a parede do largo corredor.
  – Não. Dessa vez eu não vou deixar você fugir~ - quase rosno as palavras, muito semelhante ao que ele sempre faz. E recebo em resposta um olhar de surpresa.
  – O que é isso, ? - ele me olha desconfiado, mas ao mesmo tempo era como se me incentivasse a continuar.
  – Parece que quem não escuta ninguém aqui é você. Então guarde bem essas palavras... - respiro fundo, tomando coragem para, enfim, colocar no lugar dele. –... você vai participar desse plano por bem ou por mal, e eu sei exatamente como te convencer. - tento ser o mais confiante possível, mesmo que no fundo eu esteja totalmente receosa sobre está ideia dar certo ou não.
  Em seguida solto , me afastando dele e marchando pelo corredor como um furacão atrás de , mais do que decidida a colocar toda a minha estratégia em jogo.
  Volto para o corredor das celas e vejo conversando com Sean, caminho apressada até eles, dando uma desculpa qualquer para Sean e puxando para longe.
  – Aconteceu alguma coisa? Você estava chorando? - pergunta depois que eu o arrasto até a o banheir.o – Foi o , né? O que ele disse pra você? - assinto em resposta, e ele se encosta na pia, cruzando os braços.
  – Basicamente a mesma coisa que disse pra você.
  – Por que aquele idiota tem que ser tão teimoso? - suspira. – Você deveria pegar mais pesado com ele, . Que tipo de namorada você é? - o de olhos azuis me repreende, enquanto me encara seriamente.
  – E-ELE NÃO É MEU NAMORADO! - minha voz sai alta e esganiçada, fazendo revirar os olhos. – Ei! Não revire os olhos. - aponto em sua direção.
  – Isso é culpa sua e das suas manias chatas. Elas pegam, sabiam? - reviro os olhos também, e ele volta a me repreender, agora com o olhar. – Vamos deixar você e seu namoro conturbado pra depois. Você não me chamou aqui apenas para dizer que fez o de sempre, certo?
  Apenas ignoro o começo de sua frase antes de responder.
  – Talvez eu tenha uma ideia para convencer o .
  – Qual é? - arqueia as sobrancelhas de forma curiosa.
  – Gemma. - franze o cenho de imediato ao escutar minha resposta. – Ela é minha última esperança. - falo em um suspiro.
  – Mas eles não se falam há anos, . - o loiro de olhos azuis se desencosta da pia, parecendo um pouco preocupado com minha ideia.
  – Exatamente por isso. - me aproximo de . – Não sei o que aconteceu, mas não vou julgar ninguém antes de ter minhas memórias. E também, no final eles ainda são irmãos, , talvez ele escute ela. - arregalo os olhos em espanto ao me dar conta do apelido novo que dei para .
  – Talvez você tenha razão, acho que ele pode escutar ela. Mas ainda sinto que isso pode ser um pouco preocupante. - , ou , coça a cabeça de forma pensativa. – A propósito, gostei do apelido. - ele dá risada, e o empurro de leve.
  – Só vamos saber se tentarmos. - digo, e mesmo temente, assente. – Como sou a única que tem passe livre junto das criaturas da manhã, estou pensando em tentar falar com ela o mais rápido possível.
  – É, pode ser... - continua pensativo. – Acho que isso só funcionária se eles se vissem pessoalmente, porque é proibido e essas coisas que você já sabe.
  – Eu estava pensando em passar um recado dela para ele, mas o que você disse pode funcionar melhor. Como vamos fazer agora? - pergunto, e no segundo seguinte, suspiramos juntos.
  – Acho que tenho uma ideia. - uma terceira responde minha pergunta, nos pegando desprevenido, e nos fazendo saltar em nossos lugares
  Rapidamente olho em volta, vendo Sean parado na porta do banheiro, sem que notássemos sua presença até aquele momento.
  – Você estava ouvindo nossa conversa? - pergunta, enquanto Sean anda até onde estávamos.
  – Não importa, cara. - ele coloca uma mão no ombro do . – O que interessa é que eu sei como ajudar vocês.
  – Então fala logo. - digo impaciente.
  – , você é um anjo caçador e mesmo assim não sabe da força e dos poderes que possui. - ele sorri de forma engraçada. – Os anjos caçadores são como a ponte que liga o dia e a noite, podendo transitar livremente em ambos os lados, ou seja, você é uma parte dessa ponte, então você pode ligar o e a Gemma.
  – Como eu faço isso? - chego mais perto dele, ansiosa para saber como eu poderia ajudar .
  – É simples, você só precisa ir até a Gemma e trazê-la aqui. Apenas pegue na mão dela e se concentre no lugar em questão que quer levá-la. - Sean finaliza, como se contasse a coisa mais óbvia do mundo.
  – É verdade, eu havia me esquecido disso. Também, faz tanto tempo que não convivia com anjos caçadores. - encolhe os ombros, frustrado consigo mesmo por não ter dito isso antes de Sean.
  – Nós vamos conseguir trazer o para o plano, . - olho esperançosa para ele, que logo deixa sua frustração de lado e sorri animado.
  – Calma, . Eu ainda não terminei. - nossos sorrisos somem assim Sean interrompe nosso momento. – Vocês sabem que o Arthur pode sentir a alma de cada um de vocês, certo? Ele saberia se uma criatura violasse as leis e ultrapassassem a barreira entre dia e noite. - Sean explica, e sinto um pouco de minha esperança desaparecer. – Felizmente, você tem a capacidade de ocultar seus rastros, mas já aviso que isso tem limite de tempo, se você não levar Gemma antes que esse tempo acabe, Arthur vai saber na mesma hora. - toda sua fala soa em tom de alerta.
  – E quanto tempo eu tenho?
  – Eu não sei, . Isso é específico para cada anjo caçador, mas você vai saber na hora. - Sean responde. – pode te levar até a Gemma com o 'teletransporte' dele, assim vocês poupam tempo. Enquanto isso, eu posso enrolar os guardas por aqui. - sorrio sincera para Sean, pois sei que ajudar é um grande sacrifício para ele, e mesmo assim ele está tentando.
  – E podemos fazer isso agora? - pergunto, intercalando meu olhar entre os dois homens loiros perto de mim.
  – Se você quiser. - Sean dá de ombros.
  – ? - me viro para , apelando para seu novo apelido.
  – Claro. Acho que quanto antes melhor. - ele assente junto de sua fala.
  – Ok. Então vou indo distrair o guardas. - Sean avisa.
  – Sean, será que você pode passar um recado para Mad ou Brooklyn? - pergunto, e ele incentiva que eu continue. – Sei que e você não se dão bem, por isso vou pedir para que uma das meninas façam isso. Peça que uma delas leve até a enfermaria, acho que lá é o melhor lugar para fazermos isso.
  – Eu também acho. Quase não usamos aquela sala. - concorda.
  – Tudo bem. Eu digo. - Sean assente outra vez, e se prepara para sair do banheiro, mas para na porta para encarar de forma lasciva. – Finalmente vai rever a Gemma, você deve estar ansioso por isso. - ele caçoa e depois deixa o banheiro.
  Olho confusa para , o encontrando totalmente vermelho e sem graça.
  – O que foi isso? - estreito os olhos para , achando graça em sua postura desajeitada.
  – Nada. - ele tenta desconversar. – Vamos buscar ela de uma vez. - ele se vira de costas para mim, tentando esconder sua vergonha.
  – Certo. - falo desconfiada, tentando conter um riso.
  Acho que agora tenho alguma coisa para provocá-lo sobre suas piadinhas com o .
  Deixarei essa carta na manga para depois, agora vou me concentrar em buscar Gemma, e trazer para nosso plano. Me sinto animada por ver que as coisas estão dando certo. Eu, pelo menos, espero que estejam mesmo.

Capítulo 37

  – Vamos? - pergunto para , que apenas assente.
  Estendo as mãos para , que logo coloca as suas sobre as minhas. Dou uma leve apertada em suas mãos, enquanto respiro fundo e tento me concentrar em fazer algo que até poucos minutos atrás eu não sabia que podia fazer. Eu realmente estou nervosa, estou prestes a quebrar as regras de Arthur, vou levar uma criatura da noite para o dia, e depois trazer uma criatura do dia para noite. Isso realmente tem que dar certo ou eu irei estragar tudo, e ainda receberei um belo de um castigo.
  Bom, isso é como o ‘teletransporte’ dos demônios, porém, com uma pequena ajuda deles. Então não deve ser tão complicado como eu imagino, até porque as explicações de Sean foram realmente simples.
  Respiro fundo outra vez e encarro , que com um aceno de cabeça me incentiva a continuar. Em seguida fecho meus olhos, materializando a recepção do sanatório, especialmente de dia. Fico alguns segundos desta forma, tentando focar ao máximo minha concentração, até que, finalmente, eu comece a sentir a atmosfera ao meu redor mudar.
  Uma brisa suave passa por todo meu corpo mudando o estado atual da atmosfera, era como se eu estivesse tonta por algum tempo, como se meu corpo fosse deslocado sem que eu saísse do lugar. Aguardo mais alguns instantes desta forma, até que todas as sensações cessem, e só neste momento eu abro os olhos, me surpreendendo ao perceber que eu realmente havia conseguido. 
  Observo o lugar quase vazio, com poucos pacientes em suas vestimentas brancas transitando de um lado para o outro da recepção, enquanto alguns funcionários os auxiliam. Nenhum deles parecem se importar com nossa presença, o que é ótimo, tudo que não precisamos agora é chamar a atenção.
  – Wow! Você realmente conseguiu. - diz impressionado olhando tudo ao seu redor. – Senti falta da luz do dia. - ele observa a janela de vidro lustroso que emanava luz, e isso parecia lhe trazer algumas recordações.
  – ? - a dona da voz pela qual procuramos nos surpreende, soando um pouco longe de onde estávamos. Parada na entrada da recepção Gemma nos encarava, mas especificamente , de forma totalmente surpresa.
  – Gemma. - aceno para que ela se aproxime.
  – O que vocês estão fazendo? Como pode estar aqui? - antes mesmo de se aproximar por completo ela já lança suas perguntas, intercalando seu olhar de para mim.
  – E-Ela usou aquele 'teletransporte' de anjos caçadores. - responde, desviando o olhar e coçando a parte de trás de sua cabeça de forma envergonhada. 
  Acho engraçado a maneira como ambos se portam por estarem frente a frente, mas não posso me distrair e esquecer que isso tem um limite de tempo, preciso ser rápida.
  – Precisamos conversar, temos muitas coisas para contar. - voou direto ao assunto, vendo ela assentir.
  – Claro. Eu estava indo encontrar Kat agora mesmo, venham comigo. - ela sinaliza com as mãos, antes de tomar a frente e começar a nos guiar pelo sanatório, tomando todo cuidado para que não nos percebem, sempre pegando caminhos vazios e sendo atenta a tudo ao nosso redor.
  Gemma nos leva até uma sala desconhecida por mim. Parecia ser alguma tipo de terapia artística com telas brancas e cavaletes. A porta da sala estava aberta, e Kat era a única ali dentro, ajeitando todo o material de pintura.
  – Kat? - Gemma chama assim que bate na porta para atrair a atenção da ruiva.
  Kat olha sobre seus olhos, e assim como Gemma, ela também se surpreende ao ver . E isso logo passa quando o típico sorriso gentil pinta seu rosto de forma amigável, enquanto ela pede para que entremos na sala.
  – O que estão fazendo aqui? Achei que estivessem presos no isolamento. Sabe, as notícias correm. - ela quase sussurra a última parte de sua fala, dramatizando o acontecimento.
  – Demos um jeitinho. - respondo, sorrindo como consequência de seu jeito descontraído. – Muitas coisas aconteceram e estamos precisando de ajuda. - digo, e encaro de relance, que por algum motivo se tornou estranhamente quieto. Aposto minhas fichas que esse motivo se chama Gemma.
  – Estou ficando muito curiosa. - Gemma demonstra sua ansiedade, agarrando a barra de seu uniforme branco, que para mim se parece com uma longa camisola.
  Tentando ser o mais brave possível e poupando o meu tempo, conto todos os acontecidos de forma resumida para as duas, vendo em especifico Gemma fazer algumas expressões estranhas quando menciono o plano de Sean e como ele me ajudou, e a relutância de a tudo isso. Queria poder sentar e questionar ela sobre isso. Talvez fosse apenas coisa da minha cabeça, mas eu consigo pegar essas mudanças facilmente no ar. Mas infelizmente não tenho tempo para conversas longas, e por ora vou ser obrigada a adiar minhas paranoias. 
  – Fico feliz que você já tenha consciência de que precisa recuperar suas memórias. Eu queria ter ajudado com isso antes. - Gemma sorri tristemente.
  – Não se preocupe com isso, sei que me contar a verdade é algo além do que vocês podem fazer. Arthur controla tudo, certo?! - tento consolá-la, que apenas assente.
  – Mas então, você vai nos ajudar? Acho que o cabeça dura do pode te ouvir. - finalmente resolve nos agraciar com sua voz, saindo de seu transe silencioso.
  – Posso. Não sei se isso vai dar certo, mas já está na hora de acabar com essa bagunça que Arthur criou. E é uma chave muito importante nisso tudo. - Gemma diz decidia, usando uma seriedade que eu nunca vi antes. – , por favor, fique de olho em meu irmão. - ela encara o único homem entre nós, o lançando um olhar sugestivo e enigmático que apenas ambos eram capazes de entender.
  – Não se preocupe. - responde igualmente sério.
  – Você falou que não temos tanto tempo, não é? - Kat pergunta diretamente para mim.
  – Sim.
  – Então é melhor vocês se apressarem e levarem Gemma de uma vez. Eu ficarei aqui cuidando para que não percebam o sumiço dela. - a ruiva de olhos verdes alerta. 
  Todos nos levantamos dos banquinhos, e Kat caminha até a porta da sala, ficando parada à sua frente como se fosse um guarda, nos dando cobertura. Em seguida estendo minhas mãos para Gemma e . Outra vez me concentro, agora materializando o banheiro do isolamento, e não demora até que eu sinta a leve brisa me atingir outra vez, me fazendo reviver todas as sensações anteriores. 
  Abro meu olho esquerdo, espiando através da minha ansiedade, vendo as cabines de banho, as cortinas azuis, a pia de mármore escuro e o grande espelho. Eu havia conseguido outra vez. Os dois comigo também espiam ao redor, e particularmente Gemma, fica espantada pela mudança de ambiente.
  – Vamos depressa. - apresso os dois para que não esqueçam do prazo.
   toma frente, saindo do banheiro e checando se não havia ninguém pelos corredores, fazendo isso o caminho todo até a enfermaria, sempre tomando cuidado para que ninguém notasse a presença de Gemma. E com sucesso conseguimos chegar até a porta da enfermaria. Temos sorte de o isolamento ser calma e vazio, isso realmente ajudou.
  Ficamos alguns segundos parados em frente à porta, já que Gemma começou a ficar bastante nervosa e isso foi totalmente contagioso, pois posso ver na feição de que ele também está nervoso, assim como eu também.
  Não sabemos o que pode acontecer quando abrirmos essa porta, e isso é realmente esmagador em todos os sentidos. é muito instável, e mesmo nossa intenção sendo boa, não sabemos se ele irá levá-la desta forma.
  Quando todos nós, e principalmente Gemma, já estamos mais calmos, eu levo minha mão até a maçaneta da porta, relutando um pouco antes de começar a girá-la. Respiro fundo e destranco a porta de vez, a empurrando lentamente, revelando aos poucos a imagem de . E agradeço mentalmente por uma das meninas terem conseguido trazer ele para a enfermaria.
  Gemma e se afastam, ficando em um ângulo onde não os veriam de dentro da sala.
  Assim como mais cedo, estava escorado sobre a maca, de braços cruzados e com um olhar tedioso no rosto.
  – Você demorou, . - mal relevo minha imagem, ele já começa a reclamar – O que foi? Quer brigar de novo? - ele suspira pesadamente – Não sei nem porquê vim aqui. 
  – É a voz dele. - escuto Gemma sussurrar atrás de mim.
  – Você é estressante, . - resmungo de volta. – Mas eu não quero brigar. Na verdade, eu tenho algo pra você. - ele arqueia as sobrancelhas.
  – Algo pra mim? E o que é? - se desencosta da maca, demonstrando estar curioso com a minha pequena surpresa.
  Olho sobre meus ombros, tendo o consentimento de Gemma com um aceno, antes de abrir totalmente a porta. 
  – É o ? - ele franze o cenho, olhando sem entender. 
  – Quê? Não é o . - me viro para trás, vendo que por um segundo Gemma foi para o lado, se escondendo. Ela me olha nervosa e um pouco amedrontada.
  – Vai lá. Você não quer vê-lo de novo? - para minha surpresa quem incentiva Gemma é .
  A garota começa a se aproximar em passos incertos, até finalmente revelar sua imagem para . E sua expressão é impagável, eu nunca o vi assim, até parece que ele encontrou um fantasma assustador.
  – ... - a simples menção de seu nome saindo da boca de sua irmã parece fazer se desarmar por completo. Sua expressão incrédula se mantém, assim como o seu silêncio – Acho que precisamos conversar. - com um pouco mais de coragem, Gemma passa por mim e dá o primeiro passo para dentro da enfermaria.
   continua estático no lugar. Eu realmente nunca o vi assim.
  – Obrigada vocês dois. Agora podem nos deixar a sós por um momento? - Gemma sorri docemente para e eu.
  Respeitando o momento deles, fecho a porta à nossa frente, me afastando com para dar privacidade a eles, mas ficando perto o suficiente para vigiar caso alguém apareça.

***

  Já fazem alguns bons minutos que e eu estamos sentados no corredor, apenas conversando sobre coisas aleatórias. Ele contando sua vida aqui dentro, e eu contando como foi a minha vida lá fora.
  Sean falou que quando meu tempo estivesse acabando eu iria saber. E bom, até agora tudo parece estar normal.
  – Então todos realmente te fizeram acreditar que você era uma humana normal?
  – Sim. - assinto – Eu até me sinto um pouco enganada agora. Fico pensando se meus pais e meus amigos sabiam disso. Eles nunca me contaram nada. Nem uma pista sequer. - respiro fundo, sentindo algo estranho me atingir. Uma repentina fraqueza, como se eu estivesse ficando cansada.
  – O que foi? - me olha preocupado. – O tempo está acabando?
  – Acho que sim.
  – Vamos chamar eles então. - se levanta, estendendo uma mão para mim. E quando me coloco de pé percebo a quão cansada eu estou ficando. Isso não é bom.
  Voltamos até a porta da enfermaria, e dá leves batidas na porta.
  – Precisamos voltar. - ele diz.
  A porta não demora para ser aberta por Gemma, que tem um enorme sorriso em seu rosto. E não fica para trás, ele não está sorrindo, mas posso ver o quão serena é sua expressão neste momento, algo realmente raro se tratando dele.
  – Obrigada, . - ela agradece, e eu apenas aceno. – Vamos voltar então. - ela dá passagem para nós dois, que entramos na enfermaria, fechando a porta atrás de nós.
  Antes de se juntar a mim, Gemma corre rapidamente em direção a , dando um apertado abraço de despedida. E o mais surpreendente é que ele retribui de bom grado.
  Wow! Hoje eu realmente vi muitos lados diferentes do , lados que eu nem sabia que existiam.
  – Gemma, nosso tempo está acabando. - reforço, quando sinto meu corpo ficar cada vez mais cansado.
  Ela solta o irmão, e vem apressadamente até onde estou. E mais um vez repetimos todo o processo de 'teletransportação' de lados. Ela e me dão as mãos, eu fecho os olhos outra vez e me concerto em voltar a sala de terapia artística.
  – Nós vamos conversar sobre isso quando você voltar, . - antes de sentir meu corpo sumir da enfermaria, escuto o alerta de , que me faria revirar os olhos caso eles estivessem abertos.
  Abro os olhos novamente, vendo a sala de terapia vazia. Solto a mão de Gemma, mas continuo de mãos dadas com , pois não pretendo demorar, meu tempo está realmente acabando.
  – Obrigada, . - Gemma me dá um rápido abraçado, que retribuo apenas com uma mão. – Foi bom te rever, . - quando se afasta, ela sorri para o loiro ao meu lado, que fica minimamente vermelho, e apenas acena concordando em resposta.
  – Eu preciso ir agora, mas antes me diga se deu certo? - pergunto ansiosa.
  – irá te contar. - ela me lança uma piscadela.
  – Tudo bem. - assinto – Vamos indo agora. Até outra hora. - me despeço, e ela lança um pequeno 'tchau' com as mãos.
  Quando eu estava prestes a refazer todo o processo de ida com , a porta da sala de terapia é aberta, relevando Kat.
  – Que bom, vocês voltaram. Já estava começando a ficar preocupada. - ela caminha até onde estávamos. – , por favor, entregue isso para Ethan. - a ruiva me estende uma carta dobrada ao meio.
  – Ethan? - pergunto confusa, pegando o papel de sua mão.
  – Sim. Eu andei pensando sobre o plano de vocês, acho que ter um guarda que trabalha aqui dentro será de grande ajuda para no plano. Bom, vocês já têm a mim, mas com essa carta podem conseguir o Ethan também. - ela sorri.
  E outra vez quero poder perguntar os motivos das minhas dúvidas. Mas meu tempo está acabado, e eu preciso ir. Perguntarei sobre isso para próprio Ethan, ou para alguém do isolamento que saiba sobre esta carta, já que se ela está me pedindo para entregar algo para ele, é porque ambos têm uma ligação.
  – Certo. Obrigada, Kat. - guardo a carta em meu macacão cinza. E volto a segurar as mãos de .
  Uma última vez todos nós nos despedimos, antes de e eu refazermos todo o processo e voltarmos para o isolamento antes que Arthur nos descubra.
  Quando retornamos para a enfermaria, é ágil ao me segurar, pois meu corpo fraqueja por um momento.
  – Wow! - me leva até a maca vazia. – Você se esforçou demais, . - me sento sobre a maca, respirando fundo e esperando minhas forças voltarem.
  Olho em volta vendo que a presença de já não fazia mais parte desse ambiente, mas não me preocupo por ora, já que com certeza ele virá atrás de mim depois.
  – Nós conseguimos. - sorrio aliviada para , já me sentindo um pouco melhor. Todo meu cansaço e fraqueja eram devidas as quebras de regras, agora tudo voltou ao normal.
  – Sim, conseguimos graças a você. - ele também sorri, me fazendo sentir, outra vez, feliz por ter alguém como ele perto de mim.
  Eu realmente confio em , e sinto que posso contar com ele para qualquer coisa.
  – Agora diz ai, . Qual foi a última vez que você se alimentou? - pergunta, me deixando sem entender. – Você se esforçou demais hoje. Acho que deveria se alimentar para não ficar ainda mais fraca.
  – É difícil fazer isso no isolamento sem que ninguém descubra. Mas não se preocupe, eu vou tentar dar um jeito, talvez na minha próxima saída do sanatório. - saio de cima da maca, me sentindo muito melhor.
  – Ok. - ele assente. – Agora, é melhor voltarmos para nossas vidas aqui dentro, antes que comecem a pensar que estamos aprontando alguma coisa. - ele faz uma careta, me fazendo rir.
  Saímos animados da enfermaria, nos sentindo esperançosos depois de nossa missão secreta ter sido um sucesso. Mas como nada dura para sempre, toda nossa felicidade e animação vai embora no momento em que pisamos na recriação a tempo de vermos Arthur atravessar a porta de metal do isolamento com Sean ao seu encalço.
  – Alguém pode me dizer o que o amiguinho de vocês estava fazendo perambulando perto da minha sala? - Arthur empurra Sean para frente, que o olha mortalmente.
  Perambulando perto da sala dele? Mas o que Sean estava fazendo por lá? Como é que ele conseguiu sair do isolamento desse jeito? Ele precisava apesar distrair os guardas para não notarem nosso sumiço.
  Depois de todo plano que bolamos, tudo que não precisamos agora é criar uma confusão nova com Arthur, para que ele nos castigue mais uma vez.
  Enquanto tomei um tempo para descaçar, andei pensando sobre muitos detalhes do plano, e como poderíamos fazer o Arthur não desconfiar de nada. Tive algumas ideias que não compartilhei com ninguém, talvez fossem um pouco arriscadas, mas preciso tentar do mesmo jeito. Minhas novas ideias não só ajudariam no nosso plano, como me colocariam um passo à frente de todos, me deixando mais perto das minhas memórias, e mais perto de descobrir quem é o suspeito entre nós.
  – Hm... eu gostaria de conversar com você. - tomando coragem para pôr minhas ideias em ação, me direciono para Arthur, que se mostra surpreso, assim como todos os que estavam aqui.
  – Quer conversar comigo, anjo? - ele parece interessado em minha conversa.
  – Sim.
  – Que ótimo. Vamos conversar então. - ele sorri, achando graça em meu pedido. Sei que Arthur adora jogar com os pacientes como se fossem meros peões, e por isso não perderia essa oportunidade. – Vocês dois, deem o fora daqui. - ele faz um gesto para que e Sean saiam da recriação.
  Olho subitamente para eles, lançando um olhar tranquilizador, antes que me deixassem a sós com Arthur.
  E aqui estou eu, parada em frente ao centro de todo caos, enquanto ele ocupa o lugar imponente de sempre, me olhando curioso, esperando que eu diga o motivo dessa nossa pequena reunião.
  – Eu gostaria de fazer um pedido. - solto de uma vez, fazendo o olhar animado de Arthur aumentar. 
  – Pois então faça, anjo. - ele faz um gesto com as mãos. O maldito está mesmo se divertindo com tudo isso.
  – E u não sei exatamente para que você nos manda colher informações naquele bar. - dou início ao meu plano, tentado transparecer o mais inocente possível.
  Como se eu não soubesse os reais interesses desse maldito bastardo. 
  – Mas estive pensando que talvez apenas uma saída por semana seja pouco demais, ainda mais se tratando de uma tarefa tão complicada como coletar informações que a gente nem sabe do que se trata. - suspiro falsamente.
  – Onde você quer chegar com isso? - o sorriso anterior de Arthur some, dando vez para um cenho franzido, tentando observar através de minhas intenções.
  – Já que eu tenho um trabalho para fazer, quero executá-lo de forma certa. Estamos totalmente perdidos, Arthur.
  – Ela está certa. - uma terceira voz dentro da recriação complementa meu comentário. Me surpreendendo totalmente ao ver surgir do corredor das celas e se aproximar de onde estávamos.
  Fico apenas ali, encarando o de olhos verdes que para ao meu lado, tentando processar o fato, de que, está me ajudando.
  O encontro com Gemma realmente parece ter dado certo.
  – Sabe, Arthur, essa merda aqui é pra você, e é o único que pode sair perdendo. - dá ombros, cruzando os braços.
  – Escute, Arthur. - me preparo para dar a cartada final – Eu fiz algumas “amizades” naquele bar, e estou quase chegando nas suas informações, mas sair apenas uma vez por semana só torna isso tudo um saco. Quanto antes conseguirmos essas informações, mas rápido eu me livro deles, e de você. - bufo falsamente.
  Arthur fica nos encarando por alguns segundos com um olhar desconfiado.
  – Então agora vocês trabalham juntos? - não só seu olhar era desconfiado, como seu tom de voz estava carregada suspeitas.
  – Você sabe melhor do que ninguém que eu odeio ficar no meio desses bastardos. - diz debochado. – Só estou aqui porque você me colocou nessa merda.
  – E você também sabe que eu não tive outra escolha, filho. - a desconfiança de Arthur ameniza por um momento, me fazendo ficar impressionada com o fato dele mudar por completo quando está envolvido.
  – Tanto faz agora. Eu só quero me livrar dessa merda de uma vez. - apesar de estar me ajudando, eu posso sentir a verdade transbordado em suas palavras. Eu sei que ele definitivamente quer se livrar de tudo isso.
  – E você, ? - Arthur pergunta, me pegando de surpresa, e mudando sua atenção para mim. – Parece ser bem amiguinha dos pacientes. Como posso confiar nisso? - ele volta com seu ar desconfiado.
  – Eu odeio tanto quanto o estar aqui, mas eu não sou estúpida igual a ele, que prefere ser odiado por todos. Cada um usa a vantagem que tem. - também dou de ombros como se realmente não me importasse.
  – Ora, ora, parece que temos um lobo vestido em pele de cordeiro, ou melhor, um demônio na pele de um anjinho. - ele dá uma risada debochada.
  Eu espero que ele tenha caído nisso. Todo mundo usa todo mundo aqui dentro, um tentando derrubar o outro, por isso não acho que toda essa conversa que inventei agora seja sem sentido. 
  – Então está certo, eu vou dar essa chance para vocês. Mas no primeiro deslize, eu nem preciso dizer o que vai acontecer, certo? - ele alerta, ainda mantendo seu olhar de suspeitas sobre nós.
  – Não se preocupe. Só vamos acabar com isso de uma vez, ninguém aguenta mais. - respondo em meio à minha atuação, que tinha um fundo de verdade. Todos querem pôr um fim nisso tudo.
  – E para ter certeza que não é apenas um planinho de vocês... - ele faz uma pequena pausa, e volta a sorrir. – Todos aqui irão fazer as malas, vamos ter mudanças. - Arthur volta a se animar, me fazendo temer por um segundo, pois sei que ele está tramando alguma coisa.
  Já era de se esperar que ele não daria as coisas de bandeja para nós.
  Dizendo isso, Arthur simplesmente some no ar como fumaça, me deixando com a visão de seu sádico sorriso em mente.
  Vamos ter que nos preparar, estamos em um momento decisivo e vamos ter que nos manter firmes em meio a tudo que Arthur fizer.
  Solto um suspiro pesado, e real, desta vez me virando para encarar , que estava aparentemente pensativo, provavelmente tentando adivinhar o que Arthur faria. Penso em quebrar o silêncio entre nós, mas a presença de todos os outros vindo das celas me faz desistir. Eles provavelmente escutaram tudo.
  – Ele vai nos separar. - Brooklyn é a primeira a dizer algo.
  – Com certeza. - contragosto, acabado concordando com ela.
  – E agora, o que vamos fazer? Como vamos nos comunicar se ele nos separar? - pergunta frustrado. 
  – Foda-se essa merda, nós podemos usar a compartilhamento de mentes. - diz irritado. 
  – Você está louco? Se o Arthur suspeitar disso estamos mortos, cara. - se desespera por um momento.
  – O que é isso? - pergunto curiosa.
  – Comunicação psíquica, é uma técnica usada entre as criaturas da noite. Era usada como técnica de continuação entre as trevas quando algum de nossa espécie era pego por algum inimigo. - Sean explica. 
  – E como fazemos isso? - pergunto outra vez. – Eu também posso? Eu sou um anjo caçador, não um demônio.
  – Você pode estar dos dois lados, , esqueceu? - me responde.
  – Nós vamos precisar fazer o símbolo da noite em uma de nossas mãos, isso ligará nossas mentes no momento em que compartilharmos o símbolo. Vamos poder nos comunicar mesmo não estando no mesmo lugar. - Brooklyn dá uma breve explicação, se direcionando a mim.
  – Então precisamos fazer isso antes que o Arthur volte. - alerto.
  E outra vez estávamos prestes a quebrar mais uma regra. Agora era oficial, nosso plano está prestes a começar. 

Capítulo 38

  Já faz um dia desde que Arthur nos  ameaçou indiretamente, o que acabou gerando uma grande tensão entre todos, sempre esperando em qual momento ele iria aparecer outra vez. E esta ansiosa confirmação veio alguns minutos mais cedo, quando um dos guardas do isolamento pediu para que nos preparássemos, pois Arthur viria ao nosso encontro hoje.
  Acabamos não nos falando muito durante todo o período anterior. Acho que cada um ficou imerso em suas próprias paranoias sobre o que Arthur faria. Eu nem mesmo consegui conversar com sobre os últimos acontecidos, mas também não acho que essa seja a hora certa para isso, estamos em uma situação complicada, então é melhor esperar que tudo se acalme primeiro.
  Desde o aviso do guarda, me mantive sentada na recriação encarando incontáveis vezes a marca escondida na palma de minha mão, pensando se tudo o que planejamos daria certo, já que estamos colocando todas as nossas esperanças em cada parte dessa nossa pequena rebelião secreta.
  Todos, com exceção de Madeline, aderiram ao símbolo sugerido por . Símbolo este composto por traços pontudos e retos que se interligavam, e do qual eu não possuía nenhum conhecimento. Chegamos a testar a conexão dele assim que a marca foi feita sobre nossa pele, e por sorte, tivemos sucesso. Confesso que é uma estranha sensação de ter várias vozes ao mesmo tempo dentro de sua cabeça, é um pouco incômodo de se acostumar, mas será algo que nos ajudará muito, já que podemos nos comunicar como uma espécie e telepatia entre criaturas sobrenaturais.
  O som metálico da porta do isolamento sendo destrancada faz meu coração acelerar de imediato, e toda a ansiedade que eu já sentia, se aflorou ainda mais. Aos poucos, e de forma calma, a figura de Arthur caminhou até a recriação, causando um certo desconforto na pequena garotinha de cabelos loiros, que estava sentada ao meu lado. Levo minha mão até a de Madeline, dando um leve aperto para mostrar que estava tudo bem, que estaríamos todos com ela.
  Sinceramente, é ridícula a forma como Arthur insiste em colocar uma garotinha como Madeline no meio de tudo o que nos acontece. Eu sei, ela é um demônio e já pode ter feito coisas ruins, mas eu continuo não achando isso certo.
  , que estava sentado no sofá da frente, respira fundo, já se preparando. Sean se mantém quieto sobre a poltrona ao lado. Brooklyn e começavam a sair de suas celas, provavelmente também atraídos pelo barulho da porta.
  – Que ótimo. Estão todos aqui, isso já evita que eu me estresse. - Arthur diz calmamente quando chega na recriação. – Guardas! - ele chama, fazendo um gesto de mão sem olhar para os seus funcionários – Leve-nos para conhecerem suas novas acomodações.
  Um a um, os guardas avançam em nossas direções, nos prendendo como de costume, e nos guiando em uma fila indiana até a saída do isolamento.

***

  Fomos arrastados por alguns corredores, e subimos uma longa escadaria que acabou por nos levar até um corredor único, repleto de celas indivíduas com portas de aço pintado em vermelho, onde havia apenas com uma pequena e retangular janelinha acoplada na porta, que era aberta por um suporte, também, de aço.
  – O que é isso? - sou a primeira a me manifestar, estando um pouco assustada com as celas.
  – Eu atendi o pedido de vocês, mas não posso ser ingênuo, anjo. Por isso iriei separar cada um de vocês para evitar qualquer futura rebelião. - Arthur faz um gesto para que o guarda que me continha abrisse uma das celas, relevando um grande espaço escuro. – Bem-vindos à nova casa de vocês, ou como eu gosto de chamar, a solitária. - ele sorri de lado, parecendo muito satisfeito com sua decisão.
  Assim que ele finaliza sua explicação, sinto o guarda me empurrar para dentro do buraco, fechando a grande porta de aço em seguida, fazendo tudo ao meu redor ficar extremamente escuro, quase me impossibilitando de ver muitas coisas. E assim como foi feito comigo, escuto as outras celas serem abertas, e provavelmente o mesmo aconteceu com todos, e tudo que eu consigo pensar nesse momento é em Madeline presa em uma cela como essas totalmente sozinha.
  “Todos estão bem?” Ainda parada em frente à porta de aço, escuto a voz de Sean ecoar em cada canto de minha mente. Ele está usando a conexão pelo símbolo.
  Aposto que Arthur não contava com isso.
  “Sim”, falo em forma de pensamento, sabendo que assim eles receberiam minha resposta.
  “Eu sabia que aquele maldito ia dar um jeito de complicar as coisas”, o próximo a se manifestar foi .
  Isso é realmente estranho, porque eu consigo escutar a voz dele como se o mesmo estive do meu lado, é como uma grande alucinação da minha mente. 
  “Como vamos sair daqui? Não tem como colocar um plano em ação ficando preso dentro de uma solitária.” Os pensamentos de Brooklyn realmente pareciam frustrados, e até posso imaginar a expressão que ela fazia nesse momento.
  “Pelo que sabemos aqui dentro, eles têm muito mais cautela com pacientes que vão para solitária. Mas em algum momento eles vão nos tirar daqui seja pra fazer uma tarefa ou receber uma bronca do Arthur.” Se eu pudesse ver Sean agora, sei que ele bufaria irritado com Arthur.
  “Mas eu não acho que ele irá liberar todos nós de uma vez. Talvez em pequenos grupos, já que ele nos jogou nesses buracos justamente para nos separar.”  faz uma boa observação. Arthur realmente não iria facilitar as coisas.
  “Eu acho que se a gente não aprontar com ele, ele não vai aprontar com a gente por enquanto. Arthur deve ter feito isso porque está desconfiado depois de todos os acontecimentos do isolamento.” Brooklyn explica.
  “Então é melhor maneirarmos ou todo nosso plano vai por água abaixo.” Respondo em pensamento, suspirando fundo, mesmo que eles não me escutem. 
  “Sim, acho melhor fazermos isso mesmo. Não podemos levantar mais suspeitas para cima de nós.”  completa.
  “Eu não sei. Tenho certeza que Arthur já planejou seu próximo truque, o maldito é sagaz demais.” Sean diz, plantando mais incertezas sobre meus pensamentos.
  “Talvez você tenha razão, mas vamos ficar quietos por enquanto, vamos apenas esperar o próximo passo do Arthur.” sugere.
   foi o único que não se manifestou durante a conversa, será que ele não está recebendo nossos pensamentos?

***

  Nem sei quanto tempo faz que estou jogada sobre o colchão fino no chão, apenas repassando meus próximos passos inúmeras vezes. 
  Jogada na solitária, sem companhia ou coisas para fazer, eu realmente não tenho nada, e ficar presa em um lugar como esse faz minha ansiedade aumentar a cada segundo, sempre me perguntando o que viria a seguir.
  Sei que a qualquer momento eles podem nos levar para alguma tarefa ou coisa do tipo, por isso apenas vou ficar esperando. Não tive tantas tarefas quando estava no isolamento, e isso com certeza se deve ao fato de que lá sempre estava acontecendo alguma coisa estranha, mas já estando em um lugar como esse, totalmente isolada, acho que as coisas voltaram a acontecer.
  Me sobressalto do colchão quando escuto algumas batidas na porta de aço.
  – Ei! Acorde! Hora do trabalho. - um dos guardas diz assim que arrasta o suporte da porta para o lado.
  Bem na hora! Já estava ficando louca aqui dentro.
  Me levanto, pronta para sair dessa cela pelo menos por algum tempo. Eu mal cheguei nesse lugar, e já o odeio mais que o isolamento. O guarda alto abre a porta, deixando que eu enxergue um pouco da luz que vinha do lado de fora, quase me fazendo correr para a mesma, cansada da escuridão deste buraco.
  A primeira coisa que vejo quando saio da cela é a figura magra de Brooklyn, seguida pela figura pequena de Madeline. Então será um trabalho só de garotas?
  Em seguida, nós três somos levadas para fora da área de solitária, seguindo o familiar caminho até a cozinha, ou mais especificamente, onde tive minha primeira briga física com Brooklyn. E para nossa sorte, Ethan estava parado na entrada pronto para nos supervisionar.
  – Agora é com você. - o guarda que nos trouxe dá dois tapinhas nos ombros de Ethan, antes de nos deixar com ele.
  – Podem começar. - Ethan diz, fechando a porta da cozinha, e voltando para sua formação de guarda.
  E automaticamente não preciso de muito esforço para me lembrar da carta de Kat, carta está que mantive comigo o tempo todo em meu macacão, sempre tomando cuidado para que ninguém a percebesse, apenas esperando a oportunidade perfeita para entregá-la para Ethan.
  – Hm, Ethan... tenho algo para você. - minha fala acaba não só atraindo a atenção do guarda, mas também das duas garotas que também estavam aqui.
  – O que é isso? - Brooklyn pergunta assim que retiro o papel dobrado de dentro do meu macacão cinza. E Madeline se esgueira em seu lugar, olhando curiosa.
  Ethan franze o cenho, antes de pegar o papel de minhas mãos e rapidamente o desdobrar.
  – O que é isso? - Brooklyn repete sua pergunta, agora parada ao meu lado.
  – Me encontrei com Katherine, e ela me pediu para entregar isso para ele. Mas eu não sei o que ela escreveu aí. - respondo de forma baixa.
  – Você não leu? - Brooklyn arqueia uma sobrancelha.
  – Por que eu leria? Não é pra mim. - dou de ombros, escutando Mad dar risada de minha resposta.
  – Você é muito certinha, . - Brooklyn debocha. – Mas de qualquer jeito isso foi uma ótima jogada. - ela dá um tapinha em meu ombro.
  – Por quê? - pergunto confusa. 
  – Você não sabe? - ela sorri esperta, me fazendo revirar os olhos. – Você fez as amizades certas aqui dentro. Katheine é a irmã mais velha do Ethan. - arregalo os olhos, surpresa com a revelação.
  Por isso Kat me pediu para entregar a carta, agora faz sentido. Se ela é da família dele, pode convencê-lo, e acho que isso não é tão difícil, já que Ethan nunca pareceu ser um guarda tão ruim, ele até que já foi bem legal comigo. E será um passo à frente ter dois guardas do nosso lado, Kat na parte do dia e Ethan na parte da noite. Nosso plano definitivamente está indo para frente, e espero que se mantenha assim. 
  – Todos os demônios são uma família aqui dentro? - pergunto para Brooklyn, fazendo uma careta.
  – Talvez. - ela dá risada – Somos todos uma espécie só. Quando você recuperar suas memórias, vai perceber que tem mais familiares parecidos com você do que imagina. - ela me lança uma piscadela.
  É tão estranho ter esse tipo de conversa calma com Brooklyn. Nem parece que já tentamos nos matar no passado. Devo isso graças ao Arthur, já que nosso ódio mútuo por ele foi capaz até de criar essa estranha trégua.
  – Você só pode estar brincando comigo! - a voz alta de Ethan atrai nossa atenção. Me viro para encará-lo, o vendo visivelmente irritado. – Que porcaria é essa, ?! - ele vem em minha direção, mas Brooklyn se coloca ao meio
  – Ei, calma. - ela tenta o tranquilizar. E isso parece deixa-lo ainda mais irritado.
  – Saia da minha frente, Brooklyn. Eu não vou pedir outra vez. - ele olha severamente para ela. Eu nunca o vi assim antes.
  – Tudo bem. - pego no braço de Brooklyn, a afastando para o lado. – Qual o problema? Katherine que me mandou te entregar isso. - explico.
  – Katherine não está aqui. Arthur prometeu que iria libertá-la se eu me mantivesse leal a ele. - Ethan rebate, e aos poucos seu rosto começa a ficar vermelho pela raiva.
  Troco um olhar com Brooklyn que logo entende tudo. Não precisamos nos esforçar muito para perceber o que estava acontecendo aqui.
  – Ethan, você só pode ser idiota. - a de cabelos escuros diz debochadamente. – Você acreditou mesmo nessa história? - ela pergunta, mas ele não responde. – Pelo amor de Deus! Você realmente acha que o Arthur iria descartar o único trunfo dele contra você? - no mesmo instante o semblante de Ethan vacila. As palavras de Brooklyn o fizeram pensar por um momento.
  Eu não o julgo. Ele também deve estar aqui por um longo tempo, assim como sua irmã, sua única família, ambos servindo de escravos para Arthur. Com certeza Ethan se agarraria em qualquer vislumbre de esperança para ele e Kat.
  – Ele mentiu para você, te fazendo acreditar que se fosse leal ele iria libertar sua irmã, mas Arthur está apenas te enganando, mantendo Katherine em segredo para poder usá-la contra você quando for preciso. Assim como ele faz com e Gemma. - Brooklyn solta tudo de uma vez, fazendo Ethan desabar com uma expressão totalmente chocada, coisa que nunca vi antes.
  Todos ficamos em silêncio, Brooklyn não diz mais nada, e Ethan parece estar assimilando tudo isso, deve estar sendo difícil.
  Procuro Mad com os olhos, já que a pequena não disse nada desde que chegamos aqui. A vejo brincando em um canto qualquer da cozinha, e acabo resolvendo deixá-la por lá mesmo. As coisas por aqui não estão boas, e não quero envolvê-la nisso. 
  – Eu não estou mentindo, Ethan. - resolvo quebrar o silêncio. – Eu não sei como funciona para vocês, se vocês podem ou não ver as criaturas do dia. Mas sua irmã é guarda na parte da manhã, e cuida de Gemma. - explico.
  – Com a permissão do Arthur, as criaturas podem se ver mesmo sendo de planos diferentes. - Brooklyn explica rapidamente, em um sussurro para mim.
  – Isso é mentira! - Ethan volta a se exaltar. – Eu já estive na parte da manhã e nunca vi nenhuma das duas. - os olhos de Ethan corriam de um lado para o outro, demonstrando toda sua confusão e desespero.
  – Escute, Ethan... - Brooklyn suspira, levando sua mão direita até o ombro do guarda desnorteado. – Você viveu aqui por anos também, já deveria saber que nenhuma folha desse lugar cai sem a permissão de Arthur. Ele pode muito bem te fazer não enxergar nenhuma das duas para dar mais veracidade em sua mentira. Esse cara não é qualquer coisa, ele é a própria reencarnação do mal, ele pode fazer tudo estando dentro desse sanatório. - as palavras de Brooklyn fazem um arrepio correr minha espinha à medida que vou me lembrando do diário do Arthur, onde haviam coisas perturbadoras desta mesma forma.
  “... eu não tenho formas e não me encaixo em nenhuma imagem humana, eu não sou palpável, mas estou em todo lugar...” 
  “... eu sou a escuridão que pinta a noite...” 
  Eu realmente estou começando a acreditar nas loucuras escritas naquele diário.
  – Aquele maldito! - Ethan ruge entre os dentes, amassando a carta em sua mão – Vou tirar isso a limpo agora! - ele se vira rude, com sua postura tensa, pronto para marchar, ou derrubar a porta da cozinha. 
  – Não. - sou rápida ao segurar seu braço, o impedindo de fazer uma idiotice. – Não sei o que Kat escreveu nessa carta, mas ela com certeza deve ter explicado toda nossa situação. E se você for até o Arthur, além de estragar nosso plano, vai estragar a vida de todo mundo aqui dentro, inclusive a da sua irmã. - falo exasperada, o vendo relaxar os músculos por um momento. 
  Ele puxa seu braço de minhas mãos, e suspira de forma irritada.
  – Não se preocupe com isso, eu não vou estragar as coisas. Só quero me certificar de que ele ainda está mesmo mentindo para mim. - ele explica, se virando para sair da cozinha.
  – Espera! - seguro seu braço outra vez – Você está com a gente? - pergunto, temendo pelo que ele possa fazer quando sair dessa cozinha.
  Ethan não diz nada, apenas me encara por alguns segundos, antes de assentir e deixar a cozinha.
  – Relaxa. Depois de tudo isso, eu não acho que ele vá foder com todo o nosso plano. Apenas deixe ele descobrir a verdade por contra própria. - Brooklyn diz assim que a porta da cozinha é fechada. Apenas assinto, relaxando um pouco e dando um voto de confiança para Ethan.
  – E o que fazemos agora? Estamos sem guardas. - mudo de assunto, encarando a cozinha ao nosso redor.
  – É melhor fazermos as tarefas. Nós devemos ficar quietos por enquanto, lembra? - Brooklyn me recorda, enquanto caminha até a pia cheia de louças sujas.
  Então Brooklyn e eu apenas seguimos as regras. Organizamos toda a cozinha enquanto Mad ficou sentada em um cantinho, apenas brincando com alguns utensílios. No meio de tudo nossa faxina nesse lugar, Brook e eu acabamos conversando mais do que eu planejava, e ela me contou como era sua vida antes de toda essa bagunça.
  – ! - Madeline me chama, quando termino de guardar todos os produtos de limpeza na dispensa.
  – O que foi? - pergunto, me sentando com ela na grande mesa de madeira que havia na cozinha.
  – E a sua história? - ela responde minha pergunta com outra pergunta.
  – Hm? - fico sem entender.
  – Ela quer saber da sua vida. - Brooklyn responde, se sentando ao lado da pequena. – Eu fiquei aqui falando de mim, e agora ela deve estar curiosa para saber sobre você.
  – Bom, eu tive uma vida normal. - suspiro. – Pelo menos eu achava que era normal até descobrir que não passou de uma mentira. - faço uma careta.
  – Que dramática. - Brook caçoa.
  – Eu me lembro de ter uma infância normal, uma adolescência normal, e uma quase, juventude normal, já que vim parar aqui. Não tem muito de interessante, contanto que talvez tudo o que eu me lembre seja uma mentira. - dou de ombro.
  – E você já teve algum namorado, ? - os olhos verdes da pequena garotinha crescem de curiosidade.
  – Uh, essa até eu quero saber. - Brooklyn dá risada, escorando seu rosto sobre a mão direita.
  – Tive só dois namoros sérios, Carter e Logan. - suspiro outra vez ao relembrar. – Longan foi um garoto que eu namorei assim que terminei o colegial, mas ele me largou pra viajar pelo mundo em um Camaro 1986. - digo irônica, fazendo Brooklyn cair na risada, e Mad olhar sem entender, mas rindo para acompanhar a de cabelos escuros. 
  – Eu gostei desse. - Brook provoca, ainda rindo, me fazendo revirar os olhos e rir também.
  – E tem o Carter, esse eu não lembro bem, o que é bem estranho. Só sei que namorei muito tempo com ele, mas não me lembro dos nossos momentos juntos. - franzo o cenho, tentando me recordar de algo, sem sucesso. – Talvez eu me recorde dele quando recuperar minhas memórias.
  – Que saco. Queria saber se ele também iria te deixar. - Brook usa falso desgosto.
  – Você é ridícula. - rebato, a fazendo sorrir. – Mas e você Mad, como veio parar aqui? - pergunto, curiosa para saber mais da pequena.
  Estranhamente o semblante de Brooklyn muda, parecendo estar desconfortável com a pergunta.
  – Eu não sei. Não consigo lembrar. - a pequena garotinha faz uma expressão triste, e seus olhinhos verdes vagam pela mesa de madeira de forma arrastada
  – Madeline veio muito nova para cá, ela não vai se lembrar mesmo. Pouco se sabe sobre ela, Arthur mantém tudo em segredo sobre os pacientes. - Brooklyn explica, mas não me convence, ela nem sequer me olha e se mostra tensa, parece estar mentindo. Mas em respeito à Mad,  apenas fiquei quieta, a garotinha parece ficar triste ao falar sobre isso.
  – Bom, mas agora você tem a todos nós. - estendo minha mão e seguro a pequena mãozinha de Madeline, e em resposta ela volta a sorrir, olhando de Brooklyn para mim.
  – Isso, pirralha. Nós vamos ficar com você. - Brook passa a mãos pelos cachinhos loiros de Madeline, a confortando.
  Ficamos mais um pouco jogando conversa fora até que Ethan voltasse para nos buscar.
  – Como foi lá? - Brooklyn pergunta, enquanto nos preparamos para voltar para solitária.
  – Ele estava mentindo. - o guarda responde frustrado.
  – Disso a gente já sabia. - Brook rebate, revirando os olhos. E percebo o quão irritante essa mania pode ser.
  – Você vai mesmo ficar com a gente, certo? - friso minha pergunta, querendo saber se suas ideias não haviam mudado.
  – Kat me pediu isso, não posso negar. Mas eu gostaria de pensar um pouco. - ele suspira.
  – Tudo bem. - sorrio em resposta.
  Depois de nossa breve conversa Ethan nos leva de volta para solitária, onde encontramos e Sean prontos para irem em uma nova tarefa. Arthur provavelmente irá usar esse tipo de método, apenas vai liberar mais gente para as tarefas quando o grupo primário retornar, para não correr o risco de todos nós nos encontrarmos fora daqui.
  Ele é inteligente.
  – Vocês conseguiram alguma coisa? - se aproxima discretamente de mim.
  – Entreguei o bilhete para o Ethan. Ele vai pensar sobre tudo. - respondo sussurrando, passando por para disfarçar, fingindo que nem nos falamos.
  Vou em direção à minha cela, me despedindo das garotas antes de entrar e voltando outra vez para esse buraco escuro. E sem muitas opções do que fazer, acabo optando por dormir um pouco, isso ajuda a recuperar as energias, e parece que vou precisar delas se tiver mais tarefas como as de hoje.

Capítulo 39

  Sinto um leve barulho vindo do meu lado direito, o que faz com que meu corpo responda automaticamente e se remexa sobre o fino colchão. Em seguida escuto outra vez o barulho do que parecia ser alguém andando. Resmungo algumas palavras desconexas antes suspirar e abrir meus olhos, sendo recebida escuridão de minha cela. A princípio penso que poderia ser um dos guardas, mas levando em conta que tudo aqui dentro está escuro, e porta parece estar fechada, acho que o barulho que escutei veio de fora.
  Me sento sobre o colchão, encarando a parede à minha frente, esperando que meu corpo desperte de uma vez. Quando já me sinto completamente acordada, olho em volta, franzindo o cenho ao notar que um dos cantos da pequena cela parece estar ainda mais escuro, como se uma sombra habitasse ali.
  Firmo minhas mãos sobre o colchão, enquanto inclino meu torso para frente e aperto meus olhos, tentando enxergar o que poderia ser isso. 
  – ? - pergunto confusa e surpresa, ao reconhecer sua silhueta parada em um dos cantos da cela.
  Sua figura começa a se revelar aos poucos, se aproximando de mim, e fazendo que sua imagem se torne mais nítida. 
  – O que você está fazendo aqui? Você se teletransportou? Isso pode acabar mal se alguém te ver aqui.
  – Obrigado. - ignorando todas as minhas perguntas, ele simplesmente me pega de surpresa com um elogio, à medida que se agacha na minha frente, ficando próximo de mim.
  – O quê?! - exclamo um pouco exasperada. – Por que está me agradecendo? - o encaro completamente confusa.
  – Gemma. - ele suspira. – Arthur não me deixa ver ela há anos, ele tenta usar minha irmã para me manter na linha, então obrigado por ter trazido ela. - apesar de estar escuro aqui dentro, eu ainda consigo enxergar seus traços e a forma como ele parece estar se esforçando para dizer isso para mim.
  – Então quer dizer que sabe agradecer. Essa é nova. - debocho, o vendo bufar, provavelmente arrependido de ter me dito tudo isso. – Eu só posso estar delirando.
  – Você não está delirando, . Pare de ser idiota.
  – Eu sei. Só não podia perder a oportunidade de tirar uma com você. - sorrio esperta – E de nada. Fico feliz que vocês tenham se acertado. Mas agora me deve uma. 
  – Por isso que eu estou aqui. - ele arqueia as sobrancelhas. 
  – Do que você está falando?
  – Eu vim te mostrar a minha gratidão. - ele sorri de lado, antes de se inclinar em minha direção, segurando a minha cintura com uma de suas mãos, enquanto leva sua boca até o meu pescoço.
  – , para. Alguém pode entrar aqui, e estaríamos ferrados. - levo minhas mãos até seus braços, tentando afastá-lo de perto de mim.
  – Você já fez as suas tarefas, eles não vão vir aqui.
  – Mas alguém pode nos ouvir. - o olho indignada.
  – Ninguém vai escutar nada, essas celas são projetadas para quem está do lado de fora não ouvir. São feitas para evitar gritos histéricos de pacientes. - ele mal termina de falar, e me pega de surpresa com um beijo.
  Penso em afastá-lo outra vez, mas já era tarde, o meu corpo sempre reage ao seu como se, se conhecessem há anos. E não posso negar, a adrenalina de sermos pegos torna tudo mais excitante, por isso eu só tenho que me entregar a ele outra vez.
  Totalmente envolvida pelo momento, seguro na gola de seu macacão, o empurrando para o lado, e fazendo-o deitar sobre o fino colchão, para que eu pudesse passar minhas pernas por seu tronco, uma de cada lado. Em seguida, separo nossas bocas para começar a desabotoar seu macacão, mas ele me impede, segurando meus pulsos.
  Tão rápido quanto eu consigo perceber, já me vejo por baixo quando inverte as posições em um rápido movimento.
  – Apenas aproveite, amor. Hoje eu irei te mostrar toda minha gratidão. - ele sussurra perto de minha boca antes de voltar a me beijar, fazendo com que todo meu corpo se acendesse.
  Passo os braços ao redor do seu pescoço, enterrando meus dedos pelos fios de seus cabelos longos. Aproveito a sensação de ter nossas línguas unidas, soltando um longo suspiro em meio ao beijo suave que iniciamos. Um beijo totalmente diferente do que estamos acostumados quando estamos juntos.
  Logo interrompe o beijo outra vez, para distribuir selinhos molhados e longos por todo meu maxilar, descendo até meu pescoço, onde ele passa bons minutos me provocando com sua língua quente.
  Ele leva suas mãos até meu colo, começando a abrir, lentamente, os botões do meu macacão, deixado meu sutiã à mostra. Com total calma, e uma estranha delicadeza que desconheço, retira o uniforme de tecido áspero de meu corpo. Ele sorri ao me encarar em roupas intimas, não de forma lasciva, mas sim de forma genuína.
  Eu estou um pouco confusa com suas atitudes, nunca agiu assim antes. Ele estava tão diferente. Seus beijos, seus toques, olhares, todos me proporcionavam sensações que nunca vivi com ele antes. Mas não vou ficar pensando nisso, apenas vou aproveitar o momento.
   segura nas alças do meu sutiã, as deslizando sobre meus ombros, deixando meus seios expostos a ele. Seu dedo indicador corre por meu mamilo direito, fazendo meu corpo se arrepiar de maneira boa. Ele parece notar, pois sorri antes de se inclinar sobre mim, levando sua boca até minha pele quente, me fazendo fechar os olhos com a sensação de ter seus finos lábios avermelhados ao redor do meu mamilo.
  Ele fazendo movimentos com a língua úmida, intercalando com leves mordias e puxões, me fazendo soltar os primeiros gemidos a medida que meus mamilos iam se enrijecendo. Inclino meu colo em direção à sua boca, querendo sentir cada vez mais e mais o toque de sua boca. E quando acho que meu corpo já está quente demais, ele simplesmente para seus movimentos, se afastando de meu seio e criando uma fina linha de saliva que ia de sua boca até o meu mamilo, e a visão só acabou por me excitar ainda mais.
   se afasta um pouco e, com o meu auxilio, nos livramos do meu sutiã. Depois ele pede para que eu volte a ficar quieta, para que ele distribua beijos molhados por toda extensão de minha barriga, parando ao ficar rente à minha calcinha. Ele encara a única peça de roupa que me vestia – peça da qual já estava complemente molhada –, antes de começar a deslizá-la por minhas pernas.
  Depois de retirar a peça, ele a joga em um canto qualquer, antes de iniciar outro beijo entre nossas bocas. Tento, pela segunda vez, abrir os botões de seu macacão, e desta vez ele não me barra. Quando abro um número considerável de botões, deixando o macacão frouxe em seu tronco, ele rapidamente se livra do mesmo, junto de sua roupa íntima.
  Ele leva sua mão esquerda até minha cintura, me puxando para mais perto, enquanto sua mão direita se entrelaça com a minha. usa seus joelhos para afastar a minha perna, logo se posicionado em minha entrada e me penetrando lentamente, enquanto não desvia seus olhos verdes penetrantes dos meus. Aperto sua mão, sentindo minha boca se abrir automaticamente deixando um gemido arrastado sair por ela, tendo o olhar de capturando cada expressão de prazer que eu fazia, me deixando cada vez mais excitada.
  Ele se rende, voltando a se inclinar sobre mim, indo em direção à minha boca, mas não sem deixar de impulsionar suas ancas para frente, entrando ainda mais dentro de mim. Ele silencia meu próximo gemido com um beijo, enquanto aperta minha cintura entre seus dedos.
  Escuto alguns gemidos abafados de entre nossos beijos, fazendo meu corpo inteiro se arrepiar. Como resposta remexo minhas ancas contra as suas, o ajudando nos movimentos, apenas para escutá-lo gemer mais alto.
  A essa altura nossos corpos já pegavam fogo, inundados por uma onda de prazer enorme à medida que aumentada a velocidade de suas estocadas profundas. Eu facilmente me renderia a tê-lo assim todos os dias. Estar com o é uma experiencia tão prazerosa e deliciosa. Nossos corpos se encaixam perfeitamente e se mexem em perfeita sincronia, nos dando tanto prazer a ponto de transbordarmos.
   para de me beijar por um momento, apenas para me apreciar em pleno auge de prazer. Seus cabelos grudados por seu rosto e pescoço, sua pele suada, seus penetrantes olhos verdes, sua boca avermelhada e entreaberta deixando vários gemidos escaparem; isso está em excitando cada vez mais, e sinto que estou chegando ao meu ápice, em meio a arrepios e espasmos que percorrerem minha espinha.
  Ele parece perceber, aumentando a intensidade de suas penetrações, fazendo meu corpo tremer da cabeça aos pés em um longo e arrastado gemido que indicava minha plena satisfação, me deleitando com um maravilhoso orgasmo. Já não precisa de muito mais para ter o dele, bastou mais alguns segundos, e uma torturante ajuda minha para que ele gemesse lindamente e se derramasse dentro de mim.
  Nossas respirações aceleradas eram os únicos barulhos dentro dessa cela escura e vazia. Ele joga seu corpo ao lado do meu procurando por um pouco de folego, e eu apenas encaro o teto ainda sentindo alguns espasmos causamos pelo orgasmo.
  – O Arthur realmente não vai saber disso? - me viro de lado, apoiando a cabeça uma mão, quebrando o silêncio assim que minha respiração volta ao normal.
  – Ele não é mágico, , é um demônio. Eu só preciso ir embora logo. - se levanta, olhando ao redor em busca de suas roupas.
  – Já? - deixo escapar minha decepção.
  – Não queremos ser descobertos, não é amor? - ele segura meu queixo, me dando um rápido selinho, seguido de um sorriso esperto.
  Suspiro profundamente, enquanto o vejo vestir todas as suas roupas, demorando algum tempo para ir atrás das minhas.
  – Você só veio aqui pra isso? - me viro de costas para , que me ajuda fechando o meu sutiã.
  – Eu disse que vim te agradecer.
  – Com sexo? - o encaro sobre os ombros depois que ele se afasta.
  – Você está reclamando? - ele arqueia uma sobrancelha. – Parecia estar gostando muito minutos atrás. - ele provoca com um sorriso no rosto.
  – Você bem é idiota. - rebato, enquanto visto meu macacão.
  – Sou um idiota que precisa ir embora. - ele se aproxima de mim, me dando outro selinho. – Até mais, amor. - ele sorri uma última vez antes de sumir usando seu 'teletransporte'.
  Solto outro suspiro quando me vejo sozinha, encarando o colchão em que esteve comigo, não conseguindo conter o sorriso em meu rosto.

***

  – ? - escuto a voz de Ethan assim que vejo o suporte da porta de minha cela ser arrastado para o lado.
  – Outra tarefa? - pergunto, me colocando de pé.
  – Não, eu apenas preciso falar com você por um instante, pode ser?
  – Claro. - assinto, o vendo abrir a porta de minha cela, encarando todos os lados para checar que ninguém estava vendo.
  – Vem comigo. - ele indica o lado de fora, e eu apenas faço o que ele me pede.
  Ethan me algema para que ninguém desconfie, e depois me leva por alguns corredores até a sala de descanso dos guardas. Chegando lá ele retira as algemas de meus pulsos.
  – E então, sobre o que quer falar? - pergunto, me escorando na pequena mesa quadrada de madeira que havia na sala.
  – Arthur está na minha cola, e qualquer deslize vai ferrar com tudo.
  – Por que ele está na sua cola? - arqueio as duas sobrancelhas em surpresa.
  – Porque ele sabe que eu não sou como os outros guardas. Eu só continuo aqui pela Kat, ele sempre usava ela contra mim. - Ethan passa a mão sobre o rosto, visivelmente cansado.
  – Então você deveria fazer o mesmo que nós estamos fazendo, apenas fique quieto. Arthur também está de olho em todos nós, mas temos esse plano, por isso vamos apenas deixar ele achar que tem tudo sobre controle e que está um passo na nossa frente. - explico, o vendo mexer no chapéu do seu uniforme, parecendo pensar.
  – Acho que é o melhor a se fazer mesmo.
  Bastou que Ethan dissesse isso para que um outro guarda entrasse na sala, me fazendo desencostar da mesa, e assumir uma postura falsa.
  – Hm... Oi, Fred. - Ethan o cumprimenta, tentando mascarar o clima, para que o outro guarda não desconfiasse de nada. 
  – Arthur quer você na sala dele agora.
  – Certo, já estou a caminho. - Ethan dá um aceno de cabeça para ele.
  – É pra você levar a garota do doze com você. - o outro guarda, Fred, aponta em minha direção.
  – A ? Por quê? - Ethan olha confuso para mim.
  – Não sei. - Fred dá de ombros, saindo da sala.
  – Será que ele sabe de alguma coisa? - pergunto quando tenho certeza que Fred está longe o suficiente.
  – Acho que não. Se ele soubesse, com certeza já teria feito algo. Pelo menos eu espero que seja assim.
  – Você deve ter razão. Bom, é melhor irmos de uma vez, não queremos irritar o Arthur. - digo, vendo Ethan assentir.
  E outra vez voltamos aos corredores, mas agora tendo a sala de Arthur como destino. E não demoramos ao chegar lá. Ethan dá leves batidas na porta, e espera a confirmação de Arthur vindo do lado de dentro da sala, para que possa abrir a porta.
  De imediato tenho um grande déjà-vu ao ver todos dentro da sala de Arthur como da última vez, me fazendo trocar um rápido olhar com Ethan, que estava tão tenso quanto eu. No final acho que estávamos errados, Arthur provavelmente sabe de alguma coisa.
  – Onde vocês dois estavam? - Arthur pergunta visivelmente irritado assim que entramos em sua sala, fazendo todos ali nos olharem. – Eu não ligo, não foi para isso que eu chamei vocês aqui. - ele passa a mão pelo cabelo de maneira irritada, sendo muito semelhante a mania de .
  – E por que estamos aqui, Arthur? - pergunta impaciente, encostado na parede lateral da esquerda.
  – Vocês realmente estão querendo brincar comigo? - Arthur pergunta, passando seu olhar por cada um que estava nessa sala.
  – Do que você está falando? - foi a vez de Sean se manifestar, se mostrando totalmente confuso, enquanto ficava parado em frente à mesa de Arthur.
  – Outra porra de um corpo foi achado no meu sanatório. Que idiotice vocês estão tentando? Isso faz parte do planinho de vocês?
  , Brooklyn e Madeline escolhem se manter quietos, ficando do lado contrário de . Ethan simplesmente parou perto da porta, petrificando ali mesmo, provavelmente com medo de retaliações.
  – Que plano, Arthur? Nós nem sabemos do que você está falando. - me aproximo da mesa de Arthur, parando ao lado de Sean.
  – Não se faça de idiota, . Quem mais mataria alguém se não a famosa gangue da encrenca? - ele debocha, ainda mais irritado.
  – Qualquer um aqui dentro. Não sei se você sabe, mas criaturas sobrenaturais e loucos vivem nesse lugar. - Sean responde igualmente debochado, fazendo as veias do pescoço de Arthur saltarem, mostrando que a cada segundo que se passava ele ficava mais e mais irritado.
  Que merda. Isso só piora as coisas, esse tipo de acontecimento vai cair direto na nossa conta e pode atrapalhar o plano. E isso me faz pensar se alguém daqui de dentro não está causando essas mortes de propósito para atrapalhar nosso plano. Eu não tenho minhas memórias, o que sei sobre essas pessoas é o que elas me mostraram aqui, mas até que eu me lembre de tudo, todos podem ser suspeitos em potencial. Por isso eu preciso começar a jogar com todos, preciso estar um passo à frente, já o fato de eu não ter minhas memórias me torna um alvo fácil para que me enganem.
  – Eu sei quem fez isso. - me manifesto, pronta para colocar meu próprio plano em ação.
  Eu realmente queria poder confiar cem por cento nessas criaturas que estiveram comigo ao longo do tempo, mas se Arthur, de fato, as controla, quem dirá que elas não estão tentando me controlar também?
  Não posso ser hipócrita. Eu me apaguei a eles, foram a únicas coisas dentro desse inferno, ainda estarei no plano deles para vigiá-los de perto, mas enquanto minhas memórias não retornarem, eu precisarei ser mais inteligente que todos.
  – Ora, ora, parece que eu tinha razão. - um sorriso sombrio surge no rosto de Arthur. – E quem foi?
  – Podemos conversar a sós? - pergunto, o vendo assentir, enquanto todos me olham sem entender.
  “, o que você está fazendo? Você realmente sabe quem fez isso?” A voz de surge dentro de minha cabeça, quase me fazendo saltar no lugar, devido a surpresa.
  “Não se preocupem. Apenas vão.” Respondo mentalmente, me desligando deles.
  Me recordo de que, no dia que fizemos essa ligação foi dito que podemos nos desconectar dela, assim como eu fiz com a minha ligação de pensamento compartilhados com .
  – Todos saiam agora! - Arthur ordena, fazendo Ethan abrir a porta e retirar um por um da sala, até que ficasse apenas Arthur e eu.
  Evitei os olhares confusos de todos, principalmente os de . Eu estou decidida a ficar um passo à frente, e por isso não posso deixá-los me afetar.
  – Estamos sozinhos, agora você já pode me contar quem fez isso. - Arthur apoia os cotovelos sobre a mesa, entrelaçando suas mãos e apoiando seu queixo sobre as mesmas.
  – Você se lembra do incidente no banheiro, quando eu disse que vi uma criatura estanha? - pergunto, o vendo assentir.
  Eu tinha a jogada perfeita.
  – No começo eu não sabia muito bem o que podia ser, mas  logo pensei que se tratava se tratava de alguém do isolamento. - explico minha teoria, o vendo arquear as sobrancelhas, parecendo surpreso e interessado em tudo que eu queria dizer. – Mas eu realmente acho que pode ser bem mais do que isso. Veja bem Arthur, a primeira vez que vi essa criatura eu estava com o , mas de alguma forma quando ela estava prestes a atacar eu acordei na minha cama. Achei que tudo não passava de um sonho, mas era tão real, não parecia coisa da minha cabeça. - analiso a expressão de Arthur para ver se o mesmo cairia no meu plano. Ele estava atento, bastante curioso sobre as minhas palavras. – Mas quando voltei a encontrar essa criatura,  percebi que ela não era um sonho, era realmente real. E o mais curioso é que ela só aparece para mim quando alguém do isolamento não está por perto, é como se quisesse que eu realmente incriminasse algum deles. - faço falsa cara de confusão, dando o meu máximo para enganar Arthur com uma história verdadeira que eu mergulhei em mentiras. – Você vive nos pedindo para recolher informações sobre você do lado de fora sem nunca nos dizer o que são essas informações. Mas eu não sou burra, Arthur, com certeza deve ser algum “problema” em forma de criatura sobrenatural que quer te prejudicar de alguma forma. Caso contrário, por que você nos pediria isso? - pergunto retoricamente, vendo que Arthur parecia se entreter muito com o que eu dizia, era como se escutasse a história mais legal do mundo. – Você nos culpando por tudo, mas nunca parou para pensar que pode ser alguém de lá de fora que tem aliados aqui dentro. - rapidamente a expressão de Arthur muda. – Seria muita idiotice de alguém do isolamento fazer isso, ainda mais da forma que está fazendo, sempre incriminando um de nós. Se realmente tem alguém lá fora atrás de você, essa pessoa vai ser inteligente. Inteligente o suficiente a ponto de ter aliados dentro do seu próprio sanatório. Não tem jeito melhor de acabar com alguém do que fazendo isso no próprio terreno dele, isso faz com que você sempre esteja na frente de todos. - sorrio internamente quando percebo que minhas palavras parecem afetar Arthur. – Se realmente tem alguns espiões aqui dentro, eles iriam fazer do jeito certo, como sempre jogar a culpa em nós. Você sempre está de olho em nós, então é bem inteligente sempre nos incriminar, isso desvia sua atenção do real culpado.
  "Qualquer um pode ser culpado, Arthur, inclusive aqueles dos quais você tanto quer informações. Eu particularmente acho que quem está fazendo isso é uma pessoa bastante segura de si, que apenas está brincando com você, já que você nunca consegue descobrir quem, de fato, fez isso."
  A expressão de descrença de Arthur é realmente impagável nesse momento. Eu sabia que usar as pessoas do bar daria resultado. Sean me contou que o tal John revelou que eles estão planejando outro ataque contra o Waverly Hills, ou seja, então já teve um primeiro ataque, e esse deve ser o motivo de Arthur nos mandar coletar informações. Arthur provavelmente quer evitar isso, e é exatamente por esse motivo que eu vou usar isso contra ele para ficar na frente de todo mundo.
  – Parece que temos alguém usando seus pacientes como peças de xadrez para te derrubar, Arthur, apenas esperando o momento do xeque-mate. Quem quer que seja, está aproveitando que sua atenção está toda focada no nosso pequeno grupo, e está agindo entre as sombras, apenas jogando ainda mais holofotes em nós. E essa criatura estranha que começou a aparecer misteriosamente para mim com certeza faz parte de tudo isso. Por isso você deveria nos deixar sair com mais frequência, Arthur. Enquanto você nos mantém presos aqui, alguém está tramando do lado de fora, e consequentemente, dentro do seu próprio sanatório. Nós não temos chances, nossas informações são escassas, e apenas temos essa minha teoria que eu criei depois de observar todos os fatos.
  – Você é bem mais esperta do que parece. - Arthur finalmente diz alguma coisa. Mantendo uma forte feição séria, provavelmente absorvendo e validando tudo que eu disso.
  – Eu apenas tive tempo para pensar. - dou de ombros. – Mas talvez eu possa te ajudar nisso tudo, eu tenho uma oferta para te fazer, Arthur. - minhas palavras atraem, outra vez, a atenção de Arthur para mim.
  – E o que é? - apesar dele tentar manter sua pose, eu podia identificar o nervosismo em sua voz. Nesse momento eu consegui fazer Arthur Waverly ficar desesperado, e apenas eu serei capaz de salvá-lo, ou afundá-lo de vez.
  – Eu já se falei sobre o meu descontentamento sobre esse lugar e as criaturas dele, eu só quero me livrar disso tudo, e não me importo de ajudá-lo se isso for me beneficiar aqui dentro. Me mantenha por perto, eu posso te ajudar. - tento transparecer seriedade para que ele não desconfie.
  – Você está mesmo disposta a trair a confiança de todos os seus falsos amiguinhos? - ele me avalia com um fundo de desconfiança.
  – Uma mulher tem que ser forte e fazer o que for preciso para sobreviver. - carrego meu tom de voz com desdém. – As pessoas vivem usando umas às outras constantemente, e não acho que isso seja falta de caráter, é apenas a maneira como você encara a situação, porque, no final, só aqueles que são realmente espertos vão sobreviver.
  Arthur solta uma longa risada.
  – Eu estou realmente tentado a aceitar sua proposta, . Você tem se mostrado alguém tão insensível quanto eu. - ele sorri para mim da mesma forma que costuma sorrir para , me fazendo perceber que nesse momento acabei de ganhar Arthur Waverly.
  – Apenas mantenha isso entre a gente. - digo.
  – E por quê? Está com medo dos seus amiguinhos descobrirem que na verdade você é um lobo em pele de cordeiro? - ele me olha desafiador.
  – Como eu vou usar meus peões se eles já souberem minha estratégia de jogo? - sorrio cinicamente.
  – Você é realmente é louca, está no lugar certo. Uma manipuladora digna.
  – Eu apenas sei aproveitar as oportunidades. - dou de ombros outra vez.
  – Está certo, anjo. Eu sinto que esse pode ser o começo de uma grande parceria. - Arthur se levanta de sua cadeira, entendendo sua mão em minha direção como se quisesse fechar um grande negócio, e de fato ele estava.
  Caminho em sua direção, estendendo minha mão até a sua, seguido de um forte aperto.
  – Eu mal posso esperar para trabalhar com você, Sr. Waverly. 

Capítulo 40

  – Certo. Então agora você já tem sua primeira tarefa. - Arthur solta minha mão.
  – E qual seria?
  – Antes de tudo eu preciso testar essa sua lealdade. - ele se reclina em sua cadeira, e cruza os braços. – Confiança é algo que se deve ser conquistado.
  – Entendo. - apenas assinto.
  – Nós iremos sair em dez minutos, . Peça para que algum dos guardas te dê roupas novas. Diga que é uma ordem minha, vou estar te esperando aqui. Pode ir agora. - ele indica a porta. E sem questionar, apenas aceno e saio de sua sala. Esse momento é importante, eu preciso ganhar sua confiança de vez.
  Seguindo todas as suas ordens, vou atrás de algum dos guardas, evitando por Ethan. Esse seria um plano meu, por isso não vou envolver ninguém. Quando esbarro com um guarda qualquer, repasso tudo que Arthur me disse, e depois sou levada até o banheiro mais próximo, onde recebo uma nova muda de roupas.
  Depois de me vestir, caminho até o espelho do banheiro, encarando meu reflexo. Eu não sei que tipo de pessoa tenho sido até agora, eu apenas fui condicionada a seguir uma linha de mentiras imposta em minha vida, mas sei exatamente o tipo de pessoa que eu tenho que me tornar daqui para frente se quiser me livrar de tudo isso.
  Respiro fundo, decidida a não voltar atrás com o que comecei. Me afasto do espelho, seguindo até a saída do banheiro. Em seguida, sou levada até a sala do Arthur pelo mesmo guarda que me deu novas roupas.
  – Ainda restam cinco minutos do tempo que te dei... bom trabalho. - Arthur diz, sem me encarar, enquanto guarda alguns papéis que estavam sobre a sua mesa. – Temos que ir agora. - quando termina ele se levanta de sua cadeira, dando a volta pela grande mesa de madeira.
  Arthur caminha em minha direção, colocando uma mão sobre meu ombro, nos tirando de sua sala em questão de segundos, mal me dando tempo para raciocinar o que havia acontecido. Olho ao meu redor, vendo um grande campo verde em meio ao céu cinza, com um velho galpão ao fundo.
  Eu realmente estou chocada com os seus poderes de Arthur, eles eram ainda mais rápidos do que os de e . Eu nem consegui me dar conta do que aconteceu, é como se eu tivesse piscado e aparecido em outro lugar. Isso é surpreendente, e me faz ver como Arthur pode ser poderoso.
  – Venha. - Arthur faz um gesto de mão para que eu o siga, antes de sair andando na minha frente.
  – O que é isso? - pergunto, enquanto tento acompanhar seus passos largos.
  – Um acerto de contas.
  – Acerto de contas? - ele não diz nada. – Se vamos trabalhar juntos o mínimo que você tem a fazer é me contar, certo?
  – Cuidado, . Eu não tenho apenas vocês como fornecedores de informações. Algumas pessoas do lado de fora também trabalham para mim, mas eu descobri que um dos meus informantes era um agente duplo. Ele vendia informações dos rebeldes para mim, e vendia informações minhas para os rebeldes. - ele explica, me fazendo achar curioso a forma como ele se refere aos que querem derrubá-lo.
  – Agente duplo... - repito para mim mesma.
  Isso é basicamente o que eu sou neste momento. Estou do lado os pacientes, e agora do Arthur.
  – Pegue. - ainda andando em direção ao galpão, Arthur retira de dentro de seu longo casaco preto uma pistola glock, e me entrega.
  – Uma arma? - pego o objeto de sua mão, analisando os detalhes da pistola cinza.
  – Esse vai ser o seu primeiro teste para ganhar minha confiança. Eu quero a cabeça daquele bastardo, . - ele me olha seriamente, pelo canto de olho.
  – E por que eu preciso usar uma arma? - pergunto assim que chegamos em frente ao velho galpão.
  – Balas batizadas, isso vai doer muito. - ele solta uma risada nasalada.
  Apenas assinto, colocando a pistola na parte de trás de minha calça. Logo Arthur bate na grande porta do galpão, que demora alguns minutos até ser aberta por um garoto de estatura baixa.
  – Sr. Arthur? O que faz aqui? - de imediato o garoto se mostra totalmente amedrontado diante de Arthur.
  – Onde está o maldito bastardo do Juugo? - Arthur entra no galpão sem se dar o luxo de ser educado.
  – E-Ele está... bem... ele está...
  – Está aonde? - Arthur é totalmente ameaçador com o garoto, o assustando cada vez mais.
  – Está nos fundos. - o garoto aponta para um lugar qualquer, enquanto curva sua cabeça.
  – Vamos. - outra vez Arthur sai na frente. E antes de segui-lo encaro o pequeno garoto que matinha sua cabeça baixa, com medo, até mesmo, de me olhar. – Anda logo, . - me apresso a ir até onde Arthur estava, não querendo irritá-lo ainda mais do que já estava.
  Começo a observar o interior do galpão, notando que ele não era nada como o lado de fora. Haviam muitas portas e passagens, da qual acabamos por entrar em uma delas, que eventualmente nos levou até um pequeno grupo de homens.
  Um deles que era alto e ruivo estava ao centro, e de costas para nós enquanto ria de alguma coisa. Os demais à sua volta também riam, mas rapidamente cessaram quando viram a imagem de Arthur.
  – Juugo! - Arthur o chama em tom alto, parado atrás dele, que fica com o corpo visivelmente tenso.
  O homem se vira lentamente para Arthur de maneira assustada.
  – Sr. Arthur...
  – Cale essa boca! - Arthur o interrompe rudemente. – Estou sabendo o que andou fazendo. Você sabe como eu me sinto em relação a traidores. - eu não podia ver a expressão de Arthur agora, mas posso imaginar o quão assustadora deve estar.
  – Eu posso explicar, senhor...
  – Eu já mandei calar a porra da sua boca! - Arthur grita, assustando todos a sua volta. – E que isso sirva de lição para todos vocês, caso mais alguém tenha a infeliz ideia de me trair. - ele aponta para cada um ali presente – ! - Arthur me olha sobre os ombros, indicando com a cabeça o rapaz de cabelos cor de cobre.
  Fico alguns segundos parada no mesmo lugar, processando o que eu teria que fazer. Bom, essa não é a primeira vez, mas ainda não me acostumei com isso, só que eu realmente preciso da confiança do Arthur.
  Respiro fundo enquanto levo minha mão até a parte de trás de minha calça, sentindo a arma gelada. Reunindo toda minha coragem, a retiro de lá, fazendo todos me olharem em espanto, já imaginando o que viria a seguir. Caminho para perto deles, vendo o homem ruivo ficar totalmente desesperado. 
  – Por favor! Por favor, não faça isso! - ele súplica quando miro a arma em sua direção.
  Respiro fundo pela segunda vez, destravando a pistola. Levo meu dedo até o gatilho, contando mentalmente antes de disparar contra sua cabeça, fazendo o homem cair no mesmo instante, e uma grande quantidade de sangue jorrar pelo buraco em sua testa.
  Sinto uma estranha sensação percorrer meu corpo, minha respira acelera, enquanto encaro a arma em minha mão. Foi a primeira vez que usei uma, achei que poderia falhar, mas não da distância que eu estava do homem.
  Encaro o corpo sem vida no chão, sendo banhada por vários olhares acusares e assustados, mas para minha surpresa não me sinto tão mal como achei que estaria. Talvez passar tanto tempo no inferno tenha me mudado de alguma forma, e não posso reclamar, já que seu eu quiser sair dessa bagunça, preciso agir de forma mais corrompida do que eles.
  – A cabeça, . - Arthur abre um grande sorriso, me estregando um pequeno canivete. O que mais ele guarda nesse casaco? Ele sair preparado para uma guerra? Ele realmente estava falando sério quando disse que queria a cabeça do cara?
  Um pouco incerta pego o objeto afiado de sua mão, me abaixando ao lado do corpo. Encaro os olhos arregalados do homem, que mesmo sem vida pareciam me observar. Tento me livrar de qualquer sentimento ou bom senso que eu tenha agora, eu preciso focar apenas em ganhar a confiança de Arthur.
  Um pouco mais confiante, levo o canivete até a pele de seu pescoço, fazendo o primeiro corte, vendo mais sangue jorrar para fora. Evito ao máximo me sujar, por isso afasto meu corpo a medida que vou cortando sua garganta. Em algumas partes eu precisei colocar um pouco mais de força, mas no final eu tinha sua cabeça, em uma cena tão perturbadora que eu não só vi, como participei.
  Eu não me sinto mal, será que isso é um problema?
  Apesar de ter vivido sobre as leis humanas, isso não me parece tão errado agora. Talvez o meu lado sobrenatural esteja voltando aos poucos, e eu não sei se isso é bom ou ruim.
  Me levanto, seguro a cabeça do rapaz morto pelos cabelos acobreados, jogando em direção ao Arthur. Logo passando pelo mesmo, pronta para dar o fora deste lugar. Fico esperando ele do lado de fora do galpão, já que com certeza  deve estar ameaçando os outros caras.
  Assim que Arthur sai do galpão com a cabeça do homem que matei nos braços, posso notar a satisfação estampada em seu rosto. E sem dizer nada, ele apenas vem até mim e nos tira daquele lugar, nos levando de volta para sua sala no Waverly Hills em, literalmente, um piscar de olhos.
  – Vamos aproveitar que você já está arrumada. - Arthur diz, jogando a cabeça do homem morto sobre sua mesa, sem se importar em sujar o que estava em cima dela – Quero que você vá com e Sean até o bar agora mesmo. Matamos Juugo, mas ele não é o único problema aqui. Não posso mais perder tempo. 
  – Tudo bem, mas antes gostaria de pedir para me deixar ir até o plano do dia algumas vezes - pergunto, enquanto coloco a pistola glock sobre sua mesa.
  – Isso não é uma moeda de troca, . Eu estava testando sua confiança.
  – Eu sei. Mas eu fiz algumas amizades por lá, e gostaria de saber se algum deles desconfia de alguém. Não podemos nos limitar apenas no plano da noite, seu espião pode estar em qualquer lugar. - insisto, o vendo pensar por alguns segundos.
  – Certo. Te deixarei ir lá algumas vezes, mas é bom que você não tente nenhuma gracinha. - ele alerta, e eu apenas assinto.
  – Antes de chamar e Sean, me deixe ir até o banheiro, gostaria de lavar as mãos. - mostro minhas mãos com resquícios de sangue.
  Ele apenas faz um gesto para que eu vá. E assim o faço. Saio de sua sala e sou levada ao banheiro por um dos guardas. E aproveito o momento não só para me limpar, mas para me explicar para todos, já que 'desliguei' minha compartilhação de mentes por um momento para poder conversar com Arthur. Acabei por inventar uma desculpa de que menti para que Arthur nos deixasse em paz, e que depois fui recrutada para outra atividade no sanatório.
  Outra vez sou levada para sala de Arthur, chegando antes de e Sean. 
  – Eu tenho uma missão especial para você. - Arthur diz assim que chego em sua sala.
  – E o que seria?
  – Matar Juugo na minha frente foi um teste para ganhar minha confiança, e essa será sua primeira missão estando oficialmente do meu lado. - ele se escora sobre sua mesa, e reparo que a cabeça de Juugo já não está mais ali, porém o sangue ainda machava algumas partes da madeira – Esse bastardo não trabalhava sozinho, tem mais outros que estavam com ele, e soube que três deles estão indo levar informações minhas para o bar. Por isso quero você os mate antes que eles façam isso. - Arthur pega a glock que eu havia deixado sobre sua mesa, e me entrega outra vez.
  – Certo. - pego a arma, a colocando na parte de trás de minha calça outra vez.
  – Aqui está uma foto deles. - ele retira dentre os papéis de sua mesa a fotografia. Olho brevemente para ela, capturando algumas feições físicas dos homens, e depois a guardo dentro do bolso do meu casaco. 
  Arthur me passa mais algumas descrições de como ele quer que eu haja no bar, até que Sean e venham para sua sala, ambos me olhando de maneira desconfiada. Eu sabia que seria mais difícil enganar eles do que o resto, talvez não tenham acreditado em minhas mentiras, por isso tenho que ser cuidadosa.
  – Tem algo muito precioso para mim naquele bar, e preciso que vocês o tragam para mim. - Arthur dá a volta em sua mesa, abrindo uma das gavetas, e retirando de lá um grande papel dobrado – Este é um mapa do bar, alguns aliados conseguiram para mim. E aqui está marcado onde esse objeto está. - ele estende o mapa para .
  O de olhos verdes pega o papel, guardando com sigo, parecendo não dar muita importância.
  – Vocês já podem ir. - Arthur diz.

***

  Bastou alguns minutos para que chegássemos no bar. E todos no mais absoluto silêncio, talvez esperando que eu diga alguma coisa sobre os últimos ocorridos, mas apenas me manteria em silêncio, e continuo a agir como o de sempre.
  Nós três caminhamos até a entrada do bar, sendo recebidos como o habitual: lugar cheio, bulhento e com muitas pessoas e bebidas. E como sempre faço, logo procuro por aqueles que fiz amizade, os encontrando perto do balcão.
  – ! - Carl é o primeiro a me cumprimentar, me oferecendo o lugar vago ao seu lado.
  – Olá, Carl. - sorrio, me sentando ao seu lado nos bancos altos de madeira – Ross. - também cumprimento o barman que passa por nós, indo em direção às bebidas e enchendo dois copos para a gente.
  – O cavaleiro vai querer alguma coisa? - Ross pergunta para Sean, que se junta a mim.
  – A bela moça e seus dois marmanjos. - Carl caçoa, me fazendo repreendê-lo falsamente. – O que veio fazer aqui hoje? - o motoqueiro pergunta, assim que Ross nos dá os grandes copos de cerveja.
  – Me divertir, ver meus amigos, essas coisas. - dou de ombros, tomando um gole da bebida amarga.
  – E você precisa de dois guarda costas para isso? - seu bom humor me contagia, e acabo rindo também.
  – Nunca se sabe o que pode acontecer. - ainda rindo, empurro Sean de leve com o ombro, vendo ele visivelmente deslocado no meio de todos. Depois procuro , o vendo sentado sozinho em uma mesa mais afastada.
  – E seus amigos, quando vão chegar? - Carl já havia bebido mais da metade da sua cerveja. Isso é impressionante, eu nem estava perto da metade.
  – Eles ainda não sabem que estou aqui.
  – Por que você não os traz aqui? - para minha surpresa quem sugere isso é Sean.
  – O quê? - olho surpresa para ele.
  – Não vejo problema em você ver seus amigos. - ele se inclina em minha direção para que apenas eu escute o resto de sua fala. – Seria ótimo se tivéssemos ajuda de pessoas do lado de fora. - ele sorri em minha direção.
  – Mas e o ? - pergunto incerta.
  – Foda-se ele, . - ele dá de ombros.
  Pensar na hipótese de trazê-los aqui já me faz imaginar dando um baita de um chilique, mas Sean tem razão, ter pessoas do lado de fora no nosso plano ajuda ainda mais. Connor e Lana já estavam pensando em maneiras de me tirar do sanatório, então por que não juntar tudo?
  – Posso te dar uma carona se quiser. - Carl oferece.
  – Eu agradeço, mas não cabemos todos em sua moto. - dou risada.
  – Vocês podem usar a vã do bar. Eu só a uso  para buscar bebidas, mas ela está livre agora. - o barman interrompe nossa conversa.
  – Sério? - pergunto, o vendo assentir – Isso é ótimo, obrigada.
  – Então vamos, Ellise. - Carl se levanta de seu banco.
  – Pode ir. Eu cuido do senhor mau humor ali. - Sean dá dois tapinhas em meu ombro, e agradeço antes de seguir Carl para fora do bar.

***

  Durante o trajeto, peço o celular de Carl emprestado, e falo rapidamente com Lana, avisando que estava indo buscá-la. Ela sugeriu que levássemos Margot e Margareth junto, já que elas também estavam ajudando. E antes de ir para o edifício Halzelhills, passamos na biblioteca para pegar Connor.
  Foi uma viagem tranquila, e por sorte o bar não era tão longe, então logo voltamos para o Redemption. À primeira vista não encontro e Sean, mas não me preocupo, eles provavelmente estão cuidando do plano do Arthur. Por isso procuro a mesa mais isolada para levar meus amigos, assim poderíamos conversar com privacidade.
  – Você falou sobre um tal plano com os pacientes do Waverly Hills. - Margot é a primeira a falar. Ela e Margareth estavam usando sua forma jovial, ou no caso, forma original, já que fingiram ser duas senhoras apenas para se aproximarem de mim quando me mudei para essa cidade.
  – Muitas coisas aconteceram comigo nos últimos dias. E eu acabei descobrindo a verdade. Bom... alguma parte dela. - explico.
  – Do que você está falando? - Lana que estava sentado ao meu lado, pergunta.
  – Basicamente eu sei que não nasci como humana, e que alguma coisa aconteceu e  acabei perdendo as minhas memórias. - diferentes expressões de espanto surgem no rosto das quatro pessoas comigo – Vocês já sabiam disso? - pergunto, mesmo que no fundo eu já saiba a resposta, pois em vários momentos eu senti que eles estavam escondendo coisas de mim.
  – ... - Connor começa sem jeito. – Eu sinto muito. - ele me olha com pesar.
  – Tudo bem. - suspiro. – Eu só quero saber por que vocês não me contaram nada. - encaro cada um deles.
  – Isso é um assunto que está além de nós, . Não é como se pudéssemos sentar aqui e te contar tudo. - Magareth explica. – As coisas não funcionam assim no mundo sobrenatural. Eu não sei como é para os demônios, mas nós, anjos caçadores, não podemos te contar nada. Quem apagou sua memória está acima de qualquer um aqui, e colocou sua vida em risco caso alguém abrisse a boca. Infelizmente você entrou nessa situação por conta disso, mas nós estamos aqui para te ajudar.
  – Qualquer um está proibido de comentar sobre qualquer coisa com você. Mas se você se recordasse por conta própria, então já não seria uma quebra de regras, já que você fez isso sozinha. Talvez quando toda essa confusão chegar ao final, e Arthur parar de ir atrás de você, tudo volte a fazer sentido. Estamos aqui para te ajudar, mas tudo isso depende apenas de você. Um dia você vai entender o que estamos falando. - Margot completa a explicação de Margareth, me fazendo ficar totalmente tonta com tanta informação.
  Minhas memórias parecem esconder segredos grandes que não envolvem só os demônios, e sim os anjos caçadores. Ambos os lados estão proibidos de me contar a verdade, e esperam que eu descubra por conta própria, ou aparentemente teremos grandes consequências se alguém abrir a boca, como a minha vida em risco.
  Então esse é o motivo pelo qual eles agiram esse tempo todo como se tivessem medo de coisas sobrenaturais? Tudo que eles me contaram até agora também não passou de uma grande mentira? Aquele papo de “não vão até o sanatório assombrado”, era uma brincadeira com a minha cara? O que é tudo isso? O que está acontecendo? Eu estou começando a ficar com medo do que possa encontrar nas minhas memórias, e me sinto uma idiota por ter sido engana tantas vezes.
  Isso é realmente estranho, mesmo sabendo da verdade, em nenhum momento eles me impediram de ir até o Waverly Hills me meter nessa confusão, na verdade, todo o teatro que  fizeram apenas me incentivou a correr atrás disso mais e mais. É como se esse fosse o objetivo deles, quererem que eu fosse até o Waverly Hills me meter nessa loucura.
  – Eu acho que minhas memórias já estão voltando. Às vezes eu tenho alucinações com vozes, são frases que não fazem sentido para mim, elas talvez façam quando eu me lembrar de tudo. - suspiro profundamente, passando os olhos pelo bar lotado, vendo várias pessoas bebendo e jogando sinuca.
  – Isso é bom, . - Lana diz, também suspirando.
  – Mas me diga, você e Connor? Vocês também são criaturas sobrenaturais? - volto meu olhar para as pessoas ao redor da mesa de madeira, encarando especificamente minha melhor amiga. 
  Lana desvia o olhar por um segundo, praticamente confirmando minha pergunta.
  – Por favor, não nos pergunte mais nada, não podemos falar, isso pode te colocar em perigo. Suas memórias estão voltando, quando você se lembrar, tudo isso vai fazer sentido.
  – Nos desculpe, . - Connor, que estava sentado do outro lado da mesa, estica sua mão para segurar a minha, tentando me confortar.
  – Certo. - me dou por vencida, mesmo não estando feliz com isso.
  Eles só querem me proteger, certo? Tudo depende de mim, certo? Ótimo, eu já coloquei meu plano para jogo, e é apenas uma questão de tempo até que eu resolva essa grande bagunça. Não aguento mais viver afundada em mentiras.
  – Existe um plano de fuga que envolve nove pessoas do sanatório. - resolvo mudar de assunto, já sabendo que não conseguiria obter muitas explicações sobre a verdade. – Eu me juntei com algumas criaturas, e estamos planejando um ataque ao Arthur e uma fuga do sanatório. - todos ficam em silêncio. – Mas algumas coisas estranhas estão acontecendo por lá, e mesmo me juntando com eles, eu não posso descartar que eles possam ser suspeitos. Por isso eu resolvi ficar um passo à frente, e me juntei ao Arthur.
  – Arthur Waverly?! - Margot e Margareth perguntam em uníssono. Apenas assinto em resposta.
  – Como assim, ? Isso é perigoso. - Lana me olha exasperada.
  – Eu não estou totalmente do lado dele. Eu fingi uma falsa aliança para poder vigiar os passos dele de perto, se estou em um plano para derrubá-lo, preciso conhecer bem meu inimigo. E também acho que ele pode me ajudar a descobrir se tem algum traidor entre o meu grupo de fuga dentro do sanatório. - explico.
  Pelo que Sean me contou, eles podem ter feito coisas ruins para mim no passado, então seria burrice da minha parte confiar cegamente neles.
  – Por favor, tome cuidado. Você não sabe das coisas que Arthur foi capaz. - Connor alerta.
  – Não se preocupe. - tento acalmá-lo.
  Não é como se eu fosse escutar algum deles, eu passei todo esse tempo sendo enganada. Mentiras e mais mentiras vindas de todos os lados, e mesmo que elas sejam para me proteger, não posso deixar de me sentir mal. Nesse momento eu só posso confiar em mim mesma.
  – Eu vou manter vocês informados. Será bom ter ajuda de pessoas do lado de fora. Quando chegar a hora, vocês nos ajudarão. - digo, os vendo assentir.
  – , agora que você nos explicou sobre seu plano. Seria bom que tudo desse certo, que não houvesse nenhum empecilho. – Magort diz, me fazendo assentir. – Você deveria quebrar sua ligação com .
  – Hm, minha ligação com ele? Isso não me atrapalha.
  A última vez que essa ligação foi usada, foi na sala de tortura de Arthur. Eu já nem dou tanta importância para ela, parece algo irrelevante.
  – Anjos e demônios não podes estar ligados. Você pensa que isso não atrapalha, mas eu posso te garantir ao contrário. Quando dois apostos se ligam, suas estruturas podem se misturar, ou seja, você pode acabar adquirindo alguma coisa deles e vice-versa. E quanto mais tempo durar essa ligação, mas altas são as chances disso acontecer. - a de cabelos curtos explica, me fazendo ficar pensativa.
  Será que esse pode ser o motivo de eu não ter me sentido tão mal quando matei Juugo? Será que minha ligação com está me afetando sem que eu perceba?
  – E como eu acabo com ela? - pergunto.
  – Nós podemos fazer isso para vocês. Apenas nos traga um pouco do sangue de , e alguém para servir de sacrifício. - Margareth explica.
  – Acho que posso conseguir isso.
  – Tente se apressar com isso. Lembre-se, quanto mais tempo de ligação, mais perigo. - a ruiva alerta.
  – Tudo bem. Me lembrarei disso. - aceno.
  – , nós viemos para saber sobre o seu plano. Mas agora temos que ir, temos alguns assuntos para resolver. - Margoth diz, se levantando e sendo seguida por Margot.
  – Certo. Eu levo vocês lá fora. - me levanto também – Eu já volto. - digo para Lana e Connor.
  Na verdade, eu apenas quero ficar sozinha por um momento. Me sinto sufocada em meio a todos os segredos deles.
  Caminho com as duas até a saída do bar, me despedindo brevemente, e depois me afastando, indo em direção ao estacionamento do bar. Fico ali parada, encarando céu que começava a se escurecer. Eu realmente sinto falta disso, fico tanto tempo presa naquele sanatório, que as pequenas coisas me fazem falta.
  Continuo respirando ar puro do meu pequeno momento de liberdade até que escuto o barulho de algumas motos se aproximando, quatro, para ser mais específica. Um pouco distante de mim, os quatro homens estacionam suas motos, retirando seus capacetes e me fazendo perceber que a minha entrega havia acabado de chegar. Esses eram os quatro caras do Arthur, provavelmente chegaram agora para passar as informações.
  Olho em volta vendo que havia apenas nós cinco no estacionamento. Por isso preciso aproveitar essa oportunidade. Então começo a me aproximar lentamente do grupo de quatro homens, que logo notam minha presença, sorrindo de forma lasciva para mim.
  – Vejam só essa belezinha. - o mais alto dos homens diz. – Podemos ajudar em algo, senhorita? - ele se aproxima de mim. E não penso duas vezes antes de levar minha mão até a arma presa na parte de trás de minha calça, rapidamente a destravando e atirando contra sua cabeça, fazendo seu corpo cair no chão.
  Essas balas batizadas do Arthur realmente são boas.
  – Que porra é essa?! - o homem da esquerda vem para cima de mim quase me puxando pelos cabelos, mas atiro rapidamente contra ele também.
  Os outros dois que sobraram vêm para cima de mim, um tentando me imobilizar, enquanto o outro tenta tomar a arma de minhas mãos. Atiro contra a perna do que está na minha frente, fazendo ele cair ajoelhado, e aproveito esse momento para me livrar do que tentava me imobilizar. Me viro de costas e atiro contra o homem, que cai no chão sem vida. E no mesmo instante sinto alguém agarrar meu tornozelo, me puxando para o chão. Com a surpresa acabo largando a arma, enquanto o homem que feri na perna me puxa para perto dele, levanto suas mãos até o meu pescoço, tentando me sufocar. Não penso duas vezes antes de atravessar seu peito com minha mão, trazendo seu coração para fora. O corpo sem vida o homem cai sobre o meu, e o jogo para o lado, junto com seu coração. Encaro minha mão ensanguentada, notando que já não tenho tantas sensações ao me “alimentar” como das primeiras vezes que fiz isso. Provavelmente já estou me acostumando.
  Fico algum tempo no chão, em meio aos corpos sem vida, apenas pensando no tamanho da bagunça que eu fiz. Por fim, me levanto, limpando minha mão na roupa de um dos homens mortos, e guardando minha arma outra vez.
  – Eu preciso me livrar deles. - falo para mim mesma, encarando os corpos sem vida no chão.
  – Você estava nos enganado esse tempo todo? - meu corpo congela ao escutar a voz de Carl. E rapidamente me viro, o vendo parado na entrada do estacionamento.

Capítulo 41

  Sem reação, continuo parada no mesmo lugar, apenas vendo Carl se aproximar, com uma expressão nada amigável.
  – Por que você fez isso? - quando se aproxima, ele encara todos os corpos sem vida. 
  – Você pode me escutar por um minuto? Eu prometo que explicarei tudo. - passo a mão pelo rosto de forma cansada. Eu acabei de me meter em um problemão.
  – Eu também estou interessado nessa sua explicação. - para minha surpresa, escuto o barulho de porta rangendo, e uma terceira voz participar de nossa conversa. Ross, o barman, vem caminhando detrás do estacionamento, que por acaso tinha uma pequena porta que dava para os fundos do bar.
  – É uma história longa, mas vou tentar resumir. - suspiro, tendo os dois homens me encarando de forma séria, diferente do de costume, já estão sempre sorrindo – Há algum tempo atrás me mudei para essa cidade, e Arthur deu um jeito de me levar para o Waverly Hills me mantendo por lá. E vivendo lá dentro, acabei descobrindo que na verdade eu sou um anjo caçador que teve suas memórias apagadas. E por algum motivo ninguém pode me contar a verdade, nem os demônios, e nem os anjos. - começo a falar sem controle, mesmo que seja uma má ideia. Eu estou tão farta disso, que acabei derrubando tudo neles – Eu me meti em um grande problema, bolei um plano com alguns demônios e amigos anjos para fugir do Waverly Hills. Mas acabei me “juntando” ao Arthur para ficar vigiando os passos dele, quase ninguém sabe disso, mas eu só quero acabar com esse maldito de uma vez. E para ele não desconfiar de mim eu tenho que fazer algumas “missões”. - despejo tudo, sentindo minha respiração acelerar.  Era como se eu fosse explodir a qualquer momento com tudo isso preso dentro de mim.
  Os dois homens mudam rapidamente suas expressões, parecendo surpresos com as informações que soltei. Talvez não tenha sido uma boa ideia, mas se eu não contasse a verdade,  poderia estragar tudo que fiz até agora.
  – Qual o seu sobrenome? - Carl pergunta, me fazendo ficar totalmente confusa com a mudança de assunto.
  – . - respondo, vendo os dois se entreolharem.
  – Então você é a garota que causou tantos problemas no passado. Finalmente te conhecemos. - Ross diz parecendo não acreditar no que via.
  – Do que vocês estão falando? - franzo meu cenho.
  – Sua história é bem conhecida no mundo sobrenatural. - Ross responde, me fazendo arregalar os olhos.
  – O que vocês querem dizer com isso?
  – Existem regras, sabia? Ninguém é louco de se meter com os superiores. Se abrirmos a boca, tudo estará acabado para nós. Ainda mais por sermos rebeldes. - Ross cruza os braços, dando uma risada sem humor.
  – Rebeldes? - a cada nossa descoberta, me sentia mais confusa.
  – Escute, Ellise. O que podemos dizer é que depois que suas memórias foram apagadas, muitas coisas ruins aconteceram, Arthur abriu aquela casa de loucos, mas ao anjos caçadores não fizeram nada, deixaram o maluco sair pirando por aí. E teve uma parcela que tentou impedir os planos do Arthur, os que ficaram conhecidos como os rebeldes anjos caçadores, que somos nós. - Carl explica, automaticamente me fazendo lembrar de Arthur, e como ele se referiu da mesma maneira ao falar das pessoas do bar.
  – Nós acabamos indo contra as leis, já que os superiores tinham outros planos. Tentamos uma invasão no Waverly Hills, que não deu não deu muito certo, mas pelo menos conseguimos levar de lá algo que nos ajudaria a acabar com o Arthur. E agora estamos planejando outra invasão, até conseguimos infiltrar alguns dos nossos do lado dos capangas do Arthur. - finalmente começo a encaixar algumas peças dessa história.
  – Mas você aparentemente está matando nossos informantes. - Carl suspira.
  – Desculpe... eu só não posso deixar Arthur saber das minhas reais intenções.
  – Tudo bem. Não vamos ficar tão bravos, até porque perto de tudo que você já viveu no passado, não temos do que reclamar. - Ross leva sua mão até meu ombro, me deixando incomodada com a menção de meu passado esquecido. É tão estranho ver todos falando de algo que nem parece existir, eu estou começando a ficar com medo do que pode estar escondido entre as minhas memórias.
  – Eu acho que tenho uma proposta para te fazer. - Carl atraí não só a minha atenção, mas como a de Ross.
  – E o que seria? - pergunto.
  – Já que você também quer acabar com o Arthur, e matou nossos informantes, então se junte a nós e seja nossa nova informante. - Carl responde, e Ross não parece querer contradizê-lo.
  – Na verdade, já fazia parte dos meus planos me juntar a vocês. Eu só estava esperando o momento certo para isso. - encolho os ombros, vendo o barman rir.
  – Então é isso. Acho que dessa vez podemos acabar com o Arthur. - Carl sorri confiante, em meio a sua grande barba.
  – ROSS! AS BEBIDAS ACABARAM! - um pequeno garoto sai apressado pela mesma porta que o barman veio, atraindo a nossa atenção. Mas o curioso é que ele para abruptamente quando vê os corpos sem vida, e sua expressão só piora quando ele olha para mim, o que me deixa confusa por alguns segundos, até que eu reconheça ele como sendo o garoto de me recebeu no galpão onde estive com Arthur.
  – Eu já vou. - Ross bagunça o cabelo do menino que parecia ter uns treze anos.
  O menino fica em silêncio, olhando dos corpos para mim da forma mais assustada.
  – Você não precisa ter medo de mim. - falo suavemente, tentando acalmá-lo.
  – Mas você estava com o Arthur. - ele quase se esconde atrás de Ross, me olhando com aqueles olhos azuis cheios de medo.
  – Não se preocupe, garoto. Ela está do nosso lado, depois te explicamos tudo. Agora volte lá para dentro. - Carl dá dois tapinhas nas costas do menino, que fica um pouco aliviado, mas ainda me olha com tensão.
  O garoto apenas concorda com Carl, se virando e seguindo pelo menos caminhos que veio.
  – ELLIE!? - reconheço a voz de Lana chamar por mim assim que o garoto de olhos azuis volta para o interior do bar.
  Olho sobre os ombros vendo ela e Connor andando pela entrada do estacionamento enquanto me procuravam. Connor logo nos nota, apontando para onde estávamos.
  O que é isso? Uma reunião.
  – Você estava demorando demais, ficamos preocupados. - Connor diz assim que se aproxima.
  – O que aconteceu aqui? - Lana encara a cena no chão.
  – Longa história. - suspiro.
  – Eles também são anjos caçadores?
  – Espera, como você sabe? - Lana encara o motoqueiro de forma espantada.
  – Eu não sei, estou apenas perguntando. - ele dá risada.
  – Não se preocupem. Eles também são. - digo.
  – Também são anjos caçadores? - Connor me olha confuso. – E o que eles estão fazendo aqui? Que eu sabia ninguém tem permissão para estar nessa cidade... a não ser que vocês...
  – Sim. - Ross responde, dando outra risada.
  – Os rebeldes. - Lana divaga.
  – Isso aí. Nós estamos aqui porque somos os rebeldes, mas e vocês? - Carl pergunta.
  – Hm, nós meio que somos rebeldes também. Temos o nosso próprio plano, e só estamos aqui pela , vocês sabem, por tudo que ela já passou. Só queremos ajudar ela com as memórias, e não tem lugar melhor do que esse aqui. - Lana dá de ombros.
  – Eles também estão no plano. - interrompo, não querendo trazer mais papo do passado, já que eles não podem me contar mesmo.
  – Quantas pessoas estão nesse plano? Estou começando a me preocupar. - Connor coça a parte de trás da cabeça.
  – Quanto mais gente melhor, rapaz. Arthur não é qualquer um. - Ross responde – Se até os próprios demônios deles estão se virando contra ele, você já deve imaginar como ele é. E é bom que tenhamos ajuda de todos os lados para isso.
  – Sim. - Connor suspira.
  – Eu tive uma ideia aqui. - outra vez mudo de assunto.
  – O quê? - Lana pergunta.
  – Agora que todos formaram uma aliança, vamos precisar tomar cuidado. - levo as mãos até a cintura, soltando o ar. – Vocês disseram que na última invasão conseguiram pegar algo que ajudaria a acabar com Arthur, certo? - pergunto, vendo o motoqueiro e o barman assentirem. – Eu já sei que é uma faca, as notícias correm por aí. - me lembro claramente de quando Sean comentou sobre isso – Arthur está doido atrás dela, então por que não mudamos a localização dessa faca?
  – O quê? - Ross pergunta espantando, e Carl apenas fica sério, esperando que eu termine.
  – Arthur já sabe que ela está aqui. Vocês são muito confiantes de esconderem algo que pode matar ele, na cidade onde ele vive. - falo irônica. – Vamos mudá-la de localização, assim Arthur vai perder tempo achando que ela está aqui, quando na verdade estão em outro lugar que ele não sabe.
  – Eu não sei. Isso parece arriscado demais. - Ross comenta, parecendo pensar sobre o assunto.
  – Na verdade, acho que pode ser uma boa, Ross. - Carl diz decidido, fazendo o amigo o olhar descrente.
  – Você tem certeza? - Ross pergunta e Carl assente, fazendo o barman suspirar.
  – Certo, vamos fazer isso e deixar entre o mínimo de pessoas possíveis. Arthur me contou que também tem informantes por aqui, então é melhor não corrermos o risco de sermos descobertos. - confesso, e eles assentem. Acho que dando informações como essa eu posso fazer Carl e Ross não temerem nossa ajuda.
  – Eu sei de uma lugar. - Carl logo se manifesta.
  – Qual? - Connor pergunta curioso.
  – Tem um quintal nos fundos do bar. - o motoqueiro aponta para atrás – Ele dá entrada para a floresta que fica aqui do lado. E lá dentro tem uma cabana velha, provavelmente de alguém que viveu lá alguns anos atrás. Poderíamos esconder lá, acho que ninguém sabe da cabana. - ele sugere.
  – Eu gostei da ideia. - Lana diz animada.
  – Mas tem um pequeno empecilho. Existem algumas criaturas estranhas que vivem dentro dessa floresta. Vamos precisar tomar cuidado.
  – Certo, certo. Podemos resolver isso depois, agora temos que voltar para o bar, meus clientes estão sem bebidas. - Ross faz falsa expressão de desespero, notando o quão longa nossa conversa havia sido.
  – Tudo bem. Qualquer coisa já sabe onde nos encontrar, Ellise. - Carl acena, antes de se virar de costas, e ir com Ross até os fundos do bar.
  – Não esqueça de limpar sua bagunça. - Ross comenta de costas para mim, enquanto vai embora.
  – Acho que ele está falando disso. - Connor aponta para os corpos no chão, me lembrando que eles ainda estavam ali, por um momento eu até esqueci.
  – É, parece que as coisas vão começar para valer agora. - Lana comenta.
  – Sim, finalmente vamos poder tirar você daquele lugar, . - Connor sorri.
  – Eu só quero mesmo as minhas memórias. - suspiro.
  – Você vai ter elas em breve. - Lana segura minha mão, dando um leve aperto.
  – Certo. Agora preciso me livrar deles. - solto a mão de Lana, voltando a encarar os corpos.
  – Nós te ajudamos. Acho que tem uma lixeira ali atrás. - o de olhos verdes aponta para o fundo do bar, por onde Ross e Carl seguiram.
  Com a ajuda de Lana e Connor, levei os quatro corpos para o fundo do bar, e pude ver a entrada da floresta que Ross citou, assim como um grande precipício ao fim do caminho do bar, dividindo ele e a floresta. Jogamos os quatro corpos em uma grande lixeira. Sei que Ross pode dar um jeito no resto depois.
  – Ótimo programa para fazer com os amigos. - Lana comenta debochada, se escorando contra a lixeira, e Connor dá risada.
  Fico algum tempo observando os dois, e vendo como eles agem como se, se conhecessem há anos quando estão juntos. E de fato parece que se conhecem, já que isso deve fazer parte das minhas memórias. Ainda é tão estranho saber que eles fingiram isso todo esse tempo, que eram desconhecidos um do outro, que eram humanos, e que tinham medo de tudo isso. Bem lá no fundo, ainda tenho um pouco de remorso por tudo isso, espero que melhore quando minhas memórias voltarem.
  “Você está grávida?” 
  Saio de meus devaneios quando escuto uma frase solta. Olho em volta mais não vejo nada além de Connor e Lana.
  – ? Tá tudo bem? - Connor franze o cenho quando nota que eu procuro por algo.
  “Você ferrou com todo mundo. Você tem noção do quanto isso é problemático? O que vamos fazer agora?”
  – O que você disse, Lana? - me viro para minha melhor amiga, que me olha confusa.
  – Eu não disse nada. - ela troca um olhar com Connor, que também parece não estar entendendo.
  – Vocês não escutaram isso? - me aproximo deles exasperada.
  – Escutamos o quê, ? - Connor me olha preocupado.
  Fecho os olhos por um segundo, soltando todo o ar de uma vez.
  – Se vocês não escutaram, acho que aconteceu outra vez. Eu ouvi algumas frases sem nexo, e elas parecem vir de dentro da minha mente. Acho que são fragmentos das minhas memórias.
  – Isso é bom. - Lana junta as mãos, se mostrando animada.
  – Seria, se eu conseguisse entender o contexto delas. E nem vou perguntar para vocês, sei que não vão poder me explicar. - encolho os ombros.
  – Você precisa ter paciência, . - Connor suspira.
  – Acho que já estou tendo. - sorrio tristemente, vendo Connor de olhar de forma culpada. Sei que ele se sente mal por não poder me contar tudo de uma vez.
  – Até que enfim achei você! - me viro em um sobressalto, vendo Sean e surgirem juntos do estacionamento.
  – Pelo que vejo, vocês não se mataram ainda. - comento, tentando descontrair.
  – Não foi bem assim. - Sean faz uma careta.
  – Algum problema? - me olha desconfiado.
  – Não. Vocês conseguiriam alguma coisa? - tento mudar de assunto.
  – Não. Isso é uma perda de tempo. - bufa irritado. E vejo Connor encarar ele de rabo de olho, quase me fazendo revirar os olhos.
  – Então eu tenho boas novidades. - cruzo os braços.
  – O que é? - arqueia uma sobrancelha.
  – No sanatório conversamos. É uma longa história. Mas posso adiantar que resolvi grande parte dos nossos problemas aqui. - sorrio esperta.
  – Olha só pra essa garota. - Sean dá risada, me fazendo acompanhá-lo. Em seguida Lana pigarreia, olhando tudo desconfortavelmente. – Ah, Alana. Quanto tempo. - Sean dá um aceno de cabeça pra ela.
  – Vocês se conhecem? - pergunto surpresa, mas todos ficam quietos. – Ah, que saco! Isso também faz parte do meu passado? - pergunto retoricamente. – Estou me sentindo uma idiota aqui.
  – Calma, . Você não é idiota. - Connor leva sua mão até me ombro, outra vez, tentando me confortar. Noto que olha diretamente para mão de Connor.
  – Como posso ter certeza que vocês não estão tramando um plano contra mim? Já que todo mundo se conhece aqui. - cruz os braços, emburrada.
  – Pare de ser idiota, . - suspira.
  – Não chame ela de idiota, seu idiota. - Lana rebate, fazendo Sean rir.
  – Você não tem moral nenhuma para se meter nisso, Lana. - carrega seu desdém quando profere o apelido de minha melhor amiga, a fazendo bufar irritada.
  – Sem brigas, por favor. - calmamente Connor tenta acabar com tudo, recebendo uma risada debochada de como resposta.
  – Eu estou adorando ver essa briga, mas realmente temos que nos preocupar agora com nossa falta de informação com Arthur. - Sean diz.
  – Já o Arthur está atrás daquela coisa, por que vocês não dão pra ele alguma coisa falsa e fingem ser o que ele procura? Acho que isso até tira ele da cola de vocês. - Connor sugere.
  – Mas se fizermos isso perdemos nosso motivo para sair do sanatório.
  – Acho que não, . - Sean me encara. – Ainda vamos ter a invasão dos rebeldes, provavelmente Arthur vai querer saber sobre ela para se prevenir.
  – Você pode ter razão. - digo.
  – Certo. Então acho que é melhor irmos agora, já está ficando tarde. - Connor comenta e Lana assente.
  Encaro o céu por um momento, vendo que a tarde já deixava seus últimos vestígios.
  Lana me dá um rápido abraço.
  – Nós avise quando sair da próxima vez. - ela sorri para mim.
  – Tudo bem.
  – Tchau, Sean. - a loira se despede, recendo um aceno de cabeça. – , espero que você morra. - ela sorri com desdém para o moreno, que mantém sua expressão de tédio a suas palavras.
  – Tchau, . - agora foi a vez de Connor. Também dou um rápido abraço nele, antes que ele e Lana sigam pelo estacionamento.
  – Acho melhor voltarmos também. - suspiro, me virando para os dois comigo.
  – Quando chegarmos no sanatório, deveríamos fazer o que seu amigo sugeriu. - Sean diz. – Vamos atrás de uma faca, e entregamos para o Arthur.
  – Ainda tem o sangue, seu idiota. - rebate, e posso ver Sean se controlar para não começar uma briga.
  – Esse é um objeto mágico, certo. Podemos dizer que ela absorveu o sangue, e por isso virou uma arma que pode ser usada contra ele. - respondo antes de Sean, tentando evitar uma futura briga entre eles.
  – Ainda bem que temos a aqui. - Sean ironiza, fazendo encará-lo irritado.
  Reviro os olhos.
  – Vamos embora antes que eu mate vocês dois e jogue os corpos nessa lixeira.

Capítulo 42

  Como planejamos, retornamos para o sanatório. Assim que colocamos os pés no lugar, tentamos ser os mais discretos possíveis, foi atrás de uma faca cirúrgica, que era costumada usar em “tratamentos” dentro do Waverly Hills, para que colocássemos nosso plano em prática depois que expliquei aos dois sobre a aliança com os anjos caçadores do bar.
  Quando já estávamos em posse do objeto, o enrolamos em um pano velho, do qual tratou de conseguir, e ficamos reunidos na recepção do sanatório, esperando por algum guarda. É até engraçado que e Sean estejam cooperando em algo, realmente Arthur tem o dom de juntar as pessoas menos prováveis, nem que seja pela vertente do ódio.
  – Sr. Arthur quer falar com você. - um dos guardas diz para mim, depois de nos revistar para ter certeza de que não estávamos trazendo nada além do que Arthur queria.
  Sean e me olham de maneira desconfiada, mas não dizem nada. O mais alto me entrega a faca, e nos separamos, eu sendo levada para sala de Arthur por um dos guardas, e eles, provavelmente voltando para suas celas.
  Não demora até que cheguemos na sala de Arthur, que me recebe de maneira animada, mas não por me ver, e sim por ver o objeto em minhas mãos.
  – Parece que vocês finalmente fizeram algo de útil. - ele sorri, fazendo um gesto de mão para que eu me aproxime de sua mesa – Sente-se, anjo.
  Me sento na cadeira a frente de sua mesa, depositando o objeto enrola no pano sobre a superfície de madeira. Arthur pega o mesmo, o desenrolando do pano e encarando a faca de forma analítica, talvez até mais do que eu gostaria.
  – O que foi? Não era isso que você queria? - tento disfarçar quando noto que a expressão dele não era das melhores, torcendo para que funcione e ele não descubra nada.
  – Muito bom. Já temos metade das coisas resolvidas por aqui. - ele volta a enrolar o objeto no pano, e coloca dentro de uma das gavetas de sua mesa.
  Ele relaxa sua postura sobre a cadeira de couro, e cruza as mãos antes de me encarar seriamente.
  – E os caras que eu mandei que você matasse?
  – Matei todos antes que eles pudessem entrar no bar. - o peso da realidade me atinge por um momento, mas nada que me faça ficar tão mal com tudo isso.
  – Que ótimo, quando precisar de você outra vez te chamarei. Agora pode sair. E peça para que algum dos guardas te levar para próxima tarefa.
  – Tarefa? Mas eu acabei de voltar de uma missão. Na verdade, de duas, já que saí com você também.
  – Isso não é problema meu. Vocês não receberão tratamento especial só porque estão saindo. Todos já cumpriram suas tarefas diárias, só falta vocês três.
  – Mas por que temos que fazer tarefas nesse lugar? - rebato, vendo Arthur se irritar.
  – Disciplina, . Ocupar a mente de vocês para que não façam coisas idiotas. Agora vá de uma vez antes que eu me irrite mais! - apenas assinto, não querendo arrumar uma confusão com ele.
  Deixo sua sala com uma dúvida em mente: será que Arthur realmente acreditou? O que nos resta é torcer para que sim. De qualquer forma eu acho que se ele tivesse desconfiado, nem seja um pouco, já teria feito um escândalo e nos mandando para forca.
  Ao sair da sala de Arthur sou levada até o banheiro para que vista meu uniforme e retire as roupas “especiais” que recebo ao sair. Depois um guarda me conduz até o parquinho/jardim escuro, do qual e Sean já me esperavam.
  – O que eu tenho que fazer? - pergunto aos dois, quando me aproximo.
  – Recolher as folhas secas. - Sean aponta para o chão, me entregando um limpador de folhas em seguida.
  – Ok. - respondo, começando a espetar algumas folhas com o limpador.
  – Vamos terminar isso, logo. Quero descansar um pouco. - Sean resmunga, abrindo um grande saco preto para que eu jogue as folhas ali dentro. – Anda, . Faz alguma coisa.
  – Vá se foder. - retruca, me fazendo revirar os olhos por perceber que a cooperação deles já havia ido por água abaixo.
  – Por favor, não comecem a brigara. - suspiro sem paciência.
  – Andem logo com isso. - o guarda que estava nos vigiando da entrada do jardim ou parquinho, nos repreende.
  – Arthur acreditou, ? - Sean pergunta quando voltamos a recolher as folhas, e dessa vez ajuda.
  – Acho que sim, ele passou um tempo olhando pra ela de forma estranha, mas acho que acreditou. - dou de ombros, enquanto coloco mais algumas folhas dentro do saco.
  – Entendi. E por que ele quis falar só com você? - Sean faz outra pergunta.
  Ele realmente está desconfiado.
  – Porque ela é o novo braço direito dele, não é mesmo, ? - meu corpo congela ao escutar as palavras de . O encaro de rabo de olho vendo que ele tem uma expressão sínica, esperando por uma resposta. Já Sean, apenas me encara sem entender.
  Será que ele descobriu? Não, isso é impossível. Tentei ser discreta.
  – Do que você está falando, ? - tento não transparecer nervosismo.
  Ele solta uma curta risada antes de falar.
  – Vamos pular o papo furado, . Eu já sei de tudo. - ele para de recolher as folhas apenas para ficar sua atenção sobre mim.
  – Do que ele está falando, ? - Sean pergunta.
  Fico em silêncio, sem saber o que responder. pode estar blefando, e por isso tenho que ser inteligente nesse momento.
  – Se você vai me acusar, precisa de provas. - rebato seriamente, tentando não cair em seu joguinho.
  – Isso não vai ser difícil. - ele sorri de lado, escorando suas mãos sobre o topo do pegador de folhas, enquanto Sean nos encara sem entender – Você começou a passar mais tempo do que o normal da sala do Arthur, e eu sei disso porque pedi para que Ethan monitorasse suas saídas sem que você percebesse. Desde o último assassinato aqui no Waverly Hills, você vem agindo de forma estranha.
  Todo meu corpo fica tenso, eu até mesmo podia sentir minhas mãos começarem a suar. Ele realmente sabia de algo, e isso pode estragar os meus planos.
  – Ethan me disse que você foi chamada antes de nós hoje. - cerra seus olhos verdes em minha direção, de forma acusadora. Enquanto Sean faz uma expressão de surpresa, parecendo começar a entender toda situação.
  – Você veio com aquele papinho de que contou tudo para os caras do bar porque seria uma boa nos juntarmos com eles. Mas isso não é verdade.
  – Espera, , sobre isso: nós já tínhamos conversado com ela que seria bom uma aliança com eles. - Sean interrompe, e dá outra risada sem humor.
  – Era pra ser isso mesmo, mas ela acabou tendo que adiantar as coisas porque fez merda.
  – Do que você está falando? - Sean franze o cenho para , e a única coisa que continuo conseguindo fazer é ficar quieta. O que eu poderia falar quando ele sabe tantas coisas?
  – Ela não teve outra escolha a não ser contar tudo para eles, já que foi pega matando algumas pessoas em nome do Arthur. - lança a cartada final, fazendo Sean me olhar totalmente chocado. – Você teve a estúpida ideia de se juntar ao Arthur? - me pergunta com desdém – Qual o seu problema, ? Você é tão idiota a esse ponto? Onde você acha que vai chegar com isso? - ele lança toda a sua frustração em forma de perguntas.
  – Você não sabe de nada! Tudo o que eu fiz e estou fazendo até agora é porque estou cansada dessas mentiras. Estou cansada de ser enganada desse jeito. Eu estou sendo culpada por algo que eu nem sei. Sou obrigada a conviver com criaturas que podem ter feito um inferno no meu passado, mas nem isso eu posso lembrar. - totalmente farta de sempre sair na pior, solto tudo para fora.
  – E se juntar ao Arthur era a solução pra isso? - pergunta irônico.
  – Ei, cara. Calma. - Sean tenta acalmá-lo.
  – Não me peça para ficar calmo, porra! - fala entre os dentes, sem desviar seu olhar do meu por um minuto. – Você tem ideia do quanto isso pode te ferrar, nos ferrar? Você não entende porra nenhuma! Nós estamos nessa merda por anos, e agora você coloca tudo a perder. - suas palavras pesam sobre meus ombros.
  Ele está tentando me fazer sentir culpada por querer saber a verdade? O que eu fiz é tão ruim assim?
  – Na primeira falha que você cometer, Arthur não vai só te matar, e sim a todos nós. Mas você nem sequer se deu ao trabalho de pensar nisso, certo. - ele ironiza outra vez, me fazendo ferver por dentro.
  – Para de egoísta, . - sinto todos os meus sentimentos se aflorarem.
  – A única egoísta aqui é você, . - embaixo de suas iris verdes, algumas veias pretas já começavam a surgir – As criaturas que você anda matando também estão lutando contra o Arthur.
  – Agora você virou o mocinho? Está pensando nos outros? - rebato. – Eu posso ter algum sangue em minhas mãos agora, mas não haja como se não tivesse um rio de sangue sobre seus pés nesse momento. - solto o pegador de folhos no chão, sentindo meu sangue borbulhar.
  Sean parecia tão chocado com tudo, que escolheu apenas assistir a cena em seu lugar.
  – Você tem razão. Eu tenho um rio de sangue sobre meus pés, porque sou um demônio que não se importa com os sentimentos de ninguém. Eu mato sem me preocupar, essa é a minha natureza. - ele também solta o seu pegador de folhas, e vem para perto de mim, tentando me intimidar – Por isso não pense nem por um segundo que eu não te mataria uma segunda vez se você foder com a gente. - sua voz é extremamente baixa, em um tom grave, fazendo com que a realidade de suas palavras de atinja em cheio. – Quando tudo isso acabar, a culpa vai te atingir de uma maneira tão intensa que você jamais conseguiria suportar. - ele continua.
  – E você se preocupa com isso? Você liga se eu vou ou não suportar? Você acabou de dizer que me mataria outra vez. - mesmo sentindo o peso de suas palavras eu tento me manter firme.
  – Você sequer tem noção do que foram esses últimos anos para mim. Por culpa sua eu tive que lutar contra minha própria natureza. Eu passei por situações fodidas, eu achei que fosse ficar louco. Eu conheci a verdadeira dor, chegando em um ponto onde eu não conseguia mais sentir dor, por já ter sentido todos os tipos de dores existentes. Tudo isso porque você apareceu na porra da minha vida e fodeu com tudo. - as veias em seu pescoço começam a saltar, e seus olhos iam ganhando cada vez mais um tom escuro.
  – Não é justo você me culpar por algo que eu nem lembro. - sinto meus olhos arderem.
  – A verdade é que as pessoas só entendem as outras através da dor, ela é a única capaz de liga-las. Talvez passando por tudo isso de novo, você entenda como eu me senti durantes esses anos. - suas palavras não podiam ter me atingindo de maneira pior. Escutar isso de , mesmo sabendo qual o tipo de criatura que ele é, conseguiu me destruir por dentro.
  – Você está sendo um cretino agora. - tento segurar as lágrimas que se formavam em meus olhos. Eu não quero, e não vou chorar, isso não vale a pena.
  – Você já fez a sua escolha, então arque com as consequências disso sozinha, não nos envolva no meio disso. - levanta o pegar de folhas do chão, depois segura rudemente minha mão direita, fazendo um grande risco sobre o símbolo que estávamos usando para nos comunicar em grupo através dos pensamentos. E isso foi o suficiente para que eu entendesse que estava fora do plano deles.
  Sinto o sangue quente inundar a palma de minha mão quando a solta, passando por mim e indo em direção ao guarda que apenas assistiu à cena sem fazer nada.
  Sean continua petrificado em seu lugar, apenas me encarando sem saber o que fazer.
  – ...
  – Agora não, Sean. - o interrompo.
  – Ei! Vocês dois! - o guarda nos chama – Fiquem ai, eu já volto. - ele fala um pouco irritado, antes de sair atrás de .

***

  Eu já nem sei há quanto tempo Sean e eu estávamos aqui nesse lugar. Depois de minha discussão com , me sentei sobre a grama fria e fiquei pensando sobre tudo o que ele me disse. E quanto mais eu pensava, mais eu me sentia culpada, como se estivesse fazendo as coisas da forma errada. Eu quero a verdade, mas será foi tão errado tentar isso me aliando ao Arthur? Será que isso realmente pode acabar ferrando os outros?
  Respiro fundo, desviando meu olhar até Sean que estava sentado à poucos metros de mim. Ele respeitou meu momento e não tentou começar alguma conversa, mas se manteve perto caso eu precisasse de consolo.
  – ! - me assusto ao escutar alguém me gritar. Procuro pelo dono da voz, vendo Ethan surgir na entrada do jardim/parquinho de forma afobada e com uma expressão nada boa.
  – O que aconteceu? - Sean pergunta, se levantado rapidamente da grama.
  – O surtou. Ele na sala do Arthur e começou a quebrar tudo, eles estavam brigando. - o guarda explica, me fazendo praticamente saltar da grama.
  – E o que aconteceu? Ele foi castigado? - Sean se aproxima do guarda, que engole em seco e me olha.
  – Pior do que isso. - suas palavras fazem um calafrio correr minha espinha. – , você precisa vir comigo, Arthur quer conversar com você. Sean, eu já volto. - o loiro assente, mesmo que sua expressão seja de preocupação.
  Com as batidas do coração aceleradas, sigo Ethan até a sala de Arthur. Me sentindo como se fosse para forca, eu sei que algo de muito ruim aconteceu, e estou começando a temer o que possa ser. Poucos minutos depois estávamos parados em frente a porta de Arthur, e nunca senti tanto medo de entrar nessa sala antes.
  – Ethan, você já sabe sobre tudo? - antes que o guarda abra a porta, pergunto, o vendo assentir.
  – Sim. Não estou com raiva de você e nem nada do tipo. Não pense sobre isso agora, . Você tem outras coisas para resolver. - seu tom de voz é consolador, e isso só me faz temer mais. Se ele está tentando me consolar, é porque algo de muito ruim aconteceu.
  No segundo seguinte ele abre a porta, revelando a sala totalmente destruída de Arthur. Com passos tementes eu adentro ela vendo o caos que estava. Papéis por todo lado, sofás e cadeiras no chão, e até mesmo a sua grande mesa estava tombada.
  Escuto Ethan fechar a porta atrás de mim, me deixando completamente sozinha com Arthur, que estava parado no canto da sala com uma expressão de puro ódio.
  – Que merda foi essa, ?
  – Eu não sei. - encolho os ombros.
  – Como não sabe, ? veio aqui e surtou, tudo por sua causa. - ele começa a se aproximar de mim em passos pesados.
  – Ele descobriu, tá bem? - suspiro pesadamente, passando a mão pelo rosto de forma nervosa – Ele estava desconfiado e acabou descobrindo tudo. Nós brigamos e ele saiu.
  – não é idiota, . Você deveria ter tomado mais cuidado. - ele rebate.
  – E o que você queria que eu fizesse? - pergunto totalmente frustrada.
  – Você deveria se virar. Agora vou ter que me preocupar com ele também? Agora vou precisar ficar de olho para saber se meu filho está tentando alguma coisa contra mim por sua causa? - ele começa a se aproximar ainda mais de mim, me fazendo recuar alguns passos para trás.
  – Ele não vai fazer nada. Eu vou dar um jeito.
  – Vai mesmo. Você vai dar um jeito nessa merda. - seus olhos escurecem. – Mas eu já tomei as providencias certas para que vocês não façam isso de novo. - um mínimo sorriso esboça em seu rosto.
  – Você vai nos castigar? - pergunto, quando sinto meu corpo se chocar contra a parede fria.
  – Castigar? Acho que dor física não revolve a situação de vocês. - ele sopra as palavras de forma sádica, me fazendo imaginar o que poderia ser pior do que isso, que ele usaria de tão grave para nos castigar – Agora dê o fora da minha sala antes que eu mude de ideia e resolva usar o castigo físico também. - em pensar duas vezes, vou até a porta querendo sair o mais rápido possível de perto dele.
  Saiu de sua sala com a respiração totalmente descompensada, imaginando as piores coisas que poderia acontecer.
  – ... - estava tão paranoica dentro de mim mesma que nem notei que Ethan ainda me esperava do lado de fora. Olho para o guarda que mantinha a mesma expressão de antes.
  Ele já sabia o que Arthur tinha feito.
  – Me conte, Ethan, o que ele fez? - vou desesperada até o guarda, agarrando o colarinho de seu uniforme.
  Ethan desvia seu olhar do meu, e fica receoso alguns segundos antes de falar.
  – Madeline... - meu cenho se franze, antes que as coisas comecem a fazer algum sentido dentro de minha cabeça.
  – O que tem ela? - começo a soltar o seu colarinho.
  – Arthur pegou ela. - o guarda volta a me olhar, com os olhos carregados de pesar.
  – Onde ela está, Ethan? - meu coração parece acelerar ainda mais.
  Ethan fica alguns segundos em silêncio, criando uma enorme agonia dentro de mim.
  – Na sala de eletrochoque.
  Se as batidas do meu coração estavam aceleradas, nesse momento era como se tivessem parado de vez. Tudo ao meu redor parece ter se desligado, enquanto meu corpo começava a temer. Sem pensar em mais nada, apenas saio correndo pelos corredores, enquanto Ethan vem desesperadamente atrás de mim.

Capítulo 43

  Mesmo sem saber me lembrar ao certo onde ficava a sala de eletrochoque, eu simplesmente não conseguia conter meu desespero ao sair correndo entre os corredores. E para minha surpresa, nenhum guarda tentou me parar, na verdade, muitos deles me olhavam como se eu estivesse fazendo parte de uma cômica cena. Provavelmente, tudo isso faz parte do joguinho do Arthur.
  Eu nunca imaginei que ele seria tão baixo ao ponto de usar uma criança para nos atacar. Madeline não tem nada a ver com as coisas que fazemos, tanto que tentamos deixar ela de fora o máximo que conseguimos. Mas eu já deveria imaginar que Arthur usaria o que é menos provável.
  Eu estou completamente desesperada por ela, mas o meu corpo e minhas emoções parecem agir por conta própria, fazendo tudo ficar mais exagerado do que deveria, mesmo que eu não saiba qual o motivo para isso estar acontecendo comigo.
  Depois de passar os minutos mais agoniantes de minha vida correndo para todos os lados, eu acabo deixando que Ethan me leve até a sala, ele também respeita meu espaço, me deixando ir sozinha quando chegamos no corredor desejado. Logo na porta da sala eu vejo parado com um olhar incrédulo, ele parecia não saber o que fazer.
  – ! - o chamo, e ele rapidamente me olha. E seu olhar fica ainda mais carregado com a minha presença.
  – ... ela... o Arthur... - olha para todos os lados, enquanto tenta formular alguma frase, demostrando estar em um estado de confusão mental.
  Apenas assinto para tentar dizer que já sei de tudo, e em resposta ele me dá espaço para que eu entre na sala. Respiro fundo antes caminhar até pela entrada, sentindo meu coração saltar quando vejo a pequena figura de Madeline ajoelhada sobre chão, enquanto abraça fortemente seu inseparável urso de pelúcia. Seus cachinhos loiros estavam desgrenhados, e todo seu pequeno corpo tremia. Seu inocente rosto estava vermelho e manchado pelas lágrimas que não paravam de escorrer. Os lindos olhos verdes que ela tinha estavam totalmente apagados, quase como se toda vida se esvaziasse por eles.
  Olho ao redor, vendo uma maca perto de Madeline, o pano branco sobre ela estava totalmente rasgado, mostrando que ela provavelmente se debateu muito. Mais ao canto estava a máquina de voltagem e o maldito capacete de eletrochoque, pelo qual ainda saiam alguns resquícios de fumaça.
  – Mad? - de forma calma e suave chamo a garotinha, tentando não a assustar. E no momento em que seus olhos amedrontados encaram os meus, sinto uma enorme e desconhecida vontade de chorar por ela.
  –  Mãe? - sua quase inaudível voz embargada pelo choro sibila a pequena palavra, me fazendo paralisar no lugar.
  Olho assustadamente sobre os ombros para , que estava tão chocado quanto eu. Ele apenas me olha sem saber o que fazer.
  Eu já escutei sobre como os eletrochoques causam efeitos colaterais nas pessoas. e eu tivemos sorte, nada nos aconteceu, apenas aquele sonho estranho ligado de alguma forma com o meu passado. Mas isso pode ter sido apenas o Arthur ou Sean tentando brincar com nossas mentes. Provavelmente o fato de sermos criaturas sobrenaturais fez com que não tivéssemos o mesmo tipo de reação que os humanos teriam.
  Já Madeline, mesmo sendo um demônio, ainda é uma criança, ela não é tão forte quanto o resto de nós, isso deve tê-la afetado de outra forma. Ela não sabe sobre os seus pais, e agora com toda essa sessão de tortura, sua mente deve estar confusa.
  Meu coração se aperta ao vê-la nessa situação. E sei que não posso simplesmente ignorá-la por me chamar de mãe. Ela está vulnerável nesse momento e precisa de proteção, e cada fibra de meu corpo grita para que eu acolha como se fosse realmente minha filha.
  – Você veio me buscar, mamãe? - ela pergunta esperançosa, enquanto uma lágrima atravessa delicado seu rosto. – Os homens maus me machucaram de novo. - nesse momento eu sinto todo meu coração se despedaçar ao ver uma pobre criança nesse estado.
  Em passos apressados vou até onde ela estava, me ajoelhando ao leu lado e abraçando seu frágil corpo. Os bracinhos de Madeline rodeiam meu corpo, e posso senti-la tremer em meus braços, à medida que suas lágrimas molham meu uniforme.
  – Por que demorou tanto, mamãe? Por quê? - sua voz está completamente tomada pelo choro, e seus braços não param de me apertar demonstrando o quanto ela precisa de alguém nesse momento.
  – Eu não fazia ideia que isso ia acontecer, Mad. Me desculpe, é tudo culpa minha. - afago seus cachinhos, me segurando para não chorar em sua frente. Ela não precisa disso agora.
  Me afasto de seu pequeno corpo, secando o restante de suas lágrimas.
  Arthur realmente foi longe demais dessa vez. E eu não posso deixar que as coisas fiquem por isso mesmo, não posso deixar que ele faça isso de novo com Madeline, eu não suportaria vê-la outra vez nessa situação. Agora eu tenho algumas exigências a fazer, e Arthur não tem outra opção a não ser aceitar.
  – . - olho outra vez para ele que continuava na porta da sala. – Leve a Madeline para a enfermaria e veja se ela precisa de alguma coisa. - me levanto do chão, vendo assentir e se aproximar de nós.
  – Onde você vai, mamãe? - Madeline agarra a barra de meu uniforme, me olhando desesperadamente.
  – Não se preocupe, querida, eu já volto. - sorrio minimamente, tentando acalmá-la. – Eu prometo. - ela assente, largando meu uniforme.
  – O que você vai fazer? - pergunta.
  – Não é comigo que você deveria se preocupar. - falo em um suspiro, antes de passar por ele e deixar aquela maldita sala que só me traz más recordações.
  Refaço todo meu caminho até a sala de Arthur, que tanto visitei hoje. Durante todo o caminho tento me acalmar, e me desfazer de qualquer vestígio emocional sobre tudo que aconteceu. Mas isso se torna quase impossível quando vejo a porta de madeira escura, pela qual eu atravesso sem fazer nenhuma cerimônia, encontrando Arthur escorado em uma das paredes de sua sala, com um grande sorriso no rosto.
  Parecia que ele já esperava a minha volta.
  – Por que você fez aquilo com Madeline? Ela é só uma criança que não tinha nada a ver com as coisas que ou eu fazemos. - e ai se vai toda calma que eu tentei manter.
  – Como eu te falei mais cedo, anjo, castigos físicos não estavam mais dando jeito em vocês. Por isso eu precisei mudar minha estratégia. - ele cruza os braços, mantendo aquele asqueroso sorriso no rosto.
  – E você acha que o simplesmente vai te obedecer depois disso? - pergunto debochadamente.
  – Ele vai. - sua resposta é convicta – Ou eu castigo Madeline outra vez. - meu sangue ferve ao escutar suas palavras. E minha vontade nesse momento era de socar sua cara.
  Bufo irritada, tentando me controlar ao máximo.
  – Para quem dizia que não se importava com ninguém, você não acha que está dando importância demais para uma simples criança? - ele arqueia suas sobrancelhas de força desafiadora.
  – Eu não me importo. Eu realmente não me importo. Apenas acho que um castigo pesado como aquele não deveria ser aplicado em uma criança, e muito menos por um motivo tão idiota. - por mais que eu tente disfarçar era impossível não notar a raiva em meu tom de voz. Eu preciso me controlar se quiser que isso dê certo.
  – Mas quem tem que achar alguma coisa aqui sou eu. - ele estreita seus olhos – Eu, na verdade, estou te ajudando, anjo. Um dia você vai entender, e vai me agradecer por isso. - seu tom de voz era presunçoso.
  Agradecer? Ele bastardo só pode estar de brincadeira.
  – Eu quero que Madeline fique sob os meus cuidados a partir de agora. - revelo de uma vez o motivo de ter voltado até sua sala.
  – E o que te faz achar que eu vou permitir isso? - expressão de Arthur muda completamente, parecendo interessado no que eu tinha para falar.
  – Ela surtou, Arthur. Está achando que eu sou mãe dela, e isso é um ponto para nós. Já que você está disposto a usar ela contra o , nada melhor do que mantê-la do nosso lado. E com Madeline achando que eu sou sua mãe, isso fica ainda mais fácil, ela provavelmente vai fazer tudo que eu pedir. Por isso quero que você deixe ela ficar comigo de agora em diante, inclusive sair nas minhas missões secretas. Não podemos correr o risco de o tentar algo, melhor mantermos ela perto de mim o tempo todo. - controlo toda minha raiva para que meu plano saia como planejado.
  – Ela está achando que você é a mãe dela? - Arthur se desencosta da parede, mantendo uma expressão de divertimento, adorando toda a situação que ele mesmo criou.
  – Sim, Arthur, está. E mesmo achando exagero o que você com ela, pelo menos nos rendeu alguma coisa. - suspiro falsamente.
  – Certo. Eu vou permitir, mas apenas porque isso já fazia parte dos meus planos.
  – O que você quer dizer com isso? - franzo meu cenho.
  – Você quer recuperar as suas memórias, não quer? - ele perguntar retoricamente. – Aparentemente todos sabem sobre isso, menos você. Deveria me agradecer por estar te ajudando tanto. - ele sorri de lado, me remetendo fortemente ao .
  Antes que eu possa questioná-lo outra vez, Arthur me manda sair de sua sala. Eu apenas obedeço, não querendo correr o risco de ele mudar de ideia.
  Eu realmente não sei o que foi tudo isso, mas como Sean disse que ele quer que eu recuperasse todas as minhas memórias de uma vez e surtasse, acho que ele deve estar começando a me mostrar isso. Apenas me fazendo perceber que foi mesmo uma boa ideia me unir a ele, assim eu vou poder ficar tão perto a ponto de ver o que ele realmente está tramando contra todos, e contra mim.
  Depois de sair da sala de Arthur, vou direto para enfermaria atrás de e Madeline. O mais velho estava sentado em uma cadeira ao lado de uma maca, onde Madeline estava, também, sentada, segurando seu ursinho.
  – Você já voltou? - pergunta quando nota minha presença.
  – Mamãe! - a pequena garotinha que tinha uma expressão um pouco melhor, estica seus braços em minha direção, me recebendo com um abraço.
  – Está melhor? - pergunto enquanto passo a mão por seus cachinhos loiros. Ela apenas assente.
  – Como foi lá? - pergunta.
  – Eu fiz alguns acordos. - suspiro.
  – Mamãe, onde está o papai? - Madeline nos interrompe. Me fazendo, de imediato, olhar para , que outra vez se mostra sem saber o que fazer.
  Esse tipo de assunto realmente o deixa estranho.
  – Papai? - pergunto surpresa.
  – Sim. - ela assente, e depois encara .
  – Ahn? E-Eu sou o tio. - exasperadamente ele responde quando nota o olhar curiosa da garotinha.
  – É melhor voltarmos, e esquecermos esse assunto. - tento pôr um fim nessa conversa estranha.
   se levanta da cadeira, pegando Madeline no colo em seguida, para retornarmos para as celas.

***

  – Ei! Ela não pode ficar aí, tem que ir para cela dela. - um guarda contexto, quando eu coloco Madeline para dentro de minha cela.
  Uma pequena confusão se formou ao redor disso.
  – Eu não estou de bom humor hoje, então é melhor sair da minha frente. - falo sem paciência, quando o guarda entra no meu caminho para pegar Madeline.
  – Arthur já liberou. Está tudo certo. - tenta acalmar a situação.
  – Se você está achando ruim, vá falar com ele e quebre a cara. - bufo irritada, passando pelo guarda e entrando na minha cela.
  Visivelmente irritado ele fecha a porta de mim, e posso escutá-lo mandar ir para sua cela também. Ele com certeza vai falar com Arthur, e é bom que ele fale mesmo, assim poupara mais estresse.
  Já dentro da cela escura, vejo Madeline se sentar no fino colchão sobre o chão, e não demoro ao acompanhá-la, me sentando ao seu lado.
  – Mamãe?
  – O quê? - respondo, sentindo ela curvar seu pequeno corpo e repousar sua cabeça sobre meu colo.
  – Você vai nos tirar daqui? - ela pergunta, me fazendo encará-la surpresa por sua pergunta.
  Tudo que aconteceu com ela é recente, então é normal que ela diga algumas coisas como esta, até que esse “efeito colateral” do eletrochoque passe.
  – Sim, eu vou nos tirar daqui. - respondo, afagando seus cachinhos.
  – E vamos poder ficar juntas?
  Me sinto emotiva tendo essa conversa com ela. Era triste pensar que uma garotinha de apenas oito anos não tem pais, que, na verdade, não conhece eles. Quando sairmos daqui eu a ajudarei a encontrá-los.
  – Claro, querida. - por hora resolvo apenas dar respostas que a confortem.
  – O papai também? - ela se remexe para poder me encarar.
  Outra vez ela com esse papo.
  – Não se preocupe com isso, nós vamos ficar bem. Por que você não descansa agora? - sorrio, e ela assente, fechando seus lindos olhos verdes.
  Madeline passou por muitas coisas ruins hoje, essa pequena garotinha precisa descansar um pouco. E eu também, foi um dia cheio de surpresas, mais ruins do que boas.
  Foi realmente um dia estressante.

***

  – Ei, ! - escuto me chamarem, o que me fazer remexer sobre o colhão duro. – ! - abro os olhos em um sobressalto, procurando ao meu redor o dono da voz. Vejo a imagem de Ethan através da pequena abertura na porta. – , Arthur saiu e os guardas estão na sala de descanso, essa é a nossa hora de tentar alguma coisa.
  – Certo. - me sento sobre o colchão, vendo o corpo pequeno de Madeline ao meu lado, ela ainda dormia. – Mad, você precisa acordar agora. - delicadamente chacoalho seu corpo na tentativa de acordá-la.
  Ele se meche por alguns segundos, antes de abrir os olhos, a tempo de ver a porta de minha cela ser aberta por Ethan, revelando não só a imagem do guarda, como a de e Brookyn.
  – Vamos. - me levanto, estendendo uma mão para Mad, a vendo pegar seu ursinho. – Sean não vai?
  – Parece que ele está com em uma tarefa. - explica, e eu apenas assinto.
  Me sinto bem em saber que tudo que aconteceu não os afetou. Sei que para eles é muito mais fácil entender os motivos que me juntei ao Arthur, do que o . Na verdade, eles entendem que eu tenho esse direito. Eu preferia manter tudo isso em segredo, mas como fez questão de fazer escândalo, como sempre, agora todos saber.
  Fomos conversando sobre coisas aleatórios pelo resto do caminho, com Ethan sempre tomando a frente para se certificar que ninguém nos veria. E por sorte tudo ocorreu bem até que chegássemos em frente a sala de Arthur.
  – Eu não acredito que nós vamos invadir a sala do bastardo. - se mostra um pouco afobado com a ideia.
  – Como vamos entrar? A sala deve estar trancada. - digo, encarando a porta a nossa frente.
  – Nós somos demônios, esqueceu? - Brooklyn sorri esperta, antes de segurar minha mão e me 'teletransportar' para dentro da sala.
  Em questão de segundos todos os outros já estavam dentro da sala também.
  – E o Ethan? - pergunto ao notar a sua ausência.
  – Ele vai ficar vigiando caso alguém apareça. - explica.
  – Então esse foi o estrago que fez? - Brooklyn pergunta ao olhar os detalhes da sala destruída.
  – Pelos menos não vamos nos preocupar em deixar as coisas no fora do lugar. - respondo, vendo Madeline vir para perto de mim.
  – Certo, e o que fazemos agora? - pergunta.
  – Se o Arthur esconde essas folhas aqui dentro, como Sean sugeriu, deve estar em algum cofre ou coisa do tipo. - dou de ombros.
  – Vamos procurar então. - Brooklyn diz, se afastando e começando a procurar me meio a bagunça da sala.
  Não há muita coisa na sala além de um armário de madeira jogado no chão, duas prateleiras, um sofá, uma poltrona, algumas cadeiras, e a mesa de Arthur. E por exclusão, vou até o armário, virando ele para cima, já que estava tombado. Dou uma rápida vasculhada, mas não encontro nada além de livros velhos e sem importância.
  – Nada aqui. - informo.
   checava as prateleiras, e Brooklyn procurava por um fundo falso nas paredes, dando leves batidas no material. E até mesmo Madeline quis ajudar, olhando por entre as coisas jogadas no chão.
  – Nada aqui também. - suspira depois de checar as duas prateleiras.
  – Acho que não tem nenhum fundo falso aqui. - Brooklyn diz, caminhando até a mesa de Arthur para vascular as gavetas. Ela fica algum tempo ali, mas logo mostra uma expressão frustrada por não achara nada.
  Madeline que estava perto dela, entre os papéis no chão, se levanta, vindo em minha direção, mas no meio do caminho ela tropeça quase caindo, me fazendo por impulso tentar segurá-la.
  – Você precisa tomar cuidado. - alerto, vendo se ela não havia se machucad.o – No que você tropeçou? - encaro o chão, notando entre os papéis e o carpete mal colocado um metal escuro e reluzente.
  – O que é isso? - se aproxima, consequentemente fazendo Brooklyn se aproximar também.
  – Um cofre no chão? - começo a afastar os papéis e o carpete escuro.
  – Ótimo esconderijo. - Brooklyn comenta, se abaixando ao meu lado.
  – Tem um cadeado. - aponta. – Como vamos abrir? - ele pergunta, enquanto Madeline nos encara sem entender.
  – Deixem comigo. - Brooklyn me empurra para o lado, e se ajoelha perto do cofre, retirando do bolso de seu macacão cinza uma pequena faca. – Peguei escondida quando nos mandaram pra cozinha. - ela sorri esperta em minha direção.
  Eu realmente não vi quando ela fez isso.
  Ela enfia a ponta da faca na fechadura do cadeado e começa a rodar de um lado para o outro. Brooklyn continua fazendo os mesmo movimentos até escutarmos um baixo “click”, indicando que ela havia conseguido abrir o cadeado.
  – Como você fez isso? - pergunto incrédula.
  – Uma mulher tem segredos. - ela me lança uma piscadela.
  – Nem eu sabia dessa. - diz, aparentemente incrédulo também.
  – Aqui! - Brooklyn exclama, retirando do cofre, agora aberto, algumas folhas dobradas. Em seguida ela me entrega.
  – Só tem isso? - pergunta, checando o cofre.
  – Parece que sim. - Brooklyn responde.
  – Isso deve ser importante mesmo, pra ser a única coisa nesse cofre. - comento.
  – Então leia pra gente. - pede.
  – Melhor não. Depois vemos isso. Agora vamos dar o fora, não podemos ficar enrolando aqui. - Brooklyn alerta.
  – Ela tem razão. - reforço, vendo assentir.
  Mesmo a sala estando um completo caos, tentamos deixar tudo como antes. E até mesmo pegamos alguns dos papéis jogados no chão, e colocamos dentro do cofre para substituir as folhas que roubamos.
  Outra vez com a ajuda de Brooklyn, sou 'teletransportada', agora para fora da sala. Ethan nos pergunta se conseguimos achar as folhas, e eu as mostro para ele, que até sorri, coisa rara. Depois ele nos leva de volta para nossas celas, para que ninguém suspeite de nada.
  O primeiro passo em direção à nossa saída havia sido dado, e mesmo com as confusões que tivemos, tudo ainda estava caminhando para nossa liberdade. Não vou deixar ou qualquer outra pessoa estragar nossa oportunidade de dar o fora daqui, e minha chance de recuperar minhas memórias.

Capítulo 44

  – Nós conseguimos. - Brooklyn diz, escorada ao lado de sua cela.
  – Sim, eu nem acredito. - coça a parte de trás de sua cabeça.
  – Depois vou ler todas as páginas com calma e contar tudo que descobri para vocês. - encaro minha cela aberta, especificamente o colchão sobre o chão, lugar onde escondi as folhas soltas. Enquanto isso, Madeline se mantém ao meu lado, com sua cabeça encostada ao lado de minha perna.
  Acabamos retornando para a solitária, e em vez de lermos o conteúdo das páginas soltas, resolvemos revisar nosso plano e tapar qualquer furo, para que tudo dê certo. Acho melhor ler as páginas quando eu estiver sozinha em minha cela, sem intromissões, já que não podemos colocar nossa primeira vitória em risco.
  – Isso ficará apenas entre nós. - Ethan diz, olhando seriamente para cada um de nós.
  O encaro por alguns segundos, notando uma certa preocupação em seu semblante. Se ele quer deixar isso apenas entre nós cinco, certamente Ethan também tem suas suspeitas sobre e Sean. De fato, os dois são os mais misteriosos.
  – Eu sei que Sean está nos ajudando, e tem o , ele é meu amigo... - começa a falar, parecendo meio sem jeito. – Temos que ficar de olho nesses dois. Sean é astuto até demais, e brigou com a , então vamos ficar atentos. Podemos manter nosso plano, mas vamos tomar cuidado com tudo isso. - por um segundo paro para refletir em suas palavras.
  De fato, não só eu ou Ethan que nos preocupamos com a situação. tem razão, Sean planejou tudo isso bem até demais, e vive tendo seus surtos, dos quais é melhor evitarmos. No final todos aqui estão por si só; unimos, mas desconfiando uns dos outros. E a única diferença, é que eles sabem o porquê estão desconfiando dos outros, já eu estou no escuro total.
  – Vocês têm razão. - Brooklyn suspira – Não é melhor entrarmos agora? Acho que estamos aqui pelo menos a uma hora. Demos sorte de ninguém ter aparecido, mas não podemos ficar dando mole. - todos acabam assentindo com o que ela diz.
  – O que eles estão fazendo do lado de fora? - um guarda entra em cena, nos encarando de forma confusa.
  – Eu ia levá-los para um trabalho. - Ethan se apressa a dizer.
  – Então leve todos, menos a do doze, ela tem um trabalho especial para fazer. - o guarda me encara. – Vamos! - ele faz um gesto para que eu siga.
  Aceno para os que ficaram, querendo mostrar que estava tudo bem. Depois seguro na mão de Madeline e a levo comigo. Já conversei com Arthur sobre isso, então não será um problema ela vir junto, pelo menos assim nada do que aconteceu antes se repetirá outra vez.
  Fomos levadas para a sala de Arthur que havia retornado para o sanatório, e por sorte parecia não ter desconfiado de nada. Ele disse que eu teria mais uma missão, por isso pediu para que o mesmo guarda que nos trouxe, nos levasse até o banheiro para que pudéssemos nos trocar. Depois de me arrumar, ajudei Madeline, tentando ser mais rápida, não querendo irritar Arthur.
  Ele me deu algumas instruções de onde eu deveria ir e o que deveria fazer, em seguida me entregando a familiar pistola glock. Depois ele ordenou que um dos guardas nos levasse para fora do sanatório. Fomos acompanhadas por um guarda até a saída do edifício, e parece que o mesmo iria continuar até esperando nossa volta, para garantir que nenhuma das criaturas da floresta do sanatório nos atacasse.
  Durante todo o caminho Madeline se mostrou animada por sair do sanatório, e por estar comigo. Essa garota deve ter vivido toda sua vida dentro daquele lugar, já que tudo ao seu redor parecia uma grande descoberta, a fazendo ficar fascinada por ver um simples campo florido.
  No final, nosso destino era o mesmo galpão velho em que vim com Arthur, e como dessa vez ele não me trouxe, precisei achar o caminho por conta própria, de forma mais demorada.
  Caminho sem presa até o galpão, não me dando ao trabalho de bater na porta. Apenas a abro, entrando no local já conhecido junto de Madeline, e vago por alguns corredores até que encontrasse alguém.
  – Quem são vocês? - um homem alto, que logo reconheci como sendo um dos que estava aqui da primeira vez que vim, nos olha apreensivo – Espera, você não é aquela que estava com Arthur? A mulher que matou Juugo? - seus olhos se arregalam, para que no momento seguinte ele retirasse uma arma do cós de sua calça, apontando para mim.
  – Mamãe... - Madeline agarra a barra da minha blusa, se escondendo atrás do meu corpo.
  – Você de novo? - olho para o lado, quando escuto reconheço uma voz suave. O mesmo garoto que me recebeu aqui pela primeira vez, e que estava no bar.
  – Nós estamos nos encontrando com muita frequência. - digo para o pequeno garoto, que se encolhe.
  – Você conhece ela, Enzo? - o homem alto pergunta, vendo o garoto assentir.
  – Não estou aqui para matar ninguém, podemos conversar? - pergunto, vendo um olhar incrédulo em minha direção.
  – Você está me zoando? Você matou Juugo. - o homem alto se exalta.
  – Eu estou do lado de vocês. Estou com Carl e Ross. - tento me explicar, vendo a expressão do homem alto, que parecia ser o líder, vacilar por um momento.
  – Pare me mentir. - ele destrava sua arma, assustando a pequena garotinha atrás de mim.
  – E-Ela está falando a verdade, Hugo. - para minha surpresa o garoto, Enzo, se pronuncia.
  – Do que você está falando, Enzo? - visivelmente irritado, Hugo pergunta para o garoto.
  – Eu estava no bar, eu vi ela com o Carl e o Ross, é verdade, eles me contaram. - o menino se aproxima de mim, fazendo Madeline o olhar curiosamente.
  Hugo olha de forma confusa, mas sem deixar de apontar a arma em minha direção.
  – Você pode levar ela lá pra fora? - gentilmente pergunto para Enzo, puxando Madeline para frente – Eu só vou conversar com ele. - sorrio para o garoto, que assenti. – Querida, fiquei com o Enzo por um momento. Eu já vou encontrar vocês, tá bom? - me inclino para a pequena garota de cachinhos loiros, que mesmo estando receosa, me obedece.
  Enzo pega na mão de Madeline e a leva pelo corredor. Era melhor assim, eles são crianças e não devem se envolver nisso.
  Volto a me virar para Hugo a poucos metros de mim, e nada mudou, ele ainda aponta sua arma para mim.
  – Arthur me pediu para eliminar alguns de vocês. - Hugo volta a arregalar os olhos, dando um passo para trás.
  – Essas são balas batizadas, se elas não te matarem, eu mesmo acabo com você. Não sou humano. - ele tenta ameaçar, com a voz tremula de raiva.
  – Fique calmo, eu não vou fazer o que ele me pediu. - levanto as mãos em sinal de rendição. – Eu só quero conversar. - tento me aproximar, mas ele ameaça atirar, então fico no mesmo lugar.
  – O que você quer? Diga de uma vez!
  Com calma, e não tentando irritá-lo mais, conto tudo, desde minha falsa união com Arthur, até o que tive que fazer com seu amigo.
  – Me desculpe, eu não queria matar seu amigo, mas fui obrigada. - solto um longo suspiro, vendo, só agora, Hugo abaixar sua arma.
  – Aquele maldito! Eu não sabia que ele estava desconfiado. - visivelmente transtornado, Hugo leva as mãos até a cabeça.
  – Vocês precisam tomar cuidado.
  – Não me peça para tomar cuidado. - Hugo me encara com uma irritada – Eu não confio em você. Não ligo se está com Carl e Ross, eles são dois idiotas por acreditarem em você. - apenas escuto suas palavras em silêncio, eu merecia aquilo, matei seu amigo, imagino como ele deve estar.
  Não vou insistir, já falei a verdade, apenas vou deixar que ele pense sobre tudo.
  – Certo. Apenas se lembre-se que Arthur também tem infiltrados. Você pode não confiar em mim, mas faça o que eu falei, finja que eu matei seus amigos, vou mentir para Arthur, se ele desconfiar que vocês estão vivos, ele mesmo virá atrás de vocês, por isso tomem cuidado ou poderão arruinar todo o plano. - alerto, antes de me afastar de Hugo, que para minha surpresa não fez nada, provavelmente está muito abalado nesse momento.
  Pelo menos eu consegui o que queria: informar sobre as ações de Arthur. Na verdade, eu queria algum tipo de acordo, minha ideia era que eles fingissem que de fato eu os matei, para que Arthur achasse que tudo está como ele planejou, mas eu não contava que Hugo não confiaria em mim. Como pensei, ele tem o direito dele, mas acho que no final irá fazer o que eu sugeri, ele não vai querer correr o risco de perder mais pessoas, ou a própria vida.
  Me afasto de vez de onde Hugo estava, seguindo para fora do galpão, onde encontro Madeline brincando com Enzo entre a grama alta.
  – Obrigada por ficar com ela. - agradeço a Enzo, quando me aproximo deles.
  – Mamãe, eu peguei para você. - uma Madeline completamente animada me entrega uma pequena flor amarela, com algumas raízes na ponta
  Era tão bom vê-la melhor depois de tudo que passou. Mas me dói pensar que talvez isso seja apenas efeito colateral do eletrochoque.
  – Obrigada, Mad. - sorrio para a pequena, querendo poder dar mais momentos assim para ela. – Hm, me diga, Enzo, tem alguma coisa por aqui? - olho em volta, não vendo nada além de grama e árvores.
  – Tem algumas lojas, mas ficam um pouco longe. - o garoto de olhos azuis responde.
  – E você pode nos levar até alguma delas? - tento ser o mais gentil possível. Acho que já assustei demais esse garoto.
  Ele apenas assentiu, tomando a frente e indicando um caminho desconhecido.
  Minha conversa com Hugo foi mais rápida do que imaginei, então temos muito tempo ainda. E eu queria dar a Madeline mais alguns minutos de liberdade, ela merece.
  O pequeno Enzo nos leva até uma estrada de terra, onde havia algumas lojas na margem da mesmo, fazendo uma simples sorveteria me chamar a atenção. Levo as duas crianças comigo, e peço que ambas escolham o saber que mais as agrada, e quando os dois já estavam felizes o suficiente com o doce gelado, nos sentamos em uma pequena mesa do lado de fora da loja, debaixo de um céu ensolarada que eu julgava ser de uma tarde.
  – Você tem dinheiro? - Enzo pergunta.
  – Não se preocupe. - sorrio, encarando de rabo de olho o interior da loja, onde vejo o dono me olhar de forma lasciva.
  Homens às vezes são uns idiotas. Eu nem precisei dizer mais do que dez palavras para ganhar dois sorvetes de graça.
  – Está gostoso, Mad? - pergunto, vendo a garotinha sujar todo seu rosto. Ela me olha com seus grandes olhos verdes, enquanto assente freneticamente, me fazendo rir.
  – Quantos anos você tem? - Enzo me pergunta, enquanto come uma grande colherada do seu sorvete.
  – Vinte e um, por quê? - apoio meus braços sobre a mesa redonda de madeira.
  – Você não é muito nova para ser mãe? - ele me olha confuso.
  – E uma longa história. - faço uma careta, vendo ele rir envergonhado.
  A verdade é que eu me lembro de ter vinte e um anos, mas se sou mesmo um anjo caçador desde que nasci, então provavelmente tenho bem mais do que isso.
  – Sua mãe é muito bonita, Mad. - Enzo encara a pequena ao seu lado, que parece ficar irritada com o comentário dele, o fazendo corar. – Desculpe. - ele encara o sorvete de forma envergonhada.
  – Tudo bem, muito obrigada, Enzo. - sorrio para ele – E você, tem quantos anos?
  – Treze. - ele ainda parece estar envergonhado.
  – Treze anos e já vive tantas aventuras assim? - pergunto divertida, tentando acabar com sua vergonha.
  – Eu não tenho muitas escolhas, meus pais morreram e o pessoal do bar que cuida de mim agora. - ele remexe seu sorvete com a colher.
  – Desculpe, eu não sabia. - o encaro tristemente.
  – Não precisa se desculpar, não é culpa sua. E eu gosto muito do Carl. - ele sorri timidamente, tentando me consolar, o que é adorável.
  – Ele é uma figura, não é? - pergunto, o vendo assentir e dar uma risada, enquanto Madeline se concentra mais no seu sorvete do que nas coisas ao seu redor.
  – Meu pais morreram na primeira invasão ao sanatório. - para minha surpresa, Enzo retorna ao assunto inicial. – Eu não gosto dessas coisas, mas quero ajudar o pessoal, não quero que mais pessoas morram como os meus pais. Eu queria que o Sr. Arthur parasse de fazer essas coisas. - ele dá uma colherada em seu sorvete, mesmo que sua expressão tenha mudado.
  – Não se preocupe, Enzo. Nós vamos dar um jeito nisso. - falo convicta, o vendo me olhar surpreso.
  – Obrigado. - ele sorri outra vez.
  Ficamos mais um tempo na sorveteria até que os dois terminassem seus sorvetes. Depois limpo toda bagunça que Madeline fez em si mesma. Me sentindo satisfeita por ter dado a ela um dia comum, coisa que ela deveria viver todos os dias.
  Por fim nos despedimos de Enzo e seguimos nosso caminho até o sanatório. Quando chegamos, reporto tudo para Arthur, contando todas as mentiras, e o fazendo acreditar que eu havia matado quem ele pediu. Depois ele diz que eu tenho mais uma missão, preciso ir té o bar com e Sean, e quando questiono ele sobre estar me dando uma missão atrás da outra, ele diz que esse foi o meu pedido para sair mais vezes, e que não tinha mais tempo para perder, ele precisava acabar com isso de uma vez por todas.
  Resolvo não deixar Madeline ir nessa missão comigo, e Sean também vão estar juntos, então não sei o que pode acontecer. Será mais seguro deixar que ela vá quando as minhas saídas forem sozinhas, e quando eu sair com os dois, a deixo aqui com e Brooklyn, sei que eles também ficarão de olho nela.
  Ao retornar para solitária tento explicar para Madeline que precisarei sair, mas ela fica totalmente apavorada com a ideia. até tenta e argumentar dizendo que cuidará dela enquanto eu não voltasse.
  – Fique calma, Madeline. Ela não vai demorar. - Ethan, que por sorte era o guarda que estava com a gente, tenta me ajudar também.
  – Eu tô com medo. - ela agarra minha perna, me fazendo suspirar.
  – Mad, querida, não se preocupe, ninguém vai te machucar de novo. - passo a mão por seus cabelos.
  – O que você está fazendo? Nós temos que ir logo. - assustando todos, entra na solitária com uma expressão nada boa. Típico dele. Ele já estava devidamente trajado, e visivelmente irritado com a minha demora.
  – Eu já vou. Não me encha o saco. - rebato.
  Madeline se afasta de mim quando vê a imagem de , se aproximando lentamente dele, até estar parada na sua frente. Com o seu ursinho em um braço – ursinho esse que ela tratou de pegar assim que retornamos ao sanatório –, e a outra mão agarrando o próprio uniforme, ela encara o .
  – O que foi, Madeline? Você está bem? - mesmo sendo rude como sempre, eu podia enxergar a preocupação em seus olhos. Ele com certeza sabe o que aconteceu com ela.
  – Papai... eu não quero ficar sozinha. - meu corpo congela ao escutar as palavras de Madeline.
  Troco um olhar aflito com , que estava tão espantado quanto eu, e até mesmo Ethan se mostrou temente pela reação que poderia ter ao escutar aquilo. Madeline certamente está associando pessoas ligadas a ela como seus pais, e eu realmente não me importo com isso, mas o ... todos sabem como ele pode ser um estúpido.
   sequer demonstra alguma emoção ao escutar aquilo, apenas fica encarando a pequena garotinha por longos segundos, me deixando totalmente aflita, enquanto penso em explicar tudo para ele, antes que ele seja um completo idiota com Madeline.
  – Nós não vamos demorar, Madeline. - as palavras que saem da boca de me espantam tanto quanto as de Mad. Ele está tentando confortar ela?
  – É verdade, papai? - a loirinha pergunta.
  – Sim. Agora vá com o . - sorri de lado para Madeline, que se vira, indo até .
  – Eu estou delirando? - me encara.
  – Todos estamos. Agora vão de uma vez. - Ethan interrompe.
  Ainda chocada com a cena que presenciei, caminho em direção a , o olhando de forma espantada. Ele apenas me ignora, se virando e saindo da solitária.
  Ele ainda deve estar com raiva por tudo que aconteceu, e se ele quer assim, então que seja. Apenas o sigo até a sala de Arthur, em silêncio. Ao chegarmos lá nos deparamos com Sean nos esperando. Arthur dá as mesmas ordens de sempre, querendo saber sobre o possível ataque ao sanatório, claro que ele não usa essas palavras, mas já sabemos que é isso. Então, sem mais, delonga, depois de escutarmos as mesmas instruções, nos 'teletransportamos' para o Redemption.
  E mal sabendo Arthur que esse era o seu maior erro.

Capítulo 45

  O bar estava calmo, praticamente vazio desde que chegamos. Sean se entreteve com a sinuca, e permaneceu perto do balcão. Eu já havia esclarecido todas as dúvidas em relação ao plano depois de uma longa conversar com Carl e Ross, por isso não se tinha muito o que fazer agora. Todas as medidas necessárias para que o plano entrasse em ação, já estavam sendo tomadas, agora apenas precisamos ser cautelosos e continuar com calma.
  Poderíamos simplesmente voltar para o sanatório neste momento, mas antes, precisamos de mais alguma mentira para dar ao Arthur. E também, aposto que não sou a única que quer ficar o máximo possível longe daquele lugar, mesmo que isso signifique ficar sem fazer nada em um bar vazio. Qualquer coisa é melhor que o Waverly Hills.
  Já faz alguns minutos que estou apenas sentada aqui, tentando me ocupar com alguma coisa. Por isso, não foi difícil me recordar de algo que acabei deixando de lado com toda essa confusão que vivi nos últimos dias, acabei me esquecendo do aviso de Margot e Margareth em relação à minha ligação com . Eu preciso me apressar e quebrá-la, antes que eu acabe sendo afetada pelo lado demônio dele, e eu já estoucom problemas o suficiente para de me dar ao luxo de acarretar mais um à minha extensa lista.
  Eu deveria aproveitar esse momento e tentar dar início a tudo. O plano está decidido e já começamos a por ele em ação, o bar está calmo; essa era a hora perfeita.
  Encaro o corpo de que estava de costas para mim, tomando coragem para engolir meu orgulho depois de tudo, me levantar e seguir em sua direção. Durante o curto trajeto até o balcão, tento pensar em alguma ideia para conseguir nem que seja uma gota do seu sangue – exigência de Margot e Magareth – para a quebra de nossas ligações.
  Me sento em uma das cadeiras ao seu lado, vendo me olhar de canto de olho enquanto tenta ignorar minha presença. Peço a Ross uma bebida bem gelada, pois sabia que a mesma vinha acompanhada de um pequeno guardanapo no fundo, e isso seria muito útil.
  – Você vai mesmo continuar me ignorando? - dando um gole no liquido gelado, pergunto para , sem o encarar – Isso não é um pouco infantil?
  Fico alguns segundos em silêncio, esperando por uma resposta que não.
  – Você é ridículo, não sei por que ainda tento. - solto um falso suspiro, pegando o copo com o guardanapo, me levantando da cadeira para ir para longe de .
  Finjo um tropeço ao passar perto dele, deixando que meu copo escorregasse de minha mão, em tempo de vê-lo apanhando o objeto com uma agilidade sobrenatural, antes que o mesmo caísse no chão, fazendo com algumas gotas da bebida respingassem para fora do copo. Ainda colocando em pratica meu plano, faço um gesto para tomar o copo de sua mão, apertando o vidro e fazendo com que o mesmo se partisse em nossas mãos, causando alguns pequenos cortes não só em mim, como nele também.
  – Droga! - resmungo, usando o guardanapo para limpar o meu sangue, passando discretamente sobre a mão de também. – Foi mal, mas isso foi culpa sua por me irritar. - falsamente o encaro irritada antes de sair de perto dele, deixando com um olhar desconfiado.
  Ele desconfiando ou não, eu já tenho o que queria.
  Guardo o guardanapo no bolso de minha calça, e caminho para fora do bar, dando uma desculpa qualquer para Sean de que precisava tomar um pouco de ar. Ele apenas acena, concentrado demais em seu jogo de sinuca contra uma velha senhora de cabelos vermelhos.
  Já do lado de fora vou direto para o estacionamento.
  – Ei, Carl! - chamo o motoqueiro quando o encontro fumando um cigarro perto dos fundos do bar. – Pode me emprestar seu celular? - ele apenas assentiu, tirando o objeto do bolso de seu colete de couro.
  Faço uma rápida ligação para Lana explicando que havia conseguido o sangue de , e que era para ela avisar Margot e Magareth para preparem tudo, pois eu iria acabar com essa ligação hoje mesmo. Minha amiga me informou que retornaria a chamada assim que tudo por lá estivesse pronto.
  – Obrigada. - entrego o aparelho de volta para Carl, me sentando em uma pequena mureta perto dele. – Você pode me levar até o edifício HazelHills de novo?
  – Posso, Ellise. Quando quiser ir, é só avisar. - Carl apaga a ponta de seu cigarro no chão, se sentando ao meu lado.
  – Certo, só vou esperar minha amiga retornar a chamada. - digo, o vendo assentir outra vez.
  – Como você tem estado esses dias? Não deve ser fácil descobrir que viveu uma grande mentira esse tempo. - Carl coça sua enorme barba branca, me encarando através de seus óculos escuros. 
  – Está cada dia mais angustiante. - suspiro. – Ficar ao redor de todos e saber que eles sabem da sua própria vida mais do que vocês mesma... isso é um saco. - contorço o rosto em uma careta.
  – Com certeza é.
  – Mas acho que o pior mesmo é pensar que meus amigos e família vêm mentindo para mim durante todo esse tempo, me fazendo acreditar que eu era apenas uma humana. Eles até fingiram que tinham medo dessas coisas de seres sobrenaturais. - apoio as mãos sobre os joelhos, encarando o chão cinza de concreto. – Eu me sinto uma idiota. É como se todos escrevessem minha própria história, menos eu mesma.
  – Fique calma, Ellise. - Carl coloca uma mão sobre meu ombro. – Você não entende agora, mas no mundo sobrenatural também existem as hierarquias, e desobedecê-las gera consequências maiores do que no mundo humano. Tenho certeza que todos eles fizeram isso para o seu bem, um dia, quando você recuperar suas memórias, vai entender tudo isso. - ele dá um leve aperto em meu ombro, retirando sua mão em seguida.
  – Eu espero que sim. - suspirou outra vez – Mas e você, Carl, só luta para destruir o Arthur? - volto a encarar o motoqueiro, tentando mudar de assunto.
  – Por enquanto, sim. O mundo das criaturas sobrenaturais também é ganancioso como os dos humanos, quanto mais poder você tem, mais poder você quer. E eles não se importam em tirar do seu caminho quem atrapalhar isso, ou se unir com pessoas que deveriam ser seus inimigos. - apesar de estar calmo, eu podia identificar a seriedade em sua voz. – Mas eu vou fazer uma coisa de cada vez. Primeiro quero acabar com o Arthur, aquele cara é a pior criatura que eu já vi, não tem escrúpulo algum. Ele vem causando confusões para todo mundo por anos, e já está na hora disso acabar. - Carl respira pesadamente.
  – Não podemos fazer tudo de uma vez, mas acabando com Arthur, grande parte dos problemas desaparecem. E depois podemos cuidar do resto. Sabe, , você tem sorte de não se lembrar de nada, o mundo sobrenatural se tornou tão nojento quanto o mundo humano. - sinto o impacto de suas palavras. Carl parecia ser alguém com vontade de fazer a diferença, mas se isso já era difícil no mundo humano, quem dirá no sobrenatural.
  – Espero poder te ajudar nisso. - falo sincera, recebendo um sorriso dele em resposta.
  O toque alto do celular de Carl, Black Sabbath, Iron Man, logo preenche o silêncio dos fundos do bar. Ele retira o aparelho que guardou no bolso de seu colete, encarando o visor que piscava com um número desconhecido para ele, mas conhecido para mim.
  – É a sua amiga? - ele pergunta e eu assinto, o vendo estender o celular em minha direção.
  Falo rapidamente com Lana, que informa que tudo já estava pronto, e que eu não precisaria me preocupar com alguém para servir de sacrifício, pois Margot e Margareth já tomaram conta de tudo. Eu apenas precisaria trazer o sangue de .
  – Podemos ir agora? - pergunto, entregando o celular de Carl.
  – Vamos nessa. - ele se levanta da mureta, e eu faço o mesmo.
  Voltamos para o estacionamento, seguindo em direção à sua motocicleta, onde ele coloca um capacete e me entrega o outro.
  – Carl, eu sou uma das garotas que mais andou na sua motocicleta? - pergunto, ao subir a garupa e passar meus braços ao redor do tronco do motoqueiro.
  – Não, mas é a mais especial, boneca. - ele acelera sua motocicleta, me fazendo rir de sua resposta.
  – Me sinto lisonjeada. - digo no segundo em que ele arranca sua moto, nos tirando de perto do bar.

***

  Não demora até que a motocicleta esteja sendo estacionada em frente ao edifício, o que me traz uma tristeza momentânea, eu realmente adorava andar com Carl, eu tinha uma sensação de liberdade.
  – Quer que eu espere você? - Carl desliga sua motocicleta.
  – Não precisa se preocupar. Você já me trouxe até aqui. - respondo ele.
  – Vamos lá, Ellise. Eu vou visitar minha garota pelas redondezas, e depois volto para te buscar, certo? - ele acelera sua motocicleta outra vez, assim que desço da mesma e te entrego o capacete.
  – Tudo bem, então. - dou risada ao me recordar da primeira vez que peguei carona com ele, foi exatamente assim que ele agiu. – Nos vemos daqui a pouco. - aceno para Carl, antes de me virar e seguir para dentro do edifício.
  Converso rapidamente com Harvey, o porteiro gentil, e como sempre, ele acaba liberando minha passagem, mas pede que eu tome cuidado.
  Vou direto para as escadas, subindo muito lances, o que me deixou bastante cansada quando cheguei ao meu andar. Já no corredor, paro um pouco para recuperar meu fôlego, vendo Lana parada do lado de fora do apartamento.
  – O que está fazendo aí? - pergunto, atraindo a atenção de minha amiga.
  – Você chegou.
  – Por que está do lado de fora? - me aproximo dela.
  – Margot e Magareth não me deixaram entrar no apartamento delas, falaram que ninguém que não esteja envolvido nisso pode entrar ou atrapalharia. - Lana dá de ombros.
  – Entendi. Eu vou lá entregar isso. - retiro do bolso de minha calça o guardanapo sujo de sangue. Lana assenti, e se escora na parede ao lado da porta de nosso apartamento.
  – Elas estão no apartamento de Margot. - minha melhor amiga diz, quando me vê indecisa sobre em qual porta bater.
  Me viro para o número de Margot, dando algumas batidas na porta, que logo é minimamente aberta, mostrando apenas um pequeno pedaço do rosto de Margot.
  – Você trouxe? - ela pergunta, não relevando o que tinha dentro de seu apartamento.
  – Sim. - levanto no ar o guardanapo, e a loira coloca sua mão para fora, pegando o papel. – Não vai me deixar entrar? - pergunto confusa.
  – Não. Fiquei aí fora. - sem mais e nem menos, ela simplesmente fecha a porta na minha cara, me fazendo virar totalmente confusa para Lana, que dá de ombros outra vez.
  – Talvez só o sacrifício possa ficar com ela. - Lana diz, se virando para entrar no apartamento.
  – E quem elas arrumaram como sacrifício? - entro no apartamento atrás dela, fechando a porta em seguida.
  – Eu não sei, . Elas não me contaram muitas coisas sobre isso. - Lana se joga no sofá da sala, – Eu apenas fui dar o seu recado para elas, e como elas não me deixaram participar de nada, eu fiquei aqui. Mas escutei o barulho de uma porta sendo aberta, e elas pareciam conversar com alguém, aí eu saí pra ver quem era, mas eles já tinham entrado, que foi a hora que você me viu ali fora.
  – Que estranho. - me sento no sofá ao seu lado.
  – Eu não sei, não entendo como funciona essas coisas de rituais. Talvez elas só estejam seguindo o indicado.
  – É você deve ter razão. - acabo dando de ombros também – E como estão as coisas aqui fora?
  – Um saco. - Lana bufa, se sentando sobre os pés, em posição de índio – É desesperador ficar do lado de fora sem poder te ajudar. Preciso esperar até que você saia para poder fazer alguma coisa. - o descontentamento era claro em sua expressão.
  – Mas você não está se encontrando com o pessoal do bar agora? - pergunto.
  – Sim, mas mesmo assim. Você é minha melhor amiga, e está nessa situação horrível. Tudo que eu faço parece pouco para te ajudar. - ela me olha tristemente.
  Me aproximo mais de Lana, a abraçando de lado, sentindo ela repousar sua cabeça em meu ombro.
  – Não se preocupe, Lana. Eu sei que você está tentando o seu melhor. - tento confortá-la. 
  – Eu sinto tanto a sua falta, . Quando você sair do sanatório, definitivamente precisamos morar juntas outra vez. - sua voz era séria, me fazendo rir.
  – Claro que vamos. Nem tivemos tempo de aprontar. - falo entre risos.
  Ficamos algum tempo daquele jeito, apenas esperando que Margot e Magareth terminassem esse ritual de uma vez, mas a única coisa que conseguimos, foi ouvir um alto e agudo grito desesperador vindo do lado de fora. Um grito que fez todo meu corpo gelar.
  Lana se desencosta de meu ombro rapidamente, me olhando assustada.
  – Essa era a voz do Connor? - meu coração salta ao escutar suas palavras, pois foi exatamente o que eu pensei.
  – Lana, você falou com ele hoje? - me levanto do sofá, sendo seguida por minha amiga.
  – Sim, ele disse que ficaria preso na biblioteca o dia todo tentando procurar mais pistas. Por isso não falei nada pra ele sobre o ritual de hoje. - ela responde, eu tempo de outro grito preencher o lado de fora.
  Olho exasperada para ela, antes nós de nós duas sairmos correndo em direção à porta de saída do apartamento. Depois seguimos direto para o apartamento de Margot, dando várias batidas na porta, gritando para que ela abrisse, sem nem nos importar se os vizinhos ouviram alguma coisa.
  Mais alguns minutos de desespero batendo na porta foram o suficiente para que Margot finalmente abrisse a mesma, relevando suas mãos ensanguentadas.
  – Terminamos. - Margareth surge atrás de Margot.
  – Está feito, . Sua ligação com foi quebrada, você não corre mais riscos agora. - Margot completa.
  E sem esperar um convite, passo pelas duas, entrando apressada pelo apartamento sombrio e seguindo até a sala, onde encontro um pentagrama desenhado sobre o chão de madeira, algumas velas ao redor, e um corpo sujo de sangue ao centro. Um corpo desacordado, o corpo de Connor.
  Meus olhos se arregalam, meu corpo inteiro se arrepia, e meu coração parece querer rasgar meu peito. Totalmente desacreditada da cena que vejo, corro até o corpo de Connor, afastando todas as velas que estavam perto, e pegando sua cabeça e colocando sobre meu colo. Encaro seu rosto, vendo uma pequena quantidade de sangue escorrer por seu nariz.
  – O que é isso?! - igualmente desesperada Lana é a próxima a entrar em cena, correndo para perto de mim.
  – Connor! - chamo, enquanto começo a chacoalhar seu corpo – Vamos, Connor! Acorde logo! - dou leves tapinhas em seu resto, o vendo reagir.
  – Ele está vivo! - Lana me olha com um misto de desespero e felicidade.
  Connor se mexe em meu colo, abrindo os olhos lentamente, revelando suas írises totalmente brancas. Fazendo uma enorme vontade de chorar me atingir.
  – ? - ele pergunta com dificuldade, enquanto seus olhos passeiam por diferentes direções. 
  Ele não estava me enxergando.
  – Por que você fez isso, seu idiota? - já não consigo conter a vontade de chorar.
  – Me desculpe... - seus olhos continuam sem direções, ele nem conseguia controlar.
  – Por que você está pedindo desculpas? - pergunto em meio ao choro.
  – P-Por tudo. - ele volta a fechar os olhos, respirando com dificuldades. – Eu... Eu queria poder te ver uma última vez.
  – Connor, não precisa me pedir desculpas. Só abra os olhos, por favor. - peço desesperada, vendo Lana agarrar a mão de Connor, mas diferente de antes, ele não reage.
  Connor respira por alguns segundos de forma dificultosa, que parecia dolorosa também, antes de que cair em silêncio, e nesse momento eu podia sentir sua vida indo para longe, eu pude sentir o calor de seu corpo se apagar.
  – Não... - sussurro para mim mesma, não acreditando no que acabou de acontecer. – Por favor, não. - me inclino sobre seu corpo, o abraçando – Connor, acorde. Por favor acorde. - suplico sem uma esperança, sentindo Lana me abraçar.
  Fico longos minutos chorando sobre o corpo de Connor, não tendo qualquer tipo de estruturas para, sequer, consolar minha melhor amiga que também estava em um estado lastimável.
  Me afasto de Connor, colocando seu corpo sobre o chão gelado, o encarando sem acreditar que ele havia morrido, que nunca mais veria seu rosto corado, ou seu jeito fofo.
  – Por que ele fez isso? - seco as lágrimas em meus olhos, tentando respirar fundo. Lana não responde minha pergunta, nesse momento ela não parecia conseguir responder nada.
  – Ele fez isso porque se sentia culpado. - Margot entra na sala, ou já estava, não sei, não prestei atenção.
  – Culpado pelo o quê? - me levanto do chão.
  – Por tudo, . Connor tentou te ajudar no passado e não conseguiu, e desde então ele vem se culpando por uma das piores coisas que te aconteceu. - Magareth explica, ficando ao lado de Margot. – Ele estava desesperado por te ver nessa situação, por te ver sofrendo de novo. E foi por isso que se ofereceu como sacrifício, ele sentia que precisava te ajudar de alguma forma, e morrer por você foi o mesmo que acabar com essa culpa que o consumia. - ela finaliza com pesar.
  – E vocês aceitaram isso? - pergunto inconformada.
  – Essa era a vida dele, uma decisão que só ele poderia tomar.
  – Eu nunca pensei que ele chegaria a esse ponto... - a voz baixa de Lana soa atrás de mim, me fazendo encará-la. Ela tinha um olhar vazio, encarando um ponto qualquer, enquanto se mantinha ao lado do corpo morto de Connor. – Eu falei tantas vezes que ele não tinha culpa de nada. - ela volta a chorar, levando as mãos até o rosto.
  – Essa merda de passado... - sinto minha respiração acelerar ao ver minha melhor amiga nesse estado, e Connor em um estado pior ainda. – ESSA PORCARIA DE PASSADO! TUDO DE RUIM QUE ESTÁ ME ACONTECENDO É POR COISAS QUE EU NEM AO MENOS ME LEMBRO! - grito desesperada, caindo de joelho no chão. – Eu não aguento mais isso. - apoio as mãos sobre o chão de madeira, vendo minhas lágrimas escorrem de meu rosto até o chão.
  – Vocês precisam se recompor. O mundo não vai facilitar as coisas. - a voz irritada de Magot chama não só a minha atenção, como a de Lana. – O amigo de vocês se foi em prol do plano, então não deixem que a morte dele seja em vão. As coisas só vão piorar daqui para frente, e chorar não vai adiantar nada. - seu olhar era severo.
  – Nós duas fizemos o que pudemos para ajudar. Acabamos com essa ligação, que é uma quebra de regra, porque acabamos nos metendo no que não devíamos, matando um anjo caçador. E só fizemos isso porque acompanhamos sua dor de perto, . Acabamos nos simpatizando com sua história, coisa que não deveríamos ter feito. - Margot continua.
  – O que você quer dizer? - pergunto temente.
  – Nós seremos responsabilizadas por tudo que fizemos até agora, não vamos mais poder ajudar. Vamos ter que ir embora, e por isso vocês precisaram ser fortes, estão sozinhas de agora em diante. - diferente de Margot, Margareth tenta ser um pouco mais consoladora.
  – Como vocês podem ver, todos estão se sacrificando e dando tudo que podemos para ajudar nesse plano, então façam ele dar certo. - Margot completa.
  Ficamos por ali por mais um tempo até que todos se acalmassem. As duas tentaram nos explicar tudo que poderia acontecer agora, e que precisamos honrar todas as escolhas feias até o momento. Lana optou por não informar mais ninguém sobre a morte de Connor, já que seus pais já haviam morrido, e que a morte de mais um anjo caçador poderia causar grande confusão, ainda mais porque Margot e Margateh iriam assumir toda culpa disso com a hierarquia sobrenatural, que me assustava cada vez mais.
  Não sei sobre quem está no topo, mas com certeza não são criaturas piedosas, já que minha falta de memória se deve a eles.
  Lana também decidiu fazer um enterro para Connor na manhã seguinte. Ele pelo menos precisava de um descanso digno depois de tudo que fez. Prometo a ela dar um jeito de tentar sair amanhã, já que quero me despedir uma última vez dele.
  Queria poder ficar uma minha melhor amiga, pois sei que ela também estava sofrendo, mas acabo tendo que voltar, ainda estou presa ao Waverly Hills. Me despeço de Lana e vou ao encontro de Carl, que não demorou ao chegar, acabo desabafando com ele, que tenta me consolar a todo custo. Agradeço toda sua ajuda quando retornamos ao bar, e logo vou ao encontro de Sean e que questionam o meu sumiço. Com a cabeça cheia de coisas, acabo ignorando os dois e pedindo para voltar de uma vez ao sanatório. Eu só precisava ficar sozinha por um momento.
  Ao retornarmos ao Waverly Hills, notando meu estado, Sean toma frente e inventa uma desculpa qualquer para Arthur, nos safando de suspeitas. Depois peço para conversar a sós com Arthur, o convencendo de me deixar sair no dia seguinte, com a desculpa de que quando matei os caras do galpão, eles deixaram escapar que poderia haver outros deles por ali. E tenho medo que o anterior se repetisse, Arthur acabou agendando minha saída para o dia seguinte.
  Saio da sala de Arthur com um peso a menos nas costas, pois pelos menos conseguira ir ao enterro de Connor. Sem a escolta de qualquer guarda, volto para a solitária, encontrando parado ao lado de minha cela, já usando seu uniforme.
  – Carl nos contou o que aconteceu com seu amigo. - ele cruza os braços, me encarando seriamente.
  – E o que você quer? - pergunto, me aproximando dele.
  – A culpa é sua por tudo isso ter acontecido. Se você tivesse ficado quieta no seu canto, nada disso teria acontecid, e seu amigo ainda estaria vivo. - ele fala sem pestanejar, fazendo meus olhos marejarem.
  – Por que você vai fazer isso comigo agora? - pergunto, sentindo as lágrimas escorrerem. E para minha surpresa, vem ao me encontro, me envolvendo em um abraço.
  – Porque você precisa entender a consequência de suas ações, . - ele diz calmamente, me fazendo chorar mais ainda.
  – Mamãe! - escuto a voz de Madeline, o que me faz afastar rapidamente de , Me viro para vê-la entrar na solitária com Ethan ao se encalce.
  – Oi, querida. - limpo meu rosto, tentando disfarçar.
  – O que foi, mamãe? - a pequena garotinha se aproxima, me olhando preocupada.
  – Todos estão fazendo tarefas, Sean chegou a pouco tempo, então Madeline pediu para vir te ver, e eu trouxe. - percebendo a situação, Ethan se explica sem jeito. – Eu vou deixar vocês a sós. - ele acena, antes de se virar e sair.
  – Mamãe? - Madeline segura a barra de minha blusa, me olhando tristemente, enquanto agarra seu ursinho.
  – Ela vai ficar bem, Madeline. Só está cansada. - se aproxima da garotinha, a pegando no colo. Ela me encara por mais alguns segundos antes de assentir.
  – Não se preocupe, Mad. - afago seus cachinhos, antes de me separar dos dois, saindo outra vez.
  Eu não quero ficar perto dela assim. Talvez eu só fique mais triste. Vou trocar de roupas e ficar algum tempo no banheiro até que  me recomponha. Como Margot disse, preciso honrar as escolhas feitas, e preciso me preparar para o pior que virá daqui para frente.

Capítulo 46

  Depois de tirar um tempo para mim mesma no dia anterior, volte para a solitária, passando as horas seguintes com Madeline, em minha cela. Eu tive muito tempo para pensar sobre tudo, e tentar encaixar meus pensamentos no lugar. Também pensei sobre o que me disse, e de certa forma ele tem razão, eu tenho uma parcela de culpa do que aconteceu com Connor, já que ele fez aquilo pela ligação que eu queria quebrar. Mas também não posso esquecer que meu passado tem grande peso nisso, e às vezes me pergunto se  realmente quero saber o que aconteceu. A cada nova descoberta eu fico mais temente, as pessoas ao meu redor se afetam com isso, e coisas ruins parecem estar presas a ele.
  Eu só queria poder acabar com tudo isso e voltar a ter minha vida normal, nem que seja minha falsa vida, pelo menos ela não me trazia tantos problemas e perdas.
  Sem muitas escolhas, e precisando ir adiante nessa história toda, me encontro com Madeline a caminho do cemitério que Lana me informou. Quando Arthur liberou nossa saída, fui direto para o bar, peguei o celular de Carl emprestado e liguei para Lana, que já estava no local marcado para se despedir de Connor.
  Carl aproveitou o momento para me informar que os preparativos para a segunda invasão ao sanatório já estão sendo feitos, e que nosso plano chegaria ao ápice em alguns dias. Me sinto ansiosa com a notícia, mas deixo para mais tarde, agora minha preocupação é outra. Por isso, agradeço a Carl, falando que em outro momento conversaríamos sobre isso, para enfim ir ao encontro de Lana.
  Durante nosso trajeto, tento distrair Madeline, fingindo estar tudo bem, ela já se preocupou demais comigo.
  Logo avistamos a grande entrada do cemitério, com grandes portões em tiras de metal, dando as boas-vindas para um lugar não muito bem-vindo. Seguro fortemente a mão de Madeline, enquanto ela mantém seu ursinho perto de seu pequeno corpo, tentando captar todos os detalhes ao seu redor. Seguimos por um caminho de pavimento em meio ao gramado e lapides, tentando achar algum vestígio de Lana.
  O céu era nublado, indicando uma carregada tarde, que se encaixava perfeitamente com os meus sentimentos e situação atual.
  – . - escuto uma voz familiar me chamar, e ao procurar vejo a figura de Enzo parado perto de uma das milhares de lápides.
  – Enzo. - Madeline o saúda animadamente, fazendo o garoto sorrir.
  – Oi, Mad. - ele se aproxima.
  – O que você está fazendo aqui? - pergunto.
  – Vim visitar os meus pais. - ele encolhe os olhos.
  – Sinto muito.
  – Não se preocupe. - ele sorri – E você, o que faz aqui?
  – Estou procurando uma amiga. Vim visitar um amigo nosso.
  – Uma garota loira e de cabelo longos? - o garoto de olhos azuis pergunta.
  – Sim, você viu ela? - pergunto e ele assenti – Pode me levar até ela?
  Como de costume, sendo gentil, Enzo nos mostra o caminho, e finalmente encontro algum vestígio de Lana, que estava parada perto de uma lapide, enquanto segurava algumas rosas. Quando nota nossa presença, ela acena para que eu vá em sua direção.
  Lana encara cada uma das crianças comigo, observando por um tempo maior Madeline, mantendo uma expressão um tanto curiosa sobre a pequena garotinha.
  – Como você está? - ela se aproxima, me dando um longo abraço.
  – Eu estou bem, e você? - pergunto quando ela se afasta.
  – Melhor do que ontem. - ela sorri tristemente. – E quem são esses dois? - ela encara outra vez as duas crianças.
  – Esse é Enzo, ele está com o pessoal do bar e veio visitar os pais hoje. - aponto para o garoto de olhos azuis, que se acanha. – E essa é Madeline, você já deve ter a visto antes, ela fica no sanatório comigo. - Lana apenas assente.
  – Connor está enterrado aqui. - minha amiga se vira, indicando a lápide perto de nós.
  Os dizeres “Connor Lee” fazendo meu coração doer. Era realmente difícil saber que não o veria mais.
  – Eu ainda não consigo acreditar em tudo isso. - desabafo, vendo Lana me estender uma das rosas que ela tinha.
  – Mamãe, tá triste de novo? - Madeline pergunta.
  – Eu estou bem, querida.
  – Mamãe? - Lana pergunta, me olhando totalmente espantada.
  – É uma longa história. - suspiro, a vendo me olhar de forma estranha.
  – Você quer que eu fique com ela? - Enzo interrompe nossa conversa, notando o clima estranho.
  – Fiquem por perto. - falo, vendo ele assentir e pegar Madeline pela mão.
  – Logo depois que você foi embora a polícia chegou. - Lana muda de assunto, me pegando de surpresa.
  – Polícia? - pergunto confusa.
  – Sim, parece que algum vizinho se assustou com a gritaria. - ela explica. – Foi uma dor de cabeça. Margot e Magareth estão sendo taxadas como foragidas, pessoas que fazem sacrifícios humanos para cultos. Essa foi a melhor desculpa que arrumei depois de passar a noite toda sendo interrogada. - ela suspira profundamente.
  Nem posso imaginar por tudo que ela teve que passar ontem.
  – Eu nem sei como não me mandaram para aquele sanatório, porque me olhavam como se eu fosse uma lunática. Mas depois de fazerem alguns exames, acabaram aceitando a minha mentira e liberando o corpo de Connor. Não acho que vão deixar por isso mesmo, mas enquanto não acharem Margot e Magareth, as coisas ficaram do jeito que estão. - Lana vai até a lapide de Connor, colocando suas rosas sobre a terra.
  – E onde Margot e Magareth estão? - pergunto, fazendo o mesmo que ela, e colocando minha rosa sobre a terra recentemente cavada.
  – Elas foram embora como disseram que fariam. Parece que vão ter que arcar com as consequências de terem nos ajudado. - Lana cruza os braços, respirando fundo.
  – Isso virou uma grande loucura. - confesso – Eu só queria que tudo isso acabasse de uma vez.
  – E vai acabar. - Lana se aproxima de mim, passar seu braço em volta do meu. – Você pode ter certeza que todos os culpados por isso irão morrer. - ela me olha seriamente, quase me fazendo ter arrepios por seus olhos se tornarem sombrios, o que me faz desviar dos mesmos, procurando outro ponto para observar.
  Procuro Madeline e Enzo, os vendo um pouco afastados. O garoto de olhos azuis parece conversar com Mad, talvez explicando para a pequena o que tudo isso significava.

  “Eu vou fugir com ela, . Eu prometo que não deixarei nada de mal acontecer.”

  “Por favor, fique viva, sua filha precisa de você. Lilly e Carter vão te ajudar.”

  Sobressalto assustada ao escutar a voz de Connor, olhando freneticamente para todos os lados.
  – O que foi? - Lana me olha confusa.

  “Você não pode estar apaixonada por um demônio. Você está noiva.”

  – O que é isso? - olho assustada para minha amiga. – Eu estou escutando essas vozes de novo? 
  – Que vozes? - Lana leva suas mãos até meu rosto, me olhando preocupadamente.

  “Você foi a desgraçada da nossa espécie, e o seu castigo vai ser perder tudo aquilo que mais é precioso. Você nunca mais vai se lembrar deles.”

  “Se eu fosse você, eu rezaria para Arthur pegar aquela menina antes de nós, porque se a encontrarmos, vamos matá-la no mesmo segundo.”

  Minha respiração começa a acelerar à medida que as vozes vão bombardeando minha mente. Eu não conseguia pará-las e nem controlá-las, elas simplesmente estão invadindo cada pedaço de mim, e isso está me sobrecarregando, eu não consigo aguentar. Elas fazem meu sangue borbulhar, era como fogo, cada fibra do meu corpo reagia a essas vozes, principalmente a minha parte sobrenatural. Eu me sentia como uma bomba que podia explodir a qualquer momento.
  De quem são essas vozes? O que tudo isso significa?
  – ! ! Olha pra mim! Por favor, olha pra mim! - Lana segura meu corpo quando sinto meus joelhos fraquejarem.
  A sensação se perpetua, inundando cada vez mais todo o meu corpo. Olho ao longe Enzo e Madeline correndo em minha direção. Madeline com os olhos marejados e preocupados, jogando seu inseparável ursinho no chão para vir ao meu socorro. Minha visão fica turva, e a voz desesperada de Lana se torna cadê vez mais distante. A única coisa que eu era capaz de me concentrar, era nas vozes soltas dentro da minha mente.
  Totalmente entregue a essa sensação incontrolável de estar afundando em minhas próprias memórias, deixo que elas me arrastem para o mais fundo de minha mente, me desligando por completo da realidade.

  “Vocês irão se odiar no final.”

***

  Levanto meu corpo de uma única vez, me vendo sentada sobre um sofá. Ainda com a respiração acelerada olho em volta, notando as três pessoas paradas a minha frente com expressões preocupadas.
  – Ainda bem! - Lana se joga em cima de mim – Você me assustou, achei que te perderia também. - ela funga, se afastando e me fazendo notar seus olhos vermelhos de choro.
  – Mamãe... - Madeline se aproxima incerta, segurando fortemente seu ursinho. Puxo a pequena para perto de mim, que está quase chorando.
  – Calma, Mad. Eu estou bem agora. - afago seus cachinhos, puxando ela para meu colo. – Que lugar é esse? - pergunto, ao notar a pequena casa em que eu estava.
  – Minha casa. - timidamente Enzo responde.
  – Ele morava perto do cemitério. Seria muito difícil te levar para o apartamento desse jeito. - Lana explica, se sentando no sofá perto de mim.
  – Obrigada, Enzo. - sorrio para o garoto. – Você mora sozinho aqui?
  – Sim. Mas Ross e Carl sempre vêm me visitar. - ele explica, me fazendo sentir mal por saber que um garotinho como ele precisa se virar sozinho. E tudo por conta do que Arthur fez.
  – O que aconteceu, ? Você nos deixou assustados. - Lana volta ao assunto inicial.
  Respiro fundo, ajeitando Madeline em meu colo, antes de responder.
  – Acho que são minhas memórias. Elas aparecem como vozes, eu escuto algumas frases que eu não entendo. Nunca fiquei assim antes, mas parece que quanto mais eu me lembro, mais isso me afeta por dentro, meu corpo e poderes parecem reagir a tudo isso sem que eu consiga controlar. - explico, escutando Lana suspirar.
  – Agora você entende por que não podemos te falar nada? Se você já fica dessa maneira por lembrar de pequenas partes, imagina se te contássemos tudo de uma vez. Provavelmente você surtaria. Fora que poderíamos ter consequências sérias como Margot e Magareth. - Lana leva uma de suas mãos até meu ombro, dando um leve aperto.
  – Eu entendo agora. É realmente ruim essa sensação. Às vezes eu tenho medo de me lembrar. - desabafo.
  – Vai ficar tudo bem. - Lana diz convicta, e eu apenas assinto.
  – Espero que sim. Agora é melhor voltarmos para o sanatório. - digo, me levantando com Madeline no colo – Enzo, obrigada por ter me deixado ficar na sua casa.
  – Sem problemas. - o garotinho sorri.
  – Por favor, se cuide, . - Lana diz seriamente. – Até mais, gracinha. - ela se despede de Madeline, que responde com um sorriso.

***

  Depois de nos despedirmos de todos, Madeline e eu voltamos para o sanatório. E chegado lá, logo procuro por Arthur, informando que toda a ameaça do galpão foi eliminada, e que não restam mais rastros. Ele parece ficar bastante satisfeito com a minha falsa notícia, provavelmente achando que seu plano está dando certo.
  Depois de dispensar Madeline, Arthur diz que eu tenho algumas tarefas para fazer no sanatório, informando que Sean já estava me esperando. Vejo isso como uma ótima oportunidade para conversar com ele, pois não tivemos tempo de acertar as coisas depois dos últimos acontecimentos. Sean sempre foi o único que me contou as coisas, e depois desse momento que tive com as minhas memórias, acho que ele é a pessoa perfeita para isso, talvez possa me ajudar outra vez.
  Mas antes de ir conversar com Sean, gostaria de trocar algumas palavras com Arthur, pois me lembro nitidamente do seu nome em minhas memórias. Eu realmente preciso entender quem é que está contra mim, porque a cada momento minhas memórias apontam para alguém diferente.
  – Arthur, me responda uma coisa... todos nós temos pelo menos um inimigo na vida, não é? - sentado atrás de sua imponente mesa, em sua sala restaurada, ele me olha curioso. – Eu venho me lembrando de algumas coisas, e não sei quem pode ser o verdadeiro mal na minha vida. Digo, eu já estou aliada a você, mas minhas memórias continuam rondando outras pessoas. - me sinto curiosa sobre sua resposta. Não estou descartando Arthur como um dos suspeitos, mas ele não é o único, e como sei que ele adora joguinhos, então vou jogar também. Depois de todo esse surto de memórias, estou disposta a conversar com cada um desses suspeitos e não deixar mais esse assunto de lado.
  Arthur será o primeiro. Sean será o segundo, mas não por ser suspeito, e sim por ser alguém que me conta tudo. E o último será , o mais intrigante e misterioso. Sean mesmo já alegou que ele fez algo de ruim para mim, e talvez essas frases soltas tenham a ver com o que ele me faz.
  Não posso mais ficar ignorando essas memórias e informações que descobri, preciso ir atrás e preciso saber o mais rápidos possível. E como não tenho alcance de algumas pessoas do meu passado, tenho que correr atrás de resposta das pessoas que estão ao meu redor, já que não faço a menor ideia de quem seja Lilly, Carter, ou a hierarquia dos anjos caçadores que apagaram minhas memórias.
  Arthur se inclina sobre a mesa, e sorri.
  – Com certeza, anjo. Isso é completamente inevitável. - ele responde.
  – Inevitável?
  – Enquanto existir alguém com poder, , sempre existirá aquele que tentará superá-lo. Esse é o ciclo destrutivo da vida. - ele responde.
  – E como eu sei quem são essas pessoas? - continuo dando corda para toda essa conversa, esperando que ele me dê uma dica, mesmo que entrelinhas.
  – Observando. - ele cruza os braços. – Pessoas boazinhas geralmente confiam em todo mundo, não percebem as verdadeiras intenções ao seu redor. E essas são as primeiras a serem derrubadas. Você precisa ser inteligente, . Tem que desconfiar principalmente de quem está ao seu redor, esses são piores. Afinal, existe inimigo pior do que aquele que já foi nosso amigo? - ele arqueia suas sobrancelhas.
  Suas palavras não poderiam ser mais significativas para mim. Arthur mesmo é esse tipo de criatura que ele descreve. Ele chegou decretando guerra, tornando minha vida um verdadeiro inferno, mas eu acabei descobrindo suas reais intensões e tentei me juntar a ele; e mesmo que ele tenha aceitado, duvido que seus planos mudaram a respeito de mim. Agora ele está aqui na minha frente, se fazendo de “bonzinho”, me deixando trabalhar para ele e sair mais vezes do sanatório, mas a verdade é que eu não sei se isso faz parte de um plano dele. E posso dizer o mesmo de todos os outros que vivem aqui. Fora Gemma, todos foram extremamente hostis comigo quando vim para o sanatório, e hoje estamos todos juntos em um grande plano juntos. Não posso deixar de desconfiar de ninguém.
  – Acho que entendi. Obrigada por isso, agora vou para minha tarefa. - digo, o vendo assentir.
  Me viro, saindo de sua sala e sendo levada até o banheiro para trocar de roupa. Depois de vestir o típico uniforme cinza, um guarda me leva até minha próxima tarefa, onde eu iria colocar em prática a segunda parte do meu plano.
  Sean.
  Rapidamente sou direcionada ao jardim, o lugar que me trouxe recordações não muito boas da última vez em que estive aqui. E como um déjà vu, encontro Sean recolhendo as folhas como dá última vez, mas agora sem a presença se .
  – Oi. - digo, atraindo sua atenção enquanto me aproximo de Sean.
  – Oi, . Como você está? - ele para de recolher as folhas e me olha incerto; sei que está se referindo ao Connor.
  – Estou bem, mas não quero falar sobre isso. - pego um dos pegadores de folhas.
  – Tudo bem. - ele assente, voltando a recolher as folhas.
  – Sabe, Sean, eu venho me sentindo cada vez mais estranha em relação a confiar em todos aqui dentro. - começo a recolher folhas, vendo o loiro prestar atenção em mim. – Você sabe que eu tinha os meus motivos para me juntar ao Arthur, minha situação aqui não é das melhores. - ele assente.
  – Não se preocupe com isso, , eu confio em você. - ele pare de recolher as folhas por um momento.
  – Você foi o único que teve coragem de me dizer alguma coisa. - suspiro pesadamente, parando de recolher as folhas também. – Minhas memórias estão voltando, e mesmo assim eu continuo confusa. Aparentemente, fez algo ruim para mim, e as vozes que eu escuto contam coisas ruins também. Eu não sei como me sentir. Então me ajude, Sean! Eu não quero desconfiar de ninguém sem saber da verdade, mas está cada vez mais difícil confiar em alguém aqui dentro.
  Ele respira fundo, desviando seus olhos do meus por um momento.
  – Eu sei que parece ridículo dizer isso, mas não se preocupe, . Quando o momento chegar você saberá exatamente o que fazer. Não importa qual decisão você tomar, no final, ninguém deve te julgar, mesmo se você escolher acreditar no . - ele passa a mãos por seus cabelos, parecendo frustrado com a própria resposta.
  – O que você quer dizer? - pergunto totalmente espantada.
  – O que eu quero dizer, ... é que está claro que você gosta do . E isso pode atrapalhar você na hora de tomar uma decisão, talvez esse seja seu medo. Mas independente do que você escolher, ninguém pode te julgar por isso, porque ninguém esteve na sua pele, ou sentiu o que você sentiu. O que o faz no presente não anula o que  aconteceu no passado, mas com certeza muda o que pode acontecer no futuro. - quase fico boquiaberta por escutar as palavras de Sean. Nunca imaginaria que ele pudesse falar coisas assim do , é nítido que eles têm algum desentendimento, e mesmo assim Sean está tentando ser justo, sem deixar suas brigas interferirem.
  Talvez ele seja alguém em quem eu possa confiar de verdade.
  – Se você escolher acreditar no , mesmo essa sendo a pior decisão que você pode tomar na sua vida inteira... - ele diz seriamente. – Eu não vou te julgar por isso. - ele suspira ao final.
  – Obrigada. - agradeço estupefata.
  – Merda! O que eu estou fazendo? Estou aqui dizendo que você pode confiar no seu maior suspeito? Eu realmente sou péssimo nisso. - Sean faz uma careta, tentando descontrair o clima.
  Eu aprecio essa maneira como Sean lida com as coisas ao seu redor. Ele realmente parece ser uma boa pessoa.
  – Gosto desse seu jeito sincero. É como se você não escondesse nada. - confesso.
  – Eu não gosto de esconder as coisas. Tento ser um livro aberto e não tenho medo de me expor, acho que as coisas ficam muito mais divertidas quando as pessoas sabem das minhas reais intenções. – ele dá uma risada sem humor. – Mas eu não diria que sou cem por cento sincero, todos temos segredos. - ele me encara de forma diferente, com um ar mais frigido.
  – Então até mesmo você tem segredos? - pergunto, o vendo assentir. – Então você não é como um livro aberto. - rebato.
  – Eu sou como um livro novo, , um livro que você vai descobrindo aos poucos ao folhear cada página, mas que ao chegar no final,  saberá todo o conteúdo. Eu tenho, sim, segredos, mas acho que tudo tem uma hora certa para se revelar, e talvez um dia você conheça cada um desses meus segredos. - ele apoia suas mãos sobre o pegador de folha, enquanto sorri esperto para mim.
  – Isso é um pouco idiota. Você está tentando ser misterioso? - arqueio uma sobrancelha, o vendo rir.
  – Gosto desse seu jeito. - Sean aponta para mim. – E aí, consegui te ajudar de novo? - ele retorna ao assunto inicial.
  – Um pouco. Eu queria testar a sua confiança, e acho que você foi sincero o suficiente. - dou de ombros.
  – Espero que você não esteja errada sobre isso. - ele sorri outra vez.
  – Por quê? - franzo o cenho.
  – Nada, eu só estou brincando. - ele responde, voltando a recolher as folhas
  Penso em insistir no assunto, mas Sean sempre foi desse jeito, faz parte da sua personalidade. Por isso, apenas me junto a ele e começo a minha tarefa no jardim. Passamos o restante do tempo conversando em como as coisas estão dando certo, e que nosso plano tem grandes chances de dar certo.
  Quando nosso horário se encerra, uma troca de pacientes é feita, e para minha sorte, é quem chega para nos substituir. Discretamente, peço para que Sean distraia o guarda que nos levará de volta para solitária, para que eu possa conversar com por um momento. Ele pede para ir ao banheiro, então o guarda pede para que eu fiquei no jardim por alguns minutos até ele voltar para me buscar.
  Quando estou sozinha com , sem pestanejar me aproximo dele, ele era a última parte dessa conversa que precisava ser fechada. Eu vou esclarecer logo as coisas, nosso plano já está acontecendo, e a segunda invasão ao sanatório está cada vez mais perto, por isso preciso me apressar e descobrir logo como vão ser as coisas.
  – Eu quero conversar com você. - falo de uma vez assim que me aproximo de , o vendo me encarar com aqueles olhos verdes intensos.
  – O que foi? - ele se senta no gramado do jardim, nem se dando ao trabalho de começar sua tarefa.
  – Você já parou para pensar na hipótese de que nosso real inimigo não seja o Arthur? - lanço a isca, esperando que ele caia, mesmo que no fundo eu queira inocenta-lo.
  – Por que você está me perguntando isso? - ele franze o cenho, desconfiado.
  – Porque eu venho pensado bastante sobre isso ultimamente, minhas memórias estão voltando, e Arthur não parece ser o único errado nessa história. - arqueia as sobrancelhas com minha resposta.
  – Você está falando de mim? - ele pergunta desafiador.
  – Eu não disse isso. - cruzo os braços, tentando não começar uma briga.
  – , eu nunca disse que era uma boa pessoa. Você continua aqui comigo por vontade própria. - ele dá uma risada sem humor. – Tem coisas que não podemos mudar, e a minha natureza de demônio é uma delas, então não, eu não sou um príncipe encantado nas suas memórias perdidas, eu diria que sou o contrário. - ele estreita seus olhos para mim, parecendo gostar da minha reação.
  Ele basicamente confessou que fez algo de ruim para mim. Isso quer dizer que é realmente culpado de alguma coisa?
  – Você... - tento formular alguma frase, mas simplesmente estou chocada demais. Não é como se eu soubesse que é inocente, mas escutar isso vindo de sua boca...
  – E o que você vai fazer agora? - ele pergunta, parecendo nenhum pouco abalado com sua própria confissão.
  – Eu não sei, . Mas mesmo que seja você, eu não posso relevar, não posso continuar desse jeito. - solto tudo de uma vez, sendo sincera.
  – Entendo. Então pode ser que nos encontremos em uma situação diferente em algum momento, talvez cada um de um lado. - ele desvia seu olhar do meu.
  – Ei, doze! Hora de voltar! - a voz do guarda me assusta, enquanto ele me chama da entrada do jardim.
  Fico parada por mais alguns segundos, sem conseguir responder . E sem um último olhar dele, sou obrigada a sair do jardim, me sentindo totalmente devastada por estar nessa situação com ele. Sean está certo, apesar de tudo eu comecei a gostar de , talvez até antes do que eu me lembre, já que desde o início os meus sentimentos pareciam estar conectados a ele. E me ver em uma posição onde praticamente declaremos seguir caminhos diferentes, faz com que uma grande parte de meus sentimentos despenque.
  Independente de tudo, e se vamos mesmo nos encontrar em lados opostos um dia, eu quero ter um último momento com ele, quero ter algo para me lembrar de de uma maneira boa, antes que tudo desmorone.

Capítulo 47

  Alguns dias depois...
  – Finalmente vamos acabar com isso! - Carl diz empolgado, enquanto ergue seu grande copo de cerveja no ar, sendo acompanhando por outras pessoas envolvidas no nosso plano.
  – Finalmente! - dou risada, erguendo meu copo também, e trocando um olhar empolgado com Lana.
  – Seus amigos não parecem tão empolgados quanto nós. - Carl comenta, indicando e Sean, que estavam um pouco mais afastados do resto.
  Alguns dias se passaram desde que tentei colocar as coisa no lugar, e o momento de confortarmos Arthur está cada vez mais perto, por todo esse tempo eu venho mentindo para ele em minhas missões. Também acabei criando um vínculo muito forte com Madeline. Dei continuidade no plano de dentro do sanatório, me encontrando muitas vezes com Gemma e Kat, e tendo mais cautela sobre o quesito confiança. Ainda me mantive perto de todos, mas sempre estando alerta para qualquer suspeita.
  Desde minha última conversa com , nós mal trocamos uma palavra, acho que o que foi dito por ele, foi o suficiente para entendermos que nossos caminhos não são os mesmo, e que pensamos e agimos de formas diferentes, e que isso pode nos levar a posições diferentes no futuro. E eu temo que isso aconteça quando o grande dia de derrubar Arthur chegar. Eu estou cada vez mais perto de recuperar minhas memórias, e junto com elas vem o medo de descobrir o que me causou no passado. Não posso ser hipócrita e dizer que já o odeio por isso, porque não odeio, eu simplesmente comecei a gostar dele, e queria um bom momento para me recordar dele quando a verdade vier à tona. Eu posso estar sendo idiota em pensar dessa maneira, mas acho que assim doerá menos.
  – Não se preocupe com eles. - respondo Carl, em seguida, dando um gole em minha cerveja.
  – Olhe só para isso! Esse lugar anda bem cheio depois que vocês duas começaram a frequentar essas bandas. - Ross se aproxima de nós, olhando de Lana para mim. – Ando pensando em tornar vocês duas garotas propaganda do bar. - ele brinca, escorando seus braços sobre o balcão de madeira.
  – Eu certamente ficaria bem sexy em cima de uma moto. - Lana faz uma careta de desgosto, nos fazendo cair na risada.
  – Enzo é o cara de sorte por aqui, ele sempre anda com as duas bonecas do bar. - Carl brinca com o garoto de olhos azuis que está sentado ao lado de Lana, enquanto tomava um refrigerante.
  – Preciso ir ao banheiro agora, cara de sorte. - Lana salta do banco em que estava sentada, brincando com Enzo, o fazendo ficar ainda mais envergonhado. Em seguida, ela segue em direção ao banheiro.
  – Então amanhã será mesmo o dia? - Ross pergunta, fazendo Carl assentir.
  – Amanhã! - ela bate seu grande copo no balcão de madeira, causando impacto em sua fala. – Não temos mais tempo para ficar enrolando.
  Continuamos nossa conversa animada sobre o grande dia de amanhã. Carl sugeriu que eu trouxesse para o bar todos que estão no plano comigo de dentro do sanatório, para que pudéssemos ir até a cabana da floresta resgatar a faca escondida. Parece que a floresta é realmente perigosa, e por isso toda ajuda seria necessária. E por fim, foi decidido que todos nós fugiríamos do sanatório no dia seguinte. Todos já irão contra o Arthur de qualquer forma, então, pelo menos fugindo, nós podemos nos preparar aqui fora com todo o resto, para o grande momento.
  – Ei, cara! O que é isso?!
  Olho sobre os ombros para procurar dono da voz que captou minha atenção. O que vejo é a imagem de Hugo visivelmente alterado com uma arma em mãos.
  – Hugo, o que isso?! - uma mulher que estava perto dele, pergunta.
  – ONDE ESTÁ ELA? CADÊ AQUELA MALDITA?! - Hugo encara todas as direções de forma frenética, fazendo todos no bar ficarem sem entender o que estava acontecendo.
  – Vá arrumar briga longe do meu bar, Hugo! - Ross diz, ficando extremamente irritado.
  – Ai está ela! - Hugo fala quando seus olhos caem sobre mim. – Vocês são idiotas ou o quê? Ela matou Juugo e está com o Arthur, não podemos confiar nessa maldita! - ele se descontrola, fazendo todos ficarem em silêncio.
  Hugo começa a respirar pesadamente, se descontrolando ao ponto de apontar sua arma em minha direção. Procuro rapidamente Sean e , os vendo em posições de alerta, mas lanço um olhar para ambos pedindo que eles se acalmassem.
  – ... - escuto a voz de Enzo soar preocupadamente, quando o mesmo me vê descer de meu banco.
  – Vai ficar tudo bem. - o tranquilizo, antes de começar a ir em direção a Hugo, tendo o olhar de todos do bar sobre nós dois.
  – V-Você trabalha para o maldito do Arthur! - suas mãos tremiam, enquanto sua fala transbordava ódio.
  – Hugo, abaixe essa arma. Você entendeu errado...
  – CALA A BOCA, CARL! - o homem lunático interrompe o motoqueiro. – Eu já escutei essa mesma historinha vindo dela, e não me convenceu nenhum pouco. - ele destrava sua arma.
  – Eu não estou com o Arthur. - tento convencer, erguendo minhas mãos em frente ao meu corpo como forma de rendimento.
  – MORRA, MALDITA! - ele grita, antes de disparar em direção ao meu abdômen, fazendo meu corpo ter um pequeno impulso.
  Dou um passo para trás pelo impacto da bala, levando a mão até o local atingido e retirando o projetil com os dedos, mas ao tocar no objeto sinto minha pele queimar, me fazendo soltar a bala com rapidez. é o primeiro a ir em direção a Hugo, mas antes que ele alcance o homem lunático, mais tiros são disparados contra meu corpo, me levando instantaneamente para o chão.
  Minha visão fica turva, à medida que sinto o sangue escorrer por meu abdômen.
  – ! - escuto a voz desesperada de Lana gritar, antes de várias pessoas se aglomerarem ao meu redor.
  Minha visão começa a embaçar cada vez mais, me impedindo de ver com clareza o rosto daqueles que me cercavam.
  – Água benta. Isso são balas batizas, ela precisa de ajuda! - alguém diz exasperado entre o burburinho que se forma.
  Fecho os olhos devido à forte dor que sinto, tornando meu corpo cada vez mais fraco.
  – Droga! Abra os olhos, ! - sinto alguém passar os braços ao redor do meu corpo. – Só abra a droga dos seus olhos! - e mesmo antes de me forçar a abrir os olhos, reconheço a voz de .
  Eu mal conseguia ver seu rosto, apenas um grande vulto bem perto de mim, assim como todos os outros ao redor.
  – , você pode nos ouvir? - Sean pergunta.
  – Façam alguma coisa logo! - a voz desesperada de Lana é a próxima coisa que escuto.
  – , se concentre na minha voz. Apenas na minha. - volta falar – Eu... Eu... Droga! Você não pode morrer agora. - sua voz se torna irritada, e mesmo em um momento como esse ele arruma tempo para brigar comigo – Fique acordada, porra! - ele me aperta contra seus braços.
  Nenhum dos seus irritantes mandos, ou das frases desesperadas de Lana foram capazes de me manter de olhos abertos. Meu corpo ficou muito fraco, eu já não tinha mais o controle, eu mal conseguia ficar de olhos abertos, e por isso, minha única opção foi me entregar para escuridão que tomava por aquele momento.

  ***

  Sinto um grande desconforto em meu pescoço, e quando abro os olhos, a primeira coisa que vejo é um teto branco semelhante ao da enfermaria.
  – Como se sente? - a voz de me assusta,  fazendo-mw virar a cabeça para o lado e vê-lo sentado ao lado da cama em que eu estava deitada, sentado em uma cadeira.
  Em seguida, me sento sobre a maca dura, levando a mão até meu pescoço, que estava desconfortável. Rapidamente me recordo de tudo que aconteceu no bar, e levanto minha camisa, não encontrando nenhum vestígio de machucados.
  Franzo o cenho, me sentindo totalmente confusa por estar bem.
  – O que aconteceu? - olho para .
  – As enfermeiras já deram um jeito em você. Não se preocupe, está novinha em folha. - ele sorri.
  – Mas e o Arthur? Ele...? - sinto um calafrio ao pensar na hipótese de que Arthur possa ter descoberto o real motivo pelo qual fui atacada.
  – Sean e já cuidaram de tudo. Falaram que um dos caras do bar suspeitou de você, e por isso te atacou. O que não é mentira... - faz uma careta. – Eles só não contaram a parte de nós estarmos no plano.
  – Isso é um alivio. - suspiro – Eu não sabia que balas batizadas poderiam doer tanto. - resmungo, fazendo dar risada.
  – Esse é um dos poucos jeitos de se matar uma criatura sobrenatural.
  – Percebi. - o encaro com falso exaspero.
  – chegou todo ensanguentado enquanto te carregava. Eu já estava pronto para brigar com ele, pensei que ele tinha feito alguma coisa contra você, porque, fala sério, é o . - fala – Mas na verdade ele parecia bastante preocupado, foram poucas as vezes que o vi daquele jeito. - fico encarando por alguns segundos, tentando processar suas palavras.
  Por mais que negue, sei que ele também sente esse tipo de ligação comigo. E eu realmente acredito que ele se importa. E hoje, depois de passar por isso, e estando a apenas um dia do confronto com Arthur para recuperar tudo, sinto que é a hora perfeita para ter um último bom momento com , aquele que possivelmente irá me destruir amanhã.
  Eu me sinto como se tivesse descoberto os vários vilões de minha vida, e que tive a infeliz sorte de acabar gostando de um deles; que mesmo sabendo que esse vilão pode ter feito algo realmente ruim contra mim, eu quero ter algo bom para me lembrar. Eu não sei como as coisas serão amanhã, mas sinto que toda verdade irá aparecer, e que a real intenção de cada um, finalmente, será mostrada. E por isso vou precisar ser forte, e não deixar que as coisas escapem por meus dedos, pois sei que ainda posso contar com algumas pessoas, e por essas pessoas, eu não poderia ser amanhã o que eu sou hoje.
  – Você sabe onde o está agora? - pergunto para .
  – Ele e Sean foram para sala de Arthur resolver toda essa situação. Não sei se estão lá ainda, mas provavelmente deve estar tomando um banho, não sei, estava todo sujo. - faz uma careta.
  – Certo... Obrigada, . É bom saber que eu sempre posso contar com você. - segura uma de suas mãos, sorrindo gentilmente.
  – Não precisa agradecer, nós somos amigos, e é isso que amigos fazem. - ele retribui o sorriso, apertando levemente minha mão.
   é realmente uma das poucas pessoas que eu descobri nesses últimos dias, que posso confiar plenamente.
  – Vou atrás de . Eu quero falar com ele. - solto sua mão, e saio de cima da maca.
  – ... - ele chama, quando me coloco de pé.
  – O quê? - o vejo me encara receoso.
  – Amanhã provavelmente você pode recuperar suas memórias... - ele encara as próprias mãos, desviando o olhar –... e eu quero te dizer que eu realmente não sei o que todos planejam, eu só quero ajudar você e o , por isso topei esse plano. - sorrio outra vez, ao escutar suas palavras.
  – Eu sei disso, , não duvido de você. - o tranquilizo, vendo ele voltar a me olhar.
  – Eu vou estar do seu lado independente do que aconteça, mesmo que para isso eu precise ficar contra alguém que seja importante pra mim. - ele diz mais convicto dessa vez, me fazendo franzir o cenho com o rumo da conversa. Mas hoje eu realmente não quero me preocupar com tudo isso, vou deixar tudo para amanhã.
  – Obrigada, . - aceno para ele, mostrando que confiava em suas palavras – Agora você pode me ajudar? - pergunto.
  – No quê? - ele me olha confuso.
  – Se estiver com algum guarda eu não vou poder conversar com ele. Você, por favor, pode ir comigo e distrair quem estiver com ele? - faço minha melhor cara de pena, o vendo retorcer o rosto.
  – Posso. - ele suspira falsamente, me fazendo rir.
  Depois de nossa breve conversa, saímos da enfermaria que eu percebo não ser a do isolamento como pensei. E por sorte não encontramos nenhum guarda transitando pelos corredores. A falta de interesse dos guardas desse lugar sempre foi um ponto positivo, até porque eles inicialmente são apenas demônios que Arthur colocou aqui para conter mais demônios, não acho que isso seja tão interessante para eles.
  Depois de vagarmos por alguns corredores, encontro o banheiro, onde vemos um guarda parado em frente à porta de um deles, provavelmente vigiando.
  – O que vocês estão fazendo sozinhos? - o guarda pergunta assim que nota nossa presença.
  – Ela estava machucada na enfermaria, e precisa usar o banheiro para se limpar. - responde.
  – Então vai logo. - o guarda diz para mim.
  Troco um olhar rápido com , antes de entrar no banheiro feminino. Fico parada atrás de porta, para conseguir escutar a conversa dos dois.
  – Quem está nesse outro banheiro que você está vigiando? - escuto a voz descontraída de .
  – . - o guarda é direto, parecendo não querendo conversar.
  – Hm... quando estávamos vindo para cá eu vi alguns pacientes perambulando pelo sanatório sem permissão, não contei pra ninguém porque não havia nenhum guarda por perto. O Arthur sabe que vocês não estão vigiando direito os pacientes dele? - o tom de voz de é sínico, e tenho que me segurar para não rir ao imaginar a voz do guarda.
  – O-Onde eles estavam? - a voz do guarda falha, demonstrando nervosismo.
  – Logo ali. Eu te mostro.
  – Espere. Eu não posso deixá-los sozinhos aqui. - o guarda rebate.
  – Eles estão usando só o banheiro, isso é mais justificável do que pacientes andando sozinhos por ai. - continua o pressionando, até que eu escute alguns passos pelo corredor, indicando que o guarda provavelmente seguiu .
  Espero mais alguns segundos, antes de abrir a porta e checar os dois lados do corredor para ter certeza que eles haviam saído. Quando me certifico disso, saio do banheiro feminino, indo em direção à porta do masculino, abrindo a mesma discretamente.
  A primeira coisa que escuto é o barulho de chuveiro ligado, acompanhando por uma leve fumaça vindo de uma das cabines mais afastada. Respiro fundo, tomando coragem para o que eu estava prestes a fazer. Silenciosamente retiro todas as peças de minhas roupas, colocando-as sobre a pia do banheiro, depois caminho na ponta dos pés até a cabine de onde a fumaça saía, arrastando lentamente a cortina azul para o lado, relevando o corpo despido de , de costas para mim.
  Entro para dentro da cabine, a fechando com a cortina outra vez. Me coloco atrás do corpo de , sentindo algumas gotas de água respingarem em meu rosto. Em seguida, levo minhas mãos até seus ombros trançando um caminho até a parte da frente de seu corpo, o fazendo sobressaltar de maneira assustada.
  – ? - ele me olha sobre os ombros, se mostrando surpreso ao me ver – O que você está fazendo aqui?
  – Eu vou ser sincera, . - respiro fundo, dando a volta por seu corpo, me colocando de frente para ele – Eu não sei o que vai acontecer amanhã... mas hoje eu só quero poder ficar com você. - falo tudo de uma vez, sentindo meu coração acelerar ao notar seus olhos percorrendo cada parre de meu corpo.
  Ele fica me encarando por alguns segundos, parecendo pensar em tudo que eu disso. Mas, no final, sua resposta não podia ser melhor. Ele agarra meu pulso, me puxando para perto de seu corpo, indo em direção aos meus lábios, iniciando um beijo exasperado e necessitado.
  A água o chuveiro molha instantaneamente meu corpo, e sensação de ter tão próximo de mim, sem nenhuma peça de roupas nos separando, apenas faz tudo parecer melhor. Ele coloca suas mãos em minha cintura, me pressionando ainda mais contra seu corpo, me fazendo sentir cada parte, me excitando no mesmo segundo.
   desce seus beijos por meu pescoço, acompanhando da água quente, me fazendo morder o lábio inferior. Sua mão direita desliza de minha cintura até minha barriga, parando abaixo de meu seio, causando um arrepio instantâneo.
  Deixo que ele fique assim por mais alguns minutos, até afastá-lo de mim, o fazendo me olhar confuso. acompanha meus movimentos quando me vê ajoelhando em sua frente. Ele estreita seus olhos, como se me desafiasse, e em resposta encaro seu pau a poucos centímetros de meu rosto. Levo minhas mãos até o membro que começa a ficar duro, dou uma última olhada para seu rosto, antes de me aproximar de seu pau, o colocando em minha boca, sentindo estremecer.
  Seguro firme na base do se pau, e começo a fazer movimentos vaivém com a boca, escutando suspirar profundamente. O encaro por um momento, vendo que ele mantém os olhos fechados e a cabeça encostada na parede.
  Uso a língua como auxílio, lambendo desde a base até a ponta do seu pau, arrancando o primeiro gemido rouco de , que era extremamente excitante. Abocanho seu pau outra vez, fazendo o meu melhor para dar prazer a ele. Sinto a saliva escorrer pelos cantos de minha boca e se misturar com a água do chuveiro. Com a ajuda de minha mão, movimento ela pelo restante de seu pau que ficava dentro da minha boca.
   mexe seu quadril, soltando mais um gemido rouco. Em seguida, ele agarra meus cabelos me instruindo a ir mais fundo com meus movimentos. Continuo com meus movimentos fundos, sentindo seu pau pulsar em minha boca.
  Por um momento, me concentro apenas na expressão de : a boca entreaberta soltando gemidos abafados, os olhos fechados, seu rosto retorcido em uma expressão de prazer, os cabelos molhados grudados por todo seu rosto e pescoço, a água escorrendo por cada parte de seu rosto. Eu estava mais do que excitada com essa vista.
  – Se você continuar eu vou gozar. - diz com dificuldade, me puxando para cima, e me afastando de seu pau. Sorrio por tê-lo deixado dessa forma.
  Quando estou de pé outra vez, abre os olho e me encara intensamente por trás de suas íris verdes que pegam fogo e arrepiavam cada centímetro do meu corpo.
  Segura minha cintura, me virando de costas para ele, pressionando meu corpo contra a parede gelada, me fazendo gemer pela diferença de temperatura. Apoio minhas mãos contra a parede, quando sinto meus seios ficarem esmagados contra a parede fria, enquanto ele puxa cintura para trás, pressionando seu pau contra minha bunda, arrancando um gemido sôfrego de minha parte.
  Olho por cima de meus ombros, vendo ele segurar seu pau, e em seguida, usar seu joelho para separar minhas pernas. Com a mão livre ele traz meu quadril mais para trás, e sem aviso prévio, ele começa a me provocar, colocando a cabeça de seu pau em minha entrada sem me penetrar.
  – ... - falo arrastadamente, mexendo meu quadril contra seu pau. Ele dá uma risada sacana, antes de me penetrar lentamente, me fazendo apertar a ponta dos dedos contra a parede gelada.
   começa a se movimentar tão lentamente que chega a ser torturante. Suspiro, frustrada de prazer, me mexendo contra ele outra vez, e em resposta ele mantém uma mão em minha cintura, enquanto desliza a outra por minha barriga, fazendo o local contrair, até chegar em um dos meus seios pressionado contra a parede. Ele me puxa para trás, para poder segurar um de meus seios entre sua mão, o apertando e massageando, acompanhando o ritmo de suas lentas penetrações.
  Mordo o lábio, comprimento os gemidos que sobem por minha garganta.
  – , mais rápido. - movimento toda minha bunda contra seu pau, fazendo ele gemer.
  – Eu preciso te ver. - ele diz em tom baixo, antes de sair de dentro de mim, e me virar de frente para ele, pegando na parte de trás de minhas coxas e me impulsionando para cima, me fazendo entrelaçar as pernas ao redor de sua cintura.
  Sem delongas, volta a me penetrar, e logo abafa meu gemido com um beijo. Levo minhas mãos até seus cabelos molhados, os puxando levemente. Ele começa a se movimentar com rapidez, enquanto acompanho seus movimentos com o quadril, em perfeita harmonia. Subindo e descendo, meus mamilos começam a roçar em seu tronco, deixando-os cada vez mais rígidos. Nosso beijo se mistura a água quente, com os gemidos abafados e o barulho de nossos corpos em movimento, soando extremamente excitante de se ouvir.
  Gemo incessantemente o nome de , sentindo ele apertar cada parte de meu corpo, enquanto seus movimento se tornavam cada vez mais rápidos e fundos. Ele pressiona minhas costas contra a parede, tomando mais impulso para penetrar, me fazendo gemer de prazer com um pouco de dor, eu estava a ponto de enlouquecer.
   agarra minhas coxas, enquanto eu me apoio em seus ombros, o ajudando nos movimentos rápidos, e trazendo, enfim, aquela maravilhosa sensação de orgasmo para nós dois. Com os olhos totalmente intensos, e a boca entreaberta, aproxima seu rosto de mim, sem quebrar aquele arrepiante contato visual, para me dar um beijo.
  Separamos nossas bocas e corpos. me coloca de volta no chão, enquanto ainda sinto alguns resquícios do maravilhoso orgasmo que ele me deu.
  Sem trocar muitas palavras, e eu terminamos nosso banho, com alguns beijos roubados  por ele, no processo. Tentamos ser rápidos, para que ninguém desconfiasse.
  – Alguém podia ter te visto. - diz enquanto veste seu uniforme.
  – Mas ninguém me viu. - rebato, colocando a mesma roupa que eu usava antes, já que não peguei um uniforme novo. A sorte é que pude usar a toalha de para me secar, ou seria um tanto quanto estranho.
  – É melhor você ir antes que alguém apareça. - ele se encosta contra a pia de mármore escuro, e fica me observando trocar de roupa.
  – Eu já vou. - falo séria, terminando de vestir minha roupa.
  Encaro por um último segundo, soltando um suspiro antes de me virar e caminhar até a porta do banheiro, mas sou surpreendida quando o sinto segurar minha mão, me puxando para ele, para me dar um último longo selinho, antes de me deixar ir.
  Quando ele me solta, volto para o banheiro feminino, e fico ali até que o outro guarda volte, por sorte, o enrolou bem. Ao retornar, peço para que o guarda me arrume um novo macacão, e quando já estou devidamente trocada, sou levada junto com até a solitária, onde passo o restante do tempo com Madeline, enquanto pensando em tudo que iria acontecer nas próximas horas.

Capítulo 48

  O momento estava se aproximando, eu mal consegui descansar nessa cela, todos os meus pensamentos ficavam vagando e teorizando sobre o que viria acontecer. Eu nem sei há quanto tempo estou nesse sanatório, e, também, nem sei há quanto tempo estamos planejando esse plano, mas finalmente o momento chegou, e é impossível não temer em todos os sentidos. Tudo poderá dar certo, ou tudo poderá desmoronar, não tem como saber.
  A verdade está mais próxima de que nunca, a verdadeira intenção de cada um será relevada, e com isso as minhas memórias batem à porta, avisando que estão chegando cada vez mais perto de mim. Eu realmente estou assustada e com medo do que possa estar dentro de cada memória, estou com medo de me quebrar, estou com medo de descobrir coisas horríveis sobre pessoas que eu gosto.
  .
  Isso não é novo, não me fez muitas coisas boas, na verdade, ele tentou me matar, e mesmo assim eu consegui gostar dele. Isso é realmente conturbado, mas eu sinto essa ligação destrutiva. Eu queria que fosse mais fácil de lidar com isso. fez coisas ruins quando cheguei aqui, depois começou a agir como se, se importasse comigo, e agora sei que ele tem algo a ruim sobre meu passado. Isso é tão tóxico, todo esse relacionamento em ambivalentes aspectos. Eu preciso escolher qual dos caminhos  vou seguir, para poder colocar um fim em tudo isso.
  – Nós vamos sair daqui, não é, mamãe? - a suave voz de Madeline me puxa de volta para realidade, vendo a pequena garotinha de cachinhos loiros, sentada à minha frente, me olhando com grande expectativa através de seus olhos verdes.
  – Sim, querida, nós vamos para bem longe desse lugar. - seguro em sua pequena mão livre, a apertando de leve, já que a outra estava ocupada empalando seu inseparável urso de pelúcia – Você realmente gosta desse urso, huh?! - pergunto, a vendo apertar a pelúcia contra seu corpo.
  – Sim. - ela acena a cabeça freneticamente – Papai que me deu. - ela abre um enorme sorriso, mostrando seu apresso pelo objeto velho e empoeirado.
  Uma pequena garotinha vivendo no inferno, não me espanto que ela tenha achado beleza em um simples urso de pelúcia, tornando assim ele seu objeto de apego dentro desse lugar. O que Madeline fez com Sr. Fluffy – como ela costuma dizer –, ela está fazendo com e eu.
  O barulho da porta de minha cela sendo destrancada encerra nossa pequena conversa. A imagem Ethan, Sean, e Brooklyn logo nos é revelada, cada um com uma expressão diferentes, partilhando de seus próprios sentimentos nesse momento.
  – Hora do show, garotas! - um Brooklyn eufórica é a primeira a se manifestar.
  – Eu mal posso acreditar que isso está prestes a acontecer. Já posso sentir o cheiro da minha liberdade. - abre os braços em suma cena engraçada.
  – Vamos ser rápidos, eu disse que levaria vocês para uma tarefa, por isso precisamos fazer as coisas o mais rápido possível antes que Arthur venha checar e acabe com nossos planos. - Ethan alerta, fazendo um gesto de mão para que Madeline e eu saíssemos de dentro da minha cela.
  Meu último momento dentro desse lugar escuro e frio.
  – Onde está ? - pergunto, quando atravesso para fora da cela.
  – Ele disse que se adiantaria e iria tentar ver Gemma e Kat. - responde meio incerto, parecendo desconfortável.
  Então aquele foi nosso último momento. não quis me ver antes de toda verdade ser relevada. Talvez assim seja melhor, pelo menos eu tenho algo para me lembrar dele antes que tudo desmorone.
  – Não se preocupe, . Vocês só precisam ir de uma vez, antes que chegue até Gemma, porque no momento em que ele quebrar essa regra, Arthur vai saber o que está acontecendo. - Sean leva uma mão até meu ombro, me confortando.
  – Você não vai com a gente? - pergunto, franzindo o cenho.
  – Não. - ele nega com a cabeça – Será bom que alguns de nós saiam e se preparem lá fora com os caras do bar, mas outros precisam ficar aqui dentro e controlar a situação. Quando Arthur descobrir, tudo será uma bagunça, . Também vamos precisar de pessoas aqui: , eu, Ethan, Gemma e Katherine cuidaremos disso. - Sean explica.
  – E eu, mamãe? - Madeline agarra minha mão, me encarando com receio.
  – Você fica com a gente. - Sean responde por mim.
  – Eu ia levá-la comigo. - rebato.
  – Vocês vão cruzar aquela floresta, isso é perigoso, deixe ela aqui com a gente, vamos cuidar dela.
  – Não se preocupe. - Ethan completa, mostrando firmeza em sua expressão.
  – Tudo bem. - suspiro – Mad, você precisa ficar com eles. Tudo vai dar certo e vamos sair daqui, tudo bem? - encaro a pequena ao meu lado que, contragosto, acaba assentindo.
  – Então vamos? - pergunta, me fazendo assentir também.
  – Espera... - Sean diz, quando estava prestes a me juntar com e Brooklyn. – , você leu as folhas do diário do Arthur? - o loiro pergunta, me fazendo arregalar os olhos.
  – Eu me esqueci. Guardei elas assim que pegamos, mas acabei esquecendo de ler. Ficaram todo esse tempo comigo, e eu consegui me esquecer. - suspiro, passando a mão por meu rosto de forma frustrada.
  – Bom, não sei se elas ainda vão ajudar em alguma coisa nessa altura de nosso plano... - Sean respira profundamente. – Mas leve elas com você, de qualquer forma você pode ler lá fora. - apenas assinto, voltando outra vez para minha antiga cela, procurando pelas folhas que escondi debaixo do colchão.
  Depois de guardar as folhas dentro de meu uniforme, me apresso a me juntar com e Brooklyn, repassando rapidamente algumas coisas com eles antes de finalmente deixarmos o sanatório.

***

  – Chegamos. - a voz carregada de tensão de , me faz abrir os olhos, encarando o grande bar à minha frente.
  O momento havia chegado.
  Solto as mãos de e Brooklyn, vendo que toda a animação dos dois foi substituída pela tensão.
  – Nós fugimos... Arthur com certeza sentiu isso. As coisas vão começar a ficar feias por lá. - Brooklyn comenta, enquanto encara tudo ao seu redor. – Eu quase me esqueci de como era o mundo do lado de fora. - seus olhos tentam captar cada detalhe.
  – Isso é louco. Eu nem me lembrava de como eram as estrelas. - olha para cima, encarando o céu escuro e rasgado por pontos brilhantes.
  – Vocês podem divagar depois, agora precisamos nos apressar. É só uma questão de tempo até que Arthur mande alguém atrás de nós. - alerto, vendo eles voltarem para realidade.
  A nossa realidade. A realidade em que caminhamos para liberdade, e para queda de Arthur.
  Em seguida começamos a caminhar até a entrada do bar, seguindo para o estacionamento para poder chegar até os fundos.
  – Eu achei que sem a permissão de Arthur não podíamos sair. - comento, enquanto atravessamos o grande estacionamento.
  – Não podemos ir para o outro plano, dia e noite, e todo aquele blábláblá. - Brooklyn diz.
  – Mas se era apenas se 'teletransportar', por que nenhum de vocês nunca fizeram isso antes? - pergunto.
  – Porque não queríamos morrer. - Brooklyn responde irônica.
  – Nosso ‘teletransporte’ está limitado a não poder ir para outro plano. As poucas pessoas que usaram ele para fugir do sanatório foram caçadas por Arthur, . Todo mundo sabe o que ele faz, e ninguém tem coragem de quebrar as regras. - explica.
  – Ele usa do medo como artimanha, assim como encher a floresta do sanatório de bichos que nos matariam. Fora o fato de que nossos poderes são desativados naquela floresta, mas tenho certeza que isso Arthur fez temendo mais uma invasão do que a nossa fuga. - finaliza, quando atravessamos o estacionamento, nos fazendo ver um pequeno agrupamento de pessoas no fundo do bar.
  – ! - Lana é a primeira a notar nossa presença, acenando freneticamente para nós.
  – Vocês finalmente chegaram. - Ross é o próximo a nos saudar, enquanto segura seu familiar taco de basebol.
  – Ellise! - Carl se junta a nós quando nos aproximamos.
  – Onde estão resto do pessoal? - pergunto, notando a falta de anjos caçadores.
  Carl troca um rápido olhar com Ross, suspirando profundamente em seguida.
  – Depois de toda aquela cena que Hugo fez, grande parte desistiu. - o motoqueiro explica.
  – Mas não se culpe. - Ross logo intervêm, não me dando tempo para pensar sobre essa situação. – O importante é nos sairmos bem. Se tudo der certo, todos vão ver que você estava mesmo do nosso lado. - o barman sorri para mim.
  – Certo. Vamos fazer isso, não tenho tempo para me lamentar agora. - digo.
  – É assim que se fala. - Carl sorri também.
  Depois, apresento e Brooklyn para os demais, antes de repassarmos nosso plano outra vez. Eles alertam sobre os perigos que existem dentro da floresta do bar, aparentemente cercada por ghouls, criaturas carnívoras com poder de se transformar naqueles que comem.
  Eles explicaram que esses ghouls foram antigos pacientes de Arthur que tentaram fugir, e que ele acabou os jogando dentro dessa floresta como castigo, fazendo os vagar miseravelmente. Algo bastante similar as criaturas do túnel do sanatório.
  O pessoal do bar achou inteligente esconder o objeto que mataria Arthur em uma pequena cabana no meio dessa floresta, pois, apesar dos riscos mortais, era um lugar seguro, e que Arthur não pensaria em procurar.
  Ao esconder a faca nessa floresta, Carl e Ross acabaram por perder alguns membros do time, e por isso reforçaram que é importante ir em grade número para dentro da floresta, já que era perigoso, e que, unidos, podemos ter mais chances de êxito.
  Quando toda explicação foi dada, Carl e Ross começaram a distribuir armas para todos, sendo assim, um acesso mais fácil e rápido até a cabana.
  – Você vai na frente com eles! - Ross aponta para o motoqueiro mas afastado de todos. – E você.- o barman agora aponta para . – Vá com eles e use as motos, vão na frente para reconhecer terreno e alertar sobre ameaças. - assente confiante. – Eles vão cuidar da retaguarda caso algo venha por trás. - Ross aponta para um grupo de cinco pessoas perto de nós.
  – Vocês que sobraram vão ficar ao meio cuidando da segurança deles. - Ross diz para mim e todo o resto que não foi citado.
  – Você não vai? - pergunto.
  – Alguém tem que ficar aqui e vigiar, caso Arthur mande algumas criatura atrás de vocês. - Ross mostra seu taco de basebol, assumindo uma posição intimidadora. – Enzo também está lá dentro, não posso deixar o garoto sozinho. - barman aponta para o bar atrás de nós.
  – Certo. - assinto, vendo o primeiro grupo começar a se preparar para sair.
   e os outros dois motoqueiros se posicionavam em frente à densa floresta do bar.
  – Tome cuidado, . - peço, assim que ele sobe em sua moto.
  – Não morra, . - Brooklyn adverte, se juntando a mim.
  – Se cuidem vocês duas. - acelera a moto. – Vocês são as únicas amigas que eu tenho, por isso não morram, suas bastardas. - ele sorri para nós, antes de arrancar sua moto e entrar em direção à floresta, sumindo por entre as árvores.
  Troco um olhar preocupado com Brooklyn, buscando por algum consolo, mas ela estava igualmente preocupada com . O que nos resta é torcer para que tudo dê certo.
  – Agora é a vez de vocês. - uma das mulheres responsável pelo grupo da retaguarda informa.
  – Certo, vamos! - Carl faz um gesto para Brooklyn, Lana, eu e mais dois o seguimos.
  É agora, digo para mim mesma e respiro fundo. Carl faz sinal para que o sigam e todos se colocam em posição de alerta enquanto andam.
  O meu grupo se acomoda em frente à floresta, checando todo nosso armamento e lanternas que acoplamos sobre as armas, por conta da noite escura. Realmente não é algo a se recomendar, sair de noite floresta adentro, mas sei que eles estavam apenas nos esperando, e infelizmente esse foi o único horário que conseguimos sair do sanatório.
  Carl dá uma última olhada para todos nós, recebendo sinais positivos para poder começar a adentrar a floresta. Ross se despede, enquanto meu grupo começa a dar os primeiros passos pela terra batida, passando pelas enormes árvores.
  Mantenho minha arma sempre à frente do corpo. Um dedo no gatilho e a mão sob a trava. A floresta é extremamente sombria, me lembrando muito a floresta do sanatório, e por isso agradeço por existir uma lanterna acoplada na arma, só assim posso ver por onde piso. Flashes de luz dançam na escuridão conforme vamos avançando pelo terreno, e tenho que tomar cuidado com os diversos troncos caídos e galhos espinhosos pelo caminho.
  Qualquer misero barulho já era o suficiente para nos deixar em alerta, sempre procurando de onde vinha o som. E Lana é uma das que acaba nos assustando com isso, já que a mesma tropeça em um tronco oco, quase no fazendo atirar sobre ela.
  – Eu odeio mato, . - ela bufa irritada, pisando duro enquanto passa por mim limpando sua calça suja de terra. Brooklyn ri ao meu lado, antes de continuarmos nosso caminho.

***

  O ruídos da floresta se resumem em sons de corujas, pequenos animais se escondendo apressadamente pelo mato, e nossos pés contra o chão. Já andávamos por um bom tempo na, quase, total escuridão da noite, sem qualquer vestígio da cabana.
  – Merda. - Carl sussurra logo a nossa frente, fazendo todos pararem de andar. O motoqueiro mira sua lanterna para esquerda, relevando um homem devorando outro com os próprios dentes, e o mais horripilante era que se tratava da mesma pessoa fazendo isso.
  Um dos motoqueiros que saiu com .
  – É um ghoul. - Brooklyn sussurra ao meu lado, me fazendo automaticamente pensar em . Eu realmente espero que ele não tenha sido pego, pois só de pensar nisso meu corpo gela.
  Quando nos nota, o homem se vira em nossa direção, andando com pés e mãos sobre a terra enquanto rosna, nos mostrando seus dentes ensanguentados e com pedaços de pele humana.
  Carl é o primeiro a disparar contra seu antigo companheiro, que na verdade não era seu companheiro.
  O homem cai para trás, mas não desiste de avançar em nossa direção. Mais disparos, agora vindos de Brooklyn e Lana. As duas não pensaram antes de acabar com o homem, diferente de mim que apenas fiquei vendo tudo. Isso é assustador, eu estou sendo inserida nesse mundo agora, e apesar de já ter atirado contra alguém antes, eu nunca vi ninguém ser devorado dessa forma. Preciso ficar mais atenta.
  – Criaturas malditas! - Carl pragueja, se mostrando visivelmente afetado com a perda de um companheiro.
  – Temos que continuar. - Brooklyn diz, antes de sair na frente iluminando, precariamente, o caminho.
  – Tenham mais cuidado de agora em adiante. Vamos! - Carl nos encara seriamente, pedindo, através de um gesto que passássemos em sua frente, se mantendo em último agora.
  – Da pra ver uma clareira daqui, acho que estamos perto. - Brooklyn diz assim que se afasta de nós. – Merda! - ela se vira para nós em seguida – Voltem! - Brooklyn corre em nossa direção.
  – O que foi? - Lana pergunta apreensiva, sendo respondida segundos depois quando três ghouls aparecem de onde Brooklyn estava, e dessa vez eles não tem forma humana, se assemelhando às criaturas do túnel do sanatório.
  As criaturas tentam cercar Brooklyn, e agora não hesito, apenas atiro contra uma delas, recebendo reforço dos dois motoqueiros que vieram com a gente. Os ghouls gritam pelos tiros, antes de tentarem saltar sobre Brooklyn, que acerta um deles com um tiro de raspão. Carl logo se junta para atirar contra as três criaturas. Procuro Lana, a vendo se afastar um pouco da cena, e quando volto a prestar minha atenção nas criaturas, mal tenho tempo de processar quando um ghoul salta sobre mim, me levando para o chão.
  Luto para tirá-lo de cima de mim, enquanto ele tenta me morder a todo custo. Um dos motoqueiros acerta as costas do ghoul, me dando uma brecha para empurrá-lo pelo ombro, me livrando dele, o que irrita muito a criatura, que volta a me ter como alvo, conseguindo atacar meu braço direito. Grunho de dor ao sentir as unhas do ghoul arranharem meu braço.
  – ! - Lana grita, antes de acertar um tiro certeiro contra a cabeça da criatura, o matando de uma vez.
  – Você está bem? - Carl corre em minha direção, secando uma fina de suor sobre sua testa. Olho em volta vendo que ele e os outros conseguiram matar os dois ghouls que atacavam Brooklyn.
  – Sim, estou bem. - responde, levando a mão até meu braço, sentindo o sangue quente escorrer.
  Depois de Lana fazer uma atadura improvisada em meu braço com o seu casaco, ficamos alguns minutos nos recuperando do ataque surpresa, antes de seguirmos em frente.

***

  Redobrando nossa atenção cuidado, seguimos caminho, avistando a clareira que Brooklyn nos informou mais cedo. E, ao nos aproximarmos, a imagem da tal cabana se materializa em nosso caminho.
  Rompendo a distância e apressando nossos passos, logo alcançamos a entrada aberta da cabana, relevando um ambiente velho e acabado pelos cupins. Ao adentrarmos o primeiro cômodo, a sala, vemos sentado sobre o chão, com a cabeça apoiada na parede, com uma expressão totalmente apática;  ao lado dele estava o outro motoqueiro que o acompanhou.
  – . - o chamo, fazendo o loiro olhar em nossa direção, mudando sua expressão.
  – Vocês conseguiram. - ele se levantando apressadamente do chão. – Nós tivemos uma perda pelo caminho. - diz sem jeito, quando todos entram na sala.
  – Nós vimos. Mas não se preocupe, isso era um risco que tínhamos que correr. - Carl diz, encarando especificamente o motoqueiro que estava na companhia de , o mesmo parecia bastante abalado. – Ei, Ian! Venha comigo, vou pegar a faca. - Carl chama o motoqueiro, que totalmente desnorteado se levanta do chão. – Eu escondi ela no segundo andar. Fiquem de olho nas coisas aqui embaixo. - Carl diz, e apenas assentimos.
  Carl e Ian passam por nós, retornando o caminho que fizemos para irem até o segundo andar. Enquanto isso, , Lana, Brooklyn e eu acabamos ficando pela velha sala mesmo, nos espelhando pelo cômodo e tomando um tempo para nos acalmarmos.
  Me sento perto de uma trincada janela, de maneira que posso ficar de olho em quem se aproxima da cabana. E ao fazer isso, estando em um momento mais calmo, acabo me recordando das páginas soltas do diário de Arthur. Acho que esse é um bom momento para lê-las e descobrir o que Arthur tanto escondia nelas, a pontos de ocultar essas páginas.
  Retiro os papéis dobrados ao meio de dentro do bolço de meu uniforme, as desdobrando e encarando a letra curvada, antes de começar a ler todo seu conteúdo escondido.

Capítulo 49

 "Olá, minha querida ,

  Se você está lendo essa carta, é porque provavelmente meu plano se iniciou. Talvez você não esteja entendendo muito bem, por isso vou precisar de contar uma história um tanto quanto trágica.
  Desde o começo dos tempos – assim como no mundo humano –, existe uma grande briga por poder no mundo sobrenatural. Quanto mais se tem, mais se quer. Acho que isso é normal, está impregnado com todos nós, já que nunca estamos satisfeitos com nada. Uma herança maldita. E toda essa ganância por poder acabou afetando a nossa pequena e pobre protagonista.
  Há muitos anos atrás, dentro de uma das famílias mais poderosas de sangue puro dos anjos caçadores, uma bela e inocente garota – que iremos nomear por anjinho – deveria se casar com um rapaz, também anjo caçador, gerando a grande fusão de duas famílias poderosas, que renderiam uma união ainda mais poderosa. Essas duas famílias planejam se unir para aplicar um grande Coup d'État contra o governo daquela linhagem sobrenatural. Eles planejavam adquirir poder com essa união, derrubar as posições mais altas dos anjos caçadores, a hierarquia, e reconstruir tudo com novas leis e ordens.
  Nosso pequeno anjinho conhecia seu futuro marido, Carter, desde de sua infância, o vendo apenas como amigo, nada além disso; pobre Carter. Mas, como ambas as famílias já tinham um plano traçado, ela acabou ficando noiva de Carter; pobre anjinho. O que a família e a família Lewis não sabiam, era que o futuro preparava algo maior para o nosso doce anjinho.
  Dois anos após ficar noiva de Carter, nosso inocente anjo conheceu um turbulento rapaz, do qual iremos chamar de . Nosso pequeno não era bem o tipo favorito dos anjos caçadores, na verdade, ele era totalmente o oposto, era um demônio. Uma criatura de natureza fria e calculista, um ser moldado na escuridão, criado para não ter sentimentos amorosos ou afetuosos, isso iria contra sua própria natureza. Para , nosso pequeno anjinho era apenas mais uma das mulheres que passará por sua vida, uma vida turbulenta onde você tira o melhor de tudo apenas para você. O que o jovem demônio não esperava, era que esse pequeno anjo acabasse ficando grávida. Isso mesmo. Nossa protagonista passou a se encontrar com escondida depois que o conheceu, até que engravidasse dele.
  Pobre anjo. Ela se desesperou, enganou uma pessoa querida – Carter –, e não seguiu à risca o que lhe fora imposto, mesmo que ela nunca quisesse se tornar uma das líderes de sua espécie.
  Totalmente sem rumo, nossa pequena protagonista contou apenas para seus três amigos: Alana, Connor e Lilly sobre sua, não planejada, gravidez. Foi um verdadeiro tumulto, uns queriam apoiar, enquanto outro se revoltaram, e por fim nosso anjinho decidiu fugir. Ela sabia que quando a verdade viesse à tona, ela seria caçada, um anjo caçador e um demônio teriam um filho? Isso é inaceitável.
  Seu melhor amigo Connor a acompanhou nessa fuga. O anjinho pretendia viver escondida, para dar ao seu bebê uma vida digna, afinal, ela não tinha culpa de seus erros.
  
“E quanto a ?” Você deve estar se perguntando. Bom, nossa protagonista decidiu não lhe contar, ela sabia que não tinha esse tipo de sentimento, e muito menos aceitaria viver uma vida feliz com ela. Nosso anjinho já estava sofrendo demais, a culpa a corroía por dentro, e ela sabia que quando Carter descobrisse tudo, ele desabaria. Mas o que ela pode fazer, se acabou se apaixonando por quem não devia? Ela nem queria esse casamento, para começo de conversa, e Carter sabia disso; sabia, inclusive, que o sentimento romântico não era recíproco.
  Durante os nove meses nosso anjinho e Connor vagaram por diversos lugares até que o dia do nascimento da pequena criança chegasse. Para a nossa protagonista, tudo estava indo como o planejado, pelo menos era o que ela pensava.
  Agora irei inverter as posições, . Preciso te contar o outro lado dessa história para que você entenda como tudo se entrelaça. Agora que sabe sobre a visão dos anjos caçadores, eu irei te contar a dos demônios.
  Do o outro lado a moeda vivam as criaturas da escuridão, onde um imponente e poderoso demônio comandava as criaturas da noite. Este demônio chamado Arthur – acho que você o conhece – tinha três filhos, uma bela jovem chamada Gemma, e dois rapazes chamados de e Sean. E dentre esses três filhos, Sean era, de longe, o mais sombrio. Sua mente era louca, e sua sede por poder ultrapassava as barreiras da razão. Sean não aceitava ser comandado nem mesmo por seu pai, e muito menos gostava da ideia de ter anjos caçadores superiores a ele, então Sean sabia que tinha que bolar um plano o mais rápido possível, ele não podia deixar que essa união acontecesse.
  E seu não-tão-amado irmão, , apenas facilitou seus planos. Com o envolvimento de e do anjinho, Sean sabia que tinha encontrado a cartada perfeita, então foi fácil para ele usar suas brilhantes habilidades de manipulação, onde ele tem maestria. Sean sabia que o topo dos anjos caçadores, aqueles que tudo comandavam, não estavam nada satisfeitos com a união dos 's e dos Lewis's, e por isso ele se aproveitou deste momento, oferecendo uma secreta aliança de ambas as partes para que derrubassem esse Coup d'État. Mas tudo era um grande jogo, Sean pretendia usar os anjos caçadores para obter seu objetivo de comando, e quando isso acontecesse, ele descartaria cada um dos anjos, só que o mesmo seria feito do outro lado, os anjos pensavam da mesma forma, ambos se usando, uma brutal disputa de poder e sagacidade. Quem iria ficar de pé no final?
  E é ai que tudo se cruza.
  Quando nosso anjinho fugiu, sua melhor amiga, Alana, acabou contando sobre sua gravidez. Ela achou melhor não esconder, e por isso, nossa protagonista foi caçada vorazmente. Mas Sean jogaria com calma, ele tinha um informante dentro dos anjos caçadores, alguém que estava passando informações sobre o anjinho e todo o resto. Sean achou melhor deixar que o nosso anjinho se sentisse segura durante os nove meses, já que o momento certo para atacar seria no nascimento da criança.
  Sabe, , quando uma criatura sobrenatural fica grávida, isso consome muito poder e força vital, a criança não é uma humana, e por isso ela não se alimenta apenas de comida. E quando a criatura dá a luz ao bebê, é o exato momento em que ela fica totalmente vulnerável, praticamente se torna um humano, pois isso exige demais de seu corpo, e seus poderes são todos drenados para o bebê. E era isso que Sean faria, ele sugeriu que os anjos caçadores fingissem estar atrás do anjinho, quando na verdade estavam esperando dar os nove meses para atacar no momento em que a nossa protagonista estivesse totalmente fraca e drenada.
  Apesar de inocente, nosso anjinho não era estúpido, ela também pensou nesse possibilidade, e por isso tomou a decisão mais difícil de sua vida. Aos prantos, totalmente desolada, ela entregou sua pequena Madeline para Connor, suplicando para que ele fugisse com o seu pequeno bebê e desse à ela uma vida normal. Nosso anjinho sabia que todos estavam atrás dela e Madeline, afinal, imagina o quão forte era um bebê híbrido de anjo caçador e um demônio. Esse bebê poderia ser criado como uma poderosa arma mortal, ou poderia tornar alguém uma grande arma mortal, se os seus poderes fossem absorvidos para si mesmo.
  Connor não pode negar isso para sua amiga, ele a amava, mas acima de tudo, sabia o quão devastada ela estava. Ficou apenas uma semana ao lado de sua filha, mas que para ela foi como uma vida. Nosso anjinho ficaria para trás, lutaria com todos que tentassem algo contra sua pequena, ela não deixaria que encostassem um dedo no bebê.
  Pobre anjinho, ela estava tão enganada.
  Enquanto Connor fugia com Madeline, nosso anjinho ficou e lutou bravamente com as poucas forças que tinha. Ela foi derrotada. E como castigo por ter sido a grande miséria dos anjos caçadores, suas memórias foram apagadas, e novas foram inseridas no lugar. Nossa protagonista teria que viver como uma simples humana, sendo obrigada a esquecer de todos que foram importantes em sua vida, como sua filha e seu grande amor. Sua família também pagou por seus pecados, todos estavam proibidos de contarem a verdade para nosso anjo, ou ela seria morta imediatamente, sem questionamentos, afinal, ela se apaixonou por um demônio.
  Por isso sua família viveu na vergonha de fingir serem apenas humanos. O topo da hierarquia dos anjos caçadores disse que esse era o castigo dela, mas todos sabem que isso era uma grande mentira, e que na verdade eles deixaram nosso anjo viver para lembrar sua família que eles estavam no comando e podiam fazer o que quiserem, porque ela quebrou as regras; quando, na verdade, eles estavam apenas interditando o Coup d'État que os 's e os Lewis's planejavam. Eles foram inteligentes, Sean foi inteligente.
  Vivendo uma miséria, nosso anjo estava sem memórias. Carter não aguentou a verdade, e muito menos ver a mulher de sua vida sofrendo, por isso decidiu se afastar, levando Lilly com ele. Alana continuou ao lado de nosso anjo, tendo que fingir ser uma humana também. Connor estava desaparecido com Madeline, por isso foi completamente deletado da vida da nossa protagonista.
   não soube lidar com o fato de ter uma filha, ele surtou. Surtou por todos os cantos, aquilo havia mexido com ele, com a sua natureza, ele não podia sentir aquilo, era um demônio, isso era inaceitável. Já fora tocado o suficiente pelo nosso anjo, por mais que ele negasse, e agora ele tinha uma filha perdida, seu mundo estava desabando.
  Sean se aproveitou de toda bagunça para seguir com seu plano. Ele, juntamente com os anjos caçadores do topo da hierarquia, iria atrás de Madeline e tomaria todos os poderes de sua inocente sobrinha para poder comandar tanto os anjos, quanto os demônios, ele seria único. Os anjos caçadores, por outro lado, estavam interessados na criança para criá-la como uma arma em potencial contra demônios e todos que o ameaçassem.
  Pobres coitados, mal sabiam que uma criatura muito mais poderosa que todos eles juntos estava apenas esperando o momento certo para atacar.
  Arthur se divertiu vendo toda a confusão, deixou que eles fizessem o trabalho pesado, e quando já tinha todas as peças alinhadas em seu tabuleiro, ele deu seu xeque-mate. Desde o princípio ele sabia das intenções de seu filho, e já tinha uma ideia do que ele era capaz. Arthur está acima de todos, sua inteligência não deve ser questionada, ninguém é melhor que ele em jogos e manipulação, esse é seu dom nato.
  Arthur logo descobriu que Connor havia levado Madeline para uma cidade no interior da Inglaterra, um lugar bastante afastado da civilização chamado Hazelwood. Sem pressa, Arthur criou um enorme sanatório no topo da colina da cidade, aquele em que seria seu castelo, o lugar onde ele controlaria todas as suas criaturas, e que ninguém sairia ou entraria sem a sua permissão, Waverly Hills seria seu terreno proibido.
  Vendo a luta interna que seu filho do meio passava, e como tentava lutar para afastar dele todo e qualquer tipo de sentimento, Arthur delegou ao seu filho que trouxesse Madeline até ele. Esse seria um teste para , para saber se seu filho ainda estava com ele ou se havia se entregado ao outro lado.
   aceitou, afinal, ele queria provar para si mesmo que não se importava, mas bastou ver o rosto inocente da pequena garotinha de três anos, para que tudo fosse por água abaixo. se enxergou através dos grandes olhos verdes, ele enxergou ela, o nosso anjinho. E por isso ele não seria capaz de fazer mal à sua própria filha.
   ainda assim levou Madeline até Arthur, tentando enganar a si mesmo, convencendo-se de que estava fazendo isso para acabar com a pequena garotinha, mas na verdade ele apenas queria tê-la por perto. E durante todos os anos seguintes, Arthur viu protegendo e cuidando da pequena Madeline, mesmo que o próprio negasse. nunca teve coragem de dizer à pequena que era seu pai, ele não queria aflorar isso, queria apenas esquecer todo o seu passado e não ter que lutar contra toda sua natureza de demônio, isso era demais para ele.
  Arthur prendeu Sean durante anos, colocando seu mirabolante plano em um longo hiatos, fazendo um grande ódio se aflorar dentro do jovem demônio insaciável por poder. E trancando não só Sean e Madeline dentro do sanatório, como todos os outros demônios, Arthur acabou atrapalhando também os planos da hierarquia dos anjos caçadores.
  Seu aliado estava preso e eles não podiam criar uma guerra contra Arthur, então que eles iriam fazer agora?
  Tudo havia escorregado por entre seus dedos. Arthur foi mais inteligente e pegou o grande prêmio, e agora ele criava sua adorável netinha como alguém tão poderosa ao ponto de sucedê-lo um dia.
  Durante anos ele transformou a vida de todos em um grande inferno, apenas para mostrar quem realmente estava no comando e colocar cada um na linha. Arthur faria Madeline crescer através da dor e do sofrimento, ela era uma hibrida criada por demônios, não podia fraquejar, teria que se tornar a melhor das melhores.
  A sorte da pobre criança é que ela foi acolhida pelos amigos de seu pai e sua amável tia Gemma, que era a grande desgraça de Arthur. Sua filha mais velha, que agia como se fosse um belo anjo de luz, sendo totalmente amável e desprezível aos olhos de Arthur.
  Os anos foram se passando quando os anjos caçadores tentaram invadir o Waverly Hills pela primeira vez para tentar tirar Madeline de perto de Arthur, pois sabiam que isso seria ruim no futuro para todos. E nem preciso dizer que todos falharam, já que Arthur era forte demais. Depois dessa tentativa de invasão, os anjos caçadores se dividiram. De um lado, os rebeldes lutando contra o “mal” para estabelecer o equilíbrio entre as espécies, e do outro lado, o topo da hierarquia, querendo apenas o poder que Arthur possuía.
  No meio de toda essa confusão, a família de nosso anjinho resolveu fazer alguma coisa; eles já estavam cansados de viver na humilhação de fingirem ser humanos. Todos haviam se afastados deles, pois não queria pagar por seus pecados, e os poucos que sobraram tiveram que entrar nessa mentira. Eles precisavam recuperar sua honra e dar continuidade ao Coup d'État.
  Tudo se resume a poder, , como eu escrevi nessa carta: uma herança maldita, quanto mais se tem, mais se quer.
  A família de nossa protagonista sabia que não podia contar sobre suas memórias, mas e se nosso anjo se lembrasse por conta própria?
  Se o anjinho se lembrasse por si mesma, isso não seria uma quebra de regras e ninguém poderia ser punido, era o plano perfeito.
  A essa altura, Connor já havia contado tudo, inclusive que Arthur tomou Madeline. O jovem resolveu continuar em Hazelwood mesmo depois da captura da criança, pois sua consciência pesava demais para voltar, ele não havia conseguido cumprir sua promessa para sua amiga, deixou que levassem a pequena garotinha.
  A família resolveu levar nosso anjo para o olho do furacão, onde a empurrariam direto para suas memórias. O plano era trazer a nossa protagonista até Hazelwood, e fazê-la ter contato com todo seu passado, para que ela pudesse recuperar suas memórias sozinha; assim, tudo voltaria aos conformes.
  Alana estava encarregada de ir junto com nosso anjinho, ela continuaria agindo como se fosse uma mera humana, mas sempre incitando nosso anjo a ir atrás de seu passado. Connor resolveu ajudar, ele queria tentar se redimir de alguma forma, e por isso estava disposto a ajudar nosso anjo a recuperar sua filha. E por fim, duas mulheres foram enviadas para cidade de Hazelwood, elas foram uma das poucas que ficaram ao lado dos 's, e estavam encarregadas de guiar nossa protagonista por sua nova jornada, a protegendo de qualquer empecilho que surgisse no caminho.
  Ao saber da chegada de nosso anjinho, Arthur não pensou duas vezes ao incluí-la em seu jogo. Seus planos haviam mudado com a chegada de nossa protagonista, e agora as coisas ficariam mais divertidas.
  Ele tinha ótimos planos para o anjinho. Espalhou pistas e atrativos por toda Hazelwood, para levar o anjo até o covil dos lobos, onde ele não permitiu que ninguém contasse a verdade à ela, pois queria que nosso anjinho se lembrasse de suas memórias através de experiencias ruins, despertando um lado escuro de seus poderes. Ele acreditava que assim nossa protagonista retornaria como um belo anjo negro, tendo um grande colapso quando a cartada final fosse lançada. Arthur adorava jogos de manipulação; para ele, todos eram como peças de xadrez, onde ele ia fazendo suas jogadas. Então Arthur adotou o sobrenome de Waverly, dando a o , para que a anjinho não descobrisse nada até o momento certo.
  Houveram alguns empecilhos no meio do caminho, como seu filho , que surtou ao reencontrar nosso belo anjinho, que bagunçou toda sua cabeça. tentou a matar, e Arthur gostou disso, claro que ele não deixaria seu filho matá-la de verdade, ele sabia que haviam criaturas que cuidariam do anjo. Mas, para Arthur, isso seria um belo começo para a transformação da protagonista; imagine só ver o grande amor de sua vida te fazendo mal! Isso era épico!
  Arthur usaria o grande amor da vida do anjinho e sua filha, como principais peões na transformação de nosso anjinho, e não só na dela, como na de seu filho e de sua neta. Os três seriam um combo perfeito.
  Uma trágica história, certo? Ela ainda não tem final, mas logo você poderá descobrir. Mas o mais importante, você deve estar se perguntando qual é o nome desse nosso pobre anjinho que foi usado, certo? Acho que agora eu posso te falar.
  Na verdade, eu acho que a esse ponto da carta você já deve ter percebido que nosso pobre anjinho é você, . Usada todo esse tempo apenas como um prêmio, e não só você, mas sua filha também. Sim, sua filha. Madeline é sua filha legítima com o . Nesse momento você deve estar muito mal por saber que sua filha tem vivido no inferno, você deve estar mal por não se lembrar dela...
  Você agora faz parte do meu jogo de tabuleiro, e é a peça mais importante. Madeline era o meu prêmio, mas por que eu tenho que contentar com a filha, se eu posso ter a mãe também?
  Todo esse tempo eu preparei cada etapa da sua transição, queria que fosse sentisse na pele o próprio fogo do inferno, queria despertar suas memórias pelo lado ruim. Arquitetei tudo isso, e agora estou te contando o que falta. Mas por quê? Por que eu estou fazendo isso?
  Simples, porque isso é necessário. O mal não tem fim, a noite sempre cairá, é um ciclo infinito. Eu não me defino como um ser sobrenatural, eu sou mais que isso, eu estou em todos os lugares, eu sou impalpável, o ciclo sem fim da escuridão. E por mais que eu me vá um dia, alguém sempre ficará no meu lugar.
   é instável demais, ele é muito intenso, não sabe lidar com sentimentos; para ele é como travar uma batalha interna, para ter que lutar contra sua própria natureza porque ele foi criado como um demônio. Sean é sorrateiro demais, não é uma criatura que eu tenho confiança, e se vende por qualquer migalha de poder. E Gemma, essa eu dispenso comentários.
  Você e Madeline são perfeitas, são inocentes e fáceis de moldar. Madeline ainda é uma criança, mal sabe sobre o mundo, mas você já é uma mulher, é perfeita para dar continuidade a todo esse ciclo.
  Leia com atenção, : eu sempre soube do plano de vocês.
  É estupido o fato de vocês acharem que podem me enganar. Não tem como dissipar o mal. Vocês só chegaram até aqui porque eu permiti, você acha mesmo que toda a mordomia que vocês tinham era descuido ou descaso? Eu apenas soltei vocês para que chegassem até esse ponto, pois tudo faz parte do meu jogo. Vocês podem até achar que me matando, tudo isso vai acabar, mas não vai, nunca vai.
  Cada jogada, cada detalhe, eu pensei em tudo, eu previ tudo, assim como sei que seu futuro será negro. Quando vocês acharem que acabou, eu simplesmente ressuscitarei tudo das cinzas, para que o ciclo se inicie outra vez, porque não tem como acabar com o mal.
  Para que você veja o iluminado dia, é preciso passar pela noite; para que exista um herói, é preciso haver um vilão. Esse é o ciclo da vida, o ciclo do universo, e é extremamente estúpido pensar que você pode ir contra isso.
  Eu estou te esperando no Waverly Hills, estararei de frente para cada um de vocês, e mesmo que esse meu corpo físico caia sem vida no chão, eu ainda permanecerei, ainda continuarei. Não tem como escapar, já é tarde demais, . Você caiu no meu plano, e agora toda a escuridão te consome por dentro.
  Sean veio te enganando esse tempo todo, até fingiu ser um anjo caçador para se aproveitar da sua ingenuidade e de todos. Você ainda deixou sua filha nas mãos dele, mal sabendo do que ele é capaz. Eu posso ter quebrado a aliança dele com os anjos caçadores, mas Sean nunca desistiu de seu plano, ele quer derrubar cada um até que reste apenas ele.
   está totalmente descontrolado, sua mente enlouqueceu, você enlouqueceu todas as crenças dele. Espere ser recebida por alguém que irá te destruir. não aguenta mais ter que ir contra sua natureza por vocês duas, ele chegou ao próprio limite, , e não medirá esforços para acabar com vocês e todo esse sofrimento dentro dele mesmo.
  Sua família e amigos te engaram e te jogaram no inferno, apenas visando o poder. E com tudo isso, você realmente acha que pode acabar com o mal? Se quer isso, mate todos, incluindo aqueles que você ama, pois eles foram os que mais te machucaram, e não eu.
  O fundo do poço é esse que você está. Seu mundo desabou, não existe mais nada que você possa fazer, você não tem ninguém, mas eu estou te estendendo uma mão, te dando a chance de deixar todos esses sentimento para trás. Se junte verdadeiramente a mim, vá atrás do que é importante para você e acabe com todo o resto, dando continuidade ao meu ciclo.
  Uma vez no inferno, , só o diabo pode te salvar...
  Arthur Waverly."

Capítulo 50

  Meu corpo tremia da cabeça aos pés, minhas mãos amassavam as folhas, enquanto lágrimas escorriam por todo meu rosto, manchando as letras tingidas no papel amarelado. Flashes e lapsos de memórias começavam a me atingir de uma vez só, me fazendo não ser capaz de suportar tudo que bombardeava minha mente. Eu não tinha todas as peças, algumas coisas eu me recordava vagamente, mas depois de ler essas folhas soltas, eu sabia que Arthur estava dizendo a verdade, eu sabia que tudo isso havia acontecido, eu me lembrava.
  O meu bebê foi tirado de mim. A minha Madeline. Ela passou todo esse tempo no inferno, foi arrastada pelo próprio pai, uma criança que não tem culpa de nada, acabou se tornou a maior vítima de todo esse conto de terror.
  Sean. Eu não posso acreditar em tudo que aquele cretino fez, me enganou esse tempo todo, enganou a todos.
  Até mesmo minha família e amigos... eles me empurraram para tudo isso, e outra vez tiraram o meu direito de tomar decisões sobre minha própria vida. Eu não passo de uma peça de xadrez que era movida de acordo com a estratégia dos outros, eu nem sequer posso escolher o que é melhor para mim. Eu não consigo acreditar que fui enganada de novo.
  Mas o pior deles é Arthur, como pode haver alguém tão sem escrúpulos e meticuloso a ponto de criar um grande teatro em torno dessa porcaria de história? Ele planejou cada detalhe em cima da minha miséria, ele usou todos, sem exceções. E agora simplesmente acha que pode me fazer uma proposta ridícula? Ele só pode estar brincando com a minha cara.
  Eu não vou me juntar a ele, eu vou matar ele. Vou acabar com toda essa história e tirar do meu caminho todos que fizeram a mim e minha filha, eu não irei perdoar um sequer, porque eu estou cansada de ser usada. Agora quem mexe as peças sou eu.
  – Ei, ! Você está bem? - olho para o lado, vendo Lana, Brooklyn e me encarando preocupadamente.
  – Vamos embora daqui agora. - falo exasperada, me levando de onde estava, enquanto seco o meu rosto.
  – O que foi, ? Por que você está chorando? - Lana se aproxima.
  – Eu falei para irmos embora daqui agora! - repito rudemente, jogando as folhas soltas no chão. – , pegue a porcaria da moto e me leve agora para aquele sanatório. - desvio meu olhar para ele, que me olha sem entender.
  Ele troca um olhar confuso com Brooklyn, enquanto Lana continua parada a minha frente tentando entender o que acontecia.
  – Ei, , calma. - se aproxima também, – O que é tudo isso? - ele franze seu cenho.
  – O que é tudo isso? - solto uma risada sem humor, enquanto seco as lágrimas em meu rosto. – Não se preocupe, não é nada, eu apenas me lembrei de tudo. - falo, vendo os três, presentes, arregalarem os olhos. – E muito obrigada por terem me ajudado esse tempo todo, ou devo dizer, por terem me feito de idiota. - falo diretamente para Lana, empurrando as folhas soltas em sua direção, antes de me virar e sair pela cabana.
  Caminho para fora procurando pela moto que usou para chegar até aqui, e quando a acho um pouco mais afastada da cabana, ele surge.
  – , você precisa se acalmar. - ele corre até onde estou.
  – Me acalmar, ? Você está falando sério? - sinto minha respiração acelerar, – Eu fui enganada esse tempo todo por todo mundo! A minha filha foi tirada de mim! O provavelmente vai estragar tudo e você quer que eu me acalme? - pergunto irônica, me aproximando dele.
  Ele me olha de forma culpada.
  – Como vamos acabar com tudo isso se você estiver assim? - tenta soar calmamente, para que eu não me descontrole ainda mais.
  – Não se preocupe com isso, porque eu vou acabar com cada um deles. - vejo nesse momento, através dos olhos de , o mesmo pavor que ele demostrava quando falava com Arthur.
  – Ei! O que está acontecendo? - Carl surge da porta da cabana, nos encarando sem entender.
  – Carl, me leve daqui agora! Eu preciso acabar com aquele maldito do Arthur!
  – Nós já estamos indo, . Por que está tão exaltada? - ele também se aproxima, me fazendo ver a pequena faca que ele carregava em mãos.
  – Ela se lembrou de tudo. - responde, levando as mãos até a cabeça de forma exasperada, fazendo Carl parar de andar e me encarar por alguns segundos.
  – Então vamos logo. - Carl toma uma postura séria, caminhando até a moto que usou. Ele entendeu como isso é importante para mim neste momento.
  Sem pestanejar, caminho junto com ele, tomando meu lugar na moto, ficando atrás de Carl, que guarda a faca em sua bota antes de ligar a moto. fica nos encarando com uma expressão desesperada, mas não tenta impedir, ele sabia que não havia o que ser feito agora.
  Carl arranca a moto de uma vez, passando por cada árvore e por cada criatura da floresta de forma veloz. Ele não deixou que nada nos atrapalhasse, sabia que isso era importante para mim e que eu tinha todo o direito de me sentir assim.
  Ele sabia que eu precisava do meu acerto de contas.

***

  Depois dos mais agoniantes minutos de minha vida, Carl finalmente estacionava em frente ao grande prédio do sanatório. Passamos pela floresta do Warvely Hills sem qualquer problema, isso já não era mais preciso, Arthur estava nos esperando, então não tinha motivos para dificultar as coisas.
  Depois de todo esse tempo no escuro, e sem saber em quem confiar ou o que fazer, finalmente descobri a verdade, e mesmo que ela doa e seja difícil de acreditar, chegou a hora de confrontar todo o meu passado.
  – Eu vou ficar aqui e esperar os outros. - Carl diz, apontando para a floresta atrás e nós, onde podíamos ver com clareza , Brooklyn, Lana e Ian se aproximando nas motos que sobraram.
  – Eu estou indo agora. - desço da moto.
  – Leve isso com você. - Carl retira de sua bota a faca e me entrega. Sem delongas, tomo o objeto velho e sujo de suas mãos, guardando no cós de minha calça. – Você está com a sua arma ainda?
  – Estou. - levo a mão até o outro lado do cós de minha calça, sentindo a arma que Ross me deu.
  – Tome! - ele enfia a mão dentro do bolso de sua jaqueta, retirando de lá um pequeno frasco com um liquido transparente. – É água benta, caso você precise. - ele joga o frasco em minha direção, do qual guardo no bolso de minha calça.
  – Certo, vou indo agora.
  – Boa sorte, . - Carl diz, transparecendo uma preocupação que nunca vi antes. Eu apenas dou um aceno de cabeça, antes de me virar e seguir caminho até a entrada do sanatório.
  Sentindo cada parte do meu corpo vibrar, me aproximo da entrada, passando pelas grandes pilastras brancas e depois pela porta de madeira, que do outro lado revela o caos que o sanatório estava. Tudo estava destruído e bagunçado, alguns pacientes estavam feridos, ou até mesmo mortos pelo chão, e gritos histéricos eram a sinfonia que completava essa visão do inferno. Era pior do que a primeira vez que estive aqui.
  Passo por entre os corpos, indo em direção aos corredores conhecidos. Meus pés me guiam escada acima, apenas seguindo sem rumo. Eu realmente não sabia quem encontrar primeiro, ou para onde ir, mas o meu corpo gritava por aquele lugar. O lugar onde eu já tive momento horríveis, o mesmo lugar onde minha filha sofreu todo aquele inferno. Eu queria voltar a sala dos castigos por um momento e sentir toda aquela dor novamente, queria me lembrar de como foi encontrar Madeline aos prantos, queria me lembrar do lugar onde ela me chamou de “mãe” pela primeira vez.
  Antes que eu me desse conta, eu já estava parada em frente à porta de madeira, sentindo minha respiração descompensada, enquanto uma horrível ansiedade tomada conta de cada parte do meu corpo, porque diferente da última vez, esse lugar vai me trazer mais do que dor física.
  Fecho os olhos por alguns segundos, respirando fundo e tomando coragem para segurar na maçaneta gelada, da qual começo a girar lentamente, sentindo que meu coração podia rasgar meu peito a qualquer momento. Quando a porta destrava, a empurro sem pressa, relevando os primeiros lugares daquela infernal sala, mas o que eu não esperava era encontrar ele neste lugar também.
   estava encostado na parede lateral, encarando um ponto qualquer da sala. Mas ao notar minha presença, seus olhos verdes vagam até minha imagem, me olhando de maneira profunda, como se ele já soubesse que eu descobri tudo.
  – Por que você está aqui? - pergunto, segurando a maçaneta com força.
  – Estou pensando. - ele responde, sem nem mesmo piscar, continuando com aquele profundo e maldito contato visual. Seus olhos nesse momento pareciam ler o mais profundo de minha alma.
  – Pensando, é? - pergunto irônica. – E pensando no quê? - por mais que eu me sinta nervosa e ansiosa da cabeça aos pés, eu não posso esquecer o motivo que me trouxe até esse sanatório.
  – No passado... - ele dá de ombros. – Talvez no que vai acontecer no futuro. - ele arqueia as duas sobrancelhas de forma significativa.
  – Que estranho. - dou uma risada sem humor. – Porque eu estava pensando exatamente a mesma coisa. - solto a maçaneta, entrando de vez na sala, fechando a porta atrás de mim.
  – E o que você vai fazer agora, ? - pergunta, deixando que tudo trasbordasse através dessa pergunta. Eu sabia que havia muito mais por trás dessa conversa.
  – O que eu vou fazer? - dou alguns passos em sua direção. – Eu não vou deixar mais ninguém atrapalhar a minha vida, . Eu vou pegar a minha filha e vou embora desse lugar, mas antes, eu vou acabar com cada um que a fez sofrer. - fecho minhas mãos em punhos, sentindo meus olhos marejarem.
   fica em silêncio, apenas observando cada parte do meu desespero.
  – Por que você deixou ela passar por tudo isso, ? - pergunto, sem conseguir conter tudo que estava reprimido dentro de mim. Vejo sua mandíbula trincar, mostrando seu nervosismo com minha pergunta. – Ela é sua filha...
  – Eu sei! - ele me interrompe. – Eu sei dessa merda, . - se desencosta da parede, me olhando me forma irritada.
  – ENTÃO POR QUE NÃO FEZ NADA?! - me descontrolo de vez, o vendo partir para cima de mim e me empurrar contra parede, me olhando através de seus olhos negros, que há tempos eu não via. 
  – E você queria que eu fizesse o quê? - ele pergunta entre os dentes. – Eu sou a porra de um demônio! Eu nem deveria ter uma filha, nem deveria estar tendo que passar por toda essa merda, ! Você fez esse inferno na minha vida e eu não aguento mais isso! - as veias de meu pescoço e olhos saltam, tornando seu olho cada vez mais escuro.
  – Você não aguenta mais isso? - pergunto incrédula. – E quanto a mim? Você acha que eu deveria ter passado por tudo isso? VOCÊ ACHA QUE ELA DEVERIA TER PASSADO POR TUDO ISSO? - o empurro para longo, respirando pesadamente. – Ela é uma criança, ! E mesmo assim você a trouxe pra esse lugar! Olha só o que o seu pai fez com ela! O que a porra do seu irmão pretende fazer com ela! - continuo despejando tudo, enquanto ando de um lado para o outro.
  – Mas eu estive com ela esse tempo todo! - ele me olha com raiva.
  – Você está brincando comigo?! - paro de andar, encarando bem ele. – Você a arrastou pro inferno que você vive! - eu podia ver que a cada palavra minha, sua feição ficava ainda mais demoníaca, demonstrando toda sua raiva por essa situação.
  – E você queria que eu deixasse ela sozinha lá fora esperando que alguém a pegasse? Pelo menos nessa merda de lugar eu estaria com ela! - ele passa a mão pelos cabelos. – Mas quer saber, que se foda! Que se foda vocês duas! Eu vou acabar com essa merda, eu vou tirar vocês da minha vida!
  – E o que você vai fazer? Nos matar? - pergunto entre um riso sem humor.
  – É, . Eu vou matar vocês duas! - ele responde seriamente, me fazendo ter calafrios por um momento. – Eu vou acabar com algo que não deveria nem ter começado.
  Ficamos longos segundos nos encarando, enquanto eu apenas absorvia todas as suas palavras. Eu já sabia, estava na carta de Arthur, mas escutar isso saindo da boca de era ainda mais doloroso. E mesmo que isso machuque, eu vou continuar seguindo em frente, e se permanecer entre a felicidade de minha filha e eu, não pensarei duas vezes em arrancá-lo do meu caminho.
  Antes que qualquer outra palavra fosse proferida entre nós dois, a porta que fechei agora é aberta, relevando a imagem de quem eu menos gostaria de ver nesse momento.
  – Até que enfim achei vocês. Espero não estar atrapalhando nada. - Sean para ao lado da porta, nos fitando. Eu sinto cada célula do meu corpo ferver em ódio ao vê-lo pela primeira vez como ele realmente era.
  – Onde você estava? - brada atrás de mim.
  – Verificando se tudo estava nos conformes. - Sean sorri cinicamente.
  – Seu maldito... - rosno as palavras de maneira baixa.
  – O quê? Você disse alguma coisa, ? - ele tomba a cabeça para o lado, me encarando com falsa confusão.
  – Você me enganou esse tempo todo. - tento controlar minha respiração.
  – Não leve para o lado pessoal, , eu precisava fazer isso. Mas se serve de consolo, eu realmente gosto de você... hm, mas não aquele jeito. - Sean encolhe os ombros, falando como se isso fosse normal.
  – Cale a boca e vamos dar o fora daqui logo. - passa por mim, caminhando em direção à porta.
  – Sem pressa, irmãozinho. Logo você terá o que quer, e eu também. - Sean responde , mas com sua atenção voltada para mim.
  Irmãozinho... Isso me enoja. Não deveria estar surpresa por saber que eles são irmãos, os dois foram ruins para mim e causaram coisas horríveis na minha vida. A semelhança com Arthur é inegável.
  – Eu não vou deixar você encostar um dedo sequer na minha filha. - em passos pesados me aproximo dos dois.
  Sean sorri com escárnio.
  – Eu venho esperando por esse momento por um longo tempo, e não vai ser você que vai me atrapalhar, . - e pela primeira vez vejo sua real face, seus olhos negros como a escuridão, a sua imagem de demônio, como ele realmente é.
  – Isso é o que veremos, Sean. - rebato, devolvendo o mesmo sorriso. – Eu não vou poupar nenhum de vocês, eu vou acabar com você.
  – Boa sorte então, . O Coup d'État continua. - ele provoca minhas memórias, antes de sumir em frente aos meus olhos, exatamente como os demônios fazem.
   permanece parado em seu lugar, encarando o ponto de onde Sean desapareceu, como se pensasse em algo.
  – Escute, ... - desvio minha atenção até ele. – Se você continuar com isso... se você realmente tentar fazer alguma coisa contra a nossa filha, eu mato você sem pensar duas vezes. - olho diretamente dentro de seus olhos verdes, para que ele entenda que nesse momento nada mais importa.
   dá uma risada nasalada sem som.
  – Então talvez isso aconteça. - essas são suas últimas palavras antes que desapareça, assim como Sean fez.
  Eu pude perceber que seus olhos não transpareciam o mesmo que suas palavras, mas agora isso não importa mais.
  – ELLIE! - escuto a voz de me chamar de longe, me fazendo sair para fora da sala o vendo correr em minha direção, acompanhado de Brooklyn.
  – Você está bem? Saiu correndo feito uma louca. - Brooklyn pergunta assim que me alcança.
  – Bem é a última coisa que eu estou. - respondo sarcástica.
  – Ei, calminha, amor. Eu sei que está sendo difícil lidar com tudo isso, mas agir dessa maneira não vai ajudar em nada. - ela me olha seriamente.
  – , por favor, acredite em nós, só queremos te ajudar. Estamos do seu lado, não é? - fala exasperada.
  – É. - Brooklyn responde, antes de desviar o olhar.
  Solto um longo suspiro.
  – Onde está Alana? - pergunto ao dar sua falta.
  – Não sabemos. Ela entrou no sanatório e seguiu por outro caminho, e nós viemos atrás de você. - explica.
  – Certo. - passo a mão pelo rosto. – Eu acabei de encontrar e Sean, eles vão fazer alguma coisa, precisamos ser rápidos.
  – Então vamos de uma vez. Madeline provavelmente está com o Arthur, por isso precisamos chegar nela antes deles. - Brooklyn diz, e assente.
  Também assentindo, tomo frente, passando por eles para seguir pelo corredor, Brooklyn me acompanha. E assim que começo a andar, sinto segurar meu braço, me fazendo olhá-lo sobre os ombros.
  – Eu sei que é difícil, e talvez egoísta de se entender, mas... por favor, , tente entender o . - posso ver nos olhos de como essa situação não é nada boa, e como está sendo complicado para ele assumir uma posição contra seu melhor amigo.
  – Eu vou fazer o que for preciso fazer. - puxo meu braço para mim e volto a caminhar apenas com um único objetivo: tirar minha filha do inferno.

***

  Nós três começamos a vagar pelos corredores do sanatório em busca de Madeline e Arthur, mas tudo estava um caos e escuro, e a única coisa que achamos foi Carl, que infelizmente não tinha encontrado nada.
  – Eu nem sei aonde estamos. - se joga contra uma parede, com uma expressão totalmente frustrada.
  – Esse lugar está irreconhecível. Vai ser impossível encontrar alguma coisa aqui. - Brooklyn para ao lado de .
  – Não podemos mais perder tempo, Ellise. - Carl diz.
  – Eu sei. - suspiro profundamente.
  Eu sei que não temos tempo, mas não sei o que fazer. Arthur transformou esse lugar em um grande labirinto, e sei que está fazendo de propósito, apenas para continuar jogando comigo.
  – Vocês escutaram isso? - se desencosta da parede, olhando ao seu redor.
  – Escutamos o quê? - Brooklyn pergunta confusa.
  – Eu acho que escutei passos. - o loiro responde, agora, olhando fixamente para o final do corredor destruído e cheio e portas abertas, uma ala de quartos.
  – Você tem certeza? - pergunto, e assente.
  – Então vamos ver o que é. - Carl diz. – Mas tomem cuidado. - o motoqueiro sai na frente, caminhando com cuidado pelo corredor, enquanto nós o seguimos, acompanhando seus movimentos silenciosos.
  A falta de luz deixava o corredor sombrio e mal iluminado, fazendo uma pequena sombra se tornar um grande inimigo imaginário. Por isso seguimos atentos a todos os detalhes, checando cada porta aberta com destreza, para que nada passasse desapercebido. E foi em uma dessas checagens que notamos uma quinta sombra entre nós, uma que vinha especificamente da última porta do corredor, que dava para uma bifurcação.
  Carl faz um sinal para que continuemos a segui-lo, porém de forma mais cautelosa ainda. Ele se encosta contra a parede do corredor, se esgueirando lentamente para chegar até a sombra oculta. O motoqueiro para de se mexer quando a sombra vai ficando maior, sinalizando que estava ficando mais perto, e por consequência, nós três também paramos de andar. Carl retira uma arma de dentro de sua jaqueta, destravando a mesma a apontando em direção a sombra, apenas esperando que ela siasse para o corredor.
  Todos nós ficamos em estado de alerta, atentos para todos os movimentos do inimigo. Por sorte, quem quer que seja não notou nossa presença, e continuou vindo em direção à porta, trazendo consigo uma segunda sombra, nos fazendo ficar ainda mais tensos sobre o que poderia ser.
  Mais alguns segundos de tensão até que cabelos vermelhos fossem revelados. E precisei ser rápida para impedir que Carl atire contra Kat, que acaba se assuntando e voltando para dentro do quarto que estava.
  – Está tudo bem, ela está com a gente. - seguro sua arma, abaixando a mesma.
  A posição de ataque de Carl se desmonta e ele volta ao normal.
  – Kat? - chamo a ruiva, indo até o quarto onde ela estava, vendo sua imagem assustada ao lado de Ethan, que parece não entender. – Nós achamos que era alguma ameaça. - explico.
  – Tudo bem. - ela fica um pouco mais relaxada.
  – ... - Ethan chama, fazendo uma pequena pausa dramática. – Nós estávamos torcendo para você voltar logo. Arthur pegou Madeline. - ele diz totalmente tenso.
  Troco um olhar aflito com Brooklyn, que me olha como se dissesse “eu sabia”.
  – E vocês sabem onde eles estão? - pergunta, tão nervoso quanto eu.
  Ethan assente.
  – Estão no túnel.
  – Então vamos lá agora. - falo apressadamente.
  – Espera. Todas as criaturas do Arthur estão soltas por ai, esse lugar está uma bagunça, é perigoso. - Ethan explica.
  – Nós podemos nos dividir. Alguns vão com você e o resto fica para limpar o caminho. - Kat sugere.
  – Eu vou com a . - se prontifica firmemente.
  – Eu também. - Brooklyn é a próxima.
  – Então eu fico para ajudar eles. - Carl diz e eu assinto.
  – Certo, já vamos indo. - falo, antes de notar algo importante. – Onde está a Gemma? - olho em volta, tentando encontrá-la.
  – Ela foi atrás de Arthur assim que ele pegou Madeline, estava desesperada. - Kat explica com um olhar triste.
  Suspiro pesadamente.
  – Não se preocupe, tudo vai se resolver. - falo firmemente. – Vamos? - viro para e Brooklyn que assentem.
  – Tome cuidado, . - Ethan alerta e eu aceno em resposta, antes de passar apressada pela porta e deixar os três para trás.
  O momento se aproximava. e Brooklyn eram as criaturas que se juntaram a mim, talvez as menos prováveis, já que eu me imaginaria ao lado de outros. Mas eu não me importo, apenas quero chegar até onde tudo começou, aquele maldito túnel da morte que, com certeza, hoje faria jus ao seu nome.

Capítulo 51

  Depois de corrermos incessantemente por todos os lados, desviando vez ou outra das criaturas de Arthur, nós três finalmente havíamos chego até o túnel. Meu corpo todo vibrava de ansiedade, acelerando meus batimentos cardíacos.
   coloca sua mão sobre meu ombro, dando um leve aperto na tentativa de me acalmar. Em meio a todo esse caos e mentiras, eu percebo que ele foi alguém que eu realmente pude confiar, esteve ao meu lado do começo até o último minuto. E até mesmo Brooklyn merece receber alguns créditos, era mais do que visível que não nos dávamos bem, e veja só que ironia, estamos juntas agora, tudo graças ao Arthur.
  – Você está preparada para isso? - Brooklyn pergunta, enquanto ando ao meu lado.
  – Estou. - respondo confiante, mesmo que meu corpo tenha reações contrárias.
  – Vai dar tudo certo. - sorri, me fazendo acenar positivamente.
  Continuamos caminhando até avistar os portões que guardavam a entrada do túnel. E a medida que nos aproximávamos, a temperatura começava a cair, deixando o ar mais denso e gélido. Alguns barulhos estranhos e gritos preenchiam cada canto do lugar, fazendo um alto ecoar ressoar por todos os lados.
  Fico totalmente tensa, quase tentada a voltar para trás, mas não tinha volta, eu precisa ser forte e seguir em frente, eu precisa ser forte por ela. Por fim, dou, finalmente, os últimos passas que faltavam para me colocar de frente para a entrada do túnel, que estava pintada por uma cena caótica: Gemma estava ajoelhada ao canto direito do túnel, com suas mãos e boca amordaçadas por um pano totalmente sujo com seu próprio sangue; estava a poucos passos de Gemma, encarando sua irmã com fúria, mas eu não diria que sua fúria não estava direcionada para ela, e sim, pela forma como ela estava; Sean estava parado de frente para Arthur, encarando seu pai com desdém. As coisas já haviam começado para ele.
  – Aonde ela está? - pergunto sem rodeios, atraindo a atenção dos quatro demônios que estavam ali, à medida que minha voz ecoava em alto e bom som pelo túnel.
  – Olha só, ela finalmente chegou. Eu estava começando a ficar ansioso, anjinho. - Arthur sorri em minha direção, deixando sua postura mais relaxada.
  – Aonde ela está, Arthur? - repito a pergunta, agora com mais voracidade, fazendo menção de ir para cima de demônio mais desprezível que tive o desprazer de conhecer.
  – Calma, . - agarra me braço, me puxando sutilmente para trás. – Não se esqueça que estamos lidando com Arthur. - ele quase sussurra.
  Arthur sorri, olhando em volta, mais especificamente para as tochas presas nas paredes do túnel, as únicas coisas que iluminavam esse lugar escuro e sombrio.
  – Eu não me lembro de ter pedido que você falasse, Horan. - Arthur diz, desaparecendo no ar, apenas para reaparecer a poucos metros de distância ao lado de uma das paredes, onde ele pega uma grande tocha acessa, e joga com uma força sobrenatural em direção a , que acaba caindo no chão. – Fique quieto e não interfira.
  – ! - Brooklyn vai preocupada ao seu encontro e eu faço o mesmo.
  – Você está bem? - me agacho perto de , o vendo apertar sua própria mão sobre seu braço, comprimindo o rosto em uma feição de dor.
  – Vou ficar bem. - ele responde, tirando a mão sobre o braço e relevando uma grande queimadura avermelhada, que aos poucos ia cicatrizando.
  – Qual o seu problema? - a voz grave de me faz olhá-lo sobre os ombros, o vendo tentar soltar sua irmã, enquanto olha furiosamente para Arthur pelo que ele acabou de fazer. – Porra! - ele se afasta de Gemma assim que pega no pano sujo que a prende, claramente tendo aversão, Arthur deve ter molhado de água benta.
  – Se ela tivesse ficado do meu lado, não estaria presa. - Arthur rebate – Que desgosto. Meus próprios filhos, todos contra mim.
  – Como se você se importasse com toda essa merda toda. - diz entre os dentes.
  – Eu me importo, filho. Você acha que eu não estaria muito mais feliz com vocês do meu lado? - Arthur arqueia as sobrancelhas. – Mas acho que tenho filhos gananciosos demais para isso. - ele sorri, encarando especificamente Sean.
  – Qual é! Já estava na hora de você cair, Arthur. - Sean debocha.
  – O seu mal é achar que tudo que eu criei até agora vai acabar quando eu morrer, Sean. - Arthur mantém o seu sorriso. – Eu calculei cada passo de vocês. Olhem em volta, estão aqui porque eu deixei. - Arthur dá alguns passos em direção a seus filhos. – E acredite, meu bastardo filho, isso não termina hoje. Eu fiz planos que irão durar por longos e longos anos, eu só precisava encontrar o receptáculo perfeito... e eu felizmente o encontrei. - seu sombrios olhos azuis viram em minha direção, fazendo meu corpo se arrepiar em pavor.
  – Como se isso realmente fosse acontecer. - dá uma risada sem humor, enquanto Gemma encara toda a cena de sua família com os olhos amedrontados.
  – Você vai mesmo matá-la, ? Vai matar a sua própria filha? Você não acha que isso te torna alguém pior do que seu desprezível pai? - Arthur provoca, inclinando sua cabeça para o lado.
   fica imóvel, apertando suas mãos em punhos, enquanto seu semblante fica rígido, exatamente como ele estava quando conversamos. Isso parece ser algo que mexe com ele, o deixa desconfortável, talvez, ou apenas ficou irritado porque Arthur o provocou, não posso me dar ao luxo de me deixar levar.
  – Se ele não matar, eu faço isso por ele. - Sean responde por , fazendo Gemma balbuciar entre o pano sujo, como se contestasse o que ele diz. Mas isso serve apenas para machucá-la ainda mais, causando uma irritação em .
  Cansada de toda essa “reunião familiar” que apenas toma um tempo precioso para mim, me levanto de onde estava, pegando a arma guardada no cós de minha calça, enquanto escuto os protestos de e Brooklyn. Em seguida, dou alguns passos na direção de Arthur, erguendo minha arma contra ele.
  – Eu realmente não estou interessada nas merdas de nenhum de vocês, na verdade, estou cansada disso tudo. - mesmo que minha arma estivesse apontada para Arthur, eu faço questão que encarar os três que mais me fizeram mal. – Eu quero saber onde está a minha filha! - solto em minhas palavras toda raiva reprimida, destravando a arma.
  – Você está apressando as coisas, anjo. Na hora certa você terá sua filha. - Arthur diz calmamente, como se não se importasse com a arma apontada em sua direção. – Eu nunca machucaria minha doce neta. - o sorriso de escarnio em seu rosto é o suficiente para me fazer atirar contra seu ombro, o fazendo dar um passo para trás pelo impacto.
  Como se não fosse nada demais, Arthur leva dois dedos até o local atingido, retirando a bala acoplada a sua pela, deixando que uma pequena quantidade de sangue escorresse por seu ombro.
  – Isso doeu, . - ele joga a bala no chão, movimentando seu ombro em seguida para se certificar que seus movimentos não foram afetados.
  Arthur suspira alto antes de desaparecer e reaparecer ao meu lado, tão rapidamente que eu mal tive tempo de processar quando sua mão atravessou o lado esquerdo do meu tronco. Fazendo todo meu corpo se curvar para frente e soltar minha arma no chão, quando uma dor insuportável toma conta de mim. Eu era capaz de sentir seus dedos rasgando cada parte da minha carne como se fosse um fino papel.
  – Minha vez. - ele sussurra perto de meu ouvido.
  – S-Seu... S-Se... M-Maldito... - digo com dificuldade, engastando com uma grande quantidade de sangue que jorra de minha boca.
  – ! - escuto gritar por meu nome, e quando forço minha cabeça para o lado, vejo-o correndo em minha direção, apenas para Arthur o segurar pelo pescoço. Seu corpo se debatia no ar tentando se soltar a todo custo, enquanto ao fundo Brooklyn olhava tudo sem saber o que fazer, talvez assustada demais para tentar algo contra Arthur.
   é o próximo a atacar Arthur, o jogando para longe em direção à parede da esquerda e consequentemente nos livrando dos ataques. Caiu de joelho no chão, levando a mão até o local ferido, esperando que ele cicatrizasse e levasse embora toda essa dor.
  – , v-você está bem? - se arrasta até onde eu estou, me fazendo ver as marcas vermelhas que se formaram sem torno de seu pescoço.
  – Eu estou bem. - o tranquilizo – , pegue Brooklyn e tentem tirar a Gemma daqui. Arthur não está brincando. - alerto, quando sinto minha respiração se instabilizar e meu machucado cicatrizar quase que por completo.
  – Mas e você? - ele me olha preocupadamente.
  – Eu vou ficar bem. Eu preciso tirar Madeline daqui, então acho que tenho uma boa motivação para sobreviver. - sorrio para ele, tentando transparecer confiança, o fazendo, mesmo que contragosto, assentir sobre o que eu disse.
  Em seguida, se afasta de mim, voltando até onde Brooklyn estava, cochichando algo para ela, provavelmente explicando tudo. Não demora até que ela olhe em minha direção e acene, concordando com o que eu sugeri. E quando tenho o consentimento dos dois, pego outra vez a minha arma, pronta para atacar Arthur quantas vezes fosse necessário até que  visse seu corpo sem vida.
  Rapidamente procuro Arthur, o vendo parado perto de que estava caído no chão com o canto da boca sangrando. Aproveito do momento para correr até eles e atirar duas vezes seguidas contra as costas de Arthur. , vendo uma chance também, se levanta com destreza e atravessa uma mão pelo tronco de Arthur, assim como ele fez comigo, o lançando contra o chão em seguida.
  Com o corpo estirado sobre o chão, Arthur cospe uma grande quantidade de sangue antes de começar a rir.
  – Vocês realmente são fortes. Isso é tão divertido como eu imaginei.
  – Espero que ache isso divertido também. - Sean diz antes de aparecer em uma cortina de fumaça negra, ao lado de Arthur, sacando uma arma escondida em sua calça e atirando contra a cabeça do próprio pai.
  Minha reação é dar alguns passos para trás, surpresa com sua atitude. Ainda com os olhos arregalados, eu fico encarando o corpo imóvel de Arthur, tentando identificar se ele ainda estava vivo.
  Seu corpo perdeu todos os movimentos, seus olhos continuam abertos, e um grande buraco estava projetado bem no meio de sua testa, enquanto muito sangue escorria para fora, manchado cada centímetro de seu rosto.
  – Acabou? - olho ao redor ao escutar a voz de , que estava auxiliando Gemma a ficar de pé, sem desviar seus olhos espantados de Arthur. Brooklyn estava totalmente estática ao seu lado, sem acreditar no que via.
  – Vocês vão precisar de um pouco mais se quiserem me matar. - outro tiro é dado, e quando volto minha atenção para cena anterior, vejo Arthur puxar Sean pelo tornozelo, o derrubando no chão e tomando sua arma, antes de atirar contra suas duas pernas, o fazendo se retorcer no chão em pura dor.
  Sem pensar, parte para cima de Arthur outra vez, que por sua vez descarrega a arma de Sean toda contra , que faz um esforço muito grande para se manter de pé, mas tal objetivo é concluído quando a arma de Sean fica sem munições, parando Arthur.
  Por mais que eu tenha todos os motivos do mundo para odiá-los, ver aquela cena incita ainda mais minha raiva, eu preciso de uma chance perfeita para usar a faca. Se eu fizer um movimento errado, Arthur pode tomá-la de mim e estará tudo perdido.
  Seguindo meus instintos, tenho uma pequena ideia, corro até uma das tochas presas na parede, já que a que Arthur jogou em acabou se apagando no chão. Retiro a tocha acessa do suporte, e vou até Arthur, atirando contra ele outra vez, apenas para imobilizá-lo e poder jogar a tocha contra seu corpo, vendo sua perna e braço direito queimarem entre as chamas.
  Se vendo em uma situação sem volta, Arthur tenta segurar para usar seu corpo como um abafador de chamas, e ele até consegue queimar um dos braços de , mas é surpreendentemente atrapalhado por Brooklyn, que simplesmente corre desesperada na direção dos dois, puxando para longe, mas não a tempo de se livrar de Arthur, que de alguma forma sobrenatural usa seus poderes para transferir as chamas de seu corpo para os de Brooklyn.
  Brooklyn se joga no chão tentando apagar as chamas que começavam a queimar sua pele, em meio aos seus gritos de desespero. Olho em volta tentando encontrar qualquer coisas que a ajudasse, mas não havia nada nesse túnel. Procuro rapidamente , que estava completamente petrificado. Suas mãos que seguravam Gemma visivelmente começam a tremer, enquanto ele observa sua amiga queimar até a morte.
  Totalmente desesperada, tento correr até Brooklyn, mas Arthur me impede, me segurando contra sua pele queimada e sangrenta de seu braço.
  – Isso é o que ela ganha por se meter. - Arthur sussurra perto de mim. Me fazendo empurrá-lo com força para longe.
  Corro em direção à Brooklyn chegando tarde demais, pois seu corpo é completamente tomado pelas chamas, a fazendo parar de se debater. O cheiro de carne queimada era de causar náuseas, e a visão de sua pele sendo fragmentada pelo fogo com certeza era algo que eu não poderia esquecer tão cedo.
  Já não havia mais o que fazer.
  Fico encarando seu corpo chamuscado, me sentindo totalmente impotente e assustada. Isso era real. O que aconteceu com Brooklyn foi uma amostra do que me espera se eu quiser sair dessa situação toda. Eu realmente vou precisar ver cada um deles desta maneira se eu quiser recuperar Madeline. Isso é como um grande choque de realidade em mim, eu estava possessa de raiva por ter sido enganada e usada dessa maneira repugnante,  estava possessa para acabar com todos que fizeram mal para minha filha, e agora me deparo com a realidade nua e crua de como isso será.
  Eu preciso me conter, preciso manter meus nervos e sentimentos centrados, cada um deles no lugar. Me desesperar em um momento como esses não vai me ajudar, na verdade, vai me matar, e eu não posso morrer, não quando tem uma garotinha me esperando.
  Tentando manter a falsa calma dentro de mim, me viro para , que encarava o corpo de Brooklyn sem demonstrar nenhum pingo de compaixão.
  – Ela morreu por você. - antes que eu controle, as palavras saem de minha boca de maneira tão arrastada, demostrando meu desespero para me convencer de que aquilo era mesmo real.
  – Ela fez isso porque quis. - as palavras de soam tão brutas que fazem qualquer vestígio de descrença existentes em mim, sumir no mesmo instante.
  – Você está brincando, ? Ela morreu para te salvar! - despejo, totalmente indignada com a sua falta de compaixão. Na verdade, eu sou muito estúpida por esperar isso dele.
  – Eu não pedi para ela fazer porra nenhuma. - olha diretamente em meus olhos, deixando transparecer sua total falta de empatia em cada palavra.
  – Está vendo, . Esse é o de verdade, não há motivos para lutar contra sua própria natureza, ele nasceu assim e irá morrer assim. - a voz de Arthur nos interrompe, enquanto ele fica de longe observando toda cena. Suas queimaduras já estavam quase imperceptíveis, o poder de cura dele ela ainda mais rápido  que o nosso.
  – Cale a sua maldita boca, Arthur! Eu já estou farta de você! - nem eu mesma me reconheço nesse momento. Ver todo o caos que ele causou e como trata tudo como se fosse descartável, está consumindo toda sanidade que ainda me resta. Por mais que a realidade seja cruel, eu realmente preciso e quero matá-lo, eu quero ver seu corpo jogado ao chão assim como o de Brooklyn. Eu sei que não vou sentir remorso ao vê-lo sem vida, ele merece isso, merece o inferno eterno.
  Transtornada, olho em volta, tentando pensar em uma estratégia para acabar com esse maldito de uma vez. se mantém a poucos metros de mim, ainda absorvendo toda nossa pequena discussão; Arthur está mais afastado com seu inabalável sorriso no rosto; continua parado no mesmo lugar totalmente catatônico com o que aconteceu com Brooklyn; e Gemma, pobre Gemma, ela ainda está amarrada, por isso só pode ver toda cena de longe sem ajudar. Mas o mais importante, onde está Sean?
  Ele simplesmente sumiu, a única coisa que dá indícios de seu rastro são as duas pequenas poças de sangue no lugar onde ele caiu, mas fora isso, sua presença parece ter evaporado. Ele com certeza se aproveitou da morte de Brooklyn para sumir, mas onde esse maldito se enfiou?
  Fico em silêncio por alguns segundos, apenas observando ao meu redor na tentativa de captar alguma coisa; até que noto um olhar sugestivo de para um ponto qualquer, seu corpo parece ficar um pouco mais tenso, como se ele se preparasse para algo. E como resposta, Sean surge atrás de Arthur, usando seu 'teletransporte', agarrando Arthur por trás, passando seu braço ao redor do pescoço dele em um mata-leão. Arthur logo tenta se desvencilhar, mas corre ao socorro de Sean, agarrando as mãos do próprio pai, e as torcendo, ou melhor, quebrando, e impossibilitando Arthur de fazer alguma coisa.
  Aos poucos vejo os olhos de Arthur escurecerem, tomando um tom negro. Veias vermelhas saltam debaixo de seus olhos, assim como por seu pescoço. Arthur estava começando a perder a paciência e sei que esse é momento que tanto esperei. Preciso me aproveitar desta oportunidade,  preciso arriscar.
  Sem pensar no que poderia acontecer, corro em direção aos três que tratavam uma batalha de força. Jogo minha arma no chão e retiro do cós de minha calça o tal objeto capaz de acabar com todo esse mal. Os olhos de Arthur crescem ao ver a faca, e ao notar o objeto enferrujado em minha mão, e Sean redobram suas forças sobre Arthur, tentando conter de todo jeito. Procuro dentro de meu bolso o pequeno frasco com água benta que Carl me deu, rapidamente o abrindo e despejando todo liquido transparente sobre o metal escurecido.
  – Vai logo, ! - praticamente rosna, ao perceber que ele e Sean não conseguiriam segurar Arthur por mais tempo.
  – Droga! - Sean grita quando Arthur consegue se desvencilhar de seu braço e o acertar com uma forte cotovelada. Em seguida, ele parte para cima de o arremessando para longe.
  Arthur olha em minha direção com aquelas duas orbitas negras, me fazendo fraquejar por um segundo. Meu corpo treme em ansiedade e medo quando ele parte em minha direção tentando tomar a faca de mim, e por sorte, consigo desviar a tempo de contra-atacar em sua direção com a faca, mas ele a para com suas mãos, gritando de dor ao sentir a lamina da faca batizada. Arthur solta o objeto e se afasta por um momento, antes de tentar me atacar de novo, desta vez me fazendo perder o equilíbrio e cair para trás, mas não sem antes o puxar junto comigo na tentativa de me segurar em algo. Ao ver seu corpo caindo por cima do meu, não penso duas vezes ao elevar a faca sobre o meu tronco, apontando a lamina em sua direção. Arthur tenta virar o objeto em minha direção, e por alguns segundos ele até consegue fazer um corte contra minha barriga, mas nesse momento todo o meu ódio era maior do que sua força, e por isso, ignoro toda a dor em meu corpo, rasgando a pele de minha barriga ao virar a lamina da faca em sua direção outra vez. Os olhos de Arthur se arregalam, e vão perdendo seu tom sombrio, aos poucos voltando a sua cor natural. Sua boca se entreabre, e uma pequena quantidade de sangue começa a escorrer para fora, pingando sobre meu rosto. Ele apoia suas mãos, uma em cada lado de minha cabeça, enquanto me encara, e me dá o prazer de ver a sua vida escorrendo por entre seus olhos quando atravesso a faca contra seu peito.
  Seus braços fraquejam e todo seu o peso de seu corpo cai por completo sobre o meu.
  – Eu ganhei o jogo, ... v-você continuará... - em um tom de voz quase inaudível ele sussurra suas últimas palavras para mim. 

Capítulo 52

  Empurro o corpo de Arthur para o lado, tirando todo seu peso sobre mim. Seu corpo sem vida cai ao meu lado, enquanto fico encarando o teto escuro do sanatório, tendo suas últimas palavras martelando em minha mente. Arthur sempre fez esses enigmas, e isso me assusta, me faz pensar se a sua morte realmente pode trazer alguma coisa pior sobre o futuro.
  Talvez eu devesse deixar para pensar nisso mais tarde, as coisas ainda não acabaram por aqui. Arthur pode ter morrido, mas ainda tenho dois demônios com a qual preciso lidar.
  Ergo meu tronco, me sentando sobre o chão gelado, e levando uma mão até a lateral de minha barriga, onde posso sentir o sangue quente minar em minha pele. O corte foi profundo, e julgando pelo objeto que usei e a água benta, sei que esse machucado pode demorar um pouco para cicatrizar.
  Com certa dificuldade me levanto do chão, dando uma última olhada para o corpo morto de Arthur, antes de analisar os que sobraram: estava escorado contra a parede que Arthur o lançou, encarando o corpo de seu pai, entre um olhar atônico. Sean tinha uma mancha de sangue em seu supercílio, resultado da cotovelada que levou, mas isso não o impediu de ter um olhar satisfeito para seu, agora, falecido pai, com uma expressão de vitória, seus olhos vibravam de prazer. E até mesmo sai de seu estado catatônico para olhar toda cena com espanto. Já Gemma, bom, devido à sua condição, seus olhos se tornaram a única coisa capaz de demonstrar algo, e ambos estavam arregalados, transparecendo descrença sobre o que havia acontecido.
  Apertando a mão contra o machucado na tentativa de estancá-lo, caminho até Gemma e .
  – Eu sei que é difícil, mas você precisa pegar Gemma e ir embora. - paro à sua frente, o alertando com um olhar sério.
  – E você? - visivelmente transtornado ele pergunta.
  – Não se preocupe comigo, . Nós já tivemos essa conversa antes. - respondo sua pergunta, encarando sugestivamente Gemma, fazendo acompanhar meu olhar. Ele suspira ao encarar a garota em um estado deplorável como aquele.
  Os pedaços de pano que a prendiam estavam visivelmente úmidos e sujos por seu sangue, assim como os cantos de sua boca estavam cortados. Arthur com certeza os batizou para que ela não escapasse, isso justifica ter sentido dor ao tentar libertar sua irmã. E por isso Gemma está tão machucada, com esses panos batizados, ela não tem como cicatrizar, sendo obrigada a imergir na constante dor que isso deve causar.
   apenas assente, se levantando e auxiliando Gemma para ficar de pé também. Mas Sean é mais rápido em aparecer ao nosso lado, puxando Gemma para perto dele, apontando uma arma para sua cabeça, a minha arma, a que joguei no chão antes de atacar Arthur.
  – Desculpe, irmãzinha, mas não posso te deixar ir agora. - Sean diz, fazendo Gemma se debater em seus braços.
  – Solta ela, Sean! - muda drasticamente, ficando bastaste irritado com o ataque surpresa à Gemma.
  Antes mesmo que ele pudesse responder, uma sinfonia perturbadora de barulhos estranhos surgem do lado de fora do sanatório, criando eco a medida que os barulhos se aproximavam. Todos nós ficamos atentos, olhando para o mesmo ponto, o portão de entrada para o túnel, do qual usei para chegar aqui. E em questão de segundos, aquelas criaturas estranhas comandadas por Arthur surgem na entrada do túnel, rosnando para cada um de nós entre seus dentes afiados.
  – Vejam só, se não são os cãezinhos do papai. Agora que ele morreu essas aberrações não tem ninguém para controlá-las. - Sean debocha. – Talvez estejam apenas com fome. Já sei como podemos alimentá-las.
  Sean começa a caminhar em direção às criaturas horrendas, empurrando Gemma como escudo, até parar na frente delas, fazendo com que comecem a rosnar ainda mais alto com a proximidade de Gemma.
  – Quais são suas últimas palavras, irmãzinha? - Sean ameaça jogar Gemma contra as criaturas, a puxando para perto em seguida, apenas para amedrontá-las.
  – Gemma... - sussurra atônico, em seguida, correndo até eles e recebendo um tiro em sua perna como resposta, disparado por Sean.
   cai sobre o chão com uma expressão de dor, e o sangue que começa a manchar sua perna faz com que uma das criaturas tente atacá-lo, mas meus reflexos são rápidos ao ir em seu encontro, o puxando para longe antes que ele fosse mordido. O machucado em minha barriga mina mais sangue do que o de , mexendo ainda mais com os sentidos da criatura, me fazendo tapar o corte com a mão, tentando esconder o sangue e o odor.
  Ao notar minha resistência, a criatura desvia seu caminho, indo até o corpo de Arthur, se agachando ao seu lado, dando uma grande mordida em seu braço, e arrancando a pele do local. Isso é o suficiente para atrair mais criaturas, que se juntam a redor do corpo de Arthur, e até mesmo ao redor do de Brooklyn, dilacerando cada parte do corpo sem vida deles. Apenas uma das criaturas continuou parada no mesmo lugar, parecendo mais interessada em Gemma do que nos cadáveres jogados ao chão.
  Toda a cena era perturbadora e faz meu estômago e mente darem voltas. Fazer parte de tudo isso era como um grande pesadelo. O dia de matar Arthur chegou, e de fato ele perdeu sua vida, e agora estamos presenciando uma cena mais grotesca que a outra. A realidade ainda não caiu para mim, todas as memórias recuperadas e todas essas situações parecem fazer parte de um pesadelo, eu não consigo acreditar em uma realidade tão brutal como essa, isso é loucura.
  – Acho que esse aqui está interessado em você. - Sean caçoa de Gemma, encarado a grande criatura a frente deles. – Não vamos deixá-lo esperando. - Sean ameaça outra vez jogar Gemma, mas dessa vez é interrompido por, que parte para cima dele, o empurrando para longe e livrando sua irmã de uma morte dolorosa.
  – Qual o seu problema?! - segura Sean pela gola de seu uniforme.
  – O que foi, ? Eu pensei que você queria acabar com todos os seus sentimentos. - Sean debocha, sorrindo com a irritação de seu irmão.
  Vou até onde Gemma está, a auxiliando para levá-la para perto de e longe da criatura, que fica paralisada ao encontrar o meu olhar, ela até mesmo para de rosnar. Coloco Gemma perto de , que ainda estava sobre o chão, esperando que sua perna cicatrizasse.
  – Encoste mais um dedo nela e eu mato você. - puxa Sean para tão perto de si que seus rostos quase se tocam.
  – Tudo bem, eu não vou machucar nossa irmã. Temos coisas mais importantes aqui. - Sean olha de canto de olho em minha direção. – Por que não acabamos com isso de uma vez? - ele dá outro sorriso, estendendo sua arma para . – Você sabe o que precisa fazer.
   fica o encarando por alguns segundos, antes de soltar Sean rudemente e pegar a arma de suas mãos. Em seguida,  vem em minha direção, me fazendo recuar ao notar seu semblante carregado. Corro até o outro lado do túnel, tentando pegar uma das poucas tochas que sobraram para me defender, fazendo ambiente ficar cada vez mais escuro.
  Com a tocha em minha mão, a posiciono em frente ao meu corpo, vendo se aproximar cada vez mais de mim. Gemma começar a balbuciar abafadamente contra o pano em sua boca, enquanto Sean observa toda cena atentamente.
  – , que merda você vai fazer? - pergunta exasperado, mas não obtém resposta. – Eu estou falando com você, seu idiota!
  – Cale a boca, Horan. Me deixe fazer isso. - responde rudemente, olhando em minha direção à medida que seus olhos começam a escurecer.
  – É a , cara. Você não quer fazer isso. - os passos de vacilam por um momento.
  – Você não entende merda nenhuma. Apenas cale essa maldita boca. - para em minha frente, levantando a arma em minha direção, não se intimidando com a tocha que eu segurava. Ele realmente estava disposto a fazer isso.
  Fico segundos, que mais pareciam ser horas, encarando seus olhos verdes que tanto me causaram problemas. E diferente de antes, agora eu podia enxergar além de sua alma, eu podia ver seu verdadeiro eu, sua natureza deturpada. Todos os momentos bons que eu tentei guardar para mim, escorregavam por entre meus dedos neste momento. Nada justificava o que estava prestes a acontecer.
  Todo meu corpo parece reagir a esse momento: minha visão escurece, alternando a todo momento; o machucado em minha barriga parece se aflorar de forma tão intensa que eu podia sentir a faca rasgando minha pele outra vez; eu conseguia sentir cada gota de sangue se agitar em minhas veias; minha respiração se acelera junto com as batidas do meu coração. Eu estava fora de mim, não sei o que estava acontecendo com meu corpo, mas eu parecia estar sendo absorvida por alguma coisa de dentro de mim,  estava afundo em todas as sensações existentes dentro de um único ser.
  – Oh, que interessante. Isso está prestes a melhorar. - Sean diz, estreitando seus olhos para mim, enquanto mantém seu sorriso.
  – ... o-os seus olhos... - praticamente sussurra, me olhando de maneira espantada, acompanhado por uma Gemma atônica.
  – Talvez você não seja apenas um anjinho. - dá uma risada sem humor, atraindo minha atenção de volta para ele. – Você se tornou alguém tão escura quanto eu. - ele corre seus olhos por cada parte de meu rosto, antes de destravar a arma, pronto para atirar em minha direção.
  Todos os meus pensamentos se embaralham em um grande furão, quando uma das criaturas de Arthur se afasta dos corpos dilacerados, para correr em direção ao e atacá-lo. Ele acaba deixando a arma cair, mas consegue se livrar da criatura com facilidade, arrancando seu coração pulsante.
  – Vamos fazer um teste. - a voz de Sean sussurra ao meu ouvindo, me assustada por um momento. Olho em volta, não o vendo no mesmo lugar. Ele se 'teletransportou' sem que eu notasse.
  Sean passa um braço ao redor do meu pescoço, exatamente como fez com Arthur. E antes que eu tente me soltar, outra criatura se afasta de sua refeição, para atacar, agora, Sean, o afastando de mim.
  – Talvez eu estivesse engando. Eu acho que eles ainda são controlados. - Sean dá risada, quando joga a criatura para longe de seu corpo.
  Me afasto dele, retornando até e Gemma, na tentativa de protegê-los das criaturas, mas ambas apenas passam por nós três, assumindo posturas agressivas para Sean e .
  – Era só o que me faltava. - bufa irritado ao encarar todas as criaturas que se posicionam à sua frente.
  – Parece que aquele maldito não deixou as coisas tão baratas assim. - Sean diz, ao lado de , encarando todas as criaturas com um olhar fascinado.
  – , você está bem? - se senta sobre o chão, ficando perto de Gemma que estava totalmente assustada ao meu encarar. – Os seus olhos estavam diferentes. - ele desvia o olhar, me fazendo franzir o cenho.
  – Do que você está falando? - pergunto confusa, antes de sentir minha vista escurecer outra vez.
  Meu corpo fica completamente grogue em questão de segundos, me obrigando a curvar e apoiar as mãos sobre os joelhos. Todas as vozes ao meu redor começam a parecer baixos ecos dentro de minha mente, eu estava perdendo os sentidos. As criaturas de Arthur correm em minha direção, mas sem me atacar. começa a gritar, mas sua voz estava distante demais. Sean sorri em minha direção, enquanto me encara inexpressivamente, apenas concentrado em minha miséria. Seu rosto se desfoca cada vez mais, e eu mal sou capaz de acompanhar os passos que ele dá para se aproximar mais de mim, pois todas as tochas do túnel vão se apagando uma por uma, quando uma leva forte de vento invade o túnel, jogando meu corpo parar contra a parede mais próxima, me fazendo perder por completo todos os meus sentidos. E a última coisa que vejo antes de ser arrastada de minha consciência, são as labaredas de fogos que surgem em meio a toda escuridão do túnel, desenfreando gritos e consumindo todos nós de forma ardente e condenante.
  “Você continuará.”

***

  Me encolho quando sinto a brisa gelada me tocar. Meu corpo reclama da superfície dura em que está deitado, fazendo cada parte ficar dolorida. Puxo todo ar para dentro de meus pulmões, escutando minha respiração pesada acompanhar o som de pequenos insetos que complementam a sinfonia calma. Pisco meus olhos alguns vezes, antes de abri-los por completando, vendo a luz da lua banhar meu rosto. As árvores ao redor contemplavam o céu escuro e sem estrelas, enquanto o vento dançava com as folhas e galhos secos por entre a terra batida.
  – Você acordou. Ainda bem. - escuto uma voz calma e suave vindo do meu lado esquerdo, e nem preciso olhar para saber de quem se tratava.
  Suspiro profundamente, antes de me sentar sobre o chão duro, virando meu corpo para direção aposta, apenas para ver a imagem de Lana sentada na entrada do grande e escuro túnel do sanatório.
  – Eu estou tão feliz que você esteja bem. - ela repousa suas mãos sobre os joelhos dobrados, sorrindo tristemente.
  – O que aconteceu, Lana? Onde você estava? - pergunto, olhando tudo ao meu redor na tentativa de captar alguma pista.
  – Me desculpe por não ter ajudado, ... - ela desvia seu olhar, encarando as próprias mãos. – Você estava tão transtornada por descobrir a verdade daquela forma, que me senti muito culpada. Quando eu cheguei no sanatório eu fui atrás de Madeline, eu queria encontrá-la para você.
  Suspiro outra vez.
  – Não precisa se desculpar. Eu fui uma idiota, você não tem culpa de nada, eu sei que se pudesse, teria me contado tudo. - estendo uma mão em sua direção, segurando as suas como forma de consolo.
  – , eu não entendi o que aconteceu nesse lugar. - ela volta a me olhar, agora, com uma expressão assustada – Eu fiquei procurando por Madeline, mas chegou em um momento onde tudo virou um caos... na verdade, já estava, mas ficou pior. As criaturas e pacientes enlouqueceram de vez, era como se tudo tivesse perdido o controle nesse lugar.
  Franzo meu cenho por alguns segundos, refletindo sobre tudo que minha amiga disse.
  – Eu... Eu matei o Arthur, Lana. - confesso, vendo Lana arregalar os olhos em surpresa.
  – Você conseguiu matar ele?
  – Sim, e talvez seja por isso que tudo ficou descontrolado nesse lugar, já que era o Arthur que comandava tudo.
  – Faz sentido, você deve ter razão.
  – Mas e o resto, onde estão os outros? - pergunto, vendo Lana suspira assim como eu.
  – ... - Lana retira suas mãos de perto das minhas, enrolando a ponto dos cabelos nos dedos, mania que ela tinha quando estava nervosa – Quando todo mundo perdeu o controle, coisas estranhas começaram a acontecer aqui. Um vento muito forte invadiu o sanatório e destruiu tudo, e depois fogo, o sanatório começou a pegar fogo. - suas palavras refrescam minha memória para o que aconteceu antes que eu desmaiasse. – Eu consegui me esconder, me tranquei em uma sala com portas de aço e fiquei um bom tempo ali. E quando eu saí... - ela faz uma pausa para respirar fundo, parecia tomar coragem para continuar –... quando eu sai, , o sanatório estava repleto de corpo queimados, eu nem conseguia reconhecer de quem eram.
  – V-Você está dizendo... está dizendo... - finalmente a realidade me atinge, me colocando em uma situação da qual eu não sabia reagir. – Madeline. E Madeline? Você disse que foi atrás dela. - tão exasperada como nunca fui em toda minha vida, disparo as perguntas que fazem todos os pelos de meu corpo se arrepiarem.
  Lana desvia seu olhar outra vez.
  – Eu sinto muito, . - seu tom e voz é extremamente baixo, – Isso foi a única coisa que achei. - Lana leva suas mãos para de trás do seu corpo, trazendo para frente um ursinho queimado, Sr. Fuffly, era o urso de Madeline.
  Com as mãos trêmulas, pego o ursinho queimado de sua mão, sentindo minha visão embaçar pelas lágrimas que surgem em meu olhos. Fico encarando o urso marrom que faltavam alguns pedaços, notando que também haviam algumas manchas de sangue por seu corpo de pano.
  – Eu prometi que tiraria ela desse lugar, Lana. Eu prometi. - encaro minha melhor amiga, que tinha uma expressão de dor em seu rosto. – Tiraram a minha filha de mim outra vez. O que eu vou fazer agora? - solto o ursinho, levando as mãos até o resto, sentindo elas ficarem encharcadas pelas minhas lágrimas.
  Lana passa seus braços ao redor de meu corpo, me envolvendo em um abraço apertado.
  – Por favor, , fique calma. Isso não é culpa sua, tenho certeza que Madeline sabe que você tentou fazer todo o possível para tirá-la daqui. - Lana afaga meus cabelos.
  – Mas eu não consegui, Lana. - falo em meio ao choro que embargava minha voz.
  – Escute, . - Lana se afasta de mim, retirando minhas mãos de meu rosto – Acabou. Finalmente tudo isso acabou. Agora vamos embora desse lugar, vamos embora para bem longe e você poderá viver o luto da sua filha. Eu sei que ela não morreu triste, porque teve a oportunidade de conhecer a mãe maravilhosa que  tinha. - Lana seca minhas lágrimas. – Madeline nunca iria querer te ver dessa forma. Eu sei que é difícil, mas você vai superar. Só vamos embora desse lugar de uma vez.
  Acho que nunca senti uma dor tão grande como essa. Eu perdi minha filha logo depois de descobrir toda verdade. Eu falhei em ajudá-la, nós duas passamos pelo inferno e apenas eu sobrevivi. Eu até mesmo perdi . Eu estava disposta a matá-lo, caso ele interferisse, mas nunca disse que perder ele seria fácil. Todos ao meu redor se foram, Lana é a única que eu tenho agora, e me pergunto se serei capaz de conviver com todas essas perdas, se serei capaz de saber que falhei miseravelmente com quem mais precisava de ajuda. Muitos se arriscaram por mim, e agora todos estão mortos. E até quem deveria morrer, me faz lamentar pela perda. A única coisa que me consola no fim dessa grande tragédia, é saber que Arthur e Sean se foram para sempre.
  – Lana, antes de irmos me responda uma coisa: por que eu sobrevivi? Você se escondeu, por isso está aqui. Mas eu não fiz isso, eu estava inconsciente quando tudo começou a pegar fogo, mas não tenho nenhum arranhão, como eu posso ser a única que sobreviveu? - encaro meu próprio corpo a procura de alguma queimadura, enquanto seco o restante de minhas lágrimas.
  – Eu não sei, . Depois que eu saí procurando por algum sobrevivente, você foi a única que achei. Seu corpo estava deitado na entrada do túnel vazio, então eu apenas te trouxe até aqui. - Lana explica, se colocando de pé e encarando o túnel escuro atrás de nós.
  Me levanto também, observando a grande escuridão aberta do túnel, mal conseguindo acreditar em tudo que aconteceu nesse lugar. Mas finalmente está consumado, o túnel foi o desfecho final dessa história, e agora eu precisava virar a página e deletar isso da minha vida.
  – Entendo. - recolho o pequeno ursinho do chão, segurando ele perto de meu corpo. – Vamos embora desse lugar. Eu não aguento mais ficar aqui. - digo sincera, dando uma última checada no túnel, antes de sair sem olhar para trás, querendo deixar tudo isso no esquecimento.
  Lana assente, se colocando ao meu lado antes de partimos entre as inúmeras árvores da floresta do sanatório. Nos colocando cada vez mais longe de todo esse inferno que passei. Em momento algum me permiti olhar sobre os ombros. Eu quero arrancar isso da minha vida, e pode soar irônico, mas quero esquecer esse lugar e muitas das criaturas que conheci, quero carregar comigo apenas a memória de minha filha e deixar todo o resto para trás.

Capítulo 53

  Lana e eu seguimos com cuidado por cada árvore da floresta, sempre atentas a tudo ao nosso redor, já que a luz da lua não era o suficiente para clarear o caminho de terra e mato. O silêncio era predominante entre nós, preenchido apenas pelo barulho de pequenos insetos e animais que habitavam entre as árvores. Nenhum sinal de criatura ou demônios pelo caminho, tudo estava extremamente calmo.
  – Eu acho que já passamos por esse lugar. - Lana suspira ao meu lado, parando de andar.
  – Eu não sei, talvez. - paro de andar também, olhando ao meu redor na tentativa de identificar onde estávamos.
  – Da primeira vez que viemos aqui foi fácil, agora ficamos dando voltas e mais voltas sem achar a saída. - Lana suas mãos até a cintura, enquanto faz uma expressão cansada.
  – Acho que só estamos muito desatentas por tudo que aconteceu. - solto o ar pesadamente, me sentindo extremamente cansada. Eu só queria sair desse lugar o mais rápido possível.
  – Você deve ter razão.
  – É melhor nos apressarmos antes que escureça mais e fique impossível de enxergar alguma coisa nessa floresta. - falo, indicando o caminho entre as árvores e voltando a caminhar.
  – Esse lugar me dá calafrios. - Lana se apressa para me alcançar, ficando ao meu lado outra vez. – Tudo nessa floresta tem um ar tão pesado. - ela abraça o próprio corpo, se encolhendo no lugar.
  Seu comentário me faz prestar um pouco mais de atenção aos detalhes ao meu redor: as grandes árvores, a terra seca, os galhos espelhados pelo caminho, as plantas desconhecidas, os insetos barulhentos e o céu escuro e gélido. Definitivamente não é o lugar ideal para se estar em uma noite como essa.
  Chega até ser engraçado lembrar de tudo e de como eu pensava totalmente o oposto quando vim para esse lugar, mas claro, não posso esquecer que foi apenas um plano de Arthur para me atrair para o sanatório. Mas o fato é que passar longos meses dentro daquele inferno na terra, me fez enxergar e pensar de maneiras diferentes, e talvez isso seja bom. Pelo menos alguma coisa de útil eu pude tirar de toda essa lamentável tragédia.
  É melhor eu não pensar sobre isso agora ou irei desabar aqui mesmo. Antes de mais nada, eu preciso dar o fora desse lugar, preciso estar segura, para que enfim eu me permita afundar em toda minha dor e miséria por todas as grandes perdas que sofri, principalmente pela perda dela
  – Não é de se espantar, depois de tudo que aconteceu aqui. - respondo os devaneios de Lana, tentando desviar o foco de meus pensamentos para algo menos melancólicos.
  – É, mas agora acabou. - Lana enfatiza, me olhando de maneira preocupada, e sei que ela está tentando me fazer ficar melhor.
  Sigo em silêncio, tentando me concentrar apenas no caminho que eu precisava seguir. E é através de minha concentração que sou capaz de notar uma pequena sombra se esgueirando sobre as árvores mais à frente.
  Sem pensar muito, apenas seguindo meus reflexos, puxo Lana para direita, nos escondendo atrás de um largo tronco. Depois de passar tempo demais no Waverly Hills, aprendi que se deve ter cuidado com todas as coisas.
  – O que foi, ? - Lana me olha confusa e eu faço um sinal para que ela fale mais baixo.
  – Eu vi uma sombra. - sussurro em resposta, olhando cuidadosamente para o mesmo ponto onde enxerguei a sombra, sendo atenta para não relevar minha localização.
  – Você acha que pode ser alguém? - Lana franze o cenho, ficando com um semblante sério.
  – Eu não sei. Vamos ficar escondidas e descobrir.
  – Não é muito perigoso?
  – Perigoso é sair daqui sem saber de quem é aquela sombra. - olho seriamente para ela, a vendo engolir em seco.
  – Era só o que faltava. Depois de tudo que passamos, ainda tem mais essa. - ela resmunga de maneira baixa para que apenas eu escute.
  – Faça silêncio agora, Lana. - levo o indicador até a boca, pedindo através do gesto, a vendo assentir.
  Outra vez, com cautela, coloco apenas uma parte de meu corpo para fora do tronco, tentando captar alguma movimentação ou pista sobre o que poderia ser. Tudo estava silencioso, e qualquer vestígio da tal sombra simplesmente desapareceu.
  Silenciosamente movimento meu corpo, prestando atenção em todos os lados, e Lana começa a fazer o mesmo. Ficamos atentas a qualquer movimentação suspeita, esperando que a sombra se manifestasse outra vez.
  – Escute isso, . - Lana sussurra, indicando a posição sul. Fico em total silêncio, captando o som de passos sobre as folhas secas.
  Lana e eu ficamos totalmente escondidas atrás do tronco, apenas usando de nossa audição para identificar os movimentos suspeitos. E o próximo som a ser ouvido, foram os de galhos se quebrando. Seja lá quem for o dono da sombra, parece estar se aproximando, pois os barulhos ficavam cada vez mais altos.
  – Fique atenta. - alerto em um sussurro, para que Lana fiquei preparada para qualquer coisa.
  Os passos são silenciados por segundos, apenas para surgirem na direção contrária de onde começaram, trazendo consigo um fraco feixe de luz que passa rente a nós duas, nos fazendo paralisar no lugar para que não nos notasse. E até mesmo minha respiração  acabo cessando sem que percebesse, enquanto aperto o ursinho de Madeline contra meu corpo.
  – Tem alguém ai? - uma voz masculina pergunta.
  – Espera... eu conheço essa voz, Lana. - olho confusa para minha amiga que parecia ter reconhecido o dono da voz também.
  – Harvey? - Lana franze o cenho.
  O feixe de luz começa a ficar maior, assim como os passos sobre as folhas secas ficam mais perto, e antes mesmo que ambos nos alcançassem, saio detrás do tronco da grande árvore, me deparando com o porteiro do HazelHills, segurando uma lanterna em mãos com um olhar assustado em seu rosto.
  – Senhorita, ? - o porteiro exclama confuso, mas aliviado ao mesmo tempo.
  – É o Harvey, Lana, pode sair. - me viro para o lado, fazendo o gesto de mão para que Lana saia detrás da árvore.
  – O que você está fazendo aqui, Harvey? - Lana pergunta visivelmente confusa.
  – O sanatório começou a pegar fogo, a fumaça estava chamando muito a atenção dos moradores. Eu acabei ficando curioso e vim bisbilhotar. - o homem de meia idade diz, enquanto coça a parte detrás de sua cabeça.
  Ficamos em silêncio depois de sua breve explicação, tendo os olhos de Harvey nos olhando curiosamente. Ele deve estar se segurando para não perguntar nada.
  – Eu estou bastante curioso sobre as senhoritas estarem aqui também, mas acho que seria melhor irmos embora antes. Os bombeiros e a polícia já foram acionados e estão se preparando para subir a colina do sanatório. Se eles encontrarem vocês duas aqui, provavelmente vão levá-las como suspeitas, ainda mais por estarem com essa aparência. - Harvey tenta ser o mais gentil possível em suas palavras, mesmo que elas sejam duras.
  Dou uma rápida checada em minha amiga e em mim, notando que mesmo que Lana esteja em melhores condições do que eu, sua imagem está longe de ser apresentável.
  – Eu moro aqui por perto, vocês podem passar a noite lá. Não acho que seja uma boa ideia voltar para o HazelHills, as coisas por lá estão mais rígidas depois do que aconteceu com o menino Lee.
  – Ele tem razão, . - Lana suspira ao meu lado, provavelmente recordando de toda confusão que aconteceu com Connor.
  – Certo. Então vamos, e... obrigada, Harvey. - agradeço com um pequeno sorriso.
  – Não precisa agradecer, apenas vamos logo, meninas. - ele se vira de costas, guiando nosso caminho.

***

  Durante todo o trajeto até a casa de Harvey, ficamos em silêncio. A casa dele era realmente perto das redondezas da floresta, uma pequena cabana com apenas um vizinho. O porteiro se certificou de que ninguém nos veria, e assim que nos acolheu em sua simples cabana, ele  pediu que nos sentássemos a mesa, enquanto ele fazia algumas xícaras de chá quente.
  – Pronto, meninas. Aqui estão. - o homem colocou as duas xícaras fumegantes sobre a mesa de madeira, se sentando em seguida, em uma cadeira de frente para nós duas.
  Coloco o ursinho velho sobre a mesa, e encaro o líquido verde escuro dentro da xícara, depois Lana, que encolhe os ombros em resposta. Ela sabia que teríamos que contar alguma coisa para Harvey, afinal, ele nos escondeu em sua casa, não seria justo colocá-lo em problemas que nem tem conhecimento.
  Respiro fundo antes de falar, segurando a xícara quente entre minhas mãos.
  – Você acredita em seres sobrenaturais, Harvey? - fico encarando o líquido fumegante, tentando encontrar a melhor maneira de contar a verdade para ele.
  – Se você me perguntasse isso meses atrás eu negaria, mas coisas muito estranhas começaram a acontecer depois que as senhoritas se mudaram para essa cidade. - ele responde, me fazendo olhá-lo de imediato.
  – O que quer dizer com isso, Harvey? - Lana pergunta, se remexendo sobre a cadeira de madeira. 
  – Eu trabalho por anos naquele prédio, e sempre escutei histórias sobre essa cidade e aquele sanatório no alto da colina. Mas tudo não passava de lendas urbanas para mim. Isso era o que eu pensava até conhecer vocês. - seu olhar correr por nós duas, demonstrando um pouco de nervosismo. – Eu não sei, mas aquelas senhoras estranhas se mudaram pouco tempo antes de vocês virem, e pareciam esconder coisas. Também me lembro da noite que vocês duas chegaram desesperadas no prédio tarde da noite, e essas duas senhoras pediram para que isso ficasse apenas entre nós. E logo depois a senhorita foi mandada para aquele sanatório, e após isso as coisas só pioraram. As lendas que contavam sobre o lugar pareciam  estar se tornando reais. Então eu não posso dizer que não acredito. - Harvley entrelaça suas mãos sobre a mesa, fazendo uma expressão assustada.
  – Acho que se eu te contasse que somos alguns desses seres sobrenaturais você não duvidaria, certo? - tento soar a mais cautelosa possível, tomando cuidado para não o assustar mais.
  – Pode parecer loucura, mas isso já passou muitas vezes pela minha cabeça. - o porteiro dá uma risada nervosa.
  – E se você sabia, então por que nunca disse nada? Por que nos ajudou, Harvley? - Lana pergunta ao meu lado.
  – Eu não acho que vocês são más pessoas. - ele pisca freneticamente tentando conter seu nervosismo. – Já vi como as pessoas ficam quando são mandadas para aquele sanatório, é perturbador. - ele desvia seu olhar para a mesa de madeira. – Vocês duas sempre me pareceram duas meninas normais. Eu acompanhei o desespero das duas quando a senhorita foi mandada para casa de loucos. Isso não estava certo, mas o que um simples porteiro como eu poderia fazer? - ele volta a nos encara, mas agora de forma exasperada. – Eu realmente não quero saber muito sobre tudo isso, acho que enlouqueceria, mas também não podia deixar as duas sozinhas naquela floresta, já passaram por tantas coisas em tão pouco tempo.
  Não consigo conter o sorriso de agradecimento em meu rosto com suas palavras.
  – Obrigada, Harvey. Você está no ajudando muito.
  – Não precisa agradecer, senhorita. - ele suspira. – Mas o que as duas pretendem fazer agora? A polícia vai procurar por suspeitos, e como a senhorita estava internada lá, com certeza faz parte da lista. Pior ainda, se souberem da sua ligação com as senhoras, você pode ser presa. Eu não sei o que as duas velhas fizeram para o menino Lee, mas a polícia não ficou nada feliz com isso. - Harvey fala tão rapidamente que mal consigo acompanhar.
  – Ei, calma, Harvey. Nós vamos ficar bem.
  – Nós vamos embora da cidade o mais rápido possível. - Lana fala seriamente, bebericando pela primeira vez seu chá.
  – É o melhor a se fazer mesmo. - Harvey suspira outra vez. – Vocês podem passar essa noite aqui.
  – Harvey, eu tenho um favor para te pedir. Eu sei que você já está fazendo muito por nós, mas se conseguisse isso, ficaríamos muito agradecidas. - Lana diz, me fazendo olhá-la curiosa.
  – Claro, pode dizer, senhorita Evans.
  Lana toma mais um gole de seu chá antes de falar:
– Você poderia trazer meu carro e algumas coisas nossas, como dinheiro, roupas e pertences? Isso ajudaria muito quando fossemos embora.
  Harvey pensa por alguns segundos.
  – Isso é arriscado, mas eu posso tentar. Seria muito difícil fugir de mãos abanando.
  – Sim. - Lana assenti, me fazendo sentir agradecida por ter ela comigo nesse momento, pois em minha situação atual, eu nunca pensaria nisso, por mais lógico que fosse.
  – Certo. Amanhã ou no caso... hoje. - o velho homem olha as horas em seu relógio de pulso. – Farei o meu melhor para ajudá-las. Vocês podem tomar um banho. Eu irei procurar por algumas roupas velhas da minha ex-mulher, e prepararei um quarto de hóspedes para as duas. - Harvey se levanta. E apenas assentimos, vendo ele deixar o cômodo.
  – Eu nem acredito em tudo que está acontecendo. - me escoro sobre a cadeira de madeira, pegando a xícara de chá e levando até a boca, sentindo o gosto doce de erva verde.
  – , preste atenção, tenho algo muito importante para falar. - Lana vira sua cadeira de lado para a minha.
  – O que foi? - franzo meu cenho, colocando a xícara de volta sobre a mesa.
  – Agora que você se lembra de tudo, sabe que aqueles que estão no topo da hierarquia dos anjos caçadores, foram os que apagaram suas memórias por conta do golpe de estado que seus pais queriam aplicar. - Lana faz uma pequena pausa para soltar o ar de forma pesada. – Eu não acho que eles vão te deixar em paz. Com Arthur e todos os demônios fora de jogo, tudo se torna mais fácil, e é mais do que provável que eles venham atrás de você, afinal, você foi o centro de toda essa confusão. - ela finaliza sua fala com um olhar preocupado.
  Endireito minha postura, ficando com o corpo rígido e o semblante sério.
  – Sem desculpas, iremos embora hoje de tarde. Não vamos ficar dando sopa nessa cidade. Vamos esperar toda essa confusão baixar, e vamos atrás dos meus pais, eu tenho muito o que conversar com eles. - mordo o canto de dentro de minha boca, tentando controlar todo o nervosismo.
  – Iremos fazer isso. Agora, vamos descansar um pouco, teremos um dia bem longo pela frente. - Lana se levanta de sua cadeira, esperando que eu faça o mesmo.
  – Pode ir na frente, eu vou terminar de tomar o meu chá.
  – , tente ficar calma. Vamos resolver tudo isso. - Lana coloca suas mãos sobre meu ombro, dando uma leve apertada, antes de deixar a cozinha.
  Respiro profundamente, antes de pegar a xícara de chá que havia esfriado, dando grandes goles na bebida doce.
  Como se eu já tivesse passado por coisas demais, ainda tenho que me preocupar com mais criaturas sobrenaturais atrás de mim. Isso não acaba nunca? Por quanto tempo eu vou ter que viver assim? Eu realmente cheguei no meu limite.
  Encaro a xícara vazia de chá, antes de me levantar, levando a minha xícara e a de Lana até a pia de alumínio. Olho para o meu reflexo através da janela que tinha perto da pia, notando o quão miserável eu estava nesse momento.
  – Você já teve dias melhores, . - falo para o meu próprio reflexo, o vendo se contorcer diante de meus olhos quando uma forte dor de cabeça surge inesperadamente, me fazendo derrubar uma das xícaras dentro da pia. Apoio minhas mãos sobre o mármore, fechando os olhos com força, esperando que a dor suma tão rapidamente como surgiu. E para minha sorte, depois de alguns segundos dolorosos, a dor de cabeça desaparece.
  Com a respiração descompensada, ligo a torneira da pia, molhando compulsivamente meu rosto para afastar toda a sensação ruim que me percorreu. Depois acabo erguendo meu olhar outra vez até a janela a procura do meu reflexo, me espantando ao notar a cor escura nos meus olhos.
  – O que é isso?! - dou alguns passos para trás, sentindo cada pelo de meu corpo arrepiar com a visão que tive.
  Exasperadamente me aproximo da pia, me debruçando sobre a mesma para aproximar meu rosto contra o vidro da janela, respirando aliviada quando noto que meus olhos estão normais como de costume.
  – Eu devo estar delirando. - passou a mão por meu rosto, soltando um longo suspiro – Preciso descasar antes que eu enlouqueça. - me afasto da janela e da pia, checando uma última vez meu reflexo antes de pegar o ursinho sobre a mesa e sair da cozinha.

***

  Já perdi a noção de quanto tempo estamos paradas em frente a essas lápides, apenas encarando os nomes gravados, enquanto o clima sombrio se aconchega na densa neblina e céu acinzentado.
  Connor Lee e Madeline .
  – Está mesmo bem com isso? Você sabe, colocar o sobrenome dele junto com o nome dela. - Lana abraça o próprio corpo quando o vento gelado nos embala.
  Suspiro pesadamente antes de responder.
  – Eu não fiz isso por ele, fiz por ela. Eu sei que era importante para Madeline.
  Depois do meu pequeno momento de delírio na cozinha de Harvey, fui até o quarto de hóspedes que ele nos arrumou. Chegando lá tomei um longo banho, para depois poder descansar pelo resto da madrugada, ou pelo menos tentar. Hoje de manhã quando acordei, eu sabia que me restava pouco tempo em HezelWood, e por isso senti a necessidade de fazer algo para lembrar Madeline. Perguntei a Harvey se havia alguma funerária por perto, sem que eu precisasse ir para o centro da cidade, explicando sem muitos detalhes sobre minha filha. E agindo como vem fazendo desde que nos encontrou na floresta, mais uma vez, Harvey me ajudou, conversando com um velho amigo que pôde adiantar algumas coisas e fazer uma simples lápide em memória de Madeline, para que eu pudesse colocar no cemitério da cidade. A lápide dela ficou ao lado da de Connor, pois estou ciente de todos os sacrifícios que ele fez para me ajudar, e desta forma eu sinto que eles finalmente poderiam descansar juntos e em paz.
  Acho que o real problema não é nem saber que é apenas uma lápide sobre o terreno mórbido do cemitério, e sim o fato de que não fui capaz de encontrar o corpo de minha filha. Os sentimentos de fracasso e impotência são massacrantes, e unidos com a dor da perda fazem com que todo meu eu se autodestrua. Eu sei quem fui um dia, mas não tenho esperanças de que consiga manter isso. Muitas coisas aconteceram e muitas coisas irão acontecer daqui para frente, e talvez eu tenha a sorte de acabar como Madeline e Connor; eu sinceramente estou suplicando para que isso aconteça.
  – Acho melhor voltarmos agora, . - Lana chega mais perto de mim, passando seu braço ao redor do meu, mantendo nossos corpos juntos e mais aquecidos. – Nós podemos passar aqui antes de irmos.
  – Ok. - assinto, ainda encarando a lápide sem vida. – Vamos. - relaxo um pouco mais meu corpo, antes de seguir pelo caminho contrário que Madeline e Connor fizeram.
  Calmamente, Lana e eu saímos do cemitério, deixando para trás todas aquelas vidas que foram injustamente arrancadas dessa terra, deixando para trás apenas dor aos que continuaram.
  Durante o curto caminho até a casa de Harvey, acabamos passando por algumas poucas pessoas pelo caminho, todas muito bem agasalhadas devido ao clima gélido. Talvez seja apenas paranoia de minha cabeça, mas eu podia sentir o olhar carregado de cada uma delas sobre nós duas, o que acabou me deixando desconfortável, era como se elas soubessem de tudo o que aconteceu nas últimas horas.
  – Ainda bem que estamos chegando. Não aguento mais esse frio. - Lana aperta mais seu braço ao redor do meu, enquanto uma pequena quantidade de fumaça saia de sua boca.
  Não respondo, apenas me mantenho calada, procurando por entre a neblina, a cabana de Harvey. Conforme vamos nos aproximando, consigo ver a silhueta de madeira ganhando forma, e não apenas ela, como uma pequena e curvada silhueta humana também, que estava parada em frente à porta da cabana.
  – Olhe. Acho que tem alguém na porta. - digo ao ver a silhueta se mexer.
  – Eu não estou vendo nada. Vamos nos aproximar mais e descobrir quem é. - Lana aperta os olhos, tentando enxergar por entre a neblina densa.
  Apressamos nossos passos, escutando apenas o barulho de nossos sapatos contra a calçada úmida.
  – Não tem ninguém, . - Lana me olha confusa quando chegamos perto o suficiente da cabana para enxergar cada ponto, e perceber que não havia sinal algum ali.
  – Eu realmente vi a silhueta de alguém. - franzo meu cenho, olhando ao redor na tentativa de encontrar vestígios de alguém, mas a única coisa que enxergo é a casa vizinha e seu pequeno jardim.
  – Você deve ter se confundido, a neblina está muito densa. É melhor entrarmos. - Lana sorri sem jeito, tentando deixar as coisas menos estranhas para mim. Ela percebeu que eu tenho tido algumas paranoias, e sei que isso a preocupa.
  Tentando deixar toda essa situação de lado, apenas caminho até a porta da cabana junto de Lana. Talvez eu devesse fazer o mesmo que ela e ignorar, passamos por muita coisa, acho que é normal que eu me sinta paranoica por algum tempo.
  Lana retira do bolso de seu casaco vermelho a chave da porta, rapidamente a destrancando para que pudéssemos entrar. Ao atravessar porta a dentro, o calor acolhedor nos abraça, criando um grande contraste com nossas roupas geladas.
  – Vamos até a cozinha, vou fazer um chá pra gente. Isso vai nos esquentar. - Lana esfrega as mãos por seus braços, antes de seguir até a cozinha. Eu a sigo, me sentando em uma das cadeiras da mesa de madeira.
  Lana começa a se movimentar pela cozinha, indo até o pequeno armário e retirando de lá a chaleira, da qual ela leva até a pia e enche de água, por fim, colocando o utensílio de alumínio sobre o fogão.
  – Eu me sinto exausta. - me estiro sobre a cadeira. – Me sinto exausta mentalmente. - Lana se escora contra a pia e cruza os braços, se virando para prestar atenção em mim – Tenho quase certeza de que a minha vida vai ser uma porcaria daqui pra frente. E eu não quero isso, Lana. Às vezes eu penso que seria melhor ter morrido junto com todo mundo no Waverly Hills. - encaro minha melhor amiga, que me olha com pesar.
  – Sabe, ... - Lana respira profundamente antes de continuar – Eu estive pensando sobre tudo isso também... e não posso dizer que as coisas vão ser ótimas de agora em diante, ou que a sua dor vai diminuir, mas eu posso te garantir uma coisa, que você nunca vai estar sozinha para enfrentar tudo isso. - ela sorri minimamente, me fazendo sentir grata, outra vez, por ela ter ela ao meu lado.
  – Obrigada. - faço um pequeno esforço para desenvolver seu sorriso.
  Ficamos em silêncio por alguns minutos até que a chaleira comece a apitar, indicando que a água já havia fervido, e junto com o apito da chaleira, alguém bate à porta.
  – Será que é o Harvey?
  – Não sei, mas ele tem a chave da própria casa, certo? - Lana pergunta ironicamente, me fazendo ficar curiosa.
  – Certo, vou ver quem é então. - me levanto da cadeira, vendo Lana caminhar até o fogão, concentrando sua atenção no chá.
  Faço todo o caminho até a porta de entrada, levando alguns segundos para destrancá-la. Quando abro a porta, sou recebida pelo vento gelado, e pela imagem de uma pequena senhora de cabelos brancos em um longo vestido azul de frio, que segurava uma cesta marrom de palha.
  – Bom dia. - ela sorri, me olhando através de seus óculos de grau.
  – Bom dia. - respondo um pouco incerta.
  – Harvey está? - ela se esgueira sobre meus ombros, olhando para dentro da casa.
  – Me desculpe, Harvey está no trabalho agora.
  – Oh, entendo. Me desculpe o incômodo, é que eu fiz alguns biscoitos e trouxe para ele. - ela indica a cesta em suas mãos.
  – Não se preocupe, acho que ele já está chegando.
  Ela assente, ficando alguns segundos me observando de força intensamente desconfortante, estranhamente fazendo o frio em meu corpo aumentar.
  – Me desculpa perguntar, mas quem é você? Eu sou vizinha do Harvey há anos e nunca vi você ou a sua amiga por aqui antes. - ela inclina sua cabeça para o lado.
  Minha amiga? Como ela sabe sobre Lana? Será que nos viu chegar ontem?
  – N-Nós somos... somos sobrinhas dele. - dou uma risada nervosa. – Tio Harvey disse que estava se sentindo muito solitário ultimamente, então resolvemos visitar. - sorrio forçadamente.
  – Isso é bom. O velho Harvey passa muito tempo sozinho. - ela sorri outra vez. – Bem, então fiquem vocês duas com os biscoitos, crianças gostam mais de doces do que gente velha. - ela empurra a cesta em minha direção, e sem ter outra escolha, acabo pegando.
  – Obrigada. - dou outro sorriso forçado, sem sair.
  – O que há, criança? Você parece um pouco abatida. - ela desfaz seu sorriso, estreitando os olhos sobre mim.
  – Não é nada, só estou cansada. - torço mentalmente para que minha desculpa a convença.
  – Escute bem... não existe nada de ruim que não possa piorar. - ela volta a sorrir, mostrando todos os seus dentes amarelados.
  – O que disse? - dou um passo para trás, segurando na porta aberta, enquanto aperto a cesta de palha com a outra mão.
  – Eu disse que não existe nada que bons biscoitos de chocolate não resolvam. - ela me olha com o cenho franzido, me fazendo chacoalhar a cabeça não entendo o que aconteceu.
  Eu estava delirando outra vez?
  – Bom, agora eu preciso voltar para minha casa, vou arrumar o meu jardim. - ela aponta para o quintal em frente à casa vizinha. – Aproveitem os biscoitos. - a senhora sorri uma última vez, antes de se virar e seguir pelo caminho de pedras até a casa ao lado.
  O que essa velha estranha vai fazer no jardim com um tempo desses? Isso tudo é estranho demais. É melhor eu me manter presa dentro dessa cabana até Harvey voltar.
  Tranco a porta, e volto para a cozinha o mais rápido possível.
  – O que é isso? - Lana pergunta, enquanto coloca duas xícaras de chá sobre a mesa.
  – A vizinha veio entregar, acho que nos viu ontem ou hoje, não sei. - dou de ombros, colocando a cesta sobre a mesa, tentando ignorar o que acabou de acontecer.
  – Biscoitos? - Lana retira o pano que estava sobre a cesta, deixando amostra vários biscoitos com gotas de chocolate. – Parecem estar gostosos. - ela pega um, levando até sua boca e dando uma grande mordida. – Prove, . Estão realmente bons. - ela fala com sua boca cheia, enquanto aponta para cesta.
  Volto a me sentar sobre a mesma cadeira de antes, arrastando uma das xícaras para perto de mim, em seguida, pegando um dos biscoitos. Encaro o doce assado por alguns segundos antes de provar um pequeno pedaço, me surpreendendo com o sabor.
  – Não são tão ruins assim. - comento, enquanto analiso o biscoito mordido em minha mão.
  – Não vejo a hora do Harvey chegar com as nossas roupas, não aguento mais usar isso. - Lana puxa a blusa florida por baixo do casaco vermelho que usava, enquanto bebericava seu chá.
  As roupas que estávamos usando foram emprestadas por Harvey, aparentemente eram de sua ex-mulher, que para nossa sorte serviam, mesmo que ficassem um pouco apertadas ou largas. Mas até que ele voltasse para casa, elas serviriam.
  – Não vejo a hora de dar o fora dessa cidade. - suspiro antes de dar um grande gole em meu chá.

***

  Lana e eu passamos o restante da manhã apenas jogando conversas desinteressantes fora, tentando não tocar no assunto de toda a confusão em que estávamos, já que em pouco tempo iriamos, de fato, voltar para realidade. E ficamos assim até que Harvey voltasse com nossas roupas e com o carro de Lana.
  Quando já tínhamos alguns de nossos pertences de volta, pegamos peças de roupas quentes e fomos nos trocar, nos aprontando para ir embora de HazelWood para sempre.
  – Parece que você ganhou uma cicatriz. - Lana para atrás de mim, olhando a pele de minha barriga através do espelho à minha frente.
  – É para não me deixar esquecer da noite maravilhosa que tive. - falo debochadamente, enquanto passo os dedos pela cicatriz feita pela faca que usei para matar Arthur.
  – Nem dá para ver direito, está bem pequena. - Lana dá um tapinha em meu ombro. – Agora se apresse para irmos embora logo. - ela sai de trás de mim, indo até a cama pegar sua roupa.
  Solto o ar pesadamente antes de voltar a me vestir. E quando acabo, me certifico de pegar todas as coisas e levar para o carro de Lana, tendo Harvey nos acompanhando.
  – Muito obrigada por tudo, Harvey. - agradeço em meio a um rápido abraço no homem de meia idade.
  – Não precisa agradecer, senhorita . Apenas se cuidem. - ele leva suas mãos até os bolsos quando nos separamos.
  – Nós iremos. - Lana sorri, abrindo a porta de seu carro.
  – Até mais, Harvey. - aceno para o porteiro, dando a volta no carro e entrando pelo lado do passageiro.
  Lana se acomoda no lado do motorista, logo ligando o carro e o manobrando. Harvey fica parado na calçada até ver nosso carro sumir, e não só ele, como a velha vizinha que estava no jardim acenando lentamente em direção ao carro.
  – Velha esquisita. - sussurro para mim mesma, desviando meu olhar da senhora e focando na rua à nossa frente.

***

  Por mais irônico que seja, parecendo até mesmo uma grande blasfêmia, Lana e eu fazemos uma oração nos túmulos de Connor e Madeline, já que acabamos passando no cemitério para nos despedir. Eu peço para que ambos encontrem a paz que mereciam depois de tanto tormento, podendo descansar em meio a graça, se ela realmente existir.
  – Pronto. Agora podemos ir. - Lana suspira, se virando na direção contrária para ir embora.
  Dou uma última boa olhada em seus túmulos antes de seguir Lana até carro, vendo o pequeno ursinho queimado de Madeline jogado sobre o banco de trás.
  – O que foi, ? - Lana pergunta, já sentada no banco do motorista.
  Entro no carro, me inclinado sobre o banco de trás para alcançar o urso.
  – Eu queria deixar esse ursinho lá no túmulo dela. - suspiro, passando a mão pelo pano velho e queimado da pelúcia.
  – Você não vai guardar de recordação? - Lana me olha curiosa.
  – Madeline gostava muito dele, acho que deve ficar com ela. E também, não acho que um ursinho queimado em uma tragédia seja o tipo de recordação que eu queria manter comigo. - arqueio as sobrancelhas, comprimindo a boca em uma expressão de desgosto.
  – Tudo bem, só seja rápida. Não é bom perdemos mais tempo nesse lugar. - Lana alerta, e eu assinto antes de sair do carro outra vez.
  Volto para a entrada do cemitério, passando pelo grande portão de metal, e depois pelos muitos túmulos e lápides. A neblina estava mais densa do que de manhã, o clima mais pesado e o céu mais escuro, era uma melancólica tarde de sexta-feira.
  Calmamente caminho pelos túmulos, fazendo o caminho que tive o desprazer de decorar. Não demoro tanto para enxergar mais a frente, a lápide Madeline, da qual um alto homem de sobretudo passado ao lado, deixando um pequeno pedaço de papel cair de seu bolso.
  – Ei, senhor! Você deixou cair uma coisa! - chamo, correndo até o pedaço de papel que caiu sobre o túmulo de Madeline, onde havia aparecido uma linda e solitária rosa vermelha.
  Me abaixo para pegar a rosa e o papel, deixando o ursinho de Madline sobre a terra escura. Encaro confusamente a rosa sem espinhos, tentando imaginar como ela surgiu no túmulo de Madeline. Eu acabei de sair daqui e não deixei flor alguma. Será que foi o senhor?
  Fico por mais alguns segundos olhando para a flor, até desviar minha atenção para o papel dobrado com uma cor amarelada, indicando o quão gasto e velho era essa folha, o que estranhamente me lembrou as páginas do diário de Arthur. E ao me recordar disso, uma inevitável curiosidade me atinge, me fazendo abrir com cuidado o papel dobrado, reconhecendo no mesmo instante a letra curvada, fazendo meus olhos se arregalarem e todos os pelos do meu corpo se arrepiam à medida que vou lendo cada frase arrebatadora.
  – Me desculpe, mas você está com algo que é meu. - uma voz grave e rouca diz perto de mim, tão perto que eu podia sentir a sua presença intimidante, que não precisa de muito para fazer meu coração disparar em frenéticas batidas descontroladas.
  Já sentindo minha respiração ficar pesada, levanto minha cabeça lentamente, levando meus olhos até a figura alta parada à minha frente, da qual revela a criatura que eu menos imaginava rever uma outra vez em minha vida.
  – H-? - as palavras saem quase que em câmera lenta de minha boca, deixando toda incredulidade escorrer por entre meus lábios.
  Ele não diz nada, apenas continua com sua expressão apática, parado enquanto o vento gelado brinca com seus longos fios de cabelos, com a densa névoa rodeando todo seu corpo esguio e alto.
  Minha respiração começa a ficar descompensada, à medida que minhas mãos tremem. Minha visão começa a ficar turva e todo meu corpo parece ser engolido por aquela horrível e estranha sensação que tive no Waverly Hills antes que ele fosse engolido pelas chamas quentes.
  Aperto a rosa e a folha de papel em minhas mãos que tremiam sem parar. Olho ao redor em busca de uma saída – eu estava encurralada e paralisada pela incredulidade –, e a única coisa que encontro é brilho intenso das labaredas de fogo que se formavam ao redor de cada túmulo, engolindo cada parte do cemitério. não parece temer o fogo, pelo contrário, ele parecia apenas querer observar qual seria a minha reação.
  Meu corpo já não me obedecia, apenas entrava em um grande colapso, se entregando de vez para a grande sensação ruim e desesperadora que se aflorava dentro de mim, fazendo minha visão ficar cada vez mais escura e turva. Todos os meus sentidos são afetados e minhas pernas me traem, não aguentando mais o peso de meu corpo e do que ele carregava por dentro, me levando ao solo mórbido. As labaredas se aproximam de forma desesperado para mim, enquanto escuto dentro de minha cabeça minha respiração pesada. E a última coisa que vejo antes que o fogo me beije em uma mortal despedia, são aqueles olhos verdes que seriam os meus últimos espectadores na grande tragédia macabra que era a minha vida.
  “Você continuará, anjinho.”

Capítulo 54

  "Água benta não pode te ajudar agora.
  Mil exércitos não puderam me conter.

  Não quero seu dinheiro.
  Não quero sua coroa.
  Veja, eu tenho que queimar o seu reino inteiro.
  Água benta não pode te ajudar agora.
  Veja, eu tive que queimar seu reino.
  E nenhum rio e nenhum lago pode apagar o fogo.
  Vou levantar as estacas.
  Vou acabar com você.
  Sete demônios ao seu redor.
  Sete demônios na sua casa.
  Veja, eu estava morta quando acordei esta manhã.
  Estarei morta antes do dia acabar.
  Antes do dia acabar.
  E agora todas as suas mentiras serão exorcizadas.
  E veremos seus santos serem canonizados.
  E é uma canção regular.
  É uma melodia.
  É um grito de guerra.

  É uma sinfonia.
  Eles podem me deixar no alto.
  Até eu rasgar as paredes.
  Até eu levar seu coração.
  E levar sua alma.
  E o que tem sido feito.
  Não pode ser desfeito.
  No coração do mal.
  Na alma do mal.
  Sete demônios ao seu redor.
  Sete demônios na sua casa.
  Veja, eu estava morta quando acordei esta manhã.

  Eu estarei morta antes do dia acabar.
  Antes do dia acabar."

FIM!



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