Querido

Escrito por Amanda Antônio | Revisado por Mariana

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  Campinas, 25 de junho de 2008...

  Querido namorido,
  O que dar para uma pessoa que já tem tudo? Principalmente quando você me tem, ou seja, já tem o suficiente para nunca mais ousar pedir presente nenhum de mim...
  Brincadeiras a parte, eu queria fazer algo diferente nesse nosso aniversário de namoro, quase casamento de um ano, queria mostrar o quanto você precisa de mim nessa sua vida pacata, o quanto você me ama. E para isso vamos dar uma voltinha no tempo em que cantávamos a música da Ana Julia, da Carla, da Renata, enfim você entendeu...
  Sempre que conto essa história, você mente dizendo que não lembra. Mas, meu amor, você sabe realmente que eu nunca esqueceria o jeito que nos conhecemos. Foi épico, então vou relembrá-lo de uma maneira bem dramatizada e bem enfatizada:

  Jaboatão de Cereja, 23 de janeiro de 2004...

  Era uma noite de lua nova, as estrelas estavam brilhando, as ruas estavam com poucos carros, e eu apenas me odiava por estar atrasada para o evento mais importante que já havia acontecido na minha vida, ser mulher e querer estar deslumbrante demorava.
  Eu, em meus plenos quinze anos, uma digna nerd, nunca me contentei com nada inferior ao que eu merecia, sempre queria tudo do bom e do melhor, inclusive minhas notas, que não eram mais baixas que 9,5. E como presente por ser uma ótima menina, meu pai comprou ingressos para que fóssemos em um bar na cidade vizinha, que ficava apenas trinta minutos afastada de onde morávamos, primeira vez que ia sair para ver uma banda. Estava tendo um especial com vários rocks internacionais e nacionais, foi incrível! E depois que a banda saiu, ainda abriu para o público cantar, que foi quando então começou a verdadeira diversão.
  Quando estava indo ao banheiro me preparar para cantar, avistei quem se tornaria o homem da minha vida.
  Você e seu amigo estavam brigando para quem iria escolher a próxima música que cantariam em dupla, você estava todo vermelhinho, bufando de raiva, parecia uma menininha batendo o pé no chão, enquanto o Felipe estava com um sorriso debochado e irritante. Quando olhei aquela situação, só lembrei-me de quando as idiotas da escola ficavam roubando meu caderno para copiar tarefas, aquele mesmo sorriso. Então passei pelos dois e coloquei a música que você queria, e que depois viria se tornar a nossa música. Eu sei que você sempre diz que não estava batendo o pé no chão e que não estava “fazendo doce” porque o Fê não queria por sua musica, mas eu tenho seu melhor amigo como testemunha que você estava fazendo sim. E nem adianta pedir para nós esquecermos, porque sempre que fazemos algo contra a sua vontade você sempre faz a mesma coisa, então sim, vamos continuar jogando na sua cara, menina mimada!
  “Será que amar é mesmo tudo?” era o nome da melodia. Seus olhos brilharam de agradecimento e um olhar fulminante foi lançado pelo Fê, que depois eu vim descobrir que não era apenas de raiva. E quando eu ia descer do palco, quando você já havia começado cantar, o idiota do Fê agarrou meu braço e me obrigou a ficar cantando com vocês.
  - Até que a senhorita intrometida tem uma bela voz! – comentou Felipe assim que saímos do palco.
  Essa foi a deixa para engatarmos uma conversa bem animada, com o Fê sempre me provocando e você me defendendo dos comentários ofensores, mas no fundo eu sabia que aquilo era uma forma de tratamento de amigos, um implicando com o outro, mesmo sem nos conhecer, só nos baseávamos pela aparência e o pouco de conversa decente que tivemos.
  Quando eu estava indo embora, eu dei um abraço em Felipe e quando fui me despedir de você, estava tão nervosa, porque havia me encantado por seu jeitinho de bom moço, esse cabelo loiro, olhos azuis, e bronzeado de surfista, que acabei dando um beijo bem estalado e demorado em sua bochecha, e que foi seguido por outro beijo, só que dessa vez com os seus lábios e a minha bochecha.

  Voltando para a carta... (Campinas, 28 de junho de 2008)

  Descobri na semana seguinte que vocês estudavam na minha escola. E depois disso nunca mais nos separamos. Tornamos-nos amigos mesmo, de até apresentar para os pais, e sair juntos. Eu não tinha amigos por ser tachada de nerd, mas vocês chegaram à escola nem se importando com isso, apenas com aquela noite maravilhosa que tivemos no barzinho. E assim passou-se a primeira série do ensino médio, apenas amigos. Mas a partir da metade da segunda série, eu não queria ser apenas sua amiga, mas como eu era muito tímida, tinha medo de me declarar e você vir com aquele papo de “não quero estragar nossa amizade”. E tudo foi por água abaixo quando você conheceu a Laís, a famosa morena de cabelo cor de coca-cola.
  Você não tem ideia do quanto eu odiava essa menina. Seu primeiro amor. Odiava quando você a chamava de amor. Vocês não tinham nem três meses de namoro, e já estavam postando fotos em redes sociais, já estavam contando segredos um para o outro, já estavam fazendo planos para o futuro, já estavam até dormindo um na casa do outro. Eu sei que você havia me explicado que já a conhecia antes, que o pai dela era militar e vivia trocando de cidade e já haviam morado na capital e que eram vizinhos, e que até fora ela a primeira a beijá-lo. Mas eu a odiava, pelo simples fato de ter inveja, por querer estar em seu lugar.
  E assim passou-se o ano seguinte, eu o amando secretamente e me afastando aos poucos, já que não aguentava ficar perto de vocês. Mas para minha sorte, naquela época tinha o Felipe, que sabia dessa minha desilusão por você, e era o melhor amigo que alguém podia ter e sempre estava me apoiando me levando para programas para tentar te esquecer. Lembro que adorava quando você ligava para ele e estávamos juntos ou no zoológico, ou naquele barzinho em que nos conhecemos, ou em uma sorveteria, e sempre reclamava que o estávamos excluindo, e o Fê brincava dizendo que aquilo era programa de casal, e quando ele sugeria levar a Laís, você dizia para ele se tocar e dizia que estava tentando me conquistar, adorava como você ficava frio com ele, como se estivesse bravo. O Fê me ajudou bastante nessa época, e eu sabia que ele nutria sentimentos por mim, desde aquele olhar de desejo e paixão que ele me lançou no dia em que nos conhecemos, e de como ele queria sempre queria chamar minha atenção quando estávamos conversando, através daquelas implicâncias.
  Faculdade chegou e a Laís havia terminado o namoro porque teria que se mudar para o Pará, porque só conseguiu passar em uma faculdade de lá, e aproveitou que tinha parentes para ampará-la por lá. Enquanto eu, como futura caloura de Biologia, você, como calouro de Direito e o Fê, como calouro de Engenharia Civil, arrumávamos nossas malas para ir para Unicamp, em Campinas. Esse sempre havia sido nosso plano, ir para lá e morarmos juntos. Lembro que você passou uns sete meses na seca, apenas se dedicando aos seus estudos. Até que então em uma noite de bebedeira, aquela em que você quebrou seu celular na parede, e eu tive que cuidar de você, já que Felipe havia saído para comprar bebidas e havia mandado uma mensagem dizendo que havia encontrado amigos pelo caminho e eles o tinham arrastado para uma noite de pôquer, que aconteceu o que eu sempre quis:

  Campinas, 25 de agosto de 2007...

  Eu já havia dado banho em você, e estava te ajudando a deitar na cama quando eu fui surpreendida por um beijo seu. Como eu sabia que você não se lembraria no dia seguinte, me entreguei àquele beijo, porque sabia que poderia ser o último. Então foi a primeira noite de muitas que ainda teríamos. E não, você não esqueceu a nossa primeira vez.
  - Você é minha melhor amiga, eu sinto ciúmes de você, eu desejo você e sei que você me ama, o Felipe sem querer soltou isso semana passada quando estava bêbado, ontem eu comecei a beber para ver se me dava coragem de fazer algo a respeito disso, mas antes de tudo eu preciso ser sincero, eu ainda amo a Laís, é difícil esquecer um amor assim, mas se você tiver a paciência de me ajudar a esquecê-la, se não for você, eu sei que não terá outra capaz de fazer isso... – esse foi o seu discurso matutino.
  Eu estava tão feliz que apenas concordei com tudo o que você disse e apenas passei meus braços pelo seu pescoço e o beijei do jeito que eu sempre quis, e esse foi o dia em que nós começamos a namorar. Sei que não foi o mais romântico do mundo, mas pelo menos foi sincero, e isso sempre foi uma qualidade que eu admirei em você. E sempre preferi, mesmo que significasse que não poderia ter o seu amor.

  Voltando a carta... (Campinas, 29 de junho de 2008)

  Eu amei a primeira frase, quando você começou a falar, e odiei saber que você ainda amava aquela vaca de cabelo de cor de coca-cola. Você sabia que até hoje eu odeio coca-cola por isso? Então muito obrigado por permitir que eu extinguisse essa bomba calórica da minha vida sem esforço algum.
  Outra coisa que eu queria agradecer foi o ano seguinte a esse pedido. Você foi o meu primeiro e melhor namorado, quer dizer, eu como estava sempre apaixonadinha por você, nunca namorava, sempre ficava com os carinhas, para apenas me divertir, e tentar esquecê-lo. Obrigada por brincar de casinha comigo. Eu adorava quando estava apenas eu e você em casa, principalmente quando o Fê se mudou, e fingíamos estar casados, e que estávamos nos anos 50, eu até colocava aquele meu vestido rodado em que usei apenas uma vez para ir à festa a fantasia onde fui de Kirsten Dunst em O Sorriso de Monalisa.

  Campinas, 23 de agosto de 2008...

  Obrigada por sempre ser o cara ideal, por sempre me entender, por ser meu melhor amigo. Desde o dia em que nos conhecemos, você ocupou o cargo de melhor amigo, menos no período em que estava com a Laís, que esse cargo foi preenchido por Felipe.
  Em falar nele, eu preciso contar algumas coisas para você. Tanto do passado quanto do presente. E eu preciso começar usando frases da nossa música, que no final acabou sendo perfeita para nossa realidade.
  “Essa não é mais uma carta de amor, são pensamentos soltos traduzidos em palavras. Pra que você possa entender o que eu também não entendo”
  Eu comecei essa carta como uma carta de amor, de aniversário para comemorar nosso um ano de namoro, mas acabou sendo como um despertar, quanto mais eu escrevia, mais emoções vinham à tona, agora eu com uma cabeça mais madura, estou tendo uma claridade.
  Aproveitei que você viajou a trabalho e só voltará no dia do nosso aniversário para terminar essa carta, então antes de pedir explicações, leia-a inteira! E não ouse me desobedecer, ainda mais porque você não terá como me achar, eu só voltarei para casa à noite, meu chefe resolveu fazer uma visita a seu sítio, e como é longe e como boa estudante de Biologia que eu sou, estarei muito entretida cuidando de cavalos, macacos, tucanos e cachorros.
  Mas enfim, o que você precisa saber é que com o intuito de te atingir, na época em você namorava a Laís, eu acabei ficando com o Felipe, e ele foi o primeiro homem a me amar, se é que me entende... Assim quando ele soltou um “eu te amo” quando ainda estávamos abraçados na cama, eu me desabei em lágrimas, e percebi o quão egoísta eu estava sendo. Eu sabia que ele sentia algo por mim, mas mesmo assim não me importei e o usei para causar ciúmes em você, quer dizer, tentei, porque não tive coragem de prosseguir com o plano.
  Então pedi que ele não comentasse nada com você, e pedi para que me perdoasse, lamentei o fato de ter sido uma vadia sem escrúpulos e que não o merecia como amigo, mas ele apenas me olhou e me beijou. Disse que estava tudo bem, que sabia que eu amava o nosso melhor amigo (você), que ele nunca chegaria aos seus pés, porque você sempre foi um príncipe, e ele sempre um vagabundo. E por me amar demais queria que eu fosse feliz e que sempre tivesse o melhor, como eu sempre era acostumada. Até brincou que você era o 10 e ele o 9.5, que eu nunca me contentaria apenas com ele. Mas por meses, eu me contentei só com ele, mas minha fixação por você, não me deixava amá-lo inteiramente.
  “Amar não é ter que ter sempre certeza. É aceitar que ninguém é perfeito pra ninguém”
  Mas o que eu percebi ultimamente é que o 9.5 além de ser suficiente para mim, era o ideal. Na verdade, você sempre foi perfeito para mim, mas nossa música mostrou que na verdade isso não importa. Depois do dia em que nos deixou sozinhos, porque eu sei que aquele negócio de pôquer foi apenas uma desculpa, ele virou o maior mulherengo daquela faculdade. E sei que a culpa foi minha. Mas por respeito a mim, ele nunca comentava, nem levava ninguém para conhecermos. Mas eu sei que ultimamente ele tem saído direto com uma tal de Kelly, e sim eu tenho muito medo do dia em que ele se apaixonar por alguém que não seja eu, ao ponto de ele deixar de me amar, porque o que nunca percebi é que eu sinto algo por ele, e não é apenas atração, porque vamos ser sinceros, um branquinho, ruivo e de olhos azuis e ainda mais sarado, não é comum aqui pelo país. Eu sei que sinto algo maior, porque o ciúme que eu sentia de você com a Laís veio triplicado quando eu soube dessa tal de Kelly.
  E, outra coisa que preciso te comunicar é que eu já sei que a Laís vai vir morar aqui. Eu vi seu histórico de mensagens, e vi que vocês ainda mantêm contato, e foi assim que descobri que eu poderia estar apaixonada pelo Felipe:

  Campinas, 10 de agosto de 2008...

  Assim que você viajou, e eu cheguei em casa depois de deixá-lo no aeroporto, fui checar meu e-mail e acabei usando o seu tablet, e assim que abri a página do hotmail, vi que tinha um e-mail da Laís, e por curiosidade fui atrás do histórico e me deparei com os milhões de e-mails trocados com a vadia de cabelo de coca-cola. Então fui correndo para casa de Felipe, que é o que eu sempre faço quando tinha problemas e precisava conversar com alguém, sem ser criticada, não é Sr. Não Acredito Que Você Fez Isso?
  Quando cheguei lá, vi que estava na varanda se embalando com uma vaca loira, a tal de Kelly, no balanço que ele havia dito que tinha construído para mim. Fiquei escondida no arbusto ouvindo a conversa deles:
  - E quando vamos sair com aqueles seus amigos? – perguntava a idiota animada.
  - Assim que o Otávio voltar, e ele comemorar com a namorada dele um ano de namoro – disse o Fê suspirando.
  - Ela é bem bonita... – comentou enquanto Felipe olhava para o horizonte.
  - É, muito linda mesmo – concordou Felipe sorrindo sem graça.
  - Então... Vocês já tiveram algum rolo? – perguntou meio acanhada.
  - Nunca tivemos nada, eu sempre quis, mas ela não, e quando um não quer, se torna nada, certo? – respondeu suspirando – Mas isso não tem valor agora, eles vão acabar se casando, e estou curtindo muito você, ao ponto até de apresentá-la para eles, loira ciumenta. – brincou e deu aquele sorriso mandão e debochado que aprendi a amar. E então eles se beijaram.

  Voltando à carta...

  Sei que passei quinze dias evitando o Felipe e mal falando com você, a sorte era que você estava muito ocupado, e eu podia inventar que tinha passado o dia na fazenda, e lá não tem sinal, mas eu precisava desse tempo para mim, para pensar.
  Vou ser sincera agora e dizer que me incomodei mais com o fato de o Felipe estar se apaixonando e estar me esquecendo do que você manter contato com a Laís, passei esses dias todos em casa apenas chorando e pensando nisso. E cheguei à conclusão que tenho o presente perfeito para nós dois. Uma chance de viver um grande amor. Eu sei que mais cedo ou mais tarde nós íamos acabar terminando, então melhor terminar antes de eu perder minha chance. Essa carta foi apenas uma introdução para a conversa definitiva que teremos assim que chegar do trabalho, não surte apenas me espere...
  “Agora o que nós vamos fazer? Eu também não sei... Afinal, será que amar é mesmo tudo?”



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