Quase Sem Querer
Escrito por Melissa Lima | Revisado por Jubs
Capítulo Único
Fazia frio em Florianópolis. O vento soprava gelado, sem dó nenhuma das pessoas que voltavam para casa após um dia de trabalho. O zunido cortante e as buzinas de carro eram ouvidas de dentro dos apartamentos, junto com vozes e risadas vindo de todas as partes.
Era estranho.
Quase cinco e meia da tarde e ainda não tinha almoçado. Nem jantaria, pra ser honesto. A fome havia lhe abandonado naquele dia.
A rotina o tomou enquanto cursava sua faculdade e agora, cinco anos trancorridos, já havia se formado e estava trabalhando na área. Aquela quarta feira, felizmente, era um feriado, então ficara em casa vendo algo na tv e se deixou consumir totalmente pelo tédio.
Era ridículo de se imaginar que fosse desse jeito.
O rapaz pegou seu celular e o olhou para a tela de bloqueio pela milésima vez, na esperança de haver alguma mensagem nova. Mas não tinha. Já estava preocupado quanto ao paradeiro de , que não dera as caras desde a tarde do dia anterior, nem um sinal de vida, uma ligação, nem mensagem, nem sinal de fumaça. Nada.
era o grande amor da vida de .
A história deles era um tanto complicada, mas, vejamos, pra resumir: Os dois se conheceram pela internet, quando ela tinha dezesseis e ele, dezenove. A amizade aconteceu instantaneamente. O amor viera logo em seguida. E dois meses depois eles já estavam namorando. E foi o tipo de namoro avassalador. Aquele tipo de amor que desperta ciúmes em qualquer clichê. Embora o namoro fosse virtual, não deixaram de sentir os prazeres e as confusões de um namoro comum. Eles brigavam, claro. Se desentendiam, mais ainda. Mas, acima de tudo, se amavam. Era assim. e eram melhores amigos, cúmplices, companheiros, namorados e amantes. Eram tudo o que o outro precisava que fosse, no sentido mais clichê da palavra. Eram porto seguro, confidentes e a base um do outro.
Infelizmente a separação veio alguns meses depois por motivos diversos. Ambos não se falaram por quatro dias, quatro fatídicos dias em que os dois sofreram separados, afinal, podiam ter terminado mas o amor que sentiam um pelo outro não havia se esgotado. Foi quando numa quinta-feira resolveu beber um pouco a mais que o costume e a combinação de álcool + celular com internet o fez mandar mensagem pa . O rapaz obteve uma resposta imediata ao "oi" enviado. Depois de adentrarem à madrugada e conversarem por horas, os dois entraram no acordo que tentariam de novo, mas do zero. Passos de bebê foi a expressão usada por ela.
Deu certo por alguns meses, mas ambos são muito intensos pra não se envolverem dos pés à cabeça rápido demais e poucas semanas já estavam completamente envolvidos.
Mas acabou algum tempo depois.
Barreiras. E uma amiga: Talia. Aconteceu surpreendentemente rápido: havia conhecido Talia alguns meses antes mas tinham pouca amizade. Quando ele e começaram a brigar o rapaz acabou encontrando refúgio da amiga que, sempre soube, gostava dele. Os dois terminaram e pouco tempo depois começou a namorar a tal amiga.
Mas, também, não durou.
Embora gostasse de estar com Talia, não a amava e tentou por dois meses insistentemente tapar um buraco que não conseguia ser preenchido. Talia era impaciente e com o tempo mostrou desinteresse na relação. Terminaram.
Foi quando e se aproximaram de novo graças a um motivo qualquer. Foram meses de conversas até que ele finalmente percebeu: era a sua garota. A garota para ele casar.
Ele sempre soubera, lá no fundo. A ligação, em todos os âmbitos, que os dois tinham era algo incomum, porém bonito de ser observado. Ela o entendia como ninguém e tinha certeza que isso era recíproco. E a amava. Mesmo que fosse de um jeito torto, a amava. E ela era a garota que ele iria se casar, ele sabia. Ele poderia se envolver com quantas fossem durante a trilha, mas sabia que no final, só teria e era isso que ele queria. sabia que escolheria dentre qualquer outra garota. Sabia que seu destino era com ela, que seu futuro era com ela. Tinha certeza absoluta disso. Mas, aparentemente, eles ainda não estavam prontos um para o outro. Não estavam prontos para se ter definitivamente. Na verdade esse foi um tema de uma das conversas mais longas que os dois já tiveram. Algum tempo depois de e Talia terem terminado, o rapaz levantou hipóteses com o porquê de não terem dado certo. Até uma lista foi feita. Os dois se amavam, tinham confiança um no outro e cada ponto crucial em uma relação ele tinham mutualmente. No final eles compreenderam que talvez não fosse pra acontecer agora, mas sim um dia.
Hoje já se passaram cinco anos. Os dois ainda se falam, já se viram pessoalmente, já se beijaram, já transaram, mas não namoraram mais. Ambos tinham medo de não dar certo. E esperavam o dia que poderiam se ter, finalmente, e sabiam que sentiriam dentro de si quando o momento chegasse.
recordara toda a história deles com um sorriso no rosto. A história que criara com fora, de longe, a mais bonita de todas. E o sentimento que sentia pela garota... Ah, era ótimo. Ainda existia, mesmo após cinco anos. Mesmo com o tempo curto que tinham, mesmo com a faculdade cobrando e o trabalho nas costas, eles tinham tempo um para o outro e o amor nunca morreu.
Pelo menos da parte dele, ele pensava, já que a garota não dava notícias há mais de vinte e quatro horas, o que nunca havia acontecido antes. Era ridículo pensar nisso, tá, ele sabia. Mas não podia evitar.
se levantou do sofá e foi pegar a chave de casa. Iria ao mercado. Não iria ficar ali parado, por mais sem fome que estivesse, iria comprar algo para comer. Ele sabia, sentiria orgulho dele por isso.
Assim o rapaz girou a chave na porta do apartamento, percebera algo diferente. Ele tinha absoluta certeza de que havia trancado a porta, mas esta estava se encontrava aberta. De primeira cogitou que alguém poderia invadido seu apartamento, mas isso é bastante improvável pois 1. A porta estaria arrombada e 2. Os vizinhos, com certeza, veriam e o avisariam antes de ele entrar. Como nenhum dos dois aconteceu, o rapaz só franziu o cenho e foi em direção a cozinha.
- Tem alguém aí?
Sem resposta. Como se um ladrão fosse responder.
Da cozinha ele foi para o quarto e do quarto para a área de serviço. Não havia ninguém na sala também, nem no banheiro. achou que deveia ter deixado a porta apenas aberta mesmo, que sua atenção foi atraída por algo que estava em cima da mesa e que antes não estava lá.
Havia um pequeno pote de cor azul com um bilhete na frente escrito "ABRA!".
Pronto, era só o que faltava. Charadas de algum vizinho que não tinha mais o que fazer. Mas nenhum deles tinha a chave do apartamento, o que o preocupou. Apenas duas pessoas, além dele, tinham a chave dali: Sua mãe e .
descartou de cara a segunda hipótese, já que estava em São Paulo, trabalhando em uma agência de Publicidade, já que acabara de terminar a faculdade. Logo depois excluiu a possibilidade de ser sua mãe também, já que ela não tinha motivo para fazer isso.
pegou o bilhete e o virou, na esperança de ter algo a mais, mas não havia. E também tinha a impressão de que conhecia aquela letra, mas não foi muito adiante porque estava em letra de forma. Deixou o bilhete de lado e resolveu abrir o pequeno pote. Ao puxar a tampa, um sorriso espontâneo atingiu seus lábios.
Naquele pote havia um pedaço de uma torta de limão, sobremessa preferida dele. E, ao lado do pedaço, havia uma barra do chocolate Kit Kat, um dos preferidos dela. sorriu ainda mais.
Tampou o pote e o levou até a geladeira, deixando-o lá e indo procurar por mais pistas, pois sabia que havia deixado mais. Foi para seu quarto novamente e revirara o guarda roupa inteiro, incluindo as gavetas, e não achou mais nada. Foi para sua cama e a revirou, tirando as cobertas, o lençol e os travesseiros, até que, embaixo de um, descobriu uma caixa de um tamanho médio com uma fita em cima. Não demorou dois segundos para abrir.
Assim que retirou a tampa, havia papel cobrindo o que conteúdo embaixo, mas, acima do papel, havia um bilhete que pegou para ler e reconhecera a letra de imediato.
"Acho que você já sabe quem é, né? Então não preciso mais escrever em letra de forma para dificultar. Sou eu, meu menino. Como você está? Espero que bem. Tá, mas chega de enrolação. Você sabe que eu não ia te deixar só dois presentes, né? Embora esse aqui não seja bem pra você. Vai entender quando abrir. E procura o próximo"
depositou o bilhete na cama e tirou os papéis que cobriam o tal presente. Assim que viu o que tinha na caixa, riu. Era a cara de fazer coisas daquele tipo.
Sob aquele bocado de papel havia, nada mais, nada menos, que uma calcinha e um sutiã, vermelhos. Ele riu porque entendeu perfeitamente o sentido daquilo tudo: Do presente, da cor, do lugar.
Da segunda vez que foram para a cama, tinha sido ali, naquele quarto. recordava-se como se fosse ontem. Ela estava de férias da faculdade e ele o mesmo. Então decidiu viajar para vê-lo e passaria alguns dias naquele apartamento. Numa determinada noite, os dois foram para uma festa, juntos, e beberam um pouco, não ao ponto de ficarem bêbados, só ao ponto de deixarem a vergonha de lado e se jogarem um para o outro, sem pudor algum. Afinal, eles já tinham transado uma outra vez, no ano novo, e precisavam só de um empurrãozinho para acontecer de novo, afinal, qual é, era nítido: Os dois queriam. E quando eles foram embora — de taxi, porque ambos sabiam que não estavam em condições de dirigir. — não tiveram tempo de mais nada. No elevador já se jogou contra a garota, que respondeu no mesmo tom. Quando foram em direção ao apartamento, era difícil não fazerem barulho. Era por volta das duas da manhã, estava tudo silencioso e eles se jogavam contra a parede. Em uma delas, achou que não aguentaria chegar ao apartamento, pois seu desejo o consumia. Jogara-a contra a parede e colocara as duas pernas de em volta da sua cintura, prendendo-a ainda mais. Passava suas mãos pela cintura da garota e já brincava com o fecho do sutiã dela quando algum vizinho destracava a porta para ver de onde aquele barulho estava vindo. Os dois, mais que depressa, correram em direção ao apartamento, que não estava muito longe e entraram. Assim que os dois se encontravam do lado de dentro da porta, jogou contra o objeto, colocando novamente as pernas dela em volta da sua cintura, beijando-a na boca e no pescoço. Quando ele a desencostou, colocou suas mãos nas costas dela e foram em direção ao quarto.
A porta fora trancada.
deixou na cama e foi pra cima dela, puxando para cima o vestido que ela usava. Lembrava-se bem de vê-la de sutiã e calcinha, os dois da cor vermelha e aquilo só o deixou a desejando mais. Vê-la só de roupa íntima era ótimo, mas vê-la sem nada, com certeza, foi muito melhor para .
Ele sabia que aquelas eram as roupas íntimas favoritas da garota, bem daquela cor. E ele sabia também o porquê de ela ter os mandado, além daquela noite: também adorava ver ela com aquele conjunto. Era extremamente desejável.
Olhando o que havia dentro daquela caixa, um desejo tomou conta de si novamente. Quando deu por conta, percebeu que estava tendo pensamento impróprios e riu. Aquela não era a hora e ele não poderia tardar a procurar o outro presente, então levantou-se e foi em direção ao banheiro, e viu uma mensagem no espelho escrita com batom vermelho que antes não estava ali.
"Olhe a roupa e não conte a ninguém"
De imediato, o rapaz não entendeu exatamente o que o "não conte a ninguém" queria dizer se ele fosse olhar a roupa, mas logo depois compreendeu.
Foi em disparada à área de serviço e começou a revirar tudo o que tinha ali, a procura de algo que ele sabia o que era. E quando ele achou, no meio de roupas já limpas e secas, sorriu.
Ali tinha um livro, "Não Conte A Ninguém", do autor preferido de . O rapaz sorrira abertamente e começou a folhear o livro, quando notou um bilhete em uma das páginas.
"Ver tv é bom, não é? Ainda mais se for com você."
Ele saiu em disparada para a sala a procura do próximo presente. Olhou no sofá e atrás dele, na mesa de centro, no raque e achou uma pequena caixinha atrás de um porta retratos, onde havia uma foto dele com ela. Em cima havia um pequeno bilhete.
"Não são as verdadeiras, mas você vai entender."
Quando abriu a caixinha, viu que ali dentro tinha dois aneis de prata. Não era aliança, ele sabia, mas era algo para simbolizar uma, sabia que gostava disso. Sabia que ela não ligava para uma aliança cara, ela só queria que eles tivessem dois anéis iguais, isso era o suficiente.
Ele sorriu ainda mais.
Assim que pegava o bilhete para ler de novo, seu celular começou a tocar.
— Você é impossível, sabia? — Ele disse entre uma risada.
— Vou levar isso como um elogio, tá? — ela riu.
— É pra levar. — Ele riu. — Aonde você está?
nem terminou a frase quando sua campainha tocou. Ele tinha esquecido que havia combinado com um amigo de saírem pra jantar aquela noite. O rapaz suspirou pesado.
— Eu ouvi a campainha? Atende.
— Tá, mas aonde você está? — perguntou novamente girando a maçaneta e abrindo a porta.
— Bem aqui, bobo. — disse, com o celular no ouvido enquanto ele a via sem acreditar.
Ela o olhou nos olhos e logo em seguida sorriu. Nesse momento se lembrou de ter lido uma pesquisa realizada recentemente que dizia que se você olhar uma pessoa diretamente nos olhos e depois sorrir, aumenta o desejo da pessoa que foi olhada em oito vezes.
E, naquele instante, comprovou a veracidade da pesquisa.
— Sabe, eu estou realmente cansada — começou. — de ter que ficar viajando para te ver toda vez que sentir saudade. Meu trabalho paga bem, mas não tem bolso que aguente. — Ela disse rindo e sabia que estava brincando. — Mas você sabe. Se for preciso eu gasto um milhão de reais contigo. Mas estou cansada mesmo de viajar toda hora.
— E o que você pretende fazer?
— O que minha agência fez, é a pergunta certa. Eu pedi transferência. Agora eu trabalho aqui em Florianópolis.
a olhou nos olhos sem acreditar. Sorriu logo em seguida. Naquele instante comprovara também que a tal pesquisa estava realmente certa.
— Tá brincando?
— Nunca. — Ela sorriu ainda mais. — Mas olha, tenho algo pra te dizer também. — ficara séria. — Eu estou realmente apaixonada por você e nada do que você diga ou faça vai mudar isso. E somos certo um para o outro, isso já concordamos há cinco anos. Mas tínhamos que esperar, por algum motivo nós tínhamos. E você me disse uma vez que eu saberia, que eu sentiria quando fosse a hora, quando estivéssemos prontos para ficarmos juntos. E, definitivamente, meu menino, eu tô sentindo isso agora. Eu tô sabendo disso agora. Agora é a hora.
ficou perplexo, sem saber o que dizer. Ele sabia que também sentiria o momento certo de ficarem juntos, mas, honestamente, ele não havia pensado tanto no assunto de estar pronto agora, embora pensasse nela em todos os momentos.
Mas, agora, parando para pensar, sabia.
sentia.
Era a hora.
Era agora.
E com o sorriso que ele deu, compreendeu tudo: Ele sentia que era o momento certo também. E jogou-se para frente, beijando-o incansavelmente.
Ele a tomou nos braços se sentindo o cara mais sortudo do mundo. E ali, naquele momento, começaria a vida que ele sempre sonhou pra ele.
Que sempre sonhou para ambos.
"Me disseram que você estava chorando, e foi então que eu percebi como lhe quero tanto"
"mas se tem alguém que eu vejo lá na frente comigo, é você. E se algum dia me colocarem na parede, eu vou te escolher"
"E eu sei que você sabe quase sem querer, que eu quero mesmo que você"